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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ UNIVALI VICE-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA PROPPEC CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS CEJURPS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA PPCJ CURSO DE MESTRADO ACADÊMICO EM CIÊNCIA JURÍDICA CMCJ ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: FUNDAMENTOS DO DIREITO POSITIVO LIBERDADE RELIGIOSA, ESTADO LAICO E IMUNIDADE TRIBUTÁRIA SERCIO RIBEIRO CATAFESTA Itajaí-SC 2015

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI

VICE-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA – PROPPEC

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS – CEJURPS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA – PPCJ

CURSO DE MESTRADO ACADÊMICO EM CIÊNCIA JURÍDICA – CMCJ

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: FUNDAMENTOS DO DIREITO POSITIVO

LIBERDADE RELIGIOSA, ESTADO LAICO

E IMUNIDADE TRIBUTÁRIA

SERCIO RIBEIRO CATAFESTA

Itajaí-SC

2015

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI

VICE-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA – PROPPEC

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS – CEJURPS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA – PPCJ

CURSO DE MESTRADO ACADÊMICO EM CIÊNCIA JURÍDICA – CMCJ

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: FUNDAMENTOS DO DIREITO POSITIVO

LIBERDADE RELIGIOSA, ESTADO LAICO

E IMUNIDADE TRIBUTÁRIA

SERCIO RIBEIRO CATAFESTA

Dissertação submetida ao Curso de Mestrado

Acadêmico m Ciência Jurídica da Universidade do

Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à

obtenção do grau de Mestre em Ciência Jurídica.

Orientadora: Profa. Dra. Luciene Dal Ri

Coorientadora: Profa. Dra. Alessandra Apª. Souza Silveira

Itajaí-SC

2015

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AGRADECIMENTOS

À Deus pelo dom da Vida repleta de saúde e energia;

Aos Colegas mestrandos pela amizade;

À Diocese de Guarapuava situada no Estado do Paraná - Brasil;

Aos professores e professoras pela boa instrução e sinceras amizades;

Às Instituições de ensino: Univali – Universidade do Vale do Itajaí – Itajaí SC,

Faculdade Guarapuava – Guarapuava – PR e Faculdade Uminho – Braga – Portugal.

Às minhas orientadoras que sempre me indicaram o melhor caminho a seguir.

Aos amigo (as) que me ajudaram, dedicaram-se nas corrieções e formatação.

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DEDICATÓRIA

Dedico ao Supremo Criador, porque, depois Dele, a amizade e os amigos

são os maiores tesouros na face da terra.

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte

ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí,

a Coordenação do Curso de Mestrado em Ciência Jurídica, a Banca Examinadora e

o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Itajaí-SC, 08-09-2015

SERCIO RIBEIRO CATAFESTA

Mestrando

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PÁGINA DE APROVAÇÃO

(A SER ENTREGUE PELA SECRETARIA DO PPCJ/UNIVALI)

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ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ADPF Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental

BILL OF RIGHTS Declaração de Direitos

CC Código Civil

CDFUE Cartas dos Direitos Fundamentais da União Europeia

CEBAS Certificação da Entidade como Beneficente de Assistência

Social

CF Constituição da República

CNAS Conselho Nacional de Assistência Social

CFC Conselho Federal de Contabilidade

CRFB Constituição da República Federativa do Brasil

CNBB Conferência dos Bispos do Brasil

CDC Código de Direito Canônico

CTN Código Tributário Nacional

d.C Depois de Cristo

RF Receita Federal

RFB Receita Federal do Brasil

ICMS Circulação de Mercadorias e Serviços

ITBI Imposto de Transmissão de Bens Imóveis

IPTU Imposto Predial e Territorial Urbano

IRPJ Imposto de Renda de Pessoa Jurídica

ITR Imposto Territorial Rural

ITCMD Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação

IPVA Imposto Propriedade de Veículos Automotores

Lcp Leis de Contravenções Penais

PAC Programa de Aceleração do Crescimento do Governo Federal

ONU Organizações das Nações Unidas

Sped Sistema Público de Escrituração Digital

ECD Escrituração Contábil Digital

STF Supremo Tribunal Federal

TUE Tratado da União Europeia

TPCL Territorial e Predial, de Conservação e Limpeza

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ROL DE CATEGORIAS

Estado Laico:

O Estado Laico surgiu no Brasil com a edição do Decreto nº 119-

A, de 07 de janeiro de 1890. Da lavra do saudoso Rui Barbosa. Brotou oficialmente,

naquele momento, a separação entre a Igreja Católica e o Estado brasileiro,

finalizando o regime do Padroado. De excelis redação, o artigo 1º possui caráter

programático, pronunciando ao legislador infraconstitucional ser defeso legislar

privilegiando alguma religião em primazia a outra.

Imunidade:

O vocábulo imunidade origina do latim immunita, immunitate.

Consistindo em uma palavra que significa negação de múnus, sendo que o prefixo in

traz a idéia de sem encargo, livre de encargos ou munus. Reportando a conclusão de

desobrigação onerosa.

Imunidade tributária:

A imunidade tributária é, assim, a qualidade da situação que não

pode ser atingida pelo tributo, em razão de norma constitucional que, à vista de

alguma especificidade pessoal ou material dessa situação, deixou-a fora do campo

sobre que é autorizada a instituição do tributo.

Inquisição:

A Inquisição na Península Ibérica apresentou aspectos

estritamente ibéricos. Suas intenções foram, durante séculos, imutáveis. O fato de ter

sido um elemento essencial no aparelho do Estado centralizador não exclui o fato de

ter sido um Tribunal da Igreja.

Isenção:

É o favor fiscal concedido por lei, que consiste em dispensar o

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pagamento de um tributo devido; enquanto às IMUNIDADES, afirma que são

limitações da competência, proibições constitucionais e, tambémisenções outorgadas

diretamente da Constituição.

Laicidade:

A laicidade se define como a neutralidade do Estado com

relação à sociedade e as crenças desta. Tal neutralidade não se limita à simples

organização da coexistência das diversas comunidades entre si. Ela significa que o

Estado se recusa de remontar o seu poder a qualquer instância fundamental, que ele

próprio. […] Ao afirmar a laicidade, o Estado instaura o seu poder sobre o vazio e

assim afirma a sua mais alta soberania.

Liberdade:

O vocábulo liberdade vem do latim libertas, de liber (livre),

indicando genericamente, a condição de livre ou estado de livre, significa, no conceito

jurídico, a faculdade ou poder outorgado à pessoa, para que possa agir, segundo sua

própria determinação, respeitadas entanto, as regras legais instituídas.

Liberdade Religiosa:

Na Assembleia das Nações Unidas, que no ano de 2008

comemorou o 60º aniversário da Declaração Universal dos Direitos do Homem, o

Santo Padre Bento XVI quis reafirmar que não se pode limitar a plena garantia da

liberdade religiosa à prática livre de culto; ao contrário, deve ser tida em justa

consideração a dimensão pública da religião e, portanto, a possibilidade dos crentes

de fazer a sua parte na construção da ordem social.

Perseguição religiosa:

Uma expressão que descreve atitudes fundadas nos

preconceitos caracterizadas pela falta de respeito às diferenças de credos religiosos

praticados por terceiros, podendo resultar em atos de discriminações violentas

dirigidas a indivíduos específicos ou em atos de perseguição religiosa, cujo alvo é a

coletividade. Essa perseguição religiosa vem, nas últimas décadas, configurando-se

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em verdadeira batalha espiritual, ameaçando os padrões de uma sociedade

alicerçada na ética, na liberdade, na democracia e na cultura da paz.

Puritanismo:

O movimento surgiu no seio da Igreja na Inglaterra, durante a

perseguição, movida pela Rainha Maria Tudor, ao protestantismo. O puritanismo

baseava-se no conceito do sacerdócio universal dos crentes e opunha-se ao

autoritarismo civil na Igreja. Combateu certos usos e tradições que a Igreja Anglicana

mantinha. Opôs-se à música nos serviços divinos e aos próprios estudos teológicos.

Surgiram diversas tendências no movimento, diferençando-se numa minoria mais

radical e uma maioria moderada. No século XVII, os puritanos, chegaram a dominar o

governo. As questões religiosas, relacionadas com o puritanismo, constituíram

também fator decisivo nas relações anglo-escocesas da época.

Tolerância:

Tolerância em sentido positivo se opõe a intolerância (religiosa,

política, racial), ou seja, à indevida exclusão do diferente. Tolerância em sentido

negativo se opõe a firmeza nos princípios, ou seja, à justa ou devida exclusão de tudo

o que pode causar dano ao indivíduo ou à sociedade. Se as sociedades despóticas

de todos os tempos e de nosso tempo sofrem de falta de tolerância em sentido

positivo, as nossas sociedades democráticas e permissivas sofrem de excesso de

tolerância em sentido negativo, de tolerância no sentido de deixar a coisas como

estão, interferir, de não se escandalizar nem se indignar com mais nada.

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SUMÁRIO

RESUMO ........................................................................................... XIII

ABSTRACT ....................................................................................... XIV

INTRODUÇÃO ................................................................................... 15

CAPÍTULO 1 ...................................................................................... 18

A BUSCA POR UMA LIBERDADE RELIGIOSA ............................... 18

1.1 A PERSEGUIÇÃO RELIGIOSA........................................................................ 18

1.1.1 Perseguição na Antiguidade ....................................................................... 19

1.1.2 Perseguições na Idade Média e Moderna................................................... 22

1.1.3 Perseguições na Idade Contemporânea .................................................... 26

1.2 A TOLERÂNCIA RELIGIOSA........................................................................... 27

1.2.1 A Tolerância: uma Contribuição de John Locke ....................................... 29

1.2.2 Voltaire e seu Empenho Para uma Liberdade Religiosa ........................... 31

1.3 AS REVOLUÇÕES RELIGIOSAS .................................................................... 34

1.3.1 A Revolução Inglesa no Século XVLL ........................................................ 34

1.3.2 A Revolução Puritana de 1640 .................................................................... 34

1.3.3 O Bill of Rights de 1689 ............................................................................... 37

1.3.4 A Revolução Gloriosa de 1688 .................................................................... 38

1.3.5 A Revolução Francesa de 1789 ................................................................... 40

1.4 LIBERDADE RELIGIOSA ................................................................................. 41

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1.4.1 Artigo 17º do Tratado de Lisboa e Liberdade Religiosa na Carta dos

Direitos Fundamentais da União Européia ......................................................... 43

1.4.2 A Liberdade Religiosa no Brasil ................................................................. 49

CAPÍTULO 2 ...................................................................................... 53

RELAÇÕES ENTRE ESTADO E IGREJA ......................................... 53

2.1 GOVERNO TEOCRÁTICO ............................................................................... 53

2.2 ESTADO LAICO ............................................................................................... 54

2.3 FRANÇA - SÉCULO XVI: SEPARATISMO E A ORIGEM DO LAICISMO PARA

O MUNDO ............................................................................................................... 56

2.4 O PRINCÍPIO DE LAICIDADE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DO BRASIL DE

1988. ....................................................................................................................... 59

2.5 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E A LAICIDADE ........................... 65

2.6 BRASIL E A SANTA SÉ: A RELAÇÃO ENTRE A IGREJA CATÓLICA E O

ESTADO BRASILEIRO .......................................................................................... 69

2.6.1 PRINCÍPIO DA AUTONOMIA ........................................................................ 69

2.7 ACORDO BRASIL E SANTA SÉ: SISTEMATIZAÇÃO E ASPECTOS ............ 70

CAPÍTULO 3 ...................................................................................... 75

FATOR JURÍDICO-ECONÔMICO DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA

ENTRE IGREJA E ESTADO .............................................................. 75

3.1 CONCEITO E BREVE HISTÓRICO DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA NO BRASIL

................................................................................................................................ 75

3.1.1 A Imunidade Dos “Templos de Qualquer Culto” nas Constituições

Brasileiras Anteriores a de 1988. ......................................................................... 77

3.1.2 A Imunidade dos “Templos de Qualquer Culto” na Constituição ........... 79

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3.1.4 CEMITERIOS ................................................................................................. 84

3.1.5 Imunidade Tributária: Casa e/ou Lojas, Terrenos Urbanos e Rurais ....... 86

3.2 TERCEIRO SETOR: ENTIDADES QUE PODE GOZAR DA IMUNIDADE ...... 91

3.2.1 Imunidade Tributária no Acordo Brasil - Santa Sé .................................... 92

CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................... 105

ANEXOS ............................................................................................................ 115

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RESUMO

A presente Dissertação está inserida na linha de pesquisa constitucionalismo e

produção de direito. O trabalho tem a finalidade de investigar a garantia de liberdade

de religião, assegurada pelo Estado Democrático de Direito, e que se utiliza para isso,

do dispositivo da imunidade tributária. Como objetivo geral, foi conceituada a

imunidade tributária como um todo, demonstrando um breve histórico de sua presença

no cenário brasileiro, assim como acontecimentos históricos que permitiram seu

surgimento, partindo em seguida, para o objetivo especifico: o estudo da liberdade

religiosa no Estado laico, que concede a imunidade tributária a “templos de qualquer

culto”, conforme garante a Constituição de Federal de 1988, artigos: 5º, VI, VII, VIII;

19, I e 150, VI, b, c, § 4º. A pesquisa corroborou a imunidade das igrejas aos tributos

aplicados de forma ampliativa aos serviços, rendas e patrimônios do templo, desde

que exerçam atividades das entidades no país. A imunidade tributária, na qualidade

de dispositivo constitucional, busca assegurar o cumprimento dos valores presentes

na Carta Magna, dentre elas a da liberdade religiosa, devendo ser interpretada à luz

de seu fundamento social e, por conseguinte, conforme a sistematicidade do

ordenamento jurídico.

Palavras-chave: Imunidade; Liberdade religiosa; Estado laico.

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ABSTRACT

This Dissertation is inserted in the line of constitutionalism research and production

rights. The work aims to investigate the guarantee of freedom of religion, guaranteed

by the Democratic Rule of Law, and is used for this, the tax immunity of the device. As

a general goal, was conceptualized to tax immunity as a whole, showing a brief history

of their presence in the Brazilian scene, as well as historical events that enabled its

emergence, starting then to the specific objective: the study of religious freedom in

secular State which grants immunity tax at "temples of any cult", as guaranteed by the

Federal Constitution of 1988, articles: 5, VI, VII, VIII; 19, and 150 I, VI, b, c, § 4. The

research confirmed the immunity of churches to apply tax ampliative way the services,

income and assets of the temple, from carrying on activities of the entities in the

country. The tax immunity, as the constitutional provision, seeks to ensure the

fulfillment of the present values in the Constitution, among them religious freedom and

must be interpreted in light of its social foundation and, therefore, according to the

systematic of the legal system.

Key-words: Immunity; Religious freedom; Secular state.

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INTRODUÇÃO

O tema da presente Dissertação é a imunidade tributária na

qualidade de dispositivo constitucional. A imunidade que busca assegurar o

cumprimento dos valores presentes na Carta Constitucional, dentre elas a da

liberdade religiosa, deve ser interpretada à luz de seu fundamento social. Por

conseguinte, conforme a sistematicidade do ordenamento jurídico o Estado laico, à

luz do Acordo do Brasil com a Santa Sé.

Ocorre que, em relação aos “templos de qualquer culto”, a

legislação não apresenta clareza, suscitando dúvidas interpretativas relativas a

algumas questões, gerando discussões em todas as esferas jurídicas, sobretudo no

mais alto escalão da justiça brasileira.

Assim, a presente pesquisa procura investigar, como objeto, a

garantia da liberdade de religião, assegurada pelo Estado democrático de direito, e

que se utiliza para isso, do dispositivo legal da imunidade tributária. O que motivou tal

pesquisa: Por que o Brasil sendo um Estado Laico, concede a liberdade religiosa e a

imunidade tributária aos “templos e qualquer culto” (artigos 5º VI, VII, VIII; 19,I; 150,

VI, b, e “c” § 4º da CF 1988)?

O estudo está dividido em três capítulos. O primeiro capítulo

apresenta os acontecimentos históricos que resultaram na hodierna liberdade

religiosa. Inicia-se pelas perseguições religiosas ocorridas no mundo antigo.

Perseguições na Idade Média, Moderna, Contemporânea, apresenta ainda alguns

tópicos acerca da tolerância religiosa, bem como a influência de pensadores, entre

eles Voltaire e Locke, que marcaram o pensamento do período entre as revoluções.

Também aborda poder e liberdade, surgindo o Estado constitucional de direito. Trata

ainda sobre as revoluções: Revolução Inglesa no século XVll, a Revolução Puritana

de 1640, a Revolução Gloriosa de 1688. O período em análise abarca as grandes

revoluções Burguesas culminando com a Revolução Francesa de 1789, ocorridas

entre os séculos XVII e XVIII. Diante de tantos episódios, enfatizarei a Liberdade

Religiosa. O “bill of rights” de 1689, colaborou com a reflexão. A Europa foi berço das

revoluções acima mencionadas. A União Européia, sua Constituição (Tratado de

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Lisboa), bem como a Carta dos Direitos Humanos Fundamentais evocam o mesmo

assunto. No final do primeiro capítulo, abordarei a Liberdade Religiosa no Brasil, com

fundamento nos artigos: 5º VI, VII, VIII e 19º I da Constituição Federal de 1988.

O segundo capítulo pondera as relações entre o Estado e Igreja,

caracterizando duas formas de governo: o teocrático e o governo do Estado laico. A

França, século XVl: deu ênfase ao separatismo entre a Igreja e o Estado, originando

assim, o laicismo no mundo. A partir disso, investiga-se a laicidade presente na

Constituição Federal do Brasil de 1988, enfocando sua relação como o Estado

Democrático de Direito. Finalmente, o capítulo apresenta o Acordo Internacional entre

o Brasil e a Santa Sé, assim como seus aspectos jurídicos.

O terceiro capítulo aborda o tema da imunidade tributária entre

Igreja e Estado. O objetivo foi conceituar a imunidade tributária como um todo, a fim

de aprofundar discussões sobre o tema de forma mais clara e satisfatória. Neste

capítulo, apresenta-se uma retrospectiva histórica da imunidade tributária no Brasil,

com ênfase na imunidade aos “templos de qualquer culto”. Inicialmente, um excurso

nas constituições anteriores a de 1988 e de forma mais específica na atual

Constituição. Ainda serão apresentados aspectos objetivos e subjetivos da imunidade

“dos templos de qualquer culto”, voltada para casas, terrenos urbanos ou rurais com

características comerciais. Além disso, descreve as entidades do terceiro setor que

podem vir a gozar de imunidade. Finalmente, discute-se a imunidade tributária

presente no Acordo entre o Brasil e a Santa Sé, finalizando com recortes de

jurisprudência e súmulas, relacionadas à imunidade tributária para “templos de

qualquer culto”, na atualidade.

A liberdade religiosa é garantida constitucionalmente para todos,

por isso nenhuma religião deve desrespeitar a outra, muito menos vilipendiar seus

objetos sagrados, nem causar embaraço a outros cultos. Caso contrário, estará sujeito

à intervenção e responder perante aos tribunais de competência do Estado.

Na teoria, veremos que o Estado é Laico, porém, seu governo e

seu povo na prática nem sempre serão. A laicidade no Brasil aconteceu com influência

da maçonaria e do iluminismo. Com a Constituição Republicana de 1891, ocorreu a

separação do Estado com a Igreja. A Igreja cuida das almas e dos sacramentos e o

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Estado cuida da Política e de seus governos. Os religiosos e o clero foram proibidos

de candidatar-se a cargos públicos e políticos.

Por fim, o Estado concedeu a Imunidade Tributária aos “templos

de qualquer culto”, devido a Igreja continuar cuidando de hospitais, orfanatos,

permanecendo nos presídios com assistência espiritual, nas creches, escolas,

faculdades e universidades no intuito de formar novos cidadãos, bem como

assistência social, caridade com os mais pobres, cuidando de cemitérios, de lugares

sagrados e de templos tombados pelo Estado.

Assim, o Estado concede imunidade tributária, tendo em vista

que o dinheiro arrecadado deveria ser investido dentro do país, e cuja finalidade,

segundo alguns juristas e operadores do direito, não deve ser para enriquecimento

ilícito de seus membros, e/ou seus líderes religiosos.

O método1 utilizado foi o indutivo2 na fase de investigação. Nas

demais fases da pesquisa foram acionadas as técnicas do referente3, categoria4, do

conceito operacional5, bem como da pesquisa bibliográfica6.

1 Método: é a base lógica da dinâmica da Pesquisa Científica. Ou seja, Método é a forma lógico-comportamental na qual se baseia o pesquisador para investigar, tratar os dados colhidos e relatar os resultados. PASOLD, César Luiz. Prática da pesquisa jurídica: ideias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito. 8 ed. Florianópolis: OAB/SC Editora 2001, p. 104. 2 Indutivo: pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e coleciona-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral. PASOLD. Op. cit. p. 104. 3 Referente: é a explicação prévia do(s) motivo(s), do(s) objetivo(s) e do produto desejado, delimitando o alcance temático, e de abordagem para uma atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa. PASOLD. Op. cit., p. 69. 4 Categoria: é a palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou à expressão de uma ideia. PASOLD. Op. cit., p. 40. 5 Conceito Operacional: é uma definição para uma palavra e expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das ideias que expomos. PASOLD. Op. cit., p. 56. 6 A pesquisa bibliográfica é o estudo sistematizado desenvolvido com base em material publicado em livros, revistas, jornais, redes eletrônicas, isto é, material acessível ao público em geral. VERGARA, Sylvia Constant. Métodos de pesquisa em administração. São Paulo: Atlas, 2005 p. 48.

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CAPÍTULO 1

A BUSCA POR UMA LIBERDADE RELIGIOSA

1.1 A PERSEGUIÇÃO RELIGIOSA

Com base na origem, é possível afirmar que a intolerância está

associada ao sistema de convicção religiosa nas próprias crenças dos indivíduos ou

até mesmo na inabilidade do indivíduo de compreender as crenças e práticas

religiosas distintas a sua, com consequente dificuldade em aceita-las.

Conforme Silva, a perseguição religiosa é:

Uma expressão que descreve atitudes fundadas nos preconceitos

caracterizadas pela falta de respeito às diferenças de credos religiosos

praticados por terceiros, podendo resultar em atos de discriminações

violentas dirigidas a indivíduos específicos ou em atos de perseguição

religiosa, cujo alvo é a coletividade. Essa perseguição religiosa vem, nas últimas décadas, configurando-se em verdadeira batalha espiritual, ameaçando os padrões de uma sociedade alicerçada na ética, na liberdade, na democracia e na cultura da paz7.

A intolerância religiosa, da mesma forma que a discriminação,

são fatos sociais8, que de acordo com a teoria sociológica de Émile Durkheim,9 são

qualificadas conforme sua generalidade. Em tempos de agravamento da

intransigência e da intolerância étnico-racial, constata-se que nos países que

compõem a Comunidade Europeia, os judeus ainda são alvos principais,

acompanhados por muçulmanos e estrangeiros de diversas origens.

A perseguição religiosa, que institui um episódio intenso de

intolerância, incide no maltrato constante que um grupo conduz a outro grupo ou a

uma pessoa isoladamente, em virtude de sua afiliação religiosa. De forma usual, a

7 SILVA, Marlise Vinagre. (B) Liberdade, democracia e intolerância religiosa. In SANTOS, Ivanir dos & FILHO, Astrogildo Esteves (Orgs). Intolerância Religiosa X Democracia. Rio de Janeiro: CEAP, 2009, p. 128b. 8 Fato social é toda “coisa” capaz de exercer algum tipo de coerção sobre o indivíduo, sendo esta “coisa” independente e exterior ao indivíduo e estabelecida em toda a sociedade. 9 Émile Durkheim (1858-1917) foi um sociólogo francês. É considerado o pai da sociologia moderna e chefe da chamada Escola Sociológica Francesa. É o criador da teoria da coesão social. Junto com Karl Marx e Max Weber, formam um dos pilares dos estudos sociológicos.

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perseguição aumenta em consequência da falta de tolerância, liberdade e pluralismo

religioso.

Neste contexto, a perseguição pode manifestar-se em forma de

prisões ilegítimas, surras, torturas, sacrifício sem justificativa, indeferimento de

privilégios e de direitos, assim como liberdades civis. Da mesma maneira, pode ainda

incidir na penhora de propriedades e/ou destruição de propriedades, ou estímulo ao

horror e aversão, entre diversos fatos.

Entretanto, em diferentes países, existiram e ainda existem

conflitos envolvendo católicos x protestantes; católicos x judeus; cristãos x islã;

ocidentais x tradições afro. No Brasil, ao adquirir o caráter racial, a intolerância

religiosa vai segundo Silva Jr, “configurar uma das faces mais abjetas do racismo

brasileiro, mantendo-se intacta ao longo da história, e resistindo, inclusive ao processo

de democratização, cujo marco fundamental foi a promulgação da Constituição de

1988”.10 Em seguida, apresenta-se a perseguição religiosa que envolveu romanos e

cristão no século I d.C. como início da intolerância em relação aos cristãos.

1.1.1 Perseguição na antiguidade

O Império romano, que era o poder político vigente na Palestina

no século I da era cristã, reconhecia como religião apenas o culto aos deuses romanos

e, o imperador era considerado a personificação visível destas divindades mitológicas.

Em princípio o Império, representado em Jerusalém por Pôncio Pilatos, tolerava a

religião dos judeus (judaísmo) e de grupos remanescentes como o cristianismo.

Posteriormente, com a difusão deste último no território do Império e a prática dos

cristãos de não reconhecer a divindade do imperador, provocaram a ira das

autoridades romanas. Tais motivos desencadearam a perseguição com consequentes

mortes de elevado número de cristãos.

Em princípio o cristianismo era considerado apenas mais um

grupo do judaísmo – os nazarenos, semelhante aos grupos dos fariseus, saduceus,

10 SILVA JR., Hedio. Intolerância religiosa e direitos humanos. In: SANTOS, Ivanir dos. & FILHO, Astrogildo Esteves. (Orgs) Intolerância Religiosa X Democracia. Rio de Janeiro: CEAP, 2009.

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zelotas, essênios etc. Gradativamente, rompe-se tal compreensão do cristianismo até

se tornar um grupo separado do judaísmo. Dois acontecimentos provocam a

desagregação:

1º - Perseguição de Nero: Segundo a tradição, provoca o

desaparecimento dos apóstolos: Pedro, no ano de 64 d.C. e Paulo, um ano antes.

Conforme Edmilson, nesta perseguição o imperador romano Nero provocou um

incêndio em Roma, como motivo para acusar os cristãos e justificar a perseguição:

Enquanto a cidade imperial ardia em chamas, subiu à torre de Mecenas a fim de tocar lira e entoar o cântico do incêndio de Tróia. Fez questão de declarar abertamente que “desejava a ruína de todas as coisas antes de sua morte”. Além do grande edifício do Circo, muitos palácios e casas foram destruídos. Milhares de pessoas pereceram nas chamas; outro tanto foi sufocado pela fumaça ou sepultado sob as ruínas11.

2º - Destruição da cidade de Jerusalém no ano 70 d.C.: Os

judeus se revoltaram contra os romanos com o objetivo de reconstituir uma nação

independente que honrasse a Deus de acordo com a Lei dos seus ancestrais. O

Templo e a cidade foram totalmente destruídos.

Evidentemente que havia muitas diferenças entre a romanidade

do império e o recém-cristianismo. Inclusive, estas discordâncias motivaram a

perseguição do Império aos cristãos. Entre elas poderíamos destacar:

- O Império romano tinha concepções de vida de índole

imanentista e naturalista, enquanto o cristianismo era orientado à transcendência e ao

sobrenatural;

- O cristianismo afirmava a ideia monoteísta de Deus, um único

Deus de um reino espiritual. A romanidade afirmava uma civilização fundada no

politeísmo (mitologia romana) e na estadolatria (o imperador é a personificação visível

dos deuses).

Os fundamentos jurídicos do império para a perseguição dos

cristãos se baseavam em três razões: Crimes de sacrilégio de lesa majestade; poder

de polícia em defender a ordem pública – Intervenção jurídica da autoridade; leis

11 ECCLESIA MILITANS. Breve relato da perseguição aos Cristãos primitivos e à Igreja Católica. 2013. Disponível em: < https://igrejamilitante.wordpress.com/2013/03/10/breve-relato-da-perseguicao-aos-cristaos-primitivos-e-a-igreja-catolica/>. Acesso em 25 fev. 2015.

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especiais (editos imperiais e do senado consulto).

O cristianismo era tolerado como religião, mas perseguido como

fato político. As perseguições incidiram em três momentos:

1º período – até o ano 100 d.C. - O cristianismo é tolerado pelo

Estado, considerado como uma seita judaica:

I - O incêndio de Roma a mando de Nero.

II – O imperador Domiciano (81-96 d.C.) chegou a perseguir e

levar ao martírio em Roma seus próprios parentes. Entre eles o cônsul Flávio, seu

primo, juntamente com sua esposa Flávia Domicila. O apóstolo João foi exilado na

Ilha de Patmos:

O imperador Domiciano, por natureza inclinado à crueldade, matou primeiro seu irmão, suscitando logo a segunda perseguição aos cristãos. Em sua fúria, matou alguns senadores romanos; uns, por desconfiança, e outros, para confiscar-lhes os bens. De imediato, ordenou a execução de todos os pertencentes à linhagem de Davi. Entre os numerosos mártires dessa perseguição, nomeiam-se Simeão, bispo de Jerusalém, e o evangelista João, lançado em óleo fervente, o qual nenhum mal lhe fez e, a seguir, foi exilado na ilha de Patmos. Flávia, filha de um senador romano, foi quem ditou a seguinte lei: “Que nenhum cristão, uma vez trazido ao tribunal, fique isento de castigo, sem que renuncie a sua religião”12.

2º período – do ano 100 a 250 d.C. - O cristianismo é visto como

uma religião ilícita, inimiga do Estado e do gênero humano: este período foi o mais

cruel das perseguições. Deu à Igreja muitos mártires: Inácio de Antioquia, Justino,

Policarpo de Esmirna, Felicidade, Perpétua, entre muitos outros.

Segundo Ferreira:

Os séculos II e III foram uma época de expansão também para a Igreja cristã. Esta foi muito mais importante nas províncias orientais do império, na África e nas terras ocidentais mais abertas para o Mediterrâneo, que como sempre serviu de via para a principal corrente das influências culturais e intelectuais do Oriente. As Igrejas do Ocidente geralmente falavam grego até o final do século II13.

3º período – do ano 250 a 311 d.C. - Desejo de renovar o sistema

12 ECCLESIA MILITANS. Op. cit. 13 FERREIRA FH., O.A. As perseguições aos cristãos no Sec. III e IV. Portal Templodeapolo.net, Porto Alegre-RS. Disponível em: <http://www.historia.templodeapolo.net/civilizacao_ver.asp?Cod_cont eudo=252&value=As+persegui%C3%A7%C3%B5es+aos+crist%C3%A3os+no+Sec.+III+e+IV&civ=Civiliza%C3%A7%C3%A3o+Romana&topico=Religi%C3%A3o#>. Acesso em 15 de jan. de 2015.

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religioso romano. Neste período o cristianismo conquista espaço no império, inclusive

muitos da corte imperial já haviam aderido à fé cristã, contudo não excediam 10% da

população. Também é importante destacar que o império estava enfraquecido

internamente por motivos políticos, sobretudo o exército e os imperadores. Na

segunda metade do século II o império passava por guerras de fronteiras, epidemias,

inflação, tudo isso contribuiu para aumentar o ódio contra os cristãos.

Desta forma, o aparato político-religioso do império ficava mais

exposto às demandas dos cristãos, pois estes cresciam em número e,

consequentemente, se recusavam ao culto estatal do imperador (estadocracia).

