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UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS UNISINOS PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO
ARISA ARAUJO DA LUZ
UMA EDUCAO QUE LEGAL!
POSSVEL A INCLUSO DE TODOS NA ESCOLA?
So Leopoldo
2006
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ARISA ARAUJO DA LUZ
UMA EDUCAO QUE LEGAL!
POSSVEL A INCLUSO DE TODOS NA ESCOLA? Tese de Doutorado em Educao, Linha de Pesquisa Formao de Professores, para obteno do ttulo de Doutora em Educao Formao de Professores, Universidade do Vale do Rio dos Sinos UNISINOS, Programa de Ps-Graduao em Educao, Centro de Cincias Humanas.
Orientadora: Maria Augusta Salin Gonalves
So Leopoldo
2006
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BANCA EXAMINADORA
________________________________________ Maria Augusta Salin Gonalves UNISINOS
Orientadora
________________________________________ Helena Copetti Callai UNIJU
________________________________________ Mari Margarete dos Santos Forster UNISINOS
________________________________________ Soraia Freitas Napoleo UFSM
________________________________________ Rute Viviam ngelo Baquero UNISINOS
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A todos que acreditam na possibilidade de uma vida solidria e mais humana. Dedico aos
que compartilham esperana na crena de cada dia. Dedico aos que sabem que a
esperana busca, trabalho, desejo de vida...
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AGRADECIMENTOS
Agradeo a uma turma que sempre encontrou momentos para a alegria e o riso,
satisfao at nas esperas e humor nos empurres necessrios pesquisa. Pessoas que esto
em muitos lugares e se fizeram presentes sempre que necessitei delas. Impossvel citar a
todos, amigos/as e colegas de tantos lugares. Agradeo a todos ao citar:
Rubem e Maria Clara meus pais por nunca desistirem e por estarem sempre
prontos para as ajudas dirias; Paulo meu marido pela presena alegre e esperanosa e ao
Bernardo, Bruna e Artur meus filhos por saberem que a esperana que leva ao tem que
ser crena de todo dia. Gessi, por permitir que essa esperana seja refeita a cada dia com
suas contribuies e aos meus tios Neuza e Ion pelas esperas e acolhidas.
Maria Augusta Salin Gonalves minha orientadora que, muito alm da ao de
orientar, foi sempre sbia e transcende de forma to natural, amor e envolvimento nas
atividades que realiza.
Ivone vila e Simone, pela dedicao e exigncias na escrita e normas
metodolgicas.
s colegas que fazem a diferena em todos os lugares que freqentam. Um
agradecimento carinhoso a todas elas, na presena de Ana R., Ana, Cludia, Cristiane, Deli,
Eliane, Elis, Gislaine, Ilza, Liliane, Magda, Mara Rita, Maria Alzira, Maria da Graa, Neiva,
Tnia, Rosinha, Sandra...
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Uma vida no basta apenas ser vivida: tambm precisa ser sonhada.
(Mario Quintana)
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RESUMO
Partindo das disposies legais sobre a incluso de todos os alunos na escola regular e de minha trajetria como professora de escola pblica e do Curso de Pedagogia, o objetivo desta investigao compreender como os docentes dos anos iniciais do Ensino Fundamental e da Educao Infantil, esto vivenciando a educao inclusiva de alunos com deficincia mental, no espao da escola. Para atingir esse objetivo, entrevistei e observei professoras de vrios municpios do Rio Grande do Sul, coletando dados e interpretando suas falas, numa perspectiva hermenutica. A anlise das falas e dirios de campo foi realizada de forma interpretativa, em dilogo com tericos que abordam a Educao Inclusiva, a Formao de Professores e os Saberes Docentes. Foi possvel concluir que, em muitos casos, a incluso escolar mera fachada. Discursos politicamente corretos, com alunos apenas matriculados no ensino regular, sem estarem includos efetivamente nas aprendizagens escolares, com manifestaes repetidas de que a falta de formao dos professores responsvel pela no-incluso escolar. Mesmo com a constatao de que a incluso de alunos com deficincia mental est acontecendo com muitas dificuldades ou omisses, a pesquisa permitiu constatar que h professores trabalhando na efetivao da incluso de todos os alunos nas aprendizagens escolares, apontando caminhos para uma escola verdadeiramente inclusiva.
Palavras-chave: Incluso deficincia mental saberes e formao do professor
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ABSTRACT
Based on the legislation that determines the enrollment of all students in regular schools and on my own experience as a public school teacher and Education professor, the objective of this investigation is to understand how pre-school and elementary school teachers are dealing with inclusive education for students with mental disabilities in the school environment. To achieve this objective, I interviewed and observed teachers of various counties of Rio Grande do Sul, collecting data and interpreting their speech in a hermeneutic perspective. The analyses of speeches and field data were carried out in an interpretative way through a dialog with scholars of Inclusive Education, Teachers Formation, and Teachers Knowledge. It was possible to conclude that, in many cases, school inclusion is only apparent. Politically correct speeches with students enrolled in the regular education but not effectively included in school learning, with frequent manifestations that a deficient teachers formation is responsible for the non-inclusion at school. Despite the perception that the inclusion of students with mental disabilities is taking place with difficulties and omissions, the research revealed that there are teachers working on the effectiveness of the inclusion of all students in the school learning process, leading the way to a truly inclusive school.
Keywords: Inclusion mental disability knowledge teacher formation
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SUMRIO
INTRODUO ......................................................................................................................11 1 NO BASTA TER IDIAS, TEM QUE TER ATITUDE: INCLUSO ESCOLAR E UM NOVO FAZER DOCENTE!..........................................................................................16 1.1 COMO FUI ME TORNANDO PESQUISADORA DA INCLUSO DE ALUNOS COM DEFICINCIA MENTAL: ALGUNS PONTOS DO CAMINHO PERCORRIDO.......................................................................................................................21 1.1.1 Como fui me tornando pesquisadora da incluso de alunos com deficincia mental: a participao em vrios espaos ..........................................................................................23 1.2 PROFESSORA E PESQUISADORA E UM S DESEJO...........................................24 1.3 EU, PROFESSORA, EU PESQUISADORA E UMA MESMA PALAVRA: INCLUSO .............................................................................................................................27 2 OS CAMINHOS PERCORRIDOS: AS MUDANAS NO E DO PERCURSO ...........30 2.1 AO ESCOLHER, FUI TAMBM ESCOLHIDA: INCLUSO DE ALUNOS COM DEFICINCIA MENTAL.....................................................................................................32 2.2 NO CAMINHO FOI PRECISO CONVERSAR, TRAAR OBJETIVOS, REFAZER OU CRIAR NOVOS PERCURSOS......................................................................................35 2.3 UM NOVO CAMINHO E OUTROS OBJETIVOS: POSSVEL A INCLUSO ESCOLAR?.............................................................................................................................38 2.4 OS FUNDAMENTOS CONSTITUTIVOS DA PESQUISA: A ANLISE DO VIVIDO ...................................................................................................................................40 3 A FORA DOS TERMOS NAS CONQUISTAS E LUTAS DA EDUCAO INCLUSIVA: UM N PARA SER REFEITO................................................................43 3.1 UM N QUE SE FAZ NA FORA DAS PALAVRAS: INCLUSO E EXCLUSO............................................................................................................................44 3.2 UMA LAADA NA HISTRIA DAS PALAVRAS INCLUSO E EDUCAO INCLUSIVA: UM N ESPERA DA TECELAGEM .................................................45 3.3 A EDUCAO E A ESCOLA INCLUSIVA NAS AMARRAS DAS PALAVRAS: INCLUSO E EXCLUSO ..................................................................................................47 3.4 MAIS UM N TERMINOLGICO NA TRAJETRIA DA EDUCAO INCLUSIVA: INCLUSO X INTEGRAO....................................................................48
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4 UMA HISTRIA TECIDA A VRIAS MOS E EM MLTIPLAS TONALIDADES: OS NS DA TRAJETRIA..............................................................................................51 4.1 DESATANDO E REFAZENDO ALGUNS NS: A EDUCAO E A INCLUSO PELO CORDO DA HISTRIA.........................................................................................51 4.1.1 Na histria da deficincia mental um cordo para amarras mais slidas................52 4.2 ALGUNS NS QUE VAMOS DESATANDO DOS ARREMATES DA HISTRIA: A EDUCAO INCLUSIVA E ESPECIAL NO BRASIL..........................56 4.3 UM BREVE OLHAR NA HISTRIA DA EDUCAO INCLUSIVA E ESPECIAL NO RIO GRANDE DO SUL .................................................................................................60 5 OS NS EU, TU E AS AMARRAS DA EDUCAO INCLUSIVA NA ESCOLA..................................................................................................................................62 5.1 O N DA INCLUSO SOCIAL A PARTIR DA INCLUSO ESCOLAR: QUEM SE RESPONSABILIZA?.......................................................................................................62 5.2 O N E NS NA SOCIEDADE ATUAL: ESPAOS DA EDUCAO INCLUSIVA E DA ESCOLA INCLUSIVA ........................................................................64 5.3 AS ARMADILHAS DA LAADA NO REFAZER DOS NS: ALTERNATIVAS OU FALCIAS?....................................................................................69 5.4 NAS LAADAS DA LEGISLAO: UMA EDUCAO QUE LEGAL .............77 5.5 AS ARMADILHAS DO EXIGIDO E DO VIVIDO EXPOSTO NAS FALAS DAS PROFESSORAS DO ENSINO REGULAR NO TRABALHO DA INCLUSO ESCOLAR...............................................................................................................................80 5.6 O VIVIDO PELAS PROFESSORAS DO ENSINO REGULAR NA TAREFA DA INCLUSO ESCOLAR: CONFLITOS E DESAFIO ........................................................83 6 O N DO POSSVEL E O N DO DESEJVEL: UMA FORMA LEGAL E DE ACEITAO..........................................................................................................................87 6.1 O N DO POSSVEL E O N DO DESEJVEL: FORMAO E EXPERINCIA PROFISSIONAL .......................................................................................88 6.1.1 Um grande n do possvel e do desejvel: formao e preparao dos professores...............................................................................................................................88 6.1.2 Um grande n do possvel e do desejvel: o que , como realizada e como vivemos a formao? ..............................................................................................................92 6.1.3 A superao da falta de preparo para trabalhar com todos os alunos: as laadas da formao continuada..............................................................................................................96 6.1.4 A superao da falta de preparo para trabalhar com todos os alunos: o respaldo nos saberes e histrias de alunos que fomos.........................................................................98 6.2 OS GESTORES PBLICOS E ESCOLARES: AUXLIO PARA A TECELAGEM DA INCLUSO ESCOLAR................................................................................................102 6.3 A UNIO E O ENTRELAAR DE FIOS: A FAMLIA, OS PAIS E OS RESPONSVEIS PELOS ALUNOS..................................................................................103 6.4 A UNIO DOS NS: EU, TU E NS NUMA AMARRA FORTE E FIRME.....104 7 OS NS DO SABER PEDAGGICO: SABERES QUE POSSAM IR ALM DO FAZER PEDAGGICO......................................................................................................107 7.1 EM BUSCA DE UM SABER QUE SAIBA COMO FAZER: ALGUMAS CONSTATAES ...............................................................................................................108 7.1.1 Em nossas constataes, o que preciso para um agir pedaggico inclusivo no n da nossa ao docente?.........................................................................................................110
