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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
WILLIAN LAZARETTI DA CONCEIÇÃO
HISTÓRIAS DE VIDAS QUE SE UNEM:
A PROFESSORA, O PROFESSOR E OS [ELOS COM OS]
JOVENS INFRATORES
CAMPINAS
2017
WILLIAN LAZARETTI DA CONCEIÇÃO
HISTÓRIAS DE VIDAS QUE SE UNEM:
A PROFESSORA, O PROFESSOR E OS [ELOS COM OS]
JOVENS INFRATORES
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Educação da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de
Campinas para obtenção do título de Doutor em Educação, na área de
concentração de Ensino e Práticas Culturais.
Supervisora/Orientadora: Prof. Dra. Áurea Maria Guimarães
O ARQUIVO DIGITAL CORRESPONDE À VERSÃO
FINAL DA TESE DEFENDIDA PELO ALUNO
WILLIAN LAZARETTI DA CONCEIÇÃO E
ORIENTADO PELA PROF. DRA. ÁUREA MARIA
GUIMARÃES.
CAMPINAS
2017
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
TESE DE DOUTORADO
HISTÓRIAS DE VIDAS QUE SE UNEM:
A PROFESSORA, O PROFESSOR E OS [ELOS COM OS]
JOVENS INFRATORES
Autor: Willian Lazaretti da Conceição
COMISSÃO JULGADORA
Dra. Áurea Maria Guimarães
Dr. Luiz Sanches Neto
Dra. Fabíola Holanda Barbosa Fernandez
Dra. Nima Imaculada Spigolon
Dr. Odilon José Roble
A Ata da Defesa assinada pelos membros da Comissão Examinadora consta no processo de vida acadêmica do aluno.
2017
Dedicatória
À minha família.
Vera Lúcia Lazaretti minha Pãe, eterna gratidão!
Agradecimentos
A Deus – Inteligência suprema, causa primária de todas as coisas - pela oportunidade
de viver e aprender.
À Aurea Maria Guimarães, uma amiga - orientadora. Gratidão.
Às minhas queridas amigas - professoras e aos meus queridos amigos - professores que
participaram deste estudo e que se dedicam à transformação da sociedade, educando e
sendo educados na relação com os e as jovens em conflito com a lei. Abenilda, Analu,
Carla, Cícero, Cilene, Ester, Luiza, Maria Lala, Mateus, Neuda, Sinhá e Walnir que
possamos continuar esperançosos e na luta, sempre!
Aos amigos que fiz na Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao
Adolescente - Fundação CASA, quanto desafio e quanto aprendizado - gratidão minha
querida Walkyria (in memorian).
Às minhas professoras e aos meus professores dos espaços escolares: Almeida Barbosa,
João Crispiniano Soares, Érico Veríssimo, Faculdades Integradas de Guarulhos,
Universidade Federal de São Carlos e Universidade Estadual de Campinas.
Inspirações!!!
À banca de qualificação: professoras Nima e Fabíola pelas preciosas contribuições,
minha eterna gratidão por tamanha sensibilidade e terem aceito compor a banca de
defesa.
Agradeço à prof. Dra. Dirce Zan, ao Prof. Luiz Sanches Neto e ao prof. Odilon Roble
por terem aceitado o convite para somar na banca da defesa desta tese. Agradeço
também às professoras Joana D’arc Teixeira e Eliana Ayoub por terem aceitado o
convite para serem suplentes.
Aos colegas pesquisadores que participam do Centre de recherche interuniversitaire sur
la formation et la profession enseignante (CRIFPE)1 e da International Study
Association on Teachers and Teaching (ISATT)2 que teceram provocações pertinentes
sobre o projeto de pesquisa.
Aos grupos formados na Faculdade de Educação Física da Unimesp - FIG FEFE e
FEFEF - Dani, Elimar, Luciano, Quel, Teté e Aline -, gratidão pela amizade
verdadeira.
11 Página do Crifpe http://www.crifpe.ca/ 22 Página do ISATT https://www.isatt.net/
Aos meus amigos do grupo Professores & Pesquisadores 3- André, Angela, Carla, Jezz,
Leandro, Luizito, Luciana, Luciano, Rosângela, Tiemi todos/as são importantes nesta
conquista. A diversidade só nos fortalece.
Aos meus amigos do grupo Laboratório de Estudos sobre Violência, Cultura e
Juventude - Violar (Unicamp)4 pela partilha e compreensão em minhas ausências
decorrentes do trabalho, muitas vezes em excesso.
Aos meus amigos do Núcleo de Investigação e Práticas em educação nos espaços de
restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5 especialmente à Elenice
Onofre, minha orientadora.
Aos que militam na socioeducação - Rubia Quinelatto, Joana Darc Teixeira, Vilma
Moreira, Lilian Moura, Maria Nilvane, Glória Cardozo - vamos em frente!!!
Aos que com tanto carinho contribuíram para a existência desta tese. Mônica Santos
que revisou com riqueza de detalhes; Doiara Santos e Elena Aviléz que gentilmente me
apoiaram na tradução dos resumos.
Aos amigos - alunos, professores, administrativos - que fiz na Universidade do Estado
da Bahia-UNEB.
Aos amigos que fiz nas diversas escolas que lecionei: Dom Bosco, Bom Pastor, Érico
Veríssimo, August Stauder, Esli Garcia, Ary Gomes, Vitorelli, Perimetral.
Aos amigos e colegas de trabalho do Senac São Paulo e da Rede Senac EAD.
À equipe do Programa de Pós-Graduação em Educação da Unicamp que faz tudo como
muita atenção e sorriso no rosto. Meus agradecimentos.
Aos amigos e às amigas que a vida me presenteou.
À minha família, minha base.
3 Páginas do Grupo Professores-pesquisadores:
https://br.groups.yahoo.com/neo/groups/professorespesquisadores/info e
https://www.facebook.com/groups/484996871539223/?fref=ts 4 Páginas do Violar: https://br.groups.yahoo.com/neo/groups/violar/info e
https://www.facebook.com/groups/252522194936531/?fref=ts 5 Página do Educárceres https://www.facebook.com/educarceres/?fref=ts
CONCEIÇÃO, Willian Lazaretti da. Histórias de vidas que se unem: a professora, o
professor e os [elos com os] jovens infratores. 136f. Tese (Doutorado em Educação).
Campinas - SP: Universidade Estadual de Campinas, 2017.
Resumo
A educação escolar tem enfrentado desafios cada vez mais difíceis de serem vencidos e
pelo menos dois deles têm relação com esta pesquisa, sendo o primeiro a dificuldade,
principalmente na área de humanas, em se conseguir aulas para preenchimento
completo da jornada docente nas escolas da rede pública estadual, e o segundo a falta de
condições para o exercício da profissão em muitas dessas escolas, colaborando para que
os professores busquem alternativas no sistema de ensino da Fundação CASA. O
objetivo deste trabalho é analisar as histórias de vidas dos/as professores/as, buscando
identificar fragmentos que os/as aproximem e/ou distanciem dos/as adolescentes/as em
conflito com a lei. Para tanto, utilizamos a metodologia da história oral proposta pelo
Núcleo de Estudos em História Oral - NEHO/USP, que pressupõe além da entrevista, a
transcrição, textualização e transcriação na passagem do oral para o escrito. Foram
entrevistados/as nove professoras e três professores que lecionaram para jovens em
privação de liberdade. A análise se deu tecendo um entrelaçamento entre as histórias das
professoras e professores perpassando temas como família, preconceito, trabalho, raça e
evidenciou que as experiências de vida das/os professoras/es não apresentam relação
direta com o ingresso na docência em classes da escola da Fundação CASA, mas
contribuem para a permanência e tentativa de ensinar aos jovens marginalizados
mantendo acesa uma esperança de que com ajuda os jovens consigam fazer outras
escolhas.
Palavras-chave: História oral; Professor; Escola; Jovem Infrator; Educação;
Transcriação.
CONCEIÇÃO, Willian Lazaretti da. Stories of lives that come together: the female
teacher, the male teacher and the [links with the] young offenders. 136p. Thesis (PhD
in Education). Campinas-SP: Universidade Estadual de Campinas, 2017.
Abstract
School education has faced challenges increasingly difficult to overcome and, at least
two of them, are related to this research, the first being the difficulty, mainly in the
humanities, in the assignment of classes to fill out the teacher’s workhours in public
schools from the federal and state governments, and the second being the lack of
conditions for the practice of the profession in many of these schools, leading teachers
to seek alternatives in the “Fundação CASA” teaching system. This work aimed to
analyze such teachers’ life stories, searching for fragments which link/or distance them
from adolescents in conflict with the law. To do so, we used the oral history
methodology proposed by the Center for Oral History Studies - NEHO / USP, which
presupposes, besides the interview, the transcription, textualization and “transcreation”
in the passage from oral to written. Nine female teachers and three male teachers who
taught young people in deprivation of liberty were interviewed. The analysis was based
on an interweaving between the teachers' life stories covering themes such as family,
prejudice, work and race, and showed that the life experiences of the teachers do not
present any relation to their admission to teaching in Fundação CASA, but they
contribute to the teachers' permanence and their attempt to teach the marginalized
youngsters, while maintaining hope that, with help, young people will be able to make
other choices.
Key words: Oral history; Teacher; Education; Young Offender; Transcreation.
CONCEIÇÃO, Willian Lazaretti da. Historias de vidas que se reúnen: la maestra, lo
maestro y los [vínculos con] jóvenes deliquentes. 136h. Tesis (Doctorado en
Educación). Campinas-SP: Universidade Estadual de Campinas, 2017.
Resumen
La educación escolar ha enfrentado desafíos cada vez más difíciles de superar y, al
menos dos de ellos están relacionados con esta investigación, siendo la primera
dificultad, principalmente en humanidades, la asignación de clases para llenar las horas
de trabajo de los profesores federales y estatales, y la segunda es la falta de condiciones
para el ejercicio de la profesión en muchas de estas escuelas, llevando a los docentes a
buscar alternativas en el sistema de enseñanza de la "Fundación CASA". El objetivo de
este trabajo fue analizar las historias de vida de estos/as profesores/as, buscando
fragmentos que los vinculen o distancien de los/las adolescentes en conflicto con la ley.
Para ello, se utilizó la metodología de historia oral propuesta por el Centro de Estudios
de Historia Oral - NEHO / USP, que presupone, además de la entrevista, la
transcripción, textualización y "transcreación" al pasar de oral a escrito. Se
entrevistaron a nueve maestras y tres maestros que enseñaban a los/las jóvenes en
privación de libertad. El análisis se elaboró entrelazando las historias de vida de los/las
profesores/as sobre temas como la familia, el prejuicio, el trabajo y la raza, y mostró que
las experiencias de vida de los profesores no tienen relación con su admisión a la
docencia en la Fundação CASA, pero contribuyen a la permanencia de los docentes y a
su intención de enseñar a los jóvenes marginados, manteniendo la esperanza de que, con
ayuda, los jóvenes puedan tomar otras decisiones.
Palabras clave: Historia Oral; El maestro; La educación; Jóvenes delicuentes;
Transcreación.
Lista de abreviaturas e siglas
CI – Centro de Internação
Conanda – Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente
Conpefe – Congresso Paulistano de Educação Física Escolar
E. E. – Escola Estadual
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente
FEBEM – Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor
Fundação CASA – Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente
Gefer – Grupo de estudos e pesquisas em educação física numa perspectiva reflexiva
IES – Instituição de Ensino Superior
SDH – Secretaria de Direitos Humanos
SEE – Secretaria Estadual de Educação
Sinase – Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo
TCC – Trabalho de Conclusão de Curso
Unimesp – Centro Universitário Metropolitano de São Paulo
Lista de Fotos
Foto 1 – Térreo de um Centro de Internação – Willian Lazaretti
Foto 2 – Abenilda – Acervo da colaboradora
Foto 3 – Ana Luiza – Acervo pessoal da colaboradora
Foto 4 – Carla – Acervo pessoal da colaboradora
Foto 5 – Cícero – Acervo pessoal do colaborador
Foto 6 – Cilene – Acervo pessoal da colaboradora
Foto 7 – Cilene – Acervo pessoal da colaboradora
Foto 8 – Ester – Acervo pessoal da colaboradora
Foto 9 – Luiza – Acervo pessoal da colaboradora
Foto 10 – Maria Lala – Acervo pessoal da colaboradora
Foto 11 – Neuda – Acervo pessoal da colaboradora
Foto 12 – Mateus – Acervo pessoal do colaborador
Foto 13 – Mateus e Zion – Acervo pessoal do colaborador
Foto 14 – Sinhá – Acervo pessoal da colaboradora
Foto 15 – Entrevista com Sinhá – Willian Lazaretti
Foto 16 – Walnir – Acervo pessoal do colaborador
Foto 17 – Reencontro com Analu – Willian Lazaretti
Foto 18 – Reencontro com Abenilda – Willian Lazaretti
Foto 19 – Reencontro com Ester – Willian Lazaretti
Foto 20 – Reencontro com Cícero – Willian Lazaretti
Foto 21 – Reencontro com Walnir – Willian Lazaretti
Foto 22 – Reencontro com Mateus – Willian Lazaretti
Foto 23 – Reencontro com Neuda – Willian Lazaretti
Foto 24 – Reencontro com Luiza – Willian Lazaretti
Foto 25 – Reencontro com Maria Lala – Willian Lazaretti
Foto 26 – Reencontro com Carla – Willian Lazaretti
Lista de Gráficos
Gráfico 1 – Adolescentes e jovens por sexo – Total Brasil (2013)
Gráfico 2 – Adolescentes e jovens por faixa etária em restrição e privação de liberdade
– Total Brasil (2013)
Gráfico 3 – Porcentagem de adolescente e jovens por raça/cor em restrição e privação
de liberdade – Total Brasil (2013)
Gráfico 4 – Adolescentes e jovens em restrição e privação de liberdade – Total Brasil
(2013)
Gráfico 5 – Adolescentes e jovens em restrição e privação de liberdade por unidade
federativa (2013)
Sumário
Introdução ..................................................................................................................... 13
Elos iniciais da minha história ..................................................................................... 14
A Fundação CASA ....................................................................................................... 20
O jovem em conflito com a lei e com o espaço escolar .............................................. 25
Caminho metodológico ................................................................................................. 37
1 – Capítulo I: Transcriações ..................................................................................... 44
Abenilda Gomes Procópio de Moura ............................................................................. 45
Eu estou aqui porque eu quero, e vou vencer, não é porque eu fui bem-criada não
Ana Luíza Calmon .......................................................................................................... 49
O conhecimento te deixa um ser melhor, um ser mais forte, um ser mais criativo,
um ser que sofre menos
Carla Silva Souza ........................................................................................................... 53
Jamais abandonaria minha filha, nem para ficar com minha mãe, é minha se
alguém quiser ficar comigo terá que ficar com minha filha se não for assim não
quero
Cícero Nogueira Araújo.................................................................................................. 57
Bastava meu pai olhar pra gente. Se ele tivesse conversando e olhasse pra você,
era como se dissesse você não é bem vindo aqui, a conversa é pra adulto, mas ele
não precisava falar
Cilene Silva Santana. ...................................................................................................... 61
Eu acredito em Deus e tudo é colocado na hora certa em nossa vida. Hoje olhando
para trás eu acredito que virei mãe de verdade lá dentro aprendi a falar não para os
meus filhos, eu era muito permissiva
Ester Alves ...................................................................................................................... 67
Eu tenho prazer de falar do meu trabalho na Fundação, eu gosto de falar, da minha
pouca, mas grandiosa experiência na Fundação
Luiza Virgílio ................................................................................................................. 71
Gosto bastante de dar aula para eles... muitas vezes, você tem que ser o professor,
a mãe, a tia
Maria Lala....................................................................................................................... 77
Eu sou assim, traço a meta e eu chego
Maria Neuda ................................................................................................................... 82
Sou insistente, eu não desisto no primeiro obstáculo
Mateus Fernandes dos Santos ......................................................................................... 88
Na capoeira fiz vários amigos, fiz faculdade graças à capoeira, tem pessoas que
são como irmãos que conheço há quinze anos
Sinhá Oliveira ................................................................................................................. 93
Eu acredito na transformação do ser humano
Walnir Rodrigues ............................................................................................................ 97
Se for pra desistir, desista você, eu não vou desistir de você não
2 – Capítulo II: Reencontros ..................................................................................... 102
3 – Capítulo III: Entrelaçamentos ............................................................................ 111
Algumas considerações finais .................................................................................... 121
Referências .................................................................................................................. 128
Referências das entrevistas ........................................................................................ 133
Anexo A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ........................................... 135
Anexo B – Carta de Cessão .......................................................................................... 136
Introdução
Às vezes, ou quase sempre, lamentavelmente, quando pensamos ou nos perguntamos
sobre a nossa trajetória profissional, o centro exclusivo das referências está nos cursos
realizados, na formação acadêmica e na experiência vivida na área de profissão. Fica
de fora como algo sem importância a nossa presença no mundo. É como se a atividade
profissional dos homens e das mulheres não tivesse nada que ver com suas experiências
de menino, de jovem, com seus desejos, com seus sonhos, com seu bem-querer ao mundo
ou com seu desamor à vida. Com sua alegria ou com seu mal-estar na passagem dos dias
e dos anos. Na verdade, não me é possível separar o que há em mim de profissional do
que venho sendo como homem6.
6 Freire (2001, p. 79-80).
13
14
A presente pesquisa vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Estadual de Campinas/Brasil, busca ouvir as histórias de professoras e
professores que lecionam ou lecionaram para jovens em conflito com a lei.
A começar pelo título que balizará a leitura desta tese: Histórias de vidas que se
unem, neste caso, a história oral7 compreendida para além de uma técnica, e, as histórias
aqui narradas são de professoras/es e de jovens que em alguma fase da adolescência
cumpriram medida socioeducativa de privação de liberdade. Os elos criados serão
evidenciados no decorrer de todo o (con)texto das histórias, experiências e vivências
dos/as jovens e das/os professoras/es nos aproximando pelos (dis)sabores das
experiências e, principalmente, no que diz respeito as professoras/es pela capacidade de
terem uma imaginação sociológica (MILLS, 1975), cooperação (SENNETT, 2012a),
autoridade (SENNETT, 2012b) e pelo respeito (SENNETT, 2004).
Na pesquisa apresento a minha trajetória de vida até chegar à docência para
jovens em conflito com a lei, meus primeiros elos criados antes e durante o ingresso na
Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente - Fundação CASA.
Os/as colaboradores/as aparecem nesse momento, à medida que vou me dedicando ao
trabalho socioeducativo, e apresentando as circunstâncias nas quais os/as conheci.
Elos iniciais da minha história
Retornar. Rememorar. Recordar. Enquanto Florestan Fernandes (1995) preferia
abordar assuntos coletivos a falar de si, eu tento a difícil tarefa de falar das experiências
que vivi e que vivo para compreender os assuntos coletivos e a maneira como eles
afetam a minha história, as nossas histórias.
Nascido em treze de junho de mil novecentos e oitenta e sete em São Paulo e
criado em Guarulhos, fui o terceiro filho de Vera Lucia Lazaretti e apenas mais um na
conta do meu pai Marcos Antônio da Conceição – elo não constituído – mais um a ser
criado por uma família monoparental, neste caso bem-criado por mãe, irmãos e
familiares próximos, meu primeiro elo.
De origem modesta, minha mãe trabalhava em fábrica metalúrgica e eu ficava
boa parte do tempo com minha irmã, nove anos mais velha que eu e com meu irmão
dois anos mais novo que ela. Além deles, às vezes, a minha avó materna vinha
7 Os detalhes do método constam no Caminho metodológico.
15
“supervisionar a casa” para ver se estava tudo bem, afinal, eram duas crianças cuidando
de outra.
Fui à escola desde muito cedo: com quatro anos, comecei a educação infantil.
Tudo era festa, pintura, desenho, colagem e brincadeiras tanto na escola como na
pequena e estreita rua sem saída onde morei a maior parte da minha vida.
Depois de concluir a educação infantil, estudei o ensino fundamental I em uma
escola estadual chamada João Crispiniano Soares. Gostava muito de estudar lá, onde
tive ótimas professoras, das quais me recordo até hoje. Aí se firmou mais um elo.
Recordo dos nomes delas, da primeira à quarta série respectivamente, Maria Liguori
Pesce, Denise Sampaio, Maria Aparecida Laranjeira, Santina Guarino e Elisa – que
ficava com a nossa turma sempre que uma das professoras regulares (as quatro
primeiras citadas) faltava.
Sem repetir nenhuma série, passei para o ensino fundamental II, foi logo quando
houve a divisão de séries entre as escolas antigamente chamadas de Escola Estadual de
Primeiro e Segundo Grau. Então, tive de mudar para uma escola que tivesse as séries
correspondentes. Assim, fui para a Escola Estadual Érico Veríssimo, duas vezes mais
longe que a primeira escola. Nesta, comecei a treinar voleibol já na quinta série e a
representar a escola como capitão da equipe nos jogos escolares da cidade, criou - se um
elo duplo: Érico Veríssimo e voleibol.
Penso que foi por conta das vivências nesta escola o motivo pelo qual decidi ser
professor. Tive bons exemplos de professores, com boas práticas e que tinham
comprometimento e dedicação com o ato de ensinar. Outros exemplos, como diz Cunha
(1989), serviram-me para refutar e fazer diferente. Professoras e professores que
marcaram a minha trajetória escolar foram: Berenice Santiago, José Natalino, Cláudia
Picco, Claudemir Félix, Nilza Rosana, Roberta Dantas, Nelice, Marta Cardoso.
O trabalho começou aos 15 anos: trabalhava para uma microempresa que
produzia brindes e, apesar de ser o mais jovem da turma, era um dos mais responsáveis
e, por isso, logo passei a exercer outras funções administrativas. Com o trabalho, por
um ano, tive dois elos rompidos, com o Érico e com o vôlei. Mudei de turno, escola e
parei de treinar para conseguir “grana”. Entretanto, considero que dei um passo
importante para a minha formação.
16
Voltei ao vôlei, agora treinando e jogando pelo município de Guarulhos e por
núcleos esportivos da prefeitura. A convivência8 com os amigos do vôlei proporcionou
um espaço de troca, de diálogo e companheirismo, histórias diferentes, problemas
similares e vontade de vencer que nos uniam e faziam seguirmos firmes pela trilha
esportiva, portanto, distante do mundo do tráfico e do uso das drogas ilícitas, os quais
aumentavam e caminhavam muito próximos à nossa realidade. Com a carga excessiva
de treinamento tive um problema no joelho e foi necessário parar de treinar e jogar
voleibol quando estava no segundo ano do ensino médio.
No terceiro ano, decidi trabalhar, já que não poderia mais jogar vôlei tão cedo,
mas tinha o objetivo de continuar estudando de manhã, por saber que no período
matutino a organização da escola e das aulas era melhor, assim como o interesse geral
da turma e disposição dos professores que estavam ainda em sua primeira jornada de
trabalho. Busquei um emprego que atendesse a essa premissa e comecei a trabalhar
como operador de telemarketing em uma autoescola, emprego que saí como subgerente.
Depois de concluir o ensino médio, ingressei no curso de Licenciatura em
Educação Física no Centro Universitário Metropolitano de São Paulo, antiga Faculdades
Integradas de Guarulhos, instituição privada de ensino superior no próprio município, e
na mesma época fui promovido para recepcionista, passando a ter um salário melhor.
Trabalhar o dia inteiro das 8 às 18 horas e estudar das 19 às 23 horas era bastante
cansativo, mas sobrevivi e sei que, se fosse necessário, eu repetiria todo esforço
novamente, pois estou feliz com os resultados até o momento obtidos.
Nesse período, vivenciei na faculdade a transição de currículos – a qual
aconteceu em diversas instituições –, as disputas e os debates entre docentes para definir
as disciplinas que fariam parte do currículo, as diferenças e opções entre licenciatura ou
bacharelado, mudanças que definiriam qual o rumo a instituição percorreria nos anos
seguintes. Interesses políticos e pessoais não ficaram de fora dos entraves, professores
queriam manter suas disciplinas, outros lutavam pela coordenação do curso e nós –
alunos – recém-egressos do ensino médio, pouco entendíamos sobre tudo que acontecia,
mas sentíamos um desgaste por parte de alguns docentes que se desmotivaram com o
desenvolver da história; alguns até saíram da instituição.
8 A palavra convivência, por seu prefixo “com”, introduz a ideia de uma pluralidade e ao mesmo tempo a
ideia de uma relação complementar dentro desta pluralidade. De fato, esta pluralidade está constituída
pelo conteúdo da raiz “vivência. CECIES. Disponível em: <http://www.cecies.org/articulo.asp?id=247>.
Acesso em: 27 nov. 2016, tradução nossa. No original, “La palabra convivencia el prefijo “con” introduce
la idea de una pluralidad y al mismo tiempo la de una relación complementaria dentro de esta pluralidad.
