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i UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO DE BIGUAÇU PRO-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA, EXTENSÃO E CULTURA - PROPPEC CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL- TURMA 7 CRIME VIRTUAL TATIANE PEREIRA Florianópolis, de de 2010.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO DE BIGUAÇU PRO-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA, EXTENSÃO E CULTURA - PROPPEC CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL- TURMA 7

CRIME VIRTUAL

TATIANE PEREIRA Florianópolis, de de 2010.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO DE BIGUAÇU PRO-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA, EXTENSÃO E CULTURA - PROPPEC CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL- TURMA 7

CRIME VIRTUAL

TATIANE PEREIRA

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como

requisito à obtenção do grau de Especialista em Direito Penal e

Processual Penal. Orientador: Professor Alceu de Oliveira Pinto Junior Florianópolis, de de 2010.

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AGRADECIMENTO

Inicialmente agradeço a Deus, por ter iluminado o meu caminho e me ajudado a vencer mais uma etapa da minha vida.

Ao meu namorado, pelo amor e pelo apoio diário torcendo pela realização e conclusão deste trabalho.

Aos professores, pelo incentivo, e, principalmente, ao professor Alceu de Oliveira Pinto, por me orientar nesta pesquisa.

E, por fim, a todos que contribuíram para a elaboração deste trabalho. Obrigada!

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho ao meu avô, Aci Pascoal Pereira (in memorian), que foi o meu pai, o meu

amigo.

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo

aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Especialização em Direito Penal e

Processual Penal e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do

mesmo.

Florianópolis, de de 2010.

Tatiane Pereira Aluna

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PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Especialização em Direito Penal

e Processual Penal da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela

aluna Tatiane Pereira, sob o título: Crime Virtual, foi submetida em de de

2010 à avaliação pelo Professor Orientador e pela Coordenação do Curso de

Especialização em Direito Penal e Processual Penal, e aprovada.

Florianópolis, de de 2010.

Professor MSc Alceu de Oliveira Pinto Junior Orientador e Presidente da Banca

[Professor Título Nome] Coordenação da Monografia

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ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS

art.(s) Artigo (s).

CP Código Penal

CPP Código de Processo Penal.

CRFB/88 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

ed. edição.

nº. número.

p. página.

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SUMÁRIO

RESUMO......................................................................................... x

ABSTRACT...................................................................................... xi

INTRODUÇÃO................................................................................. 1

CAPÍTULO 1.................................................................................... 3

FALSIDADE IDEOLÓGICA............................................................. 3

1.1 CONCEITO DE FALSIDADE IDEOLÓGICA............................................... 3 1.2 SUJEITOS DO DELITO............................................................................... 4 1.3 TIPO OBJETIVO E SUBJETIVO DA FALSIDADE IDEOLÓGICA............. 5 1.4 FALSIDADE DOCUMENTAL...................................................................... 7 1.4.1 Falsificação de Documento Público..................................................... 7 1.4.2 Sujeitos do delito.................................................................................... 11 1.4.3 Tipicidade Objetiva e Subjetiva da Falsificação de Documento Público......................................................................................... 12 1.4.4 Concurso de Crimes............................................................................... 14 1.4.5 Falsificação de Documentos destinado à Previdência....................... 18

CAPÍTULO 2.................................................................................... 26

FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PARTICULAR..................... 26

2.1 CONCEITO DE FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PARTICULAR......... 26 2.2 SUJEITOS DO DELITO............................................................................... 31 2.3 TIPICIDADE OBJETIVA E SUBJETIVA..................................................... 31 2.4 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA DO CRIME DE FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PARTICULAR..................................................................... 35 2.5 PENA E AÇÃO PENAL............................................................................... 37

2.6 DISTINÇÃO ENTRE FALSIDADE MATERIAL E FALSIDADE IDEOLÓGICA.................................................................................................... 38

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CAPÍTULO 3.................................................................................... 41

CRIMES VIRTUAIS......................................................................... 41

3.1 OS CRIMES DA INTERNET........................................................................ 41 3.2 SUJEITOS ATIVOS: HACKERS,CRACKERS............................................ 49

3.3 CIBERCULTURA......................................................................................... 50 3.4 NOVOS TIPOS PENAIS: CRIME VIRTUAL................................................ 54 3.5 A PROTEÇÃO PENAL NOS CRIMES VIRTUAIS...................................... 55

CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................. 62

REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS..................................... 64

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RESUMO

A presente pesquisa tem como objeto de estudo a

possibilidade de um uma falsificação virtual ser considerada como um crime

comum de falsificação de documental ou ideológica. Assim, com o emprego do

método dedutivo, a pesquisa constitui-se em uma descrição, produzida a partir de

pesquisas bibliográficas e jurisprudenciais. Desta forma, no primeiro capítulo,

buscou-se dar uma noção sobre o conceito de falsidade ideológica e falsificação

de documentos públicos, identificando cada delito no Código Penal brasileiro. No

segundo capítulo, fez-se uma abordagem sobre o conceito, sujeitos e Ação penal

do crime de falsificação de documento particular, analisando-se também a

possibilidade de haver concurso de crimes. Neste mesmo capítulo, foi realizada

uma comparação entre os crimes de falsidade material e de falsidade ideológica.

No terceiro e último capítulo explanou-se acerca dos crimes virtuais, dando

ênfase para os sujeitos deste crime e para a proteção penal que falta em relação

a este delito. Ainda no terceiro capítulo, fez-se uma abordagem sobre a

cibercultura, e de como esses novos crimes estão atingindo suas vítimas.

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ABSTRACT

This research has as objective to study the possibility of a

fake virtual be considered as a common crime of falsification of documentary or

ideological. Thus, with the use of deductive method, the research is based on a

description, generated from literature searches and case.Thus, in the first chapter,

we tried to give an idea about the concept of forgery and falsification of public

documents, identifying each offense in the Brazilian Penal Code. In the second

chapter, there was a discussion of the concept, subject and Prosecution of the

crime of falsification of private document, is also examining the possibility of

competition crimes. In this same chapter, a comparison was made between the

crimes of deceit and material misrepresentation. In the third and final chapter is

expounded about cybercrime, with emphasis on the subjects of this crime and the

criminal lack protection against this crime. Also in the third chapter, there was a

discussion of cyberculture, and how these new crimes are reaching their victims.

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INTRODUÇÃO

O tema escolhido para esta pesquisa monográfica partiu de

um estudo acerca da diferença entra a falsidade documental e a falsidade

ideológica, baseando-se em estudo acentuado em referências bibliográficas e

entendimentos jurisprudenciais no que tange principalmente aos artigos 297, 298

e 299 do Código Penal Brasileiro.

A maior justificativa para a realização deste trabalho

encontra-se na possibilidade de utilizá-lo como fonte de desenvolvimento de uma

obra de suma importância para o conhecimento do universo jurídico Brasileiro,

principalmente na área penal.

Por versar sobre as possíveis possibilidades de falsidade,

balizou-se em analisar certos aspectos comparativos, que possibilitaram um

melhor entendimento sobre estes crimes, são eles: conceito, objetividade jurídica

e sujeitos do crime.

O documento pode ser falso material ou ideologicamente,

sendo que o material desdobra-se nas seguintes possibilidades: quando o

documento é fabricado que é utilizado para dar sustentação a uma versão de

defesa; ou quando o documento é adulterado, que neste caso sofre certo

remendo que poderá ser o acréscimo de um algarismo, a modificação de uma

data, a alteração de uma letra ou até mesmo a subtração de uma palavra.

Já no que dizem respeito à falsidade ideológica, as condutas

incriminadas são omitir, inserir ou fazer declaração falsa ou diversa da que

deveria, em documento público ou particular.

A finalidade desta pesquisa consiste preliminarmente em

pesquisar, esclarecer e transpor conceitos e entendimentos de vários

doutrinadores, que encontram neste tema grande admiração, como fora exposto

através de citações, cuja a intenção é a de enaltecer as explicações feitas ao

longo deste trabalho.

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A partir deste pressuposto, o trabalho foi dividido em três

capítulos, onde o primeiro trata exclusivamente da falsidade ideológica, através

de conceitos e evoluções que esta teve ao longo da história, balizando-se nas

teorias absolutas, relativas e as mistas. Ainda no neste mesmo capítulo, aborda-

se sobre a falsidade documental, mas precisamente a falsidade de documento

público.

O segundo capítulo aborda a falsificação de documento

particular, tendo como fulcro o artigo 298 do Código Penal, que trata

respectivamente deste delito.

Todos estes temas que foram abordados acima e nos

respectivos capítulos serviram como orientação para a propositura do terceiro e

último capítulo, que tratará da prática destes crimes citados anteriormente na

internet, mas precisamente em sites de relacionamento.

Ante o exposto no que tange o desenvolvimento da

pesquisa, apresentam-se as considerações finais do tema abordado no corpo do

trabalho, de onde será extraído algumas observações incidentes do

posicionamento do autor acerca de seu entendimento, mediante análise à luz de

um estudo minucioso das causas de aumento e de diminuição de penas no

ordenamento jurídico brasileiro da falsidade ideológica e da falsidade documental.

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CAPÍTULO 1

FALSIDADE IDEOLÓGICA

1.1 CONCEITO

Neste crime, as condutas incriminadas são omitir (silenciar

declaração obrigatória), inserir (conduta do próprio agente) ou fazer inserir

(através de terceiro) declaração falsa (que não corresponde à verdade) ou diversa

da que deveria (pode ser verdadeira), em documento público ou particular.

A falsidade ideológica está assim tipificada no artigo 299 do

Código Penal:

Art. 299 - Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de um a três anos, e multa, se o documento é particular. Parágrafo único - Se o agente é funcionário público, e comete o crime prevalecendo-se do cargo, ou se a falsificação ou alteração é de assentamento de registro civil, aumenta-se a pena de sexta parte.1

Sobre este crime, Capez possui o seguinte entendimento:

[…] estamos agora diante do chamado falso ideológico, aquele em que o documento é formalmente perfeito, sendo, no entanto, falsa a idéia nele contida. O sujeito tem legitimidade para emitir o documento, mas acaba por inserir-lhe um conteúdo sem correspondência com a realidade dos fatos […]2.

1 BRASIL, Código penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto- Lei/Del2848.htm>. Acesso em: 10 dez. 2009. 2 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 327.

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Mais uma vez, a proteção recai sobre a fé pública, a

confiança que as pessoas depositam nos documentos, públicos ou particulares.

Neste caso o documento é verdadeiro em sua forma ou sua exteriorização, mas

devido à conduta do agente, este documento se torna intelectualmente falso, pelo

simples fato de não expressar a verdade.

Outro conceito de Falsidade ideológica segundo Prado:

[…] falsidade ideológica ou intelectual é,pois, a falácia representada por uma atestação mendaz ou por uma omissão de fatos ou de manifestação de vontade,em documento formalmente verdadeiro […]3

O tipo penal exige dolo específico, consistente no fim de

prejudicar direito (não precisa ser a eliminação completa, basta que reduza o

direito afetado), criar obrigação (pode ser de qualquer natureza: fazer, pecuniária,

etc.) ou alterar a verdade sobre qualquer fato juridicamente relevante. Exatamente

por exigir dolo específico, que é elemento do próprio tipo penal, a denúncia na

qual imputada à prática de falso ideológico deve obrigatoriamente mencionar a

finalidade do agente, sob pena de inépcia. O erro de fato sobre a veracidade da

informação exclui o dolo.

1.2 SUJEITOS DO DELITO

O sujeito ativo do delito pode ser, em princípio, qualquer

pessoa. Se o agente for funcionário público e praticar o crime se prevalecendo do

cargo, ou se a alteração ou falsificação for de registro civil, incide a causa

especial de aumento do parágrafo único do dispositivo (1/6):

3 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 333.

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[…] Parágrafo único - Se o agente é funcionário público, e comete o crime prevalecendo-se do cargo, ou se a falsificação ou alteração é de assentamento de registro civil, aumenta-se a pena de sexta parte […]4.

Segundo Mirabete, pode o particular praticar falso ideológico

em documento público ao fazer declarações inverídicas ou omitir circunstâncias

que não podia esconder ao funcionário público que colabora, nessa qualidade, o

documento (falsidade mediata ).5

Da mesma forma, entende Prado:

[…] sujeito ativo pode ser, em princípio, qualquer pessoa. Entretanto, pode ser elaborado por quem detenha a função pública de fazê-lo, será necessariamente o funcionário ou oficial público o sujeito ativo […]6.

Aqui cumpre ressaltar que a chamada “adoção à brasileira”

não configura o crime, por se tratar de conduta especificamente prevista no art.

242 do CP. De igual modo, a inscrição de nascimento inexistente configura o

crime do art. 241 do CP e não falso ideológico. Todavia, o registro pelo varão, de

filho incestuoso, por exemplo, no nome da mulher, tipifica o falso, podendo,

porém, haver exclusão do dolo, se o agente acreditar inviável o registro da criança

em seu nome e no da própria filha.

1.3 TIPO OBJETIVO E SUBJETIVO DA FALSIDADE IDEOLÓGICA

O tipo penal é único, quer se trate de documento público ou

particular, apenas sendo diferenciadas as penas previstas, conforme o artigo 299

do Código Penal:

4 BRASIL, Código penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-

Lei/Del2848.htm>. Acesso em: 10 dez. 2009. 5 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. 22 ed. rev. atual. São Paulo: Atlas, 2006. p.

227. 6 PRADO, Luiz Regis. Elementos de direito penal. 2. v. São Paulo: Revista dos tribunais, 2005.

p. 393.

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Art. 299 - Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante

Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de um a três anos, e multa, se o documento é particular.

