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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ HANNA CAROLINE FRANCO NASCIMENTO DA (IN) ADMISSIBILIDADE DA TEORIA DA ACTIO LIBERA IN CAUSA NOS CRIMES DE EMBRIAGUEZ NÃO ACIDENTAL São José 2015

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

HANNA CAROLINE FRANCO NASCIMENTO

DA (IN) ADMISSIBILIDADE DA TEORIA DA ACTIO LIBERA IN CAUSA NOS

CRIMES DE EMBRIAGUEZ NÃO ACIDENTAL

São José

2015

HANNA CAROLINE FRANCO NASCIMENTO

DA (IN) ADMISSIBILIDADE DA TEORIA DA ACTIO LIBERA IN CAUSA NOS

CRIMES DE EMBRIAGUEZ NÃO ACIDENTAL

Monografia apresentada como

requisito parcial para a

obtenção do título de Bacharel,

na Universidade do Vale de

Itajaí, Centro de Ciências

Sociais e Jurídicas.

Orientador: Prof. Esp. Gustavo

Holz

São José

2015

HANNA CAROLINE FRANCO NASCIMENTO

DA (IN) ADMISSIBILIDADE DA TEORIA DA ACTIO LIBERA IN CAUSA NOS

CRIMES DE EMBRIAGUEZ NÃO ACIDENTAL

Esta Monografia foi julgada adequada para a obtenção do título de bacharel e

aprovada pelo Curso de Direito, da Universidade do Vale do Itajaí, Centro de

Ciências Sociais e Jurídicas.

Área de concentração: Direito Penal.

São José, 17 de junho de 2015.

Prof. Esp. Gustavo Holz

UNIVALI – Campus Kobrasol

Orientador

Prof. MSc. Rodrigo Mioto dos Santos

UNIVALI – Campus Kobrasol

Membro 1

Prof. MSc. Fernanda Martins

UNIVALI – Campus Kobrasol

Membro 2

À minha mãe, Silvana, e à minha avó, Maria Diva,

que me possibilitaram chegar até aqui.

As virtudes, adquirimo-las

através de uma atividade precedente,

tornamo-nos justos praticando a justiça,

temperantes observando a temperança,

corajosos exercitando a coragem.

Pois as ações que exercemos em uma

certa direção, fizeram de nós aquilo que somos.

Aristóteles, Ética e Nicômaco

TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte

ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do

Itajaí, a Coordenação do Curso de Direito em Ciência Jurídica, a Banca

Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

São José, 5 de junho de 2015.

Hanna Caroline Franco Nascimento

RESUMO

Para que haja imputabilidade penal deve o agente, dentro de sua condição de normalidade e maturidade psíquica, ser capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de autodeterminar-se segundo esse entendimento. Ausente um desses requisitos reconhece-se a inimputabilidade. Esta é a regra estabelecida pelo Direito Penal, que torna a imputabilidade pressuposto da culpabilidade. Tal orientação impõe que somente será responsabilizado penalmente aquele que, no momento da ação ou omissão, praticou o crime dotado de consciência e vontade. É o que acontece nas hipóteses de embriaguez proveniente de caso fortuito ou força maior, nas quais o Código Penal isenta o sujeito de pena. Contudo, para justificar a punibilidade nas condutas criminosas em que se identifica embriaguez preordenada, voluntária ou culposa, a legislação encontrou respaldo na chamada teoria da actio libera in causa: são casos de conduta livremente desejada, mas cometida no instante em que o indivíduo encontrava-se em situação de inimputabilidade. As ações livres em sua causa deslocam o dolo e a culpa para a vontade anterior ao estado etílico completo. Não se nega que a teoria possui plena aplicação na embriaguez preordenada, pois nesta a intenção do sujeito antes de embriagar-se era justamente a de praticar o fato delituoso; todavia, em se tratando de embriaguez não acidental, onde inexistente, durante a fase de imputabilidade, qualquer evidência de previsibilidade do delito que se segue, não há como se admitir a solução apontada pelos partidários da teoria trabalhada, uma vez que se configura a responsabilização penal objetiva, punindo o agente pela mera provocação do evento. Ressalta-se que o presente estudo utilizou-se do método dedutivo para chegar a determinada conclusão.

Palavras-chave: Culpabilidade. Imputabilidade. Embriaguez. Actio libera in causa. Responsabilidade penal.

ABSTRACT

To be criminal imputability must the agent, within his normal condition and psychic mature, be able to understand the illicit character of the fact or to self-determine according this understanding. The absence of one of these requisites acknowledges unimputability. This is the rule established by Criminal Law, which makes the imputability a presuppotion for culpability. Such orientation imposes that will only be criminal responsible that one that, at the moment of the action or omission, practiced the crime with conscious and will. It is what happens on hypothesis of incidental or force majeure inebriety, which the Penal Code exempt the subject from punishment. However, to justify the punibility on criminal conducts which is identified pre ordained inebriety, spontaneous or fault, legislation found support on the theory called actio libera in causa: cases with freely desired conduct, but committed when the individual founded himself in situation of unimputability. The free actions in its cause dislocate the intention and the fault to the will before the complete ethyl state. It is not denied that the theory has full application on pre ordained inebriety, where the intention of the subject before inebriating himself was precisely to practice the criminal fact; however, when it comes about non-incidental inebriation, where absent, during the imputability fase, any evidence of predictability of the following delict, there is now way to admit the solution pointed by the defenders of the mentioned theory, once it configures a objective criminal responsabilization, punishing the agent by the mere provocation of the event. It highlights that the present study used the deductive method to reach the determined conclusion.

Keywords: Culpability. Imputability. Inebriation. Actio libera in causa. Criminal responsabilizaion.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 10 1 A TRANSFORMAÇÃO DO CONCEITO DE CULPABILIDADE .............................. 12

1.1 ANTECEDENTES DAS MODERNAS TEORIAS DA CULPABILIDADE ........... 12 1.2 A EVOLUÇÃO DOGMÁTICA DA CULPABILIDADE ......................................... 13

1.2.1 Teoria psicológica ................................................................................... 13 1.2.2 Teoria psicológica normativa ou normativa complexa ........................ 15 1.2.3 Teoria normativa pura ou finalista ......................................................... 17

1.3 OS PRESSUPOSTOS DA CULPABILIDADE .................................................. 20 1.3.1 Imputabilidade ......................................................................................... 20 1.3.2 Potencial consciência da ilicitude ......................................................... 24 1.3.3 Exigibilidade de conduta diversa ........................................................... 26

1.4 CAUSAS DE EXCLUSÃO DA IMPUTABILIDADE ........................................... 27 1.4.1 Menoridade penal .................................................................................... 27 1.4.2 Doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado ........................................................................................................................... 28 1.4.3 Embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior . 29

2 A PROBLEMÁTICA DA EMBRIAGUEZ NA LEGISLAÇÃO PENAL BRASILEIRA .. 30 2.1 NOÇÕES GERAIS E CONCEITUAIS DE EMBRIAGUEZ ............................... 30 2.2 FASES DA EMBRIAGUEZ ............................................................................... 32

2.2.1 Fase da excitação .................................................................................... 34 2.2.2 Fase da confusão .................................................................................... 34 2.2.3 Fase comatosa ........................................................................................ 34

2.3 MODALIDADES DA EMBRIAGUEZ E SUAS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICO-PENAIS.................................................................................................................. 35

2.3.1 Acidental .................................................................................................. 35 2.3.2 Não acidental ........................................................................................... 37 2.3.3 Patológica ................................................................................................ 38 2.3.4 Habitual .................................................................................................... 39 2.3.5 Preordenada ............................................................................................ 40

2.4 A EMBRIAGUEZ NOS CÓDIGOS PENAIS BRASILEIROS ............................. 42 3 A TEORIA DA ACTIO LIBERA IN CAUSA E SUA APLICABILIDADE NA EMBRIAGUEZ ........................................................................................................... 45

3.1 ORIGEM HISTÓRICA ...................................................................................... 45 3.2 ESTRUTURA DA ACTIO LIBERA IN CAUSA .................................................. 47

3.2.1 Conceito ................................................................................................... 47 3.2.2 Momentos ................................................................................................ 48 3.2.3 Nexo causal ............................................................................................. 49 3.2.4 Fundamento da punibilidade.................................................................. 50

3.3 DA ACTIO LIBERA IN CAUSA EM OUTRAS LEGISLAÇÕES ........................ 55 3.3.1 Itália .......................................................................................................... 55 3.3.2 Alemanha ................................................................................................. 56 3.3.3 Portugal .................................................................................................... 56 3.3.4 Espanha ................................................................................................... 57

3.4 CRÍTICA À TEORIA ......................................................................................... 57 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 61 REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS ................................................................. 63

10

INTRODUÇÃO

Esta monografia versará sobre a discussão acerca da aplicabilidade da teoria

da actio libera in causa aos delitos cometidos sob o estado de embriaguez, mais

precisamente na modalidade não acidental. O tema possui grande relevância para o

mundo jurídico, pois é com base na teoria que poderá ser atribuída responsabilidade

penal ao agente que se encontra embriagado no instante da realização do fato

criminoso.

A supressão transitória da capacidade psíquica em decorrência dos efeitos da

substância tóxica implica a necessidade de se averiguar a condição de

imputabilidade do sujeito na fase em que este apresentou a conduta causadora de

um resultado lesivo. Em outras palavras, é de suma importância determinar se ao

tempo da ação ou omissão possuía o agente capacidade de compreender a ilicitude

do fato e de agir de acordo com esse entendimento.

É neste momento que a punibilidade fundamenta-se nas actiones liberae in

causa: a conduta, ainda que realizada em estado de inimputabilidade, originou-se de

um ato de livre-arbítrio do sujeito, o qual será responsabilizado, independentemente

de ter agido com dolo ou culpa em relação ao evento superveniente. Esta é a

orientação adotada pelo artigo 28, II, do Código Penal.

Em contrapartida, a grande maioria da moderna doutrina não aceita a

aplicação da teoria à embriaguez completa, voluntária ou culposa e não

preordenada, na qual o sujeito não poderia prever, no momento da verificação da

imputabilidade, a prática do crime. Admitir a apenação embasada no mero nexo de

causalidade material seria recair na responsabilidade penal objetiva, erradicada no

direito penal contemporâneo.

Diante da problemática, a pesquisa tenta resolver as seguintes indagações: o

delito praticado em situação de embriaguez completa e não acidental é capaz de

gerar punição legítima por parte do Estado? Não seria o mencionado artigo do

Código Penal uma hipótese de responsabilidade penal objetiva? E por fim, há como

solucionar as dificuldades suscitadas pela embriaguez sem deixar de se ater à

preservação dos princípios norteadores da dogmática penal, especialmente o da

culpabilidade?

Para tal desiderato, utilizou-se do método dedutivo e da técnica de pesquisa

11

concernente à documentação indireta. Ademais, optou-se por decompor o trabalho

em três capítulos diversos, ligados entre si, de modo a servir de suporte para o tema

exposto.

Principia-se, no primeiro capítulo, com o desenvolvimento histórico das teorias

da culpabilidade e de seu conceito, que culminará na concepção finalista. Com base

na definição adotada, serão analisados os elementos que compõem a culpabilidade:

imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa.

Por ocasião do final do primeiro capítulo, demonstrar-se-á as causas de

exclusão da culpabilidade, quais sejam, menoridade penal, doença mental ou

desenvolvimento mental incompleto ou retardado e embriaguez completa,

proveniente de caso fortuito ou força maior. A embriaguez será detalhada no

decorrer do próximo capítulo.

Por sua vez, o segundo capítulo abordará especificamente o estudo sobre a

embriaguez, bem como o tratamento por ela recebido pela legislação penal

brasileira. Inicialmente, trará as noções gerais e conceituais acerca da matéria, tanto

do ponto de vista médico-legal como do jurídico. Na sequência, serão descritas as

fases e as modalidades de embriaguez, destacando-se ainda suas consequências

penais.

Encerrando a segunda parte do trabalho, será realizada uma exposição

cronológica para delinear o tratamento ofertado à embriaguez nos Códigos Penais

vigentes no Brasil até a os dias atuais.

Por derradeiro, o terceiro capítulo dedica-se a apreciação da teoria da actio

libera in causa nos crimes de embriaguez, onde se conhecerá suas características e

as posições lançadas pelos doutrinadores que a defendem. Após essa explanação,

adentra-se na recepção das actiones liberae no sistema do Código Penal.

Finalmente, passa-se então à análise das críticas em torno de sua aplicação.

O relatório de pesquisa encerra-se com as considerações finais, nas quais

serão apresentadas as respostas às hipóteses suscitadas.

12

1 A TRANSFORMAÇÃO DO CONCEITO DE CULPABILIDADE

1.1 ANTECEDENTES DAS MODERNAS TEORIAS DA CULPABILIDADE

A base de toda reação jurídico-penal e o objeto ao qual se integram

determinados predicados – tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade, é a conduta

humana1. É sobre o ato voluntário, ou seja, desejado pelo agente, que se constrói o

delito; por sua vez, a vontade sempre implica uma finalidade, vale dizer, dirigida

impreterivelmente a um resultado. Logo, para a teoria da actio libera in causa, cujo

estudo aprofundado reserva-se aos capítulos posteriores deste trabalho, a conduta

adquire especial importância, visto que “quando há inconsciência não há vontade e,

portanto, não há conduta”2.

A história do Direito Penal revela que desde os tempos primitivos, para que se

caracterizasse uma conduta delituosa e, por conseguinte, se pudesse aplicar uma

sanção, era suficiente que entre o comportamento humano e o resultado houvesse

apenas um nexo causal, como explica Aníbal Bruno:

As condições da pena sacral e da vingança de sangue satisfaziam-se com o aspecto objetivo do fato punível. Bastava a relação de causalidade física, que prende o fato como efeito ao homem como a sua causa, para determinar a responsabilidade. A pena recaía, então, sobre aquele que praticara o ato, fosse este voluntário ou não, existissem ou não as condições de imputabilidade, o que juntava na mesma categoria de passíveis de pena os sãos e os insanos ou imaturos penais.3

Segundo Zaffaroni e Pierangeli, “a imputação da produção de um resultado,

fundada na causação dele, é o que se chama responsabilidade objetiva”4, a qual

pune indistintamente o agente, ainda que agindo com ausência de dolo ou culpa. No

mesmo sentido, Romeu Falconi esclarece que “a responsabilidade objetiva

representa a imposição de sanção penal àquele que, em momento algum, pretendeu

o resultado a ser punido”5.

1 MUÑOZ CONDE, Francisco. Teoria geral do delito. Tradução de: Juarez Tavares e Luiz Regis

Prado. Porto Alegre: Fabris, 1988. p. 9. 2 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro:

parte geral. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. v. 1. p. 394. 3 BRUNO, Aníbal. Direito penal: parte geral, fato punível. 5. ed. t. II. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

p. 13-14. 4 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro:

parte geral. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. v. 1. p. 470. 5 FALCONI, Romeu. Direito penal: temas oncológicos. São Paulo: Ícone, 2003. p. 130.

13

Com o passar dos séculos e o consequente aprimoramento da cultura,

percebeu-se a existência de importantes elementos que desempenhavam efetiva

relevância na conduta humana, como a faculdade que possui o homem de antever

os acontecimentos (previsibilidade do fato), impedi-los (evitabilidade), ou ainda de ter

a vontade ou não de possibilitá-los (voluntariedade)6. A partir de então, começa a ser

desenvolvida a ideia de culpabilidade, como bem assevera Francisco de Assis

Toledo:

Não se pode apontar com exatidão o momento histórico em que tal fenômeno ocorreu, mesmo porque a história do direito penal está marcada de retrocessos. Fora de dúvida, porém, é que, a partir de então, se começa a construir a noção de culpabilidade, com a introdução, na idéia de crime, de alguns elementos psíquicos, ou anímicos – a previsibilidade e a voluntariedade – como condição da aplicação da pena criminal – nullum crimen sine culpa.7

No que concerne à evolução da culpabilidade, verifica-se que a sua

compreensão guarda ligação direta com o avanço do próprio Direito Penal. Isso

porque as teorias que se desenvolveram em torno desse instituto penal (psicológica,

psicológica normativa e normativa pura) transformaram-se juntamente com os

conceitos de ação e de delito, como se verá a seguir.

1.2 A EVOLUÇÃO DOGMÁTICA DA CULPABILIDADE

1.2.1 Teoria psicológica

A teoria psicológica surge como fruto do naturalismo-causalista8 desenvolvido

por Franz Von Liszt e Beling, modelo predominante no final do século XIX.