Justamente, esta pluralidad está constituida por el contenido de la raíz “vivencia”.
17
Na graduação, criei mais um elo: as amizades que levo no coração e o amor pela
educação – que ficou ainda mais fortalecido. No último ano, comecei a realizar
pesquisas com o “Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Física numa Perspectiva
Reflexiva” (Gefer). Com a participação no Grupo, veio também o primeiro congresso
externo à faculdade: Congresso Paulistano de Educação Física Escolar – Conpefe, no
qual apresentamos os trabalhos: Oficina de Tendências Pedagógicas da Educação
Física – Práticas Corporais Alternativas e O Estágio Supervisionado e sua Importância
para Acadêmicos do 5º Semestre do Curso de Licenciatura em Educação Física.
Ambos foram frutos de pesquisas realizadas na própria instituição, com nossos colegas
do curso de Educação Física. Participo desse evento até hoje, agora na condição de
palestrante.
Com a participação no Gefer comecei a entender e a gostar do universo da
pesquisa acadêmica, motivando-me a realizar o meu Trabalho de Conclusão de Curso
(TCC) com crianças do ensino fundamental I abordando o processo de ensino e
aprendizagem da dimensão conceitual de conteúdos relacionados aos aspectos
fisiológicos e as modificações decorrentes das vivências nas aulas de Educação Física.
Posteriormente, apresentei esse trabalho em eventos específicos da área, foi quando
conheci o Grupo de Professores-Pesquisadores em Educação Física. Trata-se de um
grupo sem vínculo institucional que se reúne uma vez por mês para estudar, dialogar e
construir caminhos coletivamente na tentativa de superar os entraves dos processos
educativos desenvolvidos nas diferentes realidades dos membros do grupo. Permaneço
neste grupo até hoje e ele muito me acrescenta profissional e pessoalmente, pois temos
um forte vínculo de amizade. Lá também buscamos superar a rotina do trabalho, que
impede o exercício reflexivo e favorece o isolamento entre os pares diante da
burocratização do espaço escolar.
Dezembro de 2007. Enfim, formado! Voltei ao chão da escola E. E. Érico
Veríssimo local onde tinha cursado o ensino fundamental II e ensino médio, agora na
condição de professor eventual, também conhecido como professor substituto. Foi uma
sensação muito gostosa, poder trabalhar com os meus professores. Mas enfrentei
algumas resistências por parte dos alunos, porque eles estavam (mal) acostumados a
sempre serem levados a quadra se algum professor faltasse, independente do
componente curricular ministrado por esse professor. Eu pensava diferente. Esforçava-
me para lecionar o conteúdo que correspondesse àquela aula, pois eu sabia a falta que
isto faria mais adiante. Eles resistiam em não prestar atenção no que eu tentava ensinar e
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eu resisti em não os levar à quadra para simplesmente não fazerem nada ou
atrapalharem a aula do professor que ocupava a quadra com sua turma naquele
momento. Essa dinâmica se estendeu por dois meses, até que eu participei do processo
seletivo para ingressar como docente na Fundação Centro de Atendimento
Socioeducativo ao Adolescente (CASA), que eu mal sabia o que era.
Nesse trabalho, também será possível compreender como faço uso da história
oral enquanto método de pesquisa e a especificidade em recriar e utilizar a transcriação,
uma das etapas do procedimento metodológico adotado para a pesquisa.
No capítulo I, denominado Transcriações, faço uma breve descrição sobre o
momento das entrevistas, as minhas percepções sobre as posturas das/os
colaboradoras/es. Em seguida, vocês poderão apreciar como em cada transcriação se
pensa e se busca refletir o momento das entrevistas, sobretudo a história narrada pelo/a
professor/a.
Tão importante quanto o encontro inicial para a realização das entrevistas, é a
devolutiva das entrevistas, momento que, no capítulo II, aparece com o título
Reencontros, por ser algo mais profundo do que uma validação da participação e do que
fora produzido. No reencontro, estão localizados os elos entre pesquisador e
colaboradoras/es que transcendem a ação de pesquisar sobre e passam a ser pesquisar
com.
À ação de estabelecer conexões entre as/os professoras/es e em alguns
momentos com os/as jovens aparece no capítulo III, sob o nome de Entrelaçamentos.
Aqui se encontram histórias que se aproximam e se distanciam no cotidiano do sendo –
uns – com – os – outros – no – mundo (FREIRE, 2005).
E, por fim teço Algumas considerações finais que retomam os objetivos da
pesquisa evidenciando os aspectos que aproximam e que distanciam as histórias de
vidas de professoras/es e jovens, apresentando também as especificidades do exercício
na docência para jovens privados de liberdade.
A partir dessas vivências, experiências e inquietações, tracei o seguinte objetivo
geral analisar as histórias de vida das/os professoras/es, buscando identificar nestas
histórias fragmentos que os aproximem e/ou distanciem dos adolescentes em conflito
com a lei. Os objetivos específicos desdobram-se em: analisar os aspectos que
contribuem para o ingresso e a permanência do docente em espaços de controle e de
privação de liberdade; identificar quais as especificidades da profissão docente com
19
alunos/as em privação de liberdade e os aspectos que afetam/impactam as relações entre
professor e aluno, considerando o contexto educativo em que vivem.
Refletindo sobre a minha própria história de vida, em contato direto com jovens
em privação de liberdade, e com docentes que lecionam nesse contexto, algumas
inquietações surgiram, como por exemplo: o que aproximou professores à escola da
Fundação CASA, haja vista não haver diferenças salariais entre professores das escolas
regulares e da Fundação? Quais são os aspectos que contribuem para a permanência na
docência exercida para alunos/as em privação de liberdade? Quais são as singularidades
do processo de ensino e de aprendizagem neste contexto? Como as histórias de vida
podem contribuir neste processo? Qual seria o caráter propositivo da pesquisa para o
campo da educação a partir das configurações que emergem de tais relações?
Retomando os elos iniciais dessa história apresento a seguir uma
contextualização da Fundação CASA abordando o arcabouço jurídico, as práticas
sociais dos jovens dando ênfase ao ensino formal, local onde conheci as/os
colaboradoras/es dessa pesquisa.
20
A Fundação CASA
Foto 01 – Térreo de um Centro de Internação – Willian Lazaretti
A Fundação CASA foi instituída por meio da Lei nº 12.469, de 22 de dezembro
de 2006 (SÃO PAULO, 2006). Ela é uma instituição vinculada à Secretaria de Estado
da Justiça e da Defesa da Cidadania, tendo como missão primordial aplicar medidas
socioeducativas de acordo com as diretrizes e normas previstas no Estatuto da Criança e
do Adolescente (ECA), Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (BRASIL, 1990), e no
Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo instituído pela Lei Federal nº
12.594/2012, de 18 de janeiro de 2012 (BRASIL, 2012).
Ela é responsável pela assistência a jovens – infratores/as – de 12 a 21 anos
incompletos em todo o Estado de São Paulo. Eles/as estão inseridos nas medidas
socioeducativas de privação de liberdade (internação) e semiliberdade. As medidas –
determinadas pelo Poder Judiciário – são aplicadas de acordo com o ato infracional
praticado e a idade dos/as adolescentes.
Considero que a história da infância e da juventude pode ser dividida em duas
etapas, antes e depois do ECA e, este trabalho adota como recorte a segunda etapa,
refletindo sobre o atendimento socioeducativo amparado pelo ECA. Nesse sentido,
adoto como referência o entendimento de jovem descrito no segundo artigo do ECA:
“considera – se criança, para os efeitos desta lei, a pessoa até doze anos de idade
21
incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade”, optei por utilizar
esta definição tendo em vista que todo o atendimento socioeducativo no Brasil é
pautado pelo ECA e Sinase.
O Sinase é também regido pelos artigos referentes à socioeducação do ECA,
pela Resolução nº 119/2006 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do
Adolescente (Conanda) e pelo Plano Nacional de Atendimento Socioeducativo
(Resolução nº 160/2013 do Conanda).
O artigo 53 do ECA diz que:
a criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno
desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania
e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes:
I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II – direito de ser respeitado por seus educadores;
III – direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às
instâncias escolares superiores;
IV – direito de organização e participação em entidades estudantis;
V – acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência.
Visando ao atendimento aos artigos anteriormente mencionados, a Fundação
CASA criou três superintendências: pedagógica, saúde e segurança. A superintendência
pedagógica é responsável pelas áreas da educação escolar, educação profissional, arte e
cultura, e educação física e esportes; cada uma dessas áreas possui uma gerência.
A gerência de arte e cultura, responsável pela gestão de convênios, busca
encontrar parceiros para a execução das atividades culturais, além de orientar e
controlar as ações propostas e desenvolvidas pelos próprios CI. Tem por objetivo
estabelecer procedimentos visando à organização e padronização e ao controle das
ações culturais desenvolvidas no CI e por ele.
Essa padronização implica numa regulação das atividades que, por ventura,
possa causar uma redução da diversidade cultural. Ou seja, os CI devem desenvolver
suas práticas atendendo às áreas indicadas pela gerência, o que pode restringir a oferta
de uma determinada atividade, a qual pode ser significativa em uma determinada
região, mas não ser desenvolvida por não se encaixar na área delimitada.
22
Em um dos Centros onde eu trabalhava, havia a oficina de capoeira e foi nessa
ocasião que conheci o professor Mateus. Antes dele ingressar como professor do
ensino formal, ele já ministrava oficinas de capoeira vinculada à gerência de arte e
cultura.
A gerência escolar é responsável pelos procedimentos que devem ser realizados
para garantir a educação escolar nos CI. Um aspecto interessante é que o quadro de
professores/as não pode ser constituído por professores/as efetivos/as, devido à abertura
e ao fechamento de salas a qualquer época do ano, conforme a demanda de
adolescentes, sua faixa etária e nível de ensino em que se encontram.
A lei do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (BRASIL,
2012), em seu artigo oitavo, presume que os Planos de Atendimento
Socioeducativo deverão, obrigatoriamente, prever ações articuladas
nas áreas de educação, saúde, assistência social, cultura, capacitação
para o trabalho e esporte, para os adolescentes. Além de estabelecer
como este procedimento deve acontecer. Sendo assim, as Secretarias
Estaduais de Educação (SEE) são responsáveis pela execução da
educação escolar dos adolescentes em situação de privação de
liberdade, aspecto este que alguns estados já desenvolviam, dentre
estes o Estado de São Paulo (CONCEIÇÃO, 2013, p.74).
A parceria entre as secretarias prevê que a SEE disponibilize uma escola, de
preferência, a mais próxima ao CI, para ser a escola vinculadora. Na prática, isso
significa que os alunos e professores terão seus processos burocráticos – como
matrícula de alunos, atribuição de aulas e outros – administrados por ela.
A minha inserção profissional na Fundação CASA teve início em 2008, como
professor de educação física no ensino formal, expressão utilizada para a educação
escolar. Esta foi uma iniciação em dose dupla: iniciava na docência com classe a mim
atribuída, ou seja, a primeira experiência enquanto responsável pela condução da turma
desde o início do não e iniciava também na docência para jovens em privação de
liberdade, um contexto totalmente peculiar. Como eram poucas aulas, busquei outras
escolas para poder trabalhar e aumentar a renda, acumulando trabalhos em quatro
escolas diferentes, a E. E. Cel. Ary Gomes, E. E. Pe. August Johannes Ferdinandus
Stauder, Colégio Vitorelli e a própria Fundação CASA, somando mais de 60h de
trabalho por semana.
Participei de uma atribuição de classes para a Fundação, sem concorrência
alguma para as aulas de educação física. Isto significa que, sim, eu fui o único professor
23
interessado a comparecer para a atribuição das aulas da área na Fundação CASA.
Ingressei. Logo nos primeiros dias conheci a professora Neuda e o professor Cícero,
éramos em poucos/as professores/as e ainda estava faltando atribuição de algumas
disciplinas. A Neuda foi a minha “mentora” de Fundação, aquela que deu todas as dicas
de como me portar e interagir com os alunos, o que fazer ou não, afinal ela estava na
instituição desde quando a Fundação se chamava Fundação Estadual do Bem-Estar do
Menor – FEBEM, criada em 1976.
A cada dia me via mais fascinado pelo trabalho com os jovens que estavam na
condição de infratores. Enfrentei, porém, muitos desafios, dentre eles, a suspeita de que
eu era proveniente de uma classe social favorecida. Branco, de olhos verdes, gestos
educados. Mal sabiam quão enganados eles estavam. Foi nessa dinâmica que a minha
história de vida começou a fazer sentido. No diálogo com esses jovens pude perceber
que poderia ser um verdadeiro educador para a vida, porque “testemunhando
objetivamente sua história, mesmo a consciência ingênua acaba por despertar
criticamente, para identificar-se como personagem que se ignorava e é chamada a
assumir seu papel”9.
Eu era o detentor do saber, afinal eu tinha uma faculdade e o que eu ensinaria
seria o que tinha de mais importante para a vida de cada um. Pobre de mim. Recém-
formado e cheio de ideias, tive dificuldade para lecionar nas primeiras semanas e me
deparei com muita resistência, pois os jovens10 queriam apenas praticar futsal, enquanto
eu desejava que explorassem as mais diversas práticas corporais.
Nas buscas para entender melhor o local onde eu estava lecionando, me deparei
com a dificuldade na relação do/a jovem com o espaço escolar, a qual está a cada dia
mais sem “sabor”. Os/as professores/as também enfrentam dificuldades no espaço
escolar, pois muitas práticas promovidas na escola e por ela não são compreendidas
como relevantes pelos jovens, de modo que espaço escolar se torna um local de
encontro entre amigos e não necessariamente espaço para o aprendizado dos conteúdos
do currículo escolar (CECCHIA, 2006; DIAS, 2011; QUINELATTO-CAPARRÓS,
2013).
Não adentrarei neste escopo, uma vez que há outros pesquisadores
(VENÂNCIO, 2014; VENÃNCIO e col., 2016) se debruçando sobre a relação entre os
atores e atrizes da comunidade escolar e o currículo, entretanto não poderia deixar de
9 Ernani Maria Fiori no prefácio de Pedagogia do oprimido (FREIRE, 1987, p.8). 10 A minha primeira experiência foi no CI destinado ao sexo masculino.
24
mencionar, pois este é um dos fatores que contribuem para o/a jovem se afastar da
escola e se aproximar dos atos delitivos (ROLIM, 2014). Aqui estou me referindo,
predominantemente, ao/a pobre, negro/a e de periferia, sem desconsiderar os/as jovens
de classe média e alta que apresentam bom desempenho escolar e também cometem
atos infracionais como assassinar indígenas, prostitutas, negros e homossexuais. Ainda
temos muito que caminhar para entender o que e como acontece, quais as direções a
serem tomadas, uma vez que não acredito que seja possível e viável padronizar
currículos, posturas e projetos, sem considerarmos a multiplicidade de variáveis e a
complexidade de um sistema de ensino num país como o nosso.
Existem alguns fatores que contribuem para o distanciamento entre o/a
adolescente e o espaço escolar que, em alguns casos, são determinantes para que o/a
jovem entre em conflito com a lei. Em pesquisa realizada por Assis (2001) com
adolescentes infratores, mais de 70% dos jovens entrevistados já haviam abandonado os
estudos. As principais alegações dos jovens eram a necessidade de trabalhar e a
dificuldade de conciliar escola e trabalho, o desentendimento com professores/as e
colegas e, ainda, as constantes reprovações, as dificuldades de aprendizagem,
instabilidade nas moradias, problemas emocionais e de saúde.
A defasagem no eixo pedagógico interfere também no desenvolvimento dos
cursos de educação profissional básica. Utiliza-se esta nomenclatura (educação
profissional básica), devido à baixa carga horária e ao espaço físico nem sempre
adequado – o qual não conta com todos os recursos necessários a um curso
profissionalizante –, característicos desses cursos. Para melhores resultados, seria
necessário também que os/as adolescentes já tivessem concluído o ensino médio. Dessa
maneira, a qualificação profissional básica ou inicial pode ser um amplo universo de
possibilidades de atendimento à população, no que tange à educação para o trabalho
e/ou iniciação para o mundo do trabalho.
Vivenciei essas dificuldades de perto, principalmente, quando assumi a
coordenação pedagógica de um CI. Passei a ser o responsável pela gestão das atividades
escolares, de educação profissional, arte e cultura, educação física, programa de
assistência religiosa e fazia questão de entrevistar todos os jovens que chegavam ao CI
para conhece-los e apresentar a eles a dinâmica do espaço onde estavam adentrando.
Nessa função, eu participava do processo de seleção dos professores do ensino
formal, e foi neste momento que conheci mais de perto os demais colaboradores desta
pesquisa as professoras Abenilda, Ana Luiza, Carla, Cilene, Estelita, Luiza, Maria Lala
25
e o professor Walnir. Com a professora Neuda e os professores Cícero e Mateus eu
havia trabalhado logo no início de carreira na Fundação CASA. A única com quem não
trabalhara como par foi a professora Sinhá, que à época também trabalhava como
coordenadora pedagógica em um CI que atendia apenas às jovens em conflito com a lei.
O sentido de colaboração aqui proposto não percebe as pessoas como objetos de
estudo, mas como propõe Oliveira e col. (2014a) são participantes da pesquisa que co-
laboram com a investigação realizada. Ainda sobre o uso do termo colaboração nesta
pesquisa, trazemos a contribuição de Meihy e Ribeiro (2011), pois no caso da história
oral o interlocutor está no centro gerador de visões, ele transcende o papel ou função de
fornecedor de dados, de transmissor de informações, isso não significa, porém, que
entrevistador e entrevistado tenham o mesmo trabalho, mas que ambos são sujeitos
ativos e tem como proposito a elaboração de um saber.
Com tamanha responsabilidade, o meu espírito investigativo aumentou em
decorrência da minha postura de professor-pesquisador, mas identifiquei que a pesquisa
e produção de literatura específica sobre a educação escolar de jovens privados de
liberdade eram e ainda são precárias, pois a própria entrada do pesquisador na
instituição não é fácil, o que dificulta a inserção e realização de pesquisas nesta seara.
Os estudos mais recorrentes nesse temário dizem respeito aos adultos que estão em
restrição e privação de liberdade, poucos são os estudos que tratam especificamente de
adolescentes em conflito com a lei e sua relação com a educação escolar.
O jovem em conflito com a lei e com o espaço escolar
Estudar e pesquisar sobre e com jovens em situação de privação e restrição de
liberdade está começando a entrar na zona de visibilidade em nossa sociedade, mas
apenas depois de tantos problemas que foram e ainda são evidenciados pelas diferentes
mídias. Portanto, apresentar um pouco do espaço socioeducativo. De que jovens
estamos falando? Quais as características dos jovens que cometeram algum ato
infracional? Como são constituídas as suas famílias? Quais são as percepções desses
jovens sobre suas famílias e sobre as relações no espaço escolar e com ele.
Somente na última década, estes estudos têm crescido com pesquisadores de
diferentes áreas, tais como educação, direito, serviço social, psicologia como é possível
verificar nas pesquisas de Dias (2007), Scolaro (2007), Teixeira (2009; 2015), Almeida
(2010), Calado (2010), Lima (2010), Souza (2011), Conceição (2012, 2013, 2014,
26
2016), Lazaretti da-Conceição e Cammarosano-Onofre (2013), Marzochi (2009, 2014,
2016), Dias et al. (2014), Rolim (2014) Quinelatto (2015) Conceição e Onofre (2016)
Ataide (2016), entre outros que iniciam a busca de razões ou aspectos que evidenciem
os processos educativos no atendimento socioeducativo.
A maioria dos jovens que estão em cumprimento de medida socioeducativa é do
sexo masculino e a diferença entre os sexos em privação de liberdade é expressiva como
podemos vislumbrar nos gráficos elaborados pela Secretaria de Direitos Humanos-SDH.
Gráfico 1 - Adolescentes e jovens por sexo - Total Brasil (2013).
Fonte: Brasil (2015b).
27
Gráfico 2 - Adolescentes e jovens por faixa etária em restrição e privação de
liberdade - Total Brasil (2013)
Fonte: Brasil (2015b).
Gráfico 3 - Porcentagem de adolescentes e jovens por raça/cor em restrição e
privação de liberdade - Total Brasil (2013)
Fonte: Brasil (2015b).
28
Os gráficos anteriores nos permitem extrair algumas informações importantes e
destacarei uma intersecção relevante entre raça, idade escolar condizente com ensino
médio e a predominância de jovens do sexo masculino na conflitualidade. Com base no
tempo que trabalhei com os jovens, foi possível notar que muitos jovens negros ou
pardos se declaravam brancos, ou seja, na realidade, o percentual de jovens negros e
pardos pode ser maior que o apresentado no Gráfico 3.
No que tange à raça, a discrepância vertiginosa entre brancos e negros começa
no acesso à escolarização e apresenta relação com diferenças de renda, região de
domicílio, estrutura familiar, escolaridade dos pais e a própria estrutura do sistema de
ensino (CARLOS HASENBALG; NELSON DO VALLE SILVA, 1999; 2000 e 2002
apud VALVERDE; STOCCO, 2011) e, ainda, a existência de práticas racistas no meio
escolar.
Se considerarmos a necessidade de criação de elos na prática social escolar,
Cavalleiro (2005) traz dados que escancaram a discriminação racial desde a educação
infantil que direcionam ao sentido contrário da possibilidade de criação de qualquer elo
entre as crianças e jovens negros com o espaço escolar. A pesquisadora identificou
desde ausência da população negra em cartazes até práticas de adjetivação
desumanizadora de crianças negras por parte de professores. Por outro lado, com as
crianças brancas o tratamento se apresenta de maneira mais afetiva.
Os fatores anteriormente expostos contribuem para a distorção existente entre
idade/série, resultados do abandono ou reprovação de crianças e jovens negros, a qual
embora venha diminuindo no ensino fundamental, ainda é elevada, constituindo-se em
quase o dobro uma da outra (VALVERDE; STOCCO, 2011).
Parte dessa distorção, poderia ser evitada se houvesse programas específicos.
Mas, conforme afirma De Oliveira (2015), tem sido inexistente a atuação do governo
federal e dos governos estaduais no estabelecimento de políticas públicas ou programas
governamentais que garantam condições para os jovens negros inserirem-se no espaço
escolar e concluírem o ensino médio. Dayrell e Jesus (2016, p. 409) concordam que “a
idade, o gênero, a raça, o fato de serem filhos, na sua maioria, de trabalhadores
desqualificados, grande parte dos quais com pouca escolaridade, entre outros aspectos,
são dimensões que vão interferir na trajetória escolar de cada um deles”.
29
Como vimos, a estrutura familiar11 e a escolarização dos pais são fatores de risco
para o jovem – e mais ainda para o jovem negro – permanecer no espaço escolar. A
defasagem que começa nos anos iniciais se perpetua até a chegada ao ensino médio. Os
fatores que colaboram para o distanciamento entre escola e o jovem negro, masculino e
pobre perpassam tanto pelo preconceito racial, o qual em muitos casos nem sequer é
concebido com uma forma de violência, como também pela necessidade que esses
jovens têm de ingressar no mercado de trabalho (DAYRELL; JESUS, 2016; DE
OLIVEIRA, 2015; FRANCESCHINI; MIRANDA-RIBERO; GOMES, 2016).
O levantamento anual Sinase 2013 (BRASIL, 2015b) não traz dados sobre
jovens e a constituição de suas famílias. Mas considero pertinente trazer pesquisas que
elucidam o cenário de famílias monoparentais, por ser o universo dos/as jovens que
infringem; entretanto, não deve ser visto como determinante, mas como mais um fator
somado aos diversos direitos negligenciados.
Nas pesquisas que direta ou indiretamente apresentam fragmentos das histórias
desses/as jovens, vemos relatos de violência, abandono, desprezo e distanciamento,
sobretudo da figura paterna, que por vezes aparece nas narrativas junto do sentimento de
raiva, ora com desprezo ou desconhecimento (ROLIM, 2014; ATAIDE, 2016;
MARZOCHI, 2016).
(...) os internos entrevistados enfrentaram, quase todos, problemas
bastante sérios com suas famílias. Os relatos mais problemáticos
apontam para a ausência paterna ou para a experiência de
incompreensão, hostilidade e mesmo a violência sistemática oferecida
pelos pais biológicos ou padrastos. Com duas exceções nos 17 casos
do estudo, não há qualquer relação afetuosa digna de menção pelos
jovens ou de admiração por seus pais. Os relatos afetuosos são mais
frequentes com relação às mães, normalmente mencionadas com
grande respeito (...) para outros jovens, entretanto, a presença do pai
não se confunde com a ausência ou com a indiferença, mas com a
presença insuportável (ROLIM, 2014, p. 140).
