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Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e Ciências Humanas THIAGO NOGUEIRA CYRINO A CADEIA PRODUTIVA DA CARNE E A POLÍTICA NEODESENVOLVIMENTISTA DOS GOVERNOS LULA (2003-2010) CAMPINAS 2017

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Universidade Estadual de Campinas

Instituto de Filosofia e Ciências Humanas

THIAGO NOGUEIRA CYRINO

A CADEIA PRODUTIVA DA CARNE E A POLÍTICA

NEODESENVOLVIMENTISTA DOS GOVERNOS LULA (2003-2010)

CAMPINAS

2017

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THIAGO NOGUEIRA CYRINO

A CADEIA PRODUTIVA DA CARNE E A POLÍTICA

NEODESENVOLVIMENTISTA DOS GOVERNOS LULA (2003-2010)

Dissertação apresentada ao Instituto de

Filosofia e Ciências Humanas da

Universidade Estadual de Campinas como

parte dos requisitos exigidos para a

obtenção do título de Mestre em Ciência

Política.

Supervisor/Orientador: Prof. Dr. Armando Boito Júnior

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA

DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELO ALUNO THIAGO

NOGUEIRA CYRINO, E ORIENTADA PELO PROF. DR.

ARMANDO BOITO JÚNIOR.

CAMPINAS

2017

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Agência(s) de fomento e nº(s) de processo(s): CNPq, 130591/2015-7

Ficha catalográfica Universidade Estadual de Campinas

Biblioteca do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas

Cecília Maria Jorge Nicolau – CRB 8/3387

Cyrino, Thiago Nogueira, 1991-

C993c A cadeia produtiva da carne e a política neodesenvolvimentista dos Governos

Lula (2003-2010) / Thiago Nogueira Cyrino. – Campinas, SP: [s. n.], 2017.

Orientador: Armando Boito Júnior.

Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de

Filosofia e Ciências Humanas.

1. Silva, Luiz Inácio Lula da, 1945-. 2. Pecuaristas. 3. Frigoríficos. 4. Brasil –

Política e governo, 2003-2010. I. Boito Júnior, Armando, 1949-. II.

Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Ciências

Humanas. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: The beef production chain and the neo-developmental policy of the

Lula governments (2003-2010).

Palavras-chave em inglês:

Cattle ranchers

Cattle slaughterhouses

Brazil – Politics and government, 2003-2010

Área de concentração: Ciência Política

Titulação: Mestre em Ciência Política

Banca Examinadora:

Armando Boito Júnior [Orientador]

Wagner Pralon Mancuso

José Marcos Nayme Novelli

Data de defesa: 17-04-2017

Programa de Pós-Graduação: Ciência Política

Cyrino, Thiago Nogueira, 1991-

C993c A cadeia produtiva da carne e a política neodesenvolvimentista dos

Governos Lula (2003-2010) / Thiago Nogueira Cyrino. – Campinas, SP: [s.

n.], 2017.

Orientador: Armando Boito Júnior.

Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de

Filosofia e Ciências Humanas.

1. Silva, Luiz Inácio Lula da, 1945-. 2. Pecuaristas. 3. Frigoríficos. 4.

Brasil – Política e governo, 2003-2010. I. Boito Júnior, Armando, 1949-. II.

Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Ciências

Humanas. III. Título.

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Universidade Estadual de Campinas

Instituto de Filosofia e Ciências Humanas

A Comissão Julgadora dos trabalhos de Defesa de Dissertação de Mestrado, composta pelos

Professores Doutores a seguir descritos, em sessão publicada realizada em 14/04/2017,

considerou o candidato Thiago Nogueira Cyrino aprovado.

Prof. Dr. Armando Boito Júnior

Prof. Dr. Wagner Pralon Mancuso

Prof. Dr. José Marcos Nayme Novelli

A Ata de Defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de

vida acadêmica do aluno.

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Resumo

Esta dissertação estuda a organização e o posicionamento políticos dos principais elos

burgueses ligados à cadeia produtiva de carne bovina no Brasil – quais sejam, os pecuaristas e

os frigoríficos –, ao longo dos Governos Lula (2003 a 2010). O foco do trabalho são,

principalmente, os conflitos políticos que esses elos empreenderam entre si, as suas demandas

políticas direcionadas ao Estado – e como este as atendeu, ou não, por meio de suas ações

políticas – e, em menor medida, a relação desses elos com forças sociais que compõem a frente

política neodesenvolvimentista.

Palavras chave: pecuaristas; frigoríficos; burguesias; cadeia produtiva de carne bovina;

Governos Lula; políticas estatais; neodesenvolvimentismo.

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Abstract

This dissertation studies the organization and political positioning of the main bourgeois sectors

linked to the beef production chain in Brazil - cattle ranchers and slaughterhouses – along the

Lula governments (2003 to 2010). The focus of the work are the political conflicts that those

sectors undertaken between themselves, their political demands directed at the state – and how

the state has complied, or haven’t, with them through its political actions – and, to a lesser

extent, the relation of these sectors with social forces that compose the neo-developmental

political front.

Keywords: cattle ranchers; cattle slaughterhouses; bourgeoisies; beef production chain; Lula

governments; state policies; neo-developmentalism.

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Lista de Abreviaturas

ABAG – Associação Brasileira de Agrobusiness

ABC – Associação Brasileira dos Criadores

ABCZ – Associação Brasileira dos Criadores de Zebu

ABIEC – Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne

ABRAFRIGO – Associação Brasileira de Frigoríficos

ABRAS – Associação Brasileira de Supermercados

ALCA – Área de Livre Comércio das Américas

APEX-BRASIL – Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos

BND – Base Nacional de Dados

BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica

CNA – Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil

COFINS – Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social

CONSECANA – Conselho dos Produtores de Cana-de-açúcar, Açúcar e Álcool

CONTAG – Confederação dos Trabalhadores na Agricultura

DEM – Democratas

FAPEMIG – Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais

FENAPEC – Fórum Nacional Permanente da Pecuária de Corte

FHC – Fernando Henrique Cardoso

FUNRURAL – Fundo de Apoio ao Trabalhador Rural

IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis

MAPA – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento

MERCOSUL – Mercado Comum do Sul

MP – Medida Provisória

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MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

OMC – Organização Mundial do Comércio

ONGs – Organizações Não Governamentais

PFL – Partido da Frente Liberal

PIB – Produto Interno Bruto

PIS – Programa de Integração Social

PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro

PNDH-3 – Programa Nacional de Direitos Humanos, terceira versão

PP – Partido Progressista

PPS – Partido Popular Socialista

PR – Partido da República

PSD – Partido Social Democrático

PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira

PT – Partido dos Trabalhadores

PTB – Partido Trabalhista Brasileiro

PTC – Partido Trabalhista Cristão

SISBOV – Sistema Brasileiro de Identificação e Certificação de Origem Bovina e Bubalina

SRB – Sociedade Rural Brasileira

UDR – União Democrática Ruralista

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Sumário 1. Introdução ..................................................................................................................................... 10

1.1. O objeto, os objetivos e as hipóteses .......................................................................................... 10

1.2. A teoria ....................................................................................................................................... 13

1.3. Neodesenvolvimentismo e bloco no poder no Brasil (2003-2010) ............................................ 21

1.4. Os métodos, as fontes e a organização da pesquisa ................................................................... 28

2. Capítulo 1: Os Pecuaristas ............................................................................................................. 30

2.1. Os grandes pecuaristas: demandas políticas e ação estatal ........................................................ 32

2.1.1. A ABC e a ABCZ ................................................................................................................ 32

2.1.2. A política econômica ........................................................................................................... 34

2.1.3. A política ambiental ............................................................................................................ 40

2.1.4. A rastreabilidade bovina ...................................................................................................... 42

2.1.5. A política externa ................................................................................................................ 51

2.1.6. Os grandes pecuaristas e as classes populares ..................................................................... 54

2.1.7. Os conflitos no interior do bloco no poder .......................................................................... 59

2.1.8. A representatividade e a participação políticas ................................................................... 66

2.2. Breve nota sobre os pequenos e os médios pecuaristas: a ausência de organização em âmbito

nacional como fraqueza política ........................................................................................................ 81

3. Capítulo 2: Os Frigoríficos ................................................................................................................ 84

3.1. Os grandes frigoríficos: demandas políticas e ação estatal ........................................................ 86

3.1.1. A ABIEC ............................................................................................................................. 86

3.1.1.1. A postura de burguesia interna ..................................................................................... 87

3.1.1.1.1. Os grandes frigoríficos, os Governos Lula e o Irã................................................. 94

3.1.1.2. A conjuntura e as políticas econômicas dos Governos Lula ........................................ 97

3.2. Os pequenos e médios frigoríficos: demandas políticas e ação estatal ...................................... 99

3.2.1. A ABRAFRIGO .................................................................................................................. 99

4. Considerações Finais ....................................................................................................................... 107

5. Referências ...................................................................................................................................... 111

5.1. Teses, projetos, artigos acadêmicos, livros e capítulos ............................................................ 111

5.2. Jornais, revistas, anuários e artigos jornalísticos ...................................................................... 113

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1. Introdução

1.1. O objeto, os objetivos e as hipóteses

O objeto de estudo desta dissertação é a organização e o posicionamento políticos dos principais

elos ou subsistemas burgueses ligados à cadeia produtiva de carne bovina no Brasil – quais

sejam, os pecuaristas e os frigoríficos –, ao longo dos Governos Lula, cujo primeiro mandato

se deu entre os anos de 2003 a 2006 e, o segundo, entre 2007 a 2010.

O foco do trabalho são, principalmente, os conflitos que esses elos empreenderam entre

si no interior do bloco no poder, as suas demandas políticas direcionadas ao Estado – e como

este as atendeu, ou não, por meio de suas ações políticas – e, em menor medida, a relação desses

subsistemas com forças sociais que compõem a frente política neodesenvolvimentista.

A escolha de tal objeto justifica-se pelo fato de terem ocorrido, no decorrer dos

Governos Lula, importantes transformações no interior do bloco no poder no Brasil. Contudo,

permanece a lacuna de estudos que analisam em detalhe a organização e a atuação políticas dos

setores que sofreram e precipitaram tais mudanças, falha essa que vem sendo superada, por

exemplo, pelos participantes do projeto temático Política e Classes Sociais no Capitalismo

Neoliberal, coordenado por Boito Jr. (2015).

De qualquer modo, os principais elos burgueses vinculados à cadeia produtiva de carne

bovina no Brasil, as suas relações políticas com o Estado e com outras forças sociais não foram

analisados em profundidade até o presente momento. Na realidade, são poucos os estudos que

têm como tema, na área de Ciência Política, essa cadeia produtiva: os mais comuns, apesar de

pouco numerosos, tratam de assuntos como a atuação da “bancada do boi” no Congresso

Nacional, dentre outros, os quais, embora relacionados à esta dissertação, apresentam focos

consideravelmente diferentes.

Em contrapartida, em áreas de conhecimento como a Economia e a Agronomia a cadeia

produtiva em questão é vastamente estudada. Alguns poucos exemplos são os trabalhos de

Golani e Moita (2010), Zucchi e Caixeta-Filho (2010), Pigatto et. al (2006), Santos et. al (2013),

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DE ZEN et. al (2008) e Tirado et. al (2008), os quais foram estudados no decorrer da realização

desta pesquisa.

Isto posto, o objetivo geral deste trabalho é auxiliar a comprovação empírica das

referidas transformações no interior do bloco no poder, no Brasil, ao longo dos Governos Lula.

Dessa forma, também esperamos contribuir ao debate que gira em torno de diversas questões

relacionadas aos governos petistas, no qual podemos incluir autores como Leda Paulani, Luiz

Filgueiras, Reinaldo Gonçalves, dentre outros, que, em maior ou menor medida, consideraram

que houve mais continuidade do que mudanças na passagem dos Governos Fernando Henrique

Cardoso (FHC) para os Governos Lula; como Emir Sader, que enfatiza, no decorrer do período

2003 a 2010, a luta entre os projetos políticos neoliberal e neodesenvolvimentista, estando estes,

porém, em sua análise, desvinculados dos conflitos de classes; como Valério Arcary, que, ao

invés de conceber os fracionamentos das classes dominantes, compreendeu os governos petistas

como governos da burguesia em seu conjunto; contrariamente, para Valter Pomar, esses mesmos

governos representariam os trabalhadores, sendo combatidos pelas “elites” (BOITO JR., 2016);

como Francisco de Oliveira (2006; 2007; 2009), com sua tese de nova classe dominante, na

qual ressaltou o controle dos fundos de pensão por parte de sindicalistas; como Carlos Nelson

Coutinho (2010), que, a partir de uma ótica gramsciniana, falou em uma “hegemonia da

pequena política”, referindo-se à manutenção do neoliberalismo no Brasil sob os governos do

PT; como André Singer (2009), que interpretou os Governos Lula como um árbitro, apoiado

pelo “subproletariado”, a duas coalizações contrapostas, por ele denominadas de “rentista” e

“produtivista”: enquanto a primeira seria formada pelo capital financeiro e a classe média

tradicional, a segunda contaria com “empresários industriais associados à fração organizada da

classe trabalhadora” (SINGER, 2015, p. 58); e, finalmente, como Armando Boito Jr. (2012a),

que defendeu tratarem-se de governos voltados sobretudo aos interesses do que ele chama de

grande burguesia interna, a qual apoiou-se politicamente numa frente política de caráter

neodesenvolvimentista. É nesta última tese, aliás, que esta dissertação se baseia, buscando testá-

la no caso da cadeia produtiva de carne bovina, tese essa que se diferencia das demais, grosso

modo e de uma maneira geral, por dar mais atenção, em suas análises relativas ao período em

questão, às transformações entre os Governos FHC e Lula e aos conflitos entre as classes e

frações dominantes, tanto locais quanto estrangeiras. Em outras palavras, apesar de tratar-se de

um estudo de caso, esta dissertação insere-se num debate mais amplo da literatura atual e espera

a ele contribuir.

Cabe apontar, ademais, que esta dissertação segue a tradição daquilo que poderíamos

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denominar de Escola Poulantziana da Universidade Estadual de Campinas, ou seja, um conjunto

de autores e autoras que realizam seus trabalhos acadêmicos com base nas obras de Nicos

Poulantzas, tais como Décio Saes, Armando Boito Júnior, Renato Perissinotto (1994), Francisco

Pereira de Farias (2010), Tatiana Berringer (2014) – os quais e a qual também estudamos, a fim

de aprender sobre a aplicação, em casos concretos, de teorias e métodos marxistas,

principalmente poulantzianos –, dentre outros autores e autoras, sendo uma das principais

características de tais teorias e métodos poulantzianos a ênfase nos conflitos entre as classes e

frações dominantes.

Como objetivo específico, analisaremos a organização e o posicionamento políticos dos

setores que consideramos como os principais elos burgueses ligados à cadeia produtiva de carne

bovina no Brasil, ou seja, os pecuaristas e os frigoríficos, tendo como foco as suas atuações

políticas em relação à ação estatal e às suas disputas no interior do bloco no poder, ao longo do

período 2003 a 2010.

Consoante a Buainain e Batalha (2007), a cadeia produtiva de carne bovina no Brasil é

composta por cinco elos ou subsistemas: o de apoio, que diz respeito aos agentes

transportadores e de insumos básicos, como rações, vacinas, etc.; o de produção da matéria-

prima, isto é, os pecuaristas que criam, recriam e/ou engordam o gado bovino de corte; o de

industrialização, ou seja, os frigoríficos e matadouros que abatem os animais e/ou agregam

valor à carne; o de comercialização, que engloba os exportadores, os atacadistas, os varejistas

e as empresas de alimentação, tais como restaurantes, hotéis, hospitais, escolas, presídios, etc.;

e, finalmente, os consumidores finais.

Entretanto, nos marcos desta dissertação, optamos por estudar somente aqueles

subsistemas que se envolvem direta e prioritariamente com a produção de carne bovina; por

isso, excluímos de nossa análise os elos de apoio, de consumo e de comercialização, uma vez

que as suas metas principais não necessariamente encontram-se ligadas, especificamente, desde

uma perspectiva burguesa, à carne bovina: o subsistema de consumo, além de se referir

sobretudo às classes populares, não se organiza politicamente em nível nacional a fim de

reivindicar, por exemplo, menores preços para a carne bovina; o varejo e as empresas de

alimentação, por sua vez, não dependem, geralmente, em excesso, desse produto – com exceção

dos açougues, que não se organizam politicamente em nível nacional; e o subsistema de apoio,

finalmente, é composto por empresas que muitas vezes não tem como foco o gado de corte, mas

o gado de leite ou outros animais, no caso dos setores de insumos, e até mesmo mercadorias

completamente diferentes da carne bovina, no caso dos transportes.

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As hipóteses essenciais levantadas nesta pesquisa são as que seguem: (1) a contradição

fundamental que atravessou os principais setores ligados à cadeia produtiva de carne bovina no

Brasil, ao longo dos Governos Lula, foi aquela que dividiu o grande capital, de um lado, e o

pequeno e o médio capitais, de outro, tendo as políticas estatais como referência; (2) os grandes

pecuaristas se comportaram, em geral, ao longo do período 2003 a 2010, como burguesia

interna, mas, apesar disso, mantiveram mais proximidade com os partidos do campo político

conservador, de orientação neoliberal ortodoxa e, desse modo, atuaram em grande medida como

oposição aos Governos Lula, embora os tenham apoiado em algumas ocasiões importantes; (3)

os pequenos e médios pecuaristas tiveram pouca ou nenhuma influência política em nível

nacional ao longo do período em questão, sendo o maior indicativo disso a sua falta de

organização política em âmbito nacional; (4) os grande frigoríficos fizeram parte tanto da frente

neodesenvolvimentista quanto da grande burguesia interna, compondo plenamente, assim, a

fração que ascendeu no interior do bloco no poder sob os governos petistas; e (5) os pequenos

e médios frigoríficos se comportaram como burguesia interna durante o período em estudo,

porém, tiveram seus interesses preteridos pela política estatal em favor do grande capital.

1.2. A teoria

Antes de darmos início à análise de nosso objeto de estudo, faz-se necessário um esclarecimento

sobre os conceitos teóricos que serão mobilizados ao longo desta dissertação, tais como bloco

no poder, fração de classe social, burguesia interna, dentre outros, os quais, cabe ressaltar, não

temos pretensão de desenvolver em nível teórico: trata-se apenas de uma exposição. De

qualquer modo, essas considerações poderão despertar a (justa) desconfiança do leitor; afinal,

em muitos trabalhos, a introdução teórica não apresenta uma forte relação com a análise

empírica. Atrevemo-nos a dizer que este não é o nosso caso. Passemos imediatamente às

considerações.

O bloco no poder é um conceito que indica o conjunto das classes e/ou frações de classe

politicamente dominantes de uma formação social capitalista, sendo composto, portanto, de um modo

geral, por classes e frações burguesas. No entanto, esse conjunto de classes e frações dominantes não é

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coeso, ao contrário do que poderíamos deduzir à primeira vista. Na verdade, trata-se de uma união eivada

de conflitos e interesses contraditórios: daí o fracionamento das classes dominantes (POULANTZAS,

1977).

A ação política do Estado capitalista, no que toca aos interesses de classe, pode ser subdividida,

analiticamente, em: política econômica, isto é, medidas fiscais, creditícias, monetárias, cambiais, etc.;

política externa, ou seja, ações que dizem respeito fundamentalmente às relações entre Estados de

diferentes formações sociais; política social, a qual se refere às deliberações estatais dirigidas às classes

trabalhadoras quanto a temas como política salarial, previdenciária, educacional, de saúde, de

distribuição de terras, etc.; e política de ordem, que a visa a manutenção da ordem burguesa. Enquanto

as políticas econômica e externa são alvos de amplas disputas entre as classes e frações dominantes, a

política de ordem tende a ser, entre essas classes e frações, objeto de maior consenso. A política social,

por sua vez, encontra-se geralmente em situações mais complexas, uma vez que, grosso modo, envolve

ainda mais diretamente os interesses das classes populares, podendo beneficiar ou não também certas

classes ou frações dominantes, a depender da conjuntura.

Portanto, o Estado capitalista atua normalmente de modo a atender aos interesses do

bloco no poder, em prejuízo dos interesses das classes dominadas. Isso ocorre porque o Estado

capitalista, entendido ao mesmo tempo como uma condensação de relações sociais e um

aparelho – mas não um instrumento – de dominação, tem como principal função assegurar a

unidade e a coesão da formação social e, consequentemente, ele assegura também o domínio

das classes dominantes sobre as dominadas (POULANTZAS, 1977).

Além disso, no interior do bloco no poder, o Estado capitalista ainda atende, em geral e

prioritariamente, aos interesses da classe ou fração dominante que é hegemônica, isto é, a classe

ou fração "que polariza politicamente os interesses das outras classes ou frações que dele fazem

parte" (POULANTZAS, 1977, p. 293-294, grifo na obra original).

Contudo, apesar de o Estado capitalista atender aos interesses da classe ou fração

hegemônica, em primeiro lugar, do conjunto do bloco no poder, em segundo, e das demais

forças sociais presentes em seu território – o que inclui também as classes dominadas –, em

último, essa resposta estatal às demandas sociais não ocorre de maneira mecânica ou

instrumental, uma vez que o Estado capitalista conta com uma autonomia relativa ao conjunto

das forças sociais (POULANTZAS, 1977).

Por sua vez, o fracionamento das classes dominantes de uma formação social é, via de

regra, complexo e mutável ao longo do tempo. Porém, de forma analítica e didática, podem-se

distinguir três linhas gerais de fracionamento, que em análises da realidade concreta

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provavelmente não aparecerão de maneira "pura", mas sim entrelaçadas: (1) o fracionamento

que tem como base a esfera econômica, no qual as frações burguesas se dividem entre burguesia

industrial, comercial e bancária; (2) o fracionamento que depende da relação das classes

dominantes locais com o capital estrangeiro, caracterizando a burguesia como nacional, interna

ou compradora; e (3) o fracionamento que separa a burguesia em monopolista ou não-

monopolista (POULANTZAS, 1974).

No que diz respeito ao primeiro tipo desse sistema de fracionamento, é interessante notar

que, para Poulantzas (1977), a simples existência econômica de uma classe ou fração não a

projeta como uma força social, ou seja, como uma classe ou fração politicamente distinta e

autônoma. Para tanto, faz-se necessário que sua presença econômica se reflita nos planos

político e ideológico via uma presença específica, isto é, por aquilo o autor denomina de "efeitos

pertinentes". O problema é que Poulantzas não se aprofundou suficientemente no que seriam

esses "efeitos pertinentes". E não será esta dissertação a solucionar esta questão.

De qualquer modo, Saes (2001) descobriu uma maneira de verificar a preponderância

política, ou a hegemonia, de uma classe ou fração dominante sobre as demais: via a análise do

impacto da política econômica do Estado sobre o bloco no poder. Para os fins desta dissertação,

seria interessante acrescentar que, além da política econômica do Estado, a política social, a

política externa e a política de ordem também serão consideradas como fatores determinantes.

Ou seja, ao invés de considerarmos somente a política econômica, tomaremos em conta essas

quatro esferas (econômica, social, externa e de ordem) da ação estatal – no que concerne a

cadeia produtiva de carne bovina no Brasil ao longo dos Governos Lula. Portanto, as classes e

frações de classes só podem atuar como forças sociais quando elas, umas em relação às outras,

aglutinam-se e/ou organizam-se para rejeitar ou defender determinadas políticas estatais.

Vale a pena levarmos em conta também a existência de grupos multifuncionais, isto é,

conglomerados econômicos que atuam, ao mesmo tempo, em mais de uma esfera do capital

(indústria, comércio, banco). Segundo Farias (2009, p. 83), "esse fenômeno não anula a

existência das frações, uma vez que tais conglomerados tendem a sofrer o recorte dos interesses

setoriais, em razão do impacto das políticas do Estado no seio deles". Em outras palavras, o

mais provável é que uma dessas dimensões prevaleça no interior do grupo multifuncional,

aquela que, por exemplo, resulte em mais lucros para o conglomerado.

Ainda sobre o critério das funções do capital, faz-se necessário a consideração de outros

dois pontos: a burguesia agrária e o capital financeiro.

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Para Poulantzas (1977), pode acontecer de o bloco no poder de determinada formação

social capitalista não ser composto apenas por frações de classe burguesas. Essa possibilidade

existe porque, em seu entendimento, diferentes modos de produção podem conviver numa

mesma formação social, ainda que um deles, geralmente, predomine sobre os demais. Assim,

pode ocorrer, por exemplo, a existência de proprietários fundiários que, embora se encontrem

numa sociedade predominantemente capitalista, mantêm em suas fazendas relações de trabalho

de tipo pré-capitalista (servis ou escravistas, por exemplo). Nesses casos, esses proprietários

são considerados como uma classe à parte à burguesia, ainda que componham o bloco no poder

daquela formação social. No entanto, quando esses mesmos proprietários passam a incorporar,

em suas fazendas, técnicas propriamente capitalistas, surge a questão conceitual de como

caracterizá-los: ainda como uma classe à parte à burguesia, ou como uma fração burguesa? De

um lado, Rey (1976) acredita que os proprietários fundiários capitalizados continuam sendo

uma classe à parte, embora vinculada ao capitalismo, dado que a renda capitalista da terra

(arrendamento) seria um efeito de uma relação de tipo pré-capitalista. Por outro lado, Farias

(2009) interpreta a renda absoluta da terra como um lucro comercial, incluindo o arrendatário

como parte da burguesia comercial, enquanto que o proprietário rural que utiliza trabalho

assalariado poderia ser considerado como um burguês industrial. Assim, a burguesia agrária

seria aquela que utiliza aspectos comerciais ou industriais em sua produção, transformando-se

em multifuncional com a combinação dos dois. Ademais, a fim de conceitualizar a burguesia

agrária como uma classe ou fração de classe, Farias (2009, p. 87, grifo na obra original)

considera aspectos de ordem política e ideológica, dando como exemplo o caso brasileiro:

No Brasil recente, com a transformação da propriedade fundiária e a formação

de uma burguesia agrária, observa-se o surgimento de uma nova ideologia no

campo, que insere totalmente o mundo rural no universo capitalista, com a

substituição da mentalidade coronelista (semifeudal) pelo conservadorismo

burguês, o clientelismo. Dessa forma, torna-se plausível a assertiva de que a

bancada ruralista que se manifesta atualmente no Congresso Nacional já não

possui parentesco político-ideológico com os históricos coronéis.

Dentro dos marcos desta dissertação, utilizaremos a concepção de burguesia agrária defendida

por Farias.

Quanto ao capital financeiro, ele deve ser entendido como a fusão entre o capital

bancário e o capital industrial. Com a reunião dos capitais, as contradições próprias entre eles,

ao invés de serem abolidas, passam a se reproduzir sob uma nova forma no seio do capital

financeiro. Por isso, pode ocorrer tanto o capital monopolista dominante industrial, resultado

da concentração do capital industrial sobre o bancário; quanto o capital monopolista dominante

Page 17: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ... · classe trabalhadora” (SINGER, 2015, p. 58); e, finalmente, como Armando Boito Jr. (2012a), que defendeu tratarem-se

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bancário: grandes bancos que também atuam na esfera produtiva (POULANTZAS, 1974).

No que toca ao segundo tipo do sistema de fracionamento – aquele que mantém uma

separação entre capitais locais e estrangeiros e classifica as burguesias como nacional, interna

e compradora –, seria interessante elucidar certos pontos. Em primeiro lugar, entendemos que

a chamada "globalização" é melhor compreendida como uma mundialização do capital

(CHESNAIS, 1996), isto é, ao invés da ideia liberal pouco precisa de globalização, que indica

uma tendência a condições de maior igualdade econômica, política e cultural no sistema

internacional, acreditamos que o processo que vivenciamos atualmente é, na verdade, um

aprofundamento das desigualdades sociais em nível mundial e o aumento do poder do capital

sobre as classes dominadas.

Em segundo lugar, defendemos que a atual mundialização do capital não abala e não

suprime os Estados nacionais, num sentido de uma integração pacífica dos capitais, como

pretendem os teóricos liberais da globalização. De qualquer modo, essa mundialização afeta

profundamente as formas institucionais e as políticas desses Estados, pois ela significa a

interiorização de capitais estrangeiros no seio das diferentes formações sociais. Assim, a ação

política dos Estados nacionais é influenciada pelos interesses dos capitais estrangeiros – o que

é particularmente importante e notório nos Estados dependentes – em suas disputas com as

burguesias locais, nas quais existem contradições importantes. Entretanto, como a relação do

capital estrangeiro com o capital local não é meramente externa, a influência daquele atravessa

as diversas frações do capital local, o que explica, precisamente, parte da desarticulação deste.

Em outras palavras, o Estado Nacional, em seu papel de organizador da hegemonia, atua num

campo já atravessado pelas contradições interimperialistas, estando internacionalizadas as

contradições entre as classes e frações dominantes locais (POULANTZAS, 1974).

E, em terceiro lugar, esse capital que se mundializa nada mais é do que uma relação

social e, portanto, uma relação de dominação. Assim, ainda que na atual fase do capitalismo a

proveniência dos capitais seja complexa e difusa, é possível, em geral, localizar sua base

dominante (POULANTZAS, 1974).

Dito isso, entendemos por burguesia nacional a fração autóctone burguesa que detém

uma capacidade produtiva própria e é suscetível, em grande medida, a se opor aos interesses de

capitais estrangeiros, sendo, assim, relativamente autônoma. Em certas conjunturas de luta por

libertação nacional, ela pode adotar posições anti-imperialistas e ser considerada como parte do

"povo", pois é passível de realizar alianças com as classes dominadas (POULANTZAS, 1974).

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Contrariamente, a burguesia compradora é a fração burguesa que não tem uma

capacidade produtiva própria e atua como simples intermediária dos capitais estrangeiros em

sua formação social, estando, portanto, do triplo ponto de vista político, ideológico e

econômico, completamente imbricada aos interesses imperialistas (POULANTZAS, 1974). De

modo geral, a burguesia comercial – especialmente a dos setores de exportação e importação

de mercadorias – e a burguesia bancária – principalmente os bancos baseados em capitais

estrangeiros – são as frações que possuem maior inclinação a se comportarem como burguesia

compradora. Já a burguesia industrial, particularmente aquela voltada ao mercado interno, não

apresenta propensão a agir como burguesia compradora, uma vez que seus interesses

necessariamente se chocam com os interesses do capital industrial estrangeiro; a exceção são

justamente os ramos industriais dependentes desse capital (FARIAS, 2009).

Por sua vez, a burguesia interna é a fração burguesa que, apesar de dispor de uma

capacidade produtiva própria, é, ao mesmo tempo, dependente tecnológica e financeiramente

do capital estrangeiro. Por essa razão, essa fração assume uma postura ambígua frente a esse

capital: ora o apoia, ora a ele se opõe. Em outras palavras, a burguesia interna não possui as

mesmas condições estruturais de uma burguesia nacional, convivendo, no interior da formação

social, com setores propriamente compradores. Cabe considerar que não está excluída a

possibilidade das burguesias comercial e bancária se comportarem como burguesia interna,

oferecendo resistência à penetração de capitais estrangeiros em sua formação social. Farias

(FARIAS, 2009, p. 88) utiliza como exemplo a postura de burguesia interna que o capital

bancário local assumiu no Brasil da década de 1990:

por um lado, [a burguesia bancária] tem atritos com o imperialismo (tentou

opor-se à entrada de bancos estrangeiros), mas, por outro, vota em um

candidato a presidente do país [Fernando Henrique Cardoso (FHC)] que não

se opõe a uma política mais geral de liberalização. Ou seja, posiciona-se

contrariamente à penetração de banco estrangeiro no Brasil, mas não se

contrapõe à vinda de indústrias. Assim, tem esse capital brasileiro um

comportamento de conflito, em alguns aspectos, e ao mesmo tempo de

acomodação, em outros, sendo, pois, marcado pela ambigüidade.