Intimamente atrelada à definição da teoria causalista da ação, Zaffaroni e Pierangeli

afirmam que a culpabilidade era compreendida basicamente como a “[...] descrição

de algo, concretamente, de uma relação psicológica, mas não contém qualquer

6 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal: de acordo com a lei n. 7.209,

de 11-7-1984 e com a Constituição Federal de 1988. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 219. 7 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal: de acordo com a lei n. 7.209,

de 11-7-1984 e com a Constituição Federal de 1988. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 219. 8 O sistema causal-naturalista, também conhecido como teoria clássica, refletia a situação dogmática

na Alemanha por volta de 1900. Franz von Liszt dizia que a ação era a produção, com base em uma vontade humana, de uma modificação no mundo exterior. Essa definição sofreu inúmeras críticas, uma vez que o conceito de ação por ela proposto, ainda que conseguisse esclarecer a ação em sentido estrito, não alcançou a problemática da omissão. (GRECO, Rogério. Código penal: comentado. 8. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2014. p. 35-36).

14

elemento normativo, nada de valorativo, e sim a pura descrição de uma relação”9.

Ainda, sobre o conceito da teoria psicológica, Francisco de Assis Toledo

explica que a “culpabilidade é uma ligação de natureza anímica, psíquica, entre o

agente e o fato criminoso”10.

Outrossim, Aníbal Bruno comenta que

Esta concepção viu na culpabilidade, isto é, nesse elemento que introduz o agente na estrutura do crime, o que nela era mais fácil de apreender: o momento psicológico pelo qual o agente se faz realmente autor do fato punível. Para ela, a culpabilidade é uma situação interior, fase subjetiva do crime – vontade consciente dirigida no sentido do ato criminoso, ou simples falta ao dever de diligência, de que provém um resultado previsível de dano ou de perigo.11

A culpabilidade era formada pelo dolo ou pela culpa, que são suas espécies,

uma vez que não apresentava nenhum outro elemento constitutivo12, ou seja, nada

mais é do que uma concepção genérica abrangendo os dois conceitos específicos.

Importante salientar que a teoria psicológica recepcionava a imputabilidade

como seu pressuposto13: para que houvesse a devida caracterização do vínculo

psicológico, fazia-se necessário que o sujeito tivesse capacidade de entender o

caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Luiz Flávio Gomes explana sobre a teoria psicológica da culpabilidade da

seguinte forma:

Adotava-se, no tempo do causalismo, a teoria psicológica da culpabilidade, que a conceituava como o vínculo existente entre o agente e seu delito, que se dava ou pelo dolo ou pela culpa. Dolo e culpa faziam parte da culpabilidade. Como dolo e culpa constituem a razão de ser do princípio da responsabilidade subjetiva, não há como deixar de concluir que, no tempo do causalismo, confundia-se esse tipo de responsabilidade com a culpabilidade. Dela fazem parte a imputabilidade, o dolo e a culpa.14

Não obstante seu surgimento representar um grande marco na história do

9 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro:

parte geral. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. v. 1. p. 541. 10

TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal: de acordo com a lei n. 7.209, de 11-7-1984 e com a Constituição Federal de 1988. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 219.

11 BRUNO, Aníbal. Direito penal: parte geral, fato punível. 5. ed. t. II. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

p. 15. 12

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 21. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015. v. 1. p. 442.

13 PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Érika Mendes de; CARVALHO, Gisele Mendes de. Curso de

direito penal brasileiro. 13. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 347. 14

GOMES, Luiz Flávio; MOLINA, Antonio García-Pablos de; BIANCHINI, Alice. Direito penal: introdução e princípios fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. v. 1. p. 535.

15

Direito Penal, a teoria psicológica sofreu duras críticas que apontaram

incongruências à conceituação da culpabilidade, como não ordenar

sistematicamente a imputabilidade, visto que ora era requisito do dolo e da culpa,

ora requisito da pena, e não se adequar ao fenômeno da culpa consciente, onde

inexiste qualquer relação psicológica entre autor e resultado15.

Contudo, a maior dificuldade da teoria psicológica foi, efetivamente, reunir em

sua essência dois elementos antagônicos que se contrariam em um mesmo plano –

dolo, quando há intenção de produzir o fato, e culpa, em stricto sensu, quando há a

previsibilidade, sem a voluntariedade do resultado danoso16. Nesse caminho,

pondera Damásio de Jesus:

O erro dessa doutrina consiste em reunir como espécies fenômenos completamente diferentes: dolo e culpa. Se o dolo é caracterizado pelo querer e a culpa pelo não querer, conceitos positivo e negativo, não podem ser espécies de um denominador comum, qual seja, a culpabilidade.17

Dessa feita, porque a teoria psicológica não foi suficiente para conceituar a

culpabilidade em sua integralidade, face às suas contradições, surgiu a teoria

psicológico-normativa.

1.2.2 Teoria psicológica normativa ou normativa complexa

No momento em que a doutrina percebeu a falta de liame normativo entre

dolo e culpa, Reinhard von Frank, em 1907, com base no que dispõe o artigo 54 do

Código Penal alemão, que versava sobre o estado de necessidade inculpável,

percebeu que existem condutas dolosas não culpáveis, quando, ante a

inexigibilidade de outro comportamento, não se tornam reprováveis18. Assim, diante

das lacunas deixadas pela teoria psicológica, o autor propôs a teoria psicológico-

normativa, onde a culpabilidade, além de abranger dolo e culpa, começou a

contemplar o juízo de reprovabilidade19 como elemento normativo.

Na precisa lição de Cezar Roberto Bitencourt, “Frank foi o primeiro a advertir

15

PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Érika Mendes de; CARVALHO, Gisele Mendes de. Curso de direito penal brasileiro. 13. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 347.

16 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal: de acordo com a lei n. 7.209,

de 11-7-1984 e com a Constituição Federal de 1988. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 219. 17

JESUS, Damásio de. Direito penal: parte geral. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. v. 1. p. 504. 18

JESUS, Damásio de. Direito penal: parte geral. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. v. 1. p. 504. 19

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. v. 1. p. 542.

16

que o momento psicológico que se exprime no dolo ou na culpa não esgota todo o

conteúdo da culpabilidade, que também precisa ser censurável”20.

Para Frank, a culpabilidade é um conceito formado de elementos

heterogêneos: a imputabilidade, o vínculo psicológico (dolo e culpa), bem como a

normalidade das circunstâncias que obriga o sujeito a omitir a ação21.

A ele se seguiu James Goldschmidt, outro penalista que apresentou grandes

contribuições ao desenvolvimento da teoria psicológica normativa, dentre as quais

se destaca a afirmação de que a culpabilidade não é mera relação psíquica, mas sim

uma valoração do próprio fato típico22. Bitencourt acrescenta que “Goldschmidt

afasta os elementos fáticos da culpabilidade, reduzindo-a a juízo de contrariedade

ao dever”23.

Ao seu lado, Berthold Freudenthal colaborou substancialmente para o

aprimoramento da teoria normativa, afirmando que era a exigibilidade da conduta o

componente chave que distinguia a culpabilidade da sua não aplicação. Nas exatas

palavras de Luiz Regis Prado: “[...] a reprovabilidade da conduta depende da

possibilidade de exigir-se do agente comportamento diverso do previsto na norma –

o poder atuar de outro modo”24. Destarte, a exigibilidade se estabelece através da

valoração ético-social que, por via de consequência, liberta a justiça dos formalismos

legais25.

Por fim, Mezger, dando ênfase aos aspectos normativos, conferiu os

contornos definitivos à teoria, sintetizando a culpabilidade como “[...] o conjunto dos

pressupostos da pena que fundamentam, diante do autor, a reprovabilidade pessoal

da conduta antijurídica”, e conclui sua linha de pensamento mencionando que “a

ação aparece, por isso, como expressão juridicamente desaprovada da

personalidade do agente”26.

20

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 21. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015. v. 1. p. 444.

21 REALE JÚNIOR, Miguel. Teoria do delito. 2. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p.

132. 22

PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Érika Mendes de; CARVALHO, Gisele Mendes de. Curso de direito penal brasileiro. 13. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 348.

23 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 21. ed. rev. ampl. e atual.

São Paulo: Saraiva, 2015. v. 1. p. 445. 24

PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Érika Mendes de; CARVALHO, Gisele Mendes de. Curso de direito penal brasileiro. 13. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 349.

25 REALE JÚNIOR, Miguel. Teoria do delito. 2. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p.

136. 26

PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Érika Mendes de; CARVALHO, Gisele Mendes de. Curso de direito penal brasileiro. 13. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 349.

17

Portanto, para se reconhecer a culpabilidade do ponto de vista psicológico-

normativo, devem estar presentes não só a imputabilidade – que confere ao agente

capacidade para sofrer a imputação jurídica do seu comportamento, o dolo ou a

culpa, senão também a exigibilidade, nas circunstâncias, de uma conduta conforme

o dever27.

Constata-se ainda que, na estrutura normativa, o dolo e a culpa em sentido

estrito deixam de ser considerados como modalidades e se tornam elementos da

própria culpabilidade, passando então a ser constituída por um conjunto de

requisitos psicológicos e normativos28.

Todavia, esta concepção também não se mostrou satisfatória às exigências

do Direito Penal, uma vez que, de acordo com a teoria, o dolo é considerado como

condição da culpabilidade, quando na verdade deveria ser conduta desta, como bem

anota Damásio de Jesus:

Ora, se a culpabilidade é um fenômeno normativo, seus elementos devem ser normativos. O dolo, porém, apresentado por essa teoria como elemento da culpabilidade, não é normativo, mas psicológico. Segundo um provérbio alemão, a culpabilidade não está na cabeça do réu, mas na do juiz; o dolo, pelo contrário, está na cabeça do réu. Assim, o dolo não pode manifestar um juízo de valoração; ele é objeto desse juízo.29

Devido aos problemas enfrentados pela teoria psicológico-normativa, a

doutrina passou a desenvolver um conceito normativo puro de culpabilidade, nosso

próximo objeto de estudo.

1.2.3 Teoria normativa pura ou finalista

Foi com a corrente finalista da ação30 defendida por Hans Welzel que a

culpabilidade assumiu seu caráter normativo no sentido mais puro, isto é, passou a

27

BRUNO, Aníbal. Direito penal: parte geral, fato punível. 5. ed. t. II. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 19.

28 GOMES, Luiz Flávio; MOLINA, Antonio García-Pablos de; BIANCHINI, Alice. Direito penal:

introdução e princípios fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. v. 1. p. 535. 29

JESUS, Damásio de. Direito penal: parte geral. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. v. 1. p. 505. 30

A teoria finalista da ação, que tem em Welzel o seu mais extremado criador e precursor, com fundamento nas ideias filosóficas de Honigswald e Nikolai Hartmann, constituiu-se na reação lógica contra os errôneos postulados das doutrinas causais da ação, produzindo efeitos na estrutura do tipo, da ilicitude e da culpabilidade. Esta teoria afirma que a ação humana é o exercício da atividade finalista e, por conseguinte, o homem, porque pode prever as consequências de sua conduta, tem condições de dirigir sua atividade no sentido de produzir determinados efeitos, contrariamente à causalidade. (JESUS, Damásio de. Direito penal: parte geral. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. v. 1. p. 273-274).

18

ser genuinamente juízo de reprovação ao agente do fato punível31. Fernando Capez

adiciona que “Welzel observou que o dolo não pode permanecer dentro do juízo de

culpabilidade, deixando a ação humana sem o seu elemento característico,

fundamental, que é a intencionalidade, o finalismo”32.

Nesses termos, Francisco de Assis Toledo sustenta que com estas

modificações “[...] permitimos que o juízo de culpabilidade possa, retornando a suas

autênticas origens, ocupar-se verdadeiramente com a evitabilidade ou a

inevitabilidade do fato praticado”33.

Ademais, acerca do juízo de valoração, leciona Luiz Regis Prado34:

Nessa perspectiva, excluem-se do conceito de culpabilidade a maioria dos elementos subjetivos, anímicos ou psicológicos, – integrantes do tipo injusto –, conservando-se fundamentalmente o critério da censurabilidade ou reprovabilidade (elemento valorativo).

Ressalta-se que a concepção normativa pura transferiu o dolo e a culpa para

o tipo penal, enquanto que os elementos normativos formaram a culpabilidade35,

consoante ensina Bitencourt:

As consequências que a teoria finalista da ação trouxe consigo para a culpabilidade são inúmeras. Assim, a separação do tipo penal em tipos dolosos e tipos culposos o dolo e a culpa, não mais considerados como espécies (teoria psicológica) ou elementos da culpabilidade (teoria psicológico-normativa), mas como integrantes da ação e do injusto pessoal, constituem o exemplo mais significativo de uma nova direção no estudo do Direito Penal, num plano geral, e a adoção de um novo conteúdo para a culpabilidade, em particular.36

O mesmo autor explica que, em consequência, a imputabilidade, a

possibilidade de conhecimento da ilicitude do fato – que se destacou do dolo,

deixando de ser consciência atual, e a exigibilidade de obediência ao direito passam

a ser os elementos que integram a culpabilidade37.

A despeito de sua enorme colaboração no desenvolvimento do conceito de

31

GOMES, Luiz Flávio; MOLINA, Antonio García-Pablos de; BIANCHINI, Alice. Direito penal: introdução e princípios fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. v. 1. p. 535-536.

32 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. v. 1. p.

325. 33

TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal: de acordo com a lei n. 7.209, de 11-7-1984 e com a Constituição Federal de 1988. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 232.

34 PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Érika Mendes de; CARVALHO, Gisele Mendes de. Curso de

direito penal brasileiro. 13. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 350. 35

MIRABETE, Julio Fabbrini; FABRIRNI, Renato N. Manual de direito penal: parte geral. 29. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2013. v. 1. p. 182.

36 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 21. ed. rev. ampl. e atual.

São Paulo: Saraiva, 2015. v. 1. p. 449. 37

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 21. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015. v. 1. p. 450.

19

culpabilidade, a tese defendida por Welzel, fruto de uma longa evolução doutrinária,

vem enfrentando uma fase de crise ante o seu fundamento ontológico, contudo, não

se pode olvidar que a teoria normativa pura foi, e ainda é, a solução de várias

questões suscitadas no âmbito penal.

Existem ainda duas concepções derivadas da teoria normativa pura da

culpabilidade que divergem no entendimento das descriminantes putativas, vejamos.

1.2.3.1 Teoria estrita ou extremada

Representada pelos finalistas Welzel e Maurach, a teoria extrema determina

que toda espécie de descriminante putativa será tratada como erro de proibição, seja

sobre os limites autorizadores da norma (erro de proibição), seja incidente sobre

situação fática pressuposto de uma causa de justificação (erro de tipo)38. Mesmo

nestes casos não se exclui o dolo, sendo possível a absolvição do agente na

hipótese de ser inevitável a ignorância da ilicitude39.

1.2.3.2 Teoria limitada

Diferentemente da anterior, para a teoria limitada da culpabilidade, “[...] as

descriminantes putativas constituem-se em erro de tipo permissivo e excluem o

dolo”40. Ela traz distinções entre erro de tipo – o qual recai sobre uma situação de

fato, e erro de proibição, que incide sobre a existência de uma causa de justificação.

De acordo com Luiz Regis Prado, a teoria limitada da culpabilidade

[...] opera uma distinção entre erro de proibição direto e indireto, ocorrendo este último quando incidente, em certa vertente, sobre uma justificante. Dessa maneira, a teoria limitada estabelece uma solução diferenciada no tratamento do erro que versa sobre uma causa de justificação (descriminante putativa).41

Esta é a teoria adotada pelo Código Penal brasileiro, que prevê em seu artigo

20, §1º as descriminantes putativas fáticas, tratadas como erro de tipo, enquanto

38

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. v. 1. p. 326.

39 JESUS, Damásio de. Direito penal: parte geral. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. v. 1. p. 509.

40 MIRABETE, Julio Fabbrini; FABRIRNI, Renato N. Manual de direito penal: parte geral. 29. ed. rev.

e atual. São Paulo: Atlas, 2013. v. 1. p. 191. 41

PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Érika Mendes de; CARVALHO, Gisele Mendes de. Curso de direito penal brasileiro. 13. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 367.

20

que o artigo 21 traz as descriminantes putativas consideradas erro de proibição42.

1.3 OS PRESSUPOSTOS DA CULPABILIDADE

Como visto alhures, a culpabilidade é composta por três elementos

essenciais. Assim, só responderá o agente por um crime cometido se ele possuir,

considerando suas condições psíquicas, plena capacidade de determinar-se de

acordo com o direito (imputabilidade); se puder compreender a ilicitude de sua ação

(possibilidade de conhecimento da ilicitude); e se era possível exigir conduta diversa

daquela realizada (exigibilidade de conduta diversa)43. Passa-se agora a análise de

cada um desses componentes.

