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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Campinas, seus distritos e seus desmembramentos: Diferenciações político-territoriais e reorganização da população no espaço (1850-2000) Cláudia Gomes de Siqueira Tese de Doutorado em Demografia apresentada ao Departamento de Demografia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas, sob a orientação da Profa. Dra. Rosana Baeninger Este exemplar corresponde à versão definitiva avaliada pela Comissão Julgadora em 28/02/2008 Banca Examinadora: Profa. Dra. Rosana Baeninger (Orientadora) Prof. Dr. Daniel Joseph Hogan Prof. Dr. José Marcos Pinto da Cunha Profa. Dra. Gilda Figueiredo Portugal Gouveia Prof. Dr. Valeriano Mendes Ferreira Costa Profa. Dra. Maria Sílvia C. Beozzo Bassanezi (Suplente) Profa.Dra. Lilia T. Montali (Suplente) Prof. Dr. Aurílio Sérgio C. Caiado (Suplente) Fevereiro/2008 Campinas, SP

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS Instituto de Filosofia e Ciências Humanas

Campinas, seus distritos e seus desmembramentos: Diferenciações político-territoriais e reorganização da população

no espaço (1850-2000)

Cláudia Gomes de Siqueira

Tese de Doutorado em Demografia apresentada ao Departamento de Demografia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas, sob a orientação da Profa. Dra. Rosana Baeninger

Este exemplar corresponde à versão definitiva avaliada pela Comissão Julgadora em 28/02/2008 Banca Examinadora:

Profa. Dra. Rosana Baeninger (Orientadora)

Prof. Dr. Daniel Joseph Hogan

Prof. Dr. José Marcos Pinto da Cunha

Profa. Dra. Gilda Figueiredo Portugal Gouveia

Prof. Dr. Valeriano Mendes Ferreira Costa

Profa. Dra. Maria Sílvia C. Beozzo Bassanezi (Suplente)

Profa.Dra. Lilia T. Montali (Suplente)

Prof. Dr. Aurílio Sérgio C. Caiado (Suplente)

Fevereiro/2008 Campinas, SP

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FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA DO IFCH - UNICAMP

Título em inglês: Campinas, its districts and its secessions: political- territorial differentiations and the spatial reorganization of the population (1850-2000)

Palavras chaves em inglês (keywords) :

Área de Concentração: Estudos de População Titulação: Doutor em Demografia Banca examinadora: Data da defesa: 28-02-2008 Programa de Pós-Graduação: Demografia

Demography Population State

Rosana Baeninger, Daniel Joseph Hogan, José Marcos Pinto da Cunha, Gilda Figueiredo Portugal Gouveia, Valeriano Mendes Ferreira Costa

Siqueira, Cláudia Gomes de Si75v Campinas, seus distritos e seus desmembramentos:

diferenciações político-territoriais e reorganização da população no espaço (1850-2000) / Cláudia Gomes de Siqueira. Campinas,

SP : [s. n.], 2008. Orientador: Rosana Baeninger Tese (doutorado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.

1. Demografia. 2. População. 3. Estado. 4. Municípios.

I. Rosana Baeninger. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. III.Título.

crl/ifch

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Resumo

Campinas, seus distritos e seus desmembramentos: Diferenciações político-territoriais e reorganização da população no espaço (1850-2000)

Este trabalho tem como objetivo analisar a configuração territorial do município de Campinas, privilegiando dois elementos constitutivos do processo: a dimensão político-institucional e a reorganização da população no espaço. Como referência temporal foi considerado o período entre os anos de 1850 e 2000. Para tanto, foi necessária a realização de um diálogo interdisciplinar entre a Demografia, a Ciência Política e a Economia Urbana e Regional. Numa perspectiva teórico-metodológica neo-institucionalista histórica, a partir da atuação de elementos político-institucionais selecionados e da consideração de dados censitários sobre a população, desde 1854, o estudo permitiu observar o processo de reorganização da população no espaço como um produto histórico, cujo resultado decorre da atuação da dimensão político-institucional e da dimensão demográfica em duas escalas espaciais, uma mais ampla e outra, local. Enquanto, numa escala mais ampla, atuam, por um lado, os processos gerais de redistribuição populacional e, por outro, as relações intergovernamentais e a interação Estado-sociedade, numa escala local, atuam a composição social da população das diferentes espacialidades que compõem o território municipal, configuradas a partir de processos de diferenciações político-territoriais. Com este estudo, foi possível considerar, por fim, que processos de reorganização populacional e processos político-institucionais atuam de forma articulada, tanto na produção da diversidade da configuração dos espaços, como na configuração da fragmentação do espaço metropolitano.

Abstract

Campinas, its districts and its secessions : political-territorial differentiations and the spatial reorganization of the population (1850-2000)

This study has like objective to analyze the Campinas municipality territorial configuration, privileging two process constituted elements: the political-institutional dimension and the space population reorganization. Like temporary reference was considered the period between the years of 1850 and 2000. For that, was necessary the realization of one interdisciplinary dialogue between Demography, Politic Science and the Urban Economy and Regional. At one theoric-methodologic perspective historic neo-institutionalist, by the elements politicinstitutionals actuation selected and the population census data consideration, since 1854, the study allowed to observe the population space reorganization process like a historic product, which result come from dimensional political-institutional actuation and the demographic dimensional between two spatial scales, one wider than other, local. Meanwhile, at a wider scale, actuate, at one side, the populational distributional generals processes and, by other side, the intergovernmental relationships and the Statesociety interaction, at one local scale, actuate the population social composition of different spatialities, which compound the municipal territory, configured by the political-territorial differential process. With this study, was possible to considerate, finally, which populational reorganizational processes and process politicalinstitutionals actuate at an articulate form, thus at space configuration diversity production, like at metropolitan space fragmentation configuration.

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Ao meu amado filho Alejandro Pedro, Ao meu amado filho Alejandro Pedro, Ao meu amado filho Alejandro Pedro, Ao meu amado filho Alejandro Pedro, Razão de tudo o que faço, eRazão de tudo o que faço, eRazão de tudo o que faço, eRazão de tudo o que faço, e

Que sempre esteve ao meu ladoQue sempre esteve ao meu ladoQue sempre esteve ao meu ladoQue sempre esteve ao meu lado

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AGRADECIMENTOS

“É caminhando que se faz o caminho...”

É com este espírito que este estudo foi realizado ao longo desses quatro anos

de Doutorado e é com esse espírito que esse estudo se reveste, agora, no momento

de sua conclusão.

È com muita felicidade que percebo, hoje, num olhar retrospectivo, que este

estudo foi sendo construído desde o momento em que comecei a participar do

Programa de Pós-Graduação da Demografia, a cursar as matérias e a freqüentar o

Núcleo de Estudos de População.

Ele foi se construindo a cada nova disciplina, a cada novo professor, a cada

nova leitura, a cada conversa com minha orientadora, a cada momento vivido com

meus amigos e colegas... É a todos que contribuíram para essa minha

caminhada que quero agradecer agora.

Agradeço à Universidade Estadual de Campinas, ao Instituto de Filosofia e

Ciências Humanas e ao Departamento de Demografia por todo apoio e suporte para

a realização do meu Doutorado em Demografia.

Agradeço à CAPES pelo financiamento, sem o qual esse trabalho não teria sido

realizado com toda dedicação que lhe foi imprescindível.

Agradeço, com todo carinho, a minha orientadora, Profa. Rosana Baeninger,

primeiramente, por todas as portas que me abriu desde o início do Doutorado.

Agradeço, também, todo apoio, dedicação e por ter acreditado no meu trabalho e me

dado condições de desenvolve-lo livremente. Agradeço sua paciência, carinho e

compreensão, especialmente, quando minha “miopia” se fez maior.

Aos professores Daniel Hogan, José Marcos Cunha, Gilda Portugal e Valeriano

Costa por terem aceitado fazer parte da minha banca de defesa e me dar a

oportunidade de enriquecer meu estudo.

Agradeço a todos os professores do departamento de Demografia, que me

abriram as portas de um universo até então desconhecido para mim.

Ao Prof. Valeriano por todo apoio e atenção, intelectual e operacional, que

contribuíram muito na realização do meu estudo.

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Ao Prof. Carlos Brandão pelas contribuições feitas na banca de qualificação.

A todos os funcionários do Nepo, com os quais tive uma vivência feliz e

enriquecedora, e que muito contribuíram para a minha vida e estudo. Assim,

agradeço, de todo coração, a Adriana, Rodrigo e Taís, da biblioteca; a Mariana, ao

Marcelo e a Eliane; a Carmem, Denise, Carol e Vânia; a Myrcia, Fábio, Viviane,

Diego, da informática; a dona Neusa, dona Dalva, a Ângela (NEPP) e a dona Inês,

que muito me mimaram...

Agradeço, especialmente, a Ivonete, por toda dedicação e carinho, sempre, e

por toda atenção, principalmente, nesta reta final.

A todos amigos e colegas da pós-graduação e bolsistas do Nepo, dentre os

quais, quero agradecer, especialmente, àqueles que já moram no meu coração, com

quem compartilhei momentos de alegria, que, de um jeito ou de outro, estiveram

perto de mim nos momentos em que eu mais precisei, e que representam tudo de

bom nessa minha caminhada. Agradeço, com todo carinho, a Roberta, Marcelo,

Simone, Maísa, Paulinha, Andréa, Maren, Maria Teresa, Paulo, Cid e Guilhermo. Já

estou com saudades...

Agradeço, especialmente, a Roberta, grande amiga, pelo carinho, atenção,

apoio e pelo ombro amigo nos momentos em que mais precisei, e por ser sempre

essa pessoa linda e alto astral, em todos os momentos.

Agradeço a Ângela, Jânio e Cristina, que foram amigos maravilhosos no

momento em que mais precisei. Especialmente, a Ângela que foi e continua sendo

uma irmã para mim.

À Clarissa, minha amiga, amigona, minha irmã de alma, por existir na minha

vida.

Ao meu pai por tudo que fez de bom, para mim e para meu filho.

Ao meu filho, Alejandro, pelo amor, carinho, compreensão e por continuar

sendo um filho lindo e maravilhoso.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..............................................................................................................................01 CAPÍTULO I – ASPECTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS RELEVANTES PARA O ESTUDO .................03

I.1 Os aportes teórico-conceituais do estudo...............................................................03

I.2 Dimensão político-institucional, formas de configuração do espaço e

escalas de análise: Uma discussão conceitual complementar.....................................21

I.2.1 Elementos político-institucionais e neo-institucionalistas históricos..........22

I.2.2 Definições de hinterland e Uso e ocupação do solo urbano.....................28

I.2.3 Escalas espaciais nas análises urbana e regional....................................37

I.2.4 Tridimensionalidade do processo emancipatório......................................43

I.3 Recorte geográfico de estudo e periodização ........................................................44

CAPÍTULO II – PONTO INICIAL DA ANÁLISE NEO-INSTITUCIONALISTA HISTÓRICA: CAMPINAS NO CONTEXTO DA POLÍTICA DE TERRAS E DE COLONIZAÇÃO DO

IMPÉRIO................................................................................................................49

II.1 Sistema político imperial e a Política de terras e de colonização .........................49

II.1.1 Relações intergovernamentais e interação Estado-sociedade.................49

II.1.2 Esferas subnacionais de governo no contexto das relações

intergovernamentais e da interação Estado-sociedade.....................................62

II.2 Campinas na definição frente à política de terras..................................................66

II.2.1 Desenvolvimento econômico e dinâmica populacional antecedendo

a política de imigração e a estruturação do espaço urbano...............................68

II.2.2 Mudança político-eleitoral e política de imigração antecedendo a

dinâmica populacional, a dinâmica econômica e a estruturação do

espaço urbano....................................................................................................86

II.2.3 Espaço urbano de Campinas.................................................................104

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CAPÍTULO III – DIFERENCIAÇÕES POLÍTICO-TERRITORIAIS INTRA-MUNICIPAIS: UMA TIPOLOGIA DA ARTICULAÇÃO ENTRE A DIMENSÃO POLÍTICO-INSTITUCIONAL E A

REORGANIZAÇÃO DA POPULAÇÃO NO ESPAÇO....................................................109 III.1 Construção da tipologia de análise.....................................................................109

III.2 Diferenciações político-territoriais intra-municipais em Campinas......................121

III.2.1 Período 1850-1870.................................................................................121 III.2.2 Período 1870-1896.................................................................................134 III.2.3 Diferenciações político-territoriais pós-1896..........................................168

III.3 Coesão territorial do município de Campinas.....................................................173 CAPÍTULO IV – DESDOBRAMENTOS DAS DIFERENCIAÇÕES POLÍTICO-TERRITORIAIS E POPULACIONAIS – DOS ESPAÇOS INTER-DISTRITAIS AO

ESPAÇO METROPOLITANO.................................................................................199

IV.1 Desdobramentos das diferenciações político-territoriais: da hinterlândia

a diferentes espaços inter-distritais..................................................................199

IV.1.1 Da hinterlândia consolidada ao espaço inter-distrital (1900-1955)......202

IV.1.1.1 Consolidação da hinterlândia (1900-1930)..............................213 IV.1.1.2 Formação do espaço inter-distrital (1930-1955)......................244

IV.2 Do novo espaço inter-distrital aos espaços inter-municipal

e metropolitano (1956-2000)..............................................................................268

IV.2.1 Antecedente do novos espaço inter-distrital (1956-1970)...................275 IV.2.2 Do novo espaço inter-distrital ao inter-municipal:

em direção ao espaço metropolizado (1970-2000)........................................284 IV.3 O espaço metropolizado de Campinas: Um espaço historicamente fragmentado?.............................................................................295

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................................301 BIBLIOGRAFIA..........................................................................................................................309 ANEXOS..................................................................................................................................323

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LISTA DE TABELAS

TABELA 2.1 – Exportação de mercadorias – produtos selecionados (%), Brasil (1821-1900).............................70

TABELA 2.2 – População total e escrava. Província de São Paulo e Campinas (1836-1886).............................75

TABELA 2.3 – Movimento imigratório europeu segundo nacionalidade – Campinas (1882-1900).......................77

TABELA 2.4 – População eleitoral – Brasil (1872-1945).......................................................................................87

TABELA 2.5 – População total e participação relativa – Campinas (1886-1900)................................................100

TABELA 3.1 – Número de municípios paulistas criados no Período Colonial (1500-1821)..................................58

TABELA 3.2 – Número de municípios criados no Brasil, durante o Império.........................................................69

TABELA 3.3 – Número de municípios criados no estado de São Paulo, durante o Império.................................72

TABELA 3.4 – Quantidade de municípios criados no estado de São Paulo, por períodos históricos...................75

TABELA 3.5 – Distribuição do valor da produção industrial em três estados, durante a Primeira República.......77

TABELA 3.6 – Evolução da concentração da mão-de-obra, por setores da atividade econômica.......................78

TABELA 3.7 – Quantidade de municípios paulistas, por Regiões Administrativas (1900-1930)...........................79

TABELA 3.8 – População paulista, dividida por Regiões Administrativas (1900-1940)........................................80

TABELA 3.9 – Participação dos setores da atividade econômica no valor da produção total do país.................82

TABELA 3.10 – Número de municípios paulistas criados durante a Era Vargas (1930-1945)..............................85

TABELA 3.11 – Saldo migratório das Regiões Administrativas do estado de São Paulo (1900-1950)................86

TABELA 3.12 – Quantidade de municípios paulistas criados na Segunda República, segundo períodos...........90

TABELA 3.13 – População do estado de São Paulo, dividida por Regiões Administrativas (1950-1970)............93

TABELA 3.14 – Saldo migratório das Regiões Administrativas do estado de São Paulo (1920-1970)................94

TABELA 3.15 – Quantidade de municípios paulistas criados na Segunda República, segundo a legislação......95

TABELA 3.16 – Quantidade de municípios brasileiros criados no Regime Militar e na Transição, por regiões..103

TABELA 3.17 – População paulista, dividida por Regiões Administrativas (1960-1985)....................................104

TABELA 3.18 – Saldo migratório das Regiões Administrativas do estado de São Paulo (1950-1985)..............104

TABELA 4.1 – Distribuição espacial da indústria de transformação – Estados selecionados (1970-1985)........109

TABELA 4.2 – Participação regional na composição do PIB, segundo regiões e Estados selecionados...........109

TABELA 4.3 – Distribuição regional da produção industrial – 1985,1996 e 1997...............................................112

TABELA 4.4 – Participação regional na composição do PIB (%) – regiões e Estados selecionados.................112

TABELA 4.5 – Participação na composição do VTI estadual – 1970-1985.........................................................114

TABELA 4.6 – Participação regional na composição do valor adicionado industrial paulista (1980-1990).........116

TABELA 4.7 – Distribuição espacial da indústria de transformação paulista, segundo regiões (1985-1996).....116

TABELA 4.8 – Distribuição da indústria paulista – dados de 1996......................................................................119

TABELA 4.9 – Distribuição regional da receita agroindustrial paulista – dados de 1996....................................120

TABELA 4.10 – Divisão territorial do Brasil (1990-2000).....................................................................................127

TABELA 4.11 – Municípios paulistas criados durante a década de 1990, por tamanho – dados de 2000.........128

TABELA 4.12 – Municípios envolvidos no processo emancipatório nos anos 90, por classe de tamanho.........136

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TABELA 4.13 – Participação da receita tributária, FPM e ICMS na receita municipal paulista – 1990.............. 137

TABELA 4.14 – Distribuição dos municípios paulistas, por classe de tamanho – 1990-2000.............................138

TABELA 4.15 – Distribuição espacial dos novos municípios paulistas, por Regiões Administrativas.................142

TABELA 4.16 – Participação das sub-regiões do Litoral na média do VA estadual (1995-1997).......................149

TABELA 4.17 – Novos municípios da Região do Litoral – dados de 2000..........................................................149

TABELA 4.18 – População, municípios e densidade da Região do Litoral – dados de 2000.............................150

TABELA 4.19 – Saldo migratório das sub-regiões do Litoral...............................................................................150

TABELA 4.20 – Participação das sub-regiões do Vale do Paraíba na média do VA estadual (1995-1997).......152

TABELA 4.21 – Novos municípios da Região do Vale do Paraíba – dados de 2000..........................................153

TABELA 4.22 – População, municípios e densidade da Região do Vale do Paraíba – dados de 2000.............153

TABELA 4.23 – Saldo migratório das sub-regiões do Vale do Paraíba...............................................................154

TABELA 4.24 – Participação das sub-regiões de Sorocaba na média do VA estadual (1995-1997).................155

TABELA 4.25 – Novos municípios da Região de Sorocaba – dados de 2000....................................................156

TABELA 4.26 – População, municípios e densidade da Região de Sorocaba – dados de 2000........................157

TABELA 4.27 – Saldo migratório das sub-regiões de Sorocaba.........................................................................157

TABELA 4.28 – Participação das sub-regiões de Campinas na média do VA estadual (1995-1997).................160

TABELA 4.29 – Novos municípios da Região de Campinas – dados de 2000...................................................161

TABELA 4.30 – População, municípios e densidade da Região de Campinas, dados de 2000.........................161

TABELA 4.31 – Saldo migratório de sub-regiões selecionadas de Campinas....................................................162

TABELA 4.32 – Participação das sub-regiões de Ribeirão Preto na média do VA estadual (1995-1997)..........164

TABELA 4.33 – Novos municípios da Região de Ribeirão Preto – dados de 2000.............................................165

TABELA 4.34 – População, municípios e densidade da Região de Ribeirão Preto – dados de 2000................165

TABELA 4.35 – Saldo migratório de sub-regiões selecionadas de Ribeirão Preto.............................................166

TABELA 4.36 – Participação das sub-regiões de Bauru na média do VA estadual (1995-1997).......................168

TABELA 4.37 – Novos municípios da Região da Bauru – dados de 2000..........................................................168

TABELA 4.38 – População, municípios e densidade da Região de Bauru – dados de 2000.............................168

TABELA 4.39 – Saldo migratório das sub-regiões de Bauru...............................................................................169

TABELA 4.40 – Participação das sub-regiões de Marilia na média do VA estadual (1995-1997)......................170

TABELA 4.41 – Novos municípios da Região de Marília – dados de 2000.........................................................171

TABELA 4.42 – População, municípios e densidade da Região de Marília – dados de 2000............................171

TABELA 4.43 – Saldo migratório das sub-regiões de Marília..............................................................................172

TABELA 4.44 – Participação das sub-regiões de Pres. Prudente na média do VA estadual (1995-1997).........174

TABELA 4.45 – Novos municípios da Região de Presidente Prudente – dados de 2000...................................174

TABELA 4.46 – População, municípios e densidade da Região de Presidente Prudente – dados de 2000......175

TABELA 4.47 – Saldo migratório das sub-regiões de Presidente Prudente........................................................175

TABELA 4.48 – Participação das sub-regiões de S. J. Rio Preto na média do VA estadual (1995-1997)..........177

TABELA 4.49 – Novos municípios da Região de São José do Rio Preto – dados de 2000...............................178

TABELA 4.50 – População, municípios e densidade da Região de S. J. Rio Preto – dados de 2000................179

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TABELA 4.51 – Saldo migratório das sub-regiões de São José do Rio Preto....................................................179

TABELA 4.52 – Participação das sub-regiões de Araçatuba na média do VA estadual (1995-1997)................181

TABELA 4.53 – Novos municípios da Região de Araçatuba – dados de 2000...................................................182

TABELA 4.54 – População, municípios e densidade da Região de Araçatuba – dados de 2000.......................182

TABELA 4.55 – Saldo migratório das sub-regiões de Araçatuba........................................................................182

TABELA 4.56 – Divisão das Regiões Administrativas, segundo a hipótese do trabalho.....................................184

TABELA 4.57 – Períodos de consolidação da ocupação territorial das regiões paulistas..................................186

LISTA DE QUADROS E FIGURAS

FIGURA 2.1 – Espaço campineiro – período 1850-1900....................................................................................67

FIGURA 3.1 – Regiões Administrativas do estado de São Paulo.....................................................................053

FIGURA 3.1 – Regiões Administrativas do estado de São Paulo.....................................................................053

QUADRO 2.1 – Burocracias imperiais, segundo tarefas desempenhadas...........................................................50

QUADRO 2.2 – Produção de café, em arrobas – Província de São Paulo (1836-1886).......................................68

QUADRO 2.3 – Produção de café, em arrobas – Campinas e região (1836-1886)..............................................69

QUADRO 2.4 – Participação regional e provincial da população total de Campinas (1836-1886).......................74

QUADRO 2.5 – Municípios mais populosos – Província de São Paulo, 1874......................................................89

QUADRO 2.6 – Maiores populações escravas, 1874 e maiores orçamentos municipais, 1870 – São Paulo......90

QUADRO 2.7 – Circunscrições eleitorais em 1855 – Província de São Paulo......................................................92

QUADRO 2.8 – Circunscrições eleitorais em 1860 – Província de São Paulo......................................................92

QUADRO 2.9 – População eleitoral, por regiões, em 1868 – Província de São Paulo.........................................93

QUADRO 2.10 – Maiores populações eleitorais, em 1868 – Província de São Paulo..........................................93

QUADRO 2.11 – Circunscrições eleitorais em 1881 – Província de São Paulo....................................................95

QUADRO 2.12 – População eleitoral, por regiões, em 1881 – Província de São Paulo.......................................95

QUADRO 2.13 – Maiores populações eleitorais, em 1868 – Província de São Paulo..........................................96

QUADRO 2.14 – Municípios mais populosos – Província de São Paulo, 1886....................................................97

QUADRO 2.15 – Maiores produções cafeeiras, 1886 – Província de São Paulo.................................................97

QUADRO 3.1 – Tipos de diferenciações político-territoriais intra-municipais......................................................118

QUADRO 3.2a – Num. distritos, população total e densidade. Província de São Paulo – 1854 .......................122

QUADRO 3.2b – Num. distritos, população total e densidade. Província de São Paulo – 1854........................124

QUADRO 4.19 – Avaliação dos aspectos econômicos e demográficos das sub-regiões de Araçatuba.............183

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INTRODUÇÃO

Este estudo busca apreender a articulação entre a dimensão demográfica e

a dimensão político-institucional na configuração de processos de reorganização

da população no espaço.

A justificativa para a realização desse tipo de estudo nasce do desafio,

colocado pelo campo da Demografia, de buscar novos aportes teóricos para o

enriquecimento dos seus estudos, principalmente na área de reorganização e

redistribuição populacional.

Para isto foi necessário realizar um diálogo interdisciplinar entre três

diferentes campos – Ciência Política, Economia Urbana e Regional e a

Demografia – a partir dos quais foram definidos os conceitos e o aporte teórico-

metodológico para o desenvolvimento da nossa problemática.

Assim, no campo da Ciência Política, a partir da perspectiva neo-

institucionalista histórica, foram definidos os elementos político-institucionais da

nossa análise, representados, por um lado, pela atuação do Estado na

organização do seu território, e, por outro, pelas relações intergovernamentais e

pela interação Estado-sociedade.

No campo da Economia Urbana e Regional, foram selecionadas as

discussões sobre uso e ocupação do solo urbano e sobre a definição da escala de

análise. No campo da Demografia, destacam-se os estudos sobre os processos

gerais de distribuição da população no espaço.

Baseado nesse diálogo interdisciplinar, e tendo o território de Campinas

como referência empírica, o argumento que norteia todo o nosso estudo parte da

consideração de que, o processo de reorganização da população no espaço, uma

vez que se vincula à organização territorial, seria definido em duas escalas, sendo

uma mais ampla e a outra, local.

Assim, numa escala mais ampla, o processo de reorganização populacional

seria influenciado, por um lado, pelos processos gerais de redistribuição da

população no espaço, e, por outro, pela atuação das relações intergovernamentais

e da interação Estado-sociedade na forma de organização do território.

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2

Na escala local, a reorganização da população seria influenciada, por um

lado, pela composição social das diferentes espacialidades do município, e, por

outro, pelo processo de diferenciação político-territorial, resultante da existência ou

não de identidade política e social entre as diferentes populações do espaço

municipal.

O estudo será estruturado em quatro capítulos:

No primeiro capítulo, será apresentada a discussão teórico-metodológica a

partir da qual se definiram os conceitos e a metodologia da análise.

No segundo capítulo, será apresentada a primeira etapa da análise neo-

institucionalista histórica, que se refere à definição do ponto inicial do processo em

estudo. No nosso caso, definiu-se como ponto inicial da análise da articulação

entre a dimensão político-institucional e a reorganização da população no espaço,

o posicionamento da elite campineira frente à política de terras e de colonização,

do regime imperial.

O terceiro capítulo corresponde à segunda etapa da análise neo-

institucionalista histórica, na qual será desenvolvida uma tipologia das

“diferenciações político-territoriais intra-municipais” e uma discussão sobre o papel

da “coesão territorial” no processo de organização territorial do município de

Campinas.

O quarto capítulo representa a última etapa da análise neo-institucionalista

histórica, na qual será retomada a hipótese do trabalho e, através das noções de

path dependence e “pontos críticos”, busca-se analisar a forma como a

organização territorial no seu momento inicial condicionou o desdobramento

posterior, contribuindo para as características atuais de articulação entre

dimensão político-institucional e reorganização da população no espaço.

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3

CAPITULO I: ASPECTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS RELEVANTES PARA O ESTUDO

I.1 – Os aportes teórico-conceituais do estudo

O presente estudo objetiva considerar a dimensão político-institucional

como um elemento importante nos processos de distribuição e reorganização

populacional no espaço. Assim, deve-se apreciar em que escala esta dimensão

político-institucional melhor fornecerá explicações adequadas e/ou satisfatórias a

esses fenômenos.

Em geral, nos estudos sobre movimentos migratórios, distribuição espacial

da população, reorganização da população no espaço, processos de urbanização,

os fatores econômicos1 têm sido definidos como a principal variável explicativa de

tais processos. Por sua vez, esses fatores econômicos relacionam-se a

determinações mais gerais provenientes da própria dimensão política.

Assim, escolhas feitas no âmbito federal2 no campo da política econômica

ou de desenvolvimento constituem-se em decisões políticas por se tratar de

“resultados políticos”, ou seja, constitui-se em policy making3, sejam eles de

caráter centralizador ou descentralizador da estrutura produtiva nacional, sejam

eles mais ou menos adequados às pressões internas do país e/ou às leis mais

gerais e internacionais do capitalismo.

A implementação de tais políticas terá como um dos efeitos a reorganização

da estrutura produtiva no espaço e, conseqüentemente, da divisão social (e

1 Veja-se Oliveira & Stein (1971),Singer (1976) e Pacheco & Patarra (1997). 2 Em algumas situações, também se pode considerar o âmbito estadual (ou subnacional). 3 Policy making refere-se ao processo de elaborações de “políticas” (ou seja, ações em diferentes áreas a serem implementadas pelo aparato estatal). Um caminho para compreensão desse processo poderia ser a partir da distinção entre “Política” e “políticas públicas”. Segundo Reis (1989), o primeiro termo refere-se à “ordenação institucional, segundo recursos de autoridade, dos interesses sociais em disputa, independentemente das fórmulas de competição particulares adotadas e quaisquer que sejam os fundamentos materiais e ideais dos interesses concretos envolvidos” e o segundo termo refere-se às “traduções técnico-racionais de soluções específicas do referido jogo de interesses da Política” (REIS, 1989, p.15). O entendimento do processo de policy making passa pelo entendimento das relações e interações entre as duas dimensões destacadas.

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4

territorial) do trabalho4. Devido a sua natureza, esses efeitos corresponderão a

mudanças na base econômica dos diferentes espaços abrangidos, direta ou

indiretamente, pela política implementada.

Deste processo decorrem os fatores econômicos, destacados nos estudos

sobre movimentos migratórios e seus correlatos, mencionados anteriormente. Na

sua maioria, tais estudos, basicamente, procuram explicar as mudanças ocorridas

nas formas de deslocamentos, redistribuição e reorganização populacionais e no

processo de urbanização no contexto das mudanças ocorridas na estrutura

produtiva do país ou região, em diferentes momentos.

Nesse ponto, faz-se oportuno apontar algumas implicações relacionadas à

consideração do campo da política econômica e de desenvolvimento, e seus

conseqüentes fatores econômicos, para as pesquisas na área demográfica em

questão.

Primeiramente, como já apontado anteriormente, a implementação de

decisões políticas na área de política econômica ou de desenvolvimento acaba por

dar maior visibilidade à sua dimensão econômica. Estudos sobre os processos de

reorganização e redistribuição populacionais, urbanização e migração que

consideram essa área de atuação do Estado tendem a utilizar os fatores

econômicos dessa atuação como variável explicativa dos processos estudados, ao

invés dos políticos.

Uma explicação para essa escolha reside, possivelmente, nas

especificidades da própria área da política econômica: por um lado, ações nessa

área causam impactos diretos na estruturação produtiva nacional, tornando

visíveis os fatores econômicos; por outro lado, pelo fato de tais ações possuírem

um amplo escopo (ações nacionais e regionais), pode-se pensar que a dimensão

política do processo de tomada de decisão vai se tornando cada vez menos

perceptível à medida que se caminha do âmbito nacional para o local ou sub-

regional, ao passo que a dimensão econômica vai se tornando mais perceptível.

Em segundo lugar, devido ao escopo das políticas econômicas, o recorte

espacial para análise e avaliação de seus impactos é o nacional, o regional e/ou o

4 Baseado em Cano (1988).

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5

sub-regional. Por conseguinte, na maioria dos estudos migratórios, de

redistribuição e reorganização populacionais e urbanização têm-se considerado as

escalas nacional, regional e sub-regional como recorte espacial de estudo.

Por fim, na implementação de políticas econômicas e de desenvolvimento,

a atuação do Estado não é diretamente visível, pois o “resultado político” obtido a

partir de um processo de policy making é posto em prática por meio dos atores

políticos mais ligados às diferentes frações do capital.

Pode-se afirmar, a partir da perspectiva adotada aqui, que a maioria dos

estudos sobre reorganização populacional no espaço e fenômenos

correlacionados tem sido desenvolvida a partir de uma escala “macro” da relação

entre distribuição populacional e dimensão político-econômica. Ou seja, tais

estudos buscam explicar a variável demográfica numa escala nacional, regional ou

sub-regional a partir de uma variável política-econômica numa escala nacional ou

sub-nacional.

Nesse sentido, a escala intra-urbana5 será considerada neste estudo como

sendo a mais apropriada para melhor apreendermos a articulação entre

reorganização da população no espaço e a dimensão política-institucional, não

pretendemos considerar que a atuação do Estado seja pensada e desenhada

exclusivamente nas fronteiras do intra-urbano (ou local).

Isso porque se considera que a intervenção do Estado no espaço intra-

urbano, mesmo sendo colocada em prática por instâncias locais, é “atravessada”

verticalmente, conformada por normas e diretrizes provenientes das esferas

superiores de governo – esferas federal e estadual.

Em segundo lugar, na escala definida para este estudo, o “espaço intra-

urbano”6 corresponderá ao espaço interno da cidade, onde se concentra e se

distribui a população residente; onde se localiza o aparelho do Estado e se

concentra a infra-estrutura criada; e onde incide o zoneamento e a legislação

urbanística. Assim, cada cidade (ou a porção urbana de cada município)

corresponderá a um espaço intra-urbano específico.

5 Conceito desenvolvido por Villaça (1998) e complementado por Brandão (2007). 6 Baseado em Villaça (1998).

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Por fim, considera-se que a estruturação do espaço intra-urbano, além da

sua dinâmica interna, também sofre influências externas, ou seja, do processo de

estruturação de outros espaços intra-urbanos, principalmente tratando-se de

espaços próximos, situados em uma mesma região ou sub-região, e,

conseqüentemente, do processo de estruturação regional.

Tendo definida a escala do espaço intra-urbano como a escala mais

apropriada para se analisar a articulação entre reorganização da população no

espaço e a dimensão político-institucional para a configuração do espaço urbano,

precisaremos, agora, definir uma perspectiva teórica a partir da qual a dimensão

política da nossa proposição será analisada; trata-se do neo-institucionalismo

histórico7.

Antes de abordar o neo-institucionalismo propriamente dito, são

necessárias algumas observações com relação à noção de Estado e aos

conceitos que expressariam as diferentes dimensões do processo de elaboração e

implementação de políticas, a partir dos quais se vinculará à perspectiva neo-

institucionalista.

Primeiramente, e já em consonância com o neo-institucionalismo histórico,

para os propósitos deste estudo, a ação do Estado na implementação de políticas

públicas, permite apreende-lo não como

um agente neutro arbitrando entre interesses concorrentes, mas um complexo de instituições8 capaz de estruturar a natureza e os resultados dos conflitos entre os grupos. (HALL & TAYLOR, 2003, p.195)

Complementarmente a esta definição, considera-se que tal capacidade de

atuação do Estado pode ser analisada a partir das três dimensões diferenciadas

7 A bibliografia de referência utilizada para essa discussão foi: Hall & Taylor (2003), Immergut (1998), Jepperson (1991), Pierson (2004), Skocpol (1995; 1992; 1984; 1984), Skocpol & Somers (1980), Théret (2003). 8 A discussão sobre a definição de “instituição” será apresentada adiante.

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7

pela abordagem policy analysis9, expressas pelos conceitos de polity, politics e

policy.

Assim, segundo Frey (2000), polity refere-se “à ordem do sistema político,

delineada pelo sistema jurídico, e à estrutura institucional do sistema político

administrativo.” Por sua vez, ao se falar em politics “tem-se em vista o processo

político, freqüentemente de caráter conflituoso, no que diz respeito à imposição de

objetivos, aos conteúdos e às decisões de distribuição.” Por fim, a policy “refere-

se aos conteúdos concretos, isto é, à configuração dos programas políticos, aos

problemas técnicos e ao conteúdo material das decisões políticas”. (FREY, 2000,

p.216-217).

De acordo com o autor, essas dimensões são diferenciadas para fins

analíticos, mas na realidade política, elas são entrelaçadas e se influenciam

mutuamente, e é nesse duplo movimento que as três dimensões da atuação do

Estado serão consideradas neste estudo, focando, quando for o caso, cada

dimensão exclusivamente, sem perder de vista a interpenetração entre as

diferentes dimensões.

Posto isso, inicia-se a abordagem do neo-institucionalismo histórico

destacando a opção por uma perspectiva institucional, no interior da Ciência

Política, para a análise da articulação entre a reorganização populacional no

espaço intra-urbano e a dimensão político-institucional, como proposta aqui.

Assim, segundo Jepperson (1991), institutional explanations definem-se da

seguinte forma:

Institutional explanations are those featuring institutional effects, or that weight institutional effects highly relative to other effects, or that isolate instituionally caused features of an analytical object. Institutional theories then are those that feature institutional explanations. Institutionalism is a theoretical strategy that features institutional theories and seeks to develop and apply them10. (JEPPERSON, 1991, p.153)

9 Para uma discussão aprofundada sobre o desenvolvimento da vertente policy analysis no âmbito da ciência política, ver Frey (2000). 10 “Explicações institucionais são aquelas que destacam os efeitos institucionais, ou que colocam maior peso nos efeitos institucionais em relação a outros efeitos, ou que isolam as características institucionalmente causadas de um objeto analítico. Teorias institucionais, então, são aquelas que

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8

O autor complementa afirmando que

Institutional effects are those that feature institutions as causes. The imagined institutional effects may be upon institutions, as dependent variables (...), or upon dependent variables that are not in themselves represented as institutions (...)11. (JEPPERSON, 1991, p.153)

Com isso, destaca-se que a perspectiva institucional – ou institucionalismo

– traz as instituições para o centro da análise, sendo tratadas não como pano-de-

fundo ou informação secundária, mas como variáveis independentes importantes

para a explicação do fenômeno em estudo. Além disso, ressalta-se que os efeitos

institucionais atuam tanto sobre outras instituições como sobre processos não-

institucionais.

Em termos metodológicos, trata-se de um aspecto importante uma vez que

o Estado, sob tal perspectiva, assumiria uma posição de destaque na análise – o

que corroboraria com os propósitos de nosso estudo, onde a ação do Estado

considerada como variável explicativa da reorganização espacial da população.

Entre as perspectivas institucionais no campo da Ciência Política12,

considera-se que o neo-institucionalismo histórico seria a que oferece as

ferramentas mais adequadas para a análise da articulação entre reorganização da

população no espaço e a dimensão político-institucional, como proposta neste

trabalho.

Segundo Hall & Taylor (2003), o neo-institucionalismo é uma perspectiva

analítica relativamente recente, que surgiu e consolidou-se na Ciência Política

norte-americana entre o final da década de 1970 e a década de 1990, e que se

destacam explicações institucionais. Institucionalismo é uma estratégia teórica que destaca teorias institucionais e busca desenvolve-las e aplica-las.” (tradução própria). 11 “Efeitos institucionais são aqueles que destacam as instituições como causas. Os efeitos institucionais imaginados podem se referir a instituições, como variáveis dependentes (...), ou a variáveis dependentes que não são representadas como instituições (...).” (tradução própria). 12 McDonald (1995) elabora uma análise histórica do desenvolvimento da ciência política, na qual destaca a alternância entre perspectivas culturalistas e perspectivas institucionais ao longo tempo, na qual o neo-institucionalismo corresponde à perspectiva analítica mais recente desenvolvida no interior da disciplina.

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desenvolveu a partir de três diferentes vertentes: institucionalismo histórico,

institucionalismo da escolha racional e institucionalismo sociológico13.

Essas três vertentes se desenvolveram, segundo os autores, em

contraposição às perspectivas behavioristas, funcionalistas e neomarxistas –

influentes na ciência política durante os anos 60 e 70 – e têm como objetivo geral

elucidar o papel desempenhado pelas instituições na determinação de resultados

sociais e políticos (HALL & TAYLOR, 2003, p.194).

Théret (2003) complementa esta apresentação afirmando que o neo-

institucionalismo se distingue de outros paradigmas, especialmente do

individualismo metodológico, por considerar a necessidade de levar em conta as

instituições para compreender a ação dos indivíduos e suas manifestações

coletivas. Na sua visão, as instituições representariam, assim, “as mediações

entre estruturas sociais e os comportamentos individuais” (THÉRET, 2003, p.225).

Paralelo às características gerais, comuns às três vertentes, cada uma

delas apresenta uma imagem diferente de representação do mundo político – e a

que nos interessa aqui é a que se refere ao neo-institucionalismo histórico, que

passamos a abordar14.

Algumas especificidades mais comuns aos neo-institucionalistas históricos,

em comparação às demais vertentes, serão abordadas aqui a partir de uma breve

apresentação da sua influência teórica, a definição de “instituição” e a metodologia

de análise empregada.

Nesse sentido, de acordo com Hall & Taylor (2003), tendo o neo-

institucionalismo histórico se desenvolvido como reação contra a análise da vida

política a partir do enfoque dos grupos e do enfoque estrutural-funcionalista, é a

partir de idéias compartilhadas com tais perspectivas que vai se desenvolver seu

núcleo teórico.

Assim, com o enfoque dos grupos, o neo-institucionalismo histórico

compartilha a centralidade na vida política do conflito entre grupos rivais pela

13 Théret (2003) destaca o desenvolvimento da abordagem neo-institucionalista, também em três vertentes, em outras duas áreas, além da ciência política: na economia e na sociologia. 14 Para uma abordagem das três vertentes do neo-institucionalismo na Ciência Política, ver Hall & Taylor (2003), Théret (2003), Immergut (1998), entre outros.

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apropriação de recursos escassos. Porém, o neo-institucionalismo histórico

diferencia-se por buscar nas instituições as explicações que melhor dão conta de

situações políticas nacionais e, em particular, da distribuição desigual de poder e

de recursos (HALL & TAYLOR, 2003, p.194).

Por sua vez, do enfoque estrutural-funcionalista, o neo-institucionalismo

histórico aceita a concepção da “comunidade política como sistema global

composto por partes que interagem” (HALL & TAYLOR, 2003, p.195). Porém,

critica a tendência estrutural-funcionalista em considerar como parâmetros de

análise do funcionamento do sistema características sociais, psicológicas ou

culturais dos indivíduos.

Diante disso, o neo-institucionalismo histórico considera a organização

institucional da comunidade política como um dos principais fatores a estruturar o

comportamento coletivo. Assim, conclui-se que o neo-institucionalismo histórico

acaba por privilegiar mais o “estruturalismo” inerente às instituições em detrimento

do seu “funcionalismo” – o contrário do que ocorre com os enfoques anteriores

(HALL & TAYLOR, 2003, p.195).

Na definição de “instituição”, o neo-institucionalismo histórico, de modo

geral, tende a associar as instituições às organizações e às regras ou convenções

editadas pelas organizações formais.

Por fim, as especificidades da metodologia de análise empregada pelo neo-

institucionalismo histórico podem ser apresentadas da seguinte forma15: 1)

tendência a conceituar a relação entre as instituições e o comportamento

individual em termos gerais, elaborando-a a partir da diferença entre “perspectiva

calculadora” e “perspectiva cultural”16; 2) ênfase nas assimetrias de poder

15 Baseado em Hall & Taylor, 2003, p.197-202. 16 De acordo com Hall & Taylor (2003), na “perspectiva calculadora”, o comportamento humano é orientado pelo cálculo estratégico; os comportamentos dos atores são afetados pelas instituições a partir do grau de certeza que elas oferecem com relação ao comportamento presente e futuro dos outros atores; e as instituições são mantidas em função da adesão dos indivíduos aos modelos de comportamento (fornecidos pelas instituições) , que o fazem tendo em vista que terá mais a perder se não aderir a eles. Na “perspectiva culturalista”, o comportamento dos atores, embora racional e orientado a fins, é limitado pela visão de mundo própria dos indivíduos; as instituições fornecem modelos morais e cognitivos que permitem a interpretação e a ação; e as instituições resistem porque elas estruturam as próprias decisões concernentes a uma eventual reforma que os atores possam adotar. Segundo autores, o neo-institucionalismo histórico mescla elementos dessas duas

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11

associadas ao funcionamento e ao desenvolvimento das instituições; 3)

concepção do desenvolvimento institucional que privilegia as trajetórias, as

“situações críticas” e as conseqüências imprevistas, trabalhando com a noção de

path dependence (ou seja, defendem uma causalidade social dependente da

trajetória institucional percorrida); e 4) combina outros fatores – como o

desenvolvimento socioeconômico e as idéias – na explicação dos processos

estudados, não considerado as instituições como o único fator a influenciar a vida

política.

Abordadas as características gerais referentes ao neo-institucionalismo

histórico, passamos agora à apresentação dos principais interlocutores, com o

auxílio dos quais se selecionará os instrumentos metodológicos e conceituais para

a efetivação da nossa análise institucional. Nesse sentido, o diálogo será

estabelecido, principalmente, com os estudos de Skocpol (1995; 1992; 1985;

1984) e complementado com os de Pierson (2004; 1993) e de Jepperson (1991).

Em termos metodológicos, a forma como Skocpol executa determinados

elementos em seus estudos mostra-se bastante adequada aos propósitos da

nossa análise. Esses elementos são: a análise comparativa, o estudo de

processos ao longo do tempo, a noção de path dependence e de feedback – os

quais serão abordados individualmente aqui, mas, na prática, eles aparecem

relacionados entre si.

Primeiramente, Skocpol (1995), diante das diferenças entre o Estado norte-

americano e os Estados europeus, enfatiza a importância de estudos

comparativos de conceitos freqüentemente presentes na análise institucional. .

Com relação à utilização de comparações, a autora afirma que:

Comparisons, whether across countries, regions, localities, or time periods, are used to find interesting patterns to explain and to test the plausibility of causal hypotheses. Over time, processes are traced in order to discover the intersections of separately structured developments that often account for outcomes we wish to understand, whether they be revolutions, or their absence, strategies

perspectivas na compreensão da relação entre instituições e ação social. (HALL & TAYLOR, 2003, p.197-199).

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12

of labor union movements, or patterns of welfare state development17. (SKOCPOL, 1995, p.104)

Com isso, é possível destacar um aspecto característico dos estudos de

Skocpol, ou seja, o emprego de comparações como uma estratégia de pesquisa

central da autora. O recurso comparativo, dessa maneira, permite a autora

identificar as diferenças nas trajetórias percorridas por diferentes sociedades em

determinado desenvolvimento institucional – isso, por sua vez, acaba se

constituindo num elemento central do argumento e das explicações do fenômeno

estudado18.

Na nossa pesquisa, pretende-se que a análise comparativa assuma a

mesma posição que a assumida nos estudos de Skocpol (1995; 1992), ou seja,

como uma estratégia de pesquisa central, estruturando o argumento da análise e

as explicações do processo de distribuição espacial da população, nos termos

considerados aqui.

Uma segunda especificidade dos estudos de Skocpol refere-se às análises

de processes over time, as quais evidenciam a importância dada pela autora ao

desdobramento de processos no tempo e à sua seqüência temporal nos

resultados políticos e sociais. Pierson (1993) corrobora a importância desse

instrumento de análise afirmando que “political processes can best be understood

if they are studied over time” 19. (PIERSON, 1993, p.596)

Assim, a definição de um recorte temporal relativamente longo para a

análise institucional torna-se um recurso adequado a nossa pesquisa, pois, a partir

dela, é possível captar os desdobramentos da ação do Estado e seus impactos,

17 “Comparações, seja entre países, regiões, localidades ou períodos de tempo, são utilizadas para encontrar padrões interessantes para explicar e testar a plausibilidade de hipóteses causais. Ao longo do tempo, processos são traçados de forma a descobrir as intersecções de desenvolvimentos estruturados separadamente que, freqüentemente, apontam para resultados que desejamos entender, sejam eles revoluções, ou a sua ausência, estratégias dos movimentos sindicais, ou padrões de desenvolvimento do Estado de Bem-Estar.” (tradução própria). 18 Essa forma de empregar a análise comparativa fica bastante visível na obra de Skocpol, Protecting soldiers and mothers (...), de 1992, onde a autora analisa o desenvolvimento da política de proteção e seguro social nos Estados Unidos, em comparação com alguns Estados europeus. 19 “Processos políticos podem ser melhor entendidos se forem estudados ao longo do tempo” (tradução própria).

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tanto no desenvolvimento ulterior de determinada política pública, como nas

relações entre Estado e sociedade civil.

Por fim, a análise comparativa de processes over time é colocada em

funcionamento a partir do emprego das noções de path dependence e de

feedback processes. Segundo Sewell (1996), path dependence significa que “what

happened at an earlier point in time will affect the possible outcomes of a

sequence of events occurring at a later point in time.”20 (SEWELL apud Pierson,

2004, p.20)

Pierson (2004) complementa esta discussão apresentando o conceito de

path dependence sugerida por Levi (1997):

Path dependence has to mean (...) that once a country or region has started down a track, the costs of reversal are very high. There will be other choice points, but the entrenchments of certain institutional arrangements obstruct an easy reversal of the initial choice (...)21. (LEVI apud Pierson, 2004, p.20)

Com relação à segunda noção, Pierson (2004) afirma que o positive

feedback (ou self-reinforcement) é o elemento do processo histórico que gera o

path dependence. Segundo o autor,

In the presence of positive feedback, the probability of further steps along the same path increases with each move down that path. This is because the relative benefits of the current activity compared with once-possible options increases over time. To put it a different way, the costs of switching to some previously plausible alternative rise.22 (PIERSON, 2004, p.21)

20 “o que aconteceu num ponto inicial no tempo afetará os resultados possíveis de uma seqüência de eventos ocorrendo num momento final do tempo.” (tradução própria). 21 “Trajetória dependente significa que, uma vez que um país ou região começa a trilhar um caminho, os custos da reversão são muito altos. Haverá outros pontos de escolha, mas o estabelecimento de certos arranjos institucionais dificulta uma reversão fácil à escolha inicial (...)”. (tradução própria). 22 “Na presença do feedback positivo, a probabilidade de passos adicionais ao longo da mesma trajetória aumenta a cada avanço nesta trajetória. Isto se deve ao fato de que os benefícios relativos à atividade corrente, comparada com opções possíveis, aumentam ao longo do tempo. Considerado um caminho diferente, os custos de mudar para alguma alternativa previamente plausível aumentam.” (tradução própria).

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14

A ênfase dada por Pierson (2004) à definição de path dependence e de

feedback evidencia o interesse do autor, que se encontra mais focado na

persistência das instituições num mesmo caminho, ao longo do tempo.

Em contraste, essas noções aparecem nos trabalhos de Skocpol

associadas a uma perspectiva mais dinâmica das instituições, que foca mais

centralmente numa trajetória percorrida por uma determinada instituição, que se

forma e se transforma ao longo de um intervalo relativamente longo de tempo.

Assim, as noções de path dependence e de feedback, consideradas

conjuntamente, aparecem no ensaio metodológico de Skocpol (1984) vinculadas

ao espaço dado aos processes over time nos estudos de sociologia histórica23.

Segundo a autora,

For them [historical sociological studies], the world’s past is not seen as a unified developmental story or as a set of standardized sequences. Instead, it is understood that groups or organizations have chosen, or stumbled into, varying paths in the past. Earlier ‘choices’ in turn, both limit and open up alternative possibilities for further change, leading toward no predetermined end.24 (SKOCPOL, 1984, p.1-2)

Num trabalho posterior, já no campo da Ciência Política, Skocpol (1992)

emprega a noção de policy feedback para a análise do desenvolvimento da

política nacional de previdência social nos Estados Unidos. Nesse contexto, a

idéia de feedback usada pela autora se expressa na consideração de que

“policies, once enacted, restructure subsequent political processes”25 (SKOCPOL,

1992, p.58)

23 Segundo o estudo de Théret (2003), observa-se que a sociologia histórica é o correlato, na sociologia, do neo-institucionalismo histórico, na ciência política. Os aspectos metodológicos destacados por Skocpol (1984) na sociologia histórica assemelham-se aos destacados pela autora, no neo-institucionalismo histórico (Skocpol, 1995). 24 “Para eles (estudos de sociologia histórica), o passado do mundo não é visto como uma história unificada do desenvolvimento, ou como um conjunto de seqüências padronizadas. Ao invés disso, entende-se que grupos ou organizações têm selecionado, ou caído em, diferentes trajetórias no passado. ‘Escolhas’ iniciais, por sua vez, tanto limitam como abrem possibilidades alternativas para mudança ulterior, levando para um final não predeterminado.” (tradução própria). 25 “Políticas, uma vez ordenadas, reestruturam processos políticos subseqüentes”. (tradução própria).

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Ainda no mesmo trabalho, a noção de feedback é empregada quando

Skocpol (1992) fala da importância de não se trabalhar apenas com determinantes

sincrônicos nos estudos de policy processes. Nesse sentido, a autora afirma que:

we must examine patterns unfolding over time (and not only long-term macroscopic processes of social change and polity reorganization). We must make social policies the starting points as well as the end points of analysis: As politics creates policies, policies also remake politics26. (SKOCPOL, 1992, p.58)

Por fim, num artigo também metodológico, o emprego conjunto das noções

de path dependence e de feedback pelos neo-institucionalistas históricos, em

comparação com as demais vertentes, é evidenciado por Skocpol (1995) da

seguinte forma:

Historical institutionalists are more likely to trace sequences of outcomes over time, showing how earlier outcomes change the parameter for subsequent developments27. (SKOCPOL, 1995, p.106).

Com isso, pretende-se destacar a perspectiva diferenciada do uso das

noções de path dependence e de feedback, adotada por Skocpol (1995; 1992;

1984), em comparação com outros autores, e enfatizar a nossa adesão a tal

perspectiva na forma de considerar o desdobramento das ações do Estado,

conforme os objetivos do nosso trabalho.

Considerando, agora, os aspectos conceituais e metodológicos dos estudos

neo-institucionalistas históricos, destacam-se os elementos considerados de

crucial importância para o nosso trabalho: a definição de “instituição”, a partir da

qual, definiremos os elementos da dimensão político-institucional, selecionados

para o nosso estudo; a noção de State-society interactions; a noção de critical

junctures, e a importância do ponto inicial da análise.

26 “Devemos examinar padrões desdobrados ao longo do tempo (e não apenas processos macroscópicos, de longo período, de mudança social e reorganização política). Devemos considerar políticas sociais nos pontos iniciais bem como nos pontos finais da análise: como a política cria políticas, políticas também reproduzem a política.” (tradução própria). 27 “Institucionalistas históricos são mais propensos a traçar seqüências de resultados ao longo do tempo, mostrando como resultados iniciais mudam os parâmetros para desenvolvimentos subseqüentes.” (tradução própria).

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Hall & Taylor (2003) colocam que o ponto inicial de qualquer análise

institucional é a definição de “instituição”. De fato, tal definição mostra-se

necessária para o desenvolvimento da pesquisa, e ela é importante não somente

pela definição em si, mas por que, no nosso ponto de vista, ela influenciará a

forma de se elaborar a “interação Estado-sociedade”.

Assim, pretende-se que a nossa definição de “instituição” seja constituída

de dois aspectos, considerados a partir das definições dadas ao termo por Hall &

Taylor (2003) e Jepperson (1991).

Nesse sentido, Hall & Taylor (2003) afirmam que os neo-institucionalistas

históricos tendem a associar instituições a regras ou convenções e as definem, de

modo geral, como

os procedimentos, protocolos, normas e convenções oficiais e oficiosas inerentes à estrutura organizacional da comunidade política ou da economia política. (HALL & TAYLOR, 2003, p.196)

Por sua vez, as considerações de Jepperson (1991)28 podem complementar

essa definição ao se referirem à instituição como “a social pattern that reveals a

particular reproduction process”29 (JEPPERSON, 1991, p.145). Com isso, o autor

destaca que

institutions are those social patterns that, when chronically reproduced, owe their survival to relatively self-activating social processes. Their persistence is not dependent, notably, upon recurrent collective mobilization, mobilization repetitively reengineered and reactivated in order to secure the reproduction of a pattern. That is, institutions are not reproduced by ‘action’, in this strict sense of collective intervention in a social convention. Rather, routine reproductive procedures support and sustain the pattern, furthering its reproduction – unless collective action blocks, or environmental shock disrupts, the reproductive process.30 (JEPPERSON, 1991, p.145)

28 Jepperson aproxima-se mais da vertente sociológica (ou organizacional) do neo-institucionalismo. 29 “Um padrão social que revela um processo particular de reprodução”. (tradução própria). 30 “Instituições são aqueles padrões sociais que, quando cronicamente reproduzidos, devem sua sobrevivência a processos sociais relativamente auto-ativados. Sua persistência não é dependente, notavelmente, da mobilização coletiva recorrente, mobilização repetitivamente engendrada e reativada de forma a assegurar a reprodução de um padrão. Isto é, instituições não

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Por sua vez, a partir da abordagem de Skocpol (1995) que, segundo a

autora, representa “an organizational realist approach to institutions”31 (SKOCPOL,

1995, p.105), as “instituições” seriam consideradas como

actual patterns of communication and activity, rather than seeing them primarily as values, norms, ideas, or official rules.32 (SKOCPOL, 1995,p.105)

A autora complementa afirmando que “instituições” são

sets of relationships that persist, although in an inherently conflictual and tension filled way. Institutions may be formal organizations or informal networks. (...).33 (SKOCPOL, 1995, p.105)

Com isso, observa-se que a autora enfatiza o aspecto comunicativo e o da

relação – conflituosa e tensa – entre as partes que atuam na configuração de uma

determinada instituição. Ao mesmo tempo, deduz-se, do artigo de Skocpol, que os

tais “padrões de comunicação e atividade” e as “relações persistentes”,

destacados nesta definição de instituição, referem-se à forma como a autora

aborda a interação Estado-sociedade na sua análise.

Assim, a “instituição” será considerada, no nosso trabalho, a partir, por um

lado, da sua dimensão concreta, mais facilmente visível e palpável, expressa

pelas normas, leis e decretos oficiais de organizações governamentais (Hall &

Taylor, 2003), que, uma vez instituída, possuem uma capacidade própria de se

manter e se reproduzir (Jepperson, 1991). Por outro lado, da sua dimensão

dialética, consubstanciada na interlocução, tensa e conflituosa (Skocpol, 1995),

entre os atores na defesa de seus interesses.

são reproduzidas pela “ação”, em seu sentido estrito de intervenção coletiva numa convenção social. Ao invés disso, procedimentos reprodutivos de rotina apóiam e sustentam o padrão, favorecendo sua reprodução – no mínimo, a ação coletiva bloqueia, ou choques ambientais interrompem, o processo reprodutivo.” (tradução própria). 31 “Uma abordagem organizacional realista das instituições.” (tradução própria). 32 “Padrões atuais de comunicação e atividade, em vez de considera-las basicamente como valores, normas, idéias ou papéis oficiais.” (tradução própria). 33 “Conjuntos de relacionamentos que persistem, embora numa forma inerentemente conflitual e tensa. Instituições podem ser organizações formais ou redes de relacionamento informais. (...)” (tradução própria)

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Diante disso, coloca-se que, para os propósitos do nosso estudo, em

consonância com a “dimensão concreta”, a atuação do Estado a partir do qual

entende-se que se verificaria a articulação entre a reorganização da população e a

dimensão político-institucional é representada pela “organização territorial”,

entendida como uma competência do governo municipal, definida

constitucionalmente, de organizar seu território para fins administrativos e de

governo.

Por sua vez, a partir da dimensão comunicativa, dialética, tensa e

conflituosa, define-se como elementos político-institucionais da análise as relações

intergovernamentais e a “interação Estado-sociedade”34, que serão objetos de

discussão na próxima seção deste capítulo.

Em segundo lugar, a noção de State-society interactions, presente em

Skocpol (1995), não se encontra claramente definida. Sendo assim, uma forma de

captar seu significado seria através da consideração das análises empreendidas

pela autora.

Nesse sentido, a partir dos estudos de Skocpol (1995; 1992), é possível

discernir o seguinte movimento daquilo que ela denominou de State-society

interactions: o Estado, através da tomada de decisão numa determinada política

pública, num dado momento, influencia a sociedade de forma a desencadear, num

momento posterior, a mobilização de certos segmentos sociais, que se

organizarão com o objetivo de influenciar o Estado no sentido de alterar ou

estender a atuação daquela mesma política pública que iniciou esse movimento.

Nesses casos, State corresponderia a “the overall pattern of U.S.

governmental institutions”35, e society corresponderia a diferentes grupos sociais,

aos quais se dirigiram a política pública, implementada pelo State36.

34 Essa noção de interação Estado-sociedade decorre da noção de “State-society interactions”, presente em Skocpol (1995), e, por isso, será apresentada, nesta seção da forma como aparece na literatura. Na seção seguinte, apresentaremos como definimos essa noção, chamada de “interação Estado-sociedade”, para a realização do nosso estudo. 35 “o padrão global de instituições governamentais dos Estados Unidos da América.” (tradução própria). 36 Nos estudos de Skocpol (1995; 1992), esses grupos sociais correspondiam aos veteranos de guerra e os grupos de mães e organizações de defesa da criança, considerados, pela autora, na análise da expansão da política de seguro e previdência social, nos Estados Unidos.

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Diante disso, no nosso estudo, essa noção assume a forma de “interação

Estado-sociedade”, sendo que o termo “Estado”, entendido como “um complexo

de instituições”, com capacidade para arbitrar os conflitos entre grupos sociais

com interesses diferentes, será considerado numa dimensão político-institucional

mais ampla, através, por um lado, da definição das relações intergovernamentais,

e, por outro, da definição da participação política, expresso pela extensão do

direito de voto e da direito de organização e representação social. Por sua vez, a

“sociedade” corresponderia à população, em geral, classificada nos diferentes grupos

sociais37.

Por sua vez, a noção de critical junctures, de acordo com Pierson (2004),

estaria relacionada com a possibilidade de mudança no desdobramento do path

dependence. Nesse sentido, o autor destaca que

There are brief moments in which opportunities for major institutional reforms appears, followed by long stretches of institutional stability.38 (PIERSON, 2004, p.134-135)

No caso, esses “brief moments” corresponderiam aos critical junctures. O

autor complementa, ainda, destacando que “institutions are often seen as stable

until the next critical juncture arrive”39, o que nos levaria a concluir que o critical

juncture representaria um momento de interrupção momentânea do path

dependence, surgindo a oportunidade de uma alteração no path, o que levaria a

uma forma de mudança institucional.

Para o nosso estudo, o “critical juncture” assume a forma de “ponto crítico”,

o qual será discutido numa discussão conceitual complementar, na próxima seção.

Por fim, o quarto elemento metodológico do neo-institucionalismo histórico

corresponde à importância dada, nessas análises, ao ponto inicial do processo em

estudo, pois seria nesse momento que se definiria o path dependence do

processo social a ser estudado. No nosso caso, o ponto inicial do processo de

37 A definição da interação Estado-sociedade, para o nosso estudo, será retomado mais adiante. 38 “Existem breves momentos durante os quais surgem oportunidades para reformas institucionais importantes, seguidos por longos períodos de estabilidade institucional.” (tradução própria). 39 “Instituições são freqüentemente vistas como estáveis até que o próximo ponto crítico chegue”. (tradução própria).

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articulação entre e a reorganização da população no espaço e a dimensão

político-institucional corresponde ao período 1850-1900, quando se elabora e se

define a política de terras e de colonização no país, o que será retomado ao longo

do desenvolvimento do estudo.

Para finalizarmos a discussão sobre o neo-institucionalismo histórico, resta-

nos fazermos algumas observações quanto aos desafios colocados por esta

perspectiva analítica ao empreendimento analítico proposto aqui.

Primeiramente, trata-se de uma teoria de “médio-alcance”, que não tem a

pretensão de elaborar generalizações aplicáveis a qualquer realidade, e, como

coloca Frey (2000), foi construída pensando-se na realidade institucional norte-

americana, em comparação com países da Europa ocidental40.

Em segundo lugar, a maioria dos estudos nessa perspectiva analisou

processos políticos nacionais, seja no interior de um único país, seja em estudos

comparativos entre diversos países.

Assim, observa-se que os desafios colocados pelo neo-institucionalismo

histórico na implementação de nossa proposta de estudo são de duas naturezas:

1) aplicar tal arcabouço teórico-metodológico a uma realidade tão díspar como a

do Brasil, em comparação à realidade onde esta teoria se desenvolveu; e 2)

aplicar esse instrumental analítico numa escala sub-nacional e sub-regional de

atuação do Estado.

Diante disso, por considerar que se trata de uma perspectiva analítica de

rico instrumental e potencialmente profícua, pretende-se transformar tais desafios

em estímulos, colocando em prática o presente estudo nos moldes propostos aqui,

de forma a enriquecer a análise do processo de reorganização da população no

espaço e, com isso, ramificar e expandir a aplicabilidade do neo-institucionalismo

histórico.

Posto isso, temos em mãos, agora, elementos suficientes para elaborar a

hipótese que norteará o desenvolvimento do nosso trabalho.

40 Vale ressaltar que, apesar disso, é cada vez mais significativo o número de pesquisas realizadas no Brasil na perspectiva neo-institucionalista histórica. Entre eles, pode-se citar Arretche (2000); Coelho (1998); e Souza (2003a).

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Assim, as diferenças identificadas nas formas atuais de reorganização da

população nos diversos espaços intra-urbanos, situados numa mesma sub-região,

expressariam as diferentes trajetórias percorridas, ao longo do tempo (path

dependence), por cada interação Estado-sociedade, nos respectivos espaços

intra-urbanos.

Assim, decisões políticas de intervenção direta no espaço urbano, tomadas

num momento do passado, tenderiam a definir a trajetória subseqüente percorrida

pela interação Estado-sociedade na estruturação do espaço intra-urbano

correspondente, de forma que a alocação, reorganização e concentração da

população nos diversos espaços intra-urbanos corresponderiam a diferentes

formas de path dependence percorridas.

I.2 – Dimensão político-institucional, formas de configuração do espaço e

escalas de análise: uma discussão conceitual complementar

Nessa parte do capítulo, pretendemos desenvolver uma discussão

conceitual complementar que, por um lado, está relacionada com a dimensão

política institucional e com a perspectiva neo-institucionalista histórica,

apresentadas no capítulo anterior, e, por outro, fornece subsídios para a análise

da transformação do espaço e reorganização da população, que será

desenvolvida nos próximos capítulos.

Esta discussão conceitual será dividida em quatro subseções, sendo que na

primeira serão tratados os elementos da dimensão político-institucional

selecionados para a nossa análise – relações intergovernamentais e interação

Estado-sociedade – e os dois conceitos neo-institucionalistas históricos que

conformam a argumentação do nosso estudo, ou seja, a idéia de path dependence

e de “pontos críticos”.

Na segunda subseção, será elaborada uma discussão que servirá de base

para a análise desenvolvida nos próximos capítulos voltada especificamente para

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as transformações do espaço, com destaque para os debates sobre o conceito de

hinterlândia e sobre uso e ocupação do solo urbano.

Na terceira subseção, será apresentada uma discussão sobre a definição

de escalas espaciais nas análises urbana e regional. A partir dessa discussão,

serão apresentadas as escalas definidas para a realização do nosso estudo.

Na última subseção, será apresentada a idéia de tridimensionalidade do

processo emancipatório, cuja lógica de funcionamento não será considerada

restritamente com relação à criação de municípios, mas sim estendida a outros

processos de transformações do espaço.

I.2.1 – Elementos político-institucionais e neo-institucionalistas

históricos

Primeiramente, vamos apresentar uma discussão conceitual dos elementos

da dimensão político-institucional selecionados para a nossa análise. Nesse

sentido, destaca-se que tais elementos correspondem às relações

intergovernamentais e à ”interação Estado-sociedade”.

Começando nossa análise pelo primeiro elemento, tem-se que, segundo

Costa (2006), relações intergovernamentais referem-se à

Interação entre entes com algum nível de autonomia política, mas não soberania, dentro de um mesmo país (...) (COSTA, 2006, p.2)

Baseando-se numa literatura complementar41, poderia se destacar, ainda,

que relações intergovernamentais referem-se ao relacionamento entre as esferas

de governo estabelecido, basicamente, em função das competências definidas

para cada esfera e dos recursos colocados à sua disposição para atender a essas

competências.

41 Elaborou-se essa noção simplificada dessas “relações” a partir da leitura de alguns estudos selecionados, ficando qualquer equívoco ou incorreção sob a responsabilidade da interpretação que fiz de tais estudos. A bibliografia considerada foi: Abrucio (1998) Abrucio & Costa (1998), Almeida (2005; 1995) e Kugelmas & Sola (2000).

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Por sua vez, de acordo com Abrucio (1998), num contexto federativo, como

o brasileiro, essas relações intergovernamentais deveriam ser definidas levando-

se em conta o “princípio da autonomia”42 e o “princípio da interdependência”43.

Explicando melhor o que tudo isso significa, toma-se o artigo de Almeida

(1995), no qual a autora define o federalismo como sendo

Um sistema baseado na distribuição territorial – constitucionalmente definida e assegurada – de poder e autoridade entre instâncias de governo, de tal forma que os governos nacional e subnacionais são independentes em sua esfera própria de ação. (ALMEIDA, 1995, p.89)

Com isso, segundo a autora, o federalismo se caracterizaria pela “não-

centralização”, ou seja, “pela difusão dos poderes do governo entre muitos

centros, nos quais a autoridade não resulta da delegação de um poder central,

mas é conferida por sufrágio universal” (ALMEIDA, 1995, p.89).

Segundo a leitura feita por Abrucio (1998), essa “não-centralização”

corresponderia ao próprio “princípio de autonomia”, a partir do qual uma federação

democrática teria que buscar

(...) garantir a autonomia de todos os entes federativos e no plano intergovernamental criar mecanismos institucionais de controle de uma esfera de poder sobre a(s) outra(s)44 (...)” (ABRUCIO, 1998, p.27)

Porém, segundo o autor, a autonomia e a competição entre entes

federativos por meio do controle mútuo não seriam suficientes para o sucesso do

arranjo federativo, fazendo-se necessário também

(...) assegurar o princípio da interdependência, que por sua vez depende da adoção da negociação permanente entre as instâncias

42 Refere-se ao “maior grau possível de autogoverno” (ABRUCIO, 1998, p.27) 43 Refere-se a “um relacionamento intergovernamental que permita a compatibilizarão entre os direitos de cada ente federativo e a soma dos interesses presentes na Federação” (ABRUCIO, 1998, p.27). 44 Segundo Abrucio, trata-se dos mecanismos de checks and balances, estabelecidos pelos autores d’O Federalista, com o objetivo de se “evitar a tirania de um nível de governo sobre os demais” (MADISON, HAMILTON & JAY, 1984 apud ABRUCIO, 1998, p.27).

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de governo e da busca da cooperação como mecanismos de resolução dos conflitos. (ABRUCIO, 1998, p.27)

Com isso, observa-se que, devido à lógica dos princípios da autonomia e da

interdependência45, o federalismo acabaria por apresentar elementos de

cooperação e de competição, os quais contribuem para a moldagem de relações

intergovernamentais, constitutivamente competitivas e cooperativas46.

De acordo com os autores, seria da natureza do federalismo a convivência

com a tensão proveniente da coexistência desses dois elementos, sendo que,

para ser bem sucedido, todo o sistema federativo deveria “desenvolver um

equilíbrio adequado entre cooperação e competição, e entre o governo nacional e

seus componentes” (ELAZAR, 199347 apud ABRUCIO, 1998, p.27).

Buscou-se, com isso, apresentar um quadro geral que forneça os

elementos necessários para se pensar as relações intergovernamentais num

contexto federativo. Não se pretende aprofundar a análise dessas relações e nem

esgotar todas as possibilidades da sua relação com processos estudados aqui,

mas tão-somente manter em primeiro plano, na análise da articulação entre a

dimensão político-institucional e a reorganização espacial da população, esse

duplo caráter das relações intergovernamentais e da tensão inerente a elas.

Com relação ao segundo elemento político-institucional selecionado – as

interações Estado-sociedade –, a definição utilizada neste estudo baseia-se na

literatura48 que analisou os diferentes contextos político-institucionais e já cunhou

algumas definições da relação entre Estado e sociedade para cada contexto.

Nesse sentido, esse estudo considerará as diferentes formas de autoritarismo

próprio de cada contexto político-institucional49.

Nesse sentido, tem-se, segundo Bobbio (1992), que regimes autoritários

seriam aqueles que

45 Baseado em Abrucio (1998). 46 Baseado em Almeida (1995, p.89). 47 ELAZAR, D. International and comparative federalism. Political Science and Politics, vol.XXVI, no2, Washington. D.C., 1993. 48 Refiro-me basicamente a: Kowarick & Ant (1982), Weffort (1989), Almeida (2005) e Abrucio (1998). 49 Com exceção do período mais recente, que não se caracteriza pelo autoritarismo, mas sim pela participação democrática.

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(...) privilegiam a autoridade governamental e diminuem de forma mais ou menos radical o consenso, concentrando o poder político nas mãos de uma só pessoa ou de um só órgão e colocando em posição secundária as instituições representativas. Nesse contexto, a oposição e a autonomia dos subsistemas políticos são reduzidas à expressão mínima e as instituições destinadas a representar a autoridade de baixo para cima ou são aniquiladas ou substancialmente esvaziadas. (BOBBIO, 1992, p.94)

A partir dessa definição, considera-se que uma interação Estado-sociedade

autoritária seria aquela na qual a tomada de decisão em relação às questões

gerais da sociedade seria feita levando em conta os interesses dos grupos sociais

dominantes ou mais influentes, ou seja, daqueles mais próximos às autoridades

governamentais, não sendo considerados os interesses das classes populares.

Em contrapartida, uma interação Estado-sociedade baseada na participação

democrática consideraria o envolvimento de todos os grupos sociais, incluindo as

classes populares, na tomada de decisão política.

Isso não significa que, em contextos autoritários, as classes populares ou

trabalhadoras não estivessem presentes no cenário político nacional, estadual ou

local. Pelo contrário. Diversos estudos50 destacam a atuação desses grupos

sociais em diferentes contextos da história do país. Destacam também que, em

contextos sociais autoritários, como suas reivindicações não circulavam pelos

caminhos oficiais do sistema político, suas mobilizações sociais foram, muitas

vezes, reprimidas com violência pelo poder público.

Assim, a partir da literatura consultada, a interação Estado-sociedade de

cada período considerado na análise será referenciada a formas específicas de

autoritarismo, na maior parte dos períodos analisados, e, no período final, à forma

democrática participativa, destacando-se a forma pela qual essa interação

contribui para a configuração dos processos de organização territorial e de

reorganização espacial da população, no caso específico das diferenciações

político-territoriais no espaço selecionado para o estudo.

Com relação à segunda parte da discussão conceitual desenvolvida nesta

subseção, considera-se que os elementos da perspectiva analítica neo- 50 Entre eles, destacam-se: Carvalho (1996), Gabriel (1995), Carvalho (1991), Fausto (2000), Penna (1999).

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institucionalista histórica que mais se aproximam do tipo de análise empreendida

nesta tese seriam as noções de path dependence51 e de “ponto crítico”.

Nesse sentido, tem-se que, enquanto a noção de path dependence

expressaria uma idéia de “trajetória condicionada” nos processos de

transformação do espaço, no sentido de que uma determinada decisão, no

momento inicial do processo, seja ela político-institucional, populacional ou

econômica, influenciaria todo o seu desdobramento posterior, a idéia de “ponto

crítico”52 estaria relacionada ao surgimento daqueles momentos em que se

colocaria a possibilidade de interromper o path dependence e, com isso, o

processo de transformação do espaço poderia assumir um caminho diferente.

Resta-nos, agora, partir para a definição daquilo que melhor se enquadraria

nesse papel de “ponto crítico” no processo de transformação espacial em estudo.

Nesse sentido, destaca-se, primeiramente, que esse “ponto crítico”, devido ao

aporte teórico do presente estudo, deverá se vincular, ao mesmo, aos dois

elementos da dimensão político-institucional selecionados para a análise, ou seja,

as relações intergovernamentais e a interação Estado-sociedade. Isso nos coloca

um desafio adicional, pois cada elemento, isoladamente, fornece uma gama ampla

de outros elementos a partir dos quais poder-se-ia definir os “pontos críticos” do

processo em análise53.

51 A noção de path dependence já foi apresentada no primeiro capítulo, na elaboração do aporte teórico deste estudo. Ela será retomada aqui para melhor compreensão da idéia de “ponto crítico”. 52 Essa definição de “ponto crítico” baseia-se, por um lado, na discussão feita por Pierson (2004) sobre critical juncture, apresentada na seção anterior, e no trabalho de Souza (2003a), no qual fica clara a concepção de que o critical juncture corresponderia a uma oportunidade de mudança institucional, uma vez que se trata de um momento de interrupção do path dependence. 53 Não caberia nos limites deste estudo, embora sua importância seja inegável, uma discussão da bibliografia especializada sobre as relações intergovernamentais no sistema federativo de governo e da literatura que abordas as interações Estado-sociedade, ou as relações entre Estado e sociedade civil. No desenvolvimento do presente capítulo, destacaremos apenas aspectos mais gerais desses dois elementos, os quais estejam mais diretamente relacionados com os nossos objetivos, nos detendo no aprofundamento de alguns aspectos quando for necessário. Porém, vale destacar alguns estudos considerados no levantamento bibliográfico, importantes para uma discussão mais ampla. Assim, a respeito das relações intergovernamentais federativas, destacam-se três trabalhos importantes que abordam o debate internacional e nacional: Abrucio & Costa (1998), Kugelmas & Sola (2000) e Almeida (2005). Além desses, destacam-se alguns outros estudos importantes, mas que, obviamente, não esgotam toda a produção sobre o tema: Abrucio (1998), Affonso (2000; 1996), Almeida (1995), Arretche (2000), Gomes & Mac Dowell (2000), Melo (1996), Rezende (1999), Serra & Afonso (1999), Silva (1995), Souza (1996). Por sua vez, considerou-se como estudos que não abordam diretamente o tema ou que empregam exatamente o termo, mas que tangenciam a questão da interação Estado-sociedade, ou, pelo menos, foi dessa

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Além disso, o “ponto crítico” deveria necessariamente possuir também uma

dimensão populacional. Diante disso, decidiu-se que o elemento, para que viesse

a constituir os “pontos críticos” do desdobramento, no tempo, do “processo de

diferenciações político-territoriais”54, deveria, por um lado, estar diretamente

vinculado à organização territorial e à reorganização da população no espaço, por

outro, ser sensível à influência tanto das relações intergovernamentais como da

interação Estado-sociedade.

Esses dois aspectos nos levaram a escolher o processo de

desmembramento municipal como o elemento que melhor representaria os

“pontos críticos” da análise, pois está intrínseca a esse processo a alteração na

organização do território e na reorganização da população no espaço e, ao

mesmo tempo, a sua ocorrência seria influenciada tanto pela margem de atuação

e autonomia proporcionada à esfera municipal que, por sua vez, são

condicionadas pelas relações intergovernamentais, em cada contexto político-

institucional, como pela interação entre Estado e sociedade, uma vez que a

criação de municípios sempre decorreu da iniciativa de um determinado grupo de

indivíduos de uma dada localidade55 reivindicando sua emancipação política-

administrativa56.

forma que eu os li, como subsídio para se pensar a interação Estado-sociedade: Leal (1949), Carvalho (1987), Kowarick & Ant (1982), Weffort (1980), Sader (1988), Gohn (1991), Felicíssimo (1994), Sales (1994), Dagnino (2002), Lavalle (2003), Lavalle et al (2004). 54 Esse processo será desenvolvido no quarto capítulo desta tese. No momento, basta dizer que é através dele que se analisará o processo de transformação na organização territorial e na reorganização da população no espaço. 55 Destaca-se que, ao longo dos diferentes contextos político-institucionais, o que variou nesse aspecto do processo de criação de municípios foi a composição social desse grupo de indivíduos, sendo que é possível considerar que esse grupo tendia a ser mais elitizado em contextos onde o direito político era menos estendido, enquanto em contextos com mais extensão de direitos políticos, esse grupo tendia a incorporar as camadas populares. 56 Baseado em estudo anterior sobre o processo de emancipação municipal no estado de São Paulo. (Siqueira, 2003).

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I.2.2 – Definição de hinterlândia e uso e ocupação do solo urbano

Construiremos nossa discussão conceitual sobre hinterlândia não

pretendendo abarcar todos os autores que trabalharam com o conceito em

questão, mas tão-somente evidenciar o emprego do conceito de hinterlândia em

dois autores selecionados: Correa (1998; 1994) e Singer (1968).

Assim, iniciaremos com as colocações de Correa (1994), onde, ao analisar

as proposições de Christaller (1933)57 sobre as localidades centrais, o termo

hinterlândia aparece como sinônimo de região complementar de localidades

centrais, sendo estas últimas aquelas

dotadas de funções centrais, isto é, atividades de distribuição de bens e serviços para uma população externa, residente na região complementar (...), em relação à qual a localidade central tem uma posição central. (CORREA, 1994, p.21)

Em função das localidades centrais, a região complementar seria definida

como a área onde

os consumidores efetivamente deslocam-se para a localidade central visando a obtenção de bens e serviços. (CORREA, 1994, p.21)

Assim, sendo tomado inicialmente como sinônimo de região complementar

de uma localidade central, o termo hinterlândia acabaria por se aproximar da idéia

de “área de influência” de um centro urbano, e é nesse sentido que, em estudo

posterior, Correa (1998) definiria literalmente hinterlândia como sendo uma

área subordinada economicamente a um centro urbano. Emprega-se a palavra referindo-se a áreas de influência de uma cidade. (CORREA, 1998, p.86)

Definido dessa forma, o termo hinterlândia acaba assumindo uma

conotação estritamente econômica, estando ausente qualquer referência à

57 CHRISTALLER, W. (1933) Central places in southern Germany. Englewood Cliffs, Prentice-Hall, 1966.

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natureza dos espaços envolvidos na definição e ao tipo de relação existente entre

eles. Porém, seria ainda no primeiro estudo do geógrafo considerado que iríamos

encontrar indicações para um emprego alternativo do termo hinterlândia.

Assim, Correa (1994) coloca que na geografia européia, especialmente a

francesa, a partir da década de 1970, têm sido empreendidos estudos da relação

cidade-região. Tal tema constitui-se, segundo o autor, em “uma transformação da

clássica temática cidade-campo”, que constituiu, durante longo período, o

interesse de historiadores, sociólogos, antropólogos, economistas e geógrafos

(CORREA, 1994, p.40).

De acordo com Correa (1994), na abordagem geográfica ao tema, as

relações entre cidade e região seriam consideradas como relações entre

uma grande cidade e sua hinterlândia constituída por centros urbanos menores e áreas rurais, em muitos casos diferenciadas em termos de estruturas e paisagens agrárias. (CORREA, 1994, p.41)

Assim, observa-se que, a partir das colocações do autor, hinterlândia

estaria associada à idéia da região que se subordina a um grande centro urbano,

composta não somente pelas áreas rurais, mas também por núcleos urbanos

menores.

O autor complementa ainda essa imagem da relação cidade-região

destacando a relação de complementaridade, ou interdependência, entre os dois

elementos. Nesse sentido, o autor afirma que, com o capitalismo, “as relações

econômicas e sociais são ampliadas” e, por isso, passam a ser realizadas em

amplos territórios, que são incorporados diferentemente ao sistema capitalista

(CORREA, 1994, p.53).

Correa (1994) destaca que na expansão do sistema capitalista verifica-se,

por um lado, “a ampliação da divisão territorial do trabalho” e, por outro, “a

necessária articulação entre as diversas unidades territoriais especializadas”

(CORREA, 1994, p.53). O autor complementa afirmando que

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Esta divisão e articulação só é viável através de uma ampla rede urbana, abrangendo vários tipos de centros localizados em vários territórios.(CORREA, 1994, p.53)

Assim, é baseado no escopo alcançado pela divisão territorial do trabalho

no capitalismo que Correa (1994) justifica a substituição que faz da expressão

cidade-campo pela expressão cidade-região. Nesse sentido, ele afirma

Estamos longe, portanto, de uma relação cidade e campo tal como se processava no século XIII, entre um burgo e sua restrita hinterlândia constituída por aldeias e suas áreas agrícolas: cidade e campo completavam um universo onde a vida econômica e social plenamente podia ser realizada. É por essa razão que adotamos a expressão cidade e região: trata-se da grande cidade, um centro metropolitano, criação do próprio capitalismo, e de áreas agrícolas diversas e numerosos centros urbanos menores, todos subordinados à metrópole. (CORREA, 1994, p.54)

A relação de complementaridade entre a cidade, de um lado, e a região, de

outro, é vista pelo autor como se constituindo de dois ciclos de troca de bens e

serviços:

No primeiro ciclo, a grande cidade, cabeça da rede urbana, extrai do campo e das cidades menores, via migrações, força de trabalho. Extrai também produtos alimentares, matérias-primas, lucros comerciais e renda fundiária. No segundo ciclo, que realimenta o primeiro, tratando-se, portanto, do mesmo processo, a cidade exporta – para o campo e centros menores – capitais, bens e serviços, idéias e valores. (CORREA, 1994, p.56)

Com isso, temos em Correa (1998; 1994), por um lado, a noção de

hinterlândia associada à idéia de “área de influência” de um determinado centro

urbano, e, por outro, em decorrência do escopo que a divisão territorial do trabalho

assume no capitalismo, a noção de hinterlândia aparece como o elemento

contraposto e complementar ao centro urbano no binômio cidade-região, onde a

ênfase é colocada na dimensão econômica da relação entre as duas

espacialidades.

Com essas colocações, temos uma conceituação ampla do termo

hinterlândia, o que nos auxilia a ter uma visão geral sobre ele. Porém, como

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Correa (1998; 1994) não se baseou em estudos de caso, não é nos seus escritos

que encontraremos referências à maneira como ocorre a formação histórica de

hinterlândias específicas e nem a outros elementos, além dos econômicos,

constitutivos da relação entre um centro urbano e sua respectiva hinterlândia.

Essa dimensão histórica da formação da hinterlândia e da relação com o

centro urbano ao qual está subordinado pode ser entendida a partir do estudo

prévio que Singer (1968) realizou sobre o desenvolvimento econômico sob a

perspectiva da formação e evolução das cidades58.

Assim, objetivando analisar o processo de desenvolvimento econômico a

partir do prisma da evolução das cidades, Singer (1968) enfatiza, primeiramente,

que “a economia urbana jamais é auto-suficiente” (SINGER, 1968, p.7). Nesse

sentido, o autor coloca que a economia citadina como objeto de investigação

pressupõe o exame de uma área mais ampla, dentro da qual se dá a divisão do trabalho entre a agricultura e os setores produtivos que se localizam na cidade. (SINGER, 1968, p.7)

Tomada de tal forma, de acordo com a exposição de Singer (1968), a

análise da economia citadina acabaria por pressupor a consideração da relação

entre campo e cidade na investigação que, segundo o autor, assumiria a seguinte

forma:

Este metabolismo entre campo e cidade faz com que a análise tenha que abranger um conjunto maior que a cidade propriamente dita. Este conjunto se compõe do centro urbano e de suas regiões tributárias, que são definidas como o hinterlândia econômico da cidade. (SINGER, 1968, p.7)

Com isso, chegamos a uma definição da hinterlândia de uma cidade que,

de acordo com Singer (1968), “se compõem do centro urbano e de suas regiões

tributárias” (SINGER, 1968, p.7). Ou seja, o hinterlândia refere-se a

Todas aquelas áreas agrícolas que cedem à cidade (sob a forma de vendas de mercadorias, pagamento de impostos, oferendas

58 As cidades selecionadas por Singer (1968) neste estudo são: São Paulo, Blumenau, Porto Alegre, Recife e Belo Horizonte.

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religiosas, etc) parte de seu excedente e consomem, em alguma medida, bens ou serviços da cidade. (SINGER, 1968, p.7)

Assim, de acordo com as palavras do autor, seria possível observar que o

termo hinterlândia refere-se a uma relação e interação baseada na

interdependência entre dois tipos de espacialidades – o centro urbano e demais os

núcleos secundários –, que se baseia na esfera econômica, mas vai além dela,

incluindo elementos culturais, sociais e político-institucionais.

A visão da hinterlândia além dos seus aspectos econômicos é possível em

Singer (1968) devido à própria metodologia empregada pelo autor que, no exame

do processo de desenvolvimento feito a partir do acompanhamento da evolução

econômica de cada uma das cinco cidades e seus respectivos hinterlândia, foram

analisadas não somente os aspectos econômicos, mas também os aspectos

políticos, sociais e históricos desse desenvolvimento59.

Posto isso, o que vale destacar dessa discussão para o desenvolvimento da

nossa análise refere-se à ênfase dada pelos dois autores à interdependência entre

dois tipos de espacialidades: centro urbano e regiões tributárias (Singer, 1968), ou

grande cidade e centros urbanos menores (Correa, 1994). No nosso estudo, esta

interdependência se traduzirá na inter-relação entre um distrito-sede e os diversos

povoados ou entre o distrito-sede e os diversos distritos secundários, localizados

no espaço intra-municipal.

Uma segunda característica da hinterlândia, relevante para o

desenvolvimento da nossa análise, que foi possível destacar a partir,

especificamente, da discussão empreendida por Singer, refere-se à consideração

de que a hinterlândia não se define apenas pelos seus aspectos econômicos.

