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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E POLÍTICAS – CEJURP CURSO DE DIREITO ABORTO: BIOÉTICA E LEGISLAÇÃO ODERLEI CASSANEGO Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientador: Professor Msc. Rodrigo Jose Leal Itajaí, dezembro de 2007.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E POLÍTICAS – CEJURP CURSO DE DIREITO

ABORTO: BIOÉTICA E LEGISLAÇÃO

ODERLEI CASSANEGO

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como

requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Professor Msc. Rodrigo Jose Leal

Itajaí, dezembro de 2007.

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AGRADECIMENTOS

Aos Professores do Curso de Direito,

por compartilharem seus conhecimentos

com grande empenho e êxito.

Aos meus pais, Aurea e João Antonio,

pela compreensão, amor incondicional e apoio

em todos os momentos de minha vida.

Por sempre acreditarem em meu potencial.

Aos meus irmãos e amigos

pelo incentivo e companheirismo.

A minha esposa pelo carinho e dedicação.

E a todos aqueles que me apoiaram

na conquista deste projeto.

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DEDICATÓRIA

A Esposa, Pais, Irmãos e Amigos.

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE Declaro para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo

aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade

do Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora

e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Itajaí, dezembro de 2007.

Oderlei Cassanego Graduado

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PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do

Vale do Itajaí – UNIVALI, elaborada pelo graduado Oderlei Cassanego, so o

título Aborto: Bioética e Legislação, fui submetida em ___ de ____________

de 2007 a banca examinadora composta pelos seguintes professores:

Rodrigo Jose Leal, Roseane Maria Rosa, Gilson Amilton Sgrott, e aprovado

com nota __________.

Itajaí, dezembro de 2007.

Professor Msc. Rodrigo Jose Leal Orientador e Presidente da Banca

Professora Msc. Roseane Maria Rosa Examinadora da Banca

Professor Msc. Gilson Amilton Sgrott Examinador da Banca

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SUMÁRIO

RESUMO ................................................................................... VII INTRODUÇÃO ........................................................................... 01 CAPITULO 1 .............................................................................. 03 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES SOBRE ABORTO .......... 03 1.1 Breve Histórico do Aborto ................................................... 05 1.2 Conceituação de Aborto ...................................................... 12 1.3 Início da Vida ...................................................................... 19 CAPITULO 2 .............................................................................. 26 ABORTO E BIOÉTICA ............................................................... 26 CAPITULO 3 .............................................................................. 35 DELITO DE ABORTO NO DIREITO PENAL BRASILEIRO ...... 35 3.1 Espécies de Delitos de Aborto Conforme o Código Penal Brasileiro .................................................................................... 39 3.1.1 Auto Aborto ....................................................................... 39 3.1.2 Aborto Provocado por Terceiro ......................................... 41 3.2 Dos Sujeitos do Crime de Aborto ........................................ 44 3.2.1 Sujeito Ativo ...................................................................... 45 3.2.2 Sujeito Passivo .................................................................. 46 CAPITULO 4 .............................................................................. 49 MODALIDADES DE ABORTO AUTORIZADAS ........................ 49 4.1 Aborto Necessário ou Terapêutico ...................................... 53 4.2 Aborto Sentimental ou Eugênico ......................................... 56 CAPITULO 5 .............................................................................. 63 No Caso do Feto Apresentar Anomalias ................................... 63 5.1 Aborto Espontâneo .............................................................. 70 CAPITULO 6 .............................................................................. 72 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................... 72 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ............................................... 74

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RESUMO

A questão do aborto é de profundo cunho social e a

cada dia, como o avanço tecnológico na medicina, vem merecendo mais

estudos e calorosas discussões.

Este trabalho de conclusão de curso busca conceituar

e esclarecer o tema diante do que se refere dentro do Direito Penal

Brasileiro, enfatizando o ponto em que o aborto é permitido por lei.

Para isso, foram estudados temas relacionados

diretamente ao aborto, como a situação jurídica do delito de aborto, bioética

junto ao direito e o que diz respeito à modalidade de aborto autorizada e por

anomalia fetal, diante do Código Penal Brasileiro de 1940, citando conceitos

de alguns autores, doutrinadores, médicos e filósofos como Mirabete,

Fragoso, Costa Jr., Diniz, Sapucaia, Dworkin, Moore, Platão e Aristóteles.

Partiu-se de uma pesquisa bibliográfica, de cunho teórico, baseando-se em

doutrinas e na legislação que tratam do assunto.

Tendo considerações na área jurídica, social, filosófica

e medica. Analisando artigos científicos, livros e revistas relacionados ao

assunto.

Palavra-chave: Aborto. Bioética. Delito de Aborto. Aborto Legal.

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RESUMEN

La cuestión del aborto es de matriz social y a cada día,

como el avance tecnológico en la medicina, viene mereciendo más estudios

y peleas calientes.

Este trabajo de conclusión por supuesto a continuación

para valorar y para clarificar el tema de lo que se menciona dentro del

derecho penal brasileño, acentuando el punto donde el aborto es permitido

por la ley.

Para esto, los temas se relacionaron directamente con

el aborto habían sido estudiados, como la situación legal del delict del

aborto, bioética y qué dice respecto a la modalidad autorizada del aborto y

para la anomalía fetal, delante del código penal brasileño de 1940, citando

conceptos de algunos autores, doutrinadores, doctores y a filósofos como

Mirabete, Fragoso, Costa Jr., Diniz, Sapucaia, Dworkin, Moore, Platão y

Aristóteles. Inició con una investigación bibliográfica, de la matriz teórica,

siendo basado en las doctrinas y la legislación que se ocupan del tema.

Teniendo consideraciones en el área legales, sociales,

filosóficas medicates. Analizando los artículos científicos, los libros y los

compartimientos que se relacionan con el tema.

Palabra-llave: Aborto. Bioética. Delict del aborto. Aborto legal.

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INTRODUÇÃO

O ser humano é uma pessoa desde o momento da

fecundação. O aborto consiste na eliminação de um ser humano no período

da vida compreendido entre a fecundação e o nascimento.

O debate em torno do direito à vida, como bem maior

da humanidade, em contraste com a interrupção voluntária da gravidez, vem

de longa data. Oscilam, de acordo com a cultura e o desenvolvimento da

ciência, os parâmetros legais que regulam a proteção à vida, em especial,

do nascituro. Demonstra a história, desde os primórdios da civilização, que

os povos, através de suas legislações, têm disciplinado, de forma não

homogênea, o trato ao nascituro, em especial, quando a ação do homem

envolve a interrupção voluntária da gravidez em período em que o feto não

dispõe de condições de sobreviver afastado do corpo da mãe.

Os avanços mais recentes na área da genética têm

contribuído para o surgimento de novos dilemas antes não enfrentados pelo

homem. Técnicas sofisticadas têm permitido suspeitar, de forma

fundamentada, a existência de má formação genética, hereditária ou de

doenças graves transmitidas pelos genitores que levarão a criança a

apresentar deformidades que viabilizarão, por tempo indeterminado e com

limitações, a vida extra-uterina ou tornar inviável a vida após o nascimento,

em decorrência de nascer morta ou falecer poucas horas após o parto.

A presente monografia não pretende esgotar o tema,

mas dar alguma contribuição sobre algo frequentemente descuidado: a

proteção jurídica do ente humano na fase inicial de sua vida, que vai da

concepção até o nascimento.

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No primeiro capítulo está discorrido conceitos sobre o

tema e discutido sobre que momento há vida no feto, expostos por autores

profissionais da área do direito, filosofia, medicina, como Dworkin, Fávero,

Alves, Costa Jr., Mirabete, Barbosa, Singer. Ainda, neste capítulo é

apresentado um breve histórico sobre as práticas de aborto e o surgimento

do direito à vida.

No segundo capítulo, a bioética é analisada como

conduta criminalizada, com relação ao início da vida e ao aborto. Onde se

tornam claro seus conceitos e sua importância em se tratando do aborto.

No terceiro capítulo são apresentadas as espécies do

delito de aborto dentro do Direito Penal Brasileiro, conforme o Código Penal

Brasileiro em seus artigos 124 a 126. Em seguida, os sujeitos ativo e passivo

do crime em cada situação.

Tem-se o intuito de levantar a questão sobre quando o

aborto é considerado crime ou não, e se o médico está amparado para

realizar um ato como este sem ser considerado fato típico.

No quarto capítulo são descritas as modalidades de

aborto possíveis de serem autorizadas, seguindo a legislação exposta no

Código Penal Brasileiro, nos artigos 127 e 128. Ainda, neste capítulo é

destacada a importância da inserção do inciso III, no artigo 128, que trata do

aborto no caso de fetos que apresentam anomalias que não possibilitam a

vida fora do útero.

A prática do aborto será tratada como tema central em

seu aspecto jurídico, não deixando de dar respaldo aos assuntos sociais que

fazem parte de nossa sociedade.

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Esta pesquisa monográfica será de cunho bibliográfico,

na qual o estudo terá embasamento em doutrinas e na legislação que tratem

do assunto. Além ainda de contribuições por parte de encartes tanto na área

jurídica quanto na área médica.

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CAPÍTULO 1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES SOBRE ABORTO

A maior parte das doutrinas estudadas fazem menção

ao uso do termo abortamento, porém a expressão aborto é mais utilizada em

maior número de países, devido a: “Preferem alguns o termo abortamento para a designação do ato de abortar, uma vez que a palavra aborto se referiria apenas ao produto da interrupção da gravidez. Outros entendem que o termo legal-aborto é melhor, quer porque está no gênio da língua dar preferência às formas contraídas, quer porque é o termo de uso corrente, tanto na linguagem popular como na erudita, quer, por fim, porque nas demais línguas neolatinas, com exceção do francês, diz aborto.” Já para Jesus: “A palavra abortamento tem mais significado técnico que aborto. Aquela indica a conduta de abortar; esta, o produto da concepção cuja gravidez foi interrompida. Entretanto, de observar-se que a expressão aborto é mais comum e foi empregada pelo CP nas indicações marginais das disposições incriminadoras.1”

Para Costa Jr., "no rigor etimológico, abortamento é o

ato de abortar; aborto é o produto morto, ou expelido.” 2

Portanto, será utilizado neste trabalho o termo

ABORTO.

1 JESUS, D. E. Código Penal Anotado. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2001. 2 COSTA JR, P. J. Curso de direito penal (parte especial). 2.ed. São Paulo: Saraiva, 1992.

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O aborto é regrado pelo sistema jurídico através dos

artigos 124 a 128 do Código Penal3, tendo com amparo jurídico o direito à

vida do feto. Como o aborto não foi definido pelo legislador, cabe esta tarefa

aos intérpretes. São diversos os entendimentos do significado da palavra

aborto, neste trabalho serão destacados apenas os propostos por

doutrinadores jurídicos e profissionais da saúde.

A palavra aborto é de origem latina e significa “ab”

privação e “ortus” nascimento. Limongi4, na Enciclopédia de Direito,

diferencia os termos aborto, abortamento e aborticídio. Esse último,

conforme o autor é um neologismo que significa a morte da criança dada a

luz antes do tempo, independente da causa desta antecipação. O termo

aborto é diferenciado pelo autor através da finalidade de sacrificar o feto. Já

abortamento, seria o ato de abortar, gerando o produto aborto.

3 BRASIL. Código Penal. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. 4 LIMONGI, R. F. Enciclopédia do Direito. São Paulo: Saraiva, 1977.

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1.1 BREVE HISTÓRICO DO ABORTO:

As discussões em torno do direito à vida, como bem

maior da humanidade, em contraste com a interrupção voluntária da

gravidez, vem de longa data. Oscilam, de acordo com a cultura e o

desenvolvimento da ciência, os parâmetros legais que regulam a proteção à

vida, em especial, do nascituro.

Demonstra a história, desde os primórdios da

civilização, que os povos, através de suas legislações, têm disciplinado, de

forma não homogênea, o trato ao nascituro, em especial, quando a ação do

homem envolve a interrupção voluntária da gravidez em período em que o

feto não dispõe de condições de sobreviver afastado do corpo da mãe.

Os avanços mais recentes na área da genética têm

contribuído para o surgimento de novos dilemas antes não enfrentados pelo

homem. Técnicas sofisticadas têm permitido, na atualidade, suspeitar, de

forma fundamentada, da existência de mal genético, hereditário ou de

doenças graves transmitidas pelos genitores que levarão a criança a

apresentar deformidades que poderão viabilizar, por tempo indeterminado e

com limitações, a vida extra-uterina ou tornar inviável a vida após o

nascimento, em decorrência de nascer morta ou falecer poucas horas após

o parto.

Inicialmente o aborto era visto de duas formas, ou era

considera assunto de cunho exclusivamente familiar, com algumas

repercussões somente no direito privado, ou um ato criminoso passível de

punição penal.

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Segundo histórico de Hungria e Fragoso5, o aborto

nem sempre foi uma conduta criminalizada:

A prática do aborto é de todos os tempos, mas nem sempre foi objeto de incriminação: ficava, de regra, impune, quando não acarretasse dano à saúde ou morte da gestante. Entre os hebreus, não foi senão muito depois da lei mosaica que se considerou ilícita, em si mesma, a interrupção da gravidez.

Segundo Bouzon, o aborto foi tratado como conduta

criminalizada pela primeira vez no Código de Hamurábi:

§ 209 Se um awilum bateu na filha de um awilum e a fez expelir o (fruto) de seu seio, pesará 10 siclos de prata pelo (fruto) de seu seio. § 210 Se essa mulher morreu, matarão a sua filha. § 211 Se pela pancada fez a filha de um muskênum expelir o (fruto) de seu seio, ele pesará 5 siclos de prata. § 212 Se essa mulher morreu, ele pesará ½ mina de prata. § 213 Se bateu na escrava de um awilum e a fez expelir o (fruto) de seu seio, ele pesará 2 siclos de prata. § 214 Se essa escrava morreu, ele pesará 1/3 de uma mina de prata.6

Para Hungria e Fragoso7, o aborto sempre foi uma

conduta bastante utilizada pelas mulheres, que, devido aos mais diversos

motivos, não desejavam gerar um feto. Desde a Grécia, o aborto era usual e

não se restringia, como hoje, a nenhuma classe específica, afinal, essa

preocupação de não levar uma gestação a termo existe em qualquer classe

social. “Somente o tratamento concedido às mulheres é que é diferenciado

em uma classe mais elevada em relação a outra mais baixa”.

5 HUNGRIA, N; FRAGOSO, H. C. Comentários ao Código Penal. 6 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981. V. 5. 6 BOUZON, E. O Código de Hammurabi. 4.ed. Petrópolis: Vozes, 1987, p.186. 7 HUNGRIA, N; FRAGOSO, H. C. Comentários ao Código Penal. 1981, p.270. V. 5

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A possibilidade de um melhor atendimento e de

condições mais seguras são garantias para aquelas que podem pagar por

esses serviços.

Desde os povos da Antigüidade, o aborto era difundido

entre a maioria das culturas. O imperador chinês Shen Nung cita em texto

médico escrito entre 2737 e 2696 a.C. a receita de um abortífero oral,

provavelmente contendo mercúrio.

Na antiga Grécia, o aborto era preconizado por

Aristóteles como método eficaz para limitar os nascimentos e manter

estáveis as populações das cidades gregas. Por sua vez, Platão opinava

que o aborto deveria ser obrigatório, por motivos eugênicos, para as

mulheres com mais de 40 anos e para preservar a pureza da raça dos

guerreiros. Sócrates aconselhava às parteiras que facilitassem o aborto às

mulheres que assim o desejassem.

Já Hipócrates, em seu juramento, assumiu o

compromisso de não provocar aborto.

Hungria e Fragoso8 citam:

Na Grécia, era corrente a provocação do aborto. LICURGO, e SÓLON proibiram, e HIPÓCRATES, no seu famoso juramento, declarava: “a nenhuma mulher darei substancia abortiva”; mas ARISTÓTELES e PLATÃO foram predecessores de MALTHUS: o primeiro aconselhava o aborto (desde que o feto ainda não tivesse adquirido alma) para manter o equilíbrio entre a população e os meios de subsistência, e o segundo preconizava o aborto em relação a toda a mulher que concebesse depois dos quarenta anos. E o uso do aborto difundiu-se por todas as camadas sociais.