1.3.1 Imputabilidade

Historicamente, foram os gregos que elaboraram a primeira definição dos

transtornos mentais, de onde foi retirada a base da imputabilidade, cuja definição

está diretamente relacionada à saúde mental e a normalidade psíquica44. A

imputabilidade surge, segundo o ensinamento de Francisco Muñoz Conde, “[...]

como uma limitação da responsabilidade penal daquelas pessoas que tinham as

faculdades psíquicas mínimas para participar integralmente da vida de relação

social”45.

Da necessidade de se tratar as crianças e os doentes mentais de maneira

distinta dos adultos e dos aparentemente sãos46, nasceu o conceito de

imputabilidade, que Aníbal Bruno define como “[...] o conjunto de condições pessoais

que dão ao agente capacidade para lhe ser juridicamente imputada a prática de um

fato punível”47.

42

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. v. 1. p. 326.

43 MIRABETE, Julio Fabbrini; FABRIRNI, Renato N. Manual de direito penal: parte geral. 29. ed. rev.

e atual. São Paulo: Atlas, 2013. v. 1. p. 184. 44

SILVA, José Américo Seixas. Publicação de artigos científicos. Imputabilidade penal. Disponível em: <http://egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/12959-12960-1-PB.pdf>. Acesso em: 21 nov. 2014.

45 MUÑOZ CONDE, Francisco. Teoria geral do delito. Tradução de: Juarez Tavares e Luiz Regis

Prado. Porto Alegre: Fabris, 1988. p. 137. 46

MUÑOZ CONDE, Francisco. Teoria geral do delito. Tradução de: Juarez Tavares e Luiz Regis Prado. Porto Alegre: Fabris, 1988. p. 137.

47 BRUNO, Aníbal. Direito penal: parte geral, fato punível. 5. ed. t. II. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

21

Dessa forma, a imputabilidade encontra-se diretamente ligada ao sujeito, o

qual possui aptidão para ser culpável e, consequentemente, dotado de capacidade

para ser penalmente responsável48.

Bitencourt considera como imputável aquele que “[...] apresentar condições de

normalidade e maturidade psíquicas mínimas para que possa ser considerado como

um sujeito capaz de ser motivado pelos mandados e proibições normativos”, e

continua, afirmando que “a ausência da sanidade mental ou da maturidade mental

constitui um dos aspectos caracterizadores da inimputabilidade”, sendo necessária

para tanto a consequência deste estado, qual seja, “a capacidade de entender ou de

autodeterminar-se de acordo com esse entendimento”49.

Além de possuir capacidade plena de compreensão, exigem-se do agente

totais condições de controle sobre sua vontade50, como bem explica Mirabete e

Fabbrini:

Em primeiro lugar, é preciso estabelecer se o sujeito tem certo grau de capacidade psíquica que lhe permitia ter consciência e vontade dentro do que se denomina autodeterminação, ou seja, se tem ele a capacidade de entender, diante de suas condições psíquicas, a antijuridicidade de sua conduta e de adequar essa conduta à sua compreensão. A essa capacidade psíquica denomina-se imputabilidade. Esta é, portanto, a condição pessoal de maturidade e sanidade mental que confere ao agente a capacidade de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se segundo esse entendimento.51

Acerca do tema, pertinente também é a lição de Fernando Capez:

A imputabilidade apresenta, assim, um aspecto intelectivo, consistente na capacidade de entendimento, e outro volitivo, que é a faculdade de controlar e comandar a própria vontade. Faltando um desses elementos, o agente não será considerado responsável pelo seus atos.52

De outro vértice, sustenta-se a ideia de imputabilidade moral (livre-arbítrio),

onde o homem, porque detém liberdade e inteligência, possui condições de escolher

p. 25.

48 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal: de acordo com a lei n. 7.209,

de 11-7-1984 e com a Constituição Federal de 1988. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 313. 49

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 21. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015. v. 1. p. 474-475.

50 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. v. 1. p.

326. 51

MIRABETE, Julio Fabbrini; FABRIRNI, Renato N. Manual de direito penal: parte geral. 29. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2013. v. 1. p. 183.

52 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. v. 1. p.

327.

22

entre o bem e o mal, e por isso, é responsável pelos atos que praticou53. A essa

atribuição dá-se o nome de imputabilidade.

Importante frisar aqui a diferença entre imputabilidade e capacidade:

enquanto aquela é espécie, esta se trata do gênero, expressão muito mais ampla

que a primeira, que compreende não só a aptidão para ser culpável, mas também

idoneidade para praticar atos na esfera processual. Ambas são contraídas aos

dezoito anos54.

Também não se confunde imputabilidade com responsabilidade jurídico-penal,

que constitui a obrigação do autor de aceitar as conseqüências de seus atos,

penalmente qualificados. Corroborando com tal entendimento, comenta Magalhães

Noronha:

Responsabilidade é a obrigação que alguém tem que arcar com as conseqüências jurídicas do crime. É o dever que tem a pessoa de prestar contas com seu ato. Ele depende da imputabilidade do indivíduo, pois não pode sofrer as conseqüências do fato criminoso (ser responsabilizado) senão o que tem a consciência de sua antijuridicidade e quer executá-lo (ser imputável).55

A imputabilidade penal é obtida através de exclusão, ou seja, sempre que não

se constatar a existência de alguma causa que a afaste. Nesse sentido, esclarece

Bitencourt:

Nosso Código Penal não define a imputabilidade penal, a não ser por exclusão, ao estabelecer as causas que a afastam, definindo, em outros termos, a imputabilidade de quem, “por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinasse de acordo com esse entendimento” (art. 26, caput).56

Para estabelecer a inimputabilidade existem três métodos principais, a saber:

a) sistema biológico ou etiológico; b) sistema psicológico ou psiquiátrico; e c) sistema

biopsicológico ou misto.

1.3.1.1 Sistema biológico ou etiológico

53

MIRABETE, Julio Fabbrini; FABRIRNI, Renato N. Manual de direito penal: parte geral. 29. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2013. v. 1. p. 196.

54 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. v. 1. p.

327. 55

NORONHA, E. Magalhães. Direito penal. 37. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 1. p. 164.

56 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 21. ed. rev. ampl. e atual.

São Paulo: Saraiva, 2015. v. 1. p. 474.

23

Baseado no artigo 64 do Código Penal francês de 181057, o sistema biológico

“[...] leva em consideração a doença mental, enquanto patologia clínica, isto é, o

estado anormal do agente”58.

1.3.1.2 Sistema psicológico ou psiquiátrico

O segundo sistema considera apenas as condições psicológicas do sujeito no

momento do delito. O relevante aqui não é se o indivíduo tem perturbação mental,

mas sim se à época do fato possuía competência para compreender o que estava

fazendo59.

1.3.1.3 Sistema biopsicológico ou misto

O sistema biopsicológico ou misto foi o recepcionado pela legislação brasileira

como regra geral e consiste na junção das duas estruturas antecedentes. Para que

se verifique a inimputabilidade, faz-se necessário que o agente, em razão de

enfermidade ou retardamento mental, esteja completamente incapaz de se auto-

indeterminar. Sobre esta questão, com muita propriedade pontua Mirabete e

Fabbrini:

O terceiro critério é denominado sistema biopsicológico (ou Biopsicológico normativo ou misto), adotado pela lei brasileira no art. 26, que combina os dois anteriores. Por ele, deve verificar-se, em primeiro lugar, se o agente é doente mental ou tem desenvolvimento mental incompleto ou retardado. Em caso negativo, não é inimputável. Em caso positivo, averigua-se se era ele capaz de entender o caráter ilícito do fato; será inimputável se não tiver essa capacidade. Tendo capacidade de entendimento, apura-se se o agente era capaz de determinar-se de acordo com essa consciência. Inexistente a capacidade de determinação, o agente é também inimputável.60

Assim sendo, “[...] sem a imputabilidade entende-se que o sujeito carece de

57

Artigo 64 - Não há crime nem delito, quando o agente estiver em estado de demência ao tempo da ação.

58 PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Érika Mendes de; CARVALHO, Gisele Mendes de. Curso de

direito penal brasileiro. 13. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 356. 59

GOMES, Luiz Flávio; MOLINA, Antonio García-Pablos de. Direito penal: parte geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. v. 2. p. 574.

60 MIRABETE, Julio Fabbrini; FABRIRNI, Renato N. Manual de direito penal: parte geral. 29. ed. rev.

e atual. São Paulo: Atlas, 2013. v. 1. p. 196.

24

liberdade e de faculdade para comportar-se de outro modo, com o que não é capaz

de culpabilidade, sendo, portanto, inculpável”61.

1.3.2 Potencial consciência da ilicitude

Além de se verificar a imputabilidade do agente, é essencial também que o

autor conheça ou possa inteirar-se do caráter ilícito do ato praticado. Trata-se da

potencial consciência da ilicitude, segundo expõe Mirabete e Fabbrini:

Não basta, porém, a imputabilidade. É indispensável, para o juízo de reprovação, que o sujeito possa conhecer, mediante algum esforço de consciência, a antijuridicidade de sua conduta. É imprescindível apurar se o sujeito poderia estruturar, em lugar da vontade antijurídica da ação praticada, outra conforme o direito, ou seja, se conhecia a ilicitude do fato ou se podia reconhecê-la. Só assim há falta ao dever imposto pelo ordenamento jurídico. Essa condição intelectual é chamada possibilidade de conhecimento da antijuridicidade do fato (ou da ilicitude do fato).62

Quanto ao assunto, Luiz Regis Prado acrescenta:

Note-se que esse conhecimento potencial não se refere às leis penais, basta que o agente saiba ou tenha podido saber que o seu comportamento contraria ao ordenamento jurídico. Fato ilícito significa tão somente aquele proibido pela lei, independentemente de seu aspecto imoral ou antissocial.63

O grau de compreensão a respeito da ilicitude da ação praticada dependerá

diretamente do empenho que o agente fará para assimilar o mandamento legal.

Logo, “[...] quanto maior for o esforço que o sujeito deva fazer para internalizar a

norma, menor será a reprovabilidade de sua conduta, e vice-versa”64.

Como já observado, o Direito positivo brasileiro vincula-se à teoria limitada da

culpabilidade, que faz a seguinte divisão: erro sobre os elementos do tipo,

descriminantes putativas e erro sobre a ilicitude do fato65.

O erro sobre os elementos do tipo, no dizer de Bitencourt, “é a falsa

61

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 21. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015. v. 1. p. 456.

62 MIRABETE, Julio Fabbrini; FABRIRNI, Renato N. Manual de direito penal: parte geral. 29. ed. rev.

e atual. São Paulo: Atlas, 2013. v. 1. p. 183. 63

PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Érika Mendes de; CARVALHO, Gisele Mendes de. Curso de direito penal brasileiro. 13. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 360.

64 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro:

parte geral. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. v. 1. p. 556. 65

PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Érika Mendes de; CARVALHO, Gisele Mendes de. Curso de direito penal brasileiro. 13. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 369.

25

percepção da realidade sobre um elemento do crime”66. Dispõe o Código Penal no

artigo 20, caput: “O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o

dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei”. De acordo com a

teoria empregada, a valoração do elemento essencial exclui o dolo, mas conduz à

culpa stricto sensu, possibilitando a reprovação pela conduta culposa, se prevista em

lei.

De outra banda, as descriminantes putativas (putativo, do latim putare: aquilo

que é imaginado, porém inexistente), são as causas de exclusão da ilicitude

imaginária, isto é, quando o autor, erroneamente, pensa que sua conduta é lícita ao

supor que se encontram presentes os requisitos de uma das causas justificativas

previstas em lei. Como já se viu, há controvérsia doutrinária a respeito da natureza

jurídica do erro de tipo permissivo, que pode recair sobre os pressupostos fáticos ou

ainda sobre a existência ou limite da causa de justificação, a depender da teoria

adotada67.

O erro de proibição, por sua vez, ocorre quando o agente não possui

consciência da antijuridicidade de sua conduta, sendo inevitável tal situação.

Portanto, segundo explana Magalhães Noronha, é preciso de dois elementos para

caracterizar o erro: “a inevitabilidade e a impossibilidade do conhecimento sobre a

ilicitude do fato”68.

Cumpre destacar que o erro de proibição, o qual impede o agente de saber

que pratica um injusto, elimina a consciência da ilicitude; entretanto, tão só aquele

que não poderia ter sido evitado em face das circunstâncias do caso concreto leva à

exclusão da culpabilidade, uma vez que, se o autor tinha a possibilidade de saber

que contrariava o ordenamento jurídico, possuía o potencial conhecimento da

antijuridicidade do fato. Desse modo, o sujeito não ficará isento de pena, mas a

culpabilidade poderá ser atenuada69.

Ao tecer comentários acerca do erro de proibição, Zaffaroni e Pierangeli

explicam:

66

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 21. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015. v. 1. p. 511.

67 MIRABETE, Julio Fabbrini; FABRIRNI, Renato N. Manual de direito penal: parte geral. 29. ed. rev.

e atual. São Paulo: Atlas, 2013. v. 1. p. 190. 68

NORONHA, E. Magalhães. Direito penal. 37. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 1. p. 153.

69 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. v. 1. p.

346-347.

26

O erro de proibição de modo algum pertence à tipicidade, e nem com ela se vincula, sendo um puro problema de culpabilidade. Chama-se erro de proibição àquele que recai sobre a compreensão da antijuridicidade da conduta. Quando é invencível, isto é, quando com a devida diligência o sujeito não teria podido compreender a antijuridicidade do seu injusto, tem o efeito de eliminar a culpabilidade. Quando é vencível, em nada afeta a tipicidade dolosa ou culposa que já está afirmada em nível correspondente.70

Destarte, se o erro de proibição for evitável, ou seja, se o agente poderia ter

tido consciência da antijuridicidade do fato, responderá pelo crime com diminuição

da pena de um sexto a um terço, caso contrário, se o erro for inevitável, a

culpabilidade estará excluída, nos moldes do artigo 21 do Código Penal.

1.3.3 Exigibilidade de conduta diversa

A exigibilidade de conduta diversa, ou em obediência ao direito, constitui o

último pressuposto da culpabilidade. Pode ser definida, pois, como a possibilidade

concreta do agente que, no momento da ação ou da omissão, poderia ter agido em

favor da norma jurídica, vale dizer, atuado de maneira diversa da adotada.

Na conceituação de Magalhães Noronha:

Se a culpabilidade é juízo de reprovação social, é censurabilidade; compõe-se de outro elemento: a exigibilidade de outra conduta. Culpável é a pessoa que praticou o fato, quando outra conduta lhe era exigida, e, ao revés, exclui-se a culpa pela inexigibilidade de comportamento diverso do que o indivíduo teve.71

A propósito, Francisco Muñoz Conde ilustra muito bem a definição desse

pressuposto:

Normalmente, o direito exige comportamentos mais ou menos incômodos ou difíceis, mas não impossíveis. O direito não pode, contudo, exigir comportamentos heróicos: toda norma jurídica tem um âmbito de exigência, fora do qual não se pode exigir responsabilidade alguma. Essa exigibilidade, ainda que seja dirigida por padrões objetivos, é, em última instância, um problema individual: é o autor concreto, no caso concreto, quem tem que se comportar de um modo ou de outro. Quando a obediência da norma coloca o sujeito fora dos limites da exigibilidade, faltará esse elemento e, com ele, a culpabilidade.72

70

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. v. 1. p. 570.

71 NORONHA, E. Magalhães. Direito penal. 37. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 1. p.

104. 72

MUÑOZ CONDE, Francisco. Teoria geral do delito. Tradução de: Juarez Tavares e Luiz Regis Prado. Porto Alegre: Fabris, 1988. p. 132.

27

O Código Penal vigente prevê, em seu artigo 22, duas hipóteses que excluem

a culpabilidade em razão da exigibilidade de comportamento de acordo com a ordem

jurídica: a coação moral irresistível e a obediência hierárquica73.

Existem, ainda, causas supralegais que levam à exclusão da culpabilidade

que, embora não façam parte dos diplomas legais, são aplicadas em determinados

casos de forma análoga, para que situações semelhantes não sejam tratadas de

maneiras diferentes74.

1.4 CAUSAS DE EXCLUSÃO DA IMPUTABILIDADE

Conforme já explanado, há imputabilidade quando o indivíduo é capaz de

compreender a ilicitude de sua conduta e de agir de acordo com esse entendimento.

