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1 UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ARTES PEDRO SANTOS DE AZEVEDO A RELAÇÃO COMPOSITOR/INTÉRPRETE: APONTAMENTOS HISTÓRICOS, RELATOS COMPOSICIONAIS E ESTUDO DE CASO NA OBRA O CHAMADO DO ANJO DE LEONARDO MARTINELLI CAMPINAS 2017

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINASINSTITUTO DE ARTES

PEDRO SANTOS DE AZEVEDO

A RELAÇÃO COMPOSITOR/INTÉRPRETE: APONTAMENTOS HISTÓRICOS,RELATOS COMPOSICIONAIS E ESTUDO DE CASO NA OBRA O CHAMADO DO

ANJO DE LEONARDO MARTINELLI

CAMPINAS2017

Pedro Azevedo
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PEDRO SANTOS DE AZEVEDO

A RELAÇÃO COMPOSITOR/INTÉRPRETE: APONTAMENTOS HISTÓRICOS,RELATOS COMPOSICIONAIS E ESTUDO DE CASO NA OBRA O CHAMADO DO

ANJO DE LEONARDO MARTINELLI

Dissertação apresentada ao Instituto de Artes daUniversidade Estadual de Campinas como parte dosrequisitos exigidos para a obtenção do título de Mestreem Música, na área de concentração: Música: teoria,criação e prática.

Orientador: Prof. Dr. Paulo Adriano Ronqui

Este exemplar corresponde à versãofinal da dissertação defendida peloaluno Pedro Santos de Azevedo, e orientado peloProf. Dr. Paulo Adriano Ronqui.

CAMPINAS2017

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BANCA EXAMINADORA DA DEFESA DE MESTRADO

PEDRO SANTOS DE AZEVEDO

ORIENTADOR: PROF. DR. PAULO ADRIANO RONQUI

MEMBROS:

1. PROF. DR. PAULO ADRIANO RONQUI

2. PROF. DR. JÔNATAS MANZOLLI

3. PROF. DR. MAICO VIEGAS LOPES

Programa de Pós-Graduação em Música na área de concentração: Música: Teoria, Criação e

Prática do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas.

A ata de defesa com as respectivas assinaturas dos membros da banca examinadora

encontra-se no processo de vida acadêmica do aluno.

DATA DA DEFESA: 24.08.2017

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Em memória de minha querida avó, Benedicta

Dionysio, com muita gratidão por todo amor,

carinho, conselhos e exemplos morais

ofertados com muita sabedoria.

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Agradecimentos

Agradeço primeiramente à Deus pela graça da vida neste planeta e por tudo que

Ele nos proporciona para o nosso crescimento, com a ajuda dos nossos anjos.

Agradeço aos meus pais, Jussara Aparecida Dionysio e João Santos de Azevedo

pelo apoio incondicional, sempre com muito amor. Agradeço aos meus irmãos João, Camilla,

Marcus, Gabriel e Bárbara pelos diversos momentos em que passamos e ainda passaremos,

crescendo e aprendendo juntos. À minha amada esposa Marina Maugeri Santos pelo amor,

carinho e paciência, que nosso amor continue sempre crescendo, e também a sua família, pelo

amor e apoio desmedido. Ao meu filho querido Francisco Maugeri Santos, um presente de

Deus que me enche de alegria e força para continuar nesse caminho.

Agradeço ao meu querido orientador, Paulo Ronqui, por todos os ensinamentos

transmitidos com maestria, proporcionando um grande crescimento musical em minha

carreira enquanto músico.

Agradeço também aos meus familiares, pessoas caríssimas que são também

responsáveis pelo que sou, pelos caminhos que percorri e que ainda percorrerei. Também aos

meus amigos, que estando perto ou longe, proporcionam momentos de alegria e

contentamento. Em especial, agradeço a AMIC – Amigos da Criança, na pessoa da pedagoga

e fundadora da instituição, Eliana dos Santos, pelo acolhimento, pelo exemplo de um mundo

regido pelas leis de amor através do auxílio ao próximo na prática da caridade. Agradeço aos

funcionários e alunos da AMIC Unidade II – Monte Cristo, que nesses quase 4 anos de

atuação como professor de música, proporcionam crescimento moral/espiritual de forma

alegre e descontraída.

Agradeço a todos os professores por quem passei, em especial José Torres

Menezes, Carlos Sulpício, Ulysses Damacena e Paulo Ronqui, que imprimiram em mim seus

ensinamentos musicais com o exemplo do amor que sentem pela música. Agradeço também a

todas as instituições de ensino que sucederam a Unicamp, Escola Municipal de Música de São

Paulo, Faculdade Santa Marcelina, Conservatório de Cubatão, Projeto BEC e Escola de

Música da Banda de Peruibe.

Agradeço também a Banda Sinfônica de Cubatão, com o maestro Marcos Sadao

Shirakawa e a Banda Marcial de Cubatão, com o maestro Alexandre Felipe Gomes, grupos os

quais frequentei fazendo muitos amigos e que proporcionaram muito aprendizado.

Agradeço a todos os compositores e intérpretes que participaram da pesquisa

através de questionários e entrevistas, contribuindo com informações valiosas.

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Agradeço à Leonardo Martinelli pelo maravilhoso trabalho colaborativo na

criação da obra O Chamado do Anjo, e também pelos ensinamentos transmitidos com muita

alegria na Faculdade Santa Marcelina e Escola Municipal.

Agradeço à Lucas Metler pela correpetição.

Agradeço ao grupo de metais da Unicamp pelos momentos de aprendizado e

enriquecimento musical.

Agradeço a todos aqueles que tornaram possível a realização desse trabalho.

Agradeço à creche da Unicamp por cuidar do meu filho, ajudando na realização

deste trabalho.

Agradeço à Unicamp e todos os professores, funcionários e amigos que

contribuíram para minha formação e para a realização deste trabalho de mestrado.

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Resumo

Este trabalho teve como foco pesquisar o relato da interação ocorrido no processo

composicional e preparação da performance da obra O Chamado do Anjo para trompete solo,

do compositor Leonardo Martinelli. Para tanto, foi realizada uma concisa pesquisa sobre o

papel do intérprete na música partindo da Idade Média e chegando no século XXI, além de

uma investigação acerca das interações ocorridas entre compositores e trompetistas desde o

período barroco até os dias atuais, e uma busca mais aprofundada sobre esse tipo de interação

nas composições escritas por compositores e intérpretes paulistas. Como produto, esta

pesquisa apresenta alguns relatos de interação entre compositores e intérpretes, nacionais e

internacionais, além de proporcionar uma nova composição para trompete solo pautada na

relação compositor/intérprete e sua gravação, ocorrida por meio do relato da interação na

criação de O Chamado do Anjo, além do levantamento atualizado das obras paulistas para

trompete solo/solista.

Palavras-chave: relação compositor/intérprete; trompete; performance; processo

composicional

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Abstract

This work had as focus to investigate the report of the interaction occurred in the

compositional process and preparation of the performance of the work O Chamado do Anjo

for solo trumpet, by the composer Leonardo Martinelli. In order to do so, a concise study was

carried out on the role of the performer in music starting from the Middle Ages and arriving in

the 21st century, as well as an investigation into the interactions between composers and

trumpeters from the Baroque period to the present day, depth on this type of interaction in the

compositions written by composers and interpreters from the State of Sao Paulo. As a

product, this research presents some reports of interaction between composers and

interpreters, national and international, as well as providing a new composition for solo

trumpet based on the relationship between composer and performer and his recording, which

occurred through the report of the interaction in the creation of O Chamado do Anjo, in

addition to the updated survey of the works for solo/soloist trumpet written by composers who

was born in the State of Sao Paulo.

Keywords: composer/performer relationship; trumpet; performance; compositional process

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Lista de figuras

Figura 1: Parciais harmônicas. 16ª até 24ª. (TARR,1988, p.14)-------------------------------22

Figura 2: Registro do Clarino barroco (TARR, 1988, p. 12-14)------------------------------22

Figura 3: Fragmento do Concerto em D para Clarino, cordas e contínuo, de Michel

Haydn-----------------------------------------------------------------------------------------------24

Figura 4: Fragmento do Concerto em Eb para clarino e orquestra, de Joseph Haydn.

(HAYDN, 1991)-----------------------------------------------------------------------------------24

Figura 5: Cenário de A Jornada de Miguel em volta da Terra, de K. Stockhausen, com o

trompete solista posicionado no globo ao centro do palco-------------------------------27

Figura 6: Markus Stockhausen com seu "cinto de surdinas", para a execução da obra A

jornada de Miguel em volta da Terra--------------------------------------------------------27

Figura 7: Fragmento da partitura da Sequenza X para trompete e ressonância de piano,

de Luciano Berio, p. 5, 5ª e 6ª pautas. (BERIO, 1984, p.5)-------------------------------28

Figura 8: Fragmento da partitura de Modes of Interference Nº1, de Agostino Di Scipio

(2006, p.12)-----------------------------------------------------------------------------------------29

Figura 9: Células rítmicas utilizadas na obra Alecrim, de Ricardo Tacuchian (LOPES,

2012, p. 77)-----------------------------------------------------------------------------------------30

Figura 10: Fragmento da obra Alecrim, para trompete solo, de Ricardo Tacuchian

(LOPES, 2012, p. 119)---------------------------------------------------------------------------30

Figura 11: Trecho da Suíte Tucupi, de Claudia Caldeira, sem marcações de articulação,

dinâmica, etc. (LOPES, 2012, p. 58)----------------------------------------------------------31

Figura 12: Trecho da Suíte Tucupi, de Claudia Caldeira, com marcações de articulação

feitas pelo intérprete. (LOPES, 2012, p. 65)-------------------------------------------------31

Figura 13: Cadência do 3º movimento da obra Concertino Forma Choro, de Nailor

Azevedo. (AZEVEDO, 2011, p. 75)-----------------------------------------------------------37

Figura 14: Inicio da obra Concertino Forma Choro, publicada como Choro Concertino.

(AZEVEDO, 2011, p. 1)-------------------------------------------------------------------------38

Figura 15: Compassos 11-14 da obra Sapucaia, de Raul do Valle (Valle, 2012, p. 1)-----39

Figura 16: Compassos 15-18 da obra Sapucaia, de Raul do Valle (VALLE, 2012, p.1)--39

Figura 17: Compassos 21-25 da obra Sapucaia, de Raul do Valle (VALLE, 2012, p.2)--39

Figura 18: Compassos 1-3 da obra Sapucaia, de Raul do Valle (VALLE, 2012, p. 1)----40

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Figura 19: Compassos 26-33 da obra Sapucaia, de Raul do Valle. Em vermelho, a

fermata sugerida pelo intérprete Paulo Ronqui. (VALLE, 2012, p.2)-----------------40

Figura 20: Compassos 17-18 da obra Sapucaia, de Raul do Valle. Mesmo trecho musical

com dinâmica e articulações diferentes. (VALLE, 2012, p.1)---------------------------40

Figura 21: Disposição dos trompetes solistas na obra O Anjo Azraeel: after Salman

Rushdie (MARTINELLI, 2005, p.2)----------------------------------------------------------44

Figura 22: Disposição dos solistas na obra O Diálogo entre Vênus, Azraeel e Ogum

(MARTINELLI, 2013, p.2)---------------------------------------------------------------------45

Figura 23: Surdina Straight para trompete-------------------------------------------------------48

Figura 24: Surdina Cup com copo ajustável para trompete-----------------------------------49

Figura 25: Surdina Harmon (Stem in e Stem out) para trompete----------------------------49

Figura 26: Demonstração dos staccati simples (1º sistema), duplo (2º sistema) e triplo (3º

sistema).--------------------------------------------------------------------------------------------50

Figura 27: Demonstração de staccati triplo (1º sistema) e duplo (2º sistema) com

intervalos.------------------------------------------------------------------------------------------50

Figura 28: Exemplos de vibrato solicitados por Leonardo Martinelli.----------------------51

Figura 29: Fragmento do IV movimento da peça Solus, para trompete sem

acompanhamento. Flurato enquanto ferramenta de accelerando. Último sistema,

página 8. (FRIEDMAN, 1975, p.8)------------------------------------------------------------51

Figura 30: Exemplo das séries harmônicas naturais do Trompete Bb, tocadas para o

compositor.-----------------------------------------------------------------------------------------52

Figura 31: Extrato do esboço com informações sobre a Entidade Anjo e tessitura do

trompete em Bb.----------------------------------------------------------------------------------54

Figura 32: Esboço da Entidade Anjo com seis notas: som real (à esquerda) e som escrito

para trompete em Bb (à direita).--------------------------------------------------------------55

Figura 33: Esboço de possível momento de extensão máxima (azul); Perguntas foram

feitas ao pesquisador (vermelho).-------------------------------------------------------------55

Figura 34: Esboço das seções da obra O Chamado do Anjo para trompete e orquestra.56

Figura 35: Esboço do "Gesto primordial" ao trompete.---------------------------------------57

Figura 36: Exemplo de polifonia virtual, por Leonardo Martinelli.-------------------------58

Figura 37: Exemplo de polifonia virtual, por Leonardo Martinelli.-------------------------59

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Figura 38: Entidade Harmônica com oito notas e sua respectiva escala, por Leonardo

Martinelli-------------------------------------------------------------------------------------------60

Figura 39: Esboço da Introdução, compassos 21-23, por Leonardo Martinelli------------61

Figura 40: Esboço da introdução, compassos 1-5, por Leonardo Martinelli---------------61

Figura 41: Esboço da introdução, compassos 12 e 13, por Leonardo Martinelli----------61

Figura 42: Foto do Trompete Bb utilizado pelo intérprete. Acervo pessoal.---------------63

Figura 43: Exemplo de Flugelhorn sugerido na introdução da obra O Chamado do Anjo

--------------------------------------------------------------------------------------------------------63

Figura 44: Esboço da Introdução, compassos 9-1, por Leonardo Martinelli. Em

vermelho, a nota Lá bemol teve a finalização da ligadura transferida para a nota

anterior---------------------------------------------------------------------------------------------64

Figura 45: Foto do exemplo criado no quadro negro por Leonardo Martinelli. Acervo

pessoal.----------------------------------------------------------------------------------------------65

Figura 46: Esboço da Introdução, compassos 21-23, por Leonardo Martinelli. Utilização

de fermatas diferentes (em azul)---------------------------------------------------------------66

Figura 47: Entidade Anjo apresentada por completo (em verde). Compassos 74-81 da

Versão 1, por Leonardo Martinelli-----------------------------------------------------------66

Figura 48: Substituição sugerida por Martinelli, tocada ao Flugelhorn--------------------67

Figura 49: Foto da proposta de diferentes de respiração estipulada por Leonardo

Martinelli. Acervo pessoal.---------------------------------------------------------------------67

Figura 50: Compassos 66-78 da versão 1, por Leonardo Martinelli-------------------------68

Figura 51: Compassos: 34-43 da versão 1, por Leonardo Martinelli. Repetição entre os

compassos 36-43.----------------------------------------------------------------------------------69

Figura 52: Compassos 44-53 da versão 1, por Leonardo Martinelli. Repetição entre os

compassos 46-51.----------------------------------------------------------------------------------69

Figura 53: Compassos 58-69 da versão 1, por Leonardo Martinelli. Repetição entre os

compassos 59-66.----------------------------------------------------------------------------------70

Figura 54: Esboço do Allegro, compassos 85-91, por Leonardo Martinelli.----------------70

Figura 55: Notas da Entidade Anjo, por Leonardo Martinelli--------------------------------71

Figura 56: Compassos 1-3 da versão 2, por Leonardo Martinelli----------------------------72

Figura 57: Compassos 15-18 da versão 2, por Leonardo Martinelli-------------------------72

Figura 58: Compassos 104-108 da versão 2, por Leonardo Martinelli. Entidade Anjo

apresentada melodicamente.-------------------------------------------------------------------73

Figura 59: Compassos 113-116 da versão 2, por Leonardo Martinelli----------------------73

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Figura 60: Compassos 12-18 da Versão 2, por Leonardo Martinelli-------------------------74

Figura 61: Compassos 19-27 da Versão 2, por Leonardo Martinelli-------------------------75

Figura 62: Compassos 45-50 da Versão 2, por Leonardo Martinelli-------------------------76

Figura 63: Compassos 54-56 da Versão 2, por Leonardo Martinelli-------------------------76

Figura 64: Compassos 57-64 da Versão 2, por Leonardo Martinelli-------------------------77

Figura 65: Compassos 69-77 da Versão 2, por Leonardo Martinelli-------------------------78

Figura 66: Foto com a demonstração da sugestão de execução do trêmulo do compasso

76. Acervo pessoal.-------------------------------------------------------------------------------78

Figura 67: Compassos 88-95 da Versão 2, por Leonardo Martinelli-------------------------79

Figura 68: Compassos 113-120 da Versão 2, por Leonardo Martinelli----------------------79

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Sumário

Introdução.................................................................................................................................15

Capítulo 1: A relação Compositor/Intérprete: relato histórico..................................................19

1.1: Relato das relações Compositor/Intérprete nas obras para trompete solo e/ou solista. .25

1.2: A relação Compositor/Intérprete nas obras paulistas para trompete solo e/ou

solista: relatos de compositores e intérpretes no Estado de São Paulo ............................37

Capítulo 2: Relato de colaboração compositor/intérprete na obra O Chamado do Anjo..........47

2.1: Processo colaborativo na composição e interpretação da obra O Chamado do Anjo....50

Considerações finais.................................................................................................................86

Referências bibliográficas.........................................................................................................88

Anexos......................................................................................................................................92

Anexo 1: Questionário 1 no formato .docx..........................................................................92

Anexo 2: Questionário 1 no formato Google Forms........................................................94

Anexo 3: Questionário 2 (para compositores e/ou intérpretes que criaram uma ou mais

obras de maneira colaborativa)............................................................................................96

Anexo 4: Entrevista com o compositor Raul do Valle.........................................................97

Anexo 5: Entrevista com o compositor Nailor Azevedo “Proveta”...................................101

Anexo 6: Entrevista com o trompetista Flávio Gabriel......................................................106

Anexo 7: Lista de obras paulistas para trompete solo/solista.............................................111

Anexo 8: Tabela com tipos de interação e elementos trabalhados.....................................116

Anexo 9: Tabela de trêmulos de válvula com três níveis de dificuldade...........................121

Anexo 10: Esboço apresentado no dia 30/03/2017, por Leonardo Martinelli...................123

Anexo 11: Esboço apresentado no dia 04/05/2017, por Leonardo Martinelli...................126

Anexo 12: Esboço da Introdução da obra O Chamado do Anjo........................................128

Anexo 13: Versão 1 da obra completa...............................................................................130

Anexo 14: Versão 2 da obra completa...............................................................................135

Anexo 15: Versão digitalizada + bula da obra O Chamado do Anjo.................................141

Anexo 16: Diário de bordo de interação............................................................................149

Anexo 17: Dados dos encontros ocorridos entre compositor e intérprete..........................153

Anexo 18: Fotos dos encontros..........................................................................................179

Anexo 19: Link da gravação da obra O Chamado do Anjo...............................................183

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Introdução

As pesquisas em trompete no Brasil, até o presente momento, possuem temáticas

relacionadas sobretudo às práticas interpretativas, procedimentos analíticos, didática, história

do trompete, fundamentos técnicos e estudos de caso, dentre outros temas pesquisados. Até

onde o presente trabalho conseguiu apurar, não foi encontrado nenhum referencial teórico, em

âmbito nacional, que aborde a relação compositor/intérprete entre brasileiros.

Sendo assim, o foco principal desta pesquisa foi relatar o processo composicional

da obra O Chamado do Anjo (2017), de Leonardo Martinelli1 (1978), concebida através da

prática colaborativa ocorrida entre o compositor e o autor desta dissertação. Para isto,

inicialmente foi descrito como ocorre o processo composicional, baseando-se em informações

sobre a relação compositor/intérprete ocorrida em obras para trompete solo/solista, alcançado

por meio da pesquisa de campo. Com isso, pretendeu-se evidenciar as vantagens do trabalho

conjunto na criação de uma obra musical através da prática colaborativa, além de incentivar o

registro de tais interações, o que também poderá ampliar os referenciais teóricos e

interpretativos que tratam do assunto.

Com o intuito de conhecer os tipos de interações ocorridas entre compositores e

trompetistas realizadas anteriormente a proposta deste trabalho, o presente estudo pesquisou o

processo composicional de obras de relevância do repertório tradicional, buscando obras

internacionais e nacionais de maneira sumária, além de paulistas2 em maior quantidade, por

conta da localização geográfica, para trompete solo/solista3 que foram criadas com baseando-

se na relação compositor/intérprete. Com essa busca foi possível encontrar elementos que

norteassem a interação para a escrita da nova obra proposta nessa pesquisa, realizada através

1: Leonardo Martinelli (São Paulo, 1978) é compositor, professor, palestrante, crítico e jornalista musical. Suasobras têm sido regularmente apresentadas nos principais eventos de música contemporânea do país, tais como aBienal de Música Contemporânea Brasileira e o Festival Música Nova, e executada por importantes grupos, taiscomo a Orquestra Experimental de Repertório, Banda Sinfônica do Estado de São Paulo, Bachiana Filarmônica eGrupo Piap de Percussão, além de contar com diversas obras registradas em CDs. É bacharel, mestre e doutorem música pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), onde se dedicou à pesquisa e à prática em composiçãosob a orientação de Flo Menezes (iniciação científica e doutorado) e Edson Zampronha. Atua como professor decomposição, estética musical, música contemporânea e escrita musical na Faculdade Santa Marcelina, tendotambém atuado por anos como professor de história da música na Escola Municipal de Música de São Paulo. Emsua atuação didática destaca-se ainda uma série de palestras e cursos livres realizados nos últimos sobrediferentes assuntos musicalmente tematizados. Entre 2014-16 atuou como Diretor de Formação junto à FundaçãoTheatro Municipal de São Paulo, instituição para a qual desenvolveu também a série “Música Contemporânea naSala do Conservatório”.2: Compositores que nasceram ou se naturalizaram no Estado de São Paulo.3: Com ou sem acompanhamento.

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da prática colaborativa entre ambas as partes envolvidas no processo, o que resultou na

elaboração da obra O Chamado do Anjo.

A escolha de Leonardo Martinelli, compositor e professor universitário, para a

realização desse trabalho se justifica pelo fato de ser uma referência musical atual no cenário

musical brasileiro, dado seu trabalho junto a Fundação Theatro Municipal de São Paulo na

formação de plateias e difusão da música contemporânea brasileira, bem como seu trabalho

enquanto crítico e jornalista da Revista Concerto, além de ser nascido no Estado de São

Paulo, local de maior realização e coleta de dados referentes às interações ocorridas entre

compositores e trompetistas na pesquisa. Outro fator importante para a escolha desse

compositor foi sua proximidade com o pesquisador, decorrente de uma relação institucional

ocorrida na Faculdade Santa Marcelina (São Paulo – SP) e na Escola Municipal de Música de

São Paulo.

O Chamado do Anjo é a última obra da “Trilogia do Anjo Azraeel”, sendo a

primeira O Anjo Azraeel: after Salman Rushdie (2005), para quatro trompetes solistas e banda

sinfônica; e a segunda O diálogo entre Vênus, Azraeel e Ogum (2013), para trompete,

clarinete, atabaques solistas e orquestra. Dentre os elementos comuns, que conferem a

unidade da trilogia, destacam-se: o mote temático, pois as três obras são baseadas no livro de

Salman Rushdie Os Versos Satânicos (1989); a utilização do trompete enquanto solista – o

Anjo Azraeel; e a espacialização dos solistas, pois devem estar localizados na plateia e não no

palco.

Os referenciais teóricos utilizados na dissertação baseiam-se em livros, artigos,

dissertações de mestrado, teses de doutorado, partituras, encartes de CDs, entrevistas (via e-

mail ou pessoalmente) e questionários. Dentre os referenciais utilizados, destacam-se COOK

(2006), DOMENICI (2010; 2012; 2013), FOSS (1963), LOPES (2010; 2012), MENEZES

(2009), RONQUI (2002; 2010), SMITHERS (1990) e TARR (1988), bem como a aplicação

de questionários e entrevistas a compositores e intérpretes selecionados (justificados a

posteriori). O primeiro questionário foi de caráter quantitativo, pois teve o objetivo de

encontrar composições criadas de maneira colaborativa. O segundo questionário, de caráter

qualitativo, foi endereçado à compositores e intérpretes que de fato trabalharam juntos na

criação de uma ou mais obras. As informações presentes no referencial teórico utilizado,

serviram de base para a relação compositor/intérprete da obra O Chamado do Anjo, pois

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forneceu conteúdo técnico/interpretativo e suscitou novos elementos agregados à prática

colaborativa em questão.

Este trabalho foi estruturado em dois capítulos. O primeiro traz um breve relato

histórico da relação compositor/intérprete e foi realizado com o objetivo de coletar

informações referentes às interações entre compositores e performers encontradas em livros,

periódicos, trabalhos acadêmicos, partituras e entrevistas, onde foram extraídos os elementos

abordados, seja antes da finalização da partitura ou após, além da preparação da performance.

Com a realização desse capítulo foi possível coletar informações acerca do papel do intérprete

na elaboração de obras musicais, sua importância, em determinados pontos da história,

tomando como ponto de partida pensamentos de filósofos da Grécia Antiga até chegar em

elucidações de pesquisadores do século XXI. Após a apresentação do papel ocupado pelo

intérprete, foi realizada uma pesquisa acerca de composições para trompete solo/solista

pautadas na prática colaborativa, no Estado de São Paulo. Por meio desta pesquisa foi

possível averiguar os tipos de interação ocorridas em algumas composições e também

atualizar a lista de obras paulistas para trompete solo/solista, presente no anexo 7.

Com base nas informações coletadas elaborou-se uma tabela com os tipos de

colaboração encontrados e os elementos trabalhados de maneira conjunta, que por sua vez,

serviram de base para a prática colaborativa da obra desenvolvida no segundo capítulo.

No segundo capítulo é apresentada a relação compositor/intérprete na obra O

Chamado do Anjo. Neste ponto da pesquisa foi exposto o mote temático da obra, sua

localização como término da Trilogia do Anjo Azraeel, os pontos em comum nas outras duas

obras que a precederam, as referências musicais utilizadas por Leonardo Martinelli para a

concepção da peça – Des canyons aux étoiles (Dos canyons para as estrelas – 1971-1974), de

Olivier Messiaen (1908-1992) – e os aspectos trabalhados entre o compositor e o autor da

presente pesquisa.

Os encontros entre o compositor e o intérprete ocorreram na Faculdade Santa

Marcelina, em São Paulo – SP entre os meses de setembro de 2016 e junho de 2017. Para a

interpretação da obra, optou-se por utilizar as informações que surgiram nos encontros, fruto

da relação entre ambos ocorrida durante sua criação. Foram trabalhadas questões referentes a

execução de efeitos como o trêmulo de válvulas, com sugestões de dedilhados; adequação das

marcações de dinâmica, para que fosse possível interpretar a obra com uma gama mais ampla

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de intensidade sonora; inserções, exclusões e modificações de pontos de respiração, tornando

possível uma performance coerente com o pensamento do compositor e do intérprete.

O presente trabalho traz como resultado um relato histórico acerca das interações

ocorridas entre compositores e trompetistas, o levantamento atualizado de obras paulistas para

trompete solo/solista, o relato de interação da obra O Chamado do Anjo, bem como sua

partitura e gravação4, diário de bordo de interação e entrevistas com compositores paulistas

participantes da pesquisa.

O trabalho conta também com anexos com informações sobre o levantamento de

dados da pesquisa (questionários, entrevistas), lista de obras encontradas, lista de obras onde

há informações de interação com o intérprete, esboços da obra de Leonardo Martinelli, diário

de bordo da interação ocorrida durante a pesquisa, tabela dos trêmulos de válvulas e a

documentação dos encontros ocorridos entre compositor e intérprete.

Espera-se que essa pesquisa possa auxiliar a cobrir a lacuna existente nos

trabalhos acadêmicos sobre a relação compositor/intérprete no Brasil, sirva de elemento

motivador para composições pautadas na prática colaborativa entre compositores e

trompetistas, contribua para o pensamento performático das obras brasileiras para trompete e

também sirva de referência para futuros trabalhos que tratem do assunto.

4: A gravação da obra estará disponível na internet após a defesa da dissertação.

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Capítulo 1 – A relação compositor/intérprete: um relato histórico

A parceria entre compositor e intérprete, considerando-os igualmente importantes

em um processo criativo, é um assunto que, apesar da precariedade de referenciais teóricos,

vem crescendo em se tratando de pesquisa em performance (BORÉM et al 2012). É possível

encontrar no meio acadêmico brasileiro algumas dessas parcerias entre compositores e

intérpretes relatadas em artigos, revistas, anais, dissertações de mestrado, dentre outras fontes.

Um dos primeiros trabalhos sobre esse tema é o relato do processo de composição da obra

Lucípherez, de Eduardo Bértola (1939-1996), feito pelo Prof. Dr. Fausto Borém (UFMG) no

ano de 1998, onde o autor relata a colaboração existente na criação da obra e mostra a

influência causada em obras posteriores do mesmo compositor. Um outro exemplo é a

dissertação de mestrado de BRANDINO (2012), que propõe um equilíbrio entre ambas as

partes envolvidas no processo, seja compositor ou intérprete. Há também a extensa pesquisa,

ainda em andamento, da Profa. Dra. Catarina Leite Domenici (UFRGS), que investiga a

relação compositor/intérprete na música contemporânea.

Entretanto, a interação entre compositor e intérprete, ou mesmo a importância do

intérprete para a execução de uma obra, possui diferenciadas interlocuções no decorrer da

história da performance musical, partindo da Grécia Antiga e chegando até meados do século

XXI. De acordo com FUBINI (2008), pensadores gregos não consideravam os intérpretes

importantes na época. Na Baixa Idade-Média, o filósofo Boethius (c. 480 - c. 524)

classificava cantores e instrumentistas como “classe inferior, ignorante” (BOREM et al,

2012). No artigo de Lukas Foss (1922-2009) para o periódico Perspectives of New Music,

publicado no ano de 1963, encontra-se a declaração de Ludwig van Beethoven (1770-1827) a

respeito do intérprete: “Será que ele pensa que eu considero seu tolo violino quando o espírito

fala comigo? ” 5(FOSS, 1963, p. 46). Em um outro artigo para o periódico Music Theory

Online, Nicholas Cook (2006) demonstra as opiniões de Arnold Schoenberg (1874-1951),

Igor Stravinsky (1882-1971) e Leonard Bernstein (1918-1990), a respeito do papel secundário

(e até mesmo acessório) do intérprete na música. O artigo de Cook, inicia com um exemplo

claro de Schoenberg sobre a importância do intérprete:

“O performer, a despeito de sua intolerável arrogância, é totalmentedesnecessário, exceto pelo fato de que suas interpretações tornam a música

5: Does he think I have his silly fiddle in mind when the spirit talks to me?

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compreensível para uma plateia cuja infelicidade é não conseguir ler estamúsica impressa. ” (NEWLIN, 1980, p. 164 apud COOK, 2006, p. 5).

Neste caso, Schoenberg julga o intérprete como sendo necessário somente para

fazer com que a plateia conheça a obra, diferente da posição de Stravinsky, que afirma que a

perfeição do discurso musical está vinculada à consciência que o intérprete tem da

necessidade de “traduzir” fielmente a notação gráfica presente na partitura, fazendo com que a

música seja executada, e não interpretada (STRAVINSKY, 1947, p. 127 apud COOK, 2006,

p.5). No caso de Bernstein, sua afirmação parte do ponto de vista do maestro enquanto

performer, diferentemente de Schoenberg e Stravinsky que apresentam visões de

compositores. Segundo Bernstein, o maestro “deve ser humilde diante do compositor e nunca

se interpor entre a música e a plateia; todos os seus esforços [...] devem ser colocados a

serviço do sentido almejado pelo compositor.” (BERNSTEIN, 1959, p. 56 apud COOK, 2006,

p.5).

