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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
Instituto de Geociências
BRUNA RASPANTINI PELLEGRINO
O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO E O PROBLEMA HABITACIONAL NO
MUNICÍPIO DE CARAPICUÍBA-SP (1990-2017)
CAMPINAS
2017
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BRUNA RASPANTINI PELLEGRINO
O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO E O PROBLEMA HABITACIONAL NO
MUNICÍPIO DE CARAPICUÍBA-SP (1990-2017)
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO APRESENTADA AO
INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS DA UNIVERSIDADE
ESTADUAL DE CAMPINAS PARA OBTENÇÃO DE
TÍTULO DE MESTRA EM GEOGRAFIA NA ÁREA DE
ANÁLISE AMBIENTAL E DINÂMICA TERRITORIAL
ORIENTADORA: PROFª DRª ADRIANA MARIA BERNARDES DA SILVA
ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL
DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA ALUNA BRUNA
RASPANTINI PELLEGRINO E ORIENTADA PELA
PROFA. DRA. ADRIANA MARIA BERNARDES DA
SILVA
CAMPINAS
2017
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Agência(s) de fomento e nº(s) de processo(s): CAPES
Ficha catalográficaUniversidade Estadual de CampinasBiblioteca do Instituto de GeociênciasCássia Raquel da Silva - CRB 8/5752
Raspantini, Bruna Pellegrino, 1987- R184p RasO processo de urbanização e o problema habitacional no Município de
Carapicuíba-SP (1990-2017) / Bruna Raspantini Pellegrino. – Campinas, SP :[s.n.], 2017.
RasOrientador: Adriana Maria Bernardes da Silva. RasDissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de
Geociências.
Ras1. Periferias urbanas - Carapicuiba (SP). 2. Metrópole. 3. Urbanização. 4.
Favelas - urbanização. I. Silva, Adriana Maria Bernardes, 1967-. II.Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Geociências. III. Título.
Informações para Biblioteca Digital
Título em outro idioma: Urbanization process and the housing problematic in the city ofCarapicuíba-SP (1990-2017)Palavras-chave em inglês:Urban peripheries - Carapicuíba (SP)MetropolisUrbanizationSlums - UrbanizationÁrea de concentração: Análise Ambiental e Dinâmica TerritorialTitulação: Mestra em GeografiaBanca examinadora:Adriana Maria Bernardes da Silva [Orientador]Regina Célia Bega dos SantosGilberto Cunha FrancaData de defesa: 24-08-2017Programa de Pós-Graduação: Geografia
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS
AUTORA: Bruna Raspantini Pellegrino
O processo de urbanização e o problema habitacional
no município de Carapicuíba (1990-2017)
ORIENTADORA: Profa. Dra. Adriana Maria Bernardes da Silva
Aprovado em: 24 / 08 / 2017
EXAMINADORES:
Profa. Dra. Adriana Maria Bernardes da Silva - Presidente
Profa. Dra. Regina Célia Bega dos Santos
Dr. Guilherme Cunha Franca
A Ata de Defesa assinada pelos membros da Comissão Examinadora,
consta no processo de vida acadêmica do aluno.
Campinas, 24 de agosto de 2017.
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AGRADECIMENTOS
Meu meio de existência, um pouco dos principais agentes de meu cotidiano:
O espaço não é apenas suporte da experiência, mas sim um suporte ativo que significa nossa experiência, que a conduz, trás ou deixa de trazer experimentações. Não obstante, ele é o produto da experiência, como matéria concreta ou como “meios cristalizados de ação”, como as “artes do fazer”. Esse todo que é o espaço, em cada lugar, cria experimentações diferentes. Agradeço aqui aos que criaram comigo diferentes e importantes experimentações.
Sou grata em especial a ciência geográfica, as ciências humanas no geral, e a todos que a elas contribuem dentro e fora da academia. Por estas lentes, às vezes embaçadas, pude parar para ver o que desde de minha adolescência, ou mesmo antes, me tomava a atenção, me fazia indagar, pensar, questionar – a reprodução da sociedade em seus diversos aspectos constantemente marcada pela injustiça social. Agradeço a minha orientadora Adriana Bernardes da Silva que me abriu a oportunidade e o tempo necessário para fazer crescer esta pesquisa, que é um dos processos mais importantes de minha trajetória profissional. Agradeço também ao Professor Vicente Eudes Lemos Alves, por todas as suas diversas formas de contribuição a esta pesquisa, nascido em Carapicuíba, ex- Diretor de Planejamento Urbano do município, Docente da UNICAMP, sua presença foi extremamente rica desde os campos, as entrevistas, as conversas, a participação na banca e mesmo antes desta pesquisa começar. Sou especialmente grata aos membros da banca de qualificação e defesa, Professora Regina Célia Bega dos Santos, Professor Vicente Eudes Lemos Alves e Professor Gilberto Franca pela leitura e análise cuidadosa, pelas indagações, pela conversa, pelos apontamentos, pelo carinho, que além de terem contribuído substancialmente para o encaminhamento da presente pesquisa permanecem como reflexões pertinentes e transformadoras para o caminho que aqui se inicia. Agradeço a todos aqueles que com seus relatos sobre o lugar e sobre suas trajetórias de vida compuseram este trabalho, aqueles que dedicaram tempo e cuidado para compartilhar comigo a realidade de um lugar que eu apenas começo a entender, que trouxeram vida a esta pesquisa; a todos os entrevistados, em especial, Alexandre Pimentel, os professores da Escola Estadual Ana Rodrigues de Liso Castelão e as moradoras da Viela São João, Cícera e Graça, estas que com seu carinho frutificaram uma aproximação além do roteiro. Sou imensamente grata às minhas experiências culturais e sociais no geral, sobretudo, aquelas proporcionadas pelo Núcleo de Artes Afrobrasileiras da USP. Um dos poucos lugares donde tenho vivido um cotidiano, predominantemente, obstinado ao valor de uso, produção e vivência de cultura e não seu consumo, um avesso na grande cidade mercadoria, que sem dúvida contribui muito ao que sou hoje e à inspiração a esta pesquisa. Sou grata ao meu mestre Pinguim.
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Aos amigos, grande suporte de minha experiência neste mundo e os colaboradores de minha transformação, meus companheiros, meus confidentes. Aquelas que fizeram parte de minha primeira “formação crítica” de vida: Mariana, Katia, Andréia, Julia e Marcela. As que me levaram para as sociabilidades das ruas, praças e mais: Ana, Mica, Mayra e Camila. Companheiras das transformações dos 20 aos 30: Tábata, Nara, Mariela, Marina, junto com as que permaneceram da minha primeira formação crítica! Minhas irmãs de coração, minha família de alma, de energia, que me abriram para amar e ver o mundo, que me fizeram crescer: Chica, Bruninha, Luna, Mimi, Quel e Carol. Aos amigos da Geografia que ainda permanecem na caminhada longe e perto: Rafaela, Vonei, Fabiano, Natalia, Sara, Aninha. Muito obrigada por serem tudo isso! Agradeço particularmente a um amigo [colorido] muito especial, parceiro dos momentos bons aos difíceis, das conversas astrais às políticas, que me inspira por sua dedicação e pragmatismo [e por sua Música!]. Num caminho em que ensinamos ao outro a arte de ser companheiros: David. E por último e mais importante minha família! Foi ela que antes das ciências humanas, antes dos amigos, antes dos papos de buteco e praças, que me ensinou a ver o mundo com o olhar humano e como diz meu pai de “justiça social”, que me ensinou não apenas estudar as horizontalidades mas praticá-las no meu cotidiano. Foi pelo amor, dedicação e maior disponibilidade do mundo que tem minha mãe (não só comigo mas realmente com o mundo), Cleusa, minha grande companheira que tem me ajudado nessa trajetória boa e difícil que é a vida. Foi meu pai uma pessoa que faz mais jus a expressão “um homem de bem” do que qualquer outra pessoa que já conheci (além de minha mãe), que faz jus a palavra pai no sentido feminista; amor, cuidado, macarrão e preocupação. Foram minhas irmãs. Paula, que me mostrou a profundidade do amor fraternal, transformou minha forma de ver o mundo e, especialmente, de ver as pessoas, de aceitar e a valorizar a diferença; a pessoa no mundo que me faz sentir mais livre para ser eu mesma, acreditar em mim e viver leve. Fernandão, esta mulher que já está reproduzido socioespacialmente outro núcleo familiar a partir dos ensinamentos de amor frutificados no nosso; dedicada, feminista, de esquerda, minha típica irmã mais velha, deduradas, porto seguro, debates e troca de figurinhas.
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RESUMO
Discute-se a produção do espaço urbano de Carapicuíba-SP, no que se refere especificamente ao componente habitacional, debruçando-se sobre dois períodos e suas formas-conteúdo predominantes: os loteamentos populares precários entre 1970 e 1990, as favelas entre 1990 a atualidade. Busca-se entender os agentes e as ações direta e indiretamente vinculados à produção deste espaço. Em Carapicuíba, assim como nas outras periferias metropolitanas do Brasil, a prevalência destas formas-conteúdo significa que a habitação, embora, um valor de uso essencial à reprodução da sociedade, é, majoritariamente, acessada e produzida a partir do mercado informal e da atuação de agentes não tipicamente capitalistas. Processo que faz de grande parte do espaço urbano de Carapicuíba uma produção, predominantemente, descapitalizada, inclinada ao valor de uso, organizada pela ordem da demanda e pelas relações comunicacionais, marcada pela ausência do investimento público. Traços que, contraditoriamente, são resultado do processo de modernização, o qual, uma vez inscrito em uma urbanização corporativa, não está posto a produção de meios de existência satisfatórios, mas sim à acumulação de capital. A transição dos loteamentos para as favelas em Carapicuíba demonstra, com clareza, a permanente reprodução da pobreza no contexto progressivo de modernização da sociedade.
