UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE...

139
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO WILLIAN LAZARETTI DA CONCEIÇÃO HISTÓRIAS DE VIDAS QUE SE UNEM: A PROFESSORA, O PROFESSOR E OS [ELOS COM OS] JOVENS INFRATORES CAMPINAS 2017

Transcript of UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE...

Page 1: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

WILLIAN LAZARETTI DA CONCEIÇÃO

HISTÓRIAS DE VIDAS QUE SE UNEM:

A PROFESSORA, O PROFESSOR E OS [ELOS COM OS]

JOVENS INFRATORES

CAMPINAS

2017

Page 2: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

WILLIAN LAZARETTI DA CONCEIÇÃO

HISTÓRIAS DE VIDAS QUE SE UNEM:

A PROFESSORA, O PROFESSOR E OS [ELOS COM OS]

JOVENS INFRATORES

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em

Educação da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de

Campinas para obtenção do título de Doutor em Educação, na área de

concentração de Ensino e Práticas Culturais.

Supervisora/Orientadora: Prof. Dra. Áurea Maria Guimarães

O ARQUIVO DIGITAL CORRESPONDE À VERSÃO

FINAL DA TESE DEFENDIDA PELO ALUNO

WILLIAN LAZARETTI DA CONCEIÇÃO E

ORIENTADO PELA PROF. DRA. ÁUREA MARIA

GUIMARÃES.

CAMPINAS

2017

Page 3: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5
Page 4: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

TESE DE DOUTORADO

HISTÓRIAS DE VIDAS QUE SE UNEM:

A PROFESSORA, O PROFESSOR E OS [ELOS COM OS]

JOVENS INFRATORES

Autor: Willian Lazaretti da Conceição

COMISSÃO JULGADORA

Dra. Áurea Maria Guimarães

Dr. Luiz Sanches Neto

Dra. Fabíola Holanda Barbosa Fernandez

Dra. Nima Imaculada Spigolon

Dr. Odilon José Roble

A Ata da Defesa assinada pelos membros da Comissão Examinadora consta no processo de vida acadêmica do aluno.

2017

Page 5: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

Dedicatória

À minha família.

Vera Lúcia Lazaretti minha Pãe, eterna gratidão!

Page 6: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

Agradecimentos

A Deus – Inteligência suprema, causa primária de todas as coisas - pela oportunidade

de viver e aprender.

À Aurea Maria Guimarães, uma amiga - orientadora. Gratidão.

Às minhas queridas amigas - professoras e aos meus queridos amigos - professores que

participaram deste estudo e que se dedicam à transformação da sociedade, educando e

sendo educados na relação com os e as jovens em conflito com a lei. Abenilda, Analu,

Carla, Cícero, Cilene, Ester, Luiza, Maria Lala, Mateus, Neuda, Sinhá e Walnir que

possamos continuar esperançosos e na luta, sempre!

Aos amigos que fiz na Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao

Adolescente - Fundação CASA, quanto desafio e quanto aprendizado - gratidão minha

querida Walkyria (in memorian).

Às minhas professoras e aos meus professores dos espaços escolares: Almeida Barbosa,

João Crispiniano Soares, Érico Veríssimo, Faculdades Integradas de Guarulhos,

Universidade Federal de São Carlos e Universidade Estadual de Campinas.

Inspirações!!!

À banca de qualificação: professoras Nima e Fabíola pelas preciosas contribuições,

minha eterna gratidão por tamanha sensibilidade e terem aceito compor a banca de

defesa.

Agradeço à prof. Dra. Dirce Zan, ao Prof. Luiz Sanches Neto e ao prof. Odilon Roble

por terem aceitado o convite para somar na banca da defesa desta tese. Agradeço

também às professoras Joana D’arc Teixeira e Eliana Ayoub por terem aceitado o

convite para serem suplentes.

Aos colegas pesquisadores que participam do Centre de recherche interuniversitaire sur

la formation et la profession enseignante (CRIFPE)1 e da International Study

Association on Teachers and Teaching (ISATT)2 que teceram provocações pertinentes

sobre o projeto de pesquisa.

Aos grupos formados na Faculdade de Educação Física da Unimesp - FIG FEFE e

FEFEF - Dani, Elimar, Luciano, Quel, Teté e Aline -, gratidão pela amizade

verdadeira.

11 Página do Crifpe http://www.crifpe.ca/ 22 Página do ISATT https://www.isatt.net/

Page 7: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

Aos meus amigos do grupo Professores & Pesquisadores 3- André, Angela, Carla, Jezz,

Leandro, Luizito, Luciana, Luciano, Rosângela, Tiemi todos/as são importantes nesta

conquista. A diversidade só nos fortalece.

Aos meus amigos do grupo Laboratório de Estudos sobre Violência, Cultura e

Juventude - Violar (Unicamp)4 pela partilha e compreensão em minhas ausências

decorrentes do trabalho, muitas vezes em excesso.

Aos meus amigos do Núcleo de Investigação e Práticas em educação nos espaços de

restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5 especialmente à Elenice

Onofre, minha orientadora.

Aos que militam na socioeducação - Rubia Quinelatto, Joana Darc Teixeira, Vilma

Moreira, Lilian Moura, Maria Nilvane, Glória Cardozo - vamos em frente!!!

Aos que com tanto carinho contribuíram para a existência desta tese. Mônica Santos

que revisou com riqueza de detalhes; Doiara Santos e Elena Aviléz que gentilmente me

apoiaram na tradução dos resumos.

Aos amigos - alunos, professores, administrativos - que fiz na Universidade do Estado

da Bahia-UNEB.

Aos amigos que fiz nas diversas escolas que lecionei: Dom Bosco, Bom Pastor, Érico

Veríssimo, August Stauder, Esli Garcia, Ary Gomes, Vitorelli, Perimetral.

Aos amigos e colegas de trabalho do Senac São Paulo e da Rede Senac EAD.

À equipe do Programa de Pós-Graduação em Educação da Unicamp que faz tudo como

muita atenção e sorriso no rosto. Meus agradecimentos.

Aos amigos e às amigas que a vida me presenteou.

À minha família, minha base.

3 Páginas do Grupo Professores-pesquisadores:

https://br.groups.yahoo.com/neo/groups/professorespesquisadores/info e

https://www.facebook.com/groups/484996871539223/?fref=ts 4 Páginas do Violar: https://br.groups.yahoo.com/neo/groups/violar/info e

https://www.facebook.com/groups/252522194936531/?fref=ts 5 Página do Educárceres https://www.facebook.com/educarceres/?fref=ts

Page 8: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

CONCEIÇÃO, Willian Lazaretti da. Histórias de vidas que se unem: a professora, o

professor e os [elos com os] jovens infratores. 136f. Tese (Doutorado em Educação).

Campinas - SP: Universidade Estadual de Campinas, 2017.

Resumo

A educação escolar tem enfrentado desafios cada vez mais difíceis de serem vencidos e

pelo menos dois deles têm relação com esta pesquisa, sendo o primeiro a dificuldade,

principalmente na área de humanas, em se conseguir aulas para preenchimento

completo da jornada docente nas escolas da rede pública estadual, e o segundo a falta de

condições para o exercício da profissão em muitas dessas escolas, colaborando para que

os professores busquem alternativas no sistema de ensino da Fundação CASA. O

objetivo deste trabalho é analisar as histórias de vidas dos/as professores/as, buscando

identificar fragmentos que os/as aproximem e/ou distanciem dos/as adolescentes/as em

conflito com a lei. Para tanto, utilizamos a metodologia da história oral proposta pelo

Núcleo de Estudos em História Oral - NEHO/USP, que pressupõe além da entrevista, a

transcrição, textualização e transcriação na passagem do oral para o escrito. Foram

entrevistados/as nove professoras e três professores que lecionaram para jovens em

privação de liberdade. A análise se deu tecendo um entrelaçamento entre as histórias das

professoras e professores perpassando temas como família, preconceito, trabalho, raça e

evidenciou que as experiências de vida das/os professoras/es não apresentam relação

direta com o ingresso na docência em classes da escola da Fundação CASA, mas

contribuem para a permanência e tentativa de ensinar aos jovens marginalizados

mantendo acesa uma esperança de que com ajuda os jovens consigam fazer outras

escolhas.

Palavras-chave: História oral; Professor; Escola; Jovem Infrator; Educação;

Transcriação.

Page 9: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

CONCEIÇÃO, Willian Lazaretti da. Stories of lives that come together: the female

teacher, the male teacher and the [links with the] young offenders. 136p. Thesis (PhD

in Education). Campinas-SP: Universidade Estadual de Campinas, 2017.

Abstract

School education has faced challenges increasingly difficult to overcome and, at least

two of them, are related to this research, the first being the difficulty, mainly in the

humanities, in the assignment of classes to fill out the teacher’s workhours in public

schools from the federal and state governments, and the second being the lack of

conditions for the practice of the profession in many of these schools, leading teachers

to seek alternatives in the “Fundação CASA” teaching system. This work aimed to

analyze such teachers’ life stories, searching for fragments which link/or distance them

from adolescents in conflict with the law. To do so, we used the oral history

methodology proposed by the Center for Oral History Studies - NEHO / USP, which

presupposes, besides the interview, the transcription, textualization and “transcreation”

in the passage from oral to written. Nine female teachers and three male teachers who

taught young people in deprivation of liberty were interviewed. The analysis was based

on an interweaving between the teachers' life stories covering themes such as family,

prejudice, work and race, and showed that the life experiences of the teachers do not

present any relation to their admission to teaching in Fundação CASA, but they

contribute to the teachers' permanence and their attempt to teach the marginalized

youngsters, while maintaining hope that, with help, young people will be able to make

other choices.

Key words: Oral history; Teacher; Education; Young Offender; Transcreation.

Page 10: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

CONCEIÇÃO, Willian Lazaretti da. Historias de vidas que se reúnen: la maestra, lo

maestro y los [vínculos con] jóvenes deliquentes. 136h. Tesis (Doctorado en

Educación). Campinas-SP: Universidade Estadual de Campinas, 2017.

Resumen

La educación escolar ha enfrentado desafíos cada vez más difíciles de superar y, al

menos dos de ellos están relacionados con esta investigación, siendo la primera

dificultad, principalmente en humanidades, la asignación de clases para llenar las horas

de trabajo de los profesores federales y estatales, y la segunda es la falta de condiciones

para el ejercicio de la profesión en muchas de estas escuelas, llevando a los docentes a

buscar alternativas en el sistema de enseñanza de la "Fundación CASA". El objetivo de

este trabajo fue analizar las historias de vida de estos/as profesores/as, buscando

fragmentos que los vinculen o distancien de los/las adolescentes en conflicto con la ley.

Para ello, se utilizó la metodología de historia oral propuesta por el Centro de Estudios

de Historia Oral - NEHO / USP, que presupone, además de la entrevista, la

transcripción, textualización y "transcreación" al pasar de oral a escrito. Se

entrevistaron a nueve maestras y tres maestros que enseñaban a los/las jóvenes en

privación de libertad. El análisis se elaboró entrelazando las historias de vida de los/las

profesores/as sobre temas como la familia, el prejuicio, el trabajo y la raza, y mostró que

las experiencias de vida de los profesores no tienen relación con su admisión a la

docencia en la Fundação CASA, pero contribuyen a la permanencia de los docentes y a

su intención de enseñar a los jóvenes marginados, manteniendo la esperanza de que, con

ayuda, los jóvenes puedan tomar otras decisiones.

Palabras clave: Historia Oral; El maestro; La educación; Jóvenes delicuentes;

Transcreación.

Page 11: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

Lista de abreviaturas e siglas

CI – Centro de Internação

Conanda – Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente

Conpefe – Congresso Paulistano de Educação Física Escolar

E. E. – Escola Estadual

ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente

FEBEM – Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor

Fundação CASA – Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente

Gefer – Grupo de estudos e pesquisas em educação física numa perspectiva reflexiva

IES – Instituição de Ensino Superior

SDH – Secretaria de Direitos Humanos

SEE – Secretaria Estadual de Educação

Sinase – Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo

TCC – Trabalho de Conclusão de Curso

Unimesp – Centro Universitário Metropolitano de São Paulo

Page 12: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

Lista de Fotos

Foto 1 – Térreo de um Centro de Internação – Willian Lazaretti

Foto 2 – Abenilda – Acervo da colaboradora

Foto 3 – Ana Luiza – Acervo pessoal da colaboradora

Foto 4 – Carla – Acervo pessoal da colaboradora

Foto 5 – Cícero – Acervo pessoal do colaborador

Foto 6 – Cilene – Acervo pessoal da colaboradora

Foto 7 – Cilene – Acervo pessoal da colaboradora

Foto 8 – Ester – Acervo pessoal da colaboradora

Foto 9 – Luiza – Acervo pessoal da colaboradora

Foto 10 – Maria Lala – Acervo pessoal da colaboradora

Foto 11 – Neuda – Acervo pessoal da colaboradora

Foto 12 – Mateus – Acervo pessoal do colaborador

Foto 13 – Mateus e Zion – Acervo pessoal do colaborador

Foto 14 – Sinhá – Acervo pessoal da colaboradora

Foto 15 – Entrevista com Sinhá – Willian Lazaretti

Foto 16 – Walnir – Acervo pessoal do colaborador

Foto 17 – Reencontro com Analu – Willian Lazaretti

Foto 18 – Reencontro com Abenilda – Willian Lazaretti

Foto 19 – Reencontro com Ester – Willian Lazaretti

Foto 20 – Reencontro com Cícero – Willian Lazaretti

Foto 21 – Reencontro com Walnir – Willian Lazaretti

Foto 22 – Reencontro com Mateus – Willian Lazaretti

Foto 23 – Reencontro com Neuda – Willian Lazaretti

Foto 24 – Reencontro com Luiza – Willian Lazaretti

Foto 25 – Reencontro com Maria Lala – Willian Lazaretti

Foto 26 – Reencontro com Carla – Willian Lazaretti

Page 13: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

Lista de Gráficos

Gráfico 1 – Adolescentes e jovens por sexo – Total Brasil (2013)

Gráfico 2 – Adolescentes e jovens por faixa etária em restrição e privação de liberdade

– Total Brasil (2013)

Gráfico 3 – Porcentagem de adolescente e jovens por raça/cor em restrição e privação

de liberdade – Total Brasil (2013)

Gráfico 4 – Adolescentes e jovens em restrição e privação de liberdade – Total Brasil

(2013)

Gráfico 5 – Adolescentes e jovens em restrição e privação de liberdade por unidade

federativa (2013)

Page 14: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

Sumário

Introdução ..................................................................................................................... 13

Elos iniciais da minha história ..................................................................................... 14

A Fundação CASA ....................................................................................................... 20

O jovem em conflito com a lei e com o espaço escolar .............................................. 25

Caminho metodológico ................................................................................................. 37

1 – Capítulo I: Transcriações ..................................................................................... 44

Abenilda Gomes Procópio de Moura ............................................................................. 45

Eu estou aqui porque eu quero, e vou vencer, não é porque eu fui bem-criada não

Ana Luíza Calmon .......................................................................................................... 49

O conhecimento te deixa um ser melhor, um ser mais forte, um ser mais criativo,

um ser que sofre menos

Carla Silva Souza ........................................................................................................... 53

Jamais abandonaria minha filha, nem para ficar com minha mãe, é minha se

alguém quiser ficar comigo terá que ficar com minha filha se não for assim não

quero

Cícero Nogueira Araújo.................................................................................................. 57

Bastava meu pai olhar pra gente. Se ele tivesse conversando e olhasse pra você,

era como se dissesse você não é bem vindo aqui, a conversa é pra adulto, mas ele

não precisava falar

Cilene Silva Santana. ...................................................................................................... 61

Eu acredito em Deus e tudo é colocado na hora certa em nossa vida. Hoje olhando

para trás eu acredito que virei mãe de verdade lá dentro aprendi a falar não para os

meus filhos, eu era muito permissiva

Ester Alves ...................................................................................................................... 67

Eu tenho prazer de falar do meu trabalho na Fundação, eu gosto de falar, da minha

pouca, mas grandiosa experiência na Fundação

Luiza Virgílio ................................................................................................................. 71

Gosto bastante de dar aula para eles... muitas vezes, você tem que ser o professor,

a mãe, a tia

Maria Lala....................................................................................................................... 77

Eu sou assim, traço a meta e eu chego

Page 15: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

Maria Neuda ................................................................................................................... 82

Sou insistente, eu não desisto no primeiro obstáculo

Mateus Fernandes dos Santos ......................................................................................... 88

Na capoeira fiz vários amigos, fiz faculdade graças à capoeira, tem pessoas que

são como irmãos que conheço há quinze anos

Sinhá Oliveira ................................................................................................................. 93

Eu acredito na transformação do ser humano

Walnir Rodrigues ............................................................................................................ 97

Se for pra desistir, desista você, eu não vou desistir de você não

2 – Capítulo II: Reencontros ..................................................................................... 102

3 – Capítulo III: Entrelaçamentos ............................................................................ 111

Algumas considerações finais .................................................................................... 121

Referências .................................................................................................................. 128

Referências das entrevistas ........................................................................................ 133

Anexo A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ........................................... 135

Anexo B – Carta de Cessão .......................................................................................... 136

Page 16: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

Introdução

Às vezes, ou quase sempre, lamentavelmente, quando pensamos ou nos perguntamos

sobre a nossa trajetória profissional, o centro exclusivo das referências está nos cursos

realizados, na formação acadêmica e na experiência vivida na área de profissão. Fica

de fora como algo sem importância a nossa presença no mundo. É como se a atividade

profissional dos homens e das mulheres não tivesse nada que ver com suas experiências

de menino, de jovem, com seus desejos, com seus sonhos, com seu bem-querer ao mundo

ou com seu desamor à vida. Com sua alegria ou com seu mal-estar na passagem dos dias

e dos anos. Na verdade, não me é possível separar o que há em mim de profissional do

que venho sendo como homem6.

6 Freire (2001, p. 79-80).

13

Page 17: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

14

A presente pesquisa vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da

Universidade Estadual de Campinas/Brasil, busca ouvir as histórias de professoras e

professores que lecionam ou lecionaram para jovens em conflito com a lei.

A começar pelo título que balizará a leitura desta tese: Histórias de vidas que se

unem, neste caso, a história oral7 compreendida para além de uma técnica, e, as histórias

aqui narradas são de professoras/es e de jovens que em alguma fase da adolescência

cumpriram medida socioeducativa de privação de liberdade. Os elos criados serão

evidenciados no decorrer de todo o (con)texto das histórias, experiências e vivências

dos/as jovens e das/os professoras/es nos aproximando pelos (dis)sabores das

experiências e, principalmente, no que diz respeito as professoras/es pela capacidade de

terem uma imaginação sociológica (MILLS, 1975), cooperação (SENNETT, 2012a),

autoridade (SENNETT, 2012b) e pelo respeito (SENNETT, 2004).

Na pesquisa apresento a minha trajetória de vida até chegar à docência para

jovens em conflito com a lei, meus primeiros elos criados antes e durante o ingresso na

Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente - Fundação CASA.

Os/as colaboradores/as aparecem nesse momento, à medida que vou me dedicando ao

trabalho socioeducativo, e apresentando as circunstâncias nas quais os/as conheci.

Elos iniciais da minha história

Retornar. Rememorar. Recordar. Enquanto Florestan Fernandes (1995) preferia

abordar assuntos coletivos a falar de si, eu tento a difícil tarefa de falar das experiências

que vivi e que vivo para compreender os assuntos coletivos e a maneira como eles

afetam a minha história, as nossas histórias.

Nascido em treze de junho de mil novecentos e oitenta e sete em São Paulo e

criado em Guarulhos, fui o terceiro filho de Vera Lucia Lazaretti e apenas mais um na

conta do meu pai Marcos Antônio da Conceição – elo não constituído – mais um a ser

criado por uma família monoparental, neste caso bem-criado por mãe, irmãos e

familiares próximos, meu primeiro elo.

De origem modesta, minha mãe trabalhava em fábrica metalúrgica e eu ficava

boa parte do tempo com minha irmã, nove anos mais velha que eu e com meu irmão

dois anos mais novo que ela. Além deles, às vezes, a minha avó materna vinha

7 Os detalhes do método constam no Caminho metodológico.

Page 18: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

15

“supervisionar a casa” para ver se estava tudo bem, afinal, eram duas crianças cuidando

de outra.

Fui à escola desde muito cedo: com quatro anos, comecei a educação infantil.

Tudo era festa, pintura, desenho, colagem e brincadeiras tanto na escola como na

pequena e estreita rua sem saída onde morei a maior parte da minha vida.

Depois de concluir a educação infantil, estudei o ensino fundamental I em uma

escola estadual chamada João Crispiniano Soares. Gostava muito de estudar lá, onde

tive ótimas professoras, das quais me recordo até hoje. Aí se firmou mais um elo.

Recordo dos nomes delas, da primeira à quarta série respectivamente, Maria Liguori

Pesce, Denise Sampaio, Maria Aparecida Laranjeira, Santina Guarino e Elisa – que

ficava com a nossa turma sempre que uma das professoras regulares (as quatro

primeiras citadas) faltava.

Sem repetir nenhuma série, passei para o ensino fundamental II, foi logo quando

houve a divisão de séries entre as escolas antigamente chamadas de Escola Estadual de

Primeiro e Segundo Grau. Então, tive de mudar para uma escola que tivesse as séries

correspondentes. Assim, fui para a Escola Estadual Érico Veríssimo, duas vezes mais

longe que a primeira escola. Nesta, comecei a treinar voleibol já na quinta série e a

representar a escola como capitão da equipe nos jogos escolares da cidade, criou - se um

elo duplo: Érico Veríssimo e voleibol.

Penso que foi por conta das vivências nesta escola o motivo pelo qual decidi ser

professor. Tive bons exemplos de professores, com boas práticas e que tinham

comprometimento e dedicação com o ato de ensinar. Outros exemplos, como diz Cunha

(1989), serviram-me para refutar e fazer diferente. Professoras e professores que

marcaram a minha trajetória escolar foram: Berenice Santiago, José Natalino, Cláudia

Picco, Claudemir Félix, Nilza Rosana, Roberta Dantas, Nelice, Marta Cardoso.

O trabalho começou aos 15 anos: trabalhava para uma microempresa que

produzia brindes e, apesar de ser o mais jovem da turma, era um dos mais responsáveis

e, por isso, logo passei a exercer outras funções administrativas. Com o trabalho, por

um ano, tive dois elos rompidos, com o Érico e com o vôlei. Mudei de turno, escola e

parei de treinar para conseguir “grana”. Entretanto, considero que dei um passo

importante para a minha formação.

Page 19: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

16

Voltei ao vôlei, agora treinando e jogando pelo município de Guarulhos e por

núcleos esportivos da prefeitura. A convivência8 com os amigos do vôlei proporcionou

um espaço de troca, de diálogo e companheirismo, histórias diferentes, problemas

similares e vontade de vencer que nos uniam e faziam seguirmos firmes pela trilha

esportiva, portanto, distante do mundo do tráfico e do uso das drogas ilícitas, os quais

aumentavam e caminhavam muito próximos à nossa realidade. Com a carga excessiva

de treinamento tive um problema no joelho e foi necessário parar de treinar e jogar

voleibol quando estava no segundo ano do ensino médio.

No terceiro ano, decidi trabalhar, já que não poderia mais jogar vôlei tão cedo,

mas tinha o objetivo de continuar estudando de manhã, por saber que no período

matutino a organização da escola e das aulas era melhor, assim como o interesse geral

da turma e disposição dos professores que estavam ainda em sua primeira jornada de

trabalho. Busquei um emprego que atendesse a essa premissa e comecei a trabalhar

como operador de telemarketing em uma autoescola, emprego que saí como subgerente.

Depois de concluir o ensino médio, ingressei no curso de Licenciatura em

Educação Física no Centro Universitário Metropolitano de São Paulo, antiga Faculdades

Integradas de Guarulhos, instituição privada de ensino superior no próprio município, e

na mesma época fui promovido para recepcionista, passando a ter um salário melhor.

Trabalhar o dia inteiro das 8 às 18 horas e estudar das 19 às 23 horas era bastante

cansativo, mas sobrevivi e sei que, se fosse necessário, eu repetiria todo esforço

novamente, pois estou feliz com os resultados até o momento obtidos.

Nesse período, vivenciei na faculdade a transição de currículos – a qual

aconteceu em diversas instituições –, as disputas e os debates entre docentes para definir

as disciplinas que fariam parte do currículo, as diferenças e opções entre licenciatura ou

bacharelado, mudanças que definiriam qual o rumo a instituição percorreria nos anos

seguintes. Interesses políticos e pessoais não ficaram de fora dos entraves, professores

queriam manter suas disciplinas, outros lutavam pela coordenação do curso e nós –

alunos – recém-egressos do ensino médio, pouco entendíamos sobre tudo que acontecia,

mas sentíamos um desgaste por parte de alguns docentes que se desmotivaram com o

desenvolver da história; alguns até saíram da instituição.

8 A palavra convivência, por seu prefixo “com”, introduz a ideia de uma pluralidade e ao mesmo tempo a

ideia de uma relação complementar dentro desta pluralidade. De fato, esta pluralidade está constituída

pelo conteúdo da raiz “vivência. CECIES. Disponível em: <http://www.cecies.org/articulo.asp?id=247>.

Acesso em: 27 nov. 2016, tradução nossa. No original, “La palabra convivencia el prefijo “con” introduce

la idea de una pluralidad y al mismo tiempo la de una relación complementaria dentro de esta pluralidad.

Justamente, esta pluralidad está constituida por el contenido de la raíz “vivencia”.

Page 20: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

17

Na graduação, criei mais um elo: as amizades que levo no coração e o amor pela

educação – que ficou ainda mais fortalecido. No último ano, comecei a realizar

pesquisas com o “Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Física numa Perspectiva

Reflexiva” (Gefer). Com a participação no Grupo, veio também o primeiro congresso

externo à faculdade: Congresso Paulistano de Educação Física Escolar – Conpefe, no

qual apresentamos os trabalhos: Oficina de Tendências Pedagógicas da Educação

Física – Práticas Corporais Alternativas e O Estágio Supervisionado e sua Importância

para Acadêmicos do 5º Semestre do Curso de Licenciatura em Educação Física.

Ambos foram frutos de pesquisas realizadas na própria instituição, com nossos colegas

do curso de Educação Física. Participo desse evento até hoje, agora na condição de

palestrante.

Com a participação no Gefer comecei a entender e a gostar do universo da

pesquisa acadêmica, motivando-me a realizar o meu Trabalho de Conclusão de Curso

(TCC) com crianças do ensino fundamental I abordando o processo de ensino e

aprendizagem da dimensão conceitual de conteúdos relacionados aos aspectos

fisiológicos e as modificações decorrentes das vivências nas aulas de Educação Física.

Posteriormente, apresentei esse trabalho em eventos específicos da área, foi quando

conheci o Grupo de Professores-Pesquisadores em Educação Física. Trata-se de um

grupo sem vínculo institucional que se reúne uma vez por mês para estudar, dialogar e

construir caminhos coletivamente na tentativa de superar os entraves dos processos

educativos desenvolvidos nas diferentes realidades dos membros do grupo. Permaneço

neste grupo até hoje e ele muito me acrescenta profissional e pessoalmente, pois temos

um forte vínculo de amizade. Lá também buscamos superar a rotina do trabalho, que

impede o exercício reflexivo e favorece o isolamento entre os pares diante da

burocratização do espaço escolar.