1.1.2 Perseguições na Idade Média e Moderna

No transcurso da Idade Antiga para a Idade Média, a disputa

entre cristãos e judeus era motivada por uma divergência religiosa principal. Os

cristãos reconheciam a Jesus Cristo como filho de Deus e único salvador de todos os

seres humanos. Os judeus acreditavam no antigo pacto realizado com a nação de

Israel, a ser executado por um salvador que ainda haveria de vir. Neste sentido,

afirma-se que os judeus identificam a Jesus apenas como um dos múltiplos profetas

que integram a história de sua crença.

Os judeus criam no Antigo Testamento e abdicavam o Novo,

acreditavam que os cristãos tinham esse último como o cumprimento e esclarecimento

do Antigo. Assim, por vezes, qualquer mal que chegasse aos cristãos era conferido

aos judeus. As mais conhecidas incriminações eram de profanação da hóstia sagrada

e de homicídios rituais. Sobre isso contribui Richards:

Em 1144, depois que um menino, Guilherme de Norwich, desapareceu, um judeu convertido, Teobaldo de Cantuária, surgiu em cena para dizer que os judeus eram obrigados a crucificar cristãos anualmente, na páscoa e num lugar escolhido por uma conferência anual de rabinos. Quando a criança foi achada morta, houve uma explosão de violência contra os judeus14.

Ao findar o século XI, o modelo de sociedade feudal já dava

14 RICHARDS, J. Sexo, Desvio e Danação: as Minorias na Idade Média. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993. p. 111.

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demonstrações claras de mudanças. Assim sendo, a Igreja, principal instituição da

Europa ocidental, vivia em dificuldades com a corrupção de muitos bispos e abades,

que levavam vida luxuosa, abandonando os compromissos religiosos. Neste mesmo

tempo, nos feudos, aumentava a população daqueles que não encontravam meios

para conseguir mantimentos suficientes para sobreviver.

Neste cenário, ocorreram as Cruzadas, uma espécie de guerra

santa realizada pelos cristãos contra os muçulmanos que detinham o domínio sobre

Jerusalém e outras regiões tidas como sagradas pela cristandade no Oriente Médio.

Sobre as Cruzadas afirma Soriano:

Assim, inúmeras campanhas foram conduzidas sob as bênçãos dos papas, levando a inúmeros massacres e atrocidades. Essas campanhas foram dirigidas contra muçulmanos, judeus, eslavos e gregos. A religião era a principal motivação das Cruzadas. Uma série de benefícios eram prometidos a todo aquele que viesse a participar de uma cruzada. Prometia-se, inclusive. A absolvição de todos os pecados (indulgência)15.

O papa Urbano II, na cidade francesa de Clermont, no ano de

1095 convoca os cristãos para a conquista de terras com a dupla finalidade: ter mais

terras para o cultivo de alimento e resgatar lugares santos das mãos de muçulmanos.

É o início das cruzadas:

Deixai os que outrora estavam a se baterem, impiedosamente contra os fiéis, em guerras particulares, lutarem contra os infiéis (...). Deixai os que até aqui foram ladrões tornarem-se soldados. Deixai aqueles que outrora se bateram contra seus irmãos e parentes lutarem agora contra os bárbaros como devem. Deixai os que outrora foram mercenários, a baixos salários, receberem agora a recompensa eterna. Uma vez que a terra que vós habitais, fechada por todos os lados pelo mar e circundada por picos e montanhas, é demasiadamente pequena para vossa grande população: a sua riqueza não abunda, mal fornece o alimento necessário aos seus cultivadores (...). Tomai o caminho do Santo Sepulcro; arrebatai aquela terra à raça perversa e submetei-a a vós mesmos (...)16.

Embora amplamente divulgado, o texto teria sido escrito

posteriormente ao pronunciamento realizado pelo Sumo Pontífice. Sobre isso escreve

Chaves:

O discurso do papa Urbano II jamais foi encontrado, se é que há algum

15 SORIANO, Aldir Guedes. Liberdade Religiosa no Direito Constitucional e Internacional. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002, p. 49. 16 PINTO REZENDE, R. O negócio de Cristo: a Era das Cruzadas. Disponível em: <http://www.nethist oria.com.br/secao/artigos/356/_o_negocio_de_cristo_a_era_das_cruzadas/>. Acesso em 04 de fevereiro de 2015.

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registro escrito dele, sendo inclusive cogitado, o que é o mais verossímil aliás, que ele tenha surgido de improviso. Uma tal peregrinação para Jerusalém não constava nos objetivos iniciais do concílio de Clermont, muito preocupado com a Igreja da França. Apesar da insistência de Urbano em outras ocasiões pela Cruzada, ele não participa dela e fica no Ocidente, calando-se em relação a novos objetivos, tanto ela estava presa aos aspectos religiosos que a motivaram. O que nos resta como fonte são crônicas que nos relatam a euforia de todos com as palavras papais, a emoção e o fervor religioso que tomaram conta daquelas pessoas17.

Os primeiros voluntários da expedição escolheram como

símbolo da campanha, uma cruz costurada nas suas vestes, de onde originou o nome

de Cruzadas, referência ao movimento.

As Cruzadas tiveram como consequência direta o

desmoronamento do Império Bizantino. Símbolo da devastação foi Jerusalém, a

cidade se tornou cenário de guerras e conflitos até os dias de hoje.

No período que compreende a Idade Média e a Idade Moderna,

a humanidade experimentou um tempo de extremada perseguição religiosa.

Acontecimentos históricos assinalaram este momento: o Renascimento18 e a Reforma

Protestante19.

No fim do século XIII, a Igreja era uma instituição religiosa

seguramente estabilizada no continente europeu. Neste contexto surge a Inquisição

ou Santa Inquisição, tribunal religioso instituído para censurar todos aqueles que se

posicionavam contrários aos dogmas fixados pela Igreja Católica.

Sobre isso o jurista Heleno Claudio Fragoso (apud Soriano)

assevera:

Na Idade Média, considerado o cristianismo religião do Estado, os crimes desta natureza multiplicaram-se O direito canônico impunha penas leves, mas o ‘braço secular’, a serviço da Igreja, aplicava penas terríveis e bárbaras, escrevendo negra página na história do direito penal. A blasfêmia era punida com a morte e a perfuração da língua, a fustigação, o exílio, o cárcere e a

17 CHAVES, Thiago de Souza Ribeiro. A Primeira Cruzada e o Reino de Jerusalém: novas perspectivas historiográficas. Artigo. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH • São Paulo, julho 2011. 18 O Renascimento foi um movimento cultural que marcou a fase de transição dos valores e das tradições medievais para um mundo totalmente novo, em que os códigos cavalheirescos cedem lugar à afetação burguesa, às máscaras sociais desenvolvidas pela burguesia emergente. 19 A Reforma Protestante foi apenas uma das inúmeras Reformas Religiosas ocorridas após a Idade Média e que tinham como base, além do cunho religioso, a insatisfação com as atitudes da Igreja Católica e seu distanciamento com relação aos princípios primordiais.

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morte20.

Fundado pelo Papa Gregório IX, o Tribunal do Santo Ofício da

Inquisição mandou para a fogueira milhares de pessoas consideradas hereges por

praticarem atos julgados como bruxarias, doutrinas demoníacas ou simplesmente por

serem praticantes de outras religiões que não fosse o cristianismo de acordo o rito

romano.

Conceber o que foi a Inquisição e esclarecer o porquê de sua

existência, ainda é algo muito controverso entre os historiadores. Sobre a inquisição,

em sua obra “A inquisição” Novinsky diz:

A Inquisição na Península Ibérica apresentou aspectos estritamente ibéricos. Suas intenções foram, durante séculos, imutáveis. O fato de ter sido um elemento essencial no aparelho do Estado centralizador não exclui o fato de ter sido um Tribunal da Igreja21.

Para que a perseguição aos hereges fosse bem sucedida, era

preciso a colaboração do Estado, que manifestava uma implicação política nessas

“caçadas”. Em todas as regiões e países em que operou, a Inquisição sempre teve a

assistência e concordância dos soberanos.

Ainda durante a transição do período medieval para a Idade

Moderna, o conjunto de mudanças nas relações de poder é de suma importância para

se compreender as chamadas Reformas Protestantes. Estas podem ser explicadas

como uma demonstração das contradições da mudança do feudalismo, para o

capitalismo.

A Reforma Protestante contribuiu para o aumento do

individualismo, bem como o aumento dos direitos individuais. Ainda assim, acrescenta

Lafter:

Outra consequência da Reforma que merece ser destacada, nessa breve reconstituição que levou aos direitos humanos, é a laicização do Direito Natural a partir de Grócio e o consequente apelo a razão, como fundamento do Direito (...)22.

20 SORIANO, Aldir Guedes. Liberdade Religiosa no Direito Constitucional e Internacional. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002, p. 51. 21 NOVINSKY, Anita. A inquisição. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1983, p.6. 22 LAFTER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 1988, p.121.

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A partir disso, Celso Lafter conclui ser possível que o direito à

liberdade religiosa, teve seu início com a Reforma Protestante ou na menor das

hipóteses, o seu resgate.

1.1.3 Perseguições na Idade Contemporânea

A Idade Contemporânea que inicia no fim do século XVIII,

consiste num período histórico ainda em aberto. A contemporaneidade desperta o

interesse de muitos, por conta da situação crítica e do apelo que os assuntos históricos

e filosóficos desse tempo trazem à tona.

O desenvolvimento do capitalismo e a ascensão dos valores de

um mundo em “progresso ininterrupto” figuram importantes fatos e correntes de

pensamento do século XIX. Os problemas e transformações de um mundo globalizado

fizeram desta época, conforme aponta o historiador Eric J. Hobsbawn, um século

“breve”23.

A perseguição religiosa alcançou níveis jamais vistos na História

durante o século XX. Prova disso foi o nazismo na Alemanha, liderado por Adolf Hitler,

onde milhões de judeus e outras etnias foram perseguidos por não serem aceitos pelo

regime. Seu ápice é alcançado na Segunda Guerra Mundial. Foram criados campos

especiais de concentração, onde o antissemitismo tomou forma de atrocidades e

violações, aos mais elementares princípios da dignidade e do respeito humano. Esta

perseguição em massa, denominada Holocausto, exterminou seres humanos, não

somente por causa etnocêntrica, mas em represália aos seus ideais religiosos e

ideológicos.

Segundo Soriano, o povo judeu vivia em harmonia na Alemanha,

mas com o início da Segunda Guerra o cenário se alterou:

A Segunda Guerra Mundial propiciou o massacre de 6 milhões de judeus, pela Alemanha nazista. Contudo, segundo Bem Abraham, a perseguição aos judeus, na Alemanha já existia antes da Segunda Guerra Mundial. Até a terceira década do século XX, os judeus gozavam de liberdade na Alemanha,

23 HOBSBAWM, Eric. A era dos extremos: o breve século XX. São Paulo: Companha das Letras, 1998.

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participando de sua vida econômica, social e política. A partir de 1928, quando a Alemanha se tornaria nazista, perseguições foram deflagradas contra os judeus. Surras e pichações com a cruz suástica tornaram-se comuns. No ano de 1938, cinquenta sinagogas foram queimadas e destruídas por ordens expressas do comando nazista24.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, a questão antissemita

mudou de rumo após a criação do Estado de Israel no ano de 1948, por determinação

da ONU, instalado na região da Palestina. A ocupação do território pelos judeus

estimulou a rivalidade com os árabes palestinos que lá se localizavam, anteriormente

a constituição do Estado judaico.

Nesse cenário, a aversão contra os judeus se explica pela

resistência de alguns grupos políticos em aceitar a constituição de um Estado

Palestino, bem como os periódicos conflitos regionais.

1.2 A TOLERÂNCIA RELIGIOSA

Parece utópica a questão da tolerância religiosa, partindo de um

retrospecto histórico de tantas perseguições, porém, mais utópico seria garantir que

existe apenas uma religião e que todos têm que participar dessa. A tolerância passa

a ser inerente ao ser humano por meio de uma convicção íntima e não por imposição,

no sentido de ser positiva para evitar danos à sociedade. Assevera Bobbio:

Tolerância em sentido positivo se opõe a intolerância (religiosa, política, racial), ou seja, à indevida exclusão do diferente. Tolerância em sentido negativo se opõe a firmeza nos princípios, ou seja, à justa ou devida exclusão de tudo o que pode causar dano ao indivíduo ou à sociedade. Se as sociedades despóticas de todos os tempos e de nosso tempo sofrem de falta de tolerância em sentido positivo, as nossas sociedades democráticas e permissivas sofrem de excesso de tolerância em sentido negativo, de tolerância no sentido de deixar a coisas como estão, interferir, de não se escandalizar nem se indignar com mais nada25.

Portanto, a tolerância nunca é absolutamente positiva, nem

absolutamente negativa, mas relativa. No princípio a tolerância é libertadora e não

repressiva, dela é possível absorver lições para a vida, tanto no âmbito individual como

coletivo.

24 SORIANO, Aldir Guedes. Liberdade Religiosa no Direito Constitucional e Internacional. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002, p. 64. 25 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p.193.

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O Brasil, no que se refere à questão religiosa, acolhe todo tipo

de pessoas e suas religiosidades nacionais e internacionais, pois trazem consigo seus

ritos, suas crenças ou não crenças, culturas impregnadas de costumes, ideologias e

também seus desejos no interesse social, econômico, político e religioso. Chegam

com esperança de se estabelecerem, criando vínculos e conquistando seus espaços.

Ter-se-á, nesta última hipótese, provavelmente, mais uma tolerância do que uma plena liberdade religiosa, especialmente no que tange à sua divulgação e práticas. Logo, embora a neutralidade do Estado não seja essencial à existência de pluralidade religiosa, este só pode aflorar plenamente em Estados que adotam o postulado separatista e a postura da neutralidade religiosa26.

O crescimento exorbitante de inumeras manifestações

religiosas, demonstra que o país vive uma tolerância religiosa totalmente liberal.

Assim, o Estado brasileiro, a partir de sua Carta Magna, respeita a todos na sua

liberdade de expressão, tanto acolhendo os que vêm ao país, como respeitando os

que nele vivem.

A Religião é tida como responsável direta por questões como

proselitismo, laicismo e laicidade. Assim sendo, assimilar como eram as relações

entre as religiões na antiguidade trará a estrutura de conhecimento indispensável para

se entender a intolerância religiosa, confessada e exercida em larga escala, sobretudo

pelas religiões ou crenças ocidentais.

Em 1993, em Assembleia Geral da ONU, ficou definido que

1995, ano do cinquentenário da organização, seria o Ano Internacional da Tolerância.

Sobre tal iniciativa Fischmann assevera:

A decisão vinculava-se ao reconhecimento humilde e apropriado de que, cinquenta anos após sua criação, a Organização das Nações Unidas se encontrava longe de atingir o objetivo para o qual havia sido criada, ou seja, o de alcançar a paz mundial. No contexto da época, a Guerra da Bósnia e conflitos étnicos na África, além de diversos outros pontos conflagrados no planeta, principalmente por motivos de intolerância étnica e religiosa, faziam constatar que seria necessário, meio século depois, pensar ainda o primeiro passo, o mais básico, que, embora inicial, e tardiamente, traz, em si, o todo da jornada27.

26 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 489. 27 FISCHMANN, Roseli. Educação, Direitos Humanos, Tolerância e Paz. Revista Paideia, n° 11, 2001, p. 69 e 70.

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De tal modo, a liberdade religiosa propagada na atualidade, se

alicerça por meio dos princípios protetivos de Direitos Humanos. Isto é resultado direto

de uma evolução histórica da própria religião, assim como de sua influência na vida

das pessoas e da disputa pelo poder entre o Estado e a Igreja.

Neste sentido, a tolerância será satisfatória a partir do resultado

de toda uma construção dos mecanismos internacionais em proteção aos direitos do

homem, bem como os Direitos Humanos.

O conceito de tolerância abarca uma série de características.

Inicialmente destacam-se respeito, aceitação e apreço da riqueza e da diversidade

das culturas de nossos modos de expressão e de nossas maneiras de exprimir nossas

qualidades de seres humanos. Ainda, é uma atitude ativa fundada no reconhecimento

dos direitos universais da pessoa humana e das liberdades fundamentais de cada um

dos indivíduos. É ela que sustenta os direitos humanos entre diversos garantindo o

pluralismo, bem como a democracia e o Estado de Direito. Portanto assevera-se que

a tolerância religiosa é o fundamento do balanço entre a liberdade religiosa e o

respeito aos demais direitos humanos através do diálogo e predisposição ao

entendimento também, mas não somente no âmbito religioso.

1.2.1 A tolerância: uma contribuição de John Locke

A tolerância como também a intolerância sempre fizeram parte

da história da humanidade. Contudo, vê-se claramente que ao professar uma fé, com

seus costumes, doutrinas, dogmas e não respeitar as outras religiosidades e as

próprias pessoas resulta em uma estridente contradição. Por esse e outros motivos,

é que surgiram ações de intolerância culminando assim na ocorrência de muitos

desentendimentos entre as pessoas.

Neste contexto, encontra-se John Locke (1632-1704),

considerado um dos mais admiráveis filósofos e reformistas políticos do séc. XVII.

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John Locke28 inicia sua obra “Carta acerca da tolerância” de

1689, discorrendo sobre a mútua tolerância:

(...) a considero como o sinal principal e distintivo de uma verdadeira igreja. Porquanto, seja o que for que certas pessoas alardeiem da antiguidade de lugares e de nomes, ou do esplendor de seu ritual; outras, da reforma de sua doutrina, e todas da ortodoxia de sua fé (pois toda a gente é ortodoxa para si mesma); tais alegações, e outras semelhantes, revelam mais propriamente a luta de homens para alcançar o poder e o domínio do que sinais da igreja de Cristo. Se um homem possui todas aquelas coisas, mas se lhe faltar caridade, brandura e boa vontade para com todos os homens, mesmo para com os que não forem cristãos, ele não corresponde ao que é um cristão29.

O pensamento de Locke acerca da mútua tolerância

concernente a assuntos religiosos deve-se estender tanto as diferentes igrejas, quanto

a todas as pessoas. Deste modo, “a paz, a equidade e a amizade são mutuamente

observáveis nas diferentes igrejas, do mesmo modo que entre os indivíduos, sem

nenhuma alegação de jurisdição sobre os outros”30.

Posição relevante ocupam os líderes religiosos, que permitem

exercer o papel fundamental de instruir e conscientizar os membros de suas

instituições, pois segundo Locke:

Não é suficiente que os sacerdotes se abstenham da violência, da pilhagem e de todos os modos de perseguição. Quem se considera como sucessor dos apóstolos, e assume a responsabilidade de ensinar, tem também obrigação de advertir seus ouvintes dos deveres da paz e da boa vontade para com todos os homens, tanto o equivocado como o ortodoxo, tanto os que diferem dele na fé e culto como os que com ele concordam. E deve aconselhar toda a gente, quer os indivíduos, quer os funcionários públicos na comunidade, se os há em sua igreja, a praticar a caridade, a humildade e a tolerância, e a acalmar e moderar todo fervor e aversão do espírito, que decorrem tanto do veemente zelo humano por sua própria religião e seita como da astúcia incitada de outros contra os dissidentes31.

Locke afirma com clareza que o cuidado com as almas não diz

respeito ao exercício da magistratura, que prescreve por meio de leis e obriga seu

cumprimento utilizando-se do castigo que a própria lei ampara. Por outro lado, o

28Locke nasce em 1632, em Wrington num tempo em que a Grã Bretanha, e outros países europeus estavam sincronizados com o mundo da política, no meio de absolutistas e parlamentaristas, viveu ao mesmo tempo entre católicos e protestantes. Locke além de ser médico e político, pensador, filósofo foi idealizador da democracia liberal, sendo ele diplomático valorizou a importância da liberdade e ama a tolerância. Ao falar da tolerância, faz reflexão sobre a questão religiosa. Pois tanto os católicos como os protestantes, exageravam em suas práticas cometendo certas intolerâncias. LOCKE, John. Carta acerca da tolerância. In: Discursos, Ensaios e Conferencias, São Paulo; Abril Cultural,1973, p.9. 29 LOCKE, John. Carta acerca da tolerância humana. Trad. Anoar Aiex e Igor César Franco, p. 2. Disponível em: <http://www2.uefs.br/filosofia-bv/pdfs/locke_02.pdf> Acesso em: 10/01/2015. 30 LOCKE. Op. cit. p. 5. 31 LOCKE. Op. cit., p. 6.

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cuidado caridoso que incide em censurar, informar e ensinar, não pode ser negado a

nenhuma pessoa:

Portanto, o cuidado da alma de cada homem pertence a ele próprio, tem-se de deixar a ele próprio. Mas que sucederá se ele deixar de cuidar de sua própria alma? Ora, que acontecerá se ele não cuidar de sua saúde e propriedade, coisas que mais de perto dizem respeito ao governo do magistrado? Proverá o magistrado mediante lei expressa que o indivíduo não se torne pobre ou doente? As leis tendem, tanto quanto possível, para proteger os bens e a saúde dos súditos contra a violência e a fraude de terceiros; mas não os protege contra a negligência ou prodigalidade deles próprios. Nenhum homem pode ser forçado contra a sua vontade a ser sadio ou rico. Ainda mais, mesmo Deus não salvará os homens contra a vontade deles32.

Finalmente, para Locke, uma saída para a questão da

intolerância seria: o estabelecimento da separação entre os assuntos do Estado

daqueles relacionados à Igreja. Enquanto os interesses de um se confundiam com os

do outro, não teriam condições para o avanço em direção à tolerância. Assim, seria

necessário existir um afastamento radical entre a política, que era responsabilidade

do rei e a religião ao encargo do clérigo.

1.2.2 Voltaire e seu empenho para uma liberdade religiosa

No ano de 1726, Voltaire33, pensador francês, é exilado na

Inglaterra. A liberdade, gozada pelos britânicos, chama sua atenção a ponto de

transformar-se em um admirador da Inglaterra. Preocupado em difundir a ciência,

assim como as tradições e conceitos dos escritores e pensadores daquele estado,

dedica-se ao estudo e divulgação da ideia de como preservar a tolerância.

Voltaire segue o caminho percorrido por John Locke, ao expor

consistentes argumentações a favor da tolerância, como antídoto para as desavenças

civis e religiosas. Na visão de Voltaire, a intolerância religiosa tem como fundamento

básico a procura pelo poder, ou seja, querer estabelecer-se como religião

32 LOCKE. Op. cit., p. 8. 33 François Marie Arouet, que se tornou conhecido como Voltaire, nasceu em uma família rica e aristocrática, em Paris, em 21 de novembro de 1694. Sua mãe morreu depois do parto. François Marie tinha a saúde fraca. Estudou em um colégio jesuíta, onde aprendeu dialética e teologia. Quando jovem, seu padrinho o introduziu numa vida desregrada entre poetas e cortesãs. Seu pai acabou por mandá-lo para a casa de um parente, que continuou a lhe dar liberdade. Morreu em sua cidade natal, a 30 de maio de 1778.

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predominante.

Conforme Voltaire “(...) é incontestável que os cristãos

quisessem que a sua religião fosse a dominante (...) a opinião deles era que toda a

terra devia ser cristã, logo, tornaram-se necessariamente inimigos de toda a terra, até

que a terra inteira se convertesse”34.

Uma vez que, em assunto religioso não perpetua uma verdade

irrestrita, mas apenas fatos relativos, Voltaire acredita que o que assegura a paz e a

tolerância entre os seres humanos é o respeito à variedade de crenças e religiões,

pois “se entre nós houver duas religiões, hão de cortar-se o pescoço; se houver trinta,

viverão em paz”35.

Na obra “Tratado sobre a Tolerância”, publicada

aproximadamente setenta anos após a “Carta acerca da Tolerância”, de John Locke,

Voltaire aborda o caso Calas, modelo desumano de intolerância religiosa. Jean Calas

foi condenado à morte sob a alegação de que teria assassinado o próprio filho, que

almejava se converter ao catolicismo, sendo declarado inocente após julgamento.

Contra esse delito, Voltaire escreve o “Tratado sobre a Tolerância”, nesse trecho

expressa:

Não é preciso uma grande arte, uma eloquência rebuscada, para provar que os cristãos devem tolerar uns aos outros. Eu vou mais longe: eu vos digo que é preciso olhar todos os homens como os nossos irmãos. O quê!? Meu irmão, o turco? Meu irmão, o chinês? O judeu? O siamês? Sim, sem dúvida. Não somos todos filhos do mesmo pai e criaturas do mesmo Deus?36.

As reflexões realizadas e mencionadas no item anterior mostram

claramente as causas e os transtornos na humanidade, pela falta de um diálogo

efetivo entre os líderes dos povos, bem como os líderes das principais religiões. Ao

que narra Voltaire:

Caso iremos saquear Roma, como fizeram as tropas de Carlos V, porque Sisto V em 1585, concedeu nove anos de indulgência a todos os franceses, que pegassem em armas contra seu soberano? Não é suficiente impedir Roma de entregar-se a excessos semelhantes? O furor que inspiram o espírito dogmático e o abuso de religião cristã mal compreendida derramou

34 VOLTAIRE. Cartas Inglesas ou Cartas Filosóficas. Trad. Marilena de Souza Chauí. Coleção Os Pensadores. 2ª ed. São Paulo: Abril Cultural, 1978, p. 290. 35 VOLTAIRE. Op. cit., p.291. 36 VOLTAIRE, apud ROCHA, Washington Alves da. No Coração de Antígona: Ensaios histórico-filosóficos. Natal: ACE Pinheiro e Alves Editora, 2002, p. 42.

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sangue, produziu desastres tanto na Alemanha, na Inglaterra, e mesmo na Holanda, como na França. Hoje, no entanto a diferenças das religiões não causam nenhum problema nesses Estados; o judeu, o católico, o grego, o luterano, o calvinista, o anabatista, o sociniano, o menonita, o morávio e tantos outros vivem como irmãos nesses países e contribuem igualmente para o bem da sociedade (...) digo-o com horror, mas com verdade: nós, cristãos, é que fomos perseguidores, carrascos, assassinos! E de quem? De nossos irmãos. Nós é que destruímos cidades, com o crucifixo ou Bíblia na mão, e não cessamos de derramar sangue e de acender fogueiras, desde os tempos de Constantino até os furores dos canibais que habitavam as Cevenas, furores que, graças a Deus, não mais subsistem hoje37.

Sobre as enormes consequências acerca da intolerância

religiosa, Voltaire faz uma reflexão de suma importância:

Rogo-vos que vejais as consequências terríveis do direito da intolerância. Se fosse permitido despojara de seus bens, lançar no cárcere, matar um cidadão que, um certo grau de latitude, não professasse a religião estabelecida, que exceção eximiria os mandatários do Estado das mesmas penas? A religião une igualmente o monarca e os mendigos. Assim, mais de cinquenta doutores ou monges afirmaram este horror monstruoso: que era permitido depor e matar os soberanos que não pensassem como a Igreja dominante. E os parlamentos do reino não cessaram de proscrever essas abomináveis decisões de abomináveis teólogos38.

Ainda na obra “Tratado sobre a Tolerância”, Voltaire sugere a

existência de uma “tolerância universal”:

Não é preciso uma grande arte, uma eloquência muito rebuscada, para provar que os cristãos devem tolerar-se uns aos outros. Vou mais longe: afirmo que é preciso considerar todos os homens como nossos irmãos. O quê! O turco meu irmão? O chinês? O judeu? O siamês? Sim, certamente; por ventura não somos todos filhos do mesmo Pai e criatura do mesmo Deus? (...) vejo todos os mortos dos séculos passados e do nosso comparecerem a sua presença. Acreditais realmente que nosso Criador e nosso Pai dirá ao sábio e virtuoso Confúcio, ao legislador Sólon, a Pitágoras, a Zeleuco, a Sócrates, a Platão, aos divinos Antônio, ao bom Trajano, a Tito, as maravilhas do gênero humano, a Epicteto e a tantos outros, modelos dos homens: ide, monstro, sofrer castigos infinitos em intensidade e duração; que vosso suplício seja eterno como eu! E vós, bem amados Jean Châtel, Ravaillac, Damiens, Cartouche, Etc., que morrestes com as fórmulas prescritas, partilhai para sempre à minha direita meu império e minha felicidade? Recuais de horror a essas palavras e, depois que elas me escaparam, nada mais tenho a vos dizer39.

Diante da contribuição de Voltaire acerca da tolerância, entende-

se que há muito que aprender com relação à tolerância na sua magnitude e, que

quando ignorada pode resultar em ações intolerantes, por vezes expressadas até

37 VOLTAIRE. Tratado sobre a tolerância: a propósito sobre a morte de Jean Calas. Tradução Paulo Neves 2. Ed. São Pulo: Martins Forenses, 2000, págs. 22 e 58. 38 VOLTAIRE. Op. cit., p.64. 39 VOLTAIRE. Op. cit., 121 - 124.

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inconscientemente, mas que excluem e punem de muitas maneiras.

1.3 AS REVOLUÇÕES RELIGIOSAS

1.3.1 A Revolução Inglesa no século XVll

No século XVII a Revolução Inglesa representou a primeira

demonstração de deficiência do sistema daquele período, chamado de absolutismo.

O poder da monarquia, então limitado, abdicou considerável parte de seus direitos ao

Parlamento instaurando-se um novo regime, o parlamentarista. Esta passagem que

teve início com a Revolução Puritana de 1640, findou com a Revolução Gloriosa de

1688. As duas revoluções fazem parte de uma mesma ação revolucionária, por isso a

denominação “Revolução Inglesa do século XVII” ao invés de “Revoluções Inglesas”.

1.3.2 A Revolução Puritana de 1640

O governo de Oliver Cromwell40 satisfazia os interesses da

burguesia. Assim, quando surgiram rebeliões na Escócia e na Irlanda, Cromwell as

reprimiu com muita truculência, buscando desta maneira, extinguir a reação

monarquista, realizando uma “limpeza” militar.

No ano de 1653, Oliver Cromwell intitulou-se “Lorde Protetor da

República”, sendo que seus poderes irrestritos comparavam-se ao de um rei. Ainda

que agisse como um soberano, ele recusara a fazer uso de uma coroa.

A partir disso, apoiado pelos militares e pela burguesia,

estabeleceu a ditadura puritana, administrando com rigor e intolerância, juntamente

com conceitos puritanos. Cromwell morreu em 1658 tendo seu posto ocupado pelo

filho Richard, logo destituído do cargo no ano seguinte por falta de liderança e

capacidade.

Os puritanos, grupo de pessoas que almejaram uma religião que

40 Oliver Cromwel, membro de uma família de pequenos proprietários rurais puritanos, foi o nome mais destacado da Revolução.

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fosse capaz de satisfazer seus interesses, perseguiam com todas as forças os desvios

religiosos, não admitindo qualquer tipo de erro. Os puritanos também se preocuparam

em serem cada vez mais puros, tanto no campo pessoal, como nas instituições,

irmandades ou em suas comunidades. O grupo teve o apoio do calvinismo e influência

do iluminismo. Surgiu na Inglaterra com o protestantismo, após a ruptura da Igreja

com o Estado, ou seja, a divergência e separação de Henrique VIII com Catarina de

Aragão no ano de 1532. Na Inglaterra o protestantismo iniciou no reinado de Eduardo

VI e Isabela I.

O movimento teve início no século XVI e XVII na Inglaterra,

devido à Rainha Elizabeth I ter o comando da Igreja, dos bispos e das cerimônias.

Como os puritanos se demonstraram revoltados e descontentes, a Rainha e a Igreja

passaram a perseguir as religiões e organizações que não lhes aderissem. Eles

também não aceitavam as vestimentas clericais, aprovavam sim a toga.

Carlos I confirmou a perseguição sob os puritanos que se

refugiaram em Massachusetts, onde fundaram colônias e formavam vários grupos

com diferentes maneiras de viver e pensar.