Posto isso, em princípio, todos são considerados imputáveis, salvo aqueles que se

enquadram nas hipóteses previstas na legislação penal, as quais serão adiante

estudadas.

1.4.1 Menoridade penal

A previsão da inimputabilidade dos menores está contida na Constituição da

República Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 228, que prevê: “São

penalmente inimputáveis os menores de 18 anos, sujeitos às normas da legislação

especial”, mesmo teor que possui o artigo 27 do Código Penal.

Por motivos de política criminal, o legislador optou por seguir o sistema

biológico para aferir a menoridade, independentemente de possuir o agente plena

capacidade de entender a ilicitude de sua conduta ou de determinar-se consoante

essa compreensão, como cita Francisco Munõz Conde:

A menoridade penal, como causa de inimputabilidade, é tratada, por razões de segurança jurídica, de um modo que não admite graduação, de modo que somente a partir de uma determinada idade pode haver responsabilidade penal, e não antes, ainda que no caso concreto se pudesse demonstrar que o menor tem suficiente capacidade de culpabilidade.75

73

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 21. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015. v. 1. p. 483.

74 JESUS, Damásio de. Direito penal: parte geral. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. v. 1. p. 528.

75 MUÑOZ CONDE, Francisco. Teoria geral do delito. Tradução de: Juarez Tavares e Luiz Regis

Prado. Porto Alegre: Fabris, 1988. p. 139.

28

À vista disso, ficam os menores de dezoito anos, autores de infrações penais,

sujeitos às disposições específicas do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA.

1.4.2 Doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado

A segunda causa de exclusão da imputabilidade, a doença mental, é qualquer

perturbação psíquica capaz de suprimir ou afetar a capacidade que tem o sujeito de

entender o caráter ilícito de sua conduta ou de comandar a vontade de acordo com

esse entendimento. Compreende todas as moléstias que provocam alterações

mórbidas à saúde mental, entre elas a epilepsia condutopática, psicose, neurose,

esquizofrenia, paranoias, psicopatia, epilepsias em geral etc. O hipnotismo, a

dependência patológica de substância psicotrópica, os delírios febris, o

sonambulismo ou qualquer hipótese de enfermidade de natureza não mental que

atinja a consciência e a vontade também podem cessar a imputabilidade76.

Salienta-se que o legislador, ao usar termos bastante genéricos, ampliou as

possibilidades de ser o agente inimputável em razão do desenvolvimento mental

incompleto, visto que “compete à psicopatologia forense determinar, em cada caso

concreto, se a doença ou o defeituoso desenvolvimento mental produz a

incapacidade a que a lei alude”77.

Por sua vez, quando há o desenvolvimento mental retardado, “[...] a

capacidade não corresponde às expectativas para aquele momento da vida, o que

significa que a plena potencialidade jamais será atingida”78. É o caso das

oligofrenias, tradicionalmente chamadas de idiotia, imbecilidade e debilidade mental.

Mirabete e Fabbrini atentam que a incapacidade de entender e querer devem

ser totais para que o agente seja isento de pena:

Não basta, porém, a presença de uma dessas situações (doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado) para que fique excluída a inimputabilidade. Há que ser feita uma aferição no aspecto intelectivo e volitivo. Nos termos da lei, só é inimputável aquele que, ao tempo da conduta (ação ou omissão), era inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato; o agente pode entender o fato, mas não o caráter ilícito de sua conduta e,

76

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. v. 1. p. 328.

77 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal: de acordo com a lei n. 7.209,

de 11-7-1984 e com a Constituição Federal de 1988. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 316. 78

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. v. 1. p. 329.

29

nessa hipótese, é inimputável.79

Por conseguinte, só haverá inimputabilidade quando o estado patológico

acarretar a consequência de suprimir, no sujeito, a capacidade de compreender o

caráter delituoso do fato ou de se determinar conforme esse entendimento80.

1.4.2.1 Culpabilidade diminuída

Há, ainda, estados mentais anormais que não excluem por completo a

capacidade de culpa, mas que somente a limitam de maneira particular81; fala-se,

nessa hipótese, em culpabilidade diminuída ou semi-imputabilidade. Nessas

situações a culpabilidade é reduzida devido à dificuldade de valorar adequadamente

o fato e de impor alguma censura ao agente. Encontram-se nessa faixa

intermediária os chamados fronteiriços, os quais apresentam condições atenuadas

de problemas mentais82. O Código Penal prevê a imposição de medida de

segurança tanto para os inimputáveis quanto para os semi-imputáveis: os primeiros

são isentos de pena; já os segundos são objeto de punição reduzida83.

1.4.3 Embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior

Ainda que o agente, ao tempo do fato, seja considerado penalmente capaz

em virtude da idade e da higidez mental, existem outras circunstâncias que podem

excluir ou reduzir a imputabilidade. É o que ocorre nos casos de embriaguez

acidental, quando provém de caso fortuito ou força maior.

A descrição da embriaguez na legislação criminal é lacônica, pois esta não

aborda o tema com profundidade e traz apenas referências vagas sobre o tema.

Desta forma, considerando que a embriaguez é foco da presente monografia, o seu

exame será apurado com maior vagar no próximo capítulo, pois imprescindível a

busca pela conceituação mais adequada em estudos próprios acerca do instituto.

79

MIRABETE, Julio Fabbrini; FABRIRNI, Renato N. Manual de direito penal: parte geral. 29. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2013. v. 1. p. 198.

80 NORONHA, E. Magalhães. Direito penal. 37. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 1. p.

166. 81

WELZEL, Hans. Direito penal. Tradução de: Afonso Celso Rezende. Campinas: Romana, 2003. p. 239.

82 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 21. ed. rev. ampl. e atual.

São Paulo: Saraiva, 2015. v. 1. p. 481. 83

GOMES, Luiz Flávio; MOLINA, Antonio García-Pablos de. Direito penal: parte geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. v. 2. p. 586.

30

2 A PROBLEMÁTICA DA EMBRIAGUEZ NA LEGISLAÇÃO PENAL

BRASILEIRA

2.1 NOÇÕES GERAIS E CONCEITUAIS DE EMBRIAGUEZ

Desde os primórdios da civilização o consumo do álcool tem sido um hábito

que acompanha o homem. Sua ingestão sempre esteve diretamente atrelada a ritos

religiosos e comemorações. Há registros, inclusive bíblicos, em que personagens

cristãos faziam o uso da bebida alcoólica, os quais serviram como ponto de partida

para a difusão e consequente condenação da embriaguez etílica84.

A bebida, quando ingerida de forma ocasional e moderada, não causa

grandes males; no entanto, muitas vezes, aquele que se encontra nesse estado

julga sentir-se bem e, mesmo pequena a quantidade, esta é suficiente para gerar

perceptivas alterações físicas e psicológicas85.

O consumo da substância, para os estudiosos do tema, pode causar grande

dependência física e psíquica, haja vista agir de maneira particular sobre o sistema

nervoso central, alterando visivelmente o comportamento no ser humano durante o

estado de embriaguez. Ao contrário do que se pensa, o álcool não é um estimulante,

e sim um inibidor, segundo classifica Delton Croce e Delton Croce Júnior86:

A Medicina e a Toxiologia afirmam que o álcool é depressor do sistema nervoso central. Os efeitos iniciais de aparente estimulação devem-se a uma inibição central por ação cortical direta; os efeitos tardios são consequentes da depressão da inibição central a outras partes do sistema nervoso. O álcool é, pois, depressor e não estimulante do sistema nervoso central, como pensam os menos avisados, observando a fase inicial do indivíduo que, após ingerir certa porção de alkohul, torna-se alegre, otimista e loquaz, proferindo inconveniências, por enfraquecimento da força dominadora do automatismo (in vino veritas), determinada pela paralisia alcoólica dos centros cerebrais mais hierarquizados, inibidores do mesmo, localizados na cortiça cerebral, e só posteriormente refletindo sobre as funções inferiores.

O efeito depressor do álcool manifesta-se de modo expressivo nos atos

motores – os movimentos tornam-se lentos e inseguros, a precisão dos reflexos é

84

BENFICA, Francisco Silveira; VAZ, Márcia. Medicina legal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 105.

85 SZNICK, Valdir. A responsabilidade penal na embriaguez. São Paulo: Leud, 1987. p. 75.

86 CROCE, Delton; CROCE JÚNIOR, Delton. Manual de medicina legal. 8. ed. São Paulo: Saraiva,

2012. p. 119.

31

afetada, perde-se o domínio da palavra, o funcionamento ocular é comprometido,

etc. A função mental, de igual modo, é significamente alterada, posto que a ingestão

da bebida alcoólica dificulta a formação dos pensamentos e a capacidade de

raciocinar de forma clara e concisa87.

Além das consequências que o alcoolismo produz no sujeito que dele padece,

os reflexos do consumo abusivo da substância repercutem diretamente nas relações

sociais. A presença do fator álcool e de outras drogas alteradoras do humor constitui

fator comum na criminalidade, sendo uma das principais causas de acidentes,

suicídios, violência, entre outros88.

Cabe mencionar aqui que o alcoolismo não se confunde com a embriaguez,

visto que o primeiro “[...] é termo que designa as anomalias clínicas resultantes de

intoxicações exógenas pelo consumo excessivo e prolongado de bebidas

alcoólicas”89, ao passo que na segunda as manifestações neuropsicossomáticas

(alterações de inconsciência) são causadas pela intoxicação de álcool em

circunstâncias ocasionais e passageiras90. Segundo a Organização Mundial de

Saúde, os alcoolistas são

[...] bebedores excessivos cuja dependência do álcool chega a ponto de acarretar-lhes perturbações mentais evidentes, manifestações afetando a saúde física e mental, suas relações individuais, seu comportamento socioeconômico ou pródomos de perturbações desse gênero e que por si só necessitam de tratamento.91

Sob a ótica médico-legal, o alcoolismo possui caráter crônico, pois deriva do

uso imoderado da substância de efeito inebriante; já a embriaguez alcoólica

apresenta-se como uma intoxicação aguda, imediata e de caráter episódico,

podendo progredir de uma simples excitação inicial até a depressão92.

Aliás, o uso abusivo do álcool é reconhecido pela Classificação Internacional

das Doenças, elaborada pela Organização Mundial de Saúde, sob a rubrica

87

FRANÇA, Genival Veloso de. Medicina legal. 9. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2011. p. 368.

88 SZNICK, Valdir. A responsabilidade penal na embriaguez. São Paulo: Leud, 1987. p. 71.

89 CROCE, Delton; CROCE JÚNIOR, Delton. Manual de medicina legal. 8. ed. São Paulo: Saraiva,

2012. p. 117. 90

FRANÇA, Genival Veloso de. Medicina legal. 9. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2011. p. 367.

91 VANRELL, Jorge Paulete; BORBOREMA, Maria de Lourdes. Vade mecum de medicina legal e

odontologia legal. 2. ed. Leme: JH Mizuno, 2011. p. 572. 92

SILVA, Haroldo Caetano da. Embriaguez e a teoria da actio libera in causa. Curitiba: Juruá, 2004. p. 54.

32

“transtornos mentais e do comportamento decorrentes do uso do álcool”93.

Por seu turno, a definição jurídica de embriaguez é mais ampla e alcança não

só a alcoólica, como também a proveniente do uso de qualquer outra substância

tóxica, segundo o disposto no artigo 28, inciso II, do Código Penal, in verbis:

Art. 28 – Não excluem a imputabilidade penal: ... II – a embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou substância de efeitos análogos. (grifo aposto)

Neste caso, configuram-se hipóteses de embriaguez não alcoólica, sendo

possível a perda do discernimento pelo uso de outras substâncias que produzam

efeitos equivalentes, tais como a maconha, a cocaína, a morfina, o crack, o LSD, o

éter94 e todas as substâncias entorpecentes e psicotrópicas assim consideradas por

meio de Portaria da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa ou Resolução

do Ministério da Saúde.

O diagnóstico da embriaguez é realizado por exame clínico, “[...] uma vez que

esta se manifesta pela ação tóxica do álcool sobre o organismo”95. Vale dizer que a

alcoolemia – taxa de concentração alcoólica na circulação sanguínea, isoladamente,

não é suficiente para o diagnóstico, pois o efeito causado pela substância varia de

pessoa pra pessoa96. Nossos tribunais, inclusive, já vêm em reiteradas decisões

julgando que o exame de dosagem alcoólica pode ser invalidado pela prova

testemunhal.

Em síntese, o que realmente importa, quando da prova do embriagamento, é

o comportamento social do agente, o qual, indubitavelmente, poderá determinar com

exatidão se foi ou não o sujeito afetado pelo consumo de álcool.

2.2 FASES DA EMBRIAGUEZ

Ao tratar das fases da embriaguez sob o prisma médico-legal, Hélio Gomes

93

MINISTÉRIO DA SAÚDE. Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde – CID 10. Disponível em: <http://www.datasus.gov.br/cid10/V2008/cid10.htm>. Acesso em: 13 mar. 2015.

94 SILVA, Haroldo Caetano da. Embriaguez e a teoria da actio libera in causa. Curitiba: Juruá,

2004. p. 39. 95

BENFICA, Francisco Silveira; VAZ, Márcia. Medicina legal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 108.

96 CROCE, Delton; CROCE JÚNIOR, Delton. Manual de medicina legal. 8. ed. São Paulo: Saraiva,

2012. p. 127-128.

33

relata:

Segundo uma lenda árabe, as três fases da embriaguez seriam simbolizadas por três animais, o macaco, o leão e o porco. Na primeira, o indivíduo se torna irrequieto, saltitante, buliçoso (é a fase do macaco); na segunda, torna-se violento, brigão, agressivo (é a fase do leão); na terceira, sujo, emporcalhado, roncando (é a fase do porco).97

Doutrinariamente, a embriaguez costuma ser dividida em três estágios, quais

sejam, a fase da excitação, a da confusão e a comatosa. Não obstante a imensa

dificuldade da medicina em separar seus períodos, observa-se que essa divisão é a

mais aceita, apesar de haver quem apresente classificação distinta, contendo de

quatro a cinco fases de embriaguez.

Antes de adentrar propriamente ao assunto, é relevante anotar que a

embriaguez pode ser classificada de acordo com a dosagem de alcoolemia presente

no sangue humano, podendo ser completa, que torna o sujeito inteiramente incapaz

de entender o caráter ilícito de suas atitudes e de adequar essa conduta à sua

compreensão98, ou incompleta, a qual retira, em parte, sua capacidade de

entendimento e autodeterminação.

Em se tratando da definição de embriaguez completa, cumpre mostrar a

disparidade que há entre médicos e juristas: enquanto aqueles afirmam ser ela "[...]

um aniquilamento irremediável da consciência e da vontade, numa letargia ou

estado comatoso do paciente", estes asseguram que "a embriaguez é completa

desde que se suprima na pessoa daquele a consciência do que o cerca e da própria

personalidade"99.

Dessa forma, para a medicina, a embriaguez tornar-se-á completa quando o

sujeito alcançar apenas o último estágio causado pelo uso da substância tóxica100;

para fins jurídicos, a plenitude da intoxicação ocorrerá na segunda e terceira fases,

sendo que nesta última (período letárgico) o sujeito só poderá cometer crimes

omissivos ou comissivos por omissão101.

Posto isso, passa-se agora ao estudo de cada uma das fases da embriaguez.

97

GOMES, Hélio. Medicina legal. 33. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2004. p. 146. 98

BENFICA, Francisco Silveira; VAZ, Márcia. Medicina legal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 109-110.

99 NÓBREGA, Agripino F. da. A justiça na repressão ao alcoolismo. Recife: Imprensa Oficial, 1956.

p. 40-41. 100

SILVA, Haroldo Caetano da. Embriaguez e a teoria da actio libera in causa. Curitiba: Juruá, 2004. p. 56.

101 JESUS, Damásio de. Direito penal: parte geral. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. v. 1. p. 553.

34

2.2.1 Fase da excitação

Pois bem, na primeira fase, de excitação ou do “macaco”, o ébrio mostra-se

alegre, agitado, loquaz, falante e desinibido. O agente ainda possui consciência,

entretanto, há uma redução de sua capacidade de julgamento102.

Odon Ramos Maranhão103 traça as consequências clínicas iniciais que o

consumo de álcool provoca aos seres humanos:

As funções intelectuais mostram-se excitadas e o paciente particularmente eufórico. Dá mesmo a impressão de estar excitado. Na realidade isso não ocorre, pois o álcool é tipicamente depressivo: os centros superiores não estão excitados mas os de controle estão intoxicados. A vontade e a autocrítica mostram-se rebaixadas. A capacidade de julgamento se compromete. Há certo grau de erotismo (na realidade é simples desinibição).