Um dos pontos culminantes da falta de relevância da atuação do intérprete para as

práticas musicais, são encontrados nos ideais da corrente estética Musique Concrète (Música

Concreta), criado por Pierre Schaeffer (1910-1995) na metade do século XX. A partir dos

experimentos de Schaeffer na Radiodiffusion Télévision Française, em Paris, foi criado um

grupo de pesquisa (Groupe de Recherche de Musique Concrète – GRMC) com o apoio de

compositores como Pierre Henry (1927), Iannis Xenakis (1922-2001), Olivier Messiaen

(1908-1992), Edgard Varèse (1883-1965), dentre outros. Se trata de um dos principais

alicerces da música eletroacústica. (MENEZES, 2009; CORRÊA, 2014).

O texto de Flo Menezes (2009) “Um olhar retrospectivo sobre a história da

música eletroacústica”, inicia com uma definição do próprio Schaeffer acerca de seus

experimentos “concretos”:

Tomar partido composicionalmente dos materiais oriundos do dado sonoroexperimental; eis o que chamo, por construção, de Música Concreta, paraque bem possa pontuar a dependência em que nos encontramos, não maiscom relação a abstrações sonoras preconcebidas, mas com relação afragmentos sonoros existentes concretamente, e considerados como objetossonoros definidos e íntegros, mesmo quando e sobretudo se eles escapam dasdefinições elementares do solfejo (MENEZES, 2009, p. 17-18).

A abstração sonora, segundo Schaeffer, se refere a escrita musical tradicional,

aspecto esse incompatível com os experimentos do compositor, pois sua música toma posse

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dos objetos sonoros do cotidiano (carros, sons de porta, ruídos diversos, etc.) por meio de

gravações magnéticas (MENEZES, 2009). Neste contexto de experimentação (manipulação

do objeto sonoro) por meio de suportes eletrônicos, como é o caso das gravações magnéticas

de sons do cotidiano, pressupõe-se um acentuado distanciamento do intérprete das práticas

musicais. Tal informação se justifica pela postura sustentada por Pierre Schaeffer quanto à

negação consciente da escrita musical tradicional na música concreta, afirmando que “era

preciso, pois, banir a frase musical, sucessão de palavras ou de significação, e substituí-la por

uma série de objetos sonoros, sem significação explícita e de valor plástico” (MENEZES,

2009, p. 21).

Edgard Varèse demonstra postura semelhante quando, no ano de 1936 (anterior ao

início das experiências com música concreta), publica um texto com suas reflexões acerca da

“nova música”. Ao final de seu discurso, afirma Varèse: “Estou certo de que haverá um dia

em que o compositor, uma vez realizada graficamente a sua partitura, poderá confiá-la a uma

máquina que se encarregará de transmitir fiel e automaticamente o conteúdo ao ouvinte” (IN:

MENEZES, 2009, p. 58).

Cerca de 10 anos após o início das experiências “concretas”, Schaeffer mudou o

discurso sobre a negação incondicional da herança musical que o precede ao afirmar que se

deve:

Evoluir sem negar, romper sem destruir, fazer com que se ouça algo deincontestavelmente novo, sem que para isso faça com que se cesse de ouvir alinguagem que consideramos a justo título como a dos civilizados(MENEZES, 2009, p. 23).

Com base nas citações de Pierre Schaeffer presente no texto de Flo Menezes, é

possível constatar uma certa mudança no ideário inicial da Musique Concrète, onde

inicialmente a proposta era negar a tradição musical, enquanto que cerca de uma década

depois, a negação da herança musical deveria então ser evitada.

Na contramão das publicações que consideravam “pejorativa” a ação do intérprete

nas práticas musicais, em 1963, nos EUA, foi publicado, segundo DOMENICI (2010), um

dos primeiros referenciais teóricos a tratarem da relação dialógica entre compositores e

intérpretes, o artigo escrito por FOSS (1963) intitulado The Changing Composer-Performer

Relationship: A Monologue and a Dialogue. Em seu artigo, Foss apresenta as vantagens da

parceria entre compositores e intérpretes. Essas vantagens foram retratadas em exemplos do

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diálogo no processo composicional obtidas entre Luciano Berio (1925-2003) e Cathy

Berberian (1925-1983)6, John Cage (1912-1992) e David Tudor (1926-1996)7, Pierre Boulez

(1925-2016) e a Südwestfunk Orchestra, entre outros. Lukas Foss, compositor, regente e

educador musical nascido na Alemanha e radicado nos Estados Unidos, afirma que “as

vantagens [da relação compositor/intérprete] são muito grandes para serem sacrificadas”8

(FOSS, 1963, p. 46, tradução nossa). Lukas Foss afirma ainda que:

A característica aqui é a fascinação do compositor com a possibilidade denovas tarefas com seu recém-descoberto parceiro e confidente. As novastarefas demandam novas ideias de coordenação. De fato, a criação de umnovo vocabulário requer uma atenção constante do compositor para todos osproblemas da performance, em conexão com sua partitura.9 (FOSS, 1963, p.46, tradução nossa)

O artigo de Lukas Foss, mesmo contendo informações importantes de parcerias de

grandes nomes da vanguarda musical do contexto histórico no qual estava inserido, não fez

com que os estudiosos de sua época se interessassem em refletir a respeito da prática

composicional mediada por instrumentistas e/ou cantores (DOMENICI, 2010).

Semelhante às ideias de Lukas Foss são as afirmações de DOMENICI (2013), que

afirma que o performer complementa o trabalho do compositor e vice-versa, pois sem a

execução de uma obra em uma sala de concerto, por exemplo, não é possível fazer com que o

trabalho do compositor seja entendido como música, ou então que o músico instrumentista

e/ou cantor depende das criações feitas pelos compositores. Em outras palavras, trata-se de

uma dependência mútua entre compositor e intérprete. Assim afirma Catarina Domenici:

A forma mais corriqueira de se pensar uma colaboração é a partir dainterface pública da divisão de trabalho, pois parece haver um consenso deque música no papel não é de fato música, necessitando ser introduzida na

6: O contato entre Luciano Berio (compositor) e Cathy Berberian (mezzo-soprano), que foram casados por 14anos, teve como resultado as obras Circles (1960) para voz, harpa e percussão; Epifanie (1959-61) para voz eorquestra; Visage (1961), peça eletroacústica criada a partir de improvisações vocais de Berberian; Folk Songs(1964), arranjadas para voz e grupo de câmara; e Sequenza III (1965-66) para voz solo.7: John Cage (compositor) e David Tudor (compositor e pianista) criaram juntos a obra Reunion (1968), paradois performers jogando xadrez em um tabuleiro eletrônico especial, dentre outras peças.8: Original em inglês: The procedural advantages are too great to be sacrificed.9: Original em inglês: Characteristic here is the composer’s facination with the possibility of new tasks for hisnew-found partner and confidant. The new tasks demand new ideas of coordination. In fact, the creation of newvocabular requires that the composer give constant attention to all performance problems in connection with hisscore.

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esfera social através da performance para constituir-se como tal.(DOMENICI, 2013, p. 9)

Enquanto Lukas Foss e Catarina Domenici apresentam vantagens decorrentes de

um contato mais próximo entre compositores e intérpretes, GLOBOKAR (1970), compositor

e trombonista francês afirma que a dependência mútua de ambas as partes criativas constitui

uma relação sadia, mas apresenta um problema fundamental para as práticas musicais. Vinko

Globokar (1934) defende a ideia de uma maior interação entre compositor e intérprete, pois a

mistura dos papéis, poderá tornar a obra como pertencente ao compositor e ao intérprete na

mesma medida, conferindo ao perfomer uma postura mais ativa no que diz respeito à criação

de uma música. Entretanto, o problema que Vinko Globokar se refere é que nem sempre

intérpretes conhecem o universo da composição e vice-versa (SERALE, 2012). O dito

problema pode ser encarado como um elemento motivador para novas composições pautadas

na prática colaborativa, pois a falta de conhecimento de ambas as partes pode ser diminuída

através da relação compositor/intérprete. No final das contas, não se trata de um problema e

sim de uma oportunidade de aprendizado, tanto para compositores quanto para intérpretes.

DOMENICI (2013) também apresenta um problema decorrente de uma

colaboração mediada simplesmente pela notação musical, ou seja, pela partitura. Segundo

Domenici, trata-se de uma maneira tradicional de se pensar uma colaboração entre compositor

e intérprete, onde compositores partem do pressuposto de que sua partitura contém todas as

informações necessárias para a performance, e que a simples leitura do material gráfico é

suficiente para que seja possível compreender sua obra. A notação é mediada pelo som, ou

seja, trata-se de um processo oral onde, apesar do desenvolvimento da escrita musical, esta

não contém elementos suficientes para “traduzir” as informações decorrentes de processos de

cunho oral. Em se tratando da estética da música contemporânea, há ainda mais um agravante,

pois habitualmente encontram-se novos símbolos e sistemas de notação não convencionais.

Sobre essa problemática, Catarina Domenici questiona:

Será que podemos denominar de colaboração uma situação na qual operformer age passivamente esperando que o compositor determineunilateralmente a construção da performance? Ou ainda que o compositorveja no contato com o performer apenas uma oportunidade de ter acesso aoseu arsenal técnico? (DOMENICI, 2013, p. 8-9)

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Sobre a questão do papel do performer na música e/ou na pesquisa, DOMENICI

(2012) afirma ainda haver uma relação assimétrica entre o “fazer” (intérprete) e o “pensar”

(compositor) música. É conferido ao intérprete a simples tarefa de reproduzir com o máximo

de fidelidade as ideias do compositor, presentes na partitura, conferindo à escrita musical o

título de “voz do compositor”. O problema de se considerar o performer como mero

reprodutor de ideias é retirar do instrumentista (ou cantor) suas particularidades, no que diz

respeito ao som propriamente dito. Em outras palavras, “é reduzir a voz à estrutura da

música” (DOMENICI, 2012, p. 169). Segundo COOK (2006), o problema está inserido na

nossa linguagem, na maneira como tratamos da performance de uma música. Normalmente,

falamos em simplesmente tocar, mas não é comum falar sobre “simplesmente interpretar”.

Sobre isso, COOK (2006) afirma que essa particularidade de nossa linguagem nos leva a

pensar a performance como algo complementar à música propriamente dita.

Deve-se considerar a performance, ou o performer, como parte essencial das

práticas musicais, mas não em posição de destaque em relação ao compositor, e sim como

partes essenciais, que se complementam e proporcionam a criação musical propriamente dita.

A prática colaborativa entre compositores e intérpretes pode atuar como um exercício

enriquecedor, onde compositores estejam presentes e atuantes na preparação da performance,

tendo a oportunidade de coletar informações acerca de questões interpretativas; bem como os

intérpretes possam, por sua vez, ter conhecimento de elementos referentes à processos

composicionais, elaboração de material musical, informações extra partitura, isto é, dados

externos que porventura possam influenciar na criação musical, como por exemplo o motor de

um barco, etc.

Atualmente, é possível encontrar diversos artigos científicos tratando de relatos

sobre a relação entre compositores e intérpretes e sua efetividade na criação de uma obra em

específico. Para exemplificar tal informação, apresentam-se os artigos de ISHISAKI et al

(2013), que apresenta o relato da peça Arcontes, do compositor Bruno Ishisaki, para violão de

7 cordas e eletrônica; SOUZA et al (2013), que discute a importância da interação entre

performer e compositor no desenvolvimento e melhor aplicação de técnicas estendidas para

fagote; e RADICCHI et al (2014), que relata o processo de colaboração/composição da peça

Inflexões, para flauta solo.

No ensaio Processo criativo: do material à concretização, compreendendo

interpretação-performance, o Prof. Dr. José Augusto Mannis, professor de composição na

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UNICAMP, afirma, depois de expor diversos argumentos, que “a interpretação-performance

é, finalmente, parte integrante no processo criativo de uma obra” (MANNIS, 2012, p. 232), o

que vem reforçar ainda mais a importância do instrumentista e/ou cantor quando no momento

de uma composição qualquer.

Após expor um breve relato histórico sobre trabalhos que discutem a relação

compositor/intérprete, a evolução, por assim dizer, do papel do intérprete no processo

criativo, traz à tona a questão exposta pelo Prof. Mannis, no ensaio anteriormente citado:

“faria sentido continuar separando interpretação-performance do processo criativo se ambos

estão integrados numa mesma ação? ” (MANNIS, 2012, p. 242). Acredita-se que as

interações citadas entre figuras consideradas de vanguarda, por exemplo Luciano Berio e

Cathy Berberian, até este ponto servem como base para se falar em um avanço satisfatório no

que diz respeito à posição ocupada pelo intérprete nas práticas musicais da atualidade. O

surgimento posterior de textos acadêmicos tratando o assunto em questão contribui também

de forma positiva para uma relação mais amigável e frutífera entre compositores e intérpretes.

No próximo subitem será apresentando dados acerca de interações ocorridas entre

compositores e trompetistas em obras para trompete solo/solista, nacionais e internacionais,

com informações datadas do século XVII e chegando até o século XXI.

1.1 – Relato das relações compositor/intérprete nas obras para trompete solo e/ou solista

Há alguns referenciais teóricos específicos sobre trompete que possuem

informações a respeito da interação entre compositores de grande relevância na música

ocidental e intérpretes de sua época. Edward Hankins Tarr (1936), trompetista e Professor na

Hochschule für Musik Karlsruhe, em seu livro The Trumpet (1988), traz informações acerca

do contato entre Johann Sebastian Bach (1685-1750) e Gottfried Reiche (1667-1734),

trompetista do período barroco. Reiche foi o trompetista mais ativo no período em que J.S.

Bach esteve em Leipzig (Alemanha), e ocupava posição de destaque na esfera social de sua

época, devido a sua habilidade enquanto performer. De acordo com TARR (1988), Bach

compôs para Gottfried Reiche a maioria das partes de trompete de suas cantatas. Don

Smithers (1933), trompetista e pesquisador de música antiga para trompete, classifica como

“considerável” a influência de Reiche nas obras de Bach. Em seu artigo Bach, Reiche, and the

Leipzig Collegia Musica, para o periódico Historical Brass Journal (v. 2, 1990), Smithers

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apresenta informações acerca da baixa quantidade de obras com partes expressivas para

trompete escritas por J.S. Bach antes de seu período em Leipzig, o aumento significativo de

composições durante os, aproximadamente, 12 anos de parceria com Reiche e o número

consideravelmente grande de obras escritas após a morte do trompetista (SMITHERS, 1990).

Com base nas informações dos estudos de E. Tarr e D. Smithers é possível considerar a

influência do virtuosismo de Reiche nas obras de J.S. Bach.

Tarr (1988), em seu livro, cita alguns compositores que compuseram para alguns

intérpretes em específico, sendo eles: Johann Friedrich Fasch (1688-1758) e Georg Philipp

Telemann (1681-1767), que escreveram para o trompetista e compositor da corte de

Darmstadt, Adolf Friedrich Schneider (s.a.); Johann Melchior Molter (c 1695-1765), para o

trompetista da corte de Karlsruhe, Carl Pfeiffer (s.a.); Leopold Mozart (1719-1787), que

provavelmente, escreveu para o trompetista da corte de Salzburg, Johann Andreas Schachtner

(1731-1795); Johann Wilhelm Hertel (1727-1789), que escreveu para o trompetista da corte

de Schwerin, Johann Georg Hoese (1727-1801).

Os compositores citados compuseram suas obras para trompete, com a nota mais

aguda sendo a décima sexta parcial harmônica10 (Figura 1).

Figura 1: Parciais harmônicas. 16ª até 24ª. (TARR,1988, p.14)

Entretanto, a obra mais virtuosística em termos de tessitura do período barroco é

de Johann Michael Haydn (1736-1806), irmão de Franz Joseph Haydn (1732-1809), que

chega até a vigésima quarta parcial harmônica. Segundo TARR (1988), o Segundo Concerto

para trompete em C maior de Michael Haydn provavelmente foi composto para o trompetista

da corte de Salzburgo, J.B. Resenberger (c. 1700-1781), que era especialista no registro agudo

do Clarino barroco11 (Figura 2).

10: O termo parcial harmônica diz respeito a cada altura presente em uma série harmônica, que por sua vez, setrata da sobreposição de alturas (parciais harmônicas) a partir de um som fundamental. (MENEZES, 2003).11: Nas figuras 1 e 2 as setas para cima ou para baixo representam afinação mais baixa e mais alta,respectivamente.

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Figura 2: Registro do Clarino barroco (TARR, 1988, p. 12-14)

No livro The Trumpet também encontram-se informações sobre o contato entre

compositores como Franz Joseph Haydn e Johann Nepomuk Hummel (1778-1837) com

Anton Weidinger (1767-1852), trompetista da corte dos Estherházy (Eisenstadt, Áustria),

onde ambos os compositores mencionados exerciam o ofício da composição musical. Além

de performer, Anton Weidinger também foi construtor de trompetes e desenvolveu um

modelo eficaz do Keyed Trumpet (trompete de chaves) no final do século XVIII (RONQUI,

2010). Segundo Edward Tarr, o concerto para trompete de Haydn foi escrito para Weidinger,

assim como o concerto para trompete de Hummel. De acordo com SULPICIO (2012),

Weidinger utilizou o mesmo instrumento na performance dos dois concertos12. Os concertos

de Haydn e Hummel para trompete solo estão entre as mais importantes obras do repertório

do instrumento em questão em virtude de serem os dois primeiros concertos para o trompete

inteiramente cromático, o keyed trumpet citado anteriormente, e representam o retorno do

trompete enquanto instrumento solista no final do século XVIII e começo do XIX (RONQUI,

2010).

O fato de Weidinger, que era amigo de F. J. Haydn, ter sido um performer de alto

nível e também um pesquisador promissor na área de construção de trompetes (TARR, 1988;

RONQUI, 2010; SCHWEBEL, 2000) nos chama atenção para uma possível relação

compositor/intérprete datada do final do século XVIII e início do século XIX. Surge a

hipótese de uma possível colaboração entre Weidinger, Haydn e Hummel na criação de seus

concertos para trompete, tendo como impulso motor desse processo criativo o Keyed Trumpet,

desenvolvido por Anton Weidinger. Na tese de doutorado do Prof. Dr. Heinz Schwebel, que

trata justamente dos concertos de Haydn e Hummel acima citados, sobre o enfoque da escolha

do instrumento correto para uma performance moderna dos mesmos, é possível encontrar

informações que sustentam a hipótese da existência de uma interação entre Weidinger e

Haydn. De acordo com SCHWEBEL (2000)13:

12: O concerto de Haydn foi criado no ano de 1796, enquanto o de Hummel no ano de 1803.13: Fornecido pelo autor online.

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Haydn conhecia Weidinger e ambos viviam em Vienna na mesma época, eele provavelmente teve uma demonstração em primeira mão, dos novosrecursos do trompete antes dele escrever seu Concerto para Clarino (keyedtrumpet) e Orquestra em Eb maior. A afirmação de Landon14 acerca dafascinação de Haydn com os aspectos mecânicos e possibilidades musicaisdos instrumentos que ele trabalhou, sustenta a ideia da interação entrecompositor e intérprete. Na realidade, Haydn e Weidinger supostamenteeram grandes amigos. De acordo com Dalquist15, o compositor foi um dospadrinhos de casamento de Weidinger em 1797 (tradução nossa)16.

De acordo com SULPÍCIO (2012), Weidinger levou cerca de 4 anos para

aprender a manusear o instrumento e tocar o concerto de Haydn, tendo em vista a nova

dificuldade no manejo das chaves desenvolvidas pelo trompetista. Já no concerto de Hummel,

o tempo de preparo da obra foi de um mês. De acordo com as informações citadas, supõe-se

que na ocasião do processo criativo do concerto de Johann Nepomuk Hummel, Weidinger

possuía maior habilidade com seu novo instrumento, em comparação ao período de

composição do concerto de Franz Joseph Haydn, o que poderia resultar em uma relação

compositor/intérprete bastante diferenciada. Pressupõe-se, com base na pesquisa de

SULPICIO (2012), que Anton Weidinger pode fornecer informações com maior propriedade

a respeito de seu Keyed Trumpet, quando no momento de criação do concerto de Hummel em

comparação ao período de criação do concerto de Haydn.

Como ilustração, na figura 3, pode-se observar o registro agudo utilizado por

Michael Haydn em seu concerto para clarino em D. Já na figura 4, o concerto para clarino em

Eb de Joseph Haydn apresenta tratamento por graus conjuntos em registro mais grave, logo

no início do solo.

Figura 3: Fragmento do Concerto em D para Clarino, cordas e contínuo, de Michel Haydn17

14: Howard Chandler Robbins Landon (1926-2009), musicólogo americano. 15: Reine Dahlqvist (1945-2014), musicólogo sueco.16: Original em inglês: Haydn knew Weidinger as they were both living in Vienna at the same time and heprobably got a first hand demonstration of the new capabilities of the trumpet before he wrote his concerto forClarino and Orchestra in E flat major. Landon’s mentions of Haydn’s fascination with the mechanical aspectsand musical possibilities of the instruments he worked with support this idea of interaction between composerand performer. Actually, Haydn and Weidinger are supposed to have become quite good friends. According toDalquist, the composer was even one of the witnesses in Weidinger’s wedding in 1797.17: Disponível em: http://javanese.imslp.info/files/imglnks/usimg/3/36/IMSLP258347-PMLP328466-IMSLP190438-WIMA.7734-H_Clr.pdf. Acesso em: 15/04/2016.

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Figura 4: Fragmento do Concerto em Eb para clarino e orquestra, de Joseph Haydn. (HAYDN, 1991)

A apresentação das novas possibilidades do keyed trumpet nos concertos de

Haydn e Hummel, onde o trompetista passou a executar passagens diatônicas no registro

grave, foi crucial para o retorno do trompete enquanto instrumento solista. A busca por

cromatismo no registro grave fez surgir o sistema de válvulas, que se mostrava mais eficiente

frente aos mecanismos precedentes, como é o caso do instrumento idealizado por Anton

Weidinger (TARR, 1988; RONQUI, 2010). Um fato importante decorrente do aparecimento

das válvulas foi o surgimento do Cornet e um dos primeiros “virtuose” desse instrumento,

Jean-Baptiste Laurent Arban (1825-1889). Em 1864, Arban escreveu um método que,

segundo Tarr (1988), está presente na base técnica de cornets e trompetes até os dias de hoje.

O método é divido em onze partes, sendo elas: introdução, onde o autor fala sobre o

cornet/trompete, digitações alternativas, uso da bomba de afinação, posição do bocal,

articulação e respiração; os primeiros estudos, onde são abordados aspectos de afinação

através de notas longas, cobrindo todas as posições das válvulas, extensão, síncopas, dentre

outros; ligado e legato, com exercícios de flexibilidade; escalas maiores, menores, cromáticas

e suas variações; ornamentos, onde são trabalhados trinados, mordentes, grupetos e

appoggiaturas simples, duplas e curtas, dentre outros; estudos avançados, que englobam

saltos que ultrapassam o âmbito de uma oitava, arpejos diversos e cadências; staccati duplos e

triplos e combinações com ligaduras; há também uma seção com cerca de 150 melodias de

dificuldade gradativa; uma seção com cerca de 68 duetos para cornet/trompete também com

dificuldade gradativa; 14 estudos característicos; e 12 fantasias e variações arranjadas para

cornet/trompete e piano (o que mostra a atuação de Arban também como compositor).

Um outro referencial que apresenta características semelhantes à publicação de

Arban, foi escrito no início do século XX, também especifico para intérpretes trompetistas e

que relata a falta de diálogo com o intérprete no momento em que o compositor cria sua obra.

O autor dessa publicação foi Théo Charlier (1868-1944), professor de trompete no Royal

Conservatory of Music of Lyon na primeira metade do século XX. Charlier, no prefácio de

seus 36 Études Transcendantes, afirma que:

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Hoje em dia, na orquestra, os trompetistas devem possuir grande técnica e aomesmo tempo possuir musicalidade. Os compositores modernos não pensamna dificuldade das partes de trompete de suas obras. Eles escrevem, a peçalhes agrada, e os instrumentistas devem tocá-la.18 (CHARLIER, 1946, p. 2,tradução nossa)

Esse motivo impulsionou Théo Charlier a organizar uma série de 36 estudos, com

o objetivo de preparar o trompetista para eventuais problemas decorrentes da falta de diálogo

entre compositores e performers. Em sua série de estudos, Charlier sistematizou exercícios

sobre articulação; estilo; intervalos de terças, quartas, quintas, sextas, sétimas e oitavas;

mecanismo (digitação); ritmo; um estudo específico para a utilização do terceiro dedo;

staccati simples, duplo e triplo; estudo para movimento conjunto e ritmo variado; diferentes

tipos de staccato; arpeggios; ligaduras; cromatismos; mordentes; flexibilidade; legato; e

trinado. Além dos aspectos acima citados, existem também um prelúdio, duas fantasias, uma

fantasia rítmica, um scherzetto, um estudo moderno, e um estudo com extratos orquestrais das

partes de trompete da obra do compositor alemão Richard Wagner (1813 – 1883).

Outro referencial onde pode-se encontrar informações referentes à relação

compositor/intérprete é a tese de doutorado de Carlos Afonso Sulpicio (2012), que apresenta

um panorama histórico da evolução da técnica do trompete entre o período da ópera Orfeo

(1607), de Claudio Monteverdi (1567-1643) e o segundo ato da ópera Donnerstag aus Licht

(Quinta-feira de Luz, escrita no ano de 1978), de nome Michael’s Reise um Die Erde (A

jornada de Miguel em volta da Terra), composta por Karlheinz Stockhausen (1928-2007). A

“Jornada de Miguel em volta da Terra” foi escrita para Markus Stockhausen (1957),

trompetista e filho do compositor. Em 1984 foi realizada uma versão de concerto para

trompete solista, nove instrumentistas e projetor de som, para ser apresentada em forma de

concerto (SULPICIO, 2012). Supõe-se que no momento de criação de “A Jornada de Miguel

em volta da Terra”, houve interação entre Karlheinz e Markus Stockhausen, pai e filho,

respectivamente. Para justificar essa suposição, apresenta-se aqui algumas informações acerca

da obra, por Karlheinz Stockhausen:

O segundo ato, A Jornada de Miguel em Volta da Terra com trompete eorquestra foi composto primeiro, em outubro de 1977 até o final de agosto

18: Original em inglês: Nowadays, trumpet players in orchestras must have first-class techniques and at the sametime be accomplished musicians. Modern composers no longer worry about how difficult their trumpet parts are.They write what they want and it is up to the player to master it.

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de 1978. Eu trabalhei muito próximo ao meu filho Markus que tem sido otrompete solista em todas as apresentações até o presente, e a quem esta obraé dedicada. (STOCKHAUSEN apud SULPICIO, 2012, p. 148)

Sobre a preparação da performance da obra em questão, Markus Stockhausen

afirma que:

No verão de 1978, ano seguinte a minha primeira lição com Carmine19

[Caruso], meu pai, Karlheinz Stockhausen, compôs para mim A Jornada deMiguel em Volta da Terra, um concerto de 50 minutos escrito para oEnsemble Intercontemporain que também inclui outros solistas. Ele éextremo de muitas maneiras – longo e agudo, com notas pedais muito gravesprecisamente anotadas, requer flexibilidade e uma boa resistência. Sem apreparação de Carmine, eu nunca seria capaz de tocar a peça.(STOCKHAUSEN apud SULPICIO, 2012, p. 165)

Figura 5: Cenário de A Jornada de Miguel em volta da Terra, de K. Stockhausen, com o trompete solistaposicionado no globo ao centro do palco20

19: Carmine Caruso (1904-1987), pianista, violinista e saxofonista norte-americano famoso pelo trabalho com exercícios de calistenia em instrumentistas de metal.20: Disponível em: http://www.markusstockhausen.de/?lang=en. Acesso em 14/04/2016.

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Figura 6: Markus Stockhausen com seu "cinto de surdinas", para a execução da obra A jornada de Miguel emvolta da Terra21

No ano de 1984, na época da composição da Sequenza X para trompete em dó e

ressonância do piano, de Luciano Berio (1925-2003), encontram-se relatos do trompetista

Thomas Stevens22 (1938) acerca de tentativas de contato com Berio, com o objetivo de

colaborar na composição de sua nova Sequenza (DAMBLY, 2008). Embora o contato físico

entre intérprete e compositor não tenha acontecido, houveram sugestões de alterações na

escrita, sugeridas por Thomas Stevens, sendo que a obra de Luciano Berio já se encontrava

finalizada. As orientações de Stevens ocorreram no momento de preparação para a estreia da

Sequenza X, sendo uma das sugestões do performer a alteração da nota dó pedal, que aparece

em dois momentos da Sequenza para a nota dó sustenido, pois de acordo com Thomas

Stevens, seria possível reproduzir com mais fidelidade o efeito forte e agressivo na nota dó

sustenido pedal, mudança essa incorporada na versão final da partitura, como pode-se

constatar na figura 7 (DAMBLY, 2008). A Sequenza X tem papel importante dentro do

repertório para trompete solista no século XX, e de acordo com Berio, a obra é a mais

desafiadora para o intérprete, levando em consideração as outras obras de sua série de

Sequenze23.

21: Disponível em: http://www.markusstockhausen.de/?lang=en. Acesso em 14/04/2016.22: Trompetista, compositor e escritor de origem norte-americana, na época era o principal trompete da Los Angeles Philharmonic.23: Nota do compositor. Disponível em: <http://www.lucianoberio.org/node/1518?1519286814=1>. Acesso em: 18/11/2015

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Figura 7: Fragmento da partitura da Sequenza X para trompete e ressonância de piano, de Luciano Berio, p. 5, 5ªe 6ª pautas. (BERIO, 1984, p.5)

Na figura 7, em vermelho no início da segunda pauta e também no final, encontra-

se a nota dó sustenido pedal sugerida por Thomas Stevens. Na primeira aparição da nota em

questão, a dinâmica é marcada como forte, enquanto na segunda a dinâmica é fortíssimo, onde

destaca-se o efeito agressivo, pois é acentuado pela nota em pianíssimo que precede o dó

sustenido pedal.

Desde a década de 1970, é possível encontrar um outro tipo de relação

compositor/intérprete, onde o instrumentista e/ou cantor tem papel ativo no processo criativo

e a música é concebida em tempo real com o conceito de live electronics24, como uma espécie

de improvisação25. No século XXI, umas das obras de referência deste tipo de composição é a

peça Modes of Interference Nº1, for audio feedback system with trumpet and electronics

(2005-06), do compositor italiano Agostino Di Scipio (1962). Nessa obra, o trompetista é

exposto a uma notação não-convencional, pois existem informações sobre as técnicas de

execução utilizadas na obra, em sua maioria, técnicas estendidas, pois não há o som

“tradicional” do trompete, somente efeitos diversos, como sons de respiração, articulação sem

produzir som, etc. Por se tratar de uma peça para trompete e live electronics, cada

performance se apresenta como uma nova composição, cabendo ao intérprete um papel

importante na composição da obra. O compositor, neste caso, contribui com um “guia” (a

partitura e esquema técnico, apresentado na figura 8 abaixo) a ser seguido.

24: O conceito de live electronics, na definição de Henri Pousseur (1929-2009), compositor e teórico de origembelga, trata-se da transformação em tempo real do material sonoro proveniente de instrumentos acústicos(MENEZES, 2009).25: Segundo BARTH (2011), a primeira obra para trompete solo realizada desta maneira (trompete e liveelectronics) é Bright Angel (1972), do compositor David Cope (1941).

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Figura 8: Fragmento da partitura de Modes of Interference Nº1, de Agostino Di Scipio (2006, p.12)

Também foi possível encontrar relatos do contato entre compositores e intérpretes

trompetistas no cenário musical brasileiro. Sobre essa questão, LOPES (2010) afirma que o

intérprete pode auxiliar no processo composicional, e cita o caso da peça Alecrim para

trompete solo, do compositor Ricardo Tacuchian (1939), escrita no ano de 2001. Esta obra foi

dedicada ao Prof. Dr. Nailson de Almeida Simões, que sugeriu mudanças na célula rítmica

principal da composição para dar mais ênfase no gesto musical pretendido por Tacuchian

(LOPES, 2010; 2012).