Palavras-chave: Carapicuíba-SP – metrópole paulistana – urbanização – favelas – loteamentos clandestinos
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ABSTRACT
This study aims to understand the urbanization process in the city of Carapicuíba, with emphasis in housing sphere, focusing on two different periods and housing types: precarious allotments between 1970 e 1990 and slums between 1990 e 2017. Searching for the direct and indirect agents and actions space producers. In Carapicuíba, as in others Brazilian metropolitan peripheries, the predominance of this housing and urban types means that home, although, an essential “use value”, it is, mainly, accessed and produced by informal market and by not capitalistic typically agents. Process which imply, for the most part of the urban space, a production not capitalized, organized by order demand and by comunicacional relations, characterized by the absence of public resources and by the predominance of the “use value”. Contradictorily, these characteristics are the result of the modernization, because this is made as a corporative urbanization, which has not the ideal to create satisfactory spaces to live, but spaces to produce capital profitability. The transition of the precarious allotments to the slums in Carapicuíba demonstrate, clearly, the permanent poverty reproduction in progressive context of society modernization. Keywords: Carapicuíba-SP – São Paulo Metropolis – urbanization – slums – precarious allotments
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ÍNDICE DE FIGURAS
Figura 1. Centralidades do Território de Carapicuíba-SP ........................................ 32
Figura 2. Evolução Territorial do Município de Carapicuíba-SP (1580 -1990) ........ 41
Figura 3. Diferentes densidades populacionais e construtivas - desiguais usos do
território em Carapicuíba-SP (2016) ........................................................................ 56
Figura 4. Distribuição de Renda no Município de Carapicuíba-SP (2010) .............. 57
Figura 5. Componentes do déficit habitacional quantitativo de Carapicuíba (2010) 91
Figura 6. Publicações em rede social de imóveis a venda na Favela da Savoy em
Carapicuíba-SP (2017) ............................................................................................ 96
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ÍNDICE DE MAPAS
Mapa 1. Áreas Verdes do Município de Carapicuíba – SP (2011) .......................... 59
Mapa 2. Distritos com maior concentração de favelas em Carapicuíba-SP (2011) . 77
Mapa 3. Área original da Ocupação Carlos Marighella – MTST e área lograda para
projeto habitacional (2015-2017) ........................................................................... 144
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INDÍCE DE FOTOS
Foto 1. Aldeamento Jesuítico de Carapicuíba ......................................................... 31
Foto 2. A Estação de Carapicuíba ........................................................................... 40
Foto 3. Bairro Parque Roseira, Carapicuíba-SP (2007) .......................................... 42
Foto 4. Bairro Vila Helena, Carapicuíba- SP ........................................................... 46
Foto 5. Conjunto Habitacional Presidente Castelo Branco ...................................... 53
Foto 6. Favela Vila Municipal - “Vila de cima” ......................................................... 76
Foto 7. Favela Vila Municipal - “Vila de baixo” ........................................................ 76
Foto 8. Favela Viela São João, paisagem atual ...................................................... 80
Foto 9. Interior da Favela Viela São João, paisagem atual ..................................... 81
Foto 10. A Fase inicial da favela - Bairro Jardim Angélica - Carapicuíba-SP .......... 84
Foto 11. Bairro Jardim Angélica – Carapicuíba-SP ................................................. 88
Foto 12. Verticalização Residencial na Favela do Murão, Estrada do Pequiá ........ 97
Foto 13. Verticalização residencial no Município de Carapicuíba ........................... 98
Foto 14. Favela Recente em área institucional da ................................................ 105
Foto 15. Favela Recente em rua institucional da .................................................. 106
Foto 16. Favela Recente em rua institucional da .................................................. 106
Foto 17. Favela do Murão ..................................................................................... 127
Foto 18. Condomínio Solares Carapicuíba-SP...................................................... 130
Foto 19. Edifício Vila Vita Carapicuíba-SP ............................................................ 130
Foto 20. Ocupação Carlos Marighella Carapicuíba-SP ......................................... 141
Foto 21. Central de Organização da Ocupação Carlos Marighella ....................... 141
Foto 22. Ocupação Carlos Marighella – Carapicuíba-SP ...................................... 148
Foto 23. Ocupação Carlos Marighella – Carapicuíba-SP ...................................... 149
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ÍNDICE DE TABELAS Tabela 1. População do Município de São Paulo e RMSP (1940-1991) ................. 35
Tabela 2. Evolução da área urbanizada do Município de São Paulo (1930 -1954) . 36
Tabela 3. Evolução da População no Município de Carapicuíba (1950-1990) ........ 37
Tabela 4. Atendimento dos Serviços públicos nos domicílios de Carapicuíba,
Osasco, Barueri e Jandira (1970) ............................................................................ 48
Tabela 5. Crescimento dos Aglomerados Subnormais no Brasil (1980 - 2010) ...... 68
Tabela 6. População em Aglomerados Subnormais no Município de Carapicuíba-SP
................................................................................................................................ 71
Tabela 7. Taxas de Crescimento Populacional na RMSP (1960-1996) .................. 72
Tabela 8. Tipo de Propriedade dos Assentamentos Precários Carapicuíba-SP (2011)
................................................................................................................................ 75
Tabela 9. Assentamentos precários por distrito do Plano Diretor de Carapicuíba-SP
(2011) ...................................................................................................................... 78
Tabela 10. Condição de ocupação por domicílios no Município de Carapicuíba-SP90
Tabela 11. Domicílios em assentamentos precários no Município Carapicuíba- SP99
Tabela 12. Domicílios e população em aglomerados subnormais no Município
Carapicuíba-SP (2000-2010)................................................................................. 100
Tabela 13. População e domicílios em assentamentos precários em Carapicuíba-SP
(2011) .................................................................................................................... 101
Tabela 14. Assentamentos Precários em Área de Risco no Município de Carapicuíba
(2011) .................................................................................................................... 101
Tabela 15. Infraestrutura nos Assentamentos Precários do Município de
Carapicuíba-SP (2011) .......................................................................................... 102
Tabela 16. Rendimento em Salários Mínimos Pessoas Responsáveis pelos
Domicílios Particulares (em %) - Município de Carapicuíba-SP (1991 -2000 -2010)
.............................................................................................................................. 135
Tabela 17. Entidades Sem Fins Lucrativos por Especialização ............................ 150
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QUADRO DE SIGLAS
ABC Municípios de Santo André, São Bernardo e São Caetano
AP Alojamentos provisórios
APP Área de Proteção Ambiental
BM Banco pelo Mundial
BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
BNH Banco Nacional de Habitação
CEB Comunidades Eclesiais de Base
CENSO Recenseamento Demográfico
CDHU Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano
COHAB Companhia Metropolitana de Habitação
CONAM Confederação Nacional de Moradia Popular
EMPLASA Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano
FGTS Fundo de Garantia por Tempo de Serviço do Trabalhador
FLM Frente de Luta pela Moradia na cidade de São Paul
FMI Fundo Monetário Internacional
FNHIS Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social
FUNAP Fundo de Atendimento à População Moradora em Habitação Sub-Normal
HIS Habitações de Interesse Social
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IPTU Imposto Territorial e Predial Urbano
MLB Movimento de Lutas dos Bairros e Favelas
MLC Movimento Contra os Loteamentos Clandestinos
MNLM Movimento Nacional de Luta pela Moradia
MTST Movimento dos Trabalhadores Sem Teto
OGU Orçamento Geral da União
ONG Organização não Governamental
ONU Organizações das Nações Unidas
PAC Programa de Aceleração do Crescimento
PLHIS Plano Local de Habitação de Interesse Social
PMCMV Programa Habitacional Minha Casa Minha Vida
PNDU Política Nacional de Desenvolvimento Urbano
PROAGUA Programa de Abastecimento de Água
PROFAVELA Programa de Reurbanização de Favelas
PROLUZ Programa de Eletrificação de Favelas
PROMORAR Programa de Erradicação de Sub-habitação
PT Partido dos Trabalhadores
RMSP Região Metropolitana de São Paulo
SBPE Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo e Cadernetas de Poupança
SEADE Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados
SFH Sistema Financeiro da Habitação
SNHIS Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social
UNMP União Nacional por Moradia Popular
VHP Vilas de Habitação Provisória
ZEIS Zona Especial de Interesse Social
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 15
CAPITULO I – A EVOLUÇÃO TERRITORIAL DE CARAPICUÍBA: DO CINTURÃO
CAIPIRA À PERIFERIA DA METRÓPOLE .................................................................... 26
1.1. Habitação popular: terminologias e conceituações ..................................................... 26 1.2. O território carapicuibano no processo de metropolização ........................................ 29
1.2.1. O fato urbano no Município de Carapicuíba ............................................ 36 1.2.2. Os loteamentos clandestinos em Carapicuíba ........................................ 40 1.2.3. Conjunto Habitacional Presidente Castelo Branco - COHAB ............... 52 1.2.4. A Região Sul do Município: os condomínios de alto padrão ................ 55
Considerações Finais ao Capítulo I ........................................................................................... 60
CAPITULO II – A FAVELA COMO FORMA DE ACESSO À MORADIA NO
MUNICÍPIO DE CARAPICUÍBA-SP ................................................................................. 65
1.2. Favela: sua “forma-conteúdo” no Brasil e na metrópole ............................................. 66 1.3. O processo de formação de favelas no Município de Carapicuíba-SP .................... 70
1.3.1. Os agentes produtores do espaço e a densidade comunicacional ..... 78 1.3.2. As dinâmicas de consolidação das favelas (e a dinâmica construtiva das casas) ..................................................................................................................... 83 1.3.3. Trajetória Habitacional................................................................................. 89 1.3.4. Mercado Imobiliário e verticalização nas favelas .................................... 93 1.3.5. Condições atuais das favelas de Carapicuíba ........................................ 98 1.3.6. Processos recentes de formação de favelas ......................................... 103
Considerações finais ao capítulo II ............................................................................ 107
CAPITULO III – ESTADO, SOCIEDADE CIVIL E O PROBLEMA HABITACIONAL
EM CARAPICUÍBA-SP .................................................................................................... 110
3.1. A favela e a evolução da política pública e da luta urbana no Brasil ...................... 111 3.2. A Política Urbana no período atual e o Município de Carapicuíba ......................... 121
3.2.1. O PAC e o PMCMV no Município de Carapicuíba ............................... 125 3.3. A luta por moradia no Município de Carapicuíba no século XXI ............................. 136
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 152
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INTRODUÇÃO
A situação habitacional da grande São Paulo (...) é reveladora da crise profunda em que vive a sociedade urbana e constitui um aspecto visível de uma estrutura socioeconômica flagrante inigualitária (SANTOS M., 2009 [1990]: 43).
