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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS Instituto de Geociências FERNANDO VIDAL MARTINS PELLEGRINI PROCESSOS DE APRENDIZAGEM TECNOLÓGICA EM EMPRESAS FORNECEDO- RAS DE SUBSISTEMA DO PROGRAMA CBERS: O DESENVOLVIMENTO DA CÂ- MERA MUX PELA OPTO ELETRÔNICA CAMPINAS 2017

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

Instituto de Geociências

FERNANDO VIDAL MARTINS PELLEGRINI

PROCESSOS DE APRENDIZAGEM TECNOLÓGICA EM EMPRESAS FORNECEDO-

RAS DE SUBSISTEMA DO PROGRAMA CBERS: O DESENVOLVIMENTO DA CÂ-

MERA MUX PELA OPTO ELETRÔNICA

CAMPINAS

2017

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FERNANDO VIDAL MARTINS PELLEGRINI

Processos de aprendizagem tecnológica em empresas fornecedoras de subsistema do

Programa CBERS: o desenvolvimento da câmera MUX pela Opto Eletrônica.

DISSERTAÇÃO APRESENTADA AO INSTITUTO DE GE-

OCIÊNCIAS DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAM-

PINAS PARA OBTENÇÃO DO TÍTULO DE MESTRE EM

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

ORIENTADOR: ANDRÉ LUIZ SICA DE CAMPAS

COORIENTADOR: MILTON DE FREITAS CHAGAS JUNIOR

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL

DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELO ALUNO FER-

NANDO VIDAL MARTINS PELLEGRINI E ORIENTADA

PELO PROF. DR ANDRÉ LUIZ SICA DE CAMPOS.

CAMPINAS

2017

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Agência(s) de fomento e nº(s) de processo(s): CAPES

Ficha catalográficaUniversidade Estadual de CampinasBiblioteca do Instituto de GeociênciasCássia Raquel da Silva - CRB 8/5752

Pellegrini, Fernando Vidal Martins, 1991- P364p PelProcessos de aprendizagem tecnológica em empresas fornecedoras de

subsistemas do programa CBERS: : o desenvolvimento da câmera MUX pelaOpto Eletrônica / Fernando Vidal Martins Pellegrini. – Campinas, SP : [s.n.],2017.

PelOrientador: André Luiz Sica de Campos. PelCoorientador: Milton de Freitas Chagas Junior. PelDissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de

Geociências.

Pel1. Aprendizagem tecnológica. 2. Inovação. 3. Indústria aeroespacial. 4.

Pesquisa espacial - Brasil. 5. Gestão do conhecimento. I. Sica de Campos,André Luiz,1970-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto deGeociências. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Technological learning mechanisms amongst CBERS subsystemsuppliers: : the development of the Opto Eletrônica´s MUX cameraPalavras-chave em inglês:Technologial learningInnovationAerospace industriesSpace research - BrazilKnowledge managementÁrea de concentração: Política Científica e TecnológicaTitulação: Mestre em Política Científica e TecnológicaBanca examinadora:André Luiz Sica de Campos [Orientador]Renato de Castro GarciaJosé Eduardo de Salles Roselino JuniorData de defesa: 27-03-2017Programa de Pós-Graduação: Política Científica e Tecnológica

Powered by TCPDF (www.tcpdf.org)

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS

PÓS-GRADUAÇÃO EM

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

AUTOR: Fernando Vidal Martins Pellegrini

Processos de aprendizagem tecnológica em empresas fornecedoras de subsistemas do

programa CBERS: o desenvolvimento da câmera MUX pela Opto Eletrônica.

ORIENTADOR: Prof. Dr. André Luiz Sica de Campos

COORIENTADOR: Prof. Dr. Milton de Chagas Freitas Junior

Aprovada em: 27 / 03 / 2017

EXAMINADORES:

Prof. Dr. André Luiz Sica de Campos - Presidente

Prof. Dr. Renato de Castro Garcia

Prof. Dr. José Eduardo de Salles Roselino Junior

A Ata de Defesa assinada pelos membros da Comissão Examinadora,

consta no processo de vida acadêmica do aluno.

Campinas, 27 de março de 2017

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DEDICATÓRIA

Para minha família pelo todo apoio prestado ao longo dos anos

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AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus orientadores, André Campos e Milton Chagas por todo apoio pres-

tado. Às professoras Leda Gitahy e Flávia Consoni pelas críticas realizadas ao longo do traba-

lho e ao professor André Furtado pelas observações. Agradeço especialmente ao professor

Renato Garcia pelos valiosos comentários e críticas levantadas e também ao professor José

Eduardo Roselino pelas considerações ao longo da defesa. À CAPES pela bolsa de estudos

concedida e a todo o demais Departamento de Política Científica e Tecnológica da Unicamp,

principalmente aos colegas que me acolheram na sala 4.

Por fim, agradeço aos meus pais, irmão e à Daniela Lazarin por todo o suporte.

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“There are some things which cannot be

learned quickly, and time, which is all

we have, must be paid heavily for their

acquiring. They are the very simplest

things and because it takes a man’s life

to know them the little new that each

man gets from life is very costly and the

only heritage he has to leave”

Ernest Hemingway (Death in the Afternoon, 1932)

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RESUMO

Esta dissertação consiste num estudo de caso único, tendo a Opto Eletrônica como unidade de

análise. Seu objetivo consiste na identificação dos mecanismos de aprendizado tecnológico

utilizados pela empresa ao longo do desenvolvimento da câmera MUX. Procurou-se identifi-

car, a partir do marco conceitual da gestão da inovação e das capacidades tecnológicas, como

seu deu a utilização desses mecanismos, nos quais foram divididos e identificados com base

na tipologia desenvolvida por Paulo Figueiredo. Além disso, procurou-se discutir quais os

possíveis efeitos da dispersão do capital humano ocorrida com o fim do projeto e que fatores

externos podem tê-lo afetado. Os dados foram coletados através de entrevistas de integrantes

e ex-integrantes da Opto, além de membros do INPE. Ademais, foram utilizados dados cole-

tados através da literatura voltada ao setor aeroespacial brasileiro e ao Programa CBERS. Os

resultados apontam uma vasta gama de mecanismos utilizados ao longo de todo desenvolvi-

mento da câmera MUX, dos quais aqueles voltados à aquisição e socialização de conhecimen-

to tácito tiveram papéis fundamentais. Entretanto, também se identificou que muito dos me-

canismos, assim como todo conhecimento que por eles foi produzido, são dependentes de um

capital humano qualificado e, portanto, a perda desse capital pode acarretar num considerável

efeito sobre o conhecimento organizacional. Ao mesmo tempo viu-se que a Lei de Licitações

(No. 8666/1993), que serviu como arcabouço jurídico para a contratação da empresa, produziu

significativos efeitos sobre todo o projeto e sobre a saúde financeira da empresa. O trabalho,

dessa forma, aponta que diversos aspectos, tanto sob o nível macro e institucional do Progra-

ma Espacial Brasileiro quanto sob o nível da firma possuem influência sobre a indústria espa-

cial brasileira e sobre o Programa CBERS.

Palavras-chave: programa CBERS, aprendizado tecnológico, conhecimento organizacional,

indústria espacial brasileira.

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ABSTRACT

The present study aims to identify the learning mechanisms utilized by the company Opto

Eletrônica (unity of analysis) during the development of the multispectral camera (MUX).

For this, the literature concerning the management of innovation and the technological capa-

bilities approach served as the main conceptual framework. The typology created by Paulo

Figueiredo was the basis for the identifications of the mechanisms. Moreover, the study

sought to discuss what possible effects the dispersion of Opto Eletrônica´s human capital can

have not only over the learning mechanisms, but also over the knowledge by them created.

Besides, it is discussed the impacts of the Brazilian public procurement law (Lei No.

8666/1993) during the project. The results show that a vast range of mechanisms were used,

in which those regarding the tacit nature of knowledge had a primal role. However, it was also

identified that many of those processes, as well as the knowledge created, are human depend-

ent. Therefore the dispersion of the human capital created during the whole development has a

significant impact on the organizational knowledge. Consequentially, this work attests that

several aspects, both at the macro level of the Brazilian Space Program and at the firm level

have been influencing the Brazilian space industry and the results of the CBERS (China Bra-

zil Earth Resources Satellite) Program.

Key-words: CBERS program, technological learning, organizational knowledge, brazilian

space industry.

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LISTA DE SIGLAS

AIT (Assembling, Integration and Testing)

ASAT (Anti Satellite Weapons )

C&T (Ciência e Tecnologia.)

CAST(Chinese Academy of Space Technology)

CBERS (China-Brazil Earth Resources Satellite)

CNES (Centre national d'études spatiales)

CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico)

COBAE (Comissão Brasileira de Atividades Espaciais)

CSN (Conselho de Segurança Nacional)

CTA (Centro Técnico Aeroespacial)

CTs (Capacidades Tecnológicas)

DSP (Demand Side Policies)

ESA (European Space Agency)

GEO (Geosynchronous orbit)

GETEPE (Grupo Executivo e de Trabalho e Estudos de Projetos Espaciais)

GOCNAE/CNAE (Grupo de Organização das Atividades Espaciais)

GPS (Global Position System).

HEO (High Earth Orbit)

IAE (Instituto de Aeronáutica e Espaço)

ICT (Instituição de Ciência e Tecnologia)

INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais)

IRS (Imageador Multiespectral e Termal)

LIT (Laboratório de Integração e Testes do INPE)

LOA (Leis Orçamentárias Anuais)

LOW (Low Earth Orbit)

MCTR (Missile Technology Control Regime)

MECB (Missão Espacial Completa Brasileira)

MEO (Medium Earth Orbit)

MIT (Massachusetts Institute of Technology)

MUX (Câmera Multiespectral)

PEB (Programa Espacial Brasileiro)

PPI (Public Procurement for Innovation)

PID (Países de Industrialização Tardia)

PNDAE (Plano Nacional de Desenvolvimento de Atividades Espaciais)

R-B-V (Resource Based View)

SIA (Satellite Industry Association)

TI (Tecnologia da Informação)

TT&C (Telemetry, Teletrackig and Command)

VLS (Veículo Lançador de Satélites)

WFI (Wide-Field-Imager)

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ÍNDICE DE QUADROS

Quadro 1: Divisão de Trabalho do Programa CBERS ................................................... 24

Quadro 2: Empresas Fornecedoras dos Satélites CBERS-3 e 4. .................................... 25

Quadro 3: Mecanismos de Aquisição Externa de Conhecimento. ................................. 31

Quadro 4: Mecanismos de Aquisição Interna de Conhecimento.. ................................. 32

Quadro 5: Mecanismos de Socialização de Conhecimento. ........................................... 32

Quadro 6: Mecanismos de Codificação de Conhecimento.. ........................................... 32

Quadro 7: Subsistemas do Módulo de Serviço dos Satélites CBERS-3 e 4 ................... 44

Quadro 8: Subsistemas da Carga Útil dos Satélites CBERS-3 e 4 ................................. 44

Quadro 10: Tipologia de Sistemas Tecnológicos. .......................................................... 81

Quadro 11: Mecanismos de Aquisição Externa de Conhecimento Utilizados. ............ 110

Quadro 12 Mecanismos de Aquisição Interna de Conhecimentos Utilizados .............. 118

Quadro 13: Mecanismos de Socialização de Conhecimento Utilizados. ..................... 119

Quadro 14: Mecanismos de Codificação de Conhecimento Utilizados. ...................... 120

Quadro 15: Contratos entre INPE/AEB e Opto Eletrônica.. ........................................ 135

Quadro 16: Termos Aditivos do Contrato de Desenvolvimento da Câmera MUX...... 136

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ÍNDICE DE TABELAS

Tabela 1: Número Total de Satélites Ativos (Outubro 2016) ......................................... 36

Tabela 2: Número Total de Lançamentos (payloads) (Outubro 2016) .......................... 36

Tabela 3: Classificação de Satélites (por massa). ........................................................... 38

Tabela 4: Índice de Competitividade Espacial entre Países. .......................................... 62

Tabela 5: Exportação total por Ano - Indústria Espacial (por país).. ............................. 64

Tabela 6: Exportação total por Ano (setor aeroespacial) (por país) ............................... 64

Tabela 7: Exportação Brasileira dos Setores Aeroespaciais e Espaciais (2005 – 2015). 66

Tabela 8: Investimentos Realizados em Startups Espaciais (2000-2015). ................... 160

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ÍNDICE DE FIGURAS

Figura 1: Imagem da Câmera MUX do Satélite CBERS-4 da foz do Rio Doce (ES) após o

Fesastre Ambiental de Mariana. ..................................................................................... 19

Figura 2: Imagem da Câmera (WFI – Wide Field Imager) do Satélite CBERS-4 no dia 4 de

Outubro de 2015, antes do desastre de Mariana. ............................................................ 19

Figura 3 Imagem do satélite Landsat-8 após o Desastre de Mariana, no dia 12 de Novembro

de 2015. .......................................................................................................................... 20

Figura 4 Modelo Conceitual da Dissertação................................................................... 27

Figura 5 Evolução do Lançamento de Satélites.............................................................. 35

Figura 6: Representação da Órbia de um Satélite (CBERS-2) ....................................... 37

Figura 7: Satélite CBERS-4 (1). ..................................................................................... 40

Figura 8: Satélite CBERS-4 (2). ..................................................................................... 40

Figura 9: Subsistemas do Satélite CBERS-3 e 4 por País (1). ....................................... 43

Figura 10: Subsistemas dos Satélites CBERS-3 e 4 por Páis (2). .................................. 43

Figura 11: Subsistemas Fornecidos aos Satélites CBERS-3 e 4 por País e Organização

Fornecedora. ................................................................................................................... 44

Figura 12: Representação das Câmeras Embarcadas nos Satélites CBERS-3 e 4.......... 45

Figura 13: Imagem Produzida pela câmera MUX (RJ - Rio de Janeiro) ....................... 46

Figura 14: Orçamentos dos Programas Espaciais Globais. ............................................ 50

Figura 15: Programas Espaciais em Porcentagem do PIB. ............................................ 51

Figura 16: Evolução dos Orçamentos (MCTI e da AEB). ........................................... 55

Figura 17: Orçamento Previsto e executado (AEB) ....................................................... 56

Figura 18: Orçamentos da AEB Previstos x Executados. .............................................. 56

Figura 19 Participação Global em aplicações de patente por país..................................61

Figura 20: Descrição do JPO. ......................................................................................... 73

Figura 21: Subsistemas e Empresas Contratadas (CBERS 1 e 2).. ................................ 75

Figura 22: Expiral do Conhecimento de Nonaka e Takeuchi. ........................................ 95

Figura 23: Câmera MUX. ............................................................................................. 103

Figura 24 Attraso por TRL dos Subsistemas do Satélite CBERS. ............................... 105

Figura 25 Atraso por MRL dos Subsistemas do Satélite CBERS ................................ 105

Figura 26 Componentes do setor de satélites e seus respectivos faturamentos ............ 154

Figura 27: Indústria de Satélites em Contexto.............................................................. 155

Figura 28: Distribuição do Total de Satélites Ativos .................................................. 156

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Figura 29: Satélites Lançados em 2014 por Função. .................................................... 157

Figura 30: Satélites Lançados em 2015 por Função ..................................................... 157

Figura 31: Evolução do Faturmento da Indústria de Satélites ...................................... 158

Figura 32: Valores dos Satélites Lançados por Função ................................................ 159

Figura 33 Relação entre Investimento Militar e Espacial (2013) ............................... 172

Figura 34: Relação entre Investimento Militar e Espacial (2008). ............................... 172

Figura 35: Gastos no Setor de Defesa por País 2000 – 2015. ...................................... 174

Figura 36: Gastos no Setor de Defesa em relação ao PIB 2000 – 2012. ...................... 175

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SUMÁRIO

1.0 INTRODUÇÃO 18

1.1 Contexto da Pesquisa: ................................................................................................................... 18

1.2 Objetivos e Justificativa ................................................................................................................ 23

2.0 METODOLOGIA 28

2.1 Critério de Escolha das Empresas ............................................................................................... 28

2.2 Operacionalização e Estudo de Campo. ...................................................................................... 28

2.3 Estrutura da Dissertação: ............................................................................................................. 33

3. A INDÚSTRIA DE SATÉLITES 34

3.1 Introdução ...................................................................................................................................... 34

3.2. O Que São Satélites? Definições e considerações ..................................................................... 34

3.2.1 Satélites de Sensoriamento Remoto ...................................................................................... 39

3.2.2 Subsistemas e Cargas Úteis ................................................................................................... 41

3.2.2 CBER-4 e a Complexidade de um Satélite ...................................................................... 45

3.3 A Indústria Espacial e a Indústria de Satélites. .......................................................................... 47

3.4– Programas Espaciais Globais ..................................................................................................... 48

3.5 Atores Espaciais ............................................................................................................................ 51

3.5.1 O Programa Espacial Chinês ................................................................................................ 52

3.5.2 Programa Espacial Indiano .................................................................................................. 53

3.5.3 O PEB: algumas observações ................................................................................................ 54

3.6 A Relação Entre Segmento Militar e Espacial ............................................................................ 58

3.6.1 Tecnologias de uso dual ou Tecnologias Sensíveis .............................................................. 58

3.6.2 Indústria Nacional: considerações ...................................................................................... 60

3.7 Conclusões ...................................................................................................................................... 67

4.0 O PROGRAMA CBERS: breve reconstrução histórica 69

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4.1 Introdução ...................................................................................................................................... 69

4.2 A Redemocratização e o Programa CBERS ............................................................................... 69

4.3 Conclusão ....................................................................................................................................... 78

5.0 REVISÃO LITERÁRIA 79

5.1 Introdução. ..................................................................................................................................... 79

5.2 Produtos e Sistemas Complexos e Integração de Sistemas ...................................................... 79

5.3 Políticas Pelo Lado da Demanda e Compras Estatais Voltadas à Inovação ............................ 84

5.4 TCA e aprendizagem tecnológica ................................................................................................ 87

5.4.1 Evolução e Revisão Histórica ................................................................................................ 87

5.4.2 Mecanismos de Aprendizado Tecnológico ........................................................................... 90

5.4.2 Perspectiva Organizacional do Aprendizado: criação, retenção e transferência de

conhecimento. .................................................................................................................................. 95

6.0 ESTUDO DE CASO: o desenvolvimento da câmera MUX pela Opto Eletrônica 99

6.1 Introdução. ..................................................................................................................................... 99

6.2 A Opto Eletrônica ......................................................................................................................... 99

6.3 Participação da Opto Eletrônica no Satélite CBERS ............................................................... 103

6.4 Mecanismos de Aprendizagem Utilizados ................................................................................. 107

6.4.1 Mecanismos de Aquisição Externa de Conhecimento ...................................................... 108

6.4.2 Mecanismos de Aquisição Interna de Conhecimento ....................................................... 117

6.4.3 Mecanismos de Socialização................................................................................................ 123

6.4.4 Mecanismos de Codificação ................................................................................................ 124

6.5 Considerações Referentes à Manutenção do Conhecimento Organizacional ........................................ 126

6.6 Dificuldades com a Lei de licitações – Lei no 8.666/1993 .......................................................................... 129

7.0 CONSIDERAÇÕES FINAIS 141

REFERÊNCIAS 146

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APÊNDICE 1 Indústria global de satélites: contextos e observações 154

APÊNDICE 2 O programa espacial brasileiro: das bases instituconais ao programa

CBERS 162

APÊNDICE 3 Relação entre os Setores de Defesa e Espaço: observações 171

ANEXOS 177

ANEXO 1 TRL E MRL (DEFINIÇÕES) 177

ANEXO 2 LISTA DE TERMOS ECSS) 177

ANEXO 3 CICLO DE VIDA E FASES DE UM PROJETO ESPACIAL 178

ANEXO 4 ATIVIDADES DE UM PROJETO ESPACIAL. 179

ANEXO 5 QUESTIONÁRIO APLICADO 180

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18

1.0 Introdução

1.1 Contexto da Pesquisa:

Apesar das atividades espaciais serem “filhas” do militarismo, de conflitos geopolíti-

cos e de um período representado por intenso investimento em defesa e pesquisa científica

(Pós-Guerra), foi-se o tempo em que a exploração do espaço é vista apenas como proxy da

guerra ou uma mera expansão das fronteiras dos avanços da ciência (Schmidt 2011; Zervos

2011). Pode-se afirmar que hoje o setor espacial atua como peça fundamental à dinamização e

funcionamento de todo sistema econômico. No atual paradigma econômico e tecnológico sus-

tentado pelas atividades informacionais, elas configuram-se como principal fonte de produti-

vidade e, em consequência, dão origem ao que alguns autores chamam de capitalismo infor-

macional (Castells 1999). Em outras palavras, insumos baratos de informação tornaram-se

essenciais a todo e qualquer atividade socioeconômica. Pode-se dizer que, apesar de nem to-

das as nações investirem em programas ou numa indústria espacial, todas elas – sem exceções

– dependem de atividades espaciais (Furtado 2006).

Nesse contexto, o setor ou indústria espacial acabou por tornar-se primordial a todo

seu funcionamento. Adicionalmente, aplicações espaciais (como satélites) vêm tornando-se

ubíquas, lentamente tornam-se produtos e - mesmo que ainda complexos - seus serviços cada

vez mais podem caracterizados como de prateleira (“off the shelf”). As atividades de sensori-

amento remoto, por exemplo, foram paulatinamente difundidas e desenvolvidas e já se torna-

ram fundamentais às ações governamentais e à sociedade civil. Além disso, a indústria espa-

cial passa por um momento importante na segunda metade da década 2010. Após quase 60

anos do lançamento do primeiro satélite, o Sputnik, o mercado espacial caminha cada vez

mais para uma situação de maior consolidação, com intensos investimentos do setor privado,

criação de novas companhias e produtos que, aos poucos, podem ser produzidos “em massa”

(Tauri Group 2016) – muito em virtude da diminuição dos custos de lançamento e dos pró-

prios satélites.

Um exemplo marcante do uso de uma aplicação espacial ocorreu no ano de 2015, após

o desastre ambiental de Mariana. Com o rompimento da barragem de Fundão no subdistrito

de Bento Rodrigues operada pela Samarco1, um mar de lama alastrou-se por mais de 500 km,

destruindo munícipios e todo o ecossistema do Rio Doce. Consequentemente, o sensoriamen-

1 Samarco é operada por duas das maiores mineradoras do mundo: Vale e BHP Billiton. (Dieguez 2016)

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to remoto atuou como importante instrumento à monitoração e organização das atividades

destinadas ao resgate e “reconstrução” dos ambientes. Abaixo estão algumas fotos de satélites

produzidas da região afetada.

Figura 1: Imagem da Câmera MUX do satélite CBERS-4 da foz do Rio Doce (ES) após o desastre ambiental de

Mariana. Fonte: INPE (2015b).

Figura 2: Imagem da Câmera (WFI – Wide Field Imager) do satélite CBERS-4 no dia 4 de Outubro

de 2015, antes do desastre de Mariana. Fonte: (INPE 2015a)

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Figura 3: Imagem do satélite Landsat-8 após o desastre de Mariana, no dia 12 de novembro de 2015.

Fonte (INPE 2015a). As áreas em tons de roxo representam os rejeitos despejados sobre o

Rio Doce próximo ao distrito de Bento Rodrigues.2

Essa pesquisa se insere no estudo do programa CBERS e, por consequência, do setor

espacial brasileiro. Por outro lado, ela busca compreender como se deu a dinâmica de apren-

dizado tecnológico numa determinada empresa fornecedora - processo esse que consistiu na

pesquisa de campo e coleta de dados. Dessa maneira, pode se afirmar que a pesquisa se insere

no contexto do programa CBERS, mais especificamente no universo temporal que durou da

contratação à entrega dos subsistemas aos satélites de sua segunda família: CBERS-3 e

CBERS-4 (2004 a 2014 – da assinatura do contrato ao lançamento do CBERS-4). Tal pro-

grama possui 28 anos e tem como objetivo a construção e utilização de satélites de sensoria-

mento remoto em conjunto pelos dois países (China e Brasil), no qual os respectivos contra-

tantes são o INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e a CAST (Chinese Academy of

Space Technology).

A unidade de análise, por sua vez, corresponde a uma única empresa, a Opto Eletrôni-

ca. Destarte, foi realizado um estudo de caso com o objetivo de identificar os mecanismos de

aprendizado tecnológico utilizados pela empresa fornecedora de subsistemas desse programa3

2 As imagens podem ser acessadas em: <http://www.cbers.inpe.br/noticia.php?Cod_Noticia=4053> e

<http://www.inpe.br/noticias/noticia.php?Cod_Noticia=4078 .> 3 Como apresentado por Souza (2005) um satélite pode ser comumente dividido em duas partes: a plataforma e a

carga útil. A primeira contém os subsistemas necessários ao funcionamento do satélite, já a segunda os subsiste-

mas necessários ao cumprimento da missão. Exemplos de subsistemas são painéis solares, antenas, conversores

de dados, câmeras etc. A seção 3 discute com mais propriedade o que é um satélite e seus subsistemas.

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ao longo do desenvolvimento da Câmera MUX (Câmera Multiespectral)4, uma vez que foram

esses mecanismos que permitiram a empresa criar as capacidades tecnológicas necessárias ao

longo de todo o projeto.

Essa pesquisa está inserida e dialoga com demais estudos realizados não somente so-

bre o próprio programa CBERS, como sobre a indústria espacial brasileira, como: Chagas Jr.

(2009), Chagas Jr. e Cabral (2010), Costa-Filho (2006), Furtado e Costa-Filho ( 2002; 2003),

Furtado, Costa-Filho e de Campos (2000) Pereira (2008), Schmidt (2011) e Oliveira (2014).

Esses estudos, por sua vez, influenciaram e relacionam-se com o atual projeto de pesquisa.

Oliveira, por exemplo, demonstrou que as empresas fornecedoras se capacitaram tecnologi-

camente a partir da política de compras do INPE, ao passo que Chagas Jr. (2009) e Chagas Jr.

e Cabral (2010) verificaram que o próprio INPE também se capacitou, no caso, majoritaria-

mente em integração de sistemas.

Adicionalmente, já no campo da gestão estratégica da inovação a dissertação se relaci-

ona, principalmente, com os estudos voltados à aprendizagem tecnológica (learning). Como

esses conceitos serão fundamentais no decorrer desse trabalho, torna-se relevante já defini-los,

mesmo que brevemente. Aprendizagem pode ser entendida, com base em (Katz 1987; Lall

1987, 1992; Bell e Pavitt 1995 e Figueiredo 1999, 2002, 2003), como os diferentes e delibe-

rados mecanismos que permitem indivíduos e, por conseguinte, a organização adquirir co-

nhecimento, habilidades e processos necessários à formação, acumulação e recriação de

capacidades tecnológicas. Como ressaltado pelos referidos autores, existe uma íntima relação

entre o aprendizado individual e organizacional, em que o primeiro produz o segundo5. Ade-

mais, tais processos são passíveis de acumulação e, por conseguinte, irão influenciar direta-

mente a competência de realizar atividades de inovação e a criação de capacidades tecnológi-

cas (Bell e Figueiredo 2012). Tais capacidades, por sua vez, podem ser definidas como as

4 Câmeras multiespectrais são capazes de captar as ondas eletromagnéticas além do espectro visível, geralmente

além da chamada banda composta pelas cores verde, azul e vermelho que o olho humano consegue enxergar.

Diferentes objetos refletem, absorvem e transmitem a luz de maneira distinta dependendo de suas propriedades

físicas e químicas. Uma câmera comum consegue captar somente o espectro visível da luz. Elas gravam as quan-

tidades refletidas por um objeto e traduzem essa informação sob o formato de uma imagem. A imagem, por sua

vez, é compôs por pixels, cada um deles contendo a quantidade correspondente da faixa de luz analisada – quan-

to mais escuro, menos luz é detectada. Já um imageador multiespectral consegue captar as faixas além do espec-

tro visível, como ultravioleta e infravermelho. Plantas, por exemplo, refletem a maior parte da luz próxima à

banda infravermelha. Dessa forma, instrumentos capazes de detectar determinadas ondas podem ser utilizados

para analisar o ambiente e, inclusive, estudar suas propriedades – pois determinados elementos irão influenciar

no tipo de onda a ser refletida, transmitida e absorvida. A Câmera MUX possui resolução espacial de 20 metros e

a largura da faixa imageada de 120 km. “É o sensor que assegura o recobrimento global pelo CBERS numa

resolução espacial padrão a cada 26 dias. Com um campo de visada estreito, há pouca alteração no tamanho do

pixel nas bordas da imagem” (INPE 2016). 5 O conhecimento e aprendizado organizacional, no entanto, não pode ser considerado apenas como a soma do

conhecimento de seus indivíduos.

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habilidades de realizar atividades in-house dentre diferentes funções tecnológicas, como en-

genharia de processo, de produto, investimentos etc. (Figueiredo 1999; 2002).

Além disso, aprendizados podem ser caracterizados como processos de aquisição e

conversão de conhecimento (no contexto dessa pesquisa eles são divididos em quatro meca-

nismos: aquisição externa e aquisição interna de conhecimento; e socialização e codificação

de conhecimento) (Figueiredo 1999). De maneira geral os dois primeiros podem ser compre-

endidos como processos desenvolvidos e adquiridos por indivíduos, já os dois últimos pela

organização (Simon 1996).

O levantamento de cada mecanismo de aprendizagem foi baseado no quadro conceitu-

al de Paulo Figueiredo (1999, 2002, 2003) para estudo de empresas em economias emergen-

tes. Seu estudo, por sua vez, baseou-se nos de Lall (1987, 1992) e Bell e Pavitt (1995) que

tiveram como influência os trabalhos de Katz (1987, 1984), Dahlman e Westphal (1982).

Como os trabalhos citados estudaram em maioria empresas de grande porte e participantes de

setores muito distintos do aeroespacial, foi necessário adequá-lo ao estudo das empresas sele-

cionadas, uma vez que elas estão inseridas em contextos diferentes e possuem características

divergentes.

Pode-se dizer que este estudo faz parte daqueles voltados à gestão estratégica da ino-

vação na empresa que, por sua vez, estão intimamente ligados com as concepções schumpete-

rianas de inovação e desenvolvimento econômico. Elas partem do princípio de que: I) a em-

presa é um significativo ambiente executor da inovação tecnológica (porém não o único); II)

capacidades tecnológicas e, por conseguinte, as atividades de inovação que ocorrem em fun-

ção delas são fundamentais à criação de competitividade e desenvolvimento industrial; III) a

constante manutenção, recombinação e criação dessas atividades em conjunto com os recur-

sos da empresa serão um dos principais determinantes da sua sobrevivência e crescimento no

longo prazo e IV) países de industrialização tardia (PID) possuem dinâmica própria e idios-

sincrática de desenvolvimento dos processos acima descritos. À vista disso, é possível afirmar

que as empresas participantes do programa CBERS tiveram que realizar um significativo es-

forço interno a fim de construírem suas capacidades tecnológicas para, então, desenvolver

seus produtos inovadores (subsistemas e componentes). Tais esforços, por sua vez, constituem

um dos objetivos do programa e da política espacial brasileira, o de capacitar tecnicamente as

empresas fornecedoras que compõem o setor espacial brasileiro (como explicitado em docu-

mentos oficiais, e.g. Programa Nacional de Atividades Espaciais – 2012-2021). Tendo em

vista a alta intensidade tecnológica e complexidade dos produtos contratados, as empresas

necessitam não somente investir em P&D, mas também criar capacidades tecnológicas inter-

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nas e mecanismos capazes de produzi-las a fim de possibilitar a manufatura, testes e design

dos subsistemas e componentes destinados aos satélites. Dessa forma, existe uma clara liga-

ção entre tais conceitos/processos, que podem ser explicitados através de um simples diagra-

ma:

Processos e mecanismos de aprendizagem -> Capacidades Tecnológicas -> Atividades Operacio-

nais e de Inovação –> Resultados (como produtos e processos inovadores, outputs operacionais e fi-

nanceiros etc.)6

1.2 Objetivos e Justificativa

Este trabalho consiste em um estudo descritivo, tendo a empresa Opto Eletrônica -

fundada em 1985, a partir de pesquisadores do instituto de física da Universidade de São Pau-

lo (IFSC-USP) – como unidade de análise no contexto do programa CBERS, mais especifi-

camente, ao longo do desenvolvimento da câmera MUX (Câmera Multiespectral). Dessa for-

ma, o estudo efetuou o levantamento dos processos ou mecanismos de aprendizagem tecnoló-

gica utilizados no escopo de tempo que durou da contratação à entrega dos produtos (subsis-

temas) ao INPE (contratante nacional do programa)7.

O Quadro 2 a seguir apresenta os subsistemas dos satélites e a divisão do trabalho en-

tre os dois países. Já o Quadro 1 lista as empresas participantes, o objeto contratado (subsis-

temas e componentes), seu TRL (Technology Readiness Level) e MRL (Manufactury Readi-

ness Level) (no momento da contratação) e o acréscimo contratual. Vale ressaltar que a câme-

ra MUX apresentava o menor nível de TRL (2) e, consequentemente, o maior desafio tecno-

lógico a ser superado8. A sua construção a partir de uma empresa e de um capital humano

desenvolvido nacionalmente foi um marco para a indústria e para o PEB (Programa Espacial

Brasileiro). Entretanto, no final de 2014 (mesmo ano do lançamento do CBERS-4) a Opto

6 Dado que o processo de inovação não é unidirecional, tampouco linear (Kline e Rosenberg 1982), torna-se

sempre necessário lembrar que esse movimento é dinâmico, existindo loops entre as diferentes etapas. 7 A princípio, a licitação previa o desenvolvimento da câmera MUX em 4 anos. A vigência do contrato se inici-

ava em 2004 e iria até 2008. Contudo, tendo enfrentado diversas dificuldades políticas, econômicas, gerenciais e

tecnológicas, o desenvolvimento de todo o satélite acabou atrasando. O CBERS-4 foi lançado somente em de-

zembro de 2014. Além da câmera MUX, a Opto Eletrônica também desenvolveu em parceria com a empresa

Equatorial a câmera de campo largo (WFI – Wide Field Imager) 8 TRL e MRL correspondem por Technology Readiness Level e Manufactury Readiness Level, respectivamente.

Eles correspondem por um sistema ou métrica que suporta a avaliação da maturidade tecnológica de uma tecno-

logia em particular e sua comparação em termos de níveis de desenvolvimento e prontidão – sendo eles 9 no

total (Mankins 1995, 2009). A métrica tornou-se padrão de gestão de projetos na indústria aeroespacial e defesa,

sendo comumente utilizada por diferentes agências e departamentos, como DoD, NASA, ESA, INPE etc. Os

acréscimos contratuais refletem as dificuldades tecnológicas de cada projeto, uma vez que as atrasos decorrentes

de problemas legas e burocráticos foram retirados (Dos Santos, Marshall e Daruiz 2013). Para a lista das defini-

ções dos 9 níveis que compõem as duas métricas ver Anexo 1.

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eletrônica entrou com um pedido de recuperação judicial, estando significativamente endivi-

dada, além de seu departamento de P&D ter sido desmobilizado quase que em sua totalidade.

Assim sendo, esse foi um dos principais fatores que motivaram a sua escolha como estudo de

caso único para essa dissertação, uma vez que essa era uma empresa exemplo e frequentemen-

te tida como organização modelo. Em outras palavras, pode-se dizer que a derrota da Opto

Eletrônica também significa uma derrota do PEB.

Subsistema Responsabilidade

Estrutura Brasil

Controle Térmico China

Controle de Órbita e Altitude China

Suprimento de Energia Brasil

Cablagem China

Supervisão de Bordo China

Telecomunicações de Serviço Brasil

Câmera PAN China

Câmera MUX Brasil

Câmera IRS China

Câmera WFI Brasil

Transmissores de Dados das Câmeras PAN e IRS China

Transmissores de Dados das Câmeras MUX e WFI Brasil

Gravador Digital de Dados Brasil

Sistema de Coleta de Dados Brasil

Módulo de Carga

Útil

Módulo de Seviço

Quadro 1: Divisão de Trabalho do Programa CBERS. Fonte: (Oliveira 2014)

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Empresas ContratadasObjeto Contratado

(Subsistema/Componente)TRL MRL

Acréscimo

Contratual

(Em meses)

Opto Eletrônica Câmera MUX 2 5 17

Neuron Antena DCS e TTCS 9 5 19

Consórcio Omnysis -

Neuron

DCS (Data Collection

Subsystem)9 5 15

AeroeletrônicaEPSS (Eletrical Power

Supply Subsystem )9 5 14

Consórcio Mectron -

Neuron - Betatelecom

TTCS (Telemetry, Tracking

and Control Subsystem )9 5 23

Consórcio Opto Eletrônica -

EquatorialCâmera WFI 4 5 16

Consórcio Omnysis -

Neuron

MWT (Mux and WFI

Transmitter )4 5 19

Mectron DDR 4 5 15

Consórcio Omnysis -

NeuronAntena MWT 9 8 10

OmnysisOBDH (On Board Data

Handling )7 5 23

Orbital Gerador Solar 8 8 16

Cenic Estrutura Gerador Solar 4 4 16

Consórcio Cenic -

VibratoneEstrutura dos Satélites 5 7 0

Quadro 2: Empresas brasileiras fornecedoras dos Satélites CBERS-3 e 4. Fonte (dos Santos, Marshall e Daruiz

2013)

Destarte, as perguntas de pesquisa são:

Pergunta Principal: Quais os mecanismos de aprendizagem tecnológica utilizados pela Opto

Eletrônica que, por sua vez, permitiram a empresa realizar a aquisição de capacidades tecno-

lógicas para assim desenvolver com sucesso – do ponto de vista tecnológico - a Câmera

MUX?

Perguntas Secundárias: Em que medida o impacto da dispersão do capital humano ocorrida

com o fim dos projetos espaciais pode ter sobre tais mecanismos e sobre o conhecimento or-

ganizacional da empresa? Que fatores, externos e internos, podem ter contribuído às adversi-

dades encontradas pela empresa?

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Dessa maneira, a hipótese de pesquisa pode ser descrita como:

H: A Opto Eletrônica necessitou de diversos mecanismos de aprendizado (aquisição, codifi-

cação e socialização de conhecimento), a fim de desenvolver as capacidades necessárias ao

projeto da câmera MUX. Todavia, dada a condição atual da empresa – de recuperação judicial

e significativa diminuição de seu departamento de P&D - tanto os mecanismos utilizados

quanto o conhecimento produzido podem, em alguma medida, ter sido comprometidos.

Em suma, o objetivo norteador do trabalho é a observação de como foi desenvolvida

uma das etapas necessárias à criação de capacidades tecnológicas (utilização dos mecanismos

de aprendizado - ver Figura 4 abaixo). Essa identificação serve como importante indicador de

capacidades tecnológica e, concomitantemente, da eficácia do programa e da gestão estratégi-

ca das empresas, visto que são etapas e processos interdependentes.

A Figura abaixo foi baseada nos estudos voltados à compreensão da aquisição de ca-

pacidades tecnológicas em economias emergentes, que postulam que tais países possuem con-

junturas completamente divergentes dos países caracterizados como desenvolvidos. Ela repre-

senta o processo pelo qual uma empresa deve percorrer a fim de desenvolver atividades de

inovação e de rotina para, assim, produzir outputs (produtos ou serviços) inovadores. Obvia-

mente, em muitos casos, esses produtos não são de fato novos para o mundo, contudo, mesmo

um processo de imitação é relevante no que diz respeito ao aprendizado tecnológico.

Os fundamentos por trás dessas perguntas e hipóteses se deram a partir de conversas

preliminares tanto com membros do INPE quanto da indústria. Verificou-se que algumas das

empresas possuem dificuldades financeiras e sofrem com peculiaridades do PEB (Programa

Espacial Brasileiro), como intermitência orçamentária, descontinuidade com relação às priori-

dades do Governo Federal etc. Além disso, falhas estratégicas e de gestão podem também

comprometer essas competências adquiridas durante o programa CBERS. Dessa forma, muito

daquilo que é desenvolvido num projeto de alta intensidade tecnológica pode ter seu potencial

significativamente mitigado com a perda ou redução dos ativos tangíveis e intangíveis, tanto

sob o nível individual quanto organizacional.

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Figura 4 Modelo Conceitual da Dissertação elaborado com base em Bell e Figueiredo (2012) e Bell e

Pavitt (1995).

Em suma, as perguntas principais buscam verificar a caixa ressaltada na figura como o

foco da pesquisa (mecanismos de aprendizado – seção 6.4), já as perguntas secundárias discu-

tem um pouco dos fatores externos que podem ter influenciado tal processo, no caso dessa

pesquisa, especial atenção foi dada às dificuldades encontradas com a Lei de licitações (Lei

No. 8.666/1993 – seção 6.6) e no que se refere ao conhecimento organizacional (seção 6.5)

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2.0 Metodologia

2.1 Critério de Escolha das Empresas

O processo de seleção da empresa estudada foi intencional e não randômico. Dessa

forma, selecionou-se uma empresa nacional de médio porte e relativa diversificação de mer-

cado, mas que nos últimos anos vem enfrentando grandes dificuldades financeiras. A Opto

Eletrônica representa um caso de uma empresa nacional spin-off da Universidade de São Pau-

lo de São Carlos, tida como exemplo de sucesso do chamado “acadêmico empreendedor”9.

Entretanto, no final de 2014, a empresa entrou em recuperação judicial e, em 2017, teve seus

ativos de defesa e espaço leiloados para que suas dívidas fossem quitadas10

. A Opto forneceu

a câmera MUX e WFI durante o programa CBERS, além de também fornecer uma câmera

WFI para o satélite AMAZONA-111

. O caso da Opto apresentou grande potencial aos objeti-

vos desse estudo, uma vez que a empresa realizou um notório processo de aquisição de capa-

cidades tecnológicas e, em consequência, inevitavelmente utilizou mecanismos de aprendiza-

do, tendo ampliado suas instalações e construído uma grande equipe de P&D alocada ao pro-

grama. Por conseguinte, ela representa um caso único e idiossincrático, que despertou o inte-

resse e possui grande potencial aos estudos da aquisição de capacidades tecnológicas em eco-

nomias emergentes.

Além disso, esse caso é em algumas medidas qualitativamente semelhante às demais

empresas que participaram do fornecimento de subsistemas e componentes. Portanto, identifi-

cou-se que um estudo qualitativo aprofundado possui relevante potencial de discussão não

somente no que diz respeito ao processo de inovação em empresas do setor, mas também so-

bre a própria política de inovação nacional relacionada ao PEB.

2.2 Operacionalização e Estudo de Campo.

A primeira etapa realizada foi a revisão da literatura, sobretudo aquela voltada à Opto

Eletrônica, à gestão estratégica da inovação na empresa, às políticas industriais voltadas ao

setor aeroespacial e aos programas espaciais internacionais.

9 Por spin-off se compreende a criação de uma organização – no caso uma empresa – a partir de uma organização

‘mãe’ (Universidade). 10

Logo após a conclusão dessa pesquisa noticiou-se que a divisão de defesa e espaço da Opto Eletrônica foi

vendida à AKAER, passando a ser chamada de Opto Space &Defense. 11

O satélite AMAZONIA-1 tem previsão de lançamento para 2018.

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Após a seleção e elaboração dos tópicos de pesquisa e seleção da unidade de análise

descrita acima, elaborou-se a pergunta que fundamentou a hipótese de pesquisa. Tendo-a for-

mulado, seguiu-se para o design de pesquisa, ou estratégia principal para realizar as observa-

ções pretendidas (Singleton, Straits e Straits 1993). À vista disso, foi decidida a realização de

entrevistas junto a indivíduos que tiveram papel proeminente sob o objeto estudado. A opera-

cionalização das entrevistas se deu através da elaboração de protocolos de estudo de caso (Yin

2013) e de questionários que atuaram como guias voltados à identificação das características

do objeto de estudo. As entrevistas foram realizadas na Opto e no INPE nos meses de Abril e

Maio de 2016 e, posteriormente, as validações ocorreram nos meses de Novembro e Dezem-

bro do mesmo ano, também através de entrevistas.

Com relação aos questionários, eles foram baseados na abordagem de Figueiredo

(1999; 2002; 2003). No caso, o autor realizou um estudo qualitativo – com base na chamada

abordagem de capacidades tecnológicas (CTs) (Technological Capabilities Approach, no in-

glês) – destinado à identificação de capacidades em duas empresas siderúrgicas brasileiras,

USIMINAS e CSN. Com isso, Figueiredo identificou os mecanismos de aprendizado presen-

tes e ausentes em cada uma delas e mapeou as CTs de acordo com suas funções e de acordo

com seus respectivos níveis para, assim, identificar as diferentes trajetórias de cada uma das

empresas. No caso dessa pesquisa, foi utilizado o quadro de mecanismos de aprendizado utili-

zado e desenvolvido por Figueiredo (1999) em sua tese como base. Como o presente estudo é

voltado ao estudo de empresas de menor porte e num segmento completamente diferente, ele

teve de ser modificado e adaptado frequentemente ao longo do estudo.

As entrevistas foram em geral realizadas pessoalmente, com sessões posteriores de ví-

deo conferências utilizadas para validação e eventuais esclarecimentos. Inicialmente foram

realizadas duas entrevistas com um diretor da empresa que atuou durante todo o processo de

desenvolvimento da câmera MUX junto ao departamento de P&D. Essa duas entrevistas ser-

viram como pilar para a criação das primeiras tabelas e listagem dos mecanismos identifica-

dos. Posteriormente esses resultados foram validados com esse mesmo indivíduo e conjunta-

mente a outros dois ex-integrantes, um ex-gerente e um ex- engenheiro de uma das áreas de

P&D da empresa. Dessa forma, as entrevistas posteriores serviram como mecanismo de trian-

gulação e validação dos dados, ao mesmo tempo em que as questões relacionadas às pergun-

tas secundárias (desmobilização de pessoal e conhecimento organizacional) foram inseridas,

pois não haviam sido pensadas no início da pesquisa. Como não foi possível acessar dados e

documentos internos da empresa nem entrevistar a maioria dos egressos do departamento de

P&D, não foi possível inserir critérios de ‘importância’ ou ‘intensidade’ de cada mecanismo

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(como feito por Figueiredo em seu estudo). Como eles são relativos e relacionados ao ponto

de vista de cada indivíduo, seriam necessários maiores dados empíricos para poder dotar os

mecanismos dessas observações.

Também foi realizada uma entrevista com o gerente do contrato da câmera MUX do

INPE, a fim de validar alguns pontos levantados, principalmente no tocante à relação entre as

duas organizações e à questão legal (Lei n. 8.666/93). Como não se tratava de um ex ou atual

integrante da empresa, o questionário não foi aplicado.