Além disso, é relevante destacar que a burguesia interna não se dedica somente ao

mercado interno, atuando simplesmente de modo reativo às tentativas do capital estrangeiro em

adentrar nesse mercado. Pelo contrário, a burguesia interna busca a exportação tanto de

mercadorias quanto de capitais (POULANTZAS, 1974).

Outro aspecto interessante que se refere ao comportamento da burguesia interna é a sua

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reação às diferentes formas de presença do capital estrangeiro na formação social: o capital

estrangeiro associado ao local (joint venture); o capital estrangeiro internalizado (atua através

de filiais, enviando remessas de lucro à matriz); e o capital estrangeiro totalmente externo,

embora com interesses locais (ação interna/externa). A resistência e acomodação da burguesia

interna em relação a essas três situações pode variar, a depender da conjuntura (FARIAS, 2009).

Enfim, de maneira geral, o que se apreende dos conceitos de burguesia nacional,

compradora e interna é que a desigualdade social que prevalece entre as formações sociais e em

seus interiores deve ser compreendida com base na articulação de fatores internos e externos

(FARIAS, 2009).

O último critério do sistema de fracionamento que mencionamos é aquele que divide a

burguesia em monopolista e não-monopolista. O que diferencia uma da outra é que o capital

monopolista apresenta uma composição orgânica do capital sensivelmente mais elevada, o que

por sua vez conduz a uma maior exploração intensiva do trabalho (muito trabalho morto

empregado, em comparação com o trabalho vivo); além de uma atuação em mais ramos da

produção social e de uma mais alta capacidade de autofinanciamento. Portanto, a

conceitualização do monopólio ou do não-monopólio não deve ser meramente técnica (tamanho

da empresa, número de trabalhadores empregados etc.) ou relativa ao mercado (única empresa

presente no mercado ou não), uma vez que os limites entre eles são variáveis e relativos:

dependem da fase do capitalismo e de suas formas concretas em uma formação social

(POULANTZAS, 1974).

Vale notar que a presença do capital não-monopolista sob a fase do capitalismo

monopolista é absolutamente compatível: porque ele é útil, em diversos sentidos, ao capital

monopolista. Por exemplo, o capital não-monopolista pode atuar em ramos ou atividades pouco

rentáveis, nas quais o capital monopolista não possui interesse imediato, podendo este inclusive

decidir o melhor momento para sua extensão; além disso, o capital monopolista pode dominar

o capital não-monopolista, numa relação de dependência comercial, tecnológica e/ou

financeira, sem necessariamente adquiri-lo formalmente (POULANTZAS, 1974).

Devemos ainda considerar que, embora normalmente o capital não-monopolista seja útil

ao capital monopolista, a persistência daquele, em certos casos, ocorre graças ao fato de que o

capitalismo competitivo se reproduz constantemente sob a dominação do capitalismo

monopolista: "assiste-se a um processo de ressurgência constante e 'espontânea' de novos

capitais não-monopolistas, paralelamente à dissolução permanente dos antigos. Trata-se de dois

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estádios – capitalismo competitivo, capitalismo monopolista – de um mesmo modo de produção

– capitalista" (POULANTZAS, 1974, p. 154, grifos na obra original), reproduzindo-se

dialeticamente, ao mesmo tempo, numa mesma formação social.

Assim, as formas e os ritmos concretos dos processos de concentração e centralização do capital,

que caracterizam a tendência ao monopólio, dependem estritamente da luta classes em determinada

conjuntura de uma formação social, inclusive no que diz respeito à resistência do capital não-

monopolista frente ao monopolista. Nesse sentido, poderia-se dizer, por exemplo, que a elevação das

massas trabalhadoras predispõe o fortalecimento da união das frações burguesas frente a elas, enquanto

que o seu retraimento aguça as lutas entre as frações do capital. Em conjunturas de elevação das massas,

a partir da perspectiva do capital não-monopolista, destaca-se a dependência deste frente ao capital

monopolista; sob a perspectiva do capital monopolista, ressalta-se o capital não-monopolista como

“zona de segurança” do capital monopolista (POULANTZAS, 1974).

Além disso, é importante notar que o capital não-monopolista é parte da classe dominante, ou

seja, compõe o bloco no poder, apesar de muitas vezes não se constituir em força social autônoma, dada

a sua dependência frente ao capital monopolista. Deste modo, o capital não-monopolista se diferencia

da pequena-burguesia que, por não explorar principalmente o trabalho assalariado, encontra-se do outro

lado da barreira de classe – o lado das classes dominadas. É a pequena-burguesia, aliás, que mais sofre

com o processo de dissolução, próprio à atual fase do capitalismo monopolista, sendo em grande medida

precipitada à pauperização e ao assalariamento (POULANTZAS, 1974).

No que se refere ao capital monopolista, e pelo que afirmamos até aqui, cabe ressaltar que ele,

em muitas ocasiões, confunde-se com o capital financeiro e, portanto, também é atravessado por

interesses contraditórios diversos.

Nos marcos desta dissertação, o capital monopolista será denominado, de forma

descritiva, grande capital, enquanto que o capital não-monopolista englobará tanto o médio

capital quanto o pequeno capital – este último não se confundindo com a pequena burguesia.

Enfim, considerada a grande diversidade de rumos que as políticas estatais podem

tomar, além dos diferentes interesses das classes e frações dominantes, torna-se claro que o

sistema de fracionamento pode apresentar muitos formatos, a depender das estruturas e da

conjuntura da formação social: ora a grande burguesia industrial entra em conflito com a grande

burguesia bancária, ora elas se juntam em seu interesse contra o capital estrangeiro; ora o

pequeno capital comercial diverge do grande capital comercial, ora eles se juntam para enfrentar

o poder do capital financeiro, e assim por diante.

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1.3. Neodesenvolvimentismo e bloco no poder no Brasil (2003-2010)

Passemos agora à apresentação da tese de Boito Jr. (2012a), a qual aponta os Governos Lula

como governos dirigidos pelos interesses da grande burguesia interna, estando esta apoiada

numa frente política neodesenvolvimentista. Como dissemos, é nesta tese em que esta

dissertação se apoia, buscando colocar à prova, a partir do caso da carne bovina, as explicações

gerais existentes sobre as relações das classes e frações dominantes com as políticas do Estado

brasileiro ao longo do período 2003 a 2010. Mais uma vez, cabe salientar que se trata de uma

exposição, não havendo, portanto, pretensões de desenvolver a referida tese.

De acordo com Boito Jr. (2012a, p. 1), “o capitalismo no Brasil tem dependido muito,

para se desenvolver, de algum tipo de participação política das classes populares”, fato que,

segundo o autor, decorre da inserção tardia e dependente da economia, da sociedade e do Estado

brasileiros no capitalismo mundial, o que lhes conferiu características estruturais e dinâmicas

próprias. Grosso modo e de maneira muito sucinta, para que não nos estendamos muito, foi isso

o que se verificou em momentos importantes da história brasileira, tais como 1888/98 e 1930.

Além disso, foi no período entre 1930 e 1980, para utilizarmos a periodização consagrada pela

literatura, que o processo de modernização capitalista mais avançou no Brasil, justamente,

também grosso modo, por apoiar-se na pressão e na luta reivindicativa dos movimentos

operários e populares. As décadas de 1980 e 1990, em compensação, foram marcadas pela

alternância entre estagnação e baixo crescimento econômico, época na qual a grande burguesia

se encontrava, no Brasil, pressionada por capitais estrangeiros, pela abertura de seu mercado e

isolada em relação às classes populares (BOITO JR., 2012a).

Foi somente a partir da década de 2000, com a ascensão à Presidência da República de

candidatos oriundos dos Partidos dos Trabalhadores (PT), que o capitalismo no Brasil voltou a

apresentar taxas de crescimento econômico um pouco mais elevadas, sobretudo se comparadas

às duas últimas décadas do século XX. Mais uma vez, acreditamos que foi a intervenção política

dos trabalhadores no processo político brasileiro que possibilitou este novo impulso ao

capitalismo no país. Desta vez, porém, não presenciamos algo tão importante quanto, por

exemplo, a quebra da duradoura hegemonia do grande capital cafeeiro, como ocorreu em 1930.

Contudo, “até para que os governos Lula da Silva e Dilma Rousseff pudessem, de modo tímido

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e ziguezagueante, superar a estagnação que predominou na década de 1990, até para isso

revelou-se importante a intervenção do elemento popular em nossa história política” (BOITO

JR., 2012a, p. 2-3). Tanto que foi um partido criado pelos movimentos sindical e popular, o PT,

que retomou a proposta de intervenção do Estado na economia em prol do desenvolvimento do

capitalismo no Brasil (BOITO JR., 2012a).

Segundo Boito Jr. (2012a, p. 3), formou-se no Brasil do século XXI uma ampla e

heterogênea frente política, por ele denominada neodesenvolvimentista, que atuou como base

“de sustentação da política de crescimento econômico e de transferência de renda encetadas

pelos governos Lula da Silva e Dilma Rousseff”. Tratou-se de uma situação política que, de

modo geral, apresentou semelhanças com aquela do período desenvolvimentista e populista do

período 1930-1980, resguardadas as inúmeras e muito significativas diferenças entre elas, em

termos de experiência sindical dos assalariados urbanos, integração das empresas de origem

brasileira ao capitalismo mundial, dentre outros (BOITO JR., 2012a).

A frente política neodesenvolvimentista foi representada, no plano partidário,

principalmente pelo PT. Ela reuniu, do lado burguês, a grande burguesia interna – que foi sua

força dirigente –, e, do lado popular, contou com a baixa classe média, o operariado urbano, o

campesinato e aqueles que compõem o que poderíamos chamar de "massa marginal", (BOITO

JR., 2012a), isto é, um "amplo e heterogêneo setor social que compreende desempregados,

subempregados, trabalhadores por conta própria, camponeses em situação de penúria e outros

setores" (BOITO JR.; BERRINGER, p. 31).

A frente neodesenvolvimentista enfrentou, no cenário político nacional, o campo

político conservador, de orientação neoliberal ortodoxa, que, no plano partidário, foi

representado especialmente pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), o qual,

apesar do nome, não possui nenhuma relação com a socialdemocracia europeia. Esse campo

congrega, grosso modo, o grande capital financeiro internacional, a fração da burguesia local

plenamente integrada a esse capital, a maioria dos grande proprietários de terras e a alta classe

média, seja do setor privado, seja do público (BOITO JR., 2012a).

A frente neodesenvolvimentista começou a se formar ao longo da década de 1990. Na

década de anterior, de 1980, os principais instrumentos de luta das classes populares – o PT, a

Central Única dos Trabalhadores e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST),

à época recém-criados – encontravam-se infensos a qualquer aproximação política com a

grande burguesia, devido a questões de ordem política e econômica: a força política dessas

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organizações era grande e a inflação aguçava o conflito em torno dos salários. No início da

década de 1990, entretanto, a situação transformou-se consideravelmente: com o aumento do

desemprego devido às políticas neoliberais, os movimentos populares e sindicais entraram em

refluxo, com exceção do MST. Na segunda metade da década de 1990, um setor da grande

burguesia interna, o qual também havia apoiado, ainda que de modo seletivo, no início da

década, o programa neoliberal, esse setor foi acumulando contradições importantes com

programa neoliberal.

Foi nesse quadro marcado, de um lado, por dificuldades crescentes para o

movimento sindical e popular e, de outro lado, pelo fato de um setor da

burguesia começar a rever suas posições frente a algumas das chamadas

reformas orientadas para o mercado que se criaram as condições para a

construção de uma frente política que abarcasse setores das classes

dominantes e das classes dominadas. Essa frente, organizada,

fundamentalmente, pelo PT chegou ao poder governamental em 2003 com a

posse do primeiro Governo Lula. Não se tratava, agora, de uma frente que se

pudesse denominar populista e, ademais, tampouco o seu programa poderia

ser identificado com o programa do velho desenvolvimentismo (BOITO JR.,

2012a, p. 4-5).

Dito isso, recorremos ao termo "desenvolvimentista" pois o programa de política

econômica e social defendido pela frente neodesenvolvimentista buscou o crescimento

econômico do capitalismo no Brasil, com alguma transferência de renda, embora o fez sem

romper com os limites do modelo neoliberal ainda em vigência no país. A fim de alcançar o

crescimento econômico, os Governos Lula lançaram mão de políticas econômicas, sociais e

externas que eram inexistentes nos governos neoliberais ortodoxos que os precederam: as

medidas de transferência de renda e de recuperação do salário mínimo, as quais aumentaram o

poder aquisitivo daqueles que apresentam maior propensão ao consumo, ou seja, os mais

pobres; o aumento da dotação orçamentária do Banco Nacional de Desenvolvimento

Econômico e Social (BNDES), a fim de financiar grandes empresas de origem local a taxas de

juros favorecidas ou subsidiadas; a política externa de apoio às grandes empresas instaladas no

Brasil, sejam elas locais, sejam estrangeiras, para a exportação tanto de capitais quanto de

mercadorias; e as políticas econômicas anticíclicas, que mantiveram a demanda agregada em

níveis razoáveis ao longo de períodos de crise. Devido a medidas como essas é que escolhemos

denominar esse programa de (neo)desenvolvimentista, pois, reafirmamos, apesar de ele não

romper o com modelo neoliberal em vigência no país desde a década de 1990, as diferenças em

relação a ele são significativas (BOITO JR., 2012a).

E por que empregamos o prefixo "neo"? Pois as diferenças com o "velho"

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desenvolvimentismo que prevaleceu no Brasil no período 1930-1980 também são

consideráveis, convindo destacar algumas delas: o desenvolvimentismo conferia uma

importância maior ao mercado interno e ao desenvolvimento do parque industrial local; não

aceitava os constrangimentos da Divisão Internacional do Trabalho, buscando superar a função

história do Brasil como exportador de produtos primários, função que, atualmente, sob novas

condições histórias, tem sido reativada; tinha maior capacidade distributiva de renda; tinha

como força dirigente uma fração burguesa que assumia posturas anti-imperialistas; e

apresentava um crescimento econômico muito mais ambicioso que o neodesenvolvimentismo,

apesar de o Produto Interno Bruto (PIB) do país ter crescido a taxas muito mais elevadas no

período 2003 a 2010 do que na década de 1990. Todas essas características, as quais encontram-

se interligadas, fizeram do neodesenvolvimentismo um programa muito mais modesto que o

desenvolvimentista, o que se deve ao fato de o neodesenvolvimentismo haver sido a política de

desenvolvimento possível dentro dos marcos do modelo neoliberal (BOITO JR., 2012a):

As taxas menores de crescimento do PIB são as taxas possíveis para um

Estado que aceita abrir mão do investimento para poder rolar a dívida pública;

o papel de menor importância conferido ao mercado interno é decorrente da

manutenção da abertura comercial; a reativação da função primário-

exportadora é a opção de crescimento possível para uma política econômica

que não pretende revogar a ofensiva que o imperialismo realizou contra o

parque industrial brasileiro; e todas essas características impedem ou

desestimulam uma política mais forte de distribuição de rendas (BOITO JR.,

BERRINGER, 2013, p. 32).

Analisemos agora cada uma das forças sociais que compuseram a frente

neodesenvolvimentista. A grande burguesia interna, força dirigente dessa frente, atuou em

diversos setores da economia nacional, como na indústria de transformação, na mineração, na

construção pesada, na cúspide do agronegócio, isto é, nas empresas exportadoras de produtos

agropecuários, e, em certa medida, nos grandes bancos privados e estatais de capital

predominante nacional. O que unificou esses setores numa fração de classe foi a reivindicação

de proteção e favorecimento ao Estado na concorrência com o capital estrangeiro (BOITO JR.,

2012a).

O Estado brasileiro, por sua vez, atendeu às aspirações da grande burguesia interna por

meio de diversas políticas ao longo dos Governos Lula, dentre elas: a busca por superávits na

balança comercial, o que favoreceu enormemente os setores ligados à exportação, com destaque

ao agronegócio e à mineração; a política de financiamento a grandes empresas nacionais via

BNDES, o qual passou a contar com um orçamento muitas vezes superior ao que dispunha na

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década de 1990; a política de compras das empresas estatais e do Estado, que passou a priorizar

as grandes empresas locais, sejam nacionais, sejam estrangeiras (BOITO JR., 2012a); e as

medidas de política externa que tiveram como foco as relações Sul-Sul, como um todo, e a

América do Sul, em particular, e, na prática, barraram as negociações relativas à Rodada Doha

da Organização Mundial do Comércio (OMC), ao possível acordo do Mercado Comum do Sul

(MERCOSUL) com a União Europeia e à proposta de criação da Área de Livre Comércio das

Américas (ALCA), as quais, se aprovadas, teriam aberto unilateralmente o mercado brasileiro

aos capitais de formações sociais imperialistas (BOITO JR.; BERRINGER, 2013). Por isso, a

grande burguesia interna foi a força social que mais ganhou com a política

neodesenvolvimentista (BOITO JR., 2012a).

No campo das classes populares, a frente neodesenvolvimentista contou com a baixa

classe média e o operariado urbano, os quais, por intermédio do sindicalismo e do PT,

participaram da frente de forma organizada. É interessante destacar que foram essas forças

sociais que deram origem ao principal instrumento partidário da frente: o PT. Ao longo da

década de 1990, esse partido lutava pela implementação de um capitalismo de Estado e um

Estado de bem-estar no Brasil, atuando como oposição aos governos neoliberais. Nesse ínterim,

passou a ser atraído pela grande burguesia interna, a qual também se opunha a certos aspectos

do neoliberalismo, ainda que de maneira moderada. Foi assim que o PT, na virada do milênio,

mesclando sua origem popular com essa insatisfação burguesa, transformou-se no instrumento

partidário do neodesenvolvimentismo. A baixa classe média e o operariado urbano continuaram

presentes no partido, mas agora como base social, e não mais como força dirigente (BOITO

JR., 2012a).

A política estatal atendeu parte das reivindicações dessas forças sociais: o crescimento

econômico permitiu uma significativa diminuição do desemprego e a política de reajuste do

salário mínimo aumentou o poder aquisitivo das classes populares; as novas condições políticas

e econômicas favoreceram a luta e a organização sindical, principalmente se comparadas à

situação da década de 1990, possibilitando conquistas salariais; inúmeros órgãos consultivos

do governo, inclusive, passaram a contar com representantes dos trabalhadores, ao lado de

representantes do empresariado; além disso, campanhas conjuntas realizadas por associações

de grandes empresários da indústria e pelas centrais sindicais pressionaram o governo por taxas

de juros mais baixas e proteção alfandegária à indústria local (BOITO JR., 2012a).

O campesinato também participou da frente neodesenvolvimentista de modo

organizado: na luta pela terra, via, principalmente, o MST; nas organizações baseadas em

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trabalhadores rurais assalariados e em camponeses, via entidades como a Confederação dos

Trabalhadores na Agricultura (CONTAG). Aqui, torna-se importante separar o campesinato em

duas situações: o camponês remediado e o (mais) pobre. O primeiro foi aquele que se

encontrava presente principalmente na CONTAG, mas também no setor de camponeses

assentados do MST. Ele reivindicou ao Estado o asseguramento de preços mínimos e mercado

aos seus produtos, financiamento e assistência técnica, aspirações essas que foram atendidas,

em parte, pelas políticas neodesenvolvimentistas, com destaque aos programas de compras

governamentais à produção camponesa e ao financiamento à agricultura familiar, o qual cresceu

muito em relação aos Governos FHC (BOITO JR., 2012a).

Já o camponês (mais) pobre, isto é, aquele sem nenhuma terra ou com pouquíssima terra,

reivindicou uma política radical de abertura de novos assentamentos e a desapropriação de

terras ociosas. Essa camada foi a mais marginalizada pela política neodesenvolvimentista, pois,

como o agronegócio possuía um peso importante na frente, a política de desapropriações foi

bloqueada (BOITO JR., 2012a).

Finalmente, a "massa marginal", composta por desempregados, subempregados, entre

outros setores marginalizados, foi aquela que, residindo sobretudo na periferia das grandes

cidades e no interior do nordeste do país, entreteve uma relação bem particular com a frente

neodesenvolvimentista, convindo distinguir dois grandes grupos que a integram: os que se

organizam em movimentos populares reivindicativos como, por exemplo, por moradia, terra ou

emprego; e os que são politicamente desorganizados. No que diz respeito aos primeiros, já

indicamos como a política neodesenvolvimentista tratou as questões do emprego e da terra,

cabendo somente destacar aqui o principal programa criado na área de moradia, o Minha Casa,

Minha Vida, o qual rompeu com a omissão do Estado brasileiro no que se refere à política

habitacional (BOITO JR., 2012a).

Quanto à parte desorganizada da "massa marginal", ela foi incluída na frente

neodesenvolvimentista graças aos programas de transferência de renda dos Governos Lula, com

destaque ao Bolsa Família, destinado a famílias em situação de pobreza, e ao Benefício de

Prestação Continuada, voltado a pessoas com deficiências e idosos. Tais pessoas eram

convocadas a participar do processo político somente por meio dos votos, a fim de eleger os

candidatos da frente, uma vez que nem o governo, nem o PT, preocuparam-se em organizá-las

politicamente (BOITO JR., 2012a).

Foram justamente nos momentos críticos do processo político nacional, aliás, que as

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forças sociais que compuseram a frente neodesenvolvimentista atuaram como tal, apesar de elas

entrarem muitas vezes em conflito umas com as outras no que se refere a questões como

salários, direitos sociais e trabalhistas, desapropriação de terras, etc. (BOITO JR., 2012a).

Foi assim em 2002 na eleição presidencial de Lula da Silva; em 2005, na crise

política que ficou conhecida como “Crise do Mensalão” e chegou a ameaçar

a continuidade do governo Lula; em 2006, na reeleição de Lula da Silva para

a presidência da República, e novamente em 2010 na campanha eleitoral

vitoriosa de Dilma Rousseff. Em todos os momentos críticos citados, a

sobrevivência dos governos neodesenvolvimentistas esteve ameaçada e, em

todos eles, importantes associações patronais, centrais sindicais, movimentos

camponeses, movimentos populares por moradia bem como o eleitorado pobre

e desorganizado apoiaram, com manifestações dos mais variados tipos ou

simplesmente com o seu voto, os governos e as candidaturas Lula da Silva e

Dilma Rousseff. Ao agirem assim, tais forças sociais, mesmo que movidas por

interesses distintos, evidenciaram fazer parte de um mesmo campo político

(BOITO JR., 2012a, p. 11).

Enfim, no Brasil, ao longo dos Governos Lula (2003 a 2010), o que se verificou foi uma

transformação no interior do bloco no poder, com a ascensão política da grande burguesia

interna em relação ao grande capital financeiro internacional e seus aliados internos, estes dois

últimos tendo sido forças sociais incontestavelmente hegemônicas nos governos neoliberais

ortodoxos de Collor (1990-1992), Itamar Franco (1993-1994) e FHC (1995-2002). Com isso,

tanto o grande capital financeiro internacional quanto os seus aliados internos passaram para o

terreno da oposição aos Governos Lula (BOITO JR.; BERRINGER, 2013).

Em segundo lugar, essa ascensão significou uma mudança mais ampla no cenário

político nacional, uma vez que ela somente foi possível graças à formação de uma frente política

que congregou, além da grande burguesia interna, os principais setores das classes populares.

Como resultado, as políticas econômica, social, externa e de ordem do Estado brasileiro

passaram a atender mais aos interesses da grande burguesia interna, respondendo menos às

aspirações do grande capital financeiro internacional e seus aliados internos (BOITO JR.;

BERRINGER, 2013). Se a grande burguesia interna chegou a ocupar uma posição de

hegemonia, não temos condições e não pretendemos responder nesta dissertação, apesar de

esperarmos que os resultados aqui apresentados contribuam para a solução desta questão.

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1.4. Os métodos, as fontes e a organização da pesquisa

O nosso método de pesquisa é a análise documental das publicações das organizações patronais

que representaram os interesses dos principais elos burgueses vinculados à cadeia produtiva de

carne bovina no Brasil ao longo do período de 2003 a 2010, tanto no que diz respeito aos

conflitos no interior do bloco no poder quanto às políticas estatais, sendo essas associações: a

Associação Brasileira dos Criadores (ABC) e a Associação Brasileira dos Criadores de Zebu

(ABCZ), no caso dos grandes pecuaristas; a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras

de Carne (ABIEC), no caso dos grandes frigoríficos; e a Associação Brasileira de Frigoríficos

(ABRAFRIGO), no caso dos pequenos e médios frigoríficos.

E as nossas fontes de pesquisa são, essencialmente, o Jornal dos Criadores, da ABC; a

Revista ABCZ, da ABCZ; a Revista ABRAFRIGO, da ABRAFRIGO; além de inúmeros artigos

jornalísticos relacionados ao nosso tema, publicados pelo Jornal Valor Econômico.

Por fim, esta dissertação conta, além desta introdução, com dois capítulos e as

considerações finais. No primeiro deles, pretendemos: demonstrar a diversidade de associações

e, consequentemente, a falta de unidade organizativa dos grandes pecuaristas; apontar as

principais reivindicações dessas associações e como as políticas econômica, social, externa e

de ordem do Estado brasileiro atenderam ou não a elas; argumentar, com base nos dados

recolhidos, que os grandes pecuaristas compuseram o campo político conservador, de

orientação neoliberal ortodoxa, e, por isso, atuaram, em geral, no campo da oposição ao longo

dos Governos Lula, apesar de alguns apoios significativos ao neodesenvolvimentismo, além de

se comportarem, na maior parte do tempo, como burguesia interna; tratar dos conflitos dos

grandes pecuaristas com outros elos da cadeia produtiva, principalmente os grandes

frigoríficos; e concluir, também com base nos dados coletados, que os grandes pecuaristas,

apesar de terem suas reivindicações atendidas em grande medida pela ação estatal, uma vez que

são parte do grande capital, não podem ser considerados como membros plenos de uma fração

hegemônica ao longo dos governos petistas, uma vez que atuaram na oposição aos Governos

Lula e que o Estado tomou medidas que foram por eles, grandes pecuaristas, consideradas como

contrárias aos seus interesses fundamentais ou, ao menos, pouco eficazes, tais como o

fortalecimento dos grandes frigoríficos e a aceitação de movimentos sociais tais quais o MST.

Além disso, abordaremos, numa breve nota, a falta de organização política dos pequenos e

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médios pecuaristas em nível nacional como um indício de sua fraqueza política.

Na primeira metade do segundo capítulo, tentaremos indicar, também com base nos

dados reunidos, que os grandes frigoríficos compuseram tanto a frente neodesenvolvimentista

quanto a grande burguesia interna, tendo eles, portanto, ascendido no interior do bloco no poder

e visto seus interesses serem atendidos em grande medida pela política estatal. Ademais,

analisaremos os conflitos que eles travaram com outros elos burgueses da cadeia produtiva.

Já na segunda metade deste capítulo, buscaremos verificar se os pequenos e médios

frigoríficos se comportaram como burguesia interna, a despeito do fato de seus interesses terem

sido preteridos pela política estatal em favor do grande capital.

Por fim, nas considerações finais, concluiremos o trabalho dando destaque às

contradições entre grande capital, por um lado, e pequeno e médio capitais, por outro, no que

diz respeito aos principais setores ligados à cadeia produtiva de carne bovina no Brasil ao longo

dos Governos Lula.

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2. Capítulo 1: Os Pecuaristas

A criação de bovinos de corte encontra-se presente no território brasileiro desde os primeiros

anos após a chegada dos colonizadores portugueses (SCHLESINGER, 2010). Ao longo dos

séculos seguintes, a bovinocultura de corte sofreria poucas transformações, desempenhando

basicamente as funções de ocupação do território – por tratar-se de uma atividade extensiva por

excelência – e de subsistência (PRADO JR., 2004).

Quanto a esta última atribuição, cabe considerar que, de acordo com Schlesinger (2010),

a criação de gado de corte exerceu um papel fundamental de abastecimento às áreas voltadas à

exportação de mercadorias, isto é, as áreas economicamente mais dinâmicas do país ao longo

de todo o período colonial. A princípio, isso se deu na região nordeste, onde se produzia açúcar

a partir da cana. Na zona produtiva do litoral, o gado bovino era empregado diretamente na

movimentação de moinhos e no transporte da produção, enquanto que, no interior, era criado

por vaqueiros – uma vez que escravos fugiriam numa região tão extensa – com fins de abate.

No período seguinte, quando o ciclo do açúcar perdeu importância frente à mineração,

a bovinocultura foi implementada em Minas Gerais (MG), onde o gado finalmente encontrou

boas condições de clima e solo. Graças a isso e à introdução de novas técnicas, como o uso de

cercas, a produtividade tanto da carne quanto do leite aumentou consideravelmente, ao ponto

de termos aí a origem das primeiras indústrias de laticínios, as quais abasteciam também as

regiões de São Paulo e do Rio de Janeiro. Com a possibilidade de uma produção mais intensiva,

a mão de obra empregada era escrava, com os fazendeiros e suas famílias residindo nas

propriedades e participando ativamente das atividades produtivas (SCHLESINGER, 2010).

Outro importante polo de criação de gado bovino foi a região sul do país, mais

especificamente os Campos Gerais, onde encontram-se as melhores condições naturais para tal

atividade. Merecem destaque a produção de couro, a princípio, e a produção de charque, na

sequência histórica. O trabalho era em sua maior parte realizado por capatazes e peões, isto é,

trabalhadores de origem normalmente mestiça ou indígena (SCHLESINGER, 2010).

Embora de menor importância, valem ser mencionados, também, o gado criado na ilha

de Marajó, na região norte, que abastecia a população do foz do Amazonas; nos campos do Rio

Branco, no Alto do Amazonas; nos campos do noroeste maranhense, conhecidos como perizes;

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e em algumas localidades em Goiás e no norte de Mato Grosso (PRADO JR., 2004).

Foi somente no século XX, com a chegada ao Brasil dos grandes frigoríficos

estrangeiros, especialmente estado-unidenses, que importantes mudanças ocorreram na cadeia

produtiva de carne bovina do país: ao invés de simplesmente subsidiar as atividades econômicas

mais dinâmicas, a produção de carne passou também a ser exportada em larga escala,

principalmente à Europa. Assim, no período de 1940 a 1967, o rebanho bovino brasileiro mais

que dobrou, passando de 44,6 milhões de cabeças para 90 milhões, enquanto que as pastagens

aumentaram em mais de 34 milhões de hectares (SCHLESINGER, 2010).

A partir da década de 1970, com o estímulo dos mercados importadores, principalmente

a Europa e os Estados Unidos; com a realização de investimentos em plantas industriais, em

boa medida incentivados pelo governo; e com a expansão da fronteira agrícola nas regiões norte

e centro-oeste, a pecuária bovina de corte atingiu seu ápice de desenvolvimento (TIRADO et

al., 2008).

