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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS LARISSA ALVES MUNDIM NOS LABIRINTOS DE CLIO: POLÍTICA, INDIANISMO E HISTÓRIA NA POESIA DE MACHADO DE ASSIS CAMPINAS 2017

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

LARISSA ALVES MUNDIM

NOS LABIRINTOS DE CLIO: POLÍTICA, INDIANISMO E

HISTÓRIA NA POESIA DE MACHADO DE ASSIS

CAMPINAS

2017

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LARISSA ALVES MUNDIM

NOS LABIRINTOS DE CLIO: POLÍTICA, INDIANISMO E

HISTÓRIA NA POESIA DE MACHADO DE ASSIS

Dissertação apresentada ao Instituto de Filosofia e

Ciências Humanas da Universidade Estadual de

Campinas como parte dos requisitos exigidos para a

obtenção do título de Mestra em História, na área

História Social

Supervisor/Orientador: Prof. Dr. Sidney Chalhoub

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO

FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA ALUNA

LARISSA ALVES MUNDIM E ORIENTADA PELO PROF.

DR. SIDNEY CHALHOUB.

CAMPINAS

2017

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Universidade Estadual de Campinas

Instituto de Filosofia e Ciências Humanas

A Comissão Julgadora dos trabalhos de Defesa de Dissertação de Mestrado composta pelos

Professores Doutores a seguir descritos, em sessão pública realizada em 21 de fevereiro de

2017, considerou a candidata Larissa Alves Mundim aprovada.

Prof. Dr. Ricardo Figueiredo Pirola

Profa. Dra. Ana Flávia Cernic Ramos

Prof. Dr. Jefferson Cano

A Ata de Defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de

vida acadêmica da aluna.

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Para Geisler, minha mãe

Nilse e Manoel, meus avós

“Mueve-me enfin tu amor de tal manera

Que aunque no hubiera cielo yo te amara.” (“Fé” – Machado de Assis)

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Agradecimentos

Fazer um mestrado é um privilégio, entretanto, ao longo de dois anos, muitas vezes

questionei meu caminho. Nesta jornada contei com pessoas determinantes que o destino ou o

acaso colocou na minha vida. Não contesto a sorte que foi tê-las conhecido. Foram guias que

muitas vezes me salvaram dos labirintos desta história.

O orientador Sidney Chalhoub ofereceu estímulo e autonomia intelectual (mesmo com

a distância de mais de 7.600 km que separam Cambridge e Campinas). Suas críticas foram

fundamentais para minha formação. Sempre o levarei como exemplo.

A Ana Flávia Cernic Ramos continua sendo minha mestra, não deve existir isso de “ex-

orientadora”. Desde a graduação ela tem uma agudeza indispensável para meu trabalho. A

Flávia me presenteou com uma edição toda rabiscada dos primeiros capítulos da dissertação,

foi essencial para rever certas partes e terminar o trabalho. Obrigada por ainda ler meus textos

e me colocar nos eixos quando preciso.

O professor Jefferson Cano também fez apontamentos importantes. Devo reconhecer

ainda as sugestões que recebi sobre o meu projeto no seminário de linha de pesquisa. Portanto,

agradeço aos professores e professoras: Robert Slenes, Sílvia Hunold Lara, Ricardo Pirola,

Lucilene Reginaldo e Fernando Teixeira. Ainda neste campo, renovo meu agradecimento à

banca da monografia: Ana Paula Spini e Daniela Magalhães da Silveira. Os comentários e

questionamentos de ambas foram guardados e me serviram na escrita da dissertação.

Desde o início do mestrado, participo de seminários mensais nos quais discutimos obras

literárias. Nossos encontros foram extraordinários. Agradeço aos membros: Ana Flávia

Magalhães Pinto, Laila Corrêa e Silva, Caio Arrabal, Rodrigo Camargo Godói e Dayana

Façanha. Sobre os dois últimos, preciso de mais algumas palavras. O Rodrigo se tornou um

colega valoroso, com ele aprendo muito sobre literatura. Se a lei da sincronicidade estiver

correta, explica o coincidência de tê-lo encontrado para um café e conversar sobre questões

delicadas da pós-graduação e da vida íntima, foi incentivo para resolver certos impasses.

Já a Dayana Façanha foi com quem compartilhei o interesse por nossos literatos em

disciplinas das pós-graduação e também as angústias da vida acadêmica. Foi a Day quem

aguentou grande parte das minhas ansiedades (e isso não é para qualquer um!), ela ainda

comentou muitas questões da dissertação e do projeto de doutorado. O ano de 2015 não foi

tranquilo, quem ingressou naquele ano estava no mesmo barco de incertezas, o que talvez tenha

sido essencial para a união da turma. Acima dos egos acadêmicos sempre estivemos juntas e

torcendo uma para a outra. Além da Day, devo agradecer a Alessandra Belo, Tamires Sacardo,

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Telma Gonçalves Santos e Daniela Cavalheiro, nossos encontros são sempre divertidos, sinto

falta de vê-las cotidianamente, são todas amigas estimadas. A Dani também leu e comentou o

projeto de doutorado, gratifico o carinho e a atenção de sempre. Numa época de cortes no

investimento para a educação, seguir carreira acadêmica é um ato de coragem. Enfrentar a

contracorrente exige teimosia e bom humor, essas mulheres fazem jus à causa.

E, apesar dos cortes, tive a sorte de receber bolsa no início do mestrado. Agradeço o

financiamento do CNPq que me proporcionou dedicação integral aos estudos.

No cotidiano, quem suporta a mestranda são os amigos e a família. O amor, às vezes, se

mostra silencioso, no cuidado diário, na cumplicidade dos olhares, numa oração, no abraço do

reencontro. São essas pessoas que me entendem e aprenderam a lidar comigo. Sem mais, minha

“farândola” é composta pelos melhores amigos que poderia encontrar: Alessandra Mata,

Andressa Sanday, Beatriz Benvengo, Breno Pedroni, Giovana Telles, Matheus Nassif, Nikolas

Maciel, Pedro Gusmão, Pedro Sliuzas, Rodrigo Hilkner, Tiago Gayet, Sabrina Rodrigues e

Victor Scaliante.

Rodrigo Hilkner é um amigo sensível, obrigada pelas mensagens carinhosas. Pedro

Sliuzas agora sabe que Thompson não é só modelo atômico, também ficou fascinado quando

leu alguns trechos de Trabalho, lar e botequim. Beatriz Benvengo, a melhor amiga que alguém

poderia ter, nosso encontro deve ser celebrado, não é todo dia que alguém tão especial entra em

nossas vidas. Nikolas Maciel, grande companheiro, desde o primeiro ato somos amigos. Poucas

pessoas se empolgam tanto com minha pesquisa quanto o Nikolas. E foi com ele, num domingo,

às 2h da madrugada, que encontrei alguns documentos que estão na dissertação. Que nossa

dupla dinâmica dure uma vida inteira.

Já da época da graduação, preciso agradecer a amizade de Matheus Borges e Juliane

Granusso. Com a Juliane tenho aquela conexão de quem não precisa mais estar presente

diariamente, porém ainda existe uma amizade inquestionável. O Matheus se mudou para

Curitiba e foi fazer cinema: menino, não deixe seus pés no chão! Espero te visitar sempre, e

cada vez mais longe. Também desde a graduação, Munís P. Alves é um interlocutor arguto e

engraçado, agradeço pelas perguntas desconcertantes.

Todo o agradecimento foi escrito no início da primavera, foi época propícia para lembrar

do percurso dos últimos meses e os nomes que deveriam constar nestas folhas. A vida é mesmo

uma surpresa e precisei voltar, no fim da primavera, para escrever mais um agradecimento.

Giovanna Poletto, “musa de olhos verdes”, seu afeto e carinho foram inspiradores para terminar

este ciclo. É de se reconhecer a maestria com que ela lidou com a mestranda. E foi ela quem

esteve ao meu lado colorindo meus dias sombrios.

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A família, enfim. Aos Freitas Alves mais uma vez. Família, muito obrigada por todo o

cuidado que tiveram com minha educação e pelo incentivo constante apesar das adversidades.

O tio Fernando é referência que levo no coração; o tio Marco, um amparo indispensável. O

pequeno Vitor nasceu junto com essa pesquisa (lá no tempo da graduação) e a cada amanhecer

renova as esperanças de todos ao seu redor: o mundo é bom, menino! Obrigada por manter a

vovó tão bem. Agradeço ao Mateus, meu irmão, cuja tranquilidade me ensina coisas que

realmente importam. E por último, o agradecimento mais difícil: minha mãe e avós maternos.

A eles dedico esse trabalho. Nunca conseguirei exprimir em palavras toda gratidão e amor.

Tudo que fizer nesta vida sempre será por vocês.

Primavera de 2016

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“O conselho para sempre virar à esquerda

me fez recordar que era esse o

procedimento comum para descobrir o

pátio central de certos labirintos.” (Jorge

Luís Borges)

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Resumo

Esta dissertação tem como objetivo analisar um conjunto da obra poética de Machado de Assis.

O objeto principal da dissertação é a coletânea Americanas (1875), que tem características

indianistas. Portanto, para entender a tomada de decisão do autor em escrever sobre o

indianismo, acompanhei o que ele produziu na sua obra poética desde o início. Logo, a intenção

foi colocar Machado de Assis e sua obra poética em diálogo com as discussões acerca da

literatura nacional nas décadas de 1860 e 1870. Surgindo temas como a formação da

nacionalidade e da literatura brasileira, política, escravidão e sociedade imperial. Assim,

observei parte da formação do próprio autor enquanto homem de letras na imprensa do Rio de

Janeiro. Bem como os anseios do escritor sobre a constituição da nação e da sociedade

brasileiras, discutindo assuntos como indianismo, escravidão, romantismo, cientificismo e raça.

Palavras – chave: Machado de Assis; poesia; indianismo; Americanas;

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Abstract

The objective of this thesis is the analysis of Machado de Assis’ poetic work. Its principal object

of analysis is the collection under the title Americanas (1875), which has Indianist

characteristics. In order to understand the author’s decision to write about Indianism, I followed

his productions in his poetic work since its beginning. Therefore, my intention was to set

Machado de Assis and his poetry in a dialogue with discussions about national literature in the

1860s and the 1870s. Thus, themes such as the formation of Brazilian nationality and literature,

politics, slavery and Imperial society arose. Consequently, I observed part of the author’s

formation as a “man of words” in Rio de Janeiro’s press. As well as his aspirations about the

constitution of both Brazilian nation and society, discussing subjects like Indianism, slavery,

Romanticism, Scientism and race.

Key words: Machado de Assis; poetry; Indianism; Americanas;

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Sumário

Introdução ............................................................................................................................... 13

Capítulo 1: “O menino é pai do homem”: nação e política na poesia de Machado de Assis

nos anos 1860 ........................................................................................................................... 21

“A realidade é fria” ................................................................................................................ 25

Os filhos das primeiras incertezas ......................................................................................... 38

A musa nacional ...................................................................................................................... 43

A suposta ingratidão ............................................................................................................... 50

Capítulo 2: Os últimos combates do romantismo: ciência e indianismo na década de 1870

.................................................................................................................................................. 58

Literatura, ciência e raça ....................................................................................................... 62

“Raça mestiça, meio selvagem, meio civilizada” ................................................................. 75

1875: outono indianista .......................................................................................................... 84

“Mas não é isto uma simples questão de ponto de vista?” .................................................. 93

Capítulo 3: “Viva pois a história, a volúvel história que dá pra tudo”: ciência e ficção em

Americanas ............................................................................................................................ 130

As notas alencarianas ........................................................................................................... 133

As notas machadianas .......................................................................................................... 136

Os labirintos da história ....................................................................................................... 142

Conclusão .............................................................................................................................. 154

Referências Bibliográficas ................................................................................................... 159

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Introdução

“Mas deixai pingar os anos na cuba de um

século. Cheio o século, passa o livro a

documento histórico, psicológico,

anedótico. Hão de lê-lo a frio; [...] Daí a

esperança que me fica, de não ser

condenado absolutamente pela

consciência dos que me leem”1 (Machado

de Assis)

“O assunto deste poema é rigorosamente histórico”. Com essa frase, Machado de Assis

abriu a “Advertência” do poema O Almada2, poesia tragicômica inspirada num caso verídico

narrado por Baltasar da Silva Lisboa, no tomo III dos Anais do Rio de Janeiro. E com essa

frase, quero apontar para a leitora que o rol de poemas escolhidos que foram analisados nesta

dissertação tem um assunto “rigorosamente histórico”. Os anos pingaram na cuba do século, os

versos se transformaram em documentos. A poesia carrega em sua essência um testemunho

histórico. Os poemas analisados testemunham acontecimentos noticiados em periódicos

contemporâneos a Machado de Assis ou foram inspirados em episódios narrados em crônicas e

documentos, assim como O Almada, e, portanto, “rigorosamente históricos”. A escolha teórico-

metodológica também é “rigorosamente histórica”. O ofício de historiadora impele a

“historicizar” as obras literárias, analisando-as dentro das relações sociais e históricas em que

foram produzidas.

“Rigorosamente histórico” também qualifica o conjunto de poesias produzidas por

Machado de Assis na década de 1860 e 1870. Não analiso toda a produção poética do autor

entre 1855 e 1875 (quem sabe cousas futuras!). Para a dissertação fiz escolhas, privilegiando

determinada esfera das poesias machadianas: versos com temática social, política e nacionais.

Tenho como peça principal a coletânea Americanas, publicada por Machado de Assis em 1875.

Americanas é composta, dentre outras coisas, de poesias indianistas. Trata-se de uma coletânea

peculiar, pois até então o autor não tinha escrito poesias com essa temática. Americanas foi

publicada em dezembro de 1875, possui uma unidade temática, que chamo de “fio condutor”,

consiste de poemas sobre a história do Brasil. As 13 poesias que integram são: “Potira”,

1 ASSIS, Machado de. “Eterno!”. Histórias sem data. Rio de Janeiro: B.L. Garnier, 1884. 2 ASSIS, Machado de. “O Almada”. In: Outras Relíquias. RJ: Garnier, 1910.

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“Niani”, “Cristã-Nova”, “José Bonifácio”, “A visão de Jaciúca”, “Cantiga do Rosto Branco”,

“A Gonçalves Dias”, “Os semeadores”, “A flor do embiroçu”, “Lua Nova”, “Sabina”, “Última

jornada” e “Os orizes”; sendo que oito delas são indianistas e muitas dessas inspiradas em

documentos históricos, como Machado indicou numa série de notas no final da edição. Além

disso, a coletânea possui uma “advertência” na qual o autor indicou ao leitor o assunto do seu

livro, demarcando também seu campo de combate. Pelo caráter dessa fonte, o meu trabalho

baseia-se na relação de Machado de Assis com o romantismo. Claro que não apenas isto, mas

foi esse o ponto de partida há alguns anos na pesquisa de iniciação científica, sob a orientação

de Ana Flávia Cernic Ramos, que teve como resultado a monografia intitulada Machado de

Assis entre a poesia e a história: identidade nacional e nacionalismo literário em Americanas

(1875)3.

No mestrado, para entender o percurso que levou Machado a escrever Americanas,

resgatei uma parcela dos primeiros poemas machadianos. Analisei a coletânea na sua relação

com o restante da obra poética de Machado. Há uma tendência na crítica literária em estudar

Americanas separadamente, pois se trata de uma coletânea repleta de particularidades. O fato

de ser a única obra machadiana com características indianistas parece ser a razão de muitas

vezes ser colocada num lugar insular4. Li as demais coletâneas que Machado de Assis publicou,

Crisálidas (1865) e Falenas (1870). Esta última foi um ponto de partida, possui uma temática

mais relativa à Europa, incorporando referências aos gregos clássicos, Shakespeare, Schiller,

dentre outros. Meu argumento baseia-se nas recepções críticas dessas coletâneas, sobretudo a

de Falenas. Ao ler as críticas que saíram em jornais da época, percebe-se que a coletânea não

agradou por não conter traços de “cor local”, ou seja, quase não havia versos que privilegiavam

a natureza e os habitantes do Brasil. Desde os anos 1830, a literatura nacional carregou consigo

a missão política e social de construção da nacionalidade5. A geração responsável por essa

missão é representada por homens como Gonçalves de Magalhães, Gonçalves Dias, José de

3 MUNDIM, L. A. Machado de Assis entre a poesia e a história: identidade nacional e nacionalismo literário em

Americanas (1875). 2014. Monografia (conclusão de graduação em História). Instituto de História, Universidade

Federal de Uberlândia. Uberlândia, 2014. 4 Cláudio Murilo Leal, ao escrever sobre as poesias machadianas, relega um “espaço insular” às “poesias

nativistas” de Machado e interpreta Americanas como se estivessem desconexas das demais produções do autor.

(LEAL, Cláudio O círculo virtuoso: a poesia de Machado de Assis. Brasília, DF: Ludens, 2008)

Flávia Amparo, em sua tese sobre poesias machadianas, não incluiu Americanas em sua análise porque afirma que

a coletânea de 1875 levaria a tese para outro caminho (AMPARO, Flávia. Sob o véu dos versos: o lugar da poesia

na obra de Machado de Assis. 2008. 346fls. (Tese de Doutorado em Letras Vernáculas [Literatura Brasileira]),

Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ, Rio de Janeiro, p 15). E de fato os assuntos

seriam outros. Todavia, discordo que Americanas não esteja relacionada com o restante das obras de Machado,

tanto prosa quanto poesia, porque possui uma temática que a diferencia das demais. 5 Ver: MAGALHÃES, Domingos José Gonçalves de. “Ensaio sobre a literatura do Brasil: estudo preliminar”. In:

Nitheroy: revista brasiliense, sciencias, letras e artes, t. 1, n. 01, 1836.

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Alencar, dentre outros. Todos eles elegeram o índio como representante da nação, portanto, este

se tornou protagonista dessa literatura. No fim dos anos 1860, quando o indianismo dava

indícios de ser insuficiente para representar a literatura nacional, alguns autores mais jovens,

dentre eles Machado de Assis, começavam a buscar novos temas e personagens. Entretanto, em

1870, ano de publicação de Falenas, ainda havia uma parcela da crítica que militava pela

manutenção de uma literatura nacional baseada nos cenários e personagens da natureza

brasileira. Ao analisarem a obra poética machadiana, acabaram por fazer um apelo ao autor:

comprometer-se com a poesia nacional, escrevendo sobre temas tipicamente brasileiros, tais

como índios e floresta. Essas considerações dos contemporâneos parecem não ter agradado

Machado de Assis. Ele quiçá sentiu necessidade de oferecer respostas sobre a conjuntura

literária vivida. Alguns textos foram publicados pelo autor na época, por exemplo, “Instinto de

Nacionalidade” (1872), no qual Machado de Assis analisa a literatura nacional, indicando que

esta não podia se limitar ao mote indianista. Os escritores deveriam sustentar certa missão social

independente dos assuntos que elegessem como fontes literárias. Outra possível resposta é a

própria coletânea Americanas. Na dissertação, a analiso tendo como horizonte o diálogo da

coletânea com o cânone indianista e com as transformações que a literatura sofria na década de

1870.

A literatura nacional estava mesmo num momento delicado, considerando que havia

necessidade de buscar sucessores para Gonçalves Dias, falecido em 1864. Machado de Assis já

dava alguns sinais de que poderia ser o próximo nome importante para a poesia nacional. Após

a publicação de Falenas, a despeito das críticas sobre a temática e a falta de comprometimento

com as letras nacionais, a lírica machadiana foi elogiada. Araújo Porto-Alegre, o Barão de Santo

– Ângelo e importante intelectual da época, enviou uma carta agradecendo seu exemplar de

Falenas e afirmou: “Dou-lhe parabéns, e dou-os ao Brasil. Gonçalves Dias deixou um digno

sucessor!”6. A figura de Gonçalves Dias é central para Machado de Assis refletir sobre as

ponderações dos críticos, afinal, ao pensar a confecção de Americanas, o autor passará a

dialogar principalmente com esse cânone do indianismo. Gonçalves Dias é um dos principais

protagonistas da coletânea indianista machadiana. Recebeu uma importante homenagem numa

poesia em que Machado de Assis compara a importância histórica e literária de Gonçalves Dias

a Camões. No poema, o escritor reflete sobre o naufrágio que resultou na morte de Gonçalves

6 PORTO-ALEGRE, Manoel Araújo. [carta] 4 de agosto de 1870. Lisboa [para] ASSIS, Machado de. Rio de

Janeiro (agradecimento pelo exemplar do livro Falenas). Correspondência de Machado de Assis: tomo II, 1870-

1889 / coordenação e orientação Sergio Paulo Rouanet ; reunida, organizada e comentada por Irene Moutinho e

Sílvia Eleutério. – Rio de Janeiro : ABL, 2009. (Coleção Afrânio Peixoto ; v. 92). p. 19

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Dias e o compara com aquele que acometeu a Camões durante o tempo de escrita de Os

Lusíadas. Essa imagem coloca ambos os autores em pé de igualdade; enquanto Camões seria o

patriarca da literatura portuguesa, Gonçalves Dias desempenharia a mesma função para a

literatura brasileira.

A partir dessa discussão sobre a literatura nacional, recortei dois problemas. O primeiro,

mergulhar as poesias Americanas ainda mais profundamente no seu próprio tempo histórico,

analisando-as dentro de um período marcado por questões cientificistas - o que no final da

década de 1870 provocará o surgimento do realismo naturalismo (mas isso, Machado ainda não

sabia) – logo, vemos nosso autor no processo histórico, sem saber qual o rumo que aquelas

ideias tomariam. Ciência e literatura se aglutinavam cada vez mais e Machado de Assis ansiava

por deixar seu testemunho sobre o dilema. O que faz chegar ao segundo problema: Machado de

Assis utilizou textos com caráter historiográfico e, portanto, ditos científicos, como inspiração

ou base para seus argumentos na coletânea. A relação intrínseca entre ficção, história e ciência,

na década de 1870, é a premissa de algumas das minhas conclusões. José de Alencar já tinha a

intenção de escrever um texto com verossimilhança, baseado em documentação, lá nos anos

1860; entretanto, na década de 1870 essa noção baseada na ciência foi levada a outro estágio.

Um ponto sensível em quase todos os trabalhos sobre a poesia machadiana é entender

que o poeta foi criticado ainda em seu tempo. Machado de Assis, em diversos momentos, teve

seus versos meticulosamente avaliados. Apenas considerei a crítica contemporânea às

coletâneas do autor, essas que o escritor também leu e o influenciou na sua obra. O que me

ajudou a construir meu argumento. Em alguns momentos da dissertação, citei a avaliação de

alguns críticos literários contemporâneos nossos, retirei o que julguei importante, ao passo que

dialogo com esses autores mostrando certas fragilidades de suas produções. O principal nome

ligado a estudos sobre a poesia de Machado de Assis no Brasil é Cláudio Murilo Leal, crítico

ligado à ABL e responsável por organizar a coletânea Toda poesia de Machado de Assis.

Algumas análises do crítico são interessantes, entretanto discordo do autor em alguns

momentos, a começar pelos critérios que o levaram a inserir Machado de Assis no

parnasianismo, o que por si só é anacrônico7.

Wilton José Marques, em seu recente projeto sobre Americanas, produziu artigo

comparando o indianismo de Machado de Assis com o de Gonçalves Dias8. Ele também

orientou a dissertação de mestrado O indianismo em Americanas (1875), de Machado de Assis

7 LEAL, Cláudio Murilo. O círculo virtuoso: a poesia de Machado de Assis. Brasília, DF: Ludens, 2008. 8 MARQUES, Wilton José. “Machado de Assis & Gonçalves Dias: encontros e diálogos”. Luso-Brazilian Review

(Online), University of Wisconsin Press, v. 43, n.1, pp. 51-64, 2006.

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(Releitura da tradição romântica), escrita por Marina Venâncio Grandolpho. A autora entende

que o literato estava preocupado em escrever uma releitura do indianismo, representado

principalmente por Gonçalves Dias9.

Meu objetivo foi mergulhar mais profundamente na época e consequentemente na

própria obra. Já no primeiro capítulo, a proposta é dilatar o problema, pois levo as questões

que envolvem minhas hipóteses, tais como a formação da literatura brasileira e a preocupação

do Machado de Assis com os subalternos, para serem testadas na poesia publicada na juventude

do escritor. Além disso, a preocupação metodológica é devolver as poesias para o suporte

original, analisando os versos nos jornais onde primeiramente foram publicados. Valorizo,

assim, a relação próxima entre literatura e imprensa oitocentista. Ler a obra ficcional em seu

veículo original não é novidade para os estudos machadianos. Este método de análise privilegia

o diálogo da ficção com seu entorno no periódico; desse modo, é possível entender a literatura

numa relação direta com as questões do seu tempo. Daniela Magalhães da Silveira em Fábrica

de Contos analisa duas coletâneas machadianas – Papeis avulsos e Histórias sem data – em

seus suportes originais, pois ao se levar em consideração a relação entre contos e jornais nos

quais foram publicados, são reveladas “informações importantes não só sobre cada história,

como também a respeito do próprio autor e do conjunto de sua obra”10. Daniele M. Megid, por

sua vez, tem como objeto de estudo o romance Memórias Póstumas de Brás Cubas em seu

veículo original, a Revista Brasileira. Ler o romance na Revista foi uma forma que Megid

encontrou para “adentrar um pouco mais as especificidades” da sociedade oitocentista. Para

entender Memórias, Megid conheceu primeiro seu periódico, “os artigos que rodeavam o

romance machadiano em sua primeira aparição, os colaboradores da revista e seus leitores”11.

Por fim, o que diferencia meu trabalho é a pesquisa empírica realizada em outras obras

indianistas do mesmo período. Dessa forma, demonstro que as preocupações de Machado de

Assis dialogam com uma série de assuntos que circulavam nas rodas de intelectuais, envolvendo

desde literatos e historiadores a cientistas e políticos. A partir dos indícios da própria coletânea

e da época que foi produzida, mostro como Machado de Assis estava envolvido nos labirintos

da história, tanto aquela vivida por ele quanto a que o inspirou a partir de documentos de

9 GRANDOLPHO, Marina Venâncio. O indianismo em Americanas (1875), de Machado de Assis (Releitura da

tradição romântica). 2014. 103f. Dissertação (Estudos de Literatura). Universidade Federal de São Carlos, São

Carlos. 10 SILVEIRA, Daniela Magalhães. Fábrica de contos: ciência e literatura em Machado de Assis. Campinas, SP:

Editora da Unicamp, 2010. p. 16-17 11 MEGID, Daniele Maria. À roda de Brás Cubas: literatura, ciência e personagens femininas em Machado de

Assis. São Paulo, SP : Nankin, 2014. . p. 25.

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cronistas e de Revistas do IHGB. O trabalho assume um caráter “rigorosamente histórico” feito

desta forma.

“Rigorosamente histórico”, enfim, caracteriza o referencial teórico-metodológico do

qual fiz uso. O trabalho parte do pressuposto, afirmado por Carlo Ginzburg em O fio e os

rastros, de que “a relação entre narrações históricas e narrações ficcionais [deve] ser enfrentada

da maneira mais concreta possível”. Ao presumir que o texto ficcional é “entranhado de

história” apesar da pretensão de ser uma “realidade autônoma”, tenho como finalidade acessar

camadas históricas da literatura aqui coligida. A estratégia que utilizo associa-se à investida que

Ginzburg fez “contra o ceticismo” que “ataca o caráter referencial dos textos” historiográficos.

Sendo assim, a estratégia metodológica é seguir o que Ginzburg afirmou sobre “[escavar] os

meandros dos textos, contra as intenções de quem os produziu”, fazendo “emergir vozes

incontroladas”. A intenção, é perseguir os “rastros” deixados pelo autor, independente de qual

for, “mais ou menos involuntariamente”12.

E. P. Thompson e seus Os Românticos foi uma orientação metodológica fundamental13.

Publicado postumamente por Dorothy Thompson, o livro reúne os trabalhos do historiador

inglês sobre poetas românticos como Coleridge e Wordsworth. O objetivo de E. P. Thompson

volta-se para a experiência social de tais autores e como estes elaboram seus pontos de vistas

na ficção. Dorothy Thompson elucida no prefácio que E. P. Thomspon percebia as obras

literárias “não como ‘ilustrativas’ dos movimentos que estavam estudando, mas como parte

essencial destes”14. O historiador salienta que a produção literária se relaciona com questões

políticas e sociais; para mostrar tal argumentação, o historiador se debruça para a experiência

social dos autores românticos. Demonstra, assim, que, ao empreender uma análise literária, ele

precisa compreender as tensões sociais durante as quais a obra ficcional foi produzida. O que

Thompson chama de “verdadeira experiência histórica vivida” pelos literatos.

Isto posto, vinculo ao que o próprio Machado de Assis afirmou sobre o seu ofício de

escritor: “O que se deve exigir do escritor antes de tudo, é certo sentimento íntimo, que o torne

homem do seu tempo e do seu país, ainda quando trate de assuntos remotos no tempo e no

espaço.”15. A pesquisa acompanha o escritor como um “homem de seu tempo e do seu país”. A

12 GINZBURG, Carlo. O fio e os rastros: verdadeiro, falso e fictício. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. p.

7 – 14. 13 THOMPSON, E. P. Os Românticos: Inglaterra na era revolucionária. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,

2009. 14 THOMPSON, Dorothy. “Prefácio”. In: THOMPSON, E. P., op. cit., p. 7. 15 ASSIS, Machado de. “Notícia da atual Literatura Brasileira- Instinto de Nacionalidade”. In: O novo mundo, 24

de março de 1873. p.107

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finalidade é historicizar as obras aqui apresentadas, seguindo o que propõe Sidney Chalhoub e

Leonardo Pereira em A história contada:

Em outras palavras, a proposta é historicizar a obra literária- seja ela conto, crônica,

poesia ou romance-, inseri-la no movimento da sociedade, investigar suas redes de

interlocução social, destrinchar não a sua suposta autonomia em relação à sociedade,

mas sim a forma como constrói ou representa a sua relação com a realidade social-

algo que faz mesmo ao negar fazê-lo.16

A fim de compreender certas nuances das transformações da literatura brasileira na

década de 1870 e como Machado de Assis se inseriu nos debates, me debrucei sobre fontes dos

anos 1860. As principais fontes escolhidas para a elaboração do primeiro capítulo foram poemas

com temática política que o escritor publicou em jornais ao longo da década de 1860. A

narrativa apresenta Machado poeta, uma parte de sua obra geralmente desconhecida pelo grande

público, e também a face política e nacionalista de sua poesia – algo que se repetirá em

Americanas. Apresento ao leitor as rupturas e as inspirações do movimento romântico tomadas

pelo escritor fluminense. Como, por exemplo, do ponto de vista político, o modo como o poeta

trabalha a perspectiva dos dependentes. Evidencio o autor profundamente envolvido com

questões políticas e sociais da época, não apenas nas crônicas, mas também por meio da poesia.

O capítulo se encerra mostrando que, já na década de 1860, a literatura transformava-se e os

literatos ansiavam por ampliá-la do ponto de vista temático.

O segundo capítulo tem dois objetivos. O primeiro é analisar as respostas que Machado

de Assis elaborou, entendendo-as dentro de um conjunto de outros textos que também discutiam

questões relativas à literatura nacional, tais como as polêmicas em torno da obra de José de

Alencar - “Cartas a Cincinato” de Franklin Távora (1872) e a série de textos publicadas por

Joaquim Nabuco no jornal O Globo (1875). Nesta parte, estudo ainda outras obras indianistas

que surgiram na década de 1870, por exemplo, Índio Afonso, de Bernardo Guimarães (1872),

Jacina, a Marabá, de Araripe Jr. (1871), Ubirajara, de José de Alencar (1874), dentre outras.

Levantei problemas que surgiam nestes textos, como cientificismo e racialização das relações

sociais. Nas obras indianistas os autores tentavam resolver metaforicamente o problema do

mestiço e do indígena na sociedade brasileira, interpretando qual o papel social desses

indivíduos no Império. O segundo objetivo foi compreender como tais temas surgem na poesia

indianista de Machado de Assis. Nesta parte do capítulo, analisei as poesias publicadas em

Americanas prestando atenção no diálogo com as demais obras indianistas. Além disso,

16 CHALHOUB, Sidney e PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda (orgs.). A história contada: capítulos de

história social da literatura no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998. p. 7.

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investigo se, para Machado de Assis, os índios estavam fadados ao desaparecimento social e

cultural ou se seria possível integrá-los na sociedade imperial.

A coletânea Americanas tem uma importante característica: boa parte de suas narrativas

foram inspiradas em documentos como as Crônicas da Companhia de Jesus de Simão de

Vasconcelos e em artigos publicados na Revista do IHGB. O terceiro capítulo empreende uma

análise sobre essa particularidade da antologia. A literatura indianista, de modo geral, tem este

caráter histórico que fez com que muitos autores como José de Alencar fossem buscar

inspiração literária em documentação histórica. Machado de Assis seguiu este segmento da

literatura. No entanto, fez uso original de suas notas. O escritor utilizou o espaço delas para

evidenciar as fissuras da obra ficcional que se pauta no discurso científico. As notas são centrais

em meu trabalho, pois nelas encontramos vestígios que aproximam Machado de Assis de um

diálogo com a ciência, a etnografia, a história e o próprio IHGB. Machado demonstrava que

não estava comprometido com o projeto nacional do Instituto. Tampouco concordava com

determinadas noções de história de alguns intelectuais ligados ao IHGB, como Varnhagen. Uma

das intenções do capítulo é comparar o jeito de conceber a história do IHGB com o modo

próprio de Machado de Assis enxergar a história. Assim, demonstro que para o autor de

Americanas a história dependia da perspectiva, tendo uma veia mais interpretativa que a mera

coleção de fatos.

Só me resta encerrar essa introdução. Concluo a tarefa apossando-me do final da

“Advertência” do poema O Almada: “Dada esta explicação, necessária para uns, ociosa para

outros, deposito [minha dissertação] nas mãos da crítica, pedindo-lhe que francamente me

aponte o que merecer correção.

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Capítulo 1: “O menino é pai do homem”: nação e política na poesia de

Machado de Assis nos anos 1860

“Perdoai, leitores, a minha fraca

linguagem; é de jovem que estreia

nas letras, e que pede proteção e

benevolência.” 1 (Machado de

Assis)

No dia 3 de outubro de 1854, no singelo Periódico dos Pobres, foi publicada uma poesia

intitulada “Soneto”, dedicado “A Ilma. Sra. D. P. J. A.”2. Este é um evento aparentemente

corriqueiro para a imprensa do século XIX: numa página modesta foi publicada a poesia simples

de alguém com pretensões artísticas. Quem sabe aquele nome desconhecido passou

despercebido para a maioria dos leitores daquele dia e os versos seriam esquecidos se não

tivessem a assinatura de Machado de Assis, que na época contava com seus 15 anos. Leiamos

esse “Soneto” encontrado no Periódico:

Quem pode em um momento descrever

Tantas virtudes de que sois dotada

Que fazem dos viventes ser amada

Que mesmo em vida faz de amor morrer!

O gênio que vos faz enobrecer,

Virtude e graça de que sois c’roada

Vos fazem do esposo ser amada

(Quanto é doce no mundo tal viver!)

A natureza nessa obra primorosa,

Obra que dentre todas as mais brilha,

Ostenta-se brilhante e majestosa!

Vós sois de vossa mãe e cara filha,

Do esposo feliz, a grata esposa,

Todos os dotes tens, ó Petronilha

Naquele outubro, D. Petronilha recebera uma homenagem que ainda será lembrada por

anos, por ser a primeira aparição pública de Machado de Assis na imprensa. Um importante

biógrafo do autor, Raimundo de Magalhães Jr., no capítulo “Um péssimo começo”, chegou a

declarar que “nada, nesses versos, que permaneceram por longo tempo ignorados, fazia supor

um futuro grande escritor”3, pois o poeta foi desatencioso com a escrita, ora trata D. Petronilha

1 ASSIS, Machado de. “Ideias vagas – a poesia”. A Marmota Fluminense, 10 de jun., 1856. 2 ASSIS, Machado de. “A Ilma. Sra. D. P. J. A”. Periódico do Pobres, 3 de out., 1854. 3 MAGALHÃES JR., Raimundo. Vida e obra de Machado de Assis, vol. 1 – Aprendizado. Rio de Janeiro: Record,

2008. p. 25.

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por “vós” ora por “tu” e há também uma sílaba métrica a mais no nono verso. O “Soneto” é

uma homenagem a uma mulher casada. Segundo Flávia Amparo, no poema há oscilação e uma

postura dúbia diante da mulher, às vezes se aproxima e em outras se distancia da musa

inspiradora4.

Recuperei a primeira manifestação do jovem Machado de Assis na imprensa para

apresentar a vertente poeta de nosso autor, que ficou mais conhecido pela obra em prosa. A

pretensão não é julgar a qualidade literária do garoto Machadinho. Não interessa ver os

possíveis erros de um poeta que surgia na imprensa com 15 anos e ninguém poderia prever que

um dia se tornaria o maior cânone da literatura brasileira. Antes, pretendo apresentar uma parte

da faceta poética da obra machadiana, que muitas vezes foi esquecida pela crítica literária.

Machadinho nasceu poeta, porém colocou a poesia em segundo plano paulatinamente. O grande

mote da dissertação está na terceira coletânea poética publicada por Machado em 1875 –

Americanas – cuja temática é parcialmente indianista. Não postulei um caminho no sentido

teleológico a fim de mostrar possíveis avanços ou progressos na escrita poética. Todavia

entendo Americanas em diálogo com o resto da obra de Machado. Neste capítulo, faço a análise

de algumas poesias que saíram no jornal e consideramos que de alguma forma se atrela com o

que Machado iria fazer em termos de poesia na década de 1870.

Como homem de letras, Machado de Assis despontou no apogeu do romantismo e

jamais se filiou claramente a essa escola. Contudo, considerando que era neste período que ele

desabrochava, foi muito inspirado por autores como Álvarez de Azevedo, Casimiro de Abreu,

Gonçalves Dias e Gonçalves Braga. Machado de Assis desenvolvia temas caros ao romantismo,

tais como saudade, melancolia, “gemidos” de amor, suas musas e morte - da mãe e irmã -,

algumas delas sob influência do byronismo e de Álvares de Azevedo que faziam parte da

atmosfera literária da época. A pesquisa desenvolvida lança luz sobre as poesias cujos temas

são políticos e aquelas de cunho nacional. As escolhidas estão neste capítulo por conter certa

unidade temática que sustenta a discussão sobre Americanas, ou seja, estão ligadas aos anseios

românticos e à nação. Machado de Assis escreveu poesias a respeito de questões que o

inquietavam, tais como tirania, opressão e guerra. À vista disso, mirei na preocupação de

Machado em evidenciar o ponto de vista do subalterno, algo que na década de 1870, ao escrever

obras como Americanas (1875) ou Helena (1876), será desenvolvido5.O caminho deste capítulo

4 AMPARO, Flávia. “As musas de Machado de Assis”. In: O eixo e a roda. v. 22. Nº 2. 2013. Belo Horizonte. p.

88. 5 Sidney Chalhoub em Machado de Assis, historiador, evidencia que em romances como Helena, o escritor

fluminense está preocupado em evidenciar o ponto de vista do subalterno. Os grandes romances machadianos, tais

como Helena, Iaiá Garcia, Memórias Póstumas de Brás Cubas e Dom Casmurro dialogam com a ideologia

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é entender as poesias que possuem cunho social, mencionando as posições políticas do autor,

como o alinhamento com o liberalismo nos anos 1860, o que em parte é explicado pela relação

de Machado de Assis com os jornais que começou a colaborar desde os anos de 1855 e 1856,

tais como a Marmota Fluminense e o Diário do Rio de Janeiro.

Nesta época, além de conhecer figuras como Gonçalves Dias, José de Alencar e Teixeira

de Souza, iniciava seus primeiros contatos literários importantes para sua formação como Paula

Brito, Gonçalves Braga, Augusto Emílio Zaluar e José Feliciano de Castilho, Joaquim Serra,

Manuel Antônio de Almeida, Quintino Bocaiúva, Salvador de Mendonça. Estas primeiras

relações são cruciais para a formação de Machado de Assis. No prefácio de Crisálidas, seu

primeiro livro, vemos que este grupo foi uma espécie de “escola literária” para o jovem escritor.

Foi este o círculo que ofereceu “modelo” e estímulo criativo para Machadinho seguir na carreira

que escolhera. E foram estes homens quem deram suporte necessário para que o jovem

desenvolvesse suas primeiras ideias sobre literatura e poesia. No princípio, ainda “vagas” como

poderemos ver em sua primeira série de prosas, com apenas três textos, nos quais Machado

dissertou acerca da literatura. No primeiro, intitulado “A poesia”, demonstrou certa influência

de Lamartine. Segundo conta Juliana Simionato, neste texto, ele procurou “definir a poesia

como um sentimento inspirado pela natureza que fala à alma”, “era a linguagem do coração,

não da razão”6. Essa é uma ideia que faz parte do imaginário sobre o ofício do poeta. O jovem

Machado pode até afirmar que a poesia saía da “alma” ou do “coração”, mas teve tempo para

amadurecer sua concepção sobre o ofício. Até o fim dos anos 1850, Machado deixava “entrever

que, para ele, seguir a carreira de letras correspondia ao desejo de sentir de determinada maneira

as coisas do espírito”, como afirmou Jean-Michel Massa, era ainda uma aspiração “vaga,

confusa, de expressão desajeitada”7.

Este panorama sobre o início da carreira de Machado de Assis já se prolonga. Prevejo a

necessidade de levar a narrativa para a década de 1860, retomando quando necessário o período

anterior. Adiante, Machado de Assis usou a linguagem poética para testemunhar assuntos sérios

da realidade que o rodeava. Nos anos 1860, Machado marcou seus versos com uma centelha

paternalista e possuem como temática as relações sociais verticalizadas do Brasil oitocentista. Machado, mostra

em sua ficção como os subordinados agiam por dentro da lógica senhorial. Ver: CHALHOUB, Sidney. Machado

de Assis, historiador. São Paulo: Cia das Letras, 2003/ CHALHOUB, Sidney. “Diálogos políticos em Machado de

Assis”. In: CHALHOUB, Sidney e PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda. História Contada: capítulos de

história social da literatura no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998. 6 SIMIONATO, Juliana Siani. A Marmota e seu perfil editorial: contribuição para edição e estudo dos textos

machadianos publicados nesse periódico (1855-1861). Dissertação de mestrado. Programa de Pós graduação de

Ciências da Comunicação. Orientação de Ivan Prado Teixeira. São Paulo: USP, 2009. p. 128 7 MASSA, Jean-Michel. A juventude de Machado de Assis (1839-1870): ensaio e biografia intelectual. São Paulo:

Editora da Unesp, 2008. p. 131.

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social, muitos deles motivados pelo liberalismo. Nesta época, como nos conta Michel Massa,

“Machado deu um tom mais real à sua visão do mundo”8. Uma das razões para isso acontecer

foi a que o jovem iniciou sua carreira jornalística, colaborando em periódicos como O Espelho,

Correio Mercantil, O Paraíba, A Marmota e Diário do Rio de Janeiro. O ano de 1860 marca a

entrada de Machado para a imprensa como cronista. Ele tornou-se redator do Diário do Rio de

Janeiro, importante passo para o escritor, que sofreu influência política deste órgão liberal9.

Marco Cícero Cavallini, no texto “Monumento e política: os 'Comentários da semana' de

Machado de Assis”, analisou parte das crônicas machadianas e “sua relação orgânica com a

linha política da folha em que foram escritas”. Segundo Cavallini, o tempo em que Machado

de Assis trabalhou no Diário do Rio de Janeiro rendeu a ele “vários cacoetes” dos liberais,

porque nessa época “os assuntos de seus artigos são frequentemente costurados com as linhas

dadas pelas concepções e valores partilhados com seus companheiros de redação” e aquele foi

o “jornal que serviu como instrumento de reavivamento dos ideais liberais na Corte”10. Segundo

Marco Cícero Cavallini “as folhas liberais dos anos 1860 se caracterizariam como campo de

atuação de um grupo apegado à história e ao simbolismo dos movimentos revolucionários”.

Esta foi a base do Diário e consequentemente de grande importância para as ideias de Machado

de Assis. Lucia Granja e Jefferson Cano afirmam que na época em que Machado de Assis foi

trabalhar no Diario, “parece difícil supor que ele não tivesse ainda ideias políticas claras, ou

mesmo que Quintino [Bocaiúva] não as conhecesse ao convidá-lo”. O que Bocaiúva buscava

era justamente um “redator formado no círculo de Paula Brito, figura histórica do jornalismo

liberal da corte.” E o jovem escritor, “já mostrava seu valor, como crítico e como liberal, de

modo a merecer um convite para o novo órgão do partido.”11

Um clássico sobre este período da vida do autor é A Juventude de Machado de Assis, de

Jean-Michel Massa. Obra fundamental sobre os primeiros anos da produção machadiana,

período que até hoje permanece um pouco opaco. Todavia, refuto o caminho teleológico

proposto por Massa.

Os romances e os contos que escreveu no decênio 1870-1880 são, em certa medida, o

desenvolvimento das reflexões dos anos anteriores, das buscas, das tentativas – como

os tiros que este artilheiro calcula e que faz chegar de repente ao alvo, por um milagre

8 Ibid., p. 153. 9 GRANJA, Lúcia. Machado de Assis: escritor em formação (à roda dos jornais). Campinas, SP: Mercado de

Letras, São Paulo: Fapesp, 2000. 10CAVALLINI, Marco Cicero. “Monumento e política: os “comentários da semana” de Machado de Assis”. In:

CHALHOUB, Sidney; NEVES, Margarida de Souza; PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda (orgs.). História

em cousas miúdas: capítulos de história social da crônica no Brasil. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2005. p.

303-304. 11 GRANJA, Lucia e CANO, Jefferson. “Introdução”. In: ASSIS, Machado de. Comentários da Semana.

Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2008. p. 23.

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aparente, que parece ser fruto do acaso, agora, mas que é desejado desde muito tempo.

O escritor se salva pela obra, que lhe fornece o desenvolvimento e o prolongamento

buscado confusamente e, enfim, encontrada, como a iluminação ocorrida no caminho

de Damasco.12

Não volto à obra poética dos anos 1860 atrás do “caminho de Damasco”. Mesmo

percebendo algumas continuidades no jovem Machado de Assis posteriormente nos anos 1870-

80, não perco de vista as rupturas e particularidades de cada época tanto da vida do autor quanto

do momento político e literário. O que Massa deixa escapar é o toque de imprevisibilidade.

Machado de Assis não poderia ser um “artilheiro” que calcula cada passo; assim como qualquer

ser humano, não tinha controle sobre sua própria vida ou seu plano literário. Massa, ao pensar

o caminho evolutivo, tem uma tendência em procurar no jovem Machado de Assis, o autor de

Memórias Póstumas de Brás Cubas. Estudando as particularidades de cada época, pode-se

alcançar o homem maduro que escreveu as Memórias, como obra de um tempo específico. Na

minha análise, não me permito esquecer a noção de processo histórico.

“A realidade é fria”

Machado de Assis escrevia poesias sobre a saudade e a morte da família. A crítica mais

tradicional já se deteve a analisar esta produção poética machadiana, sua porção mais próxima

da “linguagem do coração”13. Entretanto, apesar de “fria”, a realidade social também foi tema

para o estro machadiano. Com o amadurecimento, o poeta não se furtou de usar a poesia como

um veículo para falar da “razão”. Os sonhos e utopias, a política e a sociedade foram temas

recorrentes para a pena do poeta. Isso se revela na poesia “A missão do poeta”, composição que

se trata de um diálogo entre poeta e musa. O poeta afirma não poder crer no sonho que estava

morto, afinal, “a realidade é fria”:

E como crer então? Tenho aqui morta

Uma ilusão de minha primavera...

O sonho é como um feto que se aborta,

Um porvir que se ergueu numa quimera!

A realidade é fria.14

Ao que a musa responde:

Por que descrer assim? — É dura a estrada,

Mas há no termo muito amor celeste,

A glória, poeta, é uma flor dourada,

Que só nasce da rama do cipreste.

12 MASSA, op. cit., p. 447. 13Ver: MAGALHÃES, Jr. Raimundo. Machado de Assis, desconhecido. Rio de Janeiro: Editora Civilização

Brasileira, 1955. 14 ASSIS, Machado de; LEAL, Murilo (org.). Toda poesia de Machado de Assis. SP: Record, 2008. p. 660). [A

partir daqui todas as vezes que essa edição for citada, nos referiremos a ela pela sigla TPMA]

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[...]

Mas é tua missão...

O eu-lírico machadiano assume certa missão social a partir de sua poesia. No início de

sua carreira, ainda com 16 anos, Machado de Assis manifestou na poesia “Minha musa” os

motivos pelos quais escrevia, evidenciando certa “missão” no mundo. “Minha musa” foi

publicada no dia 22 de fevereiro de 1856, na Marmota Fluminense. O tema da musa era comum

no romantismo e na poesia política, pois era assim que os poetas enunciavam as razões que

moviam suas ações. Machado de Assis afirma que a “musa, que [inspirava seus] cantos [era]

livre,/ [detestava] os preceitos da vil opressão”15. Alinhava-se, de antemão, ao liberalismo e

demonstrava repulsa a qualquer tirania. Naqueles anos, o poeta desenvolveria poesias sobre

temas que saltavam dos jornais, sobre a realidade social que vivia, que muitas vezes podia ser

“fria”, repleta de conflitos, opressão, guerras, mortes. Mas também podia ser marcada por lutas

sociais, revoluções, sonhos com um mundo melhor.

Logo nos seus primeiros anos como literato, Machado de Assis busca a liberdade, tanto

literária, como política. A autonomia se tornou cara a Machado. Aparecerá por exemplo, no

fato de não se filiar a uma escola específica, na estética livre de métricas e por fim, como tema

em algumas poesias que saíram no jornal. Segundo a análise de Massa, “o engajamento político

de Machado de Assis está claramente expresso”, pois o poeta “declarava-se resolutamente

democrata”16. Sobre esse período, Massa chega a afirmar que “é certo que a partir de 1860, com

pausas e retornos”, Machado “se tomou de comichão política” e “a partir dessa data, passou

claramente para a oposição”17. O pesquisador francês por escolha se detém a analisar mais os

textos em prosa, como as crônicas dos Comentários da Semana, embora faça leitura interessante

de algumas poesias. A minha intenção é manter o foco nas poesias, sem perder de vista o que

Machado escreveu em crônica e que possa contribuir para a análise.

Em 1859, escreveu a poesia “À Itália”, quando o país que lutava pela unificação com

apoio de Garibaldi, entrou em guerra contra o Império Austro-Húngaro. Os anos 1850

testemunharam a Áustria ganhar domínios em regiões da Europa, como a Itália e a Polônia.

Este período de conquistas gerou uma natural resistência e surgimento de lideranças como

Garibaldi e Mazzinni na unificação italiana18. A Itália foi tema na poesia publicada no dia 10

15 ASSIS, Machado de. “Minha musa”. In: TPMA. p. 634-635. 16 MASSA, op. cit., p. 220. 17 Ibid., p. 243. 18 WOOLF, Stuart. A history of Italy 1700-1860: the social constraints of political change. London/New York:

Routledge, 1991.

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de fevereiro de 1859, na primeira página do periódico Correio Mercantil19. Há uma relação

fundamental com o periódico, no dia 4 de janeiro de 1859, no Correio Mercantil, já era a

anunciada a iminência de uma guerra da Itália contra Áustria20. Um mês depois, em 3 de

fevereiro, na seção “Notícias do Exterior”, o mesmo jornal noticiava tensões entre a Itália e a

Áustria, que disputavam o território da Lombardia, de acordo com a notícia: “a esperança de

uma próxima guerra”, “agitava profundamente os ânimos em toda a península” 21 . Os

comentários sobre a Itália apareciam basicamente nessa coluna, algumas notícias eram

traduções do jornal britânico Times, oponente da Áustria. Portanto, as notícias possuíam uma

veia opositora à Áustria desde a fonte. Machado de Assis, em conformidade com a atmosfera

liberal que respirava e inspirado pelo tom das notícias que saíam nas páginas do jornal, tomava

o partido da unificação italiana liderada por Garibaldi. As notas sobre a Itália carregavam certa

esperança sobre o futuro do país. No dia 10 de fevereiro, em seus versos, o poeta fazia um apelo

para que a Itália “[se despisse daqueles] ferros de dormente escrava”, para que pudesse acordar

do “sono da opressão”.

Despe esses ferros de dormente escrava,

Que o sol dos livres no horizonte vem!

Velha cratera — o referver da lava

Atento e curvo todo um século tem.

Acorda! o sono da opressão devora!

Pátria de Roma — o Capitólio vê!

Pálida Itália — ressuscita agora

O ardor nos peitos — na esperança a fé.

A velha Europa ao teu arfar cansado

Vem debruçar-se em derredor aí;

E ao som valente do primeiro brado

Braços e espadas acharás por ti.

Apenas bata essa esperada hora

O anjo dos livres se erguerá de pé.

Pálida Itália — ressuscita agora

O ardor nos peitos — na esperança a fé.22

Machado faz referências à “velha Europa” e a um ideal de “esperança”, “fé” e

“liberdade”. O eu-lírico demonstra acreditar numa nova realidade que poderia ser alcançada

após o conflito, depois de uma luta contra o inimigo tirano e declara “morte ao opresso”. Para

que atingisse o objetivo, a Itália deveria buscar em seu passado glorioso o incentivo e a força

necessários para vencer e “não [curvar]” “ao braço impuro de opressor ingrato” e por fim

19Correio Mercantil, 10 de fev., 1859. 20Correio Mercantil, 04 de jan., 1859. 21Correio Mercantil, 03 de fev., 1859. 22 Correio Mercantil, 10 de fev., 1859.

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ressuscitar a partir das ideias de esperança e liberdade. Foi a primeira vez que o tema da luta

pela liberdade surgia como temática para a pena machadiana. Embora Machado esteja falando

da Itália, o leitor pode observar o poema pelo prisma da escravidão, interpretando a escolha de

palavras. Há no discurso uma espécie de “retórica do oprimido” relacionada à escravidão. O

poeta usou expressões como “despir de ferros”, “dormente escrava” e “sono de opressão”.

Numa sociedade marcada profundamente pela escravidão, era pouco provável que os leitores

do Correio Mercantil que se depararam com os versos de Machado sobre a Itália não os

relacionasse com a opressão do cativeiro escravo. No discurso de Machado é possível relacionar

escravidão e tirania. Estes temas aparecerão em outros poemas. A hipótese é que Machado

também utilizava poesias como “À Itália” para falar da situação do cativeiro ou de opressão de

modo geral. A escravidão é um dos assuntos latentes da poesia. Machado utilizava versos como

esses para mencionar a escravidão como um problema estrutural que fazia mal para as

sociedades em geral, não importa onde ocorresse. O autor usa uma estratégia retórica de não

dizer verdades confrontando a elite imperial diretamente, porém de moderadamente23.

