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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA - PROPPEC CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA – CPCJ PROGRAMA DE MESTRADO ACADÊMICO EM CIÊNCIA JURÍDICA – PMCJ ANÁLISE DA PROPRIEDADE INTELECTUAL COMO DIREITO (NÃO) FUNDAMENTAL NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DANIELE CRISTINA ROSSETTO Itajaí (SC), junho de 2006.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA - PROPPEC CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA – CPCJ PROGRAMA DE MESTRADO ACADÊMICO EM CIÊNCIA JURÍDICA – PMCJ

ANÁLISE DA PROPRIEDADE INTELECTUAL COMO DIREITO (NÃO) FUNDAMENTAL NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA

DANIELE CRISTINA ROSSETTO

Itajaí (SC), junho de 2006.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA - PROPPEC CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA – CPCJ PROGRAMA DE MESTRADO ACADÊMICO EM CIÊNCIA JURÍDICA – PMCJ

ANÁLISE DA PROPRIEDADE INTELECTUAL COMO DIREITO (NÃO) FUNDAMENTAL NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA

Daniele Cristina Rossetto

Dissertação submetida à Universidade do Vale

do Itajaí – UNIVALI , como requisito à obtenção

do grau de Mestre em Ciência Jurídica.

Orientador: Prof. Dr. Álvaro Borges de Oliveira

Itajaí (SC), junho de 2006.

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Meus Agradecimentos:

A Deus, por ter sido fiel em todas as horas;

Aos meus pais que me permitiram desfrutar

desse maravilhoso momento.

Às minhas irmãs por terem sido mães nos

momentos de minhas ausências.

Ao meu orientador e amigo, Prof. Álvaro, pelas

importantes contribuições, paciência e por

dividir seu conhecimento.

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Este trabalho dedico:

Ao Fernando Callfass, companheiro nos

objetivos de vida.

Meu filho Lucas, pelos momentos subtraídos da

nossa convivência na esperança de um mundo

melhor.

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Não pensem sempre que tudo está perdido

quando não se pode descobrir, no fundo de uma

obra, alguma idéia ou pensamento abstrato.

Perguntam-me que idéia eu procurei encarnar

no meu Fausto!

Como se eu soubesse, como se eu mesmo o

pudesse dizer!

Goethe

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DECLARAÇÃO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total

responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho,

isentando a Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI, a Coordenação do

Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer

responsabilidade acerca do mesmo.

Itajaí (SC), 17 de julho de 2006.

Daniele Cristina Rossetto Mestranda

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ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CRFB/88 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

CC/02 Código Civil Brasileiro de 2002

UNIVALI Universidade do Vale do Itajaí

PMCJ Programa de Mestrado em Ciência Jurídica

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ROL DE CATEGORIAS

Rol de categorias que o Autor considera estratégicas à

compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos

operacionais.

Constituição:

É um sistema de normas jurídicas que organizam os poderes do Estado e

protegem os direitos da pessoa humana.1

Direito Autoral:

O direito autoral compreende o direito do autor e os direitos conexos. Pois cuida a

lei de amparar não somente o criador da obra intelectual, mas também aqueles

que auxiliam e servem de veículo para sua divulgação.2

Direito de Autor:

O direito de autor é um poder de senhorio de um bem intelectual, poder esse que,

em razão, da sua natureza especial, abraça no seu conteúdo faculdades de

ordem pessoal e faculdades de ordem patrimonial.3

Direito Privado:

Direito privado é o que regula as relações entre particulares naquilo que de seu

peculiar interesse.4

Direito Público:

[...] o direito que tem por finalidade regular as relações do Estado, dos estados

entre si, do Estado com relação a seus súditos, quando procede com seu poder

de soberania, isto é, poder de império. 5

1 Formulado a partir de CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do Direito Constitucional , p. 81. 2 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: direitos reais, p. 592. 3 CHAVES, Antonio. Direito de Autor , v. I – Princípios Fundamentais, p. 7. 4 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil , p. 90. 5 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil , p. 90.

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Direitos Fundamentais:

[...] aquelas posições jurídicas concernentes às pessoas, que, do ponto de vista

do direito constitucional positivo, foram, por seu conteúdo e importância

(fundamentalidade em sentido material), integradas ao texto da Constituição e,

portanto, retiradas da esfera de disponibilidade dos poderes constituídos

(fundamentalidade formal), bem como as que, por seu conteúdo e significado,

possam lhes ser equiparados, agregando-se à Constituição material, tendo, ou

não, assento na Constituição formal (aqui considerada a abertura material do

catálogo).6

Estado:

[...] complexo político, social e jurídico, que envolve a administração de uma

sociedade estabelecida em caráter permanente em um território e dotado de

poder autônomo.7

Estado contemporâneo :

[...] o Estado Contemporâneo é caracterizado pela disparidade de condições entre

os homens, deve perseguir o respeito aos Valores Fundamentais da Pessoa

Humana, e em sua condição de instrumentalidade objetivar o alcance da efetiva

democracia.8

Função Social da Propriedade:

[...] consiste em que a propriedade deve cumprir um destino economicamente útil,

produtivo, de maneira a satisfazer as necessidades sociais preenchíveis pela

espécie tipológica do bem, cumprindo sua vocação natural, de modo a canalizar

as potencialidades residentes no bem em proveito da coletividade ou pelo menos,

não poderá ser utilizada de modo a adversá-las .9

Jus-naturalistas:

[...] os pensadores que buscavam conciliar uma ordem legal e uma origem divina

(natural), através da fundamentação dos direitos a partir da natureza humana.

6 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais ,p. 85. 7 NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito , p. 153. 8 PASOLD, César Luiz. Função Social do Estado Contemporâneo , p. 76. 9 MELO, Celso Antonio Bandeira de. Novos aspectos da função social da propriedade , p. 43.

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Princípio:

[...] são normas que ordenam a realização de determinado direito na maior

medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes, são

"mandamentos de otimização". 10

Propriedade:

[...] é o instituto jurídico que atribui o vinculo de subordinação de uma coisa ou

direito identificável à uma pessoa, em nome próprio ou em conjunto com outras

pessoas, conferindo-lhe o direito de uso, domínio, fruição e gozo, dentro das

regras que o respectivo sistema jurídico sustenta, admitindo a exclusão dos

demais.11

Propriedade Industrial:

[...] é a soma dos direitos que incidem sobre as concepções ou as produções da

inteligência, trazidas à indústria para sua exploração ou para o proveito

econômico de quem as inventou ou as imaginou.12

Propriedade Intelectual:

[...] é toda a criação do espírito humano capaz de proporcionar utilidade,

benefício, gozo, lazer ou alguma espécie de satisfação interior.13

10 ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales , p. 86-87. 11 KICH, Bruno Canísio. A propriedade na ordem jurídica econômica e ideológ ica , p. 45. 12 DEL NERO, Patrícia Aurélia. Propriedade Intelectual: a tutela jurídica da biotecnologia, p. 47. 13 KICH, Bruno Canísio. A Propriedade na Ordem Jurídica Econômica e Ideológ ica , p. 48.

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SUMÁRIO

RESUMO ............................................................................................................. XII

ABSTRACT ........................................... ............................................................. XIII

INTRODUÇÃO........................................................................................................1

Capítulo 1

FUNDAMENTOS DA PROPRIEDADE

1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS ......................... ..................................................6

1.2 O DIREITO DE PROPRIEDADE NA ANTIGUIDADE........ ...............................8

1.3 O SENTIDO DA PROPRIEDADE NA IDADE MÉDIA ............ ........................16

1.4 A PROPRIEDADE PARA OS JUS-NATURALISTAS MODERNOS ..............22

1.5 A CONCEPÇÃO CONTEMPORÂNEA DE PROPRIEDADE ...... ...................28

1.5.1 CONCEITO DE PROPRIEDADE NO CÓDIGO CIVIL BRASI LEIRO ..........34

1.5.2 O CONCEITO DE PROPRIEDADE NA CRFB/88 ......... ..............................39

1.5.3 A PROPRIEDADE INTELECTUAL .................... .........................................47

1.5.3.1 A PROPRIEDADE INDUSTRIAL................... ...........................................51

1.5.3.2 O DIREITO AUTORAL .......................... ...................................................52

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Capítulo 2

O ESTADO CONTEMPORÂNEO COMO GARANTIDOR DA FUNÇÃO SO CIAL DA PROPRIEDADE

2.1 LIMITES DA PROPRIEDADE......................... ................................................54

2.2 A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE ................. ....................................58

2.3 LIMITES E FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE INTELECT UAL.............67

2.4 A DICOTOMIA PÚBLICO/PRIVADO.................... ..........................................71

2.5 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO PRIVADO...... ..........................78

2.6 CONCEITO CONTEMPORÂNEO DE ESTADO............... ..............................83

Capítulo 3

A PROPRIEDADE COMO DIREITO FUNDAMENTAL

3.1 AS NORMAS COMO PRINCÍPIOS E REGRAS............. ................................91

3.2 COLISÃO ENTRE PRINCÍPIOS: PROPRIEDADE X FUNÇÃO SOCIAL.......97

3.3 DIREITOS FUNDAMENTAIS.......................... ..............................................107

3.4 A PROPRIEDADE COMO DIREITO FUNDAMENTAL ......... .......................122

3.5 A PROPRIEDADE INTELECTUAL COMO DIREITO FUNDAMEN TAL.......135

CONSIDERAÇÕES FINAIS............................... .................................................140

REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS ..................... ....................................145

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RESUMO

A presente dissertação tem por objeto a análise, sob o

enfoque constitucional, do Direito de Propriedade Intelectual, verificando sua

abrangência como Direito Fundamental frente ao Estado Contemporâneo Brasileiro.

Para encetar este trabalho trata-se no primeiro capítulo de apresentar o conceito e

os fundamentos da propriedade ao longo de sua evolução histórica, e de investigar

o conteúdo do direito de propriedade contemporaneamente incluindo a propriedade

intelectual. Demonstra-se que ocorre a superação da dicotomia público/privado com

a publicização do direito, e com a publicização do direito de propriedade o Estado

passa a ser o garantidor da função social da propriedade. Daí a importância de se

estudar no terceiro capítulo a possibilidade de compatibilização entre o exercício do

direito de propriedade e outros direitos fundamentais e, por último analisar se diante

das limitações impostas e do condicionamento da propriedade à função social, a

propriedade ainda pode ser considerada um direito fundamental. As Considerações

Finais trazem em seu bojo as respostas às hipóteses levantadas, onde se verifica

que não existem direitos fundamentais absolutos.

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ABSTRACT

The present essay has for its object the analysis, under

the constitucional approach, of the right of intellectual property, verifying its

enclosure as a fundamental right before the contemporary brazilian State.

To begin this work the first chapter presents the concept and the

fundamentals of the property throughout its historical evolution, and to

investigate the content of the property contemporarily including the

intellectual property. It demonstrates that occurs the overcoming of the

public/private dichotomy with the publicizing of the property right, the State

turns to be the guarantor of the social function of the property. Then, the

significance of studying in the third chapter the compatibilization between

the exercise of the property right and other fundamental rights and, finally to

analyze if, before the imposed limitations and of the conditioning of the

property to the social function, the property still can be considered a

fundamental right. The final considerations bring in its bulge the answers to

raised hypotheses, where it is verified that there are no absolute

fundamental rights.

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INTRODUÇÃO

A presente Dissertação14 tem como objeto 15 a análise

da propriedade intelectual como direito (não) fundamental na Constituição

brasileira.

O objetivo institucional 16 é a obtenção do Título de

Mestre em Ciência Jurídica pelo Programa de Mestrado em Ciência

Jurídica do Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica-

CPCJ/UNIVALI, enquanto que o objetivo geral 17 é discutir o aspecto

fundamental do direito de propriedade intelectual na constituição brasileira.

Os objetivos específicos 18 serão distribuídos por capítulos da seguinte

forma: primeiro capítulo: discutir acerca dos fundamentos da propriedade;

definir o conceito contemporâneo da propriedade; segundo capítulo:

analisar o Estado contemporâneo como garantidor da função social da

propriedade; terceiro capítulo: circunscrever a Propriedade Intelectual

dentro do Direito de Propriedade; analisar o aspecto fundamental do direito

de propriedade e da propriedade intelectual.

14 “[...] é o produto científico com o qual se conclui o Curso de Pós-Graduação Stricto sensu no

nível de Mestrado”. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica : idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito. 8 ed. rev. Florianópolis: OAB/SC Editora - co-edição OAB Editora, 2003. p. 170.

15 “[...] é o motivo temático (ou a causa cognitiva, vale dizer, o conhecimento que se deseja suprir e/ou aprofundar) determinador da realização da investigaçao”. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito. 8 ed. rev. Florianópolis: OAB/SC Editora - co-edição OAB Editora, 2003. p. 170.

16 PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica : idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito. 8 ed. rev. Florianópolis: OAB/SC Editora - co-edição OAB Editora, 2003. p. 161.

17 “[...] meta que se deseja alcançar como desiderato da investigação”. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica : idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito. 8 ed. rev. Florianópolis: OAB/SC Editora - co-edição OAB Editora, 2003. p. 162

18 PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica : idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito. 8 ed. rev. Florianópolis: OAB/SC Editora - co-edição OAB Editora, 2003. p. 162.

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Quanto à Metodologia 19 empregada, registra-se que na

Fase de Investigação utilizar-se-á o Método Indutivo20, na Fase de

Tratamento de Dados o Método Cartesiano, e o Relatório dos Resultados,

expresso na presente Dissertação, é composto na base lógica Indutiva21.

Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as

Técnicas, do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da

Pesquisa Bibliográfica22.

A delimitação 23 do tema proposto nesta dissertação se

dá pelo Referente 24 da Pesquisa 25: análise da propriedade intelectual

como direito (não) fundamental na constituição brasileira.

A idéia que anima o trabalho é a atualidade e

19 “[...] postura lógica adotada bem como os procedimentos que devem ser sistematicamente

cumpridos no trabalho investigatório e que [...] requer compatibilidade quer com o Objeto quanto com o Objetivo”. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica : idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito. 8 ed. rev. Florianópolis: OAB/SC Editora - co-edição OAB Editora, 2003. p. 69.

20 Forma de “[...] pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral [...]”.PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica : idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito. 8 ed. rev. Florianópolis: OAB/SC Editora - co-edição OAB Editora, 2003. p. 87.

21 Sobre os Métodos e Técnicas nas diversas Fases da Pesquisa Científica, vide PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica : idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito. 8 ed. rev. Florianópolis: OAB/SC Editora - co-edição OAB Editora, 2003. p. 86-106.

22 Quanto às Técnicas mencionadas, vide PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica. cit.- especialmente p. 61 a 71,31 a 41, 45 a 58, e 99 125, nesta ordem.

23 “[..] apresentar o Referente para a pesquisa, tecendo objetivas considerações quanto as razoes da escolha deste Referente; especificar em destaque, a delimitação do temática e/ou o marco teórico, apresentando as devidas Justificativas, bem como fundamentar objetivamente a validade da Pesquisa a ser efetuada”. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica : idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito. 8 ed. rev. Florianópolis: OAB/SC Editora - co-edição OAB Editora, 2003. p. 160.

24 “[...] a explicitação prévia do(s) motivo(s), do(s) objetivo(s) e do produto desejado, delimitando o alcance temático e de abordagem para uma atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa”. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica : idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito. 8 ed. rev. Florianópolis: OAB/SC Editora - co-edição OAB Editora, 2003. p. 62.

25 “[...] atividade investigatória, conduzida conforme padrões metodológicos, buscando a obtenção da cultura geral ou específica de uma determinada área, e na qual são vivenciadas cinco fases: Decisão; Investigação; Tratamento dos Dados Colhidos; Relatório; e, Avaliação”. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica : idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito. 8 ed. rev. Florianópolis: OAB/SC Editora - co-edição OAB Editora, 2003. p. 77.

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relevância do tema, pois a propriedade que sempre foi considerada viga

mestra do direito privado, ganha contornos sociais e conseqüentemente

caráter público. No contexto brasileiro, as desigualdades sócio-econômicas

passaram a encontrar oposição expressa na Constituição Federal de 1988,

quando se inicia a intervenção do Poder Público na relação do titular do

direito de propriedade com os bens, estabelecendo o princípio da função

social como norteador dessa relação, reflexo do princípio fundante da

República Federativa do Brasil: o princípio da dignidade da pessoa

humana. Assim, o direito de propriedade, sob a ótica da Constituição

Federal de 1988, passa a ser instrumento para realização da dignidade da

pessoa humana.

Sob a luz da doutrina atual, resulta a constatação de

que a propriedade se revela um direito individual fundamental, pois é assim

assegurado no artigo 5º da Constituição da república federativa do Brasil.

Todavia, cabe uma analise doutrinaria para verificar se efetivamente este

instituto pode ser assim considerado, levando em consideração as suas

limitação e a própria imposição do cumprimento da sua função social da

propriedade.

Com este trabalho, pretende-se destacar a nova

dimensão do direito de propriedade, ou seja, perdendo ele seu caráter

individualista e sendo submetido ao atendimento da função social da

propriedade, que poderia acarretar uma mudança na sua característica de

direito fundamental.

O Tema será desenvolvido na linha de pesquisa 26

Investigação principiológica da Ciência Jurídica nas áreas temáticas: Direito

26 “[...] são as especificações dos assuntos sobre os quais seus alunos podem realizar suas

pesquisas conducentes ao trabalho de conclusão do curso”. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica : idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito. 8 ed. rev. Florianópolis: OAB/SC Editora - co-edição OAB Editora, 2003. p. 135, nota de rodapé nº 72.

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Civil e Direito Comercial/Empresarial, dentro da área de concentração

Fundamentos do Direito Positivo27.

Os problemas que de início se apresentam no

desenvolver do trabalho consubstanciam-se nas seguintes indagações:

a) qual o conteúdo do direito de propriedade no estado

contemporâneo?

b) sendo a propriedade um direito que pode ser limitado

frente à outros direitos fundamentais, como o seu

condicionamento à uma função social, pode ainda ser

considerado um direito de cunho fundamental?

c) a propriedade intelectual é um direito fundamental?

Diante de tais problemas elegeu-se, no projeto, as

seguintes hipóteses 28:

a) Hodiernamente, a propriedade é um direito

condicionado ao cumprimento de uma função social, é

um poder-dever do proprietário.

b) Entende-se que mesmo com os limites impostos à

propriedade ela ainda pode ser considerada um direito

fundamental.

c) ao passo que os direitos morais do autor podem ser

considerados direitos fundamentais do indivíduo, os

27 Circunscrição temática dentro da qual atuam cientificamente os cursos de pós-graduação.

PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica : idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito. 8 ed. rev. Florianópolis: OAB/SC Editora - co-edição OAB Editora, 2003. 135, nota de rodapé nº 72.

28 Define PASOLD como a “[...] suposição [...] que o investigador tem quanto ao tema escolhido e ao equacionamento do problema apresentado”. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica : idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito. 8 ed. rev. Florianópolis: OAB/SC Editora - co-edição OAB Editora, 2003. p. 138.

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direitos autorais patrimoniais e os direitos de

propriedade industrial estão mais vinculados à ordem

econômica e financeira.

Estabelecendo, destarte, o desenvolvimento da

presente pesquisa, delineamos que essa fosse dividida em três capítulos

dispostos, de maneira descritiva.

O primeiro cuidará de apresentar as bases introdutórias

à compreensão do direito de propriedade como viga mestra do direito

privado e sua evolução histórica, desde Roma até os dias atuais, onde a

propriedade intelectual ganha relevância.

O segundo, abordará o Estado contemporâneo,

trazendo esclarecimentos acerca da dicotomia público/privado através do

processo de constitucionalização do direito privado. E posteriormente, se

analisará, sob o prisma constitucional, o direito de propriedade

condicionado à função social, como preocupação de assegurar o uso da

coisa em consonância com os ditames do bem comum, concedendo ao

direito de propriedade um caráter publicista.

O terceiro, apresentará a distinção das normas em

princípios e regras, tratará da propriedade como princípio, da colisão entre

a propriedade e a função social da propriedade, e principalmente verificará

se a propriedade ainda pode ser caracterizada como um direito

fundamental frente ao Estado contemporâneo.

Nas considerações finais serão apresentadas breves

sínteses de cada capítulo e será demonstrado se as hipóteses básicas da

pesquisa foram ou não confirmadas.

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Capítulo 1

FUNDAMENTOS DA PROPRIEDADE

1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A propriedade se caracteriza pela necessidade do

homem de possuir objetos essenciais para sua existência. Contudo, para se

verificar o significado do termo é necessário investigar a etimologia da

palavra.

Analisando o termo Propriedade Norberto Bobbio afirma

que “[...] deriva do adjetivo latino proprius e significa que é de um indivíduo

específico ou de um objeto específico, sendo apenas seu”.29

O termo propriedade “deriva do latim proprietate que

informa a qualidade de próprio, ou seja, que pertence a alguém por direito e

que, ao mesmo tempo, pode fazer uso do bem, objeto do citado direito, da

forma que melhor lhe convier”.30

Do sentido etimológico decorre o sentido jurídico de que

propriedade é o direito de dispor de alguma coisa de modo pleno, podendo

fazer com o seu objeto tudo que não está vedado por lei. Verifica-se, desta

forma, a idéia de poder implícita na propriedade, entendida como

capacidade de controlar e impor a própria vontade.

Por essas e outras razões, a propriedade sempre foi

foco de conflitos sociais, medindo a riqueza e o poder dos indivíduos e se

constituindo na base do direito privado. Portanto faz-se uma análise

29 BOBBIO, Norberto . Dicionário de Política , p . 1021. 30 SILVA, Volney Zamenhof de Oliveira. Propriedade em face da Ordem Constitucional

Brasileira. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 25, 1998.

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histórica do instituto.

A utilização das terras nos primeiros tempos de Roma se dá, pela comunhão agrária, em que a utilização do solo ou se promove por exploração comum, com divisão dos frutos, ou o cultivo se faz por famílias, em lotes. Noutro estágio, o chefe de família cultiva por tempo vitalício a terra que recebe e passa-a, por sucessão causa mortis, aos filhos masculinos. Finalmente, sob o regime da propriedade individual, o proprietário pode, livremente, dispor de seu bem.31

A primeira forma de propriedade, pelo que se

depreende do estudo de Engels32, foi coletiva, onde todos usavam a terra

para seu sustento e sobrevivência, mais tarde a propriedade passou a ser

familiar. Já a propriedade privada, aparece com o surgimento da agricultura

e da pecuária, nessa fase estão os gregos da época heróica, as tribos

itálicas anteriores à fundação de Roma e os nórdicos.33

A história das sociedades primitivas demonstra que estas geralmente passam por três fases distintas, sendo a primeira a agrária, quando a propriedade é comum a todos os membros de uma gens, depois a familiar em que cada família é proprietária de uma porção de terras, transmitidas por sucessão hereditária, e por fim a propriedade individual, exclusiva de cada cidadão. 34

Entretanto, sabe-se terem existido raças que nunca

instituíram a propriedade privada entre si, e outras só demorada e

penosamente a estabeleceram.35

Determinar a origem da propriedade sempre foi um

desafio para filósofos e teóricos, que se dividiam, principalmente, em dois

grupos: os que afirmavam ser a propriedade um direito natural e

31 MOREIRA, Aroldo. A propriedade sob diferentes conceitos , p.37. 32 ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do es tado ,p. 22-26-46. 33 LOUREIRO, Francisco Eduardo. A propriedade como relação jurídica complexa , p. 08. 34 PETIT, Eugene. Tratado elemental de derecho romano , p. 245. 35 COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga , p. 63.

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independente do surgimento do Estado36 e os que sustentavam que o

direito de propriedade nasce somente como conseqüência do Estado37.

Além dessa dificuldade, constata-se que o processo

histórico de evolução da propriedade teve contornos sociais e econômicos

de acordo com o momento histórico vivido.

1.2 O DIREITO DE PROPRIEDADE NA ANTIGUIDADE

A idéia de propriedade estava implícita na raiz da

humanidade, assim como a religião e a família. A família e o solo eram

protegidos pelos deuses.

Há três coisas que desde a mais remota antiguidade, se

encontram fundadas e solidamente estabelecidas: a religião, a família e a

propriedade. Três instituições que tiveram entre si, em sua origem, uma

relação manifesta e que parece terem sido inseparáveis. 38

Na Antiguidade a propriedade tinha caráter divino, ela

integrava a religião doméstica, era vinculada aos bens da família (gens) e

usada para adorar os deuses domésticos, pessoas da família que já tinham

falecido.

A família apropriou-se da terra, sepultando nela os seus

mortos, fixando-se lá para sempre. A sepultura estabelecia o vínculo

36 Dentre eles: John Locke que nasceu em Wrington, Somerset, no sudoeste da Inglaterra, em 29

de agosto de 1632, e faleceu com 72 anos, em 1704. John Locke está entre os filósofos chamados empiristas, por compatibilizarem a ciência junto à filosofia, valorizando a experiência como fonte de conhecimento.

37 Dentre eles: Thomas Hobbes que nasceu em Westport, hoje parte de Malmesbury, cerca de 140 Km a oeste de Londres, em 5 de abril de 1588, e veio a falecer em 4 de dezembro de 1679 com 91 anos. Jean-Jacques Rousseau que nasceu em Genebra, na Suíça, em 28 de junho de 1712, e faleceu em Ermenonville, nordeste de Paris, França, em 2 de julho de 1778 aos 66 anos.

38 COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga , p. 64.

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indissolúvel da família com a terra; isto é a propriedade.39

Fixada a família no solo, instalava-se ali o lar e os seus

respectivos deuses, conferindo um caráter sagrado à posse e à

propriedade.40

A família está vinculada ao lar, e este, fortemente ligado à terra; estabeleceu-se, portanto, uma estreita relação entre o solo e a família. Aí deve se fixar a sua residência permanente, a que ele jamais abandonará, a não ser quando for a isso obrigado por alguma força superior. Assim como o lar, a família ocupará sempre esse lugar. O lugar lhe pertence; é sua propriedade, e não de um só homem, mas de uma família, cujos diferentes membros devem, um após os outros, nascer e morrer ali.41

Nesse contexto, a propriedade apresentava-se como

um direito absoluto, não existiam limites ou restrições, irrenunciável e

inalienável. A propriedade daquela época era constituída de três faces:

usus (o poder de usar das coisas), o fructus (o poder de perceber frutos ou

produtos do bem) e o abusus (o poder de consumir a coisa).

No período pré-clássico, das origens de Roma, entre

754 a.C e 126 a.C, a única espécie reconhecida de propriedade era a

quiritária – aquela decorrente da constituição da cidade de Roma, típica dos

patrícios, bem como a propriedade sobre as terras conquistadas.

Entre os romanos, como de um modo geral em toda a Antiguidade, a propriedade não ultrapassava o quadro (pessoal e territorial) da cidade. Só os Quirites tinham a possibilidade de serem titulares da propriedade quiritária. Os latinos, neste ponto, assemelhavam-se a eles. Houve tratados (como o Commercium) que, excepcionalmente, outorgavam a alguns raros peregrinos o acesso à propriedade romana. [...] Fora do território romano(ager romanus), onde o direito romano não era aplicado, a propriedade

39 COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga: estudos sobre o culto, o direito, as instituições da

Grécia e de Roma, p. 54. 40 COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga , p. 94. 41 COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga , p. 67.

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imobiliária era também ignorada por ele. 42

A propriedade quiritária (dominium ex iure quirintum),

era subjetivamente restrita aos civitas (cidadãos romanos) e objetivamente

restrita aos fundos itálicos, e se regulava pelas normas rígidas e formais do

direito civil ou de um direito herdado (Ius Quiritium).43

Esta espécie de propriedade era condicionada à

natureza do objeto, à nacionalidade do titular e ao modo de transmissão,

sendo aquela inerente ao cidadão romano, que decorria do estatus civitatis,

com base no Ius Civile ou Ius Quiritum.44

Conforme Costa o Ius Quiritium era uma forma de

transferência de Terras do Estado romano a um conjunto de pessoas que

pela linha masculina descendiam de um antepassado comum (gens), era

uma espécie de propriedade sobre as terras a eles arrendadas. Essa

transferência requeria utilização de formas solenes de aquisição da

propriedade. 45

Quanto às condições estritas de forma, significa que a

transmissão entre vivos deve seguir os modos de aquisição do ius civile: a

mancipatio e ou a in iure cessio. A mancipatio é uma cerimônia com gestos

e palavras solenes, na presença de testemunhas, utilizando-se do bronze e

da balança [...]. A in iure cessio era um ato solene, de cessão, feito na

presença de um magistrado.46

Num primeiro momento, o proprietário exercia poder

absoluto e total sobre o bem, podendo empregar qualquer ação ou até

mesmo não dar a ele uma destinação, sem sofrer conseqüências. O pater 42 MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao Direito de Propriedade , p. 7. 43 COSTA, Cássia Celina Paulo Moreira da. A Constitucionalização do Direito de Propriedade

Privada , p. 06. 44 MOREIRA, Aroldo. A propriedade sob diferentes conceitos , p.38. 45 COSTA, Cássia Celina Paulo Moreira da. A Constitucionalização do Direito de Propriedade

Privada , p. 06. 46 MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao Direito de Propriedade , p. 7.

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do grupo familiar exercia sua autoridade sobre a terra sem qualquer

interferência do Estado.

Pouco importava que do uso resultasse prejuízo para

outrem, o abuso estava compreendido no direito do proprietário. O dominus

romano agia à vontade, discricionariamente, sem limitações, sem que lhe

pudessem exigir contas do seu ato.47

A proteção conferida pelo Estado à propriedade

quiritária era tanta que ela gozava de imunidade fiscal, posto que a

cobrança tributária representaria diminuição à onipotência do pater familiae

exercendo este, então, um poder político e jurisdicional sobre o seu núcleo

familiar.48

A concessão de terras por parte do Estado às famílias

resultou na formação de pequenos núcleos rurais, ou seja, uma grande

área de terra passou ao poder de famílias patrícias (gens) que eram

propriedades coletivas e poderiam ser divididas em saltus (bosques e

pastos) e fundus ou villa (utilizada para agricultura).49

Os Romanos conheceram o poder mais absoluto que

uma pessoa podia ter sobre uma coisa, a propriedade quiritária, o direito de

a utilizar como quiser, de desfrutar e de receber os seus frutos, de dispor

livremente.50

Em Roma, diferentemente do que sucedeu entre outros povos como o grego, a propriedade individual constitui-se sob um aspecto muito forte, e o gênio jurídico da raça mais energicamente o reforçou. Os juristas deram ao conceito de propriedade o sentido mais rigoroso do mundo, porquanto foi tida como um direito

47 MOREIRA, Aroldo. A propriedade sob diferentes conceitos , p.41. 48 COSTA, Cássia Celina Paulo Moreira da. A Constitucionalização do Direito de Propriedade

Privada , p. 07. 49 COSTA, Cássia Celina Paulo Moreira da. A Constitucionalização do Direito de Propriedade

Privada , p. 08. 50 GILISSEN, John. Introdução Histórica ao Direito , p. 638.

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absoluto, armada dos meios de defesa mais eficientes. 51

Com o advento das Leis das Doze Tábuas52 verifica-se

a evolução para sua utilização conforme as razões de Direito, respeitando o

direito de vizinhança, servidão e limitação aos poderes do senhor sobre os

escravos.

Acerca da Lei das Doze Tábuas, temos que:

Esta Lei deve sua existência a uma proposta do tribuno Gaius Terentilio Arsa em 462 a.C., e razão da qual é nomeada uma comissão encarregada de estudar as leis gregas em vigor na Itália Meridional e redigi-la. O resultado foi um conjunto de 10 tábuas, de direito público e privado, gravadas em bronze ou carvalho e expostas no comitium (lugar no forum reservado à justiça), no ano seguinte mais duas tábuas foram acrescentadas às primeiras.53

Os dispositivos da Tábua VII “De jure et agrorum” – Do

direito relativo aos edifícios e às terras, estabeleciam imposições relativas

às plantações, construções e escavações em terrenos limítrofes.54

O direito de propriedade romano dos primeiros tempos, absoluto, em princípio, permitindo tudo ao proprietário, relativamente aos seus bens, vai com o decorrer dos tempos sofrendo limitações legais, inspiradas em motivos de ordem pública, privada, ética, higiênica ou prática [...]55

Na fase do direito clássico, de 126 a.C à 305 d.C, os

romanos reconheceram mais três espécies de propriedade: a bonitária ou

pretoriana, a provincial e a peregrina.