Atualmente o Brasil possui o maior rebanho comercial do mundo, com mais de 212

milhões de cabeças (PORTAL BRASIL, 2015), as quais se encontram distribuídas

aproximadamente da seguinte forma: centro-oeste 34,1%, norte 20,3%, sudeste 18,5%, nordeste

13,9% e sul 13,1% (IBGE, 2012), ocupando cerca de 20% do território nacional ou 174 milhões

de hectares (ABIEC, 2016).

Além disso, o país é o segundo maior produtor mundial de carne bovina, com mais de

10 milhões de toneladas equivalente carcaça1 anuais, atrás somente dos Estados Unidos

(BRAZILIAN BEEF, 2014).

A seguir, analisaremos a organização e atuação políticas dos grandes criadores de gado

bovino de corte no Brasil ao longo do período 2003 a 2010.

1 Segundo Tonini (2010), a tonelada equivalente carcaça é uma unidade de medida padrão utilizada na pesagem

da carne bovina. Tem como objetivo facilitar a transformação dos diferentes tipos de carne bovina em uma

medida capaz de ser comparada com a massa da carcaça do animal. Isto é, “estima-se a perda de peso decorrente

da desossa e do cozimento (no caso da carne industrial) a partir do peso da carne in natura ou industrial”. Para

o calculo do equivalente carcaça, utiliza-se os seguintes índices: 1 para tonelada métrica de carne in natura com

osso; 1,3 para tonelada métrica de carne in natura sem osso; e 2,5 para tonelada métrica de carne industrializada.

Em outras palavras, a tonelada equivalente carcaça não trata da massa real de carne, mas sim a massa que tal

produto apresentaria se não tivesse passado por um processo de desossa ou cozimento.

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2.1. Os grandes pecuaristas: demandas políticas e ação estatal

O associativismo ligado à bovinocultura de corte é, no Brasil, muito complexo, uma vez que os

pecuaristas se organizam de acordo com diferentes critérios. Algumas organizações buscam

representar os interesses mais gerais do setor agropecuário, englobando também os interesses

dos criadores de bovinos, tais como a Sociedade Rural Brasileira (SRB) e, de certo modo, a

Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) – órgão máximo do patronato rural

na estrutura sindical corporativa brasileira, criada à época de Vargas –, que conta com o mais

específico Fórum Nacional Permanente da Pecuária de Corte (FENAPEC). Outras buscam

representar os interesses específicos do setor da pecuária bovina, tanto de corte quanto de leite,

como a Associação Brasileira de Criadores (ABC) e a Associação Brasileira de Criadores de

Zebu (ABCZ). Outras ainda têm como foco a representação dos criadores ligados a um sistema

produtivo específico, como é o caso da Associação Nacional dos Confinadores. Outras mais

almejam defender os interesses daqueles que utilizam certo sistema de comercialização, tal

como a Associação Brasileira dos Exportadores de Gado. Outras procuram congregar os

bovinocultores segundo a raça do gado que criam, como a Associação Brasileira dos Criadores

de Girolando, a Associação dos Criadores de Nelore do Brasil, dentre muitas outras. Outras

reúnem os pecuaristas bovinos de uma região específica, tais como a Associação dos Criadores

de Mato Grosso e a Associação dos Criadores de Mato Grosso do Sul. E assim por diante.

Selecionamos como foco de nossa análise a ABC e a ABCZ, pois elas são as que mais

possuem relações com a política estatal em nível nacional, sendo, assim, mais relevantes. A

SRB e o FENAPEC poderiam ser incluídos nessa seleção, porém, nenhum material de estudo

significativo relativo à SRB pode ser encontrado, já que a associação não publica documentos

próprios em seu site e nada útil sobre ela foi descoberto no Valor Econômico e em nossa

pesquisa. E o FENAPEC – assim como outras organizações – será considerado nesta dissertação

em momentos oportunos, sobre temas específicos.

2.1.1. A ABC e a ABCZ

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A Associação Brasileira dos Criadores (ABC) origina-se de uma associação fundada em 1926,

a Federação Paulista dos Criadores de Bovinos, ou simplesmente Confederação dos Criadores.

Em 1945, seu nome foi alterado para Associação Paulista dos Criadores de Bovinos e, em 1972,

tornou-se finalmente Associação Brasileira de Criadores, ano em que expandiu sua atuação para

o âmbito nacional e passou a congregar também os pecuaristas voltados à produção de leite

(ABC, 2016).

Dentre suas principais conquistas históricas constam o serviço de registro genealógico

de animais; o controle leiteiro; o controle de desenvolvimento ponderal, hoje em conjunto com

a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo; o

desenvolvimento de raças e seu aperfeiçoamento genético e de produtividade, assim como a

comercialização de insumos agropecuários (ABC, 2016).

Em nossa pesquisa descobrimos o Jornal dos Criadores, publicado pela ABC e

disponível no site da entidade (www.abccriadores.com.br/newsite). As edições de número 25 a

72 recobrem o período entre janeiro de 2003 a janeiro/fevereiro de 2011, as quais variam entre

uma frequência de emissão mensal (2003-2005), bimestral (2007-2008) e inconstante (2010-

2011). No Valor Econômico, não encontramos nenhum artigo útil a esta pesquisa sobre a ABC.

A Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ), por sua vez, originou-se de

uma associação criada em 1934, cujo nome era Sociedade Rural do Triângulo Mineiro.

Transformou-se em ABCZ no ano de 1967. Desde a década de 1930, sua sede principal

encontra-se localizada em Uberaba, Minas Gerais (MG). Com mais de 20 mil associados e 20

escritórios regionais em todo o Brasil, tem como missão central “promover o aumento

sustentável da produção mundial de carne e leite, através do registro genealógico,

melhoramento genético e promoção das raças zebuínas” (ABCZ, 2014a). Dentre as principais

atividades desenvolvidas pela ABCZ, destacam-se o Programa de Melhoramento Genético de

Zebuínos, as feiras ExpoZebu e ExpoGenética (ABCZ, 2014b) e o registro genealógico das

raças zebuínas, no qual a associação atua cumprindo uma função estatal, uma vez que ela foi

delegada à ABCZ pelo Ministério da Agricultura, com validade em todo o território nacional

(REVISTA ABCZ, 2010a).

Em nossa pesquisa, tivemos acesso às versões online da Revista ABCZ, órgão oficial de

comunicação da entidade, disponíveis no site da associação (www.abcz.org.br/Revistas). As

edições de número 49 a 59 recobrem o período de março/abril de 2009 (primeira edição

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digitalizada) a novembro/dezembro de 2010, com uma frequência de publicação bimensal. No

Valor Econômico, encontramos 4 artigos que consideramos úteis a esta pesquisa, referentes à

ABCZ.

Optamos por realizar a análise do Jornal dos Criadores, da ABC, e da Revista ABCZ,

da ABCZ, mesclando critérios cronológicos e temáticos.

2.1.2. A política econômica

Uma das organizações que mais influenciou a política econômica voltada ao agronegócio, ao

longo dos Governos Lula, foi o Conselho Superior de Agricultura e Pecuária do Brasil,

conhecido como Rural Brasil, o qual congrega a CNA, a Organização das Cooperativas

Brasileiras, a SRB, a ABC, a ABCZ, a Associação Brasileira dos Produtores de Algodão, o

Conselho Nacional do Café e a União Brasileira de Avicultura, sendo seu objetivo declarado

"discutir os macro problemas da agropecuária brasileira" (JORNAL DOS CRIADORES,

2003a, p. 5).

Em maio de 2003, o Rural Brasil entregou ao então ministro da Agricultura, Pecuária e

Abastecimento – doravante denominado ministro da Agricultura –, Roberto Rodrigues, uma

proposta ao Plano Agrícola e Pecuário 2003/2004 (JORNAL DOS CRIADORES, 2003b). A

função deste plano anual é disponibilizar, à burguesia agrária no Brasil, linhas de créditos

voltadas a custeio e comercialização de suas mercadorias.

O Plano Agrícola e Pecuário 2003/2004 foi lançado pelo governo federal no início de

junho de 2003, prevendo recursos da ordem de R$ 32,5 bilhões, importância 25,8% maior do

que no ano anterior. Destes, R$ 27,15 bilhões foram destinados aos médios e grandes

produtores, sendo os R$ 5,4 bilhões restantes, à agricultura familiar. O grande trunfo, porém,

de acordo com a ABC, "foi a garantia da manutenção dos juros em 8,75% para a maioria dos

programas de crédito rural" (JORNAL DOS CRIADORES, 2003c, p. 4). Ou seja, a política de

crédito do governo federal voltada à agropecuária para o ano-safra 2003/2004 agradou aos

grandes pecuaristas.

Na 34ª edição do Jornal dos Criadores, referente a outubro de 2003, a ABC protestou

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contra a reforma tributária então aprovada na Câmara dos Deputados, a qual, se passasse

também pelo Senado, resultaria, segundo a associação, em "inadmissível" aumento da carga

fiscal sobre o setor agropecuário. Sobre o tema, falou a diretoria da ABC (2003c, p. 2):

O maior problema se refere ao ICMS. Em primeiro lugar, porque será

decretado o fim do Convênio ICMS 100/97, que reduz a sua base de cálculo

nas operações interestaduais em 60% para os agroquímicos, sementes e

produtos veterinários, e em 30% para farelos e tortas de soja e canola e do

milho para alimentação animal. Em segundo lugar porque, com o

estabelecimento de alíquotas de 4%, 12%, 15%, 18% e 25%, para todo o

território nacional, o mais provável é que os produtos agropecuários serão

taxados em 12%, já que a menor alíquota (4%) se destinará a alimentos de

primeira necessidade e a medicamentos para uso humano.

O Convênio ICMS 100/97 segue em vigência até os dias de hoje (CONFAZ, 2016). Portanto, o

agronegócio se mostrou capaz de barrar, no legislativo, essa tentativa de aumento da carga

tributária sobre o setor.

No dia 14 de abril de 2004, o Rural Brasil entregou mais uma vez a Rodrigues, então

ministro da Agricultura, suas propostas para o Plano Agrícola e Pecuário, desta vez relativas ao

ano-safra 2004/2005. Dentre as propostas, constava o aumento dos recursos disponibilizados

pelo governo federal à burguesia agrária, de R$ 32,5 bilhões para R$ 56,2 bilhões, "para o

financiamento de custeio e comercialização [...], a renovação dos programas de investimentos,

a implantação dos novos programas e o atendimento da necessidade de crédito do setor rural"

(JORNAL DOS CRIADORES, 2004a, p. 7).

Tal plano foi apresentado pelo então ministro da Agricultura no dia 18 de junho de 2004.

Segundo a ABC, a "agropecuária empresarial brasileira terá R$ 39,5 bilhões à disposição"

(JORNAL DOS CRIADORES, 2004b, p. 8), uma elevação de 45% sobre o plano anterior. Para

Rodrigues, este "novo plano significa o reconhecimento do governo do presidente Lula à

importância da agricultura e do agronegócio para o país" (JORNAL DOS CRIADORES, 2004b,

p. 8). O governo também aumentou de 40% para 50% a parcela de aplicação obrigatória em

crédito rural pelo Banco do Brasil (JORNAL DOS CRIADORES, 2004b). Portanto, o montante

de recursos destinado à burguesia agrária aumentou, mas não tanto quanto queria o Rural Brasil.

Ademais, apesar de o governo haver afirmado que os juros seriam mantidos, em sua

maior parte, em 8,75%, na prática, este patamar de juros valeu apenas para alguns programas

de investimento, como o Moderfrota, o Finame Especial e o Proger Rural, os quais responderam

por R$ 10,7 bilhões. Os R$ 28,8 bilhões restantes foram regidos por juros livres. Consoante às

opiniões publicadas na edição de número 44 do Jornal dos Criadores (2004c, p. 3), de agosto

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de 2004, os juros altos viriam a inviabilizar o agronegócio:

Uma vez que o governo federal não tem condições de aumentar os montantes

disponíveis de crédito agrícola à taxa de 8,75%, a agricultura acaba sendo

empurrada para o sistema financeiro privado, que é regido pela taxa Selic, hoje

em 16%. Isso, aliado ao elevado spread bancário, faz com que os juros no

mercado sejam exorbitantes para o produtor rural. Aliás, esse é um dos nós

que entravam o crescimento da economia brasileira como um todo e enquanto

isso não for equacionado os juros continuarão elevados.

A partir da análise dos posicionamentos do Rural Brasil relativos aos Planos Agrícolas e

Pecuários 2003/2004 e 2004/2005, podemos apreender que os setores da grande burguesia

agrária no Brasil que compõem tal Conselho – o que inclui tanto a ABC quanto a ABCZ –

reivindicaram, já nos primeiros anos do primeiro mandato do Governo Lula, menores taxas de

juros no que toca à política de crédito. Entretanto, uma vez que grandes bancos de capital

predominantemente nacional também compunham a grande burguesia interna que ascendeu no

interior do bloco no poder ao longo dos anos 2000, a diminuição das taxas de juros, apesar de

ter ocorrido de forma gradual2, teve de ser lenta e limitada.

Ainda na 44ª edição do Jornal dos Criadores, o então presidente da ABC, Luis Alberto

Moreira Ferreira (2004a, p. 2), tratou da questão da falta de infraestrutura, no Brasil, para

armazenagem e escoamento de mercadorias, o que, de acordo com ele, poderia "colocar a

exuberante produção brasileira numa situação caótica, dentro de poucos anos". Em sua opinião,

o "assunto é mais do que sério e exige do governo brasileiro medidas urgentes e definitivas. O

esforço de agricultores, pecuaristas e industriais não pode ficar empacado em estradas

esburacadas, ferrovias ineficientes, portos sobrecarregados e na falta de armazéns"

(FERREIRA, 2004a, p. 2). Como é sabido, o governo federal lançaria, em 2007, o Programa

de Aceleração do Crescimento, que promoveu obras de infraestrutura no país, ainda que – na

opinião do agronegócio – insuficientes.

Na 51ª edição do Jornal dos Criadores (2005a), referente a março de 2005, a ABC se

manifestou contra a Medida Provisória (MP) 232, que aumentaria de 32% para 40% a base de

cálculo da Contribuição Sobre o Lucro Líquido e do Imposto de Renda de pessoas físicas e

jurídicas prestadoras de serviços, fossem eles comerciais, industriais ou agropecuários. No dia

15 de fevereiro de 2005, Francisco Márcio da Costa Carvalho, então diretor da ABC,

representou a associação num ato público, em São Paulo, ocasião em que dirigentes de mais de

2 A taxa Selic saiu de 25,36% a.a. em janeiro de 2003 para 10,66% a.a. em dezembro de 2010. Em janeiro de

2013, já sob o primeiro mandato do Governo Dilma, a taxa Selic ainda alcançaria o patamar mínimo de 7,12%

a.a. (BANCO CENTRAL, 2016).

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1100 entidades se reuniram para protestar contra a MP. Como resultado, o governo adiou por

30 dias a entrada em vigor da medida, a qual acabou por ser convertida na Lei nº 11.119, de

2005 (BRASIL, 2004), que, por sua vez, foi revogada pela Lei nº 11.482, de 2007 (BRASIL,

2005). Isto é, mais uma vez o governo federal tentou aumentar a carga de impostos sobre o setor

agropecuário e, novamente, não teve sucesso, ao menos não por muito tempo.

Em sua edição de número 52, de abril de 2005, o Jornal dos Criadores (2005b) divulgou,

na íntegra, um artigo escrito por Roberto Rodrigues, então ministro da Agricultura, publicado

pelo Valor Econômico. Nele, Rodrigues explicou que alguns importantes setores do

agronegócio no Brasil enfrentavam um período de crise, em virtude da queda dos preços de

seus produtos no mercado internacional, da elevação dos custos de produção, da seca que

assolava algumas regiões do Brasil, dos altos "custos da logística inadequada" e, finalmente,

das dívidas contraídas pelos ruralistas devido a investimentos diversos:

Para fazer frente a tudo isso, o governo está buscando os mecanismos para

amenizar os prejuízos incalculáveis que os produtores estão amargando em

2005.

Nos países desenvolvidos, além de vultosos subsídios nos casos de quebra de

produção ou de preços, há um seguro rural que garante a renda, e, em grande

parte, os prêmios são bancados pelos governos. No Brasil, estamos

engatinhando nessa modalidade de seguro, o que não nos permite atender a

calamidades dessa natureza. A caminhada até esse estágio é árdua e demorada.

Sem instrumentos equivalentes aos dos países ricos, as ações do governo

deverão se concentrar na prorrogação de dívidas do crédito rural (JORNAL

DOS CRIADORES, 2005b, p. 4).

Ao publicar o artigo de Rodrigues no Jornal dos Criadores, acreditamos que a ABC demonstrou

seu apoio às palavras do então ministro da Agricultura, com destaque à prorrogação das dívidas

da burguesia agrária; à abordagem relativa à logística do país, considerada inadequada, isto é,

demandante de investimentos; e à menção ao seguro rural dos "países desenvolvidos". Cinco

anos mais tarde, aliás, em 26 de agosto de 2010, o então presidente Lula sancionaria a lei

complementar nº 137, a qual trata do Fundo de Catástrofe, "que garante o ressarcimento de

forma complementar aos produtores rurais atingidos por eventos climáticos desastrosos, como

seca e excesso de chuva" (THOMAZINI, 2010a, p. 34-35). Em outras palavras, o seguro rural,

a exemplo das formações sociais imperialistas, finalmente chegaria ao Brasil.

Em sua 55ª edição, referente a julho de 2005, o Jornal dos Criadores (2005c, p. 6)

entrevistou "criadores de animais de elite presentes na Feicorte – Feira Internacional da Cadeia

Produtiva da Carne Bovina, realizada no Centro de Exposições Imigrantes, em São Paulo (SP),

nos dias 14 a 18 de junho [de 2005]". De acordo com eles, devido à crise que atingia, à época,

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os pecuaristas (com o aumento dos custos de produção e a baixa dos preços pagos a eles, pela

arroba do boi, por parte dos frigoríficos), o governo federal deveria diminuir a carga tributária

sobre o setor, baixar as taxas de juros e, visando impulsionar as exportações de carne bovina a

partir do Brasil, desvalorizar o real frente ao dólar.

Quanto aos juros e ao câmbio, tais reivindicações só viriam a ser atendidas de forma

mais expressiva nos anos iniciais do primeiro mandato do Governo Dilma (BOITO JR.;

BERRINGER, 2013).

De qualquer modo, cabe ressaltar que, embora o real tenha se mantido valorizado frente

ao dólar em meio à crise econômica mundial que eclodiu em 2008, período no qual as

exportações de carne bovina a partir do Brasil sofreram considerável queda, o governo federal

lançou mão de políticas anticíclicas que beneficiaram os principais elos burgueses da cadeia

produtiva de carne bovina. Consoante a Bayão (2009d), o mercado interno foi capaz de absorver

significativamente a produção de carne bovina no período pós-crise, devido a políticas

governamentais de incentivo ao consumo, apesar de que, nesse processo, os pecuaristas – elo

fraco da cadeia produtiva em questão – foram os que mais perderam renda, uma vez que tanto

os frigoríficos quanto o varejo foram capazes de recompor suas margens de lucro. Portanto, a

despeito da cotação prejudicial do real e dos frigoríficos e varejistas, os grandes pecuaristas

viram como benéficas as políticas anticíclicas do neodesenvolvimentismo em meio à crise.

Em contrapartida, o governo federal revogou, no final de 2009, o parágrafo quarto da

MP 447, "que garantia a isenção do imposto sobre operações entre pessoas físicas que tratasse

de cria, recria e engorda de gado". Sobre o assunto, o então presidente da ABCZ, José Olavo

Borges Mendes (2009a, p. 4), afirmou: "Não vamos aceitar passivamente mais uma pedrada no

agronegócio". Segundo ele, a revogação "caminha na contramão de todas as ações do governo

para proteger a economia brasileira dos reflexos da crise econômica mundial". Enquanto a

pecuária bovina passaria a ser cobrada por um imposto que nunca incidira, também num

momento de baixa do preço da arroba do boi, diversos setores da economia eram beneficiados

pela redução do Imposto sobre Produtos Industrializados. Como reação, a ABCZ solicitou uma

reunião com o presidente Lula para discutir o assunto, além de prometer entrar com uma ação

institucional, em conjunto com outras entidades do setor, a fim de garantir a isenção do tributo.

Infelizmente, não encontramos informações se o imposto segue incindindo.

Ainda no que toca à carga tributária, porém, cabe considerar a aprovação da Lei 12.058,

de 13 de outubro de 2009, que acabou com a cobrança do Programa de Integração Social (PIS)

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e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS) sobre a cadeia

produtiva de carne bovina no Brasil. A isenção beneficiou sobretudo os pequenos e médios

frigoríficos (BAYÃO, 2009a) e, como isso significou o enfraquecimento relativo dos grandes

frigoríficos, os pecuaristas comemoraram a ação do governo.

E, em 2010, foi a vez do Fundo de Apoio ao Trabalhador Rural (FUNRURAL) deixar

de incidir sobre os pecuaristas.

O FUNRURAL foi uma cobrança de 2,1% sobre a receita bruta proveniente da

comercialização da produção rural do ruralista, pessoa física. No julgamento do Recurso

Extraordinário nº 363.852/MG, o Supremo Tribunal Federal considerou esse imposto

inconstitucional. Assim, no dia 28 de julho de 2010, a ABCZ decidiu, por ordem de sua

assembleia geral, "ajuizar, em nome próprio, exercendo a representação de todos os seus

associados, ação declaratória de inexistência de relação jurídica tributária contra a União para

a suspensão da cobrança da contribuição previdenciária ao FUNRURAL" (REVISTA ABCZ,

2010b, p. 74). No dia 23 de novembro de 2010, o juiz da segunda Vara da Subseção Judiciária

de Uberaba determinou a suspensão da cobrança do FUNRURAL a todos os representados pela

ABCZ (REVISTA ABCZ, 2010c).

Ora, no que diz respeito à tributação sobre os grandes pecuaristas ao longo dos Governos

Lula, o que podemos concluir é: até onde as informações por nós coletadas nos permitiram

chegar, as tentativas desses governos de aumentar os impostos sobre esse elo da cadeia

produtiva da carne bovina acabaram por ser frustadas; e, em alguns casos, certos tributos

deixaram, inclusive, de incidir sobre eles.

Por fim, no que se refere à política de crédito, a ABCZ analisou o Programa de Estímulo

à Produção Agropecuária Sustentável (PRODUSA), que incentiva a implantação e ampliação

de sistemas de integração da pecuária com a agricultura ou a integração lavoura-pecuária-

silvicultura, cujo limite máximo de financiamento por beneficiário é de R$ 400.000,00 à taxa

máxima de juro de 6,75% a.a., e o Programa para Redução da Emissão de Gases de Efeito

Estufa na Agricultura (ABC), que tem seus recursos destinados à recuperação de pastagens e

áreas degradadas, à implantação de sistemas de integração (lavoura-pecuária, pecuária-floresta,

lavoura-pecuária-floresta, entre outros), e à implantação e manutenção de florestas comerciais

ou destinadas à recomposição de reservas legais ou de áreas de preservação permanente, sendo

o crédito máximo por beneficiário de R$ 1.000.000,00 por ano-safra e juros de 5,5% a.a.. Sobre

os recursos destinados à recuperação de áreas degradadas, a ABCZ concluiu que os recursos

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liberados pelo governo federal nem de longe conseguiram suprir toda a necessidade creditícia

existente no país (PIMENTA, 2010).

Enfim, a partir da análise da política econômica dos Governos Lula, voltada aos grandes

pecuaristas, podemos concluir que: o montante de créditos destinados ao setor aumentou,

embora não tanto quanto eles gostariam, continuando a ser considerado, por eles, insuficiente;

as taxas de juros os favoreceram, embora também não tanto quanto e nem no ritmo que eles

gostariam; as tentativas, por parte do governo federal, de aumento dos tributos sobre os

pecuaristas foram, em geral, frustradas, sendo que alguns dos impostos, como o FUNRURAL,

deixaram de incidir sobre eles; investimentos governamentais em infraestrutura e logística

foram realizados, embora tenham sido, na opinião dos grandes pecuaristas, insuficientes; o real

manteve-se valorizado, em geral, em relação ao dólar, freando as exportações de carne bovina

a partir do Brasil; o seguro rural, por meio do Fundo de Catástrofe, entrou em vigor no país; e

as políticas de incentivo ao consumo possibilitaram ao mercado interno absorver, em meio à

crise econômica internacional, grande parte da produção que deixou de escoar em direção aos

mercados externos.

Trata-se, portanto, de uma política econômica que atendeu, sim, aos interesses dos

grandes pecuaristas, uma vez que estes compõem a fração do grande capital. No entanto, foi

um atendimento pouco convincente, por assim dizer, pois os grandes pecuaristas, no interior do

grande capital ligado à cadeia produtiva de carne bovina no Brasil, foram o seu elo fraco, tendo

como referência as ações estatais. A análise das políticas voltadas aos grandes frigoríficos

tornará isso claro, como veremos.

2.1.3. A política ambiental

As principais políticas estatais referentes a questões ambientais ao longo dos governos

neodesenvolvimentistas foram, sem dúvida, as que giraram em torno do Novo Código Florestal.

Em sua 49ª edição, de março/abril de 2009, a Revista ABCZ divulgou uma opinião

favorável à aprovação do Novo Código Florestal, argumentando no sentido de que, caso a

legislação ambiental à época em vigência fosse cumprida à risca, mais de dois milhões de

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propriedades rurais teriam de desaparecer e o custo dos alimentos se elevaria, afetando a vida

nas cidades, a balança comercial brasileira e o meio ambiente (VIEIRA, 2009a). Como é

comum às burguesias em geral, os grandes pecuaristas lançaram mão do discurso de

“necessidade de modernização” a fim de alterarem uma legislação que não mais correspondia

aos seus interesses. Quando tratarmos da questão da reforma agrária, veremos que o mesmo

artifício discursivo não valeria, desde a perspectiva desses mesmos grandes pecuaristas, para as

classes trabalhadoras: neste caso, aqueles que descumprissem as leis em vigência deveriam ser,

segundo eles, severamente punidos pela força de Estado.

A ABCZ voltaria a tratar do Novo Código Florestal somente no início de julho de 2010,

quando alterações relativas a ele foram finalmente aprovadas pela Comissão Especial que

tratava da reforma. Na ocasião, o editorial da ABCZ se mostrou preocupado com a pressão que

ambientalistas estavam exercendo a fim de retirar pontos importantes do documento para o

agronegócio nas etapas seguintes de tramitação do projeto, quais sejam, a Câmara dos

Deputados, o Senado e o veto presidencial (REVISTA ABCZ, 2010a).

O que potencializou ainda mais a preocupação da ABCZ foi o fato de os ambientalistas

estarem conquistando grande espaço, à época, na mídia nacional, os quais acusavam os

ruralistas de estarem sendo anistiados pelo governo no que se refere à questão do

desmatamento, fato que, segundo a associação, prejudicava a imagem do agronegócio perante

à sociedade (REVISTA ABCZ, 2010 a). Ao ser finalmente aprovado, em 2012, já no primeiro

Governo Dilma, o Novo Código Florestal contaria com um texto que beneficiaria amplamente

os grandes ruralistas, apesar de alguns vetos por parte da então presidenta. De qualquer modo,

a aprovação do Novo Código Florestal significou uma grande vitória política ao conjunto da

grande burguesia agrária no Brasil.

Ainda sobre o tema meio ambiente, o editorial da ABCZ desabafou que, no Brasil, os

proprietários rurais vivem na berlinda: por um lado, são cobrados por mais produtividade; por

outro, pela preservação de mais áreas ambientais. Citando um pronunciamento do então

ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, a ABCZ disse que mais “de 30% das florestas

nativas do planeta estão em solo brasileiro. Na Europa, não se fala em preservação. Somente

1% das florestas européias estão preservadas e é aqui, no Brasil, que as ONGs ambientalistas

européias estão fincadas” (PIMENTA, 2009a, p. 14). Portanto, a ABCZ compreendeu as ONGs

internacionais ligadas ao meio ambiente como agentes políticos representantes de interesses

externos. Nesse aspecto, o comportamento dos grandes pecuaristas foi de burguesia interna,

postura que seria assumida, por eles, em geral, em todos os âmbitos, como veremos.

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Por fim, em sua edição de número 51, referente a julho/agosto de 2009, a Revista ABCZ

tratou do tema do pagamento, aos proprietários rurais, por parte do governo, pela "prestação de

serviços ambientais". Em outras palavras, esses proprietários queriam ser remunerados por

preservarem o meio ambiente no interior de suas próprias fazendas. À época, a cidade de

Extrema (MG) já implantara um sistema desse tipo, no qual a prefeitura ainda arcava com as

despesas, nas fazendas, da implantação de cercas, plantio de mudas, contenções de águas, dentre

outros, ao mesmo tempo que um Projeto de Lei tramitava no Congresso Nacional prevendo a

expansão do pagamento por esses serviços em todo o território nacional (VIEIRA, 2009b). Tal

Projeto de Lei segue em tramitação enquanto esta dissertação é escrita (BRASIL, 2013). De

qualquer maneira, tal pauta demonstra como o discurso neoliberal contra a intervenção do

Estado na economia – o qual aparece, por exemplo, nas reivindicações pela redução ou retirada

de impostos – é um discurso ideológico, isto é, um discurso que está em contradição com a

prática de alguns setores que o proferem. Dentre as pautas dos grandes pecuaristas que vimos

até aqui, o mesmo valeria também para o Fundo de Catástrofe.

2.1.4. A rastreabilidade bovina

Outra importante questão que demandou considerável atenção dos grandes pecuaristas ao longo

dos Governos Lula foi a rastreabilidade bovina, entendida como um "conjunto de ações,

medidas e procedimentos adotados para caracterizar a origem, o estado sanitário, a produção e

a produtividade da pecuária nacional e a segurança dos alimentos provenientes dessa exploração

econômica" (PANTANAL CERTIFICADORA, 2016). No Brasil, a rastreabilidade bovina é

gerenciada pelo Ministério da Agricultura por meio do Sistema Brasileiro de Identificação e

Certificação de Bovinos e Bubalinos (SISBOV), "utilizado para a identificação individual de

bovinos e bubalinos em propriedades rurais que têm interesse em vender animais que serão

utilizados para produção de carne para atender mercados que exigem identificação individual"

(MAPA, 2016). Portanto, a rastreabilidade bovina é compreendida pelo Ministério da

Agricultura como uma política necessária à abertura e manutenção de mercados externos à

carne bovina produzida no Brasil. Uma vez que, como veremos, as associações de grandes

pecuaristas pautaram de fato a implementação e desenvolvimento da rastreabilidade bovina no

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país, a postura destes foi de burguesia interna.

A 26ª edição do Jornal dos Criadores (2003d), referente a fevereiro de 2003, também

teve como foco a pauta da rastreabilidade, a qual teria atenção especial do Ministério da

Agricultura sob o novo governo, como afirmou José Amauri Dimarzio, então secretário-

executivo do ministério (isto é, o segundo posto mais importante da instituição) e membro do

Conselho Deliberativo da ABC. Rodrigues, então ministro da Agricultura, confirmou a

relevância da pauta:

nós consideramos que esse tema é prioridade máxima dentre as medidas e

ações que estamos tomando no Ministério. As possibilidades reais do mercado

internacional para a carne bovina brasileira são muito otimistas; ao mesmo

tempo, o mercado comprador é muito exigente, portanto a rastreabilidade é

um item da maior importância (JORNAL DOS CRIADORES, 2003d, p. 3).