Parágrafo único - Se o agente é funcionário público, e comete o crime prevalecendo-se do cargo, ou se a falsificação ou alteração é de assentamento de registro civil, aumenta-se a pena de sexta parte.”7

Para a configuração do crime, é necessário que haja pelo

menos potencialidade lesiva do falso em relação ao fim específico de prejudicar

direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante.

Não é preciso, porém, que seja alcançado o objetivo nem causado prejuízo

efetivo para que o crime reste configurado.

Pode-se, portanto, cometer o crime tanto na forma

comissiva, inserindo ou fazendo terceiro inserir declaração falsa, ou ainda, diversa

da que deveria se escrita mesmo que verdadeira, mais impertinente ou irrelevante

para o ato, como na forma omissiva, deixando de declarar ou de inserir no

documento algo que dele deveria ter constado.8

Em relação à prescrição, nos casos de registro civil, só

começa a correr quando a falsidade se torna conhecida da autoridade pública: (

art. 111, IV, do CP).

Como já consignado quando da abordagem do falso

material, em se tratando de folha em branco, se esta é entregue para

preenchimento e este é diverso, o falso é ideológico; se houve subtração ou outro

meio ilícito de para obtenção do documento, o falso é material. No caso de 7 BRASIL, Código penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-

Lei/Del2848.htm>. Acesso em: 10 dez. 2009. 8 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2004. p. 266.

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mandato, mesmo que o documento originalmente tenha sido entregue ao agente,

se os poderes já se encontravam revogados, com o conhecimento do outorgado,

no momento do preenchimento indevido do documento, o falso também é

material.

1.4 FALSIFICAÇÃO DOCUMENTAL

A falsidade documental pode ocorrer de duas formas: a

falsidade de documento público que se encontra no artigo 297 do Código Penal, e

a falsidade de documento particular no artigo 298.

Faz-se oportuno um exame do conceito de documento, visto

que este permite que se tenha a capacidade de fazer uma análise minuciosa a

respeito do fato criminoso.

O documento pode ser conceituado de forma ampla ou de

modo restrito. Em sentido amplo, é o objeto idôneo a servir de prova, que inclui

não só o escrito, mas também uma pedra, um fragmento de metal etc. Em

latíssimo sentido, é a materialização do pensamento humano aplicado às artes,

às ciências ou às relações de Estado com os indivíduos e dos indivíduos entre si.9

Pode-se conceituar documento como toda peça escrita que

condensa graficamente o pensamento de alguém, podendo provar um fato ou

realização de algum ato dotado de significação ou relevância jurídica10

1.4.1 Falsificação de documento público

Prevê o artigo 297 do Código Penal, o crime de falsificação

de documento é de falsificar ou alterar documento público, constituindo-se o falso

material:

9 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. 22. ed. rev. atual. São Paulo: Atlas, 2006. p. 212. 10 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. 22. ed. rev. atual. São Paulo: Atlas, 2006.

p. 212.

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Art. 297 - Falsificar, no todo ou em parte, documento público, ou alterar documento público verdadeiro:

Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa.

§ 1º - Se o agente é funcionário público, e comete o crime prevalecendo-se do cargo, aumenta-se a pena de sexta parte.

§ 2º - Para os efeitos penais, equiparam-se a documento público o emanado de entidade paraestatal, o título ao portador ou transmissível por endosso, as ações de sociedade comercial, os livros mercantis e o testamento particular.

§ 3o Nas mesmas penas incorre quem insere ou faz inserir:

I - na folha de pagamento ou em documento de informações que seja destinado a fazer prova perante a previdência social, pessoa que não possua a qualidade de segurado obrigatório;

II - na Carteira de Trabalho e Previdência Social do empregado ou em documento que deva produzir efeito perante a previdência social, declaração falsa ou diversa da que deveria ter sido escrita;

III - em documento contábil ou em qualquer outro documento relacionado com as obrigações da empresa perante a previdência social, declaração falsa ou diversa da que deveria ter constado.

§ 4o Nas mesmas penas incorre quem omite, nos documentos mencionados no § 3o, nome do segurado e seus dados pessoais, a remuneração, a vigência do contrato de trabalho ou de prestação de serviços.11

A lei penal protege a fé pública consubstanciada na

confiabilidade que os documentos de qualquer espécie, por sua própria condição

de documentos, merecem a coletividade, já que são as necessidades e os hábitos

da vida social, e não a função pública, o fundamento da objetividade jurídica dos

crimes de falsidade documental.12 No código penal brasileiro, os documentos

públicos e os particulares são abrangidos pela tutela da fé pública, neste caso,

tanto os documentos públicos quanto os documentos particulares, merecem a

confiabilidade indispensável ao cumprimento de suas finalidades.

11 BRASIL, Código penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto- Lei/Del2848.htm>. Acesso em: 12 jan. 2010. 12 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2008. p. 315.

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O código vigente, não faz distinção entre documentos

públicos e documento privado, apenas faz expressa menção a certos documentos

que considera públicos, os quais, entretanto, trata em separado, nos artigos 293 e

296.13

Art. 296 - Falsificar, fabricando-os ou alterando-os:

I - selo público destinado a autenticar atos oficiais da União, de Estado ou de Município;

II - selo ou sinal atribuído por lei a entidade de direito público, ou a autoridade, ou sinal público de tabelião:

Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa.

§ 1º - Incorre nas mesmas penas:

I - quem faz uso do selo ou sinal falsificado;

II - quem utiliza indevidamente o selo ou sinal verdadeiro em prejuízo de outrem ou em proveito próprio ou alheio.

III - quem altera, falsifica ou faz uso indevido de marcas, logotipos, siglas ou quaisquer outros símbolos utilizados ou identificadores de órgãos ou entidades da Administração Pública.

§ 2º - Se o agente é funcionário público, e comete o crime prevalecendo-se do cargo, aumenta-se a pena de sexta parte.14

Também considera como documentos públicos para fins

penais aqueles mencionados no § 2º e nos incisos do § 3º do artigo 297, porém

não define, com pertinência à determinação genérica do caput, o que seja

documento público e o que o distingue do particular.15

13 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2008. p. 316. 14 BRASIL, Código penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-

Lei/Del2848.htm>. Acesso em: 12 jan. 2010. 15 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2008. p. 316.

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Para caracterização do crime, a falsidade não pode ser

grosseira, é importante que seja verificado o interesse atingido pela falsidade e o

fim visado pelo agente, sendo que, se atingidos interesses ou serviços da União,

a competência será da Justiça Federal.

Documentos específicos e sua falsificação ou alteração em

face do crime de falso de documento público e a competência para seu processo

e julgamento:

a) Passaporte estrangeiro – pode configurar o crime;

b) Documentos particulares com “visto” de ente público

(como talão de notas fiscais fraudulentas) – neste caso,

se condicionada a utilidade à chancela do funcionário

público, passa também o documento a ser considerado

público, podendo configurar o crime;

c) Documento público criado e apto a iludir como se assim

o fosse – é considerado público e capaz de configurar o

delito;

d) Carteiras profissionais emitidas por CREA, OAB, etc. –

são documentos públicos, configurando-se o crime que,

nessa hipótese, será de competência da Justiça Federal;

e) Carteira de Motorista – pode configurar o crime, sendo a

competência da Justiça estadual;

f) Documento que, embora estadual, é utilizado perante

órgão federal - a competência é da Justiça Federal;

g) Carteira de Trabalho – pode configurar o crime. Se a

falsificação for em relação aos campos preenchidos pelo

funcionário federal, a competência é da Justiça Federal;

se apenas no referente às anotações, é da Justiça

Estadual, salvo se utilizada para a obtenção de benefício

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frente a órgão federal, hipótese em que a competência

também será federal;

h) CPF – a competência é federal;

i) Documento de matrícula – quando somente for utilizado

perante estabelecimento de ensino ou outro órgão

federal, a competência é federal, caso contrário, é da

Justiça estadual, embora haja decisão isolada do STF

em contrário;

j) Documento para fins eleitorais – a competência é da

Justiça eleitoral.

1.4.2 Sujeitos do delito

O sujeito ativo poderá ser qualquer pessoa por se tratar de

um delito comum; se for funcionário público, e cometer o crime prevalecendo-se

do cargo, aumenta-se a pena de sexta parte:

Art. 297 - Falsificar, no todo ou em parte, documento público, ou alterar documento público verdadeiro:

Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa.

§ 1º - Se o agente é funcionário público, e comete o crime prevalecendo-se do cargo, aumenta-se a pena de sexta parte.16

A elevação da pena justifica-se pela traição ou infidelidade

do agente para com o cargo público em que se acha investido. É necessário que

o funcionário cometa o crime prevalecendo-se do cargo,ou seja, falsifique

documento cuja emissão esteja entre as atribuições do seu cargo, “que abuse, no

exercício das atribuições respectivas, das funções específicas da sua

16 BRASIL, Código penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-

Lei/Del2848.htm>. Acesso em: 30 jan. 2010.

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competência,utilizando-as maliciosamente para a prática do crime”.17

O sujeito passivo é o Estado (principal) e quem sofrer

prejuízo (secundário).

1.4.3 Tipicidade Objetiva e Subjetiva

As condutas previstas no artigo 297, caput, são as de

falsificar, total ou parcialmente, documento público, ou alterar documento público

verdadeiro.

Falsificar é imitar, criando ou formando um documento como

se fosse o verdadeiro. Esta ação, pode-se concretizar de qualquer forma,

mediante contrafação (fabricação de uma cópia falsa, similar a de um verdadeiro),

fabricação (formação de um documento falso ao qual não corresponda um

verdadeiro semelhante) ou modificação, pelo acréscimo, adulteração ou

supressão de partes do conteúdo do documento (rasura de nomes, substituição

de fotos, modificação de datas etc.), de modo a adulterar o seu sentido original,

levando-o a exprimir coisa diferente do que primitivamente atestava. Assim, é

lícito dizer que, a rigor, falsificar inclui a ação de alterar, expressamente apontada

no dispositivo. 18

Para Ney Moura Teles, falsificar e alterar um documento

ocorre da seguinte maneira:

Falsificar é imitar, criando ou formando um documento como

se fosse o verdadeiro, podendo assim alcançar o objetivo com a falsificação total

ou parcial. Falsifica total quem cria o documento integralmente, falsifica em parte,

quando o agente adicionar ao documento verdadeiro, partes novas falsas, que

17 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. 22 ed. rev. atual. São Paulo: Atlas, 2006.

p. 219. 18 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2008. p. 318.

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são chamadas de contrafações total ou parcial.19

Na falsificação parcial, a contrafação, o agente acrescenta

um dado novo ao documento verdadeiro, sendo que na alteração, é modificado

um dado já contido no documento, alterando seu sentido.20

Já a alteração, ocorre quando o agente modifica o conteúdo

do documento, como pode ser verificado no exemplo utilizado por Teles: na

escritura pública de compra e venda verdadeira, o agente modifica, por exemplo,

o número da matrícula ou da averbação ali posta.21

Outra situação muito comum no caso de alteração é quando

o falsário preenche espaços em branco de uma carta, existente entre seu

conteúdo e a assinatura do missivista, e recorta a parte escrita por este.22 Se o

agente o agente simplesmente rasura ou cancela palavra ou frase do texto sem

realizar qualquer substituição, haverá o crime previsto no artigo 305 do Código

Penal.23

Luiz Regis Prado cita que para alguns doutrinadores, a

diferença entre falsificação parcial e a alteração é que a primeira recai

“necessariamente em documento composto de duas ou mais partes perfeitamente

individualizáveis. Assim, na emissão do warrant e do conhecimento de depósito,

há possibilidade de falsificação parcial de documento, a reconhecer-se sempre

que o agente haja falsificado uma parte do título, sendo a outra inteiramente

legítima”.24

A falsificação ou alteração deve ser apta a iludir o homo

medius, pois, se grosseira, poderá o fato constituir crime impossível ou o delito de

19 TELES, Ney Moura. Direito Penal. São Paulo: Atlas, 2004. p. 331. 20 TELES, Ney Moura. Direito Penal. São Paulo: Atlas, 2004. p. 331. 21 TELES, Ney Moura. Direito Penal. São Paulo: Atlas, 2004. p. 331. 22 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2008. p. 318 23 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 311. 24 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2004. p. 233.

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estelionato. 25

O tipo subjetivo é representado pelo dolo, consubstanciado

na vontade livre e consciente de falsificar ou alterar documento público. Deve o

dolo abranger, porém, a nocividade da falsificação, estando o agente ciente de

que o fato poderá haver prejuízo para qualquer pessoa. Desnecessário, porém, o

intuito de prejudicar, já que não existe a lei tal elemento subjetivo do tipo ( dolo

específico). 26

A possibilidade de tentativa é perfeitamente possível, pois há

um iter criminis que pode ser fracionado, por exemplo, o agente estando no início

do processo de formação da escritura pública falsa, tendo preenchido apenas

algumas linhas, é surpreendido por terceiro. Nessa hipótese, não ocorreu ainda a

contrafação total do documento, portanto o crime reputa-se consumado.27

1.4.4 Concurso de crimes

Quanto a possibilidade de concurso de crimes entre falso e o

estelionato, encontra-se quatro posições segundo os doutrinadores. A primeira

ocorre quando o estelionato absorve a falsidade, ou seja, o meio fraudulento é

empregado para a prática do estelionato. Nesse sentido, o Supremo Tribunal de

Justiça, possui o seguinte entendimento:

Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absolvido (Súmula 17).