A dinâmica de cada entrevista consistiu no preenchimento dos mecanismos listados,

nos quais o membro (ou ex-membro) da empresa explicava e detalhava a utilização de cada

um. Na medida do possível tentou-se deixar os entrevistados à vontade para fazer qualquer

observação que achasse importante, principalmente quando relacionados às complicações

enfrentadas durante o projeto e do processo de desmobilização.

Outros materiais utilizados para a pesquisa foram notícias, artigos, estudos e informa-

tivos oficiais, além de conversas e eventos comparecidos, principalmente no INPE. Os even-

tos se relevaram muito importantes, de forma que permitiram observar o comportamento de

membros da indústria e de instituições como INPE e AEB12

.

Após as entrevistas procurou-se, a partir do preenchimento dos quadros e de seu deta-

lhamento, discutir as perguntas e hipóteses prévias levantadas. Obviamente os achados não

podem ser generalizados para toda indústria aeroespacial brasileira.

Os Quadros 3-6 a seguir permitem uma maior compreensão desses mecanismos, onde

são listados aqueles encontrados no estudo de caso realizado (lembrando que eles não são

universais e necessariamente irão variar de acordo com a empresa, seu porte, indústria etc).

12

Num evento voltado ao financiamento de projetos espaciais pela FAPESP, por exemplo, foi interessante notar

o ponto de vista de membros das empresas relacionados às contrapartidas contratuais. Já em outros eventos vol-

tados à inovação, por exemplo, foi interessante ouvir alguns ‘apelos’ desses membros (tanto da indústria quanto

do próprio INPE), sobretudo voltados às necessidades de maiores projetos e contratos estatais no setor.

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1 - Mecanismos de Aquisição Externa de Conhecimento

1A - Consultorias Técnicas voltadas à solução de problemas e complementação de

conhecimento à P&D (ex funcionários de empresas espaciais ou estudiosos reconhe-

cidos de áreas específicas necessárias ao projeto - e.g termo-ótica).

1.B - Consultorias de Gestão: contratação de serviços de consultorias empresarias,

administrativas, tributárias, jurídicas etc.

1.C - Convênios e Parcerias com Universidades: Convênio estabelecido com a USP-

SC em 1994 voltados à pesquisa em nível de mestrado e doutorado, no qual a pesquisa

era realizada nas instalações da Opto e relacionadas aos seus projetos, com bolsas de

estudo fornecidas pela empresa.

1.D - Treinamentos no exterior: capacitação de capital humano através da realização

de cursos específicos em áreas críticas e/ou participação em eventos.

1.E - Treinamentos em território nacional: capacitação de capital humano através da

realização de cursos e treinamentos em território nacional - tanto em áreas técnicas

quando administrativas.

Observação e Captação de Conhecimento

1.F Captação de Conhecimento Codificado (patente, artigos, manuais etc).

1.G Aquisição ou licenciamento de designs, patentes, etc

Interação Com Fornecedores

1.H - Co-desenolvimento de produtos, instalações e equipamentos de teste

1.I - Visitas técnicas

3.J - Intercâmbio de documentação e relatórios

Interação com INPE

1.K - Bancas Examinadoras

1.L - Cursos/ Treinamentos realizados junto ao INPE

1.M - Integração de componentes e sistemas (Opto apenas como consultora pontual)

Quadro 3: Mecanismos de Aquisição Externa de Conhecimento. Fonte: Elaboração própria a

partir da tipologia desenvolvida por Figueiredo (1999; 2002; 2003).

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2 - Mecanismos de Aquisição Interna de Conhecimento

2.A Entre diferentes áreas/departamentos da organização

2.B A partir da ampliação de sua estrutura (e.g criação de sala limpa).

2.C Estudos e projetos de inovação executados em laboratórios de P&D

2.D Envolvimento em design de projeto

2.E Envolvimento nas atividades de rotina e operações de planta

2.F Busca sistemática para ampliação das capacidades tecnológicas

2.G Melhorias através de novas ferramentas de gestão

2.H Desenvolvimento de equipamentos para teste de componentes

Quadro 4: Mecanismos de Aquisição Interna de Conhecimento. Fonte: Elaboração própria a partir

da tipologia desenvolvida por Figueiredo (1999; 2002; 2003).

Quadro 5: Mecanismos de Socialização de Conhecimento. Fonte: Elaboração própria a partir da

tipologia desenvolvida por Figueiredo (1999; 2002; 2003).

4 - Mecanismos de Codificação de Conhecimento

4.A Caderno de projeto

4.B Intranet

4.C Intercâmbio de documentação junto aos fornecedores

4.D Intercâmbio de documentação junto aos INPE

4.E Publicação de artigos e capítulos de livros

4.F Documentação de melhorias técnicas

4.G Documentação de projeto ( como entre as diferentes fases e protótipos da câmera)

4.H Práticas de padronização Quadro 6: Mecanismos de Codificação de Conhecimento. Fonte: Elaboração própria a partir da tipo-

logia desenvolvida por Figueiredo (1999; 2002; 2003).

Essa tipologia, portanto, consiste no núcleo da pesquisa, que através do estudo de caso da

Opto Eletrônica procurou identificar quais mecanismos foram utilizados durante o desenvol-

vimento da câmera MUX, além de tentar identificar em que medida eles continuaram presen-

tes, ou seja, sendo utilizados ao longo dos projetos da empresa após a entrega da câmera

(2014 em diante).

3 - Mecanismos de Socialização de Conhecimento

3.A Treinamentos inhouse

3.B Cursos ministrados inhouse

3.C Reuniões periódicas intra e entre equipes

3.D Reuniões matriciais

3.E Mentorias (e.g entre funcionários experientes e novos ingressantes)

3.F Rotação de equipes de projeto

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A preservação de processos que permitem a produção de conhecimento consiste num

ponto ressaltado por Figueiredo (1999; 2003) – no qual o “desaprendizado” é tão importante

quanto o aprendizado (unlearning x learning). Em outras palavras, a continuidade da utiliza-

ção desses mecanismos serve como indicador igualmente importante, uma vez que a não utili-

zação desses processos impactaria toda a cadeia de inovação da empresa. Esse se tornou um

dos objetivos secundários da pesquisa, que procurou discutir em que medida o conhecimento

desenvolvido pelos mecanismos de aprendizado e pelos indivíduos pode ser mantido pela

empresa após o encerramento de projetos tecnológicos e seus mecanismos atrelados, além da

perda de capital humano carregado de conhecimento.

Assim sendo, quais seriam os principais mecanismos de aprendizado utilizados por

uma empresa intensiva em P&D (e.g Opto Eletrônica) a fim de construir suas capacidades

tecnológicas a fim de cumprir um determinado projeto? Ademais, quais as dificuldades que a

empresa enfrentaria com relação à depreciação de seu capital humano, esquecimento organi-

zacional e na paralização de seus mecanismos de aprendizado? Quais fatores podem ter influ-

enciado seu processo de recuperação judicial? São essas as questões que o estudo de caso pre-

sente na seção 6 busca discutir.

Essa tipologia, portanto, consiste no núcleo da pesquisa, que através do estudo de caso da

Opto Eletrônica procurou identificar quais mecanismos foram utilizados e quais permanece-

ram após o fim do ciclo de desenvolvimento da câmera MUX (2014 em diante).

2.3 Estrutura da Dissertação:

Esta pesquisa está estruturada de acordo com a descrição a seguir. A seção 3 inicial-

mente descreve o que compreende um satélite, o que são satélites de sensoriamento remoto e

suas respectivas cargas úteis e subsistemas. Posteriormente é realizada uma discussão a res-

peito da indústria espacial e dos programas espaciais, tanto a níveis globais bem como nacio-

nais.

A seção 4 apresenta um breve resumo histórico do Progama CBERS.

A seção 5 realiza a discussão conceitual e revisão da literatura. Maior destaque é dado

aos conceitos de capacidades tecnológicas, aprendizado, produtos e sistemas complexos

(CoPS), integração de sistemas e políticas de inovação pelo ‘lado’ da demanda.

Já a seção 6 representa o núcleo da pesquisa realizada – o estudo de caso único da Op-

to Eletrônica voltado à identificação dos mecanismos de aprendizado tecnológico utilizados.

Nele a empresa é descrita a partir de seu histórico e atividades atuais. Duas subseções tratam

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das perguntas secundárias (dispersão do capital humano/conhecimento organizacional e fato-

res externos/internos que podem ter influenciado o projeto da câmera MUX).

Por fim são apresentadas as considerações finais dessa pesquisa, além de algumas

questões que foram levantadas e possíveis temas para futuros estudos

3. A Indústria de Satélites

3.1 Introdução: Essa seção busca contextualizar, definir e discutir alguns aspectos centrais à

indústria de satélites. Dessa forma, são definidos os conceitos de satélites, sensoriamento re-

moto, indústria aeroespacial e espacial. Em seguida são apresentados dados globais referentes

à indústria de satélites, indústria espacial e sua relação com os segmentos de defesa. Ademais

também são apresentados aspectos relativos a programas espaciais internacionais, ao PEB e à

indústria espacial nacional e internacional

3.2. O Que São Satélites? Definições e considerações

Satélites podem definidos como objetos – naturais ou criados pelo homem – que

orbitam um determinado planeta ou estrela. Segundo o dicionário Oxford, um satélite é trata-

do como i) um objeto eletrônico lançado ao espaço que orbita a terra ou outro planeta, sendo

utilizado para comunicações ou provendo informações e ii) corpos celestes que orbitam um

outro de maior massa. Comumente quando se pensa nessa palavra ela já é associada à primei-

ra definição e a imagem que se cristaliza são as dos satélites artificiais lançados pelo homem a

partir do final dos anos 1950. No contexto desse trabalho, obviamente, ele se refere apenas

aos objetos artificiais – principalmente aqueles destinados ao sensoriamento remoto.

O primeiro satélite foi lançado em 1957, o Sputnik, colocado em órbita pela então

União Soviética. Ele possuía 83 kg e 58 cm de diâmetro (era um objeto circular) permane-

cendo três meses em órbita. Desde então, viu-se não somente o volume, mas também a com-

plexidade e capacidade de satélites lançados ao espaço crescer vertiginosamente. O CBERS-4,

por exemplo, pesa cerca de duas toneladas. Já a estação espacial internaional (ISS – Internati-

onal Space Station) possui cerca de 400 toneladas e comprimento superior a 100 metros (NA-

SA 2016)13

. O gráfico abaixo demonstra a evolução do número de lançamentos totais a partir

de 1957.

13

Planta da ISS pode ser visualizada através do endereço: http://www.nasa.gov/feature/facts-and-figures

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Evolução do Lançamento de Satélites (1957 – 2012)

Figura 5 Evolução do Lançamento de Satélites. Fonte: (Celestrak 2016). Obs: muitos satélites podem estar em

órbita sem estarem ativos. Nesses casos ou eles são enviados a uma órbita cemitério ou lentamente decaem em

direção à Terra.

Até outubro de 2016 existiam cerca de 1300~1500 satélites ativos em órbita e 4000

inativos (Celestrak 2016; Weebau Encyclopedia 201614

). Além disso, cerca de três mil já de-

caíram ou foram enviados às orbitas cemitério15

.

Ademais, o horizonte de aplicações estendeu-se muito além da mera comunicação, se-

ja ela por rádio ou TV comumente associada aos satélites (Maini e Agrawal 2011). Diversos

lançamentos vêm ocorrendo com inúmeros objetivos e funções, sejam elas explorações cientí-

ficas dentro do sistema solar, fins militares e de defesa como espionagem, posicionamento,

sensoriamento remoto e observação da terra.

Abaixo se encontra uma tabela listando o número de satélites lançados ou destinados

ao uso em determinado país (alguns deles são lançados por empresas, como a Intelsat). Dessa

maneira, o número não corresponde na sua totalidade a satélites produzidos por um instituto

14

Encontrar dados exatos do número de satélites já lançados e em órbita com precisão é delicado. Há de se res-

saltar que essas fontes aqui utilizadas (Celestrak, Weebau, USCC) não são “oficiais” no sentido de não pertence-

rem a algum instituto ou agência estatal ou multinacional. No entanto, seus dados podem ser utilizados no que se

refere à compreensão da magnitude e distribuição da utilização e lançamento de satélites. Ademais, muitos lan-

çamentos não são divulgados e dotam de caráter de confidencialidade, pois carregam cargas militares, de espio-

nagem ou investigação científica. 15

É uma órbita que se situa significativamente distante de órbitas operacionais, aonde dispositivos espaciais são

enviados no fim de seu ciclo de vida para que não produzam debris ou lixo espacial próximo à Terra.

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ou agência espacial, uma vez que muitos deles são comerciais, como os de telecomunicações

e GPS (Global Position System). Não obstante, os números auxiliam na compreensão e ilus-

tração das capacidades nacionais relativas ao espaço ou ao setor espacial. Em seguida consta a

tabela com os números totais de cargas enviadas por país.

Número total de Satélites Ativos em Órbita (Outubro 2016)

Estados Unidos 549

China 142

Rússia 131

Japão 74

Reino Unido 49

Índia 41

Alemanha 25

França 20

Brasil 10

Israel 11

Tabela 1: Número total de satélites ativos (Outubro 2016) Fonte: (Celestrak 2016; USCC 2016; Weebau

Encyclopedia 2016). Obs: números são aproximados. Ver N.R 2

Número Total de Lançamentos (Payloads)16

(Outubro 2016)

Rússia 3492

Estados Unidos 2233

China 283

Japão 203

Brasil 17

Tabela 2: Número total de lançamentos (payloads) (Outubro 2016). Fonte: (Celestrak 2016; USCC 2016;

Weebau Encyclopedia 2016). Obs: números são aproximados.

Quanto às órbitas percorridas por um satélite em relação à Terra (geocêntricas), elas

podem ser basicamente divididas em três tipos. A Órbita baixa (LOW – Low Earth Orbit) até

2000 km, as órbitas médias (MEO – Medium Earth Orbit), entre 2000 e 35000 km, geosin-

crônicas (GEO – Geosynchronous orbit) com altitude aproximada de 36000 km e órbitas altas

(HEO – High Earth Orbit) com distâncias superiores a 36000 km.

16

Se refere a qualquer tipo de carga que atingiu órbita espacial.

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Segundo Souza (2005), órbitas baixas são apropriadas para explorações científicas e

para a observação da Terra – que podem ainda ser do tipo equatorial, inclinadas entre o equa-

dor e os polos ou do tipo polar. Também é nela (LOW) aonde a Estação Espacial Internacio-

nal (ISS) se localiza. Com relação às médias, elas abrigam, em maior medida, satélites de na-

vegação e comunicação. Já á órbita geosincrônica também abriga satélites do mesmo tipo da

anterior. Sua peculiaridade está em sua área de cobertura, uma vez que o satélite retorna exa-

tamente ao mesmo ponto após completar um dia de órbita (uma revolução a cada 24 horas).

Nesse caso o período orbital do satélite é o mesmo que a Terra leva para completar uma rota-

ção sobre seu eixo (Maini e Agrawal 2011)17

. Já a do tipo alta, em geral, abriga satélites de

exploração científica.

A imagem abaixo representa a faixa de cobertura de um satélite de sensoriamento re-

moto, no caso, o CBERS-2.

Figura 6: Representação da Órbia de um Satélite

(CBERS-2) .Fonte:(INPE)

17

Existe um tipo especial dessa órbita, a geoestacionária (geosincrônica com inclinação zero), em que a sua

órbita está diretamente sobre o Equador e, portanto, o satélite aparenta estar parado se observado a partir da terra

(NASA 2001). Popularmente um termo pode ser utilizado ao invés do outro, e vice-versa, mesmo que não cor-

respondam exatamente ao mesmo tipo de órbita. O termo geoestacionário, entretanto, aparenta ser o mais co-

mum. Ademais, pode se considerar a órbita geoestacionária como uma órbita alta, no entanto com uma altitude

específica a fim de manter as velocidades orbitais e de rotação (Souza 2005). O Brasil vem desenvolvendo um

satélite geoestacionário, destinado ao fornecimento de comunicações tanto para a sociedade civil quanto para

fins militares. Espera-se, por exemplo, que com ele áreas isoladas possam vir a ter acesso à conexões de internet

de banda larga. A princípio o satélite brasileiro será lançado em 2017.

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lém disso, satélites são frequentemente classificados de acordo com sua massa, como

apresentado pela tabela abaixo18

.

Classificação Massa (em kg)

Large Satellite Mais que 1000

Medium Satellite Entre 500 e 1000

Mini Satellite Entre 100 e 500

Micro Satellite Entre 10 e 100

Nano Satellite Entre 1 e 10

Pico Satellite Entre 0,1 e 1

Tabela 3 Classificação de Satélites por peso. Fonte: (Konecny 2004)

Outro aspecto relevante no tocante aos satélites relaciona-se aos veículos lançadores

(VL ou launch veichle) que constituem o único meio de se atingir o espaço até hoje desenvol-

vido19

. Como as capacidades técnicas e científicas para desenvolvê-los são inerentemente

duais, ou seja, construindo-se um veículo lançador também se constrói mísseis de longo al-

cance (que por sua vez podem conter ogivas nucleares), países tendem a proteger, restringir

ou até mesmo impedir que outras nações adquiram tais capacidades.

Segundo a OCDE (2014), apenas oito países conjuntamente à agência multinacional

europeia (ESA – European Space Agency) possuem essas capacidades, sendo eles Estados

Unidos, Rússia, Ucrânia, China, Japão, Índia, Irã e Israel20

. Geralmente veículos lançadores

possuem de um a três estágios, em que cada um fornece propulsão a fim de se atingir veloci-

dades orbitais. Para atingir uma órbita terrestre, um satélite deve atingir velocidade maior que

7.9 km/s e uma altitude superior a 150 km. Dessa maneira, o processo de lançamento de um

satélite pode vir a ser delicado e carregado de decisões geopolíticas no tocante à escolha de

um determinado veículo e, obviamente, nações/organizações que não possuem tais capacida-

des são forçadas a contratar esse serviço. Naturalmente não se pretende defender que países

que possuam programas espaciais devam desenvolver veículos lançadores – um processo ex-

18

Nano satélites vêm mostrando ser um dos principais drivers da “revolução” da indústria espacial, tornando-os

cada vez mais baratos e acessíveis. (Ver Apêndice 3). Um trabalho de mestrado foi recentemente realizado junto

ao Departamento de Política Científica e Tecnológica referente aos nano satélites (Antunes 2017) a ser publicado

ainda em 2017. 19

Métodos alternativos estão sendo desenvolvidos, como o lançamento de satélites a partir de aeronaves em alta

velocidade. 20

Outros países estão desenvolvendo veículos lançadores, como Brasil, Coréia do Sul, Taiwan, entre outros.

Aparentemente a Coréia do Norte colocou um satélite em órbita, contudo, não se sabe se ele conseguiu entrar em

atividade.

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tremamente complexo e custoso. Todavia é necessário discutir esse assunto, uma vez que ati-

vidades espaciais tornaram-se imprescindíveis e paulatinamente tanto os custos quanto o hori-

zonte de atuação de instrumentos humanos vem aumentando. No caso do programa CBERS,

todos os lançamentos foram executados pela China.

3.2.1 Satélites de Sensoriamento Remoto

O sensoriamento remoto pode ser definido como a observação de um objeto ou local

sem estar fisicamente presente na área observada. Aplicações destinadas a esses usos são fre-

quentes. As aplicações militares de sensoriamento remoto no início do século XX, por exem-

plo, consistiam no uso de balões ou dirigíveis, todavia, o termo utilizado era “fotografia aé-

rea”. O pós-guerra foi um ponto de inflexão, em que o sensoriamento passou dos aviões ao

espaço. O famoso caso da derrubada do avião de reconhecimento americano U-2 em 1960,

por exemplo, evidenciou a impossibilidade de continuar esse processo a partir de aeronaves.

O primeiro projeto americano de satélites, o CORONA, foi justamente dedicado ao sensoria-

mento remoto. Ele durou de 1957 a 1972. O programa foi desclassificado (não foi mais consi-

derado como confidencial) e teve suas imagens divulgadas apenas em 199221

.

Assim sendo, pode-se definir satélites de sensoriamento remoto como um instrumento

colocado em órbita no espaço destinado à observação de um determinado corpo celeste e o

que nele se encontra – no caso dessa dissertação - a Terra22

.

Pode-se afirmar que na atualidade tornou-se imprescindível não somente ao Estado

possuir capacidades e instrumentos dedicados ao sensoriamento remoto, mas também a gran-

de parte da sociedade civil. Fotografias e imagens captadas por satélites são constantemente

utilizadas para o monitoramento de queimadas, áreas de conservação ambiental (como Mata

Atlântica e Amazônia), nascentes d´água e recursos hídricos, previsões meteorológicas etc.

21

Esse processo de divulgação de suas imagens ilustra um interessante processo de convergência entre ciência

“aberta” e “fechada”, pois suas imagens vêm sendo utilizadas constantemente para estudos em diversas áreas,

como arqueologia e história (Cloud 2001). Para acessar os arquivos desclassificados e a história do programa

CORONA ver (Rufner 2005) disponível em:< https://www.cia.gov/library/center-for-the-study-of-

intelligence/csi-publications/books-and-monographs/corona.pdf> 22

Algumas definições de sensoriamento remoto na literatura são apresentadas a seguir:

"Photogrammetry and Remote Sensing are the art, science and technology of obtaining reliable information

about physical objects and the environment, through a process of recording, measuring and interpreting image-

ry and digital representations of energy patterns derived from noncontact sensor systems" (Colwell, 1997, p. 3,

apud Covey 1999).

"Remote sensing may be broadly defined as the collection of information about an object without being in physi-

cal contact with the object. Aircraft and satellites are the common platforms from which remote sensing observa-

tions are made. The term remote sensing is restricted to methods that employ electromagnetic energy as the

means of detecting and measuring target characteristics" (Sabins, 1978, p.1, apud Covey 1999).

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No caso brasileiro, satélites desse tipo vêm sendo usados desde as décadas de 1970-80.

As imagens eram coletadas por satélites comerciais, como de consórcios multinacionais como

Intelsat. Já em 1999, a partir do programa CBERS em parceria com a China, foi lançado o

primeiro satélite dedicado a tais funções, o CBERS 1. As fotos abaixo providas pelo INPE

correspondem ao CBERS-4

Figura 7: Satélite CBERS-4 (1). Fonte: (INPE)

Figura 8: Satélite CBERS-4 (2). Fonte: (INPE)

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3.2.2 Subsistemas e Cargas Úteis

Tendo introduzido brevemente a definição e apresentado alguns aspectos dos satélites,

torna-se necessário apresentar alguns de seus aspectos técnicos. Independentemente de sua

missão ou aplicação, um satélite sempre irá possuir um módulo de serviço ou plataforma e um

módulo de cargas úteis (Maini e Agrawal 2011). Já Souza (2005) define um satélite como

uma das três partes que compreendem uma missão espacial – as demais seriam os segmentos

de solo (e.g estações de recepção) e lançamento.

Independentemente de sua missão, um satélite, via de regra, possui os seguintes sub-

sistemas em sua plataforma (seriam todos os equipamentos necessários ao seu funcionamen-

to) (Mariani e Agrawal 2011 p. 127-128, Souza 2005 p. 4-5) (As definições também são base-

adas nos referidos autores).

Plataforma

i) Estrutura mecânica: Quadro que fornece suporte mecânico e de movimento,

permite que outros subsistemas sejam acoplados e também possui a interface

entre o satélite e o veículo lançador. Deve também oferecer proteções contra

radiação, variação de temperatura e vibrações.

ii) Sistemas de propulsão: Providencia o empuxo para que o satélite atinja a ve-

locidade necessária e execute manobras durante todo o ciclo de vida do satéli-

te, como as de transferência de órbita e controle de altitude.

iii) Controle de temperatura: Permite que o satélite permaneça em temperaturas

operacionais, além de distribuir a temperatura ao longo do satélite, que é es-

sencial à sua estabilidade e alinhamento.

iv) Suprimento de energia: Fornece toda energia necessária ao funcionamento

dos equipamentos através da conversão da luz solar captada pelos painéis em

corrente elétrica.

v) Telemetria, tracking e comando (TT&C) ou Telecomunicação de serviço:

Telemetria captura informação referente ao funcionamento e acompanhamento

do satélite, a codifica e transmite às estações de solo. Tracking se refere à de-

terminação da posição do satélite, velocidade e ângulo de viagem.

vi) Controle de altitude e órbita: Possui função de manter a devida altitude para

que o satélite não se perca no espaço e possua sua antena apontada para a terra.

Também controla a órbita para que o satélite percorra seu “caminho” desejado.

vii) Antena: Recebe e transmite sinais das estações de solo.

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Cargas Úteis

As cargas úteis compreendem os subsistemas e equipamentos especificamente desti-

nados ao cumprimento da missão do satélite (Souza 2005). A lista e as descrições a seguir

estão disponibilizadas no site institucional do INPE23

e correspondem aos subsistemas presen-

tes nos satélites CBERS-3 e 4 embarcados a fim de cumprir seus objetivos.

i) Câmera MUX (Câmera Multiespectral): Tem como objetivo assegurar o co-

brimento global pelo CBERS numa determinada resolução a cada 26 dias. Pos-

sui resolução de 20m e largura de faixa imageada de 120 km. Sua função é de

permitir a continuidade do fornecimento das imagens realizadas pelos satélites

anteriores (INPE 2016).

ii) Câmera WFI (Wide Field Imager): É a câmera voltada às aplicações de mo-

nitoramento e vigilância, visto que ela pode executar uma revisita a cada 5 dias

em virtude de sua largura de faixa imageada (866km), possuindo resolução de

64m. Geralmente ela atua como um complemento às outras câmeras embarca-

das no satélite (INPE 2016).

iii) Câmera Pan (Pancromática): A câmera PAN corresponde a um imageador

multiespectral pancromático, com largura de faixa imageada de 60 km e reso-

lução de 5m. Apesar de possuir uma faixa de imageamento relativamente es-

treita, ela é a câmera que possui a maior resolução do satélite Como o ciclo or-

bital do CBERS é de 26 dias, ela é dotada de espelhos laterais para cobrir fai-

xas adjacentes, de forma que ela cobre todo o equador a partir de dois ciclos de

26 dias. Sua principal função é o fornecimento de imagens de alta resolução

necessárias a estudos detalhados (INPE 2016).

iv) Câmera IRS (Imageador Multiespectral e Termal): é um sistema de varre-

dura mecânica (utiliza espelhos externos para varredura do terreno). Possui re-

solução de 40m e largura de faixa de 120 km (INPE 2016)

v) Transmissor de dados de imagem: Subsistema que realiza o envio dos dados

contendo as imagens coletadas pelas câmeras dos satélites. No Caso do

CBERS-3 e 4, o satélite conta com dois transmissores, um para as câmeras

MUX e WFI e outro para as câmeras PAN e IRS (INPE 2016)

vi) Gravador de dados digitais (DDR – Digital Data Recorder): Subsistema que

realiza o armazenamento das imagens coletadas por todas as câmeras acopla-

das ao satélite

vii) Sistema de coleta de dados (DCS – Data Collection System): Subsistema

destinado à coleta e transmissão dos dados ambientais fornecidos por sensores

e plataformas localizados na Terra - DSP (Data Collection Platform)

viii) Monitor de ambiente espacial (SEM - Space Enviroment Monitor): subsis-

tema que detecta a radiação solar em diferentes intervalos de energia e radia-

ção.

23

Disponível em: <http://www.cbers.inpe.br/sobre_satelite/cameras_imageadoras_cbers3e4.php>

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43

As figuras 9 e 10 a seguir demonstram os subsistemas do satélite CBERS-3 e 424

. Aqueles em

verde correspondem aos fornecidos pelo Brasil, já os vermelhos pela China (a divisão de ati-

vidades foi de 50% para cada país). Já o Quadro 3 lista cada subsistema tanto na carga útil

quanto no módulo de serviço. Por fim, a Figura 11 apresenta cada subsistema do satélite de

acordo com país e a empresa desenvolvedora.

Figura 9: Subsistemas do Satélite CBERS-3 e 4 por País (1). Fonte (INPE)

Figura 10: Subsistemas dos Satélites CBERS-3 e 4 por Páis (2). Fonte (INPE)

24

As figuras podem ser acessadas através do respectivo endereço: <

http://www.cbers.inpe.br/sobre_satelite/participacao_nacional3e4.php >

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Módulo de Serviço

Estrutura Brasil

Controle Térmico China

Controle de Órbita e de Altitude China

Suprimento de Energia Brasil

Supervisão de Bordo China

Telecomunicação de Serviço Brasil/China

Quadro 7: Subsistemas do Módulo de Serviço dos Satélites CBERS-3 e 4

Módulo de Carga Útil

Câmera IRS China

Câmera PAN China

Câmera MUX Brasil

Câmera WFI Brasil

Transmissor de dados câmeras IRS e PAN China

Transmissor de dados câmeras MUX e WFI Brasil

Gravação de Dados Digitais Brasil

Sistema de Coleta de Dados Ambientais Brasil

Monitor de Ambiente Espacial China

Quadro 8: Subsistemas da Carga Útil dos Satélites CBERS-3 e 4

Figura 11: Subsistemas Fornecidos aos Satélites CBERS-3 e 4 por País e Organização Fornecedora. Fonte:

(INPE; Chagas Jr 2010).

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Figura 12: Representação das Câmeras embarcadas nos Satélites CBERS-

3 e 4. Fonte: (INPE; CAST)25

3.2.2 CBER-4 e a Complexidade de um Satélite

O objetivo dessa subseção é de descrever o satélite CBERS-4 e expor como o processo

de sensoriamento ocorre, demonstrando a complexidade técnica e as interações e interdepen-

dências de alguns de seus subsistemas26

.

No caso do CBERS-4, ele possui uma órbita do tipo heliossíncrona27

, de forma que ele

sempre cruza a linha do equador às 10:30 a.m (INPE)28

. O satélite possui altitude de 778 km,

inclinação de 98,504 graus, ciclo de 26 dias e aproximadamente 14 revoluções por dia. Essas

características de sua órbita são fundamentais ao imageamento, consistência e qualidade das

informações processadas, de forma que os objetos observados possam ser comparados.

25

Imagem pode ser acessada através do seguinte endereço: <

https://directory.eoportal.org/web/eoportal/satellite-missions/c-missions/cbers-3-4 > 26

Essa seção foi escrita pelo autor a partir de conversas e anotações realizadas durante eventos e encontros no

INPE. Qualquer crítica ou correção relacionada a erros técnicos serão muito bem vindas. 27

Órbita geocêntrica de baixa altitude (LEO) que combina sua altitude e inclinação para que o satélite passe

sobre um determinado local da Terra sempre no mesmo horário. Dessa forma, o satélite possui condições está-

veis de iluminação, contraste e presença de nuvens, sendo muito utilizada em satélites de sensoriamento remoto

e reconhecimento militar. Maini e Agrawal (2011, p. 69) a definem como: “A sun-synchronous orbit, also known

as a helio-synchronous orbit, is one that lies in a plane that maintains a fixed angle with respect to the Earth–

sun direction. In other words, the orbital plane has a fixed orientation with respect to the Earth–sun direction

and the angle between the orbital plane and the Earth–sun line remains constant throughout the year (…) Satel-

lites in sun-synchronous orbits are particularly suited to applications like passive remote sensing, meteorologi-

cal, military reconnaissance and atmospheric studie..” 28

Para maiores informações ver: <http://www.cbers.inpe.br/sobre_satelite/orbita_cbers3e4.php>

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46

Figura 13 - Imagem produzida pela câmera MUX (RJ - Rio de Janeiro)

Mesmo podendo se considerar as imagens providas pelo satélite CBERS como “foto-

grafias aéreas” elas não são, stricto sensu, uma foto. Como demonstrado a partir da literatura,

sensoriamento remoto prescinde da utilização de instrumentos que detectam energia eletro-

magnética dos objetos observados. Destarte, como essas imagens são produzidas e enviadas

às estações de recepção e, posteriormente, aos milhares de usuários que delas dependem?

As câmeras inseridas num satélite não captam as imagens a as inserem num filme –

como as câmeras comuns – elas são, de certa forma, sensores29

. Tais câmeras conseguem cap-

tar as ondas eletromagnéticas tanto presentes quanto ausentes do espectro visível – ou seja –

podem captar espectros que compreendem as ondas transmitidas em forma de raios ultraviole-

ta e infravermelho. Tais aspectos são importantes, pois além de simplesmente “mapear” ou

“fotografar” uma área, essas ondas captadas fornecem dados e características sobre o objeto

em questão. Vegetações, por exemplo, refletem grande quantidade de luz sob o espectro in-

fravermelho. Determinados elementos presentes também irão alterar o tipo de ondas a serem

refletidas. Assim sendo, sensores remotos ou imageadores propiciam uma vasta gama de apli-

cações, muito além do simples monitoramento.

29

Sensores utilizados no sensoriamento remoto são divididos entre ativos e passivos. Sensores ativos provêm sua

própria energia (radiação eletromagnética) para iluminar objetos ou cenas que observam. Eles emitem um pulso

de energia a partir e recebem a radiação refletida desse objeto. Já os sensores passivos detectam a energia natural

refletida dos objetos e cenas observadas. Câmeras fotográficas, por exemplo, atuam tanto como sensores passi-

vos quanto ativos (a partir de seu flash).

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47

Destarte, essa radiação solar refletida e captada pelos sensores precisa ser convertida

numa imagem. Diga-se que uma determinada câmera captura numa cena uma cobertura de

120 km quadrados. Essa cena será dividida em pequenos quadrados (ou pixels) em linhas e

colunas de resolução de 20 m – cada uma delas contendo informações a respeito da intensida-

de da luz detectada (em diferentes espectros). Essa cena, dessa forma, é convertida numa ima-

gem digital. Essa imagem digital é composta por números que compõe cada píxel, delimitan-

do as cores, brilho etc. Isso por sua vez, é convertido e num sinal elétrico que é formatado,

passando por outros subsistemas como TT&C (Telemetry, Teletrackig and Command) e ante-

nas. Esse pacote formatado de informação é enviado às estações de transmissão, que irão pro-

cessá-las e, se necessário, corrigir as aspectos referentes ao brilho ou coordenadas. Por fim, as

imagens são distribuídas em plataformas online, aonde seus usuários podem baixa-las e utili-

zá-las através de diversos softwares (alguns são de acesso livre).

Obviamente o processo de imageamento por satélites não é tão simples, passando por

inúmeros outros componentes até mesmo em cada uma das câmeras. Não obstante, essa pe-

quena descrição auxilia a compreender não somente a complexidade do processo, mas da in-

terdependência do sistema. Elementos como temperatura, rotação, vibração, entre outros, irão

diretamente influenciar as imagens captadas. Dessa maneira, o grau de confiabilidade de cada

subsistema deve ser significativamente elevado, tanto isoladamente quanto em conjunto, afi-

nal, manutenções no espaço são impossíveis.

É fundamental discorrer sobre essa complexidade de um satélite, uma vez que as capaci-

dades ou competências de integração de sistemas, ou seja, da montagem de todos os seus

componentes e subsistemas que o formam é igualmente complexa.

3.3 A Indústria Espacial e a Indústria de Satélites.

Como ao longo dessa dissertação os termos indústria aeroespacial e, principalmente,

indústria espacial e de satélites serão frequentemente utilizados, torna-se relevante defini-los e

diferenciá-los. Tanto os termos “indústria/setor espacial” como “indústria/setor aeroespacial”

são frequentemente utilizados na literatura e, em muitas vezes, referem-se às mesmas ativida-

des.

Nessa dissertação será usada a terminologia de indústria aeroespacial de aqui em di-

ante quando nos referirmos à indústria/setor destinada à manufatura de tanto aeronaves quanto

cargas destinadas ao espaço e aplicações associadas. Dessa maneira, ela compreende todos os

artefatos, componentes e sistemas atrelados aos seus produtos e serviços (como aeronaves,

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48

helicópteros, satélites, veículos lançadores, simuladores de voo etc.).30

Já indústria espacial

faz referência somente a uma parte da indústria aeroespacial, ou seja, todo o setor que corres-

ponde às atividades relacionadas à exploração do espaço sideral, bem como a utilização de

aplicações e artefatos nele situados ou serviços diretamente relacionados e dependentes.

Por fim, indústria de satélites compreende a uma parte da indústria espacial, sendo ela

composta apenas pelas atividades relacionadas a tais produtos. Ela é tradicionalmente dividida

em quatro segmentos: veículos lançadores; manufatura de satélites; serviços de satélites e

equipamentos de solo (SIA - Satellite Industry Association 2016).

Dessa maneira, política espacial pode ser compreendida como as ações de instituições

públicas que buscam influenciar o processo de desenvolvimento de um programa de acesso e

exploração do espaço – tanto civil como militarmente. Invariavelmente, portanto, uma política

espacial está atrelada a uma política industrial – uma vez que a presença de empresas fornece-

doras e integradoras de produtos torna-se essencial ao desenvolvimento de artefatos e produ-

tos espaciais31

. O desenvolvimento de um programa, por sua vez, naturalmente prescindirá de

um desenvolvimento industrial, criação de capital humano e, sobretudo, da capacitação tecno-

lógica do setor.

3.4– Programas Espaciais Globais

Quanto aos atuais cenários dos programas espaciais globais, eles ainda refletem, de

certa forma, a estrutura criada a partir da guerra fria. Com exceção da entrada de alguns novos

atores, como China e Índia, o setor aeroespacial ainda é dominado pelos EUA, Rússia e EU

(sustentados principalmente por França, Reino Unido, Alemanha e Itália32

). Os gráficos abai-

xo foram retirados do relatório da OCDE de 2014 – Space Economy at a Glance e, no caso,

mostram claramente a maciça diferença em termos orçamentários entre as diferentes nações

possuidoras de programas espaciais.

30

Para uma lista dos produtos segundo a classificação da OMC ver: <http://www.trademap.org/Index.aspx>

(código 88 em diante). No tocante ao estudo da indústria aeroespacial brasileira, vale ressaltar que é necessário

cuidado com a utilização de seus dados agregados, pois a maior parte das transações efetuadas está inserida nu-

ma cadeia de valor governada principalmente pela EMBRAER. 31

Existem países que possuem satélites ou aplicações relacionadas sem, necessariamente, ter capacidades endó-

genas (os adquirem a partir de fornecedores estrangeiros). Entretanto, trona-se delicado dizer que tais países

possuem um programa espacial, posto que desenvolver competências autônomas não é um de seus objetivos.

Adicionalmente, países que possuem grandes empreendimentos militares podem, em alguma medida, possuir

capacidades espaciais, geralmente a partir do momento que passam a construir mísseis de longo alcance. 32

A Agência Espacial Europeia (ESA) funciona com base no princípio do justo retorno – ou juste retour – como

denominado pela organização. Resumidamente ele estipula que os contratos sejam proporcionalmente distribuí-

dos entre as nações com base em suas contribuições ao financiamento da agência. “ESA largely (and historical-

ly) operates on the principle of 'juste retour': the principle that the proportion of contracts under a particular

programme awarded to firms from a given country is in proportion to the funding that country has contributed to

the programme.” (Inglaterra – House of Commons 2016) .

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49

As figuras a seguir listam, respectivamente, os orçamentos totais em milhões de dóla-

res dos programas espaciais de cada país e em relação ao PIB.

Os gráficos demonstram o ainda predomínio dos agentes tradicionais da corrida espa-

cial, como Rússia, Estados Unidos e França. Dentre os países emergentes há de se destacar a

Índia, que vem desenvolvendo significativamente seu programa espacial nos últimos anos.

Todavia, os Estados Unidos se destacam, uma vez que investem quase 40 bilhões de dólares,

cerca de seis vezes mais do que o segundo maior orçamento de 6 bilhões de dólares da China.

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50

Figura 14 Orçamentos dos programas espaciais globais. Fonte: (OCDE 2014). As siglas dos países estão

disponíveis no link a seguir: < http://www.worldatlas.com/aatlas/ctycodes.htm>

39 332

6 111

5 265

3 597

2 713

1 687

1 223

1 159

474

367

318

273

271

197

183

162

140

134

121

100

80

65

59

52

50

46

41

35

27

26

26

21

17

10

5

4

3

2

USA

CHN

RUS

JPN

FRA

DEU

ITA

IND

CAN

GBR

KOR

ESP

BEL

CHE

BRA

SWE

ARG

NOR

NLD

ISR

AUT

FIN

TUR

DNK

IDN

POL

ZAF

AUS

IRL

GRC

PRT

LUX

CZE

MEX

HUN

EST

SVK

SVN

Orçamentos de Programas Espaciais - em milhões de sólares (2013)

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51

Figura 15 Programas espaciais em porcentagem do PIB. Fonte (OCDE 2014)

Já o Brasil investe somente 0,008% em relação ao PIB (183 milhões de dólares

em 2013). Claramente os dados revelam um “descompasso” do orçamento espacial bra-

sileiro em relação aos seus objetivos de realizar uma missão espacial completa e de lan-

çar, num período de nove anos, nove satélites (AEB 2012 - PNAE 2012-2020). Inde-

pendentemente de se discutir as prioridades orçamentárias brasileiras, seus investimen-

tos espaciais não condizem às suas ambições, principalmente se compararmos às demais

nações de industrialização tardia que desenvolveram seus programas espaciais como

Índia, China, e Coréia do Sul).

3.5 Atores Espaciais

Frequentemente países como China, Índia e Brasil são denominados agentes es-

paciais emergentes. Cada programa espacial nacional está relacionado a todo um pro-

cesso histórico e permeado por considerações políticas, econômicas e de segurança na-

cional. A seguir é realizada uma breve descrição do programa chinês e indiano, seguido

do brasileiro. O Apêndice 2 apresenta uma revisão literária a respeito do desenvolvi-

mento histórico do PEB, de suas bases institucionais até o início do programa CBERS.

00

,10

,20

,30

,4

RU

S

US

A

FR

A

JPN

CH

N

IND

ITA

BE

L

DE

U

ISR

LU

X

CH

E

SW

E

AR

G

NO

R

CA

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FIN

KO

R

ES

P

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T

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T

DN

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D

GB

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IRL

PR

T

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F

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L

CZ

E

BR

A

TU

R

IDN

Pro

gra

ma

Esp

aci

al

em P

orc

enta

gem

do

PIB

2013 2008

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52

3.5.1 O Programa Espacial Chinês

Segundo Harding (2013), o programa espacial chinês sempre esteve influenciado

por aspectos políticos e de segurança nacional. Nos últimos anos, no entanto, suas prio-

ridades quanto ao desenvolvimento socioeconômico vêm ganhando maior destaque. A

China é o único país em desenvolvimento que possui um programa espacial dotado de

todas as capacidades espaciais (Harding 2013). Essas capacidades podem ser divididas

em: design de satélites, serviços de lançamento comercial e militar, envio de seres hu-

manos ao espaço e exploração do espaço exterior (ou espaço sideral).

Ainda segundo o mesmo autor, o desenvolvimento do programa espacial Chinês

pode ser dividido em três fases. A primeira é caracterizada como um período de apren-

dizado, na qual a União Soviética teve um papel fundamental a partir da transferência

tecnológica. A segunda fase é marcada pelo distanciamento soviético, que fez com que

a China tivesse que assumir comando total de seu programa sem ajuda exterior. Esse

período foi marcado por um grande número de avanços, porém retardados com a revo-

lução cultural (para a sorte da China a comunidade científica espacial foi relativamente

intocada)33

(Harding 2013). Por fim, a terceira fase foi marcada pela decisão de alterar

parte do caráter de seu programa espacial, aumentando as considerações e aplicações

civis, além de procurar se reaproximar mais com a comunidade internacional. Com essa

mudança de paradigma foi criada a Great Wall Industry Corporation (GWIC), fundada

33

Um interessante exemplo de como recursos humanos foram imprescindíveis no desenvolvimento de

programas espaciais (assim como na criação de armas de destruição em massa) é o da chamada Operação

Paperclip americana, um programa do Pós-Guerra destinado a levar cientistas alemães (cerca de 1500 no

total) a trabalhar para os Estados Unidos a partir de contratos militares secretos (Jacobsen 2014). Segundo

a autora, tais cientistas, no entanto, não eram quaisquer membros do partido nazista. Alguns haviam sido

membros dos esquadrões paramilitares nazistas (SA e SS), outros foram réus nos julgamentos de Nurem-

berg e de Dachau por crimes de guerra (como experimentação humana em campos de concentração), já

outros eram próximos de figuras centrais do regime como Hiimmler (comandante das SS) e Göring (Co-

mandante Força Aérea). O Trabalho de Annie Jacobsen (2014) retrata como a contribuição desses cientis-

tas ao regime nazista foi ignorada e acobertada a fim de desenvolver tecnologias críticas durante a Guerra

Fria (como os mísseis que levaram a missão Apolo à lua, armas químicas como bombas de gás sarin,

entre outras). Albert Einstein e diversos outros cientistas que deixaram a Alemanha logo após a ascensão

do partido nazista até fizeram um apelo ao então presidente Truman para cancelar a Operação. Segundo

Jacobsen (2014, p. 230) no Bulletin of the Atomic Scientists dois cientistas alemães (Hans Behe e Henri

Sack) perguntaram ao então presidente: “Was it wise, or even compatible with our moral standards to

make this bargain, in light of the fact that many of the Germans, probably the majority, were die-hard

Nazis […] Had the war been fought to allow Nazi ideology to creep into our educational and scientific

institutions by the back door? […] Do we want science at any price?”. Com relação à Operação Paperclip

ver: (Jacobsen 2014; Clarence1975).

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53

em 1980, e autorizada pelo governo chinês a competir no mercado global de lançamen-

tos de cargas ao espaço34

.

Observa-se que o vertiginoso desenvolvimento das capacidades espaciais por

parte da China é notável, sendo capaz de competir com os principais atores globais,

mesmo partindo de uma posição inferior. Além disso, ela faz parte de um grupo seleto

de países detentores de mísseis antissatélite e capaz de colocar uma espaçonave em ór-

bita lunar.

Em seu estudo, Harding coloca tanto Brasil, quanto China e Índia no mesmo pa-

tamar - no primeiro escalão dos atores emergentes. Entretanto, é difícil sustentar a posi-

ção de que o programa brasileiro esteja lado a lado dos demais. Tanto a China quanto a

Índia possuem veículos lançadores próprios, realizam expedições científicas e possuem

constelações próprias de satélite35

, diferentemente do Brasil, que possui apenas alguns

satélites.

3.5.2 Programa Espacial Indiano

O programa indiano desenvolveu-se significativamente e, de certa forma, é

comparável ao chinês (com exceção de voos humanos e da construção de uma estação

espacial). Segundo Harding, desde o começo a Índia priorizou aplicações civis, colo-

cando o desenvolvimento científico em primeiro lugar. Mesmo assim, as suas aplica-

ções espaciais servem, ao mesmo tempo, para monitorar países vizinhos, especialmente

Paquistão e China (ambos países possuem armas nucleares).