Devido a tais perseguições, um grupo Congregacionalista da

Inglaterra, na pessoa de Oliver Cromwell, derrotou Carlos I. Com a retomada de Carlos

II, houve a expulsão de milhares de puritanos da Igreja da Inglaterra. Porém, o

movimento puritanismo com dinamicidade e pertinência foi capaz de influenciar por

mais de um século na Inglaterra:

O movimento surgiu no seio da Igreja na Inglaterra, durante a perseguição, movida pela Rainha Maria Tudor, ao protestantismo. O puritanismo baseava-se no conceito do sacerdócio universal dos crentes e opunha-se ao autoritarismo civil na Igreja. Combateu certos usos e tradições que a Igreja Anglicana mantinha. Opôs-se à música nos serviços divinos e aos próprios estudos teológicos. Surgiram diversas tendências no movimento, diferençando-se numa minoria mais radical e uma maioria moderada. No século XVII, os puritanos, chegaram a dominar o governo. As questões religiosas, relacionadas com o puritanismo, constituíram também fator decisivo nas relações anglo-escocesas da época41.

As demais persecuções que os puritanos sofreram, provocaram

novas colonizações, onde continuaram com seus princípios calvinistas de maneira

41 SCHLESINGER, Hug, Humberto Porto. Dicionário enciclopédico das religiões. Petrópolis: Vozes,1995, p. 2137-2138.

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democrática, com pretensões de uma Igreja simples e pura de acordo com o

evangelho. Em suas lutas desencadearam principalmente a conquista de seu espaço

e promoveram à tolerância, pois lutaram não só pela purificação do culto, mas também

do governo eclesiástico, do sistema político e governamental. Também defendiam que

o seu mundo, ou seja, seu movimento poderia fazer aliança política com Deus, para

defender e implantar o novo ideal por eles almejado.

Neste período, desencadeiam-se ulteriores revoluções:

americana, francesa, holandesa, belga, genebrina, entre outras, que transtornaram a

Europa, visando à independência das colônias. Às vezes as revoluções juntavam aos

aspectos políticos, questões religiosas:

No plano político, “as doutrinas modernas de liberdade e igualdade, dos direitos naturais e soberania do povo, foram proclamadas primeiramente pela Revolução Americana. A declaração da independência anunciou que ‘todos os homens são criados iguais’, com direito igual à vida, à liberdade e à busca da felicidade”, o termo felicidade (le bonheur, la felicite publique) aí representando expressão corrente no iluminismo europeu. A antiguidade clássica, antes do pensamento da ilustração, e depois dele o antigo Direito inglês, a concepção religiosa puritana e o radicalismo do século XVIII, nessa ordem, foram as principais influências na criação da federação americana42.

Diante das revoluções em busca da liberdade, da igualdade em

seus direitos naturais, que muitos já tinham conquistado com a influência do

iluminismo e do calvinismo, vem de encontro o puritanismo querendo purificar a Igreja

da Inglaterra com seu governo. Os conflitos aumentaram, provocando confrontos

entre puritanos e demais religiões que se envolveram:

Os autores comumente identificam um elemento comum entre o princípio do puritanismo e o americanismo e, a partir daí, estabelecem relação histórica entre as teorias da Inglaterra puritana, a teoria de John Locke e a influência deste na democracia americana, cuja teoria refletiria uma sociedade na qual os homens consideravam mais importantes dizer o que o Estado não devia fazer do que afirmar as obrigações dele. O governo – pensavam os pioneiros – era um mal necessário, devia ser tolerado desde que reduzido ao mínimo. “Como a América foi, durante muito tempo, o grande e destacado exemplo de Democracia, a ligação entre a democracia e um conceito negativo de governo sobreviveu às circunstâncias históricas que a produziram”. Os puritanos procuravam viver de acordo com o que julgavam ser a vontade de Deus em uma comunidade cujo modelo era a dos cristãos primitivos. A teoria puritana de governo civil assemelhava-se à teoria Congregacionalista, ambas baseadas na ideia de um pacto sob o governo da Igreja. A congregação puritana constituía-se em irmandade de iguais, cuja diferença de capacidade, caráter e riqueza era naturalmente aceita e iriam inspirar a experiência de uma convivência democrática baseada no consentimento e na solução das

42 CERQUEIRA, Marcelo. A constituição na história: origem e reforma da Revolução Inglesa de 1640 à crise do Leste Europeu. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2006, p.64.

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divergências pelo debate43.

Neste sentido, os princípios do puritanismo e do americanismo

se entrelaçaram ao promover uma reflexão a respeito do puro e do impuro na

sociedade. Ênfase e relevância são dadas à democracia americanizada, que promove

a conquista dos objetivos a serem conquistados, pois o desejo dos puritanos era a

liberdade religiosa e a democracia política em suas colônias, estas constituídas com

sacrifícios em muitos lugares da Europa44:

Os puritanos que povoaram a Baía de Massachusetts trouxeram consigo a Carta de sua companhia comercial e os acionistas se transformaram na legislatura da colônia. O donatário da colônia de Maryland recebeu poderes ditatoriais, mas dele se exigiu que reunisse os habitantes para que lhe aprovassem as leis, o que resultou em batalha que duraria quase um século e terminaria com a vitória da legislatura eleita de Maryland. À medida que cresciam as colônias, seus corpos legislativos alcançavam maior poder sobre os governadores mandados da Inglaterra45.

A nova forma de vida dos puritanos resultou na elaboração de

novas leis, que por sua vez desencadeou batalhas para ser firmada. No decorrer do

tempo essas legislaturas coloniais que aplicavam e cobravam impostos, foram

reconhecidas pela Inglaterra.

Os colonos ingleses, para evitar maior divisão e

desentendimentos internos, promoveram a conquista do voto para eleger

representantes que cuidassem do bem comum das colônias.

1.3.3 O Bill of Rights de 1689

Com a ausência de conflitos sangrentos, a Revolução mostrou

que para abolir o absolutismo, não era preciso o banimento da figura do rei, uma vez

que esse admitisse se submeter às determinações do Parlamento. Simbolizando a

passagem política de uma Monarquia Absolutista para uma Monarquia Parlamentar,

a Revolução Gloriosa estabelecia a contemporânea política inglesa onde o poder do

rei está confiado ao Parlamento.

No dia 13 de fevereiro de 1689, na cidade de Londres, em uma

43 CERQUEIRA, Op. cit., p. 67-68. 44 CERQUEIRA, Op. cit., p.105. 45CERQUEIRA, Op. cit., p.82.

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das salas do Parlamento, os reis Guilherme e Maria rubricaram um termo, aprovando

a Declaração dos Direitos (Bill of Rights), sendo este um dos mais relevantes

documentos políticos da modernidade. Assim, o documento Bill of Rights foi o primeiro

representativo do movimento constitucional, já que a sua formatação estava volvida

para o exclusivo desígnio de restringir o poder do rei e garantir direitos individuais,

segundo afirma Matteucci: “Toda la construcción jurídica se encuentra dominada por

una única finalidad: controlar al poder ejecutivo, impedir el poder arbitrario de la

representación, con el objetivo de garantizar los derechos de los ciudadanos”46.

A partir da aprovação do Bill of Rights, os reinantes seguiriam

administrando, mas de agora em diante deveriam acolher a presença constante de

um Parlamento, como também garantiriam os direitos do homem comum, princípios

que serviriam de embasamento para as modernas Monarquias Constitucionais.

Analogicamente, esta Declaração preservou os ingleses das intempéries que

ocorreriam na França cem anos depois, por ocasião da Revolução de 1789.

1.3.4 A Revolução Gloriosa de 1688

Quando o rei Jaime II foi deposto do trono britânico, ocorreu na

Inglaterra, um movimento entre 1688 e 1689 nomeado de Revolução Gloriosa, por

vezes apontada como a “Revolução sem sangue”. Explica-se esse codinome pela

maneira tranquila que transcorreu a troca do rei católico, da dinastia Stuart, pelo

protestante Guilherme de Orange, juntamente com sua esposa Maria II.

A própria essência da revolução gloriosa consistia em solucionar

o problema da limitação do Poder Público pelo próprio direito, de modo que, para

deslindar esse conflito, a obra de John Locke foi essencial47.

Em que pese ter sido John Locke o teórico fundamental a

idealizar a existência de um núcleo intangível de direitos fundamentais, que não

poderiam ser alcançados nem pelo próprio Poder Público, foi o desenvolvimento do

46 MATTEUCCI, Nicola. Organizacion del poder y libertad. Historia del constitucionalismo moderno. Madri: Trotta, 1998, p. 108. 47 MATTEUCCI, Nicola. Breve storia del costituzionalismo. Brescia: Morcelliana, 2010, p. 62 e 63.

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common law48 Inglesa, principalmente em virtude da Revolução Gloriosa e da atuação

de Edward Coke49 que na prática, ficou garantida a intangibilidade dos direitos

fundamentais.

Conforme Nicolas Matteucci:

A consolidação da revolução gloriosa constitui acontecimento histórico fundamental para a colocação dos direitos fundamentais como elemento jurídico estruturante e legitimador do Estado Democrático de Direito (Estado constitucional). Na revolução gloriosa, Thomas Cromwell realizou uma revolução governamental, por meio de racionalização burocrática da administração central para fazê-la mais eficiente e forte50.

Tal revolução ocorreu por meio de um acordo secreto entre o

parlamento inglês e Guilherme de Orange, numa ação que pretendia transferir o trono

britânico ao príncipe, em consequência da aversão dos nobres britânicos perante a

persistência de Jaime II em conduzir o país na direção da doutrina católica. Assim

sendo, o até então rei Jaime, perdeu a lealdade de suas tropas que o abandonaram e

em junho de 1688 Guilherme é proclamado rei com o título de Guilherme III.

Assim, a Revolução Gloriosa deu início a uma prática adotada

atualmente na política inglesa, que é a da Monarquia Parlamentar, em passagem ao

absolutismo, onde o poder do soberano é restringido pelo parlamento, manifesta no

apotegma: ‘o rei reina, mas não governa’.

Por fim, com a Revolução Gloriosa, a burguesia britânica se

desprendia do Estado absolutista, que com suas intervenções constantes,

representava um obstáculo para um satisfatório crescimento econômico. Assim

sendo, a burguesia, ligada a aristocracia rural, passou a exercer o poder político de

modo direto por meio do Parlamento, caracterizando a constituição de um Estado

Liberal, que seria apropriado ao desenvolvimento do capitalismo e que associado a

48 Common Law, termo utilizado nas ciências jurídicas para se referir a um sistema de Direito cuja aplicação de normas e regras não estão escritas mas sancionadas pelo costume ou pela jurisprudência. Tal forma de Direito tem origem na concepção do direito medieval inglês que, ao ser ministrado pelos tribunais do reino, refletia os costumes comuns dos que nele viviam. Este sistema legal vigora no Reino Unido e em boa parte dos países que foram colonizados por este país. 49 Jurista, escritor e parlamentar inglês nascido em Mileham em 1552, Norfolk, notabilizado pela defesa do princípio da supremacia da lei comum diante das prerrogativas do rei o que diminuiu o poder da realeza na Inglaterra e teve profundas conseqüências no desenvolvimento da legislação e da constituição britânicas. Morreu em Stoke Pegos, Buckinghamshire, Inglaterra no ano de 1634. 50 MATTEUCCI, Nicola. Organizacion del poder y libertad: Historia del constitucionalismo moderno. Madri: Trotta, 1998, p. 79-80.

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outros fatores, fez com que os britânicos figurassem como precursores da Revolução

Industrial durante o século XVIII.

1.3.5 A Revolução Francesa de 1789

O ano de 1789 marcou a história do povo da França. É neste

momento que o país extinguiu a monarquia absoluta e estabeleceu a primeira

República. Assim sendo, a Revolução Francesa, tida como uma das mais

significativas dentre todos os movimentos revolucionários, tomou como referência os

ideais iluministas.

Os pensadores do Iluminismo entusiasmaram não somente o

movimento, mas, inspiraram a “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”,

que por sua vez, influenciou a concepção de uma teoria dos direitos e garantias

fundamentais. Assim, a partir da Revolução do povo, foi concretizado o embasamento

dos direitos humanos garantidos ao homem e ao cidadão, que perduram até os dias

de hoje.

Apesar de não ter sido o primeiro fato histórico influenciado pelas

ideias liberais, a Revolução Francesa foi um dos mais expressivos e de

consequências bastante profundas e determinantes para a construção da ideia de um

Estado de direito.

O rei parecia ter boas intenções, mas lhe faltava firmeza e

coragem para reorganizar o Estado, provocando certo desconforto nos demais países

da Europa. Muitos fugiram da França, inclusive o rei, este sem obter êxito na fuga. A

Revolução suprimiu seu direito de reinar, porem o mesmo recorreu a Assembléia, que

o recolocou no trono. Diante disso, a Assembléia acreditava possuir o direito de

mandar, julgar, decretar, e o rei teria que somente assinar:

Mas, tendo se negado a assinar os decretos que puniam de morte os fugitivos, foi encarcerado. Durante sua prisão, os revolucionários decretaram o fim da realeza e o início da República (22/9/1792). Essa data marcou o começo de uma “nova era” na França. Os revolucionários da extrema esquerda decretaram: “Não há crime em tempo de revolução”. Começou o

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terrorismo51.

A Revolução promoveu a decapitação de muitos, dentre eles o

rei Luís XVI e parte de seus familiares. Diante disso, a relação da Igreja com a política

francesa fracassou, devido à impossibilidade de manter a unidade entre eles. Ambos

se confrontaram por meio de acusações e críticas relacionadas às práticas de governo

e de liderança:

A Igreja sofreu muito com a Revolução Francesa, porque no conceito dos revolucionários ela estaria ao lado do governo. Os padres foram perseguidos porque, embora a maioria fosse pobre, muitos deles pertenciam à nobreza. Finalmente, a verdade é que, atrás de tudo, o anticlericalismo dos iluministas. A revolução começou confiscando o dízimo do clero e os bens da Igreja (11/8/1789). Suprimiu as ordens religiosas, menos as que cuidavam dos doentes, da educação e das ciências. Obrigou o clero a prestar juramento de obediência à nova Constituição. Os padres que recusaram foram presos, deportados, e até mortos. Cerca de 40.000 padres perderam sua pátria […] A 22/9/ 1789, os revolucionários radicais decidiram “abolir” oficialmente a era cristã. Substituirão o calendário comum pelo “calendário republicano” que, em lugar das festas cristãs, traziam as festas republicanas. Celebrações sacrílegas com “deusas da razão” profanaram a Catedral de Notre-Dame, em Paris e em outras igrejas da França. Introduziram no altar da Catedral de Notre-Dame uma dançarina, com símbolos dos revolucionários. Mosteiros foram invadidos e tomados; igreja transformado em armazéns e estrebarias52.

Assim, impossibilitar a criação de um pluralismo político e

religioso de forma pacífica, a consequência foi o rompimento da Igreja Católica com a

França e com a Revolução.

1.4 LIBERDADE RELIGIOSA

A humanidade aspira à liberdade em todos os seus aspectos e

a busca incansavelmente. Em matéria de liberdade religiosa não é diferente, de fato

as pessoas procuram expressar sua fé sem serem hostilizadas por sua escolha. Acima

de tudo anseia por respeito ao externar e testemunhar suas crenças e seu encontro

com o Sagrado.

Sobre o conceito de liberdade, afirma De Plácido e Silva:

O vocábulo liberdade vem do latim libertas, de liber (livre), indicando

51 CECHINATO, Luiz. Os vinte séculos de caminhada da Igreja: principais acontecimentos desde os tempos de Jesus até João Paulo II. Petrópolis: Vozes, 1996, p. 325. 52CECHINATO. Op. cit., p. 326.

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genericamente, a condição de livre ou estado de livre, significa, no conceito jurídico, a faculdade ou poder outorgado à pessoa, para que possa agir, segundo sua própria determinação, respeitadas entanto, as regras legais instituídas53.

Maria Helena Diniz, no âmbito do Direito Constitucional,

conceitua a liberdade como, “aquela que todos os cidadãos têm de não sofrerem

restrições no exercício de seus direitos, salvo nos casos determinados por lei”.54

Seguindo esta reflexão, Aldir Guedes Soriano, em sua obra “Liberdade Religiosa no

Direito Constitucional e Internacional”, cita parte do pensamento kantiano acerca da

liberdade. A mesma foi acolhida no art. 4º da Declaração de 1789:

A liberdade consiste em poder fazer tudo o que não prejudique a outrem: assim, o exercício dos direitos naturais do homem não tem outros limites senão os que asseguram aos demais membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Esses limites somente a lei poderá determinar, mas acrescenta: a lei não pode proibir senão as ações nocivas a sociedade55.

No entanto a liberdade como tal, além de fazer parte da

dignidade da pessoa humana, independentemente de religião, traz vida quando é

utilizada com responsabilidade, tendo em vista o bem comum da sociedade como um

todo, pois em sociedade se vive a verdadeira liberdade.

Diante dessas reflexões os professores Jeam Rivero e Hugues

Moutouh, atestam:

Todo o sistema jurídico é, de fato, a expressão de certos números de valores, de uma concepção de homem e da sociedade, quer explicitado em documentos oficiais, quer formulado com menos nitidez. Em direito francês, os principais dentre esses valores continuam ligados a noção de direitos do homem e ao sistema liberal oriundo da revolução de 1789, cujo estudo está no âmago do direito das liberdades (...) mas, em sentido inverso, os direitos humanos, desde a Segunda Guerra Mundial, são objetos de afirmações solenes e repetidas, não só na quase totalidade das Constituições, mas também em documentos de alcance mundial tão diferentes quanto a Declaração Universal elaborada em 1948 pelas Nações Unidas e a encíclica Pacem in Terris do Papa João XXIII em 1963. E nunca suas violações suscitaram, na opinião pública, protesto tão intensos, que atestam, pelo menos, uma tomada de consciência muito ampla56.

Diante da sede por uma divindade, na qual os seres humanos

depositam sua confiaça, e por meio desta busca incansavelvente o bem maior que é

53De Plácido e Silva. apud SORIANO, Aldir Guedes. Liberdade Religiosa no Direito Constitucional e Internacional: Editora, Juarez de Oliveira. São Paulo, 2002, p. 1. 54DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. Vol. 3, São Paulo: Saraiva, 1998, p. 121. 55SORIANO, Op. cit., p. 3. 56RIVERO, Jean; MOUTOUH, Hugues. Liberdades Públicas. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p.4-5.

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a paz. Apostam em seus lideres políticos, para que os mesmos certifiquem que os

humanos necessitam de segurança e dignidade humana, sem perder o que é mais

sagrado, isto é, a convivência entre os povos de raças e etnias diferentes sem

necessidades de terrorismo.

1.4.1 Artigo 17º Do Tratado de Lisboa e Liberdade Religiosa na Carta dos

Direitos Fundamentais da União Européia57

O Tratado de Lisboa, depois de muitos anos de reflexão, nasce com uma força

e contempla muitos aspectos da realidade europeia. Esse aspecto toma corpo e forma

frente à União Europeia, e faz jus e garante a liberdade de Culto às religiões e

correntes filosóficas nos seus Estados-Membros. Nesta vertente o Tratado de Lisboa

a presenta seu Artigo 17º:

1. A União respeita e não interfere no estatuto de quem gozam, ao abrigo do direito nacional, as igrejas e associações ou comunidade religiosas nos Estados-Membros.

2. A União respeita igualmente o estatuto de quem gozam, ao abrigo do direito nacional, as organizações filosóficas e não confessionais.

3. Reconhecendo a sua identidade e o seu contributo específico, a União mantem um diálogo aberto, transparente e regular com as referidas igrejas e organizações58.

Neste aspecto percebe-se que ao perscrutar sobre a influência

ou não das religiões ou correntes religiosas na União Europeia se dá de forma que, o

Tratado de Lisboa contempla de forma prudente versando em prol do diálogo e do

respeito entre ambas as instituições. No comentário do Artigo 17º 1, do Tratado o autor

faz alusão:

A problemática da relação entre a EU e a Religião, concretamente o cristianismo nos seus diversos ramos, foi alvo de grades polêmicas, sobretudo quando da projectada (e ultrapassada) Constituição europeia. Renunciando a um reconhecimento positivo e explícito da importância das

57 O texto 1.4.2 é parte integrante do artigo intitulado: “TRANSNACIONALISMO: ESTADO DE DIREITO LAICO E EQUILIBRADO”, com carta de aceite a ser publicado na Revista Justiça do Direito (ISSN: 1413-7038), volume 27, n. 2, ano 2013. In: CATAFESTA, Sercio Ribeiro. Transnacionalismo: estado de direito laico e equilibrado. Revista Justiça do Direito, 27-2, 2013. (no prelo) 58 PORTO, Manuel Lopes; ANASTÁCIO, Gonçalo, Tratado de Lisboa: comentado e anotado. Edições Almedina, Coimbra, Portugal, 2012, p.256.

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Igrejas cristãs na origem, formação e coesão da Europa, no seu artigo 17º, a EU exprime seu pensamento e agir, reduzindo-o ao mínimo possível59.

Assim o Tratado de Lisboa, no artigo 17º. 2, faz referência

indireta ao Estado laico, com os religiosos:

No nº 2, em certo sentido, as igrejas são ainda mais desvalorizadas, pois a elas são equiparadas “as organizações filosóficas e não confessionais” (…) Quais serão estas? É difícil responder, mas nada nem numa se compara ao papel e presença das Igrejas na vida da Europa60.

O Tratado destaca a questão do diálogo entre a União, Igrejas e

Organizações.

No nº 3, sublinhando o “reconhecimento da sua identidade e do seu contributo específico, a união mantém um diálogo aberto, transparente e regular com as referidas Igrejas e organizações”. Neste diálogo, que pode conter tudo ou nada, é que, de facto, se joga o presente e o futuro (…) O papel positivo, a força aglutinadora, a inspiração, a “alma” que as confissões religiosas podem trazer, e trazem de facto, às sociedades a que a EU dá nome e cobertura (…) é tristemente omitido (…) Estas afirmações são reveladoras de uma atitude “asséptica” e preconceituosa para salvar o carácter secular da EU. No entanto, esta legítima preocupação poderia ter outras expressões, mais positivas e mais próximas da realidade social da Europa, de ontem e de hoje61.

Portanto, é impressionante a visão do autor a respeito da

posição do Tratado que não faz discriminação ou desvalorização das religiões e nem

das organizações não religiosas mas trata a todas iguais com mesmo mérito. A Carta

dos Direitos Fundamentais da União Europeia foi o marco da história que protege

entre si a união, a solidariedade, compartilhando os valores, a dignidade da pessoa,

bem como a luta pela paz e o bem comum:

Consciente do seu património espiritual e moral, a União baseia-se nos valores indivisíveis e universais da dignidade do ser humano, da liberdade, da igualdade e da solidariedade; assenta nos princípios da democracia e do Estado de direito. Ao instruir a cidadania da União e ao criar um espaço de liberdade, segurança e justiça, coloca o ser humano no cerne da sua acção62.

Percebe-se o esforço da União que na Carta deseja colocar tudo

59 PORTO, Manuel Lopes; ANASTÁCIO, Gonçalo, Tratado de Lisboa: comentado e anotado. Edições Almedina, Coimbra, Portugal, 2012, p.256. 60 PORTO, Manuel Lopes; ANASTÁCIO, Gonçalo, Tratado de Lisboa: comentado e anotado. Edições Almedina, Coimbra, Portugal, 2012, p.256. 61 PORTO, Manuel Lopes; ANASTÁCIO, Gonçalo, Tratado de Lisboa: comentado e anotado. Edições Almedina, Coimbra, Portugal, 2012, p.256. 62 PORTO, Manuel Lopes; ANASTÁCIO, Gonçalo, Tratado de Lisboa: comentado e anotado, p.1383.

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em desenvolvimento, mas sem perder de vista a diversidade, costumes e tradição dos

povos e a liberdade de ir e vir de modo transnacional. Um exemplo real de

transnacionalidade é o aspecto da liberdade prática, pensamento e consciência

religiosa. Artigo 10º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

1. Todas as pessoas têm direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião. Este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, individual ou coletivamente, em público ou em privado, através do culto, do ensino, de práticas e da celebração de ritos.

2. O direito à objeção de consciência é reconhecido pelas legislações nacionais que regem o respetivo exercício63.

A Carta também vem de encontro das liberdades de modo

especial a religiosa. Pois, os pensadores da mesma percebem que é de fundamental

importância respeitar os costumes e as crenças. Neste sentido, ela colabora com sua

mística para a vida e harmonia de muitas pessoas. As autoras: Alessandra Silveira e

Mariana Canotilho, (e outras pessoas) organizaram esta exímia obra, fazendo estudos

acurados, coletando informações que comentam o artigo 10º da Carta dos Direitos

Fundamentais da União Europeia, relatando e refletindo aspectos pertinentes a

respeito de perseguição e liberdade de pensamento e expressão religiosa e não

religiosa.

Componente essencial da conquista e da garantia da liberdade individual contra a opressão, a perseguição e a discriminação, intelectual, moral e religiosa, a liberdade de pensamento, de consciência e de religião, não podia faltar na CDFUE, tal como integra todas as modernas declarações nacionais de direitos humanos, desde o bill of rights da Virgínia, de 1776, e da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, até a Convenção de Direito Civis e Político das Nações Unidas, de 1966, passando pela Declaração Universal de Direito do Homem, de 1948, e pela Convenção Europeia de Direitos Humanos, de 1950 (…) No caso da União europeia, que é

uma união de Estados caracterizadamente plurinacional e plurirreligiosa, e onde coabitam diversos regimes de relações entre o Estado e religiões, a liberdade de pensamento, de consciência e de religião é tanto mais importante quanto ela integra seguramente o núcleo duro dos valores em que assenta a União e que são comuns

aos Estados-Membros64.

Por isso o autor procura dar a importância à reflexão sobre as

liberdades transnacionais em muitos aspectos na vida das pessoas independente de

credo. Pois, nas liberdades diversas, atenta a questão religiosa, a qual não deve impor

63 SILVEIRA, Alessandra; CANOTILHO, Mariana. Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Comentada. Edições Almedina, Lisboa, Pt. 2012, p.138. 64 SILVEIRA, Alessandr; CANOTILHO, Mariana. Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Comentada. Edições Almedina, Lisboa, Pt. 2012, p.138.

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limite nem ser intolerante, mas ser livre no sentido de criar espírito de pertença a

divindade que simpatiza e serve como crença religiosa.

Desnecessário se torna afirmar que se todos têm o direito de anunciar e manifestar as suas opiniões, convicções ou crenças religiosas (ou ausência delas), ninguém, porem, pode ser obrigado a fazê-lo. A liberdade de pensamento, de consciência e de religião compreende o direito de manter reserva externa sobre as opções de cada um. Diferente pode ser o caso em relação à pertença a organizações coletivas votadas a implementação dessas opções (…) a liberdade de religião compreende também a liberdade de comunicação com os crentes e o público em geral, a liberdade de educação dos crentes os princípios e valores da respectiva religião, bem como a liberdade de difusão e propagação de crenças religiosas65.

Desta forma, percebe-se que a liberdade religiosa deve ter

autonomia e dar autonomia a outrem. Liberdade esta, consiste em ser livre para ter

ou não ter religião; aderir, mudar, abandonar, crer ou não crer. Por outro lado, o poder

público não tem compromisso com aspectos econômico e ideológico.

O poder público não tem nenhuma obrigação positiva (dever de fazer ou intervir) para apoiar ou fomentar liberdade de pensamento, de consciência ou de religião. Não lhe incumbe financiar igrejas, nem construir ou manter templos, nem subsidiar escolas religiosas, nem decretar feriados religiosos, nem muito menos organizar atos de culto (missas etc.) nem fazer proselitismo religioso ou anti religioso66.

Assim, a pretensão seria verdadeiramente o Estado laico. Onde

não precisaria a igreja preocupar-se com os aspectos sociais, educação, hospitais,

presídios e muito menos assegurar assistência nas questões religiosas ou filosóficas.

Porém, o poder público deve proteger os cultos e aglomerações de pessoas.

O poder público não tem somente o dever de respeitar, mas também de as fazer respeitar por terceiros (direito à segurança no exercício das liberdades individuais). Todos têm o direito de exercer, ou não, a liberdades individuais a coberto de ameaças ou ataques de terceiro (…) a liberdade religiosa inclui a liberdade de criticar ou censurar as religiões (pela palavra ou pela expressão artística), que ademais revela também da liberdade de expressão e de opinião67.

A liberdade de pensamento leva os críticos a emitir suas

65 SILVEIRA, Alessandra; CANOTILHO, Mariana. Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Comentada. Edições Almedina, Lisboa, Pt. 2012, p. 141-142. 66 SILVEIRA, Alessandra; CANOTILHO, Mariana. Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Comentada. Edições Almedina, Lisboa, Pt. 2012, p.144. 67 SILVEIRA, Alessandra; CANOTILHO, Mariana. Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Comentada. Edições Almedina, Lisboa, Pt. 2012, p.144-145.

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opiniões e por elas se responsabilizar de maneira coerente, respeitando o princípio da

não discriminação. Pois, tendo consciência de sua religião, defende-se, mesmo frente

ao poder público, vive-se independente dele, e com ele (poder público) exerce sua

função.

A liberdade religiosa coloca exigências próprias à relação do Estado a religião. Da liberdade individual de opção religiosa e do principio da não-discriminação (ver supra) resulta necessariamente que o poder público tem de adotar uma fundamental atitude de neutralidade e imparcialidade religiosa, de modo a não constranger a primeira nem a infringir o segundo (…) a imparcialidade e neutralidade do Estado impede-o também de estabelecer obrigações públicas de natureza religiosa, de discriminar as pessoas conforme as suas opções morais ou religiosas (…) nem a CEDH nem a CDFUE impõem um principio de laicidade do Estado ou do poder público em geral, nem um princípio de separação entre o Estado e a religião, como sucede a nível nacional em vários países, como, por exemplo, em França e em Portugal68.

A separação entre Estado e religião é para se evitar

discriminação. Não se pode forçar a prática dessa ou daquela religião, nem mesmo

proibir de as praticar ou não praticar. A União Europeia não estabelece nem uma regra

de separação entre União Europeia e as Igrejas e sim o respeito mútuo pela cultura e

diversidade religiosas.

O artigo 17º do TFUE, depois de declarar que a União respeita e não interfere com o estatuto de que gozam as igrejas a nível nacional (nº 1), bem como as organizações filosóficas e não confessionais (nº 2), limita-se a estipular que a União “reconhece a sua identidade e o seu contributo específico” e “mantem um diálogo aberto, transparente e regular com as referidas igrejas e organizações”. Nem o mais tênue indicador de alguma relação privilegiada, muito menos oficial, com alguma igreja ou organização em especial (…) a “Constituição Europeia” (2004), foi rejeitada a proposta de invocação de Deus no seu preâmbulo, tendo-se decidido ficar somente pela invocação do “património cultural, religioso e humanista da Europa”, que depois passou para o preâmbulo do Tratado da União Europeia, tal como resultou do Tratado de Lisboa, de 2007. Não podem por isso restar dúvida de que, embora respeitando o diferenciado estatuto das relações Estado-religião ao nível dos seus Estados-Membros, a União Europeia adotou decididamente uma lógica de separação e de neutralidade e imparcialidade religiosa69.

Embora exista pessoas que façam parte de órgãos públicos de

estados que se dizem laicos, mas seu governo e seus representantes e seu povo

68 SILVEIRA, Alessandra; CANOTILHO, Mariana. Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Comentada. Edições Almedina, Lisboa, Pt. 2012, p.48-49. 69 SILVEIRA, Alessandra; CANOTILHO, Mariana. Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Comentada. Edições Almedina, Lisboa, Pt. 2012, p.150-151.