Desenvolveu-se pela jurisdição do pretor, que

51 SERPA LOPES, Miguel Maria. Curso de Direito Civil ,p. 234. 52Considerada como o corpo de todo o direito, querendo significar que ela enfeixara toda a

experiência do passado [...] o direito havia perdido o seu mistério, deixara de ser frustradamente sagrado; saíra da escuridão conveniente dos templos; poderia ser agora consultado e invocado por patrícios e plebeus [...] (ALTAVILA, Jayme de. Origem dos Direitos dos Povos. 9 ed. São Paulo: Ícone, 2001. p. 85-86.

53 KLABIN, Aracy Augusta Leme. História Geral do Direito , p.197-198. 54 ALTAVILA, Jayme de. Origem dos Direitos dos Povos , p. 99-101. 55 CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de Direito Romano , p. 174.

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protegeria o adquirente de uma res mancipi contra quem não a tinha

transferido mediante o ato formal, hábil a operar a transferência

reconhecida pelo ius civile. 56

Mais tarde a propriedade bonitária ou pretoriana,

conferia proteção pretoriana ao adquirente de propriedade, nas aquisições

que não obedecessem aos requisitos do jus civile.

Tal proteção, no entanto, não tornava o comprador

proprietário quiritário da res mancipi, o que só se verificava quando decorria

o lapso de tempo necessário para que o comprador adquirisse a

propriedade quiritária por usucapião.57

A propriedade bonitária ou pretoriana, surgiu quando o pretor passou a intervir, garantindo proteção àquele que adquiria uma res mancipi, recebendo-a do vendedor através da traditio, sem o formalismo necessário. A proteção pretoriana não tornava o adquirente proprietário, o que ocorria com o decurso do tempo

necessário à aquisição do bem, mediante usucapião. 58

Como conseqüência das relações entre peregrinos e

romanos, os modos de aquisição da propriedade de ius gentium (tradição e

ocupação) passaram a permitir que os bens desses estrangeiros fossem

objeto de uma verdadeira propriedade, embora distinta da quiritária.

Podendo ser provincial ou peregrina, dependendo de quem fossem os

sujeitos a negociá-las e da localização do solo. 59

Quanto à propriedade provincial, esta compreendia as

terras localizadas nas províncias romanas, e somente o Estado tinha o

domínio sobre as terras, podendo dá-las em arrendamento, mediante um

56 MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao Direito de Propriedade , p. 8. 57 MOREIRA ALVES, José Carlos. Direito Romano , p. 283. 58 COSTA, Cássia Celina Paulo Moreira da. A Constitucionalização do Direito de Propriedade

Privada , p. 08. 59 MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao Direito de Propriedade , p. 9.

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tributo chamado vectigal.60

As terras localizadas nas províncias pertenciam ao

Estado, porém eram ocupadas e usadas por particulares, esse uso e gozo,

quase sem limitações importava no pagamento de um tributo anual

(vectigal) ao Estado.61

A propriedade provincial constituía no uso de terras do

Estado romano situadas nas províncias romanas, onde o particular o

particular tinha a posse da terra e pagava uma contribuição anual ao

Estado.

Outra espécie de propriedade, a provincial, destinava-se apenas aos bens imóveis situados nas províncias romanas, às quais o ius Italicum não tivesse abrangido. O Estado romano era o proprietário do solo dessas províncias, mas os ocupantes dessas terras eram particulares possuidores, que poderiam alienar, transmitir aos herdeiros e defender seu direito por ação real concedida pelos magistrados provinciais. Este direito possessio

era adquirido através do pagamento de tributos.62

Finalmente, a propriedade peregrina fundada no Ius

Gentium, era a inerente ao estrangeiro livre, que também se pode tornar

proprietário em Roma.63

Nem todos os povos conquistados perdiam a liberdade,

assim sendo, quando da derrota não eram saqueados pelos romanos,

permanecendo os estrangeiros com seus próprios bens, e suas terras não

faziam parte do ager romanus, não lhes aplicando o direito romano.64

A propriedade peregrina era uma espécie de

propriedade de fato, na qual o peregrino impossibilitado de ter propriedade

60 MOREIRA, Aroldo. A propriedade sob diferentes conceitos , p.38. 61 MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao Direito de Propriedade , p. 10. 62 COSTA, Cássia Celina Paulo Moreira da. A Constitucionalização do Direito de Propriedade

Privada , p. 09. 63 MOREIRA, Aroldo. A propriedade sob diferentes conceitos , p.38. 64 MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao Direito de Propriedade , p. 9.

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quirinária dos bens, os tinha como mero possuidor. Era a propriedade

fundada nos Ius Gentium, restrita ao estrangeiro livre que em solo italiano

adquiriu bens.65

A crise do Império Romano no século III, proporcionou a

ocorrência de invasões bárbaras, resultando no surgimento de

desconhecidas espécies de propriedade.66

Já na Época Pós-Clássica, de 305 d.C até 565 d.C,

houve uma unificação das espécies de propriedade, resultando uma

categoria única de propriedade privada consolidada com a codificação de

Justiniano, que era transferida pela traditio, estava submetida ao

pagamento de impostos e sujeitava-se a inúmeras limitações de ordem

pública.

Justiniano unificou a propriedade romana. Desapareceram, antes dele, a propriedade itálica e a provincial. A propriedade pretoriana perdera a sua razão de ser, em virtude da extinção de todas as suas aplicações e da diferença entre res mancipi e nec mancipi. Agora, há somente um dominium ou proprietas, e que recai sobre qualquer coisa, acessível a todo cidadão.67

Convergiram os distintos conceitos anteriores para a

dominiu ou proprietas, como sinônimos, próximos do conceito da

propriedade plena atual. Surge então no direito pós-clássico um novo

conceito unitário de domínio, caracterizado por sua exclusividade.68

Em função da supressão da imunidade fiscal das terras

itálicas e a ampliação de seus limites, as quatro categorias existentes são

65 COSTA, Cássia Celina Paulo Moreira da. A Constitucionalização do Direito de Propriedade

Privada , p. 09. 66 COSTA, Cássia Celina Paulo Moreira da. A Constitucionalização do Direito de Propriedade

Privada , p. 11. 67 CHAMOUN, Ebert. Instituições de Direito Romano , p. 237. 68 WALD, Arnold. Direito Civil Brasileiro , direito das coisas, p. 107.

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oficialmente extintas por Justiniano, ao ordenar a unificação do domínio.69

Esta propriedade é o símbolo da propriedade livre, dos

textos compilados por Justiniano (Corpus júris civilis) no Direito Romano, e

questionada por alguns autores que acreditam estar em confronto com as

realidades sociais da época.

Com o advento do feudalismo, entre os séculos IX e

XVI, houve uma nova forma de relação intersubjetiva denominada servidão

ou vassalagem, sistema pelo qual o servo, apesar de proprietário da terra

submete-se ao poder do senhor feudal, a quem deve tributos e prestações

pessoais.

1.3 O SENTIDO DA PROPRIEDADE NA IDADE MÉDIA

Com o regime feudal na Idade Média, a propriedade

volta a se caracterizar por contornos religiosos, familiares e coletivistas.

Os pequenos proprietários colocavam-se sob a guarda de um grande senhor, tornando-se assim vassalos. Cediam a terra a este, que, por seu lado, lhes transmitia o seu gozo, a sua fruição. [...] No começo, o sistema era passageiro, cessava com a morte do senhor ou do vassalo, embora pudesse ser instituído novamente. Depois tornou-se hereditário. Eram chamados de feodum, de onde veio a palavra feudal. 70

Na Idade Média a manifestação de propriedade foi

desmembrada, ou seja, o suserano (titular do directum) cedia a posse de

parte de seu domínio ao vassalo (que exercia o utile) e este poderia

transferir parte da sua utile a outro, formando uma sobreposição de

69 MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao Direito de Propriedade , p. 11. 70 MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao Direito de Propriedade , p. 18.

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relações jurídicas.71

Essa cadeia de poderes sobre a terra era determinada

de acordo com a classe social a que pertencia o sujeito, ou seja, o regime

dos bens era conforme o estamento da pessoa no feudo.

A Idade Média contrariou o modelo exclusivista da

propriedade romana, instituindo um sucessório enfitêutico ao qual

correspondia uma superposição de titularidades dominiais, fundamentadas

na hierarquia dos feudos que, a seu turno, identificava-se com a hierarquia

das pessoas.72

A propriedade feudal caracterizava-se por uma

duplicidade de domínio, que implica na quebra da unidade que tinha pelo

Direito Romano e pela existência de múltiplos vínculos, ônus e encargos

predominantemente sobre a terra. 73

A sociedade medieval era uma sociedade de ordens e

estamentos, os homens dividiam-se em oratores, bellatores, laboratores,

isto é, os clérigos, os senhores e os servos. 74

O regime dos bens, ou antes dos imóveis territoriais, durante o feudalismo, correspondeu exatamente ao estado das pessoas que nele figuravam como elementos de grupo feudal; os terrenos e respectivos direitos possessórios eram nobres, vilões e servis. A propriedade de nobre era o feudo, a terra dada ao vassalo pelo grande senhor; o feudo surgiu como um direito imóvel vitalício, intransmissível e inalienável.75

O regime de propriedade feudal fundamentava-se na

unidade de produção, chamada feudo, na qual existiam três partes 71 GILISSEN, John. Introdução Histórica ao Direito , p. 642. 72 COSTA, Cássia Celina Paulo Moreira da. A Constitucionalização do Direito de Propriedade

Privada , p. 13. 73 MOREIRA, Aroldo. A propriedade sob diferentes conceitos , p.63. 74 COSTA, Cássia Celina Paulo Moreira da. A Constitucionalização do Direito de Propriedade

Privada ,p. 13. 75 MARTINS, JR, J.I. Compêndio de história geral do direito . Apud MALUF, C.A.D. Limitações

ao direito de propriedade, p. 20-21.

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distintas: os bosques e pastos de posse coletiva, onde os servos colhiam

frutos, cortavam madeira e os senhores caçavam; a reserva manso

senhoral, que era a metade da terra cultivada, uma propriedade privada; e

manso servil ou tenência, uma propriedade onde o servo e não mais o

escravo, usava a terra, mas o dono era o senhor.76

O feudo a princípio, por ser vitalício e decorrer da

personalidade do contrato entre senhor e vassalo, era inalienável, porém,

com a prevalência do princípio da patrimonialidade se tornou hereditário e

alienável, com o pagamento ao senhor de indenização pecuniária quando

da transmissão.

Nesse contexto, o conceito de propriedade abandona o

caráter unitário para consagrar uma superposição de direitos sobre o

mesmo bem, dando a cada um deles a mesma natureza, mas uma

densidade diferente.77

A exploração da terra tomou a forma de vínculo entre os

que a possuíam mas não a cultivavam, e os que a trabalhavam mas dela

não eram donos. Havia duas classes de proprietários sobre o mesmo bem,

ainda que um deles, o que utilizava economicamente, não tivesse

propriamente a propriedade. 78

A decomposição do domínio na Idade Média, resultou

na divisão entre domínio direto e domínio útil, este era do vassalo ou

feudatário que usava a terra para seu sustento e pagava um valor ao

senhorio que detinha o domínio direto.

Se no início o domínio útil era tido como título precário,

com a transformação ocorrida passou a ser considerado a verdadeira

76 COSTA, Cássia Celina Paulo Moreira da. A Constitucionalização do Direito de Propriedade

Privada , p. 13. 77 WALD, Arnold. Novas Dimensões do Direito de Propriedade , p.11. 78 MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao Direito de Propriedade , p. 19.

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propriedade e o domínio direto simples encargo ou jus in re aliena,

acabando por ser extinto, como na França após a revolução francesa de

1789.79

O direito de propriedade era como uma pirâmide, os

direitos do senhor feudal se sobrepunham ao direito dos servos, com

variadas formas de propriedade: a comunal, a alodial, a beneficiária, a

censura e a servil.

A comunal, sucessora da antiga mark germânica; a alodial, tida como livre; a beneficiária,surgida da concessão feita pelos reis ou nobres aos plebeus; a censural, que era modalidade intermediária entre a beneficiária e a servil e que implicava a fruição dos imóveis mediante o pagamento de valores determinados; e a servil, atribuída aos servos que possuíam a terra, porém, se mantinham vinculados a ela como seu acessório.80

Os pequenos proprietários submetiam-se à guarda de

um grande senhor, tornando-se, desse modo, vassalos. Os primeiros

cediam a terra aos últimos e lhes concediam o seu gozo, a sua fruição.81

Existia um vínculo jurídico entre os possuidores da terra

e os que nela cultivavam, sendo os primeiros apenas donos do bem, sem

que exercessem nele qualquer atividade agrícola; quanto aos segundos,

por sua vez, era o contrário. Mais tarde, concedeu-se aos que trabalhavam

na terra, o direito de possuí-la com algum ônus obrigacional perpétuo, logo

não tinham a propriedade que era mantida no domínio eminente das

famílias nobres, mas um direito real sobre coisa alheia.82

Esse domínio paralelo do senhor feudal, na verdade,

era resultante de uma confusão existente na época entre direitos civis e 79 CUNHA GONÇALVES, Luiz da. Tratado de direito civil , p. 183. 80 LEAL, Rogério Gesta. A função social da propriedade e da cidade no Brasi l: aspectos

jurídicos e políticos, p.43. 81 COSTA, Cássia Celina Paulo Moreira da. A Constitucionalização do Direito de Propriedade

Privada , p. 13. 82 COSTA, Cássia Celina Paulo Moreira da. A Constitucionalização do Direito de Propriedade

Privada , p. 14.

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direitos políticos, era um tipo de soberania que o senhor feudal exercia

sobre a propriedade.

A confusão criada pela Idade Média entre a soberania e o dominium, introduzindo um elemento político no direito de usar, gozar e dispor, levou à criação do famoso anfiteatro enfitêutico a que se refere a doutrina. Entendia-se que o soberano era proprietário latente de todo o território nacional, tendo ele uma espécie de domínio eminente [...]83

A propriedade civil, à época do feudalismo, trazia ainda

em seu bojo um poder político (efetivo), que dava aos senhores feudais a

capacidade de julgar, tributar e legislar, inerentes a sua condição de

detentor do domínio eminente, harmonizados com o domínio civil do

respectivo soberano.84

No Direito Medieval a Propriedade ganha traços

característicos que a diferem da Propriedade no Direito Romano, como

expõe Leal:

a Idade Média, por sua vez, elaborou um conceito todo próprio de propriedade, indo de encontro ao exclusivismo dos romanistas e introduzindo uma superposição de titulares de domínio, de densidades diferentes, que se mantinham paralelas umas às outras. A valorização do solo e a estreita dependência entre o poder político e a propriedade de terras criaram uma identificação entre o tema da soberania e o da propriedade, que é do senhor feudal, e o domínio útil do vassalo. Em outras palavras, havia uma delegação de poderes do suserano ao vassalo e a criação de certas obrigações de caráter financeiro e militar do vassalo em relação ao suserano. 85

Porém, apesar desta nova concepção de propriedade a

propriedade absoluta não se extingue, conforme segue:

83 MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao Direito de Propriedade ,p. 19. 84 ARONNE, Ricardo. Propriedade e Domínio: Reexame Sistemático das Noções Nucleares de

Direitos Reais, p. 153. 85 LEAL, Rogério Gesta. A função social da propriedade e da cidade no Brasi l: aspectos

jurídicos e políticos, p. 42-43.

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Mas não se deduz daí que a plena propriedade individual e livre estivesse banida em absoluto da sociedade ocidental: aqui e ali aparecia, como, o franc-alleu ou francum allodium, que se distinguia do regime territorial do feudalismo por estes traços, altamente expressivos: pertencia integralmente ao seu proprietário e este, não devendo serviço nem prestação a pessoa alguma, podia transmiti-lo, livremente, a seus herdeiros ou aliená-lo.86

Com a crise do feudalismo, ocasionada pelas

epidemias, exploração agrícola predatória e extensiva, lutas da burguesia

contra nobreza, ocorreram profundas transformações nas estruturas

feudais, começou-se a quebrar a rigidez social de ordens ou estamentos, e

a burguesia se aproximou do poder.

Em todo o ocidente cristão, opera-se uma transformação de natureza do poder: os laços pessoais organizados em torno da idéia de soberania são progressivamente substituídos por uma hierarquia jurídico-administrativa centrada num princípio que anuncia a própria noção moderna de soberania. A autoridade real não mais se exerce sobre um patrimônio povoado por populações protegidas ou assistidas, mas sobre um território cujos habitantes possuem cada vez mais direitos e deveres bem definidos; o próprio monarca, que comanda os seus súditos de modo absoluto, não pode infringir as regras que editou ou com as quais concordou.87

A Idade Média foi um período marcado por conflitos que

envolveram a nobreza e os campesinos, sendo estes severamente

reprimidos e excluídos. O que ocasionou uma preocupação com um novo

sistema de justiça atrelada ao valor moral do indivíduo e não suas posses.

Esta busca pela eliminação das prerrogativas do senhor

e os encargos sobre o uso da terra pagos pelos vassalos, buscava a

consolidação da Propriedade livre, que marca o Direito Moderno.

86 GASSEN, V. A natureza histórica da instituição do direito de p ropriedade , in Fundamentos

da história do direito, p. 84. 87 SHIERA, P. O Estado Moderno , in Curso de Introdução à Ciência Política, p.80.

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1.4 A PROPRIEDADE PARA OS JUSNATURALISTAS MODERNOS

A propriedade moderna desvincula-se da dimensão

religiosa e passa a ter uma utilidade econômica, em função de seu valor de

uso ou de troca, e figura como instituto central do Direito privado.

Na modernidade há uma secularização da sociedade e

de suas instituições e a razão e a natureza serão utilizadas para fazer

construir uma justificação do Direito.88

No campo intelectual, surge o iluminismo, caracterizado

pela importância da razão para felicidade do homem, atacavam a injustiça e

defendiam a liberdade individual, a livre posse dos bens, tolerância das

divergências e garantia dos direitos individuais.89

A doutrina dos direitos do homem nasceu da filosofia jusnaturalista, a qual – para justificar a existência de direitos pertencentes ao homem enquanto tal, independentemente do Estado – partiria da hipótese de um estado de natureza, onde os direitos do homem são poucos e essenciais: o direito à vida e à sobrevivência, que inclui também o direito à propriedade; e o direito à liberdade, que compreende algumas liberdades essencialmente negativas. 90

Os jusnaturalistas deram a propriedade um aspecto

individualista ao fundamentarem a propriedade na exigência natural de

subsistência do indivíduo através de seu trabalho, enquanto força que

emana do corpo, representando o que há de mais próprio em cada pessoa.

Enquanto na estrutura econômica feudal, a propriedade fundiária assume um caráter fragmentário (instrumento do servilismo),

88 MARTÍNEZ, Gregório Peces-Barba. Tránsito a la modernidade y Derechos Fundamentales.

In História de los Derechos Fundamentales, tomo I: Tránsito a la Modernidad Siglos XVI y XVII, p. 140.

89 COSTA, Cássia Celina Paulo Moreira da. A Constitucionalização do Direito de Propriedade Privada , p. 21.

90 BOBBIO, Norberto. A era dos Direitos , p. 73.

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porquanto a mesma porção de terra dividia-se entre vários proprietários, subordinados uns aos outros (contraprestação), na ordem sócio-econômico capitalista , o regime adquire um aspecto unitário e exclusivo, principalmente nos grandes textos burgueses-individualistas, como o Código Civil Francês.91

A idéia central do pensamento de Hobbes, está calcada

na expressão homo homini lupus, os homens competem uns contra os

outros pelo poder, riquezas e pela propriedade.

No estado de natureza, os homens são livres pois não

há limites na busca de seus desejos, somente a instituição de um poder

civil é capaz de obrigar os homens a respeitarem os pactos, garantindo paz

e segurança.

O fim último, causa final e desígnio dos homens (que amam naturalmente a liberdade e o domínio sobre os outros), ao introduzir aquela restrição sobre si mesmos sob a qual os vemos viver nos Estados, é o cuidado com sua própria conservação e com uma vida mais satisfeita. 92

Hobbes sustentava que para que o direito de

propriedade seja assegurado, imprescindível se faz a tutela estatal, pois os

homens em seu estado de natureza tinham a posse coletiva sobre todos os

bens.93

O direito de natureza, isto é, a liberdade natural do homem, pode ser limitado e restringido pela lei civil; mais, a finalidade das leis não é outra senão essa restrição, sem a qual não será possível haver paz. E a lei não foi trazida ao mundo para nada mais senão para limitar a liberdade natural dos indivíduos, de maneira tal que eles sejam impedidos de causar dano uns aos outros, e em vez

91 WOLKMER, Antônio Carlos. Idéias e Instituições na Modernidade Jurídica . Revista

Seqüência n. 26, ano 14 - julho de 1993.p. 19. 92 HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um Estado ecle siástico e civil ,

p.103. 93 HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um Estado ecle siástico e civil ,

p.150.

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disso se ajudem e unam contra o inimigo comum. 94

John Locke considera o direito de propriedade a base

da liberdade humana, e assevera que este direito só existe a partir da

formação do Estado pois este tem como finalidade sua proteção.

No Estado de Natureza os homens vivem segundo os

ditames da razão, sem uma autoridade na Terra que julgue as disputas, a

justiça é a própria força, estabelecendo um desequilíbrio e constatando-se

que as necessidades do homem são ilimitadas enquanto os bens são

limitados.95

O estado natural de Locke baseia-se na total liberdade

dos homens sobre todas as coisas. Desta forma, os homens se guiariam

pela razão e pela liberdade, tendo como destino a preservação da paz.

O homem abandona o estado natural, através de um

contrato entre os homens, para garantir a propriedade das ameaças de

terceiros. Considerando, portanto, a propriedade anterior ao pacto.

Locke distinguia a propriedade em dois sentidos, um

bastante amplo no qual inseria o direito de vida, de liberdade e de

propriedade, outro restrito, e acreditava que a propriedade era um direito

natural do indivíduo, fundamentada em seu trabalho.

[...] apesar de natureza se oferecer a nós em comum, por ser o homem senhor de si próprio e dono de si mesmo, das suas ações e do trabalho que executa, tem ainda em si mesmo os fundamentos da propriedade; e tudo aquilo que se aplica ao próprio sustento ou conforto, quando as invenções e as artes aperfeiçoa as conveniências da vida, é totalmente propriedade

sua, não pertencendo a mais ninguém. 96

94 HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um Estado ecle siástico e civil ,

p.163. 95 MOREIRA, Aroldo. A propriedade sob diferentes conceitos , p.7. 96 LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o Governo , p. 47.

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A teoria desenvolvida por Locke, pode ser considerada

como o principal embasamento teórico do Liberalismo e da concepção

individualista da propriedade – a propriedade como condição essencial e

verdadeira da liberdade. Porém a legitimidade da propriedade parece definir

uma preocupação com a justiça social.

A natureza determinou bem o tamanho da propriedade pela quantidade de trabalho do homem e necessidades da vida. Nenhum trabalho podia dominar tudo ou de tudo apropriar-se [...] de modo que era impossível para qualquer homem usurpar o direito de outro ou adquirir para si uma propriedade com prejuízo

do vizinho [...]. 97

Jean Jacques Rousseau analisou a formação do Estado

através da perda das liberdades naturais e ilimitadas existentes no estado

de natureza para aquisição das liberdades civis reguladas e limitadas pela

vontade geral.

O que o homem perde pelo contrato social é a liberdade natural e um direito ilimitado a tudo quanto aventura e pode alcançar. O que com ele ganha é a liberdade civil e a propriedade de tudo que possui. A fim de não fazer um julgamento errado dessas compensações, impõe-se distinguir entre a liberdade natural, que só conhece limites nas forças do individuo, e a liberdade civil, que se limita pela vontade geral, e, mais, distinguir a posse, que não é senão o efeito da força ou o direito do primeiro ocupante, da propriedade, que só pode fundar-se num título positivo. 98

Afirmou que o direito de propriedade é o mais sagrado

de todos os direitos dos cidadãos e mais importante que a própria

liberdade, pois todos os direitos civis fundam-se na propriedade, assim se

abolir este último nenhum outro pode subsistir.

E assim como na concepção de Locke, tem-se

novamente o trabalho realizado pelo homem sobre a terra como elemento

97 LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o Governo , p. 42. 98 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social , p. 42-43.

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caracterizador da propriedade.

Para Rousseau o direito de cada homem à propriedade

decorre do direito natural de sobrevivência, mas com o ato de apropriação

da terra houve sua divisão e validação do direito de propriedade ao primeiro

ocupante.99

Quanto à origem da propriedade Rousseau partilha da

idéia de Thomas Hobbes, somente o ato positivo (Estado) torna o indivíduo

proprietário de qualquer bem.100

Onde não há o seu, isto é, não há propriedade, não pode haver injustiça. E onde não foi estabelecido um poder coercitivo, isto é, onde não há Estado, não há propriedade, pois todos os homens têm direito a todas as coisas. 101

Disso decorre a noção de propriedade como liberdade

natural podendo ser limitada pelas leis civis do Estado na manutenção da

paz e dos interesses do próprio Estado.

A liberdade é uma forma de subordinação e integração

do indivíduo às condições de existência da sociedade, fora dessa disciplina,

a liberdade deixa de ser um ato moral ou um direito, para ser um ato imoral

ou um delito.102

Percebe-se que o direito de propriedade é uma

condição para o exercício da liberdade, não se caracterizando uma relação

entre o sujeito e o objeto mas sim entre sujeitos, proprietários e não-

proprietários.

A partir desta fundamentação, tornou-se garantia

fundamental da liberdade do cidadão contra as imposições do Estado, 99 MOREIRA, Aroldo. A propriedade sob diferentes conceitos , p.15. 100 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social , p. 44. 101 HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um Estado ecle siástico e civil ,

p.86. 102 MOREIRA, Aroldo. A propriedade sob diferentes conceitos , p.49.

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como direito natural e imprescritível do homem a propriedade era instituto

exclusivamente do Direito privado, estranho à organização do Estado.

O marco desta transformação deu-se com os

documentos políticos do final do século103, tanto o Bill of Rights de Virgínia,

de 12 de junho de 1776 quanto a Declaração dos Direitos do Homem e do

Cidadão, em 1789, que apresentam a propriedade, assim como a liberdade

e a segurança, como direito inerente a toda pessoa.

Artigo XVII da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão:

1. Toda pessoa tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outro.

2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade.

A propriedade nascida da Revolução Francesa,

reunifica a propriedade, passando a vigorar a concepção unitária segundo a

doutrina romana, vale dizer, como direito natural do homem, liberta de

todos aqueles ônus e encargos da época Medieval.104

A Revolução Francesa procurou dar um caráter

democrático à propriedade, cancelando direitos perpétuos e abolindo

privilégios, porém conforme leciona Fachin, a propriedade mudava suas

concepções tradicionais para servir a uma nova classe social em busca de

poder: a burguesia. 105

Assim, a propriedade tinha um fim em si mesma,

servindo de capital para gerar mais capital, como conseqüência de um

período marcado pelo advento da Revolução Industrial, quando o ciclo

103 ALMEIDA, G. de A. de; MOISÉS, C.P. Direito Internacional dos Direitos Humanos:

instrumentos básicos. São Paulo: Atlas, 2002. 104 MOREIRA, Aroldo. A propriedade sob diferentes conceitos , p.63. 105 FACHIN, Luiz Edson. A função social da posse e a propriedade contemporâ nea (uma

perspectiva da usucapião imobiliária rural), p. 16.

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manufatureiro evoluía para o ciclo do maquinismo. O capitalismo ascendia

vertiginosamente.106

Com o crescimento do capitalismo, a classe dos

camponeses foi sendo oprimida e marginalizada, gerando muita

insatisfação, e resultando na busca de proteção estatal contra o abuso

econômico.

1.5 A CONCEPÇÃO CONTEMPORÂNEA DE PROPRIEDADE

A propriedade privada sofreu reações por parte de

autores que consideravam a propriedade individual uma forma de

exploração do homem pelo homem e que só através da destruição da

propriedade privada seria possível uma distribuição da justiça social.

Nas idéias de Marx verifica-se que a terra não é produto

do trabalho humano, é fruto do envelhecimento da crosta terrestre, é um

bem finito, então não pode ser capital acumulado. O trabalho na terra deve

visar os frutos e não mais capital, o acúmulo de terras se caracteriza pela

passagem do poderio social que é o trabalho para o poderio privado de

alguns.107

Proudhon108, não entendia ser a propriedade um direito

natural, pois era um direito de exclusão e não de igualdade, além disso os

direitos naturais nascem, vivem e morrem conosco, enquanto a propriedade

106 COSTA, Cássia Celina Paulo Moreira da. A Constitucionalização do Direito de Propriedade

Privada , p. 21. 107 MARX, Karl. O Capital , vol. 1, Livro primeiro, p.149-225. 108 PROUDHON, Pierre-Joseph. A Propriedade é um Roubo: e Outros Escritos Anarquistas. São

Paulo: Editora L&PM, 1998.

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existe até mesmo sem proprietário, e fora da sociedade. 109

No mesmo contexto, de comprometimento com a classe

economicamente espoliada, Engels110 [...] faz ligação do desenvolvimento

das condições materiais com as mudanças na estrutura das famílias, bem

como com as mudanças do conceito de propriedade, ou seja, a propriedade

privada ganha, como instituição, uma definição a partir de todo um

processo socioeconômico-cultural.111

[...] desde o advento da civilização, o crescimento da propriedade tem sido tão imenso, as suas formas tão diversificadas, os seus usos tão expandidos e a sua administração tão inteligente no interesse dos seus proprietários que se tornou, em relação ao povo, um poder inadmistrável. O espírito humano fica desconcertado na presença de sua própria criação. 112

Importante, também foi a contribuição da Igreja neste

debate, São Tomás de Aquino113 que continuou a obra de Santo

Agostinho114, ensinava que só a Deus corresponde um dominium absoluto,

secundário e relativo é por conseqüência o dominium do homem .115

Com as Encíclicas116 Rerum Novarum em 1891,

Quadragésimo Anno em 1931 e Mater et Magistra em 1961, ressaltou-se a

importância da inclusão social através do trabalho e da distribuição de

109 COSTA, Cássia Celina Paulo Moreira da. A Constitucionalização do Direito de Propriedade

Privada , p. 34. 110 ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do es tado. Obras

escolhidas de Karl Marx e Friedrich Engels, Trad. Leandro Konder, V.3. Rio de Janeiro, sem data. 111 GASSEN, Valcir. A Natureza Histórica da Instituição do Direito de P ropriedade .

Fundamentos de História do Direito, p. 174. 112 ENGELS, Friedrich. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Es tado , p. 373-374. 113 AQUINO, Santo Tomás de. Suma teológica. III Parte II-II. Questões 1-79. Trad. De Alexandre

Corrêa. Porto Alegre: Sulina, 1980. 114 SANTO AGOSTINHO. Sermões para a Páscoa , p. 196. 115 MOREIRA, Aroldo. A propriedade sob diferentes conceitos , p.39. 116 A origem do termo são cartas que os príncipes e magistrados enviavam ao maior número

possível de destinatários para anunciar leis, regras, normas, etc. As Cartas Encíclicas são os documentos pontifícios mais solenes, são assinadas pelo papa e enviadas a todos os bispos para lembrar à comunidade católica sobre a posição da Igreja em relação a um tema atual.

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riquezas.117

Por via do Socialismo e do Catolicismo Social inseriu-se

na reflexão jurídica a concepção de propriedade privada individual

condicionada ao interesse social.

Esta tendência socialista não resistiu ao capitalismo.

Todavia, a queda do socialismo não representou a volta ao sistema liberal

clássico, no qual a propriedade figurava como direito absoluto, pois já havia

previsão de limitações ao Direito de Propriedade na Declaração dos

Direitos do Homem e do Cidadão, decorrentes da Revolução Francesa de

1789.