Para uma melhor compreensão desta Súmula, Fernando

Capez utiliza o seguinte exemplo: pagar mercadorias em loja com uma folha de

cheque falsificada; uma vez utilizada a cártula, não há como o documento

falsificado ser novamente empregado na prática de outros crimes; a fraude,

portanto, se esgotou no crime de estelionato. Se ao contrário do que ocorreu, a

25 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 311. 26 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. 22 ed. rev. atual. São Paulo: Atlas, 2006.

p. 218. 27 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 314.

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falsidade for apta à prática de outros crimes, afasta-se a incidência da súmula

mencionada, havendo assim o concurso de crimes; como por exemplo: carteira de

identidade falsificada.28

O Supremo Tribunal de Justiça reafirma a absorção do crime

de falso pelo estelionato na seguinte Súmula:

A utilização de papel-moeda grosseiramente falsificado configura, em tese, o crime de estelionato, de competência da Justiça Estadual. (Súmula 25).

Já o Supremo Tribunal Federal, afirma que existe concurso

formal de crimes, a qual caracteriza a segunda posição. O uso do documento

falso é o ardil e constitui ato executório do crime de estelionato. Obtida a

vantagem ilícita, há dois resultados: lesão à fé pública e lesão ao patrimônio

particular ou do Estado, aplicando-se assim, o disposto no artigo 70, primeira

parte:29

Art. 70 - Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até metade. As penas aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos, consoante o disposto no artigo anterior.

Parágrafo único - Não poderá a pena exceder a que seria cabível pela regra do art. 69 deste Código. 30

28 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 317. 29 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. 22 ed. rev. atual. São Paulo: Atlas, 2006.

p. 221. 30 BRASIL, Código penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-

Lei/Del2848.htm>. Acesso em: 30 jan. 2010.

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O nosso Supremo Tribunal de Justiça, entende que:

HABEAS CORPUS. FRAUDE A VESTIBULAR. "COLA ELETRÔNICA". ESTELIONATO.

FALSIDADE IDEOLÓGICA. FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO. USO DE

DOCUMENTO FALSO. FORMAÇÃO DE QUADRILHA. TRANCAMENTO DA AÇÃO.

ATIPICIDADE E PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.

1- Paciente denunciado por estelionato, falsificação de documento público, falsidade ideológica, uso de documento falso e formação de quadrilha, (artigos 171, § 3º, 297, 299, 304 e 288, todos do Código Penal), em concurso material.

2 - "Fraudar vestibular, utilizando-se de cola eletrônica (aparelhos transmissor e receptor), malgrado contenha alto grau de reprovação social, ainda não possui em nosso ordenamento penal qualquer norma sancionadora" (INQ 1145/STF).

3- Writ concedido para reconhecer a atipicidade da "cola eletrônica" e trancar a ação penal no que diz respeito às condutas tipificadas nos artigos 171, § 3º e 299 do Código Penal, mantida a persecução penal em relação as demais condutas típicas e autônomas.

4 - Exordial acusatória que descreve a prática de reiteradas e diversas condutas criminosas, que, em tese, adequam-se perfeitamente aos crimes de falsificação de documento público, uso de documento falso e formação de quadrilha, apontando o paciente como chefe da organização criminosa.

5 - Denúncia que preenche todos os requisitos do art. 41 do CPP, descrevendo, com os elementos indispensáveis, a prática, em tese, dos delitos que menciona, com suas circunstâncias, permitindo ao acusado o conhecimento do que lhe é imputado, viabilizada, assim, a ampla defesa, inexistindo qualquer motivo para o trancamento da ação penal.

6 - "O princípio da consunção pressupõe a existência de um nexo de dependência das condutas ilícitas, para que se verifique a possibilidade de absorção daquela menos grave pela mais danosa."

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(REsp nº 890.515/ES, Relator o Ministro GILSON DIPP, DJU de 4/6/2007). Sendo a "cola eletrônica" conduta atípica, não pode ela absorver outras condutas típicas e autônomas, afastado, assim, o princípio da consunção.

7 - Habeas corpus parcialmente concedido. (STJ – HC 2004/0162092-7 – 6 Turma – Min. Haroldo Rodrigues (Desembargador Convocado do TJ/CE) – Tje 14/12/2009).31

Como terceira posição, ocorre quando o falso (aqui a

falsidade deve ser de documento público, cuja pena é superior à do crime de

estelionato) prevalece sobre o estelionato. Entende-se que a contrafação vai além

da simples encenação, do ardil para enganar a vítima, constituindo-se em delito

autônomo, sendo o estelionato nada mais que o exaurimento do falso.32 O falso

de documento público é mais grave e deve ponderar sobre o estelionato.

E como quarta posição, ocorre o concurso material, que de

acordo com parte da doutrina, não podemos falar no princípio da consunção ou

absorção, haja vista, exige que as condutas sejam praticadas contra a mesma

vítima e que atinjam o mesmo objeto jurídico. Assim como o falso e estelionato

atingem objetos jurídicos e vítimas diversas, não há que se falar em absorção,

ocorrendo concurso material de crimes.33

Além do concurso de crimes entre o falso e o estelionato,

ocorre muito o falso documento praticado para encobrir outro crime. É muito

comum que, após a prática de um crime, como por exemplo, furto e roubo, o

agente falsifique documentos, para que este se “torne” o proprietário do bem

adquirido indevidamente, possibilitando assim a venda deste posteriormente.

Neste caso, o agente responderá também pelo crime de falsificação de

31 BRASIL, Tribunal de justiça, Habeas Corpus 39592, São Paulo/SP, 6ª T, Rel.: Min. HAROLDO RODRIGUES, j. 19/11/2009, Dje 14-12-2009. Disponível em: < http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=falsidade+ideologica&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=6>. Acesso em 22 fev. 2010. 32 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. 22 ed. rev. atual. São Paulo: Atlas, 2006.

p. 221 33 SILVA, César Dario Mariano da. Manual de direito penal. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

p. 115.

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documento público.34

Se o agente realizar o crime citado anteriormente como

exemplo, por diversas vezes, haverá neste caso crime continuado, ou seja,

ocorrerá a prática de diversas funções que resultam em vários crimes.35

1.4.5 Falsificação de documentos destinados à Previdência

A Lei n. 9.983, de 17 de julho de 2000, que entrou em vigor

em 15 de outubro do mesmo ano, inseriu o parágrafo 3 no artigo 297 do Código

Penal:

Art. 297 - Falsificar, no todo ou em parte, documento público, ou alterar documento público verdadeiro:

Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa.

§ 1º - Se o agente é funcionário público, e comete o crime prevalecendo-se do cargo, aumenta-se a pena de sexta parte.

§ 2º - Para os efeitos penais, equiparam-se a documento público o emanado de entidade paraestatal, o título ao portador ou transmissível por endosso, as ações de sociedade comercial, os livros mercantis e o testamento particular.

§ 3o Nas mesmas penas incorre quem insere ou faz inserir:

I - na folha de pagamento ou em documento de informações que seja destinado a fazer prova perante a previdência social, pessoa que não possua a qualidade de segurado obrigatório;

II - na Carteira de Trabalho e Previdência Social do empregado ou em documento que deva produzir efeito perante a previdência social, declaração falsa ou diversa da que deveria ter sido escrita;

III - em documento contábil ou em qualquer outro documento relacionado com as obrigações da empresa perante a previdência social, declaração falsa ou diversa da que deveria ter constado.

34 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 319. 35 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 319.

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§ 4o Nas mesmas penas incorre quem omite, nos documentos mencionados no § 3o, nome do segurado e seus dados pessoais, a remuneração, a vigência do contrato de trabalho ou de prestação de serviços.36

Nessas condutas, a forma do documento é verdadeira, mas

o seu conteúdo é falso. Não há falsificação da parte externa do documento, mas

inserção falsa ou inexata de dados que possam causar dano à previdência social,

portanto a objetividade jurídica é a tutela da previdência social e de seus

segurados.37

Estes são crimes comuns, que poderão ser praticados por

qualquer pessoa, e terá como sujeito passivo principal a previdência social e

secundário os seus segurados.

No inciso I o agente insere ou faz inserir em folha de

pagamento ou em qualquer documento destinado a fazer prova perante o INSS

pessoa que não seja segurada obrigatória do Instituto. Estas pessoas que são

seguradas obrigatórias encontram-se no artigo 12 da Lei 8.212/1991:

Art. 12. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas:

I - como empregado:

a) aquele que presta serviço de natureza urbana ou rural à empresa, em caráter não eventual, sob sua subordinação e mediante remuneração, inclusive como diretor empregado;

b) aquele que, contratado por empresa de trabalho temporário, definida em legislação específica, presta serviço para atender a necessidade transitória de substituição de pessoal regular e permanente ou a acréscimo extraordinário de serviços de outras empresas;

36 BRASIL, Código penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-

Lei/Del2848.htm>. Acesso em: 30 jan. 2010. 37 SILVA, César Dario Mariano da. Manual de direito penal. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

p. 117.

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c) o brasileiro ou estrangeiro domiciliado e contratado no Brasil para trabalhar como empregado em sucursal ou agência de empresa nacional no exterior;

d) aquele que presta serviço no Brasil a missão diplomática ou a repartição consular de carreira estrangeira e a órgãos a ela subordinados, ou a membros dessas missões e repartições, excluídos o não-brasileiro sem residência permanente no Brasil e o brasileiro amparado pela legislação previdenciária do país da respectiva missão diplomática ou repartição consular;

e) o brasileiro civil que trabalha para a União, no exterior, em organismos oficiais brasileiros ou internacionais dos quais o Brasil seja membro efetivo, ainda que lá domiciliado e contratado, salvo se segurado na forma da legislação vigente do país do domicílio;

f) o brasileiro ou estrangeiro domiciliado e contratado no Brasil para trabalhar como empregado em empresa domiciliada no exterior, cuja maioria do capital votante pertença a empresa brasileira de capital nacional;

g) o servidor público ocupante de cargo em comissão, sem vínculo efetivo com a União, Autarquias, inclusive em regime especial, e Fundações Públicas Federais;

i) o empregado de organismo oficial internacional ou estrangeiro em funcionamento no Brasil, salvo quando coberto por regime próprio de previdência social;

j) o exercente de mandato eletivo federal, estadual ou municipal, desde que não vinculado a regime próprio de previdência social;

II - como empregado doméstico: aquele que presta serviço de natureza contínua a pessoa ou família, no âmbito residencial desta, em atividades sem fins lucrativos;

a) quem presta serviço de natureza urbana ou rural, em caráter eventual, a uma ou mais empresas, sem relação de emprego;

b) a pessoa física que exerce, por conta própria, atividade econômica de natureza urbana, com fins lucrativos ou não;

V - como contribuinte individual:

a) a pessoa física, proprietária ou não, que explora atividade agropecuária, a qualquer título, em caráter permanente ou temporário, em área superior a 4 (quatro) módulos fiscais; ou, quando em área igual ou inferior a 4 (quatro) módulos fiscais ou atividade pesqueira, com auxílio de empregados ou por intermédio de prepostos; ou ainda nas hipóteses dos §§ 10 e 11 deste artigo;

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b) a pessoa física, proprietária ou não, que explora atividade de extração mineral - garimpo, em caráter permanente ou temporário, diretamente ou por intermédio de prepostos, com ou sem o auxílio de empregados, utilizados a qualquer título, ainda que de forma não contínua;

c) o ministro de confissão religiosa e o membro de instituto de vida consagrada, de congregação ou de ordem religiosa;

d) revogada;

e) o brasileiro civil que trabalha no exterior para organismo oficial internacional do qual o Brasil é membro efetivo, ainda que lá domiciliado e contratado, salvo quando coberto por regime próprio de previdência social;

f) o titular de firma individual urbana ou rural, o diretor não empregado e o membro de conselho de administração de sociedade anônima, o sócio solidário, o sócio de indústria, o sócio gerente e o sócio cotista que recebam remuneração decorrente de seu trabalho em empresa urbana ou rural, e o associado eleito para cargo de direção em cooperativa, associação ou entidade de qualquer natureza ou finalidade, bem como o síndico ou administrador eleito para exercer atividade de direção condominial, desde que recebam remuneração;

g) quem presta serviço de natureza urbana ou rural, em caráter eventual, a uma ou mais empresas, sem relação de emprego;

h) a pessoa física que exerce, por conta própria, atividade econômica de natureza urbana, com fins lucrativos ou não;

VI - como trabalhador avulso: quem presta, a diversas empresas, sem vínculo empregatício, serviços de natureza urbana ou rural definidos no regulamento;

VII – como segurado especial: a pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros a título de mútua colaboração, na condição de:

a) produtor, seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário.

1. agropecuária em área de até 4 (quatro) módulos fiscais; ou

2. de seringueiro ou extrativista vegetal que exerça suas

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atividades nos termos do inciso XII do caput do art. 2o da Lei no 9.985, de 18 de julho de 2000, e faça dessas atividades o principal meio de vida;

b) pescador artesanal ou a este assemelhado, que faça da pesca profissão habitual ou principal meio de vida; e

c) cônjuge ou companheiro, bem como filho maior de 16 (dezesseis) anos de idade ou a este equiparado, do segurado de que tratam as alíneas a e b deste inciso, que, comprovadamente, trabalhem com o grupo familiar respectivo.

§ 1o Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes.

§ 2º Todo aquele que exercer, concomitantemente, mais de uma atividade remunerada sujeita ao Regime Geral de Previdência Social é obrigatoriamente filiado em relação a cada uma delas.

§ 3o (Revogado):

I – (revogado);

II – (revogado).

§ 4º O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social-RGPS que estiver exercendo ou que voltar a exercer atividade abrangida por este Regime é segurado obrigatório em relação a essa atividade, ficando sujeito às contribuições de que trata esta Lei, para fins de custeio da Seguridade Social.