8 HUNGRIA, N; FRAGOSO, H. C. Comentários ao Código Penal. 1981, p.270. V. 5

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Em sua obra, Platão9 concede aos governantes a

tarefa de melhorar a descendência dos membros da cidade, por meio de

casamentos entre homens e mulheres superiores. “Onde, aos governantes

era dado o poder de decidir sobre a realização dos matrimônios, em que

número esses aconteceriam e quem seriam os cônjuges”. Complementa

afirmando que “as crianças nascidas pertenceriam à Cidade e serão

cuidadas por autoridades competentes para cumprir esse objetivo”. O

filósofo aconselha sobre a idade dos nubentes e especifica punições para

aqueles que não seguirem as regras da polis.

Platão descreve como seria a Cidade perfeita e, para

tanto, determina que os pais não saberão quem serão seus filhos e filhas,

pois esses pertencerão à Cidade. O argumento eugênico, nesse contexto,

refere-se à melhor população para a polis. Nessa época, as ciências

médicas não eram avançadas a ponto de propiciar uma boa vida para

aqueles que nascessem portadores de deficiências.

Para Platão, a preocupação estava voltada ao

aprimoramento da raça, pois reflete a impossibilidade de conceder

condições de uma vida digna às crianças portadoras de anomalias e

deformidades.

Já Aristóteles, segundo Ferreira10, defendia a

realização de abortos como forma de controle populacional, além de afirmar

que as crianças que apresentassem anomalias deveriam ser deixadas para

morrer. Esse argumento é considerado eugênico certamente, mas é preciso

compreender que Aristóteles, da mesma forma que Platão, viveu há mais de

dois mil anos, ou seja, em um tempo em que as anomalias congênitas

impediam a própria manutenção da vida dos seus portadores.

9 PLATÃO. A República. Introdução e tradução Maria Helena Rocha Pereira. 8.ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, p. 230. 10 ARISTÓTELES. A política. Tradução Roberto Leal Ferreira. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p.73.

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Para Armani, Gliozzi e Modona11, no direito romano,

não existia o aborto enquanto conduta criminalizada, uma vez que o feto era

considerado parte do corpo da mulher e, portanto, ela podia dispor

livremente de seu corpo, conforme fosse sua vontade. Assim, quando a

mulher grávida era vítima de agressão que não resultasse na sua morte ou

ameaça à sua saúde, geralmente o agressor não era punido, pois a morte do

feto não estava tipificada como crime.

Segundo Alves:

Para o direito romano antigo, o aborto não tinha existência autônoma como crime, a Lei das XII Tábuas e as leis republicanas não tratavam da matéria. A conduta era considerada crime contra a mulher, porquanto o ser humano em vida intra-uterina era tido como uma porção do corpo da mulher ou parte de suas vísceras (mulieris pars vel viscerum): Geralmente, ficava-se a salvo da punição quando não implicasse óbito da mulher ou mesmo agressão à sua saúde.12 O autor complementa: Sob o governo de Septímio Severo (193-211 d.C.), a lei romana passou a tratar do aborto como uma privação do pai ao direito de possuir sua prole. Nessa época, a repressão social romana era a mesma dada a homicídio praticado com a propinação de veneno.13

11 ARMANI, G; GLIOZZI, E; MODONA, G. N. Aborto. In: Enciclopédia Garzanti del diritto. Italy: Garzanti, 1995, p. 2. 12 ALVES, I. F. Crimes Contra a Vida. Belém: Unama, 1999, p. 193. 13 ALVES, I. F. Crimes Contra a Vida. p. 193.

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Entre os Gauleses, o aborto era considerado um direito

natural do pai, que era o chefe incontestável da família, com livre arbítrio

sobre a vida ou a morte de seus filhos, nascidos ou não nascidos. O mesmo

ocorria em Roma, onde o aborto era uma prática comum, embora

interpretada sob diferentes óticas, dependendo da época. Quando a

natalidade era alta, como nos primeiros tempos da República, ela era bem

tolerada. Com o declínio da taxa de natalidade a partir do Império, a

legislação se tornou extremamente severa, caracterizando o aborto

provocado como delito contra a segurança do Estado.

No Livro do Êxodo é discorrido que no direito penal

hebreu o ato voluntário de abortar constituía um crime, punível com pena de

morte, sendo permitido apenas para resguardar a vida da genitora.14

Complementa-se que dentre os povos hebreus, era

multado aquele homem que ferisse mulher grávida, fazendo-a abortar. Esse

ato de violência obrigava aquele que ferisse a mulher a pagar uma multa ao

marido desta, diante dos juízes; se, porém, a mulher viesse a morrer em

conseqüência dos ferimentos recebidos aplicava-se ao culpado a pena de

morte.

Com o advento do Cristianismo, o aborto passou a ser

definitivamente condenado, com base no mandamento "Não Matarás". Essa

posição é mantida até hoje pela Igreja Católica.

No Brasil o aborto foi regulamentado pela primeira vez

pelo Código Criminal do Império de 16 de dezembro de 1830 e era

enquadrado nos crimes contra a segurança da pessoa e da vida, nos artigos

199 e 200. Até então não havia previsão jurídica para este ato e,

consequentemente não era proibido ou penalmente punido.

14 Livro do Êxodo capítulo 21 versículos 22 e 23.

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Após o Código Penal da República de 1890, no Título

X, ampliou a impunibilidade nos crimes de aborto, prevendo punição para a

mulher que praticasse o auto-aborto, porém atenuou a pena nos casos de

estupro ou com a finalidade de ocultar a desonra própria. Introduziu, ainda,

uma exclusão de punibilidade para o aborto necessário que visava salvar a

vida da gestante.

A Lei das Contravenções Penais, no ano de 1941, por

sua vez, no capítulo “Das Contravenções Referente à Pessoa” dispõe no seu

artigo 20 que é também ilícito o anúncio do meio abortivo, seja ele processo,

substância ou objeto, estipulando pena de multa.

No Século XIX, o aborto expandiu-se

consideravelmente entre as classes mais populares, em função do êxodo

crescente do campo para a cidade e da deterioração de seu nível de vida.

Na classe alta o controle da natalidade era obtida através de uma forte

repressão sexual sobre seus próprios membros e a prática do aborto,

embora comum, era severamente condenada.

Alguns acontecimentos históricos, no início deste

século, ocasionaram certas modificações importantes nas legislações que

regiam a questão do aborto.

Com a ascensão do nazifacismo, as leis antiabortivas

tornaram-se bastante severas nos países em que ele se instalou, com o

lema de se criarem "filhos para a pátria". O aborto passou a ser punido com

a pena de morte, tornando-se crime contra a nação, a exemplo do que

ocorreu em certo momento no Império Romano.

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Após a Segunda Guerra Mundial, as leis continuaram

bastante restritivas até a década de 60, com exceção dos países socialistas,

dos países escandinavos e do Japão (país que apresenta lei favorável ao

aborto desde 1948, ainda na época da ocupação americana).

A partir dos anos 60, em virtude da evolução dos

costumes sexuais, da nova posição da mulher na sociedade moderna e de

outros interesses de ordem político-econômica, a tendência foi para uma

crescente liberalização.

Apesar de bastante polêmica, a questão do aborto não

data de épocas recentes, mas de tempos remotos, variando durante toda a

história.

Atualmente no Brasil o aborto é considerado crime,

exceto em duas situações: de estupro e de risco de vida materno.

Este tema tem sido discutido desde inúmeras

perspectivas, variando desde a sua condenação até a sua liberação

inclusive descaracterizando-o como aborto, mas denominando o

procedimento de antecipação terapêutica de parto.

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A nova redação proposta para o Código Penal, altera

todos os três itens, é a seguinte: Exclusão de Ilicitude Art. 128. Não constitui crime o aborto praticado por médico se: I - não há outro meio de salvar a vida ou preservar a saúde da gestante; II - a gravidez resulta de violação da liberdade sexual, ou do emprego não consentido de técnica de reprodução assistida; III - há fundada probabilidade, atestada por dois outros médicos, de o nascituro apresentar graves e irreversíveis anomalias físicas ou mentais. Parágrafo 1º. Nos casos dos incisos II e III e da segunda parte do inciso I, o aborto deve ser precedido de consentimento da gestante, ou quando menor, incapaz ou impossibilitada de consentir, de seu representante legal, do cônjuge ou de seu companheiro; Parágrafo 2º. No caso do inciso III, o aborto depende, também, da não oposição justificada do cônjuge ou companheiro.

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1.2. CONCEITUAÇÃO DO ABORTO

São vários os conceitos de aborto que pode-se

encontrar na seleta doutrina, assim, buscar-se-a destacar os conceitos:

médico-legal e jurídico, os quais serão matéria de discussão.

Numa visão médico-legal do conceito de aborto, mais

especificamente na obstetrícia, disciplina que estuda as questões ligadas à

procriação dos seres humanos, é a interrupção da gestação dentro de um

lapso de tempo predeterminado. Assim, na definição de Kunde e Sabino

abortamento é:

A interrupção da gestação antes de completar 20 semanas ou 139 dias, com expulsão parcial ou total dos produtos da concepção, com ou sem identificação do embrião ou feto vivo ou morto, pesando menos de 500g. Pode-se dividir em precoce, se ocorrer antes de 12 semanas, ou tardio, se entre 12 semanas e 20 semanas.

Já, a Embriologia humana, ciência que estuda a origem

e o desenvolvimento humano, numa visão egocêntrica, trata o aborto como

uma expulsão prematura do embrião antes do seu desenvolvimento.

Corroborando com este entendimento, assim define

Moore: Aborto significa uma interrupção prematura do desenvolvimento e refere-se ao nascimento de um embrião ou feto antes de se tornarem viáveis – suficientemente amadurecidos para sobreviverem fora do útero15.

15 MOORE, K. L. Embriologia básica. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2000.

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Segundo Alves16, “o aborto é o resultado das práticas

de abortamento que esperam ter como produto a morte do concepto”.

Afirmando que, “Assim, o abortamento é a ação, aborto será o seu produto,

tanto que o crime, conforme norma legal, admite a tentativa”.

Para Dworkin17, “aborto significa matar

deliberadamente um embrião humano em formação”.

Aborto, definido por de Placido e Silva18, é a expulsão

prematura do feto, ou embrião antes do tempo do parto.

A definição de aborto por Favero19 é “a interrupção da

gravidez antes do termo normal, com morte do produto da concepção, em

nexo de causa e efeito”.

E, para que haja aborto, complementa Favero, é

necessário que haja a gravidez cujo termo inicial é a fusão dos gametas ou

concepção. É preciso também que essa gravidez seja interrompida antes do

termo normal. Que o ente humano produto da concepção morra. E, por fim,

é necessário que um nexo de causa e efeito entre sua morte e a interrupção

da gravidez. Ou seja, o bebê deve morrer por causa da interrupção da

gravidez.

Examinando bem os termos da definição acima, Favero

conclui que, para que haja aborto, não é necessária a expulsão da criança,

podendo seus restos mortais ser reabsorvidos pelo organismo materno.

16 ALVES, I. F. Crimes Contra a Vida. p. 195. 17 DWORKIN, R. Domínio da Vida. Aborto, eutanásia e liberdades individuais. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 1. 18 SILVA, De Plácido E. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 17. 19 FAVERO, F. Medicina Legal: introdução ao estudo de medicina legal, identidade, traumatologia, 12 ed. Belo Horizonte: Villa Rica, 1991, p. 750.

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Costa Jr. afirma:

Entende-se por aborto (de ab-ortus, privação do nascimento) a interrupção voluntária da gravidez, com a morte da concepção. Não distinguiu a lei entre óvulo fecundado, embrião e feto. Contentou-se a lei com a interrupção da gravidez. 20

Para Singer21, o aborto apresenta variáveis que devem

ser consideradas quando da possibilidade de realização do abortamento. A

escolha deve ser pensada, tendo por base a ética, já que a responsabilidade

por uma nova vida recai sobre os pais, e algumas vezes somente sobre a

mãe. Esse fato importante deve ser considerado, quando for o momento de

decidir por levar uma gestação a termo ou interrompê-la. “Nos casos de

aborto, porém, admitimos que as pessoas mais atingidas – os futuros pais,

ou, pelo menos, a futura mãe – desejam fazer o aborto”.

Jesus cita Tardieu22, o aborto "é a expulsão prematura

e violentamente provocada do produto da concepção, independentemente

de todas as circunstâncias de idade, viabilidade e mesmo de formação

regular do feto". Essa definição, embora seja aceita por muitos, pode ser

considerada incompleta, pois o mestre francês considera a existência do

delito independentemente de idade, vitalidade e formação regular do feto.

Isso imputaria como ato criminalmente punível a interrupção de gravidez em

mulher portadora de um ovo degenerado, sem condições de

desenvolvimento ou de semelhante a um ser humano.

20 COSTA JR., P. J. Direito Penal Objetivo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003, p. 203. 21 SINGER, P. Ética prática. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 183. 22 JESUS, D. E. Código Penal. 23 ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p.250.

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Para Silva Soares23, “o aborto consiste na eliminação

de um ser humano no período da vida compreendido entre a fecundação e o

nascimento”. Por aborto, pois, não se entende apenas a expulsão provocada

do feto imaturo do útero: entende-se a morte procurada do nascituro, de

qualquer maneira e em qualquer altura, desde o momento da concepção.

Morin e Terena24, afirmam que "o aborto é a cessação

prematura e voluntária da gravidez, ou a sua interrupção intencionalmente

provocada, com ou sem aparição de fenômenos expulsivos".

Já Gomes25, define o aborto criminoso como "a

interrupção ilícita da prenhez, com a morte do produto, haja ou não

expulsão, qualquer que seja seu estado evolutivo, desde a concepção até

momentos antes do parto". Aqui o ato criminoso é caracterizado por ser uma

ação não autorizada por lei, resultando na expulsão do produto e tem seu

período estabelecido até momentos antes do parto.

Para Pessini e Berchifontaine o aborto é:

A expulsão ou a extração de toda e qualquer parte da placenta ou das membranas, sem um feto identificável, ou com um recém-nascido vivo ou morto que pese menos de quinhentos gramas. Na ausência do conhecimento de peso, uma estimativa da duração da gestação de menos de vinte semanas completas, contando desde o primeiro dia do último período menstrual normal, pode se utilizada.26

23 SILVA SOARES, J. A., Aborto, in: POLIS. Enciclopédia VERBO da Sociedade e do Estado, vol. 1, Lisboa 1982, p. 13. 24 MORIN, E., TERENA, M. Saberes Globais e Saberes Locais. Trad. Paula Yone Stroh. 3 ed. Rio de Janeiro: Garamond, 2001. 25 GOMES, H. Medicina Legal. 10 ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1968. 26 PESSINI, L.; BERCHIFONTAINE, C. P. Problemas Atuais de Bioética. São Paulo: Loyola, 2000.

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No âmbito jurídico a definição do aborto encontra-se na

remansosa doutrina, associação entre a interrupção da gravidez com a

morte do produto da concepção, em qualquer fase do ciclo gravídico.

Na visão do jurista Mirabete:

Aborto é a interrupção da gravidez com a destruição do produto da concepção. É a morte do ovo (até três semanas de gestação), embrião (de três semanas a três meses) ou feto (após três meses), não implicando necessariamente sua expulsão. O produto da concepção pode ser dissolvido, reabsorvido pelo organismo da mulher ou até mumificado, ou pode a gestante morrer antes de sua expulsão. Não deixará de haver, no caso, o aborto.27

Já, sob a ótica do jurista Mehmeri28, “aborto é a

expulsão violenta, dolosa e prematura do feto do útero materno, de que

resulte sua morte, ou seja, a interrupção de seu curso fisiológico no útero

materno, causando-lhe a morte”.

Assim, o aborto consiste num delito, o qual é a

interrupção violenta do processo de gestação, com a conseqüente morte do

feto. Nesse delito se atinge o feto que ainda não nasceu, isto é, que se

encontra ainda no ventre materno, portanto, alguém sem nenhuma defesa.

27 MIRABETE, J. F. Manual de Direito Penal. Parte especial. São Paulo: Atlas, 2002, p. 93. 28 MEHMERI, A. Noções Básicas de Direito Penal. Curso completo. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 427.