Com sua derrota na Guerra Sino-Indiana e o desenvolvimento de armas nuclea-

res por parte da China, foi criado o Comitê Nacional para Pesquisa Espacial, que cons-

truiu as bases de todo programa indiano. Em 1969, foi criada a Organização para Pes-

quisa Espacial indiana (ISRO – Indian Space Research Organization) que sempre focou

no desenvolvimento de aplicações civis. Já em 1975 foi produzido seu primeiro satélite

e em 1974 testou com sucesso sua primeira arma nuclear (chamada de Buddha Sorri-

dente). Em 1980 foi lançado (pela ESA) seu primeiro satélite geoestacionário e os pri-

34

Segundo Harding (2013) de 1987 a 2010 a China realizou mais de 30 lançamentos comerciais de satéli-

tes internacionais, com um preço médio de 4 milhões de dólares por lançamento, um custo 60% menor do

que um lançamento realizado pela Agência Espacial Europeia (ESA). 35

O satélite indiano Mangalyaan foi lançado com sucesso e entrou na órbita de Marte em 2014. Com isso,

a Índia tornou-se o primeiro país a entrar na órbita marciana com sucesso em sua primeira tentativa. O

custo total dessa missão foi de apensas 74 mihões de dóalres. A missão americana MAVEN, por outro

lado, custou 671 milhões. Obviamente a complexidade da missão indiana é menor, mesmo assim a capa-

cidade de efetuá-la com baixo custo é notável, custando menos que alguns filmes de Hollywood, como

Gravidade, de ficção científica, que custou 100 milhões de dólares.

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54

meiros voos bem sucedidos de seus veículos lançadores e em 1982 a Índia iniciou o

lançamento de sua constelação de satélites de comunicação e GPS. Em 2008 foram lan-

çados com sucesso sondas lunares e em 2009 foi aprovado um projeto voltado a realiza-

ção de voos humanos – muito em resposta do programa chinês (Harding 2013). Recen-

temente, em Fevereiro de 2017, a Índia lançou 104 nano satélites de uma única vez,

passando a maior marca de até então (37 satélites lançados pela Rússia, em 2014)

Observa-se que tanto a Índia quanto a China atingiram alguns marcos há algu-

mas décadas (realização de lançamentos, construção endógena de satélites de sensoria-

mento remoto, comunicação, geoestacionários etc), enquanto o Brasil ainda procura

alcançar com sucesso esses estágios.

3.5.3 O PEB: algumas observações

Nas seções anteriores foram demonstrados os volumes investidos por cada agên-

cia nacional em seus programas espaciais e em sua indústria, além de alguns detalhes

referentes aos programas da China e Índia. O caso brasileiro, no entanto, merece maior

destaque e discussões. A questão relativa aos investimentos e manutenção e continuida-

de de contratos governamentais é sempre retomada e mencionada tanto por membros da

indústria quanto do setor público. Em Agosto de 2016, por exemplo, em um Workshop

de inovação promovido pelo INPE, membros da indústria tiveram oportunidades de

apresentar suas empresas e subsistemas desenvolvidos durante o programa CBERS. Em

todas as apresentações partes consideráveis de tempo foram destinadas ao problema da

falta de contratos estatais. Um dos membros da indústria inclusive fez um ‘apelo’ por

novas demandas. Essa questão naturalmente permeia toda essa pesquisa e será retomada

ao longo do texto, contudo algumas questões já podem ser adiantadas. Há uma espécie

de dicotomia entre modelos de negócio diversificados x demandas estatais. Dessa ma-

neira, surge a questão: em que medida realmente existe descontinuidade estatal, e em

que medida as empresas não conseguem diversificar seus mercados a fim de se torna-

rem independentes?

Não cabe no escopo desse estudo responder a tal questão, até mesmo porque

somente uma empresa foi estudada a fundo – justamente uma empresa que possui mer-

cado relativamente diversificado. Contudo, quanto ao primeiro ponto, a da questão or-

çamentária do PEB, algumas considerações preliminares podem ser levantadas.

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55

A Figura 16 representa a variação do orçamento da AEB (Agência Espacial Bra-

sileira) e do orçamento destinado ao MCTI36

. Observa-se que, apesar de haver grande

flutuação do orçamento do ministério acompanhado por uma constante queda nos últi-

mos anos, o valor repassado à AEB manteve-se constante, variando em torno de R$ 200

mi ao longo de todo o período.

Figura 16 Evolução dos Orçamentos do MCTI e da AEB. Fonte: Elaborado com base nos dados de:

(MCTI 2015; AEB 2015)

Já a Figura 17 representa o valor previsto pelas Leis de Diretrizes Orçamentá-

rias, as Leis Orçamentárias Anuais (LOA) e o valor efetivamente alocado para a AEB.

A diferença entre os valores previstos e executados também se manteve constante ao

longo do período. Já nos últimos três anos, o orçamento executado estabilizou-se em

torno de R$ 300 milhões, ao passo que o orçamento previsto sofreu constante reduções,

atingindo valores próximos ao executado em 2015. Nos últimos dois anos as diferenças

entre o previsto e executado foram de fato menores que nos anos anteriores.

A primeira vista, a partir das Figuras, pode-se deduzir que o orçamento anual do

PEB possui certo vigor, ficando estabilizado mesmo em períodos de crise. O mais inte-

36

Orçamento destinado ao MCTI implica diretamente no orçamento do PEB, visto que a AEB e o INPE

estão submetida ao ministério. As organizações que realizam atividades espaciais compõem o chamado

Sindae (Sistema Nacional de Desenvolvimento de Atividades Espaciais). Como afirmado pela AEB

(2016): “Para organizar a execução das atividades espaciais, foi instituído o Sistema Nacional de Desen-

volvimento das Atividades Espaciais (Sindae), conforme Decreto nº 1953, de 10 de julho de 1996, que

define a AEB como seu órgão central e responsável pela coordenação geral. Entre os órgãos setoriais que

compõe o Sindae destacam-se o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), do Ministério da Ciên-

cia, Tecnologia e Inovação (MCTI), e o Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA), do

Comando da Aeronáutica (Comaer), do Ministério da Defesa (MD), que são responsáveis pela execução

dos principais projetos e atividades estratégicos do PNAE”. O INPE (instituto civil) é responsável pelo

desenvolvimento de satélites, já o DCTA (instituto militar) é responsável pelo desenvolvimento de veícu-

los lançadores. Além disso, o PEB conta com recursos do Fundo Espacial e eventuais recursos provenien-

tes de programas do CNPq, FINEP, FAPESP etc.

0,00

200.000.000,00

400.000.000,00

600.000.000,00

800.000.000,00

1.000.000.000,00

1.200.000.000,00

1.400.000.000,00

1.600.000.000,00

Va

lor

Orç

am

ento

Evolução Orçamentos MCTI e AEB (em R$)

Orçamento (MCTI)

Orçamento (AEB)

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56

ressante notar, entretanto, é a enorme diferença dos valores previstos no PNAE 2012-

2020 e os valores executados. O plano elaborado tanto pelo MCTI quanto pela AEB é

bastante ambicioso, pretendendo lançar/desenvolver nove satélites e cinco veículos lan-

çadores. Observando a diferença entre os investimentos previstos e executados pela

Figura 18, evidencia-se que o PNAE 2012-2020 está muito aquém da realidade brasilei-

ra.

Figura 17 Orçamento previsto e executo da AEB. Fonte: Elaborado com base nos dados de (MCTI 2015;

AEB 2015).

Figura 18 Orçamentos da AEB previstos x Executados. Fonte: Elaborado com base nos dados de (MCTI

2015; AEB (2015)

0,00

100.000.000,00

200.000.000,00

300.000.000,00

400.000.000,00

500.000.000,00

600.000.000,00

2011 2012 2013 2014 2015

Orçamento Previsto LOA e Executado da AEB (em R$)

Previsto AEB LOA

Executado

0,00

200.000.000,00

400.000.000,00

600.000.000,00

800.000.000,00

1.000.000.000,00

1.200.000.000,00

1.400.000.000,00

1.600.000.000,00

2012 2013 2014 2015

Valores

Orçamentais

Orçamentos da AEB Previstos (PNAE 2012-2020) x Executados

(em R$)

Previsto PNAE

Executado

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57

Nitidamente os valores citados no documento oficial do PEB foram muito além

do que foi efetivamente repassado à AEB, o que inevitavelmente compromete o cum-

primento de seus objetivos. Torna-se relevante citar o próprio estudo quanto à sua pro-

gramação, finalidade dos investimentos previstos e visões de futuro:

“O novo PNAE será implementado em duas fases, continuas e com-

plementares. A primeira é de consolidação. Nela, devemos concluir

projetos já iniciados no passado e iniciar outros, de modo a ampliar e

consolidar um conjunto de ações destinadas a elevar a capacitação in-

dustrial, o domínio tecnológico, o desenvolvimento de competências e

a regulação das atividades espaciais, o que criará melhores condições

para garantirmos maior sustentabilidade ao programa.

A segunda fase é de expansão. Nela, deveremos lançar e desenvolver

novos projetos, de maior complexidade tecnológica e de alto valor es-

tratégico, impondo ao programa desafios inéditos. À época, certamen-

te contaremos com empresas integradoras consolidadas, cadeia pro-

dutiva mais estruturada, acesso ao espaço conquistado, amplo do-

mínio tecnológico e uma equipe bem maior de especialistas forma-

dos. Para concretizar todas as propostas previstas neste PNAE, que cobre

nada menos de dez anos, precisamos dispor de recursos da ordem de

R$ 9,1 bilhões, sendo 47 % destinados aos projetos de missões sateli-

tais, 17% para projetos de acesso ao espaço, 26% para a infraestrutura

espacial e 10% para outros projetos especiais e complementares”

(AEB 2012, p. 16) [grifos próprios].

A fim de estabelecer tais metas, o Plano previa investimento médio anual de 900

milhões de reais (PNAE - AEB 2015, p. 17) e na realidade eles pouco passaram de 300

milhões. Naturalmente, a crise econômica e política a partir de 2013-2014 influenciou

diretamente o não cumprimento desses investimentos. Todavia, não deixa de ser ao me-

nos um pouco fora da realidade a noção de que, a partir da segunda fase do projeto, ou

seja, a partir de 2015-2016, a indústria aeroespacial brasileira contaria com “empresas

integradoras consolidadas”, “cadeia produtiva estruturada”, “acesso ao espaço conquis-

tado” (leia-se veículos lançadores completamente testados e funcionais, algo inédito

após 35 anos de pesquisa e desenvolvimento) e “amplo domínio tecnológico”, como

afirmado pelo documento.

O não cumprimento dos investimentos previstos influencia diretamente nas em-

presas fornecedoras nacionais, uma vez que elas são em grande medida dependentes de

contratos estatais.

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58

3.6 A Relação Entre Segmento Militar e Espacial

3.6.1 Tecnologias de uso dual ou Tecnologias Sensíveis

Apesar de o setor espacial possuir inúmeras aplicações essenciais às atividades

civis e não ser mais considerado como somente um proxy da guerra (Schmidt 2011), ele

é permeado por considerações geopolíticas e aspectos intrinsicamente relacionados às

considerações militares.

A princípio, seu objetivo bélico foi fundamental, caracterizado pela busca de po-

sições superiores ou o chamado ultimate higher ground dentre as potências dominantes

num arranjo geopolítico bipolar (Zervos, 2011). Pode-se dizer, portanto, que o setor

espacial possui como caráter inerente um aspecto conflituoso e estratégico, representado

por sua dualidade de aplicações. Essa dualidade ou utilização de tecnologias sensíveis

provocam grande impacto sobre programas espaciais, principalmente aqueles de países

periféricos que sofrem boicotes tecnológicos. Como exemplificado por Zervos (2011, p.

195)

“Despite the romanticism and scientific connotations associated with

space, its exploration is a true child of war. Conflict initiated the ex-

ploration and fuels much of the patterns of space policies and devel-

opment (…) these dimensions relate not only to conflict between na-

tions, but also to conflict between industries, and commercial versus

non-commercial usage of space, but also conflict between different

national priorities and objectives”

Dessa maneira, foram realizados durante as três décadas seguintes ao início da

corrida espacial massivos investimentos junto aos programas espaciais, principalmente

pelos EUA e URSS. O colapso da União Soviética, marcando o fim do conflito, repre-

senta uma importante alteração no que se refere à dinâmica setorial, em que o objetivo

militarista deixou de ser o principal norteador das políticas espaciais. Com a revolução

das tecnologias de informação e comunicação, o caráter civil intensificou-se e diversas

aplicações passaram a ser fundamentais não apenas para determinadas indústrias, como

também para o bem-estar social e desenvolvimento econômico global. Nações líderes

(principalmente aquelas presentes no G-8) passaram a garantir e reafirmar o aspecto

primordialmente pacífico do setor, permitindo a emergência de novos atores no mercado

global como China e Índia e a ocorrência de crescentes parcerias internacionais (Early

2014; Zervos 2011). Obviamente a noção de que os países possuintes de desenvolvidos

programas espaciais promovem maior cooperação internacional e promoção de seu ca-

ráter pacífico é discutível. Embargos voltados à tecnologias de defesa também servem

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59

como mecanismo de bloqueio ao acesso tecnológico. Ao mesmo tempo, seu caráter pa-

cífico é contestável, visto que tanto as grandes corporações globais quanto pequenas

empresas, via de regra, participam como fornecedoras ou integradoras de produtos des-

tinados à indústria de defesa e fornecem seus dados aos respectivos governos e agências

estatais. À vista disso, países tendem a erguer barreiras alfandegárias e legais, como

mecanismos de prevenção à disseminação de componentes, tecnologia e know-how es-

tratégico.

A definição de tecnologias sensíveis, por sua vez, se dá no momento em que

sua aplicação é dual (dual use), podendo ser utilizadas ao mesmo tempo tanto para apli-

cações civis como militares (e.g sensoriamento remoto e espionagem, lançadores e mís-

seis, GPS e armas teleguiadas, energia e armas nucleares, entre outras)37

. Naturalmente

as restrições irão compreender todo e qualquer componente, produto ou serviço taxado

como estratégico e são listados através de um número de classificação relacionado às

restrições de exportação38

. O caso do setor aeroespacial, entretanto, é muito delicado,

pois lançadores são facilmente convertidos em mísseis de longo alcance e satélites per-

meiam todo o sistema de tecnologia da informação.

Um outro aspecto, de certa forma não tão bélico – mas não menos importante – é

a formação de detritos espaciais (debris). Países líderes do setor espacial temem a cria-

ção de armas antissatélite que produzem uma grande quantidade de detritos e, frequen-

temente, operadores de satélites são obrigados a planejar ou a reentrada ou o desloca-

mento para uma órbita cemitério. O enorme número de dejetos na baixa órbita terrestre

vem aumentando constantemente, o que pode provocar a chamada Síndrome de Kess-

ler39

. Em 2009, por exemplo, ocorreu a primeira colisão entre dois satélites (Iridium-33

e Kosmos-2251) produzindo cerca de mil detritos maiores que 10 cm.

37

A União Europeia define tecnologias sensíveis de uso dual como “goods, software and technology that

can be used for both civilian and military applications and/or can contribute to the proliferation of

Weapons of Mass Destruction (WMD)”. (UE 2017) 38

A comunidade europeia divide as tecnologias sensíveis em nove categorias ou setores (que são os

mesmos utilizados pelo acordo de Wassenaar – explicado adiante ): Aeroespacial e propulsão; materiais

nucleares e seus equipamentos e instalações; materiais químicos, microorganismos e toxinas; processa-

mento de materiais; eletrônicos; computadores; telecomunicação e segurança da informação; sensores e

lasers; navegação e , por fim, marítimo. Para maiores informações ver:

http://trade.ec.europa.eu/doclib/docs/2008/september/tradoc_140595.pdf.. 39

Efeito dominó proposto pelo cientista da NASA Donald Kessler. A síndrome ocorreria num cenário em

que o número de objetos e baixa órbita terrestre seria tão denso que colisões seriam iminentes e, cada uma

deles, provocaria outras colisões, saturando o espaço de detritos e prejudicando a exploração espacial

permanentemente. Tal cenário não deixa de ser uma plausível realidade, visto o desenvolvimento de pe-

quenos satélites e constelações de centenas deles.

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60

Outro importante mecanismo criado no período pós Guerra Fria a fim de contro-

lar a exportação de tecnologias sensíveis foi o Wassenaar Arrengement, que buscou

substituir o antigo tratado, o Coordinating Committee for Multilateral Export Controls.

Países voluntariamente agruparam-se e acordaram em delimitar uma lista de tecnologias

e equipamentos militares que deveriam ser controlados. O acordo funciona com base em

guias práticos e melhores práticas, em que países também devem reportar e trocar in-

formações (reuniões são realizadas a cada seis meses). Vale lembrar que o Brasil não é

uma das nações participantes desse acordo, que possui 41 países membros40

, incluindo a

maioria dos ex-integrantes da União Soviética. Além disso, tanto os Estados Unidos

como a própria UE possuem legislações específicas a realizar esse tipo de controle41

.

Dessa maneira, observa-se a continuidade das questões bélicas e geopolíticas

que permeiam o desenvolvimento do setor espacial. No caso brasileiro, esse aspecto

torna-se extremamente importante, visto que as empresas nacionais sofrem diversos

embargos tecnológicos de componentes necessários ao desenvolvimento de seus produ-

tos. A Opto Eletrônica, por exemplo, sofreu 86 embargos durante o desenvolvimento

das câmeras MUX e WFI, segundo um dos entrevistados.

3.6.2 Indústria Nacional: considerações

Com tudo isso posto, fica claro o cenário descrito na Tabela 4 que representa os

índices de competitividade do setor espacial de diferentes países e da Figura 19, que

apresenta o número de patentes aplicadas no segmento espacial. Os dados retratados

revelam uma significativa fraqueza tanto da indústria como do Estado brasileiro. Os

recursos humanos até apresentam índice relativamente competitivo, no entanto, o setor

brasileiro vem sofrendo com a aposentadoria de seu capital humano. Isso aliado aos

longos períodos de tempo e altos investimentos para formá-los acabam por enfraquecer

a massa crítica espacial brasileira. Vale lembrar que o capital humano representa um

fator-chave ao desenvolvimento do PEB e, ao mesmo tempo, pode ser visto como um

40

Para maiores informações, como países participantes e documentos oficiais ver o site institucional: <

http://www.wassenaar.org/> 41

As principais legislações norte americanas são o ITAR (Agreement in Arms Regulation) e ao EAR

(Export Administration Regulations), criadas com o fim de não permitir que tecnologia sensíveis “caiam

nas mãos erradas”. Já a EU possui legislações similares, como o Código de Conduta de Exportações em

Defesa e a regulação número 428/2009 destinada à proteção de tecnologias sensíveis. Para mais informa-

ções ver :<https://www.pmddtc.state.gov/regulations_laws/itar.html> para os Estados Unidos e <

http://ec.europa.eu/trade/import-and-export-rules/export-from-eu/dual-use-controls/> para UE.

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61

“custo perdido” para as empresas (sunk costs). Frequentemente elas têm de dedicar

inúmeros recursos à capacitação de seu RH, principalmente no caso de doutores.

Figura 19 Participação Global em aplicações de patente por país. Fonte (OCDE 2014)

38

,9

33

,6

17

,7

10

,4

10

,2

6,8

5

,9

4,1

2

,6

2,4

2

,3

2,1

1

,9

1,8

1

,3

0,9

0

,8

0,6

0

,5

0,4

0

,4

0,4

0

,4

0,2

0

,2

0,2

0

,2

0,2

0

,2

0,2

0

,2

0,1

01

02

03

04

05

06

0

EU

28

Un

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Chin

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and

Chin

ese

Tai

pei

Cro

atia

Lit

hu

ania

Sin

gap

ore

Ind

ones

ia

Participação global em aplicações de Patente (segmento

espacial) por país

20

09-1

1

2001

-03

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Tabela 4 - Índice de Competitividade Espacial entre Países. Fonte (Futron 2009)

Entretanto, com o fim de um projeto, esse pessoal muitas vezes deixa a organização

com poucas perspectivas de retorno, o que representa uma significativa perda de ativos.

Ademais, a partir da observação da tabela é possível novamente evidenciar a distância

do Brasil em comparação à Índia e China, possuindo valores significativamente meno-

res em todos os quesitos e no próprio Índice Futron.

Já a Figura 19 aponta a pequena participação brasileira quanto à aplicação de pa-

tentes na área espacial (apenas 0,4%). Houve crescimento de 0,18% onde o valor em

2001-2003 era de 0,19%. Além disso, aproximadamente um terço de todas as aplicações

de patentes ocorrem a partir de empresas norte-americanas. A Rússia, apesar de possuir

um programa espacial extremamente desenvolvido e consolidado possui números irrisó-

rios e somente a China, Japão e Coréia do Sul apresentam valores elevados dentre os

países de industrialização tardia.

Vale ressaltar que não se pode “colocar a culpa” da fraqueza do setor industrial

brasileiro apenas nas costas do Estado. De maneira resumida se pode dizer que em al-

guns casos as empresas falharam em elaborar cenários previamente às execuções do

projeto, não tinham experiência quanto aos aspectos legais do fornecimento de produtos

complexos ao Estado (e.g utilização da Lei 8.666/93 e os novos marcos legais da inova-

ção) e são muito dependentes dos programas estatais.

Tendo uma vez apresentado e delimitado as indústrias de satélite, espaciais e ae-

roespaciais, pode-se agora discutir um pouco a respeito dos aspectos macroeconômicos,

dispêndios e evoluções históricas desses setores e dos programas espaciais dos princi-

pais países investidores, tanto desenvolvidos quanto em desenvolvimento.

Índice de Competitividade Espacial entre Países

Governo Capital Humano Indústria Índice Futron

Estados Unidos 38,42 13,95 37,94 90,31

Europa 19,32 9,03 18,46 46,81

Rússia 18,57 3,04 10,83 32,44

Japão 15,8 1,72 3,65 21,17

China 12,42 2,98 4,06 19,46

Canadá 12,89 3,42 1,82 18,13

Índia 12,24 1,71 1,38 15,33

Coréia do Sul 8,39 1,34 2,31 12,04

Israel 6,72 0,55 1,42 8,69

Brasil 5,1 0,49 0,5 6,09

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63

As duas tabelas abaixo listam as exportações de cada país em dois setores – ae-

roespacial e espacial Vale lembrar que, de acordo com a base de dados utilizada do

Banco Mundial, o setor espacial (código 880260) compreende por um segmento do ae-

roespacial (código88) (ITC 2016; Banco Mundial 2016).

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País 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 Média DP

Brasil 450 348 34.308 0 625 0 1.616 0 1.333 213 3.889 10.153,42

Índia 0 0 0 32.269 645 0 22 961 36.651 169.768 24.032 50.430,07

Coréia do Sul 7 53.973 4.424 0 27.589 42 0 149.658 146.44 101.016 37.412 51.314,46

Israel 0 0 0 1.129 0 0 2 0 0 0 113 338,63

Canadá 9 0 750 9.445 0 362 6 0 5.691 181 1.644 3.086,77

EUA 221.408 343.766 666.678 216.973 150.514 0 1.057 647.411 952.684 842.283 404.277 329.116,28

França 1.002.680 1.023.336 614.563 1.697.549 1.767.905 1.134.585 1.144.436 1.528.471 884.926 966.931 1.176.538 353.029,86

Alemanha 244.572 80.98 258.679 360.025 183.937 235.19 433.578 415.567 782.186 144.306 352.856 189.554,02

Reino Unido 49.451 11.599 3.554 24.603 7.833 9.838 31.725 5.62 3.397 41.117 20.346 16.120,66

Exportação Total por ano - 880260 - Spacecraft. Satellites. sub orbital launches (em milhares US$)

Tabela 5 Exportação total por ano - indústria espacial (por país). Fonte: Elaborado com Base em (ITC 2016)42

. Obs: China não apresentava valores no

banco de dados, somente algumas exportações para França em um único ano.

Country 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 Média DP

China 745.972 1.293.330 1.414.222 1.639.686 941.44 1.265.232 1.630.432 1.558.316 1.939.710 2.647.267 3.483.943 1.761.811 779.872,95

Brazil 3.303.667 3.444.159 5.067.577 5.927.046 4.193.680 4.364.432 4.340.510 5.218.291 4.370.314 4.050.744 4.503.206 4.434.875 756.981,66

India 62.561 58.079 373.813 1.495.281 1.088.822 1.534.939 2.302.532 1.776.309 4.151.795 6.721.166 3.784.100 2.122.672 2.038.360,91

Russia 726.63 X X X X X X 4.375.548 5.559.153 1.164.199 1.914.742 3.253.411 2.060.135,84

Korea 320.291 588.997 628.186 709.375 811.247 1.245.096 915.412 1.179.534 1.748.253 1.667.862 1.861.624 1.061.443 519.183,36

Israel 935.483 963.32 1.503.899 1.318.911 1.757.689 1.692.549 1.855.192 1.693.318 1.978.179 1.795.786 2.938.690 1.746.970 515.809,33

Canada 7.984.602 8.815.333 10.116.961 9.528.441 9.580.877 9.631.612 9.787.648 10.242.603 10.503.073 12.429.559 12.330.170 10.086.444 1.327.402,37

USA 49.823.123 66.753.299 75.952.357 71.993.164 82.957.527 79.617.923 87.757.246 104.440.080 114.898.028 125.186.257 131.090.901 90.042.719 25.677.868,54

France 24.470.719 28.975.139 31.327.882 38.141.204 34.546.576 46.404.119 50.424.599 54.614.201 56.593.941 57.659.878 76.803.857 45.451.101 15.650.115,28

Germany 19.348.107 25.143.652 26.006.254 29.768.299 32.413.172 30.672.432 37.410.846 43.481.316 43.860.892 43.722.642 43.351.522 34.107.194 8.770.014,93

UK 10.937.868 11.956.991 25.718 14.260.075 11.996.565 13.804.991 15.952.456 16.736.449 17.851.668 16.667.281 18.997.280 13.562.486 5.187.173,48

Exportação Total por ano - 88 - Aircraft, Spacefcraft, and part thereof

Tabela 6 Exportação total por ano (setor aeroespacial) por país Fonte: Elaborado com Base em (ITC 2016)

42

Dados podem ser acessados em:< http://www.trademap.org/Index.aspx e http://comtrade.un.org> .

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65

A partir da observação dos dados observa-se que o setor espacial brasileiro nos

últimos dez anos pouco exportou e somente passou dos valores de um milhão de dólares

em três anos (2007, 2011 e 2013). Em 2007, todas as exportações foram destinadas à

China e,em 2013, à França43

. Em comparação à Índia, por exemplo, que também teve

que realizar um processo de catch up tecnológico para desenvolver seu programa espa-

cial, somente em um ano ela exportou mais que o Brasil em todo o período – sendo a

França e a Jordânia seus maiores parceiros comerciais (ITC 2016). Como esperado, paí-

ses ditos tradicionais na área espacial exportaram consideravelmente mais, com desta-

que para a França, que em média exportou mais de 1 bilhão de dólares anuais (mais que

o dobro do que os Estados Unidos nesse setor).

À vista disso, a comparação entre as exportações espaciais com relação a todo o

aeroespacial torna-se também relevante. Verifica-se que o Brasil é um ator importante

da indústria aeroespacial, exportando valores significativos ao longo do ínterim, muito

em decorrência da EMBRAER e de sua cadeia de valor. Outros países em desenvolvi-

mento – especialmente Índia, Israel e Coréia do Sul – apresentaram importante cresci-

mento de suas exportações nesse setor; já o Brasil se manteve relativamente estável no

ínterim em questão. Naturalmente, França e Estados Unidos são os maiores atores do

setor, muito em virtude de seus dois conglomerados: Boeing e Airbus.

Ademais, é interessante comparar as participações das exportações espaciais na-

cionais sobre todo o setor aeroespacial. Nos últimos dez anos seu maior valor foi um

ínfimo 0,006% em 2007. Por conseguinte, fica claro a desprezível participação de tais

produtos sobre toda exportação do setor aeroespacial. Obviamente não se pode medir o

nível de capacitação, desenvolvimento ou performance de um setor apenas a partir do

montante de produtos ou serviços vendidos ao exterior. Contudo, esse é um importante

indicador da presença de suas empresas em cadeias globais de valor (CGV). Evidencia-

se, assim, que a não inserção das empresas brasileiras do setor espacial em CGV podem

representar ao mesmo tempo uma “falha” bem como uma importante oportunidade.

43

A plataforma não especifica quais produtos forma exportados no ano de 2007, um ano atípico no ínte-

rim analisado. Pode-se especular que provavelmente os produtos exportados estavam no contexto do

programa CBERS.

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2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015

Exportações -

setor espacial

450 348 34.308 0 625 0 1.616 0 1.333 213 1.019

Exportações -

setor

aeroespacial e

componentes

3.303.667 3.444.159 5.067.577 5.927.046 4.193.680 4.364.432 4.340.510 5.218.291 4.370.314 4.050.744 4.503.206

Participação

setor espacial

sobre exportações

totais do setor

aeroespacial

0,00013621 0,00010104 0,0067701 0 0,00014903 0 0,00037231 0 0,00030501 5,25829E-05 0,00022628

Comparação - Exportação brasileira dos setores aeroespaciais e espaciais

Tabela 7 Exportação Brasileira dos setores aeroespaciais e espaciais 2005 - 2015. Fonte: Elaborado com Base em (ITC 2016; WTO 2016).

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Logo, se nota que o fenômeno da pouca participação das empresas fornecedoras

de produtos espaciais merece maiores estudos e discussões, sobretudo em âmbito da

política industrial e setorial, visto que os índices de exportação do setor espacial reve-

lam que os valores são inconstantes e pontuais, atestando a pouca participação dos pro-

dutos nacionais em mercados globais. Há de se lembrar também que mercados de defesa

e espaço tendem a ser protegidos, amplamente regulados e carregados de implicações

políticas, o que pode prejudicar o volume exportado. Todavia, os valores brasileiros

ainda são notavelmente baixos se comparado às médias de outros mercados exportado-

res.

3.8 Conclusões

Esse capítulo procurou definir, apresentar e discutir certos aspectos da indústria

espacial e de satélites. Inicialmente se definiu e conceituou o que exatamente consiste

um satélite e suas aplicações. Em seguida alguns dados foram apresentados relativos aos

programas globais espaciais e à indústria nacional. Os Apêndices 1 e 3 podem ser utili-

zados como um complemento a esta seção, onde são alguns dados relativos à indústria

global de satélites e suas perspectivas, além de alguns outros dados referentes à relação

entre os segmentos de defesa e espaço.

O que se pretendeu com esse capítulo foi apresentar algumas questões centrais à

dissertação. Com relação à indústria espacial brasileira, em suma, já podemos apontar

alguns pontos que aparentam ser cruciais e diretamente relacionados à consolidação e

desenvolvimento do setor.

O PEB sofre com descontinuidades, planos e programas não são de fato execu-

tados, o que aliado com o baixo investimento em defesa produz poucos contratos às

empresas nacionais. Comparativamente aos tradicionais atores desenvolvidos e emer-

gentes, o Brasil caminha a passos curtos.

Essas mesmas empresas, por sua vez, pouco participam dos mercados globais,

com participação inexpressiva nas exportações aeroespaciais – o que representa um in-

dicador importante quanto à sua inclusão em CGV, competitividade e potencial de cres-

cimento. Diversificação de produtos e novos modelos de negócio, por conseguinte, tor-

nam-se essenciais.

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Assim sendo, o que se buscou brevemente elucidar é que o Brasil, de certa for-

ma, já realizou uma das etapas mais delicadas – o da construção de um sistema nacional

de atividades espaciais, dotado de instituições normativas e executoras e de um polo

industrial importante – mesmo que precariamente desenvolvido. Ou seja, mesmo que

ainda “atrás” na corrida, os recursos necessários à participação no mercado já foram

efetuado. Tais recursos, por sua vez, permitem a inserção brasileira numa nova trajetória

tecnológica de um mercado que caminha para a consolidação e padronização (ao menos

no tocante aos pequenos satélites) – tanto a níveis de sistemas como de produtos.

Portanto, a oportunidade está presente, sendo agora necessária a aplicação de po-

líticas setoriais eficazes, aliadas ao fortalecimento de parcerias institucionais e da capa-

citação estratégica da gestão de inovação por parte das empresas – assuntos que são

tratado nas últimas seções.

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4.0 O Programa CBERS: breve reconstrução histórica

4.1 Introdução:

Esse capítulo realiza uma breve reconstrução histórica do programa CBERS. O

Apêndice 2 pode ser utilizado como um material complementar à presente seção, na

qual é feita uma revisão do desenvolvimento do PEB até a redemocratização do país

com o fim do regime militar, tema que já foi extensamente discutido na literatura.

4.2 A Redemocratização e o Programa CBERS

Com a redemocratização ocorrida em 1984, a política espacial brasileira passou

a ter um novo arranjo institucional, que acabou alterando significativamente sua dinâ-

mica e direcionamento. O papel da COBAE (Comissão Brasileira de Atividades Espaci-

ais), que era o então órgão coordenador do PEB se manteve até 1994, no qual seu papel

foi transferido à AEB (Agência Espacial Brasileira) criada pelo então presidente Fer-

nando Henrique. Além disso, durante toda a década de 1990 e fim dos anos 1980 o PEB

sofreu com falta de recursos e uma coordenação extremamente deficiente agravada pela

divisão institucional e boicotes internacionais (Costa-Filho 2000)44

. A criação da AEB

em 1994 foi decisiva para definir a política espacial brasileira, uma vez que passou de-

finitivamente para o controle civil e não mais militar. Logo após a sua criação o Brasil

aderiu ao Regime de Controle de Tecnologia de Mísseis (MCTR – Missile Technology

Control Regime). O Brasil, contudo, continua a desenvolver seus veículos de lançamen-

to sob coordenação da AEB45

.

Em 1985 foi estabelecido o Ministério de Ciência e Tecnologia e, dessa maneira,

o INPE desvinculou-se de seu então órgão superior – o CNPq –passando a responder ao

44

O PEB é marcado por uma divisão de atividades bi-institucional entre o INPE (voltado às atividades

civis e de pesquisa) e o DCTA (principalmente voltado principalmente ao desenvolvimento de veículos

lançadores). Como demonstrado no Apêndice 2, esse é um fato frequentemente ressaltado na literatura

como problemático no tocante ao desenvolvimento do PEB e à coordenação de suas instituições.. 45

O Brasil ainda não obteve sucesso em lançar satélites a partir de seu VLS. Os satélites SCD-2 e 2A, por

exemplo, falharam e não chegaram a entrar em órbita. Em 2003 um grave acidente no Centro de Lança-

mento de Alcântara (CLA) resultou num grande incêndio, destruindo a estação e causando a morte de 21

técnicos. O Brasil também tentou criar uma parceria com a Ucrânia, formando uma joint-venture binacio-

nal, a Alcantara Cyclone Space que a principio efetuaria lançamentos a partir do CLA. A parceria, entre-

tanto, não obteve sucesso sendo cancelada em 2015. Interessante mencionar que a organização Wikileaks

vazou telegramas dos EUA relativos a tal projeto, em que alguns veículos de comunicação inclusive o

mencionaram atestando que os EUA não tinham interesse que o Brasil passasse a ter tais competências.

Os telegramas podem ser acessados em: https://wikileaks.org/plusd/cables/09KYIV2182_a.html;

https://wikileaks.org/plusd/cables/09STATE3691_a.html;https://wikileaks.org/plusd/cables/08BRASILIA

1652_a.html. Em 2017 esse debate voltou à tona, uma vez que estão sendo discutidas as condições para a

utilização da Base de Alcântara pelos Estados Unidos.

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novo ministério. Com essa reforma, ele pode obter maior autonomia orçamentária e

administrativa, pois sofreu menos restrições tecnológicas por ser um órgão civil. O ór-

gão coordenador (COBAE)46

, entretanto, ainda era controlado pelos militares. Além

disso, o INPE passou a levantar possibilidades de realizar novas parcerias internacionais

voltadas à cooperação tecnológica.

Assim sendo, acordos bilaterais passaram a ser efetuados, em especial com a

China, que viria a originar o Programa Sino Brasileiro de Satélites de Recursos Terres-

tres. Nesse período, o Brasil ainda era dependente das imagens disponibilizadas pelos

satélites Landsat, todavia, mesmo que desprovido de satélites nacionais de sensoriamen-

to remoto, o INPE já vinha desenvolvendo há algum tempo capacitações baseadas no

processamento de imagens, classificação e utilização. Vale ressaltar que a indústria vol-

tada ao sensoriamento remoto é restrita, com elevadas barreiras à entrada (altos custos e

riscos, intensidade tecnológica, capital humano), em que muitas vezes os satélites são

produzidos por consórcios público-privados ou financiados por agências espaciais, co-

mo EADS-Astrium e NASA-Landsat. À época do início das negociações, esse mercado

era dominado pela Landsat e pelos satélites franceses Spot (Becard, 2008 apud Fernan-

des et al 2013).

A cooperação entre os países, no entanto, já havia começado anteriormente à re-

democratização. Em 1982 foi assinado o Acordo Quadro entre a República Federal Bra-

sileira e a República Popular da China, formando o embrião da cooperação (Chagas Jr

2009 Fernandes et al 2013)47

. Já em 1984, o então presidente João Figueiredo, em visita

oficial, ratificou a intenção, elegendo o setor aeroespacial como uma das áreas centrais e

assim permitindo que o acordo realmente entrasse em vigor dois anos após seu início.

Como afirma Meira Filho, Fortes e Barcelos (1999) existia um interesse mútuo quanto à

transferência tecnológica e a complementação de capacidades entre os dois países.

“A China carregava em sua bagagem realizações de considerável en-

vergadura na área de construção de satélites e foguetes lançadores,

iniciadas na segunda metade da década de 50 e pontuadas pelo lança-

mento do primeiro veículo da série Longa Marcha em 1964, pelo lan-

çamento do primeiro satélite científico em 1970 e pelo lançamento de

mais de vinte outros satélites (incluídos os recuperáveis e os de órbita

geoestacionária), através de veículos lançadores, bases de lançamento

46

Tapia (1995) e Costa-Filho (2000) apontam a deficiência coordenativa da COBAE como um dos prin-

cipais fatores para o insucesso da missão brasileira. Dentre eles destacam-se a natureza militar da comis-

são; dificuldades financeiras; dilema estratégico; deficiências de coordenação; deficiências técnicas e de

gestão de projetos e boicotes internacionais (Costa-Filho 2000, p. 167-168). 47

Conforme mencionado por Fernandes et al (2013) as outras áreas previstas pelo acordo eram siderur-

gia, geociências, transportes, tecnologia industrial, energia elétrica, medicina e fármacos tradicionais.

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e estações de rastreio e controle construídos por meios próprios (...)

[A] China buscava também alternativas que lhe permitisse a aquisição

de itens provenientes de terceiros países, classificados na categoria de

produtos “sensíveis”. Em contraposição, o Brasil dispunha de maior

familiaridade e tradição com a eletrônica e componentes sofisticados,

recursos humanos treinados em países desenvolvidos do ocidente,

parque industrial mais moderno e principalmente encontrava- se em

estágio mais avançado em matéria de utilização de metodologias de

sensoriamento remoto e meteorologia por satélites” (Meira, Fortes e

Barcelos 1999, p. 204).

Vale lembrar que, a partir dessa cooperação tecnológica Sul-Sul, a China poderia

, após um longo período de isolamento, ter acesso não somente à indústria brasileira,

mas também aos componentes críticos que o Brasil poderia importar do Ocidente e de

sua capacitação humana (Chagas Jr 2009). Já naquela época a China via-se, em matéria

de cooperações internacionais voltadas ao espaço, relativamente isolada. Até 2016, in-

clusive, a China ainda continua impossibilitada de realizar parcerias com a NASA, em

parte fruto do receio americano de transferir tecnologias aplicáveis ao uso militar, em

parte como retaliações ao intenso desenvolvimento bélico do país, principalmente no

tocante aos armamentos espaciais48

. Como levantado por Meira, Fortes e Barcelos

(1999, p. 205) o programa tinha como um de seus objetivos “romper o bloqueio erigido

pelas nações desenvolvidas à transferência de tecnologias avançadas, consideradas ou

simplesmente classificadas e denominadas sensíveis.”

Ademais, a China havia conseguido lançar com sucesso em 1984 – através de

capacidades completamente criadas endogenamente – um satélite geoestacionário. Ou

seja, demonstrava claramente à época pleno domínio de todo o ciclo da tecnologia espa-

cial. Os mútuos interesses nacionais, dessa forma, eram relativamente complementa-

res49

, tendo o INPE e CAST como agências responsáveis pelos acordos e entendimentos

entre Brasil e China, respectivamente.

48

A China vem desenvolvendo seu programa de mísseis antissatélite (ASAT –Anti Satellite Weapons)

desde a década de 1960. Nos anos 2000, diversos testes chineses foram ou reportados por países e insti-

tuições governamentais ou confirmados pelo próprio governo chinês. Em 2006, por exemplo, a China

realizou um teste destruindo seu próprio satélite (Fengyun 1C), o que provocou a liberação de mais de

2000 debris no espaço (NASA 2007). Esse teste foi condenado veementemente pela comunidade interna-

cional, visto que configurou na maior liberação de debris desde o início da corrida espacial e o único teste

desse tipo realizado desde 1997. Algumas legislações americanas foram inclusive criadas a fim de barrar

eventuais parcerias sino-americanas, como o Wolf Amendment. 49

É relevante observar que no Brasil houve grande interesse pelos militares e o CTA sobre as capacidades

de lançamento chinesas. Costa-Filho (2006) afirma que o CTA sugeriu um ajuste complementar ao Acor-

do de Cooperação, em que a participação brasileira seria de inteira responsabilidade dessa instituição.

Todavia, os chineses possuíam interesse em suas áreas de deficiência e rejeitaram as aspirações militares

nacionais, pois possuíam maior interesse em outras competências, como as de recebimento de imagens.

Por fim, ficou entendido que os lançamentos poderiam ser realizados no Brasil apenas quando ele atingis-

se as condições necessárias (de maneira independente).

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Importante lembrar que o PEB encontrava-se em descompasso no final dos anos

1980, como mostram Furtado e Costa-Filho (2003). Segundo os autores, o INPE benefi-

ciou-se de sua natureza civil e da continuidade orçamentária estando vinculado ao re-

cém criado MCT.

Além disso, as tecnologias de satélite eram relativamente mais viáveis e passí-

veis de serem desenvolvidas internamente se comparada aos veículos lançadores, além

de sofrer menos embargos tecnológicos. Por conseguinte, o INPE já possuía um satélite

pronto para o lançamento no início dos anos 1990 (SCD-1). Nesse momento houve dis-

cordância em relação ao veículo que iria lançá-lo ao espaço, pois o CTA não havia de-

senvolvido o VLS. O SCD-1 acabou sendo lançado pelo foguete americano Pegasus,

em 1992 (Furtado e Costa-Filho 2003; Costa-Filho 2000). Adicionalmente, com o início

das negociações com a China, o INPE mostrou interesse nas capacidades de sensoria-

mento remoto como uma das possíveis áreas de cooperação. Ademais, já eram previstos

o lançamento de dois satélites de sensoriamento remotos brasileiros, o SSR-1 e 2.

Em 1988, por conseguinte, foi dada continuidade às negociações e, durante a vi-

sita da comitiva do presidente José Sarney, foi assinado no dia 22 de Agosto, em Pe-

quim, o “Acordo de Cooperação sobre o Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres

entre a Academia de Tecnologia Espacial da China e o Instituto Nacional de Pesquisas

Espaciais do Brasil”. Segundo Monserrat Filho (2014), o programa resultante dessa as-

sinatura consistiu no primeiro acordo envolvendo tecnologias de ponta entre dois países

do Sul, além de configurar o primeiro plano de cooperação internacional focado na área

espacial ao longo de um período superior a uma década.

Com a assinatura e ratificação do programa, ficou estabelecida a construção de

dois satélites de sensoriamento remoto - CBERS 1 e 2 - a partir da participação brasilei-

ra no desenvolvimento do então chamado satélite chinês Zi-yuan-1 (Costa-Filho 2006).

A divisão de trabalho, a princípio, seria de 70% para a China e 30% para o Bra-

sil. Todavia, essa repartição envolvia participações nos custos e não na execução do

programa. Tal tópico foi assunto de intenso debate entre os dois países anteriormente e,

por fim, entendeu-se que a participação brasileira seria de 30% da execução, ou seja,

dos componentes e subsistemas destinados ao satélite que seriam fornecidos pela indús-

tria nacional (Costa-Filho 2006). Essa mudança foi importante sob o ponto de vista

estratégico, pois permitiria maior envolvimento do setor industrial brasileiro e sua res-

pectiva capacitação tecnológica a fim de desenvolver os subsistemas necessários à mis-

são.

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Destarte, foi criada uma organização binacional que ficou encarregada de repre-

sentar tanto as partes brasileiras quanto chinesas durante o desenvolvimento dos satéli-

tes (Chagas Jr e Cabral 2010), organização denominada JPO (Joint Programme Organi-

zation). Segundo os autores ela é responsável pela aprovação dos planos de gerencia-

mento e tradução das necessidades dos usuários através de especificações relativas a

todo o satélite, não apenas seus subsistemas. A figura 17 abaixo representa a divisão do

trabalho a partir do JPO.

Figura 20: Descrição do JPO. Fonte Chagas Jr et al (2006). JPC

(Joint Project Committee) ; GPM (General Project Managers);

ETG (Engineering Technical Group); EMG (Engineering Man-

agement Group);

Dentro do JPO é o JPC que fica encarregado do sucesso do programa, sendo ela

a maior autoridade no contexto do programa CBERS. Chagas Jr (2009) aponta que exis-

te um GPM para cada país, já os grupos técnicos (ETG e EMG) são compostos por pro-

fissionais incumbidos de realizar as atividades de definição das missões e suas respecti-

vas arquiteturas, além de realizar as atividades de montagem, integração e teste do sis-

tema.

Os subsistemas que ficaram sob responsabilidade da equipe brasileira são con-

tratados pelo INPE através do regime de licitações (Lei N. 8.666/93). A chamada de

cada licitação contém a descrição detalhada do trabalho (DDT), elaborada através dos

engenheiros e do corpo técnico que irão acompanhar o desenvolvimento de todo projeto

para cada subsistema (Chagas Jr 2009). Ao longo desse processo, a organização contra-

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tada deve seguir o padrão de gestão de projetos e engenharia de sistemas, entregando os

produtos e serviços requisitados por cada etapa50

. O aspecto contratual frequentemente é

carregado de problemas, uma vez que os marcos legais utilizados não preveem as difi-

culdades e atrasos enfrentados a longo de um projeto de alto risco tecnológico.