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7.1.2 Nos ns dos saberes docentes o n dos questionamentos que surgem de nossas prticas docentes realizadas na sala de aula ......................................................................111 7.1.3 Nos ns dos saberes docentes o n das nossas prprias falas ..........................115 7.2 A INCLUSO DE TODOS NA ESCOLA: UMA PROPOSTA QUE REFLETE A NOSSA CONVICO DE SER PROFESSOR ................................................................117 7.2.1 No n da convico da incluso escolar detalhes de nossa vida de professor: nossa formao......................................................................................................................118 7.2.2 No n da convico da incluso escolar detalhes de nossa vida de professor: nossa atuao docente e nossa formao ............................................................................118 7.3 A FORMAO COMO POSSIBILIDADE DE UMA ESCOLA INCLUSIVA: O N DO ENSINO REGULAR VERSUS EDUCAO ESPECIAL............................121 7.4 PARTILHANDO APRENDIZAGENS: ENSINO REGULAR COM ATENDIMENTO NA EDUCAO ESPECIAL..............................................................122 7.5 UM SABER QUE SE FAA NOVO TODO DIA .......................................................124 8 A IMPORTNCIA DO VIVIDO: PASSAGENS DE PRTICAS DE INCLUSO ESCOLAR COM ALUNOS COM DEFICINCIA MENTAL .......................................127 8.1 UM GRUPO QUE FAZ DA DIFERENA POSSIBILIDADES DE UM FAZER PEDAGGICO DIFERENTE ............................................................................................130 8.2 UM PRIMEIRO PENSAMENTO: SER QUE EU POSSO? ...................................131 8.3 PROFESSORAS DE VRIOS LUGARES E UM MESMO SABER E FAZER PEDAGGICO: AMAR SEM PRECONCEITOS...........................................................132 8.4 UMA AJUDA ESPECIAL: APAE................................................................................137 8.5 A BUSCA DE UMA AJUDA EXTERNA QUE TRADUZA A CERTEZA DE QUE TODOS PODEM E VO APRENDER .............................................................................138 8.6 SABER PEDAGGICO E SABER DA EXPERINCIA: AUXLIO MTUO ......141 8.6.1 Saber Pedaggico e Saber da Experincia: auxlio mtuo na avaliao escolar da turma .....................................................................................................................................143 8.7 SABERES MOBILIZADOS NA PRTICA DOCENTE NA SALA DE AULA COM TODOS OS ALUNOS ..........................................................................................................144 8.8 UM QUADRO DE CRENAS: A INCLUSO COMO PROPOSTA POSSVEL E EXIGNCIA LEGAL ..........................................................................................................146 CONSIDERAES FINAIS...............................................................................................155 REFERNCIAS ...................................................................................................................161
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INTRODUO
Do rio cujas guas tudo arrastam, se diz violento, mas ningum diz violentas as
margens que o comprimem. (Bertold Brecht)
Uma educao que legal... A incluso de todos na escola possvel? De que forma
ns, professores, estamos vivendo a educao inclusiva exigncia legal no espao da
escola? O que e como estamos trabalhando no ensino regular e quais os nossos entendimentos
sobre incluso dos educandos nas aprendizagens escolares?
A educao inclusiva tema amplo e, atualmente, recorrente em vrios estudos e
pesquisas, apresentado em mltiplos enfoques. Assim, ao eleger este tema, para esta tese, com
tempo determinado para pesquisar, precisei fazer recortes doloridos para conseguir
explicitar pontos que considero importantes na trajetria e implementao de uma escola
inclusiva.
Como recorte principal, optei por pesquisar a incluso de alunos com deficincia
mental1, referenciados na Constituio Federal do Brasil 1998, como Pessoas Portadoras de
Necessidades Especiais Deficincia Mental, no ensino regular. Optei por pesquisar o modo
como ns, docentes, estamos vivendo a incluso escolar de pessoas com deficincia mental e
o que estamos possibilitando para que essa incluso seja real e no apenas um ato legal, para o
cumprimento do exposto na lei.
Nossas escolhas esto intimamente ligadas com nossa forma de viver e refletem
nosso ambiente de vida. O fato de eu trabalhar em uma escola pblica estadual, pioneira no
municpio, no atendimento pedaggico a alunos com deficincia mental, includos no ensino 1 Sigo as sugestes de Fvero ao dizer que o mais correto usar a expresso pessoas com deficincia: Quanto mais natural for o modo de se referir deficincia, como qualquer outra caracterstica da pessoa, mais legtimo o texto (2004, pp. 21-22).
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regular e/ou na modalidade da Educao Especial Deficincia Mental, justifica a escolha de
pesquisar apenas essa pequena faixa de includos/excludos no espao da escola e de como
ns, professores, estamos vivendo essa incluso. So as contradies inerentes prpria
pesquisa: separar/eleger apenas alguns para estudar. preciso, para fins da concretizao da
pesquisa, fechar o tema.
A escolha justifica-se, tambm, por vivenciar no espao escolar a exigncia legal,
moral e amorosa da incluso de todos nas aprendizagens escolares, principalmente das
pessoas com deficincias e, ao mesmo tempo, as incertezas da prtica pedaggica. A essa
questo, alia-se a falta de conhecimentos da histria da incluso e da educao especial,
traduzidas num pseudopreparo para trabalhar com as diferenas no espao escolar. Tudo isso
reflexo direto deste momento social, de intensas e rpidas mudanas, de vazios conceituais,
de corrupo e violncia, de descobertas fantsticas e dos avanos tecnolgicos e de
globalizao econmica.
Ao decidir pesquisar a educao inclusiva vivida na e pela escola, deparei-me com as
numerosas repeties dessa expresso e/ou das palavras incluso e inclusiva. Vi o quanto
uma terminologia abrangente neste nosso tempo, pois aparece em vrios textos, trabalhos e
artigos, em pronunciamentos e em propostas diversas em todas as reas do conhecimento.
Est presente nos bate-papos da esquina e nos discursos oficiais, nas brincadeiras de crianas
e nas conversas de idosos. Est em toda parte, nas mais diferentes formas de mensagens.
Ao pesquisar nos sites de busca, a palavra incluso/inclusiva aparece de forma
multifacetada e com uma infinidade de repeties, reforando a certeza de palavra conhecida
e dominada lingisticamente.
Quando digitada a expresso educao inclusiva h uma pequena reduo no nmero
de trabalhos. Mesmo assim, continua com um espao especial, como expresso natural que
deve ser entendida por todos.
Constato que a maioria das revistas e peridicos da rea da educao, a partir de
1990, incrementa as discusses e estudos deste tema. O interessante o aumento gradativo, a
cada ano, de publicaes, oportunizando novos olhares e entendimentos, acalorando debates e
busca de superao de mitos sobre o trabalho docente com alunos marginalizados pelas suas
diferenas a palavra diferena tambm ganha espao muito rpido nos discursos proferidos
e textos impressos englobando todas as formas de incluso e de excluso dentro da escola.
Em sites de busca como o Scielo, encontrei, igualmente, um nmero expressivo de
artigos que abordam o tema Incluso e Educao Inclusiva. Essa terminologia aparece sob
diversos ngulos e recebe nfase diversificada. Como ns, professores da Educao Infantil e
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dos anos iniciais do Ensino Fundamental, estamos vivendo o ingresso e a permanncia de
todos os alunos nos espaos escolares em turmas do ensino regular, h uma reduo no
nmero de textos produzidos no tocante educao inclusiva. Constato que h um
significativo aumento na produo e divulgao escrita de pesquisas no ano de 2005. Isso
possibilita dizer que o interesse de pesquisadores e estudiosos sobre esse tema est crescendo.
J ao delimitar o assunto conforme tipos de pesquisas dissertaes e teses o
nmero cai para 171 no Portal CAPES2. Especificando em educao inclusiva alunos
portadores de necessidades especiais, no mesmo site, esse nmero se reduz para apenas 17
trabalhos.
Uma pesquisa mais detalhada mostra que, dos 17 trabalhos, dois apresentam um
estudo sob o olhar da geografia; um na tica da educao fsica; um outro aborda as falas de
universitrios portadores de necessidades especiais; seis abordam a formao, interao e
concepes dos professores; e o restante trata da incluso vista pelas polticas pblicas,
legislao, teoria e prtica pedaggica, em estudo de casos e/ou pesquisas bibliogrficas, com
portadores de necessidades especiais deficincia mental; visual; fsica e auditiva e a
incluso de diferenas sociais, culturais, econmicas, tnicas, etc...
Embora o grande nmero de repeties da expresso educao inclusiva em artigos e
textos vistos na internet, revistas, peridicos, livros, ao tratar da educao inclusiva de alunos
com deficincias, esse nmero fica reduzido. J o nmero de pesquisas e livros publicados,
enfocando a incluso social, econmica, cultural, escolar, etc. expressivo bem como de
obras que abordam a educao especial.
No tocante educao inclusiva de pessoas com deficincia mental; fsica; visual;
auditiva e mltipla , na perspectiva dos docentes de primeira a quarta srie do Ensino
Fundamental e Educao Infantil, o nmero de publicaes fica muito restrito. bom
salientar que h rica produo, com excelentes enfoques e contribuies, sobre a formao do
docente, sobre as prticas e saberes pedaggicos e sobre a historicidade e contribuies da
educao especial e inclusiva no cenrio mundial e nacional.