§ 5º O dirigente sindical mantém, durante o exercício do mandato eletivo, o mesmo enquadramento no Regime Geral de Previdência Social-RGPS de antes da investidura.

§ 6o Aplica-se o disposto na alínea g do inciso I do caput ao ocupante de cargo de Ministro de Estado, de Secretário Estadual, Distrital ou Municipal, sem vínculo efetivo com a União, Estados, Distrito Federal e Municípios, suas autarquias, ainda que em regime especial, e fundações.

§ 7o Para serem considerados segurados especiais, o cônjuge ou companheiro e os filhos maiores de 16 (dezesseis) anos ou os a

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estes equiparados deverão ter participação ativa nas atividades rurais do grupo familiar.

§ 8o O grupo familiar poderá utilizar-se de empregados contratados por prazo determinado ou trabalhador de que trata a alínea g do inciso V do caput deste artigo, em épocas de safra, à razão de no máximo 120 (cento e vinte) pessoas/dia no ano civil, em períodos corridos ou intercalados ou, ainda, por tempo equivalente em horas de trabalho.

§ 9o Não descaracteriza a condição de segurado especial:

I – a outorga, por meio de contrato escrito de parceria, meação ou comodato, de até 50% (cinqüenta por cento) de imóvel rural cuja área total não seja superior a 4 (quatro) módulos fiscais, desde que outorgante e outorgado continuem a exercer a respectiva atividade, individualmente ou em regime de economia familiar;

II – a exploração da atividade turística da propriedade rural, inclusive com hospedagem, por não mais de 120 (cento e vinte) dias ao ano;

III – a participação em plano de previdência complementar instituído por entidade classista a que seja associado, em razão da condição de trabalhador rural ou de produtor rural em regime de economia familiar;

IV – ser beneficiário ou fazer parte de grupo familiar que tem algum componente que seja beneficiário de programa assistencial oficial de governo;

V – a utilização pelo próprio grupo familiar, na exploração da atividade, de processo de beneficiamento ou industrialização artesanal, na forma do § 11 do art. 25 desta Lei; e

VI – a associação em cooperativa agropecuária.

§ 10. Não é segurado especial o membro de grupo familiar que possuir outra fonte de rendimento, exceto se decorrente de:

I – benefício de pensão por morte, auxílio-acidente ou auxílio-reclusão, cujo valor não supere o do menor benefício de prestação continuada da Previdência Social;

II – benefício previdenciário pela participação em plano de previdência complementar instituído nos termos do inciso IV do §

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9o deste artigo;

III – exercício de atividade remunerada em período de entressafra ou do defeso, não superior a 120 (cento e vinte) dias, corridos ou intercalados, no ano civil, observado o disposto no § 13 deste artigo;

IV – exercício de mandato eletivo de dirigente sindical de organização da categoria de trabalhadores rurais;

V – exercício de mandato de vereador do município onde desenvolve a atividade rural, ou de dirigente de cooperativa rural constituída exclusivamente por segurados especiais, observado o disposto no § 13 deste artigo;

VI – parceria ou meação outorgada na forma e condições estabelecidas no inciso I do § 9o deste artigo;

VII – atividade artesanal desenvolvida com matéria-prima produzida pelo respectivo grupo familiar, podendo ser utilizada matéria-prima de outra origem, desde que a renda mensal obtida na atividade não exceda ao menor benefício de prestação continuada da Previdência Social; e

VIII – atividade artística, desde que em valor mensal inferior ao menor benefício de prestação continuada da Previdência Social.

§ 11. O segurado especial fica excluído dessa categoria:

I – a contar do primeiro dia do mês em que:

a) deixar de satisfazer as condições estabelecidas no inciso VII do caput deste artigo, sem prejuízo do disposto no art. 15 da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991, ou exceder qualquer dos limites estabelecidos no inciso I do § 9o deste artigo;

b) se enquadrar em qualquer outra categoria de segurado obrigatório do Regime Geral de Previdência Social, ressalvado o disposto nos incisos III, V, VII e VIII do § 10 deste artigo, sem prejuízo do disposto no art. 15 da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991; e

c) se tornar segurado obrigatório de outro regime previdenciário; II – a contar do primeiro dia do mês subseqüente ao da ocorrência, quando o grupo familiar a que pertence exceder o limite de:

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a) utilização de trabalhadores nos termos do § 8o deste artigo;

b) dias em atividade remunerada estabelecidos no inciso III do § 10 deste artigo; e

c) dias de hospedagem a que se refere o inciso II do § 9o deste artigo.

§ 12. Aplica-se o disposto na alínea a do inciso V do caput deste artigo ao cônjuge ou companheiro do produtor que participe da atividade rural por este explorada.

§ 13. O disposto nos incisos III e V do § 10 deste artigo não dispensa o recolhimento da contribuição devida em relação ao exercício das atividades de que tratam os referidos incisos.

Estes são crimes dolosos, comissivos, comuns, instantâneos

e plurissubsistentes.38 Por se tratar de um crime plurissubsistente, a tentativa é

possível.

A Consumação ocorre com a inserção da declaração falsa

ou diversa da que deveria ter constado, sendo que não é necessário o efetivo uso

do documento.39

38 SILVA, César Dario Mariano da. Manual de direito penal. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

p. 119. 39 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 317.

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CAPÍTULO 2

FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTOS PARTICULAR

2.1 CONCEITO

O delito de falsificação de documento particular vem

tipificado no artigo 298 do Código Penal, que pune a falsidade material, ou seja,

aquela que diz respeito à forma do documento:

Art. 298 - Falsificar, no todo ou em parte, documento particular ou alterar documento particular verdadeiro:

Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa.40

A diferença existente entre os delitos tipificados nos artigos

297 e 298 do Código Penal diz respeito, tão somente, ao objeto material, pois,

naquele, o documento é público e neste, privado. Assim, tudo que foi dito com

relação ao delito de falsificação de documento público aplica-se à falsificação de

documento particular.41

Tanto o documento público quanto o privado devem ter sua

veracidade protegida, embora a maior importância do documento emanado da

atividade estatal, por carregar a presunção de veracidade ínsita a todo ato do

poder público, seja irrecusável e justifique mais severa repressão ao falsum

público.42

Assim como o público, também o documento particular é

objeto de tutela, porque do mesmo modo desperta o interesse social na

segurança e veracidade dos símbolos e atos representativos das relações 40 BRASIL, Código penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-

Lei/Del2848.htm>. Acesso em: 03 fev. 2010. 41 GREGO, Rogério. Curso de direito penal. 5 ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2009. p. 280. 42 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2004. p. 251.

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privadas. Por isso, o Estado estabelece formalidades e requisitos orientados à

ordenação das relações privadas e sua demonstração ou perpetuação. Alem

disso, impõe a exigência de veracidade e confiabilidade a toda manifestação de

vontade corporificada num documento capaz de produzir efeitos jurídicos, mesmo

que restrito às relações interindividuais às atividades ou interesses diretos do

poder público.43

De acordo com a redação constante do artigo 298 do Código

penal, podemos apontar os seguintes elementos: a conduta de falsificar em todo

ou em parte, ou alterar o documento particular.44

A melhor fórmula de definição de documento particular é o

critério negativo, que o conceitua por exclusão: particular é o documento que não

se reconhece, sequer por equiparação, como público. Documento particular é

aquele feito por particular ou entre estes, sem a intervenção oficial na sua

constituição ou expedição.45

Para Rogério Grego, conceito de documento particular é

encontrado por exclusão, ou seja, se o documento não possuir natureza pública,

seja ele formal e substancialmente público, ou formalmente público e

substancialmente privado, ou mesmo aqueles considerados públicos por

equiparação (parágrafo 2 do artigo 297 do código penal), poderá ser considerado

um documento público.46

Art. 297 - Falsificar, no todo ou em parte, documento público, ou alterar documento público verdadeiro:

Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa.

43 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2004. p. 252. 44 GREGO, Rogério. Curso de direito penal. 5 ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2009. p. 279. 45 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2004. p. 252. 46 GREGO, Rogério. Curso de direito penal. 5 ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2009. p. 280.

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§ 1º - Se o agente é funcionário público, e comete o crime prevalecendo-se do cargo, aumenta-se a pena de sexta parte.

§ 2º - Para os efeitos penais, equiparam-se a documento público o emanado de entidade paraestatal, o título ao portador ou transmissível por endosso, as ações de sociedade comercial, os livros mercantis e o testamento particular.

§ 3o Nas mesmas penas incorre quem insere ou faz inserir:

I - na folha de pagamento ou em documento de informações que seja destinado a fazer prova perante a previdência social, pessoa que não possua a qualidade de segurado obrigatório;

II - na Carteira de Trabalho e Previdência Social do empregado ou em documento que deva produzir efeito perante a previdência social, declaração falsa ou diversa da que deveria ter sido escrita;

III - em documento contábil ou em qualquer outro documento relacionado com as obrigações da empresa perante a previdência social, declaração falsa ou diversa da que deveria ter constado.

§ 4o Nas mesmas penas incorre quem omite, nos documentos mencionados no § 3o, nome do segurado e seus dados pessoais, a remuneração, a vigência do contrato de trabalho ou de prestação de serviços.47

Ainda que emitido por funcionário público, o documento terá

caráter particular sempre que não se enquadre entre os que o funcionário tem por

função emitir.

Ampliando este conceito, Cezar Roberto Bittencourt afirma

que:

Documento particular é aquele não compreendido pelo art. 297 e seu § 2 º, ou seja, é aquele elaborado sem a intervenção de funcionário ou de alguém que tenha fé pública.48

47 BRASIL, Código penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-

Lei/Del2848.htm>. Acesso em: 03 fev. 2010. 48 BITENCOURT, Cezar Roberto, Tratado de direito penal. 3. ed. São Paulo, 2008. p. 325.

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Ainda outro conceito é dado por Luiz Regis Prado:

E documento particular, em síntese, como dito acima, é aquele que se define por critério negativo: determinado o que é documento público, chega-se por exclusão à idéia de documento privado – aquele que, preenchendo os requisitos gerais próprios do documento, não consubstancia um documento público.49

Da mesma maneira que o artigo 297, a falsificação de

documento particular, possui como bem jurídico tutelado a fé pública, a confiança

que as pessoas depositam nos documentos, neste caso, particulares.

Ainda, Damásio de Jesus cita quatro características que um

documento particular deve apresentar:50

1) Forma escrita: não abrange a fotografias, cópias não autenticadas de documentos, pinturas, gravações etc. A escrita deve ter sido aposta em coisa móvel.

2) Autor determinado: a escrita anônima não configura documento.

3) Deve conter uma manifestação de vontade ou a exposição de

um fato: a simples aposição de uma assinatura em papel em branco não constitui documento. Da mesma forma, não consistem em documentos os papéis com escritos ininteligíveis ou sem sentido.

4) Relevância jurídica: é necessário que o escrito possa causar conseqüências no campo jurídico. Não constituem documentos os papéis inócuos, os que retratam fatos ou manifestações de vontade sem importância jurídica.

Ainda assim, Fernado Capez conceitua documento particular

como todo aquele que é formato "sem a intervenção de oficial ou funcionário

49 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. 3. ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2004. p. 255. 50 JESUS, Damásio E. de, Direito penal. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 56.

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público, ou de pessoa investida de fé pública", como algumas hipóteses:51

a) instrumento ou documento particular registrado no Cartório de Registro de Títulos de documentos não se transmuta em documento público, pois continua a ser documento formado sem a intervenção do funcionário público ( tabelião por exemplo ), de forma que seu registro posterior em Cartório destina-se a apenas tornar pública, por exemplo, uma locação ou uma cessão de direitos, de forma a surtir efeitos perante terceiros;

b) instrumento ou documento particular com firma reconhecida também não se transmuda em documento público. Caso a falsificação se opere sobre as próprias anotações do oficial público, aí, sim, teremos a configuração do crime de falsificação de documento público;

c) instrumento ou documento público nulo, pela falta de observância dos requisitos legais. Nessa hipótese, poderá valer como documento ou instrumento particular. Assim, qualquer falsificação ou alteração nele operada poderá constituir o crime em exame e não o de falsificação de documento público ( Código Penal, artigo 297 );

d) documentos impressos ou integralmente datilografados, sem qualquer assinatura, não podem ser considerados documento, nem mesmo particular, para os efeitos legais,de forma que qualquer falsificação ou alteração deles não configura o delito em estudo;

e) cópias não autenticadas de documento. Também não são consideradas documentos para efeitos penais.

f) documento particular sem qualquer relevância jurídica. Não pode constituir objeto material do crime em tela o documento inócuo, cujo conteúdo não gere qualquer conseqüência na esfera jurídica.

Em relação aos documentos expedidos por autoridades

religiosas, Luiz Regis Prado diz que:

51 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 324.

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É documento particular também, sem embargos da relevância que lhe é atribuída pela lei, aquele expedido por autoridade religiosa, ainda que dotado de eficácia jurídica para fins civis, como na hipótese do ato de casamento celebrado por ministro religioso de que trata a Lei 1.110, de 23.05.1950. Ao contrário do Código Penal espanhol de 1995, que equiparou à falsificação de documento público o falso cometido por qualquer autoridade religiosa em relação aos documentos de sua alçada capazes de produzir efeitos jurídicos civis, o Código brasileiro não trata especificamente dessa hipótese, de modo que não poderá ser tido como documento público.52

2.2 SUJEITOS DO DELITO

Qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do delito de

falsificação de documento particular, haja vista que o tipo do artigo 298 do Código

penal, não exige nenhuma qualidade ou condição especial.

O sujeito passivo é o Estado, bem como aquelas pessoas

que foram diretamente prejudicadas com a falsificação ou a alteração do

documento particular.

