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UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA CAMPUS I CAMPINA GRANDE CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS - CCJ CURSO DE DIREITO MAJUÍ ARRUDA FELINTO DE ARAÚJO A CONSTRUÇÃO JURISPRUDENCIAL DO TJ/PB NOS CASOS DE ACIDENTES DE TRÂNSITO CAUSADOS POR EMBRIAGUEZ AO VOLANTE: CULPA CONSCIENTE OU DOLO EVENTUAL? Campina Grande 2016

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA

CAMPUS I – CAMPINA GRANDE

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS - CCJ

CURSO DE DIREITO

MAJUÍ ARRUDA FELINTO DE ARAÚJO

A CONSTRUÇÃO JURISPRUDENCIAL DO TJ/PB NOS CASOS DE ACIDENTES

DE TRÂNSITO CAUSADOS POR EMBRIAGUEZ AO VOLANTE: CULPA

CONSCIENTE OU DOLO EVENTUAL?

Campina Grande

2016

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MAJUÍ ARRUDA FELINTO DE ARAÚJO

A CONSTRUÇÃO JURISPRUDENCIAL DO TJ/PB NOS CASOS DE ACIDENTES

DE TRÂNSITO CAUSADOS POR EMBRIAGUEZ AO VOLANTE: CULPA

CONSCIENTE OU DOLO EVENTUAL?

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado

ao Curso de Graduação em Direito do Centro

de Ciências Jurídicas da Universidade

Estadual da Paraíba em cumprimento à

exigência para obtenção do grau de Bacharel

em Direito.

Área de Concentração: Direito Penal

Orientador: Professor Pós-Doutor Luciano

Nascimento Silva

Campina Grande

2016

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Aos meus seis pedaços de mim: minha família, DEDICO.

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AGRADECIMENTOS

Ao professor Luciano Nascimento Silva pelas leituras sugeridas ao longo dessa orientação e pela

dedicação.

A minha mãe Soraya Arruda Felinto de Araújo – jurista e patrulheira da Polícia Rodoviária

Federal – espectadora dos tristes casos ocorridos nas estradas federais da Paraíba e de todo Brasil, eterna

militante de um mundo melhor e mais justo; exemplo de profissional, de honestidade, de mãe e de mulher.

Meu espelho de mulher guerreira e batalhadora. Sinônimo de amor.

Ao meu pai José Felinto de Araújo Filho, por ter me feito uma pequena grande menina: justiceira

regada com amor, carinho, atenção, fraternidade e dedicação. Com ele aprendo a nunca ter um dia triste.

Aos meus irmãos e melhores amigos, Mouribe, Morena, Maitê e Moama Arruda Felinto de

Araújo: a quem sempre oferecerei o meu melhor e o meu mais puro amor.

Ao meu namorado, Wendell Gabriel Braga Cavalcante, por toda paciência, companheirismo e

afeto dedicados a mim durante toda graduação.

Aos meus tios Giovanne Arruda e Adriana Uchôa, por todos os ensinamentos jurídicos,

oportunidades e cuidados que me forneceram e fornecem.

Aos professores do Curso de Direito e funcionários da UEPB, pela presteza e atendimento quando

nos foi necessário.

Aos colegas de classe pelos momentos de amizade e apoio.

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“Nenhuma justiça conseguiria condenar alguém por

dolo eventual se exigisse confissão cabal de que o

sujeito psíquica e claramente consentiu na produção do

evento; que, em determinado momento anterior à ação,

deteve-se para meditar cuidadosamente sobre suas

opções de comportamento, aderindo ao resultado”.

Damásio de Jesus

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 8

2. ANÁLISE DOGMÁTICA .................................................................................................... 9 2.1. A TIPIFICAÇÃO DOS HOMICÍDIOS DE TRÂNSITO NO CÓDIGO DE TRÂNSITO

BRASILEIRO ............................................................................................................................. 9

2.2. A TIPIFICAÇÃO DOS HOMICÍDIOS NO CÓDIGO PENAL ....................................... 12

3. ANÁLISE DOUTRINÁRIA – PENSAMENTO JURÍDICO NACIONAL .................. 13

3.1. DOLO ................................................................................................................................ 13

3.2. CULPA .............................................................................................................................. 14

3.3. DIFERENÇA ENTRE DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE ......................... 15

4. ANÁLISE JURISPRUDENCIAL – A REALIZAÇÃO MATERIAL DO DIREITO . 17

4.1. CASO 01 ........................................................................................................................... 19

4.2. CASO 2: ............................................................................................................................ 20

4.3. CASO 03: .......................................................................................................................... 21

4.4. CASO 04: .......................................................................................................................... 22

4.5. CASO 05 ........................................................................................................................... 23

5. CONCLUSÕES ................................................................................................................... 24

ABSTRACT ............................................................................................................................ 27

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 28

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A CONSTRUÇÃO JURISPRUDENCIAL DO TJ/PB NOS CASOS DE ACIDENTES

DE TRÂNSITO CAUSADOS POR EMBRIGUEZ AO VOLANTE: CULPA

CONSCIENTE OU DOLO EVENTUAL?

Majuí Arruda Felinto de Araújo1

RESUMO

O presente trabalho tem por escopo analisar jurisprudências do Tribunal de Justiça do Estado

da Paraíba para possibilitar um breve estudo de quais circunstâncias em acidentes

automobilísticos causados por condutores embriagados podem influenciar os juízes a

pronunciar o réu pelo crime cometido na sua modalidade dolosa (dolo eventual), previsto no

Código Penal e julgado pelo tribunal do júri, e não pela infração de trânsito do art. 302 do

Código de Trânsito Brasileiro (Lei Federal nº 9.503/97), que tipifica como culpa consciente,

dispensa tratamento mais gravoso e é julgado pelo juiz comum. Para tanto, analisamos a tênue

e tão discutida distinção entre o dolo eventual e a culpa consciente, com a abordagem dos

aspectos doutrinários, dogmáticos e jurisprudenciais para chegarmos à tipificação mais

congruente nos casos de homicídios de trânsito cometidos por indivíduos que tenham consumido

bebida alcoólica ou utilizado substâncias entorpecentes. O trabalho dissertativo no campo

metodológico fez uso da análise do pensamento jurídico nacional sobre a problemática, bem como

um levantamento da posição jurisprudencial do TJ/PB. O que caracteriza um trabalho de pesquisa

bibliográfica doutrinária e empirista jurisprudencial.

Palavras-Chave: Jurisprudência. Tribunal de Justiça da Paraíba. Acidentes automobilísticos.

Condutores embriagados. Dolo eventual. Culpa consciente.

1 Acadêmica do Curso de Bacharelado em Direito da Universidade Estadual da Paraíba, Campos I.

Email: [email protected]

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1. INTRODUÇÃO

Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), os acidentes de trânsito são uma das

principais causas de morte no mundo, vitimando 1,25 milhão de pessoas por ano e, embora o

Brasil esteja entre os dez países mais populosos do mundo, que cumprem os principais fatores

de risco no trânsito, quais sejam: utilização de cinto de segurança, capacete, limite de

velocidade, segurança para crianças e proibição de ingestão de bebida alcoólica antes de

dirigir, no último levantamento feito pela OMS, no ano de 2015, constatou-se que mais de 41

mil pessoas perderam a vida nas estradas e ruas brasileiras, apenas no ano de 2013, e que o

número de acidentes de trânsito no país deu o maior salto registrado na América do Sul.