Em torno da habitação desenvolveu-se uma das maiores problemáticas
das metrópoles brasileiras. Essa problemática se desdobra em diversos processos
socioespaciais, meios de existência, lutas, políticas, disputas.
A partir desta pesquisa, temos a intenção de contribuir para a
compreensão do processo de urbanização do município de Carapicuíba, no que
tange à habitação da população de menor renda. Abordamos dois períodos e
formas-conteúdo distintos, centrando a análise no período recente: os loteamentos
populares precários entre 1970 e 1990, as favelas entre 1990 a atualidade. Busca-se
entender os agentes e ações direta e indiretamente vinculados à produção deste
espaço urbano.
A habitação tem um valor de uso essencial à reprodução do homem em
sociedade; em qualquer período histórico é uma necessidade tanto biológica quanto
social (RODRIGUES, 1988). Não à toa, nas cidades, onde hoje está a maior parte
da população nacional e mundial, a produção do espaço destina-se majoritariamente
à habitação (RODRIGUES, 1988). E são, portanto, as dinâmicas socioespaciais
relativas à habitação reveladoras das lógicas de produção do urbano e da forma
como a sociedade organiza o acesso às suas necessidades básicas.
Na produção do espaço urbano no Brasil, para os mais pobres, o acesso
à habitação sempre se realizou mais pelo âmbito da solução improvisada a uma
situação de carência, da luta ante uma privação, do que pelo consumo prático de
uma necessidade básica, de um bem produzido pelo mercado. Mesmo tratando-se
de cidades capitalistas, no Brasil prevaleceram na produção da moradia: a atuação
de “agentes não tipicamente capitalistas” (RODRIGUES, 2007b), a prática de
subsistência (MARICATO, 1982) e um mercado informal (CARDODO, 2012).
Considera-se a partir de Oliveira (2011[1972]) e Rodrigues (2007a;
2007b) que os agentes não tipicamente capitalistas são aqueles que, mesmo
inseridos nos sistema capitalista como força de trabalho, empreendem, para sua
sobrevivência neste, atividades não tipicamente capitalistas, isto é, práticas que não
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passam pela remuneração e nem são obstinadas à gerar de imediato um valor de
troca, mas valores de uso essenciais. Conforme Rodrigues (2007b), os agentes não
tipicamente capitalistas produtores do espaço urbano são os que produzem a cidade
por autoconstrução, isto é, formadores de ocupações coletivas de terra, formadores
de favela e habitantes de loteamentos clandestinos. Enquanto, os agentes
produtores do espaço tipicamente capitalistas, no que se refere especificamente à
habitação, são: setor financeiro, incorporação imobiliária, proprietários de terra,
loteadores, indústria (à exemplo da construção civil) e o Estado (RODRIGUES,
2007a).
A prevalência das relações não tipicamente capitalistas na produção
deste valor de uso elementar – a habitação – é reveladora de que elas não são
residuais no sistema capitalista, mas parte de sua sustentação, como esclarecido
por Oliveira (2011 [1972]):
A especificidade particular de um tal modelo consistiria em reproduzir e criar uma larga 'periferia', onde predominam padrões não-capitalísticos de relação de produção, como forma e meio de sustentação e alimentação do crescimento dos setores estratégicos nitidamente capitalistas (OLIVEIRA, 2011 [1972]: 69).
Nessa direção, entende-se que a realidade de carência que compreende
a questão habitacional no Brasil é fruto de prerrogativas do capital, perfeitamente
encontradas com as ações do Estado, na conjuntura de um capitalismo periférico,
dentre as quais, destacam-se: a super exploração da força trabalho e a total
priorização das funções econômicas do solo urbano.
A remuneração mínima regulamentada pelo Estado brasileiro nunca foi
capaz de suprir o gasto com habitação, dentre outros elementos essenciais à
reprodução da força de trabalho (SANTOS R., 2007). Ao passo desta constante
privação, “a terra urbana e ou habitação nele edificada” tornara-se, para o sistema
capitalista, uma mercadoria especial, de elevado valor de troca, meio de acumulação
potencial; e o elemento mais dispendioso do orçamento do trabalhador urbano,
depois do relativo à alimentação (RODRIGUES, 2007c). Essa valorização advém
justamente da forma como que o espaço é produzido e apropriado: uma produção
social, desigualmente gerida pelo Estado e apropriada pelo capital (OLIVERIA, 1982;
RODRIGUES, 1988; MARICATO, 2014).
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O espaço urbano é fruto do trabalho social: são os meios de consumo
coletivo, ou seja, equipamentos sociais de abastecimento de água e energia elétrica,
esgotamento sanitário, transporte, educação, cultura, lazer e saúde1, cuja
implantação e gestão são responsabilidades do Estado. O espaço urbano é, assim,
encontro dos diversos trabalhos, que combinados geram uma força produtiva social
(os efeitos úteis de aglomeração), tais quais possibilidades de consumo e
acessibilidades diversas, deslocamento, menor emprego de tempo, bem-estar,
dentre outras (VILLAÇA, 1998).
Na prática, trata-se de uma “urbanização corporativa” (SANTOS M., 2009
[1990]), ou seja, ela não é conduzida para a produção de meios de existência
satisfatórios, mas sim para a acumulação do capital. Isto faz com que a realidade
espacial dos meios de consumo coletivo seja extremamente desigual e não
corresponda à sua função social, possibilitando que esta produção social seja
apropriada pelo capital e extorquida da maior parte da população. A respeito da
metrópole corporativa de São Paulo, assinala Santos M. (2009 [1900]):
A enorme expansão dos limites territoriais da área metropolitana construída, a presença, na aglomeração, de uma numerosa população de pobres e a forma como o Estado utiliza os seus recursos para a animação das atividades econômicas hegemônicas, em lugar de responder às demandas sociais, conduzem à formação do fenômeno a que chamamos de metrópo1e corporativa, voltada essencialmente para a solução dos problemas das grandes firmas e considerando as demais como questões residuais (SANTOS M., 2009 [1990]: 106).
A menor parcela da cidade é equipada e apropriada por um mercado
que se restringe a habitações não acessíveis à população de menor renda, o que
significa dizer que não é acessível a grande maioria. O alto valor da habitação está
justamente vinculado a esta urbanização desigual (RODRIGUES, 1988; VILLAÇA,
1998). A questão não é, portanto, o trabalho pago materializado no imóvel, mas o
trabalho não pago vinculado aos bens de consumo coletivo e privado oferecidos por
sua “terra-localização” (VILLAÇA, 1998). Esta característica ainda pode gerar para o
produtor da mercadoria habitação a renda de monopólio a partir de localizações
únicas e irreprodutíveis, que funcionam como fonte permanente de renda, pois seu
1 Considera-se meios de consumo coletivos aqueles equipamentos públicos caracterizados
como comunitários na Lei 6766/1979, ou seja, os que propiciam lazer, cultura, educação e saúde e os serviços urbanos de rede de esgotos, abastecimento de água e de luz.
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valor não exauri-se pelo consumo (RODRIGUES, 1988). Como pontua Rodrigues
(1988: 67) os negócios com a terra urbana são um meio de capitalização muito
rentável e seguro que “têm sido uma das formas mais frequentes de acumular
riqueza”. Como fruto deste processo, as partes mais urbanizadas e equipadas da
cidade são altamente valorizadas e inacessíveis para a maioria.
O encontro deste espaço, meio de acumulação, com a condição
pauperizada do trabalhador faz com que: apenas 30% da população brasileira
acesse a terra e/ou habitação nela construída pelo mercado regular; apenas 25%
das habitações do país correspondam ao setor imobiliário formal; faz predominar a
produção doméstica de um valor de uso essencial à reprodução da vida; faz com
que as pessoas habitem territórios com precárias condições de urbanização; faz
com que surjam políticas compensatórias; faz com que a terra seja um dos principais
“nós” da problemática social urbana. Não qualquer terra, a terra urbanizada, a terra
urbana fruto do trabalho social, apropriada pelo capital (RODRIGUES 1988;
MARICATO, 2014).
Nessa direção, pondera-se, a partir de Kowarick (2009), que os espaços
produzidos pelas formas não tipicamente capitalistas, “arcaicas” e urbanisticamente
“subdesenvolvidas”, resultantes de processos socioeconômicos que dão “suporte ao
processo de criação de riquezas”, não devem ser entendidos como espaços dos
excluídos. Na verdade, os que ali habitam são aqueles aos quais o sistema imputa a
situação de inclusão marginal:
Nesse sentido, vale frisar que a questão da marginalidade não foi equacionadora enquanto algo à parte, excluído das dinâmicas básicas da sociedade, mas como uma modalidade de inclusão intermitente, acessória, ocasional, marginal, porém integrante do processo produtivo. Nada mais oposto, portanto, da situação de exclusão, se por isso se entender configurações de desligamento social e econômico que conformam um mundo isolado (KOWARICK, 2009: 73).