Lendo estas poesias, começam a se revelar as intenções de Machado de Assis como

escritor. Ratificando a “missão” do poeta, com a finalidade de intervir socialmente. “A realidade

é fria”, porém necessária para o poeta cumprir sua “missão”, sendo chamado para uma poesia

de cunho social, algo caro ao romantismo. As utopias e esperanças românticas serviam para

transformar a sociedade. Mesmo não filiado ao romantismo de forma enfática, foi durante o

desenvolvimento dessa escola que Machado de Assis nasceu e se formou como literato e foi

dela que tirou sua missão literária. O autor escrevia poesias como forma de intervenção na

sociedade, algo emblemático no romantismo. Na poesia de Machado, a política irrompe como

objeto. Foi a forma encontrada pelo autor para falar de subalterno e de tensões sociais. Assim

como o cânone romântico fazia, podemos citar de William Wordsworth, na Inglaterra em fins

do século XVIII até Victor Hugo na França do século XIX. Na poesia machadiana dos anos

1860, mesmo quando o poeta aborda a opressão na Itália, no México ou em qualquer outro

23 No caso de Gonçalves Dias, que também era um intelectual mestiço circulando a elite intelectual brasileira,

Wilton José Marques faz uma análise interessante sobre a obra Meditação. No artigo “O poeta e o poder: favores

e afrontas”, o autor argumenta que somente naquela obra Gonçalves Dias mencionou a escravidão de forma mais

crítica. Até então, o poeta encontrava outras formas para mencionar o assunto, utilizando na temática indígena,

por exemplo, metáforas sobre escravidão. Como Gonçalves Dias pretendia entrar para a vida burocrática imperial,

a ambiguidade de ideias sobre escravidão significava um meio necessário “para assegurar sua entrada no

funcionalismo público”. Depois de ter conseguido sua posição dentro da ordem imperial, Gonçalves Dias, por

meio da Meditação, teve possibilidade de afrontar a ordem social do Império. (MARQUES, Wilton José. “O poeta

e o poder: favores e afrontas”. In: Estudos Históricos, Rio de Janeiro, nº 32, 2003, p. 37-38; MARQUES, Wilton

José. Gonçalves Dias: O poeta na contramão: Literatura e escravidão no Romantismo brasileiro. São Carlos, São

Paulo: EDUFSCAR, 2010.)

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canto do mundo, podemos entrever no discurso palavras voltadas para a questão do cativeiro e

da escravidão, que são, inclusive temas clássicos do movimento romântico na Europa.

O romantismo, em sua essência, não estava desligado da realidade social, inclusive seus

temas surgiram dela. Este é o trabalho de Coleridge, Wordsworth, dentre outros. Segundo Helen

Thomas em Romanticism and slave narratives – transatlantic testimonies, o romantismo tem

conexão com o contexto da abolição e emergência de expressões literárias de libertação, afinal

foi um movimento que testemunhou o ápice da participação inglesa no tráfico de escravos24.

Thomas analisou os discursos sobre abolição de Mary Wollstonecraft, William Blake, Samuel

Taylor Coleridge e William Wordsworth25. Wordsworth escreveu a poesia “The little black

boy” em sua coletânea Songs of Innocence and Experience, representante mais dileto sobre o

tema da escravidão26. Ao analisar os conceitos figurados de “cativeiro” e “emancipação”, o

leitor pode tomar como exemplo o “Prelúdio” que de acordo com Thomas possui consciência

abolicionista. Dessa forma, a ideologia abolicionista aparece na poesia usando artifícios

literários como metáforas. O destaque do “Prelúdio” consiste na retirada do personagem

histórico, que é o escravo rebelde, para priorizar a imaginação como poder invencível da mente

do homem. Todavia, o posicionamento abolicionista de Wordsworth é questionável, pois o

poeta acredita no progresso natural e sublinha uma convicção na emancipação gradual. O poeta

inglês possui uma dificuldade em considerar válida a insurreição colonial como modelo de

reforma sócio-política. Em seus versos e desenhos, o autor romântico inglês oferecia respostas

epistemológicas intrinsecamente europeias ao problema do tráfico. Outro exemplo, as

ilustrações que fez para a sua edição do Paraíso Perdido, de Milton, são construções que

concerne ao passado britânico o papel de nutridor do tráfico ao mesmo tempo em que evidencia

que a Inglaterra falhou ao não perceber a insurreição escrava. A relutância em considerar a

relação parasitária entre Inglaterra e as colônias é notável. Em suma, em Wordsworth há uma

atitude abolicionista ambivalente porque não está baseada na crença da igualdade entre negros

e brancos.

Machado possui uma preocupação com subalternos como alguns autores do

romantismo, sobretudo foi leitor assíduo de Victor Hugo, todavia não se pode perder de vista a

diferença da perspectiva machadiana. Considerando que se trata de um poeta mestiço brasileiro,

24 THOMAS, Helen. Romanticism and slave narratives – transatlantic testimonies.Cambridge: Cambridge

University Press, 2000. 25 Marcus Wood organizou num volume diversos poemas produzidos na Inglaterra e América sobre a África e

escravidão. Ver: WOOD, Marcus (org.). The poetry of slavery: an anglo-american anthology (1764-1865). New

York: Oxford University Press Inc; Ny, 2003. 26 BLAKE, William. “The little black boy”. In: Songs of Innocence ando of experience. Lisboa: Antígona, 2007.

p. 174.

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em sua poesia existe uma retórica que privilegia o ponto de vista do oprimido e um discurso

que fala da relação entre “cativeiro” e “libertação”. O cativeiro, quando aparece na poesia de

Machado, pode manifestar de várias formas, por exemplo, metaforicamente no tema do amor

proibido ou impossível e também de forma mais pungente quando a política surge como tema.

O cativeiro, a opressão, o domínio do mais forte são temas de poesias machadianas, inclusive

nortearam muito do que foi escrito para a coletânea Americanas.

***

“O que é certo é que o ano de 1863 é e há de ser fecundo e acontecimentos”, afirmou

Machado de Assis numa crônica do periódico O Futuro27. 1863 foi inspirador para Machado

de Assis escrever poesias de cunho social. A Polônia, o México e o Brasil sofreram afrontas

naquele ano.

A Polônia se tornou alvo de notícias no Brasil em 1862 devido a investidas russas e

austríacas contra os poloneses. Esse país, no início do século XIX, sofreu dominação russa e

posteriormente durante guerras napoleônicas, Bonaparte derrubou o governo polonês28. O povo

polonês estava encorajado por causa da guerra da Crimeia e da luta pela unificação italiana. À

medida em que o autoritarismo czarista se expandia, a resistência também se inflamava e urgia

por uma reforma liberal. Em 1860, Mieroslawski, com a benção de seu mentor Garibaldi,

incitou uma série de revoltas na Polônia, liderando um grupo radical intitulado de “Vermelhos”.

Do outro lado da revolução havia os “Brancos” (moderados) que se concentravam em mobilizar

os poloneses a favor da paz. Em 1862, a causa dos moderados conseguiu algumas vitórias

devido à ajuda da Igreja Católica. Enquanto isso, o aristocrata Wielopolski, com a auxílio de

Constantine – o irmão do czar Alexander II - persuadia o mesmo a restaurar a Polônia. Porém,

em janeiro de 1863, o líder dos “vermelhos” começou a agir, assumindo um governo provisório

e declarando guerra à Rússia. O conflito se transformou numa guerrilha, embora os russos

tivessem exército superior, os poloneses ganhavam batalhas porque se embrenhavam em

florestas de seu próprio território, tanto que em abril daquele ano, o czar ofereceu armistício.

Independente dos desdobramentos do novo governo, aqueles primeiros meses de 1863 foram

uma época de esperança por novos tempos de liberdade. Podemos acompanhar parte desse

conflito na imprensa brasileira. Entre 1862 e 1863, algumas notícias saíram no Correio

27 O Futuro, 15 de maio, 1863. 28 LUKOWSKI, Jerzy & ZAWADZKI, Hubert. A Concise History of Poland. New York: Cambridge University

Press, 2006. p. 135 - 139.

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Mercantil, trazidas pelo correspondente Teixeira de Vasconcellos, também na coluna “Notícias

do Exterior”, publicadas na primeira página.

A atmosfera de promessa liberal tomou a pena machadiana de assalto. O poeta se

mostrava confiante com os rumos das lutas polonesas. Em 1863, depois da revolta de janeiro e

num momento em que a Polônia seguia resistindo vigorosamente ao exército russo mais

numeroso, Machado escreveu a poesia “O acordar da Polônia”, publicado no periódico O

Futuro, no dia 15 de março de 186329. O poeta afirmava que “não [amava] a liberdade/ Quem

não chora contido as dores [polonesas]”, o que o eu-lírico desejava era a “ressurreição” daquele

país. A ideia se expressa na epígrafe traduzida de Mickiewicz30, poeta romântico polonês, que

sintetizou a situação de seu país da seguinte forma: – “E ao terceiro dia a alma deve voltar ao

corpo, e a nação ressuscitará”.

Coube às hostes da força

Da pugna o alto prêmio;

A opressão jubilosa

Cantou essa vitória de ignomínia;

E de novo, ó cativa, o véu de luto

Correu sobre teu rosto!

Deus continha

Em suas mãos o sol da liberdade,

E inda não quis que nesse dia infausto

Teu macerado corpo alumiasse.

Resignada à dor e ao infortúnio,

A mesma fé, o mesmo amor ardente

Davam-te a antiga força.

Triste viúva, o templo abriu-te as portas;

Foi a hora dos hinos e das preces;

Cantaste a Deus, tua alma consolada

Nas asas da oração aos céus subia,

Como a refugiar-se e a refazer-se

No seio do infinito.

E quando a força do feroz cossaco

À casa do Senhor ia buscar-te,

Era ainda rezando

Que te arrastavas pelo chão da igreja.

Pobre nação! — é longo o teu martírio;

A tua dor pede vingança e termo;

Muito hás vertido em lágrimas e sangue;

É propícia esta hora. O sol dos livres

Como que surge no dourado Oriente.

Não ama a liberdade

Quem não chora contigo as dores tuas;

E não pede, e não ama, e não deseja

Tua ressurreição, finada heróica!31

29 O Correio Mercantil noticiou a publicação da poesia e de outros textos na edição n. 13 d’ O Futuro. (Correio

Mercantil, 17 de março, 1863). 30 KNOWLTON JR., Edgar C. “Mickiewicz and Brazil’s Machado de Assis”. In: The Polish Review. Vol. 26. Nº

1 (1981) pp. 46-57. 31 O Futuro, 15 de março, 1863.

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Os versos machadianos dialogam com as notícias que chegavam da Europa, sobretudo

com os fatos ocorridos a partir de 22 de janeiro de 1863, quando eclodiu a Revolta de Janeiro,

ou seja, a batalha entre Polônia e Rússia czarista. Em 1863, quando havia a esperança e a utopia

de que a Polônia pudesse se reerguer, encontrei indícios disso no Correio Mercantil. Em 8 de

março, ao escrever sobre esta possibilidade, Teixeira de Vasconcellos afirma que “há no

sofrimento da Polônia causa suficiente para quantas revoluções possa imaginar”32. Durante o

mês de março, as notícias sobre a reforma na Polônia surgiram na imprensa e Machado de Assis

se inspira na esperança de “ressureição”. Há uma relação intrínseca entre poeta e imprensa, pois

esse articula as notícias diárias e suas ideias de liberdade, abordando a “cobiça dos tiranos” e

de “duros opressores”.

Viste cair os duros opressores:

Tal a gazela que percorre os campos,

Se o caçador a fere,

Cai convulsa de dor em mortais ânsias,

E vê no extremo arranco

Abater-se sobre ela

Escura nuvem de famintos corvos.

Presa uma vez da ira dos tiranos,

Os membros retalhou-te

Dos senhores a esplêndida cobiça;

Em proveito dos reis a terra livre

Foi repartida, e os filhos teus – escravos –

Viram descer um véu de luto à pátria

E apagar-se na história a glória tua.33

Machado de Assis, em outro trecho da poesia, narra a guerra da Polônia contra a Rússia

desde o século XVIII, citando o nome de Kosciusko34, que com “fé no coração” e “espada em

punho”, “chamou aos campos a nação caída”, sendo derrotados passaram por longo “martírio”.

E, já no século XIX, em 1863, era “propícia esta hora” para “vingança” por causa de tantas

derrotas.

Naquele momento, as mazelas que aconteciam na Polônia foram associadas à questão

Christie aqui no Brasil. Em 1861 uma embarcação inglesa naufragou na província de São Pedro

do Rio Grande, não houve sobreviventes e a carga foi saqueada. O então cônsul inglês Henry

Prendergast Vereker acusou os envolvidos de assassinato. Para resolver essa trama de domínios

internacionais, o problema foi levado à Corte Imperial. William Dougal Christie veio ao Brasil

32Correio Mercantil, 8 de março, 1863. 33ASSIS, Machado de. “Polônia”. In: Crisálidas. Rio de Janeiro: B. L. Garnier, 1864. pp. 80 – 95. 34Tadeu Kosciusko foi general e líder da revolta contra o Império Russo em 1794 e também com o título de coronel

lutou na guerra de independência dos Estados Unidos ao lado de George Washington. (PULA, James S.

“Remembering poland, but not Polonia: the development of Polish american historical memory”. Purdue

University North Central. pp. 107-118.)

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a fim de defender a Grã-Bretanha. Em 1862 alguns oficiais britânicos foram presos acusados

de desacato. Christie considerou toda essa situação uma ofensa à Rainha e à Marinha britânica,

e por isso exigiu uma indenização. O governo brasileiro se recusou a pagar, tendo seus portos

bloqueados pela Marinha britânica. No fim das contas, pagou certa quantia à coroa inglesa e

levou a questão dos oficiais para a arbitragem internacional; todavia, pelo prejuízo dos portos

bloqueados fizeram um contra pedido de indenização, como não foi aceito, a solução foi romper

relações. O que estava em jogo era a honra nacional, gerando certo patriotismo entre

intelectuais. Num texto escrito em janeiro de 1863, mas publicado no Diário do Rio de Janeiro

em 10 de fevereiro, alguém identificado como C.L. do Rio Grande do Sul, testemunhou as

“prepotências praticadas contra nós pelo Sr. Christie”. O “leopardo britânico” agrediu a honra

do Brasil “de um modo tão descomunal”. O autor não deixa de apontar certo contraste da

Inglaterra:

A liberdade dos povos, que a Inglaterra tanto blasona proteger, é a arma

favorita que não tem servido em suas mãos senão para escravizar as nações

que tiveram a insensatez de acreditar em suas falazes promessas. Assim é, que,

apesar de sua propaganda liberal, apesar de seus pretendidos princípios

filantrópicos, viu consumar-se a Inglaterra o fato mais atroz que comemora a

história moderna (a desmembração da Polônia pela Rússia, Áustria e Prússia),

sem fazer esforço, sem empregar um meio que obstasse à perpetração de tão

iníquo atentado contra o direito das nações.35

O autor não deixa de denunciar também as colônias inglesas por todo o globo,

principalmente chama a atenção para o autoritarismo na África e Ásia, dedicando um extenso

trecho para o “monstruoso monopólio” na Índia. Portanto, há certa associação entre a falta de

intervenção inglesa em lugares como a Polônia, simplesmente deixando o país ao infortúnio.

Embora, supostamente defendesse a liberdade e havia tirania inglesa por todo o mundo,

inclusive no Brasil. A questão polonesa servia de exemplo para apontar a contradição inglesa.

Não apenas de política internacional se ocupava Machado de Assis, escritor de um

“Hino patriótico”, com o título original de “Hino dos voluntários”. Canção com música de Júlio

José Nunes e apresentada pela atriz Emília Adelaide no Teatro Ginásio, em janeiro de 1863. A

música tinha como intenção ser uma defesa do Brasil na questão Christie, que foi um importante

período das relações internacionais do Império, rompendo vínculo com a Grã-Bretanha36. Esta

foi uma das primeiras vezes na carreira poética que Machado de Assis se mostrou ufanista e

escreveu algo explicitamente nacionalista. No refrão afirma preferir “morte de honrado/ Do que

a vida infame e vil!”. Na segunda estrofe, escreve seus primeiros versos nitidamente patrióticos:

35 C.L. “A Inglaterra e o Brasil”. In: Diário do Rio de Janeiro, 10 de fev., 1863. 36 MIRANDA, José Augusto Ribas. “O nacionalismo e a experiência britânica no século XIX: Lord Acton, Foreign

Office e a questão Christie”. In: Dimensões, vol. 33, 2014. pp. 387-400.

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O leopardo aventureiro,

Garra curva, olhar feroz,

Busca o solo brasileiro,

Ruge e investe contra nós.37

O “leopardo” de “garra curva” e “olhar feroz” que “[investia] contra nós” brasileiros,

era Christie, inglês que causou o desentendimento com a Inglaterra38. Machado construiu a

imagem da Inglaterra de “estranho despotismo” que pretendia “lançar-nos o grilhão”. É

contundente ao dar um recado ao “bretão”: “esta terra americana ”“não [lhe] beija os pés”. Por

aqueles dias, Machado de Assis publicou uma crônica no periódico O Futuro, o cronista

afirmou que:

Em tal situação, e correspondendo a tão patrióticas manifestações, o governo imperial

teve a coragem precisa para responder às exigências britânicas com firmeza e energia,

pondo acima de todas as mesquinhas considerações a ideia nobre e augusta do decoro

nacional. A correspondência diplomática é uma página viva do patriotismo. A razão

é nossa, o direito é nosso; se os resultados de um ataque não forem igualmente nossos,

que importa isso? A consciência da nossa causa deve dar-nos bastante tranquilidade

diante da vitória da força, que será a vitória da imoralidade. Tal é o transunto das notas

do gabinete.

[...]

Se me é dado conjecturar as emergências ulteriores em relação ao Futuro, deixe o

leitor que eu revele a incerteza em que eu estou, os temores que me assaltam, porque

não suponho que os ingleses, em caso de ataque, tenham simpatia por coisa

nenhuma.39

Machado de Assis assim como alguns de seus contemporâneos questionavam a falta de

moralidade inglesa e o ataque desmedido que fizera ao Brasil. No entanto, no fatídico 1863,

ainda mais desmedido foi o ataque sofrido pelos mexicanos, que viram seu país ser invadido

por tropas austríacas e francesas.

A “Áustria era inimiga da liberdade na Itália, na Hungria, na Polônia, na Alemanha”,

afirmou Teixeira de Vasconcellos no Correio Mercantil do dia 19 de agosto de 186240 e

acrescento, no México. Em 1863, o México foi invadido por tropas francesas patrocinadas pelo

37 ASSIS, Machado de. “Hino patriótico”. In: TPMA. p. 708. 38 Associar as medidas inglesas a um leopardo foi recorrente na época. Na falta de uma palavra melhor como

“imperialismo” para definir as atitudes inglesas ao redor do mundo, escritores comparavam a Inglaterra a um

predador. Encontrei alguns textos na imprensa que mencionavam a contradição moral inglesa, país que deveria

caminhar na estrada do pregresso, mas que possuía elementos estranhos na sua história. Ver: Diário do Rio de

Janeiro e A Pátria, entre janeiro e abril de 1863.

Os conflitos com a Inglaterra remetiam também a intervenção que este país exerceu para o fim do tráfico de

africanos. Ver: CHALHOUB, Sidney. A força da escravidão: ilegalidade e costume no Brasil oitocentista. São

Paulo: Companhia das Letras, 2012. 39 O Futuro, 15 de jan., 1863.

Os assuntos das crônicas d’ O Futuro eram, basicamente, sobre fatos literários e culturais, afinal o periódico tinha

um programa literário. Nem sempre Machado comentava sobre política, sendo esse um caso não tão comum.

(GODOI, Rodrigo Camargo de. “Introdução”. In: ASSIS, Machado de. O Futuro. [organização, introdução e notas:

Rodrigo Camargo de Godoi]. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2014. p. 11.) 40 VASCONCELLOS, Teixeira. “Notícias do exterior”. Correio Mercantil, 19 de ago., 1862, p. 1.

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Imperador austríaco Francisco José e apoiadas por alas conservadoras mexicanas41.O que se

tornou preocupação para Machado de Assis, que atento à política internacional, aos

desdobramentos do governo de Napoleão III e às consequências da ação tirana no mundo,

escreveu a poesia “Epitáfio do México” em novembro daquele ano42.

Novamente, a Áustria é um problema para aqueles que defendiam a liberdade. E o caso

mexicano possui um agravante, pois a tentativa de colocar um príncipe austríaco na América

iria contra as independências conquistadas43. Além disso, a disputa galo-austríaca contra os

mexicanos tornava-se um problema ao tentar colocar fim ao governo de Benito Juárez,

presidente liberal e o primeiro com sangue indígena nesse cargo. Ele assumiu a cadeira

presidencial de um país falido e com imensa dívida com a Inglaterra, Espanha e França, que se

sentiram enganados e formaram uma Convenção Tripartite a fim de intervir militarmente no

México. Mais uma vez, a França invadia a América. Para enfatizar, repito que mais uma vez

nações europeias não respeitavam a soberania da América. Alguns conservadores mexicanos

preferiram o lado francês a fim de se livrarem do comando de um indígena liberal que prometia

mudanças como reforma agrária e laicização do estado. A elite seguiu sua cartilha retrógrada,

nada de novo. Miramón e Juárez, outrora rivais, se uniram; afinal, a soberania mexicana frente

à tirania franco-austríaco estava em jogo. Em maio de 1863, Juárez foi rendido na capital

Puebla, partindo para San Luis Potosí com a intenção de restabelecer seu governo. A França,

quando conquistou a capital, apoderou-se do restante do país44. Os conservadores representados

pelo arcebispo Labastida pediram a revogação das leis de confisco ao tesouro do clero; no

41 FERNANDES, Luiz Estevam de Oliveira. Patria Mestiza: memória e história na invenção da nação mexicana

nos séculos XVIII e XIX. 319f. 2009. Tese (Doutorado em História). Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.

Universidade Estadual de Campinas. Campinas, SP. p. 15. 42 A poesia, muito provavelmente foi declamada no dia 22 de novembro de 1863 durante uma reunião literária e

musical que ocorreu devido à partida do pianista Artur Napoleão. Jean-Michel Massa afirmou isso baseado numa

publicação do Diário do Rio de Janeiro. (MASSA, Jean-Michel. “Reabilitação de Machado de Assis”. In:

ANTUNES, Benedito e MOTTA, Sérgio Vicente. Machado de Assis e a crítica internacional. São Paulo: Editora

Unesp, 2009. pp. 33-54.

Também encontrei uma referência a essa declamação numa edição do Diário do Rio de Janeiro, do dia 24/ 11/1863. 43 A intervenção também se opunha à doutrina Monroe, sintetizada na frase “A América para os americanos”.

Doutrina anunciada pelo então presidente James Monroe, em 1823. Em linhas gerais, a doutrina consiste numa

defesa da América, contra qualquer intervenção da Europa, seja pela criação de novas colônias ou em conflitos

americanos internos. (Cf. SEXTON, Jay. “A declaration, a doctrine, and a Disavowal”. In: The Monroe Doctrine:

empire and nation in nineteenth – century America. New York: Hill and Wang, 2011. p. 85 – 86.). É possível

associar a doutrina ao caso mexicano devido às proximidades entre o país e os EUA. Além disso, um dos

agravantes na conquista galo-austríaca foi a guerra de secessão que acontecia nos EUA, portanto o México não

obteve ajuda de seu vizinho mais forte. 44Ao longo de 1863 acompanha-se as notícias mexicanas na imprensa brasileira. Em maio de 1863, quando o

México já estava sitiado pelos franceses, temos no primeiro momento páginas com certa esperança afinal, os

mexicanos resistiam (ver: Correio Mercantil, 19 de junho, 1863). Mas em poucos dias, a esperança de dissipa e

vêm as notícias de como a França era “Senhora do México”. (ver: Correio Mercantil, 21 de junho, 1863). E depois,

em novembro, quando Maximiliano, irmão do Imperador austríaco, aceitou o trono do México. (ver: Diário do

Rio de Janeiro, 7 de novembro, 1863; Correio Mercantil, 9 de novembro, 1863)

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entanto, o apoio aos franceses foi um equívoco que a mentalidade conservadora não conseguiu

prever. Napoleão coroou Maximiliano, com formação liberal45.

A conjuntura mexicana foi mote para escritos machadianos. Primeiro escreveu uma

crônica no dia 1º de setembro de 1863, em “Conversas Hebdomadárias” no Diário do Rio de

Janeiro, e posteriormente a poesia “Epitáfio do México”, que incluiu no volume de Crisálidas.

A crônica revela muito sobre a composição da poesia. Vejamos o trecho em que Machado

comenta a questão mexicana.

Recebi de Buenos Aires uma ode escrita pelo poeta argentino Carlos Guido y Spano

sobre a invasão do México. É um ardente protesto de indignação contra o ato de Sua

Majestade o Imperador dos Franceses, isto é, o recurso da justiça contra a violação do

direito em tempos que mais parecem de ferro que de luz.

Revolta-se a alma do homem e a musa do poeta contra a prepotência armada e

disfarçada. Em casos tais não se escolhem expressões nem se dissimulam sentimentos:

falia-se franca e rudemente como permitem a dor e a irritação. Tal é o caráter da poesia

de Carlos Guido.

Nem outro poderia ser o tom de uma poesia, que tratasse de tamanho infortúnio. Como

dirigir em certos casos o ímpeto e alvoroço? É a comoção do momento que domina

tudo, como no cântico dos hebreus, ao escaparem das hostes de Faraó; a um tempo e

tumultuariamente celebra Israel o poder do Senhor e a submersão do inimigo.

Quem de entre os heróis é semelhante a ti, Senhor? Estendeste a tua mão e o mar os

devorou...

Ah! que não pudesse o poeta repetir as mesmas palavras de Israel! Não se abriu o mar,

antes cúmplice da violação, deu livre caminho às naus dos invasores. Estas foram

levar a uma nação fraca a morte e a desolação. Tinham os soldados da invasão o direito

do número e do valor marcial, isto é, o supremo direito nos conflitos, em que a

consciência não toma parte. Entraram, destruíram, violentaram, arrasaram, e Puebla,

lá diz o poeta, Poderá no ser ciudad, mas será templo.

Por esses feitos heroicos, queima-se incenso nos altares do Deus da justiça, e dizem

que se aumentou o sol da glória francesa. E esta glória é já diversa daquela do tempo

de Salústio. — Inverteram-se os papéis: é Roma quem combate por salvar-se e a antiga

Gália quem manda ao longe as suas hostes — para dominar. Ó tempos...46

Ao escrever a poesia sobre o México, Machado de Assis evidentemente dialogo com o

poeta argentino Carlos Guido y Spano, o que revela um possível debate com outros escritores

americanos. Pode ser que a poesia que Machado escreveu tenha sido na verdade uma tradução,

o que é plausível e até comum para a época. Não encontrei o poema de Carlos Guido ao qual

Machado alude, tampouco quais foram as circunstâncias, mas pode ser que o poeta tenha

remetido a carta diretamente para o jornal. Outro ponto notável é a confluência de ideias entre

Carlos Guido y Spano e Machado de Assis. O cronista afirma ter recebido a poesia e concordar

com o tom de indignação do poeta argentino. Ao dissertar sobre o México, Machado compara

a situação daquele país a um trecho do velho testamento - mais precisamente, à situação de

45 BAZANT, Jan. “O México da Independência a 1867”. In: BETHELL, Leslie (org.). História da América Latina,

vol III: da independência a 1870. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Imprensa Oficial do Estado;

Brasília, DF: Fundação Alexandre de Gusmão, 2004. p. 451-460. 46 ASSIS, Machado de. “Conversas Hebdomadárias”. In: Diário do Rio de Janeiro, 1 de setembro, 1863.

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opressão dos hebreus no Egito. Outra vez, podemos enxergar uma analogia sobre o cativeiro,

pois o episódio escolhido foi sobre a libertação dos escravos hebreus.

Revoltado contra a “prepotência armada e disfarçada”, o cronista também empunhará

seu estro de poeta, surgindo assim “Epitáfio do México”. A poesia possui uma epígrafe do

“Epitáfio das Termópilas”, referente à batalha que aconteceu durante a segunda guerra médica,

por volta de 480 a.C. Foi a guerra entre as tropas de Leônidas de Esparta e Xerxes I, da Pérsia,

aconteceu quando o segundo pretendia invadir e conquistar a Grécia, sendo derrotado apesar de

possuir um exército maior. A vitória espartana surge como uma representação da coragem

apesar da circunstância adversa. O exército de Esparta, movido pelo patriotismo, conseguiu se

defender da investida persa, mesmo com poucos guerreiros. Na ótica machadiana, o México

deveria lutar bravamente contra um inimigo mais forte. Mesmo diante da derrota, Machado

ainda mantem sua fé, pois apesar do “cadáver tépido”, do “povo aniquilado” e da “luta férvida”,

o poeta manifesta crença na justiça e na liberdade, como é possível perceber nas últimas estrofes

da poesia:

Venceu a força indômita;

Mas a infeliz vencida

A mágoa, a dor, o ódio,

Na face envilecida

Cuspiu-lhe. E a eterna mácula

Seus louros murchará.

E quando a voz fatídica

Da santa liberdade

Vier em dias prósperos

Clamar à humanidade,

Então revivo o México

Da campa surgirá.47

Em 1865, Machado de Assis voltou a mencionar a invasão na série “Ao Acaso” do

Diário do Rio de Janeiro, sendo crítico de certa passividade por parte de D. Pedro II diante da

visita do novo embaixador mexicano Pedro Escondon, que veio noticiar a ascensão de

Maximiliano ao trono do país.

O que merece a atenção no ato da recepção da embaixada é a resposta do soberano do

Brasil.

Como essa resposta não podia deixar de ter importância política, e neste caráter caía

debaixo da apreciação pública, procuramo-la com alvoroço, mesmo antes de ler o

discurso do embaixador, o que S. Excia. nos perdoará.

Que é, pois, essa resposta? Oito linhas simples, discretas, reservadas. Não significa

um ataque, mas também não é um aplauso. É um agradecimento ao soberano do

México, e um voto para que se mantenham entre os dois países amigáveis relações.

Aceita-se o fato, resguarda-se a apreciação do direito. As potências fracas, neste caso,

imitam as potências fortes: suportam mais esta travessura do tutu das Tulherias.

47 ASSIS, Machado de. “Epitáfio do México”. O Futuro, 15 de março, 1863. pp. 425-428.

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Semelhante resposta deve e há de receber os aplausos de todo o país. Mas, se fosse

possível que ela produzisse uma impressão má, ou que o espírito do soberano fosse

tomado de arrependimento depois de proferi-la, aí estão as últimas correspondências

do México para confirmar o país e o soberano nas suas disposições anteriores.

Fala-se no México, dizem as correspondências deste país publicadas nos jornais da

Europa, em que o imperador Maximiliano I ia ceder à França a província de Sonora

como penhor de dívida.

Querem mais claro?

Francamente, fatiga-nos insistir nesta questão mexicana, que já passou para a ordem

dos fatos consumados; mas, quando as conclusões da invasão francesa vão aparecendo

tão descaradamente, é impossível deixar de fazer, ao menos, um ligeiro protesto.

Dissemos que a resposta do imperador há de produzir o melhor efeito no espírito

público; acrescentaremos que não o será em virtude do princípio da política americana,

principio vasto e elevado, mas ainda assim, menos vasto e elevado que o princípio da

justiça universal. É à justiça universal que repugnam essas explorações em nome da

força. A mesma latitude moral cobre a província de Sonora e o ducado de Sleswig.

Sabemos que estas linhas vão ser lidas por um distinto amigo nosso, que olha as coisas

por um modo diverso, e que, sobretudo, toma muito a peito a defesa pessoal do

imperador Maximiliano. Folgamos em mencionar de passagem que as intenções

daquele príncipe nunca foram suspeitas para nós. Cremos que ele sinceramente deseja

fazer um governo liberal e plantar uma era de prosperidade no México. A modificação

do gabinete mexicano e o rompimento com o núncio do papa são os recentes sintomas

da disposição liberal de Maximiliano. Além disso, o nosso amigo afirma com razão

que o novo imperador, moço, ilustrado, liberal, nutre a legítima ambição de guiar uma

nação enérgica e robusta a uma posição digna de inveja. A origem espanhola do

México, acrescenta o nosso amigo, influiu poderosamente no espírito de Maximiliano,

que nutre decidida simpatia pela raça do Cid, cuja língua fala admiravelmente.48

O cronista afirma que mesmo que Escondon ache justo o que aconteceu no México, não

foi uma invasão justa. E, critica a atitude de D. Pedro II diante do novo embaixador mexicano.

O Imperador brasileiro se mostrou amigável e disposto a manter boa relação com a nação

americana, o que para Machado demonstrava fraqueza e um pacto com uma injustiça.

Os filhos das primeiras incertezas

Enquanto os anos 1860 avançavam, Machado publicou Crisálidas, uma coletânea que

unia algumas poesias dispersas em jornais, pela primeira vez em livro. Crisálidas se compõe

com poemas diversos, tais como suas musas em “Musa Consolatrix”, “Stella”, “Lúcia”,

“Dilúvio”, “Fé”, “A caridade”. E também há poesias políticas como “Epitáfio do México”,

“Polônia” e “Alpujarra”, esta última uma tradução do original de Mickiewicz. O propósito da

coletânea foi publicar algumas poesias recentes para a época. Isto está elucidado no título de

Crisálidas – que é um casulo que protege a falena ou borboleta. Na coletânea homenageou

quem contribuiu para sua formação: Caetano Filgueiras, Gonçalves Braga, José Feliciano

48 ASSIS, Machado de. “Ao acaso”. Diário do Rio de Janeiro. 21 de fev., 1865.

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Castilho, o padre-mestre Silveira Sarmento, a cantora lírica Gabriela Cunha, além de dedicar a

obra aos falecidos pais Francisco José de Assis e Maria Leopoldina Machado de Assis. Esses

nomes surgem nas dedicatórias como forma de agradecimento por serem parte da matéria que

compôs o casulo que envolveu o próprio poeta em seus primeiros passos.

No prefácio de Caetano Filgueiras, foram oferecidos alguns dados sobre a formação do

poeta Machado de Assis. O prefaciador conta que em seu escritório surgiu um grupo de jovens

poetas talentosos, dentre eles o próprio vate de Crisálidas, Casimiro de Abreu, Manuel de

Macedo Jr. e Gonçalves Braga. Na década de 1860, morreram três desses homens de

tuberculose, permanecendo vivos o prefaciador e o poeta de Crisálidas, que não escondia a

saudade e a melancolia pelas perdas que sofrera ao longo da vida. Aquelas reuniões na casa de

Caetano Filgueiras foram essenciais para a formação literária do mais novo dentre eles,

Machado, profundamente instigado pelos amigos. O cerne do prefácio está na forma como

Filgueiras classifica a poesia machadiana:

A que escola pertence o autor deste livro? A mística de Lamartine, à cética de Byron,

à filosofia do Hugo, à sensualista de Ovídio, à patriótica de Mickiewicz, à americana

de Gonçalves Dias? A nenhuma.

Qual o sistema métrico que adotou? Nenhuma. Qual a musa que lhe preside às

criações?... A mitológica de Homero, a mista de Camões, a católica de Dante, a

libertina de Parny? Nenhuma.

A escola de Machado de Assis é o sentimento; - seu sistema a inspiração: sua musa a

liberdade. Tríplice liberdade: liberdade na concepção; liberdade na forma; liberdade

na roupagem. Tríplice vantagem: - originalidade, naturalidade, variedade!49

A leitora já pode antever ideias que Machado desenvolverá nos anos seguintes, tais

como liberdade na escolha temática, não recorrendo aos lugares comuns, como a poesia

nacionalista. Em Crisálidas, por exemplo, encontramos poesias com forma mais livre, não se

prendendo a estéticas pré-concebidas. Na resposta do autor, no posfácio, se confirma que este

problema motivava Machado desde cedo:

O meu livro é esse pouco que tu [Caetano Filgueiras] caracterizaste tão bem atribuindo

os meus versos a um desejo secreto de expansão; não curo de escolas ou teorias; no

culto das musas não sou um sacerdote, sou um fiel obscuro da vasta multidão dos

fiéis. Tal sou eu, tal deve ser apreciado o meu livro; nem mais, nem menos.50

De acordo com Flávia Amparo na tese Sob o véu dos versos, Crisálidas tem uma “feição

romântica” e também “comporta uma concepção contrária a esta estética”. A autora conclui que

há “um tom romântico” na “rememoração do passado”; todavia, “o exame incisivo do crítico

parece concluir que as ilusões não dispõem mais de espaço em sua poética. ” Flávia Amparo

49 FILGUEIRAS, Caetano. “O poeta e o livro: conversação preliminar”. In: ASSIS, Machado de. Crisálidas. Rio

de Janeiro: B.L. Garnier, 1864. p. 12-13. 50 ASSIS, Machado de. Crisálidas. Rio de Janeiro: B.L. Garnier, 1864. p. 164.

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identifica a metamorfose como sendo o tema central de Crisálidas, “declinando o

ultrarromantismo”, o poeta “renega os sentimentos de outrora, mas vale-se da memória como

inspiração”51. Cláudio Murilo Leal, por sua vez, afirma que Crisálidas está “mais próximo da

formalidade parnasiana”, mas o poeta não se filiou nem ao parnasianismo, nem ao romantismo,

mantendo uma linha tênue entre uma e outra, numa “transição”. Há, nas poesias machadianas,

um “romantismo comedido”, “os temas de amor, os sociais e mesmo os indianistas recebem um

tratamento comedido e sóbrio”52. A oscilação entre o romantismo e certa independência com ar

de novidade parece óbvia se colocarmos o autor em seu devido contexto. É quase inegável que

Machado tivesse certo “tom romântico”, afinal, isso fazia parte do repertório da época. Já

afirmar que Machado esteja próximo ao parnasianismo é uma questão dúbia, diria que

anacrônica. O problema da interpretação dos críticos literários é a insistente tentativa em

classificar o poeta, sobretudo numa década em que a literatura brasileira não possuía uma

orientação clara como foram os anos 1860, questão que desenvolverei adiante. Por essa razão,

perdem a essência de muitos versos, principalmente porque não interpretaram a poesia que foi

publicada em Crisálidas no seu veículo original, as folhas dos periódicos.

Talvez, mesmo com problemas, uma das melhores análises da coletânea ainda é de Jean-

Michel Massa, pois o autor estava preocupado em buscar qual o testemunho de Crisálidas. O

crítico pretende trazer para a superfície o “fio de Ariadne” das poesias. Massa conclui que não

o encontrou; todavia, “o acaso é pouco compatível com o caráter meticuloso de Machado de

Assis”53. Não há uma classificação; entretanto, Massa consegue explicar satisfatoriamente a

ordem interna da coletânea, afirmando que a tristeza é o grande tema lírico de Crisálidas e isso

se expressa num fio condutor. A hipótese é que houve um tempo muito curto entre a assinatura

do contrato e a publicação do volume: dois meses. Teria havido, assim, dois momentos da

organização da coletânea. A primeira quinzena de poesias envolvia composições recentes “de

inspiração pessoal e lírica e algumas traduções”. A segunda parte compunha-se de poesias

“políticas ou patrióticas”. O que sustenta o argumento são as três poesias cujo tema são as

musas, a primeira “Musa Consolatrix”, na segunda parte política “Os arlequins” e fechando

com a “Última folha”. E por fim, talvez por julgar o livro pequeno, inseriu poemas de 1864,

tais como “Horas vivas” e “Versos a Corina”. O próprio Massa reconhece que o problema dessa

51 AMPARO, Flávia V. S. Sob o véu dos versos: o lugar da poesia na obra de Machado de Assis. 2008. 346f. Tese

(Doutorado em Letras Vernáculas – Literatura Brasileira). Faculdade de Letras. Universidade Federal do Rio de

Janeiro, Rio de Janeiro. p. 72. 52 LEAL, Cláudio Murilo. O círculo virtuoso: a poesia de Machado de Assis. Brasília, DF: Ludens, 2008. p. 69-

70. 53 MASSA, op. cit. p. 335.

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explicação é a presença da tradução “Alpujarra” (1862) e “Ventoinhas” (1863)54. O argumento

é plausível e a desordem do fim da coletânea pode ser fruto da pressa em publicá-la.

Na publicação de Crisálidas, o autor estava inseguro. No posfácio a leitora percebe a

postura defensiva, justificando que os poemas são “filhos das primeiras incertezas” e de

antemão retira o peso do resultado final de seus ombros: “Devo declará-lo, para que não recaia

sobre mim exclusivamente a responsabilidade do livro. Denuncio os cúmplices para que sofram

a sentença”. Além de dizer que a publicação foi incentivada pelo grupo no qual se formou,

reafirma a influência daquelas pessoas em seu desenvolvimento. Machado também demonstra

preocupação com a possibilidade do fracasso, e afirma que o prefácio pode “salvar o [seu] livro

de um insucesso fatal”. Machado, um escritor perfeccionista, demonstrava ser sensível às

críticas e estava disposto a lê-las com a intenção de melhorar sua escrita.

Houve uma recepção relativamente elogiosa e as Crisálidas foram consideradas

“mimosas” por alguns avaliadores. As críticas mais severas que recebeu saíram na Revista

Mensal da Sociedade Ensaios Literários em novembro de 1864. No texto “Crisálidas de

Machado de Assis”, o escritor Manuel Major elogiou o talento do primeiro livro do autor e sua

empreitada com tantos outros na “missão civilizadora” e retomou a ideia da originalidade

machadiana, ao não se filiar à nenhuma escola específica:

A escola de Machado de Assis é feitura do gênio. [...] arte, vacilando entre européis

gregos que entorpecem a desenvoltura da ideia e a inteira nudez de formas do

pensamento, quis ser original, eclética embora, porém nunca acolito dos levitas de

Aristóteles e muito menos soldado do ultrarromantismo de Byron.55

Neste momento, Machado não se filiar ao romantismo de forma explícita torna-se uma

atitude digna de elogios, até porque muitos escritores tinham consciência que a literatura

mudava aos poucos e Machado de Assis, ainda jovem, seria um dos responsáveis por isso. No

ano seguinte, 1865, José de Alencar lançará Iracema, um romance paladino do indianismo,

estética que lentamente caminhava para seus derradeiros suspiros. Manuel Major chama a

atenção para o fato de que Machado de Assis não prendia a literatura em suas formas

nacionalistas:

Como havemos dito, a originalidade é o dote principal das Crisálidas, e isto repetimos

apesar de existir no livro do jovem poeta, de que ora tratamos, vestígios bem visíveis

de impressões.

É que Machado de Assis ainda deixa-se arrastar pelos galanteios de musas

estrangeiras, e nos esforços que faz para fugir de seus braços e subtrair-se a suas

seduções manifesta um gênio, cuja irradiação será imensa.

54 Ibid, Id. 55 MAJOR, Manuel. “Crisálidas de Machado de Assis”. Revista Mensal da Sociedade Ensaios Literários, nov.,

1864. p. 207

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[...] É pois a musa de Machado de Assis uma deusa-grega e romana, francesa e polaca,

europeia e americana, é cosmopolita enfim. Não tem nacionalidade à força de ser

nacional em todo o mundo.56

Em sua poesia, Machado de Assis presta muitos tributos às musas europeias, atitude que

se repetirá até Falenas. Neste momento, para a crítica de Crisálidas isso não parecia ser um

problema. Entretanto, quando Machado de Assis publicar Falenas, será um assunto primordial

apontado por críticos. Na mesma edição de novembro da Revista Mensal da Sociedade Ensaios

Literários, houve outra crítica menor, porém mais rigorosa. O texto é assinado por Luiz José

Pereira da Silva, que considera Crisálidas “um livrinho mimoso”. O elogio não se estende, Luiz

José Pereira da Silva julga negativo o prefácio de Caetano Filgueiras, pois se trata de “amizade

cega” e o trabalho crítico “pede severidade”. O autor aponta os defeitos do poeta Machado de

Assis, tais como a falta de cuidado com rimas, métrica e a estética muito livre57.

Na edição de 5 de junho de 1866, ainda na Revista Mensal da Sociedade Ensaios

Literários, saiu uma terceira crítica, desta vez escrita por F. T. Leitão58. Ele não gosta do título

de Crisálidas; na opinião dele, este não se justificava, “porque as produções reunidas em um

feixe despossuem o mérito da novidade”. Apesar de composições “em demasia conhecidas”, a

vantagem era que “elas mais [perdurariam]” pelo formato em livro. Segundo, F. T. Leitão, “o

lirismo é o lado mais dileto de M. de Assis” e o maior defeito era “em relação à parte métrica”:

Poesia inteiramente fora das regras indispensáveis dos labores que mais enlevam o

espírito não se pode ler, não deve ser feita. Aqueles que donos de elevado engenho

poético não quiserem cingir-se às regras das artes componham seus trabalhos em

prosa.59

A despeito da sisudez, F. T. Leitão se justifica por ser essa a função de crítico e pedia

para Machado “não esmorecer no seguir pela estrada que já [conhecia]” e “em breves anos

[ofertar] provas evidentes de uma melhor colheita, de mais cuidadosa aplicação”. Machado

ofertará um novo livro em 1870, com mais esmero poético, mas de fato, depois disso, assumirá

a vocação de prosador, já sugerida por F. T. Leitão. Sem regras, sem métrica, todavia ainda

demonstrando certo lirismo na prosa, talvez, o espólio legado pelos anos dedicados ao labor

poético.

56 Ibid., p. 2017. 57SILVA, Luiz José Pereira da. “Crônica”. In: Revista Mensal da Sociedade Ensaios Literários, nov., 1864. 58 Embora publicada em 1866, foi escrita em outubro de 1865. pp. 241 – 244. 59 LEITÃO, F.T. “Crisálidas: volume de poesias de Machado de Assis”. In: Revista Mensal da Sociedade Ensaios

Literários, jun., 1866. p. 381. (grifos meus)

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A musa nacional

A partir de 1864 alguns eventos ocuparam nosso poeta, que sentiu a necessidade de

empunhar o estro, nos legando documentos históricos sobre o momento vivido, muito voltado

para a questão nacional. A convicção monarquista já era sentida em poesias dedicadas a D.

Pedro II desde 185560 e em 1864, ano do casamento da Princesa Isabel e Conde d’Eu, Machado

escreveu três poemas sobre o assunto. O casamento real surge nas poesias: “Estâncias nupciais”,

“Em homenagem a D. Isabel e ao Conde D’Eu” e “No casamento da Princesa Isabel”. Machado

de Assis mencionou o casamento em sua crônica semanal no Diário do Rio de Janeiro, no dia

17 de outubro de 1864:

O Rio de Janeiro está em festas – festas realizadas anteontem e festas adiadas para 24

e 25. O casamento da herdeira da coroa é o assunto do momento.

Um céu puro e um sol esplêndido presidiram no dia 15 a este acontecimento nacional.

A natureza dava a mão aos homens; o céu comungava com a terra.

Não descreverei nem a festa oficial nem a festa pública. Quem não assistiu à primeira

leu já a relação dela nos andares superiores dos jornais; na segunda todos tomaram

parte – mais ou menos – todos viram o que se fez, em arcos, coretos, pavilhões,

iluminações, espetáculos, aclamações e mil outras coisas. E sobretudo ninguém

deixou de ver e sentir a melhor festa, que é a festa da alegria íntima, natural,

espontânea, a festa do cordial respeito que o povo tributa à primeira família da nação.61

Machado de Assis foi tomado pela alegria do matrimônio real que foi um acontecimento

importante na corte62. E talvez também porque esta vivesse motivado pela paixão que sentia

por sua própria musa. Naquele ano, no dia 21 de março Machado começou a publicar no

Correio Mercantil seus “Versos a Corina” - a declaração à musa por quem estava enamorado -

, e no dia 21 de abril, desta vez no Diário do Rio de Janeiro, publicou parte do final dos versos63.

Em “Estâncias Nupciais”, Machado enalteceu o casamento entre a Princesa Isabel e o Conde

D’Eu, denotando em seus versos um tom de súdito que felicitava a “glória” do matrimônio da

“filha predileta” e “excelsa neta” / Do excelso Fundador”. O poema tem evidente função de

ganhar espaço na sociedade, o que é algo recorrente numa monarquia:

60 Machado de Assis escreveu uma poesia em homenagem ao aniversário de D. Pedro II a pedido de Paula Brito.

Os versos apareceram na edição da Marmota Fluminense de 2 de dezembro, 1856. Ver: Marmota Fluminense, 2

de dez, 1856. 61 ASSIS, Machado de. “Crônicas semanais”. Diário do Rio de Janeiro, 17 de outubro, 1864. 62Ver: DAIBERT JUNIOR, Robert. Isabel, a “redentora dos escravos”: um estudo das representações da princesa.

Campinas: Unicamp, 2001. 212f. (Dissertação de mestrado em história). Departamento de História do Instituto de

Filosofia e Ciências Humanas. Universidade de Campinas, Unicamp, Campinas, 2001. pp. 34 – 41. 63Os Versos a Corina, foram publicados no Correio Mercantil nos dias 21 de março, 1864, 26 de março, 1864, 2

de abril, 1864 e posteriormente no Diário do Rio de Janeiro em 16 de abril, 1864 e 21 de abril, 1864.

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II

Do seio das florestas

Que aroma sobe ao ar?

E que oblações são estas

Que a terra envia ao mar?

III

A peregrina Alteza

A rosa matinal,

O sonho de pureza

Da mente imperial.

[...]

VII

Aumenta a nossa glória

No sólio imperial,

E a fúlgida memória

Da honra nacional64

No primeiro verso do trecho que indiquei há uma referência de “cor local”, ao mencionar

“florestas” e forças da natureza. O poema foi escrito muito provavelmente em outubro de 1864,

data do casamento. Machado de Assis já havia publicado livro e era um cronista assíduo do

Diário do Rio de janeiro. O desenvolvimento do poeta na última década não condiz com esse

poema, por isso talvez o próprio Machado, muito autocrítico, tenha julgado estes versos fracos

e insistiu em escrever outra poesia sobre o mesmo tema para melhorar. Então publica “Em

homenagem a D. Isabel e ao Conde D’Eu”. Evidentemente, o súdito fiel estava ajoelhando e

pedindo as bênçãos aos até então herdeiros do trono brasileiro. A princesa era musa para mais

uma poesia, tendo o recente casamento como temática:

Do seio da espessura,

Ó virgem do Brasil,

Ergue radiante e pura

A fronte juvenil.

Tece com as mãos formosas

À noiva imperial

De lírios e de rosas

A C’roa nupcial.

Flor desta jovem terra,

Em seu profundo amor,

Como um penhor encerra

Cândida, excelsa flor65

64 ASSIS, Machado de. “Estâncias Nupciais”. In: TPMA. 712-713. 65 ASSIS, Machado de. “Em homenagem a D. Isabel e ao Conde D’Eu”. In: TPMA, p. 713.

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Rimando “amor” com “flor”, Machado de Assis insistia no tema do casamento real. A

poesia “Em homenagem a D. Isabel e ao Conde D’Eu” tem a intenção de homenagear aquela

que “um dia hás de cingir” “régio diadema”. Machado buscava seu lugar de status na corte

Imperial. O que aos poucos conseguia, pois em 1867 foi agraciado com o título de cavaleiro da

Ordem da Rosa66. Contudo, não bastava chamar a atenção dos pombinhos imperiais. Quiçá

Machado não estava satisfeito com os 64 versos em duas poesias que havia escrito sobre o

casamento. A terceira foi intitulada “No casamento da Princesa Isabel”. O Conde D’Eu foi

retirado do título, o que faz todo sentido, afinal em nenhuma das poesias Machado reverenciou

o noivo. A última poesia talvez tenha agradado mais ao próprio autor, que sossegou sua pena e

não escreveu mais sobre o casamento. Ademais, a alegria não duraria muito tempo, a iminência

da guerra se fazia presente. O poema “No casamento da Princesa Isabel” possui essa dualidade

entre a “hora da bonança” e a “hora do temporal”. Nessa poesia, parecia que finalmente

Machado não estava preocupado apenas em demarcar seu espaço na corte e beijar as mãos da

Princesa. Há mais sentimento e um lirismo inspirado no contexto do início da guerra contra o

Paraguai, em dezembro de 1864, o desejo de testemunhar a iminência do conflito fica mais

pungente.

A vida das nações, e como a dos homens,

Tecem o bem e o mal;

Vem, depois de uma hora de bonança,

Hora de temporal.

Mas o sol, mas o rei dos astros puros,

Como eterno senhor

Rompe através das nuvens, revestido

De esplêndido fulgor

Surge, e da tempestade os negros corvos

Batendo as asas vão;

Ri o Céu, ri a Terra, e enfim se expande

A paz no coração.67

Em outubro, na séria “Ao acaso”, Machado de Assis já havia escrito críticas a Solano

López e suas ações no Paraguai:

Se há nesta boa cidade do Rio de Janeiro algum Homero disponível, é chegada a

ocasião de ilustrar o seu nome e mandar um homem à posteridade.

Canta, ó deusa, a cólera do presidente Lopez!

O presidente Lopez não quis deixar passar esta ocasião de brilhar; conseguiu apanhá-

la pelos cabelos. Era a mais propícia para trazer à tona da água os seus sentimentos de

66 Em 1867, Machado de Assis recebeu o título de cavaleiro da ordem da rosa imperial, de acordo com Massa, esse

pode ser um dos motivos para que o escritor se afastasse do campo de batalha liberal. (MASSA, op cit. p. 568).

Luiz Roncari, por sua vez, afirma que não, Machado se afastava para distanciar do que deveria ser evitado,

“tornando a crítica mais subterrânea”. (RONCARI, Luiz. O cão do sertão: literatura e engajamento, ensaios sobre

João Guimarães Rosa, Machado de Assis e Carlos Drummond de Andrade. São Paulo: Editora da Unesp, 2007. p.

202.) 67 ASSIS, Machado de. “No casamento da princesa Isabel”. In: TPMA, p. 715.

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liberdade, de independência e de democracia — três vocábulos sonoros que têm

conceituado muita gente, debaixo do sol.

Dizia-se há muito que o presidente Lopez nutria pretensões monárquicas e preparava

o terreno para cingir um dia a coroa Paraguaia; mas S. Excia. é, antes de tudo,

democrata americano; onde quer que ouça gemer a democracia americana — não

hesita: — pede a sua espada de Toledo, cinge o capacete de guerra e dispõe-se a ir

verter o sangue em defesa da mãe comum.

Democracia americana — naqueles climas — quer dizer: companhia de exploração

dos direitos do povo e da paciência dos vizinhos. Déspotas com os seus, turbulentos

com os, sem grandeza moral, sem dignidade política, incapazes, presumidos,

gritadores, tais são os pretendidos democratas de Montevidéu e de Assunção.68

Machado de Assis ironiza as pretensões democráticas de Solano López. Quando o líder

paraguaio atacar o Brasil, Machado voltará a desferir críticas a López. A Guerra do Paraguai

também inspiraria o poeta, que nos legou dois poemas sobre o tema: “A cólera do Império” e

“Cala-te amor de mãe”, ambos de 1865. O início da guerra fora marcado por entusiasmo

patriótico e Machado de Assis utilizou seus escritos como forma de expressão ufanista. Ainda

não era um cético de forma mais contundente como chegou a ser nos anos seguintes. E segundo

Tiago Gomes Araújo, no capítulo “Penas e canhões: a guerra do Paraguai na literatura

oitocentista”, que compõe sua tese, Machado foi “fiel ao sentimento patriota, atuando como

ideólogo do Império e convencido da justeza da guerra”69. O historiador analisa crônicas de

Machado de Assis no Diário do Rio de Janeiro, as quais revelam um “defensor da causa

brasileira”; segundo ele, Machado utilizava “imagens literárias que exaltavam a Nação e

fortaleciam o sentimento revanchista contra os paraguaios” 70 . Tiago Araújo se detém às

crônicas, todavia podemos fazê-las dialogar também com as poesias escritas em 1865. Notável

o fato de que Machado de Assis, depois do primeiro ano, parou de escrever sobre a guerra. O

entusiasmo sobre o conflito aos poucos de dissipava, tanto da pena machadiana, como do

restante da imprensa brasileira. O que não significa que a guerra não tenha sido temática para a

literatura nos próximos anos, apenas ocorreu um distanciamento de um sentimento ufanista e

empolgado com as ações militares brasileiras.