Na edição de número 29 do Jornal dos Criadores (2003a), a pauta em destaque foi uma

portaria emitida no final de março de 2003 pelo então secretário de Defesa Agropecuária do

Ministério da Agricultura, Maçao Tadano, fundando o Comitê Técnico Consultivo do Sistema

Brasileiro de Identificação e Certificação de Origem Bovina e Bubalina, o SISBOV. As funções

desse Comitê foram elaborar e avaliar propostas relacionadas à rastreabilidade, sugerir

alterações que visem melhorar esse Sistema e emitir pareceres técnicos. Da parte

governamental, fizeram parte do Comitê os Departamentos de Inspeção de Produtos de Origem

Animal, de Defesa Animal e de Fiscalização e Fomento Animal; do lado patronal, a ABC, a

ABIEC, a CNA, a ABCZ, o Sindicato Nacional da Indústria de Produtos de Saúde Animal, o

Sindicato Nacional da Indústria de Alimentação Animal, a Associação das Empresas de

Certificação e Rastreabilidade Agropecuária e a Associação Brasileira de Novilho Precoce.

Portanto, os grandes pecuaristas estiveram presentes no Comitê que tratava da rastreabilidade

no Brasil, influenciando o processo.

Em abril de 2003, foi realizado pela ABC um seminário sobre a Instrução Normativa nº

21, relacionada ao SISBOV. O item dessa instrução que mais incomodou a ABC foi a proibição

a associações de criadores de se tornarem certificadoras no processo de rastreabilidade. De

acordo com a entidade, este "fato foi questionado [frente ao Ministério da Agricultura] durante

todo o ano pela ABC, sem sucesso até hoje" (JORNAL DOS CRIADORES, 2003a, p. 4).

Em maio de 2003 ocorreu, no Canadá, a confirmação de casos da doença denominada

de encefalopatia espongiforme bovina, popularmente conhecida como "mal da vaca louca". De

1995 até aquele momento, o Brasil havia importado cerca de 4400 animais daquele país. No

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Jornal dos Criadores (2003b, p. 1), o então presidente da ABC, Ferreira, afirmou que os "cerca

de 800 animais que continuam no País serão localizados e monitorados"; será "intensificado o

controle sanitário na entrada de animais, enquanto o Ministério da Agricultura desenvolve

estudos visando o aperfeiçoamento das barreiras sanitárias". Em outras palavras, o Ministério

da Agricultura agiu de modo a garantir que mercados importadores não deixassem de comprar

carne bovina do Brasil por causa do surgimento da doença no Canadá, atendendo aos interesses

tanto dos grandes pecuaristas quanto dos grandes frigoríficos exportadores.

Ainda em maio de 2003 a Secretaria de Defesa Agropecuária do Ministério da

Agricultura aprovou uma medida construída no Comitê Técnico Consultivo do SISBOV. A

partir de 15 de junho daquele ano, todo bovino abatido com vistas à exportação à União

Europeia teria de estar registrado no banco de dados do SISBOV com, no mínimo, 40 dias de

antecedência ao abate (JORNAL DOS CRIADORES, 2003b). Isso significa que o Ministério

da Agricultura começara a colocar definitivamente em prática o sistema de rastreabilidade

bovina no Brasil a fim de garantir o acesso ao mercado europeu, fato que foi comemorado pela

ABC (FERREIRA, 2003a).

Na edição de número 35 do Jornal dos Criadores, de novembro de 2003, a pauta da

rastreabilidade voltou à tona e a ABC apoiou a postura de Dimarzio, membro do conselho da

associação e secretário-executivo do Ministério da Agricultura, o qual, "em missão oficial na

França, foi categórico ao afirmar que o Brasil não adotará o sistema de certificação por

propriedade" (FERREIRA, 2003b, p. 2). Isso ocorreu pois, nos meses anteriores, houve um

debate no Brasil acerca de se a certificação deveria ser por propriedade ou por animal

individual. Como a União Europeia exige a certificação por animal, tanto o Ministério da

Agricultura quanto a ABC decidiram-se por esta opção (FERREIRA, 2003b).

O SISBOV continuou sendo o centro das discussões na 36ª edição do Jornal dos

Criadores, de dezembro de 2003. De acordo com a ABC, a partiu de 31 de dezembro de 2003

o período mínimo de 40 dias de registro dos animais no SISBOV passou a valer para todos os

mercados importadores, e não mais somente para a União Europeia. Além disso, os animais

registrados entre 31 de maio e 30 de novembro de 2004 passariam a ter de permanecer no banco

de dados do Sistema por no mínimo 90 dias para poderem ser exportados (JORNAL DOS

CRIADORES, 2003e). Essa extensão do prazo de permanência dos animais no banco de dados

do SISBOV, no entanto, não entrou em vigor no prazo previsto, o que, na prática, estancou o

processo de implementação da rastreabilidade bovina no Brasil (JORNAL DOS CRIADORES,

2004b). Ambas as medidas foram tomadas pelo Comitê Técnico Consultivo do SISBOV graças

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às propostas apresentadas pela ABC, apesar da resistência dos frigoríficos (JORNAL DOS

CRIADORES, 2003e).

No final de dezembro de 2003, foi a vez de os Estados Unidos apresentarem casos do

"mal da vaca louca" em seu rebanho, o que causou expectativas positivas à burguesia ligada ao

setor da carne bovina no Brasil, uma vez que, com os embargos às exportações estado-unidenses

por parte dos mercados importadores, os produtos brasileiros deveriam ocupar esses mercados.

Porém, a ABC (JORNAL DOS CRIADORES, 2004d, p. 2), ao invés de se deixar levar pela

euforia do momento, preferiu apoiar as medidas mais cautelosas do então ministro da

Agricultura, Roberto Rodrigues:

nos parece acertada a postura que vem adotando o ministro Roberto Rodrigues

acerca das conseqüências para o Brasil do caso norte-americano (sic) da vaca

louca. Buscar novos mercados ou ampliar os atuais, sim. Mas, acima de tudo,

melhorar o sistema interno de defesa da saúde animal. Urge, portanto, que o

ministro [da Fazenda] Palocci libere as verbas solicitadas pelo Ministério da

Agricultura e que este, como planeja Roberto Rodrigues, possa contratar em

caráter de urgência os agentes que precisamos para a vigilância sanitária.

De qualquer modo, o governo brasileiro não perdeu tempo e passou a negociar com o

Japão, a Coreia do Sul, Taiwan, a Rússia e os próprios Estados Unidos a fim de tentar obter

acesso aos mercados desses países. Para tanto, a ABC considerava essencial que o governo

realizasse os investimentos citados na área de defesa sanitária:

Rodrigues espera que a área econômica do governo libere mais R$ 60 milhões,

além dos R$ 68 milhões já previstos no Orçamento de 2004, para desenvolver

ações de prevenção à febre aftosa, entre outras doenças. Segundo o ministro,

o orçamento atual representa cerca de 70% da média da pasta nos últimos oito

anos. Rodrigues também quer autorização para contratar, em caráter

emergencial, 500 agentes de defesa sanitária (JORNAL DOS CRIADORES,

2004c, p. 4).

A 37ª edição do Jornal dos Criadores, referente a janeiro de 2004, destacou a promessa

do então presidente Lula a representantes das cadeias produtivas de carne bovina, suína e de

frango de que "não faltará dinheiro para a defesa sanitária animal", em reunião que aconteceu

no dia 12 de dezembro de 2003, em Brasília, evento que contou também com a presença do

então Ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, e do então ministro do Desenvolvimento,

Indústria e Comércio, Luiz Fernando Furlan (JORNAL DOS CRIADORES, 2004e). No

entanto, nos anos seguintes, o governo federal resistiria à liberação de recursos para a sanidade

animal, fato que causaria desconforto aos grandes pecuaristas.

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De todo modo, em março de 2004, o então ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues,

assinou a Instrução Normativa nº 08, publicada dia 26 daquele mês no Diário Oficial da União,

a qual complementa as instruções nº 7, de 17 de março de 2004, e nº 18, de 27 de fevereiro de

2004, atualizando e revogando a nº 15, de 17 de julho de 2001, a fim de proibir a importação

de ruminantes, seus produtos e subprodutos de países que tenham registrados casos do "mal da

vaca louca", áreas ainda não inspecionadas e/ou consideradas de risco pela Secretaria de Defesa

Agropecuária do Ministério da Agricultura, reforçando, assim, o sistema brasileiro de

prevenção contra a doença. A mesma Secretaria ainda estabeleceu normas relacionadas aos

requisitos de qualidade para efeito de monitoramento e credenciamento de laboratórios

dedicados ao diagnóstico da doença em ruminantes pela técnica denominada de

imunohistoquímica (JORNAL DOS CRIADORES, 2004f). Em outras palavras, o Ministério da

Agricultura, apesar da falta de recursos, tomou as medidas possíveis para evitar o surgimento

do "mal da vaca louca" no Brasil, já que isso dificultaria as exportações brasileiras de carne

bovina.

Ainda assim, na 40ª edição de seu jornal, de abril de 2004, a ABC denunciou as

dificuldades que o Ministério da Agricultura "vem encontrando para garantir os necessários e

imprescindíveis serviços de fiscalização sanitária" (JORNAL DOS CRIADORES, 2004f, p. 5),

o que, de acordo com a associação, não condiz com a importância que o agronegócio tem para

a economia brasileira e desconsidera perigo das doenças surgidas em outros países (JORNAL

DOS CRIADORES, 2004f).

Em junho de 2004, surgiu no Pará um foco de febre aftosa. Apesar de a doença ter se

manifestado somente em bovinos, a Argentina e a Rússia embargaram, além da carne bovina,

as carnes suína e de frango provenientes do Brasil, o que resultou num prejuízo de cerca de US$

36 milhões. Em consequência disso, o Governo Lula liberou mais R$ 44 milhões para a defesa

sanitária, cujo orçamento inicial era de R$ 68 milhões (JORNAL DOS CRIADORES, 2004a).

Portanto, o governo federal somente liberou recursos direcionados à defesa sanitária após o

surgimento de um caso de doença animal no rebanho bovino brasileiro, e não de maneira

preventiva, como demandavam os grandes pecuaristas.

No mesmo mês, o Ministério da Agricultura atendeu à sugestão do deputado federal

Luiz Carlos Heinze (Partido Progressista(PP)/RS) e criou um grupo de trabalho "com o objetivo

de identificar problemas e propor aprimoramentos no sistema brasileiro de rastreabilidade

animal" (JORNAL DOS CRIADORES, 2004b, p. 5).

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Em sua 43ª edição, de julho de 2004, o Jornal dos Criadores (2004b) divulgou as

respostas da ABIEC e da ABRAFRIGO, enviadas à ABC por e-mail, às perguntas formuladas

por participantes do seminário "Rastreabilidade Bovina – tudo o que você queria saber mas não

tinha para quem perguntar", evento realizado pela ABC em abril de 2004, o qual não pode

contar com a presença dos representantes dos frigoríficos, embora eles tivessem sido

convidados. A parte mais polêmica do documento se refere à afirmação de ambas as associações

de que a "identificação dos animais é obrigação dos pecuaristas" (JORNAL DOS

CRIADORES, 2004b, p. 6), em referência ao SISBOV, apesar de os frigoríficos serem os

principais interessados nas exportações de carne bovina a partir do Brasil. Não muito tempo

depois, como veremos, a ABC começaria a acusar "certos setores" de implodirem o SISBOV,

impedindo-o de avançar.

Na edição de número 50 do Jornal dos Criadores, de fevereiro de 2005, Ferreira (2005a) chegou

a questionar se o combate da febre aftosa deveria realmente ficar sob responsabilidade do Ministério da

Agricultura. Para ele, seria mais eficaz a criação de uma Organização da Sociedade Civil de Interesse

Público (OSCIP), pois ela, em sua opinião, contemplaria a pluralidade que a situação exige, envolvendo

não só o governo, mas também alguns setores da sociedade civil, como associações de pecuaristas,

frigoríficos, indústrias veterinárias e universidades, além de agilizar a execução das atividades e facilitar

a captação e destinação de recursos financeiros. Entretanto, a proposta do presidente da ABC não se

concretizou, e o combate à febre aftosa continuou sob o comando do Ministério. Em nossa opinião, a

proposta do então presidente da ABC partiu tanto dos posicionamentos contrários à rastreabilidade

bovina no Brasil por parte de “certos setores” da cadeia produtiva, quanto de sua insatisfação com o

tratamento dado pelo Governo Lula no que toca à questão das doenças animais.

A 51ª edição do Jornal dos Criadores, referente a março de 2005, também demonstrou

preocupações da ABC quanto ao SISBOV, o qual, segundo a associação, encontrava-se, à época,

"paralisado e sem rumo, como resultado da pressão ao Ministério da Agricultura de setores

contrários à rastreabilidade" (FERREIRA, 2005c, p. 3). Segundo o presidente da ABC, o marco

desse descaminho foi uma reunião da Comissão de Agricultura da Câmara Federal, realizada

no dia 3 de junho de 2004. Consoante a Dimarzio, então ex-secretário executivo do Ministério

da Agricultura e membro da ABC, "o Ministério sofreu pressão de deputados, que ameaçaram

entrar com um projeto de lei na Câmara Federal que se sobreporia às normas do Sisbov"; e

completou: "há setores trabalhando contrariamente aos interesses do Brasil; predominou uma

falta de visão de longo prazo nas últimas decisões sobre o Sisbov" (FERREIRA, 2005c, p. 3).

Mais uma vez, a ABC não foi clara a quais setores se referia.

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Na 53ª edição do Jornal dos Criadores, de maio de 2005, Ferreira (2005b, p. 2) voltou a

tratar da questão da rastreabilidade, demandando ações do Ministério da Agricultura:

um tão poderoso quanto retrógado lobby conseguiu jogar trevas sobre um

caminho que se mostrava claro o suficiente para conduzir a rastreabilidade a

seu destino natural de modernizar efetivamente a pecuária brasileira.

Mesmo declarando-se favorável à rastreabilidade, no que piamente

acreditamos, infelizmente o ministro Roberto Rodrigues se viu envolvido pela

avalanche de opiniões contrárias, o que inclui deputados federais que se dizem

representantes da agropecuária.

Um dos resultados do "excelente" trabalho do lobby foi a suspensão do

cronograma, de modo que continua em vigor a permanência de 40 dias na

BND [base nacional de dados]. Outro, foi o descrédito do Sistema. Um

terceiro, está sendo a perpetuação da inércia, por meio da constituição de

incontáveis “grupos de trabalho” com a função de apresentarem “propostas”

para o Sisbov.

A situação, no entanto, chegou no limite. Mesmo que não tenha sido o

causador da pasmaceira atual, chegou a hora de o Ministério da Agricultura

marcar uma posição em relação ao sistema de rastreabilidade bovina no Brasil.

Governar, nos ensinam os dicionários, significa controlar o rumo, dar direção.

Após debates no Fórum Nacional Permanente da Pecuária de Corte, da CNA, e no

Comitê Técnico Consultivo do SISBOV, nos dias 17 e 18 de maio de 2005, respectivamente, o

Ministério da Agricultura aprovou um novo modelo para a rastreabilidade bovina no Brasil, o

qual, em substituição ao SISBOV, contaria com a adesão voluntária dos pecuaristas (fato

criticado pela ABC), a descentralização da Base Nacional de Dados e quatro possibilidades de

identificação dos animais, sendo elas o chip eletrônico, o número de registro genealógico, o

número de manejo da fazenda e a marcação a ferro, ao invés da identificação por brincos

(JORNAL DOS CRIADORES, 2005d).

Na votação do novo sistema, a ABC se absteve: "Em princípio, não somos contra o novo

sistema [...] Pela sua complexidade e também por incluir o altamente questionável processo de

marcação a ferro, entendemos que o novo sistema deveria ser testado e avaliado antes de ser

considerado a opção do Brasil pela rastreabilidade" (JORNAL DOS CRIADORES, 2005d, p.

3). Tal posição foi enviada, via carta, ao então ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues,

sugerindo que o Ministério "mantenha o SISBOV, com as correções sugeridas por nós e outras

entidades" (JORNAL DOS CRIADORES, 2005d, p. 3). A fim de fortalecer sua posição, a ABC

também entrou em contato com o deputado federal Xico Graziano (PSDB/SP), que disse estar

aberto a sugestões a serem encaminhadas à Comissão de Agricultura da Câmara Federal

(JORNAL DOS CRIADORES, 2005d).

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Tais sugestões surtiram efeito, uma vez que o então secretário de Desenvolvimento

Agrário e Cooperativismo do Ministério da Agricultura, Márcio Portocarrero, enviou uma carta

ao presidente da ABC informando-o que tomara conhecimento do conteúdo publicado na edição

de março de 2005 no Jornal dos Criadores e dizendo: "Espero que, a partir da sua importante

participação na reunião do comitê ocorrida ontem (18/05/2005) aqui no MAPA, sua impressão

sobre a falta de rumo do sistema esteja superada" (JORNAL DOS CRIADORES, 2005d, p. 4),

referindo-se ao SISBOV.

Contudo, as ações do Ministério da Agricultura não agraram a ABC:

Com previsível desapontamento, não podemos deixar de registrar aqui os

efeitos negativos da proposta preparada pelo MAPA, com a aquiescência de

alguns setores da pecuária, sobre o que viria a ser a rastreabilidade bovina no

Brasil. Conforme havíamos alertado ao Ministério da Agricultura, em ofício

enviado no dia 04 de maio, seria melhor que o Brasil não levasse à União

Européia tal proposta, desprovida que era do mínimo de consistência do que

possa ser um sistema de identificação e certificação de animais. No mesmo

documento, sugeríamos que o Sisbov passasse pelos ajustes necessários,

enquanto se decidisse o que fazer em termos do futuro imediato.

A proposta foi levada a Bruxelas, e deu no que deu: com a sua não aceitação,

passamos um carão na frente dos europeus e, o que é pior, abrimos um flanco

para que a comissão da União Européia que virá ao Brasil em agosto refine

suas exigências e coloque o Brasil numa situação de absoluto desconforto –

pior do que já se encontra. Diante desse quadro, não restou – como prevíamos

– outra alternativa que não uma atualização no Sisbov (FERREIRA, 2005e, p.

2).

Em outras palavras, o projeto de rastreabilidade que substituiria o SISBOV acabou não entrando

em vigor, tendo este sido reativado. Além disso, não ficou clara a razão pela qual "alguns setores

da pecuária" apoiaram a substituição do SISBOV.

A edição de número 58-1 do Jornal dos Criadores (2005f), referente a outubro/novembro

de 2005, teve como foco os casos de febre aftosa que ocorreram no Mato Grosso do Sul em

outubro de 2005. Como resultado, 43 países, de diversas regiões do mundo, suspenderam a

compra da carne bovina proveniente do Brasil, parte dos quais, de acordo com opinião

divulgada pela ABC, agiram não de forma técnica, mas política, com destaque à União

Europeia, que teria aproveitado o surto da doença para se fechar aos produtos vindos do Brasil,

cedendo, assim, à pressão de produtores locais – como os irlandeses –, que concorrem com as

mercadorias de origem brasileira.

Consoante a Ferreira (2005g, p. 2), muitos foram os culpados pelo aparecimento da

doença:

O primeiro responsável é o Governo Federal, que desde o início de seu

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mandato ignorou por completo as solicitações do ministro Roberto Rodrigues

e dos pecuaristas para a liberação de verbas para o MAPA e destinadas à

sanidade animal.

Todos se lembram das “brigas” do ministro Rodrigues com o então ministro

do Planejamento, Guido Mantega, por verbas para o MAPA e para o sistema

de defesa agropecuária de todo o Brasil. Com o ministro da Fazenda, Antonio

Palocci, a história foi a mesma.

E como se vê, agora é tarde para o presidente Lula vir a público para dizer que

“não faltarão recursos para o combate à aftosa”. A tragédia já aconteceu.

Pecou também o MAPA, por não informar à sociedade as suas dificuldades

em poder garantir a segurança de nossas práticas agropecuárias.

Pecaram as entidades e lideranças agropecuárias, sempre otimistas com as

exportações de carne bovina, esquecendo-se da retaguarda, da evolução das

garantias de nossa cadeia alimentar, de novas exportações, da própria aftosa,

da rastreabilidade, da certificação...

Pecaram os políticos e governadores de Estado onde práticas quase primitivas

predominam na nossa agropecuária [...]

Pecaram também alguns pecuaristas, até hoje com visão primitiva, pouco

evoluída, omitindo-se de suas obrigações, práticas sanitárias obrigatórias [...]

E os frigoríficos? Com especial enfoque visando as exportações, se omitem

muitas vezes em não atender aos requisitos básicos e legais, como por exemplo

na entrada de animais para abate.

Todos somos responsáveis!

A fim de minimizar os prejuízos com a doença, Ferreira (2005g) demandou ao Governo

Federal e aos governos estaduais a devolução à pecuária brasileira de uma parte dos "enormes

ganhos" com a arrecadação de tributos que, segundo a ABC, eles obtiveram com o crescimento

das exportações de carne bovina. Dito de outra maneira, o então presidente da ABC – que, como

vimos, sempre pautou a redução de impostos para o setor agropecuário (um "Estado mínimo"

–, na hora da crise, quis a intervenção estatal, a socialização dos prejuízos: um "Estado

máximo". Novamente, podemos perceber a contradição entre o discurso neoliberal e a prática

política dos grandes pecuaristas.

No dia 20 de novembro de 2007, o Ministério da Agricultura anunciou diversas medidas

que visaram atender às pressões dos europeus a fim de que o Brasil pudesse continuar

exportando carne bovina para a União Europeia (JORNAL DOS CRIADORES, 2007a). De

acordo com a ABC (JORNAL DOS CRIADORES, 2007b), pecuaristas e deputados da Irlanda

e do Reino Unido demandavam a proibição total da entrada de carne bovina, a partir do Brasil,

na União Europeia, alegando que o produto brasileiro representaria riscos à saúde dos

consumidores, além de ocorrerem problemas sócio-ambientais no processo produtivo. Este

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conflito entre os grandes pecuaristas brasileiros e seus concorrentes europeus indica a postura

de burguesia interna que os grandes pecuaristas assumiram ao longo dos Governos Lula no que

se refere à abertura e manutenção de mercados externos.

De qualquer modo, entre os dias 30 de janeiro e 27 de fevereiro de 2008 a carne bovina

proveniente do Brasil foi embargada pela União Europeia (JORNAL DOS CRIADORES,

2008). Uma vez mais, Ferreira (2008a, p. 2) apontou os culpados pelos erros: “pecuaristas,

certificadoras, entidades, frigoríficos e, sobretudo, o Ministério da Agricultura”. A 62ª do Jornal

dos Criadores (2008, p. 8) ainda afirmou o seguinte: “Se o País tivesse feito o que se propôs em

relação ao Sisbov, não estaria passando pela atual situação de desconforto. O problema, porém,

é que o Sisbov nunca foi levado muito a sério – nem pelo governo, nem pelos frigoríficos e nem

por um número expressivo de pecuaristas”.

A mesma edição do Jornal dos Criadores, referente a janeiro/fevereiro de 2008, também

nos informou que, em 14 de julho de 2006, o Ministério da Agricultura instituiu o “novo

SISBOV”, no qual se destacou o conceito de Estabelecimento Rural Aprovado SISBOV

(ERAS), que conta com um conjunto de regras visando a identificação individual dos animais

com vistas à exportação. “Os pecuaristas tiveram até 31 de dezembro de 2007 para se adequar

às regras do 'novo Sisbov', data em que o 'velho Sisbov' deixou de existir” (JORNAL DOS

CRIADORES, 2008, p. 8).

Apesar de a ABC haver comemorado, a princípio, o fim do embargo da União Europeia

à carne bovina exportada do Brasil, a verdade é que as novas exigências do bloco significaram

um bloqueio parcial e muito significativo às exportações brasileiras do produto dali em diante.

Logo, neste quesito, os grandes pecuaristas da ABC também se comportaram como burguesia

interna, uma vez que pautaram pela efetivação da rastreabilidade no Brasil ao longo dos

Governos Lula, entrando, muitas vezes, em conflito com burguesias de formações sociais

imperialistas.

2.1.5. A política externa

A postura de burguesia interna dos grandes pecuaristas também apareceu no que diz respeito às

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negociações hemisféricas.

A edição de número 25 do Jornal dos Criadores, de janeiro de 2003, destacou a posição

favorável do então ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, à abertura comercial das

"nações ricas" para os produtos agropecuários dos "países em desenvolvimento", podendo o

ministro ser considerado, naquele momento, "uma peça fundamental para o aprofundamento da

abertura do comércio internacional agrícola para o Brasil" (JORNAL DOS CRIADORES,

2003f, p. 4). Assim, a ABC já indicava como viria a se comportar quando o assunto eram as

negociações hemisféricas: a exigência de abertura comercial do setor agropecuário por parte

das formações sociais imperialistas como condição para a firmação de acordos de livre

comércio – uma postura de burguesia interna.

Em dezembro de 2003, Roberto Rodrigues recebeu a homenagem de "Personalidade do Ano"

da ABC, referente a 2003. Na cerimônia de entrega do prêmio, o então ministro da Agricultura concedeu

entrevista ao Jornal dos Criadores, com destaque ao tema das negociações hemisféricas:

Ainda hoje (08/12/2003) ouvi o presidente Lula falando no Egito que ele não

permitirá que se avancem as negociações comerciais na OMC ou na Alca sem

que a agricultura tenha abertura de mercado de verdade. Então é essa a posição

clara do governo brasileiro e estamos confiantes. [...] Fracasso teria sido

aceitarmos as imposições dos Estados Unidos e da União Europeia e, como

sempre fizemos no passado, ceder aos interesses comerciais deles. Desta vez

o Brasil, comandando um grupo de países exportadores agrícolas, o G20, ou

GX como também é chamado, fez um movimento de resistência e enfrentou

as imposições que os países desenvolvidos queriam mais uma vez colocar

sobre nós. Portanto, não houve fracasso para o Brasil (JORNAL DOS

CRIADORES, 2004e, p. 5).

A 40ª edição do Jornal dos Criadores, por sua vez, ressaltou a realização da primeira

reunião do Comitê Consultivo de Agricultura Brasil-Estados Unidos, o qual foi fundado, em

2003, por iniciativa do então presidente Lula e de George W. Bush, o então presidente dos

Estados Unidos. Com isso, criou-se a expectativa, no meio pecuário brasileiro, de as vendas de

carne in natura a partir do Brasil, em direção aos Estados Unidos, se iniciarem ainda em 2004

(JORNAL DOS CRIADORES, 2004f), o que, porém, não se concretizou.

Na 41ª edição do Jornal dos Criadores, o então presidente da ABC, Ferreira (2004b, p.

2), tratou da vitória do Brasil sobre os Estados Unidos no caso do algodão, julgado pela OMC,

resultado considerado como "o prenúncio de que outros processos semelhantes poderão ser

apresentados, com boas perspectivas de vitória [... contra a] concorrência desleal por parte das

nações desenvolvidas". Uma vez mais, os grandes pecuaristas se comportaram como burguesia

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interna.

Em sua edição de agosto de 2005, o Jornal dos Criadores lamentou o fato de a União

Europeia e a Organização Internacional de Epizootias terem rebaixado a classificação do Brasil

no que se refere ao risco do "mal da vaca louca". Para o então secretário de Defesa Agropecuária

do Ministério da Agricultura, Gabriel Maciel, tais medidas foram uma reação ao crescimento

das exportações de carne bovina a partir do Brasil, visando freá-las (JORNAL DOS

CRIADORES, 2005e). Ora, novamente o governo brasileiro, respaldado pelos grandes

pecuaristas, agiu de modo a confrontar os interesses das formações sociais imperialistas, desta

vez, denunciando as intenções políticas por detrás de uma medida aparentemente técnica.

Em sua 61ª edição, o Jornal dos Criadores também comemorou o fato de a Rússia ter

voltado a importar carne bovina e suína de oito estados brasileiros, que estavam suspensos

desde outubro de 2005 devido aos casos de febre aftosa no Mato Grosso do Sul e no Paraná. A

retomada se deu, segundo a ABC, graças aos esforços empreendidos pelo Ministério da

Agricultura, à época comandado por Reinhold Stephanes (JORNAL DOS CRIADORES,

2007a). Em outras palavras, o governo brasileiro buscou reabrir o mercado russo à carne bovina

produzida no Brasil, atendendo a um setor burguês que possuía interesse pela abertura e

manutenção de mercados externos – um setor que apresentou postura de burguesia interna.

Já o foco da ABCZ no âmbito internacional foi a ampliação do comércio de animais

vivos – com fins reprodutivos, não de abate – e de material genético. Ao longo dos anos 2007-

2010, o Brasil assinou protocolos com o Panamá (exportações de material genético, ou seja,

sêmen e embriões) e com o Egito (exportações de animais vivos) (VIEIRA, 2010a).

Além disso, "Embaixadores de mais de 20 países visitaram a sede da ABCZ em 2009,

em uma ação desenvolvida em conjunto com o governo federal e associações promocionais das

raças com o intuito de abrir novos mercados para o zebu" (VIEIRA, 2010a, p. 70).

O Departamento de Relações Internacionais da ABCZ é o grande responsável por

divulgar a associação, seus serviços e as raças zebuínas internacionalmente. A Agência

Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (APEX-BRASIL), órgão vinculado ao

Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, é sua principal parceira, responsável

pela participação da ABCZ em pelo menos 78 eventos internacionais em 16 países ao longo do

período 2003-2010. Investindo cerca de R$ 900.000,00 por ano, a APEX financia os custos de

participação da ABCZ em eventos internacionais, seus materiais de divulgação e suas despesas

com transporte e alimentação durante os eventos, além de buscar soluções para entraves

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técnicos e comerciais existentes com outros países e apoiar a vinda, ao Brasil, de empresários,

jornalistas e autoridades governamentais a fim de conhecerem a associação e o agronegócio

brasileiro (REVISTA ABCZ, 2010d).

Outra importante tarefa do Departamento é a busca de soluções para problemas

sanitários enfrentados pelo Brasil no mercado internacional. O Ministério da Agricultura e a

APEX-BRASIL também apoiaram as ações da ABCZ relativas à abertura de mercados à

genética bovina brasileira (REVISTA ABCZ, 2010d).

2.1.6. Os grandes pecuaristas e as classes populares

Se, por um lado, os grandes pecuaristas aceitaram bem às políticas sociais dos Governos Lula

– até porque elas atenderam, ainda que indiretamente, aos seus interesses –, por outro, a política

de ordem do neodesenvolvimentismo, em especial no que diz respeito à manutenção da

propriedade fundiária, foi a principal causa de conflitos entre eles e o governo federal.

A edição de número 25 do Jornal dos Criadores (2003f), de janeiro de 2003, enfatizou

o apoio do então ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, ao programa Fome Zero, o qual,

ainda sob os governos neodesenvolvimentistas, acabaria por ser incorporado ao Bolsa Família.

Rodrigues, referindo-se ao programa, disse que ele "implica maior demanda por alimentos e

isso representa o crescimento da agropecuária e da cadeia do agrobusiness". Em outras palavras,

o

subsídio do governo para a compra de alimentos aumentará a demanda de

produtos agrícolas e pecuários, que, por sua vez, irá incrementar a procura por

sementes, fertilizantes, defensivos, máquinas agrícolas, rações, armazéns,

caminhões para transporte, embalagens e assim por diante (JORNAL DOS

CRIADORES, 2003a, p. 4).