Fiquei surpresa com o pequeno nmero de pesquisas enfocando a perspectiva destes
docentes e de como esto vivendo a incluso no espao escolar. Afinal, desde maro de 1990,
em Jomtien, Tailndia, com a Conferncia Mundial sobre Educao para Todos, de 1994,
em Salamanca, Espanha, com a Declarao de Salamanca e, de 1999, com a Carta para o
Terceiro Milnio, em Londres, Gr-Bretanha, das Polticas Pblicas implantadas no Brasil,
2 Portal CAPES acesso em 30/12/2005.
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dos Projetos do MEC e das Secretarias Estaduais e Municipais de Educao, era de se esperar
um interesse maior de pesquisadores mestrandos e doutorandos sobre essa temtica.
Esta pesquisa analisa a incluso escolar sob a perspectiva dos docentes de Educao
Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental e da incluso que est sendo efetivada na
escola. Como pano de fundo, trago reflexes sobre a discrepncia entre os dizeres falas
informais e falas oficiais e as aes realizadas no espao escolar, os saberes docentes
mobilizados e a formao inicial e continuada dos professores centrando na educao
inclusiva de alunos que tm deficincia mental, matriculados e freqentando o ensino regular
obrigatrio por lei.
No primeiro captulo, comeo com o que me lana ao trabalho: a inquietao sobre a
forma com que a incluso escolar realizada na escola e os caminhos e descaminhos da
educao inclusiva. Respaldo essa busca em fragmentos da minha trajetria de vida escolar
como professora de Educao Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental e Coordenadora
Pedaggica, atuando com as professoras desses nveis de ensino. No captulo dois, abordo o
trajeto percorrido nesta pesquisa e de como fui me constituindo pesquisadora deste tema,
justificando a escolha e caracterizando os passos e opes metodolgicas entrecruzadas com
os objetivos propostos.
No terceiro captulo, trago a relevncia terminolgica traduzida na ampla repetio
de palavras como incluso e excluso e vou juntando pedaos da histria da palavra incluso e
da incluso escolar. No quarto captulo, revejo, de forma resumida, a histria da educao de
pessoas com deficincia, da educao especial e educao inclusiva. E, no captulo cinco,
aponto o que est sendo realizado e o que poderia ser realizado, numa escola em que todos
deveriam freqent-la e obter sucesso.
No captulo seis, embora de forma breve, abordo a formao dos professores e seus
dizeres sobre a ao docente realizada em sala de aula com alunos com deficincia mental. No
captulo sete, busco a unio dos recortes vividos nas escolas e dos saberes docentes que
mobilizamos em sala de aula na possibilidade de uma escola inclusiva. Apio-me nas
entrevistas e conversas com docentes, seus saberes e suas buscas, suas respostas e sugestes,
seus medos e angstias, no s em relao aos alunos com deficincia, mas em relao
crena de que todos aprendem. No captulo oito, converso com professoras que viram na
incluso de alunos com deficincia mental um ponto de partida para uma nova investida
pedaggica. Relato suas buscas, seus apoios e suas lutas para a efetivao de sua tarefa
docente no desafio de incluir todos, numa escola que reflexo dessa sociedade, portanto
discriminatria.
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Nos dois ltimos captulos, fao colagens que antevem caminhos na esperana da
escola inclusiva.
Reflito sobre tudo isso, entrelaando com as falas sobre o fazer pedaggico dos
docentes da Educao Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental na experincia de
trabalhar com todos na sala de aula, o pensamento de tericos que acreditam na incluso
escolar, mais especificamente, na incluso da pessoa que tem deficincia mental.
Fao perguntas que buscam caminhos ou paragens para algumas respostas. No para
servirem de verdades e certezas absolutas, mas para possibilitar novos olhares.
Esse , enfim, o tema que se apresenta em mltiplas faces.
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1 NO BASTA TER IDIAS, TEM QUE TER ATITUDE: INCLUSO ESCOLAR E
UM NOVO FAZER DOCENTE!
No me arrependo do que fui outrora, porque ainda o sou.
(Fernando Pessoa)
Como comear? Lembrando Mario Osrio Marques: Escrever o comeo dos
comeos. Depois a aventura. Uma mochila com alguns poucos pertences do ofcio artesanal,
uma bssola, vale dizer um ttulo que resuma o problema, ou o tema, e a hiptese de trabalho
[...] (2003, p. 28).
Ento, nesta aventura, comeo por trs apontamentos que foram decisivos na
descoberta do tema que embala as minhas noites e me tira o sono, quase ao mesmo tempo. Se
que possvel dormir profundamente e manter uma insnia permanente. Assim, venho
vivendo ultimamente...
Primeiro: h alguns anos atrs muitos eu acho quando cheguei em uma escola
observei que haviam improvisado o refeitrio no saguo de entrada, separado por biombos.
Como sou curiosa, antes de ir at a direo, fui dar uma espiada... A merenda era um copo de
suco e bolachas, servidas pela merendeira e os alunos estavam acompanhados pela professora.
Uma criana, de uns 8 anos, derrubou o suco, que escorreu pela ponta da mesa, e fez
uma poa no cho. A professora, sem olhar para a extenso do problema, mandou a
merendeira limpar. Esta olhou e respondeu: no sou servente, limpe a senhora mesma. A
professora, muito sria, respondeu: eu sou a professora, quem tem que limpar tu, ou chama a
servente. Tudo parou: eu, os alunos, a outra professora que chegava, os outros alunos, a outra
merendeira.
Silncio! Prenncio do caos. O que ia acontecer? Quem tinha razo?
Samos daquele silncio com a voz alegre da diretora, que seguia em minha direo
de braos abertos. Abraou-me. Olhou para onde antes repousara meu olhar e, ao ver a cena,
caminhou at a cozinha em silncio, mas sorridente pegou um pano e limpou a mesa,
abaixou-se e limpou a poa no cho. Brincou com a criana que possivelmente teria
derrubado e falou alegremente com os outros, saudou as professoras e funcionrias e
convidou-me a entrar. Tive tempo de ouvir a professora dizer: por isso que essas
funcionrias esto abusadas, fazem o que querem. o cmulo.
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No conversei sobre esse episdio naquela escola. Foi como se eu no tivesse
percebido nada, mas aquela cena me acompanha em tantos bons e maus momentos.
Era simples! Bastava um pequeno gesto, bastava uma palavra, bastava um sorriso,
bastava uma esperana... Credo! Bastava to pouco! Apenas a superao de preconceitos, de
inseguranas, de egosmo, de arrogncia. Bastava nos vermos como humanos, iguais, mas ao
mesmo tempo diferentes. Superar o status e/ou a discriminao profissional.
Bastava ser como a diretora: apenas gente. Mas gente que sabe, que ao estar em uma
escola, tudo o que faz ou deixa de fazer uma forma de ensinar e de aprender. Essa a tarefa
para ser feita.
Naquele episdio, bastava apenas um forte basta.
Segundo: sempre acreditei que um beijo e um abrao podem resolver tudo. At que
ouvi a msica de Miguel Russel: nem tudo se resolve com um beijo e um abrao! Claro: tem
coisas que precisam de luta, de muito trabalho, de dedicao, mas que no final, quem sabe
um beijo e um abrao.
Percebi, como se fosse uma viso: dentro da escola, por vezes, beijos e abraos s
reforam o sentido de menosprezo vida, de inferioridade humana, de desamor, de
acomodao, de descrena e desesperana. Beijos e abraos podem ser auxiliares para matar
sonhos e desejos e tambm para ceifarem momentos de aprendizagens significativas dentro da
escola. Podem levar aceitao e ao ser menos gente. Ao pouco. Ao quase nada. Ao nada,
simplesmente.
Essa viso s foi possvel quando vivi uma situao que poderia ser rotineira e se
transformou numa angstia dolorida, sofrida no espao escolar.
Foi solicitado a uma turma de formao docente trabalho de pesquisa de campo: uma
observao da realidade educacional.
Apenas uma atividade de observao e anotaes para apresentao em sala de aula.
Uma aluna deficiente fsica chamou separadamente a professora e argumentou que
tinha problemas, que no podia se locomover s, embora no fosse cadeirante1. Explicou que
dependia de outros e, portanto, queria ser dispensada, como sempre fora, dessas atividades
extra-classe, principalmente, quando realizadas fora do horrio das aulas da escola. A
professora argumentou que problemas todos tm, que ser acompanhada bom, auxiliaria nas
concluses do trabalho e enriqueceria o grupo com opinies j discutidas entre seus pares e
que, portanto, no iria dispensar ningum.
1 Expresso usada para indicar que a pessoa usa cadeiras de rodas.
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Aps as aulas, essa aluna pediu ajuda s outras professoras da escola. Elas
intercederam. A professora chamou a aluna, na presena de algumas colegas professoras e foi
enftica: qual o problema na atividade2? A aluna repetiu os mesmos argumentos, trazendo
desculpas plausveis. A professora repetiu que problemas todos ns enfrentamos
diariamente. Basta nascer gente. A atividade no exigia destreza fsica, mas interesse.
Encerrou o dilogo com um sorriso.
Quando foi trabalhar com a turma dessa aluna, a professora comeou dizendo que a
atividade era para todos. Poderia conversar sobre as exigncias, mas todos deveriam faz-la.
Era requisito bsico do curso.
Sem fixar o olhar num aluno ou aluna em especial, disse que era professora e estava
ali alis paga para estar ali para acreditar em todos e no para dar desculpas ou criar
formas de dispensar alunos nas atividades que ela mesma estava exigindo. E acreditava nas
possibilidades de todos e no seria irresponsvel, ao pedir algo, alm das possibilidades de
cada um. Portanto, queria a tarefa no prazo comum a todos.
Houve reclamaes, foram procurar a direo da escola e a equipe pedaggica: a
professora foi irredutvel.
A turma se mobilizou, ajudou, apoiou, criou grupos ajudada pela prpria professora
e foram a campo.
Ao receber os relatrios no prazo estipulado, a professora entregou para algumas
colegas darem seu parecer, ou seja, a nota, antes mesmo dela ler. O relatrio da aluna
deficiente fsica estava entre os trabalhos com nota mxima.
Palavras da aluna: agora eu sei o que ser aluna e no apenas uma deficiente fsica
na sala de aula.
No precisava muito, bastava ser professora, bastava conhecer as possibilidades e a
histria de vida de cada um e amar a todos, com o comprometimento e respeito.
Nessa situao, bastava tambm apenas um forte basta.