2.3 TIPICIDADE OBJETIVE E SUBJETIVA

A conduta típica não se distingue da prevista a falsificação

do documento público. É a falsificação do documento, no todo ou em parte

(contrafação total ou parcial) ou a alteração do verdadeiro. Sendo assim, o objeto

material é o documento particular, e o tipo penal preocupa-se com a forma do

documento, por isso cuida da falsidade material.

Da mesma maneira como ocorre no delito de falsificação de

documento público, Luiz Regis Prado cita que a conduta incriminada do delito do

artigo 298 do Código Penal é a seguinte:

52 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2004. p. 255.

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A conduta incriminada é a mesma do caput do artigo antecedente: falsificar, no todo ou em parte, ou alterar o documento53

Segundo Mirabete, o que irá distinguirá os crimes previstos

nos artigos 297 e 298 está no objeto material, que no caso do crime citado acima,

é o documento particular.54

Conforme esta tipificado no artigo 298 do Código Penal, esta

infração penal prevê a falsidade de natureza material, como nos mostra Rogério

Greco ao citar lições de Sylvio do Amaral:

A falsidade material incide sobre a integridade física do papel escrito, procurando deturpar suas características originais através de emendas ou rasuras, que substituem ou acrescentam no texto letras ou algarismos – é a modalidade de falso material consistente na alteração de documento verdadeiro. Ou pode constituir na criação, pelo agente, do documento falso, quer pela imitação de um original legítimo (tal como na produção de um diploma falso), quer pelo livre exercício da imaginação do falsário (como na produção de uma carta particular apócrifa) – e o caso será daqueles para os quais o legislador reservou, com sentido específico, o termo falsificação (arts. 297 e 298), que, se assim não fora, significaria genericamente todos os modos de falso documental. 55

Este documento, não necessita de formalidade especial,

basta ser feito por um particular, não sofrendo a intervenção de um funcionário

público. Segundo Damásio de Jesus, o documento público, quando nulo por vício

de forma, é considerado documento particular.56

A falsificação ou alteração deve ser apta a iludir o homo

medius, pois, se grosseira, poderá o fato constituir crime impossível ou o delito de

estelionato.

53 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2008. p. 329. 54 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. 22 ed. rev. atual. São Paulo: Atlas, 2006.

p. 223. 55 GREGO, Rogério. Curso de direito penal. 5 ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2009. p. 279. 56 JESUS, Damásio E. de, Direito penal. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 56.

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Acerca da falsificação grosseira de documento particular,

Luiz Regis Prado alega que:

O documento particular, malgrado confeccionado fora do manto da oficialidade, há de conter, também, os requisitos míninos gerais para que se possa ser tido como documento, isto é, deve apresentar: a) forma escrita; b) autor determinado; c) conteúdo; d) relevância jurídica. Daí se pode concluir que uma pintura ou um simples papel datilografado, apócrifo, não constituem documento. Não pode ser tido como documento um escrito ininteligível ou cujo conteúdo não tenha significado algum. Por fim, não se considera documento o papel sem qualquer relevância jurídica, uma anotação, para posterior lembrança, de um número de telefone [...].57

Da mesma forma, entende Damásio de Jesus:

Cuidando-se de falsificação grosseira, perceptível à primeira vista, não existe o delito, uma vez ausente a capacidade de ofender a fé pública. É necessária, pois, sua potencialidade lesiva. Não é delito a falsificação que, por não ser potencialmente lesiva, ressente-se da capacidade de causar dano. O delito não exige a produção de dano efetivo. Entretanto, requer a possibilidade de sua produção.58

Ainda em relação à falsificação grosseira Mirabete,

esclarece que:

Ausente a imitatio veritatis ou tratando-se de falsificação grosseira, reconhecível imediatamente por qualquer pessoa inesperada, não constitui crime, pois não em perigo a fé pública.59

Acerca deste crime, entende o Tribunal de Justiça do

Paraná:

57 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2004. p. 255. 58 JESUS, Damásio E. de, Direito penal. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 56. 59 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. 22 ed. rev. atual. São Paulo: Atlas, 2006.

p. 224.

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APELAÇÃO CRIME - FALSIDADE IDEOLÓGICA E FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PARTICULAR - CONDENAÇÃO - INCONFORMISMO - ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE PROVAS - SUFICIÊNCIA PROBATÓRIA - ALEGAÇÃO EXTEMPORÂNEA DE IRREGULARIDADE DO LAUDO GRAFOTÉCNICO - NULIDADE RELATIVA - PRECLUSÃO - AFIRMAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE DANO CONCRETO - DESNECESSIDADE - DEMONSTRAÇÃO, "IN CASU", DA POTENCIALIDADE LESIVA - ALEGAÇÃO DE CERCEAMENTO DE DEFESA - PRECLUSÃO TEMPORAL PARA APRESENTAR O ROL DE TESTEMUNHAS - RECURSO DESPROVIDO. 1. Alicerçado às demais provas colhidas, tanto na fase policial quanto na judicial, o laudo grafotécnico, mesmo tendo sido colhido na fase inquisitorial, é prova de grande valia e deve ser aceito integralmente, uma vez que não foi contestada durante a instrução processual a sua credibilidade. 2. O delito de falsificação de documento particular e o delito de falsidade ideológica não dependem da demonstração do prejuízo causado, bastando, para se consumarem, a potencialidade do dano. 3. Embora não tenham sido autenticadas as fotocópias enviadas ao Instituto de Criminalística, não prospera a argüição de nulidade na fase recursal se o apelante, durante a instrução criminal, não atacou o laudo e se não há dúvida quanto à autenticidade dos documentos remetidos para a formulação do laudo pericial, pois não apresentam nenhuma desconformidade com os documentos originais. 4. A inobservância, pelo acusado, do prazo para arrolar testemunhas, opera em seu desfavor, gerando, como conseqüência mais expressiva, a preclusão temporal da faculdade processual de fazê-lo. Ao advogado constituído se dá o direito de opção por razões técnicas do exercício profissional -, de produzir ou não a prova oral na instrução criminal.” ( TJPR - ApCr 0120110-9(14259) – Bocaiúva do Sul – 1ª C.Crim. – Rel. Des. Oto Sponholz – DJPR 03.06.2002).60

Em relação à folha em branco, Luiz Regis Prado afirma que

pode ser objeto tanto do falso material (na hipótese em que o falsificador, tendo

às mãos ilegitimamente o papel assinado, sem ter a incumbência de preenchê-lo,

confecciona com ele o falso documento) como da falsidade ideológica (quando o

agente recebe a outorga de lançar na folha firmada em branco um determinado

60 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2004. p. 258.

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conteúdo e o faz com abuso, falseando a verdade, seja nela escrevendo mais do

que deveria constar, seja deixando de nela incluir elementos essenciais que

deveria conter.61

O mesmo autor cita ainda que a folha assinada em branco,

enquanto não preenchida, não será ainda um documento:

A Lei pátria não desceu a tais detalhes. Mas o papel subscrito em branco pode servir à falsidade quando o autor nele lança afirmações mendazes. 62

O tipo subjetivo é representado pelo dolo, consubstanciado

na vontade livremente dirigida no sentido da falsificação ou alteração do

documento particular.

Segundo Mirabete, ocorre a inexistência do crime quando o

autor inserir cláusulas no instrumento contratual impresso, sem o propósito de

alterar a verdade e contrariar a vontade do outro contratante. Outra possibilidade

de não haver crime citada pelo autor, ocorre no lançamento de nomes de terceiros

em impresso destinado a obter atestado de residência que não causou prejuízo a

eles ou à autoridade pública que deveria expedi-lo.63

2.4 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA

A consumação ocorre com a prática, total ou parcial, de

qualquer das condutas descritas do tipo penal, independente do uso posterior ou

qualquer outra conseqüência.

Capez cita em sua obra uma lição de Hungria:

61 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2004. p. 256. 62 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2008. p. 330. 63 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. 22 ed. rev. atual. São Paulo: Atlas, 2006.

p. 225.

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Em face do Código atual, o falsum particular, do mesmo modo que o falsum público, consuma-se com a simples editio falsi,

independentemente do uso do documento falso, isto é, sem necessidade de que este saia da esfera individual do agente e inicie uma relação qualquer com outrem, de modo a poder produzir efeitos jurídicos. Como é óbvio, o processo penal somente poderá ser viável quando o documento forjado ou alterado seja exibido pelo falsário (...), ou encontrado em poder dele, seja fortuitamente, seja, por exemplo, no curso de uma busca pessoal ou domiciliar. Se o agente, após a formação do falsum, vem a suprimi-lo, antes que alguém tenha dele conhecimento, dá-se o arrependimento eficaz (...), extinguindo-se a punibilidade, mesmo porque terá desaparecido o corpus delicti e não será possível prová-lo indiretamente64.

Neste caso, é necessário que a falsificação seja perfeita ao

ponto de iludir a vítima, que tenha potencialidade ofensiva, pois caso contrário,

não haverá o crime em questão.

Já a tentativa, esta é perfeitamente possível, por se tratar de

um crime plurissubsistente. Fernando Capez cita o seguinte exemplo, que

possibilita um melhor entendimento sobre a tentativa:

[...] a hipótese em que o a gente está no início do processo de forjamento de um instrumento de cessão de direitos, em que ele figura como beneficiário, momento em que é interrompido por terceiros antes de sua finalização.65

Da mesma maneira, Julio Fabbrini Mirabete cita que:

O falsum particular, do mesmo modo que o falsum público, consuma-se com a simples editio falsi, independentemente de uso de documento falso, isto é, sem necessidade de que este saia da esfera individual do agente e inicie uma relação qualquer com outrem, de modo que possa produzir efeitos jurídicos. Em nada difere também a solução a respeito da tentativa do delito.66

64 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 325. 65 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 326. 66 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. 22 ed. rev. atual. São Paulo: Atlas, 2006.

p.225.

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2.5 PENA E AÇÃO PENAL

De acordo com o artigo 298 do Código Penal, a pena

prevista para o crime de falsificação de documento particular é de cinco anos, de

reclusão, mais a multa.

Em relação à competência esta será a da Justiça Estadual,

por se tratar de um crime de falso particular, como mostra a Súmula 104:67

Súmula 104: Compete à Justiça Estadual o processo e julgamento dos crimes de falsificação e uso de documento falso relativo a estabelecimento particular de ensino”.

A competência ratione loci é a da falsificação do documento,

no caso de não poder identificar o lugar da falsificação, fixa-se a competência

pelo local do uso do documento falso.68:

Por apresentar pena mínima de um ano, o crime em

questão, é cabível o instituto da suspensão condicional do processo, conforme

demonstra a seguir o artigo 89 da Lei 9.099/95 que trata do Juizado Especial:

Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal).

§ 1º Aceita a proposta pelo acusado e seu defensor, na presença do Juiz, este, recebendo a denúncia, poderá suspender o processo, submetendo o acusado a período de prova, sob as seguintes condições:

I - reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo;

67 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2004. p. 257. 68 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 327.

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II - proibição de freqüentar determinados lugares;

III - proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do Juiz;

IV - comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades.

§ 2º O Juiz poderá especificar outras condições a que fica subordinada a suspensão, desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado.

§ 3º A suspensão será revogada se, no curso do prazo, o beneficiário vier a ser processado por outro crime ou não efetuar, sem motivo justificado, a reparação do dano.

§ 4º A suspensão poderá ser revogada se o acusado vier a ser processado, no curso do prazo, por contravenção, ou descumprir qualquer outra condição imposta.

§ 5º Expirado o prazo sem revogação, o Juiz declarará extinta a punibilidade.

§ 6º Não correrá a prescrição durante o prazo de suspensão do processo.

§ 7º Se o acusado não aceitar a proposta prevista neste artigo, o processo prosseguirá em seus ulteriores termos.69

Em relação à ação penal, esta será pública incondicionada.

2.6 DISTINÇÃO ENTRE FALSIDADE MATERIAL E FALSIDADE IDEOLÓGICA

No que diz respeito a diferenças entre falsidade material e

falsidade ideológica, na primeira o que se falsifica é a materialidade gráfica e

visível, enquanto na segunda é a penas o teor ideativo.70A respeito da falsidade

ideológica, Fernando Capez possui o seguinte entendimento:

69 BRASIL, Código penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L9099.htm >.

Acesso em: 10 fev. 2010. 70 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. 22 ed. rev. atual. São Paulo: Atlas, 2006.

p. 225.

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Diferentemente dos delitos precedentes, estamos agora diante do chamado falso ideológico, aquele m que o documento é formalmente perfeito, sendo, no entanto, falsa a idéia nele contida. O sujeito tem legitimidade para emitir o documento, mas acaba por inserir-lhe um conteúdo sem correspondência com a realidade dos fatos. Assim, uma escritura lavrada pelo funcionário do Cartório do Registro de Imóveis é formalmente perfeita, pois a ele incumbe formar o instrumento público. Entretanto, se essa escritura encerrar declarações falsas prestadas pelo particular haverá o crime de falso ideológico. 71

Neste caso o documento é formalmente correto, sendo,

porém, falsa a idéia nele expressa. Aquele que emite o documento tem efetiva

legitimidade para tanto. No entanto, acaba inserindo-lhe um conteúdo falso.

Ainda sobre a falsidade ideológica, César Dario Mariano cita

que:

Na falsidade ideológica (falso ideal) a forma do documento é verdadeira, mas o seu conteúdo é falso. O documento tem a forma perfeita, mas o conteúdo é falso. O documento tem a forma perfeita, mas o conteúdo intelectual dele é falso; suas idéias é que são falsas.72

Já em relação à falsidade material, aqui não se trata da

perfeição da idéia contida no documento, mas sim da adulteração da forma,

sendo o aspecto externo forjado, contrafeito, alterado.