A situação fragilizada no seio familiar tende a se perpetuar entre as gerações.
Segundo D’Aroz e Stoltz (2016), esta cultura se dá porque a família não dispõe de redes
de apoio para o enfrentamento das adversidades enquanto os seus direitos estão sendo
violados ou negados.
11 Compreende-se como família, uma associação de pessoas que escolhe conviver por razões
afetivas e assume um compromisso de cuidado mútuo e, se houver, com crianças, adolescentes e
adultos (SZYMANSKI, 2002, p.9).
30
É nesta lógica de desorganização familiar que se situa parte do problema na
formação de vínculos, o que interfere de modo negativo no desenvolvimento do
indivíduo e em seu comportamento. Por vezes, as referências, pai, mãe, tios ou outros
membros da família com os quais possuem algum tipo de dependência, estão envolvidos
na criminalidade, levando consigo os filhos, desde pequenos, para as atividades nas
ruas, semáforos e, dessa maneira, privando-os do acesso à escolarização. Outra
circunstância que também tem facilitado todo tipo de aliciamento é o fato de os
responsáveis trabalharem o dia todo e, por conta disso, terem de deixar seus filhos sob a
supervisão dos filhos mais velhos ou expostos livremente ao espaço da rua.
A escola, nesse contexto, passa a ser uma forma de garantir não apenas uma
refeição e, em alguns casos, o distanciamento da criminalidade e do uso de drogas
ilícitas, mas também é um espaço de convivência e aprendizado. Quando o/a jovem
entra em conflito com a lei e começa a cumprir medida socioeducativa de internação,
ele/a tem, obrigatoriamente, de participar das atividades de escolarização, educação
profissional, arte e cultura, educação física.
Marzochi (2014) discorre acerca da escola enquanto um meio de ascensão social
repleto de um caráter disciplinador. A autora buscou o lugar da escola na vida dos
jovens infratores, chegando à conclusão de um não-lugar. Segundo ela, embora a escola
esteja amparada legalmente “os jovens não se identificam com esse lugar devido ao seu
caráter disciplinador, embora acreditem que ela possa ajudá-los como trampolim para
uma melhora financeira de vida, mesmo a instituição fracassando no cumprimento desse
ideal” (MARZOCHI, 2014, p. 150).
Para além desse caráter disciplinador, considero que o universo – por muitos
desconhecido – do mundo socioeducativo é cheio de idiossincrasias e, apesar de
responderem às mesmas leis, o cotidiano dos CI varia imensuravelmente entre eles,
desde o trato ao/a jovem até aos processos corriqueiros do dia a dia. Por essa razão,
apresento diferentes pesquisas, realizadas em espaços controversos, para elucidar a
diferença e as possibilidades de práticas sociais e processos educativos em privação de
liberdade.
Costa Junior (2012) desenvolveu sua pesquisa no temário da educação escolar
com jovens infratores em meio a um turbilhão de emoções, debates, resistências e
disputas para (re)definir qual seria o modelo “pedagógico” que o Centro adotaria: se
continuariam deixando os jovens mais “livres” ou se deveriam optar por um modelo que
seguisse uma linha radicalmente disciplinadora. O autor e professor do ensino formal,
31
quando questionava os jovens a respeito da escola no “mundão” 12, recebeu respostas
denotando o desinteresse pelo processo educacional-escolar.
O espaço escolar no mundão é apenas mais um local onde a maioria
deles estendem suas sociabilidades com o intuito de flertar com “as
novinhas”, “tumultuar” com os “parceiros” e, em alguns casos, manter
ativos seus negócios ilícitos (venda de drogas) ou organizar e
programar os possíveis furtos e assaltos. Raros são os casos em que
um adolescente me relata que ia à escola para estudar. Mesmo nesses
casos, ainda diziam que a sociabilidade com “as novinha” era um
motivador a mais para estarem naqueles locais. Nenhum dos relatos
demonstrava a preocupação deles em estudar para ter uma formação
apropriada para exercer alguma atividade profissional (COSTA
JÚNIOR, 2012, p. 124).
O relato do professor vai ao encontro dos relatos dos jovens entrevistados por
Marzochi (2014), quando se referem ao sentido da escola antes do cumprimento da
medida e como percebem a prática social escolar em privação de liberdade.
Eu não sentia a escola na minha vida, sei lá, não queria fazer tarefa,
só bagunçar, ficava com preguiça. Mas, depois que eu vim para cá eu
comecei a me interessar mais, me esforçar mais, comecei a ver que
daqui em diante minha vida seria ser isso que sou hoje (...) Aqui
dentro eu tenho uma professora que me ajuda bastante. Eu vejo que
ela é uma boa professora, me ajuda, tem interesse em desempenhar
um bom trabalho (...) (Bruno). 13
O sentimento compartilhado por Bruno se associa em dois momentos ao relato
da professora Luiza (2013). No primeiro, quando a professora é alertada por colegas que
lecionam nas escolas estaduais da dificuldade em conseguir desempenhar um bom
trabalho. No segundo momento, quando a professora nos diz que às vezes alguns/mas
alunos/as apresentam dificuldades e começam a se calar em sala, dispersando a atenção,
mas, ao perceber tal conduta, Luiza busca outras formas de ensinar, conversando com
o/a adolescente para entender a raiz da dificuldade, a qual muitas vezes consiste em
conteúdos relacionados às series anteriores que não foram devidamente aprendidos por
esses/as jovens.
Kel foi entrevistado por Scolaro (2007) e descrito como um garoto baiano de cor
negra, triste, de 19 anos. O jovem relatou que foi apreendido pela primeira vez com 13
12 Refere-se ao ambiente externo à privação de liberdade. 13 As narrativas de jovens e professoras/es estão em itálico para facilitar a compreensão, diferenciando-as
das citações literatura.
32
anos e que a escola antes da privação de nada lhe serviu; o garoto a frequentava de
modo irregular desde que começou a “cheirar cola”.
Não gostava da escola, não gosto de ir pra escola. Não... Me chamou
de cheira cola, não tem nada a ver... Toma conta da vida dela, deixa a
dos outros. Um dia ela dava conselho, outro ela reclamava. “Seu
cheira cola... não sei o quê...não sei o quê... Eu já falei com você pra
sair dessa vida. Se não sair, vai ser expulso. ” Outro dia: “Rapaz,
não cheira cola não, faz mal... Obedeça a sua mãe”. Ficava nesse aí.
Falava pra eu parar de cheirar cola, estudar mais, aprender pra
passar na série, pra quando eu crescer, virar “gente”, não ficar sem
ninguém... que eu ia ser um ladrão morto, como todos morrem por aí.
A escola pra mim não serviu pra nada. Na escola, só aprendi fazer
meu nome (KEL).
A professora era uma mistura de ajuda com preconceito, em certos momentos
era calma e tentava aconselhar o Kel para que buscasse outra forma de viver, mas, ao
mesmo tempo se utilizava de formas repressivas como a possibilidade de expulsão, os
rótulos de “cheira cola”, “nóia” e outras expressões pejorativas.
Dias (2007), Gallo e Williams (2005, 2008) e Dias (2011) identificaram aspectos
semelhantes em suas pesquisas, quando relatam que os professores são apontados como
parte integrante de discriminação, segregação e falta de atenção ao jovem que apresenta
dificuldade no processo educacional-escolar. Como resultado, alguns alunos criam ou
adotam movimentos de resistência, perpetuando formas violentas de lidar com a
situação vivenciada.
O cometimento de atos de indisciplina é, para o adolescente, o início
da visibilidade na escola em que não aprende. É também o caminho
para o envolvimento com o ato infracional. Assim, a violação de
direitos do adolescente inicia com a não aprendizagem e se acentua
nas demais relações familiares e sociais que o adolescente possui.
Assim, a contradição existe no fato de que a não aprendizagem não é
um condicionante para o olhar escolar, enquanto a indisciplina é
(ZANELLA, 2010, p. 13).
Desenvolver ações pedagógicas com os/as adolescentes marginalizados/as não é
tarefa fácil, devido à grande defasagem escolar causada pelo distanciamento que sofrem
com as diversas maneiras que a sociedade e a escola promovem para mantê-los/as
afastados/as e silenciosos/as.
Scolaro (2007) nos apresenta a Danda, uma jovem cearense que foi ainda criança
para Salvador, bonita, de 17 anos, parda, alegre e que se emocionava facilmente.
33
Cheguei a estudar em escola particular e escola pública, mas eu acho
que o ensino da escola pública, comparado com o da escola
particular, tem uma diferença. Na escola pública, você não é tão
observada como é na escola particular. Na escola pública, os alunos
de lá me ensinavam a brigar, a ir pra festa, a resmungar com a minha
mãe, coisas que fizeram eu perder muito. Eu perdi ela por isso
(DANDA).
Danda nos mostra sua percepção sobre o espaço escolar público e o quanto o
convívio com as/os jovens nesse ambiente atrapalhou o seu relacionamento familiar,
bem como a dificuldade da equipe pedagógica em dar atenção a todos os alunos como
aconteceu com ela quanto teve a oportunidade de estudar em colégio privado.
A professora Carla (2013) relata que já teve de ensinar jovens a ler e que se
sente muito feliz por cada conquista desses jovens. Da mesma forma, também a
professora Cilene (2013) menciona que esse foi um dos primeiros desafios a superar
quando iniciou o trabalho com adolescentes em situação de privação de liberdade.
Estavam todos misturados – adolescentes que sabiam e outros que não sabiam escrever
o próprio nome –, então a professora levou os livros de seu filho para alfabetizar os que
necessitavam, trabalhando com múltiplas realidades numa mesma sala de aula, tendo
em vista que as classes são multisseriadas com alunos de diferentes idades e níveis
educacionais.
Meu primeiro desafio foi quando eu deparei com um adolescente de
17 anos que não sabia ler nem escrever nem o próprio nome. E eu
queria fazer alguma coisa para ele aprender a escrever o nome,
detalhe ele estava matriculado na 6ª série como pode um adolescente
de 17 anos sem saber ler e escrever? Meu filho estava na 1ª série,
então eu tirei cópia do livro de alfabetização e levei. Combinei que
entre uma atividade e outra da turma eu sentaria e explicaria para
ele, falei que ensinaria com o método que eu sabia misturado com o
livro, por que eu fui alfabetizada com Caminho Suave (Cilene).
A classe multisseriada é alvo de crítica das professoras Carla, Neuda e Sinhá que
relata que dependendo do CI em que está, a situação fica mais complexa, pois não
permitem que se façam trabalhos inovadores utilizando outros recursos que não apenas
giz, lousa e saliva. Não obstante, ainda é obrigatório o uso do caderno do aluno14 com
alunos de diferentes séries/anos.
14 Material seriado elaborado como parte do material didático aos alunos da rede estadual de educação do
Estado de São Paulo. Os cadernos são distribuídos aos alunos e correspondem ao ano em curso.
34
Se eu pudesse, mudaria esse sistema de classes multisseriadas.
Porque o professor, principalmente no começo fica de mãos atadas.
O currículo é outro aspecto que é muito difícil. O professor dentro da
Fundação tem que trabalhar o currículo do governo, das escolas
daqui de fora. Não tem como você entrar numa sala de aula com
quatro livrinhos de diferentes séries/anos do currículo, é
humanamente impossível (Carla).
Em pesquisa realizada em 1995 e 1996, Volpi (2006) verificou que do montante
de 4.245 adolescentes privados de liberdade, 96,6% não haviam concluído o ensino
fundamental, o índice de não alfabetizados era de 15,4% e apenas sete adolescentes
haviam concluído o ensino médio. A pesquisa de Volpi aponta, ainda, que 61,2% dos
adolescentes não frequentavam a escola quando cometeram o ato infracional.
Não temos atualmente uma pesquisa que revele alguma mudança desde 1995
segundo Jacqueline Sinhoretto (BRASIL, 2015a), mas a pesquisadora ressalta que a
maior parte dos adolescentes que cumprem medidas socioeducativas está internada.
“Em 2011 eram 65 adolescentes internados para cada 100 mil habitantes adolescentes e
em 2012 esta cifra sobe para 67, aumento de 3%. Sendo que a maior taxa de internação
da região sudeste é a do Estado de São Paulo” (BRASIL, 2015a, p. 76).
Segundo a autora, os dados relativos ao sistema socioeducativo brasileiro ainda
não estão sistematizados e disponíveis, e no sítio da SDH podemos encontrar o último
levantamento (BRASIL, 2015b) que indica em 2013 um número total de 23.066
adolescentes e jovens (12 a 21 anos) em restrição e privação de liberdade (internação,
internação provisória e semiliberdade). Nesse sentido, a medida de privação de
liberdade e restrição de liberdade representa 0,08% dos adolescentes dentre a população
de 12 a 18 anos no país.
35
Gráfico 4 - Adolescentes e jovens em restrição e privação de liberdade total Brasil
(2013)
Fonte: Brasil (2015b).
Gráfico 5 - Adolescentes e jovens em restrição e privação de liberdade por unidade
federativa (2013)
Fonte: Brasil (2015b).
É possível verificar que em São Paulo temos o maior número de jovens em
cumprimento de medida socioeducativa, logo a complexidade na garantia dos direitos
destes/as jovens também deve ser considerada em maior escala.
A educação encarada como um direito da criança e do adolescente ainda esbarra
em preconceitos e exclusões declaradas e legitimadas em discursos de diretores
escolares. Nesse sentido, Zanella (2010) relata que os adolescentes dos programas
36
socioeducativos em meio aberto ou egressos de CI figuram como um grupo com maior
dificuldade de aceitação e interesse por parte da escola.
Os sistemas de ensino não se mostram capazes de se comunicar com
as culturas diferentes do que é considerado “padrão normal”. Os
jovens chegam à escola diferentes, porque têm origens sociais e
memórias culturais diferentes, mas a escola pretende, à força, torna-
los iguais. Caindo na falácia de identificar democratização com
massificação e homogeneização (PAIS, 2008, p.16).
Diante desse contexto e suas implicações, Lopes (2006) pesquisou a prática
social da educação escolar de adolescentes em situação de privação de liberdade,
identificando que a escola regular de um CI tem suas limitações aumentadas, tendo em
vista o conjunto das regras da própria instituição, além de possuir estrutura rígida e
caráter violento. Desse modo, podemos refletir o quanto um currículo elaborado “de
fora” e para “outra realidade” pode comprometer os processos educativos por não
considerar as especificidades do cenário em questão.
Para Marzochi (2014), os professores dentro da Fundação Casa se despem da
postura disciplinar que a escola regular possa exigir deles, tendo em vista que lá dentro
esta responsabilidade fica a cargo dos agentes de apoio socioeducativo (seguranças),
contribuindo assim para que seja possível à maioria deles reinventar suas relações com
os jovens, promovendo um contato mais afetivo, tratando os alunos com mais respeito,
diferenciando-se daqueles profissionais que desenvolvem seu trabalho fora da
Fundação, muitas vezes com ideal disciplinador.
Cilene (2013) e Abenilda (2014), colaboradoras da minha pesquisa, poderiam
discordar que a atuação na Fundação não requer que as professoras e professores se
posicionem firmemente e/ou cobrem posturas adequadas dos jovens, delegando essa
função aos agentes de apoio socioeducativo. Cilene relatou as discussões que já teve
com jovens impondo-se, e pedindo respeito, respeito este adotado como premissa para a
sua permanência em sala de aula. Abenilda, por sua vez, relata que certa vez saíra
correndo atrás de um jovem que queria se esconder em outra sala; a professora fora
atrás dele para que voltasse à sala.
O que se passa nesses casos é que a rotina e a dinâmica estabelecidas no
cotidiano dos CI variam conforme os/as profissionais que compõem cada um destes
espaços de disputa de poder, pois dependem da perspectiva adotada por direção, equipe
psicossocial, educadores, seguranças, famílias e, claro, os próprios adolescentes. O que
37
quero dizer é que existem modelos extremamente repressivos e hostis, nos quais o
adolescente deve andar com a cabeça baixa, mãos para trás, seguir linhas demarcadas no
chão e pedir licença para cada funcionário que passar, mas outros modelos são possíveis
e, quando do uso deles, o diálogo é soberano e o objetivo é promover a reflexão desses
adolescentes sobre a conduta infracional que tiveram para que consigam traçar novos
rumos para a vida.
Ainda no que diz respeito ao diálogo, a seguir, apresento a história oral como
uma possibilidade de escuta e diálogo com os/as professores/as e quais as opções
metodológicas adotadas para a condução dessa pesquisa.
Caminho metodológico
Com frequência se diz que, na História Oral, damos voz aos sem voz.
Não é assim. Se não tivessem voz, não teríamos nada a gravar, não
teríamos nada a escutar. Os excluídos, os marginalizados, os sem-
poder sim, têm voz, mas não há ninguém que os escute. Essa voz está
incluída num espaço limitado. O que fazemos é recolher essa voz,
amplifica-la e leva-la ao espaço público do discurso e da palavra. Isso
é um trabalho político, porque tem a ver não só com o direito à
palavra, o direito básico de falar, mas com o direito de falar e de que
se faça caso, de falar e ser ouvido, ser escutado, de ter um papel no
discurso público e nas instituições políticas, na democracia
(PORTELLI, 2010, p.3).
O caminho metodológico se dá pelos princípios da História Oral, tendo como
base os autores Meihy (1991, 1994, 1996a, 1996b, 2008), Caldas (1999, 2008, 2009),
Guimarães (2011), Meihy e Holanda (2013). A história oral utilizada enquanto um
método faz com que as histórias de vida sejam o epicentro do trabalho. Para Meihy
(1991) existem três etapas na passagem do oral para o escrito: a transcrição, a
textualização e a transcriação da entrevista15.
O processo é complexo e deve iniciar com a estruturação do projeto definindo
quem serão os entrevistados, qual será o local para a realização das entrevistas, o seu
tempo de duração, como será o processo de transcrição e conferência do texto,
autorização para uso da entrevista, como e onde serão arquivadas e as respectivas
justificativas destas escolhas (MEIHY; HOLANDA, 2013).
15 A definição de cada uma dessas etapas encontra-se explicitada nas páginas 41 a 43 desta tese. No
apêndice, estão anexadas as textualizações das entrevistas e as transcriações constituem um dos capítulos
da tese.
38
A organização do projeto teve início com a definição da comunidade de
destino16, professores/as da Fundação CASA, que atuavam em CI de um determinado
município e seriam convidados/as a compor o quadro de colaboradores/as, a colônia17.
Para tanto, considerei meu tempo de docente junto ao quadro docente optei por formar a
rede18 convidando àqueles/as com quem possuía maior proximidade dado o tempo
trabalhado em conjunto e intencionalmente àqueles/as que eram assíduos, que se
preocupavam em planejar as aulas, participar dos projetos; em suma, os que de fato se
engajavam com a proposta educativa. Neste recorte, foram convidados/as doze
docentes, tendo em vista que o processo de colaboração poderia ser mais fluído, pois
tínhamos uma relação, que arrisco dizer, de confiança, necessária a uma comunidade de
destino.
(...) é preciso que se forme uma comunidade de destino para que se
alcance a compreensão plena de uma dada condição humana.
Comunidade de destino já exclui, por sua própria enunciação, as
visitas ocasionais ou estágios temporários no lócus da pesquisa.
Significa sofrer de maneira irreversível, sem possibilidade de retorno à
antiga condição, o destino dos sujeitos observados (BOSI, 1994, p.
38).
Realizei as entrevistas com nove professoras e três professores que lecionavam
para os jovens em situação de privação de liberdade. Estes/as professores/as constituem
a comunidade, que foi escolhida considerando a minha própria trajetória profissional
junto aos/às professores/as que trabalhavam em diferentes CI, mas compreendidos no
mesmo município.
O convite formal foi feito individual e presencialmente, exceto para dois
professores, os quais foram convidados por e-mail: um porque não mais trabalhava
nessa equipe e outra devido às diferenças nos horários de trabalho. O vínculo fraterno
estabelecido com a maioria dos/as colegas ao longo dos anos facilitou a incorporação de
requisitos éticos sobre os quais Portelli (1997) discorre.
16 A comunidade de destino tem duas bases, uma material e outra psicológica. De uma ou de outra forma,
a sustentação que marca a união de pessoas são dramas comuns, coetâneos, vividos com intensidade e
consequências relevantes (MEIHY; HOLANDA, 2013, p.51). 17 Menor que a comunidade de destino, a colônia é fragmento substantivo, fração representativa, ainda
que numericamente inferior à grande comunidade de destino. É parte dividida para possibilitar o
entendimento do todo pretendido (MEIHY; HOLANDA, 2013, p.53). 18 É uma subdivisão da colônia, portanto a menor parcela de uma comunidade de destino. A origem da
rede é sempre o ponto zero, e essa entrevista deve orientar a formação das demais redes. A indicação de
continuidade das redes preferencialmente deve ser derivada da entrevista anterior (MEIHY; HOLANDA,
2013, p.54). Nesta pesquisa, optamos por não seguir a proposição de Redes, mas de convidar as
professoras e professores qe haviam trabalhado com o pesquisador.
39
(...) compromisso com a honestidade significa, para mim respeito
pessoal por aqueles com quem trabalhamos, bem como respeito
intelectual pelo material que conseguimos; compromisso com a
verdade, uma busca utópica e a vontade de saber “como as coisas
realmente são”, equilibradas por uma atitude aberta às muitas
variáveis de “como as coisas podem ser” (PORTELLI, 1997, p.15).
Em relação à ética e ao respeito aos/às colaboradores/as tomamos as
preocupações expostas por Denis (2008), tais como analisar os riscos e as contribuições
do projeto, respeitar a cultura das pessoas e as formas de abordagem; para o autor, os
contatos prévios determinam a qualidade de todo o processo: a apresentação dos
objetivos da pesquisa, do termo de consentimento livre, do direito de abandonar a
pesquisa, ainda que o termo de consentimento não tenha sido assinado no primeiro
contato. No caso desta pesquisa, como os/as colaboradores/as já tinham conhecimento
das diretrizes da pesquisa, optei por pedir a assinatura somente no reencontro, momento
da validação dos textos transcriados.
Além do termo de consentimento, pedi também o termo de cessão, contrariando
Thompson (1992) que entende que se as pessoas concordaram em conceder a entrevista,
concomitantemente estariam concordando com a utilização em pesquisas e não se
importariam em se encontrarem mencionadas no trabalho. O termo de cessão serviu
para verificamos se os/as colaboradores/as desejariam ser ou não identificados/as e se
permitiriam o uso de suas imagens.
Indiquei aos/as professores/as colaboradores/as algumas possibilidades de local
para a realização das entrevistas, a saber: a escola vinculadora, a residência – a minha
ou a deles; e sala na própria instituição; se desejassem, poderiam indicar outro espaço.
Para ofertar estas possibilidades, anteriormente, entrei em contato com os diretores dos
locais para que pudessem autorizar e viabilizar um local tranquilo, facilitando as
gravações de áudio e vídeo.
Nesse processo, duas professoras optaram por fazer em sua residência, quatro
professoras na escola vinculadora, seis professores/as em uma sala no próprio local de
trabalho. Iniciei as entrevistas me apresentando, apresentando a pesquisa, os objetivos,
método e o vínculo institucional com o Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Estadual de Campinas. Não obstante, procurei deixar explícito que o
processo de retorno poderia demorar aproximadamente um ano, dado o tempo
necessário para efetuar as transcrições, textualizações e transcriações.
40
Acredito que meu ponto zero (MEIHY; HOLANDA, 2013) foi desafiador. A
professora estava tímida e eu experienciava uma mistura de sensações que transitavam
entre medo, ansiedade e até saudade do chão da sala de aula ao ouvir os relatos, uma
vez que já não mais trabalho como professor. Ao lançar o estímulo pedindo que ela me
contasse sobre sua história de vida, em poucos minutos, ela falou algumas passagens,
mas senti como se ela desejasse encerrar a entrevista, perpassando diferentes fases da
vida e até contemplando a minha pergunta de corte19. Aos poucos, com ajuda das
anotações no diário de campo, eu fui perguntando sobre cada passagem que ela havia
rapidamente relatado e assim pude entender mais sobre a história à medida que ela
também foi ficando mais confortável e envolvida com a narrativa.
Com esta experiência mais aproximada da cápsula narrativa (CALDAS, 2009),
cujo colaborador determina o caminho da narrativa, ordenando-a segundo seus próprios
critérios, percebi que a própria colaboradora sentiu dificuldade em enumerar o que
gostaria de expor, talvez até culminando na minha dificuldade em entender algumas
passagens, pensando que tal dificuldade poderia se estender aos leitores. A partir da
segunda entrevista, pedia que o/a colaborador/a me contasse a sua história desde a
infância.