Terceiro: numa noite, de inverno rigoroso, desloquei-me de nibus a Porto Alegre,
saindo de Cruz Alta, no horrio da meia noite. Aps um dia cansativo de trabalho, enfrentar
mais algumas horas dentro de um coletivo, sabendo que enfrentaria um dia difcil com retorno
noite, possivelmente no mesmo nibus, angustiante e exige que se tenha paz, ou pelo
menos silncio.
2 Uma atividade de observao e acompanhamento da realidade educacional em escolas do Ensino Fundamental para ser realizada em turno inverso ao das aulas regulares.
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Acomodei-me da melhor maneira e dormi antes mesmo de sair da rodoviria.
Acordei com o choro de uma criana. Era como se voltasse no tempo em que meus filhos
eram pequenos e, instintivamente, sa do meu lugar e s dei por mim, quando estava com a
mo na cabea da criana. Fiquei constrangida, mas no escurinho do nibus, ningum notou.
O pai da criana disse, em uma lngua arrastada, um muito obrigado.
Foi a que acordei e me conscientizei do que estava acontecendo. Todos dentro do
nibus queriam dormir, mas aquela criana chorava demais, e muitos estavam irritados.
Um senhor gritou, furioso, dizendo que era bom que algum fizesse alguma coisa,
pois no agentava mais. O nibus nem tinha sado e ele precisava dormir.
Eu pensei na criana. Uma outra senhora desejou ajudar.
O nibus comeou a viagem. A criana a chorar mais. O que vamos fazer j que
todas as outras pessoas pensavam apenas em si?
Perguntei pela me e uma senhora respondeu que eles eram ndios. S a, eu percebi
por que o pai falava um portugus de forma to precria. Ele fazia um esforo para entender a
minha linguagem e dar respostas. E eu, no havia sequer percebido que falvamos lnguas
diferentes.
S em ouvir as nossas vozes, aquela criana chorava mais. Toda vez que algum
gritava, irritado, ela chorava mais e mais. As nossas falas o incomodavam e ele chorava mais.
Trouxemos balas, doces, brinquedos, chaveiros, tudo o que era possvel e nada o acalmava.
Era um menino de um ano e meio mais ou menos e estava indo a Porto Alegre para
visitar a me, h algum tempo em tratamento mdico na capital.
Como comum, o motorista apagou as luzes e o menino comeou a se debater.
Pedimos ao motorista que acendesse as luzes de baixo dos bancos do nibus. A, o menino
chorou mais. Um choro dodo, sentido, sofrido.
Neste exato momento outra mulher levantou-se, chegou perto e perguntou como o
menino estava acostumado a dormir. O pai respondeu: na rede.
Compreendemos quando a senhora disse:
- No adianta, conosco ele vai apenas chorar mais. Falta a rede.
Essa mesma senhora pegou um cobertor e, com nossa ajuda, atou-a entre os bancos
do nibus e o pai ajeitou o menino naquela rede improvisada. Colocou sua mo sobre aquele
corpinho cansado e imediatamente veio o silncio. O motorista apagou as luzes e dormimos
at a chegada em Porto Alegre.
Sou professora e sei que temos que respeitar e sempre procurar entender a cultura
dos outros, saber seus hbitos e costumes, conhecer um pouquinho de sua histria de vida,
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mas na prtica, na urgncia da ao, s vezes esquecemos o fundamental. Esquecemos o
principal. Na nsia da ajuda, acabamos atrapalhando mais do que ajudando. Talvez se eu
tivesse me afastado um pouco e deixado o sentimento de d, teria percebido o bvio. O que
estava diante de mim. E eu no consegui ver. Outra pessoa teve que falar. Tive que ouvir que
somos todos diferentes, mas iguais em nossos direitos.
Assim a educao inclusiva. Na urgncia, muitas vezes, recorremos apenas ao que
conhecemos, ao que est relatado nos livros, aos nossos hbitos e costumes, cristalizados em
prticas pedaggicas to difundidas.
Bastava eu ter compreendido que eu e a outra senhora ramos muito diferentes de
tudo o que aquele menino conhecia. Bastava eu saber que ele era uma criana e que queria
dormir com a segurana do que lhe era familiar. Simples e to complexo ao mesmo tempo.
Assim como a vida...
Mais uma vez, bastava apenas um forte basta.
Na escola, ao invs de abrirmos possibilidades para a educao inclusiva, nas
brechas que a sociedade vai permitindo, pela luta de minorias e de movimentos sociais, com a
implantao de leis e a exposio na mdia de que todas as crianas procurem e exijam vagas
nas escolas, preferencialmente no ensino regular, vejo que acabamos reforando os limites e
as fronteiras criadas na e pela sociedade, encobrindo um pouco mais o que nunca deveria ser
coberto.
Ao propormos uma escola que acolha e possibilite que todos os alunos aprendam,
no podemos agir exatamente como agi com o menino ndio, querendo que ele se acalmasse
como os meus filhos. Ou, agindo como a maioria das professoras, omitindo-se da sua tarefa
de professora, deixando a aluna com deficincia fsica fora das exigncias dos componentes
curriculares. Ou, por fim, criando barreiras com nossos prprios preconceitos e no gerando
possibilidades de participao amorosa.
Basta! Vamos fazer e viver numa escola que seja inclusiva, que possa ir alm do
discurso e da propaganda de que todas as crianas esto na escola. Agora o momento. No
h mais uma promessa de futuro, h um agora, um hoje, que exige uma tomada de posio.
Que exige uma escola que abrigue e inclua todos nas aprendizagens e, no apenas em seus
espaos fsicos.
O comeo para a possibilidade de uma escola, educao e sociedade inclusiva
dizer: basta! Mas com desejo e convico, sabendo que se est na contramo do que acontece
realmente na nossa sociedade. E, igualmente, sabendo que esse apenas o incio de uma
longa tarefa, que comea pela nossa tomada de deciso.
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1.1 COMO FUI ME TORNANDO PESQUISADORA DA INCLUSO DE ALUNOS
COM DEFICINCIA MENTAL: ALGUNS PONTOS DO CAMINHO PERCORRIDO
Minha histria de vida e de como me fiz professora, bem como a histria de cada
colega que tive e com quem tenho o prazer de conversar, a base desta pesquisa. na
interpretao do que somos e do lugar de onde falamos que poderemos superar dificuldades e
buscar novos desafios.
Nasci no espao escolar e sempre convivi com professoras e professores. Na
verdade, quando estou na escola, como se estivesse na minha casa. Afinal, nasci, cresci,
vivi e aprendi a ser no espao da escola.
Nasci na escola. Literalmente. Minha me era professora de escola rural e
morvamos no prprio prdio escolar onde nasci. Um prdio pequeno, que acomodava a
casa da professora e duas salas de aula um modelo padro de prdio de escola estadual, nos
anos 1950 a 1960, no Rio Grande do Sul. Acordava com as falas das professoras que davam
aulas pela manh. No conseguia sestear, porque ficava a ouvi-las. Durante o recreio ou
reunies de planejamento, o que mais eu gostava de fazer era ficar acompanhando as falas
dessas professoras. Melhor ainda, era participar, na cidade, dos encontros docentes. As falas
eram encantadoras e as reclamaes eram sempre as mesmas: faltava muita coisa,
principalmente vontade poltica para isto ou aquilo. Isso aconteceu l na dcada de sessenta.
Fui crescendo. Minha me seguiu estudando e, quando fiz oitos anos, fomos morar
na cidade e passei a estudar em uma escola diferente. Uma escola grande, na qual no morava
ningum e minha me no era mais a professora. Foi um longo perodo de entendimentos e
aceitaes. Tive algumas dificuldades, que foram sendo superadas e/ou acrescentadas a minha
jornada escolar...
Hoje, vejo que muitas das dificuldades que tive permanecem sem respostas em mim,
tanto que sou pesquisadora pelo prazer de descobrir o que nos rodeia no espao da escola e
dentro da sala de aula na relao permanente professor/aluno.
Ao ingressar no Curso de Doutorado, Linha de Pesquisa Formao de Professores,
essa vontade de entender, de buscar uma forma de penetrar o desconhecido para mim e para
os outros nas relaes de ensino e aprendizagem dentro da sala de aula, ligados educao
inclusiva, ganhou asas, assumiu contornos e se tornou objeto de pesquisa. O que nos faz
aceitar ou no o outro independente das formas de aprendizagem e ensino de cada um? Por
que algumas escolas ou professores conseguem estar sempre rodeados de alunos? Como
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explicar o fato de que apenas algumas tenham propostas inovadoras na busca de alternativas
de uma escola que acolha e ensine a todos?
Desde que comecei a trabalhar como professora, em 1981, h sempre por perto
colegas que trabalham na Educao Especial e tecem sonhos e esperanas em uma sociedade
inclusiva. Sonhos e esperanas de uma outra escola, que permita a todos serem vistos como
iguais diante de todas as diferenas que nos fazem gente, gente de verdade, numa viso de
totalidade e de individualidade. Gente, no sentido freireano.
Quando comecei o doutorado, ou antes, durante a pesquisa de mestrado, uma dessas
pessoas, uma professora, companheira de trabalho, colega de escola, estudos e pesquisas,
falou mais ou menos assim: Pode ser que agora, tu possas mostrar como fcil fazer a
incluso dos portadores de necessidades especiais a terminologia usada era essa diante de
tantos entraves que vo sendo, propositalmente, construdos com nossas falas dentro da
escola e da sociedade. E da prpria legislao. s uma questo de vontade, de querer, de
desejo, de saber que possvel, que cada criana um mundo, como todos os outros.
apenas uma questo de ir alm das leis ou, neste caso, de fazer cumprir as leis. Essas
palavras ficaram quietas em mim, mas jamais esquecidas.
Ao trabalhar com turmas de Curso de Ps-Graduao, a pedido das alunas, orientei
duas monografias com o tema: educao inclusiva. Uma das monografias foi sobre a incluso
dos alunos surdos e a outra, sobre incluso dos alunos com deficincia mental no Ensino
Regular.
Cronologicamente, um pouco antes, quando passei a conversar com minha
orientadora, professora Dr Maria Augusta Salin Gonalves, vi que ela tambm teve relao
com a Educao Especial. Certamente, o que vamos vivendo no acontece por simples acaso.
Possivelmente, estamos buscando algo, do que j estamos encharcados. Assim com o objeto
das pesquisas que vamos realizando.
Da convergncia de fatos que me levam educao inclusiva, comeo a participar
mais das conversas com as professoras do Ensino Fundamental anos iniciais e da Educao
Infantil que esto trabalhando com alunos com deficincia3, includos em suas turmas do
Ensino Regular.