Inicialmente, o importante documento trazia em seu

bojo os termos “inviolable et sacré”, inviolável e sagrado, constituindo o

núcleo ideológico de uma concepção de propriedade que,

progressivamente, se incorporaria aos textos constitucionais dos sécs. XIX

e XX, convertendo-se em peça essencial da retórica e do pensamento

jurídico burguês.118

O século XIX é o momento em que se reconhece o

primado da economia, aceita-se como axioma social, a afirmativa de que

cabe à iniciativa do indivíduo fazer o progresso da sociedade. 119

A evolução sócio-econômica do século XIX, com a

concentração capitalista, tornou cada vez mais precária a situação dos que

não possuem propriedade. E, contra os excessos no uso do direito de

propriedade, foi preciso reconhecer que a subsistência individual merecia

uma proteção constitucional semelhante à dispensada tradicionalmente à

propriedade.

117 Podem ser encontradas na página:www.vatican.mondosearch.com. 118 COSTA, Cássia Celina Paulo Moreira da. A Constitucionalização do Direito de Propriedade

Privada , p. 31. 119 MOREIRA, Aroldo. A propriedade sob diferentes conceitos , p.57.

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Com a Revolução Industrial120 houve uma revisão da

postura não intervencionista do Estado e da concepção individualista da

sociedade, o que eclodiu na proteção dos chamados direitos sociais, que

além de exigir uma atitude positiva do Estado, impõe limites às liberdades

abusivas.

É a partir do momento em que o homem compõe sua vontade para agir em harmonia com o meio em que se agita, isto é, quando estabelece a intenção de usar as vias legais capazes de fazê-lo colher uma boa convivência, ou se o exercício dos seus direitos esbarra no dever de respeitar os direitos de outrem, desperta nele a força dominante dos impulsos da liberdade anárquica, força que se pode denominar de responsabilidade, expressa no conjunto de condições mediante as quais o alvedrio de cada um pode se acordar com o de todos, segundo um sentimento geral de liberdade. 121

Hoje a concepção de propriedade é privada, um direito

individual, mas a sua proteção encontra-se subordinada à ideologia

socialista, deve cumprir uma função social.

No estágio contemporâneo, a propriedade vem

perdendo a sua expressão tradicional e o domínio das coisas assume papel

secundário e retoma preeminência o controle do Estado sobre o modo de

se utilizarem as coisas, em particular o modo por que a propriedade se

exerce.122

Mesmo após estudo de suas características e

fundamentação, difícil é traçar um conceito de propriedade abstrato,

principalmente pela influência que sofre das diversas ideologias.

Não se observa harmonia em relação ao conceito de

propriedade, cuja tonalidade varia em conformidade com o ponto de vista 120 Conjunto de transformações técnicas e econômicas que caracterizam a substituição de energia

física pela energia mecânica, da ferramenta pela máquina e da manufatura pela fábrica no processo de produção capitalista.

121 MOREIRA, Aroldo. A propriedade sob diferentes conceitos , p.55. 122 MOREIRA, Aroldo. A propriedade sob diferentes conceitos , p.64.

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de quem se propõe a defini-la.123

Conceituar a propriedade é tarefa difícil, pois além de

inexistir conceituação legal, existem diversas faculdades do proprietário que

mesmo não estando presente em algumas situações não descaracterizam

a propriedade.124

Ademais, cumpre abordar, apenas de modo

exemplificativo, algumas posições doutrinárias acerca do conceito de

propriedade.

O direito de propriedade, em sentido genérico abrange todos os direitos que formam o nosso patrimônio, isto é, todos os direitos que podem ser reduzidos a valor pecuniário. Em sentido restrito, ao qual se dá geralmente o nome de domínio e que compreende apenas as coisas corpóreas, é o direito real que vincula e legalmente submete ao poder absoluto de nossa vontade a coisa corpórea, na substância, acidente e acessórios.125

Existe a proposição de definição da propriedade ligada

à idéia de domínio, onde a propriedade seria o conjunto de faculdades em

que se desdobra o domínio, ou seja, direito de usar, gozar, dispor e

reivindicar.

A propriedade é o mais amplo dos direitos reais,

abrangendo a coisa em todos os seus aspectos. É o direito perpétuo de

usar, gozar e dispor de determinado bem, excluindo todos os terceiros de

qualquer ingerência no mesmo. Esta plenitude do direito de propriedade

distingue-o dos outros direitos reais, denominados direitos reais limitados.126

Para Cunha Gonçalves, o direito de propriedade é

aquele que uma pessoa singular ou coletiva efetivamente exerce numa

coisa certa e determinada, em regra perpetuamente, de modo normalmente 123 SERPA LOPES, Miguel Maria de. Curso de Direito Civil , v. 6, p. 276. 124 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro , v.4, p. 104. 125 PEREIRA, Lafayette Rodrigues. Direito das Coisas .v.I, p.97-98. 126 WALD, Arnoldo. Direito das Coisas , p.98.

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absoluto, sempre exclusivo, e que todas as outras pessoas são obrigadas a

respeitar.127

Por outro vértice, há o entendimento de que a

propriedade é sobretudo a faculdade de dispor, ou seja, a exteriorização da

vontade do proprietário em relação à coisa. Existindo também,

posicionamento que reduz a propriedade a um dos atributos de direitos de

ordem real.128

Gomes conceitua o direito de propriedade à luz de três

critérios, e termina por afirmar que isoladamente nem um dos critérios

satisfaz, mas a análise dos três permite tornar seus traços mais nítidos.

Sinteticamente, é a submissão de uma coisa, em todas as suas relações, a uma pessoa; Analiticamente, é o direito de usar, fruir, e dispor de um bem, e de reavê-lo de quem o injustamente o possua; Descritivamente, é um direito complexo, absoluto, perpétuo, e exclusivo, pelo qual uma coisa fica submetida à vontade de uma pessoa, com as limitações da lei. 129

A propriedade não é o somatório de seus elementos

constitutivos, mas o poder garantido pelo grupo social à utilização dos bens

da vida psíquica e moral, podendo ser pleno ou desmembrado.130

A partir do século XIX, começou-se a desenvolver uma

concepção de direito de propriedade bipartido.

Devemos distinguir no direito de propriedade a estrutura interna da estrutura externa. A primeira abrange os poderes que o titular do direito pode exercer sobre a coisa, e a segunda as relações entre o proprietário e os terceiros. A estrutura interna apresenta-se como poder complexo e exclusivo do proprietário sobre a coisa, abrangendo o uso, gozo e a disposição. A estrutura externa importa o direito de exigir a abstenção dos terceiros em relação ao

127 CUNHA GONÇALVES, Luiz da. Tratado de direito civil , tomo I, v. XI, p. 207-208. 128 ARONNE, Ricardo. Propriedade e Domínio: Reexame Sistemático das Noções Nucleares de

Direitos Reais, p. 148. 129 GOMES, Orlando. Direitos Reais , p. 97. 130 BEVILÁQUA, Clóvis. Direito das Coisas , v. 1, p.111

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objeto de propriedade do titular.131

Afirma-se que hoje não existe propriedade, mas várias

formas de propriedade. Pois cada categoria de bens comporta uma forma

de apropriação privativa dela.132

Entretanto, apesar do Direito Positivo admitir a

pluralidade das propriedades, esse fato não compromete a unidade

conceitual do instituto.

Não raro observar-se diferenciadas formas de

tratamento às propriedades civil, agrária, constitucional, coletiva, familiar, e

demais, em âmbito conceitual, cumpre salientar que perfazem o mesmo

instituto, que possui diferenciações em algumas ramificações, que

decorrem de balanceamento axiológico do conceito que, por isso mesmo,

deverá ser um conceito aberto, justamente para sua preservação e

mobilidade no sistema.133

Desta feita, a propriedade não se restringe às normas

de direito civil, compreendendo normas administrativas, ambientais,

urbanísticas, empresariais, e este complexo é orientado pelas normas

constitucionais.

1.5.1 CONCEITO DE PROPRIEDADE NO CÓDIGO CIVIL BRASI LEIRO

Cabe ao direito civil disciplinar as relações jurídicas

decorrentes do direito de propriedade, restrito ao seu tempo e ao seu

espaço, observando o ordenamento jurídico como um todo.

131 WALD, Arnoldo. Direito das Coisas , p.99. 132 MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao direito de propriedade , p. 65-66. 133 ARONNE, Ricardo. Propriedade e Domínio: Reexame Sistemático das Noções Nucleares de

Direitos Reais, p. 144.

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O Código Civil brasileiro, Lei 10.406 de 10 de janeiro de

2002, vigência a partir de 11 de janeiro de 2003, assegura a propriedade

como direito real, também regula as formas de aquisição, perda, uso e

limites da propriedade, abarcando os parâmetros constitucionais.

Hoje, é imperioso que, antes de mais nada, acatemos a necessária preponderância de nossas normas constitucionais sobre o regramento infraconstitucional. É necessário que interpretemos as disposições do Código Civil, lembrando-nos, sempre, que anteriores e superiores à lei ordinária (Código Civil) são os prescritivos constitucionais.134

A propriedade é o direito real por excelência, pois

abrange a coisa em todos os seus aspectos, sujeitando-a totalmente ao seu

titular, é a unicidade das modalidades de direitos reais sejam os de gozo,

garantia ou de aquisição.135

O direito de propriedade tem como objeto, os bens

corpóreos, sejam eles móveis, imóveis ou semoventes e os bens

incorpóreos como a propriedade intelectual.136

Concebe-se no direito civil brasileiro o caráter absoluto

da propriedade, demonstrado na sua oponibilidade erga omnes e por ser

dos direitos reais o que mais oferece amplitude ao titular.137

O caráter absoluto que ainda se pode divisar no direito

de propriedade deve ser entendido paradoxalmente, dentro do âmbito em

que a lei o deixa movimentar-se e desenvolver-se.138

Gomes leciona que a oponibilidade erga omnes não é

134 RABAHIE, Marina Mariani de Macedo. Função Social da Proprie dade, in DALLARI, Adilson

Abreu & FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Temas de Direito Urbanístico , p. 223. 135 COSTA, Cássia Celina Paulo Moreira da. A Constitucionalização do Direito de Propriedade

Privada , p. 125. 136 COSTA, Cássia Celina Paulo Moreira da. A Constitucionalização do Direito de Propriedade

Privada , p. 127. 137 GOMES, Orlando. Direitos Reais , p. 99. 138 SERPA LOPES, Miguel Maria. Curso de Direito Ci vil, v. VI, p.253.

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peculiar ao direito de propriedade. O que lhe é próprio é esse poder jurídico

de dominação da coisa, que fica ileso em sua substancialidade ainda

quando sofre certas limitações.139

[...] a lei pode por e de fato põe limites ao absolutismo do domínio, que apenas abstratamente se pode conceber ilimitado. Quanto mais avança o conceito de solidariedade social, tanto maiores são as restrições e os vínculos que, no interesse geral e para utilização da riqueza a propriedade está sujeita.140

O artigo 1.231 do Código Civil brasileiro prescreve o

atributo da exclusividade, ou seja, o direito do titular sobre o bem impede o

exercício de direito de terceiros sobre o mesmo bem. Contudo, a prova de

interesse público e social pode limitá-lo.

A exclusividade, que é característica do direito real, e

fundamental à propriedade, determina que dois direitos de propriedade

sobre o mesmo bem não podem ocorrer simultaneamente.

O atributo de perpetuidade da propriedade garante que

o domínio não se extingue sem que seja por causa legal ou vontade do

titular do bem.141

A perpetuidade não significa que uma coisa deve

pertencer, sempre ao mesmo titular, o que seria impossível, visto que os

homens duram, em regra, menos do que as coisas de que são

proprietários.142

O conceito de domínio é unitário, não varia conforme as

coisas [...] a estrutura jurídica é uma só; o seu conteúdo econômico social é

que, sendo diferente, diferentemente se expõe às regras jurídicas sobre as

139 GOMES, Orlando. Direitos Reais , p. 97. 140 RUGGIERO, Roberto de. Instituições de Direito Civil , v.2, p.302. 141 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil , p. 96. 142 CUNHA GONÇALVES, Luiz da. Tratado de direito civil , tomo I, v. XI, p. 213.

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limitações de conteúdo.143

A propriedade não é uma soma de faculdades, mas a unidade de todos os poderes conferidos ao titular, não é uma série de faculdade determinadas ‘a priori’, mas um poder geral, do qual todos os poderes imagináveis fazem parte, não sendo senão exteriorizações da sua plenitude.144

Corroborando este pensamento a definição da

característica da elasticidade, se referindo ao exercício dos atributos da

propriedade, ampliando ou reduzindo o domínio.145

Os elementos constitutivos da propriedade podem ser

repartidos entre diversas pessoas sem que o proprietário perca o direto de

propriedade sobre a coisa pois o direito de propriedade é o direito

exercitável atualmente ou não, sobre o bem.146

Quanto aos poderes de usar, fruir e dispor, estão

contidos no direito de propriedade, mas a propriedade persiste se o limite

ou restrição atinge alguns desse poderes.147

Cabe ao proprietário a defesa do direito de propriedade

através dos interditos possessórios, para assegurar sua posse, e das ações

negatória, reivindicatória, declaratória, de divisão, de demarcação entre

outras.

A personificação do direito de propriedade consiste na

aquisição da propriedade pelo titular. A aquisição da propriedade, de

acordo com o Código Civil de 2002, ocorre através do registro do título no

Cartório de Registro de Imóveis, pelo usucapião, pela acessão e pelo direito

143 PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito Privado . V. 12, p. 31. 144 RUGGIERO, Roberto de. Instituições de Direito Civil , v.2, p.298-299. 145 GOMES, Orlando. Direitos Reais , p. 100. 146 ALVES, Vilson Rodrigues. Uso nocivo da propriedade , p.52. 147 PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito Privado , V. 12, p. 16.

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hereditário.148

Os critérios observados nos modos de aquisição que

garantem uma distinção são: o originário e o derivado, entre bens móveis e

imóveis e se a aquisição foi a título universal ou singular.

Tem-se a aquisição originária quando o indivíduo faz

seu o bem sem que este lhe tenha sido transmitido por alguém, não

havendo qualquer relação entre o domínio atual e o anterior.149

Diz-se derivada a aquisição quando houver

transmissibilidade de domínio, por ato causa mortis ou inter vivos.150

Os modos terminativos de propriedade imobiliária

elencados no Código Civil são os seguintes: alienação, renúncia,

abandono, por perecimento da coisa, desapropriação por necessidade

pública ou por interesse social, direito de requisição da propriedade

particular, posse-trabalho, usucapião, acessão, pela dissolução da

sociedade conjugal em regime de comunhão universal de bem, por confisco

quando o imóvel é utilizado para cultura de plantas psicotrópicas.151

Todo o explicitado, refere-se a propriedade material

imóvel, porém, a evolução da humanidade determina a passagem da

concepção de propriedade, exclusivamente material para uma outra

imaterial, nascendo uma problemática que exigirá novas análises e novas

sínteses.

148 COSTA, Cássia Celina Paulo Moreira da. A Constitucionalização do Direito de Propriedade

Privada , p. 136. 149 MONTEIRO, Washigton de Barros. Curso de Direito Civil , p. 101. 150 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro , vol.4, p. 119. 151 COSTA, Cássia Celina Paulo Moreira da. A Constitucionalização do Direito de Propriedade

Privada , p. 142.

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1.5.2 O CONCEITO DE PROPRIEDADE NA CRFB/88

Antes de analisar o direito de propriedade no

constitucionalismo brasileiro, cabe definir o significado do vocábulo

Constituição para assegurar o seu entendimento.

Constituição lato sensu, é o ato de construir, de

estabelecer, de firmar; ou ainda, o modo pelo qual se constitui uma coisa,

um ser vivo, um grupo de pessoas; organização, formação.152

Para a concepção jurídica do termo Constituição segue

o entendimento de José Afonso da Silva:

[...] um sistema de normas jurídicas, escritas ou costumeiras, que regula a forma do estado, a forma de seu governo, o modo de aquisição e o exercício do poder, o estabelecimento de seus órgãos e os limites de sua ação. Em sínteses, a constituição é o conjunto de normas que organiza os elementos constitutivos do Estado”.153

A Constituição ao mesmo tempo em que é uma garantia

contra os abusos do Estado é também um programa para o futuro.

É uma ordenação sistemática e racional da comunidade

política, plasmada num documento escrito, mediante o qual se garantem os

direitos fundamentais e se organiza, de acordo com o princípio da divisão

dos poderes, o poder político. 154

Diante do exposto, passa-se a verificar a evolução da

propriedade no Constitucionalismo brasileiro.

Há entendimento doutrinário155 que as Constituições

152 MORAES, Alexandre. Direito Constitucional , p. 36. 153 SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro , p. 39-40. 154 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional , p. 43 155 MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao Direito de Propriedade , p. 70.

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brasileiras, desde 1824 até 1969, consagraram a propriedade como direito

individual inviolável, na linha do art. 17 da Declaração dos Direitos do

Homem e do Cidadão:

Artigo 17 - Como a propriedade é um direito inviolável e sagrado, ninguém dela pode ser privado, a não ser quando a necessidade pública legalmente comprovada o exigir evidentemente e sob condição de justa e prévia indenização.

A Carta Imperial de 1824 se distanciou da realidade

social, tendo em vista o regime absolutista e liberal, e a concepção da

sociedade escravocrata, tornando-se incompatível com os direitos

individuais elencados. Foi uma Carta outorgada quanto à sistemática,

escrita quanto à forma e semiflexível quanto à consistência.156

A soberania ao Império, foi trazida pela Constituição de

1824, em virtude da inauguração de um novo regime que, pela ótica

jurídica, extinguiu a detenção do direito de propriedade sobre o território

brasileiro pelo Reino de Portugal.157

A Constituição da República dos Estados Unidos do

Brasil de 1891 destacou a propriedade em sua plenitude.

artigo 179, inciso XXII - É garantido o Direito de Propriedade em toda a sua plenitude. Se o bem público legalmente verificado exigir o uso e emprego da propriedade do cidadão, será ele previamente indenizado do valor dela. A lei marcará os casos em que terá lugar esta única exceção e dará as regras para se determinar a indenização.158

Face ao aumento dos movimentos republicanos e

federalistas, e as necessidades sociais que ultrapassavam as

possibilidades da Carta do Império, houve o enfraquecimento do poder

156 COSTA, Cássia Celina Paulo Moreira da. A Constitucionalização do Direito de Propriedade

Privada , p. 168. 157 BASTOS, Celso Ribeiro &MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil.

V.1, p. 117. 158 MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao Direito de Propriedade , p. 70.

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imperial e o início de uma nova era político-constitucional com a

promulgação da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil

em 24 de fevereiro de 1891, que assegurou a inviolabilidade de alguns

direitos fundamentais, entre eles o de propriedade.

O sistema constitucional instaurado em 1891, espelhou-

se na Constituição norte-americana, completado com algumas disposições

das Constituições da Suíça e Argentina, e sem refletir a realidade pátria,

não respaldou a cumplicidade social, resultando num aumento dos conflitos

de poder.159

Sem maiores alterações formais, a primeira

Constituição Republicana de 1891 tratou da matéria no art. 72, § 17: “O

direito de propriedade mantem-se em toda sua plenitude, salvo a

desapropriação por necessidade ou utilidade pública, mediante indenização

prévia”.160

A propriedade na Constituição pátria da República em

1891, apresentavam um caráter individualista e este direito era assegurado

de forma plena e absoluta, com exceção da desapropriação ou

expropriação por necessidade pública ou utilidade social, a exemplo da

anterior.

A primeira Constituição brasileira a vincular o exercício

do direito de propriedade ao interesse social, seguindo orientação da

Constituição de Weimar de 1919, foi a Constituição da República dos

Estados Unidos do Brasil de 16 de julho de 1934.

Na verdade, são inúmeras as disposições161, quer de

direito civil, quer de direito administrativo, estabelecidas antes mesmo da

Constituição de 1934, que atingem frontalmente noções e conceitos 159 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo , p.80. 160 CAMPANHOLE, Adriano & CAMPANHOLE, Hilton Lobo. Constituições do Brasil , p. 705 -769. 161 Códigos de Caça e Pesca, Código Florestal, Código de Minas, Código das Águas, entre outros.

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fundamentais atinentes ao direito de propriedade, mas que expressam

claramente os novos propósitos da ordem político-jurídica que se estava a

iniciar.162

Inovando em relação às anteriores, a Constituição de

1934 teve como preocupação central a questão social, era representativa

do intervencionismo estatal na propriedade para assegurar uma conciliação

de interesses opostos163.

Artigo 113, inciso XVII – É garantido o direito de propriedade, que não poderá ser exercido contra o interesse social ou coletivo, na forma que a lei determinar. A desapropriação por necessidade ou utilidade pública far-se-á nos termos da lei, mediante prévia e justa indenização. Em caso de perigo iminente, como guerra ou comoção intestina, poderão as autoridades competentes usar da propriedade particular até onde o bem público o exija, ressalvado o direito a indenização ulterior.164

Assegurava-se, assim, de maneira completa e radical, a

prevalência do interesse público sobre o individual, e modificava-se

explicitamente o conceito de propriedade do Código, cujo conteúdo e limites

passariam, daí por diante, a ser definidos nas leis que lhe regulassem o

exercício.165

A Constituição da Ditadura de 1937, foi um retrocesso

na evolução da propriedade no sistema constitucional brasileiro, suprimindo

a vinculação ao interesse social ou coletivo. Apenas garante o direito de

propriedade salvo desapropriação por necessidade e utilidade pública

mediante indenização.

Em 10 de novembro de 1937 a Constituição consagrou

em seu art. 122, § 14 “o direito de propriedade, salvo a desapropriação por

162 MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao Direito de Propriedade , p. 71. 163 COSTA, Cássia Celina Paulo Moreira da. A Constitucionalização do Direito de Propriedade

Privada , p. 175-176. 164 CAMPANHOLE, Adriano & CAMPANHOLE, Hilton Lobo. Constituições do Brasil , p. 653. 165 MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao Direito de Propriedade , p. 72.

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necessidade ou utilidade pública, mediante indenização prévia”, mas

estabelecendo que “o seu conteúdo e os seus limites serão os definidos

nas leis que lhe regularem o exercício”.166

Após o término da Segunda Guerra Mundial, em 1945,

com a vitória dos países democráticos, o Brasil clamava pela

redemocratização, e assim, surge a Carta de 1946, que amplia os direitos

sociais, restabelecendo o uso da propriedade vinculado ao bem-estar

social, que fora mantido em 1967.

Artigo 147 - O uso da propriedade será condicionado ao bem-estar social. A lei poderá, com observância do disposto no artigo 141, § 16, promover a justa distribuição da propriedade, com igual oportunidade para todos.167

Artigo 141, § 16 – É garantido o direito de propriedade, salvo o caso de desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro.168

É a partir da Constituição de 1967 que o termo Função

Social da Propriedade passa a fazer parte do Ordenamento Jurídico

Brasileiro, como princípio da ordem econômica.169

A Constituição de 1967 ressalvou, entre os princípios

fundamentais da ordem econômica e social, cuja finalidade é a de realizar o

desenvolvimento nacional e a justiça social, a “função social da

propriedade”, mantida ipisis litteris pela Constituição de 17 de outubro de

1969, art. 60.170

A Constituição da República Federativa do Brasil de

1988, além de manter a Função Social da Propriedade entre os princípios

166 MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao Direito de Propriedade , p. 72. 167 CAMPANHOLE, Adriano & CAMPANHOLE, Hilton Lobo. Constituições do Brasil , p. 449. 168 MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao Direito de Propriedade , p. 74. 169 CAMPANHOLE, Adriano & CAMPANHOLE, Hilton Lobo. Constituições do Brasil , p. 370. 170 MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao Direito de Propriedade , p. 75.

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gerais da atividade econômica, inseriu também este princípio no rol dos

Direitos e Deveres Individuais e Coletivos.

O alcance econômico da propriedade, reflete a sua

função social, na medida em que o seu aproveitamento produtivo pode e

deve ocorrer ao encontro do interesse da sociedade. 171

Nessa área, revela-se coerente com o estágio atual da

civilização, porque se de um lado reconhece e assegura os direitos reais,

com ênfase para o de propriedade, de outro, realça a respectiva função

social, harmonizando, pois, os interesses envolvidos no complexo mundo

das relações jurídicas.172

A propriedade é tratada pela Constituição em duas

acepções, como direito fundamental do indivíduo em seu artigo 5º,

caracterizando sua importância foi disposta no mesmo plano do direito à

vida, à liberdade e à igualdade; e como elemento da ordem econômica no

artigo 170, II e III.

A introdução, no conceito geral de propriedade, da

função social da propriedade modifica radicalmente o sentido tradicional de

direito natural ou de direito subjetivo exclusivo e ilimitado. [...] o bem deve

estar vinculado a um interesse econômico voltado para o bem comum.173

Na visão de Orlando Gomes, a propriedade estática

cede diante da propriedade dinâmica, baseada no trabalho, ou na utilização

das coisas. 174

Assim, o constituinte consagrou o direito de

propriedade, mas fez ressalvas quanto ao modo de utilização e exploração

da terra, condicionando-a a uma função social. Tal medida, de cunho 171 MOREIRA, Aroldo. A propriedade sob diferentes conceitos , p.65. 172 BITTAR, Carlos Alberto. A Propriedade e os Direitos Reais na Constituição d e 1988, p. 2. 173 MOREIRA, Aroldo. A propriedade sob diferentes conceitos , p.65. 174 Apud MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao direito de propriedade , p. 64.

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socializador, objetivou diminuir os conflitos sociais gerados pela

acumulação da propriedade como riqueza.

O direito de propriedade está, portanto, plenamente

assegurado na atual Constituição, continuando nosso país situado na linha

filosófica do mundo ocidental, coerente com as tradições romanísticas.

Recebe, no entanto, quanto ao seu exercício, novos contornos, que a

evolução fática e doutrinária exigiu, expressos ajustes às suas finalidades

sociais. 175

A importância do asseguramento, em nível

constitucional, do direito de propriedade é profunda, na medida em que o

legislador ordinário acha-se totalmente coartado pelo princípio, não

podendo destarte, expedir leis desbordantes desse vetor constitucional.176

A Constituição confere à propriedade uma concepção

mais ampla, além de limitar a incursão de terceiros sobre a propriedade,

determina o seu conteúdo de forma a orientá-la para o bem-estar social.

A propriedade pode ser estudada em dois aspectos, o estrutural e o funcional. [...] O primeiro aspecto, interno ou econômico, é composto pelas faculdades de usar, fruir e dispor. O segundo, o jurídico, traduz-se na faculdade de exclusão de ingerências alheias. Estes dois aspectos, o interno e o externo, compõem a estrutura da propriedade, o seu aspecto estático. Já o segundo aspecto, mais polêmico, é alvo de disputa ideológica, refere-se ao aspecto dinâmico da propriedade, a função que desempenha no mundo jurídico e econômico a chamada função social da propriedade. 177

Criou-se para o proprietário, um dever em relação ao

bem imóvel, com o caráter de obrigação propter rem, o que desloca a

concepção do direito de propriedade de exclusivo feixe de poderes, sobre a

coisa, para compreendê-lo também como ônus de atender ao interesse 175 BITTAR, Carlos Alberto. A Propriedade e os Direitos Reais na Constituição d e 1988, p. 8. 176 FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Disciplina Urbanística da Propriedade , p. 3. 177 TEPEDINO, Gustavo. Contornos Constitucionais da Propriedade Privada , p. 311.

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social da comunidade178.

Sendo o homem um ser social, é preciso limitar a

liberdade de ação de cada um até o ponto em que possam ser prejudicados

os interesses dos outros associados.

Dentro desta perspectiva, sendo a propriedade privada

um direito de usar um bem ou destiná-lo a um fim, excluindo todos os

outros, quando esta propriedade confronta com interesses alheios deve ser

limitada.179

Esse novo aspecto da propriedade, desvirtuou-a da

idéia de direito subjetivo situado na esfera do interesse individual e

configurando-a na complexidade dos poderes, faculdades, limites e

obrigações que reúne.180

A teoria econômica dos direitos de propriedade pode

apenas fazer lembrar aos leitores a justificação utilitarista da propriedade

privada. O utilitarismo justifica a propriedade privada sempre que ela

contribua para a felicidade geral, e portanto encara os seus méritos e

defeitos em termos da sua “eficiência” total.181

Entretanto, o direito de propriedade é o traçado pelo

ordenamento constitucional vigente, que o denota, e cuja conotação será

dada pelas normas infraconstitucionais, a par das interpretações

jurisprudencial e doutrinária que, não desbordando da “moldura”, irão,

paulatinamente, enriquecendo-lhe o conteúdo.182

A teoria econômica ou utilitarista da propriedade,

considera a questão da propriedade instrumental para proteção dos

178 MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao direito de propriedade , p. 78-79. 179 MOREIRA, Aroldo. A propriedade sob diferentes conceitos , p.33. 180 MOREIRA, Aroldo. A propriedade sob diferentes conceitos , p. 15. 181 RYAN, Alan. A Propriedade , p. 167. 182 FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Disciplina Urbanística da Propriedade , p. 4.

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direitos individuais assim como para criação do bem-estar material.183

Destarte, a propriedade não pode mais ser considerada

absoluta frente às novas concepções do direito civil vinculado à

Constituição, está cada vez mais submetida à uma função social.

1.5.3 A PROPRIEDADE INTELECTUAL

Inicialmente o trabalho intelectual não interessava ao

capitalismo, sua importância surge a partir da sua utilização no processo

produtivo de bens materiais auxiliando na geração de riquezas.

Enquanto nas sociedades pré-capitalista economicamente não havia diferença entre a produção e o consumo, visto que toda a produção era destinada para o consumo imediato, o capitalismo se caracteriza por esta distinção, produzindo para a troca e acumulação do capital, consegue diferenciar o trabalho útil, do produtivo. [...] A apropriação imaterial tem origem nos trabalhos tecnológicos, ou seja, em trabalhos intelectuais destinados a desenhar um processo ou um produto de utilidade para a produção capitalista, trabalhos considerados produtivos. 184

Com a invenção dos caracteres tipográficos no séc. XV,

que permitia a impressão por meio de tipos metálicos, o conhecimento

passou a atingir escalas industriais. Surge então a necessidade de proteger

os direitos do autor.

Porém, a tutela do autor surge com o estatuto da rainha

Ana da Inglaterra, em 10 abril de 1710. Neste primeiro texto que se

reconhecia um direito, o autor apodera-se do privilégio de reprodução, o

183 RYAN, Alan. A Propriedade , p. 105. 184 BARBOSA, Antonio Luiz Figueira. Sobre a propriedade do trabalho intelectual : uma perspectiva crítica. Rio de Janeiro: UFRJ, 1999.

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que seria o copyright, que tem como base à materialidade do exemplar.185

O direito do criador intelectual sobre suas obras só foi

sentido integralmente quando o homem se tornou capaz de reproduzir e

difundir em escala ampla as obras do espírito.186

Na sociedade contemporânea, há uma crescente

importância da propriedade imaterial, pois os meios de produção não são

mais o capital e sim o conhecimento.

Hoje, em plena era da informação, a incorporação da tecnologia às atividades econômicas produz impacto na sociedade, devido aos avanços tecnológicos das últimas décadas – esses superaram tudo o que o homem havia acumulado ao longo da sua existência no planeta em termos de conhecimentos, com toda a gama de conseqüências que transformam cotidianamente as vidas e o comportamento das pessoas.187

Os rendimentos econômicos derivados dos privilégios

da chamada propriedade intelectual, podem, em muitos casos, ser

superiores aos rendimentos da propriedade material.188

A relação com o conhecimento que experimentamos

desde a Segunda Guerra mundial, e sobretudo depois dos anos setenta, é

radicalmente nova, na medida em que as informações e o conhecimento

passaram a constar entre os bens econômicos primordiais.189

Ao se perceber que o conhecimento proporciona

riqueza e poder, o homem cria formas de protegê-lo, surgindo a idéia de

propriedade intelectual, que visa dar proteção às expressões criativas do

homem, sobretudo aquelas pertinentes ao campo industrial e comercial.