Dezembro de 2007. Enfim, formado! Voltei ao chão da escola E. E. Érico

Veríssimo local onde tinha cursado o ensino fundamental II e ensino médio, agora na

condição de professor eventual, também conhecido como professor substituto. Foi uma

sensação muito gostosa, poder trabalhar com os meus professores. Mas enfrentei

algumas resistências por parte dos alunos, porque eles estavam (mal) acostumados a

sempre serem levados a quadra se algum professor faltasse, independente do

componente curricular ministrado por esse professor. Eu pensava diferente. Esforçava-

me para lecionar o conteúdo que correspondesse àquela aula, pois eu sabia a falta que

isto faria mais adiante. Eles resistiam em não prestar atenção no que eu tentava ensinar e

Page 21: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

18

eu resisti em não os levar à quadra para simplesmente não fazerem nada ou

atrapalharem a aula do professor que ocupava a quadra com sua turma naquele

momento. Essa dinâmica se estendeu por dois meses, até que eu participei do processo

seletivo para ingressar como docente na Fundação Centro de Atendimento

Socioeducativo ao Adolescente (CASA), que eu mal sabia o que era.

Nesse trabalho, também será possível compreender como faço uso da história

oral enquanto método de pesquisa e a especificidade em recriar e utilizar a transcriação,

uma das etapas do procedimento metodológico adotado para a pesquisa.

No capítulo I, denominado Transcriações, faço uma breve descrição sobre o

momento das entrevistas, as minhas percepções sobre as posturas das/os

colaboradoras/es. Em seguida, vocês poderão apreciar como em cada transcriação se

pensa e se busca refletir o momento das entrevistas, sobretudo a história narrada pelo/a

professor/a.

Tão importante quanto o encontro inicial para a realização das entrevistas, é a

devolutiva das entrevistas, momento que, no capítulo II, aparece com o título

Reencontros, por ser algo mais profundo do que uma validação da participação e do que

fora produzido. No reencontro, estão localizados os elos entre pesquisador e

colaboradoras/es que transcendem a ação de pesquisar sobre e passam a ser pesquisar

com.

À ação de estabelecer conexões entre as/os professoras/es e em alguns

momentos com os/as jovens aparece no capítulo III, sob o nome de Entrelaçamentos.

Aqui se encontram histórias que se aproximam e se distanciam no cotidiano do sendo –

uns – com – os – outros – no – mundo (FREIRE, 2005).

E, por fim teço Algumas considerações finais que retomam os objetivos da

pesquisa evidenciando os aspectos que aproximam e que distanciam as histórias de

vidas de professoras/es e jovens, apresentando também as especificidades do exercício

na docência para jovens privados de liberdade.

A partir dessas vivências, experiências e inquietações, tracei o seguinte objetivo

geral analisar as histórias de vida das/os professoras/es, buscando identificar nestas

histórias fragmentos que os aproximem e/ou distanciem dos adolescentes em conflito

com a lei. Os objetivos específicos desdobram-se em: analisar os aspectos que

contribuem para o ingresso e a permanência do docente em espaços de controle e de

privação de liberdade; identificar quais as especificidades da profissão docente com

Page 22: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

19

alunos/as em privação de liberdade e os aspectos que afetam/impactam as relações entre

professor e aluno, considerando o contexto educativo em que vivem.

Refletindo sobre a minha própria história de vida, em contato direto com jovens

em privação de liberdade, e com docentes que lecionam nesse contexto, algumas

inquietações surgiram, como por exemplo: o que aproximou professores à escola da

Fundação CASA, haja vista não haver diferenças salariais entre professores das escolas

regulares e da Fundação? Quais são os aspectos que contribuem para a permanência na

docência exercida para alunos/as em privação de liberdade? Quais são as singularidades

do processo de ensino e de aprendizagem neste contexto? Como as histórias de vida

podem contribuir neste processo? Qual seria o caráter propositivo da pesquisa para o

campo da educação a partir das configurações que emergem de tais relações?

Retomando os elos iniciais dessa história apresento a seguir uma

contextualização da Fundação CASA abordando o arcabouço jurídico, as práticas

sociais dos jovens dando ênfase ao ensino formal, local onde conheci as/os

colaboradoras/es dessa pesquisa.

Page 23: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

20

A Fundação CASA

Foto 01 – Térreo de um Centro de Internação – Willian Lazaretti

A Fundação CASA foi instituída por meio da Lei nº 12.469, de 22 de dezembro

de 2006 (SÃO PAULO, 2006). Ela é uma instituição vinculada à Secretaria de Estado

da Justiça e da Defesa da Cidadania, tendo como missão primordial aplicar medidas

socioeducativas de acordo com as diretrizes e normas previstas no Estatuto da Criança e

do Adolescente (ECA), Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (BRASIL, 1990), e no

Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo instituído pela Lei Federal nº

12.594/2012, de 18 de janeiro de 2012 (BRASIL, 2012).

Ela é responsável pela assistência a jovens – infratores/as – de 12 a 21 anos

incompletos em todo o Estado de São Paulo. Eles/as estão inseridos nas medidas

socioeducativas de privação de liberdade (internação) e semiliberdade. As medidas –

determinadas pelo Poder Judiciário – são aplicadas de acordo com o ato infracional

praticado e a idade dos/as adolescentes.

Considero que a história da infância e da juventude pode ser dividida em duas

etapas, antes e depois do ECA e, este trabalho adota como recorte a segunda etapa,

refletindo sobre o atendimento socioeducativo amparado pelo ECA. Nesse sentido,

adoto como referência o entendimento de jovem descrito no segundo artigo do ECA:

“considera – se criança, para os efeitos desta lei, a pessoa até doze anos de idade

Page 24: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

21

incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade”, optei por utilizar

esta definição tendo em vista que todo o atendimento socioeducativo no Brasil é

pautado pelo ECA e Sinase.

O Sinase é também regido pelos artigos referentes à socioeducação do ECA,

pela Resolução nº 119/2006 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do

Adolescente (Conanda) e pelo Plano Nacional de Atendimento Socioeducativo

(Resolução nº 160/2013 do Conanda).

O artigo 53 do ECA diz que:

a criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno

desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania

e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes:

I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

II – direito de ser respeitado por seus educadores;

III – direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às

instâncias escolares superiores;

IV – direito de organização e participação em entidades estudantis;

V – acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência.

Visando ao atendimento aos artigos anteriormente mencionados, a Fundação

CASA criou três superintendências: pedagógica, saúde e segurança. A superintendência

pedagógica é responsável pelas áreas da educação escolar, educação profissional, arte e

cultura, e educação física e esportes; cada uma dessas áreas possui uma gerência.

A gerência de arte e cultura, responsável pela gestão de convênios, busca

encontrar parceiros para a execução das atividades culturais, além de orientar e

controlar as ações propostas e desenvolvidas pelos próprios CI. Tem por objetivo

estabelecer procedimentos visando à organização e padronização e ao controle das

ações culturais desenvolvidas no CI e por ele.

Essa padronização implica numa regulação das atividades que, por ventura,

possa causar uma redução da diversidade cultural. Ou seja, os CI devem desenvolver

suas práticas atendendo às áreas indicadas pela gerência, o que pode restringir a oferta

de uma determinada atividade, a qual pode ser significativa em uma determinada

região, mas não ser desenvolvida por não se encaixar na área delimitada.

Page 25: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

22

Em um dos Centros onde eu trabalhava, havia a oficina de capoeira e foi nessa

ocasião que conheci o professor Mateus. Antes dele ingressar como professor do

ensino formal, ele já ministrava oficinas de capoeira vinculada à gerência de arte e

cultura.

A gerência escolar é responsável pelos procedimentos que devem ser realizados

para garantir a educação escolar nos CI. Um aspecto interessante é que o quadro de

professores/as não pode ser constituído por professores/as efetivos/as, devido à abertura

e ao fechamento de salas a qualquer época do ano, conforme a demanda de

adolescentes, sua faixa etária e nível de ensino em que se encontram.

A lei do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (BRASIL,

2012), em seu artigo oitavo, presume que os Planos de Atendimento

Socioeducativo deverão, obrigatoriamente, prever ações articuladas

nas áreas de educação, saúde, assistência social, cultura, capacitação

para o trabalho e esporte, para os adolescentes. Além de estabelecer

como este procedimento deve acontecer. Sendo assim, as Secretarias

Estaduais de Educação (SEE) são responsáveis pela execução da

educação escolar dos adolescentes em situação de privação de

liberdade, aspecto este que alguns estados já desenvolviam, dentre

estes o Estado de São Paulo (CONCEIÇÃO, 2013, p.74).

A parceria entre as secretarias prevê que a SEE disponibilize uma escola, de

preferência, a mais próxima ao CI, para ser a escola vinculadora. Na prática, isso

significa que os alunos e professores terão seus processos burocráticos – como

matrícula de alunos, atribuição de aulas e outros – administrados por ela.

A minha inserção profissional na Fundação CASA teve início em 2008, como

professor de educação física no ensino formal, expressão utilizada para a educação

escolar. Esta foi uma iniciação em dose dupla: iniciava na docência com classe a mim

atribuída, ou seja, a primeira experiência enquanto responsável pela condução da turma

desde o início do não e iniciava também na docência para jovens em privação de

liberdade, um contexto totalmente peculiar. Como eram poucas aulas, busquei outras

escolas para poder trabalhar e aumentar a renda, acumulando trabalhos em quatro

escolas diferentes, a E. E. Cel. Ary Gomes, E. E. Pe. August Johannes Ferdinandus

Stauder, Colégio Vitorelli e a própria Fundação CASA, somando mais de 60h de

trabalho por semana.

Participei de uma atribuição de classes para a Fundação, sem concorrência

alguma para as aulas de educação física. Isto significa que, sim, eu fui o único professor

Page 26: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

23

interessado a comparecer para a atribuição das aulas da área na Fundação CASA.

Ingressei. Logo nos primeiros dias conheci a professora Neuda e o professor Cícero,

éramos em poucos/as professores/as e ainda estava faltando atribuição de algumas

disciplinas. A Neuda foi a minha “mentora” de Fundação, aquela que deu todas as dicas

de como me portar e interagir com os alunos, o que fazer ou não, afinal ela estava na

instituição desde quando a Fundação se chamava Fundação Estadual do Bem-Estar do

Menor – FEBEM, criada em 1976.

A cada dia me via mais fascinado pelo trabalho com os jovens que estavam na

condição de infratores. Enfrentei, porém, muitos desafios, dentre eles, a suspeita de que

eu era proveniente de uma classe social favorecida. Branco, de olhos verdes, gestos

educados. Mal sabiam quão enganados eles estavam. Foi nessa dinâmica que a minha

história de vida começou a fazer sentido. No diálogo com esses jovens pude perceber

que poderia ser um verdadeiro educador para a vida, porque “testemunhando

objetivamente sua história, mesmo a consciência ingênua acaba por despertar

criticamente, para identificar-se como personagem que se ignorava e é chamada a

assumir seu papel”9.

Eu era o detentor do saber, afinal eu tinha uma faculdade e o que eu ensinaria

seria o que tinha de mais importante para a vida de cada um. Pobre de mim. Recém-

formado e cheio de ideias, tive dificuldade para lecionar nas primeiras semanas e me

deparei com muita resistência, pois os jovens10 queriam apenas praticar futsal, enquanto

eu desejava que explorassem as mais diversas práticas corporais.

Nas buscas para entender melhor o local onde eu estava lecionando, me deparei

com a dificuldade na relação do/a jovem com o espaço escolar, a qual está a cada dia

mais sem “sabor”. Os/as professores/as também enfrentam dificuldades no espaço

escolar, pois muitas práticas promovidas na escola e por ela não são compreendidas

como relevantes pelos jovens, de modo que espaço escolar se torna um local de

encontro entre amigos e não necessariamente espaço para o aprendizado dos conteúdos

do currículo escolar (CECCHIA, 2006; DIAS, 2011; QUINELATTO-CAPARRÓS,

2013).

Não adentrarei neste escopo, uma vez que há outros pesquisadores

(VENÂNCIO, 2014; VENÃNCIO e col., 2016) se debruçando sobre a relação entre os

atores e atrizes da comunidade escolar e o currículo, entretanto não poderia deixar de

9 Ernani Maria Fiori no prefácio de Pedagogia do oprimido (FREIRE, 1987, p.8). 10 A minha primeira experiência foi no CI destinado ao sexo masculino.

Page 27: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

24

mencionar, pois este é um dos fatores que contribuem para o/a jovem se afastar da

escola e se aproximar dos atos delitivos (ROLIM, 2014). Aqui estou me referindo,

predominantemente, ao/a pobre, negro/a e de periferia, sem desconsiderar os/as jovens

de classe média e alta que apresentam bom desempenho escolar e também cometem

atos infracionais como assassinar indígenas, prostitutas, negros e homossexuais. Ainda

temos muito que caminhar para entender o que e como acontece, quais as direções a

serem tomadas, uma vez que não acredito que seja possível e viável padronizar

currículos, posturas e projetos, sem considerarmos a multiplicidade de variáveis e a

complexidade de um sistema de ensino num país como o nosso.

Existem alguns fatores que contribuem para o distanciamento entre o/a

adolescente e o espaço escolar que, em alguns casos, são determinantes para que o/a

jovem entre em conflito com a lei. Em pesquisa realizada por Assis (2001) com

adolescentes infratores, mais de 70% dos jovens entrevistados já haviam abandonado os

estudos. As principais alegações dos jovens eram a necessidade de trabalhar e a

dificuldade de conciliar escola e trabalho, o desentendimento com professores/as e

colegas e, ainda, as constantes reprovações, as dificuldades de aprendizagem,

instabilidade nas moradias, problemas emocionais e de saúde.

A defasagem no eixo pedagógico interfere também no desenvolvimento dos

cursos de educação profissional básica. Utiliza-se esta nomenclatura (educação

profissional básica), devido à baixa carga horária e ao espaço físico nem sempre

adequado – o qual não conta com todos os recursos necessários a um curso

profissionalizante –, característicos desses cursos. Para melhores resultados, seria

necessário também que os/as adolescentes já tivessem concluído o ensino médio. Dessa

maneira, a qualificação profissional básica ou inicial pode ser um amplo universo de

possibilidades de atendimento à população, no que tange à educação para o trabalho

e/ou iniciação para o mundo do trabalho.

Vivenciei essas dificuldades de perto, principalmente, quando assumi a

coordenação pedagógica de um CI. Passei a ser o responsável pela gestão das atividades

escolares, de educação profissional, arte e cultura, educação física, programa de

assistência religiosa e fazia questão de entrevistar todos os jovens que chegavam ao CI

para conhece-los e apresentar a eles a dinâmica do espaço onde estavam adentrando.

Nessa função, eu participava do processo de seleção dos professores do ensino

formal, e foi neste momento que conheci mais de perto os demais colaboradores desta

pesquisa as professoras Abenilda, Ana Luiza, Carla, Cilene, Estelita, Luiza, Maria Lala

Page 28: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

25

e o professor Walnir. Com a professora Neuda e os professores Cícero e Mateus eu

havia trabalhado logo no início de carreira na Fundação CASA. A única com quem não

trabalhara como par foi a professora Sinhá, que à época também trabalhava como

coordenadora pedagógica em um CI que atendia apenas às jovens em conflito com a lei.

O sentido de colaboração aqui proposto não percebe as pessoas como objetos de

estudo, mas como propõe Oliveira e col. (2014a) são participantes da pesquisa que co-

laboram com a investigação realizada. Ainda sobre o uso do termo colaboração nesta

pesquisa, trazemos a contribuição de Meihy e Ribeiro (2011), pois no caso da história

oral o interlocutor está no centro gerador de visões, ele transcende o papel ou função de

fornecedor de dados, de transmissor de informações, isso não significa, porém, que

entrevistador e entrevistado tenham o mesmo trabalho, mas que ambos são sujeitos

ativos e tem como proposito a elaboração de um saber.

Com tamanha responsabilidade, o meu espírito investigativo aumentou em

decorrência da minha postura de professor-pesquisador, mas identifiquei que a pesquisa

e produção de literatura específica sobre a educação escolar de jovens privados de

liberdade eram e ainda são precárias, pois a própria entrada do pesquisador na

instituição não é fácil, o que dificulta a inserção e realização de pesquisas nesta seara.

Os estudos mais recorrentes nesse temário dizem respeito aos adultos que estão em

restrição e privação de liberdade, poucos são os estudos que tratam especificamente de

adolescentes em conflito com a lei e sua relação com a educação escolar.

O jovem em conflito com a lei e com o espaço escolar

Estudar e pesquisar sobre e com jovens em situação de privação e restrição de

liberdade está começando a entrar na zona de visibilidade em nossa sociedade, mas

apenas depois de tantos problemas que foram e ainda são evidenciados pelas diferentes

mídias. Portanto, apresentar um pouco do espaço socioeducativo. De que jovens

estamos falando? Quais as características dos jovens que cometeram algum ato

infracional? Como são constituídas as suas famílias? Quais são as percepções desses

jovens sobre suas famílias e sobre as relações no espaço escolar e com ele.

Somente na última década, estes estudos têm crescido com pesquisadores de

diferentes áreas, tais como educação, direito, serviço social, psicologia como é possível

verificar nas pesquisas de Dias (2007), Scolaro (2007), Teixeira (2009; 2015), Almeida

(2010), Calado (2010), Lima (2010), Souza (2011), Conceição (2012, 2013, 2014,

Page 29: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

26

2016), Lazaretti da-Conceição e Cammarosano-Onofre (2013), Marzochi (2009, 2014,

2016), Dias et al. (2014), Rolim (2014) Quinelatto (2015) Conceição e Onofre (2016)

Ataide (2016), entre outros que iniciam a busca de razões ou aspectos que evidenciem

os processos educativos no atendimento socioeducativo.

A maioria dos jovens que estão em cumprimento de medida socioeducativa é do

sexo masculino e a diferença entre os sexos em privação de liberdade é expressiva como

podemos vislumbrar nos gráficos elaborados pela Secretaria de Direitos Humanos-SDH.

Gráfico 1 - Adolescentes e jovens por sexo - Total Brasil (2013).

Fonte: Brasil (2015b).

Page 30: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

27

Gráfico 2 - Adolescentes e jovens por faixa etária em restrição e privação de

liberdade - Total Brasil (2013)

Fonte: Brasil (2015b).

Gráfico 3 - Porcentagem de adolescentes e jovens por raça/cor em restrição e

privação de liberdade - Total Brasil (2013)

Fonte: Brasil (2015b).

Page 31: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

28

Os gráficos anteriores nos permitem extrair algumas informações importantes e

destacarei uma intersecção relevante entre raça, idade escolar condizente com ensino

médio e a predominância de jovens do sexo masculino na conflitualidade. Com base no

tempo que trabalhei com os jovens, foi possível notar que muitos jovens negros ou

pardos se declaravam brancos, ou seja, na realidade, o percentual de jovens negros e

pardos pode ser maior que o apresentado no Gráfico 3.

No que tange à raça, a discrepância vertiginosa entre brancos e negros começa

no acesso à escolarização e apresenta relação com diferenças de renda, região de

domicílio, estrutura familiar, escolaridade dos pais e a própria estrutura do sistema de

ensino (CARLOS HASENBALG; NELSON DO VALLE SILVA, 1999; 2000 e 2002

apud VALVERDE; STOCCO, 2011) e, ainda, a existência de práticas racistas no meio

escolar.

Se considerarmos a necessidade de criação de elos na prática social escolar,

Cavalleiro (2005) traz dados que escancaram a discriminação racial desde a educação

infantil que direcionam ao sentido contrário da possibilidade de criação de qualquer elo

entre as crianças e jovens negros com o espaço escolar. A pesquisadora identificou

desde ausência da população negra em cartazes até práticas de adjetivação

desumanizadora de crianças negras por parte de professores. Por outro lado, com as

crianças brancas o tratamento se apresenta de maneira mais afetiva.

Os fatores anteriormente expostos contribuem para a distorção existente entre

idade/série, resultados do abandono ou reprovação de crianças e jovens negros, a qual

embora venha diminuindo no ensino fundamental, ainda é elevada, constituindo-se em

quase o dobro uma da outra (VALVERDE; STOCCO, 2011).

Parte dessa distorção, poderia ser evitada se houvesse programas específicos.

Mas, conforme afirma De Oliveira (2015), tem sido inexistente a atuação do governo

federal e dos governos estaduais no estabelecimento de políticas públicas ou programas

governamentais que garantam condições para os jovens negros inserirem-se no espaço

escolar e concluírem o ensino médio. Dayrell e Jesus (2016, p. 409) concordam que “a

idade, o gênero, a raça, o fato de serem filhos, na sua maioria, de trabalhadores

desqualificados, grande parte dos quais com pouca escolaridade, entre outros aspectos,

são dimensões que vão interferir na trajetória escolar de cada um deles”.

Page 32: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

29

Como vimos, a estrutura familiar11 e a escolarização dos pais são fatores de risco

para o jovem – e mais ainda para o jovem negro – permanecer no espaço escolar. A

defasagem que começa nos anos iniciais se perpetua até a chegada ao ensino médio. Os

fatores que colaboram para o distanciamento entre escola e o jovem negro, masculino e

pobre perpassam tanto pelo preconceito racial, o qual em muitos casos nem sequer é

concebido com uma forma de violência, como também pela necessidade que esses

jovens têm de ingressar no mercado de trabalho (DAYRELL; JESUS, 2016; DE

OLIVEIRA, 2015; FRANCESCHINI; MIRANDA-RIBERO; GOMES, 2016).

O levantamento anual Sinase 2013 (BRASIL, 2015b) não traz dados sobre

jovens e a constituição de suas famílias. Mas considero pertinente trazer pesquisas que

elucidam o cenário de famílias monoparentais, por ser o universo dos/as jovens que

infringem; entretanto, não deve ser visto como determinante, mas como mais um fator

somado aos diversos direitos negligenciados.

Nas pesquisas que direta ou indiretamente apresentam fragmentos das histórias

desses/as jovens, vemos relatos de violência, abandono, desprezo e distanciamento,

sobretudo da figura paterna, que por vezes aparece nas narrativas junto do sentimento de

raiva, ora com desprezo ou desconhecimento (ROLIM, 2014; ATAIDE, 2016;

MARZOCHI, 2016).

(...) os internos entrevistados enfrentaram, quase todos, problemas

bastante sérios com suas famílias. Os relatos mais problemáticos

apontam para a ausência paterna ou para a experiência de

incompreensão, hostilidade e mesmo a violência sistemática oferecida

pelos pais biológicos ou padrastos. Com duas exceções nos 17 casos

do estudo, não há qualquer relação afetuosa digna de menção pelos

jovens ou de admiração por seus pais. Os relatos afetuosos são mais

frequentes com relação às mães, normalmente mencionadas com

grande respeito (...) para outros jovens, entretanto, a presença do pai

não se confunde com a ausência ou com a indiferença, mas com a

presença insuportável (ROLIM, 2014, p. 140).

A situação fragilizada no seio familiar tende a se perpetuar entre as gerações.

Segundo D’Aroz e Stoltz (2016), esta cultura se dá porque a família não dispõe de redes

de apoio para o enfrentamento das adversidades enquanto os seus direitos estão sendo

violados ou negados.

11 Compreende-se como família, uma associação de pessoas que escolhe conviver por razões

afetivas e assume um compromisso de cuidado mútuo e, se houver, com crianças, adolescentes e

adultos (SZYMANSKI, 2002, p.9).

Page 33: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

30

É nesta lógica de desorganização familiar que se situa parte do problema na

formação de vínculos, o que interfere de modo negativo no desenvolvimento do

indivíduo e em seu comportamento. Por vezes, as referências, pai, mãe, tios ou outros

membros da família com os quais possuem algum tipo de dependência, estão envolvidos

na criminalidade, levando consigo os filhos, desde pequenos, para as atividades nas

ruas, semáforos e, dessa maneira, privando-os do acesso à escolarização. Outra

circunstância que também tem facilitado todo tipo de aliciamento é o fato de os

responsáveis trabalharem o dia todo e, por conta disso, terem de deixar seus filhos sob a

supervisão dos filhos mais velhos ou expostos livremente ao espaço da rua.

A escola, nesse contexto, passa a ser uma forma de garantir não apenas uma

refeição e, em alguns casos, o distanciamento da criminalidade e do uso de drogas

ilícitas, mas também é um espaço de convivência e aprendizado. Quando o/a jovem

entra em conflito com a lei e começa a cumprir medida socioeducativa de internação,

ele/a tem, obrigatoriamente, de participar das atividades de escolarização, educação

profissional, arte e cultura, educação física.

Marzochi (2014) discorre acerca da escola enquanto um meio de ascensão social

repleto de um caráter disciplinador. A autora buscou o lugar da escola na vida dos

jovens infratores, chegando à conclusão de um não-lugar. Segundo ela, embora a escola

esteja amparada legalmente “os jovens não se identificam com esse lugar devido ao seu

caráter disciplinador, embora acreditem que ela possa ajudá-los como trampolim para

uma melhora financeira de vida, mesmo a instituição fracassando no cumprimento desse

ideal” (MARZOCHI, 2014, p. 150).

Para além desse caráter disciplinador, considero que o universo – por muitos

desconhecido – do mundo socioeducativo é cheio de idiossincrasias e, apesar de

responderem às mesmas leis, o cotidiano dos CI varia imensuravelmente entre eles,

desde o trato ao/a jovem até aos processos corriqueiros do dia a dia. Por essa razão,

apresento diferentes pesquisas, realizadas em espaços controversos, para elucidar a

diferença e as possibilidades de práticas sociais e processos educativos em privação de

liberdade.

Costa Junior (2012) desenvolveu sua pesquisa no temário da educação escolar

com jovens infratores em meio a um turbilhão de emoções, debates, resistências e

disputas para (re)definir qual seria o modelo “pedagógico” que o Centro adotaria: se

continuariam deixando os jovens mais “livres” ou se deveriam optar por um modelo que

seguisse uma linha radicalmente disciplinadora. O autor e professor do ensino formal,

Page 34: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

31

quando questionava os jovens a respeito da escola no “mundão” 12, recebeu respostas

denotando o desinteresse pelo processo educacional-escolar.

O espaço escolar no mundão é apenas mais um local onde a maioria

deles estendem suas sociabilidades com o intuito de flertar com “as

novinhas”, “tumultuar” com os “parceiros” e, em alguns casos, manter

ativos seus negócios ilícitos (venda de drogas) ou organizar e

programar os possíveis furtos e assaltos. Raros são os casos em que

um adolescente me relata que ia à escola para estudar. Mesmo nesses

casos, ainda diziam que a sociabilidade com “as novinha” era um

motivador a mais para estarem naqueles locais. Nenhum dos relatos

demonstrava a preocupação deles em estudar para ter uma formação

apropriada para exercer alguma atividade profissional (COSTA

JÚNIOR, 2012, p. 124).