Ora, o Fome Zero foi um importante programa social dos governos neodesenvolvimentistas, o

qual contou com o apoio da ABC pelas razões supracitadas.

A ABCZ, por sua vez, divulgou uma opinião que ressaltou como políticas de incentivo

à aquisição de alimentos, como o Bolsa Família e o aumento real do salário mínimo,

estimularam o aumento da produção e da renda no campo (PIMENTA, 2009b), demonstrando,

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portanto, seu apoio a essas políticas sociais de cunho neodesenvolvimentista.

Estas foram as duas únicas menções diretas da ABC e da ABCZ à política social dos

Governos Lula. Seja como for, elas parecem ser suficientes para concluirmos que, por

beneficiarem indiretamente aos grandes pecuaristas, os programas sociais

neodesenvolvimentistas puderam contar com o seu apoio.

No que concerne à política de ordem, cabe considerar que, em sua 28ª edição, referente

a abril de 2003, o Jornal dos Criadores publicou uma declaração realizada por Miguel Rossetto,

à época ministro do Desenvolvimento Agrário, sobre a Medida Provisória 2183, "que ajudou a

coibir as invasões de propriedades rurais, tornando-as indisponíveis para efeitos de reforma

agrária durante dois anos" (JORNAL DOS CRIADORES, 2003g, p. 6). Sobre o assunto, disse

Rossetto, dirigindo-se à Sociedade Rural Brasileira em 31 de março de 2003: "Garanto aos

senhores que o governo não irá encaminhar nenhuma proposta de mudança na MP" (JORNAL

DOS CRIADORES, 2003g, p. 6). Em outras palavras, a MP continuaria a coibir as invasões de

terra e a reforma agrária. Neste aspecto, verificamos o conflito entre os grandes pecuaristas,

dentre os quais a ABC, e os movimentos populares pela reforma agrária.

Em sua 32ª edição, de agosto de 2003, o Jornal dos Criadores (2003h, p. 3) divulgou a

nota oficial "O campo produz paz", escrita pelo então ministro da Agricultura, Roberto

Rodrigues, divulgada no dia 25 de julho de 2003, sobre "as declarações de incitação à guerra

contra os produtores rurais feitas pelo dirigente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem

Terra (MST), João Pedro Stédile". Sobre o assunto, disse Rodrigues (JORNAL DOS

CRIADORES, 2003h, p. 3):

A sociedade brasileira foi surpreendida com declarações de representantes de

movimentos sociais no campo incitando à guerra contra os produtores rurais.

Trata-se de um absurdo inconcebível, um equívoco brutal, e uma ameaçadora

agressão ao Estado de Direito e à Democracia. Defender uma solução violenta

para a questão agrária é não ter compromisso com o Império da Lei, com a

Democracia e com a Paz.

Tais declarações estão na contramão dos extraordinários avanços econômicos

alcançados pelo campo nos últimos tempos. A ameaça feita contra os

empresários rurais revela total desconhecimento sobre a verdadeira revolução

pacífica vivida pelo agronegócio brasileiro. [...]

O agronegócio é o mais importante setor da economia nacional, responde por

27% do PIB, gerando 37% do total dos empregos no Brasil e garantindo o

saldo da balança comercial [...]. É, na verdade, o setor que mais incorporou

tecnologia nos últimos anos [...] E tudo isto foi feito suportando o peso imenso

de ter que garantir a estabilização da economia e o combate à inflação. [...]

Pois é este setor, que trabalha dia e noite rasgando a fronteira agrícola,

enfrentando o protecionismo externo dos países ricos, abastecendo o povo

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brasileiro, abrindo mercados estrangeiros na base da eficiência e modernidade,

que vem sendo ameaçado por declarações que não podem ter mais vez no

mundo democrático que todos almejamos. [...]

O campo quer a Paz, sem o quê perde a confiança para investir e continuar a

ser a grande alavanca do desenvolvimento nacional, gerando poupança para a

promoção de outros setores da economia.

O campo precisa da Paz, até porque qualquer guerra não ficará restrita a ele:

terminará invadindo as cidades. O campo quer a reforma agrária para

promover a justiça social e compensar os excluídos rurais, vítimas de erros

passados, de décadas de descaso para com o setor. Mas é absolutamente

imprescindível que esta reforma agrária seja feita dentro da legalidade, com o

respeito à Constituição, ao direito de propriedade e à intocabilidade das terras

produtivas.

O Estado de Direito é a única via para o país seguir avançando. A alternativa

a ele é a barbárie. Esta situação não interessa à Democracia e muito menos ao

cidadão comum, que acaba sendo a grande vítima de uma eventual quebra do

Contrato Social.

Não se pode continuar atribuindo atraso ao setor que mais se desenvolveu no

Brasil, pelo esforço hercúleo dos produtores rurais. O discurso de que o campo

é atrasado é muito mais atrasado: estacionou no século passado, enquanto o

setor rural avançou rumo ao terceiro milênio.

Paz no campo é a verdadeira saída para o desenvolvimento equilibrado.

Preservá-la é uma garantia para atrair investimentos externos produtivos.

Reforma agrária sim, mas dentro da Lei. Sem violência.

Tal nota nos informa a visão e os posicionamentos favoráveis de Rodrigues no que se refere ao

agronegócio e ao capitalismo. Além disso, Rodrigues expôs, na nota, o posicionamento dos

Governos Lula sobre a reforma agrária, indicando o conflito entre os grandes pecuaristas e os

movimentos sociais que lutam por terra. Numa reunião realizada no dia 28 de julho de 2003, a

diretoria da ABC manifestou seu apoio, por meio de uma carta, à declaração do ministro

(JORNAL DOS CRIADORES, 2003h).

Na 41ª edição do Jornal dos Criadores, referente a maio de 2004, o então presidente da

ABC, Ferreira (2004b, p. 2), denunciou o

ritmo empreendido pelo MST em sua prática de tomar de assalto propriedades

agrícolas, fazendo aumentar a vulnerabilidade dos agricultores e pecuaristas e

a desconfiança do mundo em relação ao Brasil. Se o país necessita de uma

reforma agrária, isso deve ser objeto de discussão e deliberação do governo e

da sociedade – e não um simples estandarte que anuncia o terror, o medo e a

insegurança de quem trabalha para o crescimento da nação.

Como podemos ver, a ABC, assim como Rodrigues, também abria espaço, ao menos num nível

discursivo, à reforma agrária. Na prática, no entanto, tanto os grandes pecuaristas quanto o

Ministério da Agricultura agiriam, ao longo dos Governos Lula, de maneira a barrar tal reforma.

Na 52ª edição da Revista ABCZ, de setembro/outubro de 2009, Mendes (2009c), então

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presidente da associação, demonstrou-se preocupado com o fato de o presidente Lula ter

enviado ao Congresso Nacional uma medida visando a adoção de novos índices para medir a

produtividade da agropecuária para fins de reforma agrária, o que, de acordo com o editorial da

revista, teria sido uma reivindicação do MST (VIEIRA, 2009c).

A quem essa medida vai favorecer? Certamente não serão os milhares de

produtores rurais que enfrentam prejuízos em decorrência de mudanças

climáticas enquanto o Fundo de Catástrofe não sai do papel, nem os

agricultores que estão sufocados pelas dívidas rurais sem uma justa

renegociação até hoje ou os pecuaristas que estão sem receber pelo boi

entregue a alguns frigoríficos.

A Constituição Federal veda expressamente a desapropriação de propriedades

produtivas para fins de reforma agrária (artigo 185). Porém, nas últimas

décadas, vimos muitas fazendas produtivas serem invadidas por movimentos

sociais sob a alegação de improdutividade. Resta saber com base em qual

estudo técnico essas pessoas definiram o conceito de produtividade. Não deve

ter sido no desempenho do setor. Não custa lembrar que somos os grandes

responsáveis pelo saldo positivo da balança comercial, o maior exportador de

carne do mundo e geradores de milhões de empregos diretos e indiretos

(MENDES, 2009c, p. 4).

Na opinião do então senador Valter Pereira (Partido do Movimento Democrático

Brasileiro (PMDB)/MS), o Ministério do Desenvolvimento Agrário pressionava, à época, pela

aprovação da medida, de um lado, "para engordar estatísticas e agradar movimentos sociais";

enquanto o Ministério da Agricultura, de outro, defendia a sua rejeição em apoio aos grandes

ruralistas3, os quais teriam virado "saco de pancada" tanto dos ambientalistas quanto de parte

da mídia, enquanto o executivo federal continuava inerte frente a alguns problemas que

afetavam o agronegócio, tais como o endividamento, a ausência do Fundo de Catástrofe (o qual

viria a ser aprovado em 2010, como vimos), a logística e a infraestrutura, a promoção comercial,

etc. (THOMAZINI, 2009a, p. 16-17).

Em meados de 2010, a Comissão de Agricultura do Senado aprovou, em caráter

terminativo, um projeto de lei que alterou os critérios de desapropriação de terras para fins de

reforma agrária no país. Defendida "no Congresso pela senadora Kátia Abreu, [... a lei] blinda

as propriedades rurais consideradas produtivas, tira poder do Executivo ao submeter eventual

processo desapropriatório ao Congresso Nacional e concede prazos adicionais de adequação a

donos de terras improdutivas" (OCB/MS, 2010), isto é, os índices de produtividade foram

3 Tal declaração do então senador Valter Pereira nos fez pensar, em caráter hipotético, que a estrutura ministerial

dos Governos Lula, no que se refere à divisão entre o Ministério do Desenvolvimento Agrário e o Ministério

da Agricultura, pode ser reflexo da contradição no interior da frente neodesenvolvimentista que opunha, de um

lado, o agronegócio e, de outro, movimentos sociais pela reforma agrária.

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atualizados, mas isso foi feito pelo Congresso Nacional em atenção aos interesses do

agronegócio, e não dos movimentos sociais.

Na edição de número 56 da Revista ABCZ, de maio/junho de 2010, a associação voltou

a abordar a questão fundiária. De acordo com ela, essa questão "tem sido a principal mola

propulsora das discussões movidas por entidades classistas junto ao Governo Federal"

(THOMAZINI, 2010b, p. 14).

A mesma edição da Revista ABCZ ainda contou com uma entrevista a Moisés Gomes,

superintendente técnico da CNA, na qual foram debatidas as propostas do governo federal

relativas ao Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3). Sobre o tema, disse Gomes:

O texto do PNDH-3 atropela a Constituição no que diz respeito à questão

fundiária. O Programa propunha que, no caso de invasões de terras, o

proprietário que foi privado ilegitimamente de sua propriedade não poderia

mais pedir diretamente à Justiça a reintegração de posse. Antes disso, teria que

negociar com os invasores e submeter essa negociação à análise de um comitê

de monitoramento do Programa. Isso é uma barreira ao direito de acesso à

Justiça e nada pode obstruir um direito constitucional. Condicionar a

concessão de liminares ou a reintegração de posse a mecanismos

administrativos estimula a violência no campo, a invasão de terras e o esbulho

possessório (THOMAZINI, 2010b, p. 14).

Todavia, tais propostas do governo federal teriam sido revistas antes de entrarem em vigor.

Enfim, podemos concluir que os Governos Lula apresentaram certa ambiguidade no

tocante à reforma agrária, a despeito de, em momento decisivos, a tendência haver sido as

políticas estatais beneficiarem o agronegócio, em prejuízo dos movimentos sociais. Em outras

palavras, embora o executivo federal tenha esboçado certas tentativas de avançar na reforma

agrária, isso, na prática, não foi possível. Acreditamos que esse cenário se desenhou devido ao

fato de tanto o agronegócio quanto os movimentos populares pela reforma agrária terem sido

parte da frente neodesenvolvimentista que deu sustentação política aos Governos Lula.

Por fim, seria interessante considerar o posicionamento da ABC frente às greves da

polícia federal e de fiscais agropecuários, as quais foram abordadas na edição de número 40 do

Jornal dos Criadores (2004f, p. 2), referente a abril de 2004:

Tão preparados, nos anos anteriores, em organizar e administrar greves, o

agora presidente Lula e seus assessores estão sendo obrigados a experimentar

o veneno que ajudaram a produzir. E com um agravante: na posição de

governadores dos rumos do país, não sabem recorrer aos antídotos necessários

para combater as causas e neutralizar os efeitos desse veneno. [...]

Enquanto os funcionários da Polícia Federal dificultavam o embarque nos

aeroportos e os fiscais agropecuários faziam paralisar o agronegócio,

resultando em vultosos prejuízos para o País, o que se viu foi um governo de

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ações retardadas para reverter uma situação que já se sabia iminente meses

antes.

Esperamos que o presidente Lula acorde para o fato de que agora seu papel é

de evitar greves, e não de facilitar que elas ocorram.

Em outras palavras, a ABC se sentiu desconfortável com postura do governo federal em relação

às greves: a associação demandava repressão, enquanto o governo evitava reprimi-las.

Ora, sabemos que a origem do principal instrumento partidário da frente

neodesenvolvimentista, o PT, foi marcada pela construção de greves. Além disso, este partido

apresentou, historicamente, certa afinidade política com o MST, principal inimigo dos grandes

proprietários de terras no Brasil contemporâneo. Como veremos na seção 2.1.8, sobre a

representação e a participação políticas dos grandes pecuaristas, serão estes fatores,

relacionados aos limites da política de ordem dos governos encabeçados pelo PT, que farão este

setor da burguesia no Brasil se identificar politicamente menos com o neodesenvolvimentismo

e mais com o campo conservador, de orientação neoliberal ortodoxa. Antes disso, analisaremos

os conflitos que esses grandes pecuaristas empreenderam, ao longo dos Governos Lula, no

interior do bloco no poder no Brasil.

2.1.7. Os conflitos no interior do bloco no poder

Em sua edição de número 38, de fevereiro de 2004, o Jornal dos Criadores (2004d) abordou

pela primeira vez a questão dos conflitos entre os grandes pecuaristas e os grandes frigoríficos.

Como veremos, tais conflitos marcariam todo o período 2003 a 2010.

Segundo o editorial (JORNAL DOS CRIADORES, 2004d), entre janeiro e novembro

de 2003, o preço médio da carne bovina in natura valorizou 43% no mercado internacional: de

US$ 1.543, a tonelada passou a valer US$ 2.206. Contudo, os pecuaristas não teriam sido

beneficiados por esse aumento; pelo contrário, com a elevação de 6,5% dos custos operacionais

totais4 e com a subida de somente 1,85% do preço pago por partes dos frigoríficos pelo gado,

os bovinocultores teriam sido, no período, prejudicados. Por isso, Ferreira (JORNAL DOS

4 "Equivalentes a desembolsos mensais com salários, insumos, energia elétrica, sal mineral e medicamentos

veterinários" (VALOR ECONÔMICO, 2007, p. 1).

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CRIADORES, 2004d, p. 3) afirmou que "a 'relação de força entre os pecuaristas e os

frigoríficos' precisa mudar"; e propôs: "Talvez seja hora de o assunto ser discutido na Câmara

Setorial da Cadeia Produtiva da Carne Bovina, contando inclusive com a participação firme do

Governo Federal".

No início de maio de 2003, por iniciativa do então ministro da Agricultura, Roberto

Rodrigues, o governo federal criou a primeira câmara setorial do Conselho do Agronegócio, a

Câmara Setorial da Cadeia Produtiva de Carne Bovina, um canal de diálogo direto entre o

governo e as burguesias ligadas à cadeia produtiva de carne bovina, o que demonstrava a

importância conferida pelo Ministério ao setor. Nas palavras de Rodrigues, a Câmara "é um

órgão fundamental para a discussão das políticas públicas voltadas à bovinocultura e à melhor

organização do setor privado" (JORNAL DOS CRIADORES, 2003b, p. 3). Para Ferreira, então

presidente da ABC, a criação da Câmara significou "não um passo, mas um salto para a

organização da cadeia da carne bovina e a consequente definição de políticas e ações para seu

aperfeiçoamento e crescimento" (JORNAL DOS CRIADORES, 2003b, p. 3). De caráter

consultivo, a Câmara tem como objetivo propor e encaminhar ao Ministério da Agricultura

soluções que visem aprimorar a cadeia produtiva em questão. A ABC e outras vinte

organizações do setor privado, além de nove órgãos públicos subordinados ao governo federal,

integram-na (JORNAL DOS CRIADORES, 2003b).

Entretanto, dois anos após a criação dessa Câmara, em maio de 2005, o mesmo Ferreira,

ainda presidente da ABC, concluiria que tal órgão havia sido esvaziado politicamente por parte

dos grandes frigoríficos, isto é, apesar de existir, ele não criaria efeitos práticos benéficos aos

grandes pecuaristas, que teriam de encontrar outras formas de luta pela valorização da arroba

do boi.

O Jornal dos Criadores (2004a) tornou a tratar dos conflitos entre os grandes pecuaristas

e os grandes frigoríficos em sua 41ª edição, de maio de 2004, ocasião em que falou pela primeira

vez em concentração no setor frigorífico. De acordo com a ABC, o Brasil exportou US$ 1,52

bilhão em carne bovina em 2003, uma elevação de 39% frente ao ano anterior, com US$ 1,096

bilhão. Em compensação, o preço médio pago pelo boi gordo em São Paulo subiu somente 19%,

apenas acompanhando a inflação.

Sobre o tema da concentração, divulgou o editorial: "Dos 351 frigoríficos legalizados

existentes no País, 17 respondem por 98% das exportações, sendo que apenas quatro detêm

cerca de 70% do faturamento no mercado externo” (JORNAL DOS CRIADORES, 2004a, p.

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4), fato que, segundo a ABC, dificultava a elevação do preço do boi, já que o mercado

encontrava-se sob controle de um pequeno número de empresas (JORNAL DOS CRIADORES,

2004a).

O editorial ainda tratou de duas possíveis soluções para o problema: a adoção de normas

para a classificação de carcaças, que permitiria premiar aqueles que produzem carne de melhor

qualidade; e a união dos pecuaristas, visando racionalizar a produção e diminuir os custos. O

problema da primeira é que, segundo foi divulgado pela ABC, "os frigoríficos se recusam a

reconhecer a qualidade no preço" (JORNAL DOS CRIADORES, 2004a, p. 4), situação que

somente se alteraria caso a procura pela carne de qualidade fosse superior à oferta. No que toca

à segunda alternativa, a associação fez notar que tal união deveria combater não somente os

frigoríficos, mas também as grandes redes de varejo, as quais também lucram em prejuízo dos

pecuaristas (JORNAL DOS CRIADORES, 2004a). Vale a pena notar que, na opinião da ABC,

faltava, à época, unidade política organizativa entre os pecuaristas.

No dia 3 de maio de 2004, Rodrigues assinou – durante a abertura oficial da 70ª

ExpoZebu, organizada pela ABCZ, em Uberaba (MG), onde também recebeu uma homenagem

pelos "relevantes serviços prestados ao Brasil" – a Instrução Normativa nº 9, criando o Sistema

Brasileiro de Classificação de Carcaças de Bovinos. A partir de 2005, os frigoríficos viriam a

ser obrigados a aderir a esse sistema (JORNAL DOS CRIADORES, 2004a).

Numa reunião realizada no dia 7 de julho de 2004, o Conselho Deliberativo da ABC

elegeu, por aclamação, a diretoria executiva da associação para o mandato 2004/2007, sendo

Luis Alberto Moreira Ferreira reeleito presidente, o qual definiu a remuneração ao criador por

parte dos frigoríficos e a rastreabilidade bovina como as pautas centrais para o período

(JORNAL DOS CRIADORES, 2004b).

No dia 30 de agosto de 2004, essa nova diretoria da ABC tomou posse, tendo Ferreira

(2004d) voltado a afirmar que a efetiva participação dos pecuaristas e de suas associações nas

negociações com frigoríficos, visando a melhoria dos preços de venda do gado, seria um dos

focos principais da ABC ao longo do mandato que então se iniciava. Ferreira também destacou,

dentre outras, a pauta da rastreabilidade, da defesa sanitária (buscando a erradicação da febre

aftosa no Brasil) e da defesa da propriedade privada contra as invasões de terras.

Na edição de número 47 do Jornal dos Criadores (2004g), referente a novembro de 2004,

a ABC voltou a falar sobre a remuneração dos frigoríficos aos pecuaristas. Segundo

informações divulgadas pela associação, de janeiro a setembro de 2004 os custos operacionais

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totais da pecuária de corte subiram, no mercado interno, 8,27%, enquanto que os preços pagos

pelo boi gordo diminuíram em 1,72%. Em contrapartida, no mercado internacional, o preço da

carne bovina in natura passou de US$ 1.736 por tonelada em setembro de 2003 para US$ 2.153,

em média, entre janeiro e setembro de 2004. Isto é, os grandes frigoríficos continuaram

lucrando em prejuízo dos pecuaristas ao longo desse período.

Em fevereiro de 2005, o Jornal dos Criadores (2005f, p. 9) denunciou que foram

encontrados, à época, "documentos que mostram que as indústrias criaram uma tabela única de

preços a serem pagos aos criadores”, ou seja, os frigoríficos formaram um cartel a fim de pagar

menos aos pecuaristas pela arroba do boi.

Em sua edição seguinte, referente a março de 2005, o Jornal dos Criadores (2005a, p. 9)

afirmou que, numa reunião realizada dia 3 de março de 2005, na Delegacia do Ministério da

Agricultura, em São Paulo, “os frigoríficos se comprometeram a suspender, já no dia seguinte,

a utilização da tabela de deságio que reduziu o preço da arroba do boi gordo a partir do final de

janeiro”: o boi com peso de 15 a 16 arrobas valia 5% menos em relação ao período anterior; o

de 14 a 15 arrobas, 10% menos; e o com menos de 14 arrobas, o mesmo que uma vaca, que é

menos valorizada que o macho da espécie (JORNAL DOS CRIADORES, 2005a).

Tal reunião foi articulada pelo ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, e contou

com a participação de representantes dos pecuaristas (ABC e SRB), dos frigoríficos

(ABRAFRIGO, SINDICARNE, Bertin, JBS e Independência) e do próprio Ministério

(JORNAL DOS CRIADORES, 2005a).

Diante das provas colhidas pela CNA com o intuito de apresentá-las ao Conselho

Administrativo de Defesa Econômica (CADE), os frigoríficos deixaram claro que preferiam

suspender o cartel a serem processados (JORNAL DOS CRIADORES, 2005a).

Como reação à tabela de deságio, alguns pecuaristas goianos, incentivados pela CNA,

deixaram de vender bois aos frigoríficos por 30 dias, mas esse boicote teve adesão apenas

parcial (JORNAL DOS CRIADORES, 2005a).

Na opinião do então presidente da ABC, Ferreira (2005c, p. 2), além dos resultados

imediatos, tal acontecimento também serviu para gerar um sentimento de união entre os

pecuaristas, sentimento que, ao longo da história, nunca teria sido uma das características do

setor: "precisou que os frigoríficos promovessem uma ação coordenada de redução do preço da

arroba – o que significa dizer, desqualificar o trabalho e os investimentos dos pecuaristas – para

que nossa classe resolvesse se mobilizar".

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Ainda de acordo com ele, esse rebaixamento do preço da arroba teria sido "apenas a

gota d'água que fez transbordar um recipiente já cheio de injustiças". E concluiu:

Se tivéssemos um associativismo forte, efetivamente determinado a identificar

as questões mais importantes da pecuária, discuti-las em profundidade e

encaminhar suas soluções, certamente não haveria ambiente para que os

frigoríficos agissem de modo unilateral e coercitivo como vêm fazendo agora

(FERREIRA, 2005c, p. 2).

Contudo, o então presidente da ABC previu o risco dessa união entre os pecuaristas ser frágil e

momentânea, ao invés de vigorosa e duradoura (FERREIRA, 2005c). Ora, tais declarações

também indicam que existia uma falta de unidade organizativa dos grandes pecuaristas.

Tais reuniões, tentativas de acordo e protestos não foram capazes, porém, de mudar o

comportamento dos frigoríficos para com os pecuaristas, uma vez que eles continuaram a agir

de modo a rebaixar forçosamente os preços da arroba do boi (FERREIRA, 2005d). Por isso, no

dia 16 de março de 2005, a CNA os denunciou ao CADE, contando com o apoio do então

presidente da Comissão de Agricultura da Câmara, deputado federal Ronaldo Caiado (Partido

da Frente Liberal (PFL)/GO, atual DEM – Democratas) (VALOR ECONÔMICO, 2005).

Além disso, como solução às disputas entre pecuaristas e frigoríficos, Ferreira (2005d,

p. 2) propôs o fortalecimento da cadeia produtiva de carne bovina, "o que implica

necessariamente que pecuaristas e frigoríficos se vejam como partes integradas de um todo,

portanto dispostas ao entendimento, e não como setores opostos, sempre prontos para o

embate", ressaltando que, em 2003, o Ministério da Agricultura já havia criado a Câmara

Setorial da Cadeia Produtiva da Carne Bovina, a qual, como vimos, conta com todos os setores

ligados ao produto. "Ou seja, já existe um ambiente institucionalizado para o entendimento. Só

falta ser utilizado" (FERREIRA, 2005d, p. 2), concluiu.

Dado o esvaziamento político dessa Câmara, a ABC afirmou que a união dos pecuaristas

seria o único modo de eles conseguirem melhores preços para o boi gordo na venda aos

frigoríficos. E, assim como fizeram estes, "nós, criadores, deveríamos igualmente desenvolver

uniformização do valor (sic)" (JORNAL DOS CRIADORES, 2005d, p. 3), isto é, os pecuaristas

também deveriam criar tabelas de preços, estabelecer preços mínimos para a venda e/ou formar

cartéis (JORNAL DOS CRIADORES, 2005d).

De todo modo, no dia 6 de abril de 2005, o então presidente da ABC, Ferreira,

compareceu numa reunião que aconteceu em São Paulo, ocasião em que, por iniciativa do

Conselho Nacional da Pecuária de Corte, representantes de pecuaristas e frigoríficos

constituíram um grupo de trabalho para discutir os problemas da cadeia produtiva de carne

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bovina, principalmente a polêmica entre os dois setores relativa ao baixo preço pago pela arroba

do boi gordo. Passaram a compor o grupo de trabalho, do lado dos frigoríficos, a ABIEC, a

ABRAFRIGO e o frigorífico Independência; e, do lado dos pecuaristas, a SRB, a CNA e a

Federação de Agricultura do Rio Grande do Sul (FARSUL) (JORNAL DOS CRIADORES,

2005g).

Entre dezembro de 2005 e agosto de 2007, o Jornal dos Criadores não circulou. Ferreira

(2007, p. 2), reeleito para mais três anos de mandato à frente da ABC, disse o seguinte na 59ª

edição do Jornal dos Criadores, referente a setembro/outubro de 2007: a "pecuária de corte

apresentou uma recuperação ainda não muito grande nos preços ao produtor, mas com grandes

acréscimos nas exportações, a preços muito interessantes". Isto é, a partir do final de 2006, os

preços da arroba do boi apresentaram significativa elevação, o que, porém, ainda não

acompanhava o crescimento das exportações.

De qualquer maneira, o então presidente do Fórum Nacional Permanente da Pecuária de

Corte, da CNA, Antenor Nogueira, pontuou que, por quarto anos consecutivos (2003 a 2006),

os pecuaristas tiveram perdas devido a custos mais elevados do que as receitas. "Nas contas da

entidade, há uma perda de margem na atividade agropecuária de 42%, acumulada nos últimos

quatro anos, por aumento de 32% nos custos de produção e queda de 9,5% no preço da arroba

do boi" (VALOR ECONÔMICO, 2007a, p. 1). A tendência de alta no preço da arroba que se

iniciou em 2007 teria decorrido, em realidade, da escassez de oferta de animais para o abate,

fato que obrigou os frigoríficos a pagarem mais pela matéria prima (VALOR ECONÔMICO,

2007b).

A 49ª edição da Revista ABCZ, de março/abril de 2009, deu voz a um pecuarista que

também denunciou o maior crescimento dos custos de produção em relação ao preço da arroba

do boi. A fim de solucionar tal problema, disse ele, dever-se-ia criar um "CONSECARNE", a

exemplo do Conselho dos Produtores de Cana-de-açúcar, Açúcar e Álcool (CONSECANA),

para garantir preços mínimos à arroba (BAYÃO, 2009a). No entanto, a criação de um

"CONSECARNE" ou de um Conselho de Preços do Boi, outra iniciativa com o mesmo

propósito, não saíram do papel (até onde nossa investigação pode averiguar), fato que, na

prática, representou uma derrota política dos grandes pecuaristas frente aos grandes frigoríficos

e aos grandes varejistas, apesar do apoio discursivo destes à iniciativa.

Em sua 51ª edição, de julho/agosto de 2009, o editorial da Revista ABCZ denunciou

também o grande varejo por não repassar aos consumidores finais às quedas de preço da arroba

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do boi e da carne bovina nos mercados atacadistas, lucrando, assim, em prejuízo de toda a

cadeia produtiva (BAYÃO, 2009b). Por mais que os grandes pecuaristas não tenham, em geral,

contato direto com o varejo, uma vez que são, no mercado, intermediados pelos frigoríficos, o

poderio econômico dos hipermercados pode ser sentido em algumas ocasiões, principalmente

quando os interesses dos dois elos em questão entram em conflito.

Finalmente, na edição de número 71 do Jornal dos Criadores (2010a), de dezembro de

2010, a ABC voltou a tratar da concentração no setor de frigoríficos. De acordo com o editorial,

a crise econômica mundial iniciada em 2008 provocou a falência de pelo menos 50 pequenos e

médios frigoríficos no Brasil. Em contrapartida, os grandes frigoríficos foram às compras,

adquirindo unidades de abate que entravam em dificuldades financeiras.

Segundo opiniões divulgadas pela ABC, essa situação seria prejudicial aos pecuaristas,

uma vez que tenderia a causar a diminuição do preço pago pela arroba do boi por parte dos

frigoríficos, o que só não estaria ocorrendo, naquele momento, devido à baixa oferta de gado

bovino no mercado. Como soluções, especialistas ouvidos pela ABC apontaram a união dos

pecuaristas, os contratos de compra e venda entre os dois setores e o apoio do governo a

pequenos e médios frigoríficos (JORNAL DOS CRIADORES, 2010a).

A ABC encerrou o ano de 2010 avaliando-o como favorável aos pecuaristas, graças ao

aumento do preço da arroba em 50% em relação a 2009, o que teria ocorrido devido à baixa

oferta de gado bovino no mercado e apesar da concentração dos frigoríficos, da falta de

infraestrutura e da ausência de ajuda financeira aos pecuaristas por parte do governo (JORNAL

DOS CRIADORES, 2011).

Enfim, podemos concluir que, ao longo dos Governos Lula, os grandes frigoríficos

foram capazes de impor aos pecuaristas sistemáticas reduções de preços à arroba do boi – e isso

apesar das diversas tentativas de resistência por parte destes, sejam elas por meio de apelos ao

governo, sejam via articulações políticas entre os próprios pecuaristas. Acreditamos que o ponto

chave por detrás desta situação se encontre no fortalecimento político e econômico dos grandes

frigoríficos, os quais, como veremos no Capítulo 2, se beneficiaram amplamente das políticas

estatais ao longo do período 2003 a 2010.

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2.1.8. A representatividade e a participação políticas

Nesta seção estudaremos a agenda política dos grandes pecuaristas. Veremos que, ao longo dos

Governos Lula, foi comum a participação política de seus representantes em eventos de posse

de diversos cargos governamentais, em canais institucionais de comunicação direta com o

governo federal (como conselhos, comitês e câmaras, sobre variados assuntos) e em reuniões

com parlamentares e outros "políticos profissionais", os quais não raro seriam homenageados

por suas associações.