A entrevista é um experimento de igualdade, é um momento utópico –
momento utópico em que tratamos de imaginar como poderia ser o
mundo se o camponês pobre e o professor catedrático fossem política
e socialmente iguais. É um momento utópico e também um momento
crítico, porque se reconhece a injustiça social que tratamos de
iluminar, de criticar e de destruir. Logo, não há técnicas de entrevista,
mas éticas na entrevista: respeito, paciência, flexibilidade, paixão
autêntica de conhecer os outros e de estar com eles em uma história
compartilhada, como dizia Ernesto De Martino (PORTELLI, 2010, p.
6).
Agendei todas as entrevistas com antecedência, mas apesar de ter buscado salas
e espaços tranquilos, deixando as pessoas avisadas sobre os procedimentos, em algumas
entrevistas houve vários tipos de pequenas interrupções e retomávamos assim que
explicávamos do que se tratava tal atividade.
Com as entrevistas já gravadas, chegou a hora de transcrever, a qual, segundo
Caldas (2009, p.17):
19 Pergunta de corte é a pergunta que deve estar presente em todas as entrevistas, conforme
Meihy (1996a, p. 53). Especificamente aqui, a pergunta de corte foi: o que motivou/culminou a
iniciar a docência na Fundação CASA?
41
(...) é passagem não só do “oral” para o “escrito”, mas primeiro
momento da pontuação, do enfrentamento textual, da “interpretação”,
do afrontar de códigos, diferenças, enquadramentos: código contra
código, determinada rede discursiva tentando instaurar outra sem
interferir além do suficiente. Nesse momento não podemos tentar
“traduzir” com rigor para o papel aquilo que foi dito, inclusive alguns
erros, repetições, vazios e silêncios (p.17).
O tempo da entrevista está longe de ser um momento puramente técnico e
também necessita muita atenção, mas ao mesmo tempo é prazeroso para o pesquisador
que tem a possibilidade de ouvir quantas vezes quiser todos os risos, choros, emoções e
até o silêncio, a pausa para relembrar alguns fatos marcantes e seguir adiante.
Consegui realizar apenas a transcrição de duas colaboradoras, tendo que solicitar
a profissionais que fizessem as demais transcrições, para não demorar excessivamente
no retorno aos/às entrevistados/as, uma vez que ainda teria que fazer as demais fases da
pesquisa. Quando obtive todas as entrevistas transcritas, conferi cuidadosamente cada
uma delas para verificar se não havia algum equívoco na passagem do oral para o
escrito.
O passo seguinte à transcrição é a textualização20, cujas falas do entrevistador
são extraídas, assim como sons e ruídos, enfatizando a fala do narrador e deixando o
texto o mais compreensível possível. Este processo de leitura acurada é o momento em
que se identifica o “tom vital” de cada entrevista, que consiste em encontrar a frase que
orienta a releitura do texto.
O “tom vital” é um recurso usado para requalificar a entrevista
segundo sua essência. Porque se parte do princípio que cada fala tem
um sentido geral mais importante, é tarefa de quem estabelece o texto
entender o significado dessa mensagem e reordenar a entrevista
segundo esse eixo (MEIHY; HOLANDA, 2013, p. 142).
Acatando a observação feita por Meihy e Ribeiro (2011) quando mencionam que
na textualização retiramos os vícios de linguagens, repetições, erros de gramática,
mantive em dose suficiente algumas expressões utilizadas pelos/as colaboradores/as
para o leitor sentir e entender a textualização como se estivesse ouvindo uma narração
do/a próprio/a entrevistado/a, com seus sotaques, com suas expressões e singularidades.
20 No apêndice, estão anexadas as textualizações das entrevistas.
42
Nesta fase, optei por reorganizar o texto em uma sequência cronológica, e não
necessariamente na sequência que os/as colaboradores/as narraram. Acredito, assim
como Meihy (1991), que faz parte deste momento a rearticulação da entrevista de
maneira que a torne mais compreensível.
A terceira etapa chamada de transcriação21 consiste em uma “teatralização”22 do
que foi dito, devendo retornar ao/à colaborador/a. Os/as colaboradores/as fazem parte de
todo o processo, devendo o texto ser devolvido à comunidade que gerou as entrevistas.
Na passagem da textualização para a transcriação foram inseridas passagens de poemas,
músicas, imagens que apresentavam relação com a história de vida das professoras e dos
professores.
O caráter de inversão da rotina, situação que marca a entrevista,
demanda uma representação conhecida por performance. Sim, há um
desempenho pessoal nessa situação e isso contribui para que a
entrevista não seja apenas considerada no que foi gravado em
palavras. Silêncios, lágrimas, interjeições são partes constitutivas das
entrevistas. Gestos não captados por gravadores de vozes, por
exemplo, merecem ser integrados ao ato e isso se dá em situação de
transcriação (MEIHY; RIBEIRO, 2011, p.101).
Realizar uma transcriação exige sensibilidade e fidelidade23 ao/a colaborador/a, em um
exercício de compromisso ético no desdobramento do que de objetivo foi apresentado na
história narrada. Particularmente, acredito ser a parte mais saborosa do trabalho com história
oral de vida e que também requer atenção ao que já fora realizado, ou seja, depende estritamente
da qualidade das transcrições e textualizações anteriormente elaboradas, uma vez que também
se constituem processos transcriativos, trilhando pela “poética da interpretação” proposta por
Caldas (1999).
O trabalho transcriativo se aproxima do artesanal. Isto se dá, pois a
possibilidade de transcriação somente é viabilizada quando aquele que
escreve o texto final está envolvido em todas as etapas do trabalho,
desde a elaboração do projeto de pesquisa. O envolvimento direto com
o tema e com o documento vivo materializado pelos entrevistados é
insubstituível na composição do texto final. A experiência agregadora
da pesquisa em história oral de vida confere gradativamente ao
oralista a segurança necessária para escrever com propriedade sobre a
vida daqueles com quem divide experiências. Tal qual o produto do
21 As transcriações constituem um dos capítulos da tese. 22 O temo “transcriação” origina-se da adequação que Meihy realizou com dois conceitos da linguística: o
de transcriação, proposto por Haroldo de Campos, o de teatro de linguagem, formulado por Roland
Barthes (MEIHY, 1991, p.29-33). 23 Nóbrega, Thelma Médici. Transcriação e hiperfidelidade. Cadernos de Literatura em Tradução,
Brasil, n. 7, p. 249-255, nov. 2006.
43
artesão, o texto transcriado é o resultado de uma série de etapas
criativas que vão contornando um produto sempre inédito
(EVANGELISTA, 2010, p. 180).
Assim como Caldas (1999, p. 109), acredito que o resultado final da transcriação
deve apresentar “textos vivos, pulsantes, que se organizam numa grande ficcionalidade
viva, exigindo uma outra postura diante dos textos terminados, sendo diferentes também
sua forma interna”. Segundo ele, o texto transcriado não tem somente o que foi
pronunciado pelo colaborador, entretanto, no momento da validação, que nesta tese
ganha o capítulo Reencontro, o colaborador se vê em cada palavra, cada frase, cada
estrutura, cada história, cada ritmo mesmo depois de a sua fala ter se transformado no
texto transcriado.
A validação – que consiste na devolução do texto transcriado ao colaborador –
possibilita um equilíbrio das forças na produção do texto escrito, mas também (LEITE,
2008) explicita uma tensão entre colaborador e pesquisador uma vez que esse texto
deverá ser legitimado pelo colaborador. Esse momento, que Meihy denomina de
conferência do texto final, exigirá do pesquisador muita sensibilidade e capacidade de
negociação, principalmente, se o colaborador desejar retirar trechos de sua história,
considerados significativos.
Depois dos Reencontros, fiz um entrelaçamento das entrevistas que, de acordo
com Meihy (1994, p.52) é o que dá sentido social à história oral, buscando o diverso e o
detalhamento das redes e seus aspectos divergentes. As “entrevistas como fonte
remetem ao sentido do documento e da análise em cima dos textos estabelecidos a partir
de depoimentos”.
44
1 – Capítulo I: Transcriações
Sair da caixinha, do padrão definido e estabelecido por outrem. Difícil.
Academicamente, quase impossível. O exercício aqui realizado constitui-se uma ruptura
com parte da minha tradicional formação.
Aqui verão transcriações com poesia, música, imagem, itinerário. Dedicação e
Amor. Para cada entrevista transcriada coloco o tom vital e uma foto do/a professor/a.
Empresto de Jorge Larrosa Bondia a passagem a seguir para que estejamos
atentos às leituras das transcriações.
O que vou lhes propor aqui é que exploremos juntos outra
possibilidade, digamos que mais existencial (sem ser existencialista) e
mais estética (sem ser esteticista), a saber, pensar a educação a partir
do par experiência/sentido (BONDIA, 2002, p.19).
45
Abenilda Gomes Procópio de Moura
Eu estou aqui porque eu quero, e vou vencer, não
é porque eu fui bem-criada não
Foto 2 – Abenilda – acervo da colaboradora
A entrevista com a Abenilda não poderia ter acontecido em outro lugar... foi feita
numa sala de aula da escola vinculadora, que é também o local que a professora leciona
a mais tempo e tem grande afinidade com as pessoas de lá. Foi uma mistura de alegria e
ansiedade, afinal ela estava sendo entrevistada. Falar da própria vida e correr o risco
de esquecer – se de algo importante. Solicita e eufórica para compartilhar um pouco de
sua trajetória e, mais do que disposta a colaborar comigo como um menino – amigo.
“Eu tinha a maior vontade de estudar, tinha
uma escola municipal de frente com a minha
casa, e às vezes em vez de limpar a casa e fazer
todas as tarefas do lar, eu ficava babando,
olhando as crianças correndo, pulando e
brincando... “será que um dia eu vou ter essa
chance? ”. Mal conseguia imaginar, pois logo
minha madrasta chamava “Abenilda”, eu já
corria disfarçadamente para lavar a louça”
(Abenilda, 2013).
46
“Eu estou aqui porque eu quero, e vou vencer, não
é porque eu fui bem-criada não”.
Misericódia! Não posso menino, não posso.
Infância não tive, apenas meu tio e meu Deus.
A madrasta era má mesmo, eu – criança cuidando de criança,
Um, dois, três, quatro, dez choros de criança.
Dez anos se foram e a escola também,
Um sonho vivo, esperança cotidiana.
Louças e limpezas, pesadelos diários,
Vizinhança que ajuda, Tio-Pai que reluta.
Escola que se aproxima, eu na labuta,
B-A-R-R-A, bata no seu amigo.
Estude! Limpe. Noite de estudo;
Pretume no rosto.
Matemática no calcanhar,
Dificultando o caminhar.
Vira, mexe, dá-se um jeito para tudo.
Quase tudo!
Vontade de estudar, não de apanhar.
Professoras são como anjas,
Sempre arrumadas, educadas,
Deveriam ser beatificadas.
Viagens, a passeio?
Que nada, a estudo.
Choveu! Lascou.
Desce e empurra o carro
47
Foi-se a escola,
Primário e ginásio,
Com direito a magistério,
E quase técnico em contabilidade.
Agora o casório,
A mudança para São Paulo.
E novos desafios e preconceitos,
Atormentaram-me.
Virou e mexeu,
Mexeu na minha essência,
No meu arrastado, no meu sotaque,
Na minha paciência.
Anjos e demônios numa batalha,
Vitória dos anjos, da anja Elisa.
Que compreende e ajuda,
Que ampara e estimula.
Menino de Deus,
Quadro negro, apertem os cintos!
Avião vai decolar,
Zigue-zague do horror.
Burru, dispensa, desemprego.
Semanário, dedicação, amor pela educação,
Sinônimo de demissão,
Injusta condição.
Aracília é salvação,
São mais de vinte e seis de profissão,
Mas cadê as aulas,
Restou-me a Fundação.
48
Fundação...o que?
Casa. O que tem lá?
Projeto? Entrevista?
Tudo isso ainda!
Foi. Início conturbado.
Menino danado,
Pega-pega com aluno travesso,
Sala revirada do avesso.
Agora estou contando...
Dias, horas, segundos para ela chegar.
Estou cansada e preciso aproveitar.
Minha tão sonhada aposentadoria gozar!
49
Ana Luíza Calmon
O conhecimento te deixa um ser melhor, um ser
mais forte, um ser mais criativo, um ser que
sofre menos
Foto 3 – Ana Luiza – Acervo pessoal da colaboradora
A Analu como é carinhosamente chamada por todos. Amor incondicional em forma de
gente. Todos que a rodeiam sentem estes sentimentos fraternos e a trata com o mesmo
amor. Nossa prosa aconteceu numa sala reservada, mas com interrupções de algumas
pessoas desavisadas sobre que acontecia na sala, mas nada pode atrapalhar a narrativa
sincera e marcante da história de vida de Analu.
As pessoas às vezes espantam, porque que os alunos gostam
tanto da Analu. É porque eu coloco poesia, o conhecimento é a
maior riqueza do homem; não é o dinheiro, é o conhecimento. O
dinheiro vem, é o resultado do seu conhecimento, não adianta
buscar dinheiro, se você não se envolveu com o conhecimento, aí
o dinheiro não vem mesmo.
Ana Luiza, 2013
50
“o conhecimento te deixa um ser melhor, um ser
mais forte, um ser mais criativo, um ser que sofre
menos”.
Passado, Presente, Futuro
Eu fui. Mas o que fui já me não lembro.
Mil camadas de pó disfarçam, véus,
Estes quarenta rostos desiguais.
Tão marcados de tempo e macaréus.
Aula de Matemática
Pra que dividir sem raciocinar
Na vida é sempre bom multiplicar
E por A mais B
Eu quero demonstrar
Que gosto imensamente de você
Ganhei a fórmula mais preciosa da vida.
Aprendi com vovó e multipliquei.
Amor
Sabedoria
Resistência
Compaixão
A vida singela e honesta.
Com o lixo, o conhecimento,
Com o conhecimento a superação,
Com a superação a existência.
Por uma fração infinitesimal,
Você criou um caso de cálculo integral
E para resolver este problema
Eu tenho um teorema banal
Unidade sozinha não vive, sobrevive
O teorema do amor incondicional
Teorema banal -i -z- a-d-o.
A vida é bela e, curta.
Vivamos para o bem e para o próximo.
51
Superei e compartilho,
As dificuldades de cada dia.
A emoção da constituição de uma família.
Multipliquei o bem,
O resultado você conhece bem.
Quando se soma amor,
não precisa de prova dos nove.
Eu sou. Mas o que sou tão pouco é:
Rã fugida do charco, que saltou,
E no salto que deu, quanto podia,
O ar dum outro mundo a rebentou.
Passarinho bateu azas e voou,
Casou! Mundo desabou.
Nada restou. A subtração negativou.
Minha fração acabou e em nada resultou.
Quando dois meios se encontram desaparece a fração
E se achamos a unidade
Está resolvida a questão
Prá finalizar, vamos recordar
Que menos por menos dá mais amor
Se vão as paralelas
Ao infinito se encontrar
Por que demoram tanto dois corações a se integrar?
Se desesperadamente, incomensuravelmente,
Eu estou perdidamente apaixonado por você.
Aula de Matemática – Tom Jobim
Falta ver, se é que falta, o que serei:
Um rosto recomposto antes do fim,
Um canto de batráquio, mesmo rouco,
Uma vida que corra assim – assim.
Os Poemas Possíveis
José Saramago
Depois que me doei a estes jovens
Salto daqui acolá,
52
Sem nunca desanimar;
Sempre disposta a ajudar!
Amar. Amar. Amar.
53
Carla Silva Souza
Jamais abandonaria minha filha, nem para
ficar com minha mãe, é minha se alguém
quiser ficar comigo terá que ficar com minha
filha se não for assim não quero
Foto 4 – Carla – Acervo pessoal da colaboradora
A Carla estava entusiasmada com a possibilidade de contar a sua história. Chegou
sorridente, como sempre. E foi oscilando entre riso e choro durante a narrativa, repleta
de emoção. Conversamos na sala da direção do Centro de Internação e pude apreciar
uma história de pura resiliência.
Abandono, separações, reencontros, superações! Resiliência.
54
“Jamais abandonaria minha filha, nem para ficar
com minha mãe, é minha se alguém quiser ficar
comigo terá que ficar com minha filha se não for
assim não quero”.
De lá...
Meus avós. O que seria de mim sem eles? Não sei. Talvez não fosse metade do
que sou e do que posso ser. Assim começa a minha história de amor por uma avó e pela
vida. Ser mãe solteira em uma cidade pequena e repleta de preconceitos não deve ser
tarefa fácil mesmo, mas o abandono não se justifica. Por sorte, minha avó e meu avô,
me criaram e incentivaram a ser estudiosa e ter dignidade, portanto meus pais. Foram
quinze anos de dedicação em minha criação com repleta doação de amor e carinho,
gratidão na imensidão de sentimentos. Deus, agradeço por me colocar em braços
acolhedores... acolhiam do preconceito, dos xingamentos e da zombaria que faziam
sobre o meu próprio abandono paterno e parcialmente do materno, tornou – se um
sofrimento ao quadrado, como se a culpa disso tudo fosse minha e não era, nunca foi,
nunca será. Passou, mas marcou profundamente, as cicatrizes parecem nunca fechar,
então eu sorrio, me escondo, transgrido.
De cá...
Cheguei à São Paulo. Trabalhei. Conheci novas irmãs e um homem maravilhoso,
casei – me com 17 anos. Voltei a estudar. O maravilhoso praticamente me obrigou, me
incentivou muito. Consegui ingressar na faculdade com bolsa de estudos, a minha
salvação. Orgulho para meus avós. Minha filha, minha vida. Ser mãe é muito gostoso,
eu adoro, mas uma filha é suficiente. A relação da minha filha com a minha avó é muito
gostosinha, ela chama de vó, no caso porque eu chamo a minha avó de mãe.
Ainda em curso na licenciatura em Letras, fui professora eventual, que difícil,
respeito é quase nulo. Até os próprios colegas professores endossam isso, eu vivi muitas
histórias. Trabalhei como substituta por pouco tempo, mas em 2012 não consegui aulas,
resultado: voltei a ser eventual, por pouco tempo, surgiu uma tal de Fundação Casa.
Você tem coragem? Perguntou – me o supervisor de ensino. Sem pestanejar respondi
que sim. Só Deus sabe como me senti por dentro para dizer aquele sim.
55
Há um menino, há um moleque
Orando sempre no meu coração
Toda vez que o adulto balança
Ele vem pra me dar a mão
Entre grades...
Gosto do respeito que eles têm aqui dentro, que não tem lá fora. O professor não
precisa ficar gritando tanto, aqui eles escutam mais o que a gente fala, alguns até
querem mesmo, perguntam e pedem novas explicações, o que a gente não vê lá fora. Lá,
eles não estão nem aí. E aqui dentro não, alguns se interessam mais, você tem a
oportunidade de falar num tom melhor, você pode trabalhar de uma forma mais
tranquila. O melhor de tudo é quando você vai fazer projetos e alguns encabeçam e
fazem, porque é frustrante quando você quer fazer alguma coisa e não consegue. Nem
todos participam, nem todos gostam. Eu acho que o ensino formal na Fundação Casa às
vezes não é muito valorizado. Alguns alunos chegam a falar que isso não tem nenhum
valor, que não acontece nada, ou de repente o aluno está motivado para fazer a atividade
e de repente perde a vontade.
Há um passado no meu presente
O sol bem quente lá no meu quintal
Toda vez que a bruxa me assombra
O menino me dá a mão
A minha vida influi muito no meu trabalho, principalmente na Fundação, porque
quando vem algum menino falar de algum caso e tenta justificar seus atos, a gente até
pensa, mas não é assim, eu também teria mil motivos para me revoltar pra fazer alguma
coisa. Na Fundação é possível se identificar com muitas histórias dos meninos,
principalmente os que não tiveram contato com o pai e não tiveram um bom
relacionamento com a mãe, e são criados com os outros.
Ele fala de coisas bonitas que
Eu acredito que não deixarão de existir
Amizade, palavra, respeito
Caráter, bondade, alegria e amor
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Pois não posso, não devo
Não quero viver como toda essa gente insiste em viver
A gente vê como isso muda nossa vida, faz a gente tomar atitudes, isso faz com
a gente entenda o porquê de alguns meninos estarem aqui. A rebelião que teve quase me
fez desistir, porque eu fiquei com medo, não medo de eles fazerem alguma coisa porque
a gente sabe que com a gente eles não fazem nada, mas o medo do barulho todo de tudo.
Tinha um menino que eu gostava muito, mas eu sempre me afino com os mais
difíceis, todo menino que eu gosto apronta. Ele fazia uns desenhos muito bonitos, fazia
todas as atividades, menino quieto. Mas, nessa rebelião ele se transformou de tal
maneira que ele me assustava, ele tinha um olhar diferente, de revolta, que me deixava
com medo. Passando isso, ele era um menino doce. Como disse, identificando – me
com as histórias, eu não tive mãe eu não tive pai, então você vai querer trazer aquele
menino para perto de você, não o julgar. Isso me fez voltar. E a gente vai ficando, a
gente vai gostando algumas vezes de algo que o menino fala que te incentiva.
Não posso aceitar sossegado
Qualquer sacanagem ser coisa normal
Bola de meia, bola de gude
O solidário não quer solidão
Toda vez que a tristeza me
Alcança o menino me dá a mão
Bola de Meia, Bola de Gude
Milton Nascimento
Resolvi ficar.
57
Cícero Nogueira Araújo
Bastava meu pai olhar pra gente. Se ele tivesse
conversando e olhasse pra você, era como se
dissesse você não é bem vindo aqui, a conversa
é pra adulto, mas ele não precisava falar
Foto 5 – Cícero – Acervo pessoal do colaborador
Num espaço pequeno no Centro de Internação o Cícero começou e terminou a
entrevista intrigado como e por quais razões a sua história de vida seria importante
para alguém, sobretudo para a academia. O que a simplicidade e a humildade dele
poderia contribuir? Segundo Meihy e Holanda (2013)“quase sempre, é comum
encontrar pessoas que não se acham importantes ou que delegam a outros a capacidade
de narrar. Isso se deve a uma característica da nossa sociedade sempre aberta a
celebrizar pessoas e diminuir o papel das pessoas comuns” (p.57).
Respondi ao Cícero que o conhecimento de mundo dele é sim importante. Que o seu jeito
é referência para muitos jovens, mesmo que não perceba ou que os jovens tentem não
demonstrar.
58
“Bastava meu pai olhar pra gente. Se ele
tivesse conversando e olhasse pra você, era
como se dissesse você não é bem vindo aqui, a
conversa é pra adulto, mas ele não precisava
falar”.
De Caririaçu próximo à Juazeiro do Norte
Estátua do Padre Cícero
Meu nome é Cícero
Mas não levo jeito para ser padre.
Por não ser um bom poeta
Talvez não o descreva bem
Mas falarei desse homem
Que todos conhecem bem
É homem de boa índole
Que nasceu para fazer o bem Na lida, plantávamos, catorze filhos
Todos vivos e saudáveis
Tínhamos comida, mas nada de luxo
Roupas ou outras coisas que queríamos
Cálculos de braça
Sem conhecimento escolar
Com conhecimento de mundo
Papai fazia suas contas
Antes do sol raiar estávamos de pé
Café para tomar
Trabalho a fazer
Roça nos esperando
Casa do dia
Bagunça e conversa
59
Casa da noite
Assistir televisão e dormir
Minha mãe é católica
Não posso chamar nome não
Se chamar o coro come
Confesso não, minto sim
Mudei.
Trabalhei muito e muito tempo no mesmo lugar
Estudei, terminei a escola
Casei e tenho uma filha
Comecei a faculdade
Separei-me
Lecionar, aventurar-se
Desafiador, professor substituto
Concorri para a Fundação Casa
Não tinham outros
Trilhei em meio ao matagal
Entrevista com coordenação pedagógica
Aprovado por carência
Desde criança sabia
O que seria quando crescer
Era mesmo predestinado
Naquilo que ia fazer
E com seu milagre mostrou
Que tinha mesmo poder
Padre Cícero
Fábio André
Nesse tempo de docência
Rebelião, provocação
Nervosismo e estresse
Com jovem e com adulto
60
Sou curto e grosso
Com as meninas
Outra motivação
Renovação
Empolgação
Dedicação
Respeito
Mas o trabalho aqui
Estagna
Não cresce, não muda, só reproduz o ciclo
Não forma, não avança, só se repete
Os jovens mudam, o conteúdo é cíclico
Incomodo.
61
Cilene Silva Santana.
Eu acredito em Deus e tudo é colocado na hora
certa em nossa vida. Hoje olhando para trás eu
acredito que virei mãe de verdade lá dentro
aprendi a falar não para os meus filhos, eu era
muito permissiva
Foto 6 – Cilene – Acervo pessoal da colaboradora
– Seja bem-vindo a minha humilde residência!