Diante desta realidade, a Assembléia Geral das Nações Unidas editou, em março de

2010, uma resolução (n. 66/260) definindo o período de 2011 a 2020 como a “Década de

ações para a segurança no trânsito". Ocorre que, cada dia mais nos deparamos com situações

ou noticiários de condutores sob o efeito de álcool ou substâncias análogas que ocasionam

acidentes e, na maioria das vezes, tiram a vida de vítimas que em nada contribuem para tal

fato. Isso comprova que as medidas até então adotadas não são suficientes nem tão eficazes

quanto se espera para que tenhamos um trânsito seguro.

Assim, os homicídios de trânsito causados por condutores de veículos que ingeriram

bebida alcoólica ou substâncias entorpecentes têm gerado cada vez mais indignação social e,

consequentemente, discussão legislativa, doutrinaria e jurisprudencial acerca da incursão do

réu ou por homicídio culposo, previsto no artigo 302 do CTB, ou por homicídio doloso,

tipificado pelo Código Penal em seu artigo 121, e que atribui ao réu uma pena mais gravosa

no intuito de tentar diminuir as estatísticas dos óbitos no trânsito.

Enquanto o clamor social preza por uma pena mais dura, que realmente venha a punir

severamente e combater os condutores embriagados a tirarem vidas de inocentes, a troco das

suas satisfações pessoais alcançadas com a ingestão do álcool e/ou de entorpecentes e a

posterior inconsequente combinação com a direção, os doutrinadores e os legisladores optam,

até então, pela aplicação da teoria mais branda do Art. 302 do CTB que tipifica a conduta do

motorista infrator pela culpa consciente, condenando-o a pena de reclusão de 2 (dois) a 4

(quatro) anos, conforme a Lei nº 12.971, de 2014.

Quanto aos Tribunais, ante os recorrentes casos e o clamor da sociedade, estes vêm se

posicionando a favor da tipificação da conduta do motorista alcoolizado como dolo eventual,

a depender do caso concreto, utilizando-se do principio In Dubio Pro Societate, nas hipóteses

em que as circunstâncias demonstram que o motorista assumiu o risco de produzir o

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resultado, de acordo com a redação do artigo 18, inciso I, que diz: Diz-se o crime: I – doloso

quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo. Exemplo disso é o

Tribunal de Justiça da Paraíba, conforme analisaremos nos casos trazidos neste artigo.

Sendo assim, diante das citadas divergências doutrinaria e jurisprudencial, e do

impasse quanto à aplicação da lei na sua modalidade culposa ou dolosa, configura-se a

importância da discussão deste relevante tema que justifica a realização deste artigo científico,

que objetiva pesquisar quais as circunstancias em acidentes causados por motoristas que

tenham ingerido bebida alcoólica ou entorpecentes podem influenciar na tomada de decisão

dos juízes na aplicação da lei do código de trânsito brasileiro ou da lei penal.

A fim de analisarmos tal questão, partiremos da diferenciação doutrinária e dogmática

entre dolo eventual e culpa consciente, mediante a análise dos requisitos de cada instituto e,

em seguida, analisaremos alguns casos concretos ocorridos nas estradas paraibanas e qual o

procedimento adotado pelo Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba. Por fim, averiguaremos

qual a tipificação mais congruente, a solução mais adequada para tais infrações de trânsito e

quais medidas poderiam ser adotadas para diminuir os altos índices de vítimas de condutores

embriagados nas estradas brasileiras.

2. ANÁLISE DOGMÁTICA

2.1. A TIPIFICAÇÃO DOS HOMICÍDIOS DE TRÂNSITO NO CÓDIGO DE TRÂNSITO

BRASILEIRO

Em meados da década de sessenta, com o crescente número de veículos automotores

advindos da chegada da indústria automobilística para o Brasil, os crimes contra a segurança

do trânsito aumentaram drasticamente, o que provocou a necessidade despertada em vários

países de promulgar leis especiais incriminando preventivamente fatos que antes eram

deixados à margem do direito penal positivo, ou até mesmo, que não passava de meras

circunstâncias agravantes ou simples ilícito administrativo.

O atual Código de Trânsito brasileiro foi criado no ano de 1997 com alei nº 9.503 de

23 de setembro de 1997. Dentre os motivos que levaram os legisladores a criar o referido

código, estava a modernização das vias, o grande crescimento dos centros urbanos, os

elevados números de acidentes de trânsito e o clamor social, uma vez que o Brasil liderava o

ranking mundial de acidentes de trânsito, sendo necessário a adequação das normas relativas a

trânsito, veículos e dos órgãos executivos estatais.

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O anterior Código Nacional de Trânsito (Lei Federal nº 5.108, de 1/9/1966), com

redação do Decreto-lei nº 237, de 28/2/1967, era uma codificação regulamentada pelo Decreto

nº 62.127 de 16/1/1968 que, em detrimento das numerosas resoluções e portarias elaboradas

pelo Conselho Nacional de Trânsito, no exercício do seu poder normativo, objetivando suprir

as constantes mudanças e evoluções das regras e procedimentos quanto as questões de trânsito

e veículos, acabou por se tornar obsoleto e de difícil consulta.

Assim, o novo código de trânsito abandona os antigos modelos das primeiras

codificações das normas de trânsito ocorridas desde 25 de setembro de 1941, com o Código

Nacional de Trânsito, Decreto-lei no 3.651, de caráter puramente administrativo e o legislador

inova ao definir os denominados “crimes de trânsito”, que passam a ser tipificados nessa

codificação e não mais no Código Penal. Ademais, como resposta ao clamor social, o Código

de Trânsito Brasileiro também passa a tratar os crimes em direção de veículo automotor como

culposos, mas com penalidades mais severas do que o Código Penal.

No vigente Código de Trânsito Brasileiro, normas administrativas coexistem com

normas penais, de modo que, nesta mesma codificação se elencam infrações administrativas

cujos objetos jurídicos são os mesmos das infrações penais contidas no Código Penal, a

exemplo de dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que

determine dependência: infração administrativa do art. 165, CTB e tipo penal do art. 306,

CTB. Assim, a depender da gravidade das infrações administrativas é que o legislador

também as tipifica nas infrações penais, o que demonstra o caráter fragmentário dos tipos

penais de trânsito.

O CTB, em seu Artigo 291, estabeleceu que “aos crimes cometidos na direção de

veículos automotores, previstos neste Código, aplicam-se as normas gerais do Código Penal e

do Código de Processo Penal, se este Capítulo não dispuser de modo diverso”. Deste modo,

prevê a incidência não só das normas gerais da parte geral do Código Penal, mas também

daquelas previstas na parte especial do Código Penal.

O referido artigo, após promulgação da Lei nº 11.705 de 2008, também determinou em

seus parágrafos a exclusão da aplicação das medidas despenalizadoras (transação, conciliação

e representação) da Lei nº 9.099/95, quando os crimes de lesões corporais no trânsito fossem

cometidos por agente embriagado, em “racha” ou transitando com velocidade acima de

cinquenta quilômetros. Assim, em se tratando de delito de homicídio culposo no trânsito e

delito de “racha” qualificado (§§ 1o e 2o do CTB), o rito a ser seguido será o procedimento

ordinário.