Com interesse e ateno redobrados, passo a acompanhar e a ouvir as professoras de
Educao Especial da escola onde trabalho e, algumas vezes, participo das reunies gerais da
Educao Especial, quando realizadas no espao da nossa escola. nesses momentos, nos
3 Definio de Deficincia: Conveno da Guatemala e Decreto 3956/01 (FVERO, 2004, p. 25). Mais referncias na p. 33 deste trabalho.
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encontros em que me fao presente, que percebo, com mais nitidez, o descompasso entre as
aes e os dizeres das professoras.
Percebo que h uma inquietao muito grande, h falas contidas e olhares mudos,
gerando divergncias em relao Educao Inclusiva e preocupao com os caminhos da
Educao Especial.
Constato, nos vrios espaos em que transito, que uma das grandes inquietaes
dessas professoras e de tantas outras docentes da Educao Especial que encontro :
- Como ficam as escolas de Educao Especial?
- E as turmas de Educao Especial que funcionam na escola de Ensino Regular,
junto com outras modalidades de ensino, isso incluso?
- Os alunos das Classes Especiais no esto includos, se participam de todas as
atividades da escola?
- Os alunos matriculados nessa modalidade de ensino querem ir para o Ensino
Regular?
Fica a pergunta: quem responde e que respostas temos a essas falas? Uma educao
que legal... e pode ser real, concreta.
1.1.1 Como fui me tornando pesquisadora da incluso de alunos com deficincia mental:
a participao em vrios espaos
Essas constataes apresentadas nas falas das professoras de Educao Especial, em
forma de perguntas, provm de lugares diferentes: da escola pblica como professora
estadual, atualmente como coordenadora pedaggica; do curso de formao de professores
como professora de prticas de ensino e estgios acompanhados; das salas de aulas como
professora de cursos de ps-graduao; da universidade como aluna e pesquisadora da
formao de professores. Falo, portanto, do que estou vivendo e estudando.
Vivo, como coordenadora pedaggica, os desafios e dilemas de uma educao que
desejamos inclusiva. Uma escola que abrigue e trabalhe com todas as crianas, jovens e
adultos matriculados. Para isso, elaboramos metas para gerar uma escola que inclua a todos os
que buscam seus espaos.
Atuo numa Escola Pblica Estadual que possui Ensino Mdio e Fundamental,
Educao Infantil, Educao Especial e EJA Fundamental e Mdio. A modalidade de
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Educao Especial contempla uma turma de Classe Especial4 deficincia mental, uma Sala
de Recursos5 deficincia mental, e duas Classes Especiais de Surdos.6
Nessa escola, h alunos oriundos ou no da Classe Especial deficincia mental
includos no Ensino Regular, cursando a 8 srie. Na superao desses desafios, que tenho
firmeza para eleger esse foco de pesquisa. Vi, convivo e trabalho a incluso de alunos
principalmente dos alunos com deficincia mental, includos no Ensino Regular e na Classe
Especial funcionando na escola.
Quando, em 1987, iniciei na escola em que atuo ainda hoje, a mesma escola de uma
colega da Educao Especial, professora7 que provocava discusses sobre as minhas certezas,
tinha uma idia radical de incluso todos deveriam estar na escola, matriculados no ensino
regular, por direito legal, moral e amoroso. No aceitava outra idia: como gente, como me,
mas principalmente, como professora.
Aliei-me corrente radical da incluso total por acreditar e acredito ainda que
todos aprendem. Firmei o passo e adotei em meus discursos a idia de incluso geral,
seguindo a obrigatoriedade expressa nas leis.
1.2 PROFESSORA E PESQUISADORA E UM S DESEJO
Esse desejo de exigir o cumprimento das leis para o acesso e permanncia de todos
os alunos na escola, na criao de oportunidades de aprendizagem real e concreta, superando
o faz-de-conta eu finjo que ensino e o aluno finge que aprende idia de Werneck (2002)
me estimulou a estudar e passei de professora a pesquisadora.
Durante o mestrado, o tema central da pesquisa, que consumiu e consome boa parte
de minha vida em estudo e observao e que me seduz, foi a excluso do movimento8
corpreo na escola e a falta de questionamentos dos docentes da escola, ou seja, a no- 4 Classe Especial Deficincia Mental autorizada para funcionar nesta escola em 19/06/1990, com atendimento de deficientes mentais leves (Processo n 31788/88). Maiores referncias no captulo IV, item 4.2 deste trabalho. 5 Sala de Recursos Deficincia Mental autorizada para funcionar nesta escola em 30/09/1994, com atendimento de deficientes mentais leves (Processo n 01852/19.00/93.2). (Idem) 6 Essas turmas so denominadas Classes Especiais, pelas exigncias legais, embora a Comunidade dos Surdos no aceite mais a expresso Classe Especial, e sim, Turma de Surdos, como Turma de Pr-Escola, Turma de 1 Srie essa uma das lutas ferrenhas das professoras, dos pais e dos alunos dessas duas turmas. Eles no so incapazes, apenas tem uma cultura diferente, desconhecida para a maioria dos falantes, uma comunicao gestual-visual, por isso so turmas do Ensino Regular, mas especfica para surdos, apoiada em sua cultura. 7 Eu e essa professora j mudamos algumas vezes de escola, mas sempre, por fora do destino, ou das polticas implantadas, acabamos nas mesmas escolas, como colegas. 8 LUZ, Arisa Araujo da. Com o Bicho-Carpinteiro no Corpo: a difcil passagem da pr-escola escola. Iju: UNIJU, 1999.
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permisso do ingresso do corpo no espao da sala de aula e o silncio sobre essa temtica. At
a pr-escola, o aluno visto como um ser nico, sem diferenas entre fsico e mental. Ao
ingressar na escola, no Ensino Fundamental, ele visto somente como cabea que pensa e
mos que escrevem. Executam o pensamento. Mas o pensamento da escola. Foi quando
descobri que no seguramos o corpo para que a criana aprenda, mas para que no pense por
si s.
Geralmente, nas escolas, os alunos eram vistos apenas como seres pensantes, que
poderiam trazer para a sala de aula, apenas a cabea e as mos. No eram questionados os
motivos da excluso do corpo pelos envolvidos diretamente no processo ensino-
aprendizagem. Isso s foi percebido a partir da dcada de 90 do sculo passado, quando
pesquisas comearam a demonstrar os motivos dessa excluso. Essa abertura, ou o pensar
dessas questes veio concomitantemente com a abertura econmica.
A reviso de antigos conceitos e prticas docentes fica explcita quando vimos a
interdependncia gerada pela abertura das fronteiras econmicas e financeiras promovida
pelo liberalismo das ltimas duas dcadas e reforada pelo desmoronamento do bloco
sovitico [...] (BLONDEL, 2005, p. 14). O autor cita vrios fatores dessa interdependncia, e
conclui que h uma dupla face, que aproxima os indivduos ao mesmo tempo para o
confronto e para a solidariedade com a ausncia de cdigos impressos na cultura, de um
contrato social definido no planeta e afirma que o sculo XX parece encerrar-se entre a
angstia da competio exacerbada e da seleo selvagem, mais do que pela harmonia de uma
sociedade cooperativa e respeitosa diversidade.
Com a abertura econmica vem a iluso, amplamente divulgada na mdia, de que
todos podem tudo. A escola passa a discutir todos os temas, mas, no caso de impasses sociais
e econmicos, se no os enfrenta de forma efetiva, por entraves da prpria escola.
Mesmo assim, hoje, com toda essa diversidade e esse conflito interno e coletivo de
valores, ainda h prticas docentes que permitem somente a cabea e as mos das crianas na
escola.
Durante a educao infantil, a criana vista de corpo inteiro. Acredito que incluir os
alunos com deficincia mental na Educao Infantil o incio de uma nova cultura
educacional. Basta comear com um grande basta! Toda a criana na Educao Infantil, como
um direito educao e no apenas assistncia aos pais.
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Infelizmente a maioria das crianas com deficincia no ingressa nessa modalidade
de ensino, ou j foi diagnosticada9 e freqenta uma escola especial o que um passo para a
incluso , ou no consegue vaga, pelas mais diversas desculpas,10 ou os pais deixam para
matricul-las somente quando a escolaridade passa a ser obrigatria, com punio aos pais ou
responsveis pela no-matrcula.
Percebi que no deixamos o corpo entrar na escola, no para privilegiar o intelecto, o
pensamento, para que a criana aprenda, mas para fazer exatamente o contrrio: seguramos o
corpo para gerar seres manipulveis, corpos dceis, no dizer de Foucault (1997, p. 117), ou
seja, corpos adaptveis sociedade. Essa mesma sociedade que exige uma educao
inclusiva, ao mesmo tempo, exclui. Surgem da as tantas dificuldades com a incluso de todos
os alunos no espao da escola. Num reforo a interdependncia planetria escancarada na
mdia.
Em muitos espaos escolares elas comeam com o prprio corpo e se mantm nas
formas excludentes de aes pedaggicas praticadas na sala de aula ou na escola.
Hoje, possvel afirmar que num mesmo espao escolar habitam prticas docentes
antagnicas: inclusivas ou excludentes. Esse agir pedaggico , ao mesmo tempo, o refazer ou
o reflexo da sociedade atual, num movimento de transformao permanente.
Somam-se a isso questes como a rapidez e a quantidade de informaes que
recebemos diariamente sobre tudo que acontece no local e no mundo. Como refletir sobre
nossas aes pedaggicas, se estamos imersos num emaranhado de convenes? As
exigncias que estamos sofrendo, como professoras, com salrios reduzidos, minsculos, com
uma carga horria enorme e com atividades em duas ou mais escolas, no permite tempo nem
para respirar, quanto mais para pensar. Sobre o pensamento, comungo com a idia de que
[...] no existe atividade mais subversiva do que ele. Mais temida. Mais difamada tambm; e no por acaso, no inocente: o pensamento poltico. E no s o pensamento poltico. Nem de longe! S o fato de pensar j poltico. Da a luta insidiosa, cada vez mais eficaz, hoje mais do nunca, contra o pensamento. Contra a capacidade de pensar (FORRESTER, 1997, p. 68).