O relato do professor vai ao encontro dos relatos dos jovens entrevistados por

Marzochi (2014), quando se referem ao sentido da escola antes do cumprimento da

medida e como percebem a prática social escolar em privação de liberdade.

Eu não sentia a escola na minha vida, sei lá, não queria fazer tarefa,

só bagunçar, ficava com preguiça. Mas, depois que eu vim para cá eu

comecei a me interessar mais, me esforçar mais, comecei a ver que

daqui em diante minha vida seria ser isso que sou hoje (...) Aqui

dentro eu tenho uma professora que me ajuda bastante. Eu vejo que

ela é uma boa professora, me ajuda, tem interesse em desempenhar

um bom trabalho (...) (Bruno). 13

O sentimento compartilhado por Bruno se associa em dois momentos ao relato

da professora Luiza (2013). No primeiro, quando a professora é alertada por colegas que

lecionam nas escolas estaduais da dificuldade em conseguir desempenhar um bom

trabalho. No segundo momento, quando a professora nos diz que às vezes alguns/mas

alunos/as apresentam dificuldades e começam a se calar em sala, dispersando a atenção,

mas, ao perceber tal conduta, Luiza busca outras formas de ensinar, conversando com

o/a adolescente para entender a raiz da dificuldade, a qual muitas vezes consiste em

conteúdos relacionados às series anteriores que não foram devidamente aprendidos por

esses/as jovens.

Kel foi entrevistado por Scolaro (2007) e descrito como um garoto baiano de cor

negra, triste, de 19 anos. O jovem relatou que foi apreendido pela primeira vez com 13

12 Refere-se ao ambiente externo à privação de liberdade. 13 As narrativas de jovens e professoras/es estão em itálico para facilitar a compreensão, diferenciando-as

das citações literatura.

Page 35: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

32

anos e que a escola antes da privação de nada lhe serviu; o garoto a frequentava de

modo irregular desde que começou a “cheirar cola”.

Não gostava da escola, não gosto de ir pra escola. Não... Me chamou

de cheira cola, não tem nada a ver... Toma conta da vida dela, deixa a

dos outros. Um dia ela dava conselho, outro ela reclamava. “Seu

cheira cola... não sei o quê...não sei o quê... Eu já falei com você pra

sair dessa vida. Se não sair, vai ser expulso. ” Outro dia: “Rapaz,

não cheira cola não, faz mal... Obedeça a sua mãe”. Ficava nesse aí.

Falava pra eu parar de cheirar cola, estudar mais, aprender pra

passar na série, pra quando eu crescer, virar “gente”, não ficar sem

ninguém... que eu ia ser um ladrão morto, como todos morrem por aí.

A escola pra mim não serviu pra nada. Na escola, só aprendi fazer

meu nome (KEL).

A professora era uma mistura de ajuda com preconceito, em certos momentos

era calma e tentava aconselhar o Kel para que buscasse outra forma de viver, mas, ao

mesmo tempo se utilizava de formas repressivas como a possibilidade de expulsão, os

rótulos de “cheira cola”, “nóia” e outras expressões pejorativas.

Dias (2007), Gallo e Williams (2005, 2008) e Dias (2011) identificaram aspectos

semelhantes em suas pesquisas, quando relatam que os professores são apontados como

parte integrante de discriminação, segregação e falta de atenção ao jovem que apresenta

dificuldade no processo educacional-escolar. Como resultado, alguns alunos criam ou

adotam movimentos de resistência, perpetuando formas violentas de lidar com a

situação vivenciada.

O cometimento de atos de indisciplina é, para o adolescente, o início

da visibilidade na escola em que não aprende. É também o caminho

para o envolvimento com o ato infracional. Assim, a violação de

direitos do adolescente inicia com a não aprendizagem e se acentua

nas demais relações familiares e sociais que o adolescente possui.

Assim, a contradição existe no fato de que a não aprendizagem não é

um condicionante para o olhar escolar, enquanto a indisciplina é

(ZANELLA, 2010, p. 13).

Desenvolver ações pedagógicas com os/as adolescentes marginalizados/as não é

tarefa fácil, devido à grande defasagem escolar causada pelo distanciamento que sofrem

com as diversas maneiras que a sociedade e a escola promovem para mantê-los/as

afastados/as e silenciosos/as.

Scolaro (2007) nos apresenta a Danda, uma jovem cearense que foi ainda criança

para Salvador, bonita, de 17 anos, parda, alegre e que se emocionava facilmente.

Page 36: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

33

Cheguei a estudar em escola particular e escola pública, mas eu acho

que o ensino da escola pública, comparado com o da escola

particular, tem uma diferença. Na escola pública, você não é tão

observada como é na escola particular. Na escola pública, os alunos

de lá me ensinavam a brigar, a ir pra festa, a resmungar com a minha

mãe, coisas que fizeram eu perder muito. Eu perdi ela por isso

(DANDA).

Danda nos mostra sua percepção sobre o espaço escolar público e o quanto o

convívio com as/os jovens nesse ambiente atrapalhou o seu relacionamento familiar,

bem como a dificuldade da equipe pedagógica em dar atenção a todos os alunos como

aconteceu com ela quanto teve a oportunidade de estudar em colégio privado.

A professora Carla (2013) relata que já teve de ensinar jovens a ler e que se

sente muito feliz por cada conquista desses jovens. Da mesma forma, também a

professora Cilene (2013) menciona que esse foi um dos primeiros desafios a superar

quando iniciou o trabalho com adolescentes em situação de privação de liberdade.

Estavam todos misturados – adolescentes que sabiam e outros que não sabiam escrever

o próprio nome –, então a professora levou os livros de seu filho para alfabetizar os que

necessitavam, trabalhando com múltiplas realidades numa mesma sala de aula, tendo

em vista que as classes são multisseriadas com alunos de diferentes idades e níveis

educacionais.

Meu primeiro desafio foi quando eu deparei com um adolescente de

17 anos que não sabia ler nem escrever nem o próprio nome. E eu

queria fazer alguma coisa para ele aprender a escrever o nome,

detalhe ele estava matriculado na 6ª série como pode um adolescente

de 17 anos sem saber ler e escrever? Meu filho estava na 1ª série,

então eu tirei cópia do livro de alfabetização e levei. Combinei que

entre uma atividade e outra da turma eu sentaria e explicaria para

ele, falei que ensinaria com o método que eu sabia misturado com o

livro, por que eu fui alfabetizada com Caminho Suave (Cilene).

A classe multisseriada é alvo de crítica das professoras Carla, Neuda e Sinhá que

relata que dependendo do CI em que está, a situação fica mais complexa, pois não

permitem que se façam trabalhos inovadores utilizando outros recursos que não apenas

giz, lousa e saliva. Não obstante, ainda é obrigatório o uso do caderno do aluno14 com

alunos de diferentes séries/anos.

14 Material seriado elaborado como parte do material didático aos alunos da rede estadual de educação do

Estado de São Paulo. Os cadernos são distribuídos aos alunos e correspondem ao ano em curso.

Page 37: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

34

Se eu pudesse, mudaria esse sistema de classes multisseriadas.

Porque o professor, principalmente no começo fica de mãos atadas.

O currículo é outro aspecto que é muito difícil. O professor dentro da

Fundação tem que trabalhar o currículo do governo, das escolas

daqui de fora. Não tem como você entrar numa sala de aula com

quatro livrinhos de diferentes séries/anos do currículo, é

humanamente impossível (Carla).

Em pesquisa realizada em 1995 e 1996, Volpi (2006) verificou que do montante

de 4.245 adolescentes privados de liberdade, 96,6% não haviam concluído o ensino

fundamental, o índice de não alfabetizados era de 15,4% e apenas sete adolescentes

haviam concluído o ensino médio. A pesquisa de Volpi aponta, ainda, que 61,2% dos

adolescentes não frequentavam a escola quando cometeram o ato infracional.

Não temos atualmente uma pesquisa que revele alguma mudança desde 1995

segundo Jacqueline Sinhoretto (BRASIL, 2015a), mas a pesquisadora ressalta que a

maior parte dos adolescentes que cumprem medidas socioeducativas está internada.

“Em 2011 eram 65 adolescentes internados para cada 100 mil habitantes adolescentes e

em 2012 esta cifra sobe para 67, aumento de 3%. Sendo que a maior taxa de internação

da região sudeste é a do Estado de São Paulo” (BRASIL, 2015a, p. 76).

Segundo a autora, os dados relativos ao sistema socioeducativo brasileiro ainda

não estão sistematizados e disponíveis, e no sítio da SDH podemos encontrar o último

levantamento (BRASIL, 2015b) que indica em 2013 um número total de 23.066

adolescentes e jovens (12 a 21 anos) em restrição e privação de liberdade (internação,

internação provisória e semiliberdade). Nesse sentido, a medida de privação de

liberdade e restrição de liberdade representa 0,08% dos adolescentes dentre a população

de 12 a 18 anos no país.

Page 38: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

35

Gráfico 4 - Adolescentes e jovens em restrição e privação de liberdade total Brasil

(2013)

Fonte: Brasil (2015b).

Gráfico 5 - Adolescentes e jovens em restrição e privação de liberdade por unidade

federativa (2013)

Fonte: Brasil (2015b).

É possível verificar que em São Paulo temos o maior número de jovens em

cumprimento de medida socioeducativa, logo a complexidade na garantia dos direitos

destes/as jovens também deve ser considerada em maior escala.

A educação encarada como um direito da criança e do adolescente ainda esbarra

em preconceitos e exclusões declaradas e legitimadas em discursos de diretores

escolares. Nesse sentido, Zanella (2010) relata que os adolescentes dos programas

Page 39: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

36

socioeducativos em meio aberto ou egressos de CI figuram como um grupo com maior

dificuldade de aceitação e interesse por parte da escola.

Os sistemas de ensino não se mostram capazes de se comunicar com

as culturas diferentes do que é considerado “padrão normal”. Os

jovens chegam à escola diferentes, porque têm origens sociais e

memórias culturais diferentes, mas a escola pretende, à força, torna-

los iguais. Caindo na falácia de identificar democratização com

massificação e homogeneização (PAIS, 2008, p.16).

Diante desse contexto e suas implicações, Lopes (2006) pesquisou a prática

social da educação escolar de adolescentes em situação de privação de liberdade,

identificando que a escola regular de um CI tem suas limitações aumentadas, tendo em

vista o conjunto das regras da própria instituição, além de possuir estrutura rígida e

caráter violento. Desse modo, podemos refletir o quanto um currículo elaborado “de

fora” e para “outra realidade” pode comprometer os processos educativos por não

considerar as especificidades do cenário em questão.

Para Marzochi (2014), os professores dentro da Fundação Casa se despem da

postura disciplinar que a escola regular possa exigir deles, tendo em vista que lá dentro

esta responsabilidade fica a cargo dos agentes de apoio socioeducativo (seguranças),

contribuindo assim para que seja possível à maioria deles reinventar suas relações com

os jovens, promovendo um contato mais afetivo, tratando os alunos com mais respeito,

diferenciando-se daqueles profissionais que desenvolvem seu trabalho fora da

Fundação, muitas vezes com ideal disciplinador.

Cilene (2013) e Abenilda (2014), colaboradoras da minha pesquisa, poderiam

discordar que a atuação na Fundação não requer que as professoras e professores se

posicionem firmemente e/ou cobrem posturas adequadas dos jovens, delegando essa

função aos agentes de apoio socioeducativo. Cilene relatou as discussões que já teve

com jovens impondo-se, e pedindo respeito, respeito este adotado como premissa para a

sua permanência em sala de aula. Abenilda, por sua vez, relata que certa vez saíra

correndo atrás de um jovem que queria se esconder em outra sala; a professora fora

atrás dele para que voltasse à sala.

O que se passa nesses casos é que a rotina e a dinâmica estabelecidas no

cotidiano dos CI variam conforme os/as profissionais que compõem cada um destes

espaços de disputa de poder, pois dependem da perspectiva adotada por direção, equipe

psicossocial, educadores, seguranças, famílias e, claro, os próprios adolescentes. O que

Page 40: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

37

quero dizer é que existem modelos extremamente repressivos e hostis, nos quais o

adolescente deve andar com a cabeça baixa, mãos para trás, seguir linhas demarcadas no

chão e pedir licença para cada funcionário que passar, mas outros modelos são possíveis

e, quando do uso deles, o diálogo é soberano e o objetivo é promover a reflexão desses

adolescentes sobre a conduta infracional que tiveram para que consigam traçar novos

rumos para a vida.

Ainda no que diz respeito ao diálogo, a seguir, apresento a história oral como

uma possibilidade de escuta e diálogo com os/as professores/as e quais as opções

metodológicas adotadas para a condução dessa pesquisa.

Caminho metodológico

Com frequência se diz que, na História Oral, damos voz aos sem voz.

Não é assim. Se não tivessem voz, não teríamos nada a gravar, não

teríamos nada a escutar. Os excluídos, os marginalizados, os sem-

poder sim, têm voz, mas não há ninguém que os escute. Essa voz está

incluída num espaço limitado. O que fazemos é recolher essa voz,

amplifica-la e leva-la ao espaço público do discurso e da palavra. Isso

é um trabalho político, porque tem a ver não só com o direito à

palavra, o direito básico de falar, mas com o direito de falar e de que

se faça caso, de falar e ser ouvido, ser escutado, de ter um papel no

discurso público e nas instituições políticas, na democracia

(PORTELLI, 2010, p.3).

O caminho metodológico se dá pelos princípios da História Oral, tendo como

base os autores Meihy (1991, 1994, 1996a, 1996b, 2008), Caldas (1999, 2008, 2009),

Guimarães (2011), Meihy e Holanda (2013). A história oral utilizada enquanto um

método faz com que as histórias de vida sejam o epicentro do trabalho. Para Meihy

(1991) existem três etapas na passagem do oral para o escrito: a transcrição, a

textualização e a transcriação da entrevista15.

O processo é complexo e deve iniciar com a estruturação do projeto definindo

quem serão os entrevistados, qual será o local para a realização das entrevistas, o seu

tempo de duração, como será o processo de transcrição e conferência do texto,

autorização para uso da entrevista, como e onde serão arquivadas e as respectivas

justificativas destas escolhas (MEIHY; HOLANDA, 2013).

15 A definição de cada uma dessas etapas encontra-se explicitada nas páginas 41 a 43 desta tese. No

apêndice, estão anexadas as textualizações das entrevistas e as transcriações constituem um dos capítulos

da tese.

Page 41: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

38

A organização do projeto teve início com a definição da comunidade de

destino16, professores/as da Fundação CASA, que atuavam em CI de um determinado

município e seriam convidados/as a compor o quadro de colaboradores/as, a colônia17.

Para tanto, considerei meu tempo de docente junto ao quadro docente optei por formar a

rede18 convidando àqueles/as com quem possuía maior proximidade dado o tempo

trabalhado em conjunto e intencionalmente àqueles/as que eram assíduos, que se

preocupavam em planejar as aulas, participar dos projetos; em suma, os que de fato se

engajavam com a proposta educativa. Neste recorte, foram convidados/as doze

docentes, tendo em vista que o processo de colaboração poderia ser mais fluído, pois

tínhamos uma relação, que arrisco dizer, de confiança, necessária a uma comunidade de

destino.

(...) é preciso que se forme uma comunidade de destino para que se

alcance a compreensão plena de uma dada condição humana.

Comunidade de destino já exclui, por sua própria enunciação, as

visitas ocasionais ou estágios temporários no lócus da pesquisa.

Significa sofrer de maneira irreversível, sem possibilidade de retorno à

antiga condição, o destino dos sujeitos observados (BOSI, 1994, p.

38).

Realizei as entrevistas com nove professoras e três professores que lecionavam

para os jovens em situação de privação de liberdade. Estes/as professores/as constituem

a comunidade, que foi escolhida considerando a minha própria trajetória profissional

junto aos/às professores/as que trabalhavam em diferentes CI, mas compreendidos no

mesmo município.

O convite formal foi feito individual e presencialmente, exceto para dois

professores, os quais foram convidados por e-mail: um porque não mais trabalhava

nessa equipe e outra devido às diferenças nos horários de trabalho. O vínculo fraterno

estabelecido com a maioria dos/as colegas ao longo dos anos facilitou a incorporação de

requisitos éticos sobre os quais Portelli (1997) discorre.

16 A comunidade de destino tem duas bases, uma material e outra psicológica. De uma ou de outra forma,

a sustentação que marca a união de pessoas são dramas comuns, coetâneos, vividos com intensidade e

consequências relevantes (MEIHY; HOLANDA, 2013, p.51). 17 Menor que a comunidade de destino, a colônia é fragmento substantivo, fração representativa, ainda

que numericamente inferior à grande comunidade de destino. É parte dividida para possibilitar o

entendimento do todo pretendido (MEIHY; HOLANDA, 2013, p.53). 18 É uma subdivisão da colônia, portanto a menor parcela de uma comunidade de destino. A origem da

rede é sempre o ponto zero, e essa entrevista deve orientar a formação das demais redes. A indicação de

continuidade das redes preferencialmente deve ser derivada da entrevista anterior (MEIHY; HOLANDA,

2013, p.54). Nesta pesquisa, optamos por não seguir a proposição de Redes, mas de convidar as

professoras e professores qe haviam trabalhado com o pesquisador.

Page 42: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

39

(...) compromisso com a honestidade significa, para mim respeito

pessoal por aqueles com quem trabalhamos, bem como respeito

intelectual pelo material que conseguimos; compromisso com a

verdade, uma busca utópica e a vontade de saber “como as coisas

realmente são”, equilibradas por uma atitude aberta às muitas

variáveis de “como as coisas podem ser” (PORTELLI, 1997, p.15).

Em relação à ética e ao respeito aos/às colaboradores/as tomamos as

preocupações expostas por Denis (2008), tais como analisar os riscos e as contribuições

do projeto, respeitar a cultura das pessoas e as formas de abordagem; para o autor, os

contatos prévios determinam a qualidade de todo o processo: a apresentação dos

objetivos da pesquisa, do termo de consentimento livre, do direito de abandonar a

pesquisa, ainda que o termo de consentimento não tenha sido assinado no primeiro

contato. No caso desta pesquisa, como os/as colaboradores/as já tinham conhecimento

das diretrizes da pesquisa, optei por pedir a assinatura somente no reencontro, momento

da validação dos textos transcriados.

Além do termo de consentimento, pedi também o termo de cessão, contrariando

Thompson (1992) que entende que se as pessoas concordaram em conceder a entrevista,

concomitantemente estariam concordando com a utilização em pesquisas e não se

importariam em se encontrarem mencionadas no trabalho. O termo de cessão serviu

para verificamos se os/as colaboradores/as desejariam ser ou não identificados/as e se

permitiriam o uso de suas imagens.

Indiquei aos/as professores/as colaboradores/as algumas possibilidades de local

para a realização das entrevistas, a saber: a escola vinculadora, a residência – a minha

ou a deles; e sala na própria instituição; se desejassem, poderiam indicar outro espaço.

Para ofertar estas possibilidades, anteriormente, entrei em contato com os diretores dos

locais para que pudessem autorizar e viabilizar um local tranquilo, facilitando as

gravações de áudio e vídeo.

Nesse processo, duas professoras optaram por fazer em sua residência, quatro

professoras na escola vinculadora, seis professores/as em uma sala no próprio local de

trabalho. Iniciei as entrevistas me apresentando, apresentando a pesquisa, os objetivos,

método e o vínculo institucional com o Programa de Pós-Graduação em Educação da

Universidade Estadual de Campinas. Não obstante, procurei deixar explícito que o

processo de retorno poderia demorar aproximadamente um ano, dado o tempo

necessário para efetuar as transcrições, textualizações e transcriações.

Page 43: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

40

Acredito que meu ponto zero (MEIHY; HOLANDA, 2013) foi desafiador. A

professora estava tímida e eu experienciava uma mistura de sensações que transitavam

entre medo, ansiedade e até saudade do chão da sala de aula ao ouvir os relatos, uma

vez que já não mais trabalho como professor. Ao lançar o estímulo pedindo que ela me

contasse sobre sua história de vida, em poucos minutos, ela falou algumas passagens,

mas senti como se ela desejasse encerrar a entrevista, perpassando diferentes fases da

vida e até contemplando a minha pergunta de corte19. Aos poucos, com ajuda das

anotações no diário de campo, eu fui perguntando sobre cada passagem que ela havia

rapidamente relatado e assim pude entender mais sobre a história à medida que ela

também foi ficando mais confortável e envolvida com a narrativa.

Com esta experiência mais aproximada da cápsula narrativa (CALDAS, 2009),

cujo colaborador determina o caminho da narrativa, ordenando-a segundo seus próprios

critérios, percebi que a própria colaboradora sentiu dificuldade em enumerar o que

gostaria de expor, talvez até culminando na minha dificuldade em entender algumas

passagens, pensando que tal dificuldade poderia se estender aos leitores. A partir da

segunda entrevista, pedia que o/a colaborador/a me contasse a sua história desde a

infância.

A entrevista é um experimento de igualdade, é um momento utópico –

momento utópico em que tratamos de imaginar como poderia ser o

mundo se o camponês pobre e o professor catedrático fossem política

e socialmente iguais. É um momento utópico e também um momento

crítico, porque se reconhece a injustiça social que tratamos de

iluminar, de criticar e de destruir. Logo, não há técnicas de entrevista,

mas éticas na entrevista: respeito, paciência, flexibilidade, paixão

autêntica de conhecer os outros e de estar com eles em uma história

compartilhada, como dizia Ernesto De Martino (PORTELLI, 2010, p.

6).

Agendei todas as entrevistas com antecedência, mas apesar de ter buscado salas

e espaços tranquilos, deixando as pessoas avisadas sobre os procedimentos, em algumas

entrevistas houve vários tipos de pequenas interrupções e retomávamos assim que

explicávamos do que se tratava tal atividade.

Com as entrevistas já gravadas, chegou a hora de transcrever, a qual, segundo

Caldas (2009, p.17):

19 Pergunta de corte é a pergunta que deve estar presente em todas as entrevistas, conforme

Meihy (1996a, p. 53). Especificamente aqui, a pergunta de corte foi: o que motivou/culminou a

iniciar a docência na Fundação CASA?

Page 44: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

41

(...) é passagem não só do “oral” para o “escrito”, mas primeiro

momento da pontuação, do enfrentamento textual, da “interpretação”,

do afrontar de códigos, diferenças, enquadramentos: código contra

código, determinada rede discursiva tentando instaurar outra sem

interferir além do suficiente. Nesse momento não podemos tentar

“traduzir” com rigor para o papel aquilo que foi dito, inclusive alguns

erros, repetições, vazios e silêncios (p.17).

O tempo da entrevista está longe de ser um momento puramente técnico e

também necessita muita atenção, mas ao mesmo tempo é prazeroso para o pesquisador

que tem a possibilidade de ouvir quantas vezes quiser todos os risos, choros, emoções e

até o silêncio, a pausa para relembrar alguns fatos marcantes e seguir adiante.

Consegui realizar apenas a transcrição de duas colaboradoras, tendo que solicitar

a profissionais que fizessem as demais transcrições, para não demorar excessivamente

no retorno aos/às entrevistados/as, uma vez que ainda teria que fazer as demais fases da

pesquisa. Quando obtive todas as entrevistas transcritas, conferi cuidadosamente cada

uma delas para verificar se não havia algum equívoco na passagem do oral para o

escrito.

O passo seguinte à transcrição é a textualização20, cujas falas do entrevistador

são extraídas, assim como sons e ruídos, enfatizando a fala do narrador e deixando o

texto o mais compreensível possível. Este processo de leitura acurada é o momento em

que se identifica o “tom vital” de cada entrevista, que consiste em encontrar a frase que

orienta a releitura do texto.

O “tom vital” é um recurso usado para requalificar a entrevista

segundo sua essência. Porque se parte do princípio que cada fala tem

um sentido geral mais importante, é tarefa de quem estabelece o texto

entender o significado dessa mensagem e reordenar a entrevista

segundo esse eixo (MEIHY; HOLANDA, 2013, p. 142).

Acatando a observação feita por Meihy e Ribeiro (2011) quando mencionam que

na textualização retiramos os vícios de linguagens, repetições, erros de gramática,

mantive em dose suficiente algumas expressões utilizadas pelos/as colaboradores/as

para o leitor sentir e entender a textualização como se estivesse ouvindo uma narração

do/a próprio/a entrevistado/a, com seus sotaques, com suas expressões e singularidades.

20 No apêndice, estão anexadas as textualizações das entrevistas.

Page 45: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

42

Nesta fase, optei por reorganizar o texto em uma sequência cronológica, e não

necessariamente na sequência que os/as colaboradores/as narraram. Acredito, assim

como Meihy (1991), que faz parte deste momento a rearticulação da entrevista de

maneira que a torne mais compreensível.

A terceira etapa chamada de transcriação21 consiste em uma “teatralização”22 do

que foi dito, devendo retornar ao/à colaborador/a. Os/as colaboradores/as fazem parte de

todo o processo, devendo o texto ser devolvido à comunidade que gerou as entrevistas.

Na passagem da textualização para a transcriação foram inseridas passagens de poemas,

músicas, imagens que apresentavam relação com a história de vida das professoras e dos

professores.

O caráter de inversão da rotina, situação que marca a entrevista,

demanda uma representação conhecida por performance. Sim, há um

desempenho pessoal nessa situação e isso contribui para que a

entrevista não seja apenas considerada no que foi gravado em

palavras. Silêncios, lágrimas, interjeições são partes constitutivas das

entrevistas. Gestos não captados por gravadores de vozes, por

exemplo, merecem ser integrados ao ato e isso se dá em situação de

transcriação (MEIHY; RIBEIRO, 2011, p.101).

Realizar uma transcriação exige sensibilidade e fidelidade23 ao/a colaborador/a, em um

exercício de compromisso ético no desdobramento do que de objetivo foi apresentado na

história narrada. Particularmente, acredito ser a parte mais saborosa do trabalho com história

oral de vida e que também requer atenção ao que já fora realizado, ou seja, depende estritamente

da qualidade das transcrições e textualizações anteriormente elaboradas, uma vez que também

se constituem processos transcriativos, trilhando pela “poética da interpretação” proposta por

Caldas (1999).

O trabalho transcriativo se aproxima do artesanal. Isto se dá, pois a

possibilidade de transcriação somente é viabilizada quando aquele que

escreve o texto final está envolvido em todas as etapas do trabalho,

desde a elaboração do projeto de pesquisa. O envolvimento direto com

o tema e com o documento vivo materializado pelos entrevistados é

insubstituível na composição do texto final. A experiência agregadora

da pesquisa em história oral de vida confere gradativamente ao

oralista a segurança necessária para escrever com propriedade sobre a

vida daqueles com quem divide experiências. Tal qual o produto do

21 As transcriações constituem um dos capítulos da tese. 22 O temo “transcriação” origina-se da adequação que Meihy realizou com dois conceitos da linguística: o

de transcriação, proposto por Haroldo de Campos, o de teatro de linguagem, formulado por Roland

Barthes (MEIHY, 1991, p.29-33). 23 Nóbrega, Thelma Médici. Transcriação e hiperfidelidade. Cadernos de Literatura em Tradução,

Brasil, n. 7, p. 249-255, nov. 2006.