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sempre têm afinidade por uma ou outra religião ou nenhuma que passa a ser, no seu

foro interno. O Estado pode se dizer laico, mas seu governo e seu povo nem sempre.

O regime jurídico das religiões e da sua organização permanece exclusivamente nas mãos dos Estados-Membros. O Artigo 17º do TFUE é enfático na formação de que a “União respeita e não interfere no estatuto de quem gozam, ao abrigo do direito nacional, as igrejas e comunidades religiosas nos Estados-Membros” (nº1), o mesmo se aplicando às “organizações filosóficas e não confessionais”, (nº 2), (…) o artigo 19º do TFUE estabelece expressamente a competência da União para tomar as medidas legislativas necessárias para combater a discriminação em razão de vário motivos, entre os quais a religião ou crença (nº 1), ou para apoiar os Estados-Membros no mesmo sentido (nº 2)70.

Portanto, é de suma importância essa relação que a União

ressalva da competência e soberania que Estado e Igreja tem, e que devem viver em

harmonia e respeito mútuo. E ainda no Artigo 22º da CDFUE se destaca: “A União

respeita a diversidade cultural, religiosa e linguística”.

No que respeita à diversidade religiosa, importa referir que, segundo a nota explicativa, da Carta, este artigo 22º foi inspirado pela Declaração nº 11 para a Acta Final do Tratado de Amsterdam, relativa ao estatuto das Igrejas e das organizações não confessionais. O texto da Declaração foi, entretanto, integrado, pelo Tratado de Lisboa, no artigo 17º do TFUE, nos termos do qual a União respeita e não interfere no estatuto de que gozam, ao abrigo do direito nacional, as Igrejas e associações ou comunidade religiosas nos Estados-Membros, bem como as organizações filosóficas e não confessionais, mantendo com umas e outras um diálogo aberto, transparente e regular, assente no reconhecimento de sua identidade e do seu contributo específico71.

Portanto, a Carta traz à baila muitos aspectos pertinentes que

ao perscrutar vai descobrindo e esclarecendo que a União deixa que os Estados-

Membros, convivam, respeitem-se e dialoguem com transparência com as

denominações em epígrafe, caso haja abusos pelas partes a União poderá interferir.

Fica claro que a Comunidade da União Europeia não concedeu privilégio nenhum e

trata a todos igualmente, mesmo que as Igrejas por justiça poderiam ter um algo a

mais, pelo fato de muito contribuírem com a história, com desenvolvimento cultural,

artístico, educação, conscientização transnacional e inúmeros benefícios sociais na

questão humanista que desenvolve e que muitas vezes supre as lacunas do Estado.

70 SILVEIRA, Alessandra; CANOTILHO, Mariana. Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Comentada. Edições Almedina, Lisboa, Pt. 2012, p.154. 71 SILVEIRA, Alessandra; CANOTILHO, Mariana. Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Comentada. Edições Almedina, Lisboa, Pt. 2012, p.281.

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1.4.2 A Liberdade Religiosa no Brasil

No Brasil não é prática comum alguém ser publicamente

discriminado ao expressar sua fé ou religiosidade, ou seja, a maioria das pessoas

podem praticar sua crença ou não crença de maneira livre. Existe liberdade que

permite a todos exteriorizar sua confissão religiosa, com a condição de não violação

dos preceitos legais e da dignidade da pessoa humana. A CF 88 oferece os

dispositivos legais, referentes à liberdade religiosa:

Art. 5: (...) VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; VII - é assegurado, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva; VIII – ninguém será privado por mitivo de direitos por motivos de cresnças religisiosa ou de convicções filosóficas (...). Art. 19 É vedada à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;

Portanto, os artigos citados promovem e garantem plena

liberdade religiosa para manifestar e professar crenças e fé. O texto constitucional

inclui o respeito também àqueles que se autodenominam ateus:

A Constituição reconhece o direito à liberdade de crença, que compreende (a) o direito de proteção contra o Estado, no sentido de que este não pode, p.ex., impor a observância de uma religião (art. 19, I), e, também, (b) o direito a prática religiosa, como expressão da liberdade de crença. A liberdade de crença, no entanto, não escusa a pessoa de cumprir obrigação legal a todos imposta (art. 5º, VIII). Vê-se, assim, que a liberdade de crença é limitada pelo princípio da isonomia, no sentido de que uma identidade religiosa não é fator que justifique tratamento privilegiado72.

A Carta Magna Brasileira assegura a liberdade de crença ou não

para todos, desde que não desrespeite os dispositivos legais, nem violem a dignidade

da pessoa humana, coibindo e incriminando exageros e extrapolação de limites

jurídicos.

Na visão de José Miguel Garcia Medina o Estado é laico e não

deve permitir ou favorecer nenhuma crença ou não crença. Necessário se faz que

72 MEDINA, José Miguel Garcia. Constituição Federal Comentada: com súmulas e julgados selecionados do STF e de outros tribunais. 2 ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo Editora Revistas dos Tribunais, 2013, p.81.

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haja respeito, cooperação, diálogo, diplomacia e compreensão, levando em

consideração a justiça e a paz. Neste sentido, refletindo sobre as Cartas

Constitucionais Brasileiras, percebe-se que há um vínculo de respeito e

reconhecimento de algumas ações que as igrejas realizam. Essas ações tornam-se

reconhecidas pelo Estado:

Art. 19 Visam ao equilíbrio federativo, preservam a natureza laica do Estado (inc. I) (...) Por estado laico compreende-se não apenas aquele que não acolhe ou impõe determinada religião, mas também aquele que não reprova uma ou outra religião. Considera-se, obre este prisma, ainda que de modo indireto. O Estado não deve seguir, também dogmas impostos por qualquer religião. Afirmou-se, no julgamento da ADPF 54, que “o Estado não é religioso, tampouco é ateu. O Estado é simplesmente neutro”. Isso significa que, “se de um lado a Constituição, ao consagrar a laicidade, impede que o Estado intervenha em assuntos religiosos, seja como árbitro, seja com censor, seja como defensor, de outro, a garantia do Estado laico obsta que

dogma de fé determine o conteúdo de atos estatais73.

A Constituição do Brasil confirma a liberdade religiosa e protege

todas as denominações, tendo em vista o respeito com a dignidade das pessoas.

Igualmente, o Estado, concede sem restição a liberdade

religiosa, seja de confissões cristãs diversas e até mesmo as que não tenham cunho

cristão:

Na Assembleia das Nações Unidas, que no ano de 2008 comemorou o 60º aniversário da Declaração Universal dos Direitos do Homem, o Santo Padre Bento XVI quis reafirmar que não se pode limitar a plena garantia da liberdade religiosa à prática livre de culto; ao contrário, deve ser tida em justa consideração a dimensão pública da religião e, portanto, a possibilidade dos crentes de fazer a sua parte na construção da ordem social74.

Diante disso, a Igreja oferece sua contribuição na reflexão para

edificar uma cultura religiosa pluriforma. O Pontifício Conselho “Justiça e Paz” no

Compêndio da Doutrina Social da Igreja traz a seguinte reflexão:

A sociedade e o Estado não deve forçar uma pessoa a agir contra a sua consciência, porém, não é licença moral de aderir ao erro, nem um implícito direito ao erro (...) a liberdade de consciência e de religião “diz respeito ao homem, individual e socialmente”. O direito a liberdade religiosa deve ser reconhecido no ordenamento jurídico e sancionado como direito civil, todavia, não é em si um direito ilimitado. Os justos limites ao exercício da liberdade religiosa devem ser determinados para cada situação social com a prudência política, segundo as exigências do bem comum, e ratificados pela autoridade civil mediante normas jurídicas conforme a ordem moral objetiva: tais normas são exigidas para a eficaz tutela dos direito em favor de todos os cidadãos e

73 MEDINA. Op. cit., p.249. 74 BALDISSERI, Lorezo. Diplomacia Pontifícia: Acordo Brasil – Santa Sé. São Paulo: LTr, 2011, p.155.

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de uma composição pacífica de tais direitos; e ainda para a promoção adequada daquela honesta paz pública que é a convivência ordenada na verdadeira justiça; e também para a devida custódia da moralidade pública (...) Em consideração dos seus liames históricos e culturais com uma noção, uma comunidade religiosa pode perceber um especial reconhecimento por parte do Estado: mas um tal reconhecimento jurídico não deve, de modo algum, gerar uma discriminação de ordem civil ou social para outros grupos religiosos. A visão das relações entre o Estado e as organizações religiosas, promovida pelo Concilio Vaticano II, corresponde às exigências do Estado de direito e às normas do direito internacional. A Igreja é bem consciente de que tal visão não é aceita por todos: o direito à liberdade religiosa, infelizmente, “e violado por numerosos Estados, até ao extremo de que o dar, o mandar ministrar a catequese, ou o recebê-la se torna um delito possível de ação”75.

A visão da Igreja revela o reconhecimento e a importância da

liberdade religiosa para a sociedade, embora muitas vezes não compreendida na sua

essência ou obstaculizada quando falta dialogo e tolerância.

Nesta linha de reflexão, percebe-se que a liberdade

religiosa deriva da liberdade de pensamento, uma vez que quando é exteriorizada

torna-se uma forma de manifestação do pensamento. Em sentido estrito

compreende três outras liberdades:

De crença, isto é a liberdade de escolher a confissão religiosa

mais apta aos anseios e desejos de cada indivíduo, de mudar de religião, e finalmente,

de não aderir à religião alguma, isto é, professar-se ateu.

A outra é a liberdade de culto, isto é, de orar e a de praticar atos

próprios das manifestações exteriores em casa ou em público de acordo com a própria

crença.

Finalmente a liberdade de organização religiosa, isto é, de

fundar, modificar ou simplesmente congregar-se em nome de uma crença. A

Liberdade religiosa, por constituir um direito de primeira geração, goza de proteção e

respeito do Estado.

Destarte, pode-se afirmar que a liberdade religiosa se respalda

na democracia e nos direitos que os Estados de Direito garantem e promovem para

cada indivíduo em qualidade de cidadão. Já a tolerânica religiosa, é a manfestação

do respeito dos mesmos direitos por parte do cidadão face o outro.

Portanto, neste primeiro capítulo, desejei indagar como surgiu a

Liberdade Religiosa? E por que os Estados teoricamente laico, cocede tal Liberdade,

de modo que colocam em suas constituições?

75 PONTIFICIO Conselho “justiça e Paz”. Compendio da doutrina social da Igreja. Tradução Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). 4º. Ed. São Paulo: Paulinas, 2008. p. 237-238.

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Passeando pela história da humanidade, foi possível perceber

que os seres humanos naturalmente, buscam livremente por uma divindade, na qual

depositam sua confiança, com a qual tornam-se ítimos, até nas divergência e guerras

sagrenta entre grupos humanos.

Na primeira hipótese, é possível perceber que, grupos quando

tem sede do poder, lutam em nome da sua divindade se radicalizavam, apostando

tudo para adquirir o mando cumulado de poder e riqueza.

Segunda hipótese, os seres humanos em nome da liberdade,

perdeu a noção de tolerância, tornando se intrangigente e intolerante, cometeram

barbaramente atrocidades inacreditáveis, para manipular comentem terrorísmo para

se manter no poder como se fosse um deus.

Terceira hipótese, visto que nem cartas, tratados sobre

tolerância, nem as próprias divindade conseguem parar a violência entre os

“humanos”, os Estados e/ou Nações, através dos representantes do seu povo,

elaboram leis que garantam a Liberdade Religiosas, como um Direito dos Humanos,

tendo em vista a paz, como um bem comum da humanidade.

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CAPÍTULO 2

RELAÇÕES ENTRE ESTADO E IGREJA

2.1 GOVERNO TEOCRÁTICO

Etimologicamente, teocracia é oriunda da língua Grega: teo

significa Deus, e kratein ou cracia, significa governo. Portanto, “Teocracia: sistema de

governo em que a autoridade máxima é Deus e o poder é exercido por seus

representantes religiosos”76. Neste sentido, teocracia é uma maneira de constituir um

“governo divino” e sua maneira própria de governar:

Teocracia, forma de governo no qual o poder político emana diretamente de Deus, é muitas vezes exercido pelas mesmas pessoas que detêm o poder religioso (...) o cristianismo teorizou a origem divina do poder político e, durante a Idade Média, a Igreja afirmou a supremacia do poder espiritual sobre o poder temporal, arrogando-se o direito de eleger e depor os soberanos. A doutrina teocrática entrou em crise com o surgimento dos Estados Nacionais, a afirmação do jusnaturalismo e o sucessivo desenvolvimento do pensamento e da sociedade ocidentais77.

Os cargos e funções de governo são assumidos pelos líderes

religiosos ou em algumas situações, por leigos que tenham ligação direta com as

autoridades religiosas, para que o controle político, permaneça, ainda que

indiretamente, depositado nas mãos dos líderes religiosos.

O Ocidente conheceu um sistema político teocrático durante a

Idade Média, mais precisamente do século XI ao XIV, quando se atribuía ao Bispo de

Roma, já consagrado como Papa, a autoridade espiritual e temporal máxima, incluindo

o direito de coroar e depor imperadores, reis e demais representante do poder

temporal.

76HOUAISS, Antonio Villar Mauro de Salles. Minidicionário Houaiss da linga portuguesa. 4. ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2010, p.750. 77MONDADORI, Arnoldo, COLORAMA, Enciclopédia Universal Ilustrada. Comp. Melhoramento de São Paulo,1973, p. 2275.

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Atualmente, modelo de sistema teocrático, é o país do Irã, de

confissão religiosa muçulmana. O aiatolá, autoridade máxima religiosa com condição

de divindade encarnada, é detentor de poder tanto religioso como político-civil. No

ocidente, expressão de governo teocrático, é o Vaticano. Chefe de Estado é o Papa,

religioso que, de acordo crença, é escolhido por Deus e que, ao ser revestido do cargo

de Pontífice, torna-se representante direto da Divindade.

Portanto, todo governo teocrático é de natureza religiosa e tem

como princípio orientar seu povo com o poder instituído e advindo do próprio Deus.

2.2 ESTADO LAICO

Ao se pensar em Estado laico, entende-se que os cargos

políticos-administrativos, deveriam ser ocupados por pessoas não eclesiásticas. De

fato, ser religioso e político, não fere o pricípio da democracia, porém, causa

desconforto, e ao mesmo tempo fica tendenciosa sua postura frente a ambos os

“poderes”.

Em grego, laós (do radical indo-europeu lei) teve uma origem militar, contexto em que exprimiria a relação pessoal de um grupo de homens com um chefe por consentimento mútuo, denotando, portanto, um modo de organização típico das antigas sociedades guerreiras. A palavra qualificaria o povo armado e dirigido por um chefe, pelo que não se aplicaria às crianças e aos velhos, designava em suma uma comunidade guerreira. Cedo, porém, ganhou o significado de povo, ou gente do povo78.

Tardiamente, o termo evoluiu dando origem a laikós, do qual

derivou a expressão latina laicus, em português, leigo e laico, misturando-se com

conotação anticlerical:

Na França, o termo laicisme também ganhou autonomia, não se confundindo, por inteiro, com o de laïcité, pois ambos se foram distinguindo no decurso da primeira metade do século XX. Se a laicidade referia a neutralidade do Estado no que toca às crenças, ela também bramia armas contra o anticlericalismo […] Nos países católicos no Sul da Europa, termos como sociedade laica, Estado laico, ensino laico, laicidade, laicismo, laicizare, laicização impuseram-se como vocábulos que também constituíam instrumentos de lutas contra a influência do clero e da Igreja católica e, nas suas versões mais

78CATROGA, Fernando. Entre deuses e Césares: secularização, laicidade e religião civil: uma perspectiva histórica. 2ª ed. Almedina: Coimbra, Portugal, 2010, p. 276.

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radicais (agnósticas e ateias) contra a própria religião79.

A laicidade é diferente do laicismo, pois “laicidade é prerrogativa

consubstancial à ordem autonômica do Estado e o laicismo supõe a ruptura arbitrária

e artificial do elo essencial que une toda atividade com a ordem econômica”80.

Assim, mesclam-se e confundem-se conceitos e preconceitos

anticlericais popularmente incluídos no termo laico.

A Bíblia, obra literária para o Cristianismo ao apresentar o termo

laós, de acordo Fernando Catroga, não manifesta oposição, mas indica tão somente

o povo que Deus escolheu:

As versões gregas do Antigo Testamento e do Novo Testamento registram laós e, quando o fazem, o seu uso não é uniforme, embora, na maior parte dos casos, a palavra sirva para qualificar o antigo e o novo povo de Deus, respectivamente. Mas os pagãos são chamados, de um modo geral de éthnos ou éthné (no plural). E não deixa de ser sintomático que o conceito que melhor caracteriza a auto compreensão do grego como “homem político”, a polis, tenha um lugar muito secundário os textos bíblicos. Em suma: para assinalarem a aliança entre Israel e Javé, aos tradutores gregos do Antigo Testamento pareceu-lhes mais adequado fazer corresponder a palavra hebraica am a laós, termo que qualifica a Israel como o povo eleito de Deus, frequentemente em contraste com a palavra hebraica goy, usada para denominar os pagãos (éthné). Por conseguinte, o que na maior parte dos casos transforma o povo judeu em laós é a eleição e a graça de Deus, e não as suas índoles étnicas, naturais ou históricas. Laós aparece 141 vezes no Novo Testamento. E se, numa delas, é sinônimo de óchlos, na maior parte das vezes se refere ao povo judaico. Todavia, em muitos outros passos verifica-se que este título honorifico – ser o laós de Deus – foi transferido para os fiéis da Igreja Cristã. Entre os vários éthné, Deus escolheu um laós para ele. De fato, no grego tardio, laós deu origem a laikós, de onde nasceu a expressão latina laicus e, em português, leigo e laico81.

Diante das reflexões de Catroga, constata-se que o nascimento

da ideia de povo laico e por sua vez o Estado laico no sentido de não confessional, ou

seja, distante de qualquer religião que atue em seu espaço, é de origem relativamente

recente.

79CATROGA. Op. cit., p. 296-297. 80CIFUENTES, Llano Rafael. Relações entre Igreja e o Estado. Rio de Janeiro: José Olímpio, 1989, p.158. 81CATROGA. Op. cit., pp. 278-279.

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2.3 FRANÇA - SÉCULO XVI: SEPARATISMO E A ORIGEM DO LAICISMO PARA

O MUNDO

Na França, entre os séculos XVI – XVIII, foram delineadas as

diretrizes jurídicas, políticas e religiosas que conduziriam a uma reestruturação da

então sociedade cristã para uma sociedade modificada aos poucos, por meio de

autores e personalidades políticas que agiam insistentemente em favor do

“separatismo” entre a Religião e o Estado.

Martina procura esclarecer o conceito:

(...) separatismo. É este defendido por diversos autores, ora até conhecidos pelo grande público, ora conhecidos apenas por especialistas; autores que, todavia, exercem extraordinária influência sobre a opinião pública de seu tempo. Ainda que haja uma unidade no motivo de fundo, os diversos autores caminham para fins bastante diferentes, por vias e com convicções bastante diversificadas. Lembramos (...) o pastor e literato suíço Vine t; de Tocqueville; os redatores do ‘L´Avenir’, Montalembert, Cavour e Pier Carlo Boggio, que foi o primeiro a difundir no reino da Sardenha a teoria do separatismo; (...) os mestres da escola jurídica alemã, como Friedberg, que inspiraram os italianos Ruffini e Scaduto. De Tocqueville (...), vê com admiração o Exemplo dos Estados Unidos, onde é o povo que realmente governa e onde a separação entre Igreja e Estado exerceu uma influência benéfica sobre as duas sociedades; Vinet (...) Montalembert reagem a subordinação da sociedade religiosa em relação à civil, tentando purificar e renovar a Igreja, libertando-a das pesadas salvaguardas (...) Montalembert, reportam-se às teses galicanas que negavam toda autoridade do poder espiritual eclesiásticos no campo temporal; Cavour e Boggio são movidos pelo entusiasmo pela liberdade em todos os campos (...) os alemães se preocupam em transformar em sistema coerente as aspirações amplamente difundidas (...)82.

No entanto, no século XIX, na França, houve muitos

desencontros e divergências entre Estado e Igreja. Isso repercutiu, sobretudo na

educação, que resultou em 1905 na ratificação do Ato de separação: (...) embora

tenha assegurado a liberdade de crença e consciência, vedou a concessão, por parte

do Estado, de qualquer auxílio financeiro à Igreja, confiscou os bens das

congregações religiosas”83. Por conta da Revolução e dos revolucionários, almejava-

se uma descristianização, ou seja, abolição do cristianismo da sociedade, fazendo

prevalecer a secularização.

No princípio da década de 1790, com a entrada explicita da Igreja e do clero no campo contrarrevolucionário, irrompeu, com mais força, esta lógica sucedânea, na qual a secularização do político passava, igualmente, pela

82 MARTINA, Giacomo. História da Igreja de Lutero aos nossos dias. Vol. 3: a era do liberalismo. São Paulo: Loyola, 1996. p. 49-81. 83 FLEINNER, Gerster. Teoria Geral do Estado. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 565-566.

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socialização de novas ideias e valores cívicos, numa clara exploração da analogia entre a religião civil e aquilo que ela pretendia substituir. Pode mesmo dizer-se que a Nova república se firmou como uma espécie de contra Igreja, ou melhor, como um catolicismo sem cristianismo, objetivando como religião civil à francesa, à qual, como não podia deixar de ser, não faltava o seu Panteão, a sua martiriologia, a sua hagiografia, a sua liturgia (multiforme e ambígua), os seus templos, as suas estátuas, afrescos e nomes de rua, e seus manuais escolares, os seus mitos e ritos que a nova educação nacional devia permanentemente reatualizar84.

Nesta linha de raciocínio, é possível perceber que os

republicanos, valorizavam e tinham sentimentos de veneração pela República.

Deixando de lado a Igreja e seus costumes religiosos, ritos e mitos lutúrgicos, bem

como certos costumes de venerações a imagens sagradas. Com o passar do tempo,

isso passou a sofrer deterninada “nacionalização”. Pois, a apoteose da França, bem

como a função de vanguarda da revolução, cujo destino e objetivo da emencipação

da humanidade independente da intervenção divina. Neste diapasão, a trajetória

histórica, será de maneira silenciosa gnóstica, sacralizada intrancedente, frente aos

aspectos valiosos e estruturantes da República. Neste sentido, assevera Catroga:

O que transformará a religião civil em “religião cívica”, ou, para outros, em “religião laica”, ou, ainda, em “religião nacional” ou “religião secular”. Quero isto dizer que a laicização - e ao contrário do que defendem os laicistas como Peña-Ruiz – não deixou de assegurar, como o seu outro sacral, uma “religioncivile à lafrançaise” (J. Baubérot, Jean-Paul Wuillaime, Emilio Gentile), no seio da qual a vocação da França aparece como um ditame da história universal e o povo francês como parteiro de um ecumenismo secular baseado na autossuficiência da natureza humana, cujos valores a República objetiva, dispensando-se o recurso a objetivações transcendentes85.

Em sua história, marcada pelas “guerras de religiões”, a França

tornou-se referência no mundo, no que se refere à liberdade de crença e de Laicidade

do Estado. Assim, as religiões perderam suas influências, com a laicização, gestaram

o ecumenismo, foi induzido a nascer de forma secular, com referência e sustentação

no humano, deixando à margem, o transcendente, pendendo para a intolerância

religiosa.

A França, e seus recentes episódios de intolerância religiosa, pode ser, aqui, lembrada, como exemplo mais evidente de um Estado que, longe de permitir e consagrar amplamente a liberdade de religião e o não comportamento religioso do estado, compromete-se, ao contrário, com uma postura de desvalorização da religião, tornando o Estado inimigo da religião, seja ela qual for86.

84CATROGA. Op. cit., p. 238-239. 85 CATROGA. Op. cit., p. 240. 86 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 58.

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Com fundamento no direito positivo sobre a laicidade, mesmo

sendo objeto de controvérsia, aperfeiçoou ideias tornando-se a base e a sustentação

jurídica na busca de conquista ideológica, tendo em vista a implantação da liberdade

religiosa.

Mas no terreno jurídico, seu conteúdo não se presta ao equivoco: decorre, essencial, dos dois artigos pelos quais se abre a lei de 9 de dezembro de 1905. Segundo o artigo 2, que citamos em primeiro lugar por que é ele que, rompendo com a tradição, mais impressionou os contemporâneos, “a República não reconhece, não assalaria nem subvenciona nenhum culto”. Esse é o aspecto negativo do princípio de laicidade. Mas, segundo o artigo 1.º, “a República assegura a liberdade de consciência. Garante o livre exercício dos cultos, unicamente com as restrições prescritas nos interesses da ordem pública”. Esse é o aspecto positivo, confirmado pelo artigo 1º. da Constituição de 1958: “a França é uma República laica. Respeita todas as crenças”87.

O Estado laico e/ou a laicité para os franceses foi uma conquista

acirrada, diante de desarmonias entre católicos e protestantes, bem como os

desentendimentos entre o rei e o papa da época, carregados de ideias e influências

da corrente iluminista. Mesmo com a conquista da liberdade, inclusive com relação

aos meios de comunicação, ainda assim, para que a medida tivesse resultado na

prática, o processo foi demorado, pois precisou ao longo do tempo de adaptações

para que surtisse o efeito esperado, de acordo explica Wenninger:

A tentativa de fazer vigorar uma estrita separação entre Estado e Igreja trouxe, na pratica muitos problemas, o que levou a constantes “ajuste” através de novas leis e das Constituições que se seguiram. Assim, por exemplo, no diploma de 1946, é constitucionalmente garantido o princípio da liberdade de consciência e, na Constituição de 1956, o princípio do livre exercício da religião. Na prática, isto significava um dilema político eclesiástico peculiar: os princípios da liberdade religiosa e de consciência eram por um lado, aceites e protegidos por princípios e em sentido lato, mas, por outro, as igrejas e as organizações religiosas não eram “reconhecidas” pelo Estado. A “privacidade” das organizações religiosas e legais é, ao mesmo tempo, relativizada pelo fato de o Estado passar assumi-las de várias maneiras como sendo partes de suas obrigações, o que não se pode evitar quando, por exemplo, as igrejas exploram organizações de caridade ou de ensino (escolas privadas, escolas superiores de teologia, etc.) e suportam meios próprios, ou quando cedem elementos do clero para prestar assistência religiosa nos hospitais, nas prisões ou instituições militares88.

A França conquistou o espaço religioso, tornou-se o berço da

laicidade, mas não elaborou normativa nem criou vínculos com as religiões para evitar

87 RIVERO, Jean; MOUTOUH, Hugues. Liberdades Públicas. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 538-539. 88 WENNINGER, Michael H. (Org.). Uma Europa sem Deus. Lisboa: Edições 70, 2009, p. 96.

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privilegiar algumas entre as diversas religiões, permanecendo, graças ao laicismo do

estado, distante das diversas expressões religiosas.

2.4 O PRINCÍPIO DE LAICIDADE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DO BRASIL DE

1988.

No periodo imperial a Igreja Católica atuava na área política,

participava das decisões imperiais e o império por sua vez também interferia nas

decisões da Igreja e em suas atividades, bem como administrava os bens da Igreja

cujos representantes eclesiásticos adquiriam prestígios nas cadeiras das câmaras. “O

clero votava, e era votado, participava diretamente na vida política parlamentar. Entre

bispos e padres, 17 ocuparam cadeiras no Senado e mais de 200 passaram pela

Câmara dos Deputados”89.

Com o advento da República, tudo teve um novo rumo. Os

membros do clero e bispos passaram a serem inelegíveis. Inclusive o povo deixou de

votar para os padres e para os bispos que se candidatavam, no sentido de colaborar

com o laicato, ou seja, que cargos políticos cabe aos leigos. “Um efeito imprevisto pela

experiência de nossa Primeira República e pelo seu excessivo zelo laicista de

separação da Igreja e do Estado, foi precisamente a emergencia de um laicato católico

na arena política”90.

A laicidade do Estado brasileiro não teve seu início com a

promulgação da CF 88, mas a partir dessa houve uma consolidação de um processo

iniciado já nas primeiras constituições, quando o Brasil ainda buscava sua

independência junto ao Império Lusitano.

Juridicamente, a separação entre a Igreja e o Estado ocorreu

com a instauração do Brasil República (1889 e o avanço da Constituição),

principalmente sobre a ótica das relações de poder existentes nos espaços públicos,

89 BRASIL. Congresso, Senado federal. O Clero no Parlamento Brasileiro: A Igreja e o Estado na Constituinte (1891) Brasilia Senado Federal, Rio de Janeiro, Fundação Casa de Rui Barbosa, Centro João XXIII. IBRADES, 1985, P. 13. 90 BRASIL. Congresso, Senado federal. O Clero no Parlamento Brasileiro: A Igreja e o Estado na Constituinte (1891) Brasilia Senado Federal, Rio de Janeiro, Fundação Casa de Rui Barbosa, Centro João XXIII. IBRADES, 1985, P. 13.

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ou seja, nas disputas políticas.

O Estado Laico surgiu no Brasil com a edição do Decreto nº 119-A, de 07 de janeiro de 1890. Da lavra do saudoso Rui Barbosa. Brotou oficialmente, naquele momento, a separação entre a Igreja Católica e o Estado brasileiro, finalizando o regime do Padroado. De excelis redação, o artigo 1º possui caráter programático, pronunciando ao legislador infraconstitucional ser defeso legislar privilegiando alguma religião em primazia a outra91.

A separação ou dissociação da esfera política entre Estado e

Igreja resultou na laicidade do Estado. Assim sendo, a Igreja Católica perde o respaldo

e a proteção do Estado, passando a ter o mesmo tratamento, no que se refere a

direitos e deveres das demais confissões religiosas.

Sobre isso escreve Miranda:

O pensamento liberal e o pensamento positivista, influenciadores dos ideais republicanos entendiam incompatível o estabelecimento de ligações entre o Estado e a Igreja. Note-se que o feito dos republicanos deve ser realçado por ruptura com os padrões então vigente da relação Estado e Igreja. Os Republicanos firmaram proposta de transformação cultural significativa. O decreto nº 119-A, de 07 de janeiro de 1890, consagrou a laicização do Estado: Art. 1º É proibindo à autoridade federal, assim como à dos Estados federados expedir leis, regulamentos, ou atos administrativos, estabelecendo alguma religião, ou vedando-a, e criar diferenças entre os habitantes do país, ou nos serviços sustentados a custa do orçamento, por motivo de crenças ou opiniões philosophicas ou religiosas. O Decreto nº 510, de 1890, o instrumento de convocação do Congresso Constituinte, colocou no texto a restrição de participação política dos clérigos: Art. 26. São inelegíveis para o Congresso Nacional: 1º Os clérigos e religiosos regulares e seculares de qualquer confissão92.

Diante disso, teve início uma nova jornada e o desafio de

organizar os ministérios. Assim, citam Bihlmeyer e Tuechle:

O congresso, que se reuniu e promulgou a constituição a 24 de fevereiro de 1891. No dia 25 Deodoro foi eleito presidente; Floriano Peixoto, vice-presidente da República. Quanto a Religião Católica, houve modalidade referida de separação completa com o Estado laicizado93.

No que se refere ao texto constitucional de 1988, o mesmo não

contém fragmentos e nem termos que expressem com clareza a “laicidade” do Estado

brasileiro. Todavia, deixa entender que a laicidade é um princípio resguardado.

91MANGUEIRA, Hugo Alexandre Espínola. Acordo Brasil-Santa Se: uma análise jurídica: Gráfica A Criativa, João Pessoa, 2009, p.23. 92MIRANDA, Jorge. Manual de de direito constitucional: direitos fundamentais. Coimbra: Coimbra, 2000. pg.4. 93BIHLMEYER, Karl; TUECHLE, Hermann. História da Igreja. vol. 3. São Paulo: Pia Sociedade de São Paulo, 1965. p. 749.