9 Alunos(as) diagnosticados por equipe multiprofissional como Portadores de Necessidades Especiais deficincia fsica, mental, visual, auditiva ou mltipla. A referncia alunos diagnosticados deve-se ao fato de no confundir a deficincia com incapacidades ou com doenas, para tal os alunos passam por uma equipe de profissionais geralmente o pediatra e o psiclogo que vo atestar a deficincia ou no dessa pessoa, que chegar a escola com este diagnstico. H casos que a prpria escola solicita esse diagnstico, principalmente de alunos inquietos. A exigncia de diagnstico de profissionais da rea da sade deve-se ao modelo clnico-teraputico que imperou durante muito tempo e at hoje, com mais discrio. 10 Comprova que a discriminao acontece em todos os lugares, as vrias reportagens e at enfoques em novelas de televiso que trazem a dificuldade de encontrar vaga para alunos com deficincia na escola regular, seja pblica ou particular.
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Ns, professores, somos parte desse tempo. De um tempo que no permite tempo
para pensar, que s aceita a velocidade de tudo, a acelerada tomada de decises. Ns mesmos
fomentamos essa idia, com falas de impossibilidades permanentes, sem perceber ou
questionar essas verdades e a quem interessam essas falas.
O tempo11 de hoje no o mesmo tempo de ontem, embora, na escola, haja prticas
docentes que so repeties de prticas realizadas ao longo dos tempos, ou seja, semelhantes
ao tempo que j passou. No tempo de hoje, ainda temos uma escola que padroniza, fragmenta
e elege os melhores. Uma educao que, ao mesmo tempo em que exige uma escola que
acolha e ensine, impe a excluso ou pela negao de vagas e/ou, mais ainda, pela dificuldade
de permanncia na escola. Essa uma contradio dialtica implcita no prprio movimento
da sociedade.
Nessa escola, como viver a incluso de toda a comunidade escolar? Como refazer
nossos saberes docentes e criar oportunidades de aprendizagem a todos os alunos? Mera
utopia ou sonho que se quer coletivo?
1.3 EU, PROFESSORA, EU PESQUISADORA E UMA MESMA PALAVRA:
INCLUSO
O que sempre me chamou a ateno e me impulsionou a uma observao quase
excessiva, nos espaos escolares, foram as falas das professoras opto por usar no feminino
por conviver sempre com pessoas do gnero feminino no espao escolar. Esse tema sempre
me instigou e me levou pesquisa que me fascina at hoje.
So falas ouvidas desde o Curso Normal, ou, talvez, desde o tempo de criana o
que ns, professores, falamos nos espaos escolares e o que realmente fazemos dentro da
sala de aula? Mas esse tema, percebido somente pela discrepncia dessas vozes e aes,
levaria, fatalmente, discusso a respeito do binmio teoria e prtica.
No quero, entretanto, entrar na antiga e sempre renovada questo, e tambm porque,
segundo a professora Dr Maria Isabel da Cunha12, isso uma questo humana: sempre
falamos algo, mas agimos de maneira um pouco diferente. algo inerente condio
humana. Est em ns, basta vermos a vida de muitos tericos que do sustentao a vrias de 11 O tempo a que fao referncias esse tempo de transformaes aceleradas, de comunicaes amplas, que encurta distncias, aproxima idias e transforma saberes, um tempo que no permite tempo para o cotidiano, para as pessoas serem gente. 12 Professora Dr Maria Isabel da Cunha, em aulas do Doutorado em Educao UNISINOS, RS, 2004.
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nossas prticas at hoje, que tiveram uma vida diferente do que traduziam e expressavam em
suas teses.
Vejo que ns professores estamos no meio de um conflito. De um lado, tericos que
sugerem, ou em cursos de formao ou em suas obras, prticas fundamentadas em estudos e
pautadas em conceitos que avanaram muito e passaram ao domnio geral e, de outro lado,
repetimos as mesmas prticas pedaggicas da escola que nossos avs freqentaram.
Muitas vezes h um distanciamento entre o discurso e prtica docente realizada em
sala de aula. O discurso carregado de uma terminologia atual, de dizeres que simbolizam os
mais avanados estudos na rea educacional, embora uma significativa parcela do corpo
docente tenha a sua ao calcada numa prtica destoante desses dizeres. Outra parcela dos
docentes busca a sintonia do falado e do vivido. Essas diferentes prticas docentes convivem
em mesmo espao escolar.
Em sntese, a repetio vai esvaziando os sentidos. Ao mesmo tempo em que antigas
aes docentes reproduzem aulas iguais s de dcadas atrs, aparecem discursos renovados
com terminologias da moda, tais como o de professor reflexivo, reflexo-na-ao,
educao inclusiva, proposta interdisciplinar, entre tantos outros.
No trago para o eixo das discusses a questo do discurso, pois no esse o tema da
pesquisa, tendo em vista que opto pela mudana possvel e realizvel. Ele, entretanto,
permanece, no como tema central, mas como uma questo latente, que percorrer todo o
trabalho: os dizeres nossos e oficiais e as aes nossas e oficiais e a proletarizao13
profissional e esvaziamento terminolgico.
Ao tratar da banalizao, talvez devida repetio quase exaustiva de alguns termos
ou expresses, importante analisar, num aspecto mais geral, o que est acontecendo com as
palavras incluso/excluso. Como esses termos adentraram em nosso vocabulrio? Por que
chegaram e se instalaram como termo presente em muitas falas?
Isso acontece de tal modo subliminar que j no questionamos, talvez at mesmo
reforcemos a sua aura de slogan, conforme Contreras (2000). importante percebermos a
expresso excluso social que, grosso modo, na minha opinio, a que mais segrega, e
que mais usada, referida em todos os discursos, principalmente nos discursos pblicos.
Penso como Streck:
13 CONTRERAS, no livro A Autonomia dos Professores.
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Em primeiro lugar, a noo de excluso social tornou-se uma espcie de lugar comum que designa um conjunto heterogneo de fenmenos sem os descriminar numa lgica em que a simples designao do fenmeno parece fazer a economia da sua explicao e da justificao das modalidades de interveno social desenvolvidas. Em segundo lugar, construiu-se, em torno desta noo, uma espcie de nova narratividade do social sugerindo que, nestes tempos de crise da modernidade, nos encontraramos perante fenmenos que no so dizveis recorrendo para isso a instrumentos cognitivos oriundos da modernidade, tais como as noes de classe social, desigualdade ou injustia social, ou mesmo as noes de explorao ou de alienao social (2004).
Se a expresso excluso social vem carregada de sentidos, forjada em falas de
mudanas, igualmente a expresso Educao Inclusiva adentra os espaos da escola, como
uma certeza possvel, travestida de simbologia, de crenas e de entendimentos. Isso perturba.
Impossibilita o acrscimo na pauta de reunies escolares de professoras, pais, comunidade
como discusso, como conversa para entender o seu significado e o que vem junto com essa
exigncia legal e o relato do que, verdadeiramente, estamos vivendo dentro da sala de aula.
Para superao de palavra com aura incluso/excluso e para vislumbrar uma
possibilidade de transformao desse pensamento, de que a incluso escolar apenas criar
vagas e fazer matrculas, importante que faamos um estudo criterioso sobre esse conceito e
possamos ouvir nossas prprias falas sobre esse tema.
Acredito que, ao ouvir nossas prprias vozes, poderemos ter esperanas de mudana,
no sentido de acreditar nela e incorporar em nossas prticas pedaggicas a idia de que
ensinar exige a convico de que a mudana possvel, o que Paulo Freire deixou cunhado
em muitas de suas falas e escritas, em particular no livro Pedagogia da Autonomia (1998).
Por estudo criterioso, entendo as palavras excluso e incluso e a expresso
educao inclusiva e os acontecimentos que foram impondo uma nova forma de encarar a
educao, seja regular ou especial; estudar o prprio termo, apresentado nos livros e vivido na
prtica.
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2 OS CAMINHOS PERCORRIDOS: AS MUDANAS NO E DO PERCURSO
[...] Caminhar pelas prprias pernas outra coisa. Como ainda outra coisa construir
caminhos caminhando. Trilhar os caminhos andados no invent-los. Loucura?
Atrevimento? Sonho? Iluso de menino que ainda no comeu mel? Liberdades que s o experimentado pode conceder-se? Julgue-o
quem e como quiser [...]. (Mario Osrio Marques)
Chamo a ateno para as escolhas terminolgicas que fao nos entendimentos que
trago nesta pesquisa. Igualmente, explicito os caminhos metodolgicos que fiz no decorrer
desta pesquisa.
Durante muito tempo preocupei-me, querendo definir, de forma objetiva e, talvez
nica, o mtodo adequado para realizar esta pesquisa. O tema me acompanha h muito tempo,
mas os passos para realizar a pesquisa passaram a ser quase uma obsesso. Li e reli vrias
vezes as obras de Mario Osrio Marques1 e segui algumas setas do caminho acenadas por ele,
ao fazer referncia dinamicidade do mtodo de pesquisa.
Afinal, no andar da carroa que as abboras se ajustam, tambm no andar da
pesquisa que ela se reorganiza e se reconstri harmonizando seus distintos momentos.
criatividade e persistncia do pesquisador se deve a unidade de seu estilo, no a regras pr-
definidas (MARQUES, 2003, p. 114). Assim fui formatando a metodologia no decorrer da
pesquisa.
Concordo, tambm, quando esse autor expe que o pesquisador, ao escolher um
mtodo adequado est procurando segurana para o desenvolvimento da sua pesquisa. Mas
para ele, na pesquisa como em toda a obra de arte, a segurana se produz na incerteza dos
caminhos (MARQUES, 2003, p. 114).
Se o mtodo a expresso dos caminhos andados, o discurso de como foi realizada
a pesquisa, essa segurana de saber exatamente que mtodo ser seguido, torna-se pouco til,
ou como enfiar-se numa camisa de fora por medo da livre-expressividade, como engessar
membros que melhor se fortaleceriam no livre-exerccio (MARQUES, 2003, p. 114).
1 Principalmente: MARQUES, Mario Osrio. Escrever preciso: o princpio da pesquisa. Iju: UNIJU, 2003.
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A pesquisa tem cunho hermenutico, porque busca interpretar as falas e captar os
vrios sentidos dessas falas sobre a incluso de alunos com deficincia mental e o que
estamos vivendo nos espaos escolares.
Foi na elaborao da pesquisa, que os caminhos metodolgicos foram se constituindo
e deram suporte investigao social, com observao participante na ao emprica.
impossvel sermos neutros nas pesquisas que realizamos, at porque nosso
repertrio pessoal de vivncias se explicita at na forma de pequenas reaes ante as respostas
recebidas. Procurei intervir o menos possvel, sabendo que deste distanciamento dependia a
qualificao dos dados coletados. Caso contrrio, ficaria apenas uma descrio do que vivi ou
das idias que me so muito caras.