Figura 9: Células rítmicas utilizadas na obra Alecrim, de Ricardo Tacuchian (LOPES, 2012, p. 77)

Na figura 9 encontram-se as três células rítmicas utilizadas na obra de Tacuchiam,

Alecrim para trompete solo. A letra “a” se refere a célula principal e as letras “b” e “c” são

a) b) c)

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variações da célula principal. Quando finalizada a obra, o compositor considerou como célula

principal a letra “b” da figura 9, porém, o Prof. Nailson Simões sugeriu fusas ao invés de

semicolcheias, para enfatizar o gesto do compositor, conforme dito anteriormente. Na figura

10 é apresentada a variação da célula rítmica principal.

Figura 10: Fragmento da obra Alecrim, para trompete solo, de Ricardo Tacuchian (LOPES, 2012, p. 119)

Sobre os benefícios da interação entre compositores e performers, acrescenta

Maico Lopes:

Devemos desfrutar de todos os benefícios da relação entre intérprete ecompositor. Para o intérprete fica mais claro a compreensão da obra e para ocompositor uma certeza maior de que suas concepções ao conceber a obraserão interpretadas, de certa forma, de maneira mais fiel. (LOPES, 2012,p.84)

Um outro exemplo de uma interação “frutífera” é apresentado por FONSECA

(2005) em sua tese de doutorado, pois há informações sobre a solicitação de composição de

uma obra para quinteto de metais, que acabou resultando em uma sonata para trompete e

piano do compositor José Alberto Kaplan (1935-2009). De acordo com Gláucio Fonseca:

A associação entre intérpretes e compositores gerou bons frutos, entre osquais a Sonata para Trompete e Piano [do compositor José Alberto Kaplan].Esta foi dedicada a Nailson de Almeida Simões e José Henrique Martins,responsáveis pela sua estreia em 21 de outubro de 1988 na cidade deResende-RJ, sob o patrocínio da FUNARTE. (FONSECA, 2005, p. 31)

Essa afirmação de Gláucio Fonseca apresenta claramente uma situação onde a

colaboração entre compositores e intérpretes, de alguma maneira, ocorreu de forma

satisfatória, servindo como uma espécie de referência para uma nova composição.

Na obra Suíte Tucupi para trompete solo, da compositora rondoniense Claudia

Caldeira, o trompetista é exposto a uma situação semelhante as obras do período barroco,

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onde sinais de articulação eram pouco utilizados26, pois a compositora não coloca marcações

referentes à articulação e dinâmica. A Suíte Tucupi, composta em 2011, foi encomendada pelo

Prof. Dr. Maico Viegas Lopes e, segundo LOPES (2012), a compositora habitualmente deixa

suas composições desprovidas de qualquer marcação de dinâmica e articulação, prática essa

que proporciona maior liberdade ao intérprete e diversidade na interpretação da peça.

Na figura 11 apresenta-se um trecho da composição de Claudia Caldeira sem

marcações de articulação, cabendo ao intérprete definir como proceder no que diz respeito a

articulação. Já na figura 12, o trecho apresentado contém articulações determinadas pelo

intérprete Maico Lopes, para quem a peça foi escrita.

Figura 11: Trecho da Suíte Tucupi, de Claudia Caldeira, sem marcações de articulação, dinâmica, etc. (LOPES,2012, p. 58)

Figura 12: Trecho da Suíte Tucupi, de Claudia Caldeira, com marcações de articulação feitas pelo intérprete.(LOPES, 2012, p. 65)

A peça Trio IV (Sijô)27, para violino, trompete e percussão múltipla, do

compositor Marcus Siqueira, faz parte de um ciclo de sete obras, em que o compositor

explora as diferentes relações do violino com outros instrumentos. De acordo com

SIQUEIRA (2013), a colaboração com Adenilson Telles28 foi fundamental para a criação de

Trio IV (Sijô). Marcus Siqueira deixa claro a importância do trabalho com o intérprete no

encarte de seu CD “Contraluz” (2013): “O violino e a percussão estabelecem um paralelismo

26: De acordo com Nikolaus Harnoncourt (1988), os compositores do período barroco habitualmente nãografavam em suas partituras sinais referentes à articulação. Tal prática se mostrava incontestavelmente óbviapara os músicos do barroco e, segundo Harnoncourt, a utilização das articulações era manipulada pelosintérpretes “com o mesmo desembaraço com que nos comunicamos em nossa língua materna”.(HARNONCOURT, 1998, p. 52)27: Sijô: Poesia de origem coreana formada por três versos com aproximadamente 45 sílabas.28: Professor de música da EMESP – Tom Jobim, atua como trompete principal na Orquestra Sinfônica de SantoAndré e Orquestra Bachiana Filarmônica Sesi-SP.

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discursivo com o trompete, generosamente trabalhados ao lado de Adenilson Telles”

(SIQUEIRA, 2013, p. 13). Marcus e Adenilson se conheceram na Escola de Música do Estado

de São Paulo (EMESP), onde ambos eram professores. Adenilson também fazia parte da

“Camerata Aberta”, grupo especializado em música contemporânea, formado por professores

da instituição. Marcus buscava um maior equilíbrio entre as partes do trompete, violino e

percussão múltipla, e antes da escrita do Trio procurou Adenilson para ampliar seus

conhecimentos acerca do trompete, “dentro da visão e potencialidade” do intérprete em

questão. No período anterior a esta relação dialógica entre compositor e intérprete, Marcus

conhecia somente a tessitura do trompete e um pouco do repertório do período em que se

enquadram a música barroca e contemporânea. Adenilson apresentou técnicas e

equipamentos, como por exemplo diferentes tipos de articulações, surdinas diversas e

algumas técnicas estendidas (SIQUEIRA, 2016).

No subitem seguinte, serão apresentadas informações referentes a interação

ocorrida entre compositores e intérpretes (trompetistas) paulistas. As informações

apresentadas foram coletadas através do questionário 2, submetido a compositores e, em

alguns casos, seu respectivo intérprete. O questionário se encontra no anexo 3 desta

dissertação.

1.2 - A relação compositor/intérprete nas obras paulistas para trompete solo e/ou solista:

relatos de compositores e intérpretes no Estado de São Paulo

Para justificar a escolha do Estado de São Paulo como área de maior foco de

investigação das interações entre compositores e intérpretes trompetistas, apresentam-se os

fatos que dizem respeito ao extenso tamanho físico da região; sua importância cultural e

musical no Brasil; pela pesquisa ter sido realizada em uma universidade paulista; por ser o

pesquisador residente no Estado; pela facilidade de contato com compositores e performers

dentro do Estado; e por último, a fácil locomoção dentro desse limite geográfico.

O repertório paulista para trompete vem crescendo consideravelmente ao longo

dos anos. Na dissertação de mestrado de RONQUI (2002), que contém um levantamento das

obras para trompete solo/solista no Estado de São Paulo, foram encontradas 24 obras escritas

para trompete. Com o desenvolvimento da presente pesquisa foram encontradas outras 43

obras, totalizando 71 peças, apresentando, portanto, uma atualização do levantamento de

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repertório encontrado nas pesquisas anteriores29. A composição mais antiga encontrada foi

Andante e Bollero, de José Pedro de Sant’anna Gomes (1834-1908), datada do ano de 1900,

chegando até o ano de 2016, onde temos Farras Nº4, de Felipe Senna, sem contar a obra

criada para a presente pesquisa, criada em 2017, apresentada no segundo capítulo dessa

dissertação.

Para a realização do foco da presente pesquisa e consequente atualização do

levantamento das obras, optou-se por iniciar as buscas em instituições de ensino superior que

tenham o curso de composição musical, tais como Universidade de São Paulo (USP),

Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), Universidade Estadual

de Campinas (UNICAMP), Faculdade Santa Marcelina (FASM) e Faculdade Integrada

Cantareira (FIC). Foram considerados também escolas e conservatórios como a Escola

Municipal de Música de São Paulo (EMMSP), Escola de Música do Estado de São Paulo

(EMESP-Tom Jobim) e o Conservatório Dramático e Musical “Dr. Carlos Campos” de Tatuí.

Também foram enviados e-mails para os professores de composição das

instituições acima citadas, com um questionário quantitativo30, com o objetivo de colher

informações acerca de novas peças para trompete e o possível contato com o intérprete

quando no momento de criação de suas respectivas obras. Com o intuito de ampliar ainda

mais o campo de busca por novas composições pautadas na prática colaborativa, optou-se por

reservar uma das questões do questionário para que o compositor entrevistado pudesse indicar

outros compositores de seu conhecimento, mesmo estes não estando vinculados a nenhuma

instituição de ensino. De todas as obras paulistas para trompete solo e/ou solista levantadas na

pesquisa de campo, observou-se que 20 das 71 obras foram concebidas com a colaboração de

um intérprete trompetista.

Após realizado o primeiro questionário e identificadas as obras que foram criadas

através da relação compositor/intérprete, realizou-se um segundo questionário que apresenta

os dados referentes à interação. Como dito anteriormente, o primeiro questionário foi

endereçado a professores de composição/compositores, enquanto que o segundo questionário

foi dirigido não só para compositores, mas também para os intérpretes envolvidos no processo

de composição e/ou performance das obras para trompete selecionadas.

29: A tabela completa com o levantamento de obras encontra-se no Anexo 7 desta dissertação.30: O questionário foi enviado em dois formatos: a extensão .docx e via Google Forms® e encontra-se nosAnexos 1 e 2 desta dissertação.

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A seguir serão apresentados os dados coletados no segundo questionário, onde

informações acerca da prática colaborativa em obras para trompete solo/solista são relatadas

por alguns compositores e, em certos casos, intérpretes.

O In tempori Duo, formado pela Profa. Dra. Eliana Sulpício (1963, compositora e

percussionista) e pelo Prof. Dr. Carlos Sulpício (1967, trompetista), vem contribuindo no

aumento do repertório para trompete e marimba e/ou percussão. Em resposta ao questionário

acerca da interação com o intérprete, Eliana Sulpício citou 12 obras de diversos compositores

escritas para o In tempori Duo que foram criadas com algum tipo de colaboração –

presencialmente ou via email – que por sua vez ocorreram no momento de criação das

composições. Dentre as obras citadas, temos Tema Expresso (1995), de Alex Guerra; TPM I

(2005), por Marcos Battisttuzi; Peça para Trompete e Marimba (2006), do compositor Igor

Chnee; De que são feitos os dias? (2008), de Silvia Berg; Porto Belo (2011), por José Gustavo

Julião de Camargo; Cançoneta (2011), do compositor Osvaldo Lacerda; Cinco introduções a

uma música inexistente (2012), de Matheus Bitondi; Amor nunca diálogo (2012), por

Leonardo Martinelli; e Interiores (2013), de Valdeci Faganioli. Os principais pontos

trabalhados nos encontros para a composição das obras citadas, segundo Eliana Sulpicio,

foram para determinar questões como tessitura dos instrumentos, a melhor combinação entre

eles e acessórios, tanto do trompete quanto da percussão (no caso do trompete: trompete em

Bb, C, D, Piccolo, surdinas diversas, dentre outros; na percussão: marimba, vibrafone,

percussão múltipla, etc.).

A formação mais utilizada no In tempori Duo é trompete e marimba, logo grande

parte dos aspectos trabalhados em colaboração com o compositor foram com base nessa

formação. Um dos pontos que o Duo destacou como importante de se pensar é a questão da

utilização do registro agudo do trompete junto com a marimba. Segundo experiências

relatadas pelo Duo, esse tipo de prática não soa bem, a não ser quando há uma busca por

algum efeito “timbrístico” em especial. Sobre questões interpretativas, de acordo com as

respostas ao questionário, somente foram feitas sugestões em obras onde a escrita é livre, isto

é, sem barras de compasso e tempo livre.

Além das obras acima citadas, que foram escritas para o In tempori Duo, há

também as composições de Eliana Sulpicio: Divertimento (1997), Vernal (1998) e Cirandas

(2003), sendo todas elas escritas para trompete e marimba. O fato de Eliana Sulpicio e Carlos

Sulpicio serem casados, permitiu um contato mais próximo com as possibilidades e aspectos

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idiomáticos do trompete, resultando em passagens que exploram de maneira orgânica a

técnica do instrumento. De acordo com Eliana Sulpicio, suas obras são escritas de maneira

tradicional, isto é, sem gestos ou passagens que não são comuns dentro da escrita para

trompete e percussão e, afirma ainda que a maior dificuldade de suas obras está no controle da

dinâmica que o trompetista deve ter, em decorrência da sonoridade da marimba, por exemplo.

Em um outro caso de relação entre compositor e trompetista apresenta-se a peça

Divertimento (1997), de Hudson Nogueira (1968), que foi escrita para Fernando Dissenha,

trompetista da OSESP (Orquestra Sinfônica do Estado de SP), para o seu CD “Carambola”

(2003), e contém obras de compositores Brasileiros para trompete e piano. No caso desta

obra, o contato entre compositor e intérprete ocorreu após a finalização da partitura, onde o

intérprete sugeriu algumas mudanças. Segundo Nogueira, o trompetista Fernando Dissenha

pediu para gravar sua obra com o trompete em D, ao invés do trompete em C, para deixar o

dedilhado mais cômodo. Com essa mudança, houve a necessidade de alterar a tessitura de

algumas partes, em especial o registro grave, em notas que o trompete em D não alcançaria.

Houve também o pedido por parte de Dissenha para realizar de forma cadencial um trecho

muito rápido, escrito por Hudson Nogueira.

Já no caso do compositor Alexandre Ulbanere (1970), o primeiro contato com a

escrita para trompete solo foi na obra Big Roll Sonate (1990), em cumprimento às atividades

para o seu professor de composição, Willy Corrêa de Oliveira (1938). As informações que

Ulbanere possuía acerca da escrita para trompete era restrita ao conhecimento fornecido por

livros de orquestração, mas para a escrita desta obra, contou com a ajuda do trompetista

Gustavo Bugni (s.a.). De acordo com Ulbanere, o contato com o intérprete suscitou novas

ideias para sua composição, e classifica como idiomático a questão das diferentes articulações

existentes na técnica do trompete, e também o “problema da respiração”.

Um outro exemplo bastante particular de “relação” compositor/intérprete ocorre

em obras onde o compositor é também intérprete de suas obras, como é o caso das

composições de Tadeu Taffarello (s.a), compositor e trompetista. Autor de “Transmissão

oculta do pensamento” (2000), “Louange à la Génialité d’Olivier Messiaen” (Tabebuia

roseoalba) (2008), e Prins Hendrik 210 (2014), Taffarello afirma que neste caso o

compositor/intérprete possui maior compreensão das possibilidades do instrumento, mas corre

o risco de limitar a escrita à sua técnica enquanto instrumentista.

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Nos próximos dois casos relatados a seguir as informações acerca da relação

compositor/intérprete foram coletadas por meio de entrevista presencial com as partes

envolvidas no processo, ao invés do uso do questionário 231, por opção dos envolvidos. Na

obra Concertino Forma Choro (2010) para trompete, piano e orquestra de câmara, a interação

deu inicio quando o trompetista Flávio Gabriel (1980) convidou o compositor Nailor Azevedo

(1961), mais conhecido como Proveta, para criar uma peça para trompete solista. Proveta,

antes de começar, pediu para que Flávio tocasse músicas, canções de diferentes estilos

musicais que ele gostasse de tocar, o que foi incorporado no produto final da peça, pois o

compositor colocou passagens líricas, cantabiles, etc, de acordo com o material apresentado

anteriormente pelo intérprete. Além de compositor e arranjador, Nailor Azevedo é também

ativo clarinetista/saxofonista, e buscou representar no trompete, gestos característicos da

escrita para clarinete, conforme pedido do performer. Segundo relato de compositor e

intérprete envolvidos na composição do Concertino Forma Choro, o primeiro contato ocorreu

em uma apresentação onde Proveta atuava como clarinetista, com a Banda Mantiqueira. Após

o término, Flávio foi conversar com Proveta para encomendar uma nova obra para trompete

solista. Segundo Proveta, Flávio buscava uma “virtuose brasileira para trompete”

(AZEVEDO, 2016).

Os encontros ocorreram semanalmente na Sala São Paulo, na cidade de São

Paulo-SP, e o espaço de tempo entre o início dos trabalhos e a performance foi de

aproximadamente 6 meses, entretanto, nenhuma das partes envolvidas no processo

forneceram informações acerca do período exato de realização da prática colaborativa em

questão. Após o término da obra, houveram encontros para tratar da performance, questões

particulares de cada gênero musical trabalhado da peça, como Choro, Polka, Lundu,

Habanera, entre outros. Proveta esteve presente em grande parte dos ensaios ocorridos com o

trompete e o piano, e apontava quase que exclusivamente questões referentes ao estilo dos

gêneros citados anteriormente. Na preparação com a orquestra, o preparo juntamente com o

compositor não ocorreu tão explicitamente como na preparação do solista, fato esse que,

segundo Proveta em entrevista32 para o pesquisador, pode causar algumas diferenças na

maneira como são trabalhados os gestos musicais característicos de cada estilo presente na

obra.

31: A transcrição das entrevistas encontra-se nos Anexos 4-6 desta dissertação.32: Conferir anexo 5.

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De acordo com Flávio Gabriel, em entrevista33 concedida para o pesquisador, a

forma com a qual Proveta escreveu essa obra foi bastante eficiente para trompete, pois houve,

dentre outras particularidades, uma preocupação por parte do compositor em deixar a linha

melódica dentro da tessitura do instrumento. Entretanto, o intérprete notou que sempre que a

frase musical começava a se desenvolver em um registro mais agudo, o compositor finalizava

em uma nota mais grave, uma oitava abaixo. Gabriel perguntou o motivo ao compositor, e a

resposta foi uma possível preocupação em não extrapolar o registro do instrumento. Após essa

conversa, Flávio sugeriu que o compositor finalizasse as frases sem as mudanças de registro

notadas (Figura 13), pois, segundo o intérprete, se trata de uma região onde um trompetista

profissional, normalmente, tem domínio. De acordo com as observações do intérprete,

Proveta optou por modificar as frases apontadas por Flávio e tais modificações estão

presentes na versão final da partitura (AZEVEDO, 2016; SILVA, 2016).

Figura 13: Cadência do 3º movimento da obra Concertino Forma Choro, de Nailor Azevedo. (AZEVEDO, 2011,p. 75)

A obra de Nailor Azevedo foi publicada pela Editora Criadores do Brasil (Figura

14), uma editora de partituras vinculada à Orquestra e Coro da Fundação OSESP (Orquestra

Sinfônica do Estado de São Paulo). Segundo informações presentes no catálogo da editora, o

nome da obra é Choro Concertino para Trompete, Piano e Cordas, enquanto compositor e

intérprete, se referem a peça como Concertino Forma Choro para Trompete, Piano e Cordas.

A estreia da composição ocorreu no dia 1º de Maio de 2011 com a Orquestra de Câmara da

Osesp, sob a regência de Terje Tønnesen (Regente e Violinista) com Olga Kopylova ao piano.

O concerto ocorreu na Sala São Paulo.

33: Conferir anexo 6.

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43

Figura 14: Inicio da obra Concertino Forma Choro, publicada como Choro Concertino. (AZEVEDO, 2011, p. 1)

O próximo caso de relação compositor/interprete a ser comentado surgiu da obra

Sapucaia para trompete solo (2012) do compositor Raul do Valle (1936), cujas informações

foram coletadas através de entrevista. Trata-se de uma obra encomendada pelo Prof. Dr. Paulo

Adriano Ronqui (UNICAMP) e teve a sua estreia na cidade de Le Pontet, na França no dia

05/02/2012, na Igreja Matriz de Le Pontet. Raul do Valle afirmou em entrevista – realizada

em sua residência em abril de 201634 – que a interação entre compositor e intérprete, o que ele

chama de “atelier musical”, é de suma importância em suas composições. O compositor

afirmou também que, da diversidade de interpretações por conta das alterações, por parte do

intérprete, da maneira como se executa um determinado efeito (por exemplo, um

flatterzungue), aliada aos seus (compositor) apontamentos, é possível “chegar ao ponto que eu

gostaria enquanto compositor” (VALLE, 2016). Sobre a questão do contato existente entre

compositores e intérpretes, Raul do Valle afirmou que:

Nós somos iguais. Eu sou músico que faço uma coisa, você é músico que fazoutra coisa. Na hora de ser intérprete da minha música, que bom que eutenho ele [intérprete] do meu lado. Ele vai pensar como eu pensei, acertamosaquilo que nós dois achamos que devia acertar, ou seja, ele vai fazer omelhor. [...] O compositor não faz nada sozinho, ele depende do intérprete.

34: Conferir anexo 4.

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44

Então ele [compositor] tem que, não cativar o intérprete, e sim estar ementendimento. (VALLE, 2016)

A obra Sapucaia surgiu de dois encontros realizados entre Raul do Valle e Paulo

Ronqui, na residência do compositor em Campinas-SP, ocorridos cerca de 15 dias antes da

viagem do trompetista para a França, local da estreia da peça. Se trata de uma peça curta, com

pouco mais de 2 minutos de duração e é dividida em duas partes. A primeira parte tem caráter

mais lírico em relação a segunda parte, que se assemelha a uma fanfarra para trompete solo.

Dentre os elementos trabalhados (ou apresentados pelo intérprete ao compositor), destacam-

se: demonstração de flurato (Figura 15, compasso 13); variações de dinâmica (Figura 15,

compassos 11-12); articulações diversas (Figura 16 e 20); dedilhado ágil – de que maneira

seria possível tocar mais rápido (Figura 16); demonstração de trechos cantabiles (Figura 17);

alterações de andamento em um mesmo trecho – affretando, rittardando, etc (Figura 15,

compassos 13-14).

Figura 15: Compassos 11-14 da obra Sapucaia, de Raul do Valle (Valle, 2012, p. 1)

Figura 16: Compassos 15-18 da obra Sapucaia, de Raul do Valle (VALLE, 2012, p.1)

Figura 17: Compassos 21-25 da obra Sapucaia, de Raul do Valle (VALLE, 2012, p.2)

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Figura 18: Compassos 1-3 da obra Sapucaia, de Raul do Valle (VALLE, 2012, p. 1)

Nos três primeiros compassos da obra Sapucaia (figura 18) estão presentes três

níveis de dinâmica propostos pelo intérprete: mezzoforte, forte e fortíssimo. Tais variações de

dinâmica aparecem em outros pontos da música. Também ocorreram modificações para

facilitar a execução de determinado trecho, como por exemplo na figura 19, onde o

compositor não havia colocado uma fermata entre dois trechos de andamentos diferentes. Foi

colocado então, uma fermata para proporcionar uma performance mais eficiente.

Figura 19: Compassos 26-33 da obra Sapucaia, de Raul do Valle. Em vermelho, a fermata sugerida pelointérprete Paulo Ronqui. (VALLE, 2012, p.2)

Figura 20: Compassos 17-18 da obra Sapucaia, de Raul do Valle. Mesmo trecho musical com dinâmica earticulações diferentes. (VALLE, 2012, p.1)

Para complementar as informações expostas acerca da interação entre

compositores e trompetistas, encontra-se no anexo 8 uma tabela com uma síntese do conteúdo

até aqui apresentando. A tabela em questão também serviu como guia no processo de

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composição da obra O Chamado do Anjo de Leonardo Martinelli, por conter uma relação dos

elementos trabalhados por compositores e intérpretes na criação de suas obras.

No capítulo seguinte, será relatado a interação ocorrida entre o compositor

Leonardo Martinelli e o pesquisador deste trabalho, na criação da obra O Chamado do Anjo,

para trompete/flugelhorn solo. Com a realização da pesquisa no capítulo 1, surgiram

informações que serviram de base para o capítulo 2, pois expôs relatos ocorridos por outros

compositores e intérpretes e os aspectos desenvolvidos entre eles, bem como a forma do

contato, seja presencial ou a distância. As informações coletadas foram ampliadas e utilizadas

nos encontros com Martinelli, conforme relatado no capítulo subsequente.

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Capítulo 2 – Relato de colaboração compositor/intéprete na obra O Chamado do Anjo

No presente capítulo é apresentado o relato do processo composicional da obra O

Chamado do Anjo, de Leonardo Martinelli com o autor desta dissertação. Tendo como fio

condutor a questão da interação entre compositor e intérprete, serão apresentadas informações

sobre as reuniões ocorridas na Faculdade Santa Marcelina (São Paulo – SP) com a presença

do pesquisador deste trabalho e o compositor35.

A obra O Chamado do Anjo fecha um ciclo de três obras do Anjo Azraeel, tendo

como mote temático o livro Os Versos Satânicos (1989), de Salman Rushdie (1947), que faz

referência aos versos do Alcorão e trata de temas como a intolerância religiosa de extremistas

muçulmanos. A primeira obra do ciclo foi escrita para quatro trompetes solistas e banda

sinfônica, com o nome de O Anjo Azraeel: after Salman Rushdie (2005); a segunda possui

três instrumentos solistas e uma orquestra, sendo eles o trompete, o clarinete e os atabaques,

com o nome de O diálogo entre Vênus, Azraeel e Ogum (2013). Um dos fatores que conferem

identidade ao ciclo é a presença do trompete enquanto instrumento solista, e acima de tudo,

sendo utilizado para representar a personagem do Anjo Azraeel.

Na primeira peça da “Trilogia do Anjo”, O Anjo Azraeel: after Salman Rushdie, a

personagem principal, Anjo Azraeel, tem um caráter furioso, como uma representação bíblica

das trombetas do apocalipse, materializado em quatro (os quatro trompetes solistas). Há

também o conceito de “janela” solista – que será explicado nos parágrafos seguintes – que,

assim como a personagem, confere uma base do ponto de vista estrutural para a obra.

Na segunda peça, O diálogo entre Vênus, Azraeel e Ogum, há o ecumenismo entre

as personagens Vênus, Anjo Azraeel e Ogum, pertencentes à mitologia romana (Vênus),

movimentos do cristianismo, judaísmo e islamismo (Anjo Azraeel), e também Ioruba (Ogum).

Nesta obra também está presente o conceito de “janela” enquanto elemento estrutural. As

“janelas” improvisativas fazem parte da estrutura da peça, como nas outras obras do ciclo. O

conceito de janela será explicado no item 2.1 deste trabalho.

O papel do Anjo Azraeel na terceira obra do ciclo, O Chamado do Anjo, é o de

mensageiro da morte, mas não como algo ruim e sim como um caminho de redenção, um

“chamado” no qual todos iremos receber um dia.

35: Vale ressaltar que todas as informações discorridas neste capítulo são fruto dos encontros ocorridos entrecompositor e intérprete.

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Um outro ponto que unifica as três peças de Leonardo Martinelli é a utilização do

espaço pelos solistas. Em O Anjo Azraeel: after Salman Rushdie, os quatro trompetes solistas

ficam posicionados em quatro cantos da plateia (Figura 21); em O diálogo entre Vênus,

Azraeel e Ogum os três solistas – trompete, clarinete e atabaques – ficam também

posicionados em pontos diferentes na plateia (Figura 22). Na obra O Chamado do Anjo, o

solista atua de maneira itinerante, ou seja, toca de diversos pontos do palco/plateia, e algumas

vezes andando. Em um dos encontros realizados para o processo criativo da obra em questão,

Martinelli aponta que a utilização do espaço enquanto elemento estrutural está presente nas

três obras da Trilogia do Anjo Azraeel.

Figura 21: Disposição dos trompetes solistas na obra O Anjo Azraeel: after Salman Rushdie (MARTINELLI,2005, p.2)

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Figura 22: Disposição dos solistas na obra O Diálogo entre Vênus, Azraeel e Ogum (MARTINELLI, 2013, p.2)

As obras O Anjo Azraeel: after Salman Rushdie e O diálogo entre Vênus, Azraeel

e Ogum podem ser adquiridas com o próprio compositor. A gravação de ambas as peças

encontra-se em perfil da plataforma Soundcloud do compositor Leonardo Martinelli36. A

primeira obra teve sua estreia no dia 05/08/2005 no Festival Música Nova, com a Banda

Sinfônica do Estado de São Paulo sob a regência de Abel Rocha e com os solistas Albert dos

Santos, José Torres Menezes, Jean Pierre Rickebush e Roberto Gastaldi. O evento foi

realizado no SESC Consolação, na cidade de São Paulo - SP. A segunda obra teve sua estreia

em 12/03/2013 com a Bachiana Filarmônica sob a regência de John Boudler. A parte solista

foi realizada por um dos trompetistas da orquestra. O concerto foi realizado na Sala São

Paulo, na cidade de São Paulo – SP. As informações acerca das duas obras citadas neste

parágrafo se fazem necessárias por ambas serem parte integrante da trilogia do Anjo Azraeel.

Entretanto, o foco central da pesquisa está na terceira obra, que será apresentada no próximo

subitem.

36: Disponível em: https://soundcloud.com/martinellix Acesso em 01/06/2017.

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2.1 – Processo colaborativo na composição e interpretação da obra O Chamado do Anjo

As informações presentes neste subitem foram obtidas através dos encontros entre

Leonardo Martinelli e o presente pesquisador. Os encontros foram registrados em áudio pelo

software livre Audacity e foi elaborado um resumo do conteúdo das gravações para

fundamentar o texto a seguir (cf. anexo 17).

De acordo com Martinelli, O Chamado do Anjo tem como referência explícita, no

que diz respeito a estrutura, à obra de Olivier Messiaen chamada Des canyons aux étoiles para

orquestra. Em sua composição, Messiaen criou um movimento onde a trompa atua como

instrumento solista, o que acabou por tornar o movimento – de nome Appel interstellaire (O

chamado interestelar) – uma peça para trompa solo, ou seja, sendo possível a performance

fora da estrutura da peça para orquestra. Des canyons aux étoiles foi comissionada para

celebrar o bicentenário da independência dos Estados Unidos em 1971, e teve sua estreia no

ano de 1974. Messiaen buscou imprimir nessa obra os pássaros e a paisagem do Bryce

Canyon, do estado de Utah, nos Estados Unidos. A obra possui 12 movimentos e cerca de 95

minutos de duração.

Sobre a questão da prática colaborativa na música, Leonardo Martinelli declara

ser importante o contato com o intérprete na parte dos ensaios, onde o compositor afirma que

a interação tende a ocorrer de forma mais significativa. Embora Martinelli já tenha criado

obras para trompete solista37, na peça O Chamado do Anjo para trompete e orquestra, ocorreu

de forma diferente, pois, segundo o compositor, nem sempre há a certeza de quem será o

intérprete de sua obra. Declara ainda que uma composição pautada em informações presentes

em livros de orquestração pode não ser tão eficiente como compor uma obra coletando

informações do próprio instrumentista, responsável pela estreia da peça. Ainda sobre a

questão da prática colaborativa, Leonardo aponta que, habitualmente, colaborações de

intérpretes se resumem a sugestões de adequações idiomáticas na partitura, ou seja, o

compositor atua como núcleo hermético de todo o processo.

No primeiro encontro38 entre o compositor e o pesquisador/intérprete, período que

precedeu o processo composicional propriamente dito da obra O Chamado do Anjo,

Martinelli colocou suas ideias para a criação da peça e sugeriu alguns momentos onde o

37: Além das primeiras duas obras da Trilogia do Anjo Azraeel, Martinelli compôs Amor nunca diálogo (2012)para trompete e marimba.38: Encontro ocorrido no dia 29/09/2016.

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intérprete participasse de forma mais efetiva na criação da obra, agindo como um agente

criativo/interpretativo. O primeiro conceito apresentado foi o de “janelas de improvisação39”.

A ideia das “janelas” é de lançar ao instrumentista de formação clássica – ou música erudita –

o desafio de lidar com situações diversas de improviso. O compositor não faz referência às

práticas da música popular, mas sim de construir uma relação compositor/intérprete criativa e

proativa, a partir de blocos de improvisação com estruturas pré-programadas. Para ilustrar a

questão das janelas de improvisação, o compositor apresenta uma situação onde a janela de

uma casa, quando aberta, proporciona a visão de algo novo, um elemento contrastante. Neste

tipo de prática o intérprete tem um papel mais efetivo na criação da música, pois mesmo que

haja determinações ou um caminho a ser seguido no momento de improvisação, vai imprimir

no trecho a sua interpretação, baseada nos seus hábitos enquanto músico, enquanto

instrumentista.