185 ASCENSÃO, José de Oliveira, Direito autoral. 2 ed., Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 4. 186 SILVEIRA, Newton. Curso de Propriedade Industrial , p. 11. 187 PIMENTEL, Luiz Otávio. Direito Industrial – As Funções do Direito de Paten tes , p. 26. 188 KICH, Bruno Canísio. A Propriedade na Ordem Jurídica Econômica e Ideológ ica , p. 186. 189 LÉVY, Pierre. O que é virtual , p. 54.

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As diversas produções da inteligência humana e alguns institutos afins são denominadas genericamente de propriedade imaterial ou intelectual, dividida em dois grandes grupos, no domínio das artes e das ciências: a propriedade literária, científica e artística, abrangendo os direitos relativos às produções intelectuais na literatura, ciência e artes; e no campo da indústria: a propriedade industrial, abrangendo os direitos que têm por objeto as invenções e os desenhos e modelos industriais, pertencentes ao campo industrial.190

Todo o homem possui em maior ou menor grau

potencial criativo. Ao exercer sua criatividade, ele acresce ao mundo de

coisas novas, cujo surgimento se deve a ele, a uma operação de caráter

intelectual que resulta em uma nova realidade que vem enriquecer o mundo

dos homens, a ampliar seus limites.191

A propriedade imaterial ou propriedade intelectual é

toda a criação do espírito humano capaz de proporcionar utilidade,

benefício, gozo, lazer ou alguma espécie de satisfação interior.192

A Convenção da OMPI (Organização Mundial da Propriedade Intelectual) define como Propriedade Intelectual, a soma dos direitos relativos às obras literárias, artísticas e científicas, às interpretações dos artistas intérpretes e às execuções dos artistas executantes, aos fonogramas e às emissões de radiodifusão, às invenções em todos os domínios da atividade humana, às descobertas científicas, aos desenhos e modelos industriais, às marcas industriais, comerciais e de serviço, bem como às firmas comerciais e denominações comerciais, à proteção contra a concorrência desleal e todos os outros direitos inerentes à atividade intelectual nos domínios industrial, científico, literário e artístico.193

Com a concepção da propriedade intelectual e da

propriedade industrial, os chamados bens imateriais passaram a serem

190 PIMENTEL, Luiz Otávio. Direito Industrial – As Funções do Direito de Paten tes , p. 126. 191 SILVEIRA, Newton. Curso de Propriedade Industrial , p. 12-13. 192 KICH, Bruno Canísio. A Propriedade na Ordem Jurídica Econômica e Ideológ ica , p. 48. 193 De acordo com o artigo 2º da Convenção de Estocolmo de 1967, que estabeleceu a OMPI, e

alterada em 1979.

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suscetíveis de direitos dominicais e de outros direitos reais.194

No sistema clássico os direitos privados eram

classificados em pessoais, obrigacionais e reais, porém hoje foram

inseridas mais duas categorias nesta divisão: os direitos da personalidade e

os direitos intelectuais.195

Por derradeiro, cabe salientar que a concepção de

propriedade intelectual, tem como principal atributo o fato de ser mais

abrangente, de ir além da mera apropriação ou controle sobre determinado

objeto, significando a valorização econômica das coisas intangíveis.

Os direitos intelectuais são aqueles referentes a

relações entre os homens e os produtos de seu intelecto, expressos sob

determinadas formas, a respeito dos quais detêm verdadeiro monopólio. 196

A noção de propriedade intelectual abrange o campo da

Propriedade Industrial, os direitos autorais e outros direitos sobre bens

imateriais de vários gêneros.197

É em função do grau da crise entre os direitos

individuais do criador e os interesses gerais da coletividade é que se

separaram as duas citadas ramificações, levando-se em conta que como os

bens de caráter utilitário são de interesse mais imediato para a vida comum,

menor é o prazo monopolístico do criador, em comparação com os de

cunho estético, em que de maior alcance são os seus direitos.198

Desse modo far-se-á uma breve exposição acerca das

espécies de propriedade intelectual: os direitos de autor e conexos (direitos

194 PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito Privado , parte especial, Tomo XVI, Direito das

Coisas: Propriedade mobiliária (bens incorpóreos). Propriedade intelectual. Propriedade Industrial. 2 ed. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1956.

195 LISBOA, Roberto Senise. Manual Elementar de Direito Civil , vol. 4, p. 291. 196 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor , p. 2. 197 BARBOSA, Denis Borges. Uma Introdução à Propriedade Intelectual , p. 01. 198 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor , p. 4.

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51

autorais) e a propriedade industrial.

1.5.3.1 A PROPRIEDADE INDUSTRIAL

A criação no campo da indústria objetiva produzir

efeitos no mundo material, obtendo um resultado utilitário.

A doutrina, de um modo geral, caracteriza a propriedade

industrial como sendo a soma dos direitos que incidem sobre as

concepções ou as produções da inteligência, trazidas à indústria para sua

exploração ou para o proveito econômico de quem as inventou ou as

imaginou.199

Entende-se por propriedade industrial o conjunto de direitos resultantes das concepções da inteligência humana que se manifestam ou produzem na esfera da indústria. Como um dos elementos incorpóreos do fundo de comércio, a propriedade industrial é protegida pela lei, efetuando-se mediante a concessão de privilégios de invenção, de modelos de utilidade, dos desenhos e modelos industriais e pela concessão do registro, dando ao seu titular a exclusividade de uso das marcas de indústria, de comércio e de serviço, além das expressões ou sinais de propaganda. Adquirindo, assim, o privilégio de qualquer um desses elementos, a lei assegura a sua propriedade, garantindo o uso exclusivo e reprimindo qualquer violação a esse direito.200

Na regulação dos direitos sobre a obra industrial, a

proteção fixada objetivou a aplicação do produto final na consecução de

utilidades, ou na solução de problemas técnicos, relacionado-se com o

processo de produção e de expansão da economia, sob a égide de um

regime de concorrência leal.201

A propriedade industrial compreende a concessão de:

199 DEL NERO, Patrícia Aurélia. Propriedade Intelectual: a tutela jurídica da biotecnologia, p. 47. 200 MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial , p. 503-504. 201 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor , p. 5.

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patente de invenção, patente de modelo de utilidade, registro de desenho

industrial, registro de marca de produto ou serviço, marca de certificação,

marca coletiva, bem como se relaciona com repressão às falsas indicações

geográficas e à concorrência desleal.202

É a lei 9.279/96 que disciplina os direitos e obrigações

referentes à propriedade industrial, enquanto a lei 9.610/98 dispõe sobre

direitos autorais, que será analisado no próximo item.

1.5.3.2 O DIREITO AUTORAL

A obra intelectual é criação intelectual que tem como

fonte o íntimo do criador, é forma de expressão particular da personalidade

ou espírito do autor.

A obra artística produz um resultado no mundo interior

do homem, no mundo da percepção, atua no mundo da comunicação ou da

expressão.203

O direito de autor é um poder de senhorio de um bem

intelectual, poder esse que, em razão, da sua natureza especial, abraça no

seu conteúdo faculdades de ordem pessoal e faculdades de ordem

patrimonial.204

O direito autoral tem atributos de natureza patrimonial e

moral, estes correspondem ao aspecto pessoal do autor com relação à sua

criação, o direito de defendê-la como atributo de sua própria personalidade.

Já os direitos patrimoniais se referem à prerrogativa do autor em auferir

202 DEL NERO, Patrícia Aurélia. Propriedade Intelectual: a tutela jurídica da biotecnologia, p. 70. 203 SILVEIRA, Newton. Curso de Propriedade Industrial , p. 13. 204 CHAVES, Antonio. Direito de Autor , v. I – Princípios Fundamentais, p. 7.

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vantagens pecuniárias com a utilização de sua obra.

Na regulamentação dos direitos sobre a obra intelectual,

o objetivo básico é o de proteger o autor e possibilitar-lhe, de um lado, a

defesa da paternidade e da integridade de sua criação e, de outro, a fruição

dos proventos econômicos, resultantes de sua utilização, dentro da linha

dos mecanismos de tutela dos direitos individuais. 205

Assim, enquanto a propriedade industrial e os direitos

patrimoniais do autor podem ser considerados direito de propriedade, a

rigor, a tutela dos direitos autorais morais é estranha à propriedade

intelectual, esta interpretação deriva da natureza personalíssima do direito.

205 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor , p. 4.

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Capítulo 2

O ESTADO CONTEMPORÂNEO COMO GARANTIDOR DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

2.1 LIMITES DA PROPRIEDADE

Como já analisado, o direito de propriedade não se

caracteriza mais por ser absoluto, seu conteúdo ou o seu exercício são

ditados pelas regras limitativas.

O direito de propriedade, que se assegura em toda sua

plenitude, para que possa o seu titular dispor da coisa livremente, fruindo-a

a seu bel-prazer ou alienando-a quando lhe aprouver, sofre restrições

advindas do respeito a direitos alheios ou fundadas no próprio interesse

coletivo.206

Não obstante a propriedade ser um direito individual que assegura a seu titular uma séria de poderes cujo conteúdo constitui objeto do direito civil; compreende os poderes de usar, gozar e dispor da coisa, de modo absoluto, exclusivo e perpétuo. Não podem, no entanto, esses poderes ser exercidos ilimitadamente, porque coexistem com direitos alheios, de igual natureza, e porque existem interesses públicos maiores, cuja tutela incumbe ao Poder Público exercer, ainda que em prejuízo de interesses individuais.207

O Direito, pela lei, pode limitar a liberdade de cada um

na medida necessária à proteção da liberdade de todos, porém, não a

suprime, porque precisamente ao limitá-la, a garante.208

Nas restrições gerais do direito de propriedade não se

sacrifica um direito subjetivo; diminuem-se algumas faculdades, que de

206 DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário Jurídico, v ol. III, p.477. 207 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo , p.120. 208 MOREIRA, Aroldo. A propriedade sob diferentes conceitos , p. 15.

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certo modo constituem expectativas jurídicas.209

As limitações ao direito de propriedade consistem nos

condicionamentos que atingem os caracteres tradicionais desse direito, que

era tido como absoluto, exclusivo e perpétuo.210

Desde que à comunidade se torne necessário o que ao

indivíduo pertence, ou o interesse social exija certas restrições a uma

prerrogativa individual, cede o homem compulsoriamente em proveito da

coletividade. 211

O primado do direito público ganhou ênfase, influindo no

próprio conceito de propriedade, e as limitações multiplicam-se dia a dia,

através de adoção de medidas restritivas do direito de propriedade pelo

Estado.212

A intervenção do Estado na propriedade privada

consiste em todo ato do Poder Público que, compulsoriamente, retira ou

restringe direitos dominiais privados, ou sujeita o uso de bens particulares a

uma destinação de interesse público.213

A intervenção do Estado na propriedade pode se dar de

várias formas, fundamentada em três diferentes tipos de interesses:

privado, público e o social.

As limitações de interesse privado, visam conciliar os

interesses do proprietário com os de outros particulares, e se subdividem

em limitações de mero interesse privado e limitações de interesse

semipúblico, como as relações entre vizinhos.214

209 GONÇALVES, Luiz da Cunha. Tratado de direito civil , vol. 11, t. 1, p. 214. 210 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo , p. 252. 211 MOREIRA, Aroldo. A propriedade sob diferentes conceitos , p. 82. 212 GOMES, Orlando. Direitos Reais , p. 119. 213 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro , p.500. 214 GONÇALVES, Luiz da Cunha. Tratado de direito civil , vol. 11, t. 1, p. 215.

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Nas outras duas hipóteses, pode-se verificar a tutela de

interesses que estão acima dos individuais, a defesa dos interesses

direitos do Estado e a dos interesses direitos da coletividade.

As limitações de interesse público ou geral, ou de

utilidade pública, são destinadas a impedir que o interesse, o arbítrio ou o

egoísmo do proprietário prevaleça em absoluto sobre o interesse da

coletividade.215

Nessa esfera de atuação, o Estado pode limitar

propriamente o direito de propriedade (impondo um non facere - abstenção

ou um pati - tolerância), impor deveres aos titulares desse direito ou, enfim,

suprimi-lo.216

Gomes classifica as limitações ao direito de propriedade

baseado em três critérios: a fonte, que pode ser legal, jurídica ou voluntária;

a extensão, podendo atingir o direito em si ou algumas de suas faculdades;

e o fundamento, se de interesse público ou na coordenação de interesses

privados.217

Várias disposições, constitucionais, administrativas,

militares, penais e civis restringem o exercício do direito de propriedade,

tornando impossível uma completa enumeração de todas as restrições.218

Há controvérsias sobre a natureza jurídica das

limitações ao direito de propriedade, para alguns autores trata-se de

servidões legais, para outros representam o regime normal da propriedade.

Nesta definição a importância está relacionada com as

indenizações, pois as limitações administrativas não dão lugar à

indenização, diferentemente da servidão (restrição parcial) e da 215 GONÇALVES, Luiz da Cunha. Tratado de direito civil , vol. 11, t. 1, p. 215. 216 MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao Direito de Propriedade , p. 60. 217 GOMES, Orlando. Direitos Reais , p. 121-122. 218 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil , Direito das Coisas, p.96.

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desapropriação (restrição plena) que são específicas sobre determinado

bem, e ensejam indenizações.

Para situações particulares que conflitem com o interesse público a solução será encontrada na servidão administrativa ou na desapropriação, mediante justa indenização, nunca na limitação administrativa, cuja característica é a gratuidade e a generalidade da medida protetora dos interesses da comunidade.219

Neste sentido, Bielsa afirma que as limitações são uma

carga geral para todas as propriedades, e em virtude deste princípio não

dão lugar à indenização pelo que se trata de uma condição inerente ao

direito de propriedade, cujo conteúdo normal se limita pelas leis.220

As limitações administrativas impõem obrigações de

caráter geral a proprietários indeterminados, em benefícios do interesse

geral, afetando o caráter absoluto do direito de propriedade, ou seja,

atributo pelo qual o titular tem o poder de usar, gozar e dispor da coisa da

maneira que lhe aprouver.221

Os indivíduos têm diante das limitações um direito

subjetivo, podem exigir o seu cumprimento quando estiverem impostas pelo

direito objetivo.

O direito subjetivo é a relação, que vincula, direta ou indiretamente, um bem da vida a um sujeito, e que, reconhecida pela ordem jurídica, dá a esse poder de, pessoalmente ou representado, tirar toda a utilidade daquele bem, no seu próprio interesse, ou no alheio, com a iniciativa de fazer movimentar os órgãos da justiça pública para efetivar a plena proteção assegurada àquela relação.222

Na concepção de Nader o direito subjetivo consiste, na

possibilidade de agir e de exigir aquilo que as normas de Direito atribuem a 219 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro , p.533. 220 BIELSA, Rafael. Derecho Administrativo , v.III, p. 358. 221 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo , p.119. 222 ESPÍNOLA, Eduardo & ESPÍNOLA FILHO, Eduardo. Tratado de Direito Civil Brasileiro , Dos

Direitos Subjetivos, v. IX, p. 573.

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alguém como próprio.223

As limitações tornaram-se mais numerosas a partir da

intervenção do Estado na vida econômica com o objetivo de realizar uma

justiça social.224

De forma a vedar o individualismo ganancioso de

alguns poucos homens, a função social da propriedade merece o respaldo

e a aplicação imediata.

Essas restrições destinadas a promover a integração

entre os valores individuais e sociais, são a consecução da justiça em

concreto.225

Apesar de aparentar um enfraquecimento da

propriedade, as limitações são responsáveis pelo seu aperfeiçoamento,

tornando-o menos criticável frente ao princípio da justiça social.

2.2 A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

Tratando da função social da propriedade, importante é

a análise do termo função que integra a expressão.

O termo função apresenta-se sob vários significados,

entre eles a noção de um conjunto de atividades e papéis exercidos por

indivíduos ou grupos sociais, no sentido de atender a necessidades

específicas.226

O uso do conceito de função nas ciências tende a suplantar o do

223 NADER, Paulo. Indrodução ao Estudo do Direito , p. 358. 224 MOREIRA, Aroldo. A propriedade sob diferentes conceitos , p.59. 225 BITTAR, Carlos Alberto. A Propriedade e os Direitos Reais na Constituição d e 1988, p. 5. 226 MACEDO, Silvio. Enciclopédia Saraiva de Direito , v. 38, p. 482.

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conceito de causa, podendo ser considerado eqüipolente ao uso do conceito de condição. Expressa a interdependência dos fenômenos e permite a determinação quantitativa dessa interdependência sem pressupor ou assumir nada sobre a produção de um fenômeno por parte de outro.227

Para Pasold, a concepção para a palavra função parte

de um significado comprometido com dois elementos semânticos distintos

entre si mas mutuamente complementares, quais sejam, a AÇÃO e o

DEVER AGIR [...]. A causa da Função Social é, pois, a necessária

interação continuada entre Sociedade e Estado.228

A doutrina da função social da propriedade tem por fim

dar sentido mais amplo ao conceito econômico individual que lhe é

característico, transformando-a em fonte geradora de riqueza que

satisfaçam a necessidade social e não só do proprietário.

Socialmente funcional será a propriedade que, desde

que respeitada a dignidade da pessoa humana, contribua para o

desenvolvimento nacional e para diminuir a pobreza e as desigualdades

sociais.229

A propriedade além de propiciar gozo e fruição para seu

titular deve gerar utilidade coletiva fruível, Celso Ribeiro de Bastos define a

função social como conjunto de normas da Constituição que visa recolocar

a propriedade na sua trilha normal. 230

A função social de um bem não é algo abstrato e

hipoteticamente aferível, nem está sujeito a padrões indeterminados e

genéricos, mas, ao revés só é perceptível no caso concreto, em razão das

227 ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia , p. 473-474. 228 PASOLD, César Luiz. Função Social do Estado Contemporâneo , p.92. 229 GONDINHO, André Osório. Função Social da Propriedade , p. 413. 230 BASTOS, Celso Ribeiro &MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Br asil.

V.1, p. 125.

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peculiaridades de cada situação.231

Três atributos da Função Social são considerados

estratégicos para sua destinação: não tem o seu conteúdo fixado a priori e

imutavelmente; não se exerce com paternalismo ou protecionismo, e é

resultado de uma solidária responsabilidade. 232

Diante do regime jurídico constitucional, o direito de

propriedade não aparece mais como um direito subjetivo individual, que

assegurava ao proprietário o poder legal de usar, gozar e dispor de seus

bens, essa faculdade se transforma em direito objetivo de dar um uso social

à propriedade ou ao menos não utilizá-la em desarmonia com a justiça

social.

O aperfeiçoamento de função social se revela quando o legislador impõe, não apenas uma ‘limitação dimensional’ à propriedade, cujo titular ‘sofre’ as conseqüências da redução quantitativa de seu patrimônio, mas quando passa a exigir do proprietário uma utilização do imóvel conforme aos princípios da função social. De sujeito ‘passivo’ da intervenção do Estado, o proprietário passa a ser ‘co-participe’ da ação estatal na realização dos fins da Ordem Econômica e Financeira.233

A função social da propriedade apresenta-se como

uma tentativa de dar um sentimento de igualdade e de justiça social e

legitimar o direito de propriedade.

Conforme esta concepção, a propriedade é uma

situação jurídica puramente objetiva, ensina Leal que o ordenamento não

protege o direito subjetivo de usar a coisa segundo a sua vontade, mas

garante, tão-somente, a liberdade do possuidor da mesma de satisfazer a

231 MOREIRA, Aroldo. A propriedade sob diferentes conceitos , p.68. 232 PASOLD, César Luiz. Função Social do Estado Contemporâneo , p. 98. 233 VAZ, Isabel. Direito Econômico das Propriedades , p.328.

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função social que lhe compete pelo fato de ser o detentor da riqueza. 234

A referência constitucional à função social como elemento estrutural da definição do direito à propriedade privada e da limitação legal de seu conteúdo demonstra a substituição de uma concepção abstrata de âmbito meramente subjetivo de livre domínio e disposição da propriedade por uma concepção social de propriedade privada, reforçada pela existência de um conjunto de obrigações para com os interesses da coletividade.235

Se é crível que todo direito sempre está revestido de um

caráter teleológico, então o de propriedade só atingirá seus fins à medida

que estiver em perfeita consonância com o bem-estar social.236

A propriedade atingirá seus fins quando o uso dos bens

imóveis estiver em consonância com os princípios de ordem econômica e

com as diretrizes traçadas pelo ordenamento jurídico.

[...] a observação da evolução da propriedade - que da plena in re potestas de Justiniano, da propriedade como expressão do direito natural vai desembocar, modernamente, na idéia de propriedade- função social - apresenta momentos e matizes realmente encantadores, bastantes para desviar o estudioso da senda que tencione explorar. Tal evolução consubstancia, como afirmou André Piettre, a revanche da Grécia sobre Roma, da filosofia sobre o direito: a concepção romana, que justifica a propriedade por sua origem (família, dote, estabilidade de patrimônios), sucumbe diante da concepção aristotélica, finalista, que a justifica por seu fim, seus serviços, sua função.237

Reconhecendo na propriedade uma faculdade

individual, Josserand entende-a limitada, porque seu exercício há de estar

condicionado à observância dos interesses alheios. Exercendo-a contra

esses interesses, o titular estaria a praticar o abuso, porque seus atos

234 LEAL, Rogério Gesta. A função social da propriedade e da cidade no Brasi l: aspectos

jurídicos e políticos, p. 51. 235 MORAES, Alexandre. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Co nstitucional , p.

266. 236 SILVA, Volney Zamenhof de Oliveira. Propriedade em Face da Ordem Constitucional

Brasileira . Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, p. 122. 237 GRAU, Eros Roberto. Direito Urbano , p. 63.

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excederiam os limites pelos quais o direito lhe foi reconhecido pela

coletividade. 238

O princípio da função social é um elemento do regime

jurídico da propriedade, é pois, princípio ordenador da propriedade privada,

logo, incide no conteúdo do direito de propriedade.

Leon Duguit239, criador da teoria da propriedade como

função social, nega ser a propriedade um direito subjetivo individual,

entendendo que se trata de uma função social a ser exercida pelo detentor

da riqueza.240

Tal hipótese, de propriedade - função, talvez fosse

ventilável sob um regime socialista ou comunista, no qual o princípio da

igualdade prevalece sobre o princípio da liberdade, e não se observa o

direito à propriedade privada.241

A teoria de Duguit pode ser vista como um marco na

evolução do Direito Civil, pois despertou o interesse dos juristas para a

transformação do direito de propriedade. Mas é passível de crítica quando

afirma que o direito de propriedade "é" uma função social. O direito de

propriedade é e dificilmente deixará de ser uma faculdade individual.

[...] o direito não se converte em função social, seja no todo, seja em parte, pelo fato de que esteja limitado ou condicionado ao interesse social. Essa suavização não modifica sua natureza nem a função do direito, que continua em todo o demais, ao serviço de seu titular exclusivamente. A extensão será menos ampla: isto é tudo.242

Nosso regime há de primar pelo equilíbrio evocado pelo

238 JOSSERAND, Louis. Derecho Civil . Trad. MANTEROLLA, S.C. Tomo I, Vol. 3, p. 105. 239 DUGUIT, Leon. Fundamentos do Direito , 1996. 240 MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao direito de propriedade , p. 52. 241 ARONNE, Ricardo. Propriedade e Domínio : Reexame Sistemático das Noções Nucleares de

Direitos Reais, p. 186. 242 DABIN, Jean. El Derecho Subjetivo , p.273-274.

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conteúdo social positivado no Estado Democrático de Direito moldado na

Constituição Brasileira. Liberdade e Igualdade concorrem, relativizando-se

tópica e axiologicamente, em prol do princípio da dignidade da pessoa

humana.243

A função social da propriedade não se confunde com os

sistemas de limitação da propriedade, estes dizem respeito ao exercício do

direito, aquela à estrutura do próprio direito.244

Para compreensão do conteúdo material do princípio da

função social, há de ser compreendido a sua origem no princípio da

igualdade. Mas não da igualdade formal, garantida pelo Estado Liberal, e

sim a igualdade material que comporta o Estado Social.

A igualdade formal é importante, mas haverá de sucumbir perante a igualdade material, sob pena de não restar respondido, por ela, quem haveriam de ser os iguais e os desiguais.[...] Nesse passo, o princípio da igualdade alcança o sentido de igualdade de oportunidades e condições reais de vida. Em tal ponto, o princípio da igualdade traduz princípio impositivo de uma política de justiça social. 245

O poder-dever do proprietário em cumprir a função

social da sua propriedade, poderia ser comparada ao dever-poder familiar,

mas no caso do poder familiar o elemento central é o dever, e no caso da

propriedade o elemento central é o poder, a obrigação é reflexo dele.246

É claro que tanto o dever alimentar quanto o dever de abstenção do não proprietário hão de ser lidos à luz da dignidade da pessoa humana, pelo esclarecimento recíproco das normas, bem como princípio da função social, relativizador da propriedade, se esclarece pelo princípio da cidadania, dando congruência e

243 ARONNE, Ricardo. Propriedade e Domínio : Reexame Sistemático das Noções Nucleares de

Direitos Reais, p. 187. 244 GOMES, Orlando. Direitos Reais , p. 254. 245 ARONNE, Ricardo. Propriedade e Domínio : Reexame Sistemático das Noções Nucleares de

Direitos Reais, p. 204. 246 MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao Direito de Propriedade , p. 68.

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unidade material ao ordenamento. 247

Seria uma mudança do paradigma individualista da

modernidade para um paradigma embasado na noção de funções que o

individuo deve desempenhar enquanto membro da sociedade.

Essa afetação dos bens de produção a uma finalidade

produtiva é a carga desta propriedade - função social, significando

subordinação dos interesses individuais aos interesses sociais, e não

supressão da propriedade dos bens de produção.248

A função social da propriedade representaria uma

obrigação do proprietário com relação aos demais membros da sociedade,

podendo ele ter o domínio do bem tem, também, a obrigação de não

realizar ato algum contrário ao bem da comunidade.

Na sociedade moderna, onde impera a consciência da solidariedade entre os entes sociais, a liberdade implica o dever de os indivíduos empregarem sua atividade e talento no desenvolvimento dessa interdependência. Isso também deve ocorrer no exercício da propriedade, que, embora consistindo uma expressão da liberdade do homem, impõe ao detentor da riqueza a obrigação de manter e aumentar a solidariedade no tecido social.249

O Estado garante o direito de propriedade que respeite

a sua função social, mas tem também a possibilidade de intervenção na

propriedade privada que desrespeite este princípio social.

Reconhecendo a função social da propriedade, a Constituição não nega o direito exclusivo do dono sobre a coisa, mas exige que o seu uso seja condicionado ao bem-estar geral. Não ficou, portanto, o constituinte longe da concepção tomista, segundo a qual o proprietário é um procurador da comunidade para a gestão de bens destinados a servir a todos, embora pertençam a um

247 ARONNE, Ricardo. Propriedade e Domínio : Reexame Sistemático das Noções Nucleares de

Direitos Reais, p. 178. 248 MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao Direito de Propriedade , p. 60. 249 LOPES, Miguel Maria de Serpa. Curso de Direito Civil , p. 243.

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só.250

Assim, a função social pode ser entendida como um

balizamento de Direito Público quanto à utilização, por parte do titular, de

imóveis urbanos ou rurais.

A função social da propriedade consiste em que a propriedade deve cumprir um destino economicamente útil, produtivo, de maneira a satisfazer as necessidades sociais preenchíveis pela espécie tipológica do bem, cumprindo sua vocação natural, de modo a canalizar as potencialidades residentes no bem em proveito da coletividade ou pelo menos, não poderá ser utilizada de modo a adversá-las.251

Com efeito, a função social compreende, na

propriedade urbana, o atendimento das exigências fundamentais de

ordenação da cidade no plano diretor (artigo 182, §2º da CRFB 88) e na

propriedade rural, o aproveitamento racional e adequado, preservação do

meio ambiente, observação das disposições que regulam as relações de

trabalho e exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos

trabalhadores (artigo 186 da CRFB 88).

No que se refere às questões relacionadas á Função

Social da Propriedade urbana, a maior parcela de responsabilidade recaiu

sobre os municípios.

Desenvolvimento urbano se constitui no processo de expansão de cada cidade. Ele é também processo, porém difere da urbanização no sentido de que esta é uma categoria global e o desenvolvimento urbano, uma subcategoria daquela. Ele diz respeito a cada cidade, enquanto que urbanização diz respeito a um processo de todas as cidades.252

Será através da Política de Desenvolvimento Urbano

que o Poder Público poderá concretizar a Função Social da Propriedade 250 MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao Direito de Propriedade , p. 76. 251 MELO, Celso Antonio Bandeira de. Novos aspectos da função social da propriedade , in

Revista de Direito Público, p. 43. 252 SOUZA, Maria Adélia. Governo Urbano , p. 56.

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Urbana. O instrumento utilizado para essa Política de Desenvolvimento

Urbano é o Plano Diretor.

O plano diretor ou plano diretor de desenvolvimento integrado, como modernamente se diz, é o complexo de normas legais e diretrizes técnicas para o desenvolvimento global e constante do Município, sob os aspectos físico, social, econômico e administrativo, desejado pela comunidade local. Deve ser a expressão das aspirações dos munícipes quanto ao progresso do território municipal no seu conjunto cidade-campo. É o instrumento técnico-legal definidor dos objetivos de cada Municipalidade, e por isso mesmo com supremacia sobre os outros, para orientar toda a atividade da Administração e dos administradores nas realizações públicas e particulares que interessem ou afetem a coletividade.253

A norma atinente à matéria urbanística, que dispõe sobre as

diretrizes de política urbana a serem seguidas pelos municípios na elaboração do

Plano Diretor, é o Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257 de 10 de julho de 2001).

O objeto do Estatuto da Cidade é a ordenação da

propriedade imobiliária urbana, por meio da sua conformação a uma função social

que garanta o pleno exercício do direito à cidade por todos os seus habitantes.254

Acerca da função social da propriedade rural, tem-se

que a utilização adequada dos recursos naturais disponíveis é quando se

faz a exploração respeitando a vocação natural da terra, de modo a manter

o potencial produtivo da propriedade.255

Quanto à preservação do meio ambiente, entende-se a

manutenção das características próprias do meio natural e da qualidade

dos recursos ambientais, na medida adequada à manutenção do equilíbrio

ecológico da propriedade e da saúde e qualidade de vida das comunidades

253 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro , p. 383. 254 MATTOS, Liana Portilho. A Efetividade da Função Social da Propriedade Urban a à Luz do Estatuto da Cidade . Rio de Janeiro: Temas e Idéias, 2002. Disponível em: <http://www.temas.com.br/liana%20no%20prelo.html>. Acesso em: 28 ago 2006. 255 LEI 8.629 de 1993. Art 9º, § 2º.

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vizinhas.256

Por fim, pode-se afirmar que a propriedade assume,

nesse contexto, uma importância fundamental, pois a dependência

intersubjetiva moderna, impõe restrições ao uso das coisas como forma de

atender às necessidades coletivas.

2.3 LIMITES E FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE INTELECT UAL

Com o passar dos tempos, a propriedade se transforma

em propriedades e cada qual recebe disciplina jurídica autônoma, com

convergência na afetação que todas tem pela função social.

Toda e qualquer propriedade portanto, deixa de vincular-se exclusivamente aos interesses de seu titular para cumprir sua função social. A expressão de valor da propriedade, diretamente ligada à terra, em detrimento da propriedade móvel, vista até como vil, sofre nos dias atuais sensível modificação. Os valores alcançáveis pela propriedade móvel podem ser extremamente significativos, como nos casos das ações de uma sociedade anônima ou de bens incorpóreos como as marcas e patentes.257

Não só a propriedade imóvel, mas também a

propriedade intelectual deve cumprir sua função social, diminuindo

desigualdades. E a função social da propriedade intelectual seriam os

limites impostos a essa propriedade em prol de interesses coletivos maiores

como a saúde, a cultura e o meio ambiente.258

[...] todo bem, móvel ou imóvel, deve ter uma função social. Vale dizer, deve ser usado pelo proprietário, direta ou indiretamente, de modo a gerar utilidades. Se o dono abandona esse bem; se descuida no tocante à sua utilização, deixando-o sem uma

256 LEI 8.629 de 1993. Art 9º, § 3º. 257 CARVALHO, Bruno Vaz de. CARVALHO, Bruno Vaz de. Declínio do individualismo e propriedade. Orientadora: Edila Vianna da Silva. www.emerj.rj.gov.br. 258 PILATI, Isaac. Propriedade intelectual e globalização . Disponível em: <http: www.revistanexus.com.br. Acesso em 10 jan 2006.