Page 46: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

43

artesão, o texto transcriado é o resultado de uma série de etapas

criativas que vão contornando um produto sempre inédito

(EVANGELISTA, 2010, p. 180).

Assim como Caldas (1999, p. 109), acredito que o resultado final da transcriação

deve apresentar “textos vivos, pulsantes, que se organizam numa grande ficcionalidade

viva, exigindo uma outra postura diante dos textos terminados, sendo diferentes também

sua forma interna”. Segundo ele, o texto transcriado não tem somente o que foi

pronunciado pelo colaborador, entretanto, no momento da validação, que nesta tese

ganha o capítulo Reencontro, o colaborador se vê em cada palavra, cada frase, cada

estrutura, cada história, cada ritmo mesmo depois de a sua fala ter se transformado no

texto transcriado.

A validação – que consiste na devolução do texto transcriado ao colaborador –

possibilita um equilíbrio das forças na produção do texto escrito, mas também (LEITE,

2008) explicita uma tensão entre colaborador e pesquisador uma vez que esse texto

deverá ser legitimado pelo colaborador. Esse momento, que Meihy denomina de

conferência do texto final, exigirá do pesquisador muita sensibilidade e capacidade de

negociação, principalmente, se o colaborador desejar retirar trechos de sua história,

considerados significativos.

Depois dos Reencontros, fiz um entrelaçamento das entrevistas que, de acordo

com Meihy (1994, p.52) é o que dá sentido social à história oral, buscando o diverso e o

detalhamento das redes e seus aspectos divergentes. As “entrevistas como fonte

remetem ao sentido do documento e da análise em cima dos textos estabelecidos a partir

de depoimentos”.

Page 47: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

44

1 – Capítulo I: Transcriações

Sair da caixinha, do padrão definido e estabelecido por outrem. Difícil.

Academicamente, quase impossível. O exercício aqui realizado constitui-se uma ruptura

com parte da minha tradicional formação.

Aqui verão transcriações com poesia, música, imagem, itinerário. Dedicação e

Amor. Para cada entrevista transcriada coloco o tom vital e uma foto do/a professor/a.

Empresto de Jorge Larrosa Bondia a passagem a seguir para que estejamos

atentos às leituras das transcriações.

O que vou lhes propor aqui é que exploremos juntos outra

possibilidade, digamos que mais existencial (sem ser existencialista) e

mais estética (sem ser esteticista), a saber, pensar a educação a partir

do par experiência/sentido (BONDIA, 2002, p.19).

Page 48: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

45

Abenilda Gomes Procópio de Moura

Eu estou aqui porque eu quero, e vou vencer, não

é porque eu fui bem-criada não

Foto 2 – Abenilda – acervo da colaboradora

A entrevista com a Abenilda não poderia ter acontecido em outro lugar... foi feita

numa sala de aula da escola vinculadora, que é também o local que a professora leciona

a mais tempo e tem grande afinidade com as pessoas de lá. Foi uma mistura de alegria e

ansiedade, afinal ela estava sendo entrevistada. Falar da própria vida e correr o risco

de esquecer – se de algo importante. Solicita e eufórica para compartilhar um pouco de

sua trajetória e, mais do que disposta a colaborar comigo como um menino – amigo.

“Eu tinha a maior vontade de estudar, tinha

uma escola municipal de frente com a minha

casa, e às vezes em vez de limpar a casa e fazer

todas as tarefas do lar, eu ficava babando,

olhando as crianças correndo, pulando e

brincando... “será que um dia eu vou ter essa

chance? ”. Mal conseguia imaginar, pois logo

minha madrasta chamava “Abenilda”, eu já

corria disfarçadamente para lavar a louça”

(Abenilda, 2013).

Page 49: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

46

“Eu estou aqui porque eu quero, e vou vencer, não

é porque eu fui bem-criada não”.

Misericódia! Não posso menino, não posso.

Infância não tive, apenas meu tio e meu Deus.

A madrasta era má mesmo, eu – criança cuidando de criança,

Um, dois, três, quatro, dez choros de criança.

Dez anos se foram e a escola também,

Um sonho vivo, esperança cotidiana.

Louças e limpezas, pesadelos diários,

Vizinhança que ajuda, Tio-Pai que reluta.

Escola que se aproxima, eu na labuta,

B-A-R-R-A, bata no seu amigo.

Estude! Limpe. Noite de estudo;

Pretume no rosto.

Matemática no calcanhar,

Dificultando o caminhar.

Vira, mexe, dá-se um jeito para tudo.

Quase tudo!

Vontade de estudar, não de apanhar.

Professoras são como anjas,

Sempre arrumadas, educadas,

Deveriam ser beatificadas.

Viagens, a passeio?

Que nada, a estudo.

Choveu! Lascou.

Desce e empurra o carro

Page 50: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

47

Foi-se a escola,

Primário e ginásio,

Com direito a magistério,

E quase técnico em contabilidade.

Agora o casório,

A mudança para São Paulo.

E novos desafios e preconceitos,

Atormentaram-me.

Virou e mexeu,

Mexeu na minha essência,

No meu arrastado, no meu sotaque,

Na minha paciência.

Anjos e demônios numa batalha,

Vitória dos anjos, da anja Elisa.

Que compreende e ajuda,

Que ampara e estimula.

Menino de Deus,

Quadro negro, apertem os cintos!

Avião vai decolar,

Zigue-zague do horror.

Burru, dispensa, desemprego.

Semanário, dedicação, amor pela educação,

Sinônimo de demissão,

Injusta condição.

Aracília é salvação,

São mais de vinte e seis de profissão,

Mas cadê as aulas,

Restou-me a Fundação.

Page 51: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

48

Fundação...o que?

Casa. O que tem lá?

Projeto? Entrevista?

Tudo isso ainda!

Foi. Início conturbado.

Menino danado,

Pega-pega com aluno travesso,

Sala revirada do avesso.

Agora estou contando...

Dias, horas, segundos para ela chegar.

Estou cansada e preciso aproveitar.

Minha tão sonhada aposentadoria gozar!

Page 52: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

49

Ana Luíza Calmon

O conhecimento te deixa um ser melhor, um ser

mais forte, um ser mais criativo, um ser que

sofre menos

Foto 3 – Ana Luiza – Acervo pessoal da colaboradora

A Analu como é carinhosamente chamada por todos. Amor incondicional em forma de

gente. Todos que a rodeiam sentem estes sentimentos fraternos e a trata com o mesmo

amor. Nossa prosa aconteceu numa sala reservada, mas com interrupções de algumas

pessoas desavisadas sobre que acontecia na sala, mas nada pode atrapalhar a narrativa

sincera e marcante da história de vida de Analu.

As pessoas às vezes espantam, porque que os alunos gostam

tanto da Analu. É porque eu coloco poesia, o conhecimento é a

maior riqueza do homem; não é o dinheiro, é o conhecimento. O

dinheiro vem, é o resultado do seu conhecimento, não adianta

buscar dinheiro, se você não se envolveu com o conhecimento, aí

o dinheiro não vem mesmo.

Ana Luiza, 2013

Page 53: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

50

“o conhecimento te deixa um ser melhor, um ser

mais forte, um ser mais criativo, um ser que sofre

menos”.

Passado, Presente, Futuro

Eu fui. Mas o que fui já me não lembro.

Mil camadas de pó disfarçam, véus,

Estes quarenta rostos desiguais.

Tão marcados de tempo e macaréus.

Aula de Matemática

Pra que dividir sem raciocinar

Na vida é sempre bom multiplicar

E por A mais B

Eu quero demonstrar

Que gosto imensamente de você

Ganhei a fórmula mais preciosa da vida.

Aprendi com vovó e multipliquei.

Amor

Sabedoria

Resistência

Compaixão

A vida singela e honesta.

Com o lixo, o conhecimento,

Com o conhecimento a superação,

Com a superação a existência.

Por uma fração infinitesimal,

Você criou um caso de cálculo integral

E para resolver este problema

Eu tenho um teorema banal

Unidade sozinha não vive, sobrevive

O teorema do amor incondicional

Teorema banal -i -z- a-d-o.

A vida é bela e, curta.

Vivamos para o bem e para o próximo.

Page 54: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

51

Superei e compartilho,

As dificuldades de cada dia.

A emoção da constituição de uma família.

Multipliquei o bem,

O resultado você conhece bem.

Quando se soma amor,

não precisa de prova dos nove.

Eu sou. Mas o que sou tão pouco é:

Rã fugida do charco, que saltou,

E no salto que deu, quanto podia,

O ar dum outro mundo a rebentou.

Passarinho bateu azas e voou,

Casou! Mundo desabou.

Nada restou. A subtração negativou.

Minha fração acabou e em nada resultou.

Quando dois meios se encontram desaparece a fração

E se achamos a unidade

Está resolvida a questão

Prá finalizar, vamos recordar

Que menos por menos dá mais amor

Se vão as paralelas

Ao infinito se encontrar

Por que demoram tanto dois corações a se integrar?

Se desesperadamente, incomensuravelmente,

Eu estou perdidamente apaixonado por você.

Aula de Matemática – Tom Jobim

Falta ver, se é que falta, o que serei:

Um rosto recomposto antes do fim,

Um canto de batráquio, mesmo rouco,

Uma vida que corra assim – assim.

Os Poemas Possíveis

José Saramago

Depois que me doei a estes jovens

Salto daqui acolá,

Page 55: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

52

Sem nunca desanimar;

Sempre disposta a ajudar!

Amar. Amar. Amar.

Page 56: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

53

Carla Silva Souza

Jamais abandonaria minha filha, nem para

ficar com minha mãe, é minha se alguém

quiser ficar comigo terá que ficar com minha

filha se não for assim não quero

Foto 4 – Carla – Acervo pessoal da colaboradora

A Carla estava entusiasmada com a possibilidade de contar a sua história. Chegou

sorridente, como sempre. E foi oscilando entre riso e choro durante a narrativa, repleta

de emoção. Conversamos na sala da direção do Centro de Internação e pude apreciar

uma história de pura resiliência.

Abandono, separações, reencontros, superações! Resiliência.

Page 57: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

54

“Jamais abandonaria minha filha, nem para ficar

com minha mãe, é minha se alguém quiser ficar

comigo terá que ficar com minha filha se não for

assim não quero”.

De lá...

Meus avós. O que seria de mim sem eles? Não sei. Talvez não fosse metade do

que sou e do que posso ser. Assim começa a minha história de amor por uma avó e pela

vida. Ser mãe solteira em uma cidade pequena e repleta de preconceitos não deve ser

tarefa fácil mesmo, mas o abandono não se justifica. Por sorte, minha avó e meu avô,

me criaram e incentivaram a ser estudiosa e ter dignidade, portanto meus pais. Foram

quinze anos de dedicação em minha criação com repleta doação de amor e carinho,

gratidão na imensidão de sentimentos. Deus, agradeço por me colocar em braços

acolhedores... acolhiam do preconceito, dos xingamentos e da zombaria que faziam

sobre o meu próprio abandono paterno e parcialmente do materno, tornou – se um

sofrimento ao quadrado, como se a culpa disso tudo fosse minha e não era, nunca foi,

nunca será. Passou, mas marcou profundamente, as cicatrizes parecem nunca fechar,

então eu sorrio, me escondo, transgrido.

De cá...

Cheguei à São Paulo. Trabalhei. Conheci novas irmãs e um homem maravilhoso,

casei – me com 17 anos. Voltei a estudar. O maravilhoso praticamente me obrigou, me

incentivou muito. Consegui ingressar na faculdade com bolsa de estudos, a minha

salvação. Orgulho para meus avós. Minha filha, minha vida. Ser mãe é muito gostoso,

eu adoro, mas uma filha é suficiente. A relação da minha filha com a minha avó é muito

gostosinha, ela chama de vó, no caso porque eu chamo a minha avó de mãe.

Ainda em curso na licenciatura em Letras, fui professora eventual, que difícil,

respeito é quase nulo. Até os próprios colegas professores endossam isso, eu vivi muitas

histórias. Trabalhei como substituta por pouco tempo, mas em 2012 não consegui aulas,

resultado: voltei a ser eventual, por pouco tempo, surgiu uma tal de Fundação Casa.

Você tem coragem? Perguntou – me o supervisor de ensino. Sem pestanejar respondi

que sim. Só Deus sabe como me senti por dentro para dizer aquele sim.

Page 58: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

55

Há um menino, há um moleque

Orando sempre no meu coração

Toda vez que o adulto balança

Ele vem pra me dar a mão

Entre grades...

Gosto do respeito que eles têm aqui dentro, que não tem lá fora. O professor não

precisa ficar gritando tanto, aqui eles escutam mais o que a gente fala, alguns até

querem mesmo, perguntam e pedem novas explicações, o que a gente não vê lá fora. Lá,

eles não estão nem aí. E aqui dentro não, alguns se interessam mais, você tem a

oportunidade de falar num tom melhor, você pode trabalhar de uma forma mais

tranquila. O melhor de tudo é quando você vai fazer projetos e alguns encabeçam e

fazem, porque é frustrante quando você quer fazer alguma coisa e não consegue. Nem

todos participam, nem todos gostam. Eu acho que o ensino formal na Fundação Casa às

vezes não é muito valorizado. Alguns alunos chegam a falar que isso não tem nenhum

valor, que não acontece nada, ou de repente o aluno está motivado para fazer a atividade

e de repente perde a vontade.

Há um passado no meu presente

O sol bem quente lá no meu quintal

Toda vez que a bruxa me assombra

O menino me dá a mão

A minha vida influi muito no meu trabalho, principalmente na Fundação, porque

quando vem algum menino falar de algum caso e tenta justificar seus atos, a gente até

pensa, mas não é assim, eu também teria mil motivos para me revoltar pra fazer alguma

coisa. Na Fundação é possível se identificar com muitas histórias dos meninos,

principalmente os que não tiveram contato com o pai e não tiveram um bom

relacionamento com a mãe, e são criados com os outros.

Ele fala de coisas bonitas que

Eu acredito que não deixarão de existir

Amizade, palavra, respeito

Caráter, bondade, alegria e amor

Page 59: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

56

Pois não posso, não devo

Não quero viver como toda essa gente insiste em viver

A gente vê como isso muda nossa vida, faz a gente tomar atitudes, isso faz com

a gente entenda o porquê de alguns meninos estarem aqui. A rebelião que teve quase me

fez desistir, porque eu fiquei com medo, não medo de eles fazerem alguma coisa porque

a gente sabe que com a gente eles não fazem nada, mas o medo do barulho todo de tudo.

Tinha um menino que eu gostava muito, mas eu sempre me afino com os mais

difíceis, todo menino que eu gosto apronta. Ele fazia uns desenhos muito bonitos, fazia

todas as atividades, menino quieto. Mas, nessa rebelião ele se transformou de tal

maneira que ele me assustava, ele tinha um olhar diferente, de revolta, que me deixava

com medo. Passando isso, ele era um menino doce. Como disse, identificando – me

com as histórias, eu não tive mãe eu não tive pai, então você vai querer trazer aquele

menino para perto de você, não o julgar. Isso me fez voltar. E a gente vai ficando, a

gente vai gostando algumas vezes de algo que o menino fala que te incentiva.

Não posso aceitar sossegado

Qualquer sacanagem ser coisa normal

Bola de meia, bola de gude

O solidário não quer solidão

Toda vez que a tristeza me

Alcança o menino me dá a mão

Bola de Meia, Bola de Gude

Milton Nascimento

Resolvi ficar.

Page 60: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

57

Cícero Nogueira Araújo

Bastava meu pai olhar pra gente. Se ele tivesse

conversando e olhasse pra você, era como se

dissesse você não é bem vindo aqui, a conversa

é pra adulto, mas ele não precisava falar

Foto 5 – Cícero – Acervo pessoal do colaborador

Num espaço pequeno no Centro de Internação o Cícero começou e terminou a

entrevista intrigado como e por quais razões a sua história de vida seria importante

para alguém, sobretudo para a academia. O que a simplicidade e a humildade dele

poderia contribuir? Segundo Meihy e Holanda (2013)“quase sempre, é comum

encontrar pessoas que não se acham importantes ou que delegam a outros a capacidade

de narrar. Isso se deve a uma característica da nossa sociedade sempre aberta a

celebrizar pessoas e diminuir o papel das pessoas comuns” (p.57).

Respondi ao Cícero que o conhecimento de mundo dele é sim importante. Que o seu jeito

é referência para muitos jovens, mesmo que não perceba ou que os jovens tentem não

demonstrar.

Page 61: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

58

“Bastava meu pai olhar pra gente. Se ele

tivesse conversando e olhasse pra você, era

como se dissesse você não é bem vindo aqui, a

conversa é pra adulto, mas ele não precisava

falar”.

De Caririaçu próximo à Juazeiro do Norte

Estátua do Padre Cícero

Meu nome é Cícero

Mas não levo jeito para ser padre.

Por não ser um bom poeta

Talvez não o descreva bem

Mas falarei desse homem

Que todos conhecem bem

É homem de boa índole

Que nasceu para fazer o bem Na lida, plantávamos, catorze filhos

Todos vivos e saudáveis

Tínhamos comida, mas nada de luxo

Roupas ou outras coisas que queríamos

Cálculos de braça

Sem conhecimento escolar

Com conhecimento de mundo

Papai fazia suas contas

Antes do sol raiar estávamos de pé

Café para tomar

Trabalho a fazer

Roça nos esperando

Casa do dia

Bagunça e conversa

Page 62: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

59

Casa da noite

Assistir televisão e dormir

Minha mãe é católica

Não posso chamar nome não

Se chamar o coro come

Confesso não, minto sim

Mudei.

Trabalhei muito e muito tempo no mesmo lugar

Estudei, terminei a escola

Casei e tenho uma filha

Comecei a faculdade

Separei-me

Lecionar, aventurar-se

Desafiador, professor substituto

Concorri para a Fundação Casa

Não tinham outros

Trilhei em meio ao matagal

Entrevista com coordenação pedagógica

Aprovado por carência

Desde criança sabia

O que seria quando crescer

Era mesmo predestinado

Naquilo que ia fazer

E com seu milagre mostrou

Que tinha mesmo poder

Padre Cícero

Fábio André

Nesse tempo de docência

Rebelião, provocação

Nervosismo e estresse

Com jovem e com adulto

Page 63: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

60

Sou curto e grosso

Com as meninas

Outra motivação

Renovação

Empolgação

Dedicação

Respeito

Mas o trabalho aqui

Estagna

Não cresce, não muda, só reproduz o ciclo

Não forma, não avança, só se repete

Os jovens mudam, o conteúdo é cíclico

Incomodo.

Page 64: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

61

Cilene Silva Santana.

Eu acredito em Deus e tudo é colocado na hora

certa em nossa vida. Hoje olhando para trás eu

acredito que virei mãe de verdade lá dentro

aprendi a falar não para os meus filhos, eu era

muito permissiva

Foto 6 – Cilene – Acervo pessoal da colaboradora

– Seja bem-vindo a minha humilde residência!

Assim a professora Cilene recebeu – me, com seu peculiar e aconchegante

sorriso no rosto, em seu lar junto de seus filhos e marido. Apresentou os

cômodos e perguntou em qual seria melhor para realizarmos a prosa. A

cozinha foi escolhida para a tal entrevista que a professora tanto esperava.

A prosa seguiu recheada de alegria e embebidos do café da felicidade a

entrevista seguiu sem interrupções que atrapalhassem o desenvolvimento da

mesma. Com ALEGRIA ouvi, senti, interagi e aprendi, aprendi muito.

Amorosa

Lealdade

Energia

Gratidão

Respeito

Inspiração

Autenticidade

Page 65: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

62

“Eu acredito em Deus e tudo é colocado na hora

certa em nossa vida. Hoje olhando para trás eu

acredito que virei mãe de verdade lá dentro

aprendi a falar não para os meus filhos, eu era

muito permissiva”.

De Pequena ao Mc Pikeno e Menor. A metamorfose que

vivi, que vivo que continuarei a viver.

Mangaram. Mangaram sim.

Mangar verbo transitivo indireto e intransitivo.

Sofri bullying. Isso contribuiu para a minha me – ta – mor

– fo – se. Rompi a história da Vida Maria em minha

família.

Foto 7 – Cilene – Acervo pessoal da colaboradora

Fui filha única e de mãe solteira durante 17 anos e depois minha mãe casou –

se novamente e teve mais um filho. Minha mãe era analfabeta, assim como os

meus avós que foram responsáveis pela minha criação, mas isso não foi uma

grande dificuldade em minha criação, pois minha família tinha valores e

superávamos todas as dificuldades.

Conquistar uma nota dez não era motivo de receber parabéns, pelo contrário,

como tinha que me dedicar somente aos estudos, eu tinha por obrigação obter

boas notas.

Estudei e fui trabalhar, ainda falando fora do padrão linguístico da região

sudeste e também do esperado para o mundo corporativo. Por sorte tinha uma

chefe que me auxiliava e corrigia sempre que necessário. Por esta razão, eu

quis fazer o curso de Letras, para descobrir em quais situações eu poderia usar

a minha linguagem de mundo.

Page 66: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

63

Conclui a graduação, quer dizer quase conclui, não cumpri o estágio, pois

trabalhava em outro ramo que tinha uma boa remuneração e acabei não

levando a sério a possibilidade de ser professora. Mas, a boa remuneração

acabou e queria iniciar na docência, mas sem o estágio cumprido, não poderia.

Tive que retornar ao chão da sala de aula para concluir. Agora sim, com o

diploma poderia lecionar.

Eu me achava inteligentíssima e fiz uma prova para poder dar aula na rede

pública estadual, mas o resultado foi negativo, não passei. Conclusão:

nenhuma escola me aceitava.

Olhando no site da Diretoria de Ensino eu vi que a Fundação Casa estava

precisando de professores. Eu não sabia o que era a Fundação Casa,

perguntei ao meu marido ele disse que era a antiga Febem, então falei que não

iria, ele falou que podia ir e que os professores eram respeitados, com muito

mais vivência do que eu, me explicou como funcionava, pensei seja o que

Deus quiser e fui.

Fui entrevistada e a coordenadora disse que tinha que ter carro, porque não

tinha ônibus. Na época apesar de ter carro eu não dirigia, não tinha prática.

Mas, ela falou que tinha que ter carro, e isso eu tinha. No mesmo dia me levou

para conhecer a unidade, fui ao módulo dos adolescentes e aqueles barulhos

de portões e grades, eu estava me sentindo num filme de terror.

Que a força do medo que tenho

Não me impeça de ver o que anseio;

Que a morte de tudo em que acredito

Não me tape os ouvidos e a boca;

Porque metade de mim é o que eu grito,

Mas a outra metade é silêncio...

Quando cheguei os meninos me observaram, digo que são como um escâner,

porque eles fazem uma leitura do corpo inteiro. Eles certamente viram o medo

estampado em minha cara, aí um deles virou e perguntou: a senhora está em

choque?

Page 67: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

64

Eu estava assustada, porque eu vi uma criança toda tatuada, pelo tamanho

aparentava a mesma idade do meu filho uns 12 anos, imaginei meu filho todo

tatuado naquela situação. Sim eu estava realmente em choque, talvez não no

mesmo sentido que ele quis dizer.

Quando, seu moço, nasceu meu rebento

Não era o momento dele rebentar

Já foi nascendo com cara de fome

E eu não tinha nem nome pra lhe dar

Como fui levando, não sei lhe explicar

Fui assim levando ele a me levar

E na sua meninice ele um dia me disse

Que chegava lá O meu guri

Chico Buarque/1981

A minha metaformose maternal ficou latente após o meu ingresso no universo

peculiar dos jovens marginalizados e privados de liberdade. Eu acredito em

Deus e tudo é colocado na hora certa em nossa vida.

A dificuldade nos chacoalha e levei um turbilhão de chacoalhadas, afetivas que

me faziam pensar sobre o ser mãe, laborativas por estar no início da docência

e práticas como aprender a dirigir. De refletir como criar os meus filhos até

aprender a dirigir à força, eu saí do trabalho já estava escuro e em meio a uma

chuva torrencial que até deixei o carro morrer em frente ao posto policial.

Me deparei com jovens de 17 anos de idade que não sabiam ler e fui me

virando, tirei cópia de livros dos meus filhos e ensinava na medida do possível,

pois não sou alfabetizadora e consegui que aprendesse, foi uma satisfação

quando ele saiu e deixou uma carta agradecendo. Vivenciei situações de

rebelião ficando junto aos jovens, mas graças a Deus nunca me fizeram nada,

eu procuro levar para administração só o que foge da sala de aula, pois eu os

vejo como alunos.

Que as palavras que eu falo

Não sejam ouvidas como prece

E nem repetidas com fervor,

Apenas respeitadas como a única coisa que resta

A um homem inundado de sentimentos;

Porque metade de mim é o que ouço

Page 68: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

65

Mas a outra metade é o que calo...

Os aprendizados que tenho na Fundação servem também para a minha vida

profissional em outras locais que leciono, também com jovens de periferia.

Então é questão de valores, de respeito que hoje está perdido, se meus filhos

forem para outro lado, tenho certeza que não foi por falta de eu acreditar na

educação, eu procuro ser presente mesmo trabalhando em dois lugares e

continuando meus estudos.

Minha família me apoia em tudo e meu marido é espetacular. Eu acho que não

seria nem a metade, ele me orienta quando chego em casa um pouco

chateada.

Que não seja preciso mais do que uma simples alegria

para me fazer aquietar o espírito

E que o teu silêncio me fale cada vez mais;

Porque metade de mim é abrigo

Mas a outra metade é cansaço...

Meu maior desafio é despertar a vontade de aprender, aquela curiosidade

sabe, mesmo eu sendo muito brincalhona, eu procuro brincar para descontrair.

Eu levo Racionais, Mc Pikeno alguns Funks para a sala de aula, mas não

aqueles que falam de apologia ao crime, só os que passam mensagens e que

a interpretação fica rica. Meu filho me ajuda bastante separando as letras que

acha possível de trabalhar com os alunos, quando ele ouve um funk que não

tem palavrão ele me traz a letra. Eu lembro que quando eu levei algumas

músicas os meninos nem conheciam porque eram novas.

Depois de ouvirem eu peço para fazerem produção textual, quando tem erro de

ortografia ou concordância verbal eles devem corrigir e ver como ficaria, assim

eu desperto a atenção daquele que não quer nada, nem que seja naquela aula.

Que a arte nos aponte uma resposta

Mesmo que ela não saiba

E que ninguém a tente complicar

Page 69: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

66

Porque é preciso simplicidade para fazê – la florescer;

Porque metade de mim é plateia

E a outra metade é canção...

E que a minha loucura seja perdoada

Porque metade de mim é amor

E a outra metade... também.

METADE – Oswaldo

Despertar a vontade de aprender neles e nelas é melhor que qualquer dez

reais por aula que o governo me paga.

O nosso acesso é restrito, o processo é só aumentar

Vamô chegar, mudar, pra revolucionar

Racionais está no ar, e o RAP também tá

Em qualquer lugar, onde a mensagem vá

Sei que um Aliado mais um? vou resgatar!!!