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Quanto ao delito de homicídio no trânsito, objeto de estudo deste artigo, tem-se a

seguinte tipificação no Código de Trânsito brasileiro:

Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor:

Penas - detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a

permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

§ 1o No homicídio culposo cometido na direção de veículo automotor, a pena é

aumentada de 1/3 (um terço) à metade, se o agente: (Incluído pela Lei nº 12.971, de

2014) (Vigência)

I - não possuir Permissão para Dirigir ou Carteira de Habilitação; (Incluído pela Lei

nº 12.971, de 2014) (Vigência)

II - pratica-lo em faixa de pedestres ou na calçada; (Incluído pela Lei nº 12.971, de

2014) (Vigência)

III - deixar de prestar socorro, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à vítima do

acidente; (Incluído pela Lei nº 12.971, de 2014) (Vigência)

IV - no exercício de sua profissão ou atividade, estiver conduzindo veículo de

transporte de passageiros. (Incluído pela Lei nº 12.971, de 2014) (Vigência)

§ 2o Se o agente conduz veículo automotor com capacidade psicomotora

alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que

determine dependência ou participa, em via, de corrida, disputa ou competição

automobilística ou ainda de exibição ou demonstração de perícia em manobra de

veículo automotor, não autorizada pela autoridade competente: (Incluído pela Lei nº

12.971, de 2014) (Vigência)

Penas - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e suspensão ou proibição de se obter

a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. (Incluído pela Lei nº

12.971, de 2014) (Vigência)2

Trata-se de um delito específico que remete a outro já tipificado no Código Penal: o

crime genérico do art. 121, § 3º, a já conhecida figura típica de homicídio culposo e,

conforme aduz Damásio de Jesus (1998), “quando uma norma remete a outra, por intermédio

do número do artigo ou do nomen juris do delito, impregna-se de todo o seu conteúdo, salvo

disposição em contrário”.

Assim, praticada uma ação imprudente, negligente e imperita, que causa a morte de

alguém, em tese, temos tipificada a conduta do art. 121, § 3º, do Código Penal, mas, se a

mesma ação se deu na condução de veículo automotor no trânsito, a figura típica especial é a

do art. 302 do Código de Trânsito brasileiro.

Os incisos do §1º do referido Artigo tratam das causas especiais de aumento de pena

do homicídio culposo na direção de veículo automotor, justificadas pela maior falta de

cuidado objetivo por parte do agente que tem uma culpa (stricto sensu) mais grave ao colocar

um número indeterminado de pessoas em risco. Já o §2º, narra o tipo qualificado do

2 BRASIL. Lei N° 9.503 de 23 de setembro de 1997. Código de Trânsito Brasileiro. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9503.htm. Acesso em: 25 jul. 2016.

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homicídio praticado com a “capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool

ou de outra substância psicoativa que determine dependência ou participa, em via, de corrida,

disputa ou competição automobilística” e nele estão incluídos os elementos típicos dos delitos

de embriaguez ao volante (art. 306, CTB) e de “racha” (art. 208, CTB). Deste modo, não é

possível o concurso material ou formal com esses crimes, já que estas causas foram

estipuladas como qualificadoras e não se poderá considerar um bis in idem, além disso, sendo

mais grave para o réu.

Sendo assim, observa-se que o legislador do nosso Código de Trânsito optou por

classificar o referido homicídio como culposo e condenar o motorista sobre a influência de

álcool ou substância análoga a causar a morte de alguém na direção de veículo automotor com

a pena de reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e suspensão ou proibição de se obter a

permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

2.2. A TIPIFICAÇÃO DOS HOMICÍDIOS NO CÓDIGO PENAL

Como já visto anteriormente, o tipo descrito no Código Penal para o homicídio é

genérico e possui a seguinte redação:

Art. 121. Matar alguém:

Pena - reclusão, de seis a vinte anos. [...]

§ 3º Se o homicídio é culposo:

Pena - detenção, de um a três anos.

É possível concluir destas primeiras observações, que o crime de homicídio culposo

está previsto tanto de forma genérica no Código Penal, como de forma especifica no CTB,

com o diferencial de que, embora sejam tipos penais idênticos, o fato de ser cometido em

direção de veículo automotor acarreta em penalidades mais severas do que as trazidas no

Código Penal.

Tal discrepância das penas ocasiona algumas críticas de autores que alegam que há

quebra do princípio da isonomia, já que o homicídio culposo do Código Penal tem pena de

um a três anos, enquanto o mesmo crime cometido na direção de um carro tem pena de dois a

quatro anos. Contudo, essa diferença das penas se justifica pela escolha do legislador em

considerar mais grave o homicídio culposo no trânsito, já que se exige uma maior atenção e

cautela diante da assustadora realidade de delitos de circulação.

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Assim, embora o art. 12 do Código Penal mande aplicar as normas gerais do Código

Penal, este também assegura a incidência do princípio da especialidade. Desse modo, a lei

especial derroga a geral, pois, não se aplica a regra geral do Código Penal caso a lei especial

do CTB disponha de modo diverso, por isso aplica-se ao crime de homicídio culposo na

direção de veículo automotor a pena descrita no Art. 302 do CTB.

Quanto ao homicídio doloso, este é tipificado somente pelo caput do citado artigo 121

do CP, assim, caso seja cometido na direção de veiculo automotor, será utilizado os

fundamentos jurídicos do Código Penal. Ocorre que, esta modalidade de homicídio acarreta

em uma pena mais gravosa para o réu que o pratica com a intenção de produzir o resultado

morte ou que, mesmo não o querendo de forma direta, não se importa com a sua ocorrência e

assim assume o risco de vir a produzi-lo sem com ele se importar, sendo a pena de reclusão,

de seis a vinte anos3.

3. ANÁLISE DOUTRINÁRIA – PENSAMENTO JURÍDICO NACIONAL

3.1. DOLO

Em regra geral e majoritária, o crime é definido como sendo um fato típico, ilícito e

culpável. Já a conduta do agente é a efetivação de uma conduta prevista no tipo penal

incriminador e consiste em um dos elementos do fato típico, podendo ela ser dolosa ou

culposa. A ausência de conduta dolosa ou culposa faz com que o fato cometido pelo agente

deixe de ser típico e, consequentemente, afasta a própria infração penal cuja prática se

imputaria ao agente.

O dolo é elemento subjetivo do tipo penal, consiste na vontade e consciência de

realizar a conduta descriminada no tipo penal incriminador. Assim, o dolo é formado por um

elemento intelectual, que é a consciência daquilo que faz, e um elemento volitivo, que é a

vontade espontânea de fazer o que descreve o tipo penal. Deste modo, a exemplo dos

doutrinadores Rogério Greco e Cezar Bitencourt, acredita-se que, pela redação do Art. 18,

Inciso I, o Código Penal tenha adotado as teorias da vontade e do assentimento.

Segundo a teoria da vontade, o dolo é a vontade livre e consciente de querer praticar a

infração penal, ou seja, querer levar a efeito a conduta prevista no tipo penal incriminador. Já

3 BRASIL. Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848.htm>. Acesso em: 25 jul. 2016.

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a teoria do assentimento preconiza que atua com dolo aquele que, antevendo como possível o

resultado lesivo com a prática de sua conduta, mesmo não o querendo de forma direta, não se

importa com a sua ocorrência e assim assume o risco de vir a produzi-lo, ou seja, o agente não

quer o resultado diretamente, mas o entende como possível e o aceita.