Na formação e expansão da metrópole paulistana as soluções
habitacionais para os mais pobres foram criadas de formas distintas, embora
constantemente insatisfatórias. Locação de cômodos em cortiços ou em casas
precárias; casa própria autoconstruída, paga em parcelas acessíveis, no interior de
loteamentos não urbanizados e periféricos, com irregularidade fundiária; barracos e
casas de alvenaria autoconstruídos ou não, apropriados ou comprados
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informalmente, situados em áreas centrais ou periféricas total ou parcialmente
desprovidas de urbanização – as favelas. São estas duas últimas formas que
contam grande parte da história territorial do Município Carapicuíba-SP.
Carapicuíba, emancipado como município em 1961 (Lei Estadual n° 8092
de 1961), foi incorporado à Sub-região Oeste da Região Metropolitana de São Paulo
(RMSP) em 1973 (Lei Complementar n° 14, de 8 de junho de 1973). Atualmente,
uma cidade de 36km² que abriga uma população de quase 400 mil habitantes; um
território 100% urbano que corresponde à quarta maior densidade demográfica do
Brasil, correspondente a 11.225,264 mil habitantes/Km² (IBGE, 2010).
Figura I – Município de Carapicuíba na Região Metropolitana de São Paulo
Elaboração: Bruna R. Pellegrino (2016)
Nas décadas de 1950 e 1960, no movimento de metropolização a partir
da capital, Carapicuíba tem a primeira aceleração de seu processo urbano, já
caracterizada pelo predomínio dos loteamentos populares precários. Todavia, este
processo é somente intensificado ao longo das décadas de 1970 e 1980. Nesse
período, tem-se a maior expansão urbana de Carapicuíba, com adensamento
demográfico e territorial intenso: quase a toda área municipal foi ocupada por uma
população que passou de 54.873 para 283.661 habitantes em vinte anos.
São Paulo
Cotia
Osasco Barueri
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20
Desde 1970, diferentes dinâmicas urbanas impactam o município, que
absorve tanto a função de periferia pobre da metrópole, pela periferização da
população de baixa renda, quanto de “periferia rica”, pela “segregação” “voluntária”
(VILLAÇA, 1998) da população de alta renda. Desenvolvem-se em seu território
loteamentos clandestinos, conjuntos habitacionais irregulares, favelas e loteamentos
e condomínios fechados de alto padrão irregulares. São, conquanto, mais
explicativos do fato urbano local os perfis residenciais vinculados à população de
menor renda.
Especificamente na década de 1970, a intensidade da urbanização deve-
se à larga proliferação de loteamentos clandestinos e à implantação do grande
Conjunto Presidente Castelo Branco por meio da Companhia Metropolitana de
Habitação de São Paulo (COHAB). Entretanto, no mesmo período chega a este
território o loteamento fechado de alto padrão denominando Núcleo Granja Viana.
A maior parte dos bairros de Carapicuíba originou-se de loteamentos
populares clandestinos sem a provisão de infraestruturas urbanas básicas e da
instalação de equipamentos sociais. A provisão das infraestruturas mínimas foi
tardia e só ocorreu pela luta e/ou custeio de seus moradores. Em segundo lugar, o
Conjunto Presidente Castelo Branco da COHAB, segundo maior conjunto
habitacional público construído no Brasil, com 14.360 mil unidades habitacionais;
também é significativo para o adensamento urbano, provocando direta e
indiretamente ampla periferização. Esse conjunto abriga hoje quase 19% da
população municipal. Por fim, os tipos habitacionais voltados à alta renda, dentre
mansões e muitas áreas verdes, abarcam 20% do território municipal com a menor
densidade demográfica do município.
A formação de favelas no município, embora ocorra desde meados da
década de 1970, ganhara intensidade ao longo da década de 1990, quando a
população moradora de favelas tem aumento de 147,01% no município (MEYER et
al., 2004). Período este, inclusive, que as favelas transformam-se em fenômeno
periférico para conjunto da RMSP. A este respeito, se até o início da década de
1980 as favelas concentravam-se no núcleo da metrópole, a partir deste momento
elas também se tornam intensas nos municípios periféricos. Elas adentram, então, o
movimento geral de periferização da população mais pobre (PASTERNAK, 1984),
inaugurando um “novo padrão de ocupação periférica” (BALTRUSIS &
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21
D’OTTAVIANO, 2009); o que não significa que as favelas já não fossem a produção
de um urbano desigual e fragmentado, uma periferia do sistema.
Segundo Pasternak (1997), entre 1980 e 1991, 60% do incremento
populacional da cidade São Paulo corresponde ao aumento de moradores de
favelas. Embora não haja dados precisos sobre o processo para todo o território
metropolitano, sabe-se que ao longo da década de 1990 a região da metrópole que
mais cresceu foi o cinturão de municípios periféricos “com saldo migratório positivo
estimado em 440 mil moradores (PASTERNAK, 1997 [1995]: 4)”.
A pauperização da população manifesta no urbano por esta intensa
proliferação de favelas advém de um contexto crítico da economia nacional, iniciado
no final da década de 1970 e acentuado nos anos 1980, bem como da mudança em
importantes aspectos econômicos ao longo da década de 1990 (JACOBI, 1982;
KOWARICK, 1983; PASTERNAK, 1997 [1995]; SCHIFFER, 2004).
Atualmente, em Carapicuíba, há favelas de diferentes tamanhos, muito
adensadas ou não. A paisagem do lugar revela a dinâmica de aproveitamento de
qualquer espaço livre para a provisão da necessidade habitacional de forma
improvisada. Conquanto a intensidade do processo tenha ficado guardada na
década de 1990, este mecanismo não cessou completamente: embora em menor
grau e de forma menos explícita, ainda originam-se novas favelas no município.
Resultado da combinação do lotear clandestinamente e da apropriação
informal da terra urbana por meio da formação de favelas, tem-se uma cidade
extremamente adensada, urbanisticamente desordenada, subdesenvolvida em
termos de serviços sociais e com 70% de seus imóveis sem inscrição cartorial
(PIMENTEL, 2014). As irregularidades urbanísticas e fundiária no município não são,
todavia, características exclusivas destes tipos habitacionais populares, estão
presentes também nos tipos de alto padrão (FERREIRA, 2000); a diferença é que
nos primeiros ela desencadeia o impedimento histórico à “cidade legal” em sua
amplitude, enquanto nos segundos é legitimada (MARICATO, 1996).
A discussão detalhada a respeito da produção do espaço urbano de
Carapicuíba organiza-se nesta pesquisa a partir de três capítulos. A partir da
discussão das lógicas de produção do espaço urbano no capitalismo periférico,
analisa-se o processo de formação da cidade de Carapicuíba no contexto de
metropolização em São Paulo, atentando-se especificamente à produção
habitacional voltada à população de menor renda.
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No segundo capítulo, no contexto de uma metrópole consolidada,
debruçamo-nos sobre novas dinâmicas socioespaciais a partir dos anos 1980 — o
processo de formação de favelas. De delimitações gerais acerca do fenômeno à sua
contextualização socioeconômica nacional e regional, discute-se sua incidência no
Município de Carapicuíba.
O terceiro capítulo, por fim, destina-se à discussão das políticas públicas
e das ações elaboradas pelos movimentos sociais de luta pela moradia. Trata-se
das políticas habitacionais endereçadas às favelas, partindo de sua transformação
sócio-histórica a partir da esfera do poder federal, visto que nesta esfera se
concentra parte importante das diretrizes e recursos da política urbana; alcançando
seu contexto atual e seu rebatimento em Carapicuíba. Em conjunto, atina-se para a
luta pela moradia, sua conjuntura atual e seus nexos com esta cidade.
Respectiva pesquisa teve início a partir de trabalho de conclusão de
curso, para graduação em bacharel em Geografia pela Unicamp, no ano de 2012, no
qual estudamos a evolução territorial de Carapicuíba e o princípio de seu fato
urbano. O aprofundamento deste estudo preliminar, encaminhado pela presente
pesquisa de mestrado, teve como proposta inicial o estudo das ocupações coletivas
de terra urbana a partir de 1990, processo este que seria a continuidade de uma
urbanização até então caracterizada pela expansão dos loteamentos clandestinos
entre as décadas de 1970 e 1980. Todavia, a aproximação à realidade do lugar
revelou que, embora as apropriações informais sejam sim um traço marcante do
processo urbano local desde 1990, estas não se originam por movimentos sociais ou
organizações diversas de luta pela moradia, são, na verdade, resultado de ações
individualizadas que se coletivizam ou encontram-se a partir da teia de relações
familiares e cotidianas dos habitantes de Carapicuíba. Ou seja, trata-se de processo
mais próximo ao que foi historicamente designado como favela.
Partimos então para o estudo das favelas, considerando, todavia, a
importância de compreender melhor o processo urbano precedente, inclusive, por
sua vinculação com a trajetória habitacional de muitos moradores das recentes
favelas carapicuibanas e com a espacialização desta nova dinâmica dos anos 1990,
que se realiza em um espaço já consolidado e adensando.
Operacionalizamos o estudo da produção do urbano em Carapicuíba a
partir do recorte metodológico do espaço que são as “verticalidades” e
“horizontalidades” (SANTOS M. 2004 [1996]), ou, como proposto por Lefebvre (1991
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[1968]), a “ordem próxima” e a “ordem distante”; sendo o espaço seu hibrido, por
relações de associação e de conflito. A verticalidade, a ordem distante, vista do
lugar, é aquilo que o adentra, reorganiza-o e o transforma por movimento originário
de lógicas externas, de outras escalas socioespaciais, tais quais processos políticos
e/ou econômicos. As horizontalidades, a ordem próxima, são as que permitem a
existência dos lugares, são as elaborações que dependem do cotidiano, da
contiguidade.