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De tal forma, o principal componente formador dos fundamentos

da laicidade reside na própria definição de democracia, contida em meio aos

dispositivos normativos, onde no art. 1º afirma que a: A República Federativa do Brasil

constitui-se em Estado Democrático de Direito e todo o poder emana do povo, que o

exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos da

Constituição.

Assim sendo, deve-se acentuar a indicação norteadora do art.

5º, caput, da CF 88, sob o título dos direitos e garantias fundamentais, que prediz o

direito à igualdade: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer

natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no País a

inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à

propriedade”94.

Ainda com relação ao supracitado artigo 5º, o texto

constitucional assegura explicitamente a liberdade religiosa, que abrange a liberdade

de consciência, de crença e do exercício de culto, resguardando ainda os seus locais

de práticas e cultos.

No entanto, observa-se que esta liberdade estaria condicionada

a cumprimento da lei: “Art. 5º, VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença,

sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei,

a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”95.

Neste sentido, Emmerick faz sua reflexão sobre a importância

da laicidade do Estado, onde todas as confissões religiosas possam desenvolver suas

atividades, tendo respeito pela sua maneira de professar sua fé, sem serem ofendidas

e excluídas na sua dingindade humana:

Os avanços da Constituição Federal de 1988 em relação à garantia de direitos e à ampliação do rol de direitos humanos são inegáveis. No entanto, no que diz respeito à separação Igreja/Estado pouco ou nada se avançou, pois se compararmos a atual Constituição com as anteriores, especialmente com a Constituição de 1891, verifica-se que esta talvez tenha sido a mais laica da história da sociedade brasileira. Isto porque, na Carta da República, a separação Igreja/Estado é muito mais nítida e clara do que na que está em vigor. A atual Constituição de 1988 referência Deus em seu Preâmbulo; dispõe sobre a colaboração entre as religiões e o Estado em ações de

94 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Poder Legislativo, Brasília, DF, 1988. 95 BRASIL. Op.cit.

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interesse público; concede imunidade tributária a templos de qualquer culto; prevê o ensino confessional nas escolas públicas; mantém o casamento religioso com efeitos civis; concede à família proteção especial etc. (...)96.

Nessa esfera, também é assegurado o amparo religioso nas

entidades civis e militares de internação grupal, permitindo de se prever a modalidade

designada às forças armadas: “Art. 5º, VII - é assegurada, nos termos da lei, a

prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação

coletiva”97.

Referindo-se à garantia de direitos, conservou-se o

entendimento antecedente, coibindo a sua privação por pretexto de crença religiosa:

“Art. 5º, VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de

convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal

a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei”98.

Clara é a separação entre Igreja e Estado:

Art. 19, I - é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público99.

Assim sendo, o Estado brasileiro tem a obrigação de assegurar

o exercício livre da religiosidade a cada cidadão. Igualmente, não pode escolher uma

religião e elevá-la à oficial ou dificultar a prática das demais religiões para evitar

contrariar o sistema normativo.

Infere-se que não é claramente expresso o princípio de que a

República Federativa do Brasil seja um Estado laico. O que se manifesta é uma diretriz

universal de democracia, garantindo a igualdade e a liberdade, que inclui a liberdade

religiosa. São os subsídios orientadores do princípio da laicidade, no conteúdo do art.

5º, §2º do texto constitucional: “Art. 5º, §2º - Os direitos e garantias expressos nesta

Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela

adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja

96EMMERICK, Rulian.Aborto: (Des) criminalização, Direitos Humanos Democracia. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008, p. 223-224. 97 BRASIL. Op.cit. 98 BRASIL. Op.cit. 99 BRASIL. Op.cit.

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parte”100.

No entanto, o Preâmbulo da Constituição deixa transparecer a

crença no divino, ao invocar “a proteção de Deus”. Diante dessa e outras controvérsias

constata-se a existência de decisões e reflexos judiciais. O ADI 2.076-5 do Egrégio

STF verificou a constitucionalidade do preâmbulo da Constituição do Estado do Acre

por omitir a expressão promulgada “sob a proteção de Deus” que está presente na CF

88:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. CONSTITUIÇÃO: PREÂMBULO. NORMAS CENTRAIS. Constituição do Acre. I. - Normas centrais da Constituição Federal: essas normas são de reprodução obrigatória na Constituição do Estado-membro, mesmo porque, reproduzidas, ou não, incidirão sobre a ordem local. Reclamações 370-MT e 383-SP (RTJ 147/404). II. - Preâmbulo da Constituição: não constitui norma central. Invocação da proteção de Deus: não se trata de norma de reprodução obrigatória na Constituição estadual, não tendo força normativa. III. - Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente. (ADI 2076, Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO, Tribunal Pleno, julgado em 15/08/2002, DJ 08-08-2003 PP-00086 EMENT VOL - (02118-01 PP-00218)101.

Observa-se com isso, a improcedência do pedido realizado para

se eliminar a expressão “Invocação da proteção de Deus”, pois o “preâmbulo” não é

entendido como um instituto normativo. Sobre o voto do relator Ministro Carlos

Velloso:

O preâmbulo (...) não se situa no âmbito do Direito, mas no domínio da política, refletindo posição ideológica do constituinte. É claro que uma Constituição que consagra princípios democráticos, liberais, não poderia conter preâmbulo que proclamasse princípios diversos. Não contém o preâmbulo, portanto, relevância jurídica. O preâmbulo não constitui norma central da Constituição, de reprodução obrigatória na Constituição do Estado-membro. O que acontece é que o preâmbulo contém, de regra, proclamação ou exortação no sentido dos princípios inscritos na Carta: princípio do Estado Democrático de Direito, princípio republicano, princípio dos direitos e garantias, etc. Esses princípios, sim, inscritos na Constituição, constituem normas centrais de reprodução obrigatória, ou que não pode a Constituição do Estado-membro dispor de forma contrária, dado que, reproduzidos, ou não, na Constituição estadual, incidirão na ordem local. (ADI 2.076, voto do Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 15-8-2002, Plenário, DJ de 8-8-2003)102.

O STF firmou o seu entendimento, em que não considera o

Preâmbulo da Constituição uma norma central da Constituição Federal, não sendo

100 BRASIL. Op.cit. 101BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 2076/AC, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, j. 15/08/2002, p. DJ 08/08/2003. Disponível em: <http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/773544/acao-direta-de-inconstitucionalidade-adi-2076-ac>. Acesso em: 15 out. 2014. 102BRASIL. Supremo. Op. Cit.

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sua reprodução considerada obrigatória nas Constituições dos Estados-membros.

Portanto, é possível inferir que o Brasil é um país legalmente

laico, mas promovedor de uma convivência pacífica e harmônica entre os diversos

povos que residem no país. Observando os direitos Constitucionais e os Direitos e a

dignidade humana, tendo em vista a paz que é o bem maior da humanidade.

O Teólogo alemão, Josph Aloisius Ratzinger (Papa Bento XVI),

no Congresso dos Juristas em seu pronunciamento falou a respeito da laicidade:

(...) Para o Papa Bento XVI, se por um lado a laicidade determina que a Igreja não deva interferir em assuntos políticos, pois cabe ao povo decidir sobre estes temas, por outro lado o Estado tem o dever de reconhecer a personalidade civil das religiões, quando organizadas legalmente, e respeitar a atuação das igrejas nas comunidades. Em discurso dirigido aos participantes do 56º Congresso Nacional de Estudo, promovido pela União dos Juristas Católicos Italianos, em 09 de dezembro de 2006, o Sumo Pontífice demonstrou o seu conceito de “laicidade sadia (...)”103.

Na sequência, Ratzinger (Bento XVI), continua sua reflexão

expressando que órgãos e pessoas não aceitam certas posturas da Igreja,

principalmente quando ela faz reflexões pertinentes, em relação ao campo político:

(...) Portanto, a Igreja não pode indicar qual ordenamento político e social deve ser preferido, mas é o povo que tem o dever de decidir livremente os melhores e mais adequados modos de organizar a vida política. Cada intervenção direta da Igreja neste campo seria uma ingerência indevida. Por outro lado, ‘a laicidade sadia’ exige que o Estado não considere a religião como um simples sentimento individual, que poderia ser confinado exclusivamente no âmbito particular. Pelo contrário, dado que é organizada também segundo estruturas visíveis como acontece na Igreja, a religião deve ser reconhecida como presença comunitária pública (...) Além disso, ela comporta que cada uma das Confissões religiosas (contanto que não estejam em oposição com a ordem moral e não representem um perigo para a ordem pública) seja garantido o livre exercício das atividades de culto espirituais, culturais, educativas e caritativas da comunidade dos fiéis. À luz destas considerações, certamente não é uma expressão de laicidade, mas sim a sua degeneração em laicismo, a hostilidade a todas as formas de relevância política e cultural da religião, em particular a cada símbolo religioso presente nas instituições públicas (...)104.

A exortação de Ratzinger a respeito da laicidade deixa

transcender a importância de se procurar via diplomacia a relação entre a Igreja e o

103MANGUEIRA, Hugo Alexandre Espínola. Acordo Brasil-Santa Sé: uma análise jurídica: Gráfica A Criativa, João Pessoa, 2009, p. 19-20. 104BENTO XVI. Discurso do Papa Bento XVI aos participantes no 56º Congresso Nacional de Estudo promovido pela União dos juristas Católicos Italianos. Disponível em: <http://www.vatican.va/holy_father/Benedict_xvi/speeches/2006/december/documents/hf_ben_xvi_spe_20061209_po.html>. Acesso em 15 out 2014.

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Estado, onde ambos aceitem as pessoas com diversidades de pensamento, os que

professam sua crença ou não praticam crença alguma.

2.5 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E A LAICIDADE

A democracia estabelece um dos valores políticos essenciais da

contemporaneidade, ainda que sua instalação não se realizou de forma serena. No

entanto, a característica mais importante da democracia moderna, consiste na

instituição da representação política.

Conforme Bonavides, no período da democracia denominada

indireta, típica do século XIX, a expectativa era a de que, “a existência de eleições

periódicas constituiria a principal garantia em prol da atuação do representante-eleito,

em conformidade com a vontade do eleitor-representado, o que, como é sabido,

acabou por se frustrar”105.

Neste contexto, Pietro Costa assegura que, nada obstante, a

democracia semidireta mostrou-se incapaz de superar os problemas da

representação política, dando lugar à denominada democracia de partidos, após a

década de 1930106, pois neste tipo de representação o componente principal é a figura

do partido político107.

Costa afirma que esse modelo de representação, por vezes, não

surte o efeito desejado:

Donde se conclui que os problemas de agency inerentes à representação política trazem consigo riscos plausíveis para os eleitores-representados, que podem ter seus interesses pesadamente afetados pela conduta dos representantes eleitos, o que constitui um primeiro fator a ser levado em conta na avaliação do papel desempenhado pelos direitos fundamentais em uma democracia representativa108.

Ainda, conforme Costa, o problema da relação entre

“democracia política” e “Estado constitucional” (disjunção de “democracia

105 BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 293. 106 COSTA, Pietro. Soberania, Representação, Democracia: ensaios de história do pensamento jurídico. Tradução de Alexander R. de Castro et al. Curitiba: Juruá, 2010, p. 194. 107 BONAVIDES. Op. cit.. p. 298. 108 COSTA. Op. cit. p. 171.

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constitucional”) remete ao clima histórico do segundo pós-guerra. O colapso dos

regimes totalitários permitiu a emergência de um “novo constitucionalismo”, com uma

democracia compromissada com os direitos fundamentais, que devem ser tutelados

pelo “Estado democrático-constitucional”, que não pode descuidar da soberania

popular (demos)109.

Portanto, o Estado democrático de Direito permite a laicidade,

que consiste em “uma doutrina ou um sistema político que defende a exclusão da

influência da religião no estado, na cultura e na educação”110.

A laicidade desenvolveu-se com a Revolução Francesa e como

efeito, ocorreu a separação entre a Igreja e o Estado. Por esse motivo, a laicidade é

voltada à cultura e ao ensino. Alguns autores asseguram que em alguns casos, a

laicidade ocasionou manifestações de irreligiosidade em modo especial contra

determinadas religiões, como por exemplo, o catolicismo111.

Sabe-se que o Brasil é um Estado Democrático de Direito como

consta no art. 1 CF88:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e Distrito Federa, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I) a soberania; II) a cidadania; III) a dignidade da pessoa humana; IV) os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V) o pluralismo político. Parágrafo único. Todo poder emana do povo, que exerce por meio de representantes eleitos, ou diretamente, nos termos desta Constituição112.

O Brasil qual Estado Democrático de Direito, com leis que

concedem a liberdade de culto e a própria imunidade tributária, demonstra ser um

exemplo de respeito e promovedor da laicidade, vivendo uma neutralidade religiosa:

A laicidade se define como a neutralidade do Estado com relação à sociedade e as crenças desta. Tal neutralidade não se limita à simples organização da coexistência das diversas comunidades entre si. Ela significa que o Estado se recusa de remontar o seu poder a qualquer instância fundamental, que ele próprio. […] Ao afirmar a laicidade, o Estado instaura o seu poder sobre o

109 COSTA. Op. cit. p. 241. 110 Disponível em: < http://www.significados.com.br/laicidade/> Acesso em 10 de janeiro de 2015. 111 COSTA. Op. cit. p. 241. 112BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Poder Legislativo, Brasília, DF, 1988.

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vazio e assim afirma a sua mais alta soberania113.

Na relação entre indivíduos e Estado, este último demonstra ser

neutro diante do aspecto religioso tradicional e cultural, pelo qual os cidadãos possam

manter e praticar suas crenças. Sobre a neutralidade, o Estado de Direito Democrático

em relação à religiosidade, domostra ser Diplomático com todas as religiões e

institutos de filosofias de vida e outros que pregam a maneira de viver sua fé.

Casamasso afirma:

[…] a laicidade pressupõe a supremacia da política sobre a religião – uma desigualdade - por outro pressupõe, tanto para o Estado quanto para as confissões religiosas, a possibilidade de uma atuação livre e de uma existência emancipada – uma igualdade. Ainda que seja impossível se chegar a uma harmonia absoluta entre dois os dois pressupostos, pode-se buscar uma relação mais equilibrada entre ambos. Para tanto, o Estado laico deverá reconhecer e garantir, para os crentes e as confissões religiosas, a mais ampla liberdade possível, sempre dentro dos limites da laicidade114.

O Estado democrático favorece a laicidade, uma vez que é um

espaço diferenciado e aberto. Embora o Estado seja laico, a maioria de seus membros

não são. Fator este, que pode vir a provocar parcialidade, até chegar a interferências

em favor ou contra as representações do Estado e da Igreja. Assim, assevera

Cassamasso:

As duas considerações nos permitem avaliar com mais realismo o paradoxo que envolve a permanência da liberdade e da emancipação da religião em um contexto marcado pela inconteste supremacia do poder estatal. Não há, a nosso ver, uma solução para o impasse. E o cenário atual não dá mostras de que as religiões poderão se colocar, em futuro próximo, face-a-face com o Estado, tal como pôde se posicionar a Igreja Católica na Idade Média, por exemplo. Na perspectiva de um mundo fundado sobre os alicerces da modernidade, a religião estará irremediavelmente fadada a se acomodar “no Estado”. Mesmo no caso de um crente ou de uma confissão religiosa podem contar, quando se sentirem ameaçados por leis estatais, com a proteção de um tribunal internacional, tal como já ocorre hoje na Comunidade Europeia, a ascendência do político sobre o religioso tende a manter-se incólume, pois, conforme tem sido em relação aos Estados em particular, é muito improvável que as religiões consigam se colocar de igual para igual perante uma comunidade de Estados115.

Verifica-se que, na visão do autor, a Igreja provocou muitos

avanços, embora estivessem ligados aos Estados. Com a laicidade e a liberdade

113GALLEGO, Roberto de Almeida. O Sagrado na Esfera Pública: Religião Direito e Estado Laico. 2010. 187 f. Dissertação (Mestrado em Filosofia do Direito) – Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2010. p.112. 114 CASAMASSO, Marco Aurélio Lagrecca. Política e Religião: O Estado Laico e a Liberdade Religiosa à Luz do Constitucionalismo Brasileiro. 2006. 387 f. Tese (Doutorado em Direito), Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2006. p.154. 115 CASAMASSO. Op.cit., p. 155-156.

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religiosa, as igrejas descobrem novos métodos e novas dinâmicas para atuarem com

liberdade frente ao Estado Democrático de Direito, almejando sua autonomia, sem

deixar de respeitar a competência civil e normas estatais que lhes é devido.

Neste sentido, Gallego ressalta:

Em primeiro lugar, a religião deve atuar no sentido da constituição de uma política de liberdades e na ordem social. Em segundo e terceiro lugares, a religião deve servir para mostrar, questionar e contestar os limites desta mesma política liberal e da ordem social. Em suma, desprivatização da religião deve servir para questionar a validade empírica da tese da privatização da religião na modernidade, e, mais importante, deve compelir a teoria da privatização a questionar seus fundamentos normativos quanto ao modelo liberal da esfera pública e também no que concerne à rígida separação jurídica entre as esferas pública e privada116.

A religião frente ao espírito democrático necessita se desatrelar,

isto é, alcançar sua liberdade perante o Estado, conquistar independência e soberania

em suas atividades, vivendo a laicidade, bem como a harmonia e transparência para

com o Estado:

A laicidade se configura não em termos de indiferença frente às religiões, mas de garantia do Estado para salvaguardar da liberdade de religião, em regime de pluralismo confessional e cultural, de tal forma que a atitude laica do Estado-comunidade responde não a postulados ideologizados e abstratos de exterioridade, hostilidade ou confissão do Estado-pessoa ou de seus grupos dirigentes, com respeito a uma religião ou a um credo em particular, mas que também deve se colocar a serviço das concretas instâncias da consequência civil e religiosa dos cidadãos117.

O Estado laico e democrático preza pelo respeito, colaboração

mútua e solidária. Prioriza o bem da vida e o bem comum para que haja justiça e paz

para o bem da humanidade. Nesta direção, Yamashita argumenta:

O Estado Democrático de Direito consiste hoje justamente no princípio supremo a ocupar o topo do sistema constitucional interno, é princípio segundo o qual o exercício do poder partilhado somente é permitido com fundamento em uma Constituição garantidora dos direitos fundamentais e em leis formal e materialmente constitucionais a fim de assegurar dignidade humana, liberdade, justiça e segurança jurídica118.

A democracia converge em normas morais e éticas, com

fundamentos legais e no exercício da responsabilidade compartilhada, entre os

116GALLEGO. Op. cit., p.118. 117GALLEGO. Op. cit., p.119. 118YAMASHITA, Douglas. Estado Democrático de Direito no Sistema Constitucional. In:VELOSO, Carlos Mario da Silva etal. Princípios Constitucionais Fundamentais: estudos em homenagem ao Professor Yves Gandra da Silva Martins. São Paulo: Ley, 2005, p.344.

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cidadãos e seus governantes. Assim, o Estado democrático promove a humanidade

em todas as esferas, sendo que o Estado de Direito tem por princípio salvaguardar e

defender a segurança jurídica da nação, que goza de garantias e liberdade de

consciência e de crença.

Ainda nesta perspectiva, José Afonso da Silva, se posiciona:

A democracia que o Estado democrático de Direito realiza há de ser um processo de convivência social numa sociedade justa, livre e solidária (art. 3º,I) em que o poder emana do povo e deve ser exercido em proveito do povo, diretamente ou por seus representantes eleitos (art. 1º, parágrafo único); participativa, porque envolve a participação crescente do povo no processo decisório e na formação dos atos do governo; pluralidade de ideias, culturas e etnias e pressupõe assim o diálogo entre opiniões e pensamentos divergentes e a possibilidade de convivência de formas de organização diferentes da sociedade; há de ser um processo de libertação da pessoa humana das formas de opressão que não depende apenas do reconhecimento formal de certos direitos individuais, políticos e sociais, mas especialmente da vigência de condições econômicas suscetíveis de favorecer o seu pleno exercício119.

Infere-se que o cidadão, ao depositar confiança em seus

representantes, espera da parte deles, o mínimo de comprometimento em suas ações.

Portanto, o cidadão que almeja viver no Estado laico, democrático e livre, deseja viver

também, com proteção, espírito de compreensão e cooperação por parte do mesmo

Estado.

2.6 BRASIL E A SANTA SÉ: A RELAÇÃO ENTRE A IGREJA CATÓLICA E O

ESTADO BRASILEIRO

2.6.1 Princípio da Autonomia

Por princípio de autonomia entende-se, “a independência

jurisdicional da Igreja e do Estado, cada um deles soberano na sua própria ordem”120.

Assim, compreende-se o porquê os padres da Igreja Católica Apostólica Romana, não

lhes é permitido, pela Instituição eclesiástica, concorrem a cargos políticos.

Enventualmente surgem alguns candidatos, porém, imediatamente são suspensos do

119 SILVA, José Afonso da.Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros Editores LTDA, 2005, p.119. 120 CIFUENTES, Llano Rafael. Relações entre Igreja e o Estado. Rio de Janeiro: José Olímpio, 1989, p. 151.

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uso de Ordem pelo Ordinario local. No sentido de poder ser livre do poder político

estatal, a fim de garantir e se dedicar com mais eficácia à religião e suas atividades,

em prol da porção do povo lhe confiado pelo bispo da sua diocese.

Sob a luz do Concílio Lateranense IV (cap.4, 6), Cifuentes

observa que a Igreja apoia os leigos a assumirem seu papel na política:

Assim como queremos que os leigos não usurpem os direitos dos clérigos, da mesma forma devemos querer que os clérigos não reclamem para si os direitos dos leigos. Portanto, ordenamos a todos os clérigos que, sob pretexto de defender a liberdade da Igreja, não estendam a sua jurisdição, com prejuízo das instituições seculares, mas, pelo contrário, se atenham as constituições, leis e costumes já aprovados, para que seja dado, com reta distribuição121; o que é de César a César o que é de Deus a Deus122.

Portanto, “o caráter peculiar dessa cooperação consiste numa

tarefa que facilite exteriormente, através de recursos temporais, o desenvolvimento da

religião, sem prejuízo da liberdade de consciência de cada um dos cidadãos”123. Sobre

isso, Bihlmeyer e Tuechle expõem:

Na separação dos dois poderes, dizia o relator, o espiritual e o temporal, como em nosso regime político, nenhuma relação de dependência existe entre ambos. Contudo, o fato de o Brasil ter conseguido um grau de civilização não inferior a nem um outro país, é devido em grande parte a influência benéfica exercida pelo catolicismo em nosso país. Foi, pois, um dever moral a manutenção da nossa representação diplomática junto a corte do soberano pontífice, após a proclamação da República124.

No entanto, a separação não é o fim em si mesmo, mas o início

de uma nova relação harmoniosa entre Estado e Igreja, gerando cooperação mútua,

para o bem comum da sociedade, sem qualquer tipo de pretenção privilegiada, nem

fazer distinção ou exclusão de outras religiões.

2.7 ACORDO BRASIL E SANTA SÉ: SISTEMATIZAÇÃO E ASPECTOS JURÍDICOS

O Acordo que concretiza os vínculos de amizade e cooperação

já existentes entre o Brasil e a Santa Sé constitui-se de um Preâmbulo e de vinte

Artigos, que regulam e normatizam diversos aspectos, dentre os quais: “o estatuto

121 CIFUENTES. Op. cit., p. 160. 122 LA BIBLE –Traduction ecuménique de la Bible. Edição em Língua Portuguesa. São Paulo, Edições Loyola, 1994. 123CIFUENTES. Op. cit., p. 167. 124BIHLMEYER, Karl; TUECHLE, Hermann. História da Igreja. vol. 3. São Paulo: Pia Sociedade de São Paulo, 1965. p.757.

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jurídico da Igreja Católica no Brasil, o reconhecimento dos títulos acadêmicos, o

ensino religioso nas escolas públicas, o matrimônio canônico e o regime fiscal”125.

No entanto, definiu-se sistematizar juridicamente em documento

único e orgânico, para uma melhor organização da Instituição, pois após quase 120

anos da separação entre as duas Insituições, não havia perspectiva de regularização

e normatização do que até então era considerado costume, analogia, equidade ou

direito consuetudinário da Igreja. Conforme Baldisseri:

Assim, o Acordo marca a história das relações do Brasil com a Igreja, não tanto pelas inovações, que são menos numerosas, mas sobretudo por aquilo que exprime no plano da consolidação de entendimento assentados, conquanto dispersos, e de disposição de respeito mútuo no âmbito das esferas autônomas na vida político-social-religiosa do Brasil126.

O Acordo representa, ao mesmo tempo, a expressão de um

encontro de duas instituições com identidades próprias, em sua saudável cooperação

na procura do ideal comum de promover o respeito mútuo. Bem como o respeito à

dignidade da pessoa humana, como valor fundamental que deve ser protegido, para

que possa ocorrer o desenvolvimento incondicional da pessoa enquanto ser social.

Com a criação do Acordo Brasil e Santa Sé os laços se

estreitaram, entendimentos em partes começaram a tomar nova direção, houve o

reconhecimento da autonomia da Igreja na sua função, com personalidade jurídica

legitimada.

O Acordo firma a responsabilidade entre Estado e Igreja e o

compromisso de juntos zelarem pela liberdade de religião que é um direito de todos.

Quando se trata de direito reconhecido de todas as instituições eclesiásticas conforme

o Direito Canônico, a instituição passa a ter reconhecimento legal por parte do Estado

Brasileiro, perante o Acordo, de acordo reza o artigo 3º:

A República Federativa do Brasil reafirma a personalidade jurídica da Igreja Católica e de todas as Instituições Eclesiásticas que possuem tal personalidade em conformidade com o Direito Canônico, desde que não contrarie o sistema constitucional e as leis brasileiras, tais como Conferência Episcopal, Províncias Eclesiásticas, Arquidiocese, Dioceses, Prelaturas Territoriais ou Pessoais, Vicariatos e Prefeituras Apostólicas, Administrações Apostólicas, Administrações Apostólicas Pessoais, Missões Sui Iuris

125 BALDISSERI, Lorenzo. Diplomacia Pontifícia: Acordo Brasil – Santa Sé: intervenções. São Paulo: LTr, 2011, p. 83. 126 BALDISSERI. Op. cit., p. 86.

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Ordinariado Militar e Ordinariados para os Fiéis de Outros Ritos, Paróquias, Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica.

§ 1°. A Igreja Católica pode livremente criar, modificar ou extinguir todas as Instituições Eclesiásticas mencionadas no caput deste artigo.

§ 2°. A personalidade jurídica das Instituições Eclesiásticas será reconhecida pela República Federativa do Brasil mediante a inscrição no respectivo registro do ato de criação, nos termos da legislação brasileira, vedado ao poder público negar-lhes reconhecimento ou registro do ato de criação, devendo também ser averbadas todas as alterações por que passar o ato127.

Neste sentido, a legalidade abre perspectiva em relação às

normatividades, pois resulta na regularização dos aspectos que ainda causam dúvidas

na abrangência territorial, suas organizações, competências e sobre a abrangência

da responsabilidade dos membros para com a sua instituição.

Dentre os elementos mínimos mencionados no parágrafo anterior, pode-se destacar: (a) a caracterização da entidade, (b) suas finalidades, (c) abrangência territorial, (d) ato canônico de criação e eventual declaração de existência, se exigida, (e) nomeação e identificação do (s) dirigente(s) e seus poderes de representação e mandato, quando for o caso, (f) identificação do dirigente, (g) sede, (h) bens que a constituem, (i) finalidade não lucrativa, (j) aplicação de recursos e saldos, (l) escrituração de receitas e despesas, (m) existência ou não de conselho, sua composição, forma de nomeação, mandato e atribuições, (o) responsabilidade exclusiva da instituição por seus atos, não respondendo sua direção subsidiariamente, salvo quando se tratar de ato defeso em Lei; (p) critérios para alteração de seu estatuto e (q) previsão de dissolução ou extinção e destinação de eventual patrimônio remanescente128.

Diante dos fatos reconhecidos pelas leis e normas, o Acordo

entre o Brasil e a Santa Sé, tende a evoluir no que se refere à normatividade, dentro

da qual será assegurada, nos termos da lei, a autonomia para o desenvolvimento das

atividades próprias da instituição Igreja.

Deve-se ressaltar que, o Acordo bilateral tem por base a

Constituição Federal de 1988, “Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso

Nacional: I – resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou até internacionais

que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional”. Esse

dispositivo legal é de compentencia eclusiva e privativa do Congresso Nacional, que

o torna internacionalmente reconhecido. A Igreja reconhece e recepciona. Neste

127Conferência Nacional dos Bispos no Brasil – CNBB. Vade-Mécum “Acordo entre a República Federativa do Brasil e a Santa Relativo ao Estudo Jurídico da Igreja Católica no Brasil”. Brasília: Edições CNBB. 2014, p.13-14. 128 Conferência Nacional dos Bispos no Brasil. Op. cit., p.16.

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sentido, o Estado decreta e faz acordo, CNBB129:

(...) se trata de uma norma Internacional recepcionada pelo ordenamento brasileiro por Decreto Legislativo – no caso, de n. 7.107, de 11 de fevereiro de 2010 – possuindo, portanto, status de Lei Ordinária. Contudo, será doravante chamado simplesmente de Acordo130.

Deve ser enfatizado que após o Acordo na Cidade do Vaticano

- Santa Sé, foi aprovado mediante a publicação do Decreto Legislativo 698/2009 que

proporciona à Igreja Católica perante a República Federativa do Brasil, elaborar seus

estatutos, regimentos internos, registrar os mesmos, em registro público e/ou

tabelionato, como pessoa de personalidade jurídica reconhecida de fé publica. Esta

pode responder solidariamente com seus representantes constituidos pela mesma,

em seus atos administrativos, executivos que venham a lesar e ignorar o ordenamento

jurídico Pátrio.

São vários os pontos abordado pelo tratado: (I) Confirmação da personalidade jurídica da Igreja e de suas instituições, em sintonia com o Código de Direito Canônico; (II) apontamento das prerrogativas tributária em favor da Igreja em razão das suas atividades filantrópicas, em iguais condições com instituições da mesma natureza; (III) compromisso de cooperação no âmbito cultural, referente ao patrimônio artístico; (IV) direito atinente à assistência religiosa e estabelecimentos com hospitais e presídios; (V) reconhecimento de títulos acadêmicos universitários, de acordo com as normas vigentes no país; (VI) garantia do ensino religioso católico, assim como de outras confissões, nas escolas públicas; (VII) reconhecimentos dos efeitos civis dos sacramentos religiosos e das eclesiásticas referentes a tal matéria; (VIII) consideração do entendimento referente à exclusão do vínculo empregatício religiosos entre suas respectivas dioceses e institutos; (IX) além de normas referente a vistos para os missionários, possibilidade de

pactuação de convênios, etc.,131.

Este desdobramento certifica a personalidade jurídica da Igreja

Católica no Brasil, pois conforme consta no artigo 3º, requer que as autoridades e

órgãos governamentais reconheçam as principais instituições eclesiásticas, assim

como sua personalidade jurídica.

O Estado Brasileiro faz Acordo, mas, não deve privilegiar a Igreja

Católica nem outras denominações religiosas ou filosóficas. Uma vez que, o Estado é

laico e reconhece a religiosidade do seu povo, bem como sua liberdade religiosa, não

favorece ou beneficia nenhuma religião, como também não despreza os que não a

129 Sigla que significa “Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.” 130Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Op. cit., p. 7. 131CONFERENCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL – CNBB. Manual de Procedimentos Administrativos. Brasília: Edições CNBB. 2010. p. 31-32.

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praticam. Pois o Brasil Estado laico, alem de presar, respeitar, acolhe as diversas

religiões e culturas. O Brasil sendo Estado laico veda e impede os estados federados,

municípios e poder público de priorizar e de ter uma religião oficial.