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destinação e se comportando desinteressadamente como se não fosse proprietário, pode, com tal procedimento, proporcionar a outrem a oportunidade de se apossar da aludida coisa.259

O conteúdo essencialmente industrial (patentes,

marcas, etc.), é submetido explicitamente, pela CRFB, à condições

especialíssimas de funcionalidade, compatíveis com sua importância

econômica, estratégica e social, o que não se verifica nos direitos autorais.

Artigo 5°, XXIX - a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País; (grifos nossos)

O preceito constitucional determina a finalidade do

mecanismo jurídico de proteção aos direitos intelectuais a ser criado, ou

seja, tal lei só será constitucional na medida que vise ao interesse social do

País e favoreça o desenvolvimento tecnológico e econômico do País.260

Portanto, a proteção estatal ao desenvolvimento de

novas tecnologias se justifica na medida em que favoreça toda a sociedade,

mas isso só ocorrerá se todos tiverem acesso a elas; a questão é como

fazer isto, sem violar a propriedade intelectual.

Certo é que, ao se considerar propriedade os direitos

patrimoniais do autor, o direito autoral também está sujeito às limitações

constitucionalmente impostas aquele instituto pela Constituição em seu

artigo 5°, XXIII, ou seja, os direitos patrimoniais do autor devem atender à

função social da propriedade.

Desta maneira, as coisas incorpóreas apropriadas

mediante o direito intelectual devem gerar as utilidades que delas se

259 MORAES SALLES, José Carlos. Usucapição de bens imóveis e móveis , p 554. 260 BARBOSA, Denis Borges. Uma Introdução à Propriedade Intelectual , p. 118.

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esperam, ou contribuir para o maior numero de pessoas possível, sob pena

de serem transferidas a outro possuidor.

Nesse sentido, o acúmulo de poder econômico tornar-

se-ia nocivo ao público em geral e o Estado se moveria para contrapor-se,

com a soberania, aos anseios do “imperium” privado na área econômica.261

De um lado, é preciso assegurar ao autor a exploração

econômica de sua criação de forma a incentivar o desenvolvimento de

novas tecnologias; de outro vértice porém, é necessário avaliar sobre os

limites da propriedade sobre as novas criações, de forma a não

prejudicarem toda a sociedade.

Assim, na obra intelectual resguardam-se mais os

interesses do autor, com os reflexos econômicos e sociais daí decorrentes,

enquanto que na obra industrial o objetivo último é o aproveitamento, pela

coletividade, da utilidade resultante – através de sua multiplicação ou de

sua inserção no processo produtivo – ou o impedimento da prática da

concorrência desleal.262

Poder-se-ia asseverar que o alcance da proteção

autoral no domínio das ciências é vinculado à forma, enquanto o seu

conteúdo seria livre, posto que as idéias que a integrariam pertencem ao

patrimônio comum da humanidade. Destarte, dessa forma o plágio não

poderia ser considerado crime contra propriedade intelectual.

Percebe-se que a ideologia agregada a idéia de

propriedade intelectual, que diz respeito a um direito pessoal, haja vista ser

afeto à sua própria capacidade pensante, reflexo de sua própria natureza, é

extremamente individualista - capitalista. Sendo as ciências e a criação

humana fruto do intelecto deveriam servir a toda coletividade, pois a

261 BARBOSA, Denis Borges. Uma Introdução à Propriedade Intelectual , p. 82. 262 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor , p. 5.

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invenção sem disseminação do conhecimento não gera os resultados a que

foi destinado, e a disseminação em troca de valor pecuniário acaba

prejudicando os menos favorecidos.

A criação legal de uma propriedade sobre os bens

intelectuais não afeta apenas os valores da liberdade de concorrência;

também restringe o livre fluxo de informação – o poder de expressar-se e o

de receber conhecimento.263

Demonstra-se, assim, a preocupação de se fazer

cumprir a função social da propriedade intelectual como espécie do gênero

propriedade.

Dessa forma, é que a liberdade de criação começa a

ser discutida pela sociedade, face a preceitos éticos sobre os verdadeiros

efeitos que novas tecnologias podem causar ao ser humano, em como a

impossibilidade de uso dessas tecnologias para o bem estar da sociedade

para garantir um direito individual do criador.

Na verdade, estamos diante de uma opção que deverá

ser feita pela sociedade como um todo. A questão é se queremos nos

permitir fazer o uso liberal ou o uso restrito da informação e do

conhecimento. Provavelmente, prevalecerá alguma alternativa intermediária

que leve em conta, além do interesse individual, os valores éticos que

devem limitá-lo.

A proteção dos direitos intelectuais gera uma tensão

entre os interesses público e privado.

263 BARBOSA, Denis Borges. Uma Introdução à Propriedade Intelectual , p. 99.

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2.4 A DICOTOMIA PÚBLICO/PRIVADO

É antiga a distinção entre Direito Público e Privado,

resultante do Direito Romano que utilizava método antitético para definir

institutos ou termos, e tais concepções sempre percorreram caminhos

divergentes. Porém a noção de dicotomia entre os termos é recente, surge

com o constitucionalismo moderno.

O que importa fixar é que a partir de então, ingressaram as expressões direito público e direito privado na história do pensamento político e social do mundo ocidental, e sua utilização, ao longo dos tempos, sem substanciais modificações, acabou por superar o campo da mera distinção para tornar-se uma daquelas “grandes dicotomias” que servem para delimitar e ordenar o próprio campo de investigação no âmbito de uma ciência.264

A dicotomia decorre da existência de uma Carta

Constitucional, encarregada de estabelecer limites aos poderes do Estado

perante o cidadão (direito público), e o que não prestasse a normatizar tais

limitações era direito privado.265

A distinção entre direito público e direito privado se apóia numa idéia que parece evidente aos olhos dos juristas da família romano-germânica: as relações entre governantes e governados geram problemas específicos, de natureza absolutamente diversa daqueles oriundos das relações de pessoas privadas entre si, quando mais não seja porque o interesse geral e os interesses particulares não podem ser pesados na mesma balança.266

Nas palavras de Bobbio dicotomia é quando nos

encontramos diante de uma distinção da qual se pode dividir um universo

264 SILVEIRA, Michele Costa da. As Grandes Metáforas da Bipolaridade in Reconstrução do

direito Privado, p. 22-23. 265 FRANZONI, Denise Paulus de Campos. Público e Privado: Divisão, Dicotomia e realidade in

Teoria Jurídica das Relações Interpessoais, p. 90. 266 DAVID, René. Os Grandes Sistemas do Direito Contemporâneo , p. 67.

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em duas esferas conjuntamente exaustivas e reciprocamente exclusivas.267

Então, podemos afirmar a existência da dicotomia

Público/Privado, pois a esfera de um acaba quando começa a de outro,

sem deixar espaço para uma terceira esfera.

A repercussão histórica dessa divisão foi tamanha que

Gustav Radbruch, apesar de reconhecer que nem todos os sistemas

jurídicos apresentam conteúdo de classe privada e classe pública, e que

não há uma fronteira uniforme entre os termos, acredita que a idéia de

Direito necessita da compreensão do Direito Público e do Direito Privado,

por serem conceitos jurídicos a priori.268

Na antiguidade, cada termo da dicotomia

público/privado tinha seu espaço bem definido. Os assuntos políticos e

jurídicos referentes ao interesse de toda população nacional eram

discutidos publicamente enquanto os assuntos privados eram

exclusivamente tratados na casa dos indivíduos. Conforme conhecida

passagem do Digesto (533 d.C), publicum jus est quod ad statum rei

romanae spectat, privatum, quod ad singolorum utilitatem.

Aos tempos de Ulpiano, face à situação jurídica do próprio Estado, diversa da atualidade e superior a dos indivíduos, não havia como confundir, então, os dois domínios. [...] Porém, em momentos posteriores, tal divisão tornou-se questionável e os critérios oferecidos como justificativa não se mostraram suficientemente eficientes para embasá-la. 269

Direito Público é aquele que diz respeito ao Estado ou

coisa romana, e o princípio fundante é a subordinação. Resultando na regra

constante no Digesto, jus publicum privatorum pactis mutari non potest (não

267 BOBBIO, Norberto. Estado, Governo, Sociedade : por uma teoria geral da política, p.13. 268 RADBRUCH, Gustav. Filosofia do Direito , p. 182. 269 FRANZONI, Denise Paulus de Campos. Público e Privado : Divisão, Dicotomia e realidade in

Teoria Jurídica das Relações Interpessoais, p. 85.

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pode o direito público ser alterado pelas convenções particulares)270. Direito

Privado, são relações que se fundam no princípio da autonomia da vontade,

liberdade do indivíduo e não ingerência do Estado, tais como a família e a

propriedade.

No Direito Romano o direito público é aquele que se

refere aos interesses do Estado, e o direito privado como sendo o referente

aos interesses particulares; relações de direito público seriam, então,

aquelas em que o Estado intervém, e as de direito privado, aquelas

travadas entre particulares.271

Porém, a divisão baseada no critério do “interesse”

acabou por ser criticada, em função do interesse do Estado abranger

também os interesses dos indivíduos, há uma impossibilidade de se

determinar qual o interesse protegido.272

No entender de Lima a dificuldade desta distinção entre

Público e Privado reside na determinação do que pode e deve ter-se como

respeitante à essência do Estado. [...] Nem tudo que respeita à essência do

Estado, respeita à pessoa do Estado, pois nem todos os atos do Estado,

como pessoa, são, na verdade, essencialmente estatais.273

Como a determinação do que é essência do Estado vai

depender do momento histórico-social vivido, não há como se falar em

categorias estanques e autoexcludentes.

Em complementação à teoria romana, Reale determina

outros elementos que são passíveis de distinção na relação publico/privado.

[...] quanto ao conteúdo, quando é visado imediatamente e

270 LIMA, Ruy Cirne. Direito Público e Direito Privado . Revista Jurídica, n.1, p.7. 271 WALD, Arnold. Novas Dimensões do Direito de Propriedade , v.665, p.03. 272 FRANZONI, Denise Paulus de Campos. Público e Privado: Divisão, Dicotomia e realidade in

Teoria Jurídica das Relações Interpessoais, p. 86. 273 LIMA, Ruy Cirne. Direito Público e Direito Privado . Revista Jurídica, n.1, p.8.

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prevalentemente ao interesse geral, o direito é público, ao passo que, quando é imediato e prevalece o interesse particular, entra-se na esfera do direito privado. Já quanto ao elemento formal, se a relação jurídica for de coordenação, entre partes iguais (no mesmo patamar jurídico) trata-se de direito privado, se for relação de subordinação, na qual o Estado encontra-se em posição hierarquicamente superior, tem-se uma relação de direito público. 274

Quando o Estado se despe de sua soberania política e,

em condições de igualdade, trata com os indivíduos, a matéria é de

competência do direito privado.275

Visão corroborada pelo pensamento de Bobbio, o direito

privado regula as relações entre sociedades iguais, diante de contrato, e

resulta numa justiça comutativa, já o direito público regula as relações entre

sociedades desiguais, mediante lei e resulta numa justiça distributiva.276

Faria enfatiza que a corrente que trata do direito público

com desigualdade nas relações e com o primado da justiça distributiva, e

do direito privado com partes iguais e subordinadas ao princípio da justiça

comutativa, seria imprópria, tendo em vista excluir alguns ramos do direito,

por exemplo, o direito internacional que é entre iguais mas trata-se de

direito público.277

Na lição de Venosa, melhor será considerar como

direito público o direito que tem por finalidade regular as relações do

Estado, dos estados entre si, do Estado com relação a seus súditos,

quando procede com seu poder de soberania, isto é, poder de império.

Direito privado é o que regula as relações entre particulares naquilo que de

274 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito , 2003. 275 LIMA, Hermes. Introdução à Ciência do Direito , p. 100-101. 276 BOBBIO, Norberto. Estado, Governo, Sociedade : por uma teoria geral da política., p.15-20. 277 FARIA, Anacleto de Oliveira. Instituições de Direito , p.22.

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seu peculiar interesse.278

Na busca de um critério formal de distinção, surgiram

várias construções, como aquela que identifica o direito público à

obrigatoriedade (limitadora do arbítrio individual) e o direito privado à

liberdade, proporciona ao sujeito um espaço de licitude.279

A Idade Média representou um retrocesso ao que as

Civilizações da Antiguidade haviam conquistado, os conceitos

estabelecidos padeceram frente às obscuridades do feudalismo. Com a

descentralização do poder político houve prevalência do interesse pessoal

do senhor feudal em detrimento do interesse coletivo, descaracterizando o

público e tornando inútil a distinção entre público e privado.

Durante a Idade Média, a perspectiva dicotômica seria impossível, verificada a ausência de um poder político centralizado, com características estatais. [...] Assim, a idéia de um ente público perdeu contato com a realidade da época – e só retornaria após o chamado renascimento comercial -, dissolvendo-se, por decorrência, a antiga divisão estabelecida pelo direito romano.280

Contudo, no Início da Modernidade, com as relações

humanas bem definidas e a necessidade de fortalecer o papel do Estado,

ressurge a necessidade de separação e entendimento distinto entre o

público e o privado.

No trânsito à Modernidade, a sociedade concebe o

Direito Público como aquele que organiza o Estado e defende os Direitos

Privados, como a propriedade, a segurança e a liberdade.281

278 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil , p. 90. 279 SILVEIRA, Michele Costa da. As Grandes Metáforas da Bipolaridade in Reconstrução do

direito Privado, p. 23. 280 LUDWIG, Marcos de Campos. Direito Público e Direito Privado: A Superação da D icotomia

in Reconstrução do direito Privado, p. 95. 281 MARTÍNEZ, Gregório Peces-Barba. Tránsito a la modernidade y Derechos Fundamentales.

In História de los Derechos Fundamentales, tomo I: Tránsito a la Modernidad Siglos XVI y XVII, p. 244.

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O jusnaturalismo impulsionou a distinção entre Direito

Público e Direito Privado, colocando este último em situação de

superioridade.

A dialética Direito Público/Direito Privado será um

reflexo da dialética geral do mundo moderno entre indivíduo, por um lado e

poder político ou estado por outro.282

Foi devido aos movimentos oitocentistas de codificação

e constitucionalismo – bem como à laboriosa tarefa de sistematização da

ciência jurídica que se fez necessária – que se originou, na qualidade de

verdadeiro axioma, a concepção dicotômica da relação entre direito público

e direito privado.283

Hoje, na visão de Bobbio, o Direito Público é

considerado o termo forte, ao passo que o Direito Privado é definido,

mediante exclusão, como aquilo que não é público. E esta diferenciação

surge para deixar sobressair a tese da supremacia da esfera do público

sobre o privado, fortalecendo o Estado.284

Dessa forma a divisão em Direito Público e Direito

Privado não mais significa exclusividade, mas predominância e

coexistência. Porém, para compreender o fenômeno de complementaridade

das duas esferas deve-se ter em mente os limites de cada uma, ou seja,

deve-se aceitar a dicotomia conceitual para se reconhecer a invasão,

interferência ou algo semelhante entre os termos.

O surgimento das liberdades individuais positivas frente

ao Estado, proporcionou uma publicização do privado, e uma relativização

282 MARTÍNEZ, Gregório Peces-Barba. Tránsito a la modernidade y Derechos Fundamentales.

In História de los Derechos Fundamentales, tomo I: Tránsito a la Modernidad Siglos XVI y XVII, p. 246-247.

283 LUDWIG, Marcos de Campos. Direito Público e Direito Privado: A Superação da D icotomia in Reconstrução do direito Privado, p. 96.

284 BOBBIO, Norberto. Estado, Governo, Sociedade : por uma teoria geral da política, p.15-20.

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ou superação da dicotomia Público/Privado, pois não há como escapar da

Constituição.285

O nascimento do Estado Social, que contempla as

liberdades positivas, ocorreu fundamentalmente por razões de ordem

econômica, tornando cada vez mais complexa a definição de essência do

Estado, e a perspectiva dicotômica esculpida nos moldes liberais do século

XIX, já começava a mostrar-se ineficiente – ou, pelo menos, insuficiente.286

Verifica-se que não se poder definir apenas um critério

para distinguir os termos público e privado, as barreiras que dividiam a

dicotomia clássica caem e surgem espaços de entrelaçamento e interação,

os termos não se afastam, mas coexistem para regular todas as relações

jurídicas de maneira a preservar a dignidade da pessoa humana.

A dicotomia tradicional está superada, pois é

insuficiente para retratar a realidade complexa da sociedade

contemporânea.

A noção contemporânea de ordem pública é

amplíssima, permeia todo o ordenamento jurídico restringindo-o ou

controlando-o, introduzindo-se num campo que pertence às relações

privadas.287

Atualmente não é razoável conceber a idéia de

antagonismo entre Direito Público e Direito Privado, mas a classificação

ainda se justifica, pois o Direito é uma ciência e precisa ser estudado em

suas várias manifestações.

Para Nader, a distinção entre o Direito Público e o 285 FRANZONI, Denise Paulus de Campos. Público e Privado: Divisão, Dicotomia e realidade in

Teoria Jurídica das Relações Interpessoais, p. 91-92. 286 LUDWIG, Marcos de Campos. Direito Público e Direito Privado: A Superação da D icotomia

in Reconstrução do direito Privado, p. 98. 287 LUDWIG, Marcos de Campos. Direito Público e Direito Privado: A Superação da D icotomia

in Reconstrução do direito Privado, p. 100.

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Direito Privado é útil no plano didático e benéfica do ponto de vista prático,

pois favorece a pesquisa, o aperfeiçoamento e a sistematização de

princípios de um gênero e outro.288

Se, com o intuito de conferir coerência aos conceitos, optarmos por tomar os dois termos em seus significados admissíveis, isto é, direito público como o direito que se refere ao status das autoridades públicas e direito privado como o direito que pode ser assegurado por processos civis entre pessoas particulares, enfrentaremos, então, a dificuldade de que os termos privado e público sugerem uma divisão exaustiva que inexiste. Se conservarmos a terminologia - e é difícil não fazê-lo - temos que frisar que os dois termos não implicam uma divisão fundamental em duas partes da totalidade do material direito.289

Bobbio destaca que ocorrem simultaneamente dois

processos paralelos: a privatização do público e a publicização do privado,

que estão sempre em confluência.290 Toda vez que se tratar da primazia do

público sobre o privado, fala-se em publicização do privado, quando

valorizada a supremacia do privado sobre o público, estaríamos diante da

privatização do público.

Diante da realidade social contemporânea, é

necessário, para proteger uns e desarmar outros, chamar o Estado para

intervir nas relações privadas entre os homens, o direito privado cede

espaço às regras de direito público.

2.5 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO PRIVADO

A era das codificações, assinalou uma forma de

limitação ao poder estatal e conferiu ao indivíduo grande raio de liberdade,

288 NADER, Paulo. Indrodução ao Estudo do Direito , p. 119. 289 ROSS, Alf. Direito e Justiça , p. 245. 290 BOBBIO, Norberto. Estado, Governo, Sociedade : por uma teoria geral da política, p.20.

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e decorrência disso é a noção do código como centro do sistema privado.

Mas tal abordagem começa ruir no Século XIX, quando se inicia o

fenômeno da constitucionalização e conseqüentemente a possibilidade de

ingerência do Estado nas relações privadas.

Com a migração das bases axiológicas do Direito para a

pessoa humana, sucumbe o sistema jurídico do Estado Liberal, para a

conseqüente construção de um novo, cujos valores correspondessem aos

que emergiam da sociedade.291

Através da constatação de que a igualdade dos homens

não existe, inicia-se uma releitura do conceito de liberdade292 pelo Estado

Social, se existir liberdade nas relações entre os homens desiguais isso

gerará injustiças, é razoável portanto a intervenção Estatal para equilibrar a

relação, e a forma de intervenção é o Direito.

Com efeito, as liberdades positivas iniciam o que se

costuma denominar processo de “publicização do privado”. Este tem como

marca a intervenção do Estado, dos poderes públicos na regulação da

atividade econômica, onde o interesse geral, político, deve se sobrepor ao

interesse privado, econômico.293

Trata-se de uma transição do Estado, desde sua

concepção até seus objetivos, nessa migração para o Estado Social,

promocional, retirado de um estado de inércia em frente das relações

interprivadas, para passar a intervir nas mesmas.294

[...] o velho liberalismo, na estreiteza de sua formulação habitual,

291 ARONNE, Ricardo. Propriedade e Domínio: Reexame Sistemático das Noções Nucleares de

Direitos Reais, p. 42. 292 Sobre o assunto ver: MILL, John Stuart. Sobre a Liberdade . Petrópolis: Vozes, 1991. e MILL,

John Stuart. Da Liberdade . São Paulo: Ibrasa, 1963. 293 FRANZONI, Denise Paulus de Campos. Público e Privado: Divisão, Dicotomia e realidade in

Teoria Jurídica das Relações Interpessoais, p. 91. 294 ARONNE, Ricardo. Propriedade e Domínio: Reexame Sistemático das Noções Nucleares de

Direitos Reais, p. 37.

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não pôde resolver o problema essencial de ordem econômica das vastas camadas proletárias da sociedade, e por isso entrou irremediavelmente em crise. A liberdade política como liberdade restrita era inoperante. Não dava nenhuma solução às contradições sociais, mormente daqueles que se achavam à margem da vida, despossados de quase todos os bens.295

O sistema social do mundo moderno, principalmente no

período do pós-guerra, operou uma completa guinada na concepção de

propriedade, visando desatrelar do liberalismo individualista que o orientava

desde o nascimento do Estado Liberal burguês, decorrente da Revolução

Francesa.296

A partir da disposição do Direito de Propriedade

condicionado a função social, esta passou a integrar o conteúdo daquele

direito. Este novo conceito é constituído através da crescente

desprivatização ou publicização da propriedade.

Os pilares do Direito positivado no seio do Estado

Liberal (contrato e propriedade) passam a ser desfocados para a pessoa

humana, em todo o seu contexto social, havendo uma ‘repersonalização’ ou

‘transpersonalização’ do Direito.297

Desse contexto, decorre a previsão constitucional de

relações antes reguladas apenas pelo Direito Civil, os interesses individuais

são também disciplinados pelas normas públicas. Os institutos continuam

sendo de Direito Privado mas impregnados de caráter público, tornando os

portadores de uma função social. Nascendo o que se convencionou chamar

de direitos de segunda geração298, os direitos sociais.

295 BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social , p. 188. 296 ARONNE, Ricardo. Propriedade e Domínio: Reexame Sistemático das Noções Nucleares de

Direitos Reais, p. 37. 297 ARONNE, Ricardo. Propriedade e Domínio: Reexame Sistemático das Noções Nucleares de

Direitos Reais, p. 40. 298 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos . Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro:

Campus, 1992.

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Assim, os direitos sociais, como designação genérica, entreabrem novo horizonte na universidade de conceitos, definições, mandamentos e de leis político-jurídicas, de ordem pública e de ordem privada, cujo desiderativo não é outro que a satisfação imediata das necessidades sociais, tendo em vista o bem comum, através do equilíbrio entre ambos os elementos: o individual e o social, enquanto aquele não contraria este.299

Essa nova técnica de interpretação do sistema jurídico,

permite uma melhor visão, pois não substitui o Código pela Constituição,

mas conserva o papel disciplinador da essência das relações jurídicas

privadas que tem o Código mas permite uma relação interdisciplinar com o

texto constitucional, fundamento material do direito privado.

A releitura de estatutos fundamentais do Direito Privado,

nessa perspectiva, é útil e necessária para compreender a crise e a

superação do sistema clássico que se projetou para instituições e funções

da vida privada, especialmente para a propriedade.300

Entende-se que a atual organização política e jurídica

caminha para esta tarefa básica de harmonização dos interesses públicos e

privados.

[...] harmonização dos interesses de seus membros, individualmente considerados, com aqueles interesses de toda a comunidade, ou de parte dela, donde se ter a possibilidade de individualizar três ordens distintas desses interesses: interesses individuais, interesses coletivos (ou ‘supra-individuais’, onde se incluem os chamados ‘interesses difusos’) e interesses gerais ou públicos. Note-se que apenas a harmonização das três ordens de interesse possibilita o melhor atendimento dos interesses situados em cada uma, já que o excessivo favorecimento dos interesses situados em alguma delas, em detrimento daquelas situados nas demais, termina, no fundo, sendo em desserviço para a consagração desses mesmos interesses, que se pretendia

299 MOREIRA, Aroldo. A propriedade sob diferentes conceitos , p.95. 300 ARONNE, Ricardo. Propriedade e Domínio: Reexame Sistemático das Noções Nucleares de

Direitos Reais, p. 46.

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satisfazer mais que aos outros.301

Não se vislumbra uma crise no Direito Civil, em

nenhuma de suas searas, e sim uma crise na dogmática civilística, fundada

na pandectista, que, estupefata, assiste a necessidade da evolução deste

ramo do Direito, para acompanhar o desenvolvimento da sociedade na qual

se insere.302

Enquanto o Código dá prevalência e precedência às

situações patrimoniais, no novo sistema de Direito Civil fundado na

Constituição a prevalência é de ser atribuída às situações existenciais, ou

não patrimoniais, porque à pessoa deve o ordenamento jurídico inteiro, e o

ordenamento jurídico particular, dar a garantia e a tutela prioritárias. 303

Nesse sentido se reafirma a instrumentalidade do

próprio Direito, pois seu fim lhe é externo e existindo para a sociedade, não

tem um fim em si mesmo, não podendo, portanto, ter a pretensão de querer

que a sociedade caiba dentro de um Código, ou mesmo que este caiba

dentro de conceitos estanques, predefinidos.304

O Direito deve ter seus conceitos e institutos moldados

pela realidade social, sob pena de não atender a sua finalidade que é a paz

e a garantia da dignidade da pessoa humana.

Os conceitos produzidos pela pandectista, abstrações

lógicas, precediam aos fatos, o que gera uma abstração da realidade social

para conformar o sistema jurídico. 305

Porém, o Direito perfaz um sistema, sendo instrumental

301 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo Constitucional e Direitos Fundamentais , p. 64. 302 ARONNE, Ricardo. Propriedade e Domínio: Reexame Sistemático das Noções Nucleares de

Direitos Reais, p. 47. 303 MORAES, Maria Celina Bodin de. Uma Década de Constituição 1988 - 1998 , p. 115. 304 ARONNE, Ricardo. Propriedade e Domínio: Reexame Sistemático das Noções Nucleares de

Direitos Reais, p. 45. 305 ARONNE, Ricardo. Propriedade e Domínio: Reexame Sistemático das Noções Nucleares de

Direitos Reais, p. 49.

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em razão de sua interdependência positiva, axiológica e teleológica, e tal

interdependência se viabiliza pela abertura do mesmo. Através de seus

outputs, o Direito não só assegura integração social, como também, no seu

aspecto de controle é instrumento modificador da sociedade a qual tem por

objeto.306

Logo, tendo em vista que o Direito pressupõe um Poder

Político, necessário se faz, para uma análise completa do Direito, o estudo

sobre o Estado.

2.6 CONCEITO CONTEMPORÂNEO DE ESTADO

Antes de apresentar o conceito de Estado na

contemporaneidade é necessário o entendimento do uso da expressão na

evolução da história. Percebe-se que em muitas ocasiões o uso do termo

Estado denota qualquer forma de organização política.

A Cidade-Estado, característica da Antiguidade, era

uma forma de organização baseada em fatores comuns, de caráter

pessoal, normalmente religião, língua ou vínculo familiar. A comunidade,

assim definida, bastava-se em si própria e rejeitava os “estranhos” ou

“estrangeiros”.307

Os gregos designavam por polis a sua cidade-estado,

termo equivalente a civitas dos romanos. 308

Quanto às características do Estado Antigo, no qual se insere o Estado Romano, era um modelo social baseado na separação das classes no sistema de castas, governos marcados pela autocracia

306 NORONHA, Fernando. O Direito dos Contratos e seus Princípios Fundament ais , p. 22-24. 307 CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do Direito Constitucional , p. 40-41. 308 NADER, Paulo. Indrodução ao Estudo do Direito , p. 152.

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ou por monarquias despóticas com caráter autoritário e teocrático do poder político, sistema econômico baseado na escravidão, ampla extensão territorial, distinção de um poder público (Estado) e um poder privado (pater familias).309

Na Idade Média, os indivíduos deviam obediência a

diversas autoridades, segundo sua situação social, religiosa ou ocupacional

e, ainda, por laços de dependência ou lealdade pessoal. Desta forma, junto

a uma autoridade teoricamente geral – o Rei – se configuravam autoridades

paralelas, muitas vezes mais poderosas, como a da Igreja ou da nobreza.310

A existência de um Estado feudal representaria uma

multiplicidade de centros internos de poder político, um sistema jurídico

múltiplo e consuetudinário, hierarquia de privilégios e produção baseada na

posse da terra.311

Estas concepções (pré-modernas) [...] não respondem

ao significado técnico do termo (Estado) [...] a forma de organização política

da Sociedade humana, que corresponde ao Estado, surge num momento

histórico específico, entre os séculos XVI e XVII, e que se diferencia

claramente das formas anteriores de organização política [...]312

O Estado foi uma categoria nuclear da semântica

política de modernidade, que se difundiu através da obra O príncipe de

Maquiavel “Todos os Estados, todos os domínios que têm havido e que há

sobre os homens foram e são repúblicas ou principados.”313

Para Peces-Barba, o Estado é uma concepção histórica

que aparece através da unificação das instituições anteriores ao mundo

moderno, que adquirem uma nova significação e características como

soberania, racionalidade da administração, exército permanente e

309 WOLKMER, Antonio Carlos. Elementos para uma crítica do Estado , p.23-24. 310 CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do Direito Constitucional , p. 41. 311 WOLKMER, Antonio Carlos. Elementos para uma crítica do Estado , p.24. 312 CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do Direito Constitucional , p. 39-40. 313 MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe , Os Pensadores, v.IX, p.11.

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neutralidade religiosa.314

O termo “Estado” deveria ser usado com cautela para as organizações políticas antigas e medievais, pois a constatação de existência de Estado antes da modernidade depende da escolha de definição feita ao Estado. Quem considera como elemento constitutivo do Estado certo aparato administrativo e o cumprimento de certas funções que apenas o Estado Moderno desempenhou, sustenta não existir Estado anteriormente. Já quem considera as analogias entre o Estado moderno e os ordenamentos políticos precedentes defende a continuidade do instituto político. 315

O Estado Moderno apresenta dois momentos: o Estado

Absolutista (soberano, monárquico e secularizado) e o Estado Liberal

(capitalista, constitucional e representativo).316

O Estado Liberal é formado sobre base individualista,

ou seja o indivíduo vem antes do Estado, o Estado é feito pelo indivíduo.

É intrínseco ao Estado Liberal a supremacia do

individual sobre o social, como berço onde surgiu o liberalismo em seu

legítimo objetivo de derrocada do absolutismo monárquico.317

[...] passou-se da prioridade dos deveres dos súditos à prioridade dos direitos do cidadão, emergindo um modo diferente de encarar a relação política, não mais predominantemente do ângulo do soberano, e sim daquele do cidadão, em correspondência com a afirmação da teoria individualista da sociedade em contraposição à concepção organicista tradicional. 318

O indivíduo era concebido como um átomo isolado, sem

qualquer traço de interdependência social sendo, portanto, causa e fim do

314 MARTÍNEZ, Gregório Peces-Barba. Tránsito a la modernidade y Derechos Fundamentales.

In História de los Derechos Fundamentales, tomo I: Tránsito a la Modernidad Siglos XVI y XVII, p. 40.

315 BOBBIO, Norberto. Estado, Governo, Sociedade : por uma teoria geral da política, p.68-69. 316 WOLKMER, Antonio Carlos. Elementos para uma crítica do Estado , p.24-25. 317 ARONNE, Ricardo. Propriedade e Domínio: Reexame Sistemático das Noções Nucleares de

Direitos Reais, p. 37. 318 BOBBIO, Norberto. A era dos Direitos , p.03.