O nosso acesso é restrito, o processo é só aumentar

Vamô chegar, mudar, pra revolucionar

Racionais está no ar, e o RAP também tá

Em qualquer lugar, onde a mensagem vá

Sei que um Aliado mais um?vou resgatar!!!

Tá na chuva – Racionais

Page 70: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

67

Ester Alves

Eu tenho prazer de falar do meu trabalho na

Fundação, eu gosto de falar, da minha pouca,

mas grandiosa experiência na Fundação

Foto 8 – Ester – Acervo pessoal da colaboradora

Estelita.

Estrela que brilha a educação de meninas e meninos. Conversamos em uma sala na

escola vinculadora e não tivemos interrupções a entrevista seguiu num clima muito

amistoso e sereno com a Ester relatando sua vida, vínculo com o espaço escolar e amor

à área educacional. Estelita prefere e sempre é chamada de Ester.

Há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas.

Escolas que são gaiolas existem para que os pássaros desaprendam a arte do vôo.

Pássaros engaiolados são pássaros sob controle. Engaiolados, o seu dono pode levá – los

para onde quiser. Pássaros engaiolados sempre têm um dono. Deixaram de ser pássaros.

Porque a essência dos pássaros é o vôo.

Escolas que são asas não amam pássaros engaiolados. O que elas amam são pássaros em

vôo. Existem para dar aos pássaros coragem para voar. Ensinar o vôo, isso elas não

podem fazer, porque o vôo já nasce dentro dos pássaros. O vôo não pode ser ensinado.

Só pode ser encorajado.

Gaiolas ou Asas:

A arte do voo ou a busca da alegria de aprender

Rubem Alves

Page 71: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

68

“Eu tenho prazer de falar do meu trabalho na

Fundação, eu gosto de falar, da minha pouca, mas

grandiosa experiência na Fundação”.

Estelita. Ester. Estrela

O brilho do trabalho

Do brilho nos lares

Da minha casa, da casa dos outros

Pega – pega, esconde – esconde,

corda e rouba bandeira

Tudo se misturava em minha infância

Lápis, caderno, chiclete, pião

Sol, bicicleta, skate, calção

Esconderijo, avião, correria, tambor, gritaria, jardim, confusão

Bola, pelúcia, merenda, crayon

Banho de rio, banho de mar, pula cela, bombom

Tanque de areia, gnomo, sereia, pirata, baleia, manteiga no pão

Giz, merthiolate, band – aid, sabão

Tênis, cadarço, almofada, colchão

Quebra – cabeça, boneca, peteca, botão, pega – pega, papel, papelão

Criança não trabalha, criança dá trabalho

Criança não trabalha

Palavra Cantada

Na adolescência mais trabalho

Sinal. Crianças correndo para lá e para cá

Na sala já ajudava a alfabetizar

Minha mãe era responsável pelo brilho nos lares

Segunda a segunda

Comecei a ajuda – la

Brincar de escolinha já não era possível

Infância, adolescência, escola, faxina

Um mix de experiências e sensações

Frustrações? Algumas.

Primeiro registro, primeiro grande amor

Passei em concurso, voltei a estudar

Page 72: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

69

Supletivo e conclui o ensino médio

Trabalhando, mas infeliz

Pedagogia fui fazer

Pobreza, miséria, riqueza, ostentação

De tudo vivi e conheci

Até começar a ensinar jovens

Fui trabalhar com meninas em privação de liberdade

Primeiro dia.

Tremia, tremia.

Me apresentei logo em reunião matinal

Tremia, tremia.

Me afoguei no trabalho

Família se afogou junto

Só vivia Fundação

Sufoco.

Deboche delas

Sou – Negra

Meu – Nome

Minha – Altura

Sou – Melosa

Na verdade, tinham medo de se aproximar

De uma pessoa carinhosa.

Ampliando os horizontes e o trabalho

Meninas e meninos

Universos iguais e diferentes

Menino danado

Trabalho dobrado

Livro riscado

Resisti, permaneci.

Vida que segue

Menino danado saiu

Outros vieram

Outras experiências

Outros trabalhos

Muito trabalho

Meu filho, ah meu filho

Que falta fazia na vida dele

Anos se passaram e volta o menino danado

Page 73: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

70

Quase um homem, já pai de família

Responsável e não mais danado

Lembrava de mim e pediu desculpas

Eu aprendi

Aprendo muito a cada dia

Revejo meus conceitos

Melhoro enquanto mãe

Avanço como ser humano

Page 74: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

71

Luiza Virgílio

Gosto bastante de dar aula para eles... muitas

vezes, você tem que ser o professor, a mãe, a

tia

Foto 9 – Luiza – Acervo pessoal da colaboradora

A Luiza tem gênio forte, forte como a sua vontade de fazer o bem àqueles meninos da

antiga Febem. A Luiza foi o ponto zero desta pesquisa, a primeira entrevista realizada

e que contribuiu imensuravelmente para eu melhorar a minha conduta nas demais

entrevistas.

Conversamos na escola vinculadora por poucos, mas intensos minutos. Memórias,

lembranças, choros e risos, sensação de trilhar o caminho certo. Algumas das percepções

deste memorável encontro.

Page 75: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

72

“Gosto bastante de dar aula para eles... muitas

vezes, você tem que ser o professor, a mãe, a tia”.

Uai. De Minas sou.

A terceira, raspa do tacho

Família humilde

Mudanças

Pai dava o brilho no hospital

Mãe em casa de família

Infância serena

Brincadeiras, ah! brincadeiras

Gangorrá e futebol

Estudando bastante

Escola de todos e para todos

Mãe passou a dar brilho em escola privada

Eu ganhei o Ensino Médio

Fiz cálculos, muitos.

Me formei, trabalhei... trabalhei

Mãe foi dar brilho no céu

Ruptura

Silêncio

.

Felicidade foi se embora

E a saudade no meu peito ainda mora

E é por isso que eu gosto lá de fora

Porque sei que a falsidade não vigora

Felicidade

Maria Bethânia

Page 76: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

73

Trabalhei, trabalhei!

Casei

Engravidei

Fiz mais cálculos

Pai. Meu pai, meu pãe

Meu pai e minha mãe

União, família, respeito

Fundaram a Fundação

Comecei a docência

Professor, “sois o sal da terra e a luz do

mundo”.

Sem vós tudo seria baço e a terra escura.

Professor, faze de tua cadeira,

a cátedra de um mestre.

Se souberes elevar teu magistério,

ele te elevará à magnificência.

Tu és um jovem, sê, com o tempo e

competência,

um excelente mestre.

Meu jovem Professor, quem mais ensina e

quem mais aprende?

O professor ou o aluno?

De quem maior responsabilidade na classe,

do professor ou do aluno?

Professor, sê um mestre. Há uma diferença

sutil

entre este e aquele.

Este leciona e vai prestes a outros afazeres.

Aquele mestreia e ajuda seus discípulos.

Page 77: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

74

O professor tem uma tabela a que se apega.

O mestre excede a qualquer tabela e é sempre

um mestre.

Feliz é o professor que aprende ensinando.

A criatura humana pode ter qualidades e

faculdades.

Podemos aperfeiçoar as duas.

A mais importante faculdade de quem ensina

é a sua ascendência sobre a classe

Ascendência é uma irradiação magnética,

dominadora

que se impõe sem palavras ou gestos,

sem criar atritos, ordem e aproveitamento.

É uma força sensível que emana da

personalidade

e a faz querida e respeitada, aceita.

Pode ser consciente, pode ser desenvolvida na

escola,

no lar, no trabalho e na sociedade.

Um poder condutor sobre o auditório, filhos,

dependentes, alunos.

É tranquila e atuante. É um alto comando

obscuro

e sempre presente. É a marca dos líderes.

A estrada da vida é uma reta marcada de

encruzilhadas.

Caminhos certos e errados, encontros e

desencontros

do começo ao fim.

Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende

o que ensina.

O melhor professor nem sempre é o de mais

saber,

Page 78: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

75

é sim aquele que, modesto, tem a faculdade de

transferir

e manter o respeito e a disciplina da classe.

Elevar – Cora Coralina

Os ante...

Apaixonante

Desafiante

Gratificante

Emocionante

Os ões...

Cartões, declarações

Congratulações

Rebeliões

Frustrações

Professora

Mãe

Enfermeira

Psicóloga

Ouvinte

Difícil resolver equações

Equação da vida juvenil

Equação da fórmula DES

Des – amparada

Des – assistida

Des – esperançada

Orgulho tenho sim

Olimpíadas

Participações e classificações

Page 79: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

76

Orgulho em meio a escuridão

Afetos e elos

Sabonetes

Bombons

Cartas

Respeito

Energia que move

Roda gigante

Ensina, roda

Começa do zero

Ensina, roda

Começa do zero

E do zero fazemos as somas

Crescemos e avançamos

Novos jovens, jovens novos

E assim prosseguimos.

Page 80: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

77

Maria Lala

Eu sou assim, traço a meta e eu chego

Foto 10 – Maria Lala – Acervo pessoal da colaboradora

Maria Lala, como gosta de ser chamada pelos amigos é uma

pessoa que gosta de prosa. Conversamos muito, sobre tudo. Na

sala administrativa do Centro de Internação Lala narrou desde

a infância até o momento maternal que vive. Família é um dos

elos que mais representam essa guerreira.

Page 81: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

78

“Eu sou assim, traço a meta e eu chego”.

Nasci assim, vencendo

Três não conseguiram

Sobrevivi, a primogênita

Com braços fortes, trabalho duro

Trabalhando com papai

Com cadernos e livros

Madrugada, tijolo e calor

Vassoura e mamadeira

Madrugada, tijolo e calor

Vassoura e mamadeira

Com cadernos, livros e bullying

Sem cadernos e livros

Já não queria mais

Já não podia mais.

Frustração e profunda tristeza

Mudamos da roça

O bullying aumentou

Nome feio e caipira do mato

Com enxada na mão

Livro no coração

Não foi fácil não

Trabalho de dia

Escola a noite

Bebidas e cigarros

As tribos e seus costumes

O bar, o revólver, o bilhar

Imagina se eu contar

Page 82: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

79

Melhor trabalhar

Namorar nem pensar

Só depois de casar

Bebia e resistia

No escritório comecei

Ordens eu dei

Mamãe não trabalhará mais

Todos aqui vão ter que trabalhar

E também economizar

Para a nossa vida mudar

Namorei, noivei,

Separei, voltei, casei

Continuei batalhando

Estudei enfermagem,

Gosto de cuidar,

do outro, da outra

da minha preciosa

minha filha nascera

Aprendi lutar na ribeira

Vender e trocar lá na feira

Ser fiel e ser companheira

ser sambista por brincadeira

Dançar e cantar, ser faceira

Amar e sonhar na ribeira

Pelo céu e o mar na certeza

Que a beleza é mais

O amor me satisfaz

É bonito ser querida

No que faço sou capaz

Nos combates desta vida

Nos lugares onde fui

Page 83: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

80

Sou a razão da alegria

Quem sabe amar traz a luz

O sonho e a fantasia

Nos Combates Desta Vida

Maria Bethânia

Trabalho e estudo

Cabelos e lar de idosos

O ensino médio

Quero mais!

Quero a faculdade de Letras

A docência como substituta

Na educação infantil

Projetos e aprendizados inúmeros

A Fundação

O que é isso?

Vamos à entrevista

Preciso trabalhar

Dos mais tranquilos

Aos mais perigosos

Da calmaria à rebelião

Da arte à escuridão

Da beleza à indelicadeza

De tudo passei, passo e passarei

Barulho, gritaria, cadeiras voadoras

Sozinha na sala – medo

Reclamei cedo

Brotam dois jovens – estranhos

Porta esmurrada,

segurança xingado

Deus do céu

Proteja – me.

Page 84: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

81

Tudo se resolveu

No trabalho,

na vida,

no amor.

Sou avó! Amo.

Page 85: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

82

Maria Neuda

Sou insistente, eu não desisto no primeiro

obstáculo

Foto 11 – Neuda – Acervo pessoal da colaboradora

Neudinha como é conhecida pelos amigos me recebeu em seu sobrado junto de seu filho

e filhas. Conversamos um pouco para e relembramos nossos momentos de atuação.

Neuda foi a professora que me ensinou muito sobre a docência para jovens e jovens em

conflito com a lei, sou tão agradecido por isso, inclusive a chamava de mãe, um dos

primeiros elos. Depois das recordações, veio a entrevista formal. Sentados na sala e já

sem os filhos por perto, coloquei o gravador sobre a mesa e uma câmera sobre a estante.

Diga me sobre sua história. Timidamente a professora começou e não sabia se pela

infância ou pela Fundação.

Page 86: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

83

“Sou insistente, eu não desisto no primeiro

obstáculo”.

Ce-a-ren-se. Sim!

Éramos seis mais dois ou dois mais seis.

Pobreza sim, miséria não.

Família, linda, maravilhosa.

Mamãe ensinava,

Papai plantava.

Mamãe ensinou amar,

Amar o próximo,

Papai ensinou a plantar,

Plantar coisas boas.

Um guerreiro sem espada / sem faca, foice ou facão /

armado só de amor / segurando um giz na mão /

o livro é seu escudo / que lhe protege de tudo /

que possa lhe causar dor / por isso eu tenho dito /

que tenho fé e acredito / na força do professor /

ah, se um dia os governantes / prestassem mais atenção /

nos verdadeiros heróis / que constroem a nação /

ah, se fizessem justiça / sem corpo mole ou preguiça /

lhe dando o real valor / eu daria um grande grito /

tenho fé e acredito / na força do professor /

porém, não sinta vergonha /não se sinta derrotado /

se o nosso país vai mal / você não é o culpado /

nas potências mundiais / são sempre heróis nacionais /

e por aqui sem valor / mesmo triste e muito aflito /

tenho fé e acredito / na força do professor /

um arquiteto de sonhos / engenheiro do futuro /

Page 87: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

84

um motorista da vida / dirigindo no escuro /

um plantador de esperança / plantando em cada criança /

um adulto sonhador / e esse cordel foi escrito /

porque ainda acredito / na força do professor.

Homenagem aos professores – Braulio Bessa

A vida. Ah! A vida ensino a valorizar,

Valorizar as coisas boas que tinha aprendido.

Tropeços, percalços, dificuldades,

sempre ultrapassadas com garra.

Viajar para estudar.

Arneiroz – Tauá

Ajudar em casa.

Madrugar

Estudar

Be-a-bá

Tabuada

Vou estudar, vou estudar!

Colegial findou

O desejo por mais latente

Mudança decorrente

Ceará-São Paulo

Verão de 1983

Trabalho, estudo

Mais trabalho e namoro

Casamos!

A faculdade

O sonho realizado

Meu e dos meus pais

A-le-gria. A-le-gria.

Page 88: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

85

Desafio.

Estudo e trabalho

A educação

Professora substituta

Alberto Bacan

Soinco II

Ensinar, o que?

E agora?

Filhos

Desafios?

Inúmeros!

Perseverança.

Família.

Formada.

Desafio!

Fundação

Estadual

Do Bem-Estar

Do Menor

FEBEM

Medo

As ...ências

Carência

Persistência

Irreverência

Insistência

Paciência

Desafio

Fogo, corre, sai

Page 89: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

86

Fica, vai, vem

Vermelho, preto

Escuridão.

Febem – Fundação

Transição – Inovação

Segurança – Esperança

SocioEducação !!!

Ato não interessa

Educação é meu papel

Julgamento deixo para os outros

Quem sou eu?

Ser humano!

Desafio

Respeito – de ingual senhora

Problema nunca tive,

Igualdade e humildade

Re-ci-pro-ci-da-de

Dignidade!

Desafios

Tudo junto e misturado

Lé sem cré

Cré com lé

Salada na sala

Novos e velhos

Multisseriado

Precariedade

Piedade

Por falar em piedade

Deus. Falo Dele para eles

Ouvem, refletem e agem

Page 90: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

87

Faz sentido, provoca

Indaga, questiona, balança

Tento sempre de todas as formas.

Eles são seres humanos, a gente tem que acreditar que eles vão

mudar. Eu garanto para você, o meu ego está lá em cima

porque eu tento, eu tento, não está em cima porque eu consegui,

mas porque eu tentei, eu sei da minha importância e isso eu falo

sem medo de ser feliz.

Page 91: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

88

Mateus Fernandes dos Santos

Na capoeira fiz vários amigos, fiz faculdade

graças à capoeira, tem pessoas que são como

irmãos que conheço há quinze anos

Foto 12 – Mateus – Acervo pessoal do colaborador

Correria, para lá e para cá. Difícil conversar com o professor Mateus.

Agendas lotadas de trabalho. Mas conseguimos. Ele estava curioso sobre

como seria a conversa, afinal outros colegas já tinham dialogado e pouco

tinham compartilhado.

Entre uma aula e outra, em poucos metros quadrados, em meio ao ar

sombrio na sala de revista, conseguimos conversar e pude apreciar com

sensibilidade o jogo jogado e o gingado narrado na história de vida do

professor por Mateus.

Page 92: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

89

“Na capoeira fiz vários amigos, fiz faculdade

graças à capoeira, tem pessoas que são como

irmãos que conheço há quinze anos”.

Família humilde e digna.

Mainha sempre determinada

Plantou, limpou, lavou, passou. Sustentou sozinha.

A base de tudo. A única.

Eu sempre em contato com a natureza.

Mudou. Mudamos

Do calor à terra da garoa

Madeira com madeira

Paredes e teto

O abrigo

Quando eu aqui cheguei

Não sabia o que fazer

Então achei o berimbau

E dessa fonte fui beber

Fui beber sabedoria

Que o meu Mestre me ensinou

Quando eu vim da Bahia

Colega velho, Cidade de Salvador...

Onde tem capoeira eu quero jogar

Eu vim da Bahia, eu volto pra lá

Onde tem capoeira eu quero jogar

Salve salve a Bahia e os Orixás

Onde tem capoeira eu quero jogar

Pego o meu berimbau e começo a tocar

Vinícius Heine

O errado ao lado

Eu crescendo,

O erro se aproximava

cada vez mais,

Esquiva, Aú, Benção

A minha defesa

Deus! O meu amparo

No mato rasteiro fiz

Page 93: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

90

Amigos..

Amores...

Estudo...

Profissão...

Minha vida

Amigos que se foram

Outros que permanecem

Amores. Amor.

A faculdade.

O trabalho digno e,

a vida mais importante – Zion

São três letras apenas

As desse nome bendito:

Também o céu tem três letras

E nele cabe o amor infinito

Para louvar o Nosso Pai

Todo bem que se disser

Nunca há de ser tão grande

Como o bem que ele nos quer

Palavra tão pequenina,

Bem sabem os lábios meus

Que és do tamanho do CÉU

E apenas menor que Deus!

PAI, três letras apenas –

Adaptação de Mãe... São três letras apenas

de Mario de Miranda Quintana

Foto 13 – Mateus e Zion – Acervo pessoal do colaborador

Estudando e trabalhando

Distante do mundo

Recompensa – a formatura

A conclusão de uma etapa

A vitória

Mais uma conquista.

Page 94: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

91

Convivência

Axé

Paz

Oferta

Equilíbrio

Igualdade

Reflexão

Afeto

Jogando na roda da vida

Entrei na Fundação

Tenso. Jogando, gingando!

Ensinando meninos e meninas

Vai e vem, contratos e contratos.

A biologia entra em cena.

Sem experiência de aula,

Com vivência no mato rasteiro e,

Experiente em jovem da periferia,

Minha própria vida.

E depois que eu comecei a trabalhar na

Fundação, comecei a conversar com vários

adolescentes, meninos e meninas, fui

conhecendo as histórias. Às vezes eles se

abrem pra gente, contam algumas histórias de

vida e a gente vai vendo que a gente pode

fazer uma diferença nessas vidas, mesmo que

seja mínima.

Convites outros surgiram

Permaneci. Resisti. Insisti.

Emoção a flor da pele

Histórias e histórias

A minha. Deles e delas

Fome, miséria, abandono

Cotidiano juvenil

Sofre de lá

Lembro e sinto de cá

Narrando de lá e chorando de cá.

Page 95: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

92

Experiências e sensações

Do exercício da docência

Do experienciar da vida.

Page 96: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

93

Sinhá Oliveira

Eu acredito na transformação do ser humano

Foto 14 – Sinhá –Acervo pessoal da colaboradora

Essa amiga que muito entende de Febem e de Fundação Casa. Conversamos

na escola vinculadora, ela grávida e já com leve barriga de gestante e

irradiando alegria. A conversa durou mais de uma hora. Aprendi muito com

Sinhá quando fomos coordenadores pedagógicos e tenho uma eterna

gratidão e apreço por ela.

Foto 15 – Entrevista com Sinhá – Willian Lazaretti.

Page 97: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

94

“Eu acredito na transformação do ser humano”.

Javi Fontes é minha cidade, cidade?

Povoado na região centro-oeste da Bahia

Cotegipe

Ibotirama

Barreiras

Cristópolis

Ah minha Bahia, Bahia minha. Amo.

Mainha ficou grávida,

História estranha

Rejeição.

O parto, um parto, o parto

Difícil. Resisti. Nasci.

Sobrevivi!

Pai, mãe e cinco irmãos.

Irmão para lá e para cá,

Eu, cá com meu pai.

A-fe-ti-vi-da-de

Vínculo inexplicável.

Acolá também, sem rumo pelas estradas da vida

Do álcool. Da casa. Do lar.

Da briga. Do amor. Da resistência.

Partida. Ruptura. Ausência.

A escola tardia

Juventude rebelde

Bailar era minha vontade

Mudar de moradia

Liberdade é uma palavra que o sonho humano

alimenta, não há ninguém que explique e ninguém que não entenda.

Romanceiro da Inconfidência Cecília Meireles

Logo, acolá com minha irmã.

Vou-me embora

Acolá é tão grande

Imensidão de pedras

Multidão

Page 98: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

95

Namorado.

Retornar não quis

Não. Não. Não.

Rezas, choros e lamentações

Resistência, pulsação, coração

Afeto, ousadia e paixão.

Casório prematuro

Amor – Amanda – Família

Criança nascendo

crianças cuidando

persistência

Criança cresce

Adolescente amadurece

Escola – Criança – Família

E agora?

Entre trancos e barranco

Na suplência segui e conclui

E mais. Queria mais!

Viva ao prof. Joanes

Inspirador e orientador.

Faculdade sim

Demissão

Agora tô bonita

E outro trabalho preciso

Salgados para me transportar

Sobrevivi!

Transportei – me até a Febem

Histórias e aprendizados

Filme?

Guerras, tumulto

Rebeliões e rebeliões

Traumas

Sobrevivi!

Convites vieram

Mudanças

Unidade

Função

Page 99: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

96

Responsabilidade

Gestão Compartilhada

Resistência dobrada

Sobrevivi!

Interrupção

Madrugadas

Viagens

Doces, salgados para sobreviver

Apreensões

Sobrevivi!

À Fundação retornei

A coordenação assumi

Desafios venci

Maternidade latente com jovens

Referência positiva

Responsabilidade. Vidas. Reconstruções.

Sobrevivi!

Sobreviver chama – se manter luta contra a vida que é mortal.

O ovo e a galinha

Clarice Lispector

Page 100: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

97

Walnir Rodrigues

Se for pra desistir, desista você, eu não vou

desistir de você não

Foto 16 – Walnir –Acervo pessoal do colaborador

Conversamos quase uma hora na sala do diretor. Câmera e gravadores a

postos e o professor pronto para um diálogo amistoso. Começamos! Apesar

do elo incipiente ainda em fase de consolidação, o professor Walnir narrou a

sua trajetória de mudanças, descobertas e conquistas. E me marcou com a

sua humildade e com seu ato de esperançar.

Page 101: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

98

“Se for pra desistir, desista você, eu não vou

desistir de você não”.

Família dos 7 irmãos

Pais católicos, eu sem obrigação

Aproximação entre todos

Fácil não, mas desistir jamais.

De Guarulhos para o Brasil.

Fazendas, terra, vida, natureza

Família, gincana, alegria

Do Brasil para Guarulhos

Cresci brincando, o bairro cresceu

Crescemos.

Com a grandeza, o trabalho

Com o trabalho a não-escola

As amizades, o rock. O rock.

Cabelo grande vamos ao show

Vamos mina, terá um show de rock

Chegamos? Tá certinho amigo esse lugar?

Igreja Renascer em Cristo

1.500 pessoas cantando

O que é isso?

Toca, causa arrepio.

Foi na hora certa

Responsabilidade batendo à porta

Seriedade tomando seu lugar.

Uma missão coroada de paz

Alicerçada nas mãos

Do supremo criador.

Page 102: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

99

No coração exalava o amor

Incompreendido na terra,

A estrela da manhã

O início do conhecimento

Conhecimento nunca é demais

Conheci algumas igrejas

Mudei, mudaram, mudamos

Construí conhecimento e inovei

Religião, religiosidade

Desconfiei até de Deus

da sua existência

Religião que segrega, que separa

que distância.

Mesmo sofrendo ele não reclamou,

Olhou pro céu e pediu pela humanidade.

Naquela cruz o herói dos heróis

Venceu a morte e levou ou! Ou!

Sobre si os meus pecados.

Casei, virei pai.

Que prazer, que sensação indescritível.

3 = 18, 17, 4

Com o suor veio o sustento,

Aeroporto, motorista

Pesquisador e operador

Professor!

Sempre atento.

Ele deixou sua glória no céu,

Veio revelar a luz, do sol da justiça.

Ele ensinou a verdade e o amor,

Page 103: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

100

Provou do beijo da morte,

Se entregou em meu lugar.

Mesmo sofrendo ele não reclamou,

Olhou pro céu e pediu pela humanidade,

Naquela cruz o herói do heróis venceu a morte e levou,

Sobre si os meus pecados.

Psicologia, Sociologia,

Teologia, vida

Um mix de aprendizados

Um turbilhão de sensações

Deus sabe o que faz.

No coração exalava o amor incompreendido na terra,

A estrela da manhã.

Comecei há pouco

Logo de cara, aqui e acolá

Dando aula para os jovens,

Privados e não privados

Fantástico!

Deus sabe o que faz.

Ensino na escola

Ensino para a vida

Ensino o que sei

Amo ensinar.

Ensinar ara jovem em privação

É ligar com as diversas facetas da (des)humanidade

Jovem, adulto,

oprimido, opressor,

Page 104: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

101

“eu acredito na recuperação de nove jovens a cada dez. Eu

acredito na possibilidade que cabe a nós de dar uma segunda

chance, então para mim é o espírito verdadeiramente de quem

leciona, deve ser isso, um espírito de missão”.

A minha missão

Contempla a doação

Me doar à igreja

Aos que precisam

Aos que posso ajudar.

Um olhar, uma escuta,

Uma fala, um diálogo,

um abraço com o coração.

Compreensão.

Na Fundação é assim

De caneta que vira revólver

De cabeça que vira alvo

Da grade que vira galho

Quarenta minutos

Quarenta anos

Eternidade de uma prova

Humildade e Resistência.

Mesmo sofrendo ele não reclamou,

Olhou pro céu e pediu pela humanidade,

Naquela cruz o Herói dos heróis venceu a morte e levou,

Sobre si os meus pecados.