De acordo com o Art. 18, inciso I do CP, “Diz-se o crime: Doloso, quando o agente

quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo”. A doutrina costuma distinguir o dolo em

direto e indireto, sendo o primeiro quando o agente quer, de fato, cometer a conduta descrita

no tipo e o segundo quando o agente assume a possibilidade de produzir dois ou mais

resultados (dolo indireto alternativo) e, conforme descreve Greco, “quando o agente, embora

não querendo diretamente praticar a infração penal, não se abstém de agir e, com isso, assume

o risco de produzir o resultado que por ele já havia sido previsto e aceito”.4 (dolo indireto

eventual)

Sendo assim, a diferença entre o dolo direto e o dolo eventual é basicamente que, no

primeiro, o resultado é querido diretamente, enquanto que no segundo, o resultado é aceito

como uma possibilidade. Porém, tal distinção na prática não faz tanta diferença, pois,

conforme aduz Nucci:

[...] a lei não faz distinção entre dolo direto e eventual para fins de tipificação e de

aplicação da pena. Por isso, o juiz poderá fixar a mesma pena para quem agiu com

dolo direto e para quem agiu com dolo eventual. Em regra, já que os tipos penais

que nada falam a respeito do elemento subjetivo do delito são dolosos (ex: ‘matar

alguém’ – art. 121, CP, onde nada se diz acerca do dolo), pode-se aplicar tanto o

direto, quanto o indireto. (NUCCI, 2014, p. 182)

3.2. CULPA

Quanto à culpa, o Art. 18, inciso II do Código Penal (BRASIL, 1940) estabelece que:

Art. 18. Diz-se o crime:

I-( ... );

II- Culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência

ou imperícia.

Parágrafo único. Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato

previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente. 5

4 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal – Parte Geral – Vol. I – 17ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2015. Pág

292.

5 BRASIL. Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848.htm>

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Conforme estabelece o citado parágrafo único, a regra é a de que todo crime seja

doloso, somente se falando em delito culposo quando a lei penal expressamente fizer essa

ressalva. Assim, nas palavras de Mirabete (2013), o crime culposo é conceituado como "a

conduta humana voluntária (ação ou omissão) que produz resultado antijurídico não querido,

mas previsível, e excepcionalmente previsto, que podia, com a devida atenção, ser evitado".

Os elementos para a caracterização do delito culposo são: conduta humana voluntária

(comissiva ou omissiva), inobservância de um dever objetivo de cuidado (negligência,

imprudência ou imperícia), resultado lesivo não querido, tampouco assumido, pelo agente;

nexo de causalidade entre a conduta do agente que deixa de observar o seu dever de cuidado e

o resultado lesivo dela advindo; previsibilidade objetiva do resultado e tipicidade.

O dever de cuidado objetivo consiste no dever geral imposto a todas as pessoas para

agirem e adotarem toda a cautela, preocupação e precaução, todo o cuidado possível, para não

causarmos, com nossos comportamentos, lesões aos bens jurídicos de outrem.

Porém, são conhecidas três formas de se violar tal dever de cuidado objetivo, que são

as modalidades da culpa tratada no Código Penal, quais sejam: imprudência, negligência e

imperícia. A imprudência consiste na conduta positiva praticada pelo agente que causa o

resultado lesivo porque não observou o seu dever de cuidado, embora tal resultado fosse

previsível e a negligência é a conduta negativa do agente que deixa de fazer aquilo que a

diligência normal lhe impunha. Já a imperícia é a imprudência no campo técnico, consistente

na inaptidão, momentânea ou não, do agente para o exercício de arte, profissão ou ofício.

A culpa também é dividida em duas espécies para grande parte dos doutrinadores,

podendo ser consciente e inconsciente. Sendo esta última a que o agente prevê o resultado,

mas confia cabalmente nas suas habilidades pessoais e acredita sinceramente na não

ocorrência do mesmo. Naquela, o resultado é previsível, mas o agente não o prevê no caso

concreto. Assim sendo, essa distinção se diferencia somente no que diz respeito à previsão do

resultado, mas tem importante relevo na dosimetria da pena.

3.3. DIFERENÇA ENTRE DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE

Diante dos conceitos do tipo doloso e culposo explanados, é possível observarmos

quão tênue é a linha de distinção entre a conduta culposa (consciente) e a conduta dolosa na

sua modalidade eventual, o que acaba gerando grandes dificuldades na tipificação dos delitos

e na própria aplicação da lei, frente à divergência doutrinária e jurisprudencial quanto ao tema

e, principalmente, frente à dificuldade de diferenciá-las na prática.

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Como afirma Bitencourt (2008): “Os limites fronteiriços entre dolo eventual e culpa

consciente é um dos problemas mais tormentosos da Teoria do Delito”.

Nas palavras de Greco, a culpa consciente e o dolo eventual se distinguem do seguinte

modo:

Na culpa consciente, o agente, embora prevendo o resultado, acredita sinceramente

na sua não ocorrência; o resultado previsto não é querido ou mesmo assumido pelo

agente. Já no dolo eventual, embora o agente não queira diretamente o resultado,

assume o risco de vir a produzi-lo. Na culpa consciente, o agente, sinceramente,

acredita que pode evitar o resultado; no dolo eventual, o agente não quer diretamente

produzir o resultado, mas, se este vier a acontecer, pouco importa. (GRECO, 2011,

p. 309)

Assim, é possível afirmarmos que ambas as teorias se diferenciam de acordo com o

contexto subjetivo do agente quanto a presença de sua indiferença ou não em relação a

produção do resultado danoso no caso concreto. Porém, na prática é difícil ou quase

impossível os juízes saberem o que de fato passava pela cabeça do réu condutor de veículo

automotor que ocasionou a morte de alguém, para assim poderem justificar suas decisões

quanto à aplicação da culpa consciente ou do dolo eventual.

Diante desta realidade, o julgamento dos magistrados deve ser pautado sobre a

conduta percorrida pelo agente no caso concreto e não pelos aspectos psicológicos que

determinaram aquela conduta. Estes são os ensinamentos de Damásio de Jesus:

Não se exige fórmula psíquica ostensiva, como se o sujeito pensasse ‘consinto’,

‘conformo-me com a produção do resultado’. Nenhuma justiça conseguiria condenar

alguém por dolo eventual se exigisse confissão cabal de que o sujeito psíquica e

claramente consentiu na produção do evento; que, em determinado momento

anterior à ação, deteve-se para meditar cuidadosamente sobre suas opções de

comportamento, aderindo ao resultado. Jamais foi visto no banco dos réus alguém

que confessasse ao juiz: ‘no momento da conduta eu pensei que a vítima poderia

morrer, mas, mesmo assim, continuei a agir’. (...) O juiz, na investigação do dolo

eventual, deve apreciar as circunstâncias do fato concreto e não buscá-lo na mente

do autor, uma vez que, como ficou consignado, nenhum réu vai confessar a previsão

do resultado, a consciência da possibilidade ou probabilidade de sua causação e a

consciência do consentimento. (JESUS, 2005. p. 292.)

Damásio de Jesus também sugere que, para a análise da conduta percorrida pelo

agente no caso concreto e de todas as circunstâncias objetivas influenciadoras de suas

decisões que optarão por seus julgamentos entre dolo eventual e culpa consciente, os juízes

devem considerar os “indicadores objetivos”, quais sejam:

1º risco de perigo para o bem jurídico implícito na conduta (ex.: a vida);

2º poder de evitação de eventual resultado pela abstenção da ação;

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3º meios de execução empregados;

4º desconsideração, falta de respeito ou indiferença para com o bem jurídico.