A vedação compõe-se da seguinte forma: em primeiro lugar, não podem ser estabelecidos cultos religiosos ou igrejas pelo Poder Público, seja direta ou indiretamente. Assim, a adoção de uma única fé religiosa por escolas públicas, obrigndo-a a seus alunos, é uma forma velada de contornar o comando constitucional. Em segundo lugar, é proibido qualquer espécie de subveção pública a alguma religião ou igreja. Também é vedado que se mantenha, com estas ou seus representantes, relações de dependência ou aliança. Em terceiro lugar, e como decorrência tanto de liberdade de crença estabelecida no art. 5º. VI, da CF, como da característica laica do Estado brasileiro, tem-se a proibição de embaraçar o funcionamento de culto religiosos ou igrejas. Uma decorrência direta dessa vedação encontra-se na regra do art. 150, VI, b, da CF, quando se proibe a criação de impostos por parte da União, Estados, Distrito Federal ou Municípios, sobre os templos de qualquer culto. O art. 19, I, da CF, em sua parte final, exepciona a possibilidade de haver colaboração entre o Poder Público e alguns cultos religiosos ou igreja, desde que se trate de colaboração de interesse público e que ocorra na forma da Lei. Esta será da respectiva entidade federativa132.

No segundo capítulo, fez-se a reflexão da monarquia adentrando

no Brasil República, enaltecendo o Estado Laico, que concede a liberdade religiosa a

todos os que queiram professar sua fé ou deixar de professar. Neste sentido, o Estado

oferece a liberdade, porém normatiza seu ordenamento jurídico, perpassando pelas

leis, normas e pela Constituição Federal Brasileira. Isso faz garantir a liberdade de

expressão de culto, de fé ou filosofia de vida, desde que não desrespeite a dignidade

da pessoa humana.

Portanto, não esgota a vertente da pesquisa, mas chega-se a

seguinte hipótese: o Brasil é um Estado laico, amparado legalmente, acolhe e repeita

a liberdade de culto, religião e filosofia de vida, dos seus habitantes independentes de

etnia racial e cultural, seu povo tem uma cultura religiosa e dela se vale para lutar para

harmonizar e solidarizar com o país e não para praticar o terrorismo.

132TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 11ª ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2013, p.836.

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CAPÍTULO 3

FATOR JURÍDICO-ECONÔMICO DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA

ENTRE IGREJA E ESTADO

3.1 CONCEITO E BREVE HISTÓRICO DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA NO BRASIL

Perscrustarei neste capítulo o significado e o alcance da

imunidade tributária para a Igreja Católica Apostólica Roma. A imunidade a ser

estudada é objeto constituído em decorrência natural do cisma entre o Estado

Brasileiro e a Igreja. A separação das duas “potências” foi motivada e decretada pela

Proclamação da República em 1889, permanecendo até os dias atuais. Desde o

Império de 1822 a 1889, no Brasil a Religião Católica Apostólica Romana era a religião

do Império, a qual gozava de grandes privilégios. Logo, com a proclamação da

República, se concede a liberdade religiosa e a imunidade tributária que se estende a

templos de qualquer culto.

Para melhor compreensão do tema, faz-se necessário

esclarecer o conceito. De fato a imunidade tributária consiste em uma proteção legal

que a Constituição Federal originariamente concedeu aos sujeitos passivos da

obrigação tributária.

De acordo Moraes:

O vocábulo imunidade origina do latim immunita, immunitate. Consistindo em uma palavra que significa negação de múnus, sendo que o prefixo in traz a idéia de sem encargo, livre de encargos ou munus. Reportando a conclusão de desobrigação onerosa133.

Ao pontuar sobre a imunidade, Hugo de Brito Machado se posiociona:

Imunidade é o obstáculo decorrente de regra da Constituição à incidência de regra jurídica de tributação. O que é imune não pode ser tributao. A imunidade

133 MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de direito tributário. Rio de janeiro: Forense, 1995, p.105.

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impede que a lei defina como hipótese de inidência tributária aquilo que é imune. É limitação de competência134.

Em se tratando da originalidade da imunidade, buscando na no

passado da nossa história, onde já existia está prática, comenta André Eleli:

Sua origem remonta ao império Romano, quando não eram onerados os templos religiosos e os bens públicos, passando-se por situações símiles na Índia, especificamente no século XIII, favorecendo-se algumas pessoas portadoras de problemas físicos e ou mentais, na Idade Média, quando eram concedidos privilégios às classes nobres e religiosas, até se chegar o surgimento do liberalismo, momento no qual o instituto aqui examinado passou a constituir uma garantia de várias atividades. Verifica-se ainda, que a imunidade tributária passou a receber maior ênfase nos tempos modernos em virtude do movimento constitucionalista norte-americano, mais detidamente quando se decidiu que não deveria incidir tributos entre os entes federativos, o que se explica pela formação federalista daquele Estado135.

Da mesma maneira, na visão de Amaro:

A imunidade tributária é, assim, a qualidade da situação que não pode ser atingida pelo tributo, em razão de norma constitucional que, à vista de alguma especificidade pessoal ou material dessa situação, deixou-a fora do campo sobre que é autorizada a instituição do tributo136.

A Constituição monárquica de 1824, outorgada pelo imperador

Dom Pedro I, concede a liberdade econômica a Igreja Católica Apostólica Romana no

Brasil, em razão do acordo com a Igreja de Roma. Assim, por sua vez, a Igreja Católica

Apostólica tornou-se a “Religião do Império”. Por isso, recebia privilégios para

arquitetar seus palácios, edifícios públicos e templos destinados aos seus cultos,

celebrações e encontros diversos.

Podemos observar que a Carta Imperial de 1824 determinava

expressamente que:

EM NOME DA SANTISSIMA TRINDADE. Do Imperio do Brazil, seu Territorio, Governo, Dynastia, e Religião. (...) Art. 5. A Religião Catholica Apostolica Romana continuará a ser a Religião do Império. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto domestico, ou particular em casas para isso destinadas, sem fórma alguma exterior do

134 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 190-

191. 135 ELELI, André. Revista Tributária e de finanças públicas. São Paulo RT. Nº 70, 2007, p. 146. 136 AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 174.

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Templo137.

Portanto, a Igreja Católica Apostólica Romana esteve sob a

égide da monarquia, legalmente reconhecida pela Igreja de Roma, dos anos 1824 a

1891, sendo 67 anos de “atrelamento”, um marco histórico para o Brasil. Apesar das

divergências, houve certos avanços, afinal: Como seria hoje o Brasil se não houvesse

essa “aliança“ entre a Igreja e o Estado? Ou em que situação estaria hoje se não

houvesse essa separação entre Estado e Igreja?

3.1.1 A imunidade dos “Templos de qualquer culto” nas Constituições

brasileiras anteriores a de 1988.

A expressão imunidade tributária sobre os templos de qualquer

culto tem sede na Costituição. O termo “imunidade” surgiu nas constituições de 1824,

1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e 1969, que resultaram na Carta Magna, ou seja, na

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que será explorada no

próximo item.

A imunidade na Constituição do Império do Brasil no ano de

1824 refere-se a impostos, não menciona as igrejas, tendo em vista que nesta época

o imperador “comandava” através do Padroado a Igreja Catolica Apostólica Romana,

“Religião do Império, (...) para a qual concedia o direito de ter imóveis públicos

voltados aos cultos religiosos”138. A Constituição da República dos Estados Unidos do

Brasil de 24/02/1891.

No § 2º., do arti. 11, prevê-se a vedação quando embaraçar o exercício de cultos religiosos, o que caracteriza, também, uma autêntica imunidade, pois poderá ser interpretado quando a tributação aparecer como embaraço. No entender do autor aqui está o embrião, o marco inicial da imunidade dos templos de qualquer culto, que é previsto na vigente CF/88139.

137 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1946. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/topicos/10631334/alinea-a-do-inciso-v-do-artigo-31-da-constituicao-federal-de-18-de-setembro-de-1946>. Acesso em: 25 Out. 2014. 138 BRASIL. Presidência da República. Casa civil. Subchefia para assuntos jurídicos. Constituição Política do império do Brazil (de 25 de Março de 1824). Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm>. Acesso em: 02.06.2015. . 139 ICHIHARA, Yoshiaki. Imunidades Tributárias. São Paulo: Atlas, 2000, p.131.

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Na Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1934, ao se

tratar da imunidade, esta menciona a proibição e continua na mesma linha da

constituição anterior, art. 17. “É vedado á União aos Estados, ao Distrito Federal, e

aos Municípios: (...) II – estabelecer, subvencionar ou embaraçar o exercício de culto

religioso”140. Na sequência ao perscrustar a Constituição de 1937, continua o veto, art.

23, alíneas b e c CF/37. “No sentido de impedir o livre exercício de cultos religiosos e

tributar bens, rendas e serviços, uns dos outros, (...) prevista no art. 17, II e X, da

CF/34, com pequena alteração na redação no que pertine a imunidade”141.

Observando a Costituição de 1946, percebe-se que houve modificações em relação

às outras constituições já mencionadas. “A CF/46 ampliou o rol das imunidades,

inaugurando a imunidade dos templos de qualquer culto, (...), das instituições de

educação e de assistência social, desde que suas rendas sejam aplicadas

integralmente no país, art. 31, V, b, da CF/46”142. Investigando a Constituição do Brasil

de 1967, volta a tratar do veto: “Ao vedar à União, aos Estados, ao Distrito Federal, e

aos Municípios, no art. 20, da CF/67, (...), I – instituir ou aumentar tributos sem que a

lei o estabeleça (...), b, templos de qualquer culto”143.

Finalmente a Constituição da Repúblida Federativa do Brasil de

1969, não teve alteração, está idêntica a de 1967, assim menciona o “art. 19, III, b, É

vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal, e aos Municípios: (...), III – instituir

imposto sobre: (...), b, os templos de qualquer culto”144.

Neste sentido é possível desenvolver hipóteses e observar que

as Constituições abordadas assinalavam para desencadear a liberdade religiosa, da

mesma forma, a caminhada republicana andava a passos largos para iniciar a

laicização do Estado.

Neste sentido é possível desenvolver hipóteses e observar que

as Constituições abordada, apontávam para desencadear a liberdade religiosa, da

mesma forma, a caminhada republicana andava a passos largos para iniciar a

laicização do Estado.

140 ICHIHARA. Op. cit. p.134. 141 ICHIHARA. Op. cit. p.138. 142 ICHIHARA. Op. cit. p.142. 143 ICHIHARA. Op. cit. p.145. 144 ICHIHARA. Op. cit. p.150.

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3.1.2 A imunidade dos “Templos de qualquer culto” na Constituição Federal do

Brasil de 1988

A natureza jurídica da imunidade tributária está abrigada na

Costituição Federal de 1988. Observa-se que em meio a hierarquia das leis, a primeira

é a Carta Magna, em seguida vêm as Leis Complementares, que compreendem o

Código Tributário Nacional, sendo que as imunidades de impostos são

acondicionadas nos artigos 9º e 14º, precisamente no capítulo que trata das

Limitações da Competência Tributária.

Assim sendo, na Constituição de 1988, a imunidade tributária

dos templos de qualquer culto foi observada em dois dispositivos do texto

constitucional, sendo a alínea “b” do inciso VI do art. 150 e o § 4º do citado artigo.

Esse parágrafo apresenta regras que podem ser aplicadas às imunidades da alínea

“b” e da alínea “c”.

De fato, para um melhor esclarecimento acerca dos atributos das

imunidades mencionados no art. 150 VI, a, b, e c, da CF88, compete a citação do

texto:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) VI – instituir impostos sobre: a) (...) b) templos de qualquer culto; c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos

da lei: (...)145.

Diversos trechos dos documentos constitucionais vigentes são

semelhantes aos textos constitucionais anteriores e, a Carta Maior de 1988, manteve

a imunidade aos templos de qualquer culto, com a garantia desse benefício aos entes

já mencionados. No entanto, com esse “benefício” o Estado Brasileiro, concede as

instituições religiosas autonomia e liberdade para desenvolverem seus trabalhos, sem

dependerem, necessariamente do poder público, porém, seus investimentos

145 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Poder Legislativo, Brasília, DF, 1988.

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econômicos devem ser aplicados no país.

Assim sendo, a CF 88 manteve adjacentes as imunidades

contidas nas alíneas “b” e “c”, (...) “inclusive suas fundações”, as instituições de

educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei”,

incluindo uma cláusula restritiva, ao assegurar que “compreendem somente o

patrimônio, a renda e os serviços relacionados com as finalidades essenciais das

entidades nelas mencionadas”. Assim, nota-se que o art. 150 da CF 88, fez uso da

expressão “entidades” para indicar os “templos de qualquer culto”, mencionados na

alínea “b” do inciso VI.

Neste sentido, constata-se que as razões que levaram a

Constituição de 1988 assegurar imunidade às igrejas, são justamente os interesses

do Estado Brasileiro em garantir essa benesse a todas as religiões, sem distinção,

tendo em vista a liberdade religiosa. De tal modo, Carvalho observa que:

(...) trata-se de reafirmação do princípio da liberdade de crença e pratica religiosa, que a Constituição prestigia no artigo 5º, incisos VI ao VIII. Nenhum óbice há de ser criado para impedir ou dificultar esse direito de todo cidadão. E entendeu o constituinte de eximi-lo também do ônus representado pela exigência de impostos146.

Seguindo o raciocínio referente, o instituto da imunidade e da

aplicabilidade do mesmo, CARRAZA e MORETI discorrem sobre os dois aspectos em

pauta: liberdade religiosa e imunidade tributária, que está a favor das instituições

religiosas.

Não é difícil perceber, pois, que a imunidade tributária dos templos de qualquer culto reforça e salvaguarda o princípio da liberdade religiosa (...) justamente por este motivo, a imunidade do art. 150, VI, b, da Constituição Federal, deve ser interpretada com vistas largas. Mais do que o templo propriamente dito, isto é, o local destinado a cerimônia religiosa, o benefício alcança a própria entidade mantenedora (a igreja), além de estender-se a tudo quanto esteja vinculado às liturgias (batizados, celebrações religiosas consagrações, vigílias etc.) (...) aprofundando o assunto, está dentro das finalidades essenciais do templo de qualquer culto, sua construção, decoração e manutenção. Isso porque a imunidade em questão protege o patrimônio da igreja, compreendendo seus bens móveis e imóveis147.

Para assegurar a livre manifestação do culto religioso e para que

haja condições de sustentá-lo, através de seus líderes, bem como sua estrutura, a

146 CARVALHO, P. B. Curso de direito tributário. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 1997, p.190. 147 CARRAZA, Nazar Elizabete; MORETI, Daniel. Imunidades Tributárias. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012, p. 11-12.

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instituição mantenedora necessita realmente que o Estado renuncie a cobrança dos

tributos, ou seja, mantenha em vigência a imunidade tributária.

Tomando o mesmo caminho, Carrazza considera:

Portanto, o fundamento da imunidade dos templos de qualquer culto não é ausência de capacidade contributiva (aptidão econômica para contribuir com os gastos da coletividade), mas a proteção da liberdade dos indivíduos, que restaria tolhida, caso as igrejas tivesse que suportar os impostos incidentes sobre o patrimônio, a renda ou serviços, mesmo quando tais fatos jurídico-econômicos guardassem sintonia com as finalidades essenciais (art. 150, §4º, da CF 88) do culto (...) a Constituição brasileira expressamente não admite – que as pessoas políticas prejudiquem, muito menos destruam, os cultos religiosos, que devem ser livres. Assim, as pessoas políticas não podem exigir impostos dos “templos de qualquer culto”. Insista-se: das igrejas, com suas mantenedoras148.

O Estado concede a imunidade aos templos de qualquer culto,

no sentido de colaborar para o bem da coletividade e não para auferir lucros

exorbitantes em benefício de seus líderes, assim entende o Estado e sua legislação.

3.1.3 Aspectos objetivos e subjetivos da imunidade dos templos de qualquer

culto

Antes de se estender acerca dos aspectos objetivos e subjetivos

da imunidade, faz-se necessário tecer alguns comentários a respeito das críticas

relativas à suposta ilegalidade, no que tange a imunidade, pois em algumas situações

as instituições são identificadas como “favorecidas” pelo Estado.

Assim, um dos argumentos que defendem a suposta ilegalidade

da relação Igreja/Estado, consiste no desrespeito aos princípios da liberdade de

crença, laicidade do Estado, isonomia da impessoalidade da administração pública e

da imparcialidade do Poder Judiciário. Entretanto, a base legal para tal raciocínio

incide sobre o Art. 5º, VI, Art. 19, I, 150, VI, b, c, e § 4º da CF 1988 já mencionado.

A imunidade tributária relacionada aos templos de qualquer culto

pode ser subjetiva ou objetiva. Assim sendo, a imunidade é considerada subjetiva,

quando o legislador não pode fazer com que determinado indivíduo seja forçado a

148 CARRAZA. Op. cit., p. 13-14.

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pagar o tributo por causa de características associadas ao próprio indivíduo.

Por outro lado, a imunidade objetiva, elimina a probabilidade de

passar a existir comprometimento tributário por causa de atributos da coisa. Deste

modo, nenhum indivíduo deverá obrigatoriamente saldar tributos que tenha como

objeto tributável algo em condição imune.

Amaro explica que:

As imunidades são definidas em função de condições pessoais de quem venha a vincular-se às situações materiais que ensejariam a tributação (por exemplo, a renda, em regra passível de ser tributada, é imune quando auferida por partido político ou por entidade assistencial que preencha certos requisitos). Mas podem, também, as imunidades ser definidas em função do objeto suscetível de ser tributado (por exemplo, o livro é imune), ou de certas peculiaridades da situação objetiva (por exemplo, um produto que, em regra, poderia ser tributado, mas, por destinar-se à exportação, é imune). Podem, assim, identificar-se imunidades subjetivas (atentas às condições pessoais do sujeito que se vincula às situações materiais que, se aplicada a regra, seriam tributáveis) e imunidades objetivas (para cuja identificação o relevo está no objeto ou situação objetiva, que, em razão de alguma especificidade, escapa à regra de tributalidade e se enquadra na exceção que é a imunidade149.

Como já exposto, a imunidade tributária subjetiva faz referência

especificamente à entidade e não a certo bem. No entanto, a fim de se compreender

o sentido da expressão “templos de qualquer culto”, engloba-se na sua amplitude as

Igrejas, as Lojas Maçônicas, Casa do Pastor, Convento, Centro de Formação de

Rabinos, Seminários, Casas Paroquiais, Imóveis que promovem as celebrações ou

cultos, como também, veículos empregados em atividades pastorais das entidades.

Considera-se que os anexos dos templos são compreendidos

pela imunidade, por serem avaliados locais para o culto julgados como não amorais,

competindo sempre ao setor público a prova contrária para a aplicação dos tributos.

Vale ressaltar que esta imunidade não tem característica infinita, consequentemente,

não abrange atividades desvinculadas ao culto.

Assim sendo, todo o complexo de móveis e imóveis

pertencentes à entidade mantenedora do templo e culto também gozam da imunidade

tributária.

149 AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 176.

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Sobre isso, Ichihara comenta:

O templo não deve ser apenas a igreja, a sinagoga edifício principal, onde se celebra a cerimônia pública, mas também a dependência a casa contigua, o convento, os anexos por força da compreensão, inclusive a casa ou residência especial, do pároco ou pastor, pertencente à comunidade religiosa desde que não empregado para fins econômicos150 (...) ainda, relacionados com a imunidade dos templos, os salões paroquiais, os compartimentos contíguos ao templo, tais como: salões de festas, salas de estudo, alojamentos para abrigar fiéis, a eles destinados exclusivamente, e a casa destinada a moradia do padre, pastor, rabino, monge, etc., entende-se estarem cobertos pela imunidade prevista no art. 150, VI, b, da CF/88151.

Existe pois a reflexão que abrange as estruturas físicas de

construções: prédios, ou bens imóveis, que sirvam para acolher seus membros ou

para fazer reuniões e formações, neste sentido, também os evangélicos, protestantes

dentre outros, usufruem do benefício da imunidade tributária. Neste sentido escreve

Carrazza:

Na religião protestante, evangélica ou pentecostal, são anexos dos templos a casa do pastor (local, pertencente à confissão religiosa, onde o pastor reside, prepara suas prédicas, recebe os fiéis etc.), o centro de formação de pastores etc.; na israelita, a casa do rabino (observados os mesmos requisitos), o centro de formação de rabinos, (o rabinato); na umbandista, a casa do “pai de santo”, o terreiro onde são doutrinados os sacerdotes do culto etc. Neste ponto, não podemos ser preconceituosos, afrontando o desígnio constitucional152.

Tendo em vista a questão relacionada aos anexos dos templos,

constata que existem outros imóveis pertencentes à mesma entidade que desfrutam

da imunidade. Sousa relata:

Por outro lado, no entanto, a imunidade alcança, no que se refere à propriedade, não só o templo, em si considerado, mas todos os necessários anexos, como a casa paroquial, pastoral, conventos, seminários etc. Isto é assim porque a proteção constitucional é ao culto e suas liturgias, desenvolvidas não só no templo principal, mas também naqueles demais recintos153.

Carraza oferece sua reflexão ao tratar sobre os bens, ou seja, o

patrimônio das igrejas e/ou “templo de qualquer culto”:

(...) está dentro das finalidades essências do templo de qualquer culto, sua construção, decoração e manutenção. Isso por que a imunidade em questão protege o patrimônio da igreja, compreendendo seus bens móveis e imóveis

150 ICHIHARA, Yoshiaki. Imunidades Tributárias. São Paulo: Atlas, 2000, p.232. 151 ICHIHARA. Op. cit., p.24. 152 CARRAZA. Op. cit., p.16. 153 SOUSA, Ercias Rodrigues de. Imunidades Tributárias na Constituição Federal. Curitiba: Juruá, 2004, p.135.

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(...) o fundamento imunidade dos templos de qualquer culto não é ausência de capacidade contributiva (aptidão econômica para contribuir com os gastos da coletividade), mas a proteção da liberdade dos indivíduos, que restaria tolhida, caso as igrejas tivesse que suportar os impostos incidentes “sobre o patrimônio, a renda ou os serviços”, mesmo quando tais fatos jurídico-econômicos guardassem sintonia com as “finalidades essenciais” (art. 150, §4º, da CF/88) do culto (...) assim nos posicionarmos, estamos a seguir tendências do próprio Supremo Tribunal Federal, manifestada na Súmula nº 724: “Ainda quando alugado a terceiros permanece imune ao IPTU o imóvel pertencente a qualquer das entidades referida pelo art. 150, VI,´c´, da Constituição, desde que o valor dos aluguéis seja aplicado a atividades essenciais de tais entidades” 154.

Logo, os templos de qualquer culto, podem fazer jus a imunidade

tributária sumuladas pelo STF, tendo em vista suas obras caritativas, assistenciais,

educacionais, com filantrópica, bem como outras entidades e institutos reconhecidos

pelo Estado.

3.1.4 Cemiterios

Na primeira Constituição da República em 1891, já existia a

separação Estado-Igreja e como contraponto a liberdade de crença religiosa,

juntamente com a liberdade de exercício de culto, até mesmo sua prática em

cemitérios, desde que não fossem ultrajantes à moral pública e às leis155. Já a CF 88

nada dispõe diretamente sobre a questão dos cemitérios, nem sobre ritos e cultos nele

realizados.

No ano de 2008, submetida a julgamento, no Recurso

Extraordinário nº 578.562-9 – Bahia 217, a reclamação feita pela Prefeitura de

Salvador-BA, referente ao IPTU sobre imóvel onde fica localizado o Cemitério dos

Ingleses. O Tribunal por sua vez, decidiu pela imunidade tributária atribuída aos

templos de qualquer culto. Eis os termos técnicos:

Decisão: O Tribunal, à unanimidade e nos termos do voto do relator, deu provimento ao recurso. Votou o Presidente, Ministro Gilmar Mendes. Falou pela recorrente o Dr. Augusto Aras. Plenário, 21.05.2008. EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. IPTU. ARTIGO 150, VI, “B”, CB/88. CEMITÉRIO. EXTENSÃO DE ENTIDADE DE CUNHO RELIGIOSO. 1. Os cemitérios que consubstanciam extensões de entidades de cunho religioso estão abrangidos pela garantia contemplada no artigo 150 da

154 CARRAZA. Op. cit., p.12-13 e 20. 155 BRASIL Constituição (1891), 2009. §§ 3º e 5º do artigo 72 da Constituição de 1891.

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Constituição do Brasil. Impossibilidade da incidência de IPTU em relação a eles. 2. A imunidade aos tributos de que gozam os templos de qualquer culto é projetada a partir da interpretação da totalidade que o texto da Constituição é, sobretudo do disposto nos artigos 5º, VI, 19, I e 150, VI, “b”. 3. As áreas da incidência e da imunidade tributária são antípodas. Recurso extraordinário provido156.

A partir da decisão, o (STF) Supremo Tribunal Federal concluiu

que os cemitérios que trabalham como extensões de entidades religiosas, que não

apresentem fins lucrativos e se dediquem unicamente à prática de serviços religiosos

e funerários, são imunes à incidência do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU).

Entretanto, em outra ocasião, o Ministro Joaquim Barbosa

rejeitou a alçada do terreno em exame à condição de templo de qualquer culto. A

matéria atinente ao tema foi item de discussão no Recurso Extraordinário 544815 de

Relatoria do Ministro Joaquim Barbosa. Segue o texto do Informativo STF:

Ressaltou, no ponto, que a expressão "templo" abrangeria os anexos e outras construções nos quais a entidade religiosa desempenhasse atividades essenciais à consecução de seus objetivos institucionais, mas que não seria coerente, partindo dessa premissa, concluir que terrenos explorados comercialmente por entidades não eclesiásticas, para fins que não são necessariamente próprios à expressão da crença, fossem considerados templos. Além disso, ressaltou que a propriedade imóvel de que se trata seria destinada à prestação de serviços funerários e ao sepultamento, e sendo o serviço funerário atividade de interesse público, especificamente de saúde pública e de saneamento, não se trataria ontologicamente de questão de índole religiosa. Aduziu que, para reformar o acórdão recorrido, também seria necessário reconhecer que a pessoa que explora o terreno se dedicasse inexoravelmente à prática de ritos religiosos fúnebres, o que não estaria comprovado nos autos, sendo, ademais, lícito presumir que a execução de ritos religiosos não seria obrigatória, porque o cemitério não seria exclusivo ao sepultamento de fiéis de uma ou outra religião. Afirmou, ademais, que o serviço funerário se submeteria à regra que o exclui da imunidade se desempenhado por particular em regime de concessão ou delegação (CF, art. 150, §§ 2º, 3º e 4º), devendo, por isso, ser tributado o terreno utilizado para tal atividade157.

A discussão ocorre em torno dos terrenos de posse de pessoa

física, locado à empresa que o empreenda na condição de cemitério privado, esse

não é imune à tributação.

No entanto, outra interposição do Recurso Extraordinário deu-se

156 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. INFORMATIVO DO STF Disponível em: < https://www.stf.jus.br/arquivo/djEletronico/DJE_20080911_172.pdf> Acesso em 20 de jan. de 2015. 157 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. INFORMATIVO DO STF. Brasília, 19 a 23 de maio de 2008 - Nº 507. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo507.htm> Acesso em 13 de janeiro de 2015.

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contra acórdão do extinto Primeiro Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo,

que julgará correta a incidência do IPTU sobre o imóvel locado para a empresa que o

empreendia como cemitério privado. Ademais, defendeu o Ministro que:

A imunidade opera tão somente para garantir que o Estado não interfira indevidamente na liberdade de culto e no exercício da fé”. Para ele, “reconhecer a aplicabilidade da imunidade recíproca à tributação de imóvel locado a particulares para exploração de atividade econômica de cunho privado, redundaria em privilegiar a exploração econômica particular e não a proteção da liberdade religiosa158.

Portanto, os cemitérios cujas características configurarem

extensão de uma entidade religiosa sem fins lucrativos, usufruem de imunidade

tributária, da mesma forma que as entidades religiosas. Em contrapartida os

cemitérios de caráter comercial, que não tenham nenhum vínculo com qualquer

organização religiosa, bem como constituam objeto de exploração por parte de

empreendimentos que locam, comercializando jazigos com intenção

substancialmente lucrativa, não recairá tal prerrogativa tributária.

3.1.5 Imunidade tributária: Casa e/ou Lojas, Terrenos Urbanos e Rurais

A imunidade tributária para “templo de qualquer culto” pode se

estender a atividade comercial, porém, vale ressaltar a observância da condição, de

que sua atividade não prejudique a livre concorrência do comércio e que sua

“rentabilidade” seja aplicada exclusivamente a instituições dentro do território

brasileiro.

De igual modo, atividades econômicas e eventuais, v.g. bazares para arrecadar fundos ou feiras para vendas de produtos são alcançadas por tributação, desde que correntes as hipóteses abstratamente descritas nas leis tributárias, em cada caso. Esta conclusão se vê informada, também, pela proteção da livre concorrência, com matriz igualmente constitucional, como já se viu – art. 170, inc. IV do Texto Constitucional – e que restaria maculado, se pudesse implementar atividades econômicas por templo de culto, em claro detrimento daqueles que exploram atividades semelhante com integral oneração tributária159.

Assim sendo, as casas onde residem os representantes das

158 CONSULTOR JURÍDICO. Cemitério religioso sem fins lucrativos não paga IPTU: diz STF. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2008-mai-22/cemiterio_religioso_fins_lucrativos_nao_paga_ iptu>. Acesso em 13 de janeiro de 2015. 159 SOUSA. Op.cit., p.135.

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instituições, usufruem da imunidade como imóvel anexo. Referente a essa tema, Alves

argumenta:

Boa parte da doutrina entende que são considerados templos, para o benefício fiscal, também a casa paroquial, o convento, a abadia, a casa do pastor, a casa do rabino, enfim, todos os locais que tenham pertinência ou que tornem possível a realização do culto (...) observamos que de pouco valeria considerar imune ao IPTU o templo propriamente dito e fazer incidir este imposto sobre a casa onde o oficiante do culto reside. Seria o mesmo que dar com a mão direita e tirar com a esquerda, o que, obviamente, a Constituição não faz. Da mesma forma, entende essa corrente doutrinária não poder ser tributado o veículo usado para os serviços do culto160.

O mesmo raciocínio adapta-se às receitas advindas de diversos

meios para sustentar os responsáveis das instituições, bem como seus trabalhos em

prol principalmente dos seus membros. “Se as rendas obtidas, ainda que de forma

atípica, pela instituição religiosa, tiverem aplicação consentânea com as finalidades

essenciais do culto, o reconhecimento da imunidade tributária é de rigor”161.

Alves pondera:

(...) não se pode dizer, com relação às rendas decorrentes de prédios alugados, de terrenos arrendados para estacionamento, de atividades comerciais, como venda de licores, de artigos sacros, por exemplo. Estas não são funções essenciais de nenhum culto religioso, e, por esse motivo sobre estes ganhos deverá incidir impostos sobre a renda, mesmo que esses ganhos sejam utilizados em benefício do próprio culto162.

A imunidade tributária também se estende aos bens edificados

nos imóveis, desde que o mesmo tenha sua finalidade não lucrativa e sim

investimentos relativos a atividades próprias. Assim, Carrazza comenta a respeito da

imunidade sobre templo de qualquer culto e sobre as exigências de prestar conta dos

investimentos do tributo:

Estão abrangidos pela imunidade em tela, os rendimentos obtidos pela igreja, quando promove uma quermesse desde que, comprovadamente, revertam em benefício do culto. O mesmo pode dizer dos serviços de comunicação radiofônica, e televisiva, se realizados com o propósito de evangelização (...), portanto, a imunidade passa ao largo quando se demonstra a existência, no culto, da finalidade mercantil, isto é, de práticas típicas das entidades lucrativas, que levam ao enriquecimento pessoal dos membros da igreja e que provocam desequilíbrio na concorrência163.