Assim a professora Cilene recebeu – me, com seu peculiar e aconchegante
sorriso no rosto, em seu lar junto de seus filhos e marido. Apresentou os
cômodos e perguntou em qual seria melhor para realizarmos a prosa. A
cozinha foi escolhida para a tal entrevista que a professora tanto esperava.
A prosa seguiu recheada de alegria e embebidos do café da felicidade a
entrevista seguiu sem interrupções que atrapalhassem o desenvolvimento da
mesma. Com ALEGRIA ouvi, senti, interagi e aprendi, aprendi muito.
Amorosa
Lealdade
Energia
Gratidão
Respeito
Inspiração
Autenticidade
62
“Eu acredito em Deus e tudo é colocado na hora
certa em nossa vida. Hoje olhando para trás eu
acredito que virei mãe de verdade lá dentro
aprendi a falar não para os meus filhos, eu era
muito permissiva”.
De Pequena ao Mc Pikeno e Menor. A metamorfose que
vivi, que vivo que continuarei a viver.
Mangaram. Mangaram sim.
Mangar verbo transitivo indireto e intransitivo.
Sofri bullying. Isso contribuiu para a minha me – ta – mor
– fo – se. Rompi a história da Vida Maria em minha
família.
Foto 7 – Cilene – Acervo pessoal da colaboradora
Fui filha única e de mãe solteira durante 17 anos e depois minha mãe casou –
se novamente e teve mais um filho. Minha mãe era analfabeta, assim como os
meus avós que foram responsáveis pela minha criação, mas isso não foi uma
grande dificuldade em minha criação, pois minha família tinha valores e
superávamos todas as dificuldades.
Conquistar uma nota dez não era motivo de receber parabéns, pelo contrário,
como tinha que me dedicar somente aos estudos, eu tinha por obrigação obter
boas notas.
Estudei e fui trabalhar, ainda falando fora do padrão linguístico da região
sudeste e também do esperado para o mundo corporativo. Por sorte tinha uma
chefe que me auxiliava e corrigia sempre que necessário. Por esta razão, eu
quis fazer o curso de Letras, para descobrir em quais situações eu poderia usar
a minha linguagem de mundo.
63
Conclui a graduação, quer dizer quase conclui, não cumpri o estágio, pois
trabalhava em outro ramo que tinha uma boa remuneração e acabei não
levando a sério a possibilidade de ser professora. Mas, a boa remuneração
acabou e queria iniciar na docência, mas sem o estágio cumprido, não poderia.
Tive que retornar ao chão da sala de aula para concluir. Agora sim, com o
diploma poderia lecionar.
Eu me achava inteligentíssima e fiz uma prova para poder dar aula na rede
pública estadual, mas o resultado foi negativo, não passei. Conclusão:
nenhuma escola me aceitava.
Olhando no site da Diretoria de Ensino eu vi que a Fundação Casa estava
precisando de professores. Eu não sabia o que era a Fundação Casa,
perguntei ao meu marido ele disse que era a antiga Febem, então falei que não
iria, ele falou que podia ir e que os professores eram respeitados, com muito
mais vivência do que eu, me explicou como funcionava, pensei seja o que
Deus quiser e fui.
Fui entrevistada e a coordenadora disse que tinha que ter carro, porque não
tinha ônibus. Na época apesar de ter carro eu não dirigia, não tinha prática.
Mas, ela falou que tinha que ter carro, e isso eu tinha. No mesmo dia me levou
para conhecer a unidade, fui ao módulo dos adolescentes e aqueles barulhos
de portões e grades, eu estava me sentindo num filme de terror.
Que a força do medo que tenho
Não me impeça de ver o que anseio;
Que a morte de tudo em que acredito
Não me tape os ouvidos e a boca;
Porque metade de mim é o que eu grito,
Mas a outra metade é silêncio...
Quando cheguei os meninos me observaram, digo que são como um escâner,
porque eles fazem uma leitura do corpo inteiro. Eles certamente viram o medo
estampado em minha cara, aí um deles virou e perguntou: a senhora está em
choque?
64
Eu estava assustada, porque eu vi uma criança toda tatuada, pelo tamanho
aparentava a mesma idade do meu filho uns 12 anos, imaginei meu filho todo
tatuado naquela situação. Sim eu estava realmente em choque, talvez não no
mesmo sentido que ele quis dizer.
Quando, seu moço, nasceu meu rebento
Não era o momento dele rebentar
Já foi nascendo com cara de fome
E eu não tinha nem nome pra lhe dar
Como fui levando, não sei lhe explicar
Fui assim levando ele a me levar
E na sua meninice ele um dia me disse
Que chegava lá O meu guri
Chico Buarque/1981
A minha metaformose maternal ficou latente após o meu ingresso no universo
peculiar dos jovens marginalizados e privados de liberdade. Eu acredito em
Deus e tudo é colocado na hora certa em nossa vida.
A dificuldade nos chacoalha e levei um turbilhão de chacoalhadas, afetivas que
me faziam pensar sobre o ser mãe, laborativas por estar no início da docência
e práticas como aprender a dirigir. De refletir como criar os meus filhos até
aprender a dirigir à força, eu saí do trabalho já estava escuro e em meio a uma
chuva torrencial que até deixei o carro morrer em frente ao posto policial.
Me deparei com jovens de 17 anos de idade que não sabiam ler e fui me
virando, tirei cópia de livros dos meus filhos e ensinava na medida do possível,
pois não sou alfabetizadora e consegui que aprendesse, foi uma satisfação
quando ele saiu e deixou uma carta agradecendo. Vivenciei situações de
rebelião ficando junto aos jovens, mas graças a Deus nunca me fizeram nada,
eu procuro levar para administração só o que foge da sala de aula, pois eu os
vejo como alunos.
Que as palavras que eu falo
Não sejam ouvidas como prece
E nem repetidas com fervor,
Apenas respeitadas como a única coisa que resta
A um homem inundado de sentimentos;
Porque metade de mim é o que ouço
65
Mas a outra metade é o que calo...
Os aprendizados que tenho na Fundação servem também para a minha vida
profissional em outras locais que leciono, também com jovens de periferia.
Então é questão de valores, de respeito que hoje está perdido, se meus filhos
forem para outro lado, tenho certeza que não foi por falta de eu acreditar na
educação, eu procuro ser presente mesmo trabalhando em dois lugares e
continuando meus estudos.
Minha família me apoia em tudo e meu marido é espetacular. Eu acho que não
seria nem a metade, ele me orienta quando chego em casa um pouco
chateada.
Que não seja preciso mais do que uma simples alegria
para me fazer aquietar o espírito
E que o teu silêncio me fale cada vez mais;
Porque metade de mim é abrigo
Mas a outra metade é cansaço...
Meu maior desafio é despertar a vontade de aprender, aquela curiosidade
sabe, mesmo eu sendo muito brincalhona, eu procuro brincar para descontrair.
Eu levo Racionais, Mc Pikeno alguns Funks para a sala de aula, mas não
aqueles que falam de apologia ao crime, só os que passam mensagens e que
a interpretação fica rica. Meu filho me ajuda bastante separando as letras que
acha possível de trabalhar com os alunos, quando ele ouve um funk que não
tem palavrão ele me traz a letra. Eu lembro que quando eu levei algumas
músicas os meninos nem conheciam porque eram novas.
Depois de ouvirem eu peço para fazerem produção textual, quando tem erro de
ortografia ou concordância verbal eles devem corrigir e ver como ficaria, assim
eu desperto a atenção daquele que não quer nada, nem que seja naquela aula.
Que a arte nos aponte uma resposta
Mesmo que ela não saiba
E que ninguém a tente complicar
66
Porque é preciso simplicidade para fazê – la florescer;
Porque metade de mim é plateia
E a outra metade é canção...
E que a minha loucura seja perdoada
Porque metade de mim é amor
E a outra metade... também.
METADE – Oswaldo
Despertar a vontade de aprender neles e nelas é melhor que qualquer dez
reais por aula que o governo me paga.
O nosso acesso é restrito, o processo é só aumentar
Vamô chegar, mudar, pra revolucionar
Racionais está no ar, e o RAP também tá
Em qualquer lugar, onde a mensagem vá
Sei que um Aliado mais um? vou resgatar!!!
O nosso acesso é restrito, o processo é só aumentar
Vamô chegar, mudar, pra revolucionar
Racionais está no ar, e o RAP também tá
Em qualquer lugar, onde a mensagem vá
Sei que um Aliado mais um?vou resgatar!!!
Tá na chuva – Racionais
67
Ester Alves
Eu tenho prazer de falar do meu trabalho na
Fundação, eu gosto de falar, da minha pouca,
mas grandiosa experiência na Fundação
Foto 8 – Ester – Acervo pessoal da colaboradora
Estelita.
Estrela que brilha a educação de meninas e meninos. Conversamos em uma sala na
escola vinculadora e não tivemos interrupções a entrevista seguiu num clima muito
amistoso e sereno com a Ester relatando sua vida, vínculo com o espaço escolar e amor
à área educacional. Estelita prefere e sempre é chamada de Ester.
Há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas.
Escolas que são gaiolas existem para que os pássaros desaprendam a arte do vôo.
Pássaros engaiolados são pássaros sob controle. Engaiolados, o seu dono pode levá – los
para onde quiser. Pássaros engaiolados sempre têm um dono. Deixaram de ser pássaros.
Porque a essência dos pássaros é o vôo.
Escolas que são asas não amam pássaros engaiolados. O que elas amam são pássaros em
vôo. Existem para dar aos pássaros coragem para voar. Ensinar o vôo, isso elas não
podem fazer, porque o vôo já nasce dentro dos pássaros. O vôo não pode ser ensinado.
Só pode ser encorajado.
Gaiolas ou Asas:
A arte do voo ou a busca da alegria de aprender
Rubem Alves
68
“Eu tenho prazer de falar do meu trabalho na
Fundação, eu gosto de falar, da minha pouca, mas
grandiosa experiência na Fundação”.
Estelita. Ester. Estrela
O brilho do trabalho
Do brilho nos lares
Da minha casa, da casa dos outros
Pega – pega, esconde – esconde,
corda e rouba bandeira
Tudo se misturava em minha infância
Lápis, caderno, chiclete, pião
Sol, bicicleta, skate, calção
Esconderijo, avião, correria, tambor, gritaria, jardim, confusão
Bola, pelúcia, merenda, crayon
Banho de rio, banho de mar, pula cela, bombom
Tanque de areia, gnomo, sereia, pirata, baleia, manteiga no pão
Giz, merthiolate, band – aid, sabão
Tênis, cadarço, almofada, colchão
Quebra – cabeça, boneca, peteca, botão, pega – pega, papel, papelão
Criança não trabalha, criança dá trabalho
Criança não trabalha
Palavra Cantada
Na adolescência mais trabalho
Sinal. Crianças correndo para lá e para cá
Na sala já ajudava a alfabetizar
Minha mãe era responsável pelo brilho nos lares
Segunda a segunda
Comecei a ajuda – la
Brincar de escolinha já não era possível
Infância, adolescência, escola, faxina
Um mix de experiências e sensações
Frustrações? Algumas.
Primeiro registro, primeiro grande amor
Passei em concurso, voltei a estudar
69
Supletivo e conclui o ensino médio
Trabalhando, mas infeliz
Pedagogia fui fazer
Pobreza, miséria, riqueza, ostentação
De tudo vivi e conheci
Até começar a ensinar jovens
Fui trabalhar com meninas em privação de liberdade
Primeiro dia.
Tremia, tremia.
Me apresentei logo em reunião matinal
Tremia, tremia.
Me afoguei no trabalho
Família se afogou junto
Só vivia Fundação
Sufoco.
Deboche delas
Sou – Negra
Meu – Nome
Minha – Altura
Sou – Melosa
Na verdade, tinham medo de se aproximar
De uma pessoa carinhosa.
Ampliando os horizontes e o trabalho
Meninas e meninos
Universos iguais e diferentes
Menino danado
Trabalho dobrado
Livro riscado
Resisti, permaneci.
Vida que segue
Menino danado saiu
Outros vieram
Outras experiências
Outros trabalhos
Muito trabalho
Meu filho, ah meu filho
Que falta fazia na vida dele
Anos se passaram e volta o menino danado
70
Quase um homem, já pai de família
Responsável e não mais danado
Lembrava de mim e pediu desculpas
Eu aprendi
Aprendo muito a cada dia
Revejo meus conceitos
Melhoro enquanto mãe
Avanço como ser humano
71
Luiza Virgílio
Gosto bastante de dar aula para eles... muitas
vezes, você tem que ser o professor, a mãe, a
tia
Foto 9 – Luiza – Acervo pessoal da colaboradora
A Luiza tem gênio forte, forte como a sua vontade de fazer o bem àqueles meninos da
antiga Febem. A Luiza foi o ponto zero desta pesquisa, a primeira entrevista realizada
e que contribuiu imensuravelmente para eu melhorar a minha conduta nas demais
entrevistas.
Conversamos na escola vinculadora por poucos, mas intensos minutos. Memórias,
lembranças, choros e risos, sensação de trilhar o caminho certo. Algumas das percepções
deste memorável encontro.
72
“Gosto bastante de dar aula para eles... muitas
vezes, você tem que ser o professor, a mãe, a tia”.
Uai. De Minas sou.
A terceira, raspa do tacho
Família humilde
Mudanças
Pai dava o brilho no hospital
Mãe em casa de família
Infância serena
Brincadeiras, ah! brincadeiras
Gangorrá e futebol
Estudando bastante
Escola de todos e para todos
Mãe passou a dar brilho em escola privada
Eu ganhei o Ensino Médio
Fiz cálculos, muitos.
Me formei, trabalhei... trabalhei
Mãe foi dar brilho no céu
Ruptura
Nó
Silêncio
.
Felicidade foi se embora
E a saudade no meu peito ainda mora
E é por isso que eu gosto lá de fora
Porque sei que a falsidade não vigora
Felicidade
Maria Bethânia
73
Trabalhei, trabalhei!
Casei
Engravidei
Fiz mais cálculos
Pai. Meu pai, meu pãe
Meu pai e minha mãe
União, família, respeito
Fundaram a Fundação
Comecei a docência
Professor, “sois o sal da terra e a luz do
mundo”.
Sem vós tudo seria baço e a terra escura.
Professor, faze de tua cadeira,
a cátedra de um mestre.
Se souberes elevar teu magistério,
ele te elevará à magnificência.
Tu és um jovem, sê, com o tempo e
competência,
um excelente mestre.
Meu jovem Professor, quem mais ensina e
quem mais aprende?
O professor ou o aluno?
De quem maior responsabilidade na classe,
do professor ou do aluno?
Professor, sê um mestre. Há uma diferença
sutil
entre este e aquele.
Este leciona e vai prestes a outros afazeres.
Aquele mestreia e ajuda seus discípulos.
74
O professor tem uma tabela a que se apega.
O mestre excede a qualquer tabela e é sempre
um mestre.
Feliz é o professor que aprende ensinando.
A criatura humana pode ter qualidades e
faculdades.
Podemos aperfeiçoar as duas.
A mais importante faculdade de quem ensina
é a sua ascendência sobre a classe
Ascendência é uma irradiação magnética,
dominadora
que se impõe sem palavras ou gestos,
sem criar atritos, ordem e aproveitamento.
É uma força sensível que emana da
personalidade
e a faz querida e respeitada, aceita.
Pode ser consciente, pode ser desenvolvida na
escola,
no lar, no trabalho e na sociedade.
Um poder condutor sobre o auditório, filhos,
dependentes, alunos.
É tranquila e atuante. É um alto comando
obscuro
e sempre presente. É a marca dos líderes.
A estrada da vida é uma reta marcada de
encruzilhadas.
Caminhos certos e errados, encontros e
desencontros
do começo ao fim.
Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende
o que ensina.
O melhor professor nem sempre é o de mais
saber,
75
é sim aquele que, modesto, tem a faculdade de
transferir
e manter o respeito e a disciplina da classe.
Elevar – Cora Coralina
Os ante...
Apaixonante
Desafiante
Gratificante
Emocionante
Os ões...
Cartões, declarações
Congratulações
Rebeliões
Frustrações
Professora
Mãe
Enfermeira
Psicóloga
Ouvinte
Difícil resolver equações
Equação da vida juvenil
Equação da fórmula DES
Des – amparada
Des – assistida
Des – esperançada
Orgulho tenho sim
Olimpíadas
Participações e classificações
76
Orgulho em meio a escuridão
Afetos e elos
Sabonetes
Bombons
Cartas
Respeito
Energia que move
Roda gigante
Ensina, roda
Começa do zero
Ensina, roda
Começa do zero
E do zero fazemos as somas
Crescemos e avançamos
Novos jovens, jovens novos
E assim prosseguimos.
77
Maria Lala
Eu sou assim, traço a meta e eu chego
Foto 10 – Maria Lala – Acervo pessoal da colaboradora
Maria Lala, como gosta de ser chamada pelos amigos é uma
pessoa que gosta de prosa. Conversamos muito, sobre tudo. Na
sala administrativa do Centro de Internação Lala narrou desde
a infância até o momento maternal que vive. Família é um dos
elos que mais representam essa guerreira.
78
“Eu sou assim, traço a meta e eu chego”.
Nasci assim, vencendo
Três não conseguiram
Sobrevivi, a primogênita
Com braços fortes, trabalho duro
Trabalhando com papai
Com cadernos e livros
Madrugada, tijolo e calor
Vassoura e mamadeira
Madrugada, tijolo e calor
Vassoura e mamadeira
Com cadernos, livros e bullying
Sem cadernos e livros
Já não queria mais
Já não podia mais.
Frustração e profunda tristeza
Mudamos da roça
O bullying aumentou
Nome feio e caipira do mato
Com enxada na mão
Livro no coração
Não foi fácil não
Trabalho de dia
Escola a noite
Bebidas e cigarros
As tribos e seus costumes
O bar, o revólver, o bilhar
Imagina se eu contar
79
Melhor trabalhar
Namorar nem pensar
Só depois de casar
Bebia e resistia
No escritório comecei
Ordens eu dei
Mamãe não trabalhará mais
Todos aqui vão ter que trabalhar
E também economizar
Para a nossa vida mudar
Namorei, noivei,
Separei, voltei, casei
Continuei batalhando
Estudei enfermagem,
Gosto de cuidar,
do outro, da outra
da minha preciosa
minha filha nascera
Aprendi lutar na ribeira
Vender e trocar lá na feira
Ser fiel e ser companheira
ser sambista por brincadeira
Dançar e cantar, ser faceira
Amar e sonhar na ribeira
Pelo céu e o mar na certeza
Que a beleza é mais
O amor me satisfaz
É bonito ser querida
No que faço sou capaz
Nos combates desta vida
Nos lugares onde fui
80
Sou a razão da alegria
Quem sabe amar traz a luz
O sonho e a fantasia
Nos Combates Desta Vida
Maria Bethânia
Trabalho e estudo
Cabelos e lar de idosos
O ensino médio
Quero mais!
Quero a faculdade de Letras
A docência como substituta
Na educação infantil
Projetos e aprendizados inúmeros
A Fundação
O que é isso?
Vamos à entrevista
Preciso trabalhar
Dos mais tranquilos
Aos mais perigosos
Da calmaria à rebelião
Da arte à escuridão
Da beleza à indelicadeza
De tudo passei, passo e passarei
Barulho, gritaria, cadeiras voadoras
Sozinha na sala – medo
Reclamei cedo
Brotam dois jovens – estranhos
Porta esmurrada,
segurança xingado
Deus do céu
Proteja – me.
81
Tudo se resolveu
No trabalho,
na vida,
no amor.
Sou avó! Amo.
82
Maria Neuda
Sou insistente, eu não desisto no primeiro
obstáculo
Foto 11 – Neuda – Acervo pessoal da colaboradora
Neudinha como é conhecida pelos amigos me recebeu em seu sobrado junto de seu filho
e filhas. Conversamos um pouco para e relembramos nossos momentos de atuação.
Neuda foi a professora que me ensinou muito sobre a docência para jovens e jovens em
conflito com a lei, sou tão agradecido por isso, inclusive a chamava de mãe, um dos
primeiros elos. Depois das recordações, veio a entrevista formal. Sentados na sala e já
sem os filhos por perto, coloquei o gravador sobre a mesa e uma câmera sobre a estante.
Diga me sobre sua história. Timidamente a professora começou e não sabia se pela
infância ou pela Fundação.
83
“Sou insistente, eu não desisto no primeiro
obstáculo”.
Ce-a-ren-se. Sim!
Éramos seis mais dois ou dois mais seis.
Pobreza sim, miséria não.
Família, linda, maravilhosa.
Mamãe ensinava,
Papai plantava.
Mamãe ensinou amar,
Amar o próximo,
Papai ensinou a plantar,
Plantar coisas boas.
Um guerreiro sem espada / sem faca, foice ou facão /
armado só de amor / segurando um giz na mão /
o livro é seu escudo / que lhe protege de tudo /
que possa lhe causar dor / por isso eu tenho dito /
que tenho fé e acredito / na força do professor /
ah, se um dia os governantes / prestassem mais atenção /
nos verdadeiros heróis / que constroem a nação /
ah, se fizessem justiça / sem corpo mole ou preguiça /
lhe dando o real valor / eu daria um grande grito /
tenho fé e acredito / na força do professor /
porém, não sinta vergonha /não se sinta derrotado /
se o nosso país vai mal / você não é o culpado /
nas potências mundiais / são sempre heróis nacionais /
e por aqui sem valor / mesmo triste e muito aflito /
tenho fé e acredito / na força do professor /
um arquiteto de sonhos / engenheiro do futuro /
84
um motorista da vida / dirigindo no escuro /
um plantador de esperança / plantando em cada criança /
um adulto sonhador / e esse cordel foi escrito /
porque ainda acredito / na força do professor.
Homenagem aos professores – Braulio Bessa
A vida. Ah! A vida ensino a valorizar,
Valorizar as coisas boas que tinha aprendido.
Tropeços, percalços, dificuldades,
sempre ultrapassadas com garra.
Viajar para estudar.
Arneiroz – Tauá
Ajudar em casa.
Madrugar
Estudar
Be-a-bá
Tabuada
Vou estudar, vou estudar!
Colegial findou
O desejo por mais latente
Mudança decorrente
Ceará-São Paulo
Verão de 1983
Trabalho, estudo
Mais trabalho e namoro
Casamos!
A faculdade
O sonho realizado
Meu e dos meus pais
A-le-gria. A-le-gria.
85
Desafio.
Estudo e trabalho
A educação
Professora substituta
Alberto Bacan
Soinco II
Ensinar, o que?
E agora?
Filhos
Desafios?
Inúmeros!
Perseverança.
Família.
Formada.
Desafio!
Fundação
Estadual
Do Bem-Estar
Do Menor
FEBEM
Medo
As ...ências
Carência
Persistência
Irreverência
Insistência
Paciência
Desafio
Fogo, corre, sai
86
Fica, vai, vem
Vermelho, preto
Escuridão.
Febem – Fundação
Transição – Inovação
Segurança – Esperança
SocioEducação !!!
Ato não interessa
Educação é meu papel
Julgamento deixo para os outros
Quem sou eu?
Ser humano!
Desafio
Respeito – de ingual senhora
Problema nunca tive,
Igualdade e humildade
Re-ci-pro-ci-da-de
Dignidade!
Desafios
Tudo junto e misturado
Lé sem cré
Cré com lé
Salada na sala
Novos e velhos
Multisseriado
Precariedade
Piedade
Por falar em piedade
Deus. Falo Dele para eles
Ouvem, refletem e agem
87
Faz sentido, provoca
Indaga, questiona, balança
Tento sempre de todas as formas.
Eles são seres humanos, a gente tem que acreditar que eles vão
mudar. Eu garanto para você, o meu ego está lá em cima
porque eu tento, eu tento, não está em cima porque eu consegui,
mas porque eu tentei, eu sei da minha importância e isso eu falo
sem medo de ser feliz.
88
Mateus Fernandes dos Santos
Na capoeira fiz vários amigos, fiz faculdade
graças à capoeira, tem pessoas que são como
irmãos que conheço há quinze anos
Foto 12 – Mateus – Acervo pessoal do colaborador
Correria, para lá e para cá. Difícil conversar com o professor Mateus.
Agendas lotadas de trabalho. Mas conseguimos. Ele estava curioso sobre
como seria a conversa, afinal outros colegas já tinham dialogado e pouco
tinham compartilhado.
Entre uma aula e outra, em poucos metros quadrados, em meio ao ar
sombrio na sala de revista, conseguimos conversar e pude apreciar com
sensibilidade o jogo jogado e o gingado narrado na história de vida do
professor por Mateus.
89
“Na capoeira fiz vários amigos, fiz faculdade
graças à capoeira, tem pessoas que são como
irmãos que conheço há quinze anos”.
Família humilde e digna.
Mainha sempre determinada
Plantou, limpou, lavou, passou. Sustentou sozinha.