Os satélites CBERS-1 e 2 foram lançados nos anos de 1999 e 2003, respectiva-

mente. Furtado e Costa-Filho (2002; 2003) mensuraram os impactos provocados pelo

programa e concluíram que os spin-offs tecnológicos relacionados a diferentes setores

foram pequenos se comparados a programas internacionais, muito em virtude do estágio

incipiente de desenvolvimento da indústria aeroespacial de então. Contudo, os impactos

econômicos e tecnológicos sobre as firmas foram significativos. Oliveira (2014) afirma

que um dos impactos mais significantes quanto ao setor espacial e ao polo tecnológico

de Sâo José dos Campos foi:

“[O] ingresso de ex-funcionários do INPE na iniciativa privada [que]

representou, ainda de que forma não planejada, a primeira grande

transferência da capacitação das atividades espaciais para a indústria,

preparando o caminho para que o INPE deixasse de lado o papel de

engenharia e fabricação e passasse a se ater ao projeto especificação

de subsistemas e equipamentos sob sua responsabilidade (p. 136).

Justamente essa capacitação do INPE em se ater ao projeto que o possibilitou

desenvolver capacidades de integração de sistemas (AIT – Assembling, Integration and

Testing) a partir da integração do segundo satélite em seu Laboratório de Integração e

Testes (LIT), construído em 1987, um dos principais anseios brasileiros (Chagas Jr

2009). Chagas Jr e Cabral (2010) indicam que, com relação ao INPE, ele adquiriu capa-

cidades de integração tanto de subsistemas (a partir da cooperação industrial) quanto de

sistemas (a partir da divisão de trabalho com a CAST) e de sistemas de sistemas (relaci-

onada à toda infraestrutura de terra necessária ao monitoramento, controle e utilização

do satélite). Quanto à China, ela capacitou-se não somente com relação ao processamen-

to das imagens, mas acima de tudo, com relação à gestão de projetos e seus respectivos

procedimentos. Tal Capacitação a permitiu, mais tarde, aplicar para o certificado ISO-

9001 (Chagas Jr 2009; Costa-Filho 2006).

50

As etapas são compostas por documentos referentes ao design e características do produto, assim como

modelos iniciais de voo e teste. Tradicionalmente, as etapas são as seguintes: MDR (Mission Definition

Review); PDR (Preliminary Design Review) e CDR (Critical Design Review). Posteriormente são entre-

gues os modelos de vôo e qualificação do subsistema (Engineer model e Qualification Model) . Para

maior explicação ver Anexo.

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Na primeira família de satélites CBERS, seis empresas foram contratadas dire-

tamente no desenvolvimento dos subsistemas sob responsabilidade brasileira (Akros,

Digicon, Elebra, Esca, Tecnasa e Tectelcom), das quais a Esca, Elebra e Digicon forma-

ram um consórcio (Furtado e Costa-Filho 2003). As demais empresas atuaram apenas

como subcontratadas. A Esca e a Elebra desempenharam maior papel com relação à

divisão das tarefas e desenvolvimento de subsistemas (Furtado e Costa-Filho 2003).

Entretanto, a Esca acabou falindo, o que quase comprometeu todo o programa (a empre-

sa era responsável por 15 % de todo o valor contratado). Além disso, o INPE buscava

tornar a empresa a contratante principal (prime contractor) de todo o programa, frus-

trando seus planos (Furtado e Costa-Filho 2003)51

. A solução encontrada foi transferir

os contratos à FUNCATE (Fundação para Ciência Aeroespacial), uma fundação ligada

ao INPE, que recontratou as empresas e assumiu os contratos (Furtado e Costa-Filho

200352

. A Figura abaixo representa a lista de subsistemas desenvolvidos e as empresas

contratadas para os Satélites CBERS-1 e 2.

Subsistemas Empresas

Estrutura Akros; Compsis; Leg

Suprimento de Energia Neuron; Aeroeletrônica;

Mcomm; Digicon; Equatorial; Asacell; Compsis

TT&C Neuron; Fibraforte; Tecnasa; Betatelecom

Câmera WFI Micromax; Mectron; Neuron; Equatorial

Subsistema DCS Neuron e Fibraforte

equipamentos para RTUs (subsistema chinês) Elebra/ Microeletrônica

equipamento para CTUs (subsistema chinês) Elebra/ Microeletrônica

equipamento para SSPAs (subsistema chinês) Neuron

equipamento para AOCC (subsistema chinês) Elebra/ Microeletrônica

Silgas: RTU (Remote Terminal Unit); SSPA (Solid State Power Amplifier); CTU (Central Termal

Unit); AOCC (Altitude and Orbit Control Computer)

Figura 21: Empresas Subsistemas e empresas contratadas (CBERS 1 e 2). Fonte: (Oliveira 2014).

51

Um interessante detalhe foi a decisão da Embraer em não participar da licitação referente à estrutura do

satélite após ter participado no desenvolvimento dos satélites SCD-1, 2 e 2A. A princípio, a empresa

havia sido utilizada como um atrativo aos chineses, entretanto, em meio ao processo de privatização ela

decidiu não atuar no projeto CBERS (Furtado e Costa-Filho 2003; Oliveira 2014). 52

Em 2002, a Elebra, que já foi a maior empresa de informática do país durante a reserva de mercado,

também acabou falindo.

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Com o sucesso da primeira família de satélites e a evolução das relações entre os

dois países o programa foi expandido, dando origem aos satélites CBERS-3 e 4. De-

monstrando a evolução e confiança entre as partes, a execução passou para 50% de cada

país, o que possibilitou ao Brasil, em tese, capacitar ainda mais seu polo industrial espa-

cial.

Mesmo com as competências prévias da família anterior, o desafio tecnológico

era ainda maior, muito em virtude da intensificação das capacidades e especificações do

novo satélite (Oliveira 2014). A câmera MUX, por exemplo, que possui resolução de

20m nem estava presente na geração anterior, que possuía as câmeras WFI (Wide Field

Imager), IRMSS (Infrared Multiespectral Scanner) e CCD (Charge Coupled Device)53

.

O Quadro 9 apresenta as empresas brasileiras contratadas para cada subsistema desen-

volvido e embarcado nos satélites CBERS-3 e 4.

O CBERS-3 foi lançado em 09 de Dezembro de 2013, no entanto, uma falha no

veículo chinês Longa Marcha 4B acabou por provocar a reentrada do satélite, destruin-

do-o54

. Esse fato, por conseguinte, provocou o adiantamento do lançamento do CBERS-

4, realizado com sucesso no dia 07 de Dezembro de 2014, a partir da base Taiyuan e do

mesmo veículo Longa Marcha 4B.

53

O CBERS 3 e 4 possui quatro câmeras: PAN (Pancromática), IRS (Imageador Multiespectral e Ter-

mal), MUX (Multiespectral) e WFI (Campo Largo), todas elas com maiores resoluções que as anteriores.

A câmera PAN passou de resoluções de 20m para resoluções entre 5 e 10m; a IRS possuía resoluções

entre 80m e 100m e passou a ter entre 40 e 80m; Já a WFI passou de 260m para 64m (Oliveira 2014;

INPE 2016). 54

Essa foi a única falha registrada até o momento (2016) do foguete Longa Marcha 4-B. Para a lista da

taxa de sucesso de foguetes espaciais ver (Weebau Encyclopedia 2016)

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Empresas Contratadas Subsistema/Componente

Opto Eletrônica Câmera MUX

Neuron Antena DCS e TTCS

Consórcio Omnysis -

Neuron

DCS (Data Collection

Subsystem)

AeroeletrônicaEPSS (Eletrical Power

Supply Subsystem)

Consórcio Mectron -

Neuron - Betatelecom

TTCS (Telemetry, Tracking

and Control Subsystem)

Consórcio Opto Eletrônica -

EquatorialCâmera WFI

Consórcio Omnysis -

Neuron

MWT (Mux and WFI

Transmitter )

Mectron DDR

Consórcio Omnysis -

NeuronAntena MWT

OmnysisOBDH (On Board Data

Handling )

Orbital Gerador Solar

Cenic Estrutura Gerador Solar

Consórcio Cenic -

VibratoneEstrutura dos Satélites

Quadro 9: Empresas Fornecedoras CBERS-3 e 4. Fonte Oliveira (2014).

Dando continuidade ao sucesso do programa, está previsto o lançamento do

CBERS-4A, visto que a vida útil dos satélites é de aproximadamente três anos. Esse

satélite, por conseguinte, permitirá a continuidade do monitoramento sem interrupções e

utilizará componentes e peças remanescentes dos anteriores, com lançamento previsto

para dezembro de 2018. Existe ainda a grande possibilidade da co-produção de mais

uma família de satélites (5 e 6). Como atestado pela última ata da reunião do COSBAN

(Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação), em junho de

2015, o Plano Decenal de Cooperação espacial entre a AEB e a CNSA tem importância

estratégica para ambas as nações55

.

55 Segundo reunião do COSBAN os países acordaram em: 1) promover ativamente a execução do Plano

Decenal de Cooperação Espacial, com o fito de melhorar e acelerar ainda mais a cooperação entre o Bra-

sil e a China; 2) promover com vigor a distribuição internacional de dados do satélite CBERS-4, em espe-

cial os instrumentos de apoio à distribuição gratuita na África, dentro de uma estrutura adequada de orga-

nização, com o fim de expandir a presença mundial desses dados; 3) desenvolver em conjunto o Satélite

CBERS-4A, que será lançado em 2018; 4) apoiar fortemente a avaliação dos futuros Satélites CBERS,

para dar continuidade ao legado do CBERS; 5) obter vantagens do Centro Regional da Ásia e do Pacífico

para Educação em Ciência e Tecnologia Espaciais (filiado às Nações Unidas), sediado na China, e do

programa federal brasileiro "Ciência sem Fronteiras", para promover cada vez mais a cooperação entre

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Em Agosto de 2016 o Congresso Nacional aprovou o protocolo complementar

para o desenvolvimento do CBERS-4A, garantindo o fornecimento de imagens. O saté-

lite tem previsão de lançamento para 2018 e a construção dos satélites da terceira famí-

lia segue em discussão no âmbito do Plano Decenal de Cooperação Espacial Brasil-

China 2013 – 2022, segundo a AEB.

4.3 Conclusão

Com essa seção se buscou reconstruir um pouco do processo histórico do pro-

grama CBERS, desde as décadas de 1980 até o lançamento dos últimos satélites. Obser-

va-se que o programa foi pioneiro tanto no campo tecnológico e geopolítico, como tam-

bém sempre envolveu uma ampla gama de atores. Além disso, ele atua como uma im-

portante ferramenta de política de inovação, uma vez que promove contratos junto aos

fornecedores espaciais. Entretanto, também se verifica que o programa é carregado de

incertezas e problemas, como a falência de empresas e incertezas econômicas - o caso

da Opto não é uma exceção.

ambos os países na educação e preparação de especialistas no setor espacial; e 6) apoiar fortemente as

atividades que envolvam o Laboratório Conjunto Brasil-China para o Clima Espacial e o Centro Brasil-

China de Satélites Meteorológicos.

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5.0 Revisão Literária

5.1 Introdução: Nesse capítulo é realizada a revisão dos principais conceitos aqui utili-

zados. Dessa maneira, as respectivas literaturas são discutidas: I) produtos e sistemas

complexos (CoPS); II) políticas de inovação pelo lado da demanda, sobretudo as com-

pras estatais como instrumento de indução à inovação e III) abordagem das capacida-

des tecnológicas e aprendizado (learning). O item I caracteriza produtos e sistemas

complexos, dos quais muitos são representados pelo setor aeroespacial. O item II é

apresentado a fim de caracterizar a política industrial que fundamenta o programa

CBERS.. Por fim, o item III discute os fundamentos conceituais que construíram a tipo-

logia utilizada no estudo de caso e seus respectivos objetivos.

5.2 Produtos e Sistemas Complexos (CoPS – Complex Products and Systems) e In-

tegração de Sistemas

O conceito de CoPS e integração de sistemas (system integration) estão inter-

relacionados e intimamente conectados à indústria espacial, fornecendo uma importante

ferramenta conceitual de análise. Hobday (1998) define o primeiro como produtos, sis-

temas e arquiteturas intensivas em engenharia e em capital, muitas vezes adquiridos

pelo Estado (único comprador). O termo complexo é utilizado a fim de se caracterizar a

grande quantidade de produtos e sistemas que irão ser integrados a fim de produzir o

produto ou serviço final, sendo necessários alto grau e formação de novos conhecimen-

tos, resolução de problemas e profunda coordenação intra e inter firmas, refletido pela

especialização de fornecedores que irão produzir componentes com elevada sofisticação

(Hobday, 1998).

Frequentemente CoPS são fornecidos em pequenos lotes ou até mesmo em uma

única unidade, sob a regulação de um ou mais grandes contratos e de maneira geral são

produtos business to business (B2B) de longo ciclo de vida, pois fornecem bens de capi-

tal a diversas indústrias como defesa, telecomunicações, aviação e petroquímica. Exem-

plos de CoPS seriam aeronaves, submarinos, satélites, sistemas de armamentos milita-

res, simuladores de vôo, reatores nucleares, entre outros. CoPS são relevantes ao desen-

volvimento econômico e industrial, não apenas por serem intensivos em tecnologia, mas

por possuírem alto valor agregado, amplo escopo tecnológico e envolver redes inter-

organizacionais tanto nacionais quanto internacionais, além de contarem com profundos

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investimentos em P&D e necessitar de amplas capacitações tanto humanas quanto téc-

nicas, especialmente pela característica do conhecimento tácito necessário.

Já com relação à integração de sistemas, de maneira sucinta, pode-se dizer que

se refere à capacidade de “montar” e realizar o design preliminar dos diferentes compo-

nentes e subsistemas (inputs), muitas vezes originários de campos tecnológicos distin-

tos, mas convergentes, para assim dar origem a um produto ou sistema altamente com-

plexo (CoPS)56

. Existe entre os dois conceitos, consequentemente, uma relação de co-

dependência, em que CoPS podem ser vistos como drivers da integração de sistemas. O

segundo seria, assim, uma capacidade necessária ao seu desenvolvimento e produção.

Uma primeira definição, portanto, seria fundamentalmente técnica. Entretanto, Hob-

day, Prencipe e Davies (2003) afirmam que a integração pode ser vista como uma ativi-

dade estratégica ou como um novo modelo de organização industrial, em que firmas e

organizações reúnem diferentes tipos de conhecimento, habilidades e recursos a fim de

produzir novos produtos e serviços, afastando-se da tradicional visão dicotômica de

governança mercado x hierarquia e aproximando-se de arranjos de maior codependência

e parcerias, e.g alianças estratégicas, consórcios, P&D em conjunto etc, ou seja, formas

em rede ou governança relacional (Gereffi et al 2005).57

Em outras palavras, o locus da competição através da inovação moveu-se da

produção física e contínuo aprimoramento dos processos associadas à manufatura e

economias de escala em direção às inovações em design, pesquisa e desenvolvimento,

integração e assimilação de serviços e marketing à jusante da cadeia (soluções integra-

das) junto a produtos complexos (Pavitt 2003).

A Figura abaixo exemplifica a relação entre escopo e intensidade tecnológica,

onde a área ressaltada em azul identifica em que esferas comumente situam-se os satéli-

56

Capacidades de integração de sistemas, no entanto, não se restringem apenas a produtos de alta com-

plexidade. Chesbrough (2003) e Pavitt (2003) apontam que setores tradicionalmente menos intensivos em

tecnologia passaram a desenvolver tais capacidades, algumas veze em fruto da modularização – como na

indústria eletrônica – ou em outros casos frutos também do estabelecimento de cadeias globais de valor e

offshoring das atividades de P&D – como no caso da indústria automotiva. A promoção de novos arranjos

e organizações industriais protagonizados por firmas ditas como system integrators está, da mesma forma,

associada às dinâmicas competitivas dentro do atual paradigma tecnológico informacional, em que possi-

bilidades de codificação e transferência de informações amplificaram-se substancialmente e permitiram o

surgimento de maiores redes entre organizações e cadeias de valor globais. 57

Pode-se dizer que a teoria clássica de uma “grande firma chandleriana” departamental, funcional e

verticalmente integrada que marcou o século XX tornou-se anacrônica e não mais condizentes aos fenô-

menos ocorridos principalmente no final desse século – notavelmente a convergência tecnológica e desin-

tegração vertical: “initial trends towards disintegration in the early nineteenth century were later rever-

sed because subsequent technological changes favoured tight coordination between the increasing speci-

alized functions of product development, production, and marketing. Now there are renewed pressures

towards disintegration within the process of product development, and between product development

and production [grifo próprio] ” (Pavitt, 2003, p. 79).

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tes. Essa área em conjunto com a área em cinza compõem os grupos que caracterizam

diferentes CoPS. O primeiro nível (assembly) seria caracterizado por produtos em mas-

sa “individuais”, como uma calculadora ou um computador, não exercendo função den-

tro de um sistema (a não ser que seja conectado por uma rede, como no caso dos PCs).

Contrariamente, um componente ou subsistema sempre irá exercer funções em um sis-

tema “maior”. Podem ser tecnologicamente simples, como relays ou resistores, ou de

maior intensidade, como microprocessadores. Obviamente a divisão é arbitrária, poden-

do ocorrer diferentes espectros de sistemas, subsistemas e sobreposições entre eles.

Quadro 10 :Tipologia de Sistemas Tecnológicos. Fonte: (Hobday, Davies e Prencipe 2005, p.1112).

No caso da indústria espacial brasileira, a ausência de uma empresa capaz de in-

tegrar sistemas é tida como importante gargalo e, em documentos oficiais (como PNAE

2012-2021), a formação de uma empresa desse caráter foi explicitada como importante

política industrial. Essas empresas são caracterizadas na literatura como system integra-

tors, são empresas de grande porte e realizam a essencial função de design preliminar e

integração dos subsistemas para, assim, transformá-los em produtos ou sistemas com-

plexos, como um satélite.

A relevância da existência de uma empresa integradora de sistemas se dá no

momento em que elas podem substituir determinadas funções de instituições públicas,

atuando parcialmente como caixas-preta (black box) (Zervos e Swann, 2012). Ou seja,

poderiam realizar e executar determinadas funções dos prime contractors de programas

espaciais e, consequentemente, dinamizariam a indústria. Os mesmos autores ainda res-

saltam a necessidade de se manter conhecimento e tecnologias profundamente estratégi-

cas como pontos essenciais à sua existência nesse setor (função chamada de gate kee-

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ping). Além disso, são produtos e sistemas carregados de forte conhecimento tácito e

codificado, naturais no momento que são caracterizados como CoPS em fruto de seu

extenso escopo e trajetórias tecnológicas. Seu desenvolvimento, por conseguinte, não é

facilmente passível de ser duplicado, adquirido ou difundido entre países, organizações

ou empresas, o que torna seu desenvolvimento em âmbito nacional ainda mais relevan-

te.

A necessidade da emergência de grandes empresas com essas específicas carac-

terísticas dentro do setor espacial resultou, na Europa e EUA, na consolidação e forma-

ção de monopólios decorrentes de motivos econômicos e geopolíticos. (Zervos e

Swann, 2012) Ainda segundo os mesmos autores, a necessidade de manter conhecimen-

to e tecnologias relevantes à segurança nacional tornou necessário que se formassem

grandes empresas que atuassem como garantias de mantê-las em posse nacional. No

caso dos Estados Unidos, o próprio Governo, em 1993, oficialmente requisitou a rees-

truturação e consolidação das empresas aeroespaciais no que ficou conhecido como a

“última ceia” (last supper), em que mais de 50 companhias consolidaram-se em apenas

6, acabando por produzir um monopólio dual entre Lockheed Martin e Boeing58

no se-

tor de defesa e aeroespacial. (Zervos 2011)

Além disso, uma firma integradora de sistemas possui relevância através da cria-

ção de padrões (standartization) e de sistemas (turnkey systems) para estímulo à inova-

ção tanto a jusante como a montante da cadeia de valor, que, por sua vez, irá provocar

maior ocorrência de efeitos positivos em decorrência do maior número de usuários

(network effects). Esses efeitos podem ser gerados, por exemplo, nos segmentos de de-

fesa, em que existe maior economia de escala e modularização, setor que, via de regra, é

um dos primeiros a receber aplicações originadas do setor espacial (Zervos 2011).

Identifica-se, dessa forma, uma importante lacuna na indústria aeroespacial bra-

sileira. A ausência de empresas com esse perfil catalisa a dependências dos fornecedo-

58

“In 1993 DoD [Department of Defense] leadership hosted a dinner at the Pentagon for a dozen execu-

tives of the largest defense companies. The executives were informed that there were twice as many de-

fense suppliers as expected in the next five years and that the government was prepared to watch some go

out of business. This event, dubbed the ‘last supper,’ precipitated a tidal wave of consolidation – in less

than a decade more than 50 major defense companies had consolidated into only six. As part of this con-

solidation, what had been six aircraft primes narrowed to only two as Martin Marietta, General dynam-

ics’ fighter division, Northamerican, Rockwell international and Mcdonnell Douglas merged into or

were acquired by Lockheed-martin and Boeing. Wellknown companies such as Gte, Lucent, Hughes,

Magnavox, TI, IBM, Eaton, Ge, ATTt, Unisys, Westinghouse, Tenneco, Ford, Chrysler, Teledyne and

Goodyear left the defense market entirely. Others sold off their defense and space assets. (AIA, 2009, p.

5, apud Zervos, 2011)

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res de subsistemas junto aos contratos estatais, que, no Brasil, ainda sofrem pela grande

variação de recursos e repasses.

Exemplos de empresas integradoras de sistemas que atuam como contratantes

principais na indústria espacial são Airbus, Boing, Lockheed Martin, Thales Alenia en-

tre outros. Atualmente a integração de sistemas e subsistemas que ficaram em cargo do

Brasil durante a divisão de responsabilidades com a China é realizada somente pelo

INPE em seu laboratório de integração e testes (LIT).

Dentre as empresas fornecedoras do programa CBERS, nenhuma delas possui

capacitação de integração a nível de sistemas, sendo capazes de integrar apenas compo-

nentes para assim produzir um subsistema (como uma câmera ou um painel solar)59

. O

programa CBERS e as diretrizes da política espacial brasileira sempre apontam como

um importante objetivo a criação de uma empresa dotada de tais características, todavia,

essa ação nunca logrou sucesso. Frequentemente as empresas tão pouco conseguem

permanecer no setor, o que dirá tornar-se uma integradora de grande porte.

Uma recente iniciativa a fim de criar uma firma integradora foi a criação, em

2012, da empresa nacional Visiona como resultado do PNAE 2012-2021, uma joint ven-

ture entre a Telebás e Embraer. Sua missão disponível em seu site institucional é defi-

nida como “Ser a empresa brasileira integradora de soluções baseadas em sistemas es-

paciais, satisfazendo as necessidades de clientes nacionais e internacionais, trazendo

retorno aos acionistas e à sociedade em geral”. A empresa está encarregada de integrar o

futuro satélite geoestacionário de defesa brasileiro (SGDC – a ser lançado em Março de

2017) em parceria com a Thales Alenia. Quem efetivamente desenvolveu e integrou o

satélite, no entanto, foi a empresa francesa. A Visiona atuou principalmente como

compradora, contudo, 51 engenheiros brasileiros puderam participar no projeto e na

“troca de experiências tecnológicas sobre o desenvolvimento do Satélite e de suas fun-

ções” (Brasil – Ministério da Defesa). Todavia, é improvável que com apenas a partici-

pação nesse contrato será possível desenvolver uma empresa capaz de, efetivamente,

integrar sistemas complexos e atuar como uma prime contractor no desenvolvimento de

satélites. Os principais atores externos dotados dessa capacidade não somente situam-se

59

Importante lembrar que a integração de componentes durante o desenvolvimento de um sistema não é

trivial. A câmera MUX, por exemplo, possui mais de 2500 componentes. Além disso, a identificação de

componentes apropriados também é uma tarefa complicada, uma vez que muitas vezes alguns fornecedo-

res não podem ser contratados devido aos embargos tecnológicos, e a utilização de componentes que não

foram ainda testados em âmbito nacional aumenta o risco do produto não funcionar sob condições adver-

sas. O caso da MUX representou o processo de integração mais complexo, muito em função do número

de componentes e da necessidade de significativos investimentos em P&D a fim de desenvolver equipa-

mentos e soluções capazes de contornar os embargos tecnológicos.

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em países que historicamente investiram no setor de defesa e espaço, como constante-

mente e paulatinamente desenvolveram capacidades de manufatura e integração de pro-

dutos complexos, características ausentes no cenário brasileiro, que apresenta uma alta

taxa de mortalidade dessas empresas e escassez de recursos humanos.

Evidencia-se, dessa forma, que a fim de se cumprir os objetivos já traçados do

PEB a formação de uma firma integradora nacional configura-se como condição essen-

cial. Ademais, tendo em vista a crescente importância das aplicações espaciais, princi-

palmente relacionadas à vigilância e comunicação, uma firma integradora também re-

presenta uma ferramenta de soberania nacional, que também sempre caminha lado a

lado aos programas espaciais. A subseção seguinte dedica-se à conceitualização do pro-

grama CBERS como uma política de inovação pelo lado da demanda, que pode servir

como uma importante ferramenta de política industrial a criar firmas desse tipo.

5.3 Políticas Pelo Lado da Demanda e Compras Estatais Voltadas à Inovação60

A crise sistêmica no pós-2008 trouxe novamente ao primeiro plano as compras

públicas como instrumento de capacitação tecnológica para promoção de inovações pelo

“lado da demanda” (demand pull). Tradicionalmente, as políticas e os instrumentos vol-

tados ao desenvolvimento e capacitação empresarial são majoritariamente classificados

como sendo do “lado da oferta” (tecnhnology push), e.g financiamentos públicos à

P&D. A visão unidirecional do technology push que, de certa forma predomina até os

dias de hoje junto aos policymakers (Edquist et al 2015), em muitos casos está relacio-

nada ao chamado Modelo Linear de Inovação (ML). Sua representação da dinâmica

entre C, T & I se dá a partir do conhecido diagrama:

Pesquisa Básica → Pesquisa Aplicada → Desenvolvimento → Produção.

Edquist et al (2015) aponta que essa visão acabou por dominar a formação de

políticas públicas destinadas ao desenvolvimento científico e tecnológico, apesar de já

estar rejeitada junto aos pesquisadores61

.

60

Essa seção se baseia em Pellegrini, De Campos, Chagas e Furtado (2017, no prelo). 61

Godin (2006) e Edgerton (2004) realizaramm trabalho referentes à construção histórica do ML – co-

mumente atribuídas de forma precipitada à Vannevar Bush -, além de sua inserção junto às formulações

políticas como um modelo factual. Edgerton assume uma posição de certa forma radical, afirmando que o

ML “não somente não existiu, mas não podia existir como um modelo elaborado” (2006, p.2); Já Godin

(2006) afirma que seu surgimento está muito relacionado às necessidades de estatísticos e economistas (

como a mensuração de outputs vinculados a inputs - dispêndios em P&D e patentes, por exemplo). Ele

afirma que :

“The rhetoric behind the Bush report was focused entirely on the socioeconomic benefits of science (p.

644) (…) The linear model of innovation was not a spontaneous invention arising from the mind of one

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Já nos anos 1960 apontava-se para os problemas de uma visão excludente relati-

va ao papel da demanda, seja impulsionada pelo mercado ou governo. Schmookler

(1966) descrevia o processo de inovação como análogo a duas lâminas de uma tesoura,

sendo elas as necessidades (públicas e privadas) e a pesquisa tecnocientífica. À vista

disso, novos modelos mais condizentes à realidade do processo de inovação e sua rela-

ção com a C&T foram introduzidos. Entre eles destaca-se o trabalho de Kline e Rosen-

berg (1986), no qual os referidos autores criaram o então chamado chain-linked model,

ou Modelo Interativo (MI). O modelo proposto superou algumas falhas fundamentais do

ML, como a ausência de feedbacks, extrema “suavidade” e unilateralidade sequencial, a

noção da tecnologia apenas como aplicação da ciência e de que a pesquisa básica era o

principal (e único) driver e das inovações tecnológicas – ignorando outros pontos fun-

damentais, como o projeto industrial. A inovação seria, portanto, “um resultado de nu-

merosas interações entre uma comunidade de atores e instituições, que juntos formam o

que é chamado de Sistema Nacional de Inovação” (OCDE, 1997, p.16).

Essas visões interativas e holísticas do processo de inovação que se relacionam

com as demand side policies for innovation, em especial o PPI. Edquist et al (2015)

afirmam que o ML ainda é predominante no âmbito da política de inovação, contudo, na

literatura, há um esforço para tornar políticas públicas menos constrangidas por premis-

sas lineares, nas quais aquelas voltadas à demanda representam um grande exemplo,

formando o chamado holistic innovation policy. Vale ressaltar que não se trata de prio-

rizar apenas alguns instrumentos de PCT, entretanto, políticas do tipo demand-pull re-

presentam uma poderosa ferramenta (principalmente em setores intensivos em tecnolo-

gia que necessitam de vultosos recursos e investimentos (como o espacial).

Assim sendo, pode-se definir o conceito de demand side innovation policies co-

mo o conjunto das ações e medidas públicas voltadas à ampliação da demanda por ino-

vações, ao aumento das condições de sua absorção e utilização (principalmente por em-

presas) e ao aumento das articulações e cooperações entre os seus atores (Edler e Ge-

orghiou 2007).

individual (V. Bush). Rather, it developed through time in three steps. (…) [Those] three steps also cor-

respond to three policy preoccupations or priorities: the public support to university research (basic

research), the strategic importance of technology for industry (development), and the impact of research

on the economy and society (diffusion) However, the model continued to feed public discourses and aca-

demic analyses—despite the widespread mention, in the same documents that used the model, that line-

arity was a fiction (…) [In the end] Having become entrenched in discourses and policies with the help of

statistics and methodological rules, the model became a social fact.

Para a literatura referente a essa discussão ver: Godin (2002; 2006; 2007) Edgerton (2004) e Balconi et al

(2010) que oferecem um interessante ensaio “em defesa” do ML.

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Destarte, Edquist et al (2015) conceitualizam as compras estatais para inovação

(PPI) como os processos licitatórios que realizam o pedido de cumprimento de certas

funções que não estão disponíveis num determinado momento. Eles reafirmam que seus

objetivos não são necessariamente o desenvolvimento e difusão somente de produtos,

mas de satisfazer necessidades humanas ou atender às requisições de missões estatais.

Importante lembrar que a PPI se configura apenas como um dos instrumentos de políti-

cas de inovação pelo lado da demanda dentro de todo conjunto instrumental do policy

mix, incluindo aqueles de technology-push, ou do lado da oferta.

A partir do discutido acima, permite-se, dessa forma, caracterizar o processo de

licitatório entre o INPE e a OPTO Eletrônica quanto ao referencial teórico. Obviamente

o programa se caracterizou como um instrumento de PPI, uma vez que diversos subsis-

temas (ou produtos) fornecidos ainda não haviam sido desenvolvidos pelas empresas

licitadas. Em outras palavras, era necessário desenvolver e investir em atividades de

P&D a fim de cumprir os requisitos de construção até a entrega e utilização do produto

pelo contratante. Não apenas atividades de P&D foram requeridas, como também de

capacitação e contratação de capital humano, compra de máquinas e equipamentos para

realizar processos e testes e promoção de rotinas relativas à gestão de projetos e gestão

da inovação. Pode-se também configurar o estudo de caso como o cumprimento não

apenas de uma ordem relativa a um produto, mas também à solução de missões relevan-

tes socialmente. Claramente o programa focou-se na capacitação industrial do setor (que

é um dos pontos essenciais do Programa nacional de Atividades Espaciais, por exem-

plo) mas o aspecto social é um dos fundamentos de sua realização. Como revela Edquist

e Zabala-Iturriagagoitia (2012): “Hence, the objective (purpose, rationale) of PPI is not

primarily to enhance the development of new products, but to target functions that satis-

fy human needs or solve societal problems” (p. 5-6).

Apesar do programa CBERS ser um programa bi-nacional – o INPE ficou en-

carregado de 50% dos subsistemas fornecidos – sendo assim ele pode ser considerado

como usuário final do produto e, portanto, caracteriza a compra estatal do tipo “direto”

(no qual o contratante é também o usuário final do produto). Quanto ao grau de novida-

de relacionado ao produto, ele pode ser considerado novo apenas para o “mercado”62

nacional ou ao país: Incremental-PPI. Todavia, há de se ter cuidado com essa classifi-

cação, pois tais tecnologias críticas não estão disponíveis no mercado global, a não ser

62

Apesar do fornecimento ser feito em unidades, pode-se caracterizar como um mercado, visto que as

tecnologias podem ser transbordadas (spill-over effect) a outros segmentos, como o de defesa.

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através de aquisições integradas de satélites, em que não ocorre acesso ou transferência

tecnológica. Portanto, mesmo sendo apenas nova para o país ela representa uma signifi-

cativa evolução, pois dificilmente ela estaria disponível ao mercado global em sua for-

ma plena devido a sua importância estratégica e aplicação dual.

5.4 TCA e aprendizagem tecnológica

5.4.1 Evolução e Revisão Histórica

Pode-se dizer que foram nas décadas de 1970 e 1980 que surgiram os fundamen-

tos que deram início à chamada abordagem das capacidades tecnológicas (tradução livre

– TCA – Technology Capabilities Approach). Dutrenit et al (2013), em Lerning, Capa-

bility Building and Innovation for Development, destacam os trabalhos do economista

argentino Jorge Katz como ponto de partida dessa literatura. Suas pesquisas foram pio-

neiras no tocante à compreensão das dinâmicas de aprendizado e criação de capacidades

tecnológicas que, por sua vez, influenciaram a formação de abordagens (frameworks) e

taxonomias utilizadas em estudos empíricos no contexto de países emergentes (lateco-

mer countries e latecomer firms)63

(Lall 1987, 1992;; Bell e Pavitt 1995; Kim 1997;

Figueiredo 1999).

Dois projetos de pesquisa são considerados os fundadores desse campo, dentre

eles “Research Program on Science and Technology in Latin America”64

de Jorge Katz

(no qual ele escreveu um trabalho, em 1982, intitulado “Cambio tecnológico en la in-

dustria metalmecánica latinoamericana: resultados de un programa de estudios de ca-

sos”) e “The acquisition of technological capability” de Dahlman e Westphal (1982). Os

principais argumentos defendidos por esses autores são que as firmas localizadas em

países emergentes possuem um processo específico, dinâmico e peculiar com relação à

aplicação, transferências, utilização e transformação da tecnologia. Em outras palavras,

sua posição de latecomer não é uma escolha estratégica, mas sim historicamente deter-

minada (Mathews 2002).

63

Empresas de industrialização tardia (EDI) são definidas por Machew e Cho (1999) como empresas que

possuem ao menos duas de quatro características: i) desvantagem de uma localização distante das fontes

de tecnologia; ii) potencial de vantagens iniciais devido ao baixo custo de sua mão-de-obra; iii) a posição

de entrante tardio ser historicamente determinada e não deliberada e iv) o processo intencional de catch-

up tecnológico. 64

Projeto iniciado em 1978 liderado por Katz e financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvi-

mento, UNDP e CIID. O projeto buscava realizar estudos de caso aprofundados de grandes empresas da

América Latina, procurando comprovar que elas desenvolviam capacidades tecnológicas domésticas.

Outros pesquisadores participantes foram Nelson, Freeman, Stiglitz, Rosemberg entre outros.

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Destarte, os autores desse campo buscavam compreender o processo de catch-up

tecnológico realizado por EDIs, partindo do princípio que tais firmas não seriam apenas

usuárias de tecnologias, podendo, em alguns casos, criar novas trajetória no limiar da

fronteira tecnológica de suas indústrias (Figueiredo 2014). Nesse ponto a TCA relacio-

na-se com a economia evolucionária, uma vez que a característica inerentemente tácita

da tecnologia juntamente ao processo de acumulação de conhecimento individual e or-

ganizacional através de recursos - como rotinas - seriam fatores chaves à diferenciação

entre empresas. Dahlman e Westphal, por exemplo, voltando ao debate quanto à transfe-

rência tecnológica, argumentam que:

“Thus, the shorthand expression 'transfer of technology' is mislead-

ing, to the extent that it suggests that technologies can in fact be trans-

ferred wholesale and in working order). Capital goods can be trans-

ferred, but capital goods alone do not constitute a technology; they

represent only that part of the technology which is embodied in hard-

ware. As noted above, the remainder is comprised of disembodied

technological knowledge and related social arrangements - and alt-

hough knowledge can be transferred, the ability to make effective

use of it cannot be. This ability can only be acquired through indig-

enous technological effort, leading to technological mastery through

human capital formation” (p. 106) [grifo próprio].

Pode se elencar, dessa maneira, um primeiro sumário dos argumentos propostos

pela TCA. Segundo Dutrenit et al (2013, p. 1-4) eles são: I) o processo de construção de

capacidades tecnológicas é um processo ativo e não passivo. II) uma parte essencial do

processo de acumulação é endógena à firma. III) o desenvolvimento econômico sofre o

processo de tempestades perenes de destruição criadora. IV) empresas precisam ser vis-

tas como entidades operando dentro de um arcabouço institucional e de uma rede de

atores, ou seja, dentro de um Sistema Nacional de Inovação. V) papéis essenciais à

acumulação e aprendizado tecnológico são realizados por instituições não empresariais,

como institutos de pesquisa, universidades e políticas industriais ou de inovação.

Esse campo teórico, assim sendo, trata as firmas como um conjunto de recursos

no qual o conhecimento acumulado é armazenado através de rotinas, ao passo que as

capacidades competitivas também podem ser medidas com base nesses exatos recursos

e na distância que uma firma se encontra com relação à fronteira tecnológica (Dosi

1988; Figueiredo 1999).

Retomando a Figura 4 da introdução, verifica-se que de acordo com essa litera-

tura, as capacidades tecnológicas são essenciais à produção e gerenciamento dos recur-

sos destinados à mudança tecnológica (Bell e Figueiredo 2012) – ou as chamadas ativi-

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dades de inovação. Elas, por sua vez, são diferentes das ditas atividades operacionais ou

produtivas e são construídas exatamente por meio das capacidades tecnológicas adquiri-

das a partir dos mecanismos de aprendizado.

Segundo Figueiredo (1999) e Bell (1984) as capacidades tecnológicas são perva-

sivas por natureza e, assim como na Visão Baseada em Recursos, são formadas e dife-

renciadas a partir de dois tipos de recursos. Os primeiros seriam aqueles destinados a

operar sistemas produtivos consolidados, também chamados de capacidades voltadas à

rotina empresarial (Ariffin e Figueiredo 2004). Eles seriam compostos pelas habilidades

de se produzir um produto dado um determinado nível de capacidade de produção ou

sistema. Já o segundo tipo de recurso seria aquele destinado exatamente a mudar um

determinado sistema produtivo. Ou seja, são os recursos ou capacidades capazes de pro-

duzir, alterar, melhorar produtos, processos, sistemas produtivos, equipamentos etc (Fi-

gueiredo 1999).

À vista disso, capacidades tecnológicas podem ser definidas como as habilidades

e recursos que permitem uma determinada empresa desenvolver atividades ao longo

dessas funções. Em outras palavras, as competências que permitem uma empresa pro-

duzir e gerenciar a mudança tecnológica (Figueiredo 2003) das quais as diferenciam e

produzem vantagens competitivas sustentáveis.

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5.4.2 Mecanismos de Aprendizado Tecnológico

Tendo partido do “final” do modelo representado pela Figura acima (capacida-

des e atividades de inovação), se pode agora definir e delimitar os mecanismos de

aprendizado que fundamentaram a construção do estudo de caso aqui presente – dos

quais representam, de certa maneira, o “pontapé inicial” dessa dinâmica da inovação.

Como apresentado, o processo de criação e manutenção de atividades de inova-

ção é interativo e iterativo por natureza, assim sendo, a utilização e constante criação e

manutenção de mecanismos que permitem o aprendizado tecnológico – que irão, de

certa maneira, “alimentar” as demais etapas – é primordial.

De acordo com Simon (1991) todo aprendizado ocorre, no primeiro momento, a

partir dos indivíduos. Ou seja, o aprendizado individual é um mecanismo que permite a

ocorrência do aprendizado organizacional (Argote 2013). Como afirmado por Nonaka

et al (1996) o conhecimento tácito individual formará as bases para a criação do apren-

dizado organizacional. Sendo assim, organizações podem aprender de três maneiras: a

partir de seus membros, de novos indivíduos dotados de conhecimento inédito e a partir

da interação entre eles e o ambiente. Pode-se dizer que o aprendizado se configura como

um processo e não um resultado (Levitt e March 1988), além de ocorrer através de me-

canismos tanto internos quanto externos. Além disso, o aprendizado é essencialmente

um fenômeno social e não solitário (Simon 1991)

No contexto dessa pesquisa, portanto, o aprendizado é definido como um conjun-

to de processos – internos e externos – que permitem a organização criar competências

relativas ao desenvolvimento e utilização de tecnologias para, assim, elaborar ativida-

des de inovação que a permitem alcançar (ou caminhar) rumo à fronteira tecnológica a

partir das chamadas atividades de inovação (catch-up).

A tipologia de mecanismos de aprendizado tecnológico desse estudo utiliza a

abordagem desenvolvida por Bell (1984) e, sobretudo, de Figueiredo (1999; 2002 e

2003). Bell e Figueiredo (2012), por sua vez, definem aprendizado como:

“(..) the various costly and deliberate processes by which additional

technical skills and knowledge are acquired by individuals and by the

organization […]learning is cumulative and increases the firm’s stock

of knowledge (or capabilities), which, in turn, permits firms to under-

take innovation activities (…)learning herein refers to different

sources of knowledge that are internal and external to the firm”(p. 18)

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Contudo, como apresentado por Argote (2011; 2013) apenas o aprendizado indi-

vidual é insuficiente à geração do aprendizado organizacional, sendo necessários pro-

cessos capazes de internalizar junto à organização o conhecimento produzido, tornando-

o, de certa forma, independente da presença de um determinado indivíduo. Dessa forma:

“In order for learning to occur at these higher levels of analysis, the

knowledge the individual acquired would have to be embedded in a

supra-individual repository so that others can access it. For example,

the knowledge the individual acquired could be embedded in a routine

(task–task network) or a transactive memory system (member–task

network)” (p. 35).

Vale lembrar que o conhecimento é um produto do aprendizado, ou seja, o resul-

tado de um determinado processo, do qual pode ter natureza tácita ou explícita. Michael

Polanyi (1966) introduziu essa diferenciação décadas atrás, que desde então vem sendo

extensamente utilizada na literatura. Basicamente o primeiro tipo de conhecimento se

refere àquilo que uma pessoa sabe, mas dificilmente consegue descrever (“one can

know more than one can tell”, Polanyi 1966, p. 8). Por outro lado, o conhecimento ex-

plícito ou codificado pode ser transmitido a partir de processos formais e sistemáticos,

como documentos e manuais.

É possível, assim, sumarizar os pontos acima discutidos que, por sua vez, formaram

os fundamentos da tipologia de mecanismos de aprendizado tecnológico utilizada no

estudo de caso: I) o aprendizado ocorre, no primeiro momento, a partir de indivíduos

para posteriormente ocorrer sob o nível organizacional. Além disso, a fim de “transferi-

lo” ao nível organizacional são necessário mecanismos de codificação (conhecimento

tácito torna-se explícito); retenção (e.g rotinas) ou mecanismos de socialização. II) Na-

turalmente, o conhecimento pode ser descrito como um resultado do processo de apren-

dizado, apresentando tanto natureza tácita ou explícita. III) O aprendizado é um proces-

so inerentemente social realizado a partir de mecanismos internos e externos que requer

constante interação entre indivíduos e organizações. Dessa forma, aspectos institucio-

nais e históricos - ou seja – externos à empresa atuam como agentes influenciadores

desse processo.

Destarte, os mecanismos de aprendizado tecnológico podem ser divididos de acordo

com suas funções e atores. Figueiredo (1999) os dividiu e definiu em quatro tipos lista-

dos a seguir. Foi essa a tipologia de mecanismos de aprendizado utilizada como base

para formar aqueles identificados nessa pesquisa a partir de dados empíricos.

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1. Processos de Aquisição Externa: processos pelos quais indivíduos adquirem

conhecimento tácito e codificado externos à firma. Eles podem se realizados de

diversas formas, como contratação de pessoal, consultorias, treinamentos, licen-

ciamento de patentes, entre outros.

2. Processos de Aquisição Interna: processos pelos quais indivíduos adquirem

conhecimento tácito realizando diferentes atividades internas à firma. Eles po-

dem ser tanto as próprias rotinas da empresa, como também treinamentos inter-

nos, rotação entre diferentes áreas da organização, ocorrendo tanto nos departa-

mentos de P&D quanto operacionais.

3. Processos de Socialização de Conhecimento: processos pelos quais indivíduos

socializam seu conhecimento tácito. Seria qualquer processo formal ou informal

que permite um indivíduo (ou grupo de indivíduos) transferir a outro(s) seu co-

nhecimento. Exemplos seriam reuniões, observações, on the job training etc.

4. Processos de Codificação de Conhecimento: processos pelos quais o conheci-

mento tácito individual é codificado, tornando-se explícito, em formatos mais

acessíveis o que facilita sua disseminação sob nível individual e organizacional.

Alguns exemplos seriam as construções de manuais, documentação, formulários

e padronizações de processos.

Os mecanismos 1 e 2 correspondem à aquisição de conhecimento, já os mecanis-

mos 3 e 4 à conversão e transferência (principalmente daquele de natureza tácita). Vale

ressaltar que os mecanismos correspondem tanto àqueles relativos ao indivíduo como à

organização. No caso, os mecanismos encontrados foram listados nos Quadros 3-6 apre-

sentados na seção 2, e foram novamente inseridos abaixo.

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1 - Mecanismos de Aquisição Externa de Conhecimento

1 Capacitação e Aquisição de Capital Humano

1A - Consultorias Técnicas voltadas à solução de problemas e complementação de

conhecimento à P&D (ex funcionários de empresas espaciais ou estudiosos reconhe-

cidos de áreas específicas necessárias ao projeto - e.g termo-ótica).

1.B Consultorias de Gestão: contratação de serviços de consultorias empresarias, ad-

ministrativas, tributárias, jurídica etc

1.C Convênios e Parcerias com Universidades: Convênio estabelecido com a USP-SC

em 1994 voltados à pesquisa em nível de mestrado e doutorado, no qual a pesquisa era

realizada nas instalações da Opto e relacionadas aos seus projetos, com bolsas de estu-

do fornecidas pela empresa.

1.C Treinamentos no exterior: capacitação de capital humano através da realização de

cursos específicos em áreas críticas

1.DTreinamentos em território nacional: capacitação de capital humano através da

realização de cursos e treinamentos em território nacional - tanto em áreas técnicas

quando administrativas.

2. Observação e Captação de Conhecimento

2.A Captação de Conhecimento Codificado (patente, artigos, manuais etc).