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Conforme Fragoso:

O aborto é crime material e se consuma com a destruição do óvulo fecundado ou do embrião ou com a morte do feto, sendo indiferente que esta venha a ocorrer após a expulsão, por imaturidade. O lapso de tempo mais ou menos longo em que sobrevém a morte é irrelevante, pressuposta a relação de causalidade. 29

Ocorre a consumação do aborto, segundo Mirabete,

com a interrupão da gravidez e a morte do feto, sendo necessária a

expulsão. O autor complementa que a expulsão prematura do feto ainda

com vida não desnatura o crime, não importando que a morte ocorra só

após.

A tentativa existe quando as manobras abortistas não interrompem a gravidez ou causam apenas a aceleração do parto. Nesse caso, se houver a provocação da morte do recém-nascido, ocorrerá concurso de tentativa de aborto, infanticídio ou homicídio.30

Como se pode observar no Código Penal31, para a

conceituação jurídica doutrinária do aborto, os elementos básicos são: a

retirada do feto do ventre materno, tendo como conseqüência sua morte.

Neste mesmo sentido diz textualmente Damásio32 que

o aborto é a interrupção da gravidez com a conseqüente morte do feto

(produto da concepção).

29 FRAGOSO, H. C. Lições de Direito Penal: parte especial, v.1. Rio de Janeiro: Forense, 1988, p. 138. 30 MIRABETE, J. F. Código penal interpretado. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p.973. 31 BRASIL. Código Penal. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. 32 JESUS, D. E. Código Penal Anotado. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2001.

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No sentido etimológico, aborto quer dizer privação de

nascimento. A palavra abortamento tem maior significado técnico que

aborto. Aquela indica a conduta de abortar; esta, o produto da concepção

cuja gravidez foi interrompida. Entretanto, de observar que a expressão

aborto é mais comum e foi empregada pelo CP33 nas indicações marginais

das disposições incriminadoras.

A jurisprudência, na voz do Supremo Tribunal Federal

entendeu, que “pode ocorrer aborto desde que tenha havido a fecundação”,

sendo esta, portanto, pressuposto para a configuração do delito.

Nesta égide pode-se observar a importância da

integração entre o conceito jurídico e o médico-legal, para a definição do

aborto, a fim de pré-determinar o objeto a ser normatizado.

Dentre os diversos tipos de aborto existentes, torna-se

importante ressaltar aqui os mais discutidos atualmente, a fim de facilitar o

entendimento de considerações posteriormente expostas neste trabalho:

• Aborto terapêutico ou necessário, que é aquele

feito porque a gravidez põe em risco a vida da

gestante;

• Honoris causa, honroso ou moral, que consiste

em abortar o feto por ser a gestação resultante de

estupro;

• Eugênico ou profilático, representado o aborto

feito, pois o feto apresenta alguma anomalia grave;

• O social, que é realizado por questão de controle

de natalidade.

33 BRASIL. Código Penal, 2003 .

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Além desses tipos citados, há um critério de

classificação que o divide em dois grupos principais: espontâneo e

provocado.

O primeiro consiste naquele em que o próprio

organismo se encarrega de realizar. Assim, independente da vontade da

mulher, o organismo expulsa o feto (pode acontecer pelos motivos mais

diversos), impossibilitando, então, a continuidade da gestação.

Já o aborto provocado, é aquele feito intencionalmente,

ocasionando, então, a morte do feto por vontade própria. Possui a seguinte

definição médico-legal: “Sempre que a gravidez for interrompida

dolosamente, independente do período gestacional (ovo, embrião, feto),

estará configurado o crime de aborto." É em relação a este tipo de aborto

que surgem diversas polêmicas, e é a seu respeito que discorrerá o presente

trabalho.

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1.3. INÍCIO DA VIDA

A vida deve partir de algum ponto e a respeito desse

marco inicial existe, desde a Antigüidade, grande controvérsia. O marco que

delimita a partir de que momento existe uma vida foi defendido, conforme

algumas das opiniões abalizadas de cada época, por médicos, filósofos,

teólogos.

Mammana afirma que a vida já teve seu início marcado

pela alma, isto é, quando o feto recebia a alma passava a existir vida.

Existiam aqueles que defendiam a animação imediata, ou seja, o

identificavam com o momento da concepção, entre eles estão São Gregório

Niseno.

Por outro lado, os que consideravam a animação retardada, isto é, após algum tempo de desenvolvimento do feto, ou ainda outros que consideravam a animação da alma somente após o nascimento. Dentre os defensores desta teoria estão Hipócrates, Aristóteles e Santo Agostinho com base na doutrina deste último, e São Tomás de Aquino.34

Mais tarde, e com a evolução das ciências médicas, o

momento em que a alma habitava o corpo deixou de marcar o início da vida,

o qual passou, então, a ser identificado com o nascimento. Essa é a teoria

natalista, que protege a vida existente antes do nascimento, mas somente

considera os direitos decorrentes desta, após o parto.

34 MAMMANA, C. Z. O aborto. São Paulo: Ltda, 1969, vol I, p. 50.

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Analisando os conceitos de início da vida, Sapucaia

evidencia as posições dos biólogos, entendendo que a vida é considerada a

partir da fixação do óvulo no útero materno, e refere o outro posicionamento,

que entende que a vida existe a partir do momento em que há o início da

atividade cerebral, fato que tende a ocorrer a partir da 8ª semana de

gestação:

Alguns biólogos não reconhecem o caráter humano do embrião até o 14° dia da concepção, que é o final da implantação e formação dos tecidos placentários, nutritivos e protetores. Para eles, só quando este sistema de ‘suporte’ está estabelecido, inicia-se a chamada ‘linha primitiva’, é que se teria o desenvolvimento individual do embrião. Para outros biólogos, o caráter humano se daria ainda mais tarde, no início da vida cerebral, que é a partir da 8ª semana de gestação. E terminaria com a morte cerebral.35

A teoria discorrida por Singer36 é que a vida somente

passará a existir quando o embrião tornar-se sensível, isto é, quando o seu

tecido nervoso estiver formado, o que dará ao feto sensações de dor e de

prazer. Somente a partir da décima oitava semana de gestação é que se

pode considerar a situação de sensibilidade do embrião.

Quanto ao valor da vida, à consciência do feto e início

da vida, Singer destaca que a concepção, o início da vida, até hoje é aquele

presente no Direito, no qual a vida apresenta caráter sagrado e, por isso, o

embrião é tratado como um indivíduo, quando ainda é apenas um

agrupamento de células, isto é, considera-se indivíduo tão logo ocorre a

união dos gametas.37

35 SAPUCAIA, M. R. Pater semper incertus est. In RIOS, A. R. et al. Bioética no Brasil. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, 1999, P. 88. 36 SINGER, P. Ética prática. p. 174. 37 SINGER, P. Ética prática. p. 167.

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Quando o autor faz referência à consciência do feto,

explicita o fato de que o córtex cerebral (responsável pelas sensações) só

inicia seu desenvolvimento a partir da décima oitava semana de gestação,

portanto, o feto só poderá sentir dor a partir desse ponto da gestação.

As principais teorias a respeito do significado de vida

podem ser resumidas assim: animação, a partir do ingresso da alma no

corpo; concepção, quando ocorre a união dos gametas; natalista, a partir do

nascimento; nidação, a partir do 14º dia de gestação, quando ocorre a

fixação do óvulo no útero materno; percepção de dor e prazer, a partir da

décima oitava semana de gestação; qualidade de vida - ainda não é possível

conceituá-la, mas requer condições mínimas de possibilidade de

sobrevivência de uma vida digna.

O princípio da dignidade humana expresso na

Constituição Federal de 1988, no artigo 1º, III, tem que ser considerado

como o princípio responsável pelo limite ético que deve ser respeitado

quando das inovações biotecnológicas e, também, quando interesses

individuais devam ser considerados, como no caso do aborto.

Neste processo gradual e que encontra ainda resistências, a proteção do indivíduo, nos moldes liberais, e que, em verdade, privilegiava o patrimônio como bem fundamental, cede lugar a valores maiores, como a dignidade humana, que assume o papel de eixo central que deve equilibrar todo turbilhonamento pelo qual passa o Direito. 38

38 BARBOZA, H. H. Bioética x biodireito: insuficiência dos conceitos jurídicos. 2001, p. 03.

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O chamado ‘turbilhonamento’ também está presente no

tema do aborto, que atualmente se apresenta como uma questão de saúde

pública, por ser uma situação que se repete diariamente e que, muitas vezes

por falta de um atendimento digno do ser humano, acaba por ser causa de

seqüelas físicas que chegam a acarretar a morte de muitas mulheres que se

submeteram ao abortamento por ser essa a única opção naquele momento

de suas vidas. “Não é compreensível que, ainda hoje, o aborto seja uma

conduta passível de punição estatal, pois como identificar o interesse do

Estado em manter uma gravidez quando essa questão diz respeito somente

à mulher, ao casal ou família envolvidos?”39 O que cabe ao Estado é

propiciar às mulheres que decidem pelo abortamento a sua realização em

locais que apresentem condições sanitárias condizentes com a sua

qualidade de ser humano.

Contudo, deve-se extrair a definição de formação da

vida, ou seja, verificar qual o seu marco inicial, para desta forma aplicar o

preceito constitucional, o direito à vida tutelado como bem jurídico.

Assim, parte da doutrina entende que a vida tem início

a partir da concepção, com a fecundação do óvulo (gameta feminino) pelo

espermatozóide (gameta masculino), originando o zigoto, sendo este um

conjunto estruturado de células.

Neste lapidar temos o entendimento doutrinário:

Pesquisas feitas por embriologistas e geneticistas revelam que o bebê pré-nascido, desde a concepção, constitui no zigoto um conjunto estruturado de células, biologicamente humana. Assim, quando um óvulo é fecundado por espermatozóide, já surge um novo ser humano com vida. Desta forma o feto não é apenas uma ‘massa celular viva’, nem um pedaço do corpo da mãe.40

39 SINGER, P. Ética prática. 1998. 40 SINGER, P. Ética prática. 1998.

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Todavia, encontram-se entendimento diverso na lição

de alguns doutrinadores, no sentido de se verificar que a vida teria o seu

marco inicial com a nidação, ou seja, no momento da implantação do ovo no

útero materno, cerca de 14 dias após a fecundação. Sendo este o momento

em que o feto possui mais condições existenciais de sobrevida, em face dos

nutrientes encontrados no útero.

Assim, define a doutrina, acerca da fase de nidação:

Após aproximadamente 14 dias, a contar da fecundação, o trofoblasto começa a se diferenciar em dois tipos estruturais: uma camada superficial, multinucleada, o sinciciotrofoblasto; e uma camada interna, com limites celulares nítidos, o citotrofoblasto. Os cordões trofoblásticos aprofundam-se, como raízes, no endométrio, e, aos poucos, todo o ovo fica envolvido pela mucosa uterina que, a partir do momento da implantação do ovo, passou a ser denominada decídua. 41

Já sem membrana pelúcida, as células trofoblásticas

vão estabelecer contato com a superfície o que provocará a erosão da

mucosa uterina, permitindo que o ovo penetre no interior do endométrio,

constituindo, assim a implantação ou nidação.

Este preparo é de grande importância, pois, como o

ovo não possui substância de reserva, dependerá para a sua sobrevida, de

material nutritivo que possa obter do endométrio.

41 SINGER, P. Ética prática. 1998.

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Ainda neste lapidar verificamos que por política criminal

adotada pelo Código Penal e pela imensa doutrina, pune-se a titulo de

aborto, a expulsão prematura do ovo, óvulo ou embrião. Logo, se

considerarmos a fecundação como marco inicial da vida, estaríamos punindo

a titulo de aborto alguns métodos tidos como anticoncepcionais, como o DIU

(dispositivo intra-uterino) e as pílulas anticoncepcionais, já que seus efeitos

são posteriores à fecundação, ocasionando a aceleração do ovo e o seu não

desenvolvimento no útero materno; não sendo esta a intenção do legislador.

Podemos verificar este entendimento em Mirabete:

Segundo a doutrina, a vida intra-uterina se inicia com a fecundação ou constituição do ovo, ou seja, a concepção. Já se tem apontado, porém, como início da gravidez, a implantação do óvulo do útero materno (nidação). Considerando que é permitido no País a venda do DIU e de pílulas anticoncepcionais cujo efeito é acelerar a passagem do ovo pela trompa, de modo que atinja ele o útero sem condições de implantar-se, ou transformar o endométrio para criar nele condições adversas à implantação do óvulo, forçoso é concluir-se que se deve aceitar a segunda posição, tendo em vista a lei penal. Caso contrário, dever-se-á incriminar como aborto o resultado da ação das pílulas e dos dispositivos intra-uterinos que atuam após a fecundação42.

42 MIRABETE, J. F. Código penal interpretado. 2005.

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Destarte, este é o direito a vida que deve ser tutelado

pelas normas constitucionais e infraconstitucionais, a partir da nidação até o

momento em que é iniciado o parto. Corroborando com este entendimento

exemplifica Moraes:

O início da mais preciosa garantia do individuo deverá ser dado pelo biólogo, cabendo ao jurista, tão-somente, dar-lhe o enquadramento legal, pois do ponto de vista biológico a vida se inicia com a fecundação do óvulo pelo espermatozóide, resultando um ovo ou zigoto. Assim a vida viável, portanto, começa com a nidação, quando se inicia a gravidez. Conforme adverte o biólogo Botelha Luziá, o embrião ou feto representa um ser individualizado, com uma carga genética própria, que não se confunde nem com a do pai, nem com a da mãe, sendo inexato afirmar que a vida do embrião ou do feto está englobada pela vida da mãe.43

No entanto, a medicina ainda não consegue determinar

com exatidão a data inicial da concepção, pois este processo de fertilização

ainda não é perceptível dentro do corpo da mãe. Os médicos calculam a

idade do embrião ou feto a partir do primeiro dia do último período menstrual

normal, deduzidas 2 (duas) semanas, as quais trata-se da fecundação ,

somados ao período de aproximadamente 14 (quatorze) dias, obtendo-se

assim, a nidação, ou seja, o momento em que o ovo se implanta no útero

materno, possuindo condições nutritivas para se desenvolver.

Em entrevista para o jornal do Fantástico, programa

exibido pela rede globo de televisão, o ministro da Saúde, José Gomes

Temporão, declarou ser a favor e apoiador do debate nacional sobre a Lei

de Biossegurança, ao tratar do aborto.

43 MORAES, A. Direito constitucional. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2000.

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Esse debate aconteceu em Brasília, abril de 2007.

Teve a participaçao do frei Antônio Moser, doutor em bioética, da CNBB, de

José Roberto Goldim, do Laboratório de Bioética da UFRGS, de Stevens

Rehen, presidente da Associação Brasileiar de Neurociência, e Fermin

Roland Schramm, da Sociedade de Bioética, do Rio de Janeiro. 44

Existe muita polêmica em relação ao momento exato

em que a vida humana começa. Mas é possível dizer que há quatro linhas

de pensamento principais.

A primeira delas é a tese defendida pela Igreja

Católica, que afirma que a vida começa na fertilização do óvulo pelo

espermatozóide. Afirma o frei Antônio Moser, doutor em bioética, da CNBB

que “A vida é humana desde o momento da fecundação”.

A segunda teoria é que o indivíduo surge na terceira

semana de gestação, quando o embrião não pode mais se dividir, explica

José Roberto Goldim, do Laboratório de Bioética da UFRGS, “Esse novo

conjunto genético começa a assumir o controle da célula nova”,

A terceira teoria é que a vida humana começa com o

surgimento do cérebro, a partir da oitava semana. defende Stevens Rehen,

presidente da Associação Brasileiar de Neurociência, “O que se tem que

procurar é uma definição legal. A definição de morte é uma definição legal. O

coração continua batendo, o cérebro parou de funcionar e a pessoa é

declarada morta”. Ou seja, se a morte é definida pelo fim da atividade

cerebral, a vida seria definida pelo início dessa atividade.

44 Quando a vida começa? 15/04/2007.

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Fermin Roland Schramm, da Sociedade de Bioética, do

Rio de Janeiro, diz que “porque tem um organismo constituído, tem a

capacidade desse organismo sentir dor ou prazer. E isso é relevante no

momento de fazer um aborto, porque quando já tem um cérebro formado ou

em formação, evidentemente, esmagar esse cérebro é relevante”.