Consciente do risco resultante da conduta, apresenta-se ao autor a opção de

comportamento diverso. Prefere, porém, sem respeito à objetividade jurídica a ser

exposta a perigo de dano, realizar a ação preferida. (JESUS, 2005. p. 292.)

4. ANÁLISE JURISPRUDENCIAL – A REALIZAÇÃO MATERIAL DO DIREITO

A análise jurisprudencial é o objetivo primordial deste trabalho, pois, por meio desta, é

possível concluir que, embora o CTB priorize tipificar o elemento subjetivo do crime de

homicídio causado por condutor embriagado como culpa consciente, são recorrentes os casos

em que o Ministério Público denuncia tais condutores que ceifam a vida de terceiros inocentes

por dolo eventual e tem sua pretensão acolhida pelos magistrados que reconhecem que em

alguns casos específicos as circunstâncias objetivas do crime demonstram que os condutores

embriagados realmente podem ter assumido o risco de matar alguém.

No primeiro momento em que os magistrados recebem a denúncia do Ministério

Público para decidirem sobre a pronúncia ou impronúncia do réu, precisam obedecer ao que

preconiza o Art. 413 do CPP e somente atestar a materialidade do crime e os indícios

suficientes da autoria caso optem pela pronúncia, nos seguintes termos: “Art. 413. O juiz,

fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da

existência de indícios suficientes de autoria ou de participação”.

Desse modo, o magistrado ao fazer considerações a respeito do dolo ou culpa do

agente em um acidente de trânsito precisa ter cautela, já que sua incursão sobre qual foi o

elemento anímico do acusado pode revelar um excesso de linguagem inadequado e tornar sua

decisão nula. Assim, as decisões de pronúncia dos réus não precisam ser fundamentadas de

forma complexa, pois a discussão sobre o elemento volitivo/subjetivo do agente será discutida

pormenorizadamente no momento adequado do julgamento no Tribunal do Júri, uma vez ser

este o Juízo final nos crimes dolosos contra a vida.

Uma vez pronunciado o réu pelo homicídio na forma dolosa, para que seja possível

operar a desclassificação para homicídio culposo é necessário que não haja qualquer dúvida

quanto à ausência do dolo - direto ou eventual - do acusado no momento do crime. Desta

feita, caso o juiz não tenha plena certeza da aplicação do dolo eventual ao agente, deve-se

deixar a decisão a cargo dos jurados leigos no Tribunal do Júri, recorrendo assim ao princípio

indúbio pro societate.

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Porém, este entendimento da prevalência do princípio indúbio pro societate que estará

presente nas jurisprudências trazidas por este artigo não é unânime e recebe várias críticas por

parte de alguns doutrinadores, a exemplo de Bitencourt, que afirma:

Por fim, a distinção entre dolo eventual e culpa consciente resume-se à aceitação ou

rejeição da possibilidade de produção do resultado. Persistindo a dúvida entre um e

outra, dever-se-á concluir pela solução menos grave: pela culpa consciente.

”(BITENCOURT, Op. Cit. P.291.)

No mesmo sentido se pronuncia o doutrinador Rogério Greco ao dispor que:

[...] se ao final do processo pelo qual o motorista estava sendo processado por um

crime doloso (com dolo eventual) houver dúvida com relação a esse elemento

subjetivo, deverá ser a infração penal desclassificada para aquela de natureza

culposa, pois que, indubio pro reo, e não, como querem alguns, indubio pro

societate. (GRECO, 2007. p.153.)

O Supremo Tribunal Federal, corte Suprema do Poder Judiciário brasileiro, já se

posicionou reconhecendo a possibilidade de ocorrência de dolo eventual em crimes de

homicídio praticados na direção de veículo automotor, bem como o fato de que eventual

dúvida a respeito do elemento volitivo (subjetivo) deve ser dirimida pelo Conselho de

Sentença:

“EMENTA RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO NA

DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. DOLO EVENTUAL. CULPA

CONSCIENTE. PRONÚNCIA. TRIBUNAL DO JÚRI. 1. Admissível, em crimes

de homicídio na direção de veículo automotor, o reconhecimento do dolo eventual, a

depender das circunstâncias concretas da conduta. Precedentes. 2. Mesmo em crimes

de trânsito, definir se os fatos, as provas e as circunstâncias do caso autorizam a

condenação do paciente por homicídio doloso ou se, em realidade, trata-se de

hipótese de homicídio culposo ou mesmo de inocorrência de crime é questão que

cabe ao Conselho de Sentença do Tribunal do Júri. 3. Não cabe na pronúncia

analisar e valorar profundamente as provas, pena inclusive de influenciar de forma

indevida os jurados, de todo suficiente a indicação, fundamentada, da existência de

provas da materialidade e autoria de crime de competência do Tribunal do Júri. 4.

Recurso ordinário em habeas corpus a que se nega provimento. ” (STF - RHC:

116950 ES, Relator: Min. ROSA WEBER, Data de Julgamento: 03/12/2013,

Primeira Turma, Data de Publicação: DJe-031 DIVULG 13-02-2014 PUBLIC 14-

02-2014)”

O Superior Tribunal de Justiça igualmente prevê:

“O dolo eventual, na prática, não é extraído da mente do autor, mas, isto sim, das

circunstâncias. Nele, não se exige que o resultado seja aceito como tal, o que seria

adequado ao dolo direto, mas que a aceitação se mostre, no plano do possível,

provável" (STJ, Min. Felix Fischer, REsp. 247263-MG, 5ªT.., 05/04/2001, m.v.,

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DJ 20.08.2001, p. 515).Idem: STJ: REsp.249604-SP, 5ª T.,29/04/2002, v.u., DJ

21.10.2002, p. 381.).”

Sendo assim, passaremos a analisar alguns julgados do Tribunal de Justiça do Estado

da Paraíba, do ano de 2014 até o ano corrente. São ações penais públicas que julgam

condutores que se envolveram em acidentes de trânsito e, além de colocar em risco toda a

incolumidade pública, causaram a morte de alguém. A busca foi realizada no site do TJPB, no

sistema de jurisprudências, pesquisada em “inteiro teor”, nas decisões do tipo Acórdãos e

Decisões Monocráticas, com as seguintes Palavras Chaves: “ACIDENTE DE TRANSITO.

EMBRIAGUEZ. DOLO EVENTUAL” e, dentre cerca de 50 casos encontrados, passaremos a

analisar 5 destes. Assim, temos:

4.1. CASO 01

RECURSO CRIMINAL EM SENTIDO ESTRITO Nº 0000419-70.2016.815.0000 –

2º Tribunal do Júri da Comarca de Campina Grande/PB

RECURSO CRIMINAL EM SENTIDO ESTRITO. HOMICÍDIO SIMPLES.

DECISÃO DESCLASSIFICATÓRIA. HOMICÍDIO CULPOSO NA DIREÇÃO DE

VEÍCULO AUTOMOTOR. ART. 302, § 2º, DO CÓDIGO DE TRÂNSITO.

INCONFORMISMO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. PEDIDO POR PRONÚNCIA.