2.B Aquisição ou licenciamento de designs, patentes, etc

3. Interação Com Fornecedores

3.A Co-desenolvimento de produtos, instalações e equipamentos de teste

3.B Visitas técnicas

3.C Intercâmbio de documentação e relatórios

4. Interação com INPE

4.A Bancas Examinadoras

4.B Cursos específicos

4.C Integração (Opto apenas como consultora pontual)

Quadro 3: Mecanismos de Aquisição Externa de Conhecimento. Fonte: Elaboração própria a

partir da tipologia desenvolvida por Figueiredo (1999; 2002; 2003).

2 - Mecanismos de Aquisição Interna de Conhecimento

1.A Entre Diferentes áreas/departamentos da organização

1.B A partir da ampliação de sua estrutura (e.g criação de sala limpa).

1.C Aquisição conhecimento tácito/codificado previamente aos projetos

1.D Estudos e projetos de inovação executados em laboratórios de P&D

1.E Envolvimento em design de projeto

1.F Envovimento nas atividades de rotina e operações de planta

1.G Sistemática busca por ampliar as capacidades tecnológicas

1.F Melhorias através de novas ferramentas de gestão

Quadro 4: Mecanismos de Aquisição Interna de ConhecimentoFonte: Elaboração própria a

partir da tipologia desenvolvida por Figueiredo (1999; 2002; 2003).

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Quadro 5: Mecanismos de Socialização de Conhecimento. Fonte: Elaboração própria a partir

da tipologia desenvolvida por Figueiredo (1999; 2002; 2003).

Quadro 6: Mecanismos de Codificação de Conhecimento. Fonte: Elaboração própria a partir da

tipologia desenvolvida por Figueiredo (1999; 2002; 2003).

Vale ressaltar que a abordagem de Figueiredo também traz conceitos desenvolvidos

pelos trabalhos de Nonaka e Takeuchi (1995 - “The Knowledge Creating Company”).

Neles os autores tratam o aprendizado organizacional como a amplificação do conheci-

mento criado pelos indivíduos e cristalizado a partir dos sistemas de conhecimento de

uma organização (Nonaka et al 1996). O conhecimento tácito e explícito são entidades

mutuamente complementares e sua interação é fundamental à criação de conhecimento

individual e organizacional, fenômeno esse chamado pelos autores de conversão de co-

nhecimento. A conversão de conhecimento, por sua vez, pode ocorrer a partir de quatro

meios diferentes, que irão assim formar a chamada espiral do conhecimento, sendo eles

na verdade quatro modos de conversão:

1) de tácito para tácito ou socialização: seriam os processos de troca de experiência,

não necessariamente através da linguagem, como no caso da observação. A chave para a

acumulação de conhecimento tácito seria a experiência.

2) de tácito para explícito ou externalização: seriam os processos de articulação do co-

nhecimento tácito em conceitos explícitos. Os autores destacam a utilizam de analogias,

metáforas, conceitos e modelos para realizar tais processos, além da externalização ser

essencial ao processo de produção de conhecimento através de conceitos explícitos.

3 - Mecanismos de Socialização de Conhecimento

1.A Treinamentos inhouse

1.B Cursos ministrados inhouse

1.C Reunições priódicas entre equipes voltadas à resolução de problemas

1.D Reuniões matriciais

1.E Mentorias

4 - Mecanismos de Codificação de Conhecimento

4.A Caderno de projeto

4.B Intranet

4.C Intercâmbio de documentação junto aos fornecedores

4.D Intercâmbio de documentação junto aos INPE

4.E Publicação de artigos, capítulos de livros etc

4.F Documentação de melhorias técnicas

4.G Documentação de projeto

4.H Práticas de padronização

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3) De explicito para explícito ou combinação: seriam os processos de sistematização de

conceitos e dados num sistema de conhecimento. Exemplos seriam recombinações de

conhecimentos existente a partir de bancos de dados, documentações etc.

4) de explícito para tácito ou internalização: Seria aquilo que é chamado de learning by

doing, ocorrendo através da internalização das experiências adquiridas através de pro-

cessos de socialização, externalização e combinação. Para que o conhecimento organi-

zacional seja produzido torna-se essencial que o conhecimento seja internalizado por

indivíduos e , em seguida, socializado com os demais membros da organização, acarre-

tando no processo da espiral de conhecimento desenvolvido pelos autores.

Figura 22: Espiral do Conhecimento de Nonaka e Takeuchi. Fonte: Nonaka e Takeuchi (1995) Nonaka et

al (1996)

5.4.2 Perspectiva Organizacional do Aprendizado: criação, retenção e transferên-

cia de conhecimento.

Um aspecto importante no estudo de caso abordado que não havia sido previamente

pensado foi o processo de dispersão dos recursos humanos da Opto Eletrônica, ocasio-

nado pelo término do desenvolvimento de suas câmeras embarcadas nos satélites

CBERS. Apesar de a indústria espacial ser intensiva em bens de capital, aqueles de ca-

ráter humano são igualmente importantes, uma vez que profissionais altamente qualifi-

cados são necessários à condução da P&D.

ternali ação

nternali ação

om inação

ácito

ácito

pl cito

pl cito

earning by doing

Diálogo

Combinação de

conhecimentos

explícitos

linking explicit

knowledge

Campo de inte

ração (field buil

dingding

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Sendo assim, tendo em vista que a dinâmica da produção do conhecimento organi-

zacional inicia-se com o indivíduo, qual seria o impacto dessa dispersão? Em que medi-

da uma organização consegue codificar e reter por meio de rotinas e mecanismos um

conhecimento complexo, aprofundado e tácito? Apesar desse não ser o foco da pesqui-

sa, com o andamento dos trabalhos viu-se que era uma discussão importante a fazer,

principalmente no que se refere ao “desaprendizado” ou o que alguns autores chamam

de esquecimento organizacional (organizational forgetting) - causados pela perda e dis-

persão de capital humano sem que ocorra a retenção e transferência do conhecimento.

O aprendizado organizacional pode ser definido como a mudança do conhecimento

da organização em função de sua experiência (Argote 2011). Como ressaltado pela au-

tora, apesar desse aprendizado organizacional ser dependente do indivíduo, ele pode ser

estocado ou retido através de ferramentas, rotinas, mecanismos (como os presentes nos

itens 3 e 4 da tipologia utilizada) ou o que os autores chamam de sistemas de transação

de memória (transactive memory systems) (Argote 2011, 2013)65

. Ademais, pode-se

dizer que três processos compõem o aprendizado organizacional: criação, retenção e

transferência de conhecimento (Argote 2011). Portanto, dificuldades relativas a um de-

les podem acabar por comprometer todo esse processo. No caso da Opto Eletrônica,

especial atenção foi dada à discussão relativa à retenção, uma vez que foi um aspecto

essencial do estudo de caso realizado.

Diversos autores ressaltam a problemática referente à perda dos recursos humanos

ou ao chamado processo de rotação de pessoal numa organização (turnover). À vista

disso, torna-se fundamental que uma organização procure assegurar que o conhecimento

produzido e adquirido por seus funcionários permaneça após a sua saída. Simon (1991),

por exemplo, aponta o aspecto relacionado diretamente ao processo de turnover:

“Since what has been learned is stored in individual heads (or in files

or data banks), its transience or permanence depends on what people

leave behind them when they depart from an organization or move

from one position to another. Has what they have been learned been

transmitted to others or stored in ways that will permit it to be recov-

ered when relevant?”(p. 2)

Obviamente que essa rotação de pessoal pode ser benéfica, principalmente quando mo-

delos e concepções defasadas tornam-se dogmáticas dentro de uma organização, sendo-

65

É o mecanismo pelo qual um grupo de indivíduos codifica, armazena e utiliza informações.

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assim necessária a aquisição de novos conhecimentos para alterar essa situação66

. Por-

tanto, quando um indivíduo dotado de uma competência específica e complexa deixa

um cargo, sua saída deveria, via-de-regra, ser acompanhada de processos capazes de

retê-la e codifica-la. Soluções alternativas à rotação e dispersão de pessoal, como trei-

namentos, podem muitas vezes ser ineficazes ou até mesmo impossíveis, principalmente

em setores intensivos em P&D67

. Como ressaltado por Simon (1991):

“Since much of the memory of organizations is stored in human

heads, and only a little of it in procedures put down on paper (or held

in computer memories), turnover of personnel is a great enemy of

long-term organizational memory. (p. 6)”.

Essa capacidade de retenção é definida na literatura como memória organizacio-

nal e, por sua vez, permite que as lições da experiência sejam acumuladas por sistemas

de socialização e controle (Levitt e March 1988). Fica claro, por conseguinte, a relação

da memória organizacional e dos mecanismos de aprendizado, uma vez que um depende

do outro: “Unless the implications of experience can be transferred from those who

experienced it to those who did not, the lessons of history are likely to be lost through

turnover of personnel” (Levitt e March 1988, p. 328)”

Benkard (2000) estudou exatamente o fenômeno da rotação e terminação de pes-

soal e sua relação com o esquecimento organizacional numa firma do setor aeroespacial.

No caso, foi estudada a produção da aeronave comercial L1011 TriStar da Lockheed

Martin. Curiosamente, com o passar do tempo, os custos de produção dessa aeronave

subiram, mesmo com as demais variáveis relativamente constantes (matéria prima, fe-

chamento de plantas etc). Em 1975, o custo por aeronave era de U$ 20 milhões, já em

1982 atingiu a marca de 29 milhões, o que não representa uma esperada diminuição de

custos com a acumulação da produção (Benkard 2000, Argote 2013). Benkard aponta

que o aumento de custos foi causado pela depreciação da experiência e conhecimento

retido nos empregados alocados na produção da aeronave a partir da rotação e termina-

ção de pessoal, ou seja, o capital humano depreciou-se, acarretando um esquecimento

tanto em nível individual como organizacional. Assim sendo – nesses casos -, é do inte-

resse da firma que ela procure evitar turnovers, mesmo que seus empregados estejam

temporariamente inutilizados, já que sua experiência não pode ser devidamente adquiri-

66

Tidd, Tissant e Pavitt (1997) chamam esse fenômeno de NIH (not invented here effect), quando organi-

zações relutam em utilizar novas concepções e paradigmas, principalmente se relacionado a modelos de

negócio. 67

No caso da Opto Eletrônica, por exemplo, a capacitação de um pesquisador de nível gerencial na área

de ótica leva, ao menos, 8 anos, principalmente quando possuem mestrado e doutorado (muitas vezes no

exterior).

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da ou replicada a partir da contratação de novos funcionários. Quando a terminação é

inevitável, deve-se procurar recontratar aqueles que atuaram nas produções anteriores

(Benkard 2000). Todavia, a Lockheed acabou tendo que contratar pessoas que não pos-

suíam prévia experiência na produção de aeronaves, aumentando dramaticamente as

horas necessárias à produção do L1011 (Argote 2013).

Torna-se benéfica a observação do estudo realizado por Benkard, muito em vir-

tude de ele ser em alguma medida qualitativamente semelhante ao da Opto Eletrônica.

Ambos os produtos são considerados complexos (CoPS) que demandam longos projetos

e investimentos em P&D previamente ao estabelecimento de suas produções. Dessa

forma, evidencia-se que a depreciação do capital humano pode acabar por ser significa-

tivamente nociva à futura retomada de projetos carregados de intensidade e incerteza

tecnológica, além de depreciar o conhecimento organizacional da empresa.

Assim sendo, quais seriam os principais mecanismos de aprendizado utilizados

por uma empresa intensiva em P&D (e.g Opto Eletrônica) a fim de construir suas capa-

cidades tecnológicas a fim de cumprir um determinado projeto? Ademais, quais as difi-

culdades que a empresa enfrentaria com relação à depreciação de seu capital humano,

esquecimento organizacional e na paralização de seus mecanismos de aprendizado?

Quais fatores podem ter influenciado seu processo de recuperação judicial? São essas as

questões que o estudo de caso presente no próximo capítulo busca discutir.

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6.0 Estudo de Caso: o desenvolvimento da câmera MUX pela Opto Eletrônica

6.1 Introdução: Esse capítulo consiste no estudo de caso realizado sobre a empresa

Opto Eletrônica. Nele se discute quais foram os mecanismos de aprendizado utilizados

ao longo do desenvolvimento da câmera MUX. Ademais, é discutida a Lei n. 8.666/93

como um fator externo influenciador tanto dessa dinâmica de aprendizado quanto da

própria situação financeira da empresa. Além disso, é discutido a questão relativa à ma-

nutenção do conhecimento organizacional pela Opto Eletrônica, ou seja, em que medida

ele se encontra disponível com o fim do projeto da câmera MUX e a dispersão de seu

capital humano.

6.2 A Opto Eletrônica

Talvez a Opto Eletrônica possa ser descrita como um dos casos mais notórios do

fenômeno do “empreendedorismo acadêmico” no Brasil. Exatamente pelo fato dela ser

uma empresa exemplar, ter sido objeto de diferentes estudos ao longo da sua história e

de, agora, estar em grandes dificuldades financeiras e estratégicas motivou a sua escolha

como unidade de análise dessa pesquisa.

A empresa foi fundada em 1986 como uma spin-off do Instituto de Física da

Universidade de São Paulo do campus de São Carlos (IFSC-USP). Seus fundadores

eram pesquisadores da área de optrônica68

e pretendiam dar continuidade às pesquisas

de lasers e, assim, desenvolver produtos dos quais acreditavam existir demanda no mer-

cado. Um de seus fundadores, Jarbas Castro, havia acabado de completar doutorado no

MIT (Massachusetts Institute of Technology) e, movido pela experiência e exemplo de

um instituto ligado à iniciativa privada no tocante à pesquisa, decidiu fundar a Opto

Eletrônica (Valor Econômico 2011). Segundo Valério (2010) e Pereira (2014) o surgi-

mento da Opto foi pioneiro, visto que foi a primeira empresa incubada no Parque Tec-

nológico de São Carlos em 1986 (ParqTec). Além disso, a própria incubadora do parque

é considerada a primeira do país e a mais antiga da América Latina (Pereira 2014). De

certa forma, pode-se dizer que a empresa foi um fruto do laboratório de ótica montado

por Jarbas Castro na USP de São Carlos (Oliveira et al 2001)69

e, inclusive, a incubado-

68

Resumidamente esse campo do conhecimento consiste na combinação da eletrônica e a ótica (forne-

cimento, detecção e controle da luz). 69

O laboratório foi construído a partir de um financiamento do Banco do Brasil e no momento da funda-

ção da empresa ela era composta por dois professores, dois engenheiros e três técnicos (Turolla et al

2001).

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ra da USP São Carlos foi fundada por um dos fundadores da Opto Eletrônica – Milton

Ferreira (Oliveira et al 2001).

Dessa maneira, os pesquisadores da Opto desenvolveram os primeiros lasers em

escala industrial a partir da construção de um laser do tipo Hene (Hélio-Neônio), sendo

ele modificado posteriormente para construir um sistema de geração de linhas guias

para cortes de metal e alinhamentos de trilhos de trem (FAPESP 2015). Segundo um

dos fundadores da empresa, esse sistema foi vital para garantir o futuro da organização,

sendo ele vendido para a Vale no final da década de 80, inclusive vencendo concorren-

tes internacionais (FAPESP 2015). Os primeiros anos da Opto Eletrônica foram marca-

dos por dificuldades e evidenciaram, de certa forma, o descompasso entre as capacida-

des técnicas e gerenciais de sua equipe. A princípio, seus fundadores acreditavam que o

laser de Hélio-Neônio desenvolvido pela empresa apresentaria forte demanda junto ao

mercado interno, visto que externamente o tamanho de seu mercado era considerável.

Como afirmado pelo seu fundador no estudo de Oliveira et al (2001), a empresa pecou

no sentido de não estabelecer propriamente um modelo de negócio previamente ao de-

senvolvimento de seus produtos.

Outro produto de destaque desenvolvido nesse período foi um leitor de códigos

de barras, posteriormente vendido à ITAUTEC. Como afirma Jarbas Castro: “Nos pri-

meiros dez anos fomos basicamente um laboratório privado. Nós arrumamos mesmo

quando vendemos a tecnologia de laser de leitura de código de barras para a Itautec,

em 1986, e passamos a investir mais em pesquisa” (Valor Econômico 2011). Um dos

entrevistados ressaltou o fato de apesar dos produtos não produzirem ganhos financeiros

significativos, eles foram essenciais à construção de competências voltadas ao desen-

volvimento e engenharia de produtos que, de fato, possuíssem demanda junto ao merca-

do: “A gente abriu a firma pra fazer laser. E logo de cara já foi um choque, porque a

gente fez o laser e imaginava que ia fazer fila na porta pra comprar, e não foi isso que

aconteceu” (Entrevista – Diretor Opto Eletrônica)

Após sofrer com alguns problemas em vista da dificuldade de introduzir certos

produtos no mercado70

, ela passou a desenvolver produtos de maior “aceitação”, ou se-

ja, que possuíam não apenas potencial técnico, mas mercadológico. Dessa maneira,

com o know-how relativo à execução da P&D alinhado à inovação, a empresa começou

70

Em seu leitor de código de barras estava inserido um selo de segurança com os dizeres “radiação laser –

cuidado” que causou equívoco e prejuízo para empresa, uma vez que funcionários se sentiram reticentes

em utilizar o instrumento. Uma vez uma funcionária grávida chegou a entrar com uma denúncia alegando

que o equipamento poderia prejudica-la (FAPESP 2015).

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a investir no que viria a ser uma de seus principais campos – o segmento médico. Em

1988 ela deixou de ser Opto Eletônica Ltda tornando-se uma sociedade anônima (Opto

Eletrônica S/A) e passou a representar comercialmente empresas americanas na área de

lasers para cirurgias oftalmológicas. Importante lembrar que a transformação da empre-

sa em sociedade anônima foi uma condição imposta pelo Grupo Arbi, que entrou como

um novo sócio em 1988, trazendo consigo aportes financeiros essenciais à saúde finan-

ceira da empresa, mas também exercendo importante influência com relação à capacita-

ção gerencial de seus integrantes.

No início da década de 1990 a Opto Eletrônica já comercializava diversos pro-

dutos regularmente, havia comprado o terreno que viria a abrigar sua sede (de 7200 m2

comprado em 1985) e teve sucesso em obter linhas de financiamento junto a órgãos

federais, principalmente FINEP e FAPESP. Em 1993 ela inaugurou sua divisão médica

e em 1995 passou a exportar seus produtos (Oliveira et al 2001). Em 1997, com o encer-

ramento da representação comercial das empresas americanas, a Opto viu-se num novo

ponto de inflexão e, assim, decidiu passar a produzir e exportar seus próprios mecanis-

mos a laser (FAPESP 2015). Seu primeiro produto a ser exportado foi um microscópio

cirúrgico (Silva e Gomes 2010), tendo ela também desenvolvido retinógrafos digitais,

lasers cirúrgicos (primeiro produzido e certificado no Brasil), refletores odontológicos,

entre outros.

Logo, a partir de suas capacitações tecnológicas desenvolvidas, a empresa con-

seguiu crescer de forma considerável, realizando spin-ins e spin-offs tecnológicos entre

seus diferentes setores, como de lentes para óculo e lentes de contato e o setor espacial e

de defesa71

, com crescimento acumulado em termos reais de 1000% entre 1994 e 2010

(Fransischini, Furtado e Garcia 2014).

Ademais, a Opto, seguindo sua tradição, continuou realizando pesquisas em par-

cerias com universidades com o auxílio de financiamentos estatais, como os da FAPESP

(PIPE/PAPE) e da FINEP. Em 2007, por exemplo, ela desenvolveu um laser amarelo

para tratamentos de retina, do qual resultou numa pesquisa de mestrado (FAPESP

2015). A empresa também emprega estudantes de pós graduação (mestrado e doutora-

do) da USP-SC, que podem realizar suas pesquisas nas instalações da empresa enquanto

cumprem os créditos necessários junto à faculdade – um mecanismo eficiente de coope-

71

A Opto também foi pioneira na introdução de tratamentos para lentes anti-reflexo (sendo a única nacio-

nal com certificação ISO) e tratamentos de filmes finos. Em 2009 ela recebeu o prêmio FINEP de inova-

ção na categoria de média empresa.

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102

ração Universidade-Empresa, mas de pouca expressão no Brasil. Conjuntamente à

UNESP (Universidade Estadual Paulista), a Opto também desenvolveu um tratamento

de retina para combate à cegueira em 2010.

Atualmente a empresa se divide em 6 divisões: médica oftalmológica e médica

odontológica, antirreflexo, ótica industrial, componentes óticos e defesa e espaço (que

provavelmente será vendida). No momento da finalização do presente estudo, revelou-

se que a empresa Akaer havia comprado os ativos da divisão de espaço e defesa da Opto

Eletrônica7273

.

Estando consolidada junto ao mercado e construído capacidades de P&D na área

ótica, em 2004, a Opto participou da licitação para o fornecimento da câmera MUX e,

em 2008, para a câmera WFI (Wide Field Imager – sendo essa em consórcio com a

Equatorial Sistemas)74

. Apesar de ter acumulado profundas capacitações tecnológicas, o

desenvolvimento dessas duas empresas representava um enorme desafio não somente à

organização, como a todo o setor espacial brasileiro, que deu origem a um longo e com-

plexo desenvolvimento descrito a seguir.

Pode-se dizer que, em matéria de P&D, foi a partir de sua contratação junto ao

programa CBERS que a Opto Eletrônica expandiu consideravelmente seu departamento,

chegando a ter mais de 80 pessoas nas etapas críticas do projeto. Pode-se dizer que em

relação às suas atividades de inovação, os principais pontos de inflexão foram quando

ela decidiu entrar na área médica e desenvolver seus próprios aparelhos e na sua contra-

tação junto ao desenvolvimento dos satélites. Em 2016, a situação da empresa é de visí-

vel deterioração se comparada aos períodos anteriores, com o processo de recuperação

judicial além do reduzido departamento de P&D.

72

Segundo o Plano de Recuperação Judicial (de 2015) da empresa – que pode ser acessado no seguinte

endereço eletrônico: <http://opto.com.br/wp-content/uploads/2015/11/Aditivo-ao_Plano-de-recuperacao-

Judicial-Opto.pdf> - a Unidade Produtiva da Empresa de Espaço e Defesa deveria ser adquirida por, no

mínimo, 30 milhões de reais a fim de pagar as dívidas da empresa 73

A Akaer está passando por um período de expansão e diversificação de mercado. Além disso, o grupo

Saab, que já detinha 10% das ações da Akaer, passou a ter 25%, o que permitiu a empresa adquirir capital

para efetuar a aquisição da Opto Eletrônica. A Opto Eletrônica irá manter seus funcionários, assim como

sua operação, na cidade de São Carlos. 74

Ambas as licitações foram do tipo concorrencial sob a Lei 8.666/93.

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103

6.3 Participação da Opto Eletrônica no Satélite CBERS

Tendo ganhado a licitação, a Opto teria contratualmente, a princípio, quatro anos

para desenvolvê-la. Entretanto, em função não somente da complexidade do subsistema

e de sua integração ao satélite, mas também de complicações causadas por embargos

tecnológicos, seu desenvolvimento durou 9 anos75

.

A câmera MUX faz parte de um conjunto de quatro câmeras (duas brasileiras e

duas chinesas) integradas aos satélites CBERS de segunda geração (3 e 4). Ela foi desti-

nada a dar continuidade aos imageadores das famílias anteriores, realizando o recobri-

mento global a partir de alta resolução (20 metros), atuando a partir de quatro bandas

espectrais e possuindo 120 quilômetros de largura da faixa imageada. Seu desenvolvi-

mento foi um sucesso não apenas no sentido técnico, mas também estratégico. Isso por-

que as tecnologias espaciais são, tradicionalmente, classificadas como sensíveis em vir-

tude de seu uso dual.

Figura 23: Câmera MUX. FONTE (INPE/OPTO).

Tendo em vista esse caráter estratégico e dual das câmeras destinadas ao senso-

riamento remoto, por conseguinte, evidencia-se a importância de não somente desen-

volvê-las internamente, mas mantê-las sob controle nacional. Ademais, exatamente em

virtude de ser uma tecnologia protegida através de embargos e políticas externas, cada

país acaba por desenvolver sua própria trajetória ou soluções tecnológicas. Como afirma

o entrevistado:

75

Em diversas situações o projeto acabou sendo paralisado devido a falta de componentes, sendo necessá-

rios aditivos contratuais.

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104

“O aspecto tecnológico foi muito importante, foi a primeira câmera

mesmo que foi feita no Brasil, e nós tivemos que passar por uma série

de desafios tecnológicos (...) Não existe literatura a respeito, as litera-

turas sobre câmeras de espaço são todas controladas (...) Nós de-

senvolvemos certas técnicas aqui que a gente não sabe se os outros

países tem, cada um segue o seu caminho (...) nós achamos um cami-

nho nosso que a gente não sabe como foram os outros.”(Entrevista –

Diretor Opto Eletrônica)

Ademais, a restrição à importação e aquisição alcança não somente as câmeras

imageadoras, mas também seus componentes e equipamentos de testes, o que torna seu

desenvolvimento endógeno ainda mais crítico:

“Os equipamentos de testes são fundamentais, como você comprova

que o equipamento vai funcionar no espaço? Tem que ter uma série

de equipamentos para fazer isso e esses equipamentos foram todos

boicotados” (Entrevista – Diretor Opto Eletrônica).

Atualmente os países detentores de capacidades internas de sensoriamento remo-

to são: Estados Unidos, Rússia, Japão, Índia, Israel, Coréia do Sul, União Europeia (a

partir da ESA), Canadá e China. Países não detentores adquirem suas imagens através

de consórcios internacionais, como Landstat e Spot. As imagens disponibilizadas pelo

CBERS-4 demonstraram possuir qualidades significativas, que alguns autores afirma-

ram serem superiores àquelas fornecidas pelo Landsat-5 em relação ao mapeamento de

queimadas, corpos d´água e vegetação (Boggione et al 2014).

Além disso, o INPE estabeleceu uma política pioneira com relação às imagens

geradas a partir do segundo satélite da primeira geração, distribuindo-as gratuitamente à

sociedade civil e atingindo 100 mil imagens/ano (Chagas Jr 2009). Este talvez seja um

dos maiores impactos produzidos não somente através das capacitações atingidas por

empresas como a Opto, mas de todo o programa CBERS. Outros países passaram a ado-

tar a mesma postura, tratando tais dados como um bem público, como os Estados Uni-

dos, que implantaram a mesma política de acesso livre às imagens geradas pelos satéli-

tes Landsat-5, 7 e 8.

Observa-se, portanto, que o impacto provocado pelo programa CBERS e pelas

tecnologias nele desenvolvidas permearam tanto a esfera econômica quanto social, dei-

xando clara a importância de desenvolver um parque tecnológico adequado e capaz de

satisfazer tais demandas.

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105

Vale ainda ressaltar que atrasos são praticamente inevitáveis em projetos de inten-

so risco76

tecnológico. As Figuras 24 e 25, por exemplo, demonstram o atraso para cada

subsistema fornecido aos satélites CBERS-3 e 4 para cada TRL e MRL correspondente

(A Opto corresponde aos pontos em vermelho).

Figura 24: Attraso por TRL dos subsistemas do satélite CBERS. Fonte: Santos Mars-

hal e Daruiz 2013) (2013). Opto (TRL = 2, Meses = 17)

Figura 25: Atraso por MRL dos subsistemas do satélite CBERS. Fonte: dos Santos

Marshal e Daruiz 2013) (2013). Opto (MRL = 5, meses = 16).

76

Risco nesse caso se diferencia de incerteza, pois ele não pode ser estatisticamente mensurado, o que

torna projetos desse tipo ainda mais complexos.

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Verifica-se que praticamente todas as empresas atrasaram pelo menos um ano a

entrega de seus subsistemas. Importante destacar que os autores (dos Santos, Marshal e

Daruiz 2013) levaram em consideração apenas os atrasos ocorridos após a fase de quali-

ficação (QR – Qualification Review) – o que, segundo os autores, retira os atrasos pré-

vios resultantes dos embargos tecnológicos e retardos no fornecimento. Conforme

afirmam: “os atrasos incorridos após esta data referem-se exclusivamente às dificulda-

des inerentes à tecnologia e principalmente às dificuldades de produção encontradas

pelas contratadas nas fases de Qualificação e Produção de Modelos de Voo” (2013, p.

4). Observa-se que a quase totalidade das empresas adiou a entrega de seus subsistemas

em pelo menos 12 meses, sendo que a média foi de 15,6 meses. Interessante notar que

não se apresenta uma correlação negativa entre MRL/TRL e atrasos. Mesmo aquelas

que já possuíam alto nível de TRL e MRL acabaram tardando as entregas. Apenas a

estrutura do satélite (subsistema relativamente “simples” - TRL 5 e MRL 7) foi entregue

sem adiamentos.

Contudo, apesar da MUX e WFI serem notoriamente um sucesso tecnológico, a

Opto acabou por encontrar-se em graves dificuldades financeiras a partir do fim do pro-

grama, entrando em recuperação em dezembro de 2014, dois anos após o término das

licitações destinadas ao fornecimento de suas duas câmeras. Com o término do progra-

ma não houve mais contratos estatais nos segmentos de defesa e espaço, com exceção

do satélite CBERS-4A que já estava previsto e foi retomado. A Opto Eletrônica chegou

a ter mais de 500 funcionários nos anos de 2010 – sendo 86 alocados em P&D (cerca de

20 doutores, 36 mestres e 30 engenheiros). No início de 2016 restavam cerca de 90,

com aproximadamente 8 empregados em P&D.

Logo, evidencia-se que a Opto obteve forte crescimento para uma empresa de ba-

se tecnológica (EBT) tornando-se uma organização de médio porte, tecnologicamente

consolidada e com portfólio de produtos diversificado aplicando suas competências es-

senciais em diversos segmentos. Segundo Pereira (2008), por exemplo, a Opto Eletrôni-

ca era considerada como a empresa menos dependente do INPE dentre seus fornecedo-

res77

, uma situação que parece ter se alterado a partir do final do programa CBERS em

função de sua situação financeira.

77

Opto, Mectron (pertencente a Odebrecht) e Aeroeletrônica (pertencente ao grupo israelense ELBIT.)

foram apontadas como as únicas não dependentes dos contratos do INPE. A Odebrecht, em virtude das

investigações da Lava Jato, colocou à Mectron à venda. Contudo, sem sucesso, ela acabou por vender

seus projetos separadamente, desmembrando a empresa. Exatamente as empresas tidas como diversifica-

das acabaram por também enfrentar dificuldades, acabando por serem vendidas ou entrando em falência.

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107

Assim sendo, torna-se relevante a identificação dos mecanismos de aprendizado

utilizados ao longo de todo o programa que a permitiu construir as suas competências

tecnológicas que, por sua vez, geraram suas atividades de inovação que alimentaram o

desenvolvimento dessa ampla gama de produtos – evento esse descrito na seção a se-

guir.

6.4 Mecanismos de Aprendizagem Utilizados

Como descrito na seção 5.4, mecanismos de aprendizado são processos delibe-

rados que permitem aquisição de conhecimento e habilidades técnicas por indivíduos e,

através deles, pela organização, dos quais são divididos em quatro mecanismos: aquisi-

ção externa / interna e socialização e codificação de conhecimento. A identificação de

cada um deles ocorreu através da aplicação de questionários semiestruturados por meio

de entrevistas (Anexo 5) seguido por validações e revisões. Procurou-se dividi-los atra-

vés da tipologia adaptada de Figueiredo (1999; 2002; 2003) que fundamentou a análise

dessa pesquisa. Assim sendo, cada processo de desenvolvimento ou mecanismo – assim

como sua identificação e análise – são descritos a seguir.

Importante lembrar que na abordagem de Figueiredo três fatores chave são atri-

buídos aos mecanismos de aprendizado: variedade, intensidade e funcionalidade. No

caso, o autor utilizou tais critérios para averiguar como se construíram as capacidades

tecnológicas da empresa e, por conseguinte, a evolução de sua performance operacional

e atividades de inovação. Tratou-se de um estudo compreendendo longo período histó-

rico (mais de 40 anos em algumas empresas) com acesso aos dados internos, observação

in loco e entrevistas. No caso dessa pesquisa, não foram utilizados documentos internos

à empresa, tendo ela sido baseada nas entrevistas e pesquisa de documentos e estudos

abertos ao público. Dessa forma, não cabe no escopo dessa pesquisa identificar e apon-

tar características como a funcionalidade ou a variabilidade dos mecanismos de apren-

dizado ao longo de todo o programa CBERS. Buscou-se, portanto, identificar quais os

mecanismos de aprendizado utilizados e, se possível, somente apontar aqueles que pare-

ceram ser mais importantes ou que permaneceram com o fim dos projetos. Por fim, co-

mo resposta às perguntas secundárias, discute-se o processo de retenção de conhecimen-

to e as dificuldades em se desenvolver um projeto de alta intensidade tecnológica a par-

tir do marco legal brasileiro utilizado, o que pode ter interferido no atual processo de

recuperação judicial da Opto. Além disso, no início da pesquisa pensava-se em identifi-

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car quando os mecanismos foram criados, mas viu-se que essa tarefa dificilmente pode-

ria ser realizada a partir dos dados encontrados. Dessa maneira, não se identificou quais

mecanismos foram criados especificamente para o desenvolvimento da câmera MUX,

mas sim quais foram usados e em que medida foram encerrados após o projeto.

6.4.1 Aquisição Externa de Conhecimento

A aquisição externa de conhecimento consiste nos processos nos quais indiví-

duos adquirem conhecimento tácito e explícito e os transmitem à organização. No caso,

eles foram divididos em quatro tipos a fim de facilitar a identificação e condução do

trabalho de campo (Quadro 11 na página a seguir). Como o desenvolvimento de um

produto e sistema complexo necessita de constantes interações não somente entre forne-

cedores, mas, sobretudo, no desenvolvimento de novas competências voltadas às áreas

disciplinares fundamentais, muitos processos de aquisição externa de conhecimento

foram utilizados, tendo eles apresentado notório destaque.

Quanto ao mecanismo 1.A (Consultorias Técnicas voltadas à P&D), pode-se

dizer que ele foi um mecanismo de extrema importância durante todo o processo de

desenvolvimento da câmera MUX. Já nas primeiras fases do projeto (no PDR - Prelimi-

nar Design Review ) a Opto identificou diversos problemas que eram dotados de alta

complexidade e relacionados às áreas do conhecimento que a empresa ainda necessitava

desenvolver. Dado o prazo inicial relativamente curto do projeto (a princípio quatro

anos, mas no total foram nove) e tendo em vista sua natureza, foram contratados indiví-

duos altamente especializados e capacitados tecnicamente nessas áreas para ministrar

cursos e auxiliar nas soluções relacionadas aos desafios tecnológicos, sendo eles em

maioria ex-funcionários de empresas estrangeiras do setor espacial. Esses, por sua vez,

ministraram cursos e aulas voltadas às áreas críticas que seriam utilizadas em todas as

etapas seguintes do projeto.

“ ogo de cara na primeira etapa, no PDR, a gente viu que tinha um

monte de questões em aberto. O prazo era muito curto para a agente

fazer um desenvolvimento interno completo, aí a gente optou por uma

solução híbrida, ou seja, vamos fazer o desenvolvimento interno, mas

vamos encurtar caminho chamando [certos indivíduos] [...]. E foi o

que foi feito [...] Eu sabia que existiam, principalmente no [País X],

vários aposentados que tinham trabalhado nos concorrentes. Então

eu contratei para dar aula mesmo. Isso foi fundamental”. (Entrevista

– Diretor Opto Eletrônica).

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1 - Mecanismos de Aquisição Externa de Conhecimento Utilizados

Presente após encer-

ramento do projeto

MUX? (segundo se-

mestre de 2016)

Observações

Capacitação e Aquisição de Capital Humano

1A - Consultorias Técnicas voltadas à solução de problemas e complementação

de conhecimento à P&D (ex funcionários de empresas espaciais ou estudiosos

reconhecidos de áreas específicas necessárias ao projeto - e.g termo-ótica). Não

Em virtude dos projetos espaciais

estarem parados esse tipo de meca-

nismo não está sendo utilizado.

Quando retomados a empresa pre-

tende, eventualmente, voltar a uti-

lizá-lo

1.B - Consultorias de Gestão: contratação de serviços de consultorias empresari-

as, administrativas, tributárias, jurídicas etc. Sim -

1.C - Convênios e Parcerias com Universidades: Convênio estabelecido com a

USP-SC em 1994 voltados à pesquisa em nível de mestrado e doutorado, no qual

a pesquisa era realizada nas instalações da Opto e relacionadas aos seus projetos,

com bolsas de estudo fornecidas pela empresa.

Sim

Houve problemas legais em virtude

da Lei 8.666/93 e a perda de CNDs

(ver seção 6.6)

1.D - Treinamentos no exterior: capacitação de capital humano através da reali-

zação de cursos específicos em áreas críticas e/ou participação em eventos. Sim

A quantidade de funcionários que

realizam esses treinamentos é,

obviamente, muito menor, tanto

em virtude do número de pesquisa-

dores empregados quanto da para-

lização dos principais projetos.

Dessa maneira, pode-se arriscar a

dizer que a ‘intensidade’ desses

mecanismos foi consideravelmente

diminuída.

1.E - Treinamentos em território nacional: capacitação de capital humano atra-

vés da realização de cursos e treinamentos em território nacional - tanto em

áreas técnicas quando administrativas.

Sim

Observação e Captação de Conhecimento

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1.F - Captação de Conhecimento Codificado (patente, artigos, manuais etc). Sim

Essencial a praticamente todos os

projetos, contudo, com efeito bas-

tante limitado, principalmente no

setor espacial.

1.G Aquisição ou licenciamento de designs, patentes, etc Não

Natureza do Setor de defesa e es-

paço impossibilita o licenciamento

e aquisição de muitos componen-

tes.

Interação Com Fornecedores

1.H - Co-desenolvimento de produtos, instalações e equipamentos de teste Sim

No caso da câmera MUX esses

mecanismos foram considerados

muito importantes a fim de superar

os embargos tecnológicos através

do desenvolvimento nacional,

principalmente a partir das empre-

sas localizadas no polo de São

Carlos.

1.I - Visitas técnicas Sim

3.J - Intercâmbio de documentação e relatórios Sim

Interação com INPE

1.K - Bancas Examinadoras Não Projetos estão paralizados (CBERS

4A e AMAZONIA)/ Ausência de

novos contratos. Caso novos con-

tratos sejam realizados junto ao

INPE esses mecanismos irão muito

provavelmente retornar. 1.L - Cursos/ Treinamentos realizados junto ao INPE Não

1.M - Integração de componentes e sistemas (Opto apenas como consultora

pontual) Não

Integração de subsistemas foi reali-

zada pelo INPE em parceria com a

China (CAST)

Quadro 11 - Mecanismos de Aquisição Externa de Conhecimento Utilizados. Fonte: Elaboração Própria a partir da tipologia desenvolvida por Figueiredo (1999;

2002; 2003).

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Vale lembrar, contudo, que esse conhecimento externo por parte de ex-

funcionários capacitados não era de “livre acesso”. Mesmo estando aposentados, esses

funcionários não podiam revelar as soluções encontradas por suas ex-empresas (em vir-

tude da natureza dual da tecnologia e estratégica e de proteção à propriedade intelectual)

e, portanto, limitavam-se a atuar como uma espécie de consultor. Como destacado pelo

entrevistado, “logo de cara, no primeiro dia” o indivíduo afirmou que só “poderia res-

ponder o que fosse perguntado, por que não poderia falar como as coisas foram feitas

lá fora”. Como destacado nos capítulos anteriores, as trajetórias efetuadas por cada em-

presa são estritamente sigilosas e isso naturalmente reflete na transmissão de conheci-

mento, mesmo que de natureza tácita e individualizada. Em 2016, entretanto, visto que

seus projetos espaciais estão parados (como o do satélite Amazonia-1) e a ausência de

novos contratos, esse tipo de mecanismo não está sendo utilizado. Ou seja, sem uma

continuidade de projetos tecnológicos é natural que ele se torne intermitente, mesmo

sendo um processo significativo. Mesmo assim, viu-se que foi um mecanismo extre-

mamente crítico.

Já o mecanismo 1.C, relacionado às parecerias com universidades, sempre foi

um driver importante de aquisição de conhecimento e, sobretudo, aquisição e capacita-

ção de capital humano. Os primeiros convênios com a USP-SC foram firmados ainda

em 1994, muito em fruto da experiência de seus fundadores em institutos de pesquisa

alinhados à indústria, como o MIT e da empresa ter sido um spin-off do instituto de físi-

ca da USP. Com isso, a Opto passou a empregar principalmente estudantes de mestrado

e doutorado, no qual eles recebem uma bolsa da empresa a fim de conduzir pesquisa

voltada aos seus projetos/competências tecnológicas e cumprem os créditos junto à

USP. Segundo um diretor da empresa, até o segundo semestre de 2016 foram realizados

cerca de 14 doutorados e 35 mestrados nessa modalidade de parceria. Desses, cerca de 6

doutorados e 14 mestrados ocorreram no contexto dos programas espaciais (CBERS e

AMAZONIA). Tais projetos e pesquisas acadêmicas ainda foram importantes à empresa

não somente ao segmento espacial, mas também às áreas de defesa e médica, como na

construção de aparelhos a laser voltados às cirurgias oculares.

Aliados a esses três mecanismos estão os denominados 1.D e 1.E (treinamentos

no exterior e no Brasil). Aqueles listados como 1.A, B, C e D e 1.E, dessa forma, se

manifestam como os principais meios de qualificação e aquisição de capital humano da

empresa. Como afirmado:

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“A gente viu que não tinha ninguém no Brasil nessas áreas, infeliz-

mente, e aí tivemos que hora buscar pessoas no exterior para ensinar

(no caso os consultores) e hora tivemos que engrenar as pessoas nos-

sas em programas de mestrado e doutorado para pegar e desenvolver

a área. É o caso, por exemplo, da área de termo-ótica. Termo-ótica

não tinha ninguém no Brasil e acabamos desenvolvendo três pessoas,

sendo que duas delas estão na Universidade Federal e são professo-

res. São professores em tempo integral aqui na Universidade Federal

de São Carlos” (Entrevista – Diretor Opto Eletrônica).

Como demonstrado, muitas áreas disciplinares essenciais aos projetos de P&D

não possuíam pessoal disponível no mercado, tampouco existiam pessoas suficientes na

academia. Em alguns casos, inclusive, também não existiam cursos relacionados. Al-

gumas das principais áreas que foram necessárias ao desenvolvimento a partir desses

mecanismos foram: cálculo ótico, mecânica de precisão, cálculo térmico, análise de

radiação (efeito de radiação nos materiais), calculo estrutural (no caso, dinâmica estru-

tural, vibração etc), eletrônica de precisão e efeitos da radiação nos componentes eletrô-

nicos.

Observou-se que os mecanismos que envolviam o contato entre membros da

Opto e experts da indústria foram de extrema importância, sendo esse ponto destacado

por Simon (1991), com relação ao conhecimento ser um processo invariavelmente soci-

al. Além do mais, esses mecanismos se encaixariam no que Nonaka et al (1996) cha-

mam conversão de conhecimento tácito para tácito (socialização) e explícito para tácito

(internalização). Um determinado evento (realizado pela SPIE – Sociedade Internacio-

nal de Ítica e Fotônica) no exterior, por exemplo, foi ressaltado por um entrevistado

como de profunda importância durante a solução de problemas referente a uma das fa-

ses do projeto:

- Você diria que essa participação no evento foi importante?

“Eu diria que foi crítica, ‘criticíssima’, de nível máximo. Porque eu

fui buscar detalhes que, na literatura publicada em português, ou em

acesso no Brasil, não tinha [...] vou falar para você [o treinamento no

exterior] caiu igual uma luva para um problema que, na Opto, a gente

estava patinando, assim, há uns dois – não - cinco anos” (Entrevista -

Ex Gerente de uma das áreas de P&D da Opto Eletrônica)

No caso, o problema se relacionava ao processo de como montar um dos espe-

lhos inseridos na câmera – principalmente no que se refere aos cálculos necessários,

visto que ele estava quebrando durante os testes. A empresa passou, segundo o entrevis-

tado, cerca de cinco anos tentando contorna-lo, e somente quando um de seus integran-

tes pode ter contato com grupos de experts da área pode coletar algumas informações

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essenciais à solução do problema, algumas delas a partir do curso realizado no evento e

do material técnico, já outras somente a partir de conversas entre os especialistas. Como

afirmado: “Esse foi um detalhe crucial cuja resposta de cinco anos de dúvidas estava

num evento da Spie [International Society for Optic and Photonics], em San Diego, na

California, lá em Agosto de 2010”78

.

Observa-se, por conseguinte, que grandes recursos são dispendidos a fim de de-

senvolver todo o recurso humano necessário ao desenvolvimento de produtos de alta

intensidade, risco e incerteza tecnológica. Esses recursos, entretanto, podem ser caracte-

rizados como custos perdidos (sunk costs)79

visto que o retorno fica atrelado principal-

mente ao indivíduo80

. Dessa maneira, quando a Opto perdeu diversos funcionários em-

pregados em P&D ela acabou por também perder todo esse investimento realizado.

Consequentemente, quando retomados ou iniciados novos projetos do tipo ela ou terá

que recontratá-los - ou pior - formá-los novamente (dos cerca de 90 funcionários em-

pregados em P&D nos três programas restam, em 2016, apenas 8 segundo um entrevis-

tado). Como afirmado: “Nós perdemos toda a equipe. Todo o pessoal que a gente cri-

ou”. Como atestado, procurar recontratar esse pessoal desenvolvido é uma estratégia

que irá ser buscada quando, eventualmente, os projetos retornarem. Todavia, em alguns

casos essa contratação dificilmente será realizada, principalmente quando o capital hu-

mano já migrou para o exterior:

“Praticamente dessas 90 pessoas que eu tinha em 2011, umas 10, ali-

ás, 12 estão no exterior trabalhando em concorrentes. Essas pessoas

são brasileiras, a gente que criou aqui na nossa equipe e eles foram

contratados pelos concorrentes assim que a coisa começou a compli-

car aqui no Brasil. Eu tenho um(a) ex-funcionário(a), por exemplo,

que foi muito importante na área [X], ele/ela está trabalhando na

[Empresa X] e esta ganhando 150 mil euros por ano. Como que eu

vou conseguir arrancar de lá? [...]A gente manteve elas [as pessoas]

ao máximo que a gente conseguiu aqui, mas acabou que não conse-

guimos. Elas acabaram se dispersando.” (Entrevista – Diretor Opto

Eletrônica)

78

Outras informações, por sua vez, eram menos técnicas, mas não menos importantes, como as do tipo de

material utilizado e sua marca (como luvas, vestimentsa, etc) e condições do ambiente (como temperatura

e pressão). 79

Custos já dispendidos e que não podem ser recuperados, sendo diferente de perdas econômicas. Tam-

bém podem ser chamados de custos irrecuperáveis. 80

Mesmo que “transferido à organização” a perda de capital humano em nível individual enfraquece

consideravelmente a dinâmica do compartilhamento e formação de conhecimento, sobretudo quando essa

perda ocorre em massa.