Diante disso, em consonância com os propósitos deste estudo, considera-

se que a hinterlândia é uma forma de espaço que se configura a partir de várias

dimensões, entre as quais destaca-se, no nosso caso, a dimensão econômica e a

59 Na análise das cinco cidades selecionadas, Singer (1968) considera os aspectos geográficos, políticos e sociais do histórico de formação econômica do estado e da sub-região em que se situa cada cidade, focando, inclusive, na formação dos núcleos urbanos que compõem a hinterlândia de cada cidade, a ação do governo imperial e o papel da colonização estrangeira. Não caberia, neste estudo, uma abordagem aprofundada sobre cada caso estudado. Serão destacados apenas os elementos que contemplem os propósitos do presente estudo, focado na cidade de Campinas.

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dimensão político-institucional. Considera-se, também, que essas duas dimensões

não se configuram ao mesmo tempo, nem no mesmo ritmo e nem sob os mesmos

condicionantes. Essa desconexão entre essas duas dimensões na formação da

hinterlândia é um fator caracterizará o processo de transformação do espaço em

estudo.

O segundo tópico desta subseção refere-se ao debate nacional sobre uso e

ocupação do solo urbano. Para os propósitos do presente estudo, a discussão

conceitual será construída a partir das contribuições ao tema feitas por Singer

(1982), Ribeiro (1982) e Vetter & Massena (1982), buscando focar,

especificamente, os principais aspectos no processo de valorização do espaço

urbano60.

Assim, começaremos nossa exposição conceitual pelo estudo realizado por

Singer. Nesse sentido, o autor destaca, primeiramente, que, nas sociedades

capitalistas, a geração de valor do solo urbano estaria relacionada com o seu

caráter de propriedade privada61.

Quanto à especificidade do capital imobiliário, o autor destaca que,

enquanto o capital [em geral] gera lucro por presidir, orientar e dominar o processo

social de produção, o capital imobiliário não participaria dessa lógica

na medida em que o espaço é apenas uma condição necessária à realização de qualquer atividade, portanto, também da produção, mas não constitui em si meio de produção, entendido como emanação do trabalho humano que o potencia. (SINGER, 1982, p.21)

Colocadas as especificidades da renda do solo urbano e do capital

imobiliário, Singer (1982) destaca o uso do solo urbano também seria regulado

pelos mecanismos de mercado, no qual se formaria seu preço. Porém, trata-se de

60 Desde já, enfatiza-se que não se pretende fazer uma consideração profunda dos estudos selecionados, o que excederia os limites deste estudo. Pretende-se, tão-somente, destacar, de forma breve, os pontos mais importantes em cada estudo. 61 O que faria com que o capital imobiliário se constitua num “falso capital”, uma vez que a sua valorização não é a atividade produtiva, mas sim a monopolização do acesso à propriedade privada, que é a condição indispensável para a realização da atividade produtiva. (SINGER, 1982, p.22).

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uma mercadoria sui generis, pois sua aquisição representaria o acesso à

utilização do espaço (SINGER, 1982, p.23).

Assim, de acordo com o autor, os preços do solo urbano tenderiam a ser

determinados pela quantia que a demanda existente estiver disposta a pagar.

Sendo essa demanda freqüentemente mutável em decorrência do processo de

expansão e ocupação urbanas, os preços desta mercadoria poderiam oscilar de

forma desmesurada – tornando o mercado imobiliário essencialmente especulativo

(SINGER, 1982, p.23).

Por sua vez, essa oscilação nos preços ocorreria porque o acesso ao solo

urbano62 seria disputado por diferentes agentes sociais para a realização de

variados usos desse espaço63, para os quais, a localização dentro do espaço

urbano se constituiria em importante fator na definição de sua escolha e, por

conseqüência, se tornaria um fator poderoso na determinação dos preços no

mercado imobiliário (SINGER, 1982, p.22).

Por último, de acordo com Singer (1982), a criação de localizações

diferenciais se daria em função da disputa entre diferentes agentes sociais que,

por sua vez, se basearia na potencialidade que determinadas localizações teria de

otimizar o acesso à utilização do espaço. Com isso, tem-se que uma melhor

localização estaria relacionada com uma maior acessibilidade a determinados

bens e serviços, os quais variam conforme os agentes sociais e o uso que se

busca fazer do solo urbano64.

Feitas as considerações a respeito dos elementos básicos de formação do

valor do solo urbano, chega-se num ponto da discussão realizada por Singer que

nos interessa mais no desenvolvimento do nosso estudo, que está relacionado

com a forma de estruturação do solo urbano.

62 Através da compra de um direito de propriedade ou do pagamento de aluguel. 63 Segundo o autor, esses agentes sociais se dividiriam em três grupos: as empresas objetivariam a ocupação do espaço para a realização de atividades produtivas; os diferentes grupos de indivíduos buscariam suprir suas necessidades habitacionais; e as entidades que buscariam atender as necessidades de consumo coletivo. (SINGER, 1982, p.24). 64 Segundo Singer, as empresas buscariam melhor acesso a externalidades positivas; os indivíduos que disputam o solo urbano para fins de habitação, buscam localizações que proporcionam melhor acesso a serviços urbanos (transporte, saneamento, escola, saúde, comércio). (SINGER, 1982, p.24-27).

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Nesse sentido, segundo Singer (1982), as cidades brasileiras, de um modo

geral, se estruturariam a partir de um centro principal, ou seja, uma área onde se

localizaria um conjunto diversificado de serviços e equipamentos urbanos e onde

se concentrariam, em alto grau, infra-estrutura de circulação e saneamento básico.

Por sua vez, os serviços urbanos se irradiariam do centro à periferia,

tendendo a se tornar mais escassos na medida que aumenta a distância em

relação ao centro. Disso resultaria, segundo o autor, um “gradiente” de valores do

solo urbano, que se iniciaria no ponto máximo no centro principal e diminuiria até o

ponto mínimo, nos limites da cidade, sendo que as classes sociais mais abastadas

tenderiam a se localizar nas áreas mais próximas do centro principal e as classes

mais pobres, nas porções mais distantes (SINGER, 1982, p.29-30).

De acordo com o autor, com o crescimento urbano, surgiriam novos

centros, que contribuiriam para a reestruturação do uso do solo das áreas já

ocupadas e, com isso, para a atuação de diferentes “gradientes” de valores do

solo, num mesmo espaço contíguo.

Nesse processo, o Estado, de acordo com Singer, desempenharia um papel

importante na determinação das demandas pelo uso de cada porção do solo

urbano e, portanto, na determinação do seu preço, uma vez que se constitui no

principal responsável no provimento de boa parte dos serviços urbanos.

Assim, mesmo não sendo o objetivo da atuação do Estado, qualquer

inversão realizada pelo poder público no solo urbano, que resulte na melhoria da

acessibilidade de algum bem ou serviço, seria incorporada ao valor do imóvel aí

localizado, contribuindo para a elevação do seu preço. Por sua vez, isso

contribuiria para fazer da atuação do Estado, em função da instituição da

propriedade privada e da lógica de funcionamento do mercado imobiliário, um dos

principais fatores na produção de diferenciais na renda fundiária urbana (SINGER,

1982, p.33).

Essa tendência da atuação do Estado na produção de diferenciais no

espaço urbano é reforçada pelo estudo de Vetter & Massena (1982)65, no qual

65 O estudo de Vetter & Massena (1982) é baseado na análise dos investimentos em infra-estrutura e impostos locais no município do Rio de Janeiro, no período 1975-1977.

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observaram que o aumento das inversões do Estado nas diferentes áreas teria

contribuído para uma crescente politização da alocação de recursos nas grandes

cidades, através da apropriação diferenciada dos benefícios líquidos66,

provenientes da ação do Estado, entre os diferentes segmentos da população.

Segundo os autores, a apropriação desses benefícios líquidos se

constituiria num elemento importante na determinação dos níveis de condição de

vida dos diferentes grupos socioeconômicos residentes nas cidades (VETTER &

MASSENA, 1982, p.51).

Especificamente, com relação à atuação do Estado no espaço urbano,

baseando-se na teoria da causação circular, Vetter & Massena enfatizam que

haveria uma tendência, em função da criação de diferenciais, a reforçar uma

“segregação residencial” dentro do espaço urbano.

Isso porque, no argumento dos autores, os investimentos públicos

realizados numa determinada área, num determinado período, tenderiam a

condicionar os investimentos futuros, de forma que estes recaíssem,

preponderantemente, em áreas já ocupadas por grupos sociais com maior poder

econômico e, portanto, com maior poder político para influenciar as ações futuras

do Estado (VETTER & MASSENA, 1982, p.59).

No entanto, os autores sinalizam para a possibilidade de interrupção, ou, ao

menos, de reversão ou amenização, desse processo de causação circular,

destacando dois caminhos nesse sentido: por um lado, através da mobilização

política e de reivindicação da população de baixo rendimento nas áreas menos

favorecidas; e, por outro, através de medidas, provenientes do poder público, que

favoreçam a redistribuição de renda e o acesso mais eqüitativo ao capital

financeiro para construção residencial (VETTER & MASSENA, 1982, p.60).

Com isso, as principais contribuições que se depreendem dos estudos de

Singer (1982) e de Vetter & Massena (1982), para o desenvolvimento da análise

que se objetiva empreender no presente estudo, referem-se, por um lado, à forma

66 Por benefícios líquidos deve-se entender “a diferença entre os benefícios produzidos pelos investimentos feitos pelo Estado – melhorias dos níveis de consumo coletivo, de poluição ambiental etc. – e os custos gerados na forma de tarifas, impostos locais ou outros fatores que produzem a qualidade de vida no local ou afetam determinados grupos sociais”. (VETTER & MASSENA, 1982, p.51)

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de estruturação do espaço urbano a partir de um centro principal, a partir do qual

surgiria um “gradiente” de valor do solo urbano na medida que se avança para as

áreas periféricas, e a configuração de novos centros, funcionando com a mesma

lógica, na medida em que ocorre o crescimento das cidades.

Por outro lado, os impactos na configuração das diferentes espacialidades

que compõem o espaço urbano em estudo em função: da atuação do Estado na

produção de diferenciais no espaço urbano, da tendência presente nessa atuação

a beneficiar os grupos sociais com maior poder político e das mudanças na forma

de uso do solo a partir da interação dos grupos sociais com menor poder político

com o poder público, nas diferentes escalas de tomadas de decisão.

Ribeiro (1982), por sua vez, complementa esse quadro a partir da

consideração da existência de “racionalidades diferenciadas” nas formas de

valorização da propriedade de terras. Isso significa que, na análise da

estruturação do espaço urbano, se deveria levar em conta a atuação de diferentes

lógicas de apropriação e produção do espaço pelos diferentes agentes sociais67,

que contribuiriam para a formação de preços no mercado de terras.

Para a realização do nosso estudo, considera-se que a existência de

“racionalidades diferenciadas” na forma de uso e ocupação do espaço urbano

estaria na base dos conflitos de interesses entre os diferentes grupos sociais que

se distribuem no espaço e constitui-se num importante fator que leva a

transformações na forma de organização territorial e de reorganização da

população no espaço.

I.2.3 – Escalas espaciais nas análises urbana e regional

Diante da consideração da necessidade de se definir a escala em que esse

estudo será empreendido, decidiu-se que essa definição se basearia na discussão

67 Nesse sentido, o autor destaca a existência de três tipos de lógicas de apropriação e produção do espaço: a lógica da produção não-capitalista, a lógica rentista e a lógica do incorporador imobiliário.

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sobre a questão escalas, nos estudos regionais e urbanos, encaminhada por

Brandão (2007).

Neste estudo, numa crítica ao que o autor denominou por “pensamento

único localista”, Brandão (2007) procura demonstrar porque a temática regional e

urbana nunca deveria ter abandonado o campo da economia política do

desenvolvimento. Assim, o foco da sua crítica a essas abordagens “localistas” se

centraria no abandono da perspectiva crítica da sociedade, que o fazem

(...) retornando ao conceito de comunidade, constituída por atores e agentes, e não classes sociais, que orientariam suas ações pelo compartilhamento de valores da auto-identidade e do pertencimento a comunas, mais do que por interesses de classe. (BRANDÃO, 2007, p.16)

Complementa ainda que

Abandonando qualquer perspectiva de luta de classes sociais, estes autores colocam toda ênfase nas relações estabelecidas pela ‘comunidade cívica’, destacadas nas abordagens do papel do capital social, a partir do trabalho seminal de Putnam (1993). (BRANDÃO, 2007, p.16)

Brandão (2007) aguça a sua crítica afirmando que o aspecto mais grave

dessa literatura em relação ao desenvolvimento local e regional é que “ela

negligencia totalmente a questão fundamental da hegemonia e do poder político”

(BRANDÃO, 2007, p.21).

Alternativamente, e sob inspiração gramsciana, o autor sugere que

(...) devemos pesquisar os processos assimétricos em que um agente privilegiado (os centros de decisão) detém o poder de ditar, (re) desenhar, delimitar e negar domínio de ação e raio de manobra a outrem. (BRANDÃO, 2007, p.21)

Diante disso, após a avaliação, de um lado, de uma literatura internacional

selecionada, a partir da qual o autor discute as principais determinações da

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dimensão espacial do desenvolvimento capitalista68, e de outro, de uma literatura

nacional69, com a qual ele discute as heterogeneidades estruturais e a construção

da unidade nacional, Brandão (2007) apresenta o que ele definiria como novos

“recortes escalares” nos estudos urbano-regionais.

Assim, para a definição desses recortes escalares, o autor parte da

consideração da cidade como

(...) a sede e o ambiente da reprodução das classes, da atividade de produção, distribuição, troca e consumo. Atrai massas populacionais, mas não tem, geralmente, capacidade suficiente de geração de postos de trabalho e de absorção, nos circuitos modernos da economia, dessas pessoas. (BRANDÃO, 2007, p.160)

[...]

Assim, o urbano é também locus da geração de demandas e o espaço de lutas políticas dos estratos sociais que reivindicam acesso aos meios de consumo coletivo e inserção no mercado de trabalho. É o espaço dos fluxos emanados de diversas frações do capital. (BRANDÃO, 2007, p.161)

Ou seja, nessas passagens, destacadas do estudo de Brandão, seria

possível perceber o urbano como o ambiente privilegiado do confronto de

interesses dos diferentes grupos sociais, e onde os problemas daí decorrentes

possuem uma dimensão interescalar, tanto em termos de causas como de

conseqüências.

A partir das suas colocações, o autor aponta como novos recortes

escalares o urbano (que inclui outras escalas intra-urbanas) e a rede urbana,

sendo esta última a privilegiada pelo autor. Nesse sentido, o autor afirma que

68 Neste tópico, o autor selecionou uma gama variada de autores, tais como Christaller (1936), Gottdiener (1985), Lefebvre (1970, 1972), Castells (1972), Harvey (1973), Lipietz (1977), Coraggio (1988), Markusen (1980), entre outros, a partir dos quais ele discute a homogeneização, integração, polarização e hegemonia como “as quatro forças que moldam a dimensão espacial do processo de desenvolvimento capitalista” (Brandão, 2007, p.3). Trata-se de uma discussão importante para o desenvolvimento do argumento do autor, mas que no momento não será abordado com maior profundidade, optando-se por focar exclusivamente na questão da definição do recorte escalar. 69 Neste tópico, o diálogo é estabelecido com Milton Santos (1994), Wilson Cano (1975, 1981), Vilmar Faria (1976), Kageyama (1993), entre outros.

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Especialmente em um país continental, o estudo não conservador da estrutura e da dinâmica de sua rede urbana é decisivo para que se entendam a reprodução social e as diferentes escalas espaciais em que se processa o desenvolvimento de suas forças produtivas. (BRANDÃO, 2007, p.164)

Para finalizar essa discussão, retoma-se a consideração inicial do autor

onde ele afirma que “nenhum recorte espacial é natural”, destacando que

As escalas são construções históricas, econômicas, culturais, políticas e sociais e, desse modo, devem ser vistas na formulação de políticas. (...). (BRANDÃO, 2007, p.5)

Complementa-se essas considerações com o destaque dado pelo autor ao

fato de que “cada problema tem a sua escala espacial específica” e que é preciso

“enfrenta-lo a partir da articulação dos níveis de governo e das esferas de poder

pertinentes àquela problemática específica” (BRANDÃO, 2007, p.178).

Vale a pena destacar, ainda, duas referências empregadas por Brandão

(2007) na sua reflexão teórica sobre a questão das escalas. Nesse sentido,

analisando o trabalho de Swyngedouw (1997)70, o autor destaca a possibilidade de

eventos ocorridos em um escala terem implicações e conseqüências em outras

Muitas vezes, independentemente de qual é o sítio em que ocorre um evento, seus efeitos são sentidos em diferentes níveis escalares. Esse autor contribuiu também para definir que as escalas são produzidas e não dadas. Sustenta [Swyngedouw] que ‘a escala não está ontologicamente dada, nem constitui um território geograficamente definível a priori’. São configurações ‘cujos conteúdos e relações são fluidos, contestados e perpetuamente transgredidos. (BRANDÂO, 2007, p.179)

Por fim, Brandão (2007) enfatiza que “a escala é central e decisiva, material

e politicamente, para estruturar processos” e, citando Vainer (2002)71, conclui que

70 SWYNGEDOUW, S. Neither global nor local: glocalization and the politics of scale. In: COX, K. (org.). Spaces of globalization: reasserting the power of local. New York/London: The Guilford Press, 1997. 71 VAINER, C. As escalas do poder e o poder das escalas: o que pode o poder local? In: IPPUR. Planejamento e território: Ensaios sobre a desigualdade. Cadernos IPPUR (número especial), ano XVI, no.1, jan-jul, 2002.

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Escolher uma escala é também, quase sempre, escolher um determinado sujeito, tanto quanto um determinado modo e campo de confrontação (...) qualquer projeto (estratégia?) de transformação envolve, engaja e exige táticas em cada uma das escalas em que hoje se configuram os processos sociais, econômicos e políticos estratégicos. (VAINER apud BRANDÂO, 2007, p.180).

Assim, em conformidade com a discussão apresentada, considerando que

o recorte espacial, além de construção histórica, constitui-se também como

construção econômica, cultural, política, social e, porque não, populacional, e que

escolher uma escala é escolher um determinado sujeito e um determinado tipo de

problema, no desenvolvimento do presente estudo, caracterizado por uma análise

histórica do processo de transformação da articulação entre a dimensão político-

institucional e a organização territorial e a reorganização populacional, foram

definidas quatro escalas espaciais de análise: o espaço intra-municipal, o espaço

inter-distrital, o espaço inter-municipal e o espaço metropolizado.

Uma vez que o espaço intra-municipal, na nossa análise, seria expresso

pela hinterlândia, que já foi definida na primeira subseção desta discussão,

passaremos à definição das demais escalas.

Nesse sentido, com relação ao espaço inter-distrital, considera-se que se

trataria de uma determinada territorialidade composta por diferentes

espacialidades, que, no nosso caso, seriam os distritos, onde uma espacialidade

principal polarizaria as relações entre as demais espacialidades – o que, neste

ponto, não o diferenciaria, essencialmente, de uma hinterlândia.

No entanto, o espaço inter-distrital seria mais complexo que a hinterlândia

na medida em que suas espacialidades polarizadas pelo distrito principal seriam

mais do que simples “regiões tributárias” de um centro urbano principal. Assim,

elas continuariam sendo fornecedoras de bens para o centro urbano, mas em

decorrência de um adensamento populacional e de uma complexificação de sua

estrutura social, essas espacialidades passariam a ter uma dinâmica de

desenvolvimento própria e seus interesses, divergentes em relação aos interesses

do distrito principal, passariam a se explicitar mais no cenário municipal.

Por outro lado, esse espaço inter-distrital estaria aquém de um espaço

inter-municipal no sentido de que, embora suas espacialidades secundárias já

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apresentassem uma dinâmica própria de desenvolvimento e explicitassem

interesses divergentes, ainda não se constituiriam em unidades autônomas

política, financeira e administrativamente, permanecendo ainda circunscritas à

jurisdição do domínio exercido a partir do distrito principal.

Com isso, define-se o espaço inter-distrital como sendo aquele no qual as

diferentes espacialidades, por um lado, já apresentariam uma expressão mais

significativa no cenário público municipal, embora não apresentassem ainda força

política suficiente para fazer com que seus interesses definissem a tomada de

decisão municipal e, por outro, não se constituiriam ainda em unidades

autônomas, o que pressupõe a existência de uma instância acima dessas

espacialidades, que as articula e que exerce o papel de coordenação política,

financeira e administrativa, representada pelo governo municipal, cuja sede se

localizaria no distrito principal.

Por sua vez, o espaço inter-municipal, como já foi adiantado, refere-se ao

espaço constituído por espacialidades, representadas pelos municípios, que, por

um lado, apresentam uma dinâmica própria de desenvolvimento, e, por outro,

constituem-se em unidades autônomas política, financeira e administrativamente.

A especificidade do espaço inter-municipal, no nosso caso, seria

representada pelo fato de que estas espacialidades possuem em comum uma

matriz histórica de formação, caracterizada por uma distribuição desigual de poder

político e pela não identidade política e social entre as espacialidades –

característica esta que se formou e se consolidou nas fases intra-municipal e inter-

distrital do processo de transformação do espaço estudado, e que permanecerá

na configuração do espaço metropolizado.

Por fim, a nossa definição de espaço metropolizado72 se baseará no estudo

de Semeghini (2006), sobre os diferentes conceitos de “metrópole”. Assim, tem-se

que o nosso espaço metropolizado seria aquele caracterizado, por um lado, por

uma “grande conurbação” espacial e, por outro, por constituir-se numa “região

72 Apesar de o nosso estudo não aprofundar a articulação entre a dimensão político-institucional e a reorganização da população, no contexto do espaço metropolizado, ele é considerado aqui porque o processo estudado, aqui, acaba desembocando nele e a discussão sobre fragmentação do espaço a pressupõe.

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urbana”, baseada no reconhecimento das diferenças, ou seja, o reconhecimento

da existência de comunidades distintas e da legitimidade de distintas autoridades

governamentais (SEMEGHINI, 2006, p.8)73.

Assim, nossa definição de espaço metropolizado compreende tanto os

aspectos demográfico e espacial como o aspecto político e institucional dos

conceitos de “metrópole” discutidos por Semeghini.

Destaca-se, ainda, que se denominou espaço metropolizado, ao invés de

“espaço metropolitano”, para evitar que ele fosse confundido com “região

metropolitana”, pois o nosso recorte espacial compreende alguns municípios

selecionados da região metropolitana de Campinas, e não a sua totalidade.

I.2.4 – Tridimensionalidade do processo emancipatório

Para finalizar essa discussão conceitual complementar, apresentaremos o

mecanismo teórico através do qual será compreendida determinadas

transformações no espaço, expressas pela passagem do espaço intra-municipal

para o inter-municipal, e deste para o inter-municipal.

Trata-se da “tridimensionalidade do processo emancipatório”, desenvolvido

em estudo anterior74, sobre o processo de criação de município, cuja idéia central

refere-se à consideração de que o processo de criação de municípios que, por sua

vez, corresponde à efetivação dos processos de consolidação do domínio

territorial e de expansão territorial da população, decorre da atuação de três

dimensões: a demográfica, a econômica e a político-institucional (SIQUEIRA,

2003, p.203).

Embora desenvolvida para entender o processo de criação de municípios, a

lógica da tridimensionalidade do processo emancipatório pode ser estendido para

73 Segundo o autor, a existência dessas diferenças, de acordo com o autor, seria a fonte de tensão entre a integração econômica e a diferenciação social, e seria de onde derivariam os conflitos entre autoridades governamentais, característicos das áreas metropolitanas (SEMEGHINI, 2006, p.9). 74 Siqueira (2003).

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se entender o “processo de diferenciações político-territoriais intra-municipais”75,

através do qual surgiriam distritos secundários no espaço em estudo.

Por fim, considera-se que, em determinados processos possa haver o

predomínio de uma ou outra dimensão, as dimensões demográfica, econômica e

político-institucional, agiriam conjuntamente nos resultados finais do processo em

estudo, sendo que a determinação de qual dimensão constitui-se como

predominante, como se mostrará no decorrer desse estudo, dependerá da escala

espacial em que se considere o fenômeno e os elementos demográficos, político-

institucionais ou econômicas que servirão para analisar o fenômeno.

I.3 – Recorte geográfico do estudo e periodização

Uma vez definidos a escala espacial de análise e o aspecto da dimensão

política a partir dos quais será analisada a articulação entre espaço intra-urbano,

reorganização populacional e dimensão político-institucional, cabe agora discutir o

recorte geográfico do estudo.

Nesse sentido, definiu-se o município de Campinas como unidade espacial

de análise.

Considerando a posição estratégica assumida pelo município de Campinas

nos diferentes períodos do desenvolvimento econômico paulista, essa

institucionalização reflete a função de centralidade76 desempenhada por

Campinas, fruto de um processo histórico que possibilitou que, atualmente, a

região metropolitana campineira se constitua numa das áreas mais dinâmicas do

estado.

Quanto à dimensão política da análise, o município de Campinas constitui

um recorte geográfico interessante para a perspectiva neo-institucionalista

75 Esse processo será apresentado no terceiro capítulo. 76 Essa centralidade de Campinas inicia-se com a economia açucareira; consolida-se com o complexo cafeeiro na região, em fins do século XIX; e reforça-se, em momentos posteriores, nas diferentes etapas da industrialização, vivenciadas pelo país (restringida, pesada, desconcentração industrial e reestruturação produtiva). Baseado em Cano (1998; 1985; 1977); Baeninger (1992); e Semeghini (1991).

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empregada aqui por que é possível identificar, pelo menos, três momentos onde a

atuação da dimensão político-institucional – expressa pelas relações

intergovernamentais e a forma como se constituiu a interação Estado-sociedade,

por um lado, e a composição social da população, nas diferentes espacialidades

de Campinas, por outro, foram cruciais para o desenvolvimento de suas

características atuais.

Assim, tem-se, por um lado, a posição estratégica de Campinas – e da

oligarquia cafeeira estabelecida aí – no desenvolvimento da cafeicultura no

estado, constituindo o “epicentro”77 das principais mudanças na economia cafeeira

da década de 1860, que vão propiciar os elementos para a formação, a partir de

1886, do complexo cafeeiro capitalista78 – a base da acumulação de capital da

industrialização paulista.

Isso vai contribuir para a especificidade do posicionamento de Campinas

frente às políticas imperiais de terra e de colonização, influenciando, com isso, a

forma de organização territorial e reorganização da população no espaço.

Por outro lado, os outros dois momentos referem-se aos “pontos críticos” da

análise, constituídos pelos dois processos de desmembramento do seu território –

primeiramente, durante a Segunda República, entre final de 1940 e início dos 50,

e depois, após a abertura política e Constituição de 1988 – que refletem os

momentos no qual os processos de diferenciação interna do território municipal,

alcançaram um nível tal, levando-o a essa forma radical de transformação do

espaço, contribuindo, assim, para a diversidade presente hoje na região

metropolitana de Campinas.

No que se refere à periodização deste estudo, torna-se um desafio a

definição de uma periodização para o estudo da articulação entre reorganização

da população no espaço e dimensão político-institucional, que envolve

desenvolvimento econômico, processos gerais de redistribuição populacional e

dimensão político-institucional.

77 De acordo com Semeghini, 1991, p.34. 78 Cano (1977) apud Semeghini (1991).

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Poderíamos construir nossa periodização baseando-nos nos estudos de

Cano (1998; 1985; 1977), nos quais o autor analisa o desenvolvimento econômico

brasileiro a partir de uma periodização do desenvolvimento da agricultura e das

diferentes etapas da industrialização do país.

Ou então, poderíamos tomar como referência o estudo de Abrucio (1998),

no qual o autor periodiza os diferentes momentos de formação do federalismo

brasileiro a partir das formas assumidas pelas relações intergovernamentais, nos

diferentes contextos constitucionais do país. Numa terceira alternativa, ainda,

poderíamos traçar uma periodização, baseada na literatura especializada já

produzida no Brasil, dos diferentes processos migratórios e de distribuição

espacial da população ocorridos no país e, a partir dela, empreender o estudo do

nosso fenômeno.

Porém, mostra-se insuficiente basearmos nosso estudo, exclusivamente,

em uma ou outra forma de periodização.

Torna-se necessário a escolha de um fenômeno social que possa

representar o elo entre os três vértices do aporte teórico desenvolvido aqui, um

elemento que conecte essas três dimensões. Considera-se que o

desmembramento municipal, a partir da “tridimensionalidade do fenômeno

emancipatório”, constitui esse elemento.

De acordo com essa idéia, os desmembramentos municipais constituiriam

processos resultantes da atuação de três dimensões: a demográfica, a econômica

e a político-institucional (Siqueira, 2003).

Embora desenvolvida para entender o processo de criação de municípios, a

lógica da tridimensionalidade do processo emancipatório pode ser estendido para

se entender o “processo de diferenciações político-territoriais intra-municipais”,

através do qual surgiriam distritos secundários no espaço em estudo.

Assim, a periodização deste estudo será baseada na criação de distritos

secundários e nos desmembramentos municipais mais importantes para a

configuração final da área estudada.

Diante disso, definiu-se a seguinte periodização para o caso do município

de Campinas:

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1) 1850-1870 → período em que o “espaço campineiro” era formado pelo

distrito-sede e diferentes povoados e que o poder político municipal estava

concentrado no distrito-sede. Período de crescimento econômico e

populacional, que corresponde ao início da formação de hinterlândia

campineira, ao final do qual ocorre a primeira diferenciação intra-municipal;

2) 1870-1896 → período decorrente da primeira diferenciação intra-municipal,

formado pelo distrito-sede, pelo primeiro distrito secundário e por povoados,

no qual se verifica um nível equilibrado de poder político entre os distritos

ao final. Período em Campinas torna-se “capital agrícola” da província e a

imigração européia representa importante papel no crescimento e na

diversificação populacional;

3) 1896-1900 → período decorrente da segunda diferenciação intra-municipal,

através do qual surgiriam os primeiros distritos secundários com nível

desigual de poder político em relação ao distrito-sede. Trata-se do período

marcado pela recuperação urbana, populacional e econômica, após o

surtos de febre amarela, no final do século XIX.

4) 1900-1955 → período em que o espaço campineiro passa da hinterlândia

consolidada para o espaço inter-distrital. Período caracterizado pela

presença dos núcleos coloniais, no território municipal, a partir dos quais

ocorre o processo de diferenciação político-territorial, por meio do qual

surgem distritos secundários com nível desigual de poder político em

relação ao distrito-sede.

5) 1956-2000 → período caracterizado pela passagem do novo “espaço inter-

distrital” para os espaços inter-municipal e metropolizado. Período

caracterizado por intensos fluxos migratórios inter-estaduais, intra-estaduais

e intra-regionais, por um lado, e pelo intenso processo de industrialização

do município e região de Campinas. Contexto no qual ocorre novo processo

de diferenciação político-territorial, através do qual surge um novo distrito

secundário com nível desigual de poder político em relação ao distrito-sede.

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CAPITULO II: PONTO INICIAL DA ANÁLISE NEO-INSTITUCIONALISTA HISTÓRICA: CAMPINAS NO CONTEXTO DA POLITICA DE TERRAS E DE COLONIZAÇAO DO IMPÉRIO

II.1 – Sistema político imperial e a política de terras e de colonização

II.1.1 – Relações intergovernamentais e interação Estado-sociedade

Em termos gerais, o sistema político imperial apresentava como traços mais

marcantes “a monarquia, a unidade, a centralização, a baixa representatividade”

(CARVALHO, 1996, p.229). O Estado imperial assim definido produziu uma elite

que, segundo Carvalho (1996), foi “eficiente na tarefa de fortalecê-lo [Estado],

sobretudo em sua capacidade de controle da sociedade”.

Essa visão sobre o Estado imperial brasileiro é corroborada pela

interpretação de Abrucio (1998) que afirma que a solução unitária e imperial,

principalmente no Segundo Reinado, permitiu “a formação de um Poder Central

forte” e evitou que “o Brasil seguisse o caminho fragmentador da América

hispânica” (CARVALHO, 1996, p.229). Complementando, o autor destaca que

O legado do Império foi, neste sentido, a manutenção da unidade territorial, a busca da constituição de um sentimento de nacionalidade e, acima de tudo, a criação de um duradouro consenso entre as elites a respeito da necessidade da uma efetiva autoridade central. (MERQUIOR, 1992 apud ABRUCIO, 1998, p.32)

Assim, é tendo como quadro geral a formação do Estado nacional e,

conseqüentemente, o processo de fortalecimento do governo central que as

relações intergovernamentais, por um lado, e a interação Estado-sociedade79, por

outro, na fase imperial, devem ser consideradas.

Nesse contexto, foi elaborada e colocada em prática a política de terras e

de colonização do Governo Central, frente a qual, segundo nosso argumento, o

79 Trata-se dos elementos político-institucionais a partir dos quais empreenderemos nossa análise. Ver discussão conceitual no primeiro capítulo.

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posicionamento das classes dirigentes de Campinas teria constituído um

determinante fundamental da fase inicial da formação e configuração do espaço

intra-municipal.

Diante disso, mostra-se importante conhecer como se estruturaram as

relações intergovernamentais e a interação Estado-sociedade para, a partir disso,

destacar como atuou Campinas frente a uma política imperial específica e, com

isso, chegarmos às características principais da configuração inicial do espaço

campineiro.

Começaremos essa parte do estudo com a análise das relações

intergovernamentais estruturadas durante o Império e, em seguida, afunilaremos

nosso foco para a organização político-institucional do governo municipal.

Nesse sentido, com a Constituição de 1824, o governo, no plano nacional,

era constituído pelo Imperador, como chefe do Poder Executivo, sendo o Poder

Legislativo sendo representado pela Assembléia Geral que era composta de duas

casas – o Senado e a Câmara dos Deputados80. Por sua vez, preconizava-se um

Poder Judicial independente, sendo que os Juízes de Direito eram nomeados pelo

Imperador e seu exercício era perpétuo81.

No plano provincial, definiu-se que para a administração de cada Província

um Presidente, que seria nomeado pelo Imperador, o qual poderia ser removido

como conviesse aos interesses do Imperador e do Estado82.

Por sua vez, as Assembléias Legislativas Provinciais não foram previstas

pela Constituição de 1824; elas foram criadas pelo Ato Adicional de 1834, sendo

que seus deputados eram eleitos pelo voto indireto e, entre suas atribuições,

destacavam-se o gerenciamento dos recursos provinciais e municipais e a

deliberação sobre todos os assuntos municipais83.

80 A forma de composição dessas duas casas era diferenciada: enquanto o Senado era composto por membros nomeados pelo imperador, com caráter vitalício (Fausto, 2000), a Câmara dos Deputados era composta através de eleições indiretas por meio de duas etapas de votação (Klein, 1995). 81 Destacam-se, entre esses, os Juizes de Paz, que eram eleitos da mesma forma e no mesmo pleito que os vereadores das Câmaras municipais (Constituição Política do Império do Brazil de 1824, artigos 151, 153 e 162). 82 Constituição Política do Império do Brazil de 1824. Artigo 165. 83 Baseado em Klein (1995) e ALESP (2000).

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No plano local, as Câmaras municipais eram os órgãos responsáveis pelo

“governo econômico e municipal”84 das cidades e vilas. Os cargos dos vereadores

eram eletivos e estes eram responsáveis pelas funções municipais, pela formação

das posturas policiais e pela aplicação de suas rendas85.

Feitas estas considerações gerais sobre a estruturação das três esferas de

governo no período imperial86, passaremos ao tratamento das duas instituições a

partir das quais a forma como se estruturaram as relações intergovernamentais

tornou-se mais visíveis: a burocracia estatal e o sistema tributário.

Nesse sentido, com relação à burocracia do Estado imperial, Carvalho

(1996) destaca sua característica “macrocefálica”, ou seja, ela “tinha cabeça

grande mas braços muito curtos”. Com relação a essa burocracia, que dava

suporte ao Império, o autor enfatiza que ela

Agigantava-se na Corte mas não alcançava as municipalidades e mal atingia as províncias. Todos viam a cabeça luzindo no alto e não atentavam para a atrofia dos braços. (CARVALHO, 1996, p.384)

O recurso a imagens de um corpo humano desproporcional para

representar o peso da burocracia central no sistema político imperial foi

empregado por importante representante da política nacional87 a época para

embasar crítica a centralização excessiva do governo central, principalmente a

partir das reformas de 1840 (CARVALHO, 1996, p.137).

De fato, essa centralização burocrática, que implicou uma centralização

política e administrativa na Corte, existiu e ela foi importante na tarefa de formação

do Estado nacional, unificação política e controle da sociedade (Carvalho, 1996).

Porém, Carvalho (1996) sublinha que a referida “macrocefalia” não era absoluta,

pois ela variava de acordo com as tarefas a serem executadas88.

84 Constituição Política do Império do Brazil de 1824. Artigo 167. 85 Idem. Artigos 168 e 169. 86 A figura 1, no anexo, ilustra a estruturação das três esferas de governo durante o Império. 87 O representante ilustre da política imperial, citado por Carvalho (1996), é o Visconde do Uruguai, que fez parte do Conselho de Estado. 88 O quadro 1, no anexo, fornece os dados gerais sobre a divisão das principais “burocracias” do regime imperial.

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Para os propósitos deste estudo, focaremos nossa análise nas duas

burocracias que consideramos mais importantes: a burocracia política e a

burocracia diretorial89.

Assim, tem-se que, enquanto a burocracia política90 correspondia ao “topo

da pirâmide” da administração do Império, a burocracia diretorial representava a

“antecâmara do topo da pirâmide” (CARVALHO, 1996, p.136).

Segundo Carvalho (1996), esses dois principais estratos burocráticos

concentravam os cargos públicos mais cobiçados, e se revestiam de um caráter

fortemente político, uma vez que, para ocupá-los, seus membros deveriam ser

nomeados diretamente pela figura do Imperador.

Os estratos burocráticos apresentados por Carvalho (1996) podiam ainda

ser subdivididos em três tipos de burocracias, de acordo com a atividade

desempenhada. Os dados do quadro 2.1 ilustram essa subdivisão:

Quadro 2.1: Burocracias imperiais, segundo tarefas desempenhadas

Brasil - Período Imperial

Burocracia coercitiva Burocracia Extrativa Burocracia Distributiva

Poder de dar buscas, prender, formar culpa, pronunciar e

conceder fianças, entre outras tarefas

Captação de recursos fiscais Tarefas ligadas ao desenvolvimento social, à promoção da educação e da saúde

Tarefas de desenvolvimento econômico, como a construção de obras públicas, assistência técnica e creditícia, incluindo serviços de correios e construção de estradas de ferro

Fonte: CARVALHO, 1996, p. 137-141

Retomando a questão da “macrocefalia” da burocracia imperial, Carvalho

(1996) destaca que ela era menor na execução de tarefas de controle e de

extração de recursos (atividades coercitiva e extrativa), sendo que as tarefas de

89 Ver quadro 1, no anexo. 90 Nota-se que era nesse estrato que se situavam os presidentes de província, cargo situado entre aqueles que eram de nomeação direta do imperador. A função política dos presidentes de província, segundo Leal (1949) constituía em “(...) garantir a vitória eleitoral dos candidatos apoiados pelo governo.” (LEAL, 1949, p.78).

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controle concentravam-se nos Ministérios de Justiça e do Império e as tarefas de

extração de recursos concentravam-se no Ministério da Fazenda.

Por outro lado, a “macrocefalia” burocrática era maior nas tarefas de

redistribuição (atividades distributivas), que se concentravam nos Ministérios do

Império e no Ministério de Agricultura, Comércio e Obras Públicas (CARVALHO,

1996, p.137).

Isso significa que na execução de ações coercitivas e de arrecadação de

impostos, não se verificava a tal “macrocefalia” burocrática porque os “braços” do

governo central alcançavam as províncias e as municipalidades91.

Por sua vez, a burocracia extrativa apresentava uma desenvolvida rede de

captação de recursos fiscais, a qual correspondia maior desenvolvimento

profissional dos funcionários do Ministério da Fazenda (CARVALHO, 1996, p.138).

Essa rede alcançava províncias e municípios, mas se fazia mais presente nas

alfândegas, onde eram arrecadados impostos de exportação e importação – os

principais componentes da receita do governo imperial.

Já na burocracia distributiva, a “macrocefalia” imperial se verificava com

grande intensidade. Segundo Carvalho (1996), no desempenho de ações de

desenvolvimento social e econômico92, “a ação do governo central parava nas

capitais das províncias, com as únicas exceções dos serviços de correios e das

incipientes estradas de ferro” 93.

Com isso, temos as dimensões política e administrativa das relações

intergovernamentais do Império, através das quais já se antevê os seus aspectos

gerais. Assim, tem-se que a principal característica dessas relações era a sua

centralização política e administrativa.

A partir do que foi exposto acima, pôde-se observar que a centralização

administrativa do Império apresentava uma certa relatividade. Nesse sentido,

destaca-se que, enquanto as ações de controle e de taxação de impostos, a

91 Carvalho (1996) fornece dois quadros nos quais ele apresenta a estrutura da atuação dessas diferentes burocracias, nas páginas 139 e 141. 92 Ver quadro 2.1. 93 Carvalho (1996) destaca que os únicos agentes do governo central dessa esfera burocrática no nível local eram os párocos, cuja tarefa se limitava ao registro de nascimentos, casamentos e óbitos. (CARVALHO, 1996, p.138)

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burocracia imperial, embora concentrada no distrito federal, ela se fazia bastante

presente nas esferas subnacionais, as ações distributivas, que se referem aos

investimentos feitos pelo Estado imperial, se concentravam, sobremaneira, na

capital do Império e, em menor, medida, na capital das províncias.

Esse quadro era complementado com a centralização política do sistema,

caracterizada pela nomeação, pelo Imperador, dos cargos mais importantes e pela

interferência imperial nos assuntos legislativos e provinciais, através do Poder

Moderador94.

È fácil perceber que tal estrutura de funcionamento do sistema político

tendia, a longo prazo, a gerar conflitos e tensões entre as esferas de governo,

principalmente as províncias que se viam prejudicadas pelas medidas imperiais,

como foi o caso de São Paulo, a partir do último quartel do século XIX.

Por sua vez, a dimensão financeira dessa centralização do regime imperial

é fornecida pela análise do sistema tributário desenvolvido no Império. De acordo

com Carvalho (1996), através do sistema tributário é possível perceber o

funcionamento das relações intergovernamentais, pois ele se constitui num

excelente indicador da distribuição de poder em um sistema político (CARVALHO,

1996, p.241).

Segundo o autor, a questão do orçamento do governo, definido pelo

sistema tributário, constituiu-se fator constante de conflito, tanto entre o Executivo

e o Legislativo (cuja competência constituía na aprovação da lei do orçamento),

quanto entre a máquina do Estado e os grupos sociais dominantes, de quem se

extraíam os recursos (CARVALHO, 1996, p.241-242).

Lima (1986) complementa essa discussão, destacando que esse conflito,

ou dissensão, entre a burocracia imperial e os grupos economicamente

dominantes do país, em torno do orçamento imperial, ou melhor, em torno do

quanto e como o governo arrecadava impostos e de como o governo empregava

esses recursos, manteve-se constante durante todo o período imperial, tendo se

94 Baseado em Carvalho (1996).

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constituído, na fase final do Império, fonte de insatisfação constante dos

cafeicultores paulistas com relação às ações do governo95.

Esse aspecto, destacado pela autora, da insatisfação de determinadas

oligarquias em relação às políticas imperiais está diretamente relacionado com

nosso estudo, na medida que a província de São Paulo e, particularmente

Campinas, passam a expressar explicitamente a divergência de interesses em

relação ao Império. Voltaremos a esse aspecto posteriormente.

Retomando a questão do sistema tributário do Império96, destaca-se,

primeiramente, que, após a outorga da Constituição de 1824, houve quatro

alterações no plano político-institucional, que contribuíram para a definição das

relações entre as três esferas de governo durante o Império: trata-se da lei de

1828; o Ato Adicional de 1834; a lei de 1835; e o “regresso” e reação

centralizadora de 1840 (Leal, 1949).

Nesse sentido, destaca-se, primeiramente, que a Carta de 1824

representaria uma centralização financeira97 na burocracia imperial e nas mãos do

Imperador, sob a qual as unidades subnacionais de governo – províncias e

municipalidades – estiveram submetidas durante a maior parte do tempo em que

perdurou o regime imperial.

Por sua vez, a lei de 1828, de acordo com Leal (1949), representaria uma

diminuição da autonomia municipal, que se efetivou, basicamente, através de

duas medidas: 1) a separação do exercício das atribuições administrativas e

judiciais; e 2) a submissão das câmaras municipais a um rígido controle exercido

pelos conselhos gerais, presidentes de província e pelo Governo Geral (LEAL,

1949, p.74).

Segundo o autor, a lei de 1828 limitaria ainda mais a margem de ação das

câmaras municipais, pois, a partir dela, essas câmaras seriam colocadas sob a

tutela administrativa e financeira das autoridades provinciais e centrais. Com isso,

95 Esse tema será retomado e discutido posteriormente. 96 Para a apreciação das medidas implementadas no sistema tributário imperial, é importante ter como referência os diferentes períodos pelos passou o regime imperial. Assim, segundo Carvalho (1996), cinco períodos no sistema político imperial: 1) Primeiro Reinado, 1822-1831; 2) Regência, 1831-1840; 3) Consolidação, 1840-1853; Apogeu, 1853-1871; Declínio e queda, 1871-1889. (CARVALHO, 1996, p.51). 97 Além da centralização política e administrativa.

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as câmaras foram transformadas em órgãos exclusivamente administrativos sem

autonomia para tomadas de decisão98.

Com o Ato Adicional de 1834 que, segundo Leal (1949), refletiria “uma

tendência bastante descentralizadora do ponto de vista das províncias” (LEAL,

1949, p.76), a tutela exercida sobre as câmaras municipais passaria para as

Assembléias Legislativas Provinciais que o Ato, então, criara.

A partir dessa alteração, as assembléias provinciais passariam a controlar a

legislação sobre receita e despesa dos municípios, fiscalização financeira e

prestação de contas municipais, além de criação, supressão, provimento e

remuneração dos empregos municipais (Leal, 1949).

Segundo Leal (1949), mesmo permanecendo inalterada a nomeação

imperial para o cargo de presidente de província, o Ato Adicional de 1834, através

da criação das assembléias provinciais, objetivou fortalecer as províncias perante

o Governo Geral (LEAL, 1949, p.77).

Nessa mesma direção, a lei de 1835 representaria mais uma etapa no

processo de fortalecimento das províncias. Através dela, buscou-se pela primeira

vez efetuar uma repartição entre as rendas provinciais e centrais. Ou seja, por

essa lei, seriam enumeradas as rendas do governo central, deixando às províncias

o poder tributário remanescente99.

Segundo Leal (1949), isso significaria reservar ao erário nacional quase

todas as fontes de receita existentes100. No entanto, por esta lei, previa-se que os

impostos remanescentes seriam de domínio das províncias, não sendo

contempladas as municipalidades (LEAL, 1949, p.138).

Com a reação centralizadora de 1840101, todas as mudanças institucionais

foram no sentido de recentralizar o aparelho administrativo e judiciário do

Estado102. Mais especificamente, Carvalho (1996) explicita que a obra política do

98 Baseado em Leal (1949) e Sadek (1991). 99 Baseado em Leal (1949). 100 As quais se distribuíam em 58 rubricas, incluindo os principais impostos, representados pelas exportações e importações. 101 Também chamado de “regresso” e que teve início com o golpe da maioridade de D.Pedro II, marcando o fim da fase regencial do Império. (Carvalho, 1996; Fausto, 2000). 102 Para uma abordagem mais detalhada do período regencial e da passagem para o Segundo Reinado, ver, entre outros, Leal (1949), Carvalho (1996) e Fausto (2000).

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“regresso” consistiu em “(...) devolver ao governo central os poderes que perdera

com a legislação descentralizadora da Regência” , o que representou, na prática,

que

(...) as assembléias estaduais deixaram de ter jurisdição sobre funcionários do governo central; todo o funcionalismo da Justiça e da polícia passou a ser controlado pelo ministro da Justiça; o único juiz eleito, o juiz de paz, perdeu boa parte de suas atribuições em benefício dos delegados e subdelegados de polícia. O ministro de Justiça ganhou o poder de nomear e demitir, por meios diretos ou indiretos, desde o desembargador até o guarda da prisão. Com a maioridade de 1840, voltou também a funcionar o Poder Moderador, e foi restabelecido o Conselho de estado, extinto pelo Ato Adicional. (CARVALHO, 1996, p.235).

Com isso, o que se buscou com a reação centralizadora foi esboçar um

sistema de dominação mais sólido, centrado, segundo Carvalho (1996), “(...) na

aliança, entre, de um lado, o rei e alta magistratura, e, de outro, o grande comércio

e a grande propriedade, sobretudo a cafeicultura fluminense.” (CARVALHO, 1996,

p.229). Tratou-se, no fundo, de um processo de legitimação da Coroa perante as

forças dominantes do país, o qual, embora já estivesse basicamente definido em

1850, permaneceu tenso até o final do Império. (Carvalho, 1996)

No plano subnacional, essa reação centralizadora representou um maior

enquadramento do governo provincial – tanto o Executivo como o Legislativo –

pelo governo central. No que tange à questão tributária, apesar das discordâncias

e das vozes que se levantaram em favor das províncias, não houve mudanças nas

repartições das rendas entre o governo central e as províncias. (Leal, 1949)

Assim, grande parte dos impostos arrecadados permaneceu na esfera

central, continuando sem clareza os impostos que competiam às províncias,

sendo apenas enunciado que a cobrança de impostos pelas províncias deveria ser

feita sem prejuízo das “imposições gerais do Estado” (LEAL, 1949, p.140).

Diante da escassez de recursos sob controle das autoridades provinciais,

decorrente do processo de centralização política do Segundo Reinado, as

províncias acabavam por incorrer na inconstitucionalidade ao cobrarem tributos,

principalmente sobre a atividade exportadora. Por várias vezes, os impostos

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decretados pelas províncias foram impugnados, mas, com o passar do tempo, a

sua legitimidade foi sendo admitida103.

Com relação às municipalidades, apesar do movimento de “regresso” ter

retirado algumas prerrogativas das assembléias provinciais, principalmente as que

se referiam a assuntos econômicos e administrativos, as câmaras municipais

continuariam sob o seu controle, especialmente no que se referia à organização

municipal. Assim, os municípios continuariam não sendo contemplados com

autonomia para arrecadação de impostos, dependendo das autoridades

provinciais e gerais para a definição de suas receitas104.

Por fim, Leal (1949) destaca que essa situação se manteria, praticamente,

inalterada até o final do Império105.

Com isso, destaca-se que as relações intergovernamentais do regime

imperial, embora tivessem vivenciado um certo nível de descentralização, na

Regência, durante a maior parte do tempo, permaneceriam, centralizadas na

burocracia imperial e na figura do imperador. Assim, as autoridades provinciais

dependiam do governo geral, em termos financeiros, jurídicos e políticos, para o

desempenho de suas atribuições e consecução de seus interesses. Por sua vez,

as municipalidades sofriam o mesmo tipo de dependência, tanto do governo geral

como do governo provincial106.

No entanto, esse sistema começaria a apresentar sinais de desgaste,

principalmente, a partir da década de 1870, quando algumas oligarquias

provinciais passariam a registrar uma maior insatisfação em relação às políticas

103 Leal destaca que a situação tributária do Império, que desfavorecia as finanças das províncias, foi tema discutido por importantes homens públicos da época, como Tavares Bastos, Visconde de Ouro Preto e Visconde de Paranaguá, os quais defendiam uma repartição de finanças mais favorável às províncias. Nesse sentido, entre 1882 e 1883, Visconde de Paranaguá, então Ministro da Fazenda, elaborou projeto que previa uma repartição das rendas mais favorável às províncias, porém ele não chegou ser aprovado, pois foi impugnado pelo Conselho de Estado Pleno, que o julgou prejudicial ao erário geral. (LEAL, 1949, p.141-142) 104 Baseado em Leal (1949) e Sadek (1991). 105 Nesse sentido, o autor observa que, no último orçamento do Império, a discriminação da receita geral não diferia muito da enumeração de 1835, permanecendo em poder do governo central os impostos de importação, exportação, transmissão de propriedade, indústrias e profissões e o predial. (LEAL, 1949, p.143). 106 Baseado em Leal (1949) e Carvalho (1996).

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imperiais de caráter distributivo e de investimentos107, na medida em que elas não

atenderiam adequadamente os interesses daquelas oligarquias, como seria o caso

de São Paulo e a sua economia cafeeira108.

Argumenta-se que essa insatisfação diante da política imperial,

especialmente da política de terras e de colonização, contribuiria, no plano local,

para a configuração da organização territorial e da reorganização populacional,

cuja especificidade do caso de Campinas será abordada na próxima seção.

Por sua vez, a forma assumida pela interação Estado-sociedade durante o

Império será avaliada, aqui, a partir da definição da participação política, no

regime imperial.

Nesse sentido, destaca-se que o voto era indireto e censitário. Indireto

porque os votantes votavam em um corpo eleitoral, em eleições primárias, e,

numa segunda rodada, esse corpo eleitoral elegia os deputados. Era censitário

porque havia o requisito de uma renda mínima para ser votante, eleitor e para ser

candidato a algum cargo, seja no plano nacional, seja no provincial e municipal109.

Complementarmente, Klein (1995), no seu estudo sobre a participação

política na província de São Paulo, durante a década de 1880, fornece uma clara

descrição de como se processavam os pleitos eleitorais no período eleitoral antes

da reforma de 1881110.

Nesse sentido, o autor destaca que, de acordo com lei eleitoral de 1846,

para ser “votante” exigia-se uma renda anual mínima de 100 mil-réis, e como esse

valor era baixo, até trabalhadores desqualificados podiam ser “votantes”. Por sua

vez, para ser “eleitor” exigia-se uma renda mínima anual de 400 mil-réis ou mais e

que não fossem ex-escravos (KLEIN, 1995, p.527). O processo eleitoral, descrito

pelo autor, enfatiza que

(...) “votantes” de primeiro grau podiam votar diretamente para vereadores municipais, juiz de paz local e “eleitores”, que elegiam os

107 Ver quadro 2.1. 108 Baseado em Carvalho (1996) e Lima (1986). 109 Baseado em Fausto (2000). 110 Segundo a literatura especializada, a reforma de 1881 representaria uma inflexão na expansão da participação política, durante o regime imperial. Baseado em Carvalho (1996) e Magalhães (1992).

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ocupantes dos cargos mais altos. Mas eram somente os eleitores de segundo grau, com qualificações de propriedade de 400 mil-réis ou mais e que não fossem ex-escravos (chamados “libertos”) que podiam votar para os cargos provinciais ou imperiais. Aqueles qualificados para votar para o nível mais alto (os “eleitores”) compunham um grupo muito mais restrito, perfazendo menos da metade do grupo de votantes, do qual eles também faziam parte. (KLEIN, 1995, p.527-528)

Com isso, observa-se que, embora esse sistema eleitoral possibilitasse a

participação de trabalhadores desqualificados e de renda relativamente baixa, ela

restringia-se ao âmbito local, onde os cargos elegíveis possuíam menor margem

de atuação e menor poder de decisão, em comparação com as demais esferas de

governo, e onde o processo eleitoral encontrava-se sujeito, em grau mais elevado,

aos chefes políticos locais.

Considerando que, grande parcela dessa população vivesse em municípios

de menor porte populacional e em áreas rurais111, pode-se afirmar que as

interações Estado-sociedade, nessa escala espacial e envolvendo esse grupo

populacional, fossem baseadas por uma espécie de “autoritarismo privativista”,

uma vez que, por um lado, os chefes locais ainda mantinham resquícios do poder

incontrastável, característico do período colonial, e por outro, não existiam

entidades representativas dos interesses dos grupos sociais mais populares que

pudessem fazer frente à elite dirigente local.

Por sua vez, tomando a segunda etapa das eleições, descrita por Klein

(1995), que se referem às eleições provinciais e imperiais, observa-se que, nestas

esferas, a participação política se restringia às classes mais abastadas, de maior

poder aquisitivo. Isso significa que nas escalas onde os recursos disponíveis e o

poder de decisões eram maiores e as questões nacionais mais importantes eram

resolvidas, a participação na tomada de decisões envolviam apenas as classes

sociais mais altas, alijando as camadas inferiores desse processo.

No entanto, o fato de envolver as classes mais abastadas, tanto no plano

provincial como no nacional, não significa que a interação Estado-sociedade era

menos tensa. Ao contrário. Pode-se afirmar, baseado em Carvalho (1996), que a 111 De acordo com Magalhães (1992), esse tipo de informação talvez possa ser obtido através dos registros eleitorais da época, o que não pôde ser consultado para o presente estudo.

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forma de interação assumida nessas escalas e envolvendo tais parcelas da

população era caracterizada pelo o que o autor denominou por “dialética da

ambigüidade” 112.

Com essa idéia, o autor buscou destacar que se, por um lado, o caráter

centralizado do sistema político imperial tenha sido constituído de forma a garantir

uma maior margem de atuação do governo central e um maior poder de decisão

para implementar suas políticas, por outro, o governo central, uma vez que

dependia dos recursos provenientes das províncias para manter sua burocracia,

acabava, em relação a algumas questões, vendo suas políticas frustradas devido

a não adesão das províncias e, em outras, tendo que atender aos interesses das

oligarquias provinciais.

No nosso caso, a política de terras e de colonização do governo central

constitui-se numa adequada ilustração da atuação das diferentes escalas de

interação Estado-sociedade na implementação de uma determinada política.

Assim, destaca-se que a política de terras e de colonização, no regime

imperial, constituiu-se uma questão primordial de interesse nacional e que,

portanto, as escalas onde se processaram o debate e a tomada de decisões foram

a provincial e a nacional, envolvendo, com isso, as classes sociais de maior renda.

Porém, o posicionamento das oligarquias provinciais frente a essa política

causaria impactos na organização territorial e na reorganização da população, no

âmbito local, que afetariam diretamente o modo de vida e os interesses de todos

os grupos sociais, inclusive as camadas populares, sendo que estas estariam

112 Carvalho (1996) recorre a uma expressão de Guerreiro Ramos – dialética da ambigüidade – para caracterizar a dinâmica das relações entre a burocracia imperial e os proprietários rurais. Segundo o autor, as questões referentes aos orçamentos, a política de terras e a abolição explicitariam “as relações ambíguas entre o Estado e os proprietários, entre o rei e os barões.” (CARVALHO, 1996, p.383). Essa ambigüidade seria evidenciada, por um lado, pelo caráter “macrocefálico” do Estado imperial, decorrente da centralização burocrática e financeira, cuja base de sustentação era o apoio econômico e político dos grandes proprietários rurais, principalmente os cafeicultores. Por outro lado, pela não correspondência entre a ação desse Estado centralizado e os interesses dos próprios cafeicultores em relação a questões importantes referentes à mão-de-obra, à reforma fundiária e ao crédito à lavoura cafeeira. Essa relação ambígua e, por isso, tensa, entre os dois principais pólos do sistema político imperial é o que levaria ao paulatino enfraquecimento da legitimidade da figura do Imperador e a queda definitiva do Império brasileiro. (Carvalho, 1996)

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alijadas do processo de decisão, ficando sujeitos às determinações feitas “de cima

para baixo”.

Considera-se que isso foi particularmente significativo no caso da província

de São Paulo e do município de Campinas, que será abordado em seção

específica. Passaremos agora a abordar exclusivamente as esferas subnacionais

de governo no contexto das relações intergovernamentais e da interação Estado-

sociedade para, daí, destacarmos a especificidade de Campinas no cenário

provincial e nacional.

II.1.2 – Esferas sub-nacionais de governo no contexto das relações

intergovernamentais e da interação Estado-sociedade

Neste tópico, uma vez discutidas as relações intergovernamentais e a

interação Estado-sociedade, prevalecentes durante o regime imperial, focaremos

nossa análise nas esferas sub-nacionais de governo, buscando destacar a forma

como aqueles elementos político-institucionais atuariam na configuração do

domínio territorial e da reorganização da população no âmbito local, para, na

seção seguinte nos determos na nossa referência empírica, representada pelo

município de Campinas.

Assim, inicialmente, partindo da concepção do Estado como sendo “uma

organização que, legitimamente, controla um dado território e um conjunto

demográfico”113 e que sua “autonomia”114 está relacionada com a capacidade de

“formular e perseguir objetivos que não são simplesmente o reflexo das demandas

de grupos de interesse ou de determinadas classes sociais”115, pode-se afirmar

que o Estado nacional, identificado, no período imperial, com o governo central –

113 Souza & Blumm, 1999, p.62. 114 A definição de autonomia desenvolvida pelas autoras baseia-se em Skocpol (1995) – o qual foi discutido no primeiro capítulo e encontra-se referenciado na parte bibliográfica. Assim, em Souza & Blumm (1999), a definição de autonomia de Skocpol (1995) relaciona-se à “capacidade dos Estados de implementar objetivos oficiais, especialmente em oposição aos interesses de grupos sociais poderosos ou quando circunstâncias socioeconômicas recalcitrantes assim exijam.” (SOUZA & BLUMM, 1999, p.62) 115 SOUZA & BLUMM, 1999, p.62.

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composto pelo Imperador e sua burocracia – possuía relativa autonomia frente às

unidades subnacionais de governo e aos grupos dominantes da sociedade, com

os quais estabeleceu aliança116.

No caso das relações com as unidades subnacionais, o sistema político

construído pelo Imperador e sua burocracia teria sido estruturado de tal forma que

possibilitou, ao governo central, o exercício de grande controle sobre as

autoridades provinciais e municipais, seja através da nomeação de cargos-chave

da administração pública, seja através das redes coercitiva e tributária, que

enredavam as províncias e alcançavam as municipalidades. Tal estrutura garantiu

uma relativa autonomia à esfera central117, que correspondeu a uma grande

margem de atuação e de tomada de decisão por parte dos policy-makers

Quanto aos governos provinciais e municipais, discutiremos o grau de

autonomia que desfrutavam a partir do estudo desenvolvido por Sadek (1991)118.

Assim, segundo a autora, autonomia [municipal] implicaria dois fatores: 1)

pleno exercício do direito de eleger seus governantes; e 2) liberdade na

organização de seus serviços e nos atos de sua administração, que se relaciona

com liberdade de desempenho de suas atribuições e de poder decisório (SADEK,

1991, p.12). Sadek (1991) ressalta ainda, que, para a autonomia existir de fato,

esses dois fatores têm que agir simultaneamente.

Contrastando a margem de atuação delegada às províncias e

municipalidades durante o Império com a definição anterior de “autonomia” tem-se

que essas estâncias de governo eram pouco autônomas, uma vez que sua

liberdade de ação e sua capacidade decisória estavam limitadas tanto em termos

políticos como em termos financeiros e administrativos.

Limitadas em termos políticos porque, embora fossem regulares as eleições

para os cargos legislativos nos três níveis de governo, essas estâncias ficavam à 116 Esse aspecto será retomado adiante. 117 Vale lembrar que, segundo Carvalho (1996), foi através dessa estrutura política, que favorecia grandemente o governo central, que o Império garantiu a unidade territorial e política do país, e é em função desse papel exercido pela monarquia no país que os grupos sociais dominantes das diversas províncias consentiram com o domínio e controle exercido pelo governo central sobre as respectivas autoridades provinciais. 118 Em seu artigo, Sadek (1991) refere-se à “autonomia municipal”, porém, considera-se que sua discussão pode ser estendida para outras esferas de governo, além da municipal. É o que se fará aqui, para se avaliar a autonomia dos municípios e províncias.

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mercê da intervenção do Conselho de Estado e do Poder Moderador sempre que

suas atividades prejudicassem os interesses do governo central119. Além disso, o

executivo provincial ficava a cargo da nomeação do Imperador, que poderia ser

substituído a qualquer momento, se julgado necessário. (Carvalho, 1996)

Limitadas em termos financeiros e administrativos porque a margem de

arrecadação de impostos era limitada, ficando relegados os impostos

remanescentes, no caso das províncias, e sendo quase inexistentes, no caso das

municipalidades120. Por sua vez, as restrições financeiras limitavam grandemente

as esferas sub-nacionais no cumprimento de suas atribuições (Carvalho, 1996).

Com isso, destaca-se que as relações intergovernamentais durante o

Império se estruturaram de forma a manter, preponderantemente, a submissão e a

dependência das esferas sub-nacionais em relação à esfera central de governo121.

Porém, seria a partir da interação Estado-sociedade, principalmente nas

escalas provinciais e nacional, caracterizado pela “dialética da ambigüidade”, que

teríamos a percepção de que, embora as relações intergovernamentais atuassem

de forma a manter, homogeneamente, a dependência das unidades sub-nacionais

em relação ao governo central, determinadas províncias e municipalidades, em

função de sua importância econômica e política, principalmente, a partir de 1870,

passariam a conquistar uma margem cada vez maior de ação, através da

exploração de “brechas” no sistema político imperial.

Assim, justamente pelo fato de o Império brasileiro ter assumido o caráter

constitucional, o que fazia com que todas as decisões do governo central tivessem

que passar pela aprovação da Assembléia Geral; ter se embasado na aliança com

os grandes proprietários de terra, principalmente com os cafeicultores; pelo fato de

sua principal fonte de renda provir das exportações e, especialmente, das

exportações de café, é que se poderia afirmar a existência de momentos em que a

autonomia do governo central foi relativa, variando de acordo com os temas e as

questões de política nacional122.

119 Baseado em Carvalho (1996). 120 Ver a discussão sobre o tema apresentada anteriormente, nesse mesmo capítulo. 121 O que já foi destacado no tópico anterior. 122 Baseado em Carvalho (1996) e Leal (1949).

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Ou seja, embora as relações intergovernamentais proporcionassem ao

governo central uma certa preeminência em relação aos governos provinciais e

municipais, seria em função da interação Estado-sociedade que se manteria

tensa, durante todo Império, a interação entre o núcleo central do Império e os

grupos socioeconômicos, das províncias, que lhe davam sustentação.

Foi em função dessa relação tensa entre o governo geral e sua base que

medidas reformistas iniciadas no centro do sistema político, ou demorassem a

serem aprovadas e implementadas, como foi o caso do processo abolicionista, ou,

embora sendo aprovadas pela Assembléia Geral, não tivessem a adesão dos

grandes proprietários de terra, como foi o caso da Lei de Terras de 1850.

(Carvalho, 1996)

Por outro lado, pode-se considerar que, em função da crescente

importância da economia cafeeira na composição das finanças imperiais, no

decorrer da segunda metade do século XIX, é que autoridades provinciais foram

conquistando espaço nas “brechas” do sistema político, como é o caso, por

exemplo, do caráter de legitimidade que assumiu a cobrança de impostos sobre

exportação, executada pelas províncias, embora ela não fosse legalizada na

repartição oficial das rendas nacionais. (Leal, 1949)

Com isso, poder-se-ia argumentar que, apesar da centralizada estrutura

político-institucional, províncias economicamente mais importantes, especialmente

aquelas onde a cafeicultura prosperou, tiveram condições de estabelecer relações

diferenciadas com o governo central, em comparações com outras províncias123,

seja pressionado o Estado imperial no atendimento de seus interesses, seja

dificultando o governo central na implementação de medidas que contrariavam os

interesses dos barões.

O mesmo poder-se-ia afirmar com relação ao governo municipal. Assim,

embora as limitações político-institucional, administrativa e financeira fossem a

regra para todas as municipalidades, poder-se-ia supor que aquelas mais

123 Em seu estudo, Carvalho (1996) destaca a atuação das diferentes províncias frente às diferentes reformas políticas iniciadas pelo Imperador e sua burocracia, assim como os diferentes posicionamentos, no interior das províncias, referentes aos diferentes estratos da classe dominante, expressos através da filiação aos dois partidos monárquicos – Conservador e Liberal –, e, a partir da década de 1870, ao Partido Republicano.

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estreitamente vinculadas à economia cafeeira teriam tido possibilidade de

conquistar maior margem de atuação e de decisão política frente às autoridades

provinciais e centrais.

Isso significa que, em relação a algumas municipalidades do período

imperial, poderia se supor a existência de um certo grau de autonomia124 na

consecução de suas atribuições e interesses e na tomada de decisões, seja

através de uma maior verba compondo seu orçamento municipal, seja através de

investimentos privados nas atividades urbanas de suporte à economia cafeeira.

Nesses dois casos, pressupõe-se a existência, no âmbito local, de uma elite

econômica e política que seria, por um lado, capaz de exercer influência no

legislativo e executivo provinciais125, e, por outro, interessada em reverter o capital

excedente da economia cafeeira para realização de melhoramentos na infra-

estrutura dos núcleos urbanos126.

Considera-se ser este o caso do município de Campinas, o qual

passaremos a abordar na seção seguinte.

II.2 – Campinas na definição frente à política de terras

Como foi destacado, anteriormente, argumenta-se que o município de

Campinas, devido ao papel desempenhado no interior da economia cafeeira

durante o período de 1870 a 1900 (Semeghini, 1991; Baeninger, 1996; Lapa,

1995), situa-se entre essas municipalidades que puderam estabelecer relações

intergovernamentais diferenciadas, em comparação a outros municípios fora do

circuito cafeeiro, em decorrência, principalmente, das características assumidas

pela interação Estado-sociedade, a partir do último quartel do século XIX.

124 Considera-se aqui a definição de “autonomia” de Skocpol (1995), apresentada anteriormente. 125 A referência sobre essa influência exercida pelas municipalidades na esfera provincial baseou-se em Lima (1986) e Magalhães (1992). 126 A referência sobre o investimento do excedente da cafeicultura em atividades urbanas de suporte à economia cafeeira baseou-se em Semeghini (1991), Baeninger (1996), Lapa (1995) e Bilac (2001).

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O objetivo desta seção é analisar a forma como as relações

intergovernamentais e a interação Estado-sociedade, gestadas na escalas

político-institucionais mais amplas, tendo como referência a política de terras e de

colonização do governo central, influenciaram, no âmbito local, o processo de

configuração inicial da organização territorial e da reorganização populacional no

espaço campineiro.

Busca-se, com isso, destacar os principais elementos que vão particularizar

essa fase inicial de configuração territorial e populacional de Campinas,

caracterizada pelo momento de formação da hinterlândia campineira,

principalmente na sua dimensão econômica127, para, a partir deles dar

continuidade à análise neo-institucionalista histórica, construindo uma tipologia

das formas de articulação entre a dimensão político-institucional e a reorganização

da população no espaço, que será feita no capítulo seguinte.

Uma vez que se decidiu considerar a lógica da tridimensionalidade do

processo emancipatório para a análise das transformações na organização

territorial e na reorganização da população no espaço128, a análise da articulação

entre a dimensão político-institucional e a reorganização territorial e populacional

se baseará na abordagem dos aspectos econômicos, demográficos e político-

institucionais que caracterizaram a sociedade campineira no período considerado,

pois se entende que será da atuação conjunta dessas dimensões, nas suas

diferentes escalas, que se resultará a configuração territorial e populacional que

caracterizará o espaço campineiro, neste momento inicial.

Nesse sentido, destaca-se que o recorte temporal, tratado aqui,

compreende o período entre os anos de 1870 a 1900, por se considerar que,

nessa fase, além da consolidação da dimensão econômica da hinterlândia

campineira, foram gestados os elementos que, no período seguinte, atuarão na

consolidação da dimensão político-institucional dessa hinterlândia.

Vale observar que se optou por abordar um período não compreendido em

toda a sua extensão pelo quadro político-institucional do Império, incorporando os

127 Ver discussão conceitual feita no primeiro capítulo. 128 Ver discussão conceitual no primeiro capítulo.

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anos iniciais da República, em função das fases do desenvolvimento da economia

cafeeira no estado e, particularmente, em Campinas, onde medidas tomadas ao

final do Império vão ter repercussão em momentos imediatamente posteriores.

Já com relação ao recorte espacial, a discussão empreendida neste

capítulo refere-se ao que denominamos de “espaço campineiro”, que neste recorte

temporal assume a seguinte forma:

Figura 1: Espaço campineiro – período 1850-1900

II.2.1 – Desenvolvimento econômico e dinâmica populacional

antecedendo a política de imigração e a estruturação do espaço

urbano

Primeiramente, no processo de desenvolvimento econômico de Campinas,

de acordo com o estudo de Semeghini (1991), identificam-se duas fases distintas

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entre 1870 e 1900: primeiramente, o período de 1870 a 1886, que corresponderia

à fase em que Campinas passou a ser considerada a “capital agrícola” da

província de São Paulo e constituiu-se como pólo de expansão da cafeicultura

para o Oeste paulista129.

A segunda fase refere-se aos anos de 1886 a 1897, que corresponderiam

ao auge da primeira fase do complexo cafeeiro capitalista, durante a qual

Campinas perderia a primazia na produção cafeeira para as novas áreas pioneiras

do estado, em função da segunda grande expansão da cafeicultura e, ao mesmo

tempo, assistiria à ampliação e diversificação das suas atividades urbanas, como

comércio e serviços (Semeghini, 1991).

A cultura cafeeira, proveniente da região do Vale do Paraíba, alcançou as

grandes propriedades da região de Campinas na década de 1840130, mas foi

durante os anos de 1850 que se verificou crescimento significativo do plantio do

café na região e se realizaram as primeiras tentativas de emprego de mão-de-obra

européia na cafeicultura, baseado no sistema de parceria131 (Semeghini, 1991).

Durante o período de 1860-1870, Campinas já se tornava o principal

produtor de café do estado – posição reforçada na década seguinte e mantida até

1886 (Semeghini, 1991). Os dados dos quadros 2.2 e 2.3 e da tabela 2.1

contribuem para ilustrar esse processo.

129 Baeninger (1996) e Lapa (1995) também destacam essa característica de Campinas no contexto paulista. No estudo de Ianni (1984), essa porção do território paulista constitui o que ele denominaria por “primeiro Oeste paulista”. 130 Segundo Semeghini (1991), em 1840, Campinas constitui-se num importante centro de dispersão de caminhos. Essa característica vai marcar as fases seguintes do seu de desenvolvimento econômico e urbano, a partir da qual Campinas desempenhará importante papel de entroncamento viário, ferroviário e de comunicações, sendo importante pólo dispersor da cafeicultura no oeste do estado. 131 Não se pretende, aqui, abordar todas as etapas do desenvolvimento econômico do município de Campinas. Para tal, Semeghini (1991) constitui-se numa ótima referência sobre o histórico do desenvolvimento econômico e populacional do município de Campinas, desde o final do século XVIII, quando da sua elevação à categoria de vila, tendo a economia baseada na atividade canavieira, até os dias atuais.

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Quadro 2.2: Produção de café, em arrobas

Província de São Paulo, segundo regiões

1836-1886

Regiões 1836 1854 1886

Zona Norte (1) 510.406 2.737.639 2.074.267

Zona Central (2) 70.378 491.397 3.008.350

Zona Paulista 8.461 223.470 2.458.134

Zona Mogiana 821 81.750 2.262.599

Zona Araraquarense - - -

Zona Noroeste - - -

Zona Alta Sorocabana - - 151.000

Fonte: SILVA, 1982132 apud SEMEGHINI, 1991, p.21

(1) Corresponde à região do Vale do Paraíba, com exceção do litoral.

(2) Corresponde ao Oeste paulista antigo, incluindo Campinas e região.

De acordo com os dados do quadro 2.2, observa-se, de um modo geral, um

grande crescimento da cafeicultura na maioria das regiões da província de São

Paulo, ao longo do século XIX, sendo que, na região Norte, enquanto a produção,

em 1836, era de 510.406 arrobas, em 1886, a região produziu 2.074.267 arrobas.

Já a região Central, que, em 1836, produziu bem abaixo da região Norte – 70.378

arrobas, em 1886, a ultrapassaria, alcançando uma produção de 3.008.350

arrobas.

Com isso, observa-se que, durante a primeira metade do século XIX, houve

um predomínio marcante da região do Vale do Paraíba, na produção cafeeira, e,

na segunda metade, a produção se equilibra entre as regiões, mas com uma

participação maior do Oeste paulista antigo, que inclui o município de Campinas.

Esse movimento da cafeicultura através do território paulista, da região do

Vale do Paraíba em direção ao então Oeste Paulista, esteve relacionado, por um

lado, pela maior aceitação do produto no mercado internacional que estimulava a

expansão do seu plantio e, por outro, e em decorrência, pela busca de terras mais

férteis para a aumentar a sua produtividade. (Semeghini, 1991).

Por sua vez, os dados do quadro 2.3 ilustram o desempenho da produção

cafeeira entre os municípios da região de Campinas:

132 SILVA, S.M.C. Roteiro do café e outros ensaios. São Paulo: Hucitec/INL, 1982.

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Quadro 2.3: Produção de café (em mil arrobas)

Campinas e região – 1836-1886

Municípios 1836 1854 1860 1872 1886

Campinas 8.08 335.5 700 1.300 1.500

Amparo - - - - 933.3

Mogi-Mirim - 80.0 - - -

S.J.Boa Vista - - - - 150

E.S. Pinhal - - - - 150.6

Rio Claro - 99.6 - - 600

Araras - - - - 500

Limeira - 121.8 - - 200

Piracicaba - - - - 300

Província de São Paulo - - - - 10.374

Fontes: CAMARGO, 1952133; ZALUAR, 1976134; PESTANA, 1927135 apud SEMEGHINI, 1991, p.31

De acordo com o quadro 2.3, é possível observar que a produção cafeeira

no município de Campinas cresceu aos saltos desde a década de 1830, com

importante destaque para o período inicial, de 1836 a 1854, e, em seguida, o

registro da duplicação da produção a intervalos decenais, até 1872.

Já os dados da tabela 2.1 evidenciam a importância do café na composição

das exportações nacionais ao longo do século XIX:

Tabela 2.1: Exportação de mercadorias - produtos selecionados (em %) Brasil - 1821-1900

Decênio Café Açúcar Algodão Outros Total

1821-1830 18,4 30,1 20,6 30,9 100,0

1831-1840 43,8 24,0 10,8 21,4 100,0

1841-1850 41,4 26,7 7,5 24,4 100,0 1851-1860 48,8 21,2 6,2 23,8 100,0

1861-1870 45,5 12,3 18,3 23,9 100,0 1871-1880 56,6 11,8 9,5 22,1 100,0 1881-1890 61,5 9,9 4,2 24,4 100,0

1891-1900 64,5 6,6 2,7 26,2 100,0

Fonte: Serviço de Estatística Econômica e Financeira do Ministério da Fazenda, in: SILVA, 1953136 apud FAUSTO, 2000, p.191

133 CAMARGO, J.F. Crescimento da população do estado de São Paulo e seus aspectos econômicos. São Paulo, FFCL, USP, 1952. (3 vols.) 134 ZALUAR, E.A. Peregrinação pela província de São Paulo. São Paulo: Biblioteca Histórica Paulista, 1976. 135 PESTANA, P.R. O café em São Paulo (notas históricas). Secretaria da Agricultura, Indústria e Comércio de São Paulo, 1927.

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Assim, de acordo com esses dados, constata-se a importância assumida

pelo café entre as exportações nacionais, no decorrer do século XIX,

principalmente, a partir da década de 1850, quando se vê uma participação

crescente do café137, ao longo das décadas, passando de 49% das exportações,

na década de 1850, para 65%, na década de 1890, acompanhada de um declínio

também constante na participação do açúcar, entre os produtos exportados pelo

país que, no mesmo período, passou de 21% para 6%.

Considerando conjuntamente os dados referentes à cafeicultura, nos planos

nacional e regional, expostos anteriormente, constata-se que o papel de principal

produto de exportação do país, assumido pelo café, principalmente a partir da

década de 1870, foi simultâneo à importância adquirida pela cafeicultura, tanto no

Oeste paulista, quanto no município de Campinas.

À luz do que já foi apresentado, anteriormente, a respeito do arranjo

político-institucional do Império, mais especificamente da importância das

exportações de café para a sustentação da estrutura burocrática e do sistema

político-administrativo imperial, pode-se afirmar que os cafeicultores do Oeste

paulista, ao longo do século XIX, devido à importância de sua economia, tiveram

condições para se constituírem num dos estratos, dentre o grupo dominante dos

proprietários, senão de maior pressão política, pelo menos de maior oposição a

determinadas decisões políticas tomadas no âmbito do governo central (Lima,

1986). Voltaremos a esse ponto posteriormente.

Assim, retomando a consideração do período 1860-1870, temos a esse

tempo, segundo Semeghini (1991), a ocorrência de importantes transformações

no município de Campinas que contribuiriam para que, no período 1870-1886, ele

fizesse jus ao epíteto de “capital agrícola” da província.

136 SILVA, H.S. Tendências e características gerais do comércio exterior no século XIX. Revista de Historia da Economia Brasileira, ano 1, 1953. 137 Movimento interrompido somente na década de 1860 devido ao aumento da participação do algodão nas exportações do país. Nota-se que nessa época instala-se nos domínios territoriais do município de Campinas uma colônia de norte-americanos que se voltou para o cultivo e beneficiamento do algodão, cuja produção, segundo Semeghini (1991), contribuiu a acumulação de capital na região. Essa região, posteriormente, tornou-se distrito de Campinas, como o nome de Vila Americana e, em 1924, desmembrou-se de Campinas, elevando-se à categoria de município, com o nome de Americana.

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Nesse sentido, Semeghini (1991) destaca que, durante a década de 1860,

começaram a ser gestadas, no município de Campinas, as transformações que

contribuiriam, posteriormente, para a consolidação do complexo cafeeiro

capitalista.

Essas transformações são de quatro ordens: 1) a estruturação da

diferenciação regional, tanto em nível nacional quanto em nível provincial; 2) a

fundação da Companhia Paulista de Estradas de Ferro, em 1868, com apoio dos

fazendeiros138; 3) a instalação, na cidade, da empresa Lidgerwood, em 1868,

voltada para a fabricação de máquinas de beneficiamento de café; e 4) a formação

da Associação Auxiliadora da Colonização, por grandes fazendeiros e capitalistas

do Oeste (SEMEGHINI, 1991, p.37).

Iniciadas tais transformações, o período 1870-1886 pôde assistir ao

primeiro grande avanço da cafeicultura no território paulista, que se baseou na

expansão das ferrovias, no emprego intensivo das máquinas de beneficiamento e

na utilização da mão-de-obra imigrante, sob o sistema de colonato139.

(SEMEGHINI, 1991, p.38)

Neste período, Campinas era “o principal centro agrícola da província e o

pólo da expansão para o oeste.” (SEMEGHINI, 1991, p.45). De acordo com o

estudo de Semeghini (1991), pode-se afirmar que o fato de Campinas ter se

tornado, durante 1870 e 1886, a “capital agrícola” da província estaria relacionado

com o fato do mesmo município ter se constituído na “base territorial do processo

de transformação do complexo cafeeiro” (SEMEGHINI, 1991, p.40).

Assim, estimulado por esses fatores, a década de 1870 e a primeira metade

da de 1880 assistiriam a uma produção cafeeira crescente, tanto na região como

no município de Campinas, que possibilitou importante acumulação de capital, o

qual pôde ser aplicado de forma diversificada. Nesse sentido, Semeghini (1991),

destaca que, a partir de meados de 1870,

138 Vale registrar que, em 1867, foi inaugurada a Estrada de Ferro Santos/Jundiaí (São Paulo Railway) (Semeghini, 1991). Em 1872, inicia-se, a partir de Campinas, o funcionamento da Companhia Paulista e, em 1875, inaugura-se, no município, a estrada de ferro da Companhia Mogiana (Lapa, 1995). 139 Ressalta-se que, nesse período, o emprego da mão-de-obra imigrante deu-se simultaneamente à utilização do trabalho escravo. (CANO, 1977 apud SEMEGHINI, 1991, p.21)

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o capital acumulado no café começa a diversificar-se, com os investimentos nas ferrovias, nas empresas de serviços públicos, na indústria e nos bancos. Em paralelo, vão sendo constituídos os demais segmentos componentes do complexo capitalista. (SEMEGHINI, 1991, p.40)

Diante disso, o município de Campinas constituiria a principal base dessas

transformações na economia cafeeira, evidenciadas no fato de ser nele que se

estabeleceram, já na década de 1870, as sedes das Companhias ferroviárias

Paulista e Mogiana140, dos bancos agrícola e comercial, em 1872, de indústrias141

e empresas de serviços públicos142 (Semeghini, 1991).

Por sua vez, devido aos lucros do café em ascensão, na década de 1870,

em função do aumento da produção e dos preços, esse capital acumulado pôde

ser investido tanto na expansão do plantio quanto em novas atividades,

principalmente no meio urbano (SEMEGHINI, 1991, p.41). Em decorrência, se

verificaria em Campinas, na década de 1880, o crescimento de novas companhias

de serviços públicos143, de companhias industriais e agrícolas144.

Com relação aos estabelecimentos industriais existentes em Campinas, em

1886, paralela ao setor metal/mecânico (máquinas agrícolas, fundições,

caldeirarias), voltado à produção de máquinas e equipamentos agrícolas,

Semeghini (1991) destaca a variedade de estabelecimentos ligados à expansão

da renda e do mercado interno no período, voltados para a produção de alimentos,

bebidas, vestuários, calçados, chapéus, móveis olarias, entre outros (SEMEGHINI,

1991, p.46).

O autor destaca, ainda, que esse setor industrial voltado para bens de

consumo teve pouca participação direta do capital cafeeiro. A quase totalidade

140 A operação dessas duas estradas de ferro sediada no município contribuiu para a configuração de uma importante diversificação da atividade cafeeira e da rede de cidades a partir de Campinas. (Baseado em Semeghini, 1991). 141 Como, por exemplo, a tecelagem Carioba, em Americana, estabelecida em 1875; e a Companhia McHardy, de máquinas de beneficiamento, fundada em 1875. (Semeghini, 1991). 142Como a Companhia Campineira de iluminação à gás, encarregada da iluminação pública, estabelecida em 1872. (Semeghini, 1991) 143 Semeghini (1991) destaca: a Companhia Paulista de Carris de Ferro, em 1881; a Companhia telefônica Campineira, em 1884; a Companhia de Água e Esgotos, em 1887; e, no início da década de 1890, as Companhias de Estrada de Ferro Funilense e o Ramal Férreo Campineiro. 144 Semeghini (1991) destaca: a Companhia Industrial Campineira; a Companhia de Avicultura; a Companhia Pastoril Campineira (gado); e a Companhia Construtora Campineira.

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dessas indústrias era de propriedade de imigrantes (italianos, ingleses, suíços,

franceses, portugueses e alemães), sendo a mão-de-obra empregada também era

predominantemente estrangeira. (SEMEGHINI, 1991, p.47)

Em termos populacionais, observa-se que o município de Campinas teria

chegado, em 1886, a uma população total de 41.253 habitantes, dos quais 9.986

correspondiam à população escrava (tabela 2.2).

No quadro 2.4, tem-se a participação da população de Campinas, tanto no

contexto regional como no provincial, entre 1836 e 1886.

A partir desses dados, é possível observar que a participação da população

campineira apresentou um crescimento constante a partir de 1836, alcançando

ponto máximo em 1874, quando Campinas concentrava cerca de 41% da

população regional e cerca de 3,7% da população provincial.

Quadro 2.4: Participação regional e provincial da população total do município de Campinas

1836-1886 População Total 1836 1854 1874 1886

Município de Campinas 6.689 14.201 31.397 41.253 Região de Campinas 26.657 50.841 76.518 161.264 Província de São Paulo 284.312 417.149 837.754 1.221.380 Participação da população de Campinas no contexto regional e provincial (%) Campinas/ região Campinas 25,09 27,93 41,03 25,58 Campinas/ Prov. S.Paulo 2,35 3,40 3,75 3,38 Fonte: Camargo (1981; 1952) apud Baeninger, 1996; Semeghini, 1991. Elaborado a partir da tabela 2

Entre 1874 e 1886, observa-se uma mudança de tendência, quando reduz

para, aproximadamente, 25,5% a participação da população campineira, no

contexto regional, e para menos de 3,5%, no contexto paulista. Essa redução

condiz com a desaceleração no ritmo de crescimento populacional de Campinas,

no período, evidenciada pelos dados da tabela 2.2.

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Tabela 2.2: População total e escrava Província de São Paulo, região e município de Campinas: 1836-1886

Anos População

Total Taxa de cresc. Total (% a.a.)

População Escrava

Taxa de cresc. Escrava (% a.a.)