A ABC encerrou o ano de 2002 recebendo o então ministro da Agricultura, Pratini de

Moraes, juntamente com aquele que seria o seu sucessor, Roberto Rodrigues, a fim de lhes

entregar a homenagem da associação de "Personalidades do Ano", referente a 2002. Sobre o

acontecimento, disse o então presidente da ABC, Luis Alberto Moreira Ferreira (2003c, p. 2):

"Pratini de Moraes e Roberto Rodrigues não carregavam nos gestos e nas palavras qualquer

indício de oposição entre um e outro, entre um governo [psdbista] que perdera a eleição e outro

[petista] que ganhara". Ademais, afirmou (FERREIRA, 2003c, p. 2) que o "presidente Lula, ao

que parece, está atribuindo ao setor rural a importância que ele merece. A escolha de Roberto

Rodrigues é uma indicação forte".

Ora, tais declarações indicam que a ABC, pela voz de seu presidente, viu uma

continuidade no que toca ao Ministério da Agricultura entre os Governos FHC e Lula, assim

como as homenagens a Moraes e a Rodrigues demonstraram um apoio, uma satisfação com

essa continuidade, a qual se manifestou, por exemplo, quando Moraes concordou com o

posicionamento de Rodrigues sobre as negociações hemisféricas: "Precisamos manter firme

nossa posição contra o protecionismo dos países ricos que injetam um bilhão de dólares por dia

de subsídios na agropecuária" (JORNAL DOS CRIADORES, 2003c, p. 5), denunciou Moraes

ao Jornal dos Criadores.

Já no primeiro dia do ano de 2003, o então primeiro vice presidente da ABC, Rubens

Malta Souza Campos Filho, representou sua associação na posse do então governador de São

Paulo, Geraldo Alckimin (PSDB), e do secretariado deste. No dia 2, o então segundo vice

presidente da associação, Ney Soares Piegas, esteve em Brasília para a assunção de Roberto

Rodrigues ao cargo de ministro do Agricultura, "levando o nome da ABC para uma das mais

prestigiadas e concorridas posses do governo federal" (JORNAL DOS CRIADORES, 2003d,

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p. 2). Essas presenças ocorreram com "o objetivo de participar de momentos significativos da

vida política paulista e brasileira, e também como forma de expressar seu apoio [da ABC] a

dirigentes públicos comprometidos com as causas e interesses da agropecuária" (JORNAL DOS

CRIADORES, 2003d, p. 2).

No dia 14 de janeiro de 2003, a diretoria da ABC ainda realizou uma "visita de cortesia"

ao deputado estadual Duarte Nogueira (PSDB/SP), então recém empossado como titular da

Secretaria da Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, a fim de manifestar a ele o

apoio da associação (JORNAL DOS CRIADORES, 2003d). Como veremos ao longo desta

seção, as associações de grandes pecuaristas apresentaram, ao longo dos Governos Lula, grande

afinidade política com o PSDB e outros partidos de orientação neoliberal ortodoxa, como o

DEM, seja por meio de "visitas" a eles, seja a eles apelando politicamente em relação a

determinadas pautas, seja apoiando os seus candidatos em períodos eleitorais. Nisto, cabe

ressaltar, os grandes pecuaristas se diferenciaram, em grande medida, de outros setores que,

durante os Governos Lula, também se comportaram como burguesia interna, como foi o caso

dos usineiros paulistas ligados à produção de açúcar e álcool.

Consoante a Boito Jr. (2012b), esses usineiros reivindicavam que a Petrobras se

associasse a eles na produção do etanol para evitar que fossem engolidos pelo capital

estrangeiro, cuja presença crescia no setor. Dito de outra forma, "os usineiros querem proteção

do Estado – no caso, de uma poderosa empresa estatal – para se defenderem da concorrência,

que consideram desigual, que lhes move o capital estrangeiro" (BOITO JR., 2012b, p. 95) – daí

a sua postura de burguesia interna. Ao mesmo tempo, avaliavam negativamente a José Serra,

do PSDB, à época governador de São Paulo.

A avaliação dos grandes pecuaristas aos Governos Lula, por seu turno, foi oscilante: ora

demonstrariam apoio a eles, principalmente voltado ao Ministério da Agricultura; ora os

criticariam negativamente. Já o apoio do setor sucroalcooleiro aos governos petistas foi muito

mais sólido (BOITO JR., 2012b). Abaixo, transcrevemos alguns trechos de uma entrevista

realizada pelo Valor Econômico (2010) a Luiz Guilherme Zancaner, então proprietário do grupo

Unialco e diretor da Unidade dos Produtores de Bioenergia, "entidade de usineiros da região

Oeste de São Paulo, onde está concentrado o rico e produtivo agronegócio da cana no país".

Valor: Como o senhor avalia a atuação do governo Lula no setor?

Zancaner: Na crise, o governo fez a parte dele. Deu crédito, apesar de toda a

burocracia para liberar. O governo Lula foi excepcional para o nosso negócio,

fico até emocionado. O setor fez muito pelo Brasil, mas o governo está

fazendo muito pelo setor. Nunca houve antes política tão boa para nós. O

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presidente Lula não perde nenhuma oportunidade de ser gentil. Outras pessoas

não perdem a oportunidade de serem desagradáveis, arrogantes.

Valor: É sobre o pré-candidato do PSDB à Presidência, José Serra, que o

senhor está falando? Ele tem sido restritivo à plantação da cana?

Zancaner: Só posso afirmar que o Serra é um excelente administrador, mas

considero que o Serra não vê o setor como o Lula vê. O Lula formou uma

equipe boa, como o ótimo ministro da Agricultura, o Reinhold Stephanes.

Noto que o Lula fez um governo melhor. O [ex-presidente, do PSDB]

Fernando Henrique Cardoso fez as bases, mas Lula e Dilma construíram os

canais conosco.

Voltemos à agenda política dos grandes pecuaristas.

No dia 18 de fevereiro de 2003, a ABC participou, em Brasília, de um jantar entre 87

deputados federais, 11 senadores e o Rural Brasil. Nessa reunião, o então presidente do Rural

Brasil e da CNA, Antônio Ernesto de Salvo, distribuiu aos parlamentares e ao então ministro

da Agricultura, Roberto Rodrigues, um estudo que apontou quatro demandas do Conselho com

o objetivo de incentivar as exportações agropecuárias: "manutenção da Lei Kandir, criação de

mecanismos para facilitar o financiamento, eliminação de impostos incidentes na cadeia

produtiva destinada à exportação e promoção e divulgação dos produtos brasileiros" (JORNAL

DOS CRIADORES, 2003i, p. 3). Vimos, nas seções anteriores, o tratamento do governo federal

em relação ao crédito, aos tributos e, por meio da APEX-BRASIL, à promoção e divulgação

das mercadorias exportadas a partir do Brasil. A Lei Kandir, por sua vez, dispõe "sobre o

imposto dos Estados e do Distrito Federal sobre operações relativas à circulação de mercadorias

e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, e

dá outras providências" (BRASIL, 1996). De acordo com a Agência Senado (2016), uma das

normas que essa lei estabelece é "a isenção do pagamento de ICMS sobre as exportações de

produtos primários e semielaborados ou serviços. Por esse motivo, a lei sempre provocou

polêmica entre os governadores de estados exportadores, que alegam perda de arrecadação

devido à isenção". A Lei Kandir segue em vigência até os dias de hoje (BRASIL, 1996).

Na ocasião, a ABC foi representada pelo seu então primeiro vice presidente, Campos

Filho, "que aproveitou a oportunidade para estabelecer contatos com vários parlamentares,

autoridades e dirigentes de entidades da agropecuária" (JORNAL DOS CRIADORES, 2003i,

p. 3). Além disso, ele também expressou o apoio da ABC "ao ministro Roberto Rodrigues e ao

governo Lula, principalmente no que se refere às medidas para promover a agricultura e a

pecuária do nosso País" (JORNAL DOS CRIADORES, 2003i, p. 3).

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No dia 26 de março de 2003, o então presidente da ABC, Ferreira, esteve em Brasília

para as posses dos presidentes da Frente Parlamentar da Agricultura, o então deputado federal

Ronaldo Caiado (PFL/GO, atual DEM), e da Comissão de Agricultura e Política Rural da

Câmara Federal, o então deputado federal Waldecir Moka (PMDB/MS). "Entendemos que uma

de nossas missões à frente da ABC é estreitar os laços da entidade com os parlamentares que

decidirão os rumos da agropecuária", afirmou Ferreira, antes de continuar: "Essa é uma forma

de expressar nosso apoio a quem nos representa no Congresso Nacional e também de mostrar

que estamos atentos ao trabalho que esses parlamentares realizam" (JORNAL DOS

CRIADORES, 2003g, p. 2).

A ABC encerrou o ano de 2003 concedendo mais uma vez seu título de "Personalidade

do Ano" a Roberto Rodrigues (JORNAL DOS CRIADORES, 2003e), demonstrando, assim,

que a associação ficou satisfeita com o trabalho do então ministro da Agricultura em seu

primeiro ano de mandato no referido cargo.

No dia 7 de maio de 2004, a ABC definiu, por meio de eleições internas, dez novos

membros efetivos de seu Conselho Consultivo para os três anos seguintes. Os dois candidatos

mais votados foram o ex-deputado federal pelo Partido da Frente Liberal (PFL), atual DEM,

Carlos Eduardo Moreira Ferreira, e o então secretário-executivo do Ministério da Agricultura,

José Amauri Dimarzio (JORNAL DOS CRIADORES, 2004a). Em dezembro de 2004, contudo,

Dimarzio deixaria seu posto no Ministério, fato que foi lamentado pelo então presidente da

ABC, Ferreira (2005h), o qual ainda nos informou que o desligamento de Dimarzio teria sido

voluntário e que os trabalhos realizados por ele na secretária, acompanhados de perto por toda

a associação.

Em sua 43ª edição, referente a julho de 2004, o Jornal dos Criadores (2004b) destacou

a participação da ABC em 7 colegiados em âmbito nacional, entre conselhos, comitês e

câmaras, sendo eles o Rural Brasil; o Comitê Técnico Consultivo do SISBOV; as Câmaras da

Cadeia Produtiva da Carne Bovina, da Cadeia Produtiva do Leite e Derivados e da Cadeia

Produtiva da Agricultura Orgânica; a Câmara Consultiva do Boi Gordo e Bezerro, da Bolsa de

Mercadorias & Futuros; o Conselho Nacional da Pecuária de Corte; e o FENAPEC, ligado à

CNA; além de outras 5 organizações no Estado de São Paulo (JORNAL DOS CRIADORES,

2004b).

No ano de 2004, a ABC, pela terceira vez consecutiva, voltou a oferecer seu título de

“Personalidade do Ano” a Roberto Rodrigues. Na cerimônia de entrega do prêmio, a associação

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destacou positivamente a atuação do então ministro em relação a alguns temas importantes para

a pecuária de corte, como o combate à febre aftosa, a criação das Câmaras setoriais, a

rastreabilidade bovina, os Planos Agrícolas e Pecuários e as negociações hemisféricas, apesar

da dificuldade encontrada por ele em obter recursos do governo federal (JORNAL DOS

CRIADORES, 2004h).

Em abril de 2005, o Jornal dos Criadores (2005b) publicou uma entrevista ao então

deputado federal Xico Graziano (PSDB/SP), a qual tratou de diversos temas de nosso interesse:

no que toca à relação entre pecuaristas e frigoríficos, Graziano denunciou o excessivo poderio

econômico dos últimos frente aos primeiros, afirmando que atuaria fortemente na Comissão de

Agricultura com o intuito de promover o reequilíbrio dessa relação: "Não é nada contra

ninguém, mas a favor dos produtores, que têm que participar dos ganhos das exportações"

(JORNAL DOS CRIADORES, 2005b, p. 6). Quanto à rastreabilidade, ele disse se tratar de uma

agenda inescapável, mas que o SISBOV, até aquele momento, não teria sido efetivo. Sobre a

defesa sanitária animal, Graziano disse acreditar que o governo gasta muito pouco na área: "O

coitado do ministro [Rodrigues] tem de ficar pedindo dinheiro para uma coisa fundamental.

Mas, graças ao ministro é que ainda temos conseguido recursos" (JORNAL DOS

CRIADORES, 2005b, p. 6). Por fim, o deputado, no que se refere às "invasões de terras",

criticou a postura do Governo Lula:

o governo é dúbio, omisso, e não sabe o que faz com a principal cria dele, o

MST. O Lula está tratando disso como se o MST fosse um filho malcriado. Dá

uns tapinhas, mas não reprime de vez. E é preciso reprimir. A agenda

democrática do Brasil não pode conviver com invasão de terra. [...] o governo

Lula bate e assopra, não sabe o que fazer, está claramente perdido (JORNAL

DOS CRIADORES, 2005b, p. 6).

Em outras palavras, o deputado federal do PSDB apresentou o mesmo posicionamento da ABC

em todos os assuntos supracitados.

Outra confirmação da proximidade política da ABC com o PSDB foi o fato de José

Serra, à época prefeito de São Paulo, ter convidado Nelson Luiz Baeta Neves, então presidente

do Conselho Deliberativo da associação, a presidir o Conselho de Orientação do Fundo

Municipal de Turismo da cidade (JORNAL DOS CRIADORES, 2005b).

Na edição de número 56º do Jornal dos Criadores, referente a agosto de 2005, o então

presidente da ABC, Ferreira (2005g), manifestou, mais uma vez, o apoio de sua associação a

Roberto Rodrigues, devido a notícias na imprensa sobre a possível demissão do então ministro

da Agricultura de seu cargo governamental. De fato, Rodrigues deixaria o posto em questão no

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dia 3 de julho de 2006, antes, portanto, do fim do primeiro Governo Lula. Além disso, a partir

de 2007, Rodrigues passaria a ser anunciado pela ABC como membro do Conselho Deliberativo

da associação (JORNAL DOS CRIADORES, 2007a).

Rodrigues era, portanto, um representante orgânico da pecuária de corte. Com base nas

seguidas homenagens entregues a ele, nas manifestações de apoio a sua continuidade à frente

do Ministério e no fato de ele se tornar membro do Conselho Deliberativo da associação, fica

evidente que a ABC avaliou positivamente o fato de o primeiro Governo Lula o haver escolhido

para o cargo de ministro da Agricultura.

Na 57ª edição do Jornal dos Criadores, de setembro de 2005, Ferreira (2005f) expôs o

comportamento da ABC frente à "Crise do Mensalão" (embora o editorial não tenha utilizado a

expressão "mensalão"). Segundo Martuscelli (2013), tal crise foi, fundamentalmente, uma crise

do partido do governo, o PT, tendo sido desencadeada pela divulgação, por parte da grande

mídia, de casos de corrupção envolvendo o alto escalão deste partido. Em meio à crise, os

principais partidos de oposição de direita ao Governo Lula, alinhados aos interesses do grande

capital financeiro internacional, procuraram

aproveitar-se dessa situação, adotando a tática de sangria para tentar

inviabilizar a candidatura de Lula nas eleições presidenciais de 2006 e

neutralizar as reformas no modelo neoliberal que o governo vinha

promovendo. Na ausência de um grande movimento de massas, o governo

Lula conseguiu contornar a situação, [...] promovendo encontros e assumindo

compromissos com representantes da grande burguesia interna, substituindo

Palocci por Mantega no Ministério da Fazenda.

Na opinião de Boito Jr. (2012b, p. 80-81), foi, ironicamente, na “Crise do Mensalão”,

na qual “o capital financeiro internacional e a burguesia compradora imaginavam representar o

toque de reunir para reconquistar o poder governamental, foi essa crise que induziu o Governo

Lula a passar para a ação ofensiva na implantação da política neodesenvolvimentista”5.

De acordo com o então presidente da ABC, Ferreira (2005f), sua associação apoiou, em

meio aos escândalos do “mensalão”, a iniciativa da Confederação Nacional da Indústria em

produzir o documento "Crise política – uma agenda mínima para a governabilidade", entregue

aos presidentes da Câmara Federal e da República no dia 5 de agosto de 2005, o qual tratou de

5 Segundo Boito Jr. (2012b, p. 80), os dois Governos Lula não foram homogêneos, embora possuíssem um

elemento de continuidade política: enquanto o primeiro começou cauteloso, "marcado pela tática defensiva,

cujo principal objetivo era não hostilizar o capital financeiro internacional"; o segundo passou para uma tática

ofensiva, implementando a política neodesenvolvimentista em benefício da grande burguesia interna. A "Crise

do Mensalão" foi justamente o "divisor de águas" entre essas duas táticas.

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questões de infraestrutura, tributos, regulação, reforma do Estado e gestão, inovação e sistema

político, com o intuito de contribuir para minimizar os efeitos da crise política sobre a

economia. Também assinaram o documento as confederações da Agricultura, do Comércio, das

Instituições Financeiras, dos Transportes e a Ação Empresarial. Em outras palavras, a ABC se

somou à postura do conjunto da grande burguesia interna e também apoiou o prosseguimento

do primeiro Governo Lula – ao invés de enfraquecê-lo, como queriam os partidos neoliberais

ortodoxos –, aproveitando-se, contudo, da situação de crise para pressioná-lo a atender seus

interesses, dentre os quais merece destaque a busca pela redução dos juros6.

Contraditoriamente, porém, a afinidade política dos grandes pecuaristas com partidos

de orientação neoliberal ortodoxa, a partir de então, só cresceria: em 2007, por exemplo, a ABC

concedeu seu título de "Personalidade do Ano" à então senadora Kátia Abreu, à época filiada

ao DEM (hoje ao PMDB) (JORNAL DOS CRIADORES, 2007a). Seriam as políticas de ordem

e ambiental dos governos petistas que explicariam, em nossa opinião, as desconfianças dos

grandes pecuaristas de corte para com o neodesenvolvimentismo, fazendo-os se aproximar do

campo político conservador.

Na edição de número 66 do Jornal dos Criadores, referente a setembro/outubro de 2008, o então

presidente da ABC, Ferreira (2008b), tratou de dois temas de nosso interesse. O primeiro se refere ao

anúncio de Kátia Abreu como presidente da CNA, fato comemorado pela ABC. O segundo, à

preocupação da associação com o Decreto 6.514, promulgado no dia 22 de julho de 2008, que trata das

infrações e sanções administrativas ao meio ambiente. Nos anos seguintes, como vimos, as discussões

em torno do Novo Código Florestal seriam destaque para os grandes pecuaristas.

Não por acaso, em 2008, a homenagem da ABC de “Personalidade do Ano” foi entregue

a Silvio Crestana, então presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária

(EMBRAPA) (FERREIRA, 2008c), instituição pública de pesquisa vinculada ao Ministério da

Agricultura que seria o ponto de referência técnico dos pecuaristas quando em pauta o Novo

Código Florestal.

Em 2009, a homenagem da ABC passou a se chamar “Personalidade de Destaque”. Mais

uma vez, o prêmio foi entregue a um parlamentar do DEM, tendo sido o então deputado federal

Ronaldo Caiado o escolhido da vez. Embora Caiado não tenha comparecido à solenidade de

entrega do título, ele enviou seu filho em seu lugar, para representá-lo, além de haver gravado

um depoimento em vídeo, que dizia: “[lembro] do trabalho feito junto com a ABC e seu

6 Em 2015 e 2016 – não resistimos não comentar – a postura dos grandes pecuaristas seria diferente: apoiariam

o impeachment de Dilma Rousseff, então presidenta pelo PT (VALOR ECONÔMICO, 2015; JUBÉ, 2016).

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presidente, Luís Alberto Moreira Ferreira, para garantir na Constituição Brasileira, promulgada

em 1988, o capítulo da reforma agrária, da política agrícola, principalmente o que garante o

direito à propriedade” (FERREIRA, 2009, p. 4), referindo-se especificamente ao artigo que diz

que terras produtivas não podem ser desapropriadas. Além disso, acrescentou:

Graças a isso nós estamos resistindo a este governo [Lula] que tanto

preconceito tem com o produtor rural e tanto desestímulo tem causado ao

homem do campo, que resiste a todo momento, não só às intempéries

climáticas, mas também a toda agressão de um MST, à falta de uma política

de apoio ao setor rural (FERREIRA, 2009, p. 4).

Em relação a Caiado, a ABC ainda destacou a Lei 12.097, de autoria do deputado,

sancionada pelo então presidente Lula no dia 24 de novembro de 2009, a qual trata da

aplicabilidade e conceito da rastreabilidade nas cadeias produtivas de carnes bovina e bubalina

(FERREIRA, 2009). A proximidade política com um grande opositor dos Governos Lula, como

foi Caiado, não poderia ser mais clara.

Em sua 49ª edição, de março/abril de 2009, a Revista ABCZ comentou sobre uma

medida tomada pelo então governador de Minas Gerais, Aécio Neves, do PSDB/MG,

demonstrando, assim, sua afinidade político-ideológica para com ele:

Atento ao empreendedorismo, o governador Aécio Neves [fundou] [...] o Pólo

de Excelência em Genética Bovina com sede em Uberaba. [...]

A ABCZ é parceira do pólo e como contrapartida cedeu instalações para sediar

seu escritório. A implantação do projeto do governo conta com recursos da

Fapemig (Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais).(THOMAZINI,

2009b, p. 54).

Isto é, assim como a ABC, a ABCZ também demonstraria afinidade política com partidos de

orientação neoliberal ortodoxa.

Além disso, em 2009 ocorreu a 75ª edição da ExpoZebu. Pelo terceiro ano consecutivo,

a feira da ABCZ foi sede de uma reunião das Comissões de Agricultura da Câmara e do Senado,

cujo intuito foi debater sobre questões agrárias, fundiárias e de conflito, sendo os temas

principais da reunião a "Relativização do direito de propriedade no Brasil do ponto de vista

indígena, quilombola e de fronteira", a rastreabilidade bovina e a reforma tributária para o setor

agropecuário. "A intenção da ABCZ é que cada vez mais a ExpoZebu ganhe em

representatividade política, de modo que os assuntos referentes ao agronegócio nacional e

estadual possam ser discutidos durante a feira, com a participação de milhares de produtores

rurais", disse o editorial (THOMAZINI, 2009c, p. 75). Acreditamos que o fato de a ABCZ

sediar reuniões das Comissões de Agricultura da Câmara e do Senado demonstra tanto a força

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política da associação quanto a afinidade política entre ela e as Comissões em questão.

O mais destacado resultado da reunião daquele ano foi a elaboração da "Carta de

Uberaba", que solicitou ao então presidente Lula o apoio a um Novo Código Florestal.

Assinaram a carta a então senadora e presidente da CNA, Kátia Abreu (DEM/TO), o então

presidente da ABCZ, José Olavo Borges Mendes, o então presidente da Comissão de

Agricultura e Pecuária da Câmara dos Deputados, Aberlado Lupion (DEM/PR), e o então vice

presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais, Rivaldo

Machado Borges Júnior, documento que foi entregue ao então ministro da Agricultura,

Reinhold Stephanes, que representou Lula naquela edição da ExpoZebu (THOMAZINI,

2009d).

Stephanes ainda recebeu, no decorrer do evento, o título de Associado Honorário da

ABCZ e a homenagem dos 75 anos da ExpoZebu, esta última juntamente com o então ministro

das Comunicações, Hélio Costa (PMDB/MG), e com o então secretário de Defesa Agropecuária

do Ministério da Agricultura, Inácio Afonso Kroetz (THOMAZINI, 2009d). Durante a feira, a

ABCZ também homenageou a APEX-BRASIL, "em função dos esforços a favor do projeto

Brazilian Cattle Genetics" (REVISTA ABCZ, 2009a, p. 144), que oferta, às regiões tropicais,

tecnologias com base nas raças zebuínas brasileiras. As homenagens a essas autoridades e

instituições demonstram, na nossa opinião, o apoio e afinidade política da ABCZ para com eles.

Ademais, o editorial da Revista ABCZ aproveitou para tecer denuncias às "invasões" de

terras realizadas por movimentos sociais. Também solicitou do governo federal uma reforma

trabalhista que desonerasse a folha de pagamentos do agronegócio, demanda que não foi

atendida pelos governos petistas, de acordo com o investigado por nós. E demonstrou sua

preocupação com a burocratização dos créditos governamentais destinados ao agronegócio

(REVISTA ABCZ, 2009b). Em contrapartida, apoiou a iniciativa do governo de tentar tornar

livres de febre aftosa, até 2010, todos os estados da federação (PIMENTA, 2009c), o que

também não se concretizou, já que o país tenta combater a doença até os dias de hoje.

Na edição de número 51 da Revista ABCZ, de julho/agosto de 2009, o então presidente

da entidade, Mendes (2009b, p. 6), insistiu na pauta do Novo Código Florestal. De acordo com

ele, o "que nos resta é pressionar o governo federal [...] Para isso, precisamos nos unir e, junto

com nossos representantes no Congresso Nacional, senadores e deputados federais da Bancada

Ruralista, lutar por uma revisão justa do Código Florestal".

Em janeiro/fevereiro de 2010, Mendes (2010a) voltaria a reforçar a necessidade de união

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entre os pecuaristas, pois, de acordo com ele, só assim suas vozes seriam ouvidas nos principais

âmbitos políticos do país. O presidente da ABCZ também aproveitou para convidar a todos os

pecuaristas para a próxima edição da ExpoZebu, ocasião na qual a ABCZ homenagearia, com

a medalha "Mérito Parlamentar", deputados federais e senadores que, na perspectiva da

associação, lutaram em prol dos interesses do agronegócio durante o ano anterior (2009), quais

sejam: Abelardo Lupion (DEM/PR), Aelton Freitas (Partido da República (PR)/MG), João

Alberto Fraga Silva (DEM/DF), Benedito de Lira (PP/AL), Beto Rosado (PP/RN), Carlos

Willian de Souza (Partido Trabalhista Cristão/MG), Dilceu João Sperafico (PP/PR), Eduardo

Francisco Sciarra (Partido Social Democrático (PSD)/PR), Felix de Almeida Mendonça

(Partido Democrático Trabalhista/BA), Jairo Ataide Vieira (DEM/MG), João Bittar Júnior

(DEM/MG), João Lúcio Magalhães Bifano (PMDB/MG), José Carlos Machado (DEM/SE),

José Santana de Vasconcellos Moreira (PR/MG), Kátia Abreu (DEM/TO), Leonardo Moura

Vilela (PSDB/GO), Marcos Guimarães de Cerqueira Lima (PP/MG), Marcos Montes Cordeiro

(PSD/MG), Rubens Moreira Mendes Filho (Partido Popular Socialista (PPS)/RO), Nelson

Marquezelli (Partido Trabalhista Brasileiro (PTB)/SP), Osório Adriano Filho (DEM/DF), Paulo

Piau (PMDB/MG), Ronaldo Caiado (DEM/GO), Sabino Castelo Branco (PTB/AM), Virgílio

Guimarães de Paula (PT/MG), Waldemir Moka (PMDB/MS) e Wandenkolk Pasteur Gonçalves

(PSDB/PA) (VIEIRA, 2010a). Tais parlamentares, em sua maioria, eram membros de partidos

de orientação neoliberal ortodoxa e compunham a Bancada Ruralista. Em outras palavras, a

ABCZ também entendeu que, ao longo do período em análise, faltou união política entre os

pecuaristas. Além disso, a associação se sentia representada pela Bancada Ruralista, fato que

foi demonstrado com a homenagem à parcela significativa de seus membros.

A associação também voltou a entregar a comenda "Mérito ABCZ" a Inácio Afonso

Kroetz, então secretário de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura, além de oferecê-

la, dentre outros, a Eurípedes Barsanulfo da Fonseca, fundador da União Democrática Ruralista

(UDR) e do PFL (hoje DEM) (VIERA, 2010b), o que reforça não só o argumento da afinidade

política da associação com políticos de orientação neoliberal ortodoxa, mas também com a

gestão à época do Ministério da Agricultura.

No encerramento do ano de 2009, a Revista ABCZ entrevistou o então secretário de

Estado de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior de Minas Gerais, Alberto Duque Portugal, que

comentou sobre alguns desafios a serem vencidos pelo agronegócio, como o real valorizado

frente ao dólar, a falta de logística e infraestrutura e, no caso específico da pecuária bovina, a

sanidade e a rastreabilidade (THOMAZINI, 2009e). Portugal, que foi nomeado pelo então

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governador de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB/MG), parecia refletir os posicionamentos da

ABCZ sobre esses assuntos, mais um indício da proximidade da associação com partidos de

orientação neoliberal ortodoxa.

Em sua edição de 2010, mais uma vez a ExpoZebu foi um importante espaço político,

desta vez trazendo à tona debates relacionados às eleições presidenciais daquele ano. Assim, na

abertura daquela edição da feira, o então presidente da ABCZ, Mendes, pautou diversos temas

chaves à época para o agronegócio, como "invasão de terras", Novo Código Florestal, logística,

financiamento e preços. Ouviram o discurso do então presidente da ABCZ: o então vice

presidente da República, José Alencar (Partido Republicano Brasileiro/MG), que afirmou ser

contrário às "invasões de terra" e firmou um baixo-assinado pela implementação do "Plano

Nacional de Combate às Invasões de Terras"; o então presidente da Câmara dos Deputados,

Michel Temer (PMDB/SP); o então ministro da Agricultura, Wagner Rossi (PMDB/SP); o então

governador de Minas Gerais, Antônio Anastasia (PSDB/MG) (MENDES, 2010b), que, durante

a feira, ainda assinou uma autorização para investimento, por meio da FAPEMIG, de R$ 2.140

milhões, destinados a ações do Polo de Excelência em Genética Bovina (THOMAZINI, 2010a);

além de membros do Judiciário, senadores, deputados federais e estaduais, prefeitos, vereadores

e lideranças rurais. A então presidente da CNA e senadora, Kátia Abreu (DEM/TO), aproveitou

a ocasião para entregar aos presidenciáveis Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB) o

documento "O que esperamos do próximo presidente", o qual contou com a elaboração da

ABCZ, dentre outras associações (MENDES, 2010b).

O então presidente da ABCZ também ressaltou a "Medalha 150 Anos" que o Ministério

da Agricultura, em virtude do aniversário desta instituição governamental, ofereceu à

associação pelo trabalho prestado em prol do desenvolvimento da pecuária brasileira

(MENDES, 2010d).

Na edição de número 55 da Revista ABCZ, referente a março/abril de 2010, Mendes

(2010c, p. 6) comentou sobre a visita da então candidata à presidência da República, Dilma

Rousseff, à sede da associação, ocasião na qual ele apresentou a ela alguns problemas que, em

sua opinião, afetavam à época o setor da carne bovina, tais como a insegurança jurídica

(ocupações de terras), as deficiências de logística, a escassez de crédito e uma legislação

ambiental defasada e burocrática (Novo Código Florestal). Além disso, o presidente da ABCZ

reivindicou a escolha de um ministro da Agricultura "competente e capaz de dialogar com o

setor, como foram Pratini de Moraes, Roberto Rodrigues e Reinhold Stephanes".