De início, Martinelli pensou em três janelas de improvisação no decorrer da

música, com 3 níveis de indeterminação, partindo de uma ideia extremamente limitada, onde

a indeterminação seria somente no que diz respeito a duração da janela, e, o oposto, uma

janela com alto nível de indeterminação, onde o intérprete é o principal responsável pelos

elementos a serem trabalhados. Neste último caso, surgiu a ideia de uma partitura gráfica,

circular, sem começo nem fim, sendo o elemento estruturador o material harmônico, no qual o

intérprete escolhe o local de início da seção improvisatória, e termina com uma volta

completa no círculo, fato esse que confere ao trecho performances completamente distintas,

se apresentadas com o mesmo intérprete ou outro. Também foi apresentada a ideia de fazer

com que as janelas funcionassem como peças isoladas, não sendo necessário o

acompanhamento da orquestra ou um piano, por exemplo. Se tratando de três janelas

extraídas de uma peça maior, para trompete e orquestra, as três peças (ou seja, as três janelas)

para trompete solo, poderiam ser apresentadas no decorrer de um recital, não necessariamente

em sequência (por exemplo: apresenta-se uma janela, e depois uma outra música; então uma

segunda janela, e depois mais uma música; uma outra música e finaliza com a terceira janela),

funcionando como uma espécie de intermezzo.

Martinelli, ainda no primeiro encontro, pediu para o intérprete que apresentasse

gestos musicais característicos do trompete, de acordo com suas experiências como músico.

Também pediu que fossem apresentadas diferenciadas surdinas utilizadas com o trompete,

39: Aqui o compositor faz referência à obra de Olivier Messiaen, Dos canyons para as estrelas.

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além de apresentar trêmulos de válvulas e limites do instrumento/instrumentista (tessitura,

velocidade de articulações diversas, saltos e mudanças de registro). Houve também o pedido

de apresentação de algumas técnicas estendidas (tocar com as válvulas semiabertas, golpear o

bocal com a mão, alterar a afinação de determinadas notas abrindo ou fechando os tubos de

afinação da 1ª e 3ª válvulas). Após tais demonstrações Martinelli concluiu que esses

elementos deviam ser utilizados com cuidado para não tornar a peça algo ruidoso, pois, para o

compositor, se o objetivo fosse fazer algo com ênfase no ruído, haveria outros recursos mais

eficazes. Martinelli afirmou também que a limitação sonora do instrumento tradicional é

benéfica, pois não se encaixa em certos tipos de sonoridade, o que proporciona utilizações

mais específicas do trompete. Portanto, a utilização de técnicas estendidas, para Leonardo

Martinelli, deve ser usada somente enquanto ornamento e não como elemento estruturador de

suas obras. Nesse encontro foi proposto pelo compositor a utilização do trompete em Bb, por

conta de sua tessitura.

No segundo encontro40 ocorreram demonstrações da utilização do trompete com

três tipos de surdina: Straight, Cup e Harmon (Stem in e Stem out). Foram tocadas passagens

musicais41 rápidas, lentas, agudas, graves e mais ou menos articuladas. Após a demonstração

das surdinas, o compositor solicitou a repetição de alguns gestos, tais como o efeito “wah-

wah” da surdina Harmon (stem in), além do ajuste da surdina Cup, com o objetivo de obter

uma melhor compreensão das mudanças de timbre/sonoridade do trompete ao se colocar esses

acessórios. Ao final da exposição, Leonardo ponderou sobre a relação da resultante sonora do

trompete com surdina Straight como sendo uma espécie de bouché 42de trompa.

40: Encontro ocorrido no dia 03/11/2016.41: As passagens musicais foram improvisadas no momento em questão.42: Bouché ou stopped, se trata de uma técnica utilizada pelos trompistas para abafar o som da trompa inserindoa mão direita dentro da campana, produzindo uma sonoridade mais suave e anasalada (ADLER, 2002; Berlioz etal, 1991).

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Figura 23: Surdina Straight para trompete43

Figura 24: Surdina Cup com copo ajustável para trompete44

Figura 25: Surdina Harmon (Stem in e Stem out) para trompete45

43: Disponível em: http://jo-ral.com/mute/jo-ral-tpt-1c-trumpet-straight-mute-standard/ Acesso em: 26/01/2017.44: Disponível em: https://www.deniswick.com/product/adjustable-cup-mute-for-trumpet-cornet/ Acesso em:26/01/2017.45: Disponível em: http://jo-ral.com/mute/jo-ral-tpt-2a-trumpet-bubble-mute-standard/ Acesso em: 04/07/2017.

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Nesse mesmo encontro foram tocadas articulações em staccato simples, duplo e

triplo, sendo as notas executadas em uma única altura (Figura 26). Surgiu então uma dúvida

do compositor a respeito dessa prática, se seria possível a execução do staccato triplo com

notas diferentes (sendo as três alturas do grupo de articulação, diferentes). A impressão do

pesquisador acerca desta execução é que, quanto mais distante forem as alturas, maior

habilidade é requerida do intérprete para se realizar (Figura 27). O mesmo vale para o

staccato duplo.

Figura 26: Demonstração dos staccati simples (1º sistema), duplo (2º sistema) e triplo (3º sistema).

Figura 27: Demonstração de staccati triplo (1º sistema) e duplo (2º sistema) com intervalos.

Outro ponto trabalhado nesse encontro foi o controle do vibrato. O intérprete

apresentou a utilização do vibrato de acordo com suas experiências musicais, como algo sutil,

de caráter estético. Visando utilizar esse elemento de maneira estrutural, por assim dizer,

Leonardo Martinelli pediu para que fosse apresentado uma nota longa, onde se iniciaria sem

vibrato, e, ao longo da execução da nota fosse introduzido o vibrato. Para esta prática,

executar a nota longa em crescendo torna mais fácil a execução do efeito pretendido. Em uma

segunda execução, a nota partiu de uma sonoridade non vibrato, caminhando para molto

vibrato gradativamente, e finalizando em súbito non vibrato. O mesmo efeito foi feito com a

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surdina Cup, a pedido do compositor. Os exemplos sobre o vibrato solicitados pelo

compositor encontram-se na Figura 28.

Figura 28: Exemplos de vibrato solicitados por Leonardo Martinelli.

Também foi apresentando o fluratto enquanto ferramenta que pode proporcionar

maior movimentação rítmica. Para isso, foi demonstrado um trecho do quarto movimento da

peça Solus (1975) para trompete sem acompanhamento de Stanley Friedman (1951), onde o

trompetista inicia uma passagem musical com staccato simples, passando por staccato duplo,

doodle tongue, e então o fluratto, que funciona como uma espécie de accelerando natural

(Figura 29). Também foi apresentado o fluratto juntamente com a surdina Harmon (stem in).

Figura 29: Fragmento do IV movimento da peça Solus, para trompete sem acompanhamento. Flurato enquantoferramenta de accelerando. Último sistema, página 8. (FRIEDMAN, 1975, p.8)

Leonardo Martinelli também questionou sobre a possibilidade de se fazer

trêmulos no trompete. No instrumento, essa prática se faz possível devido a possibilidade de

se tocar determinadas alturas em posições diferentes das válvulas, e leva o nome de trêmulo

de válvula. Foi pedido então uma tabela, ou algum outro documento que especificasse quais

seriam os trêmulos de válvula possíveis, e em escala, partindo de fácil para difícil execução.

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(cf. anexo 9) Após a discussão e demonstração sobre os trêmulos de válvula, o intérprete

apresentou passagens utilizando somente a série harmônica natural do instrumento (Figura

30), isto é, passagens onde não se faz necessário alterar nenhuma posição das válvulas.

Figura 30: Exemplo das séries harmônicas naturais do Trompete Bb, tocadas para o compositor.

Ao final da seção de demonstração dos efeitos sugeridos, Martinelli afirmou que

as ideias acerca da obra, em sua maioria, surgiram de maneira reativa à presença do intérprete

no processo criativo da obra O Chamado do Anjo.

O terceiro encontro46 iniciou com mais uma reflexão de Leonardo Martinelli

acerca da prática colaborativa na música. Segundo Martinelli, deve-se considerar a diferença

entre as partes envolvidas no processo colaborativo, pois, neste caso, o compositor não vai

tocar a peça para trompete, sugerindo que não se trata de uma divisão de trabalho igualitária, e

sim, simplesmente diferente. Houve também uma explanação acerca da interação,

principalmente em casos onde o contato entre compositor e intérprete tem seu início antes da

ideia ou projeto de se compor uma música, sendo este o caso desta pesquisa, onde a

colaboração acontece de três formas distintas, de acordo com o andamento da composição: 1º

estágio - elaboração do material; 2º estágio - orientação do intérprete enquanto o compositor

escreve; e 3º estágio - ensaios, preparação da performance.

No 1º estágio o intérprete colabora fornecendo materiais de cunho

técnico/idiomático, bem como sua capacidade técnica enquanto instrumentista. Neste tipo de

interação, a reflexão feita entre o orientador deste trabalho e o pesquisador e, posteriormente,

apresentada ao compositor em questão, é que o processo criativo não deve se limitar à

capacidade técnica do instrumentista colaborador, mas sim fornecer pontos de

desenvolvimento técnico/musicais. No 2º estágio o intérprete testa e sugere modificações e/ou

exclusões no material previamente elaborado. Neste ponto estão presentes grande parte das

interações citadas no capítulo 1 desta dissertação. No 3º estágio, os ensaios, o performer faz a

46: Encontro ocorrido no dia 30/03/2017.

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leitura da música concebida e auxilia com questões interpretativas, trabalhando fraseados e

outras questões, como dinâmica, articulação e etc. Segundo Martinelli, esse é o ponto mais

importante em se tratando da interação compositor/intérprete, pois somente através do som é

que se pode ter certeza da efetividade da ideia musical.

Após a reflexão acerca dos diferentes tipos de interação no terceiro encontro, deu-

se início a colaboração específica da obra. Neste ponto foi esclarecido entre ambas as partes a

necessidade de se alterar a ordem do produto final, dando início a parte solo e posteriormente

a parte orquestral, que será elaborada após a finalização da presente pesquisa. Essa decisão

ocorreu por conta do tempo necessário para a realização de uma obra para solista e orquestra,

que envolve não só a criação propriamente dita, mas também o trabalho de orquestração.

Segundo Martinelli, esse tipo de situação, onde mudanças são necessárias por

conta do tempo de entrega da obra, se mostram oportunidades interessantes e desafiadoras

para o compositor. Vale ressaltar que há no repertório para instrumento solo/solista, obras

onde a parte solo é criada antes do acompanhamento orquestral. Nesses casos, Martinelli usa

o termo “cantochão sônico”, e cita como referência a Sequenza VI para viola (1967) e

Chemins II (1967) para viola e 9 instrumentos, de Luciano Berio. Chemins II foi criada após a

Sequenza VI, bem como as outras obras da série Chemins47. Assim, Martinelli explica que a

ideia é que a janela elaborada para a peça O Chamado do Anjo funcionará como base para a

peça com orquestra, assim como a Sequenza VI serviu de base para Chemins II. Não se tratará

de uma orquestração, mas sim de adicionar elementos novos a uma música já existente, sem

alterar a parte solo.

Ainda no terceiro encontro foi apresentando um esboço de sugestões de materiais

musicais elaborados pelo compositor para serem discutidos juntamente com o intérprete. O

primeiro tópico foi a determinação da utilização de uma Entidade Harmônica (ao invés de

acorde) que represente a personagem principal, o Anjo Azraeel. A ideia da utilização de uma

Entidade Harmônica se justifica pelo fato de que há a possibilidade de se utilizá-la tanto

sincronicamente quanto diacronicamente, isto é, em formato de acorde (quando apresentado

com orquestra) e também melodicamente, por se tratar de um instrumento melódico. A ideia

de Entidade Harmônica foi desenvolvida no ciclo Canções do Mendigo (2014) de Martinelli,

para voz masculina, clarinete, viola e piano. A “Entidade Anjo” funcionaria então como

47: Série de dez obras solistas derivada da série das Sequenze de Luciano Berio. Na série Chemins, Beriomantém a parte solo das Sequenze intactas e cria acompanhamentos instrumentais (em alguns casos também éutilizado voz), sendo esses diferentes em cada uma das obras. (HALFYARD, 2007)

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elemento estruturador do solo de trompete, e se delimitaria na tessitura do trompete em Bb,

por ser esse o instrumento definido no início do processo colaborativo.

Figura 31: Extrato do esboço com informações sobre a Entidade Anjo e tessitura do trompete em Bb.

Na figura 31, em vermelho, pode-se verificar a troca da terminologia “acorde” por

“entidade”, e ao lado direito uma marcação para deixar claro a “regra” de se criar uma

entidade que se encaixe dentro da tessitura (mesmo que o acorde seja exposto em conjunto

com instrumentos mais graves ou agudos) do trompete utilizado. No quadrado verde, está

apresentada a tessitura básica que o compositor elegeu do trompete em Bb. Em azul há uma

proposta de orquestração do naipe de metais da orquestra para representar a Entidade Anjo:

trompete solo, trompa 1 (ou trompete piccolo), trompa 2, trompete 1 e trompete 2. Ressalta-se

que essa orquestração será realizada após a finalização da obra como solo sem

acompanhamento.

O primeiro esboço da “Entidade Anjo”, presente na figura 34, foi construído com

seis notas, mas, segundo Martinelli, a ideia foi alterar, pois estipulou-se uma entidade com 8

notas, por ser sonoramente mais rico. Na versão final da obra com orquestra pretende-se

utilizar o naipe de metais para dar ênfase a esse elemento estruturador. Embora as notas da

Entidade Harmônica não tenham sido definidas até este ponto, foi determinada a nota mais

grave e a mais aguda como sendo um intervalo de trítono (cf. figura 32, onde a nota mais

grave é um Fá e a mais aguda um Si, levando em consideração as notas escritas em som real,

na parte esquerda). O compositor optou por não se utilizar da extensão máxima do trompete

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(cf. figura 31, apresentada anteriormente), tanto no registro grave quanto no agudo, por

questões tímbricas. Segundo Martinelli, o timbre resultante da execução de notas nos dois

extremos do instrumento não lhes era interessante. Entretanto, foi idealizado um momento de

extensão máxima do trompete em Bb, onde seria apresentado a Entidade Harmônica por

completo pelo solista, de maneira diacrônica.

Figura 32: Esboço da Entidade Anjo com seis notas: som real (à esquerda) e som escrito para trompete em Bb (àdireita).

Na figura 33, em azul, encontra-se a representação gráfica de um momento de

utilização da extensão máxima do trompete na obra. Na última nota da figura 33, há a

marcação de non frulato, pois a proposta seria utilizar trêmulos de válvula ao invés de frulato.

Em vermelho, também na figura 33, as perguntas (sobre os limites de execução do trêmulo de

válvulas) “sobre o perfil direcional do gesto: exequibilidade” (se o gesto funciona, é

exequível) e “a inversão desse gesto é muito ruim?” (Partindo do registro agudo e

caminhando para grave) foram discutidas no encontro.

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Figura 33: Esboço de possível momento de extensão máxima (azul); Perguntas foram feitas ao pesquisador(vermelho).

A discussão sobre tais questões foi precedida por uma outra reflexão sobre a

interação entre compositor e intérprete, nos casos onde o contato acontece desde o inicio da

ideia musical. Nessa reflexão, Leonardo Martinelli fez menção à prática colaborativa entre

Luciano Berio e Rohan de Saran, para a criação da Sequenza XIV para violoncelo, onde,

segundo Martinelli, houve uma mudança de paradigma na escrita para violoncelo de uma

maneira geral, decorrente do intenso trabalho colaborativo entre compositor e intérprete. A

apresentação deste exemplo de colaboração compositor/intérprete ocorreu para a fixação de

um modelo colaborativo de sucesso, pois os resultados foram satisfatórios para ambos os

lados do processo, e também proporcionou um desenvolvimento na escrita para o instrumento

em questão. Em outras palavras, a proposta não foi “imitar” o processo composicional da

Sequenza XIV, mas sim almejar uma interação compositor/intérprete eficiente.

O encontro seguiu com uma reflexão a respeito da estrutura da peça, sobre qual a

quantidade de janelas improvisativas deveria ter a obra (figura 34). Ao invés de três janelas,

como dito anteriormente, foi proposto pelo compositor a realização de somente duas janelas

(figura 34, nº 2 e 6), devido ao tempo total da obra. A interação seguiu com a apresentação de

um “gesto primordial” ao trompete (sequência de notas rápidas partindo do grave para o

agudo, de caráter anacrúsico e apoiadas em uma nota longa com vibrato), levantando questões

sobre sua exequibilidade (figura 35), como por exemplo, a amplitude intervalar das notas

envolvidas. Definiu-se que um intervalo máximo de 5ª justa seria adequado, uma vez que se

trata de um gesto musical que deve ser executado rapidamente.

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Figura 34: Esboço das seções da obra O Chamado do Anjo para trompete e orquestra.

Figura 35: Esboço do "Gesto primordial" ao trompete.

O gesto em questão, apresentado na figura 35, teve como referência as obras

Hyperprism (1922) e Octandre (1923) do compositor Edgard Varèse, onde o compositor

desenvolveu gestos similares ao “gesto primordial” da obra em questão. Quando o gesto se

apoia na nota longa, pensou-se em aplicar o trêmulo de válvula para salientar a mudança de

timbre decorrente da troca de posição de determinadas notas. Segundo Martinelli, a proposta

seria ter um desenvolvimento gestual ao invés de um desenvolvimento temático, ou seja, o

gesto apresentado na figura 35 seria o ponto de partida para o desenvolvimento da obra.

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Entretanto, houve uma preocupação por parte do compositor sobre como seria a terminação

do gesto, se seria possível iniciar uma melodia de imediato ou diminuir a sonoridade. Em

testes realizados no encontro, concluiu-se que ambas as possibilidades eram válidas e

poderiam ser executadas.

Ainda sobre o gesto48 presente na figura 35, Leonardo Martinelli questionou se

sua a inversão era exequível, ou seja, possível de se executar partindo do registro agudo em

direção ao grave. Houve também a dúvida sobre a execução dos trêmulos no registro grave, se

era mais fácil ou difícil de se tocar. O pesquisador observou que, no trompete, o registro grave

é mais cômodo de se interpretar do que o agudo em ambos os casos.

Outras perguntas foram realizadas pelo compositor acerca dos limites dos

trêmulos de válvulas, se tratando de velocidade e alternância timbrística. Sobre a questão da

alteração do timbre, o pesquisador demonstrou a mudança de timbre ocorrida na troca de

posição. Via de regra, quanto maior a troca das válvulas, maior a diferença na sonoridade (ex:

Si bemol no segundo espaço suplementar superior, sendo executado pressionando a primeira

válvula e/ou com todas as válvulas). Além da alteração do timbre, foi demonstrado também a

mudança na afinação da nota (normalmente, a afinação fica mais alta), o que pode ser

corrigindo abrindo ou fechando os tubos referentes a primeira e terceira válvulas. Entretanto,

houve interesse por parte do compositor em não corrigir a afinação de tais notas, para que seja

possível trabalhar com uma sonoridade “não-temperada”. Sobre a velocidade do trêmulo, o

pesquisador colocou que, de acordo com a tabela de trêmulos (cf. anexo 9) enviada para o

compositor, as notas classificadas como fáceis podem ser executadas com muita velocidade,

principalmente no registro agudo do instrumento, por conta de os harmônicos serem mais

próximos uns dos outros. Martinelli, por sua vez, enfatizou que a utilização dos trêmulos é de

caráter ornamental e não estrutural na peça.

A última questão trabalhada nesse encontro foi com relação a possível utilização

do conceito de polifonia virtual, também conhecida como polifonia latente ou simulada. Se

trata de uma prática presente em obras de J. S. Bach (partitas e sonatas para violino; suítes

para violoncelo) e também em algumas Sequenze de Luciano Berio (Sequenza VII para oboé e

Sequenza XIV para violoncelo, por exemplo), e é utilizada em instrumentos monódicos por

definição. A polifonia é alcançada basicamente através da oposição de registros (agudo –

médio – grave), estabelecendo vozes diferentes entre eles (FERRAZ et al, 2015). Leonardo

48: Descrição do gesto da figura 35: sequência de notas rápidas partindo do registro grave para o agudo, decaráter anacrúsico e apoiadas em uma nota longa com vibrato, onde o vibrato evolui para um trêmulo de válvula.

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Martinelli questionou sobre a possibilidade de se criar um gesto utilizando o elemento da

polifonia virtual, se era possível a execução no trompete, conforme exemplo na figura 36.

Figura 36: Exemplo de polifonia virtual, por Leonardo Martinelli.

Sobre a questão da polifonia virtual, o intérprete informou que existe dentro do

repertório tradicional do trompete esse tipo de prática, como é o caso da Fantasia e Variações

sobre O Carnaval de Veneza (1864), onde Jean-Baptiste Laurent Arban coloca na seção final

da obra, o que confirma a exequibilidade desse gesto. Na obra de Arban, a polifonia ocorre

com uma figuração no registro agudo e o tema variado no registro grave, algo semelhante ao

exemplo criado por Martinelli (figura 36). Também foi cogitada a possibilidade de se realizar

esse gesto com os registros invertidos, isto é, com uma figuração no registro grave e algumas

notas no registro agudo, como mostra a figura 37.

Figura 37: Exemplo de polifonia virtual, por Leonardo Martinelli.

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No quarto encontro49 foi trabalhado a introdução da obra O Chamado do Anjo. No

dia anterior ao encontro o compositor enviou, via e-mail, o esboço da introdução para que o

intérprete pudesse averiguar e trazer questões pertinentes para o trabalho de interação.

Martinelli deu inicio ao encontro justificando o processo composicional do trecho,

afirmando que muitos dos elementos trabalhados na introdução foram reativos ao encontro

anterior. Embora a mudança da ordem de criação da obra (antes trompete solista e orquestra, e

agora trompete solo e posteriormente orquestra) tenha também influenciado no processo, as

ideias musicais se mantiveram.

O primeiro ponto exposto por Leonardo foi a definição da Entidade Harmônica. A

principio, a Entidade teria seis notas, sendo essas definidas após exploração ao piano pelo

compositor. Martinelli afirmou que a elaboração de tal material se fundamentou tão somente

na audição das notas, do resultado sonoro da combinação das alturas tocadas ao piano. Seriam

essas as únicas notas a serem trabalhadas ao longo da música, em diferentes alturas. Essa

proposta surgiu da proximidade de Martinelli com o compositor Olivier Toni (1926-2017) nos

seus últimos cinco anos de vida. De acordo com Martinelli, Toni trabalhava desta maneira,

pois utilizava um número restrito de notas durante uma composição, assim como o

compositor Anton Webern (1883-1945).

Entretanto, após realizar mais experimentações na série de notas para essa obra,

Martinelli acabou adicionando duas outras alturas à Entidade, resultando em uma estrutura

com oito notas, conforme exposto anteriormente. O compositor apontou que quando há a

definição de um material harmônico (seja entidade ou acorde) em suas composições, não é

costume repetir uma nota em um outro registro, ou seja, todas as notas da Entidade Anjo (em

posição fundamental, por assim dizer) não possuem repetições. Sendo o material harmônico

formado por um grupo de oito notas (Figura 38, na cor verde), tem-se a possibilidade de

trabalhar com uma escala no âmbito de uma oitava (Figura 38, na cor azul), tendo em vista

que as notas da Entidade não se repetem, apresentando as oito notas em diferentes registros. A

proposta de não repetir alturas na Entidade se atém a elaboração do material principal, sendo

o desenvolvimento melódico a ampliação da Entidade Anjo através da execução em outros

registros.

49: Encontro ocorrido no dia 04/05/2017.

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Figura 38: Entidade Harmônica com oito notas e sua respectiva escala, por Leonardo Martinelli50

O trompete, por se tratar de um instrumento monódico, não há a possibilidade de

se executar a Entidade de maneira sincrônica, ou seja, harmônica. Para que fossem

enfatizadas as notas da Entidade no seu registro original, optou-se por se utilizar dos trêmulos

de válvula51 (ou notas repetidas, articuladas, em casos onde não é possível realizar o trêmulo)

com base na tabela fornecida pelo intérprete ao compositor (cf. anexo 9). Também foram

utilizadas notas longas com alterações de dinâmica para enfatizar notas da Entidade Anjo,

conforme apresentado na figura 39.

Figura 39: Esboço da Introdução, compassos 21-23, por Leonardo Martinelli

Após a explanação sobre o processo composicional empregado na introdução,

deu-se início a primeira leitura da introdução juntamente com o compositor. Martinelli

explicou que as fermatas empregadas nessa obra têm a finalidade de reforçar a ideia de que

não há uma mesura fixa. O intérprete questionou sobre a velocidade das apojaturas do gesto

primordial e Leonardo, por sua vez, respondeu que a ideia é fazer o mais rápido possível. O

gesto foi apresentado ligado, entretanto, o compositor apresentou a possibilidade de se fazer

articulado, para que haja maior clareza na execução.

50: Em vermelho, as letras D, F e M significam Difícil, Fácil e Médio, tendo relação com a dificuldade deexecução dos trêmulos de válvulas.51: Explicação sobre a notação dos trêmulos de válvulas no parágrafo seguinte.

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Figura 40: Esboço da introdução, compassos 1-5, por Leonardo Martinelli

Figura 41: Esboço da introdução, compassos 12 e 13, por Leonardo Martinelli

Na primeira execução do trecho, com o trompete em Bb, o compositor sentiu falta

de uma nota do gesto primordial (Figura 40, compassos 1 e 4), por conta da ligadura.

Também foi apresentado o procedimento de “erro escrito” (Figura 41, compasso 12), que se

trata de um momento de alteração do gesto primordial. Seria o momento de se alterar o arpejo

inicial, tocando-o de maneira hesitante, e depois o arpejo seguinte com dinâmica mais

elevada. Na continuação do trecho em questão foram notadas quiálteras de cinco notas, com

alturas iguais, alternando as hastes para cima e para baixo (Figura 39, compasso 22,

apresentado anteriormente), essa foi a maneira sugerida por Martinelli para se referir ao

trêmulo de válvulas. Houve a preocupação por parte do compositor em saber se esse tipo de

grafia seria suficiente para deixar claro a proposta, não obstante tal explicação esteja presente

na bula da partitura que acompanhará a obra na versão final. Sobre os trêmulos de válvulas

que por ventura aparecem na partitura, foi solicitado ao intérprete que realizasse uma sugestão

de dedilhado para execução de cada trecho, com o objetivo de auxiliar outros performers em

suas performances.

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Finalizada a execução da introdução, o intérprete realizou apontamentos sobre as

apojaturas presentes no início da obra. Esse gesto é desenvolvido no início da obra no registro

grave do trompete em Bb com intervalos próximos uns dos outros. Com a proposta de se

executar as apojaturas o mais rápido possível e com as notas ligadas, houve certa dificuldade

em fazer com que soassem definidas todas as notas empregadas no trecho. Se tratava de uma

passagem musical no registro grave do trompete. O compositor concordou com a observações

apresentadas e afirmou que havia imaginado esse tipo de problema, pois afirmou que se fosse

em uma orquestração, escreveria esse trecho para uma trompa ao invés de trompete.

Martinelli propôs a utilização de um outro instrumento, no qual possuísse um timbre diferente

no registro grave, apresentando como sugestão o Cornet. Entretanto, o pesquisador sugeriu a

utilização do Flugelhorn, por possuir o registro grave mais encorpado em relação ao trompete.

O compositor optou por fazer testes com o Flugelhorn antes de definir de fato a sua utilização.

Figura 42: Foto do Trompete Bb utilizado pelo intérprete. Acervo pessoal.

Figura 43: Exemplo de Flugelhorn sugerido na introdução da obra O Chamado do Anjo52

52: Disponível em: https://br.yamaha.com/pt/products/musical_instruments/winds/flugelhorns/yfh-631g/index.html. Acesso em 18/06/2017.

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Em uma segunda leitura da introdução, ainda com o trompete em Bb, Martinelli

pediu para o intérprete executar o trecho todo com uma métrica mais rígida, para acertar

questões como as diferenças entre as quiálteras utilizadas e as fermatas de menor e maior

duração. Ainda neste encontro foi alterada uma ligadura no 4º sistema, último compasso, a

pedido do compositor, pois a intenção era fazer com que a última nota antes da fermata fosse

articulada, conforme ilustrado na figura 44:

Figura 44: Esboço da Introdução, compassos 9-1, por Leonardo Martinelli. Em vermelho, a nota Lá bemol teve afinalização da ligadura transferida para a nota anterior

Ao término da segunda leitura da introdução, o compositor afirmou que o timbre

do trompete Bb não o agradava, pois, o trecho foi escrito quase que exclusivamente no

registro grave do instrumento. A terceira leitura da introdução foi feita com o Flugelhorn e

teve os resultados sonoros que agradaram o compositor e intérprete, por conta do registro

grave mais encorpado do instrumento utilizado. Além da mudança de instrumento, duas

questões sobre o gesto primordial foram trabalhadas ainda nesse encontro. A primeira foi a

execução do gesto inicial ser tocado sem ligadura, o que trouxe maior definição das notas. A

segunda foi sobre o apoio empregado nas apojaturas por parte do intérprete. Tal prática se

justifica devido a utilização, por parte do pesquisador, dos conceitos de James Morgan

THURMOND (1982) sobre agrupamento de notas (Note Grouping), onde as notas de menor

duração e/ou de caráter anacrúsico são enfatizadas para dar maior movimento e

expressividade na performance. Porém, Martinelli pensou nas apojaturas como algo que não

deveriam ser apoiadas e/ou enfatizadas, e pediu para o intérprete que não o fizesse.

Na quarta leitura da introdução, também com o Flugelhorn, foi pedido para o

intérprete executar o trecho elevando cada nível de dinâmica anotado na partitura (ex: piano

se tornaria mezzo piano; mezzo forte se tornaria forte; etc). O aumento dos níveis de dinâmica

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trouxe resultados satisfatórios. O timbre do Flugelhorn se mostrou mais adequado devido a

região grave trabalhada no início da música, e por conta disso ficou estabelecido que o

instrumento utilizado na introdução seria o Flugelhorn. Portanto, a partir deste ponto, a obra

seria concebida para dois instrumentos (utilizando Flugelhorn e Trompete em Bb).

Finalizadas as leituras da introdução, Martinelli solicitou ao intérprete que

demonstrasse trechos de polifonia virtual ao trompete em Bb, pois o compositor ainda não

tinha certeza da efetividade desse gesto para esta música. Martinelli criou trechos no quadro

negro para que o intérprete pudesse executar gestos referentes a polifonia virtual. O exemplo

criado consistia em um trêmulo de válvula acrescido de notas com dinâmica forte, conforme

apresentado na figura 45.

Figura 45: Foto do exemplo criado no quadro negro por Leonardo Martinelli. Acervo pessoal.

No quinto encontro53 foi a presentada a primeira versão da obra completa. Esse

encontro consistiu de um ensaio seguido de uma explanação acerca do trecho posterior a

introdução da obra. A primeira versão da obra finalizada foi enviada ao intérprete via e-mail

três dias antes do encontro.

De início, foram apresentados alguns apontamentos do intérprete em relação a

primeira versão final da obra (cf. anexo 13). A primeira questão foi sobre as diferentes

fermatas existentes. Em encontros anteriores, Martinelli havia dito que elas tinham o objetivo

de reforçar a ideia de que não há mesura, em se tratando da introdução da obra. A resposta do

compositor foi que essa questão ainda é uma dúvida, mas que a peça foi concebida com um

segundo instrumento pressuposto, o espaço, local da performance. O compositor afirmou que

o espaço utilizado é determinante na construção da performance dessa obra. Acerca das

fermatas, sua duração não foi pensada de maneira métrica estrita, mas sim vinculada à questão

do espaço utilizado. A utilização de diferentes indicações de fermata (fermata arredondada

53: Encontro ocorrido no dia 01/06/2017.