As primeiras manifestações decorrentes da intoxicação alcoólica diminuem o

autocontrole e o estado de vigilância do agente, contudo, até aqui permanece

inalterada a consciência do injusto penal104.

2.2.2 Fase da confusão

A partir do segundo estágio, conhecido como fase da confusão ou da

depressão, “[...] estabelece-se uma confusão mental e há irritabilidade, que deixam o

sujeito mais agressivo”105. Alteram-se o juízo crítico, a atenção e a memória. A

probabilidade de o agente incorrer em algum ilícito penal ou de provocar acidentes

torna-se consideravelmente maior devido a sua hostilidade, daí a associação com o

leão106.

2.2.3 Fase comatosa

102

BENFICA, Francisco Silveira; VAZ, Márcia. Medicina legal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 108.

103 MARANHÃO, Odon Ramos. Curso básico de medicina legal. 8. ed. rev. ampl. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 390.

104 SILVA, Haroldo Caetano da. Embriaguez e a teoria da actio libera in causa. Curitiba: Juruá, 2004. p. 56.

105 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. v. 1. p. 333.

106 SZNICK, Valdir. A responsabilidade penal na embriaguez. São Paulo: Leud, 1987. p. 77.

35

A terceira e última fase é a comatosa, também denominada do sono ou do

“porco”. Nesta, “[...] começa um sono profundo que gradativamente pode levar ao

coma”107, isso porque o indivíduo já não consegue mais permanecer em pé,

perdendo totalmente o controle motor de suas ações. Genival Veloso de França

descreve o perfil daquele que se encontra na fase do porco da seguinte maneira:

Na fase do sono, ou fase comatosa, o paciente não se mantém em pé. Caminha apoiando nos outros ou nas paredes e termina caindo sem poder erguer-se, mergulhando em sono profundo. Sua consciência fica embotada, não reagindo aos estímulos normais. As pupilas dilatam-se e não reagem à luz. Os esfíncteres relaxam-se e a sudorese é profusa. É a fase da inconsciência.108

Impende registrar que na última fase da embriaguez o ébrio já não está mais

propenso a praticar delitos, face ao estágio de inconsciência em que se encontra109.

2.3 MODALIDADES DA EMBRIAGUEZ E SUAS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICO-

PENAIS

Ultrapassado o panorama médico, imperioso reconhecer neste momento o

tratamento jurídico-penal que a legislação reserva a cada tipo de embriaguez. Existe

um nítido contraste entre o conceito dado pela ciência médica e o princípio fixado

pela lei. Para uma melhor compreensão acerca deste fenômeno, determinado pelo

álcool ou substância de efeitos análogos, a norma criminal distinguiu-o em diferentes

espécies, que guardam relação direta com o estado de imputabilidade do agente.

Assim sendo, classifica-se a embriaguez em: a) acidental; b) não acidental; c)

patológica; d) habitual; e e) preordenada, como se verá a seguir.

2.3.1 Acidental

A chamada embriaguez acidental, prevista no § 1º do artigo 28 do Código

Penal110, aplica-se as circunstâncias decorrentes de caso fortuito ou força maior.

107

VANRELL, Jorge Paulete; BORBOREMA, Maria de Lourdes. Vade mecum de medicina legal e odontologia legal. 2. ed. Leme: JH Mizuno, 2011. p. 571.

108 FRANÇA, Genival Veloso de. Medicina legal. 9. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2011. p. 368.

109 BRUNO, Aníbal. Direito penal: parte geral, fato punível. 5. ed. t. II. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 100.

110 § 1º - É isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter

36

Convém registrar que se a embriaguez acidental for completa (se dela resultar

a perda total da capacidade de discernimento ou de autodeterminação), o indivíduo

poderá gozar do benefício da isenção de responsabilidade. Todavia, a embriaguez

acidental incompleta – que ainda não promoveu uma confusão mental tão

acentuada, mas que já tornou o sujeito perturbado de tal modo a não poder mais

discernir ou entender amplamente a razão dos fatos que o cercam, não exclui a

imputabilidade, mas também não faz do autor apto para ser culpável.111 Neste caso,

de acordo com o § 2º do artigo supracitado112, é possível a redução da pena.

Se a embriaguez, ainda que proveniente de caso fortuito ou força maior, não

reduzir ou excluir a capacidade intelectual ou volitiva do sujeito ao tempo do fato,

não haverá atenuação da pena nem exclusão da imputabilidade: nesta hipótese,

responderá o agente pelo delito113.

2.3.1.1 Caso fortuito e força maior

Sobre as definições de caso fortuito e força maior, concernente é a explicação

de Magalhães Noronha, nesses termos:

É acidental quando provém de caso fortuito ou força maior. Embriaguez, fortuitamente, quem ignora que o está sendo. Assim, se, v. g., pessoa muito sensível ao álcool toma várias doses de um refrigerante, para ela desconhecido, mas ao qual foi adicionado álcool. Dá-se a força maior quando, embora ciente de que se está embriagando, a pessoa não o pode evitar, tal qual acontece em camadas inferiores, com o mau costume de obrigar-se outrem a beber, frequentemente sob ameaça de arma em punho.114

Constitui caso fortuito quando o agente não possuía condições de prever o

que aconteceria ou ainda não sabia que determinada substância poderia lhe causar

a embriaguez. Aqui o resultado é imprevisível e não decorre de culpa do agente115.

A embriaguez proveniente de força maior, por sua vez, é provocada por

ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

111 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 21. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015. v. 1. p. 497.

112 § 2º - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, por embriaguez, proveniente de caso fortuito ou força maior, não possuía, ao tempo da ação ou da omissão, a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

113 JESUS, Damásio de. Direito penal: parte geral. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. v. 1. p. 559.

114 NORONHA, E. Magalhães. Direito penal. 37. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 1. p. 183.

115 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 21. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015. v. 1. p. 496.

37

terceiro, sem responsabilidade daquele que comete o crime nessa circunstância.

Nas exatas palavras de Francisco Silveira Benfica e Márcia Vaz, “é aquela em que o

agente é levado ao estado de embriaguez, por ter sua resistência vencida”116. A

coação é dirigida ao sujeito, e este é incapaz de resistir ou prever a intoxicação.

Sobre essa questão, sabidamente exemplifica Genival Veloso de França:

Por exemplo, no carnaval, em que todos bebem, alguém se entrega a tal procedimento a fim de não ficar em desacordo com o meio e não contrariar os circunstantes, ou, em razão do trabalho, é obrigado a permanecer em local saturado de vapores etílicos.117

Em razão da força maior, o resultado é inevitável, ainda que seja previsível118.

Cumpre anotar posicionamento diverso do adotado pela doutrina dominante,

que diferencia caso fortuito e força maior a partir da origem do evento: quando a

causa provir da natureza, refere-se ao primeiro; se o agente causador for o homem,

trata-se de força maior119.

2.3.2 Não acidental

Entende-se como não acidental a modalidade de embriaguez em que o

agente possui a única intenção de beber, seja dolosa ou culposamente120. Por força

do artigo 28, II, do CP, a punibilidade das ações praticadas nessa situação é

fundamentada na teoria da actio libera in causa121: a conduta, mesmo quando

realizada em estado de inimputabilidade, originou-se de um ato de livre-arbítrio do

sujeito, o qual será responsabilizado, independentemente de ter agido com dolo ou

culpa em relação ao resultado do crime determinado122.

2.3.2.1 Voluntária e culposa

116

BENFICA, Francisco Silveira; VAZ, Márcia. Medicina legal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 109.

117 FRANÇA, Genival Veloso de. Medicina legal. 9. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2011. p. 372.

118 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 21. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015. v. 1. p. 496.

119 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. 16. ed. rev. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Impetus, 2014. v. 1. p. 402.

120 GOMES, Luiz Flávio; MOLINA, Antonio García-Pablos de. Direito penal: parte geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. v. 2. p. 589.

121 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 21. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015. v. 1. p. 495.

122 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. v. 1. p. 334.

38

Promovida por vontade do próprio autor, a embriaguez voluntária, dolosa ou

intencional, provém do puro e simples desejo do agente de ingressar em um estado

de alteração psíquica. Aníbal Bruno comenta que “[...] pode o sujeito não pensar

absolutamente em nenhum crime e beber voluntariamente para gozar a sensação

para ele agradável da embriaguez” ou ainda “para sufocar no álcool preocupações

ou tristezas”123.

De outro viés, diz-se culposa quando a embriaguez decorrer da imprudência

do indivíduo que, sem o propósito de alcoolizar-se, se deixa levar pelo uso excessivo

da substância de efeito inebriante124. Walter Vieira do Nascimento cita como

exemplo “[...] um homem casado, chefe de família, que, já tarde da noite, vai a uma

taverna e ali bebe, sem cuidado, quantidade de vinho a que não estava

habituado”125.

2.3.3 Patológica

A embriaguez patológica, na concepção de Haroldo Caetano da Silva, “[...]

caracteriza-se quando o sujeito é extremamente suscetível aos efeitos da bebida

alcoólica em razão de alguma condição psíquica particular, situação em que

pequena dose é suficiente para provocar profunda obnubilação da consciência”126. O

agente apresenta manifestações desproporcionais a quantidade ingerida, como

acessos furiosos, ataques convulsivos e atos de violência. Sobre a intensidade dos

efeitos gerados, explana Paulo Dalgalarrondo:

A embriaguez patológica (intoxicação idiossincrática, mania à potu), embora descrita há muito tempo, desperta controvérsias conceituais e não é aceita por todos. A compreensão de seus possíveis mecanismos também é ainda precária. Caracteriza-se por uma resposta paradoxal, intensa, à ingestão de pequena quantidade de álcool. O paciente torna-se muito excitado, violento, às vezes paranóide e mesmo homicida (“fúria alcoólica”). Tal agitação surge de forma inexplicável, dura várias horas, é seguida de

123

BRUNO, Aníbal. Direito penal: parte geral, fato punível. 5. ed. t. II. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 100.

124 BRUNO, Aníbal. Direito penal: parte geral, fato punível. 5. ed. t. II. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 100.

125 NASCIMENTO, Walter Vieira do. A embriaguez e outras questões penais: doutrina – legislação – jurisprudência. 4. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 30.

126 SILVA, Haroldo Caetano da. Embriaguez e a teoria da actio libera in causa. Curitiba: Juruá, 2004. p. 62.

39

exaustão e termina comumente com sono profundo e amnésia posterior para o evento. O quadro geralmente ocorre em indivíduos que revelam pouca capacidade para lidar com seus impulsos agressivos, em pacientes alcoolistas e epilépticos simultaneamente e, presume-se, em indivíduos propensos e episódicos de hipoglicemia (que favoreceriam a resposta agitada e agressiva).127 (grifo do autor)

Para efeitos penais, a embriaguez patológica é equiparada a doença mental,

recebendo, por via de consequência, o mesmo tratamento desta: se há exclusão da

capacidade intelectual ou volitiva, o agente é isento de pena; se retira parcialmente a

capacidade de entender e querer, a pena poderá ser reduzida de um a dois

terços128.

Há de se observar que a embriaguez patológica difere-se da habitual, uma

vez que a primeira é oriunda da sensibilidade ao uso de substâncias de efeito

inebriante e presumivelmente cessa com o findar do consumo, já a segunda é fruto

da intoxicação do organismo em virtude da ingestão contumaz de considerável

quantidade de álcool e constitui uma alteração de natureza permanente129.

2.3.4 Habitual

A embriaguez habitual, conforme mencionado, ocorre quando o sujeito

encontra-se frequentemente embriagado por vício130, assumindo um estado de

“normalidade” sob os efeitos do álcool. Embora não seja objeto do presente estudo,

cabe aqui uma breve incursão no âmbito civil acerca da embriaguez habitual.

O Código Civil atual traz a lume o rol taxativo daqueles que não possuem

capacidade de fato, ou seja, restritos legalmente ao exercício dos atos da vida civil.

Fala-se da incapacidade, que poderá ser absoluta ou relativa, nos moldes dos

artigos 3º e 4º do aludido Código, respectivamente131.

Com a cláusula genérica prevista no artigo 3º, III, o Código Civil dá como

absolutamente incapazes aqueles que, “mesmo por causa transitória, não puderem

exprimir sua vontade”. A embriaguez não habitual, neste caso, poderá configurar

127

DALGALARRONDO, Paulo. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2008. p. 350.

128 JESUS, Damásio de. Direito penal: parte geral. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. v. 1. p. 559-560.

129 VANRELL, Jorge Paulete; BORBOREMA, Maria de Lourdes. Vade mecum de medicina legal e odontologia legal. 2. ed. Leme: JH Mizuno, 2011. p. 572.

130 SILVA, Ronaldo. Direito penal: parte geral. Florianópolis: Momento Atual, 2002. p. 165.

131 TARTUCE, Flávio. Direito civil: lei de introdução e parte geral. 9. ed. São Paulo: Método, 2013. v. 1. p. 126.

40

hipótese capaz de impedir a expressão da vontade e, por conseguinte, inaptidão da

pessoa para praticar os atos da vida civil132.

Em contrapartida, o Código Civil de 2002, como bem pondera Carlos Roberto

Gonçalves, “[...] valendo-se de subsídios recentes da ciência médico-psiquiátrica,

incluiu os ébrios habituais, os toxicômanos e os deficientes mentais de

discernimento reduzido no rol dos relativamente incapazes”133. A respeito da

situação do ébrio habitual, cumpre elucidar que se faz imprescindível a comprovação

do estado permanente de embriaguez do agente para configurar hipótese

autorizadora da incapacidade relativa134.

2.3.5 Preordenada

Por embriaguez preordenada entende-se aquela em que o indivíduo coloca-

se intencionalmente em estado de inimputabilidade com a finalidade de cometer um

ilícito penal. Genival Veloso de França conceitua como sendo “[...] a forma de

embriaguez em que o agente se embriaga com o propósito de adquirir condições

psíquicas que favoreçam a prática criminosa”135.

Nessa hipótese de embriagamento não haverá a exclusão da imputabilidade,

muito pelo contrário: provada a preordenação, inexiste isenção de pena, sofrendo

esta, ainda, uma agravação (artigo 61, II, “l”, do CP) devido a maior censurabilidade

da conduta. Vale dizer que aqui, segundo entendimento adotado pelo Código Penal,

se aplica a teoria da actio libera in causa por excelência, posto que o agente utilizou-

se da embriaguez apenas como meio facilitador para vir a delinquir, conforme explica

Bitencourt136:

A vontade contrária ao Direito, extremamente reprovável, na fase anterior ao estado de embriaguez, como identifica a actio libera in causa, está perfeitamente caracterizada. O agente coloca o estado de embriaguez como o primeiro momento da realização do fato típico. Nessa hipótese, não há dúvida não somente quanto à

132

SILVA, Haroldo Caetano da. Embriaguez e a teoria da actio libera in causa. Curitiba: Juruá, 2004. p. 74.

133 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil esquematizado. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva. 2014. v. 1. p. 119.

134 TARTUCE, Flávio. Direito civil: lei de introdução e parte geral. 9. ed. São Paulo: Método, 2013. v. 1. p. 130.

135 FRANÇA, Genival Veloso de. Medicina legal. 9. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2011. p. 372.

136 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 21. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015. v. 1. p. 498.

41

preordenação criminosa, mas quanto à punibilidade bem como quanto à agravação da pena, em razão da maior censurabilidade da conduta (art. 61, II, l, do CP).

Não diferente é a percepção de Fernando Capez acerca do tema:

Na preordenada, a conduta de ingerir a bebida alcoólica já constitui ato inicial do comportamento típico, já se vislumbrando desenhado o objetivo delituoso que almeja atingir, ou que assume o risco de conseguir. É o caso de pessoas que ingerem álcool para liberar instintos baixos e cometer crimes de violência sexual ou de assaltantes que consomem substâncias estimulantes para operações ousadas.137

Em sentido contrário, Zaffaroni e Pierangeli sustentam que não carece de

fundamento na teoria da actio libera in causa a punibilidade nos casos de

embriaguez preordenada138. De acordo com os autores, “a expressão ‘embriaguez

preordenada’ tem um sentido diferente da de ‘embriagar-se para cometer um

crime”139: não há, em tese, dolo no momento do delito, visto que o ato de beber e um

desejo de, quando alcoolizado, realizar o tipo objetivo constitui fato preparatório

atípico, e essa ânsia nunca poderá ser uma direção da causalidade até a finalidade,

porque o agente sóbrio não sabe do que é capaz o ébrio, não possui controle sobre

este, nem tem domínio do fato140.