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O então candidato do PSDB à presidência, José Serra (PSDB), também visitou a sede

da ABCZ, em companhia de Aécio Neves (PSDB/MG) e do então governador de Minas Gerais,

Antônio Anastasia (PSDB/MG) (REVISTA ABCZ, 2010e). Segundo Felício (2010, p. 1), do

Valor Econômico, Serra foi recebido na ABCZ "com o estribilho musical usado na TV para

marcar as vitórias de Ayrton Senna na Fórmula 1". Na ocasião, o presidente da ABCZ, Mendes,

afirmou que a principal preocupação dos pecuaristas se direcionava a movimentos sociais como

o MST, que influenciavam o governo federal sobre temas "que afetam direitos de propriedade,

como a redefinição dos limites de reserva legal no Código Florestal, a revisão dos índices de

produtividade e o descumprimento de ações de reintegração de posse".

De acordo com Maia (2010, p. 1), também do Valor Econômico, a então candidata do

PT à presidência, Dilma Rousseff, poderia

preparar o discurso que for, declarar-se contra invasões de terra, mas a

realidade presenciada na Expozebu 2010, em Uberaba (MG), é de que será

difícil superar a desconfiança dos pecuaristas em relação à sua política. O

passado de militância socialista da ex-ministra, somado à postura do

presidente Luiz Inácio Lula da Silva com o Movimento dos Sem-Terra (MST),

considerada condescendente pelo agronegócio, faz de Dilma uma candidata

que deixa o setor "aterrorizado", segundo um influente pecuarista que pediu

para não ser identificado. "Temos medo do histórico de Dilma", diz.

Já o pré-candidato do PSDB, José Serra, conta com a simpatia do grupo e é

elogiado pela forma como tem lidado com o MST em São Paulo [Estado onde

foi governador entre 2007 e 2010]. Nem mesmo sua política de arrecadação

de impostos, avaliada por pecuaristas como abusiva, interfere na avaliação da

categoria sobre ele. "O Serra não é produtor, mas nas oportunidades que teve,

lidou bem com os problemas de invasão e procurou pacificar regiões de

conflito", diz Paulo Ferolla, diretor da Associação Brasileira dos Criadores de

Zebu (ABCZ). Como Serra consegue pacificar? "Agindo antes, se há um

agrupamento de pessoas sem fazer nada em frente a uma propriedade, a polícia

chega antes da invasão e tira eles de lá", explica Ferolla.

Maia (2010) ainda afirmou que esse posicionamento aberto dos pecuaristas era compreensível,

uma vez que a resistência do setor a Lula somente foi superada posteriormente, com as escolhas

do ex-presidente para o Ministério da Agricultura.

Novamente, seria interessante comparar a postura dos grandes pecuaristas à dos

usineiros paulistas. Mais uma vez, recorremos à entrevista do Valor Econômico a Zancaner:

Valor: E o senhor acha que a Dilma vai dar continuidade [às políticas dos

Governos Lula direcionadas ao setor sucroalcooleiro]?

Zancaner: A Dilma foi muito clara quando esteve aqui, em Araçatuba. A linha

é de continuar a política de Lula.

Valor: O senhor esteve com ela?

Zancaner: Sim, conversei com ela. Sinto que a maioria do setor, mesmo com

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os problemas com o MST, tem afinidade com a ministra e um diálogo muito

bom. O governador Serra é mais fechado, não temos diálogo com ele.

Valor: O senhor tem diferenças ideológicas com o atual governo e com a

ministra Dilma?

Zancaner: Fui fundador da UDR de Araçatuba, em 1988. Sou muito amigo do

Ronaldo Caiado. Tenho divergências ideológicas tanto com Lula quanto com

a ministra. Tenho divergência em relação ao MST, nessa questão dos direitos

humanos, do ministro Vannuchi [Ministro de Estado-Chefe da Secretaria de

Direitos Humanos entre 2006 e 2011], a quem sou muito crítico. [...]

Valor: Quer dizer que esse apoio ao governo Lula e à Dilma é uma questão

pragmática?

Zancaner: É uma questão pragmática, do nosso negócio. O governo, por

exemplo, se preocupa com a desnacionalização do setor, o que é importante

para nós. Nessa questão é importante ter equilíbrio, é interessante o capital

estrangeiro vir porque melhora o preço dos nossos ativos. E nós precisamos

desse capital. Mas precisa ter equilíbrio. O custo de capital deles é muito

menor por causa dos juros que eles encontram lá fora.

Valor: O governo poderia oferecer juros mais baixos, no patamar do

americano (sic)?

Zancaner: Poderia ser juro mais barato do BNDES.

Valor: A ministra Dilma defende o fortalecimento dos grupos nacionais do

setor de etanol. Qual seria a maneira de fazer isso além de aumentar a oferta

de financiamento?

Zancaner: Por que a Petrobras não pode participar dos grupos nacionais? O

governo deverá fortalecer e tem condição de dar sustentação dos grupos

nacionais para dar equilíbrio ao capital nacional. Hoje, o capital estrangeiro já

tem 25% de toda a produção de cana do Brasil.

Valor: Como poderia ser essa participação da Petrobras?

Zancaner: A Petrobras tem mais chance de entrar na produção de etanol, na

usina. A empresa já faz contratos de exportação com o Japão, já tem estrutura

de distribuição.

Valor: O senhor defende que a Petrobras plante cana ou seja proprietária de

terras?

Zancaner: Não, seria uma participação só nas usinas.

Valor: Os usineiros sempre foram adversários do PT. O senhor acha que

contraria a tendência?

Zancaner: Temos deputados do PSDB, DEM, PP, PPS. Eles têm atividade

conosco. Acredito que o Serra vá sinalizar qual é a política para o setor, o que

ele quer para o etanol. O Alckmin dialogava com o setor, fez um rearranjo do

ICMS do setor, fez a lei das queimadas, mas o Serra modificou e diminuiu o

prazo para reduzir as queimadas.

Valor: O senhor acha o governo Lula bom, para além do seu setor?

Zancaner: Sou um sujeito de direita, sou a favor da livre iniciativa, mas tenho

sensibilidade social. O Bolsa Família mudou o Nordeste. Tinha gente sem

dinheiro para comer ou para comprar uma pasta de dente. A situação fora de

São Paulo, do Sudeste, é muito diferente. O Brasil ainda tem muita miséria.

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Dito de outra maneira, a condição de burguesia interna dos usineiros (o seu apoio a políticas de

cunho neodesenvolvimentista, a sua necessidade de proteção por parte do Estado frente ao

capital estrangeiro, etc.), se sobrepôs, neste caso, às discordâncias com a política de ordem dos

governos petistas, possibilitando um sólido apoio político a eles. Em contrapartida, os grandes

pecuaristas – provavelmente por não sofrerem tanto quanto os sucroalcooleiros a concorrência

de capitais estrangeiros, ao menos no que toca à criação de gado bovino e à indústria frigorífica7

– não puderam apoiar tão firmemente os governos neodesenvolvimentistas, aproximando-se,

assim, do campo conservador, o qual oferecia a eles uma política de ordem mais dura, repressiva

para com os movimentos sociais de luta pela terra.

De qualquer modo, Amauri Dimarzio, que foi secretário-executivo do Ministério da

Agricultura por certo período do primeiro Governo Lula, amenizou os discursos dos grandes

pecuaristas ao dizer, ainda na ExpoZebu 2010, que o então presidente Lula sempre esteve aberto

a ouvir o agronegócio. Por isso, na prática, segundo ele, tornava-se relativa a preferência entre

Dilma e Serra, dado que "o setor não espera grandes mudanças, independente de quem ganhar

as eleições" (MAIA, 2010, p. 1).

Quanto à avaliação aos Governos Lula, apareciam divergências entre os

bovinoculturores de corte: segundo o então presidente da ABCZ, Mendes, "o setor teve

conquistas importantes, como a importação de novas linhagens de bovinos da Índia. "Para

Ferolla [então diretor da ABCZ], porém[,] a continuidade da política atual seria muito ruim.

Um pecuarista, em off, diz que votou em Lula, mas não vota na Dilma" (MAIA, 2010, p. 2).

De qualquer maneira, o fato foi que a recepção mais calorosa a Dilma na ExpoZebu

2010 ficou por conta dos pequenos pecuaristas (MAIA, 2010). Assim como foi evidente o

desconforto dos grandes pecuaristas com a candidata neodesenvolvimentista, sendo as suas

preferências direcionadas ao candidato neoliberal ortodoxo.

Na 70ª edição do Jornal dos Criadores (2010b), de setembro de 2010, a ABC deu destaque aos

documentos formulados pela CNA e pela Associação Brasileira de Agrobussines (ABAG) e enviados

aos principais candidatos das eleições presidenciais daquele ano.

O documento construído pela CNA, denominado de “O que esperamos do próximo

Presidente 2011-2014 – A agropecuária brasileira pede passagem”, teve como temas principais

a insegurança jurídica (preocupações com as “invasões” de terra), a política agrícola (mais

7 Como veremos no Capítulo 2, a partir da década de 1990, o setor frigorífico passou a ser completamente

controlado, no Brasil, por capitais de origem nacional, indo na contramão das políticas neoliberais ortodoxas

que predominaram na década em questão.

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proteção estatal ao agronegócio e mais recursos), a infraestrutura (demanda por investimentos

em transporte ferroviário, fluvial e marítimo) e o meio ambiente (por um Novo Código

Florestal). Tal documento norteou o encontro da entidade com os candidatos à presidência, no

dia 1 de julho de 2010, na sede da CNA, em Brasília, ocasião em que apenas o candidato do

PSDB, José Serra, compareceu. A CNA considerou o documento como “livre de quaisquer

laivos partidários ou ideológicos (sic)” (JORNAL DOS CRIADORES, 2010b, p. 9) e um

sumário de cinco grandes encontros rurais realizados no primeiro semestre de 2010, “nos quais

foram colhidos os anseios e reivindicações do campo” (JORNAL DOS CRIADORES, 2010b,

p. 9), sendo a síntese de todos esses encontros formulada num seminário ocorrido em São Paulo,

nos dias 24 e 25 de março (JORNAL DOS CRIADORES, 2010b).

Já o documento da ABAG foi intitulado “Agronegócio – Desenvolvimento e

Sustentabilidade – Plano de Ação 2011/2014/2020”, finalizado no início de junho, também em

São Paulo, durante um encontro que reuniu mais de 50 entidades do setor no Conselho Superior

do Agronegócio, da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo. O documento conta com

seis pontos principais: garantia de renda ao produtor rural (crédito e seguro rurais, preços

mínimos, isenções, etc.); infraestrutura; comércio exterior (abertura de mercados); pesquisa,

desenvolvimento e inovação; defesa agropecuária (principalmente no que toca à febre aftosa);

e institucionalidade (melhor coordenação das instituições estatais) (JORNAL DOS

CRIADORES, 2010b).

A ABC apoiou a ambos os documentos.

Com a vitória de Dilma Rousseff nas eleições presidenciais de 2010, Ferreira (2011, p.

2) comentou que a manutenção do então ministro da Agricultura, Wagner Rossi, na passagem

do Governo Lula ao Dilma, “nos parece bastante boa”, dando destaque aos posicionamentos

favoráveis do ministro ao Novo Código Florestal, a sua disposição de lutar contra a alteração

dos índices de produtividade no campo e de sua afinidade com o agronegócio. “Dessa forma,

nos resta torcer para que os demais escolhidos pelo governo federal para ocupar cargos na área

do agronegócio façam juz (sic) a isso e trabalhem em conjunto com o Ministério da Agricultura

combatendo invasões anunciadas e já em andamento pelo MST”.

A ABCZ, por sua vez, encerrou o ano de 2010 com um balanço das eleições à Câmara dos

Deputados. Apesar de o quadro de representantes da Bancada Ruralista ter diminuído em 38,59% em

relação ao mandato anterior, a associação afirmou acreditar que isso não significou uma perda de força

política. Segundo opinião divulgada pela ABCZ, os principais temas a serem debatidos dali para frente

seriam a aprovação do Novo Código Florestal (o que viria a se concretizar, como vimos), a redução da

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carga tributária dos custos de produção, o aumento de recursos para o seguro agrícola e as assimetrias

entre os países do MERCOSUL (THOMAZINI, 2010c).

Quando Mendes (2010d, p. 4), então presidente da ABCZ, chegou ao fim de seu mandato de

três anos à frente da associação, resumiu o período 2007-2010 da seguinte forma:

Lutamos pelo fim da cobrança do PIS/COFINS (frigoríficos), do

FUNRURAL, por mudanças no sistema de rastreabilidade, pela redução dos

preços dos insumos, por uma revisão justa do Código Florestal, pela melhoria

do sistema sanitário, pela retomada da importação de embriões zebuínos da

Índia, pelo combate às invasões de terra, pela manutenção dos atuais Índices

de Produtividade e participamos de campanha para rebater as acusações dos

criadores ingleses em relação à qualidade da carne brasileira.

Por fim, no dia 16 de dezembro de 2010, o Valor Econômico (2010) divulgou que, a

partir de janeiro de 2011, Antenor Nogueira, então presidente do FENAPEC, ligado à CNA,

assumiria, a convite do então governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), a Agência Goiana

de Defesa Agropecuária. Trata-se de mais uma forte ligação entre os representantes dos grandes

pecuaristas e os partidos políticos neoliberais ortodoxos.

A seguir, apresentamos uma breve nota sobre os pequenos e médios pecuaristas ao longo

dos Governos Lula, ressaltando a sua incapacidade de organização em âmbito nacional como

um indício de sua fraqueza política.

2.2. Breve nota sobre os pequenos e os médios pecuaristas: a ausência de

organização em âmbito nacional como fraqueza política

O território brasileiro é o quinto maior do mundo, com mais de 8,5 milhões de km² de extensão,

sendo cerca de 20% desse território ocupado por pastagens, em regiões de clima tropical, que

são propícias à criação de gado bovino em sistema extensivo. Portanto, não é por acaso que a

criação bovinos seja a principal atividade produtiva desenvolvida no campo, estando presente

em mais de 30% das propriedades rurais (CYRINO, 2014).

Entretanto, o país apresenta também uma das maiores concentrações de terras de todo o

mundo. Consoante ao Censo Agropecuário 2006, divulgado pelo Instituto Brasileiro de

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Geografia e Estatística, os estabelecimentos rurais com menos de 10 hectares, apesar de

representarem 47% do número de propriedades, ocupam 2,7% do território destinado à

agropecuária no Brasil, enquanto que os estabelecimentos com mais de 1000 hectares

representam cerca de 1% do total do número de propriedades e ocupam 43% da área total. E

estamos nos referindo a um total de 5,2 milhões de propriedades rurais, que ocupam mais de

329 mil hectares ou o equivalente a 36,75% do território brasileiro (CYRINO, 2014).

O mesmo censo ainda revela que somente 22% das propriedades agropecuárias recebem

algum tipo de orientação técnica. E, via de regra, quanto maior é o estabelecimento rural, maior

é o emprego de técnicas avançadas.

Ora, esses dados revelam uma estrutura produtiva extremamente desigual, que divide,

de um lado, grandes proprietários relativamente bem capitalizados, e, de outro, pequenos e

médios, que não raro se encontram em situação de subsistência (CYRINO, 2014).

Essa desigualdade se reflete na esfera política. No caso da pecuária bovina de corte, os

grandes pecuaristas são capazes de se organizar politicamente, em âmbito nacional, em

associações de orçamentos anuais milionários, sendo a ABCZ um bom exemplo, as quais são

capazes de influenciar em grande medida a ação estatal, como vimos; já os pequenos e médios

pecuaristas, em geral, nem sequer se organizam politicamente e, quando o fazem, isso se dá

somente em localidades muito específicas, uma vez que eles não têm sido capazes de se

articularem nacionalmente, a não ser talvez em organizações mais generalistas, tais como a

CONTAG.

O resultado disso tem sido uma marginalização política dos pequenos e médios

pecuaristas quase que absoluta ao longo da história do Brasil – eis como a falta de organização

política dos pequenos e médios pecuaristas pode ser entendida como fraqueza política.

Nos Governos Lula, algumas medidas direcionadas às camadas mais pobres da

população e à agricultura familiar acabaram, em tese, por beneficiar os pequenos e médios

pecuaristas, como o Bolsa Família, programas de asseguramento de preços mínimos e de

mercados a certos produtos agropecuários, financiamentos e assistências técnicas, etc. Contudo,

pensamos ser seguro afirmar que as políticas neodesenvolvimentistas voltaram-se muito mais

às necessidades do grande capital do que às dos pequenos e médios no que diz respeito à

bovinocultura de corte, embora o neodesenvolvimentismo tenha atendido mais os interesses

destes do que o fez o neoliberalismo ortodoxo.

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De qualquer forma, não é demais observar que parte das medidas que beneficiaram os

pequenos e médios pecuaristas só puderam ocorrer pois também atendiam aos interesses do

grande capital, como foi o caso do Programa de Melhoria de Qualidade Genética do Rebanho

Bovino, projeto da ABCZ que facilita a venda de touros puros de origem de grandes para

pequenos e médios pecuaristas ou, de certa forma, programas como o Bolsa Família, que, como

vimos, acarretam em maior demanda para o conjunto do agronegócio.

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3. Capítulo 2: Os Frigoríficos

Até o século XIX, a mercadoria mais aprimorada à base de carne bovina produzida no Brasil

era o charque. Foi somente no início do século XX – com a chegada de grandes e

tecnologicamente sofisticados conglomerados econômicos de origem estado-unidense e

inglesa, os quais predominaram no mercado nacional até meados da década de 1970 – que a

indústria frigorífica propriamente dita se instalou no país, produzindo, no princípio, carnes

congeladas e enlatadas com vistas à exportação, uma vez que a demanda internacional por

proteína foi grande ao longo do período que recobre as duas Guerras Mundiais (1914 a 1945)

(ZUCCHI; CAIXETA-FILHO, 2010).

Contudo, esses grandes frigoríficos conviveram, principalmente durante as décadas de

1920 e 1930, com um grande número de pequenos matadouros, que abasteciam o mercado

interno com, além do charque, carnes frescas e produtos de salsicharia (ZUCCHI; CAIXETA-

FILHO, 2010).

Nas décadas de 1940 e 1950, devido ao acelerado processo de urbanização então em

curso, começaram a surgir no país frigoríficos de médio porte, "dotados de tecnologia de

refrigeração e equipamentos mais eficientes para o abate, demonstrando uma diferenciação

tecnológica se comparados aos antigos matadouros" (ZUCCHI; CAIXETA-FILHO, 2010, p.

22), o que, na prática, significou um aumento considerável da produção de carne fresca voltada

ao mercado interno. Já na década de 1960, esses frigoríficos de médio porte passaram a

produzir, além de carnes frescas, refrigeradas e congeladas, embutidos e enlatados (ZUCCHI;

CAIXETA-FILHO, 2010).

A década de 1970, por sua vez, foi marcada por importantes transformações no setor

frigorífico: dada a grande expansão do mercado interno e problemas de abastecimento, o

governo brasileiro proibiu, à época, todas as exportações de carne bovina, com exceção das

carnes industrializadas, devido ao seu maior valor agregado, e, com isso, ao menos

momentaneamente, a produção dessa mercadoria passou a privilegiar os consumidores

nacionais. Assim, os grandes frigoríficos de origem estrangeira passaram a ter de concorrer, no

mercado interno, com frigoríficos nacionais; porém, o faziam sem possuir as vantagens

competitivas de outrora. "Ocorre, então, uma reestruturação do setor de abate no País, de modo

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que as multinacionais que dominavam o setor [...] venderam suas unidades para empresas

nacionais" (ZUCCHI; CAIXETA-FILHO, 2010, p. 23). Em outras palavras: a indústria

frigorífica iniciara seu processo de nacionalização, que se completaria somente na década de

1990 (DE ZEN et al., 2008).

Além disso, ainda na década de 1970, pecuaristas passaram a migrar em direção à região

centro-oeste do país, em busca de terras mais baratas. Por isso, surgiram, no final dos anos 1970

e início dos 1980, novos frigoríficos, com capacidades produtivas menores e mais próximos à

matéria-prima, ou seja, instalados em locais diferentes dos habituais, quais sejam, a região sul

e o Estado de São Paulo (ZUCCHI; CAIXETA-FILHO, 2010).

No final da década de 1980 e início dos anos 1990 os elevados custos de transporte e a

alta capacidade ociosa da indústria levaram diversos frigoríficos à falência. De qualquer forma,

o setor continuou se desenvolvendo em termos logísticos, tecnológicos e de estrutura

empresarial, culminando num processo de significativa reestruturação em meados dos anos

1990, quando a economia nacional se estabilizou no que toca à inflação (ZUCCHI; CAIXETA-

FILHO, 2010).

A datar de 1999, com a desvalorização do real frente a outras moedas e com o rebanho

brasileiro apresentando boas condições sanitárias no que se refere à febre aftosa, as exportações

de carne bovina a partir do Brasil cresceram em grande medida, sendo que, desde 2004, o Brasil

se tornou o maior exportador do produto em termos de volume (ZUCCHI; CAIXETA-FILHO,

2010).

Por fim, cabe ressaltar que, desde 2005, grandes frigoríficos de origem brasileira

passaram a se internacionalizar, seja via aquisições e fusões com empresas estrangeiras, seja

via novos investimentos no exterior, sendo esse processo em grande medida patrocinado pelo

governo brasileiro por meio de fundos de pensão de empresas estatais, da Caixa Econômica

Federal e, principalmente, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

(BNDES) (CYRINO, 2014; ALMEIDA, 2009).

A seguir, analisaremos a organização e atuação políticas dos grandes frigoríficos no

Brasil ao longo do período 2003 a 2010.

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3.1. Os grandes frigoríficos: demandas políticas e ação estatal

A organização política dos grandes frigoríficos é muito menos difusa do que a dos grandes

pecuaristas, concentrando-se principalmente na Associação Brasileira das Indústrias

Exportadoras de Carne (ABIEC), isso porque, via de regra, são os grandes frigoríficos que

controlam a atividade exportadora de carne bovina a partir do Brasil, cabendo aos pequenos e

médios frigoríficos competirem com eles sobretudo no mercado interno. Por isso, grande parte

das demandas políticas do setor dizem respeito a questões relacionadas à abertura e à

manutenção de mercados externos.

Outra associação política dos grandes frigoríficos que merece destaque é a União

Nacional da Indústria e Empresas da Carne (UNIEC), embora ela seja muito menos tradicional

do que a ABIEC – já que foi fundada somente em março de 2007 – e tenha tido como foco, até

2011, o Estado do Pará, uma vez que foi somente neste ano em que sua atuação política foi

ampliada ao nível nacional. É devido a este último fato, aliás, que nossa análise se concentrará

na organização e posicionamentos políticos da ABIEC, levando em consideração o período

2003 a 2010.

3.1.1. A ABIEC

A Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (ABIEC) foi criada em 1979, "a

partir da necessidade que os exportadores de carne sentiram de uma atuação focada e mais

agressiva na defesa de seus interesses específicos" (ABIEC, 2016). Desde então, diz a entidade,

a ABIEC se tornou a principal representante do setor nas áreas internacionais de abertura de

mercados, regulamentação comercial e exigências sanitárias (ABIEC, 2016).

Assim como a ABCZ, a ABIEC também realiza parcerias com a Agência Brasileira de

Promoção de Exportações e Investimentos (APEX-BRASIL), que patrocina a participação de

seus associados em feiras internacionais; e com embaixadas brasileiras de diversas regiões do

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mundo, promovendo workshops e recebendo autoridades locais a fim de promover a carne

bovina brasileira no exterior (ABIEC, 2016).

Apesar de a ABIEC não publicar, em seu site, materiais próprios que analisem a política

estatal ao longo dos Governos Lula, selecionamos 62 artigos disponibilizados pelo jornal Valor

Econômico que tratam da atuação política da organização ao longo do período 2003 a 2010, os

quais passamos a analisar a seguir. Veremos que, no decorrer dos Governos Lula, os grandes

frigoríficos se comportaram como burguesia interna, buscando a abertura e a manutenção de

mercados externos, com destaque aos dos Estados Unidos, União Europeia, Rússia e Irã. Trata-

se, portanto, de uma grande burguesia interna que não somente se defendeu das investidas dos

capitais estrangeiros, mas que buscou ativamente atuar em mercados externos, seja vendendo

mercadorias, seja exportando capitais.

3.1.1.1. A postura de burguesia interna

A seguir apontaremos situações em que os grandes frigoríficos de origem brasileira se

comportaram como burguesia interna, dando destaque ao caso do Irã.

No dia 11 de setembro de 2003 o Valor Econômico publicou uma matéria na qual

Marcus Vinicius Pratini de Moraes, ex-ministro da Agricultura e então presidente da ABIEC,

tratou das negociações da Rodada Roha da Organização Mundial do Comércio (OMC). Para

ele, se a reunião que viria a ocorrer em Cancún, no México, ainda em setembro daquele ano,

não pudesse chegar a um acordo sobre os subsídios às exportações de produtos agrícolas

praticados pelos "países desenvolvidos", seria melhor "não discutir nada". Em suas palavras:

"Ou Cancún acerta uma programação de progressiva eliminação dos subsídios e um mínimo

entendimento em relação a acesso a mercados, ou seria melhor transferir essa negociação para

o ano que vem, quando as economias em desenvolvimento terão mais condições de negociar"

(GOY, 2011, p. 1).

Além disso, no encerrar do ano de 2003, ocorreu, como vimos no Capítulo 1, um surto

do "mal da vaca louca" nos Estados Unidos, o qual gerou expectativas positivas aos

exportadores brasileiros de carne bovina, uma vez que as mercadorias provenientes do Brasil

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deveriam substituir as dos Estados Unidos nos mercados importadores – o que de fato ocorreu.

Sobre o assunto, Pratini de Moraes disse esperar, à época, um crescimento de 20% das

exportações de carne bovina a partir do Brasil graças ao surgimento da doença animal nos EUA.

No entanto, a fim de não colocar em risco esses ganhos, o país teria que retomar os

investimentos em sanidade, dado que, segundo ele, os recursos governamentais teriam

diminuído de R$ 85 milhões ao ano no Governo FHC, quando foi ministro, para R$ 10 milhões

em 2003 (VALOR ECONÔMICO, 2003). Dito de outra forma, assim como aconteceu com os

grandes pecuaristas, os grandes frigoríficos também manifestariam preocupações relacionadas

à falta de recursos do governo federal voltados à sanidade animal, tendo em vista a manutenção

do acesso a mercado externos. Não muito tempo depois, o rebanho bovino brasileiro de fato

sofreria com doenças animais que fariam o país perder o acesso a diversos mercados, apesar de

não o suficiente para bloquear o crescimento das exportações de carne bovina a partir do Brasil.

As negociações hemisféricas continuaram sendo uma das principais pautas da ABIEC

em 2004, com a diferença que seu foco passou a ser as relações comerciais entre o MERCOSUL

e a União Europeia, ao invés da Rodada Doha da OMC. De acordo com Pratini de Moraes, os

exportadores brasileiros de carne bovina esperavam conseguir reduções na taxação da carne

embarcada em direção ao bloco europeu, aumentando, assim, o volume de mercadorias

exportadas. Segundo o Valor Econômico (2004a), o Brasil, à época, já participava com 42,5%

do total de carne bovina exportado pelo MERCOSUL à União Europeia.

Em março de 2005, a ABIEC comemorou o fato de a Rússia haver suspendido o

embargo às exportações de carne bovina a partir do Rio Grande do Sul, São Paulo, Goiás, Mato

Grosso do Sul e Minas Gerais. O embargo havia sido imposto a todo o Brasil após a ocorrência

de um caso de febre aftosa no Amazonas, em setembro de 2004. Dois meses depois, em

novembro, a Rússia já havia liberado as exportações a partir de Santa Catarina, único estado

brasileiro com o status de livre de febre aftosa sem vacinação, mas manteve o bloqueio para os

demais estados. Consoante a Rocha (2005a), a nova rodada de liberalizações foi resultado dos

esforços de uma missão técnica que visitou a Rússia, contando com membros tanto do governo

quanto da iniciativa privada, dentre os quais o presidente da ABIEC. Ao longo dos Governos

Lula, tais parcerias entre os grandes frigoríficos e o governo federal seriam comuns, as quais,

de um modo geral, visavam a abertura ou retomada de mercados externos.

Não muito tempo depois, no entanto, a Rússia voltaria a embargar a carne bovina

proveniente do Brasil devido ao surgimento de doenças animais no rebanho do país, situação

que somente seria revertida em 2007, após seis meses de negociações e três encontros bilaterais

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entre os dois países (ZANATTA; ROCHA; JURGENFELD, 2007).

Em abril de 2005 foi a vez de os Estados Unidos embargarem a carne bovina proveniente

do Brasil. À época, uma missão técnica de estadunidenses visitou o Brasil e acabou por proibir

a exportação de carne bovina cozida a partir de três frigoríficos brasileiros ao seu país, além de

suspender temporariamente outros cinco. Isso aconteceu pois os EUA exigiam inspeção federal

aos frigoríficos, enquanto que, no Brasil, os inspetores, indicados por prefeituras, eram

contratados e pagos pelos próprios frigoríficos, dando margem para conflitos de interesse.

"Além disso, as indústrias não cumpririam requisitos do acordo de equivalência sanitária, como

planos de auto-controle e procedimentos específicos" (ZANATTA; ROCHA, 2005, p. 1).

Como reação, o Ministério da Agricultura suspendeu temporariamente toda a

exportação de carne industrializada para os Estados Unidos, com o objetivo de adotar, em

caráter de urgência, as providências que fossem necessárias a assegurar definitivamente o

mercado estadunidense (ROCHA, 2005b). Entretanto, o governo brasileiro criticou o "rigor"

adotado pelos técnicos dos EUA, assegurando que iria rebater seus argumentos. Nos bastidores,

afirmava-se que o que estaria por trás desse "rigor" seria somente uma pequena parte de um

jogo comercial muito mais amplo que tentava forçar o governo brasileiro a ceder em outras

áreas em negociações bilaterais, tais como a da carne bovina, como uma espécie de retaliação

devido ao fato de a OMC haver condenado os EUA, em favor do Brasil, no que se referiu à

questão dos subsídios ao algodão. Competidores diretos do Brasil no mercado internacional da

carne bovina, os EUA teriam atacado a imagem dos produtos brasileiros como uma tentativa de

retomar os mercados perdidos ao Brasil a partir de 2003, quando registraram casos do "mal da

vaca louca" (ZANATTA; ROCHA, 2005).

Consoante a Pratini de Moraes, então presidente da ABIEC, esse mesmo "rigor" também

poderia estar relacionado a uma tentativa de os EUA adiarem ainda mais a liberalização das

compras de carne bovina in natura do Brasil (ZANATTA; ROCHA, 2005). Ademais, de acordo

com especialistas, os frigoríficos brasileiros sempre teriam apresentado os problemas de

inspeção então apontados pelos EUA; logo, esse país poderia ter feito essas reclamações muito

antes, mas, por alguma razão, somente as fez no momento em questão (ROCHA, 2005b).

Em outubro de 2005, com o surgimento de casos de febre aftosa no Mato Grosso do Sul,

o governo e os grandes frigoríficos entraram em acordo sobre "parar com isso de achar

culpados" e enviar de imediato missões especiais aos principais mercados compradores da carne

bovina produzida no Brasil com vistas a "reabrir os mercados e retomar as vendas o mais rápido

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possível", considerando que, até aquele momento, 41 países haviam proibido o acesso das

mercadorias brasileiras a seus mercados. O próprio ministro da Agricultura à época, Roberto

Rodrigues, visitaria a União Europeia a fim de tratar do caso com as autoridades europeias

(ZANATTA, 2005a).