A cidade (...) ela muda quando muda a sociedade em seu conjunto. Entretanto, as transformações da cidade não são os resultados passivos da globalidade social, de suas modificações. A cidade depende também e não menos essencialmente das relações de imediatice, das relações diretas entre as pessoas e os grupos que compõem a sociedade (...); ela não se reduz mais à organização dessas relações imediatas e diretas, nem suas metamorfoses se reduzem a mudanças nessas relações. Ela se situa num meio termo, a meio do caminho entre aquilo que se chama de ordem próxima (...) e a ordem distante, a ordem da sociedade regida por grande e poderosas instituições (Igreja, Estado), por um código jurídico formalizado ou não (...). A ordem distante se institui neste nível superior, isto é, neste nível dotado de poderes (LEFEBVRE, 1991 [1968]: 46).
A revisão bibliográfica e a análise de dados secundários de instituições
oficiais de pesquisa permitiram investigar as verticalidades que inseriram
Carapicuíba na metrópole o transformaram progressivamente.
Sobre os dados secundários que contribuíram para o embasamento desta
pesquisa, a importância dada aos dados produzidos por estudos municipais tais
quais Publicação Ilustrada do Plano Diretor (2011) e o Plano Local de Habitação de
Interesse Social (2011)2 decorre da conhecida e identificada subestimação das
pesquisas oficiais nacionais, à escassez de estudos acadêmicos e pesquisas
diversas sobre o município, versus a qualidade técnica e o comprometimento social
dos estudos realizados a partir deste poder público municipal.
Como será explanado, ao longo deste trabalho, a compreensão da
produção do espaço urbano de Carapicuíba se faz, em grande parte, pela
investigação das horizontalidades, isto é, dos processos desencadeados pelas
2 O Plano Local de Habitação de Interesse Social (PLHIS) foi desenvolvido no ano de 2011.
Considera-se que respectivo documento apresenta um razoável diagnóstico acerca da situação habitacional de Carapicuíba, embora apresente dados substimados.
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relações de contiguidade.Uma vez que trata-se de uma produção
preponderantemente organizada pelas relações do cotidiano dos habitantes – a
“densidade comunicacional” (SANTOS M., 2009 [1990]); em parte erigida por
agentes não tipicamente capitalistas e por um mercado informal de âmbito
majoritariamente local.
Em busca de analisar os agentes diretamente produtores do lugar e de
suas ações, no que se refere especificamente ao seu componente habitacional,
pesquisas de campo foram desenvolvidas em diferentes bairros do município
originados por loteamentos populares precários e favelas.
Os trabalhos de campo que constroem esta pesquisa caminham desde a
realização de meu Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação em 2012 à
elaboração do projeto de mestrado em 2014, todavia, os campos foram
definitivamente adensados ao longo de 2015, 2016 e 2017. Os trabalhos de campo
destinam-se à coleta de dados primários a partir de entrevistas e observação da
paisagem, bem como à realização de registros fotográficos.
Os primeiros campos partiram de contatos pessoais, de notícias de jornal
e do acompanhamento da formação da Ocupação Carlos Marighella - MTST em
Carapicuíba-SP. A construção da rede de contatos que subsidiou toda a pesquisa foi
principalmente construída da associação de duas formas: pelos contatos
preexistentes, tais como amigos, colegas de trabalho, amigos de amigos,
professores da UNICAMP, dentre outros; e importantemente pelos contatos e
relações que se frutificaram ao longo da realização dos campos, donde,
importantemente, estão inseridos os círculos sociais e comunicacionais dos próprios
habitantes.
O que significa que o percurso de campo, o conhecimento da realidade
estudada, foi alimentado pelas relações comunicacionais (SANTOS M., 2009 [1990])
que também alimentam a produção do espaço urbano de Carapicuíba. O que não
significa, porém, que realização dos trabalhos de campo não foi muitas vezes
frustrada, pela quebra da relação de comunicação.
Pelos contatos que foram sendo estabelecidos aos poucos, nos campos,
“alguém que conhece alguém”, os campos passaram por diferentes lugares de
Carapicuíba. Não houve, portanto, uma delimitação territorial prévia para os campos
no interior no Município de Carapicuíba, mas um recorte de formas-conteúdo, as
favelas e os antigos loteamentos. Todavia, com base nestes recortes, dois eventos
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recentes foram muito importantes para a construção sequencial de uma rede de
contatos a Ocupação do MTST e a formação de uma favela no Jardim Angélica.
Dentre os bairros percorridos em campo estão: Vila Mercês, Jardim Angélica, Vila
Dirce, Vila Helena, COHAB Presidente Castelo Branco, Cidade Ariston, Centro,
Parque do Planalto, Parque da Aldeia, Parque Jandaia. Ressalta-se que os campos
em grande parte destes restringiram-se a registros fotográficos e campos de
observação.
Para os campos foram elaboradas roteiros de perguntas, que serviam de
suporte ao diálogo que se realizava majoritariamente em formato conversa, a fim de
deixar o “entrevistado” à vontade para se expressar; criava-se assim uma maior
aproximação com os interlocutores, importante para subsidiar as novas saídas de
campo.
Estas formas foram priorizadas por motivos diferentes. Pude perceber que
os laços sociais, as relações de proximidade são valorizadas pelos interlocutores e
facilitam sua aproximação, são uma garantia de comunicação. Aspecto relacionado
ao outro motivo, que concerne à questão do “ser de fora do lugar”, de adentrar “um
lugar que não é meu”, a “porta de entrada” é a construção de relações
socioespaciais. Nesta questão cabe especialmente, mas não apenas, os locais que
abrigam em suas proximidades o tráfico de entorpecentes.
Havia, entretanto, uma indagação de como trazer e operacionalizar esta
empiria para esta pesquisa enriquecendo a compreensão desta realidade. Optamos,
desde a realização dos campos, pelo levantamento de dados pelo método amostral
qualitativo e não quantitativo. Escolhemos trazer um pouco da trajetória destes
agentes através de suas próprias falas e da transcrição de seus relatos. Acredita-se,
com base em TELLES (2009: 13), que assim o campo nos ajudaria a fugir da
“abstração desencarnada dos indicadores que medem essas realidades” e das
“estereotipias no mais das vezes estigmatizadoras que prevalecem quando se fala
de cortiços, favelas ou das periferias distantes”.
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CAPITULO I – A EVOLUÇÃO TERRITORIAL DE CARAPICUÍBA: DO CINTURÃO CAIPIRA À PERIFERIA DA METRÓPOLE
1.1. Habitação popular: terminologias e conceituações
Na realidade urbana brasileira, há uma diversidade de tipos habitacionais
destinados à população pobre e uma consequente dificuldade de distingui-los
conceitual e terminologicamente. No âmbito da política pública nacional o termo
difundido é “assentamentos precários”, que se aproxima da definição “slum”,
estipulada pela UN-Habitat3 para designar uma “ampla gama de assentamentos de
baixa renda e de condições precárias de vida” (FILHO, 2015).
Na Política Nacional de Habitação (PNH, 2004) a definição
assentamentos precários engloba: cortiços, loteamentos irregulares, favelas e
conjuntos habitacionais irregulares. Neste documento, estes tipos habitacionais são
entendidos como um conjunto por compartilharem os seguintes aspectos: habitação
para famílias de baixa renda, irregularidade fundiária, ausência de infraestrutura de
saneamento ambiental, deficiência no sistema de transportes e nos serviços sociais
diversos, localização em terrenos alagadiços e sujeitos a riscos geotécnicos, dentre
outros (FILHO, 2015; PNH, 2004).
Nesse sentido, a Prefeitura do Município de Carapicuíba vai empregar o
termo “assentamentos precários” para designar os tipos habitacionais que se
desenvolvem em seu território:
O Município de Carapicuíba identifica como assentamentos precários tanto as ocupações espontâneas e originalmente desprovidas de qualquer infra-estrutura ou planejamento – correspondentes às favelas – como aqueles assentamentos implantados com algum nível de organização considerados loteamentos irregulares (PLHIS, 2011: 24).
No que concerne às pesquisas institucionais, para a designação dos tipos
habitacionais destinados à população pobre, destaca-se o termo “aglomerados
subnormais” criado pelo instituto de referência para todo o território nacional –
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O termo é utilizado para
designar: áreas de uso predominantemente residencial, com mais de 51 domicílios, 3 A UN-HABITAT – Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos – é uma
agência especializada da Organização Nacional das Nações Unidas (ONU).
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de apropriação ilegal do terreno, que possua precariedade de serviços públicos
essenciais e/ou alguma precariedade urbanística (vias de circulação estreitas e de
alinhamento irregular, lotes de tamanhos e formas desiguais e construções não
regularizadas por órgãos públicos)4. Conforme Silva (2014: 4), a informação relativa
aos setores subnormais nunca foi “disponibilizada pelo IBGE como proxy de favelas
ou assentamentos precários de nenhum tipo”.
No tocante às pesquisas acadêmicas – VALLADARES (2005),
RODRIGUES (2007b; 2007c) KOWARICK (2009), BOGUS (2009), BALTRUSIS &
D’OTTAVIANO (2009), MARICATO (2014), PASTERNAK (2016) –, os termos são
outros e menos generalizantes. Os autores trabalham com os conceitos de
“loteamentos irregulares”, “favelas”, “cortiços” e “conjuntos habitacionais irregulares”.
Pois, se habitação subnormal, irregularidade urbanística e/ou fundiária e
infraestrutura urbana deficitária são aspectos que podem caracterizar todos estes
tipos habitacionais, somente por eles escapa a compressão da lógica de produção
do espaço urbano, seus agentes e processos.