No entendimento de Magalhães Noronha, com o qual este trabalho comunga,

tendo o sujeito intenção de embriagar-se com fim de encorajar-se a praticar uma

conduta criminosa141, restará configurada a embriaguez preordenada e a

consequente aplicação da actio libera in causa:

A citada teoria tem plena aplicação na embriaguez preordenada, pois, fora disto, é negar a realidade que o indivíduo, ao se embriagar, não quer cometer crime algum, não tem intenção de praticar qualquer delito, e só em determinadas circunstâncias poderá ter culpa (stricto sensu), relativamente ao crime que venha a cometer.142

Logo, pouco importa se o autor, no momento da conduta, encontrava-se em

estado de inimputabilidade; aqui o relevante, para fins penais, é o momento anterior,

137

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. v. 1. p. 337.

138 SILVA, Haroldo Caetano da. Embriaguez e a teoria da actio libera in causa. Curitiba: Juruá, 2004. p. 108.

139 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. v. 1. p. 481.

140 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. v. 1. p. 477.

141 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 21. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015. v. 1. p. 498.

142 NORONHA, E. Magalhães. Direito penal. 37. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 1. p. 185.

42

quando atuou livremente143.

2.4 A EMBRIAGUEZ NOS CÓDIGOS PENAIS BRASILEIROS

A primeira referência incriminadora que foi dada à embriaguez no Brasil

encontra-se presente no artigo 18, § 9º do Código Criminal do Império, que

contemplava o embriagamento tão somente como circunstância atenuante. Assim

prescrevia o verbete:

Art. 18 – São circumstancias attenuantes dos crimes:

... § 9º – Ter o delinquente commetido o crime no estado de embriaguez. Para que a embriaguez se considere circumstancia attenuante, deverão intervir conjunctamente os seguintes requisitos: 1º que o delinquente não tivesse antes della formado o projecto do crime; 2º que a embriaguez não fosse procurada pelo delinquente como meio de o animar á perpetração do crime; 3º que o delinquente não seja costumado em tal estado a commetter crimes.144

Percebe-se que o diploma de 1830 não considerava a embriaguez como

causa apta a afastar a imputabilidade penal justamente porque a atenuante era

empregada apenas quando verificado, ao mesmo tempo, todos os requisitos

especificados na segunda parte do parágrafo, ou seja, nos casos em que não

estivesse configurado o cerne da teoria da actio libera in causa145.

Com o advento do Código Penal de 1890 foi estendida maior atenção aos

crimes praticados sob a influência do álcool ou de substâncias análogas. Naquele

momento fazia-se a diferenciação entre embriaguez completa e incompleta:

enquanto a primeira, prevista de forma genérica no § 4º do artigo 27, tinha por

inimputável aquele que estivesse em completa privação dos sentidos e de

inteligência no ato de cometer o crime, a segunda era reconhecida como atenuante,

conforme preconizava o § 10 do artigo 42146.

Salienta-se que a Consolidação das Leis Penais, aprovada e adotada pelo

143

GOMES, Luiz Flávio; MOLINA, Antonio García-Pablos de. Direito penal: parte geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. v. 2. p. 589.

144 PIERANGELI, José Henrique. Códigos penais do brasil: evolução histórica. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 240.

145 SZNICK, Valdir. A responsabilidade penal na embriaguez. São Paulo: Leud, 1987. p. 92.

146 SILVA, Haroldo Caetano da. Embriaguez e a teoria da actio libera in causa. Curitiba: Juruá, 2004. p. 64-65.

43

Decreto n. 22.213, de 14 de dezembro de 1932, não trouxe inovações no que se

refere à embriaguez, limitando-se a ratificar as disposições do Código Penal de

1890147.

A Parte Geral do Código Penal de 1940 estruturava-se sobre o Código Rocco,

retrato do regime totalitário então vigorante na Itália, apresentando as mesmas

características fascistas que marcaram a legislação penal italiana148. Registra as

seguintes hipóteses: ausência total de pena, no caso de embriaguez completa,

originária de caso fortuito ou força maior; atenuação da pena, no caso de ser

incompleta – igualmente, acidental; punição, na hipótese de ser voluntária ou

culposa, completa ou incompleta; e, por fim, pena agravada, quando a embriaguez

for preordenada149.

Insta frisar que o Código Penal de 1940 aderiu à teoria da actio libera in causa

para justificar a punibilidade não só nos casos de embriaguez preordenada, como

também nos de embriaguez não acidental. A Exposição de Motivos do referido

Código assim dispõe:

Ao resolver o problema da embriaguez (pelo álcool ou substâncias de efeitos análogos), do ponto de vista da responsabilidade penal, o projeto aceitou em toda a sua plenitude a teoria da actio libera in causa ad libertatem relata, que, modernamente, não se limita ao estado de consciência preordenado, mas a todos os casos em que o agente se deixa arrastar ao estado de inconsciência. Quando voluntária ou culposa, a embriaguez, ainda que plena, não isenta de

responsabilidade.150

Posteriormente, a reforma pela qual passou o Código Penal em julho de 1984

manteve a mesma orientação: dá-se a imputação a título genérico, pelo crime que o

agente possa vir a cometer. Constata-se que foi dada a teoria amplitude que ela

mesma não comporta, responsabilizando alguém que, ao se embriagar, era livre na

causa, sem estabelecer, contudo, o nexo psicológico em relação ao delito que se

segue151.

Sendo assim, o Reforma Penal de 1984, não divergindo do diploma legal de

147

PIERANGELI, José Henrique. Códigos penais do brasil: evolução histórica. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 331.

148 PIERANGELI, José Henrique. A embriaguez penalmente relevante. Revista síntese de direito penal e processual penal, Porto Alegre, Sintese, v. 14, jun. 2002. p.12.

149 GARCIA, Basileu. Instituições de direito penal. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 1. p. 284.

150 HUNGRIA, Nélson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao código penal. 5. ed. t. II. Rio de Janeiro: Forense, 1978. v. 1. p. 384.

151 NORONHA, E. Magalhães. Direito penal. 37. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 1. p. 185.

44

1940, determina que “[...] o dolo e a culpa do injusto devem ser deslocados para a

vontade do sujeito, presente no momento em que ele se colocou no estado de

incapacidade de culpabilidade”152, ou seja, deve o indivíduo responder pelo resultado

que produzir. Logo, para solucionar juridicamente a punição nos casos de

embriaguez voluntária ou culposa, a legislação penal brasileira buscou respaldo na

responsabilidade objetiva, calcada exclusivamente na relação natural de causa e

efeito e que afronta diretamente o princípio do nullum crimen sine culpa adotado pelo

Código Penal vigente153.

152

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. v. 1. p. 474.

153 MIRABETE, Julio Fabbrini; FABRIRNI, Renato N. Manual de direito penal: parte geral. 29. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2013. v. 1. p. 207.

45

3 A TEORIA DA ACTIO LIBERA IN CAUSA E SUA APLICABILIDADE

NA EMBRIAGUEZ

A actio libera in causa é uma figura jurídica de elevada complexidade e que

gera intensa discussão na doutrina, pois encontra dificuldades em compatibilizar-se

com as regras gerais de imputação e responsabilidade abarcadas pela dogmática

penal. Este capítulo reserva-se ao estudo mais aprofundado acerca da teoria, que

detalhará e esclarecerá pontos importantes sobre o tema.

3.1 ORIGEM HISTÓRICA

Embora não seja possível determinar com exatidão o marco inicial da

aplicação da teoria, estudos indicam que foi Aristóteles o primeiro a apresentar uma

solução para os casos de delitos praticados sob a influência do álcool, afirmando

que em tais circunstâncias o autor deveria sofrer uma sanção devido à embriaguez e

outra pelo crime causado durante esse estado de inconsciência154.

No direito romano, Valdir Sznick escreve que as fontes disponíveis não

ofertavam elementos suficientes de informação para um juízo exato referente ao

tratamento penal dado à embriaguez, não obstante haja registros de que esta tenha

sido tomada como causa de diminuição da pena. Assevera o referido autor:

Concluindo, pois, pode-se afirmar que no direito romano, a embriaguez não constituía uma dirimente, no que se refere ao fato em si de embriagar-se, independentemente de qualquer outro ato delituoso, constituía, só por isso, causa de punição, e somente em casos raros, e particulares, podia ser considerado como atenuante de alguns delitos, mas, em regra, essas hipóteses não se incluíam entre os previstos como actio libera in causa.155 (grifo do autor)

A doutrina canônica, por sua vez, “[...] não admitia a imputabilidade sem a

concorrência do discernimento e da vontade livre, mas considerava a embriaguez

um ato reprovável em si mesmo”156. Noutras palavras, mais que ao elemento

objetivo do crime, o direito canônico deu relevância ao elemento subjetivo: se a

embriaguez tirasse a consciência do agente excluía-se a imputabilidade, mas não a

154

TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal: de acordo com a lei n. 7.209, de 11-7-1984 e com a Constituição Federal de 1988. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 322.

155 SZNICK, Valdir. A responsabilidade penal na embriaguez. São Paulo: Leud, 1987. p. 7.

156 SILVA, Haroldo Caetano da. Embriaguez e a teoria da actio libera in causa. Curitiba: Juruá, 2004. p. 76.

46

punição pelo fato de ter-se embriagado157.

Todavia, foi no período da Idade Média, com os práticos italianos, que a teoria

adquiriu os primeiros contornos jurídicos para a sua sistematização atual. Contra os

preceitos do direito canônico insurgiram-se Bártolo (1313-1357) e Baldo (1327-

1406), influentes juristas medievais que firmaram posição no sentido de que a

responsabilidade do autor, ocorrido o evento de ato voluntário, não se determinaria

pela ação principal, mas sim pela ação anterior, no caso, a causa mediata do

crime158. Paulo César Busato buscou sintetizar em poucas linhas o pensamento da

época:

No período dos jurisconsultos italianos se elaborou a formulação que conhecemos hoje em dia. Assim já dizia Bonifácio de Vitalinis que o ébrio não pode ser castigado pelo delito cometido, salvo nas hipóteses de embriaguez voluntária. No mesmo sentido Farinaccio afirmou que não deveria sofrer sanção o sujeito autor de um delito em estado de embriaguez, onde não existe dolo nem culpa. Porém, se o sujeito costuma praticar delitos quando se encontra ébrio e não evita embriagar-se, voltando a cometê-los, deve-se impor uma pena a ele.159

Mesmo com a base conceitual da teoria já definida, ainda não prevalecia um

critério uniforme de sanção para os injustos praticados sob os efeitos do álcool. Na

Holanda e na França do século XVI, punia-se o agente duplamente, assim como

sustentava Aristóteles: pelo crime cometido e pelo estado de embriagamento160.

Situação semelhante ocorria na Inglaterra, onde se punia a embriaguez com multa e,

se dela resultasse delito, o autor teria sua pena agravada161.

Eis que no século XIX, Francesco Carrara se coloca como um dos primeiros a

dar ao problema solução jurídica adequada. O penalista italiano estabeleceu que: a)

na embriaguez preordenada a imputabilidade seria sempre a título de dolo; e b) nos

casos de embriaguez voluntária ou culposa, se completa, a imputação seria a título

de culpa e, se incompleta, seria dolosa, porém, atenuada. A orientação foi adotada

pela maioria dos clássicos e escritores de sua época. Posteriormente, autores

alemães de destaque, como Mayer, Beling e Mezger vieram a ratificar o pensamento

157

SZNICK, Valdir. A responsabilidade penal na embriaguez. São Paulo: Leud, 1987. p. 7-8. 158

NASCIMENTO, Walter Vieira do. A embriaguez e outras questões penais: doutrina – legislação – jurisprudência. 4. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 15.

159 BUSATO, Paulo César. Valoração crítica da actio libera in causa a partir de um conceito significativo de ação. Revista de estudos criminais, Porto Alegre, Notadez Informação, v. 10, set. 2003. p. 63.

160 SZNICK, Valdir. A responsabilidade penal na embriaguez. São Paulo: Leud, 1987. p. 11.

161 SILVA, Haroldo Caetano da. Embriaguez e a teoria da actio libera in causa. Curitiba: Juruá, 2004. p. 77.

47

de Carrara, convergindo num mesmo ponto: “o agente, ao obter o resultado, já o

fazia como instrumento de uma vontade livre anterior”162.

3.2 ESTRUTURA DA ACTIO LIBERA IN CAUSA

3.2.1 Conceito

Para uma melhor análise da teoria e de seu consequente campo de atuação,

insta apontar o significado de todos os vernáculos que compõe a expressão,

vejamos.

Actio é a conduta, que pode ser exteriorizada tanto em ação quanto em

omissão; libera é o adjetivo que se refere à actio, elemento subjetivo e psíquico que

faz ligação com a fase livre e consciente do agente que idealizou a conduta; in causa

significa causa da ação, isto é, do comportamento que determinou as condições

para a produção do resultado; por fim, sive ad libertatem relata, que literalmente quer

dizer “ou ligada à liberdade”, pois trata da vontade de colocar-se em estado de

inconsciência163.

Portanto, a expressão refere-se ao comportamento de quem, em estado de

plena capacidade de entender e querer, se põe em situação de inimputabilidade,

vindo a praticar, nessas condições, algum resultado punível, seja porque se colocou

naquele estado propositalmente, ou sem esta intenção, ou, ainda, quando a podia ou

devia prever164.

Nota-se que a definição compreende tanto a noção da chamada embriaguez

voluntária, seja preordenada ou não, quanto a da embriaguez culposa. A proveniente

de caso fortuito ou força maior não seria para a grande maioria dos autores

considerada voluntária, motivo pelo qual estariam excluídas da abrangência da

teoria165.

Relevante anotar que a ebriedade incompleta não gera a capacidade de

culpabilidade, razão pela qual a teoria em apreço destina-se tão somente aos casos

162

NASCIMENTO, Walter Vieira do. A embriaguez e outras questões penais: doutrina – legislação – jurisprudência. 4. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 19.

163 SZNICK, Valdir. A responsabilidade penal na embriaguez. São Paulo: Leud, 1987. p. 44.

164 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: parte geral. 16. ed. rev. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 250-251.

165 CHAMON JUNIOR, Lúcio Antônio. Responsabilidade penal e embriaguez. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003. p. 133-134.

48

de plena inimputabilidade em que “[...] o quadro psíquico do agente está

completamente perturbado”166.

3.2.2 Momentos

Quando se fala da actio libera in causa refere-se a uma atividade criminosa,

que pode ser dividida cronologicamente em duas fases importantes: a) conduta

antecedente à prática do delito, que determine o evento; b) conduta posterior do

agente, em situação que lhe retire a capacidade de entendimento e de

autodeterminação, e que resulte em uma lesão ao bem jurídico tutelado pela

norma167. Nesse sentido, analisa Valdir Sznick:

A primeira fase, pois, é aquela da proposição (ideação) e do início da execução quando o agente se coloca no estado de transitória incapacidade intelecto-volitiva; a segunda fase é aquela da conduta criminosa: trata-se de uma conduta que, mesmo se desenrolando em um estado de incapacidade é ligada com a primeira fase de consciência plena e de capacidade.168

Essa sucessão de acontecimentos “[...] supõe a supressão da capacidade

ética (intelectiva e volitiva) no momento do crime, porém responsável o agente por

ser livre no instante antecedente”169, ou seja, face a essa liberdade, ainda que o

autor seja inimputável à época da conduta delituosa, deve subsistir a imputabilidade

que possuía quando ainda podia escolher conscientemente.

Ademais, sobre o estágio precedente da punibilidade, enfatiza Muñoz Conde:

Todas as categorias da teoria do delito se referem ao momento da prática do fato. A imputabilidade não poderia ser, neste sentido, uma exceção. A questão de o autor possuir ou não capacidade suficiente para ser considerado culpado refere-se ao momento da prática do fato. A actio libera in causa constitui, assim, uma exceção a este princípio. Neste caso, considera-se também imputável o sujeito que, no momento de praticar seus atos, não era imputável, mas o era no momento em que pensou cometê-los ou pôs em marcha o processo causal que desembocou na ação típica.170

Porém, como se verá a seguir, falta, na hipótese, outro elemento essencial

166

CHAMON JUNIOR, Lúcio Antônio. Responsabilidade penal e embriaguez. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003. p. 134.

167 GOMES, Luiz Flávio; MOLINA, Antonio García-Pablos de. Direito penal: parte geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. v. 2. p. 589.

168 SZNICK, Valdir. A responsabilidade penal na embriaguez. São Paulo: Leud, 1987. p. 107.

169 NORONHA, E. Magalhães. Direito penal. 37. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 1. p. 186.

170 MUÑOZ CONDE, Francisco. Teoria geral do delito. Tradução de: Juarez Tavares e Luiz Regis Prado. Porto Alegre: Fabris, 1988. p. 151.