ACOLHIMENTO. PROVA DA MATERIALIDADE E INDÍCIOS SUFICIENTES

DE AUTORIA. PRESENÇA DO DOLO EVENTUAL. APLICAÇÃO DO

PRINCÍPIO IN DUBIO PRO SOCIETATE. PRONÚNCIA. PROVIMENTO DO

RECURSO. 1. Para a sentença de pronúncia do acusado, basta, apenas, a prova da

materialidade do fato e indícios suficientes de sua autoria. 2. Presente o dolo

eventual na conduta do réu, já que dirigia embriagado e em alta velocidade, deve o

mesmo ser submetido a julgamento pelo Sinédrio Popular. (TJPB -

ACÓRDÃO/DECISÃO do Processo Nº 00004197020168150000, Câmara

Especializada Criminal, Relator DES CARLOS MARTINS BELTRAO FILHO , j.

em 31-05-2016)

(TJ-PB - RSE: 00004197020168150000 0000419-70.2016.815.0000, Relator: DES

CARLOS MARTINS BELTRAO FILHO. Data de Julgamento: 31/05/2016,

CRIMINAL, )

No caso em tela foi realizado o Teste do Etilômetro, comprovando a embriaguez do

condutor que dirigia em alta velocidade e, ao tentar ultrapassar pela direita, colidiu na traseira

da moto, vitimando fatalmente o condutor. Assim, optou o desembargador Carlos Martins

Beltrao Filho (2016, p. 3) pela pronúncia do réu pelo homicídio doloso já que, segundo este:

Há provas da materialidade e indícios suficientes da autoria e, pelo que foi colhido,

entendo que o denunciado agiu com dolo eventual, uma vez que, segundo as

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testemunhas e a prova material colhida, ele conduzia o veículo em alta velocidade e

embriagado, assumindo, assim, o risco de matar alguém.

Desta feita, as circunstâncias do acidente que possivelmente influenciaram na

decisão do desembargador para pronunciar o réu em homicídio doloso foram, além da

embriaguez comprovada, o desrespeito das normas de trânsito, já que o motorista além da alta

velocidade ainda tenta ultrapassar a vítima pela direita, restando indícios da assunção do risco.

4.2. CASO 2:

RECURSO CRIMINAL EM SENTIDO ESTRITO Nº 0005730-48.2012.815.0011 –

1º Tribunal do Júri da Comarca de Campina Grande

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. PRONÚNCIA. Crime de Trânsito.

Homicídio simples. Art. 121, caput, e art. 121, caput, c/c o art. 14, II, ambos Código

Penal. Irresignação defensiva. Desclassificação para o crime culposo. Inviabilidade

nesta fase. Questão que deve ser dirimida pelo Tribunal do Júri. Aplicação do

princípio in dubio prosocietate. Decisum mantido. Recurso conhecido e desprovido.

- Age supostamente com dolo eventual o agente que, após ingerir bebida alcoólica,

dirigindo veículo de sua propriedade colide na traseira de motocicleta parada em

semáforo.

- A pronúncia, mero juízo de admissibilidade da acusação, exige, apenas, a prova

inconteste da materialidade e indícios suficientes da autoria do delito, devendo

ocasional desclassificação – in casu, para o delito de homicídio culposo, ser decidida

pelo Conselho de Sentença, uma vez que, nessa fase processual, impera o princípio

in dubio pro societate.

(TJ-PB - RSE: 0005730-48.2012.815.0011, Relator: DES ARNÓBIO ALVES

TEODÓSIO, Data de Julgamento: 16/10/2014, CRIMINAL, )

No caso em análise, o agente não fez exames ou testes que comprovasse a ingestão de

álcool, mas tal condição fora comprovada por meio de testemunhas que alegaram que o réu

apresentava fortes sinais de embriaguez e, inclusive, pelo depoimento do mesmo que

confirmara na Delegacia de Polícia que havia bebido bastante antes do acidente.

As circunstâncias do acidente que possivelmente influenciaram nas decisões dos

magistrados para pronunciar o réu em homicídio doloso foram, além da possível embriaguez,

o fato do motorista colidir com uma motocicleta parada no semáforo e arrastá-la por vários

metros, causando óbito do condutor e ainda ferindo gravemente a carona que teve

traumatismo craniano.

O voto do Relator Des. Arnóbio Alves Teodósio (2014, p. 4 e 5) nos fornece bons

argumentos sobre o tema, nos seguintes termos:

Consigno, de início, que é extremamente difícil, nos crimes de trânsito, distinguir o

dolo eventual da culpa consciente, ou mesmo a culpa consciente da culpa simples.

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Os três se referem a estados psicológicos do agente no momento da execução do

crime. E como é cediço, geralmente não há prova de um estado psicológico. É um

fator subjetivo que às vezes só pode ser corretamente aquilatado pela análise de

todas as circunstâncias que envolvem o fato, sobretudo, a conduta do autor. O que

há, portanto, não são provas, mas um quadro geral que se permite vislumbrar com

maior ou menor grau de confiabilidade ter o agente agido de uma maneira que se

pode afirmar ter assumido o risco de produzir o resultado de forma consciente e

livre. É o caso, a meu ver, do agente que comete imprudência no trânsito porque

anteriormente se embriagou, sujeitando-se de forma livre a uma situação propícia

para o cometimento do ilícito, ou mesmo do agente que participa dos chamados

“rachas”.

Sobre a sutil distinção entre culpa consciente e dolo eventual, como nos

ensina Nelson Hungria:

Há, entre elas, é certo, um traço comum: a previsão do resultado antijurídico; mas,

enquanto no dolo eventual o agente presta a anuência ao advento desse resultado,

preferindo arriscar-se a produzi-lo, ao invés de renunciar à ação, na culpa

consciente, ao contrário, o agente repele, embora inconsideradamente, a hipótese de

supereminência do resultado e empreende a ação na esperança ou persuasão de que

este não ocorrerá (Comentários ao Código Penal, 5. ed. Rio de Janeiro: Forense,

1980, v. 1., p. 116-117)

4.3. CASO 03:

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº. 0003317-90.2015.815.0000

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. PRONÚNCIA. HOMICÍDIOS

CONSUMADO E TENTADO CAUSADOS NA DIREÇÃO DE VEÍCULO

AUTOMOTOR. MATERIALIDADE E INDÍCIOS DE AUTORIA DELITIVA.

EXISTÊNCIA PRELIMINAR. PREVALÊNCIA DA SENTENÇA

DESCLASSIFICATÓRIA ANTERIOR. IMPOSSIBILIDADE. MATÉRIA JÁ

DECIDIDA. PRECLUSÃO. MÉRITO. DECLASSIFICAÇÃO PARACRIME

CULPOSO. IMPOSSIBILIDADE. RÉU QUEDIRIGIA SOB O EFEITO DE

ALCÓOL E REALIZOU MANOBRA PERIGOSA. FRAGILIDADE

DASPROVAS. ARGUMENTO INCO NSISTENTE. CONTESTAÇÃO DA

PRESENÇA DO DOLOEVENTUAL. AUSÊNCIA DE ANIMUS NECANDI NÃO

COMPROVADA CABALMENTE. QUESTÃO A SER DECIDIDA PELO

CONSELHO DE SENTENÇA. DESPROVIMENTO DO RECURSO

Para a pronúncia do réu, basta a comprovação da materialidade do fato, bem como

indícios suficientes da autoria, possibilitando a submissão do acusado ao julgamento

popular perante o Tribunal do Júri.