Leonardo de Oliveira Silva, em sua dissertação As armas do Império, analisou a Guerra

do Paraguai como um problema para a literatura brasileira. Além de Machado, também

investigou obras como as de Luiz José Pereira da Silva (o mesmo que escreveu uma crítica

sobre Crisálidas), Antônio de Castro Mendonça Furtado, Castro Alves, Joaquim Manoel de

Macedo, Alfredo D’Escragnolle Taunay e Joaquim Nabuco. De acordo com o autor, a “urgência

68 ASSIS, Machado de. “Ao Acaso”, 24 de out., 1864. 69 ARAÚJO, Tiago Gomes. A identidade nacional brasileira na guerra do Paraguai (1864 – 1870). Brasília:

UNB, 2012. 285f. (Tese em História). Programa de pós-graduação em História. Universidade de Brasília, UNB,

Brasília, 2012. p. 32. 70 Ibid., p. 38.

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imposta pelas questões políticas da época servia de combustível para essa literatura que visava

contribuir para a guerra”. Emergiram temas como o voluntariado e a construção de uma unidade

nacional por meio da oposição entre brasileiro e inimigo. Leonardo de Oliveira Silva, não

analisa apenas literatura produzida durante a guerra. O objetivo dele é mais amplo, pois se trata

da guerra como problema literário. O pesquisador analisou também Iaiá Garcia, relacionando

o romance com o tema do voluntariado presente nas poesias machadianas71.

Machado de Assis dialogava com a espírito da época. Como afirmou José Murilo de

Carvalho em Pontos e Bordados, “pela primeira vez, brasileiros de todos os quadrantes do País

se encontravam, se conheciam, lutavam juntos pela mesma causa”. E se uns lutavam com armas

no sul do continente, outros empunhavam suas penas, sobretudo na corte imperial72. José Murilo

de Carvalho afirma que “a imprensa contribuiu também para construir a imagem do inimigo,

fator crucial para a construção da própria identidade.”73 Imagem “convincente”, afinal, Solano

López invadira o país, logo foi apresentada como “ditador, cruel opressor de seu povo, símbolo

da barbárie e da selvageria.”74

As poesias machadianas estão inseridas neste caldo cultural. Desde janeiro, Machado

de Assis demonstrava certo entusiasmo com a guerra. Nesse trecho de uma crônica de fevereiro

publicada no Diário do Rio de Janeiro se entrevê como Machado recebia as notícias do

Paraguai:

Todos os espíritos estão voltados para o Sul. A guerra é o fato que trabalha em todas

as cabeças, que provoca todas as dedicações, que desperta todos os sentimentos

nacionais.

De cada ponto do império surge um grito, levanta-se um braço, estende-se uma oferta.

A educação dada à geração atual não era de certo própria para inspirar os grandes

movimentos, mas há no povo brasileiro um sentimento íntimo que resiste a todos os

contratempos e vive mesmo através do sono de muitos anos. Graças a essa virtude

máxima do povo, não faltarão elementos para a vitória, nem escassearão braços para

lavar a afronta do país.75

71 SILVA, Leonardo de Oliveira. As armas do Império: Guerra do Paraguai, literatura do Brasil. São Paulo: USP,

2014. 127f. (Mestrado em Letras). Programa de pós-graduação em Literatura Brasileira. Universidade de São

Paulo, USP, São Paulo, 2014. 72 Angelo Agostini foi outro artista que começava sua militância por meio de caricaturas durante a Guerra do

Paraguai, sua carreira iniciou em São Paulo, no periódico Diabo Coxo. De acordo com Marcelo Balaban, em seu

livro Poeta do Lápis, a formação de Angelo Agostini “na imprensa ilustrada está intimamente associada às

questões suscitadas no período da guerra”. (BALABAN, Marcelo. “Cenas liberais”. In: Poeta do Lápis: sátira e

política na trajetória de Angelo Agostini no Brasil Imperial (1864-1888). Campinas, SP: Editora da Unicamp,

2009.) 73 CARVALHO, José Murilo de. Pontos e Bordados: Escritos de história e política. Belo Horizonte: Ed. UFMG,

1998. p. 333. 74 Ibid, p. 334. 75 Machado de Assis. “Ao Acaso”, 21 de fev., 1864.

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Nos meses seguintes continuou a demonstrar simpatia pela causa brasileira, manteve-

se entusiasmado com a guerra. O sentimento patriótico rompeu também na poesia machadiana.

“A cólera do Império”, foi publicada no Diário do Rio de Janeiro em 17 de maio de 1865.

Enfático no seu sentimento nacionalista, Machado de Assis inicia a poesia com os seguintes

versos: "De pé! — Quando o inimigo o solo invade/ Ergue-se o povo inteiro; e a espada em

punho/É como um raio vingador dos livres!”. O poeta imprime em seus versos a ideia de união

do povo, ungida pelo patriotismo. Machado estava tomado pela noção de que o Brasil levava

liberdade ao Paraguai; ademais, há uma idealização do Império como aquele capaz de levar a

“civilização” ao vizinho governado por Solano Lopéz, libertando o povo paraguaio da condição

de “escravo”.

Basta isso? Ainda não. Se o império é fogo, Também é luz: abrasa, mas aclara.

Onde levar a flama da justiça,

Deixa um raio de nova liberdade.

Não lhe basta escrever uma vitória,

Lá, onde a tirania oprime um povo;

Outra, tão grande, lhe desperta os brios;

Vença uma vez no campo, outra nas almas;

Quebre as duras algemas que roxeiam

Pulsos de escravos. Faça-os homens.

__________

Treme,

Treme, opressor, da cólera do império!

Longo há que às tuas mãos a liberdade

Sufocada soluça. A escura noite

Cobre de há muito o teu domínio estreito;

Tu mesmo abriste as portas do Oriente;

Rompe a luz; foge ao dia! O Deus dos justos

Os soluços ouviu dos teus escravos,

E os olhos te cegou para perder-te!76

A concepção nutrida pelo imaginário nacional de que o Paraguai um dia agradeceria o

Brasil pela luta aparece na poesia: “O povo um dia cobrirá de flores,/ A imagem do Brasil”. O

ufanismo surge similarmente em “Cala-te, amor de mãe”, publicado em 20 de agosto de 1865,

na Semana Ilustrada, em homenagem à Rosa Maria Paulina Regadas da Fonseca. Nesta mesma

edição, junto com o soneto machadiano, há uma ilustração de Rosa da Fonseca com seus 7

filhos que foram para a guerra. Entre seus herdeiros proeminentes estão os militares e também

políticos: Hermes Ernesto da Fonseca, Severiano Martins da Fonseca, Pedro Paulino da Fonseca

e Manoel Deodoro da Fonseca (o mesmo que no futuro será o primeiro presidente, mas isso é

76ASSIS, Machado de. “Cólera do Império”. Diário do Rio de Janeiro, 17 de maio, 1865.

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outra história). Hilda Flores em Mulheres na guerra do Paraguai, destaca o amor-pátrio de

Rosa da Fonseca, e narra uma história que supostamente aconteceu após a morte de Hipólito da

Fonseca e Afonso da Fonseca na batalha de Curupaiti, em setembro 1866. De acordo com

relatos, depois da batalha, Rosa da Fonseca teria comemorado primeiro a vitória da pátria,

exaltando os serviços militares dos filhos falecidos e apenas depois de alguns dias se recolheu

em luto77. O poeta, escreve sobre a abnegação do amor materno em prol da pátria, que no caso,

o daquela senhora serviria de distinto exemplo:

Cala-te amor de mãe! Quando o inimigo

Pisa da nossa terra o chão sagrado.

Amor de pátria, vivido, elevado,

Só tu na solidão serás comigo!

O dever é maior do que o perigo;

Pede-te a pátria, cidadão honrado;

Vai, meu filho, e nas lides do soldado

Minha lembrança viverá contigo!

É o sétimo, o último. Minh’alma repartida,

Vai toda aí, convosco repartida,

E eu dou-a de olhos secos, fria e calma.

Oh! não te assuste o horror da márcia lida;

Colhe no vasto campo a melhor palma;

Ou morte honrado ou gloriosa vida.78

Este soneto ainda está muito ligado ao senso de honra e dever e Machado se encontra

num estado ufanista, buscando convencer o seu leitor da importância da peleja, e de quão digno

é lutar e morrer pelo Império. Na mesma edição que apareceu o soneto, há também um texto

exaltando a medida governamental do recrutamento. No texto intitulado “Recrutamento”,

assinado pelo Dr. Semana, é afirmado que a Semana Ilustrada quer que isso aconteça, pois era

“meio muito legal de que o governo serve-se para engrossar as fileiras do exército e obrigar o

patriotismo tardo e egoístico”, afinal, a pátria é a “primeira das mães”. Sendo mãe,

desrespeitada, tem todo o “direito de [constranger]” seus filhos79. Acreditam que um exército

maior acabaria com a guerra mais rápido e a paz reinaria de novo. Na mesma edição, há piadas

e episódios sobre o recrutamento. O poema está inserido no contexto desta edição do periódico.

Rosa da Fonseca, sem dúvida, era um exemplo de mãe que gerou tantos militares para o exército

pátrio.

77 FLORES, Hilda Agnes Hübner. Mulheres na Guerra do Paraguai. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2010.p. 38-39. 78 ASSIS, Machado de. “Cala-te amor de mãe”. Semana Ilustrada, 20 de ago., 1865. p. 5. 79 Dr. Semana. Semana Ilustrada, 20 de de ago., 1865. p. 3.

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Meses antes, ainda em fevereiro, o próprio Machado de Assis escreveu sobre o

recrutamento. Na série “Ao Acaso”, dedicou a crônica do dia 7 de fevereiro de 1865 às damas:

Não nascestes para a guerra, isto é, para a guerra da pólvora e da espingarda. Nascestes

para outra guerra, em que a mais inábil e menos valente vale por dois Aquiles. Mas,

nos momentos supremos da pátria, não sois das últimas. De qualquer modo ajudais os

homens. Uma, como a mãe espartana, arma o filho e o manda para a batalha, outras

bordam uma bandeira e a entregam aos soldados, outras costuram as fardas dos

valentes, outras dilaceram as próprias saias para encher os cartuchos, outras preparam

os fios para os hospitais, outras juncam de flores o caminho dos bravos.

Voltará aquele filho antes da desafronta da pátria? Deixarão os soldados que lhes

arranquem aquela bandeira? Entregarão as fardas que os vestem? Sentirão os

ferimentos quando aqueles fios os hão de curar?

Ao par da santa idéia da pátria agravada, vai na imaginação dos heróis a idéia santa

da dedicação feminina, das flores que os aguardam, das orações que os recomendam

de longe. É assim que ajudais a fazer a guerra. Deste modo estais acima daquelas

aborrecidas Amazonas, que, a pretexto de emancipar o sexo, violavam as leis da

natureza e mutilavam os divinos presentes do céu,

Com quem amor brincava e não se via.

Não tendes uma espada, tendes uma agulha; não comandais um regimento, formais as

coragens; não fazeis um assalto, fazeis uma oração; não distribuis medalhas, espalhais

flores, e estas, podeis estar certas, hão de lembrar, mesmo quando forem secas, os

feitos passados e as vitórias do país.

Que nenhuma brasileira se recuse para esta batalha pacífica.80

O discurso promovendo o patriotismo não durou por muito tempo. Ao passo que a

guerra se prolongava e as mortes eram inúmeras, alguns homens ficavam céticos sobre o

conflito. Machado não falava tanto do conflito na sua obra ficcional. Somente nos anos

seguintes que a Guerra do Paraguai será tema para o romance Iaiá Garcia e os contos “Troca

de datas” (1883), “Uma noite” (1895) e “Um capitão de voluntários” (1906)81.

A suposta ingratidão

No início 1870, Machado de Assis publicou Falenas, sua segunda coletânea poética e

Contos Fluminenses, primeira coletânea de contos. A antologia poética é uma continuação

natural da primeira, na qual o poeta passou pela transformação de crisálida à falena.

Heterogênea em suas composições, Falenas constituía-se de traduções diversas de Shakespeare

e de poetas românticos tais como Lamartine, Alexandre Dumas Filho e Friedrich Schiller e até

de uma “Lira Chinesa”82. Havia também paráfrases como “Uma ode de Anacreonte” que

80 ASSIS, Machado de. “Ao Acaso”. Diário do Rio de Janeiro. 7 de fev., 1865. 81 Iaiá Garcia foi um folhetim do periódico O Cruzeiro em 1878; “Troca de Datas” foi publicado na Estação, em

31 de maio e 30 de jun., 1883; “Uma noite” na Revista Brasileira, em 1895; e “Um capitão dos voluntários” saiu

na coletânea Relíquias da Casa Velha, de 1905. 82 ASSIS, Machado de. Falenas. Rio de Janeiro: B.L. Garnier, 1870.

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incorporava versos do poeta grego traduzidos por Antônio Feliciano Castilho 83 . Há “La

Marchesa de Miramar”, poema dedicado à Carlota da Bélgica, viúva de Ferdinand Maximilian

Joseph von Habsburg, que era irmão do Imperador austríaco Francisco José e primo de D. Pedro

II84. Algumas poesias de Falenas foram publicadas anteriormente na Semana Literária, outras

eram inéditas. O que podemos notar que os temas recorrentes na primeira parte de Falenas eram

o amor e o noivado. Durante sua composição, o poeta estava noivo de D. Carolina e a coletânea

foi publicada meses após o casamento. Carolina, sua “Musa de olhos verdes”, ela estava nas

entrelinhas de “Quando ela fala”, “Noivado”, “Menina e moça”, “No espaço”, dentre outras. A

coletânea parece ser uma declaração de amor, como um presente de casamento. Se em

Crisálidas o poeta incluiu sua porção de poesias mais políticas, Falenas não foi o mesmo caso.

Segundo Flávia Amparo, Falenas possuía um lirismo “mais contido” e com “grande

salto de qualidade”, “a estética romântica estava diluída” e “a atmosfera clássica, as paisagens

exóticas, os temas universais passavam a ocupar a atenção do poeta”85. Cláudio Murilo Leal

também afirma que “a preocupação com a forma torna-se mais clara em Falenas”, há a

conquista de uma “linguagem poética mais decantada” e “novos temas que adquirem dimensões

mais amplas e abstrata”. Por fim, o volume das Falenas recebeu “poemas mais bem

estruturados”, afinal o autor estava no “caminho em direção à completa maturidade”86. Lendo

críticos literários, podemos antever como Falenas possui desenvolvimento técnico em relação

a Crisálidas.

Machado de Assis demonstra ser muito sensível à crítica. Se as Crisálidas foram

criticadas pela falta de correção poética, Falenas foram criticadas pelo excesso, bem como pela

escolha temática. A primeira crítica de Falenas, foi escrita por Luiz Guimarães Jr. e publicada

no Diário do Rio de Janeiro. Machado demonstrava acatar a crítica de Crisálidas, pois seu

segundo livro possui mais correção métrica. Guimarães Jr., cujo “dever [era] de ser franco para

com o amigo e sensato para com o homem de letras”, não se furta de comparar as antologias

poéticas machadianas:

O livro das Crisálidas é aquele em que mais salientemente se patenteia a índole

poética de Machado de Assis. As Falenas revelam o artista, o método, a correção na

83MAGALHÃES Jr., Raimundo. Vida e Obra de Machado de Assis. vol. 2: Ascensão. Rio de Janeiro: Record,

2008. p. 140-141. 84 Correspondência de Machado de Assis. Tomo II: 1870-1889/ coordenação e orientação Sérgio Paulo

Rouanet; reunida, organizada e comentada por Irene Moutinho e Sílvia Eleutério. Rio de Janeiro: Academia

Brasileira de Letras, 2009 (Coleção Afrânio Coutinho; v. 92). p. 94. 85 AMPARO, Flávia. op,. cit. p 86. 86 LEAL, Cláudio Murilo. op. cit. p .104 - 110.

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estrutura e na plástica. Nas Crisálidas adivinha-se o poeta, o sonhador, o homem da

inspiração e o músico da alma.87

Sendo rígido em sua composição poética, Machado de Assis também parecia não

agradar. Guimarães Jr. preferia os arroubos poéticos de Crisálidas. Entretanto, a maior

preocupação do autor era com os rumos que a literatura estava tomando na época. Naquele

período, fins dos anos 1860, a literatura brasileira sofria mudanças em suas orientações, parecia

abandonar um processo de desenvolver a nacionalização da cultura baseada no indianismo. Tal

conjuntura criou certa reação por parte daqueles que ainda defendiam uma literatura tipicamente

nacional repleta de “cor local”. Diante de temas nacionais que estavam “adormecidos”, homens

como Luiz Guimarães Jr. preocupavam-se com as mudanças.

A conclusão de Guimarães Jr. foi que embora Falenas fosse “agradável” e um “bom

livro”, não era “útil”, pois parecia uma coletânea de poesias da Europa. Argumentava que a

coletânea poderia pertencer ao “arquivo português”, uma vez que o estilo não se parecia com o

de um “escritor nacional”. Guimarães Jr. sugeria que Machado de Assis deveria “concorrer ao

pé dos nossos primeiros homens de letras para que a literatura nacional [fosse] ganhando o selo

característico de que [tinha] urgente necessidade”. E exclamava ao final: “E é tão fácil ao autor

das Falenas satisfazer a esse compromisso! ”.

No dia seguinte, em 06 de fevereiro de 1870, no jornal Dezesseis de Julho, dirigido por

José de Alencar, surgia uma nova crítica à coletânea de Machado na coluna “Folhetim”, agora

assinada com o pseudônimo de Oscar Jagoanharo88. Segundo Magalhães Jr., o autor era Tristão

de Alencar Araripe Jr., então um jovem de 20 anos, admirador do poeta Machado de Assis e

primo de José de Alencar. No artigo do jornal, percebemos que, depois de tecer longos elogios

ao escritor fluminense, Oscar Jagoanharo terminava com uma séria acusação:

Justíssimas queixas deveria expor ao seu autor pela ingratidão com que se

tem havido para com este tão formoso Brasil, para com este tão prolífico

solo ao qual deve a vigorosa imaginação que possui; longas encrespações

teria de fazer, pela manifesta preferência que vota ao grito da cigarra de

Anacreonte sobre o melodioso canto do sabiá, mas esgota-se o tempo e o

espaço, e o compositor apressa-se em pedir-me os autógrafos.89

Apesar de breve na acusação, Jagoanharo mostrava-se rígido ao usar um termo como

“ingratidão”. Podemos perceber que o primo do autor de Iracema também estava preocupado

87 GUIMARÃES Jr., Luiz. “Literatura”. Diário do Rio de Janeiro, 05 de fev., 1870. 88 O pseudônimo escolhido por Araripe Jr. é revelador porque Jagoanharo é um personagem da Confenderação de

Tamoios, de Gonçalves de Magalhães. Ver: MAGALHÃES, Domingos Gonçalves de. A confederação dos

Tamoios. Rio de Janeiro: Tipografia Dous de Dezembro, 1856. 89 JAGOANHARO, Oscar. Dezesseis de Julho, 06 de de fev., 1870.

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com o que seria a constituição de uma literatura tipicamente nacional90. As críticas convergem

para um lugar comum, ou seja, para a suposta “ausência de espírito pátrio” de Machado de

Assis91. Alguns dos contemporâneos de Machado pareciam entender que a literatura deveria

privilegiar o sentimento de nacionalidade e de pertencimento à nação, o que definiria sua “cor

local”. Segundo Márcia Gonçalves, algumas das produções intelectuais do século XIX

delinearam na época o que ficou conhecido como “cor local”, que era o “esforço por imaginar

e materializar o caráter único, selo de identificação, das terras e das gentes do jovem país em

formação”. O selo de identificação tinha como objetivo “expressar e constituir o “ser

brasileiro”, como outro, na relação e na diferença, frente às heranças e características do

colonizador português”92. Embora a coletânea Falenas possuísse alguns traços de uma literatura

tipicamente nacional, a maioria das escolhas de Machado parecia estar distante da “musa

brasileira”. Ao observar os versos escolhidos para abrir a coletânea, percebemos como a crítica

parecia justificável, sobretudo naquele contexto histórico no qual havia pressa em se consolidar

a literatura nacional. A primeira poesia de Falenas se intitulava “Prelúdio”:

Lembra-te ingênua moça, imagem da poesia,

Que André Roswein amou, e que implorava um dia,

Como infalível cura à sua mágoa estranha,

Uma simples jornada às terras da Alemanha?

O poeta é assim: tem, para a dor e o tédio,

90 Ainda em janeiro de 1870, foi lançado o livro Contos Fluminenses que parecem não ter apaziguado os

ânimos dos críticos. O próprio Alencar Araripe Jr. comentou a nova publicação no Dezesseis de Julho, essa

edição foi perdida. Todavia, numa crítica a Quincas Borba, 22 anos após esse episódio, Araripe Jr., recordava

essas primeiras críticas à Machado de Assis e na Gazeta de Notícias em 12 de janeiro de 1892, fez a seguinte

afirmação: “Nessa época [janeiro de 1870], eu andava muito preocupado com a ideia de romance nacional; sabia

de cor o Brasil de Ferdinand Dénis e lera pela oitava ou nona vez O Guarani, de J. Alencar. No que respeitava à

literatura, ignorava completamente a existência de uma coisa chamada proporções; pouco tinha observado, muito

menos comparado, de modo que, segundo então pensava, não havia senão uma craveira: diante de uma obra de

arte, ou tudo ou nada. / Daí uma consequência- as Falenas seriam toleráveis, mas os Contos mereciam morte

afrontosa e violenta. Escrevi o folhetim indignado e descansei no fim da obra, certode ter causado a ruína de um

edifício colossal. Como são agradáveis estas ilusões infantis!”. (ARARIPE, Jr. “Quincas Borba”. Gazeta de

Notícias, 12 jan., 1892)

Sobre a coletânea Contos Fluminense, Michel Massa afirma que: “Todas as histórias escolhidas têm em comum o

fato de não serem realistas, em nenhum sentido do termo. Se se desenvolvem entre o Rio de Janeiro e Petrópolis,

no mundo conhecido de pessoas abastadas, nenhuma descrição dos lugares permite imaginar o quadro dos

acontecimentos. Não são contos fantásticos, mas não há nenhuma cor local, nenhum pitoresco. [...] A plástica é

fria e como que abstrata. É também um mundo sem cores verdadeiras [...]” (MASSA, op. cit. p. 517) 91Naquela época, outro jovem de 20 anos também se incomodou com a coletânea Falenas. No dia 20 de maio de

1870, com assinatura de Sílvio Ramos, saiu uma crítica no jornal pernambucano A crença que acusa os versos de

“lirismo subjetivista” e “humorismo pretensioso”. APUD, MAGALHÃES Jr., op. cit. p. 147. Sabemos que a

assinatura desse artigo era a abreviatura de Sílvio da Silveira Ramos, que adotou

posteriormente o nome de Sílvio Romero. Também sabemos que esse estudante de Direito cruzará o caminho de

Machado de Assis diversas vezes, irá publicar um livro apenas para repudiar a obra de escritor fluminense em

Machado de Assis: Estudo comparativo de literatura brasileira. O que nos interessa, contudo, como indicou

Roberto Ventura, em Estilo Tropical, a crítica de Falenas foi a primeira vez que o enfrentamento ocorreu. Cf.:

VENTURA, Roberta. Estilo Tropical: história cultural e polêmicas literárias no Brasil, 1870-1914. SP: Companhia

das Letras, 1991. p. 96-97. 92GONÇALVES, Márcia de Almeida. História de gênios e heróis: indivíduo e nação no Romantismo brasileiro.

In: GRINBERG, Keila e SALLES, Ricardo. O Brasil Imperial, vol. II: 1831-1870. p. 429.

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Um refúgio tranquilo, um suave remédio:

És tu, casta poesia, ó terra pura e santa!93

No trecho, o eu-lírico exalta o ato de escrever poesia. Contudo, Machado liga o “suave

remédio” dos poetas, que é o próprio momento criativo de escrever a poesia, “às terras da

Alemanha”. A ideia de que Machado exalta a escrita de poemas, as musas e a “terra da poesia”

é evidente no final do “Prelúdio”, no qual o autor exclama: “A terra da poesia é a nossa

Alemanha”. A influência europeia que se repete em diversos momentos nas poesias de Falenas

não agradou aos críticos. Isso não foi problema em Crisálidas, uma explicação possível é

porque naquela época, 1864, vários outros autores escreviam sobre temas nacionais, ler algo

mais “cosmopolita” poderia ser uma tomada de fôlego entre épicas indianistas como as de

Gonçalves de Magalhães e o romance indianista O Guarani. Por outro lado, na segunda metade

dos anos 1860, a literatura havia passado por mudanças que a deixara sem uma orientação tão

clara como antes. Não é difícil imaginar que diante do incerto, a tendência de alguns autores foi

militar pela manutenção do caminho tradicional, um campo já conhecido e aparentemente

sólido.

Machado de Assis se incomodou com esta crítica nacionalista e o autor elaborou

respostas. Saindo em defesa de nosso poeta, vemos que Falenas carrega uma “brasilidade” em

sua composição, talvez por isso certa irritação de seu autor. Evidentemente, Machado de Assis

não fazia de índios seus temas privilegiados. O recurso machadiano era diferente, parecido com

o “ultrarromantismo”, embora não possamos classificá-lo dentro desta corrente. Segue abaixo

um trecho da poesia intitulada “Pássaros”, na qual o poeta compara “[seus] sombrios, [seus]

tristes pensamentos” com a revoada de andorinhas:

Olha como, cortando os leves ares,

Passam do vale ao monte as andorinhas;

Vão pousar na verdura dos palmares,

Que à tarde, cobre transparente véu;

Voam também como essas avezinhas

Meus sombrios, meus tristes pensamentos;

Zombam da fúria dos contrários ventos,

Fogem da terra, acercam-se do céu.94

Há no poema uma exaltação da natureza, mesmo não tão enfático como os demais

nacionalistas. Machado de Assis é sutil ao colocar elementos da natureza brasileira, que estão

implícitos na comparação com sentimentos do eu-lírico. O artifício de Machado é permitir que

os sentimentos se confundam com o cenário bucólico. E o cenário não está como puro

ornamento, mas um artifício para expor seus sentimentos. Este recurso foi amplamente utilizado

93ASSIS, Machado de. “Prelúdio”. In: Falenas. Rio de Janeiro: B.L. Garnier, 1870. p. 93. 94 ASSIS, Machado de. “Pássaros”. In: op. cit. p. 121.

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pela geração dos anos 1860. Fagundes Varella fez isso, por exemplo, nos poemas do livro

Cantos e fantasias, no qual “sentimento e natureza fundem-se”95.

Essa abordagem, no entanto, parece não ter agradado a alguns leitores de Machado, que

provavelmente desejavam algo mais enfaticamente nacional por parte do poeta. A crítica

recebida provocara um impasse no autor, de tal forma que era preciso “[zombar] da fúria dos

ventos contrários”. O que foi dito sobre Falenas, suscitou uma reação em Machado de Assis,

que em 1875 lançará uma coletânea poética intitulada Americanas. Provocativa do início ao

fim, o livro nos legou um poeta ao gosto dos leitores de Gonçalves Dias, com bastante índios e

florestas.

Se na década de 1860, Machado de Assis não publicou nada com uma pungente “cor

local” foi porque não acreditava que literatura nacional tivesse que ser nacionalista ou

indianista. O autor já havia discutido tal assunto na Marmota em 9 e 24 de abril de 1858. No

texto O passado, o presente e o futuro da literatura, Machado de Assis escreveu acerca das

ideias sobre as letras nacionais. Mesmo jovem, o poeta convicto de sua opinião, não se

amedrontou diante dos demais literatos mais velhos e que produziam obras indianistas, tais

como Gonçalves Dias e Gonçalves de Magalhães. Em 1858, a Confederação de Tamoios de

Magalhães, Os Timbiras de Gonçalves Dias e O Guarani de José de Alencar já haviam

aparecido no cenário cultural brasileiro. E Machadinho escreveu uma crítica na qual foi

contundente contra o indianismo. Reconhecia, no entanto, a importância de Basílio da Gama

no século XVIII:

Para contrabalançar, porém, esse fato cujos resultados podiam ser funestos, como uma

valiosa exceção apareceu o Uruguai de Basílio da Gama. Sem trilhar a senda seguida

pelos outros, Gama escreveu um poema, se não puramente nacional, ao menos nada

europeu. Não era nacional, porque era indígena, e a poesia indígena, bárbara, a poesia

doboré, e do tupã, não é a poesia nacional. O que temos nós com essa raça, com esses

primitivos habitadores do país, se os seus costumes não são a face característica da

nossa sociedade?96

Machado de Assis até então parecia acreditar numa evolução natural, no progresso. Seria

de forma evolutiva que a emancipação literária aconteceria. E depois de passar por um processo

lento, não poderia haver uma única orientação para a literatura:

Mas após o Fiat político, devia vir o Fiat literário, a emancipação do mundo

intelectual, vacilante sob a ação influente de uma literatura ultramarina. Mas como?

É mais fácil regenerar uma nação, que uma literatura. Para esta não há gritos de

95 CANDIDO, Antonio. op. cit. p. 72. 96 ASSIS, Machado de. “O passado, o presente e o futuro da literatura”. A Marmota. 9 - 24 de abril, 1858. (grifo

meu)

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Ipiranga; as modificações operam-se vagarosamente; e não se chega em um só

momento a um resultado.97

O literato deveria buscar na sociedade sua inspiração, sobretudo sua ação política. Como

o autor afirmou no início do texto, literatura e política estavam profundamente ligadas.

No estado atual das coisas, a literatura não pode ser perfeitamente um culto, um dogma

intelectual, e o literato não pode aspirar a uma existência independente, mas sim

tornar-se um homem social, participando dos movimentos da sociedade em que vive

e de que depende.98

E talvez tenha sido este o programa que Machado de Assis utilizou em sua obra até o

fim. Buscava inspiração na sociedade, tornando-se um “homem social”. Machado de Assis

participou ativamente do “movimento da sociedade”. Nos legou um testemunho ao escrever

sobre parte da história brasileira. O fato é que as poesias machadianas da década de 1860 foram

escritas num momento que o romantismo já havia perdido força na Europa e Machado de Assis

dialogava com esta tendência, talvez por essa razão não se filiou de forma contundente a esta

escola, embora tenha tratado de temas comuns na poesia. Ao evidenciar que uma literatura

nacional não poderia ter um único programa, o autor também demonstra consciência das

ambiguidades que podem surgir ao longo do caminho. O projeto literário, em seu

desenvolvimento, poderia conter incoerências e resultados que escapam do controle. Mesmo na

Europa, berço do romantismo, a ambiguidade foi característica do movimento. Afinal de contas,

esse foi um “canteiro de projetos para uma nova sociedade”99.

Mesmo que Machado de Assis tenha crescido lendo Gonçalves Dias, não foi este o

mestre ou modelo que buscou no início da carreira. Machado de Assis como “homem de letras”

surge justamente no momento em que o indianismo como forma de expressão mais “nacional”

está no auge. O poeta, neste primeiro momento, estava mais próximo de Álvares de Azevedo e

Casimiro de Abreu, que segundo define Antonio Candido, escrevia uma “literatura da

mocidade”. Algumas proximidades podem ter afetado Machado: a pouca diferença de idade, a

possibilidade de escrever uma poesia mais contemporânea a ele e à sociedade, afinal, o

indianismo possuía temática colonial. O lirismo do “ultrarromantismo” estava repleto de mortes

e sofrimento, coisas que o jovem parecia conhecer muito bem, num histórico de perdas e

pobreza. E por fim, a distância de um patriotismo forçado e uma “cor local” que servia como

ornamento. Machado demonstrava reservas quanto aos temas nacionais e se coadunava com

97 Idem. (grifos do original) 98 Idem. (grifo meu) 99 SALIBA, Tomé. As utopias românticas. São Paulo: Estação Liberdade, 2003. p. 17.

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Álvares de Azevedo, que concebia a “literatura como espaço sem fronteira”, expressão de

Antonio Candido100.

O indianismo romântico foi um projeto, segundo Angela Alonso, mas “nada havia nele

do Brasil empírico”; “a idealização da nacionalidade tinha por epicentro a fusão de um

colonizador épico com um bom selvagem”, expurgando deste modo, o “processo de

civilização”101. O descompasso entre o projeto indianista e a realidade histórica e social parecia

óbvia para Machado de Assis, que não acreditava na forma pré-concebida de literatura nacional.

Esta ideia presente desde o artigo de 1858 será redimensionada no “Instinto de Nacionalidade”,

de 1872.

A questão literária ganhou novos contornos nos anos 1860. José Veríssimo, importante

intelectual dos últimos anos do século XIX, nos legou um testemunho interessante de época.

Segundo aponta Veríssimo em sua História da Literatura Brasileira, nos anos 1860 não havia

nuances pré-concebidas. Por exemplo, na mesma época, estrearam Machado de Assis, Tobias

Barreto, Fagundes Varella, Luiz Guimarães Jr. e Castro Alves. Nenhum traço unia estes

escritores. Todos tiveram como influências obras cujo “ardor nacionalista” não teve chance

como as de Álvarez de Azevedo, Laurindo Rebelo, Junqueira Freire e Casimiro de Abreu,

homens adeptos de certo “ceticismo literário”. Foi essa a produção literária que influenciou

Machado de Assis em sua crítica ao indianismo e, por conseguinte, sua busca pela liberdade

estética. Essa é uma das muitas questões que permearão a obra de Machado de Assis nos anos

1870. E este será um dos motes importantes para os próximos capítulos.

100 CANDIDO, op. cit., p. 54. 101ALONSO, Angela. Ideias em movimento: a geração de 1870 na crise do Brasil Império. São Paulo: Paz e Terra,

2002. p. 57.

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Capítulo 2: Os últimos combates do romantismo: ciência e indianismo na

década de 1870

“[...] qualquer que seja o caminho da nova poesia, convém

não perder de vista o que há essencial e eterno nessa

expressão da alma humana. Que a evolução natural das

coisas modifique as feições, a parte externa, ninguém jamais

o negará; mas há alguma coisa que liga, através dos séculos,

Homero e Lord Byron, alguma coisa inalterável, universal e

comum, que fala a todos os homens e a todos os tempos.

Ninguém o desconhece, de certo, entre as novas vocações;

o esforço empregado em achar e aperfeiçoar a forma não

prejudica, nem poderia alterar a parte substancial da poesia,

- ou esta não seria o que é e deve ser.”1 (Machado de Assis)

Em 1880, Machado de Assis publicou Ocidentais, sua última coletânea poética. O poeta

tinha intenção de homenagear figuras icônicas da cultura ocidental, tais como Shakespeare,

Victor Hugo, dentre outros. Entre o nosso espólio estavam literatos como José de Alencar,

Gonçalves Dias, Basílio Gama e o principal tema de nossa literatura no século XIX – o

indianismo. Dentre as poesias estava “Lindoya”:

Vem, vem das águas, mísera Moema,

Senta-te aqui. As vozes lastimosas

Troca pelas cantigas deleitosas,

Ao pé da doce e pálida Coema.

Vós, sombras de Iguaçu e de Iracema,

Trazei nas mãos, trazei no colo as rosas

Que o amor desabrochou e fez viçosas

Nas laudas de um poema e outro poema.

Chegai, folgai, cantai. É esta, é esta

De Lindóia, que a voz suave e forte

Do vate celebrou, a alegre festa.

Além do amável, gracioso porte,

Vede o mimo, a ternura que lhe resta.

Tanto inda é bela no seu rosto a morte!2

1 ASSIS, Machado de. [Carta prefácio] 4 de agosto de 1878, Rio de Janeiro. [para] CASTRO, Francisco de.

(prefácio do livro Harmonias Errantes de Francisco de Castro). Ver: Correspondência de Machado de Assis. Tomo

II: 1870-1889/ coordenação e orientação Sérgio Paulo Rouanet; reunida, organizada e comentada por Irene

Moutinho e Sílvia Eleutério. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 2009 (Coleção Afrânio Coutinho); v.

92. 2 ASSIS, Machado de. “Lindoya”. In: Toda poesia de Machado e Assis. [Organização e prefácio de Cláudio Murilo

Leal]. Rio de Janeiro: Record, 2008. p. 313.

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Na poesia, Machado de Assis citou as principais protagonistas da literatura indianista:

Lindóia, Moema, Coema, Iguaçu e Iracema. A protagonista Lindoia recebe Basílio Gama no

céu, e convoca todas as outras personagens indígenas mais conhecidas para fazer o mesmo. Não

era a primeira vez que o indianismo era homenageado numa poesia machadiana. Antes,

publicara Americanas, coletânea que privilegiava o tema indianista. Em Ocidentais, os autores

brasileiros e a temática indianista representavam um legado importante para a cultura ocidental.

Assim, Machado reconhece a literatura brasileira como um patrimônio. Essa questão, expressa

no poema, corrobora as ideias desenvolvidas por Machado naquele início da década de 1870.

Em 1873, Machado de Assis publicou o artigo “Instinto de Nacionalidade”, na revista Novo

Mundo, no qual fez uma análise da conjuntura literária que vivia, deixando indícios de suas

opiniões sobre o que deveria ser a literatura nacional.

Em “Instinto de Nacionalidade”, Machado de Assis admitiu que o indianismo estava

ultrapassado, embora não fosse necessário excluí-lo da literatura. O texto se insere num debate

que abrange a literatura brasileira, o indianismo, a questão da “cor local” e uma possível

independência temática.

Quem examina a atual literatura brasileira reconhece-lhe logo, como primeiro traço,

certo instinto de nacionalidade. Poesias, romance, todas as formas literárias do

pensamento buscam vestir-se com as cores do país, e não há negar que semelhante

preocupação é sintoma de vitalidade e abono de futuro. As tradições de Gonçalves

Dias, Porto Alegre e Magalhães são assim continuadas pela geração já feita e pela que

agora madruga, como aqueles que continuaram as de José Basílio da Gama e Santa

Rita Durão. Escusado é dizer a vantagem deste universal acordo. Interrogando a vida

brasileira e a natureza americana, prosadores e poetas acharão ali farto manancial de

inspiração e irão dando fisionomia própria ao pensamento nacional.3

No artigo, Machado evidencia que na “vida brasileira e natureza americana” há fontes

de inspiração fartas. E, além disso, era natural que uma “literatura nascente, [devesse]

principalmente alimentar-se dos assuntos que lhe oferece a sua região”. De acordo com

Machado, embora a cor local e o indianismo fossem válidos como inspiração, a literatura não

poderia limitar-se a esse mote. Mesmo porque, segundo o autor, o indianismo não era

“exclusivo patrimônio da literatura brasileira”. Não obstante, percebemos Machado preocupado

com a universalidade da literatura e no texto “Instinto de Nacionalidade” o autor elabora essa

ideia:

Compreendendo que não está na vida indiana todo o patrimônio da literatura

brasileira, mas apenas um legado, tão brasileiro como universal, não se limitam os

nossos escritores a essa só fonte de inspiração. Os costumes civilizados, ou já do

tempo colonial, ou já do tempo de hoje, igualmente oferecem à imaginação boa e larga

3 ASSIS, Machado de. “Notícia da atual literatura brasileira- Instinto de Nacionalidade”. In: O Novo Mundo. New

York, 23 de março, 1873, vol. III, nº 30. pp. 107-108.

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matéria de estudo. Não menos que eles, os convida a natureza americana cuja

magnificência e esplendor naturalmente desafiam a poetas e prosadores.4

No último trecho, vemos o autor interessado em outros assuntos e temáticas que também

são mananciais de inspiração. A preocupação de Machado era com obras que tinham como

intenção apenas “ostentar cor local”. Para ele seria um erro “só [reconhecer] espírito nacional

nas obras que tratam de assunto local”, o que “limitaria muito os cabedais da nossa literatura”.

A conclusão do autor no artigo foi a de que não se precisa, necessariamente, utilizar a cor local

ou o indianismo para escrever uma literatura nacional. Contudo, reconheceu que estes eram

elementos importantes para a arte e ofereceu algumas sugestões para que a literatura se

aventurasse por esses caminhos. “O sublime é simples”, sugeria o autor:

Bem sei que as cenas majestosas da natureza americana exigem do poeta imagens e

expressões adequadas. O condor que rompe dos Andes, o pampeiro que varre os

campos do Sul, os grandes rios, a mata virgem com todas as suas magnificências de

vegetação, - não há dúvida que são painéis que desafiam o estro, mas, por isso mesmo

que são grandes, devem ser trazidos com oportunidade e expressos com simplicidade.5

A natureza americana exuberante deve ser “expressa com simplicidade”. Não era

preciso uma paisagem tipicamente brasileira para falar de Brasil. Afinal, como expressou em

“Instinto de Nacionalidade”, a preocupação dos literatos para com a cor local “[caía] muitas

vezes numa funesta ilusão”. Se um texto tivesse elementos de cor local, deveriam ser “naturais,

não de acarreto”, o “sentimento íntimo” precisaria prevalecer à mera ostentação de “nomes de

flores ou aves do país”, que eram mera ornamentação.

A postura de Machado de Assis em “Instinto de Nacionalidade” é, de certa forma,

oscilante, pois reconhecia tanto a importância que o indianismo teve em determinado período,

quanto militava por uma literatura que não se limitasse a ele. Para o autor, seria preciso superar

as formas tradicionais. Há certo jogo dialético nas palavras de Machado, porque nega ao mesmo

tempo em que admite a importância do patrimônio indianista. Aquele momento mostrava-se

decisivo para o indianismo, afinal de contas a temática já se arrastava por décadas, poucas obras

haviam sido publicadas e raras ainda foram as que permaneceram na memória cultural

brasileira.

De acordo Abel Baptista, em A formação do nome, Machado de Assis não pretendia

distanciar-se do projeto de consolidar a identidade da nação, conforme haviam feito autores

românticos como Gonçalves Dias ou José de Alencar. Segundo Baptista, para Machado não

interessa se a “nacionalidade tem ou não condições de se cumprir”, pois “ele sabe ou parece

saber que atingirá um dia”. Baptista afirma que a utilização da metáfora “instinto de

4 Ibid, p. 107. 5 Ibid, p. 108.

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nacionalidade” indicava que Machado demonstrava acreditar nessa ideia, mas que pretendia

buscar uma nova maneira de fazer isso6. Segundo João Hernesto Weber, Machado de Assis em

seu “Instinto de Nacionalidade” desconstrói o indianismo. A estratégia argumentativa de

Machado é um “constante afirmar e negar, sem excluir o negado”. Há certa dualidade no artigo,

pois Machado de Assis “constrói uma linha de continuidade que vai, sinteticamente, de Durão

a Magalhães”, ao passo que “desautoriza uma linha exclusiva de continuidade”. O que move a

escrita de Machado é a reivindicação de um leque temático ainda maior, desde que preservado

o “sentimento íntimo”7.

As ideias de Machado dialogam com o que Sousândrade escreveu anos antes em O

Guesa. Luiza Lobo compara o artigo de Machado de Assis com o poema épico de Sousândrade

e afirma que, para ambos, o indianismo era “interpretado não como uma forma idealizadora e

fossilizante de um índio morto ou em vias de extermínio pela civilização” e sim “como metáfora

do subdesenvolvimento e da espoliação sentidas pelos povos conquistados da América”8. É

plausível que Sousândrade tenha exercido certa influência em Machado de Assis. O autor de

Guesa era também colaborador da revista O Novo Mundo, sendo um dos homens com quem

Machado de Assis debatia em “Instinto de Nacionalidade”9. Na edição do dia 23 de março de

1872, Sousândrade publicou uma carta sobre os índios no Brasil, tema de interesse dele, figura

central de seu Guesa10. Publicado pela primeira vez em 1868 ainda incompleto, a versão

completa de O Guesa aconteceu em 1876, em Londres. No livro há referências a diversos mitos

e tradições de muitas culturas americanas. “Guesa” significa “órfão de pais vivos escolhido

como salvador” e trata de um ritual de sacrifício muyscas, sociedade colombiana, um culto do

deus sol, no qual se estabelecera que a cada 15 anos um menino seria sequestrado de alguma

família humilde e criado para ser oferecido em holocausto. O menino, ou guesa, deveria ser

criado até os 10 anos no templo e até os 15 anos cumpriria o caminho de Suna, com muitas

peregrinações. Ao fim da expiação, seria sacrificado. Para garantir a fertilidade da terra, o

6 BAPTISTA, Abel Barros. A formação do nome- Duas interrogações sobre Machado de Assis. Campinas, SP:

Editora da Unicamp, 2003. p. 63. 7 WEBER, João Hernesto. A nação e o paraíso: a construção da nacionalidade na historiografia literária brasileira.

Florianópolis: Ed. Da UFSC, 1997. p. 58 – 59. 8 LOBO, Luiza. Épica e Modernidade em Sousândrade. Rio de Janeiro: Presença; São Paulo: Editora da

Universidade de São Paulo, 1986. p. 24. 9 Sousândrade era um dos colaboradores da Novo Mundo, isso torna plausível que Machado lesse os textos dele e

vice-versa. Numa carta do dia 20 de fevereiro de 1870, Gentil Homem de Almeida Braga agradece o volume de

Falenas que recebera do próprio autor e afirma que passou o livro adiante para o “comum amigo” e “admirador

sincero” Joaquim de Souza Andrade. Ver: Correspondência de Machado de Assis. Tomo II: 1870-1889/

coordenação e orientação Sérgio Paulo Rouanet; reunida, organizada e comentada por Irene Moutinho e Sílvia

Eleutério. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 2009 (Coleção Afrânio Coutinho); v. 92. p. 10 10 SOUSANDRADE, Joaquim. “O estado dos índios”. Revista O novo mundo, 23 de março, 1872.

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coração do guesa era enterrado. O indianismo de Sousândrade, que resgata a figura do guesa,

está atrelado a uma crítica ao regime monárquico e aos mitos nacionais. Além disso, o autor

tem o objetivo, entre outras coisas, de aglutinar a América no seu épico e, por isso, retoma mitos

indígenas peruanos, colombianos, brasileiros, fazendo referências a reis astecas, incas,

personalidades americanas como um todo, tais como D. Pedro II e Abrahan Lincoln11.

Ao escrever o texto “Instinto de Nacionalidade”, Machado de Assis estava oferecendo

uma das muitas respostas para uma série de dúvidas sobre a nacionalização da literatura

brasileira. Entretanto, pode-se argumentar que este não se resumia a um debate exclusivamente

literário, mas também político sobre a formação da nação. Basta observar quem são eleitos

protagonistas privilegiados dessa história. Pensando nessa questão, esse capítulo se dividirá em

três grandes partes. Na primeira, há uma discussão literária, abordando-se diversos textos sobre

as mudanças na literatura desde a década de 1860 até o momento da publicação de Americanas.

Machado de Assis é colocado para dialogar com seus contemporâneos, evidenciando que ele

não escreveu um artigo dissonante das ideias vigentes. Talvez “Instinto de Nacionalidade” seja,

ainda hoje, citado como síntese do debate literário do fim do romantismo porque seu autor se

tornou o maior escritor brasileiro. Na segunda parte, pretende-se evidenciar o debate social e

histórico que está no artigo, trazendo à tona diálogos com o IHGB, representado nas figuras de

Von Martius, Varnhagen e João Francisco Lisboa. Dessa forma, analiso o indianismo dos anos

1870 e como esse debatia questões diferentes sobre as obras canônicas de José de Alencar e

Gonçalves Dias. Na década de 1870, assuntos como o cientificismo e a discussão sobre o lugar

do negro na sociedade brasileira tomaram as rodas de discussões dos intelectuais. E na terceira,

analiso as poesias que compõem a coletânea Americanas à luz das questões trabalhadas no

capítulo.

Literatura, ciência e raça

Um importante jornalista e historiador da arte do século XIX, Félix Ferreira, também

preocupado com a nacionalização da literatura, em seu artigo sobre Cláudio Manoel da Costa,

publicada no periódico A Regeneração, no dia 21 de novembro de 1866, sai em defesa deste

por não escrever uma literatura com muitos “brasileirismos”. Cláudio Manoel da Costa foi um

escritor do século XVIII que, ao contrário de Santa Rita Durão, não escrevia histórias sobre

11 SOUSANDRADE, Joaquim de. O Guesa; [introdução, organização, notas, glossário, fixação e atualização do

texto da edição londrina, Luiza Lobo; revisão técnica Jomar Moraes]. Rio de Janeiro: Ponteio; São Luís, MA:

Academia Maranhense de Letras, 2012. p. 14 – 15.

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indígenas, colocando a natureza como ponto de refúgio. Mesmo que Cláudio Manoel da Costa

não fosse considerado um dos pais do indianismo, Félix Ferreira afirma que a obra daquele não

poderia ser ignorada. O ponto central do argumento de Félix Ferreira é que qualquer obra

literária “é sempre nacional quando sai das mãos de um filho da terra de Santa Cruz”, pois a

literatura brasileira se compusera de obras para além das indianistas. O autor afirma que:

Tão nacional é o Uruguai de José Basílio da Gama, como a Independência do Brasil

de Teixeira e Souza; tão nossas são as poesias americanas de Gonçalves Dias, como

os sonetos de Cláudio Manoel da Costa, que algumas vezes chegam a fazer descorar

as palmas do sublime Elmano; tanto nos pertente a Iracema de José de Alencar como

a Vicentina de Joaquim Manoel de Macedo.

E mal da nossa literatura se assim não fora; extremai os poucos volumes que temos

da escola indígena romântica, e as estantes de nossas bibliotecas ficarão ermas de

obras nacionais.12

Outro autor que dialoga com as ideias desenvolvidas por Machado, o bacharel Alfredo

Piragibe, no texto “A poesia brasileira e a lírica nacional”, analisou a obra poética de Fernando

de Magalhães cuja temática era a guerra do Paraguai. Piragibe argumentou que não importa o

assunto da obra, bastava que trouxesse “uma pedrinha para o cimento do nosso edifício [para

prestar] um relevante serviço às letras pátrias”13. Busquei esses textos no jornal A Regeneração

por ter um programa literário, assim fica mais evidente que as ideias que Machado desenvolveu

fazem parte de um caldo cultural e de uma série de preocupações de homens contemporâneos

a ele. O discurso de “instinto de nacionalidade” não é dissonante de outros intelectuais da época

que já buscavam superar o indianismo e seus protagonistas exclusivamente indígenas.

Desde o final da década de 1860, a ideia acerca da nacionalização da literatura

incomodava autores em ascensão na época, dentre os quais elegemos Machado de Assis como

protagonista privilegiado. Tais questões foram faíscas para debates mais intensos. Colocamos

em cena, Franklin Távora, José Feliciano de Castilho, Joaquim Nabuco e José de Alencar. As

disputas literárias às quais nos referimos são em torno da obra de José de Alencar, a primeira

publicada no jornal Questão do dia entre 1871 e 1872, a segunda no O Globo, em 1875. Período

que compreende a atividade poética machadiana na produção de suas Americanas.

Franklin Távora, entre 14 de setembro de 1871 e 22 de fevereiro de 1872, escreveu uma

série de crônicas intitulada “Cartas a Cincinato” no jornal Questão do dia. Este periódico, criado

durante a elaboração do projeto da Lei do Ventre Livre, pretendia debater com o que vinha

sendo discutido na Câmara dos Deputados. José de Alencar, além de grande literato da época,

exercia cargos políticos e refutava a ideia de uma emancipação gradual liderada pelo Estado.

12 FERREIRA, Felix. “Bibliografia de Fernando Magalhães”. A Regeneração. 21 de nov., 1866. 13 Bacharel Alfredo Piragibe. “A poesia brasileira e a lírica nacional”. A Regeneração. 25 de nov.,1866.

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Para ele, cabia aos senhores tomar consciência e promover, por iniciativa própria, o processo

abolicionista. O poder público, na visão de Alencar, não poderia influenciar a decisão senhorial

no âmbito privado14. Por esse motivo, tanto por suas convicções políticas, quanto pela sua obra,

Alencar se tornou alvo do novo periódico, que não dissociou autor, obra e ideologias. Feliciano

Castilho, sob o pseudônimo Cincinato, era o destinatário das Cartas. Franklin Távora assinava

como Semprônio. Távora vivia há poucos meses na corte e já comprava briga com o maior

escritor da época. Segundo Cláudio Aguiar, em Franklin Távora e o seu tempo, o jovem se

empolgou sem conhecer as intrigas da Corte. Castilho mantinha campanha mordaz contra

Alencar havia algum tempo, aliando-se a inimigos políticos do autor de Iracema15. Cláudio

Aguiar argumenta que a atitude de Feliciano Castilho foi movida por vaidade, pois para um

jovem escritor o convite de polemizar com José de Alencar parecia ser particularmente sedutor.

Independente da eloquência emocional de Franklin Távora, podemos ler a série como

um importante documento sobre o cenário literário da época. Para este capítulo, focamos na

segunda parte da série, que diz respeito à Iracema. A principal questão que surgia era o debate

sobre a verossimilhança na ficção. De acordo com Eduardo Vieira Martins, o conceito de

verossimilhança de Franklin Távora exigia “fidelidade ao real” ou à “informação histórica”. Na

crítica à Iracema, “sempre que percebe alguma divergência entre o romance e os historiadores

por ele consultados, tacha-o de ‘inverossímil’”16. O agravante era que Alencar cometia esse

“erro” na ficção e no “argumento histórico”, o que por si só é irônico, afinal:

[...] o trabalho alencariano de pesquisar e embasamento histórico, levado a cabo nos

diversos comentários que acrescentou aos seus livros (prefácios, posfácios, notas de

rodapé), acabou servindo de argumento contra ele, uma vez que indicaria o desejo de

erigir o romance sobre a verdade documental.17

As exigências feitas por Távora mostravam o quanto estes escritores estavam se

alinhando ao cientificismo como noção de verdade. Tais questões animavam parte da “nova

geração”18. Franklin Távora era um dos nomes da “Escola de Recife”, denominação dada por

14 Ver: CHALHOUB, Sidney. Machado de Assis, historiador. São Paulo: Cia das Letras, 2003. p. 196 – 198.

CARVALHO, Dayana Façanha. Política e escravidão em “O tronco do Ipê”, de José de Alencar: o surgimento

de Sênio e os debates em torno da emancipação, 1870-1871. 2014. 222f. Dissertação (Mestrado). Instituto de

Filosofia e Ciências Humanas. Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2014. 15 AGUIAR, Cláudio. Franklin Távora e o seu tempo. São Caetano do Sul, SP: Ateliê Editorial, 1997. p. 185. 16 MARTINS, Eduardo Vieira. “Introdução”. In: TÁVORA, Franklin. Cartas a Cincinato: estudos críticos por

Semprônio. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2011. p. 29 – 30. 17 Ibid, p. 30. 18 Estou considerando como “geração de 1870” parte da intelectualidade brasileira daquela década envolvida com

uma efervescência social e política a fim de “modernizar” o país. Havia uma mobilização intelectual em torno de

questões cientificistas. E muitos saíram da chamada “Escola de Recife”, alcunha de Sílvio Romero. Foi um grupo

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Sílvio Romero. Cristina Betioli Ribeiro em Um norte para o romance brasileiro, afirma que os

homens ligados a essa escola aderiram “decisivamente ao ideário cientificista e tramam um

movimento de antagonismo ao projeto cultural vigente de identidade nacional”. Segundo

Cristina Ribeiro, embora Franklin Távora não mencione explicitamente, parecia influenciado

por Taine e seu “método moderno de criação artística”, descrito como uma “técnica embasada

nas ciências”, portanto, indicava uma “abordagem cientificista do indianismo”. A

argumentação de Franklin Távora se desenvolve na constatação que “o verdadeiro caráter

indígena” ou os costumes primitivos dos índios, estariam superados pelo desenvolvimento da

“civilização e irrecuperável”, sendo papel dos “estudos arqueológicos o resgate e a valorização

de sua cultura”. Além disso, Távora reconhecia os “estudos linguísticos e etnográficos como

fontes indispensáveis para a produção literária interessada na pintura ‘realista’ do índio”19.