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Direito, cujo objetivo substancial seria o de assegurar a liberdade

descomedida e mais absoluta possível.319

Desde o século passado que o conceito de Estado é

relacionado aos seus elementos constitutivos, território, povo e soberania.

O Estado que se consolida no século XVII, e que em

alguns aspectos responde pelo conceito atual, aparece quando a

comunidade política se define, fundamentalmente, em função da sujeição

comum a um poder político, que exerce sua autoridade em um determinado

âmbito e sobre todos aqueles que se situem nele, fosse qual fosse sua

condição pessoal. 320

Na lição de Nader, Estado é um complexo político,

social e jurídico, que envolve a administração de uma sociedade

estabelecida em caráter permanente em um território e dotado de poder

autônomo.321

[...] a estadualidade, como forma soberana de domínio, interna e externa, territorialmente organizada, secularizadamente justificada, burocraticamente administrada, centralmente estruturada, plurisubjectivamente constituída, normativamente disciplinada e regularmente financiada por impostos, é considerada como um momento decisivo do processo de desenvolvimento político.322

O grande avanço do Estado Moderno foi o de

estabelecer um ordenamento constitucional, no qual os Direitos Individuais

estavam devidamente especificados e consagrados como “anteparos” aos

abusos do Estado anterior, no qual reinava o absolutismo e predominava a

vontade e os apetites do soberano, personificado no Rei ou no Imperador,

319 ARONNE, Ricardo. Propriedade e Domínio: Reexame Sistemático das Noções Nucleares de

Direitos Reais, p. 38. 320 CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do Direito Constitucional , p. 41-42. 321 NADER, Paulo. Indrodução ao Estudo do Direito , p. 153. 322 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional , p. 39.

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em detrimento dos legítimos anseios e necessidades do Povo.323

Outra conquista da era moderna foi a tripartição de

funções do Estado, que descentralizava o poder do Estado em três poderes

distintos e harmônicos entre si, conforme pretendia Montesquieu324: o

Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

Todos os fatores que explicam o mundo moderno,

novas descobertas, progressos da ciência, nova mentalidade, aparecimento

do Estado e da filosofia dos Direitos Fundamentais, também influenciaram o

surgimento do capitalismo.325

Ao lado da teoria do estado Moderno, nasce a doutrina

da razão de Estado, estreitamente ligada à idéia de primazia do poder

político sobre os poderes ideológico e político, tornando independente o

juízo político do juízo moral.326

Também esse processo de separação da ética e da

política que se inicia com Maquiavel, está presente no processo geral de

secularização [...] esta como plenitude de naturalismo, individualismo e

racionalismo.327

Advém, nesse contexto, a Revolução Industrial com a

política liberalista vindo esmagar massas arrastadas ao proletariado,

fermentando a inquietação destas contra o individualismo, de modo a

questionar o mundo de então sobre a questão social, promovendo,

323 PASOLD, César Luiz. Função Social do Estado Contemporâneo , p. 57. 324 MONTESQUIEU. Espírito das Leis . Trad. Cristina Muracho. São Paulo:Martins Fontes, 1996. 325 MARTÍNEZ, Gregório Peces-Barba. Tránsito a la modernidade y Derechos Fundamentales.

In História de los Derechos Fundamentales, tomo I: Tránsito a la Modernidad Siglos XVI y XVII, p. 25.

326 BOBBIO, Norberto. Estado, Governo, Sociedade : por uma teoria geral da política, p.85. 327 MARTÍNEZ, Gregório Peces-Barba. Tránsito a la modernidade y Derechos Fundamentales.

In História de los Derechos Fundamentales, tomo I: Tránsito a la Modernidad Siglos XVI y XVII, p. 170.

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conseqüentemente,uma reviravolta no sistema de então.328

O Estado continuou sofrendo transformações no curso

evolutivo da sociedade, e sua adequação a realidade resultou na

intervenção no direito de propriedade. O Estado liberal que assegurava

ampla liberdade aos indivíduos foi se transformando no Estado do bem-

estar social, que assumiu tarefas visando a proteção da sociedade como

um todo.

Da crítica das doutrinas igualitárias contra a concepção e a prática liberal do Estado é que nasceram as exigências de direitos sociais, que transformaram profundamente o sistema de relações entre o indivíduo e o Estado e a própria organização do Estado, até mesmo nos regimes que se consideram continuadores, sem alterações bruscas, da tradição liberal do século XIX.329

Após a propagação do Iluminismo, com o advento do

Constitucionalismo moderno e o direito de transparência pública no tocante

à organização e funcionamento do Estado, além da garantia de alguns

direitos fundamentais acabaram por limitar definitivamente o poder tirano do

rei, iniciando-se uma nova fase de evolução da civilização humana, a pós-

modernidade, onde os acontecimentos não possuem mais uma

repercussão local, mas sim mundial.

Finalmente, a crise e a falência do modelo político liberal, a eclosão da sociedade de massas, bem como as profundas transformações sócio-econômicas ocorridas em fins do século XIX e começos do século XX, possibilitaram a complexa experiência de uma estrutura que, por estar ainda em curso, assume diversas especificidades, cunhada por autores com as designações de Estado Social, estado Intervencionista, Estado Tecnocrático, Estado do bem-estar, Estado Providencial ou Assistencial (‘Welfare State’), etc. 330

Hoje, como Estado constitucional democrático, formado 328 ARONNE, Ricardo. Propriedade e Domínio: Reexame Sistemático das Noções Nucleares de

Direitos Reais, p. 39. 329 BOBBIO, Norberto. Igualdade e Liberdade , p. 42. 330 WOLKMER, Antonio Carlos. Elementos para uma crítica do Estado , p.25-26.

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por uma lei fundamental escrita, o Estado pressupõe um modelo de

legitimação democrática. 331

O Estado é concebido assim nas normas constitucionais

não só como fenômeno político ou de poder (comunidade organizada em

um território, com uma autoridade soberana), mas também como um

fenômeno jurídico: como um ordenamento jurídico.332

Na Segunda década do Século XX, em 1917, com a

Constituição Mexicana, surge o Estado Contemporâneo, confirmando-se,

logo em seguida, em 1919, com a Constituição Alemã de Weimar.333

A problemática do Estado com o fenômeno da

globalização, é saber como se regularão os deveres e obrigações num

centro político estadual e se este ainda permanecerá.

As Constituições, embora continuem a ser pontos de legitimação, legitimidade e consenso autocentradas numa comunidade estadualmente organizada, devem abrir-se progressivamente a uma rede cooperativa de metanormas (’estratégias internacionais’, ‘pressões concentradas’) e de normas oriundas de outros ‘centros’ transnacionais e infranacionais (regionais e locais) ou de ordens institucionais intermédias (‘associações internacionais’, ‘programas internacionais’). 334

A constituição não pode mais ser analisada a partir de

critérios puramente lógico-formais, deve-se entendê-la como forma de

realização de conteúdos axiológicos, políticos, econômicos ou culturais,

considerando a realidade e os elementos formadores do Direito.

O Estado Contemporâneo deve comportar-se sob a

égide da primazia do humano, submetendo o econômico à força do social e

331 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional , p. 43. 332 CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do Direito Constitucional , p. 52. 333 PASOLD, César Luiz. Função Social do Estado Contemporâneo , p. 57. 334 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional , p. 18.

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cuja função principal deve ser a social.335

Há uma tendência socializadora e socializante de

Estado, que domina efetivamente a vida jurídica contemporânea, esta

tendência afeta profundamente o direito de propriedade.336

O Estado Contemporâneo, caracterizado pela

disparidade de condições entre os homens, deve perseguir o respeito aos

Valores Fundamentais da Pessoa Humana, e em sua condição de

instrumentalidade objetivar o alcance da efetiva democracia.337

Diante desta sociedade contemporânea, as decisões

políticas e jurídicas devem garantir os direitos fundamentais dos cidadãos,

pois qualquer tentativa de violação importaria em ilegitimidade das

instituições políticas.

335 PASOLD, César Luiz. Função Social do Estado Contemporâneo , p. 43-46. 336 MOREIRA, Aroldo. A propriedade sob diferentes conceitos , p.73. 337 PASOLD, César Luiz. Função Social do Estado Contemporâneo , p. 76.

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Capítulo 3

A PROPRIEDADE COMO DIREITO FUNDAMENTAL

3.1 AS NORMAS COMO PRINCÍPIOS E REGRAS

O sistema normativo sustentáculo do Estado de Direito

é formado por normas. As normas, que são um juízo de dever ser, num

determinado espaço territorial e em dado momento histórico, se subdividem

em princípios e regras.

Para Nader, as normas jurídicas são o ponto culminante

do processo de elaboração do Direito e o ponto de partida operacional da

Dogmática Jurídica, cuja função é a de sistematizar e descrever a ordem

jurídica vigente.338

As normas jurídicas podem ser entendidas sob diversos

prismas, do ponto de vista sociológico são diretivas que norteiam o convívio

social sob valores eleitos pela sociedade, sob critério objetivo são o modelo

de comportamento determinado por uma regra social e em sentido

semântico são imperativos expressados mediante termos significativos.

Na linguagem vulgar, o vocábulo princípio é tratado

entre outros significados como causa primária, razão, base, norma,

preceito, início, começo339. Tecnicamente é um vocábulo polissêmico,

flutuante na forma de utilização.

É comum que se classifiquem as teorias sobre a distinção entre princípios e regras em três grandes categorias: (a) teorias que propõem uma distinção forte – cada tipo de norma tem uma estrutura lógica diversa; (b) teorias que propõem uma distinção

338 NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito , p. 99. 339XIMENES, Sérgio. Minidicionário Ediouro da língua portuguesa. rev.ampl. São

Paulo:Ediouro, 2000.

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débil – entre princípios e regras haveria somente uma diferença de grau de generalidade e importância; (c) teorias que rejeitam a possibilidade de distinção – as qualidades lógico-deônticas presentes nos princípios estão também presentes nas regras.340

Cretella Júnior341 afirma que os princípios de uma

ciência são as proposições básicas, fundamentais, típicas que condicionam

todas as estruturações subseqüentes. Princípios, neste sentido, são

alicerces, os fundamentos da ciência. Na busca de um conceito, continua,

afirmando que “[...] no âmbito da filosofia, princípio é o fundamento ou a

razão para justificar porque é que as coisas são o que são. Não indicam a

coisa, mas a razão de ser da coisa”.

Bastos342 menciona que os princípios demandariam

medidas de concentração em comparação com a possibilidade de

aplicação direta das regras. Os princípios se colocam acima das regras

quando estas conflitarem com aqueles que a tornam inconstitucional.

Cabe ressaltar que, inicialmente, antes de se pacificar a

distinção entre regras e princípios, a distinção era formulada entre normas e

princípios considerando-as espécies diferentes.

A norma distingue-se do princípio porque contém uma regra, instrução, ou imposição imediatamente vinculante para certos tipos de questões. Todavia os princípios, que começam por ser a base de normas jurídicas, podem estar positivamente incorporados, transformando-se em normas-princípio, constituindo preceitos básicos da organização constitucional. Os princípios são núcleos de condensação nos quais confluem bens e valores constitucionais, i.é, são expressão do ordenamento constitucional e não fórmulas apriorísticas contraposta às normas. 343

Eros Grau afirma que os princípios são norma jurídica,

340 SILVA, Virgílio Afonso da. A Constitucionalização do Direito : os direitos fundamentais nas

relações entre particulares, p. 30-31. 341 CRETELLA JÚNIOR, José. Direito administrativo brasileiro , p.44. 342 BASTOS, Celso Ribeiro. Direito constitucional , p.54-55. 343 CANOTILHO, J.J.Gomes; Moreira, Vital. Fundamentos da constituição , p.49.

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ao lado das regras – o que converte norma jurídica em gênero, do qual são

espécies os princípios e as regras jurídicas.344

[...] mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e

lhe dá sentido harmônico.345

No estudo sobre princípios e regras verifica-se a

superioridade dos princípios, pois são normas com um grau de abstração

relativamente elevado (generalidade), enquanto as regras são mais

específicas.

Tanto quanto as regras, os princípios integram o ordenamento jurídico, porém, estes contêm comandos de hierarquia superior à das regras, pois têm a função precípua de determinar o sentido e alcance das regras as quais, de maneira alguma, podem contrariá-los. 346

O ponto central da distinção entre regras e princípios, é

que estes são normas que ordenam a realização de determinado direito na

maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais

existentes, enquanto aquelas somente podem ser cumpridas ou não. As

regras contêm "determinações" no âmbito do fático e do juridicamente

possível, ao passo que os princípios são "mandamentos de otimização". 347

Esta distinção, na qual os princípios são para Celso

Antônio Bandeira de Mello “mandamentos nucleares” e para Canotilho

“núcleos de condensação”, não se equivalem a distinção feita por Alexy,

este traça um conceito de princípio não referente à fundamentalidade da

norma em questão. 344 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988 (interpre tação e

crítica) , p. 76. 345 MELO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo , p. 408. 346 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional , p.137. 347 ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales , p. 86-87.

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Na doutrina de Alexy, uma norma é um princípio não

por ser fundamental, mas por ter a estrutura de um mandamento de

otimização. Por isso um princípio pode ser um mandamento nuclear do

sistema, mas pode também não o ser, já que uma norma é um princípio

apenas em razão de sua estrutura normativa e não de sua

fundamentalidade.348

O mesmo princípio poderá ter diferente valoração na

resolução de situações fáticas diversas, sendo num caso predominante e

em outro caso tendo sua aplicação afastada. Já as regras jurídicas, devem

ser cumpridas sempre que válidas, não sendo gradual a sua aplicação.

Anote-se ainda que os princípios, de acordo com a mais moderna teoria jurídica, oferecem maior flexibilidade do que as normas na solução das antinomias normativas [...]. Enquanto os princípios postulam uma otimização recíproca, que é irreconduzível a soluções de “tudo ou nada” [...], as normas conflituantes podem exigir instrumentos mais radicais de solução (exemplos: “a lei posterior revoga a anterior”, “a lei superior prevalece sobre a lei inferior”). 349

Os princípios constituem a raiz de onde deriva a

validade material das normas jurídicas. Por isso, a violação de um princípio

jurídico é muito mais grave que a transgressão de uma regra qualquer, uma

vez que agride a todo o sistema normativo.

A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.350

Os princípios constitucionais não somente servem de 348 SILVA, Virgílio Afonso da. A Constitucionalização do Direito : os direitos fundamentais nas

relações entre particulares, p. 36. 349 CANOTILHO, J.J.Gomes; Moreira, Vital. Fundamentos da constituição , p.50. 350 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo , p. 748.

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estrutura organizadora da Constituição, mas se constituem em normas

constitucionais de eficácia vinculante para a proteção e garantia dos direitos

fundamentais.

[...] os princípios são multifuncionais. Podem desempenhar uma função argumentativa, permitindo, por exemplo denotar a ratio legis de uma disposição (cânones de interpretação) ou revelar normas que não são expressas por qualquer enunciado legislativo, possibilitando aos juristas, sobretudo os juízes, o desenvolvimento, integração e complementação do direito.351

A Constituição da República Federativa do Brasil de

1988, representa a norma fundamental de nosso ordenamento jurídico, e

nela elenca os princípios fundamentais, que são definidores da estrutura

do Estado, integrando o Direito Constitucional Positivo, com relevantes

funções.

linhas diretrizes que informam algumas normas e inspiram direta ou indiretamente uma série de soluções, pelo que podem servir para promover e embasar a aprovação de novas normas, orientar a interpretação das existentes e, sem os quais seria duvidoso afirmar-lhes a autonomia.352

Na definição de Gomes Canotilho e Vital Moreira,

princípios são ordenações que se irradiam e imantam os sistemas de

normas, são ‘núcleos de condensações’ nos quais confluem valores e bens

constitucionais. 353

Jose Afonso da Silva354 define princípios como a noção

de mandamento nuclear de um sistema, e classifica-os em duas categorias:

a) princípios político-constitucionais: constituem-se

351 ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de Princípios Constitucionais: elementos teóricos para

uma formulação dogmática constitucionalmente adequada, p. 66. 352 PLÁ RODRIGUES, Américo. Princípios de direito do trabalho , p. 36. 353 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo , p.96. 354 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo , p.96-97.

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daquelas decisões políticas fundamentais concretizadas em normas

conformadoras do sistema constitucional positivo, e manifestam-se como

princípios constitucionais fundamentais da Constituição da República

Federativa do Brasil, elencados nos artigos 1º ao 4º do Título I.

b) princípios jurídico-constitucionais: são princípios

constitucionais gerais informadores da ordem jurídica nacional. Decorrem

de certas normas constitucionais e, não raro, constituem desdobramentos

(ou princípios derivados) dos fundamentais.

Os princípios, por serem as bases teóricas ou

pressupostos, são responsáveis por dar coerência geral ao sistema,

interferindo em sua formação, interpretação e integração.

o princípio, enquanto mandamento nuclear de um sistema, exerce a importante função de fundamentar a ordem jurídica em que se insere, fazendo com que todas as relações jurídicas que adentram ao sistema busquem na principiologia constitucional, o berço das estruturas e instituições jurídicas. 355

Não são os princípios constitucionais que se movem no

âmbito da lei, mas a lei que se move no âmbito dos princípios. Os princípios

servem, pois, de guia e orientação na busca de sentido e alcance das

normas.

Quando nos momentos revolucionários, resulta saliente

a função ordenadora dos princípios, extrair-se-ão os preceitos que mais

direta e concretamente regerão a sociedade e o Estado.356

Nas palavras de Paulo Bonavides, os princípios

constitucionais “são qualitativamente a viga mestra do sistema, o esteio da

355 ROCHA, José de Albuquerque. Teoria geral do processo , p.46. 356 BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil , v.1,

p. 379.

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legitimidade constitucional, o penhor da constitucionalidade das regras de

uma constituição”.357

Se torna importante a distinção entre regras e princípios

quando da necessidade de resolução das tensões produzidas no sistema

normativo, tendo em vista que os métodos utilizados para se resolver a

colisão entre eles serão distintos.

3.2 COLISÃO ENTRE PRINCÍPIOS: PROPRIEDADE X FUNÇÃO SOCIAL

Num sistema de normas em constante e necessária

transformação, reflexo de uma sociedade dinâmica e heterogênea, são

inevitáveis os conflitos entre as espécies normativas, e essa situação

reclama adoção de critérios capazes de resolver o conflito salvaguardando

a unidade e a coerência do ordenamento jurídico.

Ocorre colisão de direitos fundamentais quando o

exercício de um direito fundamental por parte do seu titular colide com o

exercício do direito fundamental por parte de outro titular.358

Trata-se de um autêntico conflito de direitos na medida

em que duas normas – que outorguem a sujeitos diversos, direitos opostos

– podem conduzir a resultados incompatíveis, ou seja, a dois juízos de

dever-ser jurídico contraditórios.359

A distinção entre os conteúdos do dever-ser das regras

e dos princípios implica também uma importante diferença na forma de

aplicá-los. Alexy usa as figuras do “conflito entre regras” e da “colisão entre

357 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional , p. 265. 358 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional , p. 643. 359 ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales , p. 87.

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98

princípios” para deixar isso claro.360

O conflito entre regras suscita a idéia das antinomias

jurídicas próprias; a colisão entre princípios, as antinomias jurídicas

impróprias [...] não conduz à exclusão da ordem jurídica de uma das

normas conflitantes.361

Os critérios de resolução de conflitos entre regras jurídicas, são: hierárquico, a regra hierarquicamente superior derroga a inferior ("lex superior derogat legi inferiori"); cronológico, a regra posterior derroga a regra anterior ("lex porterior derogat legi priori"); e ainda, da especificidade, a prevalência da regra especial sobre a regra geral ("lex specialis derogat legi generali"). Há situações, entretanto, em que os presentes critérios de solução de antinomias restam insuficientes, como no caso de incompatibilidades entre dispositivos legais de um mesmo instrumento legislativo, bastante possível em codificações de leis.362

Em se tratando de conflitos entre regras jurídicas, sua

resolução requer a introdução em uma das regras de uma cláusula de

exceção que elimine o conflito ou a declaração de invalidade de uma delas,

pelo menos. Afasta-se, assim, a possibilidade de coexistência de duas

regras conflitivas. Pois esse conflito refere-se exclusivamente a um

problema de validade e, validade não é gradual.363

Desta forma, na resolução de um conflito entre regras

deve-se utilizar o raciocínio “tudo ou nada”, restando apenas uma das

regras que vai prevalecer no caso concreto, ou até mesmo no sistema

jurídico. Diferentemente do que ocorre na colisão entre princípios, que pode

ser revolvida fora do plano de validade.

360 SILVA, Virgílio Afonso da. A Constitucionalização do Direito : os direitos fundamentais nas

relações entre particulares, p. 32. 361 ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de Princípios Constitucionais: elementos teóricos para

uma formulação dogmática constitucionalmente adequada, p. 69. 362 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico , p. 91-105. 363 ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales , p. 88.

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99

De outro modo, a solução de colisões entre princípios

não exige a declaração de invalidade de nenhum deles e também não é

possível que se fale que um princípio institui uma exceção a outro.364

Quando dois princípios entram em colisão, um deve

ceder em relação ao outro, sem que se lhe declare a invalidade ou se lhe

insira cláusula de exceção.365

Um princípio pode ser aplicado num caso concreto pela

sua precedência no ordenamento jurídico ou pela sua relevância diante da

situação fática apresentada.

Necessário será, um sopesamento entre os princípios

colidentes para que se decida qual deles terá preferência, que valerá,

enquanto precedência condicionada, apenas para aquele caso concreto.366

Na resolução da colisão entre princípios deve-se levar

em consideração as circunstâncias que cercam o caso concreto, para que,

pesados os aspectos específicos da situação, prepondere o preceito mais

adequado. A tensão se resolve mediante uma ponderação de interesses

opostos, determinando qual destes interesses, abstratamente, possui maior

peso no caso concreto.

Neste caso, há de se aplicar o que Alexy denomina de

"lei de colisão", a qual: "Las condiciones bajo las cuales um principio

precede a outro constituyen el supuesto de hecho de uma regla que

expresa la consecuencia jurídica del principio precedente".367

A colisão entre princípios se resolve no campo do valor, 364 SILVA, Virgílio Afonso da. A Constitucionalização do Direito : os direitos fundamentais nas

relações entre particulares, p. 34. 365 ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales , p. 89. 366 SILVA, Virgílio Afonso da. A Constitucionalização do Direito : os direitos fundamentais nas

relações entre particulares, p. 34. 367 ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales , p. 94-95. “As condições pelas quais um princípio precede a outro constituem uma suposta realidade de uma regra que expressa a conseqüência jurídica do princípio precedente."(tradução da autora)

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não se podendo aceitar que um princípio reconhecido pelo ordenamento

constitucional possa ser declarado inválido, por não ter sido aplicável a uma

situação específica. Ele apenas recua frente a outro princípio que, naquele

caso, tem peso maior.

A seleção de princípios – explícita ou implícita – não se

pautará por critérios formais como ocorre no conflito entre regras (critério

temporal, critério da especificidade, critério hierárquico etc.). Na colisão de

princípios, o critério que informa a seletividade será material ou de

conteúdo, guiado pelos critérios de racionalidade adotado no caso

específico.368

Todavia, no caso das colisões entre princípios, não há

como se falar em um princípio que sempre tenha precedência em relação a

outro. Se isso ocorrer, não estaremos diante de um princípio – pelo menos

não na acepção usada por Alexy.369

Portanto, a denominada "lei de colisão" é a solução da

tensão de mandamentos de otimização com base na relação de

precedência condicionada ao caso fático.370 Não existem relações absolutas

de precedência, pois que sempre serão determinadas pelas circunstâncias

do caso concreto. Não existe um princípio que sempre se sobrepõe aos

demais, sem que sejam consideradas as situações específicas de cada

caso concreto.

Em última análise, não existem princípios

constitucionais absolutos que, em colisão com outros princípios,

prevalecerão independentemente da situação posta.

368 MARQUES NETO, Floriano. O Conflito entre Princípios Constitucionais : breves pautas para

uma solução. Revista dos Tribunais, Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, p. 40-46.

369 SILVA, Virgílio Afonso da. A Constitucionalização do Direito : os direitos fundamentais nas relações entre particulares, p. 35.

370 ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales , p. 95.

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Os princípios são normas jurídicas impositivas de uma optimização, compatíveis com vários graus de concretização, consoante os condicionalismos fácticos e jurídicos; as regras são normas que prescrevem imperativamente uma exigência (impõe, permitem ou proíbem) que é ou não é cumprida [...]; a convivência dos princípios é conflitual (Zagrebelsky); a convivência de regras é antinômica; os princípios coexistem; as regras antonômicas excluem-se.371

Porém, não se pode negar, a existência de

mandamentos de otimização relativamente fortes, capazes de preceder aos

outros em praticamente todas as situações de colisão. Citam-se como

exemplos, os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da

cidadania, da proteção da ordem democrática, o direito à higidez do meio-

ambiente e etc..

O problema que aqui se põe já não é rigorosamente o

da identificação dos limites imanentes de cada módulo de direito

fundamental, mas sim o da conciliação entre os domínios normativos de

cada um deles, a fim de que não ocorra a supervalorização de uns com a

conseqüência do aniquilamento de outros.372

Um novo paradigma para a sociedade é estabelecido

pela Constituição de 1988, através do reconhecimento de conflitos sociais

latentes, se procura uma composição desses interesses, a exemplo da

previsão do princípio da propriedade privada e do princípio da função social

da propriedade previstos no art 170, inciso I e II e art 5º inciso XXII e XXIII.

O princípio da função social da propriedade,

exacerbador do pluralismo, informado pelo princípio da igualdade, faz

contraponto com o princípio da garantia da propriedade, como acesso e

defesa da propriedade privada e seu livre exercício, de valores

371 ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de Princípios Constitucionais: elementos teóricos para

uma formulação dogmática constitucionalmente adequada, p. 66. 372 CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. A Constituição Aberta e os Direitos Fundamentais :

ensaios sobre o constitucionalismo pós-moderno e comunitário, p. 67.

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individualistas, aceitos pelo princípio da liberdade, relativiza o

individualismo pelo interesse público e social.373

A propriedade privada é um princípio da ordem

econômica, que se submete aos ditames da justiça social. Isso equivale a

dizer que a propriedade se legitima enquanto cumpre sua função social.

A idéia de Justiça Social, na qual se insere a Função

Social da Propriedade, está ligada à Ideologia Socialista em contraposição

à Individualista. A partir desse conflito de ideologias e interesses é que se

deve considerar as cargas valorativas para as decisões dos casos

concretos.

O conflito de interesses surge quando as pessoas deixam de ser indiferentes à maneira pela qual o aumento da produtividade resultante de sua colaboração vier a ser distribuído, pois, para se atingir seus próprios objetivos, cada um dará preferência a partes maiores da partilha. Um conjunto de princípios é necessário para que haja uma opção entre os vários ajustes sociais que, por sua vez, determinará a divisão das vantagens e assegurará um acordo para uma partilha correta.374

Portanto, a ideologia deve ser usada como critério que

transcende os interesses e valores de cunho individual, deve-se se buscar

a realização do Bem Comum e dos valores sociais.

Ideologia é o conjunto de crenças e valores com que os

seres humanos procuram interpretar e justificar atitudes alheias ou próprias,

às vezes com objetivo de crítica e controle, mas em outras de orientar a

seleção de alternativas.375

Pasold aponta Ideologia como forma de encarar e

373 ARONNE, Ricardo. Propriedade e Domínio: Reexame Sistemático das Noções Nucleares de

Direitos Reais, p. 183. 374 RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça . Trad. Vamirech Chacon. Brasília: Editora Universidade

de Brasília. p. 28. 375 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da Política Jurídica , p.54.

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conduzir as relações humanas sob a égide do poder.376

Estas idéias supra-citadas seriam o significado positivo

do termo ideologia, porém não se pode desconsiderar a Ideologia como

legitimadora da ordem dominante.377

A ideologia liberal, criada a partir do pensamento de

Adam Smith, sustentou o capitalismo clássico, depois de atravessado pelo

neoliberalismo que introduziu o macrocapitalismo ou capitalismo turbinado,

propugna um direito de propriedade absoluta.378

As economias prósperas e baseadas na propriedade

preservam a liberdade constitucional, e o papel da constituição é preservar

a nossa liberdade de fazermos o que nos apetecer com aquilo que é

nosso.379

De outro vértice, não se poderia supor que garantindo a

propriedade estaria se aumentando a liberdade, enquanto a propriedade é

garantida a um individuo, ela é retirada de outros tantos, que perdem sua

liberdade em favor daquele.380

Contudo, ao se garantir apenas a propriedade suficiente

para cada pessoa estaria assim aumentando as liberdades pois mais gente

teria liberdade e não apenas poucos teriam muita liberdade.

Tem-se na Constituição da República Federativa do

Brasil de 1988, a proteção explicita ao direito à propriedade, inclusa no rol

dos direitos e garantias individuais, bem como a previsão de preferência ao

aproveitamento desta em benefício da sociedade em geral. Conforme se

demonstra:

376 PASOLD, César Luiz. Função Social do Estado Contemporâneo , p. 26. 377 WOLKMER, Antonio Carlos. Ideologia, Estado e Direito , p. 192. 378 KICH, Bruno Canísio. A Propriedade na Ordem Jurídica Econômica e Ideológ ica , p. 191. 379 RYAN, Alan. A Propriedade , p. 64-65. 380 RYAN, Alan. A Propriedade , p. 129.

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"Art. 5.º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade , nos

termos seguintes:

XXII - é garantido o direito de propriedade ;

XXIII - a propriedade atenderá a sua função social ;

Art. 170 - A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social , observados os seguintes princípios:

II - propriedade privada ;

III - função social da propriedade ". (grifos nossos)

A propriedade privada é aquela que pode ser atribuída a

uma pessoa de direito privado – pessoa física ou jurídica. Porém, a

propriedade privada pode ter dimensão individual ou coletiva.

A finalidade da instituição da propriedade é além de

propiciar benefícios ao proprietário, garantir a convivência pacífica dos

homens na sociedade. Sem a propriedade privada, todos os indivíduos que

compõem o Estado planejariam, diuturnamente, na disputa dos bens que

satisfazem suas necessidades.381

Ao se reconhecer a doutrina de Duguit que exclui o

direito individual diante da propriedade-função social, opta-se em colocar “a

função social da propriedade como princípio superior ao da propriedade

privada, já que é justamente aquela o núcleo de sustentação e estabilidade

da instituição da propriedade nos dias atuais, pelo seu caráter coletivo.”382

Neste diapasão, princípio fundamental da função social 381 KICH, Bruno Canísio. A Propriedade na Ordem Jurídica Econômica e Ideológ ica , p. 61. 382 FRANÇA, Vladimir da Rocha. Instituição da Propriedade e sua Função Social , p. 457/488

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da propriedade constitui o alicerce constitucional do regime jurídico-

constitucional da propriedade, estando todos os demais princípios e regras

constitucionais a ele submetidos, inclusive o princípio da propriedade

privada estabelecido no art. 170, II, da Lei Maior.

o direito particular à propriedade, quando assegurado ao indivíduo, o é por uma concessão da sociedade- não necessariamente contratual ou natural- na qual ele vive, e só poderá subsistir, por conseguinte, enquanto essa mesma sociedade o tem por justo, razoável e digno de sua proteção, perdendo muito de sua força e de seu valor se a sociedade que o concede ou organiza sente necessidade de colocar acima dele o interesse geral, garantindo sua própria estabilidade.383

De outra forma, os que adotam a idéia de ser a função

social da propriedade um instrumento através do qual o poder discricionário

e sem limites decorrentes do direito de propriedade cede espaço para o seu

uso orientado para realização do bem comum, admitem que há conflito

entre princípios.

A propriedade privada e a função social da propriedade,

quando encarados como princípios de mesmo nível hierárquico, sem que

nenhum assuma caráter acessório, produzem um conflito abstrato. E na

análise de qual direito deve prevalecer, no caso concreto, deve-se usar o

princípio da proporcionalidade, prevalecendo o de maior relevância jurídica.