160 ALVES, Francisco de Assis. Imunidade Tributária. In: Ives Granda da Silva Martins (Coord.) Imunidade Tributária. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais: Centro de Extensão Universitária, 1998, p.304. 161 CARRAZA. Op. cit., p.18. 162 ALVES. Op. cit., p.305. 163CARRAZA. Op. cit., p.17.

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Muito se discute sobre o gozo da imunidade tributária dos bens

rurais das igrejas. Diante da imunidade há controvérsias, Eduardo Sabbag, no seu

entendimento, pondera:

Deve-se frisar que a regra imunizadora abarcará a atividade essencial da difusão da religiosidade, consoante o §4º do artigo 150 da CRFB/88. Desse modo, a propriedade rural adquirida pela igreja utilizada para retiros espirituais estará protegida pelo manto da regra imunizante. Por outro lado, se tal gleba rural for destinada a criação de animais ou plantações será devido o ITR164.

Diante desse assunto observa-se divergência de pensamento,

neste sentido Carrazza enaltece:

Em relação ao imóvel rural, a igreja regularmente constituída também goza de imunidade tributária, quando nele se desenvolve atividades essenciais ao culto – como, por exemplo, a formação de religiosos. A situação não se descaracteriza, ainda que ali presentes empreendimentos hortifrutigranjeiros ou agropastoris, desde que, no entanto, a produção se destine ao consumismo interno, e não ao comércio165.

Entretanto, há de se ressaltar que é permitida a produção de

alimentos, mas exclusivamente para consumo próprio dos internos, ou seja, sem

finalidade comercial. Logo, observa-se que o imóvel rural de templo de qualquer culto

apenas será imune, se voltado às atividades ou funções essenciais da instituição

religiosa, ao passo que havendo a desvinculação de tal fim, inclinando-se a área

comercial, desfaz-se a proteção da imunidade tributária.

Essa imprecisão, relativa à interpretação no que refere a

“templos de qualquer culto” estende-se aos locais onde se manifesta as atividades

religiosas, mas exclui as propriedades particulares que não se relacionam com tais

critérios. Diante disso, a moradia do líder de instituição Religiosa também é

questionada sobre o quesito da imunidade dos “templos de qualquer culto”. Sobre

isso, protesta Coelho:

É a casa do padre? Essa também não goza de imunidade. Não é templo, é moradia (embora de um sacerdote, que nem por isso deixa de ser cidadão, com direitos e deveres comuns a cidadania). O escopo de imunizar o templo e não o babarolixá, o padre, o rabino, o ministro protestante em seus haveres. Não seria o caso, por exemplo, do Município de Diamantina, em Minas Gerais, reconhecer a imunidade às fazendas e casas do bispo D. Sigaud,

164 SABBAG, Eduardo de Moraes. Direito Tributário. 8º ed., São Paulo: Editora Premier Máxima, 2006, p. 50. 165CARRAZA. Op. cit., p.16-17.

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homem sabiamente rico. Imune é o templo, não a ordem religiosa166.

Ainda a respeito da questão templo e moradia do líder da

instituição religiosa, sempre houve divergências nas opiniões, cada um com suas

teorias e ponderações. Assim sendo, na mesma linha de raciocínio de Coelho, José

Cretella Junior, assim expõe:

Não se confundem, porém, templos, locais de culto, com casas paroquiais, locais de residências, nem escolas dominicais, fora do edifício do templo. Residência de padres, de pastor, de rabinos, de ministros, de sacerdotes budistas, muçulmanos, evangélicos não são imunes a tributos167.

Além das opiniões diversas a respeito da casa dos líderes das

instituições que desfrutam dos benefícios de imunidade, também há os terrenos, cujo

registro de propriedade esteja em nome da instituição religiosa (igreja) podem gozar

da imunidade ou não, pois os imóveis urbanos dos “templos de qualquer culto” sem

ocupação total ou parcial correm o risco de serem tributados. Souza se manifesta

sobre isso:

O imóvel urbano edificado ou não, bem pode ser atingido pela tributação do IPTU, se não se prestar exclusivamente por qualquer modo – estacionamento de veículos dos fiéis, por exemplo – ao culto religioso168.

Sobre o IPTU, Medina destaca a decisão do STF a respeito da

imunidade tributária com relação às igrejas, isto é “templo de qualquer culto”, não se

aplicando a imunidade a maçonaria considerada filosofia de vida.

O STF, interpretando o art. 150, VI, b, que dispõe sobre a imunidade tributária a “templo de qualquer culto”, vinculou a disposição à prática religiosa, não se aplicando a organizações maçônicas (STF, RE 526.351, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1.ª T., m.v., j. 04.09.2012)169.

Diante deste fator pertinente, os templos da maçonaria, denominados lojas, são

considerados entidades civis com cunho de reuniões privadas e secretas com seus

adeptos, por esse motivo o pedido de imunidade foi vetado pelo STF. Exceto as lojas

que tem entidades filantrópicas e obras sociais.

Por consequência, fica claro que o ponto principal, presente nos

166COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 269. 167CRETELLA JUNIOR, José. Comentário à Constituição de 1988. São Paulo: Forense Universitária, 1. ed., 1992,vol.VIII, p. 3557. 168SOUSA. Op. cit., p.136. 169MEDINA. Op. cit., p. 622.

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questionamentos acerca da imunidade tributária, se refere ao lucro indevido, ou seja,

aquele em que as instituições religiosas se apropriam do direito a imunidade para

obter rendimentos além daqueles que são necessários para a manutenção dos

objetivos institucionais próprios. Sobre isso, esclarece Carrazza:

Relembramos que, o que caracteriza o ânimo de lucro, não é a mera obtenção de rendas (qualquer que seja a origem), mas sua obtenção com o fito de reparti-las. Dito de outro modo, mais técnico, o lucro objetivo (a obtenção de rendas) não alui a imunidade tributária em pauta; o que a afasta, sim, é o lucro subjetivo (a distribuição das rendas entre os dirigentes da igreja), que, este sim, tipifica ânimo de lucro170.

Portanto, expostas as questões elementares, não há dúvida de

que o “templo de qualquer culto” obtém imunidade com ânimo de lucro objetivo, ou

seja, para investimento na própria instituição, sustentabilidade e manutenção de suas

atividades religiosas.

Havendo clara intenção comercial relativa às atividades da

instituição, perderia sua condição de imune, cabendo assim, o recolhimento de todas

as taxas, próprias de uma instituição comum, ou seja, a perda da imunidade tributária

conforme a Lei nº 9.532, de 10/12/1997, art. 13 e 14:

Art. Sem prejuízo das demais penalidades previstas na lei, a Secretaria da Receita Federal suspenderá o gozo da imunidade a que se refere o artigo anterior, relativamente aos anos-caledários em que a pessoa jurídica houver praticado ou, por qualquer forma, houver contribuído para a prática de ato que constitua infração ao dispositivo da legislação tributária, especialmente no caso de informar ou declarar falsamente, omitir ou simular o recebimento de doações em bens ou em dinheiro, ou de qualquer forma cooperar para que terceiro sonegue tributos ou pratique ilícitos fiscais. Parágrafo único. Considera-se, também, infreção ao dispositivo da legislação tributária o pagamento, pela instituição imune, em favor de seus associados ou dirigentes de pessoa jurídica a ela associada por qualquer forma, de despesas consideradas indedutíveis na determinação da base de calcúlo do imposto sobre a renda ou da contribuição social sobre o lucro líquido. Art. 14. À suspensão do gozo da imunidade aplica-se o disposto no art. 32 da Lei n.º 9,430, de 1996. Segundo o artigo 32 da Lei 9.430 de 27 de dezembro de 1996, constatada a inobservância dos requisitos legais a entidade poderá perder a imunidade171.

Tendo presente essas leis, torna-se desnecessário qualquer

comentário a respeito da perda da imunidade.

170 CARRAZA. Op. cit., p. 23. 171 http://www.planalto.gov.br/ccvil_03/LEIS/L9532.htm

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3.2 TERCEIRO SETOR: ENTIDADES QUE PODE GOZAR DA IMUNIDADE

Na esfera tributária, as entidades do terceiro setor, também

conhecidas como ONGs (Organizações Não Governamentais) podem ser divididas

em dois grupos: as imunes e as que somente podem gozar de isenções.

Para melhor compreder a diferença da imuniddade com a isenção:

ISENÇÃO é o favor fiscal concedido por lei, que consiste em dispensar o pagamento de um tributo devido; enquanto às IMUNIDADES, afirma que são limitações da competência, proibições constitucionais e, tambémisenções outorgadas diretamente da Constituição172.

Pode ficar mais inteligível a diferença entre a isenção e a

imunidade quando usamos do esclarecimento apresentado por Luciano da Silva

Amaro: “a diferença entre a imunidade e a isenção está em que a primeira atua no

plano da definição, e a segunda opera no plano do exercício da competência”173.

Nesta verte sobre isenção Sacha Calmon Navarro Coelho

descreve: “Isenção heterônoma é a concedida pelo Poder Legislativo de uma Pessoa

Jurídica de direito Público que não tem competência para instituir o tributo, objeto da

isenção. Isenção heterônoma é isenção de tributo de competência alheia”174.

A imunidade para certas entidades é assegurada pela CF 88 em

seu artigo 150. Assim sendo, as fundações públicas175, desfrutam da concessão de

benefícios de ordem tributária, ou seja, imunidades e isenções. Essa é a forma de

reconhecimento por parte do Estado e/ou poder público a respeito das fundações,

bem como a maneira de incentivá-las, uma vez que o desenvolvimento dessas

172 SOUSA, Rubens Gomes de.Compendio de legislação tributária. São Paulo: Resenha Tributária, 1975, p. 96-97 e 186-187. (apud) ICHIHARA, Yoshiaki. Imunidades Tributárias. São Paulo: Atlas, 2000, p.180. 173 AMARO, Luciano da Silva. Direito Tributário Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1997, p.146. 174 COELHO, Sacha Calmon Navarro. Comentário à Constituição de 1988: sistema tributário. Rio de Janeiro: Forense, 1992, p.388. 175 LEI No 7.596, DE 10 DE ABRIL DE 1987, art. 5º, IV - Fundação Pública - a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, criada em virtude de autorização legislativa, para o desenvolvimento de atividades que não exijam execução por órgãos ou entidades de direito público, com autonomia administrativa, patrimônio próprio gerido pelos respectivos órgãos de direção, e funcionamento custeado por recursos da União e de outras fontes. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7596.htm> Acesso em 15 de jan. de 2015.

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entidades é de interesse geral. Assim também está amparada pelo art. 150, VI, c da

CF 88, bem como pela Lei que a conceitua no art. 5º, IV do Decreto-Lei nº 200/67,

com redação dada pela Lei nº 7.596/87

Existem também as entidades consideradas filantrópicas, cujas

atividades relacionam-se com a promoção e desenvolvimentos por meio de projetos

para o bem comum. O objetivo é o de proteger, amparar e promover as pessoas, ou

seja, estar a serviço dos mais desprovidos. Trata-se de uma sociedade sem fins

lucrativos, podendo ser uma associação ou fundação, criada com a finalidade de

realizar atividades sociais em parceria com outros órgãos governamentais e não

governamentais, com o fim de suprir certas carências na comunidade.

As entidades filantrópicas são regulamentadas pelo DECRETO

FEDERAL Nº 2.536/1998, que dispõe sobre a concessão do Certificado de Entidades

de Fins Filantrópicos a que se refere o inciso IV do art. 18 da Lei n.º 8.742, de 7 de

dezembro de 1993. Essas entidades caracterizam-se por não terem fins lucrativos.

Para conquistar a denominação de entidade filantrópica, a

instituição necessita comprovar no mínimo três anos no desenvolvimento do trabalho,

sem remuneração de seus dirigentes e sem distribuir lucros. Após essa comprovação

ela é legalizada com o título: “Declaração de Utilidade Pública” nas três esferas:

Federal, Estadual e Municipal com reconhecimento no CNAS (Conselho Nacional de

Assistência Social)176. Sendo assim, por caracterizar-se como uma entidade de

reconhecimento público, tem sua contabilidade pública e fiscalizada pelo Ministério

Público.

3.2.1 Imunidade Tributária no Acordo Brasil - Santa Sé

A promulgação do Acordo entre Brasil e a Santa Sé se oficiliza

por meio de decreto presidencial. Assim, configura-se um Acordo internacional entre

duas instituições autônomas e independentes entre si.

Contudo, no que diz respeito a tratados na esfera internacional

176 BRASIL. Decreto Federal Nº 2.536/1998. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decr eto/d2536.htm>. Acesso em 05 Nov. 2014.

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do direito interno, independentemente da corrente a ser observada (monista ou

dualista), convém saber se uma norma internacional pode abolir uma norma interna

ou afastar a sua eficácia e, principalmente qual a natureza legal e disposição

hierárquica dessa norma. Sobre isso expõe Pichiliani:

Admitindo-se que a norma internacional se equipara à norma interna, e, portanto, revoga as disposições previstas no ordenamento jurídico pátrio, haverá o problema da denúncia unilateral do tratado: uma vez inaplicável a norma internacional, será necessária a edição de nova norma interna pelo legislativo, e, por outro lado, admitir-se-ia, como mencionado por Celso Albuquerque MELLO, que o executivo poderia revogar uma norma interna sem aval do legislativo, por meio da denúncia177.

Assim sendo, esse entendimento obtém relevância por conta

dos parágrafos 2º e 3º do artigo 5º da CF 88, que garante expressamente, que os

tratados internacionais consolidados pelo Brasil que reconheçam direitos e garantias

fundamentais, são adotados pelo sistema pátrio com força de emenda constitucional,

e dessa maneira, admitem status de norma prevalente sobre as normas de direito

interno178. Neste sentido, CTN (Código Tributário Nacional) de 1966 preconizou que

tanto os tratados quanto as convenções internacionais podem revogar ou modificar a

legislação tributária interna, e passará a valer as que sobrevêm.

Por consequência, o artigo 98 do CTN demonstra apreço nos

acordos e convenções de Direito Internacional em matéria tributária consolidados pelo

Brasil, isso porque a jurisprudência vem constantemente sancionando a validade de

normas internacionais acordadas para com o Estado brasileiro.

A partir do que foi discorrido até aqui, para estabelecer a posição

do Acordo entre o Brasil e a Santa Sé, cabe ressaltar que no Brasil, ainda que a

Constituição, a legislação ordinária e a jurisprudência já buscassem assegurar a

liberdade de religião, não se pode descartar, em qualquer caso, o forte valor simbólico

do Acordo, que se configura como um marco no direito eclesiástico brasileiro.

Sendo assim, o Acordo vem confirmar, consolidar e sistematizar

o que já constava anteriormente no ordenamento jurídico brasileiro, ainda que, em

177 PICHILIANI, Mauricio Carlos. A eficácia dos tratados internacionais em matéria tributária. Artigo. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=9c9b9968f53b8478> Acesso em: 12 de jan. de 2015. 178 PICHILIANI. Op. cit.

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alguns casos, de uma maneira não muito explícita, necessitaria de esclarecimentos.

Portanto, cada artigo do Acordo, diante das atribuições

relacionadas à Igreja Católica, adota com o cuidado em ressaltar constantemente,

duas exigências essenciais: o respeito ao ordenamento jurídico da Constituição

Federal e das leis brasileiras, em todas as esferas e a paridade de tratamento com as

outras entidades de análoga natureza, que sejam de caráter religioso, filantrópico, de

assistência social, de ensino, dentre outras, excluindo, de tal maneira, qualquer

possibilidade discriminativa, entre elas.

O acordo Brasil - Santa Sé expõe as prerrogativas para as

pessoas jurídicas eclesiásticas e entidades afins, que tem intenção de priorizar os

aspectos sociais e a solidariedade, levando em conta a imunidade tributária

assegurada pela Constituição Brasileira aos “templos de qualquer culto”. A Igreja com

sua doutrina, estatutos e Direito Canônico prevê quais são as instituições que possam

gozar da imunidade.

É de se ressaltar, ainda que o artigo 3° faça clara referência ao direito Canônico como lastro e como marco jurídico para o reconhecimento e a reafirmação da personalidade jurídica das instituições eclesiásticas. Ou seja, cabe ao Direito Canônico e, enfim às respectivas instâncias competentes, apontar quais são as entidades formalmente vinculadas ao corpo institucional da Igreja. Claro é, portanto, que todas e quaisquer instituições amparadas pelo Direito Canônico - e não apenas as referidas pelo Acordo – deverão ter uma personalidade jurídica reconhecida pelo Estado brasileiro, atendida a legislação aplicável (art. 3°, § 2°, do Acordo art. 44, IV, §§ 1/ e 2° do código Civil). Em suma, mais do que pertencer à espécie de pessoas jurídicas, organizações religiosas, estabelecida no art. 44, IV, do Código Civil, tais instituições eclesiásticas tem sua gênese e identidade afirmadas sobre a égide do Direito Canônico, sendo vinculadas à Igreja Católica. Ou seja, o art. 3º do Acordo “reafirma” o que é disciplinado pela legislação civil179.

No entendimento de ambas as partes, o Acordo propõe a devida

responsabilidade da instituição em desenvolver trabalhos tanto no campo religioso

como no social, tendo em vista a garantia da imunidade e cumprir os requisitos legais.

Da mesma forma, tem obrigação de realizar a escrituração fiscal

e digital das declarações de IRPJ (Imposto de Renda de Pessoa Jurídica) da

179 Conferência Nacional dos Bispos no Brasil – CNBB. Acordo entre a República Federativa do Brasil e a Santa Relativo ao Estudo Jurídico da Igreja Católica no Brasil. Brasília: Edições CNBB. 2014, p.18.

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instituição e outros, com transparência contábil nos proventos de qualquer natureza.

Deve ser ressaltado que, o regulamento do IRPJ é somente

relativo ao imposto sobre o patrimônio, no entanto, a imunidade é para todos os

impostos, sejam renda, patrimônio e serviços.

Assim, a Lei nº 5.172 de 25 de Outubro de 1966, dispõe sobre o

Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à

União, Estados e Municípios, porquanto, a regulamentação do IRPJ, encontra-se no

artigo 43:

Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica: I - de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos; II - de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior. § 1º A incidência do imposto independe da denominação da receita ou do rendimento, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem e da forma de percepção. (Incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001) § 2º Na hipótese de receita ou de rendimento oriundos do exterior, a lei estabelecerá as condições e o momento em que se dará sua disponibilidade, para fins de incidência do imposto referido neste artigo. (Incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001)180.

Conceituando a pessoa jurídica da Igreja Católica Apostólica

Romana, o artigo 15 do Tratado Brasil-Santa Sé tem a seguinte acepção:

As pessoas jurídicas eclesiásticas, reconhecidas nos termos do artigo 3°, que, além de fins religiosos, persigam fins de assistência e solidariedade social, desenvolveram a própria atividade e gozarão de todos os direitos, imunidades, isenções e benefícios atribuídos às entidades com fins de natureza semelhante previstos no ordenamento jurídico brasileiro, desde que observados os requisitos e obrigações exigidas pela legislação brasileira.181

No artigo 15 do acordo trata especificamete da imunidade, na questão tributária e

filantópica.

Artigo 15. Às pessoas jurídicas eclesiásticas, assim como ao patrimônio, renda e serviços relacionados com as suas finalidades essenciais, é reconhecida a garantia de imunidade tributária referente aos impostos, em conformidade com a constituição brasileira. §1°. Para fins tributários, as pessoas jurídicas da igreja católica que exerçam atividade social e educacional sem finalidade lucrativa receberão o mesmo tratamento e

180 BRASIL. Presidência Da República. Casa Civil. LEI Nº 5.172, DE 25 DE OUTUBRO DE 1966. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172.htm> Acesso em 13 de jan. de 2015. 181 BALDISSERI, Lorezo. Diplomacia Pontifícia: Acordo Brasil – Santa Sé. São Paulo: LTr, 2011, p.103.

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benefícios outorgados às entidades filantrópicas reconhecidas pelo ordenamento jurídico brasileiro, inclusive, em termos de requisitos e obrigações exigidos para fins de imunidade e isenção.182

Esclarecendo o dispositivo anteriormente citado, Lorenzo

Baldissieri (bispo) em seu livro, “Diplomacia Pontifícia – Acordo Brasil – Santa Sé –

Intervenções”, observa:

O texto, mais uma vez, lança no cenário jurídico internacional uma norma que o poder civil brasileiro havia estabelecido na sua Constituição, e com abrangência de todas as religiões. O Acordo sintetiza o que já se inclui no ordenamento jurídico brasileiro e está explicitado pelo seu mais alto intérprete, o Supremo Tribunal Federal. Nesta Corte, já se explicitou que ‘a imunidade prevista no art. 150, inciso VI, letra b, CF, deve abranger não somente os prédios destinados ao culto, mas, também, o patrimônio a renda e os serviços relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas’. Até mesmo os cemitérios, porque o STF os entende como ‘extensões de entidades de cunho religioso’ também se abrigam na causa de imunidade do art. 150 da Constituição”. Não há, portanto, aqui, privilégio para a Igreja Católica em face das demais denominações religiosas.183

Para um melhor aprofundamento acerca do item anterior,

entende-se que, preliminarmente, é essencial exaurir o entendimento que vem a

seguir, inclusive no mesmo ritmo encontrando outros conceitos jurídicos:

a. pessoas jurídicas da espécie “organização religiosa”: devem ser entendidas como organizações eclesiásticas, que se subdividem em duas formas existências: i. eclesiais, propriamente conhecidas: aquelas constituídas à luz do Código de Direito Canônico, tipificadas pelo art. 44, IV, do Código Civil Brasileiro, descritas no art. 3° do Acordo da Santa Sé / Brasil; ii. associações e fundações: aquelas constituídas segundo o art. 44, inciso I e II, do Código Civil Brasileiro, fundamentada sua existência em caráter religioso carismático e revestidas pelo tipo de formatação de associação e ou fundação. b. Imunidade: são imunidades de impostos e de contribuições para seguridade social, benefícios que a Constituição Federal em seu art. 150, inciso VI, letras “b” e “c” e art. 195, § 7° atribui às Igrejas e às Instituições Educacionais e de Assistência Social para que não incida sobre elas determinadas obrigações tributárias, ou seja, vedação à incidência tributária; c. Isenções: dispensa legal de um tributo devido na forma de legislação infraconstitucional, podendo ser inclusive municipal, estadual e federal; d. benefícios: recebimento de auxílios, subvenções e outras ajudas governamentais para o atendimento de suas finalidades essenciais; e. serviço: previstos no art.15, entenda-se como prestação de serviços, atividade relacionada com suas atividades essenciais, razão pela qual estas atividades devem ser explicitadas no ato declaratório ou no estatuto184.

182 BALDISSERI, Op. cit., p. 116-117. 183 BALDISSERI, Op. cit. , p.117. 184 Conferência Nacional dos Bispos no Brasil – CNBB. Acordo entre a República Federativa do Brasil e a Santa Sé Relativo ao Estudo Jurídico da Igreja Católica no Brasil. Brasília: Edições CNBB. 2014, p.19-20.

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No entanto, nas afirmativas a respeito das imunidades, fica

evidente a responsabilidade da Igreja para com as leis do país, tendo em vista o

cumprimento do ordenamento jurídico.

Ainda assim diversos são os diplomas legais inafastáveis para a lida do tema, vez que contemplam normas de ordem pública e, portanto, imperativas: Constituição Federal, Código Tributário Nacional, Código Civil Brasileiro, Código de Direito Canônico e demais disposições eclesiais, Lei n°8.742/93 (Lei orgânica da Assistência Social), Leis n°12.101/2009 e 12.868/2013 (chamadas de Leis da Filantropia, que disciplinam o procedimento de certificação das entidades filantrópicas). Não olvidar também os respectivos ordenamentos municipais e estaduais aplicáveis, as normas emanadas dos ministérios Educação, da Saúde, da Assistência Social e pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, e as normas emanadas do Conselho Federal de Contabilidade. Por fim, obrigatório citar os entendimentos jurisprudenciais já consagrados nos tribunais estaduais e Superiores185, (exemplo: Súmula 724 (apud)186 do Supremo Tribunal Federal e Súmulas Vinculantes).

O Brasil concede a imunidade às igrejas, as quais suprem

algumas lacunas do Estado, principalmente na questão de: assistência social, nos

orfanatos, hospitais, atendimento aos idosos, assistência aos pobres, bem como na

questão educativa, nos colégios e faculdades, no complexo prisional e também na

questão cultural, visando à reinserção de pessoas na sociedade por meio de projetos,

teatros, encenações artísticas e entidades filantrópicas187.

Neste sentido, todas as pessoas jurídicas ligadas às Igrejas e

que tenham personalidade jurídica reconhecida pelo Estado Brasileiro gozam da

imunidade tributária já mencionada.

Cabe mencionar que a expressão organização religiosa é nova no direito brasileiro, tem sido introduzida pela Lei n° 10.825 de 22 de dezembro de 2003, que acrescentou apontando o apontado inciso IV e os novos §§ 1° e 2°, art. 44, do Código Civil. Portanto, a consolidação do respectivo conceito jurídico possivelmente demandará algum tempo de reflexão e debate. O mesmo pode ser dito, em certo sentido, quanto aos requisitos mínimos a serem atendidos por tais entidades, objetivando o respectivo registro civil, com vistas à obtenção de personalidade jurídica, sempre respeitada a liberdade de forma. (...) Há de se considerar ainda a competência do

185Conferencia nacional dos Bispos no Brasil-CNBB. Op. cit., p.21. 186 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula 724, 26/11/2003 - DJ de 9/12/2003, p. 1; DJ de 10/12/2003, p.1; DJ de 11/12/2003, p.1. Disponível em: <http://www.dji.com.br/normas_inferiores/regimento_interno_e_sumula_stf/stf_0724.htm>. Acesso em: 15 out. 2014. Rendimentos de Aluguéis - Imunidade do IPTU - Condição - Propriedade dos Partidos Políticos, Entidades Sindicais e Instituições de Educação e de Assistência Social. Ainda quando alugados a terceiros, permanece imune ao IPTU o imóvel pertencente a qualquer das entidades referidas pelo art. 150, VI, “c”, da Constituição, desde que o valor dos alugueis seja aplicado nas atividades essenciais de tais entidades. 187 MANGUEIRA, Hugo Alexandre Espínola. Acordo Brasil-Santa Sé: uma análise jurídica/Hugo Alexandre Espínola Mangueira: Gráfica, A Criativa, João Pessoa, 2009, p. 86-87.

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Conselho Nacional de Justiça, conforme disposição do art. 103, B, § 4°, III, da Constituição Federal188.

Conforme a CNBB, as organizações religiosas inerentes a

Igreja, necessitam de melhores esclarecimentos sobre a personalidade jurídica, bem

como do registro civil cumprindo com os dispositivos legais para obterem o

reconhecimento jurídico. Sobre o reconhecimento, pelo Estado, da real natureza da

instituição religiosa, descreve a CNBB:

Já o mencionado cumprimento da legislação brasileira refere-se à obrigatoriedade e obediência às normas gerais, sem que tal princípio possa conduzir à idéia de que é licito ao Estado fazer a análise da especificidade da organização ou associação ou fundação. Aliás, a falta de conhecimento dos órgãos públicos quanto à natureza das entidades eclesiais, justifica boa parte da inadequada ingerência do Estado na gestão das organizações eclesiais, por meio de legislação inadequada e inaplicável, favorecendo atos fiscalizatórios. Quanto aos possíveis casos de aplicação do tema, pode-se separar: a. Na esfera municipal: i. Imunidade de IPTU, em decorrência da Constituição Federal, inclusive de imóveis cujo destino não é a sede “templo” propriamente dito; ii. Isenção de taxas de preservação e limpeza (TPCL), em decorrência da legislação infraespecífica (por exemplo, do município de São Paulo) e destinada aos imóveis anexos aos templos; iii. Imunidade de ISS em decorrência de obras sobre mutirão, prestação de serviços educacionais e similares, a depender do modelo de contratação; iv. Imunidade de ITBI (transmissão de imóveis por venda). b. Na esfera estadual: i. Imunidade/isenção ITCMD (transmissão por doações e sucessão); e ii. Imunidade do IPVA (imposto sobre a propriedade de veículos automotores). c. Na esfera federal: i. Imunidade do IRPJ (imposto de renda da pessoa jurídica), IOF (imposto sobre operações financeiras), contribuições sociais (se possuir o Certificado de Entidades Beneficentes de Assistência Social). ii. Imunidade refere ás contribuições sociais, decorrentes da certificação da entidade como beneficente de assistência social (CEBAS) como observância de todas as normas operativas dos ministérios competentes189.

Isso porque os móveis, imóveis, bem como os objetos ou meios

que auferem “lucros” para a manutenção dos templos e da evangelização, está

coberto pela imunidade constitucional, conforme Vergueiro assinala que, “o objeto da

188 Conferência Nacional dos Bispos no Brasil – CNBB. Acordo entre a República Federativa do Brasil e a Santa Sé Relativo ao Estudo Jurídico da Igreja Católica no Brasil. Brasília: Edições CNBB. 2014, p.17-18. 189 Conferência Nacional dos Bispos no Brasil – CNBB. Op. cit., p.22. Persiste no judiciário uma forte discussão quanto a natureza do dispositivo legal que trata o não pagamento das contribuições sociais. Por mais robusta a tese de que se trata de uma imunidade, a verdade é que a matéria vem sendo tratada como hipóteses de isenção, tanto que a prerrogativa do não recolhimento condiciona-se (na prática) à obediência do que prega leis ordinárias, como as Leis 12.101/2009 e 12.868/2013, p.22.

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relação de imunidade é necessariamente vinculado ao templo e suas atividades”190.

No entanto, todos os bens juridicamente pertencentes ao templo, sejam as áreas

contíguas, bens móveis e imóveis, estão diretamente ligados à instituição

mantenedora, a qual coloca tudo e todos para bem servir a comunidade.

Outro ponto importante a ser destacado para as organizações

religiosas é a contabilidade. Ressalta-se que não existe dispensa de escrituração

contábil para as associações, fundações, assim como as organizações religiosas.

Adverte-se ainda que, as organizações religiosas não podem substituir a contabilidade

por uma simples escrituração do livro caixa.

A contabilidade das instituições religiosas, assim como de outras

pessoas jurídicas, deve ser planejada, estruturada e organizada, utilizando-a da

melhor forma técnica para o cumprimento das Normas Brasileiras de Contabilidade

Vide: ITG – RESOLUÇÃO Nº 001409 – ano 2002) emanadas do CFC (Conselho

Federal de Contabilidade)191.

Para melhor monitorar a questão da imunidade tributária, está

em vigor o Sped (Sistema Público de Escrituração Digital), eSocial, ECD (Escrituração

Contábil Digital) que exigirão informações no formato digital, possibilitando assim, o

cruzamento de dados. De acordo com a lei, não se pode deixar de declarar a RF

(Receita Federal), mesmo aquelas instituições que se beneficiam da Imunidade e

isenções, devem registrar toda movimentação financeira.

Estabelecido pelo Decreto nº 6.022192, de 22 de janeiro de 2007,

o Sped integra o Programa de Aceleração do Crescimento do Governo Federal (PAC

2007-2010) constituindo em mais um progresso na informatização da comunicação

entre o fisco e os contribuintes.

A Receita Federal, órgão com objetivo de controlar, acompanhar

e monitorar os contribuintes, por meio do Decreto 6022/2007 Sped, que tem por meta,

190 VERGUEIRO, Guilherme Von Miro Lessa. Imunidade Tributária. São Paulo: MP Editora, 2005, p. 162. 191 Vide: ITG – RESOLUÇÃO Nº 001409 – ano 2002 emanadas do CFC (Conselho Federal de Contabilidade). 192 BRASIL. Decreto nº 6.022, de 22 de janeiro de 2007. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/Decreto/D6022.htm>. Acesso em 07 de Out. 2014.