E a quarta teoria é de que a vida começa a partir da

24ª semana de gestação, quando os pulmões estão formados e o feto tem

condições se sobreviver fora da barriga da mãe. “Quanto mais tempo passar

nessa relação mãe e feto, revogar essa relação se torna mais difícil”, afirma

Fermin.

“Quando uma sociedade começa a discutir essa

questão, o mais importante é tentar ver o que representa realmente um

conjunto de valores dessa população, para que ela aceite isso não como

imposição legal, mas como um reflexo da vontade e da crença de que aquilo

é o melhor para ela, naquele momento histórico, naquele contexto”, analisa

José Roberto Goldim.

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CAPÍTULO 2 ABORTO E BIOÉTICA

Com os avanços científicos da medicina na captação

de informações acerca da legalização do aborto em diversas situações,

podemos verificar na bioética a ciência que acompanha estas questões, sob

uma visão ética. Para Durant: A bioética é o estudo interdisciplinar do conjunto das condições exigidas por uma administração responsável da vida humana (ou da pessoa humana), tendo em vista os progressos rápidos e complexos do saber e das tecnologias biomédicas.45

O termo apareceu pela primeira vez em 1971 no título

da obra de Van Rens Selaer Potter (Bioethics: bridge to the future, Prenctice

Hall, Englewood Clifs, New York). Vieira46, explica que sua finalidade é

auxiliar a humanidade no sentido de participação racional, porém cautelosa

no processo da evolução biológica e cultural.

Bio, segundo Pessini e Barchifontaine47, “exige que se

leve seriamente em conta as disciplinas e as implicações do conhecimento

científico, de modo que possamos entender as questões, perceber o que

está em jogo e aprender a avaliar possíveis conseqüências das descobertas

e suas aplicações...”. Os autores citam também a ética, onde, por sua vez,

“é uma tentativa para se determinar os valores pelos quais vivemos. Quando

vista num contexto social, é uma tentativa de avaliar as ações pessoais e as

ações dos outros de acordo com uma determinada metodologia ou certos

valores básicos”.

45 DURANT, G. A Bioética: natureza, princípios, objetos. São Paulo: Paulus, 1995. 46 VIEIRA, T. R. Bioética e Direito, ed. 2 São Paulo: Editora Jurídica Brasileira, 2003. 47 PESSINI L., BARCHIFONTAINE C. P. Problemas Atuais de Bioética, 2 ed. São Paulo: Loyola, 1994, p.14.

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Sapucaia48 conclui sobre o surgimento da bioética:

A bioética surgiu ligada principalmente à Medicina, com o intuito de superar obstáculos surgidos das relações entre médicos e pacientes, e também como forma de regulamentar os avanços obtidos com a engenharia genética e a biomedicina.

Segundo Vieira, bioética é a combinação de

conhecimentos biológicos e valores humanos.

O vocábulo bioética indica um conjunto de pesquisas e práticas pluridisciplinares, objetivando elucidar e solucionar questões éticas provocadas pelo avanço das tecnologias biomédicas.Seu estudo vai além da área médica, abarcando psicologia, direito, biologia, sociologia, ecologia, tecnologia, filosofia, etc, sempre observando as diversas culturas e valores.49

Desde então vários pesquisadores têm se debruçado

sobre o termo Bioética, ampliando e modificando esta concepção original.

Na Encyclopedia of Bioethics50, lê-se:

"Bioética é um neologismo derivado das palavras gregas "bios" (vida) e "ethike" (ética). Pode-se defini-la como o estudo sistemático das dimensões morais – incluindo visão, decisão, conduta e normas morais - das ciências da vida e do cuidado da saúde, utilizando uma variedade de metodologias éticas em um contexto interdisciplinar".

48 SAPUCAIA, M. R. Pater semper incertus est. In RIOS, A. R. et al. Bioética no Brasil. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, 1999, p.82. 49 VIEIRA, T. R. Bioética e Direito. 2003. 50 REICH, W. T. Encyclopedia of Bioethics, v. 4. New York: Wilkins, 1995.

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Reich afirma que a Bioética é o estudo sistemático das

dimensões morais - incluindo visão moral, decisões, conduta e políticas - das

ciências da vida e atenção à saúde, utilizando uma variedade de

metodologias éticas em um cenário interdisciplinar51.

Vieria interpreta o conceito de bioética, como um

estudo sistemático da conduta humana no campo das ciências biológicas e

da atenção de saúde, sendo esta conduta examinada à luz de valores e

princípios morais, constituindo um conceito mais amplo que o da ética

médica, tratando da vida do homem, da fauna e da flora.

Pode-se observar nas obras pesquisadas, que a

bioética se preocupa em estudar principalmente os dilemas éticos

associados à pesquisa biológica e seu emprego na medicina.

Para tanto, a lei deve assegurar o princípio da

prioridade da pessoa aliando-se às exigências legítimas do processo do

conhecimento científico e da proteção da saúde pública. E, quando não

houver uma lei específica, cabe ao juiz dizer o direito, baseando-se em

princípios gerais, determinando os limites.

Meirelles52 considera insuficiente a ética nos casos que

estão se colocando diariamente, e defende a criação de regras jurídicas,

com base nos princípios bioéticos, para que se possam apresentar soluções

que sejam condizentes com os valores defendidos e que abrangiam o maior

número de “casos”.

51 REICH, W. T. Encyclopedia of Bioethics. 1995. 52 MEIRELLES, J. M. L. de. Bioética e biodireito. In: BARBOZA, H. H. e BARRETTO, V. P. Temas de Biodireito e bioética. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.

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O autor discorre:

A Bioética propõe limites à biotecnologia e à experimentação, com a finalidade de ver protegidas a dignidade e a vida da pessoa humana como prius sobre qualquer valor. Porém, a norma moral é insuficiente porque, ainda que alcance a dimensão social da pessoa humana, opera apenas no plano interno da consciência, impondo-se, portanto, um novo ramo do dever ser, mediante o qual se regulem as relações intersubjetivas à luz dos princípios da Bioética. Necessário, por isso, que as normas sejam jurídicas, e não somente éticas, pois somente o caráter coercitivo daquelas impedirá ao científico sucumbir à tentação experimentalista e à pressão de interesses econômicos.53

A partir da ótica da bioética, vários autores, entre eles,

filósofos, teólogos, médicos, juristas, se dividem entre distintas correntes

doutrinárias que, por sua vez, podem ser aglutinadas em três grandes eixos

de discussão: as absolutamente favoráveis, as favoráveis em determinadas

situações e as não favoráveis à prática do aborto. Os argumentos são os

mais diversos e nem sempre são desvinculados da perspectiva religiosa – a

crença determina, em muitos casos, o posicionamento sobre o aborto. Cada

pessoa apresenta um conjunto de princípios, uma marca de contexto

pessoal e, dessa forma, não é fácil apresentar uma visão que não seja

comprometida com os valores que a compõem.

Varga54 ao tratar do aborto, considera-o como a morte

de vida recém-nascida. Filia-se à teoria de concepção que estabelece que

existe vida humana a partir da união do óvulo com o espermatozóide.

Entende que o feto é uma “pessoa” em desenvolvimento.

53 MEIRELLES, J. M. L. de. Bioética e biodireito. 2001. 54 VARGA, A. C. Bioética e Biodireito. Trad. Pe Guido Edgar Wenzel. São Paulo: Unisinos, 1998, p. 70.

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É claramente contrário ao aborto, uma vez que

considera o feto com características humanas e, assim, a vida presente deve

ser o maior de todos os valores, conforme está claro em seu texto: Depois de ter discutido o problema central do aborto, isto é, a humanidade do feto, deve-se discutir os argumentos que são, geralmente, invocados, para a justificação do aborto. Todos os argumentos comparam o valor da vida humana em desenvolvimento com algum outro valor. O raciocínio é o seguinte: no caso de valores morais conflitantes, quando apenas um valor pode ser respeitado, que a escolha lógica e moral seja em favor do valor maior.55

O autor continua o raciocínio com argumentos bastante

conhecidos por desprezarem, inclusive, a saúde física e psíquica da mulher

para que se proteja o feto, sendo que este, por não ser uma vida autônoma,

ainda depende da mãe para manter-se. Despreza o sofrimento causado à

mulher, pois ela tem este grande mérito, qual seja o de gerar uma nova vida,

independente do que possa com ela acontecer:

Não se pretende afirmar, que há casos em que a saúde da mãe não sofra por causa da gravidez ou que esta saúde não seja um grande valor, mas deve-se manter o princípio de que a vida do feto é um valor maior do que a saúde e que os remédios poderão ser aplicados para curar a doença da mãe, em vez de provocar um aborto.56

Esse autor coloca o valor da vida do feto acima de

todos os demais valores que podem concorrer quando o tema é o aborto. A

mulher é considerada como um casulo que serve para abrigar o feto, tanto

que, quando é preciso escolher entre a vida da mãe ou do feto, a vida da

mãe pode prevalecer, em caso de risco dessa vida. Em qualquer outra

situação, a vontade, a escolha, a liberdade, a autonomia da mulher, não

serão consideradas de forma alguma.

55 VARGA, A. C. Bioética e Biodireito. p.70. 56 JUNGES, J R Bioética e Biodireito. Trad. Pe Guido Edgar Wenzel. São Paulo: Unisinos, 19998, p.70.

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Mesmo em caso de estupro, o autor se posiciona

contrariamente ao aborto, com o argumento de que o feto não é o agressor

e, por isso, não pode ser punido. Mas salienta que a mulher que teve o bebê

nessa situação deve ter ajuda religiosa, psicológica, porém, em hipótese

alguma, pode optar pela realização do aborto. E salienta que a sociedade

está empenhada tanto em adotar bebês que tenham mães vítimas de

estupro, como também em auxiliar essas mulheres.

Esse empenho não pode ser considerado no nosso

país, uma vez que se sabe que a adoção não é uma prática comum a ponto

de solucionar os problemas dos “órfãos”, e, principalmente, a prática da

adoção não tem o condão de fazer com que uma mulher vítima de estupro

se disponha a gerar uma vida, dependente dela por nove meses, quando

essa vida foi resultado de uma violência sexual. Essa decisão cabe a cada

mulher, por isso é preciso ser minimamente sensível para entender que o

fruto de uma violência não será bem-vindo, em grande parte dos casos.

Junges57, ao escrever sobre bioética, detalha várias

discussões acerca do aborto, mostrando argumentos dos defensores dessa

prática e contrários a ela. Mas defende a vida do embrião em qualquer

estágio e apresenta, como uma solução ética, desestimular a prática do

aborto.

57 JUNGES, J R. Bioética: perspectivas e desafios. São Leopoldo: Unisinos, 1999, p. 136.

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Apesar de entender que a mulher é a peça central

dessa discussão – que envolve questões contra a mulher, além da

discriminação e da violência, mesmo legal –, para esse autor a

autodeterminação da mulher não pode ser considerada com maior valor do

que o direito à vida do embrião, assim, defende a vida do feto em detrimento

da escolha da mulher, conforme deixa claro:

Em todo aborto existe um conflito de direitos: no aborto terapêutico, entre o direito à vida da mulher e o direito à vida do feto, mas, em todo os outros casos, é um conflito entre o direito de autodeterminação da mulher e o direito à vida do feto. Neste segundo caso, o direito à vida prevalece sobre o direito à autodeterminação, porque é um direito mais fundamental na hierarquia de bens essenciais do ser humano.58

A preocupação que se evidencia nos textos que tratam

do aborto é a do estabelecimento de um limite temporal para a sua

realização, uma vez que, dependendo do período da gestação, há risco para

a vida da mulher. Nas legislações que consideram o abortamento possível

de ser efetuado por razões como o prejuízo para a saúde física e psíquica

da mulher ou de ser o feto portador de grave anomalia que impossibilite sua

vida, o prazo deve ser de até três meses do início da gestação, sendo que

nesse período a possibilidade de risco para a saúde da mulher é menor e a

intervenção pode ser melhor suportada.

58 JUNGES, J R. Bioética: perspectivas e desafios. 1999, p. 136.

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A partir do primeiro trimestre de gestação, o risco para

a saúde da mulher aumenta, podendo gerar graves complicações.

Independentemente do prazo, a mulher sempre deverá consentir no aborto,

e o processo de abortamento deve ser realizado por médico competente

para tanto.

Nas suas reivindicações, as feministas do Rio de Janeiro lutavam pela descriminalização do aborto até as primeiras doze semanas de gestação e orientação para que o mesmo não fosse compreendido como método contraceptivo.59

Vieira60 cita Englert, que estabelece uma diferença

entre a ética e o direito: “sendo que este se aplica uniformemente a todos; e

aquela pode variar em função das comunidades filosóficas onde ela se

exerce”.

Clotet61 afirma que a Bioética é uma resposta da ética

às questões apresentadas pelo desenvolvimento científico tecnológico nas

áreas das ciências, em especial nas ciências biomédicas, tratando de

questões tais como clonagem, aborto, eutanásia, transplantes,

biossegurança, entre outras. E, ainda destaca o papel crítico da Bioética

enquanto reflexão sobre o uso conveniente dos poderes da medicina

referentes à vida, morte e saúde da espécie humana.

59 BARSTED, L.L. Legalização e descriminalização do aborto no Brasil: 10 anos de luta feminista. Revista Estudos Feministas, Rio de Janeiro, n.0. 1992, p. 116. 60 VIEIRA, T. R. Bioética e Direito. 2003. 61 CLOTET, J. Bioética, uma Aproximação. Porto Alegre: EDIPUCRS. 2003.

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Para Barbosa e Berretto:

O vocábulo Bioética passa a indicar, portanto, um conjunto de pesquisas e práticas pluridisciplinares tendentes a solucionar questões éticas que o avanço das tecnociências biomédicas tem provocado. Em tal sentido, o estudo da Bioética ultrapassa a área da Medicina, abrangendo a Psicologia, a Biologia, a Antropologia, a Sociologia, a Ecologia, a Teologia, a Filosofia, dentre tantos outros ramos do conhecimento humano.62

Segundo Alves63, cabe lembrar que o aborto é o

produto das práticas realizadas no abortamento, mas teve seu significado

ligado ao uso comum e ao tipo penal. O aborto pode ser estudado a partir de

vários aspectos, mas é preciso analisá-lo enquanto conduta criminalizada

que apresenta seu conceito primeiramente na Medicina. Assim,

complementa o autor:

Aborto é a interrupção da gestação com a morte do feto acompanhada ou não da expulsão do produto da concepção do útero materno. A gravidez pode ser interrompida e o feto permanecer no claustro materno. Outras vezes, há expulsão do produto da concepção antes de sua viabilidade no mundo exterior. O feto, neste caso, é incapaz de sobrevida extra-uterina. Para a configuração do crime de aborto não é suficiente a simples interrupção da gestação, com a expulsão do feto, pois este pode ser expulso em condições de sobrevida e, em seguida, ser morto por outra ação punível. A morte do feto é pressuposto essencial para a configuração do aborto. Se, em decorrência da ação abortiva praticada pelo sujeito ativo, a gravidez é interrompida, mas o feto sobrevive, haverá tentativa de aborto.64

62 BARRETTO, V. P. As relações da bioética com o biodireito. Temas de biodireito e bioética. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p.87. 63 ALVES, I. F. Crimes Contra a Vida. 1999, p. 196. 64 ALVES, I. F. Crimes Contra a Vida. 1999, p. 196.

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Para o entendimento bioético, o Conselho Federal de

Medicina classifica o aborto em 4 tipos:

1. Interrupção Eugênica da Gestação (IEG): situação

em que a gestação é interrompida por valores

racistas, sexistas, étnicos. Por regra geral, esse tipo

de interrupção é procedido contra a vontade da

gestante, sendo esta obrigada a abortar.

2. Interrupção Terapêutica da Gestação (ITG):

situação em que a gestação é interrompida para

salvar a vida da gestante.

3. Interrupção Seletiva da Gestação (ISG): situação

em que se interrompe a gestação pela constatação

de lesões fetais. Os casos que justificam essa

interrupção são de patologias incompatíveis com a

vida extra-uterina.

4. Interrupção Voluntária da Gestação (IVG): situação

em que o casal ou a gestante não deseja a gravidez,

seja ela fruto de estupro ou de relação consensual.