Conforme Maricato (1982), “loteamento irregular e/ou clandestino” é
aquele que não possui o parcelamento do solo aprovado, o que pode derivar de
irregularidades quanto à posse da terra e/ou quanto às normas urbanísticas. Apesar
dessas irregularidades, o loteamento é fruto da reprodução dos expedientes do
mercado formal de terras: parcelamento do solo por um único agente (loteador ou
proprietário), venda dos lotes e sua compra em parcelas, ao contrário da “favela”
que se origina pela apropriação informal de terra urbana. Segundo Pasternak
(2016: 89), o critério de diferenciação da “favela” em relação aos outros tipos
relaciona-se ao “estatuto jurídico da terra”. Ou seja, é na forma de apropriação do
espaço que está a especificidade da “favela”: “ocupação de terra alheia pública ou
privada” (KOWARICK, 2009: 81); “apropriação do espaço (...) que acontece por
invasão” (PASTERNAK, 2016: 97). Salienta-se, porém, que o termo “invasão” é
socialmente utilizado de forma a criminalizar as ações de luta pela moradia. Os
movimentos sociais de moradia sugerem, portanto, a utilização do termo “ocupação”,
inclusive pois as ocupações realizam-se em imóveis e terrenos ociosos que não
estão cumprindo sua “função social”. Nesta direção, ressalva-se que no Brasil a
4 A partir dos parâmetros do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), favelas e loteamentos clandestinos e irregulares compõem um mesmo conjunto denominado aglomerados subnormais, não havendo distinção, posto que todos apresentam irregularidade fundiária e/ou urbanística.
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“função social da propriedade” está regulamentada pela Constituição Brasileira
(1988) e pelo Estatuto da Cidade (Lei no 10.257, de 10 de julho de 2001), o que
legitima e permite a legalização futura destas ocupações não cabendo, portanto,
especificá-las como formas de uso ilegal da terra urbana.
Atentando-se aos agentes e suas formas de produção do espaço urbano,
com base em Rodrigues (1988), fazemos a distinção entre “favela” e “ocupação
coletiva organizada de terra urbana”, posto que a primeira origina-se de movimentos
individualizados ou de grupos sem organizações sociais formalizadas e a segunda
por ações de grupos organizados.
“Favela”, hoje sinônimo de um tipo habitacional específico, tem sua
origem etimológica em uma planta: A planta “favella”, presente nas trincheiras da
Batalha de Canudos, fora encontrada também no morro carioca, onde os
combatentes de Canudos vieram posteriormente a se instalar. Nesse momento,
respectivo local conhecido como “Morro da Providência” fora rebatizado de “Morro
da Favella” (VALLADARES 2005; FILHO, 2015; PASTERNAK, 2016). Conforme
Valladares (2005: 29 e 30), “o mito de origem da favela” ainda se constitui a partir
das “imagens fortes e marcantes” transmitidas através de Os sertões, que já haviam
informado a intelectuais e à sociedade no geral o que eram os “aglomerados de
miséria”. Assim, no caminho da identificação intelectual das formas insurgentes da
pobreza urbana, o “que se tornaria modelo da favela” já era conhecida pela obra
seminal de Euclides da Cunha (VALLADARES 2005: 30).
Sobre seu lócus de origem vale lembrar, conforme Carta Maior (2009)5:
“No local, ainda existe uma impressionante favela, que parece debruçada sobre uma
pedreira – o Morro da Providência (…). Sua antiguidade e pobreza testemunham
anos e anos de descaso público”.
Apesar de seu emprego nas pesquisas acadêmicas até a atualidade,
“favela” é um termo cujo uso fora generalizado nas diferentes formas de linguagem,
coloquial, acadêmica, literária e midiática; carregando por isso complexa carga
sociocultural e frequentemente conotações pejorativas:
“Favela” é um desses termos que parece ter adquirido feições de vocábulo “naturalizado”, mas que costumam carregar um conteúdo pejorativo que não escapa à percepção daqueles que
5Fonte: Tráfico, favelas e violência, Luis Carlos Lopes, CARTA MAIOR, 2009 –
http://www.cartamaior. com.br/ ?/Editoria/Politica/Trafico-favelas-e-violencia/4/15226.
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sofrem com valorações negativas por trazerem a marca de um estigma ‘sócio-espacial’ (no caso, os “favelados”). Não é à toa, que, algumas vezes, o termo “favela” é, de algum modo, tácita ou explicitamente contestado (…) (SOUZA, 2014: 151).
Nesse viés, embora não esteja nos limites desta pesquisa proposições
terminológicas e conceituais, o uso do termo “favelado” é descartado. Todos na
cidade são moradores de algum tipo habitacional: morador de loteamento, morador
de bairro de classe média, morador de favela, morador de condomínio fechado na
periferia. A condição em questão é a de morador, e somente ela. O local de moradia
não pode servir para definir o individuo em outros aspectos; é descabida, portanto,
determinada derivação da palavra favela, derivação que não fora aplicada para
outras condições. A particularização é intencionalmente estigmatizante.
Por fim, com base em Souza (2014), considera-se importante a
identificação dos termos e as apreensões que o fenômeno tem no lugar estudado:
Conforme eu já salientei em outra ocasião (Souza, 2007, p. 104), faz parte da tarefa do cientista social perceber esses usos cotidianos e tentar entender as razões dos usuários. Mesmo eventuais discordâncias ou reparos não podem eliminar esse componente “fenomenológico”, sob pena de se construir um arsenal terminológico conceitual asséptico e alienado em face dos “mundos da vida”, animados por homens e mulheres de carne osso (SOUZA, 2014: 155).
Nessa direção, verificara-se que o termo mais utilizado no cotidiano dos
carapicuibanos é “área livre”. Em observância aos diálogos locais, este demonstra
ser mais livre de cargas pejorativas que o termo “favela”; o qual também é
empregado localmente com menor freqüência, geralmente em referência a
apropriações informais de grande porte e/ou que abrigam atividades vinculadas ao
tráfico de entorpecentes.
1.2. O território carapicuibano no processo de metropolização
Segundo Petrone (1995), por um longo período, o território de
Carapicuíba, atual município pertencente à RMSP, caracterizou-se pelo seu
isolamento em relação à cidade de São Paulo e teve por isso um lento
desenvolvimento intra-urbano. As décadas de 1960 e 1970 são um marco na
mudança desta condição, em consonância com o aumento nos serviços dos trens de
subúrbio e a implantação do modal rodoviário. Antes deste momento, que vai
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configurar, praticamente, uma “revolução urbana” no lugar, este território transitara
apenas de aldeia indígena, aldeamento jesuítico, ponto de parada de tropeiros do
interior, núcleo agropecuário a subúrbio de tímido desenvolvimento industrial. Estes
dois últimos contextos territoriais, anteriores às dinâmicas propriamente
metropolitanas, advêm das irradiações da centralidade que se constitui em São
Paulo ao longo do tempo (KAJIMURA, 1974; SOUZA, 1981; PETRONE, 1995;
PINHO, 2011).
O nome dado a este lugar, que vai a partir de 1960 dar origem a uma
complexidade territorial, vem daquele primeiro momento, das relações mais
orgânicas e menos complexas que o homem estabelecia com o espaço, da vivência
indígena:
Carapicuiba é uma palavra composta de CARAPICU mais IBA. Carapicu ou Carapicuim é um nome de peixe e tido por venenoso em certos períodos do ano. Iba é um sufixo que significa ruim. Portanto a palavra Carapicuaiba, da qual derivou Carapicuiba, tem o significado de Carapicu ruim, Carapicu imprestável (SOUZA, 1981, s/n).
A transformação do aldeamento jesuítico de Carapicuíba (Foto 1.) em
zona rural responde ao primeiro impulso da urbanização de São Paulo no último
quartel do século XIX, do qual faz parte a modernização dos processos produtivos –
o inicio da industrialização – e dos meios de circulação da produção –
desenvolvimento do modal ferroviário no Estado de São Paulo6. Este último, sob o
contexto das novas demandas geradas pelo crescimento da população, do meio
construído e das atividades sociais da capital, fez transformar o entorno desta num
meio produtor de insumos diversos, que ficou conhecido como “Cinturão Caipira”
(LANGENBUCH, 1971; PETRONE, 1995). Todavia, neste processo, os usos
proliferados no Cinturão transcendem esta função, originando também: áreas de
recreio, subúrbios industriais com vilas residências operárias, e subúrbios
residências de luxo (LANGENBUCH, 1971). Entende-se que, à época, a noção de
6 A instalação do Sistema Ferroviário foi inaugurada através da linha férrea São Paulo
Railway em 1867. Esse sistema representava o início das mecanizações que transformariam marcadamente o território, na medida em que consolidavam uma articulação em nível metropolitana polarizada pela cidade de São Paulo. Com a continuidade do desenvolvimento ferroviário, o sistema ficou composto pela São Paulo Railway, Companhia Paulista, Estrada de Ferro Sorocabana, Companhia Mogiana e pela Estrada de Ferro Central do Brasil. As infra-estruturas ferroviárias foram instaladas com finalidade de circulação da produção, mas acabaram ganhando relevância no transporte de passageiros na cidade e para outras cidades arredores.
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subúrbio, aplicada à Carapicuíba, referia-se à nuance entre o rural e o urbano e não
ao prolongamento do cotidiano urbano e à segregação socioespacial
(LANGENBUCH, 1971; PINHO, 2011). O sistema ferroviário foi, entre o final do
século XIX à primeira metade do século XX, o principal estruturador de todo um
território que se dinamizou a partir da centralidade de São Paulo.