Herói Dos Heróis

Novo Som

Page 105: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

102

2 – Capítulo II: Reencontros

Os elos estabelecidos com cada uma dessas professoras e cada um desses

professores, fizeram com que a escrita desta tese transcendesse o ato de pesquisar sobre

pessoas, lugares, mas pesquisar com. Nesse sentido, foi criado, intencionalmente, um

“Grupo” compreendido como comunidade de trabalho que “se constitui em torno de

objetivos comuns que ultrapassam a ordem pessoal, situam e se enraízam em

compromisso com construção de uma sociedade justa que garanta iguais direitos e

tratamento diverso para diferentes condições, circunstâncias”24.

Do ano da entrevista – 2013 – até os reencontros – 2015/2016 e 2017, muita

coisa aconteceu em nossas vidas, mas o elo não foi rompido. As redes sociais

favoreceram a aproximação e conseguíamos acompanhar os passos, tropeços e as

conquistas de cada um de nós.

O estilo de vida por nós adotado – algumas vezes com dupla ou tripla jornada de

trabalho – dificulta que tenhamos mais reencontros, a semana é tomada pelas atividades

de trabalho e os finais de semana são divididos entre compromissos familiares e um

pouco das atividades inerentes à docência, como planejar aulas, corrigir atividades ou

até mesmo preencher diários. Nessa dinâmica, conquistar todos os reencontros tornou –

se difícil e com alguns/as professores/as somente foi possível agendar no período de

férias escolares.

O reencontro com Ana Luiza foi em um domingo, onze de outubro de dois mil e

quinze. Manhã cinzenta e abafada. Pedi

ao porteiro que avisasse sobre a minha

chegada. Deu – me algumas instruções e

pediu que entrasse. Logo avistei a Analu

que vinha ao meu encontro com um

sorriso no rosto – “Venha cá, dê – me um

abraço meu querido...” foram as suas

palavras de boas–vindas. Subimos,

proseamos e logo descemos e fomos

comprar pão enquanto ela me

apresentava as lojas do bairro Cecap. Voltamos, tomamos café com direito a um

24 Silva e Araujo-Oliveira (2004).

Foto 17 – Reencontro com Analu –

Willian Lazaretti.

Page 106: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

103

maravilhoso pão semi-italiano. Conheci seus cachorros e sua amiga Regina, uma amiga

muito próxima que lá chegou após o nosso café.

No momento da leitura da textualização houve muita emoção, Analu estava

agarrada em minhas mãos e as lágrimas escorriam em seu rosto. Em seguida, ainda

extremamente banhada em um sentimento de amor, pediu que eu fizesse a leitura da

transcriação. Queria logo mostrar para seu filho que a visitaria em breve. Perguntei se

havia gostado e se tinha alguma passagem que gostaria de alterar. Ela disse que não e

que estava muito feliz por ter a história da vida dela escrita com tantos detalhes.

No mesmo dia, fui ao reencontro com Abenilda. A ansiedade que no momento

da entrevista dominava a Abenilda agora estava em minha companhia. Será que ela vai

gostar? Abenilda me recebeu em seu lar junto de um filho. A prosa começou com o que

havíamos feito depois de nosso último encontro, as minhas mudanças e as mudanças

dela, o que vinha acontecendo na Fundação e como ela vinha contemplando o descanso

parcial obtido pela aposentadoria.

Depois de pôr a prosa em dia, eu retomei as etapas da pesquisa. Apresentei o

texto transcriado e perguntei se ela gostaria de ler ou se preferia que eu fizesse a leitura.

Ela pediu que eu lesse. Senti-me honrado e comecei a leitura da textualização e ao

finalizar indiquei que leria a transcriação. Suspiros, sorrisos e comentários sobre as

experiências. Disse-me que gostou muito e que mostraria a sua história aos filhos e

parentes, que não mudaria nada, encadernaria e faria uma pasta muito bonita para

guardá-la. Por fim, apresentei o termo de

consentimento livre e esclarecido e a carta

de cessão. Abenilda ainda me disse que

depois da entrevista, em visitas que fizera

à sua cidade natal, descobriu que o seu tio

era na verdade seu pai, como ela

desconfiava.

Foto 18 – Reencontro com Abenilda – Willian Lazaretti.

No dia 22 de julho de 2016, foi a vez de reencontrar com Sinhá, Cícero e Ester.

Comecei o dia indo à casa da Sinhá, que por sinal é próxima aos CI onde trabalhamos

juntos. Chegando lá, conheci o esposo que estava trabalhando na oficina – que fica em

frente à casa – convidou – me a subir e logo encontrei Sinhá com seu filho pequeno e

duas filhas já maiores, uma delas – Amanda – estava saindo com o carro para ir à casa

da avó andar de patins, por ser uma rua sem saída.

Page 107: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

104

Enquanto organizava os textos para leitura, Sinhá preparava um bolo de cenoura

que havia prometido fazer quando eu a visitasse. Sinhá bateu a massa, falamos dos

empregos e das dificuldades de trabalhar na área educacional – escolar pela falta de

formação continuada e dos desafios que ela enfrentava enquanto coordenadora

pedagógica na rede estadual de educação. Depois da massa pronta, ela sentou – se ao

meu lado e pediu que eu fizesse a leitura. Aos poucos, eu via no olhar dela as emoções

de cada passagem de sua história e quanto lutou para conquistar seu espaço. Fiz a leitura

da textualização e da transcriação e não alteramos nenhuma passagem da narrativa,

Sinhá gostou de ter sua história escrita.

Estávamos degustando o bolo, quando a cunhada dela ligou e disse que a

Amanda tinha caído e machucado o braço, que levariam ao hospital. E a correria

começou, rapidamente guardamos o notebook, termos, histórias e, como a Amanda

tinha ido com o carro deles, eu acabei por levar Sinhá e o marido até a casa da avó. Já

havíamos finalizado as papeladas e o bolo, mas ainda não tínhamos tirado uma foto,

registro que gostaria de ter feito com todas/os professoras/es.

Depois de leva-los, fui ao Shopping Parque Maia encontrar com Ester em uma

cafeteria. Ester chegou com uma amiga, conversamos de tudo um pouco, trabalho, vida

amorosa e sobre filho que a época da entrevista estava em uma fase comportamental um

tanto quanto complicada, mas que

agora já estava bem.

A professora Ester estranhou não ter

mencionado na entrevista que seu pai

havia falecido e complementou

dizendo como foi a experiência na

época. Ela contou que apesar de a

categoria docente a qual ela pertencia

permitir apenas dois dias de licença

de luto, a equipe gestora permitiu que

ela se ausentasse por quatro dias.

Foto 19 – Reencontro com Ester – Willian Lazaretti.

Logo depois da conversa com a professora Ester, conversei com o professor

Cícero que já na chegada nos fez rir com seu jeito engraçado de falar das coisas e da

Page 108: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

105

vida. Cícero ao ser indagado se preferia receber alfajor ou chocolate como

agradecimento por ter participado, disse que nem sabia o que era alfajor e, portanto, o

chocolate estava de bom tamanho.

No dia da entrevista com o

Cícero, logo que desliguei o gravador,

ele virou para mim e disse: a minha

história serve para alguma coisa?

Respondi que sim, que a história dele

e demais professores no individual e

no coletivo tinham uma força e

representatividade que precisava

ganhar a zona de visibilidade.

Foto 20 – Reencontro com Cícero – Willian Lazaretti.

O Cícero optou pela minha leitura de seu relato e enquanto eu li pareceu-me que

ele havia retornado a cada um dos lugares onde viveu, trabalhou, estudou. Ele estava

comigo e ao mesmo tempo vagando pelos diferentes espaços citados na entrevista. Ao

terminar a leitura, perguntei se ele gostaria de alterar alguma passagem ou

complementar, mas não houve tal necessidade, então pedi que assinasse o termo de

consentimento livre e esclarecido. Ester e Cícero, depois da conversa, queriam sair para

tomar um chope, mas eu tinha de retornar a São Paulo dirigindo e não pude acompanha-

los, mas tomamos um café para conversarmos

um pouco e darmos boas risadas.

No dia 26 de outubro foi dia de

reencontrar com Walnir, Mateus e Neuda.

Neste dia era para ter conversado com as

professoras Luiza, Carla e Maria Lala, mas

por questões de agenda e problemas

familiares, tivemos de remarcar a data.

Foto 21 – Reencontro com Walnir – Willian Lazaretti.

Comecei por visitar Walnir em sua casa, acolhido por ele e sua esposa, logo

estávamos tomando um café. Conversamos sobre política, pois ele havia se candidatado

a vereador e discutíamos (lamentávamos) as dificuldades que o município enfrentava,

mesmo sendo um dos mais ricos do Estado de São Paulo.

Page 109: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

106

Retomamos os textos e fiz a pergunta de praxe, se ele gostaria de ler ou se

quisesse eu fizesse a leitura, ele preferiu ler. Enquanto lia, comentava as passagens e

lembrava-se de outras situações que vivenciou após o momento da entrevista, mas que

gostaria de contar. Uma delas tem relação com o trabalho com jovens em situação de

risco. Walnir trabalhou como coordenador de um abrigo onde aconteciam diversas

situações de violência e o qual estava próximo ao tráfico de drogas; neste lugar, as

crianças e os adolescentes estavam totalmente à mercê da criminalidade. Ele encarou a

situação como um desafio e venceu. Teve de discutir com traficante para mostrar que a

autoridade daquele espaço era dele e que seu desejo era proporcionar outras

possibilidades de trilhas para aquelas crianças e jovens, trilhas que estiverem distantes

de qualquer ato infracional. De certa forma, a conversa com o traficante poderia até

fazer com que ele refletisse sobre a condição que o levou àquela situação e se realmente

desejava o mesmo àquelas. Mais uma batalha vencida.

Parti para a casa do Mateus, que era próxima, mas do outro lado da rodovia.

Chegando lá, Mateus prendeu o cão que latia compulsivamente com teor de curiosidade

e me recebeu sozinho, pois o Zion, seu filho, estava sob cuidados da avó. Na época da

entrevista, 2013, Mateus estava separado, mas pouco tempo depois da nossa conversa, o

casal reatou. Apesar de já saber da notícia pelas redes sociais, fiquei feliz em ouvir e vê

– lo dar a notícia com brilho nos olhos e sorriso no rosto. Neste dia, a esposa estava

trabalhando no litoral e retornaria somente no final de semana, por isso não a conheci.

Expliquei a dinâmica do reencontro no que dizia respeito à burocracia, leitura, termo de

consentimento e esclarecido. Mateus

preferiu fazer a leitura e seguiu por ela com

os olhos marejados. Ele fez uma correção na

passagem de sua mãe pela Bahia e, depois

de fazer a correção, prosseguimos na leitura

da transcriação, momento que ele me

perguntou se poderia ficar com os textos,

pois havia gostado muito de ter a sua

história ali registrada. Disse que ficaria e

que enviaria o arquivo com a correção da

passagem que ele havia solicitado.

Foto 22 – Reencontro com Mateus – Willian Lazaretti.

Page 110: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

107

Em seguida, ele me mostrou alguns animais dos quais cuida e como Zion o

ajuda; falamos dos grupos de capoeira, pois, com tom de pesar, ele me disse que havia

saído recentemente do grupo em que ficou boa parte da vida.

Na capoeira fiz vários amigos, fiz faculdade graças à capoeira, tem

pessoas que são como irmãos que conheço há quinze anos. Eu iniciei

na capoeira com treze anos, queria iniciar antes, mas minha mãe não

deixava, pois ela via capoeira na Bahia e via de uma forma diferente,

ela achava que seria da mesma forma. Aos treze anos eu fui entrando

na capoeira meio que escondido dela, me formei em capoeira, sou

professor de capoeira, e com as aulas de capoeira eu consegui a

bolsa de estudos no Programa Escola da Família (Mateus).

Mas já estava fundando um grupo com outro colega que também havia deixado

o grupo anterior. Reparei no punho cerrado e perguntei qual o motivo, e ele explicou

que era hábito de sair assim nas fotos com o grupo de capoeira – força, resistência.

Finalizado com Mateus, dei uma carona para ele até a rodovia para ir até o correio e

segui em direção a uma padaria próxima à Fundação Casa, onde conversaria com a

Neuda.

Chegando à rua senti que estava indo trabalhar e lembrei-me de várias situações,

desde alagamentos que nos impediam de chegar ao CI aos dias de festa que

organizávamos e colhíamos o

brilho nos olhos dos jovens e

familiares. Já próximo à padaria,

avistei Neuda com seu sorriso e

novo penteado. Demos um abraço

apertado, daqueles em que é

possível sentir o coração, quase

numa ligação de mãe e filho,

ambos famintos.

Foto 23 – Reencontro com Neuda – Willian Lazaretti.

Nos servimos e sentamos para comer, o tempo era exíguo, pois ela tinha que dar

aula logo em seguida. Mas não teve jeito, falamos de tudo da vida, comemos devagar,

fiz a leitura da textualização, da transcriação; ela gostou de ambas e não modificamos

Page 111: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

108

nada. Assinou o termo de consentimento livre e esclarecido e terminamos por sair

correndo do almoço.

Enquanto ela foi trabalhar no CI III, eu fui visitar os amigos que fiz no CI I.

Chegando, foi uma alegria poder rever boa parte dos amigos e amigas que lá fiz. Alguns

haviam sido transferidos, o diretor não era o mesmo, tampouco a encarregada técnica,

mas já conhecia o coordenador pedagógico, pois trabalhamos juntos logo no início das

atividades dos centros de internação no município. Desci até o espaço que os jovens

ficam, me apresentei, conversei com alguns deles, observei cada espaço com um olhar

saudoso e de tristeza, pois estava muito diferente de como o havia deixado – antes,

cheio de cartazes, poesias, pinturas, produções dos jovens e hoje tudo havia se perdido

com o tempo e com a rebelião ocorrido neste ano.

Neste mesmo dia, havia atividades programadas – que eu desconhecia – uma

delas era receber a assessoria de imprensa da Fundação CASA para a redação de uma

notícia sobre o trabalho pedagógico do CI e a outra era receber um juiz e um promotor

da Vara da Infância e da Juventude de Fortaleza para que pudessem conhecer um pouco

do trabalho realizado em São Paulo, haja vista que no Ceará o atendimento

socioeducativo ainda estava muito aquém do necessário.

Tanto o juiz quanto o promotor ficaram impressionados com o trabalho realizado

em São Paulo apesar de não terem conhecido o espaço alguns meses antes da rebelião

que lá havia ocorrido, ou seja, as paredes estavam ainda com uma demão de pintura e

ainda era possível ver as pinturas, manchas e sujeira das paredes.

Ano de 2016 quase terminando e com ele mais um doce reencontro com a

professora Luiza. Tarde de 30 de dezembro, muito calor e um refrigerante gelado estava

preparado para quando eu chegasse. Luiza passou em concurso e ingressou na rede

estadual de educação como professora efetiva e com isso não continuou a trabalhar na

Fundação. Disse estar feliz com a nova escola, com os alunos, colegas de trabalho, mas

que sentia saudade do trabalho realizado na Fundação, e mais uma vez recordou das

cartinhas e dos desenhos com os quais os jovens lhe presenteavam. Relembrei a Luiza

das etapas da pesquisa e qual o objetivo daquele reencontro, buscando manter o

comprometimento ético. Luiza optou por ler, então foi colocar os óculos e sorrindo

avisou, que lê devagar, come devagar que faz tudo devagar.

Page 112: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

109

Foto 24 – Reencontro com

Luiza – Willian Lazaretti.

Conforme prosseguia

com a leitura, Luiza fazia

pequenos comentários sobre

as experiências e os trechos

narrados que nem se

recordava de ter falado. Leu

a textualização e a

transcriação e gostou, não

pediu para modificar e disse mostraria para a sua irmã. Agradeci a participação da

Luiza, a presenteei com um livro e tiramos algumas fotos. Em seguida fui apresentado à

irmã que mora na casa dos fundos e lá conversamos por mais um bom tempo até que

nos despedimos e parti.

O reencontro com Maria Lala foi difícil, pois há um ano seu irmão sofreu com

uma doença que necessitou de sua ajuda nos cuidados. Mas conseguimos nos

reencontrar em 7 de janeiro de 2017 no

Bosque Maia, parque extremamente

arborizado no centro da cidade de Guarulhos.

Lala chegou com o seu namorado Lindomar

que nos acompanhou durante toda a

conversa. A professora continua trabalhando

na Fundação CASA com alfabetização e

disse sempre ser uma disputa para saber em

qual CI trabalhar, pois às vezes nem tem

professora suficiente para lecionar nas séries

iniciais.

Foto 25 – Reencontro com Maria Lala – Willian Lazaretti.

Lala mencionou também que prefere continuar lecionando para jovens na

Fundação pela segurança que se tem lá dentro, enquanto fora não se tem respaldo algum

e professoras são ameaçadas. Como gosta de estudar, concluiu o curso de libras, prestou

um concurso para educação adaptada e está aguardando ser convocada, talvez tenha que

Page 113: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

110

sair da Fundação se não conseguir acumular os cargos. Depois que expliquei todos os

processos da pesquisa, a professora preferiu que eu fizesse a leitura da textualização e

da transcriação. Enquanto eu lia, Maria Lala prestava atenção se eu ou ela não tínhamos

esquecido alguma coisa importante em sua história, mas estava tudo narrado, transcrito

e o resultado foi positivo, a professora gostou bastante.

Neste mesmo dia, após o almoço fui me reencontrar com a professora Carla, que

me recebeu junto de sua linda filha Mariana. Carla também continua na Fundação e

agora tem dois vínculos: ela passou no concurso para ser agente educacional e continua

como professora da educação escolar.

Foto 26 – Reencontro com Carla –

Willian Lazaretti.

No começo teve que assumir o cargo em

outro CI mais distante, mas agora já

conseguiu transferência e está trabalhando

próximo de sua casa e ao lado do CI que

leciona como professora. Passou também

no concurso para professora da rede

estadual e teme não conseguir conciliar os dois cargos, e já deixou explicito que optará

por permanecer na Fundação CASA se algo a impedir de ficar nos dois cargos, isto

porque sente uma grande afinidade com as histórias dos jovens e não se vê distante do

trabalho com o jovem em conflito com a lei.

A professora Carla, que no momento da entrevista havia chorado, iniciou a

leitura e logo comentou que já estava dando vontade de chorar de novo, pois ao ler a sua

história estava também lendo as histórias de vários jovens. Muito emocionada, disse que

esse vínculo fez com que ela permanecesse na Fundação mesmo após vivenciar uma

rebelião que na época a deixou desesperada.

Page 114: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

111

3 – Capítulo III: Entrelaçamentos

A infância é ou deveria ser uma época de muitas brincadeiras, a adolescência

com muitas descobertas e aprendizados desencadeados no seio da família e em

diferentes grupos. Mas a realidade nem sempre é tão lúdica e acolhedora o quanto

deveria, e contribui para a construção de outros estilos de vidas, outras possibilidades de

constituição de família, outras práticas sociais.

Vários milhares de crianças e adolescentes estão, neste exato

momento, circulando pelas ruas e por diversas instituições de

assistência e proteção, apesar de terem pais e diversos parentes.

Alguns serão reconduzidos aos seus lares; outros, se sobreviverem à

vida nas ruas, serão encaminhados a abrigos, instituições de privação

de liberdade, clínicas de desintoxicação e outros tipos de instituição e

poderão nunca retornar às suas famílias (RIZZINI e col., 2007, p .17).

Nós, poderíamos ter sido um destes adolescentes que circulam por diferentes

instituições, além da família, pois assim como eu, Mateus, Cilene, Carla, Ana Luiza e

Abenilda foram criados por uma família com configurações que destoam das

tradicionais, com pai e mãe, o que é comum à vários jovens que estão em conflito com a

lei. A diferença entre professores e a maioria dos jovens foi a possibilidade de vínculo

positivo com alguém ou com alguma prática social25. Enquanto eu me vinculei ao

voleibol e tive, além da mãe, outros familiares para suprir o abandono paterno, Mateus,

por exemplo, se vinculou à capoeira e ao amor materno, em ambos os casos a prática de

algum esporte contribuiu para o distanciamento ou para a conscientização ao não uso de

drogas. Cilene, Carla e Ana Luiza eram amparadas pelas avós e Abenilda por seu tio,

que na verdade era seu pai legítimo, mas que tinha que dizer que era tio por conta da

madrasta.

A Analu é tão apegada a seu filho e neto e se emociona apenas de falar seus

nomes, orgulhando – se da trajetória que o filho estudioso seguiu. Ao ouvir a história de

Ana Luiza – que foi criada por sua avó após trágico episódio entre a família paterna e

sua mãe –, podemos vislumbrar o quão violenta pode ser a constituição de uma família.

25Práticas sociais decorrem de e geram interações entre os individuos e ente eles e os ambientes

natural, social e cultural em que vivem. Desenvolvem-se no interior de grupos, de instituições,

como o propósito de produzir bens, transmitir valores, significados, ensinar a viver e a controlar

o viver; enfim, manter a sobrevivênvia material e simbólica das sociedades humanas

(OLIVEIRA e col., 2014a ,p.33).

Page 115: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

112

A sorte no caso da Ana Luiza foi o amparo e o amor de sua avó materna, que dela

cuidou até que alcançasse o ensino superior e conseguisse seguir sua vida com suas

próprias pernas. Analu aprendeu a sobreviver com muito pouco, pedindo sempre que

necessário, negociando prazos para terem moradia, vida simples, humilde, itinerante

fugindo de um passado que perseguia, os caminhos percorridos por ela eram em busca

da manutenção da vida.

A avó da Analu foi uma grande referência em sua vida e suas orientações

serviram para que ela educasse o seu filho no caminho inverso ao do consumismo:

foi o meu exemplo de vida. E são exatamente os meus ensinamentos, o

que falta para essas crianças, ensinar sobre o consumismo, por

exemplo, eu ensinei meu filho a não ser consumista, não o levava no

shopping. Eu o levava em livraria e ficávamos horas e horas, nós

íamos ao cinema, coisa que a minha avó não fazia comigo, mas eu

tentei dar uma melhorada nos ensinamentos dela (Analu).

Enquanto a Analu sobrevivia transitando por diferentes espaços com a sua avó,

Abenilda estava ocupada cuidando de seus irmãos, filhos do novo casamento de seu pai,

limpando a casa, lavando roupa no rio e em ambos os casos com ingresso tardio na

escola. Abenilda lutava e esperançava um dia entrar no Grupo Escolar, admirava a

vizinha que era professora e que andava toda elegante e cheia de trabalhos dos alunos

para ler, era uma boa professora e como diz Cunha (1989), serviu para que Abenilda se

espelhasse nas boas práticas da professora.

Cilene e Carla se aproximaram de suas avós. Quando Carla nasceu sua mãe era

muito jovem e morava em cidade pequena, onde os moradores pré-julgavam a

maternidade precoce sem a presença do pai. A jovem grávida mudou-se para São Paulo,

onde Carla nasceu; logo sua mãe arrumou um novo marido e com isso Carla, que não

conhecera o pai, com seis meses de idade, sofreu abandono da mãe, pois foi

encaminhada para morar com a sua avó na Bahia. Com isso, Carla cresceu aos cuidados

dos avós, mas sofrendo com humilhação relacionada ao abandono de seus pais, aspecto

mais marcou a sua vida, pois além dos colegas na escola, precisava tolerar até

comentários pejorativos de alguns familiares; os únicos que conseguiram dar a

sustentação que ela necessitava foram seus avós maternos.

Page 116: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

113

Considero a minha avó a minha mãe, uma pessoa que me incentivou, que eu

me espelho (Carla).

Carla a partir do laço de rejeição (SENNETT, 2012b), conseguiu criar uma

imagem positiva e ideal do que seria autoridade, de maternidade e as responsabilidades

advindas dessa experiência. Cilene também foi criada pela avó até os seus 15 anos, mas

não ficaram explícitas as razões que motivaram esse rearranjo familiar, mas ao contrário

de Carla, essa passagem não é narrada com mágoas ou sentimento de abandono e salta

em sua história para a nova constituição da família com a chegada do padrasto, que ela

considera como pai, e também o irmão mais novo, fruto do novo casamento de sua mãe.

A condição de receber um teto, alimento, atenção e afeto por um familiar pode

ser um diferencial na trajetória da criança e do jovem. Rizzini e col. (2007), abordam a

questão da importância da família para o desenvolvimento destes e destacam que há

necessidade de criar formas de suporte à família para que consigam cuidar dos filhos,

superando o caráter assistencialista somente quando as crises e vulnerabilidades

despontam.

Entretanto, estar no seio familiar não garante boas condições de existência, dada

as diferentes formas de exploração que famílias despreparadas submetem crianças e

jovens, tais como: excesso de tarefas domésticas em detrimento dos estudos; abusos

sexuais; trabalho no tráfico ou nos semáforos e outros modos de conquistar alguma

renda por meio da exploração infanto-juvenil.

Enquanto Abenilda era responsável por todas as tarefas domésticas, outras/os

professoras/es também estavam envolvidas/os em atividades laborais desde a infância.

Nas madrugadas, Maria também já estava de pé, trabalhava fazendo tijolos e ao

amanhecer ia para a escola, espaço numa configuração diferente da atual, mas possível à

realidade da época. A principal característica desse espaço eram as salas formadas com

alunos de diferentes classes. Mas por ser a filha mais velha, Maria logo parou de estudar

para se dedicar ao trabalho e ajudar seus pais. Ester começou a trabalhar aos 13 anos na

cantina de uma escola e logo também optou por parar de estudar para ajudar a sua mãe

faxineira.

Cícero ajudava na plantação junto a seu pai e irmãos, aprendendo matemática

com medidas de “braça”, o respeito necessário para conviver em família com seus pais e

catorze irmãos. A autoridade exercida pelo pai de Cícero sobre toda a família é algo

notável, um olhar de canto era suficiente para dizer algo ou corrigir alguma conduta.

Page 117: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

114

A autoridade é um conceito que transcende um limite imposto, mera supressão

da autonomia e da individualidade do sujeito. Sennett (2012b) equipara a autoridade

com a figura de um maestro, o qual é capaz de guiar com disciplina todos os membros

de uma orquestra com segurança, desenvoltura e competência, ou seja, o pai de Cícero

seria uma pessoa indispensável para a família, sendo o responsável pelo sustento, por

ensinar regras e zelar pelo cumprimento delas sem utilizar os meios de força para tal,

conquistando, portanto, uma autoridade legitimada pelo restante da família.

Para Sennett a palavra vínculo tem um duplo sentido – “É uma ligação, mas é

também, como em servidão, um limite imposto. Nenhuma criança poderia evoluir sem o

sentimento de confiança e amparo que provém da crença na autoridade de seus pais”

(SENNETT, 2012b, p.14).

Nesse sentido, a relação estabelecida entre eles criava laços afetivos e por conta

desses laços os filhos acreditavam que o pai lhes transmitia um sentimento de confiança

e amparo. Se interpretassem a figura do pai como a de um tirano, talvez, ele estaria

sendo rejeitado por Cícero e então o sentimento pudesse ser o de solidão, uma emoção

da ausência. Podemos ler esse “olhar de canto” como um desrespeito à autonomia dos

filhos, mas o que importa, segundo Sennett (2012b), é a maneira como interpretamos as

crises que perpassam nossas vidas e as imagens de relações de força presentes em nossa

vida cotidiana e na sociedade na qual vivemos.