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114

Segundo as entrevistas realizadas, de maneira aproximada, a dispersão do capital huma-

no ocorreu da seguinte forma: 30% foram para concorrentes nacionais ou no exterior;

20% estão em Universidades e 50% estão no mercado, mas fora da área espacial ou na

qual se qualificaram durante o programa CBERS.

Outro problema apontado pelos entrevistados foi uma certa relutância em voltar

ao setor espacial brasileiro, em virtude do baixo número de contratos: “Já teve [um ex-

funcionário(a)]que eu tentei trazer inclusive [..] não volta não é por causa do dinheiro

não. Ele(a) perdeu a fé” (Entrevista – Diretor Opto Eletrônica). Tal problema, entretan-

to, não é exclusividade da indústria. Como apontado por Oliveira (2014) o INPE, por

exemplo, possui dificuldade em repor alguns funcionários após suas aposentadorias

sendo necessários diversos anos a fim de capacitá-los. Além disso, na literatura referen-

te ao conhecimento e esquecimento organizacional, o processo de rotação de pessoal

(turnonver) pode acabar sendo – como no caso da Opto – maligno, principalmente

quando a experiência que permitiu a criação do conhecimento é idiossincrática e difícil

de ser replicada.

À vista disso, observa-se não somente a imprescindibilidade desses mecanismos

de aprendizado, mas também de como eles são delicados, no sentido de serem custosos

e do resultado ficar majoritariamente atrelado ao indivíduo que, após deixar a empresa,

leva consigo importantes conhecimentos tácitos. Esse foi um importante desafio encon-

trado a partir do trabalho de campo e que é discutido nas seções finais como não somen-

te um dos principais mecanismos de aprendizado, mas também um dos possíveis “gar-

galos” da indústria espacial.

Já com relação aos mecanismos listados como 1.F e 1.G (Observação e capacita-

ção de conhecimento, em maioria codificado), eles também foram identificados, no qual

eles já atuavam como um importante processo aos projetos anteriores aos da MUX.

“Quando a gente começa um projeto, principalmente em áreas críti-

cas como médica ou espaço, a gente faz uma busca pesada de artigo e

patente. A gente procura saber aonde é que tá. [...] Já em algumas

áreas, como defesa e espaço é difícil encontrar patente [...] Então a

única forma de você saber o que os outros estão fazendo é buscando

realmente um report, alguma revista que fala, de vez em quando tem

um press release... [...] Você pega uma publicação aqui, uma ali, en-

tendeu? Você vai pinçando as coisas. Essas informações são muito

controladas” (Entrevista – Diretor Opto Eletrônica)

Basicamente a busca sistemática por conhecimento codificado e, sobretudo,

disponível publicamente consiste num dos primeiros passos de um projeto tecnológico,

sobretudo nas áreas de espaço, defesa e médica. Obviamente que as áreas espaciais e de

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115

defesa diferem consideravelmente da última, no tocante à publicação ou registro de pro-

priedade intelectual, pois na maioria das vezes elas são mantidas como segredo industri-

al ou de caráter estratégico à nação. Assim sendo, apesar de ser uma etapa recorrente e

importante, ela possui uma limitação dependendo do tipo de projeto realizado. No seg-

mento de defesa, por exemplo, a participação em feiras internacionais serve como um

mecanismo adicional a fim de mensurar determinados padrões ou movimentos das in-

dustrias e estabelecimento de rede sociais :“ Às vezes a gente vai nas feiras também e

tentar entrar em contato com as pessoas, o mundo não é tão pequeno assim,

ne?”(Entrevista – Diretor Opto Eletrônica). Além disso, em virtude dos últimos even-

tos, principalmente no Oriente Médio – como a criação do Estado Islâmico, Guerra Ci-

vil da Síria etc -, a proteção à propriedade intelectual e à importação de componentes e

produtos vem aumentando. Segundo os trabalhos de campo, ao todo foram 87 embargos

tecnológicos, dos quais 70 foram solucionados através de soluções próprias81

. Os co-

nhecimentos possíveis de serem ‘adquiridos’, em geral, se deram a partir da utilização

principalmente de softwares, em alguns casos com treinamento fornecido ao pessoal da

Opto.

Em algumas vezes, inclusive, importantes informações estão contidas somente

em notas de rodapé, ou espalhadas pela literatura. Como afirmado, é necessário ir cole-

tando uma ‘coisa daqui, outra dali’, mas sempre envolto por um escopo limitado de al-

ternativas. Também são utilizados registros de componentes e equipamentos que já voa-

ram ao espaço, tanto com ou sem sucesso:

“Ao longo de oito anos a gente vai ver que a maior parte das infor-

mações são rodapés, são analises comparativas de equipamentos que

já voaram [...] essencialmente nosso grande pavor é tentar saber on-

de você encontra essas informações” (Entrevista – Ex Gerente Opto

Eletrônica).

Já os processos relacionados à interação com fornecedores (1.H,1.I e 1.J), por

sua vez, também estão intrinsicamente relacionados aos embargos tecnológicos, pois

obrigavam o desenvolvimento interno e em diversos casos isso foi realizado através de

parcerias com fornecedores, sobretudo da área médica82

. Dessa forma, foram construí-

das parcerias em P&D com fornecedores tanto nacionais quanto internacionais83

.

81

Em alguns casos até mesmo o Itamaraty teve que intervir a fim de tentar “desatar” o nó e conseguir

realizar importação de componentes críticos em que soluções não haviam sido desenvolvidas. 82

Esse foi um dos aspectos “positivos” dos embargos tecnológicos relatados pelos entrevistados, uma vez

que diversas competências tecnológicas foram desenvolvidas a fim de superá-los. 83

Algumas vezes acordos puderam somente ser realizados a partir de reuniões face a face, especialmente

com fornecedores internacionais.

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“A caixa de transporte da MUX, que era o contêiner, um contêiner

especializado, [...] , por incrível que pareça essa caixa nós não con-

seguimos comprar nos Estados Unidos. Nós tivemos que chamar um

parceiro aqui de São Carlos, por sinal, e eles toparam fazer. A Opto

encomendou desse parceiro aqui em São Carlos e eles acabaram fa-

zendo, e ficou muito bom” (Entrevista – Diretor Opto Eletrônica).

Consequentemente, esses procedimentos entre a Opto e seus fornecedores esta-

beleceram muitas relações entre tais organizações, não somente as fortalecendo como

induzindo atividades de inovação e co-desenvolvimento. Essas atividades ou contrata-

ção de serviços de P&D dentro de uma cadeia global de valor, se tratando de produtos

de natureza complexa, acaba por formar as chamadas redes (Gereffi, Humphrey e Stur-

geon 2005). Ademais, como apontado por Hobday et al (2005) e Rothwell (1977) esses

são não somente importantes mecanismos de aprendizagem tecnológica, mas também

da formação de links externos voltados à produção. CoPS, por natureza, também aca-

bam por envolver diversos fornecedores especializados à produção tanto de componen-

tes quanto de subsistemas84

. No caso, os mecanismos estabelecidos consistiram não

somente à P&D, como também visitas técnicas e transmissão de conhecimento codifi-

cado via documentação. Também foram desenvolvidos fornecedores tanto em São Car-

los como em São Paulo, que inclusive passaram a fornecer posteriormente itens de pra-

teleira. Nos casos dos fornecedores locais, a troca de relatórios, principalmente relacio-

nados à gestão da qualidade, como PDCA, ocorreu frequentemente e foi importante no

sentido de garantir que as diretrizes estabelecidas estavam sendo cumpridas.

Com relação às parcerias estabelecidas com o INPE elas foram mais restritas. O

instituto cumpriu maior papel de certa maneira ex post à P&D relacionado à aprovação

das fases do projeto. Em algumas fases, inclusive, como PDR (Preliminary Design Re-

view), CDR (Critical Design Review) e QR (Qualification Review) eram estabelecidas

bancas de aprovação, com experientes membros da academia e do Governo (AEB, ITA,

USP etc). Essas bancas foram muito importantes no sentido de fornecerem observações,

muito em virtude de não participarem do desenvolvimento e não estarem “viciados” no

projeto. As bancas tiveram considerável valor principalmente nas etapas do CDR, PDR

modelos de qualificação e engenharia. Os entrevistados destacaram principalmente as

84

Esses fornecedores especializados, entretanto, não são exclusivo aos CoPS ou às diferentes formas de

governança surgidas na segunda metade do século XX. Como apontado pro Rosenberg (1963) já existiam

fornecedores especializados, no final do século XIX, como os fornecedores da indústria de ferramentas

mecânicas (machine tool industry) que produziam equipamentos especificamente voltados às demandas

tecnológicas da indústria.

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117

especificações do INPE no tocante a validação e a forma de como validar as etapas,

além de procurar evitar possíveis falhas, principalmente as de origem humana.

As parcerias no tocante ao desenvolvimento limitaram-se principalmente à reali-

zação de treinamentos de pessoal da Opto no instituto voltado à montagem eletrônica

(montar cabos, conectores, soldá-los etc). Em alguns casos, integrantes da Opto chega-

ram a realizar disciplinas de pós-graduação no próprio instituto. Apesar do INPE ser o

cliente do projeto, alguns dos treinamentos foram pagos pela empresa. Além disso, hou-

ve intensa troca e transmissão de documentação entra a Opto e o INPE (segundo um

entrevistado mais de 100 mil documentos no total). Diversas vezes, inclusive, a quanti-

dade de documentos trocados entre a Opto e o INPE foi destacada por ser considera-

velmente grande, formando uma biblioteca voltada à câmera MUX.

Quanto à integração não houve muita dinâmica relevante85

. Na fase de integra-

ção da câmera aos satélites CBERS-3 e 4 a Opto atuou principalmente como consultora,

dando apoio à distância quando necessário, através de videoconferências e telefone.

Vale lembrar que esse contato era feito com membros do INPE, pois ele que realizou a

integração.

Percebe-se, portanto, que dentre os mecanismos de aquisição externa de conhe-

cimento aqueles que envolviam a socialização e internalização de conhecimento tácito –

essencial à resolução de problemas referentes às etapas do projeto – tiveram papel fun-

damental, principalmente quando promoviam o contato entre os integrantes da Opto e

experts da indústria e academia. Vê-se que as interações entre a Opto e organizações

externas foram cruciais, tanto no que diz respeito aos fornecedores internos e externos

como universidades e institutos de pesquisa (como USP e INPE).

6.4.2 Aquisição Interna de Conhecimento

Basicamente os mecanismos de aquisição interna de conhecimento ocorrem

através das atividades de rotina, tanto operacionais quanto de inovação. Obviamente

uma empresa de base tecnológica, fornecedora de CoPS necessita desenvolvê-los, afi-

nal, sem eles não é possível construir capacidades tecnológicas, tampouco executar

P&D ou desenvolver serviços ou produtos inovadores. Os mecanismos desenvolvidos

encontram-se no Quadro 12 abaixo.

85

Segundo um entrevistado, os próprios chineses estabeleciam esses impedimentos. Apenas numa única

ocasião duas pessoas da Opto puderam acompanhar certas etapas.

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2 - Mecanismos de Aquisição Interna de Conhecimentos Presente após encerramento

do projeto MUX? (segundo

semestre de 2016)

2.A Entre diferentes áreas/departamentos da organização Sim

2.B A partir da ampliação de sua estrutura (e.g criação de sala limpa). Sim

2.C Estudos e projetos de inovação executados em laboratórios de P&D Sim

2.D Envolvimento em design de projeto Sim

2.E Envolvimento nas atividades de rotina e operações de planta Sim

2.F Busca sistemática para ampliação das capacidades tecnológicas Sim

2.G Melhorias através de novas ferramentas de gestão Sim

2.H Desenvolvimento de equipamentos para teste de componentes Não

Observações

Como o departamento de P&D da Opto encontra-se bastante reduzido (segundo semestre de 2016), é de se

esperar que essas atividades sejam realizadas em menor escopo. Não se pode identificar em que medida a

empresa ainda está desenvolvendo atividades de inovação durante o seu processo de recuperação judicial.

Não obstante, a partir do momento em que tais atividades são internalizadas e transformadas em rotina,

pode-se dizer que elas permaneceram, mesmo que com impacto limitado. Dessa maneira, as atividades 2.A

– 2.G possuem intensidade, nos termos de Figueiredo, reduzida. Devido a atual conjuntura da empresa, a

criação de novas instalações e equipamentos não se configura como uma prioridade – algumas instalações

inclusive serão vendidas para o pagamento de dívidas da empresa.

Quadro 12 Mecanismos de Aquisição Interna de Conhecimentos Desenvolvidos. Fonte: Elaboração Própria a partir da

tipologia desenvolvida por Figueiredo (1999; 2002; 2003).

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Quadro 13 Mecanismos de Socialização de Conhecimento Desenvolvidos. Fonte: Elaboração Própria a partir da tipo-

logia desenvolvida por Figueiredo (1999; 2002; 2003).

3 - Mecanismos de Socialização de Conhecimento

Presente após encer-

ramento do projeto

MUX? (segundo se-

mestre de 2016)

3.A Treinamentos inhouse Sim

3.B Cursos ministrados inhouse Sim

3.C Reuniões periódicas intra e entre equipes Sim

3.D Reuniões matriciais Sim

3.E Mentorias (e.g entre funcionários experientes e novos ingressantes) Sim

3.F Rotação de equipes de projeto Sim

Observações

Sendo mecanismos dependentes do conhecimento tácito atrelado ao indivíduo, a saída dos pesquisadores

naturalmente irá prejudicar a atuação de tais mecanismos. Sendo assim, mesmo que os mecanismos te-

nham continuado na empresa, possuem atuação limitada.

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4 - Mecanismos de Codificação de Conhecimento

Presente após encer-

ramento do projeto

MUX? (segundo se-

mestre de 2016)

4.A Caderno de projeto Sim

4.B Intranet Sim

4.C Intercâmbio de documentação junto aos fornecedores Sim

4.D Intercâmbio de documentação junto aos INPE Não

4.E Publicação de artigos e capítulos de livros Não

4.F Documentação de melhorias técnicas Sim

4.G Documentação de projeto ( como entre as diferentes fases e protótipos da

câmera) Sim

4.H Práticas de padronização (referentes a relatórios e documentações) Sim

Obsevações

Pode-se dizer que a documentação técnica seja um dos principais ativos pertencentes à Opto Eletrônica

no tocante à área de espaço e defesa. Mesmo tendo reduzido seu pessoal esses mecanismos continuam

atrelados à rotina da organização. Com a eventual retomada dos projetos do CBERS-4A e AMAZONIA,

se espera que a troca de documentação entre o INPE volte a ocorrer.

Quadro 14 Mecanismos de Codificação de Conhecimento Desenvolvidos. Fonte: Elaboração Própria a partir da tipo-

logia desenvolvida por Figueiredo (1999; 2002; 2003).

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121

Mecanismos de aquisição interna muitas vezes são aqueles relacionados às ativi-

dades desenvolvidas nos projetos de engenharia no departamento de P&D. Como desta-

cado pela literatura, muito do conhecimento tácito pode apenas ser internalizado indivi-

dualmente a partir da observação ou realização de operações, atividades e, principal-

mente, através das rotinas da empresa. Dessa forma, elas representariam tanto o lear-

ning by doing quano learning by using voltados ao desenvolvimento e utilização das

tecnologias e equipamentos. Durante o desenvolvimento da câmera MUX houve a ne-

cessidade de solucionar diversos desafios tecnológicos e a competência desenvolvida

também foi utilizada nas outras áreas da empresa, como a médica e industrial.

Como exemplificado, muitas das atividades integrantes de um projeto de desen-

volvimento de produto inovador invariavelmente desenvolvem mecanismos de aprendi-

zado interno. No caso de um projeto espacial, o gerenciamento de projeto se torna mais

problemático tendo em vista as maiores exigências quanto ao produto, sua confiabilida-

de e risco, pois ele não pode, em hipótese alguma, falhar, já que se encontra no espaço e

manutenções são impossíveis. Dessa forma, a gestão de projetos da câmera MUX teve

que seguir os padrões emitidos pelo ECSS (European Cooperation for Space Standarti-

zation), uma norma do PEB e do INPE. Basicamente elas consistem em diversos pa-

drões e normas referenciais para contratação e gerenciamento de produtos ou sistemas

espaciais, como árvores de produto, estrutura da divisão do trabalho, estruturas de rela-

tórios, ciclo de vida do projeto, testes etc (Barbalho et al 2009; Oliveira 2014; ECSS

2009). Usualmente, projetos sob tais normas são divididos em 4 segmentos (branches),

sendo eles gestão de projetos, garantia de produto, engenharia espacial e sustentabilida-

de (Anexo 3-4). Ademais, todo o ciclo de vida de um projeto espacial também é delimi-

tado e o ciclo de vida de todo o sistema (o satélite) segue as mesmas divisões e normas.

À vista disso, os mecanismos de aprendizado listados no Quadro 12 em muito

foram utilizados para satisfazer essas necessidades e, ao mesmo tempo, nutrir a criação

de capacidades tecnológicas e desenvolvimento de produtos e soluções inovadoras. O

aprendizado pode ser realizado através de diferentes Mecanismos (2.A até 2.H), e sua

mensuração ocorreu principalmente a partir da listagem dos processos citados por Fi-

gueiredo (1999; 2002) aliados à sua modificação previamente e posteriormente à entre-

vista, porque muitos deles não haviam sido previstos ou inseridos no questionário. Co-

mo a tipologia de Figueiredo era voltada à indústria siderúrgica, é natural que os meca-

nismos difiram daqueles por ele listados.

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Importante destacar que alguns desses mecanismos são “equivalentes” a algumas

capacidades tecnológicas na definição de Lall (1987; 1992), como ampliação da estrutu-

ra e instalações, ferramentas de gestão, e aprendizado entre diferentes áreas da organi-

zação. Dentre as instalações e estruturas físicas construídas, as principais foram a cria-

ção de uma sala limpa, sala de montagem ESD (Protegida de Cargas Eletrostáticas) sala

escura e a criação de diversos equipamentos de testes (que foram igualmente boicota-

dos), como aqueles voltados aos testes de radiação. Foi desenvolvida uma câmara de

termo vácuo que representou um importante avanço para a indústria, uma vez que se-

gundo um dos entrevistados ela é uma das únicas, se não a única, no hemisfério sul que

permite incidir raios laser sobre o aparelho, o que permite o melhor estudo relacionado

às condições ambientais. Vale ressaltar que, com a dispersão do capital humano, o co-

nhecimento relacionado ao treinamento e utilização desses equipamentos também se

dissipa.

Além disso, foi necessária a criação de maior interação entre as diferentes áreas

e departamentos da organização, como financeiro e de projetos (em virtude das normas

ECSS) jurídico e de P&D (em virtude aos processos contratuais, atrasos, embargos etc),

ou seja, o impacto da implantação de um projeto dessa magnitude não se limita apenas

às áreas tecnológicas. Como demonstrado por Barbalho et al (2009) a Opto necessitou

da criação de um escritório de projetos dentro da diretoria de P&D voltado à satisfação

das demandas da área espacial da empresa. Como destacado pelos referidos autores, as

metodologias de projeto anteriores utilizadas assemelhavam-se às de um laboratório

acadêmico, a partir de registros em cadernos e de atas. Esses mecanismos aliados aos

demais processos formaram os meios pelos quais a Opto conseguia adquirir conheci-

mentos internamente. Pode se dizer que os mecanismos 2.C – 2.G, por sua vez, pratica-

mente sempre serão utilizados/desenvolvidos em projetos dessa natureza, sobretudo

espaciais

A atual ocorrência desses mecanismos, no entanto, é de menor frequência, no-

vamente em virtude dos encerramentos dos contratos. As estruturas e instalações cria-

das, por exemplo, apesar de se configurarem como um dos principais ambientes nos

quais o conhecimento interno é adquirido e difundido, praticamente não estão sendo

utilizadas : “a sala limpa por exemplo foi um investimento que a gente vez para ser ca-

paz de atingir todas as especificações e também olhando os projetos futuros. O grande

problema foi que não aconteceu projeto futuro” (Entrevista – Diretor Opto Eletrônica).

Os demais processos, consequentemente, sofrem e tem sua utilização reduzida da mes-

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ma forma. Não obstante, verificou-se que muitos dos mecanismos encontravam-se atre-

lados à rotina da empresa.

6.4.3 Mecanismos de Socialização

Os processos pelos quais indivíduos compartilham seu conhecimento são cha-

mados de mecanismos de socialização. São todos e quaisquer processos formais ou in-

formais nos quais indivíduos (ou um grupo) transmitem conhecimento tanto para outros,

como para a organização (Figueiredo 1999), dos quais aqueles utilizados pela Opto se

encontram no Quadro 13.

Esses mecanismos estão muito relacionais à necessidade da empresa em formar

seu capital humano em áreas específicas e, dessa forma, são utilizados de forma conco-

mitante aos treinamentos identificados nos processos de aquisição externa de conheci-

mento. Ademais, dada a natureza tácita de muito dos conhecimentos exigidos, o contato

e a interação humana atuam como meios fundamentais à disseminação do conhecimento

internamente à organização.

Muitas vezes os funcionários ingressantes nas áreas técnicas e de pesquisa ne-

cessitam realizar cursos e assistir às aulas ministradas na própria empresa para se capa-

citarem. Com isso, a empresa oferece cursos voltados às áreas específicas de cada um,

nos quais os funcionários mais experientes procuram passar seu conhecimento aos no-

vos ingressantes, tornando-se referências internas. Como exemplificado anteriormente,

a Opto necessitou investir substancialmente em seu capital humano que, apesar de capa-

citado, muitas vezes deve adquirir maior conhecimento nas áreas de ótica. Esse processo

já era utilizado pela empresa antes dela iniciar as suas atividades espaciais, sendo um

importante processo de socialização de conhecimento e, novamente, encontra-se “em

menor escala” visto que sua equipe de P&D diminuiu substancialmente e os projetos

espaciais estão paralisados. Como afirmado por um entrevistado:

“Quando a gente contrata uma pessoa aqui para seguir a carreira da

ótica nós já estamos cientes que temos que investir na pessoa. O que a

gente faz? Tem cursos internos. Então os mais velhos dão cursos para

os mais novos. Então é assim mesmo. Numa quinta-feira a noite tem

aula, numa segunda-feira de manhã tem aula [...] nessa área não tem

formação de mão de obra no Brasil. Ou seja, a gente pega um cara de

física ou de engenharia que tem zero de curso de ótica e a gente dá o

curso” (Entrevista – Diretor Opto Eletrônica)

Nesse caso, novamente, pode se afirmar que a perda/diminuição das equipes que

participaram do desenvolvimento da câmera MUX e WFI atua não somente como um

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agente dificultador da formação de capacidades tecnológicas, mas também dos próprios

processos de aquisição de conhecimento – se não há pessoal, não há socialização e o

que dirá transmissão. Assim sendo, observa-se que o capital humano participante dos

projetos atua como um importante vetor de difusão do conhecimento adquirido nos pro-

jetos espaciais. Vale aqui ressaltar que muitos pesquisadores migraram para a academia

(cerca de 30%) e, dessa forma, seus conhecimentos podem se encontrar, em alguma

medida, disponíveis à empresa caso ela os necessite para projetos futuros86

.

Outros mecanismos importantes de socialização de conhecimento são as reuni-

ões internas entre as equipes de pesquisa. Com a ampliação do número, das equipes e da

complexidade de seus projetos, a Opto precisou criar novos mecanismos a fim de coor-

denar e gerir cada um, mas também de utilizar e transmitir os conhecimentos desenvol-

vidos entre todos os projetos. Esse é um processo relevante no sentido da “perenização”

do conhecimento, além de atuar como um importante fator relativo ao desenvolvimento

e ampliação de seu portfólio de produtos e inovações em suas diferentes áreas através de

sua competência essencial (optrônica):

“Então as equipes de projeto têm reuniões periódicas, às vezes até di-

ariamente.[...] a gente faz pelo menos uma reunião semanal para pri-

orizar as coisas. Porque? Como é matricial tem, por exemplo, um es-

pecialista em ótica. O especialista em ótica é demandado tanto pelo

projeto médico quanto espacial. De quem que é a prioridade? Então

essas reuniões a gente fazia pelo menos uma vez por semana para de-

finir a prioridade” (Entrevista – Diretor Opto Eletrônica).

Dessa maneira, vê-se que talvez os processos de socialização do conhecimento

sejam um dos mais dependentes em relação ao capital humano, muito pelo fato de não

serem codificados – ou seja - ocorrem a partir de mecanismos de transferência de co-

nhecimento tácito para tácito, que Nonaka e Takecuhi (1995) denominam de internali-

zação.

6.4.4 Mecanismos de Codificação

Conhecimentos atrelados aos indivíduos ou à organização podem ser codificados

através de processos formais e informais (Figueiredo 1999). Tradicionalmente os mais

utilizados consistem na elaboração de relatórios, publicação de artigos e documentação.

Aqueles desenvolvidos e utilizados estão presentes no Quadro 14.

86

Nesse sentido o novo marco legal da C&T pode ser um agente facilitador, visto que ele procura facilitar

o trabalho conjunto entre universidades e a iniciativa privada.

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125

A Opto tradicionalmente utilizava diversos processos de codificação em seus

projetos, uma vez que eles são fundamentais não apenas à construção de capacidades

tecnológicas, mas a todo gerenciamento e acompanhamento.

Todas as reuniões que ocorriam (listadas como mecanismos de socialização)

eram registradas no formato de atas. Ademais, todos os participantes dos projetos de

pesquisa possuem um caderno particular, no qual registram as principais atividades rea-

lizadas (processos, problemas, resultados, esboços, rascunhos e observações). Inicial-

mente esse caderno era físico e posteriormente passou para o formato eletrônico. Além

disso, ela criou cadernos em grupo, além dos individuais87

. Esse processo tornou-se um

facilitador à elaboração dos relatórios de projeto, além de ser possível rastrear todas as

atividades realizadas a partir de uma data específica. Tais registros também são benéfi-

cos na solução de determinados problemas e falhas, no sentido que é possível realizar o

caminho inverso e investigar as suas respectivas causas.

Além disso, diversos estudos foram publicados por pesquisadores da empresa,

como capítulos de livros e artigos. Em 2016, inclusive, foram publicados dois capítulos

num importante livro que realiza uma compilação dos trabalhos de desenvolvimento de

subsistemas óticos para observação da Terra nos últimos vinte anos88

. As próprias nor-

mas da ECSS para gestão de projetos também acabam demandando uma série de docu-

mentos relacionados ao andamento do projeto, tanto em termos administrativos e finan-

ceiros quanto técnicos. Dessa maneira, diversos documentos relacionados às melhorias

foram executados. Adicionalmente, os processos de aprovação das fases junto ao INPE

demandavam a elaboração de inúmeros outros documentos. Segundo um entrevistado o

“padrão” utilizado pela empresa é de inserir as perguntas em resumo das respostas, pois

“o caminho entre as perguntas e as respostas é muito difícil de documentar” :

“Então basicamente a gente acaba tentando “obrigar” a colocar as

perguntas e um resumo das respostas. Porque o caminho entre as

perguntas e as respostas é muito difícil documentar. Então a gente

procura deixar as perguntas muito bem feitas e a resposta final muito

bem feita, o meio do caminho infelizmente nós não conseguimos fazer

[em matéria de documentação – materialização do conhecimento táci-

to]. Seria bom? Seria, mas não tínhamos meios para fazer isso”. (En-

trevista – Diretor Opto Eletrônica)

87

Cadernos de projetos também são extremamente importantes no tocante à aplicação de patentes de

propriedade intelectual, principalmente nos Estados Unidos, que até 2013 utilizavam o sistema first to

invent e não first to file. 88

No caso, são os capítulos 14 e 16 do livro “Optical Payloadas for Space Missions” (Shen-en Qian

2016)

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126

Obviamente que essa documentação do caminho entre as perguntas e as respos-

tas é uma limitação da própria essência intangível e tácita do conhecimento.

Com relação aos fornecedores também havia grande intercâmbio de documen-

tos, nos quais formam praticamente toda uma biblioteca destinada à câmera MUX. Es-

ses documentos são todos codificados numa plataforma eletrônica, em que a partir de

suas siglas e códigos se consegue localizar aqueles documentos relevantes à busca. Vê-

se que apesar de não participar no design dos componentes o INPE lançava mão de

grande de documentação a fim de fiscalizar e fundamentar suas decisões de aprovação

de cada uma das fases do projeto. Dentre esses mecanismos, a quase totalidade dele foi

mantida na empresa, com exceção da troca de documentos com o INPE - novamente

uma vez que não existem projetos em andamento no momento.

Interessante notar que a importância desses mecanismos variou de entrevistado

para entrevistado, principalmente relacionado ao uso do software utilizado para o cader-

no de projeto. Entretanto, foi ressaltada a importância da manutenção de toda uma estru-

tura de documentação com controle de revisão, nos quais as alterações dos documentos

estão presentes, assim como todas as suas versões, ou seja, são documentos refletindo

um momento temporal específico no âmbito do desenvolvimento das câmeras. Neles

estão presentes relatórios de mudança, análises de risco, planos de mitigação, entre ou-

tros. O único ponto “negativo” seria talvez a própria complexidade dessa estrutura. Por-

tanto, eles representam um importante ativo tangível à empresa.

6.5 Considerações Referentes à Manutenção do Conhecimento Organizacional

Com o desenrolar da pesquisa viu-se que era relevante discutir a questão da re-

tenção do conhecimento organizacional e da dispersão do capital humano mesmo que

brevemente, visto que muitos dos mecanismos de aprendizado deles dependem. Dessa

forma, nas entrevistas utilizadas na verificação dos dados referentes aos mecanismos de

aprendizado também foram inseridas algumas questões referentes ao conhecimento e

esquecimento organizacional.

Segundo um dos ex-integrantes da empresa, por volta de 2005, o departamento

de P&D da Opto Eletrônica tinha por volta de dez a quinze pessoas. Como essa equipe

foi reduzida de 90 (no auge do projeto) para menos de dez pessoas (até segundo semes-

tre de 2016) evidentemente esse processo gera impactos no tocante ao conhecimento a

nível supra individual. À vista disso, é natural que surjam algumas questões, como: em

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127

que medida o conhecimento atrelado aos indivíduos permaneceu incorporado à empre-

sa? Os processos de codificação foram/são eficientes no que diz respeito a sua manuten-

ção? De que forma o conhecimento pode ser retido e utilizado por indivíduos que não

participaram dos projetos?

Como apontado na literatura, o conhecimento produzido pela organização não

equivale somente à ‘soma’ daquilo que se encontra nos indivíduos. Argote (2013) diz

que o treinamento e desenvolvimento coletivo promove o chamado sistema de memória

transacional, voltado à codificação, armazenamento e processamento de informações,

muitas vezes simplesmente referido por “quem sabe o que” (who knows what):

“A gente precisa respeitar que pessoas, individualmente, têm conhe-

cimento, mas pessoas em grupo, trabalhando segundo uma trajetória

histórica, elas formam um conhecimento que é difícil de captar. Por-

que às vezes é difícil de escrever, e ele se realiza porque eu tenho par-

te, meu vizinho tem parte e juntos nós conseguimos apertar um para-

fuso” (Entrevista – Ex-Gerente Opto Eletrônica)

Deve-se notar que, de fato, a Opto Eletrônica desenvolveu processos exatamente

com o objetivo de manter esse conhecimento junto à memória de sua organização89

.

Entretanto, essa memória, apesar de ser coletiva, depende do fator humano. Como afir-

mado por Starbuck (1992) em empresas intensivas em conhecimento (KIF – Knowledge

Intensive Firms), o conhecimento está principalmente presente nos indivíduos, bens de

capital, capital social, treinamentos, culturas e rotinas. Ou seja, mesmo que tais proces-

sos permaneçam, eles podem sofrer consideravelmente com a ausência de capital huma-

no, principalmente quando a experiência necessária apresenta caráter peculiar ou de

raridade, o que torna a dificuldade de sua interpretação e reprodução um desafio ao

aprendizado (Argote 2013). Conforme relatado por um ex-gerente da empresa, mesmo

que a empresa tenha deliberadamente desenvolvido meios para simplificar a compreen-

são e reprodução daquilo que foi produzido, sua eficiência acabava por ser limitada:

“Bom, o problema é que essa equipe que eu mencionei de seis pesso-

as, a equipe foi embora e o que a Opto tem hoje são documentos, são

desenhos, são 500 desenhos mais uns 50 documentos. E quer queira

quer não, se você quiser montar uma equipe hoje para compreender

esse material que é só do escopo mecânico, digamos, é informação

que você precise depurar em talvez um ou dois anos” (Entrevista – Ex

Gerente Opto Eletrôncia)

89

Por memória organizacional se entende os meios com que o conhecimento desenvolvido no passado

pode ser utilizado em atividades presentes (Stein 1995).

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128

Ademais, os mecanismos de codificação e cadernos de projeto aparentaram não

ser muito eficientes, mesmo compreendendo todo o escopo do programa e seus inte-

grantes. Segundo um entrevistado, o software utilizado “caiu em desuso e pelo jeito não

deu muito certo”. Todavia, segundo o mesmo ex-integrante da empresa, ao menos com

relação à utilização do componente produzido pela sua equipe, o manual de operação

(utilizado na integração da câmera ao satélite) foi desenvolvido de forma detalhada,

exatamente para minimizar qualquer experiência necessária a sua compreensão:

“Houve uma preocupação de fazer o projeto de uma tal forma a mi-

nimizar a capacidade cognitiva do operador. De forma que ele só ti-

nha que apertar botão, ele não tinha que estar baseado na experiên-

cia desse ou daquele” (Entrevista – Ex Gerente Opto Eletrôncia).

Já o material técnico referente a todo processo de pesquisa e desenvolvimento da

câmera, todavia, não possui tal margem de simplificação, visto que é composto por mui-

tos desenhos e inúmeras versões, testes, etc, e , além disso, como afirmado, o “texto, ele

não consegue captar nuances”. Um outro ex-integrante da empresa afirma que:

“Toda a documentação requerida de desenvolvimento foi realizada.

No entanto relatórios técnicos não são suficientes para reter todo o

conhecimento se a maioria das pessoas que tiveram importância no

desenvolvimento de conhecimento se desligam da empresa. Sempre

houve a preocupação de um período de treinamento de novos inte-

grantes por parte dos que se desligavam durante o período em que eu

estive ligado à empresa. Mesmo assim, creio que muito do que foi de-

senvolvido é de difícil acesso a novos funcionários. No entanto ressal-

to que a grande dispersão de RH ocorreu tempos depois de minha sa-

ída.” (Ex engenheiro Opto Eletrôncia)

Verifica-se, portanto, que a própria empresa realizou ações voltadas a não so-

mente reter grande parte do conhecimento desenvolvido, como também difundi-lo e

socializa-lo pela organização, principalmente através de cursos, reuniões e treinamentos.

Observa-se assim que mesmo que a indústria aeroespacial utilize instalações, equipa-

mentos e processos tecnicamente avançados, muita de sua experiência e expertise possui

a forma humana (Starbuck 1992; Benkard 2000). De fato os mecanismos utilizados fo-

ram bem sucedidos no sentido de tornar o conhecimento mais perene e acessível, afinal,

a câmera foi um sucesso tecnológico.

A questão que fica, todavia, é se numa eventual retomada dos projetos tecnoló-

gicos, o conhecimento desenvolvido poderá ser acessado e utilizado novamente. Com

base nas entrevistas realizadas, a situação aparente é de que, ao menos, a empresa en-

contraria dificuldades em acessar e utilizar aquilo que já foi produzido, principalmente

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129

pela dispersão de seu capital humano e do custo e tempo necessário ao treinamento de

novos integrantes. Mesmo assim, é interessante notar que essa foi uma explícita preocu-

pação da empresa ao longo do programa CBERS, em que ela procurou na medida do

possível difundir e reter o conhecimento produzido pelos seus integrantes. A desmobili-

zação de pessoal também se relaciona ao que a literatura descreve como o valor da soci-

alização ou valor de redes sociais. Cada membro da equipe possuía sua própria rede de

contatos. Consequentemente, com a perda desse indivíduo o acesso a essa rede também

acaba por ser mais limitado, mesmo que eles mantenham contato com a empresa. Ao

longo do estudo também foi observado que as redes e contatos possuídos pelos fundado-

res e diretores da empresa foram fundamentais à seleção e contratação de pessoal.

Como o futuro da empresa é incerto, torna-se difícil tentar prever como se dará a

retomada do conhecimento presente na empresa. Além disso, as dificuldades financei-

ras e gerenciais enfrentadas pela Opto Eletrônica em muito contribuíram a sua instabili-

dade, principalmente a partir de 2010-2011.

Não é possível responder à questão de como a Opto conseguiria utilizar ou ‘res-

gatar’ o conhecimento produzido durante o programa CBERS. Contudo, é de se esperar

que, um significativo esforço deverá ser efetuado para que ela, ao menos, atinja o pata-

mar de que estava no auge do programa (por volta de 2012)

6.6 Dificuldades com a Lei de licitações – Lei no 8.666/1993

90

Essa seção é destinada a um importante aspecto que permeou todo o desenvolvi-

mento da câmera MUX: o das dificuldades proporcionadas pelo arcabouço jurídico que

regulou sua contratação, a Lei no

8.666/93. Essas dificuldades podem ser consideradas

como os fatores externos (Figura 4, seção 1) que, nesse caso, dificultaram a criação e

manutenção de algumas de suas capacidades tecnológicas. Torna-se ainda relevante

discorrer brevemente sobre esse assunto, uma vez que ele se relaciona às políticas de

PPI – principalmente no tocante à institucionalidade e relação entre contratante-

contratado. A dinâmica proporcionada pela atual legislação de compras estatais não

propicia uma institucionalidade favorável às compras estatais de produtos inovadores,

uma vez que é permeada por inúmeros custos de transação. O novo marco legal da C&T

melhorou muitos aspectos, mas viu-se que alguns dos problemas permanecem, uma vez

que as normas de estabelecimento das cláusulas contratuais e divisão de riscos da Lei

90

Essa seção é baseada no estudo de Pellegrini, de Campos, Chagas Jr e Furtado (2017) a ser publicado.

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130

8.666/93, por exemplo, não foram alteradas. Ademais, essa subseção é relevante no sen-

tido de tentar compreender um pouco do processo que resultou no pedido de recupera-

ção judicial da Opto Eletrônica.

A Lei no

8666/93 constitui o instrumento legal que regula as compras estatais, es-

tabelecendo quando de sua edição normas para toda e qualquer licitação ou contrato

público relacionado a obras, serviços, inclusive de publicidade, aquisições e locações

tanto na esfera Federal, quanto Estadual e Municipal, regulamentando o artigo 37, inci-

so XXI da Constituição Federal (Brasil 1988). A Lei no

8.666 nasceu a partir do Projeto

de Lei no 1.491, de 1991, substituindo Decreto Lei 2.300/86. Vale lembrar o contexto

em que essa regulamentação foi introduzida – o do impeachment do então presidente

eleito Fernando Collor, em 1992. Torna-se importante destacar seu contexto, uma vez

que ela foi concebida, principalmente, a fim de regulamentar obras e aquisições de bens

“simples” e consolidados (sob o ponto de vista tecnológico) e como um instrumento de

combate e prevenção à corrupção91

. Ou seja, a lei não previa em seu texto mecanismos

especificamente voltados à aquisição de produtos ainda não existentes ou demandantes

de inovação. Posteriormente foram criadas algumas eis voltadas à inovação que altera-

ram a regulamentação de licitações brasileira (e.g Lei 10.973/2004, Lei 12.349/2010) e,

principalmente, a Lei 13.243/2016 – que produziu o novo marco legal da CT&I92

.

Vale ressaltar que atualmente as aplicações de instrumentos previstos na literatura

de PPI são muito discutidas e, tanto no Brasil quanto na Europa, diversos programas

foram nela baseadas. Essa literatura, no entanto, baseia-se em estudos de caso majorita-

riamente ocorridos na UE, em sistemas nacionais de inovação consolidados e realizados

91

Rosilho (2013) afirma que: “A Lei Geral de Licitações e Contratos vigente seguiu o caminho da

superlegalização (...) Procurou-se criar a figura do gestor boca da lei na expectativa de que a

corrupção — cujo epicentro, segundo o diagnóstico da época, estaria na liberdade gozada pela

administração para decidir como melhor contratar — fosse reduzida (...) O pior é que esta solu-

ção normativa foi — e em boa medida continua sendo — aplaudida pela comunidade jurídica —

pois, ao menos em tese, atendeu ao pleito pela valorização das regras e princípios jurídicos —,

pelos políticos e pela imprensa — visto que ela praticamente anulou a esfera de liberdade da

Administração Pública, declarando ser, em alto e bom tom, portadora (com exclusividade, diga-

se de passagem) da moralidade — e, por fim, pelos órgãos de controle — já que o fato de ela ser

altamente procedimentalizada viabilizou a realização de um rigoroso controle burocrático”

(2013, p. 2-7). 92

A Lei 10.973/04 modificou o Art. 24 da Lei 8.666/93, tornando as dispensas de licitações elegíveis caso

a contratante seja uma ICT. Já a Lei 12.349/10 incluiu margens de preferência para produtos inovadores

nas escolhas dos contratados. A Lei 12.243/16, por sua vez, alterou significativamente o marco legal de

C&T no Brasil (modificando centenas de artigos, incisos e parágrafos da Lei 110.973/04), além de expli-

citar o uso do poder de compras do Estado como um instrumento de política industrial e de inovação, bem

como ampliar hipóteses de dispensa de licitação e permitir que ICTs contratem empresas a partir do RDC

(Regime Diferenciado de Contratação).

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131

por empresas situadas na dita fronteira tecnológica. O caso da Opto Eletrônica é exata-

mente o contrário. Mesmo que a empresa tenha desenvolvido amplas capacidades tec-

nológicas, ela não se encontra no “estado da arte” relacionado às suas competências

essenciais. A Opto se enquadraria no processo que autores como (Katz 1982; Lall 1987;

Bell 1995 e Figueiredo 1999; 2002) caracterizam como um processo idiossincrático de

aquisição de capacidades tecnológicas - justamente por não estarem no limiar do conhe-

cimento e situarem-se em países de industrialização tardia. Ora, uma vez que não so-

mente a institucionalidade, como também as próprias empresas possuem condições dife-

rentes daquelas estudadas na literatura de PPI, é natural que encontremos situações na

qual ela não prevê instrumentos, tampouco medidas apropriadas às soluções desses ca-

sos. Em suma, o que se viu no estudo realizado foi uma lei que não estabeleceu os me-

canismos e dinâmicas apropriadas ao desenvolvimento tecnológico. Vale destacar que,

ao mesmo tempo, a própria empresa não possuía muita experiência nesse tipo de contra-

to (de compras estatais). Um aspecto ressaltado por um dos entrevistados foi a falta de

integração e comunicação entre os departamentos jurídico, financeiro e de P&D como

algo essencial a ser desenvolvido pela empresa. Não que esses problemas poderiam ter

sido solucionados apenas com essa capacidades (pois ele é um problema normativo),

mas eles seriam pelo menos um pouco mitigados.

Logo, o que se deu foi uma situação de certa forma problemática - dada a nature-

za complexa do produto desenvolvido (Câmera Multiexpectral) e das idiossincrasias do

SNI brasileiro e as fundações legais utilizadas - em que os produtos foram, de fato, um

sucesso tecnológico, mas em termos de uma PPI e política industrial o programa foi

carregado de impasses, tornando sua análise relevante.

Resumidamente, as principais adversidades provocadas pela Lei n. 8.666/93 en-

contradas através do estudo de caso, na sua utilização como um instrumento de PCT

(Política Científica e Tecnológica) voltado à difusão de inovações, foram: I) inadequa-

ção do projeto básico e impossibilidade de transferir ao contratado sua elaboração, em

outras palavras, o contratado não pode tanto elaborar o projeto básico quanto executá-lo,

o que seria significativamente benéfico, principalmente num evento de alta intensidade

e risco tecnológico II) fata de garantias do contratado para se proteger de atraso dos

pagamentos após a conclusão das etapas previstas no projeto; e atraso no fornecimento

de componentes e ausência de aditivos III) Implicações da Lei 8.666 em projetos com

tendência intrínseca ao atraso e IV) efeito sistêmico provocado pelas sanções decorri-

das dos problemas contratuais. Buscou-se, por conseguinte, elencar esses quatro pontos

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132

a partir da narrativa apresentada pelo entrevistado, interligando a análise do arcabouço

legal e as implicações ocorridas no tocante ao projeto e à empresa. Estes itens são ana-

lisados a seguir.

O Desenvolvimento da câmera MUX foi contratado a partir de uma licitação do

tipo concorrencial, apesar de nesse período já ser possível contratar mediante dispensa

de licitação (Art. 24, inciso XXXI - Lei 8.666/93 inserido pela Lei 10.973 em Dezem-

bro de 2004). Provavelmente pelo fato do inciso ter sido inserido menos de um mês an-

tes da licitação e da participação de concorrentes internacionais a contratação foi efetu-

ada por meio competitivo, sem que houvesse dispensa ou inexigibilidade.

O Quadro 19 lista todos os contratos da Opto Eletrônica efetuados junto ao INPE

ou à AEB. Os demais contratos entre o INPE e a Opto foram realizados a partir de dis-

pensa (inciso XXV do Art. 24, Lei 8.666/93) ou inexigibilidade de licitação (Art. 25o da

Lei 8.666/93), muito em virtude da Opto se configurar como única fornecedora capaci-

tada, já que foi a desenvolvedora do produto. Vale ainda destacar a ampla quantidade de

termos aditivos realizados durante o contrato da câmera MUX (7 no total e mais 1 no

contrato da WFI) listados no Quadro 20 (praticamente todos os aditivos foram baseados

no primeiro parágrafo do Art. 57o). Observa-se que seis dos sete termos aditivos foram

destinados à criação ou prorrogação de eventos previstos no contrato – algo esperado

dada a natureza do produto adquirido e os inúmeros desafios e, principalmente, embar-

gos tecnológicos.

Logo em seus primeiros artigos, a Lei no.8666/93 estabelece condições desfavo-

ráveis às compras públicas voltadas à introdução e difusões de inovação, uma vez que

impossibilita que uma mesma instituição ou empresa desenvolva o projeto básico e par-

ticipe do processo licitatório, como disposto no Art. 993

.