José de Alencar não deixaria tais provocações sem respostas. No mesmo ano, 1872,

Alencar lançou Sonhos d’Ouro. O que mais chama a atenção no romance é o prefácio intitulado

Benção paterna” 20 . A partir do prefácio, o escritor empreende uma defesa de sua obra,

explicando uma espécie de “projeto literário”. A obra alencariana divide-se, segundo o próprio

autor, em três fases: “primitiva”, na qual está Iracema; “histórico” representado por O Guarani

e Minas de Prata; e por fim, o período da “infância de nossa literatura” – “começada com a

independência política, ainda não [terminara]” nos anos 1870 – O tronco do Ipê, Til e O Gaúcho

são legados desse estágio. No prefácio, de antemão, Alencar defende seu livro de uma possível

crítica nacionalista que talvez disesse que Sonhos d’Ouro não pertencesse às letras nacionais.

Pode ser que a mesma recepção de Falenas aguardava para desferir contra o novo romance

avaliação baseada num critério nacionalista, taxando-o de feições estrangeiras.

A segunda polêmica que apresento ocorreu entre Joaquim Nabuco e José de Alencar21.

A década de 1870 foi particularmente complicada para Alencar, que encarou não só a derrota

política, como viu seu projeto literário ser rebatido de todos os lados. A reação antirromântica

vinha daquela geração que elegeu o indianismo como bode expiatório. A chamada “geração de

que contestou a ordem vigente e tinha certa atitude antirromântica e anti indianista. Alguns dos representantes

foram: Sílvio Romero, Araripe Jr, Quintino Bocaiúva, Joaquim Nabuco, André Rebouças, dentre outros. (Cf.

ALONSO, Angela. Ideias em movimento: a geração 1870 na crise do Brasil-Império. São Paulo, Paz e Terra,

2002.) 19 RIBEIRO, Cristina Betioli. Um norte para o romance brasileiro: Franklin Távora entre os primeiros folcloristas.

Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2016. p. 77 – 78. 20 ALENCAR, José de. “Benção paterna”. In: Sonhos d’Ouro: romance brasileiro. Rio de Janeiro: B.L. Garnier,

1872. pp. 5 – 19. 21 A polêmica Nabuco – Alencar ocorreu meses antes da publicação de Americanas. Ela pode não ter influenciado

Machado de Assis na confecção da coletânea. Entretanto, não quis excluí-la da análise dada a sua importância para

este confronto de gerações e por ter importantes indícios sobre a relação entre literatura, ciência e a formação do

povo, temas pungentes ao longo do capítulo.

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1870” flertava com as “ideias novas”, tais como materialismo, anticlericalismo, agnosticismo,

determinismo, evolucionismo, positivismo, e estava seduzida pelas obras de Comt, Spencer,

Darwin, Bucke, Taine, dentre outros22. Num cenário em que o indianismo agonizava, Joaquim

Nabuco recém-chegado da França, decidia entrar numa batalha. O que estava em jogo eram

duas concepções diferentes sobre um projeto de nação. Segundo Afrânio Coutinho, o objetivo

de Nabuco foi “[submeter] os livros do romancista [...] a uma revisão crítica severa, ponto por

ponto, negando-lhes qualquer mérito”. Alencar, por sua vez, defende-se, “mostra a razão de

suas ideias literárias, fundamenta-as, estuda os seus personagens, [...] exalta a brasilidade com

que construiu os seus romances e dramas, para mostrar o caráter nacional da literatura”23. A

polêmica começou com a encenação da peça O Jesuíta, escrita em 1861, todavia estreou nos

palcos apenas em 18 de setembro de 1875. O drama possui temática indianista e exaltava o

trabalho realizado pela Companhia de Jesus, entretanto foi encenado num momento de

exacerbado sentimento anticlerical24. A reação do público não seria outra senão o boicote

massivo à peça. Como afirmei anteriormente, o indianismo romântico integrava um discurso

que não se limitava à estética, mas articulava problemas de caráter político e social sobre a

concepção de um povo. Por isso a preocupação de Nabuco em afirmar o caráter elitista do

projeto literário de Alencar.

As questões levantadas nas críticas anteriormente citadas fazem parte do horizonte de

ideias com as quais Machado estava dialogando no artigo “Instinto de Nacionalidade” e na

confecção de Americanas. São problemas que preocupavam o autor e para os quais ele tentou

22 Ver: ALONSO, Angela. Ideias em movimento: a geração de 1870 na crise do Brasil Império. São Paulo: Paz e

Terra, 2002. 23 COUTINHO, Afrânio (org.). “Introdução”. In: A polêmica Alencar/Nabuco. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro;

Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2ª ed, 1978. 24 A década de 1870 também se caracterizou por uma crise religiosa cujo ápice foi em 1874, devido ao cárcere dos

bispos D. Vital e D. Antônio Macedo Costa, aliados da maçonaria. Segundo Alexandre Barata, no Brasil, a Igreja

tentava seguir uma “tendência internacional” e “empreendeu uma reorganização interna conhecida como

romanização do clero”. Assim, começava um movimento que condenava os “erros modernos”, representados pelo

“progresso, o racionalismo, o liberalismo, a liberdade religiosa”. A maçonaria que pregava estes “erros modernos”

foi amplamente perseguida. Alexandre Barata, afirma que no “pontificado de Pio IX (1846-78) ”, potencializou-

se “a luta entre catolicismo e a sociedade moderna”. A maçonaria representava o “perigo” e a “subversão” no

imaginário católico. No Brasil, os defensores da maçonaria eram representados principalmente por homens como

Saldanha Marinho, Visconde do Rio Branco, Quintino Bocaiúva- correspondentes de Machado de Assis.

(BARATA, Alexandre M. “A maçonaria e a Ilustração Brasileira”. In: História, Ciência e Saúde. Manguinhos I

(1): 78-99, jul-out, 1994.)

Segundo aponta Martha Abreu, o cerne da questão foi a ambiguidade da administração “do sistema de união entre

Estado e a Igreja- o padroado”. O problema era que o catolicismo assumia “posições nitidamente antiliberais e

antimodernas”, o que “entrou em confronto com a afirmação progressiva de uma tendência civilizadora e

cientificista, defendida por segmentos da elite política e intelectual”. E, alguns padres permaneciam ligados à

“abominável maçonaria”, alguns chegaram a professar “as crenças liberais”. (ABREU, Martha. “Os impasses do

catolicismo no século XIX”. In: O Império do Divino: festas religiosas e cultura popular no Rio de Janeiro, 1830-

1900. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; São Paulo: FAPESP, 1999. p. 311-320.)

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oferecer respostas. Machado sustentava uma postura cética de quem não confiava nos discursos

cientificistas e parecia não se enganar com um indianismo que mais parecia mera ornamentação

literária.

As mudanças paulatinas que a literatura brasileira sofria foram resultado de uma série

de questões que já vinham sendo discutidas desde os anos 1860 na Europa. Em 1865, em

Portugal, aconteceu o que, segundo Alberto Ferreira, foi a “primeira ruptura cultural do século

XIX” – a conhecida questão Coimbra. Segundo aponta o autor, “uma plêiade de novos

escritores estava na forja”. O que ocorreu foi uma disputa entre duas gerações de intelectuais.

Em 1862, Antero de Quental entrou numa contenda com autoridades acadêmicas para derrubar

o Reitor Basílio. Enquanto o reitor insistia na prática de “leis que a moderna sociedade liberal

repudiava no plano da ética e do contrato social”, o grupo representado por Antero exigia

liberdade e independência para escritores25. A disputa significou, entre outras coisas, uma

ruptura cultural com o ultrarromantismo e foi nesse campo de batalha que a semente do realismo

foi plantada e que na década de 1870 germinou na figura de Eça de Queiroz e sua obra O Crime

do Padre Amaro. Ademais, a chamada “questão Coimbra” foi também um protesto contra a

legislação atrasada, pedindo por uma reforma constitucional. Por outro lado, José-Augusto

França afirma que o movimento foi essencialmente romântico. A questão iria dar certamente

no realismo; o que estava em jogo, segundo França, eram duas visões do romantismo.

Românticos, ainda que estivessem sim sob a influência de ideias como positivismo,

naturalismo, Comte, Taine, Renan, dentre outros26. A liberdade, constitucional ou literária, era

guiada pelas lutas na Europa, tais como as da Polônia e da Itália, as mesmas que também

influenciaram Machado de Assis na sua poesia da década de 1860.

O auge da questão se deu em 1865, quando uma “tempestade literária” cujos

protagonistas foram Antônio Feliciano Castilho27 e Antero de Quental tomou a cena. Castilho

tinha uma postura mais academicista e em volta dele se formou um grupo que Antero de Quental

chamou de “escola do elogio mútuo”. A alcunha se deu porque alguns literatos mais jovens

como Tomás Ribeiro aproximavam-se de Castilho almejando influência que facilitaria certas

relações literárias. Antônio Castilho atacava algumas novidades propostas pela escola de

Coimbra, ao passo que Antero de Quental escreveu um texto intitulado “Bom senso e bom

25 FERREIRA, Alberto e MARINHO, Maria José. Bom senso e Bom Gosto: (A questão Coimbrã), 1865/1866, vol.

I. Lisboa: Imprensa Nacional/ Casa da Moeda, 1985. 26 FRANÇA, José-Augusto. “A questão Coimbra: literatura e moral”. In: O Romantismo em Portugal: Estudo de

fatos socioculturais. Lisboa: Livros Horizonte, 1993. pp. 365 – 382. 27 Antônio Feliciano Castilho visitara o Brasil em 1865, e sem dúvida, foi uma influência para Machado de Assis

que seguia a metrificação proposta por ele no Tratado de Metrificação Portuguesa (1851). (Cf. PEREIRA, Antônio

Pessoa. “A poesia de Machado de Assis”. In: Rev. de Letras, Fortaleza, 14 U/2) - jan./dez. 1989. p. 11.)

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gosto” a fim de replicar o detrator. Este texto foi o estopim para que diversos literatos entrassem

do debate. Teófilo Braga, Ramalho Ortigão, Camilo Castelo Branco, dentre outros, entraram na

disputa sobre suas visões acerca do romantismo e as rupturas com essa escola. Tais ideias ainda

prematuras sobre romantismo e realismo foram cruciais para a geração de 1870 aqui no Brasil

também. O que entrava no campo de batalha era um romantismo que caducava contra um

realismo com o frescor de “ideias novas”. O desfecho da questão de Coimbra foi a Conferência

do Casino, que ocorreu na primavera de 1871. Nela, intelectuais como o próprio Quental,

Teófilo Braga e Eça de Queiróz assinaram um manifesto que indicava que iriam refletir sobre

as mudanças políticas e sociais e estudar as novas ideias da ciência moderna, dentre as quais o

darwinismo. As conferências foram proibidas porque nelas eram discutidas ideias consideradas

perigosas para um país como Portugal, que vivia numa Monarquia sob o forte signo do

catolicismo28.

Nos anos 1870, novos projetos germinavam de forma mais pungente. Voltemos ao

Brasil, com os intelectuais que floresciam na década de 1870, tais como Sílvio Romero,

Capistrano de Abreu, Araripe Jr., Joaquim Nabuco, homens que serão interlocutores de

Machado de Assis. Sílvio da Silveira Ramos, que posteriormente ficará conhecido como Sílvio

Romero, escreveu um texto intitulado “A rotina literária”, publicado no periódico O

Movimento, em 22 de setembro de 1872. No artigo, também escreve sobre a literatura nacional,

defendendo que no futuro seria necessária uma busca por independência e originalidade

literárias. Estava claro para Sílvio Romero que o indianismo estava decadente e novas formas

precisavam surgir29. Até aí, não há conflito latente com o que Machado de Assis defendia. Mas

uma contenda se desenvolverá ao longo da década, sobretudo após a publicação de Americanas.

Nessa mesma linha, Capistrano de Abreu publicou “A literatura brasileira contemporânea”, no

jornal O Globo, em 18 de dezembro de 1875– por coincidência (ou não), um dia anterior à

publicação de Americanas 30 . No texto, o autor dissertou sobre o indianismo e também

demonstra preocupação com a independência literária. Assim como Machado de Assis afirmava

que para a literatura não havia marcos como o 7 de setembro ou o Ipiranga, Capistrano

reconhecia que a independência política foi “uma revolução funcional” e, “por conseguinte não

28 REIS, Carlos. As Conferências do Casino. Lisboa: Publicações Alfa, 1990. 29 RAMOS, Sílvio da Silveira. “A rotina literária”. O Movimento. 22 de set., 1872. 30 Capistrano de Abreu procurou Machado de Assis assim que chegou na corte. O jovem tinha uma carta de

recomendação remetida por Joaquim Serra, no dia 11 de maio de 1875. Esse, além de recomendar Capistrano de

Abreu, afirmou também que havia o respaldo de José de Alencar. (Correspondência de Machado de Assis. Tomo

II: 1870-1889/ coordenação e orientação Sérgio Paulo Rouanet; reunida, organizada e comentada por Irene

Moutinho e Sílvia Eleutério. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 2009 (Coleção Afrânio Coutinho); v.

92. p. 97.). p. 97.

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influiu sobre as circunstâncias orgânicas direta e imediatamente”. Capistrano de Abreu tem

noção de que se tratava de um processo histórico, pois “há de ser necessário um grande lapso

de tempo antes que produzam todos os efeitos”. No caso da literatura, a emancipação em relação

à Portugal foi “insuficiente” para “[modificar] as condições” e permitir “que o espírito se

renovasse” 31 . Em diferentes espaços, porém com anseios parecidos, estes autores se

preocupavam com a literatura. Parecia haver uma espécie de consenso de que a literatura

brasileira estava num processo embrionário. Entretanto, alguns intelectuais, sobretudo ligados

à escola de Recife, tinham uma percepção evolucionista do problema. Naquele momento,

diversos intelectuais irão intervir na questão, oferecendo respostas aos anseios da época. Alguns

destes textos serão fontes ao longo da dissertação. Antes disso, precisa-se entender o momento

histórico e a rede de ideias com as quais nossos intelectuais estavam debatendo.

***

“Como se pode explicar a formação do caráter se não pelas leis de Darwin?” A pergunta

foi feita por Capistrano de Abreu ao analisar a obra Jacina, a marabá, de Araripe Jr.,

consorciando em seu artigo o indianismo e o cientificismo. Sem dúvida, um dos algozes

responsáveis pelo fim do idealismo romântico foi a chegada de ideias cientificistas no Brasil.

O determinismo, evolucionismo, positivismo dentre outros, aplicados à realidade nacional

deslegitimavam qualquer possibilidade de o Brasil seguir rumo ao progresso. E um país com

uma “horda de mestiços” torna-se um problema para a literatura fundamentada nessas ideias.

O indianismo, dentre outras coisas, tratava da concepção do brasileiro, da mistura de raças.

Capistrano de Abreu, em seu artigo, remete a Taine a fim de evidenciar que “toda obra artística

tem uma filosofia por substratum”. Capistrano de Abreu elogiou que Araripe Jr. via “os

acontecimentos pelo prisma” do século XIX, aplicando “processos de crítica e de observação

física”32. Em outras palavras, Araripe Jr., na visão de Capistrano de Abreu, havia unido ciência

e literatura. Como ficava cada vez mais evidente na década de 1870, o indianismo teria como

mote principal questões como ciência e raça. Por isso, faz se necessária uma discussão sobre

cientificismo nos anos 1870 e como isso aparecerá em parte da literatura.

Naquele momento, o lugar do índio, enquanto símbolo nacional foi dimensionado na

esfera política. O indianismo representava as relações senhoriais e o trabalho escravo. Segundo

David Treece, o indianismo não era “mera invenção de uma tradição literária divorciada das

31 ABREU, Capistrano de. “A literatura brasileira contemporânea”. O Globo, 18 de dez., 1875. 32 ABREU, Capistrano. “Jacina”. A Reforma, 30 de maio, 1875. p. 2.

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realidades prementes do Império” e sim uma “reflexão contínua e complexa sobre a formação

tanto sociopolítica como simbólica da nação brasileira”33. Mencionar o indianismo, significava,

dentre outros assuntos, falar de formação do povo e da “marcha da civilização”. De acordo com

Treece, a abordagem de Gonçalves Dias, José de Alencar e Varnhagen indicava que o indígena

representava “um obstáculo” por ser considerado “uma gente alheia ao pacto social” e

“incapazes de reger a si próprio”. Não obstante, o índio era sacrificado para manutenção dos

interesses de progresso e civilização do Império. Ora, esta foi a razão pela qual Iracema morreu

no parto de seu rebento, pois a mãe indígena se sacrificava e entregava a prole mestiça ao pai,

um europeu. E assim, nascia a América para José de Alencar: as raízes nativas eram diluídas

no sangue e a criação ficava sob responsabilidade da família europeia34.

A solução elaborada pela geração romântica foi reduzir os indígenas ao “elemento

exótico e original”35. Segundo Ricardo Salles, em Nostalgia Imperial, o “aspecto do selvagem,

bárbaro, americano e africano da sociedade” era identificado como componente “externo a

civilização”36. O componente “exótico e original” e “externo à civilização”, foi justamente o

que constituiu o substrato cultural do Império. Abordar a questão indígena e africana dessa

forma significou, entre outras coisas, uma decisão política sobre a constituição do Império.

Assim, intelectuais delegavam papéis sociais a cada um: europeu, índio, africano. Dentre as

principais instituições que discutiam a consolidação da nacionalidade brasileira estava o IHGB

e intelectuais como Gonçalves Dias, Gonçalves de Magalhães, Von Martius. Este último

escreveu a importante dissertação intitulada “Como se deve escrever a história do Brasil”. Von

Martius acreditava que deveria ser considerada a contribuição das três raças principais,

definindo e hierarquizando a contribuição de cada povo para a história do Brasil.

Disso necessariamente se segue o português, que, como descobridor, conquistador e

senhor, poderosamente influiu naquele desenvolvimento; o português, que deu as

condições e garantias morais e físicas para um reino independente; que o português

se apresenta como o mais poderoso e essencial motor. Mas também de certo seria um

grande erro para todos os principais da historiografia-pragmática, se se desprezassem

as forças dos indígenas e dos negros importados, forças estas que igualmente

concorreram para o desenvolvimento físico, moral e civil da totalidade da

população.37

33 TREECE, David. “O indianismo romântico, a questão indígena e a escravidão negra”. In: Revista Novos

Estudos, nº 65, março de 2003. p. 142. 34 ALENCAR, José Martiniano. Iracema: a lenda do Ceará. Rio de Janeiro: Typ. de Vianna & Filhos, 1865. 35 SALLES, Ricardo. “O papo amarelo do tucano: a cultura imperial”. In: Nostalgia imperial: a formação da

identidade nacional no Brasil no Segundo Reinado. Rio de Janeiro: Ponteiro, 2013. p. 80. 36 SALLES, Ricardo. “O papo amarelo do tucano: a cultura imperial”. In: Nostalgia imperial: a formação da

identidade nacional no Brasil no Segundo Reinado. Rio de Janeiro: Ponteiro, 2013. p. 80. 37 MARTIUS, Karl Friedrich Philip von. “Como se deve escrever a História do Brasil”. Revista do IHGB. Rio de

Janeiro 6 (24): 389 - 411. Janeiro de 1845. (Revista Trimensal de História e Geografia ou Jornal do Instituto

Histórico e Geográfico Brasileiro. N. 24, janeiro de 1845).

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As ideias de Von Martius sobre miscigenação dialogam, e muito, com o final de

Iracema. O que José de Alencar defendeu na literatura em 1865, Von Martius, de certa forma

já afirmara em 1845: “O sangue português, em um poderoso rio deverá absorver os pequenos

confluentes das raças índia e etiópica”38. Tanto a história quanto a literatura assumiam uma

missão conjunta de construção da identidade nacional que hierarquizava e excluía peças da

nação. Isso, de acordo com Jefferson Cano, em “Nação e ficção no Brasil do século XIX”, tem

“sentido de particularizar e individualizar uma identidade que se afirmava por oposição à

Europa”, concomitante à construção de uma ideia nacional avessa “não só ao estrangeiro, mas

ao local ou provincial”39. A literatura, de acordo com Jefferson Cano, era espaço de “disputa

simbólica em que se criava e se valorizava uma imagem de nação”. Portanto, a ação dos letrados

tinha um importante caráter social na construção cultural e política do Brasil40.

Foi nesse campo de disputa que Machado de Assis decidiu se envolver ao escrever

“Instinto de Nacionalidade” e Americanas. No artigo, o autor cita nomes ligados ao IHGB como

os de Varnhagen e José Francisco Lisboa, mostrando quem eram seus interlocutores. A escolha

do indígena como representante da nação estava ligada, entre outras coisas, ao fim do tráfico.

Na iminência de enfrentar o problema da escassez de mão de obra, parecia ser necessário eleger

uma figura forte, obediente e barata para ser o trabalhador ideal. Nos anos 1850, Varnhagen se

empenhará em defender a escravização do indígena. Em discussões acerca da

representatividade indígena na história brasileira, o historiador defendeu posições extremas. No

“Memorial orgânico” (1851), publicado na Revista Guanabara, Varnhagem mostrou-se

partidário da “contra-ideologia indianista” e a favor do “cativeiro indígena temporário”41. Em

1857, em História Geral do Brasil, manifestou-se “contra a representatividade nacional dos

indígenas”42. Em “Os índios perante a nacionalidade brasileira”, explicou que os nativos não

eram representantes da nação:

Se quereis saber que elemento de povoação predomina atualmente no Brasil, percorrei

as cidades e as vilas. Vereis brancos de tipo europeu, vereis alguns negros, verei gente

procedente desde dois sangues, e raramente, n’uma ou n’outra figura, encontrareis

rasgos fisionômicos do tipo índio, aliás por si bem distinto. E isto não porque se

exterminasse esta raça, porém sim porque eram os índios em tão pequeno número no

38 Ibid. 39 CANO, Jefferson. “Nação e ficção no Brasil do século XIX”. In: História Social (Unicamp). Vol. 23, pp. 19-39.

2013. p.25 40 Ibid, p. 39. 41 Na revista Guanabara havia amplo debate sobre a temática indígena. Essa foi fundada por Porto Alegre,

Gonçalves Dias e Joaquim Manuel Macedo. Cf.: KODAMA, Os índios no Império do Brasil: a etnografia do

IHGB entre as décadas de 1840 e 1860. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ; São Paulo: EDUSP, 2009. p. 165. 42 KODAMA, Kaori. Os índios no Império do Brasil: a etnografia do IHGB entre as décadas de 1840 e 1860. Rio

de Janeiro: Editora FIOCRUZ; São Paulo: EDUSP, 2009. p. 164-165.

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país que foram absorvidos fisicamente pelos outros dois elementos, como o foram

moralmente. [...]

Em resumo: os índios não eram donos do Brasil, nem lhes é aplicável como selvagens

o nome de Brasileiros: não podiam civilizar-se sem a presença da força, da qual não

se abusou tanto como se assoalha: e finalmente de modo algum podem eles ser

tomados para nossos guias no presente e no passado em sentimentos de patriotismo

ou em representação da nacionalidade.43

Para debater contra o projeto de Varnhagen, homens como João Francisco Lisboa e

Gonçalves de Magalhães saíram em defesa da causa indianista. O que estava em jogo eram

visões historiográficas diferentes, Lisboa destacava os problemas da etnografia brasileira, da

formação da nacionalidade, da colonização e seus conflitos, dentre outros. Lisboa colocava em

dúvida o fato da guerra e da escravidão serem ideais para “civilizar” os índios, evidenciando o

“embrutecimento” do cativeiro. Por fim, sendo a história uma “mestra”, defendia que esta

deveria fazer emergir justiça e moral. Laura Oliveira chama a atenção para o método de Lisboa,

que consistia em analisar obras de cronistas como o Padre Antônio Vieira e mostrar como a

escravidão indígena não havia sido bem-sucedida na tentativa vã de “civilizar” os índios. Para

ele, o resultado fora o extermínio massivo de tribos inteiras. O ideal, então, seria educá-los para

um “melhoramento moral” e se o meio pacífico falhasse, seria a prova que os indígenas eram

incapazes de viver em sociedade. Não obstante, Lisboa concordava com alguns pontos de

Varnhagen, especialmente no que diz respeito à classificação dos índios como “bárbaros”,

“primitivos” e quanto ao fato de a sociedade brasileira ser substancialmente herdeira da Europa.

Portanto, negava a ideologia de Gonçalves Dias, para quem o índio era o representante maior

da nação. Não havia, assim, um postulado rousseauniano que idealizava a sociedade indígena.

Lisboa não tinha dúvida de que o progresso era guiado pela correnteza do sangue branco, que

certamente iria diluir o sangue das “raças inferiores”. Se devidamente miscigenado, o índio

seria bem-vindo ao Império. Por conseguinte, a grande discordância entre Varnhagen e Lisboa

dizia respeito ao uso da força44.

Sem dúvida, a questão indígena atravessou os tempos desde a colonização. No passado

discutia-se qual o papel do indígena para o desenvolvimento da colônia e posteriormente do

Império, sendo um problema que perpassou vários âmbitos --religioso, filosófico, político,

histórico e literário. A peculiaridade do século XIX foi a controvérsia sobre a humanidade dos

índios. Segundo Manuela Carneiro da Cunha, os homens do século XVI não duvidavam que,

43 VARNHAGEN, Francisco Adolpho de. “Os índios perante à nacionalidade brasileira”. In: História Geral do

Brasil, tomo II. Rio de Janeiro: Laemmert, 1855. p. 24. 44 OLIVEIRA, Laura Nogueira. Os índios bravos e o sr. Visconde: os indígenas brasileiros na obra de Francisco

Adolpho Varnhagen. pp. 160 – 164. 186f. dissertação (Mestrado em História). Departamento de história.

Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG. Belo Horizonte, 2000. pp. 160 – 164.

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apesar das diferenças, os índios eram humanos45. Nos primeiros anos da colônia, havia a

imagem edênica construída para os indígenas, mas que se modificava radicalmente, na medida

em que os habitantes do Novo Mundo resistiam à cultura europeia. Os responsáveis pela colônia

foram impelidos a transformar a imagem edênica em demoníaca. No final do século XVI, já se

delineavam as polêmicas em relação à população mestiça e ao próprio continente americano46.

E no início do século XVII, essas ideias estavam consolidadas, sobretudo por Buffon, que nos

legou comentários sobre a América47.

No século XIX, a ideia de “humanidade inviável” persistia e a responsabilidade recaía

sobre a miscigenação. Para discutir esse problema, nomes como Buffon e De Pauw foram

apropriados e adaptados para a realidade brasileira. De Pauw foi quem levou as ideias raciais

às últimas consequências. Para ele, o autóctone americano era um “degenerado”, “monstruoso”,

“a senescência de uma humanidade prematuramente envelhecida e destinada à extinção”48.

Esses são os autores que influenciaram as teorias que justificavam a hierarquia entre raças de

intelectuais como Martius, Varnhagen, Gonçalves de Magalhães, e ainda Sílvio Romero e

Araripe Jr49. Buffon e De Pauw representavam a ruptura com a noção de “humanidade una” de

Rousseau. No século XVII nascia o discurso racial, importante elemento que serviria de base

interpretativa sobre a população brasileira no século XIX. Segundo Lilia Schwarcz, os modelos

raciais de análise “se transformam em um novo argumento de sucesso para o estabelecimento

das diferenças sociais”. Com o processo do fim da escravidão batendo à porta devido à Lei de

1871, as teorias raciais “pareciam justificar cientificamente organizações e hierarquias

tradicionais”. Todavia, pela visão pessimista da miscigenação, esses modelos “acabavam por

inviabilizar um projeto nacional que mal começava a se montar”50. Foi no paradoxo dessa

constatação que se deu a “saída original” dos “homens de ciências”. Do darwinismo social

adotaram “o suposto da diferença entre raças e sua natural hierarquia, sem que se

problematizasse as implicações negativas da miscigenação”. E, do evolucionismo social,

aceitaram a “noção de que as raças humanas não permaneciam estacionadas”, porém

45 CUNHA, Manuela Carneiro da. “Política indigenista no século XIX”. In: CUNHA, Manuela Carneiro da. (org).

História dos Índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, FAPESP, 1998. p. 134. 46 Cf.: SOUZA, Laura de Mello e. O diabo e a terra de Santa Cruz. São Paulo: Companhia das Letras, 1986. 47 Para Buffon, a América estava fadada à inferioridade por causa de uma fauna fadada inapta para ter grandes

feras e porque tinha uma população mestiça. SOUZA, Laura de Mello. op. cit., p. 48-49. 48 DE PAUW, apud, MELLO, Laura de Mello e Souza. O diabo e a terra de Santa Cruz. São Paulo: Companhia

das Letras, 1986. p. 41. 49 CUNHA, Manuela Carneiro da. História dos Índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, FAPESP,

1992. p. 134 – 135; VENTURA, Roberto. Estilo Tropical: história cultural e polêmicas literárias no Brasil, 1870-

1914. São Paulo: Companhia das Letras, 1991. p. 34; SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças-

cientistas, instituições e questão racial no Brasil (1870-1930). São Paulo: Companhia das Letras, 1993. p. 85. 50 SCHWARCZ, op. cit. p. 24.

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encontravam-se em “constante evolução e “aperfeiçoamento”, obliterando-se a ideia de que a

humanidade era una”. Conforme Schwarcz argumenta, a adaptação de ideias estrangeiras se

dava na escolha de “teorias formalmente excludentes, usos e decorrências inusitados e

paralelos, transformando modelos de difícil aceitação local em teoria de sucesso”51. O aparato

científico escancarava “as fragilidades e especificidades de um país já tão miscigenado”52.

Em Americanas, Machado reflete sobre esse processo histórico, bem como estabelece

seus versos numa discussão sobre as raízes míticas do povo brasileiro. Estabelecendo-se nos

debates que marcaram os anos 1870, que muitas vezes ocorriam sob uma perspectiva

cientificista e que estudava o lugar do índio dentro da civilização brasileira, o poeta faz de seus

versos um importante instrumento de intervenção nessas discussões. Sob esse prisma, subjaz as

noções de “povo” e de “raça”, pois tais elementos estavam entrelaçados à formação do Império

e da identidade nacional. No século XIX, de acordo com Kaori Kodama, “os termos ‘nação’ e

‘raça’” muitas vezes eram confundidos53. Segundo Marilena Chauí, o termo “nação” denotava

um conceito biológico, que o relacionava com a definição de raça54. Ademais, refletir sobre a

formação do povo também era pensar sobre o destino da recente nação e suas potencialidades

frente à civilização. Como assevera Kaori Kodama, a partir dos anos 1840 escrevia-se uma

história brasileira “tendo como base o debate científico, o ‘grau’ de civilização dos primitivos

habitantes do Brasil”55. Nesse sentido, falar em raça ou nação servia para a sociedade imperial

brasileira “designar uma origem e, em outros casos, também um estatuto diferente dos

indivíduos presentes e circulantes na cidade”56. Em diversos momentos, eram termos para

categorizar e hierarquizar a sociedade, evidenciando as diferenças existentes dentro das relações

sociais do Império.

O indianismo é de alguma forma uma maneira de indagar e solucionar metaforicamente

o lugar do mestiço. A literatura indianista lida com o problema de uma raça considerada por

muitos como degenerada. A raiz do problema é que o indianismo dialoga com a lógica de

hierarquização e exclusão social do Império. E na década de 1870 isso tomará maiores

proporções devido a um discurso cientificista excludente. A literatura indianista, produzida nos

primeiros anos de 1870, dialoga diretamente com a inserção das ideias cientificistas no Brasil

e Machado de Assis foi um dos protagonistas desse debate. O paradoxo interno dessa ciência

51 Ibid, p. 25. 52 Ibid, p. 46. 53 KODAMA, Kaori. Os índios no Império do Brasil: a etnografia do IHGB entre as décadas de 1840 e 1860. Rio

de Janeiro: Editora FIOCRUZ; São Paulo: EDUSP, 2009. p. 102. 54 CHAUÍ, M. Brasil: mito fundador e sociedade autoritária. 5ª ed. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2000. 55 KODAMA, op. cit., p. 156-158. 56 Ibid., p. 99.

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aplicada ao Brasil parece não ter escapado ao olhar crítico de Machado, ainda mais

considerando que Americanas reflete sobre o processo de miscigenação, que começou nesse

território devido à invasão europeia no século XVI. As máximas do darwinismo e

evolucionismo foram criticadas por Machado de Assis ao longo de sua carreira. Americanas foi

o primeiro momento em que o autor se inseriu no debate57. Em Americanas, Machado aborda

a noção de civilização e hierarquia social dos cientistas, algumas vezes refutando, noutras quiçá

se aproximando desses discursos. Ao se opor, o autor discute quem foi o “bárbaro” e de fato

causou mal. O poeta escreveu toda a sua coletânea à luz dos personagens que foram “vítimas”

na história americana.

Americanas foi publicada em 19 de dezembro de 1875. Enquanto isso, outros autores

publicaram trabalhos indianistas que tratavam da questão do mestiço. A partir de agora,

veremos um panorama de obras que eram lançadas enquanto nosso autor escrevia suas poesias.

Machado de Assis não se furtou ao diálogo com tais publicações, como veremos adiante. Por

ora, voltemos para o ano de 1870, enquanto a semente nacionalista foi plantada na cabeça

machadiana. No tempo em que o literato escrevia suas poesias Americanas, acompanhemos o

que outros intelectuais publicavam sobre o tema indianista.

“Raça mestiça, meio selvagem, meio civilizada”58

57 Daniela Magalhães da Silveira em Fábrica de Contos analisa as coletâneas de contos machadianas Papéis

Avulsos e Histórias sem data, respectivamente de 1882 e 1884. A historiadora argumenta que o cientificismo

marcou as discussões das duas coletâneas. Sobre Papéis Avulsos, Magalhães da Silveira afirma que a coletânea foi

organizada “a partir dos principais debates científicos e filosóficos da segunda metade do século XIX”. Segundo

Silveira, “Machado de Assis explorou o arcabouço que estruturava a fala dos principais homens envolvidos em

pensar o futuro do país naquele momento” e a “linguagem científica servia para justificar medidas políticas e

invalidar qualquer outra opinião que não coubesse naquele padrão de pensamento”. Já em Histórias sem data,

considerando a “maior disseminação do cientificismo nas famílias brasileiras”, com a imprensa exercendo papel

fundamental para que isso ocorresse, a autora defende que “houve alargamento de algumas ideias levantadas em

Papéis Avulsos”. (SILVEIRA, Daniela Magalhães da. Fábrica de Contos: ciência e literatura em Machado de

Assis. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2010. p. 32-33.) Daniele Megid demonstra que Machado travou uma

espécie de batalha ideológica com seus pares na Revista Brazileira, meio no qual o autor publicou em 1880

Memórias Póstumas de Brás Cubas. Na Revista havia amplo diálogo entre literatura e ciência. Para entender como

Machado constrói essa perspectiva, Megid compreende que o autor de Memórias Póstumas no final da década de

1870 já criticava os postulados científicos em suas “Notas Semanais” publicada no jornal O Cruzeiro com o

pseudônimo Eleazar. A autora acrescenta que: “O discurso científico, mais preocupado com o ornato da retórica

do que com a acuidade da ciência, e as consequências negativas e desigualdades advindas dessa situação,

preocupavam o autor [Machado de Assis] e passaram a ser retratados de maneira cada vez mais cáustica. Se a crítica foi

desenvolvida nas crônicas e nos contos, nos romances não seria diferente. Memórias Póstumas de Brás Cubas foi representante

emblemático desse projeto combativo da carreira de Machado, e a chamada ficcionalização da realidade perpassa toda a

narrativa. ” (MEGID, Daniele Maria. “Literatura, verdade e ciência em Memórias Póstumas de Brás Cubas”. In: À

roda de Brás Cubas: literatura, ciência e personagens femininas em Machado de Assis. 2012. Dissertação

(Mestrado em História Social). Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP. p. 89) 58 Anônimo. “Ubirajara”. A Reforma, 19 de maio, 1875.

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A leitora deve se lembrar que no final primeiro capítulo mostrei que em 1870 Araripe

Jr. criticou a coletânea Falenas, acusando Machado de Assis de uma “ingratidão com o formoso

Brasil”, posicionando-se frente a uma defesa da nacionalização da literatura brasileira. Logo,

defendeu que para uma obra literária ser chamada de nacional, deveria conter certos traços da

“cor local”. Naquele ano, o próprio Araripe Jr. lançou um folhetim intitulado Jacina, a Marabá,

publicado em livro em 1875, contando uma história que ocorre durante as disputas entre

portugueses e franceses pela Guanabara. O contexto da narrativa é a aliança entre portugueses

e os índios guaianases – inimigos dos tamoios. Na disputa há dois antagonistas, o chefe Inimbó

- que sucumbiu ao poder dos jesuítas - e Jacina - forte defensora das tradições e independência

de seu povo. Embora a amazona Jacina defenda a tradição, não sabe que é uma marabá, ou seja,

mestiça. A independência defendida pela protagonista implicará num isolamento social. O

desenlace acontece quando Urutágua retornou para liderar a guerra contra franceses e tamoios.

O guerreiro se apaixona pela amazona, porém é desprezado por ela porque ficou fascinado pela

cultura dos brancos. Jacina sustenta a tradição e consegue influenciar o pajé a retomar o poder

sobre a tribo, o que provoca o despertar da força espiritual voltado para a herança ancestral.

Todavia, a feição pálida de Jacina denunciava que ela era uma mestiça e consequentemente

uma presença inaceitável. O apaixonado Urutágua tenta salvar sua marabá, arriscando a tribo,

mas o desfecho é o cadáver de Jacina na canoa do guerreiro59. A sinopse do livro de Araripe Jr.

levanta algumas questões sobre miscigenação e representa uma renovação no indianismo a

partir dos anos 1870.

Em 1857, José de Alencar publicou o folhetim O Guarani, no qual os protagonistas Peri

e Ceci simbolizavam a mistura de raças durante a colonização. O livro traduz o “mito fundador”

da nacionalidade brasileira, segundo o qual houve um encontro harmonioso entre o indígena

Peri e a portuguesa Ceci. Alencar criou uma mitologia brasileira idílica e idealizada, com o

propósito de vigorar a organização da sociedade Imperial. O romance foi um “meio de afirmar

a força simbólica que via não só nos costumes e nas tradições indígenas, mas também na

herança portuguesa, de modo a transformar o encontro de ambas na base de afirmação de uma

nação forte e original”60. Dessa forma, Alencar conseguia harmonizar duas nobrezas que, de

acordo com o romancista, eram a base da nação: de um lado, as origens portuguesas

representadas por D. Antônio Mariz e sua filha Cecília e, de outro, o guerreiro e bom indígena

59 ARARIPE JR, Jacina, a marabá: crônica do século XVI. São Luís, MA: Typ. Dos Frias, 1875. 60 PEREIRA, Leonardo A. M. “A realidade como vocação: literatura e experiência nas últimas décadas do

Império”. In: GRINBERG, Keila e SALLES, Ricardo (orgs). O Brasil Imperial, vol III: 1870-1889, Rio de Janeiro:

Civilização Brasileira, 2009. p. 280.

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Peri. Segundo Leonardo Pereira, estes últimos - Ceci e Peri - denotavam no fim da narrativa “o

sentido do mito proposto no romance”, que era a “harmonia simbólica entre seus diferentes

mundos que resultava, tanto para eles quanto para a nação em formação por eles representada,

a possibilidade de um futuro vigoroso”61. Além disso, de acordo com Leonardo Pereira, a

história de Alencar se constrói por meio das “relações e dependência” e a “tradição da

obediência”, afinal, para o autor d’O Guarani, a literatura era um privilegiado “espaço de

representação de um ideal”, sustentado “pela definição poética de um modelo pintado em sua

perfeição”62. José de Alencar estava consciente dessa definição, ele mesmo admite que seu

“selvagem é um ideal”, na obra Como e porque sou romancista63. A harmonia proposta na

história do romancista cearense é fruto de seu tempo histórico. Segundo Bernardo Ricupero, O

Guarani foi produzido “em plena Conciliação, período durante o qual se buscou a convergência

entre forças política até então opostas”64. Por isso, tanto em O Guarani, quanto em sua irmã

Iracema, que é de 1865, a alegoria do mito nacional é constituída com a harmonia que seria

alcançada pela submissão voluntária das “raças inferiores”. Não obstante, O Guarani e Iracema

tratam da mesma temática, a submissão desmedida do indígena ao português. As obras

indianistas, como as publicadas por José de Alencar e Gonçalves Dias, tentavam, de alguma

forma, oferecer uma resposta à dúvida sobre o lugar do indígena na sociedade brasileira, haja

vista que, ao longo do século XIX, a imagem do índio ocupou diferentes posições nos debates

dos intelectuais65. Há diferentes tratamentos na temática da miscigenação, embora os indígenas

permaneçam na posição submissa. Segundo aponta Bernardo Ricupero, a “auto-imolação” foi

a solução encontrada por literatos como José de Alencar e Joaquim Manoel Macedo66 para

“resolver metaforicamente o problema daqueles que não têm lugar definido na sociedade

brasileira”67.

Já na década de 1870 há uma mudança de perspectiva no “mito da conciliação”.

Segundo aponta David Treece, o indianismo que forjava a “conciliação” foi desacreditado” e

“os processos de miscigenação e destribalização eram expressivos não da democracia racial ou

61 Ibid. Id. 62 Ibid, p. 280-285. 63 ALENCAR, José. Como e porque sou romancista. Rio de Janeiro : Typ. De G. Leuzinger & Filhos, 1893. 64 RICUPERO, Bernardo. O Romantismo e a ideia de nação no Brasil- 1830-1870. São Paulo: Martins Fontes,

2004. p. 173. 65 Ibid., pp. 153-178. 66 Joaquim Manuel de Macedo, em 1850, lançou a peça teatral “Cobé”, que soluciona o problema do índio

escravizado com o auto sacrifício. Segundo Ricupero, “na peça, o escravo Cobé, por amor a sua senhora, mata o

homem ao qual ela está prometida e depois se suicida, deixando-a livre para ir atrás de seu amado”. Cf.:

RICUPERO, op. cit. p. 174. 67 RICUPERO, op. cit., p. 174.

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da integração sociopolítica, mas da fragmentação e da divisão da sociedade pós-colonial”68. É

o caso de Jacina, no qual a mestiça não é “ponto potencial de convergência entre raças, culturas

e forças políticas antagônicas” e sim representa a “marginalização e o preconceito”69.

Bernardo Guimarães publicou “Jupira” em 1872 e Índio Afonso em 1873. O indianismo

de Bernardo Guimarães está atrelado ao sertanismo, movimento para o qual o sertão é a

verdadeira identidade brasileira, pois não foi corrompido pela influência estrangeira70. “Jupira”

é um conto de 1872 e narra a história um amor arrebatador de desenlace violento. A protagonista

é uma “marabá” ou mestiça, filha de Jurema e o colono José Luís. Ao nascer, fora batizada

como Maria, mas sua mãe, num ato de insubmissão, volta para a tribo e a nomeia Jupira. Jupira

inicia sua história assassinando cruelmente Baguari. Ele tentou cortejar a índia que ficou com

má reputação depois do homicídio. Quirino, filho de um fazendeiro, persegue a moça para

enfim desposá-la e catequizá-la. A índia ameaça o rapaz e se apaixona por Carlito, jovem branco

e rebelde como ela. Os jovens têm um breve instante de felicidade, mas logo Carlito é tomado

por fastio e se apaixona por Rosália. É formado então um quarteto amoroso, Jupira convoca

Quirino que ainda é obcecado por ela e o convence a matar Carlito. O crime é executado com

uma faca. Jupira testemunha o fato, cobre o morto de beijos, abraça o algoz e o golpeia com a

arma do crime. Ela desaparece e seu corpo é encontrado enforcado.71 Segundo Cláudio José de

Almeida Mello, na obra de Bernardo Guimarães não há reverência ao bom selvagem insinuado

por Rousseau. O escritor enaltece bravura e heroísmo, contudo há diferença no caráter. Cláudio

Mello compara Iracema e “Jupira”. A primeira possui “ternura e fidelidade ao guerreiro

branco”, já a segunda representa a “atração perigosa”, “provoca a tragédia” e “incita à morte”.72

David Treece afirma que:

O heroísmo trágico de Guimarães é excepcional ao cometer atos de assassinato e,

assim, vingar ativamente os maus tratos recebidos seja da sociedade branca, seja da

indígena, em lugar de sofrer seu destino de vítima passiva. Mas o que é mais notável

e inovador na estória são os extremos a que o autor recorre para explorar essa atitude

de rebelião intransigente contra o mundo opressivo. De modo a denunciar a política

integracionista do Império, Guimarães localiza essa atitude de resistência dentro de

uma crítica social mais abrangente que ultrapassa de longe, em percepção sociológica,

qualquer obra indianista anterior.73

68 TREECE, David. Exilados, aliados e rebeldes: o movimento indianista, a política indigenista e o estado-nação

imperial. São Paulo: Nankin: Edusp, 2008. p. 278. 69 Ibid, p. 277. 70 MELLO, Cláudio José de Almeida. “Relações entre campo e cidade na formação da identidade brasileira: o

programa estético de Bernardo Guimarães”. In: Revista Literatura em Debate, v. 4, n. 7, p. 01-16, ago.-dez., 2010.

p. 1. 71 GUIMARÃES, Bernardo. “Jupira”. In: História e tradições da Província de Minas Gerais. Rio de Janeiro:

Civilização Brasileira, 1872. 72 MELLO, op. cit., p. 3. 73 TREECE, op. cit., p. 298.

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Em janeiro de 1872, Bernardo Guimarães publicou O índio Afonso, no jornal A Reforma,

que é uma história baseada em fatos que aconteceram na Província de Goiás. A inspiração se

deu porque Bernardo Guimarães era juiz na comarca de Catalão. O protagonista é um tipo de

mestiço indígena “destribalizado”. Afonso vivia com a irmã Caluta. Num dia, Toruna invade a

casa dos irmãos e tenta estuprar Caluta. Afonso, sabendo do que aconteceu através de seus

sobrinhos, jura vingança. O índio castra e mutila Toruna e, por causa deste crime, é perseguido

pelos agentes da lei. Todavia, sempre consegue fugir. No fim, o índio foi protegido pela

floresta74 . Bernardo Guimarães escreveu uma história mais pitoresca porque demonstrava

insatisfação com os folhetins urbanos que saíam na Corte, pois estavam distantes da realidade

nacional75. O Afonso de Bernardo Guimarães ainda é um herói com habilidades sobre-humanas,

tal qual Peri de José de Alencar76. Entretanto, ainda não é um herói que se assemelha aos modos

aristocráticos, nada tem de uma imagem cavalheiresca, tal como as pintadas pelos românticos.

Índio Afonso foi uma mudança para o indianismo. Segundo a interpretação de David Treece, o

final da história é “inimaginável no romance indianista tradicional”, pois o índio Afonso “é

tanto um defensor leal dos códigos de moralidade e justiça dos brancos, quanto um rebelde

selvagem alheio ao pacto social”. Bernardo Guimarães, para Treece, rejeita a “compulsão dos

românticos em transformar o primitivo tribal num cidadão honorário de sua própria sociedade”,

ao passo que “combina atos da mais cruel violência com demonstrações de lealdade, ternura e

até mesmo veneração religiosa”77. Concluindo, “Jupira” e O índio Afonso expressaram uma

“aversão às fórmulas míticas dos românticos e seu modo épico”78. Para não restar dúvida de

que Bernardo Guimarães dialogava com o romantismo indianista em sua forma tradicional, em

1875 vieram à lume os versos “O elixir do pajé”, uma sátira do épico “O canto do guerreiro”,

de Gonçalves Dias. A sátira é um poema sobre um elixir cuja função era curar impotência sexual

e possui versos obscuros com tom de deboche79.

Obras como as de Bernardo Guimarães preparavam a mortalha do indianismo. Machado

de Assis publicou Americanas em dezembro de 1875, meses após o “Elixir do Pajé”. O autor

74 GUIMARÃES, Bernardo. “Índio Afonso”. In: Quatro romances: O ermitão de muquém, O seminarista, O

garimpeiro e Índio Afonso. São Paulo: Sociedade Brasileira de Difusão do Livro, 1949. 75 COMITTI, Leopoldo. “O Índio Afonso: do tipo brasileiro ao picaresco”. In: GUIMARÃES, Bernardo. O índio

Afonso. (organização, apresentação e notas: Leopoldo Comitti). Associação Acervos Literários, Biblioteca Virtual,

2005. 76 TREECE, op. cit., p. 304. 77 Ibid, p. 303. 78 Ibid, p. 304. 79 GUIMARÃES, Bernardo. O Elixir do Pagé. Belo Horizonte: Movimento Editorial Panorama, 1951.

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também estava inserido neste movimento de renovação do indianismo, embora respeitasse a

tradição. Machado de Assis reescreveu um indianismo cortês utilizando-se do cânone

construído ao longo do século XIX. A preocupação de Machado não era demolir o que existia,

mas continuar um trabalho que havia começado anos antes. O indianismo já estava consolidado

e estava entre os sustentáculos da literatura nacional. O papel das próximas gerações seria o de

expandir os temas e personagens brasileiros.

No indianismo de Guimarães observamos que o caráter dos índios está diretamente

relacionado às teorias raciais. A influência que Bernardo Guimarães recebeu da etnografia e do

cientificismo se dá pelo encontro com Couto de Magalhães, na província de Goiás. Couto de

Magalhães foi etnógrafo do IHGB e fazia pesquisas no interior do país a fim de colaborar para

os estudos indigenistas. O resultado de seu trabalho foi a obra Os selvagens, apresentada em

1874, no IHGB. Tal obra também foi citada por Machado de Assis em suas Americanas. Couto

de Magalhães fez uma discussão sobre a mão-de-obra indígena, rejeitando a proposta do

aniquilamento dos indígenas que Varnhagen propôs. Couto de Magalhães defendia, por sua vez,

uma pacificação humana, utilizando, por exemplo, a própria língua dos índios80. Para o autor,

os índios eram representantes da identidade nacional e o desenvolvimento do país estava ligado

à resolução do problema da utilização da mão-de-obra indígena. É notório o fato de que no

projeto delineado por Couto Magalhães não há espaço para o africano, apenas havia lugar para

o indígena, pois este estava a caminho da civilização.

Até a década de 1870, o indianismo não abordava a miscigenação como um problema.

José de Alencar, por exemplo, se referia ao encontro como algo harmonioso e conciliador. A

partir da década de 1870, os intelectuais começaram a encarar essa questão como um obstáculo,

já não falavam mais de ancestrais tupis nobres e faziam entrar em cena o tapuia como

dificuldade para alcançar a civilização81. O método de Bernardo Guimarães é parecido com o

80 HENRIQUE, Márcio Couto. O general e os tapuios: raça e mestiçagem em Couto de Magalhães (1864-1876).

2003. 127f. Dissertação (Mestrado). Departamento de Antropologia. Universidade Federal do Pará. Belém, 2003. 81 Havia na sociedade uma separação entre índios mansos e bravos, de acordo com John Monteiro; a “circulação

e a reapropriação de ideias e imagens” em relação ao indígena no Brasil são marcadas pelo caráter “bipolar”, que

foi “inscrito inicialmente no binômio Tapuia/Tupi”. Tal dialética também reaparece com outros termos:

“bravio/manso”, “bárbaro/policiado”, “selvagem/civilizado”. Essa denominação teve impactos nas “formulações

de políticas que afetaram diretamente diferentes populações indígenas”. (MONTEIRO, John M. Tupis, tapuias e

historiadores: Estudos de História Indígena e do Indigenismo. (Tese apresentada para o concurso de livre docência

Unicamp). Campinas, agosto de 2001. p.8.) O critério de divisão geral entre Tupi e Tapuia era devido à língua

falada de modo geral. Mas como também é indicado por Manuela Carneiro da Cunha, o binômio marcava o

problema da representação indígena, logo a imagem do Tupi manso era interligada à imagem da nação, pois como

estavam “extintos ou supostamente assimilados”, puderam figurar “por excelência na auto-imagem que o Brasil

fez de si mesmo”. Em suma, o Tupi era o índio “convenientemente morto”, era o índio histórico que foi sacrificado;

o Tapuia, por outro lado, era o “índio contemporâneo” que carregava a estirpe negativa, o inimigo dos portugueses,

o “índio bravo”. CUNHA, Manuela Carneiro da. “Política indigenista no século XIX”. In: CUNHA, Manuela

Carneiro da. (org.). História dos Índios no Brasil. São Paulo: FAPESP, Cia das Letras, 1998. pp. 133-154.

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do etnógrafo: em sua ficção, ele escrevia sobre lugares que conhecia, coletava dados e

trabalhava a partir de pesquisas que realizava. Os índios de Bernardo Guimarães são produtos

da miscigenação, já são de certa forma “destribalizados” e circulam entre os mundos indígena

e branco. Tanto Jupira quando Afonso são bravios e com características rudes. Os mestiços de

índios e brancos não se mostravam passíveis de controle social, estavam fora da ordem e da

educação cristã. Tais mestiços eram entendidos como profundamente marcados pela rebeldia,

violência, brutalidade e hiper-sexualização. Logo no início de Índio Afonso, Bernardo

Guimarães afirma que o personagem “pertence a esta raça de mestiços que vivem vida nômade

e semibárbara pelas margens dos grandes rios do sertão”, ele é um “caboclo de estatura colossal

e de organização atlética”, “prodígio de força e destreza”, possui “enorme e esguio corpo, tinha

a flexibilidade da serpente e a robustez da anta”, “anda só, mas sempre armado, desde os pés

até a cabeça”, vivia em “selvática liberdade” e, apesar disso tudo, “seu exterior não inspira

terror”. Mesmo que Afonso não tenha uma natureza aristocrática como Peri, ainda assim é

forjado como um guerreiro melhor, “só com sua valentia vale por vinte; é como fortim

ambulante”. Apesar disso, Afonso possui certa candura encontrada na idealização do índio, era

afetuoso e manso com a família, sendo seu crime fruto da raiva que o acometeu a fim de proteger

a irmã. Logo, não é um “facínora, mas sim um homem de bem, cheio de belas qualidades e

sentimentos generosos”. O problema era que vivia “quase no estado natural no seio das

florestas”82. Quando o autor conclui que a causa para que a personalidade de Afonso permaneça

rude é a selva está dialogando com teorias deterministas. Mesmo que inofensivo, aquele

ambiente força-o a defender-se e, como o índio possuía “valentia” e “robustez”,

espontaneamente torna-se um criminoso.

O mesmo aconteceu com Jupira, afinal, os “instintos selváticos prevaleciam nela”.

Jupira é ainda mais impassível que Afonso. A índia circulava livremente entre o mundo

senhorial e indígena. Além de matar friamente seu primeiro assediador, no desenlace da história

fez um pretendente matar o outro, depois golpeou o que ficara vivo no embate. O trágico destino

de Jupira, assim como o final de Afonso vivendo na selva, indicam que apenas a educação cristã

poderia salvá-los. A tribo de Jupira, por exemplo, pelo “longo tempo em contato com os

brancos, tinham perdido os hábitos belicosos, e em grande parte sua coragem e fereza

selvática”. O problema é que os indígenas não aceitavam e se não conseguiam viver

“civilizadamente” sob as leis e regras da sociedade, ou morreriam ou viveriam na selva isolados.

O fato é que em todos os personagens indígenas, tanto de Índio Afonso quanto “Jupira”,

82 GUIMARÃES, Bernardo. O índio Afonso. (organização, apresentação e notas: Leopoldo Comitti). Mariana,

MG: Associação Acervos Literários, Biblioteca Virtual, 2005. p. 46.

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prevaleceu o sangue indígena, nenhum aceitou bem uma vida “civilizada”. Ao falar da

conversão de Jurema/Maria – mãe Jupira – Bernardo Guimarães reflete sobre como o mestiço

vivia entre duas culturas e possuíam um caráter frívolo, imperando a natureza indígena:

Os índios não punham dificuldade alguma em se deixarem batizar, casas ou receber

todos os mais sacramentos da igreja; mas isso para eles era um ato sem consequência.