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organizar, sistematizar e integrar os sistemas ao fisco nos aspectos: Federal,

Estadual, Municipal e Previdenciário. Com essa uniformização as obrigações aos

contribuintes tornam-se mais céleres. Assim, o fisco consegue identificar os ilícitos

tributários com mais veemência, rapidez e eficácia.

O Sped é um instrumento que unifica as atividades de recepção,

validação, armazenamento e autenticação de livros e documentos que integram a

escrituração contábil e fiscal dos empresários e das pessoas jurídicas, inclusive

imunes ou isentas. Com a obrigação estabelecida no Decreto já citado, juntamente

com a edição da Instrução Normativa RFB nº 1.420, de 19 de dezembro de 2013, tudo

passará a ser digital.

Instrução Normativa RFB Nº 1420 DE 19/12/2013; Publicado no DO em 20 dez 2013. Dispõe sobre a Escrituração Contábil Digital (ECD). Art. 1º Fica instituída a Escrituração Contábil Digital (ECD), para fins fiscais e previdenciários, de acordo com o disposto nesta Instrução Normativa. § 1º A ECD deverá ser transmitida, pelas pessoas jurídicas obrigadas a adotá-la, ao Sistema Público de Escrituração Digital (Sped), (instituído pelo Decreto nº 6.022, de 22 de janeiro de 2007), Art. 2º A ECD compreenderá a versão digital dos seguintes livros: I - livro Diário e seus auxiliares, se houver; II - livro Razão e seus auxiliares, se houver; III - livro Balancetes Diários, Balanços e fichas de lançamento comprobatórias, dos assentamentos neles transcritos193.

Deste modo, os livros, documentos contábeis e fiscais são

expedidos em formato eletrônico. Em suma, o Sped consiste em um recurso

tecnológico que torna oficial os arquivos digitais das escriturações fiscais e contábeis

das empresas em uma configuração digital exclusiva e uniformizada. A ECD integra o

projeto Sped e tem como finalidade a mudança da escrituração impressa pela

escrituração conduzida via arquivo digital, ou seja, equivale ao compromisso de

transferir, em formato digital, os livros: Diário e seus auxiliares se houver, Razão e

seus auxiliares, Balancetes Diários, Balanços e fichas de lançamento comprobatórias

dos assentamentos neles transcritos.

Todas as receitas e proventos de qualquer natureza, angariadas

de seus adeptos (fiéis ou simpatizantes), campanhas, dízimos ou recursos advindos

de parcerias com esfera: Federal, Estadual, Municipal e outras instituições, devem ser

193 BRASIL. RECEITA FEDERAL. Sistema normas Gestão da informação. Instrução Normativa RFB Nº 1420 DE 19/12/2013. Disponível em: <http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action ?visao=anotado&idAto=55085> Acesso em 10 de janeiro de 2015.

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registradas, bem como contabilizadas de forma transparente.

Desta maneira, os recursos poderão ser aplicados na

manutenção das estruturas, sustento da missão dos seus representantes religiosos,

também no serviço da missão, evangelização, projetos sociais, educacionais, na

formação dos cidadãos, como também, a partilha solidária com os mais necessitados.

3.3 RECORTES DE JURISPRUDÊNCIAS E SÚMULAS RELATIVAS À IMUNIDADE

TRIBUTÁRIA PARA “TEMPLOS DE QUALQUER CULTO”

Após fundamentação e explanação doutrinária acerca da

imunidade tributária que beneficiam em grande parte, entidades e instituições

religiosas, cabe agora apresentar de forma sucinta a fundamentação jurídica aplicada

em causas judiciais que tramitaram a Sede do Supremo Tribunal Federal.

Assim sendo, no Brasil existe julgado194 pelo STF,

jurisprudências195 e súmulas196 relativas à imunidade tributária, para “templos de

qualquer culto”. Portanto, muitos estados já viabilizaram a normatização e aplicação

do aspecto legal constitucional, relacionados a questões duvidosas da temática em

questão, dentre eles o ICMS (Circulação de Mercadorias e Serviços).

Neste sentido muitos Estados como o de Goiás (projeto de Lei

nº 2.562/111), Rio de Janeiro (Lei nº 3627/2001) e Paraná, já buscaram regular, bem

como adequar as matérias incertas, que no caso do ICMS (Circulação de Mercadorias

e Serviços), optaram por sua aprovação, permitindo às igrejas e templos a isenção da

cobrança do Imposto sobre ICMS pelo uso dos serviços públicos estaduais como,

água, luz, telefone e gás.

194 Para consulta ao acervo de súmulas, jurisprudência, bem como outros tipos de decisões judiciais do Supremo Tribuna Superior – STF, consultar: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/pesquisar Jurisprudencia.asp>. Neste endereço, encontra-se as principais decisões decorrentes do procedimento de Uniformização de Jurisprudência, reunidos na forma de súmulas e acórdãos dO tribunal. 195 Jurisprudência: posição de uma corte sobre uma matéria repetidamente em julgamentos. É quando o tribunal adota um posicionamento a respeito de uma matéria jurídica. 196 Súmula: resumo da jurisprudência sobre certo assunto. Os tribunais podem decidir por elaborarem-na com a finalidade de orientar. A diferença entre súmula e jurisprudência é que nesta não é preciso haver uma síntese sobre as decisões dos tribunais. Quando o tribunal acha que aquele assunto é importante ele faz uma súmula.

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Sobre esse assunto, cita-se um exemplo no Estado do Paraná

onde as “igrejas e templos de qualquer crença” gozam da isenção do ICMS, de água,

luz, telefone e gás. Assim, por meio da Lei 14586/12/2004, publicada no Diário Oficial

nº 6882/28/12/2004 através da ADI 3421-9. Segue o texto da deliberação:

Súmula: Proíbe a cobrança de ICMS nas contas de serviços públicos estaduais à igrejas e templos de qualquer culto. A Assembleia Legislativa do Estado do Paraná aprovou e eu promulgo, nos termos do § 7º do Artigo 71 da Constituição Estadual, a seguinte Lei: (Projeto de LEI nº 381/2003, vetado e as razões de veto não mantidas pela Assembleia Legislativa). Art. 1º. Fica proibida a cobrança de ICMS nas contas de serviços públicos estaduais próprios, delegados, terceirizados ou privatizados de água, luz telefone e gás, de igreja e templos de qualquer crença, desde que o imóvel esteja comprovadamente na propriedade ou posse das igrejas ou templos e sejam usados para a prática religiosa. Parágrafo único. Nos casos em que o imóvel não for próprio, a comprovação do funcionamento deverá se dar através de contrato de locação ou comodato devidamente registrado, ou ainda, da justificativa de posse judicial. Art. 2º. São definidas, para efeito do artigo 1º, as contas relativas a imóveis ocupados por igreja ou templos de qualquer culto, devidamente registrados e reconhecidos pela autoridade competente através do alvará de funcionamento. Art. 3º. Os templos e igrejas deverão requerer, junto as empresas prestadoras de serviços, a isenção a que tem direito, a partir da vigência desta lei. Art. 4º. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação. Palácio Dezenove de Dezembro, em 22 de dezembro de 2004197.

Porém, o procurador-geral da República, Claudio Fonteles,

enviou ao STF parecer desfavorável à Ação Direta de Constitucionalidade (ADI 4920)

que contesta a lei nº 14.586/04 do estado do Paraná. O dispositivo paranaense, como

já dito, impede a cobrança de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços

(ICMS) nas contas de água, luz e outros serviços públicos estaduais pagos por igrejas

e templos de qualquer culto. A ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) argumenta

que a lei fere os artigos 150, parágrafo 6º, e 155, parágrafo 2º, inciso XII da

Constituição, que dispõem sobre matéria tributária.

Passa-se então, a análise, de modo especial, a respeito da

incidência do IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) sobre imóvel cujo

proprietário é uma entidade imune à tributação, de maneira específica as entidades

de qualquer culto.

197 PARANÁ. Lei 14586/2004. Disponível em: <http://www.legislacao.pr.gov.br/legislacao /pesquisarAto.do?action=exibir&codAto=260&indice=1&totalRegistros=1>. Acesso em: 05 Nov. 2014.

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O julgamento do Recurso Extraordinário n.º 237.718, cujo teor é

o da imunidade de sociedade religiosa, que se destinava a ações de auxílio ou amparo

social e que apresentava como abrangência o Imposto Predial Territorial Urbano,

incidente sobre imóveis locados a terceiros. Segue a ementa:

EMENTA: Imunidade tributária do patrimônio das instituições de assistência social (CF, art. 150, VI, c): Sua aplicabilidade de modo a preexcluir a incidência do IPTU sobre imóvel de propriedade da entidade imune, ainda quando alugado a terceiro, sempre que a renda dos aluguéis seja aplicada em suas finalidades institucionais. (Recurso Extraordinário nº 237.718-6 – SP, Relator Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal). EMENTA: IMUNIDADE TRIBUTÁRIA, ART. 150, VI, C, DA CONSTITUIÇÃO. INSTITUIÇÃO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL. EXIGÊNCIA DE IMPOSTO SOBRE SERVIÇO CALCULADO SOBRE O PREÇO COBRADO EM ESTACIONAMENTO DE VEÍCULOS NO PÁTIO DA ENTIDADE. Ilegitimidade. Eventual renda obtida pela instituição de assistência social mediante cobrança de estacionamento de veículos em área interna da entidade, destinada ao custeio das atividades desta, está abrangida pela imunidade prevista no dispositivo sob destaques Precedente da Corte: RE 116.188-4. Recurso conhecido e provido. (RE nº 144.900/SP, in DJU 26/09/97, pág. 47.494)198.

Da mesma forma com que foi interpretada a questão de isenção

do ICMS, bem como a imunidade relacionada ao IPTU, segue-se o mesmo

pensamento com relação à locação de imóvel do patrimônio da instituição a terceiros,

se a renda obtida com o aluguel for empregada essencialmente para fins relacionados

às ações da entidade, não descaracteriza ou desvirtua a sua atividade essencial.

Mesmo que o imóvel esteja alugado a uma terceira pessoa, em

que na cláusula contratual determine ao locatário o encargo pelo cobrimento do

imposto, ainda assim considera-se o cabimento a imunidade.

Essa questão foi discutida pelo STF, sob o regime constitucional

pretérito, com decisão favorável à imunidade – Recurso Extraordinário nº 97708, 2ª

Tuma, julgado em 18.05.84, Ministro Relator Passarinho, RTJ 111/695:

Tributário. Imposto predial. Instituição de assistência social. Imóveis por ela locados. Imunidade tributária. O imposto predial onera o proprietário em razão do bem imóvel que ele

198 LACERADA FILHO, Mário José. Imunidade Tributária de Templos de Qualquer Culto: Vedação de Instituição de Impostos sob o Patrimônio Renda e Serviços Relacionados com as Finalidades Essenciais das Entidades. Universo Jurídico, Juiz de Fora, ano XI, 08 de mar. de 2005. Disponível em: <http://uj.novaprolink.com.br/doutrina/2038/imunidade_tributaria_de_templos_de_qualquer_culto _vedacao_de_instituicao_de_impostos_sob_o_patrimonio_renda_e_servicos_relacionados_com_as_finalidades> Acesso em 13 de janeiro de 2015.

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possui, sem relacionamento com a renda porventura dele auferida. É o que resulta do art 24, I, da Constituição Federal. E o disposto no art. 119, III, c, da Constituição dispõe, limitando o poder de tributar da União, Estados e Municípios é que não podem eles cobrar impostos de instituições de assistência social, observados os requisitos da lei. Não importa existir cláusula contratual de locação que estipule obrigação de o inquilino pagar o imposto se for devido, pois tal transferência condicional do gravame não retira a imunidade do titular do benefício199.

Assim sendo, a jurisprudência proveniente dos Tribunais, no que

tange as suas decisões, tende ao tipo de interpretação teleológica das cláusulas de

imunidade tributária, de maneira a elevar ao máximo o potencial efetivo, como forma

de assegurar a efetivação dos valores constitucionais que limitam o poder de tributar

do Estado.

Portanto, no desenvolvimento deste trabalho, principalmente no

terceiro capítulo, foi possível sentir que muitas dúvidas floresceram, ficou em aberto

um novo horizonte para continuar a jornada persecutória, neste universo vastíssimo

de complexidade. Diante da pergunta pertinente e inerente a esta dissertação: Por

que o Estado sendo laico, concede a liberdade Religiosa e a imunidade tributária aos

templos de qualquer culto? Percebe-se que muitas hipóteses surgiram, dentre elas

para contemplar a última. O Brasil sendo um país tão amplo e complexo é quase

impossível suprir as necessidades básicas do art. 6º da CF/1988, no entanto pela “(...)

colaboração de interesse público (...)” (art. 19, I), garante a imunidade, devido às

igrejas suprirem algumas lacunas do Estado. Também pelas inúmeras vezes que, são

solidárias com o Estado e Municípios nas questões de emergências catastróficas e

outras tantas que não aparecem, até porque seguem os preceitos bíblicos: “(...) não

saiba a esquerda o que faz a direita”200.

199 LACERDA FILHO. Op. cit. 200SCHÖKEL, Luís Alonso. BÍBLIA DO PEREGRINO. Paulus: São Paulo, 2006, p.2329, (Mat.6,3b).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A CF 88 exalta como direito fundamental a liberdade de religião,

determinando que o Brasil seja um país laico. Com essa afirmativa considera-se que

de acordo com a Constituição em vigor, o Estado deve se empenhar em assegurar à

sua população, uma atmosfera de elevada compreensão religiosa, abolindo assim, a

intolerância e o fanatismo.

A presente pesquisa, no primeiro capítulo deste trabalho,

apresentou a questão da intolerância que motiva a perseguição religiosa. Verificou-se

que na Roma Antiga ocorreram perseguições, direcionadas principalmente a Judeus

e Cristãos. Muitas dessas perseguições se estenderam à Idade Moderna, assim

como, em alguns países estão presentes até a atualidade.

Em meados dos séculos XVll e XVlll, alguns escritores, como

Voltaire e John Locke voltaram suas reflexões para a questão da tolerância religiosa,

com o intuito de entendê-la e ao mesmo tempo promovê-la. Porém, ainda no século

XVll na Europa, teve início o movimento de separação entre a Igreja e o Estado,

originado pelas Revoluções inglesa e francesa, que proporcionaram o cenário ideal

para a constituição da Liberdade religiosa.

Constatou-se a partir do segundo capítulo, como se deram as

relações entre a Igreja e o Estado e, como elas se configuram nos sistemas teocrático

e laico. Sobre a laicidade, a mesma foi discutida a partir da Constituição Federal de

1988, situando suas intervenções na pratica. Além disso, apresentou-se também o

Acordo internacional firmado entre o Brasil e a Santa Sé, enfatizando, sobretudo, seus

aspectos jurídicos.

No terceiro e último capítulo, foi exposto predominantemente o

tema da imunidade tributária na correlação entre Igreja e o Estado laico. Para tanto,

contextualizou-se a imunidade no Brasil ao longo dos tempos, seguida da exposição

sobre a imunidade relacionada aos “templos de qualquer culto” nas Constituições

antes de 1988 fazendo comparativos com a Constituição atual.

Tivemos ainda uma exposição sobre os aspectos objetivos e

subjetivos da imunidade dos templos de qualquer culto, seguido de sua aplicação

também às casas, lojas, bem como terrenos urbanos ou rurais. Demonstrou-se

também, que as entidades do terceiro setor também gozam de imunidade tributária,

assim como as instituições confessionais. Em seguida, retomou-se a discussão

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acerca do Acordo entre o Brasil e a Santa Sé, porém somente sobre o dispositivo que

aborda a imunidade tributária.

Por último, apresentaram-se alguns recortes de jurisprudências

e súmulas que versavam sobre a imunidade tributária relacionada aos “templos de

qualquer culto”, verificando-se que há certa tendência teleológica nas decisões,

priorizando sempre a permanência da imunidade em boa parte dos litígios, que

envolvem a incidência de tributos sobre entidades, desde a imunidade relativa ao

ICMS até a incidência de IPTU sobre terrenos alugados a terceiros.

Estas entidades, do chamado terceiro setor, dentre as quais são

incluídos os templos de qualquer culto, não almejam lucro em suas atividades, uma

vez que não visam entrar no mercado. No entanto, as mesmas se empenham em

adquirir mais ganhos do que gastos, pois tal atitude é necessária para a manutenção

e sobrevivência da entidade.

Conclui-se que, a imunidade tributária sobre as entidades são

ações que visam à garantia da liberdade religiosa, pois do contrário dificilmente às

instituições sobreviveriam, comprometendo assim, a supervivência de muitas

religiões, que dependem diretamente de suas “extensões de templo” para se

sustentarem. Isso justifica a não tributação dos “templos de qualquer culto”, sendo que

numa análise mais social, verifica-se que muitas das ações das instituições imunes

relacionam-se com as responsabilidades próprias do poder público.

Portanto, observou-se que muitas entidades não atuam em

atividades relacionadas às suas finalidades essenciais, mas estão relacionadas de

alguma maneira à promoção social. Por causa disso, justifica-se a ampliação da

expressão “rendas relacionadas com as atividades essenciais”, com o intuito de

permitir que a imunidade seja aplicada, desde que as rendas adquiridas sejam

direcionadas inteiramente nas atividades próprias destes.

Diante da pergunta pertinente e inerente a esta dissertação: Por

que o Estado sendo laico, concede a liberdade Religiosa e a imunidade tributária aos

templos de qualquer culto? Percebi que muitas hipóteses surgiram, dentre elas para

contemplar a última. O Brasil sendo um País, tão amplo belo e complexo, é quase

impossível suprir as necessidades básica do art. 6º da CF/1988, no entanto pela “(...)

colaboração de interesse público (...)” (art. 19,I), garante a iminidade, devido às

igrejas, as quais suprem algumas lacunas do Estado, principalmente na questão de:

assistência social, nos orfanatos, hospitais, atendimento aos idosos, assistência aos

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pobres, bem como na questão educativa, nos colégios e faculdades, no complexo

prisional, visando à reinserção de pessoas na sociedade por meio de projetos, teatros

e encenações artísticas e cultural, assistência as crianças e adolescentes. Também

pelas inúmeras vezes que, são solidárias com o Estado, e Municípios nas questões

de emergências catastróficas e outras tantas que não aparece, até por que seguem

os preceitos bíblico: “(...) não saiba a esquerda o que faz a direita”201.

201SCHÖKEL, Luís Alonso. BÍBLIA DO PEREGRINO. Paulus: São Paulo, 2006, p.2329, (Mat.6,3b).

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REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS

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ANEXOS

1. anexos Anexo 1 – Decreto 119A de 07 de Janeiro de 1890 Presidência da República Casa Civil Subchefia para Assuntos Jurídicos Decreto nº 119-A, de 7 de Janeiro de 1890. O Marechal Manoel Deodoro da Fonseca, chefe do Governo Provisório Republica dos Estados Unidos do Brasil, constituído pelo Exército e Armada, em nome da Nação, DECRETA: Art. 1º É proibido à autoridade federal, assim como a dos Estados federados, expedir leis, regulamentos, ou atos administrativos, estabelecendo alguma religião, ou vedando-a, e criar diferenças entre os habitantes do País, ou nos serviços sustentados à custa do orçamento, por motivo de crenças, ou opiniões filosóficas ou religiosas. Art. 2º a todas as confissões religiosas pertencem por igual à faculdade de exercerem o seu culto, regerem-se segundo a sua fé e não serem contrariadas nos atos particulares ou públicos, que interessem o exercício deste decreto. Art. 3º A liberdade aqui instituída abrange não só os indivíduos nos atos individuais, senão também as Igrejas, associações e institutos que se acharem agremiados; cabendo a todos o pleno direito de se constituírem e viverem coletivamente, segundo o seu credo e a sua disciplina, sem intervenção do poder público. Art. 4º Fica extinto o padroado com todas as suas instituições, recursos e prerrogativas. Art. 5º A todas as Igrejas e confissões religiosas se reconhece a personalidade jurídica, para adquirirem bens e os administrarem, sob os limites postos pelas leis concernentes à propriedade de mão-morta, mantendo-se a cada uma o domínio se seus haveres atuais, bem como dos seus edifícios de culto. Art. 6º O Governo Federal continua a prover a côngrua, sustentação dos atuais serventuários do culto católico e subvencionara por ano as cadeiras dos seminários; ficando livre a cada Estado o arbítrio de manter os futuros ministros desse ou de outro culto, sem contravenção do disposto nos artigos antecedentes. Art. 7° Revogam-se as disposições em contrário. Sala das sessões do Governo Provisório, 7 de janeiro de 1890, segundo da Republica. Manoel Deodoro da Fonseca. Aristides da Silveira Lobo. Ruy Barbosa. Benjamim Constant Botelho de Magalhães. Eduardo Wandenkolk.-M.Ferraz de Campos Salles. Demétrio Nunes Ribeiro. Q. Bocayuva. Anexo 2 – Acordo Brasil – Santa Sé – 13 de novembro de 2008 ACORODO ENTRE A REPUBLICA FEDERATIVA DO BRASIL E A SANTA SÉ RELATIVO AO ESTATUTO JURIDICO DA IGREJA CATOLICA NO BRASIL

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A República Federativa do Brasil e a Santa Sé (doravante denominadas Altas Partes Contratantes); Considerando que a Santa Sé é a suprema autoridade da Igreja Católica, regida pelo Direito Canônico; Considerando as relações históricas entre a Igreja Católica e o Brasil e suas expectativas responsabilidades a serviço da sociedade e do bem integral da pessoa humana; Afirmando que as Altas Partes Contratantes são, cada uma na própria ordem, autônomas, independentes e soberanas e coopera para a construção de uma sociedade mais justa, pacífica e fraterna; Baseando-se, a Santa Sé, nos documentos do Concilio Vaticano II e no Código de Direito Canônico, e a República Federativa do Brasil, no seu ordenamento jurídico; Reafirmando a adesão ao princípio, internacionalmente reconhecido, de liberdade religiosa; Reconhecendo que a Constituição brasileira garante o livre exercício dos cultos religiosos; Animados da intenção de fortalecer e incentivar as mútuas relações já existentes; Convieram no seguinte: Artigo 1º As Altas Partes Contratantes continuarão a ser representadas, em suas relações diplomáticas, por um Núncio Apostólico creditado junto à República Federativa do Brasil e por um Embaixador (a) do Brasil creditado (a) junta a Santa Sé, com as imunidades e garantias asseguradas pela Convenção de Viana sobre Relações Diplomáticas, de 18 de abril de 1961, e demais regras internacionais. Artigo 2º A República Federativa do Brasil, com fundamento no direito de liberdade religiosa, reconhece a Igreja Católica o direito de desempenhar a sua missão apostólica, garantindo o exercício público de suas atividades, observado o ordenamento jurídico brasileiro. Artigo 3º A República Federativa do Brasil reafirma a personalidade jurídica da Igreja Católica e de todas as Instituições Eclesiásticas que possuem tal personalidade em conformidade com o direito canônico, desde que não contrarie o sistema constitucional e as leis brasileiras, tais como Conferência Episcopal, Províncias Eclesiásticas, Arquidioceses, Dioceses, Prelazias Territoriais ou Pessoais, Vicariatos e Prefeituras Apostólicas, Administrações Apostólicas, Administrações Apostólicas Pessoais, Missões Sui Iuris, Ordinariado Militar e Ordinariados para os Fiéis de Outros Ritos, Paróquias, Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica. § 1º. A Igreja Católica pode livremente criar, modificar ou extinguir todas as Instituições Eclesiásticas mencionadas no caput deste artigo. § 2º A personalidade jurídica das Instituições Eclesiásticas será reconhecida pela República Federativa do Brasil mediante a inscrição no respectivo registro do ato de criação, nos termos da legislação brasileira, vedado ao poder público negar-lhes reconhecimento ou registro do ato de criação, devendo também ser averbadas todas as alterações por que passar o ato. Artigo 4° A Santa Sé declara que nenhuma circunscrição eclesiástica do Brasil dependerá de Bispo cuja sede esteja fixada em território estrangeiro. Artigo 5° As pessoas jurídicas eclesiásticas, reconhecidas nos termos do artigo 3°, que além de fins religiosos, persigam fins de assistência e solidariedade social, desenvolverão a própria atividade e gozarão de todos os direitos, imunidades, isenções e benefícios atribuídos às entidades com fins de natureza semelhante previstos no ordenamento jurídico brasileiro, desde que observados os requisitos e obrigações exigidos pela legislação brasileira.

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Artigo 6° As Altas Partes reconhecem que o patrimônio histórico, artístico e cultural da Igreja Católica, assim como os documentos custodiados nos seus arquivos e biblioteca constituem parte relevante do patrimônio cultural brasileiro, e continuarão a cooperar para salvaguardar, valorizar e promover a fruição dos bens, móveis e imóveis, de propriedade da Igreja Católica ou de outras pessoas jurídicas eclesiásticas, que sejam considerados pelo Brasil como parte de seu patrimônio cultural e artístico. § 1º. A República Federativa do Brasil, em atenção ao princípio da cooperação, reconhece que a finalidade própria dos bens eclesiásticos mencionados no caput deste artigo deve ser salvaguardada pelo ordenamento jurídico brasileiro, sem prejuízo de outras finalidades que possam surgir da sua natureza cultural. § 2º. A Igreja Católica ciente do valor do seu patrimônio cultural, compromete-se a facilitar o acesso a ele para todos os que o queiram conhecer e estudar, salvaguardadas as suas finalidades religiosas e as exigências de sua proteção e da tutela dos arquivos. Artigo 7º A República Federativa do Brasil assegura, nos termos do seu ordenamento jurídico, as medidas necessárias para garantir a proteção dos lugares de culto da Igreja Católica e de suas liturgias, símbolos, imagens e objetos culturais, contra toda forma de violação, desrespeito e uso ilegítimo. § 1º. Nenhum edifício, dependência ou objeto ao culto católico, observado a função social da propriedade e legislação, pode ser demolido, ocupado transportado, sujeito a obras ou destinado pelo Estado e entidades públicas a outro fim, salvo por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, nos termos da Constituição brasileira. Artigo 8º A Igreja Católica, em vista do bem comum da sociedade brasileira, especialmente dos cidadãos mais necessitados, compromete-se, observadas as exigências da lei, a dar assistência espiritual aos fiéis internado em estabelecimentos de saúde, de assistência social, de educação ou similar, ou débitos em estabelecimento prisional ou similar, observada as normas de casa estabelecimento, e que, por essa razão, estejam impedidos de exercer em condições normais e pratica religiosa e a requeiram. A República Federativa do Brasil garante a Igreja Católica o direito de exercer este serviço, inerente a sua própria missão. Artigo 9° O reconhecimento recíproco de títulos e qualificações em nível de Graduação e Pós-Graduação estará sujeito, respectivamente, as exigências dos ordenamentos jurídicos brasileiros e da Santa Sé. Artigo 10° A Igreja Católica, em atenção ao princípio de cooperação com o Estado, continuará a colocar suas instituições de ensino, em todos os níveis, a serviço da sociedade, em conformidade com seus fins e com as exigências do ordenamento jurídico brasileiro. § 1. A República Federativa do Brasil reconhece à igreja Católica o direito de constituir e administrar Seminários e outros Institutos eclesiásticos de formação e cultura. § 2º. O reconhecimento dos efeitos civis dos estudos, graus e títulos obtidos nos Seminários e Institutos antes mencionados é regulado pelo ordenamento jurídico brasileiro, em condições de propriedade com estudos de idêntica natureza. Artigo 11° A República Federativa do Brasil, em observância ao direito de liberdade religiosa, da diversidade cultural e da pluralidade confessional do País, respeita a importância do ensino religioso em vista a formação integral da pessoa. § 1º. O Ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, em conformidade com a Constituição e as outras leis vigentes,

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sem qualquer forma de descriminação. Artigo 12° O casamento celebrado em conformidade com as leis canônicas, que atender também às exigências estabelecidas pelo direito brasileiro para contrair o casamento, produz os efeitos civis, desde que registrado no registro próprio, produzindo efeitos a partir da data de sua celebração. § 1°. A homologação das sentenças eclesiásticas em meteria matrimonial, confirmadas pelo órgão de controle superior da Santa Sé, será efetuada nos termos da legislação brasileira sobre homologação de sentenças estrangeiras. Artigo 13° É garantido o segredo do oficio sacerdotal, especialmente o da confissão sacramental. Artigo 14 A República federativa do Brasil declara o seu empenho na destinação de espaços a fins religiosos, que deverão ser previstos nos instrumentos de planejamento urbano a serem estabelecidos no respectivo Plano Diretor. Artigo 15 Às pessoas jurídicas eclesiásticas, assim como ao patrimônio renda e serviços relacionados com as suas finalidades essenciais, é reconhecida a garantia de imunidade tributária referente aos impostos, em conformidade com a Constituição Brasileira. § 1º. Para fins tributários, as pessoas jurídicas da Igreja Católica que exercem atividade social e educacional sem finalidade lucrativa receberão o mesmo tratamento e benefícios outorgados às entidades filantrópicas reconhecidas pelo ordenamento jurídico brasileiro, inclusive, em termos de requisitos e obrigaçõesexigidos para fins de imunidade e isenção. Artigo 16 Dado o caráter peculiar religioso e beneficente da Igreja Católica e de suas instituições: I - O vínculo entre os ministros ordenados ou fiéis consagrados mediante votos e as Dioceses ou Institutos Religiosos e equiparados é de caráter religioso e, portanto, observado o disposto na legislação trabalhista brasileira, não gera, por si mesmo, vínculo empregatício, a não ser que seja provado o desvirtuamento da instituição eclesiástica. II – As tarefas de índole apostólica, pastoral, litúrgica, catequética, assistencial, de promoção humana e semelhantes poderão ser realizadas a título voluntário, observando o disposto na legislação trabalhista brasileira. Artigo 17 Os Bispos, no exercício de seu ministério pastoral, poderão convidar sacerdotes, membros de institutos religiosos e leigos, que não tenham nacionalidade brasileira, para servir no território de suas dioceses e pedir às autoridades brasileiras, em nome deles, a concessão do visto para exercer atividade pastoral no Brasil. § 1º. Em consequência do pedido formal do Bispo, de acordo com o ordenamento jurídico brasileiro, poderá ser concedido o visto permanente ou temporário, conforme o caso, pelos motivos acima expostos. Artigo 18 O presente acordo poderá ser complementado por ajustes concluídos entre as Altas Partes Contratantes. § 1º. Órgãos do Governo brasileiro, no âmbito de suas respectivas competências e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, devidamente autorizada pela Santa Sé, poderão celebrar convênio sobre matérias específicas, para implementação do presente acordo. Artigo 19 Quaisquer divergências na aplicação ou interpretação do presente acordo serão resolvidas por negociações diplomáticas diretas.

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Artigo 20 O presente acordo entrará em vigor na data da troca dos instrumentos de ratificação, ressalvadas as situações jurídicas existentes e constituídas ao abrigo do decreto nº 119-A, de 7 de janeiro de 1890 e de Acordo entre a República Federativa do Brasil e a Santa Sé sobre Assistência Religiosas às Forças Armadas, de 23 de outubro de 1989.” Feito na Cidade do Vaticano, aos 13 dias do mês de novembro do ano de 2008, em dois originais, nos idiomas português e italiano, sendo ambos os textos igualmente autênticos. Celso Amorin S.E. Sr. Amorin Ministro das Relações Exteriores +Dominique Mamberti S.E.R. Mons. Dominique Mamberti Segretário per i Rapporti com gli Stati