Foto 1. Aldeamento Jesuítico de Carapicuíba
Conjunto Arquitetônico e Urbanístico Tombado
Fonte: IPHAN- http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/385/
As novas dinâmicas supracitadas, em conjunto com o declínio do
aldeamento, deslocam a centralidade territorial de Carapicuíba, que da região
sudeste, onde atuavam os jesuítas, passa para a região a norte, onde passa a linha
férrea. Passa ali trecho da linha férrea criada em 1870, pela Companhia Estrada de
Ferro Sorocabana, ligando inicialmente São Paulo à cidade de Sorocaba, destinada
inicialmente ao transporte de cargas. Em Carapicuíba, neste princípio, foi construída
cancela específica junto às minas de extração de areia às margens do rio Tietê
(PLANO DIRETOR, 2011).
https://pt.wikipedia.org/wiki/1870
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32
Figura 1. Centralidades do Território de Carapicuíba-SP
Elaboração: Bruna R. Pellegrino (2017)
No contexto do Cinturão, em Carapicuíba, as funções restringiram-se à
produção de bens primários, a um pequeno desenvolvimento industrial e às
consequentes tecnificações iniciais do território combinadas a estas. No início do
século XX, têm-se a produção de cereais e leite, as atividades de exploração de
areia, de pecuária bovina e a implantação de frigoríficos (NASCIMENTO, 1976;
SOUZA, 1981; PLANO DIRETOR, 2011; PIMENTEL, 2014). A indústria e seus
trabalhadores chegam à Carapicuíba, timidamente, nos anos 1920, pela instalação
da Indústria de Tecelagem Santa Izolina (Indústrias Kenworthy S/A) e de uma
pequena vila operária para seus trabalhadores; época em que é inaugurada a
Estação Ferroviária de Carapicuíba, a princípio chamada Estação Sylviânia (PLANO
DIRETOR, 2011; PIMENTEL, 2014).
Segundo informações do Plano Diretor (2011: 8) “A construção da
estação pode ser considerada, portanto, o elemento impulsionador para o
surgimento de um novo núcleo habitacional em Carapicuíba, que começaria a se
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desenvolver”. Os arredores da estação, de sítios, chácaras e fazendas, começaram
então a ser loteados e a dar lugar a casas e comércios. Esta ocupação é
intensificada, sobretudo, pela chegada de imigrantes japoneses, poloneses, russos,
ucranianos e de outros países do leste europeu (PLANO DIRETOR, 2011;
PIMENTEL 2014).
Estação Ferroviária da Estrada de Ferro Sorocabana em Carapicuíba Estação Sylviânia (década de 1930)
Fonte: Fonte: http://www.estacoesferroviarias.com.br/c/carapic.htm
No que concerne a habitação dos trabalhadores vinculados à indústria
que crescia concentrada em São Paulo, nas primeiras décadas do século XX, a
solução dera-se por meio do expediente da locação, majoritariamente nos limites
desta própria cidade7. Como o gasto com a habitação não estava, desde então,
inserido na remuneração do trabalhador, foram os cômodos em cortiços precários a
modalidade de aluguel usada pela maioria (PASTERNAK, 1984; MEYER, 2004). As
vilas industriais e de empreendedores imobiliários foram bem menos significativas;
as primeiras, inclusive, direcionavam-se, sobretudo, à diminuta mão de obra
qualificada (BONDUKI, 1982). Embora a organização do espaço urbano de São
Paulo tenha sido desde o princípio fragmentada, considerando a circulação reduzida
devido à ausência de transporte público8, os bairros populares que abrigavam estes
tipos habitacionais não se estendiam aos municípios adjacentes, mas situavam-se
7 Assevera Geiger (1963) que o processo urbano paulistano inicia-se no último quartel do
século XIX. 8 À época, o transporte intraurbano baseado em bondes não contemplava o deslocamento
moradia-trabalho da população mais pobre; os trabalhadores habitavam, portanto, as proximidades do local de trabalho.
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às margens das ferrovias, em contiguidade às zonas produtivas industriais, distantes
do bairros centrais de elite (GEIGER, 1963; LANGENBUCH, 1971).
O interesse na produção rentista de moradia popular, um número
moderado de trabalhadores urbanos, as excessivas jornadas de trabalho, os salários
extremamente baixos, a ausência de transporte intra-urbano para além do centro;
tudo isso compôs um conjunto de fatores que não tornavam passíveis para este
momento o loteamento distante e a casa própria autoconstruída. Ao mesmo tempo,
a ausência de grandes áreas sem interesse dos proprietários urbanos nos locais
servidos de transporte e a repressão também não permitiram o aparecimento de
favelas em São Paulo antes de 1940 e sua expansão antes de 1970 (BONDUKI,
1982).
Todavia, de um conjunto de transformações iniciadas a partir do final dos
anos 1930, num processo “lento, desarticulado, incoerente (BONDUKI, 1982: 143)”,
começa-se a alterar a forma-conteúdo da habitação do trabalhador pobre, tendo ao
longo da década de 1940 uma ruptura e o inicio da expansão urbana para os
municípios adjacentes à capital. São novos processos socioeconômicos de
modernização e normatização que organizaram o território em escala nacional,
absorvidos e reorganizados pela dinâmica dos lugares.
A principal transformação do período compreende a transição da
economia brasileira do tipo agrário-exportador para o urbano-industrial (OLIVEIRA,
2011 [1972]), cujo novo contexto de centralidade urbana privilegia São Paulo.
Segundo Santos M. (2008 [1993]), esta modernização significa a transição de um
“meio técnico” para um “meio técnico científico”, ou seja, adição de outro conteúdo
técnico na produção e consumo do espaço. Salienta-se, a partir de Santos M. (2009
[2002]: 29), que as técnicas compreendem objetos e ações, “são um conjunto de
meios instrumentais e sociais” os quais “são parte do território, um elemento de sua
constituição e da sua transformação”.
A grande mudança por que começa passar a cidade de São Paulo, devido
à concentração do dinamismo econômico, vai engendrar uma grave crise
habitacional. Há o aumento da demanda por habitação pelo grande contingente
migrante que sustentava a expansão industrial (Tabela 1.)9 e a diminuição da oferta
pela manifestação de novas lógicas de produção do espaço. A este respeito, o
9 Segundo Nabil Bonduki (1998), durante a década de 1940, São Paulo tem um ganho
demográfico de quase 1 milhão de habitantes.
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congelamento dos aluguéis pela lei federal do inquilinato10 e as novas formas de
investimento de capital imobiliário tendenciavam despejos e demolições e o
desaparecimento da casa popular locada nas antigas construções, enquanto
implicavam novos empreendimentos modernos e de alto padrão. Esta contraposição
entre oferta e demanda é ainda complexificada pela exacerbação do custo da
moradia devido à corrosão dos salários pela inflação, crescente no contexto de
guerra.
Tabela 1. População do Município de São Paulo e RMSP (1940-1991)
1940 1950 1960 1970 1980 1991
RMSP 1.568.045 2.653.860 4.739.406 8.139.730 12.588.725 15.444.941
São Paulo 1.326.261 2.151.313 3.667.899 5.924.615 8.493.226 9.646.185
Fontes: IBGE - Censos Demográficos: 1940, 1950, 1960, 1970, 1980 Tabulação: Bruna R.Pellegrino (2015)
Deste contexto, e sob a conjugação de novos e velhos fatores, organiza-
se a nova modalidade de produção do espaço urbano e de habitação popular: a
periferização e a casa própria autoconstruída em loteamento popular precário
(BONDUKI, 1982; 1998).
Desde então o processo de urbanização paulistano, o qual irá conformar
um tecido metropolitano já em 1950, faz-se, majoritariamente, por este novo padrão:
o “padrão periférico de urbanização” (BONDUKI, 1983). Isto é, um urbano que
cresce horizontalmente, pelo adensamento de áreas periféricas, atingindo os
municípios em torno de São Paulo, mantendo grandes vazios urbanos
especulativos, prolongando as infraestruturas urbanas e segregando grandes
contingentes em lugares distantes dos bolsões de emprego, da infraestrutura urbana
10
Decreto de Lei nº 4.598, de 20 de agosto de 1942 (atual - Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991) - dispõe sobre as locações dos imóveis urbanos e os procedimentos a elas pertinentes. Respectiva lei proibia o aumento dos aluguéis por um período de dois anos, tendo por base os valores cobrados em 1941; impedia a cobrança de taxas, impostos e luvas aos locatários; permitia despejos em caso de não pagamento, por necessidade de reformas urgentes ou por não cumprimento das responsabilidades previstas em lei.
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básica e dos diversos equipamentos públicos (BONDUKI, 1998; SANTOS M., 2009
[1990]).
Conforme Santos M.(2009 [1990]) a especulação urbana é um dos
elementos centrais da “metrópole corporativa fragmentada”. Elemento que, embora,
presente em diversas capitais do terceiro mundo, confere especificidade ao caso de
São Paulo, onde a expansão rápida e desmensurada da cidade material é, sem
dúvida, resultado da larga prática de especulação no processo de produção do
espaço urbano. Sob a manutenção dos vazios especulativos, entre 1930 e 1954,
foram incorporados 290 km² de área urbanizada apenas no município de São Paulo
(SANTOS M., 2009 [1990]; EMPLASA).
Tabela 2. Evolução da área urbanizada do Município de São Paulo
(1930 -1954)
Área urbanizada (em km²)
1930 130
1954 420
Fonte: Emplasa – Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano Tabulação: Bruna R.Pellegrino (20150
Dos processos motores desta periferização metropolitana, no que cabe às
ações diretamente produtoras do espaço, além da especulação da terra urbana, são
determinantes: a apropriação pelo capital do espaço socialmente produzido; a
legitimação do parcelamento, uso e ocupação ilegal do solo urbano; o
desenvolvimento do transporte, ainda que precário, nas periferias distantes; cujos
principais agentes motores são o grande e pequeno capital e o Estado capitalista.
Tais aspectos serão discutidos em relação ao processo urbano em Carapicuíba.
1.2.1. O fato urbano no Município de Carapicuíba
O território de Carapicuíba, bem como sua forma-conteúdo, começa a ser
inserido e transformado por esta metropolização ao longo da década de 1950.