No dia seguinte esqueciam seus novos nomes, e os esposos se separavam com a

mesma facilidade com que largavam seus vestidos, para tomarem de novo a arasoia,

e tornavam aos matos para serem tão bons adoradores de Tupã com d’antes.83

Bernardo Guimarães, quando menciona os problemas da miscigenação, não está

comprometido com um projeto de nação feito pelo IHGB e pela geração romântica. Para

Bernardo Guimarães, o índio não é símbolo da nacionalidade, talvez, para ele fosse um

personagem tão importante como qualquer outro para a literatura brasileira.

***

Ubirajara, último romance indianista de José de Alencar, foi publicado em 1874. A

trama se passa antes da colonização, portanto, se trata da concepção alencariana do índio

anterior ao contato com a cultura europeia. A história possui um clima de lenda, sendo “irmã

de Iracema”, segundo o autor. O protagonista Jaguarê começa sua jornada buscando inimigos

com quem poderia pelear e conseguir o título de guerreiro. No caminho, o índio encontra Araci,

filha do líder Tocantim. A formosa índia convida Jaguarê para disputar sua mão em casamento

contra outros homens da tribo Tocantim. Ele luta primeiro contra Pojucã sem saber que se

tratava do irmão de Araci. Jaguarê vence a luta, tornando-se Ubirajara – “senhor da lança”.

Pojucã, sendo prisioneiro na tribo de Ubirajara, tenta deflorar Jandira (antiga noiva de Jaguarê).

A moça foge para a floresta. Ubirajara segue até a tribo de Araci, não se identifica e usa o nome

de Jurandir. Como é de se esperar, venceu as lutas conquistando o casamento com a moça. No

entanto, sem saber, havia feito prisioneiro o futuro cunhado, uma guerra entre as nações

Tocantim e Araguaia foi declarada. Surgem os Tapuias que têm direito de atacar antes. Os

Tocantins vencem os Tapuias, porém, o líder Itaquê ficou ferido, perdendo a capacidade de

liderar. Nenhum índio Tocantim conseguiu cumprir o ritual de sucessão: atirar com o arco de

Itaquê. Evidentemente, o protagonista Ubirajara realiza o feito, unindo os dois povos, tornando-

se líder da nação Tabajara. No fim casa-se com duas jovens: Araci e Jandira.

José de Alencar escreve sobre seu ponto de vista de um índio dito “original” nesse livro.

O escritor reinventa o indígena sendo muito crítico da versão documentada pelos cronistas. A

83 GUIMARÃES, Bernardo. “Jupira”. (organização, apresentação e notas: Leopoldo Comitti). Mariana, MG:

Associação Acervos Literários, Biblioteca Virtual, 2005. p. 10.

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intenção seria contrapor à visão dos cronistas com quem dialoga no romance, principalmente

Gabriel Soares de Souza.

Os historiadores, cronistas e viajantes da primeira época, senão de todo o

período colonial, devem ser lidos à luz de uma crítica severa. É indispensável

sobretudo escoimar os fatos comprovados, das fábulas a que serviam de mote,

e das apreciações a que os sujeitavam espíritos acanhados, por demais

imbuídos de uma intolerância ríspida.84

Esses relatos comparam índios a selvagens na maioria das vezes. A estratégia

alencariana acaba por ser aquela que projeta valores medievais e heroicos aos primeiros

habitantes da terra. Alencar incide sobre Ubirajara valores como honra e poder.

A operação literária de Alencar merece destaque. O autor penetra no tecido da

historiografia e utiliza documentos nas suas notas. Desde O Guarani, o escritor valeu-se do

recurso, no entanto, Ubirajara ganhou um uso mais sistemático. Possivelmente isso aconteceu

por causa do debate em torno da verossimilhança nas Cartas a Cincinato. Além disso, no bojo

dessa discussão, a imagem do país e de sua população autóctone estava em jogo. A partir do

romance Ubirajara, Alencar discute, dentre outras coisas, certa concepção da nação. O escritor

nos legou o testemunho sobre o índio ainda sem influência do europeu.

Segundo Amael Oliveira, Ubirajara surgiu “como fruto do esforço consciente de

elaboração de uma memória” que seria anterior à colônia, “indo de encontro à tradição deixada

pelos cronistas”85. O escritor combate a imagem de “feras selvagens” que os índios possuíam.

Nesse sentido, ataca, por exemplo, Gabriel Soares de Souza e seu Tratado descritivo do Brasil

de 1587. Sobretudo, Alencar pretende demonstrar a alta moralidade dos índios. Amael Oliveira

cita este exemplo no qual o escritor cearense menciona a castidade de uma índia:

Este simples traço é bastante para dar uma idéia da moralidade dos tupis, e

vingá-la contra os embustes dos cronistas que por não compreenderem seus

costumes, foram-lhe emprestando gratuitamente, quanto inventavam

exploradores mal informados e prevenidos. [...] Não é possível negar a

castidade da mulher tupi; além desse recato da virgindade, prova-a de modo

cabal a continência que homens e mulheres guardavam em certas

circunstâncias. 86

O crítico Amael Oliveira afirma que o autor de Ubirajara “mostra os seus

posicionamentos ideológicos, ressaltando princípios morais da religião e da cultura indígenas,

sob um olhar de homem branco de cultura burguesa”. Alencar estava preocupado em legitimar

determinada perspectiva sobre os índios. Amael Oliveira tende a interpretar Ubirajara a partir

84 ALENCAR, José de. Ubirajara: lenda tupy. Rio de Janeiro: B.L. Garnier, 1874. 85 OLIVEIRA, Amael. “Nação e natureza em Ubirajara, de José de Alencar”. In: Mafuá, Florianópolis, ano 7, n.

12, setembro de 2009. p. 4 – 6. 86 ALENCAR. Apud. OLIVEIRA, Amael. Ibid, p. 6.

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do conceito da valorização da natureza, nesse ponto, me afasto desse tipo de abordagem, pois

estou mais interessada em entender a intervenção de José de Alencar na sociedade, naquele ano

de 1874, em que o problema da concepção do povo mestiço efervescia nas rodas de intelectuais.

A intenção por trás disso seria a inquietação em torno do problema da “raça mestiça”.

Na tentativa de criar uma identidade brasileira, um romance como Ubirajara daria mais

enraizamento para a história, pois se trata de uma narrativa mítica na qual tenta legitimar uma

“raça forte”, à medida em que também produzia uma imagem em que os indígenas não seriam

aqueles “selvagens” que o cientificismo tentava mostrar.

Mirhiane Mendes na sua dissertação Ubirajara – herói épico analisa a criação literária

alencariana, afirmando que há uma inspiração no livro de Gênesis. A autora afirma também

que:

A característica do espaço está diretamente relacionada ao projeto

alencariano de resgatar as origens do povo para exaltar seus brios, fazendo

circular valores identificados com a narrativa para a simulação da ideia de

nacionalidade. O nome de guerra conquistado através do combate de morte

concede ao herói uma caracterização épica, já que esta é a história da luta pela

afirmação de um povo. O mundo de Ubirajara, seus hábitos, seus símbolos,

suas vestimentas, tudo assevera as marcas da sua comunidade, representando

os valores assentados na sociedade brasileira de então.87

A preocupação que José de Alencar tinha com a formação nacional e seu povo atravessa

toda sua obra indianista e incide até mesmo em outras categorias. Ele formou-se na década de

1850, ainda muito informado pelas discussões em torno de Von Martius e dentro da tradição do

romantismo. O autor tem consciência que seu índio é um ideal, ele afirma isso em Como e

porque sou romancista88. Todavia, reafirmar isso e escrever um novo personagem heroico como

Ubirajara pode ser uma resposta às mudanças que aconteciam na década de 1870. Alencar

talvez estivesse preocupado com as implicações sociais e políticas que as análises cientificistas

teriam. Portanto, naquele momento, uma obra como Ubirajara também é uma escolha política

por parte do autor. O escritor também defendia um ponto de vista pautado num mundo senhorial

idealizado.

1875: outono indianista

87 ABREU, Mirhiane Mendes. Ubirajara – herói épico. 1997. 119f. Dissertação (Mestrado em Teoria Literária).

Instituto de Estudos da Linguagem. Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1997. p. 31. 88 ALENCAR, José. Como e porque sou romancista. Rio de Janeiro : Typ. De G. Leuzinger & Filhos, 1893.

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Para tratar do tema da concepção da “América”, Bernardo Guimarães se voltou para o

índio contemporâneo a ele, fruto da miscigenação e vivendo em sociedade. Já autores como

Fagundes Varella, José de Alencar e Machado de Assis preferiram pautar sua literatura no

tempo colonial. Retomar a história colonial era recorrente na literatura romântica, afinal,

voltava-se para temas históricos com a intenção de criar mitos sobre a origem nacional. Tanto

Varella quanto Machado de Assis preferiram dialogar com o indianismo clássico. Em 1875,

talvez ano chave para o fim do indianismo, visto que depois desta data a literatura brasileira

ganha novos contornos pautados no naturalismo e realismo, Varella lançou Anchieta ou o

Evangelho nas selvas e Machado de Assis surgiu com suas Americanas. Para manter uma lógica

argumentativa, comentarei a obra de Varella e depois fecho com a análise de Americanas, dessa

vez até o fim da dissertação. Segui também a cronologia, pois a coletânea de Machado foi

publicada somente em dezembro de 1875, logo Varella precede com seu indianismo.

Anchieta ou o Evangelho nas selvas foi uma publicação póstuma, pois Fagundes Varella

faleceu meses antes de ver seu livro nas mãos dos leitores. Isso por si só gerou comoção entre

intelectuais, incluindo Machado de Assis que escreveu sobre a morte do amigo numa carta

aberta a José Tomás da Porciúncula, no periódico A crença. Ao comentar Anchieta, Machado

de Assis afirmou que: “O Evangelho nas selvas será certamente a obra capital de Varella; virá

colocar-se entre outros filhos da mesma família, o Uraguai e os Timbiras, entre os Tamoios e

o Caramuru”.89

Anchieta é um livro épico que dialoga com a missão romântica iniciada por Gonçalves

de Magalhães em Confederação de Tamoios. Fagundes Varella, desde a década de 1860,

escreveu uma “poesia permanentemente engajada, participante”. Segundo Leonardo Fróes,

Varella combatia, dentre outras coisas, “a hipocrisia em geral das relações entre os seres, a

escravidão, os opressores do povo”90. Esse tom se mantém na poesia indianista de Varella, que

trata, entre outras coisas, de uma defesa da terra americana. Todavia, segundo David Treece, a

obra é uma “expressão de fé”, da “realização da meta histórica de redenção prefigurada no

projeto evangelizador colonial dos jesuítas”. Fagundes Varella “identificava o Império com o

triunfo histórico e redentor da civilização cristã sobre uma ordem colonial pecadora”91. Como

o próprio título indica, se trata de um livro que narra a missão evangelizadora do Padre

89 ASSIS, Machado de. 20 de ago. de 1875 [carta para] José Tomás da Porciúncula. Rio de Janeiro. (carta aberta

para homenagear Fagundes Varella. (Correspondência de Machado de Assis. Tomo II: 1870-1889/ coordenação e

orientação Sérgio Paulo Rouanet; reunida, organizada e comentada por Irene Moutinho e Sílvia Eleutério. Rio de

Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 2009 (Coleção Afrânio Coutinho); v. 92. p. 102) 90 FRÓES, Leonardo. Um outro. Varella. Rio de Janeiro: Rocco, 1990. p. 61. 91 TREECE, op. cit. p. 259.

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Anchieta. No mesmo ano, José de Alencar estreou nos palcos a peça O Jesuíta. Em 1875,

Nabuco retornou ao Brasil e escreveu uma série de textos atacando Alencar e o que disparou

seu gatilho foi a peça O Jesuíta e sua concepção tradicional do tema das missões da Igreja no

Brasil. Alencar defendia que o projeto ideal de nação no tempo colonial era o da Companhia de

Jesus. No auge da questão religiosa, uma apologia ao catolicismo foi rejeitada por vários desses

intelectuais. Numa época de sentimento anticlerical acirrado, a obra de Varella poderia ter sido

amplamente reprovada. Entretanto, Varella falecera naquele ano, tratava-se de um escritor

jovem, uma promessa para a sua geração e, portanto, foi uma morte muito comentada na

imprensa. Anchieta é um livro que Varella não terminou de editar, logo, há trechos inacabados,

como afirmou o editor da obra92. Apesar do tema dúbio para a época, as críticas negativas não

recaíram sobre a épica, talvez em respeito ao “autor defunto”.

Machado de Assis, ao escrever Americanas, demonstra ser crítico dos mitos

integracionistas da geração romântica. Nosso poeta não tinha motivos para satisfazer às

ansiedades nacionalistas tal qual Gonçalves Dias ou José de Alencar – para citar somente o

cânone. Como veremos adiante, Machado não corrobora a visão romântica de idealização do

“encontro de raças”. Como trouxe à baila outros escritores que também escreveram inspirados

no indianismo na década de 1870, pudemos perceber uma rede de interlocução com autores

escreviam sobre o esgotamento da estética romântica e o surgimento de novos temas.

A crítica à colonização não foi algo que surgiu com os intelectuais dos anos 1870.

Gonçalves Dias já contestava a ação dos europeus na terra americana. Os intelectuais dos anos

1870 contribuem com uma visão que questiona a harmonia entre os povos. Além disso,

devemos ter como base que mesmo questionando a conciliação, intelectuais dos anos 1870,

entretanto, não se desvincularam de uma visão hierarquizante e dentro dos parâmetros da

“civilização” imperial.

***

“Filha melhor do Eterno, América!” é a frase que Machado de Assis selecionou como

epígrafe para abrir suas Americanas. Uma epígrafe nunca é fortuita, ela demonstra a matiz da

coletânea93. A frase é de Gonçalves Dias, do livro Timbiras, num canto no qual o autor narra a

destruição da América. Com a escolha, entrevemos a intenção do autor. Machado escrevia uma

92 E. G. Possollo. “Ao público”. In: VARELLA, Fagundes. Anchieta ou o Evangelho nas selvas. Rio de Janeiro:

Livraria Imperial de E. G. Possollo, 1875. 93 A frase é do terceiro canto dos Timbiras, que narra a destruição da América e é o considerado o auge do épico.

(DIAS, Gonçalves. Timbiras. Leipzig: Brockhaus, 1857.)

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crítica à colonização, assim como Gonçalves Dias já havia feito desde os anos 1850. Todavia,

Americanas possui certas peculiaridades e parte do trabalho aqui é entender quais ideias foram

coligidas por Machado de Assis e o que estava disponível na época para o autor construir sua

perspectiva própria. O tom que Machado imprimiu a Americanas foi o da violência

colonizadora, destruição étnico-cultural e miscigenação como consequência da invasão.

Destaco que estes são alguns dos motes que elenquei para analisar a coletânea. Em Americanas,

Machado de Assis evidencia a oposição à Europa e às graves consequências da colonização,

tais como genocídio, escravidão e guerras. A ideia está expressa no próprio título – Americanas.

Alguns elementos indicam este argumento, que é plausível após a Guerra do Paraguai, um

conflito de grandes proporções na América, fazendo com que alguns intelectuais tenham se

movimentado para uma união americana. Isso já havia sido exposto em Guesa, de Sousândrade,

por exemplo. Machado dialoga com um sentimento americanista que o indianismo não possuía

até então. A partir da década de 1870, houve a pretensão de unir toda a América num mesmo

processo histórico de invasões e genocídio. Um processo de constituição da identidade nacional

define-se também na interação com os “outros”, demarcando-se, inclusive, quem são os

“inimigos” da nação. Após a independência, essa definição aconteceu no âmbito da organização

política e o “outro” deste Império eram as repúblicas americanas vizinhas, símbolos da

“barbárie” e do “atraso”94. O que, em última instância, teve como consequência a guerra do

Paraguai, na qual o Império brasileiro acreditava que estava levando a “civilização” para aquele

país. Em tempo no qual se declarava as Repúblicas latino americanas como inimigas, em sua

coletânea Machado incorporava a América num todo, demonstrando como todos haviam

sofrido o mesmo processo histórico violento de colônia. Ao abarcar a América toda como igual,

o poeta ainda parece sensibilizado pelo conflito que havia arrasado o sul americano anos antes,

a Guerra do Paraguai. A dimensão e as consequências da guerra parecem ter afetado Machado,

que em Americanas decidiu pensar a unidade da América. Em Americanas, Machado de Assis

vincula todo o continente no mesmo processo de história colonial e subjugação. Os “inimigos”

não seriam os vizinhos americanos. Esse “outro” se torna a Europa, ironicamente tão valorizada,

mas que foi o algoz durante séculos de dominação. O leitor não pode se esquecer também das

intervenções europeias na América durante a década de 1860. O sentimento americanista

também está vinculado a uma reação contra a invasão franco-austríaca no México e à questão

Christie aqui no Brasil. Portanto, a Europa continuava a atacar a soberania americana e a

autonomia dos países continuava ameaçada pelas antigas metrópoles.

94 GUIMARÃES, Manoel Luís Salgado. “Nação e civilização nos Trópicos: O Instituto Histórico e Geográfico

Brasileiro e o projeto de uma História Nacional”. In: Estudos Históricos, Rio de Janeiro. n.1, 1998, pp. 5-27.

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Até aqui argumentei que a perspectiva do indianismo machadiano expande questões

propostas pela geração romântica. Desta forma, me distancio de críticos literários como Élide

Oliver, que no texto “A poesia de Machado no século XXI: revisita e revisão” afirma que a

coletânea foi “uma resposta, sem muita convicção, às ansiedades nacionalistas”. Segundo a

autora, Machado escreveu Americanas numa tentativa de “engajamento” com o projeto

romântico, mas fica claro que o poeta estava “mal à vontade” por causa de seu “caráter militante

e obrigatório. ” Élide Oliver diz ainda que a coletânea foi um “fracasso indianista” porque era

evidente que o autor estava desconfortável e não mergulhou completamente nas “águas

indianistas” tal como seus antecessores95. Todavia, ao afirmar isso, a crítica desconsidera que

o tempo havia passado e que as questões que envolviam a produção de Machado eram

caracterizadas por outros problemas. Por outro lado, Antonio Candido afirma que as

Americanas foram “o último produto apreciável pelo indianismo, pela fatura cuidadosa e a

limpeza de composição”. Logo, não pode ser um projeto tão fracassado assim96.

Em contrapartida, Fabiana Gonçalves, em “O índio na poesia de Machado de Assis”,

argumentou que a “representação machadiana” do indígena não correspondia às expectativas

de seus leitores, visto que estes estavam acostumados com uma idealização típica do

romantismo literário. Machado preocupou-se, segundo a autora, em “recuperar imagens

humanizadas do índio” e ainda “retratar a dura realidade” da colonização97. Segundo Fabiana

Gonçalves, Americanas não é indianista, pois essa corrente estava ligada à “abordagem literária

baseada na heroicização do nativo”, enquanto Machado retratou seus índios no limite do

humano possível, escreveu uma coletânea voltada para o indigenismo, afinal parecia estar

consciente da “condição de criatura explorada, desterritorializada e vítima dos modos de

aculturação impostos pelas culturas estrangeiras” 98 . Por conseguinte, Fabiana Gonçalves

concluiu que Americanas poderia ser um “projeto” no qual Machado buscou “novos contornos

para a poesia nacional”, afinal experimentou escrever sobre uma temática considerada

anacrônica na época por alguns intelectuais, mas agora dando a ela um “diferente tratamento

estético”.

95 OLIVER, Élide Valarini. “A poesia de Machado no século XXI: revisita, revisão”. In: A obra de Machado de

Assis. Brasília: Ministério das Relações Exteriores, 2006 [Ensaios Premiados no 1º concurso Internacional

Machado de Assis]. p. 152. 96 CANDIDO, Antonio. A formação da literatura nacional: momentos decisivos 1750 – 1880. Rio de Janeiro, RJ:

Ouro sobre Azul, 2012. p. 570. 97 GONÇALVES, Fabiana. “O índio na poesia de Machado de Assis”. In: Revista Eletrônica do Instituto de

Humanidades, vol. III, 2009. pp. 30-44. 98 QUEIROZ, Maria José de. Do indianismo ao indigenismo nas letras hispano-americanas. Tese apresentada à

Faculdade de Filosofia da UFMG, para a Cátedra de Literatura Hispano-Americana. Belo Horizonte, 1962. APUD.

GONÇALVES, op. cit. p. 33.

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Contemporâneo de Machado, José Veríssimo foi um importante crítico do autor de

Americanas e seus comentários nos interessam na medida em que indicou que o “sentimento

[de Machado] não [era] o mesmo de Gonçalves Dias ou Alencar”99. A diferença, de acordo com

o crítico, foi que o autor de Americanas tivera “mais espírito crítico” e “menos sentimento

romântico”. Logo, segundo Veríssimo, Machado não havia caído no “engano do indianismo”,

uma vez que procurou também “a essência sob as exterioridades exóticas”. Veríssimo afirmou

ainda que, em alguns momentos na coletânea, o poeta afastou-se da “fórmula indianista”100.

O argumento que estou construindo é o de que Americanas possui a intenção de se

inserir num debate sobre nacionalização da literatura e cientificismo. Essas questões se

interligaram a partir de 1870 e para entender como Machado estava fazendo isso é preciso ler a

“Advertência” da coletânea:

O título de Americanas explica a natureza dos objetos tratados neste livro, do qual

excluí o que podia destoar daquela denominação comum. Não se deve entender que

tudo o que aí vai seja relativo aos nossos aborígenes. Ao lado de “Potira” e “Niani”,

por exemplo, quadros da vida selvagem, há “Cristã Nova” e “Sabina”, cuja ação é

passada no centro da civilização. Algum tempo, foi opinião que a poesia brasileira

devia estar toda, ou quase toda, no elemento indígena. Veio a reação, e adversários

não menos competentes que sinceros, absolutamente o excluíram do programa da

literatura nacional. São opiniões extremas, que, pelo menos, me parecem discutíveis.

Não as discutirei agora, que não é azado ensejo. Direi somente que, em meu entender,

tudo pertence à invenção poética, uma vez que traga os caracteres do belo e possa

satisfazer as condições da arte. Ora, a índole e os costumes dos nossos aborígenes

estão muitas vezes nesse caso; não é preciso mais para que o poeta lhe dê a vida da

inspiração. A generosidade, a constância, o valor, a piedade hão de ser sempre

elementos de arte, ou brilhem nas margens do Scamandro ou nas do Tocantins. O

exterior muda; o capacete de Ajax é mais clássico e polido que o kanitar de Itajuba; a

sandália de Calipso é um primor de arte que não achamos na planta nua de Lindoia.

Esta é, porém, a parte inferior da poesia, a parte acessória. O essencial é a alma do

homem.

Das qualidades boas, e ainda excelentes, dos nossos índios, andam cheias as relações

históricas. Era agreste e rudimentário o estado deles; medeia um abismo entre a taba

de Uruçamirim e qualquer dos nossos bairros inferiores. Mas, com todas as feições

grosseiras de uma civilização embrionária, havia ali os caracteres de uma raça forte,

e não comuns virtudes humanas. Montaigne, o que lhes consagrou um afetuoso

capítulo, enumera o que achou neles de grande e bom, e conclui com esta pontazinha

de maliciosa ingenuidade: mais quoi, ils ne portent point de haut de chaussés!101

A “Advertência” de Americanas é uma síntese das ideias desenvolvidas no “Instinto de

Nacionalidade”, artigo publicado anos antes da coletânea. É também uma forma de reforçar e

recapitular as ideias que desenvolveu ao longo dos anos. O autor demarca o debate e retoma as

99 José Veríssimo foi crítico literário e anos posteriores à publicação de Falenas, entrou em polêmica com Sílvio

Romero, saiu em defesa de Machado. De acordo com Veríssimo, não poderia abordar a obra machadiana sob o

ponto de vista nacionalista, pois era demasiadamente limitado; desse modo, o crítico fez uma abordagem de

“diferenciação literária”. Cf.: VENTURA, Roberto. “O caso Machado de Assis”. In: Estilo Tropical. São Paulo:

Companhia das Letras, 1991. p. 97-99. 100 VERÍSSIMO, José. Machado de Assis. In: História da Literatura Brasileira- de Bento Teixeira (1601) a

Machado de Assis (1908). Rio de Janeiro: Topbooks, 1998. 7ª ed. p. 401-402. 101 ASSIS, Machado de. Americanas. Rio de Janeiro: B.L. Garnier, 1875. p. 5-9.

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discussões com a crítica de Falenas, pois novamente afirma que a parte “exterior”, ou seja, a

“cor local”, é um elemento “acessório” e, portanto, menor na poesia. Não necessariamente a

história precisa acontecer nas “margens do Tocantins” para ser considerada nacional. Mesmo

porque, “o exterior muda” e como foi dito anteriormente no “Instinto de Nacionalidade”, a

civilização brasileira não possuía influência indígena: “É certo que a civilização brasileira não

está ligada ao elemento indiano, nem dele recebeu influxo algum; e isto basta para não ir buscar

entre as tribos vencidas os títulos da nossa personalidade literária”102. Machado de Assis, talvez

por ser homem que vivia a realidade urbana do Império, concluía que a cultura nacional não

havia recebido influência indígena de fato, a história havia vencido as tribos, segundo o autor.

Entretanto, não se podia ser radical a ponto de negar que, em algum momento do passado

nacional, aquelas tribos tiveram importância. Bastava este argumento para jamais negar a

importância da história indígena, portanto. Machado também demarca um diálogo com

vertentes radicais como as de Varnhagen. O que estou traçando é a complexidade da perspectiva

de Machado de Assis, pois, para ele, não se devia negar a importância histórica dos índios,

tampouco do indianismo para a literatura brasileira. Entretanto, aquela cultura indígena não

influenciava a sociedade, pois, afinal, havia sido vencida. Assim, o autor acaba por hierarquizar

as influências culturais ocidentais: “o capacete de Ajax é mais clássico e polido que o kanitar

de Itajuba; a sandália de Calipso é um primor de arte que não achamos na planta nua de

Lindoia”. Logo, os referenciais greco-romanos eram mais importantes, justificando também a

utilização desses na coletânea Falenas. O final da “Advertência” é muito importante para

entender a lógica da coletânea, bem como a perspectiva que Machado de Assis desenhou para

a questão. Peço mais um pouco da paciência da leitora para repeti-la a fim de enfatizar o

problema:

Das qualidades boas, e ainda excelentes, dos nossos índios, andam cheias as relações

históricas. Era agreste e rudimentário o estado deles; medeia um abismo entre a taba

de Uruçamirim e qualquer dos nossos bairros inferiores. Mas, com todas as feições

grosseiras de uma civilização embrionária, havia ali os caracteres de uma raça forte,

e não comuns virtudes humanas. Montaigne, o que lhes consagrou um afetuoso

capítulo, enumera o que achou neles de grande e bom, e conclui com esta pontazinha

de maliciosa ingenuidade: mais quoi, ils ne portent point de haut de chaussés!103

Posto de outra forma, Machado declara que as “relações históricas”, “andam cheias”

“das qualidades boas, e ainda excelentes, dos nossos índios”. Há a importância histórica da

“generosidade”, da “constância”, do “valor”, da “piedade” e das “virtudes humanas” das tribos

que “há muito foram vencidas”. Então, o autor organiza uma hierarquização. Machado

102 ASSIS, Machado de. Instinto... op. cit. (grifos meus) 103 ASSIS, Machado de. Americanas. Rio de Janeiro: B.L. Garnier, 1875. p. 5-9.

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reconhece que “era agreste e rudimentário o estado deles”, afirmando que havia um “abismo”

entre as tribos e os “bairros inferiores”. Então o autor fala de “feições grosseiras”, “civilização

embrionária” e “raça forte”, expressões que remetem diretamente ao cientificismo. E, no final,

retoma um chiste utilizando Montaigne, num dos raros momentos galhofeiros de toda a

coletânea, mostrando a “pontazinha de maliciosa ingenuidade” de um dos primeiros

brasilianistas ainda no século XVI. Montaigne, em seus Essais (Ensaios), escritos em 1580,

questionava “a sociedade europeia e a colonização da América”. De acordo com Roberto

Ventura, Montaigne, ao escrever sobre “formas de violência na Europa e na América”, concluiu

que os ““civilizados” europeus” eram mais “cruéis com seus inimigos” que os “canibais

brasileiros”. E Montaigne, assim como Montesquieu e Buffon, foi importante influência

filosófica para a elaboração do “racismo científico e a inferioridade dos povos não-brancos que

marcou a cultura brasileira do século XIX”104. Portanto, Machado se coloca numa perspectiva

mais relativista sobre os indígenas, alinhando-se a homens como Gonçalves Dias e a ideias de

Rousseau e Montaigne. Há uma hierarquização, todavia, o autor não chega a inferiorizar os

indígenas até a raiz, ao passo que também não valoriza a sociedade indígena como um ideal,

uma vez que demonstra fraturas e problemas entre os índios. Para se ter noção da complexidade,

apresento um manuscrito de Machado encontrado junto a um trecho de “Potira”, a primeira

poesia de Americanas:

A evolução é uma semente. A América possui numerosos Estados, cidades grandes e

populosas, artes, indústria e comércio; ampla vida circula em todo o continente:

lembremo-nos que tudo isso veio na caravela de Colombo.105

Não encontrei ao certo quais as circunstâncias dessas linhas. O papel possui somente a

data, 25 de agosto de 1876 e a assinatura de Machado de Assis106. O manuscrito é um indício

104 VENTURA, op. cit. p. 15-29. 105 ASSIS, Machado de. [O Christo, em que alma penetrou teu nome...]. Rio de Janeiro, RJ: [s.n.], 1876. 2p.

Disponível em:

<http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_manuscritos/mss_I_07_10_042/mss_I_07_10_042.pdf>. Acesso em: 5

jul. 2016. 106 O manuscrito pode ser uma base para a crônica da série História de 15 dias, datada de 1º de setembro de 1876,

que possuía um pseudônimo, um narrador – personagem: Manassés. As datas são próximas, por essa razão me

voltei para esta crônica, na qual o autor inicia falando de como aquela quinzena foi agitada, repleta de

acontecimentos, e por essa razão, “[valia] por um trimestre da história romana”. Então o narrador completa: “E

note-se que a história romana não conhecia muitas cousas que nós tivemos o prazer de inventar, entre outras, a

vermelhinha. A vermelhinha, o espiritismo, as mutações turcas, as barracas do campo são usos que nem o império

de Augusto nem a república de Catão tiveram o gosto de conhecer. Não é à-toa que os séculos andam. ”. Há uma

correlação entre os escritos, pois em ambos o autor menciona evolucionismo e progresso. Entretanto, na crônica

publicada na Ilustração Brasileira, há o personagem o qual Machado criou, Manasses, que tinha uma postura

conservadora e ranzinza, era um velho reclamando das mudanças e dos ventos liberais. Ver: ASSIS, Machado de.

História de quinze dias. [Organização, introdução e notas: Leonardo Affonso de Miranda Pereira. Campinas, SP:

Editora da Unicamp, 2009. p. 89

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que o autor não deixa de valorizar as conquistas da civilização imperial. A sociedade indígena

não era ideal e acabou destinada à morte e ao desaparecimento. Recontar a história indígena

era, em suma, um ato de piedade para Machado de Assis e tal argumento é sustentado ao

comparar a coletânea e “Instinto de Nacionalidade” mais uma vez:

As tribos indígenas, cujos usos e costumes João Francisco Lisboa cotejava

com o livro de Tácito e os achava tão semelhantes aos dos antigos germanos,

desapareceram, é certo, da região que por tanto tempo fora sua; mas a raça

dominadora que as frequentou, colheu informações preciosas e no-las

transmitiu como verdadeiros elementos poéticos. A piedade, a minguarem

outros argumentos de maior valia, devera ao menos inclinar a imaginação

dos poetas para os povos que primeiro beberam os ares destas regiões,

consorciando na literatura os que a fatalidade da história divorciou.107

Enfim, adiantarei um trecho da poesia “Potira” para entender como Machado de Assis

também relativiza a questão indígena. Em algum momento de “Potira”, os Tamoios realizam

um ritual de sacrifício contra um índio da tribo Guaianá, essa passagem, o autor é irônico com

o leitor que pode estranhar essa cultura e julgar os índios como bárbaros:

[...] ah! Não cubra

Véu de nojo ou tristeza o rosto aos filhos

Destes polidos tempos! Rudes eram

Aqueles homens de ásperos costumes,

Que antes os sangues de irmãos folgavam livres,

E nós, soberbos filhos de outra idade,

Que a voz falamos da razão severa

E na luz nos banhamos do Calvário,

Que somos nós mais que eles? Raça triste

De Cains, raça eterna...108

Machado entende que mesmo no século da razão, como é tomado por muitos o século

XIX, os homens continuavam a sacrificar o outro, não sendo melhores que “aqueles homens de

ásperos costumes”. A raça humana continuaria a se comportar como “Cains”, ao matar os

irmãos. Ou seja, a passagem era um pedido para que seus leitores fossem ao menos justos e não

fechassem os olhos para as mazelas e violências que aconteciam diariamente em diversos

espaços, ao longo do tempo, nas casas, ruas e senzalas. O trecho dialoga, e muito, com o

Se o manuscrito e a crônica tiverem alguma ligação mais intrínseca, o primeiro poderia ter um tom de deboche ou

fazer parte de algum chiste machadiano mais ligado a um contexto que poderia ser desvendado dentro do jornal.

Por outro lado, mesmo que as questões estejam relacionadas, o fato é que o manuscrito possui a assinatura de

Machado de Assis e é bem possível que não tenha a máscara de Manassés. Talvez faça parte de um texto que

Machado não terminou de escrever ou se perdeu. É uma folha solta, dentre tantas que se perderam ao longo da

vida e, que por acaso foi conservado e por uma lógica arquivista própria que não me meto a tentar entender, foi

parar junto com parte do manuscrito de “Potira”, escrito no primeiro semestre de 1870. 107 ASSIS, Machado de. Instinto... (grifos meus) 108 ASSIS, Machado de. op. cit., p. 28-29.

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pensamento de Montaigne, referência importante para Machado. Sobre guerras indígenas e

antropofagia, afirmava o filósofo:

Não me parece excessivo julgar bárbaro tais atos de crueldade, mas que o fato de

condenar tais defeitos não nos leve à cegueira acerca dos nossos. Estimo que é mais

bárbaro comer um homem vivo do que o comer depois de morto; e é pior esquartejar

um homem entre suplícios e tormentos e o queimar aos poucos, ou entregá-lo a cães

e porcos, a pretexto de devoção e fé, como não somente o lemos mas vimos ocorrer

entre vizinhos nossos conterrâneos; e isso em verdade é bem mais grave do que assar

e comer um homem previamente executado.

[...] Podemos portanto qualificar esses povos como bárbaros em dando apenas ouvidos

à inteligência, mas nunca se os compararmos a nós mesmos, que os excedemos em

toda sorte de barbaridades.109

“Mas não é isto uma simples questão de ponto de vista?”

O leitor será guiado novamente para o ano de 1870, lembrado mais uma vez da crítica

nacionalista feita a Falenas e mais uma vez importunarei a paciência dizendo que Americanas

foi um projeto cuja semente foi plantada em consequência de pedidos para que Machado se

comprometesse com a literatura nacional. A informação nova é que imediatamente após à

crítica de Falenas, Machado publicou a poesia “Potira”, no Jornal do Commercio, em junho e

agosto de 1870110. O título não gera dúvidas, essa é uma poesia eminentemente indianista. A

partir daí, Machado tomou a decisão de se engajar num projeto literário que privilegiava

assuntos como a história nacional. O diferencial foi que Machado reescreveu o indianismo sob

outra perspectiva, sob a dimensão do violento processo histórico que ocorreu no decurso do

encontro de diferentes povos e culturas e de como, desse encadeamento, nasceu o povo

brasileiro. Não foi um transcurso fácil, foi agressivo e por vezes cruel, e Machado de Assis

demonstra perceber essa dimensão. À vista disso, lidamos com as narrativas dos poemas

machadianos e o postulado de resistência proposto nas histórias. Em Americanas, Machado de

Assis evidencia que, no curso da história, os indígenas e o povo brasileiro, de modo geral, não

foram passivos ante ao colonizador. O autor nos mostra a ação e a resistência desse povo que

aos poucos se consolidava.

Não posso afirmar com precisão a data da produção de todas as poesias, mas há a

possibilidade de constatar o momento de escrita da primeira “americana” da coletânea, “Potira”,

que foi publicada no Jornal do Commercio, nos dias 29 de junho e 28 de agosto de 1870, sob o

109 MONTAIGNE, Michel de. “Dos canibais”. In: Ensaios. São Paulo: Nova Cultural, 1987. p. 103. 110 Y. “Potyra”. Jornal do Comércio, 29 de jun, 1870 e 28 de ago, 1870.

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pseudônimo “Y”111. Posteriormente, em 1875, Machado de Assis, assumiria a autoria dos

versos na coletânea Americanas112. Em nota, Machado de Assis afirmava que os versos de

“Potira” eram destinados “à publicação anônima”, “tendo por assinatura um simples Y”113.

A primogênita de Machado não é somente uma réplica a críticas, é também uma chave

para a compreensão da coletânea. Esses versos, além de representarem um subsídio criativo

para o autor, se constituíram como uma espécie de “programa” para que o que poeta faria nos

anos seguintes. Os versos reunidos sob o título de “Potira” narram a história de um episódio

ocorrido na tribo de índios Tamoios na Província de São Paulo. O enredo foi inspirado num

trecho de uma das Crônicas da Companhia de Jesus, de Simão de Vasconcellos, e alude a um

caso de uma invasão Tamoia ao acampamento Jesuíta, o qual acarretou a morte de uma índia

casada com colono e convertida ao cristianismo. Machado de Assis tece seus versos a partir

desse caso, apontando as possíveis razões da ocupação dos índios Tamoios e do assassinato da

índia que negou sua cultura. Tanto é que o prólogo de “Potira” trata-se de um trecho do segundo

livro das Crônicas da Companhia de Jesus, de Simão de Vasconcellos114. O trecho narra uma

história que, de acordo com Simão de Vasconcellos, teria acontecido na época das missões

jesuíticas. A narrativa do jesuíta é bem sintética e evidentemente com uma perspectiva

eurocêntrica. Segue abaixo o trecho que inspirou Machado:

...Os Tamoios, entre outras presas que fizeram, levaram esta índia, a qual pretendeu o

capitão da empresa violar: resistiu valorosamente dizendo em língua brasílica: “Eu

sou cristã e casada; não hei de fazer traição a Deus e a meu marido; bem podes matar-

me e fazer de mim o que quiserdes. ” Deu-se por afrontado o bárbaro, e em vingança

lhe acabou a vida com crueldade.115

111 ASSIS, Machado de. Americanas. Rio de Janeiro: B.L. Garnier, 1875. p.200; MAGALHÃES, op. cit. p. 232. 112 Há evidências que alguns dos contemporâneos de Machado de Assis sabiam que “Potira” era uma criação dele.

Em 1873 era publicada a coletânea poética Voos Ícaros de Rozendo Moniz Barreto, a qual Machado de Assis foi

responsável por uma das primeiras críticas que saiu na Semana Ilustrada em 26 de janeiro de 1873. Na crítica fora

elogioso ao poeta, que considerara “patriota, humanitário, homem de coração” e, ainda havia em Rozendo Barreto,

conforme o autor de Falenas, uma “musa fraternal” do tipo que “inspira os cantos” de “talentos triunfantes e

legítimos” como Gonçalves Dias. Em 15 de fevereiro de 1873 saía no periódico A Vida Fluminense uma crítica

também elogiosa ao livro de Rozendo Barreto. Em determinado trecho da crítica d’A Vida Fluminense, o autor

que assinava como Sylvio, afirmou que o talento de Rozendo Barreto havia sido legitimado por outro poeta

consagrado no cenário nacional, o “criador de Potira” que havia sido responsável por uma das primeiras críticas

da coletânea semanas antes. Sylvio diz o seguinte sobre Voos Ícaros: “Tal é, enfim, o livro que acabamos de

apresentar aos nossos leitores, livro que já teve a rara fortuna de ser analisada por três poetas de fino quilate- o

intérprete de Byron, o tradutor de Lucano, o criador de Potira”, que eram respectivamente “o Sr. Senador

Octaviano, conselheiro Castilho, e Machado de Assis”, esse último responsável pelas primeiras apreciações

críticas da coletânea no periódico Semana Ilustrada em janeiro de 1873. (grifos meus)

Sylvio. “Voos Ícaros”. In: A Vida Fluminense, 15 de fev., 1873, p.2-3.

M. de Assis. “Voos Ícaros”. In: Semana Ilustrada, 26 de jan., 1873, p. 6. 113 “Potira” também foi destinada a outra publicação periódica com o mesmo pseudônimo “Y”. Em 1873 saiu no

segundo volume periódico A Luz, não em forma de folhetim, mas inteira numa mesma publicação. (A Luz. Vol, 2,

Rio de Janeiro, 1873. p. 159-160). 114 VASCONCELLOS, Simão de. Crônicas da companhia de Jesus do Estado do Brasil. vol: II. Lisboa: A. J.

Fernandes Lopes. 2ª ed. 1865. p. 60-61. 115 Ibid., Id.

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No excerto, Simão de Vasconcellos afirma que durante a batalha, o “capitão da

empresa”, que era um índio “bárbaro”, pretendia “violar” uma índia que morava junto com os

colonos, que, por sua vez, “resistiu valorosamente”. O índio afrontado pela resistência de sua

semelhante, “em vingança, lhe acabou a vida com grande crueldade”. Esse episódio inspirou

nosso poeta que, por sua vez, apropriou-se do fragmento e denotou novos sentidos. O filtro

cultural europeu do jesuíta nos deixou poucas informações sobre a história, sequer contando o

nome da índia. Simão de Vasconcellos estava preocupado em evidenciar o fato de a mulher ter

se convertido ao cristianismo e, por conseguinte, negar a estirpe indígena. Sendo a narrativa de

Vasconcellos lacunar, Machado pode recontar a história, imprimindo-lhe novos matizes.

Enquanto o jesuíta reservou pouco mais de um parágrafo para a morte da índia, ao narrar o

episódio da invasão, o poeta empenhou-se em imaginar as motivações do ataque aos Tamoios

e da tentativa de violação da índia, em suma, o que pode ter acontecido. Machado dá ao leitor

indícios de que seu objetivo era contar outra “face da história”, forjando, assim, uma memória

histórica para os indígenas da narrativa de Simão de Vasconcellos. Machado, ao imaginar sua

própria versão da história, tinha consciência da importância de resgatar a memória do

componente indígena, que fora até então sacrificado, visto que “o brasileiro” não conhece o

“nome obscuro” e nem a “campa” onde foram enterrados esses índios das histórias narradas nas

Crônicas da Companhia de Jesus. Esta é a ideia proposta no primeiro canto da poesia. Machado

parecia preocupado também em mostrar novos olhares e perspectivas sobre esses episódios que,

de certa forma, fundaram a nacionalidade brasileira.

Moça cristã das solidões antigas,

Em que áurea folha reviveu teu nome?

Nem o eco das matas seculares,

Nem a voz das cachoeiras,

O transmitiu aos séculos futuros.116

Como a história daquela índia foi sucinta no relato de Simão de Vasconcellos, de tal

forma que o nome dela não foi transmitido “aos séculos futuros”, coube ao poeta batizá-la e

imaginar sua história. O sentido histórico é sintetizado pela epígrafe da poesia, na qual Machado

cita Ariosto e seu Orlando Furioso, num trecho em italiano que fala de morte e dar vida à

memória: “se, poi ch’a morte il corpo le percosse/ Desse almen vita alla memoria d’ella”117.

Além do caráter da frase específica, Machado colocou Orlando Furioso como epígrafe pela

116 ASSIS, Machado de. Americanas. Rio de Janeiro: B.L. Garnier, 1875. p. 5. 117 Em tradução livre: “Se ao menos, depois que a morte espanca/ desse vida a memória dela”

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natureza da obra, já que se trata de um livro importante da literatura italiana do século XVI. A

história de Ariosto é de violência contra a mulher, no caso, Angélica, alvo amoroso de dois

cavaleiros, Rinaldo e Ferrau. Angélica foge e é morta, enquanto os dois apaixonados dividem

um cavalo para buscá-la. Seu fantasma é também vítima de outro homem que pretende violentá-

la. A poesia de Machado discute, dentre outros assuntos, a violência contra a mulher.

Outrossim, na obra de Orlando Furioso, há uma refutação dos mitos da cavalaria, demonstrando

a falsidade dos julgamentos humanos e dúvida sobre a noção de verdade. Ariosto questiona os

ideais cavalheirescos e a real conduta dos homens118. Um aspecto importante a ser considerado

é a natureza da obra de Ariosto. Enquanto homem da Renascença, escrevia sua obra com a

intenção de reinterpretar a tradição literária vigente. A liberdade da criação de Ariosto encontra-

se no encadeamento da tradição com novos instrumentos disponíveis na época119. Algo parecido

com que Machado de Assis fez em suas Americanas, ao unir os temas tradicionais do

indianismo com uma renovação de ideias e da perspectiva indígena.

A partir do prólogo e da epígrafe aqui analisados, a leitora já tem noção sobre o que trata

a história de Potira. Já me prolonguei o suficiente, vejamos com mais detalhes o que Machado

escreveu. O primeiro canto, como citei, é uma reflexão sobre morte e resgate da memória. A

poesia tem perspectiva inteiramente indígena e logo nos primeiros versos é narrado o retorno

dos guerreiros Tamoios após uma batalha. Eles ancoraram suas canoas e chegaram na “remota

aldeia”, que de acordo com o autor em sua nota, era a Vila de São Vicente120. O fato de a poesia

possuir perspectiva indígena é crucial. Em toda a coletânea, há poucos protagonistas

portugueses. Tenho como horizonte de interpretação que o poeta está preocupado em narrar as

lacunas das histórias e demonstrar as fragilidades de algumas obras indianistas que pensavam

a partir da harmonia entre povos.

Os índios chegaram cansados e “[buscaram] na curva leve rede/ Amigo sono, exceto o

chefe”, Anagê. O capitão dessa batalha, “[trazia] consigo o prêmio” que era “a moça que

renegou Tupã, e as velhas crenças lavou nas águas do batismo santo”. Potira ainda dorme,

enquanto o índio Anagê a contempla com a “mente [repleta] de projetos tenebrosos” e decide

violentá-la. Potira desperta e tenta fugir das mãos do índio, porém a resistência fora inútil, o

“aspérrimo guerreiro” a deflora. Depois de longas discussões, Potira afirma preferir ser feita

118 COSTA LIMA, Luiz. O controle do imaginário & a afirmação do romance: Dom Quixote, As relações

perigosas, Moll Flandres, Tristam Shandy. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. 119 BEECHER, Donald; CIAVOLELLA, Massimo; FEDI, Roberto. “Preface”. In: Ariosto today: contemporany

perspectives. Toronto: University of Toronto, 2003. pp. 9-11. 120 De acordo com o autor, na nota B da coletânea, afirma que “a nascente cidade brasileira” era “a Vila de São

Vicente”. ASSIS, op. cit. p. 198.

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escrava a desposar Anagê. A índia em diversos momentos demonstra estranhar a cultura dos

Tamoios, como no episódio no qual os índios daquela aldeia sacrificam um homem da tribo

Guaianá. Potira foge horrorizada com o sacrifício. Enquanto todos estão distraídos, Anagê à

espreita e consegue alcançá-la. Como a índia não o aceita como marido, Anagê mata Potira.

Invertendo a narrativa de Vasconcellos, para quem os índios eram os algozes, Machado os

coloca na condição de vítimas, todos eles, tanto Potira quanto o próprio Anagê. Há uma

complexidade da personalidade de Potira que foi catequizada e de fato se apaixonou por seu

marido português e pela cultura cristã. Todavia isso não foi suficiente para que ela tivesse paz.

O que fica evidente é a leitura de que a invasão causou ruínas e Potira, enquanto mulher, tornou-

se vítima de dois mundos senhoriais, o cristão e o indígena. A harmonia não é possível no final

da história porque há uma fratura. Sendo cristã, Potira ofende a tradição de sua tribo e, torna-se

presa do paternalismo dos tamoios. E, no mundo senhorial branco, Potira por mais obediente

que fosse, jamais seria uma senhora reconhecida, porque tem sangue indígena. O protagonista

tamoio, Anagê, não é um simples guerreiro que se dobra diante da amada, ele é violento, a

estupra, entretanto não foi apenas em nome de amor doentio que ele “incendiara a aldeia/

Daquelas gentes pálidas de Europa”. A luta significara também resistência. Anagê buscava

novamente “a moça que renegou Tupã”, para que ela, finalmente, pudesse morar na tribo onde

nascera, sendo essa a ordem do pai da moça. Anagê é mais resistente à nova cultura das “gentes

pálidas”. Ele culpa os padres e colonizadores pelas atrocidades ocorridas, sendo também uma

vítima da violência colonial:

“Oh! Nunca os padres

Pisado houvessem essas plagas virgens!

Nunca de um deus estranho de leis ignotas

Viessem perturbar as tribos, como

Perturba o vento as águas! Rosto a rosto

Os guerreiros pelejam; matam, morrem.

Ante o fulgor das armas inimigas

Não descora o tamoio. Assaz lhe pulsa

Valor nativo e raro em peito livre.

Armas, deu-lhas Tupã novas e eternas

Nestas matas vastíssimas. De sangue

Estranhos rios hão de, ao mar correndo,

Tristes novas levar à pátria deles,

Primeiro que o tamoio a frente incline

Aos inimigos peitos. Outra força,

Outra e maior nos move a guerra crua;

São eles, são os padres. Esses mostram

Cheia de riso a boca e o mel nas vozes,

Sereno o rosto e as brancas mãos inermes;

Ordens não trazem de cacique estranho,

Tudo nos levam, tudo. Uma por uma

As filhas de Tupã correm trás deles,

Com elas os guerreiros, e com todos

A nossa antiga fé. Vem perto o dia

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Em que, na imensidão destes desertos,

Há de ao frio luar das longas noites

O pajé suspirar sozinho e triste

Sem povo nem Tupã!”121

Nesse trecho, Anagê reflete sobre o conflito com os colonizadores, ele culpa os padres

e se desespera com a possibilidade de sua cultura morrer. Os versos também trazem elementos

de críticas ao Jesuitismo na fala do herói Anagê, na medida em que o protagonista resiste e

culpa a nova religião pela destruição e violência causada aos seus pares. Tendo em vista esse

conflito, o autor dos versos parece querer ressaltar novas perspectivas sobre a história do

encontro - e suas decorrentes tensões - entre índios e europeus no início da colonização das

terras americanas e depois entre os próprios índios. Nos versos, o confronto é concebido como

aquilo que sacrificou o elemento não europeu em prol de uma pretensa labuta rumo à

civilização. Para Anagê era inconcebível que Potira quisesse viver entre os colonos. De acordo

com o índio, a índia fugira por medo da empreitada colonial. Com a palavra, Anagê:

[...] Tens medo aos padres?

Outro destino escolhe. Cauteloso,

Tece o japu nos elevados ramos

Das elevadas árvores o ninho,

Onde o inimigo lhe não roube a prole.122

O desenlace da história indica que de uma forma ou de outra, a cultura e a sociedade

indígena desapareceriam, porque alguns indígenas, raros que fossem, iriam escolher viver entre

cristãos e aceitar os novos costumes europeus. Ou também, porque a invasão tem como

consequência uma luta sem fim, no qual o mais forte belicamente venceu, Machado afirma: “A

força opõe à força, a astúcia a astúcia”. Logo, é um conflito no qual não é possível a conciliação

entre povos. A miscigenação apenas é exequível porque mata uma cultura, Potira é a “moça

que renegou Tupã”, o casamento dela acontece porque ela se torna a perfeita esposa cristã. Não

necessariamente, Potira precisava morrer como Iracema, quando vivia entre os colonos,

todavia, algo nela enquanto indígena, precisava ser negado para caber na sociedade portuguesa,

o narrador afirma que: “Naquele rude coração das brenhas/ A semente evangélica brotara”.

Potira segue o caminho cristão. O narrador a compara à “cristã Lucrécia”, referência à santa

com o mesmo nome, moça que viveu em Córdoba, foi santificada pela Igreja porque escolheu

converter-se ao catolicismo, o que era caso de condenação à pena de morte entre os mouros.

Potira, ao ser questionada pelas demais mulheres da tribo, reflete sobre sua escolha:

_“Pois que à taba voltaste, em que teus olhos

121 ASSIS, Machado de. op. cit. p. 14-15. 122 Ibid., p. 40.

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Primeiro viram a luz, que mágoa funda

Lhes destila tão longo e amargo pranto,

Amargo mais do que esse que não busca

Recatado silêncio?” _ e às doces vozes

A cristã desterrada assim responde:

_”Potira é como aquela flor que chora,

Lágrimas de alvo leite, se do galho

Mão cruel a cortou. Oh! Não permita

O céu que ímpia fortuna vos separe

Daquele que escolherdes. Dor é essa

Maior que um pobre coração de esposa.

Esperanças... deixei-as nessas águas

Que me trouxeram, cúmplices do crime,

À taba de Tupã, não alumiada

Da palavra celeste.123

A invasão europeia é um problema social e histórico na coletânea machadiana, incapaz

de ser resolvido num simples enredo de paixão etérea como a de Peri e Ceci. Afinal, o que

Machado está evidenciando são fraturas nas sociedades, tanto indígena quanto europeia. O

paternalismo impera e no fim das contas faz vítimas por todos os lados. A violência colonial

subjaz na essência da história nacional e por si só, a harmonia entre duas forças se torna ilusória.

Todavia, percebe-se que os índios machadianos, embora violentos, o são por ser uma

característica típica dos homens, não porque são de uma “raça” ou de um “povo” fadados à

degeneração por suas condições físicas ou psicológicas. O caráter estava acima da “espécie”;

excluindo desta forma um determinismo, o autor tem uma percepção do processo histórico e

suas peculiaridades. No fim, a cultura indígena morre, porque uma força bélica maior a

sobrepõe e não porque existe uma natural superioridade dos povos. As diferenças não são

justificadas em nome de uma pretensa ciência, mas existem porque há diferentes experiências

sociais.

Não nos furtemos de recordar que, no ano final da década de 1860, ocorreu a visita de

Gobineau no Brasil 124 . Em 1870, havia passado pouco mais de dois anos da viagem de

Gobineau e suas péssimas impressões em relação ao miscigenado. As teorias raciais,

deterministas e evolucionistas desse intelectual podem ter sido impactantes para a constituição

do pensamento de Machado de Assis, que na época era um jovem escritor mestiço em ascensão.

A obra Ensaio sobre a desigualdade das raças humanas de Gobineau, publicada em 1855, tem

como objetivo analisar o que causou a ruína da civilização. O autor conclui que foi a

miscigenação que provocou a decadência. Em oposição ao determinismo e ao evolucionismo,

Machado de Assis parece argumentar que se houve decadência de alguns povos foi causada

123 Ibid., p. 25. 124 SCHWARCZ, op. cit. p. 17; VENTURA, op. cit. p. 31.

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pelo processo histórico que viveram. No caso brasileiro, a colonização e a dominação europeia

foram prejudiciais para a raça indígena.