Acredito possvel todos aprenderem. Essa crena, se apresentada, tornaria invlida ou
manipulada qualquer reao dos entrevistados, pois partiramos da premissa de que todos
aprendem, e, portanto, a incluso de todos os alunos nas aprendizagens escolares seria fato
consumado. Ento a pesquisa no teria relevncia.
Para manter esse distanciamento na gerao dos dados, fiz entrevistas, encontros para
conversas, observaes sistemticas. Infelizmente, no consegui apenas ouvir e, por vezes,
deslizava apontando algumas certezas que so minhas. Mas isto faz parte das relaes e
acontece tambm na anlise dos dados, quando temos que perceber, no apenas o que foi dito,
mas o que est contido nos silncios, nas reticncias e nas confirmaes de nossas
interferncias.
Na interpretao dos dados, com enfoque qualitativo, importante perceber que no
existe uma nica direo e nem mesmo uma ausncia total da quantificao, que pode ser
observada, quando categorizamos as respostas e reaes encontradas.
Busquei na literatura sobre a temtica, suporte terico para analisar as respostas
encontradas.
Aps os primeiros tempos de pesquisa, acrescentei uma nova questo, o que fez rever
os passos da caminhada: por que algumas professoras dos anos iniciais do Ensino
Fundamental e Educao Infantil conseguiram xito na incluso de alunos com deficincia
mental em turmas do ensino regular? Pelo simples fato de sermos nicos, individualizados e
singulares? Acrescento esses questionamentos tendo em vista que a resposta mais ouvida era a
de que no temos preparo ou qualificao para trabalhar com esse alunado.
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2.1 AO ESCOLHER, FUI TAMBM ESCOLHIDA: INCLUSO DE ALUNOS COM
DEFICINCIA MENTAL
Parto das coisas que me fizeram pensar e acreditar na vida e num sentido de vida que
acolha e respeite todas as pessoas. Ao justificar o tema, preciso apresentar um pouco os
motivos das escolhas feitas e da trajetria de vida que me fez chegar a uma nova pesquisa.
Que me fez querer novos horizontes.
Nas respostas s minhas inquietaes, o objetivo que primeiramente me coloco :
compreender como os docentes dos anos iniciais do Ensino Fundamental e da Educao
Infantil esto lidando com a incluso de todos os alunos no processo ensino-aprendizagem na
escola. Pretendo, assim, dar continuidade ao que venho realizando ao longo de minha jornada
escolar como aluna e como professora.
Mas a incluso no se d num vazio, seja fsico ou de idias. Acontece num espao
determinado, com regras j elaboradas e vai retratando e delineando a prpria sociedade em
que vivemos. na sociedade de hoje, de mltiplas oportunidades, mas de desigualdades, que
buscamos a educao que inclua todos os que esto em idade escolar e os que no
conseguiram aprender as aprendizagens escolares em sua faixa etria.
H uma sociedade que no demonstra preocupao real com a excluso, e que, ao
mesmo tempo, exige uma educao inclusiva no espao da escola. E a educao responde
apoiada na inovao de seus prprios valores sociais. Valores construdos e reproduzidos na
sociedade.
De acordo com as idias de alguns filsofos e educadores, a educao
um meio pelo qual o homem (a pessoa, o ser humano, o indivduo, a criana, etc.) desenvolve potencialidades biopsquicas inatas, mas que no atingiriam a sua perfeio (o amadurecimento, o seu desenvolvimento, etc.) sem a aprendizagem realizada atravs da educao (BRANDO, 2004, p. 61).
Assim, a sociedade e, portanto, a prpria educao, precisa de um lugar privilegiado
para educar a todos. Esse lugar organizado pela sociedade para a educao a escola.
Embora o que entendemos educao esteja em constante mutao pois radica-se nas
formas concretas de existir e pensar das diferentes pocas histricas (GONALVES, 2001,
p. 118), possvel afirmar com palavras dessa autora que
a Educao , portanto, um fenmeno inerente ao homem como um ser social e histrico, cuja existncia fundamenta-se na necessidade de formar as geraes mais novas, transmitindo-lhes seus conhecimentos, valores e crenas e abrindo-lhes possibilidades para novas realizaes (2001, p. 118).
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Temos uma legislao que assegura e garante o acesso e a permanncia de todos nos
espaos escolares e obriga, tanto a escola como aos pais ou responsveis, a matricular a todos
em idade escolar, independente de suas caractersticas. Uma educao que legal... possvel
a incluso de todos na escola?
Desdobro essa temtica nos seguintes questionamentos: de que forma ns,
professores e professoras, estamos vivenciando a educao inclusiva, exigncia legal, no
espao da escola? Como estamos trabalhando no ensino regular quanto incluso dos
alunos com deficincia mental? Quais os nossos entendimentos sobre incluso de todos nas
aprendizagens escolares?
Na escola de hoje, comprovado o direito ao acesso, portanto, matrcula para todos
os que esto em idade escolar e os que ainda no concluram o ensino fundamental,
obrigatrio a todo o brasileiro. Na maioria das pesquisas realizadas, a permanncia2 na escola
o grande desafio. Fica um pouco mais restrito, quando fazemos referncia a uma parcela de
alunos pessoas com deficincia que precisam de legislao especfica para estar em algum
lugar que seu de fato e de direito a escola.
Pesquisar o que realizado nas escolas em relao incluso de alunos com
deficincia e, recortando mais ainda, alunos com deficincia mental compreender a
educao que est realmente acontecendo, a despeito do que noticiado na mdia e exigido na
legislao vigente, como proposta educacional de toda a sociedade. Cury (2005) em seus
estudos sobre Os fora de srie na escola aponta a entrada dos alunos com deficincia na
escola regular, como direito de cidado que deve ser respeitado e cobrado. Afinal, esses
direitos no surgiram do nada, mas de lutas e desafios de pessoas preocupadas com uma
educao legal e universal a todos.
Para isso, faz-se necessrio o entendimento das palavras deficincia e deficincia
mental. Como outros j estudaram o assunto e trazem de forma didtica e objetiva o que
entendo por deficincia, apio-me nas palavras de Fvero:
A palavra deficincia no deveria gerar esse reflexo negativo, pois
deficincia no o contrrio de eficincia. O contrrio de eficincia ineficincia. Especialmente quando se refere a seres humanos, a deficincia no deve ser traduzida como imperfeio ou defeito, j que no existe perfeio ou ausncia
2 Jussara Hoffmann afirma que a problemtica do acesso pode ser vista de duas maneiras no meu entender: acesso como ingresso, por oferta de vagas no ensino pblico; acesso a outras sries e graus de ensino, por permanncia do aluno na escola, atravs de um processo de aprendizagem contnuo e que lhe possibilite, de fato, o acesso a outros nveis de saber (2004, p. 12). O senso escolar e os indicativos de cada prefeitura e do estado no incio de cada ano letivo permitem afirmar que acesso, como ingresso, no falta nas escolas do RS, o que falta so polticas educacionais e aes concretas de permanncia na escola para todos os alunos.
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total de defeitos em qualquer ser humano, ou seja, no se pode dizer que pessoas sem deficincia so pessoas... perfeitas.
A deficincia, neste caso, indica falta, limitao. Indica que algum no tem certos atributos fsicos, sensoriais ou mentais comumente encontrados nas demais pessoas, o que absolutamente natural (2004, pp. 22-23).
Recorro novamente a essa autora, para esclarecer os entendimentos que tenho sobre a
expresso deficincia mental, quando ela explica as limitaes caractersticas da deficincia
mental:
Deficincia mental o funcionamento intelectual significativamente
inferior mdia, com manifestaes antes dos dezoito anos e limitaes associadas a duas ou mais reas de habilidades adaptativas, tais como: comunicao; cuidado pessoal; habilidades sociais; utilizao da comunidade; sade e segurana; habilidades acadmicas; lazer; e trabalho (FVERO, 2004, p. 32).
Num esforo redobrado para clarificar os meus entendimentos sobre deficincia
mental, recorro mais uma vez a essa autora, que, ao expor as diferenas entre doena mental e
deficincia mental, refora o que considera deficincia mental:
Conforme j mencionado, a deficincia mental o desenvolvimento
mental incompleto, ou seja, a pessoa tem uma capacidade intelectual diminuda (por problemas genticos ou ausncia de estimulao), que fica evidente desde o nascimento ou mais tarde, mas sempre at o final da adolescncia. Na deficincia mental a pessoa no dispe de instrumentos intelectuais que a faam ter total compreenso das coisas, mas esta falta de instrumentos pode ser compensada, pelo menos em parte, com a estimulao adequada e convivncia social (FVERO, 2004, p. 34).
Embora parea simples, essa questo terminolgica , ainda hoje, bastante
controversa nessa rea da educao ou no campo da incluso.
As pessoas com deficincias j foram chamadas de vrias formas ao longo da histria
da humanidade: imbecis, idiotas, loucos, retardados, dbeis mentais, excepcionais, diferentes,
especiais... No Brasil, a atual Constituio Federal e Lei de Diretrizes e Bases da Educao,
refere-se a Pessoas Portadoras de Necessidades Especiais. Fvero diz que mesmo estando nas
leis, no recomendado o uso da palavra portadora porque ela foi inserida em um
determinado momento histrico, em que vrias formas pejorativas eram utilizadas e, ao
padronizar, buscou-se uma forma de tirar o foco de ateno da deficincia para a pessoa
(2004, pp. 21-22). S que a expresso portadora est associada a doena, porque expressa
coisas que a pessoa carrega e/ou pode deixar de lado, no sendo adequada para
caractersticas fsicas, sensoriais ou mentais do ser humano (FVERO, 2004, p. 22).
Se at hoje estamos debatendo o termo ou expresso que melhor identifique quem
tem deficincia mental, fundamental, neste texto, dizer que estes recortes que fao, elegendo
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um campo de pesquisa emprica, deve ser percebido como proposta para possibilitar a
realizao da pesquisa e no para excluir pessoas ou aes.
O desafio est nesta tnue, quase invisvel, linha: selecionar para explicitar o tema de
pesquisa, pois tratar de todas as excluses e/ou incluses no espao escolar seria muito amplo.