Essa restrição por vezes atua como um empecilho, principalmente num projeto

de profunda intensidade e incerteza tecnológica, como foi o desenvolvimento da câmera

MUX. Além do mais, no momento ex ante, é difícil estabelecer com precisão e deta-

lhamento as especificações técnicas, de design ou até mesmo listar seus componentes,

93

“Art. 9 - I: Não poderá participar, direta ou indiretamente, da licitação ou da execução de obra ou ser-

viço e do fornecimento de bens a eles necessários: I - o autor do projeto, básico ou executivo, pessoa

física ou jurídica; II - empresa, isoladamente ou em consórcio, responsável pela elaboração do projeto

básico ou executivo ou da qual o autor do projeto seja dirigente, gerente, acionista ou detentor de mais de

5% (cinco por cento) do capital com direito a voto ou controlador, responsável técnico ou subcontratado;

III - servidor ou dirigente de órgão ou entidade contratante ou responsável pela licitação. § 1o É permiti-

da a participação do autor do projeto ou da empresa a que se refere o inciso II deste artigo, na licitação de

obra ou serviço, ou na execução, como consultor ou técnico, nas funções de fiscalização, supervisão ou

gerenciamento, exclusivamente a serviço da Administração interessada.”

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uma vez que as capacidades tecnológicas, humanas e organizacionais podem ainda não

ter sido atingidas; simplesmente ainda não se tem completo conhecimento ou controle

de como elas devem ser e atuar. A incerteza e o risco são inerentes ao desenvolvimento

tecnológico e, por conseguinte, o design e as especificações irão alterar-se ao longo do

projeto, principalmente num produto de complicada arquitetura envolvendo subsistemas

também complexos por natureza, sendo produzidos por diferentes organizações. Dessa

forma, como uma instituição que não será a empresa contratada, pode estabelecer um

projeto básico condizente às futuras necessidades?

No caso da câmera MUX, o projeto básico foi realizado pela instituição contra-

tante, o INPE. Conforme relatado pelo entrevistado, as especificações foram inevita-

velmente modificadas entre as etapas previstas e, obviamente, resultaram numa amplia-

ção dos prazos e do orçamento inicial previsto pelo contrato estipulado. As mudanças

nas especificações técnicas ocorreram principalmente nos estágios do PDR (Preliminar

Design Review), CDR (Critical Design Review) e QR (Qualification Review). Vale res-

saltar que no mesmo período a empresa também estava realizando mais um projeto jun-

to ao INPE a fim de desenvolver as três câmeras do satélite Amazônia-1 da Plataforma

Multimissão e, assim como no CBERS, houve os mesmos problemas – atraso nos pa-

gamentos, atrasos na entrega de componente e alterações técnicas. Por conseguinte, fo-

ram essas as fases críticas e que mais sofreram com as contrapartidas legais da lei de

licitação brasileira utilizada:

“No CDR a gente teria que ter entregue um modelo de engenharia.

Mas pra fazer esse modelo de engenharia, na prática, nós tivemos que

fazer mais três modelos. (...) e levou dois anos e meio para entre-

gar.(Entrevista - Diretor Opto Eletrônica).

Observa-se, dessa forma, que já nas etapas iniciais de uma compra estatal envol-

vendo P&D incerta e de alta intensidade tecnológica a partir da Lei 8.666/1993, ela não

permite – ou melhor – não se adequa às dinâmicas naturais do processo da inovação. Há

muito já se demonstrou que a inovação não segue uma lógica linear ou unidirecional

(Kline e Rosenberg 1986). Ela é, portanto, incapaz de suportar os inatos processos re-

troativos ou loops tecnológicos da inovação. No estudo de caso abordado, as inerentes

modificações técnicas de um produto ou sistema complexo (Hobday1998; /Henderson e

Clark 1990) necessitaram exatamente dessa revisita às fases anteriores para se adequar

às alterações arquitetônicas e propriedades técnicas. Isso, somado às dificuldades do

INPE em fornecer componentes e nos atrasos de pagamentos, acabaram por impactar

tanto a gestão de projetos da Opto como sua situação financeira. É necessário salientar,

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no entanto, que o próprio INPE também sofre desse mesmo arcabouço legal. Os repas-

ses inferiores ao orçamento previsto, as dificuldades em adquirir produtos e componen-

tes para os satélites e de liberar aditivos aos contratos realizados do mesmo modo infli-

gem seus projetos. Sobretudo, a própria Lei 8.666/1993 não permite, de maneira algu-

ma, liberdade de ação aos administradores públicos quanto à estruturação do processo

de compra – ficando acorrentados numa legislação inadequada, maximalista e burocra-

tizada. Em outras palavras, as normas e regras estabelecidas nos contratos realizados a

partir dessa estrutura legal são nocivas à criação de uma institucionalidade apropriada à

inovação tecnológica.

“O projeto na licitação previa quatro anos e meio de desenvolvimento

e entrega de modelos de voo e terminou em nove anos e meio. Não

houve reequilíbrio. Ou seja, toda a previsão de custo que se tinha fei-

to para quatro anos e meio explodiu (...). (...) O risco tecnológico vai

penalizar quem participa dele e que pela legislação [8.666/93] o risco

tecnológico é considerado falha contratual.” (Entrevista - Diretor Op-

to Eletrônica).

A fim de evitar as sanções contratuais, a Opto manteve seu pessoal envolvido no

desenvolvimento de suas câmeras, entretanto, as obrigações financeiras resultaram na

perda de todas as suas CNDs94

, o que provocou um efeito sistêmico.

À vista disso, com o desenrolar do programa da câmera MUX, ela passou a en-

frentar significativos obstáculos contratuais e financeiros concomitantemente ao desen-

volvimento tecnológico que estava sendo realizado. Um ano e meio após o lançamento

do CBERS-4 em dezembro de 2014, a Opto encontrava-se em recuperação judicial a

fim de saldar muitas das dívidas contraídas durante a gestão de seu programa, pois não

foi possível cumprir todas as obrigações junto aos fornecedores, funcionários e dispên-

dios legais resultantes principalmente dos atrasos e falhas contratuais. A empresa está

sendo obrigada a vender parte de seus ativos mais valiosos – espaço e defesa – a fim de

executar suas obrigações financeiras:“Para pagar a dívida fiscal”(Entrevista – Diretor

Opto Eletrônica).

94

CNDs (Certidões Negativas de Débito) são comprovantes que atestam a regularidade de uma pessoa

jurídica junto à receita federal. É regida pela Portaria n.1751 de 2014 que atesta em seu art.6 que: “A

Certidão Positiva de Débitos relativos a Créditos Tributários Federais e à Dívida Ativa da União (CPD)

indicará a existência de pendências do sujeito passivo:I - perante a RFB, relativas a débitos, a dados ca-

dastrais e à apresentação de declarações; e II - perante a PGFN, relativas a inscrições em cobrança.” Uma

empresa que não possui CNDs passa a enfrentar diversas restrições, como exportação, assinar novos con-

tratos com o Governo etc (Brasil 2016):

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135

Instituição Contratante Modalidade da Licitação Identificador Objeto Número de Aditivos Valor Inicial Lei Utilizada

Agência Espacial Brasileira (AEB) 7 - Inexigibilidade de Licitação "20300150000042013"

Prestação de serviços de teste de Burnin nos

equipamentos, RBNA, RBNB e RBNC modelos de

voo(MV1 e MV2) do subsistema MUX do satélite

CBERS-3, conforme Projeto Básico e Anexos.

0 R$ 1.988.972,00

Fundamento Legal: Art.

25 , Caput da Lei n 8.666

de 21/06/1993.

Justificativa: Justificativa:

Por haver invialidade de

competição..

Agência Espacial Brasileira (AEB) 7 - Inexigibilidade de Licitação"2030015000016201

4"

Contratação de empresa para prestação d e

serviço de realização de teste de Burn-in no

modelo de voo MV3 dos equipamentos RBNA,

RBNB e RBNC do subsistema MUX do satélite

CBERS-4.

0 R$ 1.177.429,00

Fundamento legal:

Fundamento Legal: Art.

25 , Caput da Lei n 8.666

de 21/06/1993.

Justificativa: Por haver

invialidade de

competição..

Instituto Nacional de Atividades

Espaciais (INPE)6 - Dispensa de Licitação NA

Fornecimento, sob risco

tecnológico, de tecnologias de banda SWIR, de

telescópio TMA (Three

Mirror Anastigmat ou Anastigmático de Três

Espelhos) e de

estruturas em carbeto de silício (SiC),

acompanhadas de Protótipo de

uma Câmera Multiespectral VISWIR

0 R$ 9.508.018,59

Fundamento legal:

Fundamento Legal: Art.

24 , Inciso XXXI da Lei n

8.666 de

21/06/1993.Justificativa:

Contratação pela Lei de

Inovação 10973/2004 e

Decreto 5563/2011

Instituto Nacional de Atividades

Espaciais (INPE)3 - Concorrência

"2401065000980200

4"

Prestação de serviços de Desenvolviment o,

Fabricação e Testes do Subsistema Multispect ral

Câmera (MUX), dos Satélites CBERS 3 e 4. (R .D.

01.06.098-0/2004)7

R$ 56.996.292,63 Fundamento Legal

Lei nº 8.666/93.

Instituto Nacional de Atividades

Espaciais (INPE)3 - Concorrência

"2401065001150200

8"

Prestação de Serviços de desenvolviment o,

projeto, fabricação e testes do Subistema Ad

vanced Wide Field Imaging Camera AWFI, parte

integrante da carga útil da Plataforma Multi-Mi

ssão Brasileira PMM a ser utilizado no satéli te

Amazônia 1, conforme especificações técnicas

constantes no Projeto Básico, Anexo I do Edita l.

(R.D. 01.06.115.0/2008)

1 R$ 37.950.307,36Fundamento Legal

Lei nº 8.666/93.

Contratos Concedidos à OPTO ELETRÔNICA no setor espacial (dados retirados do portal de compras governamentais)

Quadro 15– Contratos espaciais entre INPE/AEB e Opto Eletrônica. Fonte: Elaboração própria partir dos dados do portal da transparência.

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136

Aditivo Objetivo Fundamento Legal Data

1

Adequação da Cláusula Décima-Quinta Fonte de

Recursos do Contrato ora aditando, de modo a

contemplar que as despesas contratuais serão

cobertas por recursos orçamentários e também por

aqueles advindos do Convênio nº 01.0115 .00/2004,

celebrado aos 30/12/2004 entre o Mini stério da

Ciência e Tecnologia MCT, a Financi adora de Estudos

e Projetos FINEP e o INPE. ( R.D. 01.06.098-1/2005)

Fundamento Legal: Inciso I do Art. 65 da Lei

nº 8.666/93.

11/03/2005

2

Prorrogação dos eventos contratuais "d" , "e", "f", "g"

e "h", da Cláusula Quinta do Contrato ora aditando,

permanecendo inalterados os prazos de entrega

originariamente previstos para os eventos "i" a

"q".(R.D.01.06.098.2/2005 ).

Fundamento Legal: Parágrafo 1º do artigo 57,

da Lei nº 8.666/93.03/10/2005

3

Prorrogação dos eventos contratuais, a partir do

evento "f", com a inclusão de novos e ventos de

forma que o último evento contratual passará a ser

designado com "u", bem como alter ar o prazo

previsto no Parágrafo Primeiro da Cláusula Quinta do

Contrato, permanecendo inalterados seus demais

parágrafos. (R.D. 01.06.098-3/ 2006)

Fundamento Legal: Parágrafo 1º do art. 57.

Inciso VI, da Lei nº 8.666/93. 17/07/2006

4

Prorrogação dos eventos "J" e "L", de q ue trata a

Cláusula Quinta Pagamento e Condiç ões, do Contrato

firmado pelas partes em 17 de dezembro de 2004 (RD

nº 01.06.098.4/2007).

Fundamento Legal: Lei nº 8666/9329/09/2007

5

Alteração das Cláusulas Terceira Prazo, Quarta Preço e

Quinta Pagamento e Condiç ões, do Contrato ora

aditando, permanecendo ina lterados suas demais

disposições. (R.D. 01.06.0 98.5/2008)

Fundamento Legal: Incisos I e II do parágrafo

1º do Artigo 57 da Lei nº 8.666/93.03/10/2008

6

Criação de novos eventos, a partir da divisão das

atividades previstas no evento anteriormente

denominado "N"; B) Em consequência das

modificações de que tratam a alínea "a", alterar o

"caput" da Cláusula Terceira Prazo e a Cláusula Quinta

Pagamento e Condições do Contrato ora aditando.

(R.D. nº 01.06.098.6/2010) .

Fundamento Legal: Inciso V do Parágrafo 1º

do art. 57 da Lei nº 8.666/93.11/05/2010

7

Criação dos eventos "N3A", "N3B", "N 4A", "N4B",

"N4C", "N4D", "O1", "O2", "O3", "P1 Cláusula Quinta.

(R.D. Nº 01.06.098.7/2010). ", "P2", "Q1", "Q2", "S1" e

"S2" a partir da di visão das atividades previstas nos

eventos ante riormente denominados "N3", "N4",

"O", "P", "Q" e "S", com consequente prorrogação de

prazo do s demais eventos; B) Prorrogar o prazo para

cum primento dos eventos de "R", "T" e "U" e por co

nseguinte alterar a redação da Cláusula Terceir a e o

cronograma físico-financeiro do Caput da

Fundamento Legal: Inciso V do Parágrafo 1º

do artigo 57 da Lei nº 8.666/93.17/12/2010

Aditivos do Contrato Referente à Prestação de serviços de Desenvolvimento à Fabricação e Testes do Subsistema Multispectral

Câmera (MUX), dos Satélites CBERS 3 e 4. (R .D. 01.06.098-0/2004)

Quadro 16 Termos aditivos do contrato de desenvolvimento da câmera MUX Fonte: Elaboração Própria.

a partir dos dados do Portal da Transparência.

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137

Evidencia-se, dessa forma, que a empresa teve suas outras áreas impactadas pe-

los contratempos ocorridos no programa CBERS. Sua área civil passou a sofrer pela

falta de capital de giro utilizado a manter o capital humano alocado à empresa e, com as

aplicações das multas fiscais por atrasar pagamentos junto ao fisco e à receita por prio-

rizar fornecedores e o pessoal junto ao projeto, ela acabou por ficar numa situação in-

sustentável.

O INPE pelas mesmas regras contratuais não era possibilitado de realizar todos

os aditivos necessários para pagar por algo que representou um risco alocado à outra

parte (contratado), em vista da natureza das tecnologias empregadas, além de ter difi-

culdade em importar os componentes necessários. Mesmo o subsistema tendo sido bem-

sucedido tecnologicamente, foi um insucesso com relação à manutenção das competên-

cias humanas e tecnológicas junto à empresa e sua conjuntura financeira.

Isto posto, percebe-se que a institucionalidade de um regime de compras estatal

voltado à inovação se enfraquece consideravelmente a partir de regimento promovido

unicamente pela Lei No.8666/93. As circunstâncias que tanto a Opto quanto o INPE se

encontraram, via de regra, foram resultado de uma natureza jurídica insustentável se

aplicada a um regime de alto risco, incerteza e de intensidade tecnológica. Vê-se que os

atrasos foram em alguns casos fruto da própria natureza do processo tecnológico e ge-

rencial, nos quais a Lei n.8.666/93 de forma isolada é demasiadamente conservadora. Só

poderiam ocorrer reequilíbrios em caso de fato imprevisível, força maior ou alteração

feita pelo próprio Estado. Ademais mesmo que fique determinado que a empresa receba

somas financeiras, elas podem depender de um questionamento judicial. Dessa forma,

mesmo que os valores contenham juros de mora, o atraso em seu recebimento torna-se

prejudicial, uma vez que dívidas (como trabalhistas e tributárias) podem ter sido adqui-

ridas em virtude desse atraso.

Observa-se, portanto, que o quadro institucional gerado unicamente a partir da

Lei n.8.666/93 é inapropriado se aplicado ao contexto do PPI. Ou seja, as instituições95

que regulam as compras estatais não permitem a dinamização e formação de um campo

de ação necessário às compras estatais como instrumento de PCT. As normas e regula-

95

Por instituições utiliza-se aqui a definição de North (1995, p. 4-5): “Institutions are the rules of the

game of a society or more formally are the humanly-devised constraints that structure human interaction.

They are composed of formal rules (statute law, common law, regulations), informal constraints (conven-

tions, norms of behavior, and self imposed codes of conduct), and the enforcement characteristics of

both”

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138

ções impostas por esse regime acabam por catalisar os custos de transação96

e, por con-

seguinte, tornam-se nocivas à aquisição pública de inovação tecnológica.

À vista disso, num ambiente em que as transações são custosas, as instituições

importam (North 1987; 1995) e, no caso da utilização da Lei 8.666/1993 sob o escopo

do estudo de caso abordado, as suas instituições atuam realizando exatamente o contrá-

rio: elas amplificam os custos. Esse fenômeno pode ser atribuído muito em decorrência

dos objetivos dos quais fundamentaram a criação dessa Lei. Se ela não foi estabelecida

como a intenção de conceber normas apropriadas às aquisições públicas de produtos

incertos e inovadores, torna-se inevitável que ela vá de encontro com esses objetivos e,

assim, falhe em criar a institucionalidade necessária97

.

Verifica-se que a institucionalidade produzida pela Lei 8.666/93 sem os meca-

nismos introduzidos no novo marco legal de C&T de 2016 ou com a adição de meca-

nismos voltados ao desenvolvimento e risco tecnológico não se aplica de maneira efici-

ente num contexto de aquisições públicas voltadas à inovação. Como afirmado por

North (1987) e Williamson (1981) o crescimento econômico moderno se dá justamente

a partir de instituições que constantemente se adaptam à dinâmica socioeconômica e,

assim, reduzem os custos de transação e produzem os determinantes adequados ao de-

senvolvimento econômico98

. Exatamente o contrário ocorreu no tocante às estruturas e

governanças que implicaram nas instituições aplicadas ao estudo de caso do presente

estudo. Segundo os mesmos autores, será a polity99

que delimitará essa matriz instituci-

onal e realizará seu enforcement. Portanto, a fim de se estabelecer uma política (policy)

96

Custos de transação podem ser definidos como a “areia na engrenagem”, ou os custos que não estão

diretamente ligados à produção. Segundo North (1987) existem quatro principais variáveis que os influ-

enciam: i) mensuração dos atributos dos bens sendo cambiados e/ou mensuração da performance dos

agentes envolvidos ii) especificação contratual a fim de estabelecer salvaguardas de forma mais precisa

possível a fim de impulsionar maior compliance iii) enforcement ou cumprimento das normas estabeleci-

das a fim de deter que uma das partes aja de maneira oportunista e iv) atitudes ideológicas ou o premium

que um indivíduo está disposto a pagar em troca de agir em pleno interesse próprio (free ride). Resumid-

amente, segundo o mesmo autor também podem ser definidos como: “The costs of measuring the multiple

valuable dimensions of the goods or services exchanged or of the performance of agents, and the costs of

enforcing agreements determine transaction costs” (1995, p. 2). 97

O Projeto de Lei no Senado (PLS 559/2013), que atualmente necessita da aprovação da Câmara dos

Deputados, propõe a criação de duas novas modalidades de licitação: convite e diálogo competitivo. A

segunda seria exatamente um novo mecanismo voltado a casos de alta incerteza tecnológica. 98

“The key to continuing good economic performance is a flexible institutional matrix that will adjust in

the context of evolving technological and demographic changes as well as shocks to the system. (North,

1995, p. 8). 99“Successful development policy entails an understanding of the dynamics of economic change if the

policies pursued are to have the desired consequences. And a dynamic model of economic change entails

as an integral part of that model analysis of the polity since it is the polity that specifies and enforces the

formal rules”. (p. 4).

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139

de inovação100

apropriada, faz-se necessário a criação, anteriormente, de instituições,

normas e regras formais a partir de um arcabouço adequado. Em outras palavras, sem a

redução dessa “areia na engrenagem”, os instrumentos de política (como os de PCT, e.g

os instrumentos de demand side policies aqui abordados) ficam condenados, pois estão

baseados num fundamento ineficiente. Daí a imprescindibilidade de se construir todo

um arcabouço legal que não apenas busque promover às compras estatais como instru-

mento de política de inovação, mas de estabelecer toda uma cooperação entre os diver-

sos agentes de um SNI, além de capacitar todo pessoal público a utilizá-lo (algo igual-

mente imprescindível).

Tomando o setor espacial como exemplo, por mais que se amplie a utilização

de instrumentos - e dispêndios - voltados ao desenvolvimento setorial e a capacitação

tecnológica, eles ficaram condenados e terão impactos reduzidos caso sejam estrutura-

dos numa institucionalidade esquizofrênica, como no caso das instituições produzidas a

partir da Lei de licitações sem instrumentos especificamente voltados à inovação tecno-

lógica. Dessa maneira, recursos tanto tangíveis quanto intangíveis essenciais ao estabe-

lecimento dos condicionantes à inovação e, assim, ao estabelecimento de um sistema

nacional/regional de inovação (Edquist 1997, 2001) ficam comprometidos. No caso da

Opto, muito de seu conhecimento tácito – essencial à inovação tecnológica por ser difi-

cilmente codificado (Hobday 1998; 2000; Balconi 2002) - dispersou-se a partir da liqui-

dação de seu capital humano com o fim do programa CBERS, uma vez que a empresa

não se encontrava em condições de mantê-los em vista às dificuldades enfrentadas ao

longo do processo contratual. Tais eventos acabam por não somente comprometer a

política de inovação, como também a redução dos custos de transação. Williamson

(1981) afirma que os ativos humanos devem ser protegidos numa estrutura de gover-

nança, pois dificilmente são adquiridos ou replicados junto ao mercado, o que não ocor-

reu no estudo de caso desse estudo.

No que tange às implicações de política, torna-se clara a necessidade da criação

de um arcabouço jurídico especificamente voltado às compras públicas de produtos di-

fusos, inexistentes, ou que requeiram o desenvolvimento e pesquisa tecnológica. O novo

marco legal da C&T promoveu um importante avanço, contudo, instituições públicas

necessitam, invariavelmente, utilizar a Lei 8.666/93 ou o RDC (este limitado ás institui-

100

Por política de inovação se entende as ações públicas – ou de organizações públicas - voltadas à indu-

ção de comportamento e processo decisório que irão proporcionar o desenvolvimento e difusão de inova-

ções.

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140

ções de C&T). Assim sendo, caso a Lei 8.666/93 seja utilizada – mesmo via dispensa –

ela ainda carrega empecilhos ao desenvolvimento tecnológico (e.g necessidade de ca-

racterizar previamente o objeto, alocação de riscos e estabelecimento de reequilíbrios

contratuais).

Contudo, é importante lembrar que não se pode ver a Lei 8.666/93 como o único

fator – ou variável independente – capaz de dificultar o desenvolvimento de um projeto

como o aqui estudado. Como afirmado por um entrevistado, a Opto Eletrônica não pos-

suía muito know-how referente aos aspectos jurídicos desencadeados por um contrato do

tipo da câmera MUX. Em especial, foi mencionada a necessidade de interação entre os

diversos departamentos da empresa, especialmente os de P&D e da área jurídica, dada a

natureza do programa e como ela ainda precisa investir nesse tipo de capacidade organi-

zacional.

A capacidade gerencial da Opto também foi mencionada durante as entrevistas

como um provável fator que catalisou o seu processo de insolvência financeira, sendo

caracterizado como um claro descompasso em relação às suas capacidades tecnológicas:

“Eu até acredito que boa parte dos conflitos ai econômicos, financei-

ros, dos anos de 2010 e 2011 se devem ao fato de se tentar adminis-

trar uma empresa como se fosse um laboratório de Universidade [...]

a gente começa a ver, por volta desse momento 2010-2011, que os ca-

beças de cada uma das subáreas começam a sair silenciosamente da

empresa porque ficam desmotivados” (Entrevista Ex-Gerente de P&D

Opto Eletrônica).

Portanto, diversas variáveis contribuíram à delicada situação vivenciada pela

empresa da qual, ao menos até o segundo semestre de 2016, ela ainda se encontra. As-

sim sendo, certamente o problema legal e institucional foi importante, entretanto, não se

pode negligenciar esse descompasso entre a capacidade tecnológica e gerencial da Opto

Eletrônica. É de se esperar que uma empresa que possua um porte relevante acabe por

entrar em dificuldades caso ainda seja administrada como um grupo de pesquisa ou co-

mo uma empresa incubada

Dessa forma, identifica-se que inúmeros fatores também podem (e irão) contri-

buir às dificuldades de um projeto intensivo tecnologicamente, envolvendo diversos

atores e sobre uma institucionalidade específica. Ademais, observou-se como o estudo

de caso atesta que muitas vezes ainda há muito a ser feito em relação ao fortalecimento

institucional. Ou seja, uma mudança isolada da Lei não se torna suficiente ao desenvol-

vimento e indução da inovação tecnológica.

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141

7.0 Considerações Finais

Foi possível, através desse estudo, responder às perguntas de pesquisa apresentadas

no início do trabalho.

Com relação à pergunta principal, observa-se que, de fato, a Opto Eletrônica utilizou

uma série de mecanismos de aprendizado tecnológico durante todo o ciclo de vida do

projeto de desenvolvimento da câmera MUX. Com o início dos projetos espaciais, a

demanda pela criação de capacidades adicionais, mais complexas e muitas vezes perme-

adas por aspectos geopolíticos fez com que a empresa não somente desenvolvesse no-

vos mecanismos, mas também ampliasse seu escopo e alcance.

Dentre os mecanismos, aqueles que envolveram a socialização e aquisição de

conhecimento tácito foram visivelmente fundamentais ao desenvolvimento da câmera

MUX. Processos que permitiram captar conhecimentos não codificados – especialmente

através de indivíduos com alta experiência em projetos espaciais – promoveram a solu-

ção de diversos desafios tecnológicos enfrentados pela empresa. Assim sendo, vê-se que

os processos de aquisição externa e interna foram essenciais à complementação do co-

nhecimento. Já os de conversão, por sua vez, atuaram como importante ferramenta di-

namizadora desse conhecimento adquirido, tornando-o mais perene e difundido pela

organização.

Por conseguinte foi possível comprovar a hipótese da pesquisa, no sentido que

foi necessária a criação de mecanismos de aprendizado tecnológico a fim de alimentar a

criação de capacidades tecnológicas e atividades de inovação. No entanto, esses proces-

sos por eles desencadeados enfrentam dificuldades quando fatores externos e internos

entram em ação, como desmobilização de pessoal e complicações gerenciais e orçamen-

tárias.

Ademais, observou-se que muitos dos mecanismos são dependentes de um capi-

tal humano qualificado, e que muitos dos funcionários acabaram por deixar a empresa

com o encerramento dos projetos e as dificuldades financeiras enfrentadas pela Opto, o

que diretamente impacta sua dinâmica. Dessa maneira, a desmobilização de pessoal

pode não somente impactar o conhecimento organizacional como o próprio processo de

inovação da empresa, na medida em que irá alterar a dinâmica relativa aos mecanismos

de aprendizado e aquisição de capacidades tecnológicas. Talvez esse seja um dos pontos

centrais aqui identificados e não ainda muito discutidos na literatura, o da primordiali-

dade da manutenção de indivíduos capacitados.

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142

Diversas outras questões também puderam ser levantadas após a realização da

pesquisa. Tendo em vista a venda dos ativos de espaço e defesa, em que medida as

competências produzidas podem ser aplicadas nos outros setores da Opto? Existe a pos-

sibilidade de essas capacidades serem muito específicas? Se este for o caso, há proble-

mas relacionados também à política que permeia o programa. Naturalmente a empresa

não teve muito escolha no tocante à desmobilização de seu capital humano, todavia,

caso esse conhecimento fosse facilmente intercambiável talvez ela fosse menor (desde

que sanadas as dificuldades financeiras).

Assim sendo, pode ser afirmado que de fato uma empresa fornecedora de CoPS

necessita desenvolver-se tecnologicamente a fim de satisfazer as demandas contratuais,

o que inclusive foi comprovado por estudos como os de Oliveira (2014), Pereira (2005)

e Furtado e Costa-Filho (2002). Contudo, é provável que somente aquelas que possuam

um domínio do que realmente representa a sua competência essencial e que a apliquem

no desenvolvimento de produtos e processos destinados a seus diferentes segmentos de

atuação conseguem manter esses mecanismos de aprendizado e capacidades tecnológi-

cas geradas durante um projeto tecnológico. Em outras palavras, acredita-se que, caso a

empresa não possua diversos mercados de negócio – além do espacial – ela terá dificul-

dades em preservar aquilo que foi produzido ao longo da execução do contrato. Isso se

dá uma vez que as demandas estatais por equipamentos espaciais ou de defesa no Brasil

são ínfimas se comparadas a outros países que possuem um setor espacial consolidado

e, portanto, caso as empresas dependam unicamente desse mercado, elas inevitavelmen-

te enfrentam dificuldades.

No caso da Opto, aparentemente grande parte de seus esforços foram destinados

ao desenvolvimento das câmeras embarcadas no satélite CBERS durante os anos de

2004 a 2014, ao passo que as demais áreas não puderam, sozinhas, manter a saúde fi-

nanceira da empresa. Fica a questão, portanto, novamente, da eficácia do programa,

uma vez que do ponto de vista técnico ele foi extremamente bem sucedido, mas seu

legado (junto à Opto) acabou por ser comprometido.

Dessa maneira, é possível hipotetizar que uma empresa aparenta possuir quatro

“saídas” ou cenários nesse segmento: i) ela é capaz de se inserir numa cadeia de valor

global, sendo altamente competitiva, procurando aproximar-se de sua fronteira do co-

nhecimento e realizando exportações; ii) possui outros mercados como sua principal

fonte de faturamento, não dependendo assim do aeroespacial/espacial ou seja, ela é

utilizado principalmente a fim de desenvolver suas atividades de inovação e P&D; iii)

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143

ela faz parte de uma empresa transnacional, o que facilita acesso a diferentes mercados

e permite, em alguma medida, conforto financeiro – ou foi já foi comprada por uma

ETN (caso atual da Opto Eletrônica, vide a venda de seus ativos em 2017); e iv) ela

acaba por enfrentar muitas dificuldades e entra em falência.

Muitos dos estudos realizados e voltados à compreensão dos impactos econômi-

cos do programa CBERS apontam o sucesso do programa, tendo ele sido responsável

pelo desenvolvimento tecnológico e gerencial das empresas. Contudo, como observado,

vê-se que esse aspecto é limitado e permeado por problemas não previstos nesses estu-

dos, ou seja, o atual cenário pode não ser tão positivo como apontado na literatura. As-

sim sendo, percebe-se que o programa ainda representa uma importante unidade de pes-

quisa, principalmente tendo passado um período considerável de tempo do lançamento

dos satélites CBERS-3 e 4. Mesmo que nos anos seguintes ao programa a empresa

aponte ter desenvolvido diversas capacidades tecnológicas, faz-se necessário verificar se

ela as mantém ao longo de seu período de vida, afinal, somente assim ela poderia enfim

alcançar a fronteira tecnológica e tornar-se altamente competitiva em níveis internacio-

nais.

Foi possível também, mesmo que não sendo o foco principal desse estudo, inferir

sobre alguns problemas e desafios que podem vir a ser enfrentados pelo PEB, nos quais

foram divididos em quatro aspectos centrais, dois relacionais ao nível macro do PEB e

dois sob o nível da firma.

i) Fragilidade Institucional: Pode-se listar inúmeros aspectos que contribuem

à fragilidade das instituições do sistema espacial brasileiro. Historicamente o

PEB foi marcado por uma bi-institucionalidade, na qual seus efeitos são ain-

da visíveis e dificultam na coordenação das políticas espaciais. Além disso,

como exposto na seção 6.6, apesar dos novos instrumentos criados e introdu-

zidos na legislação terem o objetivo de catalisar as políticas de inovação pelo

lado da demanda, eles são limitados. Mesmo com o novo marco legal da

C&T, o escopo de ação das políticas de inovação pelo lado da demanda fi-

cam limitados, visto que tanto a Lei 8.666/93 quanto o RDC possuem me-

lhorias, mas não são mecanismos inteiramente adequados. O caso da câmera

MUX – que foi um dos subsistemas mais complexos desenvolvidos – exem-

plifica esse aspecto. Os mecanismos contratuais utilizados foram ao encontro

do processo da inovação, que é interativo e iterativo por natureza.

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144

ii) Fragilidade Orçamentária: Outro ponto referente ao nível macro seria não

somente a fragilidade orçamentária, mas, sobretudo sua inconstância e não

cumprimento dos planos desenvolvidos. Como apresentado na seção 3.6,

viu-se que as metas estabelecidas são muito aquém da realidade. Obviamente

não se trata apenas de defender investimentos no setor espacial e de defesa,

mas também de utilizar e manter as capacidades e todo sistema desenvolvi-

do. Além disso, membros da administração pública enfatizaram a necessida-

de de se investir no setor, inclusive chamando-o de “economia do espaço” e

chamando atenção para o Brasil não perder momentum e, consequentemente,

pagar a chamada late entrant fee. Ou seja, é essencial que todo o processo

histórico realizado no setor espacial não seja perdido em virtude de implica-

ções política ou orçamentárias.

iii) Necessidade de desenvolver competências relacionadas à gestão estraté-

gica da inovação e diversificação de produtos: Esse talvez seria um dos

pontos centrais e diretamente relacionados ao ponto ii discutido. É essencial

que as empresas procurem diversificar seu portfólio de produtos para que a

dependência junto ao setor espacial seja mitigada. As áreas de defesa e aero-

náutica também, via de regra, são as primeiras a introduzir as aplicações es-

paciais. Investir nesses setores seja, talvez, um primeiro, mas não o único

caminho. Além disso, viu-se que as empresas são competentes do ponto de

vista tecnológico, mas do ponto de vista da gestão da inovação ainda possu-

em muito o que desenvolver. Esse descompasso entre capacidades tecnoló-

gicas e estratégicas aparenta ser um importante gargalo do setor. No caso da

Opto a implantação do escritório de projetos, por exemplo, sofreu com a re-

ticência de alguns dos funcionários, que acreditavam que as atividades de

monitoramento poderiam inibir a criatividade e o desenvolvimento tecnoló-

gico. Ademais, como afirmado por pelos entrevistados, a Opto sofreu com a

falta de integração do departamento de P&D entre suas diferentes áreas, so-

bretudo financeiras e jurídicas, além de, em alguns casos, como afirmado por

um entrevistado, administrar a empresa como se ela fosse um laboratório

acadêmico.

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145

iv)

v) Dificuldade de reposição de capital humano: O segundo ponto relaciona-

do ao nível da firma e muito citado através de toda a pesquisa de campo foi a

grande importância do conhecimento atrelado aos indivíduos, o grande in-

vestimento necessário a formá-los e a dificuldade de recontratá-los e reter o

conhecimento produzido. Dessa forma, identifica-se que a retenção do capi-

tal humano é um aspecto igualmente fundamental ao desenvolvimento da in-

dústria espacial. Nesse ponto, a maior interação entre universidades, empre-

sas e ICTs pode vir a ser fundamental. Além disso, quando pesquisadores

acabam migrando para outras áreas não relacionadas às suas áreas de forma-

ção, o investimento público realizado também acaba, em alguma medida, por

ser perdido, pois o conhecimento adquirido através de mestrados e doutora-

dos não são diretamente aplicados.

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146

Referências

ANTUNES, Eduardo. Ações satelitais brasileiras: um estudo sobre o emprego dos nanossatélites no

Brasil. Dissertação de Mestrado, Instituto de Geociências da Unicamp, Universidade Estadual de Campi-

nas. Campinas. 2017

ARGOTE, Linda. Organization Learning: A Theoretical Framework. In: Organizational Learning.

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APÊNDICE 1 - Indústria Global de Satélites: contextos e algumas observações.

Nessa seção são apresentados diversos dados correspondentes à indústria de sa-

télites global, sendo a maioria deles providos pela SIA (Satellite Industry Association).

Trata-se de um texto complementar à seção 3, que traz alguns dados extraídos de relató-

rios e informativos oficiais.

A SIA distingue a indústria de satélites em 4 segmentos: manufatura; serviços;

equipamentos terrestres e lançadores (SIA 2015; SIA 2016). A Figura 26 abaixo repre-

senta tal divisão, demonstrando também a participação no faturamento de cada segmen-

to em 2015.

Figura 26 Componentes do setor de satélites e seus respectivos faturamentos (Satellite Industry Associa-

tion 2016).

No ano de 2015, do faturamento global do setor espacial (335 bilhões de dólares),

o setor de satélites representou 208,3 bilhões (SIA 2016). Vale ainda ressaltar que o

setor de satélites é peça fundamental e atua como pré-requisito para todo funcionamento

das telecomunicações globais, que apresentam faturamento anual de 5 trilhões de dóla-

res (SIA 2016). Verifica-se que os serviços de satélite compreendem por quase dois

terços de todo faturamento, muito em virtude dos segmentos de telecomunicações co-

merciais (TV, rádio, banda larga etc.). Equipamentos terrestres representam quase 30%

do faturamento global, ao passo que os segmentos de lançamento e manufatura possuem

juntos 11%. Importante lembrar que poucos países possuem autonomia quanto ao lan-

Equipamentos

de Solo: 58,9

(28%)

Serviços de

Satélite: 127,4

(61%)

Manufatura de

Satélites: 16,6

(8%)

Lançamentos

de Satélites: 5,4

(3%)

Faturamento dos Segmentos Componentes da Indústria

de Satélites (em 2015)

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155

çamento de cargas espaciais e, em muitas vezes, a escolha de um veículo lançador acaba

por ser uma decisão não apenas econômica, mas também geopolítica.

A Figura 27, por sua vez, demonstra também a divisão no que diz respeito ao fa-

turamento global, mas dessa vez em conjunto com toda a indústria espacial não relacio-

nada à de satélites – correspondendo, portanto, ao faturamento da indústria espacial glo-

bal. As áreas em tons de cinza e preto marcam os setores da indústria de satélites, já a

parte em branco se refere à indústria espacial não relacionada. Observa-se, claramente,

o predomínio do ponto de vista financeiro dos serviços de satélite, que possuem o mes-

mo nível de grandeza que toda indústria espacial não relacionada (cerca de 127 bilhões

de dólares).

Figura 27: Indústria de satélites em contexto. Fonte: (SIA 2016).

Ademais, é justamente a partir do segmento de satélites que grande parte das

aplicações espaciais são utilizadas em benefício à sociedade civil. Segundo a SIA

(2015), os satélites – ou tipos de satélites – podem ser divididos nas seguintes funções:

i) sensoriamento remoto; ii) científicos; iii) vigilância militar; iv) navegação; v) meteo-

rologia; vi) comunicação comercial; vii) comunicação civil e militar e viii) P&D. O grá-

fico abaixo lista a distribuição relativa de todos os satélites em atividade por função.

(127,74bi)

Serviços Satélite

38%

(16,6 bi)

Manufatura de

Satélites

5%

(5,4 bi)

Lançamentos de

Satélites

1%

(58,9 bi)

Equipamentos

de Solo

18%

(127 bi)

Indústria

espacial não

relacionada às

atividades de

satélites

38%

Indústria de Satélites em Contexto - Participações no

Faturamento Global (em bi de US$ - 2015)

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156

Figura 28: Distribuição do total de satélites ativos Fonte:(SIA 2016)

Observa-se que mais de um terço de todos os satélites em atividades destinam-se

à comunicação comercial, relacionados a serviços de rádio, TV, internet etc. Tais satéli-

tes, como são essenciais à indústria de telecomunicações, são os mais rentáveis sob um

ponto de vista estritamente financeiro101

. Ademais, observa-se que satélites de comuni-

cação civil e militar, de sensoriamento remoto e de P&D correspondem juntos a 40% do

número de satélites operacionais102

. Todavia, ainda segundo os seus relatórios, essa di-

visão tende a alterar-se nos próximos anos, uma vez que satélites de sensoriamento re-

moto vêm ganhando destaque, juntamente ao desenvolvimento de satélites de pequeno

porte, que possuem custo significativamente reduzido e podem ser lançados para reali-

zar diversas funções. Segundo a referida instituição, satélites do tipo cubesats (com

massa em torno de 1kg) destinados ao sensoriamento remoto constituem grande parte

desses satélites, sendo 63% e 48% do total de satélites lançados em 2015 e 2016, res-

pectivamente. Os gráficos abaixo demonstram essa tendência, mostrando a distribuição

dos satélites lançados em 2015 e 2016 por função.

101

Serviços de tv por satélite representam a maioria do faturamento. Dos 208 bilhões no ano de 2015,

aproximadamente 98 bilhões correspondem a esse setor (SIA 2016). 102

O relatório da SIA não diz exatamente quais as diferenças entre satélites de P&D e científicos. Acredi-

to que os segundos devam ser satélites específicos para a realização de determinado experimento ou de

observação de corpos celestes, como asteroides, planetas etc ou estudo de determinados eventos terres-

tres.

Comunicação

Comercial

37%

Meteorologia

3%

Científico

5%

Vigilância

Militar

8%

Navegação

7%

P&D

12%

Sensoriamento

Remoto

14%

Comunicação

Civil e Militar

14%

Distribuição do total de satélites ativos - 2015

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157

Figura 29 Satélites lançados em 2014 por função. Fonte: (SIA 2016)

Figura 30 Satélites lançados em 2015 por função

Tipicamente o setor de observação da Terra era dominado por um pequeno nú-

mero de atores, entretanto, novas empresas do setor privado vêm investindo com forte

apoio de fundos de investimento, e.g venture e seed capital. Em 2015, por exemplo, 2,3

bilhões de dólares foram investidos em startups (SIA 2016). Dessa forma, podem-se

apontar duas principais razões para o vertiginoso crescimento desse setor103

: a redução

de custos (principalmente com o desenvolvimento de pequenos satélites) tanto em rela-

103

Em 2016 existem 10 constelações operacionais e mais 10 em planejamento. Dessas, 7 utilizam satéli-

tes de grande porte e 13 satélites de pequeno porte (massa menor que 200kg) (SIA 2016).

Sensoriamento

Remoto

51%

Científica

1%

Vigilância Militar

10%

Navegação

5%

Meteorologia

2%

Comunicação

Comercial

16%

Comunicação

Civil e Militar

9% P&D

6%

Satélites Lançados em 2014 por Função (Total de 208)

Sensoriamento

Remoto

54%

Científica

1%

Vigilância Militar

6%

Navegação

7%

Meteorologia

1%

Comunicação

Comercial

16%

Comunicação

Civil e Militar

10%

P&D

5%

Satélites Lançados em 2015 por função (total de 202)

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158

ção à manufatura, quanto lançamento e operações – o que diminui consideravelmente as

barreiras à entrada; e a disseminação das aplicações produzidas pelo sensoriamento re-

moto – uma vez que diversos setores da sociedade civil e também indivíduos passaram

a utilizá-las.

Já quanto ao tamanho e faturamento da indústria de satélites, ela vem apresen-

tando contínuo crescimento ao longo da última década. Como apresentado pela Figura

19 ela apresentou forte crescimento até a crise de 2009 (média de 14% ao ano). Já no

período subsequente ela continuou a crescer, mas com taxas bem menores se comparado

ao período anterior à crise (média de 4,5% ao ano). O que se observa na segunda metade

da década de 2010 é o crescimento de dois segmentos em especial, o de banda larga e

sensoriamento remoto (principalmente de novos entrantes que estão desenvolvendo no-

vas constelações, utilizando tanto sensoriamento ótico quanto por radar e tanto satélites

de pouca massa até os de algumas toneladas) (SIA 2016).

Figura 31 Evolução do faturamento anual da indústria de satélites (2005-20015). Fonte: Elaborado com

base nos dados da SIA (2016)

Vale ressaltar que no tocante aos valores de cada satélite individual os de vigi-

lância militar, em média, tendem a demandar maiores investimentos, muito em virtude

do nível de precisão, resolução e confiabilidade exigidos. No ano de 2015, por exemplo,

os satélites de vigilância corresponderam por mais de um terço dos valores de todos os

satélites lançados.

0

2

4

6

8

10

12

14

16

18

20

0

50

100

150

200

250

2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015

Faturamento (em bilhões de dólares) Taxa de Crescimento Anual

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159

Figura 32 Valores dos Satélites Lançados por funçãoFonte: (SIA 2016)

Perspectivas do setor espacial global

Sessenta anos após o lançamento do primeiro satélite e do início à exploração do

espaço, sua indústria está passando por um importante ponto de inflexão, havendo con-

vergência de aplicações e tecnologias que podem, assim, formar uma trajetória tecnoló-

gica, maturação de um design dominante (Utterback 1994) e aprofundamento dos inves-

timentos (Tauri Group 2016, Economist 2016).

Basicamente é possível dividir essa tendência em três vertentes. A primeira seria

referente aos pequenos satélites – que podem representar a construção de um quasi pro-

duto em massa – visto que são compostos por componentes simples (como aqueles uti-

lizados em smartphones) e de baixo custo104

-; a segunda seria a convergência de aplica-

ções, principalmente referente à utilização e análise de dados em massa (big data); já a

terceira seria composta pelas atividades tidas como visionárias, e.g turismo espacial e

mineração de asteroides. Todos esses fatores contribuíram para um vertiginoso cresci-

mento dos investimentos em startups do setor espacial (principalmente de capital de

risco), além da criação de diversas empresas que agora executam atividades antes exclu-

104

Uma rápida busca em empresas e organizações que oferecem serviços de construção e lançamentos de

satélite retornam um custo de algo em torno de 100.000 dólares – sendo 80.000 apenas para o lançamen-

to. A empresa Rocket Labs, por exemplo, já está com sua agenda de lançamentos completamente reserva-

da até o ano de 2017. O barateamento do custo/kg de cargas lançadas ao espaço representa um dos princi-

pais vetores para sua massificação.

Vigilância

Militar

36%

Sensoriamento

Remoto

8%

P&D

1% Navegação

9%

Meteorologia

2%

Comunicação

Comercial

24%

Comunicação

Civil e Militar

18%

Científica

2%

Valores dos Satélites Lançados por função (2015)

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160

sivamente possuídas pelos governos, como lançamentos e fornecimento de suprimentos

à Estação Espacial Internacional (ISS – International Space Station). A Tabela 8 lista os

investimentos privados no setor espacial, em suas diversas modalidades, entre os anos

de 2000 e 2015 (Tauri Group 2016)

2000-2005 2006-2010 2011-2015

Investimento Total com Débito 1066 6096 6095

Financiamento de Débito 0 3969 1098

Investimento Total 1066 2127 4997

IPO 0 0 23

Aquisição 0 568 1651

Private Equity 240 900 695

Venture Capital 186 373 2300

Seed 640 286 328

Total 1066 2127 4974

Tabela 8 Investimentos realizados em startups espaciais (2000-2015). Fonte: Tauri Group (2016) – em

milhões de dólares

Como afirmado pelo relatório do Tauri Group (2016), novos empreendimentos

passaram atrair diferentes investidores exatamente em decorrência da criação de um

“padrão” de designs, produtos e serviços espaciais:

“Space ventures now appeal to investors because new, lower-cost systems are en-

visioned to follow the path terrestrial tech has profitably traveled: dropping system

costs and massively increasing user bases for new products, especially new data

products […] One investor summed up investor expectations succinctly, ‘You can

now make money with space investment, which wasn’t largely a true’ ”(p. 3-5)

Os dados claramente revelam um padrão de crescimento nos investimentos pri-

vados em novas empresas do setor espacial, principalmente no último período (2011-

2015) que investiu mais que nos outros dois em conjunto105

.