A questão é como Machado de Assis relativiza as perspectivas. Anagê ou Potira podem

ser “vítimas” ou “algozes”, dependendo do ponto de vista. Anagê é um líder inconteste na tribo,

mas se sua força é confrontada com os colonos portugueses, assume o papel subalterno. A

resistência nem sempre é vista como algo negativo, às vezes é um meio de defesa. O papel dos

personagens é sempre visto em perspectiva. A ideia sobre perspectiva ou relativização, foi

expressa em Helena, publicada como folhetim em 1876, no jornal O Globo. Sidney Chalhoub

chamou a atenção para o passeio a cavalo de Helena e Estácio, durante o qual surge um negro

sentado na companhia de duas mulas, parecia ser um cativo fugindo do trabalho por algumas

horas, ao passo que o jovem reflete sobre a possibilidade de a riqueza comprar o tempo. Já

Helena, afirma que é tudo “uma simples questão de ponto de vista”. Chalhoub afirma que

Helena “tenta”, ainda que “inutilmente”, fazer com que o suposto irmão entenda “que sua

relação com o mundo precisa conter algo além de procedimentos autoconfirmadores”, em suma,

“há valores, conceitos, formas de interpretar a realidade que negam, ou pelo menos relativizam,

a ideologia de Estácio”. Vamos dar voz à Helena:

Tem razão, disse Helena: aquele homem gastará muito mais tempo do que nós em

caminhar. Mas não é isto uma simples questão de ponto de vista? A rigor, o tempo

corre do mesmo modo, quer o esperdicemos, quer o economizemos. O essencial não

é fazer muita coisa no menor prazo; é fazer muita coisa aprazível ou útil. Para aquele

preto o mais aprazível é, talvez, esse mesmo caminhar a pé, que lhe alongará a jornada,

e lhe fará esquecer o cativeiro, se é cativo. É uma hora de pura liberdade.125

O raciocínio de Helena, obviamente, é por demais complexo para a cabeça senhorial de

Estácio, porque ele “só consegue imaginar aquilo que possa pensar um escravo, em qualquer

circunstância, como reflexo ou espelhamento de sua própria maneira de ver as coisas”, o que

revela que “ele é incapaz de relativizar valores e perceber diferenças”126.

“Niani”

Para ler a coletânea de Machado de Assis tem-se como horizonte que o autor subverte

o caráter resignado do indígena. A nobreza clássica do herói que se sacrifica é desmantelada,

como no caso da segunda poesia da coletânea: “Niani”. A narrativa foi inspirada num texto

125 ASSIS, Machado de. apud. CHALHOUB, Sidney, op. cit., p. 29. 126 Idem, p. 29 – 30.

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publicado na revista do IHGB, que abordava o aldeamento e exploração da tribo Guaiacuru. O

autor, Rodrigues Prado, explicava a cultura e a sociedade daqueles índios. Num certo momento,

dedicou um parágrafo para contar um caso da época que vivia na tribo. Rodrigues Prado ao

narrar essa história, chama-a de “anedota”:

Desde então cobriu-se Nanine de uma mortal melancolia, sendo seus olhos sempre

chorosos. Assim se passaram três meses, quando um dia, estando deitada na sua

rústica cama, lhe deram a notícia que seu desleal marido se tinha casado com uma

rapariga de menor esfera. Senta-se então Nanine na cama, como arrebatada, chama

para junto de si um pequeno índio que era seu cativo, e diz-lhe na presença de vários

antecris: “És meu cativo; dou-te a liberdade, com a condição de que te chamarás toda

a vida Panenioxe”. Então seus olhos deixaram correr dilúvios de lágrimas pelas suas

tristes faces, que ela de envergonhada quis ocultar, mas o amor ofendido não o

permitia. Parece que esta violenta contenda de duas poderosas paixões lhe motivou

uma febre ardente, com a qual ao outro dia perdeu a vida.127

Machado de Assis deixou em seus versos o tom cavalheiresco que Rodrigues Prado

imprimiu ao artigo. Entretanto há um questionamento sobre os valores nobres dos índios e o

autor fez entrar em cena personagens dúbios, com caráter questionável. Os protagonistas são

Niani e Panenioxe, Machado de Assis mudou o nome da protagonista por achar assim mais

“gracioso”. A poesia foi escrita por volta de outubro de 1873. A evidência foi encontrada numa

carta trocada com Taunay, na qual ambos discutem sobre qual nome seria mais adequado para

a índia128. Na poesia, o autor anuncia que iria narrar uma história de amor tão triste como

qualquer uma de “além-mar”, afinal “amor é de todo clima”. Pois nesse clima tropical, na região

do Mato Grosso, vivia o “afamado capitão” que tomou noiva de “nobre feição”. O casamento

foi abençoado e o narrador anunciou que o noivo tinha “limpo sangue”, era “filho de capitão”.

Em nota, Machado de Assis explica a rígida hierarquia da sociedade Guaicuru: “Os Guaicurus

dividem-se em nobres, plebeus ou soldados, e cativos. Do próprio texto que me serviu para esta

composição se vê até que ponto repugna aos nobres toda a aliança com pessoas de condição

inferior”129. Machado de Assis escreveu sobre uma sociedade dividida em castas, tanto Niani

quanto Panenioxe são nobres. Depois de um tempo de casado, Panenioxe é tomado pelo “fastio”

e decide ir ao Paraguai caçar nas “ribas do Escopil”, rio que está localizado no atual Mato

Grosso130. Panenioxe segue o destino de seu nome que vem do rio Ipané-Guaçu, que flui para

127 PRADO, Francisco Rodrigues. “História dos índios cavaleiros ou da nação Guaiakuru”. In: Revista do IHGB,

tomo I, nº 1, 3ª ed. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1908. 128 TAUNAY, Alfredo d’Escragnolle. [correspondência] 15 de outubro de 1873. Rio de Janeiro [para] Machado

de Assis. (discussão do nome da personagem Niani). Ver: Correspondência de Machado de Assis. Tomo II: 1870-

1889/ coordenação e orientação Sérgio Paulo Rouanet; reunida, organizada e comentada por Irene Moutinho e

Sílvia Eleutério. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 2009 (Coleção Afrânio Coutinho); p. 87. 129 Americanas.. p. XX 130 CAZAL, Manoel Ayres de. Corographia Brasília ou relação histórico-geográfica do Brasil. Tomo I. Rio de

Janeiro: Typographia Laemmert, 1845. p. 227.

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o Paraguai. Niani torna-se “viúva sem bem o ser”, definha-se em lágrimas até não conseguir

sustentar o próprio corpo. O sofrimento da protagonista é motivo de piada entre os demais da

tribo. Eis que chega a notícia de que Panenioxe iria se casar novamente e Niani reage à notícia:

[...]

“_ Guaicuru doe-lhe no peito

Tristeza de envergonhar.

Esposo que te há fugido

Hoje se vai casar;

Noiva não é de alto sangue,

Porém de sangue vulgar.”

Ergue-se a moça de um pulo,

Arrebatada, e no olhar

Rebenta-lhe uma faísca

Como de luz e expirar.

Menino escravo que tinha

Acerta de ali passar

Niani atentando nele

Chama-o para o seu lugar.

“ _ Cativo és tu: serás livre,

Mas vais o nome trocar;

Nome avesso te puseram...

Panenioxe hás de ficar. ”131

Niani morreu naquela noite, sofreu por amor e raiva porque foi trocada por uma mulher

de “sangue vulgar”. Machado de Assis fala de amor, mas também de hierarquia social e limpeza

de sangue. O autor evidenciou uma rígida estratificação dentro de uma tribo, mencionou os

costumes e a vaidade da mais alta casta. O escritor parece mostrar que a hierarquia é uma

“simples questão de ponto de vista”. Aquele que é considerado nobre dentro de sua cultura, em

outra é dito incivilizado e assim consecutivamente. Na mesma nota em que Machado de Assis

explicou a hierarquia guaicuru, escreveu também uma anedota sobre o problema:

Os Guaicurus dividem-se em nobres, plebeus ou soldados, e cativos. Do próprio texto

que me serviu para esta composição se vê até que ponto repugna os nobres toda a

aliança com pessoas de condição inferior.

A este propósito direi a anedota que me foi referida por um distinto oficial de nossa

armada, o capitão-de-fragata Sr. Henrique Batista, que em 1857 esteve no Paraguai

comandando o Japorá, entre o forte Coimbra e o estabelecimento Sebastopol. Ia muita

vez a bordo do Japorá um chefe guaicuru, Capitãozinho, muito amigo de nossa

oficialidade. Tinha ele uma irmã, que outro chefe guaicuru, Lapagata, cortejava e

desejava receber por esposa. Lapagata recebera o título de capitão das mãos do

presidente de Mato-Grosso. Opunha-se com todas as forças ao enlace o Capitãozinho.

Um dia, perguntando-lhe o Sr. H. Batista porque motivo não consentia no casamento

da irmã com Lapagata, respondeu o altivo Guaicuru:

__ Oponho-me, porque eu sou capitão por herança de meu pai, que já o era por herança

do pai dele. Lapagata é capitão de papel.132

131 Ibid., p. 60 132 Ibid., p. 202.

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Machado de Assis subverteu alguns valores em “Niani”. Nesse texto, ao imitar o tom

de uma poesia com ares cavalheirescos, o poeta tomou como referência termos usados pelos

intelectuais ligados ao cientificismo, por isso afirma que os índios de “Niani” possuem o

“sangue limpo”. Invertendo as expectativas do leitor, esses índios “nobres” também possuíam

divisões rígidas dentro de suas sociedades. E os guaicurus também não aceitavam relações com

pessoas de “sangue inferior”. Machado poderia estar consciente de que, para muitos de seus

leitores, os índios não eram considerados humanos. Como assevera Manuela Carneiro em

“Política indigenista no século XIX”, a questão da alma dos nativos pode ter sido pauta de

discussão no século XVI, mas não duvidaram que as sociedades americanas eram compostas

por humanos, “paradoxalmente, com efeito, é no século XIX que a questão da humanidade dos

índios” foi contestada pela primeira vez133 . Naquele século houve maior preocupação em

“demarcar claramente os antropoides dos humanos, e a linha de demarcação é sujeita a

controvérsias”. Segundo Manuela Carneiro da Cunha, um dos pioneiros da antropologia física,

Blumenbach, ao analisar o crânio de índios da tribo dos Botocudos, os classificou como “meio

caminho entre o orangotango e o homem” 134 . Outro critério utilizado era o da

“perfectibilidade”, ou seja, “o homem é aquele animal que se auto domestica e se alça acima de

sua natureza”, muito utilizado por Von Martius e José Bonifácio135. Em discurso sobre os

índios, no final da década de 1860, o Senador Dantas de Barros Leite afirmara que:

No reino animal, há raças perdidas; parece que a raça índia, por um efeito de sua

organização física, não podendo progredir no meio da civilização, está condenada a

esse fatal desfecho. Há animais que só podem viver e produzir no meio das trevas; e

se os levam para a presença da luz, ou morrem ou desaparecem. Da mesma sorte, entre

as diversas raças humanas, o índio parece ter uma organização incompatível com a

civilização.136

As ideias do Senador eram amplamente aceitas entre parte da elite intelectual brasileira.

Como nos conta Manuela Carneiro da Cunha, Dantas de Barros foi interlocutor de Varnhagen.

Por sua vez, Machado de Assis, em poesias como “Niani”, talvez tenha uma preferência em

demonstrar que a organização das sociedades indígenas poderia ser “compatível com a

civilização”, em detrimento da argumentação de alguns de seus contemporâneos. Em “Niani”,

133 CUNHA, Manuela Carneiro da., op. cit. p. 134. 134 Ibid. Id. 135 Ibid. Id. 136 LEITE, Dantas de Barros. Apud. CUNHA, Ibid., p. 135.

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por exemplo, o autor evidencia uma sociedade rígida, estratificada e paternalista, nada diferente

do que seria a civilização imperial.

“Cristã – Nova”

Em “Cristã-Nova”, temos como personagens principais um ancião judeu e Ângela, sua

filha cristã-nova. A história de nossa “cristã-nova” aconteceu no Rio de Janeiro durante a

Invasão Francesa. Talvez, não por acaso, esse poema tem o mesmo cenário e temporalidade da

Confederação dos Tamoios, de Gonçalves de Magalhães. Neste texto épico de um de nossos

primeiros indianistas, um mito foi erigido a partir da construção ficcional da confederação entre

Tamoios e franceses com o objetivo de derrotar os lusitanos. Independente das discussões

historiográficas clássicas que questionam se essa confederação existiu ou não, ela interessa na

medida em que serviu como mito nacional e também como fundação do Rio de Janeiro,

destinados a serem fortes137. Evidentemente, há alinhamento entre Magalhães e o projeto de

nação Imperial. Como indica Bernardo Ricupero, a narração conta a história de um Império

destinado à grandeza, a partir da Guanabara. Para Magalhães, era a história de “uma nova nação,

grande e temida” 138 . A obra tem caráter anti-lusitano, embora tenha feito elogio à ação

missionária. Portanto, o anti-lusitanismo de Magalhães é maniqueísta, o poeta consegue dividir

o peso colonial entre bons e maus portugueses, os padres jesuítas do primeiro lado e os cruéis

colonos do outro.

Machado de Assis nos legou outra visão ao escrever uma história com a mesma

temática. A suposta luta dos índios pela Guanabara, de certa forma, foi ignorada por Machado

137 O antropólogo Darcy Ribeiro em O povo brasileiro reflete sobre as diversas confederações indígenas com o

intuito de defender-se do inimigo português. Algumas efêmeras; todavia, houve uma que foi substancial, a

confederação dos Tamoios, apoiado em cronistas como Hans Staden, Ribeiro afirma que a “Confederação dos

Tamoios, foi ensejada pela aliança com os franceses instalados na baía da Guanabara”. E “reuniu, de 1563 a 1567,

os Tupinambá do Rio de Janeiro e os Carijó do Planalto Paulista- ajudados pelos Goitacá e pelos Aimoré da Serra

do Mar, que eram de língua jê- para fazerem guerra aos portugueses e aos outros grupos indígenas que os

apoiavam”. RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das

Letras, 2006. p. 29-30.

Bernardo Ricupero, ao estudar a obra de Gonçalves de Magalhães é enfático ao afirmar que “essa confederação,

na verdade, nunca existiu”. Cf.: RICUPERO, op. cit., p. 159.

Já Beatriz Perrone-Moisés e Renato Sztutman em “Notícia de uma certa Confederação Tamoio” afirmam que a

confederação “era possível” se considerar “a capacidade de organização entre os indígenas”, mas há muitas

“dificuldades para reconstituí-lo e compreendê-lo”. Afinal, “as fontes são escassas”, são basicamente relatos de

cronistas que são “marcadas por um forte viés ideológico”, ou seja, são documentos carregados de “sentimento de

oposição aos calvinistas, exarcebado nas guerras de Religião, bem como pela imagem de ausência de organização

por parte dos indígenas”. Além disso, “dos próprios Tamoios não possuímos descrição alguma dos eventos que os

tornaram famosos”. Visto que “foram varridos do litoral” onde “antes eram senhores”. PERRONE-MOISÉS,

Beatriz e SZTUTMAN, Renato. “Notícia de uma certa Confederação Tamoio”. In: Mana 16(2): 401-403, 2010. p.

403-404. 138 MAGALHÃES, Domingos José Gonçalves de. A confederação dos Tamoios. Rio de Janeiro: Tipografia Dous

de Dezembro, 1856. p 154.

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nesse momento, o que se justifica no corpo da poesia. O velho judeu afirma que a terra brasileira

recebe em seu seio vários povos, todavia seus autóctones eram assassinados:

“Vaso é digno de ti, lírio dos vales,

Terra solene e bela. A natureza

Aqui pomposa, compassiva e grande,

No regaço recebe a alma que chora

E o coração que túmido suspira.

Contudo, a sombra pesarosa e errante

Do povo que acabou pranteia ainda

Ao longo das areias,

Onde o mar bate, ou no cerrado bosque

Inda povoado das relíquias suas,

Que o nome de Tupã confessar podem

No próprio tempo augusto.139

Machado de Assis questiona certos mitos nacionais erigidos pelo romantismo. A história

nacional seria pautada na ação portuguesa e não numa suposta nobreza indígena que há muito

havia sido extinta. Em “Cristã-Nova”, ao apropriar-se de um dos mitos nacionais que é a própria

luta contra os franceses, Machado entregou a ação a um dos poucos portugueses que possui voz

em toda a coletânea, Nuno, o noivo de Ângela. O cenário do poema é a Guanabara, ainda uma

cidade nascente. A história é dividida em duas partes, na primeira, há nove cantos, somos

apresentados à vida familiar entre o pai judeu e a filha convertida e, portanto, às suas

contradições de uma identidade híbrida. Já na segunda parte, Ângela conhece Nuno, ficam

noivos, contrariando o pai da protagonista que entendia a necessidade do casamento, mas não

com um português católico. Não houve casamento, iniciava a guerra contra os franceses e a

subsequente vitória portuguesa. No final da história não há grande final feliz para o desenlace

de Ângela e Nuno, pois somos surpreendidos com a chegada do Santo Ofício e o sacrifício dos

dois personagens com sangue hebreu.

Assim como as demais poesias, em “Cristã-Nova” também temos assuntos relacionados

ao processo de colonização, formação da história nacional e lugar das raças não europeias na

constituição da nação. Para desenvolver essa análise, identifico uma “semente” indianista em

“Cristã-Nova”. Machado parece nos mostrar o outro lado da história que Gonçalves de

Magalhães omitiu. Machado, em suas poesias americanas, trouxe mais elementos que a

contribuição indígena ou portuguesa na colônia. Como se sabe, há uma grande influência

judaica na colônia brasileira. De acordo com Laura de Mello e Souza, a influência judaica que

existiu em Portugal, continuou no Brasil140. Como assegura a historiadora, “os elementos do

judaísmo se fundiram no conjunto das práticas sincréticas que compunham a religiosidade

139 ASSIS, Machado de. op. cit., p. 76. 140 SOUZA, Laura de Mello e. op. cit., p. 96.

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popular da colônia”. Judeus eram considerados homens e mulheres entre duas fés, afinal,

aceitavam o cristianismo e não eram totalmente integrados ao judaísmo, pois estavam afastados

do meio judaico havia muitas gerações. Ângela, protagonista do poema, vivia a realidade de

uma mulher híbrida que é considerada judia entre católicos e católica entre judeus. A fé de

Ângela é uma antítese entre a velha e a nova religião. Sem que ela soubesse, o narrador anuncia

que no coração da cristã-nova:

Murmurava uma prece silenciosa,

Ardente e viva, como a fé que a anima

Ou como a luz da alâmpada

A que não faltou óleo.141

Machado indica que “a fé que a anima” é a de Cristo, pois para Ângela, “só ele há salvo

os homens”. Contudo o poeta não se furta de comparar a fé de sua protagonista também com

uma vela que não se apaga, uma referência ao Hannuká, festa judaica na qual se comemora a

vitória hebraica sobre as tropas gregas. O trecho que Machado utilizou é de uma história

conhecida entre judeus, a fim de comemorar a vitória, pretendia-se acender velas, entretanto

havia óleo suficiente para o fogo permanecer aceso por um dia, ao passo que “a luz da

alâmpada” durou uma semana. Portanto, nas profundezas do espírito dessa personagem,

subsistia a contradição de alguém que estava entre Moisés e Cristo, assim como seu pai também

influenciado pela cultura do lugar onde habitava. O autor, parece cair no lugar-comum da

impossibilidade da conversão total, mito que também era construído sobre os indígenas.

Machado indicava a oscilação:

Taciturno

Esteve longo tempo o ancião. Aquela

Alma infeliz nem toda era de Cristo

Nem toda de Moisés; ouvia atento

A palavra da Lei, como nos dias

Do eleito povo; mas a doce nota

Do Evangelho não raro batia

No alvoraçado peito.142

Assim como os outros personagens da coletânea, que vivem o hibridismo cultural, nessa

poesia há a ideia de sacrifício do elemento estranho, uma vez que prevaleceria a hegemonia

lusitana. O literato parece mostrar que no processo histórico, as crenças e a cultura dos

protagonistas foram diluídas num novo modo de viver, de acordo com os preceitos católicos.

Além da coerção cultural, o poder lusitano também está representado na vitória portuguesa. Na

141 ASSIS, Machado de. op. cit., p. 77. 142 Ibid., p. 79.

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perspectiva de “Cristã-Nova”, os Tamoios não aparecem, há, por outro lado, um combate

sangrento com fins políticos e econômicos entre franceses e portugueses. Longe do mito

nacional de um país forte que nascia, há uma batalha entre militares de potências que usavam

o território da Guanabara em busca de poderio:

[...] e o torpe

Egoísmo, e quanto há aí no humano peito,

Que a natureza não criou nem ama,

Que é fruto nosso e podre... Muitos caem

Mortos ali. Que importa? Vão seguindo

Avante os bravos, que a invasão caminha

Implacável e dura, como a morte,

A pelejar e a destruir.143

A descrição machadiana sobre a guerra é marcada pelo egoísmo e a indiferença frente

aos mortos. A vitória amplamente comemorada por portugueses significava nada para a

população comum, pois ainda havia “lágrimas, soluços” e “gemidos de viuvez”, contudo,

ninguém “[via] essas lágrimas choradas na multidão”.

Soam

Enfim os gritos de triunfo; e o peito

Do povo que lutou respirar à larga,

Como ao que, após árdua subida, chega

Ao cimo da montanha, e ao longe os olhos

Estende pelo azul dos céus, e a vida

Bebe nesse ar mais puro. Farto sangue

A vitória custara; mas, se em meio

De tanta glória há lágrimas, soluços,

Gemidos de viuvez, quem os escuta,

Quem as vê essas lágrimas choradas

Na multidão da praça que troveja

E folga e ri?

O autor indicava com isso que o Rio de Janeiro havia sido apenas um troféu para

Portugal. Os sacrifícios não pararam com o fim da guerra. Em meio às comemorações, chegava

a notícia da prisão de Ângela e seu pai. O Santo Ofício instalara-se na Guanabara de forma

surpreendente e não havia indicações do desfecho ao longo do poema. Nesse momento, indica-

se o sacrifício de outras raças não brancas. O velho judeu tem consciência de sua situação,

afirma a Nuno que esse, apesar de ser herói de guerra, só poderia lastimar, “[o salvar], nunca”.

Solene o velho

Como a voz, não frouxa, mas pausada, fala:

“_ Vês? Todo o brio, todo o amor no peito

Te emudeceu. Só lastimar-me podes,

Salvar-me, nunca.144

143 Ibid, p. 101-102. 144 Ibid., 110.

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Assim, percebemos que o orgulho da vitória de Nuno de nada valia, visto que era apenas

mais uma peça na mão de poderosos nobres que habitavam as terras do outro lado do Atlântico.

Apesar de ter conquistado a vitória lusitana, era apenas um soldado, portanto, revelando-se a

posição também frágil desses homens que lutaram por um país que não se importava com a

população comum.

Nuno não podia salvar o judeu, tampouco a noiva que lhe fora prometida. Nesse

momento, a ambiguidade cultural da protagonista se revela e ela se reconhece judia apesar da

fé cristã que aprendera. Ângela se sacrificou entendendo sua posição na sociedade como um

elemento estranho. O autor não revelou se os judeus da trama haviam cometido alguma heresia

específica, neste caso parece não ser importante para a continuidade da história. Basta sabermos

que eram hebreus e, sendo assim, havia uma reação anti-judaica durante o século XVI, período

no qual se passa a história. No tempo em que Machado escrevia a narrativa, década de 1870,

não se tratava mais de uma questão exclusivamente religiosa. Havia ainda outros problemas

com judeus, em especial a questão racial de um antissemitismo nascente. Quando Nuno e

Ângela tornam-se noivos, o ciúme paterno do judeu o faz questionar se não seria problema o

sangue “condenado”, “que lhe corre nas veias”. O pai torna-se inquisidor com um “frio olhar”,

desconfiado da atitude do futuro genro. Ao passo que o apaixonado Nuno responde que se o

sangue corre nas veias de Ângela, “puro é ele”. Mesmo que “nascida entre os incréus da Arábia”

e descendente do “povo eleito”, era “tão mimosa” e uma “cândida criatura” de “alma tão casta”

porque havia nela o dom da conversão à religião “dos eleitos do céu”. As “águas sagradas” do

batismo lavaram “já nas veias/ O sangue velho e impuro” e “trocaram/ Pelo sangue de Cristo”.

- Ao demais, o sangue

Que lhe corre nas veias condenado,

Nuno, será dos vossos...” Longo e frio

Olhar estas palavras acompanha,

Como a arrancar-lhe o pensamento interno.

A donzela estremece. Nuno o alento

Recobra e fala: - “Puro sangue é ele,

Se lhe corre nas veias. Tão mimosa,

Cândida criatura, alma tão casta,

Inda nascida entre os incréus da Arábia,

Deus a votara à conversão e à vida

Dos eleitos do céu. Águas sagradas

Que a lavaram no berço, já nas veias

O sangue velho e impuro lhe trocaram

Pelo sangue de Cristo...”145

145 Ibid., 92 – 93.

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Machado de Assis urdiu a cena com um ar de cinismo por parte do velho judeu, que

ironizou Nuno com o mesmo argumento utilizado pelos homens que acreditavam na pureza da

raça, o sangue de sua filha condenaria o do jovem português e consequentemente seus

descendentes. Ao colocar a ironia no discurso do velho judeu, Machado subverte a situação e

faz piada das crenças sobre a pureza de sangue. Para o pai, unir a filha com Nuno poderia

significar uma “pobre ruína” à sua “única flor”.

Há uma discussão sobre limpeza de sangue e questões raciais nessa poesia. Diluindo

“Cristã-Nova” em sua coletânea, percebemos o nódulo indianista, sobretudo pelo auto sacrifício

dos elementos alheios à sociedade146. A poesia é ainda sobre a coerção realizada por colonos

portugueses para sobrepujar outras culturas, para isso, era mister “limpar o sangue” da

população e eliminar raças não desejadas. Essa que foi a realidade vivida pela sociedade

indígena, também fora a de judeus durante a Inquisição e posteriormente no desenvolvimento

do antissemitismo no século XIX. Machado estava consciente da condição de povo oprimido

também vivida por hebreus147. Logo, “Cristã-Nova” estava em consonância com discussões

acerca do racismo científico. A “Cristã-Nova” é uma das “poesias americanas” de Machado de

Assis, logo o autor inclui o judaísmo como um dos expoentes da constituição da nacionalidade

brasileira. Ao enfatizar a contribuição dos judeus para a nação, salienta a noção de sacrifício

idealizada pela elite dominadora, ou seja, critica o martírio ao qual eram submetidas as raças

146 Anita Novinsky em seu ensaio “Machado de Assis, os Judeus e a Redenção do Mundo” analisou o poema

“Cristã-Nova”, todavia preferiu não analisar a poesia sob a égide do indianismo, do nacionalismo literário e da

formação da nação, como propomos nessa parte do capítulo. A escolha de Novinsky foi analisar o olhar

machadiano para a história dos judeus, agentes sociais que representavam profunda empatia para Machado de

Assis, haja vista publicações como “Cristã-Nova” e o conto “Viver!”. Sob o ponto de vista do judaísmo, “Cristã-

Nova”: “está relacionado com o sentimento de perda, como algo que acabou, e reflete a imagem da ruína e da

fatalidade. Por fim, é o mal que vence. O sonho com a Terra Prometida se choca com a realidade implacável- a

Inquisição- que vem buscar o judeu no Brasil. Tudo se perdeu para os judeus no naufrágio do passado. [...] A

Cristã-Nova está impregnado da nostalgia e do ceticismo de Machado. No mundo que evoca- o vencedor é o

carrasco.”. (NOVINSKY, Anita W. Machado de Assis, os Judeus e a Redenção do Mundo. São Paulo: Documenta

Histórica: Humanitas, 2008. p. 23-24. 147 Ainda sobre a temática judaica, Machado de Assis escrevera o conto “Viver!” que foi incorporado na coletânea

de contos Várias Histórias de 1896. Para esse enredo, Machado inspirou-se na lenda de Ahasverus, que remonta

ao tempo da morte de Cristo. Quando Jesus passou perto da casa de Ahasverus carregando a cruz, o homem que

se encontrava na porta negara o condenado à crucificação. Jesus, por sua vez, amaldiçoara o judeu afirmando que

o martírio da crucificação acabaria e assim poderia descansar, mas Ahasverus iria caminhar “até o dia do

julgamento final”. Depois da paixão de Cristo, Ahasverus “passou a percorrer o mundo”, nunca retornando ao seu

lar, Jerusalém. De acordo com Anita Novinsky essa lenda foi reapropriada ao longo da história da literatura

ocidental, na maioria das vezes de forma antissemita, mas em outras vertentes, tornara-se “símbolo” do sofrimento

judaico. Novinsky afirma que a lenda do “judeu errante” “passou de alegoria religiosa a símbolo nacional: seria a

tragédia do povo que não tem solo, que perambula pelo mundo, sem paz, sem pouso”. O “errante” tornava-se assim

símbolo da “consciência nacional judaica”. Machado daria a essa lenda uma “conotação messiânica e humanista”.

Conforme Novinsky, Machado constrói seu conto sob a inspiração de duas lendas: a do judeu errante e a de

Prometeu. O judeu errante machadiano é o último homem sobrevivente no mundo, finalmente poderia ser livre.

Num diálogo com Prometeu, o deus grego, Ahasverus é posto diante de “uma nova era” na qual ele seria o elo

entre o “mundo passageiro e o mundo eterno”. Ahasverus que fora desprezado seria rei e governaria os homens.

Cf.: NOVINSKY, Anita. op. cit. pp. 23-38.

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não brancas. O autor consegue dilatar a percepção de minorias éticas sacrificadas em prol da

civilização, indo além dos índios que apareciam na literatura e nas disputas historiográficas.

Tal argumento pode ser arrematado retomando a epígrafe de “Cristã-nova”: “... essa

mesma foi levada/ cativa para uma terra estranha”. É o destino de Ângela traçado. Ao mesmo

tempo em que também serve de alegoria para a situação do africano no Brasil. A escolha foi

pertinente, uma vez que indica um entrelaçamento entre a experiência de Ângela sendo levada

e sacrificada em outra terra como o fardo africano. O povo africano também foi sequestrado,

levado para uma terra estranha na qual foi feito cativo. A frase foi tirada do livro de Nahum,

um profeta menor que prediz a queda da Assíria, opressor de Israel, portanto é uma espécie de

“canto do oprimido”. Nesta parte da Bíblia, Nahum esclareceu que os poderes mundanos são

perecíveis e aqueles que humilham os menores ruirão e a consequência será o esquecimento na

história. Outra passagem que cela a interpretação, é a referência ao livro de Ezequiel:

Óleo que a unge,

Finas telas que a vestem, atavios

De ouro e prata que o colo e os braços lhe ornam,

E a flor de trigo e mel de que se nutre,

Sonhos, são sonhos do profeta.148

Em nota, Machado afirmou que esses versos aludem a um trecho do livro de Daniel,

capítulo 15:

“ _ E lavei-te na água, e alimpei-te do teu sangue, e te ungi com óleo.

_ E foste enfeitada de ouro e prata, e vestida de linho e de roupas bordadas,

e de diversas cores: nutriste-te de farinha e de mel e de azeite, e foste mui

aformoseada em extremo”149

Não existe capítulo 15 no livro de Daniel e este trecho na verdade é o capítulo 16,

versículos 9 e 13 de Ezequiel150. A probabilidade de Machado de Assis estar com a Bíblia em

mãos para escrever essa citação é muito grande. O que faz desse trecho um chiste e uma chave

para “Cristã-Nova”. Para entender a lógica, sigo primeiro pelo livro de Ezequiel, depois, Daniel

e no fim a referência cruzada à história de Rute. O trecho citado do livro de Ezequiel faz

referência ao ato de purificação de Israel, o profeta quer ensinar quais os passos para a

construção de uma nova cidade. Um erro histórico corrompeu Israel, fazendo-a ruir. Era, então,

preciso purificá-la e reconstruir, visto que uma reforma reanimaria um sistema que já era

corrupto. Além da ideia de batismo, purificação e reconstrução de um sistema que era opressor

e corrupto, há uma mensagem que pode estar relacionada aos problemas estruturais do Império,

148 ASSIS, Machado de. op cit., p. 76 – 77. 149 Ibid., p. 204. 150 Ezequiel, 16: 9 – 13. A Santa Bíblia. Londres: Oficina de B. Bensley, 1821.

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dentre eles a escravidão. Talvez, na visão de Machado, não bastava reformar o sistema, era

preciso acabar com a instituição escravocrata. O chiste foi conceder o trecho de Ezequiel a outro

profeta: Daniel. A história de Daniel ainda hoje é mais vívida no imaginário cristão, o moço

que com toda a sua fé sobreviveu à experiência de ser lançado numa cova de leões. O livro de

Daniel possui uma mensagem que se relaciona à do profeta Nahum, enfrentar os opressores e

manter a fé de que grandes poderes serão derrubados pela resistência dos menores. Quiçá a

mensagem de Machado é atribuir a “purificação” e a “reconstrução” de uma cidade corrupta

aos setores oprimidos.

E, como prometido: Rute. Ela é uma personagem histórica da bíblia, bisavó estrangeira

do rei Davi. Machado de Assis compara Ângela à Rute; além disso, a citação do livro de

Ezequiel atribuída a Daniel, possui uma referência cruzada ao livro de Rute: “Lava-te, pois, e

perfuma-te, põe teu manto e desce à eira, mas não te deixes reconhecer por ele, até que ele tenha

acabado de comer e beber”. Neste trecho, Rute é advertida a se limpar e não parecer estrangeira

para se deitar com Boaz, um proeminente homem da tribo de Judá, território de Israel. Machado

de Assis pode não ter pensado especificamente neste trecho, entretanto, há uma relação entre o

papel histórico de Rute e o de Ângela, ambas estrangeiras, que também tiveram que ser

“lavadas” e “perfumadas” para não parecerem o que eram. Assim, Machado de Assis versa

sobre um dos mitos de origem da sociedade ocidental – a genealogia do messias. Lembrando

que Rei Davi, o primeiro rei de Judá, era mestiço, bisneto de uma estrangeira, desmistificando

uma ideia de pureza de sangue.

“José Bonifácio”

Essas três poesias anteriormente analisadas possuem uma temporalidade parecida, todas

se passam num período no qual já existe a colônia. Estão interligadas também porque fecham

o primeiro bloco de Americanas. Em seguida, Machado de Assis colocou uma homenagem a

José Bonifácio. É possível saber a época da escrita da poesia, pedida por Norberto de Souza e

Silva, vice-presidente do IHGB. Em 7 de setembro de 1872, foi inaugurada a estátua de José

Bonifácio, no Largo São Francisco de Paula. Norberto de Souza e Silva era secretário da

comissão encarregada de organizar o ato cívico que também comemorava os 50 anos de nossa

independência. O historiador solicitou a Machado de Assis que escrevesse uma homenagem ao

“patriarca da independência” e o poeta prontamente aceitou a tarefa. Ao que tudo indica, a

poesia era apenas para o discurso de Norberto de Souza e Silva, não sendo publicada em

nenhum lugar antes de integrar o volume de Americanas. Um dos motivos de “José Bonifácio”

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ser incluído na coletânea é porque a poesia tem como mote a própria história do Brasil. José

Bonifácio e Gonçalves Dias se destacam como personagens históricos que Machado de Assis

elegeu como protagonistas da coletânea. Mesmo que o papel dos subalternos seja evidenciado

na coletânea, José Bonifácio foi colocado numa posição honrosa enquanto “patriarca da

independência”. Claro que se trata de versos escritos para um ato cívico de tributo, e logo, o

poeta foi lisonjeiro com a representação do seu personagem:

Vivo irás tu, egrégio e nobre Andrada!

Tu, cujo nome, entre os que à pátria deram

O batismo da amada independência,

Perpetuamente fulge.

O engenho, as forças, o saber, a vida

Tu votaste à liberdade nossa,

Que a teus olhos nasceu, e que teus olhos

Inconcussa deixaram.

Nunca interesse vil manchou teu nome,

Nem abjetas paixões; teu peito ilustre

Na viva chama ardeu que os homens leva

Ao sacrifício honrado.

Se teus restos há muito que repousam

No pó comum das gerações extintas,

A pátria livre que legaste aos netos

E te venera e ama,

Nem a face mortal consente à morte

Que te roube, e no bronze redivivo

O austero vulto restitui aos olhos

Das vindouras idades.

“Vede (lhes diz) o cidadão que teve

Larga parte no largo monumento

Da liberdade, a cujo seio os povos

Do Brasil te acolheram.

Pode o tempo varrer, um dia, ao longe,

A fábrica robusta; mas os nomes

Dos que o fundaram viverão eternos,

E viverás, Andrada!151

A poesia se insere numa disputa sobre a memória de José Bonifácio. No dia 8 de

setembro de 1872, Joaquim Manuel de Macedo, romancista, historiador membro do IHGB e

professor do Colégio D. Pedro II, publicou um texto sobre a inauguração da estátua no Diário

do Rio de Janeiro. Segundo o autor, o ato cívico foi um “pagamento” de uma “dívida ao ilustre

ministro da independência”. O testemunho de Joaquim Manuel de Macedo conta que naquela

151 ASSIS, Machado. op. cit. p. 124 – 125.

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“estátua fulgura um herói, e se glorificam uma época e uma geração também heroica”. Sobre o

marco de 1822, afirmou:

Em 1822 tu foste a cabeça de D. Pedro, o braço armado do Brasil, o coração

da liberdade, a alma famigerada da revolução da independência, e o gênio

inspirador da harmonia dos brasileiros, e ao concurso geral para a fundação

do Império, e o Império do Brasil rompeu elétrico, compacto, independente,

livre e forte de tua concepção e de tua ação grandiosas, como Palas saíra

armada do cérebro de Júpiter.152

As apreciações sobre a estátua foram desde entusiasmo, - onde se encontram os

membros do IHGB e quiçá o próprio Machado de Assis-, até mesmo censuras por parte de

republicanos. No dia 12 de setembro de 1872, tanto no Diário do Rio de Janeiro quanto em A

Reforma, foi publicado o texto do Dr. Pedro Bandeira de Gouveia para quem era preferível uma

estátua de Tiradentes, o “mártir da liberdade”, “verdadeiro herói da independência” que “sem

as vantagens das altas posições, afrontou toda a sorte de perigos até ser punido no cárcere e no

cadafalso pelo grande crime de amar” o país153. A ideia parece ter sido aceita entre alguns

críticos da monarquia. Segundo Pedro Leão Velloso Filho, em seu texto publicado também n’

A Reforma, a ideia do Dr. Pedro Bandeira de Gouveia teve adeptos nas ruas da Corte e encontrou

“viva simpatia”, afinal, a estátua de José Bonifácio era apenas uma “nova mentira de bronze”154.

A inauguração da estátua foi polêmica no campo de disputas sobre a memória da

independência. Desde agosto, os jornais já anunciaram que procuravam paulistas na corte para

representarem seu estado no ato cívico, pois José Bonifácio nasceu em Santos. O escolhido foi

Augusto Cesar de Miranda Azevedo, um homem republicano que discordou do ato solene e se

negou a assinar um documento oficial com teor monarquista remetido para a ocasião. Augusto

Cesar de Miranda Azevedo se retratou com seus conterrâneos numa nota publicada no periódico

A Reforma, em 13 de setembro de 1872155.

Não foi a primeira vez que houve discussões sobre monumentos inaugurados para a

ocasião de comemorar o dia da independência. Na década de 1860, a estátua equestre de D.

Pedro I gerou disputas entre o IHGB e partidários liberais, que chamaram a homenagem de

“mentira de bronze” e declararam preferência pela memória de Tiradentes. Como aponta Noé

Sandes, Machado de Assis, na época, se inseriu no debate, afirmando ser fantasiosa a ideia que

152 MACEDO, Joaquim Manuel de. Diário do Rio de Janeiro. 8 de set.,1872. 153 GOUVEIA, Pedro de Bandeira. Diário do Rio de Janeiro e A reforma. 12 de set., 1872. 154 GOUVEIA, Pedro de Bandeira. A reforma. 24 de out., 1872. 155 AZEVEDO, Augusto Cezar de Miranda. A Reforma, 13 de set., 1872.

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os oposicionistas pudessem abalar o regime156. Em crônica do dia 25 de abril de 1865, iguala

as memórias de Tiradentes e do dia da independência.

Ora, o crime de Tiradentes foi simplesmente o crime de Pedro I e José Bonifácio. Ele

apenas queria apressar o relógio do tempo; queria que o século XVIII, data de tantas

liberdades, não caísse nos abismos do nada, sem deixar de pé a liberdade brasileira.157

Segundo Noé Sandes, para Machado de Assis, os dois marcos não se anulavam, o

escritor teria consciência de que “a construção da memória nacional abarca uma temporalidade

específica, na qual se podem conciliar inúmeros projetos políticos em torno da conquista do

uno, ou seja, da nação”158.

Machado de Assis publicou a poesia sobre José Bonifácio numa antologia poética, o

que pode ser sintoma de seu apreço pela figura desse político enquanto líder no Império.

Possivelmente, pode indicar que a poesia coube em Americanas por causa do respeito de

Machado de Assis pelo “patriarca da independência”. Esse apreço talvez se explique porque

Bonifácio representava uma figura essencialmente liberal num Império fundado em bases

conservadoras. Segundo Ana Rosa Clocet Silva, a importância histórica de José Bonifácio foi

a redefinição ideológica do Brasil, ainda que negros e índios mantinham-se na condição

submissa. Na legislação andradina havia uma sugestão de “certa influência do ‘relativismo

cultural’ de Montesquieu, segundo o qual não existiria solução aplicável universalmente”, e sim

“apenas tipos de soluções” que “poderiam ser apreendidas a partir do exame empírico de cada

situação concreta”159. A legislação de José Bonifácio tinha como objetivo a integração do índio

à sociedade e o estado deveria cumprir o trabalho. Ao contrário de Von Martius, que alegava a

não humanidade dos indígenas, José Bonifácio defendia o oposto. Para ele, os índios “eram

capazes de civilização, sendo dotados de razão, conseguiam aperfeiçoar-se”. A proposta de

Bonifácio seria a inclusão na sociedade, plano também antagônico aos jesuítas que pretendiam

catequizar e isolar o componente indígena. A legislação Andradina estava ligada à política de

terras e à formação de um mercado de trabalho livre, pois o político advogava pelo

emancipacionismo e mirava a superação da escravidão. E também porque o índio enquanto

156 SANDES, Noé Freire. “O sete de setembro e a imaginação histórica”. In: A invenção da nação: entre a

Monarquia e a República. Goiânia: Ed. Da UFG: Agência Goiana da Cultura Pedro Ludovico Teixeira, 2000. p.

36. 157 Machado de Assis. apud. SANDES, Noé Freire. “O sete de setembro e a imaginação histórica”. In: A invenção

da nação: entre a Monarquia e a República. Goiânia: Ed. Da UFG: Agência Goiana da Cultura Pedro Ludovico

Teixeira, 2000. p. 36. 158 SANDES, Noé Freire. “O sete de setembro e a imaginação histórica”. In: A invenção da nação: entre a

Monarquia e a República. Goiânia: Ed. Da UFG: Agência Goiana da Cultura Pedro Ludovico Teixeira, 2000. p.

36-37. 159 SILVA, Ana Rosa Clocet. Construção da Nação e Escravidão no pensamento de José Bonifácio: 1783-1823.

1. ed. Campinas: Editora da Unicamp/Centro de Memória, 1999. p. 154.

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“selvagem” representava um obstáculo econômico. Entendendo esses pontos da obra de José

Bonifácio, é possível compreender a estima que Machado tinha por esse político do Império.

O “relativismo cultural” de José Bonifácio pode ser entendido dentro do universo de

interlocutores do estadista. Letícia de Oliveira Raymundo analisou os conceitos de “raça” nos

escritos de Bonifácio e a forma como o político trabalhou com conceitos básicos de homens

como Buffon e De Pauw. Segundo aponta a autora:

José Bonifácio não pensou as “raças” em termos de “degeneração”, não relacionou o

clima às diferentes cores humanas, não atribuiu à mistura racial a função de

reestabelecer uma pretensa forma original de humanidade, tampouco aceitou as teses

de inferioridade da natureza americana.160

Em suma, Bonifácio Andrada explicava as desigualdades devido às “diferentes

condições civis da população”. A situação do indígena era, portanto, reversível “desde que se

observasse um conjunto de leis destinadas a retirá-los do estado selvagem, trazendo-os para a

civilização”.

A ação civilizatória não parecia ser um problema para Machado de Assis, desde que não

fosse realizada de forma violenta. O autor incluiu críticas à ação missionária nas conversas de

seus personagens indígenas. Se tratando de um ponto de vista, o narrador evidencia que para as

tribos, a chegada dos colonos não foi positiva porque modificou o modo de vida dos nativos.

Entretanto, uma vez consolidada uma civilização nos trópicos baseada em costumes europeus,

não havia possibilidade de voltar atrás. Diante deste cenário, talvez fosse preferível integrar o

índio na sociedade que já se tornara a realidade brasileira. Por isso, para Machado de Assis, a

“ação civilizatória” poderia ser necessária.

A própria coletânea está inserida no contexto da questão religiosa, e muitas das críticas

que o escritor delegou às falas de seus índios podem ter saído de discussões que aconteciam na

época. Machado de Assis escreveu a poesia “Os semeadores”, na qual demonstra valorizar o

papel dos primeiros missionários. Isso não é necessariamente uma contradição, já que em nota,

o autor fez questão de diferenciar o trabalho dos primeiros missionários e as missões jesuíticas.

Na bibliografia selecionada pelo escritor, aqueles primeiros trabalhos não foram marcados por

violência desmedida e massacre:

Il y aurait une fort grande injustice à juger les jesuites du seizième siècle et leurs

travaux, d’après les idèes que peut inspirer le système suivi dans les missions. Là on

peut voir des projets ambitieux s’allier à des vues habiles: dans les premiers travaux

executés par les pères de la compagnie, au Brésil, tout fut desinteresse; et au besoin,

le récit de leurs souffrances pourrat le prouver. (F. Dènis, Le Bresil)161

160 RAYMUNDO, Letícia de Oliveira. Legislar, amalgamar, civilizar: a mestiçagem em José Bonifácio de Andrada

e Silva (1783 – 1823). 2011. 202 f. Dissertação (Mestrado em História Social). Departamento de História.

Universidade Estadual de São Paulo, São Paulo. p. 21. 161 Dènis. Apud. ASSIS, Machado de. op. cit., p. 207 – 208.

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No trecho acima, Machado de Assis apropria-se de Dènis para afirmar que é injusto

julgar o trabalho dos primeiros missionários com as ideias que inspiraram as missões

posteriores, estas sim, ambiciosas. O escritor argumenta que o espírito que animava os

missionários do início do século XVI foi desinteressado. A poesia se inicia com uma epígrafe

do livro de Matheus: “Eis aí saiu o que semeia a semear”. O eu-lírico exalta o trabalho realizado

por esses “semeadores”, que apesar das adversidades, dos perigos de morte - seja por inanição

ou num ritual antropofágico - resistiram em nome da fé. E, o trabalho daqueles “Paulos do

sertão” foi vencedor:

Rude era o chão; agreste e longo aquele dia:

Contudo, esses heróis

Souberam resistir na afanosa porfia

Aos temporais e aos sóis.

Poucos; mas a vontade os poucos multiplica,

E a fé, e as orações

Fizeram transformar a terra pobre em rica

E os centos em milhões

Nem somente o labor, mas o perigo, a fome,

O frio, a descalcês,

O morrer cada dia uma morte sem nome,

O morre-la, talvez,

Entre bárbaras mãos, como se fora crime,

Como se fora réu

Quem lhe ensinara aquela ação pura e sublime

De as levantar ao céu!162

Machado de Assis não idealizava a sociedade indígena. E, cruzando a poesia sobre José

Bonifácio com “Os semeadores”, é possível perceber que o autor não discordava das ações

civilizatórias, desde que não houvesse violência. A legislação Andradina, em sua essência,

pregava que o aldeamento fosse feito sem o uso de força bruta. A catequização era um meio de

atingir a incorporação do índio na sociedade.

“A visão de Jaciúca”

A quarta poesia da coletânea é “A visão de Jaciúca”. Nela há um tom premonitório sobre

a destruição das tribos. A história se passa antes da chegada dos portugueses e tem como

temática a morte de um grupo, e por essa razão, a epígrafe escolhida foi um canto fúnebre

escrito por Bossuet: “Oú sont ces âmes guerrières... et ces arcs/ Qu’on ne vit jamais tendus en

162 ASSIS, Machado de. op. cit., p. 149 – 150.

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vain?”163. A poesia narra a história do reencontro entre o líder de uma tribo, Jaciúca, e seu

falecido amigo, agora um espírito, Içaiba. O fantasma mostra uma imagem para Jaciúca e nela

os índios visualizam uma invasão:

Fitei os olhos mais; e pouco a pouco,

Como enche o rio e todo campo alaga,

Umas gentes estranhas se estendiam

De sertão em sertão. Presas do fogo

As matas vi, abrigo do guerreiro,

E ao torvo incêndio e às invasões da morte

Vi s tribos fugir, ceder a custo,

Com lágrimas alguns, todos com sangue,

A virgem terra ao bárbaro inimigo.

Mau vento os trouxe de remota praia

Aqueles homens novos [...]164

Machado de Assis, como apontado anteriormente, privilegia em seus versos o ponto de

vista indígena. Jaciúca é avisado que sua terra será invadida por “homens novos”. O autor não

exalta a civilização trazida pelo europeu, tampouco sua contribuição para a base da nação. Mais

uma vez o leitor se depara com uma narrativa que enfatiza não um paraíso idílico, mas um

cenário de violência e tensão. A versão do poeta é marcada por uma disputa na qual as tribos

cedem diante de um inimigo belicamente mais forte. No final, todos sangram, mas, de acordo

com Içaiba, “a morte é a menor das angústias”, o problema maior foi visualizar que “a fronte

do guerreiro” seria cingida não por “canitar”, mas por “vergonha”. Içaiba sabia que sua raça se

curvaria e que, “cativa” iria “rojar no pó da terra [sua] fronte”. Machado trabalha com a ideia

de que o pranto dos indígenas não seria mais o de um povo livre, mas escravizado por uma

força superior. Desse modo, concluímos que não há “autossacrifício”, há coerção para subjugar

as tribos:

Um vulto descobri de vestes negras,

Nua quase a cabeça, e cor de espuma

Alguns cabelos raros. Tinha o rosto

Alvo e quieto. Em suas mãos sustinha

Extenso lenho com dois curtos braços.165

A imagem evidentemente é de um padre vestido de preto e portando uma cruz. Esse era

um dos elementos que iria provocar a extinção da tribo e escravizar os sobreviventes. O tom da

poesia é profético. Içaiba ordenara que o líder voltasse para seu povo e não declarasse guerra a

outra tribo, visto que eram “irmãos [que] ao mesmo sol nasceram”, pois deveriam aproveitar o

163 Em tradução livre: “Onde estão essas almas guerreiras... e esses arcos/ que não ficam tensos em vão?” 164 ASSIS, Machado de. op. cit., p. 131-132. 165 Ibid, p. 133.

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tempo que restasse já que “luas e luas volverão no espaço/ Antes da morte, mas a morte é certa/

e terrível será”166. Machado argumenta em seus versos que a base da nação foi construída “sobre

as ruínas da valente raça”, visto que não havia influência direta indígena na civilização

brasileira. A tirania do colonizador usurpou a cultura da “valente raça”. Assim uma nova

“nação” ou “raça” iria “[brilhar] na terra/ Gloriosa e rica”. A ordem de Içaiba era para a tribo

“com honra ceder a estranhas hostes”, contudo deveriam fazer o esforço de “[salvar] ao menos

as últimas relíquias” da “nação vencida”. Novamente, Machado trabalha com a ideia de guardar

a memória do povo indígena, afinal na construção de uma identidade nacional, toda uma história

de dor, conflito e conquista era silenciada. Reconstituir a história do Brasil, para Machado, era

também reafirmar que o país havia sido forjado sob as cinzas de uma nação extinta. Nação

indígena cuja memória queria-se silenciada.

“Cantiga do Rosto Branco”

A poesia “Cantiga do Rosto Branco” é o caso mais curioso da coletânea, pois se trata

de composição indígena traduzida por Chateubriand para o francês e por Machado de Assis

para a língua portuguesa. O escritor explicou de onde tirou a poesia:

Não é original esta composição; o original é propriamente indígena. Pertence à tribo

dos Mulcogulges, e foi traduzida da língua deles por Chateaubriand (Voy. Dans

l’Amer). Tinham aqueles selvagens fama de poetas e músicos, como os nossos

Tamoios, “Na terceira noite da festa do milho, lê-se no livro de Chateaubriand,

reúnem-se no lugar do conselho; e disputam o prêmio do canto. O prêmio é conferido

pelo chefe e por maioria de votos: é um ramo de carvalho verde. Concorrem as

mulheres também, e algumas têm saído vencedoras; uma de suas odes ficou célebre”.

A ode célebre é a composição que trasladei, para a nossa língua. O título na tradução

em prosa de Chateaubriand é – Chanson de la chair blanche.167

Se tudo “é uma simples questão de ponto de vista”, a poesia tem uma perspectiva

interessante na lógica da literatura indianista, afinal, supostamente é uma composição de uma

166 A profecia era algo comum entre indígenas no século XVI, que acreditavam que chegava o tempo da “redenção

dos homens”, algo como uma Idade de Ouro. Segundo Ronaldo Vainfas em A Heresia dos Índios, “havia clima de

efervescência religiosa que grassava entre os nativos da costa brasileira do século XVI”. Em O Messianismo no

Brasil e no mundo, Maria Isaura Pereira Queiróz afirma que “profetas indígenas iam de aldeia em aldeia

apresentando-se como reencarnações de heróis tribais, incitando os índios a abandonar o trabalho e dançar”, afinal,

estavam chegando os tempos em que “instalariam na terra uma espécie de Idade do Ouro”. A “Idade do Ouro”

seria uma época para a cultura Tupi-Guarani na qual iria existir abundância de felicidade pois a terra seria habitada

por “homens-deuses”. Segundo Vainfas, apesar de negar a existência de fé entre os indígenas, a maioria dos

cronistas, contraditoriamente observaram esse “clima de religiosidade”, a qual ficou conhecida entre etnólogos

como o período da busca da “Terra sem mal”. Cf.: VAINFAS, Ronaldo. “Santidades ameríndias”. In: A Heresia

dos Índios: catolicismo e rebeldia no Brasil colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 41-42.

QUEIRÓZ, M.I.P. de. O messianismo no Brasil e no mundo. 2ª ed. São Paulo: Alfa-Ômega, 1977, p. 165. APUD.

VAINFAS, op. cit. p. 41. 167 ASSIS, Machado de. op. cit., p. 207.

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mulher indígena. Por essa razão, a interpretação atravessa dois níveis. O primeiro, compreender

a narradora anônima da tribo dos Mulcogulges - confiando que Chateaubriand foi um bom

tradutor do original. E o segundo, entender a intenção do escritor fluminense ao incluí-la na

coletânea.

A poesia narra uma história de traição que aconteceu em algum momento da história

colonial. Chateaubriand viajou pela América no final do século XVIII, o mais provável é que

tenha recolhido as informações sobre os indígenas americanos por volta de 1792, e que a

composição original seja desta época 168. A compositora anônima escreveu uma história sobre

um encontro entre uma índia e um colono português. O homem rico de “rosto branco”

apaixonou-se por Tibeima, a “cortesã da aldeia”. Ela, “morena” com “olhar doce, de cobiça

cheio” aceita o estrangeiro e ambos “uma cabana levantaram”. Entretanto, a riqueza se foi e

com ela Tibeima:

Quando ele empobreceu, a amada moça

Noutros lábios pousou seus lábios frios,

E foi ouvir de coração estranho

Alheios desvarios.

Desta infidelidade o rosto branco

Triste nova colheu; mas ele amava,

Inda infiéis, aqueles lábios doces,

E tudo perdoava.

[...]

Sempre traído, mas amando sempre,

Ele a razão perdeu; foge à cabana,

E vai correr na solidão do bosque

Uma carreira insana.