Pop.Escrava/ Pop.Total (%)

Província São Paulo 1836 284.312 78.013 27,44

2,15 2,31 1854 417.149 117.731 28,22 3,55 1,44

1874 837.754 156.612 18,69 3,19 0,21

1886 1.221.380 160.665 13,15

Região de Campinas (*) 1836 26.657 8.686 32,58 3,65 4,83

1854 50.841 20.315 39,96 2,07 3,05

1874 76.518 37.055 48,43 6,41 -1,92

1886 161.264 29.356 18,20

Campinas 1836 6.689 3.917 58,56

4,27 4,18 1854 14.201 8.190 57,67 4,05 2,60

1874 31.397 13.685 43,59 2,30 -2,59

1886 41.253 9.986 24,21 Fonte: CAMARGO, 1981145 apud BAENINGER, 1996, p.24 (província de São Paulo e município de Campinas); CAMARGO, 1952146 apud SEMEGHINI, 1991, p.29 (região de Campinas) (*) Inclui os municípios de Campinas, Amparo, Pedreira, Espírito Santo do Pinhal, São João da Boa Vista, Vargem Grande do Sul, Águas da Prata, Mogi-Mirim, Piracicaba, Rio das Pedras, Rio Claro, Analândia, Itapira, Limeira e Araras.

A partir da tabela 2.2, observa-se que o município de Campinas, nos dois

primeiros períodos, embora apresentasse taxas decrescentes de crescimento da

população total (4,27% e 4,05% a.a., respectivamente), elas se mantiveram acima

das taxas provinciais (2,15% e 3,55% a.a., respectivamente) e regionais (3,65% e

2,07% a.a., respectivamente).

145 CAMARGO, J.F. Crescimento da população no estado de São Paulo e seus aspectos econômicos. Estudos Econômicos n.14, IPE-USP, 1981. 146 CAMARGO, J.F. Crescimento da população no estado de São Paulo e seus aspectos econômicos. São Paulo, FFCL, USP, 1952 (3 vols.).

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Porém, no período de 1874-1886, assumiria valor inferior à taxa de

crescimento da população da província e da região. Assim, no período

considerado, enquanto a província e a região de Campinas cresceram a uma taxa

de 3,19% a.a. e 4,05% a.a., respectivamente, o município de Campinas cresceu a

uma taxa de 2,30% a.a.

Como esse período corresponde à fase da economia cafeeira, identificada

com a primeira grande expansão cafeeira (Semeghini, 1991), baseada na

expansão férrea e na da mão-de-obra imigrante, pode-se afirmar que essa

redução no ritmo de crescimento populacional e na participação da população de

Campinas constitua reflexo do próprio processo de interiorização da cafeicultura,

que foi acompanhada da expansão da população e do surgimento de novos

municípios147, o que seria expresso também pela diminuição da sua população

escrava, no período.

Assim, nos períodos de 1836-1854 e de 1854-1874, enquanto a população

escrava da província de São Paulo cresceu a uma taxa anual de 2,31% e 1,44%,

respectivamente, a região de Campinas cresceu a 4,83% e 3,05%,

respectivamente, e o município de Campinas, a 4,18% e 2,60%, respectivamente.

Por sua vez, no período 1874-1886, a população escrava do município e da

região de Campinas apresentou um crescimento anual negativo de 2,59% e

1,92%, respectivamente, a população da província de São Paulo ainda apresentou

um crescimento anual baixo, mas positivo, de 0,21%, indicando o deslocamento

da economia cafeeira para outras regiões do estado.

Destaca-se, ainda, que, no crescimento populacional, tanto no estado de

São Paulo como no município de Campinas, durante o período 1870-1900, não se

pode deixar de destacar o importante papel desempenhado pela imigração

européia, podendo ser dividida, no caso de Campinas, em duas fases distintas: a

primeira, que compreende os anos de 1882 a 1886, e a segunda, compreendendo

os anos de 1887-1900 (Baeninger, 1996).

147 Voltaremos à questão da criação de municípios e à questão da organização político-administrativa do território adiante.

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Com relação ao perfil demográfico da população imigrante, essas duas

fases da imigração européia para Campinas possuem características distintas.

Nesse sentido, Baeninger (1996) destaca que

Campinas foi grande centro receptor da mão-de-obra estrangeira introduzida em São Paulo, particularmente nas últimas duas décadas do século passado. (...) A imigração do tipo individual foi predominante até 1886 para as principais nacionalidades, porém a imigração familiar acabou sendo responsável por 73% do total do movimento imigratório ocorrido entre 1882 e 1900. (BAENINGER, 1996, p.31)

A tabela 2.3 reproduz os dados referentes à imigração européia para

Campinas, sobre os quais Baeninger (1996) fundamentou suas considerações148:

Tabela 2.3: Movimento imigratório europeu segundo nacionalidade e tipo de imigração Campinas – 1882-1900

Nacionalidades Tipo movimento imigratório Portuguesa Italiana Espanhol Alemã Outras Total

1882-1886 Total 423 1.928 132 41 20 2.544

% Individual 79,43 61,51 91,67 46,34 40,00 65,64

% Familiar 20,57 38,49 8,33 53,66 60,00 34,36

1887-1900

Total 778 6.063 704 370 172 8.087

% Individual 40,87 11,27 16,76 13,78 27,33 15,05

% Familiar 59,13 88,73 83,24 86,22 72,67 84,95

TOTAL GERAL 1.201 7.991 836 411 192 10.631

% Individual 54,45 23,39 28,59 17,03 28,64 27,16

% Familiar 45,54 76,61 71,41 82,97 71,36 72,84 Fonte: Livros de registros da Hospedaria dos Imigrantes do Estado de São Paulo, 1882 a 1900. Apud BAENINGER, 1996, p.31

Para além do impacto quantitativo dessa entrada de imigrantes sobre a

população de Campinas, argumenta-se que, as características específicas dessas

duas fases da imigração refletiriam, tanto na sua dimensão quantitativa como na

dimensão qualitativa, diferentes tomadas de decisões políticas com relação à

148 Vale destacar os dados sobre a entrada de imigrantes no Brasil, apresentados por Bassanezi (1996). Segundo a autora, entre 1872 e 1899, entraram no Brasil mais de 1.800.000 imigrantes, sendo que, no período 1872-1879, entraram 176.337, no período 1880-1889, 448.622 imigrantes, e, no período 1890-1899, 1.198.327 imigrantes. (BASSANEZI, 1996, p.8).

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empresa colonizadora149, feitas pelos principais decision-makers naquele

momento, diante das alternativas abertas pelo arranjo político-institucional atuante

em cada fase.

Com o objetivo de compreender as divergências entre governo central e

governo provincial com relação à empresa colonizadora, vale a pena retomar o

estudo de Silva (1996) sobre os debate político, os desafios de implementação e

os desdobramentos da Lei de Terras, de 1850.

Segundo a autora, a Lei de 1850 consubstanciava-se, por um lado, na

união de dois problemas – a imigração e a regulamentação da propriedade da

terra, e, por outro, no papel primordial que o governo deveria desempenhar na

importação de trabalhadores livres (SILVA, 1996, p.141). Com isso, os dois

objetivos fundamentais da Lei de Terras voltavam-se para a implementação da

colonização e para a resolução do problema da propriedade territorial (SILVA,

1996, p.178).

Com relação à colonização, a Lei de 1850 contemplava duas formas: a

colonização oficial (ou espontânea), que visava o assentamento do imigrante em

pequenas propriedades, a partir da venda de lotes, e a colonização regular (ou

particular), que era subvencionada e visava atender as necessidades de mão-de-

obra para as fazendas (Silva, 1996).

Sobre essa Lei, Silva destaca que ela “condensava a visão Saquarema150

de todo o processo de transição do trabalho escravo para o trabalho livre e de

consolidação do Estado imperial” (SILVA, 1996, p.125).

Com relação à imigração, a “visão saquarema”, segundo a autora, defendia

a idéia de povoamento do amplo território nacional, enfatizando a necessidade de

149 Baseado na discussão feita por Lima (1986) sobre as diferentes soluções buscadas pelos cafeicultores do Oeste Paulista e os cafeicultores do Vale do Paraíba aos principais obstáculos vivenciados pela empresa cafeeira. Segundo a autora, os três principais obstáculos ao avanço da cafeicultura, e sobre os quais ela desenvolve seu estudo, são: transporte, crédito e mão-de-obra. (LIMA, 1986, p.34) 150 Ao falar dos Saquaremas, Silva (1996) refere-se à “hegemonia saquarema” que, segundo a autora, tratava-se da base política e ideológica do Estado imperial, concentrada, sobretudo, no Partido Conservador, organizada nos anos 1840. Compreendia, basicamente, fazendeiros fluminenses escravistas, ligados à atividade cafeeira (SILVA, 1996, p.88). Segundo Carvalho (1996), os conservadores, e em especial os “saquaremas”, defendiam o fortalecimento do poder central, e nas décadas de 1830 e 1840, compunham o núcleo dos construtores do Estado imperial. (CARVALHO, 1996, p.186 e 199)

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“branqueamento” da população através da imigração européia e a difusão da

pequena propriedade a partir do loteamento e venda de terras nas áreas devolutas

da Coroa. Era sensível também às reivindicações da grande lavoura cafeeira,

prevendo a introdução do trabalho livre do imigrante nas fazendas (SILVA, 1996,

p.128).

Dessa forma, para os “Saquaremas”, a colonização oficial e a colonização

regular estariam relacionadas entre si e as duas vias de imigração, por sua vez,

dependeriam, de certa forma, da regularização das terras devolutas. Nesse

sentido, Silva (1996) destaca que

No centro de toda a solução Saquarema para o problema da mão-de-obra e do povoamento estava a questão da demarcação das terras devolutas. Uma vez demarcadas elas seriam vendidas a nacionais ou estrangeiros que quisessem comprá-las. O dinheiro arrecadado seria utilizado no financiamento da imigração regular. (SILVA, 1996, p.129)

Porém, apesar de o governo central prever a possibilidade das duas vias de

imigração, na prática ele tendeu a fornecer mais incentivo à imigração oficial, ou

seja, aquela voltada para a atração de imigrantes na condição de pequenos

proprietários151.

Segundo Silva (1996), essa posição do governo imperial com relação à

colonização teria se constituído numa das questões de divergência entre o

governo central e o governo provincial paulista, que defendia a importação de

trabalhadores para as fazendas de café.

Essa divergência de interesses, por sua vez, teria se tornado evidente, de

acordo com Lima (1986), em dois momentos: em 1871, quando foi fundada, em

São Paulo, a Associação de Colonização e Imigração, que visava estimular a

imigração espontânea e intermediar as relações entre fazendeiros e os

trabalhadores, visando a proteção do imigrante. Essa Associação contou com o

apoio do governo provincial, mas o sistema centralizador do Império acabou

limitando sobremaneira a ação da província (LIMA, 1986, p.76).

151 Baseado em Silva (1996) e Carvalho (1996).

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O segundo momento de divergência entre as duas esferas de governo foi

em 1881, quando foi fundada a Sociedade Central da Imigração. Sob a atuação

dessa Sociedade, o governo central buscou priorizar a imigração oficial, enquanto

os paulistas reivindicavam maior apoio à imigração para as lavouras de café

(LIMA, 1986, p.76).

Aproveitamos esse ponto da discussão para destacar a atuação da

interação Estado-sociedade, caracterizada pela “dialética da ambigüidade”152,

entre o Governo Central e as oligarquias paulistas no sentido de flexibilizar o efeito

das relações intergovernamentais na tomada de decisão frente à questão da

imigração como solução do problema da insuficiência de mão-de-obra na

cafeicultura paulista.

Assim, observa-se que, em 1871, quando o Império encontrava-se no seu

apogeu, a iniciativa paulista de incentivar a imigração foi coibida pela interferência

do Governo Central na definição do processo. Já, em 1881, quando o regime

imperial vivenciava seu declínio, na criação de uma empresa colonizadora,

financiada pelo Governo Central, tornou-se mais evidente a divergência entre o

Império e a oligarquia paulista, através da diferentes vias imigratórias que cada

grupo pretendia priorizar com a empresa colonizadora recém-criada, o que

apontaria para o fortalecimento da atuação da oligarquia paulista no cenário

nacional, a partir da década de 1870.

Esse fortalecimento paulista frente ao Governo Central assumiria novas

proporções, em 1886, quando da criação da Sociedade Promotora de Imigração,

financiada exclusivamente com capital dos cafeicultores paulistas153.

Continuando nossa discussão, seria tendo em vista a criação destas duas

instituições voltadas para estimular a imigração, que se poderia afirmar que, no

período 1870-1886, os governos central e provincial subsidiaram a imigração

(Semeghini, 1991).

Porém, tendo em vista, por outro lado, as divergências entre as duas

esferas de governo quanto ao caminho da imigração a ser incentivado, é que se

152 Discussão feita na seção anterior. 153 Tema que será retomado adiante.

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poderia justificar a menor concentração de imigrantes para Campinas na fase

compreendida pelos anos de 1882 e 1886154, quando chegariam ao município

2.544 imigrantes, correspondendo a cerca de 24% do total de imigrantes que

entraram em Campinas, no período 1882-1900155. (Baeninger, 1996)

A segunda fase de imigração européia para Campinas, o período de 1887-

1900, quando chegaram ao município cerca de 76% do total dos imigrantes, na

última década do século XIX, corresponderia a um período peculiar do

desenvolvimento da economia cafeeira paulista, com importantes repercussões

para o desenvolvimento econômico de Campinas e região.

Assim, segundo Semeghini (1991), o período 1886-1897 corresponderia ao

segundo grande surto expansivo da cafeicultura, que se baseou inteiramente no

trabalho livre. Esse segundo surto cafeeiro contou com a imigração em larga

escala, a continuidade da expansão das ferrovias para o interior paulista156 e o

emprego intensivo das máquinas de beneficiamento. Tais fatores marcariam a

emergência plena do complexo cafeeiro capitalista (SEMEGHINI, 1991, p.51).

Neste período, Campinas perderia a primazia na produção cafeeira para as

novas áreas pioneiras do estado e, ao mesmo tempo, assistiria à ampliação e à

diversificação das suas atividades urbanas, como comércio e serviços. Nesse

sentido, Semeghini (1991) destaca que, após 1886

com a enorme expansão do plantio, Campinas perde a primazia, que detivera por mais de vinte anos, de principal município cafeeiro do estado. O município entrava na fase de estabilização da produção, que se estenderia até o final dos anos vinte. Apesar disso, (...), não

154 Semeghini (1991) apresenta números da imigração para a província de São Paulo. Assim, o autor destaca que, entre 1874 e 1880, entram em São Paulo cerca de 6 mil imigrantes, e, no período de 1880 a 1886, entram cerca de 36 mil imigrantes. Destaca também que, a partir de 1886, o número de imigrantes que chegam em São Paulo cresce de forma impressionante: em 1887, entram 32 mil imigrantes; em 1888, 92 mil imigrantes; e, de 1888 a 1900, mais de 800 mil imigrantes. (SEMEGHINI, 1991, p.39) 155 Ver dados da tabela 2.3. 156 Nesse período, a Estrada de Ferro Mogiana alcança Ribeirão Preto e segue em direção ao rio Grande e ao Triângulo Mineiro; a Paulista avança lentamente, chegando em Araraquara, em 1885, e em Jaboticabal, em 1892. A Paulista articula-se também à Araraquarense e margeia a região da Sorocabana. Em Campinas, inaugura-se o Ramal Férreo Campineiro em 1894, passando pelo bairro das cabras, Souzas e Joaquim Egidio; e o Ramal Funilense, em 1899, ligando a sede de Campinas às atuais áreas de Barão Geraldo, Cosmópolis, Paulínia e Artur Nogueira (Semeghini, 1991).

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houve involução ou decadência populacional e econômica. (SEMEGHINI, 1991, p.63)

Assim, segundo Semeghini (1991), no período entre 1886 e 1897,

Campinas “deixaria de ser, ao mesmo tempo, a capital agrícola do estado e o

centro de convergência do processo de expansão territorial.” (SEMEGHINI, 1991,

p.56). Na prática, isso significa que, nesse período, por um lado, as funções

urbanas da economia cafeeira, até então importantes em Campinas, deslocaram-

se definitivamente para São Paulo, e, por outro, a ocupação do território desloca a

fronteira de acumulação cada vez mais para Oeste, definindo novos centros

regionais (Ribeirão Preto, Bauru entre outros).

Apesar dessas mudanças no interior da economia cafeeira, Campinas

assistiu a um importante desenvolvimento urbano que contou, por um lado, com a

ampliação e a diversificação do comércio e do setor de serviços, em função do

crescimento populacional no período e à conjuntura da expansão cafeeira, e, por

outro, com o aumento de estabelecimentos bancários e com um movimento de

diversificação do capital cafeeiro voltado para o setor metal/mecânico157, que

continuou sendo o mais significativo do município, e para a constituição, em

âmbito local, de empresas ferroviárias158. (SEMEGHINI, 1991, p.62-63)

Além disso, Semeghini (1991) destaca que, nesse momento, desenhavam-

se, no entorno da cidade de Campinas, duas regiões, colocadas sob sua

influência, estruturadas a partir dos eixos das estradas de ferro (Paulista e

Mogiana), cuja evolução causaria impactos no desenvolvimento econômico e

urbano da cidade.

Com relação a essas duas regiões estruturadas a partir de Campinas, o

estudo de Gabriel (1995) sobre os núcleos coloniais estabelecidos no município,

no final do século XIX e início do século XX, corroboraria as previsões anteriores

de Semeghini (1991), a respeito dos impactos sobre o desenvolvimento urbano

das distintas regiões definidas em Campinas. 157 O movimento mais importante refere-se à transformação da Companhia McHardy em Sociedade Anônima, destacando-se ainda a instalação das oficinas da Mogiana (Semeghini, 1991). 158 Trata-se do Ramal Férreo Campineiro, incorporado em 1889, e da Companhia Carril Agrícola Funilense, incorporada em 1890. (Semeghini, 1991).

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Segundo a autora, as distintas trajetórias da cafeicultura nessas duas

regiões contribuiriam para a configuração posterior de diferentes formas de

ocupação do solo, distinguindo duas zonas bem específicas no município de

Campinas: a 1a.) localizada ao sul, com propriedades rurais, cujas áreas médias

são mais baixas, e com maior concentração de imigrante159; e a 2a.) localizada ao

norte, com áreas médias mais elevadas, e com menor presença de imigrantes160

(GABRIEL, 1995, p.156)161.

Um fato de grande importância para a empresa colonizadora, tanto para a

província de São Paulo, como para o município de Campinas, a partir da segunda

metade da década de 1880, foi a criação da Sociedade Promotora de Imigração,

em 1886, financiada pelos capitalistas e cafeicultores de São Paulo (Carvalho,

1996; Baeninger, 1996; Gabriel, 1995; Semeghini, 1991).

Em comparação com as instituições criadas em 1871 e 1881, as quais

influenciaram a intensidade e o perfil da imigração para Campinas no período

1882 a 1886, essa Sociedade distinguia-se em dois aspectos importantes: em

primeiro lugar, tratava-se de uma iniciativa do governo provincial paulista

associado aos fazendeiros e empresários ligados à cafeicultura de São Paulo, não

tendo a participação direta do governo central (Carvalho, 1996). Em segundo

lugar, essa empresa visava atrair para São Paulo imigrantes subsidiados

(colonização regular), para atender a demanda das fazendas de café (Gabriel,

1995).

Fatores econômicos e políticos deram condições para a constituição dessa

Sociedade e manutenção do seu funcionamento. Em termos econômicos, basta

ressaltar a expansão e a diversificação da economia cafeeira e,

conseqüentemente, a grande acumulação de capital que pôde ser investida em

outras atividades, entre elas a colonização, principalmente a partir de 1870,

159 Segundo a autora, essa zona sul compreende as regiões da Vila Industrial, Rebouças (atual Sumaré) e Valinhos (GABRIEL, 1995, p.156). Ou seja, a área estruturada a partir da Paulista. 160 De acordo com Gabriel (1995), essa área compreende os distritos de Santa Cruz (Castelo, Barão Geraldo e Amarais), Conceição e Souzas (GABRIEL, 1995, p.156). Ou seja, área estruturada a partir da Mogiana. 161 Posteriormente, esse estudo de Gabriel (1995) será retomado, quando serão considerados, mais detidamente, os núcleos de colonização criados em Campinas, entre 1897 e 1910.

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quando assumem a liderança da atividade cafeeira as fazendas e centros urbanos

do Oeste paulista (Lima, 1986; Semeghini, 1991).

Em termos políticos, pode-se identificar duas ordens de fatores distintos,

mas que são complementares entre si. Em primeiro lugar, quando a Sociedade

Promotora da Imigração foi formada, em 1886, embora ela fosse inteiramente

custeada pelo capital da cafeicultura paulista, ela dependia da concessão do

governo central162, pois as províncias não possuíam autonomia para esse tipo de

iniciativa163.

Considerando, por um lado, que, em 1886, São Paulo tinha na presidência

da província o Barão de Parnaíba e, na pasta da Agricultura164, Antonio Prado165,

ambos representantes da lavoura de exportação paulista, e, por outro, que os

objetivos da Sociedade visavam exclusivamente a imigração de trabalhadores

para as fazendas de café, tem-se que, na década de 1880, São Paulo conquistou

certa importância política no cenário nacional, a qual possibilitou à elite política

paulista, na sua interação com o governo central, fazer prevalecer seus interesses

com relação à empresa colonizadora166.

A segunda ordem de fatores políticos que deram condições para a

constituição e manutenção dessa Sociedade será tratada na subseção seguinte

162 Baseado em Lima (1986) e Semeghini (1991). 163 O mesmo acontecia com as atividades voltadas para a construção de estradas de ferro (Lima, 1986). 164 SEMEGHINI, 1991, p.39. 165 Antonio Prado foi um dos principais representantes do Partido Conservador de São Paulo (Carvalho, 1996). Em 1885, quando era deputado por São Paulo, foi nomeado para o cargo de Ministro da Agricultura, quando retomou a questão da demarcação de terras públicas, defendendo a imigração para a pequena propriedade. (LIMA, 1986, p.80). 166 Esse fato assume contornos mais expressivos quando se considera o próprio arranjo político-institucional vigente, apresentado na parte inicial do capítulo, que era extremamente centralizador, e a falta de autonomia política das províncias, cujo cargo de presidente de província era de nomeação direta do Imperador (Carvalho, 1996).

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II.2.2 – Mudança política-eleitoral e política de imigração antecedendo

a dinâmica populacional, a dinâmica econômica e a estruturação do

espaço urbano

A segunda ordem de fatores políticos que condicionaram a formação da

empresa colonizadora em São Paulo, em 1886, pode ser representada pelas

mudanças político-eleitorais implementadas pela Lei Saraiva, em 1881,

contribuíram para a configuração de um ambiente político mais favorável aos

cafeicultores do Oeste Paulista (Magalhães, 1992). Nesse sentido, vale retomar

aqui o sistema eleitoral vigente no Império para entender o significado das

mudanças que a lei eleitoral de 1881 implementou.

Assim, o sistema eleitoral que vigorou até 1881, foi o sistema indireto

implementado pela lei eleitoral de 1846167. Segundo Klein (1995), de acordo com

essa lei, existiam dois tipos de eleitores: os “votantes” (eleitores de primeiro grau)

e os “eleitores” (eleitores de segundo grau) 168. O requisito para ser “votante” era a

posse de uma renda de 100 mil-réis por ano e, para ser “eleitor”, exigia-se uma

renda de 400 mil-réis ou mais e que não fossem ex-escravos169.

Além disso, as eleições eram feitas em duas etapas: na primeira, os

“votantes” votavam diretamente para vereadores municipais, juiz de paz local e

“eleitores”. Na segunda etapa: os “eleitores” elegiam os ocupantes dos cargos

mais altos, em níveis provincial e nacional (Klein, 1995).

Na avaliação de Klein (1995), o sistema eleitoral pré-1881, apesar das

restrições para compor o eleitorado de segundo grau, possuía uma base

167 Lei no. 387 de 19 de agosto de 1846. (Magalhães, 1992; Klein, 1995). 168 O sistema eleitoral do Império já foi abordado na parte inicial deste capítulo, quando foi abordado o arranjo político-institucional imperial. 169 Magalhães (1992) ressalta ainda que, para ser candidato a deputado, exigia-se uma renda mínima de 800$000, e, para senador, uma renda mínima de 1:600$000 (um conto e seiscentos mil réis) (MAGALHÃES, 1992, p.94)

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populacional bastante significativa170, uma vez que na categoria de “votantes”

podiam ser incluídos trabalhadores desqualificados, ex-escravos e analfabetos171.

Numa outra perspectiva, Magalhães (1992) observa que grande parte da

população era marginalizada do sistema eleitoral, uma vez que, nas eleições de

primeiro grau, não votavam as mulheres, escravos, os filhos-família172, criados de

servir, administradores de fazendas e fábricas e religiosos de comunidade

claustral. Por sua vez, nas eleições de segundo grau, estavam excluídos, além

desses, os libertos e criminosos173. (MAGALHÃES, 1992, p.94)

Enfim, diante dessas características do sistema eleitoral, a partir de 1870,

acentuaram-se as pressões para que fossem instituídas eleições diretas. As

discussões que então se travaram incluíam desde a questão da extensão do voto

ao analfabeto até à possibilidade do término do critério censitário para o

alistamento eleitoral (Magalhães, 1992)174.

Depois de muitos debates, em 1881, é instituída a Lei Saraiva que

estabelecia as seguintes mudanças no sistema eleitoral: eleições diretas175;

aumento da renda para definição do eleitorado; condição de alfabetizado;

admissão dos naturalizados, ingênuos176 e libertos à condição de eleitor;

elegibilidade dos naturalizados há mais de seis anos; título eleitoral permanente; e

estabelecimento de distritos de um só deputado. (MAGALHÃES, 1992, p.96)

O impacto imediato da Lei Saraiva teria sido a enorme redução no número

de registros eleitorais em todo Império. Assim, se, em 1874, a população eleitoral

170 Em 1872, a população de eleitores correspondia a 10% da população nacional, o que equivalia à metade dos homens em idade de votar (KLEIN, 1995, p.527). 171 Caberia uma ressalva aqui, baseada no que já foi discutido na seção anterior. Nesse sentido, destaca-se que a participação política da população de renda mais baixas restringia-se ao nível local, onde o poder de decisão seria menor e o “mandonismo” dos chefes locais seriam mais fortes. 172 Filhos que viviam na companhia dos pais. (MAGALHÃES, 1992, p.94). 173 Magalhães (1992) destaca também aqueles que eram inelegíveis: estrangeiros (incluindo os naturalizados), os presidentes de província e seus secretários, os comandantes de armas e generais em chefe,os inspetores de fazenda geral e provincial, os chefes de polícia, os delegados e subdelegados, os juízes de direito e municipais. (MAGALHÃES, 1992, p.94). 174 Magalhães (1992) fornece maiores detalhes sobre o debate que precedeu a instituição da Lei Saraiva, de 1881. 175 O que eliminou a figura do “votante”, existente até então. 176 Filhos de escravos nascidos depois da Lei do Ventre Livre, em 1871.

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do país era de 1.114.066 indivíduos177, em 1881, essa população foi reduzida a

145.296 eleitores. Isto correspondia a oitava parte do antigo eleitorado e menos de

1,5% do total da população do Brasil, estimada em 9.941.471 habitantes, em 1881

(MAGALHÃES, 1992, p.102).

Os dados da tabela 2.4 ilustram a redução do eleitorado causado pela lei de

1881 e a sua permanência durante a República178:

Tabela 2.4: População eleitoral

Brasil – 1872-1945

Ano Votantes % sobre a população total

1872 1.097.698 10,8 (13,0)*

1886 117.022 0,8 1894 290.883 2,2 1906 294.401 1,4 1922 833.270 2,9 1930 1.890.524 5,6 1945 6.200.805 13,4

Fonte: Censo de 1872; Organizações e Programas Ministeriais; RAMOS (1961)179 apud CARVALHO, 1996, p.361. * Excluindo a população escrava.

Observa-se a grande redução do eleitorado entre 1872 e 1886, cujo peso

sobre a população total passou de mais de 10% para abaixo de 1% em 14 anos,

indicando o impacto restritivo da Lei Saraiva, a partir de 1881. Como observa

Carvalho (1996), a baixa participação política ultrapassou o Império e permaneceu

durante toda o período da República Velha.

Para ilustrar o que representou a instituição da Lei Saraiva para o conjunto

da sociedade, baseada nas palavras de Beiguelman, Magalhães (1992) destaca

que

Ao instituir a eleição direta, a lei Saraiva a restringe aos que já são eleitores, ou seja, possuem a referida renda líquida de 200$000. Assim uma enorme massa (a dos votantes) sem a capacidade econômica requerida para integrar o corpo de eleitores, é simplesmente excluída do processo eleitoral, sob a alegação de sua

177 Magalhães (1992) baseou-se nos dados do relatório da Diretoria Geral de Estatística do Império de 1874. 178 Vale destacar que, com o advento da República, o critério censitário foi eliminado, mas o requisito de alfabetização foi mantido. 179 RAMOS, G. A crise do poder no Brasil. Rio de Janeiro: Zahar, 1961.

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escassa independência. (BEIGUELMAN, 1982 apud MAGALHÃES, 1992, p.103)

Baseada nas análises da literatura que tratou da Lei Saraiva, Magalhães

(1992) avalia, ainda, que, mais do que o requisito de alfabetização e o aumento do

critério censitário, o verdadeiro funil eleitoral instituído em 1881 teria sido o maior

rigor exigido com relação às provas de renda. Nesse sentido, Magalhães (1992)

enfatiza que

Foi eliminada a possibilidade de comprovação da renda através de uma simples justificação judicial, dada perante o juiz municipal. Multiplicaram-se as certidões exigidas. As novas exigências giravam em torno de uma série de documentos dificilmente possuídos pela população pobre dos campos. (MAGALHÂES, 1992, p.105)

Diante disso, Magalhães (1992) conclui sua avaliação a respeito da Lei

Saraiva a partir de uma perspectiva que considera que, entre as motivações para

as mudanças implementadas por esta lei, as principais seriam as que estavam

estreitamente relacionadas com o processo gradual de emancipação dos

escravos.

A autora enfatiza que as reivindicações liberais nas décadas finais do

Império contribuíram para que a possibilidade dos ex-escravos virem a participar

politicamente na sociedade fosse vista como uma ameaça. Diante disso, teria se

tornado urgente a elaboração de uma legislação eleitoral que conciliasse, de um

lado, a existência cada vez maior de ex-escravos, e, por outro, a manutenção da

dominação política de seus antigos e atuais proprietários (MAGALHÃES, 1992,

p.106).

Considerando essas motivações para a instituição da Lei Saraiva nos

moldes em que ela foi elaborada, Magalhães (1992) destaca, por fim, que

Na verdade, a lei de 1881 não excluía apenas os analfabetos; excluía, como vimos, numerosos outros grupos sociais, pela dificuldade de exibição da prova de renda. (...) excluía classes inteiras que estavam há muito tempo no gozo do direito de voto. A eliminação do analfabeto era a eliminação, na sua quase totalidade, do escravo liberto. Permitia-se, pela lei de 1881, que o liberto

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votasse, desde que soubesse ler e escrever e tivesse determinada renda, cuja prova não era facilmente exibida. (RODRIGUES180 apud MAGALHÃES, 1992, p.106)

Feitas as considerações sobre os impactos políticos e sociais da instituição

da Lei Saraiva para o conjunto do país, passaremos a abordar as mudanças

acarretadas por essa lei eleitoral no interior da província de São Paulo, com

destaque para o município de Campinas.

Assim, inicia-se essa abordagem destacando o descompasso econômico e

político que o município de Campinas, vivenciava na década de 1870, em

comparação com municípios do Vale do Paraíba – primeira região onde o café se

desenvolveu em São Paulo, na primeira metade do século XIX, cuja elite

econômica estava ideologicamente ligada aos Conservadores fluminenses181.

Os dados dos quadros 2.5 e 2.6 ilustram as diferenças demográficas e

econômicas dessas duas regiões:

Quadro 2.5: Municípios mais populosos em 1874 – Província de São Paulo Município População Total Região

Campinas 31.397 Oeste São Paulo (capital) 31.385 Capital Itapetininga 21.426 Oeste Franca 21.419 Oeste Taubaté 20.847 Vale Paraíba Guaratinguetá 20.837 Vale Paraíba Bragança 19.495 Oeste Botucatu 16.979 Oeste Mogi das Cruzes 16.579 Vale Paraíba Iguape 16.005 Litoral Total da Província 837.754 Fonte: CAMARGO, 1981182 apud MAGALHÃES, 1992, p.49

Com base nos dados do quadro 2.5, observa-se que, entre os dez

municípios paulistas mais populosos, em 1874, enquanto três situavam-se no Vale

180 RODRIGUES, J.H. Conciliação e reforma no Brasil. 2a.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982. 181 Baseado em Carvalho (1996). 182 CAMARGO, J.F. Crescimento da população no estado de São Paulo e seus aspectos econômicos. IPE/USP, 1981.

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do Paraíba183, cinco situavam-se na região do Oeste Paulista, tendo Campinas,

nesse momento, a maior população municipal.

Quadro 2.6: Maiores populações escravas, em 1874, e maiores orçamentos municipais, em 1870, Província de São Paulo

Maiores populações escravas Maiores orçamentos municipais

Municípios 1874 Região Municípios 1870 Região

Campinas 13.685 Oeste Santos 32:229$000 Litoral

Bananal 8.281 Vale Paraíba São Paulo 31:840$000 Capital

Piracicaba 5.142 Oeste Campinas 29:725$281 Oeste

Mogi-Mirim 5.006 Oeste Bananal 25:993$748 Vale Paraíba

Guaratinguetá 4.352 Vale Paraíba Mogi-Mirim 14:640$676 Oeste

Taubaté 4.122 Vale Paraíba Itu 12:435$048 Oeste

Rio Claro 3.935 Oeste Guaratinguetá 10:534$359 Vale Paraíba

São Paulo 3.828 Capital

Pindamonhangaba 3.718 Vale Paraíba

Itu 3.498 Oeste Total da Província 156.612 Fonte: CAMARGO, 1981; TAUNAY, 1945184 apud MAGALHÃES, 1992, p.50-51

Por sua vez, a partir do quadro 2.6, nota-se um relativo equilíbrio entre o

Vale do Paraíba e o Oeste paulista, com uma maior vantagem para a região

Oeste, quanto ao plantel de escravos e ao orçamento municipal, destacando

Campinas como o possuidor de escravaria mais populosa, em 1874185, e como um

dos maiores orçamentos municipais, em 1870186.

Tais dados indicam um maior poderio econômico dos municípios da região

do Oeste, particularmente de Campinas, na década de 1870, correspondendo à

183 Para contrastar, destaca-se que, em 1854, entre os dez municípios paulistas mais populosos, quatro situavam-se no Vale do Paraíba, e quatro situavam-se no Oeste paulista, sendo que Campinas ocupava a sexta posição, com 14.201 habitantes, ficando atrás de São Paulo (31.569 hab), Itapetininga (19.836 hab), Taubaté (17.700 hab), Iguape (15.211 hab) e Pindamonhangaba (14.645 hab). (MAGALHAES, 1992, p.47). 184 TAUNAY, A.E. Pequena história do café no Brasil. Rio de Janeiro: Departamento Nacional do Café, 1945. 185 Em 1854, Campinas já era detentora da maior escravaria da província de São Paulo, com uma população de 8.190 escravos. (MAGALHAES, 1992, p.48) 186 Por sua vez, com relação aos orçamentos municipais, entre 1851 e 1870, Campinas foi subindo no ranking dos municípios com maiores orçamentos municipais: em 1851, o município ocupava a 7a. posição, ficando atrás de São Paulo, Bananal, Ubatuba, Santos, São Sebastião e Limeira. Em 1860, Campinas assumiu a 4a. posição, ficando atrás de São Paulo, Bananal e Ubatuba. Finalmente, em 1870, assume a 3a. posição. (MAGALHAES, 1992, p.51)

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fase de maior importância econômica deste município no cenário provincial,

justamente quando ele se tornaria a “capital agrícola” da província187.

Porém, se em termos econômicos, o Oeste paulista assumia a dianteira e

um maior destaque, na década de 1870, em comparação como Vale do Paraíba,

em termos político-eleitorais a situação se invertia, tendo a região do Vale um

maior peso político em comparação com o Oeste (Magalhães, 1992).

Além das mudanças no sistema eleitoral, instituídas em 1881, a Lei Saraiva

teria contribuído também para alterar a dinâmica política regional entre as duas

regiões cafeeiras mais importantes de São Paulo. É a forma como se processou

essa alteração que passamos, agora, a abordar.

Assim, considerando a importância das eleições para o funcionamento do

sistema político, com relação ao Império, Magalhães (1992) destaca que “a pedra

angular do sistema de compromissos que fundamentava o mandonismo durante o

Império eram as eleições”, pois seriam através delas que “os chefes políticos

locais adquiriam respaldo para suas negociações com o poder central”.

(MAGALHÃES, 1992, p.56)

Diante disso, o que acabava se constituindo peça fundamental para o

resultado das eleições eram as divisões administrativas do território188. Segundo

Magalhães (1992), o decreto de 1855189, conhecido como a Lei do Círculo190,

instituiu a primeira divisão da província em distritos eleitorais para fins de eleições

de deputados. A partir dele, a província de São Paulo teria sido dividida em nove

distritos:

187 Baseado em Semeghini (1991), Baeninger (1996), Lima (1986), Lapa (1995). 188 Magalhães (1992) apresenta uma interessante discussão acerca das divisões administrativas e eleitorais de São Paulo, que não será exposto aqui na sua integridade, ressaltando apenas os aspectos mais diretamente relacionados com os propósitos deste trabalho. 189 Coleção de leis do Império, 1856 – Decreto no.842, de 19 de setembro de 1855 (Magalhães, 1992). 190 Com a Lei do Circulo, “ficava estabelecida a divisão das províncias em tantos distritos eleitorais quantos fossem os seus deputados à Assembléia Geral. A divisão dos distritos se fazia segundo critérios populacionais mas também políticos, já que os interesses locais dos municípios cabeças de distritos tinham mais possibilidades de serem atendidos”. (MAGALHÃES, 1992, p.57)

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Quadro 2.7: Circunscrições eleitorais em 1855

Província de São Paulo

Distrito Colégio Região

1o. São Paulo Capital 2o. Paraibuna Vale Paraíba

3o. Taubaté Vale Paraíba 4o. Areias Vale Paraíba 5o. Itu Oeste 6o. Itapetininga Oeste 7o. Santos Litoral 8º. Rio Claro Oeste 9o. Mogi-Mirim Oeste

Fonte: Relatório do Presidente de Província, 1856 apud MAGALHÃES, 1992, p.58

Baseando-se no estudo de Faoro (1984)191, sobre a formação política do

Brasil, Magalhães (1992) destaca que a lei de 1855 poderia ter sido considerada a

primeira “fissura na centralização”, pois ela teria permitido a ascensão dos

políticos de prestígio local, já que a área eleitoral era circunscrita por lei.

Segundo a autora, em 1860, um decreto192 teria alterado esse círculo

eleitoral. Através desta lei, o circulo foi alargado, passando a fornecer cada um

deles três deputados e não apenas um. Além disso, a província de São Paulo teria

sido novamente dividida, mas agora em 34 colégios eleitorais, agrupados em três

distritos:

Quadro 2.8: Circunscrições eleitorais em 1860

Província de São Paulo

Distrito Colégio Região

1o. São Paulo Capital 2o. Taubaté Vale Paraíba 3º. Mogi-Mirim Oeste

Fonte: Relatório da Repartição dos Negócios do Império, 1860 apud MAGALHÃES, 1992, p.59

Considerando as circunscrições eleitorais de 1855 e 1860, observa-se o

estabelecimento de um equilíbrio de forças entre as duas regiões cafeeiras

paulistas, nos dois momentos, pelo menos, no que diz respeito à divisão eleitoral

do território (Magalhães, 1992).

191 FAORO, R. Os donos do poder. 6a.ed. Porto Alegre; Rio de Janeiro: Globo, 1984. 192 Coleção de leis do Império. Decreto no. 1.082, de 18 de agosto de 1860 (Magalhães, 1992).

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No entanto, quando se toma a distribuição regional da população eleitoral,

evidencia-se o desequilíbrio político entre as regiões da província, principalmente

entre o Vale do Paraíba e o Oeste paulista:

Quadro2. 9: População eleitoral por regiões em 1868

Província de São Paulo

Região Eleitores % sobre total província

Votantes % sobre total província

Vale 476 40,0 23.184 43,0 Oeste 254 21,0 10.208 18,0 Outras 313 26,0 14.478 26,0 Capital 83 7,0 3.460 6,0 Portos 63 6,0 3.822 7,0

Total Província 1.189 100,0 55.152 100,0 Fonte: Relatório da Repartição dos Negócios do Império, 1870 apud MAGALHÃES, 1992, p.60

Observa-se que, embora a distribuição eqüitativa dos distritos eleitorais

entre as regiões paulistas, em 1868, o Vale do Paraíba possuía a maior

concentração de votantes e de eleitores da província, enquanto o Oeste paulista

era a terceira concentração de votantes (18%) e de eleitores paulistas (21%).

Os dados do quadro 2.10 ilustram esse desequilíbrio da distribuição

eleitoral na província de São Paulo através da enumeração dos municípios com

maiores populações eleitorais, em 1868:

Quadro 2.10: Maiores populações eleitorais em 1868

Província de São Paulo

Município Eleitores Votantes Região

São Paulo 83 3.460 Capital Taubaté 39 1.411 Vale Paraíba Guaratinguetá 37 1.864 Vale Paraíba Bananal 30 1.792 Vale Paraíba Lorena 28 1.214 Vale Paraíba Pindamonhangaba 24 1.156 Vale Paraíba Campinas 23 1.010 Oeste Mogi das Cruzes 23 1.004 Vale Paraíba Fonte: Relatório da Repartição dos Negócios do Império, 1870 apud MAGALHÃES, 1992, p.61

Com os dados anteriores, constata-se que entre os oito municípios

paulistas com as maiores populações eleitorais, em 1868, seis localizavam-se no

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Vale do Paraíba, enquanto apenas Campinas, ocupando a penúltima posição,

representava o Oeste paulista.

Assim, a partir dos dados econômicos, demográficos e políticos,

apresentados até então para embasar este trecho da discussão, observa-se o

descompasso entre o poder econômico e o poder político vivenciado pelo Oeste

paulista, no contexto provincial, com especial destaque para o município de

Campinas.

Com relação a esse descompasso, parafraseando Holanda (1977),

Magalhães (1992) observa que, a partir da década de 1870,

A região do Oeste Paulista projetou-se do ponto de vista econômico, não só no interior da província, mas no contexto do Império. Isso acarretou um descompasso entre as esferas do poder econômico e político. Assim como os novos grupos urbanos, surgidos no processo de diversificação econômica, característico da segunda metade do século XIX, os fazendeiros das áreas mais novas também não se sentiam representados pelas estruturas políticas do Império. (HOLANDA, 1977 apud MAGALHÃES, 1992, p.62)

Esse descompasso entre as esferas econômicas e políticas, verificado

dentro da província de São Paulo, durante a década de 1870, reproduzia-se

também em nível nacional. Nesse sentido, Magalhães (1992) destaca que a

representação da província de São Paulo como um todo, no Parlamento e nas

funções executivas, era insignificante face ao seu peso econômico193.

(MAGALHÃES, 1992, p.62)

Diante disso, embora não tenha sido o objetivo principal, ou o objetivo

manifestamente pretendido, a lei eleitoral de 1881 teria representado uma

alteração na dinâmica das forças políticas entre as regiões da província de São

Paulo. A primeira evidência disso residiu na nova circunscrição eleitoral,

implementada em 1881:

193 Vale ressaltar que foi essa pouca representatividade política da província em nível nacional que despertou, a partir da década de 1870, a simpatia por parte dos paulistas às idéias republicanas, principalmente entre os proprietários rurais do Oeste, que se sentiam minimizados politicamente. Esse descontentamento favoreceu inúmeros debates na Assembléia sobre temas relativos à abolição, imigração, descentralização administrativa e sistema eleitoral. Entre os mais polêmicos, encontrava-se a Lei Saraiva, de 1881 (MAGALHÃES, 1992, p.62-64)

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Quadro 2.11: Circunscrições eleitorais em 1881

Província de São Paulo

Distrito Colégio Região

1o. São Paulo Capital 2o. Taubaté Vale Paraíba

3o. Lorena Vale Paraíba 4o. Itu Oeste 5o. Itapetininga Oeste 6o. Santos Litoral 7o. Campinas Oeste 8º. São João do Rio Claro Oeste 9o. Casa Branca Oeste

Fonte: Coleção de Leis do Império, decreto no.8.113 de 21/5/1881 apud MAGALHÃES, 1992, p.65

Observa-se que a circunscrição eleitoral de 1881 não estabeleceu um

equilíbrio, em termos da divisão eleitoral do território, entre o Vale do Paraíba, que

passou a ter dois distritos eleitorais, e o Oeste paulista, compreendendo cinco

distritos eleitorais.

Segundo Magalhães (1992), a nova circunscrição eleitoral passaria a

espelhar a importância das áreas de cafeicultura recente em São Paulo

(MAGALHÃES, 1992, p.65). Nota-se, ainda, que seria o primeiro momento em que

Campinas apareceria como sede de distrito eleitoral, o que é um indicador de sua

força política na província.

Uma segunda forma de evidenciar a alteração na dinâmica política em São

Paulo é através da distribuição regional da população eleitoral. Essa distribuição

regional é ilustrada pelos dados do quadro 2.12:

Quadro 2.12: População eleitoral por regiões em 1881

Província de São Paulo

Regiões Eleitores %

Oeste 4.863 33,0 Vale 3.266 22,0 Outras 3.509 24,0 Capital 1.668 11,0 Portos 1.401 10,0

Total Província 14.707 100,0 Fonte: Relatório da Repartição dos Negócios do Império, 1882 apud MAGALHÃES, 1992, p.66

Com os dados do quadro 2.12, constata-se que a região Oeste inverteria a

situação em relação ao final da década de 1860, quando era a terceira região em

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número de eleitores e de votantes, tornando-se, em 1881, a primeira região em

população eleitoral, concentrando 33% do eleitorado. Em contrapartida, o Vale do

Paraíba, a primeira região em concentração do eleitorado, em 1868, passou a

ocupar a terceira posição, em 1881, concentrando 22% dos eleitores paulistas.

Por fim, a terceira evidência da alteração da correlação de forças políticas

em São Paulo é fornecida pelos dados do quadro 2.13:

Quadro 2.13: Maiores populações eleitorais em 1881

Província de São Paulo

Município Eleitores Região

São Paulo 1.008 Capital Campinas 589 Oeste

Guaratinguetá 412 Vale Paraíba Santos 371 Litoral Bananal 326 Vale Paraíba Amparo 318 Oeste Franca 317 Oeste Taubaté 292 Vale Paraíba Piracicaba 283 Oeste Mogi-Mirim 274 Oeste

Total Província 14.707 Fonte: Relatório da Repartição dos Negócios do Império, 1882 apud MAGALHÃES, 1992, p.67

A partir dos dados do quadro 2.13, nota-se que, entre os dez municípios

paulistas com maior população eleitoral, em 1881, cinco situavam-se no Oeste

paulista, sendo que Campinas era o município que possuía o segundo maior

eleitorado da província, ficando atrás somente da capital. Em contraste, apenas

três municípios, em 1881, situavam-se no Vale do Paraíba. Tal situação

diferenciava-se bastante da de 1868, quando seis municípios do Vale do Paraíba

estavam entre os oito municípios com maior eleitorado em São Paulo.

Contrastando esses dados eleitorais com dados demográficos e

econômicos de 1886, observa-se que, com as alterações implementadas pela Lei

Saraiva, não se verificaria mais o descompasso entre o poder econômico e o

poder político, com relação ao Oeste Paulista, detectado na década de 1870.

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Quadro 2.14: Municípios mais populosos em 1886

Província de São Paulo

Município População Região

São Paulo 47.697 Capital Campinas 41.253 Oeste Jaboticabal 26.224 Oeste Guaratinguetá 25.632 Vale Paraíba

Tatuí 24.936 Oeste Silveiras 24.590 Oeste Piracicaba 22.150 Oeste Sorocaba 20.166 Oeste Rio Claro 20.133 Oeste Batatais 19.915 Oeste

Total Província 1.221.380 Fonte: CAMARGO, 1981194 apud MAGALHÃES, 1992, p.54

Com relação aos dados do quadro 2.14, observa-se que, em 1886, entre os

dez municípios paulistas mais populosos, oito localizavam-se na região do Oeste

Paulista, dentre os quais Campinas era o maior, enquanto apenas um município

do Vale do Paraíba figurava entre os municípios de maior população.

Quadro 2.15: Maiores produções cafeeiras em 1886

Província de São Paulo

Município Produção (em arrobas) Região Campinas 1.500.000 Oeste

Amparo e Capivari 933.333 Oeste Rio Claro 600.000 Oeste Araras 500.000 Oeste

Descalvado 416.667 Oeste Itatiba 373.333 Oeste

Guaratinguetá 350.000 Vale Paraíba Casa Branca, Piracicaba e

Taubaté 300.000 Oeste e Vale Paraíba

Total Província 10.374.350 Fonte: CAMARGO, 1981195 apud MAGALHÃES, 1992, p.53

Assim, comparando os dados do quadro 2.15 com os dados da cafeicultura,

na década de 1880, constata-se o predomínio dos municípios do Oeste Paulista,

em 1886, entre as maiores produções cafeeiras da província de São Paulo.

194 CAMARGO, J.F. Crescimento da população no estado de São Paulo e seus aspectos econômicos. IPE/USP, 1981. 195 CAMARGO, J.F. Crescimento da população no estado de São Paulo e seus aspectos econômicos. IPE/USP, 1981.

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Especificamente com relação a Campinas, observa-se que, de certa forma,

a Lei Saraiva assim como corrigiu o descompasso, existente até 1881, entre a

esfera econômica e a esfera política, vivenciado pelo Oeste Paulista, também teria

corrigido o mesmo descompasso identificado em relação ao município de

Campinas.

A partir dos dados apresentados anteriormente, referentes à década de

1870, Campinas era o município mais populoso, em 1874, com 31.397 habitantes,

e possuía a maior escravaria da província, com 13.685 escravos, sendo que, em

1870, detinha o terceiro maior orçamento municipal. Porém, em 1868, apresentava

a sétima maior população eleitoral, com 23 eleitores e 1.010 votantes.

Em 1886, quando Campinas consolidou-se como “capital agrícola” paulista,

constituindo-se como o segundo município mais populoso, com 41.253 habitantes

e o primeiro em produção cafeeira, ele já se encontrava em uma situação de

equilíbrio econômico e político, desde 1881, quando Campinas passou a ser uma

das nove sedes distritais eleitorais e compreendia a segunda maior população

eleitoral da província de São Paulo, com 589 eleitores.

Os dados do quadro 2.16 ilustram a evolução da população eleitoral do

município de Campinas entre 1850 e 1890:

Quadro 2.16: População eleitoral – 1850-1890 Município de Campinas

Ano Votantes 1850 611 1857 692 1866 981 1870 993 1876 2.690 1881 589 1890 1.906

Fonte: Censos Eleitorais – AESP apud MAGALHÃES, 1992, p.98

Desde 1850, quando possuía 611 eleitores, Campinas apresentou um

crescimento constante no número de votantes, em termos absolutos, chegando a

atingir, em 1876, seu ponto mais alto durante o Império, com uma população

eleitoral de 2.690 eleitores. Em 1881, já sob a Lei Saraiva, a queda é abrupta,

registrando Campinas, nesse ano, 589 eleitores.

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Em termos relativos, a partir dos dados demográficos e eleitorais

apresentados anteriormente, embora não haja correspondência com relação aos

anos para os quais os dados foram selecionados, é possível considerar que o

peso do eleitorado na população total do município, em Campinas, aproxima-se do

quadro nacional, ou seja, na década de 1870, o eleitorado correspondia

aproximadamente a 10% da população, e, na década de 1880, o eleitorado

aproximava-se a 1% da população total do município.

Com as considerações feitas a respeito das mudanças implementadas pela

lei eleitoral de 1881, tanto nas principais regiões cafeicultoras da província como

no município de Campinas, tem-se os elementos para fundamentar a

argumentação de que a Lei Saraiva teria contribuído para a configuração de um

clima político mais favorável aos cafeicultores do Oeste Paulista.

Esse novo clima político, sob o qual pôde predominar os interesses dos

cafeicultores do Oeste Paulista, por sua vez, teria favorecido a formação, em

1886, da Sociedade Promotora de Imigração, cuja especificidade era a de

constituir-se numa empresa colonizadora financiada pelo capital de cafeicultura

paulista, aliado ao governo provincial, com o objetivo exclusivo de atrair imigrantes

subsidiados para a lavoura cafeeira (Carvalho, 1996; Gabriel, 1995).

Caberia fazer, aqui, um novo parêntese para destacar um outro momento

onde poderia ser evidenciada a atuação da interação Estado-sociedade,

caracterizada pela “dialética da ambigüidade”, no sentido de flexibilizar ainda mais

o efeito das relações intergovernamentais entre o Governo Central e a oligarquia

paulista. Trata-se do próprio momento de fundação da Sociedade pelos

cafeicultores e capitalistas paulistas, cujo objetivo era fomentar a vinda de

imigrantes europeus para as plantações de café.

Assim, destaca-se que a importância econômica da cafeicultura do Oeste

paulista e o seu maior peso político, alcançado pela lei eleitoral de 1881, teriam se

constituído nos condicionantes de um maior fortalecimento paulista frente ao

Governo Central.

Por outro lado, a força dessa empresa colonizadora se refletiria nos

números da imigração para São Paulo no pós-1886, já destacado anteriormente,

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quando, no período entre 1888 e 1900, chegaram em São Paulo mais de 800 mil

imigrantes (SEMEGHINI, 1991, p.39). Para Campinas, conforme a tabela 2.3,

entre 1887 e 1900, entraram 8.087 imigrantes, dos quais cerca de 85% eram do

tipo familiar. Destaca-se ainda que, do total desses imigrantes, 6.063 eram

italianos.

Essa grande onda imigratória para São Paulo constituiu um importante

elemento do crescimento populacional no período pós-1886, tanto para o estado

de São Paulo como para o município de Campinas:

Tabela 2.5: População total e participação da população de Campinas (%)

Estado de São Paulo, região e município de Campinas: 1886-1900 População 1886 1900 Taxa cresc. 1886-1900 (% a.a.)

Município de Campinas 41.253 67.694 3,6

Região de Campinas (*) 161.264 286.642 4,2

Estado de São Paulo 1.221.380 2.225.968 4,4

Participação da população de Campinas no contexto regional e estadual (%)

Campinas/ região de Campinas 25,58 23,62 Campinas/ estado de São Paulo 3,38 3,04 Fonte: CAMARGO, 1952 apud SEMEGHINI, 1991, p.29 (município e região de Campinas); apud BAENINGER, 1996, p.24 e 34 (estado de São Paulo) (*) Inclui os municípios de Campinas, Amparo, Pedreira, Espírito Santo do Pinhal, São João da Boa Vista, Vargem Grande do Sul, Águas da Prata, Mogi-Mirim, Piracicaba, Rio das Pedras, Rio Claro, Analândia, Itapira, Limeira e Araras.

Comparando os dados da tabela 2.5 com os dados da tabela 2.2, observa-

se que, no período 1886-1900, as taxas de crescimento populacional do estado de

São Paulo (4,4%a.a.) e de Campinas (3,6% a.a.) foram maiores que as taxas

registradas entre 1874-1886, quando a população paulista apresentou um

crescimento anual em torno de 3,2% e a população campineira, em torno de 2,3%.

Por outro lado, observa-se que, embora o afluxo de imigrantes para

Campinas e seu maior crescimento populacional no pós-1886, em comparação

com o período anterior, sua participação no contexto regional e estadual diminuiu

entre 1886 e 1900. Isso se deve, principalmente, ao fato de se registrar importante

crescimento populacional em outros municípios da região de Campinas –

conseqüência do próprio avanço da cafeicultura no interior paulista, acompanhado

pelo avanço populacional para outros municípios.

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Em termos qualitativos, a “grande imigração”, iniciada em 1886, teria

representado a vinda de grande quantidade de “italianos pobres”196 para

Campinas, tornando-se um marco de mudanças, tanto nas relações entre a

sociedade local e os estrangeiros, como nas feições do urbano campineiro

(Gabriel, 1995).

Segundo Gabriel (1995), haveria uma diferença entre os imigrantes,

principalmente os italianos, que chegaram a Campinas antes de 1886 e aqueles

que chegaram a partir de 1886, através da imigração subsidiada.

Assim, aqueles que se estabeleceram no município até 1886, na sua

maioria, teriam vindo por conta própria, sem compromisso com os fazendeiros.

Dirigiam-se diretamente ao núcleo urbano, dedicando-se às atividades ligadas ao

comércio e à indústria. Seria o caso daqueles imigrantes que a literatura197

identifica como sendo aqueles que, a partir da década de 1870, contribuiriam para

o dinamismo urbano e o desenvolvimento da cidade de Campinas198. Além disso,

possuíam grau de escolaridade mais elevado que os imigrantes do pós-1886199.

(GABRIEL, 1995, p.115-116)

Por sua vez, os italianos que chegaram a partir de 1886 não apresentariam

similaridades com os imigrantes do período pré-1886. Tratava-se, segundo Gabriel

(1995), de imigração de “famílias italianas pobres”, sem escolaridade e destinados

a trabalhar nas plantações de café, embora, para preocupação dos campineiros,

principalmente dos fazendeiros, esses italianos acabavam por deixar as fazendas

e se dirigiam para a cidade, com objetivo de se estabelecer em atividades urbanas

(Gabriel, 1995).

196 Gabriel (1995) utiliza esse termo para se referir à grande parcela dos imigrantes que vieram para Campinas, a partir de 1886. 197 Semeghini (1991); Lapa (1995). 198 Nas suas descrições sobre Campinas na segunda metade do século XIX, quando fala da presença e da atuação de europeus de diversas nacionalidades em atividades de comércio e serviços sofisticados, existentes em Campinas, desde o final da década de 1860, Lapa (1995) está se referindo, na verdade, aos imigrantes que se estabeleceram em Campinas, na sua maioria, antes de 1886. Ou seja, imigrantes com recursos próprios que vieram para Campinas com o objetivo de se investirem em atividades urbanas. 199 Vale ressaltar que apesar de, em alguns momentos da sua análise, Gabriel (1995) falar dos imigrantes de um modo geral, seu estudo baseia-se nos imigrantes italianos estabelecidos em Campinas.

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Segundo a historiadora, as relações da sociedade local com os italianos,

até 1886, teriam sido relativamente amistosas, pois, apesar da ocorrência de uma

certa animosidade e até de episódios de discriminação com relação à imigração

italiana, que culminariam com as manifestações dos italianos, em 1881, tratavam-

se de indivíduos voltados para atividades urbanas, cuja importância para o

dinamismo urbano era reconhecida pela sociedade local, o que teria contribuído

para sua maior inserção social (Gabriel, 1995).

A partir de 1886, no entanto, os italianos vindos para Campinas através da

imigração subsidiada não teriam tido a mesma inserção social que os italianos

pré-1886, pois eram vistos, pela sociedade local, como “meros trabalhadores do

campo” (GABRIEL, 1995, p.136-137). Uma vez que se viam atraídos pela vida

urbana, esses italianos tiveram que enfrentar maiores obstáculos para se

estabelecer na cidade, o que teria feito com que as relações com sociedade local

fossem marcadas pela tensão e pela violência (Gabriel, 1995).

O estudo de Gabriel (1995) capta bem a diferença entre esses dois

momentos da imigração italiana para Campinas e seu impacto para o

desenvolvimento urbano. Nesse sentido, com relação aos italianos da “grande

imigração” a autora destaca que

Não eram mais proprietários de bancos, de grandes casas comerciais ou professores dos ginásios. Tratava-se agora de italianos que, em sua maioria, tinham em comum a necessidade de lutar por melhores salários, por melhores condições de vida, por tratamentos médicos etc. A competição pelo estabelecimento em Campinas era, nesse segundo momento, muito maior. (GABRIEL, 1995, p.136)

Para avaliar o que representou o impacto dessa segunda imigração para a

cidade de Campinas, vale retomar o que era o urbano campineiro antes da

chegada desses imigrantes, o que passaremos a tratar a subseção seguinte.

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II.2.3 – Espaço urbano de Campinas

Com relação ao urbano campineiro antes da “grande imigração”, Lapa

(1995) destaca, inicialmente, que, em 1870, Campinas teria deixado de ser uma

“cidade senhorial”, aquela surgida com a economia açucareira, e teria se

constituído numa “cidade burguesa”, fruto da economia cafeeira (LAPA, 1995,

p.42).

Tratou-se, segundo o autor, do momento em que a aristocracia transferiu

sua residência para o urbano, estabelecendo seus sobrados no centro da cidade,

sendo acompanhado, nesse movimento, pela alta burguesia.

Numa outra perspectiva, Bergó (1952), no seu estudo sobre Campinas,

expressaria bem o significado dessa transição para a configuração do urbano

campineiro. Nesse sentido, a autora destaca:

dos engenhos e das fazendas para a cidade trouxeram os poderosos uma vida social que se mantinha nos sobrados, e a cidade exigiu água, bondes, calçamento, melhor comércio, medicina e hospitais, (...) e casas luxuosas que, de simples casas de fins-de-semana e festas religiosas, passaram a ser os lares amplos (...) para a permanência da família, em permuta com as fazendas, que passaram a ser o refúgio para o descanso e férias. (BERGÓ, 1952200 apud MAGALHÃES, 1992, p.80)

Assim, a partir das palavras de Bergó (1952) é possível perceber que o

estabelecimento da aristocracia e da alta burguesia no meio urbano teria sido

acompanhado pelos melhoramentos urbanos, os quais, segundo outros autores

que retrataram esse período201, foram importantes tanto para a adequada vivência

das classes dominantes na cidade, como para o funcionamento da economia

cafeeira.

Por sua vez, retomando o estudo de Lapa (1995), destaca-se que, a partir

da década de 1850, quando se inicia o ciclo cafeeiro em Campinas, multiplicaram-

200 BERGÓ, M.S.A. Estudo geográfico da história de Campinas. X Congresso Brasileiro de Geografia. Anais... Rio de Janeiro, 1952. 201 Semeghini (1991) e Lapa (1995).

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se os “sobradões” pela cidade, distribuídos por todo o seu centro histórico202,

avançando em seguida pelas ruas que se estendiam até os bairros (LAPA, 1995,

p.104).

O autor destaca, ainda, que, entre 1850 e 1900, a distribuição espacial das

classes sociais pelo espaço urbano campineiro foi indiscriminada203, não havendo,

naquele momento, a priorização de uma determinada área pela aristocracia204,

convivendo lado a lado, com freqüência, os grandes casarões e as habitações

populares (Lapa, 1995).

Como destacado anteriormente, o estabelecimento das classes dominantes

na cidade implicou o investimento em diversos serviços públicos205, que atendiam

o conforto dos habitantes206 e o funcionamento da economia cafeeira. A produção

desses melhoramentos urbanos e a criação da infra-estrutura urbana teriam sido

financiadas pelo capital privado, proveniente da economia cafeeira, aliado aos

recursos do poder público local (Lapa, 1995).

Por sua vez, a grande quantia de capital acumulado a partir da atividade

cafeeira, aliada à fraqueza do governo municipal207, teria contribuído para que

ficasse nas mãos na iniciativa privada, particularmente a cafeeira, o controle do

202 Lapa (1995) destaca que o centro histórico de Campinas compreende a região estruturada pelos três largos que deram origem à cidade e a partir da qual ela, posteriormente, cresceu. São os largos da Matriz Velha, do Rosário e da Matriz Nova. (LAPA, 1995, p.104) 203 Nesse ponto, Lapa (1995) baseia-se no estudo de Carvalho (1991), sobre a habitação popular em Campinas, entre 1870 e 1956. Referência consta na parte bibliográfica. 204 Segundo Carvalho (1991), essa situação perdurará até a década de 1920.(Apud Lapa, 1995, p.105). 205 Durante as décadas de 1870 e 1880, foram realizados na cidade de Campinas: estabelecimento das companhias de estrada de ferro Paulista e Mogiana, de bondes elétricos, dos serviços de água e esgoto, de empresa telefônica; alargamento de ruas e construção de calçadas para pedestres; criação de estabelecimentos escolares, hospitais e serviços de saúde (Lapa, 1995). 206 Vale destacar o estabelecimento, no centro de Campinas, de importantes atividades de comércio e serviços, voltados para atender as classes dominantes. Essas atividades não eram financiadas pelo capital cafeeiro, mas sim pelos imigrantes europeus que se estabeleceram na cidade, principalmente a partir da década de 1860, e que se dirigiram para as atividades urbanas, do comércio e da indústria. (Lapa, 1995). 207 Retomando a parte inicial deste capítulo, tem-se que as relações intergovernamentais, durante o Império, foram estruturadas de forma tal que o governo municipal ficou caracterizado por uma limitada autonomia financeira, política e administrativa, contando, para a efetivação de suas atribuições, com a atuação da iniciativa privada. Assim, pode-se afirmar que os municípios que possuem classe dominante capitalizada são os municípios passíveis de se verificar importante investimento em melhoramentos urbanos. No caso de São Paulo, trata-se dos municípios diretamente vinculados, em maior ou menor grau, à atividade cafeeira. (Baseado em Semeghini, 1991; Lapa, 1995; Bilac, 2001).

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processo de investimento nos melhoramentos urbanos da cidade, no qual,

conseqüentemente, acabariam sendo priorizados os interesses privados desse

grupo dominante (Bilac, 2001)208.

Assim, essa situação de controle, tanto sobre poder público local, como

sobre a iniciativa de investimentos em serviços públicos, exercido pelos estratos

da classe dominante, vinculados à economia cafeeira, contribuiu para o

sentimento, entre esses estratos dominantes, de que as cidades eram “suas”

(BILAC, 2001, p.44-45). Ou seja, neste contexto, as cidades não eram vistas como

fruto de uma ampla construção social, mas sim como obra da iniciativa privada da

classe econômica dominante que, por isso, a tratavam como uma extensão de seu

patrimônio particular.

Devido a esse sentimento de posse das classes dominantes em relação à

cidade, o processo de modernização do espaço urbano exerceu, sobre os pobres

(nacionais e estrangeiros) e escravos maior controle social e disciplinar no modo

como ocupar e circular no espaço urbano (Lapa, 1995).

Assim, todas as formas de normatização e racionalidade da vida urbana

teriam atingido com maior rigor as classes populares, principalmente no que diz

respeito à salubridade dos espaços públicos e habitações coletivas (Lapa, 1995)

Essa postura se tornaria mais rígida a partir da última década do século

XIX, quando passariam a afluir para o centro da cidade imigrantes saídos das

fazendas, passando a disputar os empregos e espaços urbanos com outros

grupos populares, com os nacionais e ex-escravos. Nesse momento, Campinas

assistiria ao que se denominou por um “inchaço” urbano209, expresso pelo

aumento no fluxo de população, principalmente os italianos, para a cidade, que

passaram, na sua maioria, a residir em cortiços, em precárias condições

sanitárias.

Estudando a habitação popular em Campinas, no final do século XIX,

Carvalho (1991) afirma que, nesse momento, o município teria vivenciado a sua

208 Este estudo baseia-se nas elites políticas de Rio Claro, porém suas observações sobre o domínio das classes dominantes do período cafeeiro na construção do urbano podem ser estendidas para outros municípios, cuja história vincula-se à cafeicultura, como Campinas. 209 Termo utilizado por Gabriel (1995) para se referir à entrada de grande fluxo de pessoas no urbano de Campinas no final do século XIX e início do XX. (GABRIEL, 1995, p.151)

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primeira crise urbana210, cuja intensidade seria expressa pela própria epidemia de

febre amarela que grassou pelo município, entre 1889 e 1897, atingindo mais

diretamente os habitantes pobres do urbano campineiro.

Segundo o autor, esses surtos de febre amarela, do final do século XIX,

sugerem uma crise urbana “na medida em que a epidemia impôs sérios

obstáculos ao desenvolvimento urbano de Campinas, impedindo-a de

desempenhar seu importante papel na rede urbana montada pelo complexo

cafeeiro, inclusive ameaçando os investimentos realizados pela economia cafeeira

nesta cidade” (CARVALHO, 1991, p.5). A hipótese de que esses surtos

epidêmicos são manifestações de uma crise urbana sustenta-se

na idéia de que a febre amarela conduziu a este trágico desfecho porque o espaço urbano chamado Campinas dava conta apenas de propiciar as condições gerais e necessárias à reprodução do modelo primário-exportador, regido pelo café. A força de trabalho urbana pouco significava frente ao capital cafeeiro, ficando à mercê da própria sorte. A epidemia colocou a nu as miseráveis condições a que estava submetida esta força de trabalho urbana em formação. (CARVALHO, 1991, p.5)

Com isso, tem-se uma outra perspectiva sobre os investimentos feitos pela

iniciativa privada nos melhoramentos urbanos da cidade, a partir de 1870, os quais

refletiriam uma fusão constante entre o público e o privado e o “desempenho

omisso do Estado em relação à força de trabalho urbana” (CARVALHO, 1991,

p.28).

Segundo o autor, esses vultosos investimentos privados no urbano

campineiro visariam atender as condições gerais necessárias à reprodução dos

capitais investidos no complexo cafeeiro, o qual teria sido realizado em detrimento

das condições gerais necessárias à reprodução da força de trabalho (CARVALHO,

1991, p.28).

Em decorrência disso, as populações urbanas, por sua vez, teriam sido

forçadas a “conviver com as mais precárias condições de vida referentes à

210 Segundo Carvalho (1991), a segunda crise urbana de Campinas compreende o período de 1930 a 1945. (CARVALHO, 1991, p.6).

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situação salarial, habitacional, de higiene e sanitária e aquelas diretamente

relacionadas com o trabalho”. (CARVALHO, 1991, p.28)

Com isso, pretendeu-se dar visibilidade às contradições presentes no

urbano de Campinas, nas décadas finais do século XIX, quando o grande

crescimento econômico, em função da economia cafeeira, e o importante

desenvolvimento urbano, vivenciado pela cidade, contrastaram com as condições

sociais precárias vividas por parcelas significativas da população.

De acordo com autores que trataram da formação e crescimento da cidade

de Campinas (Lapa, 1995; Gabriel, 1995; Carvalho, 1991), constata-se que,

durante 1850 e 1900, tanto a sua população urbana como os investimentos em

melhoramentos urbanos tenderam a se concentrar no distrito-sede do

município211, apesar de já existirem alguns povoados212 e distritos213, em

diferentes pontos no território campineiro.

Para os propósitos do nosso estudo, considera-se que essas contradições

presentes no espaço campineiro entre, por um lado, as diferentes condições de

vida dos diferentes grupos sociais, e, por outro, as diferentes espacialidades que o

compõem, constituem-se os fatores que, na escala local, contribuíram para o

processo de transformação do espaço intra-municipal, abordado no próximo

capítulo.

211 Ressalta-se que, desde a sua fundação até 1870, Campinas contou apenas com a Paróquia da Nossa Senhora da Conceição (atualmente, Paróquia da Catedral), que se constituía numa circunscrição religiosa, civil e jurídica, que atendia a toda população do município (Toledo, 1995). Em 1870, é criada a Freguesia e Paróquia de Santa Cruz (atual Paróquia do Carmo). Segundo Gabriel (1995), a partir de 1870, o distrito (paróquia) de Conceição passou a abranger as áreas próximas ao centro campineiro, como os bairros do Bosque e Cambuí, e o distrito (paróquia) de Santa Cruz abrangia a região do Castelo, Barão Geraldo e Amarais. A circunscrição de Santa Cruz incluía também a região do bairro de Rebouças (atual município de Sumaré). (Toledo, 1995). 212 Pelo menos, desde a década de 1870, em função da expansão da Estrada de Ferro da Paulista, já existiam os povoados na região de Vila de Valinhos (atual Valinhos), de Rebouças (atual Sumaré) e de Vila Americana (atual Americana). Na década de 1880, há referências ao povoado de “Campo das Palmeiras” (atual Cosmópolis). Dados sobre Rebouças extraídos de Toledo (1995); sobre Valinhos: http://www.valinhos.sp.gov.br, acessado em: 07/11/2007; sobre Americana: http://www.americana.sp.gov.br, acessado em:11/09/2007; sobre Cosmópolis: www.cosmopolis.sp.gov.br, acessado em: 11/09/2007. 213 Em 1896, foram criadas as freguesias (distritos) de Valinhos e Sousas. A freguesia (distrito) de Santa Cruz, criada em 1870, compunha o distrito-sede de Campinas, sendo que, em 1938, ela se torna a 2a. zona distrital de Campinas e, em 1944, o 2o. subdistrito de Campinas. (Fundação Seade, 2001).

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CAPITULO III: DIFERENCIAÇÕES POLÍTICO-TERRITORIAIS INTRA-MUNICIPAIS: UMA TIPOLOGIA DA ARTICULAÇAO ENTRE A DIMENSÃO POLÍTICO-INSTITUCIONAL E A REORGANIZAÇÃO DA POPULAÇAO NO ESPAÇO

III.1 – Construção da tipologia de análise

Para se compreender a dimensão política do processo de organização

político-jurídica do território, torna-se necessário, primeiramente, captar os

processos político-sociais embutidos nas etapas de desenvolvimento pelas quais

passam um núcleo urbano: povoado, distrito e município214.

Assim, conforme definição oficial215, povoado refere-se aos “aglomerados

que se encontram submetidos territorial e administrativamente a outros núcleos,

não dispondo, assim, de autonomia e jurisdição própria”, por sua vez, distrito (ou

freguesia) refere-se à “denominação da área correspondente a uma circunscrição

que contém um núcleo urbano (anterior povoado), porém dependente da

administração municipal”; e por fim, município (ou vila) constitui a “categoria em

que o núcleo urbano e respectivo território, originalmente denominado termo,

passam a ter autonomia territorial e administrativa, caracterizada pela existência

de poder político, representado pelo poder público local”. (SEP, 1995a, p.11)

Para complementar, pode-se considerar que o espaço de um município

pode ser formado por um ou mais distritos, sendo o núcleo urbano central do

município denominado de ”distrito-sede”, podendo existir também diversos

povoados. Isso significa que, num determinado território, sob a jurisdição de um 214 Ressalta-se que até o final do Império, os termos utilizados, nas documentações municipais, eram povoado, freguesia, vila e cidade, sendo freguesia equivalente ao atual termo distrito, e os termos vila e cidade equivalém ao que se denomina, atualmente, município (Baseado em SÂO PAULO. Secretaria de Economia e Planejamento – SEP, 1995a e 1995b). Para facilitar a leitura, serão utilizados apenas os termos povoado, distrito e município, considerando as devidas ressalvas quando se tratar do período colonial e imperial. 215 Importante destacar que, na bibliografia consultada para a realização deste estudo, não se encontrou estudo, na Ciência Política, na Demografia, na Economia ou na Geografia, que tratasse especificamente como problema a questão da formação de povoados e criação de distritos. Por esta razão, a discussão desenvolvida aqui se baseia em estudo anterior sobre emancipação municipal (Siqueira, 2003), nos estudos da Secretaria de Economia e Planejamento do Estado de São Paulo (SEP, 1995a e 1995b) e nos estudos historiográficos de Toledo (1995) e Lapa (1995).

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mesmo governo municipal, podem estar submetidos diferentes distritos e

povoados216.

A partir disso, o que se pretende argumentar é que, na circunscrição

territorial, sob um mesmo governo municipal, a diferença entre distrito-sede,

distritos secundários e povoados corresponderia a uma diferença de nível de

poder político conferido a cada uma dessas categorias político-jurídicas do

território, e as suas respectivas populações.

Para melhor compreender o significado desse “poder político” conferido a

essas categorias territoriais (distrito-sede, distritos secundários e povoados), vale

retomar a discussão sobre “autonomia política municipal”, feita por Souza &

Blumm (1999) e complementada por Sadek (1991).

Assim, da análise de Souza & Blumm (1999), retoma-se a concepção do

Estado como uma organização que exerce controle sobre um dado território e um

conjunto populacional e a consideração de que sua autonomia está relacionada

com a capacidade de formular e perseguir objetivos próprios (SOUZA & BLUMM,

1999, p.62). Do estudo de Sadek (1991), retoma-se que a autonomia municipal

está relacionada com atuação conjunta de dois fatores: 1) o direito de eleger seus

governantes; e 2) liberdade de desempenho de suas atribuições e de poder

decisório (SADEK, 1991, p.12).

Os dois estudos foram desenvolvidos visando refletir sobre a autonomia do

governo municipal, cuja atuação refere-se ao território municipal como um todo, e,

em nenhum deles, por não ser seu objetivo, visualizou as diferentes porções

territoriais, e suas respectivas populações, que compõem o município.

Apesar disso, é possível utilizar essas duas discussões conceituais sobre

autonomia municipal para se pensar sobre a distribuição de poder político entre as

diferentes categorias territoriais intra-municipais, nas quais se distribui a

população de um município.

Primeiramente, deve-se considerar que, dentro de um município, o distrito-

sede217 e os distritos secundários (quando eles existem) possuem jurisdição sobre

216 Baseado em SEP (1995a; 1995b) e nos processos de criação de municípios, ocorridos no estado de São Paulo, na década de 1990, levantados em estudo anterior (Siqueira, 2003).

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porções do território do município, específicas para cada um, abarcando diferentes

núcleos urbanos e povoados dispersos, com suas respectivas populações218. Essa

jurisdição é expressa claramente pela regionalização dos serviços de registros

civis, eleitorais e de imóveis219.

Considerando-se apenas uma situação onde, no município, só haja o

distrito-sede, à luz da discussão conceitual sobre autonomia municipal

selecionada, argumenta-se que o distrito-sede concentraria o aparelho do governo

municipal e canalizaria toda a participação política da população, desde as

eleições aos cargos do executivo e legislativo220, passando pelos debates políticos

e chegando até à definição de agenda de prioridades e tomadas de decisão.

Ou seja, o distrito-sede é o espaço onde se concentraria a participação

política e a tomada de decisões das elites políticas e os demais atores políticos,

pois seria nessa porção do território municipal, que corresponde ao centro urbano

principal, onde se daria a definição do papel, no jogo político municipal, de todos

os atores políticos, e para onde estes acorreriam para desempenhar esse papel.

Quando povoados são elevados à categoria de distritos secundários, eles

não são autônomos politicamente em relação ao distrito-sede, pois eles não

passariam a eleger representantes exclusivos e a definir objetivos separados do

distrito-sede. Eles continuariam sob a jurisdição política e administrativa do

governo municipal, situado no distrito-sede, e continuariam participando do jogo

político aí estabelecido.

A novidade dos distritos secundários residiria no fato deles se constituírem

em novos espaços de definição de papéis dos atores políticos que passariam a

217 Quando existe apenas o distrito-sede, sua jurisdição compreende todos os núcleos urbanos e povoados existentes em todo o território municipal. 218 Baseado em Toledo (1995). 219 Deve-se considerar que, até o final do Império, os registros civis, eleitorais e de imóveis competiam às paróquias eclesiais. Com a República, tornaram-se competência dos cartórios civis. Baseado em Carvalho (1996) e Toledo (1995). 220 Importante lembrar que, a cada contexto político-institucional corresponde um sistema eleitoral, que define o funcionamento das eleições e os requisitos para participar delas. Durante o Império, vale lembrar que, da década de 1840 até 1881, as eleições eram feitas em dois turnos, havendo o critério censitário para definir os votantes, eleitores e elegíveis (ver discussão sobre esse aspecto, feita anteriormente). A partir de 1881, as eleições passam a ser diretas, aumenta-se o critério de renda e é incluído o critério de alfabetização. Com a República, desaparece o critério censitário e mantém-se o de alfabetização. Baseado em Carvalho (1996) e Magalhães (1992).

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pertencer a uma nova circunscrição territorial no interior do espaço municipal. Com

isso, esses atores políticos passariam a ter de enfrentar o desafio de incorporar

seu “novo” papel político ao jogo político já existente e atuante no distrito-sede do

município.

Em geral, em torno do distrito-sede, por este corresponder ao núcleo de

povoamento inicial do município, gravitariam as frações da elite econômica e

política mais importante do município, ou com maior poder político, e os demais

atores políticos, ligados às atividades urbanas ou rurais.

Os distritos secundários corresponderiam a “subcentros”221 de definição e

participação política, em torno do qual passariam a gravitar “novos” atores

políticos, constituindo um novo espaço de debate e definição de agendas políticas.

Porém continuariam, hierarquicamente, submetidos à dinâmica política já

estruturada no distrito-sede.

Toda tensão, então, residiria na capacidade dos atores políticos, cujo papel

foi definido em função da lógica política atuante nos distritos secundários, em

manter seu poder político – poder de fazer com que sua agenda de prioridades

seja total ou parcialmente atendida ou então inserida numa agenda mais ampla –

no interior da dinâmica política atuante no distrito-sede, que corresponderia à

dinâmica política do município como um todo.

Considerando que os distritos secundários são criados por ação do governo

municipal222, sediado no distrito-sede, eles representariam a desconcentração

administrativa e, em certo grau, política do poder local no espaço intra-municipal.

Em função disso, o nível de poder político compreendido pelos grupos sociais

circunscritos aos respectivos distritos secundários, onde são definidos seus papéis

221 A noção de “subcentro” empregada aqui se baseia em Singer (1982), cuja discussão conceitual foi feita no segundo capítulo. Porém, destaca-se que, neste caso, não se utiliza o termo na exatidão de sua definição, pois esta leva em conta a formação de um espaço que, a partir do estabelecimento de um mercado, do aparelho do Estado e de melhoramentos urbanos, passa a constituir-se num “gradiente” de valor fundiário. Um subcentro de participação política não geraria esse tipo de “gradiente”, mas sim um “gradiente” de poder político. 222 Destaca-se que, tanto no Império quanto na República, a criação de distritos era uma iniciativa dos municípios, mas o processo era regulamentado por legislação estadual (provincial, no Império). Com a Constituição de 1988, o processo de criação ou supressão de distritos torna-se atribuição dos municípios. (SEP, 1995a, p.17).

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políticos, seriam definidos a partir da relação estabelecida com a dinâmica política

estruturada no distrito-sede e com a elite política que a controla.

Por sua vez, a forma assumida pela relação entre o distrito-sede e os

distritos secundários seria grandemente condicionada, por um lado, pelo contexto

político e social no qual são criados esses distritos e, por outro, pelas motivações,

no âmbito local, que levaram à criação de distritos secundários, sejam elas

relacionadas a fatores econômicos, políticos ou sociais.

Com isso, argumenta-se que o nível de poder político com que cada

categoria política-jurídica do território, e suas respectivas populações, se reveste

corresponderia à capacidade de participação nos debates e tomadas de decisões

na política municipal.

Uma vez discutido o processo através do qual define-se o poder político da

população distribuídas nas diferentes porções do território municipal, voltamos à

consideração geral das categorias político-territoriais.

Assim, tem-se que o distrito-sede, por corresponder ao núcleo urbano

central e por ser onde se concentra o aparato do governo municipal, acabaria por

se confundir com o próprio município do qual faz parte. Em decorrência disso,

seria nesse espaço delimitado que se constituiria o espaço de debate político e de

tomadas de decisões pelo grupo dominante local; seria nesse espaço que se

concentrariam os investimentos em serviços públicos e melhoramentos urbanos;

seria onde se verificaria o exercício de maior controle do poder público sobre a

população223.

Por sua vez, de acordo com esse argumento, um determinado povoado,

situado no território de um município, numa área relativamente distante do distrito-

sede, ao ser elevado à categoria de distrito, por ação do governo municipal,

tornando-se um distrito secundário, se revestiria com um certo nível de poder

político, ou seja, se tornaria um outro espaço de decisões políticas, no mesmo

município, porém não com o mesmo nível de poder de decisão que o distrito-sede.

Seria nesse ponto que o povoado se diferenciaria do distrito secundário: ou seja, o

223 As considerações sobre as ações em relação ao “distrito-sede” tiveram como referência o histórico da formação dos municípios de Campinas (Lapa, 1995) e Sumaré (Toledo, 1995), e também nos estudos sobre o município de São Paulo (Rolnik, 1999; Villaça, 1998).

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povoado se constituiria num aglomerado de população sem autonomia política,

que ainda não se constituiu num espaço de tomada de decisões políticas224.

Voltando ao distrito secundário recém-criado, o novo status político

assumido por ele se traduziria, na prática, pela instalação de sub-delegacia e de

cadeia, no caso de ser distrito policial, e pela instalação de subprefeitura, no caso

de distrito de paz225.

Essas duas etapas de configuração de distritos-secundários, por um lado,

anunciariam a concretização da presença do Estado em determinado território e,

por outro lado, expressariam formas diferenciadas dessa presença. Ou seja, no

caso, considerando o arranjo político-institucional do Império, ao ser elevado a

distrito policial, esse, até então, povoado, torna-se, em última instância, a base

local da burocracia coercitiva226, construída a partir do governo central227.

Por sua vez, ao se tornar distrito de paz, além do aparato coercitivo, o

distrito secundário passa a contar com o aparato político-administrativo do

governo municipal228, transformando-se, com isso, segundo nosso argumento,

num novo espaço, dentro do território municipal, de discussão e de tomada de

224 À luz de discussão desenvolvida em estudo anterior (Siqueira, 2003), vale destacar que esse processo, que denomino, a partir de agora, de “diferenciações político-territoriais intra-municipais” (que será desenvolvido mais adiante), vai apresentar significados diferentes conforme o momento de ocupação territorial (com suas respectiva dinâmica demográfica e dinâmica econômica) considerado e o arranjo político-institucional vigente. 225 Considerando os estudos sobre a ocupação territorial do estado de São Paulo (SEP, 1995a, 1995b) e o estudo historiográfico de Toledo (1995), observa-se que o as categorias “distrito policial” e “distrito de paz” são etapas diferentes no processo de “diferenciação político-territorial” de um município, exigindo diferentes aparatos político-institucionais para a sua efetivação e possuindo, portanto, significados políticos diferentes. 226 O mesmo é válido para os momentos posteriores, sob arranjos institucionais republicanos, onde o distrito policial e a figura do delegado e do subdelegado continuarão sendo a expressão local do poder coercitivo do Estado. Baseado em Carvalho (1996; 1987) e Fausto (2000). 227 Não são todos os distritos de paz que foram, numa etapa anterior, distrito policial. Analisando o quadro do desmembramento territorial do estado de São Paulo (SEP, 1995a e 1995b), vê-se uma variedade de situações. Há casos em que um povoado passa pelas duas fases (distrito policial e, posteriormente, distrito de paz); há outros, em que um povoado torna-se distrito de paz sem ter sido distrito policial anteriormente; e, há outros, em que o povoado permanece como distrito policial, sem chegar a distrito de paz. 228 Destaca-se que, nos processos de desmembramentos municipais, são os núcleos urbanos com status de distrito de paz que se desmembram do município de origem, tornando-se novas municipalidades. Nos estudos da SEP (1995a; 1995b), observa-se que, nos distritos secundários instituídos, a partir de 1889, já no contexto republicano, mantém-se ainda a denominação “distrito policial”. De acordo com SEP (1995a), a terminologia “distrito de paz” cai em desuso ainda no século XIX, sendo simplificada “distrito”. (SEP, 1995a, p.17)

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decisões políticas229. Com isso, afirma-se que essas diferentes espacialidades no

interior do território de um município são resultado de um processo que passamos

a denominar de “diferenciações político-territoriais intra-municipais”.

A partir desse processo, diferentes porções do território de um município,

onde se situam aglomerações populacionais e povoados, ao serem diferenciadas

em distrito-sede e distritos secundários (ou seja, categorias político-jurídicas do

território municipal) passariam a constituir diferentes espaços de participação e de

tomada de decisão políticas, correspondendo a diferentes níveis de poder político

no espaço municipal.

Fazendo uma ponte ao estudo de Singer (1982), é como se houvesse

diferentes “gradientes” de poder político no espaço municipal230. Assim, embora o

interesse do autor estivesse voltado para a formação do valor do solo urbano, a

idéia de se pensar a formação de gradientes de valor a partir de um certo tipo de

intervenção no território, no nosso caso, municipal, é válida para o caso do poder

político, embora neste caso, a formação de tal “gradiente” não seja pari passu com

o processo descrito pelo economista231.

Nesse sentido, considera-se que a organização do território municipal a

partir de distrito-sede, distritos secundários e povoados corresponderia à formação

de diferentes “gradientes” de poder político dentro do espaço municipal, sendo que

no distrito-sede se concentraria o ponto máximo deste gradiente; nos distritos

secundários, pontos intermediários deste gradiente; e, no povoados, seu ponto

mínimo.

Isso nos permitiria considerar que a organização do território municipal, e

da sua respectiva população, em categorias político-jurídicas – distrito-sede,

229 Vale ressaltar que, ao se instalar a subprefeitura no recém-criado distrito de paz, o cargo de subprefeito é ocupado por uma pessoa escolhida pela câmara dos vereadores do município. Baseado em Toledo (1995). 230 Discussão desenvolvida no primeiro capítulo. 231 Isso significa que, no nosso caso, não se está considerando que o “gradiente” de poder político não passa do maior para o menor, ou do centro para a periferia, de uma forma linear, nem que, dentro dos distritos, as populações tornam-se com mais ou menos poder político, dependendo do lugar que se situam no território. Significa apenas que, dentro do território municipal, podem existir diferentes espaços de definição e debate políticos (que correspondem a distrito-sede, distritos secundários e povoados), que podem corresponder a diferentes níveis de poder político – ou “gradientes” de poder político.