A autoridade – ligação entre pessoas desiguais – exercida pelo pais, avós, tios e

tias reflete o respeito para com a referência positiva, o exemplo a ser seguido presente

em cada uma das histórias. Assim, ou de modo muito próximo, acontece com as/os

professoras/os e as intenções são percebidas pelos jovens, sabem quando a autoridade

tem propriedade do que se deseja ensinar, sendo apenas parte da exigência para o

reconhecimento.

(...) se o comportamento que expressa o respeito é com frequência

escasso e a desigualdade distribuiu – se pela sociedade, o significado

de respeito é social e psicologicamente complexo. Como resultado, os

atos que transmitem respeito – os atos de reconhecimento pelos outros

– são exigentes e obscuros (SENNETT, 2004, p.78).

Uma sala de aula em que os alunos são indisciplinados e não respeitam a figura

do docente, pouco se consegue fazer. Há que se considerar o receio que professoras/es

têm de perder a autoridade perante os jovens, isso se dá pelo medo de perder poder, às

condições de controle e influência. Se um jovem obtiver mais poder perante os demais,

Page 118: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

115

a figura do/a professor/a pode ser deslegitimada, uma vez que a autoridade genuína foi

perdida.

Os pais de Cícero, Cilene, Abenilda, Ana Luiza não tinham escolarização ou não

haviam frequentado a escola até a conclusão da educação básica, mas com exceção do

pai de Abenilda, todos valorizavam o ingresso e permanência no espaço escolar como

garantia de um futuro melhor. O pai e a madrasta da Abenilda diziam que a escola não

era necessária e que se aprendesse a ler e a escrever começaria a se corresponder com

namorados. Ela começou a aprender o alfabeto com uma professora que dava aula

particular no período noturno, ela ia sem pagar mesmo,

à noite, depois que arrumava toda a casa da minha tia, eu ficava

estudando com aqueles candeeirão, sozinha, não podia ter amiga,

ninguém, só eu lá estudando. Quando eu ia dormir, eu passava a mão

no rosto e olhava, estava aquele pretume do candeeiro, mas eu fazia

todas as lições, errado ou certo, eu fazia (Abenilda).

Era preciso certa persistência para poder aprender a ler e a escrever depois de

um dia de muito trabalho e exploração da tia.

A família com o arranjo burguês foi pertencente a uma minoria de professores,

somente Walnir, Luiza, Maria Lala, Cícero tiveram presentes pai e mãe no processo de

desenvolvimento infantil. Tal condição representou nessas vidas a possibilidade de

estudar, ter referências positivas para ancorar as tomadas de decisão, mas não significou

que não tiveram que trabalhar ou se esforçar para conquistar os objetivos traçados.

Todos trabalharam desde cedo.

O nascimento ou a conquista de ter nascido foi uma vitória para Ana Luiza,

Sinhá e Maria Lala. A mãe da Ana Luiza sofria com a família do pai e corria riscos

iminentes, a mãe da Maria, por residir na roça, sofria com a carência de recursos para

monitoramento da gestação e já havia perdido outros filhos. Já no caso de Sinhá, a mãe

não queria ter mais filhos e tinha tentado o aborto, sem sucesso; Sinhá já lutava desde a

gestação para sobreviver e tentar mudar o mundo.

As experiências vivenciadas nas famílias do Cícero, Neuda, Abenilda, Luiza,

Ana Luiza, Carla, Sinhá, Cilene e Mateus colaboraram para a migração para São Paulo.

De cidades pequenas do Ceará vieram Cícero e Neuda, ambos tinham uma condição

estável, família “estruturada” com alimento e escolarização, mas ansiavam por mais,

Page 119: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

116

queriam aprender cada vez mais e obter novas oportunidades. Abenilda e Cilene vieram

de Pernambuco. Abenilda casou e logo veio para São Paulo, mesmo com formação para

poder lecionar, não conseguiu arrumar emprego logo que chegou, teve dificuldade em

conseguir classes para lecionar e quando conseguiu sofreu preconceito por conta da

linguagem característica do estado de Pernambuco. Cilene também sofreu no mundo

corporativo com pessoas “mangando”26 dela por utilizar expressões oriundas de sua

criação com os avós pernambucanos, mas aos poucos ela foi deixando de lado esse traço

linguístico graças à orientação da chefia para poder se manter nos empregos.

Um pouco mais sério do que as pessoas mangando da Cilene, foi o preconceito

sofrido por Abenilda e Maria Lala. Abenilda, quando conseguiu sua primeira classe para

lecionar em São Paulo, ensinava os alunos com resquícios da linguagem falada, ou seja,

com pequenos erros na grafia quando passava a lição no quadro ou no caderno. Na

tentativa de reverter a situação a escola tentou retirar a professora do corpo docente não

mediu esforços para conquistar o desligamento dela. Falou com pais, forjou assinaturas

e com isso a Abenilda quase foi retirada da escola fruto de um processo obscuro e

repleto de preconceito.

A professora de Maria Lala, dotada de uma formação antiquada e conservadora,

ainda próxima daquela que fazia uso da palmatória, espetava a cabeça da Maria com

uma caneta sempre que ela confundia o P com o B nos ditados. Quando relatou à sua

mãe que não queria mais ir à escola, sua mãe estranhou até que descobriu o motivo e

escreveu um bilhete para a professora.

Quando a professora pegou meu caderno para corrigir a lição, estava

lá o bilhete, eu nem sabia ler, primeira, segunda série, a professora

leu, em vez de ela guardar e ser uma comunicação entre elas, não, ela

foi e falou para a sala toda e num tom sarcástico disse para ninguém

chegar perto de mim que eu era filhinha da mamãe e do papai, e que

ninguém não podia mexer nela, não podia tocar, ressaltando para as

crianças não me tocarem na hora do recreio, não brincarem comigo

(Maria Lala).

Depois, mudou – se de escola a passou a sofrer bullying por que utilizava a

linguagem da zona rural e tinha uma dedicação aos estudos que superava os demais.

26 Caçoar, zombar de alguém entre todos os presentes.

Page 120: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

117

Mesmo com todas estas adversidades na escola e sempre trabalhando em paralelo aos

estudos, nunca se desmotivou a ponto de parar de estudar, tinha um desejo muito grande

de aprender.

A adolescência chegou para Carla e Sinhá e queriam aproveitar mais a vida fora

das pequenas cidades baianas. Viveram uma adolescência que pedia mais, queriam

conhecer mais, queriam namorar, passear, curtir a vida e sabiam que próximo dos pais e

avós isso seria difícil. Tentaram, até que conseguiram viajar para São Paulo, enquanto

Sinhá ficou com os irmãos, Carla ficou com a mãe, a qual tinha uma relação distante e

repleta de mágoa. Sinhá viria por um pequeno tempo, mas se recusou a voltar para a

Bahia e, em pouco tempo casou – se, o mesmo aconteceu com Carla, que não conseguiu

conviver com a nova família de sua mãe, então, logo arrumou um namorado que

também se tornou seu marido. Carla e Sinhá se conheceram na Fundação e são grandes

amigas até hoje.

O casamento provocou mudanças significativamente nas vidas de Neuda, Walnir

e Luiza. Neuda que chegou em São Paulo com 19 anos de idade e casou – se aos 21

anos, trabalhou por um período em atividades distantes da docência, somente depois de

ter duas filhas é que conseguiu realizar o curso superior de Letras, depois Filosofia e

continuou até a especialização. Na vida de Walnir, jovem que gostava de aproveitar a

vida frequentando shows e festas, o casamento serviu para mudar seu estilo de vida,

assim como proporcionou o contato coma a religião. O casamento também impulsionou

Luiza para que fizesse o curso superior além de outros cursos que ela tinha vontade de

fazer, mas também somente após ter o seu filho que deu início aos estudos na graduação

em Matemática.

O acesso ao ensino superior se deu mais tardiamente para alguns destes

professores, alguns devido à condição financeira que impossibilitou a realização quando

mais jovens, outras optaram pela maternidade antes do curso superior.

A educação escolar na Febem e posteriormente na Fundação CASA serviu como

porta de entrada para a docência para Cícero, Neuda, Sinhá, Ester, Carla, Luiza, Maria

Lala, Cilene, Mateus. Neuda e Sinhá foram as pioneiras, começaram ainda na época da

FEBEM, Neuda ingressou assim que concluiu a faculdade e Sinhá ainda estudava

quando iniciou o trabalho na secretaria escolar de uma Unidade da Febem e

posteriormente passou a exercer a função de professora.

A pergunta de corte foi realizada somente em algumas entrevistas, porque, além

das professoras e dos professores trazerem à tona, em suas narrativas, as razões para o

Page 121: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

118

ingresso na escola da Fundação CASA, a maioria deles estava em início de carreira

considerando o período de quatro anos proposto por Gonçalves (2000).

O ingresso na Fundação CASA para vários de nós surgiu como uma

possibilidade para o ingresso na docência, mas não qualquer ingresso, pois muitos de

nós tinham experiência como professores substitutos, portanto, o ingresso seria com

aulas que fossem verdadeiramente nossas, que fôssemos responsáveis por tudo que

dissesse respeito ao exercício da docência. Essas primeiras experiências profissionais

como responsável pela classe são permeadas por situações que tanto podem conduzir a

sentimentos de alegria quanto de tristeza, como quando eu queria ensinar conteúdos

diversificados e os alunos queriam apenas futsal. De acordo com Lima e Corsi (2006),

os primeiros anos da profissão representam não apenas a permanência do professor na

carreira, mas também o tipo de professor que o iniciante virá a ser.

A seguir, apresento as condições que culminaram no ingresso das/os

professoras/es na escola da Fundação CASA.

Eu estava na situação de permanência, com poucas aulas e

trabalhava mais quando professores faltavam. [...], até que uma

colega viu que tinham aulas de ensino fundamental I na Fundação

Casa. Quando cheguei à escola vinculadora, a secretaria disse que

era difícil e que tinha que ter um projeto, passar na entrevista. Pensei

comigo, tudo isso ainda (Abenilda).

Abenilda não estava em início de carreira, mas no início de uma nova carreira

que era a de ensinar para jovens em conflito com a lei. Analu na época que conheceu a

Fundação morava com seu filho, mas ele mudou – se para outro apartamento com

esposa e filho e Analu se viu abandonada. Seu mundo estava prestes a desabar.

Foi quando meu ex – marido me avisou que havia um processo

seletivo para trabalhar na Fundação. Eu estava no desespero, eu

pegava o carro e saia sem rumo, até que um dia ele falou a Fundação

está te chamando Analu (Ana Luiza).

No começo de 2012 eu não consegui aulas, mesmo tendo passado na

provinha. Tinha uma diretora que gostava muito de mim, e um dia o

supervisor de ensino estava na escola e ela comentou que eu estava

Page 122: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

119

apenas eventuando. Ele (o supervisor) disse – “olha eu estou

precisando de professor na Fundação Casa você tem coragem?”

respondi rapidamente que sim (Carla).

Nessa escola que eu estava como eventual foi que surgiu a

oportunidade de concorrer na Fundação, porque eu estava eventual

apenas no período da manhã. Então, outra professora que também

era eventual chegou falando assim "professor você não vai mandar o

projeto pra Fundação Casa?", eu falei "mas eu nem conheço isso."

Ela explicou superficialmente o que era e o que precisava, e em três

ou quatro dias estava eu fazendo a entrevista na escola vinculadora.

Quando eu cheguei à escola vinculadora eu falei do projeto da

Fundação Casa, aí já mandaram até a Fundação fazer a entrevista,

me falaram para eu ir por uma trilha por dentro dos matos que

chegaria lá, pois era lá que tinha que fazer a entrevista (Cícero).

Fiz uma prova para poder dar aula na rede pública estadual, mas não

passei eu me achava inteligentíssima, conclusão, nenhuma escola me

queria. Olhando no site da Diretoria de Ensino eu vi que a Fundação

Casa estava precisando de professores. Eu não sabia o que era a

Fundação Casa, perguntei ao meu marido ele disse que era a antiga

Febem, então falei que não iria, ele falou que podia ir e que os

professores eram respeitados (Cilene).

Em janeiro de dois mil e dez, a Fundação Casa me chamou, eu tinha

deixado meu currículo na OnG era para trabalhar como

coordenadora pedagógica, as pessoas que me entrevistaram gostaram

de mim, mas eu declinei da proposta, não me senti segura. Isso foi em

janeiro, em julho outra unidade da Fundação me chamou, ai sentei

com a coordenadora pedagógica em uma segunda – feira. Ela gostou

de mim, chamou a gerente e disse que retornaria na quarta eu já

estava contratada (Ester).

Eu escolhi matemática, eu nunca fui professora em escola normal, só

fui eventual, seis meses e depois eu já entrei pra Fundação Casa. O

primeiro dia que eu vim, para fazer o planejamento, nossa eu

transpirava tanto que eu não conseguia prender o cabelo (Luiza).

Page 123: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

120

Depois de um tempo ... voltei a ser professora substituta, por pouco

tempo, pois logo participei da atribuição para ser professora na

Fundação Casa. Eu nem sabia o que era a Fundação, talvez se

soubesse nem teria participado, pois as pessoas colocam medo e

dizem coisas horrorosas (Maria Lala).

Depois de concluir a faculdade uma colega me disse que a Febem

estava precisando de professora. Eu fiquei meio cismada, na verdade

eu estava morrendo de medo. Mas ela insistiu e a gente fez a inscrição

na antiga Delegacia de Ensino. Trabalhava na antiga Febem, a

Fundação Estadual do Bem – Estar do Menor, mas trabalhei em

outras escolas também, pegava um pouco de aula lá e um pouco fora.

No início foi difícil. No começo eu tinha medo e também passei por

muitas coisas que não foram legais, eu pegava aula lá porque sou

insistente, eu não desisto no primeiro obstáculo (Neuda).

A Fundação também surgiu na minha vida graças à capoeira, bem eu

diria que ela foi fundamental na minha vida, abrindo várias portas,

meu mestre começou a dar aula na casa feminina, e ele viaja muito, o

grupo de capoeira é muito grande, e numa determinada viagem que

ele teve que fazer ao centro de estudos do nosso grupo no Nordeste, lá

pro, ele pediu que eu fosse dar aula no lugar dele. A coordenadora

viu o método que eu estava utilizando e gostou, e quando eu saí ela

perguntou se eu pensava em fazer uma faculdade, e respondi que já

era formado em biologia, logo pediu meu currículo, e que assim que

tivesse uma oportunidade eu seria chamado (Mateus).

Depois de seis meses a Febem teve um problema de várias rebeliões,

uma atrás da outra e eu conheci a Luciana, uma menina da minha

turma na faculdade, que tinha visto no jornal que estavam

contratando e na época parece que era mil e cinquenta o salário

(Sinhá).

depois o pessoal da sala que estava fazendo sociologia, em sua

maioria professores formados em outras licenciaturas me

incentivaram a ingressar na docência e me indicaram para conversar

Page 124: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

121

com a supervisora na Diretoria de Ensino que sempre faltavam

professores nessa área. Assim conheci a Fundação Casa, estavam

precisando de professor e no mesmo dia agendaram a minha

entrevista com a coordenadora pedagógica da unidade (Walnir).

É possível perceber que a Fundação CASA acolhe professoras e professores sem

experiência e sem um processo muito moroso, isto se dá, sobretudo, pela necessidade de

garantir que os jovens em cumprimento de medida socioeducativa de privação de

liberdade estejam com os seus direitos assegurados e a escolarização é uma das

principais exigências e aspecto a ser observado no acompanhamento do jovem pelo Juiz

da Vara da Infância e da Juventude, além é claro da instituição poder responder

legalmente se não cumprir o que está previsto no Sinase e no ECA.

Por outro lado, como seria o processo ideal para a contratação de professores

para a escola da Fundação CASA? Qual seria o perfil ideal? Acredito que o melhor

cenário seria realizar uma formação para os novos contratados, explicando com riqueza

de detalhes desde os artigos do ECA e Sinase até a dinâmica do atendimento

socioeducativo, com atenção ao modelo pedagógico do CI, aos materiais permitidos ou

não, ao perfil dos jovens, quem são os demais envolvidos, psicólogas, assistentes

sociais, seguranças, enfermeiras etc.

Algumas considerações finais

A falta de respeito, embora seja menos agressiva que o insulto direto,

pode assumir uma forma igualmente ofensiva.

Quando uma sociedade trata a grande maioria das pessoas desta

forma, julgando apenas alguns poucos dignos de reconhecimento, é

criada uma escassez de respeito, como se não houvesse o bastante

desta preciosa substância para todos. Como muitas formas de

escassez, o respeito nada custa. Por que, então, haveria uma crise de

oferta? (SENNETT, 2004, p.18).

As vidas dos/as jovens marginalizados/as de nossa sociedade, negros/as, pobres,

os/as quais vivem às margens geográfica e social, são permeadas de situações de

abandono familiar, pela constituição de família com arranjos que deixam alguma lacuna

e uma referência positiva que sirva de fato como exemplo a ser seguido. A maioria das

Page 125: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

122

Eu estou aqui porque eu

quero, e vou vencer, não

é porque eu fui bem-

criada não. Abenilda

O conhecimento te deixa um ser

melhor, um ser mais forte, um

ser mais criativo, um ser que

sofre menos. Analu

Bastava meu pai olhar pra gente. Se

ele tivesse conversando e olhasse pra

você, era como se dissesse você não

é bem vindo aqui, a conversa é pra

adulto, mas ele não precisava falar.

Cícero

professoras e professores colaboradores desta pesquisa também sofreu com dificuldades

na infância e na adolescência, mas é certo também que tiveram pessoas que serviram de

apoio e base para que pudessem se sustentar e construir uma vida digna.

Perguntar a um jovem de 14 anos recém-

ingresso no sistema socioeducativo com quem vive e

ouvir que vive sozinho, nas ruas ou abrigos é sem

sombra de dúvida muito marcante e, infelizmente, ouvi

isso muitas vezes nesse período de trabalho com jovens

que, em algum momento da vida, entraram em conflito com a lei. Escolher o que é certo

ou errado, tomar decisões, percorrer trilhas que evitem situações de violência requer

informação, conhecimento, instrução e mais do que isso, exige condições para que a

tomada de decisão seja factível.

As histórias de vidas desses/as

jovens são repletas de preconceitos,

estigmas e eles/as estão a todo instante

sendo julgados/as por suas escolhas,

poucos/as conseguem superar a visão

explorada pelas grandes mídias que os/as

tacham como marginais, como se nascessem ladrões/as, traficantes ou afins. Daí a

importância de se compreender o cenário histórico mais amplo, perceber com lucidez o

que está ocorrendo no mundo e o que ocorre dentro de nós mesmos. A imaginação

sociológica é a capacidade de passar de uma perspectiva a outra e sua utilização se

fundamenta sempre na necessidade de conhecer o sentido social e histórico do indivíduo

na sociedade (MILLS, 1975), é o que pode ajudar o nosso olhar a se despir do

preconceito. A aproximação entre as histórias de vida dos/as professores/as com as

histórias dos adolescentes em conflito com a lei é um fator que corrobora com a

permanência das professoras e professores nessa instituição total, um ambiente

considerado hostil.

O que seriam das vidas da Carla e da Analu, por exemplo, se não fossem

amparadas por suas avós, constituindo uma

referência positiva a ser seguida, ou então de

Mateus com sua mãe que com muito trabalho o

criou sozinha, e de Cícero e seus irmãos que,

Page 126: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

123

Eu acredito na transformação do ser

humano. Sinhá

Eu acredito em Deus e tudo é colocado na

hora certa em nossa vida. Hoje olhando para

trás eu acredito que virei mãe de verdade lá

dentro aprendi a falar não para os meus

filhos, eu era muito permissiva. Cilene

apesar de serem atemorizados só com o olhar do pai, não deixaram de ter uma

referência. Não ter alguém que se importe, que oriente e ajude, é um dos principais

aspectos que distanciam jovens e professores, pois mesmo os jovens que possuem

algum apoio familiar, como vimos anteriormente, nem sempre têm essas referências

como positivas, porque muitos estão presos ou são explorados e forçados a buscarem

alimento para toda a família por meios considerados ilícitos.

Os percursos trilhados pelos/as professores/as denotam uma persistência por

conseguir formar uma família

diferente daquelas constituídas

por seus pais e mães, de modo

que pudessem garantir outras e

melhores condições aos seus

filhos, ou que simplesmente não

repetissem as violências que sofreram. E os aprendizados ocorrem em ambas as

direções a medida que ensinam, também aprendem. Aprendem com o conhecimento de

mundo dos/as jovens que vivem no crime, aprendem quando se deparam com situações

para as quais não se tem solução imediata, aprendem no diálogo que estabelecem com

os/as seguranças, psicólogos/as, aprendem a ser mães e pais, tios, tias uma referência

para a juventude presente no CI e também com os/as jovens de suas próprias famílias,

como relatou Cilene.

O mundo dos jovens não é

estrangeiro às professoras e professores,

conhecem os bairros onde vivem, habitam os

mesmos espaços, conhecem as limitações das escolas da rede, as dificuldades do

município, a violência cotidiana o que facilita o diálogo com os jovens. No caso

destes/as professores/as, eles são dos bairros – em sua maioria – onde moram os jovens,

vivenciam os problemas, logo não há como se impedir, pelo contrário, a compreensão

do quê e de como as coisas que acontecem e favorecem o relacionamento entre eles.

Os atos violentos dos alunos e os problemas com a disciplina parecem

sempre escapar do domínio do escolar. Os resultados dos alunos – seu

comportamento passivo, agressivo etc. – são percebidos como

expressões do local em que moram e a escola levanta muros para que

as questões do bairro não entrem nela. Há um comportamento

etnocêntrico dos docentes; o mundo dos alunos é estrangeiro para a

maioria deles (KRAWCZYK, 2011 , p.763).

Page 127: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

124

Se for pra desistir, desista você, eu

não vou desistir de você não. Walnir

Sou insistente, eu não desisto no

primeiro obstáculo. Neuda

Eu sou assim, traço a meta

e eu chego. Maria Lala

Enquanto as professoras e professores que lecionam no CI acolhem e buscam ser

mais compreensivos com a realidade vivida por cada um dos jovens, na maioria das

escolas não é o que acontece, porque elas

possuem salas superlotadas, professores em

péssimas condições de trabalho, que não

vivenciaram situações similares às dos jovens, dificultando, portanto, a imaginação

sociológica e enfrentando, com grandes dificuldades os problemas gerados para e na

escola.

A condição de pobreza e recursos limitados comum entre a infância da maioria

das/os professoras/es é também o que a maioria dos jovens vivenciam. Situações de

extrema miséria, lares desprovidos de saneamento básico, com esgoto passando por

dentro da casa, sem água e energia elétrica. Este cenário foi apenas um dos que

vivenciei em visitas domiciliares. Conhecer a realidade de vida do jovem se faz

necessário para que possamos entender e compreender a sua posição no mundo e suas

ações na sociedade, o que, na realidade das escolas públicas, estaduais ou municipais, é

uma situação impossível de se concretizar, haja visto a quantidade de alunos que as

professoras e professores relatam ter em sala, chegando à marca de cinquenta alunos em

uma classe do ensino médio.

Além das dificuldades financeiras,

muitos professores conhecem de perto e na

pele as dificuldades e preconceitos ligados à

raça e à condição de migrantes. Como vimos, um percentual significativo de jovens

negros está em cumprimento de medida socioeducativa e, apesar de eu não ter

questionado as professoras e professores sobre como se identificam em relação à raça, a

maioria delas e deles são negros ou pardos, assim como os jovens.

Há uma cooperação (SENNETT, 2012a) no processo educativo, o jovem

entende que a troca beneficia a ele como possibilidade de aprendizado e de ter a sua

liberação acelerada por estar se dedicando aos estudos. A relação entre professores/as e

o espaço escolar da Fundação CASA também é atravessada pelas condições de trabalho

ofertadas, alunos controlados e vigiados, menos alunos por classe e, no caso destes/as

professores/as, o respeito conquistado, ressalto no

caso destes/as, pois nem todos/as docentes

Page 128: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

125

Jamais abandonaria minha

filha, nem para ficar com minha

mãe, é minha se alguém quiser

ficar comigo terá que ficar com

minha filha se não for assim não

quero. Carla

conseguem tamanha façanha, sobretudo aqueles que querem exigir respeito sem oferta-

lo, simplesmente pela obediência à hierarquia. Nesta condição, o que presenciamos no

cotidiano do CI é a presença da autoridade imposta, uma falta de vínculo, uma relação

forçada entre professores e alunos e sem ganhos efetivos, seria o que Sennett (2012b)

chama de autoridade paternalista que oferece um afeto falso a seus subalternos, pois,

para alguns professores, o interesse pelos jovens só importa à medida em que isso

atenda à necessidade de permanecer lecionando.

Outra forma de refutar professores/as, é quando estas/es se valem, como diz

Freire (1996), da fórmula farisaica “faça o que mando e não o que eu faço”.

Professores/as que dizem que é necessário respeitar regras, cumprir com os deveres e

responsabilidades para se viver em sociedade, e, ao mesmo tempo não planejam suas

aulas, entram em sala despreparados/as, encostam-se com os pés apoiados na parede ou

possuem alto índice de absenteísmo deixando os jovens com lacunas nas atividades, não

recebem o mesmo tratamento que os jovens dão àquelas/es professoras/es quando

percebem uma vontade desta/es em estar presente de corpo inteiro. “Ensinar exige a

corporeificação das palavras pelo exemplo” (FREIRE, 1996, p.38).

O desejo de ensinar e conseguir ajudar estes jovens é algo marcante no exercício

da docência por estes/as docentes, pois precisam administrar turmas extremamente

heterogêneas, alunos/as com dificuldades de aprendizagem, com limitações na leitura e

na escrita e ainda sofrendo uma pressão para

que executem o currículo estadual seriado. A

exemplo da Cilene que providenciou cópias do

livro do filho que estava sendo alfabetizado

para poder ensinar um jovem que não havia

aprendido a ler e a escrever na idade correta,

mas mesmo assim tinha conquistado séries mais avançadas. Ou ainda, o auxílio das

professoras de matemática ensinando a ler e a escrever. Com esta equipe de professores,

não faltavam garra e dedicação para ensinar, não faltava sede de aprender e sobrava

disposição para a inovação, para promover situações de aprendizagem nas quais os

jovens se engajassem.

O laço de confiança (SENNETT, 2009), que nesse contexto prefiro chamar de

liame de confiança27, desenvolve – se à medida que, principalmente, o jovem entende

27 Prefiro utilizar liame, pois o contexto de uma instituição total dificulta o estabelecimento de laços de

confiança, sendo o liame um elo mais frágil e fácil de ser rompido.

Page 129: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

126

que pode depender do/a professor/a para alcançar a liberdade e em melhores condições

para a sua permanência, conseguindo retornar aos espaços escolares, conquistando um

emprego etc. Enquanto que, o/a professor/a também pode depender do jovem seja para a

sua permanência como docente, seja em algum momento de rebelião ou tumultuo

quando os jovens poderão ou não protege-los/as.