Conforme explica Fernando Capez:

Conclui-se com base nessa lição que o documento ideologicamente falso é elaborado por pessoa que tinha a incumbência de fazê-lo, a qual, no entanto, insere conteúdo inverídico, ao passo que, no falso material, forja-se um documento, falsifica-se a assinatura ou se procede a alguma modificação na estrutura do documento, daí o porquê de somente

71 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 327. 72 SILVA, César Dario Mariano da. Manual de direito penal. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

p. 123.

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se exigir prova pericial quando a falsidade for material.73

Neste caso, o falso incide sobre o aspecto externo do

documento, recaindo sobre o elemento físico do papel, onde o objeto material

pode ser criado ou alterado delo autor, como ocorre na falsificação de documento

público ou particular.74

73 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2004. p. 219. 74 SILVA, César Dario Mariano da. Manual de direito penal. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

p. 123.

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CAPÍTULO 3

OS CRIMES VIRTUAIS

3.1 OS CRIMES DA INTERNET

Na Internet, impera a liberdade virtual de caráter ilimitado; é

justamente na falta de limites territoriais que se criam os problemas éticos e

jurídicos e residem as maiores dificuldades para a aplicação do direito nas áreas

civil e penal.

Os usuários dos sistemas de rede de computadores

dispõem livremente de sites, home pages, programas, portais e e-mails

eletrônicos, e a eles podem ter acesso adultos, adolescentes e até crianças. Este

livre acesso à Internet gera uma série de questionamentos sobre o estado da

capacidade das pessoas, da responsabilidade civil e penal dos agentes, da

vontade, privacidade, intimidade e honra dos operadores e usuários, bem como

problemas de domicílio, território, jurisdição e direitos autorais dos dados e das

informações armazenadas e acessadas sem fixação de tempo e espaço.

A liberdade de acesso aos sistemas mundiais de

computadores veio facilitar a ação ilícita de pessoas possuídas de maus instintos

e de intenções inferiores quase sempre criminosas. Sempre existiram pessoas

que racionalmente desejam atingir reputações alheias e ferir a honra do próximo,

sentindo, na prática dessas ações ilícitas e injustas, especialmente porque se

ocultam por trás de um covarde anonimato.

A Internet, ao mesmo tempo em que assume no mundo da

comunicação contemporânea a condição técnico-científica de maior fonte

universal de agilidade no tráfico das informações direcionadas à pesquisa de

novos conhecimentos, transforma-se também em instrumento perigoso para a

divulgação de acusações falsas e irresponsáveis; são ameaças, inverdades,

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violências e até crimes, sem pouca ou quase nenhuma possibilidade de repressão

ou punição aos infratores.

Presentemente, informam os órgãos de comunicação, o

Brasil é varrido, de norte a sul, por uma onda de ameaças pessoais e violências

políticas. Dessa situação insólita aproveitam-se delinqüentes eletrônicos que, sem

escrúpulos e medo de punição, utilizam as redes informatizadas, e ocultando-se

sob codinomes nos labirintos da Internet, digitam sites intimidatórios contra

políticos brasileiros.

Para isso, Informática e Direito terão que se abrir um para o

outro, pois, caso contrário, a sociedade estagnar-se-á arraigando-se na

segurança fornecida pelo Direito ou caminhará para o caos na velocidade

estonteante da evolução tecnológica.

Aparentemente trata-se de praxe digital sem maiores

conseqüências danosas ou criminais; o problema mais grave surge quando

pessoas inescrupulosas e mal intencionadas se servem do anonimato para

divulgar inverdades com foros de verdade, implantando na comunidade condutas

mentirosas, desvirtuadas e deliberadamente ilícitas que os internautas, por

solidariedade ou simpatia com a versão divulgada, passam adiante como se

verdade fosse e sem medir as conseqüências nefastas.

O Direito brasileiro só agora parece despertar para essa

urgente necessidade de criação de normas legais que disciplinem os crimes

cometidos por meio de computadores. A legislação brasileira não está

conseguindo acompanhar a velocidade das inovações tecnológicas e o princípio

constitucional do nullum crimen, nulla poena sine lege, artigo 5 XXXIX da CF,

proíbe expressamente que se crie crimes por analogia:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

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XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;75

A doutrina também parece ignorar o problema e se detém

diante das dificuldades que os conceitos técnicos da Ciência da Computação

impõem ao estudo das questões legais pertinentes ao assunto. A jurisprudência,

por outro lado, pouco se pronunciou a esse respeito, talvez porque as polícias

também não estejam tecnicamente preparadas para investigações de delitos

cometidos por computador.

Tais crimes apresentam-se de várias formas destacando-se

dentre elas a violação dos direitos autorais sobre softwares, o furto de tempo e o

dano causado pelos famosos vírus de computador.76 Com o surgimento da

Internet, rede mundial de computadores, o número desses crimes aumentou

significativamente. Como lembra Maria Helena Junqueira Reis:

A gama de delitos que podem ser perpetrados pela Internet é quase infinita. A lista inclui o mau uso dos cartões de crédito, ofensas contra a honra, apologia de crimes, como racismo, ou incentivo ao uso de drogas, ameaças e extorsão, acesso não autorizado a arquivos confidenciais, destruição e falsificação de arquivos, programas copiados ilegalmente e até crime eleitoral (propaganda não autorizada por exemplo) dentre outros.77

As naturezas jurídicas destes dispositivos legais cingi ao fato

de impor limites para a discricionariedade punitiva estatal, sendo um verdadeiro

corolário da reserva legal. Como bem salienta o penalista Cezar Roberto

Bitencourt:

75 BRASIL, Constituição Brasileira. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituiçao.htm. Acesso em 23 fev. 2010. 76 REIS, Maria Helena Junqueira. Computer crimes; a criminalidade na era dos computadores.

Belo Horizonte: Del Rey, 1996. p.30 77 REIS, Maria Helena Junqueira. Computer crimes; a criminalidade na era dos computadores. Belo Horizonte: Del Rey, 1996. p.62

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O principio da legalidade ou da reserva legal constitui efetiva limitação ao poder punitivo estatal. Feuerbach, no inicio do século XIX, consagrou o principio da reserva legal por meio da fórmula latina nullum crimen, nulla poena sine lege. O principio da reserva legal é um imperativo que não admite desvios nem exceções e representa uma conquista da consciência jurídica que obedece a exigências de justiça; somente os regimes totalitários o têm negado.78

Neste sentido, Nélson Hungria:

Antes de ser um critério jurídico-penal, o nullum cirmen, nullum poena sine lege é um princípio (político-libera), pois representa um anteparo da liberdade individual em face da expansiva autoridade do Estado.)79

Ainda sobre o princípio da legalidade, ensina Francisco de

Assis Toledo que:

[...] nenhum fato pode ser considerado crime e nenhuma pena criminal pode ser aplicada, sem que antes desse mesmo fato tenham sido instituídos por lei, o tipo delitivo e a pena respectiva, constitui uma real limitação ao poder estatal de interferir na esfera das liberdades individuais [...].(10) 80

Diante disto denota-se que para a sua caracterização, o

crime necessita de: a) uma tipificação expressa como crime por lei; b) conduta

(comissiva ou omissiva); c) que sendo expressa como tal, esteja válida ou apta a

surtir efeitos perante todos (erga omnes). Diz-se, assim, que é o tipo penal, ou

seja, a conduta considerada como atentatória à norma.

A tipificação penal é um incansável objeto de estudo por

parte dos nossos grandes penalistas, como por exemplo Damásio de Jesus.

Onde o mesmo, afirma que são quatro os elementos integrantes do fato típico:

78 Código Penal Comentado, Saraiva,2001.pág. 2. 79 Comentários ao Código Penal, v. I, t. I, 5ª ed., Forense,2001. p. 22. 80 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal, Saraiva, 2007. p. 21.

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1º) conduta humana dolosa ou culposa;

2º) resultado;

3º)nexo de causalidade material entre a conduta comissiva e o resultado;

4º)enquadramento do fato material (conduta, resultado e nexo causal) a uma norma penal incriminadora (tipicidade). 81

Sobre o princípio da legalidade ensina Francisco de Assis

Toledo que:

[...] nenhum fato pode ser considerado crime e nenhuma pena criminal pode ser aplicada, sem que antes desse mesmo fato tenham sido instituídos por lei, o tipo delitivo e a pena respectiva, constitui uma real limitação ao poder estatal de interferir na esfera das liberdades individuais [...].82

A teoria da tipicidade visa classificar as condutas humanas

em normas penais proibitivas, ou como preferem alguns doutrinadores, em

normas negativas, incriminando todos os fatos que possam estar desviados de

uma conduta aceita socialmente.

Tudo, tendo como paradigma principal, os critérios de

censurabilidade da sociedade, formalizando essas ações na legislação criminal.

Para os transgressores dessas normas, impõe-se uma sanção penal, que é

geralmente a pena privativa de liberdade.

O processo pelo qual se verifica uma transgressão à norma

penal, e devido a tal agressão, poderá cominar com uma aplicação de uma pena.

Ficou patenteada na doutrina pátria como sendo o principio da criminalização.

Conforme ensina Luiz Flávio Gomes:

81 JESUS, Damásio E. de, Imputação objetiva. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 3. 82 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal, São Paulo: Saraiva, 2008.

p. 21

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Por criminalização (stricto sensu) entende-se o processo que reconhece formalmente a ilicitude de uma conduta, descrevendo-a como infração penal ou transformando-a de contravenção em delito.83

Em muitos casos, devido à ausência de norma que tipifique

tais crimes, têm, os Tribunais, se socorrendo da analogia para o ajustamento da

conduta atípica à norma penal, o que pelo Princípio da Legalidade, onde se

assenta o nosso Direito punitivo, é terminantemente proibido o emprego da

analogia em matéria penal.

Portanto pela exegese do principio penal da legalidade, os

crimes praticados atualmente pelos hackers, são isentos de punição.

Neste caso, carecem estes indivíduos, da devida sanção

penal por absoluta falta de tipificação legal de tal delito, bem como na falta de

legislação específica que as regule.

É muito complicado e problematizante num sistema

universal de computadores em que se permite ampla liberdade de acesso

responsabilizar os boateiros, os difamadores ou os criminosos, seja pela ação

quase impossível de identificação, seja pela falta no Brasil de legislação

específica que previna e reprima a prática de crimes virtuais. O que, em princípio,

ocorre entre os internautas é um ambiente de impunidade que sempre mais

estimula as práticas abusivas e ofensivas contra pessoas públicas ou privadas.

É certo que, muitas vezes, sites, portais e e-mails eletrônicos

fraudulentos, virtual e potencialmente intimidatórios, não chegam a causar

maiores danos à sociedade, embora provoquem desordem e intranqüilidade em

muitos espíritos. A questão modifica-se quando as práticas virtuais são tipificadas

como crimes na legislação codificada ou extravagante. Os absurdos de práticas

antijurídicas cometidos diariamente pela Internet têm levado o governo e a

população a acreditar que está na hora de responsabilizar, não somente as

publicidades enganosas e os danos da área civil, mas também os crimes da área 83 GOMES, Luiz Flávio. Suspensão Condicional do Processo Penal, São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2009. p.101.

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penal perpetrados por pessoas que difundem informações delituosas com

intenção de atingir a honra e o patrimônio de cidadãos públicos ou privados.

Falsidades, inverdades e informações criminosas

transmitidas pela Internet causam, tanto danos civis como ofensas penais, e estão

a exigir do ordenamento jurídico a correspondente reparação ou repressão.

Inserem-se no conceito virtual as informações que caracterizam os crimes contra

crianças, os ataques ameaçadores contra empresas e organizações públicas ou

privadas, as práticas de infidelidade conjugal e as ações antijurídicas de hackers,

quando desvirtuam dados, desatualizam informações, difamam desafetos e

maldosamente compilam e programam novas informações com o fim de embair a

boa-fé dos incautos.

Informações falsas e ilícitas, quando trabalhadas com

técnica e habilidade por hackers da Internet, ganham foros de verdade, sem falar

ainda do efeito psicológico negativo que causam alguns programas e sites,

inclusive desvirtuados por vírus. O uso bom, ótimo e excelente da Internet,

mesmo quando intencionalmente desqualificado para o uso mau, péssimo e

criminoso, não desmerece a relevância virtual dos sistemas de rede de

computadores, como veículo de comunicação instantânea e de fonte inesgotável

de pesquisa e de acumulação de novos conhecimentos.

Um crime que vem tornado cada vez mais freqüente é o da

clonagem de perfil de sites de relacionamento, sites como Orkut e faceboock.

No começo da febre do Orkut, os alvos da clonagem de

perfis eram as celebridades. Assim que elas eram identificadas no site de

relacionamentos ou se tornavam famosas (como aconteceu com Katilce Miranda,

fã que dançou com Bono no show do U2, em São Paulo) surgiam diversos perfis

idênticos ao original, inclusive com cópia do álbum de fotos. Em alguns casos, o

falsário usa seu próprio nome ou cria uma terceira identidade, copiando “apenas”

dados do perfil e as fotos de sua vítima. Quando o roubo se refere apenas às

fotos, e não aos textos, fica muito mais difícil descobrir a clonagem, já que não há

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como fazer buscas por imagens nesse site do Google.84

Não há uma única razão para esse tipo de imitação: muitas

vezes ela é feita para difamar o verdadeiro dono das informações, enquanto em

outras os fraudadores apenas gostam daquilo que vêem no perfil alheio. Assim,

eles simplesmente copiam tudo o que encontram pela frente, na qual torna-se

impossível de enquadrar esta prática criminosa com algum crime reconhecido

pelo Código Penal brasileiro.