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distritos secundários e povoados – seria o resultado de um “processo de

diferenciação político-territorial intra-municipal”, através do qual se criariam

diferenciais de poder político no território municipal, constituindo-se, com isso,

uma forma de qualificação do território municipal232.

Argumenta-se, ainda, que, sob a lógica da tridimensionalidade do processo

emancipatório233, a decisão do governo municipal em instituir distritos secundários,

seria condicionada por fatores de ordem demográfica, política-institucional e

econômica.

Assim, na sua dimensão político-institucional, uma vez que, com o processo

de diferenciações político-territoriais intra-municipais, novas porções do território

municipal se tornariam espaços de definição e participação políticas,

representando, por sua vez a desconcentração, em certa medida, do poder

político sediado no distrito-sede para diferentes espaços do território do município,

argumenta-se que a elevação de povoados à categoria de distritos ocorreria em

duas situações:

1) Numa situação de identidade política e social entre as populações das

diferentes espacialidades, a elevação à categoria de distrito ocorreria a

partir de fatores internos, relacionados à dinâmica social, política e

econômica da escala local;

2) Numa situação de não identidade política e social entre as populações das

diferentes espacialidades, mesmo mediante às pressões dos diferentes

grupos sociais, a elevação à categoria de distrito ocorreria somente a partir

da influência de algum fator externo à dinâmica local, proveniente de

escalas situadas acima da esfera municipal.

Com isso, tem-se os elementos através dos quais a dimensão político-

institucional desse processo de diferenciação político-territorial se vincularia a sua

dimensão demográfica. Nesse sentido, destaca-se que a identidade ou não

232 Por sua vez, esse processo estaria relacionado com os aspectos político-institucionais da formação da hinterlândia, cuja discussão será retomada adiante, quando for abordado o caso específico da formação da hinterlândia campineira. 233 Ver discussão conceitual realizada no primeiro capítulo.

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identidade entre as populações das diferentes espacialidades seria reconhecida

através da sua composição social.

Por sua vez, a composição social das diferentes populações seria fruto de

processos gerais de redistribuição espacial da população, em momentos

anteriores, que, por sua vez, resultariam da distribuição das atividades

econômicas no território nacional.

Assim, para se chegar ao reconhecimento da identidade ou não entre as

diferentes espacialidades, deve-se considerar, primeiramente, os processo de

redistribuição populacional que contribuíram para a composição social de

determinadas populações.

Já no contexto intra-municipal, por sua vez, a reorganização da população

no espaço se daria em função, por um lado, da identidade social e política ou não

entre os diferentes grupos sociais, e, por outro, da forma como se constituíram as

diferentes espacialidades no território municipal.

Dessa forma é que se reconhece o funcionamento da lógica da

tridimensionalidade do processo emancipatório no processo de diferenciações

político-territoriais intra-municipais e é dessa forma que ela será considerada nas

análises posteriores sobre as transformações no espaço campineiro.

Feita essa discussão, apresentamos uma tipologia dos possíveis casos de

diferenciações político-territoriais a partir dos quais será possível considerar a

distribuição de poder político no espaço intra-municipal234:

234 Vale destacar mais uma vez que essas diferenciações político-territoriais vão apresentar significados diferentes conforme o contexto histórico de ocupação territorial ao qual são aplicadas.

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Quadro 3.1: Tipos de diferenciações político-territoriais intra-municipais

TIPO CATEGORIAS TERRITORIAIS

PRESENTES DISTRIBUIÇAO DE PODER POLITICO

1 Distrito-Sede Poder político concentrado no Distrito-Sede

2 Distrito-Sede + povoado (s) Poder político concentrado no Distrito-Sede

3 Distrito-Sede + Distrito Secundário (s) +

povoado (s) Níveis equilibrados de poder político entre

Distrito-Sede e Distrito Secundário

4 Distrito-Sede + Distrito Secundário (s) +

povoado (s)

Níveis desiguais de poder político entre Distrito-Sede e Distrito Secundário, com concentração maior no Distrito-Sede

5 Distrito-Sede + Distrito Secundário (s) Níveis equilibrados de poder político entre

Distrito-Sede e Distrito Secundário

6 Distrito-Sede + Distrito Secundário (s) Níveis desiguais de poder político entre Distrito-Sede e Distrito Secundário, com concentração maior no Distrito-Sede

Feita a tipologia das diferenciações político-territoriais intra-municipais,

retomaremos a discussão do estudo de Singer (1968)235 sobre a formação de uma

hinterlândia, para começarmos a refletir sobre o caso campineiro. Nesse sentido,

retoma-se que, segundo o autor, o termo hinterlândia refere-se a uma interação

peculiar entre um determinado centro urbano e suas regiões tributárias.

Como já foi destacada anteriormente236, a especificidade do estudo de

Singer (1968) reside em dois aspectos: em primeiro lugar, a sua definição de

hinterlândia enfatiza uma relação baseada na interdependência entre dois tipos de

espacialidades – o centro urbano e os núcleos secundários; em segundo lugar, a

visão que o autor de hinterlândia vai além de seus aspectos econômicos, incluindo

dimensões culturais, sociais e político-institucionais, apesar de sua análise

privilegiar os aspectos econômicos do processo de formação da hinterlândia.

Assim, tendo em vista a formação da hinterlândia campineira tem-se que,

sob os aspectos econômicos, ela guarda similaridades com o processo descrito

235 A discussão do conceito de hinterlândia elaborado por Singer (1968) foi feita de forma mais completa no capítulo 1. Aqui, reteremos somente alguns aspectos desta discussão. 236 Ver discussão feita no primeiro capítulo.

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por Singer (1968), a partir do qual estabelece-se uma troca de serviços entre o

centro urbano e os núcleos secundários237 – no nosso caso, entre distrito-sede,

distritos secundários e povoados – onde o distrito-sede centraliza e controla esse

processo de troca de serviços entre a diferentes espacialidades.

A dimensão político-institucional da formação da hinterlândia seria

constituída pelo processo de diferenciações político-territoriais intra-municipais,

descrito anteriormente, através do qual o poder político municipal é distribuído

entre as populações, situadas nas diferentes espacialidades no território

municipal, sendo que as situações possíveis dessas diferenciações estão

expostas no quadro 3.1.

Antes de abordarmos os tipos de diferenciações político-territoriais do

momento de formação da hinterlândia campineira, torna-se necessário destacar

novos pontos incorporados ao argumento deste estudo.

Assim, argumenta-se, primeiramente, à luz dos processos econômicos,

populacionais e político-institucionais, vivenciados por Campinas na segunda

metade do século XIX238, que é nesse momento que se estruturariam os

elementos econômicos e políticos que vão contribuir para a formação da

hinterlândia campineira.

Em segundo lugar, a dimensão político-institucional – expressa pelos tipos

de diferenciações político-territoriais – assumida pela hinterlândia campineira, no

momento inicial de sua formação, estaria relacionada com o posicionamento que a

elite campineira assumiu em relação à política imperial de terras e de

colonização239.

Por fim, os tipos de diferenciações político-territoriais assumidos pelo

território campineiro240, no momento inicial de formação da sua hinterlândia,

237 Não é objetivo deste estudo focar sobre a dimensão econômica da formação da hinterlândia, avaliando em que grau se aproxima ou se distancia dos casos analisados por Singer (1968). Considera-se apenas que os mecanismos gerais relacionados a hinterlândia desenvolvidos pelo autor são válidos para se pensar o caso da hinterlândia de Campinas. 238 Processos abordados no capítulo anterior. 239 Discussão apresentada no segundo capítulo. 240 Vale relembrar que o que se denomina por território campineiro, no século XIX, equivale ao espaço compreendido pelos atuais territórios dos municípios de Campinas, Hortolândia, Sumaré, Nova Odessa, Americana, Paulínia, Cosmópolis e Valinhos.

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constituiriam um caso de path dependence241, ou seja, influenciariam, nos

momentos posteriores, as formas como se deram as transformações na

reordenação territorial e na reorganização da sua respectiva população.

Com isso, para dar continuidade ao estudo da dimensão político-

institucional da formação da hinterlândia campineira, à luz dos processos

econômicos e políticos em curso na província de São Paulo e no município de

Campinas, abordados no capítulo anterior, e da discussão desenvolvida até então

neste capítulo, considera-se que:

1) Os tipos de diferenciações político-territoriais intra-municipais assumidos

em Campinas seriam três: o tipo 2, que corresponde à presença de distrito-

sede e povoados; e os tipos 3 e 4, que correspondem à presença de

distrito-sede, distrito secundário e povoado, com diferentes níveis de poder

político entre eles;

2) Em função das diferenciações político-institucionais assumidas em

Campinas, o município apresentou, em comparação a outros municípios,

uma espécie de “coesão territorial” que permitiu que ele se mantivesse

íntegro até a década de 1920.

Esses dois aspectos vão caracterizar a organização territorial do município

de Campinas, no período 1850 e 1900 – momento que corresponde à formação da

hinterlândia campineira e, como já destacado anteriormente, funcionarão como

path dependence dos desdobramentos posteriores vivenciados pelo território

campineiro. Cada um desses aspectos será abordado individualmente.

241 Conceito vinculado ao neo-institucionalismo histórico, apresentado no primeiro capítulo.

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III.2 – Diferenciações Político-Territoriais Intra-Municipais em Campinas

III.2.1 – Período 1850-1870

Assim, começaremos a abordar o primeiro aspecto, tendo em vista os

elementos que fundamentaram a classificação da hinterlândia campineira na

tipologia das diferenciações político-territoriais, apresentada acima.

Nesse sentido, considera-se que, durante o período entre 1850 e 1870, o

município de Campinas enquadrava-se no tipo 2 da tipologia das diferenciações

político-territoriais intra-municipais, ou seja, o tipo que se refere à presença de

distrito-sede e povoados242 e que o poder político municipal estava concentrado no

distrito-sede. Os dados do quadro 3.2a, que se referem a populações e distritos de

municípios paulistas selecionados243, para o ano de 1854, contribuem para

fundamentar esse argumento244:

242 Esses povoados referem-se a, pelo menos, três aglomerações populacionais a respeito das quais se tem informação desde o final do século XVIII, quando ainda vigorava o sistema sesmarial de regularização fundiária. Trata-se de povoados que, posteriormente, se constituíram nos distritos de Vila Americana, Rebouças e Vila de Valinhos. Baseado em Toledo (1995) e em informação contida no histórico dos municípios, disponibilizado pelos sites da prefeitura municipal de Americana e de Valinhos. 243 Para fins de comparação, baseado no estudo de Semeghini (1991) e complementado por Bilac (2001), Oliveira (1985), optou-se por selecionar municípios localizados no Oeste Pioneiro e que estivessem na mesma fase de expansão da cafeicultura no estado. Além disso, selecionou-se a capital por se tratar de um caso peculiar de diferenciações político-territoriais. 244 Vale ressaltar que se considerou para o cálculo da área dos municípios selecionados, para o ano de 1854, a reconstituição dos desmembramentos territoriais (somente os casos que resultaram em criação de municípios) ocorridos entre 1850 e 1995 e, em seguida, somou-se a área atual desses municípios. No caso de Campinas, a área, em 1854, é a soma das áreas atuais dos municípios de Campinas, Hortolândia, Sumaré, Nova Odessa, Americana, Paulínia, Cosmópolis e Valinhos. A área de Mogi-Mirim corresponde à soma das áreas atuais de Mogi-Mirim, Aguaí, Águas da Prata, Artur Nogueira, Conchal, Engenheiro Coelho, Espírito Santo do Pinhal, Estiva Gerbi, Itapira, Jaguariúna, Mogi-Guaçu, Santo Antonio de Posse, Santo Antonio do Jardim, São João da Boa Vista e Serra Negra. A área de Piracicaba corresponde à área atual de Piracicaba, Águas de São Pedro, Charqueada, Rio das Pedras, Saltinho, Santa Bárbara D’Oeste, Santa Maria da Serra e São Pedro. A área de Rio Claro corresponde à soma das áreas atuais de Rio Claro, Analândia, Corumbataí, Descalvado, Ipeúna, Itirapina e Santa Gertrudes. A área do município de São Paulo corresponde à soma das áreas atuais de São Paulo, Caieiras, Carapicuíba, Cotia, Diadema, Embu, Embu-Guaçu, Franco da Rocha, Guarulhos, Itapecerica da Serra, Itapevi, Jandira, Mairiporã, Mauá, Osasco, Ribeirão Pires, Rio Grande da Serra, Santo André, São Bernardo do Sul, São Caetano do Sul, São Lourenço da Serra, Taboão da Serra e Vargem Grande Paulista.

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Quadro 3.2a: Número de distritos, população total e densidade populacional Cidades e vilas selecionadas - Província de São Paulo – 1854

Cidades e Vilas Distritos Existentes

em 1854 (*) População

Total Área

(km2) (**) Dist/ Area (por 1000Km2)

Pop/Distrito Pop/Área (por km2)

Campinas 1 14.201 1.741,0 0,6 14.201 8,2 Mogi-Mirim 5 24.934 4.037,8 1,2 4.987 6,2 Piracicaba 2 6.228 3.025,4 0,7 3.114 2,1 Rio Claro 4 10.848 2.218,2 1,8 2.712 4,9 São Paulo 12 32.588 4.379,1 2,7 2.716 7,4 Província São Paulo 111 418.532 248.226,0 0,4 3.771 1,7 Fonte: Quadro Estatístico da População da Província de São Paulo recenseada no anno de 1854. Apud BASSANEZZI, 1998; Fundação Seade; IBGE, Cidades e Vilas, 1998. (*) Referem-se a Freguesias e Capela Curadas existentes em 1854. (**) A área da província (estado) de São Paulo corresponde à extensão atual, cujo valor refere-se ao ano de 2000, obtido nos dados disponibilizados pela Fundação Seade. Para as áreas dos municípios selecionados, foram considerados os desmembramentos ocorridos até a década de 1990 e o valor das áreas corresponde à soma das áreas atuais dos municípios de origem e os desmembrados, obtidos em Cidades e Vilas, IBGE, 1998.

Com relação aos dados do quadro 3.2a, a primeira observação é que,

dentre os distritos existentes em cada cidade ou vila, um constitui o distrito-sede

do município. Com isso, observa-se que Campinas que, em 1854, compreendia a

nona maior população total da província de São Paulo245, possuía apenas o

distrito-sede, que correspondia à cidade de Campinas246, enquanto os demais

municípios selecionados apresentam dois ou mais distritos em seu território, com

destaque para São Paulo (12 distritos), Mogi-Mirim (5 distritos) e Rio Claro (4

distritos).

Contrastando Campinas, que possuía a maior densidade populacional entre

os municípios (8,2 hab/km2), com os outros dois municípios, com maiores

densidades populacionais – São Paulo (7,4 hab/km2) e Mogi-Mirim (6,2 hab/km2)

– observa-se que Campinas é o que registrava a menor média de distritos por

área (0,6 distritos a cada mil km2), enquanto São Paulo registrava 2,7 distritos a

245 Em 1854, a província de São Paulo possuía 49 cidades e vilas. Em termos populacionais, Campinas ficava atrás dos municípios de São Paulo, Mogi-Mirim, Itapetininga, Sorocaba, Casa Branca, Iguape, Pindamonhangaba e Bragança Paulista. Baseado em Bassanezi (1998). 246 Quanto ao histórico do quadro territorial de Campinas, ressalta-se que, na segunda metade do século XVIII, a cidade constituía apenas o antigo povoado de Nossa Senhora da Conceição de Campinas, situado em Jundiaí. Em 1774, o povoado transforma-se em uma freguesia, no município de Jundiaí; em 1797, é elevada à categoria de vila, com a denominação de São Carlos. Em 1842, recebe foros de cidade, com denominação de Campinas. (SEP, 1995a, 55). Destaca-se ainda que a única paróquia em Campinas, desde a sua elevação à categoria de vila, é a Nossa Senhora da Conceição, cuja circunscrição correspondia todo território e toda população residente em Campinas, seja no distrito-sede, seja nos povoados que ora existiam. Baseado em Lapa (1995) e Toledo (1995).

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123

cada mil km2, e Mogi-Mirim, 1,2 distritos a cada mil km2. Destaca-se ainda Rio

Claro, que apesar de apresentar um pouco mais que a metade da densidade

populacional de Campinas (4,9 hab/km2), registrava uma média de 1,8 distritos a

cada mil km2.

Assim, a partir dos dados do quadro 3.2a, constata-se que municípios, tanto

com densidade populacional próxima a de Campinas (São Paulo e Mogi-Mirim),

como com densidade menor que a Campinas (Rio Claro e Piracicaba), registraram

ocorrências de dois ou mais distritos em seu território. O mesmo acontece quando

os municípios são considerados em função de sua população total: municípios

com população superior e outros com população inferior a Campinas

apresentaram mais distritos além do distrito-sede.

Com isso, pode-se afirmar que nem o tamanho da população e nem a

densidade populacional, nesses casos, influenciam o processo de diferenciação

político-territoriais intra-municipais.

Por outro lado, tomando-se outro dado disponível no quadro 3.2a – área

dos municípios –, poderia se argumentar que a extensão territorial é um fator que

influencia a decisão de criar novos distritos nos municípios, pois Campinas, que é

o único município com apenas um distrito, é o que possui menor extensão

territorial, em comparação com os demais.

Diante disso, poder-se-ia afirmar que o número de diferenciações político-

territoriais é diretamente proporcional à extensão territorial do município. Porém, a

consideração do número de distritos criados em outros municípios selecionados,

nos permite afirmar que somente a extensão territorial é insuficiente para

determinar a criação de novos distritos no espaço intra-municipal. Os dados do

quadro 3.2b fundamentam essa afirmação:

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Quadro 3.2b: Número de distritos, população total e densidade populacional e distrital Cidades e vilas selecionadas - Província de São Paulo

1854

Cidades e Vilas Distritos Existentes

em 1854 (*) População

Total Área

(km2) (**) Dist/ Area (por 1000Km2)

Pop/Distrito Pop/Área (por km2)

Areias 2 8.916 879,4 2,3 4.458 10,1

Atibaia 2 4.238 687,4 2,9 2.119 6,2

Itu 4 7.353 1.791,3 2,2 1.838 4,1 Jacareí 2 9.861 736,8 2,7 4.931 13,4

Paraibuna 2 9.493 1.646,3 1,2 4.747 5,8 Pindamonhangaba 4 18.571 1.406,5 2,8 4.643 13,2

Taubaté 3 4.657 1.685,1 1,8 1.552 2,8

Eldorado 1 3.820 2.823,0 0,4 3.820 1,4 Tatuí 1 8.016 1.932,4 0,5 8.016 4,1 Fonte: Quadro Estatístico da População da Província de São Paulo recenseada no anno de 1854. Apud BASSANEZZI, 1998; Fundação Seade; IBGE, Cidades e Vilas, 1998.

(*) Referem-se a Freguesias e Capela Curadas existentes em 1854.

(**) Para as áreas dos municípios selecionados, foram considerados os desmembramentos ocorridos até a década de 1990 e o valor da extensão territorial das áreas corresponde à soma das áreas atuais dos municípios de origem e os desmembrados, obtidos em Cidades e Vilas, IBGE, 1998.

A partir dos dados do quadro 3.2b, ressalta-se a existência de alguns

municípios, em 1854, que possuíam extensão territorial próxima ou abaixo da área

de Campinas, mas que registraram a ocorrência de mais de um distrito no território

municipal. Dentre estes, destacam-se os municípios de Atibaia, Jacareí e

Pindamonhangaba, que apresentaram as mais altas médias de diferenciações

político-territoriais por área, respectivamente 2,9, 2,7 e 2,8 distritos a cada mil

km2.

Com relação aos dois primeiros municípios, observa-se que Atibaia e

Jacareí possuíam, em comparação a Campinas, menor população total, menor

densidade populacional e menor extensão territorial, porém apresentaram a maior

média de distrito por mil km2. Por sua vez, Pindamonhangaba, que compreendia a

sétima população da província (18.571 habitantes) numa área pouco inferior a de

Campinas (1.406,5 km2)247, possuía quatro diferenciações político-territoriais,

numa média de 2,8 distritos a cada mil km2.

247 Lembrando que Campinas possuía, em 1854, a nona população da província, com 14.201 habitantes e uma área de 1.741 km2 (ver quadro 2a).

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Com relação aos demais municípios selecionados que apresentaram uma

média de distritos superior a de Campinas (0,6 distrito a cada mil km2), observa-se

que eles apresentam população bem abaixo da população de Campinas – Areais,

com 8.916 habitantes; Itu, com 7.353; Paraibuna, com 9.493; e Taubaté, com

4.657 habitantes –, e área municipal próxima a de Campinas, como Itu (1.791,3

km2), Paraibuna (1.646,3 km2) e Taubaté (1.685,1 km2), ou abaixo da de

Campinas, como Areias (879,4 km2).

Por outro lado, destacam-se também municípios com área municipal

superior a de Campinas, mas registrando apenas a existência do distrito-sede no

território municipal. É o caso dos municípios de Eldorado, com 2.823 km2, e de

Tatuí, com 1.932,4 km2, mas que apresentaram uma média de distritos por área

de 0,4 e 0,5 distrito a cada mil km2, respectivamente.

Com o contraste entre os dois conjuntos de municípios selecionados,

buscou-se demonstrar que, apesar de alguns casos, como no quadro 3.2a, a

quantidade de distritos existentes num município estar numa relação direta com a

sua extensão territorial, a área do território municipal não constitui num fator

suficiente para a criação de distritos secundários.

Tal afirmação se sustenta nos casos apresentados no quadro 3.2b, onde

municípios menos extensos territorialmente apresentavam mais distritos que

Campinas, e outros, mais extensos que Campinas, apresentavam, da mesma

forma, apenas o distrito-sede.

Conforme o argumento deste estudo, o que se sustenta é que a criação de

distritos secundários no município configura-se como produto de decisões políticas

da elite local, cujo objetivo é a reordenação jurídica, administrativa e politicamente

o território e, conseqüentemente, a sua respectiva população. Justamente por se

tratar de uma decisão de natureza política, essa reordenação territorial e

populacional é denominada, aqui, como um processo de diferenciação político-

territorial, pois ele reordenaria também o poder político intra-municipal.

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Com relação a Campinas, embora baseando-se apenas em informações

secundárias248, extraídos de estudos que não tinham como foco as dinâmicas

políticas, populacionais e econômicas intra-municipais249, argumenta-se que o tipo

de diferenciação político-territorial assumido pelo município, do tipo 2250, entre

1850 e 1870, e do tipo 3 e 4251, entre 1870 e 1900, está relacionado com o

posicionamento da elite local frente à política de terras e de colonização, do

governo central, expressas pela Lei de Terras, de 1850252, e que começou a ser

implementada a partir de 1854253.

Assim, para ilustrar o período 1850-1870, no qual o município foi

caracterizado, aqui, por diferenciações político-territoriais, expressos pela

presença de um distrito-sede que centralizava atividades administrativas,

comerciais, políticas entre outras, de povoados dispersos pelo seu território, vale

retomar alguns aspectos historiográficos sobre Campinas.

Nesse sentido, segundo Lapa (1995), em 1850, Campinas deixava de ser

colonial e passava a ser senhorial. Com isso, o autor destaca que, a partir de

1850, a aristocracia campineira começava a se urbanizar e a se modernizar,

deixando, aos poucos, o campo, passando a estabelecer residência fixa na cidade

(LAPA, 1995, p.104).

248 Estudos como o de Magalhães (1992), sobre eleições e eleitores em Campinas, durante o Império, e o de Lima (1986), sobre o posicionamento político dos cafeicultores do Oeste Paulista e Vale do Paraíba, evidenciam a importância de se trabalhar com fontes primárias (como pronunciamentos oficiais, tanto das estâncias políticas do legislativo e do executivo, como de organizações de classe; posicionamentos publicados na imprensa; os debates anteriores à publicação de leis; registros eleitorais, entre outras) com o objetivo de analisar determinados processos sociais como resultante de posicionamento político de diferentes extratos do grupo social dominante. Porém, não foi possíveis explorar tais fontes para a elaboração desta parte do estudo, baseando-me em dados e informações extraídos da bibliografia levantada. 249 Para a elaboração do meu argumento, baseei-me, principalmente, em Magalhães (1992), Lima (1986), Lapa (1995), Toledo (1995), Carvalho (1996), Silva (1996) e Bilac (2001). 250 Tipo que corresponde à presença das seguintes diferenciações político-territoriais: Distrito-sede e povoados. Conforme a tipologia elaborada, trata-se do tipo em que o poder político está concentrado no distrito-sede. (Ver quadro 1) 251 Os tipos 3 e 4 correspondem à presença das seguintes diferenciações político-territoriais: Distrito-sede + Distrito (s) secundário (s) + povoados, sendo que, no primeiro caso, o nível de poder político entre distrito-sede e distrito secundário é equilibrado e, no segundo, esse nível é desigual. 252 Esse posicionamento foi reforçado a partir de 1870, com a influência do movimento republicano, tanto na capital federal, como na província de São Paulo e município de Campinas. Este tema será retomado adiante, quando for abordada a idéia de “coesão territorial”, relacionada a Campinas. 253 Sobre a implementação da Lei de Terras, baseou-se em Silva (1996).

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127

Essa transição do campo para a cidade, em função do capital acumulado

com a economia cafeeira254, segundo o historiador, foi feita sob o signo da

modernidade, importada da Europa e adaptada às condições e aos interesses

locais.

Nas palavras do autor, a idéia de modernidade que, originalmente, constitui

uma “criação eminentemente cultural e burguesa, gerada no ventre da Revolução

Industrial”, a qual identificava valores, estilos e maneiras de ser que, de certa

forma, significava um rompimento com o passado, foi posta em prática, no Brasil,

(...) em correspondência com aquela racionalidade burguesa que se estende pelo econômico, pelo social, pelo político e pelo cultural, atingindo as mentalidades, os costumes e a criação estética, não necessariamente nessa ordem, com o atraso que se espera para um país do Terceiro Mundo e com as especificidades que uma sociedade escravista conserva. (LAPA, 1995, p.19)

Em Campinas, essa modernidade foi praticada, num movimento marcado

por contrastes e contradições, através da importação, uso e assimilação de

elementos modernos. Na prática, tais elementos

São produtos europeus, são formas de comportamento, linguagem, hábitos, visão do universo, símbolos e padrões, educação e disciplina dos sentidos, que os moradores da cidade, vale dizer, a aristocracia e a alta e a média burguesia, reproduzem e conferem à própria cidade. (LAPA, 1995, p.19)

Foi nesse ambiente moderno, cuja configuração, em Campinas, foi

simultânea e, em certa medida, proporcionada pela economia cafeeira, que as

relações sociais e as atividades econômicas, até então irradiadas a partir no

campo, passaram a ser reorganizadas a partir da cidade255.

Esse movimento foi traduzido, concretamente, ao longo da segunda metade

do século XIX, pela transferência da residência da aristocracia campineira para o

254 Os dados apresentados nos quadros 3 e 4, no capítulo 3, evidenciam o crescimento da produção cafeeira, tanto na região como no município de Campinas, entre 1854 e 1874. 255 Baseado em Lapa (1995).

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centro da cidade e seus arredores. Nesse sentido, Lapa (1995) destaca que é no

ciclo cafeeiro

(...) que se multiplicam pela cidade esses sobradões solarengos de largas fachadas ajaneladas, com dezenas de compartimentos, cuja localização, embora evite algumas áreas que já se mostram com qualidade social inferior pelo seu uso e freqüência, aonde costumavam ir escravos, mendigos, marginais, vadios e prostitutas, na verdade se distribuem por toda a cidade no seu centro histórico256, avançando em seguida pelas ruas que se estendiam até os bairros. Sobrados houve que se localizavam contíguos a habitações populares e ao comércio. [Não parecendo haver, no século XIX] a priorização de um espaço urbano pela aristocracia. (LAPA, 1995, p.104)

Com isso, observa-se a concentração da aristocracia e da burguesia no

centro urbano do distrito-sede do município de Campinas, cujo estabelecimento foi

acompanhado dos melhoramentos urbanos e dos serviços públicos,

implementados com o objetivo de atender ao conforto dos grupos sociais

dominantes e às necessidades de manutenção e expansão da economia cafeeira.

Nesse espaço urbano, construído tendo como objetivo o interesse das

classes dominantes e financiado, grandemente, pelo capital privado proveniente

do café, os grupos sociais populares, incluindo livres, libertos e escravos, tão

importantes, tanto para o sistema de produção escravista257 como para o modo

capitalista de produção258, transitavam e ocupavam as áreas delegadas pelos

256 Já foi destacado, no capítulo 2, que o centro histórico de Campinas compreendia os três largos próximos: Matriz Velha, Rosário e Matriz Nova (Lapa, 1995). A partir do estudo de Toledo (1995), depreende-se que esse espaço corresponde à sede da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição, a qual se tornou freguesia em 1774, e a sede da vila, em 1797. Baseado nos dois historiadores, conclui-se que tal espaço, a partir de 1842, torna-se o centro do que se constitui o distrito-sede de Campinas. 257 Semeghini (1991) destaca que, entre 1850 e 1870, a produção cafeeira no Oeste Paulista baseou-se tanto na exploração escravista como no emprego da mão-de-obra livre (no regime de parceria); entre 1870 e 1886, houve predomínio da mão-de-obra livre; e a partir de 1886, a produção cafeeira baseou-se totalmente na mão-de-obra livre. (SEMEGHINI, 1991, p.21) 258 Destaca-se, ainda, a importância dos grupos populares livres para as atividades complementares da produção cafeeira ou açucareira, seja no sistema escravista ou no misto, desempenhando atividades de artesanato, manufatura, comércio, transporte e outros tipos de serviços. Baseado em Semeghini (1991).

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grupos sociais superiores e pelas atividades de suporte à economia cafeeira,

constituindo-se no alvo principal da ação disciplinadora do poder público259.

Por sua vez, na bibliografia levantada, pouco se menciona sobre os

aspectos sociais e econômicos dos povoados existentes no espaço campineiro,

entre 1850 e 1870260. Nesse sentido, em Semeghini (1991) destaca-se a

referência à colônia de norte-americanos confederados estabelecida na área, na

década de 1860, que passou a se denominar Vila Americana261, cujos colonos se

dedicaram, inicialmente, ao cultivo do algodão.

No estudo historiográfico de Toledo (1995), destacam-se as referências aos

povoados existentes na região do Quilombo (ou bairro do Quilombo), que

posteriormente tornou-se bairro de Rebouças262, compreendendo alguns bairros

rurais, dispersos pelo território.

Além desses dois conjuntos de povoados, destacam-se também a região da

Vila de Valinhos, cujas primeiras referências datam do final do século XVIII263, e a

região de “Campo das Palmeiras” (atual Cosmópolis)264 onde, no período 1850-

1870, provavelmente já registrava a existência de povoado265.

259 Baseado em Lapa (1995). Esse aspecto do urbano campineiro, do século XIX, já foi abordado no capítulo 2. 260 O estudo historiográfico de Lapa (1995) concentra-se nas transformações ocorridas no distrito-sede de Campinas, não mencionada nada a respeito dos povoados, bairros rurais e distritos de Campinas. 261 Nessa época, Vila Americana era um povoado pertencente ao município de Campinas. Somente no século XX, em 1904, ela torna-se distrito de Campinas e, 1924, o distrito emancipa-se de Campinas, tornando-se o município de Americana, interligado, atualmente, a Campinas, pela rodovia Anhanguera. Para se ter idéia da distância entre o distrito-sede de Campinas e o povoado de Vila Americana, vale destacar que, atualmente, a distância entre os limites dos dois municípios é de 41 Km, sendo que essa distância aumentaria se fossem considerados os núcleo urbano central de cada um. Dados sobre a distância rodoviária entre os municípios extraídos do site da AGEMCAMP (Agência Metropolitana de Campinas): <http://www.agemcamp.sp.gov.br/mapas.php> Acessado em: 30/10/2007. 262 O bairro recebe esse nome com a instalação da estação ferroviária Rebouças, em 1875; em 1909, torna-se o distrito de Rebouças; e, em 1954, eleva-se à categoria de município, com o nome de Sumaré. A sua área de influência, principalmente a partir de 1875, compreendia bairros e povoados numa área que correspondem aos atuais municípios de Hortolândia, Sumaré e Nova Odessa (Toledo, 1995), interligados, atualmente, a Campinas, pela rodovia Anhanguera. 263 Sobre Valinhos: http://www.valinhos.sp.gov.br, acessado em: 07/11/2007. 264 Denominação extraída do histórico do município, disponibilizado pelo site da prefeitura municipal de Cosmópolis: www.cosmopolis.sp.gov.br, acessado em: 11/09/2007. 265 Baseado em Gabriel (1995).

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Os dados da tabela 3.1 fornecem informações sobre a composição da

população, de acordo com a condição social, em 1854, para Campinas e outros

municípios selecionados:

Tabela 3.1: População total segundo condição social

Municípios selecionados – Província de São Paulo – 1854

Cidades Freguesia Total Livre %

Livre Total

Escrava %

Escrava Total

Estrang. %

Estrang. TOTAL

POPULAÇÂO % Pop por Distrito

Campinas 5.725 40,3 8.149 57,4 327 2,3 14.201 100,0

Total Campinas 5.725 40,3 8.149 57,4 327 2,3 14.201 100,0

Mogi-Mirim 8.139 64,4 4.468 35,4 29 0,2 12.636 50,7

Mogi-Guaçú 3.861 78,3 1.052 21,3 18 0,4 4.931 19,8

N.S.da P.Mogi-Mirim 3.279 83,9 606 15,5 22 0,6 3.907 15,7

S. J. Boa Vista 2.270 65,6 1.183 34,2 7 0,2 3.460 13,9

Serra Negra (*)

Total Mogi-Mirim 17.549 70,4 7.309 29,3 76 0,3 24.934 100,0

Piracicaba 3.735 73,3 1.345 26,4 15 0,3 5.095 81,8

Santa Bárbara 1.104 97,4 25 2,2 4 0,4 1.133 18,2

Total Piracicaba 4.839 77,7 1.370 22,0 19 0,3 6.228 100,0

Rio Claro 4.506 68,6 1.814 27,6 244 3,7 6.564 60,5

Itaqueri da Serra 1.711 92,3 141 7,6 2 0,1 1.854 17,1

Brotas (*)

Descalvado 2.197 90,4 229 9,4 4 0,2 2.430 22,4

Total Rio Claro 8.414 77,6 2.184 20,1 250 2,3 10.848 100,0

São Paulo

Juqueri 2.010 90,7 203 9,2 2 0,1 2.215 6,8

Guarulhos 1.718 82,0 375 17,9 2 0,1 2.095 6,4

Penha de França 985 76,2 295 22,8 13 1,0 1.293 4,0

Sé 4.727 63,3 2.241 30,0 496 6,6 7.464 22,9

S. Bernardo 1.650 79,6 406 19,6 16 0,8 2.072 6,4

N. S. do Ó 1.570 77,7 448 22,2 2 0,1 2.020 6,2

N. S. do Brás 717 74,3 146 15,1 102 10,6 965 3,0

Cotia 2.787 79,4 718 20,5 4 0,1 3.509 10,8

S. Efigênia 2.557 70,6 939 25,9 125 3,5 3.621 11,1

Santo Amaro 3.562 86,9 463 11,3 76 1,9 4.101 12,6

Itapecerica da Serra 3.038 94,0 144 4,5 51 1,6 3.233 9,9 Mboy (*)

Total São Paulo 25.321 77,7 6.378 19,6 889 2,7 32.588 100,0

Província de São Paulo 294.784 70,4 116.991 28 6.757 1,6 418.532

Fonte: Quadro Estatístico da População da Província de São Paulo recenseada no anno de 1854. Apud Bassanezzi (1998)

Nota: (*) Municípios, Freguesias ou Capelas Curadas sem informação.

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Com relação aos dados da tabela 3.1, uma primeira observação,

considerando todos os municípios selecionados266, com exceção de Campinas, é

que quanto maior o número de distritos, menor a concentração populacional no

distrito-sede.

Isso é o que se verifica quando se considera Piracicaba, que possuía dois

distritos, sendo que cerca de 81% se concentrava no distrito-sede; em seguida,

toma-se Rio Claro, com 4 distritos, e Mogi-Mirim, com 5 distritos, registrando uma

concentração populacional no distrito-sede na ordem de 60% e 51%,

respectivamente. Por fim, o caso do município de São Paulo é bastante peculiar,

possuindo 12 distritos e uma concentração populacional no distrito da Sé, na

ordem de 23%.

Com relação a esses dados, argumenta-se que eles poderiam ser um

indicador de uma característica do processo de diferenciações político-territoriais:

a de que diferenciações político-territoriais, uma vez criadas, influenciariam

processos posteriores, relacionados com reorganização populacional e

redistribuição de poder político no espaço intra-municipal. Ou seja, nas

diferenciações político-territoriais estaria intrínseca uma potencialidade para

alterar as condições sociais e políticas presentes no espaço intra-municipal, a

médio ou longo prazo.

Por sua vez, essa potencialidade se realizaria, em menor ou maior grau, em

função da atuação de alguns fatores: por um lado, tem-se as relações

intergovernamentais, que condicionam a organização do governo municipal, e a

forma assumida pela interação Estado-sociedade, em cada contexto político-

institucional; por outro lado, tem-se a própria composição social da população e os

interesses políticos e econômicos da classe dirigente local.

Assim, para se entender os desdobramentos posteriores das diferenciações

político-territoriais de um determinado espaço intra-municipal e sua contribuição

para a formação da sua hinterlândia, deve-se considerar o contexto político-

institucional e econômico em que foram criados os distritos secundários, no

266 Definiu-se, para fins de comparação com município de Campinas, selecionar aqueles municípios já considerados anteriormente, na análise da relação do numero de distritos e extensão territorial, constantes do quadro 3.2a.

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território municipal, e os fatores internos e externos que condicionaram sua

criação.

Uma segunda observação com relação aos dados da tabela 3.1 refere-se à

composição social da população dos municípios – o que, como foi apontado

acima, pode constituir-se num fator que condiciona a criação de distritos

secundários no espaço municipal.

Nesse sentido, destaca-se que, dentre os municípios selecionados,

Campinas era o único no qual, em 1854267, a população escrava (cerca de 57% da

população total) era superior à população livre. Embora não se tenha informação

mais detalhada sobre as atividades nas quais estava empregada a população

livre268, estudos269 destacam que, na década de 1820, Campinas registrou uma

certa diversificação da estrutura social270, apresentando proporção maior da

população atuando como artesões ou trabalhando nos serviços.

Porém, tamanha população escrava, aliada aos dados da produção cafeeira

do município271, poderia indicar, por um lado, a opção dos fazendeiros

campineiros por uma determinada forma de estrutura fundiária e de emprego da

mão-de-obra, o que, por sua vez, corresponderiam a decisões políticas desses

fazendeiros em relação a política de terras e de colonização. Por outro lado,

indicaria uma certa rigidez na composição social da população272.

Esses dois aspectos, por sua vez, estariam relacionados com a ausência de

decisão em se criar distritos secundários no território campineiro, contribuindo 267 Destaca-se que, em 1854, o município de Campinas possuía a maior população escrava da província de São Paulo e, dentre cinco municípios paulistas com proporção de escravos superior a proporção de população livre, Campinas ocupava a quarta posição, ficando atrás de Bananal (66,4% de população escrava), Capivari (62,0%) e Queluz (61,0%). Campinas ficava a frente de Areias (50,4% de população escrava). Baseado nos dados do Quadro Estatístico da População da Província de São Paulo, organizados por Bassanezi (1998). 268 Nos dados populacionais referentes ao ano de 1854, organizados por Bassanezi (1998), não há informação sobre profissões. Tal informação aparece no recenseamento de 1872, disponibilizados por municípios e desagregados por distritos. 269 EISENBERG, P.L. Sugar and social change in Brazil: Campinas, São Paulo, 1767-1830. Anais da V Reunião Sociedade Brasileira de Pesquisa Histórica, São Paulo, 1986. Apud SEMEGHINI, 1991, p.19. 270 Em comparação com o ano de 1809. (EISENBERG, 1986 apud SEMEGHINI, 1991, p.19). 271 Sobre a produção cafeeira no período, ver capítulo 2. 272 Para melhor avaliar a influência da atuação desses dois fatores no processo de diferenciações político-territoriais, seria necessário estudo mais aprofundado, com dados mais detalhados sobre população e estrutura fundiária, comparando diferentes municípios. Porém, tal estudo não será possível neste momento, optando-se apenas por apontar a questão.

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133

para uma polarização política e administrativa no distrito-sede, coibindo o

surgimento, já naquele momento, como ocorreu em outros municípios

selecionados, de novas espacialidades de formação e participação política no

espaço intra-municipal.

Com isso, buscou-se, enfim, consubstanciar o tipo de diferenciações

político-territoriais intra-municipais assumido por Campinas, entre 1850 e 1870,

expresso pela polarização de um distrito-sede que concentrava o estabelecimento

dos grupos dominantes locais e das atividades de suporte da economia cafeeira,

acompanhado, pelos investimentos, também concentrados, em melhoramentos

urbanos e serviços públicos e pelos empregos urbanos. Em torno deste distrito-

sede, gravitavam diversos povoados, onde a atividade preponderante da

população ligava-se à agricultura, principalmente o cultivo do café.

Trata-se do momento inicial de formação da hinterlândia, tanto da sua

dimensão econômica como da sua dimensão política, onde o poder político estaria

concentrado no distrito-sede, constituindo-se na única espacialidade de formação,

debate e tomada de decisões políticas no município de Campinas.

Nesse contexto, os povoados, sem autonomia política e administrativa273 e

não configurando um espaço de participação política, constituiriam-se em “regiões

tributárias” de seu respectivo “centro urbano”274. A população dessas “regiões

tributárias” precisaria se deslocar para o “centro urbano” para exercer todas as

etapas de sua participação política, desde a definição de seu papel político até a

inclusão de suas demandas nas agendas de tomadas de decisão política. Nesse

movimento, os povoados demandariam poder político ao distrito-sede e, deles

obteriam a possibilidade de atendimento de suas demandas.

Argumenta-se que essa situação perduraria até 1870, quando Campinas

passa por um novo processo de diferenciação político-territorial, o qual ficaria em

vigência até a década de 1890.

273 Nos termos colocados por Souza & Blumm (1999), apresentado no segundo capítulo. 274 Nos termos definidos por Singer (1968). Ver discussão desenvolvida no capítulo 1.

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III.2.2 – Período 1870-1896

Nesse período, que se inicia em 1870 e vai até 1896, o tipo de

diferenciação político-territorial assumido por Campinas é aquele que corresponde

à presença de distrito-sede, de distrito secundário e de povoados, no qual se

verifica nível equilibrado de poder político entre os distritos275. Por sua vez, o

período seguinte, que começa em 1896, chega em 1900 e adentra o século XX276,

Campinas passaria a apresentar outro tipo de diferenciações político-territoriais,

que corresponderia à presença de distrito-sede, de distritos secundários e de

povoados, porém com nível desigual de poder político entre os distritos277.

O período 1870-1896 é caracterizado, em termos de diferenciações político-

territoriais, pela criação do distrito de N. S. Carmo e Santa Cruz, em 1870,

passando a existir, a partir de então, no município de Campinas, dois distritos: o

distrito-sede, identificado com a Paróquia de N.S. da Conceição, e um distrito

secundário, identificado com a Paróquia do N.S. do Carmo e Santa Cruz.

Argumenta-se que a distribuição de poder político entre o distrito-sede e o

distrito secundário era equilibrada, neste momento, em função, por um lado, dos

fatores econômicos, sociais e políticos presentes, tanto no contexto no qual esse

distrito é fundado como nos momentos posteriores, ao longo do período, e, por

outro, do perfil dos grupos sociais que ocupavam a o centro urbano do distrito

secundário criado.

Assim, a grande produção cafeeira registrada em Campinas, nas décadas

de 1850 e 1860, permitiram que, a partir de 1870, o município se transformasse na

275 Trata-se do tipo 3, da tipologia de diferenciações político-territoriais intra-municipais, apresentada no quadro 3.1, neste capítulo. 276 A análise do período iniciado em 1896 será feita até 1900, embora já estejamos sob o contexto republicano. Considera-se que, logo após a proclamação da República, seguiu-se um período de transição, onde as relações intergovernamentais e a interação Estado-sociedade sofriam ainda a influência do Império. O ano de 1900 marca o início de um período diferente, embora algumas questões surgidas no Império ainda prevaleçam, caracterizado, de um lado, pelo estabelecimento da política dos governadores, implementada por Campos Sales, e, de outro, pela recuperação de Campinas de sua primeira crise urbana, decorrente da epidemia de febre amarela, ao final do século XIX, e pelo início da crise do primeiro ciclo longo do café (1886-1918). Baseado em Carvalho (1996; 1987); Fausto (2000); Carvalho (1991) e Semeghini (1991). 277 Trata-se do tipo 4, da tipologia de diferenciações político-territoriais intra-municipais.

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“capital agrícola” da província278. Como já destacado em capítulo precedente,

entre 1870 e 1886, a cidade de Campinas assistiu a um intenso desenvolvimento

de seu espaço urbano, com a inauguração dos dois principais ramais da estrada

de ferro, em 1872 e 1875279; com a instalação de serviços públicos e inovações

tecnológicas280, financiadas, principalmente pelo capital cafeeiro; e com a

realização de melhoramentos urbanos281, tanto no distrito-sede como no distrito

secundário.

Paralelo a isso, Campinas assistiria à instalação de diversos serviços

urbanos e de sofisticado comércio, visando atender um público exigente com

maior poder aquisitivo e cioso das novidades vindas da Europa. Comércio este

estabelecido por imigrantes europeus, estabelecidos em Campinas através de

recursos próprios, atraídos pela promissora rentabilidade que o município

oferecia282.

Nesse contexto, o centro urbano do que viria a ser, em 1870, o distrito de

N.S. Carmo e Santa Cruz – área que corresponderia ao bairro de Santa Cruz,

Taquaral e Guanabara283 –, segundo Lapa (1995), já vinha se configurando como

local de residência de pessoas influentes de Campinas, pelo menos, desde a

primeira metade da década de 1860.

Complementarmente, a partir de outros estudos, destaca-se que, com a

criação do novo distrito, deu-se uma reorganização da circunscrição territorial do

município. Nesse sentido, segundo Gabriel (1995), enquanto o distrito da

Conceição (distrito-sede) compreendia, basicamente, as áreas próximas ao centro

278 Ver discussão no segundo 2. 279 A Paulista e a Mogiana, respectivamente (ver capítulo 2). 280 Luz elétrica, bonde elétrico, serviço de telefonia, iluminação a gás entre outros. Baseado em Lapa (1995) e Semeghini (1991). 281 Incluem calçamento das vias e calçadas, normatização da construção no perímetro urbano, implantação de serviços de saneamento e higiene, canalização da água entre outros. Baseado em Lapa (1995) e Semeghini (1991). 282 Trata-se dos imigrantes europeus chegados ao município antes da “grande imigração” (esta iniciada em 1886), cuja característica é de tratar-se de imigrantes com recursos próprios, com interesse nas atividades urbanas de comércio e prestação de serviços (ver capítulo 2). Baseado em Gabriel (1995) e Lapa (1995). 283 Não há uma menção explícita de que o núcleo urbano do distrito de N.S. Carmo e Santa Cruz corresponda exatamente aos bairros mencionados. Isso foi deduzido a partir das descrições da expansão do perímetro urbano de Campinas, no estudo historiográfico de Lapa (1995).

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campineiro, como bairros do Bosque e Cambuí, o distrito do Carmo e Santa Cruz,

compreendia, além das já citadas, as áreas do Castelo, Barão Geraldo e Amarais.

Além disso, Toledo (1995) destaca que a região do Quilombo284, que até

1870 pertencia à circunscrição do distrito-sede de Campinas, a partir desta data

passaria a pertencer à circunscrição do distrito do Carmo e Santa Cruz. Em função

disso, é possível concluir, devido à localização no espaço campineiro, que tanto os

povoados localizados na região da Vila Americana como na região de Campo das

Palmeiras285 também passariam à circunscrição do novo distrito286.

Esse redesenho das circunscrições distritais do espaço campineiro resultou

numa reordenação da população neste espaço, cujas características passaremos

a abordar. Nesse sentido, destaca-se, primeiramente, a estrutura etária da

população livre e escrava de cada um dos distritos campineiros, para o ano de

1872287:

284 Região que compreende a área dos atuais municípios de Hortolândia, Sumaré e Nova Odessa. 285 Atuais municípios de Americana e Cosmópolis, respectivamente. 286 Na bibliografia levantada, não há menção explícita a respeito disso. Também não há menção sobre as áreas rurais que passariam a pertencer à circunscrição do distrito de N.S. Conceição (distrito-sede) a partir da criação do distrito do Carmo e Santa Cruz. 287 Os dados brutos utilizados para a elaboração das pirâmides constam em anexo, no final do trabalho.

PARÓQUIA N.S. CONCEIÇÃO

11,0 9,0 7,0 5,0 3,0 1,0 1,0 3,0 5,0 7,0 9,0 11,0

0 a 5

11 a 15

21 a 25

31 a 40

51 a 60

71 e +

CAM PINA S

11,0 9 ,0 7 ,0 5 ,0 3 ,0 1 ,0 1 ,0 3 ,0 5 ,0 7 ,0 9 ,0 11 ,0

0 a 5

11 a 15

21 a 25

31 a 40

51 a 60

71 e +

Hom em E s c ravo Hom em L ivre M u lher E s c rava M ulher L ivre

PAROQUIA N.S.CARMO E SANTA CRUZ

11,0 9,0 7,0 5,0 3,0 1,0 1,0 3,0 5,0 7,0 9,0 11,0

0 a 5

11 a 15

21 a 25

31 a 40

51 a 60

71 e +

Gráfico 3.1: Pirâmides etárias, por sexo e condição social Município de Campinas, por distritos - 1872

Fonte: Recenseamento Geral do Império, 1872. Apud Bassanezi, 1998

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Primeiramente, destaca-se que, em 1872, a população escrava em

Campinas já não era mais majoritária, como era em 1854. Entre esses dois anos,

a população total do município, passou de 14.201 para 31.369 habitantes,

representando crescimento anual de 4,05% (a.a.). Por sua vez, a população

escrava passou de 8.190 para 13.685 indivíduos288, equivalendo a uma taxa de

crescimento de 2,6% (a.a.) 289.

Considerando a estrutura etária do município de Campinas, com relação à

população total, observa-se uma base larga, indicando grande proporção de

população infantil, sendo maior a masculina. Observa-se também proporção

eqüitativa da população entre 11 e 30 anos e um peso mais destacado do grupo

etário de 31 a 40 anos, principalmente da população masculina. Todos esses

aspectos apontam para o perfil jovem da população campineira.

Por sua vez, com relação à população escrava do município, destaca-se,

por um lado, a maior presença dos homens em todas as idades, com destaque

também para as idades entre 31 e 40 anos, e, por outro, o estreitamento da base

da pirâmide, provavelmente, indicando o efeito da Lei do Ventre Livre, de 1871.

Considerando, agora, a estrutura etária do distrito de Conceição e do

distrito do Carmo e Santa Cruz, tem-se, com relação à população total, o

predomínio da população masculina em todos os grupos etários nos dois distritos,

com destaque para o grupo adulto de 31 a 40 anos. Observa-se também o maior

predomínio da população infantil no distrito do Carmo e Santa Cruz, tanto da

população total quanto da população escrava.

Com relação à população escrava, destaca-se que, em termos absolutos,

ela era relativamente equilibrada nos dois distritos, com um peso maior no distrito

secundário: o distrito de Conceição possuía 6.705 escravos e o distrito do Carmo

e Santa Cruz, 6.980 escravos290.

Considerando o escravo como o principal instrumento da produção cafeeira

e, em função disso, podendo a sua posse ser tomada como indicador do nível de

288 Campinas continuou sendo, em 1872, o município paulista com maior população escrava. Baseado em Bassanezi (1998). 289 Dados populacionais para o período 1836-1886, para população total e escrava de Campinas, apresentados no capítulo anterior. 290 Dados em anexo.

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riqueza, pode-se afirmar que, de forma agregada, os dois distritos campineiros

eram equilibrados em termos de poder econômico, pois cada um deles,

isoladamente, possuía mais escravos que a quase totalidade dos municípios

paulistas291.

Ainda com relação à população escrava, destaca-se o maior predomínio da

população masculina nos dois distritos, sendo que o distrito da Conceição

apresentava baixa presença de crianças e, à medida que a idade avança, essa

presença aumentou, destacando-se o maior predomínio de homens entre 21 e 40

anos. Por sua vez, o distrito do Carmo e Santa Cruz possuía, em comparação ao

distrito-sede, uma população escrava masculina mais distribuída entre os grupos

etários, destacando-se a maior presença de crianças neste distrito.

A partir das estruturas etárias, é possível conhecer como a população de

cada distrito de Campinas se distribui em termos de idade, sexo e condição social,

porém, elas não são suficientes para apreender a distribuição do poder político

entre eles. Para isso, torna-se necessário considerar informações que nos forneça

a composição social de cada distrito.

Diante disso, argumenta-se que seria em função da composição social dos

dois distritos que se sustenta que, entre eles, o nível de poder político seria

equilibrado, correspondendo, com isso, ao tipo 3 da tipologia de diferenciações

político-territoriais. Os dados da tabela 3.2 contribuem para fundamentar este

argumento:

291 Em 1872, o único município que possuía uma população escrava superior a 6.000 escravos era Bananal, com 8.281 escravos. Baseado em Bassanezi (1998).

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Tabela 3.2: População em Relação às Profissões

Município de Campinas, por distritos 1872

N.S.Conceição Carmo e Santa Cruz Campinas Profissões

n % n % n % Profissionais Liberais 194 47,9 211 52,1 405 100,0

Juristas 25 48,1 27 51,9 52 100,0

Área Médica 27 41,5 38 58,5 65 100,0

Professores 32 35,2 59 64,8 91 100,0

Empregados Públicos 19 36,5 33 63,5 52 100,0

Artistas 91 62,8 54 37,2 145 100,0

Militares 0 0,0 29 100,0 29 100,0

Capitalistas e Proprietários 56 44,4 70 55,6 126 100,0

Profissões Industriais e Comerciais 246 46,7 281 53,3 527 100,0

Operários 966 53,6 836 46,4 1.802 100,0

Profissões Agrícolas 6.697 56,3 5.189 43,7 11.886 100,0

Serviços Domésticos 1.496 44,6 1.859 55,4 3.355 100,0

Outras profissões 1.006 54,0 857 46,0 1.863 100,0

Sem Profissão 5.986 52,5 5.418 47,5 11.404 100,0

Total 16.647 53,0 14.750 47,0 31.397 100,0

Fonte: Recenseamento Geral do Império, 1872. Apud Bassanezzi, 1998.

Com relação aos dados da tabela 3.2, primeiramente, observa-se que a

população total de Campinas, em 1872, era de 31.397 habitantes292, dos quais

53% localizavam-se na área de jurisdição do distrito-sede (Conceição),

correspondendo a 16.647 habitantes, e 47%, na área do distrito recém-criado, o

que equivalia a 14.750 habitantes.

Em segundo lugar, constata-se que, do total dos profissionais liberais, cerca

de 52% localizavam-se no distrito do Carmo e Santa Cruz, dentre os quais, com a

exceção da categoria dos artistas, todas as demais categorias encontravam-se

majoritariamente no referido distrito secundário (categorias dos juristas, área

médica, professores e empregados públicos) – o que indica que significativa

parcela da população exercendo profissões urbanas e da administração pública

residia no distrito secundário recém-criado.

292 Campinas registrou, entre 1854 e 1872, um crescimento populacional de 4,05% ao ano – superior ao crescimento da província de São Paulo (3,55% ao ano) e ao crescimento da região de Campinas (2,07% ao ano).

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Destaca-se, ainda, com relação a este distrito, a presença majoritária, tanto

de capitalista e proprietários (55,6%), que estava relacionada com a área rural que

ficou circunscrita a este distrito, mencionado acima, como de pessoas

empregadas em atividades industriais e comerciais (53,3%), cujo segmento foi o

que registrou diversificação significativa, principalmente, a partir de 1870293.

Por sua vez, destaca-se, no distrito de N. S. Conceição, a presença

majoritária, tanto de operários (53,6%), que estaria relacionada com o

estabelecimento concentrado das fábricas e oficinas no distrito-sede294, como de

lavradores (56,3%), indicando que parcela significativa da área rural permaneceu

na circunscrição do distrito-sede.

Um segundo aspecto que nos leva a sustentar o nível equilibrado de poder

político entre o distrito-sede e o distrito secundário, em questão, refere-se ao nível

de instrução da sua população.

No sistema eleitoral do Império, onde a participação como eleitor constituía

mais uma “função social”295 do que um direito, prevalecia a exigência do requisito

censitário e, a partir de 1881, com a Lei Saraiva, além de aumentar o montante da

renda exigida, somou-se o requisito de alfabetização. Com isso, pode-se

considerar que o grau de alfabetização constituiu-se num indicador do potencial de

poder político, a partir do qual pode-se comparar distritos eleitorais, municípios e

províncias.

Já foi destacado em outro trecho deste estudo que, após a reforma eleitoral

de 1881, houve uma alteração de correlação de poder político das duas principais

regiões paulistas: Vale do Paraíba e o Oeste Paulista. Com esta alteração, o

293 Ver discussão sobre Campinas, nesse período, no capítulo 2. Baseado em Lapa (1995) e Semeghini (1991). 294 Estudos indicam que, nesse período, as fábricas e oficinas, na sua maioria, eram estabelecidas no perímetro urbano do distrito-sede, geralmente, em áreas contíguas ao centro da cidade. Por sua vez, os trabalhadores destes estabelecimentos, geralmente, residiam próximos ao seu local de trabalho. Ver Lapa (1995) e Carvalho (1991). 295 Carvalho (1987) destaca que John Stuart Mill foi o autor mais influente sobre os proponentes da reforma eleitoral de 1881, que defendia a restrição à participação política do analfabeto. Sob esta influência, o direito político (expresso pelo voto) não era um direito natural; ele era “concedido pela sociedade àqueles que ela julga merecedores dele” (CARVALHO, 1987, p.44). Assim, “o voto, antes de ser direito, é uma função social, é um dever” (CARVALHO, 1987, p.44). Porém, Carvalho (1987) destaca, ainda, que, John Stuart Mill, embora excluísse o direito de voto do analfabeto, ele considerava como dever da sociedade o fornecimento dos meios de alfabetização a todos os cidadãos (CARVALHO, 1987, p.168).

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Oeste Paulista passou a ter maior representação política, invertendo a situação

ate então prevalecente, quando o Vale era mais representativo,

comparativamente296.

Nesse contexto, no qual, segundo Magalhães (1992), o poder político do

Oeste Paulista passou a ser diretamente proporcional ao seu papel

desempenhado no desenvolvimento da economia cafeeira na província de São

Paulo, o mesmo movimento se verificou no município de Campinas que, em 1881,

tornou-se sede de um dos nove distritos eleitorais da província297 e tornou-se o

município paulista com a segunda maior população eleitoral, com 589 eleitores298.

Com isso, pode-se afirmar que uma das formas de se avaliar o grau de

poder político de um município, a partir das reformas eleitorais de 1881, seria

através da consideração da quantidade de pessoas aptas a votar. Tal informação

poderia ser inferida através do nível de renda pessoal e do grau de alfabetização

de sua população masculina e adulta299, em comparação com outros municípios.

Considera-se que o mesmo procedimento pode ser feito em relação a diferentes

distritos, pertencentes a um mesmo município.

Assim, no caso de Campinas, o grau de poder político de cada um dos

distritos existentes poderia ser captado através da identificação da proporção dos

seus eleitores em potencial. Utilizando os dados do recenseamento de 1872, essa

identificação só é possível através da informação sobre o grau de instrução da

população, que é apresentado nas tabelas 3.3 e 3.4:

296 Ver discussão feita no capítulo 2. Baseado em Magalhães (1992). 297 Até então, Campinas nunca havia sido distrito eleitoral no estado. 298 Em 1868, Campinas possuía a sétima população eleitoral da província de São Paulo. Em 1881, sua população eleitoral só era inferior à população eleitoral do município de São Paulo, que era de 1.008 eleitores. Ver discussão apresentada no capítulo anterior. 299 Através das informações de renda e de alfabetização é possível obter a população potencialmente apta a ser eleitor, ou então, a ser candidato. Magalhães (1992) destaca que a maior limitação implementada pelas reformas de 1881 refere-se à maior dificuldade em se fornecer comprovação da renda. Assim, a informação sobre renda e alfabetização nos fornece o potencial da população a ser eleitor, e não a população que realmente constituiu-se como eleitor. Para tal informação, a melhor fonte de dados refere-se aos próprios registros eleitorais – fonte explorada por Magalhães (1992), mas que no presente estudo não serão considerados.

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142

Tabela 3.3: População total, segundo instrução e sexo

Município de Campinas, por paróquias (distritos)

1872

Alfabetizada (1) Paróquias (distritos) Homens Mulheres Total

% Paroq/ munic

População Total

Pop Alfab/ Pop Total

(%)

N.S. da Conceição 1.244 811 2.055 36,7 16.647 12,3 N.S. do Carmo e Santa Cruz (2) 2.492 1.045 3.537 63,3 14.750 24,0

Total do Município 3.736 1.856 5.592 100,0 31.397 17,8

Fonte: Recenseamento Geral do Império, 1872. Apud BASSANEZI, 1998 (1) Inclui população livre e população escrava; (2) Nessa paróquia encontram-se os únicos registros de escravos que sabiam ler e escrever, sendo dois homens e três mulheres.

A primeira observação a ser destacada, na tabela 3.3, é que do total da

população alfabetizada do município300, mais de 63% localizavam-se no distrito do

Carmo e Santa Cruz, sendo que, neste caso, para essa maior proporção de

pessoas alfabetizadas, poderia estar contribuindo a maior proporção de

profissionais liberais, de capitalistas e proprietários e de militares residentes no

distrito. Por sua vez, aproximadamente, 37% da população alfabetizada

localizavam-se no distrito-sede.

Em segundo lugar, observa-se que, tomando a população alfabetizada de

acordo com o sexo, o distrito do Carmo e Santa Cruz possuía ambos os sexos em

maior proporção, sendo que a sua população masculina chegava a representar o

dobro da população masculina alfabetizada do distrito-sede301.

Por fim, constata-se que a proporção da população alfabetizada total sobre

a população total era maior no distrito do Carmo e Santa Cruz (24%) do que no

300 Inclui população com 16 anos e mais e população em idade escolar (entre 6 e 15 anos). 301 Essa maior proporção de população masculina alfabetizada no distrito secundário realça-se ainda mais quando se considera que o distrito-sede concentrava, em 1872, 57% população masculina livre total (5.500 homens), 60% da população livre masculina, com 16 anos e mais (3.324 homens) e 60% da população masculina livre, acima dos 20 anos (2.823 homens). O distrito secundário possuía 43% população livre total (4.118 homens), 40% da população livre masculina, com 16 anos ou mais (2.188 homens) e 40% da população masculina livre, acima dos 20 anos (1.850 homens). Baseado nos dados do recenseamento de 1872, organizados por Bassanezi (1998).

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distrito da Conceição (12,3%), o que indicaria maior nível de escolaridade da

população residente no distrito secundário do que no distrito-sede.

Novamente, aqui, essa diferença poderia estar relacionada com o perfil das

duas populações. Ou seja, por um lado, a maior proporção de profissionais liberais

no distrito secundário, exercendo, na sua maioria, atividades que exigiam curso

superior, e, por outro, a maior presença de operários e lavradores, no distrito-

sede, cujas atividades poderiam ser executadas por pessoas sem escolaridade.

Com os dados da tabela 3.4, pode-se avaliar a população eleitoral

potencial, através do nível de alfabetização da população masculina dos dois

distritos de Campinas, que é apresentado para a população total e para população

acima de 15 anos302, para o ano de 1872303.

302 Para uma maior exatidão do potencial de eleitores, via alfabetização, deveríamos considerar apenas a população masculina, livre e com mais de 21 anos, segundo instrução, porém, para o ano de 1872, a forma mais desagregada dessa informação, por distritos, é disponibilizada por população total (todas as idades). Para se obter a população masculina, livre, alfabetizada, acima de 15 anos, subtraiu-se da população alfabetizada total a população de 6 a 15 anos que freqüenta escola (outro quesito que aparece no censo demográfico de 1872). 303 Considerar a alfabetização, para o ano de 1872, como indicador do potencial de eleitores possui, em si, um erro, pois a exigência da alfabetização para exercitar o voto somente passou a vigorar com a Lei Saraiva, a partir de 1881. Essa informação não existe, para Campinas, em 1886 e só vai surgir novamente no recenseamento de 1890, já na República. Como se fez necessário ter esse tipo de informação, com relação a essa fase do Império, foram considerados os dados de 1872 – únicos existentes – como um indicador do perfil de cada um dos distritos campineiros. Devido à fase da economia cafeeira, vivenciada pelo município de Campinas, e ao desenvolvimento urbano em curso, considera-se que a distribuição da população alfabetizada entre os dois distritos, em 1872, tenha se mantido a mesma até 1886. A partir desta data, diversos fatores passaram promover mudanças no perfil da população, o que deve ter alterado também a distribuição da população alfabetizada no município.

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Tabela 3.4: População livre alfabetizada, por sexo

Município de Campinas, por paróquias (distritos)

1872

Homens Mulheres Paróquias (distritos) n % n %

População alfabet.

Pop. Total Pop Masc livre/ Pop Alfab (%)

Pop Masc livre/ Pop Total (%)

16 anos e mais

N.S. Conceição 1.185 32,6 743 42,3 1.928 - 61,5 7,1

N.S. Carmo e Sta Cruz 2.452 67,4 1.013 57,7 3.465 - 70,8 16,6

Total

N.S. Conceição 1.244 33,3 811 43,7 2.055 16.647 60,5 7,5

N.S. Carmo e Sta Cruz 2.490 66,7 1.042 56,3 3.532 14.750 70,5 16,9

Município – 16 e mais

3.637 100,0 1.756 100,0 5.393 - 67,4 11,6

Município – Total 3.734 100,0 1.853 100,0 5.587 31.397 66,8 11,9

Fonte: Recenseamento Geral do Império, 1872. Apud BASSANEZI, 1998

Com os dados da tabela 3.4, considerando o total da população masculina

alfabetizada, em 1872, observa-se o predomínio desse segmento no distrito

secundário304. Ou seja, 67% concentravam-se no distrito do Carmo e Santa Cruz

(2.490 indivíduos), a qual representava 70% da população alfabetizada total e

17% da população total do distrito. Por sua vez, 33% da população masculina

alfabetizada concentravam-se no distrito de Conceição (1.244 indivíduos), sendo

que esta população representava 60% do total da população alfabetizada total e

7% da população total do distrito.

Considerando somente a população acima de 15 anos, observa-se um

ligeiro aumento da participação da população masculina alfabetizada no distrito

secundário, que continuou concentrando em torno de 67% desse segmento (2.452

homens), enquanto o distrito-sede, que passou por uma ligeira queda na

304 Deve-se considerar que esta população é composta por indivíduos acima de 15 anos e indivíduos entre 6 e 15 anos que freqüentavam escola. Quando se considera somente essa população que freqüentava escola, tem-se que, no município de Campinas, ela correspondia a um total de 97 indivíduos, dos quais 59 indivíduos situavam-se no distrito-sede (61%) e 38 indivíduos, no distrito secundário (39%). Baseado no recenseamento de 1872, organizado em Bassanezi (1998).

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participação, mantendo seus 33% (1.185 homens) da população masculina e

alfabetizada.

Assim, a partir da distribuição relativamente equilibrada da população, por

profissões, entre os dois distritos campineiros, com uma participação majoritária

de profissionais liberais, capitalistas e proprietários no distrito do Carmo e Santa

Cruz, e da maior proporção de homens alfabetizados também neste distrito, pode-

se argumentar que o distrito secundário possuía, entre 1870 e 1886, um nível de

poder político equilibrado em relação ao distrito-sede, pelo menos,

potencialmente.

Porém, alguns aspectos nos levam a considerar que o poder político

compreendido pelo distrito do Carmo e Santa Cruz não se refere igualmente a

toda circunscrição territorial do distrito e, conseqüentemente, a toda sua

população. O mesmo pode-se dizer do distrito da Conceição (distrito-sede).

Assim, embora se verifique o maior peso de profissionais liberais (52%) e

de capitalistas e proprietários (56%) no distrito secundário305, em comparação ao

distrito sede, a proporção de lavradores (20,8%), operários (6,6%) e trabalhadores

domésticos (11,0%) é bastante significativa, como mostram os dados da tabela

3.5:

Tabela 3.5: População Livre, em Relação às Profissões

Município de Campinas, por distritos

1872

N.S.Conceição Carmo e Santa Cruz Campinas Profissões

n % n % n %

Profissionais Liberais 194 2,0 211 2,7 405 2,3

Militares 0 0,0 29 0,4 29 0,2

Capitalistas e Proprietários 56 0,6 70 0,9 126 0,7

Profissões Industriais e Comerciais 246 2,5 281 3,6 527 3,0

Operários 694 7,0 512 6,6 1.206 6,8

Profissões Agrícolas 3.396 34,2 1.614 20,8 5.010 28,3

Serviços Domésticos 792 8,0 853 11,0 1.645 9,3

Outras profissões 519 5,2 548 7,1 1.067 6,0

Sem Profissão (*) 4.045 40,7 3.652 47,0 7.697 43,5

Total 9.942 100,0 7.770 100,0 17.712 100,0 Fonte: Recenseamento Geral do Império, 1872. Apud Bassanezzi (1998)

305 Ver tabela 3.4.

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(*) Refere-se ao total da população, incluindo crianças, mulheres e idosos.

O mesmo pode-se dizer do distrito-sede (Conceição), que apresentava, em

1872, 34% da população formada por lavradores, 7%, por operários e 8%

exercendo atividades domésticas.

Além disso, embora a população alfabetizada do distrito do Carmo e Santa

Cruz represente 63% do total da população alfabetizada do município de

Campinas, a proporção de analfabetos na população livre, acima de 15 anos306,

do distrito secundário era de, aproximadamente, 21% (1.604 pessoas). Por sua

vez, no distrito-sede, a proporção de livres analfabetos, com mais de 15 anos, era

de 40% sobre o total da população livre, correspondendo a 3.998 pessoas.

Tabela 3.6: População livre analfabeta, maior de 15 anos

Município de Campinas, por paróquias (distritos)

1872

População Livre Analfabeta Paróquias (distritos) Homens Mulheres Total

População Livre Total

Pop Livre Analfab/ Livre Total (%)

N.S. da Conceição 2.156 1.842 3.998 9.942 40,2

N.S. do Carmo e Santa Cruz 688 (1) 916 1.604 7.770 20,6

Total do Município 2.844 2.758 5.602 17.712 31,6

Fonte: Recenseamento Geral do Império, 1872. Apud BASSANEZI, 1998

(1) Devido à incongruência, neste caso, só foi subtraída do total de analfabetos, a população de 0 a 5 anos.

Comparando os dados das tabelas 3.5 e 3.6, observa-se que o total da

população analfabeta livre, nos dois distritos, aproxima-se do total de lavradores,

podendo nos levar a concluir pela correspondência entre esses dois dados.

306 Para se obter um valor mais próximo do tamanho da população livre e analfabeta, em idade adulta, tomou-se o total de analfabetos livres e subtraiu-se a população infantil (0 a 5 anos) e a população de 6 a 15 anos, que freqüentavam escola. Esse cálculo somente apresentou incongruência para a população masculina do distrito do Carmo e Santa Cruz, resultando um valor negativo. Como não foi possível identificar as razoes dessa incongruência a partir dos dados do recenseamento de 1872, no caso dos homens do distrito secundário, só foi subtraída da população analfabeta, as crianças de 0 a 5 anos.

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Porém, nada nos permitiria optar por esta conclusão, uma vez que não se tem,

para 1872, dados para profissões, classificadas de acordo com a alfabetização.

Apesar disso, pode-se considerar que os analfabetos estariam distribuídos

entre aquelas profissões, cujo desempenho não exija, necessariamente, o domínio

da escrita e da leitura, como pode ser o caso das atividades da lavoura, serviços

domésticos e atividades mais simples no comércio, serviços e indústria.

O ponto no qual se quer chegar é o de destacar que a circunscrição de

cada distrito incluía um centro urbano e adjacências e os povoados, compostos

por bairros rurais e onde, possivelmente, ao longo do período 1870-1896,

desenvolveram-se pequenos núcleos urbanos307.

Diante disso, argumenta-se que uma maior proporção da população

desempenhando atividades urbanas, com maior poder aquisitivo e alfabetizada

residiam nas áreas correspondentes ao centro urbano e adjacências dos distritos,

sendo possível encontrar, em número reduzido, esses segmentos da população

residindo nos povoados.

Assim, considerando-se a participação política308 como uma “função

social”309, relacionada ao status econômico e social (renda e alfabetização),

argumenta-se que o poder político correspondente ao distrito secundário se referia

à população que se localizava no centro urbano ou nas suas adjacências, sendo

que os povoados distantes não participariam da mesma forma desse poder.

Embora as estradas de ferro tenham alcançado alguns povoados no espaço

campineiro, no primeiro qüinqüênio de 1870310, e, conseqüentemente, estimulados

a formação e desenvolvimento de núcleos urbanos no entorno das estações

ferroviárias, com estabelecimento de oficinas, serviços e comércio, esses núcleos

não foram elevados à categoria de distrito até o final do século XIX e início do

século XX.

307 Baseado no estudo historiográfico de Toledo (1995). 308 Expressa pelo direito de voto, mas que vai além do seu exercício, referindo-se à capacidade de participar dos debates políticos e fazer reivindicações. Baseado em Carvalho (1996; 1987). 309 Nos termos apontados por Carvalho (1987) em relação às idéias de John Stuart Mill referentes à restrição à participação política do analfabeto, já destacadas anteriormente. 310 Em 1872, foi inaugurada a estação da Vila de Valinhos (atual Valinhos); em 1875, a estação de Rebouças (atual Sumaré) e, em 1890, a linha de ferro Funilense, ligando Campinas ao Bairro do Funil (atual Cosmópolis). Baseado em Lapa (1995) e Toledo (1995).

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Argumenta-se que essa relativa demora em se conferir um novo status

político-institucional a esses povoados vai, posteriormente, marcar o papel

desempenhado por esses núcleos e sua participação política no espaço

campineiro, principalmente, tomando-se seu caráter de “regiões tributárias” da

hinterlândia campineira, tanto na sua dimensão econômica, como política.

Com isso, de acordo com o argumento deste estudo, afirma-se que o tipo

de diferenciação político-territorial assumido por Campinas, entre 1870 e 1896,

caracterizado por um nível equilibrado de poder político entre distrito-sede e

distrito secundário311, está relacionado com o contexto e com as motivações que

levaram à criação deste distrito.

Nesse sentido, destaca-se que, em 1870, foi criado o distrito de N.S. do

Carmo e Santa Cruz, exatamente no momento em que Campinas começou a

ostentar o epíteto de “capital agrícola” da província, passou a assistir a uma

inversão maior de investimentos nos serviços públicos e melhoramentos

urbanos312.

Paralelo a isso, se pressupõe uma certa melhoria no poder aquisitivo de

alguns grupos sociais, sendo que parte da população influente do município

passou a residir nas áreas que correspondem aos bairros que passaram a compor

o distrito secundário recém-criado313.

Com isso, argumenta-se que os fatores que motivaram a criação do distrito

secundário do Carmo e Santa Cruz estariam relacionados com a busca de maior

poder político, no contexto municipal, pela população mais influente e de maior

poder aquisitivo que já residia nesta região, no final da década de 1860. Pelas

características dessa população, se poderia apontar para a existência de uma

certa identidade política desta população com a do distrito-sede.

Assim, argumenta-se a criação deste distrito secundário teria ocorrido,

possivelmente, mais em função da existência de uma maior comunidade de

311 Em torno dos quais gravitavam povoados sem autonomia política, mas que desempenhavam papel importante na geração de riqueza, presente nos distritos, pois eram os núcleos existentes próximos às fazendas de café. 312 Baseado em Lapa (1995), Semeghini (1991), Baeninger (1996). 313 Baseado em Lapa (1995).

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interesses entre os grupos sociais dominantes dos dois distritos, do que em

função de conflitos de interesses.

Com isso, não se quer afirmar que não houvesse conflito de interesses

entre os grupos sociais dominantes. Esse conflito existia314. Porém, o que se

sustenta, aqui, é que, devido ao contexto socioeconômico e político no qual surgiu

o distrito do Carmo e Santa Cruz, sua criação poderia estar diretamente

relacionada com a busca por uma ampliação do espaço da formação e

participação política para atender a uma parcela da população que passou a deter

poder aquisitivo maior e que, portanto, demandava uma maior participação

política.

Isso explicaria também o fato dos citados povoados não terem sido

elevados à categoria de distrito, embora o contexto sócio-econômico, entre 1870 e

1896, parecesse favorável a isso. Ou seja, os povoados não constituíam, para

parcelas significativas do grupo dominante, o lócus privilegiado para sua

residência e inversão de seus capitais em serviços urbanos. Sua população,

provavelmente, correspondia a um reduzido poder político, expresso em termos de

renda e alfabetização, e as poucas pessoas, com maior poder político, deveriam

deslocar-se para um dos dois distritos para definição e desempenho de seu papel

político.

A ausência de uma identidade social e econômica entre o distrito-sede e os

povoados, da forma como se processava a identidade entre o distrito-sede e o

distrito do Carmo e Santa Cruz, aliada a ausência de uma pressão extra-

municipal, proveniente das relações intergovernamentais, poderia ter contribuído

para a não decisão de constituição desses povoados em novos espaços de

314 Estudos sobre Campinas destacam as várias frações do grupo social dominante e os diferentes interesses pertencentes a essas frações. Porém destacam também que essas diferentes frações do grupo dominante uniam forças na defesa de interesses específicos. Nesse sentido, enquanto o estudo de Gabriel (1995) destaca que diferentes fazendeiros de Campinas defendiam posições diferentes quanto à forma de emprego da mão-de-obra imigrante nas suas fazendas, o estudo de Lima (1986) enfatiza que os fazendeiros paulistas, especialmente os campineiros, concordavam quanto aos principais obstáculos à expansão da cafeicultura (transporte, mão-de-obra e crédito) e a forma de resolve-los. Em Lapa (1995), o conflito entre as diferentes frações do grupo dominante é destacado através da referencia à ideologia política deles: o autor enfatiza a atuação dos políticos republicanos no município e a existência dos fazendeiros monarquistas.

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definição e participação políticas, através da sua transformações em distritos, num

processo de diferenciações político-territoriais intra-municipais.

Isso reflete o conservadorismo próprio da sociedade brasileira, pouco

aberta para a expansão da participação política a setores mais populares da

sociedade, como ilustraram a própria Constituição de 1824, que estabeleceu o

voto censitário, e as reformas eleitorais implementadas em 1881, que

recrudesceram os requisitos para o exercício da participação política.

Reflete também o conservadorismo peculiar da sociedade campineira que,

ao não transformar os povoados em distritos, naquele momento, evitou que se

formassem, no seu território, precocemente, novos espaços de debate e

participação política, distribuindo com isso, também precocemente, o poder

político pelos diferentes pontos do espaço campineiro.

Esse aspecto pareceria contraditório quando se considera que, a partir de

1870315, Campinas configurou-se, juntamente com Piracicaba, num dos grandes

centros do republicanismo da província de São Paulo316, e que, entre os pontos

fundamentais do Manifesto Republicano, inspirado no pensamento liberal clássico,

estavam a “verdade democrática, representação, direitos e liberdades individuais”

(CARVALHO, 1996, p.188).

Porém, a partir do estudo de Carvalho (1996), destaca-se que os

republicanos de São Paulo e os do Rio de Janeiro representavam interesses

totalmente distintos. Assim, enquanto os representantes da capital “refletiam as

preocupações de intelectuais e profissionais liberais urbanos, os paulistas

refletiam preocupações de setores cafeicultores de sua província”. (CARVALHO,

1996, p.189).

Comparando os republicanos paulistas e os da capital federal, o autor

acrescenta ainda que 315 Em 1869, foi fundado em Campinas o jornal “Gazeta de Campinas”, o principal veículo de propaganda republicana no município, no qual trabalharam jornalistas importantes como Campos Sales, Francisco Glicério, Américo Brasiliense, os quais, posteriormente, desempenhariam papéis de destaque na política estadual e nacional. Em 1870, foi publicado, no Rio de Janeiro, o Manifesto Republicano, o qual recebeu adesão de políticos, profissionais liberais e fazendeiros de Campinas; nesse ano, foi fundado também o Partido Republicano. Em 1873, foi fundado o Partido Republicano Paulista. Baseado em Lima (1986) e Carvalho (1996). 316 Além de Lima (1986), Magalhães (1992) e Bilac (2001) abordam o fato de Campinas constituir-se num dos centros de propagação republicana em São Paulo.

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A principal preocupação dos paulistas não era o governo representativo ou direitos individuais, mas simplesmente a federação, isto é, a autonomia estadual. Eles pediam o que fora a prática do liberalismo no século XVII na Inglaterra, isto é, não a ausência do governo mas o governo a serviço dos seus interesses. E isto seria melhor conseguido mediante o fortalecimento e o controle pleno do governo estadual. (CARVALHO, 1996, p.189)

Considerando que, entre 1870 e 1889, a política local em Campinas tenha

contado com a atuação marcante de representantes republicanos, seja nos órgãos

de governo, seja nos órgãos de imprensa, e à luz da variante paulista do

republicanismo vigente no Império, na qual a principal preocupação era com o

fortalecimento da autonomia estadual, e não com a expansão de liberdades e

direitos individuais, ter-se-iam as razões pelas quais o governo local, situado no

distrito-sede, não tomou a decisão pela elevação dos então povoados à categoria

de distritos.

Nesse sentido, argumenta-se que, para o grupo dominante local, cujos

interesses vinculavam-se, diretamente ou indiretamente, à economia cafeeira, fez-

se necessária a manutenção de uma certa coesão territorial317 que, para tal,

pressupunha um certo nível de coesão política interna.

Assim, não elevar à categoria de distrito os povoados que não possuíam

uma forte identidade política e social com o distrito-sede, os quais já compunham

a hinterlândia campineira, no momento de auge da economia cafeeira no

município, poderia estar relacionado com a intenção de não favorecer possíveis

interesses conflituosos em relação, tanto à intensificação da cafeicultura como à

própria estrutura fundiária do município.

Pois, a partir do processo de diferenciação político-territorial, novos espaços

de participação política passariam a existir, nos quais, possivelmente, novos

interesses tomariam força, podendo se contrapor, até, aos interesses até então

vigentes no distrito-sede. No limite, esse possível conflito de interesses poderia

317 A idéia de que Campinas, durante o Império e além dele, apresentou uma certa “coesão territorial” complementa essa discussão do processo de diferenciação político-territorial no município. Ela será retomada e desenvolvida adiante.

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levar ao extremo do desmembramento municipal, como possível reflexo da forma

divergente de conceber a política de terras e a forma de ocupação do território.

Porém, a partir de 1886, mudanças de ordem econômica, social e política,

intra e extra-municipal, começaram a gestar as condições que viriam a contribuir ,

a partir de 1896, para uma nova diferenciação político-territorial em Campinas.

Argumenta-se, desde já, que o tipo assumido, nesse momento, pelo município, é o

que vai, mais fortemente, caracterizar e influenciar os processos posteriores de

reorganização político-territorial e populacional no espaço campineiro.

Assim, destaca-se que, a partir de 1886 até o final do século XIX, segundo

Semeghini (1991), tem-se o segundo surto expansivo da cafeicultura no território

paulista318, totalmente baseado no trabalho livre, marcando a plena emergência do

complexo cafeeiro paulista319.

Trata-se também do segundo momento de diversificação do ciclo cafeeiro,

durante o qual Campinas perde a primazia da produção cafeeira no estado e a

partir do qual ampliaram-se os setores de comércio e serviços e a rede de

serviços públicos em Campinas, que intensificou seu papel de centro ferroviário do

estado de São Paulo320.

Por sua vez, de acordo com Baeninger (1996), entre 1887 e 1900, entraram

em Campinas mais 8.087 imigrantes, correspondendo a 76% do total de

imigrantes vindos para o município entre 1882 e 1900, dos quais 75% eram de

origem italiana321.

Em termos qualitativos, segundo Gabriel (1995), tratou-se do período da

“grande imigração”, durante o qual, em função da atuação da Sociedade

Promotora da Imigração, fundada em São Paulo, em 1886, aportaram em

318 Autor destaca a grande produtividade cafeeira registrada nas regiões de Rio Claro, Limeira, Araras, Piracicaba e Descalvado. Destaca ainda que os grandes produtores da época atingiram, após 1886, as regiões de Araraquara e Ribeirão Preto. Outros produtores importantes eram Jaú-Brotas, São Manuel e Botucatu. (SEMEGHINI, 1991, p.57-58). 319 Semeghini (1991) desenvolve mais detidamente a formação do complexo cafeeiro paulista. 320 Alguns desses aspectos foram abordados no terceiro capítulo. Baseado em Semeghini (1991) e Lapa (1995). 321 Ver tabela 2.3, no segundo capítulo.

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Campinas, grande quantidade de “italianos pobres”, vindos para cá através da

imigração subsidiada, para servir de mão-de-obra nas lavouras de café322.

Essa imigração, segundo a historiadora, representou um marco de

mudanças nas relações da sociedade local com os imigrantes e nas feições do

urbano campineiro, pois um novo elemento passou a caracterizar as relações

sociais no município, ou seja, a violência323. (Gabriel, 1995).

A violência, por sua vez, não foi privilégio do município de Campinas, nesse

período, principalmente após a proclamação da República. Segundo Carvalho

(1987), o novo regime traria consigo a promessa de colocar o povo no centro da

atividade política324, despertando, entre os excluídos do sistema anterior, um certo

entusiasmo quanto às novas possibilidades de participação325.

Porém, à medida que o novo regime político se implantava, essa

expectativa em relação à República foi sendo sistematicamente frustrada. Por um

lado, a manutenção da alfabetização como quesito para o direito de voto limitou a

participação política, mantendo em níveis baixíssimos o número de eleitores326.

(Carvalho, 1987).

Por outro lado, o regime republicano coibiu as tentativas de organização

das camadas populares, principalmente o proletariado, e intensificou a ação

preventiva do poder público contra pobres, negros e grupos marginais, atuando,

322 Aspecto abordado no segundo capítulo. 323 Isso não quer dizer que a violência não fosse significativa anteriormente, pois ela era intrínseca à própria escravidão, Além disso, não se pode desconsiderar os conflitos ocorridos entre sesmeiros, posseiros, autoridades, em decorrência da posse da terra, antes de 1850. Assim, a novidade em relação à violência, a partir da década de 1890, refere-se ao seu caráter urbano e a sua diversidade social. 324 Carvalho (1987), em seu estudo, refere-se à cidade do Rio de Janeiro, mas alguns acontecimentos referentes aos primeiros anos da República encontraram seus similares em outras cidades, embora com tonalidades distintas, como São Paulo e Campinas. Entre esses acontecimentos, destacam-se as tentativas de organização do operariado, a reação discriminatória contra os estrangeiros, maior prevenção do poder público contra pobres e negros, o agravamento das condições de vida das classes populares, epidemias de doenças. 325 CARVALHO, 1987, p.11-12. Nesse sentido, vale destacar as tentativas de organização de partidos operários, logo nos primeiros anos da República, que ocorreram em algumas cidades, como o Rio de Janeiro (Carvalho, 1987), São Paulo (Kowarick & Ant, 1982; Fausto, 2000) e Campinas (Lapa, 1995). 326 No segundo capítulo, foram apresentados dados referentes ao número de eleitores no país no Império e República.

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principalmente, contra comportamento, modos de vida e habitação das camadas

populares327.

No caso de Campinas, esse maior controle exercido pelo poder público

refletia-se nas medidas mais rígidas tomadas em relação às habitações coletivas e

seus habitantes. Segundo Lapa (1995), durante a década de 1890, houve uma

multiplicação de cortiços na região central da cidade328, habitados, basicamente,

pelo operariado que então se formava (LAPA, 1995, p.60).