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Barretto coloca, no parágrafo abaixo citado, de forma

sucinta, todas as questões levantadas neste capítulo, o tratamento dado ao

aborto no Brasil, ainda considerado como crime, a importância da bioética e

a necessidade do biodireito que tenha como função auxiliar no avanço das

ciências biomédicas sem descuidar do cuidado com o ser humano:

O mesmo com relação ao aborto, expressão eloqüente do fracasso da sociedade contemporânea em controlar os nascimentos com meios menos traumáticos. Podemos, então, asseverar que não se pode esperar que o progresso do conhecimento científico traga consigo, somente e necessariamente, benefícios para a pessoa humana, pois o que temos presenciado é exatamente o inverso, quando a ciência e as tecnologias de aliados do ser humano passam a atuar como seus algozes. Por outro lado, a conceituação de Potter de que a bioética tinha por objetivo a utilização das ciências biológicas como meio de melhoria da qualidade de vida, encontra uma certa confirmação, quando verificamos que a descoberta dos microorganismos, das bactérias e das enzimas e suas aplicações terapêuticas e industriais contribuiu para a melhoria das condições de vida da pessoa humana. Entre esses dois pólos, oscilam a ciência e as tecnologias da vida, cabendo à bioética estabelecer os limites racionais para que se possa construir um sistema jurídico, o biodireito, que não seja um empecilho para o progresso do conhecimento e da medicina.65

Faz-se, assim, necessária a construção de um

biodireito que, em conformidade com os princípios fornecidos pela bioética,

possa apresentar soluções para os problemas que envolvem indivíduos e

que precisam ter melhor respaldo do poder judiciário.

65 BARRETTO, V. P. As relações da bioética com o biodireito. In: BARBOZA, H. H. e BARRETTO, V. P. (orgs). Temas de biodireito e bioética. 2001, p. 61.

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CAPÍTULO 3 DELITO DE ABORTO NO DIREITO PENAL BRASILEIRO

Como já mencionado, no Brasil o aborto é considerado

um crime, com duas exceções: quando a gravidez resulta de estupro ou se

colocar em risco a vida da gestante. Nestes dois casos o aborto torna-se

legal, com a condição de ser realizado por um médico.

Segundo Pe. Lodi66, “a criança não pode pagar com a

vida o crime de estupro cometido pelo seu pai”. Ainda a respeito do aborto

por estupro, interessante posição é a seguinte: "Bem, no estupro temos uma

vítima, a mulher, temos um agressor (ou agressores) o estuprador. Porém,

se provocarmos o aborto condenaremos à pena Capital (morte) alguém que

não cometeu crime algum, o feto.”.

Pedroso67 cita que para o crime ser configurado e

passível de punição, a gestação deve estar normal, isto é, não patológica.

Cabe ressaltar, ainda, que, além da comprovação da gravidez, esta não

pode ser extra-uterina nem molar.

A gravidez que se interrompe deliberadamente, todavia, há de ser normal, e não patológica, como a extra-uterina ou molar. O feto deve ser um produto fisiológico, e não patológico. Se a gravidez se apresenta como um processo verdadeiramente mórbido, de modo a não permitir sequer uma intervenção cirúrgica que pudesse salvar a vida do feto, não há falar em aborto.

66 CRUZ, L. C. L. A vitória do achismo. Aborto. Faça alguma coisa!, Anápolis, n. 3, p. 2. 21 jul. 1996. 67 PEDROSO, F. A. Homicídio, Participação em Suicídio, Infanticídio e Aborto. Rio de Janeiro: Aide, 1995 p. 259.

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No aborto o bem jurídico tutelado é a vida, assim, com

a tipificação ou criminalização do aborto o legislador procurou defender e

salvaguardar o direito de sobrevida do nascituro em iminente formação, que

segundo o entendimento doutrinário - seria o produto da concepção, seja ele

ovo, feto ou embrião.

No entendimento de Prado68:

Bem jurídico: a vida do ser humano em formação e a vida e a incolumidade física e psíquica da mulher grávida. Todavia, apenas é possível vislumbrar a liberdade ou a integridade pessoal como bens jurídicos secundariamente protegidos em se tratando de aborto não-consentido (art. 125, CP) ou qualificado pelo resultado (art.127, CP). Mirabete comenta o conceito de aborto citando os tipos

de aborto conforme o código penal:

O aborto é a interrupção da gravidez com a morte do produto da concepção, que pode ser o ovo, o embrião ou o feto, conforme a fase de sua evolução. Pode ser espontâneo, natural ou provocado, sendo neste último caso criminoso, exceto se praticado em uma das formas do art. 128.69

Calgaro70 cita a classificação do aborto nos três

estágios de início da vida: Aborto ovular: praticado até a oitava semana de gestação; Aborto embrionário: praticado até a décima quinta semana de gestação; Aborto fetal: praticado após a quinta semana de gestação.

68 PRADO, D. O que é Aborto? São Paulo: Brasiliense, 1985. 69 MIRABETE, J. F. Código penal interpretado. 2005, p.968. 70 CALGARO, C. Aborto: enfoque jurídico e social. Vitória: Jus Vigilantibus, 2004.

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Segundo Diniz71, o aborto é tipificado quanto ao

consentimento, sendo: sofrido, não havendo o consentimento da gestante,

consentido, realizado com a anuência da gestante e procurado, sendo a

gestante o agente principal.

O Código Penal prevê, nos artigos 124 a 128, as

diversas hipóteses em que o aborto será punido ou considerado lícito. As

penas variam de detenção de 1 (um) a 3 (três) anos e reclusão de 1 (um) a

10 (dez) anos.

Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento Art. 124. Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque: Pena - detenção, de um a três anos. Aborto provocado por terceiro Art 125. Provocar aborto, sem o consentimento da gestante: Pena - reclusão de três a dez anos. Art 126. Provocar aborto com o consentimento da gestante: Pena - reclusão, de um a quatro anos. Parágrafo único. aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de 14 anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência. Forma qualificada Art 127. As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço se, em conseqüência do aborto, ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte. Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico: Aborto necessário I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante; Aborto no caso de gravidez resultante de estupro II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

71 DINIZ, M. O Estado atual do biodireito, 2002. p. 33

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Partindo, então, da posição conservadora de que o feto

é um ser humano, o legislador brasileiro respeitou principalmente a

Constituição Federal, que assegura em seu art. 5o, o direito a vida para

todos; o Código Civil, que põe a salvo, desde a concepção os direitos do

nascituro; e, ainda, o estatuto da criança e do adolescente (que em seu art.

7o diz que toda criança tem direito a vida mediante a efetivação de políticas

social-públicas que permitam o nascimento).

Assim, a legislação pátria renega a premissa abortista

de que a mulher tem o direito de dispor do próprio corpo. Considera inegável

a liberdade, assegurando-a na própria Constituição, mas esta não diz

respeito ao feto, porquanto não é corpo da gestante, apêndice, órgão, mas

um sistema independente, todavia, não autônomo que, por força da

natureza, utiliza-se do útero da mãe temporariamente, para se aperfeiçoar.

Além disso, há quem afirme que se fosse permitida a

prática do aborto, estar-se-ia contrariando ainda o princípio de igualdade

entre os indivíduos, presente na CF de 1988:

"Art. 5o - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade".

O texto constitucional não se reporta à expressão do

antigo Código Civil de 1916, em seu art. 4º, segunda parte, que se refere ao

fato de a lei colocar a salvo “desde a concepção os direitos do nascituro”. Da

mesma maneira se refere o Novo Código Civil, em seu art. 2º, segunda

parte, dizendo: Art. 2º - A personalidade civil da pessoa começa do

nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos

do nascituro.72

72 CAHALI, Y. S. Código Civil, Código de Processo Civil e Constituição Federal. São Paulo: RT, 2004.

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3.1 ESPÉCIES DE DELITO DE ABORTO CONFORME O CÓDIGO PENAL BRASILEIRO

Enquadram-se neste subtítulo os casos de aborto

provocado pela própria gestante, o aborto provocado por terceiro com ou

sem o consentimento da gestante. Baseando-se nos artigos 124 a 126 do

Código Penal Brasileiro.

3.1.1 Auto-Aborto

Art. 124 – provocar aborto em si mesma ou consentir

que outrem lho provoque: Pena – detenção de um a três anos.

O art. 124, em sua primeira parte, descreve o chamado

auto-aborto: "provocar aborto em si mesma". Trata-se de um crime especial,

só podendo praticá-lo a mulher gestante. E na segunda parte do artigo é

disciplinado o aborto consentido, em que a agente é incriminada em

consentir que alguém, o provoque. Este que provoca o aborto, responde

pelo crime previsto no art. 126, em que se comina pena mais severa.

O auto-aborto possui duas modalidades:

• Provocar o aborto em si mesma (1ª parte). Onde é

a própria gestante que pratica as manobras abortivas, quer por meios

mecânicos, quer ingerindo medicamentos com essa finalidade, sendo, dessa

forma, o sujeito ativo a gestante e o sujeito passivo o feto.

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• Consentir para que terceiro lhe provoque o aborto

(2ª parte). Nessa hipótese, a gestante não pratica em si mesma o aborto,

mas permite que uma terceira pessoa o faça. É o caso comum da gestante

que procura um médico ou uma parteira e pede (e na maioria das vezes até

paga) para que pratiquem o aborto.

Se a gestante presta o consentimento, mas a manobra

abortiva não chega a ser iniciada, ainda que por circunstância alheias à sua

vontade, não há tentativa de aborto, pois não se iniciou o processo de

execução, havendo mero ato preparatório.

Se, entretanto, já havia se iniciado o ato abortivo que

vem a ser interrompido e o feto não morre, haverá tentativa.

Mirabete73 cita a jurisprudência referente à participação

de terceiro no crime do art. 124 do CP:

TJSP: “quem apenas auxilia a gestante, induzindo, indicando, instigando, acompanhando e pagando seu aborto, será co-partícipi do delito previsto no art. 124, e não no art. 126, do CP de 1940. A co-autoria neste dispositivo deve ser reservada apenas a quem eventualmente auxilie o autor da execução do material do delito, vale dizer, enfermeira, anestesista, etc” 74 TJSP: “se o auxílio foi prestado pela acusada à gestante, e não à abortadeira, o concurso se verifica relativamente ao delito capitulado no art. 124, do CP de 1940” 75 No mesmo sentido, TJSP: RT 438/328, 595/347, RTJESP 28/283, 133/367.

73 MIRABETE, J. F. Código penal interpretado. 2005, p.969. 74 RT 598/299. 75 RT 598/315-6.

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O autor comenta a jurisprudência afirmando ser uma

conduta típica provocar o aborto, por qualquer meio, ou seja, qualquer ato

que possa produzir, promover, causar, originar o aborto, interrompendo a

gravidez com a morte do produto da concepção, que pode ocorrer no útero

ou fora dele. Admitindo-se a prática do crime por meios químicos, físicos,

mecânicos e elétricos, e até por omissão.

O auto-aborto e o aborto consentido exigem o dolo,

ainda que eventual. Como refere-se a jurisprudência:

Existência do dolo – TJSP: “Aborto. Caracterização. Ingestão de comprimidos de Cytotec, de propriedades abortivas. Ignorância da gravidez alegada. Existência, contudo, de circunstâncias que evidenciam o dolo. Pronúncia decretada. Recurso provido.” 76

Para Salles Jr.77, essa modalidade de aborto “trata-se

do aborto praticado pela própria gestante, admitindo-se a figura da co-

participação, nos termos do artigo 29 do CP”.

Ambas as hipóteses do art. 124 – auto-aborto e

consentimento para aborto – são consideradas crimes próprios, já que nelas

o sujeito ativo é a gestante. São, também, crimes de mão própria, uma vez

que não admitem co-autoria, mas apenas participação.

76 JTJ 176/305. 77 SALLES Jr., R. A. Curso Completo de Direito Penal. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 1999.p. 9.

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3.1.2 Aborto Provocado Por Terceiro

É considerado crime praticado por terceiros, será

qualificado, com ou sem o consentimento da gestante, de duas formas. A

primeira quando do aborto ou de seus meios empregados surgirem na

gestante, lesões corporais de natureza grave, nesse caso a pena será

aumentada em um terço. E, no segundo caso quando em razão das mesmas

causas a gestante morrer, aqui a pena será duplicada. Aplicam-se os

dispositivos referentes às formas qualificadas apenas aos autores desses

crimes previstos nos artigos 125 e 126 do Código Penal, excluída a

gestante. Não responderá, também, pela qualificadora o partícipe quando

lhe for imputado o crime previsto no artigo 124.

Art. 125 – Provocar aborto, sem o consentimento da

gestante:

Pena – reclusão de três a dez anos.

Mirabete78 cita que neste caso o aborto é praticado

com violência ou ameaça, nada impedindo também a fraude. Existe a

possibilidade do crime ser cometido por omissão, quando a gestante tem o

dever jurídico de impedir o resultado (art. 12, § 2º). Caso o agente pratique o

crime em gestante menor de 14 anos, ou se esta é alienado ou débil mental,

ou, ainda, se há consentimento, mas obtido mediante fraude, grave ameaça

ou violência, também responde como incurso no art. 125.

78 MIRABETE, J. F. Código Penal Interpretado. 2005, p. 974.

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O autor, para um melhor entendimento, cita a

jurisprudência:

Existência da prova de aborto provocado – TJSP: “Demonstrada a gravidez precedente e positivado que a morte da vítima se verificou em virtude das manobras abortivas nela praticadas pelo réu, configurado está o delito do art. 125 do Código Penal” (RT 504/326-7).79

A não concordância da gestante para o aborto pode ser

diferenciada. Segundo Damásio80, pode-se dizer que “é real quando há

emprego de violência física, grave ameaça ou fraude” e “É presumida

quando a gestante não é maior de 14 anos, alienada ou débil mental”.

No aborto provocado por terceiro é necessário se ater

ao fato do dissentimento da ofendida, que poderá ser real ou presumida. O

primeiro ocorre quando o sujeito emprega violência, fraude ou grave

ameaça, enquanto no segundo, quando a vitima é menor de quatorze anos,

alienada ou débil mental, e nessa ultima hipótese a conduta se enquadrará

na descrita no art. 126 do citado código.

Art. 126. Provocar aborto com o consentimento da

gestante:

Pena - reclusão, de um a quatro anos.

Também conhecido como aborto consensual, conforme

art. 126 CP, o mesmo ocorre com o consentimento da gestante. O

consentimento pode ser tácito ou expresso, devendo existir desde o início da

conduta até a consumação do crime.

79 MIRABETE, J. F. Código Penal Interpretado. 2005. p. 974. 80 JESUS, D. E. Direito penal. 1999. p. 121.

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É executado por terceiro com a anuência da gestante.

Esta coopera, não apenas consentido, mas também posicionando

fisicamente. A gestante responde, nessa hipótese, por aborto,

compreendendo sua atuação simplesmente em consistir. O terceiro terá

participação em termos de execução material, estando incursos no artigo

126, enquanto a gestante responderá nos termos do artigo 124, segunda

parte do Código Penal.

Mirabete81 discorre que é indispensável para a

caracterização desse crime o consentimento livre da gestante, caso contrário

ocorrerá o ilícito previsto no art. 125.

O autor complementa que o consentimento pode ser

expresso ou tácito, devendo existir desde o início da conduta até a

consumação do delito.

O erro do agente, supondo equivocadamente que há consentimento da gestante, quando isso não ocorre, deve ser responsabilizado pelo crime previsto no art. 126 e não pelo art. 125. Absolvendo a gestante da prática do crime previsto no art. 124 por qualquer causa de exclusão da ilicitude, não há crime a ser punido, o que aproveita o acusado de provocação do aborto.

Para Salles Jr., nesse caso de aborto a gestante estará

incursa no art. 124, 2ª parte. Salientando que “Inexistirá consentimento se a

gestante for alienada ou débil mental, não maior de 14 anos, ou o seu

consentimento for obtido mediante violência, grave ameaça ou fraude”82.

Portanto, para se configurar esse delito deve-se levar

em conta a capacidade de consentimento da gestante, caso a gestante seja

induzida de alguma forma a cometer esse delito.

81 MIRABETE, J. F. Código Penal Interpretado. 2005, p. 977. 82 SALLES Jr, R. A. Curso Completo de Direito Penal. 1999, p. 187.