A base de tudo. A única.
Eu sempre em contato com a natureza.
Mudou. Mudamos
Do calor à terra da garoa
Madeira com madeira
Paredes e teto
O abrigo
Quando eu aqui cheguei
Não sabia o que fazer
Então achei o berimbau
E dessa fonte fui beber
Fui beber sabedoria
Que o meu Mestre me ensinou
Quando eu vim da Bahia
Colega velho, Cidade de Salvador...
Onde tem capoeira eu quero jogar
Eu vim da Bahia, eu volto pra lá
Onde tem capoeira eu quero jogar
Salve salve a Bahia e os Orixás
Onde tem capoeira eu quero jogar
Pego o meu berimbau e começo a tocar
Vinícius Heine
O errado ao lado
Eu crescendo,
O erro se aproximava
cada vez mais,
Esquiva, Aú, Benção
A minha defesa
Deus! O meu amparo
No mato rasteiro fiz
90
Amigos..
Amores...
Estudo...
Profissão...
Minha vida
Amigos que se foram
Outros que permanecem
Amores. Amor.
A faculdade.
O trabalho digno e,
a vida mais importante – Zion
São três letras apenas
As desse nome bendito:
Também o céu tem três letras
E nele cabe o amor infinito
Para louvar o Nosso Pai
Todo bem que se disser
Nunca há de ser tão grande
Como o bem que ele nos quer
Palavra tão pequenina,
Bem sabem os lábios meus
Que és do tamanho do CÉU
E apenas menor que Deus!
PAI, três letras apenas –
Adaptação de Mãe... São três letras apenas
de Mario de Miranda Quintana
Foto 13 – Mateus e Zion – Acervo pessoal do colaborador
Estudando e trabalhando
Distante do mundo
Recompensa – a formatura
A conclusão de uma etapa
A vitória
Mais uma conquista.
91
Convivência
Axé
Paz
Oferta
Equilíbrio
Igualdade
Reflexão
Afeto
Jogando na roda da vida
Entrei na Fundação
Tenso. Jogando, gingando!
Ensinando meninos e meninas
Vai e vem, contratos e contratos.
A biologia entra em cena.
Sem experiência de aula,
Com vivência no mato rasteiro e,
Experiente em jovem da periferia,
Minha própria vida.
E depois que eu comecei a trabalhar na
Fundação, comecei a conversar com vários
adolescentes, meninos e meninas, fui
conhecendo as histórias. Às vezes eles se
abrem pra gente, contam algumas histórias de
vida e a gente vai vendo que a gente pode
fazer uma diferença nessas vidas, mesmo que
seja mínima.
Convites outros surgiram
Permaneci. Resisti. Insisti.
Emoção a flor da pele
Histórias e histórias
A minha. Deles e delas
Fome, miséria, abandono
Cotidiano juvenil
Sofre de lá
Lembro e sinto de cá
Narrando de lá e chorando de cá.
92
Experiências e sensações
Do exercício da docência
Do experienciar da vida.
93
Sinhá Oliveira
Eu acredito na transformação do ser humano
Foto 14 – Sinhá –Acervo pessoal da colaboradora
Essa amiga que muito entende de Febem e de Fundação Casa. Conversamos
na escola vinculadora, ela grávida e já com leve barriga de gestante e
irradiando alegria. A conversa durou mais de uma hora. Aprendi muito com
Sinhá quando fomos coordenadores pedagógicos e tenho uma eterna
gratidão e apreço por ela.
Foto 15 – Entrevista com Sinhá – Willian Lazaretti.
94
“Eu acredito na transformação do ser humano”.
Javi Fontes é minha cidade, cidade?
Povoado na região centro-oeste da Bahia
Cotegipe
Ibotirama
Barreiras
Cristópolis
Ah minha Bahia, Bahia minha. Amo.
Mainha ficou grávida,
História estranha
Rejeição.
O parto, um parto, o parto
Difícil. Resisti. Nasci.
Sobrevivi!
Pai, mãe e cinco irmãos.
Irmão para lá e para cá,
Eu, cá com meu pai.
A-fe-ti-vi-da-de
Vínculo inexplicável.
Acolá também, sem rumo pelas estradas da vida
Do álcool. Da casa. Do lar.
Da briga. Do amor. Da resistência.
Partida. Ruptura. Ausência.
A escola tardia
Juventude rebelde
Bailar era minha vontade
Mudar de moradia
Liberdade é uma palavra que o sonho humano
alimenta, não há ninguém que explique e ninguém que não entenda.
Romanceiro da Inconfidência Cecília Meireles
Logo, acolá com minha irmã.
Vou-me embora
Acolá é tão grande
Imensidão de pedras
Multidão
95
Namorado.
Retornar não quis
Não. Não. Não.
Rezas, choros e lamentações
Resistência, pulsação, coração
Afeto, ousadia e paixão.
Casório prematuro
Amor – Amanda – Família
Criança nascendo
crianças cuidando
persistência
Criança cresce
Adolescente amadurece
Escola – Criança – Família
E agora?
Entre trancos e barranco
Na suplência segui e conclui
E mais. Queria mais!
Viva ao prof. Joanes
Inspirador e orientador.
Faculdade sim
Demissão
Agora tô bonita
E outro trabalho preciso
Salgados para me transportar
Sobrevivi!
Transportei – me até a Febem
Histórias e aprendizados
Filme?
Guerras, tumulto
Rebeliões e rebeliões
Traumas
Sobrevivi!
Convites vieram
Mudanças
Unidade
Função
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Responsabilidade
Gestão Compartilhada
Resistência dobrada
Sobrevivi!
Interrupção
Madrugadas
Viagens
Doces, salgados para sobreviver
Apreensões
Sobrevivi!
À Fundação retornei
A coordenação assumi
Desafios venci
Maternidade latente com jovens
Referência positiva
Responsabilidade. Vidas. Reconstruções.
Sobrevivi!
Sobreviver chama – se manter luta contra a vida que é mortal.
O ovo e a galinha
Clarice Lispector
97
Walnir Rodrigues
Se for pra desistir, desista você, eu não vou
desistir de você não
Foto 16 – Walnir –Acervo pessoal do colaborador
Conversamos quase uma hora na sala do diretor. Câmera e gravadores a
postos e o professor pronto para um diálogo amistoso. Começamos! Apesar
do elo incipiente ainda em fase de consolidação, o professor Walnir narrou a
sua trajetória de mudanças, descobertas e conquistas. E me marcou com a
sua humildade e com seu ato de esperançar.
98
“Se for pra desistir, desista você, eu não vou
desistir de você não”.
Família dos 7 irmãos
Pais católicos, eu sem obrigação
Aproximação entre todos
Fácil não, mas desistir jamais.
De Guarulhos para o Brasil.
Fazendas, terra, vida, natureza
Família, gincana, alegria
Do Brasil para Guarulhos
Cresci brincando, o bairro cresceu
Crescemos.
Com a grandeza, o trabalho
Com o trabalho a não-escola
As amizades, o rock. O rock.
Cabelo grande vamos ao show
Vamos mina, terá um show de rock
Chegamos? Tá certinho amigo esse lugar?
Igreja Renascer em Cristo
1.500 pessoas cantando
O que é isso?
Toca, causa arrepio.
Foi na hora certa
Responsabilidade batendo à porta
Seriedade tomando seu lugar.
Uma missão coroada de paz
Alicerçada nas mãos
Do supremo criador.
99
No coração exalava o amor
Incompreendido na terra,
A estrela da manhã
O início do conhecimento
Conhecimento nunca é demais
Conheci algumas igrejas
Mudei, mudaram, mudamos
Construí conhecimento e inovei
Religião, religiosidade
Desconfiei até de Deus
da sua existência
Religião que segrega, que separa
que distância.
Mesmo sofrendo ele não reclamou,
Olhou pro céu e pediu pela humanidade.
Naquela cruz o herói dos heróis
Venceu a morte e levou ou! Ou!
Sobre si os meus pecados.
Casei, virei pai.
Que prazer, que sensação indescritível.
3 = 18, 17, 4
Com o suor veio o sustento,
Aeroporto, motorista
Pesquisador e operador
Professor!
Sempre atento.
Ele deixou sua glória no céu,
Veio revelar a luz, do sol da justiça.
Ele ensinou a verdade e o amor,
100
Provou do beijo da morte,
Se entregou em meu lugar.
Mesmo sofrendo ele não reclamou,
Olhou pro céu e pediu pela humanidade,
Naquela cruz o herói do heróis venceu a morte e levou,
Sobre si os meus pecados.
Psicologia, Sociologia,
Teologia, vida
Um mix de aprendizados
Um turbilhão de sensações
Deus sabe o que faz.
No coração exalava o amor incompreendido na terra,
A estrela da manhã.
Comecei há pouco
Logo de cara, aqui e acolá
Dando aula para os jovens,
Privados e não privados
Fantástico!
Deus sabe o que faz.
Ensino na escola
Ensino para a vida
Ensino o que sei
Amo ensinar.
Ensinar ara jovem em privação
É ligar com as diversas facetas da (des)humanidade
Jovem, adulto,
oprimido, opressor,
101
“eu acredito na recuperação de nove jovens a cada dez. Eu
acredito na possibilidade que cabe a nós de dar uma segunda
chance, então para mim é o espírito verdadeiramente de quem
leciona, deve ser isso, um espírito de missão”.
A minha missão
Contempla a doação
Me doar à igreja
Aos que precisam
Aos que posso ajudar.
Um olhar, uma escuta,
Uma fala, um diálogo,
um abraço com o coração.
Compreensão.
Na Fundação é assim
De caneta que vira revólver
De cabeça que vira alvo
Da grade que vira galho
Quarenta minutos
Quarenta anos
Eternidade de uma prova
Humildade e Resistência.
Mesmo sofrendo ele não reclamou,
Olhou pro céu e pediu pela humanidade,
Naquela cruz o Herói dos heróis venceu a morte e levou,
Sobre si os meus pecados.
Herói Dos Heróis
Novo Som
102
2 – Capítulo II: Reencontros
Os elos estabelecidos com cada uma dessas professoras e cada um desses
professores, fizeram com que a escrita desta tese transcendesse o ato de pesquisar sobre
pessoas, lugares, mas pesquisar com. Nesse sentido, foi criado, intencionalmente, um
“Grupo” compreendido como comunidade de trabalho que “se constitui em torno de
objetivos comuns que ultrapassam a ordem pessoal, situam e se enraízam em
compromisso com construção de uma sociedade justa que garanta iguais direitos e
tratamento diverso para diferentes condições, circunstâncias”24.
Do ano da entrevista – 2013 – até os reencontros – 2015/2016 e 2017, muita
coisa aconteceu em nossas vidas, mas o elo não foi rompido. As redes sociais
favoreceram a aproximação e conseguíamos acompanhar os passos, tropeços e as
conquistas de cada um de nós.
O estilo de vida por nós adotado – algumas vezes com dupla ou tripla jornada de
trabalho – dificulta que tenhamos mais reencontros, a semana é tomada pelas atividades
de trabalho e os finais de semana são divididos entre compromissos familiares e um
pouco das atividades inerentes à docência, como planejar aulas, corrigir atividades ou
até mesmo preencher diários. Nessa dinâmica, conquistar todos os reencontros tornou –
se difícil e com alguns/as professores/as somente foi possível agendar no período de
férias escolares.
O reencontro com Ana Luiza foi em um domingo, onze de outubro de dois mil e
quinze. Manhã cinzenta e abafada. Pedi
ao porteiro que avisasse sobre a minha
chegada. Deu – me algumas instruções e
pediu que entrasse. Logo avistei a Analu
que vinha ao meu encontro com um
sorriso no rosto – “Venha cá, dê – me um
abraço meu querido...” foram as suas
palavras de boas–vindas. Subimos,
proseamos e logo descemos e fomos
comprar pão enquanto ela me
apresentava as lojas do bairro Cecap. Voltamos, tomamos café com direito a um
24 Silva e Araujo-Oliveira (2004).
Foto 17 – Reencontro com Analu –
Willian Lazaretti.
103
maravilhoso pão semi-italiano. Conheci seus cachorros e sua amiga Regina, uma amiga
muito próxima que lá chegou após o nosso café.
No momento da leitura da textualização houve muita emoção, Analu estava
agarrada em minhas mãos e as lágrimas escorriam em seu rosto. Em seguida, ainda
extremamente banhada em um sentimento de amor, pediu que eu fizesse a leitura da
transcriação. Queria logo mostrar para seu filho que a visitaria em breve. Perguntei se
havia gostado e se tinha alguma passagem que gostaria de alterar. Ela disse que não e
que estava muito feliz por ter a história da vida dela escrita com tantos detalhes.
No mesmo dia, fui ao reencontro com Abenilda. A ansiedade que no momento
da entrevista dominava a Abenilda agora estava em minha companhia. Será que ela vai
gostar? Abenilda me recebeu em seu lar junto de um filho. A prosa começou com o que
havíamos feito depois de nosso último encontro, as minhas mudanças e as mudanças
dela, o que vinha acontecendo na Fundação e como ela vinha contemplando o descanso
parcial obtido pela aposentadoria.
Depois de pôr a prosa em dia, eu retomei as etapas da pesquisa. Apresentei o
texto transcriado e perguntei se ela gostaria de ler ou se preferia que eu fizesse a leitura.
Ela pediu que eu lesse. Senti-me honrado e comecei a leitura da textualização e ao
finalizar indiquei que leria a transcriação. Suspiros, sorrisos e comentários sobre as
experiências. Disse-me que gostou muito e que mostraria a sua história aos filhos e
parentes, que não mudaria nada, encadernaria e faria uma pasta muito bonita para
guardá-la. Por fim, apresentei o termo de
consentimento livre e esclarecido e a carta
de cessão. Abenilda ainda me disse que
depois da entrevista, em visitas que fizera
à sua cidade natal, descobriu que o seu tio
era na verdade seu pai, como ela
desconfiava.
Foto 18 – Reencontro com Abenilda – Willian Lazaretti.
No dia 22 de julho de 2016, foi a vez de reencontrar com Sinhá, Cícero e Ester.
Comecei o dia indo à casa da Sinhá, que por sinal é próxima aos CI onde trabalhamos
juntos. Chegando lá, conheci o esposo que estava trabalhando na oficina – que fica em
frente à casa – convidou – me a subir e logo encontrei Sinhá com seu filho pequeno e
duas filhas já maiores, uma delas – Amanda – estava saindo com o carro para ir à casa
da avó andar de patins, por ser uma rua sem saída.
104
Enquanto organizava os textos para leitura, Sinhá preparava um bolo de cenoura
que havia prometido fazer quando eu a visitasse. Sinhá bateu a massa, falamos dos
empregos e das dificuldades de trabalhar na área educacional – escolar pela falta de
formação continuada e dos desafios que ela enfrentava enquanto coordenadora
pedagógica na rede estadual de educação. Depois da massa pronta, ela sentou – se ao
meu lado e pediu que eu fizesse a leitura. Aos poucos, eu via no olhar dela as emoções
de cada passagem de sua história e quanto lutou para conquistar seu espaço. Fiz a leitura
da textualização e da transcriação e não alteramos nenhuma passagem da narrativa,
Sinhá gostou de ter sua história escrita.
Estávamos degustando o bolo, quando a cunhada dela ligou e disse que a
Amanda tinha caído e machucado o braço, que levariam ao hospital. E a correria
começou, rapidamente guardamos o notebook, termos, histórias e, como a Amanda
tinha ido com o carro deles, eu acabei por levar Sinhá e o marido até a casa da avó. Já
havíamos finalizado as papeladas e o bolo, mas ainda não tínhamos tirado uma foto,
registro que gostaria de ter feito com todas/os professoras/es.
Depois de leva-los, fui ao Shopping Parque Maia encontrar com Ester em uma
cafeteria. Ester chegou com uma amiga, conversamos de tudo um pouco, trabalho, vida
amorosa e sobre filho que a época da entrevista estava em uma fase comportamental um
tanto quanto complicada, mas que
agora já estava bem.
A professora Ester estranhou não ter
mencionado na entrevista que seu pai
havia falecido e complementou
dizendo como foi a experiência na
época. Ela contou que apesar de a
categoria docente a qual ela pertencia
permitir apenas dois dias de licença
de luto, a equipe gestora permitiu que
ela se ausentasse por quatro dias.
Foto 19 – Reencontro com Ester – Willian Lazaretti.
Logo depois da conversa com a professora Ester, conversei com o professor
Cícero que já na chegada nos fez rir com seu jeito engraçado de falar das coisas e da
105
vida. Cícero ao ser indagado se preferia receber alfajor ou chocolate como
agradecimento por ter participado, disse que nem sabia o que era alfajor e, portanto, o
chocolate estava de bom tamanho.
No dia da entrevista com o
Cícero, logo que desliguei o gravador,
ele virou para mim e disse: a minha
história serve para alguma coisa?
Respondi que sim, que a história dele
e demais professores no individual e
no coletivo tinham uma força e
representatividade que precisava
ganhar a zona de visibilidade.
Foto 20 – Reencontro com Cícero – Willian Lazaretti.
O Cícero optou pela minha leitura de seu relato e enquanto eu li pareceu-me que
ele havia retornado a cada um dos lugares onde viveu, trabalhou, estudou. Ele estava
comigo e ao mesmo tempo vagando pelos diferentes espaços citados na entrevista. Ao
terminar a leitura, perguntei se ele gostaria de alterar alguma passagem ou
complementar, mas não houve tal necessidade, então pedi que assinasse o termo de
consentimento livre e esclarecido. Ester e Cícero, depois da conversa, queriam sair para
tomar um chope, mas eu tinha de retornar a São Paulo dirigindo e não pude acompanha-
los, mas tomamos um café para conversarmos
um pouco e darmos boas risadas.
No dia 26 de outubro foi dia de
reencontrar com Walnir, Mateus e Neuda.
Neste dia era para ter conversado com as
professoras Luiza, Carla e Maria Lala, mas
por questões de agenda e problemas
familiares, tivemos de remarcar a data.
Foto 21 – Reencontro com Walnir – Willian Lazaretti.
Comecei por visitar Walnir em sua casa, acolhido por ele e sua esposa, logo
estávamos tomando um café. Conversamos sobre política, pois ele havia se candidatado
a vereador e discutíamos (lamentávamos) as dificuldades que o município enfrentava,
mesmo sendo um dos mais ricos do Estado de São Paulo.
106
Retomamos os textos e fiz a pergunta de praxe, se ele gostaria de ler ou se
quisesse eu fizesse a leitura, ele preferiu ler. Enquanto lia, comentava as passagens e
lembrava-se de outras situações que vivenciou após o momento da entrevista, mas que
gostaria de contar. Uma delas tem relação com o trabalho com jovens em situação de
risco. Walnir trabalhou como coordenador de um abrigo onde aconteciam diversas
situações de violência e o qual estava próximo ao tráfico de drogas; neste lugar, as
crianças e os adolescentes estavam totalmente à mercê da criminalidade. Ele encarou a
situação como um desafio e venceu. Teve de discutir com traficante para mostrar que a
autoridade daquele espaço era dele e que seu desejo era proporcionar outras
possibilidades de trilhas para aquelas crianças e jovens, trilhas que estiverem distantes
de qualquer ato infracional. De certa forma, a conversa com o traficante poderia até
fazer com que ele refletisse sobre a condição que o levou àquela situação e se realmente
desejava o mesmo àquelas. Mais uma batalha vencida.
Parti para a casa do Mateus, que era próxima, mas do outro lado da rodovia.
Chegando lá, Mateus prendeu o cão que latia compulsivamente com teor de curiosidade
e me recebeu sozinho, pois o Zion, seu filho, estava sob cuidados da avó. Na época da
entrevista, 2013, Mateus estava separado, mas pouco tempo depois da nossa conversa, o
casal reatou. Apesar de já saber da notícia pelas redes sociais, fiquei feliz em ouvir e vê
– lo dar a notícia com brilho nos olhos e sorriso no rosto. Neste dia, a esposa estava
trabalhando no litoral e retornaria somente no final de semana, por isso não a conheci.
Expliquei a dinâmica do reencontro no que dizia respeito à burocracia, leitura, termo de
consentimento e esclarecido. Mateus
preferiu fazer a leitura e seguiu por ela com
os olhos marejados. Ele fez uma correção na
passagem de sua mãe pela Bahia e, depois
de fazer a correção, prosseguimos na leitura
da transcriação, momento que ele me
perguntou se poderia ficar com os textos,
pois havia gostado muito de ter a sua
história ali registrada. Disse que ficaria e
que enviaria o arquivo com a correção da
passagem que ele havia solicitado.
Foto 22 – Reencontro com Mateus – Willian Lazaretti.
107
Em seguida, ele me mostrou alguns animais dos quais cuida e como Zion o
ajuda; falamos dos grupos de capoeira, pois, com tom de pesar, ele me disse que havia
saído recentemente do grupo em que ficou boa parte da vida.
Na capoeira fiz vários amigos, fiz faculdade graças à capoeira, tem
pessoas que são como irmãos que conheço há quinze anos. Eu iniciei
na capoeira com treze anos, queria iniciar antes, mas minha mãe não
deixava, pois ela via capoeira na Bahia e via de uma forma diferente,
ela achava que seria da mesma forma. Aos treze anos eu fui entrando
na capoeira meio que escondido dela, me formei em capoeira, sou
professor de capoeira, e com as aulas de capoeira eu consegui a
bolsa de estudos no Programa Escola da Família (Mateus).
Mas já estava fundando um grupo com outro colega que também havia deixado
o grupo anterior. Reparei no punho cerrado e perguntei qual o motivo, e ele explicou
que era hábito de sair assim nas fotos com o grupo de capoeira – força, resistência.
Finalizado com Mateus, dei uma carona para ele até a rodovia para ir até o correio e
segui em direção a uma padaria próxima à Fundação Casa, onde conversaria com a
Neuda.
Chegando à rua senti que estava indo trabalhar e lembrei-me de várias situações,
desde alagamentos que nos impediam de chegar ao CI aos dias de festa que
organizávamos e colhíamos o
brilho nos olhos dos jovens e
familiares. Já próximo à padaria,
avistei Neuda com seu sorriso e
novo penteado. Demos um abraço
apertado, daqueles em que é
possível sentir o coração, quase
numa ligação de mãe e filho,
ambos famintos.
Foto 23 – Reencontro com Neuda – Willian Lazaretti.
Nos servimos e sentamos para comer, o tempo era exíguo, pois ela tinha que dar
aula logo em seguida. Mas não teve jeito, falamos de tudo da vida, comemos devagar,
fiz a leitura da textualização, da transcriação; ela gostou de ambas e não modificamos
108
nada. Assinou o termo de consentimento livre e esclarecido e terminamos por sair
correndo do almoço.
Enquanto ela foi trabalhar no CI III, eu fui visitar os amigos que fiz no CI I.
Chegando, foi uma alegria poder rever boa parte dos amigos e amigas que lá fiz. Alguns
haviam sido transferidos, o diretor não era o mesmo, tampouco a encarregada técnica,
mas já conhecia o coordenador pedagógico, pois trabalhamos juntos logo no início das
atividades dos centros de internação no município. Desci até o espaço que os jovens
ficam, me apresentei, conversei com alguns deles, observei cada espaço com um olhar
saudoso e de tristeza, pois estava muito diferente de como o havia deixado – antes,
cheio de cartazes, poesias, pinturas, produções dos jovens e hoje tudo havia se perdido
com o tempo e com a rebelião ocorrido neste ano.
Neste mesmo dia, havia atividades programadas – que eu desconhecia – uma
delas era receber a assessoria de imprensa da Fundação CASA para a redação de uma
notícia sobre o trabalho pedagógico do CI e a outra era receber um juiz e um promotor
da Vara da Infância e da Juventude de Fortaleza para que pudessem conhecer um pouco
do trabalho realizado em São Paulo, haja vista que no Ceará o atendimento
socioeducativo ainda estava muito aquém do necessário.
Tanto o juiz quanto o promotor ficaram impressionados com o trabalho realizado
em São Paulo apesar de não terem conhecido o espaço alguns meses antes da rebelião
que lá havia ocorrido, ou seja, as paredes estavam ainda com uma demão de pintura e
ainda era possível ver as pinturas, manchas e sujeira das paredes.
Ano de 2016 quase terminando e com ele mais um doce reencontro com a
professora Luiza. Tarde de 30 de dezembro, muito calor e um refrigerante gelado estava
preparado para quando eu chegasse. Luiza passou em concurso e ingressou na rede
estadual de educação como professora efetiva e com isso não continuou a trabalhar na
Fundação. Disse estar feliz com a nova escola, com os alunos, colegas de trabalho, mas
que sentia saudade do trabalho realizado na Fundação, e mais uma vez recordou das
cartinhas e dos desenhos com os quais os jovens lhe presenteavam. Relembrei a Luiza
das etapas da pesquisa e qual o objetivo daquele reencontro, buscando manter o
comprometimento ético. Luiza optou por ler, então foi colocar os óculos e sorrindo
avisou, que lê devagar, come devagar que faz tudo devagar.