Complementando esse quadro, Carvalho (1991) destaca a situação

precária da população pobre que ocupava essa região da cidade, ressaltando os

baixos salários, a miséria e os riscos de saúde aos quais estavam cotidianamente

submetidos, constituindo-se nas principais vítimas da epidemia de febre amarela,

ocorridas em Campinas, entre 1889 e 1897329. Nesse sentido, o autor destaca que

Os surtos epidêmicos colocaram a nu as precaríssimas condições de sobrevivência da maioria dos homens livres habitantes da cidade. Os jornais dessa última década do século passado davam grande destaque ao problema das condições de vida nos cortiços: “os quartos de cortiço, além de caros, constituíam-se em focos de epidemias, uma vez que, onde se devia admitir mais de 3 pessoas, eram colocadas 20 ou 30 por noite. (CARVALHO, 1991, p.48)

O autor complementa afirmando que

Os cortiços em Campinas proliferaram nesse final de século, ocupando construções baratas, construídas com a finalidade de abrigar a população mais pobre. Essas construções ocupavam terrenos de localização central ou próxima ao centro. Eram casebres de construção enfileirada num mesmo terreno, possuindo áreas comuns (banheiros, tanques de lavar roupa, vielas, etc.) próprias das

327 Autores destacam a maior preocupação com moralidade e higiene em relação às camadas populares, presente nos códigos de posturas e códigos sanitários do período. (Carvalho, 1987; Lapa, 1995). 328 Destaca-se que, no final do século XIX, a proliferação de cortiços na região central da cidade foi um fenômeno característico de centros urbanos como Rio de Janeiro e São Paulo, que contavam com uma significativa população urbana, desempenhando atividades nos setores de comércio, serviços e indústria. Baseado em Carvalho (1987), Kowarick & Ant (1982) e Lapa (1995). 329 No mesmo período, a cidade São Paulo também sofreu epidemias de febre amarela, tendo como maiores vítimas, as populações pobres que viviam precariamente no centro da cidade. O Rio de Janeiro também apresentou uma série de epidemias no mesmo período. Baseado em Kowarick & Ant (1982) e Carvalho (1987).

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habitações coletivas. Existiam, também, os cortiços que ocupavam casarões antigos. (CARVALHO, 1991, p.48)

Depreende-se disso que, como já foi destacado anteriormente, a produção

do urbano campineiro, com seus melhoramentos urbanos e implantação de

serviços públicos, fez-se, nesse momento, tendo em vista o conforto das classes

abastadas e o funcionamento da economia cafeeira. Nesse contexto, os pobres

ocupavam os espaços preteridos pelos outros grupos sociais330.

Por sua vez, Gabriel (1995) salienta que os novos problemas sociais que

Campinas passou a vivenciar, no final do século XIX, foram conseqüência da

própria política imigratória, colocada em prática a partir de 1886331.

A partir desta política, como já foi destacado, Campinas passou a receber

grandes levas de imigrantes pobres, principalmente italianos, para trabalharem

nas fazendas de café. Porém, de acordo com Gabriel (1995), logo após uma

temporada de trabalho nas lavouras, parcela significativa de imigrantes passou a

dirigir-se para a cidade, atraída pela vida urbana. Com isso, a cidade vivenciou o

que a autora chamou de “inchaço” urbano, caracterizado pelo grande fluxo de

pessoas para a cidade que ocupavam, principalmente, as suas regiões pobres,

marcadas pelo grande número de cortiços (GABRIEL, 1995, p.151).

Segunda a autora, a violência que, neste período, passou a caracterizar as

relações sociais tinha seu foco nos italianos da “grande imigração” e manifestava-

se em dois contextos: primeiramente, na relação desses imigrantes com as

demais frações das camadas populares, principalmente com os negros, na

competição pelo mercado de trabalho urbano e pela moradia332. Em segundo

lugar, na sua relação com os segmentos superiores da sociedade local.

Aos olhos do grupo dominante local, em função da forma como se

urbanizaram, os italianos da “grande imigração”, passaram a ser identificados com

330 Baseado em Lapa (1995) e Carvalho (1991). 331 No segundo capítulo, foram apresentadas, com maiores detalhes, as mudanças ocorridas na política de imigração, a partir de 1886, com a criação da Sociedade Promotora da Imigração, em São Paulo. 332 Gabriel (1995) destaca que a competição entre imigrantes e negros não se dava somente na cidade, mas também no campo, onde disputavam o trabalho nas lavouras. (GABRIEL, 1995, p.148)

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a pobreza urbana e responsabilizados pelas epidemias de doenças, e, devido a

isso, tornaram-se alvo de campanha nacionalista na cidade, passando a sofrer

várias formas de discriminação333. A essas situações de conflito, a reação por

parte dos italianos foi marcada pela tensão e pela violência. (Gabriel, 1995)

Com isso, pretende-se ressaltar que, a partir de 1886, a sociedade

campineira passou por importantes mudanças, as quais, por um lado, levaram a

uma alteração na sua estrutura social, em função de novos protagonistas no

cenário urbano, principalmente adensando as camadas populares, como o

proletariado, os imigrantes e os ex-escravos334.

Por outro lado, o próprio crescimento das camadas populares no meio

urbano e as precárias condições de vida e habitabilidade a que estavam

submetidas, levaram Campinas a vivenciar a sua primeira crise urbana335,

decorrente das sucessivas epidemias de febre amarela, que contribuíram para um

decréscimo populacional no período336 e para um recrudescimento do controle do

poder público sobre o espaço urbano campineiro, especialmente sobre as

parcelas pobres da população, que ocupavam as habitações precárias na região

central da cidade337.

333 Carvalho (1987) destaca que, entre o governo de Floriano Peixoto (1891-1893) e 1898, perdurou, na cidade do Rio de Janeiro, o movimento jacobino, que se tratou de uma reação, caracterizada por grande ira e perseguição, contra os imigrantes, principalmente portugueses, surgida em decorrência do agravamento do custo de vida, a ampliação da oferta de mão-de-obra e a luta pelos escassos empregos disponíveis. Embora na literatura levantada não se denomine como movimento “jacobino” a discriminação em relação aos imigrantes em Campinas, é possível considerar que se trata de uma variante do mesmo processo identificado na capital federal. 334 Baseado em Lapa (1995), Gabriel (1995) e Carvalho (1991). 335 Carvalho (1991) destaca, no seu estudo sobre habitação popular em Campinas, a ocorrência de duas crises urbanas no município: a primeira, entre 1889 e 1897, estaria relacionada com os surtos epidêmicos de febre amarela; e a segunda, entre 1930 e 1945, estaria relacionada com a superação da organização territorial urbana, produzida pela economia cafeeira e marcaria o início da periferização da cidade e de renovação urbana. (CARVALHO, 1991, 5-6; 38) 336 Lapa (1995) destaca que esse decréscimo populacional, registrado no período, não decorre tanto da mortalidade por febre amarela, mas sim do fato de parcelas significativas da população terem deixado a cidade ou então deixado de vir para Campinas. 337 Lapa (1995) destaca que, na recuperação de Campinas, principalmente a partir de 1896, o Estado apareceu como novo parceiro na intervenção urbana do município, elaborando políticas públicas voltadas para saúde, saneamento e investimento pesado para recuperação da cidade. O historiador destaca o projeto de 1896, de Saturnino Brito (chefe do distrito de Campinas da Comissão Sanitária do Estado), cujo objetivo era a retificação, drenagem e canalização da rede hídrica de Campinas. (LAPA, 1995, p.262-266). Ainda com relação a esse ponto, Carvalho (1991) destaca que o empenho do poder público nessa primeira crise urbana visava restaurar a cidade de

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No período entre 1886 e 1900, os únicos dados censitários disponíveis para

Campinas, desagregados por distritos, são os do recenseamento de 1890. Para

1886, os poucos dados existentes estão organizados para o total do município, a

partir dos quais torna-se difícil uma comparação com os dados de 1872338,

apresentados anteriormente.

Assim, considerando-se os três anos, tem-se, na tabela 3.7, a evolução do

crescimento da população total entre 1872 e 1890:

Tabela 3.7: População total e taxa de crescimento populacional (%a.a.)

Municípios selecionados – Estado de São Paulo

1872-1890

Pop. Pop. Pop. Taxa Taxa Taxa Municípios 1872 1886 1890 1872-1886 1886-1890 1872-1890

Campinas 31.397 41.253 33.921 1,97 -4,77 0,43

Jundiaí 7.805 10.254 12.051 1,97 4,12 2,44

Mogi-Mirim (*) 21.468 14.935 15.075 -2,56 0,23 -1,94

Piracicaba (*) 18.980 22.150 25.275 1,11 3,35 1,60

São Paulo (*) 31.385 51.060 64.934 3,54 6,19 4,12

Estado de São Paulo 837.354 1.209.425 1.384.753 2,66 3,44 2,83

Fonte: Directoria Geral de Estatística - Recenseamento de 1890. Apud Bassanezzi, 1998.

(*) Municípios que passaram por desmembramento municipal no período.

Primeiramente, destaca-se que, em 1872, Campinas era o município com

maior população na província de São Paulo, com quase 31.400 habitantes,

ficando pouco acima da cidade de São Paulo que, na época, possuía uma

população de 31.385 habitantes. Em 1886, São Paulo, com cerca de 51.000

habitantes, ultrapassou Campinas, que passou a ser o segundo maior município

paulista e registrou, nesse ano, uma população de 41.253 habitantes. Os dois

municípios mantiveram a mesma posição, em 1890, apresentando São Paulo uma

população de 64.934 habitantes, e Campinas, uma população de 33.921

habitantes.

Campinas para a economia cafeeira, não havendo maior preocupação com as condições de vida urbana das classes populares. (CARVALHO, 1991, p.57) 338 Os dados disponíveis para Campinas, no recenseamento de 1886, referem-se a população, número de nascimentos, óbitos e nupcialidade e, ainda, dados referentes à população escrava. Todos esses dados estão agregados para o total do município. Não há informações, para Campinas, sobre população por faixas etárias, instrução, profissão e nacionalidade.

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Comparando as taxas de crescimento populacional, entre 1872 e 1890, de

Campinas e municípios selecionados, observa-se que somente o município de

São Paulo (4,12%a.a.) cresceu acima da taxa de crescimento do estado de São

Paulo (2,83%a.a.). A taxa de crescimento dos demais ficou abaixo do crescimento

estadual, sendo que as maiores taxas, entre eles, foram de Jundiaí (2,44%a.a.) e

Piracicaba (1,60%a.a.). As mais baixas foram registradas em Campinas

(0,43%a.a.) e Mogi-Mirim (-1,94%a.a.), que apresentou crescimento negativo em

função dos desmembramentos municipais ocorridos no período.

Considerando-se somente o município de Campinas, tem-se um contraste

entre os dois momentos que compõem o período. O primeiro momento, entre 1872

e 1886, representou a fase com maior dinamismo populacional, tendo a população

de Campinas crescido a uma taxa de 1,97%a.a. No momento seguinte, entre 1886

e 1890, observa-se o impacto das epidemias de febre amarela no município,

apresentando Campinas um crescimento populacional negativo (-4,77%a.a.),

ocasionando a redução de sua população de 41.253 para 33.921 habitantes.

Complementando esse quadro, tem-se que, em 1886, Campinas continuou

detendo a maior população escrava do estado de São Paulo, que compreendia

9.986 indivíduos339, equivalendo a 9,33% dos escravos do estado340.

A partir dos dados de 1890, embora não haja algumas informações

constantes no recenseamento de 1872341, é possível verificar algumas mudanças

ocorridas no perfil da população dos dois distritos de Campinas. Nesse sentido, os

dados da tabela 3.8 ilustram a distribuição da população campineira entre os dois

distritos, em 1872 e 1890:

339 Em 1872, Campinas possuía um total de 13.685 escravos. 340 A segunda maior população escrava do estado de São Paulo, em 1886, era a de Bananal, com 4.182 escravos, equivalendo a 3,91% da escravaria do estado. Fonte de dados: Recenseamento de 1890 apud Bassanezi, 1998. 341 Não há dados de população, segundo grupos etários e sexo, e de população, segundo profissões.

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Tabela 3.8: População total, participação da população e taxa de crescimento (%a.a.) Município de Campinas por paróquias (distritos)

1872-1890 1872 1890

Paróquias (distritos) Total

Pop. Paróquia/ Município (%)

Total Pop. Paróquia/ Município (%)

Taxa cresc. (%a.a.)

1872-1890

N. S. da Conceição 16.647 53,0 20.390 60,1 1,13

N. S. do Carmo e Santa Cruz 14.750 47,0 13.531 39,9 -0,48

Total do Município 31.397 100,0 33.921 100,0 0,43

Fonte: Recenseamento Geral do Império, 1872; Directoria Geral de Estatística - Recenseamento de 1890. Apud BASSANEZI, 1998

Conforme os dados da tabela 3.8, observa-se uma alteração significativa na

distribuição da população campineira entre os dois distritos existentes. Enquanto

em 1872, o distrito-sede concentrava 53% da população, com 16.647 habitantes, e

distrito secundário, com 47% da população e 14.750 habitantes, em 1890, o

distrito-sede passou a concentrar 60% da população campineira, correspondendo

a 20.390 habitantes e o distrito secundário, 40% da população e 13.531

habitantes.

Por sua vez, a taxa de crescimento populacional do município que, entre

1872 e 1890, foi de 0,43% ao ano, ela foi maior no distrito-sede, que cresceu a

uma taxa de 1,13% ao ano, sendo que o distrito secundário apresentou um

crescimento negativo de 0,48% ao ano. Isso poderia indicar que a perda

populacional do município, entre 1886 e 1890, em função das epidemias foi mais

proeminente no distrito secundário que no distrito-sede.

Melhor dizendo, a população que teria tido maiores condições de se mudar

do município em função das epidemias foi, provavelmente, a que residia no distrito

do Carmo e Santa Cruz, principalmente no seu centro urbano. Essa hipótese

corresponde com o conhecimento sobre o perfil da população residente neste

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distrito, na década de 1870, a partir tanto de estudo histórico como dos dados do

censo demográfico de 1872, que apontam para um grupo social mais alfabetizado

e exercendo profissões de maior rentabilidade, ou seja, população com maiores

condições materiais de transferir-se da cidade.

Os dados sobre instrução da população total do município, para o ano de

1890, complementam esse quadro:

Tabela 3.9: População alfabetizada, por sexo

Município de Campinas, por distritos

1890

Distritos Homens Mulheres População alfabetizada

% Pop distrito/ município

População Total

Pop Alfab/ Pop Total (%)

N.S. Conceição 2.731 1.813 4.544 94,0 20.390 22,3

N.S. Carmo e Santa Cruz 184 105 289 6,0 13.531 2,1

Total do Município 2.915 1.918 4.833 100,0 33.921 14,2

Fonte: Directoria Geral de Estatística - Recenseamento de 1890. Apud BASSANEZI, 1998

Comparando esses dados com os do período anterior342, observa-se que a

população alfabetizada do distrito da Conceição que, em 1872, correspondia a

37% do total do município, equivalendo a 2.055 indivíduos, em 1890, concentrava

94% desse total, correspondendo a 4.544 indivíduos. Por sua vez, o distrito

secundário que, em 1872, concentrava 3.537 indivíduos alfabetizados (64%), em

1890, possuía apenas 289 pessoas alfabetizadas, correspondendo a 6% do total

da população alfabetizada de Campinas.

Além disso, em 1890, o peso da população alfabetizada sobre a população

total, no distrito-sede, era de 22,3%, enquanto no distrito secundário, esse peso

era de 2,1%. Em 1872, esses valores eram 12,3% e 24%, respectivamente. Essa

redução do peso da população alfabetizada no distrito do Carmo e Santa Cruz, em

termos absolutos e relativos, estaria relacionada com a emigração do município

em função das epidemias no período, indicando que a maioria desses emigrantes

342 Ver tabela 3.3.

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161

era composta por população alfabetizada e, provavelmente, residente no centro

urbano do distrito.

Considerando-se que, na República, a alfabetização continuou sendo

requisito para o exercício do voto e que, por isso, ela poderia continuar sendo

considerada um indicador do poder político das diferentes espacialidades intra-

municipais, tomou-se a população masculina alfabetizada, em 1890, dos dois

distritos de Campinas para se avaliar as mudanças ocorridas em relação a 1872.

Tabela 3.10: População alfabetizada, por sexo

Município de Campinas, por distritos

1890

Distritos Homens % Mulheres % População alfabetiz.

População Total

Pop Masc alfab/ Pop Alfab (%)

Pop Masc/ Pop Total

(%)

N.S. da Conceição 2.731 93,7 1.813 94,5 4.544 20.390 60,1 13,4 N.S. do Carmo e Sta Cruz 184 6,3 105 5,5 289 13.531 63,7 1,4

Total do Município 2.915 100,0 1.918 100,0 4.833 33.921 60,3 8,6

Fonte: Directoria Geral de Estatística - Recenseamento de 1890. Apud BASSANEZI, 1998

Focando apenas sobre a população alfabetizada do distrito do Carmo e

Santa Cruz, tem-se que, enquanto em 1872, ele concentrava 67% da população

masculina (2.492 homens) e 56% da população feminina (1.045 mulheres)343,

essa concentração reduziu drasticamente, em 1890, passando para 6,3% da

população masculina (184 homens) e 5,5% da feminina (105 mulheres).

Por outro lado, embora em termos absolutos, a população masculina

alfabetizada tenha se reduzido entre, 1872 e 1890, no distrito secundário, o seu

peso sobre a total da população alfabetizada ficou em torno de 64%, em 1890,

superior ao peso registrado no distrito-sede344. Porém, o seu peso sobre o total da

população do distrito passou de 17%, em 1872, para 1,4%, em 1890.

343 Ver tabela 3.4. 344 Em 1872, o peso da população masculina alfabetizada sobre o total da população alfabetizada era de 70,5% no distrito do Carmo e Santa Cruz, e de 60,5% no distrito-sede. Ver tabela 3.4.

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A partir desses números, poderia se argumentar que, entre 1872 e 1890, o

distrito secundário perdeu poder político no contexto intra-municipal uma vez que

seu potencial de eleitores sofreu grande diminuição, em termos absolutos e

relativos, ficando bem abaixo do potencial de eleitores do distrito-sede.

Porém, não é o que se sustenta, pois apesar dessa incontestável redução,

a população masculina alfabetizada representava 64% do total da população

alfabetizada do distrito, mantendo-se acima do peso dessa população no distrito-

sede, indicando a importância política desse distrito, apesar da redução numérica

do potencial de eleitores345.

Quando se consideram os acontecimentos em curso no município de

Campinas, ao longo da década de 1890, tem-se que, em decorrência das

sucessivas epidemias de febre amarela, iniciadas em 1889, o espaço urbano do

município foi alvo de intensa intervenção do poder público, das três esferas de

governo, para sua recuperação, através de políticas públicas voltadas para as

áreas de saneamento básico, higiene e saúde pública346.

De acordo com estudos sobre Campinas, nesse período, as obras de

saneamento básico, que incluíam drenagem de pântanos e brejos, abastecimento

de água, canalização de esgotos, arborização de ruas e praças, calçamento de

vias públicas, asseio e conservação de ruas, remoção e incineração de lixo e

fiscalização de habitações e fábricas, visavam todo espaço urbano da cidade347,

que compreendiam as áreas dos dois distritos então existentes no município348.

Assim, tanto o distrito-sede como o distrito secundário foram alvos da ação

do poder público e da iniciativa privada, durante a década de 1890. Segundo

345 Deve-se considerar que, no total da população alfabetizada, masculina e feminina, estão incluídos todos os grupos de idade. Os dados do recenseamento de 1890 não permitem desagregar a informação sobre alfabetização por faixas etárias, o que dificulta bastante esse ponto da análise, pois para se conhecer o potencial de eleitores, são necessários os dados de alfabetização para a população masculina maior de 21 anos. 346 Baseado em Lapa (1995) e Carvalho (1991). 347 Posteriormente, na primeira década do século XX, essas ações de saneamento foram estendidas para as áreas rurais, que incluíam povoados e colônias. Baseado em Lapa (1995). 348 Segundo Lapa (1995), essas ações eram as responsabilidades que competiam ao governo municipal no programa sanitário, orquestrado pelo governo estadual, principalmente, a partir de 1896. Por sua vez, o governo estadual era diretamente responsável pelas ações nas áreas de saúde e higiene, como o estabelecimento e funcionamento de hospitais (destacando, paralelamente, as iniciativas particulares no município), pesquisa e distribuição de equipamentos e vacinas (sendo o município o responsável pela aplicação das vacinas na população).

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163

Carvalho (1991), essas ações de recuperação do espaço urbano campineiro foram

planejadas e implementadas visando, principalmente, restaurar a cidade para a

economia cafeeira e atender aos grupos sociais a ela diretamente vinculada, não

havendo uma preocupação maior com as condições de vida de grande parcela da

população urbana, que incluía os pobres (CARVALHO, 1991, p.57).

Com isso, tem-se que, nas intervenções e melhorias urbanas, colocadas

em prática após as epidemias que atingiram Campinas nas últimas décadas do

século XIX, manteve-se a mesma lógica de produção do espaço urbano, vigente,

pelo menos, desde 1870, e que, em certa medida, pode-se dizer que contribuíram

para a própria crise urbana gerada nesses surtos, sob a qual o espaço foi sendo

ordenado e transformado com o objetivo de atender o conforto das classes mais

abastadas e o funcionamento da economia cafeeira.

Pretende-se, com isso, argumentar que o distrito secundário do Carmo e

Santa Cruz, embora tenha sofrido uma baixa considerável na sua população e,

provavelmente, com maior força naquele segmento localizado no centro urbano e

seus arredores, não perdeu poder político no contexto intra-municipal.

Sustenta-se esse argumento baseando-se na consideração de que o seu

espaço urbanizado foi beneficiado com a intervenção intensiva, juntamente com a

do distrito-sede349, da política sanitarista do município e do estado de São Paulo,

permitindo que, senão os mesmos moradores, ao menos habitantes do mesmo

grupo social ou superior voltassem a ocupar e residir nessas áreas, que, de

acordo com a lógica da ação do Estado no espaço urbano, expressa por estudos

como o de Singer (1982) e o de Vetter & Massena (1982)350, provavelmente,

acabaram se valorizando mais após essas ações de recuperação urbana.

349 Vale destacar que o distrito do Carmo e Santa Cruz (posteriormente, somente distrito de Santa Cruz), passou a compor, juntamente com o distrito-sede (da Conceição), o perímetro urbano de Campinas. De acordo com as informações sobre organização municipal, disponibilizados pela Fundação Seade, tem-se que, a partir da década de 1930, o distrito-sede do município de Campinas passou a ser composto por três subdistritos: o da Conceição que, em 1938, tornou-se a 1a. zona distrital e, em 1944, o 1o. subdistrito de Campinas; o de Santa Cruz que, em 1938, tornou-se a 2a. zona distrital e, em 1944, o 2o. subdistrito de Campinas; e a Vila Industrial que, em 1938, tornou-se a 3a. zona distrital e, em 1944, o 3o. subdistrito de Campinas. 350 Esses dois estudos foram abordados no primeiro capítulo, quando foi apresentada a discussão sobre uso e ocupação do solo urbano, entre outras.

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164

Um outro aspecto que aponta para as mudanças na sociedade campineira,

entre 1872 e 1890, refere-se à alteração no peso da população estrangeira no

município. Os dados da tabela 3.11 contribuem para ilustração essa mudança:

Tabela 3.11: População segundo nacionalidade e sexo

Município de Campinas, por paróquias (distritos)

1872-1890

1872 1890 Paróquias (distritos) Estrangeiros

(1) Total

População Pop. Estrang/ Pop. Total (%)

Estrangeiros Total

População Pop. Estrang/ Pop. Total (%)

N.S. da Conceição 1.256 16.647 7,5 4.196 20.390 20,6 N.S.do Carmo e Santa Cruz 588 14.750 4,0 2.849 13.531 21,1

Total do Município 1.844 31.397 5,9 7.045 33.921 20,8 Fonte: Recenseamento Geral do Império, 1872; Directoria Geral de Estatística - Recenseamento de 1890. Apud BASSANEZI, 1998. (1) Não incluem africanos.

De acordo com os dados, observa-se que o peso da população estrangeira

no município passou de 5,9%, em 1872351, para cerca de 21%, em 1890, refletindo

o impacto da política imigratória colocada em prática a partir de 1886.

Tomando-se os dois distritos, individualmente, tem-se como esse processo

se apresentou no contexto intra-municipal de Campinas. Nesse sentido, em 1872,

no distrito da Conceição cerca de 7,5% da população era constituída de

estrangeiros352, enquanto no distrito do Carmo e Santa Cruz, 4% eram

estrangeiros353. Já em 1890, o distrito-sede apresentava mais de 20% de sua

população constituída por estrangeiros, e o distrito secundário, cerca de 21% de

estrangeiros na sua população.

351 As nacionalidades mais representativas em Campinas, em 1872, eram a portuguesa, com 770 indivíduos; a alémã, com 493 indivíduos; a suíça, com 129 indivíduos; e a italiana, com 118 indivíduos. Baseado em Bassanezi (1998). 352 No distrito-sede, destacavam-se os portugueses, com 572 indivíduos; os alémães, com 389 indivíduos; e os suíços, com 97 indivíduos. Baseado em Bassanezi (1998). 353 No distrito secundário, destacavam-se os portugueses, com 198 indivíduos; os alémães, com 104 indivíduos; e os italianos, com 75 indivíduos. Baseado em Bassanezi (1998).

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Considerando os estudos que abordaram a imigração européia, nesse

período354, tem-se que a imigração para Campinas teve um aumento significativo

a partir de 1886, quando contou com a atuação da Sociedade Promotora da

Imigração355, que representou, inclusive, de acordo com os dados levantados por

Baeninger (1996), uma mudança no tipo de imigração, com o predomínio da

imigração familiar, e de acordo com Gabriel (1995), a vinda de italianos

subsidiados para Campinas.

Assim, o maior predomínio da população estrangeira, em 1872, no distrito

da Conceição (7,5%), em comparação ao distrito do Carmo (4,0%), poderia estar

relacionado com o perfil do imigrante, neste período, que, de acordo com

estudos356, era caracterizado pelo imigrante que chegou a Campinas com

recursos próprios e se estabeleceu no meio urbano, exercendo atividades nos

setores de serviço e comércio.

Por sua vez, o maior predomínio da população estrangeira, em 1890, no

distrito do Carmo e Santa Cruz (21,1%), em comparação tanto com o período

anterior (4,0%) como com o distrito-sede (20,6%)357, poderia estar relacionado

com o predomínio da imigração familiar subsidiada para as lavouras cafeeiras de

Campinas.

Os dados da tabela 3.12 ilustram, por sua vez, o crescimento da população

brasileira e estrangeira, nos dois distritos de Campinas, entre os anos de 1872 e

1890:

Tabela 3.12: População segundo nacionalidade e sexo

Município de Campinas, por distritos

1872-1890

1872 1890 Taxa cresc. (%a.a.) - 1872-1890

Distritos Brasileiros (1)

Estrangeiros (2)

Pop. Total

Brasileiros Estrang. Pop. Total

Brasileiros Estrang. Pop. Total

354 Trata-se dos estudos de Baeninger (1996), Gabriel (1995) e Lapa (1995). 355 Como já foi destacado anteriormente, neste capitulo e no segundo capítulo, esta Sociedade representou uma mudança em relação à política imigratória utilizada. 356 Trata-se dos estudos de Lapa (1995) e Gabriel (1995). 357 Nota-se que a diferença do peso da população estrangeira nos dois distritos, em 1890, é pequena, porém é mais significativo, no distrito secundário do que no distrito-sede, o peso de italianos, cuja presença é maior nas fazendas de café. Com relação a esse aspecto, ver Gabriel (1995).

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N.S. da Conceição 14.706 1.256 16.647 16.194 4.196 20.390 0,54 6,93 1,13

N.S. do Carmo e Santa Cruz 13.520 588 14.750 10.682 2.849 13.531 -1,30 9,16 -0,48

Total do Município 28.226 1.844 31.397 26.876 7.045 33.921 -0,27 7,73 0,43

Fonte: Recenseamento Geral do Império, 1872; Directoria Geral de Estatística - Recenseamento de 1890. Apud BASSANEZI, 1998

(1) Estão consideradas, conjuntamente, população livre e população escrava. (2) Não incluem africanos.

Considerando o total do município, observa-se que, entre 1872 e 1890, a

população total cresceu 0,43% a.a., sendo que a população brasileira apresentou

um crescimento negativo de 0,27% a.a., enquanto a estrangeira cresceu 7,73%

a.a., corroborando as afirmações anteriores sobre o impacto da política imigratória

a partir de 1886.

Por sua vez, quando se consideram os distritos, individualmente, observa-

se que o crescimento da população estrangeira foi expressivo nos dois distritos,

sendo que o distrito do Carmo e Santa Cruz apresentou uma situação

interessante: enquanto a população brasileira decresceu 1,3% a.a., entre 1872 e

1890, a população estrangeira cresceu 9,16%a.a., contribuindo para que a

população total do distrito apresentasse um crescimento negativo de 0,48% a.a.

Diante disso, pode-se argumentar que esses dados apontam para um

movimento contrário e simultâneo, em Campinas, no período considerado, ou

seja, enquanto tinha-se uma saída de brasileiros do município, tanto do centro

urbano como da área rural, provavelmente, motivados pelas epidemias de febre

amarela, por outro lado, era grande o ritmo em que se chegavam os imigrantes

para as lavouras de café de Campinas.

Tal movimento, em termos absolutos, pode não ser tão significativo, no total

do município, pois os brasileiros passaram de 28.226, em 1872, para 26.876, em

1890, enquanto os estrangeiros que, em 1872, contavam 1.844 pessoas, em

1890, passaram a contar 7.045. Porém, em termos relativos, esse incremento da

população estrangeira, simultâneo à diminuição da população brasileira,

representou um impacto qualitativo no perfil da sociedade campineira que ora se

configurava.

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167

Com o objetivo de se ilustrar as alterações na distribuição etária da

população campineira nos distritos de Campinas, entre 1872 e 1890, construiu-se

as seguintes pirâmides etárias, segundo os distritos358:

Com base nas pirâmides etárias359, observa-se que, em 1872, excetuando-

se a faixa da população infantil, de 0 a 5 anos, e a adulta, entre 31 e 40 anos, os

dois distritos de Campinas apresentavam um padrão de distribuição populacional

bastante similar, embora diferissem em nível em algumas faixa etárias.

Já em 1890, observa-se uma significativa diferença entre os dois distritos,

tanto no padrão da distribuição populacional como de nível, em todas as faixas

etárias. Essa pirâmide ilustra o impacto dos processos em curso no município de

Campinas, expressos pelo êxodo em função das epidemias de febre amarela e

pelo incremento em função da imigração européia, os quais executaram um

358 Optou-se por ilustrar a estrutura etária dessa forma, segundo a população dos dois distritos, ao invés da população por sexo, porque, para o ano de 1890, não há informação de faixas etárias da população por sexo. 359 Nota-se que, em função das diferenças entre os recenseamentos de 1872 e 1890, as faixas etárias a partir das quais se construiu as pirâmides etárias não são as mesmas para os dois períodos: para 1872, as faixas etárias eram qüinqüenais, entre a faixa 0-5 e a faixa 26-30, e tornaram-se decenais a partir da 31-40. Para 1890, todas as faixas etárias qüinqüenais, iniciando-se em 0-4 anos.

1872

10,0 8,0 6,0 4,0 2,0 0,0 2,0 4,0 6,0 8,0 10,0

0 a 5

6 a 10

11 a 15

16 a 20

21 a 25

26 a 30

31 a 40

41 a 50

51 a 60

61 a 70

71 e +

Conceição Carmo / Santa C ruz

1 8 9 0

10,0 8 ,0 6 ,0 4 ,0 2 ,0 0 ,0 2 ,0 4 ,0 6 ,0 8 ,0 10 ,0

0 a 4

10 a 1 4

20 a 2 4

30 a 3 4

40 a 4 4

50 a 5 4

60 a 6 4

70 a 7 4

C on ce iç ão C a rm o / S an ta C ru z

Gráfico 3.2: Pirâmides Etárias por Distritos Município de Campinas, 1872 e 1890

Fonte: Recenseamento Geral do Império, 1872; Directoria Geral de Estatística - Recenseamento de 1890. Apud Bassanezi, 1998

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movimento compensatório, no período considerado, ocasionando impacto na

estrutura etária da população dos dois distritos.

A exposição desses dados sobre o município de Campinas, referente ao

ano de 1890, e dos principais acontecimentos em curso no município, a partir da

metade da década de 1880, teve como objetivo apontar as mudanças ocorridas na

sociedade campineira no momento que antecedeu uma nova etapa no processo

de diferenciação político-territorial do espaço campineiro, em 1896, e que, de certa

forma, a condicionaram.

III.2.3 – Diferenciações político-territoriais pós-1896

Assim, tem-se que, em 1896, os então povoados de Sousas e de

Valinhos360 foram elevados à categoria de distrito. Na nossa perspectiva, a criação

desses novos distritos secundários contribuiu para que o município de Campinas

assumisse o tipo 4 da tipologia das diferenciações político-territoriais intra-

municipais, apresentadas no início deste capítulo.

Segundo esta tipologia, então, o tipo 4 corresponderia à presença de

distrito-sede, distritos secundários e povoados, sendo desigual o nível de poder

político entre eles. De acordo com esse novo tipo de diferenciação político-

territorial, entre o distrito-sede e esses distritos secundários recém-criados, o nível

de poder político seria desigual, sendo maior o poder concentrado no distrito-sede.

Por sua vez, permaneceria equilibrado o nível de poder político entre o distrito-

sede e o distrito secundário do Carmo e Santa Cruz361, pois esse equilíbrio estaria

relacionado com o contexto no qual o distrito foi criado.

Diante disso, argumenta-se que, embora se considere que o seu poder

político fosse desnivelado em relação ao distrito-sede, os distritos de Sousas e

Valinhos surgiram como novas espacialidades de definição e participação política

no contexto intra-municipal e, enquanto tais, contribuíram para, de um lado,

360 A partir do histórico do município de Valinhos, destaca-se que, em 1889, em função da epidemia de febre amarela, a sexta secção eleitoral de Campinas foi transferida para Valinhos, pois muitos dos campineiros se transferiram para lá, fugindo da doença. Em 1893, Valinhos torna-se distrito policial e, em 1896, é elevado a distrito de paz. Informações extraídas do site oficial da prefeitura de Valinhos: <htttp://www.valinhos.sp.gov.br>. Acessado em: 07/11/2007. 361 Vale lembrar que o distrito do Carmo e Santa Cruz, na década de 1930, passou a fazer parte do distrito-sede de Campinas.

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reorganizar novamente a circunscrição territorial do município e, de outro, alterar a

dinâmica política e incrementar a tensão entre os diferentes atores políticos que

passaram a compor a sociedade campineira no final do século XIX.

Da mesma forma, como destacado no caso do distrito do Carmo e Santa

Cruz, o nível de poder político, no contexto intra-municipal, assumido pelos

distritos de Sousas e de Valinhos, estaria relacionado, por um lado, com o

contexto e as motivações que levaram a sua criação e, por outro, com a existência

de uma identidade política ou não entre os principais grupos sociais do distrito-

sede e os dos distritos secundários recém-criados.

Assim, argumenta-se que a elevação desses dois povoados à categoria de

distrito, em 1896, estaria estreitamente relacionada com o contexto de restauração

urbana de Campinas, que se instituiu em resposta à crise urbana decorrente das

epidemias que grassaram pelo município ao longo da década de 1890.

Nesse contexto, Sousas e Valinhos teriam sido considerados num projeto

mais amplo de saneamento básico do município de Campinas, sendo cogitada a

captação de água em rios localizados no seu território362, figurando, assim, entre

as alternativas de solução de um entre os diversos problemas urbanos, trazidos à

tona pelas epidemias de febre amarela363.

Dessa forma, sustenta-se que, nesse momento, esses povoados

revestiram-se de especial interesse ao poder público de Campinas, situado no

distrito-sede, como uma possível solução de problemas fortemente presentes nos

centros urbanos, tanto do distrito-sede como do distrito do Carmo e Santa Cruz,

onde as condições para o alastramento das epidemias eram maiores.

Porém, isso não teria sido o suficiente para gerar identidade social e política

entre os principais grupos sociais situados, de um lado, no distrito-sede e no

distrito do Carmo e Santa Cruz e, de outro, nos recém-criados distritos de Sousas

e Valinhos.

362 Baseado em Lapa (1995). 363 Destaca-se, novamente, o fato de Valinhos ter servido de local de fuga para muitos moradores de Campinas, na época do primeiro surto de febre amarela, em 1889. Baseado em material disponibilizado pelo site oficial da prefeitura de Valinhos: www.valinhos.sp.gov.br.

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Argumenta-se que não haveria uma identidade social e política entre os

distritos-sede e os distritos criados em 1896 porque se considera que os principais

grupos sociais, localizados nos seus respectivos territórios, diferiam-se

socialmente e, provavelmente, possuíam interesses conflitantes.

Segundo o estudo de Gabriel (1995), no final do século XIX, a população

italiana se distribuía por todo o território do município de Campinas, sendo que a

sua concentração era importante nas áreas correspondentes aos povoados de

Sousas, Valinhos, Rebouças (Sumaré), Cosmópolis e Vila Americana que, nas

palavras da autora, baseados, principalmente, na colonização espontânea364,

chegaram a constituir verdadeiras “vilas italianas” (GABRIEL, 1995, p.156).

Nesse momento, enquanto a cafeicultura se expandia cada vez mais a

oeste do estado de São Paulo, se desenvolvendo em grandes propriedades, o

antigo Oeste Paulista passavam por processo de retalhamento de suas fazendas

em lotes menores365, tendo em vista uma maior rentabilidade da produção

cafeeira, através do estabelecimento de colonos próximos às plantações, e a

diversificação do capital, através do emprego do capital obtido na vendas das

fazendas em atividades urbanas ou na compra de fazendas de café nas atuais

áreas de expansão do cultivo de café366.

Em Campinas, esse retalhamento das antigas fazendas de café deu-se com

maior intensidade nas áreas dos povoados de Sousas, Valinhos, Rebouças,

Cosmópolis e Vila Americana, onde, no final do século XIX, ocorreu a formação de

colônias espontâneas367.

Segundo Gabriel (1995), esse retalhamento das fazendas na área dos

povoados campineiros representou, principalmente para os colonos italianos, a

364 Nos primeiros anos do século XX, a colonização oficial, financiada pelo governo estadual e empresas de colonização, começou a se expandir no município, sendo que, já em 1897, foi fundado em Cosmópolis, o núcleo Campos Salles. Porém, Gabriel (1995) e Toledo (1995) destacam a ocorrência, no final do século XIX, de colonização espontâneas em Valinhos e Sumaré, apontando a simultaneidade dos dois tipos de colonização no território campineiro. 365 Essa medida, além de beneficiar a cafeicultura, permitindo que o trabalhador se estabelecesse mais próximo das plantações de café, favoreceu a diversificação da agricultura, através do cultivo de produtos para o consumo interno. Baseado em Semeghini (1991). 366 Baseado em Semeghini (1991) e Toledo (1995). 367 Baseado em Gabriel (1995) e Toledo (1995).

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oportunidade de posse da terra368 e uma importante alternativa de urbanização e

de exercício de atividades comércio e serviços nos núcleos dos povoados369.

Nesse sentido, a historiadora chega a destacar que se configurou, no

município de Campinas, duas zonas com estruturas fundiárias distintas: a primeira

zona, formada pelos então povoados, onde se concentraram as médias

propriedades, com grande presença de italianos; e a segunda zona, formada pelos

distritos de Santa Cruz e Conceição, onde se destacavam as grandes

propriedades, com baixa presença de italianos (GABRIEL, 1995, p.156).

Com isso, argumenta-se que não havia uma identidade social e política

entre, por um lado, os distritos de Conceição e Santa Cruz e, por outro, os

povoados de Sousas, Valinhos, Rebouças, Cosmópolis e Americana, pois, nos

primeiros, predominariam as classes urbanas mais abastadas e, nas decisões

políticas, possuiriam mais força os interesses da oligarquia cafeeira. Nos

segundos, os imigrantes da “grande imigração”, seja como pequenos proprietários

rurais, seja como profissionais urbanos, representariam uma diversificação na

estrutura social de Campinas, pois eles seriam responsáveis pela configuração de

novos atores e interesses no cenário político do município.

Essa inexistência de uma identidade social e política entre o distrito-sede e

os povoados é o que reforça o argumento de que a decisão de elevar à categoria

de distritos, em 1896, de apenas dois povoados de Campinas – Sousas e Valinhos

– foi fortemente influenciada pelo contexto de recuperação do município de

Campinas, como já foi destacado anteriormente.

Com isso, argumenta-se que os demais povoados não foram elevados à

categoria de distrito, naquele momento, porque não atenderiam a qualquer

interesse imediato do distrito-sede. Isso reforçaria a argumentação de que não era

368 A autora destaca que, nas regiões de Sousas, Valinhos, Rebouças (Sumaré), Cosmópolis e Americana, era expressiva a presença de italianos como proprietários rurais. Por outro lado, nos distritos de Santa Cruz e de Conceição, onde as tradicionais famílias de cafeicultores, como Barão Geraldo de Rezende, Souza Aranha e Queiroz Aranha, dominavam a estrutura agrária local, o número de propriedades rurais em mãos de italianos era quase inexistente ainda na primeira década do século XX. (GABRIEL, 1995, p.156). 369 Já foi destacado o preocupante êxodo dos italianos da “grande imigração” para o meio urbano de Campinas, abandonando o trabalho nas plantações de café e passando a disputar com outros grupos populares, como os brasileiros livres e ex-escravos, o mercado de trabalho e as habitações. Disputa esta marcada pela violência e tensão constante. (Gabriel, 1995).

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interessante politicamente para as classes dominantes locais, sediadas no distrito-

sede, criar, no território municipal, outros distritos, outras espacialidades de

definição e participação política e que, só o fez em 1896, devido, principalmente, a

fatores externos, decorrentes da elaboração de um programa mais amplo de

recuperação urbana de Campinas, e devido à presença de agentes políticos de

outras esferas de governo na dinâmica local, representados por agentes do

governo estadual.

Considerando o contexto político-institucional mais amplo, tem-se que, com

a proclamação do regime republicano, sob o qual predominou a versão paulista do

movimento republicano370, na qual a ênfase caía sobre a defesa do federalismo, a

escala estadual de governo foi fortalecida, enquanto os municípios foram ainda

mais enfraquecidos, continuando sob a tutela política, administrativa e financeira

dos estados371.

Assim, as relações intergovernamentais estruturadas pela República, em

função das quais os municípios tiveram que se alinhar ainda mais fortemente à

política estadual, podem ter contribuído para a manutenção, e até um

recrudescimento, em Campinas, de uma postura política conservadora do grupo

dominante local, presente desde o Império.

Com isso, pretende-se argumentar que, para se favorecer política e

financeiramente dos benefícios de um alinhamento à política estadual, os grupos

dominantes locais teriam decidido por uma coerência política interna, num

contexto político caracterizado pela restrição à participação popular372, obtida

através do impedimento à criação de novas espacialidades de definição e

participação política.

Nesse sentido, essa decisão explicaria a relutância dos grupos dominantes,

sediados no distrito-sede de Campinas, em criar novos distritos no espaço

campineiro, pois, com isso, estariam impedindo o fortalecimento de novos

370 Como já fio abordado anteriormente, Carvalho (1996) destaca a diferença assumida pelo movimento republicano no Rio de Janeiro e São Paulo. Enquanto na capital federal, as reivindicações republicanas referiam-se aos direitos individuais e à expansão da participação política, tanto na capital paulista como nas principais cidades de interior, defendia-se o fortalecimento dos estados, através da adoção do regime federalista de governo. 371 Baseado em Leal (1949) e Sadek (1991). 372 Baseado em Carvalho (1987).

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173

interesses políticos que poderiam representar uma ameaça aos interesses dos

grupos dominantes tradicionais, ligados, principalmente, à economia cafeeira.

Argumenta-se que essa postura conservadora do distrito-sede frente aos

distritos secundários, criados em 1896, que não apresentavam uma identidade

social e política com a sede, é o que caracterizaria, naquele momento, a relação

entre essas diferentes espacialidades do território campineiro.

Considerando-se que os demais povoados existentes no espaço

campineiro, assim como Sousas e Valinhos, também não possuiriam identidade

social e política com o distrito-sede, a mesma postura política conservadora da

sede do município continuaria caracterizando a interação entre os distritos e

marcaria o desenvolvimento posterior da relação entre as diferentes

espacialidades da hinterlândia campineira, o que será retomado no próximo

capítulo.

Passaremos a abordar a idéia de que Campinas, em comparação com

outros municípios, apresentou, na segunda metade do século XIX, uma espécie

de “coesão territorial”, que representaria o outro lado da moeda do seu processo

de diferenciação político-territorial intra-municipal.

III.3 – Coesão territorial do município de Campinas

Argumenta-se, neste estudo, que uma outra forma de se avaliar o processo

de diferenciação político-territorial seria através da consideração da dimensão

política do processo de desmembramento municipal de um determinado estado,

região ou município.

Nesse sentido, argumentou-se, em estudo anterior373, que a criação de

municípios poderia ser entendida como a efetivação de dois processos: a

consolidação do domínio territorial e a expansão da população pelo território – o

que nos permitiria considerar que o processo de criação de municípios assumiria

373 Siqueira (2003).

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significados diferentes, de acordo com o local e o contexto político e social em que

ocorre.

Essa percepção do processo de criação de municípios nos levou a destacar

a tridimensionalidade do fenômeno emancipatório, ou seja, a consideração de que

o surgimento de novos municípios resulta da atuação de três dimensões: a

demográfica, a econômica e a político-institucional374. (SIQUEIRA, 2003, p.203)

Assim, considerando o contexto sócio-econômico e político do Império, no

estudo de 2003, no qual o processo de criação de municípios foi avaliado em

termos gerais, concluiu-se que as dimensões que exerceram maior influência no

surgimento de novos municípios foram o dinamismo econômico e o crescimento

populacional nas regiões, ao passo que o arranjo político-institucional não

funcionou como fator restritivo desse processo (SIQUEIRA, 2003, p.79-80).

No presente estudo, porém, considerando uma escala espacial mais

reduzida e apoiada no neo-institucionalismo histórico, tem-se uma diferente

perspectiva da dimensão político-institucional do processo de criação de

município, o qual, de acordo com a discussão teórica que vem sendo desenvolvida

neste capítulo, configura-se como uma resultante do processo de diferenciação

político-territorial intra-municipal.

Nesse sentido, argumenta-se que Campinas, no contexto do processo de

criação de municípios, em comparação com outros municípios, teria apresentado,

durante 1850 e 1900, uma “coesão territorial” em função de um reduzida

ocorrência de diferenciações político-territoriais intra-municipais e,

conseqüentemente, da ausência de desmembramentos municipais no período375.

Por sua vez, essa “coesão territorial”, na perspectiva neo-institucionalista

histórica, seria uma resultante do contexto político-institucional, no qual os grupos

dominantes provinciais e locais teriam assumido uma postura discordante, frente

ao governo central, em relação às políticas de terras e de colonização, cujo

374 Com isso, pretende-se enfatizar que é a atuação conjunta dessas três dimensões que resulta na criação de municípios, destacando que nenhuma dessas dimensões, isoladamente, causa o surgimento de municípios. (SIQUEIRA, 2003, p.79) 375 Destaca-se que, de acordo com nosso argumento, essa “coesão territorial” perdurará até 1920. Em 1924, Campinas passa pelo seu primeiro desmembramento territorial, quando Americana eleva-se à categoria de município, tendo a região de Nova Odessa tornado-se distrito de Americana.

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conteúdo e cuja forma foram definidos por um debate em nível nacional376,

durante o Império, e consubstanciadas na Lei de Terras de 1850377.

Serão abordados os esses dois aspectos, começando com a questão dos

desmembramentos municipais ocorridos durante o Império.

Nesse sentido, os dados do quadro 3.3 indicam a quantidade de municípios

criados nas diferentes regiões administrativas do estado de São Paulo378, durante

o período 1850-1900379, sendo destacados o período compreendido pelo segundo

reinado e a primeira década do regime republicano:

Quadro 3.3: Número de municípios criados

Estado de São Paulo, por Regiões Administrativas

1850-1900

Regiões Administrativas

1850-1889 1890-1900 Total

1850-1900

Araçatuba 0 0 0

Barretos 1 1 2

Bauru 3 6 9

Campinas 22 6 28

Araraquara (Central) 3 8 11

Franca 3 0 3

Marília 2 1 3

Presidente Prudente 0 0 0

RMSP 5 1 6

Registro 0 0 0

Ribeirão Preto 5 5 10

Santos 0 0 0

São José dos Campos 10 2 12

São José Rio Preto 0 1 1

Sorocaba 16 7 23

Total 70 38 108

Fonte: IBGE, Cidades e Vilas, 1998.

376 Baseado em Carvalho (1996) e Silva (1996). 377 Baseado em Silva (1996). Segundo a autora, apesar da lei de 1850 não ter surtido os efeitos esperados pelos seus idealizadores, ela se constituiu, até 1930, na principal referencia nos debates sobre a questão fundiária e a questão colonizadora, tanto no plano nacional como no plano estadual. 378 Optou-se por organizar esses dados de acordo com as atuais regiões administrativas do estado de São Paulo, destacando-se que, nesse período, alguns municípios, atualmente sedes de regiões administrativas, ainda não tinham sido criados no período 1850-1900. É o caso de Araçatuba e de Presidente Prudente, que se tornam município em 1921. Baseado em SEP (1995a). 379 De acordo com estudo anterior, durante todo o período imperial, foram criados 84 novos municípios no estado de São Paulo, sendo que sete municípios foram criados no período regencial (1831-1839) e 77, durante o segundo reinado (1840-1889). (SIQUEIRA, 2003, p.78)

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Os dados foram divididos em dois períodos para destacar que a mudança

de regime de governo não implicou uma diminuição no ritmo de criação de novos

municípios no estado de São Paulo. Enquanto, entre 1850 e 1889380, foram

criados 70 municípios, numa média de 1,8 município por ano, nos 10 primeiros

anos republicanos, foram criados 38 municípios, numa média de 3,8 municípios

por ano, indicando um aumento no número de ocorrência de desmembramento

municipal. Por fim, considerando-se todo o período, de 1850 a 1900, com um total

de 108 novos municípios, tem-se uma média de criação de 2 municípios por

ano381.

Tem-se uma noção mais completa da intensidade do processo de criação

de municípios na segunda metade do século XIX quando se soma aos dados

anteriores o número de municípios que foram criados no período considerado,

mas que voltaram a condição de distritos382:

Quadro 3.4: Número de municípios que voltaram à condição de distrito Estado de São Paulo, por Regiões Administrativas 1850-1900

Regiões Administrativas

Municípios criados entre 1850 e 1900 e que voltaram à condição de distrito383

Franca 1 Marília 2 RMSP 1 São José dos Campos 5 Sorocaba 5 Total 14

Fonte: SEP, Municípios e distritos do estado de São Paulo, 1995a.

380 Lembrando que o Império brasileiro possui 3 fases: o Primeiro Reinado (1822-1830), o Período Regencial (1831-1839) e o Segundo Reinado (1840-1889). 381 Esse ritmo de criação de municípios é bastante significativo, principalmente quando se considera que no período colonial, foram criados, no estado de São Paulo, apenas 33 municípios. Baseado em Siqueira (2003). 382 Esses municípios que voltaram à condição de distritos não são considerados no cômputo geral de municípios criados num determinado período. Caso eles venham a se tornar município posteriormente, essa segunda data é que aparece como sendo a data de criação destes municípios. Baseado em SEP (1995a). 383 Desses 14 municípios, apenas um permaneceu como distrito. Os outros 13 municípios voltaram à categoria de município durante a década de 1930, com exceção do único município da região de Franca, que voltou a ser município em 1909. Baseado em SEP (1995a).

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Com esses dados, tem-se que, entre 1850 e 1900, foram criados 122

municípios no estado de São Paulo, resultando num ritmo de criação de 2,4

municípios por ano. Tal ritmo mostra-se bastante significativo quando se considera

que nos 321 anos de período colonial foram criados no estado de São Paulo

apenas 33 municípios, numa média de 1 município a cada 10 anos384.

Esse intenso processo de criação de municípios no estado de São Paulo

está diretamente vinculado com a expansão da cafeicultura, principalmente a partir

de 1870, quando se iniciou a expansão das estradas de ferro no estado e a

estruturação do “complexo econômico cafeeiro”385, resultando numa

reestruturação da rede de cidades no estado. Nesse sentido, Gonçalves (1998)386

destaca que

A expansão urbana motivada pelo café teve como ponto de partida a rede de vilas e povoados originada do avanço do povoamento baseado no sistema de relações prevalecentes até então387. Esta base inicial se rearticulou sob a dinâmica presidida pela expansão cafeeira e a partir daí a rede de cidades foi se estendendo no território, articulada pelas novas relações derivadas da estruturação e desenvolvimento de um complexo econômico estruturado para a reprodução da cafeicultura paulista. (GONÇALVES, 1998, p.125)

Nesse contexto, como já foi apresentado no capítulo anterior, Campinas

assumiu um papel de destaque, principalmente a partir de 1870, quando se tornou

384 Gonçalves (1998) destaca que, entre 1532 a 1799, a média de criação de municípios em São Paulo era de 1 município a cada 9,2 anos, sendo que o seu surgimento esteve relacionado com as bandeiras, economia de subsistência e o comércio de longa distância. Autora destaca que, entre 1850 e 1900, a média de criação de municípios era de 2 municípios por ano, sendo o seu surgimento estreitamente relacionado com a expansão da economia cafeeira no estado de São Paulo. (GONÇALVES, 1998, p.49) 385 Trata-se de um conceito elaborado por Cano (1977) no estudo do desenvolvimento econômico do estado de São Paulo. Esse conceito é utilizado tanto por Gonçalves (1998), no estudo sobre a rede urbana paulista, como por Semeghini (1991), no seu estudo sobre Campinas. 386 Outros autores enfatizam o papel da economia cafeeira no surgimento de cidades no território paulista, dentre os quais, pode-se destacar Araújo Filho (1956), Cano (1977), Ianni (1984), Oliveira (1988). 387 Sergio Buarque de Holanda já destacava, em 19?, a importância da estrutura de cidades e do sistema viário surgidos durante a economia açucareira para o desenvolvimento posterior da cafeicultura no território paulista. Outros autores também destacam o desenvolvimento da economia cafeeira baseado na estrutura do açúcar, como Araújo Filho (1956), Cano (1977), Oliveira (1988), Semeghini (1991), Lapa (1995).

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“capital agrícola”, como pólo irradiador dos surtos da economia cafeeira e de

expansão da fronteira do Oeste Paulista388.

Retomando os dados do quadro 3.3, observa-se que, das cinco regiões

com maior ocorrência de surgimento de novos municípios389, durante 1850 e 1900,

três regiões correspondiam à expansão da economia cafeeira no território paulista:

Campinas (28 novos municípios), Araraquara (11 novos municípios) e Ribeirão

Preto (10 novos municípios).

Por sua vez, considerando os dados do quadro 3.4, observa-se que entre

as regiões onde se verificou o retorno de municípios à categoria de distrito,

encontravam-se aquelas de ocupação antiga do estado de São Paulo (Franca,

RMSP, São Jose dos Campos e Sorocaba) e aquelas que não estavam

diretamente vinculadas à expansão cafeeira no último quartel do século XIX390.

Com isso, pode-se argumentar que o Oeste paulista – tanto o “primeiro

Oeste” como o “segundo Oeste”391 – apresentavam ambiente propício, econômica

e demograficamente392, para a proliferação de novos municípios pelo seu território,

na segunda metade do século XIX.

Quando se consideram, a partir do quadro 3.3, os dados referentes aos 39

anos de Império, observa-se o quanto esse argumento é significativo para a região

388 As regiões do estado de São Paulo, no período de expansão da cafeicultura, no final do século XIX e início do XX, apresentam diferentes denominações dependendo do autor considerado. Em Gonçalves (1998), por exemplo, a região que inclui a capital, o litoral, o Vale do Paraíba e a região de Sorocaba, é denominado como “porção leste” do estado; a região que inclui as sub-regiões de Jundiaí, Campinas, Mogi-Mirim, Piracicaba e Rio Claro é denominada de “antigo oeste paulista”; e, por fim, as regiões para além de Rio Claro são denominadas de “oeste pioneiro”. Já em Ianni (1984), o Oeste do estado de São Paulo era dividido em “primeiro Oeste paulista”, centrado em Campinas e que englobava Campinas, Itu, Limeira e outras, e o “segundo Oeste paulista”, centrado em Ribeirão Preto. 389 Por ordem decrescente de novos municípios criados: Campinas (28 municípios), Sorocaba (23 municípios), São José dos Campos (12 municípios), Araraquara (11 municípios) e Ribeirão Preto (10 municípios). 390 Compreendem as quatro regiões de ocupação antiga e Marília. Gonçalves (1998) destaca que o povoado de Marília surge no início da década de 1920 e que, em 1928, é alcançado pela estrada de ferro Alta Paulista e elevado à categoria de município.Segundo SEP (1995a), até 1926, Marília era distrito de Cafelândia, cujo histórico de configuração municipal está vinculado ao processo de desmembramento territorial do município de Bauru. 391 De acordo com nomenclatura empregada por Ianni (1984). 392 Baseando-se na literatura que destaca o dinamismo econômico e o dinamismo populacional que se registraram no Oeste paulista, decorrentes da expansão da economia cafeeira no estado de São Paulo. Dentre essa bibliografia, destacam-se Cano (1977), Ianni (1984), Oliveira (1988), Semeghini (1991), Baeninger (1996).

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de Campinas, que registrou o surgimento de 22 novos municípios dos 28 que

foram criados em todo o período.

Por sua vez, nos 10 primeiros anos republicanos, o argumento torna-se

mais verdadeiro para região de Araraquara, que registrou, nesse período, 8 novos

municípios dos 11 surgidos em toda segunda metade do século XIX, o mesmo

podendo ser dito com relação à região de Bauru, que registrou 6 ocorrências num

total de 9 novos municípios, e com relação à região de Ribeirão Preto, que

registrou 5 casos, num total de 10 novos municípios, no mesmo período.

Como foi destacado anteriormente, em estudo prévio393, argumentou-se

que, em função, principalmente, da expansão da economia cafeeira no estado de

São Paulo, o processo de criação de municípios, em São Paulo, durante o

Segundo Reinado e na primeira década do regime republicano, realizou-se com

uma maior atuação da dimensão econômica e da dimensão demográfica, sendo o

surgimento de municípios uma expressão direta de um maior dinamismo

econômico e populacional do período.

Nesse contexto, a dimensão política-institucional não teria funcionado como

um fator restritivo desse processo de desmembramento municipal394, cuja atuação

teria se dado mais na formalização e regulamentação do processo, e não através

do seu impedimento ou dificultação.

Argumentou-se, porém, que tais colocações sobre a dimensão político-

institucional do processo de criação de municípios são válidas para a

consideração do processo numa escala espacial mais ampla e de determinados

393 Siqueira (2003). 394 No estudo de 2003, argumentou-se que o arranjo político-institucional não colocou restrições à criação de novos municípios tendo em vista a ausência de critérios rígidos para a criação de municípios (Siqueira, 2003). Posteriormente, baseando-se em estudos que abordam a questão da política de terras e colonização (Carvalho, 1996; Silva, 1996), considera-se que a criação de novos municípios, provavelmente, deveria cumprir um papel importante de efetivação do domínio territorial do país, o que era interessante para o governo imperial. Nesse sentido, dificultar a criação de municípios seria contrário aos objetivos do próprio governo central. Para se ter uma idéia da dimensão dessa questão, Silva (1996) destaca que, de acordo com o Censo de 1920, 79,4% do território nacional correspondiam às terras devolutas e 20,6% correspondiam às terras cultivadas, ou seja, efetivamente ocupadas. (SILVA, 1996, p.156). Isso nos permite considerar que, na segunda metade do século XIX, era bastante baixa a proporção do território nacional efetivamente ocupado, estando abaixo dos 20% e, conforme a forma de ocupação do território nacional, com grande concentração na faixa litorânea do país.

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aspectos da dimensão político-institucional395. As considerações seriam outras

dependendo da escala espacial e dos aspectos político-institucionais selecionados

– é o que analisaremos no caso do município de Campinas.

Considerando, novamente, os dados do quadro 3.3, tem-se que 28

municípios foram criados na região administrativa de Campinas396, na segunda

metade do século XIX. Os dados do quadro 3.5 referem-se à distribuição desses

28 novos municípios pelas regiões de governo397 que compõem a região

administrativa de Campinas:

Quadro 3.5: Número de municípios criados

Região Administrativa de Campinas, dividida por regiões de governo

1850-1900

Regiões de Governo (Região Administrativa de Campinas)

Municípios criados 1850-1900

Bragança Paulista 6

Campinas 6

Jundiaí 2

Limeira 3

Piracicaba 2

Rio Claro 2

São João da Boa Vista 7

Total 28

Fonte: IBGE, Cidades e Vilas, 1998.

Com relação a esses dados, observa-se que as regiões de governo com

maior ocorrência de criação de municípios, durante 1850 e 1900, foram, por um

lado, Bragança Paulista e Campinas, com 6 municípios cada uma, que

395 No estudo de 2003, as escalas trabalhadas foram a regional, a estadual e a sub-regional; e os aspectos político-institucionais foram: a esfera de atuação do governo municipal conferida pelas diferentes constituições e as leis e requisitos para criação de municípios. (Siqueira, 2003). 396 Onze das 14 atuais regiões administrativas do estado de São Paulo foram criadas pelo governo estadual, durante a gestão de Abreu Sodré (1967-1971). Seu número passou para 14, a partir do Decreto no. 32.141, de 14/08/1990 (BAENINGER, 2000, p.175-176). 397 As 43 regiões de governo atualmente existentes no estado de São Paulo foram instituídas pelo governo estadual, na gestão de Franco Montoro (1983-1986), através do Decreto no. 22.970, de novembro de 1984 (BAENINGER, 2000, p.176). Segundo a Fundação Seade, a região administrativa de Campinas é composta pelas seguintes regiões de governo: Bragança Paulista, Campinas, Jundiaí, Limeira, Piracicaba, Rio Claro e São João da Boa Vista.

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correspondem às regiões de ocupação mais antiga do “primeiro Oeste paulista”398,

e, por outro, São João da Boa Vista, que compreende a região que se interligou ao

município de Campinas a partir do ramal ferroviário da Mogiana399, e registrou 7

novos municípios.

Em contrapartida, as regiões com menor ocorrência de novos municípios,

na segunda metade do século XIX, foram, por um lado, Jundiaí e Piracicaba, que

também são regiões de ocupação mais antiga do “primeiro Oeste paulista”400, e,

por outro lado, Limeira e Rio Claro, que são as regiões limítrofes dessa porção

Oeste do estado, em direção ao denominado “segundo Oeste paulista”, que

começa a se configurar a partir das regiões de Araraquara e Ribeirão Preto.

A partir disso, pode-se afirmar que, num nível sub-regional, o processo de

criação de novos municípios não era pari passu com o dinamismo econômico e

populacional ou, pelo menos, não era um simples reflexo imediato e necessário e

se processava na mesma intensidade do desenvolvimento econômico e

demográfico das sub-regiões. Embora isso possa constituir-se como verdadeiro

numa escala espacial mais ampla, como a de regiões administrativas, ou então

em termos estaduais e nacionais401.

398 Segundo Semeghini (1991), municípios localizados nessas regiões, incluindo Jundiaí e Piracicaba, tiveram o início de sua ocupação e desenvolvimento econômico vinculado ao caminho para as Gerais e, principalmente, ao estabelecimento da economia açucareira. De acordo com o autor, formaram o que se denominou por “quadrilátero do açúcar”. (SEMEGHINI, 1991, p.15) 399 Semeghini (1991), ao abordar as duas regiões estruturadas a partir de Campinas, em funções dos ramais ferroviários, destaca a importância da região estruturada pela Mogiana. Os municípios produtores de café desta região fizeram de Campinas seu principal centro de transporte e distribuição do café. 400 Como já foi destacado, os municípios localizados nas regiões de Jundiaí, Piracicaba, Campinas e Bragança Paulista, formaram, no final do século XVIII e início do XIX, segundo Semeghini (1991), o “quadrilátero do açúcar”, indicando a ocupação mais antiga dessa porção do Oeste paulista. 401 Em seu estudo, Gonçalves (1998) chega a considerar a criação de municípios, durante séculos XVIII, XIX e XX, como um processo que anda à reboque da expansão do desenvolvimento econômico, chegando a identificar as fases onde houve pouco ou nenhum surgimentos de novos municípios como conseqüência direta de um baixo desenvolvimento econômico. Porém, considera-se que essa é uma perspectiva parcial do processo de criação de municípios. Em Siqueira (2003), destacou-se a tridimensionalidade desse processo, a partir do qual o surgimento de novos municípios resultava da atuação das dimensões economia, demográfica e política-institucional. Essa perspectiva tridimensional é o que nos permite não considerar a criação de municípios como uma mera decorrência do desenvolvimento econômico e, em decorrência, explicar a não ocorrência de desmembramentos municipais num contexto favorável em termos econômicos e demográficos.

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Considerando, a partir do quadro 3.5, apenas a região de governo de

Campinas, tem-se que surgiram, nesta sub-região, seis municípios, sendo que

nenhum desses novos municípios foi criado em função de desmembramento

territorial ocorrido no município de Campinas402.

Num primeiro momento, isso poderia parecer incoerente, uma vez que

Campinas foi um dos municípios paulistas com maior dinamismo econômico e

demográfico, durante a segunda metade do século XIX403, e não registrou nenhum

desmembramento municipal no período.

Isso nos reforça a destacar a atuação de outros fatores nos resultados dos

processos de criação de municípios, como, por um lado, o momento de ocupação

territorial vivido pela região e a forma na qual se processou essa ocupação

territorial e, por outro, a dimensão político-institucional, expressa pelas relações

intergovernamentais e pela correspondente interação Estado-sociedade.

Primeiramente, visando buscar elementos explicativos para a situação,

aparentemente, atípica de Campinas em relação ao processo de

desmembramento municipal, na segunda metade do século XIX, serão tratadas as

questões relativas ao momento e à forma de ocupação territorial do município,

tendo como base as alterações no quadro territorial municipal, entre 1850 e 1900,

para alguns municípios selecionados.

Quadro 3.6: Alterações no quadro territorial municipal Municípios paulistas selecionados – 1850-1900

1850-1870 1871-1900 1850-1900 Municípios criação

distrito emancipação

distrito perda distrito

criação distrito

emancipação distrito

perda distrito

Total alterações no quadro territorial

Campinas 0 0 0 3 0 0 3 Mogi Mirim 1 3 0 0 2 0 6 Piracicaba 1 1 0 2 2 1 7 Rio Claro 2 2 0 2 1 0 7 São Paulo 2 2 0 5 3 0 12

Estado de São Paulo 32 36 5 54 47 6 180

Fonte: Fundação Seade, 2001

402 De acordo com SEP (1995a), quatro municípios se desmembraram para originar esses seis novos municípios: a partir de Itu surgiram Indaiatuba e Monte Mor; a partir de Mogi-Mirim surgiram Itapira e Mogi-Guaçu; a partir de Amparo, originou-se Pedreira; e a partir de Piracicaba, originou-se Santa Bárbara D’Oeste. 403 Discussão apresentada no segundo capítulo.

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Os dados do quadro 3.6 foram organizados de forma a expressar a

quantidade de alterações sofridas no quadro territorial de municípios selecionados,

durante o período 1850-1900, dividido em dois momentos: o primeiro que vai de

1850 a 1870 e o segundo, que vai de 1871 a 1900.

Recapitulando que, o período 1850-1870, correspondeu, por um lado, à

consolidação e ao apogeu do Estado Imperial, com a hegemonia política da elite

“saquarema”, no seio da qual foi elaborada e implementada a política de terras e

de colonização, consubstanciada na Lei de Terras de 1850, que privilegiou a

concepção do governo central404.

Por outro lado, esta fase assistiu à chegada e à expansão da cafeicultura

no “antigo Oeste paulista”, em substituição às plantações de cana existentes,

tendo Campinas como um dos municípios de maior importância na produção

cafeeira, nesse momento, e possuidor da maior escravaria da província de São

Paulo405.

O período 1871-1900, por sua vez, compreende a fase de declínio e queda

do Império e a fase inicial de instalação do regime republicano. Em função dos

surtos de expansão e diversificação da economia cafeeira, no Oeste paulista, os

cafeicultores fluminenses e do Vale do Paraíba perderam peso econômico e

político no contexto nacional, em detrimento do maior peso dos cafeicultores

paulistas do Oeste406.

Campinas tornou-se o principal pólo de expansão da cafeicultura do estado

de São Paulo, e, em função disso, o principal centro de diversificação do capital

cafeeiro. Tornou-se o município do interior paulista com maior população, sendo

um dos principais centros de atração de imigrantes europeus407.

Com essa breve caracterização dos dois períodos considerados, pretende-

se destacar que, embora o contexto fosse marcado por um certo dinamismo

econômico e demográfico no Oeste paulista, e tratasse de um momento propício a

404 Baseado em Carvalho (1996) e Silva (1996). Ver capítulo 2. 405 Baseado em Semeghini (1991) e Baeninger (1996). Ver capítulo 2. 406 Baseado em Carvalho (1996) e Magalhães (1992). Ver capítulo 2. 407 Baseado em Semeghini (1991). Ver capítulo 2.

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tomada de decisões que viessem a influenciar a estruturação da organização

fundiária e a forma de colonização dessa porção do territorial, Campinas registrou

uma baixa ocorrência de diferenciações político-territoriais, em comparação com

outros municípios da região e com a capital da província.

Nesse sentido, a partir dos dados do quadro 3.6, observa-se que, durante

todo o período considerado, Campinas registrou apenas 3 alterações no seu

quadro territorial – o que, neste estudo, denomina-se como diferenciações político-

territoriais intra-municipais –, enquanto outros municípios da região apresentaram

maior número de alterações, como é o caso de Mogi-Mirim, com 6 alterações, e

Piracicaba e Rio Claro, com 7 alterações cada um. Por sua vez, a capital da

província, São Paulo, foi o município com maior número de ocorrência, registrando

12 alterações no seu quadro territorial.

Considerando-se o período de 1850-1870 – como dito anteriormente, fase

de consolidação do Estado imperial e de expansão da cafeicultura no Oeste

paulista –, enquanto a maioria dos municípios selecionados registrou, no seu

território, a criação ou emancipação de distritos, Campinas não apresentou

nenhum caso.

No período 1871-1900, caracterizado pela queda do Império e início do

regime republicano e pelos surtos de expansão da cafeicultura no Oeste paulista,

em relação à fase anterior, enquanto Piracicaba e São Paulo registraram maior

número de alterações territoriais (5 e 8, respectivamente), Mogi-Mirim e Rio Claro

registraram um número menor de alterações (2 e 3, respectivamente).

Nesta fase é que se concentraram as alterações no quadro territorial de

Campinas, que registrou 3 diferenciações político-territoriais, sendo que, em 1870,

foi criado o distrito do Carmo e Santa Cruz e, em 1896, os distritos de Sousas e

Valinhos408.

408 Na primeira década do século XX, Campinas registrou mais três diferenciações político-territoriais no seu território, a partir da elevação dos povoados, onde se criaram núcleos coloniais no município, à categoria de distrito: em 1904, Vila Americana tornou-se distrito; em 1906, Cosmópolis tornou-se distrito; e, em 1909, Rebouças (atual Sumaré) tornou-se distrito. A discussão sobre a criação desses núcleos será apresentada no próximo capítulo. Em 1944, ocorre a última elevação de povoado de Campinas à categoria de distrito – trata-se de Paulínia que, em 1964, elevou-se à categoria de município.

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Destaca-se que, em todo o período de 1850 e 1900, ao contrário dos

demais municípios selecionados, Campinas não sofreu nenhuma perda territorial,

seja através da emancipação de distritos ou perda de distritos para outros

municípios – o que contribuiu para que Campinas mantivesse um certa “coesão

territorial”, que perdurou até a década de 1920, quando Campinas sofre seu

primeiro desmembramento municipal em 70 anos409.

Na discussão desenvolvida na primeira parte deste capítulo, argumentou-se

que a baixa ocorrência de alterações no quadro territorial de Campinas, que

contribuiu para que o município assumisse, ao longo da maior parte da segunda

metade do século XIX, os tipos 2 e 3410 da tipologia das diferenciações político-

territoriais e, a partir do final do século XIX, assumisse o tipo 4411, permitindo a

Campinas a integridade do seu território, não estaria diretamente relacionada com

a menor extensão territorial ou uma baixa densidade demográfica.

Argumenta-se que as alterações no quadro territorial, expressas pela

criação ou emancipação de distritos secundários no município – considerado aqui

como processo de diferenciação político-territorial intra-municipal –, configuram-se

como produto de decisões políticas da elite local, com objetivo de reordenar

jurídica, administrativa e politicamente o território e a sua respectiva população,

através do qual o poder político intra-municipal também se reordenaria.

Esse processo de diferenciação político-territorial, por sua vez, se realizaria

em função da atuação, por um lado, das relações intergovernamentais, que

condicionam a organização do governo municipal, e da forma assumida pela

interação Estado-sociedade, em cada contexto político-institucional; por outro

lado, em função da própria composição social da população e os interesses

políticos e econômicos da classe dirigente local.

409 Em 1924, o então distrito de Vila Americana eleva-se à categoria de município, com o nome de Americana. 410 Segundo a tipologia de diferenciações político-territoriais, apresentada no quadro 1, o tipo 2 corresponde à existência de distrito-sede + povoado(s), com o poder político concentrado no distrito-sede. O tipo 3 corresponde à existência de distrito-sede + distrito(s) secundário(s) + povoado(s), com nível equilibrado de poder político entre distrito-sede e distrito secundário. 411 O tipo 4, por sua vez, corresponde à existência de distrito-sede + distrito(s) secundário(s) + povoado(s), com nível desigual de poder político entre distrito-sede e distrito secundário. Ver quadro 3.1.

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186

Assim, uma das explicações para a baixa ocorrência de diferenciações

político-territoriais em Campinas, em comparação com os demais municípios

selecionados para análise, estaria relacionada com a composição social da

população campineira. Os dados da tabela 3.13412 contribuem para ilustrar esse

argumento:

Tabela 3.13: População livre, estrangeira e escrava (participação relativa %) Municípios selecionados - Província de São Paulo

1854-1886

1854 1872 1886 Municípios

Livre Estrang. Escrava Livre Estrang. Escrava Livre (Bras + Estrang)*

Escrava

Campinas 40,3 2,3 57,4 50,1 6,3 43,6 75,8 24,2

Mogi-Mirim 70,4 0,3 29,3 73,9 2,8 23,3 84,6 15,4 Piracicaba 77,7 0,3 22,0 67,5 4,0 28,5 84,6 15,4

Rio Claro 77,6 2,3 20,1 68,4 5,4 26,2 83,6 16,4

São Paulo 77,7 2,7 19,6 80,8 7,0 12,2 99,0 1,0

Província de São Paulo 70,4 1,6 28,0 79,3 2,0 18,7 91,1 8,9 Fonte: Quadro Estatístico da População da Província de São Paulo recenseada no anno de 1854; Recenseamento Geral do Império de 1872; Commissão Central de Estatistica. São Paulo, 1888. Apud Bassanezi, 1998.

* Em 1886, não há informação sobre a população estrangeira para o município de Campinas. Neste caso, optou-se por considerar brasileiros e estrangeiros conjuntamente na população para todos os municípios selecionados.

Observa-se que, em 1854, Campinas era o único município no qual mais da

metade da população era composta por escravos (57%), bem acima da média

provincial (28%), da capital da província (19,6%) e dos demais municípios

selecionados para estudo, onde também foi importante a expansão do cultivo do

café na época413, variando entre 20%, em Rio Claro, a 29%, em Mogi-Mirim.

No período seguinte, em 1872, quando Campinas já tinha se transformado

em “capital agrícola”414, embora tenha aumentado o peso relativo da população

livre no município, passando de 40% para 50%, ela ainda estava bem abaixo da

média da província (79%), da capital da província (81%) e dos demais municípios,

que variou de 67%, em Piracicaba, a 74%, em Mogi-Mirim.

412 Em anexo, encontram-se os dados absolutos a partir dos quais foram calculados esses valores relativos. 413 Baseado em Semeghini (1991). 414 Ver discussão desenvolvida no segundo capítulo.

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Por sua vez, entre 1854 e 1872, aumentou significativamente o peso da

população estrangeira no município de Campinas, passando de 2,3% para 6,3%,

ficando atrás somente do município de São Paulo, que apresentava 7% da sua

população composta por estrangeiros.

Porém, Campinas continuou apresentava a maior participação de escravos

na sua população, em torno de 44%, enquanto outros municípios da região

apresentavam proporção menor de escravos, como Piracicaba, com 28%, Rio

Claro, com 26%, e Mogi-Mirim, com 23% de escravos na sua população.

Em 1886, já às portas da abolição da escravatura, todos os municípios

apresentaram uma grande redução na participação dos escravos na sua

população. Porém, Campinas continuou apresentando o maior peso de escravos

(25%), enquanto a média provincial foi de 9%, a da capital, 1%, e o peso dos

escravos nos demais municípios variou entre 15%, em Mogi-Mirim e Piracicaba, e

16%, em Rio Claro.

Com isso, pretende-se destacar que, embora Campinas tenha sido o

município mais populoso do interior paulista, durante quase toda a segunda

metade do século XIX, foi onde a população escrava apresentou a maior

participação, ao longo de todo período, em comparação aos demais municípios

selecionados.

Esse aspecto populacional do município aliado, por um lado, ao fato de

situarem-se em Campinas alguns dos principais representantes da cafeicultura

paulista e, por outro, à baixa proporção de pessoas com direito à participação

política (cerca de 1,9%)415, nos permite apontar para uma certa rigidez na

composição social do município, o que, por sua vez, influenciaria a questão

fundiária e a concentração do poder político no município, através da ausência de

decisões no sentido de favorecer o processo de diferenciações político-territoriais

415 Campinas, em 1881, possuía a segunda maior população eleitoral da província de São Paulo, com 589 eleitores. Contrastando com a população de 1886, esses eleitores corresponderiam a 1,9% do total da população livre do município. Dentre os municípios que, em 1881, figuravam entre os 10 municípios paulistas com maior população eleitoral, cujo peso na população era superior a Campinas, destacam-se: Franca (3,6%), Santos (2,4%), Bananal (2,4%), Amparo (2,3%), Mogi-Mirim (2,2%) e São Paulo (2,1%). Ver discussão no segundo capítulo.

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intra-municipais. Isso contribuiria, por fim, para a “coesão territorial” que o

município apresentou durante toda a segunda metade do século XIX.

Uma segunda explicação para essa “coesão territorial” de Campinas e que,

de certa forma, relaciona-se com esse aspecto da composição social do

município, destacado acima, refere-se à dimensão político-institucional, expressa

por alguns aspectos das relações intergovernamentais e da interação Estado-

sociedade, os quais estariam relacionados com o posicionamento da classe

dominante local frente à política de terras e de colonização, preconizada pelo

governo central, através da Lei de Terras de 1850416.

Isso se relaciona com o argumento de que a política de terras e a política

de colonização, organizadas pela primeira vez, pelo governo brasileiro, através da

lei de 1850, ao versarem sobre uma forma de estruturação fundiária e uma forma

de ocupação dessas terras, em certa medida, constituem em si uma determinação

primeira da reorganização da população no espaço417.

Assim, o posicionamento de determinado agente, seja da esfera provincial,

seja da esfera municipal, frente à lei de terras, representaria um posicionamento

frente à decisão sobre qual forma de estruturação fundiária e de ocupação dessas

terras priorizar. Isso, por fim, influenciaria a forma que reorganização da

população assumiria em um determinado espaço.

A Lei de Terras de 1850, segundo Silva (1996)418, visava promover o

ordenamento jurídico da propriedade da terra. Além disso, estava implícita no

corpo da lei a defesa do povoamento do território nacional através da introdução

do imigrante europeu e da difusão da pequena propriedade, constituída por

intermédio da venda de lotes de terras, recortados nas terras devolutas do

Império. Por fim, com o dinheiro arrecadado com a venda dos lotes de terras,

416 Com relação à política de terras e de colonização, baseia-se na discussão desenvolvida por Silva (1996) e Carvalho (1996). 417 Esse argumento é válido mesmo se considerando que a colonização do território brasileiro começou em 1500. Como já foi destacado anteriormente, de acordo com o estudo de Silva (1996), na primeira metade do século XIX, mais de 80% do território nacional ainda não tinha sido ocupado, sendo que a ocupação se concentrava na faixa litorânea do país. 418 A discussão da Lei de Terras de 1850 já foi melhor desenvolvida no terceiro capítulo.

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pretendia-se financiar a imigração regular419, atendendo, assim, a demanda por

mão-de-obra da cafeicultura (SILVA, 1996, p.128-129).

Porém, para que esse sistema funcionasse tornava-se fundamental a

demarcação das terras devolutas do Império. Diante disso, definidas as terras

devolutas por exclusão – ou seja, aquelas que não estivessem sob domínio

particular420 –, os objetivos da Lei de 1850 só seriam alcançados na medida em

que os proprietários de terras regularizassem suas propriedades, através da

medição fundiária e registro de sua propriedade em cartório421.

Diante disso, considerando-se o momento de fortalecimento do Estado

imperial, durante o qual o aparato burocrático e o arranjo político-institucional do

governo central se sobrepuseram sobre a esfera provincial e local – o que

explicaria a priorização da visão do governo central na política de terras – e o fato

de que os contornos da ocupação territorial seriam definidos, a partir de 1850, em

menor ou maior grau, em função da lei de 1850, argumenta-se que a forma da

ocupação territorial em cada província, região ou município dependeria da

interação Estado-sociedade assumida em cada contexto, ou seja, do

posicionamento das classes dominantes locais frente à lei de 1850.

Voltando para nossa referência empírica, argumenta-se que os grupos

sociais dominantes de Campinas, vinculadas à economia cafeeira, assumiram

uma postura de contraposição à política de terras e de colonização estabelecida

pelo governo central. Essa postura resultaria, por um lado, da existência mais

ampla de interesses políticos conflitantes entre a oligarquia cafeeira paulista e o

Império – o que levou a uma incompatibilização política entre eles no final do

419 Imigração regular é aquela que era financiada pelo governo brasileiro e visava atrair imigrantes para trabalhar na lavoura cafeeira (SILVA, 1996, p.129). 420 De acordo com o Artigo 3o. da Lei no.601, de 18 de setembro de 1850 (Lei de Terras), são terras devolutas: “§ 1o. As terras que não se acharem applicadas (sic) a algum uso publico nacional, provincial, ou municipal. § 2o. As que não se acharem no domínio particular por qualquer título legitimo, nem forem havidas por sesmarias e outras concessões do Governo Geral ou Provincial, não incursas em commisso (sic) por falta do cumprimento das condições de medição, confirmação e cultura. § 3o. As que não se acharem dadas por sesmarias, ou outras concessões do Governo, que, apezar (sic) de incursas em commisso (sic), forem revalidadas por esta lei. § 4o. As que não se acharem occupadas (sic) por posses, que apezar (sic) de não se fundarem em título legal, forem legitimadas por esta lei”. 421 Baseado em Silva (1996).

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regime imperial422 – e, por outro, do interesse dos cafeicultores do Oeste paulista

em garantir condições mais propícias para maior expansão da cafeicultura no

território paulista.

Nesse sentido, considera-se que o uso extensivo da terra – que implica o

domínio sobre grandes extensões territoriais – característico do desenvolvimento

das monoculturas no país, também caracterizou a agricultura campineira desde o

seu ciclo açucareiro, mantendo-se com a chegada do café, mesmo na fase de

emprego de mão-de-obra livre e de técnicas mais modernas de cultivo423. Com

isso, os cafeicultores campineiros garantiriam uma alta produtividade cafeeira

através do domínio de grande extensão territorial424.

Com isso, pretende-se argumentar que o interesse em manter a alta

produtividade da cafeicultura do município de Campinas seria uma das razões

para o grupo dominante local buscar manter a integridade do território, uma certa

“coesão territorial”, através da decisão de não favorecer o processo de

diferenciações político-territoriais intra-municipais, evitando, com isso, o

surgimento de novas espacialidades de definição e participação política425 e,

possivelmente, o surgimento de interesses conflitantes com os da oligarquia

cafeeira do município.

Por outro lado, baseando-se nas observações de Carvalho (1996) sobre o

fato de a política de terras permitir aprofundar a compreensão da relação entre

governo central e proprietários rurais, uma vez que a Lei de 1850 atingia de

422 Lima (1986) destaca que três questões principais, relacionadas à cafeicultura, evidenciaram a insatisfação da oligarquia cafeeira em relação à política imperial e levaram ao seu progressivo distanciamento político em relação ao governo central: o transporte café produzido, o crédito para financiar a expansão cafeeira e a mão-de-obra empregada nas lavouras. 423 Baseado em Semeghini (1991) e Silva (1996). 424 Os dados apresentados no terceiro capítulo sobre a produção cafeeira no município e região de Campinas evidenciam a sua alta produtividade em termos comparativos – o que pode corroborar com o nosso argumento. É claro que o uso intensivo da terra não foi exclusividade de Campinas, mas o que argumentamos como sendo exclusivo é a opção pela coesão do território, garantindo que toda a sua extensão fosse utilizada para o plantio do café, em grandes propriedades. Para que isso fosse comprovado, seria necessária uma análise mais focada sobre o desenvolvimento da cafeicultura na região de Campinas, destacando aspectos como a estrutura fundiária e o perfil das elites locais. Porém tal análise não será possível neste estudo, restringindo-nos somente a apontar alguma alternativa com relação à especificidade de Campinas no contexto da expansão da cafeicultura no estado. 425 Através da elevação de povoados à categoria de distritos secundários.

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maneira profunda os interesses desses proprietários426, considera-se que, já na

década de 1840, quando se iniciam os debates sobre a política de terras e de

colonização, e, principalmente, a partir de 1850, com a Lei de Terras, se fazia

sentir um distanciamento político entre proprietários rurais do Oeste paulista e o

governo central427. Em outras palavras, já se colocava, naquele momento, o que

Lima (1986) apontou como a “pouca correspondência entre os interesse paulistas

e a política nacional vigente” (LIMA, 1986, p.12).

Considera-se, de acordo com as observações de Lima (1986), que a partir

de 1870, essa “pouca correspondência” entre paulistas e a política nacional, ou o

distanciamento político entre os cafeicultores do oeste paulista e o governo central

tornou-se cada vez mais profundo, sendo que a “mola propulsora” desse

distanciamento estaria, basicamente, configurada nas decisões políticas

divergentes tomadas pelos dois grupos políticos na busca de soluções para os

principais obstáculos à expansão da cafeicultura428.

Esse aprofundamento do distanciamento político entre paulistas e governo

central, pode-se afirmar, seria mais evidente em Campinas, uma vez que o

município tornou-se o mais importante produtor de café da província e o pólo de

expansão da cafeicultura em São Paulo, contribuindo para o fortalecimento

econômico e político, no contexto provincial e nacional, dos cafeicultores

campineiros.

426 Seja através da regularização da propriedade particular, que visava, por fim, a demarcação das terras devolutas – tão caras para o projeto de colonização e ocupação territorial do Império –, seja através da constituição da pequena propriedade via favorecimento da imigração oficial (ou espontânea) através da venda de lotes em terras devolutas do Império. Baseado em Carvalho (1996). 427 A Lei de Terras de 1850, como, segundo Silva (1996), contemplava a visão “saquarema” (cafeicultores fluminenses) de solução da regularização fundiária e da colonização do território, não foi bem recebida pelos paulistas e mineiros devido aos altos custos que representariam para esses últimos a aceitação da forma de regularização fundiária que implicava, além dos custos de medição e registro, o pagamento de novos impostos e o risco da expropriação. Além disso, os fazendeiros paulistas e mineiros não queriam arcar com os custos de financiamento de uma forma de imigração européia que não atendiam às suas necessidades naquele momento. Baseado em Carvalho (1996). 428 Lima (1986) baseia sua análise na comparação entre os cafeicultores do Oeste paulista e os do Vale do Paraíba (incluindo nesse grupo os paulistas). Os cafeicultores do Vale condensariam ou apregoariam a visão do governo central sobre a questão de terras e de colonização.

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Além disso, e, de certa forma, em conseqüência disso, Campinas tornou-se,

no interior paulista, um dos principais centros de difusão do republicanismo429 na

província, ou seja, um dos principais centros de oposição às políticas do governo

central430, contrárias aos interesses dos cafeicultores paulistas431.

Esse aspecto nos leva a argumentar que grupos sociais dominantes de

Campinas estariam propensos a se posicionar contrariamente às políticas

implementadas pelo governo central. Nesse sentido, argumenta-se que, com

relação à Lei de Terras de 1850, é provável que, por um posicionamento político

de contestação, esses grupos dominantes tenham decidido agir de forma a não

favorecer os objetivos da referida lei, seja não facilitando a demarcação das terras

devolutas, seja não facilitando o parcelamento das terras para colonização432.

Essa postura política, por sua vez, teria contribuído para o que se

denominou até aqui por “coesão territorial” do município de Campinas, ao longo da

segunda metade do século XIX.