Quando houver conflito entre dois ou mais direitos ou garantias fundamentais, o intérprete deve utilizar-se do princípio da concordância prática ou da harmonização, de forma a coordenar e combinar os bens jurídicos em conflito, evitando o sacrifício total de uns em relação aos outros, realizando uma redução proporcional ao âmbito de alcance de cada qual (contradição dos princípios), sempre em busca do verdadeiro significado da norma e da harmonia do texto constitucional com a sua finalidade

383 LEAL, Rogério Gesta. A função social da propriedade e da cidade no Brasi l: aspectos

jurídicos e políticos, p.118.

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precípua.384

Diante do fato que os interesses públicos se sobrepõem

a todos os cidadãos em nome do bem-estar da coletividade, e, sabendo

que a Constituição não deve ser passível de contradições e suas normas

devem ser harmonizadas no sentido de sanar quaisquer conflitos que

possam existir, concluímos que deve haver uma harmonização entre o

princípio da propriedade privada e da sua função social.

A informação axiológica do conceito, por si misterioso e

abstrato, é orientada pelos princípios fundamentais da República, que têm

na dignidade da pessoa humana regra basilar [...]385

O direito de propriedade incorpora elementos

obrigacionais que são aglutinados aos direitos reais, construindo um tertium

genus funcionalizador do instituto. 386

O direito fundamental à propriedade, consagrado no art.

5º, caput, da nossa Constituição preserva o acesso do indivíduo à

propriedade, como instrumento de manutenção de sua sobrevivência

mínima (trabalho, moradia, segurança e etc.). Porém, inexiste uma

inviolabilidade ao direito de propriedade, podendo seu exercício estar

limitado pelas leis do Estado, para se atingir a justiça social prevista no

artigo 170 da CRFB/88.

O desenvolvimento da idéia de justiça social conduzirá

a sociedade a uma redução significativa das desigualdades, através da

fusão entre o interesse individual e o comunitário.387

Embora haja a intervenção do Estado na propriedade 384 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional , p. 61. 385 TEPEDINO, Gustavo. A Nova Propriedade: o seu conteúdo mínimo, entre o código civil, a

legislação ordinária e a Constituição, p. 75-76. 386 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil , p. 201-241. 387 NEDEL, José. A teoria ético-política de John Rawls: uma tentativa de integração de liberdade e

igualdade, p. 79.

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privada em prol do bem-estar social, isto não significa socialização dos

meios de produção ou da propriedade privada.

O Direito de Propriedade apresenta-se como um direito

renovado, que passa por um processo de publicização para adequar-se às

demandas sociais da coletividade. Essa nova caracterização da

Propriedade se vincula ao cumprimento de uma Função Social, tornando-se

um instituto jurídico híbrido, que contempla a proteção de interesses

Públicos e Privados a ela inerentes.A propriedade não é garantida em si

mesma, mas como instrumento de proteção de valores fundamentais.

3.3 DIREITOS FUNDAMENTAIS

O poder político deve ser exercido com legitimidade, ou

seja, respeitando o homem tanto na sua individualidade como em sua

projeção social, e os instrumentos utilizados neste processo são os direitos

fundamentais.

A Antiguidade é considerada a pré-história dos direitos

fundamentais, pois é através da noção de dignidade da pessoa, da

liberdade e igualdade dos homens, encontrada na filosofia clássica que

surge a idéia de que o ser humano pelo simples fato de existir, é titular de

alguns direitos naturais e inalienáveis.388

A Antiguidade e a Idade Media, em função das grandes

dores que presenciaram, despertaram para necessidade de evolução da

condição do homem, como ser precário e ambivalente, através do respeito

388 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais , p. 41.

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à dignidade do homem.389

Na Idade Média, os direitos naturais eram assegurados

na ordem divina, que deveria ser observada pela ordem positiva, ou seja,

desenvolveu-se a idéia da existência de postulados de cunho suprapositivo

que, por orientarem e limitarem o poder, atuam como critérios de

legitimação de seu exercício.390

Existe uma realidade próxima aos direitos

fundamentais, que são os privilégios outorgados a pessoas de

determinados grupos sociais, e atuavam como ‘direitos’ que não são de

todos.391

Por outro lado, às cartas e foros medievais, faltava a perspectiva abstrata, geral e individualista das declarações modernas, pois definiam situações concretas, quase sempre encontradas nas práticas sociais consolidadas, e tinham como destinatários o homem inserido no seu grupo social ou nos estamentos – clérigo, nobre, comerciante, moradores da cidade - , deixando os demais súditos sem proteção jurídica contra os desmandos das autoridades públicas, e os servos entregues à sorte e ao arbítrio de seus donos.392

Embora alguns autores identifiquem manifestações de

direitos fundamentais na Antiguidade e na Idade Média, é somente no início

da Idade Moderna com a Magna Carta Inglesa (1215), pela qual o Rei João

Sem Terra reconhecia alguns direitos dos nobres, limitando o poder do

monarca, que surge a noção de igualdade, liberdade e dignidade que foram

positivadas a partir do Século XVIII.

Há de se descartar o caráter de autênticos direitos

fundamentais desses ‘direitos’ e privilégios reconhecidos através da Magna 389 SAMPAIO, José Adércio Leite. Direitos Fundamentais: Retórica e Historicidade, p. 135. 390 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais , p. 41. 391 MARTÍNEZ, Gregório Peces-Barba. Tránsito a la modernidade y Derechos Fundamentales.

In História de los Derechos Fundamentales, tomo I: Tránsito a la Modernidad Siglos XVI y XVII, p. 20.

392 SAMPAIO, José Adércio Leite. Direitos Fundamentais: Retórica e Historicidade, p. 138.

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Carta Inglesa, entre outros pactos da época, pois tratavam de direitos de

cunho estamental, atribuídos a certas castas da sociedade medieval,

excluindo grande parcela da população do seu gozo.393

O início da Idade Moderna é marcado por ser um

período profundamente revolucionário e transformador, onde os indivíduos

lutam pela conquista de liberdade religiosa, intelectual, política e

econômica.

Concretamente, a Reforma Protestante, com a ruptura

da unidade religiosa gerará o pluralismo religioso e a necessidade de uma

fórmula jurídica que evitasse as guerras, então a tolerância, precursora da

liberdade religiosa, será o primeiro direito fundamental que se formula com

caráter moderno.394

A Reforma Protestante, que levou ao gradativo

reconhecimento da liberdade de opção religiosa e de culto em diversos

países da Europa, foi de suma importância para o nascimento dos direitos

fundamentais.395

Constata-se que a aparição da filosofia dos Direitos

Fundamentais, derivou da ruptura da ordem econômica medieval e da

necessidade de se construir uma nova ordem política que tem como centro

o indivíduo.

Nesse momento, frente ao humanismo, se transformam

os privilégios de alguns grupos sociais em direitos de todos os indivíduos -

este despojado de qualquer condição social que não sua condição de ser

393 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais , p. 45. 394 MARTÍNEZ, Gregório Peces-Barba. Tránsito a la modernidade y Derechos Fundamentales.

In História de los Derechos Fundamentales, tomo I: Tránsito a la Modernidad Siglos XVI y XVII, p. 22.

395 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais , p. 46.

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110

humano.396

Um dos objetivos dos direitos fundamentais é de

garantir que todos os homens lhes tenham acesso, num tratamento

isonômico que deve ser universal.

O conceito de direitos fundamentais varia de acordo

com a teoria na qual se embasa. Para uma concepção iuspositiva com

fundamentos históricos, vão ser considerados aqueles direitos positivados

pelo ordenamento como fundamentais, se for na concepção iusnaturalistas

com fundamentos axiológicos, serão considerados os direitos que

asseguram a dignidade da pessoa humana, ou a igualdade, a paz ou outros

valores éticos assumidos como fundamentais.397

Apesar da dificuldade em definir conceitualmente de

forma sintética e precisa os direitos fundamentais, em decorrência da

constante ampliação e transformação por que passaram em sua evolução

histórica398, analisar-se-ão alguns conceitos.

É o conjunto de faculdades e instituições que, em cada

momento histórico, concretizam as exigências de dignidade, liberdade e

igualdade humana, as quais devem ser reconhecidas positivamente pelos

ordenamentos jurídicos em nível nacional e internacional.399

Direitos fundamentais são os considerados

indispensáveis à pessoa humana, necessários para assegurar a todos uma

396 MARTÍNEZ, Gregório Peces-Barba. Tránsito a la modernidade y Derechos Fundamentales.

In História de los Derechos Fundamentales, tomo I: Tránsito a la Modernidad Siglos XVI y XVII, p. 81.

397 FERRAJOLI, Luigi. Los Fundamentos de Los Derechos Fundamentales . In Los Fundamentos de Los Derechos Fundamentales, p. 289.

398 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo , p.179. 399 CASTRO, J. L. Cascajo; LUÑO, Antonio-Enrique Pérez; CID, B. Castro; TORRES, C.Gomes.

Los Derechos Humanos: significación, estatuto jurídico y sistema, p. 43.

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existência digna, livre e igual.400

O conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano, que tem por finalidade básica o respeito a sua dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal e o estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana, pode ser definido como direitos humanos fundamentais.401

O asseguramento de um âmbito próprio da pessoa

humana, na qual não devem imiscuir instâncias estranhas a ela e ante a

qual devem deter-se os poderes do Estado, deu-se através da definição e

proteção de diversos direitos, além da instrumentalização de garantias

jurídicas para torná-los eficazes. 402

O termo ‘direitos fundamentais’ se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão ‘direitos humanos’ guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional 403

Para Ferrajoli, são direitos fundamentais aqueles

direitos subjetivos que as normas de um determinado ordenamento jurídico

atribuem universalmente a todos enquanto pessoas, cidadãos e/ou

trabalhadores.404

Ao passo que os Direitos fundamentais são aqueles

direitos básicos do indivíduo e do cidadão, reconhecidos pelo direito 400 PINHO, Rodrigo César Rebello. Teoria Geral da Constituição e Direitos Fundamentais , p.

60. 401 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Co nstitucional ,

p. 162. 402 CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do Direito Constitucional , p. 153. 403 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais , p. 33-34. 404 FERRAJOLI, Luigi. Los Fundamentos de Los Derechos Fundamentales . In Los

Fundamentos de Los Derechos Fundamentales, p. 291.

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positivo do Estado, que exige deste ou uma abstenção ou uma atuação no

sentido de garanti-los. Os direitos humanos seriam os direitos referentes à

condição do indivíduo enquanto ser humano, que, portanto, se estendem à

toda humanidade, em todos os lugares, sem limitação temporal.

Los derechos fundamentales que se originan y se fundan em la moralidad y que desenbocan em el Derecho lo hacen a través Del Estado, que es punto de referencia de la realidad jurídica a partir del tránsito a l modernidad. Sin el apoyo Del Estado, esos valores Morales no se convierten en Derecho positivo, y por consiguiente, carecen de fuerza para orientar la vida social em um sentido que favorezca su finalidad moral.405

Todos os direitos fundamentais – direito à vida, à

liberdade e os direitos sociais – podem ser definidos, em plano axiológico,

como leis do mais fraco em substituição à lei do mais forte, seja fisicamente

como acontecia no estado de natureza, seja politicamente como era no

absolutismo ou seja econômico-socialmente como no capitalismo.406

Um direito fundamental como um todo é distinto de um

direito com apenas uma concepção definitiva, de caráter estático, pois ao

ser resultado de um processo de decisão, argumentação e confluência de

interesses e valores relevantes da comunidade se torna dinâmico.407

Os direitos fundamentais são resultados de uma lenta

evolução ao longo do processo histórico. Eles não nasceram em uma data

ou lugar específicos, embora alguns momentos da história e certos Estados

podem ser mencionados como relevantes para a sua origem e seu

fortalecimento.

405 MARTÍNEZ, Gregório Peces-Barba. Curso de Derechos Fundamentales: teoria general, p. 105. “Os direitos fundamentais que se originam e se fundam na moralidade e que desembocam no Direito, fazem isso através do Estado, que é o ponto de referencia da realidade jurídica desde a passagem a modernidade. Sem o apoio do Estado, esses valores morais não se convertem em direito positivo, e por conseguinte, carecem de força para orientar a vida social num sentido que favoreça sua finalidade moral.” (tradução da autora) 406 FERRAJOLI, Luigi. Los Fundamentos de Los Derechos Fundamentales . In Los

Fundamentos de Los Derechos Fundamentales, p. 316. 407 ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales , p. 244.

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113

A despeito do dissídio doutrinário sobre a paternidade

dos direitos fundamentais, disputada entre a Declaração de Direitos do

povo da Virgínia, de 1776, e a Declaração Francesa, de 1789, é a primeira

que marca a transição dos direitos de liberdades legais ingleses para os

direitos fundamentais constitucionais. 408

Apesar desta importante contribuição, os americanos

escreveram apenas para a comodidade e proveito de seus concidadãos

enquanto que os franceses escreveram para o mundo.409

Constatou-se então com irrecusável veracidade que as declarações antecedentes de ingleses e americanos podiam talvez ganhar em concretude, mas perdiam em espaço de abrangência, porquanto se dirigiam a uma camada social privilegiada (os barões feudais), quando muito a um povo ou a uma sociedade que se libertava politicamente, conforme era o caso das antigas colônias americanas, ao passo que a Declaração francesa de 1789 tinha por destinatário o gênero humano. Por isso mesmo, e pelas condições da época, foi a mais abstrata de todas as formulações solenes já feitas acerca da liberdade.410

A contribuição francesa foi decisiva para o processo de

constitucionalização e reconhecimento de direitos e liberdades

fundamentais nas Constituições do século XX. A concepção liberal-

burguesa do Estado de Direito determinou a concepção da primeira

dimensão (geração) dos direitos fundamentais. 411

A primeira geração de direitos dominou o século XIX e é

composta dos direitos de liberdade, que correspondem aos direitos civis e

políticos. Tendo como titular o indivíduo e eram oponíveis ao Estado, sendo

traduzidos como faculdades ou atributos da pessoa humana.

Tais direitos se fundam numa separação entre Estado e

408 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais , p. 47. 409 SAMPAIO, José Adércio Leite. Direitos Fundamentais: Retórica e Historicidade, p. 203. 410 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional , p. 516. 411 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais , p. 49.

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sociedade, que permeia o contratualismo individualista dos séculos XVIII e

XIX. O Estado desempenha um papel de polícia administrativa por meio do

Poder Executivo e de controle, prevenção e repressão pelo Judiciário de

ameaça ou lesão.412

São os direitos de resistência face ao Estado,

resguardam a liberdade do cidadão diante do Estado ao mesmo tempo em

que o faz participar do poder político.

Uma vez que dirigidos a uma abstenção, e não a uma conduta positiva por parte dos poderes públicos, são apresentados como direitos de cunho ‘negativo’. Assumem relevo no rol desses direitos, o direito à vida, à liberdade, à propriedade e à igualdade perante a lei, complementados por um leque de liberdades, tais como, de expressão, de imprensa, de manifestação, de reunião e de associação, e os direitos de participação política, direito de voto e capacidade eleitoral passiva.413

A lista destas esferas (direitos civis e direitos políticos),

nos primórdios do constitucionalismo, era simples e reduzida, inspirada nos

termos de liberdade pessoal. [...] (a propriedade) por ser um elemento

instrumental indispensável para a realização da liberdade do cidadão,

passou a representar um ‘Direito inviolável e sagrado’.414

Na visão contemporânea, as liberdades públicas, ou,[...]

direitos individuais, constituem o núcleo dos direitos fundamentais. A eles

se agregaram primeiro os direitos econômicos e sociais, depois os direitos

de solidariedade, mas estes outros direitos não renega, essas liberdades,

visam antes a complementá-las.415

A partir do Século XIX, por influência da Igreja, dos

movimentos operários e da expansão do socialismo, houve a consciência

412 SAMPAIO, José Adércio Leite. Direitos Fundamentais: Retórica e Historicidade, p. 260. 413 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais , p. 51-52. 414 CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do Direito Constitucional , p. 158-159. 415 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais , p. 28.

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de necessidade de modificação nas teorias acerca dos direitos e garantias

individuais, para superar a grande distância entre as declarações

constitucionais de dignidade, igualdade e liberdade e a realidade social que

as negava.

[...] atravessaram, a seguir uma crise de observância e execução, cujo fim parece estar perto, desde que recentes constituições, inclusive a do Brasil, formularam o preceito da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais. De tal sorte, os direitos da segunda geração tendem a tornar-se tão justificáveis quanto os da primeira; pelo menos esta é a regra que já não poderá ser descumprida ou ter sua eficácia recusada com aquela facilidade de argumentação arrimada no caráter programático da norma.416

Surgiria, naquele momento histórico a segunda geração

dos direitos fundamentais, fundada no ideário da igualdade, significava uma

exigência ao poder público no sentido de que este atue em favor do

cidadão, e não mais para deixar de fazer alguma coisa.

Na esfera dos direitos de segunda dimensão, há que atentar para a circunstância de que estes não englobam apenas direitos de cunho positivo, mas também as assim denominadas ‘liberdades sociais’, do que dão conta os exemplos da liberdade de sindicalização, do direito de greve, bem como o reconhecimento de direitos fundamentais aos trabalhadores[...]417

Como as liberdades públicas, os direitos sociais são

direitos subjetivos. Entretanto, não são meros poderes de agir – como é

típico das liberdades públicas de modo geral – mas sim poderes de exigir.

São direitos “de crédito”. 418

Esses direitos de primeira e segunda gerações não são

estanques, mas complementares e "em constante dinâmica de interação".

416 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional , p. 518. 417 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais , p. 53. 418 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais , p. 50.

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São indivisíveis, pois a efetividade dos primeiros depende dos segundos e

vice-versa. 419

A vida social implica a co-existência e interrelação de numerosos indivíduos, com esferas próprias de autonomia constitucionalmente consagradas, fazendo necessário definir cada uma delas para que seja possível a co-existência de todas. [...] Cada um dos direitos de uma pessoa deve ser definido cevando em conta o direito das outras pessoas. 420

Ocorre na segunda metade do século XX, a superação

da concepção dos direitos fundamentais somente como direitos exigíveis

em face do Estado, seja a uma abstenção (liberdades públicas), seja a uma

prestação (sobretudo os direitos sociais). [...] eles expressariam um sistema

de valores, válido para todo o ordenamento jurídico.421

No final do século XX, surge a terceira geração de

direitos fundamentais que representavam a sua evolução no sentido de

proteger também os direitos decorrentes de uma sociedade organizada, e

correspondiam ao terceiro elemento preconizado na Revolução Francesa: a

fraternidade.

São a resposta à dominação cultural e reação ao

alarmante grau de exploração não mais da classe trabalhadora dos países

industrializados, mas das nações em desenvolvimento por aquelas

desenvolvidas, bem como dos quadros de injustiças e opressão no próprio

ambiente interno dessa e de outras noções [...].422

A consciência de novos desafios, não mais a vida e a

liberdade, mas especialmente a qualidade de vida e a solidariedade entre

os seres humanos de todas as raças ou nações, redundou no surgimento

419 PIOVESAN, Flávia. A Constituição brasileira de 1988 e os tratados int ernacionais de

proteção dos direitos humanos. Revista da AJURIS, p. 335. 420 CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do Direito Constitucional , p. 52. 421 SILVA, Virgílio Afonso da. A Constitucionalização do Direito : os direitos fundamentais nas

relações entre particulares, p. 76. 422 SAMPAIO, José Adércio Leite. Direitos Fundamentais: Retórica e Historicidade, p. 293.

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de uma nova geração – a terceira – dos direitos fundamentais.423

Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) – que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante mo processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade.424

Cuida-se, na verdade, do resultado de novas

reivindicações fundamentais do ser humano, geradas, dentre outros fatores,

pelo impacto tecnológico, pelo estado crônico de beligerância, bem como

pelo processo de descolonização do segundo pós-guerra e suas

contundentes conseqüências [...]425

Já foram identificados pela doutrina cinco direitos de

terceira geração: direito ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, à

propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade, à comunicação, os

direitos dos consumidores, de determinados grupos de pessoas mais

vulneráveis (criança, idoso, deficiente físico, etc) e outros podem estar

surgindo ou vir a surgir devido à expansão universalista dos direitos

fundamentais. "Este é um processo sem fim".426

Os direitos individuais passaram a ser vistos não mais

como valores absolutos, mas foi-lhe reconhecida uma função social. Sobre

a terceira geração de direitos, Bobbio , leciona como se tratando de direitos

423 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais , p. 57. 424 STF- Pleno – MS 22164 SP – Rel. Min. Celso de Mello, Diário da Justiça, Seção I, 17 de

novembro de 1995, p. 39. 425 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais , p. 54. 426 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional , p. 2.

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cujos sujeitos não são os indivíduos, mas sim, os grupos de indivíduos,

grupos humanos como a família, o povo, a nação e a própria

humanidade.427

Atuando como direitos de caráter preponderantemente defensivo, poderiam enquadrar-se, na verdade, na categoria dos direitos da primeira dimensão, evidenciando assim a permanente atualidade dos direitos de liberdade, ainda que com nova roupagem e adaptados às exigências do homem contemporâneo. 428

Bonavides 429, já reconhece a existência de direitos de

quarta geração, que decorreria da atual globalização econômica e política,

tais como a democracia, o direito à informação e ao pluralismo.

Os ditos direitos de quarta dimensão, que se referem à

informática e à manipulação genética lato sensu, ou biodireito, encontram-

se todavia em estágio ainda embrionário, quando analisados sob o prisma

do constitucionalismo contemporâneo.430

Há autores431 que já falam em direitos de quinta

geração, como aqueles a serem desenvolvidos e articulados para suprir o

sentimento de carência do ser humano quanto aos sentimentos de amor e

cuidado, e como forma de impedir a tirania dos preconceitos com raças ou

padrões reputados inferiores ou fisicamente imperfeitos.432

No que se refere à terminologia, o vocábulo ‘dimensão’

substitui, com vantagem lógica e qualitativa, o termo ‘geração’, caso este

último venha a induzir apenas sucessão cronológica e, portanto, suposta

caducidade dos direitos das gerações antecedentes, o que não é

427 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos , p. 13. 428 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais , p. 55. 429 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 8.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo:

Malheiros Editores, 1999. 430 CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do Direito Constitucional , p. 164. 431 LAING, LEBECH, MARZOUKI e TEHRARIAN. 432 SAMPAIO, José Adércio Leite. Direitos Fundamentais: Retórica e Historicidade, p. 302.

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verdade.433

Falar em “dimensões” é melhor do que “gerações” de

direitos fundamentais, tendo em vista as gerações anteriores não

desaparecem com o surgimento das mais novas.

É que os direitos gestados numa geração ganham outra

dimensão com o surgimento de uma geração sucessiva. Dessa forma,

temos que o direito individual de propriedade, num contexto em que se

reconhece a segunda dimensão dos direitos fundamentais, só pode ser

exercido observando-se sua função social, e com o aparecimento da

terceira dimensão, observando-se igualmente sua função ambiental.434

O reconhecimento progressivo de novos direitos fundamentais tem o caráter de um processo cumulativo, de complementaridade, e não de alternância, de tal sorte que o uso da expressão ‘gerações’ pode ensejar a falsa impressão da substituição gradativa de uma geração por outra, razão pela qual há quem prefira o termo ‘dimensões’ dos direitos fundamentais [...] 435

O estudo pode ainda ser feito em dimensões (analítica,

empírica e normativa) de acordo com a doutrina de Guerra Filho436:

A dimensão analítica, donde se tem um

aperfeiçoamento conceitual a ser utilizado na investigação, num trabalho de

diferenciação entre as várias figuras e institutos jurídicos localizados em

nossa área de estudo.

Na dimensão denominada empírica, toma-se como

instrumento de estudo, amostras palpáveis do direito, ou seja, como

determinadas manifestações concretas do direito, tal como se apresentam

nas leis, normas do gênero e principalmente na jurisprudência.

433 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional , p. 525. 434 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo Constitucional e Direitos Fundamentais , p. 40. 435 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais , p. 50. 436 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo Constitucional e Direitos Fundamentais , p. 98.

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Por fim, a dimensão normativa é aquela manifestação

de poder, apoiada em um saber, com o compromisso de complementar e

ampliar, de modo compatível com suas matrizes ideológicas, a ordem

jurídica estudada.

Considerando a maneira como os direitos fundamentais

nasceram, bem como os valores que busca garantir, eles podem ser

analisados sob várias óticas e deles serem extraídas algumas

características que lhe são comuns: historicidade, universalidade,

relatividade e irrenunciabilidade437.

Com base na sua definição, os direitos fundamentais se

distinguem dos demais pelas características de universalidade,

generalidade e abstração, indisponibilidade e inalienabilidade.438

Os direitos fundamentais não podem ser tidos como

absolutos, de aplicação ilimitada, uma vez que ao exercitá-los um deles

poderá conflitar com outro.

Os direitos e garantias fundamentais consagrados pela

Constituição Federal, portanto, não são ilimitados, uma vez que encontram

seus limites nos demais direitos igualmente consagrados pela Carta Magna

(Princípio da relatividade ou convivência das liberdades públicas).439

A própria Declaração dos Direitos Humanos das nações Unidas440, em seu artigo 29, assevera que toda pessoa tem deveres com a comunidade, posto que somente nela pode-se desenvolver livre e plenamente sua personalidade. No exercício de seus direitos e no desfrute de suas liberdades, todas as pessoas estarão sujeitas às limitações estabelecidas pela lei, com a única finalidade de

437 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo , p.185. 438 FERRAJOLI, Luigi. Los Fundamentos de Los Derechos Fundamentales . In Los

Fundamentos de Los Derechos Fundamentales, p. 292. 439 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Co nstitucional ,

p. 169. 440 Adotada e proclamada pela resolução 217 A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas em

10 de dezembro de 1948.

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assegurar o respeito dos direitos e liberdades dos demais, e de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática [...]441

Como já explicitado, os direitos fundamentais não são

apenas direitos individuais contra abusos estatais, mas elementos

fundantes da ordem democrática, portanto é compreensível que não

estejam à disposição de seus titulares.442

Decorre então que, no Brasil, sob teoria democrático-

funcional dos direito fundamentais, os destinatários desses direitos não

podem a eles renunciar, apesar de ter a faculdade de escolher o momento

de exercê-los.

Essa posição encontra resistência nos adeptos à teoria

liberal acerca dos direitos fundamentais, para os quais sendo esses direitos

conquistados para garantir a ingerência estatal em esferas estritamente

individuais, nada mais coerente do que aceitar a liberdade de não exercitá-

los.443

Atualmente, se procura desenvolver a superação do

restrito âmbito dos Estados nacionais e o seu reconhecimento e proteção

na esfera do Direito das Gentes. Segundo Bonavides, os direitos

fundamentais já não estão mais nas mãos dos indivíduos, e esses direitos

ganham um sentido novo de globalidade, de universalidade, em que não é

o Estado isolado que irá assegurá-los mas uma comunidade de Estados ou

toda a comunidade de Estados. 444

A proteção aos direitos fundamentais não pode ficar

reduzida apenas à jurisdição doméstica de cada Estado porque o tema é de

441 Declaração dos Direitos Humanos das nações Unidas , artigo 29 442 SILVA, Virgílio Afonso da. A Constitucionalização do Direito : os direitos fundamentais nas

relações entre particulares, p. 129. 443 SILVA, Virgílio Afonso da. A Constitucionalização do Direito : os direitos fundamentais nas

relações entre particulares, p. 128-129. 444 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional , p. 521.

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interesse internacional. Para Piovesan,445 essa visão traz como

conseqüências: o enfraquecimento da noção de soberania do Estado e o

amadurecimento da idéia de que o indivíduo, na condição de sujeito de

Direito, deve tê-los protegidos na esfera internacional.

Certo é que, após a Segunda Guerra Mundial, sentindo

a necessidade de estreitar os laços de solidariedade internacional e de se

criarem mecanismos internacionais garantidores dos direitos fundamentais,

foram afirmados pela Declaração dos Direitos do Homem, em 1948, os

direitos individuais, sociais e políticos, ficando reconhecida, assim, uma

nova ordem social.

Essa nova ordem vai refletir também no direito

fundamental de propriedade, relativizando-o frente aos anseios de

solidariedade mundial.

3.4 A PROPRIEDADE COMO DIREITO FUNDAMENTAL

Atualmente, se entende a propriedade como um

instituto cujo conteúdo quem determina é o direito positivo, é um complexo

de normas jurídicas de direito privado e de direito público.

A propriedade contemporânea se encontra arrimada em dois princípios jurídicos que conduzem à sua compreensão como faculdade do sujeito ativo de exigir a abstenção dos sujeitos passivos na ingerência da coisa, para possibilitar suas faculdades reais na mesma, bem como do dever desse sujeito, agora na condição passiva do adimplemento, volver o domínio em prol do coletivo, funcionalizando-o, de modo que o bem atenda o fim

445 PIOVESAN, Flávia. A Constituição brasileira de 1988 e os tratados int ernacionais de

proteção dos direitos humanos. Revista da AJURIS, p. 02.

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social que lhe é destinado.446

As normas de Direito Privado sobre a propriedade hão

que ser compreendidas em conformidade com a disciplina que a

Constituição lhe impõe. 447

O Direito de propriedade, assegurado pela Carta Magna

em seu artigo 5º, está estabelecido como norma positiva de nível

fundamental, contudo, sua dimensão deve ser proporcionalizada, não

podendo superar o interesse público.448

O direito à propriedade trata-se de um direito

constitucional visto com a mesma relevância do direito à vida, pois ambos

estão disciplinados no mesmo Título “Dos direitos e garantias

fundamentais”. Porém, diferentemente do que acontece com o Direito a

vida que não há óbice para seu exercício, o Direito à propriedade, tem seu

exercício condicionado à função social, ou seja a ordem jurídica confere ao

“proprietário” um poder que deve conjugar seu próprio interesse, o do

Estado e o da sociedade.

O respeito aos deveres fundamentais, ligados à

propriedade privada, são objeto de uma política pública, que está

implicitamente determinada quando a Constituição declara(em seu artigo

3º) como objetivos fundamentais do Estado brasileiro, a construção de uma

sociedade livre, justa e solidária, a promoção do desenvolvimento nacional,

bem como a erradicação da pobreza e da marginalização, com a redução

das desigualdades sociais e regionais.

Os instrumento clássico para a realização da política de

redistribuição de propriedades não representa o sacrifício de um direito

446 ARONNE, Ricardo. Propriedade e Domínio: Reexame Sistemático das Noções Nucleares de

Direitos Reais, p. 182. 447 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo , p.265. 448 KICH, Bruno Canísio. A Propriedade na Ordem Jurídica Econômica e Ideológ ica , p. 43.

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individual, constitui, na verdade, a imputação de sanção, pelo

descumprimento do dever, a que todo proprietário tem, de dar aos bens

uma destinação social.

Abarcada a propriedade por esse âmbito, não se faz necessária a abstração ficcional de criação de contradireitos, para dar limites externos à propriedade, porque os limites passam ao seu interior, não sendo a mesma absoluta de modo algum, e tais limites vinculam materialmente o proprietário, configurando-se como obrigações, quando extraído o domínio de seu interior.449

Aquele que não cumpre a função social da propriedade,

que é um dever social do proprietário, perde suas garantias, pois está

impedindo o acesso a um direito fundamental do outro.

O sentido de poder exclusivo e absoluto, que se exerce

sobre determinada coisa, em caráter permanente, não se mostra arbitrário

e infinito; vai até onde não impeça a natural limitação, imposta pela

concorrência de outro direito igual ou superior a ele.450

Então, toda propriedade privada constitui um direito

fundamental do ser humano e por esta razão necessita de proteção

constitucional, ou seja a não utilização racional do direito fundamental da

propriedade gera um descumprimento do dever fundamental da função

social que deve ser cumprido, e causa dano aos direitos humanos do

próximo.

Ao mesmo tempo em que a propriedade prevê prestações jurídicas negativas por parte de todos os não proprietários, há em seu bojo, obrigações positivas, as quais tem como sujeito passivo o proprietário.[...] São obrigações de fazer que decorrem do princípio da função social, cuja abstenção do proprietário caracteriza inadimplemento podendo levar ao extremo da perda do bem da vida. Tais deveres não admitiriam jamais um rol exaustivo, eis decorrentes de uma norma de conteúdo aberto, que

449 ARONNE, Ricardo. Propriedade e Domínio: Reexame Sistemático das Noções Nucleares de

Direitos Reais, p. 181. 450 DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário Jurídico, v ol. III, p. 477.