49

para a configuração da teoria: dolo ou culpa em relação ao crime determinado

quando o sujeito encontra-se ainda imputável171.

3.2.3 Nexo causal

Rememorando o conteúdo abordado no início do presente estudo, a relação

de causalidade, no sentido jurídico, constitui o vínculo entre a conduta e o resultado.

Transportando essa concepção para o tema de fundo, a teoria da actio pode ser

interpretada como uma ação de dois graus: de um lado, está a vontade livre do

sujeito, que possui capacidade de entendimento e de autodeterminação em relação

ao evento; de outro, está a sua atividade não livre, que realiza o resultado. Entre os

dois momentos, encontra-se o elemento essencial à configuração do instituto, qual

seja, o nexo causal. É ele, pois, que estabelece a ligação do autor que operou no

estado de imputabilidade com o que se consumou na situação de

inimputabilidade172.

Ocorre que, nas actiones liberae in causa, o nexo de causalidade não

acompanha todos os momentos do processo executivo. O dolo, de acordo com os

postulados da teoria, não é contemporâneo à infração penal, mas sim ao início da

série causal que se encerra com o resultado danoso173. Basileu Garcia,

sabidamente, contesta o entendimento adotado pelo Código Penal vigente ao

afirmar que

Não percebemos o nexo de causalidade psíquica entre a simples deliberação de ingerir bebida alcoólica e um crime superveniente. O agente não pensa em delinquir. Nem mesmo – admita-se – supõe que vai embriagar-se. Entretanto, embriaga-se totalmente e pratica lesões corporais num amigo. Parece-nos um exagero dizer que ele procedeu com dolo, mediante aplicação do princípio regulador das actiones liberae in causa.174

Celso Delmanto e outros também corroboram a falta de ligação entre o ato de

embriagar-se e o resultado:

171

BRUNO, Aníbal. Direito penal: parte geral, fato punível. 5. ed. t. II. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 102.

172 NASCIMENTO, Walter Vieira do. A embriaguez e outras questões penais: doutrina – legislação – jurisprudência. 4. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 21.

173 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 21. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015. v. 1. p. 493.

174 GARCIA, Basileu. Instituições de direito penal. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 1. p. 284.

50

Essa teoria também não se sustenta, mesmo porque a conduta daquele que se encontra em estado de inimputabilidade é evidentemente imprevisível, estando fora do controle do agente, sendo difícil, para não dizer impossível, estabelecer vínculo psicológico entre a conduta praticada sob estado de inimputabilidade e o seu estado anterior.175

É bem verdade que a teoria em apreço explica a punição dos crimes

cometidos mediante embriaguez preordenada, pois nesta o evento é previsto e

querido pelo agente. A hipótese é perfeitamente válida até mesmo para os casos nos

quais o sujeito, antes de embriagar-se, assumiu o risco de cometer o delito, ou

poderia prever sua prática. Não justifica, porém, a hipótese de embriaguez voluntária

ou culposa em que o agente não desejou, não previu, nem havia elementos de

previsão da ocorrência do resultado176.

Nesse viés, é forçoso concluir que somente haverá actio libera in causa

quando, no espírito do agente, antes de embriagar-se, existir dolo ou culpa no

tocante ao fato criminoso, e não só em relação à embriaguez177. Dolo e culpa

pressupõem “[...] a normalidade da relação psicológica, normalidade que deve ser

excluída se o sujeito agente se encontrar em condições de incapacidade penal”178.

Inexistindo o nexo psicológico quanto ao delito, evidentemente será objetiva a

responsabilidade179.

3.2.4 Fundamento da punibilidade

Na tentativa de embasar a punição nas actiones liberae in causa, os

estudiosos sobre o tema lançaram mão de diversas posições. Uma das correntes de

maior aceitação é aquela que associa a punição do autor à sua causa de exclusão

da culpabilidade, que se interpreta como um nexo de causalidade doloso ou

imprudente em relação ao resultado lesivo180. Busca-se considerar a própria conduta

175

DELMANTO, Celso et al. Código penal comentado: acompanhado de comentários, jurisprudência, súmulas em matéria penal e legislação complementar. 8. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 192.

176 JESUS, Damásio de. Direito penal: parte geral. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. v. 1. p. 557.

177 BRUNO, Aníbal. Direito penal: parte geral, fato punível. 5. ed. t. II. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 102.

178 BETTIOL, Giuseppe. Direito penal: versão portuguesa do original italiano diritto penale – parte generale. Campinas: Red Livros, 2000. p. 380.

179 NORONHA, E. Magalhães. Direito penal. 37. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 1. p. 186.

180 ROXIN, Claus. Observaciones sobre la <<actio libera in causa>>. Anuario de derecho penal y ciencias penales, Madrid, Ministerio de Justicia, t. XLI, fasc. I, enero-abril 1988. p.22. Tradução

51

de embriagar-se como um início da execução do fato criminoso e não mero ato

preparatório181.

À vista disso, ou a culpa (lato sensu) acompanha o processo causal até o

estado de inconsciência; ou a primeira ação já é considerada ato de execução; ou os

atos executórios se esgotam na fase inicial, constituindo-se o segundo momento em

mero instrumento para a prática delituosa. Em qualquer das situações, o dolo ou

culpa que possui o agente quando imputável prolonga-se por todo o iter criminis por

ele provocado, alcançando o fato praticado sob os efeitos da embriaguez182.

Partindo desse pressuposto, o agente que se coloca em situação de

inconsciência e, nessa circunstância, pratica um crime, faz-se instrumento da própria

deliberação criminosa183. Aquele que se embriaga – escreve Roxin – é,

teoricamente, um autor mediato, que utiliza sua própria pessoa, em situação de

incapacidade de culpabilidade, como mediador do fato, não diferindo, em princípio,

daquele que usa de outro indivíduo incapaz de culpabilidade para a execução do

delito184.

No entanto essa teoria não se sustenta, pois “não se pode em verdade dizer

que haja iniciado a execução do crime quem se colocou em estado de incapacidade

sem ter ainda cumprido um ato idôneo à realização do próprio crime”185. Ora,

aceitando tal critério, a ação, por exemplo, daquele que faz uso de uma substância

estupefaciente já faria parte do processo executivo do delito consumado em estado

de inimputabilidade186, e como afirmado anteriormente, não se coaduna que a mera

iniciativa de embriagar-se possa, só por si, ser condição imputável do ponto de vista

livre de: “El modelo de la tipicidad vincula el castigo del autor a su conducta causante de la exclusión de la culpabilidad, que se interpreta como una causación dolosa o imprudente del resultado.”

181 DELMANTO, Celso et al. Código penal comentado: acompanhado de comentários, jurisprudência, súmulas em matéria penal e legislação complementar. 8. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 192.

182 SILVA, Haroldo Caetano da. Embriaguez e a teoria da actio libera in causa. Curitiba: Juruá, 2004. p. 92.

183 BRUNO, Aníbal. Direito penal: parte geral, fato punível. 5. ed. t. II. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 34.

184 ROXIN, Claus. Observaciones sobre la <<actio libera in causa>>. Anuario de derecho penal y ciencias penales, Madrid, Ministerio de Justicia, t. XLI, fasc. I, enero-abril 1988. p. 22. Tradução livre de: “El que se embriaga es, en cierto modo, un autor mediato, que utiliza su propia persona, en situación de incapacidad de culpabilidad, como mediador del hecho, no diferenciandose, en principio, del que se sirve de otra persona incapaz de culpabilidad para la ejecución del delito.”

185 BETTIOL, Giuseppe. Direito penal: versão portuguesa do original italiano diritto penale – parte generale. Campinas: Red Livros, 2000. p. 363.

186 BETTIOL, Giuseppe. Direito penal: versão portuguesa do original italiano diritto penale – parte generale. Campinas: Red Livros, 2000. p. 363.

52

da actio libera in causa sem que se considere o caráter da ação anterior em relação

ao resultado187.

Ademais, como bem registra Roxin, a principal objeção que se formulou

contra tal modelo assinala que não há como se considerar típica a ação de quem se

coloca em situação de inimputabilidade188. Para que não se constitua uma arbitrária

violação ao princípio da culpabilidade, o agente deve responder na proporção de sua

intencionalidade na fase em que se encontrava ainda imputável, e não no momento

em que comete a infração penal, conforme exemplifica Bitencourt:

Assim, quando o marido ciumento se embriaga e dá uma surra na esposa ao chegar em casa, sabendo que o consumo do álcool lhe provoca um estado incontrolável de agressividade, ele pode ser culpável pelo crime de lesões corporais, que será doloso ou culposo, dependendo da intencionalidade no momento em que começa a ingerir a bebida alcoólica. Dessa forma, é possível fundamentar a culpabilidade do marido – assim como nos demais casos de actio libera in causa – na medida em que aquele era imputável no momento em que deu início ao processo causal que, de maneira previsível, poderia resultar nas lesões corporais.189

Em síntese, “[...] na linha normal da causalidade, não será exato dizer que o

fato de pôr-se o agente em estado de inimputabilidade seja um ato executivo do

resultado punível”190.

Em sentido semelhante, Bettiol funda a punibilidade no princípio da causa

causae est causa causati: aquele que determina voluntariamente situação da qual

deriva um evento lesivo responde penalmente pelo resultado, independentemente do

fato de ter sido querido ou previsto191. A conduta inicial, que é a causa primeira de

tudo o que sobrevém, liga-se ao evento final em razão de uma relação

consequencial, pois se pressupõe que quem quis a causa causarum deve ter

querido o último anel da cadeia recursal192. Sobre o significado da expressão latina,

187

NASCIMENTO, Walter Vieira do. A embriaguez e outras questões penais: doutrina – legislação – jurisprudência. 4. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 23.

188 ROXIN, Claus. Observaciones sobre la <<actio libera in causa>>. Anuario de derecho penal y ciencias penales, Madrid, Ministerio de Justicia, t. XLI, fasc. I, enero-abril 1988. p.22. Tradução livre de: “La principal objeción que, con numerosas variantes a las que después se aludira, se há formulado contra este modelo, señala que el ponerse en una situación de inimputabilidad no puede considerarse como una acción típica.”

189 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 21. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015. v. 1. p. 492.

190 BRUNO, Aníbal. Direito penal: parte geral, fato punível. 5. ed. t. II. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 34.

191 BETTIOL, Giuseppe. Direito penal: versão portuguesa do original italiano diritto penale – parte generale. Campinas: Red Livros, 2000. p. 363.

192 GARCIA, Basileu. Instituições de direito penal. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 1. p. 285.

53

interessante se faz acrescentar o ensinamento de Francisco de Assis Toledo:

O raciocínio é simples: embora o agente não esteja no pleno gozo de suas faculdades de compreensão e de autodeterminação, no momento do fato, essa situação transitória de inimputabilidade seria resultante de um anterior ato livre de vontade. Daí esta outra expressão latina que resume o princípio que informa a teoria em exame: causa causae est causa causati: (a causa da causa é também causa do que foi causado).193

Contudo, repise-se, para que seja o autor responsabilizado, é mister encontrar

uma continuidade psicológica entre a deliberação de embriagar-se e a causação do

resultado194.

Outro embate dirigido à aplicabilidade da teoria reside no fato dela fugir à

regra no momento em que se verifica a imputabilidade penal. Segundo os adeptos

desta corrente, a punibilidade das ações livres na causa representa uma exceção,

“[...] entendendo-se haver uma ‘vontade residual’ na pessoa que se pôs

voluntariamente no estado de inimputabilidade a fim de reduzir os seus freios

inibitórios”195.

A vontade residual, na definição de Valdir Sznick, compreende um resquício

de consciência e vontade que conduz o agente a uma determinada atividade. O

autor complementa citando como exemplo “[...] o caso do embriagado que, sempre

nesse estado, regressa para sua casa ou vai ao trabalho sem ajuda de ninguém: o

pensamento de ir ao trabalho ou de retornar para casa o guia”196.

De sua parte, Nelson Hungria, aderindo à extensiva conceituação da teoria,

advoga que as conturbações por intoxicação alcoólica ou por outra substância

entorpecente não são tão profundas a ponto de excluir por completo o poder de

inibição; logo, em face da adoção da actio, persiste a responsabilidade do sujeito

que, por ato voluntário seu, ainda que culposo, vem a cometer uma ação (ou

omissão) violadora da lei penal em situação de incapacidade de culpabilidade197.

Fernando Capez, partidário da aceitação das actiones liberae in causa, assim

interpreta:

193

TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal: de acordo com a lei n. 7.209, de 11-7-1984 e com a Constituição Federal de 1988. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 323.

194 JESUS, Damásio de. Direito penal: parte geral. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. v. 1. p. 557.

195 DELMANTO, Celso et al. Código penal comentado: acompanhado de comentários, jurisprudência, súmulas em matéria penal e legislação complementar. 8. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 192.

196 SZNICK, Valdir. A responsabilidade penal na embriaguez. São Paulo: Leud, 1987. p. 37.

197 HUNGRIA, Nélson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao código penal. 5. ed. t. II. Rio de Janeiro: Forense, 1978. v. 1. p. 385.

54

Exemplo: um estudante, após ingerir grande quantidade de álcool, vai participar de uma festividade, na qual, completamente embriagado, desfere um disparo de arma de fogo na cabeça de seu colega, matando-o. Passada a bebedeira, desesperado, chora a morte do amigo, sem se lembrar de nada. [...] pela teoria da actio libera in causa, responderá por homicídio doloso, presumindo-se, sem admissão de prova em contrário, que estava sóbrio no momento em que praticou a conduta.198

Para justificar sua posição, Hungria baseia-se na chamada responsabilidade

por ampliação do critério voluntarístico, ditada por motivos de índole social199. Esta,

por sua vez, “[...] sendo admitida excepcionalmente quando for de todo necessário

para não deixar o bem jurídico sem proteção”200. Nota-se que a explicação do jurista,

ainda que velada, encontra respaldo na responsabilidade penal objetiva, pura e

simplesmente para salvaguardar os interesses sociais. Nessa linha, correta é a

observação de Bitencourt ao constatar que se aplica uma construção política e não

dogmática. Extrai-se o seguinte excerto:

Trata-se, inegavelmente, de uma política criminal completamente equivocada e intolerável em um Estado Constitucional e Democrático de Direito, como é o atual Estado brasileiro. Cabe à doutrina e à jurisprudência brasileiras adaptarem o superado diploma penal brasileiro interpretando-os à luz dos princípios político-criminais democráticos e, fundamentalmente, observando rigorosamente os princípios da actio libera in causa [...].201

Essa concepção é duramente combatida pela maioria da doutrina porque,

concatenando com as ideias expostas no primeiro capítulo deste trabalho,

incompatível com o modelo finalista da ação adotado pelo Código Penal. Prevaleceu

a equivocada regra que impõe sanção àquele que agiu desprovido de dolo ou culpa,

ou sem que tenha ficado demonstrada a sua culpabilidade, embasado no simples

nexo de causalidade material202. Qualquer tentativa no sentido de se prescindir da

culpa em relação ao fato deve ser rejeitada, justamente por implicar a admissão da

responsabilidade objetiva, que se chocaria com o princípio básico de todo o sistema

– o nullum crimen sine culpa203.

198

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. v. 1. p. 334.

199 HUNGRIA, Nélson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao código penal. 5. ed. t. II. Rio de Janeiro: Forense, 1978. v. 1. p. 386.

200 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. v. 1. p. 334.

201 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 21. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015. v. 1. p. 494.

202 JESUS, Damásio de. Direito penal: parte geral. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. v. 1. p. 501.

203 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal: de acordo com a lei n. 7.209, de 11-7-1984 e com a Constituição Federal de 1988. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 308.

55

3.3 DA ACTIO LIBERA IN CAUSA EM OUTRAS LEGISLAÇÕES

A partir de experiências estrangeiras podemos encontrar soluções, ou pelo

menos novos caminhos, para questões complexas, como a que ora se examina: a

teoria da actio libera in causa. Muito embora não se pretenda aqui um profundo

exercício comparativo entre os ordenamentos jurídicos, cumpre identificar, em linhas

gerais, como o tema é enfrentado por outros países.

3.3.1 Itália

No Código Penal da Itália, que inspirou a legislação brasileira correlata,

estipula o artigo 85 que a capacidade de compreensão e autodeterminação deve

subsistir no momento em que o agente cometeu o ato criminoso. Dessa forma,

ninguém poderá ser punido por um fato previsto na lei como crime, se, na

circunstância em que o tenha praticado, não era imputável204.