109
Foto 24 – Reencontro com
Luiza – Willian Lazaretti.
Conforme prosseguia
com a leitura, Luiza fazia
pequenos comentários sobre
as experiências e os trechos
narrados que nem se
recordava de ter falado. Leu
a textualização e a
transcriação e gostou, não
pediu para modificar e disse mostraria para a sua irmã. Agradeci a participação da
Luiza, a presenteei com um livro e tiramos algumas fotos. Em seguida fui apresentado à
irmã que mora na casa dos fundos e lá conversamos por mais um bom tempo até que
nos despedimos e parti.
O reencontro com Maria Lala foi difícil, pois há um ano seu irmão sofreu com
uma doença que necessitou de sua ajuda nos cuidados. Mas conseguimos nos
reencontrar em 7 de janeiro de 2017 no
Bosque Maia, parque extremamente
arborizado no centro da cidade de Guarulhos.
Lala chegou com o seu namorado Lindomar
que nos acompanhou durante toda a
conversa. A professora continua trabalhando
na Fundação CASA com alfabetização e
disse sempre ser uma disputa para saber em
qual CI trabalhar, pois às vezes nem tem
professora suficiente para lecionar nas séries
iniciais.
Foto 25 – Reencontro com Maria Lala – Willian Lazaretti.
Lala mencionou também que prefere continuar lecionando para jovens na
Fundação pela segurança que se tem lá dentro, enquanto fora não se tem respaldo algum
e professoras são ameaçadas. Como gosta de estudar, concluiu o curso de libras, prestou
um concurso para educação adaptada e está aguardando ser convocada, talvez tenha que
110
sair da Fundação se não conseguir acumular os cargos. Depois que expliquei todos os
processos da pesquisa, a professora preferiu que eu fizesse a leitura da textualização e
da transcriação. Enquanto eu lia, Maria Lala prestava atenção se eu ou ela não tínhamos
esquecido alguma coisa importante em sua história, mas estava tudo narrado, transcrito
e o resultado foi positivo, a professora gostou bastante.
Neste mesmo dia, após o almoço fui me reencontrar com a professora Carla, que
me recebeu junto de sua linda filha Mariana. Carla também continua na Fundação e
agora tem dois vínculos: ela passou no concurso para ser agente educacional e continua
como professora da educação escolar.
Foto 26 – Reencontro com Carla –
Willian Lazaretti.
No começo teve que assumir o cargo em
outro CI mais distante, mas agora já
conseguiu transferência e está trabalhando
próximo de sua casa e ao lado do CI que
leciona como professora. Passou também
no concurso para professora da rede
estadual e teme não conseguir conciliar os dois cargos, e já deixou explicito que optará
por permanecer na Fundação CASA se algo a impedir de ficar nos dois cargos, isto
porque sente uma grande afinidade com as histórias dos jovens e não se vê distante do
trabalho com o jovem em conflito com a lei.
A professora Carla, que no momento da entrevista havia chorado, iniciou a
leitura e logo comentou que já estava dando vontade de chorar de novo, pois ao ler a sua
história estava também lendo as histórias de vários jovens. Muito emocionada, disse que
esse vínculo fez com que ela permanecesse na Fundação mesmo após vivenciar uma
rebelião que na época a deixou desesperada.
111
3 – Capítulo III: Entrelaçamentos
A infância é ou deveria ser uma época de muitas brincadeiras, a adolescência
com muitas descobertas e aprendizados desencadeados no seio da família e em
diferentes grupos. Mas a realidade nem sempre é tão lúdica e acolhedora o quanto
deveria, e contribui para a construção de outros estilos de vidas, outras possibilidades de
constituição de família, outras práticas sociais.
Vários milhares de crianças e adolescentes estão, neste exato
momento, circulando pelas ruas e por diversas instituições de
assistência e proteção, apesar de terem pais e diversos parentes.
Alguns serão reconduzidos aos seus lares; outros, se sobreviverem à
vida nas ruas, serão encaminhados a abrigos, instituições de privação
de liberdade, clínicas de desintoxicação e outros tipos de instituição e
poderão nunca retornar às suas famílias (RIZZINI e col., 2007, p .17).
Nós, poderíamos ter sido um destes adolescentes que circulam por diferentes
instituições, além da família, pois assim como eu, Mateus, Cilene, Carla, Ana Luiza e
Abenilda foram criados por uma família com configurações que destoam das
tradicionais, com pai e mãe, o que é comum à vários jovens que estão em conflito com a
lei. A diferença entre professores e a maioria dos jovens foi a possibilidade de vínculo
positivo com alguém ou com alguma prática social25. Enquanto eu me vinculei ao
voleibol e tive, além da mãe, outros familiares para suprir o abandono paterno, Mateus,
por exemplo, se vinculou à capoeira e ao amor materno, em ambos os casos a prática de
algum esporte contribuiu para o distanciamento ou para a conscientização ao não uso de
drogas. Cilene, Carla e Ana Luiza eram amparadas pelas avós e Abenilda por seu tio,
que na verdade era seu pai legítimo, mas que tinha que dizer que era tio por conta da
madrasta.
A Analu é tão apegada a seu filho e neto e se emociona apenas de falar seus
nomes, orgulhando – se da trajetória que o filho estudioso seguiu. Ao ouvir a história de
Ana Luiza – que foi criada por sua avó após trágico episódio entre a família paterna e
sua mãe –, podemos vislumbrar o quão violenta pode ser a constituição de uma família.
25Práticas sociais decorrem de e geram interações entre os individuos e ente eles e os ambientes
natural, social e cultural em que vivem. Desenvolvem-se no interior de grupos, de instituições,
como o propósito de produzir bens, transmitir valores, significados, ensinar a viver e a controlar
o viver; enfim, manter a sobrevivênvia material e simbólica das sociedades humanas
(OLIVEIRA e col., 2014a ,p.33).
112
A sorte no caso da Ana Luiza foi o amparo e o amor de sua avó materna, que dela
cuidou até que alcançasse o ensino superior e conseguisse seguir sua vida com suas
próprias pernas. Analu aprendeu a sobreviver com muito pouco, pedindo sempre que
necessário, negociando prazos para terem moradia, vida simples, humilde, itinerante
fugindo de um passado que perseguia, os caminhos percorridos por ela eram em busca
da manutenção da vida.
A avó da Analu foi uma grande referência em sua vida e suas orientações
serviram para que ela educasse o seu filho no caminho inverso ao do consumismo:
foi o meu exemplo de vida. E são exatamente os meus ensinamentos, o
que falta para essas crianças, ensinar sobre o consumismo, por
exemplo, eu ensinei meu filho a não ser consumista, não o levava no
shopping. Eu o levava em livraria e ficávamos horas e horas, nós
íamos ao cinema, coisa que a minha avó não fazia comigo, mas eu
tentei dar uma melhorada nos ensinamentos dela (Analu).
Enquanto a Analu sobrevivia transitando por diferentes espaços com a sua avó,
Abenilda estava ocupada cuidando de seus irmãos, filhos do novo casamento de seu pai,
limpando a casa, lavando roupa no rio e em ambos os casos com ingresso tardio na
escola. Abenilda lutava e esperançava um dia entrar no Grupo Escolar, admirava a
vizinha que era professora e que andava toda elegante e cheia de trabalhos dos alunos
para ler, era uma boa professora e como diz Cunha (1989), serviu para que Abenilda se
espelhasse nas boas práticas da professora.
Cilene e Carla se aproximaram de suas avós. Quando Carla nasceu sua mãe era
muito jovem e morava em cidade pequena, onde os moradores pré-julgavam a
maternidade precoce sem a presença do pai. A jovem grávida mudou-se para São Paulo,
onde Carla nasceu; logo sua mãe arrumou um novo marido e com isso Carla, que não
conhecera o pai, com seis meses de idade, sofreu abandono da mãe, pois foi
encaminhada para morar com a sua avó na Bahia. Com isso, Carla cresceu aos cuidados
dos avós, mas sofrendo com humilhação relacionada ao abandono de seus pais, aspecto
mais marcou a sua vida, pois além dos colegas na escola, precisava tolerar até
comentários pejorativos de alguns familiares; os únicos que conseguiram dar a
sustentação que ela necessitava foram seus avós maternos.
113
Considero a minha avó a minha mãe, uma pessoa que me incentivou, que eu
me espelho (Carla).
Carla a partir do laço de rejeição (SENNETT, 2012b), conseguiu criar uma
imagem positiva e ideal do que seria autoridade, de maternidade e as responsabilidades
advindas dessa experiência. Cilene também foi criada pela avó até os seus 15 anos, mas
não ficaram explícitas as razões que motivaram esse rearranjo familiar, mas ao contrário
de Carla, essa passagem não é narrada com mágoas ou sentimento de abandono e salta
em sua história para a nova constituição da família com a chegada do padrasto, que ela
considera como pai, e também o irmão mais novo, fruto do novo casamento de sua mãe.
A condição de receber um teto, alimento, atenção e afeto por um familiar pode
ser um diferencial na trajetória da criança e do jovem. Rizzini e col. (2007), abordam a
questão da importância da família para o desenvolvimento destes e destacam que há
necessidade de criar formas de suporte à família para que consigam cuidar dos filhos,
superando o caráter assistencialista somente quando as crises e vulnerabilidades
despontam.
Entretanto, estar no seio familiar não garante boas condições de existência, dada
as diferentes formas de exploração que famílias despreparadas submetem crianças e
jovens, tais como: excesso de tarefas domésticas em detrimento dos estudos; abusos
sexuais; trabalho no tráfico ou nos semáforos e outros modos de conquistar alguma
renda por meio da exploração infanto-juvenil.
Enquanto Abenilda era responsável por todas as tarefas domésticas, outras/os
professoras/es também estavam envolvidas/os em atividades laborais desde a infância.
Nas madrugadas, Maria também já estava de pé, trabalhava fazendo tijolos e ao
amanhecer ia para a escola, espaço numa configuração diferente da atual, mas possível à
realidade da época. A principal característica desse espaço eram as salas formadas com
alunos de diferentes classes. Mas por ser a filha mais velha, Maria logo parou de estudar
para se dedicar ao trabalho e ajudar seus pais. Ester começou a trabalhar aos 13 anos na
cantina de uma escola e logo também optou por parar de estudar para ajudar a sua mãe
faxineira.
Cícero ajudava na plantação junto a seu pai e irmãos, aprendendo matemática
com medidas de “braça”, o respeito necessário para conviver em família com seus pais e
catorze irmãos. A autoridade exercida pelo pai de Cícero sobre toda a família é algo
notável, um olhar de canto era suficiente para dizer algo ou corrigir alguma conduta.
114
A autoridade é um conceito que transcende um limite imposto, mera supressão
da autonomia e da individualidade do sujeito. Sennett (2012b) equipara a autoridade
com a figura de um maestro, o qual é capaz de guiar com disciplina todos os membros
de uma orquestra com segurança, desenvoltura e competência, ou seja, o pai de Cícero
seria uma pessoa indispensável para a família, sendo o responsável pelo sustento, por
ensinar regras e zelar pelo cumprimento delas sem utilizar os meios de força para tal,
conquistando, portanto, uma autoridade legitimada pelo restante da família.
Para Sennett a palavra vínculo tem um duplo sentido – “É uma ligação, mas é
também, como em servidão, um limite imposto. Nenhuma criança poderia evoluir sem o
sentimento de confiança e amparo que provém da crença na autoridade de seus pais”
(SENNETT, 2012b, p.14).
Nesse sentido, a relação estabelecida entre eles criava laços afetivos e por conta
desses laços os filhos acreditavam que o pai lhes transmitia um sentimento de confiança
e amparo. Se interpretassem a figura do pai como a de um tirano, talvez, ele estaria
sendo rejeitado por Cícero e então o sentimento pudesse ser o de solidão, uma emoção
da ausência. Podemos ler esse “olhar de canto” como um desrespeito à autonomia dos
filhos, mas o que importa, segundo Sennett (2012b), é a maneira como interpretamos as
crises que perpassam nossas vidas e as imagens de relações de força presentes em nossa
vida cotidiana e na sociedade na qual vivemos.
A autoridade – ligação entre pessoas desiguais – exercida pelo pais, avós, tios e
tias reflete o respeito para com a referência positiva, o exemplo a ser seguido presente
em cada uma das histórias. Assim, ou de modo muito próximo, acontece com as/os
professoras/os e as intenções são percebidas pelos jovens, sabem quando a autoridade
tem propriedade do que se deseja ensinar, sendo apenas parte da exigência para o
reconhecimento.
(...) se o comportamento que expressa o respeito é com frequência
escasso e a desigualdade distribuiu – se pela sociedade, o significado
de respeito é social e psicologicamente complexo. Como resultado, os
atos que transmitem respeito – os atos de reconhecimento pelos outros
– são exigentes e obscuros (SENNETT, 2004, p.78).
Uma sala de aula em que os alunos são indisciplinados e não respeitam a figura
do docente, pouco se consegue fazer. Há que se considerar o receio que professoras/es
têm de perder a autoridade perante os jovens, isso se dá pelo medo de perder poder, às
condições de controle e influência. Se um jovem obtiver mais poder perante os demais,
115
a figura do/a professor/a pode ser deslegitimada, uma vez que a autoridade genuína foi
perdida.
Os pais de Cícero, Cilene, Abenilda, Ana Luiza não tinham escolarização ou não
haviam frequentado a escola até a conclusão da educação básica, mas com exceção do
pai de Abenilda, todos valorizavam o ingresso e permanência no espaço escolar como
garantia de um futuro melhor. O pai e a madrasta da Abenilda diziam que a escola não
era necessária e que se aprendesse a ler e a escrever começaria a se corresponder com
namorados. Ela começou a aprender o alfabeto com uma professora que dava aula
particular no período noturno, ela ia sem pagar mesmo,
à noite, depois que arrumava toda a casa da minha tia, eu ficava
estudando com aqueles candeeirão, sozinha, não podia ter amiga,
ninguém, só eu lá estudando. Quando eu ia dormir, eu passava a mão
no rosto e olhava, estava aquele pretume do candeeiro, mas eu fazia
todas as lições, errado ou certo, eu fazia (Abenilda).
Era preciso certa persistência para poder aprender a ler e a escrever depois de
um dia de muito trabalho e exploração da tia.
A família com o arranjo burguês foi pertencente a uma minoria de professores,
somente Walnir, Luiza, Maria Lala, Cícero tiveram presentes pai e mãe no processo de
desenvolvimento infantil. Tal condição representou nessas vidas a possibilidade de
estudar, ter referências positivas para ancorar as tomadas de decisão, mas não significou
que não tiveram que trabalhar ou se esforçar para conquistar os objetivos traçados.
Todos trabalharam desde cedo.
O nascimento ou a conquista de ter nascido foi uma vitória para Ana Luiza,
Sinhá e Maria Lala. A mãe da Ana Luiza sofria com a família do pai e corria riscos
iminentes, a mãe da Maria, por residir na roça, sofria com a carência de recursos para
monitoramento da gestação e já havia perdido outros filhos. Já no caso de Sinhá, a mãe
não queria ter mais filhos e tinha tentado o aborto, sem sucesso; Sinhá já lutava desde a
gestação para sobreviver e tentar mudar o mundo.
As experiências vivenciadas nas famílias do Cícero, Neuda, Abenilda, Luiza,
Ana Luiza, Carla, Sinhá, Cilene e Mateus colaboraram para a migração para São Paulo.
De cidades pequenas do Ceará vieram Cícero e Neuda, ambos tinham uma condição
estável, família “estruturada” com alimento e escolarização, mas ansiavam por mais,
116
queriam aprender cada vez mais e obter novas oportunidades. Abenilda e Cilene vieram
de Pernambuco. Abenilda casou e logo veio para São Paulo, mesmo com formação para
poder lecionar, não conseguiu arrumar emprego logo que chegou, teve dificuldade em
conseguir classes para lecionar e quando conseguiu sofreu preconceito por conta da
linguagem característica do estado de Pernambuco. Cilene também sofreu no mundo
corporativo com pessoas “mangando”26 dela por utilizar expressões oriundas de sua
criação com os avós pernambucanos, mas aos poucos ela foi deixando de lado esse traço
linguístico graças à orientação da chefia para poder se manter nos empregos.
Um pouco mais sério do que as pessoas mangando da Cilene, foi o preconceito
sofrido por Abenilda e Maria Lala. Abenilda, quando conseguiu sua primeira classe para
lecionar em São Paulo, ensinava os alunos com resquícios da linguagem falada, ou seja,
com pequenos erros na grafia quando passava a lição no quadro ou no caderno. Na
tentativa de reverter a situação a escola tentou retirar a professora do corpo docente não
mediu esforços para conquistar o desligamento dela. Falou com pais, forjou assinaturas
e com isso a Abenilda quase foi retirada da escola fruto de um processo obscuro e
repleto de preconceito.
A professora de Maria Lala, dotada de uma formação antiquada e conservadora,
ainda próxima daquela que fazia uso da palmatória, espetava a cabeça da Maria com
uma caneta sempre que ela confundia o P com o B nos ditados. Quando relatou à sua
mãe que não queria mais ir à escola, sua mãe estranhou até que descobriu o motivo e
escreveu um bilhete para a professora.
Quando a professora pegou meu caderno para corrigir a lição, estava
lá o bilhete, eu nem sabia ler, primeira, segunda série, a professora
leu, em vez de ela guardar e ser uma comunicação entre elas, não, ela
foi e falou para a sala toda e num tom sarcástico disse para ninguém
chegar perto de mim que eu era filhinha da mamãe e do papai, e que
ninguém não podia mexer nela, não podia tocar, ressaltando para as
crianças não me tocarem na hora do recreio, não brincarem comigo
(Maria Lala).
Depois, mudou – se de escola a passou a sofrer bullying por que utilizava a
linguagem da zona rural e tinha uma dedicação aos estudos que superava os demais.
26 Caçoar, zombar de alguém entre todos os presentes.
117
Mesmo com todas estas adversidades na escola e sempre trabalhando em paralelo aos
estudos, nunca se desmotivou a ponto de parar de estudar, tinha um desejo muito grande
de aprender.
A adolescência chegou para Carla e Sinhá e queriam aproveitar mais a vida fora
das pequenas cidades baianas. Viveram uma adolescência que pedia mais, queriam
conhecer mais, queriam namorar, passear, curtir a vida e sabiam que próximo dos pais e
avós isso seria difícil. Tentaram, até que conseguiram viajar para São Paulo, enquanto
Sinhá ficou com os irmãos, Carla ficou com a mãe, a qual tinha uma relação distante e
repleta de mágoa. Sinhá viria por um pequeno tempo, mas se recusou a voltar para a
Bahia e, em pouco tempo casou – se, o mesmo aconteceu com Carla, que não conseguiu
conviver com a nova família de sua mãe, então, logo arrumou um namorado que
também se tornou seu marido. Carla e Sinhá se conheceram na Fundação e são grandes
amigas até hoje.
O casamento provocou mudanças significativamente nas vidas de Neuda, Walnir
e Luiza. Neuda que chegou em São Paulo com 19 anos de idade e casou – se aos 21
anos, trabalhou por um período em atividades distantes da docência, somente depois de
ter duas filhas é que conseguiu realizar o curso superior de Letras, depois Filosofia e
continuou até a especialização. Na vida de Walnir, jovem que gostava de aproveitar a
vida frequentando shows e festas, o casamento serviu para mudar seu estilo de vida,
assim como proporcionou o contato coma a religião. O casamento também impulsionou
Luiza para que fizesse o curso superior além de outros cursos que ela tinha vontade de
fazer, mas também somente após ter o seu filho que deu início aos estudos na graduação
em Matemática.
O acesso ao ensino superior se deu mais tardiamente para alguns destes
professores, alguns devido à condição financeira que impossibilitou a realização quando
mais jovens, outras optaram pela maternidade antes do curso superior.
A educação escolar na Febem e posteriormente na Fundação CASA serviu como
porta de entrada para a docência para Cícero, Neuda, Sinhá, Ester, Carla, Luiza, Maria
Lala, Cilene, Mateus. Neuda e Sinhá foram as pioneiras, começaram ainda na época da
FEBEM, Neuda ingressou assim que concluiu a faculdade e Sinhá ainda estudava
quando iniciou o trabalho na secretaria escolar de uma Unidade da Febem e
posteriormente passou a exercer a função de professora.
A pergunta de corte foi realizada somente em algumas entrevistas, porque, além
das professoras e dos professores trazerem à tona, em suas narrativas, as razões para o
118
ingresso na escola da Fundação CASA, a maioria deles estava em início de carreira
considerando o período de quatro anos proposto por Gonçalves (2000).
O ingresso na Fundação CASA para vários de nós surgiu como uma
possibilidade para o ingresso na docência, mas não qualquer ingresso, pois muitos de
nós tinham experiência como professores substitutos, portanto, o ingresso seria com
aulas que fossem verdadeiramente nossas, que fôssemos responsáveis por tudo que
dissesse respeito ao exercício da docência. Essas primeiras experiências profissionais
como responsável pela classe são permeadas por situações que tanto podem conduzir a
sentimentos de alegria quanto de tristeza, como quando eu queria ensinar conteúdos
diversificados e os alunos queriam apenas futsal. De acordo com Lima e Corsi (2006),
os primeiros anos da profissão representam não apenas a permanência do professor na
carreira, mas também o tipo de professor que o iniciante virá a ser.
A seguir, apresento as condições que culminaram no ingresso das/os
professoras/es na escola da Fundação CASA.
Eu estava na situação de permanência, com poucas aulas e
trabalhava mais quando professores faltavam. [...], até que uma
colega viu que tinham aulas de ensino fundamental I na Fundação
Casa. Quando cheguei à escola vinculadora, a secretaria disse que
era difícil e que tinha que ter um projeto, passar na entrevista. Pensei
comigo, tudo isso ainda (Abenilda).
Abenilda não estava em início de carreira, mas no início de uma nova carreira
que era a de ensinar para jovens em conflito com a lei. Analu na época que conheceu a
Fundação morava com seu filho, mas ele mudou – se para outro apartamento com
esposa e filho e Analu se viu abandonada. Seu mundo estava prestes a desabar.
Foi quando meu ex – marido me avisou que havia um processo
seletivo para trabalhar na Fundação. Eu estava no desespero, eu
pegava o carro e saia sem rumo, até que um dia ele falou a Fundação
está te chamando Analu (Ana Luiza).
No começo de 2012 eu não consegui aulas, mesmo tendo passado na
provinha. Tinha uma diretora que gostava muito de mim, e um dia o
supervisor de ensino estava na escola e ela comentou que eu estava
119
apenas eventuando. Ele (o supervisor) disse – “olha eu estou
precisando de professor na Fundação Casa você tem coragem?”
respondi rapidamente que sim (Carla).
Nessa escola que eu estava como eventual foi que surgiu a
oportunidade de concorrer na Fundação, porque eu estava eventual
apenas no período da manhã. Então, outra professora que também
era eventual chegou falando assim "professor você não vai mandar o
projeto pra Fundação Casa?", eu falei "mas eu nem conheço isso."
Ela explicou superficialmente o que era e o que precisava, e em três
ou quatro dias estava eu fazendo a entrevista na escola vinculadora.
Quando eu cheguei à escola vinculadora eu falei do projeto da
Fundação Casa, aí já mandaram até a Fundação fazer a entrevista,
me falaram para eu ir por uma trilha por dentro dos matos que
chegaria lá, pois era lá que tinha que fazer a entrevista (Cícero).
Fiz uma prova para poder dar aula na rede pública estadual, mas não
passei eu me achava inteligentíssima, conclusão, nenhuma escola me
queria. Olhando no site da Diretoria de Ensino eu vi que a Fundação
Casa estava precisando de professores. Eu não sabia o que era a
Fundação Casa, perguntei ao meu marido ele disse que era a antiga
Febem, então falei que não iria, ele falou que podia ir e que os
professores eram respeitados (Cilene).
Em janeiro de dois mil e dez, a Fundação Casa me chamou, eu tinha
deixado meu currículo na OnG era para trabalhar como
coordenadora pedagógica, as pessoas que me entrevistaram gostaram
de mim, mas eu declinei da proposta, não me senti segura. Isso foi em
janeiro, em julho outra unidade da Fundação me chamou, ai sentei
com a coordenadora pedagógica em uma segunda – feira. Ela gostou
de mim, chamou a gerente e disse que retornaria na quarta eu já
estava contratada (Ester).
Eu escolhi matemática, eu nunca fui professora em escola normal, só
fui eventual, seis meses e depois eu já entrei pra Fundação Casa. O
primeiro dia que eu vim, para fazer o planejamento, nossa eu
transpirava tanto que eu não conseguia prender o cabelo (Luiza).