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mais curta, fermata quadrada mais longa) (Figura 46) no decorrer da peça tem como objetivo

deixar claro que não se trata de uma utilização tradicional, que efetivamente não há um

padrão de duração, tudo depende de como o local da performance responde à execução da

obra. Entretanto, no caso de uma performance onde o local não oferece algum tipo de

reverberação, fica estabelecido que a fermata arredondada é mais curta em relação a

quadrada.

Figura 46: Esboço da Introdução, compassos 21-23, por Leonardo Martinelli. Utilização de fermatas diferentes(em azul)

A segunda questão foi sobre a exposição da Entidade Anjo por completo no

momento ápice da tessitura. A Entidade é precedida por uma nota Sol no quarto espaço

suplementar inferior do Trompete Bb, com duração longa e com fermata, sem intervalo para

respiração até a nota mais aguda. Desta forma a execução do trecho poderia ficar

comprometida tendo em vista o tamanho do trecho e também pelo fato de utilizar

praticamente toda a extensão do instrumento. A sugestão oferecida foi de colocar uma

respiração antes do início da Entidade, o que agradou o compositor, pois, com isso, garantiria

a exposição da Entidade Anjo por completo.

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Figura 47: Entidade Anjo apresentada por completo (em verde). Compassos 74-81 da Versão 1, por LeonardoMartinelli

Na figura 47, em verde, encontra-se a Entidade Anjo por completo. Em vermelho,

a sugestão de respiração oferecida pelo intérprete. Após as questões expostas pelo

pesquisador, o encontro seguiu com um ensaio da obra completa. Após a primeira leitura da

introdução, Martinelli solicitou uma segunda performance com andamento mais lento, com

semínima a 50bpm (antes executado com semínima a 60bpm). Também foi pedido que as

diferenças de dinâmica fossem mais explícitas. Realizada a segunda performance do trecho, o

compositor apontou que os trêmulos de válvula dos compassos 17 e 18 não o agradava. Desta

forma, foi solicitado ao intérprete substituir (Figura 48) os trêmulos por notas simplesmente

articuladas e trocar a quiáltera de cinco notas por uma de seis notas, o que trouxe resultados

mais satisfatórios.

Figura 48: Substituição sugerida por Martinelli, tocada ao Flugelhorn

Martinelli também sentiu a necessidade de definir os diferentes tipos de respiração

(Figura 49), definindo-os como non obligato (somente o sinal “,”), obligato curto (uma

fermata arredondada com o sinal “,”) e obligato longo (uma fermata quadrada com o sinal

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“,”). Com isso foi possível sustentar a ideia musical desses trechos sem que o ato de respirar

atrapalhasse a interpretação de cada trecho.

Figura 49: Foto da proposta de diferentes de respiração estipulada por Leonardo Martinelli. Acervo pessoal.

Após a interpretação da introdução da obra, foi executada pela primeira vez o

Allegro, trecho posterior à introdução, tocado ao Trompete Bb. Finalizada a performance do

trecho, Martinelli afirmou que pretendia ampliar as seções presentes no Allegro, por conta do

tempo utilizado em cada uma delas. A partir do compasso 66 da versão 1, Martinelli afirmou

que tinha intenção de utilizar o Trompete Piccolo no trecho, mas se deu conta, após a

performance, que no Trompete Bb esse fragmento da obra soou muito bem, o que o levou a

desistir da ideia de incluir um terceiro instrumento na obra (Figura 50).

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Figura 50: Compassos 66-78 da versão 1, por Leonardo Martinelli

Seguindo com mais uma outra leitura do trecho Allegro, o compositor incluiu

algumas barras de repetição somente para simular uma performance mais longa de algumas

seções. A ideia não seria simplesmente colocar barras de repetições, mas sim proporcionar ao

intérprete uma ideia da proporção que a peça tomaria com a ampliação de alguns trechos. A

primeira barra de repetição foi colocada entre os compassos 36-43 da versão 1 (Figura 51); a

segunda, entre os compassos 46-51 (Figura 52); e a terceira entre os compassos 59-66 (Figura

53).

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Figura 51: Compassos: 34-43 da versão 1, por Leonardo Martinelli. Repetição entre os compassos 36-43.

Figura 52: Compassos 44-53 da versão 1, por Leonardo Martinelli. Repetição entre os compassos 46-51.

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Figura 53: Compassos 58-69 da versão 1, por Leonardo Martinelli. Repetição entre os compassos 59-66.

Na quinta leitura do trecho foi trabalhada a apojatura e o trêmulo de válvulas dos

compassos 18-19 da quarta página, pois o compositor pediu para o intérprete não enfatizar

demais a apojatura, mas sim o trêmulo. No mesmo trecho, também foi pedido para aumentar a

dinâmica do início da nota, e diminuir mais o volume ao final. Foi questionado pelo

compositor se seria possível remover o trêmulo do final da nota, alterando-o para uma nota

longa sem esse trêmulo. O intérprete afirmou que era possível tocá-lo sem dificuldades, o que

foi adicionado ao trecho um compasso a mais para a finalização da nota sem o trêmulo. Ainda

nesse trecho, a respeito da digitação do trêmulo, foi pedido também que a nota finalizasse em

sua posição alternativa, porém sem corrigir eventuais alterações de afinação, pois essa

diferença decorrente da execução com outra digitação agradava o compositor. Na figura 54

em azul encontra-se trecho referido, onde foi pedido para enfatizar o trêmulo de válvula ao

invés da apojatura, bem como o compasso adicionado (em vermelho) para a finalização sem o

trêmulo e com posição alternativa.

Figura 54: Esboço do Allegro, compassos 85-91, por Leonardo Martinelli.

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Após o ensaio realizado no quinto encontro, Leonardo Martinelli explicou como

procedeu na escrita do trecho Allegro da obra. A proposta foi “passear” pelo material

harmônico gerado pela Entidade Anjo de maneira direcional, orgânica, por assim dizer, que

começasse no registro grave, culminando no extremo agudo do instrumento e retornando ao

registro grave. Se tratando do Allegro, existe uma primeira seção54 onde somente estão

presentes as alturas entre a primeira e a terceira nota da Entidade Anjo (Figura 55, em

vermelho). Na segunda seção55 as alturas utilizadas estão entre a terceira e a quinta nota da

Entidade (Figura 55, em azul). Na segunda seção também ocorre mudanças de caráter rítmico.

Para o trabalho com a terceira seção56 houve um cruzamento do material harmônico, pois

foram utilizadas as alturas presentes entre a quarta e a sexta notas da Entidade (Figura 55, em

verde). O momento ápice da tessitura do instrumento é apresentado na quarta seção57, onde,

ao final do trecho, a Entidade Anjo é apresentada pela primeira e única vez de maneira

completa e sem mudanças de registro em suas notas (compassos 79-81 da versão 1).

Finalizada a quarta seção, há início o “caminho de volta”, onde a música percorre do registro

agudo para o grave, utilizando somente as notas da Entidade em seus registros originais. O

trecho ocorre entre os compassos 82-101 da versão 1. A utilização do Flugelhorn é retomada

no compasso 94.

Figura 55: Notas da Entidade Anjo, por Leonardo Martinelli58

Uma segunda versão da obra foi enviada ao intérprete via e-mail no dia

06/06/2017, com as alterações, conforme interação ocorrida no encontro do dia 01/06/2017.

As dinâmicas do início da obra foram elevadas para obter maior contraste no gesto

54: Entre os compassos 36-45 (Versão 1).55: Entre os compassos 46-58 (Versão 1).56: Entre os compassos 59-66 (Versão 1).57: Entre os compassos 67-81 (Versão 1).58: Alturas dispostas com base na notação para Trompete Bb, na clave de sol, conforme figura 34.

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primordial, e também o andamento foi diminuído (Figura 56). Também foram substituídas as

quiálteras dos compassos 17-18, decorrente do resultado satisfatório resultante da

demonstração do intérprete para o compositor, conforme citado anteriormente (Figura 57).

Figura 56: Compassos 1-3 da versão 2, por Leonardo Martinelli

Figura 57: Compassos 15-18 da versão 2, por Leonardo Martinelli

O Allegro teve suas seções ampliadas, porém não através de ritornelli, e sim com

o desenvolvimento dos elementos baseados no material harmônico particular de cada trecho,

conforme citado anteriormente. A primeira seção do Allegro, antes com 10 compassos, foi

apresentada com um total de 20 compassos. A segunda seção foi exposta com 17 compassos

ante 13 da versão 1. A terceira seção por sua vez apresentou-se com 12 compassos, ou seja,

com 4 compassos a mais em relação a versão anterior. Na quarta seção, onde está localizado o

momento de maior tessitura da obra, foi apresentada com 20 compassos ante 15 da versão que

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a precedeu (cf. versão 2 em anexo 14). O trecho final, posterior à quarta seção da obra, teve

somente a adição de um compasso (116), sendo que, esta inserção já havia sido definida no

encontro do dia 01/06/2017.

A segunda versão conta também com a modificação da maneira como a Entidade

Anjo é apresentada melodicamente de forma integral. A resolução do problema exposto pelo

intérprete, que consistia da falta de um local onde fosse possível realizar uma respiração para

executar o trecho, foi resolvida com a inserção de uma marcação de respiração obligato longo

no início do compasso 106, conforme apresentado na figura 58. Outra modificação foi a

inclusão do compasso 116, a nota longa sem o trêmulo de válvula finalizando com posição

alternativa (Figura 59), fruto de testes realizados no encontro do dia 01/06/2017.

Figura 58: Compassos 104-108 da versão 2, por Leonardo Martinelli. Entidade Anjo apresentadamelodicamente.

Figura 59: Compassos 113-116 da versão 2, por Leonardo Martinelli

No sexto encontro59 foi realizado um ensaio da versão 2 da obra de Martinelli.

Sobre a ampliação da obra, citada anteriormente, o compositor afirmou que se tratava de um

exemplo concreto da relação ocorrida nos ensaios, pois averiguou-se a necessidade de

59: Encontro ocorrido no dia 22/06/2017.

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aumentar o tamanho de determinadas seções da música. Nesta segunda versão também foram

corrigidos erros de escrita, pois havia tempos incompletos e notas sem hastes, por exemplo.

O ensaio começou com a execução da introdução da obra, tocada ao Flugelhorn,

onde compositor e intérprete sugeriram locais de respiração non obligato, com o objetivo de

proporcionar uma performance mais eficiente. Martinelli colocou respirações nos compassos

2, 13, 18 e 28, sendo todas elas antes da apojatura. Na figura 60 pode-se observar as

marcações realizadas nos compassos 13 e 18:

Figura 60: Compassos 12-18 da Versão 2, por Leonardo Martinelli

Por sua vez, o intérprete apontou sobre a possibilidade da inserção de pontos de

respiração nos compassos 9, 20 e 27. Com a inclusão dos pontos de respiração, observou-se

que a execução do gesto primordial, que permeia grande parte da introdução, ficou mais

estável. Na figura 61 é possível verificar as marcações propostas pelo performer nos

compassos 20 e 27:

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Figura 61: Compassos 19-27 da Versão 2, por Leonardo Martinelli

O encontro prosseguiu com a execução do Allegro, tocado ao Trompete Bb, onde

o performer sugeriu mudanças em algumas respirações non obligato propostas por Martinelli.

O ponto de respiração do compasso 47 foi deslocado para o 48 após a nota Fá (Figura 62, em

vermelho); A respiração do compasso 48 foi excluída (Figura 62, em azul), e no compasso 49,

a marcação foi descolada para a nota imediatamente anterior, a nota Sol (Figura 62, em

verde). As sugestões foram incorporadas na versão 2, após testes realizados juntamente com o

compositor.

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Figura 62: Compassos 45-50 da Versão 2, por Leonardo Martinelli

As dinâmicas dos crescendi presentes entre os compassos 40-53 foram alteradas,

com o objetivo de tornar o gesto mais claro, após feitos alguns testes. Onde estava notado

mezzo forte foi modificado para piano, e o forte ao final do crescendo foi mantido (Figura 62,

compassos 45-46, por exemplo). Em resposta a pergunta feita pelo compositor acerca das

mudanças ocorridas com relação às dinâmicas, o intérprete constatou que a alteração trouxe

maior compreensão sobre como executar o gesto.

Nos compassos 54-55, foi excluído a marcação poco rall (Figura 63, compasso

55), para que a performance aconteça a tempo. Também foi modificado o tipo de respiração

no local, de obligato curto para obligato longo (Figura 63, compasso 55).

Figura 63: Compassos 54-56 da Versão 2, por Leonardo Martinelli

O compositor fez um questionamento sobre a execução das colcheias pontuadas

presentes entre os compassos 56-67, que devem ser executadas em seu valor integral. Optou-

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se por colocar a marcação de tenuto nas colcheias pontuadas, para evitar que a performance se

mostre diferente do proposto (Figura 64, compassos 57, 59-60 e 62-64).

Figura 64: Compassos 57-64 da Versão 2, por Leonardo Martinelli

Após colocadas as marcações de tenuto, o intérprete apontou a necessidade de se

repensar os pontos de respiração do trecho em questão, inserindo respirações non obligato nos

compassos 58 e 61 (Figura 64).

Na continuação do ensaio do dia 22/06/2017, entre os compassos 72-76, as

mudanças envolvem a adição de vibrato nos compassos 73 e 74 (Figura 65), e a troca do

decrescendo e crescendo do compasso 75 para um sforzando piano crescendo (Figura 65).

Outra particularidade do trecho é a sugestão do dedilhado do trêmulo de válvula do compasso

76, proposto pelo intérprete. Neste caso, para uma execução mais eficiente, optou-se por

passar o indicador da mão esquerda por cima do tubo da campana do trompete, para que a

posição alternativa da nota Lá (terceira válvula) fosse executada com a mão esquerda,

enquanto a posição fundamental (primeira e segunda válvulas) fosse tocada com a mão direita

(Figura 66).

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Figura 65: Compassos 69-77 da Versão 2, por Leonardo Martinelli

Figura 66: Foto com a demonstração da sugestão de execução do trêmulo do compasso 76. Acervo pessoal.

O encontro seguiu com a sugestão por parte do intérprete da inclusão de uma

respiração obligato longo no compasso 88, substituindo a do tipo obligato curto presente. A

justificativa foi a de que se trata de um trecho que exige mais energia do performer, portanto,

uma respiração mais demorada, pode tornar a execução do trecho mais confortável. No trecho

posterior, entre os compassos 89-102, o intérprete tocou de duas formas para que o

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compositor escolhesse o resultado que mais lhe agradaria. A primeira consistia na execução

das colcheias no seu valor integral, como se houvesse uma marcação de tenuto, enquanto a

segunda versava sobre a performance onde as colcheias seriam levemente encurtadas. De

acordo com Martinelli, devido a velocidade do trecho, as resultantes sonoras não eram tão

diferentes, mas que lhe agradara mais a forma mais longa das colcheias. Tendo definido a

maneira de execução do trecho, o intérprete sugeriu a colocação de sinais de tenuto nas

colcheias, pois se trata de um hábito comum encurtá-las (Figura 67).

Figura 67: Compassos 88-95 da Versão 2, por Leonardo Martinelli

Ao final do ensaio, Martinelli modificou o decrescendo dos compassos 114-116,

fazendo com que o efeito cessasse no final do compasso 115 em piano, e a nota longa do

compasso 116 fosse executada de maneira estática, ou seja, sem crescendo ou decrescendo,

conforme apresentado na figura 68.

Figura 68: Compassos 113-120 da Versão 2, por Leonardo Martinelli

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Por fim, a relação compositor/intérprete ocorrida na criação da obra O Chamado

do Anjo partiu do convite do pesquisador para a composição de uma peça para trompete,

passou pela elaboração do material musical e também pelos testes de trechos criados pelo

compositor, até chegar na preparação da performance. Em todos os diferentes momentos

desta relação, compositor e intérprete dialogaram para obter resultados que agradassem a

ambos, sendo a temática sugerida por Leonardo Martinelli, onde há uma continuidade da

temática relacionada a personagem do Anjo Azraeel, o que acabou por finalizar a “Trilogia”

dessa obra. Na elaboração do material, grande parte das ideias musicais surgiram de maneira

reativa à demonstração de elementos por parte do performer e após esboçadas as ideias

musicais no papel, o intérprete colaborou testando-as e apontando possíveis alterações, o que

acabou por suscitar no compositor novas ideias. Também ocorreu a inserção de um novo

instrumento, o Flugelhorn, após realizados os testes e por fim, a preparação da performance, a

qual definiu uma metodologia interpretativa específica, extraída dos encontros ocorridos para

a criação da obra.

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Considerações finais

O ponto de partida da presente pesquisa foi buscar informações sobre a relação

compositor/intérprete no decorrer da história da música, verificando a mudança da maneira

como a sociedade musical, por assim dizer, tratava o intérprete até meados do século XX.

Embora haja informações antigas acerca do contato existente entre compositores e intérpretes,

documentações consistentes sobre a importância da prática colaborativa começaram a

aparecer somente no século XX. Com isso, pode-se presumir que a questão da relação

compositor/intérprete não é um fato novo, e sim emergente no cenário acadêmico/musical.

A busca por informações históricas sobre a prática colaborativa serviu de base

para a confecção dos questionários utilizados na pesquisa, com o objetivo de coletar

informações sobre a relação compositor/intérprete em obras para trompete solo/solista no

estado de SP. Tendo em mãos as respostas dos questionários, obteve-se um levantamento

atualizado de obras paulistas para trompete solo/solista, bem como informações técnicas sobre

interações ocorridas em algumas obras relacionadas aos compositores participantes do

levantamento de dados. Obteve-se com isso informações que nortearam a prática colaborativa

com Leonardo Martinelli, com a utilização de elementos expostos pelos participantes dos

questionários e também outros que surgiram dadas as necessidades específicas do processo

composicional da obra O Chamado do Anjo. A utilização dos questionários para a coleta de

dados se mostrou eficiente, pois gerou dados pertinentes para o andamento da pesquisa bem

como suscitou novos elementos na prática colaborativa, conforme dito anteriormente.

De um modo geral, os dados obtidos na presente pesquisa oferecem indícios para

que se confirme a importância do intérprete na música, bem como fomenta a participação do

mesmo no processo composicional de uma obra qualquer. Observou-se que, independente da

forma como ocorreu a relação compositor/intérprete, os elementos apontados pelos intérpretes

foram incorporados posteriormente pelos compositores, validando a visão do intérprete frente

aos elementos a ele apresentados. Ademais, há um consenso de que é necessário o momento

da performance para que a música aconteça, como afirma Domenici.

No estudo de caso da obra de Martinelli conclui-se que a presença do intérprete no

processo composicional foi essencial para a elaboração dos materiais musicais trabalhados ao

longo da peça, e também no teste dos mesmos, proporcionando ao compositor a

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materialização de seus esboços através do som do trompete/flugelhorn. Na preparação da

performance, que também contou com a participação do compositor, houve a necessidade de

se fazer mudanças, sobretudo nas marcações de respiração. Fatos como esse sustentam a ideia

de que a partitura, a grafia musical, não dispõe de elementos suficientes para contemplar toda

a informações decorrentes de uma performance, o que torna as duas atividades – criação e

prática – inteiramente ligadas uma na outra.

A presente pesquisa apresentou os seguintes produtos: relatos de interação de

compositores e trompetistas nacionais e internacionais; registro das entrevistas com

compositores e intérpretes; levantamento atualizado de obras paulistas para trompete

solo/solista; diário de bordo de interação da obra de Martinelli; e uma nova obra paulista para

trompete/flugelhorn solo, bem como sua gravação.

As pesquisas nacionais envolvendo instrumento de metal, até onde foi possível

verificar, não abordaram a temática da prática colaborativa em textos acadêmicos, fazendo

com que essa dissertação contribua para a o enriquecimento das pesquisas acerca dos

instrumentos de metal. Porém, acredita-se que os apontamentos históricos possam contribuir

não são para trompetistas, mas para a comunidade musical como um todo, pois apresentam

informações gerais sobre o papel do intérprete em diferentes contextos históricos. Os dados

obtidos apresentam materiais em potencial para pesquisas futuras, como por exemplo o

conteúdo das entrevistas, que pode vir a ser analisado para eventuais comparações com o

enfoque na maneira como diferentes compositores e intérpretes tratam a questão da prática

colaborativa na música.

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de Azevedo. Campinas, 2016.

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Santos de Azevedo. Via e-mail, 2016.

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Entrevistador: Pedro Santos de Azevedo. São Paulo, 2016.

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Acesso em: 04/07/2017.

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Anexo 1 – Questionário 1 no formato .docx

Questionário sobre composições para trompete solo

Este questionário tem o intuito de obter informações que possam auxiliar nodesenvolvimento da pesquisa de mestrado de Pedro Santos de Azevedo, aluno regular doPrograma de Pós-Graduação do Instituto de Artes da Universidade Estadual deCampinas (IA-UNICAMP), área de concentração - Práticas Interpretativas – sob aorientação do Prof. Dr. Paulo Adriano Ronqui.

O objetivo desta pesquisa é expor as relações entre compositores e intérpretes(trompetistas) dentro do Estado de São Paulo, visando ampliar a percepção de ambos noprocesso criativo de uma obra específica.

1. Você possui alguma composição para trompete solo e/ou solista?(Se aplicam obras escritas para trompete solo, solo acompanhado de umgrupo específico ou então uma obra onde o trompete esteja em evidência naorquestração)

__________________________________________________________________________________________________________________

2. Se sim, quantas peças possui?

__________________________________________________________________________________________________________________

3. Em alguma das composições houve a colaboração do(s) intérprete(s)?(Em caso de resposta positiva, entraremos em contato futuramente)_____________________________________________________________________

___________________________________________________________

4. Se possível, indique outros compositores paulistas que possuam obras paratrompete solo.____________________________________________________________________________________________________________________

5. Você nasceu no Estado de São Paulo?____________________________________________________________________________________________________________________

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Desde já agradeço a sua participação. Por favor não deixe de indicar outros

compositores, para enriquecer ainda mais os dados da pesquisa. Sua participação é muito

importante, obrigado mais uma vez.

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Anexo 2 – Questionário 1 no formato Google Forms

09/06/2016 Questionário sobre Composições para Trompete Solo

https://docs.google.com/forms/d/19Ci6xVejbbFXmC0zixGfVEMlL8taooz9qAcfOSSrRbs/viewform 1/2

Questionário sobre Composiçõespara Trompete Solo

Este questionário tem o intuito de obter informações que possam auxiliar no desenvolvimento da pesquisa de mestrado de Pedro Santos de Azevedo, aluno regular do Programa de Pós-Graduação do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas (IA-UNICAMP), área de concentração - Práticas Interpretativas – sob a orientação do Prof. Dr. Paulo Adriano Ronqui.

O objetivo desta pesquisa é expor as relações entre compositores e intérpretes (trompetistas) dentro do Estado de São Paulo, visando ampliar a percepção de ambos no processo criativo de uma obra especí ca.

Sim

Não

Sim

Não

1. Você possui alguma composição para trompete solo e/ousolista?(Se aplicam obras escritas para trompete solo, solo acompanhado de um grupo especí coou então uma obra onde o trompete esteja em evidência na orquestração)

2. Se sim, quantas peças possui?

Sua resposta

3. Em alguma das composições houve a colaboração do(s)intérprete(s)?(Em caso de resposta positiva, entraremos em contato futuramente. Por favor, responda aoemail enviado)

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Anexo 3 – Questionário 2 (para compositores e/ou intérpretes que criaram uma ou mais

obras de maneira colaborativa)

Questionário Nº 2

Nome:

Geral(para compositores e intérpretes)

1. Cite qual(is) a(s) obra(s) que realizou uma cooperação entre compositor e intérprete.

2. Quando e como houve o contato com o(s) compositor(es) ou intérprete(s).

3. Quais os frutos dessa relação?

Intérprete(somente para intérpretes)

4. Houve colaboração no processo composicional?

Se sim, quais foram os aspectos trabalhados?

5. Foram trabalhadas questões técnicas do instrumento? Quais?

6. Foram trabalhadas questões interpretativas, como por exemplo o fraseado, dentre

outras?

7. Foram apresentadas ao compositor técnicas estendidas diversas, surdinas e outros

acessórios? Especifique.

8. Quais os elementos que considera importantes para realizar a(s) interpretação(ões)

da(s) obra(s) que atuou como colaborador na composição?

Compositor(somente para compositores)

9. Qual foi sua primeira experiência na escrita para trompete?

10. Na ocasião da primeira experiência, quais eram as informações que você conhecia

acerca da escrita para trompete?

11. Cite, de acordo com sua experiência, aspectos idiomáticos da escrita para trompete.

Quais os elementos que considera importante para realizar a(s) interpretação(ões) de sua(s)

obra(s)?

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Anexo 4 – Entrevista com o compositor Raul do Valle

ENTREVISTA – RAUL DO VALLE

Relação compositor/intérprete na obra Sapucaia (2012)

A presente entrevista, realizada na residência do compositor em abril de 2016, foi precedida

por uma conversa entre o trompetista Paulo Ronqui e o compositor Raul do Valle,

objetivando dar início ao processo composicional de uma nova obra para trompete e

orquestra, momento esse chamado pelo compositor de “Atelier Musical”

Raul do Valle: O que você precisa saber?

Pedro Azevedo: Interessa saber do contato, do que o Sr. chama de Atelier.

Raul: Você já participou do que nós conversamos aqui. Por exemplo, ele (Paulo Ronqui) deu

uma ideia de uma estética religiosa, pois pouca gente escreve dessa forma atualmente. E ao

olhar para a Sapucaia, que é meio buliçosa, eu pensei, eu já tinha falado para o Paulinho,

podíamos a partir daí fazer com que ela seja um trecho, uma cadência dessa nova obra. Ela

soa bem sozinha, eu achei que ela soa bem sozinha. Principalmente ele tocando, ele tira

diversos efeitos, projeta bem. E depois também, para poder usar o trompete mais

virtuosístico, porque não, o [caráter] religioso pode começar, o religioso é um pretexto,

ideias do religioso passam a ser virtuosístico... é assim que constrói. Agora, o que vamos

escrever, ninguém sabe. Eu não sei ainda. O compositor busca ideias.

Pedro: Na verdade, esse roteiro (entrevista) está mais voltado para essa peça, Sapucaia. Pois

já está concluída, já foi tocada. Sobre essa peça nova, seria mais para eu entender como

funciona esse processo colaborativo. Então, acredito que as informações dessa nova

composição entrem no trabalho somente depois de pronta mesmo.

Raul: Ele (Paulo) fez uma pergunta que o meu grande amigo Roberto Duarte, regente, me

fez. O Roberto me telefona e diz assim: “Oi companheiro, tudo bem? ” Eu disse tudo bem. Eu

nunca fico online no facebook, eu não gosto. E ele me chamou dizendo:

“Olha, você já escreveu aquela abertura?”

Eu disse: “que abertura?”

“Aquela abertura que você me prometeu.”

Eu disse: “não”, e ele:

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“Pois então escreva, porque hoje eu tenho que dar resposta para o fulano de tal, (citou até

quem era da orquestra) e o programa de maio, no dia 08 de maio eu vou tocar, já coloquei a

sua peça no programa (isso era em começo de fevereiro). Qual é o nome dela?”

Eu disse: “mas eu não fiz nada!”

“Eu estou aqui na Alemanha, e por sorte eu trouxe a minha copista.”

Ele tem editora de partitura. Foi ele, a Dalva, mulher dele e a copista. Daí ele disse assim

“Se você não escreveu, escreva. Amanhã você já me manda a primeira página. A Nara

(copista) já passa a limpo, devolve para você e você vai burilando.”

Eu disse: “eu nem sei o que escrever...” e ele:

“Faz o que você quiser.”

Aí vieram umas ideias de fazer danças brasileiras, pois não tem tanta dança brasileira

registrada, né?! Ele disse “ótima ideia, pode fazer, manda aí.”

Eu disse: “vou fazer coisas do nordeste, do sul, de São Paulo, etc...” e ele:

“Pode fazer, manda. Uma página por dia, no mínimo, ein?!”

E eu comecei a escrever feito doido. Mandava, ela digitalizava com facilidade, e eu já

recebia digitalizada, era mais fácil de conferir, mudar e tal. Foi assim que foi encomendada

a peça. E eu perguntei até quando preciso entregar a peça? E o Roberto: “até 3 de março no

máximo. Esse ano você vai ter chance, porque é ano bissexto (ano de 2008), você vai ter um

dia a mais para trabalhar!” Ele falou assim, brincando, gozando. Ele continuou: “Dia 3 de

março eu vou para o Brasil e eu quero essa peça pronta”. E ela ficou pronta lá pelo dia 10

de março. A estreia foi em maio.

A mesma coisa aconteceu com o Paulinho. Ele disse: “Você não me prometeu escrever

alguma coisa? Se você fizer eu vou estrear na França. Eu vou para a França daqui 15 dias”.

E eu disse: “Então vem aqui e a gente vê”. Em dois encontros saiu a Sapucaia. Eu sou assim,

eu trabalho mais ou menos sob pressão. Foi ótimo, porque fez, tocou, estudou, gravou.

Pronto, tá feito. Nós não fizemos nenhuma modificação, né Paulinho? Na hora de fazer a

partitura mudou uma vírgula aqui, uma respiração ali, entendeu? Eu acho que é

espontaneidade, e o comum acordo, da gente entender o caráter, não só do músico, como o

caráter que ele, com a capacidade que ele tem como profissional, de imprimir na música.

Aqui, se você olhar, cada linha tem um caráter, coisas que se juntam e forma uma linha.

Camargo Guarnieri sempre dizia que tudo tem que ser uma espécie de uma linha. Você pega

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o novelo e vai puxando, vai puxando. Aqui tem isso, aqui tem aquilo, mas tem que ter uma

coerência que permita que você mude, sem ser uma coisa estranha, coisas parentadas.

Pedro: Cite qual(is) a(s) obra(s) que realizou uma cooperação entre compositor e intérprete.

Raul: Para trompete acho que é só essa (Sapucaia).

Pedro: Qual foi sua primeira experiência na escrita para trompete?

Raul: Para trompete solo, na peça Coral e Fanfarra (para metais e percussão), foi a

primeira vez que eu usei trompete com surdina, fazendo uma espécie de um coral. Eu gostei

demais. Usei na peça Rabiscaduras, sempre gostei muito de trompete. Trompete para nós,

quando criança, que tocava na banda, o trompete não tocava pianíssimo, era gritado.

Quando entrava um trompetista era para solar, era banda de música. E não tinha orquestra

na minha cidade. E aí quando eu vim conhecer a música bem trabalhada, digamos assim, é

que eu vi que eu poderia ser mais suave, bonito. Ouvi o Dino Pedini, Gilberto Siqueira,

trompete em D. Quando eu fiz Bleublancrouge já foi pensando em alguém que alcançasse a

nota aguda e saísse bem.

Pedro: Na ocasião da primeira experiência, quais eram as informações que você conhecia

acerca da escrita para trompete?

Raul: Extensão do instrumento, basicamente. [... 52:51] Quando o músico gosta, é meio

caminho andado para o compositor. Porque o Paulinho “tira leite de pedra”. O que era para

ser um simples efeito, o efeito acontece, é suave. Isso depende muito de você fazer o músico

tocar conhecendo, tirando o efeito. Por exemplo flatterzungue, se não forçar é uma coisa, se

forçar é outra, se forçar mais é outra coisa, não é? Então é o trompetista que vai tirar esse

efeito à maneira dele. Cada um vai tirar do seu jeito. Então nessa combinação, ele chega no

ponto que eu gostaria enquanto compositor. E eu chego ao ponto de dizer para ele o que eu

gostaria, com um simples mezzoforte, mezzopiano, uma respirada maior. São detalhes que

tem na música, que na conversa a gente acerta, para os dois lados, para quem toca e para

quem faz a música. Esse entendimento é muito bom. E tem compositor que fala “não, eu

escrevo e o músico que toque!” Ledo engano! Nunca sai o que ele pensou. Eu acho que

nunca! A gente tem que ter humildade. Por melhor compositor que eu pense que eu seja, eu

dependo do intérprete. E se o Paulinho estivesse ficado com raiva de mim? Ele diria: “eu

vou tocar isso porque está no programa, mas ele vai ver o que eu vou fazer”. Nós somos

iguais. Eu sou músico que faço uma coisa, você é músico que faz outra coisa. Na hora de ser

intérprete da minha música, que bom que eu tenho ele do meu lado. Ele vai pensar como eu

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pensei, acertamos aquilo que nós dois achamos que devia acertar, ou seja, ele vai fazer o

melhor. Quem sai ganhando? É o que eu sempre digo, quem vai aparecer são vocês

intérpretes. Quem vai gostar ou não, é de acordo com a interpretação do músico. O

compositor não faz nada sozinho, ele depende do intérprete. Então ele tem que, não cativar o

intérprete, e sim estar em entendimento.