As questões atinentes à competência e à desclassificação do delito já foram objeto de

acórdão proferido pela Câmara Criminal deste Egrégio Tribunal de Justiça, estando

preclusa tal matéria.

A desclassificação do tipo penal, com afastamento da competência do Tribunal do

Júri na fase de pronúncia, só teria cabimento caso fosse inequívoca, neste momento

processual, a ausência do dolo, direto ou eventual, do acusado no momento do

crime.

A decisão de pronúncia é de mero juízo de admissibilidade, prevalecendo o

princípio do “in dubio pro societate”, ou seja, na dúvida, esta deve ser dirimida pelo

Conselho de Sentença, juízo natural da causa. (TJ-PB - RSE: 0003317-

90.2015.815.0000, Relator: DES JOÃO BENEDITO DA SILVA, Data de

Julgamento: 18/02/2016, CRIMINAL)

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Neste caso tem-se um condutor que, segundo as testemunhas, realizou uma manobra

brusca ao fazer uma conversão sem sinalizar e colidiu com motos conduzidas por policiais

militares que faziam guarnição. Nesta ocasião, o condutor comprovadamente embriagado

feriu gravemente um policial e causou a morte de outro, que após a colisão teve seu corpo que

estava caído em via pública atropelado novamente pelo condutor ao fugir do local do acidente

sem prestar socorro às vítimas.

As circunstâncias possivelmente influenciadoras para pronuncia do réu como dolo

eventual foram, não só a alcoolemia, como os demais contextos probatórios deste caso

concreto que demonstram que o condutor fugiu sem prestar socorro às vítimas, que não

respeitou as sinalizações e que sequer possuía carteira nacional de habilitação.

4.4. CASO 04:

ACÓRDÃO

Apelação Criminal n. 0000708-06.2007.815.1071

APELAÇÃO CRIMINAL. SENTENÇA QUE DESCLASSIFICOU O CRIME DE

HOMICÍDIO DOLOSO PARA HOMICÍDIO CULPOSO NO TRÂNSITO (ART.

ART. 302 DA LEI 9.503/97). PRIMEIRO APELADO. DECISÃO DE

IMPRONÚNCIA RELATIVA AO SEGUNDO. IRRESIGNAÇÃO DO ÓRGÃO

MINISTERIAL. PRÓNUNCIA DOS DOIS ACUSADOS PARA JULGAMENTO

PELO TRIBUNAL DO JÚRI. PRETENSÃO QUE DEVE SER ACOLHIDA EM

PARTE. SUBMISSÃO DO PRIMEIRO APELADO A JULGAMENTO PELO

TRIBUNAL POPULAR. CRIME DOLOSO CONTRA A VIDA.

MATERIALIDADE E INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA. EXISTÊNCIA.

AUSÊNCIA DE DOLO NÃO COMPROVADA CABALMENTE. PRINCÍPIO IN

DUBIO PRO SOCIETATE. DECISÃO DE IMPRONÚNCIA QUE DEVE SER

MANTIDA QUANTO AO SEGUNDO RÉU. AUSÊNCIA DE INDÍCIOS

SUFICIENTES DE AUTORIA OU PARTICIPAÇÃO NO DELITO.

PROVIMENTO PARCIAL DO APELO. Para a pronúncia do réu, basta a

comprovação da materialidade do fato, bem como indícios suficientes da autoria,

possibilitando a submissão do acusado ao julgamento popular perante o Tribunal do

Júri. Não sendo possível afastar, de forma inequívoca, o elemento volitivo dolo,

indispensável para a caracterização de homicídio doloso, a desclassificação para sua

modalidade culposa não deve prevalecer. A decisão de pronúncia é de mero juízo de

admissibilidade, prevalecendo o princípio do in dubio pro societate, ou seja, na

dúvida, esta deve ser dirimida pelo Conselho de Sentença, juízo natural da causa.

(RT 729/545). Ausentes os elemen (TJPB - ACÓRDÃO/DECISÃO do Processo Nº

00007080620078151071, Câmara Especializada Criminal, Relator DES JOAO

BENEDITO DA SILVA, j. em 13-10-2015) (TJ-PB - APL:

00007080620078151071 0000708-06.2007.815.1071, Relator: DES JOAO

BENEDITO DA SILVA, Data de Julgamento: 13/10/2015, CRIMINAL,)

Neste caso em análise o desembargador relator do recurso reforma a decisão de

primeiro grau e opta pelo acolhimento do pedido de pronúncia pelo homicídio doloso quanto

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ao réu que conduzia uma moto com sintomas de embriaguez e em alta velocidade e atropelou

um transeunte que foi a óbito.

Segundo o desembargador João Benedito da Silva (2015, p. 7 e 8):

[...] o dolo não pode ser, de logo, afastado, pois de que o acusado encontrava-se com

sintomas de embriaguez alcoólica e conduzia a motocicleta em alta velocidade, fato

revelador de que, apesar de não querer diretamente o resultado, o denunciado

assumiu o risco de produzi-lo. De outro modo, as declarações da irmã do ofendido

revelam a existência de uma inimizade e de uma rixa entre o acusado e a vítima.

Assim, restam claras as circunstâncias possivelmente influenciadoras para pronuncia

do réu como homicídio doloso, quais sejam: sintomas de embriaguez alcoólica, alta

velocidade e ainda uma possível inimizade e rixa entre o acusado e a vítima, o que poderia ter

motivado a conduta criminosa que permitiria se passar facilmente por um acidente culposo.

4.5. CASO 05

ACÓRDÃO

CONFLITO DE JURISDIÇÃO N.º 0002064-67.2015.815.0000

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. TRIBUNAL DO JÚRI E VARA

CRIMINAL. HOMICÍDIO DOLOSO (ART. 121, CAPUT, DO CP) E LESÃO

CORPORAL (ART. 129 DO CP). CONDUÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR

COM INFLUÊNCIA DE ÁLCOOL (ART. 306 DO CTB). COMPETÊNCIA DO

TRIBUNAL DO JÚRI. CONFLITO IMPROCEDENTE.

1. O homicídio cometido na direção de veículo automotor, como regra, é de natureza

culposa, estando previsto no artigo 302 do Código de Trânsito Brasileiro.

Excepcionalmente, quando elementos concretos assim indicarem, o fato pode

deslocar-se para figura dolosa (dolo direto ou eventual), cuja competência para

julgamento é do Tribunal do Júri.

2. Se a competência do tribunal do júri é especial e mais abrangente, já que na fase

intermediária, após a instrução criminal, há a possibilidade de desclassificação, caso

se convença o magistrado de que o dolo não se configurou, diante das provas

produzidas, é prematura a desclassificação para crime culposo, diante do que já foi

destacado sobre os indícios de crime doloso. (TJ-PB - CONFLITO DE

JURISDIÇÃO: 0002064-67.2015.815.0000, Relator: DES CARLOS MARTINS

BELTRAO FILHO, Data de Julgamento: 13/05/2015, CRIMINAL)

No presente caso ocorrido em 13 de dezembro de 2014, o acusado dirigia

supostamente sob os efeitos do álcool, mas se recusou a fazer bafômetro. O acidente foi

causado pela colisão do carro do réu com a traseira da moto das vítimas, de modo que, o

condutor sofrera ferimentos leves e a passageira, em razão dos graves ferimentos, foi a óbito

dias após o acidente.