120
Depois de um tempo ... voltei a ser professora substituta, por pouco
tempo, pois logo participei da atribuição para ser professora na
Fundação Casa. Eu nem sabia o que era a Fundação, talvez se
soubesse nem teria participado, pois as pessoas colocam medo e
dizem coisas horrorosas (Maria Lala).
Depois de concluir a faculdade uma colega me disse que a Febem
estava precisando de professora. Eu fiquei meio cismada, na verdade
eu estava morrendo de medo. Mas ela insistiu e a gente fez a inscrição
na antiga Delegacia de Ensino. Trabalhava na antiga Febem, a
Fundação Estadual do Bem – Estar do Menor, mas trabalhei em
outras escolas também, pegava um pouco de aula lá e um pouco fora.
No início foi difícil. No começo eu tinha medo e também passei por
muitas coisas que não foram legais, eu pegava aula lá porque sou
insistente, eu não desisto no primeiro obstáculo (Neuda).
A Fundação também surgiu na minha vida graças à capoeira, bem eu
diria que ela foi fundamental na minha vida, abrindo várias portas,
meu mestre começou a dar aula na casa feminina, e ele viaja muito, o
grupo de capoeira é muito grande, e numa determinada viagem que
ele teve que fazer ao centro de estudos do nosso grupo no Nordeste, lá
pro, ele pediu que eu fosse dar aula no lugar dele. A coordenadora
viu o método que eu estava utilizando e gostou, e quando eu saí ela
perguntou se eu pensava em fazer uma faculdade, e respondi que já
era formado em biologia, logo pediu meu currículo, e que assim que
tivesse uma oportunidade eu seria chamado (Mateus).
Depois de seis meses a Febem teve um problema de várias rebeliões,
uma atrás da outra e eu conheci a Luciana, uma menina da minha
turma na faculdade, que tinha visto no jornal que estavam
contratando e na época parece que era mil e cinquenta o salário
(Sinhá).
depois o pessoal da sala que estava fazendo sociologia, em sua
maioria professores formados em outras licenciaturas me
incentivaram a ingressar na docência e me indicaram para conversar
121
com a supervisora na Diretoria de Ensino que sempre faltavam
professores nessa área. Assim conheci a Fundação Casa, estavam
precisando de professor e no mesmo dia agendaram a minha
entrevista com a coordenadora pedagógica da unidade (Walnir).
É possível perceber que a Fundação CASA acolhe professoras e professores sem
experiência e sem um processo muito moroso, isto se dá, sobretudo, pela necessidade de
garantir que os jovens em cumprimento de medida socioeducativa de privação de
liberdade estejam com os seus direitos assegurados e a escolarização é uma das
principais exigências e aspecto a ser observado no acompanhamento do jovem pelo Juiz
da Vara da Infância e da Juventude, além é claro da instituição poder responder
legalmente se não cumprir o que está previsto no Sinase e no ECA.
Por outro lado, como seria o processo ideal para a contratação de professores
para a escola da Fundação CASA? Qual seria o perfil ideal? Acredito que o melhor
cenário seria realizar uma formação para os novos contratados, explicando com riqueza
de detalhes desde os artigos do ECA e Sinase até a dinâmica do atendimento
socioeducativo, com atenção ao modelo pedagógico do CI, aos materiais permitidos ou
não, ao perfil dos jovens, quem são os demais envolvidos, psicólogas, assistentes
sociais, seguranças, enfermeiras etc.
Algumas considerações finais
A falta de respeito, embora seja menos agressiva que o insulto direto,
pode assumir uma forma igualmente ofensiva.
Quando uma sociedade trata a grande maioria das pessoas desta
forma, julgando apenas alguns poucos dignos de reconhecimento, é
criada uma escassez de respeito, como se não houvesse o bastante
desta preciosa substância para todos. Como muitas formas de
escassez, o respeito nada custa. Por que, então, haveria uma crise de
oferta? (SENNETT, 2004, p.18).
As vidas dos/as jovens marginalizados/as de nossa sociedade, negros/as, pobres,
os/as quais vivem às margens geográfica e social, são permeadas de situações de
abandono familiar, pela constituição de família com arranjos que deixam alguma lacuna
e uma referência positiva que sirva de fato como exemplo a ser seguido. A maioria das
122
Eu estou aqui porque eu
quero, e vou vencer, não
é porque eu fui bem-
criada não. Abenilda
O conhecimento te deixa um ser
melhor, um ser mais forte, um
ser mais criativo, um ser que
sofre menos. Analu
Bastava meu pai olhar pra gente. Se
ele tivesse conversando e olhasse pra
você, era como se dissesse você não
é bem vindo aqui, a conversa é pra
adulto, mas ele não precisava falar.
Cícero
professoras e professores colaboradores desta pesquisa também sofreu com dificuldades
na infância e na adolescência, mas é certo também que tiveram pessoas que serviram de
apoio e base para que pudessem se sustentar e construir uma vida digna.
Perguntar a um jovem de 14 anos recém-
ingresso no sistema socioeducativo com quem vive e
ouvir que vive sozinho, nas ruas ou abrigos é sem
sombra de dúvida muito marcante e, infelizmente, ouvi
isso muitas vezes nesse período de trabalho com jovens
que, em algum momento da vida, entraram em conflito com a lei. Escolher o que é certo
ou errado, tomar decisões, percorrer trilhas que evitem situações de violência requer
informação, conhecimento, instrução e mais do que isso, exige condições para que a
tomada de decisão seja factível.
As histórias de vidas desses/as
jovens são repletas de preconceitos,
estigmas e eles/as estão a todo instante
sendo julgados/as por suas escolhas,
poucos/as conseguem superar a visão
explorada pelas grandes mídias que os/as
tacham como marginais, como se nascessem ladrões/as, traficantes ou afins. Daí a
importância de se compreender o cenário histórico mais amplo, perceber com lucidez o
que está ocorrendo no mundo e o que ocorre dentro de nós mesmos. A imaginação
sociológica é a capacidade de passar de uma perspectiva a outra e sua utilização se
fundamenta sempre na necessidade de conhecer o sentido social e histórico do indivíduo
na sociedade (MILLS, 1975), é o que pode ajudar o nosso olhar a se despir do
preconceito. A aproximação entre as histórias de vida dos/as professores/as com as
histórias dos adolescentes em conflito com a lei é um fator que corrobora com a
permanência das professoras e professores nessa instituição total, um ambiente
considerado hostil.
O que seriam das vidas da Carla e da Analu, por exemplo, se não fossem
amparadas por suas avós, constituindo uma
referência positiva a ser seguida, ou então de
Mateus com sua mãe que com muito trabalho o
criou sozinha, e de Cícero e seus irmãos que,
123
Eu acredito na transformação do ser
humano. Sinhá
Eu acredito em Deus e tudo é colocado na
hora certa em nossa vida. Hoje olhando para
trás eu acredito que virei mãe de verdade lá
dentro aprendi a falar não para os meus
filhos, eu era muito permissiva. Cilene
apesar de serem atemorizados só com o olhar do pai, não deixaram de ter uma
referência. Não ter alguém que se importe, que oriente e ajude, é um dos principais
aspectos que distanciam jovens e professores, pois mesmo os jovens que possuem
algum apoio familiar, como vimos anteriormente, nem sempre têm essas referências
como positivas, porque muitos estão presos ou são explorados e forçados a buscarem
alimento para toda a família por meios considerados ilícitos.
Os percursos trilhados pelos/as professores/as denotam uma persistência por
conseguir formar uma família
diferente daquelas constituídas
por seus pais e mães, de modo
que pudessem garantir outras e
melhores condições aos seus
filhos, ou que simplesmente não
repetissem as violências que sofreram. E os aprendizados ocorrem em ambas as
direções a medida que ensinam, também aprendem. Aprendem com o conhecimento de
mundo dos/as jovens que vivem no crime, aprendem quando se deparam com situações
para as quais não se tem solução imediata, aprendem no diálogo que estabelecem com
os/as seguranças, psicólogos/as, aprendem a ser mães e pais, tios, tias uma referência
para a juventude presente no CI e também com os/as jovens de suas próprias famílias,
como relatou Cilene.
O mundo dos jovens não é
estrangeiro às professoras e professores,
conhecem os bairros onde vivem, habitam os
mesmos espaços, conhecem as limitações das escolas da rede, as dificuldades do
município, a violência cotidiana o que facilita o diálogo com os jovens. No caso
destes/as professores/as, eles são dos bairros – em sua maioria – onde moram os jovens,
vivenciam os problemas, logo não há como se impedir, pelo contrário, a compreensão
do quê e de como as coisas que acontecem e favorecem o relacionamento entre eles.
Os atos violentos dos alunos e os problemas com a disciplina parecem
sempre escapar do domínio do escolar. Os resultados dos alunos – seu
comportamento passivo, agressivo etc. – são percebidos como
expressões do local em que moram e a escola levanta muros para que
as questões do bairro não entrem nela. Há um comportamento
etnocêntrico dos docentes; o mundo dos alunos é estrangeiro para a
maioria deles (KRAWCZYK, 2011 , p.763).
124
Se for pra desistir, desista você, eu
não vou desistir de você não. Walnir
Sou insistente, eu não desisto no
primeiro obstáculo. Neuda
Eu sou assim, traço a meta
e eu chego. Maria Lala
Enquanto as professoras e professores que lecionam no CI acolhem e buscam ser
mais compreensivos com a realidade vivida por cada um dos jovens, na maioria das
escolas não é o que acontece, porque elas
possuem salas superlotadas, professores em
péssimas condições de trabalho, que não
vivenciaram situações similares às dos jovens, dificultando, portanto, a imaginação
sociológica e enfrentando, com grandes dificuldades os problemas gerados para e na
escola.
A condição de pobreza e recursos limitados comum entre a infância da maioria
das/os professoras/es é também o que a maioria dos jovens vivenciam. Situações de
extrema miséria, lares desprovidos de saneamento básico, com esgoto passando por
dentro da casa, sem água e energia elétrica. Este cenário foi apenas um dos que
vivenciei em visitas domiciliares. Conhecer a realidade de vida do jovem se faz
necessário para que possamos entender e compreender a sua posição no mundo e suas
ações na sociedade, o que, na realidade das escolas públicas, estaduais ou municipais, é
uma situação impossível de se concretizar, haja visto a quantidade de alunos que as
professoras e professores relatam ter em sala, chegando à marca de cinquenta alunos em
uma classe do ensino médio.
Além das dificuldades financeiras,
muitos professores conhecem de perto e na
pele as dificuldades e preconceitos ligados à
raça e à condição de migrantes. Como vimos, um percentual significativo de jovens
negros está em cumprimento de medida socioeducativa e, apesar de eu não ter
questionado as professoras e professores sobre como se identificam em relação à raça, a
maioria delas e deles são negros ou pardos, assim como os jovens.
Há uma cooperação (SENNETT, 2012a) no processo educativo, o jovem
entende que a troca beneficia a ele como possibilidade de aprendizado e de ter a sua
liberação acelerada por estar se dedicando aos estudos. A relação entre professores/as e
o espaço escolar da Fundação CASA também é atravessada pelas condições de trabalho
ofertadas, alunos controlados e vigiados, menos alunos por classe e, no caso destes/as
professores/as, o respeito conquistado, ressalto no
caso destes/as, pois nem todos/as docentes
125
Jamais abandonaria minha
filha, nem para ficar com minha
mãe, é minha se alguém quiser
ficar comigo terá que ficar com
minha filha se não for assim não
quero. Carla
conseguem tamanha façanha, sobretudo aqueles que querem exigir respeito sem oferta-
lo, simplesmente pela obediência à hierarquia. Nesta condição, o que presenciamos no
cotidiano do CI é a presença da autoridade imposta, uma falta de vínculo, uma relação
forçada entre professores e alunos e sem ganhos efetivos, seria o que Sennett (2012b)
chama de autoridade paternalista que oferece um afeto falso a seus subalternos, pois,
para alguns professores, o interesse pelos jovens só importa à medida em que isso
atenda à necessidade de permanecer lecionando.
Outra forma de refutar professores/as, é quando estas/es se valem, como diz
Freire (1996), da fórmula farisaica “faça o que mando e não o que eu faço”.
Professores/as que dizem que é necessário respeitar regras, cumprir com os deveres e
responsabilidades para se viver em sociedade, e, ao mesmo tempo não planejam suas
aulas, entram em sala despreparados/as, encostam-se com os pés apoiados na parede ou
possuem alto índice de absenteísmo deixando os jovens com lacunas nas atividades, não
recebem o mesmo tratamento que os jovens dão àquelas/es professoras/es quando
percebem uma vontade desta/es em estar presente de corpo inteiro. “Ensinar exige a
corporeificação das palavras pelo exemplo” (FREIRE, 1996, p.38).
O desejo de ensinar e conseguir ajudar estes jovens é algo marcante no exercício
da docência por estes/as docentes, pois precisam administrar turmas extremamente
heterogêneas, alunos/as com dificuldades de aprendizagem, com limitações na leitura e
na escrita e ainda sofrendo uma pressão para
que executem o currículo estadual seriado. A
exemplo da Cilene que providenciou cópias do
livro do filho que estava sendo alfabetizado
para poder ensinar um jovem que não havia
aprendido a ler e a escrever na idade correta,
mas mesmo assim tinha conquistado séries mais avançadas. Ou ainda, o auxílio das
professoras de matemática ensinando a ler e a escrever. Com esta equipe de professores,
não faltavam garra e dedicação para ensinar, não faltava sede de aprender e sobrava
disposição para a inovação, para promover situações de aprendizagem nas quais os
jovens se engajassem.
O laço de confiança (SENNETT, 2009), que nesse contexto prefiro chamar de
liame de confiança27, desenvolve – se à medida que, principalmente, o jovem entende
27 Prefiro utilizar liame, pois o contexto de uma instituição total dificulta o estabelecimento de laços de
confiança, sendo o liame um elo mais frágil e fácil de ser rompido.
126
que pode depender do/a professor/a para alcançar a liberdade e em melhores condições
para a sua permanência, conseguindo retornar aos espaços escolares, conquistando um
emprego etc. Enquanto que, o/a professor/a também pode depender do jovem seja para a
sua permanência como docente, seja em algum momento de rebelião ou tumultuo
quando os jovens poderão ou não protege-los/as.
Não é possível dizer que temos uma receita para que elos sejam criados, mas
podemos afirmar que quando os elos são firmados, há um processo educativo que
transcende o aprendizado de conteúdos e são incorporados valores e um respeito
legítimo como é explicito nas falas dos jovens e que diferenciam os professores das
escolas externas dos que lecionam na escola da Fundação CASA, tidos como mais
atenciosos e preocupados com o ensino e com o aprendizado.
A qualidade das relações estabelecidas entre alunos e professores/as – apesar de
toda vigilância à qual ambos estão submetidos – considera algumas semelhanças nas
vidas dos entrevistados e dos alunos, em termos de “igualdade social”, logo, arrisco
afirmar que houve entre eles, em alguns momentos, o que Sennett (2004) chama de
“respeito mútuo”, apesar das diferenças existentes (professor – aluno).
A rejeição de qualquer forma de preconceito é uma premissa para o exercício da
docência (FREIRE, 1996) e a prática desta conduta tem início com o não julgamento
dos jovens pelos atos infracionais praticados. Para ensinar não se tem a necessidade de
saber qual a infração, religião, arranjo familiar, se era usuário de drogas e isto mostra a
real intenção do/a professor/a, uma vez que essa situação difere do que muitos jovens
vivenciaram nas outras escolas, sendo chamados/as de “nóia”, “vagabundo” ou outros
rótulos pejorativos que os/as colocam às margens. O objetivo do/a professor/a estando
explícito e o/a jovem compreendendo o que se quer dele, está criada a condição para
que se fortaleça a autoridade e o respeito do professor perante a sua classe.
Acredito que a autoridade do/a docente que atua na Fundação CASA é composta
de uma bricolagem entre duas categorias de respeito apresentadas por Sennett (2012b),
a partir da sua leitura de Max Weber: a autoridade legal/racional e a autoridade
carismática. Enquanto a primeira tem como base a legalidade das normas e o direito de
alguém que está no poder para dar ordens, a segunda é compreendida como
exemplaridade ou força heroica de um indivíduo. Professores/as exercem uma relação
de poder sobre os/as jovens e, seria, talvez, romântico ou ingênuo dizer que todos/as
os/as jovens adotam como premissa uma obediência voluntária, por esta razão há uma
127
mistura entre o poder de mando (legal) e o desejo e a vontade do jovem que admira a
figura do docente (carismática).
A história oral foi crucial para conhecer as experiências extraclasse das/dos
professoras/es, que muito vivenciaram no decorrer dos anos e compreender como as
próprias histórias, desafios e conquistas podem colaborar para que os jovens trilhem
outros caminhos, conscientes das dificuldades que enfrentarão, da incerteza do sucesso,
dos estigmas e preconceitos, mas com uma referência, alguém que passou por situações
parecidas e as superou.
128
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Referências das entrevistas
Abenilda Gomes Procópio de Moura. Eu estou aqui porque eu quero, e vou vencer,
não é porque eu fui bem criada não. [05 de março de 2014]. Entrevista concedida a
Willian Lazaretti da Conceição.Guarulhos, 2014. 1 arquivo.mp3 (50 min.). A entrevista
textualizada encontra – se no Apêndice desta tese.
Ana Luiza Calmon. O conhecimento te deixa um ser melhor, um ser mais forte, um
ser mais criativo, um ser que sofre menos. [27 de setembro de 2013]. Entrevista
concedida a Willian Lazaretti da Conceição. Guarulhos, 2013. 1 arquivo.mp3 (47 min.).
A entrevista textualizada encontra – se no Apêndice desta tese.
Carla Silva Sousa. Jamais abandonaria minha filha, nem para ficar com minha
mãe, é minha se alguém quiser ficar comigo terá que ficar com minha filha se não
for assim não quero. [25 de setembro de 2013]. Entrevista concedida a Willian
Lazaretti da Conceição. Guarulhos, 2014. 1 arquivo.mp3 (36 min.). A entrevista
textualizada encontra – se no Apêndice desta tese.
Cicero Nogueira Araujo. Bastava meu pai olhar pra gente. Se ele tivesse
conversando e olhasse pra você, era como se dissesse você não é bem vindo aqui, a
conversa é pra adulto, mas ele não precisava falar. [26 de setembro de 2013].
Entrevista concedida a Willian Lazaretti da Conceição. Guarulhos, 2013. 1 arquivo.mp3
(32 min.). A entrevista textualizada encontra – se no Apêndice desta tese.
Cilene Silva Santana. Eu acredito em Deus e tudo é colocado na hora certa em nossa
vida. Hoje olhando pra trás eu acredito que virei mãe de verdade lá dentro aprendi
a falar não para os meus filhos, eu era muito permissiva. [28 de agosto de 2013].
Entrevista concedida a Willian Lazaretti da Conceição. Guarulhos, 2013. 1 arquivo.mp3
(47 min.). A entrevista textualizada encontra – se no Apêndice desta tese.
134
Estelita Aparecida Alves Matias. Eu tenho prazer de falar do meu trabalho na
Fundação, eu gosto de falar, da minha pouca, mas grandiosa experiência na
Fundação. [25 de outubro de 2013]. Entrevista concedida a Willian Lazaretti da
Conceição.Guarulhos, 2013. 1 arquivo.mp3 (01h31min.). A entrevista textualizada
encontra – se no Apêndice desta tese.
Luiza Virgilio. Gosto bastante de dar aula para eles, eu percebo que eles são
carentes, muitas vezes, você tem que ser o professor, a mãe, a tia. [28 de agosto de
2013]. Entrevista concedida a Willian Lazaretti da Conceição. Guarulhos, 2013. 1
arquivo.mp3 (29min.). A entrevista textualizada encontra – se no Apêndice desta tese.
Maria Lala. Eu sou assim, traço a meta e eu chego. [Parte I – 25 de setembro de
2013; Parte II – 26 de setembro de 2013]. Entrevista concedida a Willian Lazaretti da
Conceição. Guarulhos, 2013. 2 arquivos.mp3 (01h26min.). A entrevista textualizada
encontra – se no Apêndice desta tese.
Maria Neuda Dias. Sou insistente, eu não desisto no primeiro obstáculo. [01 de
março de 2014]. Entrevista concedida a Willian Lazaretti da Conceição. Guarulhos,
2014. 1 arquivo.mp3 (40min.). A entrevista textualizada encontra – se no Apêndice
desta tese.
Mateus Fernandes dos Santos. Na capoeira fiz vários amigos, fiz faculdade graças à
capoeira, tem pessoas que são como irmãos que conheço há quinze anos. [26 de
setembro de 2013]. Entrevista concedida a Willian Lazaretti da Conceição. Guarulhos,
2013. 1 arquivo.mp3 (23min.). A entrevista textualizada encontra – se no Apêndice
desta tese.
Sinhá Carvalho Oliveira. Eu acredito na transformação do ser humano. [24 de
outubro de 2013]. Entrevista concedida a Willian Lazaretti da Conceição.Guarulhos,
2013. 1 arquivo.mp3 (01h31min.). A entrevista textualizada encontra – se no Apêndice
desta tese.
Walnir Rodrigues. Se for pra desistir, desista você, eu não vou desistir de você não.
[25 de setembro de 2013]. Entrevista concedida a Willian Lazaretti da
Conceição.Guarulhos, 2013. 1 arquivo.mp3 (54min.). A entrevista textualizada encontra
– se no Apêndice desta tese.
135
Anexo A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Eu ______________________________________________, R.G. nº
__________________, dígito ___, órgão expedidor _________declaro que fui
convidado/a a participar voluntariamente da pesquisa, com o pesquisador Willian
Lazaretti da Conceição, R.G. nº XXXX, dígito X, órgão expedidor SSP.
Declaro que compreendi que os encontros em que participarei têm como
objetivo principal analisar as histórias de vidas dos professores, buscando
identificar fragmentos nestas histórias que os aproximem/distanciem aos
adolescentes em conflito com a lei e, identificar aspectos que contribuam para as
relações entre professor e aluno considerando o contexto educativo em que vivem,
e que a minha participação irá compor a coleta de dados de uma pesquisa de Doutorado
do Programa de Pós – Graduação em Educação da Faculdade de Educação da
UNICAMP intitulada provisoriamente “Histórias de vidas que se unem: a professora,
o professor e os [elos com os] jovens infratores”.
Declaro que também participarei da entrevista individual com o pesquisador
para contar a minha história de vida, tendo consciência de que poderei sentir
desconfortos por compartilhar informações pessoais e que não serei obrigado/a a
responder perguntas que eu não me sinta à vontade em falar.
Declaro que fui informado (a) que poderei encerrar minha participação nesta
pesquisa a qualquer momento, sem ser prejudicado.
Também fui informado (a) de como entrar em contato com o pesquisador,
através do e-mail [email protected]
Declaro que estou ciente de que talvez eu não tenha nenhum benefício
pessoal, e fui informado (a) que minha participação nesta pesquisa será utilizada para
fins de estudos acadêmicos e culturais na área da educação e, caso seja tenha
preferência, o meu nome será mantido em sigilo, sendo utilizado como identificação:
pseudônimo ou outra forma similar.
___________________________________________
Nome Colaborador(a)
_________________________________
Willian Lazaretti da Conceição
Pesquisador
_________________________________
Prof.ª Dra. Áurea M. Guimarães
Orientadora
______________, ____ de _____________ de ____.
136
Anexo B – Carta de Cessão
CARTA DE CESSÃO
Eu __________________________________________, R.G. nº
__________________, dígito ____, órgão expedidor _________declaro aprovar a
transcrição do depoimento oral que concedi a Willian Lazaretti da Conceição, R.G. nº
XXX, dígito X, órgão expedidor: SSP, Doutorando em Educação da Faculdade de
Educação da Unicamp, em ___/___/___ e cuja gravação foi de ______ minutos.
Aprovo que o texto anexo, por mim conferido e validado, podendo ser
utilizado para fins de estudos acadêmicos e culturais no âmbito da educação.
Também declaro:
(__) AUTORIZO a gravação, filmagem e fotografia dos encontros e da
entrevista, sendo utilizados estritamente para a área acadêmica e cultural.
(__) NÃO AUTORIZO a gravação, filmagem e fotografia dos encontros e
da entrevista.
(__) Autorizo a identificação do meu nome, como um(a) dos(as)
colaboradores(as) da pesquisa.
(__) Não autorizo a identificação do meu nome, como um(a) dos(as)
colaboradores(as) da pesquisa e utilizar o seguinte nome fictício
_______________________.
____________________________________
Nome Colaborador(a)
__________________________________
Willian Lazaretti da Conceição
Pesquisador
_____________________, ___/___/___.