Pedro: Cite, de acordo com sua experiência, aspectos idiomáticos da escrita para trompete.

Raul: Bom, é um instrumento original. É multifacetado, depende de como você quer usar.

Pode ser religioso, pode ser uma pantomina, uma brincadeira.

Pedro: Quais os elementos que considera importante para realizar a(s) interpretação(ões) de

sua(s) obra(s)?

Raul: Eu acho que desse entendimento do instrumentista trabalhando com o compositor, a

obra já sai pronta. De dois encontros saiu a Sapucaia. Ou eu tenho ideias e coloco na

partitura e ele só toca o que eu escrevi. E dessa tentativa e erro pode acontecer de você

colocar algum buscando certo resultado, quando na verdade não dá.

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Anexo 5 – Entrevista com o compositor Nailor Azevedo “Proveta”

ENTREVISTA – NAILOR AZEVEDO “PROVETA”

Relação compositor/intérprete na obra Concertino Forma Choro, para Trompete, Piano

e Orquestra de Câmara

Pedro Azevedo: Qual foi sua primeira experiência na escrita para trompete?

Nailor de Azevedo “Proveta”: A criação dessa peça foi a primeira grande experiência que

eu tive. Foi a convite do Flávio Gabriel. Claro que, como toda primeira experiência, você

corre mais riscos, não é? Mas a gente trabalhou em conjunto. Eu sempre perguntei termos

técnicos do instrumento, pois é um instrumento que tem, hoje em dia, cresceu muito. Hoje em

dia o trompete é um instrumento muito mais bem preparado para concertistas, digamos

assim. Tem caras que fazem coisas incríveis com o trompete. Mas ainda é um instrumento

como qualquer outro, tem limites. Estou querendo dizer no meu próprio instrumento. Por

mais que a gente estude, tenha instrumentos mais afinados, você tem, não limites do próprio

instrumento, mas o ser humano tem que expressar naquele, seja de madeira ou de metal ou o

que for, mas ele tem que expressar uma ideia. E essa ideia para quem houve ela tem que soar

fácil, agradável. Então, nós preparamos com todo cuidado possível essa peça. Sempre nos

encontramos. Ia muito lá na Sala São Paulo e encontrava com a pianista, nós trabalhamos

muito, ela toca na orquestra sinfônica, na OSESP também. E eu acho que, claro que eu

conhecia a extensão, a gente conhece as possibilidades desse instrumento pela própria

história de outras que a gente já ouviu, como o concerto de Haydn para trompete, que já sai

tocando as primeiras notas da escala, como que para mostrar que a partir daquele momento

era possível tocar notas diatônicas no registro mais grave. A história do trompete é

sensacional. E eu quando pensei nessa peça, eu pensei em escrever alguma coisa que fosse a

história justamente da chegada desse instrumento pela Europa, e se encontrando, depois de

atravessar esse mar todo, encontrando o ritmo brasileiro, não é? Alguns trompetistas hoje

tocam esse repertório brasileiro, alguns poucos. Hoje a gente tem o Achiles, que é um

fenômeno no Rio de Janeiro, ele tem 20 e poucos anos e é um grande músico, estuda com

Nailson Simões, então ele tem as duas escolas, fantástico. Ele tem a escola clássica e a

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escola popular. Foram 5, 6 meses preparando essa linguagem, que passo pelo choro, passa

pelo maxixe, passa por uma valsa brasileira, chega no corta-jaca da Chiquinnha Gonzaga,

que são gêneros da música brasileira que são danças europeias que se transformaram aqui.

Então a minha ideia foi colocar o trompete dentro dessa linguagem. A Europa tem essa

escola, essa música instrumental muito bem resolvida, fundamentada. No Brasil ela ajudou

muito na música instrumental brasileira. O que a gente busca é combinar melhor as

possibilidades técnicas dos instrumentos, como o caso do trompete, essas questões da

linguagem da música brasileira. Foi isso que a gente mais buscou nessa peça. Como faz para

resolver essas coisas nesse instrumento tão antigo... tocando e articulando de forma muito já

convencionada. Quando se fala dos acentos, das combinações da linguagem da música

brasileira você fala: “nossa, para onde vai mais isso?” E foi uma coisa realmente muito boa

de ter visto acontecer. Foi uma experiência tremenda, eu adoro escrever para orquestra.

Foram 6 meses de trabalho e dedicação. E o Flávio tocou de uma forma que é difícil de

ouvir, com muita classe, com toda a tradição do instrumento que é europeia e se

aproximando muito bem da linguagem brasileira. É difícil, uma coisa que aconteceu há 200

anos você resolver em 6 meses. Ele fez de forma brilhante.

Pedro: Na ocasião da primeira experiência, quais eram as informações que você conhecia

acerca da escrita para trompete?

Proveta: As informações que a gente tem são sempre tessitura, quantos “dós” poderiam ter

na música e em quais lugares. Ele me mostrou diferentes timbres, efeitos, dinâmicas, eu

fiquei muito impressionado. Na realidade eu nunca tinha visto tal domínio no instrumento,

que é muito difícil. Ele me mostrou muita coisa preciosa. Então, falamos de coisas técnicas

do instrumento, que são coisas que mais ou menos você tem em vista. Mas quando o

intérprete fala das possibilidades dele, você tem uma riqueza maior de como você lidar com

a orquestração daquilo. Como você pode misturar os ingredientes com o sabor que ele tem,

com o sabor da orquestra. Essas eram as informações que eu tinha. E também as

informações que a gente ouve, Alison Balsom, Wynton Marsalis, Maurice André, Pierre

Thibault, Gilberto Siqueira, Fernando Dissenha, dentre outros. E também o Nailson Simões,

que eu acho fabuloso, eu tenho uma admiração muito grande. É um cara que tem o frevo na

veia. É impressionante. O que me chama atenção nesses nomes é que eles gravavam clássico,

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mas também populares. Aqui no Brasil eu nunca vi isso acontecendo. Meu primeiro grande

susto ouvindo um trompetista foi quando, na década de 70, eu ouvi um cara chamado Rafael

Mendez tocando Moto Perpétuo. Então minhas referências eram auditivas. No papel, não dá

para ter muita ideia, tem que ver como os caras fazem.

Pedro: Cite, de acordo com sua experiência, aspectos idiomáticos da escrita para trompete.

Proveta: Idiomático é uma palavra complicada. Está ligada a linguagem, não é? Olha só,

partindo do princípio que você tem válvulas e diferentes chaves de saxofone, clarinete, flauta,

enfim, quando você fala num movimento da coluna de ar existem questões de articulação que

são muito mais fáceis. Quando você faz, por exemplo, escala diatônica no clarinete, não digo

fácil, mas é mais fácil do que no trompete, por exemplo. A questão das inflexões, articulações

da música brasileira, isso para explicar você precisa de um livro para ver qual é a técnica a

ser aplicada e em qual instrumento. E isso no trompete, é como escreve para cordas por

exemplo. Como é que se escreve para esse instrumento? É complicado, por conta da

mecânica do instrumento. A mecânica do trompete é diferente da maioria dos instrumentos.

Os metais, em geral, são complicados. Então você tem que sentar e ver como é que escreve.

Isso foi uma dor de cabeça. E aí, coloco um traço, um ponto, uma ligadura, o que você faz

para fazer isso? Então a expressão idiomática, para mim, significa a linguagem com a qual

você está falando. Se você está tocando um Bach, um Mozart, um Beethoven ou Debussy, ou

se você está tocando Pixinguinha, Jacó, ou você está tocando Frevo, Baião, como se articula

nesse instrumento, como é que se ouve a linguagem que realmente identifica que idioma é

aquele. Aí é a questão de você sentar muito com o músico e ver as possibilidades de

articulação daquele instrumento.

Pedro: Quais os elementos que considera importante para realizar a(s) interpretação(ões) de

sua(s) obra(s)?

Proveta: Olha, primeiramente, você tem que ser um bom instrumentista. Acho que você tem

que ter uma base muito boa, e conhecer muito bem o material que você tem. Você tem que

saber, conhecer esse instrumento de forma muito consciente, como é que ele funciona

mecanicamente, como é que ele soa. Para isso você vai ter que ouvir muitos outros

instrumentistas que tenham resultados que você aprecie. E nisso você vai ter que se abrir

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para vários gêneros de música, como falamos no começo. Você tem que ouvir os melhores de

cada gênero. Você vai precisar estudar um pouco mais do que você tinha imaginado. Estudar

aquelas duas horas para tocar um instrumento bem, isso não funciona. Não é mais o objetivo

da atual realidade. Eu por exemplo estudo, além da técnica, muita articulação. Eu preciso

saber muito como se faz isso. Mas independente disso, eu preciso estudar os métodos

tradicionais, como o Klosé, etc, para manter esse padrão de acabamento. E praticar o

repertório. Três repertórios importantes para se praticar hoje em dia: música clássica,

música popular e jazz. Para ser um bom instrumentista, você tem que abordar muitas outras

linguagens.

Pedro: Quando e como houve o contato com o(s) compositor(es) ou intérprete(s).

Proveta: Foi assim, eu estava tocando no Tom Jazz, com a Banda Mantiqueira, e aquele cara

(Flávio) estava sentado lá. Eu estava tocando, fazendo um solo de clarinete em um choro. E

depois de tocarmos, o Walmir Gil (Trompetista da Mantiqueira) me disse: “você precisa

conhecer esse cara, ele toca muito trompete. Acabou de ganhar um prêmio importante na

Europa!” Aí eu disse ao Flávio: “Parabéns pelo seu prêmio!”

E o Flávio respondeu: “Eu vim aqui para falar com você, preciso conversar com você. Eu

vejo o seu trabalho com música brasileira e eu gostaria de saber como é que você pensa. Eu

quero que você escreva alguma coisa do jeito que você pensa. Eu quero essa virtuose, mas

virtuose brasileira para trompete.”

Então foi assim, a gente escolheu, eu tive que pensar como um clarinetista escrevendo para

trompete. Eu não podia escrever para um trompete como eu conhecia, senão eu ia acabar

escrevendo coisas da referência que eu tenho. Essas coisas melódicas e bonitas, né? Então

eu tinha que escrever uma coisa mais rítmica, como eu gosto de tocar. As melodias muito

mais ritmadas. Foi por esse caminho que nós desenvolvemos.

Pedro: Vocês se encontravam sempre? Toda Semana?

Proveta: Nos encontrávamos sempre para falar desse conceito, como ele tocava, etc. Como

ele se preparava para tocar. Era um preparo muito diferente da música popular, um preparo

de meses. Por isso que foi um crescimento muito bom, porque eu tinha que escrever uma

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música do jeito que eu penso. E eu tinha que entender como é que eu pensava, porque uma

coisa é você tocar, outra coisa é você traduzir o que você pensa, decodificar aquilo ali. É

uma outra história, porque faz parte de uma pesquisa, de um estudo de anos.

Pedro: Quais os frutos dessa relação?

Proveta: A melhora de ambos os lados. O que eu aprendi com o Flávio nesse pouco tempo

que convivemos foi a forma e o cuidado que você tem que cuidar da música, a forma como

você melhora suas expressões. Não só como tocar, mas também como falar, como estamos

fazendo agora. Como é que a gente deixa mais claro as nossas ideias, porque isso é

finalmente o que as pessoas querem saber. Porque tocar pode ser uma coisa virtual, pode ser

uma coisa bonita, mas pode ser inconsciente e até inconsequente. E aí existe um perigo, o de

aquilo não acabar em nada. E isso é tremendamente desgastante, quando chega nesse ponto.

Eu vejo muitos músicos que tocaram bem, que fizeram muitas coisas bem, mas que chegam

em uma certa idade sem essa base, sem esse cuidado que eu vi no Flávio, não só nele, mas é

que ele foi o primeiro que eu vi assim muito de perto.

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Anexo 6 – Entrevista com o trompetista Flávio Gabriel

ENTREVISTA – FLÁVIO GABRIEL

Relação compositor/intérprete na obra Concertino Forma Choro, para Trompete, Piano

e Orquestra de Câmara

Pedro Azevedo: Houve colaboração no processo composicional? Se sim, quais foram os

aspectos trabalhados?

Flávio Gabriel: Sim, houve colaboração. A primeira vez, o Proveta foi na Sala São Paulo e

pediu para eu tocar. Tocar qualquer coisa, e eu toquei o que eu gosto. Toquei Jolivet, toquei

Théo Charlier, concertos que eu gosto, toquei baladas de Tom Jobim, e coisas assim. E fui

tocando. Essa foi a primeira colaboração. Daí, quando a parte ficou pronta eu fui na casa

dele, e ele me mostrou, contou um pouco da história da peça, como que era e tal, mas eu não

me lembro de termos feito alguma alteração. Ela parece que funciona muito bem para

clarinete. Mas ele se preocupou com o registro e tal... ah, sim, tiveram algumas coisas. Eu vi

que toda vez ele fazia uma frase, aí de repente ele ia para baixo ao invés de ir para cima.

Não só de nota, mas de terminação, por exemplo, ao invés de ir para um Dó, ele ia para um

Sol. Estava dentro da harmonia, mas, conhecendo ele um pouco, fui perguntar se ele não

tinha intenção de ir para cima. E ele disse: “ah, eu tinha, mas não queria que ficasse

pesado”. Eu disse: “não, pode colocar!” Ai nisso, do dia para a noite apareceram 15 Dós

agudos, que não estavam anteriormente. Seria legal se tivesse essa primeira versão, eu não

achei. Mas quando ele me mostrou pela primeira vez eu falei: “não, pode ficar a vontade.

Até um Dó, Dó#, Ré tá garantido, tem que ter. Se eu não conseguir, alguém vai conseguir. Tá

dentro da extensão”. Foi essa a minha relação com ele, ele me ouviu basicamente. E ouvindo

o concerto, tem muita coisa dele, mas tem também muitas das coisas que eu gosto de tocar,

tudo muito legato, muito lírico.

Pedro: Foram trabalhadas questões técnicas do instrumento? Quais?

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Flávio: Acho que foi mais estilo. Por exemplo, como é que se toca chorinho? Aí você vê ele

(Proveta) tocando e é tudo muito orgânico. Aquela figura do garfinho (semicolcheia –

colcheia – semicolcheia), por exemplo, nós temos a mania de fazer exatamente como está

escrito, e segundo ele essa figura é quase uma quiáltera de 3, coisa essa que eu não sabia.

Então, o lance com o Proveta era assim. Ele tocava. Ele tocava a frase e eu tentava copiar.

Eu gravava ele tocando para tentar entender a linguagem. E ele assistiu vários ensaios com

a pianista. Eu e a pianista, e ele ia lá assistir. E de vez em quando ele tocava, e cara, soava

muito bem. Então, essa parte técnica não teve nada, mais estilo mesmo. Mas ele também era

sempre muito tranquilo, ele nunca falava muita coisa. Então, questões técnicas não muito,

mais estilo. Aí ele explica a história da música, ele falou muito da história da música. O

tempo todo ele falava. O começo por exemplo, ele conta a história do choro, então é a

Europa vindo para a América, meio que um navio no mar, chegando, trazendo também os

negros, a mistura da polka com o lundu, ou seja, polka europeia com o lundu de origem

africana. E aí depois tem a habanera cubana, que vem depois. Mas aquele começo é ali em

cima, o navio com europeus junto com os negros. Isso é legal, ele coloca o trompete como o

contador da história. Então você assume a posição de narrador. Você está contando a

história, mas tem outras pessoas também. Essa ideia de narrador é bem legal, pensar o

solista como narrador.

Pedro: Foram trabalhadas questões interpretativas, como por exemplo o fraseado, dentre

outras?

Flávio: O fraseado foi muito com ele, vendo como ele tocava sempre. Mas ele dizia que

gostava da maneira que eu estava fazendo a música. Muito provavelmente, aí seria legal

você perguntar para ele, porque ele tem essa onda de deixar o cara livre. Ele me deixou

muito livre. O que ele mais falou, eu lembro de ele ter falado bastante foi do ritmo do

garfinho, e também as vezes de alguns acentos. O jeito que ele trabalhava, dava a entender

que “essa linguagem você precisa viver para fazer”. Mas em nenhum momento ele falou que

estava “quadrado demais”.

Pedro: Foram apresentadas ao compositor técnicas estendidas diversas, surdinas e outros

acessórios? Especifique.

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Flávio: Não que eu lembre, eu preciso olhar a partitura. É uma linguagem muito de clarinete

na música brasileira, sabe. O que seria para gente técnica estendida o fato de você ficar o

tempo todo fazendo arpejo de duas oitavas, cobrindo toda a extensão do instrumento.

Começar no Fá# e ir até o Dó agudo como o clarinete faz. Mas isso não é técnica estendida.

Pedro: Quais os elementos que considera importantes para realizar a(s) interpretação(ões)

da(s) obra(s) que atuou como colaborador na composição?

Flávio: Tecnicamente falando, primeiro: ela demanda uma certa resistência. Ela dura 15

minutos. Mas não são 15 minutos de Haydn, são 15 minutos tocando quase que o tempo todo.

Essa variação de registro o tempo todo indo do grave para o agudo, é uma dificuldade que

não é todo mundo que está habituado. Eu tive que me habituar com essa questão de

trabalhar com o registro inteiro. Ela é um pouco extenuante, o final dela é bem pesado.

Então, resistência e domínio do registro, mais do que propriamente grandes variações de

dinâmica, porque tem alguns momentos de forte, mas tem mais, talvez, domínio do registro

piano, domínio de extensão e resistência.

Pedro: Cite qual(is) a(s) obra(s) que realizou uma cooperação entre compositor e intérprete.

Flávio: O Artur Barbosa fez o Concerto Latino-americano para Trompete, muito pesado. Eu

conversei com ele e realmente falei que queria um concerto muito pesado. Ele até me

escreveu no facebook “eu tenho aqui uma mensagem sua dizendo que você queria sair de

maca do palco”. E eu saio, porque são 27 minutos de música. É um concerto puxadíssimo

que termina com o piccolo, um fá agudo durante uns 10 compassos. Termina muito

“porrada”. Então a colaboração que teve foi mais ou menos essa. E aí, lógico, ele fez a peça,

me mandou e tiveram algumas questões de oitava, as vezes ficava melhor por conta do

piccolo. Ele fez tudo para trompete em Dó, mas eu pedi para ele mudar alguns trechos para

trompete piccolo, e ele alterou. Era uma questão de estilo. Ele escreveu super agudo e de

uma maneira ágil, e para ser claro não tem como ser em um trompete tão grande.

Tem também os estudos do Fernando Morais, que eu colaborei só no sentido de “encher o

saco” para ele fazer. Eu pedi para ele fazer. Eu gravei um para trompa, mandei para ele e

ele gostou, ai pedi para ele fazer um livro. Ele acabou fazendo, e o primeiro estudo ele fez

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para mim. Mas tecnicamente não ouve interação. Depois ele acabou escrevendo uma sonata,

que eu ainda não toquei, eu vi uma vez só.

Tem agora também um concerto que o Ricardo Silva fez para mim. Mas não houve

colaboração nenhum, ele mandou e eu toquei. Estava tudo dentro do escrito e não houve

nenhuma colaboração minha. Inclusive ele ouvindo, eu perguntei se estava tudo bem, e ele

disse que sim. Se está bem para ele, está bem para mim.

Pedro: Quando e como houve o contato com o(s) compositor(es) ou intérprete(s).

Flávio: O Proveta foi ao vivo. Com o Artur Barbosa, tudo via email e nos encontramos no

dia do concerto. Ele mandava partitura, eu olhava estudava e manda para ele dizendo: “no

compasso tal acho que vai funcionar isso acima, aquilo abaixo; compasso tal preciso usar

piccolo...” e aí ele ia editando a parte. Com o Fernando foi exatamente conversa via

facebook. Ah, teve uma colaboração, mas não em uma peça original, que é a Fantasia do

Villa-Lobos, para saxofone. Quem fez a transcrição foi o Roberto Duarte. Aí ele pediu para

falar o que ele precisaria alterar. E eu disse que podia deixar do jeito que estava. A única

coisa para alterar seria a tonalidade, descendo um tom e meio abaixo. O Museu Villa-Lobos

solicitou um projeto de adaptações. Por exemplo, o concerto de violão foi tocado com harpa,

o concerto de fagote foi tocado com cello e o concerto de saxofone foi tocado por trompete. E

foi só isso, eu pedi que a parte fosse transposta. Continuou muito difícil mesmo assim. Talvez

hoje, agora com esses trompetes com 4 pistos, as coisas comecem a mudar.

Pedro: Daria para escrever coisas novas, não é?

Flávio: Sim, isso com os novos compositores com certeza. Eu digo revisar o que foi feito.

Mas eu acho que eu não tenho esse plano não. A ideia do trompete de 4 pistos é encomendar

obras novas e todas tem que ter a utilização desse novo recurso. Aí quem quiser tocar depois,

que compre um instrumento igual. Porque é uma evolução. Por exemplo, agora eu vou voltar

para São Paulo e tem um compositor que vai ficar em casa, um amigo meu que está vindo da

França. Ele tá louco para ver os instrumentos. E imagina essa bomba de ¼ de tom? E eu

quero fazer isso, eu quero encomendar peças. Eu vejo os alunos tocando Arutunian, Jolivet...

Tá certo, tem que fazer isso mesmo, mas eu não tenho mais paciência. Dá um desânimo...

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Pedro: Igual aquele trompete de duas campanas do Marco Blaauw, já viu? Tem ¼ de tom

também.

Flávio: Sim, claro, muito legal. Marco Blaauw é um baita trompetista, maravilhoso. Então,

aquilo é muito legal.

Pedro: Quais os frutos dessa relação?

Flávio: Olha, além de conhecer pessoas de um universo totalmente diferente, o resultado é

genial, porque você tem novas peças. E de qualquer forma, mesmo das peças que não

tiveram interação de alterar a construção da obra, mas a interação de criar uma obra, de

convidar alguém para fazer uma peça. E eu tenho usado da minha cara de pau para pedir

para muita gente, porque eu acho que a gente tem que estar a disposição dos compositores.

Não adianta a gente estudar bastante e não estar a disposição dos compositores. Ou então

você vai estudar composição, mas como eu não estou estudando composição, estou fazendo

assim. Estou querendo me tornar o melhor intérprete possível, para que os compositores

tenham ideias e eu possa executá-las. Então eu colaboro instigando eles, cutucando para

escrever. O resultado para nós intérpretes é que algumas peças ficam maravilhosas, outras

não, e isso a história vai selecionar. Os anos vai dizer o que fica e o que não fica. Por

exemplo, o concertino do Proveta eu já toquei três vezes, o Barbosa duas, essa do Ricardo eu

toquei uma vez, o Villa-Lobos uma vez só. E como intérprete é mais legal você vender algo

novo do que Haydn de novo. Nada contra, eu adoro Haydn. Isso é legal, você traz algo que

ninguém está fazendo. Seriam esses os frutos.

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Anexo 7 – Lista de obras paulistas para trompete solo/solista

Compositor Obra Instrumentação Ano ColaboraçãoAlexandre Guerra Tema Expresso Trompete e marimba 1995 SimAlexandre Ulbanere Big Roll Sonate Solo 1990 SimAlmeida Prado Nhá Eufrazina, bela flor de maracujá.

Instalação sonora em papel-crepom,

pós-caipira

Trompete e piano 1998 Sem info

Amaral Vieira Sinfonia concertante. Allegro –

Larguetto – Allegro

3 trompetes e orquestra

ou banda sinfônica

1981 Sem info

Marcha cerimonial (transcrição do opus

252 de Amaral Vieira)

Trompete e órgão 1998 Sem info

Marche Solennelle (transcrição de

Amaral Vieira da obra do mesmo

título de Henry Gouard, original para

órgão)

Trompete e órgão 1998 Sem info

Cortejo Nupcial (transcrição de

Amaral Vieira da obra do mesmo

título de Villa-Lobos, original para

piano)

Trompete e órgão 1998 Sem info

Caio Senna Melodia Solo 2005 Sem infoCamargo Guarnieri Estudo para trompete em Dó Solo 1953 Sem infoCelso Mojola Norma Jeane Trompete e piano 2001 Não

Abril desconhecido Solo 2015 NãoEduardo Escalante Concerto Trompete e banda 1994 Sem info

Díptico Trompete e órgão 1996 Sem info

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Duo 14 Trompete e violão 1997 Sem infoDivertimento Trompete e piano 1999 Sem info

Eliana Sulpício Divertimento Trompete e marimba 1997 SimVernal Trompete e marimba 1998 SimCirandas Trompete e marimba 2003 Sim

Ernst Mahle As melodias da Cecilia Trompete e piano 1972 Sem infoConcertino Trompete e orquestra de

cordas ou trompete e

piano

1976 Sem info

Felipe Senna Farras Nº4 Flugelhorn e piano 2016 SimSonatina Trompete e piano 1979 Sem info

Fernando Morais Concertino Trompete e banda

sinfônica

2005 Não

Peça Concertante Trompete e piano 2005 NãoDuo Trompete e trombone 2005 NãoEscaleno Trompete, trompa e

trombone

2005 Não

Elegia Trompete e orquestra 2009 NãoMosaico Nº2 Trompete e piano 2012 NãoConcertino Trompete e orquestra de

câmara

2013 Não

Sonata N°1 Trompete e piano 2013 NãoAres Desérticos Trompete e banda

sinfônica

2014 Não

Flo Menezes Contesture IV – Monteverdi

altrimenti

Trompete e ensemble 1990-

1993

Não

Francisco Mignone Sonata para trompete Solo 1982 Sem infoCinco cirandas Trompete e piano 1983 Sem info

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Gilberto Gagliardi Trompeta de Espanha Trompete e banda

sinfônica por Antonio

Carlos Neves Campos

1983 Sem info

Hudson Nogueira Divertimento Trompete e piano 1997 SimChoro Virtuoso Trompete e Orquestra ---60 Não

Jailton de Oliveira Concertino Trompete e orquestra de

cordas

2001 Sem info

José G. J. de

Camargo

Porto Belo Trompete e Marimba 2011 Sim

José Pedro de

Sant’Anna Gomes

Andante e Bollero Trompete e piano 1900 Sem info

José Penalva Cantinela e Fuga Trompete e piano 1956 Sem infoNina Nana Trompete e órgão 1960 Sem info

Leonardo Martinelli O Anjo Azraeel: after Salman Rushdie 4 trompetes e banda

sinfônica

2005 Não

Amor nunca diálogo Trompete e marimba 2012 SimO diálogo entre Vênus, Azrael e

Ogum

Trompete, clarinete e

atabaques e orquestra

2013 Não

O Chamado do Anjo Trompete/flugelhorn solo 2017 SimMarcos Battistuzzi TPM I Trompete e Marimba 2005 SimMatheus Bitondi Y-ara: Amazonic legend in eight scenes Trompete, flauta, oboé,

clarinete e fagote

2007 Não

Cinco introduções a uma música

inexistente

Trompete e marimba 2012 Sim

Informações desconhecidas contidas Trompete, trompa, flauta, 2012 Não

60: Informação desconhecida, segundo o compositor.

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no DNA de uma pedra clarinete, violino,

violoncelo e marimba849 notas para trompete e Ré bemol Trompete e ré bemol

(qualquer instrumento,

em qualquer altura)

2013 Não

Colóquio meio concertante para

trompete zombeteiro e piano

mecânico

Trompete e piano 2014 Não

Monólogo III: do latão, da alpaca e

de outras ligas metálicas pouco

nobres

Trompete e vibrafone 2015 Não

Nailor Azevedo

(Proveta)

Concertino Forma Choro Trompete, piano e

orquestra de câmara

2010 Sim

Osvaldo Lacerda Invocação e Ponto Trompete e orquestra de

cordas ou Trompete e

piano

1968

Revis

ada

em

1982

Sem info

Rondino Solo e/ou piano ad libitum 1974 Sem infoPequena Suite Trompete e piano 1983 Sem infoSonata Trompete e piano 1996 Sem infoCançoneta Trompete e marimba 2011 Sim

Raul do Valle Sapucaia: miniatura para trompete Solo 2012 SimRoberto Farias Pro-Cornet Solo (cornet) 2012 Sem info

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Cubatão (transcrição de obra do

mesmo título por Roberto Farias,

originalmente para soprano e piano)

Trompete e banda

sinfônica

2012 Sem info

Rodrigo Lima Matiz I – Hommage à Varèse Trompete e trombone 2010 Sem infoSergio Igor Chnee Peça para trompete e marimba Trompete e marimba 2006 SimSérgio Vasconcellos-

Corrêa

Concertino e/ou Sonatina Trompete e orquestra ou

piano

1968

Revis

ada

em

1993

Sem info

Silvia Berg De que são feitos os dias? Trompete e Vibrafone 2008 SimTadeu Taffarello Transmissão oculta do pensamento Dois trompetes 2000 Sim

Louange à la Génialité d’Olivier

Messiaen (Tabebuia roseoalba)

Trompete e orquestra de

cordas

2008 Sim

Prins Hendrik 210 Trompete e piano 2014 SimValdeci Faganioli Interiores Trompete e marimba 2013 SimValéria Bonafé Duplex Solo 2006 Sem info

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Anexo 8 – Tabela com tipos de interação e elementos trabalhados

Compositor Intérprete Obra(s) Tipos de Interação Elementos trabalhadosJ. S. Bach (1685-1750) Gottfried Reiche (1667-

1734)

Cantatas

J. F. Fasch (1688-1758) Adolf Friedrich Schneider

(s.a.)G. P. Telemann (1681-

1767)

Adolf Friedrich Schneider

(s.a.)

J. M. Molter (c 1695-

1765)

Carl Pfeiffer (s.a.)