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3.2 DOS SUJEITOS DO CRIME DE ABORTO

No Código Penal Brasileiro, o aborto está inserido no

título "Dos crimes contra a pessoa" e no capítulo "Dos crimes contra a vida".

O objeto jurídico tutelado é a vida do feto. Trata-se de crime material, vez

que as figuras típicas descrevem a conduta de provocar e o resultado, que é

a morte do feto, exigindo para tal este resultado.

O sujeito ativo no artigo 124 do Código Penal é a

gestante, tratando-se de crime próprio, e nos demais dispositivos qualquer

pessoa pode ser sujeito ativo.

Há divergência com relação ao sujeito passivo, para

alguns seria o feto, ou seja, o produto da concepção, e para outros é o

Estado ou a comunidade social, ou também a gestante nos casos de aborto

provocado sem o seu consentimento. É necessário que o agente queira o

resultado morte ou assuma o risco de produzi-lo, ou seja, é um crime de

natureza doloso.

A consumação se caracteriza com a interrupção da

gravidez e a morte do feto.

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3.2.1 Sujeito Ativo

Conforme a 1ª parte do art. 124 do CP, no crime de

auto-aborto, o sujeito ativo é a própria mulher grávida.

Na 2ª parte do art. 124, e no art. 126, no caso de

aborto praticado com o consentimento da gestante, o sujeito ativo é qualquer

pessoa tendo a própria gestante como participe.

Nada impede a co-autoria ou participação de terceiros

que atuarem em favor do agente. A gestante, e os que colaboraram com

esta, porem, respondem pelo crime previsto no art. 124, com pena menos

severa.83

Conforme cita Mirabete84, sendo o aborto praticado por

terceiro, sem o consentimento da gestante, o sujeito ativo no crime é

qualquer pessoa.

O sujeito ativo tanto pode ser a gestante, como

qualquer pessoa, em regra parteira ou médico. A gestante é o sujeito ativo

do crime de aborto provocado e do aborto consentido, isto é, quando

provoca em si mesma o aborto ou quando consente que lhe provoquem. São

as duas formas previstas no 124. O terceiro provocador é o sujeito ativo do

aborto sofrido, como do consentido. (art. 125 e 126). A diferença neste

último caso, está em que a gestante será punida em conformidade com o

disposto no art. 124, enquanto que o provocador sofrerá aperta do art. 126.

83 MIRABETE, J. F. Código Penal Interpretado. 2005, p. 974. 84 MIRABETE, J. F. Código Penal Interpretado. 2005, p. 974.

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O terceiro provocador é o sujeito ativo do aborto sofrido

e também do consentido, consoante dispõem os artigos 125 e 126 do CP. A

diferença, neste último caso, está em que a gestante será punida em

conformidade com o disposto no art. 124, detenção de um a três anos,

enquanto que o provocador sofrerá a pena do art. 126, reclusão de um a

quatro anos. Se o sujeito ativo for médico ou parteira, sofrerá também a

pena acessória prevista no art. 69, parágrafo único do CP. É evidente que se

houver instigação ou auxílio, o terceiro, instigador ou auxiliador, será co-

partícipe e responderá tendo em vista o art. 29 do CP, nas penas do art.

124, se tratar de auto-aborto, e nas penas do art. 126, se tratar de aborto

provocado.

Para Silveira,85 "ainda que a gestante participe da ação

provocatória do aborto, em colaboração com o terceiro, o crime será sempre

o mesmo, não se alterando a situação."

4.2.2 Sujeito Passivo

Entende-se que poderá ser sujeito passivo no crime de

aborto, em todos os casos previstos pelo Código Penal, o produto da

concepção, ou seja, o "ser" que está para nascer. Como também, no caso

de resultar lesão grave ou a morte da gestante, esta ser sujeito passivo do

crime de aborto, não importando se o produto da concepção é viável ou não.

Os autores juristas citam que o sujeito passivo do crime

de aborto poderá ser, além do feto e da gestante, o Estado ou a comunidade

nacional.

85 SILVEIRA, E. C. Direito Penal – Crimes contra a Pessoa. São Paulo: RT, 1973.

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No caso de auto-aborto ou aborto consentido,

Mirabete86, cita como sujeito passivo o Estado, que está interessado no

nascimento, e não o feto, ou seja, o produto da concepção, que não é titular

de bens jurídicos.

O feto é o objeto material do crime, sobre o qual recai a

ação. Sujeito passivo é o Estado. No aborto sem o consentimento da

gestante, também ela será sujeito passivo do delito.

Fragoso e Mirabete87 afirmam que o sujeito passivo é o

feto, no caso de auto-aborto, e argumentam que o feto não pode ser vítima

de nenhuma das modalidades de aborto criminoso. Alegam esses autores

que o feto não é titular de direitos (salvo aqueles expressamente

mencionados na lei civil) e, por tal razão, o sujeito passivo seria o Estado.

Sendo o aborto provocado por terceiro sem o

consentimento da gestante, Mirabete88, coloca que o sujeito passivo é a

gestante, bem como o Estado, quem tem interesse não só na integridade

corporal da mulher, como também no nascimento.

O feto será objeto material do crime de aborto somente

com a comprovação da morte do mesmo, onde haverá a consumação do

delito. Neste sentido: Sendo o feto humano vivo, em qualquer momento de sua evolução até o início do parto, o objeto material do crime de aborto, somente com a sua morte é que se consuma o delito.

86 MIRABETE, J. F. Código Penal Interpretado. 2005, p. 968 e 977. 87 FRAGOSO, H. C. Lições de Direito Penal: parte especial, v.1. Rio de Janeiro: Forense, 1988. MIRABETE, J. F. Manual de Direito Penal. Parte especial. 13 ed. São Paulo: Atlas, 1997. 88 MIRABETE, J. F. Código Penal Interpretado. 2005, p. 974.

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Em conformidade com o assunto ora pesquisado, os

ensinamentos abaixo transcritos:

No aborto provocado, ou provocado pela própria gestante (auto-aborto), assim como no consentido (art. 124 e 126), o sujeito passivo é o produto da concepção, não se distinguindo entre óvulo fecundado, embrião ou feto. É, em suma, o nascituro, o ente que está para nascer. No aborto sofrido (art. 125 e 126, § único) e no consentido provocado por terceiro (art. 126, caput), também a gestante é sujeito passivo se lhe resulta lesão grave ou morte. Pouco importa que o produto da concepção seja viável ou não, pois o objeto jurídico do crime é a vida endo-uterina, e não a vitalidade, ou a capacidade de alcançar a maturidade.

Conclui-se, portanto, que poderá haver no máximo três

sujeitos passivos no crime de aborto. O produto da concepção, a gestante e

o Estado.

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CAPÍTULO 4 MODALIDADES DE ABORTO AUTORIZADAS

A prática do abortamento é punida penalmente por ser

considerada uma espécie de homicídio, sendo excluídas da punibilidade

legal apenas duas hipóteses previstas no artigo 128 do Código Penal, são

elas: o aborto necessário (não havendo outro meio de salvar a vida da

gestante) e o aborto emocional ou ético em caso de gravidez resultante de

estupro.

Art 128. Não se pune o aborto praticado por médico Aborto necessário: I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante; Aborto no caso de gravidez resultante de estupro II - se a gravidez resultou de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.89

Existe permissão legal para a realização do

abortamento, se a gravidez representar perigo de vida para a gestante, ou

se for resultante de um estupro, conforme o artigo 128, I e II.

89 BRASIL. Código Penal. 2003.

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A respeito da utilização da expressão "aborto legal"

para designar o consentimento do aborto em caso de estupro, há uma

contestação por parte do Pe. Luís Carlos Lodi 90 Frisa ele que não existe

aborto legal, pois não há direito algum de a mulher fazer o aborto neste

caso, mas uma suspensão da pena por razões de política criminal. Assim,

considera, mesmo neste caso, um crime, só que não punível. Segundo ele,

se o aborto não punível fosse um direito, estaria ferindo a Constituição

Federal91 bem como o art. 5o em seu inciso XLV da mesma que diz:

"Nenhuma pena passará da pessoa do condenado".

A lei não exige a autorização judicial para a prática do

aborto sentimental.92 Justificada “a credulidade do médico, nenhuma culpa

terá este, no caso de verificar-se, posteriormente, a inverdade da alegação.

Somente a gestante, em tal caso, responderá criminalmente”93.

Segundo Belo94, existe permissão legal para a

realização do abortamento, se a gravidez representar perigo de vida para a

gestante, ou se for resultante de um estupro, conforme o artigo 128, I e II.

“Trata-se de política criminal que não exclui o crime (a tipicidade e a ilicitude

continuam) e nem a culpabilidade (há o juízo de censura). Só a pena é

excluída”

Belo95 afirma que o inciso que possibilita a interrupção

da gravidez ao mesmo tempo coloca vários obstáculos para sua efetiva

90 CRUZ, L. C. L. A vitória do achismo. Aborto. Faça alguma coisa!, Anápolis, n. 3, p. 2. 21 jul. 1996. 91 Artigo 5o caput. 92 Artigo 128, inciso II, do Código Penal. 93 HUNGRIA, N. Comentários ao Código Penal. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1953, v. 5, p. 300. 94 BELO, W. R. Aborto: Considerações Jurídicas e Aspectos Correlatos. Belo Horizonte: Del Rey, 1999, p.255. 95 BELO, W. R. Aborto: Considerações Jurídicas e Aspectos Correlatos. 1999, p.80.

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realização, pois requer, em primeiro lugar, um diagnóstico firmado por três

médicos. Somente após esse relatório é que, em havendo o consentimento

da mãe, ou no caso de ela estar impossibilitada de consentir, a anuência de

seu cônjuge ou companheiro, poderá ser realizado o aborto.

O que se pretende é a possibilidade que a mãe, sabedora que seu filho está sendo gerado com malformação genética grave, irreversível, inevitável e incompatível com a vida pratique o ato de paralisar uma gravidez sem lógica, onde o futuro se resume a uma gestação desprovida de sua finalidade: gerar uma vida.

Predroso96, sita que no Título I dos crimes contra a

pessoa, Capítulo I dos crimes contra a vida, o aborto:

(...) pressupõe, como elementos estruturais indeclináveis, já que atinge a vida intra-uterina, a existência de um processo de gestação em curso, interrompido pela conduta humana com a eliminação da vida e do produto da concepção. Por conseguinte, pode-se definir o aborto como a interrupção dolosa (pois a culpa não é punível) de uma gravidez, com a conseqüente morte do produto da concepção.

O autor continua, “para a configuração desse delito são

necessários três elementos: a certeza de um processo de gestação, o dolo e

a morte do produto da concepção”.

A objetividade jurídica é a vida do feto. Portanto, não é

considerado crime se o feto já estiver morto por causa natural e o médico

efetuar apenas a retirada, pois o que se pune no crime de aborto é a

conduta de tirar a vida do feto.

96 PEDROSO, F. A. Homicídio, Participação em Suicídio, Infanticídio e Aborto. 1995, p.255.

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Também não há crime se o feto estiver morto e o

agente, sem saber disso, pratica uma manobra abortiva. Tem-se, nessa

hipótese crime impossível por absoluta impropriedade do objeto. Outro caso

seria se o meio utilizado pelo agente não pode provocar o aborto, como no

caso da ingestão de medicamentos que não podem provocar a morte do

feto, ou na realização de rezas ou simpatias para provocar o aborto. Nessas

hipóteses também torna o crime impossível, mas agora por absoluta

ineficácia do meio.

Bruno97 discorre:

No que atine, entretanto, como os meios uso exemplificado, de conotação psicológica (feitiçaria, rezas e despachos), há mister assinalar-se que podem haver casos onde tamanha é a fé da gestante ou tão forte o choque emocional nela determinado por essas práticas que haja o risco de provocação do aborto ou que este mesmo se consume, corporificando-se meios psíquicos ou morais revestidos de idoneidade.

O aborto terapêutico também é legalmente permitido,

mas o progresso da ciência tende a diminuir os casos em que se

considerará a prática abortiva como de salvamento de vida ou da integridade

física da gestante. Inúmeras complicações vão sendo afastadas pelos

métodos da medicina moderna, sem maiores agravamentos à interessada e

ao nascituro.

97 BRUNO, A. Direito Penal: parte geral. Rio de Janeiro: Editora Nacional de Direito Ltda, 1956, p. 401.

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O aborto cometido em defesa da honra da gestante

(aborto por estupro) é plenamente justificável, segundo os legisladores

pátrios. No aparente conflito de direitos de personalidade, tem-se o direito ao

uso do corpo da gestante violado, bem como seu direito à honra e à

integridade física e psíquica, em contraste com o direito à vida do nascituro.

Assim, o constrangimento físico, a tortura psíquica, o vexame social ao qual

se submeteu a vítima significam a redução de sua dignidade, dever

constitucional do Estado para com ela.

4.1 ABORTO NECESSÁRIO OU TERAPÊUTICO

Quando se fala de aborto necessário, deve-se ter em

mente que é o tipo de aborto permitido por lei com o intuito de possibilitar o

médico provocar o aborto, sendo este o único meio possível para se salvar a

vida da gestante. Importante salientar que só poderá ser realizado por

médico.

O aborto terapêutico é também chamado “aborto

necessário” e praticado quando a vida da mãe corre perigo.

Para evitar qualquer dificuldade, deixou o legislador

consignado expressamente a possibilidade de o médico provocar o aborto

se verificar ser esse o único meio de salvar a vida da gestante. No caso não

é necessário que o perigo seja atual, bastando à certeza que o

desenvolvimento da gravidez poderá provocar a morte da gestante.

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Barros98 mostra as diferenças existentes entre o aborto

necessário e o estado de necessidade, uma vez que não se pode punir

nenhum dos dois casos, quando comprovadas as circunstâncias que

excluem a ilicitude. Da leitura se pode inferir que o autor admite a realização

do abortamento no momento em que for diagnosticado que a continuação da

gravidez coloca em risco a vida da mulher. Com efeito, no aborto necessário basta um prognóstico seguro de que a evolução da gravidez trará grave risco de morte, não se exigindo o perigo atual ou iminente. No estado de necessidade, ao inverso, torna-se imprescindível o perigo atual ou iminente à vida da gestante. Outras diferenças ainda podem ser apontadas: o aborto necessário só pode ser executado por médico, ao passo que o estado de necessidade pode ser invocado por qualquer pessoa. No aborto necessário, o médico é obrigado a optar pela vida da gestante, não podendo sacrificá-la para salvar o feto, quando apenas um dos dois pode ser salvo. No estado de necessidade, torna-se legítima a morte da gestante para salvar a vida do feto.

Branco e Stoco99 citam que “O aborto necessário é

restrito ao perigo de vida, inevitável por outro meio, não compreendendo o

perigo para a saúde".

Para Costa Jr.100, o aborto necessário é aquele em que

não há outro meio de salvar a vida da gestante. Justifica-se, assim, face ao

estado de necessidade.

98 BARROS , 1997, p. 79 99 BRANCO, A. S.; STOCO, R. Código penal e sua interpretação jurisprudencial (parte especial). 6 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p.2126. 100 COSTA JR., P. J., Aborto: Eugênico ou Necessário? Professor e Advogado em São Paulo.

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O autor discorre ainda, “Em relação ao aborto

necessário, é de se ponderar que, mesmo suprimida a excludente específica

constante do tipo penal, a hipótese estaria acobertada pelo estado de

necessidade, que se aplica a todo e qualquer crime”.

Neste sentido, faze-se questão de transcrever logo

abaixo uma sentença da Comarca de Campinas. Comarca de Campinas

Vara do Júri Processo n° 000/99 De tal contexto probatório, resulta clara a existência de qualquer justificativa a que se obrigue a apelante a levar a termo uma gravidez que é absolutamente inviável a sobrevivência do nascituro, em detrimento de sua sanidade psicológica, e até mesmo física, sendo certa a inexistência de vida humana na espécie, eis que se está diante de um ser que somente apresenta outros sinais de vitais por sugar as energias e substâncias do corpo materno, e nada mais. 101

Referem-se ao aborto terapêutico os autores Pessini e

Barchifontaine102, como sendo a tendência médica, legal e internacional de

alegar o conceito de abortamento terapêutico à preservação da saúde

mental da mãe.