Não é possível dizer que temos uma receita para que elos sejam criados, mas

podemos afirmar que quando os elos são firmados, há um processo educativo que

transcende o aprendizado de conteúdos e são incorporados valores e um respeito

legítimo como é explicito nas falas dos jovens e que diferenciam os professores das

escolas externas dos que lecionam na escola da Fundação CASA, tidos como mais

atenciosos e preocupados com o ensino e com o aprendizado.

A qualidade das relações estabelecidas entre alunos e professores/as – apesar de

toda vigilância à qual ambos estão submetidos – considera algumas semelhanças nas

vidas dos entrevistados e dos alunos, em termos de “igualdade social”, logo, arrisco

afirmar que houve entre eles, em alguns momentos, o que Sennett (2004) chama de

“respeito mútuo”, apesar das diferenças existentes (professor – aluno).

A rejeição de qualquer forma de preconceito é uma premissa para o exercício da

docência (FREIRE, 1996) e a prática desta conduta tem início com o não julgamento

dos jovens pelos atos infracionais praticados. Para ensinar não se tem a necessidade de

saber qual a infração, religião, arranjo familiar, se era usuário de drogas e isto mostra a

real intenção do/a professor/a, uma vez que essa situação difere do que muitos jovens

vivenciaram nas outras escolas, sendo chamados/as de “nóia”, “vagabundo” ou outros

rótulos pejorativos que os/as colocam às margens. O objetivo do/a professor/a estando

explícito e o/a jovem compreendendo o que se quer dele, está criada a condição para

que se fortaleça a autoridade e o respeito do professor perante a sua classe.

Acredito que a autoridade do/a docente que atua na Fundação CASA é composta

de uma bricolagem entre duas categorias de respeito apresentadas por Sennett (2012b),

a partir da sua leitura de Max Weber: a autoridade legal/racional e a autoridade

carismática. Enquanto a primeira tem como base a legalidade das normas e o direito de

alguém que está no poder para dar ordens, a segunda é compreendida como

exemplaridade ou força heroica de um indivíduo. Professores/as exercem uma relação

de poder sobre os/as jovens e, seria, talvez, romântico ou ingênuo dizer que todos/as

os/as jovens adotam como premissa uma obediência voluntária, por esta razão há uma

Page 130: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

127

mistura entre o poder de mando (legal) e o desejo e a vontade do jovem que admira a

figura do docente (carismática).

A história oral foi crucial para conhecer as experiências extraclasse das/dos

professoras/es, que muito vivenciaram no decorrer dos anos e compreender como as

próprias histórias, desafios e conquistas podem colaborar para que os jovens trilhem

outros caminhos, conscientes das dificuldades que enfrentarão, da incerteza do sucesso,

dos estigmas e preconceitos, mas com uma referência, alguém que passou por situações

parecidas e as superou.

Page 131: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

128

Referências

ALMEIDA, Bruna G. M. A experiência da internação entre adolescentes: práticas

punitivas e rotinas institucionais. Dissertação (Mestrado em Sociologia).

Universidade de São Paulo. São Paulo. 2010.

ATAIDE, Marlene A. Jovens privados de liberdade e o árduo cotidiano da Fundação

Casa: onde o filho chora e a mãe não vê. In: CONCEIÇÃO, Willian L. (Org.)

Atendimento socioeducativo: atores e atrizes de um cenário em movimento. Jundiaí:

Paco Editorial, 2016.

ASSIS, Simone G.; CONSTANTINO, Patrícia. Filhas do mundo: infração juvenil

feminina no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2001.

BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: lembranças de velhos. TA, 1979.

BRASIL. Lei n.º 8.069 de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e

do Adolescente e dá outras providências. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8069.htm Acesso em 26/06/2015.

______. Lei nº 12.594, de 18 de Janeiro de 2012. Esta Lei institui o Sistema Nacional

de Atendimento Socioeducativo (Sinase) e regulamenta a execução das medidas

destinadas a adolescente que pratique ato infracional. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011 – 2014/2012/Lei/L12594.htm Acesso

em 25/06/2015.

BRASIL. Mapa do encarceramento: os jovens do Brasil. Secretaria – Geral da

Presidência da República e Secretaria Nacional da Juventude. Brasília, 2015a.

______. Levantamento anual Sinase 2013. Presidência da República. Secretaria de

Direitos Humanos (SDH) Brasília, 2015b.

CALADO, Vania A. Escolarização, gênero e conflito com a lei: um estudo de

registros de atendimento a adolescentes em medida socioeducativa. Dissertação

(Mestrado em Psicologia). São Paulo: Universidade de São Paulo, 2010.

CALDAS, Alberto L. Oralidade, texto e história: para ler a história oral. São Paulo:

Edições Loyola, 1999.

_______. Pontuação em história oral. Revista de História Oral: Oralidades, USP–São

Paulo: nº4–jun/dez, 2008.

______. Cápsula narrativa em história oral. Revista de História Oral: Oralidades,

USP–São Paulo, v. 3, n. 4, p. 49 – 76, jul./dez. 2009.

CAVALLEIRO, Eliane S. Discriminação racial e pluralismo em escolas públicas da

cidade de São Paulo. In: Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e

Diversidade. Educação antirracista: caminhos abertos pela Lei Federal n. 10.639/03. 1.

ed. Brasília: MEC/SECAD, p. 65 – 104,2005.

CHECCHIA, Ana K. A. O que jovens alunos de classes populares têm a dizer sobre

a experiência escolar na adolescência. Dissertação (Mestrado em Psicologia da

Educação). Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006.

Page 132: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

129

CONCEIÇÃO, Willian L. Lazer e adolescentes em privação de liberdade: um

diálogo possível? Dissertação (Mestrado em Educação). São Carlos: Universidade

Federal de São Carlos, 2012.

______. Escola e privação de liberdade: um diálogo em construção. Revista Brasileira

Adolescência e Conflitualidade, v. 02 (9), 2013, p.72 – 88.

______. Adolescents in Conflict with the Laws in São Paulo – Brazil: the Social

Practices and Their Educational Processes. American Journal of Educational

Research, 2 (7), 2014, p.559 – 563.

______. (Org.) Atendimento socioeducativo: atores e atrizes de um cenário em

movimento. Jundiaí: Paco Editorial, 2016. 240p.

______; ONOFRE, Elenice M. C. Lazer e educação: compreensões e aprendizados de

jovens em conflito com a lei. IN: SANCHES NETO, Luiz; FREIRE, Elisabete S.;

KERR, Tiemi O.; VENÂNCIO, Luciana. Educação física escolar e perspectivas de

intervenção. Curitiba: CRV, 2016.

COSTA JUNIOR, Reinaldo V. Tá em casa ou na escola? Uma leitura da prática

escolar em unidade de internação socioeducativa da cidade de São Paulo. Dissertação

(Mestrado em Educação). São Paulo: Universidade Nove de Julho, 2012.

CUNHA, Maria I. O bom professor e sua prática. São Paulo: Papirus Editora, 1989.

D’AROZ, Marlene S.; STOLTZ, Tania. Entre gerações e caminhos de vulnerabilidades:

históias de vida na voz de mulheres – mães com filhos institucionalizados. In:

CONCEIÇÃO, Willian L. (Org.) Atendimento socioeducativo: atores e atrizes de um

cenário em movimento. Jundiaí: Paco Editorial, 2016.

DAYRELL, Juarez T.; JESUS, Rodrigo E. de. Juventude, ensino médio e os processos

de exclusão escolar. Educ. Soc., Campinas, v. 37, n. 135, p. 407 – 423, 2016

DE OLIVEIRA, Ramon. Juventude negra e ensino médio: uma discussão para a agenda

das políticas afirmativas. Revista Científica e – Curriculum, v. 13, n. 2, p. 309 – 330,

2015.

DENIS, Philippe. A ética da história oral na África do Sul. Oralidades. Revista de

História Oral, ano 2, nº 3, jan.jun/2008, p. 47 – 63.

DIAS, Aline F. O jovem autor de ato infracional e a educação escolar: significados,

desafios e caminhos para a permanência na escola. Dissertação (mestrado em

educação). São Paulo: Universidade Federal de São Carlos, 2011.

______; CAMMAROSANO – ONOFRE, E. M.; TEIXEIRA, J. D.; CONCEIÇÃO, W.

L. Dilemas e desafios no ato de pesquisar em espaços de controle e de privação de

liberdade. In: Oliveira, Maria W.; Sousa, F. R. Processos educativos em práticas

sociais: pesquisas em educação. São Carlos: EdUFSCar, 2014.

DIAS, Francisco C. da S. Educar e punir. Um estudo sobre educação no contexto da

internação do adolescente autor de ato infracional: dilemas contemporâneos. Tese

(Doutorado em Educação). São Paulo: Universidade de São Paulo, 2007.

EVANGELISTA, Marcela B. A transcriação em história oral e a insuficiência da

entrevista. Revista de História Oral. São Paulo, n. 7, 2010.

Page 133: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

130

FERNANDES, Florestan. Florestan Fernandes: esboço de uma trajetória. Boletim

Informativo e Bibliográfico de Ciências Sociais. Rio de Janeiro, n. 40, 1995.

FRANCESCHINI, Vanessa Lima Caldeira; MIRANDA – RIBEIRO, Paula; GOMES,

Marília Miranda Forte. A cor da reprovação: fatores associados à reprovação dos alunos

do ensino médio. Educação e Pesquisa, v. 42, n. 3, p. 773 – 786, 2016.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17ª. Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, v. 3,

1987.

______. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo:

Paz e Terra, 1996.

______. Política e educação: ensaios. Coleção questões da Nossa Época, vol. 23. 2001.

______. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. 12ªed.

Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.

GALLO, Alex E.; WILLIAMS, Lúcia C. de A. A escola como fator de proteção à

conduta infracional de adolescentes. Cadernos de pesquisa, v. 38, n. 133, p. 41 – 59,

2008.

______. Adolescentes em conflito com a lei: uma revisão dos fatores de risco para a

conduta infracional. Psicol. teor. prat., v. 7, jun. 2005, vol.7, no.1, p.81 – 95.

GONÇALVES, José A. M. A carreira das professoras do ensino primário. In: NÓVOA,

António. (Org.) Vidas de professores. Porto: Porto Editora, 2000.

GUIMARÃES, Aurea M. Vidas de jovens militantes. Tese (Livre Docência).

Campinas/SP: Universidade Estadual de Campinas, 2011.

KRAWCZYK, Nora. Reflexão sobre alguns desafios do ensino médio no Brasil

hoje. Cad. Pesqui., São Paulo, v. 41, n. 144, p. 752 – 769, 2011.

LARROSA, Jorge. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Rev. Bras.

Educ., Rio de Janeiro, n. 19, p. 20 – 28, abril, 2002.

LAZARETTI DA-CONCEIÇÃO, Willian; CAMMAROSANO-ONOFRE, Elenice M.

Adolescentes em privação de liberdade: as práticas de lazer e seus processos educativos.

Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales, Niñez y Juventud, 11 (2), 2013. pp.

573 – 585.

LEITE, Tarcísio A. O dilema da interferência na história oral: novos problemas e novas

respostas. Oralidades, v. 3, n. 2, p. 65 – 82, jan./jun. 2008.

LIMA, Caue N. O fim da Era FEBEM: novas perspectivas para o atendimento

socioeducativo no estado de São Paulo. Dissertação (Mestrado em Educação). São

Paulo: Universidade de São Paulo, 2010.

LIMA, Emília F.; CORSI, Adriana F. Sobrevivências no início da docência. Brasília:

Líber Livro, 2006.

LOPES, Juliana S. A escola na FEBEM – SP: em busca do significado. Dissertação

(Mestrado em Psicologia). São Paulo: Universidade de São Paulo, 2006.

MARZOCHI, Andrea S. Professores na Fundação Casa: condições e relações de

trabalho. Monografia (Graduação em Pedagogia). Campinas: Universidade Estadual de

Campinas, 2009.

Page 134: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

131

______. História de vida dos jovens da Fundação Casa: o lugar da escola nessas

vidas. Dissertação (Mestrado em Educação). Campinas: Universidade Estadual de

Campinas, 2014.

______. História de vida dos jovens da Fundação Casa: o lugar da escola nessas vidas.

In CONCEIÇÃO, Willian L. (Org.) Atendimento socioeducativo: atores e atrizes de

um cenário em movimento. Jundiaí: Paco Editorial, 2016.

MEIHY, José C. S. B. Canto de Morte Kaiowá: história oral de vida. São Paulo:

Loyola, 1991.

______. Definindo história oral e memória. Cadernos (Universidade de São Paulo,

Centro de Estudos Rurais e Urbanos), v. 5, 1994.

______. Manual de História Oral. São Paulo: Ed. Loyola, 1996a.

______. (Re) introduzindo a História Oral no Brasil. São Paulo: Xamã, 1996b.

______. Palavras aos jovens oralistas: entrevistas em história oral. Oralidades, São

Paulo: Revista do Núcleo de Estudos em História Oral da USP, a, v. 2, p. 141 –

150, 2008.

______; B. HOLANDA, Fabiola. História oral: como fazer, como pensar. 2ª. ed. São

Paulo: Contexto, 2013.

______; RIBEIRO, Suzana L. S. Guia prático de história oral: para empresas,

universidades, comunidades, famílias. São Paulo: Contexto, 2011.

MILLS, Charles W. A imaginação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.

MOREIRA, Fabio M. Cadeias dominadas: dinâmicas de uma instituição em trajetórias

de jovens internos. 2011. 186f. Dissertação. (Mestrado em Antropologia Social). São

Paulo, Universidade de São Paulo, 2011.

NÓBREGA, Thelma M. Transcriação e hiperfidelidade. Cadernos de Literatura em

Tradução, Brasil, n. 7, p. 249 – 255, nov. 2006.

OLIVEIRA, Maria W. e col. Processos educativos em práticas sociais: reflexões

teóricas e metodológicas sobre pesquisa educacional em espaços sociais. In: ______;

SOUSA, Fabiana R. Processos educativos em práticas sociais: pesquisas em

educação. São Carlos: EdUFSCar, 2014a.

______ e col. Pesquisando Processos educativos em práticas sociais. In: ______;

SOUSA, Fabiana R. Processos educativos em práticas sociais: pesquisas em

educação. São Carlos: EdUFSCar, 2014b.

PAIS, José M. Máscaras, jovens e “escolas do diabo”. Revista Brasileira de Educação,

Rio de Janeiro, v. 13, n.37, p. 07 – 21, jan./abr. 2008.

PORTELLI, Alessandro. História oral e poder. Mnemosine, 6, 2010. 2 – 13.

______. Tentando aprender um pouquinho: Algumas reflexões sobre a ética na História

oral. Projeto História. São Paulo (15), abril de 1997.

QUINELATTO – CAPARRÓS, Rubia F. Entre saberes, sabores e desafios da tarefa

educativa com jovens em conflito com a lei: como as educadoras significam os

processos educativos do espaço do programa de medidas socioeducativas em meio

aberto. Dissertação (Mestrado em Educação). São Carlos: Universidade Federal de São

Carlos, 2013.

Page 135: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

132

______. O Programa de Medidas Socioeducativas em Meio Aberto: educação ou

reprodução do aprendizado da rua. 235 f. Tese (Doutorado em Educação). São Carlos:

Universidade Federal de São Carlos. São Carlos, 2015.

RIZZINI, Irene e col. Acolhendo crianças e adolescentes: experiências de promoção

de direito à convivência familiar e comunitária no Brasil. Cortez Editora, 2007.

ROLIM, Marcos. A formação de jovens violentos: para uma etiologia da

disposicionalidade violente. 246f. Tese (Doutorado em Sociologia). Porto Alegre:

Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2014.

SÃO PAULO. Lei nº 12.469, de 22 de dezembro de 2006. Altera a denominação da

Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor, e dá providências correlatas, 2006.

SCOLARO, Maria E. N. L. Escola, para que te quero? Marcas da escola em

adolescentes privados de liberdade por prática de ato infracional. 184f. Dissertação

(Mestrado em Educação). Salvador. Universidade do Estado da Bahia 2007.

SENNETT, Richard. Respeito: a formação do caráter em um mundo desigual. Rio de

Janeiro: Record, 2004.

______. A corrosão do carácter: as consequências pessoais do trabalho no novo

capitalismo. Rio de Janeiro: Record, 2009.

______. Juntos: os rituais, os prazeres e a política da cooperação. Rio de Janeiro:

Record, 2012a.

______. Autoridade. Editora Record, 2012b.

SILVA, Petronilha B. G.; ARAUJO – OLIVEIRA, Stella S. Cidadania, ética e

diversidade: desafios para a formação em pesquisa. In ENCUENTRO DEL

CORREDOR DE LAS IDEAS DE CONO SUR: Sociedad civil, democracia e

integración, 6., Anais... Montevidéu, 12 mar. 2004. P. 1 – 8

SOUZA, Roberta V. P. A. O ensino formal da Fundação CASA e a

Interdisciplinaridade como busca de sentido para um novo Currículo. Dissertação

(Mestrado em Educação: Currículo). São Paulo: Pontifícia Universidade Católica, 2011.

SZYMANSKI, Heloisa. Viver em Família como experiência de cuidado mútuo:

desafios de um mundo em mudança. Revista Serviço Social e Sociedade, São Paulo:

Cortez, n. 71. p. 9 – 25, 2002.

TEIXEIRA, Joana D. O sistema socio – educativo de internação para jovens

autores de ato infracional do estado de São Paulo. Dissertação (Mestrado em

Educação). Universidade Federal de São Carlos. São Carlos. 2009.

______. Dos sujeitos e lugares da punição: da passagem do/a jovem perigoso/a para

o/a jovem em perigo. Um estudo das dimensões do dispositivo da gestão dos riscos e

de controle social da juventude. 252f. Tese (Doutorado em Ciências Sociais). Marília:

Universidade Estadual Paulista, 2015.

THOMPSON, Paul. A voz do passado: história oral. R. J.: Paz e Terra, 1992.

VALVERDE, Danielle O.; STOCCO, Lauro. Notas para a interpretação das

desigualdades raciais na educação. In BONETTI, Aline de L.; ABREU, Maria A. Faces

da desigualdade de gênero e raça no Brasil. Brasília: IPEA, 2011.

VENÂNCIO, Luciana. O que nós sabemos? Da relação com o saber na e com a

educação física em um processo educacional-escolar. 2014. 294 f. Tese (doutorado) -

Page 136: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

133

Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Faculdade de Ciências e

Tecnologia, 2014.

VENÂNCIO, Luciana; BETTI, Mauro; FREIRE, Elisabete S.; SANCHES NETO,

Luiz. Modos de abordar a aprendizagem na educação física escolar: sujeitos

interlocutores na relação com o saber. Revista Brasileira de Educação Física Escolar,

v. 3, p. 1-11, 2016.

VICENTIN, Maria Cristina G. Corpos em rebelião e o sofrimento – resistência:

adolescentes em conflito com a lei. Tempo soc., São Paulo, v. 23, n. 1, p. 97 – 113,

2011.

VOLPI, Mario (Org.). O adolescente e o ato infracional. 6ª. ed. São Paulo: Cortez,

2006.

ZANELLA, Maria N. Adolescente em conflito com a lei e escola: uma relação

possível? Revista Brasileira Adolescência e Conflitualidade, América do Norte, 0 9

12 2010.

Referências das entrevistas

Abenilda Gomes Procópio de Moura. Eu estou aqui porque eu quero, e vou vencer,

não é porque eu fui bem criada não. [05 de março de 2014]. Entrevista concedida a

Willian Lazaretti da Conceição.Guarulhos, 2014. 1 arquivo.mp3 (50 min.). A entrevista

textualizada encontra – se no Apêndice desta tese.

Ana Luiza Calmon. O conhecimento te deixa um ser melhor, um ser mais forte, um

ser mais criativo, um ser que sofre menos. [27 de setembro de 2013]. Entrevista

concedida a Willian Lazaretti da Conceição. Guarulhos, 2013. 1 arquivo.mp3 (47 min.).

A entrevista textualizada encontra – se no Apêndice desta tese.

Carla Silva Sousa. Jamais abandonaria minha filha, nem para ficar com minha

mãe, é minha se alguém quiser ficar comigo terá que ficar com minha filha se não

for assim não quero. [25 de setembro de 2013]. Entrevista concedida a Willian

Lazaretti da Conceição. Guarulhos, 2014. 1 arquivo.mp3 (36 min.). A entrevista

textualizada encontra – se no Apêndice desta tese.

Cicero Nogueira Araujo. Bastava meu pai olhar pra gente. Se ele tivesse

conversando e olhasse pra você, era como se dissesse você não é bem vindo aqui, a

conversa é pra adulto, mas ele não precisava falar. [26 de setembro de 2013].

Entrevista concedida a Willian Lazaretti da Conceição. Guarulhos, 2013. 1 arquivo.mp3

(32 min.). A entrevista textualizada encontra – se no Apêndice desta tese.

Cilene Silva Santana. Eu acredito em Deus e tudo é colocado na hora certa em nossa

vida. Hoje olhando pra trás eu acredito que virei mãe de verdade lá dentro aprendi

a falar não para os meus filhos, eu era muito permissiva. [28 de agosto de 2013].

Entrevista concedida a Willian Lazaretti da Conceição. Guarulhos, 2013. 1 arquivo.mp3

(47 min.). A entrevista textualizada encontra – se no Apêndice desta tese.

Page 137: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

134

Estelita Aparecida Alves Matias. Eu tenho prazer de falar do meu trabalho na

Fundação, eu gosto de falar, da minha pouca, mas grandiosa experiência na

Fundação. [25 de outubro de 2013]. Entrevista concedida a Willian Lazaretti da

Conceição.Guarulhos, 2013. 1 arquivo.mp3 (01h31min.). A entrevista textualizada

encontra – se no Apêndice desta tese.

Luiza Virgilio. Gosto bastante de dar aula para eles, eu percebo que eles são

carentes, muitas vezes, você tem que ser o professor, a mãe, a tia. [28 de agosto de

2013]. Entrevista concedida a Willian Lazaretti da Conceição. Guarulhos, 2013. 1

arquivo.mp3 (29min.). A entrevista textualizada encontra – se no Apêndice desta tese.

Maria Lala. Eu sou assim, traço a meta e eu chego. [Parte I – 25 de setembro de

2013; Parte II – 26 de setembro de 2013]. Entrevista concedida a Willian Lazaretti da

Conceição. Guarulhos, 2013. 2 arquivos.mp3 (01h26min.). A entrevista textualizada

encontra – se no Apêndice desta tese.

Maria Neuda Dias. Sou insistente, eu não desisto no primeiro obstáculo. [01 de

março de 2014]. Entrevista concedida a Willian Lazaretti da Conceição. Guarulhos,

2014. 1 arquivo.mp3 (40min.). A entrevista textualizada encontra – se no Apêndice

desta tese.

Mateus Fernandes dos Santos. Na capoeira fiz vários amigos, fiz faculdade graças à

capoeira, tem pessoas que são como irmãos que conheço há quinze anos. [26 de

setembro de 2013]. Entrevista concedida a Willian Lazaretti da Conceição. Guarulhos,

2013. 1 arquivo.mp3 (23min.). A entrevista textualizada encontra – se no Apêndice

desta tese.

Sinhá Carvalho Oliveira. Eu acredito na transformação do ser humano. [24 de

outubro de 2013]. Entrevista concedida a Willian Lazaretti da Conceição.Guarulhos,

2013. 1 arquivo.mp3 (01h31min.). A entrevista textualizada encontra – se no Apêndice

desta tese.

Walnir Rodrigues. Se for pra desistir, desista você, eu não vou desistir de você não.

[25 de setembro de 2013]. Entrevista concedida a Willian Lazaretti da

Conceição.Guarulhos, 2013. 1 arquivo.mp3 (54min.). A entrevista textualizada encontra

– se no Apêndice desta tese.

Page 138: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

135

Anexo A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Eu ______________________________________________, R.G. nº

__________________, dígito ___, órgão expedidor _________declaro que fui

convidado/a a participar voluntariamente da pesquisa, com o pesquisador Willian

Lazaretti da Conceição, R.G. nº XXXX, dígito X, órgão expedidor SSP.

Declaro que compreendi que os encontros em que participarei têm como

objetivo principal analisar as histórias de vidas dos professores, buscando

identificar fragmentos nestas histórias que os aproximem/distanciem aos

adolescentes em conflito com a lei e, identificar aspectos que contribuam para as

relações entre professor e aluno considerando o contexto educativo em que vivem,

e que a minha participação irá compor a coleta de dados de uma pesquisa de Doutorado

do Programa de Pós – Graduação em Educação da Faculdade de Educação da

UNICAMP intitulada provisoriamente “Histórias de vidas que se unem: a professora,

o professor e os [elos com os] jovens infratores”.

Declaro que também participarei da entrevista individual com o pesquisador

para contar a minha história de vida, tendo consciência de que poderei sentir

desconfortos por compartilhar informações pessoais e que não serei obrigado/a a

responder perguntas que eu não me sinta à vontade em falar.

Declaro que fui informado (a) que poderei encerrar minha participação nesta

pesquisa a qualquer momento, sem ser prejudicado.

Também fui informado (a) de como entrar em contato com o pesquisador,

através do e-mail [email protected]

Declaro que estou ciente de que talvez eu não tenha nenhum benefício

pessoal, e fui informado (a) que minha participação nesta pesquisa será utilizada para

fins de estudos acadêmicos e culturais na área da educação e, caso seja tenha

preferência, o meu nome será mantido em sigilo, sendo utilizado como identificação:

pseudônimo ou outra forma similar.

___________________________________________

Nome Colaborador(a)

_________________________________

Willian Lazaretti da Conceição

Pesquisador

_________________________________

Prof.ª Dra. Áurea M. Guimarães

Orientadora

______________, ____ de _____________ de ____.

Page 139: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322308/1/Conceicao_Will... · restrição e privação de liberdade EduCárceres (UFSCar),5

136

Anexo B – Carta de Cessão

CARTA DE CESSÃO

Eu __________________________________________, R.G. nº

__________________, dígito ____, órgão expedidor _________declaro aprovar a

transcrição do depoimento oral que concedi a Willian Lazaretti da Conceição, R.G. nº

XXX, dígito X, órgão expedidor: SSP, Doutorando em Educação da Faculdade de

Educação da Unicamp, em ___/___/___ e cuja gravação foi de ______ minutos.

Aprovo que o texto anexo, por mim conferido e validado, podendo ser

utilizado para fins de estudos acadêmicos e culturais no âmbito da educação.

Também declaro:

(__) AUTORIZO a gravação, filmagem e fotografia dos encontros e da

entrevista, sendo utilizados estritamente para a área acadêmica e cultural.

(__) NÃO AUTORIZO a gravação, filmagem e fotografia dos encontros e

da entrevista.

(__) Autorizo a identificação do meu nome, como um(a) dos(as)

colaboradores(as) da pesquisa.

(__) Não autorizo a identificação do meu nome, como um(a) dos(as)

colaboradores(as) da pesquisa e utilizar o seguinte nome fictício

_______________________.

____________________________________

Nome Colaborador(a)

__________________________________

Willian Lazaretti da Conceição

Pesquisador

_____________________, ___/___/___.