Leopold Mozart (1719-

1787)

J. A. Schachtner (1731-

1795)J. W. Hertel (1727-1789) Johann Georg Hoese

(1727-1801)J. M. Haydn (1736-1806) J.B. Resenberger (c. 1700-

1781)

Concerto para Trompete

em CF. J. Haydn (1732-1809) Anton Weidinger (1767-

1852)

Concerto per il Clarino in

E

Durante a criação da

partitura (Hipótese)J. N. Hummel (1778-

1837)

Anton Weidinger (1767-

1852)

Konzert in E Durante a criação da

partitura (Hipótese)K. Stockhausen (1928-

2007)

Markus Stockhausen

(1957)

Michael’s Reise um Die

Erde

Durante a criação da

partituraLuciano Berio (1925-

2003)

Thomas Stevens (1938) Sequenza X Após o término da

partitura

Alterações na escrita:

mudança de altura no

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registro graveAgostino Di Scipio (1962) Modes of Interference Nº1 Intérprete enquanto

compositor proativo em

cada performanceRicardo Tacuchian (1939) Nailson de Almeida

Simões

Alecrim Após o término da

partitura

Alterações na escrita:

mudança na célula rítmica

principalClaudia Caldeira Maico Viegas Lopes Suite Tucupi Após o término da

partitura: Intérprete

responsável por definir

articulações, dinâmicas,

etc

Alterações na escrita:

intérprete define

articulação, etc, a cada

performance

Marcus Siqueira Adenilson Telles Trio IV (Sijô) Durante a criação da

partitura

Demonstração da

potencialidade do

instrumento/instrumentista;

apresentação de acessórios

(ex. surdinas)Alexandre Guerra Carlos Sulpício Tema Expresso Durante a criação da

partitura

Definição de

equipamentos; equilíbrio

(volume) entre trompete e

percussão; tessituraMarcos Battisttuzi Carlos Sulpício TPM 1 Durante a criação da

partitura

Definição de

equipamentos; equilíbrio

entre trompete e percussão;

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tessituraIgor Chnee Carlos Sulpício Peça para Trompete e

Marimba

Durante a criação da

partitura

Definição de

equipamentos; equilíbrio

(volume) entre trompete e

percussão; tessituraSilvia Berg Carlos Sulpício De que são feitos os dias? Durante a criação da

partitura

Definição de

equipamentos; equilíbrio

(volume) entre trompete e

percussão; tessituraJosé G. J. de Camargo Carlos Sulpício Porto Belo Durante a criação da

partitura

Definição de

equipamentos; equilíbrio

(volume) entre trompete e

percussão; tessituraOsvaldo Lacerda Carlos Sulpício Cançoneta Durante a criação da

partitura

Definição de

equipamentos; equilíbrio

(volume) entre trompete e

percussão; tessituraMatheus Bitondi Carlos Sulpício Cinco introduções a uma

música inexistente

Durante a criação da

partitura

Definição de

equipamentos; equilíbrio

(volume) entre trompete e

percussão; tessituraLeonardo Martinelli Carlos Sulpício Amor nunca diálogo Durante a criação da

partitura

Definição de

equipamentos; equilíbrio

(volume) entre trompete e

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percussão; tessituraPedro Azevedo O Chamado do Anjo * cf. cap. 2 cf. cap. 2

Valdeci Faganioli Carlos Sulpício Interiores Durante a criação da

partitura

Definição de

equipamentos; equilíbrio

(volume) entre trompete e

percussão; tessituraEliana Sulpício Carlos Sulpício Divertimento; Vernal;

Cirandas

Durante a criação da

partitura

Definição de

equipamentos; equilíbrio

(volume) entre trompete e

percussão; tessituraHudson Nogueira Fernando Dissenha Divertimento Após o término da

partitura

Alteração do tipo de

trompete utilizado;

alteração da cadênciaAlexandre Ulbanere Gustavo Bugni Big Roll Sonate Durante a criação da

partitura

Demonstração da

potencialidade do

instrumento/instrumentista;

apresentação de acessórios

(ex. surdinas)Tadeu Tafarello Tadeu Tafarello Transmissão oculta do

pensamento; “Louange à la

Génialité d’Olivier

Messiaen” (Tabebuia

roseoalba); Prins Hendrik

210

Trompetista compositor

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Felipe Senna Maico Viegas Lopes Farras Nº4 Durante a criação da

partitura

Demonstração da

potencialidade do

instrumento/instrumentista;

tessitura; articulações e

dinâmicasNailor Azevedo Flávio Gabriel Concertino Forma Choro Durante a criação da

partitura; após o término

da partitura

Demonstração da

potencialidade do

instrumento/instrumentista;

apresentação de acessórios;

demonstração da

linguagem musical do

instrumentista; preparação

da performance; ampliação

de alturas no registro

agudoRaul do Valle Paulo Ronqui Sapucaia Durante a criação da

partitura

Demonstração da

potencialidade do

instrumento/instrumentista;

diferentes articulações;

diferentes andamentos;

dedilhado

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Anexo 9 – Tabela de trêmulos de válvula com três níveis de dificuldade

Fácil Médio Difícil

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Anexo 10 – Esboço apresentado no dia 30/03/2017, por Leonardo Martinelli

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Anexo 11 – Esboço apresentado no dia 04/05/2017, por Leonardo Martinelli

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Anexo 12 – Esboço da Introdução da obra O Chamado do Anjo

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Anexo 13 – Versão 1 da obra completa

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Anexo 14 – Versão 2 da obra completa

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Anexo 15 – Versão digitalizada da obra O Chamado do Anjo

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O Chamado do AnjoInstruções gerais

Esta obra para trompete/flugelhorn solo é a terceira peça de um ciclo sobre o anjo Azraeel: aprimeira, O Anjo Azraeel, para quatro trompete solistas e banda sinfônica; a segunda, Odiálogo entre Vênus, Azraeel e Ogum, para orquestra (com episódios solistas para trompete,clarinete e percussão).

Esta obra pode ser apresentada de diversas maneiras: como peça solista de um recital, comointrodução de um concerto sinfônico, como parte de um happening, etc. Da mesma forma, ointérprete pode executá-la em um palco ou fora dele, explorando assim as possibilidadesespaciais do espaço da apresentação.

Apesar de ser uma obra solista, é especialmente desejável que a peça seja interpretada emambientes amplos, com certa quantidade de reverberação, tais como salas de concertossinfônicos, templos religiosos, galpões ou mesmo ao ar livre (nesse caso, aconselha-seamplificar a interpretação e acrescentar reverberação eletrônica ao sinal difundido pelos alto-falantes).

A duração das pausas e das respirações indicadas na partitura devem variar, levando em contao tempo de reverberação do espaço de apresentação.

Ao longo da partitura o intérprete encontrará três formas distintas de respiração

- respiração fisiológica simples e curta

- respiração musical longa (ou ma, “pausa evocativa” da cultura musical japonesa)

- respiração musical muito longa (ou um ma longo)

Em alguns trechos o instrumentista é requisitado a realizar bisbigliandi (ou trêmulo deválvulas), momento em que se indica na partitura o chaveamento correto para sua execução.Entretanto, nos compassos 73-76, é necessário que o músico segure seu instrumento demaneira diferente da tradicional, colocando o dedo indicador da mão esquerda em cima daterceira válvula, conforme pode ser visto na foto abaixo:

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O Chamado do Anjo foi composta a partir de um processo colaborativo com o trompetistaPedro Azevedo, como parte de sua pesquisa de mestrado na Universidade Estadual deCampinas (Unicamp), que estreou a peça em 24/08/2017 no Espaço Cultural Casa do Lago(Unicamp).

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Anexo 16 – Diário de bordo de interação

Diário de Bordo de Interação da obra O Chamado do Anjo

29/04/2015 – Perdizes, São Paulo – SP61

- O pesquisador informou ao compositor sobre a temática do projeto de pesquisa;

- Formação escolhida: Trompete solo e orquestra; O compositor Leonardo Martinelli

questionou se neste projeto está previsto somente uma obra, de um compositor;

- O compositor relatou as obras que já escreveu para trompete solista e/ou com o trompete em

evidência no discurso melódico, como essas obras foram pensadas, entre outros aspectos;

- Delimitação do prazo para entrega da obra completa;

- Surgiram as primeiras ideias de escrita: Uma peça para trompete solo, onde seria possível

tocar com acompanhamento de orquestra ou sem acompanhamento algum62. Quando sem

acompanhamento, o compositor sugeriu que a peça seja dividida em partes, para que seja

possível dividi-la em um programa de recital, por exemplo;

- Neste encontro também estava presente outro compositor: Matheus Bitondi. Este também

relata as obras que já escreveu para trompete solo.

29/09/2016 – Faculdade Santa Marcelina – São Paulo, SP

- Contextualização da obra: O Chamado do Anjo fecha a “Trilogia do Anjo Azraeel”;

- Aspectos comuns na Trilogia do Anjo Azraeel: personagem (Anjo Azraeel), trompete

enquanto instrumento solista e solistas posicionados em diferentes pontos da plateia;

- Des canyons aux étoiles (1971) de Olivier Messiaen enquanto referência para a construção

da obra: o conceito de “janelas improvisativas” (3 no total, a princípio);

- Proposta de tornar as janelas improvisativas em três peças para trompete solo;

- O compositor considera a ideia de fazer um work-in-progress, para um grupo reduzido;

-Definição do instrumento a ser utilizado: Trompete Bb;

61: Encontro ocorrido na cidade de São Paulo/SP.62: Leonardo Martinelli faz referência à obra de Luciano Berio, onde algumas das obras da série de Sequenzepossuem acompanhamento de orquestra feitas pelo próprio compositor, sendo que a parte solo não é alterada,criando assim outra série de nome Chemins.

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- Martinelli solicitou, para o próximo encontro, a apresentação de diversos tipos de surdinas,

gestos musicais que o pesquisador julgasse serem característicos do instrumento, trêmulos de

válvulas e os limites do trompete;

- Solicitação de apresentação de técnicas estendidas, também para o próximo encontro.

03/11/2016 – Faculdade Santa Marcelina – São Paulo, SP

- Demonstração de gestos musicais para o compositor;

- Demonstração das surdinas straight, cup (com copo ajustável) e wah-wah (stem in e stem

out);

- Pedido por parte do compositor de demonstração de vibrato de diversas maneiras;

- Demonstração de trêmulos de válvulas e flurato

- Demonstração de técnicas estendidas

30/03/2017 – Faculdade Santa Marcelina – São Paulo, SP

- Reflexão sobre a relação compositor/intérprete

- Elaboração de material musical

- Proposta de se fazer uma composição para trompete solo, postergando a criação do

acompanhamento orquestral

- Apresentação do conceito de Entidade Harmônica

- Proposta de desenvolvimento gestual, ao invés de temático

- Teste de materiais criados

- Limites de trêmulo de válvulas

- Demonstração de posições alternativas (com o objetivo de verificar as mudanças na

sonoridade)

- Conceito de polifonia virtual e sua exequibilidade

- Definição da utilização do Trompete Bb

04/05/2017 – Faculdade Santa Marcelina – São Paulo, SP

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- Explanação sobre o processo composicional da Introdução, enviada ao intérprete

previamente

- Interpretação da Introdução com o Trompete Bb, juntamente com o compositor

- Articulação

- Notas ligadas

- Execução das apojaturas

- Pontos de respiração

- Variações de andamento

- Dúvida sobre a utilização do Trompete Bb no trecho

- Sugestão da utilização do Flugelhorn, por parte do intérprete

- Interpretação da Introdução com o Flugelhorn

- Definição da utilização do Flugelhorn na Introdução

- Teste do Gesto primordial sem ligadura

- Definição do Gesto primordial sem ligadura

- Elevação dos níveis de dinâmica

- Demonstração de gestos com o Trompete Bb, a pedido do compositor

Encontro 01/06/2017 – Faculdade Santa Marcelina – São Paulo, SP

- Observações do intérprete:

- Fermatas diferentes (durações)

- Métrica das tercinas

- Locais de respiração

- Ritmo dos trêmulos de válvula

- Espaço da performance enquanto segundo “instrumentista”

- Duração das fermatas relacionada à resposta do local da performance

- Ensaio

- Alteração do andamento (para mais lento)

- Maiores diferenças de dinâmicas

- Definição de três níveis de respiração: non obligato, obligato curto e obligato

longo

- Necessidade de se ampliar o Allegro

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- Barras de repetição para simular trechos mais longos

- Explanação sobre o processo composicional do Allegro

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Anexo 17 – Dados dos encontros ocorridos entre compositor e intérprete

Encontro – 29/09/16

Dentro da experiência que eu tenho... a expectativa que eu tenho nesse projeto,

baseado em experiências pregressas, eu acho que a relação entre compositor e intérprete, essa

questão das considerações históricas, mas principalmente a interação que a gente está

colocando, eu colocando da parte da minha experiência, das expectativas desse projeto que a

gente de fato começa. Das minhas experiências, a interação do eu como compositor, dentro

desse modelo que eu efetivamente respondo a ele. Não que eu ache que ele seja o único, mas

que eu, aspas, crio no papel e alguém faz essa criação se materializar em música, até porque

tem a questão de que você não domina tudo, eu não sou trompetista, etc, ela aconteceu

comigo de uma forma bem mais intensa e foi fundamental, e é por isso que eu também topo,

porque eu vi que ela foi importante apesar dela não ter sido planejada como nesse processo,

na parte dos ensaios. Eu consigo prever nesse projeto que principalmente durante os ensaios é

que essa interação, historicamente... melhor assim, não é expectativa... historicamente porque

são as expectativas que pré coloco. Durante a parte dos ensaios, não necessariamente os

ensaios com orquestra, mas pelo menos um ensaio de uma peça que pressupõe solista, onde

essa interação tende a ocorrer de uma forma mais significativa. Porém, dentro desse meu

passado, de como as coisas aconteceram. A questão é: não é sempre que a gente quando

compõe nesse tipo de criação musical tem o privilégio de saber quem será o intérprete. Isso é

uma coisa que é circunstancial, marcou a história da música. Muitas vezes o cara compõe não

para uma linha de trompete teórico, uma construção simbólica do que é um trompete, baseado

em informações hoje em dia de livro de orquestração, daquela experiência do dia a dia e

empírica te dá. Então trabalhar o trompete à partir, por exemplo, da pessoalização, vai ser a

primeira vez, apesar de já ter trabalhado o trompete como solista em outras duas peças. Aí que

a gente pode ver o quê de diferente pode sair dessa história. Porque muitas vezes o compositor

é colocado, e se coloca como núcleo hermético da parte criativa, e a interação ela acontece na

parte do intérprete sugerir a adequação idiomática da partitura. Isso tende a ser o grande mote

desse processo de interação, muitas vezes circunstancial, por exemplo, se queria fazer, como

foi até o caso das outras peças, eu tinha ideia, fiz, então quando circunstancialmente tiveram

os ensaios aí se tem algum tipo de modificação, a interação aconteceu, mas muito pontual.

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Que no fim das contas ela é particular, porque no fim das contas você como compositor e ele,

intérprete, lidando com o compositor vivo, pode sugerir questões interpretativas que a escrita

originalmente não compõe, não contempla, e que aí eu vou querer assimilar numa correção ou

segunda edição da partitura. E sucessivamente isso pode acontecer a cada vez que você faz a

peça. Mas limitou-se a isso. Não é um problema falar limitado, porque mesmo que a gente se

limite a isto, isso é um trabalho importante e que vai ser feito de uma forma mais estrutural,

porque pela primeira vez eu vou estar sabendo com tanta antecedência quem de fato é o

solista/intérprete mais fundamental da peça.

Agora o ponto é, e aí que eu acho que pode ser uma coisa bacana para mim, para

você, e no fim das contas para o trabalho, e tudo registrado e gravado, de que forma a gente

pode fazer uma via de mão dupla. Com certeza não uma via de mão dupla onde eu tenho

quatro pistas numa mão e quatro pistas noutra. Ou seja, não estou te chamando para compor a

peça, mas que eu tenho as minhas quatro pistas como sujeito que dá as notas, que está

construindo a ideia e tal. Eu quero testar pelo menos uma pista com você, isto é, um feedback

no sentido mais lato do termo, de me dar de volta, me alimentar reciprocamente mas do ponto

de vista criativo. Então conforme os esboços, as primeiras notas, estruturas começarem a

aparecer, em que ponto eu coloco essa relação de interação, que no fim das contas é o que está

nos movendo nesse projeto, eu te coloco também como um agente criativo/interpretativo.

Então ao mesmo tempo que eu, acho que a questão das sugestões de interpretativa que ela vai

existir naturalmente do meu lado como compositor... “faz isto... aqui é mais longo, etc” aí

você é a via de quatro mãos e eu entro com uma. Mas em geral se interrompe isso. O

compositor vem com as tábulas da lei, e diz como você tem que ler as tábulas melhor. Isso

que eu queria ver. Qual seria a maneira de estabelecer e fazer com que essa interação já abra

um campo a mais. O que eu estou pensando, e eu já vim aqui pronto para te propor, é na

medida que aqui notoriamente a gente tem nessa peça o trompete solista – se vai haver outros

trompetes isso é outra questão que nós vamos conversar – mas vai ter muito claro que vai ter

o solista, e depois eu quero contextualizar, porque no fim das contas tem uma trilogia que está

se fechando aqui – espero que se feche, não é? Porque mais do que três pelo amor de Deus! –

então, na medida que a responsabilidade está com você como solista, isso também viabilizar

de uma forma mais concreta e efetiva a sua participação. E a primeira maneira que eu vejo de

isso ser feito, e já te lançando o desafio dentro da tua formação de “trumpetista”, de

“pistonista crássico” é a questão da improvisação. Ou melhor, de janelas improvisação, de

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blocos de improvisação a partir de estruturas, é isso que estou pensando, pré-programadas.

Não improvisação no sentido lato, porque aí acho que é uma outra questão. Por exemplo, eu

não acredito na improvisação no sentido estrito do termo, isto é, a improvisação se a gente

leva ao ad absurdum, em latim, ela é ausência de prerrogativas, ausência de técnica, ela é

ausência de informação, no fim das contas a improvisação no sentido genuíno do termo ela é

você improvisar em um instrumento que você não toca. Então não é isso que estamos fazendo,

esse é o ponto. Então por outro lado, é por isso que eu falo, que menos do que improvisações

é construir essa relação de interação criativa entre compositor e intérprete, acho que esse é o

“pulo do gato” do projeto. A relação interpretativa é uma coisa, corrigir notas, etc, é uma

interação mas é muito limitada. A partir do ponto de vista da estrutura da peça, ela vai ter uma

partitura, vai ter começo, meio e fim, e de abrir janelas de improvisação nestes termos que eu

estou falando. De blocos, de box, de janela. Eu gosto da ideia de janela, como se fosse uma

ventana que você abre, e ao abrir você tem uma coisa diferente. Isso que eu quero trabalhar

com você. Colocar essas janelas de improvisação ou improvisação controlada, ou mesmo da

indeterminação, uma performance a partir da indeterminação, mas que ela seja uma janela,

isto é, que ela traga uma luz. Essa janela seria um sopro de ar fresco, um elemento

contrastante e, justamente, bonito, bacana, que vou colocar em cima do teu ombro como

intérprete uma carga criativa notadamente maior do que simplesmente a partitura escrita:

“faça isto”.

Legal, esse é inclusive um tipo de relato que eu fiz com esse tipo de peça, onde o

instrumentista é chamado a fazer esse tipo de coisa, onde o intérprete tem um papel mais

efetivo na parte criativa da obra, que vai além de pontuar notas ou sugestões de fraseado.

Isso é algo que eu já estou pensando na peça. Então já vai estar uma peça de

orquestra com trompete solo na qual a sua participação como solista dar-se-á também, mas

não exclusivamente, por meio desses que eu vou por ora chamar de janelas de improvisação.

Mas não vai ser só isso. Aí a questão que eu estou te chamando, para usar o termo da peça, a

também pensar e me dar um feedback, construir uma elaboração intelectual a partir de uma

coisa prática, é: a improvisação no sentido musical, como a gente no fim das contas a

conhece, ela quase sempre diz respeito a você dominar um código estilístico a tal ponto que

você pode realizar o que a gente vai chamar de música, sem uma pré instrução, seja em forma

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de partitura, de uma sequência de cifras, numa canção e tal. Eu entendo que musicalmente o

conceito de improvisação é isto. A música que você faz sem um roteiro escrito, mas

eventualmente já delineado na tua cabeça. Tá muito mais ligada a uma independência da

instrução da partitura do que improviso no sentido literal. O ponto é: eu na minha modéstia,

na minha eterna peregrinação em torno de uma linguagem para chamar de minha, que é uma

coisa que no meu doutorado eu estou trabalhando, o que eu chamo de me apropriando do

termo em francês le petit jardin de metafor, o pequeno jardim de metáforas, isto é, eu ainda

estou construindo meu jardim. Eu não consigo te falar “Pedro, o meu jardim (linguagem)

musical é isto”. Ela está em construção. Então no fim das contas, e acho que é bacana isto,

porque eu não vejo como um problema, é uma inconsistência que na verdade eu tomo como

benéfica. O que eu estou colocando é que a janela de improvisação que eu vou colocar, as

janelas na verdade, prevê uma sugestão básica minha, que é estabelecer alguns parâmetros.

No fim das contas é isso, uma maneira de pensar o estilo. Então eu vou dar alguns parâmetros

consolidados, mas que não vai caracterizar um estilo. E no fim das contas colocar que nesse

processo de criação, de certa forma, vai ter muito do Pedro, da maneira como você vai

eventualmente interpretar, a partir dos seus hábitos como instrumentista, mas que não é difícil

imaginar que numa eventual segunda performance e, mais ainda, com outro intérprete, o

resultado dessas janelas improvisação sejam fenomenologicamente, isto é, aquilo que se ouve,

bem diferente. Mas tudo depende, porque, justamente, o estilo não existe. Então ok, não é

uma coisa que, apesar de ser diferente, quando agente pensa por exemplo em uma

improvisação de trompete no jazz. Você fala: “está sempre diferente mas está sempre igual”.

Você tem a régua do estilo para falar “não saia daqui, porque aí você vai começar a deixar de

fazer jazz”. Vai fazer uma improvisação mariachi, vai fazer uma improvisação de qualquer

outra coisa. Então não tem essa régua, mais do que nunca vai ter uma coisa com estruturas

onde a parte faltante sempre vai ser, e aí que eu acho que é bacana, uma intuitividade

primordial que sempre vai ter em todo intérprete. Que é construída a partir dos seus hábitos

como músico. Não como trompetista, pode ver que eu não usei a palavra trompetista, como

músico. Do que você vai querer trazer a partir dessas sugestões.

Eu acho que aí já vamos ter uma coisa bacana de ver e estudar, conforme eu for te

entregando essas janelas, que é uma coisa do processo composicional eu vou inclusive

elabora-las de uma maneira que, ao mesmo tempo que ela se integre no sentido de integração

no todo da peça orquestral, elas tenham autonomia como janelas individuais. E daí, talvez um

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segundo passo, pensar até que ponto a gente pode dar autonomia como peça para essas

janelas, que é uma coisa que eu já tinha te falado. Eu queria trabalhar uma coisa aqui que a

peça se desmontasse como peça. Da mesma forma que teoricamente é possível arrancar uma

janela de uma parede e colocar outra (não é prático, mas eu posso. Não preciso destruir a casa

inteira), e de repente eu quero destacar essa janela. E fazer uma coisa, que seria do ponto de

vista metafórico, mas surreal, é quase como tirar a janela dessa casa e eu colocar essa janela

no meio de uma paisagem. E a janela não faz sentido se não como janela de uma casa. Na

medida que você pendurou ou deixou, já que o surrealismo tudo permite, essa janela

flutuando num campo onde justamente você vê a janela pela beleza que ela é, e não porque

ela é um buraco na parede. Então ela vai ser um buraco na parede no bom sentido, ela vai

trazer o ar, o frescor, o contraste, ela vai estabelecer uma outra relação no contexto da escrita

orquestral, mas ao mesmo tempo ela vai se valer como no mínimo uma peça de trompete solo.

Aí como janela, como é que eu apresento três janelas? E eventualmente que se pode ser

colocadas noutro contexto do espetáculo como intermezzo. Por exemplo, você vai fazer um

recital de trompete que vai ter quatro peças, três peças – eu estou pensando nesse primeiro

momento em três janelas - onde eventualmente você abre o seu recital com uma dessas

janelas. Inclusive podendo fazer essa peça num outro canto que não seja o palco. Aí você vai

lá e faz o concerto do Haydn, antes de ir para outra peça você faz um intermezzo. Enfim,

então isso é uma ideia bem clara que eu estou trabalhando. Mas ao mesmo tempo o material,

principalmente, e é importante notar isto e escrever, como é que eu estou planejando dar

organicidade dessas janelas com o todo orquestral. O material harmônico. É uma coisa que eu

já fiz, é interessante porque é um processo que eu já fiz para uma outra peça (As canções do

mendigo) no qual eu elaborei um material harmônio, ou seja, um conjunto de notas que pode

ser lidas tanto de forma sincrônica/acórdica como diacrônica/melódica. Quando a gente pensa

no trompete que o instrumento monódico, tal como na canção a voz era monódica, mas o

fundamental é que o trompete não consegue fazer acordes, está claro da mesma forma que eu

tinha clareza na parte vocal. Mas isso é delinear um contorno harmônico/melódico,

acórdico/harmônico.

Então não tem a ver com centros tonais, e etc?

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Não. Eu entendo harmonia como uma coletânea de notas – uma ou um conjunto –

mas que eu posso ler de forma acórdica ou melódica. E usar aquilo que a música tonal

também faz, criar uma construção virtualmente acórdica por meio da melodia. E o que é

fundamental, e isso é importante porque tem tudo a ver pois cria o elo intrínseco com o

instrumento, a estrutura nuclear é a tessitura do trompete em Bb.

Mas isso ocorreu por conta do que? Tessitura, timbre...

Então, para criar um material harmônico que é referencial, que eu quero

referencializar com o idiomatismo do instrumento, você tem que ter claro qual o instrumento

se utilizará. Lógico, isso não impede de eu usar uma coletânea de um trompete em Bb e um

Piccolo em D. Usar um material que pode ser em comum. Mas ainda assim você tem um

campo de limitação que é construído pela tessitura não só a literal mas aquela que é a prática.

Não adianta ficar colocando nota muito aguda sem qualidade musical. Enfim, usar esse

material como núcleo e a partir dele fazer a expansão desse material para a gama,

principalmente tendendo ao grave e um pouco mais discretamente ao agudo, que o trompete

não tem, mas que a gama orquestral tem. Ou seja, estamos falando que eu vou criar um

material harmônico que vai ser utilizado tanto acórdicamente como melodicamente nas

janelas para trompete solo, que na verdade vai ser solista, concertante, e a partir disto esse

material, esse núcleo a partir da lógica da construção dele, ele vai estruturar o restante do

material da orquestra. Porque não faz sentido eu limitar a tessitura de uma orquestra sinfônica

ainda que eu vá me limitar a uma orquestra sinfônica clássica, você ainda tem um potencial

em relação a tessitura. Então essa maneira de conferir organicidade do material que vai

reverberar no sentido conceitual e literal na orquestra e no material do trompete.

Por enquanto está muito focado no fim das contas as alturas. O Material

harmônico é o elemento estruturante. Muito dessa questão das janelas de improvisação, como

vai ser? Eu te dou uma colação de acordes e você toca o que quer? Não. Pode até ser que isso

aconteça em algum momento. Mas aí é que vem o outro ponto que vai estruturar essas janelas.

Aí que vai ser importante você me abastecer. O gestual.

Gestual no sentido físico?

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Esse é o ponto. O gestual musical. Definir o que é gesto em música. E quais são

os gestos idiomáticos dos trompetes. Então não importa as notas, mas quando a gente pensa

uma nota longa que vai crescer para um vibrato. Nem é exclusivo do trompete. Uma

brincadeira com chaveamento, improvisação do pistão desse posicionamento de pistão que

efetivamente você não vai ter na flauta. É uma questão do idiomatismo do instrumento.

Quando eu penso em como eu vou colocar essas janelas, em alguns momentos, saber como

isso vai acontecer, até que ponto isso vai ser estrito, e até que ponto isso vai ser liberado para

você fazer suas escolhas. Staccato duplos e triplos, como lidar com isso? Com certeza é uma

coisa que vou querer usar, porque é gestual. Então esse é o segundo eixo. A estruturação do

material harmônico e por outro lado a materialização disso, o que eu faço com essas notas,

está baseada no gestual. E aí é onde eu já não quero ter você no próximo encontro uma troca.

Você pode eventualmente escrever no caderno de música alguns gestos. Eu tenho alguns na

minha cabeça, mas aí eu quero te abrir uma outra pista.

- Pedido de gestos musicais;

- Exposição dos limites do instrumento, trêmulo de válvula.

- O que funciona, e o que não funciona. Mostrar no próximo encontro.

- Técnica estendida: abrir o leque sonoro do instrumento. Pode virar um exercício

de maneirismo. A limitação sonora do instrumento tradicional faz com que ele não se encaixe

em certos tipos de sonoridade. O instrumento tradicional tem limitações, e que bom que tem.

Técnica estendida enquanto ornamento, somente. Mas não estrutural.

- Explorar o instrumento e tentar descobrir novos efeitos.

- Ênfase nas surdinas.

- Para as 3 janelas, 3 níveis de indeterminação: 1ª praticamente limitada, onde a

única indeterminação seria a duração da janela; e o oposto disso, com um alto nível de

indeterminação, uma janela onde a cada performance ela soe circunstancialmente diferente

(para esta, o grafismo da partitura ser fundamental – partitura circular, sem começo nem fim,

com uma minutagem determinada onde o elemento estrutural seria o material harmônico)

- Pedido de apresentação de gestos e figurações

Contextualização Estética de O Chamado do Anjo

Compositor:

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- O que motivou a composição da obra: Referência explícita de uma obra de Olivier Messiaen

para orquestra (Des canyons aux étoiles – Dos canyons para as estrelas, 1971), onde um dos

movimentos, um solo de trompa, se tornou uma obra independente, isto é, pode ser executada

como obra independente da situação onde a composição faz parte da do todo orquestral.

(Appel interstellaire – O chamado interestelar). Causou impacto quando Stefan Dor tocou

enquanto peça solo, como uma janela antes de um outro concerto para trompa solo.

Referência direta a peça do Messiaen, do ponto de vista estrutural.

- Dúvida sobre a influência de Messiaen na obra: estrutural ou estrutural + material

harmônico, gestual, etc.

- Justificativa da composição: convite do pesquisador, e oportunidade de fechar um ciclo de

obras para trompete solista (ciclo com base na temática, possuem os mesmos personagens:

Anjo Azraeel, Anjo vingador, Trombeta do Apocalipse, etc.)

- O chamado do anjo: Anjo que vem trazer a morte, mas não como algo ruim, se trata do

Chamado interestelar (Messiaen).

- Trilogia do Anjo: Anjo de maneira furiosa, exterminador, trombeta do apocalipse –

materializado em 4, musicalmente (1ª peça: Anjo Azraeel), em uma espécie de janela solista;

Ecumenismo das religiões (2ª Anjo: Diálogo entre Vênus, Azraeel e Ogum), onde também é

possível encontrar a situação de “janela musical”, na qual o compositor se refere.

- Preservar a identidade do ciclo: utilização do espaço. Para O Chamado do Anjo, primeira

janela acontecerá fora do palco ou atrás da plateia (simbolicamente, algo que está distante e

vem chegando), e as outras janelas, em lugares diferentes (referência a #1 sinfonia de

Mahler).

- Espaço enquanto elemento de estruturação da peça.

- Solista itinerante, ou seja, toca de diversos pontos no teatro. Interpretação da música

andando/marchando.

- Mapa de palco, como nas peças anteriores.

- Itinerário, para clarinete solo (exemplo de solista itinerante), onde os pontos fixos são as

janelas.

- A proposta não é parar a orquestra quando no momento das janelas.

Intérprete:

- Informações sobre a projeção do instrumento – direcional, de acordo com a posição da

campana no espaço.

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Compositor:

- Pensar na rotação do instrumentista como elemento de espacialidade (questão da projeção do

trompete)

Intérprete:

- Referência a Sequenza X, de Luciano Berio, onde há alterações da direção da campana que

estão previstas na partitura.

Compositor:

- Sobre a alteração da projeção: no palco não funcionaria, mas em uma performance na

plateia, por exemplo, poderia ser interessante adicionar o “rodar” em uma das janelas.

- Cuidado para não fazer algo caricato, ridículo, com esse recurso.

- Outra justificativa, iniciativa do intérprete em fazer a obra (prática colaborativa).

- Não é a ideia fazer um concerto para trompete, e sim algo novo, diferente.

Intérprete:

- Há a intenção de se fazer uma redução para trompete e piano, por exemplo?

Compositor:

- Primeiramente, há a necessidade de verificar como se comportarão as janelas na prática,

para conferir qual será o potencial do derivativo das janelas.

- Mais do que fazer redução, pretende-se conferir uma autonomia solista, que as janelas

funcionem enquanto peças solistas. O compositor considera a ideia de fazer um work-in-

progress para outras formações, eventualmente para piano. Então, seria uma outra peça.

- Questões sobre o work-in-progress: existem gestos idiomáticos em comum entre uma

orquestra e um piano, por exemplo?

- A redução “reduz”, é uma simulação da música orquestral. Pianista enquanto emulador da

orquestra. A ideia de work-in-progress é mais interessante, se trata de uma outra música.

Intérprete:

- Preocupação do orientador do trabalho em se criar uma peça para trompete e orquestra e não

ter muitas oportunidades de se apresentar, por isso a questão da redução.

Compositor:

- A redução nem sempre é uma redução de fato, é muito pobre de informações. Por isso a

ideia do work-in-progress é mais interessante.

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Encontro - 03/11/16

Compositor:

- Seção para o intérprete mostrar gestos no trompete.