O famoso Sachem, ancião da tribo,

Vendo aquela traição e aquela pena,

À ingrata filha duramente fala,

E ríspido a condena.169

O homem enlouqueceu ao perder sua fortuna e sua amada Tibeima. Depois de um tempo

morreu, posteriormente a mulher também. O final do poema é uma contemplação da imagem

da cabana que fora de ambos e que se tornara apenas ruína. Quem passava e via a cabana, não

imaginava a história que acontecera antigamente:

Fora o lançou; e ele expirou gemendo

Sobre folhas deitado junto à porta;

Anos volveram; co’os volvidos anos,

Tibeima era morta.

Quem ali passa, contemplando os restos

168 CHATEAUBRIAND, François-Renè. Voyage en Amérique, suivi des natchez. Paris: Chez Lefèvre, e Chez

Ledentu, 1838. 169 ASSIS, Machado de. op. cit., p. 138.

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Da cabana, que a erva toda esconde,

Que ruínas são essas, interroga.

E ninguém lhe responde.170

Visto que a composição tem uma perspectiva de uma mulher indígena, ela tem

características diferentes das narrativas indianistas escritas por homens brancos que viviam na

corte. Nela, a índia possui ação e protagonismo. Não se trata de uma narrativa oficial na qual

um homem português apaixona-se por uma mulher indígena e a “salva”, civilizando-a.

Tampouco a índia se escraviza ou se sacrifica em nome de uma pretensa superioridade europeia.

A mulher escolhe o casamento, trai e convive com isso, sem se sujeitar ao colono português.

Aliás, ela quem o faz implorar ajoelhado pelo seu amor.

Tibeima possui uma personalidade forte, característica análoga de personagens

machadianas que ainda seriam criadas, tais como Helena, Virgília ou Capitu. Tibeima seria

ancestral de Capitu? Não estou sugerindo algo anacrônico. Não é difícil supor que a

característica de femme fatale de Tibeima seduziu Machado de Assis, que traduziu o poema,

colocando-o na coletânea. A protagonista possui uma dose de dissimulação que deve ter

impelido o escritor a traduzir a composição que Chateubriand nos legou na publicação Viagem

pela América. A protagonista é uma traidora, assim como as grandes personagens da literatura

oitocentista, Madame Bovary ou Anna Karenina. Além disso, a história narrada contraria uma

visão de passividade indígena diante da colonização, lançando luz sobre o papel feminino.

Tibeima é antes de tudo, protagonista capaz de escolher seu destino. Machado de Assis desloca

o papel tradicional da mulher indígena que a Iracema de Alencar assumiu, revelando também

narrativas indianistas marcadas pelas contradições e lacunas.

“Lua Nova”

A partir das narrativas nas quais indígenas têm suas terras usurpadas ou pressentem que

uma tragédia irá acontecer, Machado parece querer provar o argumento de que não

necessariamente o índio era atraso para a civilização. Eles não tinham lugar porque haviam sido

banidos do projeto de nação quando tiveram sua cultura extinta e foram expulsos de sua terra.

Um argumento que se percebe pela leitura conjunta dos poemas com temática indígena da

coletânea. Nessa discussão, podemos inferir, a partir de poemas como “Lua Nova”, que também

integra a coletânea, que o autor percebia que se em algum momento houve liberdade e

170 Ibid., p. 140.

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felicidade, isso foi antes da invasão colonial. Em “Lua Nova”, o autor narra uma noite na vida

de uma tribo qualquer, na qual se festejava a “mãe dos frutos, Jaci”. Os índios comemoravam

e faziam pedidos para a lua, considerada então uma deusa. No final do poema, Machado

descreve a vida indígena antes de ser apresentada à civilização:

E eles riam os fortes guerreiros,

E as donzelas e esposas cantavam,

E eram risos que d’alma brotavam,

E eram cantos de paz e de amor.

Rude peito criado nas brenhas,

-Rude Embora- terreno é propício;

Que onde o gérmen lançou benefício

Brota, enfolha, verdeja, abre a flor.171

Nesta poesia cuja narrativa é anterior à colonização, percebe-se a influência de

Gonçalves Dias. Há outras evidências, tais como epígrafes e a própria homenagem ao poeta

feita na coletânea. Nesse ponto, podemos olhar para Machado muito mais próximo de

Gonçalves Dias que de José de Alencar. De acordo com Bernardo Ricupero, o cenário da poesia

de Dias é anterior à chegada dos portugueses, e, dessa forma, seus versos ficaram mais ao gosto

europeu e medieval, visto que “seus heróis não encontraram adversários pela frente, sendo

capazes de desenvolver qualidades guerreiras análogas às da nobreza do Velho Mundo”172.

“Sabina”

O indianismo também tem “relevância para o problema mais estrutural da ordem

imperial” que era a “escravidão negra”, segundo aponta David Treece. José Bonifácio, entre

1824 e 1831, desenvolvia sua tese sobre a uma “sociedade plenamente mestiça”. Desse modo,

a “integração social” e o “casamento entre índios, brancos e mulatos” eram vistos como

alternativas viáveis para a exclusão da “mão de obra africana”173. Conforme Kaori Kodama, “a

finalidade de formar uma imagem do índio brasileiro” na história e na literatura era a forma de

“discursar sobre o elemento que passava a ser visto como parte da gênese nacional”, ao mesmo

tempo em que “apartava uma realidade mais complexa”, a da escravidão. Assim, o que estava

em pauta “era a negatividade imputada a uma realidade quase não dita” entre letrados, “a

escravidão e o elemento negro da população”174. Machado de Assis, por sua vez, não negou a

contribuição do africano para a formação brasileira. Embora haja poucos versos dedicados aos

escravizados, a importância de sua única poesia sobre o tema dentro da lógica da coletânea é

171 Ibid., p. 157. 172 RICUPERO, op. cit., p. 157. 173 TREECE, op. cit., p. 141-143. 174 KODAMA, op. cit., p. 91-92.

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inegável. A protagonista do poema “Sabina”, enquanto representante dos africanos, é

fundamental em Americanas. Embora a maioria dos poemas tivesse como cenário o universo

colonial, “Sabina” se destaca por ter sua narrativa inserida durante o período imperial, de um

Brasil já independente, mas marcado pela presença da escravidão. “Sabina”, de alguma forma,

pode ser tomada como uma espécie de releitura feita pelo autor sobre um conto publicado em

janeiro de 1871, no Jornal das Famílias: “Mariana”.

A poesia narra o trágico envolvimento da protagonista Sabina com o filho de seu Senhor,

Otávio. A jovem escravizada apaixona-se pelo garboso sinhozinho, com quem se envolveu

durante uma viajem de férias do moço que estudava na capital. Na fazenda, o “lépido” Otávio

relaciona-se com Sabina, que por sua vez fica grávida. Todavia, como era de se esperar, o jovem

“tão volúvel” a dispensa e escolhe uma mulher de sua classe social para se casar. Amargurada,

Sabina decide se matar, porém desiste do ato ao lembrar do filho que nasceu de sua relação com

Otávio. Para ela, a maternidade compensava a dor. As comparações com “Mariana” são

inevitáveis, pois as histórias são parecidas e há poucas diferenças estruturais. Mas a grande

diferença encontra-se no final, pois “Sabina” é posterior à lei de 28 de setembro, a protagonista

escolhe viver pensando na liberdade conquistada por seu rebento, já Mariana decidiu pelo

suicídio, pois não via esperança em seu futuro. Como “Mariana” é um conto, Machado pode

desenvolver mais elementos narrativos, todavia a poesia “Sabina” constitui num documento

histórico tão importante quanto sua antecessora. Sidney Chalhoub, em Machado de Assis

Historiador, interpretou “Mariana” em paralelo com Helena. Segundo Chalhoub, ambas as

narrativas iniciam em tom de galhofa e terminam numa tragédia. E isso, sobretudo, porque “em

ambos os casos, a ideologia paternalista dos senhores e as relações de dependência provocam

situações de violência e humilhação”175. Já na comparação de Mariana com Sabina destaca-se

que ambas foram escravas domésticas. No conto, Chalhoub afirmou que “o narrador insiste em

descrever a situação da escrava em sua casa aproximando-a da condição de liberdade”. Mariana

“era como se fosse pessoa livre”, “escrava, és verdade, mas escrava quase senhora”. Assim

como Sabina:

Sabina era mucama da fazenda;

Vinte anos tinha; e na província toda

Não havia mestiça mais à moda,

Com suas roupas de cambraia e renda.

Cativa, não entrava na senzala,

Nem tinha mãos para trabalho rude;

Desbrochava-lhe a sua juventude

Entre carinhos e afeições de sala.

175 CHALHOUB, Sidney. Machado de Assis, Historiador. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. p. 134.

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Era cria da casa. A sinhá-moça,

Que com ela brincou sendo menina,

Sobre todas amava esta Sabina,

Com esse ingênuo e puro amor da roça.176

Por meio de “Sabina”, Machado de Assis revisitou “Mariana”. E a aproximação entre a

experiência de “escravidão e liberdade” tem como objetivo “enfatizar a precariedade e os

limites de qualquer experiência de liberdade numa sociedade paternalista, organizada em torno

da reprodução dos laços de dependência pessoal”. De acordo com Sidney Chalhoub, é assim

que Machado de Assis “politiza eficazmente o drama do processo de emancipação”. O conto

“Mariana”, segundo aponta Sidney Chalhoub, estava “situado no centro do furacão político”,

ou seja, no processo de discussões sobre a emancipação dos escravos, Machado de Assis

“parece sugerir que não havia saída para o problema da escravidão por dentro das relações

instituídas entre senhores e escravos” a partir da história dessa escrava. Desse modo, seria

preciso que “o poder público [submetesse] o poder privado dos senhores ao domínio da lei”. A

Lei de 28 de setembro de 1871 sinalizava, naquele ano, a “superação da instituição da

escravidão, enfrentando decididamente os interesses sociais e econômicos que ainda a

sustentavam”. Em “Sabina”, Machado novamente demonstrava como as “relações instituídas

pelos senhores e escravos” ainda vigoravam. Na década de 1870, o cativeiro ainda causava mal

para os escravizados, e os proprietários ainda eram responsáveis pelas “dores cruas” (expressão

utilizada pelo autor na poesia).

Para Sabina, talvez o “materno sentir compensava os males”, afinal, não apenas parecia

apaixonada pelo “tão volúvel” e “jovem senhor”, como sabia que o “sangue livre” palpitava em

seu ventre. Sabina vive porque nela reside uma esperança que seu filho será liberto por causa

da Lei de 1871, mesmo que sem Otávio.

Sabina é mãe; o sangue livre

Gira e palpita no cativo seio

E lhe paga de sobra as dores cruas

Da longa ausência. Uma por uma, as horas

Na solidão do campo há de conta-las,

E suspirar pelo remoto dia

Em que o veja de novo... Pouco importa,

Se o materno sentir compensa os males.177

Desde o início desse relacionamento, o narrador já indicava que essa história não

acabaria bem, embora Sabina tivesse esperança. O autor diz que a consciência “lhe dormias”, a

razão “lhe fechavas a vista interior” e que não enxergava “o fundo abismo tenebroso e largo/

176 ASSIS, Machado de. op. cit., p. 161. 177 Ibid., p. 169.

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Que a separa do eleito dos seus sonhos”. O final dessa história estava selado e a leitora já sabe

que não foi muito positivo para Sabina:

Toda enlevo e paixão, sincera e ardente

Nesse primeiro amor d’alma que nasce

E os olhos abre ao sol. Tu lhe dormias,

Consciência; razão, tu lhe fechavas

A vista interior; e ela seguia

Ao sabor dessas horas mal furtadas

Ao cativeiro e à solidão, sem vê-lo

O fundo abismo tenebroso e largo

Que a separa do eleito de seus sonhos,

Nem pressentir a brevidade e a morte!178

Machado também parece representar uma das formas que o povo brasileiro foi

concebido, no contato entre os senhores e suas escravas, o que implicou em profunda dor para

estas, que em diversos momentos, sentiram a “lágrima pura” cair em sua face. Do convívio

desigual entre senhores e escravos nasceu o mestiço, na relação de poder que significava

humilhação para os cativos. Sabina foi “sincera e ardente” nos seus sentimentos, mas

relacionar-se com Otávio também significava para ela viver um momento de “terror”,

“vergonha” e “medo”. Otávio a seduziu com sua conversa mansa:

Não me negues teu suave aroma!

Fez-te cativa o berço; a lei somente

Os grilhões lhe lançou; no livre peito

De teus senhores tens a liberdade,

A melhor liberdade, o puro afeto

Que te elegeu entre as demais cativas,

E de afagos te cobre!179

Novamente há a reflexão entre a relação cativeiro e liberdade. Essa liberdade temporária

prometida por Otávio evidencia ainda mais a situação de dependência de Sabina, que se torna

vítima do jovem senhor. Para o narrador, o envolvimento foi uma situação de “horas mal

furtadas/ Ao cativeiro e à solidão”. Dentro da lógica da coletânea, com a história de Sabina, o

autor coroa Americanas com a concepção do mestiço de negros e brancos, esse por sua vez

exercia papel fundamental na formação do povo brasileiro. Otávio viu a cativa no rio, o impulso

foi tomá-la à força:

Um grito apenas

Um só grito, mas único, lhe rompe

Do coração; terror, vergonha... e acaso

Prazer, prazer misterioso e vivo

De cativa que amor silenciosa,

E que ama e vê o objeto de seus sonhos,

Ali com ela, a suspirar por ela.

[...]

178 Ibid, p. 168. 179 Ibid., p. 166.

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... e da riba os cobiçosos olhos

Pelas águas estende, enquanto os dela,

Cobertos pelas pálpebras medrosas

Choram – de gosto e de vergonha a um tempo,

Da únicas lágrimas. O rio

No seio as recebeu, consigo as leva,

Como gotas de chuva, indiferente

Ao mal ou bem que lhe povoa a margem;

Que assim a natureza, ingênua e dócil

Às leis do Criador, perpétua segue

Em seu mesmo caminho, e deixa ao homem

Padecer e saber que sente e morre.180

A história de Sabina atravessa dois problemas: a formação nacional e a violência contra

a mulher. O nome da protagonista carrega uma simbologia importante no título, pois remete ao

rapto das Sabinas, um dos mitos de origem do Império Romano 181 . “Sabina” tem em si

referenciais clássicos e mitológicos, por exemplo, o poeta brinca com a tradição grega ao

comparar Otávio ao deus Adônis:

Vinte anos

Tinha Otávio, e a beleza e um ar de corte

E o gesto nobre, e sedutor o aspecto;

Um vero Adônis, como aqui diria

Algum poeta clássico, daquela

Poesia que foi nobre, airosa e grande

Em tempos idos, que ainda bem se foram...

Também eu a adorei, uma hora ao menos,

E suspirei destes remotos climas

Pelas formosas ribas do Escamandro,

Onde descia, entre soldados gregos,

A moça Vênus;

O eu-lírico parece reconhecer que o tempo dos clássicos já estava ultrapassado. Para

inserir referenciais mitológicos em sua poesia, Machado compara Sabina com Iara, a mãe

d’água na tradição indígena182. Sem mais delongas, o mito que encerra a interpretação da poesia

é o rapto das Sabinas, uma lenda sobre a origem de Roma. Depois do embate entre romanos e

sabinos, os primeiros sequestraram as mulheres sabinas e as estupraram183. O que indica que na

essência, a sociedade ocidental é fruto de um processo de miscigenação entre povos, num

transcurso que se deu de forma tirânica, sobretudo com violência contra a mulher. O estupro

era um “direito de guerra” desde a antiguidade, e no caso de Sabina, está relacionado à

180 Ibid., p. 193. 181 Agradeço ao prof. Dr. Robert Slenes quem sugeriu que o título da poesia se referia ao rapto das Sabinas. 182 Sobre a lenda de Iara e “Sabina”, ver: CASEMIRO, Sandra Ramos. “A lenda de Iara no poema “Sabina”, de

Machado de Assis”. In: Estudos Linguísticos, São Paulo, 40 (3), set-dez 2011. pp. 1681-1691. 183 DELFIM, Leão e BRANDÃO, José Luís. “Análise crítica das lendas fundacionais”. In: OLIVEIRA, Francisco

e BRANDÃO, José Luis (coord). História de Roma Antiga, vol 1: das origens a morte de César. Coimbra: Imprensa

da Universidade de Coimbra. p. 34-35.

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demonstração de força e poder184. No caso do rapto das Sabinas, o sequestro seguido de abuso

sexual tem a finalidade de aumentar a população romana. Machado de Assis ao apropriar-se do

mito, parece evidenciar o sacrifício e a violência inerente ao nascimento da nação e também à

condição de mulheres escravas. O narrador afirma que Otávio, que possui o nome do primeiro

imperador romano, “trabalhava/ por meter na cabeça o jus romano/ e o pátrio jus”. Sendo,

portanto, um sinhozinho que herdava o poder patriarcal de propriedade. E, com isso, acreditava

ter a permissão de deflorar suas escravas, algo sugerido também no direito romano. Ovídio em

sua Arte de amar também recorreu ao mito para enaltecer o uso de violência contra a mulher,

ensinando formas de deflorar. Em Ovídio, o estupro é uma arma de sedução185. Já em Machado

de Assis, a violência sexual humilha, sujeita a mulher cativa a um estado de vergonha e medo.

No caso de “Sabina”, houve o agravante de uma gravidez desamparada, na qual nasceu um filho

sem a paternidade reconhecida, mais um dentre tantos mestiços. Na poesia, Machado de Assis

evidencia a condição dos dependentes, mostrando como a ação senhorial causava danos. O

velho caçanje conta histórias de outras moças que tiveram o mesmo destino que o de Sabina ou

também de Mariana:

Riem-se dela as outras; é seu nome

O assunto do terreiro. Uma invejosa

Acha-lhe uns certos modos singulares

De senhora de engenho; um pajem moço,

De cobiça e ciúme devorado,

Desfaz nas graças que em silêncio adora

E consigo medita uma vingança.

Entre os parceiros, desfiando a palha

Com que entrança um chapéu, solenemente

Um caçanje ancião refere aos outros

Alguns casos que viu na mocidade

De cativas amadas e orgulhosas,

Castigadas do céu por seus pecados,

Mortas entre os grilhões do cativeiro.186

A condição feminina é ainda mais delicada nesse caso. No trecho, o narrador conta que

um dos pajens, portanto também cativo, tomado por “cobiça e ciúme”, pretende se vingar de

Sabina. A moça, além de propriedade do senhor, também está sujeita à posse entre seus pares

na senzala. O ancião conta outras histórias que viu, diz que essas mulheres eram “orgulhosas”

e pecaram. É tão frágil a situação feminina que acabam por serem culpadas do estupro

184 FALCÃO, Ana Taisa da Silva. “Violências sexuais em conflitos armados: um silenciamento histórico.”. In:

Anais da X jornada de estudos históricos Professor Manoel Salgado. PPGHIS/UFRJ. Vol 1, Rio de Janeiro, 2015. 185 ANDRÉ, Carlos Ascenso. “Entre o despeito e o respeito: a mulher em Ovídio”. In: Humanitas, Universidade

de Coimbra, n. 58, 2006. pp. 99-117. 186 ASSIS, Machado de. op. cit., p. 169.

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perpetrado pelos senhores. Em suma, na poesia, Machado de Assis “recria” a “mitologia

nacional” baseada em mitos ocidentais a fim de explicar, dentre outras coisas, a origem do povo

brasileiro.

***

Em dezembro de 1875 vieram à lume as Americanas de Machado de Assis. Coletânea

poética com características aparentemente dissonantes das outras produções machadianas,

evidentemente causou estranhamento entre seus críticos, embora alguns se mostrassem

contentes com a tomada de decisão do poeta de escrever sobre temas brasileiros. A segunda

crítica de Americanas saiu na Gazeta de Notícias no dia 11 de janeiro de 1876, na seção

“Crônica Bibliográfica”, assinada por L., que segundo Magalhães Jr. era a abreviação do

pseudônimo de Lulu Sênior187. O artigo sobre Americanas foi o primeiro dessa coluna da

Gazeta de Notícias, fundada havia poucos meses. L. afirmava que “ninguém mais no Brasil

escreveria livro igual”, elogiava o talento e o esmero que Machado tinha com as letras,

conservando uma forma poética “formosa”. Entretanto, as restrições viriam devido aos raros

“arrojos” do poeta na coletânea e L. concluía que:

Entretanto, ao ler o título do seu último livro, era lírico supor que se ia admirar nova

face de tão claro estro, que a alma americana ainda um pouco tolhida nas vestes com

que usa apresentar-se a musa do ilustre poeta, palpitasse nessas páginas. Mas não. Não

falamos já do estilo demasiado português; referimo-nos ao ‘essencial’, que ‘é a alma

do homem’. Essa é que, nas Americanas, não é americana. Onde os pensamentos

virgens como a flora opulenta das nossas selvas? Onde as paixões generosas e

indômitas como os leões dos nossos ermos? Onde a poética singeleza do dizer

primitivo? E as paisagens sempre várias desta natureza sem par? Onde, em suma, a

grandiosidade incorreção que é o cunho da incauta beleza do mundo novo?188

L. mostrava-se eloquente, sentia falta de arrebatamentos e de “paixões generosas e

indômitas” como os nossos “leões”. L. aparentemente entendia o indianismo ainda com muita

grandiosidade no cenário e na construção dos personagens. Os índios machadianos não

agradavam com sua simplicidade, o que leva o crítico a pensar que a “alma” dos personagens

da coletânea não era americana. Ao referir-se à palavra “alma”, aludia à frase “o essencial é a

alma do homem” da “Advertência” da coletânea. Usar a “Advertência” de Americanas contra

187 Segundo Magalhães Jr., quem escrevia sob o pseudônimo de Lulu Sênior era Ferreira de Araújo.

(MAGALHÃES Jr., R. Machado de Assis: Vida e obra, vol 2: Ascenção. Rio de Janeiro: Record, 2008. p. 236. 188 L. “Crônica Bibliográfica: Americanas por Machado de Assis”. Gazeta de Notícias. 11 de jan., 1876.

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seu próprio autor não foi exclusividade dessa coluna; já havia acontecido imediatamente após

a publicação de Americanas. A primeira crítica à coletânea ocorreu no dia 20 de dezembro de

1875, no periódico Brazil Americano, na coluna “Bibliografia”, que se encontra sem assinatura.

A crítica anônima analisa somente a “Advertência” do autor, principalmente o trecho final, no

qual Machado afirma que:

A generosidade, a constância, o valor, a piedade hão de ser sempre elementos da arte

ou brilhem nas margens do Scamandro ou nas do Tocantins. O exterior muda; o

capacete de Ajax é mais clássico e polido do que o kanitar de Itajuba; a sandália de

Calipso é um primor de arte que não achamos na planta nua de Lindoia. Esta é, porém,

a parte inferior da poesia, parte acessória. O essencial é a alma do homem189.

O crítico afirmava que “o sentimento americano não apossou-se [da alma do poeta],

mais subjugada por natureza alheia”. Então explica o porquê de ter proferido tal sentença.

Primeiramente, o excerto anterior da “Adertência”, segundo o autor da crítica, consistia em

“considerações desnecessárias para um brasileiro”, e dava uma “ideia antecipada do errôneo

plano do livro”. O autor anônimo explicou qual foi o erro de Machado, segundo ele:

O poeta não altera as leis da organização humana; as faculdades da alma não se

modificam segundo os climas ou os temperamentos. Mas ele escreve uma obra de

imaginação e não uma dissertação fisiológica; para seguir os princípios da arte, ele os

deve apresentar o homem não acima de sua espécie, mas com fisionomia própria, e

essa fisionomia não lhe é imposta senão pela educação que recebeu ou pelas ideias

que tem, inspiradas pelas condições do mundo exterior.190

O crítico anônimo mostrava-se adepto de ideias cientificistas. E, quando Machado

constrói a imagem de seu índio como sendo um homem como qualquer outro, incomodava

alguns intelectuais atrelados ao cientificismo. Afinal para esses, a moralidade de alguém

dependia das condições físicas, da espécie e do mundo em sua volta, por isso para o crítico, “os

elementos exteriores” eram fundamentais para a obra poética e o homem jamais poderia

encontrar-se “acima de sua espécie”. O melhor exemplo do crítico é o caso de Othelo de

Shakespeare: segundo ele, não foi o “ciúme que [desvairava] o esposo”, o que todos viam

“naquele movimento rápido, feroz e louco” era a “influência da natureza ardente da África”.

Em suma, Machado não havia encarado seus personagens “cientificamente”, havia desprezado

a fisionomia que a sociedade em que se vive imprime no indivíduo.

189 ASSIS, Machado de. op. cit., p. 6. 190 Autor desconhecido. “Bibliografia: Americanas, poesias de Machado de Asis”. Brazil Americano. 20 de dez.,

1875, p. 4.

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Entre outras críticas, ficava evidente o estranhamento frente a uma espécie de

“indianismo tardio” por parte de Machado. Em algumas, com autores ainda em luto pela recente

morte de Fagundes Varella, havia felicitações pelo fato de Machado ter escolhido escrever sobre

temas brasileiros, embora, de forma “errônea”. A simplicidade da narrativa indianista

machadiana não agradava, nem a crítica nacionalista que concluía que a coletânea não parecia

americana, tampouco a crítica determinista que não gostava de ver índios como homens e

mulheres “acima de sua espécie”. Minha hipótese ao longo do capítulo foi que em Americanas,

Machado dialogou com essas duas concepções literárias diferentes. Se foi criticado pelas duas

vertentes, aparentemente o poeta conseguiu cumprir seu objetivo. E se antes da publicação de

Americanas, Machado combatia principalmente uma visão cristalizada de literatura nacional, o

que fica mais claro no artigo “Instinto de Nacionalidade”, nos anos subsequentes o autor

continuará a encarar uma contenda com a “nova geração” e a literatura com inspiração

científica. Para a crítica, há nesse final de década de 1870, uma transição literária na carreira de

Machado de Assis, uma espécie de “virada antirromântica”. Entendo que essa mudança ocorreu

de forma lenta e gradual e Americanas se encontra num dos degraus da modificação literária

machadiana.

Nos próximos anos, Machado iria encarar batalhas e transições que modificarão sua

prosa substancialmente. Paulatinamente, também deixará de lado a produção poética. Sua

última coletânea de poesias inéditas será Ocidentais, publicada em 1880191. Ocidentais tem

como objetivo homenagear as várias formas literárias do cânone ocidental, enquanto

Americanas era mais local.

191 ASSIS, Machado de. Poesias Completas. Rio de Janeiro: Garnier, 1901.

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Capítulo 3: “Viva pois a história, a volúvel história que dá pra tudo”: ciência

e ficção em Americanas

“Eis-me de novo, conforme o prometido. Já leu o

livro e as notas que o acompanham; conversemos

pois.1 ” (José de Alencar)

“O leitor atento, verdadeiramente ruminante, tem

quatro estômagos no cérebro, e por eles faz passar

e repassar os atos e fatos, até que deduz a verdade,

que estava, ou parecia estar escondida2” (Machado

de Assis)

A literatura indianista pretendia criar uma espécie de “mito nacional”, e os intelectuais

do movimento contribuíram com a retórica da construção da identidade nacional. Para isso,

utilizaram alguns procedimentos, tais como o uso de personagens históricos, incorporação de

costumes e termos indígenas e diálogo com a história para legitimar a ficção. O indianismo

poderia forjar uma possível epopeia brasileira. A fim de legitimar as narrativas, muitos dos

literatos utilizaram notas no final da edição de seus livros com o intuito de dialogar com textos

ditos científicos. Possivelmente, um dos precursores do uso de notas com finalidade de

fundamentar a narrativa no campo da história foi Basílio da Gama com seu O Uraguay, de

17693. Basílio da Gama utiliza o termo “Relação”, que se trata de um espaço no qual o autor

cita documentos e explica a existência de alguns dos seus personagens históricos, como

missionários jesuítas. Assim, o autor utilizou textos de cronistas, principalmente os de Simão

de Vasconcellos. Talvez inspirados na forma como Basílio da Gama muniu-se de legitimação

histórica para explicar sua narrativa, literatos do Oitocentos resolveram imitar essa técnica por

acreditar que fosse a maneira ideal de forjar verossimilhança com intenção de fundamentar as

origens da nação. Além disso, os escritores do romantismo pareciam cultuar o documento como

uma forma de registrar a história nacional. O século XIX foi responsável por organizar

documentação e inaugurar arquivos nacionais em lugares como a França e a Alemanha.

1 ALENCAR, José. “Carta ao Dr. Jaguaribe”. In: Iracema: a lenda do Ceará. Rio de Janeiro: Typ. de Vianna &

Filhos, 1865. 2 ASSIS, Machado de. Esaú e Jacó. Rio de Janeiro: B. L. Garnier, 1904. p. 175. 3 O Uraguay é um dos primeiros livros nos quais indígenas são personagens literários, ainda que Kakambo e

Lindoia não sejam protagonistas. Segundo Fernando Carvalho, “a intenção principal do poema é o ataque aos

jesuítas, motivo pelo qual o índio irá assumir um papel secundário, apesar de toda a beleza com que o autor procura

impregnar o célebre episódio de Lindoia”. Mas, mesmo secundários, são retratados com certo lirismo que seria

apropriado pelo Romantismo. (CARVALHO, Fernando. “A presença indígena na ficção brasileira”. In:

Intinerários, Araraquara, nº 11, 1997. p. 49.)

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Também no Brasil, por ser uma jovem nação, havia certa ansiedade por parte de intelectuais

em coletar documentos sobre a história nacional.

Na produção intelectual do século XIX havia intensa aproximação entre história e

literatura. Sobretudo no movimento indianista, que foi um debate que se consolidava entre os

dois campos. Na história, tivemos o nascimento do IHGB e uma etnografia com fins de

reconstituir o passado nacional. E na literatura, homens como Gonçalves Dias e José de Alencar

escreveram obras com o intuito de criar referências da nação com personagens tipicamente

brasileiros. As construções literárias ou historiográficas são operações essencialmente políticas.

Conforme Bernardo Ricupero, essas “ordenam dados, elaboram quadros inteligíveis”,

selecionam “fatos e valores” de forma política. Ainda mais no século XIX, época em que

“passou a ser bastante comum romances reivindicarem a condição de realistas”. Ainda mais

quando a literatura intervinha na história, estabelecendo como inspiração “muitos de seus temas

e problemas”4. Tendo essa aproximação em vista, fazia-se mister que, no século XIX, se criasse

na literatura formas e técnicas típicas de um romance nacional. O público exigia um maior

realismo por parte dos escritores. As notas, os prefácios e os prólogos eram espaços para teorizar

e explicar certas escolhas, ao mesmo tempo em que escritores poderiam polemizar com certas

visões de mundo.

As notas eram utilizadas com a finalidade de legitimar a construção da nacionalidade.

Autores usavam textos científicos - ditos com caracteres verídicos - na urdidura ficcional.

Gonçalves Dias usou notas no final da edição de dois de seus livros voltados para a temática

indígena: Segundos Cantos e Sextilhas de Frei Antão (1848) e Últimos Cantos (1851). Em

Segundos Cantos o autor usa as notas basicamente para explicar algumas de suas escolhas ao

longo do período da escrita. Já em Últimos cantos, tem o objetivo de traduzir alguns termos e

objetos indígenas, porém cita pouca bibliografia na qual se apoiou para escrever. Essa fórmula

foi incorporada por Gonçalves de Magalhães em Confederação dos Tamoios (1856). O literato

usa as notas para traduzir termos e para fundamentar casos que o leitor possa duvidar, como

exemplo o fato dos índios Tamoios serem considerados bons cantores e possuírem talentos

poéticos, algo que poderia causar estranheza ao leitor.

Diz Rocha Pitta, apoiado em uma tradição, que as águas do Carioca têm a virtude de

dar boas vozes aos músicos. Vem esta crença dos Índios, por quanto os Tamoios, que

habitavam o Rio de Janeiro, eram mui dados à música, e mui conhecidos e estimados

entre todos os selvagens pelo seu trabalho poético, como afirma Gabriel Soares. Por

muito tempo foram os filhos do Rio de Janeiro apelidados Cariocas por causa do

grande chafariz da sua capital, onde correm as águas desse rio, se bem que já hoje

misturadas com as de outros: e sabem todos quanto os Fluminenses amam e cultivam

4 RICUPERO, Bernardo. O romantismo e a ideia de nação no Brasil (1830-1870). São Paulo: Martins Fontes,

2004, p. 141.

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a música e a poesia; e nisto como na bravura, no amor da pátria e liberdade, parecem-

lhe com os antigos Tamoios.5

Gonçalves de Magalhães procura conferir verossimilhança ao seu texto a partir dos

antigos cronistas Rocha Pitta e Gabriel Soares, ao mesmo tempo em que cria uma origem mítica

para o bom gosto dos habitantes da Guanabara para a música. Cria-se de forma quase que

genealógica a base da cultura e da bravura fluminense, calcada na origem nobre na tribo

Tamoia. A fórmula das notas foi seguida por José de Alencar em seus romances indianistas.

Em suas notas o autor tem características semelhantes aos seus antecessores, ou seja, comprovar

as bases da nação no documento histórico e traduzir termos indígenas. Entretanto, Alencar foi

ainda mais sistemático que Gonçalves Dias ou Gonçalves de Magalhães, que às vezes não

tinham interesse em usar as notas ou utilizavam sempre os mesmos cronistas Jesuítas. Além das

fontes tradicionais como as Crônicas da Companhia de Jesus, Alencar utilizou textos mais

contemporâneos a ele, tais como os de Aires de Casal e cronistas protestantes como Léry. Urdia,

deste modo, uma narrativa embasada no campo da história.

O romantismo também lidava com a questão da verossimilhança, porém obviamente

ainda não possuía a necessidade de atestar verossimilhança da maneira que faziam autores mais

novos como Sílvio Romero ou Franklin Távora. Recorria-se à documentação “em parte pelo

fato de serem essas as fontes de consulta obrigatórias para quem quer que pretendesse escrever

sobre o Brasil colonial” e, ainda tem de se considerar que as fontes de Alencar eram recentes

para a época6. Conforme Flora Süssekind em O Brasil não é longe daqui “a maior parte desses

tratados, cartas e informes sobre o país entre os séculos XVI e XVIII”, eram publicações

recentes, do século XIX7. A partir das notas, a literatura indianista possibilitava um mergulho

na origem da nacionalidade. Segundo Flora Süssekind, os textos dos viajantes provocavam

“confiabilidade”, porque primeiramente eram uma “experiência da viagem” e por ser um “olhar

de estrangeiro”8. Quando alguns dos literatos do século XIX apropriam-se dos relatos, “não há

propriamente um diálogo crítico”; não obstante, há uma “absorção pragmática”, do que “serve”

ao projeto de afirmação de uma literatura nacional”. Flora Süssekind percebe principalmente

que tanto na ficção do século XIX, quanto nos relatos de viagem, havia “a necessidade de uma

reiterada afirmação de verdade e confiabilidade do narrador”9. Esse tipo de recuo histórico e a

5 MAGALHÃES, Domingos José Gonçalves de. A Confederação dos Tamoios. Rio de Janeiro: Typog. Dous de

Dezembro, 1856. p. 341 6 SÜSSEKIND, O Brasil não é longe daqui: o narrador, a viagem. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. p. 192. 7 Ibid., Id. 8 Ibid., p. 49. 9 Ibid.,. p. 128-129.

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incorporação das fontes no texto literário produzem efeito de verossimilhança. Assim, o leitor

- que era convencido da nobreza do indígena -, aceitaria a verosimilhança da narrativa devido

aos dados científicos no final do livro.

Machado de Assis apropriou-se da fórmula em Americanas, visto que era muito

utilizada pelos indianistas. As notas eram uma forma de Machado de Assis explicar à maneira

dele algumas das inspirações para poesias e as informações que incorporou na coletânea. As

explicações das notas não são meros detalhes na coletânea poética Americanas, mas sim um

artifício machadiano para realizar uma espécie de dupla narrativa. Por essa razão, este capítulo

tem como proposta lançar luz sobre as últimas páginas da edição da coletânea, nas quais se

encontram as referências do autor. Antes de analisar as notas machadianas, o percurso da

pesquisa me levou a José de Alencar e o uso que ele fez do recurso em sua trilogia indianista –

O Guarani (1858), Iracema (1865) e Ubirajara (1874).

As notas alencarianas

A obra indianista de José de Alencar é fundamental para a análise dos limites entre a

literatura e a história que se pretendia construir para a nação. José de Alencar consegue levar a

literatura indianista para um novo patamar. Tivera tempo para estudar e criticar seus

antecessores, tais como Gonçalves de Magalhães e Gonçalves Dias, e de acordo com aquilo que

julgou insuficiente na literatura dos autores de Confederação de Tamoios e Os Timbiras, e pode

organizar ideias acerca do romance brasileiro. A contribuição de Alencar para o romance

nacional, em obras como O Guarani e Iracema, reinventa o indianismo com formas próprias

de escrever. Alencar distanciava-se da fórmula clássica de versos de Gonçalves de Magalhães

que pareciam imitar as grandes epopeias tradicionais da fundação de grandes civilizações como

a grega, a romana, dentre outras. Além disso, Alencar, ao incorporar termos indígenas e

escrever de forma mais simples, tenta forjar uma língua portuguesa que seria próxima à maneira

de falar no Brasil. Uma das maiores contribuições do autor foi o estilo de linguagem novo, que

“sem perder a correção gramatical, se [aproximava] da maneira brasileira de falar”, segundo

Antonio Candido, o autor criava por meio da diferenciação linguística uma suposta

“independência estética em relação a Portugal”10. A questão linguística foi cara aos românticos

de modo geral. Segundo Sílvio Elia em “Romantismo e Linguística”, a fim de conhecer as

origens da nação, houve ensejo para pesquisas linguísticas, ou seja, conhecer um país era

10 CANDIDO, Antonio. O Romantismo no Brasil. São Paulo: Humanittas/FFLCH, SP, 2002. p. 63.

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também conhecer a língua que se falava11. No Brasil, isso ocorre em dicionários linguísticos

com significados de termos tupis publicados na Revista do IHGB, dentre outros periódicos12.

Esses dicionários sem dúvida foram inspiradores para José de Alencar que, por sua vez,

incorporava termos indígenas ao longo de seus livros indianistas, todavia abordava os

significados em notas no final da edição.

Um importante estudo sobre as notas alencarianas é o livro Ao pé da página: a dupla

narrativa de José de Alencar, de Mirhiane Mendes de Abreu. A autora interpretou as notas

como “narrativas paralelas ao enredo, como um texto sujeito às necessidades ficcionais da

intriga principal, que “[conforma] e [acentua] seus rumos temáticos.”13 José de Alencar em sua

trilogia indianista fez do Brasil “objeto a ser exclusivamente valorizado” e as notas-de-rodapé

“compõem a essência do bom selvagem tropical a partir dos instrumentos que o romancista

concebia como verossímeis”. Segundo Anthony Grafton, a citação é o substrato cultural de um

texto, um espaço no qual o autor assegura a validade das informações que colheu 14 . É

importante frisar que nos três livros indianistas, José de Alencar adaptou o uso de notas de

acordo com o objetivo da obra e a época em que foi publicada, portanto, Ubirajara, lançada em

1874, possui um uso ainda mais sistemático que em O Guarani, por exemplo. Mirhiane Abreu

evidencia este caminho, argumentando que em José de Alencar, a “imagem da História é dupla

e contraditoriamente elaborada”. O Guarani e Iracema são obras afinadas ao “ideário do

colonizador, fazendo-lhes constantes apologias”. Já em Ubirajara, a imagem do colonizador “é

aviltante, negativa e violenta”. Neste livro, as notas permitiram “tomar o selvagem por objeto

de investigação idealizada e investir nas suas significações simbólicas e ideológicas, elementos

favoráveis ao propósito de sustentar as teorizações sobre a autenticidade da literatura

brasileira”. Mirhiane Mendes aposta que a visão autêntica dos índios de Alencar estaria em

Ubirajara, pois em Iracema, Irapuã ajudou os franceses; em O Guarani, aimorés são cruéis; e

no último livro, o “berço da nacionalidade”, o papel de vilão coube ao cronista e, portanto, ao

11 ELIA, Sílvio. “Romantismo e linguística”. In: GUINSBURG, Jacob (org.). O Romantismo. São Paulo: Ed.

Perspectiva, 1978. pp. 113-135. 12 Algumas Revistas do IHGB possuem dicionários léxicos com termos indígenas, cujos principais troncos são o

Tupi-Guarani e Macro-Jê. Segundo Dantielli Garcia e José Nunes, “a elaboração/divulgação de vocabulários

bilíngues pela RIHGB está relacionada à formação de uma história do Brasil que busca constituir uma identidade

aos brasileiros, com um passado linguístico de origem indígena”. (GARCIA, Dantielli Assumpção e NUNES, José

Horta. “Vocabulários de línguas indígenas na Revista do IHGB: o processo de gramatização”. In: BARROS, Lídia

Almeida e ISQUEREDO, Aparecida Negri. (orgs). O léxico em foco: múltiplos olhares. São Paulo: Editora Unesp;

São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010. p. 154.) 13 ABREU, Mirhiane Mendes. Ao pé da página: a dupla narrativa em José de Alencar. Campinas, SP: Mercado de

Letras, 2011. p. 14. 14 GRAFTON, Anthony. Les origines tragiques de l’erudition: une histoire de la note en bas de page. Paris: Seuil,

1998.

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colonizador. Há um sentido histórico, afinal, José de Alencar “relativiza a ‘verdade’ contida

nos textos” dos cronistas. É provável que a relativização defendida por Alencar faça parte da

polêmica em torno de sua obra na década de 1870. A leitora porventura se lembrará que nas

Cartas a Cincinato, Franklin Távora foi responsável por uma das severas críticas à falta de

verossimilhança na obra alencariana. A questão atravessava duas visões sobre o que é a

“verossimilhança” e a “plausibilidade” na literatura. Távora, formado na Escola de Recife,

aproximava-se de uma visão mais cientificista do indianismo, ao passo que em Alencar a

“verossimilhança” literária seria algo plausível e sem pretensões de provas científicas.

As notas alencarianas também existem no romance As Minas de Prata (1862 – 1865).

Neste romance histórico, que é uma espécie de continuação de O Guarani, José de Alencar

dialogou diretamente com a Revista do IHGB. A narrativa que se passa durante a colônia tem

como mote a busca por um tesouro cujo mapa foi deixado por Robério Dias ao seu filho Estácio.

O mancebo pretende achar o tesouro para ascender socialmente e casar-se com Inês de Aguilar.

As minas também teriam o poder de decidir o futuro do Brasil. O diálogo de José de Alencar

com as Revistas do IHGB foi evidenciado por Valéria De Marco em A perda das ilusões.

Segundo a autora, Minas de Prata retoma o “mundo do Paquequer” de O Guarani e, por ter

uma natureza de romance histórico, Alencar travou uma discussão com documentos publicados

pelo IHGB15. A relação entre esse autor e o Instituto foi pesquisa também para Renata Dal

Sasso Freitas, que afirma que o escritor usou o recurso historiográfico para garantir

verossimilhança. As notas alencarianas são principalmente sobre as obras História Geral do

Brasil, de Varnhagen e Anais do Rio de Janeiro, de Baltasar da Silva Lisboa. Considerando os

apontamentos de Stephen Bann, o romance do Oitocentos pode ser analisado do ponto de vista

historiográfico porque ele está inserido num contexto de construção da ideia mais moderna de

“passado” e na própria noção de história como disciplina. Renata Dal Sasso Freitas leu o

romance e as obras nele citadas para compreender o diálogo entre o autor e o conjunto de

referências por ele coligidas. A historiadora indica, por exemplo, as escolhas de José de

Alencar, que mencionou o mapa das “minas de prata” a partir da referência de Cônego Januário

da Cunha Barbosa numa revista de 1839. Numa Advertência desta edição, o Cônego Januário

refere-se ao manuscrito de Manuel Ferreira Lagos intitulado Relação histórica de uma oculta e

grande povoação antiquíssima sem moradores, que se descobriu no ano de 1753. O Cônego

Januário Barbosa associou o documento à história de Robério Dias, relatada na História da

América Portugueza, de Sebastião da Rocha Pitta. A constatação de Renata Freitas foi que José

15 DE MARCO, Valeria. “As Minas de Prata: roteiros do romanesco”. A perda das ilusões: o romance histórico

de José de Alencar. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1993. pp. 95 – 144.

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de Alencar deu sua própria interpretação às indagações dos documentos da Revista do IHGB.

E o autor insere em Minas de Prata “talhe histórico” com “narrativas produzidas no Brasil e

referendadas como essenciais para a escrita da história neste país”16.

Outro trabalho sobre a relação de José de Alencar e o IHGB é a tese de Rafaela Mendes

Mano Sanches17. A autora argumenta que “o romance alencariano consegue metaforizar e

ficcionalizar na sua tessitura as nuances de discussões do IHGB e da imprensa”. Rafaela

Sanches também pensa no diálogo com a imprensa e por isso sustenta a hipótese de que por

meio do romance, José de Alencar construiu “uma possível resposta para os problemas

contemporâneos”. Como Rafaela Sanches analisou os periódicos, ela pode entender o momento

de produção de Minas de Prata e como o autor atacou parte dos jesuítas. O romance foi escrito

no início dos anos 1860, numa época que o IHGB ainda veiculava uma imagem positiva sobre

os jesuítas. A Companhia de Jesus era então considerada “fundadora da civilização e do

progresso na “gênese da nacionalidade brasileira”. Os jesuítas seriam os “salvadores” que se

“sacrificaram em prol” da colônia. José de Alencar discute o lugar e a função que jesuítas

tomam na construção da nacionalidade. Alencar parece não discordar da importância da

Companhia de Jesus, haja vista a peça O Jesuíta. No entanto, em Minas de Prata, retoma a

“tópica do acúmulo de poder”, o problema seria a corrupção, algo também defendido pelo

Cônego Januário.

Machado de Assis também utilizou notas para a composição de sua coletânea., Nas

próximas páginas, a leitora encontrará uma análise do recurso utilizado em Americanas.

Posteriormente, meu objetivo é entender o diálogo entre Machado de Assis e a Revista do

IHGB, analisando o contraste das visões bem como a forma como o autor evidenciou isso em

seu texto.

As notas machadianas

Machado de Assis em Americanas dialoga com a tradição indianista com muitas

ressalvas e ressignificações, de tal modo que amplia a discussão do lugar do indígena. Ao bailar

16 FREITAS, Renata Dal Sasso. “José de Alencar e o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro: apontamentos

sobre a concepção do romance As Minas de Prata (1862 – 1865) e a cultura histórica brasileira nos oitocentos”.

Aedos, Porto Alegre. Num. 5, vol. 2, Julho-Dezembro, 2009. pp. 8 – 25. 17 SANCHES, Rafaela Mendes Mano. “As Minas de Prata e a questão da religiosidade no Brasil colonial e

imperial: os jesuítas, os debates e as polêmicas no IHGB, na imprensa periódica e nos folhetins literários”. In: As

Minas de Prata e os aspectos da nacionalidade no projeto literário de José de Alencar: a ficcionalização da

história e seus diálogos com o presente. 2015. 267f. Tese. (Doutorado em Teoria e História Literária). Instituto de

Estudos da Linguagem. Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2015. pp. 98 – 150.

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com as obras tradicionais, Machado de Assis também utiliza de recursos similares, a fim de

elaborar sua própria versão indianista. Dentre os recursos aproveitados por Machado destaca-

se o emprego de notas no final da edição de Americanas. Tais notas tinham para o autor diversas

aplicações. Ao longo do texto, analiso algumas das utilidades das notas machadianas em

Americanas, partindo da hipótese de que o autor mantinha contato direto com a literatura de

José Alencar. É provável que Machado de Assis tenha utilizado as notas de forma tão

sistemática por causa da polêmica em torno da verossimilhança e do cientificismo na década de

1870. Havia diversas funções para suas notas, e talvez a principal tenha sido imitar a tradição

a fim de afugentar as dúvidas e desconfianças dos leitores acostumados com maiores

explicações aos autores. Machado de Assis polemiza com certas versões do indianismo que

flerta com o cientificismo. O autor parece evidenciar a fissura existente entre a relação da

ciência com a ficção:

Tinham os índios a religião monoteísta que a tradição lhes atribui? Nega-o

positivamente o Sr. Dr. Couto de Magalhães em seu excelente estudo acerca dos

selvagens, asseverando nunca ter encontrado a palavra Tupã nas tribos que

frequentou, e ser inadmissível a ideia de tal deus, no estado rudimentário dos nossos

aborígenes.

O Sr. Dr. Magalhães restituiu aos selvagens a teogonia verdadeira. Não integralmente,

mas só em relação ao sol e à lua (Coaraci e Jaci), acho notícia dela no Thesouro do

padre João Daniel (citado na nota a); e o que então faziam os índios, quando aparecia

a lua nova, me serviu à composição que vai incluída neste livro.

Sem embargo das razões alegadas pelo Sr. Dr. Magalhães, que todas são de

incontestável procedência, conservei Tupã nos versos que ora dou a lume; fi-lo por ir

com as tradições literárias que achei, tradições que nada valem no terreno da

investigação científica, mas que têm por si o serem aceitas e haverem adquirido um

como direito de cidade.18

Esta é uma das primeiras notas, aparece em “Potira” logo que o autor se refere a Tupã.

O autor remete à obra Viagem ao Rio Araguaia, de Couto Magalhães, publicada em 1863. Nesse

trecho, o escritor demonstra o limite entre literatura e ciência procurada por alguns autores

realistas do século XIX e a suposta necessidade de comprovação de plausibilidade. Embora

demonstre consciência que “Tupã” consiste de uma invenção, o autor preferira seguir a tradição

que consolidara esse suposto deus indígena. Demonstrando como dialogava com a tradição

indianista, e que mesmo duvidando de alguns dos termos e costumes criados pela literatura

romântica de Gonçalves Dias e José de Alencar, ainda iria segui-los em Americanas, pois eram

escritos consagrados e o público parecia mais habituado com a forma tradicional. Para Machado

de Assis, a literatura por ser fictícia tem o direito de invenção, separando-se da investigação

dita científica.

18 ASSIS, Machado de. Americanas. Rio de Janeiro: B.L. Garnier, 1875. p. 198.

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As notas de Machado encontram-se no final da edição, totalizam vinte e oito e são

organizadas por letras. Para o leitor saber onde a nota se encaixa, há na frente desta o verso que

Machado de Assis julgou requerer maior explicação. Algumas das notas são bem parecidas com

as de José de Alencar em Iracema, sendo uma delas igual, que serve para indicar o significado

de anajê, que ambos os autores traduzem como “gavião”. Para compreender as diferentes notas

de Machado, estou partindo da dupla tarefa do rodapé de Alencar- traduzir termos indígenas

utilizados na narrativa e indicar documentos históricos, basicamente cronistas e também

naturalistas como Aires de Casal. Machado de Assis por sua vez amplia a função das notas, o

autor afirma não querer utilizá-la para traduzir termos indígenas, e explica o motivo:

É ocioso explicar em notas o sentido desta palavra [cauim] e de outras, como pocema,

muçuruna, tangapema, canitar, com as quais todo leitor brasileiro está já

familiarizado, graças ao uso que delas têm feito poetas e prosadores. É também

desnecessário fundamentar com trechos das crônicas a cena do sacrifício do

prisioneiro, na estância XI; são coisas comezinhas.19

O autor parece debochar da literatura indianista que de tanto desgastar-se para utilizar

termos indígenas já acostumara o leitor com significados mais comuns, logo não precisava

perder tempo com isso. Além disso, afirmou que não iria “fundamentar” a partir das crônicas

dos colonizadores os costumes mais comuns utilizados na literatura. No trecho Machado refere-

se ao momento do sacrifício de um índio da nação Guaianá em “Potira”. Contudo, ao longo das

notas percebemos que o autor decide “fundamentar” uma série de episódios e costumes

indígenas utilizando textos tomados como científicos. O autor de Americanas se inspira em

textos de Padre Anchieta, Simão de Vasconcellos, Padre João Daniel, Fernão Cardim, e também

dialoga muito com autores do século XIX como Ferdinand Dènis, Couto de Magalhães, Aires

de Casal e ainda faz referências à Revista do IHGB.

Machado de Assis não tem o compromisso de verossimilhança proposto por Alencar. O

indianismo machadiano não tem pretensão de forjar a identidade nacional, embora Americanas

seja a contribuição de Machado para a discussão. Entretanto o autor dilatou o problema a partir

do olhar de um homem que vivia os anos 1870, que fora crítico da conjuntura literária brasileira,

e consequentemente de autores indianistas. Nesse âmbito, as notas de Machado de Assis não

carregam o mesmo signo da legitimidade forjada pelos autores indianistas a fim de consolidar

a identidade nacional. Em Americanas, o rodapé não serve para respaldar o índio que se queria

construir como símbolo na nação, contudo as notas carregam consigo um rastro da autenticidade

histórica que se pretendia tecer. Machado de Assis tentava conferir verossimilhança para o seu

índio que acreditava ser próximo do real e plausível como qualquer ser humano independente

19 Ibid., p. 198-199.

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da “raça”. Desse modo, o autor aparava de alguma forma suas escolhas a partir da comprovação

histórica de que as narrativas eram episódios possíveis. Ao tramar sua própria verossimilhança

agregando documentos históricos às narrativas, o autor também tem intenção de fundamentar

as construções literárias. Além disso, o escritor conseguiu manter a tradição de Alencar,

tentando eliminar a desconfiança do leitor habituado ao indianismo e suas comprovações

alicerçadas no campo histórico. Podemos entrever isso desde a primeira nota da coletânea,

referente à “Potira” e se trata de uma discussão entre cronistas da época da colonização:

Simão de Vasconcelos não declara o nome da índia, cuja ação refere em sua Crônica.

Achei que não foi o caso desta tamoia o único em que tão galhardamente se

manifestou a fidelidade conjugal e cristã.

O padre Anchieta, na carta escrita ao padre-mestre Lainez, a 16 de abril de 1563,

menciona o exemplo de uma índia, mulher de colono, a qual, depois de lho matarem

os índios, caiu em poder destes, cujo Principal a quis violentar. Ela resistiu e

desapareceu. Os índios fizeram correr a voz de que se matara; Anchieta supõe que

eles mesmos lhe tiraram a vida. Caso análogo é referido pelo padre João Daniel

(Tesouro descoberto no Amazonas, p. 2ª, cap. III); essa chamava-se Esperança e era

da aldeia Cabu.20

Nessa nota, o autor esclarece a inspiração da poesia “Potira”, ao passo que indica outros

documentos sobre casos análogos. Desse modo, Machado de Assis parece demonstrar como o

episódio que narrou era plausível e até mesmo foi um caso comum, comprovado por diversos

cronistas de lugares diferentes. Notas parecidas são encontradas em outras poesias com temática

indígena, como por exemplo o caso de “Niani”, poesia na qual temos índios convivendo entre

si, mas o autor indica uma possível aproximação da tribo com colonizadores. Na poesia, os

índios guerreiros da nação Guaiacuru utilizam lança e facão, armas típicas de portugueses e

espanhóis. Para justificar o uso dessas armas, o autor cita em nota o historiador Rodrigues

Prado:

“Estas duas armas (lança e facão) têm sido tomadas aos portugueses e espanhóis, e

algumas compradas a estes que inadvertidamente lhas têm vendido”. (RODRIGUES

PRADO, História dos Índios Cavaleiros).21

Esse excerto é encontrado no primeiro artigo do Tomo I da Revista do IHGB22. E ao

incorporar o trecho na coletânea, Machado tenta dar verossimilhança à sua poesia. O autor

pretende justificar costumes de seus índios, mas não com pretensão de criar um guerreiro

próximo ao cavaleiro medieval que criara Rodrigues Prado. Em “Niani” presenciamos um dos

20 Ibid., p. 197. 21 Ibid., p. 201. 22 PRADO, Francisco Rodrigues. “História dos índios cavaleiros ou da nação Guaiakuru”. In: Revista do IHGB,

tomo I, nº 1, 3ª ed. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1908.