Com isso, pretende-se destacar que, paralelo aos fatores de ordem

econômica e política, fatores populacionais relacionados a uma diversificação da

composição social da população, expressa pela presença de escravos e

imigrantes europeus, contribuíram para que Campinas, em comparação a outros

municípios, mantivesse uma “coesão territorial”, ao longo de todo a segunda

metade do século XIX, através da decisão de não facilitar o processo de

429 Carvalho (1996) destaca que o Rio de Janeiro e a província de São Paulo, e particularmente Campinas, defendiam vertentes diferentes do republicanismo. Enquanto no Distrito Federal, a principal preocupação dos republicanos referia-se ao governo representativo e aos direitos individuais, em São Paulo, os republicanos defendiam a federação, isto é, a autonomia estadual. 430 Lima (1986) destaca a existência, no município, nesse período, de importantes veículos de defesa dos interesses dos cafeicultores campineiros e paulistas, como o jornal Gazeta de Campinas, fundado em 1869, e o Clube da Lavoura, fundado em 1876. 431 Apesar da importância que o movimento republicano assumiu em Campinas, tendo alguns expoentes do movimento republicano no município se destacado no cenário estadual e nacional, no período republicano, como Campos Sales e Francisco Glicério, Lapa (1995) destaca que o republicanismo não recebeu adesão total das classes dominantes do município, encontrando-se vários monarquistas entre os fazendeiros locais. O historiador destaca também que, apesar das diferenças ideológicas e práticas entre republicanos e monarquistas, eles se uniam para defender os interesses da cafeicultura do município e da região. 432 Esse parcelamento das terras vai ocorrer em Campinas nos últimos anos do século XIX, já sob o regime republicano, em decorrência da própria expansão do café no território paulista e do esgotamento das terras do “antigo” Oeste paulista. Baseado em Semeghini (1991) e Toledo (1995).

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diferenciação político-territorial intra-municipal, o que, por sua vez, poderia vir a

ocasionar, posteriormente, o desmembramento do território municipal.

Essa “coesão territorial” – a qual pressupunha uma certa coesão política

entre a elite local – se fez importante para atender aos interesses dos grupos

sociais dominantes, vinculados, direta ou indiretamente, à economia cafeeira.

Assim, o processo de diferenciações político-territoriais foi coibido naqueles casos

que representassem a possibilidade de surgimento de interesses conflituosos,

tanto em relação à priorização da cultura cafeeira como em relação à própria

estrutura fundiária do município.

No decorrer da primeira parte do capítulo, desenvolveu-se a idéia de que o

processo de diferenciações político-territoriais intra-municipais representaria uma

redistribuição do poder político entre as diferentes espacialidades existentes no

território municipal, resultando na configuração de novos espaços de definição e

participação política.

Assim, esses novos espaços apresentariam um certo nível de poder

político, o qual poderia ou não estar em equilíbrio com o poder político

concentrado no distrito-sede, que corresponderia à sede do governo municipal e,

em torno do qual, gravitariam os grupos sociais dominantes. Com isso, o distrito-

sede se constituiria no lócus do status quo do município.

Por sua vez, o nível de poder político assumido por cada distrito

secundário criado seria definido pelos fatores que motivaram a sua criação, os

quais estariam relacionados com a composição social e política da população do

distrito-sede e dos povoados e com o contexto econômico, social e político no qual

o povoado foi elevado à categoria de distrito.

Com relação a Campinas, argumentou-se que em função, tanto do

interesse em intensificar a produção cafeeira como do posicionamento político

contrário às medidas do governo central em relação à política de terras e de

colonização, a partir de 1850, os grupos sociais dominantes do município

tenderam a tomar decisões que, por um lado, favoreceram a manutenção da

“coesão territorial” do município e, por outro, dificultaram a criação de distritos que

pudessem representar a emergência de novos atores políticos e de novos

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interesses, no cenário municipal, conflitantes com o status quo estabelecido no

distrito-sede do município.

Aliado a isso, se destacaria uma certa rigidez na estrutura social de

Campinas, fruto da formação social do município que se caracterizou pela grande

presença de escravos na população total do município que, por sua vez, está

relacionada com a estrutura fundiária, onde se privilegiou a grande propriedade

rural, condicionada pelo desenvolvimento da cultura cafeeira no município.

Neste contexto, a população livre trabalhadora deveria se adequar à forma

de inserção social condicionada pelo complexo cafeeiro e, além disso, ocupar os

espaços urbanos e rurais preteridos pelos grupos sociais mais abastados e pela

própria estrutura da economia cafeeira.

Paralelo a isso, considerou-se também o conservadorismo peculiar da

sociedade campineira que, em consonância com a sociedade brasileira, mostrou-

se pouco aberta à expansão da participação política aos setores mais populares

da sociedade.

Esse conservadorismo campineiro evidenciou-se pela não transformação

de determinados povoados em distritos, evitando a redistribuição do poder político

municipal através da formação de novos espaços de debate e participação política

no território de Campinas.

Essas características da sociedade campineira devem ser levadas em

conta quando se analisa o processo de diferenciações político-territoriais. Nesse

sentido, observou-se que, durante o período 1850-1870, ao contrário de outros

municípios da região, Campinas possuía apenas o distrito-sede, que concentrava

o poder político do município, e em seu entorno gravitavam vários povoados

desprovidos de autonomia, refletindo a característica dos grupos sociais

dominantes de Campinas, que atuaram de forma a favorecer a “coesão territorial”

do município.

Durante o período 1870-1896, no contexto de auge da economia cafeeira

no município, argumentou-se que a criação de primeiro distrito secundário em

Campinas estaria relacionada com a busca por uma ampliação do espaço de

participação política para atender a uma parcela da população que passou a deter

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poder aquisitivo maior e que, portanto, demandava uma maior participação

política.

Neste caso, sustenta-se que se deu a criação do distrito do Carmo e Santa

Cruz devido à existência de uma certa identidade política da sua população com a

do distrito-sede, não representando, assim uma ameaça aos interesses da classe

dominante. Pelo contrário, haveria uma maior comunidade de interesses entre os

grupos sociais dominantes dos dois distritos.

Já entre os distritos criados em 1896 e os distritos então existentes não

existiria a mesma identidade social e política. Esses distritos surgiram num

contexto de transformação na estrutura social em decorrência da abolição da

escravatura e da grande entrada de imigrantes no município e de crise urbana

decorrente, em grande parte, da emergência de novos atores e novos interesses

no cenário municipal.

Diante disso, considera-se que a deflagração da crise urbana vivenciada

por Campinas no final do século XIX, a qual exigiu a atuação conjunta das esferas

de governo municipal e estadual para a sua solução, foi o fator que contribuiu para

que Sousas e Valinhos, duas das áreas com importante concentração de colonos,

tornassem distritos. Ou seja, a sua elevação à categoria está diretamente

relacionada com busca de solução para grave problema vivenciado no distrito-

sede e no distrito do Carmo e Santa Cruz.

Assim, é nos fatores relacionados a essa composição social da população

de Sousas e Valinhos e ao contexto em que surgem como distrito que reside a

consideração do nível desigual de poder político entre esses distritos recém-

criados e o distrito-sede e o distrito do Carmo e Santa Cruz.

Em outras palavras, foi somente em função da atuação de fatores externos

ao município, representada pelo programa estadual de saneamento, num contexto

de crise urbana, que dois dos povoados com concentração de núcleos coloniais

foram elevados a distritos.

Porém, por serem constituídos, principalmente, por colonos – constituindo-

se, portanto, em novos atores com novos interesses – é que a esses distritos

corresponderia um nível de poder político desigual em comparação com os

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distritos principais do município, sendo que, uma das formas de se evidenciar esse

desnível de poder político poderia ser através do pouco investimento do poder

público nessas áreas, nesse momento.

Apesar disso, não se pode deixar de observar que o fato de ter ocorrido

esse tipo de diferenciação político-territorial no município, embora tenha sofrido a

influência de fatores externos, revelaria a mudança vivenciada pela sociedade

campineira com a emergência de novos atores sociais e políticos no município.

Considerando-se o já discutido conservadorismo campineiro e a existência

de outros núcleos coloniais nos demais povoados do município, argumenta-se que

o tipo de diferenciação político-territorial, assinalado pelo desnível de poder

político entre o distrito-sede e os distritos secundários, é o que caracterizará a

elevação destes povoados à categoria de distrito.

Numa perspectiva neo-institucionalista histórica, este tipo de diferenciação

político-territorial é o que influenciará os desdobramentos posteriores da

organização territorial do município, marcando a consolidação da hinterlândia

campineira, na sua dimensão política, com possíveis reflexos na sua dimensão

econômica.

Considerando-se que a segunda metade do século XIX corresponde ao

período de consolidação do Estado Imperial e de definição da sua política de

terras e de colonização e, conseqüentemente, da definição dos elementos de

articulação entre a dimensão político institucional e a reorganização da população

no espaço, pressupõe-se que o mesmo seja válido para as escalas sub-nacionais,

seja o estadual, seja o municipal.

Assim, considera-se que, nesse momento, o município de Campinas

também vivenciava, por um lado, o processo de consolidação dos principais traços

dos dois elementos da dimensão político-institucional selecionados para esse

estudo, ou seja, as relações intergovernamentais e a interação Estado-sociedade

e, por outro, a definição do seu posicionamento frente à política nacional de terras

e colonização. Conseqüentemente, esses dois processos influenciarão os

desdobramentos posteriores de organização territorial e de reorganização da

população no espaço campineiro.

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No próximo capítulo, será desenvolvida a terceira etapa da análise neo-

institucionalista histórica sobre a articulação da dimensão político-institucional e a

reorganização da população no espaço.

Será retomada a hipótese central do trabalho que sustenta que decisões

políticas relacionadas à organização territorial, tomadas num ponto do passado,

condicionadas pela dimensão político-institucional – expressa pelas relações

intergovernamentais e pela interação Estado-sociedade – representariam uma

espécie de path dependence (“trajetória condicionada”) dos desdobramentos

posteriores da organização territorial e da reorganização populacional.

O capítulo será estruturado de forma a evidenciar que, apesar da existência

de “pontos críticos” nos desdobramentos posteriores da organização territorial de

Campinas, a lógica da articulação entre a dimensão político-institucional e a

reorganização espacial da população continuará apresentando as mesmas

características apresentadas no momento de definição inicial dessa articulação se

não houver uma mudança na lógica presente na dimensão político-institucional, ou

seja, nas relações intergovernamentais e/ou na interação Estado-sociedade.

O recorte espacial da análise do próximo capítulo se adaptará a cada etapa

considerada. Assim, na primeira fase, o recorte espacial será o mesmo

considerado no desenvolvimento do segundo e terceiro capítulo, porém será

colocada ênfase na área compreendida pelos atuais municípios de Campinas,

Sumaré e Hortolândia. Já na segunda e na terceira fases, o recorte espacial

compreenderá as áreas dos atuais municípios de Sumaré e Hortolândia.

Por fim, considera-se que a análise da transformação da organização

territorial e da reorganização da população no espaço campineiro a partir do

processo de diferenciações político-territoriais intra-municipais, numa perspectiva

neo-institucionalista histórica, fornecerá elementos novos para o debate recente

sobre a “fragmentação da metrópole”, o que será explorado na seção final do

próximo capítulo.

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CAPITULO IV: DESDOBRAMENTOS DAS DIFERENCIAÇÕES POLÍTICO-TERRITORIAIS E POPULACIONAIS – DOS ESPAÇOS INTER-DISTRITAIS AO ESPAÇO METROPOLITANO

IV.1 – Desdobramento das Diferenciações Político-territoriais: da hinterlândia

a diferentes espaços inter-distritais

O desenvolvimento da terceira etapa da análise neo-institucionalista

histórica sobre a articulação entre o que convencionamos denominar por

dimensão política-institucional e a reorganização da população no espaço constitui

o objetivo central desta primeira seção.

Nesse sentido, entendendo a reorganização da população no espaço

também como um processo tridimensional, ou seja, no qual atuam as dimensões

demográfica, político-institucional e econômica433 e, a partir das duas primeiras

etapas da análise, empreendidas nos capítulos segundo e terceiro, tendo como

referência empírica o espaço campineiro, reforçou-se como questão central deste

estudo o entendimento de como se dá a interação entre a dimensão político-

institucional e o processo de reorganização da população no espaço434.

Definiu-se, no primeiro capítulo, que a dimensão político-institucional seria

expressa pela atuação do Estado na organização do território sob sua jurisdição, a

433 Baseada na discussão sobre a tridimensionalidade do processo emancipatório, feita no primeiro capítulo, na qual se destacou que, embora tendo sido elaborada para se pensar o processo de criação de municípios, ela pode ser estendida para outros diferentes processos de transformação do espaço. 434 Como já foi destacado em outro momento, nesta tese, o processo de reorganização espacial da população está diretamente relacionada com o processo de redistribuição espacial da população que, por sua vez, decorre do fenômeno migratório. Embora os dois processos se influenciem mutuamente, a opção por centrar análise da dinâmica demográfica no processo de “reorganização populacional”, ao invés da “redistribuição populacional”, refere-se ao fato de ser mais apropriado para análise de escopo espacial mais reduzido, como é o nosso caso. Além disso, a idéia de “reorganização espacial da população” está mais diretamente relacionada com a atuação do Estado na organização do espaço – o que torna mais fácil a sua articulação com a dimensão político-institucional, expressa através da competência das diferentes escalas de governo na organização do seu território.

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qual seria condicionada, em diferentes contextos, por dois fatores político-

institucionais: as relações intergovernamentais e a interação Estado-sociedade.

Numa perspectiva neo-institucionalista histórica, definiu-se que a reflexão

sobre a articulação entre a dimensão político-institucional e a reorganização da

população no espaço teria seu ponto inicial no processo de elaboração da política

de terras e de colonização, desenvolvido durante o Império, a partir da Lei de

Terras de 1850, sendo que as formas assumidas por essa articulação

dependeriam do posicionamento assumido pelas classes dominantes, municipais

ou provinciais, diante da política central de terras e colonização.

No caso do município de Campinas, conforme desenvolvido nos capítulos

terceiro e quarto, argumenta-se que as classes dominantes teriam assumido uma

posição contrária à política central, contribuindo para a baixa ocorrência de

diferenciações político-territoriais no município, durante a segunda metade do

século XIX, favorecendo uma certa “coesão territorial” do espaço campineiro, ao

longo de mais de meio século.

A partir da elaboração de uma tipologia e da análise daquilo que se

denominou por “processo de diferenciação político-territorial intra-municipal”,

constatou-se que, durante 1850 e 1900, observou-se que Campinas assumiu,

inicialmente, uma forma de diferenciação político-territorial caracterizada pela

existência do distrito-sede e diversos povoados, no qual o poder político estava

concentrado no distrito-sede.

Posteriormente, Campinas assumiu outra forma, na qual co-existiam

distrito-sede, distrito secundário e povoados, na qual o poder político era

equilibrado entre os distritos, chegando, por fim, a uma forma final, caracterizada

pela existência de distrito-sede, distritos secundários e povoados, na qual o poder

político entre os distritos não é equilibrado.

Considerando o conservadorismo da sociedade campineira e o fato de que

nos povoados ainda existentes no município era forte a presença dos imigrantes

europeus em função dos núcleos coloniais (espontâneos e oficiais), argumenta-se

que essa última forma de diferenciação político-territorial assumida por Campinas,

caracterizada pelo desnível na distribuição do poder político entre os diferentes

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distritos, com a influência preponderante dos interesses dos grupos dominantes do

distrito-sede435 nas tomadas de decisões políticas436, é a que vai influenciar os

desdobramentos da articulação entre a dimensão político-institucional e a

reorganização da população no espaço, marcando sobremaneira as

transformações do espaço campineiro ao longo do tempo.

Retoma-se, aqui, a hipótese central do estudo, baseada na perspectiva

neo-institucionalista histórica, que sustenta que decisões políticas relacionadas à

organização territorial437, tomadas num ponto inicial do tempo438, condicionadas

pela dimensão político-institucional, cujos elementos considerados são as relações

intergovernamentais e a interação Estado-sociedade439, representariam uma

espécie de path dependence (“trajetória condicionada”) dos desdobramentos

posteriores da organização territorial e da reorganização populacional.

Assim, considera-se que a lógica presente na articulação entre a dimensão

político-institucional e a reorganização da população no espaço, definida no ponto

inicial da análise, a partir da qual o processo de diferenciações político-territoriais

geraria espacialidades, no interior no espaço campineiro, com níveis desiguais de

poder político, com concentração maior no distrito-sede, adentraria o regime

republicano e o século XX, influenciando os desdobramentos da organização

territorial e populacional, desde a forma assumida pela sua hinterlândia até a

435 Neste caso, quando se falar dos interesses do distrito-sede de Campinas, estará se considerando os interesses dos grupos sociais mais influentes que habitam os distritos da Conceição e do Carmo e Santa Cruz, principalmente as áreas do seu centro urbano e arredores. Considera-se, em tese, que, em oposição a esses interesses, estariam os interesses da população que reside nos outros distritos secundários e povoados, sejam aqueles que desempenham atividades urbanas ou rurais, além das classes populares que habitam no próprio distrito-sede. 436 Essa preponderância de interesses do distrito-sede se traduziria, por um lado, pelo fato de as pessoas mais influentes do município habitarem nos distritos mais importantes – o da Conceição (distrito-sede) e o distrito do Carmo e Santa Cruz – e concentrarem aí sua participação e poder político e, por outro lado, pela concentração dos investimentos do poder público em melhoramentos urbanos e serviços públicos, incluindo obras de renovação urbana, se concentrarem nos dois distritos acima mencionados. 437 No nosso caso, refere-se ao processo de diferenciação político-territorial intra-municipal, o qual, além da dimensão territorial propriamente dita, implica as dimensões populacionais, sociais e políticas. 438 No nosso estudo, refere-se à segunda metade do século XIX. 439 No nosso estudo, trata-se do posicionamento da classe dominante campineira frente à política central de terras e de colonização, consubstanciada na lei de terras de 1850.

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configuração de seu espaço inter-distrital, culminando no seu espaço inter-

municipal440.

Nesse processo de transformação do espaço campineiro, existem dois

momentos considerados como “pontos críticos”, os quais, na perspectiva neo-

institucionalista histórica, corresponderiam àqueles momentos em que surgiria a

possibilidade de interromper o path dependence e a transformação do espaço

assumiria um caminho diferente441.

Nesse sentido, definiu-se como “ponto crítico” a ocorrência de

desmembramento municipal no espaço campineiro, em dois momentos: 1) em

1953, quando foi desmembrado o distrito de Sumaré; e, 2) em 1991, quando foi

desmembrado o distrito de Hortolândia.

Por fim, para os propósitos do nosso estudo, a análise empreendida nesta

primeira seção será dividida em dois momentos, sendo que o final de cada

corresponderá a um “ponto crítico”. Esses dois momentos serão ordenados de

acordo com as transformações do espaço campineiro, sendo destacadas as

possíveis influências das relações intergovernamentais e da interação Estado-

sociedade neste processo.

IV.1.1 – Da hinterlândia consolidada ao espaço inter-distrital (1900-1955)442

Primeiramente, destaca-se que, em termos gerais, esse período

compreende mudanças significativas na sociedade brasileira, em termos políticos,

440 O emprego dessas categorias para analisar as transformações no espaço campineiro já foi discutido no segundo capítulo. 441 Ver discussão feita no primeiro capítulo. 442 Destaca-se que, devido às escolhas feitas com relação à estruturação desta tese, e buscando manter uma coerência com o estudo desenvolvido nos capítulos precedentes, decidiu-se que, nessa primeira seção da análise, será feito um teste da hipótese central do trabalho, que exigirá a abordagem das mudanças ocorridas na organização territorial do espaço campineiro ao longo de todo o século XX, atendendo, assim, a lógica da perspectiva neo-institucionalista histórica, que pressupõe uma extensão temporal relativamente longa para a avaliação de suas hipóteses explicativas. Porém, devido aos limites de tempo e espaço, intrínsecos a uma tese de doutoramento e, também, evitando uma leitura cansativa provocada, possivelmente, de uma descrição muito pormenorizada sobre os diversos aspectos políticos, demográficos, econômicos e sociais de cada contexto político-institucional considerado aqui, optou-se pela realização de uma visão mais panorâmica de cada fase considerada, destacando os aspectos mais diretamente relacionados com a questão abordada neste estudo.

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econômicos, sociais e populacionais, as quais não se processaram de forma

progressiva e linear, processando-se, antes, a partir de uma conjugação de

avanços e retrocessos, e com o envolvimento de diferentes atores, com interesses

específicos, contribuindo para o caráter complexo das mudanças registradas

nessas primeiras cinco décadas do século XX443.

Não pretendendo esgotar todas as informações em descrições demasiadas

longas, o que também não caberia nos limites deste estudo, basta ressaltar que,

durante esse meio século, em termos político-institucionais, o regime republicano

vivenciou uma fase “oligárquica”, uma ditadura e um período liberal-

democrático444.

Em termos econômicos, o país passou de um padrão de acumulação

“primário-exportador”, rompido com a crise de 1929445, e adentrou o processo de

industrialização “restringida”, que perdurou de 1930 a 1955446, que se

caracterizou, num primeiro momento, pela substituição das importações e pelo

incentivo às indústrias de base, sob controle estatal.

Por sua vez, entre 1946 e 1955, por um lado, observa-se a implementação

de uma política econômica que, ao restringir a importação de bens de consumo,

favoreceu o avanço da industrialização e, por outro, o incentivo à industrialização,

443 Isso é válido, principalmente, quando se considera a participação popular no cenário político, e o tratamento dado às suas associações, e a estruturação e atuação do movimento operário, incluindo as entradas e saídas da clandestinidade do Partido Comunista Brasileiro. É válido, também, quando se consideram, no contexto dos arranjos político-institucionais, as relações intergovernamentais, que se tornaram cada vez mais complexas ao longo desse período. Baseado em Fausto (2000) e Carvalho (1996). 444 Baseado em Fausto (2000). 445 Fausto (2000) destaca que, embora existisse um predomínio de interesse da cafeicultura na política econômica federal, no período, havia uma diversificação da economia em curso, marcada, por um lado, pela produção agrícola para o mercado interno, com destaque para o estado do Rio Grande do Sul, mas tendo São Paulo também registrado investimento neste ramo. Por outro, pela implantação crescente da indústria, cuja concentração deu-se na capital federal e em São Paulo. O autor destaca ainda a importância da expansão do cultivo do algodão no período, que se dirigia tanto ao mercado externo como ao interno, sendo, neste último caso, voltado para atender as indústrias têxteis do país. 446 Baseado em Cano (1985). Veja-se também Semeghini (1991) e Baeninger (1996) como fonte de referência para essa discussão.

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no início da década de 1950, através de investimentos públicos em sistemas de

transporte e energia, com financiamento estrangeiro447.

Em termos sociais, embora, em 1950, a sociedade brasileira fosse ainda

predominante rural, apresentando uma população urbana em torno dos 36% da

população total448, no período entre 1900 e 1955, houve um importante

crescimento das cidades e a diversificação de suas atividades, contribuindo para

duas conseqüências sociais importantes.

Por um lado, de acordo com as observações de Penna (1999), “a sociedade

brasileira deixara de ser dualista e passou a ser mais cosmopolita” (PENNA, 1999,

p.68). Com isso, o autor apontara para o fato de que, no decorrer do regime

republicano, no período considerado, embora persistissem os extremos sociais,

formados pelos grandes proprietários rurais, de um lado, e por um conjunto da

população marginalizada, por outro, setores intermediários se faziam cada vez

mais presentes nas principais cidades do país.

Por outro lado, segundo Fausto (2000), o aumento populacional das

grandes cidades e a diversificação de atividades econômicas configuraram-se em

requisitos mínimos para a constituição de movimentos da classe trabalhadora.

Nesse sentido, destaca-se o longo caminho de organização do movimento

operário nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo que, desde as décadas

iniciais do século XX, organizaram mobilizações e greves operárias nos grandes

centros urbanos449.

447 Fausto (2000) destaca que, durante o seu segundo mandato (1951-1954), Vargas ainda voltava-se para a cafeicultura, mantendo uma política de sustentação de preços altos do café no exterior. (FAUSTO, 2000, pg.411). 448 Segundo Faria (1991), essa cifra correspondia a um valor absoluto de 18 milhões de habitantes. (FARIA, 1991, p.103). 449 Fausto (2000) destaca que, apesar da importância assumida pelos movimentos da classe trabalhadora durante 1910 e 1920, eles foram limitados e somente excepcionalmente alcançaram êxito. O autor enfatiza que as razões disso estariam “no reduzido significado da indústria, sob o aspecto econômico, e da classe operária, sob o aspecto político.” (FAUSTO, 2000, p.297). Esses movimentos da classe trabalhadora urbana assumem maior visibilidade a partir da década de 1930, diante do que a política trabalhista de Vargas definiu-se pelo enquadramento dos sindicatos na estrutura político-institucional do Estado centralizado “varguista”. Com isso, buscou-se reprimir os esforços de organização da classe trabalhadora urbana fora do controle do Estado (FAUSTO, 2000, p.335). A partir de 1946, após uma fase de repressão do PCB, de combate ao comunismo e de intervenções nos sindicatos, no governo Dutra, no segundo mandato de Vargas, cuja base de apoio foram os trabalhadores urbanos, houve uma retomada do incentivo à organização sindical e um favorecimento ao retorno dos comunistas. Vargas buscava, com isso, manter o controle sobre

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Ao lado dos movimentos sociais urbanos, Fausto (2000) destaca a

ocorrência dos movimentos sociais no campo, em diferentes pontos do país450. No

estado de São Paulo, foram expressivas as greves por salários e melhores

condições de trabalho, ocorridas nas fazendas de café do interior paulista, nos

últimos anos do século XIX e primeiras décadas do século XX. Após esse período,

não se vê na bibliografia consultada qualquer outra referência a outras

manifestações do campo de maior visibilidade até a década de 1950, quando

começam a se mobilizar as ligas camponesas451.

Em termos populacionais, de acordo com Bassanezi (1996), a população

total do país passou de, aproximadamente, 17,5 milhões, em 1900, para próximo

de 52 milhões de habitantes, a uma taxa de 2,2 %a.a. Já o estado de São Paulo,

no mesmo período, passou de uma população próxima de 2,3 milhões de

habitantes, em 1900, para uma população em torno dos 9 milhões de habitantes,

em 1950, o que representou um crescimento anual de 2,8%452.

Um segundo aspecto populacional, e que exerceu papel importante no

crescimento total da população, entre 1900 e 1950, acima mencionado, refere-se

à participação da população estrangeira no total da população. Assim, em 1900,

os estrangeiros correspondiam a 6,2% do total da população do país e sua

participação foi decrescendo gradativamente, entre as décadas, até corresponder,

em 1950, a 2,4%.

O estado de São Paulo, por sua vez, também apresentou o mesmo

decréscimo na participação dos estrangeiros na sua população, ao longo do

período, porém com uma grande diferença de nível. Assim, enquanto em 1900, os

sua base política, porém, ele não conseguiu exercer esse controle, e o ano de 1953 foi marcado por uma onda de greves em decorrência da alta no custo de vida. (FAUSTO, 2000, pg.412). 450 Fausto (2000) divide esses movimentos sociais do campo em três grandes grupos: 1) os que combinaram conteúdo religioso com carência social; 2) os que combinaram conteúdo religioso com reivindicação social; e 3) os que expressaram reivindicações sociais sem conteúdo religioso. Segundo o autor, Canudos (destruída em 1897 pelas tropas federais) e o movimento formado em torno de Padre Cícero, no Ceará, entre 1872 e 1924, são exemplos do primeiro grupo. Por sua vez, o movimento do Contestado, em 1911, numa região limítrofe entre Santa Catarina e Paraná, é exemplo do segundo grupo. Por fim, os movimentos de greves por salários e melhores condições de trabalho nas fazendas de café paulistas são exemplos do terceiro grupo (FAUSTO, 2000, pg.295-296). 451 Baseado em Fausto (2000). 452 Ver dados em anexo.

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estrangeiros representavam 21% da população paulista, em 1950, essa

participação chegou a 7,6%453.

Esse decréscimo da participação dos estrangeiros no total da população do

país, segundo Bassanezi (1996), estaria relacionado, por um lado, à reemigração

ou à imigração de retorno de parcelas significativas de imigrantes e, por outro

lado, às restrições colocadas pelos países, tanto para a saída de imigrantes para o

Brasil, como no caso da Itália, em 1902, como para à entrada de imigrantes no

país, a partir da política de cotas, estabelecida no início do governo Vargas

(BASSANEZI, 1996, p.6).

Apesar desse decréscimo da participação dos estrangeiros na população

total do país, a sua contribuição para o crescimento progressivo dessa população

está mais diretamente relacionada com o seu impacto indireto dos que

permaneceram, ou seja, através dos filhos gerados no país, contados como

brasileiros pelos censos demográficos.

Um último aspecto a ser destacado refere-se ao crescimento da população

urbana454 da região sudeste do país455 e, particularmente, do estado de São

Paulo. De acordo com dados disponibilizados por Fausto (2000), entre 1920 e

1940, a população urbana da região sudeste correspondia a 14% da população

total, em 1920, e, passou a corresponder a 19%, em 1940. Por sua vez, o estado

de São Paulo possuía, em 1920, 29% de população urbana e, em 1940, essa

proporção passou para 28%.

Além de considerar possíveis falhas do censo demográfico de 1920, uma

outra explicação colocada por Fausto (2000) para esse decréscimo na população

urbana paulista456 residiria na possibilidade de parcela significativa de migrantes

453 Ver dados em anexo. 454 Neste caso, população urbana é definida como a população urbana das cidades de 20 mil habitantes e mais. (FAUSTO, 2000, p.391). 455 Os dados utilizados para ilustrar o crescimento da população urbana, entre 1920 e 1940, foram extraídos de estudo de Villela & Suzigan (1973), no qual entre as regiões do país, aparece uma denominada “leste”. Como não há uma nota explicativa para isso em Fausto (2000), presumiu-se que a região “leste” corresponderia, pelo menos em parte, à atual região sudeste, incluindo, principalmente, o estado de São Paulo. Para evitar confusão, ao invés de ”leste”, será usado o termo “sudeste”. Ver dados em anexo. 456 Na verdade, o autor estende essa explicação para todas as regiões do país.

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não ter se dirigido, entre 1920 e 1940, para as cidades de maior porte, mas sim

para aquelas com menos de 20 mil habitantes457.

Com isso, desembocamos na questão da rede urbana paulista e no

processo emancipatório ocorrido no período. Nesse sentido, com relação ao

período 1900-1950, Gonçalves (1998) destaca três momentos distintos de

formação da rede urbana paulista.

Assim, o primeiro momento (1900-1929) estaria relacionado com a

expansão do complexo cafeeiro, com a diversificação agrícola e com avanço da

urbanização para o Oeste. Por sua vez, a segunda fase (1930-1943) estaria

relacionada com a expansão do algodão e o crescimento industrial. Por fim, a

terceira fase (1944-1959) estaria relacionada com o avanço da ocupação do

Oeste, com a intensificação do crescimento industrial, com o adensamento do

Leste e com a consolidação da metrópole paulistana (GONÇALVES, 1998, p.49).

Considerando o processo de criação de municípios no estado de São

Paulo, entre 1900 e 1955458, observa-se uma certa correspondência com o estudo

de Gonçalves (1998), pois do total de 281 novos municípios criados nesse

período, 130 municípios (46,3%) surgiram entre 1946 e 1955 – momento em que,

segundo a autora, por um lado, se avança a ocupação do interior paulista e, por

outro, se intensifica a industrialização e adensa-se a ocupação da porção leste do

estado459.

Em termos de regiões administrativas, constata-se uma maior

correspondência com as observações de Gonçalves (1998) com relação à

formação da rede urbana paulista, quando se considera, como exemplos, por um

lado, o caso da região de Ribeirão Preto, onde do total dos municípios surgidos

457 Para confirmar essa hipótese, seria necessária uma análise mais aprofundada sobre o fenômeno migratório e o processo de desmembramento municipal, no período, o que não foi realizado pelo autor e também não será realizado aqui, por não ser esse o objetivo central deste estudo. Fica, aqui, a colocação de Fausto (2000) como instigação para estudos futuros. 458 Baseado em Siqueira (2003), a partir do qual se organizaram alguns dados, que constam em anexo. 459 Considerando o processo de criação de municípios em termos nacionais, destaca-se que dos 1.830 municípios surgidos no país, entre 1900 e 1960, 877 (48%) surgiram somente na década de 1950. Em termos regionais, na década de 1950, o número de municípios em todas as regiões cresceu em torno ou acima de 50%, com exceção das regiões norte e sudeste, cujo número de municípios cresceu 22% e 28,5%, respectivamente. Ver dados em anexo.

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entre 1900 e 1955, 62,5% se concentraram entre 1900 e 1930, provavelmente, em

função da expansão da cafeicultura na região. Por outro lado, a região de

Campinas e a RMSP apresentaram maior concentração de municípios criados,

65% e 73%, respectivamente, no período 1946-1955460, relacionando-se

diretamente com a industrialização, o adensamento populacional e a consolidação

metropolitana, em curso nesse momento.

Entretanto, não se sustenta, aqui, a visão de que a criação de municípios

represente um produto direto do desenvolvimento econômico, como parece

sugerir o estudo de Gonçalves (1998), no qual a autora relaciona a menor ou a

maior intensidade no surgimento de novos municípios aos recuos ou avanços no

desenvolvimento econômico do estado.

Considera-se que a criação de novos municípios constitui um processo

tridimensional, no qual atuam as dimensões econômica, demográfica e político-

institucional, sendo que, em diferentes contextos, tem-se a atuação predominante

de uma ou outra dimensão (Siqueira, 2003).

Na análise empreendida em 2003, com relação ao período 1900-1955,

considerou-se que, em função, de um lado, da forma como se processou o

desenvolvimento econômico paulista461 e, de outro, da redistribuição da população

no estado462, sob os três diferentes contextos político-institucionais, houve uma

atuação predominante das dimensões econômica e demográfica na definição no

processo emancipatório no estado, no sentido de favorecer o surgimento de novos

municípios no território paulista.

A dimensão político-institucional, nessa análise, considerada a partir das

regras constitucionais que regulam o processo de criação de municípios, nos três

contextos político-institucionais463, foi considerada como não restritiva do processo

460 Ver tabelas em anexo. 461 Segundo Gonçalves (1998), caracterizado, por um lado, pela expansão da cafeicultura, paralelamente, ao crescimento do cultivo do algodão e da diversificação da produção e, por outro, pela intensificação da industrialização na porção leste do estado. 462 De acordo com Gonçalves (1998), verifica-se uma dispersão da população no interior paulista e um adensamento populacional na porção leste do estado. Dados sobre a evolução da população nas diferentes regiões administrativas do estado corroboram as observações da autora. Ver dados em anexo. 463 Outro aspecto político-institucional considerado na análise refere-se à autonomia municipal. Nesse sentido, considerou-se a complexificação das relações intergovernamentais com relação à

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emancipatório, mesmo considerando as exigências de caráter financeiro do

período 1946-1964.

No entanto, o próprio desenvolvimento do presente estudo levou a um

aprofundamento da reflexão sobre a tridimensionalidade do processo de criação

de municípios. A partir a discussão desenvolvida no quarto capítulo, foi possível

observar que a atuação das dimensões econômica, demográfica e político-

institucional na criação de novos municípios acontece de forma muito mais

complexa do que se colocou no estudo sobre o processo emancipatório464.

Nesse sentido, passa-se a considerar que a visibilidade da atuação das três

dimensões não ocorre, simultaneamente, na mesma escala espacial. Assim,

considera-se que, em escalas nacional, regional e sub-regional (ou intra-estadual),

nas quais se estudou, primeiramente, a criação de municípios, as variações da

atuação das dimensões demográficas e econômicas tornam-se mais visíveis por

serem mais sensíveis aos processos de distribuição das atividades econômicas no

território e de redistribuição espacial da população465.

Sob tais escalas, a dimensão político-institucional, considerada a partir das

regras constitucionais ou da configuração administrativa e financeira do governo

municipal, tendeu a apresentar uma atuação, de certa forma, homogênea, não

apresentando variações significativas entre regiões, sub-regiões ou estados466.

Esse aspecto é o que nos levou a considerar, em estudo anterior, a atuação

secundária da dimensão político-institucional no processo de criação de

municípios e, conseqüentemente, sendo vista de forma secundária, também, a

margem de atuação e decisão conferida aos governos municipais, tanto pelos estados como pela União, seja com relação à capacidade administrativa, seja com relação aos recursos a sua disposição. Nesses aspectos, sem sombra de dúvida, houve mudança significativa entre a Primeira República e a Segunda República, as quais devem ser avaliadas no contexto maior de transformações da sociedade (como a urbanização, a industrialização, a expansão da ocupação do território nacional, a extensão do direito de voto, as mudanças no sistema eleitoral e nas formas de organização dos diferentes grupos sociais, entre outros). 464 Refere-se a Siqueira (2003). 465 Como já foi destacado em outro momento, nos estudos demográficos, a redistribuição da população aparece como um processo que ocorre de forma associada ao processo de desenvolvimento econômico e distribuição das atividades econômicas no território. 466 Isso se torna evidente em estudos comparativos sobre o processo de criação de município, seja comparando diferentes municípios ou estados, seja comparando diferentes sub-regiões, dentro de um mesmo estado. Entre esses estudos, destacam-se Tomio (2002), Klering (1998), Shikida (1998) e Siqueira (2003).

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210

sua influência sobre a reorganização territorial e a reorganização espacial da

população.

Na realização do presente estudo, voltado à análise da articulação da

dimensão político-institucional e a reorganização da população no espaço, a partir

de uma perspectiva neo-institucionalista histórica, desenvolveu-se no capítulo

precedente, numa escala espacial intra-municipal, a idéia de um processo de

diferenciações político-territoriais como um elemento através do qual busca-se

entender a articulação acima citada.

A partir desse processo de diferenciação político-territorial, foi possível dar

maior visibilidade à forma como atua a dimensão político-institucional na

reorganização territorial e populacional numa escala intra-municipal, através da

consideração de dois elementos: as relações intergovernamentais e a interação

Estado-sociedade.

Com isso, pôde-se observar que esse processo de diferenciações político-

territoriais constitui uma etapa anterior ao processo de criação de municípios. Ou

seja, o distrito que almeja sua emancipação, em qualquer contexto político-

institucional, terá que já ter vivenciado um processo de diferenciação político-

territorial prévio.

Vinculado dessa forma ao processo de criação de município é o que nos

permite considerar que o processo de diferenciações político-territoriais também

se constitui num processo tridimensional, sendo decorrente da atuação das

dimensões demográfica, econômica e político-institucional.

No entanto, através dessas diferenciações é que foi possível observar as

diferentes escalas espaciais em que atuam as três dimensões do processo de

desmembramento municipal. Assim, enquanto em escalas maiores, é possível ter

maior visibilidade da influência das escalas demográfica e econômica,

apresentando a político-institucional uma atuação mais homogênea, em escalas

espaciais menores, é possível ter maior visibilidade da atuação da dimensão

político-institucional, tanto no processo de criação de municípios, como na

organização territorial e na reorganização espacial da população.

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211

Além disso, observou-se também as diferentes escalas temporais atuando

no funcionamento dos dois processos associados. Com isso, a análise do

processo de criação de municípios, num determinado contexto, deverá considerar

a atuação das dimensões economia, demográfica e político-institucionais, em

escala espacial mais ampla, que lhe são contemporâneas e, além disso,

considerar a atuação da dimensão político-institucional, numa escala espacial

menor, através das diferenciações político-territoriais, ocorridas em momentos

prévios, as quais também sofreram influências da atuação de processos

econômicos e demográficos prévios.

Com isso, tem-se os elementos para se pensar o papel desempenhado pela

população na definição da dimensão político-institucional, através de um

movimento circular realizado pelo desencadeamento de diferentes processos, ao

longo do tempo, que se influenciam mutuamente.

Assim, considera-se que processos mais gerais de distribuição da atividade

econômica no território nacional e de redistribuição espacial da população, num

determinado momento do tempo, contribuem para a composição social das

populações nas mais diversas escalas espaciais.

Numa escala espacial local, em função da composição social resultante

dessa redistribuição populacional anterior, e a partir da dimensão político-

institucional, os grupos dominantes locais decidem por uma determinada forma de

organização territorial e, conseqüentemente, uma determinada forma de

reorganização da população no espaço intra-municipal.

Essas novas espacialidades intra-municipais, dependendo do tipo de

diferenciação político-territorial que representam e do respectivo poder político que

possuem, em momentos posteriores do tempo, a partir da atuação da dimensão

econômica, demográfica e política-institucional, numa escala espacial mais

ampla, poderão ou não passar por um processo de desmembramento municipal.

Com isso, tem-se a interdependência entre a atuação em diferentes escalas

espaciais e temporais das dimensões econômica, demográfica e político-

institucional em processos diretamente relacionados com a organização do

território e com a reorganização da população no espaço.

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212

Depreende-se disso, por sua vez, que o que nos interessa mais, no

presente estudo, é a escala local, na qual a diferenciação político-territorial intra-

municipal constitui a resultante da articulação entre a dimensão político-

institucional e a reorganização espacial da população.

Antes de começarmos a abordar o primeiro momento da análise, vale

destacar o recorte espacial ao qual ele se refere. Assim, a figura 2 ilustra o espaço

campineiro formado pelos territórios dos atuais municípios de Campinas,

Hortolândia, Sumaré, Nova Odessa, Americana, Paulínia, Cosmópolis e Valinhos,

porém, a maior parte da análise corresponderá ao espaço constituído por

Campinas, Hortolândia e Sumaré.

Figura 2: Espaço Campineiro – 1900-1955

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IV.1.1.1 – Consolidação da hinterlândia (1900-1930)

Retomando o conceito desenvolvido por Singer (1968), tem-se que

hinterlândia se refere a uma inter-relação entre um determinado centro urbano e

suas “regiões tributárias”, onde estas fornecem produtos para o primeiro e, em

contrapartida, consomem bens e serviços daquele467.

Na discussão feita anteriormente sobre esse conceito, observou-se que,

embora o autor reconhecesse que, além do fornecimento de mercadorias

produzidas, as “regiões tributárias” forneciam aos centros urbanos outros bens de

caráter político, social ou religioso, a sua definição de hinterlândia é estritamente

econômica.

Diante disso, considerou-se que a formação de uma hinterlândia possui

outras dimensões além da econômica, entre as quais destaca-se, no presente

estudo, a dimensão política-institucional. Nesse sentido, argumenta-se que a

configuração das dimensões econômica e política de uma hinterlândia ocorre em

tempos e ritmos diferentes e em função de diferentes condicionantes468.

Com relação a Campinas, a partir de estudos sobre seu desenvolvimento

histórico e econômico469, pode-se afirmar que a dimensão econômica de sua

hinterlândia – considerada, aqui, como a inter-relação entre o seu centro urbano

(constituído pelo distrito-sede e pelo distrito do Carmo e Santa Cruz) e os diversos

povoados existentes em seu território (suas “regiões tributárias”) – constituiu-se no

decorrer da segunda metade do século XIX, em função do desenvolvimento da

economia cafeeira no município.

Por sua vez, considera-se que a dimensão político-institucional de sua

hinterlândia – expressa pela elevação de povoados à categoria de distrito a partir

467 A apresentação e a discussão sobre esse conceito foram feitas anteriormente. 468 Não se pretende, aqui, a realização de uma análise em profundidade da configuração das dessas duas dimensões da hinterlândia. Pretende-se apenas apontar que se considera a configuração de uma hinterlândia é um processo complexo, envolvendo diferentes dimensões que possuem ritmo e condicionantes próprios. 469 Baseado, principalmente, em Lapa (1995), Semeghini (1991), Toledo (1995) e nos históricos dos municípios de Hortolândia, Sumaré, Nova Odessa, Americana, Cosmópolis e Valinhos, extraídos do material disponibilizado nos sites oficiais das respectivas prefeituras.

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214

do processo de diferenciações político-territoriais470 – começou a se configurar a

partir do final do século XIX e na primeira década do século XX e se consolidou na

década subseqüente.

Assim, quando de afirma que entre 1900 e 1930 é o período em que se

consolidou a hinterlândia campineira, pretende-se destacar que foi nesse

momento que se definiu mais claramente o poder político assumido por cada

espacialidade no território campineiro e que vai influenciar as alterações sofridas

na organização territorial e na reorganização da população no espaço.

Com isso, argumenta-se que a consolidação da hinterlândia campineira é

um processo que se completará até 1930, quando mudanças políticas e

econômicas, no plano mais geral, fornecem novos elementos que contribuem para

tornar mais complexa a articulação entre a dimensão político-institucional e a

reorganização espacial da população.

Passaremos a abordar, então, os elementos político-institucionais e

demográficos que atuaram no sentido de consolidar, no espaço campineiro, a sua

hinterlândia.

Assim, em relação ao regime republicano inaugurado em 1889, a sua

natureza pode ser evidenciada a partir da seguinte observação feita por Sérgio

Buarque de Holanda a respeito da Primeira República. Nesse sentido, o

historiador afirma que

O Império dos fazendeiros... só começa no Brasil com a queda do Império. (HOLANDA, 1976471 apud LIMA, 1986, p.9)

470 Argumenta-se que a formação da hinterlândia a partir de “regiões tributárias” que são, por sua vez, povoados e distritos de um município maior seria uma especificidade de Campinas. Quando se toma o estudo de Singer (1968), principalmente o caso de Porto Alegre, observa-se que a formação da hinterlândia, nesse caso, envolveu espacialidades independentes político-administrativamente, como é o caso de Porto Alegre e São Leopoldo. O caso da hinterlândia de São Paulo também contrastaria com o de Campinas, uma vez que a formação de sua hinterlândia envolveu tanto povoados e distritos de São Paulo, como espacialidades de outros municípios que não se originaram, necessariamente, do município de São Paulo, incluindo a caso de um antigo município (Santo Amaro) que, posteriormente, tornou-se distrito de São Paulo. Sustenta-se, aqui, que essas formas diferenciadas de organização político-institucional do território e da população influenciam as características das diferentes hinterlândia’s e, conseqüentemente, os desdobramentos posteriores da articulação entre a dimensão político-institucional e a reorganização população. 471 HOLANDA, S.B. História geral da civilização brasileira. São Paulo: Difusão Européia do Livro, t.II, vol.5, 1972.

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A partir de tal colocação, nos remetemos às duas versões do

republicanismo que tiveram espaço, ao momento anterior à proclamação da

República. De acordo com Carvalho (1996), a versão do republicanismo difundida

no distrito federal defendia os direitos e liberdades do indivíduo, enquanto a

versão dos cafeicultores paulistas defendia a autonomia das províncias472.

Conforme alude a observação de Buarque de Holanda, a versão

republicana vitoriosa com a instauração do regime republicano foi a dos

fazendeiros paulistas, que se preocuparam muito mais, na construção de um

regime federativo, em garantir a autonomia dos estados em relação à União, do

que com a expansão da cidadania às camadas populares da sociedade.

Uma vez instaurado o novo regime, o problema central a ser resolvido,

segundo Carvalho (1996), era a organização de um outro pacto de poder.

Conforme o autor, o regime republicano traria consigo a promessa de uma maior

envolvimento da participação popular nas questões públicas, porém as primeiras

décadas republicanas foram marcadas por uma atuação preventiva sistemática do

poder público contra pobres (brasileiros e imigrantes) e negros473, com objetivo de

inibir uma maior mobilização popular474.

Segundo Carvalho (1996), a principal preocupação dos setores mais

poderosos da economia (agricultura de exportação), nesse momento, era acabar

com a instabilidade política no país. Nesse sentido, era necessário neutralizar a

472 Ver discussão feita sobre esse aspecto político do Império anteriormente. 473 O autor destaca uma série de medidas de intervenção urbana pelo poder público, no Rio de Janeiro, que resultou na destruição de moradias populares e expulsão da população pobre das regiões centrais da cidade, que causaram grandes protestos dessa parcela da população. Além disso, Carvalho (1996) destaca o surgimento das organizações populares e as tentativas de fundação de partidos operários na cidade do Rio de Janeiro, que foram coibidos pelo poder público. Por sua vez, Fausto (2000) destaca as mobilizações populares urbanas e rurais, nesse contexto, em diferentes estados. 474 Carvalho (1996) destaca como o próprio jogo eleitoral funcionava no sentido de inibir a participação popular nas eleições. A Constituição de 1891, ao eliminar o requisito de renda, embora tenha mantido o da alfabetização, poderia representar uma maior abertura à participação popular. Porém, ao deixar nas mãos dos chefes políticos locais, através do compromisso “coronelista”, o controle do processo eleitoral, e não estabelecer o sigilo do voto, contribuiu para que o exercício do voto fosse visto pelas classes populares como uma atividade arriscada, pois os “resultados” eram obtidos com violência, através dos empregos de milícias particulares para garantir a “vitória” dos chefes situacionistas. Isso valia tanto para os grandes centros como para as cidades menores. Baseado em Carvalho (1996), Leal (1980; 1949) e Fausto (2000).

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216

influência da capital na política nacional, através da retirada dos militares do

governo e da redução do nível de participação popular (CARVALHO, 1996, p.31).

Assim, a forma indireta de neutralizar a capital e as forças sociais nela

atuantes se daria através de um arranjo político-institucional que fortalecesse dos

estados, pacificando e cooptando suas oligarquias. Esse arranjo político-

institucional foi obtido através da “política dos governadores”, implementada no

governo Campos Sales (1898-1902)475.

Por sua vez, é a partir do funcionamento da “política dos governadores” que

Abrucio (1998) analisa a primeira etapa de desenvolvimento do federalismo

brasileiro e destaca os principais elementos constituintes das relações

intergovernamentais na Primeira República.

Segundo o cientista político, os principais aspectos da “política dos

governadores” podem ser resumidos da seguinte forma476:

1) Os governadores de estado eram os atores mais importantes do sistema

político, no âmbito nacional e no plano estadual;

2) A constituição do poder nacional, por meio das eleições presidenciais,

passava por um acordo entre os principais estados da federação, São

Paulo e Minas Gerais, e mais especificamente pelos governadores desses

estados;

3) Embora o presidente ocupasse o lugar de Poder Moderador, de fato ele não

tinha a força necessária para exercer esse papel, especialmente em

situações de conflito com os grandes estados. Porém, o presidente da

Republica exercia uma importante função: garantir a supremacia das

oligarquias estaduais no Congresso Nacional por intermédio da verificação

dos poderes, que consistia no processo de diplomação dos deputados;

4) Inexistência de partidos nacionais, o que fortalecia ainda mais a situação

dos governadores. O poder na Primeira República estava nas mãos dos

partidos estaduais, e, via de regra, em cada estado havia um sistema

unipartidário;

475 Baseado em Carvalho (1996). 476 ABRUCIO, 1998, p.35-38.

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217

5) O pacto da “política dos governadores” perpetuou no poder todas as

oligarquias estaduais que estavam no governo Campos Sales, o que

significou o “congelamento da competição nos estados”477.

6) Significado político da transformação dos presidentes de província

(nomeados pelo Imperador) em governadores de estados (eleitos pelo

voto).

Por sua vez, o funcionamento da “política dos governadores” dependia do

funcionamento de outro mecanismo: o “coronelismo”. De acordo com Leal (1949),

o “coronelismo” característico da Primeira República, define-se como um sistema

político

(...) dominado por uma relação de compromisso entre o poder privado decadente e o poder público fortalecido. (LEAL, 1949, p.252)

Tratava-se de um sistema político essencialmente governista, no qual o

poder local, representado pelos “coronéis”, por meio do controle dos votos,

fornecia apoio ao governo estadual na forma de votos e, por sua vez, os

governadores garantiam ao “coronel” o controle dos cargos públicos.

Assim, de acordo com Leal (1980), o sistema de compromisso coronelista

nascia

(...) da necessidade que tinha a liderança política estadual de dispor de votos dependentes do senhoriato rural – o que representava a fraqueza do Estado, de um lado, e, de outro, a fraqueza social e política dos coronéis, que necessitavam do prestígio de empréstimo do governo estadual para reforçar o seu próprio prestígio local (...). (LEAL, 1980, p.13)

A partir do estudo de Abrucio (1998), pode-se observar que o governador

estadual está no centro das relações intergovernamentais na Primeira República.

Assim, se, por um lado, o governador exercia um controle político sobre o poder

477 LESSA, 1988 apud ABRUCIO, 1998, p.37. LESSA, R. A invenção republicana. São Paulo: Vértice, 1988.

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local478, por outro, os governadores de estado adquiriram independência em

relação ao governo federal, fazendo com que o poder deste estivesse submetido à

“política dos governadores”.

Diante disso, o cientista político afirma que foi esta independência adquirida

pelo poder estadual, traduzida na eleição do governador, que se constituiu a “base

original do federalismo brasileiro” (ABRUCIO, 1998, p.38). Em contraste com isso,

ao longo da Primeira República, a União assumiu o controle de mecanismos

administrativos e financeiros, justamente, à medida que São Paulo, a principal

força da federação, necessitava da centralização administrativa e financeira para

atender os interesses cafeeiros (ABRUCIO, 1998, p.36).

Com relação a Primeira República, como um todo, Abrucio (1998) destaca

que o surgimento da estrutura federativa que ocorre nesse momento no Brasil

“não conseguiu estabelecer uma relação de interdependência entre a União e os

estados”479, sendo que, no plano das relações federativas, “predominava a força

dos governadores dos estados mais ricos da nação”, enquanto, no âmbito dos

estados, “predominava a figura do governador e de ‘sua’ máquina política

estadual” (ABRUCIO, 1998, p.40).

Com relação à esfera de atuação do governo municipal, especificamente,

Abrucio (1998) destaca que a Primeira República deu pouca autonomia política e

financeira aos municípios, contribuindo para a sua dependência em relação ao

governo estadual (ABRUCIO, 1998, p.38).

Sadek (1991) complementa esse quadro, afirmando que, com o objetivo de

concentrar o poder na órbita estadual, as Constituições estaduais reduziram ao

mínimo os preceitos de autonomia municipal, definidos pela Constituição Federal,

478 Segundo Abrucio (1998), esse controle político que o governador exercia sobre o poder local acontecia por três razoes: 1) o poder federal era ainda muito frágil e pouco competia com os estados no processo de conquista de apoio dos chefes políticos locais; 2) a base legal da Primeira República dava pouca autonomia política e financeira aos municípios, o que redundava em dependência política e econômica do poder local em relação ao governador; e 3) devido ao compromisso coronelista, que previa o controle dos votos pelos chefes locais em favor do governador situacionista, em troca do controle dos recursos e empregos público, proporcionado pelo governador. (ABRUCIO, 1998, p.38). 479 Conforme o “princípio de autonomia” e o “princípio de interdependência”, característicos dos sistemas federativos, apresentados no primeiro capítulo.

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colocando as municipalidades sob a tutela dos governos estaduais (SADEK, 1991,

p.10).

Com relação ao segundo aspecto político-institucional – a interação Estado-

sociedade – Abrucio (1998) fornece elementos que apontam para a sua

caracterização nesse momento. Nesse sentido, o autor observa que o federalismo

no Brasil surgiu dissociado da República, destacando que

O federalismo da Primeira República foi o reino das oligarquias, do patrimonialismo e da ausência do povo no cenário político. Ou seja, anti-republicano por excelência. (ABRUCIO, 1998, p.40)

Com isso, observa-se que a tomada de decisões políticas, nesse contexto,

foi feita levando-se em conta, exclusivamente, os interesses dos grupos sociais

dominantes, embora o sistema “coronelista” dependesse da participação popular

nos pleitos eleitorais. O que nos leva a considerar que os interesses das classes

trabalhadoras e populares não circulavam pelas vias oficiais de participação

política, não moldavam decisões políticas e não serviam de pressão às classes

dirigentes.

Isso nos remete ao que Kowarick & Ant (1982) denominaram por

“autoritarismo privativista”. Ou seja, ao abordarem a situação do “nascente

proletariado” nos primórdios da industrialização, no início do século XX, na cidade

de São Paulo, os autores destacam as duras condições de trabalho, impostas pelo

“potentado fabril”, às quais estavam sujeitos os trabalhadores480 que, não

possuíam, por sua vez, poder suficiente para se contrapor e impor o atendimento

de suas reivindicações.

A essa forma de interação entre a classe proprietária e os operários,

Kowarick & Ant (1982) deram o nome de “autoritarismo privativista”, que de acordo

com os autores, expressaria a inexistência de

480 Segundo os autores, eram impostos aos trabalhadores salários extremamente baixos e jornadas de trabalho prolongadas. Soma-se a isso o fato de que “uma vasta oferta de mão-de-obra propiciava uma rápida e fácil substituição dos trabalhadores, seja quando estes eram alquebrados pelas rotinas presentes nas unidades fabris, seja quando reivindicavam alterações na draconiana ordem social e econômica vigente”. (KOWARICK & ANT, 1982, p.59).

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(...) qualquer mediação estatal que desse um mínimo de ordenamento à flagrante anarquia do capital em relação à exploração da força de trabalho. (KOWARICK & ANT, 1982, p.59)

Embora os autores estivessem se referindo a relação entre dois grupos

sociais no mundo do trabalho, essa inexistência de uma intermediação dos

interesses dos trabalhadores ou grupos populares pode ser estendida para o

mundo público, para o espaço da participação política.

Assim, considerando, por um lado, o poder político dos chefes locais,

proporcionado pelo compromisso “coronelista” e, por outro, a prevenção

republicana contra os grupos populares e o caráter anti-republicano do

federalismo da Primeira República, pode-se argumentar que, no espaço do debate

político, a interação entre os grupos dirigentes locais – que representam o Estado

– e as camadas populares também foi caracterizada pelo “autoritarismo

privativista”, ou seja, decisões políticas que interferissem diretamente na vida

desses grupos sociais seriam impostas de cima para baixo, sem que levassem em

conta a opinião ou os interesses das camadas populares no momento da tomada

de decisão política, devido à ausência de instâncias ou intermediações através

dos quais esses interesses pudessem ser canalizados.

Nesse contexto, em casos onde tenha havido a escolha de determinadas

soluções políticas que possam parecer divergentes de interesses locais mais

tradicionais, considera-se que, na tomada de tais decisões políticas, possam ter

ocorrido duas formas de interferência na política local: 1) influência de interesses

de outras esferas de governo na tomada de decisão local; ou 2) pressão exercida

por trabalhadores e grupos populares, através de mobilização coletiva, expressa

por manifestações públicas, geralmente com emprego da violência.

Feitas as considerações sobre a dimensão político-institucional da Primeira

República, passaremos para a nossa referência empírica para abordar o processo

de diferenciação político-territorial, no município de Campinas, referente a esse

momento, tendo em vista a sua contribuição para a formação da hinterlândia

campineira.

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Começaremos esse ponto abordando as principais características sócio-

econômicas, referentes ao período 1900-1930, as quais contribuíram para a

definição das respectivas diferenciações político-territoriais.

Assim, tem-se que esse período é caracterizado por Cano (1985) como a

fase em que prevaleceu no país o padrão de acumulação primário-exportador. Na

prática, isso foi traduzido, conforme o estudo de Fausto (2000), pelo predomínio

de atividades agro-exportadoras na economia nacional481, sendo o café o principal

produto. Em segundo plano, destacava-se tanto o crescimento da produção

agrícola voltada para o mercado interno482 como a implantação crescente da

indústria483, concentrada nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo484.

Com relação ao estado de São Paulo, dentre os principais processos em

curso nesse período, Semeghini (1991) destaca, na agricultura, os seguintes

processos: por um lado, tem-se a fase de crise do primeiro ciclo longo do café

(1898-1918) e a realização do segundo ciclo longo do café (1918-1930)485, por

outro lado, tem-se a diversificação da agricultura paulista, expressa pela criação

de gado, industrialização da carne e a fruticultura (SEMEGHINI, 1991, p.65).

Por sua vez, na indústria, Semeghini (1991) destaca, em conformidade com

Fausto (2000), o processo de industrialização a partir da dinâmica cafeeira,

481 Fausto (2000) destaca que, até 1930, o Brasil era um país predominantemente agrícola, pois, conforme o censo demográfico de 1920, dos 9,1 milhões de pessoas em atividade, 6,3 milhões (69,7%) se dedicavam à agricultura, 1,2 milhão (13,8%) à indústria e 1,5 milhão (16,5%) aos serviços. (FAUSTO, 2000, p.281-282). 482 O crescimento desse tipo de produção agrícola deu-se tanto no estado de São Paulo como em outros estados do país. Baseado em Fausto (2000). 483 Os principais ramos seriam: têxtil, alimentação e bebidas (Fausto, 2000). 484 Com relação ao crescimento industrial paulista, Fausto (2000) destaca a importância da atuação de dois fatores inter-relacionados: o financiamento do setor cafeeiro na atividade industrial e a presença de imigrantes nas duas pontas da indústria: como donos de empresas e como operários.(FAUSTO, 2000, p.287-288). 485 Semeghini (1991) destaca que, em 1920, Campinas foi o principal produtor de café do estado, apesar da crise cafeeira do período anterior. O autor aborda esse ponto, comparando a produção cafeeira de Campinas à produção cafeeira de Ribeirão Preto (importante centro produtor de café do Oeste paulista). Nesse aspecto, vale ressaltar a importância da hinterlândia campineira para esse desempenho de Campinas na produção cafeeira. O próprio economista destaca que se fosse considerada a produção cafeeira dos municípios de Cravinhos e Sertãozinho (desmembrados de Ribeirão Preto, em 1897 e 1896, respectivamente), a produção de Ribeirão Preto seria maior da de Campinas (SEMEGHINI, 1991, p.71). Isso nos permite enfatizar a importância da coesão territorial da hinterlândia campineira para as posições alcançadas por Campinas no cenário econômico estadual.

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constituindo-se o capital cafeeiro na matriz do capital industrial (SEMEGHINI,

1991, p.75).

Em função disso, destaca-se, conforme Semeghini (1991), duas

importantes mudanças socioeconômicas no território paulista: por um lado, tem-se

a ocupação de vasta porção do território paulista na sua porção Oeste, em função

da expansão cafeeira486, e, por outro, uma clara diferenciação regional no estado:

a porção Oeste, de ocupação mais recente, e a porção Leste, de ocupação mais

antiga (SEMEGHINI, 1991, p.84-85).

Com relação, especificamente, a Campinas, Semeghini (1991) destaca que,

em função da dinâmica do complexo cafeeiro487, da própria herança do auge

cafeeiro488, do desenvolvimento de novas culturas e da mudança da estrutura

fundiária em seu território489, fortaleceu-se a posição do município no sistema de

transporte e comunicação do estado, permitindo que Campinas continuasse sendo

o principal centro do interior, ou, como coloca Baeninger (1996), que Campinas se

configurasse como um pólo regional do estado (BAENINGER, 1996, p.33).

Por sua vez, o entroncamento ferroviário instalado em Campinas e o

processo de retalhamento das grandes propriedades tiveram repercussões diretas

na sua estruturação urbana, tendo se definido, conforme aponta Gabriel (1995), a

486 De acordo com Gonçalves (1998), esse período corresponde à fase de expansão da rede urbana paulista, na qual o avanço da urbanização para o Oeste foi influenciado pelo complexo cafeeiro e diversificação da agricultura (GONÇALVES, 1998, p.49). Os dados de criação de municípios entre 1900-1930 corroboram essa colocação, a partir dos quais observa-se que as regiões com maior número de municípios criados são as que se localizam na porção Oeste do estado: São Jose do Rio Preto (19), Marilia (17) e Bauru (11). Ver dados em anexo. 487 De acordo com o autor, a marcha do café no estado se processava a partir das “zonas velhas” (onde Campinas se localizava), onde a produtividade declinava, em direção às “zonas pioneiras”, onde o rendimento das plantações era máximo (SEMEGHINI, 1991, p.84). Com isso, as grandes propriedades das áreas mais antigas, para aproveitar o investimento em infra-estrutura recebido, foram sendo retalhadas e vendidas e nelas foi se dando a diversificação da agricultura. 488 A forma assumida pela estruturação das estradas de ferro no estado de São Paulo, principalmente os ramais da Paulista e da Mogiana, permitiram que Campinas se transformasse em importante entroncamento ferroviário, potencializando sua centralidade do estado (Semeghini, 1991). 489 De acordo com Semeghini (1991), é possível observar que a mudança na estruturação fundiária e o desenvolvimento de novas culturas encontram-se correlacionados. Em função do retalhamento das grandes propriedades, cresceu, no município, o número de pequenas e médias propriedades, adquiridas principalmente pelos imigrantes, que constituíram os núcleos de colonização do município, que se dedicaram à produção de culturas para o mercado interno. Com relação às transformações na estrutura fundiária de Campinas, ver Semeghini, 1991, p.68.

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configuração de duas regiões bem distintas no município, caracterizadas por

formas distintas de ocupação territorial.

Nesse sentido, a historiadora destaca, primeiramente, a região localizada

ao sul, com áreas médias de propriedades rurais mais baixas, representada pelos

distritos de Rebouças, Valinhos, Cosmópolis, Vila Americana e Vila Industrial490, e,

em segundo lugar, a região localizada ao norte, com áreas médias mais elevadas,

compreendendo os distritos de Santa Cruz (Castelo, Barão Geraldo e Amarais),

Conceição e Sousas491.

Segundo Gabriel (1995), essa diferenciação na estruturação territorial de

Campinas teria influenciado a orientação dos imigrantes italianos no sentido de se

tornarem proprietários rurais e urbanos. Assim, a autora destaca que, nas áreas

onde as propriedades eram menores e, provavelmente seu valor de compra mais

baixo, a presença de italianos como proprietários rurais e urbanos era maior. Com

isso, os núcleos coloniais italianos tenderam a se concentrar nos distritos de

Rebouças, Valinhos, Cosmópolis e Vila Americana492.

Tais áreas tornaram-se mais acessíveis tanto para o estabelecimento

particular dos italianos, como para a aquisição pelo poder público de terras para

posterior estabelecimento de núcleos de colonização oficiais.

Argumenta-se, aqui, que é justamente a criação desses núcleos de

colonização, de caráter particular ou oficial, o elemento principal a partir do qual é

possível compreender o processo de diferenciação político-territorial, nesse

período, no território campineiro, e é o significado da sua criação no município de

Campinas que passaremos a abordar mais detidamente.

Porém, a abordagem do processo de criação dos núcleos de colonização

nos diversos povoados, no território campineiro, e sua posterior elevação à

categoria de distritos secundários, através de um processo de diferenciação

490 Onde, provavelmente, o retalhamento das grandes propriedades foi maior. Nesse sentido, Toledo (1995) destaca a importância do parcelamento e venda das antigas propriedades na região do distrito de Rebouças (que inclui o território dos atuais municípios de Sumaré, Hortolândia e Nova Odessa) no estabelecimento de núcleos de colonização particulares e oficiais. 491 Provavelmente, onde foi menor o retalhamento das grandes propriedades. 492 Segundo Gabriel (1995), a grande concentração de italianos em Rebouças, Valinhos, Cosmópolis, Vila Americana e Sousas permite falar de reconstrução de verdadeiras “vilas italianas” nesses distritos (GABRIEL, 1995, p.156).

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político-territorial intra-municipal, exige a caracterização da redistribuição espacial

da população que antecedeu ao processo de reorganização da população no

momento em que tornam-se importantes, no cenário campineiro, os núcleos de

colonização.

Nesse sentido, de acordo com Bassanezi (1996) e Vainer (1996), pode-se

afirmar que o processo de redistribuição espacial da população, referente ao

período 1870-1900, ou seja, no momento que antecedeu a formação dos núcleos

de colonização em Campinas, foi influenciado, principalmente, pela expansão da

economia cafeeira no estado de São Paulo, em função da qual sua principal

característica está relacionada com a redistribuição tanto da população escrava

como da imigrante no território nacional e, particularmente, no território paulista.

Assim, com relação à população escrava presente na província de São

Paulo, em 1872 e 1886, observa-se, de acordo com a tabela 4.1, ela foi reduzida

de 156.612 escravos, em 1872, para 107.085, em 1886, já às portas da abolição

da escravatura.

Tabela 4.1: População escrava total

Província de São Paulo

1872-1886

1872 1886 Municípios n % n %

Araraquara 1.417 0,9 1.300 1,2 Campinas 13.685 8,7 9.986 9,3 Mogi Mirim 5.006 3,2 2.300 2,1 Piracicaba 5.414 3,5 3.416 3,2 Rio Claro 3.935 2,5 3.304 3,1 São Paulo 4.320 2,8 493 0,5 Demais municípios 122.835 78,4 86.286 80,6

Província de São Paulo 156.612 100,0 107.085 100,0

Fonte: Recenseamento Geral do Império, 1872; Relatório da Commissão Central de Estatística de São Paulo, 1888. Apud BASSANEZI, 1998.

Considerando o município de Campinas, em comparação com os demais

municípios selecionados, observa-se que, em 1872, ele detinha aproximadamente

9% de toda escravaria da província de São Paulo, sendo que, dentre os demais

municípios, a segunda maior escravaria encontrava-se em Piracicaba, que detinha

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3,5% da população escrava da província, e o menor peso foi registrado em

Araraquara, então “boca do sertão”, que possuía 1.417 escravos, que equivalia a

menos de 1% do total dessa população.

Em 1886, embora a população escrava de Campinas tenha se reduzido em

termos absolutos, passando de 13.685 para 9.986 escravos, sua participação na

população escrava paulista aumentou, ficando acima dos 9%. Essa redução foi

registrada nos demais municípios selecionados, sendo que o peso relativo da

população escrava aumentou em Araraquara e Rio Claro, e diminuiu em

Piracicaba (3,2%), Mogi-Mirim (2,1) e São Paulo (0,5%).

Com isso, tem-se que, na fase final do Império, Campinas foi um dos

principais pólos de redistribuição da população escrava no território paulista, tendo

o município detido, desde 1854 até o final da escravidão, a maior escravaria da

província, sendo que, em algumas ocasiões, sua população escrava foi superior à

população livre493.

Uma outra forma de olhar esse aspecto da redistribuição populacional seria

através da consideração da província de origem da população brasileira no

município de Campinas.

Assim, considerando os dados do recenseamento de 1872494, observa-se

que, tanto em Campinas como outros municípios do Oeste paulista e na capital495,

depois do Sudeste, o Nordeste constitui a principal região de origem da população

brasileira não-natural do município, sendo a Bahia o principal estado fornecedor

de contingentes populacionais496.

Por sua vez, esses dados, agrupados de acordo com a condição social,

estão disponibilizados na tabela 4.2:

493 A discussão sobre esse aspecto já foi feita em capítulos precedentes. 494 Para o período considerado, esse tipo de informação só existe no recenseamento de 1872, não se encontrando a mesma informação nos censos posteriores, até 1920, o impede uma análise comparativa do período. 495 Os dados encontram-se nas tabelas em anexo. 496 Para o conjunto da população da província de São Paulo, a população originária do Sudeste, em 1872, correspondia a 95% da população brasileira, incluindo aí a população nascida no próprio município de referência. Por sua vez, o Nordeste contribuía com 3%, o que equivalia a 24.908 pessoas. Considerando o município de Campinas, a população originária do Sudeste correspondia a 91% e do Nordeste, a 7%. (Ver dados em anexo).

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Tabela 4.2: População brasileira, segundo região de origem

Município de Campinas, 1872

Pop. Livre Pop. Escrava Regiões e Províncias de origem n % n %

Pop. Total

NORTE 12 0,1 24 0,2 36

NORDESTE 203 1,3 1.874 15,0 2.077

Bahia 107 0,7 1.013 8,1 1.120

SUDESTE 15.404 97,9 10.307 82,5 25.711

São Paulo* 14.890 94,6 9.250 74,1 24.140

CENTRO-OESTE 21 0,1 20 0,2 41

SUL 100 0,6 261 2,1 361

Total 15.740 100,0 12.486 100,0 28.226

Fonte: Recenseamento Geral do Império, 1872. Apud BASSANEZI, 1998.

* Está incluída a população nascida no município de Campinas

De acordo com esses dados, observa-se que, enquanto a população livre

de Campinas era predominantemente originária da região sudeste (98%),

particularmente do estado de São Paulo (95%), a população escrava, embora

fosse majoritariamente do sudeste (83%), parcela significativa provinha da região

nordeste (15%), particularmente do estado da Bahia (8%).

Isso nos permite afirmar que, embora nesse momento a redistribuição

populacional entre as regiões do país fosse pouco expressiva, no caso de São

Paulo e, particularmente, de Campinas ela esteve estreitamente relacionada com

a transferência de população escrava do nordeste para a província de São

Paulo497.

Com relação à população imigrante, de acordo com os dados

disponibilizados por Bassanezi (1996)498, tem-se que, entre 1872 e 1920, ela

passou de 388.459 para 1.565.961 estrangeiros, sendo que, seu peso na

população total correspondia a 3,84, em 1872, passando para 5,11, em 1920.

Esse aumento no peso da população estrangeira correspondeu a uma taxa de

crescimento anual de 2,9%, no período, que foi superior ao crescimento registrado

pela população brasileira, de 2,3%.

497 Aspecto destacado por Vainer (1996). 498 Ver tabelas em anexo.

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Em termos regionais, tem-se que a população estrangeira no Brasil, durante

o período considerado, concentrou-se nas regiões sudeste e sul do país499, sendo

que, em 1872, o sudeste concentrava 68% dos imigrantes e o sul, 15,7%, ao

passo que, em 1920, o sudeste passou a concentrar 78% dos imigrantes e o sul,

15,6%. Com esses dados, observa-se a importância das regiões sudeste e sul na

redistribuição da população estrangeira no país.

Por sua vez, dentre os estados da região sudeste, ainda segundo

Bassanezi (1996), destaca-se São Paulo que, em 1872, detinha 7,6% da

população estrangeira do país, correspondendo a um total de 29.622 imigrantes,

e, em 1920, concentrava 53% dos estrangeiros, possuindo um total de 829.851

imigrantes. Ou seja, entre 1872 e 1920, o estado de São Paulo tornou importante

pólo de redistribuição da população imigrante no país.

Os dados da tabela 4.3 ilustram a redistribuição espacial da população

imigrante entre alguns municípios paulistas selecionados, entre 1872 e 1920500:

Tabela 4.3: População estrangeira total

Estado de São Paulo - municípios selecionados

1872-1920

1872 1890 1920 Municípios n % n % n %

Araraquara 229 0,8 1.522 4,1 12.469 1,5

Campinas 3.171 10,7 7.045 18,9 23.516 2,8

Mogi Mirim 1.361 4,6 1.395 3,8 5.661 0,7

Piracicaba 1.742 5,9 4.042 11,0 12.085 1,5

Rio Claro 1.495 5,0 151 0,4 8.378 1,0

São Paulo 2.599 8,8 14.325 37,6 206.433 24,9

Demais municípios 19.025 64,2 46.550 24,2 561.309 67,6

Estado de São Paulo 29.622 100,0 75.030 100,0 829.851 100,0

Fonte: Recenseamento Geral do Império de 1872; Recenseamento de 1890; Recenseamento de 1920. Apud BASSANEZI, 1998.

499 Ver tabela em anexo. 500 Bassanezi (1998) chama a atenção para o fato de que os dados de 1890 devem ser utilizados com cautela devido a vários problemas que afetaram a realização e a publicação do censo de 1890. Com relação à população estrangeira, por exemplo, a autora destaca que algumas informações foram comprometidas em virtude das diferentes interpretações às normas de naturalização dos estrangeiros. Com isso, Em muitos municípios, os estrangeiros naturalizados brasileiros foram arrolados como brasileiros, o que prejudicou a informação sobre a imigração internacional, que foi intensa no período. Assim, optou-se por utilizar esses dados, levando-se em conta a população estrangeira tenha sido maior do que os números do censo de 1890 mostram.

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Assim, observa-se que, dentre os municípios selecionados, Campinas

possuía a maior concentração de imigrantes (10,7%), superior inclusive à

população estrangeira de São Paulo, que correspondia a 8,8%.

Em 1890, tendo a população estrangeira mais que dobrado501, passando de

29.622 para 75.030502, a sua distribuição entre os municípios selecionados sofreu

alteração. Assim, todos os municípios selecionados, com exceção de Mogi-Mirim e

Rio Claro, registraram aumento na concentração de estrangeiros. Campinas, em

1890, passou a concentrar 19% da população estrangeira do estado, porém, ficou

atrás do município de São Paulo, que passou a concentrar 38% da população

imigrante localizada no estado.

Por sua vez, a população estrangeira no estado de São Paulo, em 1920,

cresceu mais de 11 vezes em relação a 1890. Os municípios selecionados,

embora tenham registrado, na sua maioria, uma redução na concentração da

população estrangeira do estado, todos apresentaram importante aumento em

termos absolutos, tendo, por exemplo, Campinas passado de 7.045 para 23.516

imigrantes, e São Paulo passou de cerca de 14 mil para mais de 200 mil

imigrantes, em 1920.

Com isso, observa-se que, entre 1872 e 1920, Campinas constituiu-se

também num importante pólo de redistribuição da população imigrante no contexto

do estado de São Paulo. Assim, considera-se que tanto a redistribuição da

população escrava como a redistribuição da população imigrante no estado de

São Paulo constituíram-se em importantes elementos da reorganização da

população no espaço campineiro.

Passemos, agora, a considerar a reorganização espacial da população de

Campinas durante a Primeira República. Nesse sentido, a tabela 4.4 ilustra o

crescimento da população campineira e o seu peso na população do estado, entre

1890 e 1920:

501 Resultado, principalmente, da mudança na política imigratória a partir de 1886. Ver discussão no terceiro capítulo. 502 De acordo com as observações de Bassanezi (1998), esse total pode ter sido ainda maior.

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Tabela 4.4: População, taxa de crescimento e participação no estado Município de Campinas 1890-1920

Estado de São Paulo Campinas Censos

População Total Tx. Cresc. a.a.(%)

População Total Tx. Cresc. a.a.(%)

Pop. Campinas / Pop. Est SP (%)

1890 1.384.753 33.921 2,4 4,9 7,2 1900 2.225.968 67.694 3,0 3,7 2,7 1920 4.565.059 115.567 2,5

Fonte: Recenseamento de 1890 apud BASSANEZI, 1998. Para 1900 - Fundação Seade; para 1920 - IBGE apud BAENINGER, 1996, p.34.

Observa-se que, entre 1890 e 1920, a população campineira passou de

33.921 para 115.567 habitantes, sendo que, nas décadas iniciais do regime

republicano, seu crescimento anual (7,2%) foi superior ao crescimento

populacional do estado de São Paulo (4,9%). Já nas duas primeiras décadas do

século XX, o crescimento anual da população de Campinas foi inferior (2,7%) ao

crescimento estadual (3,7%).

Além disso, no período considerado, o peso da população de Campinas no

total da população do estado oscilou entre 2,4%, em 1890, e 2,5%, em 1920,

sendo que, em 1900, o peso da população campineira passou por breve aumento,

correspondendo a 3% da população do estado.

Por sua vez, para melhor compreendermos o processo de diferenciações

político-territoriais durante a Primeira República, torna-se necessário considerar a

composição social da população nos diferentes distritos de Campinas. Em 1890, o

distrito possuía dois distritos e suas respectivas populações apresentavam as

seguintes características:

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230

Tabela 4.5: População total segundo cor

Município de Campinas por distritos

1890

Branco Preto/Caboclo Mestiço Total Distritos n % n % n % n %

Conceição 14.072 69,0 4.422 21,7 1.896 9,3 20.390 100,0

Carmo e Santa Cruz 8.949 66,1 3.184 23,5 1.398 10,3 13.531 100,0

Total do Município 23.021 67,9 7.606 22,4 3.294 9,7 33.921 100,0

Fonte:Recenseamento de 1890. Apud BASSANEZI, 1998

Conforme os dados da tabela 4.5, observa-se, primeiramente, que o distrito

do Carmo e Santa Cruz possuía, em 1890, população inferior ao distrito de

Conceição – 13.531 e 20.390 habitantes, respectivamente503. O aspecto principal

desta tabela, e que se relaciona com o perfil da redistribuição da população,

discutida anteriormente, refere-se à distribuição da população não branca entre os

distritos.

Assim, constata-se que, embora o distrito da Conceição (distrito-sede)

possuísse uma população não branca maior, em termos absolutos, que o outro

distrito, sua proporção no total da população do distrito (31%) era inferior à

proporção de não brancos do distrito do Carmo e Santa Cruz (34%).

Por sua vez, os dados da tabela 4.6 ilustram a distribuição da população

estrangeira de Campinas entre os dois distritos do município:

Tabela 4.6: População segundo nacionalidade

Município de Campinas, por distritos

1890

Brasileiros Estrangeiros Total Distritos

n % n % n %

Conceição 16.194 79,4 4.196 20,6 20.390 100,0

Carmo e Santa Cruz 10.682 78,9 2.849 21,1 13.531 100,0

Total do Município 26.876 79,2 7.045 20,8 33.921 100,0

Fonte:Recenseamento de 1890. Apud BASSANEZI, 1998

503 Infelizmente, para 1890, não é possível saber qual a proporção da população urbana e rural, ou exercendo atividades urbanas e rurais, o que nos permitiria inferir sobre a proporção da população dos povoados ainda existentes no município e que, na primeira década do século XX, elevaram-se à categoria de distrito, através de um processo de diferenciação político-territorial.

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231

Primeiramente, destaca-se também a maior presença, em termos

absolutos, da população estrangeira no distrito de Conceição (4.196 imigrantes)

em comparação com o distrito do Carmo e Santa Cruz (2.849 imigrantes), porém,

como no caso da população não branca, o peso da população estrangeira no

distrito do Carmo e Santa Cruz (21%), embora numa margem pequena, é maior

que a proporção dessa população no distrito-sede do município (20,6%).

Com esses dados, buscou-se destacar que, no momento imediatamente

anterior ao processo de diferenciação político-territorial intra-municipal504, que vai

caracterizar o período 1900-1930, a população não branca e a população

imigrante – principais elementos do processo de redistribuição populacional no

final do século XIX e início do XX – possuíam maior importância relativa no distrito

secundário do Carmo e Santa Cruz, justamente aquele sob o qual estavam

circunscritos os então povoados de Rebouças, Vila Americana, Cosmópolis,

Valinhos e Sousas505.

No capítulo anterior, foi destacado que, na análise do processo de

diferenciações político-territoriais intra-municipais, deve se considerar o contexto

político-institucional e econômico em que foram criados os distritos secundários,

no território municipal, e os fatores internos e externos que condicionaram sua

criação.

Dito isso, destaca-se que as diferenciações político-territoriais

características do período 1900-1930 referem-se à elevação à categoria de

distritos de três povoados então existentes no território campineiro: Vila

Americana, elevada a distrito em 1904, Cosmópolis, em 1906, e Rebouças, em

1909.

Como constituíam, segundo Gabriel (1995), verdadeiras “vilas italianas” o

contexto político-institucional e econômico e os condicionantes da sua 504 O ano de 1890 foi considerado como esse momento que antecede esse processo de diferenciação, pois não há dados censitários para 1900. 505 Baseado em Toledo (1995). Lembrando que os distritos de Valinhos e Sousas, embora também constituíssem as áreas de localização dos núcleos coloniais do município, sua elevação à categoria de distrito ocorreu em 1896, antes da elevação dos demais povoados. No capítulo quatro, esse processo de diferenciação político-territorial foi abordado e, nesta abordagem, foi observado que a transformação desses povoados em distritos estava mais relacionada com o projeto de saneamento do município, colocado em prática no final do século XIX, em decorrência da epidemia de febre amarela.

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232

transformação em distritos devem ser analisados a partir do significado da

formação dos núcleos coloniais no estado de São Paulo e, particularmente, no

município de Campinas, em fins do século XIX e início do XX.

Coloca-se desde já que, conforme, a hipótese deste trabalho, apresentado

no início do capítulo, o tipo de diferenciação político-territorial assumido pelo

município, neste período, continuará sendo o tipo 4, caracterizado pela presença

de distrito-sede e diversos distritos secundários, entre os quais o nível de poder

político é desequilibrado. Isso significa que, neste contexto, o poder político local

tenderia a se concentrar nos dois distritos principais – Conceição e Santa Cruz – e

os demais distritos – Rebouças, Vila Americana, Valinhos, Cosmópolis e Sousas –

concentrariam um nível menor de poder político.

Apesar dessa menor concentração de poder político, esses distritos

secundários passariam a constituir novas espacialidades de definição e

participação política no território campineiro, e seu desenvolvimento como novos

atores políticos no cenário municipal, ao longo das décadas seguintes, contribuiria

para as características assumidas na consolidação da hinterlândia campineira e,

posteriormente, para as características do espaço inter-distrital, o qual antecederá

a configuração do primeiro “ponto crítico” no processo de transformação da

organização territorial e reorganização espacial da população.

Assim, para tratar do significado da formação dos núcleos coloniais em

Campinas, retomaremos alguns aspectos do estudo de Carvalho (1991) sobre

primeira crise urbana vivida pelo município que, segundo esse autor, decorreu da

epidemia da febre amarela, entre os anos de 1889 e 1897.

Como já foi destacado anteriormente, o poder público, que contou com a

ação conjunta das esferas municipais e estaduais de governo, interviu de forma

intensiva no meio urbano campineiro para sanear o município e ajudar a preveni-lo

de novos surtos epidêmicos.

Essa intervenção no do espaço urbano pelo do poder público concentrou-

se, basicamente, nos espaços urbanos dos dois distritos existentes no município –

Conceição e Santa Cruz – e o principal objetivo dessa ação pública consistia em

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233

recuperar a cidade para o bem-estar das classes mais abastadas e para o

funcionamento da economia cafeeira.

Carvalho (1991) destaca que, nesse programa de recuperação do espaço

urbano campineiro, não houve uma preocupação específica em relação às

camadas populares. Depreende-se disso que, se elas foram beneficiadas por

essas ações, com exceção das campanhas de vacinação, isso deve ocorrido,

principalmente, de forma indireta, pois o espaço urbano campineiro continuou

sendo construído sem levar em consideração os interesses desses grupos

populares, que continuaram ocupando os espaços preteridos pelos outros grupos

sociais.

Nesse contexto, o cortiço continuou sendo a principal alternativa de moradia

das classes populares no meio urbano. Através dele, os trabalhadores efetivavam

o seu estabelecimento no meio urbano e viabilizava sua melhor acessibilidade às

oportunidades de trabalho.

Por sua vez, Gabriel (1995) destaca que os problemas sociais, vivenciados

por Campinas, no final do século XIX, incluindo a questão da habitação popular no

meio urbano, foram conseqüências da própria política imigratória, colocada em

prática a partir de 1886, em função da qual, Campinas passou a receber grandes

levas de imigrantes pobres, principalmente italianos, para trabalharem nas

fazendas de café, que permaneciam por uma temporada nas lavouras e logo se

mudavam para a cidade506.

De acordo com o que esses dois autores colocam, o que se pode afirmar é

que o espaço urbano de Campinas não foi construído visando às necessidades de

habitação e trabalho das camadas populares, as quais, cada vez mais contribuíam

para aumentar as carências existentes nos centros urbanos.

Paralelamente a isso, como já foi destacado ainda neste capitulo, nesse

período, segundo Semeghini (1991), a economia cafeeira vivenciava uma fase de

crise e passava por transformações. Nesse contexto, as antigas fazendas de café

foram retalhadas e seus lotes colocados à venda, alterando, assim, a estrutura

fundiária do município e o perfil de suas culturas.

506 Ver discussão no capítulo precedente.

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234

Com esse processo, desenhou-se duas regiões bastante distintas no

municípios: uma ao norte e a outra ao sul. Segundo Gabriel (1995), a porção sul

do município era onde as áreas médias das propriedades eram mais baixas, seus

valor mais baixo e, conseqüentemente, maior a proporção de imigrantes como

proprietários rurais e urbanos. Autora destaca ainda que, nessa porção sul,

localizavam-se os povoados de Rebouças, Vila Americana, Cosmópolis e

Valinhos.

Nesses aglomerados, segundo a historiadora, os italianos enxergavam a

chance de, por um lado, se urbanizarem e, por outro, de permanecerem próximos

aos estabelecimentos agrícolas. Assim, ainda no final do século XIX, essas

regiões assistem ao estabelecimento de núcleos coloniais de caráter particular,

através da aquisição, via compra, da propriedade pelos imigrantes.

Toledo (1995), por sua vez, ao tratar da região do bairro de Rebouças,

destaca o estabelecimento de núcleos coloniais de caráter oficial, nos primeiros

anos do século XX507. Esses núcleos foram fundados a partir da compra de

propriedades em determinadas porções da região de Rebouças pelo governo

estadual, em parceria ou não com empresas de colonização particulares.

Assim, pode-se afirmar que os diferentes povoados existentes em

Campinas passaram a corresponder, principalmente a partir dos primeiros anos do

século XX, aos núcleos de colonização, particular e oficial, estabelecidos no

município.