Por tanto, o aborto terapêutico é legalmente permitido,

mas o progresso da ciência tende a diminuir os casos em que se

considerará a prática abortiva como de salvamento de vida ou da integridade

física da gestante. Inúmeras complicações vão sendo afastadas pelos

métodos da medicina moderna, sem maiores agravamentos à interessada e

ao nascituro.

101 Tribunal de Alçada de Minas Gerais, ap. n° 219.008-9; por v.u. foi dado provimento ao apelo da interessada e AUTORIZADA a interrupção da gravidez, 18. 06. 96. 102 PESSINI, L.; BERCHIFONTAINE, C. P. Problemas Atuais de Bioética. 2000.

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A gravidez resultante de estupro se enquadra na

categoria de aborto terapêutico e também na de aborto eugênico. Costuma-

se classificar esse tipo de gravidez na categoria de aborto terapêutico uma

vez que, como decorrência de forte abalo psíquico produzido pelo estupro, a

gestante tem sua saúde mental abalada. Mas, enquadra-se também na

categoria de aborto eugênico, porque quando não se conhece a saúde

mental e física do estuprador, pode haver possibilidade dele ser portador de

fatores hereditários patógenos ou doenças adquiridas que podem ser

transmitidas ao feto.

4.2. ABORTO SENTIMENTAL OU EUGÊNICO

Permite-se a realização de aborto no caso de gravidez

resultante de estupro, previsto no artigo 123 do Código Penal, referentes aos

crimes praticados contra a liberdade sexual. “Estupro Art. 123 - Constranger

mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça".

Na mira dos defensores da legalização do aborto, está

o do feto gerado por estupro, que já possui amparo legal por meio de várias

jurisprudências.

Classifica-se os estupros em três tipos:

1. O inevitável: Muitos estupros são extremamente

violentos, comprovados e inevitáveis, como no caso

de arrombamento e invasão de domicílios, violação

de privacidade, violentação da dona de casa e, em

muitos casos, de suas filhas. Este é um estupro

tremendamente doloroso e com imensuráveis efeitos

psicológicos e morais sobre as vítimas. A gravidez

resultante de semelhante estupro é traumatizante e

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quase insuportável. O estupro por dominação

psicológica ou física: abuso de autoridade. Há pais,

tios e padrastos que, valendo-se da autoridade e da

intimidade, estupram menores da família por

dominação ou por sedução, levando-as à concepção.

Nestes casos, o mal psicológico pode ser menor,

mas o moral é muito maior.

2. O evitável ou induzido: Muitas vezes a mulher

comete imprudência, andando sozinha em lugares

ermos, escuros e em horas noturnas avançadas. A

falta de cautela confere à estuprada uma parcela de

culpa por não ter evitado o evitável.

3. Em conseqüência de sedução: O homem é

visualmente seduzível; e a mulher sabe disso. Não

podendo conquistar, muitos se descontrolam e

atacam-na. Há indumentárias sexualmente

excitantes e não excitantes. Mulheres com hábitos

religiosos ou com uniformes militares normalmente

não excitam o homem.

Os estupros alegados, mas não testemunhados nem

cientificamente comprovados, não são passíveis de alegação jurídica para

efeito de aborto ou de imputação de crime.

E a este tipo de aborto dá-se o nome de aborto

sentimental, eugênico, ético ou ainda humanitário. O aborto sentimental é

aquele que pode ser praticado por ter a gravidez sido resultado de estupro.

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Esta modalidade de aborto deverá de ser realizada por

médico e com o consentimento expresso da gestante. Justifica-se

plenamente o aborto em tais circunstâncias, desde que praticado por

médico, com o consentimento da gestante ou de seu representante legal,

tendo-se em vista a violência e a estupidez da fecundação. O estupro é em

regra obra de um anormal sexual, cuja reprodução altamente indesejável.

Conforme Hungria103:

Para sua própria segurança, o médico deverá obter o consentimento da gestante ou de seu representante legal, por escrito ou perante testemunhas idôneas. Se existir, em andamento, processo criminal contra o estuprador, seria mesmo de bom aviso que fossem consultados o juiz e o representante do Ministério Público, cuja aprovação não deveria ser recusada, desde que houvesse indícios suficientes para a prisão preventiva do acusado.

Ainda sobre este aspecto, Mirabete104 complementa

que: Muitas vezes a autorização judicial, para o aborto por estupro, erroneamente requerida, e às vezes, concedida, é relevante como causa obstantiva de persecução penal contra o médico e a gestante, no caso de falsidade do estupro, por não concorrer para a formação de coisa julgada.

Costa Jr.105 cita que, “no aborto em caso de gravidez

decorrente de estupro, a excludente da ilicitude decorre da própria violência

sexual praticada contra a mulher, da qual resultou a gravidez indesejada”.

Nesse caso, a gravidez é conseqüência de um crime.

103 HUNGRIA, N. Comentários ao Código Penal. 5 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978, p. 20. 104 MIRABETE, J. F. Manual de Direito Penal. São Paulo: Atlas, 1998, p. 100. 105 COSTA JR, P. J. Curso de direito penal (parte especial). 2.ed. São Paulo: Saraiva, 1992.

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Há de se levar em consideração que esta norma é

permissiva, e que também há a necessidade de efetiva gravidez resultante

de estupro, o qual deverá ser realizado com consentimento da gestante.

Tem-se entendido que, no caso, há, também, estado

de necessidade ou causa de não-exigibilidade de outra conduta. Justifica-se

a norma permissiva porque a mulher não deve ficar obrigada a cuidar de um

filho resultante de coito violento, não desejado.

Se a gravidez é resultante de estupro, crime previsto no

art. 213 do CP, o aborto só é permitido em face de prévio consentimento da

gestante. É possível, porém, que ela seja menor de 21 anos de idade. Neste

caso, deve estar presente o consentimento de seu representante legal,

requisito também necessário quando se trate de doente mental.

No caso de aborto de estuprada, é Indispensável, in

casu, o consentimento da gestante, ou de seu representante legal, se

incapaz. Necessário ainda que o aborto seja praticado por médico, que

deverá acautelar-se, solicitando o consentimento escrito, com testemunha.

A discussão referente ao aborto legal, quando a

gravidez for decorrente de estupro, leva à preocupação com outros tipos

penais que deveriam ser considerados para que fosse possibilitado à mulher

o aborto legal, como, por exemplo, a sedução. Mesmo que não seja um dos

crimes tipificados que goza de atualidade, a sua argumentação como fato

capaz de autorizar a realização do aborto legal, viabilizaria o abortamento

legal em grande parte dos casos de gravidez na adolescência no Brasil.

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Alves106 cita:

Para nós, a lei é ainda tímida. O aborto deveria ser autorizado legalmente quando a gravidez resultasse de crime. Assim, o aborto poderia ser autorizado não apenas no caso de gravidez resultante de estupro (art. 213, do CP) ou de atentado violento ao pudor (art. 214, do CP), mas também no caso de gravidez resultante de “posse sexual mediante fraude” (art. 215, do CP); “atentado ao pudor mediante fraude” (art. 216, do CP) e até mesmo no caso de “sedução” (art. 217, do CP). A justificativa para a autorização legal do aborto no caso de gravidez resultante de estupro, sedimentado na doutrina penal, serve de alicerce para justificar a realização legal do aborto quando resultar dos crimes acima mencionados.

Pode-se verificar que a legislação brasileira trata o

aborto sentimental (art. 128, II, CP), como uma espécie de aborto legal, ou

mais especificamente, aquele autorizado por lei. A fundamentação para tal

liberalidade decorre da liberdade sexual do indivíduo, garantida pelo

legislador também em outros permissivos legais, como aqueles previstos no

Capítulo I, Título VI, Dos Crimes Contra a Liberdade Sexual, nos artigos 213,

214, 215, 216 do CP.

De certo modo o legislador, preferiu inserir a hipótese

de aborto legal conjuntamente com aqueles delitos contidos no Capítulo I,

Dos crimes contra a vida, juntamente com as outras modalidades de aborto;

embora entendamos que a opção mais acertada seria colocá-lo no capítulo

específico dos crimes contra a liberdade sexual, já que visivelmente procura-

se defender a liberdade do indivíduo de se relacionar sexualmente com

quem de fato seja de sua escolha.

106 ALVES, I. F. Crimes Contra a Vida. Belém: Unama, 1999, p.217.

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Verifica-se que no aborto decorrente de estupro,

inicialmente a intenção do legislador é à proteção à liberdade sexual ou o

livre arbítrio da mulher, e por decorrência de tal fato a eliminação do material

desta relação forçada e indesejada, a qual seria: o concepto.

Todavia, é incontestável, a Constituição Federal e o

Código Penal, tutelam tanto o direito à vida como o direito à liberdade

sexual, ressalvando a superioridade concedida por este último diploma legal

ao direito à liberdade sexual, quanto à exclusão de ilicitude do aborto

precedido de estupro, em detrimento da vida.

Tão logo, pode-se analisar que nesta modalidade de

aborto o direito à liberdade da mulher prevista no Código Penal, interage

com o direito à expectativa de vida do concepto, tutelado na Constituição

Federal. O legislador não verificou tão somente o livre arbítrio da mulher

molestada sexualmente, mas também a sobrevida do concepto, por ser este

oriundo de uma relação odiosa e repudiante.

Aborto sentimental (melhor seria intitulá-lo de aborto

justificado), que é aquele em que a gravidez resulta de estupro. Exige-se,

porém, que: a) seja praticado por médico; b) seja precedido de autorização

da gestante, ou, não sendo ela capaz, ou não podendo autorizar, o seu

representante legal. Com isso, a lei permite que a mulher violentada não se

veja compelida a dar à luz a uma criança que seja fruto de uma relação

forçada.

No entanto, vale verificar até onde vai este direito de

liberdade sexual e a sua consonância com a expectativa de vida.

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Afirma Hungria, sobre o aborto sentimental, que “nada

justifica que se obrigue a mulher estuprada a aceitar uma maternidade

odiosa, que dê vida a um ser que lhe recordará perpetuamente o horrível

episódio da violência sofrida”107. O autor lembra a lição de Binding, segundo

o qual “seria profundamente iníqua a terrível exigência do direito, de que a

mulher suporte o fruto de sua involuntária desonra”.

Assim, verificada a agressão sexual, de imediato deve-

se fazer interagir a tutela Estatal; verificando o real estado da mulher

molestada e o seu desejo de não prosseguir com uma suposta gravidez

indesejada, oriunda de um relacionamento forçado.

Para tanto deve haver um acompanhamento social e

psicológico efetivo, capaz de verificar e acompanhar a futura gestante a uma

decisão desejável, já que a relação sexual assim não foi.

Por sua vez, alguns doutrinadores como Diniz108,

destacam o critério da justiça, fazendo prevalecer diante de um conflito de

normas a superioridade da especialidade do Código Penal frente ao critério

hierárquico da Constituição.

107 HUNGRIA, N. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1958. p. 312. v. 5. 108 DINIZ, D. Aborto seletivo no Brasil e os alvarás judiciais. São Paulo: Infojur, 2000.

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A polêmica sobre o assunto se dá em razão da existência de uma antinomia de segundo grau, ou seja, de um critério hierárquico e o da especialidade, pois, havendo norma superior geral (CF, artigos. 1o, II e III, 4o, II, 5o, caput, XXXIX, XLVII, a e XLV, e 6o) e outra inferior especial (CP, art. 128, I e II), não será possível estabelecer uma meta-regra, preferindo-se o critério hierárquico ao da especialidade, ou vice-versa, sem contrariar a adaptabilidade do direito. Poder-se-á, então, preferir qualquer um dos critérios, não existindo, portanto, prevalência, mesmo porque o da especialidade é a segunda parte do princípio constitucional da isonomia de que deve tratar desigualmente os desiguais, A supremacia do critério da especialidade só se justificaria, a partir do mais alto princípio da justiça: suum cuique tribuere, baseado na interpretação de que “o que é igual deve ser tratado como igual e o que é diferente, de maneira diferente”. Esse princípio serviria numa certa medida para solucionar a antinomia, fazendo prevalecer os comandos contidos no art.128, I e II, do Código Penal.

No entanto, mais do que este debate entre a liberdade

sexual e o direito à vida, estão os valores éticos e morais de justiça que

envolvem o tema, e que devem ser inseridos no ordenamento jurídico

através de normas, respeitando os direitos individuais.

Salles Jr.109 discorre da seguinte forma:

O aborto sentimental é ato que ocorre quando uma mulher que foi estuprada engravida desta violência. Exige-se que haja fecundação oriunda de estupro; o consentimento prévio da gestante para o aborto, o consentimento de ser representante, se ela for incapaz ou menor de 21 anos. Opina-se no sentido de que o aborto será permitido tanto para a gravidez resultante de estupro com violência como para a presumida. Não é exigido autorização judicial para a realização do aborto, cabendo ao médico decidir.

109 SALLES Jr., R. A. Curso Completo de Direito Penal. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 188

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Desta forma, nesta excludente de ilicitude verifica-se a

sua interação entre os princípios Constitucionais, vida, liberdade e dignidade

da pessoa humana, já que o legislador não previu na redação do artigo 128

do CP, tempo para proceder este abortamento.

Destarte, dentro de uma visão do direito natural sob um

ideal de justiça, devemos verificar até onde este aborto seria moral, ou mais

especificamente, em que período pode-se dizer que o cometimento do

aborto precedido de estupro seria aceitável, tendo como orientação os

preceitos constitucionais do direito à vida.

A doutrina não aduz com clarividência o período correto

e sensato para a prática do aborto legal precedido de estupro, havendo

apenas uma orientação da Organização mundial de saúde, para a sua

interrupção até vigésima semana de gravidez ou um feto de até quinhentas

gramas.

No entanto alguns médicos orientam a sua interrupção

até a décima segunda semana de gestação, devido às dificuldades técnicas

e os riscos à vida e a saúde da mãe, após este período.

Todavia, o entendimento de que este abortamento

deverá ocorrer em tempo suficiente para a real prestação Estatal e de todos

os amparos para a vítima deste crime, diminuindo os riscos de vida da

gestante, e não mais prolongando a vida de um ser indesejado. Assim, a

utilização e distribuição de alguns métodos como a pílula do dia seguinte,

que seria um método contraceptivo, poderia resolver a problemática em

questão, deixando de prevalecer em alguns casos um direito de vida do

concepto.

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Conclui-se que nesta modalidade de aborto legal, as

condições de sobrevida do feto são tão pouco aceitáveis como no aborto por

feto inviável decorrente de anomalia fetal. No entanto, neste último caso o

feto não possui probabilidade de vida, enquanto naquele outro, esta é viável

clinicamente, mas não psicologicamente.

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CAPÍTULO 5 NO CASO DO FETO APRESENTAR ANOMALIAS

Alguns doutrinadores defendem, com muita

propriedade a atipicidade do aborto seletivo, ou seja, aquele em que o feto é

portador de anomalia inviável, partindo-se do pressuposto de que o bem

jurídico tutelado pelo direito positivo, a vida intra-uterina, não existiria em

face de não haver expectativa de vida do concepto.

Assim, defende-se que o direito à vida amplamente

difundido em nossa constituição, também tutelado como bem jurídico no

Código Penal, não teria aplicabilidade no aborto seletivo. Preconiza-se que o

bem jurídico vida defendido, sobretudo no delito de aborto, seria na verdade

uma expectativa de direito defendida pelo legislador, assim o feto portador

de anomalia fetal inviável, por não possuir esta expectativa, não teria este

bem jurídico tutelado, não possuindo legitimidade passiva na figura típica do

crime de aborto. Desta forma o aborto seletivo seria um ato atípico, ou seja,

legal, já que para se ter um crime deve-se ter um ato típico e antijurídico.

Nesse mesmo diapasão verifica-se na doutrina de Diniz

e Ribeiro110:

Direito Penal, ao punir o aborto, está, efetivamente, punindo a frustração de uma expectativa, a expectativa potencial de surgimento de uma pessoa. Por essa razão, o crime de aborto é contra uma futura pessoa – nesse ponto reside a sua virtualidade - não porque o Código Penal teria atribuído o status de pessoa ao feto – o que nem o Código Civil atribuiu -, mas porque o feto contém a energia genética potencial para um futuro próximo, constituir uma realidade jurídica distinta de seus pais, o que ocorrerá se for cumprido

110 DINIZ, D; RIBEIRO D. C. Aborto por anomalia fetal. Brasília: Letras livres, 2004.

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o tempo natural de maturação fetal e se o parto ocorrer com sucesso. [...] Isso significa que só a conduta que frustra o surgimento de uma pessoa tipificaria o crime de aborto.[...] Esse feto portador de inviabilidade extraordinária não é sujeito passivo do crime de aborto, pois não apresenta aptidão para atingir o status de pessoa, para ser investido, com o nascimento, dos demais atributos da personalidade.