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raros momentos em que o autor decide explicar termos. Machado às vezes demonstra o

significado dos nomes de seus personagens. Talvez para descrever de forma indireta um traço

fundamental de cada personagem. O autor explica o nome de Niani:

Nanine é o nome transcrito na História dos Índios Cavaleiros. Na língua geral temos

niaani, que Martius traduz por infans. Esta forma pareceu mais graciosa; e não duvidei

adotá-la, desde que o meu distindo amigo, Dr. Escragnolle Taunay, me asseverou que,

no dialeto guaicuru, de que ele há feito estudos, niani exprime a ideia de moça

franzina, delicada, não lhe parecendo que existia a forma empregada na monografia

de Rodrigues Prado23.

O diálogo com Taunay se deu por correspondência. No dia 15 de outubro de 1873,

Taunay enviou a seguinte mensagem a Machado de Assis:

Depois de nossa conversa última pensei qual podia ser o verdadeiro nome que deve

ter a sua heroína Guaicuru. A tradição em que você se funda dá Naniné. Pois bem, o

vocábulo legítimo e que servia de apelido a algumas mulheres guaicurus é Nianni

[niãni], que quer dizer – criança, pessoa fraca, débil. Julguei de obrigação comunicar-

lhe isto.24

Taunay encerra afirmando que: “Nianni é por certo melhor”. Isso demonstra também o

cuidado com que Machado de Assis confeccionou Americanas. O escritor realizou uma

pesquisa meticulosa para criar suas histórias. A partir da nota e do diálogo com especialistas,

se vislumbra a pesquisa histórica do autor a fim de assegurar verossimilhança de fatos, dados e

significados. Em outro momento de “Niani”, o autor nos mostra o possível significado de outro

personagem da poesia, o amásio da protagonista Panenioxe.

Tratando de descobrir a significação de Panenioxe, conforme escreve Rodrigues

Prado, apenas achei no escasso vocabulário gnaicuru, que vem de Aires de Casal, a

palavra nioxe traduzida por jacaré. Não pude acertar com a significação do primeiro

membro da palavra, pane; há talvez relação entre ele e o nome do rio Ipané.25

Machado explana a impossibilidade de assegurar com precisão o significado do nome

de Panenioxe. A fragilidade do significado remete ao desejo de procurar de fato um termo para

a palavra do vocabulário indígena, elucidando um possível anseio por verossimilhança. E

também, nessas duas notas anteriormente citadas, Machado utilizou dois autores para buscar

23 Ibid., p. 201. 24 TAUNAY, Alfredo d’Escragnolle. [correspondência] 15 de outubro de 1873. Rio de Janeiro [para] Machado de

Assis. (discussão do nome da personagem Niani). Ver: Correspondência de Machado de Assis. Tomo II: 1870-

1889/ coordenação e orientação Sérgio Paulo Rouanet; reunida, organizada e comentada por Irene Moutinho e

Sílvia Eleutério. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 2009 (Coleção Afrânio Coutinho); p. 87. (grifos

meus) 25 ASSIS, op. cit., p. 200-201.

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um consenso, fazendo desse modo uma discussão bibliográfica, a fim do significado dos nomes

parecer ainda mais autêntico, ilustrando possibilidades e fundamentando em diferentes autores.

Machado concebeu as notas diferentemente de Alencar, que explicava termos sem citar

claramente os autores que lhe serviam de fonte. Ao esclarecer o nome de Iracema, o autor

mostra o significado sem sequer de fato informar de onde tirou a informação: “Iracema: em

guarani significa lábio de mel, de ira- mel, e tembe- lábios. Tembe na composição altera-se e

ceme, como na palavra ceme iba”26. Somente com a informação do autor, não é possível

assegurar que é de fato um nome de raiz guarani, com esse significado. Além desse trecho,

podemos tomar como exemplo outro fragmento de Iracema, na qual os índios Tabajaras estão

festejando “Jaci”, a lua, “brandindo os arcos”, lançando ao céu uma “chuva de flechas” a fim

de comemorar a lua nova. Em nota, José de Alencar explicou esse costume: “Jaci: a lua. Do

pronome já- nós, e cy- mãe. A lua exprimia o mês para os selvagens; e seu nascimento era

sempre, por eles festejado”27. Em “Lua nova”, Machado de Assis escreveu sobre uma tribo de

índios, possivelmente habitantes da Amazônia. A tribo também comemora a chegada da lua

nova, o autor também explica o costume:

...E na verdade tem ocasiões em que festejam muito a lua, como quando aparece nova;

porque então saem de suas choupanas, dão saltos de prazer. Saúdam-na e dão-lhe as

boas-vindas. (JOÃO DANIEL. Thes. Descob. no Amaz., part 2ª, cap X).28

O fragmento citado por Machado de Assis encontra-se na exata parte que o autor indicou

e fala dos costumes, da religião e da “vida dos índios do rio máximo Amazonas”29. Machado

de Assis ao explicar os costumes indígenas demonstrou de onde colheu as informações de forma

específica e com exatidão mencionando a bibliografia ou os documentos. De tal modo que eleva

o patamar da tentativa de gerar verossimilhança, que por vezes encontramos em Americanas. É

o exemplo de uma das últimas notas da coletânea, na qual Machado explica a composição

“Última jornada”, inspirada em uma crença que Montaigne atribuiu aos indígenas:

Não me recordo de haver lido nos velhos escritos sobre os nossos aborígenes a crença

que Montaigne lhes atribui acerca das almas boas e más. Este grande moralista tinha

informações geralmente exatas a respeito dos índios; e a crença de que tratamos traz

certamente um ar de verossimilhança. Não foi só isso o que me induziu a fazer tais

versos; mas também o que achei poético e gracioso na abusão.30

26 ALENCAR, José. Iracema: a lenda do Ceará. Rio de Janeiro: Typ. de Vianna & Filhos, 1865. p. 164. 27 Ibid, p. 178. 28 ASSIS, op. cit. p. 208. 29 DANIEL, João. “Da lei dos índios do Rio amazonas”. In: Tesouro descoberto do Rio Amazonas. Introdução de

Leandro Tocantins. Relatório da diretora da Biblioteca Nacional, 1975. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional 1976,

pp. 236-240. 30 ASSIS, op. cit., p. 208.

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Os labirintos da história

Após a publicação de Falenas, os críticos de Machado de Assis pediam que o literato se

voltasse para temas e personagens tipicamente nacionais. Os críticos sugeriram que o autor

fluminense se inspirasse em trabalhos sobre a história do Brasil para que pudesse escrever uma

literatura mais próxima aos temas brasileiros e assim fazer sua contribuição para as letras

nacionais. Em Americanas podemos perceber que parte das exigências foram acatadas, já que

Machado de Assis demonstra ter pesquisado a história do Brasil em diversas fontes para, enfim,

escrever uma coletânea de “poesias americanas”. A evidência da pesquisa encontra-se nas notas

no final da coletânea, nas quais há citações e referências a diversos autores que escreveram

parte da história do Brasil, sejam eles cronistas como Simão de Vasconcellos ou pesquisadores

do século XIX como Aires de Casal. Buscar inspiração em textos que abordavam a história

brasileira foi uma das sugestões recebidas por Machado de Assis, dentre esses escritos

historiográficos estava a leitura das Revistas do IHGB. Uma crítica que pedia uma literatura

voltada para temas nacionais e a sugestão de buscar inspiração na produção historiográfica do

IHGB parecem ter sido a razão do interesse de Machado pelas revistas do Instituto. Por isso, o

autor fez pedido de uma coleção de Revistas ao próprio Instituto. No dia 20 de outubro de 1871,

Machado de Assis escrevia uma carta a Fernandes Pinheiro agradecendo a coleção de Revistas

recebidas por ele31. Segue abaixo o trecho específico sobre as Revistas do IHGB:

Estou de posse da coleção de Revistas, que o Instituto Histórico e Geográfico

Brasileiro, a pedido do seu ilustrado 3.º vice-presidente, o Senhor Doutor Joaquim

Norberto de Sousa e Silva, resolveu me fosse remetida.

Rogo a Vossa Senhoria queira transmitir à ilustre associação, de que é muito digno

secretário, os meus cordiais agradecimentos.32

Com a posse da coleção de Revistas, Machado inicia um diálogo com a produção do

IHGB. Ao longo da coletânea, Machado de Assis tenta se aproximar de um índio histórico,

considerado inviável para a civilização e se distancia da construção dos literatos indianistas que

criaram um guerreiro quase medieval. A produção do IHGB, desde o princípio, trabalhou com

a questão indígena, pois significava, entre outras coisas, estudar a população do Império.

31 De acordo com a edição da ABL das correspondências completas de Machado de Assis, o original dessa carta

se encontra no arquivo do IHGB. Correspondência de Machado de Assis: tomo II, 1870-1889 /coordenação e

orientação Sergio Paulo Rouanet ; reunida, organizada e comentada por Irene Moutinho e Sílvia Eleutério. – Rio

de Janeiro: ABL, 2009. (Coleção Afrânio Peixoto; v. 92). p. 36. 32 ASSIS, Machado de. [carta] 20 de outubro de 1871. Rio de Janeiro [para] Cônego Fernandes Pineiro.

(Agradecimento pela coleção de Revistas do IHGB). Ver: Correspondência de Machado de Assis: tomo II, 1870-

1889 /coordenação e orientação Sergio Paulo Rouanet ; reunida, organizada e comentada por Irene Moutinho e

Sílvia Eleutério. – Rio de Janeiro: ABL, 2009. (Coleção Afrânio Peixoto; v. 92). p. 35.

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Segundo Manoel Luís Salgado Guimarães, o IHGB tem como proposta desde a sua inauguração

realizar um projeto moderno cujo caráter era a “soberania do princípio nacional enquanto

critério fundamental definidor de uma identidade social”33. Conforme Manoel Luís Salgado, os

homens do Instituto Histórico empenhavam-se em “escrever a história brasileira enquanto palco

de atuação de um Estado iluminado, esclarecido e civilizador”34. A partir da década de 1850, o

IHGB se profissionalizou ainda mais, de tal maneira que os estudos de ordem etnográfica e

arqueológica tinham como função tratar a história como um “processo linear e marcado pela

noção de progresso” de forma que poderiam “explicitar para o caso brasileiro essa linha

evolutiva”. Todavia, a dificuldade do IHGB era “gestar um projeto nacional” numa sociedade

marcada pela heterogeneidade de raças, trabalho escravo e sociedades indígenas. Nesse sentido,

a escrita da história definiu a nação, forjando uma identidade nacional capaz de atuar “externa”

e “internamente”. Assim, discutia, dentre outras coisas, a viabilidade do indígena como

representante nacional. A construção nacional foi profundamente marcada por uma força

excludente e com “imagens depreciativas do outro”35.

O comprometimento do IHGB era com a “gênese da nação”, logo a historiografia

reforçava a “origem” 36 . Segundo Astor Antônio Diehl, buscava-se “garantir uma

homogeneização de visão sobre o Brasil” referendada nas elites nacionais. De acordo com o

pesquisador, a “construção de ideia de nação no Brasil não se assentou na oposição à antiga

metrópole portuguesa”; ao contrário disso, a nação “se reconheceu como continuadora da tarefa

civilizadora iniciada pela colonização portuguesa”. Portanto, a historiografia definiu a exclusão

dos que não faziam parte da “noção de civilização” – índios e negros. O desafio era “viabilizar

a existência da totalidade Brasil”. Astor Diehl sintetiza a questão:

Os historiadores empenhavam-se em explicar o caso brasileiro numa linha evolutiva

e, para tal empreendimento, lançavam mão de outros conhecimentos – etnografia,

arqueologia e linguística – como forma de acesso à cultura estranha dos indígenas,

cuja inferioridade era explicada através da ciência. Por outro lado, esse mesmo método

capacitaria recuperar, na história brasileira, a cadeia civilizadora, demonstrando a

inevitabilidade da presença branca como forma de assegurar a plena civilização. Em

outras palavras: essa presença era necessária para dar continuidade ao processo de

formação da identidade integradora capaz de modernizar o Brasil.37

33 GUIMARÃES, Manoel Luís Salgado. “Nação e civilização nos Trópicos: O Instituto Histórico e Geográfico

Brasileiro e o projeto de uma História Nacional”. In: Estudos Históricos, Rio de Janeiro. n.1, 1998, pp. 5-27. p. 7.

Sobre o IHGB, ver: GUIMARÃES, Lucia Maria Paschoal. “O Império de Santa Cruz: a gênese da memória

nacional”. In: HEIZER, Alda e VIEIRA, Antonio Augusto Passos. Ciência, civilização e império nos trópicos.

Rio de Janeiro: Acess, 2001. pp. 265 – 285. 34 GUIMARÃES. op. cit. p. 10. 35 Ibid.,. p. 23. 36 DIEHL, Astor Antônio. “A institucionalização do saber histórico. Do clássico ao moderno: a construção de uma

identidade nacional secularizada e adaptada”. In: A cultura historiográfica brasileira: do IHBG aos anos 1930.

Passo Fundo: Ediupf, 1998. pp. 21 – 90. 37 Ibid., p. 31.

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Os intelectuais do IHGB se voltavam para estudos das sociedades indígenas, para que a

suposta inferioridade em relação ao branco fosse justificada cientificamente. Essa perspectiva

gerou uma disputa entre os campos históricos e literários, sobretudo marcada pela presença de

Varnhagen. Astor Diehl afirma que o “mergulho” de Varnhagen na história foi:

[...] um gesto de criação e proteção, visando fazer surgir uma nação branca e

europeia coerente com a paisagem tropical civilizada pelo homem branco

europeu e típica do projeto iluminista de extirpar o caos, a tragédia, o sujo do

passado, como forma de exemplificar o presente e prever/prevenir o futuro.38

Varnhagen defendia que o indianismo vinculava “ideias que acabam por ser

subversivas” porque trabalhava com a ideia do índio como portador da “brasilidade”39. Kaori

Kodama demonstra que a perspectiva desse historiador era radical. Varnhagen em sua ideologia

“anti-indianista” se posicionava favorável ao cativeiro indígena40. Machado de Assis demonstra

ser contrário às ideias do historiador. O literato parecia consciente de que a nacionalidade

brasileira não poderia ser entendida exclusivamente nos povos indígenas, todavia não poderia

excluí-los do projeto de nação. No “Instinto de Nacionalidade”, Machado de Assis toma partido

nesse diálogo ao ironizar o Sr. Varnhagen, e seus partidários que “negam tudo aos primeiros

povos deste país” e por essa razão, eles deveriam excluir os índios da poesia. Mas ao se

considerar a obra de Gonçalves Dias, inclusive no IHGB, e os escritos de Couto de Magalhães

autor de Viagem ao Rio Araguaia (1863), não seria “lícito arredar o elemento indiano da nossa

aplicação intelectual”. Seria um “erro” a “absoluta exclusão” dessas obras41.

No seio do Instituto havia diferentes perspectivas sobre a questão indígena e o próprio

conceito de história e Machado de Assis também dialogou com essas diferenças. As

divergências de perspectiva entre Varnhagen e Machado de Assis existem quanto ao modo

como enxergam o espólio do indianismo e também possuem diferentes noções de história.

Varnhagen representa uma historiografia que excluiu em seu projeto negros e índios e definiu

a Europa como modelo a ser seguido. Os historiadores com posição próxima ao racismo

explicavam uma linha evolutiva para o Brasil, tomando a missão civilizadora pautada na

herança europeia. Esta perspectiva parecia oposta ao que Machado de Assis defendeu em

38 Ibid., p. 43. 39 VARNHAGEN. Apud. GUIMARÃES, op. cit., p.12. 40 KODAMA, Kaori. Os índios no Império do Brasil: a etnografia do IHGB entre as décadas de 1840 e 1860. Rio

de Janeiro: Editora FIOCRUZ; São Paulo: EDUSP, 2009. p. 164-165. 41 ASSIS, Machado de. “Notícia da atual literatura brasileira- Instinto de Nacionalidade”. In: O Novo Mundo. New

York, 23 de março de 1873, vol. III, nº 30. pp. 107-108.

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Americanas. Na coletânea, o autor demonstra desde o título uma oposição ao modelo europeu.

Machado de Assis talvez estivesse evidenciando uma fissura do espelho europeu, pois se tratava

de uma realidade diversa. O escritor até percebia a Europa como “berço da civilização”, todavia

era uma esfera totalmente diferente da sociedade brasileira. O progresso que chegou pelas

caravelas foi importante, entretanto um projeto nacional americano deveria pensar uma nova

“civilização” agregando as diversidades. A nação branca e europeia defendida por Varnhagen

ia contra as narrativas com as quais Machado de Assis pretendia dialogar. Diehl afirmou que

segundo a narrativa de Varnhagen, a “vitória” do homem branco civilizado aconteceu pela sua

superioridade; por meio da colonização, trouxeram lei, ordem e religião42 . O processo de

conquista foi uma “limpeza étnico-racial”, que extirpou e expurgou o diferente. Em Varnhagen,

não há “acaso histórico”, pois, a conquista europeia representa a superioridade daquela

civilização. Todavia, a partir das narrativas machadianas, percebemos que para ele, o processo

colonial aconteceu em meio ao acaso e fatalidade históricos. Demonstrando que havia uma

sociedade organizada com leis próprias e que foi eliminada por uma força bélica maior.

Machado de Assis dialogou com Varnhagen, tanto que o citou no “Instinto de

Nacionalidade”, entretanto, é possível identificar um contraste na noção de história de Machado

e do IHGB de modo mais amplo. O escritor debateu com visões sobre a história brasileira e sua

população. João Cezar de Castro Rocha, em “Machado de Assis, leitor (autor) da Revista do

Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro”, se propõe a analisar o diálogo do escritor

fluminense com a produção do IHGB. Castro Rocha contribui com a discussão na medida em

que compreende a ligação do autor com a história em parte de sua obra, e afirma que a história

na obra de Machado de Assis “não é um conjunto disciplinado de fatos, teleologicamente

ordenado numa sequência linear”, porém, é “texto, ou seja, uma forma narrativa determinada”.

Castro Rocha conclui que o discurso histórico para Machado de Assis parece depender “sempre

de uma decisão narrativa”43. De acordo com o pesquisador, o tipo de história conduzida pelo

IHGB, com artigos relevantes para a discussão sobre nacionalidade, era um “farto material para

a corrosiva ótica machadiana”, afinal, “o esforço de reunião do material revela, por contraste, a

insuficiência da tradição que deveria estar na base de um tal Instituto”44. Sob essa ótica, Castro

42 DIEHL, op. cit., p. 48. 43 ROCHA, João Cezar de Castro. “Machado de Assis, leitor (autor) da Revista do Instituto Histórico e Geográfico

Brasileiro”. In: JOBIM, José Luís. A biblioteca de Machado de Assis. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de

Letras; Topbooks, 2001. p. 321. 44 Ibid., p. 324.

Cezar de Castro Rocha completa ainda: “Por fim, Machado concentrou sua reflexão na história que lhe era

contemporânea e, ao fazê-lo, contrariava radicalmente a orientação dominante no Instituto Histórico e Geográfico

Brasileiro. No incisivo questionamento de Lúcia Guimarães: “Como explicar que uma entidade, que se dizia

voltada para o ‘esclarecimento de todos os brasileiros’, protelasse a divulgação de documentos importantíssimos

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Rocha tenta responder o questionamento se Machado seria leitor das Revistas do IHGB. Sem

ter uma resposta satisfatória, o autor constata a existência de toda a coleção das revistas de 1839

até 1870, e percebe anotações em algumas edições. Todavia, para ele, isso por si só não garante

que Machado leu as Revistas. A cautela metodológica do autor é importante, porém, não

considera que foi o próprio Machado de Assis que havia pedido a coleção e tampouco consegue

responder o motivo de ele buscar as Revistas do IHGB. E principalmente, por não pesquisar

como o autor dialogou diretamente com artigos do IHGB em sua poesia, com exceção de O

Almada, acabou por concluir que estudar Machado “leitor da Revista do Instituto, não parece

muito promissor”45.

Se nos detivermos mais profundamente na relação entre o IHGB e a literatura do

Oitocentos, é possível perceber algumas nuances entre a historiografia e o indianismo. Segundo

Nelson Schapochnik, em “Como se escreve a história?”, o IHGB confeccionava a história

nacional como “sinopse histórica”. E forjavam a “ideia de processo histórico linear através da

demarcação de motivos iniciais e conclusivos e, por outro lado, ela se oferecia como um relato

dos fatos que aconteceram em momentos pontuais”.

A partir de uma visão da coletânea, parece perceptível que os “mecanismos de memória”

são criticados por Machado de Assis; além disso, o processo não parecia tão linear quanto o

IHGB queria mostrar. A linearidade do IHGB privilegiava o papel preponderante da sociedade

portuguesa; no entanto, Machado de Assis escreveu uma coletânea com poucos personagens

europeus, evidenciando a ação dos que aqui habitavam antes da invasão europeia.

A sequência linear e teleológica que organiza a história brasileira como um conjunto de

fatos ordenados e guiados pelos portugueses foi alimentada na literatura indianista mais

tradicional. O projeto indianista se confunde com a historiografia do IHGB. Uma das obras

indianistas mais importantes é a Confederação de Tamoios. Essa obra foi financiada por D.

Pedro II e de acordo com Lilia Schwarcz foi “aguardada como o grande documento de

demonstração de “validade nacional” do tema indígena 46 . A obra tentou chegar ao “mito

nacional de fundação” superando as “especificidades regionais”. A trama se opõe aos

colonizadores, os Tamoios lutam contra agressores portugueses. A epopeia foi inspirada num

sobre determinados fatos e personagens da história pátria recente, alegando aguardar o juízo do ‘tribunal da

posteridade’ acerca dos mesmos?”(GUIMARÃES, 1995, 457). Ora, o projeto machadiano sem dúvida caminhava

a contrapelo dessa prudente deliberação e contaminava a história contemporânea com sua irônica percepção dos

processos estruturais negligenciados pela narrativa oficial, quase exclusivamente interessada no elogio da

formação do Estado”. (ROCHA, op. cit., p. 327-328) 45 ROCHA, op. cit., p. 325. 46 SCHWARCZ, Lilia. “Um Monarca nos trópicos”: o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, a Academia

Imperial de Belas – Artes e o Colégio Pedro II”. In: As barbas do Imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos.

São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p. 132

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artigo de Baltasar da Silva Lisboa, publicado em 1834. A dialética na narrativa de Magalhães

também ocorre entre os grupos de portugueses e indígenas. Os europeus foram divididos entre

colonizadores, que segundo Lilia Schwarcz “parecem representar a impureza do ato que

transforma uma nação livre em escrava”, e os religiosos – “jesuítas mancomunados com o

futuro do Império”. Os índios também estão entre “catequizados” e “indomáveis”. O “par

enaltecido” é o que representa a “pureza” – os portugueses da “unidade nacional”, da “fé cristã,

que se cola ao sacrifício dos nativos” e os indígenas “não conspurcados pela civilização”. Num

momento importante, Tibiriça, índio Guaianá catequizado, tenta convencer o sobrinho

Jagoanharo das vantagens da civilização. Jagoanharo, por sua vez, tem um sonho em que previu

a “chegada da família real, a independência, o Império, a guerra na região do Prata e por fim o

reino do justo monarca Pedro II”. Dessa forma, “o Império aparece contraposto à colonização

portuguesa, terreno da desigualdade”. D. Pedro II surgia como um “messias da paz, um

mensageiro de Deus”. No meio do sonho, o índio declarou: “Índio! Se amas a terra em que

nasceste/ E se podes amar o seu futuro/ A verdade da cruz aceita e adora”. De acordo com Lilia

Schwarcz, a literatura cedia “espaço ao discurso oficial e o indígena transformado em um

modelo nobre se torna parte, mesmo que como perdedor, da grande gênese do Império”. Em

suma, “como exemplo a ser seguido, o indígena surgia como herói e vítima de um processo que

o atropela”.47

Machado de Assis também escreveu uma narrativa na qual seu protagonista tem um

sonho premonitório – “A visão de Jaciúca”. Entretanto, Jaciúca não vê um Império glorioso e

um futuro bom. Ele vê destruição e mortes. Sendo assim, contrário a uma visão que harmoniza

forças opostas em prol de um suposto bem maior que é a civilização.

Retomando aqueles primeiros anos da década de 1870, vemos Machado de Assis

utilizando de fontes do século XVI ao XVIII, desse modo, o poeta pode realizar uma

interlocução entre as diferentes perspectivas dos autores e contribuir com a discussão a partir

de obras historiográficas escritas em diferentes contextos. Das histórias narradas em

Americanas das quais o autor indica especificamente de onde tirou inspiração, estão “Potira”,

“Lua Nova”, “A última jornada”, “Niani” e “Os Orizes”. Essas duas últimas são importantes

para compreender o outro lado do diálogo machadiano com as Revistas do IHGB. O autor indica

que ambas foram inspiradas em artigos da Revista48 . Em “Orizes”, Machado de Assis se

47 Ibid., p. 134. 48 Além disso, as diferentes fontes do tempo colonial, tais como os textos de Anchieta, Antonio Vieira, João Daniel,

Gabriel Soares de Souza, eram publicados dentro da Revista do IHGB, segundo Kaori Kodama. Portanto, é possível

pensar que Machado tivesse acesso a algumas das fontes dos primeiros cronistas por meio da Revista e não

necessariamente tenha lido a obra original. Segundo Kodama, alguns dos textos dos cronistas eram coligidos por

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inspirou no texto de Monterroyo Mascarenhas, português que viveu no Brasil no século XVIII.

O texto foi publicado no oitavo tomo da Revista do IHGB, intitulado “Os Orizes conquistados”

e narra a história de uma tribo que habitava a Bahia. Os eventos evidenciados são os que giram

em torno da conversão dos Orizes Procazes, que ocorreu por volta de 1713. O subtítulo nos dá

uma noção melhor dos“Os Orizes conquistados”:

Notícia da conversão dos indômitos Orizes Procazes, povos habitantes e guerreiros do

sertão do Brasil, novamente reduzidos à santa fé católica, e à obediência da coroa

portuguesa. Com a qual se descreve também a aspereza do sítio da sua habitação, a

cegueira da sua idolatria, e a barbaridade dos seus ritos.49

A publicação de obras como essas que fazem um elogio à ação dos padres católicos no

processo de conversão dos indígenas têm como função evidenciar a possibilidade de civilização

de algumas tribos, no caso dos Orizes, até mesmo as mais “bravias”. O texto de Mascarenhas

evidencia a introdução paulatina da língua e da fé portuguesas na tribo, demonstrando a cultura

“rude” dos Orizes que possuíam certo “ódio da cristandade”. Aos poucos os indígenas foram

cedendo ao Evangelho, o papel do líder Ureth é aclamado como um homem que negociava

vantagens para a tribo ao mesmo tempo em que conseguia impor limites para a aproximação

dos padres, evidentemente que as barreiras eram quebradas enquanto os Orizes aumentavam a

confiança nos portugueses. A conclusão do texto é o batismo dos quase 2000 membros da tribo,

ganhando destaque a transformação do líder Ureth em Rafael. Machado de Assis ao apropriar-

se desse episódio, prefere evidenciar outros aspectos. O autor não terminou sua história, mas

podemos prever que o final seria o mesmo, a conversão dos indígenas, quiçá com muitas

batalhas, porém, até o ponto que escreveu, o que Machado queria transmitir era a beleza dos

modos “rudes” e a resistência à cultura europeia. O que Machado afirmava ser poético na

história dos Orizes era a “aspereza dos costumes”, a “sua rara energia, as circunstâncias

singulares da conquista e conversão da tribo”50. Por essa razão, o autor ao compor seu quadro

poético, lança luz sobre a resistência dos indígenas frente à colonização. Subvertendo assim a

ideia que a Revista queria transmitir ao elogiar a conversão e afirmar que se tratava de uma

tribo “bárbara”.

A outra história claramente inspirada num artigo de uma Revista do IHGB foi “Niani”,

que vem na primeira revista em “Índios cavaleiros ou da Nação Guayacuru” de Francisco

Gonçalves Dias. Os trabalhos dos cronistas jesuítas eram importantes porque dentre as preocupações dos

intelectuais estava a conversão dos indígenas, crucial para o progresso dessa população. KODAMA, op. cit. p.

113. 49 MONTERROYO, Joseph Freyre Mascarenhas. “Os Orizes Conquistados”. In: Revista do IHGB. Tomo VIII, 3º

trimestre. 2ª ed. Rio de Janeiro: Typographia de João Ignácio da Silva, 1867. p. 494. 50 ASSIS, op. cit. p. 207-208.

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Rodrigues do Prado. O artigo na Revista é um relato sobre a tribo Guayacuru de modo geral.

Ao longo das discrições sobre a cultura, os costumes, a organização social e econômica e os

aspectos físicos da tribo, Rodrigues do Prado nos conta episódios isolados de alguns índios com

quem conviveu nas margens do Rio Paraguai por volta do final do século XVIII. O autor

dedicou um parágrafo para a história da índia Nanine ou Niani como Machado preferiu chamá-

la. Foi a partir do trecho a seguir que Machado concebeu o seu poema:

Desde então cobriu-se Nanine de uma mortal melancolia, sendo seus olhos sempre

chorosos. Assim se passaram três meses, quando um dia, estando deitada na sua

rústica cama, lhes deram a notícia que seu desleal marido se tinha casado com uma

rapariga de menor esfera. Senta-se então Nanine na cama, como arrebatada, chama

para junto de si um pequeno índio que era seu cativo, e diz-lhe na presença de vários

antecris: “És meu cativo, dou-te a liberdade, com a condição que chamarás toda a vida

Panenioxe.” Então seus olhos deixaram correr dilúvios de lágrimas pelas suas tristes

faces, que ela de envergonhada quis ocultar, mas o amor ofendido não o permitia.

Parece que esta violenta contenda de duas poderosas paixões lhe motivou uma febre

ardente, com a qual ao outro dia perdeu a vida51.

Dentro da lógica do artigo de Rodrigues do Prado, a história de Nanine surge como uma

galhofa, um momento engraçado vivido na tribo dos Guaiakurus. O autor quer provar seu

argumento de que as mulheres Guaiakurus amam em excesso e não possuem temperança em

alguns momentos de suas vidas e por isso começa a sentença com a expressão “a anedota

seguinte”. Para Machado, a sofrimento da mulher vítima do descaso do marido não era piada,

logo a poesia foi construída em tom melancólico, como sendo uma história de amor, ciúme e

traição plausível de acontecer em qualquer lugar. Novamente Machado de Assis subverte as

intenções dos autores dos artigos, imprimindo às histórias novos significados e sentidos.

Outro momento no qual Machado dialoga com o IHGB foi no poema O Almada, que

embora não tenha sido inspirado numa produção historiográfica do IHGB, possui em suas notas

interlocução com a Revista. O Almada é um “poema herói-cômico” com teor histórico inspirado

em um texto da obra Anais do Rio de Janeiro de Baltazar da Silva Lisboa52. O caráter vil da

dominação europeia fez com que Machado imprimisse um ar também violento em Americanas.

Talvez por essa razão o autor excluiu o poema O Almada da coletânea. Com uma narrativa que

se passa durante a colônia, a poesia poderia facilmente ser incluída na coletânea. E talvez fizesse

parte do projeto de Machado integrá-la em Americanas. O Almada é de 1873, um trecho foi

publicado na Revista Brazileira, pode ter sido excluída de Americanas porque traz em sua

estrutura narrativa um humor que seria dissonante para a coletânea de 1875. O poema “tragi-

51 ASSIS, Machado de. op. cit. p. 207; PRADO, Francisco Rodrigues. “História dos índios cavaleiros ou da nação

Guaiakuru”. In: Revista do IHGB, tomo I, nº 1, 3ª ed. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1908. p. 26. 52 ASSIS, Machado de. “O Almada”. In: Outras Relíquias. RJ: Garnier, 1910.

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cômico” de Machado seria publicado postumamente em Outras Relíquias (1910). O poeta

anuncia em sua “Advertência” que “o assunto deste poema é rigorosamente histórico”. Se trata

de um episódio de 1659 no qual o tabelião Sebastião Ferreira Freire sofreu um atentado contra

sua vida. Os autores do delito eram protegidos do presbítero Manuel de Sousa Almada.

Sebastião Freire foi prestar queixa ao ouvidor-geral Pedro de Mustre Portugal, que foi intimado

por Almada que exigia que o entregasse as páginas do processo e acabasse com essa história.

Como não obedecera ao Almada, o ouvidor foi excomungado, tendo que recorrer ao governador

da cidade, Tomé de Alvarenga, para que suspendesse sua pena de excomunhão. A inspiração

foi um trecho da obra Anais do Rio de Janeiro de Baltazar da Silva Lisboa, escrita entre 1834

e 1835. Machado de Assis afirma que acrescenta alguns detalhes, afinal isso era “de regra e

direito fazer numa obra de imaginação”, mas o poeta, busca, sobretudo, “o cômico onde ele

estava”, ou seja, “no contraste da causa com os seus efeitos, tão graves, tão solenes, tão fora de

proporção”. Machado exagera os traços do Almada, sua galhofa se destina a esse representante

do clero, dos colonizadores. O autor faz piada principalmente por causa do final da história, no

qual se descobre que a emboscada contra Sebastião Freire foi planejada pelo próprio Almada

que queria se colocar no lugar de vítima do “ódio popular”. Esse tom cômico não caberia em

Americanas, nos quais os personagens não são os fidalgos da colônia e sim as vítimas do mundo

senhorial.

A série “História de 15 dias”, publicada por Machado de Assis na Ilustração Brasileira,

entre 1876 e 1878, também está no bojo das discussões sobre a história. “História de 15 dias”

contava com a assinatura de Manassés, que representava o “ponto de vista da narrativa – o que

marcava uma substancial modificação no modo pelo qual Machado se apresentara até então em

suas crônicas” 53 . De acordo com Leonardo Pereira, o pseudônimo é “uma chave para a

compreensão da perspectiva que adotaria naqueles artigos quinzenais”. Leonardo Pereira

demonstra como Machado de Assis foi impecável na escolha do pseudônimo e sua relação com

o programa proposto para a série. Manassés é um personagem bíblico do livro de Gênesis,

patriarca de duas tribos de Israel e, portanto, ligado à origem da civilização ocidental. Por ser

uma “referência ancestral”, o narrador foi “testemunha viva de toda a história que pudesse ser

contada naqueles artigos quinzenais”. Segundo o livro de Gênesis, Manassés recebeu esse nome

de seu pai, José, porque significa “aquele que faz esquecer”. Dessa forma, “o pseudônimo

evidenciava a subjetividade dos mecanismos da memória”.

53 PEREIRA, Leonardo A. de M. “Introdução”. In: ASSIS, Machado de. História de 15 dias... op. cit., p. 17.

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Mesmo depois de Americanas, Machado continuou em outros momentos da carreira

literária uma interlocução com a história. Jefferson Cano em “Machado de Assis, historiador”,

reflete sobre os “possíveis fragmentos de um debate” entre Machado e Capistrano de Abreu

“sobre o sentido histórico e político da literatura”54. A literatura seria, para Capistrano de Abreu,

“uma expressão da sociedade”. Segundo Jefferson Cano, sendo esse historiador um “franco

admirador de Comte e Spencer, isto significaria que a análise da literatura era passível de rigor

científico, do mesmo método próprio da análise sociológica”. Por outro lado, é possível que

para Machado de Assis fosse “exatamente o oposto, que era a própria obra literária que podia

servir à análise da sociedade”. A fim de comprovar seu argumento, Jefferson Cano estabelece

como objeto central de seu texto a interlocução de Memórias Póstumas de Brás Cubas com a

história. Segundo Jefferson Cano, em Memórias, Machado pode ter escrito uma espécie de

alegoria que “apresentava uma história do Brasil (Brás), ou de uma representação do Brasil a

partir de um olhar particular das classes proprietárias”. Além disso, também “dialogava com

toda uma produção historiográfica já estabelecida e com a qual Machado devia estar

familiarizado.” O autor de Memórias póstumas assumia um “debate com os historiadores

contemporâneos a respeito do caráter que deveria assumir uma “história nacional”. ”55 Assim,

Jefferson Cano entende a narrativa de Memórias póstumas como sendo uma “crítica ao conceito

de história nacional”. Ao se debruçar sobre a construção da genealogia de Brás Cubas, Jefferson

Cano percebe o esforço de Cubas em criar a própria história familiar pautada numa grandeza e

eliminando os antepassados que não colaborariam para a nobreza e criando outros parentes

fidalgos56. A criação de “uma genealogia mais de acordo com sua riqueza”, constitui-se numa

espécie de “ideia fixa” nos três primeiros capítulos na narrativa de Brás Cubas. Essa também

fora a “ideia fixa” da criação do IHGB, narrar a história da nação e colaborar para a formação

da identidade nacional, silenciando os agentes que se queria enterrados, evidenciando e

selecionando fatos que fossem símbolos de grandeza. O projeto do IHGB e “seu sentido

político” encontravam a partir da década de 1870, “elementos pelos quais se fazia a crítica de

história”57. Em Memórias póstumas, Machado parece, entretanto, não remeter a discussão com

a história para algum membro específico do IHGB. O que Jefferson Cano aponta “é a existência

54 CANO, Jefferson. “Machado de Assis, historiador”. In: CHALHOUB, Sidney e PEREIRA, Leonardo Affonso

de Miranda (orgs.). A história contada: capítulos de história social da literatura no Brasil. Rio de Janeiro: Nova

Fronteira, 1998. p. 38. 55 Ibid., p. 38. 56 Ibid., p. 41. 57 Ibid., p. 55.

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de duas concepções distintas de história, que neste momento mostram-se opostas, e cujos

maiores expoentes foram Varnhagen e Capistrano de Abreu”58.

E se, às portas da década de 80, Machado podia desacreditar uma história que ele via

entre a inventiva e a falsificação, era por compartilhar de uma outra concepção de

história, por assim dizer “mais moderna”, em que o valor dos ensinamentos morais e

políticos, da “volúvel história que dá pra tudo”, já fora superado pelo conhecimento

cujo valor não se resume à utilidade, e no qual a verdade suplantara a verossimilhança

da narração. Esta, paradoxalmente, a concepção de história que Machado expressava

através da literatura, mostrando, ao mesmo tempo, sua discordância com relação a

uma historiografia “positiva”, que emergia pleiteando uma censura completa entre

ciência histórica e o discurso literário, e que não podia também compreender que um

romance fosse veículo adequado para propor a explicação de uma realidade social, e

seu processo de transformação, como fazia Machado.59

John Gledson em “Machado de Assis e a História do Brasil: algumas especulações”

analisou algumas fontes sobre a história no pensamento machadiano60. Não é novidade para os

estudos da literatura machadiana que a história era parte das preocupações do autor. Gledson

pesquisa em duas fontes principais, a biblioteca do escritor que está na Academia Brasileira de

Letras e em citações de romances, contos e crônicas. A biblioteca tem um importante estudo

feito por Jean Michel-Massa. John Gledson confia neste trabalho, considerando, porém, que

aproximadamente 200 livros se perderam depois da morte de Machado. O literato possuía vários

livros de história em seu acervo particular. John Gledson enumera cinco categorias que parecem

ter influenciado a visão de Machado sobre a história. O primeiro grupo é formado pelos

clássicos gregos e romanos: Xenofonte, Heródoto, Tucídides, Plutarco, Lívio, Tácito, Suetônio,

etc. Segundo Gledson, esses autores frequentemente eram utilizados no sentido anedótico pois

Machado gostava de lançar uma luz irônica sobre os acontecimentos. Essa era a razão pela

preferência por Suetônio que possuía “versões irreverentes da história oficial”. O segundo, seria

autores russos como Gogol, A narrativa desses autores interessaria Machado porque a Rússia

também vivia um tipo de escravidão. Quanto a esse ponto, tenho certas dúvidas, afinal,

Machado de Assis era muito mais influenciado por outras literaturas que não a russa. No

entanto, concordo com Gledson quanto ao terceiro e quarto pontos. A terceira categoria é

formada por autores com “tendência mais sociológica ou até antropológica”, por exemplo,

homens ligados ao darwinismo social: John Lubbock e Edward Tylor; o que não significa que

Machado de Assis concordasse com esse campo. O quarto ponto é a influência de Arthur

Schopenhauer. Neste quesito, o argumento de John Gledson parece mais afinado. Machado de

58 Ibid., p. 58. 59 Ibid. Id. 60 GLEDSON, John. “Machado de Assis e a História do Brasil: algumas especulações”. In: Machado de Assis:

ficção e história. São Paulo: Paz e Terra, 2003. pp. 293 – 318.

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Assis foi leitor arguto de Arthur Schopenhaur e parecia concordar com o ceticismo do filósofo.

Arthur Schopenhaur não acreditava na noção de progresso e ainda era cético quanto a disciplina

da história, que segundo o filósofo, não poderia ser ciência, pois os procedimentos

aproximavam de uma obra de ficção. Machado talvez concordasse em parte com Schopenhauer.

Pode ser que para o escritor, a história se aproximasse da ficção, pois se trata de uma narrativa

e dependia da perspectiva do observador/historiador. Por último, Gledson enumera alguns

livros de história do Brasil. Nesta parte, o crítico inglês deixou algumas lacunas, pois identificou

poucas obras, dentre as quais: História do Brasil, de Robert Southey, História da conjuração

mineira, de Joaquim Norberto Souza e Silva, História do Brasil desde o período da chegada

da família Bragança, até a abdicação de D. Pedro I, em 1831, de John Armitage, A guerra da

tríplice aliança (Império do Brasil, República Argentina e República Oriental do Uruguai

contra o governo do Paraguai), de L. Schneider e mais de 40 volumes da Revista do IHGB. A

partir da leitura de Americanas, conclui-se que a referências sobre história brasileira de

Machado de Assis eram mais que as citadas por Gledson. O crítico argumenta também que

Machado de Assis viveu com pessoas que tiveram importância histórica. John Gledson

exemplifica com o conto “Velho Senado”, no qual Machado já na década de 1880, escreveu

sobre figuras políticas importantes dos anos 1860. O argumento de John Gledson foi que

Machado de Assis tinha “desprezo pela história oficial”, constatado a partir da leitura de obras

como “Casa Velha” e Dom Casmurro. Gledson ao analisar as formas como Machado de Assis

“ficcionaliza a história” no romance Iaiá Garcia e no conto “D. Benedita”, afirma que o escritor

fluminense possuía “profundo ceticismo acerca dos fins e das formas, ou motivos da história,

que se vê, sem dúvida, no interesse que tinha por Schopenhauer” e também nos historiadores

clássicos, que escreviam “para glorificar entidades”.

Machado de Assis percebia que a narrativa histórica dependia da perspectiva. Ele se

demonstrava preocupação com a verossimilhança e a plausibilidade, mesmo que isto signifique

dar outro sentido às narrativas que lhe servem de fonte. Além disso, ele valoriza a literatura

como constituidora de tradição intelectual, por isso ela própria valida algumas versões que ele

adota nas poesias. As ideias de Machado de Assis contrastam com a noção de história do IHGB.

A construção da história pelos membros do IHGB parecia tão “inventiva” e com intenções de

justificar desigualdades sociais.

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Conclusão

A questão indígena, no século XIX, foi um paradoxo. E, sobre esse paradoxo o

indianismo floresceu. Explico a partir do argumento de David Treece em Exilados Aliados e

Rebeldes. Desde o século XVI, houve um processo genocida contra índios, no entanto, esse fato

contrasta com o destaque que os mesmos tiveram no pensamento nacionalista brasileiro369.

Estima-se que no início da colonização havia cerca de 3 milhões de indígenas no território

brasileiro; no censo de 1872, havia por volta de 380.000370. Sem dúvida, o indianismo tangencia

uma “instigante ironia” que não passou despercebida pelos próprios autores, inclusive ocupava

espaço nas reflexões deles. David Treece defendeu que o índio “protagonista heroico de

inúmero romances, poemas, peças teatrais, pinturas e estudos etnográficos, lamentado ou

celebrado, como exilado, aliado ou rebelde” corporificou o “mesmo nacionalismo que se

empenhava em levar a cabo sua própria aniquilação.”371

Machado de Assis reconheceu esse contraste no texto “Instinto de Nacionalidade”. Em

Americanas, o escritor também parecia preocupar-se com o massacre que ainda acontecia no

século XIX. O indianismo foi debate político, como demonstrei ao longo da dissertação,

atravessou o discurso de literatos, historiadores, estadistas e cientistas. Estes intelectuais se

inquietavam com a integração indígena na sociedade imperial e como isso seria realizado na

política indigenista. Segundo Manuela Carneiro da Cunha, é importante conhecer a legislação

indigenista do século XIX por dois motivos: 1 – compreender as ideias das elites e o quadro do

indigenismo institucional, “pois não há como entender a realidade sem a sua ideologia”; 2 –

pelo impacto na legislação atual. A questão indígena, no século XIX, perpassa o processo de

expropriação de terras. Manuela Carneiro da Cunha sintetiza essa questão:

[...] esse século do senso prático, a destruição dos índios se deu sobretudo

por processos mesquinhos e sem vozes dissonantes: o Império aderira com

poucas reservas aos projetos dos moradores; os religiosos, capuchinhos

italianos, introduzidos na década de 1840, dispersos e isolados, eram meros

funcionários do Estado. Não é de estranhar, por isso, que boa parte do debate

até os anos 60 do século XIX se tenha travado em torno não dos fins de uma

política indigenista, e sim dos seus meios: se se deviam exterminar

369 TREECE, David. Exilados, aliados e rebeldes: o movimento indianista, a política indigenista e o estado-nação

imperial. São Paulo: Nankin: Edusp, 2008. 370 David Treece utiliza dados não confiáveis, baseado nos dados de John Hemming, em Red gold: the conquest

of the brazilian indians, afirma que a população indígena foi de 5 milhões, no século XVI, para cerca de 100 mil

até a virada do século XX. No site da FUNAI, há número que me parecem mais corretos, inclusive os dados sobre

os anos 1870, seguem o senso de 1872. Estou seguindo essa pesquisa demográfica. <

http://www.funai.gov.br/index.php/indios-no-brasil/quem-sao> (último acesso em: 12/12/2016) 371 TREECE, op. cit., p. 14.

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sumariamente os índios, distribuí-los aos moradores, ou se deviam ser

cativados com brandura.372

Neste contexto, pensar a humanidade dos índios em termos cientificistas não se tratava

apenas de um argumento teórico, pois a ideologia influenciava diretamente na perspectiva da

política indigenista. A partir dessa ótica que se discutia se devia exterminar os índios ou atraí-

los para educá-los e incluí-los na sociedade. José Bonifácio, por exemplo, recomendou usar

meios “brandos e persuasivos”. Por outro lado, Varnhagen endossava o uso da força e o trabalho

compulsório.

Aliás, o projeto para a questão indígena mais coeso em todo o século XIX foi o de José

Bonifácio, em 1823. O fato é que entre 1798 e 1845 houve um vazio legislativo e institucional.

E mesmo o regulamento das missões de 1845 foi mais administrativo que político. A lei de

terras foi agressiva em relação às propriedades indígenas 373. A própria constituição de 1824

não menciona a questão indígena, logo podemos concluir que a partir do momento que há uma

exclusão legislativa, nega-se também a condição de cidadãos.

Segundo Manuela Carneiro da Cunha, a única inovação foi nos anos 1870 com a

experiência de Couto de Magalhães no vale do rio Araguaia. Couto de Magalhães trabalhava

no aldeamento de terras indígenas, na criação de um internato para indígenas que seriam

“intérpretes” linguísticos quando os missionários fossem educar também seus parentes mais

velhos. Havia a intenção de estender ao Amazonas e ao Mucuri ou Rio Doce, no entanto, o

plano não se concretizou. Nos anos 1880, nada disso existirá. A realidade imperial se constituiu

de “medidas anti-indígenas”.374

Na coletânea, Machado de Assis muito provavelmente falava também de extermínios

que ainda aconteciam no século XIX. Por volta da década de 1860 e 1870, havia expedições de

extermínio no interior do Brasil, no Mato Grosso, Goiás, Ceará, Paraíba, dentre outras

províncias. Naquela época, persistia o processo de espoliação de terras indígenas. Os índios

ocupavam a posição de serem legal e legitimamente donos da terra. A usurpação ocorria em

etapas. Afirmava-se que os índios não tinham noção de propriedade privada, eram nômades e

por causa dessa retórica, as províncias realizaram um processo cruel de expropriação, que assim

acontecia:

372 CUNHA, Manuela Carneiro da. “Introdução”. In: Legislação indigenista no século XIX: uma compilação (1808

– 1889). São Paulo, SP : EDUSP : Comissão Pro-Indio, 1992. p. 4 – 5. 373 Ibid, p. 10 – 11. 374 Ibid, Id.

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O processo de espoliação torna-se, quando visto na diacronia, transparente:

começa-se por concentrar em aldeamento as chamadas “hordas selvagens”,

liberando-se vastas áreas, sobre as quais seus títulos eram contestes, e

trocando-as por limitadas terras de aldeias; ao mesmo tempo, encoraja-se o

estabelecimento de estranhos em sua vizinhança; concede-se terras

inalienáveis às aldeias, mas aforam-se áreas dentro delas a estranhos;

deportam-se aldeias e concentram-se grupos distintos; a seguir, extinguem-se

aldeias a pretexto de que os índios se acham “confundidos com a massa da

população”; ignora-se o dispositivo da lei que atribui aos índios a propriedade

das terras das aldeias extintas e concedem-se-lhes apenas lotes dentro delas;

revertem-se as áreas restantes ao Império e depois às províncias que as

repassam aos municípios para que as vendam aos foreiros ou as utilizem para

a criação de novos centros de população. Cada passo é uma pequena burla, e

o produto final, resultante desses passos mesquinhos, é a expropriação total.375

Muitas dessas questões passaram a ser discutidas no Ministério da Agricultura, onde

Machado de Assis foi funcionário a partir de 1873. Possivelmente, o massacre e usurpação que

fazia parte do contexto da década de 1870 inspirou também o escritor na confecção de

Americanas. Estou especulando que ao escrever poemas como “Visão de Jaciúca”, “Lua Nova”,

“Orizes”, Machado de Assis talvez estivesse pensando também nos índios exterminados nas

décadas de 1860 e 1870. É sintomático que em Americanas não haja filhos mestiços de brancos

e índios. Pode ser indício da leitura que Machado fez da história indígena, que eles foram

massacrados ao longo dos tempos. De modo que não parecia fazer muito sentido para Machado

demonstrar uma suposta união harmoniosa entre índio e europeu. O fato de sempre ter um

conflito ou um final trágico é indício que para o autor a influência indígena seria pequena

porque os índios foram assassinados.

A poesia machadiana possui um sentindo político. Desde o primeiro capítulo,

demonstrei questões que permeiam parte da obra poética de Machado de Assis nos anos 1860.

A tirania sempre foi um problema para o autor. Com ideias pautadas no liberalismo, o escritor

advogou temas como a força dos oprimidos e a luta contra tiranos. Ele demonstrava inquietação

com temas da América, tais como a importância de, no século XIX, demarcar o limite da

intervenção europeia tanto nas disputas mexicanas quanto na questão Christie no Brasil. O tom

que a poesia “Epitáfio do México” possui se repetirá em Americanas. A leitora lembrará do

primeiro verso da poesia:

Dobra o joelho: — é um túmulo.

Embaixo amortalhado

Jaz o cadáver tépido

De um povo aniquilado;

A prece melancólica

Reza-lhe em torno à cruz.376

375 Ibid, p. 23. 376 ASSIS, Machado de. ASSIS, Machado de; LEAL, Murilo (org.). Toda poesia de Machado de Assis. SP: Record,

2008. p. 55.

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Nesse trecho, Machado de Assis refere-se à batalha perdida no México, para tanto, usou

expressões como “cadáver tépido” e “povo aniquilado”. É um discurso que caberia em

Americanas. Na coletânea indianista, Machado voltará a falar de morte e lutas perdidas. Quando

o escritor afirma que “venceu a força indômita”, testemunha a invasão franco-austríaca no

México, todavia, é um verso que poderia ser sobre a morte de tribos na América. O tom que

Machado de Assis imprimirá em Americanas é o da melancolia e tristeza diante da derrota ante

ao colonizador.

Ao longo da dissertação, demonstrei que a tomada de decisão de Machado para escrever

sobre o indianismo faz parte de uma série de discussões sobre a literatura nacional. Esse tema

trouxe em seu bojo debates que envolvem questões como ciência, raça e ficção. Machado de

Assis, que até os anos 1860 não escrevia sobre temas essencialmente nacionais, se sentiu

pressionado pelos debates da época para produzir algo que tratasse de Brasil. Desse contexto,

foram publicados “Instinto de Nacionalidade” e a coletânea Americanas.

A partir da conjuntura em que a coletânea foi publicada, a dissertação trabalhou com

temas como cientificismo e raça. O indianismo da década de 1870 carrega esse mote. Na década

de 1870, os intelectuais cada vez mais se preocuparão com as supostas implicações negativas

de um povo miscigenado. Essa questão terá como princípio o cientificismo. E os escritores

preocupam-se em demarcar essa questão também na literatura. Nos anos 1880, por exemplo,

desencadeará na publicação de O Cortiço, de Aluízio Azevedo. Mas antes, na época da

publicação de Americanas, será um problema para vários literatos, tais como José de Alencar,

Bernardo Guimarães, Araripe Jr., etc.

Além disso, intelectuais interessados no cientificismo tiveram um outro tipo de atenção

com a verossimilhança na ficção, pois muitas vezes estavam motivados em descrever

interpretações da realidade social na literatura. Cada vez mais, obras ficcionais começaram a

reivindicar para si um estatuto de verdade. O conhecimento científico, e dito verdadeiro, invadiu

o campo literário. Por essa razão, esse problema também está vinculado à coletânea

machadiana. A preocupação excessiva com a verossimilhança partiu de uma geração

representada por Franklin Távora, Sílvio Romero, dentre outros que estavam ligados ao

positivismo, determinismo e darwinismo social. Távora, por exemplo, criticou a falta de

verossimilhança na obra Iracema, de Alencar. Esse impasse pode ter influenciado a produção

de Americanas que em suas notas possuem certo rastro de verossimilhança Machado de Assis,

de certa forma, imprime uma polêmica sobre verossimilhança, verdade, ciência e ficção nas

notas da coletânea.

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Nos anos seguintes, após a publicação de Americanas, a batalha contra um realismo

baseado em verdades ditas científicas, ocupará a atenção de Machado de Assis. Isso tudo

desencadeará em textos como a crítica ao Primo Basílio de Eça de Queiroz n’O Cruzeiro em

1878377, “A nova geração” de 1879378 e também no romance Memórias Póstumas de Brás

Cubas379. Machado de Assis ainda debatia os rumos da literatura brasileira. Fecha-se o ciclo

dos anos 1870, um período fundamental para o desenvolvimento de Machado de Assis. Em

janeiro de 1870, Machado era convocado para ser mais ativo na questão da formação da

literatura brasileira, escrevendo com maior afinco sobre temas nacionais. Nesse ínterim, muitas

questões atravessaram o Brasil e, em 1879, o autor encerrava a década tentando entender o

programa social e literário da geração que se formara também naqueles anos.

377 Eleazar. “Eça de Queirós: O Primo Basílio”. O Cruzeiro, 16 e 30– 04 – 1878. 378 ASSIS, Machado de. “A Nova Geração”. Revista Brasileira, II Tomo, out/dez de 1879, p. 373-413. 379 RAMOS, Ana Flávia Cernic. “A batalha literária de Machado de Assis nas “Balas de Estalo”. In: As máscaras

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