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informa a conduta proprietária [...] 451

Cada um deve ter os bens não apenas como próprios,

mas como comuns, isto é, a propriedade privada não é ilimitada, mas deve

ter, em benefício comum, uma função social.452

O conteúdo a ser dado ao direito será definido com

base no contexto humano atual, embasado numa ética do bem em

benefício de todos, dando-se dessa forma um conteúdo específico ao

direito. Este conteúdo está presente na proteção integral do e garantia dos

direitos fundamentais, garantindo em último plano a dignidade do ser

humano.

Neste ponto, verifica-se o comprometimento do Estado

e da Sociedade em restabelecer um pacto renovado de compromissos de

preservação e plena realização da dignidade da pessoa humana, com base

em normas de conteúdo material que visam diminuir desigualdades e

reduzir conflitos.

[...] a dignidade da pessoa humana constitui um valor que atraia a realização dos direitos fundamentais do homem, em todas as suas dimensões, e, como a democracia é o único regime político capaz de propiciar a efetividade desses direitos, o que significa dignificar o homem, é ela que se revela como o seu valor supremo, o valor que a dimensiona e humaniza.453

Por ser um valor universal, a dignidade da pessoa

humana não depende do tipo de sociedade, de ideologia, de organização

político-social, devendo ser sempre preservada e permitindo uma

convivência social baseada no respeito e inclusão social.

451 ARONNE, Ricardo. Propriedade e Domínio: Reexame Sistemático das Noções Nucleares de

Direitos Reais, p. 180-181. 452 MOREIRA, Aroldo. A propriedade sob diferentes conceitos , p.81. 453 SILVA, José Afonso da. "A dignidade da pessoa humana como valor supremo da

democracia" . Revista de Direito Administrativo, vol. 212, p. 46.

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Fundamental na preservação da dignidade da pessoa

humana é a realização plena da igualdade em sentido material, ou seja,

proporcionar a igualdade de oportunidades para que todos os seres

humanos possam se desenvolver de forma harmônica e coerente.

Não basta, porém, a liberdade formalmente reconhecida, pois a dignidade da pessoa humana, como fundamento do Estado Democrático de Direito, reclama condições mínimas de existência, existência digna conforme os ditames da justiça social como fim da ordem econômica. É de lembrar que constitui um desrespeito à dignidade da pessoa humana um sistema de profundas desigualdades, uma ordem econômica em que inumeráveis homens e mulheres são torturados pela fome, inúmeras crianças vivem na inanição, a ponto de milhares delas morrerem em tenra idade.454

A realização efetiva dos direitos fundamentais será uma

inesgotável tarefa a cumprir, um constante processo da democracia, um

estímulo ao envide de esforços; por mais que se avance no asseguramento

dos direitos fundamentais, haverá um novo estádio a galgar, rumo à

excelência.455

Inobstante todo este progresso técnico-científico, o

homem não evolui tanto no aspecto humanístico, em especial na esfera da

ética e no plano espiritual. O homem ainda tem muito do egoísmo primitivo,

não sendo muitas vezes guiado por um padrão mental de harmonia social

mais elevado.

Tratando da natureza jurídica da propriedade, Silva

afirma que o regime jurídico da propriedade tem o seu fundamento na

Constituição, não podendo mais ser considerada uma instituição de Direito

Privado nem um direito individual. Entende que deveria ser prevista apenas

454 SILVA, José Afonso da. A dignidade da pessoa humana como valor supremo da

democracia . Revista de Direito Administrativo, vol. 212, p. 93. 455 ROTHENBURG, Walter Claudius. Direitos fundamentais e suas características . Revista de

Direito Constitucional e Internacional, ano: 8, n. 30, p. 151.

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como uma instituição da ordem econômica.456

Britto discorda do entendimento de que o regime

jurídico da propriedade, em sendo constitucional, não mais possa ser

considerado um direito individual, pois, o perfil constitucional da

propriedade é o individualista e não solidarista.457

O Texto Constitucional, ao dar independência à proteção da propriedade, tornando-a objeto de um inciso próprio e exclusivo, deixa claro que a propriedade é assegurada por si mesma, erigindo-se uma das opções fundamentais do Texto Constitucional, que assim repete modalidades outras de resolução da questão dominial como, por exemplo, a coletivização estatal.458

Decorre deste entendimento que a propriedade é

assegurada por si mesma, que a função social seria como uma restrição ao

direito fundamental de propriedade.

Mas esta concepção de direito fundamental como

proposições prima facie (chamada teoria externa) sugere a existência de

duas coisas – o direto e a restrição – e esta relação é criada apenas por

uma necessidade externa ao direito, para compatibilizar direitos individuais

e bens coletivos.459

Mas este entendimento não é aceito por muitos autores

que alegam que a função social está ligada ao próprio conceito de

propriedade, que esta sem aquele limite não é garantida pela Carta

Constitucional.

O Direito Civil resta constitucionalizado, “publicizado”,

por se alimentar de valores que fogem de sua regulação e o imbricam em

456 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo , p. 287. 457 BRITTO, Carlos Ayres. Direito de Propriedade : o novo e sempre velho perfil constitucional da

propriedade in Revista de Direito Público, ano 22, p.44-51. 458 BASTOS, Celso Ribeiro & MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil , v.

I, p.124. 459 ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales , p. 268.

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128

um sentido de coletividade e cidadania, classicamente inconcebíveis na

espécie.460

O processo de publicização do Direito Privado, trouxe

uma nova concepção aos direitos fundamentais, que não podem mais

atender de forma plena as liberdades individuais, senão interligando-as às

liberdades sociais.

Os Direitos Fundamentais exerciam preponderantemente funções limitativas (o exercício da liberdade individual só é limitado pelo exercício da liberdade de outro). Hoje, seu maior papel está em ações constitutivas operadas tanto pelo Estado como pelos agentes privados. Esta compreensão nova e inovadora dos Direitos Fundamentais está pautada numa premissa essencial que é a de que liberdades individuais são indissociáveis das liberdades sociais ou coletivas. A realização do indivíduo não é passível de ser alcançada sem a concreta difusão das liberdades pela sociedade como um todo. 461

A teoria interna462, que trata do direito fundamental como

concepção definitiva, sugere a impossibilidade de restrição à estes direitos,

pois eles já apresentam os limites em seu conteúdo.

É necessário salientar, que a garantia do Direito

Fundamental deve se dar em consonância com a delimitação imposta em

determinado sistema jurídico, no caso brasileiro da propriedade, o limite

está na sua função social, não fosse assim, ter-se-ia um direito absoluto

difícil de ser garantido em toda sua extensão.463

Para Friedrich Klein, de acordo com as leis da lógica

pura não pode existir uma relação de restrição às disposições

460 ARONNE, Ricardo. Propriedade e Domínio: Reexame Sistemático das Noções Nucleares de

Direitos Reais, p. 165. 461 DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico , p. 220-221. 462 ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales , p. 269. 463 KICH, Bruno Canísio. A propriedade na Ordem Jurídica Econômica e Ideológ ica , p. 123.

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fundamentais.464

No entender de Schmitt todos os direitos fundamentais

autênticos são direitos fundamentais absolutos. A propriedade teria sido

relativizada pela limitação de seu conteúdo em virtude da função social, não

podendo ser considerada como um direito fundamental, mas uma garantia

constitucional.465

A distinção entre direitos e garantias fundamentais, no direito brasileiro, remonta a Rui Barbosa, ao separar as disposições meramente declaratórias, que são as que imprimem existência legal aos direitos reconhecidos, e as disposições assecuratórias, que são as que, em defesa dos direitos, limitam o poder. Aquelas instituem os direitos; estas, as garantias; ocorrendo não raro juntar-se, na mesma disposição constitucional, ou legal, a fixação da garantia com a declaração do direito.466

A garantia constitucional é uma garantia que disciplina e

tutela o exercício dos direitos fundamentais, ao mesmo tempo que rege

com proteção adequada, nos limites da Constituição, o funcionamento de

todas as instituições existentes no Estado.467

Tem como função, dar proteção efetiva e concreta ao direito, abstrata e legalmente reconhecido. As garantias jurisdicionais das normas jurídicas são meios práticos ou remédios que o Estado prepara e utiliza, por iniciativa própria ou por provocação dos particulares, contra a inobservância do direito objetivo. Desse modo, as garantias processuais, inerentes à atuação da jurisdição operam nas relações humanas para, prescindindo da vontade do obrigado, conseguir o mesmo resultado prático (ou um resultado equivalente que se teria obtido caso a norma jurídica tivesse sido observada voluntariamente.468

Conceitualmente, as garantias são meios de proteção

oferecidos ao indivíduo, frente a outros indivíduos e frente ao legislador e

464 Apud ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales , p. 268. 465 SCHMITT, Carl. Teoria de la Constitución, p. 171-176. 466 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional , p. 61. 467 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional , p. 493-503. 468 CAMBI, Eduardo. Direito Constitucional à Prova no Processo Civil , v.3, p. 94.

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terceiros, para quando haja violação de seus direitos. Não são nítidas,

porém, as linhas divisórias entre direitos e garantias fundamentais.

Outros autores como Canotilho, entendem que as

clássicas garantias são também direitos do cidadão, para exigir dos

poderes públicos a proteção de seus direitos.469

Sendo as garantias próprios direitos, ressalta-se que há

compatibilidade entre relativização e direitos fundamentais, conforme já

apresentado.

Atualmente, o direito individual não pode mais ser

considerado isolado ou desvinculado do interesse público, é apenas um

instrumento para a realização do bem-estar coletivo.

Assim sendo, as liberdades individuais possuem limites internos, que respeitam a justa dimensão operacional do bem juridicamente protegido, ou dos valores da dignidade humana que os mesmos representam. Sujeitam-se, além disso, a limites externos, que advêm da necessidade lógica do sistema constitucional de garantir, em perspectiva global, a realização simultânea da grande série de direitos e correspondentes valores por ela patrocinados (a exemplo da ordem pública, da moral social, da privacidade, da autoridade do Estado e etc.), cuja conciliação pode ensejar, e não raro enseja, conflito prático entre valores ou colisões de direitos igualmente fundamentais.470

Os direitos fundamentais não só asseguram situações

de indivíduos particulares mas também servem para definir os valores e fins

da estrutura política constitucional. Tem, assim, os direitos fundamentais

uma finalidade individual e uma finalidade coletiva. 471

O Estado, e os homens que o compõe, deve ter como

objetivo o bem comum, jamais sacrificando os direitos considerados

469 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional , p. 520. 470 CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. A Constituição Aberta e os Direitos Fundamentais :

ensaios sobre o constitucionalismo pós-moderno e comunitário, p. 65. 471 CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do Direito Constitucional , p.156.

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fundamentais ao ser humano.

Os direitos fundamentais nascem para reduzir a ação

do Estado aos limites impostos pela Constituição, sem contudo

desconhecerem a subordinação do individuo ao Estado,como garantia que

de que eles operem dentro dos limites impostos pelo direito. 472

Com efeito, diante dessa subordinação dos interesses

privados frente aos interesses da coletividade, representada pelo Estado,

não se pode mais conceber o direito privado como um feudo, dentro do qual

reina a vontade absoluta de seu senhor.473

Não raro, alguns interesses econômicos globalizantes,

impactam os Direitos Fundamentais, e segundo o Garantismo a

consistência desses direitos deve ser assegurada pela vinculação dos três

poderes do Estado à este Direitos.

En esta sujeción del juez a la Constitución, y, en consecuencia, en su papel de garante de los derechos fundamentales constitucionalmente establecidos, está el principal fundamento actual de la legitimación de la jursidicción y de la independencia del poder judicial de los demás poderes, legislativo y ejecutivo, aunque sean – o pricisamente porque son – poderes de mayória. Precisamente porque los derechos fundamentales sobre los que se asienta la democracia sustancial están garantizados a todos y a cada uno de manera incondicionada, incluso contra la mayoría(...)474

Para a noção da propriedade com justa distribuição de

benefícios e encargos garantindo uma cooperação social, o proprietário da

472 LAVIÉ, Quiroga. Derecho Constitucional , p. 123. 473 LUDWIG, Marcos de Campos. Direito Público e Direito Privado: A Superação da D icotomia

in Reconstrução do direito Privado, p. 99. 474 FERRAJOLI, Luigi. Derechos y Garantias , p.26. “Nesta sujeição do juiz à Constituição, e, em

conseqüência, no seu papel de garantidor dos direitos fundamentais constitucionalmente estabelecido, está o principal fundamento atual da legitimação da jurisdição e da independência do poder judicial dos demais poderes, legislativo e executivo, que seriam – ou precisamente porque são - poderes de maioria. Precisamente porque os direitos fundamentais sobre os quais se assenta a democracia substancial estão garantidos a todos e a cada um de maneira incondicionada, inclusive contra a maioria (...)”

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terra que não lhe der ocupação para produção e destino econômico, estará

com sua conduta deixando de produzir bens necessários ao abastecimento

da comunidade. 475

O equilíbrio das forças sociais é resultado da constante harmonia entre direitos opostos. Em benefício do bem comum não prevalece nunca o interesse que consubstancia direito exclusivo, egoístico e particular (...) A comunhão social não seria possível sem a obrigação individual de sacrificar interesse privado em favor de interesse comum.476

Diante do exposto, poder-se-ia traçar uma analogia

entre a soberania dos Estados contemporâneos vinculada aos Tratados

internacionais, e a Propriedade condicionada à Função Social, ambas

submetidas aos direitos humanos.477

Toda essa argumentação não invalida, antes convalida,

a regra geral da propriedade privada. Diante do equilíbrio de interesses, é

conferida ao proprietário a garantia de inviolabilidade da propriedade

privada, quando este satisfaz os superiores interesses coletivos, inspirados

no mais alto sentido social.478

Esta nova concepção socializante da propriedade, não

quer exprimir o sentido empregado pelo Marxismo, que visava a

substituição do proprietário particular pelo Estado (estatização).

Em geral, as Constituições – inclusive no

constitucionalismo social – reconhecem expressamente o Direito de

Propriedade, que pode estar limitado, mas não radicalmente suprimido. 479

A propriedade individual pode e deve subsistir como

regra ao lado de bens diretamente administrados pelo Estado, isto é, na

475 KICH, Bruno Canísio. A propriedade na Ordem Jurídica Econômica e Ideológ ica , p. 115. 476 MOREIRA, Aroldo. A propriedade sob diferentes conceitos , p. 83-84. 477 KICH, Bruno Canísio. A propriedade na Ordem Jurídica Econômica e Ideológ ica , p. 116. 478 MOREIRA, Aroldo. A propriedade sob diferentes conceitos , p. 85. 479 CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do Direito Constitucional , p.208.

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compreensão solidária dos respectivos valores.480

A disponibilidade total sobre o bem, ou sua acumulação

para estoque de algumas pessoas, esbarra na necessidade do uso das

coisas em favor da comunidade.

A mesma teoria jurídica que protege e garante um valor

tem a obrigação de atribuir a delimitação desta garantia para que possa,

proteger e garantir os valores dos demais indivíduos que compõem a

população de seu território481.

Ademais, sendo assegurado o direito de uso e fruição

da coisa através da proteção da propriedade, e havendo inércia por parte

de seu titular, deixa de ser lógica a garantia da propriedade por quem a

abandonou enquanto outros a necessitam para subsistência.

O proprietário não pode negligenciar o bem da vida que

possui, sem aproveitá-lo razoavelmente, abandonando-o, sob pena de ter a

propriedade perdida por dominus negligente, mediante intervenção

estatal.482

Portanto, não é possível a defesa do direito subjetivo da

propriedade, previsto em lei sem considerar a sua legitimidade, derivada

do consenso da representatividade da comunidade onde se devem aplicar

as normas que dizem as liberdades e direitos subjetivos. 483

Em conclusão, o espírito humano vive em perpétuo

examinar-se, nada é definitivo no mundo, as próprias palavras que

exprimem conceitos de maior relevância assumem sentidos muito

480 MOREIRA, Aroldo. A propriedade sob diferentes conceitos , p. 84. 481 KICH, Bruno Canísio. A propriedade na Ordem Jurídica Econômica e Ideológ ica , p. 43. 482 ARONNE, Ricardo. Propriedade e Domínio: Reexame Sistemático das Noções Nucleares de

Direitos Reais, p. 181-182. 483 KICH, Bruno Canísio. A Propriedade na Ordem Jurídica Econômica e Ideológ ica , p. 189.

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diferentes, conforme as diversas ideologias.484

E a evolução jurídica do liberalismo em busca de justiça

social, se faz necessária diante da perda de contato do mundo jurídico com

o mundo social.

À medida que se desce às particularidades da vida social e aos preceitos secundários (...) a universalidade deixa de ser tão ampla, surgem as exceções mais freqüentemente, a limitação dos direitos ocorre ante circunstâncias que a justificam (...) O direito de propriedade é limitado por exigências do bem comum e imperativos de justiça social.485

A função social de um direito subjetivo é que organiza e

legitima as relações de dominação.Nessa transformação de mentalidade,

certas posições tradicionais urgem revista, colocando-as em harmonia com

os valores emergentes.

Os direitos subjetivos perderam o cunho nitidamente

egoísta que os caracterizava; limitações mais ou menos extensas lhes

foram impostas em nome do interesse coletivo, da ordem pública, dos bons

costumes.486

O interesse comum deve prevalecer por ter como

componente da sua harmonização o interesse individual de cada um dos

membros da comunidade.

Deflagra-se, em verdade, uma ruptura significativa de

uma situação historicamente sedimentada, isto é, conceituação

individualista, para adotar-se outra dominantemente socialista, produzindo

até certo ponto uma fratura no campo ideológico do sistema jurídico,

484 MOREIRA, Aroldo. A propriedade sob diferentes conceitos , p. 87. 485 MOREIRA, Aroldo. A propriedade sob diferentes conceitos , p. 89. 486 LUNA, Everardo da Cunha. Abuso de Direito , p. 39.

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levando praticamente à sucumbência o individualismo tradicional.487

O direito individual não pode ser exercido ou mesmo

concebido em prejuízo da coletividade. O pluralismo suplanta o

individualismo, axiologicamente considerado.488

O objetivo da sociedade, em sua trajetória e em todas as épocas, tem como pilar e perspectiva a medida possível de conceder felicidade e bem-estar às criaturas humanas, por via das instituições e dos remanejamentos políticos, econômicos e sociais, como por meio da lei e de sua aplicação. Tudo sempre repensado sincreticamente em razão das prerrogativas do homem, sob a égide do Direito voltado para a defesa e decantação dos objetivos superiores da justiça, da paz e do bem comum, aureolados segundo um imperativo ético.489

A função social da propriedade, não extingue com

característica de fundamental do direito de propriedade, apenas contribui,

na medida que se cada um puder apenas se apropriar dos bens que

consegue empregar destinação útil, haverá mais possibilidade de que

outros a conquistem e tenham assegurado seu direito fundamental de

propriedade, de vida, de trabalho e de dignidade.

3.5 A PROPRIEDADE INTELECTUAL COMO DIREITO FUNDAMEN TAL

A Constituição brasileira garante a propriedade em nível

de direito fundamental, transportando para o campo da propriedade

imaterial, o legislador constitucional também preconizou sua proteção,

dentro do capítulo dos direitos fundamentais.

Art. 5°, XXVII – aos autores pertence o direito ex clusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível

487 MOREIRA, Aroldo. A propriedade sob diferentes conceitos , p. 90. 488 ARONNE, Ricardo. Propriedade e Domínio: Reexame Sistemático das Noções Nucleares de

Direitos Reais, p. 41. 489 MOREIRA, Aroldo. A propriedade sob diferentes conceitos , p. 100.

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aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar;

XXVIII – são assegurados, nos termos da lei: a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas; o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras que criarem ou de que participarem aos criadores, aos intérpretes e às respectivas representações sindicais e associativas;

XXIX - a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País;

Porém, numa análise do direito de propriedade

intelectual na Constituição, verifica-se que a norma pertenceria mais ao

campo da ordem econômica do que, propriamente, do campo dos Direitos e

Garantias Fundamentais do Homem.

Com efeito, tem-se que não há direito natural aos bens

intelectuais490, sendo garantidos apenas o que expressamente tem proteção

mediante as leis de propriedade intelectual, o que permanece fora do

escopo específico da proteção fica no domínio comum da humanidade.491

Quanto à inexistência de um direito natural egoístico e

exclusivo às criações intelectuais é de que o elemento de partida da criação

intelectual é sempre o repositório precedente, cultural e técnico, da

humanidade.492

A criação intelectual nunca é um labor egoísta, ela é

sempre relativa, pois envolve diversos agentes da sociedade. Portanto, a

tutela das criações encontra limites nas demais liberdades e garantias

constitucionais.

490 BARBOSA, Denis Borges. Uma Introdução à Propriedade Intelectual , p. 88. 491 GAMA CERQUEIRA, João da. Tratado de Propriedade Industrial , p. 379. 492 BARBOSA, Denis Borges. Uma Introdução à Propriedade Intelectual , p. 92.

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A regulamentação positiva dos resultados da atividade

do intelecto resultou sempre de uma escolha e freqüentemente de um

compromisso entre duas exigências contrastantes: o interesse da

coletividade em utilizar livre e imediatamente o resultado, e o interesse do

autor em reservar para si o emprego econômico, ou ao menos em retirar

proveito do aproveitamento alheio.493

Do reconhecimento constitucional da propriedade

intelectual como direito fundamental não se pode concluir que ela deva ser

assim considerada na análise do caso concreto. Pois os direitos

fundamentais protegem a dignidade da pessoa humana e representam a

contraposição da justiça ao poder de forma a garantir a liberdade

humana.494

Provavelmente haveria alguma razão para listar entre

os direitos fundamentais o estrato moral dos direitos autorais e de

propriedade industrial [...] quanto ao aspecto patrimonial de tais direitos, ou

se adota a posição de que não tem natureza de direito fundamental ou que

estariam corretamente vinculados ao artigo 5°, mas integralmente

submetidos às limitações das propriedades em geral – especialmente a do

uso social [...]495

As disposições acerca da propriedade intelectual têm

antes o aspecto de comando constitucional dirigido ao legislador ordinário –

reprise-se: ‘a lei assegurará...’ – e não propriamente um reconhecimento

automático de um direito fundamental do autor intelectual.496

O direito aos bens intelectuais é dado de acordo com a

vontade e conveniência da sociedade, [...] é um movimento de política, e 493 CHAVES, Antonio. Direito de Autor , vol.I – Princípios Fundamentais, p. 8-9. 494 COMPARATO, Fábio Konder. Direitos e deveres fundamentais em matéria de propr iedade .

Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, n. 7, p. 73-88. 495 BARBOSA, Denis Borges. Uma Introdução à Propriedade Intelectual , p. 92. 496 FURTADO, Lucas Rocha. Sistema de Propriedade Industrial no Direito Brasil eiro , p. 83.

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política econômica mais do que tudo, e não um reconhecimento de um

estatuto fundamental do homem.497

O dispositivo que define e assegura a propriedade

intelectual está entre os direitos individuais, sem razão plausível para isso,

pois evidentemente não tem natureza de direito fundamental do homem.

Caberia entre as normas da ordem econômica.498

Destarte, a CRFB não só indica a tutela dos direitos

subjetivos, interesses individuais, à produção autoral, mas também aponta

para a existência de interesses coletivos ou societários no mesmo âmbito

temático, cometendo ao Estado o dever de garantir o acesso a tais objetos

culturais. Tais como os dispositivos:

Art. 215 – O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.

(...)

Art. 216 – Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:

I – as formas de expressão;

II – os modos de criar, fazer e viver;

III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas;

IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;

V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

497 BARBOSA, Denis Borges. Uma Introdução à Propriedade Intelectual , p. 90. 498 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo , p. 245-246.

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Enquanto aos autores de obras intelectuais de

predominância literária, artística e científica é enfatizado o aspecto privado

desse direito pessoal e exclusivo, como um direito fundamental da pessoa

humana garantida pela carta das Nações Unidas, a proteção aos inventos,

às marcas estará diretamente relacionada ao interesse social e ao

desenvolvimento econômico do país.499

A Ordem Econômica e Financeira no Brasil pugna pelo

princípio da livre concorrência (artigo 170, inciso IV), então visa a proteção

da propriedade intelectual, como forma de garantir a busca de novas

tecnologias e conseqüentemente produzir o desenvolvimento nacional.

Apesar dessa vinculação da propriedade intelectual à

preceitos de ordem econômica e financeira , e de suas limitações frente à

função social, assim como a propriedade lato sensu, a propriedade

intelectual também trata-se de um direito fundamental.

499 ABRÃO, Eliane Y. Direito autoral e propriedade industrial como espéc ies do gênero

propriedade intelectual. Suas relações com os demai s direitos intelectuais. Revista dos Tribunais, v. 739, p. 90.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho teve como objetivo investigar a

propriedade, os aspectos intrínsecos e extrínsecos que afetam o instituto, à

luz da constituição brasileira e, em caráter específico verificar a

abrangência da propriedade intelectual como direito fundamental na

constituição brasileira.

O interesse pelo tema abordado deu-se em razão de

sua atualidade e pela diversidade de modo que o tema vem sendo

abordado no contexto nacional.

A dificuldade na elaboração do trabalho foi mediana em

razão de que muitas das bibliografias utilizadas são por demais antigas em

suas edições, embora atuais quanto ao tema abordado. Colaboraram

substancialmente para a obtenção das obras o acervo da biblioteca da

UNIVALI, a biblioteca do Tribunal de Justiça de Santa Catarina e sua

respectiva página na internet e também a estante operacional do Centro de

Pós-graduação em Direito - CPGD da Universidade Federal de Santa

Catarina.

Para seu desenvolvimento lógico o trabalho foi dividido

em três capítulos.

O primeiro, tratou de abordar a propriedade desde a

antiguidade até os dias atuais, analisando a sua evolução em busca de

legitimidade, os seus fundamentos e seu conceito.

Nele foi apresentada a propriedade, na antiguidade,

como direito divino, era o elo entre a família e a terra, por ser utilizada para

adorar os deuses domésticos, antepassados falecidos, não poderia ser

limitado, renunciável ou alienável.

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Em seguida, analisamos o direito romano, fonte do

direito ocidental, e constatamos a existência de quatro espécies de

propriedade: a quiritária, a bonitária, a provincial e a peregrina.

Porém, o direito de propriedade vai sofrendo evoluções

em busca de sua utilização conforme as razões do direito, respeitando o

direito de vizinhança, servidão e limitações aos poderes do senhor sobre os

escravos.

Com o surgimento do feudalismo, na Idade Média, a

propriedade fundava-se numa unidade de produção chamada feudo, na

qual existia uma cadeia de poderes sobre a terra determinada pela

hierarquia social das pessoas. A propriedade reunia a idéia de poder civil e

poder político, o senhor feudal exercia um tipo de soberania sobre a

propriedade.

Os jusnaturalistas foram responsáveis pela

caracterização da propriedade como um direito individual, por

fundamentaram o direito de propriedade no trabalho da pessoa, que

enquanto força que emana do corpo do indivíduo.

Mas a propriedade privada sofreu reações que

buscavam uma distribuição da justiça social da propriedade, condicionando

a concepção individual da propriedade privada ao interesse social.

Hodiernamente, é essa concepção que subsiste, a idéia

de um direito de propriedade com conteúdo de direitos reais e

obrigacionais, ou seja, o proprietário pode usar, gozar, dispor e reaver

desde que cumpra o ônus de atribuir-lhe uma destinação útil.

Na sociedade contemporânea, há uma crescente

importância do conhecimento e da informação, fazendo surgir a

necessidade de protegê-los, e essa proteção se dá através da garantia da

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propriedade intelectual abrangendo o campo da propriedade industrial e

dos direitos autorais.

O segundo capítulo, foi destinado a tratar do Estado

contemporâneo como garantidor da função social da propriedade,

intervindo através das suas normas de direito público no direito privado.

Iniciou-se apresentando os limites da propriedade e seu

condicionamento a função social da propriedade, como forma de fortalecer

o instituto da propriedade através de seu aperfeiçoamento, também no que

se refere às diversas espécies de propriedades, como a propriedade

intelectual que também deve cumprir uma função social.

Seguiu-se analisando a dicotomia público/privado, que

surgiu na modernidade quando com o advento da Constituição os assuntos

relacionados com o Estado eram de direito público e os restantes eram de

direito privado. Atualmente esta linha divisória não está mais definida, mas

a dicotomia é relevante como método para definir termos conceituais

distintos, porém há um entrelaçamento e interação dos termos na regulação

das relações jurídicas.

Relaciona esta superação da dicotomia com a

constitucionalização do direito privado, que migrou para a Constituição as

bases axiológicas do Direito positivo, e ocasionando uma releitura dos

institutos fundamentais do direito privado, como a propriedade. Essa

revisão dos institutos, através da moldura constitucional, é uma busca de

legitimação de conceitos estanques através da sua inserção na realidade

social.

Para encerrar o segundo capítulo, apresentou-se o

conceito contemporâneo de Estado como um fenômeno político e também

jurídico, que deve comportar-se sob a égide da primazia do humano sobre

a força econômica e, servindo de instrumento para realização do bem estar

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143

comum.

No terceiro e último capítulo, tratou-se das normas

como princípios e regras, para viabilizar o estudo sobre formas de solução

de tensões entre direitos subjetivos divergentes consagrados na

Constituição, como a propriedade e a função social.

De acordo com o exposto a propriedade se relativiza

diretamente por outro princípio jurídico, que é o da função social da

propriedade, e ambos só se hierarquizam axiologicamente perante o caso

concreto, pois não há um princípio que sempre prevaleça.

Dessa forma, discorda-se da doutrina que defende

tratar-se de antinomia jurídica a distinção axiológica entre propriedade

privada e função social da propriedade.

A função social da propriedade privada, prevista

constitucionalmente em nosso ordenamento jurídico, representa um avanço

ideológico-social, determinando que a propriedade deva estar em contínua

mudança para se adaptar e responder às necessidades sociais.

Na doutrina estudada não ficou determinado se a

propriedade ao ter limitações perde sua abrangência como direito

fundamental.

Com efeito, houve a necessidade de estabelecer nesse

trabalho um estudo sobre os direitos fundamentais, desde seu conceito,

suas gerações e sua fundamentação nas teorias juspositivista e

jusnaturalista.

Direitos fundamentais são aqueles necessários para

assegurar a todos uma existência digna, livre e igual. Contudo não são

passíveis de uma concepção definitiva, têm conceito materialmente aberto,

são resultado da confluência de interesses e valores sociais.

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Ao tratar das dimensões dos direitos fundamentais,

verificou-se que a essência dos referidos direitos eram as liberdades

públicas ou direitos individuais, e a elas, posteriormente, se agregaram

direitos econômicos, sociais e os direitos de solidariedade.

Apesar de doutrinadores entenderem que os legítimos

direitos fundamentais não são passíveis de limitação, verificou-se que

esses direitos não podem ser considerados absolutos, de aplicação

ilimitada, uma vez que ao exercitá-los poderá haver conflito entre eles.

O constitucionalismo brasileiro consagra a publicização

dos direitos individuais fundamentais, buscando resguardar valores sociais

intangíveis, sem suprimir poderes particulares, prevalecendo o sentimento

de solidariedade política, econômica e social.

E diante, desta constatação, finalmente encerrou-se o

capítulo apresentando a propriedade intelectual como direito fundamental,

apesar de suas limitações.

Por fim, retomam-se as três hipóteses básicas da

pesquisa: a) foi constatado que hodiernamente a propriedade é um direito

condicionado ao cumprimento de uma função social; b) com relação à

segunda hipótese pode-se afirmar que mesmo com os limites impostos a

propriedade é considerada direito fundamental; c) com relação à terceira

hipótese demonstrou-se que diferentemente do que se entendia

inicialmente, o direito intelectual também podem ser considerado direito

fundamental do indivíduo apesar de estar vinculado à Ordem Econômica e

Financeira.

Com a consciência de não se ter esgotado todos os

âmbitos de análise do tema, pretende-se que o estudo sirva de estímulo a

novas pesquisas e reflexões na área.

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