Verifica-se que este entendimento doutrinário encontra

respaldo e congruência para prosperar, resolvendo a “omissão” na

legislação pertinente.

Outro argumento constitucional defendido por alguns

doutrinadores e que encontra respaldo judicial, baseia-se em alguns

princípios do Estado Democrático de Direito, como o direito à vida e o direito

à liberdade, os quais não podem se opor, em desfavor da saúde psíquica da

gestante. Defendem, Alexandre Moraes e Luiz Regis Prado, que a vida do

feto não estará mais presente após alguns dias do parto, já o dano

psicológico sofrido pela mãe, este poderá se verificar após vários anos de

gestação ilusória.

Nesta mesma égide verifica-se a intenção do legislador

ao defender a saúde psíquica da gestante como uma excludente da ilicitude

prevista no Código Penal, nos casos de aborto precedido de estupro111.

Deste modo, não haveria congruência legal o mesmo

ordenamento jurídico outrora defender aplicação de uma forma de exclusão

de ilicitude, quando ainda existe vida e possibilidade de vida do concepto,

para amenizar o sofrimento materno; e nos casos de inexistência de vida do

concepto pós-parto, não acolher este mesmo argumento, em face de

situações análogas em que se busca resguardar a integridade física e

psicológica da mãe.

111 Artigo 128, II, Código Penal.

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Torna-se oportuno trazer à colação:

O dano psicológico sofrido pela gestante que optou por interromper a gravidez sem possibilidades de êxito, e teve que insistir no prosseguimento desta em virtude da norma penal, além do sofrimento natural, poderá ensejar grave comprometimento psicológico, sendo comparado a um processo de tortura.

O princípio da dignidade humana expresso na

Constituição Federal de 1988, no artigo 1º, III, tem que ser considerado

como o princípio responsável pelo limite ético que deve ser respeitado

quando das inovações biotecnológicas e, também, quando interesses

individuais devam ser considerados, como no caso do aborto.

Barboza112 discute: Neste processo gradual e que encontra ainda resistências, a proteção do indivíduo, nos moldes liberais, e, em verdade, privilegiava o patrimônio como bem fundamental, cede lugar a valores maiores, como a dignidade humana, a qual assume o papel de eixo central que deve equilibrar todo turbilhonamento pelo qual passa o Direito.

Belo113, ao analisar a questão do aborto, também se

refere à deficiência presente na legislação penal frente aos avanços

tecnológicos que atualmente podem conceder um diagnóstico preciso sobre

determinadas anomalias que irão impossibilitar a vida do feto após seu

nascimento.

112 BARBOZA, H. H. Bioética x Biodireito: Insuficiência dos conceitos jurídicos. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p.03. 113 BELO, W. R. Aborto: Considerações Jurídicas e Aspectos Correlatos. 1999, p.88.

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É mesmo impor uma pena à gestante que ela seja obrigada a gerar um portador de uma síndrome de Edwards, por exemplo, mesmo sabendo disso aos 3 meses de gestação. Se a medicina nos permite saber que o feto está sendo formado com taras irreversíveis que são incompatíveis com a vida extra-uterina, por que deixar a mãe, o pai, a família alimentando uma “vida” que já se sabe incompatível extra-útero? A questão central reside aqui: por que se proibir uma manobra médica que irá expelir do útero materno um organismo impossibilitado de sobreviver?

O Jurista Mirabete114 caracteriza como aborto eugênico

o executado ante a suspeita de que o filho virá ao mundo com anomalias

graves, por herança genética.

Em relação a esse tipo de aborto, a posição de

Almeida115, apresenta-se favorável que a decisão seja concedida aos pais,

sendo eles a cuidar e conviver com a criança, se ela sobreviver, e é sobre

eles que recai toda a responsabilidade pelo desenvolvimento desse novo

ser.

Este é um assunto delicado e, no meu entender, o aborto eugenésico deve ser legalizado porque cabe aos pais, principalmente à mulher, decidir sobre o nascimento ou não de criança com anomalia, já que quem cuida, dá amor, carinho e educa são os pais, cabe a estes a decisão. O Estado não deve interferir em assuntos que fazem parte da intimidade, privacidade das pessoas; os pais devem ter liberdade para optar, mas é necessário que eles estejam bem informados sobre a anomalia, as possibilidades de cura e a forma de vida da criança, se possível fazer os pais conversarem com outros pais de crianças com a mesma anomalia e visitarem instituições especializadas para que eles tomem uma decisão consciente.116

114 MIRABETE, J. F. Código penal interpretado. 2005. 115 ALMEIDA, A. M. Bioética e biodireito. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000, p.144. 116 ALMEIDA, A. M. Bioética e biodireito. 2000, p.145.

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Belo117 mostra, ainda, que a situação de sofrimento

pela qual a mulher deverá passar não pode ser considerada como humana,

afinal, durante nove meses alimentar e proteger um feto que não terá vida, é

um tanto cruel para quem não deseja levar a termo uma gestação e, no

momento do nascimento em lugar de uma nova vida, receber a morte.

Ademais, como se não bastassem os argumentos expostos, faz-se mister dizer que a tristeza, a dor da mãe que vivencia diuturnamente a formação de uma criança que, se sobreviver á gestação, após o parto, não terá vida, é miríade. Imaginável, tão somente àqueles que presenciam essa evolução ou tem a oportunidade de conhecer tais gestantes.

Quanto à definição de aborto eugênico e aborto por

anomalia fetal, passa-se a verificar as diferenças.

A eugenia, na doutrina de Tessaro:

Corresponde ao melhoramento da humanidade pela alteração de sua composição genética, estimulando a raça daqueles que supostamente possuem gens desejáveis (eugenia positiva), e desestimulando a raça daqueles que possuem supostamente gens indesejáveis (eugenia negativa).

117 BELO, W. R. Aborto: Considerações Jurídicas e Aspectos Correlatos. 1999, p.88.

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Destarte, pode-se tirar da lição de Diniz118, o conceito

de aborto eugênico:

São os casos de aborto ocorridos práticas eugênicas, isto é, situação em que se interrompe a gestação por valores racistas, sexistas, étnicos etc. Comumente, sugere-se o praticado pela medicina nazista como exemplo de IEG quando mulheres foram obrigadas a abortar por serem judias, ciganas ou negras. Regra geral, a IEG processa-se contra a vontade da gestante, sendo esta obrigada a abortar.

Ainda, verifica-se que eugenia ou aborto eugênico na

contextualização que vem sendo mensurada pela doutrina encontra uma

carga discriminatória, conquanto nada deve ser comparado com o aborto

nos casos de anomalia fetal, pois este não busca a seleção discriminadora

de raça ou etnia, mas sim, a autonomia reprodutiva em casos específicos,

de feto sem perspectiva de vida pós-parto.

Na verdade, o problema do chamado “aborto eugênico”

se referia então às deformidades físicas e mentais que o feto poderia

apresentar e, nestes casos, a defesa do aborto em casos como tais

guardava simetria com o horror nazista de propostas de eliminação similares

às Leis eugênicas então editadas. Nesse diapasão, a autorização do aborto

se referia a uma situação em que não havia prognóstico de morte.

É Noronha119 quem comenta a “falibilidade do

prognóstico: no caso concreto, não haverá fatalidade do efeito pernicioso no

ente em formação: é mais uma razão para não se admitir sua morte

antecipada”.

118 DINIZ, D. Aborto seletivo no Brasil e os alvarás judiciais. 2000. 119 NORONHA, E. M. Direito penal. São Paulo: Saraiva, 1987-1988, p. 62.

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Corroborando com este entendimento assevera Diniz e

Ribeiro120:

Há, no entanto, uma perspectiva política e histórica atrelada ao conceito de eugenia que o remete a um passado de intolerância e desrespeito, valores distante do atual contexto do aborto por anomalia fetal. Nesse sentido, o mais correto seria reservar o conceito de aborto eugênico para situações em que o aborto é realizado contra a vontade da mulher e por valores discriminatórios.

Assim, salienta-se que anomalia fetal inviável trata-se

de defeitos congênitos irreversíveis, tornando a sobrevida do feto inviável em

ambiente extra-uterino.

Com este entendimento busca-se introduzir no Código

Penal mais uma possibilidade de exclusão da antijuridicidade do aborto para

parte da doutrina que ainda considera como ato típico o aborto “eugênico”

cometido pela gestante.

A preocupação presente no Código Civil está dividida

entre o nascituro e a mulher: essa já adquiriu personalidade, é sujeito de

direito, e o feto tem proteção desde a concepção, mas somente adquire a

personalidade com o nascimento. Assim, até esse evento, o feto não é

pessoa. Tal fato evidencia que o crime de aborto está mal localizado no

Código Penal, pois colocado no título pessoa, está em contradição com o

Código Civil, para o qual a personalidade inicia com o nascimento com vida

e o nascituro ainda não possui tal atributo.

120 DINIZ, D; RIBEIRO D. C. Aborto por anomalia fetal. Brasília: Letras livres, 2004.

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Existe o Anteprojeto de Lei que o regula propondo uma

nova redação para o Código Penal, alterando seus três incisos, que é a

seguinte:

"Art. 128. Não constitui crime o aborto praticado por médico se: I. não há outro meio para salvar a vida ou preservar a saúde da gestante; II. a gravidez resulta de violação da liberdade sexual, ou do emprego não consentido de técnica de reprodução assistida; III. há fundada probabilidade, atestada por dois outros médicos, de o nascituro apresentar graves e irreversíveis anomalias físicas ou mentais. Parágrafo 1o . Nos casos dos incisos II e III e da segunda parte do inciso I, o aborto deve ser precedido do consentimento da gestante, ou quando menor, incapaz ou impossibilitada de consentir, de seu representante legal, do cônjuge ou de seu companheiro; Parágrafo 2o . No caso do inciso III, o aborto depende, também, da não oposição justificada do cônjuge ou companheiro".

Como se pode ver, a proposta visa possibilitar o aborto

seletivo, além de trazer outras alterações.

Pode-se verificar hoje a existência de várias técnicas

para avaliar o crescimento e o desenvolvimento do feto intra-uterino.

Detectando assim, casos de mal formação ou anormalidades

cromossômicas.

Desta forma, a doutrina, com estes argumentos

perseguem a legalização do aborto por feto inviável; ressalta-se que a

legalização almejada trás para a gestante uma possibilidade de legalização

do aborto cometido com o seu consentimento, ficando esta previsão restrita

à autorização da mãe, como a legalização do aborto precedido de estupro.

Esta possibilidade busca também a liberdade de opção da mãe e de sua

livre escolha.

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5.1. ABORTO ESPONTÂNEO

É considerado aborto espontâneo quando a perda do

embrião se dá antes da vigésima semana de gestação (5 meses), quando o

feto não está em condições de sobreviver fora do útero materno.

Pedroso121 caracteriza o aborto espontâneo, quando

ocorre involuntariamente, por acidente, por anormalidades orgânicas da

mulher ou por defeito do próprio ovo. Discorre, ainda o estágio de vida em

que ocorre, sendo normalmente nos 1º dias ou semanas da gravidez, com

um sangramento quase igual ao fluxo menstrual, podendo confundir muitas

vezes a mulher do que realmente está acontecendo.

Gonçalves (1998) subdivide o aborto espontâneo em

dois tipos: o aborto iminente e o inevitável.

O aborto iminente é uma ameaça de aborto. A mulher tem um leve sangramento seguido de dores nas costas e outras parecidas com as cólicas menstruais. O aborto inevitável é quando se tem a dilatação do útero para expulsão do conteúdo seguido de fortes dores e hemorragia. O aborto inevitável é dividido em três tipos: o incompleto que é quando ocorre depois da saída dos coágulos a saída restante do conteúdo e o aborto preso, que é quando o ovo morre, mas não é expelido.

Salomão (1994, p. 363) classifica a formação do

embrião utilizando parâmetros do conhecimento obstétrico.

121 PEDROSO, F. A. Homicídio, Participação em Suicídio, Infanticídio e Aborto. Rio de Janeiro: Aide, 1995.

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Considera-se aborto a expulsão ou a extração do feto ou embrião que pese menos de 500 gramas (idade gestacional de aproximadamente 20 – 22 semanas completas) ou qualquer outro produto de gestação de qualquer peso e especificamente designada, independente da idade gestacional, tenha ou não sinal de vida e seja ou não espontâneo ou induzido.

O aborto espontâneo também é chamado de aborto

involuntário ou "falso parto". Ocorre quando uma gravidez que parecia estar

desenvolvendo-se normalmente termina de maneira involuntária, ou seja,

quando a morte é produto de acidente, alguma anomalia ou disfunção não

prevista nem desejada pela mãe.

Portanto, conclui-se que o abortamento espontâneo é a

interrupção natural da gravidez antes da 20ª semana de gestação. Não

sendo considerado crime.

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CAPÍTULO 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O aborto é uma realidade social. Ele é praticado à

margem da lei, colocando em risco as mulheres que a ele se submetem,

quanto pior forem suas condições financeiras. Mulheres sem suporte sócio-

econômico e psicológico. Mulheres carentes de tudo. Ironicamente só não

lhes falta fertilidade. Mulheres que não tem condições de ter filhos, mas se

engravidam. Então só há duas saídas: Renegar o filho antes de nascer ou

abandoná-lo, depois de nascido.

Sem dúvida, o aborto provocado é o resultado de uma

gravidez indesejada, é o último recurso de que a mulher lança mão para

evitar o nascimento de um filho que ela não quer. Por isso, o planejamento

familiar apresenta-se como a única ação capaz de diminuir o número de

abortos e mortes dele decorrentes.

Tratar do tema aborto, em qualquer de suas situações,

gera angústia e sofrimento. Contudo, a maior carga de dor está reservada às

mulheres, em cujo útero habita o ser, ao se depararem com o dilema que

nasce com a possibilidade de interromper uma gravidez, ainda que

indesejada.

Pode-se concluir que as motivações que levam ao

dilema do aborto são muitas: ter sido a mulher vítima de violência sexual;

doenças no corpo ou na mente da mãe; diagnóstico de doenças do

nascituro; situação sócio-econômica desfavorável; medo de não ter

condições de desempenhar a função materna; temor de não contar com a

aceitação social; situação familiar, especialmente em decorrência do elevado

número de filhos, entre tantas outras sentidas pelas mulheres que levam o

assunto ao conhecimento dos profissionais da saúde.

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Infelizmente, parcela significativa da população toma a

decisão de interromper a gestação sem buscar os recursos da assistência

social, da saúde, da psicologia, dos programas de orientação ao

planejamento familiar, tornando-se, mais uma vez, vítimas do sistema, ao

recorrerem a métodos clandestinos de abortamento, com sérios e por vezes

irreversíveis prejuízos à sua saúde física, reprodutiva e emocional.

O que se constata, com indignação, é um desinteresse

das políticas públicas com a situação das gestantes. Conhecer a realidade

das mulheres que buscam o aborto como alternativa parece ser o primeiro

passo para lidar adequadamente com o tema. A partir do levantamento de

dados poder-se-ia pensar na adoção de medidas eficazes de prevenção,

envolvendo o enfrentamento da violência; a criação de programas de

acompanhamento e orientação à mulher e ao casal, inclusive com relação

ao planejamento familiar; estudo do histórico familiar, voltado à prevenção

de doenças genéticas, entre tantas outras que poderiam ser acrescentadas.

O tema está em debate – O aborto continua a

acontecer, na clandestinidade, para as mulheres de classes menos

favorecidas. O trabalho de reversão da dura realidade que nos circunda não

pode ser executado por setores isolados da saúde, da justiça, da área social

ou mesmo política, exigindo, cada vez mais, ações transdisciplinares,

preferencialmente de caráter preventivo, à luz da bioética, privilegiando o

desenvolvimento de mecanismos que favoreçam a dignidade da vida em

detrimento da morte desassistida.

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