O número de clonagem de perfil aumenta a cada dia, e

conseqüentemente, a Internet necessita com urgência de regulamentação

compatível com a responsabilidade dos infratores, sempre que for possível a

difícil identificação dos autores de crime de informática.

O processo de regulamentação depende de uma ação

constante das autoridades públicas e do próprio poder privado na busca de novos

e mais eficientes mecanismos legislativos de prevenção e de repressão que

inibam as deformações de dados e de acesso aos sistemas virtuais. A maior

dificuldade é identificar o autor ou o infrator, sem restringir-lhe a liberdade das

informações e do acesso.

Cada mensagem eletrônica, apesar de sua virtualidade,

deixa vestígio e não se tem como fugir de um controle mais rígido. Na prática,

trata-se de uma questão técnica que envolve a ação de programadores, de

usuários que acessam as informações e de provedores por onde a mensagem

passa, podendo-se atribuir responsabilidade a quem realmente assume a conduta

incriminada. É na mensagem, na qual se situam os vestígios das informações que

se inicia o ponto de partida para rastrear fatos concretos e encontrar o remetente

ou o autor que registrou os dados pela Internet Protocol.

84 https://www.safernet.org.br/site/noticias/usu%C3%A1rios-orkut-copiam-perfil-an%C3%B4nimos. Acesso em 22 de fev. de 2010.

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3.2 SUJEITOS ATIVOS: HACKERS, CRACKERS

Para poder alcançar o sujeito do delito, ou o autor do crime,

o direito penal não pode alcançar pessoas abstratas, virtuais. Não podemos, na

sanha de condenar, aplicar a sanção penal aquele que pela sua conduta não

concorreu de qualquer modo para a caracterização do evento criminoso.

Diante deste fato é que os crimes perpetrados neste

ambiente se caracterizam pala ausência física do agente ativo, por isso, ficaram

usualmente definidos como sendo crimes virtuais, ou seja, os delitos praticados

por meio da internet são denominados de crimes virtuais, devido à ausência física

de seus autores.

Não basta, para a aplicação da sanção penal, o

conhecimento superficial sobre a identidade do acusado, não se trata de

homonímia, mas da comprovação de que aquele que se figura como imputado

realmente praticou o que lhe é imputado.

Um expert em informática como os crackers, podem

perfeitamente se apropriar de uma senha alheia e utilizá-la para diversos fins.

Desta feita, estaria usando a identidade alheia, aplicando golpes ou simplesmente

navegando na internet como se fosse o titular daquele código ou senha. Esta

prática ocorre também nas falsificações de identidades, ou seja, senhas de perfis

são roubadas e conseqüentemente usadas indevidamente pelo sujeito, fazendo-

se passar por uma pessoa que não é.

Daí a preocupação em determinar a sua real identidade

para que a pretensão punitiva seja justa e contra aquele que realmente perpetrou

o delito.

Genericamente HACKER é uma denominação para alguém

que possui uma grande habilidade em computação. Cracker, black-hat ou script

kiddie neste ambiente denomina aqueles hackers que tem como hobby invadir

computadores. Portanto a palavra hacker é gênero e o craker espécie.

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O que torna o Brasil a seara destes aventureiros virtuais é a

facilidade de atuação e a impunidade por parte de nossas leis. Basta destacar

que o Comitê Gestor de Internet no Brasil, órgão federal de fiscalização e controle

deste meio de comunicação, somente em 1989 recebeu cerca de 3.107

notificações de incidentes de segurança, suspeita-se ainda, que esses números

possam ser de maior monta, devido à política adotada pelas empresas de

encobrir invasões devido à má publicidade advinda de uma suposta falta de

segurança em seus sites.

Apesar disto o Direito Penal, como todos os ramos do

Direito, encontra-se desprovido de meios para conter tais abusos virtuais.

3.3 CIBERCULTURA

A cibercultura, basicamente com o domínio da Internet,

tomou conta do mundo contemporâneo e globalizado. Segundo Lévy:

A cibercultura consiste em reconhecer a importância de dois valores evidentes. Em primeiro lugar, cresce no ciberespaço uma corrente internacional de pessoas e de grupos ávidos de criatividade, em geral formados de jovens, que visam experimentar e consolidar coletivamente formas tecnológicas de comunicação, diferentes daquelas que as mídias clássicas vinham propondo ao mundo globalizado. Em segundo lugar, o mundo contemporâneo está vivendo a abertura de um novo espaço de comunicação virtual para a aquisição de uma cultura mais sólida e sofisticada; cabe apenas à humanidade, às sociedades civis e políticas, e, sobretudo aos governos estatais, explorar as potencialidades positivas, desalojando as negativas e criminosas do espaço privilegiado da informática com o objetivo de melhorar a qualidade da vida econômica, política, social, cultural e técnica dos seres humanos.85

É claro que nem tudo o que é experimentado, programado e

construído nas redes digitais de comunicação, seja o mais consciente, adequado

e justo como cultura nova que se afirma nas sociedades globalizadas. A

85 LÉVY, Pierre. Cibercultura (trad. Carlos Irineu da Costa). São Paulo: Editora 34, 2001, p.11.

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verdadeira questão não significa ser ou estar contra ou a favor da cibercultura

concretizada pela Internet, mas reconhecer e assimilar as transformações

culturais de qualidade que o ciberespaço investe pesado na economia, no

comércio, na educação, no saber e na tecnologia por meio da interação universal

das redes de comunicação digital.

Cada vez mais criam-se portais eletrônicos de comércio e de

cultura, serviços pagos, e se introduzem sites e programas gratuitos, sem fins

lucrativos, que cultivam a atenção dos usuários. Essa tendência de oferta de bens

e serviços virtuais aos que freqüentam os sistemas de rede de computadores

acelera o processo de globalização econômica, comercial, turística e de

intercâmbio cultural. A atração pela Internet é tão grande que tudo está a

evidenciar que haverá um crescimento vertiginoso da forma e do conteúdo da

linguagem nos próximos anos.

As expressões "cibercultura", "ciberespaço" e "Internet"

operam em todas as dimensões, sem limites de tempo e lugar, o processo da

construção das condutas sociais, políticas e jurídicas, fazendo explodir, como

proclama Lévy, nos espíritos, a busca da maior quantidade e da melhor qualidade

dos dados disponíveis e multiplicando, em conseqüência, a linguagem das

informações e o processo de aprimoramento da comunicação virtual dos textos.86

Na era em que a Internet virtualiza as informações dos

textos, não cabe à humanidade e aos poderes público e privado rechaçar a

realidade do novo e universal conhecimento da cibercultura.

Por ser o processo da virtualização, da linguagem e do texto

diferente das formas e dos instrumentos que antecederam à cultura da Internet,

não é justo condenar as informações da comunicação virtual sob o frágil

argumento de que os programas informáticos são construídos, lidos e

interpretados com base na indeterminação da realidade virtual, em contraponto à

determinação da linguagem e dos textos reais.

86 LÉVY, Pierre. Cibercultura (trad. Carlos Irineu da Costa). São Paulo: Editora 34, 2001, p.13.

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É fundamental saber que a globalização virtual dos sistemas

de rede de computadores não depende exclusivamente da auto-suficiência dos

textos, da fixação real da linguagem e de uma independência de significações. A

Internet virtualiza a construção da linguagem e dos textos, que são transmitidos

ao mundo por meio da interconexão das mensagens digitadas, dados

informatizados, aos quais se vinculam permanentemente comunidades virtuais

entre si, e lhes dão sentido de forma criativa. Dessa forma, reforça Lévy:

Existe uma renovação constante e, de certo modo, uma interação totalizante, numa tendência lógica de variar e diversificar o sentido e a interpretação das informações.87

Certamente, as inúmeras mensagens e as informações

virtuais dos textos continuarão a ser digitadas, lidas e interpretadas, e sempre

oferecerão novas respostas aos signos lingüísticos construídos pela tecnologia

digital num processo transversal e de produção interativa de comunicações e de

informações. Em princípio, parece que a linguagem e os textos jurídicos,

conseqüência e não causa das informações virtuais, encontram-se fora do campo

de ação e de atuação da Internet, mesmo porque a virtualização dos textos

independem das questões jurídicas para operar a comunicação entre si.

O ciberespaço, como novo sistema de rede de comunicação,

nasce e se desenvolve a partir da ação da linguagem e dos textos por intermédio

da interconexão de computadores e de usuários que programam mensagens,

operam dados e transmitem informações em cadeia mundial. Cria-se, assim no

entender de Lévy, a cibercultura, conjunto de técnicas, de práticas, de condutas,

de modos de pensamentos e de valores que alavancam o ritmo e o

desenvolvimento das comunicações digitais e consolidam a virtualização cultural

no ciberespaço.88

Por sua vez, a virtualização ciberespacial pode ser

conceituada como o movimento diferente da atualização real, sendo esta a

87 LÉVY, Pierre. Cibercultura (trad. Carlos Irineu da Costa). São Paulo: Editora 34, 2001, p.15. 88 LÉVY, Pierre. Cibercultura (trad. Carlos Irineu da Costa). São Paulo: Editora 34, 2001, p.17.

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solução de um dado problema não contido ou interpretado previamente nos

enunciados lingüísticos das informações digitais. Adianta Lévy que, na sociedade

contemporânea, a organização clássica de uma empresa pública ou privada

reúne seus empregados no mesmo prédio ou num conjunto de departamentos ou

divisões reais.89 Cada empregado ocupa um posto real de trabalho e o livro de

ponto especifica os horários das jornadas. Tudo e todos estão bem situados no

plano da realidade.

Diferentemente, é o que ocorre com uma empresa virtual,

que se serve principalmente do teletrabalho. O processo da empresa virtual tende

a substituir a presença física e real dos empregados no local de trabalho pela sua

participação numa rede de comunicação eletrônica e pelo uso de recursos e

programas que favoreçam a adesão e a cooperação de todos os que a ela se

integram virtualmente. Assim, a virtualização da empresa consiste sobretudo em

fazer das coordenadas referentes ao tempo-espaço do trabalho um problema

sempre repensado, e nunca uma solução real e estável como acontece no

processo de atualização.

Verifica-se, em conclusão, que o centro de gravidade da

organização virtual não é mais um conjunto atual, físico e real de departamentos

ou seções, de postos de trabalho e de livros de ponto, mas um processo de

coordenação virtual que redistribui de forma diferente as coordenadas tempo-

espaço da coletividade do trabalho, colocando cada um dos seus membros em

funções e em sintonia com as exigências virtualmente descritas nas informações.

A atualização vai de um dado problema a uma solução real; a virtualização passa

de um problema, de enunciado e conteúdo virtual, a um outro problema, para o

qual pode ser sempre buscada uma solução real. A virtualização é um dos

principais vetores da criação da liberdade humana; o virtual existe e é valorizado

pelo processo criativo da linguagem e do texto, objeto da cibercultura e da

Internet.

89 LÉVY, Pierre. Cibercultura (trad. Carlos Irineu da Costa). São Paulo: Editora 34, 2001, p.17.

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3.4 NOVOS TIPOS PENAIS: CRIME VIRTUAL

Em relação à conceituação e tipificação penal dos crimes

praticados no cyber - espaço tendo como centro o princípio constitucional da

legalidade, o qual se encontra no nosso ordenamento legal infraconstitucional no

art. 1º do Código Penal.

Art. 1º - Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal.90

Ao analisar este princípio, verifica-se que só há conduta

considerada como criminosa para efeito penal, se a mesma vier expressamente

definida neste sentido. Não se pode aplicar a norma penal por analogia, devendo

este princípio ser observado friamente, sob pena de se praticar uma coação ou

constrangimento ilegal.

Neste sentido, Heleno Cláudio Fragoso expõe:

Uma nova função veio a ser atribuída modernamente ao princípio da reserva legal: proíbe ele a incriminação vaga e indeterminada, que não permite saber de forma exata qual é a conduta incriminada. Como diz mestre SOLER, ´a só existência de lei prévia não basta; esta lei deve reunir certos caracteres: deve ser concretamente definitória de uma ação, deve traçar uma figura cerrada em si mesma, por meio da qual se conheça não apenas a conduta compreendida, mas também qual é a não compreendida.91

Atualmente tramita no Congresso Nacional, vários projetos

de lei no sentido de classificar as condutas consideradas criminosas por meio

da INTERNET, bem como a sua correta utilização. Entre eles, destaca-se o

Projeto de Lei n.º 3356/00 de autoria do Deputado Osmânio Pereira (PSDB-

90 BRASIL, Código penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-

Lei/Del2848.htm>. Acesso em: 24 fev 2010. 91 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao Código Penal, 5ª ed., São Paulo: Forense, 2008. p. 223.

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MG), que dispõe sobre uma possível alteração do Código de Defesa do

Consumidor para incluir os crimes virtuais:

O Código de Defesa do Consumidor poderá ser alterado para incluir os crimes virtuais. É o que pretende o Projeto de Lei 3356/00, do deputado Osmânio Pereira (PSDB-MG), que define os crimes praticados na Internet e fixa penas para os infratores. A proposta cria vínculos de responsabilidade entre o provedor e o administrador da rede; e dá ao consumidor o direito de submeter-se ou não ao fornecimento de informações. Outra novidade é a proibição da divulgação de dados que contenham, direta ou indiretamente, informações sobre origem racial, opiniões políticas ou filosóficas, opção sexual ou filiação do usuário a qualquer tipo de entidade. As penas previstas pelo PL chegam a quatro anos de reclusão e multas que variam de R$ 2 a 10 mil reais. O projeto tramita apensado ao PL 1070/95, onde aguarda parecer do relator, deputado Luiz Piauhylino (PSDB-PE), na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática. De lá, a matéria segue para a Comissão de Constituição e Justiça e de Redação; e para o Plenário da Câmara.92

É nesta nova realidade que assistimos o surgimento de um

novo tipo penal, no qual o delinqüente utiliza o computador doméstico ou não,

como meio de praticar uma gama de delitos.