Nem por isso, diga-se de passagem, os autores italianos deixaram de divergir

quanto ao entendimento da matéria. Alguns procuraram a razão da punição no dolo

ou culpa existente no momento da imputabilidade; outros afirmaram que é preciso

que a atividade delituosa do agente esteja precedida de uma conduta voluntária,

ainda que simplesmente culposa. Após longos debates doutrinários, acabou-se

entendendo que as ações livres em sua causa abarcam não somente os casos de

dolo, mas também os de culpa205. De outra banda, já tem se manifestado uma

tendência moderna no sentido da punição mais severa a própria embriaguez, ao

contrário de se punir o evento ocorrido em tal situação206.

Outrossim, em ambas as legislações – italiana e brasileira – não se pune o

fato praticado em estado de embriaguez plena proveniente de caso fortuito e força

maior e, de outra parte, aumenta-se a pena na hipótese de embriaguez

preordenada207.

204

BETTIOL, Giuseppe. Direito penal: versão portuguesa do original italiano diritto penale – parte generale. Campinas: Red Livros, 2000. p. 362.

205 CHAMON JUNIOR, Lúcio Antônio. Responsabilidade penal e embriaguez. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003. p. 216.

206 NASCIMENTO, Walter Vieira do. A embriaguez e outras questões penais: doutrina – legislação – jurisprudência. 4. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 27.

207 SILVA, Haroldo Caetano da. Embriaguez e a teoria da actio libera in causa. Curitiba: Juruá,

56

3.3.2 Alemanha

O Código alemão seguiu direção diferente do Código italiano, situando de

maneira mais abrangente a hipótese da actio libera in causa. A redação do § 323a

reconhece a condição de inimputável ao agente em estado de embriaguez plena,

mas o pune pela ação típica praticada nesse estado, desde que este tenha sido por

ele provocado dolosa ou culposamente208. A propósito, enfático é o esclarecimento

de Franz Von Liszt:

O indivíduo que envenena dolosamente uma fonte e depois se embriaga, não deixa de ser responsável, porque, enquanto se achava em estado de completa embriaguez, as pessoas compreendidas pelo seu dolo beberam da fonte envenenada.209

E complementa ao aduzir que, se, no caso dado, há nexo causal e dolo

quanto ao resultado, nenhuma dificuldade encontrará a apreciação jurídica210.

É notável que, enquanto na actio libera in causa o que conta é a intenção

referente ao desfecho, na circunstância do § 323a a importância da vontade do

sujeito desloca-se para o fato de embriagar-se, ou seja, o dolo e a culpa referem-se

ao ato de se intoxicar, e não ao evento ilícito que posteriormente, porventura, possa

surgir211. Além disso, observa-se que a embriaguez, dolosa ou culposamente

alcançada, “[...] há de ser plena, pois se incompleta for ensejará a aplicação normal

das regras atinentes aos delitos em geral”212.

3.3.3 Portugal

Em Portugal, a orientação guarda ligeira sintonia com o preceito alemão: o

agente é punido não pela infração cometida durante o estado de inimputabilidade,

mas sim pelo fato de embriagar-se culpavelmente. Não se exige, para fins de

2004. p. 96.

208 BRUNO, Aníbal. Direito penal: parte geral, fato punível. 5. ed. t. II. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 103.

209 LISZT, Franz Von. Tratado de direito penal allemão: obra fac-similar. Brasília: Senado Federal, 2006. v. 1. p. 260.

210 LISZT, Franz Von. Tratado de direito penal allemão: obra fac-similar. Brasília: Senado Federal, 2006. v. 1. p. 261.

211 CHAMON JUNIOR, Lúcio Antônio. Responsabilidade penal e embriaguez. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003. p. 226.

212 CHAMON JUNIOR, Lúcio Antônio. Responsabilidade penal e embriaguez. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003. p. 226.

57

aplicação da actio, a permanência do dolo ou da culpa através de todos os

momentos do processo executório do crime; basta tão somente que a negligência

exista em qualquer fase da execução213, a teor do que dispõe o artigo 295 do Código

Penal lusitano214.

3.3.4 Espanha

O artigo 20, 2º do Código Penal espanhol de 1995 isenta de responsabilidade

criminal quem executa infração penal estando intoxicado por completo, em

decorrência do consumo de substâncias produtoras de tal estado: bebidas

alcoólicas, drogas tóxicas, estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou outras de

efeito análogo. Para tanto, necessário o autor contemplar algum destes três

requisitos: a) não ter sido o estado de intoxicação alcançado preordenadamente; b)

ter se intoxicado sem prever ou sem ter condições de antever o advento do delito; ou

c) ter se intoxicado sob a influência da síndrome de abstinência, ocasionada pelas

mencionadas substâncias tóxicas, impedindo o sujeito de compreender a ilicitude do

fato e de determinar-se em consequência215.

O texto da lei, entretanto, não mencionou expressamente, tampouco

solucionou a questão de quando o agente assume o resultado ilícito. Certamente a

doutrina e a jurisprudência poderão aplicar a pena a título de dolo, baseando-se na

teoria da actio libera in causa216.

3.4 CRÍTICA À TEORIA

Embora a actio libera in causa seja utilizada para fundamentar os delitos

213

SILVA, Haroldo Caetano da. Embriaguez e a teoria da actio libera in causa. Curitiba: Juruá, 2004. p. 99.

214 Artigo 295 - Quem, pelo menos por negligência, se colocar em estado de inimputabilidade derivado da ingestão ou consumo de bebida alcoólica ou de substância tóxica e, nesse estado, praticar um facto ilícito típico, é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias.

215 Tradução livre de: “Artículo 20 - Están exentos de responsabilidad criminal: [...] 2º - El que al tiempo de cometer la infracción penal se halle en estado de intoxicación plena por el consumo de bebidas alcohólicas, drogas tóxicas, estupefacientes, sustancias psicotrópicas u otras que produzcan efectos análogos, siempre que no haya sido buscado con el propósito de cometerla o no se hubiese previsto o debido prever su comisión, o se halle bajo la influencia de un síndrome de abstinencia, a causa de su dependencia de tales sustancias, que le impida comprender la ilicitud del hecho o actuar conforme a esa comprensión.”

216 CHAMON JUNIOR, Lúcio Antônio. Responsabilidade penal e embriaguez. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003. p. 222.

58

praticados sob o estado de embriaguez, a teoria, contudo, não se apresenta apta a

solucionar a problemática da maneira que exige um Direito Penal da culpa, vejamos

o porquê.

Como já é notório, no estado de completa embriaguez “[...] a consciência está

tão deturpada que não podemos sequer cogitar de imputabilidade para a realização

de um juízo jurídico de reprovação”217. Isso ocorre em face da total ausência de

capacidade que possui o indivíduo de compreender a ilicitude de seu ato e de

livremente querer praticá-lo218.

A constatação da imputabilidade, assim como da culpabilidade, dar-se-á,

desse modo, no momento da atividade criminosa, pois era, temporalmente, o

instante da expressão da vontade. Nessa toada, temos, então, na actio libera in

causa, uma culpabilidade desvirtuada, que sustenta o juízo de reprovação não no

momento da conduta legalmente descrita, mas em uma fase anterior219.

Afora as críticas mostrarem que não se aplica a teoria em comento às

hipóteses de imprevisibilidade do resultado criminoso pelo autor embriagado,

verifica-se, todavia, que muitos dos doutrinadores que se debruçaram sobre o

assunto ainda seguem o entendimento no sentido de que a punição do agente deve

levar em conta não a ocasião em que o indivíduo se coloca em estado de

embriaguez, mas sim o momento da prática do fato, enquanto ainda imputável.

Essa assertiva não merece prosperar, pois, vale ratificar, “[...] o que é livre na

sua causa não é a ação criminosa, mas somente a embriaguez”220. O embriagar-se

não pode ser considerado o fator decisivo para configurar o nexo de causalidade até

o resultado delituoso, muito menos ser referência para caracterizar dolo ou culpa no

momento precedente ao evento.

Por outro lado, nas já referidas situações de preordenação, a mera conduta

de intoxicar-se constitui instantaneamente ato inicial do comportamento típico, pois o

animus do indivíduo é o de justamente, em estado de inimputabilidade, executar o

ilícito. Nestas, assiste razão a aplicação da actio libera in causa, pois deve haver

uma relação entre a vontade de intoxicar-se e a realização do crime.

217

CHAMON JUNIOR, Lúcio Antônio. Responsabilidade penal e embriaguez. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003. p. 167.

218 NORONHA, E. Magalhães. Direito penal. 37. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 1. p. 164.

219 CHAMON JUNIOR, Lúcio Antônio. Responsabilidade penal e embriaguez. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003. p. 169.

220 BRUNO, Aníbal. Direito penal: parte geral, fato punível. 5. ed. t. II. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 102.

59

Assim sendo, é sobremodo importante assinalar que é possível embasar de

maneira coerente a culpabilidade do sujeito nas hipóteses de crimes cometidos sob

o estado de embriaguez, desde que se demonstre que o resultado produzido é

imputável ao comportamento antecedente à situação de inimputabilidade221. Como

bem ensina Walter Vieira do Nascimento,

[...] o critério de imputabilidade só há de ser validamente arguido quando o agente, pelas circunstâncias em que se encontra, está obrigado à previsibilidade de que, se se puser em estado de embriaguez, poderá dar causa a um resultado lesivo.222

Em complemento, o mesmo autor ilustra:

Por exemplo, o motorista que, saltando do carro, entra num bar para tomar um refrigerante, mas aceita o convite para ingerir bebida alcoólica, e já completamente embriagado, volta ao volante, provocando um acidente.223

Ademais, não serve a afirmativa que diz que o sujeito vale de si mesmo como

um instrumento para a prática do evento. Como foi visto, o agente não possui livre

domínio da circunstância ou fato quando ébrio, e, embora os doutrinadores neguem,

aceitar que seja o autor responsabilizado sem qualquer conotação de nexo

subjetivo224 é consagrar a responsabilidade penal objetiva, ou, pelo menos, carência

de culpabilidade em grau relevante para o Direito Penal225.

Deve-se aqui explicar que, de acordo com os princípios basilares que regem a

dogmática jurídica atual, todo e qualquer resultado só pode ser penalmente

imputável àquele que o causou ao menos culposamente. Por conseguinte, o

desfecho deve ser ao menos previsível, caso contrário, não haverá

responsabilização226.

Com isso, entende-se que a responsabilidade subjetiva e o resultado causado

dolosa ou culposamente são noções que caminham juntas. Mas não basta que haja

ao menos culpa: é essencial que a culpabilidade esteja completamente presente.

Isso significa que a imputabilidade – como seu pressuposto – deve ser verificável no

221

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 21. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015. v. 1. p. 493-494.

222 NASCIMENTO, Walter Vieira do. A embriaguez e outras questões penais: doutrina – legislação – jurisprudência. 4. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 23.

223 NASCIMENTO, Walter Vieira do. A embriaguez e outras questões penais: doutrina – legislação – jurisprudência. 4. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 23.

224 SZNICK, Valdir. A responsabilidade penal na embriaguez. São Paulo: Leud, 1987. p. 65.

225 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 21. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015. v. 1. p. 493.

226 CHAMON JUNIOR, Lúcio Antônio. Responsabilidade penal e embriaguez. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003. p. 107.

60

momento da conduta. Punir um inimputável é recorrer ao objetivismo, posto que é

quando da realização do ato que o sujeito deve ter a possibilidade de avaliar e

refletir acerca de sua própria ação227.

Feitas essas considerações, pode-se concluir que uma doutrina como a da

actio libera in causa não pode ser tida como a adotada para solucionar as

dificuldades suscitadas pela embriaguez, especialmente aquela proveniente da

única intenção de intoxicar-se, seja dolosa ou culposamente. Apesar de toda a

construção teórica existente, ainda pune-se o agente por uma questão de política

criminal, baseando-se em uma ficção jurídica e desconsiderando o efeito subjetivo

que, no sistema da lei em vigor, seria necessário para a incriminação do fato. O

conflito entre a lógica jurídica e as exigências politicamente convenientes suprimem

as garantias que decorrem do ordenamento pátrio, sobretudo em matéria de

culpabilidade228.

227

CHAMON JUNIOR, Lúcio Antônio. Responsabilidade penal e embriaguez. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003. p. 107-108.

228 BRUNO, Aníbal. Direito penal: parte geral, fato punível. 5. ed. t. II. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 103.

61

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Muito se fala em torno de três conceitos que, indubitavelmente, guardam

estreita relação com a questão da embriaguez: culpabilidade, imputabilidade e

responsabilidade. Estes institutos envolvem uma das mais complexas searas dentro

da teoria geral do delito. As constantes alterações referentes a quaisquer destas

definições, especialmente no que tange a culpabilidade, mostra-nos um campo

controvertido dentro da dogmática penal.

Todavia, conforme foi demonstrado no decorrer do presente estudo, são

termos que não se confundem, sobretudo se for assimilado que cada noção

depende, sucessivamente, da outra para a configuração do juízo de censura do ato

criminoso praticado e de sua consequente responsabilização.

O instituto da culpabilidade sofreu uma longa evolução com o passar dos

séculos, desde a teoria causal, onde bastava o nexo de causalidade entre a conduta

do agente e resultado para que houvesse punição, transitando por uma concepção

psicológica, que levava em conta o vínculo subjetivo do agente com o crime, até

chegar à atual corrente finalista da ação, a qual adotou a responsabilidade subjetiva,

exigindo dolo ou culpa para se imputar sanção a uma conduta delituosa.

Nesse contexto, a culpabilidade passa a ter como pressuposto, além da

potencial consciência da ilicitude e da exigibilidade de conduta diversa, a

imputabilidade, que se refere à aptidão do indivíduo de entender o caráter ilícito de

seu comportamento e de determinar-se segundo esse entendimento. Logo, só há

delito se o agente detiver, à época da ação ou omissão, essa capacidade de

culpabilidade.

Essa transformação é sobremaneira importante, uma vez que é o conceito

dogmático de culpabilidade que fundamenta a punição estatal; por conseguinte,

representa uma garantia para o infrator frente aos possíveis excessos do poder

punitivo do Estado.

Transportando essa concepção para a embriaguez, a fim de justificar os

crimes praticados sob os efeitos do álcool ou de substância análoga, a doutrina

juspenalista, aliada ao entendimento dos tribunais, buscou respaldo na chamada

teoria da actio libera in causa, a qual carece de qualquer significado cientificamente

palpável.

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Para a teoria, é no momento de imputabilidade que deve o agente ter

consciência, atual ou potencial, da ilicitude do fato, além de uma liberdade de se

autodeterminar.

Há de se admitir que o embriagamento preordenado é suficiente para

responsabilizar o agente pelo resultado ilícito, caso contrário seria negar a realidade

que o indivíduo, ao se intoxicar, não quer cometer crime algum; porém, carece de

validade a aplicação da teoria nos casos de embriaguez não acidental, onde o

sujeito não desejou, não previu, ou sequer havia elementos de previsão da

ocorrência do evento criminoso superveniente.

Além do mais, punir aquele que não possuía dolo ou culpa quanto ao delito,

mas tão somente à embriaguez, afronta diretamente os princípios que norteiam o

direito penal. Recorrer à teoria da actio libera in causa quando não há qualquer

previsibilidade de vir a acontecer uma infração praticada pelo agente em estado de

embriaguez é consagrar a responsabilidade penal objetiva, em outras palavras, é

privar o agente do devido juízo de reprovação.

O que ocorre, na prática, é uma pretensa solução jurídica diante de um texto

legal precário do ponto de vista político. Há inclusive aqueles que visualizam em tal

hipótese uma exceção em que a responsabilidade penal objetiva seria adotada em

nosso sistema jurídico penal por ausência de outra opção para punir o agente.

O legislador, por meio dessa ficção, dá por imputável quem, em verdade, não

o é, transportando a capacidade de culpabilidade do momento em que deve ser

conferida, qual seja, da ação ou omissão, para uma fase anterior, onde não há

qualquer conduta punível.

Cabe ao legislador a árdua tarefa de atualizar o diploma penal à luz dos

princípios basilares que compõem o sistema, a fim de tornar legítima uma punição

merecida. Segue o exemplo de países que acolheram um tipo autônomo para o

crime de embriaguez, tais como Alemanha e Portugal.

Portanto, deve-se repelir a teoria da actio libera in causa, pois além de se

demonstrar completamente inoperante e assistemática dentro da moderna

dogmática, é também falha por tratar genericamente as condutas praticadas em

estado de embriaguez, mormente na modalidade não acidental.

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