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Embora tenha havido conflito de competência, sendo o suscitante o 2º Tribunal do

Júri da Comarca de Campina Grande/PB e o suscitado o Juízo da 4ª Vara Criminal da

Comarca de Campina Grande/PB, os desembargadores declararam competente o Juízo

Suscitante do 2º Tribunal do Júri da Comarca de Campina Grande/PB, pois, nas palavras do

Relator Des. Carlos Martins Beltrão Filho (2015, p.4):

[...]se existir qualquer indício, por menor que seja, que aponte no sentido da

possibilidade de existência do animus necandi, deve o acusado ser remetido ao

Tribunal do Júri, não cabendo ao magistrado sopesar tal indício com o restante do

conjunto probatório, mormente para considerá-lo como insuficiente para demonstrar

a existência do dolo, pois nessa fase tem prevalência o princípio do in dubio pro

societate.

Isso posto, é possível concluir que, excepcionalmente neste caso em análise, a única

circunstância possivelmente influenciadora para pronuncia do réu como dolo eventual foi a

suposta embriaguez ao volante, já que no acórdão não é descrita mais nenhuma conduta que o

réu tenha descumprido o estabelecido em lei.

5. CONCLUSÕES

É do conhecimento comum que a presença de álcool na corrente sanguínea provoca a

redução da percepção, retardamento dos reflexos e que, a depender da quantidade consumida

e da pessoa que a consuma, a quantidade excessiva leva à total lentidão dos reflexos,

diminuindo a percepção do perigo. Desse modo, o condutor que ingeriu bebida alcoólica sabe

que, além de comprometer sua segurança e de toda incolumidade pública, também incorre em

crime tipificado pelo Código de Trânsito brasileiro pela simples ingestão de álcool ou

substâncias entorpecentes análogas combinadas com a direção, já que o referido crime é de

perigo abstrato de periculosidade real.

Sendo assim, observamos que a jurisprudência – embora não pacífica – e parte da

doutrina entendem que os condutores embriagados que cometem homicídio na direção de

veículo automotor podem responder por este crime na modalidade culposa do CTB ou dolosa

do CP, ainda que não tenham se embriagado com a intenção de cometer o crime de homicídio.

De modo que, esses condutores ficarão a cargo da análise do caso concreto pelos parquet e

pelos magistrados que poderão optar pela denúncia e pronúncia do réu pelo homicídio doloso

ou poderão adotar a regra prevista no CTB que tipifica o réu pelo homicídio culposo.

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Embora a distinção entre o dolo eventual e a culpa consciente seja extremamente tênue

e discutida, optamos pela diferenciação que em ambas as situações o agente prevê o resultado,

mas enquanto na culpa consciente ele não o admite como plausível - pois confia em suas

habilidades -, no dolo eventual ele admite a possibilidade da concretização e ainda é

indiferente quanto ao resultado, já que não tenta impedi-lo.

Concluímos também que a referida ausência de unanimidade para tipificar o homicídio

cometido na direção de veículo automotor ora se apresenta como um ponto negativo ora como

um ponto positivo, já que são inúmeras as consequências jurídicas para a sociedade e para o

agente criminoso. Enxergamos negativamente a insegurança jurídica e as muitas decisões

injustas, tanto no sentido de pronunciar o réu injustamente, como de impronunciar o acusado

ainda que existam elementos suficientes para caracterizar o dolo eventual pela assunção do

risco.

Porém, vemos um lado positivo na possibilidade de deliberação dos promotores e

magistrados ao analisarem o caso concreto, pois, entendemos ser necessária e de suma

importância a não aplicação da fórmula matemática de álcool + direção = homicídio doloso.

Acreditamos que é preciso e indispensável analisar cada circunstância do caso concreto diante

da impossibilidade de saber exatamente qual seria o elemento volitivo do condutor homicida,

já que na prática o dolo eventual não é extraído da mente do autor e sim das circunstâncias.

Desta feita, estamos de acordo com as decisões do Tribunal do Estado da Paraíba que,

devido às circunstâncias objetivas que demonstram que o réu assumiu o risco de produzir o

resultado sem com ele se importar, pronunciam o réu por dolo eventual. Porém, opinamos que

as decisões que pronunciem o réu por homicídio doloso sejam motivadas não como forma de

responder aos anseios sociais como uma certa vingança - desconsiderando o que determina

nosso ordenamento jurídico - mas sim motivadas por circunstancias presentes no caso

concreto que demonstrem que o réu previu o resultado danoso ou teve consciência de sua

probabilidade e, em vez de agir de outra forma, agiu assumindo o risco de produzi-lo sem se

importar com o mesmo, como foram alguns casos mostrados no presente trabalho em que os

réus além de consumir bebida alcoólica ainda dirigiam em altas velocidades, fazendo

ultrapassagens indevidas, batendo em vítimas paradas que respeitavam o semáforo, se

evadindo do local sem prestar socorro, entre outras desobediências ao nosso ordenamento

jurídico e ao dever de cuidado e cautela.

Diante das insuficientes mudanças legislativas - inclusive da recente mudança no Art.

302 do CTB que somente muda a modalidade de cumprimento de pena de detenção para

reclusão - , dos insistentes e recorrentes erros dos legisladores - que por exemplo elenca a

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qualificadora do resultado morte para o delito de “racha” com pena mais elevada que o

homicídio culposo qualificado pelo racha - , e dos ainda constantes e recorrentes acidentes de

trânsito causados por condutores embriagados, é nitidamente possível se observar que ainda

se faz necessário realizar mudanças no nosso ordenamento jurídico, principalmente quanto ao

aumento da pena do homicídio culposo do Art. 302 do CTB.

É notório que os feitos realizados até aqui surtiram efeitos consideráveis, as multas

elevadas para quem combina álcool com direção, as campanhas educativas, a “tolerância

zero” de ingestão de álcool, a permissão de comprovação dos fatos por meio de testemunhas e

outros meios de prova, tudo isso foi e é de suma importância para combatermos os altos

índices de acidentes e mortes no trânsito. Porém, não podemos parar, a sociedade sofre

constantes mutações e o direito precisa acompanhá-las. É preciso que a atualização da

legislação penal e de trânsito esteja de acordo com as circunstâncias praticadas pelos

infratores, para que assim não haja o engessamento do Direito nem a impunidade de quem usa

um veículo como arma no trânsito, como ainda ocorre nos dias de hoje.

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ABSTRACT

The present work aims at analyzing the jurisprudence of the Paraíba State Court of Justice to

provide a brief study of which circumstances in traffic accidents caused by intoxicated drivers

may influence judges to pronounce the defendant for the crime in its willful mode (eventual

intention), under the Criminal Code and whose trial verdict will be delivered by a jury, and

not by the traffic violation of Article 202 of the Brazilian traffic code (Federal Law No.

9.503/97), which typifies as conscious guilt, dispenses more onerous treatment and is judged

by the common judge. Therefore, we will analyze the faint and much-discussed distinction

between the eventual intention and conscious guilt, addressing doctrinaire, dogmatic and

jurisprudential aspects to come to a more consistent classification in cases of traffic deaths

committed by individuals who have consumed alcohol or used narcotic substances. The

dissertational work on methodological field resorted to analyze the national legal thinking on

the issue, as well as a survey of the jurisprudence of the Paraíba Justice Court and this

features a bibliographic research work, doctrional and jurisprudential empiricist.

Key-words: Jurisprudence. Paraíba Court of Justice. Vehicle accidents. Intoxicated drivers.

Eventual intention. Conscious guilt

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