Diante disso, argumenta-se que o processo de diferenciação político-

territorial, no primeiro decênio do século XX, está diretamente relacionado com

essa transformação dos antigos povoados em núcleos de colonização e que, o

nível de poder político concentrado nos distritos está relacionado com o significado

da formação desses núcleos para as classes dirigentes locais.

507 Toledo (1995) destaca, na região de Rebouças, a criação, pelo governo estadual, do núcleo colonial Nova Odessa, em 1905, que foi ocupada por imigrantes russos; em 1910, foi criado o núcleo colonial Nova Veneza, que contou com grande presença de italianos e russos. O autor destaca ainda que, em 1897, foi criado o primeiro núcleo colonial oficial em Campinas – o núcleo Campos Sales –, na região do atual município de Cosmópolis. A fundação desse núcleo fazia parte de um projeto do então governador estadual, Campos Sales, de criar núcleos coloniais que servissem de modelo para o Brasil. Porém, esta experiência acabaria não dando certo, por que os colonos suíços logo abandonaram o núcleo.

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235

Nesse sentido, já foram destacados os condicionantes econômicos e

sociais que contribuíram para a configuração desses núcleos de colonização. Ou

seja, em termos econômicos, foi destacado o papel desempenhado pelas

mudanças na economia cafeeira, que levaram ao retalhamento das grandes

propriedades508.

Em termos sociais, foram destacados a agudização dos problemas urbanos

vivenciados pelas camadas populares, principalmente em relação à habitação e

ao emprego, como conseqüência do grande afluxo de imigrantes e ex-escravos ao

centro urbano, contribuindo para que essas camadas buscassem alternativas de

moradia e de emprego, em outras áreas do território campineiro509.

Resta-nos abordar os aspectos político-institucionais do processo de

formação dos núcleos de colonização que, juntamente com os aspectos

econômicos e sociais, podem explicar a não configuração de uma identidade

política e social entre, de um lado, a população do distrito-sede e do distrito de

Santa Cruz e, de outro, a população dos recém-criados distritos de Rebouças,

Cosmópolis e Vila Americana e do distrito de Valinhos.

Nesse sentido, retoma-se o que já foi apresentado, em capítulos

precedentes, sobre a interação Estado-sociedade, característica dos grupos

dominantes de Campinas, em relação à definição da política de terras e de

colonização durante o Império. Naquele contexto, foi destacado que os grupos

dirigentes do município teriam se posicionado contrariamente à política nacional,

devido a incompatibilidades de interesses entre as oligarquias paulistas e a

burocracia imperial510.

Diante disso, argumentou-se que, na prática, esse posicionamento político

da elite campineira foi o elemento que contribuiu para que esse grupo optasse por

manter a integridade do território campineiro511, tendo em vista atender os

508 Baseado em Semeghini (1991) e Toledo (1995). 509 Baseado em Carvalho (1991) e Gabriel (1995). 510 Discussão desenvolvida nos capítulos precedentes. 511 Destacou-se que, em linhas gerais, o projeto do governo central previa o loteamento e venda de terras devolutas para imigrantes, visando com isso a formação da pequena propriedade e a efetivação da colonização do território. Para os fazendeiros paulistas, tais medidas eram contrárias aos interesses da cafeicultura, que exigiam grandes extensões territoriais para o seu cultivo

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236

interesses da economia cafeeira. Teria sido esse posicionamento, também, que

contribuiu para que o município registrasse poucas diferenciações político-

territoriais, favorecendo a manutenção de uma certa “coesão territorial”, entre

1850 e 1920.

Pretende-se argumentar, com isso, que a tendência do grupo dirigente de

Campinas era a de não favorecer o estabelecimento de núcleos de colonização no

território municipal, devido ao fato disso representar uma alteração na estrutura

fundiária do município, trazendo conseqüências para a produção cafeeira.

No entanto, as mudanças na economia cafeeira, de um lado, e a alteração

na estrutura social do município, a partir da entrada em massa dos imigrantes e

ex-escravos no cenário urbano, foram os elementos que acabaram contribuindo,

mesmo contrariando os interesses das classes dominantes, para a formação de

núcleos coloniais “espontâneos“, principalmente na porção sul, onde o

retalhamento fundiário foi maior e o preço da terra era mais acessível ao

imigrante512. Esses foram os fatores internos que atuaram na formação dos

núcleos coloniais no município.

Argumenta-se que os fatores externos que influenciaram a formação

desses núcleos foram representados pela atuação do governo estadual no sentido

de colocar em prática um projeto de colonização do território paulista.

Nesse sentido, destaca-se que uma das principais mudanças efetuadas

pelo regime republicano foi a transferência da questão das terras devolutas e da

questão da colonização do território para a órbita do governo estadual. Com isso,

cada estado passou a ter autonomia para definir sua própria lei de terras e de

colonização513.

Com relação ao estado de São Paulo, destaca-se que durante o seu

governo, Campos Sales colocou em prática, a partir de 1896, um projeto de

colonização oficial do território paulista que, em essência, se aproximava muito do

projeto de colonização idealizado pelo governo imperial, ou seja, um projeto de

(devido à forma de agricultura empregada no país) e mão-de-obra imigrante para o trabalho na lavoura. Baseado em Carvalho (1996) e Semeghini (1991). 512 Baseado em Gabriel (1995). 513 Baseado em Carvalho (1996) e Silva (1996).

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loteamento de antigas fazendas, visando a sua venda para imigrantes, que se

estabeleceriam no território como pequenos proprietários514.

Segundo Toledo (1995), o município de Campinas teria sido escolhido por

Campos Sales para a implementação do primeiro núcleo de colonização oficial,

financiada pelo governo estadual515. Com isso, o governador paulista pretendia

que a experiência servisse de modelo de colonização do território para todo o

Brasil.

Argumenta-se que foi devido à atuação, por um lado, das relações

intergovernamentais prevalecentes na Primeira República, nas quais houve o

fortalecimento da escala estadual de governo e da figura do governador de

estado, ficando os municípios ainda mais dependentes da tutela do governo

estadual516, e, por outro, do “autoritarismo privativista”, característico da interação

Estado-sociedade neste contexto517, que as classes dirigentes do município de

Campinas, embora contrariamente a seus interesses, tiveram que decidir,

primeiro, pelo estabelecimento de núcleos oficiais de colonização em

determinados povoados, localizados em seu território, e, em segundo lugar, pela

elevação desses povoados à categoria de distritos, permitindo que se

transformassem em novas espacialidades de formação e debate político.

Com isso, observa-se a interferência de escalas superiores de governo na

forma de organização do território municipal e, conseqüentemente, no processo de

diferenciação político-territorial intra-municipal em Campinas.

Assim, considera-se que, devido, por um lado, a essa interferência da

escala estadual na organização territorial do município campineiro, e, por outro, à

imagem social, criada pela sociedade campineira, principalmente no final do

514 Baseado em Toledo (1995). 515 Trata-se do núcleo Campos Sales, criado em 1897, na área correspondente ao atual município de Cosmópolis. Toledo (1995) destaca que, após essa experiência, outros núcleos oficiais foram criados no município de Campinas, na primeira década do século XX – o autor se refere aos núcleos Nova Odessa e Nova Veneza, criados na região de Rebouças. 516 Em função das maiores limitações políticas, administrativas e financeiras a que foram submetidos. Baseado em Leal (1949) e Sadek (1991). 517 Considera-se que, sob essa forma de autoritarismo, as decisões políticas são tomadas levando-se em consideração, hegemonicamente, os interesses do agente mais forte da relação social, possuidor de maior poder e autonomia. Neste caso, a relação social seria constituída pelo governo estadual e governo municipal, na qual, o agente com maior poder político é o governo estadual.

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século XIX, sobre a população estrangeira, a partir da qual o imigrante foi visto

como o responsável pela proliferação das epidemias e pelos principais problemas

urbanos518, é que não se reconhece uma identidade social e política entre a

população do distrito-sede e a população dos distritos secundários criados na

primeira década do século XX.

Em função disso, o processo de diferenciação político-territorial desse

período resultou num tipo onde é desequilibrado o poder político entre o distrito-

sede e os distritos secundários de Rebouças, Cosmópolis e Vila Americana. Esse

poder político desigual entre essas diferentes espacialidades vai se manter, nas

décadas seguintes – o qual foi traduzido pela intervenção diferenciada do poder

público em melhoramentos urbanos, que tendeu a se concentrar nos distritos da

Conceição e Santa Cruz, em detrimento dos demais distritos existentes no

município.

Um exemplo dessa atuação diferenciada do poder público, a partir do qual

podemos aludir aos diferentes níveis de poder político, que as diferentes

espacialidades intra-municipais detiveram, no período considerado, é captado a

partir de referências a algumas leis municipais, feitas nos estudos de Toledo

(1995) e de Bernardo (2002).

Assim, no seu estudo historiográfico sobre o município de Sumaré, Toledo

(1995) faz referência a uma lei de 1894519, que previa controle sobre o

crescimento dos “bairros suburbanos” a partir de maior regularização da

construção de edifícios nessas localidades. O autor destaca que essa lei esteve

em vigor tanto em Rebouças como em Valinhos e Sousas. Autor destaca ainda

como outras ações do poder público municipal, em Rebouças, entre 1901 e 1910,

a implementação do serviço de limpeza pública e a abertura, aterro e nivelamento

de ruas.

Por sua vez, no levantamento da legislação de uso do solo de Campinas,

feito por Bernardo (2002), foi possível observar a criação de dois grupos de leis,

entre 1908 e 1928, que se dirigiam para o distrito-sede do município: o primeiro

518 Baseado em Gabriel (1995). 519 Trata-se da Lei municipal no.29, de 1894. Apud TOLEDO, 1995, p.87.

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grupo é composto por leis que estabeleciam de incentivos para a instalação de

indústrias no município520; e o segundo grupo é formado por leis que visavam

modificar as características do uso do solo do centro de Campinas, através do

incentivo à construção e reformas de edifícios e do favorecimento da

verticalização da região central521.

Com isso, observa-se que a ação do poder público municipal no espaço

urbano dos distritos secundários, criados em 1896 e no início do século XX,

durante a Primeira República, tendeu a se revestir de caráter disciplinador e de

controle, visando, provavelmente, o saneamento dessas localidades, com o

objetivo de evitar novos surtos epidêmicos. Porém, esses espaços não foram

contemplados pela ação do poder público que teve como objetivo favorecer o

desenvolvimento econômico local.

É em função dessa intervenção diferenciada do poder público municipal nas

diferentes espacialidades presentes no território campineiro que se argumenta que

o poder político entre elas, nesse momento, era desigual, com maior concentração

no distrito-sede, revelando a provável inexistência de uma identidade política e

social entre sua populações.

A manutenção desse tipo de diferenciação político-territorial por todo

período de 1900 a 1930, por sua vez, seria evidenciada pela composição social

dos diferentes distritos do município. Nesse sentido, os dados da tabela 4.7

ilustram a divisão da população segundo a situação de domicílio, para o ano de

1918:

520 Trata-se das seguintes leis: Lei no.129, de 1908 e da Lei 233, de 1918. (BERNARDO, 2002, p.78-79). 521 Trata-se das seguintes leis: Lei no.163, de 1912; Lei no.401, de 1927; e Lei no.425, de 1928. (BERNARDO, 2002, 78-80).

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240

Tabela 4.7: População total, urbana e rural

Município de Campinas, por distritos

1918

População total População urbana População rural Distritos

n % n % n %

Campinas 73.295 100,0 41.004 55,9 32.291 44,1

Sousas 9.794 100,0 749 7,7 9.045 92,4

Rebouças (Sumaré) 4.687 100,0 422 9,0 4.265 91,0

Cosmópolis 5.104 100,0 822 16,1 4.282 83,9

Vila Americana 6.736 100,0 2.211 32,8 4.525 67,2

Valinhos 5.484 100,0 800 14,6 4.684 85,4

TOTAL MUNICÍPIO 105.100 100,0 46.008 43,8 59.092 56,2

Fonte: Recenseamento de 1918. Prefeitura municipal de Campinas. Apud BAENINGER, 1996, p.35.

Com esses dados, observa-se que, em 1918, a população total do

município de Campinas ultrapassava os 100 mil habitantes, sendo que 44% vivam

no seu espaço urbano.

Dentre os distritos, destaca-se que somente o distrito-sede possuía

população urbana acima da média do município, que ficava próximo dos 56%. Os

demais distritos possuíam população urbana bastante baixa, com destaque para

Vila Americana, com 33% da população vivendo no meio urbano e Rebouças, cuja

população urbana representava 9% da população total.

Esses números revelariam o peso da atividade agrícola nos distritos

secundário de Rebouças, Cosmópolis, Vila Americana e Valinhos522, expresso

pela grande parcela da sua população rural, revelando a importância dos núcleos

de colonização nessas localidades.

Os dados da tabela 4.8 revelam o peso da população estrangeira na

população dos distritos do município:

522 O distrito de Sousas não está sendo considerado, aqui, por se tratar de um município que não se emancipou e, posteriormente, passou a integrar o distrito-sede.

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241

Tabela 4.8: População segundo nacionalidade Município de Campina, por distritos

1920

Brasileiro Estrangeiro Ignorado Total Distritos n % n % n % n %

Campinas 63.070 80,0 15.729 20,0 6 0,01 78.805 100,0 Sousas 7.605 76,8 2.298 23,2 0 0,00 9.903 100,0

Rebouças (Sumaré) 4.912 82,4 1.052 17,6 0 0,00 5.964 100,0

Cosmópolis 4.380 76,7 1.327 23,3 0 0,00 5.707 100,0 Vila Americana 7.369 81,1 1.714 18,9 0 0,00 9.083 100,0

Valinhos 4.743 77,2 1.396 22,7 1 0,02 6.140 100,0

Município Campinas 92.079 79,7 23.516 20,3 7 0,01 115.602 100,0

Fonte: Recenseamento de 1920. Apud BASSANEZI, 1998.

Observa-se que o peso da população estrangeira, em 1920, ainda era

importante no município, que ficou em torno dos 20%, correspondendo a um total

de 23.516 imigrantes. Dentre os distritos, somente em Sousas (23%), Cosmópolis

(23%) e Valinhos (23%), o peso dos estrangeiros foi maior que a média do

município, enquanto Rebouças apresentava a menor proporção de imigrantes

(18%), correspondendo a um total de, aproximadamente, mil imigrantes,

apontando, juntamente com os dados da tabela 4.7, uma maior presença de

brasileiros523 nos núcleos coloniais.

Outra forma de olhar a composição social dos distritos de Campinas, a

partir dos dados censitários de 1920, seria através da proporção de adultos

alfabetizados na população.

Essa informação, além de importante indicador social, constitui-se num

instrumento através do qual pode-se inferir sobre o eleitorado potencial de cada

distrito, o que poderia ser utilizado como um indicador do poder político das

diferentes espacialidades, considerando as características do processo eleitoral do

período, constantemente marcado por fraudes:

523 Incluindo os filhos de imigrantes, nascidos do Brasil.

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Tabela 4.9: População total e população masculina, alfabetizada com mais de 15 anos Município de Campinas, por distritos

1920 População com mais de 15 anos

População Total Homens alfabetizados Distritos

n % n %

% Pop Alfab/ Pop

Total

% Pop Alfab Masc/ Pop Masc

Campinas 78.805 68,2 15.625 72,5 59,0 66,7

Sousas 9.903 8,6 1.417 6,6 38,5 50,0 Rebouças (Sumaré) 5.964 5,2 836 3,9 38,6 47,5 Cosmópolis 5.707 4,9 1.026 4,8 51,0 63,2 Vila Americana 9.083 7,9 1.781 8,3 58,8 68,1

Valinhos 6.140 5,3 867 4,0 38,0 47,1

TOTAL MUNICÍPIO 115.602 100,0 21.552 100,0 54,9 63,2 Fonte: Recenseamento de 1920. Apud BASSANEZI, 1998.

Com esses dados, observa-se, de forma incontestável, a importância

política do distrito-sede em função da sua população adulta alfabetizada, tanto em

termos absolutos como relativos. Assim, a sede do município, que concentrava,

em 1920, 68% da população total, concentrava 72% da população adulta

masculina, o que o torna o espaço onde, praticamente, se decidem os pleitos

eleitorais.

Por sua vez, os demais distritos do município concentravam,

individualmente, baixa proporção da população e do eleitorado municipais. No

caso de Rebouças, tem-se que o distrito concentrava 5% da população total e 4%

do eleitorado em potencial, revelando a baixa importância política relativa, no

contexto municipal. Numa outra perspectiva, tem-se que, ainda em Rebouças, o

peso da população alfabetizada na população total era de 39% e o peso dos

homens alfabetizados no total da população masculina alfabetizada era de 47% –

permanecendo essas duas proporções abaixo das médias do município.

Além do seu impacto em termos de poder político, o que esses dados

revelam é que o distrito Rebouças mostrava-se, naquele momento, pouco atrativo

para uma população mais instruída e que desempenhassem atividades

urbanas524. Por sua vez, essa pouca atratividade seria decorrência forma de

atuação do poder público nessas espacialidades, voltada mais para uma ação

524 O mesmo pode ser dito sobre os demais distritos secundários existentes no município.

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disciplinadora, ao invés de uma atuação que favorecesse uma certa

desconcentração dos estímulos a um maior desenvolvimento urbano e econômico

das diferentes espacialidades.

Argumenta-se, pois, que essa desconcentração da atuação estimuladora do

poder público no espaço intra-municipal não aconteceu, por um lado, devido ao

caráter conservador que caracterizou a sociedade campineira, desde, pelo menos,

a segunda metade do século XIX, a partir do qual os grupos dominantes locais

tenderam a concentrar a sua intervenção em melhoramentos urbanos e serviços

públicos no espaço urbano do distrito-sede.

Por outro lado, devido ao fato de Rebouças e os demais distritos

constituírem as “regiões tributárias” da hinterlândia campineira, desde a década de

1870, quando a “coesão territorial” entre os distritos e povoados do município

contribuiu para alta produtividade da cafeicultura, atendendo, assim, os interesses

da economia cafeeira no município.

Assim, sendo tais distritos e povoados vistos como espacialidades

submetidas ao domínio e controle do distrito-sede, cujo objetivo é o fornecimento

de bens primários ao centro urbano principal, e não havendo identidade política e

social entre suas respectivas populações e a população do distrito-sede, esses

espaços não receberam intervenções do poder público numa intensidade e

qualidade que pudessem alterar esse papel de “região tributária” da sede do

município.

Apesar disso, como foi destacado, esses distritos secundários tornaram-se

espaços diferenciados de formação e participação política, e, ao longo da período

1900-1930, consolidaram-se, econômica e politicamente, enquanto hinterlândia

campineira, assumindo a forma desigual de distribuição de poder político entre os

diferentes distritos, a qual caracterizou o processo de diferenciação político-

territorial no final do século XIX e início do XX.

A partir de 1930, mudanças de ordem social, econômica e política irão

contribuir para uma maior complexificação da articulação entre a dimensão política

e a reorganização da população no espaço, de forma que, em Campinas, se

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passe de uma hinterlândia consolidada para um espaço inter-distrital. É o que

passaremos a abordar na próxima seção.

IV.1.1.2 – Formação do “espaço inter-distrital” (1930-1955)

O primeiro aspecto a ser destacado com relação a esse período é que, em

diferentes “pedaços”525 do espaço campineiro, ocorrem, simultaneamente,

processos diferenciados. Nesse sentido, destacam-se três diferentes “pedaços” do

território de Campinas, nos quais atuaram diferentes processes, no período

considerado.

Em primeiro lugar, na década de 1930, o distrito-sede passou por um

processo de diferenciação político-territorial intra-municipal, do qual resultou o

surgimento de dois distritos: o da Conceição (que continuou compreendendo o

centro histórico da cidade) e o da Vila Industrial, sendo ambos criados em 1934.

Em segundo lugar, na década de 1940, na porção do espaço campineiro

circunscrita ao distrito de Santa Cruz, ocorre outro processo de diferenciação

político-territorial intra-municipal, do qual resultou a configuração do distrito de

Paulínia526 e, na década seguinte, em 1953, foi criado o distrito de Barão Geraldo.

Trata-se de dois processos de diferenciação político-territorial que possuem

significados diferentes e papel importante no processo de reorganização territorial

e de reorganização da população no espaço, mas que, devido ao recorte espacial

considerado neste estudo, não serão abordados de forma mais aprofundada.

O que nos interessa são os processos em curso num terceiro “pedaço” do

espaço campineiro, referente ao espaço composto pelas áreas dos atuais

municípios de Campinas, Hortolândia e Sumaré. Nesse sentido, enfatiza-se que

esse “pedaço” não registrou, diferentemente das outras porções do território,

nenhum processo de diferenciação político-territorial intra-municipal, no período.

525 A idéia de “pedaços” da cidade está presente em Ribeiro (2000), quando o autor se refere às diferentes porções do território da cidade. 526 Este distrito, criado em 1944, desmembra-se do município de Campinas, elevando-se à categoria de município em 1964. Registra-se, também que, no mesmo ano de 1944, o distrito de Cosmópolis desmembra-se de Campinas e torna-se município.

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Diante disso, argumenta-se que a importância da sua consideração desse

“pedaço” do município no estudo das transformações ocorridas na organização

territorial do município de Campinas e, conseqüentemente, para a reorganização

da sua população no espaço, refere-se ao fato de que as mudanças ocorridas na

dimensão político-institucional nesse período vão contribuir, por um lado, para a

manutenção da forma desigual de distribuição do poder político entre o distrito-

sede e os distritos secundários e, por outro, para a transformação da hinterlândia

campineira em um “espaço inter-distrital”.

Assim, antes de começarmos a abordar as mudanças ocorridas na

dimensão político-territorial – relações intergovernamentais e interação Estado-

sociedade – e suas repercussões na organização territorial do município e na

reorganização espacial da população, vale retomar alguns aspectos da discussão

do significado da configuração de um “espaço inter-distrital”527.

Para melhor compreender o que se está denominando por “espaço inter-

distrital”, cabe colocar novamente, aqui, que os processos que estamos

analisando neste estudo refere-se a transformações na organização espacial e

populacional de um espaço que, num momento inicial, era caracterizado pela

existência de um núcleo urbano principal em torno do qual gravitavam diversos

povoados, os quais se encontravam, de certa forma, integrados, por estarem

circunscritos a uma mesma unidade política-administrativa, representada pelo

município, e que, no momento atual, caracteriza-se por se constituir num espaço

metropolizado, composto por diversos unidades político-administrativas distintas

entre si, em termos econômicos, populacionais, políticos e sócioculturais.

Contudo, deve-se destacar que, antes de se tornar metropolizado, este

espaço foi inter-municipal, o qual, por sua vez, antes de ser tornar inter-municipal,

foi um espaço inter-distrital, o qual foi produto de um processo de transformação

da hinterlândia campineira. Não se trata, porém, de um mero jogo de palavras,

simples nomenclaturas para rotular distintas formas de ocupação de um

527 Não se pretende retomar e reproduzir, aqui, toda a discussão já desenvolvida sobre esse termo. Para tanto, ver discussão desenvolvida no capítulo 1.

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246

determinado espaço, relacionadas a certas atividades econômicas e densidades

populacionais.

Diante disso, o que se argumenta é que essas denominações

correspondem a espacialidades específicas, resultantes de processos de

diferenciação político-territorial528, intra ou extra municipal529, nas quais estão

embutidas formas próprias de interação entre os diferentes atores políticos que

compõem estas espacialidades530.

Assim, como foi destacado anteriormente, o que caracterizou essa porção

do território campineiro, entre 1930 e 1955, não foi a ocorrência de diferenciações

político-territoriais, mas sim o processo de transformação dessa área, que deixou

de ser uma hinterlândia e passou a ser um espaço inter-distrital531.

Começaremos abordando os aspectos político-institucionais desse

processo.

Primeiramente, destaca-se que esse período é dividido em dois contextos

político-institucionais, aos quais estão relacionados a diferentes relações

intergovernamentais e interações Estado-sociedade: o primeiro compreendendo a

Era Vargas (1930-1945) e o segundo, que corresponde aos dois primeiros

governos da Segunda República (1946-1955).

De acordo com Abrucio (1998), esses dois contextos político-institucionais

ainda correspondem ao período que o autor denominou de “formação do

federalismo brasileiro”532. Com isso, o autor aponta para o fato de que ainda não

estavam totalmente consolidados todos os aspectos que caracterizam um regime

federativo, relacionados, grosso modo, ao “princípio da autonomia” e ao “princípio

528 Na qual estariam implícitas determinadas formas de interação entre uma dimensão política – expressa pelas relações intergovernamentais e interação Estado-sociedade – e o processo de reorganização espacial da população. 529 Condicionadas, em parte, por fatores econômicos e sociais e atravessadas transversalmente pela influência da atuação de diferentes escalas de governo. 530 Retomar discussão conceitual feita no primeiro capítulo. 531 Discussão conceitual no primeiro capítulo. 532 Segundo o autor, esse período de formação do federalismo brasileiro compreende a Primeira República (1889-1930), a Era Vargas (1930-1945) e a Segunda República (1946-1964). (ABRUCIO, 1998, p.31).

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da interdependência”533, principalmente no que diz respeito à autonomia dos entes

federativos534.

Tratando-se, primeiramente, da Era Vargas535, tem-se que tratou de um

período de centralização do governo no Executivo Federal, implantada através de

medidas tomadas desde 1930, de natureza política, expressa pela dissolução do

Congresso Nacional e dos legislativos estaduais e municipais; de natureza

econômica, expressa pela federalização da política cafeeira; e de políticas sociais

implantadas de forma autoritária e coordenadas pela estrutura política-institucional

do Estado Varguista, como a política trabalhista e política educacional (Fausto,

2000).

Segundo Abrucio (1998), esse período foi marcado “pelo contínuo

fortalecimento do Estado nacional”536, e complementa afirmando que naquele

momento delineou-se

um novo modelo de Estado, denominado (...) de Varguista-desenvolvimentista. Desenvolvimentista porque tornou o Estado o principal pólo irradiador do desenvolvimento econômico no Brasil, transformando as relações entre o Estado e a sociedade, no que tange à regulação do mercado de trabalho (modelo corporativo), e na forma de ligação entre o setor público e os grupos econômicos privados. (ABRUCIO, 1998, p.41)

Com essas referências, pretende-se destacar que o período 1930-1945

representou, em relação à Primeira República, uma mudança significativa nas

relações intergovernamentais e na forma de interação Estado-sociedade537.

533 Ver discussão desenvolvida no capítulo 1. 534 O que vai afetar diretamente a configuração das relações intergovernamentais e as formas de interação Estado-sociedade. 535 Também denominado “Estado Getulista” (Fausto, 2000), ou “Estado Varguista-desenvolvimentista” (Abrucio, 1998). 536 Abrucio destaca que o processo de fortalecimento do Governo Federal teve início ainda na República Velha, a partir da reforma constitucional de 1926, “cuja principal medida foi o aumento do poder de intervenção da União nos estados, tornando mais equilibradas as relações intergovernamentais”. (ABRUCIO, 1998, p.41). 537 Porém, é importante ressaltar, assim como já destacam autores como Fausto (2000) e Penna (1999), o Estado Varguista não representou uma ruptura total com a ordem até então prevalecente, o que nos leva a ter que considerar, principalmente quando se tratar da interação Estado-sociedade, a permanência de alguns padrões existentes na Primeira República.

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Com relação às relações intergovernamentais, tem-se que a centralização

política538, econômica e administrativa539 do Estado Varguista, principalmente a

partir de 1937, quando Vargas aboliu o federalismo540, fez dos governos estaduais

órgãos puramente administrativos do Governo Central, uma vez que perderam sua

autonomia administrativa e foram esvaziados politicamente.

Assim, com as mudanças implementadas pelo Estado Varguista, segundo

Abrucio (1998), os estados ficaram com menos autonomia do que as províncias do

Império, permanecendo submetidos aos órgãos administrativos do Poder Central

(ABRUCIO, 1998, p.47).

Para as municipalidades, essas mudanças, introduzidas a partir de 1937,

representaram, segundo Leal (1949) uma completa anulação da autonomia

municipal (LEAL, 1949, p.93). Da mesma forma que os governos estaduais, os

municípios ficaram sob o controle do Departamento Administrativo. Além disso, os

municípios submetiam-se ainda aos departamentos de municipalidades, que

exerciam controle administrativo e político sobre as localidades; tiveram suas

receitas reduzidas; e o foi suprimido o princípio de eletividade do executivo

municipal541.

Com isso, observa-se que a margem de atuação reservada aos municípios,

durante a Era Vargas, principalmente a partir de 1937, foi extremamente reduzida.

Com poucos recursos próprios a sua disposição e sem capacidade de tomada de

538 O Estado Novo, instituído em 1937, suprimiu as eleições para cargos executivos nas escalas subnacionais. Os governadores foram transformados em interventores, nomeados pelo Governo Central, que procurava escolher indivíduos não identificados com os grupos dominantes estaduais. (ABRUCIO, 1998, p.45). Por sua vez, os prefeitos eram nomeados pelo governo estadual. 539 Destaca-se a criação do Departamento Administrativo (DASP), com a finalidade de atuar na área econômica, representando um fortalecimento da burocracia pública federal. Nos estados, foram instituídos os “daspinhos”, que foram uma espécie de substitutos das Assembléias estaduais e eram uma espécie de extensão administrativa do Poder Central nos estados. Baseado em Abrucio (1998) e Fausto (2000). 540 Abrucio destaca que acabar formalmente com o federalismo não era suficiente para fortalecer o Poder Central. O autor destaca a importância representada pela modernização da estrutura administrativa e do quadro de pessoal da União, através da criação do DASP e de diversas agências públicas, que deu condições para que o Executivo Federal e a Presidência formassem realmente um centro político do sistema. Além disso, a intervenção econômica do Estado desenvolvimentista forneceu suporte financeiro ao centro político Varguista, contribuindo para o fortalecimento do Poder Central. (ABRUCIO, 1998, p.42-44) 541 Baseado em Leal (1949) e Sadek (1991).

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decisão própria, os municípios tiveram que se subordinar, estritamente, ao poder

central para o atendimento de seus interesses542.

Com relação à forma de interação Estado-sociedade prevalecente neste

período, tem-se que ainda imperou uma forma de autoritarismo, ou seja, as

decisões com relação a questões gerais da sociedade continuariam sendo

tomadas de cima para baixo, sem o envolvimento e participação das camadas

populares.

Tratava-se, porém, de outra espécie de autoritarismo, ou seja, do

“autoritarismo institucional”543. Baseado no que fio exposto acima, a respeito do

arranjo político-institucional engendrado pelo Estado Varguista, pode-se afirmar

que se tratava de um autoritarismo praticado pelo Governo Central através da

construção de um sistema de departamentos administrativos e de agências

públicas, que interligavam as unidades subnacionais de governo ao poder

executivo central, cujo objetivo era supervisionar, coordenar e controlar os

governos estaduais e municipais.

Além disso, esse “autoritarismo institucional” se revelava também na

atuação do Estado Varguista no controle direto da classe trabalhadora, que

passou a ter importância crescente em função da política desenvolvimentista de

Vargas, através do enquadramento da classe operária, via maior sistematização

das leis trabalhista e via controle da organização sindical544.

A natureza das mudanças implementadas, pelo Estado Varguista, no plano

econômico e no mundo do trabalho, nos faz considerar que o “autoritarismo

institucional” constituiu-se numa forma de interação Estado-sociedade

característica das áreas mais urbanizadas e industrializadas do país.

Nesse sentido, destaca-se, baseado em Carvalho (1991), que o Estado

Varguista concentrou seus esforços “na transformação de uma economia de base

agrária para uma economia industrial e urbana”, transformando o “território

urbano”, no período 1930-1945, no “locus privilegiado das atividades produtivas

predominantes” (CARVALHO, 1991, p.43).

542 Baseado em Sadek (1991). 543 Baseado em Weffort (1980). 544 Baseado em Fausto (2000).

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Isso leva o autor a enfatizar que a relação entre o Estado e a organização

do espaço urbano, nesse período, foi caracterizada por uma maior presença do

Estado no espaço urbana, expressa pela maior acumulação industrial no meio

urbano, propiciado pela própria intervenção do Estado na economia545, e pela sua

intervenção na relação entre capital e trabalho (CARVALHO, 1991, p.43).

A partir disso, é que se poderia considerar o “autoritarismo institucional”

como uma forma de interação Estado-sociedade característica do meio urbano, o

que nos permitiria afirmar que, nos municípios e espaços menos urbanizados e

menos marcados pela industrialização, a forma de interação Estado-sociedade

ainda seriam a de um “autoritarismo privativista”, exercido por chefes ou grupos

dominantes locais em contextos onde inexistem instâncias de intermediação dos

interesses das camadas populares.

Com relação ao município de Campinas, considera-se que, devido às

características do seu desenvolvimento econômico, no período, e aos efeitos da

redistribuição populacional correspondente, os dois tipos de autoritarismo

coexistiram no município, caracterizando as formas de interação Estado-

sociedade.

O segundo contexto político-institucional que compõe o período

transformação do espaço campineiro, caracterizado pela passagem da

hinterlândia para o espaço inter-distrital, é a Segunda República (1946-1964),

mais particularmente, a fase compreendida pelos dois primeiros governos.

Assim, com relação ao período 1946-1964, Abrucio (1998) destaca que ele

é considerado como “o início da democracia competitiva de massas no Brasil”

(ABRUCIO, 1998, p.48), devido ao fato das eleições terem se tornado mais livres

e competitivas, além de se ter aumentado a incorporação da população no

universo eleitoral546.

Além disso, o autor destaca que o federalismo voltou a ser preceito político-

constitucional, trazendo de volta as eleições para os cargos executivos e

545 De acordo com Fausto (2000), trata-se da política desenvolvimentista de Vargas. 546 Considerando-se que tinham direito de voto brasileiros alfabetizados, de ambos os sexos e maiores de 18 anos, ou seja, os adultos analfabetos não tinham direito de votar.

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legislativos das unidades subnacionais, incluindo a esfera municipal (ABRUCIO,

1998, p.49).

Com relação ao processo de formação do federalismo brasileiro, Abrucio

(1998) observa que o federalismo da Segunda República herdou importante

legado do período Varguista547, que pode ser resumido nos seguintes pontos: 1)

maior autonomia decisória para a burocracia federal; 2) a União e a Presidência se

fortaleceram como núcleos de poder; 3) estabelecimento da ideologia nacionalista

como pólo norteador do debate político; e 4) expansão e consolidação da Forças

Armadas como a mais importante e influente instituição nacional (ABRUCIO, 1998,

p.49-50).

Segundo Abrucio (1998), a principal conseqüência desse legado Varguista

para o contexto político-institucional do período 1946-1964 foi o fortalecimento do

eixo nacional do sistema político. Somando-se a isso a recuperação da autonomia

pelos estados, tem-se que, na Segunda República, “as relações federativas se

tornaram mais equilibradas, pois a União e estados se tornaram mais

eqüipolentes” (ABRUCIO, 1998, p.50).

Assim, tem-se que as relações intergovernamentais, em comparação aos

períodos anteriores, foram mais equilibradas neste contexto, tendo os estados

recuperado sua autonomia política, financeira e administrativa e a União se

estabelecido como um dos eixos do sistema político nacional.

Nesse contexto, o governo municipal viu-se grandemente favorecido, em

comparação com as Constituições anteriores, uma vez que a Constituição de 1946

inovou ao aumentar a autonomia política e financeira dos municípios (ABRUCIO,

1998, p.49).

Sadek (1991) complementa esse quadro, destacando que a Carta de 1946

teve como uma de suas preocupações o fortalecimento das instituições

municipais, retirando-o da tutela a que esteve submetido até então e que, durante

a sua vigência, os principais instrumentos de fortalecimento da autonomia

547 O que o fez diferenciar significativamente do federalismo da Primeira República (ABRUCIO, 1998, p.49).

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municipal foram a autonomia financeira e a autonomia tributária (SADEK, 1991,

p.10-11).

Com relação à forma que a interação Estado-sociedade assumiu durante da

Segunda República, pode-se dizer, baseando-se em Weffort (1980), que ela se

caracterizou por um “autoritarismo carismático ou paternalista” (WEFFORT, 1980,

61). Por sua vez, essa forma de interação Estado-sociedade deve ser entendida

em relação ao fenômeno do populismo que, segundo Weffort, foi característico

dos chefes de governo desde 1930 a 1964.

Fazendo um breve parêntese a respeito do populismo, tem-se que, de

acordo com Weffort (1980), se tratou de um fenômeno político que surgiu a partir

da emergência das massas populares urbanas como novo personagem político,

podendo-se afirmar que foi um fenômeno próprio de regiões atingidas pela

intensificação do processo de urbanização (WEFFORT, 1980, 28; 50).

Como estrutura política, os componentes fundamentais do populismo

seriam “a personalização do poder, a imagem (meio real e meio mítica) da

soberania do Estado sobre o conjunto da sociedade e a necessidade da

participação das massas populares urbanas” (WEFFORT, 1980, p.69). Nessa

estrutura, o chefe de Estado assumiria a posição de árbitro, residindo nesse

aspecto as raízes de sua força pessoal548.

Depreende-se disso, que sob um “autoritarismo carismático” as questões

gerais da sociedade continuariam sendo tomadas de cima para baixo, com

ausência de debate entre os diferentes segmentos da população. A legitimidade

das ações do chefe de Estado se basearia na força pessoal exercida junto às

massas populares, sendo suas decisões tomadas em nome do povo549.

Assim, considera-se que, da mesma forma que o “autoritarismo

institucional” do período anterior, o “autoritarismo carismático” constitui-se como

uma forma de interação Estado-sociedade característica do meio urbano, com a

548 Weffort destaca, ainda, que a representação das massas populares urbanas, nessa estrutura, seria controlada pelo próprio chefe do Estado. Isso significa dizer que, enquanto árbitro, ele passaria a decidir em nome de todo o povo, optando por alternativas que despertam menor resistência ou maior apoio popular. (WEFFORT, 1980, p.70) 549 Nesse contexto, as camadas populares urbanas se viam submetidas ao carisma do chefe de Estado, sem a presença de organizações e entidades que representassem e intermediassem seus interesses na tomada de decisão política. Baseado em Weffort (1980).

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diferença de que a Segunda República representou uma abertura do sistema

político, revestindo as eleições de caráter plebiscitário, e o meio urbano ao qual se

refere o “autoritarismo carismático” se diferenciou em função do maior

adensamento populacional, decorrente dos intensos processos de industrialização

e urbanização.

Com relação ao município de Campinas, também da mesma forma que o

período anterior, argumenta-se que, devido às características do seu

desenvolvimento econômico e da redistribuição populacional, o “autoritarismo

carismático” deve ter caracterizado, em determinadas situações, a interação

Estado-sociedade, coexistindo ainda com manifestações do “autoritarismo

privativista”, em diferentes espacialidades do território campineiro.

Com relação aos aspectos econômicos, de acordo com Cano (1985), no

período 1930-1955, altera-se o padrão de acumulação de capital e o país ingressa

na fase de industrialização “restringida”550, a qual, segundo Semeghini (1991)

corresponde à fase de industrialização caracterizada, principalmente, pela

substituição de importações551.

Por sua vez, na agricultura o café continuou sendo um dos principais

produtos de exportação do país, mas, no decorrer desse período, o cultivo do

algodão também ganhou importância como atividade econômica, principalmente

em função do crescimento da indústria têxtil, e registrou-se uma significativa

diversificação agrícola no interior paulista552.

Com relação a Campinas, a partir do estudo de Semeghini, constata-se que

o município acompanhou a dinâmica nacional, tanto no processo de

industrialização como na agricultura. Nesse sentido, destaca-se que a indústria

cresceu progressivamente a partir de 1933, sendo que, na década de 1930, o

setor têxtil foi o que mais se destacou553, sendo que, a partir da década de 1940,

550 CANO, 1985, p.15. 551 Semeghini (1991) destaca que, no período de 1930 a 1939, um dos setores de maior peso na indústria era o têxtil. A partir de 1940, ganham maior importância os setores de substituição de importações: cimento, metal/mecânica (máquinas e equipamentos industriais), equipamentos de transporte e material elétrico, ferro e aço, papel e celulose, produtos de borracha, produtos químicos e farmacêuticos. (SEMEGHINI, 1991, p.94). 552 Baseado em Semeghini (1991). 553 SEMEGHINI, 1991, p.108.

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ganharam importância os setores industriais vinculadas à agricultura e os de

substituição de importações554.

Na agricultura, segundo Semeghini (1991), durante a década de 1930,

assistiu-se, no município, a uma erradicação dos cafezais, acompanhada do

aumento da produção do algodão e, na década de 1940, uma maior diversificação

da agricultura, representada pelo algodão e cana (SEMEGHINI, 1991, p.103).

Neste contexto, o fato que merece maior destaque é o processo

diferenciado de transformação da agricultura, identificado nas duas regiões

estruturadas do município555. Assim, conforme Semeghini (1991), ao norte do

município, na região da Mogiana, a erradicação do café e a substituição das

culturas processou-se mais lentamente; por sua vez, na porção sul do município,

na região da Paulista, a erradicação do café foi mais rápida, acompanhada do

surgimento da pequena propriedade, configurando-se numa área onde se

estabeleceu a agricultura capitalizada556.

Em termos de redistribuição da população, de acordo com estudo de

Bassanezi (1996), entre 1920 e 1940, a população estrangeira diminuiu sua

participação relativa no total da população do país, passando de 5,11%, em 1920,

para 3,42%, em 1940557. Na década de 1950, esse peso diminuiu um pouco mais,

passando para 2,34% do total da população do Brasil.

Essa diminuição na participação da população estrangeira era

conseqüência direta da redução na entrada de imigrantes no país, ao longo da

primeira metade do século XX: assim, enquanto nas décadas de 1910 e 1920,

entraram 815.453 e 846.647 imigrantes, respectivamente, nas décadas de 1930 e

554 Dentre as indústrias instaladas no município entre 1937 e 1945, Semeghini (1991) destaca a Rhodia (produção de etanol), a Swift, a Brazilian Warrant, a Matarazzo e a Votorantim (sendo estas quatro voltadas para o beneficiamento e extração do óleo de caroço de algodão). Antes de 1955, instalaram-se as seguintes indústrias: Singer, Bosch, G.E., Pirelli, Papelões Andrade, Rações Anhanguera e IBRAS/CBO, em Campinas; a Chicago Bridge, em Paulínia; Rigesa e Clark, em Valinhos; Tema Terra, Wabco, 3M e IBM, em Sumaré. (SEMEGHINI, 1991, p.110-111). 555 A configuração de duas distintas áreas no município de Campinas também foi abordada por Gabriel (1995). 556 Tanto Semeghini (1991) quanto Gabriel (1995) destacam a importância da configuração dessas duas regiões no município de Campinas nos processos de reestruturação fundiária e de loteamento e ocupação do solo no município. 557 Em termos absolutos, a população estrangeira correspondia, em 1920, a 1.565.961 imigrantes; em 1940, a 1.406.342 imigrantes; e, em 1950, a 1.214.184 imigrantes. (BASSANEZI, 1996, p.11).

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1940, entraram 332.768 e 114.085 imigrantes, respectivamente (BASSANEZI,

1996, p.8).

Diante disso, pode-se afirmar que essa redução na proporção de

estrangeiros no país contribuiu para que a imigração perdesse importância relativa

nos processos mais gerais de redistribuição espacial da população, no período

considerado558.

Por sua vez, em função do processo de industrialização, iniciado em 1930,

e intensificado a partir da década de 1940, intensificou-se a urbanização nos

principais centros urbanos do país, em decorrência das migrações internas559, que

passam a ter maior importância na redistribuição espacial da população, a partir

da década de 1940560.

Campinas participa desse processo de transformação em curso no país,

expresso, basicamente, pela passagem de uma sociedade agrária para uma

sociedade urbano-industrial, decorrente da crescente industrialização e

intensificação da urbanização561. Nesse sentido, Baeninger (1996) destaca que

O acelerado processo de urbanização nessa etapa de desenvolvimento marcou a passagem para uma sociedade essencialmente urbano-industrial. Entre 1930 e 1940, as atividades urbanas em Campinas já eram mais relevantes que as rurais. Em 1940, 60,4% da população economicamente ativa (PEA) estava inserida e atividades urbanas - 20,2% no setor secundário e 40,2% no terciário -, cabendo ao setor primário 39,6% do total da PEA. (BAENINGER, 1996, p.41)

A partir disso, pode-se observar que, assim como no padrão de acumulação

“primário-exportador”, o desenvolvimento econômico de Campinas, no contexto da

“industrialização restringida”, acompanhou a dinâmica econômica mais ampla,

observada já, anteriormente, para o conjunto do país.

558 Baseado em Baeninger (1996), Bassanezi (1996), Toledo (1995). 559 Expressas pelo êxodo rural, intra e interestadual. 560 Baseado em Baeninger (1996), Fausto (2000), Toledo (1995). 561 No município de Campinas, no período considerado, refletindo os processos gerais de redistribuição da população, observa-se a decrescente participação da população estrangeira na população do município, e a importância crescente que passa a ter as migrações internas. Baseado em Toledo (1995).

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Assim como no contexto primário-exportador, no período de crescente

industrialização, o grande desempenho econômico do município de Campinas

resultou da forma como estava organizado o seu território e reorganizada sua

população sobre ele que, por sua vez, resultou de diferenciações político-

territoriais precedentes.

Já foi destacado, anteriormente, que o tipo de diferenciações político-

territoriais intra-municipais característico das transformações na organização

territorial e na conseqüente reorganização espacial da população, no município de

Campinas, é aquele a partir do qual as diferentes espacialidades que compõem o

território municipal apresentam níveis desiguais de poder político, sendo que o

distrito-sede concentra a sua maior parte.

Considera-se que, no período 1930-1955, tenha se mantido a mesma forma

de distribuição desigual de poder político entre os distrito-sede e os distritos

secundários que prevaleceu no período anterior porque, nos dois contextos

político-institucionais, não surgiu algum elemento, a partir das relações

intergovernamentais, que pudesse atuar no sentido de alterar a dinâmica de

interação política intra-municipal entre as diferentes espacialidades.

Na maior parte do período, o governo municipal permaneceu com uma

margem para tomada de decisões bastante limitada, dependendo do

financiamento das esferas superiores de governo para a execução de suas

principais atividades562.

Argumenta-se que, no caso de Campinas, esse aspecto deve ter

contribuído para que as medidas mais importantes do poder público continuassem

se concentrando no distrito-sede, em detrimento dos distritos secundários

existentes no município. Considera-se, ainda, que essa forma de intervenção do

poder público no espaço urbano tenha sido reforçada pelo autoritarismo presente

na forma de interação Estado-sociedade, prevalecente no período, a partir do qual

as camadas populares pouco puderam influir na tomada de decisão no contexto

político municipal, a despeito de seu crescente peso numérico e de ter se tornado

562 Ver discussão anterior sobre a dimensão político-institucional do período considerado.

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importante personagem social e político na configuração da sociedade urbano-

industrial.

O estudo de Carvalho (1991) nos fornece subsídios para manter nossa

argumentação nesta direção. Nesse sentido, o autor destaca que o período de

1930 a 1945 correspondeu à segunda crise urbana de Campinas, cujas causas

estariam relacionadas, por um lado, ao esgotamento da forma de organização

territorial urbana, criada pela economia cafeeira e, por outro, pela necessidade de

se implantar uma estrutura urbana adequada ao processo de industrialização563.

Diante disso, o Plano de Melhoramentos Urbanos de Campinas, colocado

em prática entre 1938 e 1962564, representou segundo Badaró (1996), a

implementação de um novo desenho urbano de Campinas, o qual realizou a

transição da cidade agro-exportadora para a cidade industrial moderna (BADARÓ,

1996, p.152).

Na visão de Carvalho (1991), esse Plano representaria a solução dada pelo

poder público – representado pela atuação conjunto do governo municipal e do

governo estadual – à segunda crise urbana do município, embora na sua

concepção e implementação tenham sido contemplados os objetivos voltados para

a renovação urbana, principalmente do seu centro urbano, e não tenham sido

consideradas as necessidades habitacionais da classe trabalhadora565.

Para os propósitos deste estudo, o que chama a atenção é o fato desse

Plano, que visava a renovação do espaço urbano, adaptando-o para o processo

de industrialização em curso no país, ter se concentrado no distrito-sede do

município566, revelando a continuidade de um padrão de intervenção do poder

público, prevalecente nas fases anteriores da construção do urbano campineiro567.

563 CARVALHO, 1991, p.36. O autor destaca que essa segunda crise urbana dá seus primeiros sinais já na segunda metade da década de 1920, com o surgimento dos primeiros bairros periféricos, anunciando a expansão urbana, e com o crescimento do protesto popular, através de greves e outras manifestações públicas. (p.36). 564 Badaró (1996) faz uma apresentação completa do Plano de Melhoramentos Urbanos de Campinas, desde a sua elaboração até a sua implementação. 565 Badaró (1996) destaca que uma das conseqüências imediatas da implementação do Plano foi uma piora nas condições habitacionais das camadas populares, em vista do seu encarecimento, o que estimulou o aumento da população vivendo em cortiços e porões, acompanhado da piora das condições sanitárias (BADARÓ, 1996, p.111-112). 566 Em Badaró (1996) encontra-se a relação das ações e localizações previstas pelo Plano. 567 Ver discussão desenvolvida nos capítulos terceiro e quarto e na primeira seção deste capítulo.

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258

Desde o auge da economia cafeeira, em função desse padrão de atuação

do poder público, os distritos secundários foram sendo desconsiderados como

locus privilegiado da atuação do poder público na criação de uma infraestrutura

urbana e no melhoramento de serviços públicos que visassem o melhor

funcionamento da economia568 e melhores condições de vida e conforto da

população,569 ou seja, ações que pudessem agregar valor a esses espaços. E Isso

aconteceu a despeito da importância dessas espacialidades para o

desenvolvimento econômico e social do município.

Por sua vez, a manutenção desse padrão de atuação do poder público foi

possível, em parte, graças às relações intergovernamentais, características de

cada contexto político-institucional, que contribuiu para que as classes dirigentes

locais mantivessem a mesma forma de distribuição do poder político, com maior

concentração no distrito-sede, e às diferentes formas de autoritarismo,

características da interação Estado-sociedade nos diferentes contextos, que

restringiram ou anularam a participação das camadas populares nas decisões

relacionadas à construção do espaço urbano campineiro.

Com relação ao nosso recorte espacial570, constituído, no período

considerado, pelo distrito-sede571 e pelo distrito de Sumaré572, argumentou-se,

anteriormente, que, entre 1930-1955, não foi registrado nele a ocorrência de

novas diferenciações político-territoriais, sendo que a sua especificidade no

contexto intra-municipal residia no fato de ter deixado de ser um hinterlândia e ter

se constituído num “espaço inter-distrital”.

568 Exceção feita à expansão das estradas de ferro, a partir da qual foram estabelecidas estações nos diferentes distritos de Campinas (Rebouças e Cosmópolis). Porém, a partir dos estudos de Lapa (1995) e Semeghini (1991), o que se observa é que, na perspectiva do capital cafeeiro, esse tipo de investimento, feito nos povoados do território campineiro, visava a melhoria no transporte do café, sendo secundários seus impactos na configuração de um espaço urbano nessas áreas. 569 Lembrando que, como destacado anteriormente, a intervenção do poder público nos espaços urbanos dos distritos secundários, principalmente a partir da última década do século XIX, visava mais impedir o surgimento de novas epidemias do que estimular um maior desenvolvimento urbano e econômico nessas localidades. Baseado em Toledo (1995). 570 Ver mapa no início da seção. 571 No mapa, refere-se à área do atual município de Campinas. Porém, deve-se considerar que, no período em estudo, quando de fala de distrito-sede, estamos nos referindo à área composta pelos então distritos da Conceição e o de Santa Cruz. 572 O distrito de Sumaré (Rebouças), no período considerado, compreendia as áreas dos atuais municípios de Sumaré e Hortolândia.

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259

Argumentou-se, também, que essa passagem de um estado a outro se deu

em função de um relativo adensamento populacional e complexificação da

estrutura social, num contexto caracterizado por níveis desiguais de poder político

entre o distrito-sede e o distrito secundário de Sumaré.

Nesse sentido, tem-se que, enquanto o distrito de Sumaré constituía a

hinterlândia de Campinas, principalmente na sua fase auge, na década de 1900,

quando ocorreu a fundação dos núcleos de colonização oficial e a elevação do

então povoado à categoria de distrito573, a sua estrutura social, caracterizada por

uma grande parcela da população vivendo na área rural e uma parcela reduzida

se dedicando a atividades urbanas, e o desenvolvimento incipiente do seu núcleo

urbano574, embora a sua população pudesse apresentar interesses divergentes

em relação ao distrito-sede, não constituíram nenhuma situação de tensão e

conflito, que envolvesse a incompatibilidade de interesses entre os dois

distritos575.

Porém, em função do próprio adensamento populacional do distrito, a partir

da década de 1920, do aumento das atividades comerciais e de serviços do seu

núcleo urbano576 e do desenvolvimento da agricultura praticada nas propriedades

rurais da região577, tem-se que, a partir da década de 1930, o distrito começa a

vivenciar problemas urbanos578, antes só identificados no distrito-sede do

município.

573 Ver primeira seção deste capítulo. 574 Baseado em Toledo (1995). 575 A partir do estudo historiográfico de Toledo (1995), observa-se que nas primeiras décadas do século XX, o núcleo urbano e as atividades comerciais e de serviços se desenvolvem lentamente, não apresentando nenhum tipo de problema urbano. Porém, o autor destaca que, a partir de 1930, começam a aparecer os primeiros problemas urbanos nos distritos, como o problema do fornecimento de água. 576 Toledo (1995), destaca que, por volta de 1905, o distrito de Rebouças (Sumaré) constituía-se no “centro urbano e comercial de toda a região do Médio Quilombo e de certa forma polarizava a atenção de todos os habitantes, desde os limites de Paulínia até a Vila Americana”. Nessa época, encontravam-se centralizados em Rebouças os serviços de correio, telégrafo, casas comerciais, atividades industriais, igreja e festas. (TOLEDO, 1995, p.115). Diante disso, considera-se que, após a década de 1920, essa “centralidade” exercida pelo distrito de Sumaré tendeu a aumentar. 577 Lembrando que do distrito de Rebouças localiza-se na porção sul do município de Campinas, aquela que, segundo Semeghini (1991), passou por um processo mais intenso de retalhamento, do qual surgiram as pequenas propriedades, onde se processou mais rapidamente a erradicação dos cafezais, a diversificação das culturas e o estabelecimento da agricultura mais capitalizada. 578 Guardadas as devidas proporções, é claro.

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260

Nesse sentido, a partir do estudo de Toledo (1995), destaca-se como

evidência das transformações do núcleo urbano do distrito de Sumaré o problema

de insuficiência no fornecimento de água vivenciada no distrito já na década de

1930, e agravada na década de 1940 e de 1950579.

Considera-se, aqui, que esse problema urbano seja reflexo de um

descompasso entre o adensamento populacional urbano e o investimento em

infra-estrutura urbana no distrito de Sumaré, naquele momento, o que passaremos

a abordar a partir de agora, começando com a evolução da população do distrito

de Sumaré. Nesse sentido, os dados da tabela 4.10 ilustram o crescimento

populacional dos diferentes distritos de Campinas, entre 1920 e 1950:

Tabela 4.10: População total e taxa de crescimento

Município de Campinas, por distritos

1920-1950 População Total Tx. cresc. (%a.a.)

Distritos 1920 1940 1950 1920-1940 1940-1950

Campinas 78.798 106.252 123.214 1,5 1,5

Sousas 9.903 5.786 6.150 -2,7 0,6

Sumaré (Rebouças) * 5.964 5.188 5.850 -0,7 1,2

Cosmópolis 5.707 5.896 - 0,2 -

Paulínia** - - 7.359 - -

Vila Americana*** 9.083 - - - -

Valinhos 6.136 6.818 9.974 0,5 3,9

TOTAL MUNICÍPIO 115.591 129.940 152.547 0,6 1,6

Fonte: Censos demográficos de 1920 (Bassanezi, 1998), 1940 e 1950 (IBGE)

** O distrito de Paulínia é criado em 1944.

*** Vila Americana torna-se município em 1924

Primeiramente, observa-se que a população do município de Campinas

apresentou taxa de crescimento anual crescente entre os dois períodos,

apresentando um crescimento de 0,6 (%a.a.), entre 1920 e 1940, passando de

579 Em Toledo (1995) essa é a única informação contida a qual se pode considerar como evidência de que o distrito vivenciava já na década de 1930 problemas urbanos. Seria necessário levantamento de bibliografia e dados adicionais para um melhor aprofundamento da questão – o que não foi possível neste estudo. Diante disso, baseamos-nos somente na questão da falta de água, evidenciada pelo historiador, como indicativo de que já estavam presentes questões urbanas no distrito.

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115.591 para 129.940 habitantes, e um crescimento de 1,6 (%a.a.), entre 1940 e

1950, passando de 129.940 para 152.547 habitantes.

Com relação aos dois distritos em foco, observa-se que, enquanto o distrito-

sede apresentou uma taxa de crescimento populacional constante nos dois

períodos (1,5 %a.a.), o distrito de Sumaré apresentou uma taxa de crescimento

negativa (a menor taxa entre os distritos), no primeiro período (-0,7 %a.a.)580 e

uma taxa de crescimento de 1,2 %a.a., no segundo período.

Por sua vez, as tabelas 4.11 e 4.12 informam sobre a distribuição da

população dos distritos de Campinas, segundo situação de domicílio, nos anos de

1940 e 1950:

Tabela 4.11: População total, por situação de domicílio

Município de Campinas, por distritos

1940 Total Urbana Rural

Distritos n % n % n %

Campinas 106.252 100,0 84.055 79,1 28.473 26,8

Sousas 5.786 100,0 1.491 25,8 4.295 74,2

Sumaré (Rebouças) 5.188 100,0 1.299 25,0 3.889 75,0

Cosmópolis 5.896 100,0 1.433 24,3 4.463 75,7

Valinhos 6.818 100,0 2.053 30,1 4.765 69,9

TOTAL MUNICÍPIO 129.940 100,0 90.331 69,5 45.885 35,3

Fonte: Censo demográfico de 1940, IBGE.

Destaca-se, primeiramente, que a proporção de população urbana do

município, em 1940, era de 70%, apresentando o distrito-sede uma proporção de

79%, indicando o peso da população urbana do distrito-sede no total do município,

tanto em termos absolutos como em termos relativos.

Por sua vez, observa-se que o distrito de Sumaré é o que apresentava uma

das menores proporções de população urbana, 25%, ficando a frente somente de

Cosmópolis, cuja população urbana era de 24%.

580 Deve-se levar em conta que o decréscimo populacional entre 1920 e 1940 está relacionado com a transferência da região de Nova Odessa para a circunscrição de Americana, tornando-se distrito desse município em 1938. Caso a região de Nova Odessa não tivesse passado a pertencer ao município de Americana, Sumaré teria apresentado uma população, em 1940, de 8.135 habitantes, o que teria contribuído para que a taxa de crescimento do distrito, no período 1920-1940, tivesse sido de 1,6 (%a.a.) – superior à taxa de crescimento do distrito-sede.

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262

Os dados da tabela 4.12 ilustram a distribuição da população dos distritos

de Campinas por situação de domicílio, no ano de 1950:

Tabela 4.12: População total por situação de domicílio

Município de Campinas, por distritos, 1950 Total Urbana Rural

Distritos n % n % n %

Campinas 123.214 100,0 99.156 80,5 24.058 19,5

Sousas 6.150 100,0 1.310 21,3 4.840 78,7

Sumaré 5.850 100,0 1.559 26,6 4.291 73,4

Paulínia 7.359 100,0 589 8,0 6.770 92,0

Valinhos 9.974 100,0 4.220 42,3 5.754 57,7

TOTAL MUNICÍPIO 152.547 100,0 106.834 70,0 45.713 30,0

Fonte: Censo demográfico de 1950, IBGE.

Primeiramente, observa-se que aumentou a proporção de população

urbana, tanto para o conjunto do município (70%) como para o distrito-sede (80%),

reflexo do processo de industrialização e urbanização do município581. Por sua

vez, o distrito de Sumaré também registrou aumento na proporção de população

urbana, que chegou aos 27%, tornando-se o distrito com a terceira maior

população urbana do município, ficando a frente de Sousas (21%) e de Paulínia

(8%).

Porém, mais importante do que avaliar o peso de uma dada população,

num único momento, é considera-la através da sua evolução no tempo. Assim, os

dados da tabela 4,13582 ilustram o crescimento da população urbana e rural, entre

1918 e 1950, nos distritos de Campinas:

581 Durante a década de 1940, mudou o conjunto dos distritos existentes no município: Cosmópolis emancipou-se de Campinas e o foi criado o distrito de Paulínia. 582 Dados absolutos extraídos das tabelas 4.7, 4.11 e 4.12.

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Tabela 4.13: Taxas de crescimento populacional (%a.a.)

População total, segundo situação de domicílio

Município de Campinas - Distritos selecionados – 1918-1950 1918-1940 1940-1950

Distritos Total Urbana Rural Total Urbana Rural

Campinas 1,7 3,3 -0,6 1,5 1,7 -1,7

Sumaré 0,5 5,2 -0,4 1,2 1,8 1,0

Demais distritos -1,7 0,4 -2,3 2,4 2,1 2,5

TOTAL MUNICÍPIO 1,0 3,1 -1,1 1,6 1,7 0,0

Fonte: Recenseamento de 1918. Prefeitura municipal de Campinas. Apud BAENINGER, 1996, p.35. Censos demográficos de 1940 e 1950, IBGE.

A partir desses dados, é possível observar que, durante o período 1918-

1940, enquanto a população urbana do município de Campinas e do distrito-sede

cresceu em torno 3% a.a., a população urbana do distrito de Sumaré cresceu a

uma taxa anual de 5%, acima, portanto, do crescimento do município de

Campinas e do distrito-sede. Por sua vez, o decréscimo da população rural foi

maior no distrito-sede (0,6%a.a.) do que no distrito de Sumaré (0,4%a.a.).

Contrastando esses dados com taxas relativas ao total do distrito, tem-se

que o seu crescimento negativo, considerando 1920, ou bastante baixo,

considerando 1918, estaria mais relacionado com um certo êxodo rural,

vivenciado, possivelmente, pelo distrito, neste período583, pois a população urbana

cresceu acima do crescimento médio do município.

Com relação ao período 1940-1950, observa-se que o crescimento da

população urbana do distrito-sede (1,7%a.a.) foi o mesmo apresentado pelo

município de Campinas. Por sua vez, a população urbana do distrito de Sumaré,

embora tenha crescido a uma taxa anual inferior ao período anterior (1,8%a.a.),

novamente, cresceu acima da taxa registrada para o município e o distrito-sede.

Por sua vez, considera-se que esse crescimento da população urbana de

Sumaré estaria sinalizando para outros processos em curso no distrito, ou seja, a

instalação, em 1946, da 3M – a primeira grande indústria instalada na região do

distrito de Sumaré, ocorrendo nessa época, também, a expansão do perímetro

583 Há que se considerar, também, o quanto a transferência da região de Nova Odessa para o município de Americana contribuiu para essa diminuição da população rural no distrito de Sumaré,

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264

urbano do distrito, com a abertura dos primeiros loteamentos (TOLEDO, 1995,

p.140).

Assim, a partir desses dados, endossa-se a consideração de que o distrito

de Sumaré passou por um adensamento da sua população urbana e uma

alteração da sua estrutura social, no período estudado. Por sua vez, a ocorrência

de problemas de falta de água, a partir dos anos 30, sinalizaria para uma

inadequação da estrutura urbana do distrito à população urbana que crescia a

uma taxa superior a do próprio município e a do distrito-sede.

Nesse sentido, a configuração do problema da falta de água no distrito de

Sumaré como uma questão de ordem pública, cuja solução deveria ser fruto de

uma tomada de decisão, envolvendo diferentes atores políticos tornou-se a

situação política a partir da qual se explicitou, no espaço público, a divergência

existente entre os interesses entre Sumaré e o distrito-sede584.

Com isso, pretende-se destacar que o descompasso entre, por um lado, o

adensamento populacional urbano e a reconfiguração da sua estrutura social, e,

de outro, o investimento em infra-estrutura urbana existente no distrito de Sumaré,

constitui-se como fruto da forma de atuação do poder público municipal na

construção do espaço urbano que, devido à distribuição desigual de poder político

entre as diferentes espacialidades585, caracterizou-se pela concentração dos

investimentos no distrito-sede, em detrimento dos distritos secundários, mesmo

apresentando estes, como é o caso de Sumaré, problemas característicos do

intenso processo de urbanização, exigindo, para a sua solução, uma ação

planejada do poder público.

O Plano de Melhoramentos Urbanos constituiria um exemplo típico dessa

forma de atuação do poder público na construção do espaço urbano campineiro,

no sentido de que ele foi concebido para implementar um amplo conjunto de

ações de renovação urbana, que contemplou exclusivamente o distrito-sede do

584 Toledo (1995) destaca que, diante da recusa do governo municipal – sediado no distrito-sede – em aceitar a alternativa proposta pelo distrito de Sumaré para a solução de seu problema, um representante do distrito de Sumaré recorreu ao governo estadual, de quem obteve autorização para a implementação de seu projeto de solução da questão do abastecimento de água no distrito. Diante disso, o governo municipal teria tentado obter junto ao distrito, o controle desse processo, mas não obteve sucesso. (TOLEDO, 1995, p.110). 585 Em função do processo de diferenciação político-territorial intra-municipal.

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município. Nem os distritos secundários e nem as classes trabalhadoras foram

contempladas no projeto – o que foi possível devido ao autoritarismo inerente à

forma de interação Estado-sociedade, contribuindo para que se esse plano não

fosse resultante de um amplo debate na sociedade campineira.

Considera-se que esse padrão de atuação do poder público na construção

do espaço urbano campineiro, caracterizado pela concentração de poder político

no distrito-sede em detrimento dos demais distritos, perdurou por todo o período

analisado, e suas repercussões na organização territorial e na reorganização da

população no espaço foram o que levaram o “pedaço” do espaço campineiro

formado pelo distrito-sede e pelo distrito de Sumaré a deixar de ser uma

hinterlândia e se constituir num “espaço inter-distrital”.

Como o espaço inter-distrital tem como uma de suas características a

explicitação no espaço público das divergências de interesse entre o distrito-sede

e os distritos secundários, considera-se que a manutenção do padrão de atuação

do poder público, caracterizado pela concentração de poder político no distrito-

sede e pela forma autoritária de interação Estado-sociedade, poderá conduzir a

transformações radicais na organização territorial e na reorganização da

população, culminando, se o contexto político-constitucional for propício, no

desmembramento do território municipal e na conseqüente elevação desse

“pedaço” do território municipal à categoria de município.

Considera-se que esse processo é o que aconteceu com o distrito de

Sumaré. Nesse sentido, de acordo com Ramos (2003), a falta de planejamento

urbano, do governo municipal, voltado para atender as necessidades da periferia

que se expandia e para resolver os diversos problemas sociais que emergiam no

espaço urbano do distrito, teria sido o principal fator que levou Sumaré a se

desmembrar de Campinas, elevando-se à categoria de município em 1953.

Como foi destacado acima, considera-se que a transformação radical na

reorganização territorial e populacional do município, representada pelo

desmembramento municipal, seria resultante, de um lado, da manutenção do

padrão de atuação do poder público nas diferentes espacialidades que compõem

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266

o território municipal, e, por outro, de um contexto político-constitucional propício

ao desmembramento municipal.

Com relação ao primeiro aspecto, pode-se afirmar que, de acordo com

Ramos (2003), houve a manutenção do padrão de atuação do poder público,

caracterizado pela distribuição de poder político desigual entre os distritos, na qual

o distrito-sede torna-se preponderante, e por uma forma de interação Estado-

sociedade marcada pelo autoritarismo, sob a qual a tomada de decisões ocorre de

cima para baixo, de forma a anular ou minimizar a participação de atores políticos

com interesses divergentes.

Por sua vez, o segundo aspecto estaria relacionado com a presença de

dois fatores político-institucionais identificados como estimuladores do processo

de desmembramento municipal: regras “facilitadoras” do processo de

desmembramento e uma margem de atuação conferida ao governo municipal

considerada “vantajosa”586.

Assim, no estudo realizado anteriormente, considerou-se que a autonomia

conferida aos municípios, com a Carta de 1946587, teria representado um fator que

pudesse favorecer a emancipação municipal. Por sua vez, os critérios para o

desmembramento municipal iriam no caminho contrário, uma vez que, entre eles,

a exigência de uma renda mínima municipal588 poderia representar um obstáculo

ao processo emancipatório.

No entanto, diante da grande quantidade de municípios criados no estado

de São Paulo589, durante a Segunda República, pôde-se afirmar que o critério de

renda não foi restritivo do processo emancipatório no período. Considera-se que

isso foi possível em função do intenso processo de industrialização no país e,

particularmente, no estado de São Paulo, que deve ter contribuído para o maior

volume de recursos à disposição do governo municipal. 586 Baseado em Siqueira (2003). 587 Essa ampliação da autonomia municipal deu-se em função da eletividade do executivo municipal e do aumento das receitas municipais. (Fausto, 2000; Sadek, 1991). 588 Analisando todas as Constituições estaduais paulistas, desde a de 1891 até a de 1989, somente na de 1947 (Segunda República) e na de 1967 (Ditadura militar) aparece a renda municipal como critério para a efetuação do desmembramento municipal. (SIQUEIRA, 2003, p.218). 589 Durante a Segunda República, foram criados, no estado de São Paulo, 264 municípios – o que corresponde a 41% do total dos municípios paulistas existentes em 2000. (SIQUEIRA, 2003, p.81).

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267

Diante disso, pode-se argumentar que o distrito de Sumaré possuía as

condições necessárias e motivação política suficiente para optar pela sua

emancipação em relação ao município de Campinas, no início da década de 1950,

contribuindo para a transformação na organização territorial e na reorganização

espacial da população, tanto no território de Campinas como no seu próprio

território590.

Com isso, chegamos no nosso primeiro “ponto crítico” da análise. Conforme

discussão feita anteriormente591, na perspectiva neo-institucionalista histórica,

“ponto crítico” corresponderia ao momento em que surgiria a possibilidade de

interromper a “trajetória condicionada” de forma que o processo ao qual ele se

refere pudesse “mudar de caminho”.

Assim, definido como “ponto crítico” da nossa análise, o desmembramento

municipal representaria uma possibilidade de “mudança de caminho” na forma de

reorganização do território a partir de uma mudança na “trajetória” percorrida até

então pela articulação entre a dimensão política e a reorganização espacial da

população.

Porém, como já foi afirmado de antemão, apesar da configuração de um

“ponto crítico” no processo em estudo, argumentou-se que, devido à capacidade

de decisões políticas prévias definirem, no momento inicial, o path dependence de

processos políticos e sociais e às vantagens potenciais que a sua manutenção

proporcionaria, não se verificaria, após a ocorrência do “ponto crítico”, uma

mudança na forma de organização do território, pois não haveria uma mudança na

forma de articulação entre a dimensão política e a reorganização da população no

espaço.

Diante disso, considera-se que, no “pedaço” do espaço campineiro que se

desmembrou do município de Campinas, as diferentes espacialidades que

passariam a compô-lo tenderiam a apresentar a mesma lógica até então

prevalecente no espaço campineiro na forma de organização territorial e de

reorganização da população no espaço.

590 Após o desmembramento, o território de Sumaré compreendia as áreas dos atuais municípios de Sumaré e Hortolândia. 591 Ver discussão feita no capítulo anterior.

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268

Isso aconteceria devido ao fato de, após o processo de diferenciação

político-territorial ao qual foi submetido, esse novo espaço inter-distrital

apresentaria o mesmo tipo de distribuição de poder político entre as diferentes

espacialidades, caracterizado pelo nível desigual de poder político entre os

distritos, sendo que o distrito-sede concentraria a maior parcela desse poder.

Por sua vez, a persistência, no tempo, da forma de inter-relacionamento

proporcionado por tal distribuição de poder político entre essas espacialidades

levaria à configuração de um segundo “ponto crítico”. É esse processo que será

abordado na próxima seção deste capítulo.

IV.2 – Do novo “espaço inter-distrital” aos espaços inter-municipal e

metropolizado (1956-2000)

Nesta seção, será abordada uma nova etapa do processo de transformação

na organização territorial e na reorganização espacial da população, espaço

campineiro, focada na configuração de um novo espaço inter-distrital, decorrente

do desmembramento municipal citado anteriormente.

Argumenta-se que, apesar da ocorrência do “ponto crítico”, representado

pelo próprio processo emancipatório, o desenvolvimento desse novo espaço inter-

distrital ocorreria sob um mesmo tipo de inter-relação entre as diferentes

espacialidades, prevalecente até então no desenvolvimento do espaço

campineiro, caracterizado por uma distribuição desigual de poder político entre os

distritos, sendo que o distrito-sede concentraria a maior parcela desse poder.

Por sua vez, essa distribuição desigual de poder político entre

espacialidades decorreria dos seguintes fatores: 1) forma de atuação do poder

público, herdada da situação prévia, a partir da qual o distrito-sede concentra os

investimentos em melhoramentos urbanos em detrimento dos distritos

secundários; 2) Em conseqüência, a reorganização da população nessas

espacialidades se daria de forma a não haver uma identidade política e social

entre as populações dos diferentes distritos; e 3) As relações intergovernamentais

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e a interação Estado-sociedade se constituiriam de forma a manter o tipo de inter-

relação entre os diferentes distritos no espaço intra-municipal.

Diante disso, considera-se que a manutenção, no tempo, dessa forma de

inter-relação entre as diferentes espacialidades nesse novo espaço inter-distrital,

levaria, num momento posterior, caracterizado por uma mudança na dimensão

político-institucional, a uma nova transformação radical na reorganização territorial

e na reorganização populacional, expressa por um novo desmembramento

municipal.

Chegando neste ponto da análise, somos remetidos a considerar de forma

mais ampla o espaço campineiro, que passaria a se constituir por um espaço inter-

municipal, constituído a partir do desenvolvimento de diferentes espaços inter-

distritais, caracterizados por uma distribuição desigual de poder político e pela não

identidade política e social entre as espacialidades592.

Devido ao histórico de formação e desenvolvimento do espaço campineiro,

onde a organização territorial e a reorganização espacial da população foram

sendo reconfiguradas sob um tipo de inter-relação entre espacialidades,

caracterizadas pela distribuição desigual de poder político, o espaço inter-

municipal, resultante desse processo, seria caracterizado pela coexistência de

unidades político-territoriais, representadas pelos municípios, onde não

predominaria, no caso campineiro, uma identidade social e política entre elas.

O desenvolvimento desse espaço inter-municipal, por sua vez, culminaria

num espaço metropolizado também caracterizado pela mesma ausência de uma

identidade social e política entre os municípios que o compõem.

Considera-se que, no momento atual, tal característica estaria na base das

dificuldades de implementação de uma gestão metropolitana mais efetiva e com

maior envolvimento dos municípios que a compõem na solução dos problemas

comuns.

592 Embora tenhamos optado por focar, neste período, no “pedaço” do espaço campineiro formado pelos atuais municípios de Sumaré e Hortolândia, considera-se que, nos demais “pedaços”, tenham se constituído espaços inter-distritais, seguidos de desmembramentos, sob o mesmo tipo de distribuição desigual de poder político e a mesma não identidade política e social, identificados no caso de Sumaré. Trata-se dos distritos de Americana, Cosmópolis, Valinhos e Paulínia.

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Essa passagem do espaço inter-distrital para um espaço inter-municipal e,

por fim, para um espaço metropolizado constitui o foco dessa seção, porém, antes

de aborda-lo faz-se necessário destacar as principais mudanças políticas,

econômicas, sociais e populacionais do período que, embora eles não venham a

ser tratados com maior profundidade, de certa, influenciarão direta ou

indiretamente o processo em questão.

Nesse sentido, destaca-se, primeiramente, que esse período será

influenciado, principalmente, por relações intergovernamentais e interação Estado-

sociedade condicionadas por contextos político-institucionais distintos:

inicialmente, por um período ditatorial (1964-1985), seguido por um período de

abertura política, caracterizada por um processo de democratização e

descentralização político-administrativa, cujos contornos político-institucionais

foram dados pela Constituição de 1988.

De acordo com Abrucio (1998), esse período correspondeu à fase de

consolidação do federalismo brasileiro593, sendo que, em termos de relações

intergovernamentais, o período ditatorial correspondeu ao “modelo unionista-

autoritário”, caracterizado pela concentração de poder no Executivo federal e na

Presidência da República, redundando na restrição da autonomia federativa e no

fortalecimento da União (ABRUCIO, 1998, p. 60; 63).

Por sua vez, o regime democrático corresponderia, inicialmente, ao

surgimento do “federalismo estadualista” caracterizado pelo fortalecimento dos

estados e dos governadores, acompanhado do enfraquecimento da União e da

Presidência da República594 , e seguido de uma fase, que chega até o momento

atual, que corresponderia a um maior equilíbrio entre os entes federados,

principalmente entre Estados e a União595.

593 Diante disso, se poderia afirmar que se trata da fase em que já estariam consolidados o “princípio da autonomia” e o “princípio da interdependência” entre os entes federados. Ver discussão feita no primeiro capitulo. 594 ABRUCIO, 1998, p.59. Segundo o autor, o período 1991-1994, por sua vez, seria caracterizado pelo “ultrapresidencialismo estadual”, caracterizado pelo poder incontrastável do governador no processo político nacional (ABRUCIO, 1998,p.109) 595 Vários autores, entre os quais pode-se citar Kugelmas & Sola (2000), Almeida (2005), Arretche (2000) e mesmo Abrucio (1998), apontam para o fato de que, a partir da segunda metade dos anos 1990, a União vem revertendo essa situação, alcançando uma relação mais equilibrada em relação ao governo de estado, através da retomada de fontes de recursos e de competências.

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Em termos econômicos, o período em estudo, de acordo com Cano (1998;

1985), pode ser dividido em três subperíodos: 1) o subperíodo de 1956 a 1970 é

caracterizado pela “industrialização pesada”596; 2) o subperíodo de 1970 a 1985 é

caracterizado pela desconcentração econômica regional597; e 3) o subperíodo de

1985 em diante é caracterizado pela implantação de políticas neoliberais598.

Em termos sociais, o período em estudo é caracterizado por intenso

processo de urbanização599, passando de 45,1%, em 1960, para 75,5%, em

1991600, acompanhando, em grande parte, o processo de industrialização601.

Paralelamente, houve intensificação dos movimentos sociais em todo o país, nos

períodos 1956-1964 e ao longo da década de 1970602, tendo assumido novos

contornos na década de 1980 e 1990603.

596 De acordo com Fausto (2000), a política econômica desse período caracteriza-se, principalmente, pelo Plano de Metas implementado no governo JK (1956-1961), que abrangia objetivos divididos em seis grupos: energia, transportes, alimentação, indústria de base, educação e construção de Brasília. A política econômica de JK foi caracterizada pelo nacional-desenvolvimentismo, que previa a combinação do Estado, com a empresa privada nacional e com o capital estrangeiro para promover a industrialização (FAUSTO, 2000, p.425-427). 597 De acordo com Caiado (2000), o principal indutor da desconcentração foi o segundo Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), executado a partir de 1974. Segundo o autor, seus objetivos “eram completar a estrutura industrial brasileira, substituir importações de insumos básicos e bens de capital e contornar os problemas cambiais decorrentes da crise do petróleo (projetos de carvão, não ferrosos, álcool de cana, energia elétrica e petróleo)”. (CAIADO, 2000, p.235). Caiado destaca que esses investimentos industriais, ao exigirem maior uso de recursos naturais, alteraram as estruturas de exportação e de exportação de diversos estados, constituindo-se no principal fator de desconcentração industrial. Assim, a política de desenvolvimento regional do período tinha como principal objetivo incentivar a localização de atividades econômicas fora da Região Metropolitana de São Paulo. (CAIADO, 2000, p.235). No estado de São Paulo, essa desconcentração econômica teria favorecido a interiorização da indústria, contribuindo para o crescimento industrial de algumas regiões como a de Campinas, São José dos Campos, Sorocaba e Santos. (CAIADO, 2000, p.244-247) 598 Segundo Caiado (2000), trata-se do período da reestruturação produtiva, definida por um movimento “de redução dos custos de produção concentrado, em grande parte, na eliminação dos postos de trabalho, na terceirização e na redução dos níveis hierárquicos”. (CAIADO, 2000, p.242). 599 Baseado em Martine (1994), Faria (1991) e Fausto (2000). 600 Martine (1994) e Martine & Camargo (1984). 601 Baseado em Fausto (2000). 602 Fausto (2000) destaca o avanço dos movimentos sociais e o surgimento de novos atores, durante o governo João Goulart (1961-1964), expresso pela mobilização das ligas camponesas, pela organização do movimento estudantil, o envolvimento da esquerda católica nos movimentos sociais, além das pressões sociais em relação às reformas de base e da intensificação do movimento operário, acompanhada do crescimento de greves. Com relação aos primeiros anos da ditadura militar, Fausto (2000) destaca o início da luta armada, na cidade e no campo, duramente reprimida a partir de 1968, com o AI-5. Por sua vez, Sader (1988) destaca o surgimento de novos atores políticos, nos grandes centros urbanos, ao lado do movimento operário. Trata-se da configuração de um novo ator coletivo cuja reivindicação estava centrada na melhoria das condições de vida.Segundo o autor, tratava-se de “movimentos constituídos a partir de

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Em relação às principais tendências do processo de redistribuição espacial

da população, Singer (1976) e Martine & Camargo (1984) destacam a migração

rural-urbana e as trocas inter-regionais como característicos das décadas de 1960

e 1970604, a partir da qual assiste-se a um aumento da população total, e

particularmente da urbana, nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro, em função

da sua concentração industrial, atraindo os fluxos migratórios para essas regiões.

Na década de 1980, assiste-se a uma mudança na redistribuição

populacional, em relação ao período anterior, caracterizado por um arrefecimento

do crescimento populacional na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP)605,

em decorrência da desconcentração das atividades econômicas a partir de 1970.

No caso do estado de São Paulo, essa desconcentração populacional ocorreu em

direção aos centros dinâmicos do interior paulista606.

trabalhadores precários, de donas de casa, de favelados, tendo por base a ‘esfera da reprodução’(...)” (SADER, 1988, p.195). 603 Segundo Gohn (1991), na década de 1980, o contexto no qual se processam as reivindicações da sociedade civil organizada passa por importantes mudanças. Nesse sentido, a autora destaca que, ao mesmo tempo em que a sociedade civil organizada passa a querer inscrever em leis seus direitos e deveres, ou seja, “passa a querer interferir diretamente na sociedade política, nas regras e mecanismos de funcionamento da sociedade e do estado, via poder legislativo”, ocorre um movimento paralelo de outros segmentos da sociedade, especialmente empresários e elites dirigentes, de reivindicação da restrição da atuação do Estado em vários setores sociais (GOHN, 1991, p.11). Trata-se daquilo que Dagnino (2002) denominou por “convergência perversa”, e que vai se agudizar ao longo dos anos 90, indicando a coincidência entre ciclos de redemocratização e reformas neoliberais, a qual tem causado impactos contraditórios sobre a esfera pública, principalmente no que diz respeito à atuação dos movimentos sociais. Por fim, com relação à década de 1990, Lavalle (2004; 2003) complementa destacando que o debate sobre movimentos sociais não se centra mais tanto na identificação dos atores coletivos, conforme ocorreu na década de 1970, mas sim na emergência de novos espaços de participação, no papel da sociedade civil no desenho de políticas públicas e na emergência de novas institucionalidades. Segundo o autor, “em vez de atores discutem-se espaços” (LAVALLE, 2003, p.93). 604 Particularmente, no estudo de Martine e Camargo (1984), seria destacada a consideração de que o processo de redistribuição da população brasileira, a partir dos anos 60, se caracterizaria pelas dimensões complementares: a inter-regional e a rural-urbana. Nesse sentido, os autores destacam, como padrão de redistribuição inter-regional, a divisão do Brasil em quatro principais áreas: 1) áreas tradicionais de emigração (região Nordeste, e os estados de Minas Gerais, Espírito Santo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul); 2) núcleo industrial: estados de São Paulo e Rio de Janeiro); 3) Áreas de fronteira consolidada (estados do Paraná, Maranhão, Goiás e Mato Grosso do Sul); e 4) Áreas de fronteira em expansão (região Norte e estado do Mato Grosso). Com relação à redistribuição rural-urbana, os autores destacam a evolução crescente da taxa de urbanização a partir da década de 1940. (MARTINE & CAMARGO, 1984, p.117 e 127). 605 Baseado em Pacheco & Patarra (1997). De acordo com esses autores, os anos 80 seriam marcados por uma maior incidência de migrações intra-regionais e de curta distância e níveis mais altos de migração de retorno. Para uma discussão mais completa sobre o processo de redistribuição populacional na década de 1980, ver, entre outros, Martine (1984), Faria (1991). 606 Baseado em Baeninger (2000).

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Por sua vez, a década de 1990, de acordo com Pacheco & Patarra (1997),

seria caracterizado pela intensificação dos problemas econômicos e sociais,

prenunciados nos anos 80. Segundo os autores, isso contribuiria para uma

“intensa mobilidade espacial da população, dentro de uma tipologia de

movimentos bem mais complexa do que os padrões de longa distância das

décadas passadas.” (PACHECO & PATARRA, 1997, p.460) – na prática, isso

refletiria a intensificação de processos de distribuição populacional, iniciados na

década de 80, caracterizada por uma diversidade de tipos de fluxos migratórios.

Com relação ao estado de São Paulo, tem-se que a complexidade desse

processo seria expressa por uma maior expansão, segundo Baeninger (2000), dos

“espaços da migração” no estado de São Paulo, que se basearia em três vertentes

complementares do processo de distribuição da população: 1) saída de população

da RMSP em direção às regiões do interior; 2) fluxos inter-regionais; e 3)

deslocamentos intra-regionais (BAENINGER, 2000, p.178).

Por sua vez, esses processos gerais de redistribuição da população, desde

a década de 1960, acabaram rebatendo, no estado de São Paulo, em outros

processos, como o de formação da rede urbana paulista. Nesse sentido,

Gonçalves (1998) destaca que o processo de constituição da rede urbana paulista

finaliza-se na década de 1970, expressando dois movimentos simultâneos: o

adensamento da rede na porção Leste do estado, que se industrializava; e a

finalização da ocupação do Oeste (GONÇALVES, 1998, p.274).

Com isso, pode-se afirmar que, nas décadas posteriores, a configuração da

rede urbana paulista seria marcada por processos de outra natureza: assim, de

acordo com Gonçalves (1998), na década de 1980, exerceriam influência a

reversão da concentração industrial e populacional da metrópole, e, na década de

1990, o que causaria impacto na rede urbana já consolidada seriam os

desmembramentos municipais, surgidos após a Constituição de 1988, ocorridos

sob novos determinantes, diferentes dos processos emancipatórios de períodos

anteriores (GONÇALVES, 1998, p.49).

Com relação, especificamente, ao processo de criação de municípios no

estado de São Paulo, em Siqueira (2003) foi destacado que, se até a década de

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1980, as dimensões demográficas e econômicas foram preponderantes na

definição do processo, em detrimento da dimensão político-institucional, na

década de 1990, alterou-se a lógica do processo emancipatório, com a

preponderância da dimensão político-institucional, em detrimento das demais

dimensões607.

Em termos quantitativos, a partir do processo emancipatório ocorrido entre

1956 e 2000, surgiram 209 novos municípios no estado de São Paulo608, sendo

que 134 (64%) somente entre os anos de 1956 e 1964, que englobam os

governos JK e Jânio/Jango. Durante a ditadura militar seriam criados apenas dois

novos municípios, e, na década de 1990, 73 municípios, sendo, na maioria,

constituídos por pequenos municípios (com população inferior a 10 mil

habitantes)609.

Destacados os principais processos políticos, econômicos, sociais e

populacionais, em curso durante o período 1956-2000, passaremos a abordar o

processo de transformação do espaço campineiro, caracterizado pela passagem

de um novo “espaço inter-distrital” para o espaço inter-municipal e, em seguida, a

sua configuração em um espaço metropolizado. Iniciaremos essa abordagem,

tratando de uma fase prévia, iniciada imediatamente após a emancipação de

Sumaré e que corresponde a uma espécie de hinterlândia.

O recorte espacial dessa etapa da pesquisa é fornecido pelo mapa X, no

qual está delineado o espaço campineiro, com destaque para os municípios de

Sumaré e Hortolândia.

607 Chegou-se a essa conclusão através da consideração de que o surgimento de novos municípios, na década de 90, tendeu a se concentrar nas regiões do estado com menores taxas de dinamismo econômico e demográfico – ao contrário do que ocorria até então, quando o surgimento de novos municípios concentrava-se nas regiões mais dinâmicas, demográfica e economicamente, do estado. (SIQUEIRA, 2003, p.152) 608 Equivalente a 32% do total de municípios existentes em 2000, que é de 645 municípios. 609 Baseado em Siqueira (2003).