- Estabelecer de fato uma “via de mão dupla”, onde o intérprete alimenta o compositor com

suas ideias.

- Muitas vezes o processo colaborativo não é tão colaborativo. Habitualmente o compositor

apresenta diversas ideias e o intérprete funciona como endossador.

- A proposta é ir por um outro caminho: o intérprete oferece ideias musicais, gestos que o

intérprete goste, que funciona no instrumento, que funciona especificamente com o intérprete

em questão, esse encontro o foco é esse.

Intérprete:

- Apresentação das surdinas straight, cup (ajustável) e harmon (stem in e out).

Compositor:

- Em relação as surdinas, há a questão de sonoridade ou de gesto?

Intérprete:

- Os dois. A questão do timbre, principalmente.

- Harmon – Stem out: muito utilizada no jazz (referência a Miles Davis).

- Nomenclatura das surdinas, mesmo quando em música brasileira, habitualmente aparece

notado em Inglês.

- Harmon – Stem in: jazz e música contemporânea (wah-wah)

- Demonstração do wah-wah sem o stem: não funciona

Compositor:

- O wah-wah tem alteração de um semitom, mais ou menos?

Intérprete:

- Não chega a ser um semitom, mas é quase.

Compositor:

- O wah-wah é um gesto muito icônico no trompete. Em geral, você até pode fazer em outros

instrumentos, mas não como no trompete.

Intérprete:

- Cup (copo ajustável)

Compositor:

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- O que muda com esse “ajuste” da surdina? Me dê exemplos.

- Quanto mais fechada a surdina, mais aveludado o som.

Intérprete:

- Isso é uma particularidade dessa marca em específico. Normalmente não é possível ajustar o

copo da surdina.

- Essas três surdinas (straight, harmon e cup) são as mais comuns, mas existem outras.

Existem em materiais diferentes, como cobre, alumínio, madeira, plástico, o que acaba por

alterar o timbre e também a projeção.

Compositor:

- Na straight, eu não ouço muito como alteração de timbre, e sim como surdina no sentido

próprio do termo, diminuir volume. (Referência à obra de Mahler, onde a utilização se

assemelha ao buchet das trompas)

- Pedido de demonstração de gestos musicais para o intérprete

Intérprete:

- Referência a entrevista com Proveta e Flávio. (Pedido do compositor para o intérprete tocar

o que ele gosta)

- Demonstração de células rítmicas:

Colcheia pontuada e semicolcheia (também a metade do valor)

Staccati: simples, duplo e triplo

Compositor:

- Qual a viabilidade do staccato triplo? É bastante idiomático quando feito na mesma nota.

Mas aproveitando enquanto gesto, é possível com mudança de nota?

Intérprete:

- É possível, mas se o intervalo entre as alturas for muito grande, fica complicado.

(Demonstração)

Compositor:

- Soa mais dedilhado, usando meu vocabulário de pianista.

Intérprete:

- Também é comum a utilização quando os intervalos são próximos (Demonstração)

Compositor:

- É possível um staccato quádruplo?

Intérprete:

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- Não, aí seriam dois staccati duplos.

Compositor:

- O staccato duplo então funciona como uma saída para tocar uma sequência de notas rápidas

em staccato.

- E a questão da nota longa, controle, utilização de vibrato e non vibrato, poder indicar

variações que vão além do que uma “escola” falaria?

Intérprete:

- Na minha formação, tive dois professores de trompete antes do atual. O primeiro tocava com

vibrato, mas nunca tocou no assunto. O segundo, deixava a cargo do aluno, se queria ou não

tocar com vibrato. Se tratava de uma opção estética. Então, acabei absorvendo muito do jeito

de tocar do meu primeiro professor, e quando fui para o segundo, não houve algo que me

impedisse de tocar com vibrato. Eu utilizo muito pontualmente, em finais de frase, de forma

sutil, mas utilizo com frequência sim.

Compositor:

- Pedido de demonstração do vibrato.

Intérprete:

- Demonstração de vibrato nos finais de frase, em notas mais longas.

Compositor:

- Pergunta: em uma nota longa, sem vibrato, é possível adicionar o vibrato durante a execução

da nota longa? (vice-versa)

Intérprete:

- Demonstração do efeito: non vibrato para molto vibrato em uma nota longa. (vice-versa,

mudanças súbitas)

- Necessidade de maior volume, quando molto vibrato.

- Compositor: Molto vibrato para non vibrato súbito, é possível?

- Intérprete: Demonstração. É possível.

- Compositor: Respirando durante funcionaria melhor? Faça uma vez

- Intérprete: Demonstração. Vira quase uma pausa.

- Compositor: Faça uma vez com a surdina Cup.

- Intérprete: Demonstração.

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- Flurato, demonstração. Questão da dinâmica: é necessário maior dinâmica. Começar um

flurato em piano é difícil. Diminuir o volume a partir de um ataque forte é possível, mas como

ataque piano é bastante difícil.

- Compositor: Pedido de demonstração de flurato com a surdina harmon (stem in).

- Intérprete: Demonstração (forte e piano, nota longa).

- Demonstração de flurato enquanto ferramenta para dar mais movimento, velocidade, em

notas de mesma altura (referência à Fanfare de Stanley Friedman) – staccato simples, duplo,

doodle tongue e flurato.

- Diferença entre doodle tongue e staccato duplo.

- Demonstração da performance removendo o tubo da segunda válvula do trompete.

(referência à Fanfare de Stanley Friedman)

- Compositor: É possível um trêmulo de válvulas no trompete?

- Intérprete: demonstração.

- Compositor: Como eu consigo esse recurso? Pedido de tabela, relação de trêmulos

possíveis (difíceis, funcionam bem, impossíveis). Tem uma articulação muito característica,

diferente dos tipos de staccati e flurato.

- O que você não gosta de fazer?

- Interprete: Flurato, não me atrai muito, embora seja comum no repertório.

- Compositor: Sobre a questão dos harmônicos naturais, gostaria de explorar isso, talvez.

- Intérprete: Demonstração dos harmônicos naturais nas 7 posições do instrumento.

- Recurso utilizado, em sua maioria, nos harmônicos inferiores (fanfarras).

- Harmônicos superiores, normalmente enquanto recurso (Ex: trinado Hummel).

- Compositor: Não ando seguindo uma certa “moda” de utilização de ruído. Por exemplo

você mexendo as válvulas, o ruído delas. Ou se amplifica isso, ou então, em um contexto

musical, isso não funcionaria.

- Interprete: Referência a Modes of Interference Nº1.

- Tocar com as válvulas desparafusadas (demonstração)

- Trêmulo de válvulas com válvulas desparafusadas

- Compositor: Esse tipo de coisa tem que ser utilizado com cuidado.

- Intérprete: Demonstração: alteração da altura da nota, abrindo e fechando o tubo da 3ª

válvula. (Friedman, Solus) Alteração, pouco além de um semitom.

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- Compositor: As ideias da peça, muitas coisas eu já havia pensado anteriormente, mas muito

mais elementos foram reativos a presença do intérprete no processo.

Encontro – 30/03/17

Compositor (1º momento):

- Sobre a questão da interação compositor/intérprete: diferença assumida entre as partes

envolvidas (ex: o compositor não vai tocar a peça de trompete)

- Existe em várias etapas, não é homogêneo, não é o mesmo tipo de colaboração.

- Colaborações diferentes para estágios diferentes da composição: Pré-elaboração, um tipo de

interação; quando começar a surgir “notas”, a colaboração muda; Processo de ensaio,

preparação e estreia, outro tipo de interação, sendo essa mais decisiva; e eventualmente uma

revisão pós-estreia.

- Resumindo: 1º estágio, elaboração do material; 2º estágio, orientação do intérprete enquanto

o compositor escreve; 3º estágio, ensaios (sugestão de mapeamento dos ensaios: como é a

peça no primeiro ensaio, e o que vai mudando com a colaboração)

(2º momento):

- 1º Estágio, elaboração do material: realização do projeto (Obra) em duas fases, devido ao

tempo de finalização da pesquisa Segundo Martinelli, a situação de se ter um prazo é

interessante, desafiador.

- Garantir, para a finalização da pesquisa, uma janela solista (cantochão musical, parte

orquestral enquanto reação da parte solo).

- Referência a Chemins (não é orquestração e sim uma espécie de cantochão sônico, isto é, o

solo é sonicamente a base e se cria outra música a partir disto), de Luciano Berio (Sequenza

para Viola).

- Janela solista junto a orquestra, mas que funciona como janela solo, sem a necessidade da

orquestra.

- Orquestrar é trabalhoso, seria necessário mais tempo.

- Esboço das ideias musicais (precede a elaboração do material):

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- Trabalhar com a ideia de Entidade Harmônica, isto é, um conjunto de notas que

pode ser usado tanto diacronicamente (melódico) como sincronicamente (acorde). (Referência

a obra do compositor presente na pesquisa do doutorado – Canções do Mendigo)

- Entidade Harmônica ligada a personagem (mesmo se tratando de instrumento

melódico).

- Entidade Harmônica enquanto elemento estruturador do solo de trompete:

“Entidade Anjo”, acorde que se encaixe na tessitura do trompete.

- Trompete Bb.

- Demonstração da entidade (com 6 notas) no esboço (dúvida: acorde de 6 ou 8

notas: depende da orquestração, em especial os metais).

- Acorde de 6 notas é pobre. Possibilidade de utilizar acorde de 8 notas, sem notas

repetidas (oitavas).

- Delimitação das notas da Entidade Harmônica: trítono composto, embora a

entidade ainda não esteja definida. Dentro da tessitura do trompete, não utilizando a nota mais

aguda e mais grave da extensão do instrumento, por questões tímbricas. O timbre dessas

regiões não é interessante para o compositor.

- Exemplo: gesto presente no esboço enquanto ponto culminante: demonstração

da versão sincrônica da entidade. (Momento de extensão máxima)

- Compositor afirma que está moldando o material a partir da natureza sonora do

instrumento (Trompete Bb).

Intérprete:

- O problema de se trabalhar de maneira colaborativa é que há o risco de se adequar a

composição à capacidade técnica do instrumentista, o que não é interessante, não provoca

desenvolvimento, não é enriquecedor.

Compositor:

- A colaboração não deve ser restritiva. Referência aos processos composicionais entre Berio

e determinados intérpretes, quando na criação das Sequenze. Em especial o processo

composicional da Sequenza para Cello (documentário, pesquisar William Teixeira –

orientando do Silvio Ferraz), que acabou por oferecer um novo paradigma de escrita para o

instrumento em questão.

- A ideia é almejar esse tipo de interação compositor/intérprete, como entre Luciano Berio e o

violoncelista Rohan de Saram.

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- Apresentação de esboço de seccionamento da peça orquestral. Dúvida: talvez três janelas

fique muito longo, o que pode tornar a obra muito longa, com cerca de 20 minutos.

- Pergunta: Sobre dois gestos que o compositor quer trabalhar. 1º gesto já apresentado no

esboço (non legato, ou staccato, ainda não definido), a partir da entidade anjo (que, se

definido uma entidade de 8 notas, é possível executá-la como escala, ou seja, dentro do

âmbito de uma oitava) – sequência de notas rápidas e curtas, de caráter anacrúsico, apoiadas

em uma nota longa, com vibrato na nota longa – mesa di voce (tendo como referência obras

de Varèse – octandre, hiper prismas).

- O desenvolvimento do gesto citado se dá nos trêmulos de válvulas, de diferentes maneiras:

trêmulos rápidos, devagar, simplesmente para salientar a mudança de timbre entre as notas,

até chegar no limiar onde o intérprete confunde o ouvinte (trêmulo de válvula ou flurato?).

- A ideia, a principio, é ter um desenvolvimento gestual, ao invés de desenvolvimento

temático. Então, não há um tema, e sim um gesto principal a ser desenvolvido (sequência de

notas rápidas e curtas, de caráter anacrúsico, apoiadas em uma nota longa).

- A dúvida é: como eu termino esse gesto? Abrindo uma melodia? Esmorecendo?

- Pergunta 1 para o intérprete: sobre esse gesto, a principio, se trata do gesto que sempre

parte do mais grave para o agudo. Alguma dica, sugestão, possibilidades, problemas?

Intérprete:

- Creio que o que se deve pensar a respeito é a questão dos intervalos. Em movimentos

rápidos, deve-se tomar cuidado com intervalos muito grandes.

Compositor:

- Vai aumentando gradualmente.

Intérprete:

- Dependendo da região, saltos grandes podem esbarrar em outras notas durante o percurso.

Compositor:

- Qual o limite intervalar que você considera prudente? Um intervalo de sétima, por exemplo?

Intérprete:

- Depende da região em que se está trabalhando. Por exemplo, no registro grave os

harmônicos são mais distantes, então não há muito problema com relação a isso.

Compositor:

- Acho que não passa disso (7ª), porque se estou pensando em fazer uma entidade harmônica

com 8 notas, as chances de se utilizar intervalos maiores diminui.

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Intérprete:

- Creio que, partindo da 1ª linha do pentagrama (clave de sol na 2ª linha) para cima, intervalos

até uma 5ª, se tratando de gestos rápidos. Via de regra, quanto mais agudo o trecho, menores

os intervalos, por conta da proximidade dos harmônicos (se a intenção é não esbarrar em

outras notas da série harmônica).

Compositor:

- E o que você acha desse gesto, é funcional?

Intérprete:

- Sim, está presente no repertório.

Compositor:

- Uma coisa que estou conjecturando, se eu limito o gesto a algo fisiológico do instrumentista,

isto é, staccato duplo, triplo, se o gesto vai ser no máximo 1-2-1 ou 1-2-3-1 (duplo e triplo

anacrúsico caindo no tempo forte do compasso seguinte, respectivamente); ou se eu

desenvolvo isso até chegar em 8 notas articuladas, como seria?

Intérprete:

- É possível, sem problemas.

Compositor:

- Mas como isso é articulado, nota a nota? De duas em duas?

Intérprete:

- Depende da escrita, de como será escrito. Habitualmente só se define isso tocando, testando

de diversas formas o que dá para ser feito.

Compositor:

Pergunta 2 para o intérprete: os limites do trêmulo, no que diz respeito a velocidade. O que

você tem a falar do limite rítmico do trêmulo, 1, do ponto de vista do mais rápido, e 2, do

mais devagar, ao ponto de não ter efeito algum? Ou sobre encarar o trêmulo devagar como

uma simples alternância de timbre? Há uma mudança de colorido bem evidente?

Intérprete:

- Algo muito claro é a alteração do timbre. Nas notas mais agudas, onde as posições

secundárias são alcançadas através do pressionamento das três válvulas, o som fica um pouco

anasalado, por exemplo o Si bemol no segundo espaço suplementar superior.

Compositor:

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Anote para mim as notas que você acha que tem bastante mudança na sonoridade, para se

trabalhar com nota longa.

Intérprete:

- Outro ponto que é alterado radicalmente as vezes, é a afinação, mas que pode ser corrigida

através da abertura/fechamento dos tubos relacionados à primeira e terceira válvula.

Compositor:

- Pode ser uma possibilidade anotar na partitura para não se corrigir essa desafinação, para se

trabalhar um som não temperado, por exemplo. Via de regra, tudo que envolve a utilização

das três válvulas se tem muita alteração na sonoridade/afinação, certo?

Intérprete:

- Correto.

Compositor:

- Quando se tem mudança de afinação, ela sobe ou desce?

Intérprete:

- A afinação sobe. Mesmo na nota C# na primeira linha suplementar inferior, onde a posição

principal (e única) é com as três válvulas pressionadas, é necessário corrigir a afinação para

baixo através da abertura dos tubos da primeira e terceira válvula.

Compositor:

- Não tem tantas opções então.

Intérprete:

- Quando se pressiona duas válvulas em notas que, habitualmente, não se pressiona nenhuma,

a mudança é bem acentuada também.

Compositor:

- É necessário fazer alguma mudança labial?

Intérprete:

- Não é necessário por conta da possibilidade de se corrigir com o abrir/fechar dos tubos do

trompete.

Compositor:

- Legal. Isso é algo interessante para se explorar.

Intérprete:

- Com certeza. Eu até queria te mostrar o trompetista libanês Ibrahim Maalouf, que toca

utilizando quartos de tom. Ele usa um outro instrumento, que tem uma quarta válvula que

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auxilia na execução dos quartos de tom, mas é possível conseguir quartos de tom abrindo ou

fechando os tubos de afinação nessas notas onde se utilizam as três válvulas, por exemplo.

Compositor:

- Legal, me mande depois. Voltando aos trêmulos, e o limite do rápido?

Intérprete:

- Via de regra, nas posições mais fáceis (de acordo com a tabela que te mandei) é possível

tocar mais rápido que um trinado. Na região aguda, onde os harmônicos são mais próximos,

também é possível fazer em alta velocidade. Entretanto, no registro agudo, a mudança de

posição (que proporciona uma leve quebra na coluna de ar) e a mudança de afinação (que, de

certa forma faz com que se gaste mais energia) faz com que o tempo de execução do trêmulo

seja menor, em relação a notas mais graves.

Compositor:

- A ideia é utilizar o trêmulo como ornamento. Não será algo estrutural.

- Pergunta 3 para o intérprete: e a inversão desse gesto (partindo do agudo para o grave) é

ruim?

Intérprete:

- Provavelmente seja mais fácil.

Compositor:

- E o trêmulo no registro grave?

Intérprete:

- Sem problemas. Dá para se fazer com facilidade.

Compositor:

- Eu podia jurar que isso seria muito pior, fazer esse gesto saindo do agudo até o grave e

terminando em um trêmulo.

- Segundo gesto: vamos trabalhando com o tempo, mas para não fazer algo que não funcione

gostaria de saber o que dá para fazer ou não. O conceito de Polifonia Virtual, idiomático dos

instrumentos monódicos. O trompete não faz polifonia, mas é possível fazer um contorno

polifônico. Como fazer isso? Opondo registro (mudança de registro – exemplo no esboço).

Bach faz isso nas peças para violino. A questão é que o violino faz isso de forma eficiente. É

uma ideia que o Berio também usa na Sequenza para oboé. Isto é, fazer uma música solo a

duas vozes.

Intérprete:

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Isso existe no repertório.

Compositor:

- Então coloco as perguntas: 1) é possível determinar uma mudança intervalar confiável para

se determinar essas duas camadas? Ou seja, é uma questão de registro? Ou é sempre

estabelecer uma região de oitava? Do ponto de vista do instrumentista, o que você me diz?

Intérprete:

- Creio que os dois exemplos mais presentes no repertório são: O Carnaval de Veneza (Tema

e Variações, por J.B. Arban), onde, na IV variação acontece esse tipo de coisa. O tema está no

registro grave, enquanto no registro agudo é feita uma figuração. Não é difícil de se fazer, é

do século XIX, tonal. Já no século XX tem a Intrada do Arthur Honegger, que tem mudanças

de registros no começo da peça.

Compositor:

- E o inverso? A figuração no registro grave com notas soltas no agudo?

Intérprete:

- Talvez dê mais trabalho, por conta da pressão/tensão utilizada no agudo ser maior em

relação ao registro grave.

Compositor:

- Essas são minhas ideias de hoje.

Encontro – 04/05/17

No dia anterior ao encontro, Leonardo Martinelli envia para Pedro, via email, a partitura da

possível introdução da obra “O Chamado do Anjo”. O encontro então se inicia com a

justificativa de como se deu a escrita do trecho em questão.

Compositor:

- Alguns elementos foram feitos com base no encontro passado (30/03). A mudança ocorrida

de solista e orquestra para solo, também influenciou na escrita do trecho. Entretanto, as ideias

musicais se mantiveram, não se atendo somente a elas.

- 1ª Ideia: definir de fato a Entidade Anjo. No último encontro, a Entidade estava com seis

notas, definidas após experimentação ao piano da resultante sonora da combinação das notas

(ex. tocado ao piano). O compositor basicamente buscava uma sonoridade que lhe agradasse.

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Quando na busca pela definição das seis notas, Leonardo pensou em fazer um material

harmônico enxuto, o que acabou por ampliar a ideia do material harmônico em questão.

- A questão da definição de um material harmônico com seis notas, por exemplo, surgiu da

proximidade de Martinelli com o compositor Olivier Toni (1926-2017) nos seus últimos cinco

anos de vida. (Conceito Weberniano de composição com poucas alturas).

- Ficou definido então um Entidade Harmônica de oito notas, sendo duas notas acrescidas ao

primeiro esboço da Entidade, e que foi desenvolvida no esboço da introdução da obra. Toda a

peça seria então derivada da Entidade Harmônica de oito notas definida.

- Como se dá o trabalho disso melodicamente: uma Entidade Harmônica de 8 notas que não se

repetem, resulta em uma escala (Esboço do dia 04-03). Serão as únicas notas tocadas na peça,

em diferentes registros. Entretanto, em determinados momentos, propôs-se a utilização do

conceito de “nota antipolar”, idealizado por Martinelli, que se trata de uma nota fora da

Entidade utilizada em um momento de destaque.

- No esboço da escala, as notas em preto são as notas da Entidade no seu registro original.

Embora a Entidade não seja apresentada harmonicamente, por se tratar de um instrumento

monódico, quando utilizadas as notas no seu registro original, a performance ofereça um certo

destaque, através dos trêmulos de válvula principalmente (ou com notas repetidas, no caso de

notas que não seja possível o trêmulo), baseado na tabela apresentada pelo intérprete.

- Essas foram as ideias da Introdução.

Primeira leitura com o compositor:

Compositor: Todas essas fermatas são para reforçar a ideia de que não tem mesura.

Intérprete: As apojaturas são rápidas, dessa forma que você tocou ao piano?

Compositor: Em princípio é para ser o mais rápido possível. No início elas estão com

ligadura, mas talvez haja a necessidade de se fazer articulado. Vamos testar.

Primeira leitura da Introdução. (Trompete Bb)

- O compositor sentiu falta de uma nota no gesto inicial (apojaturas). Uma das notas não

estava soando, por conta da ligadura.

- Explicação sobre o “erro escrito” (inicio do 5º sistema)

- Possibilidade de execução do trecho sem respirar (6º sistema, compassos 1-3)

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- Quintinas: hastes para cima e para baixo: maneira sugerida para a marcação de trêmulo de

válvulas

Intérprete: As apojaturas, principalmente no registro grave, não soam tanto (nota a nota). É

complicado fazer muito rápido.

Compositor: Eu imaginei isso. Essa região não a das mais interessantes para se trabalhar,

pelo menos no Trompete em Bb.

Intérprete: Você acha?

Compositor: Se fosse uma orquestração, eu colocaria esse trecho para uma trompa, e não

para um trompete, por exemplo. Talvez seja o caso de utilizar outro instrumento nesse trecho,

um Cornet talvez? Que seja mais grave.

Intérprete: O flugelhorn tem a mesma tessitura do trompete, mas tem o grave mais

encorpado.

Compositor: Podemos fazer um teste. Sobre o andamento, gostaria que você fizesse de novo

mais a tempo, para acertar algumas coisas. Por exemplo as quintinas, que ficaram muito

devagar, enquanto que o grupo de quatro semicolcheias ficou muito rápido. É preciso acertar

essas proporções, mesmo que o trecho possua caráter ad libitum.

- 2ª folha, 2º sistema, inércia musical deve ser mais orgânica e não tão métrica (quicando).

- Vamos de novo do começo, agora marcando o andamento?

Segunda leitura da Introdução. (Trompete Bb)

- Com marcação de tempo pelo compositor.

- Alteração da ligadura de frase do último compasso do 4º sistema (Ab articulado).

- “Erro escrito”: piano.

- Buscar melhor definição das quiálteras (tercinas, quintinas)

- Sugerir dedilhado dos trêmulos

- O som no grave não está agradando o compositor (timbre)

Terceira leitura da Introdução. (utilizando Flugelhorn)

- O som da Introdução como um todo, tocada ao flugelhorn, agradou mais o compositor.

- Não vai ser uma peça de flugelhorn, mas sim multi-instrumental.

- Sobre as apojaturas: não as apoiar. Tratá-las sempre como ornamento, todas elas.

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- Sobre o gesto inicial: teste do gesto sem ligadura, para maior clareza das notas. Exclusão de

todas as ligaduras do gesto em questão.

Quarta leitura da Introdução. (Flugelhorn)

- Pedido de elevação de um grau de cada marcação de dinâmica presente na partitura.

- A elevação da dinâmica trouxe um resultado sonoro melhor.

- Para o compositor, neste ponto, ficou 100% definido o flugelhorn na introdução. O registro

grave é mais contundente.

Pedido de demonstração de alguns gestos (Trompete Bb)

- Sobre polifonia virtual: o compositor ainda não está certo da efetividade deste gesto.

- Exemplo: trêmulo de válvula com notas em forte; Como seria com os trêmulos em forte?

- Exemplo na lousa: trêmulo de válvula com notas em forte ligadas (sem articula-las)

Encontro – 01/06/2017

Na segunda-feira anterior ao encontro (29/05/2017) Leonardo Martinelli enviou ao

pesquisador a primeira versão da obra O Chamado do Anjo, já finalizada. Em e-mail,

afirmou que a versão final possivelmente sofreria algumas alterações. O encontro inicia com

alguns apontamentos feitos pelo intérprete para o compositor, em relação a alguns trechos

da obra, seguindo de um ensaio com o compositor.

Compositor: Muito bem, quais são as observações?

Intérprete: A primeira questão é sobre as fermatas (curtas e longas) e suas diferenças. Em

encontros passados você havia dito que seria para reforçar a ideia de não ter mesura, de ser ad

libitum.

Compositor: Ainda é uma dúvida para mim. Nessa peça existe um segundo instrumento

pressuposto: o espaço (local da performance). Como lidar com isso, como anotar isso na

partitura, ou eventualmente na bula? Creio que seja uma questão de experiência, ou a falta

dela, ter consciência do quão ficcional você está escrevendo. Digo isso porque essas fermatas

são um ponto sensível. Eu tenho ciência do quão ficcional ela é, e por isso que eu falo desse

segundo instrumento pressuposto da peça, o espaço. Seria quase como se a peça fosse para

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trompete e espaço reverberante. Não é o caso, mas o espaço tem a sua importância na

performance.

Intérprete: A estreia será na Casa do Lago (Unicamp), que tem uma reverberação

interessante.

Compositor: Ótimo. Normalmente não há espaços como esse em escolas de música. Então,

tal como um dueto, você teria que negociar com esse seu acompanhante (espaço, no que diz

respeito às fermatas). Então, lógico, em um trecho onde a fermata está em uma semínima, e

noutro onde esteja em uma mínima, a notação vai falar qual dura mais. Mas nesse contexto,

considerando o espaço, dura o quanto tiver que durar. Eu opto por utilizar fermatas diferentes,

no caso da fermata quadrada (mais longa), para deixar claro que não é o tradicional, mas

efetivamente não há um padrão de duração. Depende do espaço.

Intérprete: Na verdade a maior dúvida sobre as fermatas era a do compasso 12 da

introdução. Se ela é diferente das demais.

Compositor: Bom, aqui vale a pena pensar a respeito. Estamos em um compasso 4/4. Tudo o

que vem antes da nota Lá natural são apojaturas, que não estão inclusas na contagem do

compasso, ou seja, não é necessariamente uma pausa de mínima, é um ad libitum. Eu acho

que é um outro momento para lidar com a sonoridade, entra nessa questão do espaço. Mas o

que eu quero que fique claro é que eu quero que haja um tempo entre esses dois gestos (erro

escrito), por isso a fermata.

Intérprete: Sobre a exposição da Entidade Harmônica por completo, na 4ª página, compassos

8-12. É inviável de se tocar sem respirar antes do arpejo. A sugestão do meu orientador foi

transformar a primeira nota do arpejo em uma pausa. A minha sugestão seria colocar uma

respiração antes do arpejo, em algum ponto. O que você acha?

Compositor: Eu prefiro colocar uma respiração do que tirar uma nota. Quero que a Entidade

se apresente por inteiro.

Intérprete: E sobre os trêmulos da 4ª página, do compasso 14 em diante. São ritmicamente

precisos ou ad libitum?

Compositor: Vamos ver. Eu pensei ad libitum, mas vamos ver como funciona.

Ensaio

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Primeira leitura: Introdução (Flugelhorn). Finalizado a performance da introdução, o

compositor aponta sobre o andamento (semínima = 60bpm). Pede para fazer mais uma vez

com semínima = 50bpm).

Segunda leitura: Introdução (Flugelhorn). Pedido de maior diferenciação das marcações de

dinâmicas anotadas.

- Sobre os trêmulos de válvula dos compassos 17 e 18, não agradou o compositor, não a

performance, mas o resultado gesto em questão. Soa muito simplório, medíocre, segundo

Martinelli.

- Necessidade de definição de três tipos de respiração: non obligato, obligato curto e obligato

longo.

- Voltando ao trecho dos trêmulos (compassos 17 e 18), o compositor pede para trocar a

quiáltera de cinco notas por uma quiáltera de seis notas, e executar o trecho sem trêmulo de

válvula. Dessa forma agradou o compositor, que por sua vez vai modificar o trecho.

Terceira leitura: Allegro (Trompete Bb). O compositor afirma que o trecho como um todo

será ampliado. O mesmo teve a impressão de que ficou pouco tempo em cada ideia.

Comentário sobre o trecho que se inicia na página 3, compasso 24: o compositor havia

imaginado esse trecho no trompete piccolo, mas mudou de ideia após ouvir o trecho tocado.

Segundo Martinelli, o trecho soa bem para o trompete Bb, e evitaria assim uma logística mais

complicada na execução da obra, tendo em vista que a mesma já conta com a utilização de

dois instrumentos.

Quarta leitura: Allegro (Trompete Bb). Antes de iniciar a leitura, o compositor coloca

algumas barras de repetição para o intérprete ter ideia do tamanho aproximado que será

aumentado em cada trecho. 1ª barra de repetição: 2ª página, compassos 16-23; 2ª barra de

repetição: 3ª página, compassos 3-8; 3ª barra de repetição: 3ª página, compassos 16-23.

- Execução com as barras de repetição propostas.

Quinta leitura: Allegro (Trompete Bb). Trêmulos de válvula dos compassos 18-19 na quarta

página: Não enfatizar tanto a apojatura, começar mais forte e terminar mais piano.

- Teste: ao final da nota longa com trêmulo, remover o trêmulo; O efeito agradou o

compositor; também agradou a fragilidade da afinação quando na alternância de digitação.

- Terminar com a posição alternativa (1-3) sem corrigir a afinação, e adicionando um

compasso a mais de nota longa.

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Processo composicional

Compositor: A ideia foi passear pelo material harmônico gerado pela Entidade Anjo.

Procurei fazer algo orgânico, direcional, que começasse no registro grave e fosse até o agudo.

- Estamos falando sobre o Allegro, o momento onde a música inicia com o Trompete Bb (não

mais com o Flugelhorn).

- Existe uma 1ª seção, onde eu trabalho com alturas presentes entre a primeira e a terceira

notas da Entidade (Sol no 3º espaço suplementar inferior até Fá no 1º espaço). Nada além

disso.

- Em uma 2º seção muda-se o tempo, tem a transição, onde estão as alturas presentes entre a

terceira e a quinta nota Entidade (Fá no 1º espaço e Ré na 4ª linha).

- Na 3º seção há um cross, pois trabalhei entre a quarta e sexta notas da Entidade Anjo (Lá no

2º espaço e Sol no primeiro espaço suplementar superior).

- No final (4ª seção) é onde alcanço a tessitura máxima, chegando ao Ré bemol no 3º espaço

suplementar superior. E nesse ponto você não toca mais notas graves.

- Depois de percorrer todo o caminho harmônico da Entidade Anjo, há uma ênfase nas notas

reais da Entidade através da acentuação da música (marcato, staccato, etc).

- Após o ponto culminante, a nota mais aguda, fiz o caminho de volta, retornando do registro

agudo para o grave.

- O que eu vou fazer agora é alongar um pouco o tempo dessas quatro fases.

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Anexo 18 – Fotos dos encontros

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Anexo 19 – Link da gravação da obra O Chamado do Anjo , de Leonardo Martinelli.

Performance do pesquisador desta dissertação

https://www.youtube.com/watch?v=x1gbW7vedDQ