O que se pretende discutir com os dados aqui a presentados e essa subseção é a

criação de um mercado derivado das aplicações espaciais extremamente promissor. A

seguir serão apresentados somente alguns dos diversos empreendimentos que vêm capi

talizando enormes recursos e que atestam a tendência à criação de designs dominantes –

principalmente no tocante aos pequenos satélites106

.

105

De acordo com o grupo metade de todos os investimentos foram realizados por empresas ou indiví-

duos residentes da Califórnia, sendo a vasta maioria em empresas de pequeno satélites e veículos lançado-

res.

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161

A empresa OneWeb, por exemplo, busca colocar 648 satélites em órbita (150 kg

cada) a fim de disponibilizar comunicações em qualquer ponto da Terra. Para tanto, ela

está desenvolvendo serviços de automação e padronização de manufatura (em parceria

com a Airbus Space and Defense) para criar as capacidades de produção necessárias -

um empreendimento de magnitude nunca antes visto no setor espacial. (Economist

2016)107

. Já outras empresas estão buscando realizar o mesmo que a OneWeb, entretan-

to, oferecendo contínua e ininterrupta observação de qualquer ponto terrestre, como a

DovePlanet (que já possui 63 satélites de pequeno porte em órbita – 30 cm/ 5kg). Ou-

tros empreendimentos estão mais voltados ao oferecimento de dados, como o mapea-

mento de todos os navios em circulação e da previsão de tempo oferecido pela Spire. A

SpaceX, por sua vez, talvez represente um dos casos de maior sucesso, no qual a empre-

sa conseguiu entrar no antes estrito mercado estatal de veículos lançadores de grande

porte através de seu foguete no qual o primeiro estágio é capaz de retornar e pousar au-

tomaticamente - reduzindo significativamente seus custos108

. O valor de mercado da

empresa está atualmente avaliado em mais de 1 bilhão de dólares. Tanto a SpaceX,

quanto a BlueOrigin, também já investem em P&D com o ambicioso objetivo de estabe-

lecer missões tripuladas à Marte e novamente à Lua, bem como minerar asteroides109

.

O que se observa, consequentemente, é a tendência – mesmo que ainda incipien-

te – à criação de um mercado espacial massificado, com designs e arquiteturas consoli-

dadas, de menor custo e ampla presença de organizações e empreendimentos privados,

além da fusão entre o segmento espacial e do fornecimento e análise de dados. Como

afirmado pela The Economist (2016) o segmento espacial está passando por uma nova

revolução: a transformação da Terra num imensa base de dados, que pode ser interroga-

da e extrapolada.

106

Para se ter uma ideia da massificação das aplicações espaciais, a consultoria Euroconsult estima que

em dez anos (2016-2025) cerca de 3600 satélites comerciais serão lançados . 107

Um caso semelhante a esse foi o programa Iridium, uma constelação de 66 satélites destinados à co-

municação e transmissão de dados, que acabou sendo imensamente mau sucedida, muito em virtude de

seu modelo de negócio. O programa foi iniciado em 1987 e conduzido pela Motorola a parir de 1993. Seu

principal serviço seria a comunicação via celular com cobertura global, algo inédito até então. Entretanto,

a demanda civil foi muito abaixo do esperado, principalmente entre clientes corporativos, sendo o exérci-

to americano o principal cliente no final das contas. O programa gastou aproximadamente 4,8 bilhões de

dólares entre 1993 e 1998, entrando em falência em 1999. A Motorola esperava vender 1,8 milhões de

terminais até 2001, mas acabou vendendo apenas 10 mil em 1999.. 108

O vídeo do primeiro pouso de seu foguete numa plataforma marítima pode ser visto através do link:

<https://www.youtube.com/watch?v=RPGUQySBikQ> 109

Maiores informações sobre cada uma das empresas podem ser acessadas a partir de seus respectivos

sites institucionais: https://www.planet.com/ (Planet Labs); http://book.rocketlabusa.com/ (Rocket Labs);

https://spire.com/ (Spire); https://www.blueorigin.com/ (BlueOrigin); http://oneweb.world/ (OneWeb);

http://www.spacex.com/ (SpaceX).

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162

APÊNDICE 2 Programa Espacial Brasileiro: das bases institucionais ao programa

CBERS – uma revisão literária.

Esse apêndice realiza uma breve reconstrução histórica do PEB, relatando a

construção de suas bases institucionais e os processos que marcaram a formação da po-

lítica espacial nacional. Primeiramente é relatado o início do programa, seguido da

construção e das suas características institucionais até o período de redemocratização e

da realização do programa CBERS. Na literatura se encontram importantes estudos a

respeito de todo o processo que formou o sistema de atividades espaciais no Brasil, mas

realizar a reconstrução desse processo é relevante, no sentido de demonstrar como as

características institucionais e o processo histórico foram decisivos ao rumo tomado

pelo PEB e da importância das cooperações e parcerias institucionais e internacionais.

Razões de Ser de um Programa Espacial

Como demonstrado, tecnologias e programas espaciais possuem em sua gênesis

aspectos relacionados ao patriotismo e à soberania nacional. Ou seja, apesar das aplica-

ções espaciais possuírem papel essencial no desenvolvimento e funcionamento do sis-

tema econômico, a decisão de um país de desenvolver endogenamente capacidades es-

paciais sempre trará consigo considerações militares e geopolíticas.

Segundo Harding (2013), os chamados atores espaciais emergentes (China, Índia

e Brasil)110

buscam, através de seus programas espaciais, não somente aprimorar suas

capacidades científicas, como também servir á segurança nacional. Tais fundamentos,

por sua vez, sempre estiveram presentes na decisão de desenvolver capacidades espaci-

ais, sendo apontada como a razão de ser desses programas (raison d’être) (Swenson e

Van Dyke 1964). Sendo assim, o prestígio nacional é apontado por alguns autores como

o um dos principais motivos – se não o principal - na decisão relativa ao desenvolvi-

mento de programas espaciais (Harding 2013; Van Dyke 1964). Muitos países que de-

tém armas nucleares, por exemplo, acabam por também investir em atividades espaciais

– principalmente quando buscam lançá-las mediante foguetes (e.g Estados Unidos, Rús-

110

Os programas espaciais chineses e indianos encontram-se, atualmente (2016), muito mais avançados

que o brasileiro. Tanto a China quanto a Índia, por exemplo, possuem veículos lançadores e desenvolvem

missões destinadas à exploração espacial o que torna, na opinião do autor, a divisão de Harding (2013)

não mais aplicável dado esse contexto.

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163

sia, Índia, China, França etc)111

. Como afirmado pelo físico Carl Sagan (1997) Gover-

nos não irão investir grandes somas financeiras em ciências e tecnologia, a não ser que

existam consigo motivos políticos e estratégicos112

. Naturalmente cooperações voltadas

ao desenvolvimento e exploração do espaço ocorrem – e vêm ocorrendo num número

crescente – contudo, interesses nacionais tendem a permear e, em alguns casos, intervir

em tais projetos. A impossibilidade de a China trabalhar conjuntamente à NASA e a

decisão de criar sua própria estação espacial servem como um claro exemplo. A criação

do PEB, por sua vez, não foge à regra, tendo claramente ocorrido em meio ao ambiente

da guerra fria e , posteriormente, sendo moldada de acordo com os interesses estratégi-

cos durante a ditadura pelo governo militar.

As primeiras Instituições do PEB:

Pode-se dizer que o Brasil pecou (e ainda peca) com relação à industrialização e

realização de atividades endógenas de setores intensivos em ciência e tecnologia (C&T).

Todavia, alguns setores podem ser considerados como exceções, como o petrolífero e o

aeronáutico. Além disso, é primordial notar que ambos os casos possuem uma notável e

comum idiossincrasia – a da relação entre indústria, Estado, instituições de ensino e de

C&T, como Universidades e Institutos de Pesquisa (Suzigan e Albuquerque 2011)

No caso do setor petrolífero existe uma íntima relação entre a Petrobrás, seu ins-

tituto de pesquisa (CENPES), Universidades (e.g UFRJ) e políticas setoriais e industri-

ais. Já no caso do setor aeronáutico se pode apontar os essenciais papéis do INPE (Insti-

tuto Nacional de Pesquisas Espaciais) e, sobretudo, do ITA (Instituto Tecnológico da

Aeronáutica), que foi fundamental à fundação da EMBRAER e das empresas instaladas

no polo tecnológico de São José dos Campos, muitas delas spin-off dessas instituições.

Como afirma Suzigan e Albuquerque (2011, p. 4):

“For each economic or social success case in Brazil, there is a pub-

lic research institute and/or a university in a supporting role. This

relationship that lies behind most Brazilian products with comparative

advantages in the inter- national market was built during a long his-

111

De maneira geral são consideradas três formas de disposição de armas nucleares, a chamada tríade

nuclear. Ela é composta por mísseis balísticos intercontinentais, bombardeiros e mísseis lançados a partir

de submarinos. No entanto, a maioria dos países não possuem capacidades nesses três setores em vista

dos altos custos necessários. A presença de armas de destruição em massa na órbita terrestre é proibida

pelo Tratado do Espaço Exterior (Outer Space Treaty) que forma as bases da legislação espacial interna-

cional. 112

Carl Sagan sempre foi um defensor da exploração espacial, ressaltando que o cosmos não era apenas

pontos no céu, mas espaços físicos a serem explorados e estudados.

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164

torical process of learning and ac- cumulation of scientific knowledge

and technological competencies. This process involved significant

linkages between productive effort, government’s policy and funding,

and research and education institutions” [grifo próprio].

Ademais, o mesmo autor irá ressaltar como esse processo de desenvolvimento e

capacitação industrial é significativamente dependente da cooperação interinstitucional..

Além disso, o processo evolucionário, marcado pela contínua reformulação e adaptação

das instituições é tido como fundamental (North 1990; 1995). Obviamente essa discus-

são se relaciona com a literatura de Sistemas Nacionais e Regionais de Inovação, uma

vez que instituições podem ser vistas como os “determinantes” da eficácia de um siste-

ma nacional ou regional. O argumento central de Suzigan e Albuquerque (2011) é de

que “a long historical process is required to build these linkages and interactions”113

.

Dessa forma, o objetivo da próxima seção é descrever esse processo gradual e histórico

de criação das instituições integrantes do setor espacial através de uma breve reconstru-

ção do histórico do PEB (Programa Espacial Brasileiro). Procura-se exemplificar como

a existência de uma indústria de destaque e intensa capacitação técnica e científica é

fruto de um extenso processo - historicamente deliberado - e regado por políticas de

Estado, setoriais e industriais.

O PEB: primeiros anos e a consolidação de sua institucionalidade

As primeiras instituições integrantes do Programa Espacial Brasileiro (PEB) fo-

ram estabelecidas ainda no início da década de 50, ou seja, antes do início da chamada

Corrida Espacial – marcada pelo lançamento do satélite soviético Sputnik. O ITA (Ins-

tituto Tecnológico da Aeronáutica) e o CTA (Centro Técnico Aeroespacial) foram fun-

dados em 1950 e 1946, respectivamente. Ambas as instituições estavam subordinadas

113

Suzigan e Albuquerque apontam cinco fatores essenciais, sendo eles: criação de sistemas monetários e

de financiamento a fim de permitir a criação de universidades, instituições de pesquisa e empresas; cons-

trução de tais instituições; construção de elementos de interação (de instituições como empresas, univer-

sidades etc); desenvolvimento dessas interações; consolidação dessas interações. Nessa seção não será

abordada uma análise da criação de todos esses cinco elementos, mas sim de uma reconstrução da criação

do PEB e de suas instituições fundamentais.

No caso específico do setor aeronáutico e da EMBRAER, Suzigan e Albuquerque (2011, p. 27-28) afir-

ma: “The position enjoyed today by Embraer (Brazilian Aeronautics Corporation) as one of the world’s

leading aircraft manufacturers results from a long history of efforts involving government, firms, and

research and education institutions (…) This was a pioneering experience in linkages between education,

research and industry, with flows of personnel, researchers and students between Brazil and abroad

contributing decisively to the industry’s successful implementa- tion. This long standing collaboration led

the company to occupy a niche in the international aircraft manufacturing industry, becoming one of

Brazil’s largest export firm (p. 28),”

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165

ao então Ministério da Aeronáutica (MAer) (atualmente estão sob o Ministério da Defe-

sa). O ITA baseou-se no modelo americano do MIT e juntamente ao CTA forneceram

recursos humanos essenciais tanto à indústria aeronáutica quanto à espacial e à forma-

ção de um polo tecnológico em São José dos Campos. É interessante notar que o mode-

lo acadêmico do MIT (e por sua vez também o do ITA) foi de desde o início vincular a

pesquisa às atividades e demandas industriais, o que provocou cooperações entre os dois

setores (Rosenberg e Nelson 1994). No caso da indústria aeronáutica americana, por

exemplo, três universidades tiveram papel fundamental ao seu desenvolvimento : MIT,

Stanford e Cal Tech (Rosenberg e Nelson 1994)

Ademais, após a segunda-guerra generalizava-se a ideia da necessidade de inde-

pendência tecnológica a fim de enfrentar possíveis atividades militares (Costa-Filho

2000). Já a partir da década de 1960, foram implementadas diretrizes políticas especifi-

camente voltada às áreas aeroespaciais, muito em virtude da criação do GOC-

NAE/CNAE114

(Grupo de Organização das Atividades Espaciais) - órgão especifica-

mente destinado à formulação e execução da política espacial. Segundo seu decreto de

formação, sua missão era

“propor a política espacial brasileira em colaboração com o Ministério

das Relações Exteriores; desenvolver o intercâmbio técnico-científico

e a cooperação internacional; e promover a formação de especialistas

e coordenar as atividades espaciais com a indústria brasileira” (BRA-

SIL, 1961, apud Pereira 2008, p. 19).

Costa-Filho (2000) trata esse período como o início da institucionalização das

atividades espaciais e a formação do ator militar, que viria a “dominar” essa política até

o final dos anos 1980.

Importante lembrar que o CNAE estabeleceu estratégias voltadas à legitimação

das atividades espaciais e sobrevivência do instituto por meio da satisfação de demandas

civis nacionais para, assim, reduzir a visão do militarismo (Pereira 2008). Entretanto,

como afirma o mesmo autor, inicia-se no final da década de 1960 um conflito de inte-

resses e poder quanto à formulação da política espacial por parte das forças armadas

(principalmente a aeronáutica, que queria ampliar suas competências). Seu ministério

via com desagrado as ações do CNAE, principalmente de seu então presidente, Fernan-

114

O nome da instituição passou de GOCNAE para CNAE em 1963, se vinculando à presidência da Re-

pública e sediada em São José dos Campos.

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166

do de Mendonça115

e procurava extinguir e incorporar esse órgão civil à sua esfera de

atuação. Tal tentativa, entretanto, não foi efetuada. Em parte pelo sucesso da CNAE em

estabelecer relações e cooperações internacionais, assim como no tocante ao desenvol-

vimento tecnocientífico.

A consolidação do PEB e a criação da bi-institucionalidade

A saída para essa crise de poder e liderança das formulações das políticas espa-

ciais se deu a partir da liderança do CSN (Conselho de Segurança Nacional) e suas pro-

postas enviadas à presidência. Assim decidiu-se, em 1971, pela criação da COBAE

(Comissão Brasileira de Atividades Espaciais) como órgão formulador das diretrizes

espaciais por meio do PNDAE (Plano Nacional de Desenvolvimento de Atividades Es-

paciais)116

. O objetivo desse plano era de estabelecer claramente quais eram as atribui-

ções necessárias aos órgãos envolvidos (Pereira 2008; Costa-Filho 2000; Escada

2005117

). Vale ressaltar que com esse rearranjo institucional, o CNAE (que prioriza ati-

vidades civis) perdeu de certa forma sua influência política.

É relevante retomar tal momento histórico, pois ele promoveu importantes efei-

tos sobre o PEB, tanto no curto quanto longo prazo. Nesse instante o programa espacial

brasileiro passou a ser reconhecido institucionalmente e possuía um programa concreto

de futuro, no qual suas diretrizes eram estabelecidas diretamente pelo comando militar e

seu orçamento (ao menos até os anos 80) eram constantes. O COBAE era ligado à pre-

sidência da república, que nomeava seus integrantes – em maioria militares (Costa-

Filho 2000). Já o CNAE, em abril de 1971, foi extinto e transformou-se no INPE (Insti-

tuto Nacional de Pesquisas Espaciais) passando a ser vinculado ao CNPq. Também nes-

115

Como afirma Pereira (2008, p. 35) “Fernando de Mendonça relata que nos primeiros anos da CNAE

buscava garantir vida longa para o instituto num período em que os institutos de pesquisa no país não

tinham prestígio e funcionavam com dificuldades. Em virtude disso, ele fez viagens a alguns países para

apreender experiências de outros institutos e chegou à conclusão que institutos de pesquisa vinculados às

Forças Armadas não funcionavam, pois entendia que a estrutura militar é incompatível com a atividade de

pesquisa. Vale lembrar que ele era militar da Aeronáutica e se desligou para se dedicar à pesquisa na área

espacial”. 116

O PNDAE ainda continua sendo o principal instrumento de política espacial, através de seu documento

oficial (PNAE). Atualmente ele se encontra em sua quarta edição que compreende o período de 2012 a

2021. 117

A exposição de motivos da CSN quanto à manutenção do CNAE é extramemtente interessante: Brasil

1969): BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. CONSELHO DE SEGURANÇA NACIONAL.

Exposição de Motivos n. 017/69. Brasília, p. 3-4, 17 out.34

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167

se ano o então GETEPE (Grupo Executivo e de Trabalho e Estudos de Projetos Espaci-

ais - criado em 1964) tornou-se o atual IAE (Instituto de Aeronáutica e Espaço)

Como afirma Costa-Filho (2000) desenhou-se nesse momento, por conseguinte,

um quadro bi-institucional (INPE/CTA), no qual o INPE promoveria aplicações civis

voltadas à pesquisa (estudos climáticos, meteorológicos, sensoriamento remoto etc); e o

CTA ficaria encarregado do desenvolvimento dos veículos lançadores, especialmente

para fins militares em virtude de ser uma tecnologia de uso dual. Tratou-se de um perío-

do de profunda inflexão no caráter do PEB, com o fim da influência de considerações

civis por parte da CNAE no tocante à cooperação internacional e elaboração da política

espacial (Pereira 2008). Segundo Costa-Filho (2000), tal separação bi-institucional aca-

bou por ser significativamente problemática ao desenvolvimento aeroespacial no Brasil:

“O que gostaríamos de chamar atenção é que não havia motivos con-

cretos para que existisse essa separação no programa brasileiro. Na

metade da década surgem os primeiros sinais de busca de um progra-

ma espacial mais integrado. O grande entrave era que apesar de toda a

capacitação adquirida nas duas décadas anteriores, isto ainda não era

suficiente para colocar o pais em condições de desenvolver um pro-

grama autônomo. (...). esse novo arranjo institucional delimitou mais

nitidamente os papéis entre os atores, o que de certa forma diminuiria

com o passar do tempo a cooperação entre o INPE e o CTA. [Anteri-

ormente] existia uma cooperação entre a CNAE [INPE] e o CTA,

mesmo que pequena, principalmente no desenvolvimento dos primei-

ros foguetes da Classe SONDA118

” (2002, p. 97).

Essa divisão perdura até os dias de hoje, assim como as missões das respectivas

unidades com relação à exploração do espaço, mesmo estando sob o âmbito do PNDAE.

Ademais, mudança de rumo da política espacial brasileira é, segundo os autores até aqui

referenciados, um momento crucial não somente pela dominância do agente militar na

elaboração política, mas na reorientação no tocante às parcerias internacionais e apren-

dizado inter-organizacional, principalmente entre INPE e CTA. A diferença entre as

culturas organizacionais foram fundamentais ao descompasso cooperativo:

“O INPE sendo uma instituição civil, prezava muito mais o nível de excelência dos

seus técnicos. No CTA, por ser uma instituição militar a patente do dirigente legitima-

va as decisões, mesmo que estas não fossem as mais acertadas. Essa diferença prejudi-

cou muito a cooperação entre os institutos (Costa-Filho 2000, p. 47)”.

Além disso, em virtude do regime militar e de sua política exterior voltada à

modernização das forças armadas de forma independente, foram encerradas completa-

118

Veículos SONDA ou veículos de sondagem são utilizados para transportar cargas científicas a fim de

realizar experimentos em ambientes sub-orbitais. Para mais informações ver <

http://www.aeb.gov.br/programa-espacial/veiculos-lancadores/>

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168

mente as parcerias internacionais. O anseio de construir um veículo lançador de satélites

(VLS), o início do programa nuclear brasileiro e o aumento dos investimentos no setor

de defesa fizeram com que os Estados Unidos encerrasse/em? a parceria do CTA/INPE

com a NASA, além de incluir o Brasil em embargos de importação de tecnologias sen-

síveis. A parceria que estava sendo construída com a França, com o objetivo de se de-

senvolver o VLS também foi encerrada em decorrência de desacordos quanto à natureza

do combustível (a aeronáutica pretendia utilizar propelente sólido, também utilizado

para lançamento de mísseis, já o órgão espacial francês CNES pretendia utilizar prope-

lente líquido, voltado às atividades civis) (Pereira 2008; Costa-Filho 2000).

O episódio da ‘quase’ parceria com a França é extremamente interessante e foi

muito importante para a criação da MECB (Missão Espacial Completa Brasileira). Essa

tentativa de cooperação entre o Brasil e a França destinada ao desenvolvimento de veí-

culos lançadores e foguetes foi muito marcante e um importante divisor de águas para

toda política espacial brasileira (os pontos iniciais da cooperação haviam sido acordados

em 1976) (Escada 2005). O Brasil pretendia ampliar suas capacidades de lançamento a

partir dos veículos SONDA para, assim, desenvolver um VLS capaz de transportar car-

gas de maior porte e por maiores distâncias. A parceria se daria com o instituto francês

CNES (Centre national d'études spatiales) – que já possuía capacitação no segmento de

lançamento.

Pelo fato de ser uma tecnologia inerentemente dual, o processo de negociação

foi marcado por uma constante “queda de braço”. O Brasil pretendia desenvolver um

foguete movido a partir de propelentes sólidos, já a França utilizava propelentes líqui-

dos e enxergava o desenvolvimento de combustíveis sólidos com desconfiança, visto

que eles podem ser aplicados militarmente119

(Pereira 2008). Mesmo após cerca de qua-

tro anos de negociações e a perspectiva de ocorrer transferência tecnológica entre as

partes, o acordo acabou por ser negado pelos militares, que escolheram o caminho da

independência e autonomia tecnológica (Pereira 2008).

119

Propelentes sólidos podem ficar estocados por um longo período de tempo e são confiáveis caso seja

necessária sua utilização num curto espaço de tempo - visto que podem ser acionados rapidamente - um

aspecto essencial no contexto militar: “Liquid- and solid-fuel rockets each have special capabilities,

advantages, and applications. For military purposes the “rifle-readiness” of solid rocket motors gives

them an advantage over liquid rockets. There is no need to lose the precious minutes required for fueling

liquid propellants with a solid motor” (Aerospace Corporation 2016)

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169

A criação da MECB: Missão Espacial Completa Brasileira

Consequentemente, essa decisão gerou impactos que se estendem até os dias de

hoje e acabou dando origem à chamada MECB (Missão Espacial Completa Brasileira),

além de contribuir à separação institucional do PEB (INPE x CTA/IAE). Mais de trinta

anos depois do estabelecimento dessa missão (2016-2017), o Brasil ainda não conseguiu

desenvolver seus veículos lançadores (os primeiros lançamentos eram previstos para

ocorrer ainda na década de 80). Não cabe ao escopo desse trabalho discutir as decisões e

implicações geopolíticas, contudo, é importante citá-las, pois foram significativas à di-

nâmica espacial brasileira. Como Pereira (2008) afirma, a determinação de se criar a

MECB foi inteiramente marcada por interesses do governo militar:

“A COBAE deliberou a realização da Missão Espacial Completa es-

sencialmente brasileira em sessão extraordinária, realizada em 21 de

novembro de 1979 (...) A decisão de realizar uma missão, com riscos e

custos elevados, isoladamente, após ter havido uma discussão intensa

em torno da cooperação internacional, só pode ser entendida à luz da

conjuntura política e da política exterior adotada pelo governo Geisel,

além do pensamento militar e seus objetivos de modernização das

Forças Armadas. Considerando ainda que ao longo das negociações o

governo francês fez uma série de concessões e os grupos técnicos bra-

sileiros deram parecer favorável à cooperação, a aprovação da Missão

Espacial Completa Brasileira (MECB) em detrimento da cooperação

franco-brasileira foi uma decisão política que reflete a doutrina militar

da Grande Potência.” (p. 73-74).

Além disso, o Brasil passou a sofrer diversos embargos tecnológicos e ficou im-

possibilitado de realizar cooperações e parcerias tecnológicas em virtude do caráter mi-

litar de seu programa espacial (vale lembrar que o Brasil também investia em tecnologi-

as nucleares).

Os últimos anos da década de 1970 e os anos 1980 marcaram, portanto, a elabo-

ração da Missão Espacial Completa Brasileira (MECB), que pretendia desenvolver to-

dos os setores espaciais endogenamente (lançamento, construção, monitoramento de

satélites e estações de solo). Além disso, sua elaboração era muito mais destinada à mo-

dernização tecnológica das forças armadas e ao cumprimento do programa político

ideológico militar do que à conexão entre as demandas e aplicações civis (Pereira 2008).

Paralelamente, o encerramento das cooperações internacionais e embargos sofridos de-

vido aos objetivos bélicos e a ineficiência da instituição organizadora da MECB (CO-

BAE), juntamente às diferenças organizacionais e hierárquicas no arranjo bi institucio-

nal foram determinante ao seu atraso. Coube a COBAE, portanto, “executar” a política

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170

espacial brasileira sob a perspectiva da MECB. Basicamente até aproximadamente 1984

a COBAE teve um papel mais normativo e já nos anos subsequentes (até 1989) a estra-

tégia nacionalista manteve seu momentum (Costa-Filho 2000).

O INPE, por sua vez, a partir do fim do regime militar, retomou suas coopera-

ções internacionais, o que possibilitou seu desenvolvimento tecnológico e cumprimento

parcial de suas responsabilidades, uma vez que foi capaz de construir dois dos quatro

satélites previstos pela MECB (os de sensoriamento remoto foram completados somente

a partir do programa CBERS)120

.

Já o CTA teve destino diferente. A instabilidade macroeconômica, o boicote tec-

nológico e a ausência de cooperações internacionais provocaram o atraso na construção

de todos os seus veículos lançadores e foguetes (Escada 2005; Pereira 2008; Costa-

Filho 2000). Atualmente, 35 anos após o início da MECB, os Veículos lançadores de

satélites ainda não foram terminados e o Brasil tampouco foi capaz de lançar um satélite

de forma inteiramente nacional. Apenas os foguetes de sondagem (realizados para reali-

zação de experiências científicas) conseguiram atingir alguma prontidão tecnológica e

receberam certificado internacional de qualidade e possibilidade de comercialização em

2015 (AEB 2015).

120

“O INPE retomou a cooperação internacional e conseguiu dar continuidade ao desenvolvimento tecno-

lógico. Por outro lado, o CTA teve mais dificuldade em função das restrições impostas pelos Estados

Unidos e o abandono dos governos Collor e FHC aos programas conduzidos pelos militares” (Pereira

2008, p. 81).

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171

APÊNDICE 3– Relação entre os Setores de Defesa e Espaço: observações comple-

mentares

Essa seção busca complementar a discussão realizada na seção 3.0. O que se pre-

tendeu compreender é se, nos casos em que programas espaciaos são desenvolvidos,

existe uma relação entre os dois setores; mais especificamente, se um tipo de investi-

mento acaba por ‘puxar’ ou vir acompanhado do outro.

Os gráficos de dispersão apresentados a seguir possuem os dispêndios nos seto-

res militares e defesa (em relação ao PIB) no ‘eixo X’ e os orçamentos destinados aos

programas e setores espaciais no ‘eixo Y’ (também em relação ao PIB). Foram utiliza-

dos os dados do relatório da OCDE de 2014, no qual lista os orçamentos espaciais das

principais nações investidoras em dois períodos – 2008 e 2013. Já quanto aos dados de

defesa eles foram retirados a partir das plataformas do Banco Mundial. O que se preten-

deu verificar é uma possível correlação linear entre os dois setores e não causalidades.

Ou seja, que maiores investimentos nos setores de defesa possam ser, em alguns casos,

acompanhados de maiores investimentos nos setores espaciais, visto que os dois setores

possuem uma intrínseca relação no que se refere aos spin-offs tecnológicos de suas apli-

cações, visto que os mercados de defesa, via de regra, são os primeiros a utilizar aplica-

ções desenvolvidas pela indústria espacial e vice versa.

Não se busca justificar maiores investimentos nos setores de defesa ou de que

países devam necessariamente investir nos dois setores, mas sim de observar que, em

muitos casos, países possuidores de programas espaciais desenvolvidos realizam tam-

bém dispêndios significativos junto à sua indústria de defesa. É natural pensar que in-

vestimentos destinados ao segmento de defesa possam vir a auxiliar na criação de de-

manda estatal ao setor espacial – já que muitas empresas atuam em ambos os setores – o

que em consequência impulsiona esse setor.

Abaixo estão inseridos os gráficos referentes aos períodos de 2008 e 2013. As

legendas foram inseridas nos países que frequentemente são considerados referência em

relação ao desenvolvimento de programas/indústria espacial. As linhas em azul repre-

sentam o coeficiente de relação de Pearson (r) entre as duas variáveis. As linhas em

pontilhado representam as respectivas médias aritméticas (dividindo os gráficos em 4

quadrantes) e as escalas representam a porcentagem em relação ao PIB de cada país.

Observa-se que nos dois anos China, Índia, Estados Unidos, Rússia e França si-

tuam-se no quadrante superior direito. Ou seja, investem acima da média nos dois seto-

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172

res121

. O coeficiente de relação em 2013 foi de 0.509 e em 2008 foi de e de 0.618. Á

vista disso, observa-se uma correlação linear moderada entre as duas variáveis.

Figura 33 Relação entre Investimento Militar e Espacial (2013) Elaboração própria com base nos dados

de (OCDE 2014) e Banco Mundial (2016)

Figura 34 Relação entre investimento militar e espacial (2008)Elaboraçãoprópria com base nos dados de

(OCDE 2014) e Banco Mundial (2016). OBS: Valores ‘zero’ não incluídos.

121

Importante lembrar que investir acima da média pode não configurar como investimentos absolutos

maiores, dada o volume do PIB de cada país.

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173

Claramente não se pode atribuir uma causalidade, contudo, verifica-se que aque-

les países que possuem indústrias e/ou programas espaciais consolidados122

, de fato,

investem mais do que o restante em ambos os quesitos. Já o Brasil investiu 1,33% e

1,44 % nos setores de defesa e 0,0088 e 0,0081% no setor espacial em 2008 e 2013,

respectivamente. Como ilustrado pelos gráficos, se comparado a tais nações, o Brasil

não apresenta o mesmo padrão de investimentos. Se um ranking for feito com relação

aos maiores percentuais, o Brasil ficaria em 31o

num total de 33 nações em 2013 e 24o

de 29 em 2008, ficando atrás de países como África do Sul, Luxemburgo e Argentina

(OCDE 2014). Novamente não se trata de defender a importância de investir volumosos

valores em defesa e espaço, mas sim de, uma vez decidido que esses setores irão ser

desenvolvidos, como afirmado por documentos governamentais (Ministério da Defesa

2012; PNAE 2011-2021), efetivamente destiná-los recursos que condizem com o que

foi determinado123

. Além disso, em virtude da crise política e econômica iniciada no ano

de 2015 espera-se que investimentos em defesa e espaço fiquem ao menos estagnados

em função de redução do déficit da meta fiscal e déficit público.

Não obstante, o que se pretende discutir é o possível cruzamento dos financia-

mentos. Como verificado pelas empresas estudadas nessa dissertação, a grande maioria

fornece equipamentos para três mercados: espacial, defesa e aeronáutico. Dessa manei-

ra, dispêndios destinados ao setor de defesa invariavelmente podem servir como impul-

so à demanda pelos produtos desenvolvidos por tais empresas e, assim, oferecer maiores

mercados de atuação, sobretudo aqueles em que o Estado é o principal consumidor.

Um dos entrevistados (diretor da Opto Eletrônica), por exemplo, inclusive che-

gou a citar uma certa descrença, principalmente com relação ao setor estatal, e de que

tinha dificuldade em convencer alguns de seus ex-funcionários a retornarem devido a

reticência quanto aos investimentos governamentais.

“Tem uma meia dúzia, uns oito [...] que foram para bancos de inves-

timento. São pessoas que a gente treinou, mandou pro exterior [...]a

reconquista da crença nas instituições governamentais vai levar mui-

tos anos para conseguir, principalmente na área de defesa e espaço”

(p. 17).

122

Por consolidado se entende um programa autônomo: com capacidades endógenas de manufatura, lan-

çamento e monitoramento através das estações de solo. Ou seja, os quatro setores que compõem a indús-

tria espacial. 123

Em evento realizado em Agosto de 2016 no INPE, foi defendida a necessidade de maiores investimen-

tos não somente no setor espacial, mas também de defesa deveriam ser realizados pelo Brasil.

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Verifica-se, portanto que parte do empresariado adquiriu certa desconfiança com

relação aos investimentos citados pelo Governo, principalmente aqueles previstos nos

planos nacionais. Quando eles não foram realizados, eles acabaram por “perder a fé”,

como afirmado pelo entrevistado. Obviamente que empresas também possuem certa

responsabilidade e devem ter um planejamento estratégico e, de certa forma, se preparar

para eventuais cenários – que são regra - não exceção - do PEB. Contudo, é interessante

notar que esse sentimento parece estar presente em parte dos funcionários que deixaram

o setor espacial ou foram para o exterior.

Além disso, deve-se lembrar como essas empresas não tendem a dar crédito ao

Estado. Via de regra, os mercados espaciais e de defesa não existem sem forte presença

estatal e, como no caso de algumas dessas empresas, elas foram produto direto das uni-

versidades públicas. Torna-se curioso, portanto, o fato delas se lembrarem do Estado e

em muitos casos de maneira negativa somente quando estão em dificuldades.

Seguindo com a discussão, são incluídos dois gráficos a seguir que representam

as séries históricas dos gastos em defesa em relação ao PIB e em relação aos dispêndios

governamentais.

Figura 35 Gastos no setor de defesa por país 2000 – 2015. Fonte: Elaborado Com base nos dados do Ban-

co Mundial (2016).

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Figura 36 Gastos no setor de defesa em relação ao PIB 2000 – 2012. Fonte: Elaborado com base nos

dados do Banco Mundial (2016): OBS (Base dados possui apenas três anos com os valores corresponden-

tes à China).

Verifica-se que com relação aos gastos relacionados ao PIB a maioria dos países

ou reduziu ou manteve relativamente constante seus investimentos, principalmente de-

pois da crise financeira de 2007. Além do mais, Israel, Rússia e Estados Unidos repre-

sentam três significativos outliers em relação ao restante. Vale Notar que China e Índia

investem coeficientes relativamente altos e, ao mesmo tempo, possuem o segundo e

sétimo maiores PIBs mundiais, respectivamente (Banco Mundial 2016).

No segundo gráfico (porcentagem em relação aos gastos governamentais) os pa-

íses dividem-se em dois blocos. Um contendo EUA, Índia, Israel e Coréia do Sul, e

Rússia, já os outros compostos por Brasil, França, Alemanha e Reino Unido. É necessá-

rio lembrar que os países tidos no primeiro grupo investem maiores somas muito em

vista de seus interesses geopolíticos, seja por conflitos com países vizinhos (eg. Coréia

do Sul, Índia e Israel) ou por historicamente serem importantes atores militaristas.

Dessa maneira, pode-se concluir que o Brasil, em média, investe menos compa-

rativamente aos outros atores globais, tanto desenvolvidos quanto em desenvolvimento,

sobretudo Índia e China. Como Descrito pela seção 2.5, o PEB em geral recebeu verbas

inconstantes e foi permeado por conflitos de interesse, principalmente até a redemocra-

tização. Atualmente, apesar das instituições democráticas estarem mais consolidadas, o

PEB se configura como prioridade apenas “no papel”, possuindo orçamentos inapropri-

ados com os planos nacionais.

0

5

10

15

20

25

Evolução Gastos em Defesa % Gastos

Governamentais

Brasil

EUA

Índia

Cor.Sul

França

Alemanha

Rússia

Reino Unido

Israel

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176

Destarte, é de se esperar que tais eventos possuam consequências sobre a indús-

tria espacial brasileira, ao menos quanto às compras estatais (que são a principal política

de demanda e instrumento de política industrial e de inovação nesse setor). Ademais, as

empresas em alguns casos possuem carência de uma estratégia empresarial e elaboração

de cenários. Elas aparentam ser extremamente competentes quanto ao desenvolvimento

de produtos, mas como os registros históricos atestam, frequentemente estão em dificul-

dades financeiras.

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ANEXOS

ANEXOS 1 – TRL e MRL (definições)

ANEXO 2 Lista de Termos ECSS)

Lista de Termos da ECSS (2009)

MDR mission definnition review

PRR preliminary requirement review

SSR systems requirements review

PDR preliminary design review

CDR critical design review

QR qualification review

AR acceptance review

ORR operation readiness review

FRR flight readiness review

CRR comissioning result review

LRR launch readiness review

ELR end-of-life review

MCR mission close out review

TRL 1

Princípios básicos observados e

reportados MRL 1

Identificação das implicações da

manufatura

TRL 2

Conceito tecnológico e aplicação

formulada MRL 2 Identificação dos conceitos da manufatura

TRL 3

Prova de conceito das funções analíticas e

experimentais críticas MRL 3

Desenvolvimento da prova de conceito da

manufatura

TRL 4

Validação de componente em ambiente de

laboratório MRL 4

Capacidade de produzir a tecnologia em

ambiente de laboratório

TRL 5

Validação de componente em ambiente

relevante MRL 5

Capacidade de produzir componentes em

ambiente relevante

TRL 6

Protótipo de sistema ou subsistema

demonstrado em ambiente relevante MRL 6

Capacidade de produzir sistema ou

subsitema em ambiente relevante

TRL 7

Protótipo de sistema testado em ambiente

relevante MRL 7

Capacidade de produzir sitemas,

subsistemas ou componentes num

ambiente representativo da produção

TRL 8

Sistema completado e testado através de

testes e demonstrações MRL 8

Demonstração da linha piloto, capacidade

de iniciar produção

TRL 9

Capacidade do sistema provada através de

missões bem sucedidas MRL 9

Produção em pequena escala

demonstrada; capacidade de comecar

produção em larga escala

Descrição dos Níveis do TRL e MRL

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ANEXO 3 – Ciclo de Vida e Fases de um Projeto Espacial

Descrição das fases componentes do ciclo de vida de um programa espacial.

Fases 0, A, e B Elaboração de sistemas funcionais, requerimentos técnicos e identifica-

ção dos conceitos de sistemas a serem estabelecidos de acordo com os

objetivos da missão, levando em consideração as limitações técnicas e

temporais identificadas.

Fase C e D Compreende todas as atividades realizadas a fim de desenvolver e quali-

ficar os produtos – tanto no segmento espaço quanto solo.

Fase E Compreende todas as atividades realizadas a fim de lançar, utilizar e

manter os elementos presentes no espaço e no solo.

Fase F Compreende todas as atividades realizadas a fim de descartar de forma

segura tanto os objetos presentes no espaço quanto no solo.

Fase 0 Fase A Fase B Fase C Fase D Fase E Fase F

Funções da Missão

Requerimentos SSR / PDR

Definição CDR

Verificação QR

Produção AR / ORR

Utilização FRR/CRR/LRR/ELR

Disposição MCR

Ciclo de Vida Típico de um Projeto/Produto Espacial

AtividadesAtividades

MDR / PRR

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ANEXO 4 Atividades de um projeto espacial.

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180

ANEXO 5 Questionário aplicado

1A - Aquisição Externa de Conhecimento: processos pelos quais indivíduos adquirem conhecimento tácito e/ou codificado através de fontes externas à organização.

1A - AQUISIÇÃO EXTERNA Presença / Ausência Observações e Relatos Atualmente Presente?

1. Processos Relacionados à

treinamentos

Graduandos (bolsas,

participação em projetos

etc)

Número e descrição:

Mestrandos (bolsas,

participação em projetos e

alinhamento da dissertação

com trabalho realizado

internamente à empresa)

Número e descrição:

PHDs Número, instituições, participações em bancas, financiamentos:

Consultorias (de gestão,

técnicas etc).

Descrição (número, entitades prestadoras de serviço, frequência, objetivo

da consultoria, quais profissionais participaram etc):

Recontratação de pessoal

aposentado

Descrição (número , cargo, área etc)

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2. Processos de capacitação

de Capital Humano

presente na empresa Presença / Ausência Observações e Relatos Atualmente Presente?

Treinamentos no exterior ,

cursos no exterior,

especialização, pós

graduação etc.

Descrição (número, tipo de treinamento/curso realizado, quem foi

destinado, financiamento, período, local etc):

Treinamentos nacionais e

especialização e/ou

ministrados por

especialistas

Descrição (número, tipo de treinamento/curso realizado, quem foi

destinado, financiamento, período, local etc):

3. Observação e Captação de

Conhecimento Presença / Ausência Observações e Relatos Atualmente Presente?

Captação de Conhecimento

Codificado (patentes,

manuais, artigos etc)

Descrição (processos pelos quais conhecimento codificado é

sistematicamente captado pela organização para, posteriormente, ser

difundido aos indivíduos):

Aquisição ou licenciamento

de designs de engenharia (d

designs e engenharia e

softwares

específicos/sistemas

operacionais)

Descrição(processosl destinados à aquisição de determinados instrumentos,

como softwares ou sistemas, e observação de designs relevantes aos

projetos):

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4. Interação com

Fornecedores Presença / Ausência Observações e Relatos Atualmente Presente?

Co-desenvolvimentos

(produtos, processos e/ou

componentes de maior

complexidade ou

especificações)

Descrição(P&D em parcerias com fornecedores destinadas à manufatura de

componentes e processos. Quais fornecedores, frequência, dificuldades, se

são intermitentes ou não, benefícios produzidos):

Visitas (visitas regulares nas

instalaçoes dos

fornecedores ou na prórpria

empresa

Descrição (visitas e/ou reuniões realizadas junto aos fornecedores com o

objetivo de cumprir os processos acima ou destinados à solução de

problemas específicos. Frequencia, dificuldades, quais fornecedores etc):

Transmissão de

conhecimento codificado

(intranets, relatórios etc)

Descrição(processos pelos quais conhecimento codificado é

sistematicamente transferido e compartilhado aos fornecedores):

Participação nos Testes

(testes de qualificação e

verificação das

especificações técnicas)

Descrição(Participação e realização de testes em conjunto a fim de

solucuinar problemas críticos ou realizar verificações. Número, frequencia,

tipos fornecedores, dificuldades, etc):

5. Interação com o INPE Presença / Ausência Observações e Relatos Atualmente Presente?

Design (produtos, testes e

componentes)

Descrição(P&D em conjunto no tocante ao design de componentes,

equipamentos e testes necessários à produção. Frequência, número etc):

Testes (qualificação,

integração e verificação das

especificações técnicas

Descrição(P&D em conjunto no tocante ao design de componentes,

equipamentos e testes necessários à produção. Frequência, número etc):

Desenvolvimento (P&D de

produtos e processos)

Descrição(P&D em conjunto no tocante ao design de componentes,

equipamentos e testes necessários à produção. Frequência, número etc):

Cursos e capacitação junto

ao INPE Descrição (números, tipos de cursos ou consultorias pontuais):

Integração (integração de

componentes e subsistema) Descrição():

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1B AQUISIÇÃO INTERNA: Processos pelos quais indivíduos adquirem conhecimento realizando diferentes atividades internas.

1. Processos de Aquisição de

Capital Humano e Interações com

Instituições Presença / Ausência Observações e Relatos Atualmente Presente?

Entre diferentes áreas da

organização (e.g entre

departamentos de marketing e

P&D a fim de verificar

demanda/viabilidade de certo

produto)

Descrição (caso exista separação departamental, descrever como as diferentes áreas são integradas durante a

execução de um determinado projeto. Como elas socializam conhecimento adquirido entre seus indivíduos;):

Entre matriz/unidades (no caso de

uma empresa pertencer a uma

holding etc)

Descrição (caso a empresa possua diferentes unidades ou faça parte de uma transnacional, descrever - caso ocorra - as

dinâmicas de aprendizado e compartilhamento de conhecimento):

Processos de Socialização de Conhecimento

1. Treinamentos In-house Presença / Ausência Observações e Relatos Atualmente Presente?

Básicos / Operações (nível de manufatura e

voltado aos processos

produtivos/montagem) - (On the Job

Training)

Descrição (Número, tipos de treinamento, nível com relação à

produção e capacitação, duração, relação com projeto etc):

Gestão (relacionados á gestão estratégicas,

da inovação, projetos etc, padrões de

qualidade etc)

Descrição (Número, tipos de treinamento, capital humano

participante, duração, relação com projeto etc):

2A - Socialização de Conhecimento: Processos pelos quais indivíduos comparthilham seu conhecimento tácito (modelos mentais e

habilidades técnicas), em outras palavras, qualquer processo formal e informal pelos quais conhecimento tácito é transferido de um

indivíduo ou grupo de indivíduos para outro.

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2. Socialização de Soluções de Problemas Presença / Ausência Atualmente Presente?

Reuniões entre diferentes

áreas/departamentos da organização

Descrição (frequência, participantes, local, objetivos, durações,

eficiência, relação com as etapas do projeto):

Reuniões técnicas junto ao INPE

Descrição (frequência, participantes, local, objetivos, durações,

eficiência, relação com as etapas do projeto):

3. Disseminação de Conhecimento Presença / Ausência Atualmente Presente?

*Socialização sistemática de conhecimento

codificado interpretado (papers, patentes,

artigos, padrões de qualidade -

monitoramento de conhecimentor

relevante produzido externamente)

Descrição (quem efetua e daonde capta conhecimento,

mecanismos dinamizadores do conhecimento captado etc):