Parto da minha condio de professora da Educao Infantil e Anos Iniciais do Ensino
Fundamental, para pesquisar com esse grupo de professores, para poder trazer concluses
luz do que vi e vivi e do que outros pesquisadores j realizaram na tarefa de discutir e
descrever possibilidades de aprendizagem e ensino a todos os alunos, numa escola e
comunidade que queiram inclusivas. Mesmo sabendo que vivemos numa sociedade
excludente.
2.2 NO CAMINHO FOI PRECISO CONVERSAR, TRAAR OBJETIVOS, REFAZER
OU CRIAR NOVOS PERCURSOS
Ao reunir os pedaos de minha trajetria escolar e de vida, dos muitos encontros de
conversas com professoras, fui contornando as arestas e formatando a pesquisa.
Nas histrias contadas e ouvidas fui reelaborando novas questes e buscando
certezas que encobrem o caminho da educao inclusiva, da preparao e efetivao de uma
sociedade onde caibam todos (ASSMANN, 1996, p. 221).
Numa pesquisa, h sempre um objetivo que nos move e a ele vo se somando outros
e novas formas de anlise vo surgindo.
Esta pesquisa se pautou pela necessidade de saber o que ocorre no espao da sala de
aula em relao incluso de alunos deficientes mentais. Foi baseada no encontro e na
conversa. O material de anlise gravaes das falas que fui tentando registrar nos encontros
e transcrever para o computador.
Assim, as conversas e observaes com as professoras sobre a educao inclusiva
dos alunos com deficincia mental e os escritos legais legislao sobre a educao
inclusiva permeiam este trabalho, buscando trazer cada fala ou escrito em seu contexto, de
forma a descobrir o que est escondido, revelar o que est encoberto. Interpretar, no sentido
hermenutico da palavra, que significa captar o significado do qual se revestem os nossos
dizeres, dizeres de professoras, e as leis sobre a incluso, no processo de compreender os
sentidos que se gestam no campo emprico e na legislao existente.
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Ao desejar captar o sentido do que dito e vivido, num esforo de alteridade,
procuro entender como cada professora se sente ao saber que vai ter um aluno j
diagnosticado3 diferente em sua turma do ensino regular e atua com base no paradigma da
educao homognea. Ou seja, em uma prtica pedaggica realizada de forma igual, no
mesmo ritmo e ao mesmo tempo para todos, com o mesmo tipo de exigncias e instrumentos
avaliativos. Ao imaginar as suas reaes, retomo minha prpria histria de professora e, como
pesquisadora, investigo o que de fato acontece.
Nas conversas que realizei de maneira informal, nos espaos escolares sala de
professores, bibliotecas, refeitrios, ptios da escola etc. percebi que algumas professoras
so tomadas pelo desespero. No posso apenas seguir afirmando que pelo despreparo do que
no conhece e pelo medo do novo, do desconhecido.
Nas anlises informais que fiz, esse medo era maior, quando havia apenas um aluno
com deficincia matriculado na escola. Essa constatao fez mudar um pouco o rumo da
pesquisa.
Surge, com isso, uma mudana de trajeto. Continuei tentando compreender como as
professoras trabalham com esses alunos e apoiadas em que saberes docentes. Mas, junta-se a
essas questes, a pergunta sobre quem, dentro do espao da escola, est auxiliando e
acompanhando cada professora? Passei a questionar e, principalmente, a pesquisar aes e
saberes mobilizados para que a educao inclusiva seja real.
Lembro-me do que fiz com o menino ndio4: queria que ele se acalmasse como os
meus filhos, com os mesmos recursos que usaria para eles. O que foi impossvel. O mesmo
acontece com uma escola inclusiva: impossvel uma prtica pedaggica pautada na
aprendizagem de contedos deslocados da realidade dos alunos.
Quanto ao despreparo para trabalhar com alunos com deficincia, apenas
compreendo isso, embora tenha dificuldades para aceit-lo. O despreparo aparece no novo
paradigma que se apresenta: uma escola para todos.
Em sntese, para essa pesquisa, investiguei tambm, entre os professores que se
dizem ou se consideram sem preparo para a incluso, como trabalham com alunos com
deficincia mental em suas turmas. Mas, foi nos dizeres das professoras que acreditaram e
tornaram realidade a incluso de todos os alunos, ao planejarem aes pedaggicas inclusivas
3 Aluno(a) diagnosticado(a) aquele que passou por equipe multiprofissional e chega escola com um diagnstico escrito realizado por esses profissionais pediatra, psiclogo, psicopedagogo, professor da educao especial, entre outros com indicao e/ou sugestes de atendimento escolar ou somente com indicao da deficincia. 4 Relato na primeira parte deste captulo.
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e amorosas que busquei identificar os saberes necessrios incluso e que poderiam apontar
caminhos formao do professor.
Para fundamentar as anlises das conversas na compreenso do que est acontecendo
na incluso de todos os alunos na escola, recorri pesquisa bibliogrfica para explicitar o que
entendo por educao inclusiva e educao especial. Obriguei-me tambm a fazer recortes da
histria e dos conceitos referentes educao especial e inclusiva.
Com a prerrogativa de modalidades de educao especial estarem includas na escola
regular, algumas professoras viam possibilidade de trabalhar com grupos mais homogneos,
sob a alegao de que no h preparo para trabalhar com os outros alunos em turmas do
ensino regular.
Procurei distanciar-me das minhas crenas prvias eu sei o que ter um aluno
diagnosticado e eu sei que todos aprendem e busquei compreender as certezas e
incertezas dessas colegas em relao a suas prticas pedaggicas rotineiras.
Para tanto, nesse perodo convivi, entrevistei, conversei, acompanhei, observei,
estudei com colegas professoras da Educao Infantil e Anos Iniciais do Ensino
Fundamental refletindo sobre suas prticas pedaggicas e sobre a educao inclusiva
realizada. Que sentimentos aparecem quando se v na chamada o nome de um aluno que tem
deficincia?
Antes das reunies de entrevistas com essas colegas, comunicava sobre minha
pesquisa e fazia anotaes em meu dirio de campo.
No realizei entrevistas com perguntas previamente elaboradas, mas, sim, com um
roteiro de pontos definidos para o encaminhamento da entrevista.
Nos encontros de pesquisa, havia uma pergunta inicial: Colega, como vs e vivencias
a educao inclusiva?
Dessa questo, surgiam outras que apareciam assim: Em tua escola o qu e como
esto fazendo? O que percebes? Como fazes ou farias? Qual tua reao? Na tua opinio, os
alunos com deficincia mental esto mesmo includos?
Depois havia o direcionamento para as prticas pedaggicas e as dificuldades nessas
prticas. Normalmente essas questes vinham juntas.
Eu procurava falar o menos possvel, pois no incio, em 2003, percebi que eu era
quem mais falava. Fui aprendendo a falar o menos possvel e as respostas mais significativas
vieram de fora da escola, em viagens, encontros em restaurantes, bares, lojas... Nesses
espaos, as professoras falavam mais abertamente que na escola. Nela, tudo era mais contido,
possivelmente devido ao gravador.
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E, para no correr o risco de ouvir s o que desejava, sa da escola em que atuo como
coordenadora pedaggica e peregrinei por vrios espaos escolares.
Por fim, pelas muitas vezes que ouvi a expresso falta preparao, qualificao e
capacitao para trabalhar com a criana com deficincia, elegi como espinha dorsal da
pesquisa uma escola pblica5, com atendimento a alunos com deficincia mental em Sala de
Recursos e includos no Ensino Regular, uma Escola Particular de Educao Infantil, duas
professoras dos anos iniciais do Ensino Fundamental e da Educao Infantil de uma mesma
escola pblica, uma professora dos anos iniciais do Ensino Fundamental de escola pblica e
particular e uma professora dos anos iniciais do Ensino Fundamental e Universitrio.
Os encontros foram agendados com essas professoras e, quando surgia alguma
dvida, falvamos por telefone. Essas conversas no foram muito longas. Depois dos
encontros e das observaes sobre os rumos da pesquisa, uma das professoras enviou-me por
e-mail a descrio de suas prticas e certezas sobre a incluso de todos os alunos nas
aprendizagens escolares.
2.3 UM NOVO CAMINHO E OUTROS OBJETIVOS: POSSVEL A INCLUSO
ESCOLAR?
O objetivo geral perceber como estamos vivenciando a incluso escolar, no espao
da sala de aula. Entre os objetivos especficos, surge um novo que construdo, aps coleta e
anlise de material: conversar com professoras que conseguiram trabalhar com todos os
alunos dentro da sala de aula e investigar suas prticas pedaggicas, enfocando suas reaes e
aes.
Para isso, retornei aos locais j visitados e contatei com professoras que trabalharam
com todos os alunos durante um determinado perodo letivo.
Na escola pesquisada, fui acolhida de forma carinhosa. Fiz entrevistas individuais e
grupais, orientada por uma prtica de pesquisa qualitativa.
O emprego da entrevista qualitativa para mapear e compreender o mundo
da vida dos respondentes o ponto de entrada para o cientista social que introduz, ento, esquemas interpretativos para compreender as narrativas dos atores em termos mais conceptuais e abstratos, muitas vezes em relao a outras observaes. A entrevista qualitativa fornece, pois, os dados bsicos para o desenvolvimento e a compreenso das relaes entre os atores sociais e sua situao. O objetivo uma
5 Escola Pblica Estadual de Ensino Fundamental, Educao Infantil e Educao Especial.
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compreenso detalhada de crenas, atitudes, valores e motivaes, em relao aos comportamentos das pessoas em contextos sociais especficos (GASKELL, 2003, p. 65).
Tive o cuidado de evitar o que, muitas vezes, acontece na conversa entre
pesquisadores e professores que atuam no Ensino Regular, em qualquer modalidade
educacional, quando parece pr-definido que o pesquisador, geralmente um professor
universitrio, sabe o que afirma e tem provas de como fazer melhor.
Apresentei-me como pesquisadora, mas expliquei que estava ali para uma conversa
franca e aberta. Eu no tinha respostas nem perguntas formuladas em questionrios, mas
inquietaes de professora, sobre o que elas professoras de Educao Infantil e anos iniciais
do Ensino Fundamental pensavam a cada incio de ano letivo sobre os alunos que teriam e
como estavam vivendo a incluso de todos, principalmente quando trabalhando com alunos
com deficincia mental.
Bernard Charlot, quando trabalha com a diferena estrutural da pesquisa e do ensino,
especifica as condies que desejei criar neste grupo focal:
[...]. A pesquisa no pode dar inteligibilidade a todas as mnimas aes da vida do professor na sala de aula. Por essas diferenas estruturais to gr