Nesse período, as afetações ainda são primárias, tornadas mais intensas ao longo
da década de 1960, quando decorre um primeiro adensamento populacional
expressivo (Tabela 3.) e quando Carapicuíba se emancipa enquanto município (Lei
Estadual n° 8092) (Anexo). Entretanto, é na década seguinte que este urbano é
extensivamente transformado pela proliferação de loteamentos, num volumoso
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crescimento populacional (Tabela 3.); processo que seguira pujante, ainda, na
década de 1980.
Tabela 3. Evolução da População no Município de Carapicuíba (1950-1990)
Ano População absoluta (habitantes)
1950 5.948
1960 16.043
1970 54.873
1980 185.816
1990 283.661
Fontes: IBGE - Censos Demográficos: 1950, 1960, 1970, 1980 Tabulação: Bruna R. Pellegrino (2017)
Este movimento de urbanização privilegia em Carapicuíba, entre 1950
e 1980, majoritariamente a função residencial. Embora algumas indústrias tenham
ali se instalado na década de 1950 e no inicio da década seguinte (PLANO
DIRETOR, 2011), não houve continuidade nesta dinamização, que se tornou pouco
representativa em relação ao incremento populacional das décadas subsequentes.
Para Souza (1981), isso se deve aos fatos da acessibilidade, num momento em que
o modal rodoviário tornava-se o eixo de dinamização:
Os transportes suburbanos e intermunicipais são feitos através da estrada velha de itu, passando por Osasco e pela estrada de ferro. Enquanto a rodovia Castelo Branco não é utilizada pela falta de ligação direta com o município (trevo municipal) e a rodovia Raposo Tavares pela distância e pela dificuldade de acesso pois só existe a Av. Inocência Seráfico como meio de ligação (SOUZA, 1981: 12).
Evidenciando o predomínio da função residencial em Carapicuíba, a
exemplo dos bairros Vila Marcondes, Vila Jussara, Jardim Jussara, Jardim Santo
Estevão, aponta Kajimura (1974) que nestes 96% do solo urbano era destinado à
habitação e apenas 4% ao comércio e à indústria.
No período, este predomínio é comum para grande parte dos municípios
metropolitanos, o que gerou a questionada designação “município dormitório”. São
poucos os que, neste momento, também se inclinaram ao desenvolvimento industrial
e comercial. Para a Subregião Oeste da metrópole, onde se situa Carapicuíba, a
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exceção foi o município de Osasco, com papel importante no adensamento da
cidade adjacente:
Surgem de um lado, os municípios, predominantemente industriais, e de outro, os municípios dormitórios que abrigam a mão-de-obra para os primeiros (...) Para Carapicuíba, o crescimento da metrópole impôs a função de município dormitório, servindo de apoio ao Parque Industrial de Osasco, Lapa e Jaguaré. Seu alto crescimento demográfico teve início com a instalação das primeiras indústrias em Osasco, na década de 50, favorecida pelo fácil acesso com a existência da ferrovia (SOUZA, 1981: 19).
No município de Osasco, o desenvolvimento industrial, já dinamizado
anteriormente pela influência da Estrada de Ferro Sorocabana, fora intensificado
sequencialmente sob importância das novas rodovias. Em conjunto com o
crescimento do comércio e da população, que ali se verificou, Osasco se tornou
então um novo subcentro regional e influenciou o adensamento populacional de seu
entorno, sobretudo do município de Carapicuíba. Em 1970, estes dois municípios em
conjunto com Barueri são os municípios mais populosos da subregião11, estando
apenas em Osasco 70% do total de habitantes desta (KAJIMURA, 1974). Ao longo
das décadas de 1970 e 1980, Osasco e Carapicuíba receberam juntos 207.792
novos habitantes (MEYER, 2004).
Conforme Kajimura (1974) e Souza (1981), nas décadas de 1970 e 1980,
a maioria dos habitantes de Carapicuíba trabalhavam em São Paulo e Osasco. Sob
efeito destas duas polarizações é que Carapicuíba abrigou parte do grande
contingente populacional que chegava à metrópole nesta década, tornando-se o
sexto município metropolitano em percentual de migrantes, os quais perfaziam 73%
do total de sua população.
Importante ressaltar que a formação de subcentros regionais na
metrópole, caso de Osasco e o adensamento dos municípios periféricos – dinâmicas
contemporâneas à inflexão do ritmo de crescimento populacional da capital – não
significam o arrefecimento do processo de periferização. São Paulo se mantém
como núcleo principal, ao passo que se vê a reprodução do processo de
periferização a partir de novos núcleos (CAMARGO et al., 1975; MEYER, 2004;
11
A região que se refere Kajimura (1974) é designada na época de Subregião Noroeste e engloba os municípios de Osasco, Carapicuíba, Baureri, Jandira, Itapevi, Santana do Parnaíba, Pirapora do Bom Jesus e Cajamar.
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SANTOS M, 2009 [1990]). Sobre o crescimento de municípios periféricos à época,
assinala Santos M. (2009) que dos quase 4,5 milhões de habitantes de outras
regiões do país que chegaram à RMSP na década de 1970, 40% se instalou nesses
municípios.
A metrópole forma-se como uma grande “bacia de habitat e trabalho
(LENCIONE, 2008)”, onde os espaços destinados para estas distintas funções estão
separados, fazendo preponderar na vivência urbana de seus habitantes, espacial e
temporalmente, o trabalhar longe e o se deslocar, com muitas horas gastas nestas
duas atividades (SILVEIRA, 2011).
Sobre a noção de “cidade-dormitório”, como aponta Ojima et al. (2010:
396), seu emprego em trabalhos técnicos e acadêmicos brasileiros, neste período de
conformação da metrópole industrial, tem por base o modelo de modernidade
tipicamente industrial e desenvolvimentista, e destinava-se aos municípios que
apresentavam: “baixo nível de desenvolvimento econômico e social, precárias
condições de assentamento e de vida para sua população e nítida dependência
econômica de um polo regional”. Todavia, além da carga pejorativa que esta noção
incorporara ao longo do tempo, por sua associação aos processos de
marginalização e periferização da pobreza, o termo é insuficiente para compreender
a heterogeineidade e pluralidade que marcam as periferias após os anos 1980.
A conformação da metrópole industrial desde 1950, como resultado da
modernização do território brasileiro, tem como elemento chave o desenvolvimento
dos meios de transportes, em especial do modal rodoviário. Como meios
estruturadores da expansão urbana, as novas rodovias estaduais e federais
incorporaram ao aglomerado urbano novas áreas pertencentes a municípios ainda
isolados, enquanto mantinham-se os grandes vazios especulativos (SANTOS M.,
2009 [1990]).
A princípio, nos anos 1950 e no início dos 1960, o aumento do serviço
dos trens de subúrbio contribuiu para os novos usos que tiveram os municípios
periféricos, como verificado em Carapicuíba (KAJIMURA, 1974; SOUZA, 1981),
enquanto a adesão do modal rodoviário levou à região os “ônibus de periferia”, que
complementavam o trecho moradia-trabalho realizado pelo transporte ferroviário e
permitiram o crescimento urbano em áreas distantes de suas estações
(LANGENBUCH, 1971; BONDUKI, 1983). Conforme Langenbuch (1971: 191) o uso
dos ônibus de periferia, complementando o trecho do trem, é fato que se verifica,
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“mesmo em subúrbios menos importantes como Carapicuíba”. A este respeito, indica
Souza (1981: 28) que “vilas se desenvolveram, ao longo de um eixo transversal ao
eixo ferroviário, (...) ligadas à estação por linhas de ônibus, destinadas a
complementação ferroviária, como o caso de [estação] Carapicuíba – Vila Dirce
ligadas pela Avenida Inocência Seráfico”.
Foto 2. A Estação de Carapicuíba
Estrada de Ferro Sorocabana (1967)
Fonte: http://www.estacoesferroviarias.com.br/c/carapic.htm
Aos poucos o modal rodoviário foi ganhando mais espaço por toda
metrópole. Segundo Kajimura (1974), na sub região onde se situa Carapicuíba, no
final da década de 1970, 70% de todas as viagens individuais já eram feitas por
ônibus, e os trens passam a corresponder a apenas 5,4% do total de viagens diárias
individuais da metrópole no geral.
1.2.2. Os loteamentos clandestinos em Carapicuíba
No contexto inicial de urbanização de Carapicuíba, durante as décadas de
1950 e 1960, mas sobretudo nesta última, as áreas loteadas foram, principalmente,
as próximas à antiga centralidade – a linha férrea, conformando bairros nos atuais
distritos Central, Cidade Ariston e Vila Lourdes; além do núcleo Vila Dirce adjacente
a antiga centralidade (PLANO DIRETOR, 2011; PLHIS, 2011).
Na década de 1970, quando o empreendimento de loteamentos ocorre
em larga escala, estes transcendem a área central e se espalham por toda extensão
territorial do município, com exceção da porção sul, onde serão construídas
habitações de alto padrão, e da região nordeste, região ocupada pelo conjunto
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habitacional da COHAB. Alguns dos diversos bairros conformados pelos
loteamentos deste período são: Capriotti, Roseira, Vila Creti, Vila Menck, Jd. Tonato,
Jd. Ana Estela, Vila Marcondes, Jd. Veloso, Gopiuva, e Vila Helena. (PLANO
DIRETOR, 2011; PLHIS, 2011).
Figura 2. Evolução Territorial do Município de Carapicuíba-SP (1580 -1990)
Fonte: Plano Diretor (2011)
Segundo Souza (1981: 37-38), no inicio da década de 1980, devido à
intensidade da ocupação urbana anterior, restavam poucas áreas desocupadas:
A área restante da Cohab (...) relativamente grande, a nordeste do Município (...) onde se situava o Matadouro Municipal se S. Paulo (...) algumas chácaras de pequenos proprietários (...) inseridas na trama urbana (...) área pertencente a uma família tradicional de Carapicuíba: os Veloso. Possuem uma área total, aproximadamente de 3,1 km². É uma área sem nenhum tipo de ocupação, provavelmente esperand