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Figura 4.1: Espaço Campineiro – 1956-2000

IV.2.1 – Antecedente do novo “espaço inter-distrital” (1956-1970)

Embora se considere que a formação de um novo espaço inter-distrital no

“pedaço” do espaço campineiro correspondente ao recém-criado município de

Sumaré tenha ocorrido ao longo da década de 1970, esse período compreendido

pelos anos de 1956 a 1970 foi importante para a configuração das diferentes

espacialidades, no município de Sumaré, cujas características demográficas e

político-territoriais vão contribuir para as características assumidas no espaço

inter-distrital, a partir de 1970.

Assim, a partir dos processos gerais de redistribuição populacional,

referentes às décadas de 1950 e 1960, caracterizadas pelo intenso êxodo rural e

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fluxos migratórios inter-regionais610, tem-se que o crescimento da população de

Sumaré, particularmente a urbana, acompanhou os padrões identificados para o

estado de São Paulo e município de Campinas611, cujos fluxos imigratórios foram

motivados pela concentração da industrialização no Sudeste do país612.

Com isso, destaca-se que, da mesma forma como ocorreu com o município

de Campinas, composição social da população do município de Sumaré resultou

de dois processos de redistribuição populacional, ao longo do tempo. Nesse

sentido, enquanto a imigração estrangeira, motivada pela expansão da economia

cafeeira, foi elemento fundamental nessa composição, nas primeiras décadas do

século XX, as migrações internas tornaram-se mais importantes, a partir da

década de 1950, no contexto da industrialização613.

O que nos importa destacar nesse processo, e que vai nos levar à

configuração do novo espaço inter-distrital, representado pelas três espacialidades

que compõem o município de Sumaré, é a forma como a população resultante

desses processo de redistribuição populacional se reorganiza no interior do

espaço municipal. Ou seja, a forma como ocorreu o processo de diferenciação

político-territorial e populacional, neste espaço, logo após o desmembramento

municipal no início da década de 1950.

Nesse sentido, em concordância com a hipótese deste estudo, argumentou-

se que, apesar da ocorrência do “ponto crítico” no processo de transformação da

organização territorial e reorganização da população no espaço campineiro614, os

desdobramentos desse processo tenderiam a apresentar o mesmo tipo de inter-

relação entre as diferentes espacialidades, caracterizado pela distribuição desigual

610 Ver discussão feita no início da seção. 611 Baseado em Baeninger (1996). 612 Com relação ao processo de industrialização de Campinas e de Sumaré, destaca-se a importância do papel desempenhado pela inauguração do trecho da via Anhanguera, que cortava o município, em 1948, que, ao mesmo tempo, se constituiu na expressão do dinamismo econômico desse eixo viário do estado, e favoreceu a intensificação da industrialização da porção do território servida por esta rodovia. Baseado em Semeghini (1991) e Baeninger (1996). Por sua vez, Toledo (1995) destaca as indústrias instaladas em Sumaré, na década de 1960: Texcolor (1961), Eletrometal (1962), Minasa (1964), Granjas Ito (1966), Soma (1966) e a Agrofértil (1968). (TOLEDO, 1995, p.153). 613 Com relação a Campinas: Semeghini (1991) e Baeninger (1996). Com relação a Sumaré: Toledo (1995). 614 Expresso pela ocorrência de desmembramento municipal.

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de poder político entre elas615, sendo que, na prática, essa desigualdade se

expressaria pela maior intervenção do poder público no distrito-sede, em

detrimento dos distritos secundários.

Argumentou-se, ainda, que essa persistência, ao longo do tempo, do tipo de

diferenciação político-territorial que caracterizou a configuração das diferentes

espacialidades constituintes do espaço campineiro, no momento da formação da

sua hinterlândia deu-se em função da atuação de dois conjuntos de fatores, um,

mais amplo, de ordem político-institucional e outro, de escopo mais local, de

ordem populacional e social.

O primeiro conjunto de fatores refere-se à dimensão político-institucional,

que influencia a reorganização territorial como a reorganização populacional nesse

território por condicionar o próprio processo de diferenciação político-territorial

intra-municipal. Essa dimensão seria representada pelas relações

intergovernamentais e pela interação Estado-sociedade.

O segundo fator está relacionado com a composição social da população

de cada espacialidade que compõe o espaço municipal, resultante de processos

de redistribuição populacional, anteriores e ainda vigentes. Essa população se

reorganiza nas diferentes espacialidades pré-existentes no município e, por sua

vez, acaba por influenciar as diferenciações político-territoriais posteriores, em

função da existência ou não de uma identidade política e social entre as

populações respectivas de cada distrito.

Argumenta-se, também, que ao longo do processo de transformação do

espaço campineiro, até o momento mais recente, a dimensão político-institucional

e dimensão populacional se reforçaram mutuamente, no sentido de favorecer a

perpetuação de uma inter-relação entre as diferentes espacialidades, marcada

pelo desigual distribuição de poder entre elas.

Diante isso, considera-se que, para uma mudança na forma de distribuição

de poder político na inter-relação entre espacialidades, previamente marcada por

uma distribuição desigual, seria imprescindível uma alteração, seja no âmbito

político-institucional mais amplo, nas relações intergovernamentais e/ou na

615 Resultante do processo de diferenciações político-territoriais, descrito ao longo deste estudo.

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interação Estado-sociedade, de forma a anular ou minimizar o peso da não

identidade política e/ou social entre as populações das diferentes espacialidades,

seja no âmbito populacional local, de forma uma mudança na composição social

das diferentes populações leva à existência de um certo nível de identidade

política e/ou social.

Com relação à nova reorganização territorial e populacional que emerge

com o desmembramento de Sumaré do município de Campinas, considera-se que

se manteve a mesma lógica de distribuição de poder político prevalecente até

então porque a atuação do poder público local também tendeu a se concentrar no

distrito-sede, em detrimento dos distritos secundários, refletindo a não ocorrência

de alteração nas dimensões político-institucional e populacional que favorecesse

uma distribuição mais equilibrada de poder político entre as diferentes

espacialidades.

Com relação à dimensão político-institucional, tem-se a divisão do período

considerado em dois momentos. No primeiro, correspondente aos anos de 1956 a

1964616, conforme já foi destacado na seção anterior, prevaleceu uma relação

mais equilibrada entre União e Estados, tendo a União desempenhado um papel

mais forte no sistema político nacional, em comparação com a Primeira República.

Neste contexto, o governo municipal viu-se fortalecido na sua autonomia

política e financeiramente pela Constituição de 1946 – situação que se manteve

durante todo o período da sua vigência – embora ainda tivesse que conviver com

um certo nível de dependência da esfera estadual na definição de seus tributos.

Por sua vez, as relações Estado-sociedade assumiram, no meio urbano, a

forma de um “autoritarismo carismático”, tendo, provavelmente, convivido ainda

com um certo grau de “autoritarismo privativista”, prevalecente em meios rurais617.

No segundo momento, compreendendo os anos iniciais da ditadura militar

(1964 a 1970), já teríamos adentrado, segundo Abrucio (1998), a fase em que o

federalismo já teria se consolidado. De acordo com o autor, as relações

616 Segundo Abrucio (1998), referia-se ainda à fase de formação do federalismo brasileiro. 617 Ver discussão nas seções anteriores.

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intergovernamentais desse período ditatorial seriam caracterizadas pelo modelo

“unionista-autoritário”.

Em linhas gerais, segundo Abrucio (1998), o “modelo unionista-autoritário”

seria caracterizado pela concentração de poder no Executivo federal e na

Presidência da República, e pelo conseqüente enfraquecimento financeiro,

administrativo e político dos estados618.

Segundo o autor, o período auge desse modelo unionista-autoritário

corresponderia aos anos de 1965 a 1974, que compreendeu uma das principais

medidas do governo militar com o objetivo de concentrar poder no governo

federal: a reforma tributária de 1966, que redefiniu as receitas tributárias entre os

entes federativos619.

As mudanças introduzidas por essa reforma causariam efeitos diretos nas

relações intergovernamentais, pois, segundo Abrucio (1998), a partir delas a União

teria alcançado uma maior centralização das receitas tributárias em suas mãos,

além de aumentar o controle do governo federal sobre as transferências

intergovernamentais.

O autor complementa destacando que o ente federativo mais prejudicado

teria sido a esfera estadual, pois foi a partir da restrição financeira, administrativa e

política dos estados que o poder central se fortaleceu nesse período. Por sua vez,

os municípios, embora também tenham sido restringidos pelo governo central,

suas perdas financeiras foram menores, sendo que o governo federal procurou 618 Segundo Abrucio (1998), o modelo unionista-autoritário de relações intergovernamentais montado no regime militar tinha três pilares: o financeiro, o administrativo e o político. Em termos financeiros, o modelo visava centralizar ao Maximo as receitas tributárias nas mãos do Executivo Federal, dando-lhe controle quase completo sobre as transferências de recursos para estados e municípios. Em termos administrativos, tinha como objetivo uniformizar a atuação administrativa nos três níveis de governo, guiados pelo planejamento central. Por fim, em termos políticos, o governo federal procurou controlar integralmente as eleições às governadorias, evitando a conquista das máquinas estaduais pela oposição. (ABRUCIO, 1998, p.63-64). 619 De acordo com Fausto (2000), poderia se afirmar que o AI-5, instituído em 1968, representaria uma outra medida, cujo objetivo era a maior concentração de poder nas mãos do governo federal. Assim, de acordo com o autor com o AI-5, o presidente da República voltou a ter poderes para fechar o Congresso, podendo, além disso, intervir nos estados e municípios, nomeando interventores, cassar mandatos e suspender direitos políticos, assim como demitir ou aposentar servidores públicos. Além disso, foi suspenso o habeas corpus em casa de crimes contra a segurança nacional, contra a ordem econômica e social e contra a economia popular. Foram criados órgãos de vigilância e repressão, com estabelecimento da censura aos veículos de comunicação e emprego da tortura como parte integrante dos métodos do governo. (FAUSTO, 2000, p.480).

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transferir recursos diretamente para eles, seja vai transferências negociadas, seja

através do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) (ABRUCIO, 1998, p.66).

Com essa medida, segundo Abrucio (1998), o governo federal procurou

trazer o poder local para a sua esfera de influência, retirando do governo estadual

um de seus maiores poderes, ou seja, o controle político-econômico da esfera

municipal.

Por sua vez, a interação Estado-sociedade desse período ditatorial foi

caracterizada por um outro tipo de autoritarismo denominado “autoritarismo

burocrático”620, podendo-se afirmar que, a partir dele, as decisões relativas a

questões mais gerais da sociedade eram tomadas de cima para baixo, através da

atuação de órgãos administrativos em estados e municípios, responsáveis pela

implementação, nos âmbitos subnacionais, das políticas concebidas no plano

federal621.

Com isso, afirma-se que a dimensão político-institucional, no período 1956-

1970, não teria fornecido elementos que pudessem favorecer a alteração na

distribuição do poder político entre os distritos do município de Sumaré, pois se

considera que, tanto no período democrático como no ditatorial, o fato de o

município depender, ora do governo estadual, ora do governo federal, para a

definição de recursos colocados a sua disposição teria favorecido a opção do

governo municipal concentra seu poder territorialmente no distrito-sede para

aumentar seu poder de barganha frente às escalas superiores de governo.

Por sua vez, o fato de a interação Estado-sociedade manter-se

essencialmente autoritária, ao longo desse período, teria dificultado as possíveis

reivindicações locais por uma distribuição de poder político e uma atuação do

poder público local mais equilibradas.

620 Baseado em Almeida (2005). 621 Complementa-se esse quadro o fato de que, o Sistema Brasileiro de Proteção Social se consolidou durante o regime militar, refletindo a agregação de políticas setoriais colocadas sob a orientação do governo federal, responsável pela concepção e financiamento dessas políticas, implementadas, no âmbito local, por órgãos administrativos do governo federal, estabelecidos em estados e municípios. Tais políticas setoriais correspondiam às seguintes áreas: Habitação, Saneamento básico, Saúde, Assistência social e Ensino fundamental. Baseado em Arretche (2000).

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281

Quanto à composição social da população dos diferentes distritos que

compõem o município de Sumaré622, a partir de Toledo (1995), pode-se afirmar

que o que caracteriza a sua configuração, dentro do espaço campineiro, é a

imigração européia, através do estabelecimento de núcleos de colonização, no

final do século XIX e início do XX; considera-se que foi a presença da imigração o

elemento que constituiu o diferencial na ocupação das diferentes espacialidades.

Assim, tem-se que no distrito-sede e no distrito de Nova Veneza seriam as

espacialidades onde se concentrariam os imigrantes e descendentes623, enquanto

que, na região do distrito de Hortolândia, não teria havido o estabelecimento de

núcleos de colonização624.

A partir da década de 1940, quando o processo de industrialização

intensificou-se no município de Campinas, Sumaré foi uma das regiões onde as

indústrias se estabeleceram, sendo acompanhadas pelos migrantes que afluíram

para o município. Segundo Toledo (1995), datam dessa época os primeiros

loteamentos na região625, tendo sido registrados tanto nas áreas do distrito-sede e

de Nova Veneza, como nas áreas de Hortolândia626.

622 O município de Sumaré, ao se desmembrar de Campinas, em 1953, já surgiu possuindo um distrito: Hortolândia. Em 1959, Nova Veneza (onde se estabeleceu um dos núcleos de colonização oficial da região de Rebouças) foi elevada à categoria de distrito. 623 Toledo (1995) destaca que, nas primeiras décadas do século XX, imigrantes de diversas nacionalidades se estabeleceram na região de Sumaré (russos, italianos, alémães, ingleses, belgas, húngaros, austríacos, portugueses, espanhóis, suíços, norte-americanos e outros), sendo que os grupos mais importantes eram formados pelos portugueses, que tenderam a se concentrar no meio urbano, e os italianos, que se concentraram no meio rural. 624 Apesar de poder ter havido a compra de propriedades por imigrantes na região de Hortolândia, não teria sido o suficiente para afirmar a existência de núcleo de colonização (particular ou oficial), pois essa região não é apontada quando se aborda as regiões onde foram estabelecidos núcleos de colonização no município de Campinas, no início do século XX. 625 Carvalho (1991) destaca que, durante as décadas de 1930 a 1950, os novos loteamentos eram abertos sem qualquer equipamento urbano, pois não era competência do município dotá-los de melhorias. Com isso, desde esse período, tem-se que, grande parte dos loteamentos, principalmente os destinados às classes com menor poder aquisitivo, surgem desprovidos de infra-estrutura básica. Na região de Sumaré e Hortolândia, essa forma de loteamento prevaleceu ao longo do tempo, tornando-se, nos dias atuais, a origem dos principais problemas urbanos nesses municípios. 626 Segundo Toledo (1995), os primeiros loteamentos em Rebouças (Sumaré) datam de 1945, localizados no centro de Rebouças. Por sua vez, o primeiro loteamento na região de Hortolândia data de 1947 (Parque Ortolândia (sic)).

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Diante disso, considera-se que, em função da maior concentração de

imigrantes no distrito-sede e no distrito de Nova Veneza627, reforçou-se, nesses

espaços, a localização das classes sociais mais abastadas e os grupos dirigentes

do município. Por sua vez, Hortolândia, inicialmente preterida pelos imigrantes, no

contexto municipal, surgiria como a opção mais acessível à maior parcela dos

migrantes chegados ao município no contexto da industrialização.

Isso nos permitiria afirmar que o distrito-sede e o distrito de Hortolândia

possuíam populações socialmente diferentes, e que a atuação do poder público,

concentrando seus investimentos no meio urbano do distrito-sede, em detrimento

de Hortolândia, seria reflexo de uma distribuição desigual de poder político,

favorecendo o distrito-sede.

Por sua vez, essa distribuição desigual de poder político entre os distritos

seria expressão de uma não identidade política e social entre as populações dos

dois distritos que, em função do contexto político-institucional vigente, estaria

causando impactos na construção do espaço urbano dos dois distritos.

A expressão numérica desse processo é fornecida pelas tabelas 4.14 e

4.15:

Tabela 4.14: População total, urbana e rural Município de Sumaré, por distritos

1960-1970

1960 1970

Total Urbana Rural Total Urbana Rural Distritos

n % n % n % n % n % n %

Sumaré (distrito-sede) 5.972 56,0 4.208 78,8 1.764 33,2 13.996 60,7 11.755 76,9 2.241 28,8

Hortolândia 2.661 25,0 662 12,4 1.999 37,6 4.630 20,1 2.048 13,4 2.582 33,2

Nova Veneza 2.030 19,0 473 8,9 1.557 29,3 4.440 19,2 1.478 9,7 2.962 38,0

TOTAL MUNICÍPIO 10.663 100,0 5.343 100,0 5.320 100,0 23.066 100,0 15.281 100,0 7.785 100,0

Fonte: Censos demográficos de 1960 e 1970, IBGE. Para 1970: Apud TOLEDO, 1995.

627A partir do estudo de Toledo (1995), é possível perceber que, embora a região de Nova Veneza tenha sido uma área característica de estabelecimento de imigrantes, a sua localização, próxima à via Anhanguera contribuiu para que as primeiras empresas se concentrassem no seu território, contribuindo para que os migrantes também viessem a se concentrar no seu território e arredores. A diferença com relação à Hortolândia deve estar relacionada, por sua vez, ao fato de, após o início da industrialização nessa porção do território, a população da região ter uma maior proporção de migrantes interestaduais do que a população de Nova Veneza. O mesmo pode ser dito com relação ao distrito-sede, que teria concentrado grande proporção de imigrantes, mas onde também teria se estabelecido população migrante.

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Observa-se que, apesar de, entre 1960 e 1970, a distrito-sede ter

apresentado maior proporção populacional, passando de 56,0% para 60,7%, e o

distrito de Hortolândia ter concentrado 25%, em 1960, e 20%, em 1970, a

diferença, embora pequena, residiu na proporção da população urbana. Assim,

enquanto, a proporção da população urbana do distrito-sede passou de 79% para

77%, entre 1960 e 1970, a proporção da população urbana de Hortolândia passou

de 12 para 13%, no período.

Por sua vez, a tabela 4.15 fornece a intensidade com que ocorreu a

evolução populacional, na década de 1960:

Tabela 4.15: Taxas de crescimento populacional (%a.a.)

População total, segundo situação de domicílio

Município de Sumaré, por distritos - 1960-1970 1960-1970

Distritos Total Urbana Rural

Sumaré (distrito-sede) 8,9 10,8 2,4

Hortolândia 5,7 12,0 2,6

Nova Veneza 8,1 12,1 6,6

TOTAL MUNICÍPIO 8,0 11,1 3,9 Fonte: Censos demográficos de 1960 e 1970, IBGE. Para 1970: Apud TOLEDO, 1995.

A partir desses dados, observa-se que, no período 1960 e 1970, embora a

taxa de crescimento da população total do distrito de Hortolândia (5,7% a.a.) tenha

ficado abaixo da taxa de crescimento do município (8,0% a.a.), a população

urbana de Hortolândia cresceu acima da população urbana do município – 12,0%

a.a. e 11,1% a.a., respectivamente628. Por sua vez, a população rural da sede e de

Hortolândia apresentou crescimento anual (2,4% a.a. e 2,6% a.a.,

respectivamente), no período, abaixo do crescimento da população rural do

município (3,9% a.a.), tendo a população rural de Nova Veneza apresentado o

crescimento anual mais importante entre os distritos – 6,6% a.a.

O que esses números indicam é que, na década de 1960, embora o

crescimento da população rural ainda tenha sido expressiva, em Sumaré, o

município já se caracterizava por um expressivo crescimento da população 628 Manfredo (2007) destaca a década de 1960 como o período durante o qual teve início o adensamento populacional urbano da região de Hortolândia.

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urbana, cuja intensificação, nos momentos posteriores, teriam rebatimentos

diretos na forma de ocupação do solo e na forma como essa população se

organiza nesse espaço629.

Por fim, destaca-se que, embora a população do distrito de Hortolândia

tenha crescido, na década de 1960, de forma intensa, ela ainda não tinha se

adensado e nem se complexificado o suficiente para que as divergências

potencialmente existentes entre ele e o distrito-sede ganhassem visibilidade no

espaço público – o que vai acontecer no momento seguinte.

Em função disso é que, embora Sumaré tenha sido criado, dividido em três

distritos bem definidos, seu espaço ainda não se configurava como um espaço

inter-distrital. Nesse momento, Hortolândia poderia ser considerado como uma

espécie de hinterlândia do município de Sumaré, onde o distrito de Hortolândia

constituía uma de suas “regiões tributárias”, uma vez que se manteve circunscrito

à jurisdição do governo municipal de Sumaré.

IV.2.2 – Do novo “espaço inter-distrital” ao inter-municipal: em direção

ao espaço metropolizado (1970-2000)

Como destacado anteriormente, durante a década de 1970, o espaço

compreendido pelas diferentes espacialidades que compõem o município de

Sumaré configurou-se como um espaço inter-distrital.630 Ou seja, um espaço

polarizado pelo distrito principal, mas que o adensamento populacional e a

complexificação da sua estrutura social contribuíram para que a divergência de

interesses entre o distrito-sede e os distritos secundários se explicitasse com

maior intensidade no cenário municipal.

629 Para se ter idéia da intensidade desse processo, basta destacar que, no mesmo período, a população total do estado de São Paulo cresceu a uma taxa anual de 3,20%; da capital do estado, a 5,23%; do município de Campinas, a 5,54%. Por sua vez, a população urbana do estado de São Paulo cresceu a uma taxa anual de 5,76%; da capital do estado, a 6,17%; e do município de Campinas, a 6,16%. 630 Na verdade, considera-se que essa característica do espaço de Sumaré configurou-se na década de 1970, mas ela adentrou a década de 1980, perdurando até o início da década de 1990, quando, enfim, o distrito de Hortolândia emancipa-se de Sumaré.

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285

Considera-se como essência do espaço inter-distrital a persistência, no

tempo, de uma distribuição desigual de poder político entre os distritos, expressa

pela atuação do poder público no espaço urbano de forma a privilegiar o distrito-

sede, em detrimento dos demais distritos. Essa atuação diferenciada do poder

público, por sua vez, teria como “mola propulsora” a não identidade política e

social entre as populações dos diferentes distritos.

Argumentou-se ainda que uma mudança na forma de distribuição de poder

político na inter-relação entre as diferentes espacialidades dependeria de uma

alteração no âmbito político-institucional mais amplo, no plano das relações

intergovernamentais e da interação Estado-sociedade, ou então, na composição

social da população local, de forma que esses espaços fossem constituídos por

populações que apresentassem alguma identidade política e social entre si.

Diante disso, o fato desse espaço ter se configurado, na década de 1970, e

se mantido até início da década de 1990, como um espaço inter-distrital deve-se à

não ocorrência de uma mudança no sentido de alterar a distribuição desigual de

poder político entre as espacialidades, nem na esfera político-institucional, nem na

esfera populacional.

Nesse sentido, destaca-se que a intensidade do crescimento populacional

dos diferentes distritos de Sumaré, durante as décadas de 1970 e 1980, e a forma

como essa população se reorganizou nesse espaço teriam contribuído para a

persistência da não identidade política e social entre os distritos, ao longo do

período. Os dados das tabelas 4.16 e 4.17 ilustram a dimensão quantitativa desse

processo:

Tabela 4.16: Taxas de crescimento populacional (%a.a.)

Município de Sumaré, por distritos

1970-1991 Distritos 1970-1980 1980-1991

Sumaré (distrito-sede) 8,5 6,9

Hortolândia 21,7 8,1

Nova Veneza 23,6 7,5

TOTAL MUNICÍPIO 16,0 7,5 Fonte: Censos demográficos de 1970, 1980 e 1991, IBGE. Apud TOLEDO, 1995.

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Observa-se, primeiramente, que durante a década de 70 e 80, o município

cresceu a uma taxa anual de 16% e 7,5%631, respectivamente, sendo que a maior

parte desse crescimento concentrou-se nos distritos secundários de Hortolândia e

de Nova Veneza, nos dois períodos.

Assim, enquanto, na década de 1970, Hortolândia apresentou um

crescimento anual de 22%, Nova Veneza cresceu a 24% e, em contraste, o

distrito-sede cresceu a uma taxa anual de 8,5%. Por sua vez, durante a década de

1980, Hortolândia apresentou a maior taxa de crescimento populacional (8% a.a.),

seguido por Nova Veneza (7,5% a.a.) e, por fim, pelo distrito-sede (7% a.a.).

Por sua vez, a maior parcela do crescimento populacional do município de

Sumaré, durante as décadas de 1970 e 1980, teria correspondido à entrada de

migrantes no município. Nesse sentido, Baeninger (1996) destaca que, durante a

década de 1970, enquanto o crescimento vegetativo acrescentou 5.017

habitantes, com o movimento migratório o município recebeu 73.743 novos

habitantes. Por sua vez, durante a década de 1980, o crescimento vegetativo

contribuiu com 28.654 habitantes, enquanto o componente migratório, com 95.737

novos habitantes (BAENINGER, 1996, p.114).

Essa intensidade no crescimento populacional do município se refletiu,

internamente, pela redistribuição e reorganização dessa população entre as

espacialidades que compõem o espaço municipal:

Tabela 4.17: População total

Município de Sumaré, por distritos – 1970-1991

1970 1980 1991 Distritos

n % n % n %

Sumaré (distrito-sede) 13.996 60,7 31.709 31,1 66.011 29,2

Hortolândia 4.630 20,1 33.044 32,4 78.011 34,5

Nova Veneza 4.440 19,2 37.081 36,4 82.203 36,3

TOTAL MUNICÍPIO 23.066 100,0 101.834 100,0 226.225 100,0

Fonte: Censos demográficos de 1970, 1980 e 1991, IBGE. Apud TOLEDO, 1995.

631 Destaca-se que o crescimento populacional foi bastante elevado na década de 1970, considerando-se que, no mesmo período, o crescimento anual do estado de São Paulo foi de 3,55%; da capital do estado, de 3,72%; e de Campinas, de 5,86%. Por sua vez, na década de 1980, o crescimento anual da população do estado de São Paulo foi de 2,13% e de Campinas foi de 2,22% (BAENINGER, 2000, p.128; 1996, p. 52; 114).

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287

Assim, observa-se que o distrito-sede viu diminuir a proporção de sua

população, ao longo das duas décadas, ao passo que, os distritos secundários de

Hortolândia e de Nova Veneza assistiram ao aumento progressivo da sua

participação no contexto municipal.

Nesse sentido, enquanto o distrito-sede concentrava, em 1970, 61% da

população de Sumaré, Hortolândia concentrava 20% e Nova Veneza, 19%. Em

1980, a distribuição da população entre os distritos encontrava-se razoavelmente

equilibrada, tendo o distrito-sede concentrado 31%, Hortolândia, 32%, e Nova

Veneza, 36%. Já em 1991, observa-se a redução do peso da população do

distrito-sede, concentrando 29%, o aumento da participação da população de

Hortolândia, que passou a concentrar 35%, e mantendo, por sua vez, Nova

Veneza os mesmos 36%.

Considera-se que, a partir de 1970, no território do município de Sumaré,

caracterizada, já naquele momento, por uma distribuição desigual de poder

político entre os distritos, a reorganização da população, resultante de grandes

fluxos de migração inter-estaduais, intra-estaduais e intra-regionais632, se orientou

pelo padrão de desigualdade existente entre as espacialidades e reforçou a

persistência desse padrão.

Assim, considera-se que o poder público municipal, nas décadas de 70 e

80, teria atuado de forma a direcionar os migrantes de renda baixa para os

distritos secundários, principalmente Hortolândia633, que passaria a concentrar a

maior parcela dessa população, no seu território, assentados em um grande

número de loteamentos, abertos sem infra-estrutura básica634.

632 Com relação ao movimento imigratório para o município de Sumaré, na década de 1970, Baeninger (1996) destaca que, de um total de 71.027 imigrantes, 37% são imigrantes intra-estaduais, 35%, são intra-regionais (região de governo de Campinas), e 28%, inter-estaduais. (BAENINGER, 1996, p.92). 633 Manfredo (2007) constitui importante referência sobre o processo de produção e ocupação do espaço urbano de Hortolândia, portanto, muitas das observações sobre Hortolândia, a partir da década de 1970, baseiam-se no seu estudo. Nesse sentido, a autora destaca que o interesse do governo municipal de Sumaré, desde a década de 1970, pelo menos, em manter a população pobre longe o suficiente do centro urbano principal para “não prejudicar o ordenamento e o controle dos espaços da cidade (...)”. (MANFREDO, 2007, p.184). 634 Ao que tudo indica, esta seria a regra no processo de produção e ocupação do espaço urbano de Hortolândia (Manfredo, 2007; Ramos, 2003). Para se ter uma idéia, um dos principais problemas urbanos de Hortolândia, e que, em grande parte, motivou o processo de emancipação

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Diante disso, argumenta-se que a não identidade política e social prévia,

entre os distritos, teria condicionado a reorganização da população migrante entre

as espacialidades, de forma a contribuir para a persistência de uma não

identidade política e social entre os distritos, ao longo do tempo.

Por sua vez, considera-se que essa não identidade e, conseqüentemente, a

distribuição desigual de poder político entre os distritos tenham sido reforçadas

pela dimensão político-institucional mais ampla.

Nesse sentido, no plano das relações intergovernamentais, durante a

década de 1970 e início da década de 1980, continuou prevalecendo um arranjo

no qual a União exercia um papel preponderante na concepção e implementação

de políticas públicas, sendo o ente federativo com maior concentração de

recursos, o que lhe permitia exercer controle sobre as esferas subnacionais635. No

plano da interação Estado-sociedade, durante o período considerado, prevaleceu

o autoritarismo burocrático, exercido através das agências e órgãos

administrativos do governo central, que implementavam políticas públicas, numa

visão tecnoburocrática, sem o envolvimento mais direto da população.

Com isso, considera-se que a dimensão político-institucional não forneceu

elementos para que o poder público, no contexto local, mudasse sua forma de

atuação na produção do espaço urbano636, tornando a distribuição do poder

político menos desigual e amenizando as diferenças existentes as diversas

espacialidades do município.

Isso não significa que não tenha havido reação por parte da população no

sentido de mudar tal situação. Como bem ilustra o estudo clássico de Sader

(1988), os movimentos sociais populares da década de 1970 se caracterizaram

do distrito, é expresso pelo nível de saneamento básico no município: em 2000, enquanto 80,5% do total dos municípios da Região Metropolitana de Campinas estavam ligados à rede geral de esgotos, em Hortolândia, apenas 4,4% dos domicílios apresentavam esse tipo de ligação. (CANO & BRANDÃO, 2002; MANFREDO, 2007). 635 O que era feita através de órgãos administrativos estabelecidos em estados e municípios, cuja função era executar as políticas concebidas no plano federal. Ver discussão feita na seção anterior. 636 Vale destacar, de acordo com Amorim Filho & Serra (19??), que o II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), de 1974, falava explicitamente considerar as cidades médias no processo de desconcentração industrial da RMSP. Isso poder ter representado um elemento a mais, contribuindo para que o governo municipal concentrasse seu poder político no distrito-sede de forma que pudesse ser contemplado com esse projeto federal de grandes proporções.

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289

pela emergência de novos sujeitos coletivos, nos grandes centros urbanos, que,

ao se questionarem sobre as condições de vida em que viviam, contribuíram para

uma nova conformação de participação política e de contestação da ordem

vigente637.

Pode-se considerar que o reflexo dessa nova forma de organização

popular, em Sumaré, tenha sido representado pelo movimento pró-emancipação

do distrito de Hortolândia, que aconteceu em 1974638, e segundo Duarte Jr.

(1992), teria sido uma iniciativa da população de Hortolândia que não contou com

a participação de políticos639.

O importante a apreender desse fato político e social é o que ele nos indica

de significativo sobre a relação entre a população do distrito-sede e o distrito de

Hortolândia, e que expressa o caráter inter-distrital do espaço que eles compõem.

Assim, essa tentativa de emancipação evidencia as divergências existentes entre

as duas espacialidades, produto de uma distribuição desigual de poder político,

em função de uma não identidade política e social, que acabou tendo reflexos nas

formas diferenciadas de produção do espaço urbano.

Essa situação começa a mudar na segunda metade da década de 1980,

com a abertura política do regime militar e com a promulgação da Constituição de

1988, que consagrou a democratização do país, contribuindo para alterar a forma

de interação Estado-sociedade, e estabeleceu um novo padrão federativo, através

da descentralização política, administrativa e tributária, alterando com isso as

relações intergovernamentais.

Segundo Abrucio (1998), com a Constituição de 1988, houve um

fortalecimento de estados e municípios, através do aumento da sua participação

637 Sader (1988) destaca a importância de movimentos de reivindicação de melhores condições de vida (composto por trabalhadores precários, donas de casa, favelados), ao da reorganização do movimento operário, nas periferias das grandes cidades como uma nova forma de pressão sobre a ordem vigente. Segundo o autor, a organização desses movimentos contou com a atuação de segmentos progressistas da igreja católica, de médicos sanitaristas, das associações de bairros, clube de mães, etc. 638 De acordo com DUARTE JR. (1992), foi a primeira tentativa de emancipação de Hortolândia. 639 Infelizmente, no material organizado por Duarte Jr. (1992), não há informação suficiente para aprofundar essa questão. Diante disso, o que se considera é que, em função do clima político da época, é provável que tenham participado dessa primeira tentativa de emancipação atores vinculados à igreja, ou a partido político. Porém, não é possível afirmar nada em definitivo.

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290

nas receitas nacionais640, acompanhado da transferência de competências na

execução de políticas sociais, até então sob o controle da União641. Porém, o autor

destaca que essa distribuição de competências entre os entes federativos não foi

definida claramente642.

Com relação ao governo municipal, observa-se que a principal mudança a

partir de 1988 refere-se a sua elevação à categoria de ente federativo, o que

proporcionou ao município uma maior margem de atuação e de tomada de

decisões, além de constituir a unidade com maior incremento de recursos, em

termos relativos643. Porém, Abrucio (1998) destaca que, embora os municípios

tenham sido os que mais aumentaram a sua participação no bolo tributário, eles

ainda dependem muito dos recursos econômicos e administrativos de outras

esferas de governo, principalmente dos estados, o que fez deles os grandes

vencedores da batalha tributária da Constituinte (ABRUCIO, 1998, p.105).

A partir disso, o autor chama a atenção para a forma assumida pelas

relações intergovernamentais, com a Constituição de 1988, que passou a se

caracterizar por um federalismo estadualista, que expressa a maior influência

exercida pelos governadores no plano nacional (ABRUCIO, 1998, p.107).

Segundo Abrucio (1998), é possível perceber que esse aspecto do

federalismo foi bastante característico no período 1991 e 1994, quando perdurou o

que o autor denominou por “ultrapresidencialismo estadual”644. O autor observa,

porém, que a partir da segunda metade da década de 1990, esse aspecto das

640 O autor fornece um quadro mais completo sobre esse processo, o qual não será exposto aqui em toda a sua extensão. 641 Arretche (2000) destaca a complexidade do processo de descentralização ao longo da década de 1990, cuja performance variou bastante de acordo com a política social e de acordo com a unidade da federação. 642 Nesse sentido, Almeida (1995) também destaca que a Constituição de 1988 não definiu com clareza uma hierarquia de competências dentro da federação, estipulando, ao contrário, cerca de trinta funções concorrentes entre União, estados e municípios. (ALMEIDA, 1995, p.92). 643 Nesse sentido, Abrucio destaca que, em 1988, cabia do governo federal 62% dos recursos totais, ao passo que os estados ficavam com 27% e os municípios, com 11%. Em 1992, a União ficou com disponibilidade efetiva de 54,9%, e os estados e municípios ficaram com 28,5% e 16,6%, respectivamente. (ABRUCIO, 1998, p.105). 644 Segundo Abrucio (1998), o ultrapresidencialismo tinha duas características: o Executivo estadual detinha forte domínio do processo de governo e controlava os órgãos que deveriam fiscaliza-lo. Além disso, no Executivo, o poder era extremamente concentrado nas mãos do governador. (ABRUCIO, 1998, p.109).

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relações intergovernamentais começa a mudar, passando a União a se fortalecer

no cenário nacional645.

Com relação à forma de interação Estado-sociedade, tem-se que, a partir

da Constituição de 1988, ela passa a ser caracterizada pela participação

democrática, que implica o envolvimento dos diversos segmentos da sociedade,

via entidades representativas, nos processos de definição de agendas e tomada

de decisão.

Porém, isso deve ser considerado com uma certa cautela, pois o incentivo a

uma participação democrática nas decisões políticas veio acompanhando de uma

reforma do Estado que, em certa medida, pode constituir uma limitação a essa

forma de participação.

Nesse sentido, Gohn (1991) destaca que, a partir do final da década de

1980, ao mesmo tempo em que a sociedade organizada busca querer interferir

diretamente na sociedade política, nas regras e mecanismos do Estado,

determinadas parcelas da sociedade civil646 passam a reivindicar a restrição da

atuação do Estado em vários setores sociais. Em certo sentido, corresponderia ao

que Dagnino (2002) denominou “convergência perversa” ao apontar para a

coincidência de ciclos de democratização e reformas neoliberais.

Pretende-se, com isso, enfatizar que as mudanças no plano das relações

intergovernamentais e da interação Estado-sociedade, a partir da Constituição de

1988, constituíram-se, muitas vezes, em processos complexos, contraditórios e

que não foram colocadas em prática de uma hora para outra.

Muito daquilo que, atualmente, caracteriza esses aspectos da dimensão

político-institucional foi fruto de debate e negociação, ao longo do tempo, entre o

Estado e as diversas entidades representativas da sociedade, influenciados, ora

por conjunturas políticas e econômicas, nacionais e internacionais, ora pela

própria dinâmica política e social no âmbito das instituições do Estado ou no

âmbito das entidades representativas e da vida cotidiana.

645 ABRUCIO, 1998, p.221. Kugelmas & Sola (2000) também apontam para o fortalecimento do Executivo federal a partir do período 1994-1998. 646 Representada por empresários e elites dirigentes. (GOHN, 1991, p.11).

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Nesse contexto, é que ocorre o segundo “ponto crítico” da nossa análise,

representado pelo desmembramento de Hortolândia do município de Sumaré, em

1991, cujo principal motivador do processo foi a precariedade urbana em que vivia

a população do distrito e a ausência de uma resposta adequada do poder público

a esse problema647.

Com relação à emancipação de Hortolândia, Baeninger (1996) destaca a

importância da população migrante como agentes desse processo. Se tal

observação, em si, é verdadeira, uma vez que na época do desmembramento,

segundo a autora, 70% dos migrantes de Sumaré residiam no distrito de

Hortolândia648, ela precisa ser melhor trabalhada.

Assim, tomando-se apenas a perspectiva da autora, seríamos levados a

considerar que a importância da presença e da participação política de grande

contingente de migrante numa determinada espacialidade constituiria fator

suficiente para a sua emancipação municipal.

Porém, o que neste estudo se sustenta é que o que teria levado ao

desmembramento do distrito de Hortolândia é a desigualdade na produção do

espaço urbano, decorrente de uma atuação do poder público, ao longo do tempo,

que privilegia o distrito-sede em detrimento dos demais distritos. Essa atuação

diferenciada do poder público seria condicionada pela distribuição desigual de

poder político entre as espacialidades, a qual, por sua vez, se fundamentaria na

não identidade política e social entre as populações dos diferentes distritos.

Diante disso, considera-se que, da mesma forma como ocorreu com

Sumaré, essa transformação radical na forma de reorganização do território e da

sua respectiva população constituiu-se como a resultante da persistência, no

tempo, de uma forma de inter-relação entre os dois distritos caracterizada pela

distribuição desigual de poder político, cujo substrato seria a não identidade

política e social entre a população dos dois distritos. Por sua vez, o rebatimento

647 Duarte Jr (1992), Baeninger (1996), Ramos (2003) e Manfredo (2007). Duarte Jr destaca também que uma grande variedade de atores sociais participou desse processo, contribuindo para a complexidade com a qual se processou. Entre esses atores, pode-se destacar: Sociedade Amigos de Bairro (em número de 28), Comunidades Eclesiais de Base, comunidades protestantes, clubes de mães, grupos de jovens, grupos de raízes de Hortolândia, empresariado, partidos políticos, vereadores, deputados estaduais e capital imobiliário. (DUARTE JR., 1992) 648 BAENINGER, 1996, p.120.

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territorial dessa não identidade seria a desigualdade na produção do espaço

urbano entre os dois distritos.

Por sua vez, considerar o desmembramento municipal como “ponto crítico”

no processo de transformação na organização territorial e na reorganização da

população significa afirmar que se trata do momento em que surgiria a

possibilidade de interromper o path dependence de forma que o processo ao qual

ele se refere pudesse assumir um caminho diferente.

No nosso caso, isso significaria que a organização territorial e a

reorganização da população no espaço de Hortolândia passassem a se realizar

sob uma forma diferente de inter-relação entre as diferentes espacialidades que a

compõem649, ou seja, sob uma distribuição de poder político mais equilibrada entre

os “pedaços” do município.

No entanto, como já foi destacado anteriormente, uma mudança na forma

de distribuição de poder político entre as espacialidades seria possível somente a

partir de uma alteração no âmbito político-institucional mais amplo, no plano das

relações intergovernamentais e da interação Estado-sociedade, ou no âmbito

populacional local, no sentido de que uma mudança na composição social das

diferentes populações levasse a um certo nível de identidade política e/ou social

entre elas.

Tomando-se o caso de Hortolândia como referência para se refletir sobre o

momento atual, tem-se que optar busca de uma identidade política, social ou até

cultura, através da mudança na composição social das populações, como forma

de estabelecer uma distribuição mais equilibrada de poder político, poderia

significar um caminho longo, incerto e até indesejável.

Isso porque, ao menos que se tivesse uma política migratória explícita

visando direcionar migrantes com determinado perfil para uma determinada

espacialidade, uma mudança na composição social das populações dependeria,

dentre outros fatores, de processos gerais de redistribuição populacional, cujos

649 No caso de Hortolândia, essas espacialidades não correspondem a distritos, mas aos bairros do município, os quais, segundo Manfredo (2007), em função da forma como o espaço urbano foi historicamente construído, apresentam uma feição urbana rarefeita, dispersa e fragmentada. (MANFREDO, 2007, p.183).

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resultados poderiam se constituir ao longo de muito tempo ou então não constituir

o resultado desejado.

Tal via seria indesejável por que a busca de uma maior identidade política,

social e cultural poderia pressupor uma certa homogeneidade entre as populações

das diferentes espacialidades – o que não constitui um resultado desejável para a

configuração dos espaços urbanos, em geral, pois a sua ocorrência está

negativamente associada a processos de segregação populacional no espaço

urbano, sobretudo nos metropolitanos.

Essa colocação nos leva a considerar que a não identidade política e/ou

social não constituiria, em si, o cerne do nosso problema. O problema residiria no

fato de que a não identidade entre populações de diferentes espacialidades, sob

uma mesma circunscrição política e administrativa, se constitua no fundamento de

uma distribuição desigual de poder político que, por sua vez, condicionaria a

atuação do poder público de forma a favorecer determinadas espacialidades, e

sua respectiva população, em detrimento de outras.

Diante disso, destaca-se a importância da dimensão político-institucional no

sentido de fazer com que a não identidade entre populações não se constitua na

configuração de grandes desigualdades, ou de desigualdades cruéis, no processo

de produção do espaço urbano – esfera ao qual nosso estudo se referenciou mais

diretamente.

Nesse sentido, destaca-se que, no momento atual, possuindo as esferas

subnacionais uma margem maior de atuação, particularmente o governo

municipal, e sendo a interação Estado-sociedade baseada na participação

democrática dos diversos segmentos da sociedade, tem-se os elementos

necessários para se favorecer uma distribuição de poder político mais equilibrada

entre as espacialidades, porém a sua simples existência não garante essa

distribuição. Torna-se necessário que os diferentes grupos sociais exerçam

pressão sobre o poder público no sentido de que essa distribuição equilibrada de

poder político se realize e se concretize na produção de um espaço urbano menos

injusto.

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No entanto, o desafio colocado, não somente para um município recém-

criado, como seria o caso de Hortolândia, mas para todo e qualquer município ou

espacialidade, é que qualquer transformação que venha a ocorrer na forma de

organização territorial e na reorganização da população, mesmo sob um contexto

político-institucional mais favorável a uma distribuição de poder político mais

eqüitativo, não se dará num “quadro branco” ou numa “textura lisa”.

Pelo contrário, ela terá que levar em conta aquilo que Milton Santos

denominou por rugosidades presentes no espaço construído650, ou seja, “as

marcas do passado fixadas no espaço”. Ela terá que levar em conta o fato de que

a forma atual da organização territorial e da reorganização populacional carrega,

em si, as marcas de decisões políticas e populacionais tomadas, em diversos

momentos, desde a sua formação inicial, e conhecer o desenvolvimento e os

determinantes desse processo constitui um importante caminho na busca de

alternativas para o futuro.

Colocado isso, tem-se, numa perspectiva mais ampla, que o

desmembramento do distrito de Hortolândia representaria o marco da

configuração do espaço inter-municipal, agora englobando todos os “pedaços” do

espaço campineiro, formado por espacialidades independentes jurídica e

politicamente, próximos territorialmente e que interagem entre si.

IV.3 – O espaço metropolizado de Campinas: um espaço historicamente

fragmentado?

Na realização de um estudo desta natureza, centrado nas transformações

das formas de organização territorial e reorganização da população no espaço, ao

longo do tempo, nos diversos “pedaços” que compõem aquilo que recortamos

como espaço campineiro, foi inevitável desembocar na questão da fragmentação

metropolitana.

650 SANTOS (1978) apud CORREA, 1998, p.71.

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Seja em função dos impactos da globalização e da reestruturação produtiva

na reestruturação dos espaços, seja em função dos obstáculos enfrentados na

implementação de uma gestão metropolitana eficiente, o fato é que, ao nos

voltarmos para análise de um espaço que se “metropolizou”, acabamos, de uma

forma ou de outra, nos remetendo a alguns dos aspectos do debate que envolve a

idéia de fragmentação do espaço.

Não se pretende, aqui, fazer um balanço completo de toda a produção

acadêmica sobre o processo de metropolização, gestão metropolitana e

fragmentação espacial, à luz da análise realizada nesse estudo – o que fugiria aos

propósitos e limites deste trabalho. A nossa proposta é menos pretensiosa.

Pretende-se, tão-somente, a partir de aspectos mais gerais sobre a idéia de

fragmentação, presente em alguns estudos selecionados651, identificar alguns

pontos nos quais ela dialoga com nosso estudo e, a partir disso, apontar possíveis

acréscimos para o avanço do debate.

Assim, um primeiro aspecto a ser destacado refere-se ao próprio termo

“fragmentação”. Nota-se em estudos sobre gestão e conformação do espaço

metropolitano652 ou até mesmo sobre outros processos de transformação do

espaço, como o desmembramento municipal653, que fragmentação reveste-se de

uma carga valorativa, assumindo uma conotação negativa, referindo-se a um

“problema” a ser solucionado.

No entanto, considerando, a partir das considerações de Ribeiro (2002),

que a fragmentação do espaço expressaria o fato de que cada “pedaço” do

espaço urbano “tende a se organizar por dinâmicas próprias”654, teríamos um

elemento a partir do qual poderíamos vincular o nosso estudo ao debate sobre a

fragmentação espacial.

651 Refiro-me, principalmente, aos estudos de Semeghini (2006) e de Ribeiro (2002), porém, outros autores foram consultados, mas de forma secundária. Complementarei minha exposição, baseando-me numa discussão de outra natureza, que não está tratando da questão metropolitana, mas fornece subsídios para minha argumentação. Trata-se da discussão desenvolvida por Costa (2006). 652 Citando como exemplos Davanzo & Negreiros (2006), Marandola Jr., Paula & Pires (2006), Manfredo (2007). 653 Entre estes, pode-se destacar Gomes & Mac Dowell (2000) e Simões (2007). 654 RIBEIRO, 2002, p.68.

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Nesse sentido, a idéia de que cada “pedaço” do espaço tenderia a se

organizar por dinâmicas próprias está em consonância com o nosso estudo na

medida em que as transformações na forma de organização territorial e de

reorganização da população do espaço campineiro, ao longo do tempo, se

desenvolveram a partir de diferenciações político-territoriais e populacionais que,

por sua vez, se processaram em função, por um lado, da não identidade política e

social entre as populações das diferentes espacialidades que compõem do espaço

campineiro e, por outro, da decorrente distribuição desigual de poder político entre

essas espacialidades.

Assim, tal processo de transformação do espaço contribuiria para a

configuração de espacialidades, nas quais estaria intrínseca a sua organização

“por dinâmicas próprias”, uma vez que a razão de sua própria configuração inicial,

enquanto distritos secundários, e posterior passagem por uma fase inter-distrital,

em direção a uma situação inter-municipal estariam relacionadas com a presença

de diferentes grupos sociais compondo a sua população, que se distribuíram e se

reorganizaram no espaço a partir da interação entre eles, marcada pela

diversidade de interesses e desigualdade de poder político.

Por outro lado, considerando as regiões metropolitanas institucionalizadas,

Semeghini (2006) destaca que a criação do “fato metropolitano” estaria

relacionada com a constatação de que a fragmentação político-administrativa das

grandes aglomerações urbanas constitui um dos principais obstáculos à

implementação de políticas eficazes, e que, diante disso, a recomendação é de

que sejam reconhecidas formalmente as realidades metropolitanas (SEMEGHINI,

2006, p.16).

Considerando que a mencionada fragmentação político-administrativa se

constituiria como uma expressão político-institucional do desdobramento do

processo de diferenciações político-territoriais e populacionais ocorrido no espaço,

destaca-se que a fragmentação seria inerente ao processo de complexificação

populacional, socioeconômica e político dos espaços, que culminaria na sua

metropolização.

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Assim, à luz do estudo de Semeghini (2006), pode-se observar que o

espaço não se torna fragmentado porque se metropolizou. Ao contrário. Seriam o

adensamento populacional e a intensificação das relações socioeconômicas de

uma área composta por diversas espacialidades que se desenvolveram a partir de

“uma dinâmica própria” (ou seja, espacialidades fragmentadas) que teriam levado

a sua metropolização, de fato e, em seguida, formalmente.

Com isso, buscou-se enfatizar que a fragmentação metropolitana, nestes

termos, não se constitui, em si, um problema para qual deve-se buscar uma

solução, provisória ou definitiva. O desafio colocado por essa fragmentação reside

na tentativa de se instituir uma gestão metropolitana, ao mesmo tempo, eficiente e

que contemple satisfatoriamente todos os atores sociais que compõem o “fato

metropolitano” – questão que não é inédita e que já foi abordado, de um modo ou

de outro, pela literatura especializada655.

No entanto, embora se considere que esse tipo de análise contribuiria para

avaliar a pertinência sobre a existência de várias “fragmentações”, ela não

constitui o cerne do nosso estudo, devendo ser tema de pesquisas posteriores.

Refletindo sobre o caso específico da região metropolitana de Campinas656,

à luz dessa discussão sobre fragmentação do espaço, um questionamento que se

colocou refere-se ao significado da implementação de uma gestão metropolitana.

Nesse sentido, considerando que este tipo de gestão implica na instituição

de gestão supramunicipal, tem-se que, para os municípios que compõem a região,

isso poderia significar uma espécie de retorno a uma situação anterior,

principalmente, quando se considera que o maior poder de decisão, nesse tipo de

situação, acaba residindo no maior município da região, que, no nosso caso, trata-

se de Campinas.

Com isso, argumenta-se que um dos obstáculos a uma implementação

metropolitana eficiente, no caso de Campinas, residiria no fato disso, em alguns

aspectos importantes, representar o retorno a uma situação caracterizada pela

655 Baseio-me, apenas, em dois estudos: Semeghini (2006) e Davanzo & Negreiros (2006). 656 Embora a região metropolitana de Campinas, instituída em 2000, seja composta por 19 municípios, neste caso estamos considerando aqueles municípios que compõem o que, no presente estudo, se denominou por espaço campineiro.

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desigualdade de poder político entre as espacialidades, no processo de tomada de

decisões.

No entanto, considera-se que esse tipo de obstáculo não se deve apenas à

dinâmica da inter-relação entre as espacialidades que compõem o espaço

metropolitano. Ele seria reforçado pelo próprio contexto federativo. Nesse sentido,

Costa (2006) destaca que a instabilidade do federalismo brasileiro, ao longo da

história, em termos de centralização ou descentralização de recursos e

competências, teria impacto sobre as relações intergovernamentais, tanto verticais

como horizontais (COSTA, 2006, p.8).

Com relação ao governo municipal, no momento atual, o autor destaca que

o ambiente institucional instável estaria contribuindo para reduzir a confiança dos

governos locais para a “cooperação horizontal”657 – o que nos levaria a considerar

que a dimensão político-institucional mais ampla estariam reforçando os

obstáculos para a gestão metropolitana.

Assim, tem-se que, além da transformação dos municípios em entidades

política administrativamente autônomas, pela Constituição de 1988, outros fatores

se interporiam como um desafio à implementação de uma gestão metropolitana

eficiente, no caso de Campinas: de um lado, a dinâmica do federalismo

dificultando a configuração de uma cooperação horizontal entre os governos

locais, de outro, a fragmentação do espaço a partir dos desdobramentos das

diferenciações político-territoriais.

657 COSTA, 2006, p.12. Considerar também discussão feita no segundo capítulo sobre relações intergovernamentais em contextos federativos.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Visando a realização dessas considerações finais, cabe destacar alguns

pontos desenvolvidos no decorrer deste estudo; estudo este que objetivou analisar

como as relações intergovernamentais e a interação Estado-sociedade, em

escalas mais amplas, influenciaram – no âmbito local – o processo de

configuração inicial e, seu posterior desdobramento, a organização territorial e a

reorganização populacional no espaço campineiro.

Assim, a partir da análise empreendida no segundo e terceiro capítulo,

considerou-se que o posicionamento da classe dirigente local frente à política de

terras e de colonização do regime imperial teria, inicialmente, favorecido uma certa

integração territorial do seu espaço, contribuindo para que o município, durante,

pelo menos, toda a segunda metade do século XIX, apresentasse uma espécie de

“coesão territorial”, o que teria diferenciado Campinas de outros municípios da

região.

Argumentou-se que se teria chegado a tal resultado devido ao fato dos

cafeicultores campineiros terem se posicionado contrariamente à política de terras

e de colonização do Império, que priorizava a identificação das terras devolutas

para o seu posterior parcelamento e venda aos imigrantes, vindos para o país,

através da imigração particular.

Como tal política mostrava-se, essencialmente, contrária aos interesses da

economia cafeeira, cujo desenvolvimento dependia de grandes extensões de terra

e de mão-de-obra disponível para o trabalho na lavoura, e diante da crescente

insatisfação da oligarquia cafeeira paulista, e em especial a campineira, frente às

diversas políticas implementadas pelo Governo Central, argumentou-se que,

diante disso, tenha se desenvolvido e se cristalizado, nas classes dirigentes

campineiras, um comportamento político e cultural tendente a decisões políticas

que, direta ou indiretamente, favorecessem a integridade do território campineiro.

Assim, considerando, de um lado, a composição social da população de

Campinas, caracterizada pelo grande peso relativo de população escrava e,

posteriormente, de população imigrante, e, de outro, a tendência da classe

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dirigente local em priorizar a integridade territorial do município, destaca-se que a

especificidade da configuração inicial do espaço campineiro caracteriza-se pela

não surgimento de distritos secundários no município de Campinas, na maior parte

da segunda metade do século XIX, e pela “coesão territorial” do município,

mantida até a década de 1920.

Com isso, pretende-se destacar que, paralelo aos fatores de ordem

econômica e política, fatores populacionais relacionados a uma diversificação da

composição social da população, expressa pela presença de escravos e

imigrantes europeus, contribuíram para que Campinas, em comparação a outros

municípios, mantivesse uma “coesão territorial”, ao longo de todo a segunda

metade do século XIX, através da decisão de não facilitar o processo de

diferenciação político-territorial intra-municipal, o que, por sua vez, poderia vir a

ocasionar, posteriormente, o desmembramento do território municipal.

Essa “coesão territorial” – a qual pressupunha uma certa coesão política

entre a elite local – se fez importante para atender aos interesses dos grupos

sociais dominantes, vinculados, direta ou indiretamente, à economia cafeeira.

Assim, o processo de diferenciações político-territoriais foi coibido naqueles casos

que representassem a possibilidade de surgimento de interesses conflituosos,

tanto em relação à priorização da cultura cafeeira como em relação à própria

estrutura fundiária do município.

No decorrer do terceiro capítulo, desenvolveu-se a idéia de que o processo

de diferenciações político-territoriais intra-municipais representaria uma

redistribuição do poder político entre as diferentes espacialidades existentes no

território municipal, resultando na configuração de novos espaços de definição e

participação política.

Assim, esses novos espaços apresentariam um certo nível de poder

político, o qual poderia ou não estar em equilíbrio com o poder político

concentrado no distrito-sede, que corresponderia à sede do governo municipal e,

em torno do qual, gravitariam os grupos sociais dominantes. Com isso, o distrito-

sede se constituiria no lócus do status quo do município.

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Por sua vez, o nível de poder político assumido por cada distrito

secundário criado seria definido pelos fatores que motivaram a sua criação, os

quais estariam relacionados com a composição social e política da população do

distrito-sede e dos povoados e com o contexto econômico, social e político no qual

o povoado foi elevado à categoria de distrito.

Em suma, com relação à organização territorial inicial de Campinas,

destaca-se que os grupos sociais dominantes do município tenderam a tomar

decisões que, por um lado, favoreceram a manutenção da “coesão territorial” do

município e, por outro, dificultaram a criação de distritos que pudessem

representar a emergência de novos atores políticos e de novos interesses, no

cenário municipal, conflitantes com o status quo estabelecido no distrito-sede do

município.

Neste contexto, a população livre trabalhadora deveria se adequar à forma

de inserção social condicionada pelo complexo cafeeiro e, além disso, ocupar os

espaços urbanos e rurais preteridos pelos grupos sociais mais abastados e pela

própria estrutura da economia cafeeira.

Paralelo a isso, considerou-se também o conservadorismo peculiar da

sociedade campineira que, em consonância com a sociedade brasileira, mostrou-

se pouco aberta à expansão da participação política aos setores mais populares

da sociedade. No nosso estudo, esse conservadorismo campineiro evidenciou-se

pela não transformação de determinados povoados em distritos, em determinados

contextos, evitando a redistribuição do poder político municipal através da

formação de novos espaços de debate e participação política no território de

Campinas.

Diante disso, considerou-se que essas características da sociedade

campineira deveriam ser levadas em conta quando na análise do processo de

diferenciações político-territoriais.

Foi o que se fez na análise do período 1850-1870, quando Campinas

possuía apenas o distrito-sede, que concentrava o poder político do município; na

análise do período 1870-1896, quando se argumentou que a criação de primeiro

distrito secundário em Campinas estaria relacionada com a busca por uma

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ampliação do espaço de participação política de uma parcela da população com

identidade social e política com a população do distrito-sede; e na análise do

período 1896-1900, quando se argumentou que a população, formada

basicamente por colonos, dos distritos surgidos no contexto de transformação da

estrutura social não apresentaria uma identidade social e política com o distrito-

sede e que sua criação estaria mais relacionados com fatores externos do que

internos ao município.

Esses dois fatores teriam contribuído, por sua vez, para o estabelecimento

de um nível desigual de poder político entre esses distritos recém-criados e os já

existentes no município.

Considerando-se o já discutido conservadorismo campineiro e a existência

de outros núcleos coloniais nos demais povoados do município, argumentou-se

que o tipo de diferenciação político-territorial, assinalado pelo desnível de poder

político entre o distrito-sede e os distritos secundários, é o que caracterizaria a

elevação destes povoados à categoria de distrito.

Numa perspectiva neo-institucionalista histórica, este tipo de diferenciação

político-territorial é o que influenciaria os desdobramentos posteriores da

organização territorial do município, marcando a consolidação da hinterlândia

campineira, na sua dimensão política, com possíveis reflexos na sua dimensão

econômica.

Nesse sentido, o desenvolvimento do capítulo quarto permitiu destacar a

principal característica desse espaço inter-municipal que então se constituiu.

Assim, o espaço campineiro, inicialmente marcado por uma coesão territorial e

pela tendência em manter uma distribuição desigual de poder político entre suas

diferentes espacialidades, desenvolve-se, ao longo do tempo, partindo de uma

fase em que se constituiu como hinterlândia, a partir da qual surgiram diferentes

espaços inter-distritais, desembocando, no momento mais atual, no espaço inter-

municipal.

Nesse processo, a articulação entre a dimensão populacional e a dimensão

político-institucional teria se configurado de uma forma bastante específica.

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Assim, considera-se que os processos gerais de redistribuição da

população teriam condicionado a reorganização da população, no âmbito local, em

espacialidades carregadas, previamente, de significados, de forma que se

constituísse uma diferenciação entre a composição social das populações dos

diferentes distritos, que se expressaria na não identidade política e social.

Por sua vez, essa ausência de identidade entre as espacialidades tenderia

a ser reforçada pela dimensão político-institucional, representada pelas relações

intergovernamentais e pela interação Estado-sociedade, na medida em que ela

favorecesse a persistência, no tempo, de uma distribuição desigual de poder

político entre essas diferentes espacialidades.

Considerando o espaço inter-distrital como aquele no qual torna-se mais

evidente as reivindicações para uma distribuição mais equilibrada de poder

político, argumentou-se que espaços inter-distritais marcados pela distribuição

desigual de poder político entre as espacialidades – como é o caso do espaço

campineiro entre 1930 e 1990 – configurariam espaços inter-municipais marcados

pela falta de identidade política e social entre as espacialidades.

Por fim, tal espaço inter-municipal influenciaria a configuração de um

espaço metropolitano também marcado pela não identidade política e social das

unidades que a compõem. Esta não identidade, por sua vez, constituiria um dos

fatores estruturais da dificuldade de se estabelecer uma ação conjunta dos

municípios que compõem esse espaço, na solução de problemas comuns, ou de

se criar consensos em relação a determinadas questões. Considera-se que esse é

o caso da região metropolitana de Campinas.

Assim, baseando-nos no tipo de análise, desenvolvido nesta tese, sobre o

processo de transformação da organização territorial e da reorganização

populacional, sumariamente apresentado acima, argumenta-se que a contribuição

do presente estudo residiria na consideração de que a “fragmentação” não é a

mesma para os diferentes espaços metropolizados ou para as diferentes regiões

metropolitanas. Nem são os mesmos os obstáculos que ela evoca.

Retomando o caso do município de Campinas, tem-se que o processo

histórico de desenvolvimento do seu espaço, desde a segunda metade do século

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XIX, estaria relacionado, basicamente, conforme o presente estudo procurou

demonstrar, com os seguintes fatores: 1) posicionamento específico dos grupos

dirigentes locais frente à política imperial de terras e de colonização, que

favoreceu a manutenção de uma certa “coesão territorial” do espaço municipal; 2)

a forma como se deu o estabelecimento de núcleos de colonização, espontâneos

e oficiais; e 3) a forma de distribuição de poder político entre as populações das

diferentes espacialidades, que compõem o espaço municipal.

Considera-se que a forma assumida por esses fatores é o que condicionaria

a forma da fragmentação que o espaço campineiro passa a apresentar a partir do

momento que seu espaço se metropoliza. Esta fragmentação, por sua vez, é a

que emergiria com a formalização da região metropolitana, a partir da

implementação de uma forma de gestão desse espaço.

Essa condição fragmentada, específica de cada espaço, se tornaria mais

evidente a partir de uma comparação com outras regiões metropolitanas, em cujo

histórico de desenvolvimento do espaço também pudessem vir a atuar fatores

como o posicionamento frente à política imperial e o estabelecimento de núcleos

de colonização, como se considera tratar as regiões metropolitanas de Porto

Alegre e São Paulo658. Porém, embora a proposta dessa análise seja bastante

atraente, ela extrapola a proposta deste estudo, exigindo a realização de estudos

posteriores.

Registra-se apenas a potencialidade da perspectiva teórico-metodológica

desenvolvida, ao longo do presente estudo, para a realização de estudos que

envolvem as transformações nas formas de organização territorial e reorganização

da população no espaço.

Considera-se, por fim, que uma importante contribuição deste estudo foi

possibilidade de evidenciar a interação entre a dimensão demográfica e a

dimensão político-institucional, em diferentes escalas, para o avanço no

conhecimento dos processos de reorganização da população no espaço.

658 Essas duas áreas foram consideradas como propícias para esse tipo de análise a partir do estudo feito por Singer (1968), sobre a formação urbana e desenvolvimento econômico de cidades brasileiras selecionadas.

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Nesse sentido, destaca-se que, em escalas mais amplas, processos gerais

de redistribuição da população no espaço que, por sua vez, decorrem da

distribuição das atividades econômicas no território nacional, influenciam, nas

escalas locais, a composição social da população.

Por sua vez, no âmbito intra-municipal, essa população, em função da sua

composição social, se reorganiza nas diferentes espacialidades, resultantes de

processos de diferenciação político-territorial. Esses processos, por sua vez, se

definiriam em função de duas ordens de fatores: na escala mais ampla, pelas

relações intergovernamentais e pela interação Estado-sociedade; na escala local,

em função da identidade social e política de suas populações.

No caso de Campinas, a não identidade entre as populações de seus

diversos “pedaços” contribuiu para que a sua diferenciação político-territorial fosse

caracterizada por uma distribuição desigual de poder político no seu espaço,

desde a sua consolidação como hinterlândia até a configuração do seu espaço

metropolizado.

Destaca-se, por fim, que, apesar da importância do papel desempenhado

pela dimensão político-institucional na configuração das formas de organização

territorial e de reorganização da população que o espaço campineiro assumiu, ao

longo do tempo, a reorganização da sua população nas diferentes espacialidades

político-territoriais dependeu, em última instância, da sua composição social e,

conseqüentemente, da existência ou não de uma identidade social entre os

diferentes grupos sociais que compõem sua população.

Espera-se, com isso, contribuir para o avanço nos estudos populacionais,

mais especificamente, nos estudos sobre reorganização e redistribuição da

população no espaço, através da exploração de elementos político-institucionais e

sociais que contribuem para a sua efetivação como um processo social mais

amplo.

Trata-se, portanto, não de uma resposta absoluta e definitiva, mas sim de

uma nova perspectiva, que vem acrescentar, às já existentes, novos elementos

analíticos que contribuam para desvendar a complexidade do fenômeno estudado.

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ANEXOS

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Anexo 1

GOVERNO

CENTRAL Imperador

(Poder Moderador)

CONSELHO ESTADO (nomeado)

MINISTROS (nomeados)

JUÍZES DE DIREITO

(nomeados)

ASSEMBLÉIA GERAL

CÂMARA DOS DEPUTADOS (Eleita)

SENADO (nomeado)

ASSEMBLÉIA PROVINCIAL

(eleita)

PRESIDENTE DE

PROVÍNCIA (nomeado)

GOVERNO

PROVINCIAL

CÂMARA VEREADORES

(eleita)

JUÍZES DE PAZ (eleitos)

GOVERNO LOCAL

Figura 1: Estrutura do sistema político imperial – Brasil

Fonte: CARVALHO (1996)

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Anexo 2 Quadro1: Burocracia Imperial, por setores, níveis e salários, 1877

Setores e Salários (em Mil-réis)

Civil Militar Níveis

Judiciário Outros Eclesiástico

Exército Marinha

Juiz do STJ 9:000$

Ministro de Estado 12:000$

Arcebispo 4:800$

Marechal 10:000$

Almirante 6:000$

Desembargador 6:000$

Conselheiro de Estado 4:000$ (+)

Bispo 3:600$ Brigadeiro 6:698$

Chefe de Divisão 2:880$

Presidente de Província 8:000$

Professor Catedrático 4:800$

Burocracia Política

Chefe de Polícia 5:000$

Juiz de Direito 3:600$

Diretor EF PII 18:000$ Cônego 1:200$

Coronel 4:408$

Cap. MG. 3:600$

Juiz Municipal 1:600$

Diretor* 8:000$ Monsenhor 2:000$

Capitão 3:117$

Cap. Tem. 2:000$

Promotor 1:800$

Chefe de Seção* 5:000$

Pároco 600$ 2o.Tenente 1:205$

1o. Tenente 1:200$

Burocracia Diretorial

Oficial* 4:000$

___ ___

___ Amanuense* 2:400$

1o. Sargento 438$**

1o. Sargento

Contínuo* 1:500$

Forriel 219$**

Forriel

Burocracia Auxiliar

Praticante 960$

___ ___

___ Servente* 600$

___ Cabo 197$**

Marinheiro

Burocracia Proletária

Operário* 700$

Soldado 190$**

Grumete

Fonte: CORREIA, M.F. Relatório e trabalhos estatísticos, Orçamento da receita e despesa do Império para o exercício de 1877/78. Apud CARVALHO, 1996, p.132-133

* Refere-se a funcionários do Ministério do Império. ** Não estão incluídos prêmios e gratificações / (+) Trata-se de gratificações.

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Anexo 3 – Tabelas 1A, 1B e 1C Tabela 1A: População, por idade, sexo e condição social

Município de Campinas, Paróquia da N.S. Conceição (distrito-sede) – 1872

Paróquia: N. S. da Conceição de Campinas

Livre Escrava Total (livre + escrava)

Idade Homem Mulher

Total Livre

Homem Mulher Total

Escrava Homem Mulher

Total População

0-1 208 204 412 0 0 0 208 204 412

1-5 709 701 1.410 201 163 364 910 864 1.774

6-10 694 559 1.253 341 252 593 1.035 811 1.846

11-15 553 388 941 470 250 720 1.023 638 1.661

16-20 501 462 963 541 271 812 1.042 733 1.775

21-25 465 431 896 595 256 851 1.060 687 1.747

26-30 486 462 948 561 268 829 1.047 730 1.777

31-40 747 574 1.321 620 324 944 1.367 898 2.265

41-50 623 326 949 546 264 810 1.169 590 1.759

51-60 340 201 541 411 160 571 751 361 1.112

61-70 102 71 173 93 52 145 195 123 318

71-80 49 31 80 29 14 43 78 45 123

81-90 6 8 14 5 6 11 11 14 25

91-100 4 3 7 2 1 3 6 4 10

100 e + 1 0 1 0 0 0 1 0 1

N Determinados 12 13 25 5 4 9 17 17 34 Total 5.500 4.434 9.934 4.420 2.285 6.705 9.920 6.719 16.639

Fonte: Recenseamento Geral do Império, 1872. Apud Bassanezi, 1998.

Tabela 1B: População, por idade, sexo e condição social

Município de Campinas, Paróquia de N.S. Carmo e Santa Cruz (distrito secundário) - 1872

Paróquia: N. S. do Carmo e Santa Cruz de Campinas

Livre Escrava Total (livre + escrava) Idade

Homem Mulher Total Livre

Homem Mulher Total

Escrava Homem Mulher

Total População

0-1 147 161 308 0 0 0 147 161 308

1-5 813 650 1.463 535 199 734 1.348 849 2.197

6-10 573 455 1.028 509 292 801 1.082 747 1.829

11-15 369 437 806 412 256 668 781 693 1.474

16-20 338 407 745 469 241 710 807 648 1.455

21-25 343 302 645 429 266 695 772 568 1.340

26-30 376 307 683 466 278 744 842 585 1.427

31-40 543 384 927 574 449 1.023 1.117 833 1.950

41-50 274 262 536 464 272 736 738 534 1.272

51-60 168 157 325 373 213 586 541 370 911

61-70 102 59 161 107 68 175 209 127 336

71-80 23 19 42 21 28 49 44 47 91

81-90 15 8 23 6 3 9 21 11 32

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91-100 6 2 8 3 1 4 9 3 12

100 e + 0 0 0 1 0 1 1 0 1

N Determinados 28 22 50 17 28 45 45 50 95

Total 4.118 3.632 7.750 4.386 2.594 6.980 8.504 6.226 14.730

Fonte: Recenseamento Geral do Império, 1872. Apud Bassanezi, 1998.

Tabela 1C: População, por idade, sexo e condição social

Município de Campinas – 1872

Município: CAMPINAS

Livre Escrava Total (livre + escrava)

Idade Homem Mulher Total Livre Homem Mulher

Total Escrava

Homem Mulher Total

População

0-1 355 365 720 0 0 0 355 365 720

1-5 1.522 1.351 2.873 736 362 1.098 2.258 1.713 3.971

6-10 1.267 1.014 2.281 850 544 1.394 2.117 1.558 3.675

11-15 922 825 1.747 882 506 1.388 1.804 1.331 3.135

16-20 839 869 1.708 1.010 512 1.522 1.849 1.381 3.230

21-25 808 733 1.541 1.024 522 1.546 1.832 1.255 3.087

26-30 862 769 1.631 1.027 546 1.573 1.889 1.315 3.204

31-40 1.290 958 2.248 1.194 773 1.967 2.484 1.731 4.215

41-50 897 588 1.485 1.010 536 1.546 1.907 1.124 3.031

51-60 508 358 866 784 373 1.157 1.292 731 2.023

61-70 204 130 334 200 120 320 404 250 654

71-80 72 50 122 50 42 92 122 92 214

81-90 21 16 37 11 9 20 32 25 57

91-100 10 5 15 5 2 7 15 7 22

100 e + 1 0 1 1 0 1 2 0 2

N Determinados 40 35 75 22 32 54 62 67 129

Total 9.618 8.066 17.684 8.806 4.879 13.685 18.424 12.945 31.369

Fonte: Recenseamento Geral do Império, 1872. Apud Bassanezi, 1998.

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Anexo 3

Tabela 2: População livre, estrangeira e escrava

Municípios selecionados - Província de São Paulo

1854-1886

1854 Municípios

Total Livre Total Estrangeira Total Escrava Total

Araraquara 6.245 9 1.588 7.842

Campinas 5.725 327 8.149 14.201

Mogi-Mirim 17.549 76 7.309 24.934

Piracicaba 4.839 19 1.370 6.228

Rio Claro 8.414 250 2.184 10.848

São Paulo 25.321 889 6.378 32.588

Província de São Paulo 294.784 6.757 116.991 418.532

1872 Municípios

Total Livre Total Estrangeira Total Escrava Total

Araraquara 5.687 24 1.417 7.128

Campinas 15.740 1.972 13.685 31.397

Mogi-Mirim 15.869 593 5.006 21.468

Piracicaba 12.811 755 5.414 18.980

Rio Claro 10.282 818 3.935 15.035

São Paulo 25.348 2.209 3.828 31.385

Província de São Paulo 664.175 16.567 156.612 837.354

1886 Municípios

Total Livre (Bras + Estrang)* Total Escrava Total

Araraquara 8.259 1.300 9.559

Campinas 31.267 9.986 41.253

Mogi-Mirim 12.635 2.300 14.935

Piracicaba 18.734 3.416 22.150

Rio Claro 16.829 3.304 20.133

São Paulo 47.204 493 47.697

Província de São Paulo 1.102.340 107.085 1.209.425 Fonte: Quadro Estatístico da População da Província de São Paulo recenseada no anno de 1854; Recenseamento Geral do Império de 1872; Commissão Central de Estatistica. São Paulo, 1888. Apud Bassanezi, 1998

* Em 1886, não há informação sobre a população estrangeira para o município de Campinas. Neste caso, optou-se por considerar brasileiros e estrangeiros conjuntamente na população para todos os municípios selecionados

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330

Anexo 4 Tabela 3.1: População brasileira e estrangeira Brasil - 1900-1950

Censos Pop. Bras. Tx Cresc. (%a.a.)

Pop. Estr. Tx Cresc. (%a.a.)

% Pop. Estr.

Total Tx Cresc. (%a.a.)

Tx Cresc. (%a.a.)

1900-1950

1900 16.364.923 1.074.511 6,16 17.439.434

2,9 1,9 2,9

1920 29.069.644 1.565.961 5,11 30.635.605 1,6 -0,5 1,5

1940 39.752.979 1.406.342 3,42 41.159.321 2,5 -1,5 2,4

1950 50.730.213 1.214.184 2,34 51.944.397

2,2

Fonte: Censos de 1900, 1920, 1940 e 1950. Apud BASSANEZI, 1996, p.11

Tabela 3.2: População total e estrangeira Estado de São Paulo - 1900-1950

Censos Pop. Total Tx Cresc. (%a.a.) Tx Cresc. (%a.a.)

1900-1950 Pop. Estr.

Tx Cresc. (%a.a.)

% Pop. Estr.

1900 2.279.608 478.417 21,0 3,6 2,8 1920 4.592.188 829.851 18,1 2,3 -0,1 1940 7.180.316 814.102 11,3 2,4 -1,6 1950 9.134.423

2,8

693.321 7,6 Fonte: Censos de 1900, 1920, 1940 e 1950. Apud BASSANEZI, 1996, p.12

Tabela 3.3: Proporção da População urbana (%) - Cidades de 20 mil habitantes e mais Regiões e Estado de São Paulo 1920-1940

Regiões do Brasil e estado de São Paulo

1920 1940

Norte 15,6 15,8 Nordeste 10,1 8,9 Leste 14,5 19,1

São Paulo 29,2 26,7 Sul 14,6 11,2 Centro-Oeste 2,8 1,8 Fonte: VILLELA & SUZIGAN (1973) apud FAUSTO (2000, p.391)659

659 VILLELA, A.V. & SUZIGAN, W. Política do governo e crescimento da economia brasileira: 1889-1945. Rio de Janeiro: IPEA/INPES, 1973

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Anexo 5 Tabela 4.1: Quantidade de municípios existentes, por década Brasil, segundo grandes regiões

1900-1960

Regiões 1900 1910 1920 1930 1940 1950 1960 Incremento absoluto 1900-1960

Norte 38 46 48 50 88 99 120 82

Nordeste 394 405 419 478 584 609 903 509

Sul 116 121 140 156 181 224 414 298

Sudeste 351 367 438 533 641 845 1.085 734

Centro-Oeste 37 44 52 55 80 112 244 207

Brasil 936 983 1.097 1.272 1.574 1.889 2.766 1830

Fonte: IBGE. Cidades e Vilas, 1998. Apud SIQUEIRA, 2003, p.43;48. Tabela 4.2: Quantidade de municípios criados, por período

Estado de São Paulo, por regiões administrativas

1900-1955

1900-1930 1931-1945 1946-1955 1900-1955 Regiões Administrativas

n % n % n % n %

Araçatuba 6 23,1 8 30,8 12 46,2 26 100,0 Baixada Santista 0 0,0 1 50,0 1 50,0 2 100,0 Barretos 6 46,2 2 15,4 5 38,5 13 100,0 Bauru 11 42,3 2 7,7 13 50,0 26 100,0 Campinas 5 17,2 5 17,2 19 65,5 29 100,0 Central 2 33,3 1 16,7 3 50,0 6 100,0 Franca 5 38,5 3 23,1 5 38,5 13 100,0 Marília 17 48,6 11 31,4 7 20,0 35 100,0 Pres. Prudente 3 8,3 8 22,2 25 69,4 36 100,0 Registro 1 14,3 2 28,6 4 57,1 7 100,0 Ribeirão Preto 5 62,5 1 12,5 2 25,0 8 100,0 RMSP 1 9,1 2 18,2 8 72,7 11 100,0 S. J. Rio Preto 19 41,3 8 17,4 19 41,3 46 100,0 S. J. Campos 1 14,3 3 42,9 3 42,9 7 100,0 Sorocaba 6 37,5 6 37,5 4 25,0 16 100,0

Estado de São Paulo 88 31,3 63 22,4 130 46,3 281 100,0

Fonte: IBGE. Cidades e Vilas, 1998. Apud SIQUEIRA, 2003, p.86;92;97.

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Anexo 6 Tabela 5: População total

Estado de São Paulo, segundo regiões administrativas

1900-1960

Regiões Administrativas 1900 1920 1940 1950 1960 Tx cresc. (%a.a.)

1900-1960

Araçatuba 0 43.871 257.771 416.452 482.109 6,2 B. Santista 50.389 114.472 201.279 267.387 413.835 3,6 Barretos 14.759 142.492 202.152 203.438 232.624 4,7 Bauru 67.793 287.345 548.380 507.868 556.636 3,6 Campinas 466.066 1.027.645 997.945 1.153.360 1.531.398 2,0

Município de Campinas 67.694 115.567 129.940 152.540 219.303 2,0 Central 161.969 301.030 331.388 288.973 343.274 1,3 Franca 42.760 184.565 238.564 263.425 299.191 3,3 Marília 7.052 105.599 523.978 620.672 689.612 7,9 Pres. Prudente 0 0 216.500 525.880 685.745 5,9 Registro 8.265 60.575 73.353 94.249 104.380 4,3 Ribeirão Preto 156.919 339.279 304.203 294.682 383.279 1,5 RMSP 302.787 702.248 1.568.045 2.662.786 4.854.414 4,7

Município de São Paulo 239.820 579.033 1.326.261 2.198.096 3.781.446 4,7 S. J. Rio Preto 0 203.778 558.215 614.023 840.802 3,6 S. J. Campos 293.282 428.234 392.529 477.235 610.559 1,2 Sorocaba 208.142 581.965 693.629 739.951 920.379 2,5 Municípios não especificados* 502.096 69.090 72.385 4.042 30.812 Estado de São Paulo** 2.282.279 4.592.188 7.180.316 9.134.423 12.979.049 2,9

Fonte de dados brutos: Fundação Seade – Cem Anos de História das Estatísticas Demográficas, 2001

* Os números enquadrados nesta categoria referem-se à contagem da população sem a especificação do município de residência onde o evento ocorreu. É o que contribuiu para que a contagem da população total do estado não correspondesse com a soma da população dos municípios, sendo o valor deste último inferior ao valor calculado para o total do estado. Vale ressaltar que para o ano de 1920 não foi registrado o evento nesta categoria por que, segundo os dados do Seade, o cálculo populacional para o estado é inferior à soma da população de cada município – diante disso, optou-se por considerar para o total do estado o maior valor.

** A população total do estado, assim como a população das regiões administrativas, foi calculada a partir dos dados do produto da Fundação Seade especificado acima. Para manter a coerência com outros dados apresentados neste trabalho, fez a correção para os anos de 1920, 1950 e 1960. Assim, para 1920, decidiu-se considerar o valor disponibilizado em Bassanezi (1998) e, para 1950 e 1960, os valores apresentados por Baeninger (1996).

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333

Anexo 7 Tabela 6.1: População brasileira e estrangeira

Brasil - 1872-1920

Censos Pop. Bras. Pop. Estr. % Pop. Estr. Total

1872 9.723.602 388.459 3,84 10.112.061

1890 13.982.370 351.545 2,45 14.333.915

1900 16.364.923 1.074.511 6,16 17.439.434

1920 29.069.644 1.565.961 5,11 30.635.605

Fonte: Censos demográficos 1872, 1890, 1900 e 1920 apud Bassanezi, 1996, p.11

Tabela 6.2: População estrangeira

Brasil - Regiões e Estados selecionados

1872-1920

1872 1890 1900 1920 Regiões e Estados selecionados n % n % n % n %

NORTE 8.728 2,2 7.316 2,1 4.083 0,4 42.525 2,7

NORDESTE 51.474 13,2 31.783 9,0 16.838 1,6 27.130 1,7

SUDESTE 264.895 68,0 265.383 75,5 837.702 77,9 1.224.270 78,2

São Paulo 29.622 7,6 75.030 21,3 478.417 44,5 829.851 53,0

Rio de Janeiro 184.182 47,3 140.492 40,0 246.472 22,9 289.960 18,5

SUL 61.324 15,7 46.116 13,1 204.435 19,0 245.021 15,6

Paraná 3.627 0,9 5.153 1,5 39.786 3,7 62.753 4,0

R. G. Sul 41.723 10,7 34.765 9,9 135.099 12,6 151.025 9,6

Sta. Catarina 15.974 4,1 6.198 1,8 29.550 2,7 31.243 2,0

CENTRO-OESTE 2.036 0,5 1.020 0,3 11.253 1,0 27.015 1,7

BRASIL 389.459 100,0 351.545 100,0 1.074.671 100,0 1.565.961 100,0

FONTE: LEVY, 1974660 apud BASSANEZI, 1996, p.13

660 LEVY, M.S. O papel da migração internacional na evolução da população brasileira 1872-1972. Revista de Saúde Pública, no.8, 1974.

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334

Anexo 8 Tabela 7.1: População brasileira segundo região de origem

Província de São Paulo - Municípios selecionados

1872

Regiões e Estados de Origem Municípios

NORTE NORDESTE Bahia SUDESTE São Paulo SUL C. OESTE Total

Araraquara 0 155 115 6.591 6.391 66 87 6.899

Campinas 36 2.077 1.120 25.711 24.140 361 41 28.226

Mogi Mirim 4 1.407 575 18.190 16.897 331 175 20.107

Piracicaba 0 870 547 15.698 14.617 422 248 17.238

Rio Claro 0 530 219 12.757 12.142 48 205 13.540

São Paulo 11 463 246 38.172 37.269 395 111 39.152

Província de São Paulo 365 24.908 12.089 766.442 723.683 10.693 5.324 807.732

Fonte: Recenseamento Geral do Império de 1872.

Tabela 7.2: População brasileira segundo região de origem (%)

Província de São Paulo - Municípios selecionados

1872

Regiões de Origem Municípios

NORTE NORDESTE Bahia SUDESTE São Paulo SUL C. OESTE Total

Araraquara 0,0 2,2 1,7 95,5 92,6 1,0 1,3 100,0

Campinas 0,1 7,4 4,0 91,1 85,5 1,3 0,1 100,0

Mogi Mirim 0,0 7,0 2,9 90,5 84,0 1,6 0,9 100,0

Piracicaba 0,0 5,0 3,2 91,1 84,8 2,4 1,4 100,0

Rio Claro 0,0 3,9 1,6 94,2 89,7 0,4 1,5 100,0

São Paulo 0,0 1,2 0,6 97,5 95,2 1,0 0,3 100,0

Província de São Paulo 0,0 3,1 1,5 94,9 89,6 1,3 0,7 100,0

Fonte: Recenseamento Geral do Império de 1872.

Tabela 7.3: População brasileira segundo região de origem (%)

Província de São Paulo - Municípios selecionados

1872

Regiões e Estados de Origem Municípios

NORTE NORDESTE Bahia SUDESTE São Paulo SUL C. OESTE Total

Araraquara 0,0 0,6 1,0 0,9 0,9 0,6 1,6 0,9

Campinas 9,9 8,3 9,3 3,4 3,3 3,4 0,8 3,5

Mogi Mirim 1,1 5,6 4,8 2,4 2,3 3,1 3,3 2,5

Piracicaba 0,0 3,5 4,5 2,0 2,0 3,9 4,7 2,1

Rio Claro 0,0 2,1 1,8 1,7 1,7 0,4 3,9 1,7

São Paulo 3,0 1,9 2,0 5,0 5,1 3,7 2,1 4,8

Província de São Paulo 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

Fonte: Recenseamento Geral do Império de 1872.

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335

Anexo 9 Tabela 8.1: População brasileira e estrangeira

Brasil - 1872-1920

Censos Pop. Bras. Tx. Cresc. (%a.a.) - 1872-1920

Pop. Estr. Tx. Cresc. (%a.a.) - 1872-1920

% Pop. Estr./ Pop. Bras.

Total

1872 9.723.602 388.459 3,84 10.112.061

1890 13.982.370 351.545 2,45 14.333.915

1900 16.364.923 1.074.511 6,16 17.439.434

1920 29.069.644

2,3

1.565.961

2,9

5,11 30.635.605

Fonte: Censos demográficos 1872, 1890, 1900 e 1920 apud Bassanezi, 1996, p.11

Tabela 8.2: População estrangeira

Brasil - Regiões e Estados selecionados 1872-1920

1872 1890 1900 1920 Regiões e Estados selecionados n % n % n % n %

NORTE 8.728 2,2 7.316 2,1 4.083 0,4 42.525 2,7 NORDESTE 51.474 13,2 31.783 9,0 16.838 1,6 27.130 1,7

SUDESTE 264.895 68,0 265.383 75,5 837.702 77,9 1.224.270 78,2

São Paulo 29.622 7,6 75.030 21,3 478.417 44,5 829.851 53,0 Rio de Janeiro 184.182 47,3 140.492 40,0 246.472 22,9 289.960 18,5

SUL 61.324 15,7 46.116 13,1 204.435 19,0 245.021 15,6 Paraná 3.627 0,9 5.153 1,5 39.786 3,7 62.753 4,0

R. G. Sul 41.723 10,7 34.765 9,9 135.099 12,6 151.025 9,6

Sta. Catarina 15.974 4,1 6.198 1,8 29.550 2,7 31.243 2,0 CENTRO-OESTE 2.036 0,5 1.020 0,3 11.253 1,0 27.015 1,7

BRASIL 389.459 100,0 351.545 100,0 1.074.671 100,0 1.565.961 100,0

FONTE: LEVY, 1974 apud BASSANEZI, 1996, p.13