3.5 A PROTEÇÃO PENAL NOS CRIMES VIRTUAIS

Analisando o Direito Penal, pode-se afirmar, que o

mesmo, tem como escopo principal proteger um determinado objeto de uma

agressão ilícita, portanto o objeto de proteção por parte do mesmo há de ser

específico e determinado. O crime em uma visão lato é uma agressão a um bem

tutelado pelo Estado e prevista em lei como tal.

Entretanto no que diz respeito aos crimes virtuais há de se

especificar quais são os objetos a serem tutelados pela norma penal. Se

92 http://www2.camara.gov.br/agencia/noticias/NAO-INFORMADO/21165-PROJETO-PENALIZA-

CRIMES-VIRTUAIS.html. Acesso em: 24 fev. 2010.

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observarmos, por exemplo, que a conduta do indivíduo teve como objetivo

"invadir" um computador alheio apenas com o condão de visualizar suas

correspondências (e-mails), aponta-se como objeto de tutela pelo estado a

intimidade do indivíduo atacado, intimidade esta, indevidamente afrontada.

Também deve ser registrada a crescente onda de usuários

que utilizam a internet com o intuito de divulgar e adquirir fotos de menores e

adolescentes, o fim lascivo desta pretensão pode ser denominado de pedofilia e,

como objeto a ser resguardado pela norma penal, encontram-se os costumes.

Como mostra o nosso Tribunal:

PROCESSO PENAL. COMPETÊNCIA. CRIME TIPIFICADO NO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. CONSUMAÇÃO E EXAURIMENTO NO EXTERIOR. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. I - Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes cuja consumação se deu em território estrangeiro (art. 109, V, CF). II - O crime tipificado no art. 241 do Estatuto da Criança e do Adolescente, consubstanciado na divulgação ou publicação, pela internet,de fotografias pornográficas ou de cenas de sexo explícito envolvendo crianças ou adolescentes, cujo acesso se deu além das fronteiras nacionais, atrai a competência da Justiça Federal para o seu processamento e julgamento. III - Ordem denegada.(STF – HC 86289/ GO – Goiás – Primeira Turma – Ministro Ricardo Lewandowski – DJ 20-10-2006 PP-00296)

Devido ao caráter subjetivo exposto no art. 241 da Lei n.º

8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), os crimes

de pedofilia vêm tendo assento neste dispositivo de caráter penal com grande

sucesso, frise-se, graças ao caráter subjetivo constante no mesmo, impondo um

pena de reclusão de um a quatro anos, para aqueles que atentarem contra o

disposto neste artigo:

Art. 241. Vender ou expor à venda fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente:

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Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.93

Mesmo assim, para imputar-lhes a pratica desta ação é

preciso comprovar a sua participação neste delito, o que vem se tornando um

grande desafio às autoridades policiais.

Outro crime que vem se tornado muito comum na internet,

são os de clonagem de perfil de site de relacionamentos, onde a vítima possui a

sua intimidade invadida. Mas a ação destes agentes não para com a simples

clonagem, muitos vai além deste delito, ou seja, utilizam os dados da vítima para

utilizar o sistema operacional de um Banco ou outra Instituição Financeira para

desviar valores, mesmo sem subtrair fisicamente uma coisa móvel para si, houve

no caso, como resultado final, uma alteração ilícita do dominius daqueles valores

em favor do subtraens, o que constitui uma violação atentatória contra a

propriedade do dominus. Portanto, como via de conseqüência, o objeto a ser

tutelado é o direito à propriedade.

O problema neste caso, se resume na leitura da norma

tipificadora do furto e o que venha a ser considerado furto virtual. Tomemos por

exemplo um furto de um arquivo ou um programa constante em um banco de

dados privado, onde o agente delituoso acessa clandestinamente e secretamente

o copia ou, outros arquivos quaisquer que sejam do seu interesse. O art. 155 do

Código Penal Brasileiro, que tipifica o crime de furto, ao dispor que deve haver

uma diminuição do patrimônio, ou pela definição que a jurisprudência pátria têm

assentado, de que a resseja retirada da esfera de proteção do seu dono:

Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

§ 1º - A pena aumenta-se de um terço, se o crime é praticado durante o repouso noturno.

93 BRASIL, Estatuto da criança e do adolescente. Disponível em: <

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm >. Acesso em: 24 fev 2010.

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§ 2º - Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa.

§ 3º - Equipara-se à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico.

Furto qualificado

§ 4º - A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido:

I - com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa;

II - com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza;

III - com emprego de chave falsa;

IV - mediante concurso de duas ou mais pessoas.

§ 5º - A pena é de reclusão de 3 (três) a 8 (oito) anos, se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior.94

Apesar de não haver uma diminuição no patrimônio do

sujeito passivo, pois permanece em seu banco de dados os arquivos furtados e,

ou copiados clandestinamente, houve tecnicamente uma subtração de um bem

imóvel e um acréscimo, uma vantagem ilícita para o autor, em detrimento daquele,

sem que ao menos cometesse o crime estampado no art. 155 do Código Penal.

Dentre os crimes virtuais mais comuns segundo uma

pesquisa realizada:

94 BRASIL, Código penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-

Lei/Del2848.htm>. Acesso em: 24 fev 2010..

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Roubo de identidade: Os piratas virtuais enganam os internautas e se apoderam de suas informações pessoais para fazer compras on-line ou realizar transferências financeiras indevidamente. para ver como funcionam as fraudes virtuais.

Segundo o IPDI (Instituto de Peritos em Tecnologias Digitais e Telecomunicações), pessoas que usam a informática para roubar identidades podem responder por estelionato, furto mediante fraude, intercepção de dados, quebra de sigilo bancário e formação de quadrilha.

Pedofilia: Internautas criam sites ou fornecem conteúdo (imagens e vídeos) relacionado ao abuso sexual infantil.

Calúnia e difamação: Divulgação de informações --muitas vezes mentirosas-- que podem prejudicar a reputação da vítima. Estes crimes tornaram-se mais comuns com a popularização do site de relacionamentos Orkut.

Ameaça: Ameaçar uma pessoa --via e-mail ou posts, por exemplo, afirmando que ela será vítima de algum mal.

Discriminação Divulgação de informações relacionadas ao preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Também tornou-se mais comum com a popularização do Orkut.

Espionagem industrial: Transferência de informações sigilosas de uma empresa para o concorrente. A tecnologia facilita este tipo de ação, já que um funcionário pode copiar --em um palmtop ou memory stick, por exemplo-- o equivalente a quilos de documentos.95

É preciso destacar que os freios políticos, econômicos,

tecnológicos e jurídicos, utilizados na Internet para assegurar e não desqualificar

a diversidade mundial dos usuários são efetivamente frágeis em relação às

condutas antijurídicas praticadas no ciberespaço. Tal fragilidade demonstra que os

freios jurídicos pouca ou nenhuma segurança garantem aos internautas, mesmo

porque princípios e regras jurídicas não podem deixar de existir para todos no

95 http://www1.folha.uol.com.br/folha/informatica/ult124u19455.shtml. Acesso em 24 fev. 2010.

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controle dos sistemas de comunicação virtual.

Hoje, ao navegar na internet, sabe-se do imenso risco que

esta correndo, principalmente ao inserir informações como, por exemplo, números

de documentos. O que fora da internet caracterizaria um crime de falsificação

documental ou ideológica, no ciberespaço, deixa de ser um crime para ser um

simples ato, pela falta de legislação.

Desta forma, percebe-se que a materialização das normas

jurídicas, inclusive com a fixação de sanções penais, tem sido menos drásticas

nas atividades do ciberespaço do que nos demais meios clássicos de

comunicação.

A definição material de figuras e sanções penais é um

problema complexo no contexto da informática. É certo que o mercado on line não

conhece os espaços e as distâncias geográficas. Todos os seus pontos espaciais,

segundo Lévy, estão, em princípio, igualmente próximos uns dos outros para o

acesso dos usuários. Citando como exemplo o cibermercado, a partir de regras de

comércio pela Internet, tem sido mais transparente e formalmente menos exigente

do que o mercado clássico. A transparência, de certo modo, visa beneficiar a ação

dos consumidores e dos usuários, uma vez a desterritorialização do ciberespaço

acelera as atividades do cibermercado.96

Na esfera dos sistemas do ciberespaço, a técnica de

atualizar física e materialmente as informações virtuais em condutas reais tem por

objetivo organizar/desorganizar o movimento contínuo das relações sociais; por

conseqüência, é sempre possível que a tecnologia virtualizada desterritorialize

relacionamentos ou atos jurídicos para que sejam atualizados no espaço da

realidade física. Por exemplo, um título de propriedade de um objeto, ações de

uma empresa, contratos de seguro se vendem e se transmitem pela via virtual.

Ademais, um reconhecimento de dívida, a prestação de uma

obrigação fiscal ou cambiária, um compromisso fundado no princípio da boa-fé,

que, na origem podem implicar apenas direitos e deveres de duas pessoas, são 96 LÉVY, Pierre. Cibercultura (trad. Carlos Irineu da Costa). São Paulo: Editora 34, 2001, p.62.

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passíveis de circulação entre um número indefinível de pessoas. Verificam-se

relacionamentos ou atos os mais diversos, públicos ou privados, que possuem

condições virtuais de se atualizarem materialmente pela Internet e, em

conseqüência, criar e operar efeitos que venham a causar danos ou infrações

penais a pessoas reciprocamente interessadas.

O processo contínuo de virtualização de condutas humanas

pela Internet exige na atualização do cotidiano de muitas pessoas, de muitos

grupos e empresas públicas ou privadas uma forma complexa de procedimentos

éticos, econômicos e jurídicos que atribuam validade e efetividade à sua

atualização material.

A Internet é um desafio ao saber, ao conhecimento e à

pesquisa que os coletivos humanos assumem, quando conscientemente se

lançam às regras do jogo vivo da virtualidade da comunicação eletrônica. Por

conseqüência, todos os atores da Internet, programadores, mediadores,

provedores e usuários são responsáveis pelas condutas éticas e pelos

compromissos que venham a ser regulados e normativamente atualizados no

mundo real, especialmente quando deles decorre a prática de atos antijurídicos,

previstos pelo direito como crimes. Necessita-se urgentemente de uma legislação

capaz de punir estes agentes, pois vivemos em um novo mundo, o mundo virtual,

onde se devem aplicar e respeitar os mesmos valores de liberdade e dignidade da

pessoa.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Desde os tempos mais remotos já havia incidência de crimes

virtuais, porém, na sua maioria, por não existir uma penalidade consistente para

que um agente que cometesse um ato ilícito, recebendo uma penalidade

proporcional ao crime praticado, os atos ilícitos ou criminosos ocorriam com

freqüência.

Com o passar dos anos, estes crimes evoluiram e tornaram-

se um desafio não só para os técnicos em computação, mas também para os

profissionais da área jurídica.

A precariedade da legislação, aliada a falta de conhecimento

específico sobre a rede mundial e acerca de métodos e formas utilizados pelos

invasores, de um lado, e a incessante expansão da “Internet” e também o

permanente avanço da criatividade dos criminosos da “web”, de outro, dificultam

sobremaneira a questão da segurança digital. A falta de regulamentação no que

pertine a aplicada, por exemplo, a legislação comum a alguns crimes praticados

através da rede, o fato é que a sociedade clama por penalidades mais severas,

veiculadas através de normas específicas. Ademais, em matéria penal, faz-se

mister a descrição de uma conduta específica (tipo penal), pois este ramo do

direito repele o uso da analogia, quando aplicada em prejuízo do réu.

Entretanto, crimes de falsificação ideológica e documental,

expandiram-se para o mundo virtual, e neste novo espaço, tais crimes atingiram

mais vítimas com mais velocidade.

Em vista da total dependência do ser humano dos sistemas

de computador, a adoção de legislação nessa área se justifica tanto pelo caráter

patrimonial quanto pela preservação da integridade do sistema de computador

como proporcionar de bens e serviços para a população. As mudanças

tecnológicas refletem-se nesse novo fenômeno jurídico, afetando as relações

humanas. Torna-se assim, necessária uma proteção jurídica viável e aplicável,

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não podendo a lei representar um papel passivo nesta relação sem retorno.

A tipificação legal induvidosa dos crimes informáticos deveria

ocorrer através de uma lei específica, pois, de outro modo, seria de difícil

acomodação na sistemática penal existente. Um texto específico, independente e

sem compromisso com a disciplina já desgastada pelo tempo proporcionará o

necessário suporte doutrinário e jurisprudencial para a regulamentação dos

delitos.

Em face das lacunas oriundas da modernidade, a

reprimenda aos novos crimes virtuais que afloram em nosso meio deverá acatar o

principio da legalidade, conquanto verificada no artigo 1 do Código Penal

Brasileiro e consagrado pelo artigo 5, inciso XXXIX da Constituição Federal de

1988.

Através de mecanismos legais existentes e dos que estão

por vir, deve brotar a resistência às condutas criminosas, anulando, assim, o

desdém com que parte da sociedade prefere tratar das inovações eletrônicas

presentes cada vez mais em nosso meio.

Necessita-se de uma legislação que possa punir os crimes

de falsidade ideológica e falsidade documental que vem ocorrendo na internet, os

Hackers e Crakers, estão a cada dia que passa mais ousados.

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