Assim, o ano de 2006 foi voltado a tentativas de superar os embargos impostos pelos

mercados externos graças aos surtos de febre aftosa surgidos no ano anterior. Em fevereiro de

2006, um foco da mesma doença animal atingiu o rebanho bovino argentino, o que gerou dois

resultados contraditórios: se, por um lado, os embargos impostos a Argentina aceleraram a

retomada das exportações brasileiras a certos mercados, o que por extensão também significou

maior sustentação de preços no mercado interno, por outro, a ocorrência de um novo surto da

doença na região prejudicou a imagem de todos os países da América do Sul, uma vez que,

assim "como no primeiro foco brasileiro, descoberto em outubro, o foco argentino também

surgiu numa região de fronteira com o Paraguai" (ZANATTA; ROCHA, 2006, p. 1). É por isso

que o Ministério da Agricultura determinou o reforço na vigilância das fronteiras dos estados

do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, além de assinar, por meio da secretaria de

Defesa Agropecuária, um acordo bilateral com o Paraguai, o qual também seria estendido a

Bolívia e ao Peru, com vistas a implantar um sistema de gestão e controle nas faixas de fronteira

com o Brasil, cadastrando fazendas e rebanhos num raio de 25 km em ambos os lados das

fronteiras e convergindo critérios de fiscalização, prevenção e controle da febre aftosa

(ZANATTA; ROCHA, 2006).

Em outubro de 2006, 57 países ainda restringiam total ou parcialmente a entrada da

carne bovina produzida no Brasil a seus mercados, enquanto o governo brasileiro seguia

buscando acordos para a retomada das vendas, principalmente com a União Europeia, a Rússia,

o Chile, a Argélia e a África do Sul (ZANATTA; LOPES, 2006). Apesar desses embargos, as

exportações brasileiras desse produto prosseguiram batendo recordes em 2006, graças à

capacidade dos frigoríficos em redirecionar sua produção a estados não impedidos de exportar.

De acordo com Pratini de Moraes, o desempenho dessas exportações somente não foi melhor

devido a valorização de 24% do real frente ao dólar no mesmo período (ROCHA, 2006).

O ano de 2007 foi marcado pelas denúncias da ABIEC às campanhas promovidas por

pecuaristas ingleses e irlandeses contra a carne bovina produzida e exportada a partir do Brasil.

Tais pecuaristas tinham como objetivo barrar a entrada dos produtos brasileiros na União

Europeia, uma vez que eles eram seus concorrentes (CAMAROTTO, 2007).

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No início de 2008, como vimos no Capítulo 1, a União Europeia chegou de fato a proibir

a entrada da carne bovina produzida no Brasil em seus mercados. Sobre o assunto, disse o então

ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes: "o embargo [...] tem motivação comercial, e não

sanitária", referindo-se justamente àquelas campanhas. Para Stephanes, "o Brasil errou" ao

aceitar as normas exigidas pelo bloco europeu no que diz respeito ao comércio de carne bovina,

medidas estas que foram tomadas pelo Governo FHC (VALOR ECONÔMICO, 2008).

O embargo total da União Europeia à carne bovina proveniente do Brasil, contudo, não

duraria muito tempo. Apesar disso, o país enfrentaria a partir de então diversas restrições por

parte do bloco europeu que viriam a de fato diminuir o acesso de seus produtos naqueles

mercados. Dentre essas restrições, merece destaque a criação de uma lista de fazendas aptas a

fornecer matéria prima voltada à exportação em direção à União Europeia.

Não por acaso, a ABIEC formalizaria, em outubro de 2009, um pedido junto ao bloco

europeu propondo alterações nas exigências da Comissão Europeia para o rastreamento do gado

bovino no Brasil. Os grandes frigoríficos buscavam "equiparação com as regras fixadas pelos

europeus para a compra do produto dos Estados Unidos, como as exigências de permanência

do gado em áreas habilitadas, além da administração da lista de fazendas habilitadas a vender

ao bloco por autoridades brasileiras". Sobre este último assunto, comentou o então presidente

da ABIEC, Roberto Giannette: "Tínhamos 10 mil fazendas [aptas a exportar à União Europeia]

antes da criação da lista. Hoje, são 1,5 mil. Se aprovarmos as mudanças, podemos chegar a 8

mil ou 9 mil fazendas habilitadas em um ano" (VALOR ECONÔMICO, 2009b, p. 1-2).

No mesmo mês a ABIEC ainda participou da feira de Anuga, na Alemanha, a maior do

mundo ligada a alimentos e bebidas. Na ocasião, os representantes dos grandes frigoríficos no

Brasil atraíram a atenção de inúmeros jornalistas e especialistas devido à expansão da pecuária

na Amazônia (VALOR ECONÔMICO, 2009a). A despeito de o Valor Econômico não haver

citado o ocorrido, é sabido que tal interesse se deveu em grande medida a um documento

publicado pelo GREENPEACE (organização não governamental que trata de temas vinculados

à proteção do meio ambiente), intitulado A Farra do Boi na Amazônia, publicado em junho de

2009, o qual apresentou denúncias aos principais elos da cadeia produtiva de carne bovina no

Brasil por envolverem-se em questões como trabalho análogo ao escravo nas fazendas,

desmatamentos ilegais, invasões de terras indígenas e quilombolas, dentre outros

(GREENPEACE, 2009). Em resposta aos diversos questionamentos realizados em Anuga,

Giannette, então presidente da ABIEC, afirmou que a entidade tem um compromisso com o

desmatamento zero na Amazônia e aproveitou para criticar medidas protecionistas tomadas pela

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União Europeia a fim de barrar a entrada da carne bovina proveniente do Brasil em seus

mercados, as quais seriam resultado de campanhas infundadas contra o produto brasileiro,

lideradas pela Irlanda e pelo Reino Unido (VALOR ECONÔMICO, 2009a). Em janeiro de

2010, a ABIEC assinaria com o GREENPEACE o convênio Critérios Mínimos para Operações

com Gado e Produtos Bovinos em Escala Industrial no Bioma Amazônia, o qual propôs o

cadastro, por parte dos frigoríficos, de todos os pecuaristas que lhes fornecerem gado bovino

no bioma amazônico, visando banir aqueles que ferem critérios socioambientais durante o

processo produtivo. Porém, apesar dos avanços consideráveis nesse sentido, as empresas, em

geral, apresentaram dificuldades em cumprir os prazos estabelecidos no documento (LOPES,

2010).

Apesar das pressões internacionais, os grandes frigoríficos de origem brasileira não

passariam à defensiva: em dezembro de 2009 a ABIEC chegaria a propor ao Ministério das

Relações Exteriores do Brasil a abertura de uma painel na OMC contra a União Europeia com

o intuito de forçá-la a abrir seus mercados mais rapidamente à carne bovina de origem brasileira

(ZANATTA; ROCHA, 2009). Contudo, o trâmite na OMC não foi levado adiante, uma vez que

a ABIEC resolveu voltar atrás em seu pedido: com a baixa oferta de carne bovina no mercado

europeu no início de 2010, ocorreram indícios de que a administração da lista de fazendas

habilitadas a exportar à União Europeia passaria para as mãos do Ministério da Agricultura

brasileiro, diminuindo significativamente a burocracia para os embarques das mercadorias

(ZANATTA; ROCHA, 2010a).

Entretanto, justamente quando as relações entre o Brasil e União Europeia, no que se

refere ao comércio de carne bovina, pareciam melhorar, outro problema relacionado a questões

burocráticas surgiu: o bloco alterou os critérios de exportação no âmbito da Cota Hilton,

destinada a cortes nobres, e, por conta disso, das 10 mil toneladas a que o Brasil tinha direito,

somente 8% disso havia sido embarcado após 9 meses daquele ano-cota. Tais alterações

previam a identificação eletrônica dos animais destinados a atender a cota, processo que deveria

ocorrer antes de os bezerros completarem 11 meses de idade. "Ocorre que[,] no Brasil, não há

identificação eletrônica e muito menos nessa fase da vida do bovino. [...] os animais são

identificados nos últimos três meses de vida – quando ficam 90 dias nas áreas habilitadas à

exportação para a UE e na última propriedade" (ZANATTA; ROCHA, 2010a, p. 2). Devido a

isso, o governo brasileiro solicitou à União Europeia que o gado bovino destinado à cota

pudesse ser embarcado aos mercados do bloco após 100 dias de confinamento (ZANATTA;

ROCHA, 2010a). Além disso, a União Europeia exigia ao Brasil que os animais destinados à

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cota deveriam ser alimentados somente a pasto, ou seja, sem nenhum tipo de suplementação. O

problema é que a mesma exigência não era feita aos Estados Unidos e a Austrália, também

participantes da cota. Por isso, em dezembro de 2010, a ABIEC manifestaria novamente a

intenção de abrir um painel contra o bloco na OMC, referente a essas exigências. No ano-cota

em questão, os exportadores brasileiros conseguiram cumprir menos de 10% do volume a que

tinham direito (ROCHA, 2010).

Quando Antônio Jorge Camardelli deixou a JBS para a assumir, em outubro de 2010, no lugar

de Roberto Giannetti da Fonseca, a presidência da ABIEC, ele disse que um de seus principais objetivos

no novo cargo seria a busca de "alternativas à União Europeia para os cortes nobres bovinos produzidos

no Brasil" (VALOR ECONÔMICO, 2010d, p. 1), sendo, em sua visão, o Japão, a Coreia do Sul e

Taiwan os mercados potenciais para essas mercadorias de maior valor agregado (VALOR

ECONÔMICO, 2010d). Em outras palavras, os grandes frigoríficos antes queriam diversificar suas

exportações do que se manter presos aos mercados tradicionais, como a União Europeia, que

apresentavam resistências aos produtos brasileiros devido a pressões internas.

Outro mercado que daria trabalho à ABIEC seriam os Estados Unidos. No dia 27 de

maio de 2010 o governo brasileiro suspendeu os embarques de carne bovina industrializada, a

partir do Brasil, aos Estados Unidos, devido à detecção de níveis acima do recomendado do

vermífugo ivermectina na carne industrializada exportada ao país pelo frigorífico JBS. De

acordo com Francisco Ferreira Jardim, então secretário de Defesa Agropecuária do Ministério

da Agricultura, o Brasil passaria a adotar os mesmo critérios utilizados pelos EUA quanto à

avaliação de resíduos na carne bovina para que o incidente não voltasse a acontecer (INACIO,

2010). O episódio chegou a abrir margem aos pecuaristas irlandeses, que mais uma vez tentaram

barrar o acesso do produto brasileiro aos mercados da União Europeia, desta vez sem sucesso

(ZANATTA; ROCHA, 2010b).

Além disso, em julho de 2010 representantes da ABIEC visitaram a sede da União Europeia,

em Bruxelas, Bélgica, acompanhados do então ministro da Agricultura brasileiro, Wagner Rossi, com o

intuito de negociar com autoridades europeias a participação do Brasil numa nova cota criada por elas

para importação de carne bovina. "A medida foi tomada para favorecer os EUA, mas permite a

participação de outros países na cota, como já ocorre com a Austrália" (VALOR ECONÔMICO, 2010b,

p. 1). De acordo com Cançado, então diretor-executivo da ABIEC, a visita ainda buscou pressionar os

europeus para que o governo brasileiro finalmente se tornasse responsável por administrar a lista de

fazendas habilitadas a exportar à Europa (VALOR ECONÔMICO, 2010b).

Após as reuniões, Rossi garantiu haver avançado nas negociações no sentido de reduzir

as exigências dos europeus à compra de carne in natura proveniente do Brasil. Segundo o Valor

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Econômico (2010c, p. 1), a administração da lista de fazendas credenciadas a vender à União

Europeia seria de fato transferida ao governo brasileiro, mas "eles se reservam o direito de

auditar o processo a qualquer momento". Na opinião do então ministro, ainda "remanesce no

imaginário do consumidor europeu os resultados de uma campanha insidiosa sobre as condições

da agropecuária brasileira, de trabalho escravo, desmatamento ou de que não temos todos os

controles, como bem-estar animal" (VALOR ECONÔMICO, 2010c, p. 1). Ademais, e mesmo

em Bruxelas, Rossi "informou ter alcançado um acordo técnico com os Estados Unidos para

retomar 'em algumas semanas' as vendas de carne processada ao mercado americano, suspensas

desde o fim de maio" (VALOR ECONÔMICO, 2010c, p. 1). Contudo, em setembro de 2010,

nem a União Europeia havia transferido a administração da lista de fazendas ao Brasil, devido

ao "forte lobby interno contra a abertura total à carne brasileira"; nem o mercado estadounidense

de carne bovina industrializada havia sido retomado, pendência sobre a qual Cançado, então

diretor executivo da ABIEC, concluiu estar relacionada à questão política com o Irã, em

prejuízo do Brasil (ZANATTA; ROCHA, 2010c, p. 1) – a qual analisaremos a seguir.

Em absolutamente todos os casos citados nesta seção, os grandes frigoríficos de origem

brasileira se comportaram como burguesia interna. Foi assim em Cancún, onde o então

presidente da ABIEC, Pratini de Moraes, exigiu a abertura dos mercados das formações sociais

imperialistas aos produtos agropecuários dos "países em desenvolvimento" como condição para

o prosseguimento das negociações. Foi assim quando a ABIEC manifestou preocupações com

a falta de recursos governamentais para a sanidade animal, tendo em vista a manutenção de

mercados externos. Foi assim quando a Rússia, os Estados Unidos e diversos outros países

embargaram a carne bovina proveniente do Brasil, sobretudo devido ao surgimento de doenças

animais no rebanho brasileiro. Foi assim quando o GREENPEACE acusou a cadeia produtiva

de carne bovina no Brasil de cometer diversos crimes socioambientais, o que prejudicou a

imagem das mercadorias brasileiras nos mercados externos. E foi assim no que diz respeito a

todas as tentativas da União Europeia em barrar ou ao menos diminuir o acesso da carne bovina

de origem brasileira em seus mercados. E, em todos esses casos, os Governos Lula fizeram o

que estava ao seu alcance para atender aos interesses dos grandes frigoríficos.

3.1.1.1.1. Os grandes frigoríficos, os Governos Lula e o Irã

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Uma pauta importante que ganhou força no final da década de 2000 foi a relação comercial do

Brasil com o Irã. Em maio de 2009, o então presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, visitou

o Brasil com o intuito de aprofundar as relações comerciais e de investimentos entre os dois

países, apesar das polêmicas que cercavam a autoridade iraniana à época, relacionadas a temas

como enriquecimento de urânio supostamente para fins não pacíficos, antissemitismo,

machismo e homofobia. O então presidente da ABIEC, Roberto Giannetti, declarou o seguinte

sobre esse assunto: "Não apoiamos a posição do Irã nos fóruns internacionais, mas isso não

pode impedir o relacionamento [do Brasil] com o país [...] É um mercado importante e não se

deve ignorar isso por razões ideológicas" (LEO, 2009, p. 2). Em 2009, o Irã fecharia o ano

como o segundo maior comprador da carne bovina de origem brasileira em termos de

faturamento (ABIEC, 2009).

Como vimos na Introdução, a priorização das relações sul-sul por parte da política

externa dos Governos Lula é uma das características do neodesenvolvimentismo, estando o

caso iraniano diretamente ligado aos interesses da grande burguesia interna ligada ao setor

frigorífico no Brasil. Em abril de 2010, uma comitiva composta por membros do governo

brasileiro e da iniciativa privada brasileira ainda visitaria o Irã, apesar da possibilidade de virem

a sofrer retaliações por parte do governo dos Estados Unidos, que à época liderava uma

campanha contra o Irã, acusando-o de desenvolver um programa nuclear para fins não pacíficos,

o que era negado por este país (SOUZA, 2010a).

Em maio de 2010 o Valor Econômico chegou inclusive a publicar uma carta escrita por

Otávio Cançado (VALOR ECONÔMICO, 2010a, p. 1-2), então diretor-executivo da ABIEC,

sobre a política externa dos Governos Lula. No documento, disse ele:

Recentemente, ao anunciar o aumento dos embarques da carne brasileira para

mercados como a Rússia, o Irã e o Chile fui "advertido" de que estes seriam

mercados de "altos e baixos", e que, "clientes tradicionais" como alguns países

europeus e outros ditos desenvolvidos deveriam ser o foco principal das

nossas atividades de exportação e das nossas ousadas ações de promoção

comercial.

[...] ao pregar o pragmatismo nas relações internacionais, a atual gestão

diversificou o comércio exterior brasileiro e empenhou, de forma inegável,

seus interesses no agronegócio brasileiro.

[...] Outro claro e distinto exemplo da expressiva ampliação das relações

comerciais e internacionais do Brasil – em um mundo cada vez mais pluralista

– é o honesto direito de, mediante legítima negociação, preservar as suas

relações comerciais com países do Oriente Médio como o Irã, que só no

primeiro trimestre de 2010 aumentou em 300% suas importações de carne

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bovina do Brasil, em comparação com o mesmo período de 2009.

A possibilidade de se instituir esse espaço de diálogo em busca de soluções

pacíficas e pragmáticas – sempre prevendo dissonâncias externas – é um ativo

que o Brasil alçou na última década, de forma a dar acesso comercial aos

nossos produtos agrícolas em condições de igualdade, e não competir com os

cofres dos Estados Unidos ou da União Europeia, que além de subsidiar

altamente as suas produções impedem o acesso da carne bovina brasileira em

seus territórios.

Ora, trata-se de uma clara defesa, por parte de um representante da ABIEC, da política

externa dos Governos Lula, que teve como um dos focos as relações sul-sul, ao invés de uma

submissão pura e simples às formações sociais imperialistas.

E os conflitos da burguesia e do governo brasileiros com as formações sociais

imperialistas por causa do Irã não parariam por aí. Em agosto de 2010, a União Europeia

voltaria a preocupar os grandes frigoríficos de origem brasileira devido às sanções que impôs

ao Irã, criando dificuldades ao comércio entre este país e o Brasil. Consoante a Souza (2010b),

do Valor Econômico, os "bancos europeus" passaram a restringir operações de confirmação de

cartas de crédito aos fornecedores do Irã, um serviço essencial ao comércio que serve de

garantia de que as vendas seriam realmente pagas. O fluxo de pagamento, que normalmente era

de dois dias, em alguns casos passou a levar mais de uma semana. "Como os contratos com o

Irã são grandes, essa diferença seria suficiente para provocar impacto nas fábricas destinadas a

atender o mercado iraniano. A carne que segue para o país precisa ser produzida a partir de um

abate que obedeça às leis islâmicas" (SOUZA, 2010b, p. 1). Ainda de acordo com Souza (2010,

p. 1), o "aumento das exportações de carne para o Irã é visto como resultado direto da

aproximação do governo Lula com o presidente Mahmoud Ahmadinejad, criticado pelos

Estados Unidos, Europa e ONU por seu programa nuclear".

Por isso, em setembro de 2010, o governo federal brasileiro iniciaria uma ofensiva

política para que o "sistema financeiro nacional" retomasse a concessão de linhas de

financiamento e operações de comércio exterior com o Irã, as quais estavam sendo dificultadas

justamente pelas sanções que a ONU, a União Europeia e os Estados Unidos estavam impondo

aquele país. O então porta voz do ministro da Fazenda, Luiz Eduardo Melin, disse ao Valor

Econômico que o "ministro [Guido Mantega] está determinado a atuar para não deixar um

problema político ser usado como pretexto para deslocar o Brasil no contexto internacional. O

Irã é o nosso segundo mercado para a carne" (ZANATTA, 2010b, p. 1). Os bancos atuantes no

Brasil temiam retaliações por parte das formações sociais imperialistas caso mantivessem

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relações comerciais com o Irã. O governo federal disse compreender a postura cautelosa dos

bancos, mas preferiu insistir na retomada das operações, realizando "reuniões com dirigentes

de instituições privadas e do Banco do Brasil para 'esclarecer' que as sanções impostas pela

ONU, pela UE e pelos EUA não proíbem as exportações de alimentos ao país" (ZANATTA,

2010b, p. 1). À época, a Caixa Econômica Federal estava sendo preparada para atuar como

asseguradora dos papéis nas operações entre governos, com uma linha de crédito de € 1 bilhão:

o "banco adiantará a receita das vendas ao exportador e debitará na conta do Tesouro, que será

o responsável por cobrar do governo do Irã o dinheiro depositado pelo importador iraniano"

(ZANATTA, 2010b, p. 2). De acordo com Zanatta (2010b), a ABIEC liderava as pressões sobre

governo no que dizia respeito ao Irã. Portanto, uma vez mais os grandes frigoríficos de origem

brasileira se comportaram como burguesia interna. E novamente o Governo Lula agiu de modo

a atender aos interesses deles.

3.1.1.2. A conjuntura e as políticas econômicas dos Governos Lula

No dia 28 de abril de 2004, o então presidente Lula instalou o Conselho Nacional de

Desenvolvimento Industrial (VALOR ECONÔMICO, 2004b), o qual tomou posse somente no

dia 17 de fevereiro de 2005, sendo composto por 13 ministérios, o BNDES e 14 representantes

da iniciativa privada, dentre eles Pratini de Moraes, então presidente da ABIEC, tendo cada um

de seus membros direito a um voto. O conselho foi criado visando "a formulação de políticas

públicas voltadas ao desenvolvimento industrial, às atividades de infra-estrutura, à

normalização de medidas que permitam maior competitividade das empresas e ao

financiamento das atividades empreendedoras" (VALOR ECONÔMICO, 2005). Em outras

palavras, a exemplo dos grandes pecuaristas, os grandes frigoríficos também participariam de

canais de comunicação direta entre o governo federal e a burguesia, influenciando no processo

de formulação de políticas econômicas.

Com a eclosão da crise econômica em 2008, os preços da carne bovina no mercado

internacional caíram e inúmeras empresas do ramo frigorífico faliram, o que acelerou o

processo de concentração e centralização do capital já em curso no Brasil.

O mês de setembro de 2009, em especial, foi marcado por aquisições importantes por

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parte dos frigoríficos de origem brasileira: a Marfrig comprou a Seara, enquanto a JBS

incorporou tanto a Bertin quanto a Pilgrim's Pride, empresa de origem estadounidense. Na visão

do então presidente da ABIEC, Roberto Giannetti, tais aquisições demonstraram que "as

empresas do segmento de carnes estão recuperando sua capacidade de investimento em

expansão e estão mais confiantes quanto ao futuro desse mercado" (LOPES; ROSAS, 2009, p.

1), referindo-se ao contexto pós-crise de 2008. Em outras palavras, a ABIEC compreendeu esse

movimento de concentração e centralização de capital no setor como positivo, uma vez que os

beneficiados foram justamente os grandes frigoríficos, ao contrário do entendimento de outros

elos e subsetores da cadeia produtiva, a exemplo dos grandes pecuaristas, como vimos, e dos

pequenos frigoríficos, como veremos na próxima seção.

Em outubro de 2009 os grandes frigoríficos também demonstraram certa preocupação

com a valorização do real frente ao dólar, o que desestimulava as exportações a partir do Brasil.

"Mas, ao contrário do que acontecia até [...] meses atrás, algumas empresas já conseguem

renegociar seus contratos de fornecimento em dólar para amenizar os efeitos do câmbio em suas

operações" (ZANATTA, 2009a, p. 1), condição que é resultado do processo de

internacionalização por qual passaram essas empresas a partir de 2005, com o suporte dos

Governos Lula via BNDES, Caixa Econômica Federal e fundos de pensão de empresas estatais,

uma vez que se tornaram capazes de exportar a partir de outros países. Em outras palavras,

como os grandes frigoríficos de origem brasileira passaram a atuar em outras formações sociais,

tornou-se possível negociar seus contratos em diferentes moedas, não mais dependendo tanto

das cotações do real.

Além disso, a valorização relativa do real foi contrabalanceada pelo aumento do preço

da carne bovina no mercado internacional, que já dava sinais de recuperação, graças à maior

demanda pelo produto por parte de formações sociais e regiões como Rússia, China, Oriente

Médio e África. A dificuldade no câmbio ainda foi compensada pela demanda aquecida no

mercado interno, o qual, à época, pagava entre US$ 300 e US$ 500 a mais pela tonelada da

carne bovina, se comparado à média dos mercados externos (ZANATTA, 2009a). Ora, sabemos

que a demanda efetiva se manteve alta no Brasil no pós-crise de 2008 em grande medida devido

às políticas anticíclicas e programas sociais promovidos pelo Governo Lula. De qualquer forma,

a ABIEC demandou do governo federal medidas para desvalorizar o real frente ao dólar, na

tentativa de estimular as exportações de carne bovina a partir do Brasil (ROCHA, 2009a).

Apesar de o real ter se mantido valorizado ao fim de seu segundo mandato, o Governo

Lula tomou diversas medidas a fim de estimular economicamente o setor frigorífico no Brasil.

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Já em dezembro de 2009, a ABIEC comemoraria a aprovação da Instrução Normativa que

eliminou a cobrança PIS/COFINS sobre os frigoríficos, uma vez que tal medida colocaria "o

setor em condições melhores para competir com as empresas que atuam na informalidade, cerca

de 25% do total", além de injetar capital nas empresas, uma vez que os créditos acumulados

entre 2004 e 2008 seriam devolvidos aos frigoríficos, uma quantia de cerca de R$ 600 milhões

(ROCHA, 2009b, p. 1). Os pequenos e médios frigoríficos teriam outra opinião a respeito dessa

injeção de capital. Na seção seguinte, trataremos com mais detalhes dos conflitos entre os

grandes frigoríficos, de um lado, e os pequenos e médios, de outro.

3.2. Os pequenos e médios frigoríficos: demandas políticas e ação estatal

Os pequenos e médios frigoríficos organizaram-se politicamente, ao longo dos Governos Lula, na

Associação Brasileira de Frigoríficos (ABRAFRIGO), criada em 2004. No jornal Valor Econômico,

encontramos 19 artigos que consideramos úteis a este estudo, os quais se concentram sobretudo nos anos

de 2009 e 2010.

3.2.1. A ABRAFRIGO

As duas únicas matérias publicadas pelo Valor Econômico que destacamos não referentes aos anos de

2009 e 2010 são de 2005. Como vimos no Capítulo 1 e na seção anterior, ocorreu no ano em questão,

2005, um caso de febre aftosa no Mato Grosso do Sul, o que fez com que diversos países barrassem a

entrada da carne bovina proveniente do Brasil em seus mercados. Com isso, José João Batista Stival,

então presidente da ABRAFRIGO, esperava o aumento da oferta do produto no mercado interno e,

consequentemente, a redução de seus preços de venda, uma vez que as mercadorias que não poderiam

ser exportadas deveriam se redirecionar para o mercado interno (NAKAGAWA, 2005).

Como os pequenos e médios frigoríficos concentram suas atividades em seu mercado de origem,

qualquer dificuldade surgida nos mercados externos acaba por afetá-los, pois isso força os grandes

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frigoríficos a concorrerem (ainda mais) com eles no mercado interno, sendo grande a desigualdade de

poder econômico entre eles. Assim, é de interesse das pequenas e médias empresas do setor a abertura

e manutenção de mercados externos. Idealmente, esses frigoríficos buscam e preferem concorrer com

os grandes também no exterior, e não somente em seus mercados de origem. Tal fato, porém, é

dificultado justamente pela desigualdade política e econômica no setor.

Em 2005, ano em que os grandes frigoríficos começaram a se internacionalizar com a ajuda

principalmente do BNDES, essa desigualdade já se refletia no trato tributário que o governo federal

oferecia ao setor: de acordo com Stival, a carga tributária de um frigorífico que vendia apenas ao

mercado interno era 18% maior do que pagava um frigorífico exportador. Como os grandes frigoríficos

concentravam – e ainda concentram – as atividades exportadoras, a ABRAFRIGO organizou campanhas

cobrando igualdade fiscal para o conjunto do setor frigorífico atuante no país (NAKAGAWA, 2005).

Como vimos, essa reivindicação seria atendida somente em 2009, ano em que o governo federal

isentou a cadeia produtiva da cobrança do PIS/COFINS, beneficiando especialmente os pequenos e

médios frigoríficos. Isso ocorreu, entretanto, num período em que esses frigoríficos encontravam-se à

beira da falência e sendo em grande medida incorporados pelos grandes frigoríficos, devido aos efeitos

da crise econômica mundial que eclodiu em 2008 e à desigualdade em termos de oferta de crédito

oferecida ao setor, em prejuízo das pequenas e médias empresas.

Além disso, como também vimos no Capítulo 1, a partir de meados de 2005 surgiu um rumor

sobre a possível demissão do então ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, de seu posto

governamental, o que de fato viria a se concretizar em julho de 2006. No dia 25 de outubro de 2005, o

Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio instalou o Fórum de Competitividade da Indústria

de Carnes, evento que, segundo Zanatta (2005b, p. 1), do Valor Econômico, "virou um ato de apoio a

Rodrigues". Nele estavam presentes, dentre outros, Antenor Nogueira, então presidente do Fórum

Nacional Permanente da Pecuária de Corte (FENAPEC), ligado à CNA; e Stival, então presidente da

ABRAFRIGO. Ambos demonstraram seu apoio à permanência de Rodrigues na pasta. Na ocasião,

Stival disse que o "ministro tem feito todos os esforços possíveis para lutar contra o câmbio valorizado

e a concentração das exportações nas mãos de algumas poucas empresas do setor" (ZANATTA, 2005b,

p. 1). O grande problema, na verdade, na opinião majoritária dos presentes no evento, seriam os cortes

que o governo federal vinha promovendo nos principais programas desenvolvidos pelo Ministério da

Agricultura, não as ações do ministro (ZANATTA, 2005b).

É interessante observar que tais cortes no orçamento do Ministério da Agricultura e a atuação

de Rodrigues contra a concentração no setor frigorífico contrastavam com as medidas do governo federal

de patrocínio financeiro aos grandes frigoríficos. Na realidade, foi justamente a grande quantidade de

recursos ofertados pelo governo federal a um punhado de frigoríficos, com destaque a JBS e a Marfrig,

que acelerou o processo de concentração e centralização de capital no setor. Assim, não surpreende o

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fato de que tanto os pequenos e médios frigoríficos quanto os grandes pecuaristas apoiassem a

permanência de Rodrigues no Ministério da Agricultura, uma vez que ele se contrapunha à política de

"campeões nacionais" do governo federal.

Cabe ressaltar que os pequenos e médios frigoríficos não sofriam somente com o poderio

econômico dos grandes frigoríficos, mas também com o do grande varejo. A exemplo dos grandes

frigoríficos, os hipermercados também passaram por um processo de concentração e centralização do

capital ao longo dos Governos Lula, com a diferença de que, enquanto o setor frigorífico é, no Brasil,

controlado por capitais nacionais, os hipermercados foram cada vez mais cedendo espaço a capitais

estrangeiros, com destaque ao grupo estadounidense Walmart, ao francês Carrefour e ao Pão de Açúcar,

grupo de origem nacional que foi gradativamente passando ao controle de um capital francês8

(SCVCF/SP, 2005).

Em outubro de 2009, cerca de 20 associações patronais cujas empresas possuem relações

comerciais com o grande varejo no Brasil fundaram a Associação Nacional dos Fornecedores do Varejo,

visando contornar "as novas exigências socioambientais das grandes redes de supermercados na compra

de carne bovina" (VALOR ECONÔMICO, 2009b, p. 1). Em dezembro de 2009 a Associação Brasileira

de Supermercados (ABRAS) lançaria oficialmente seu programa de certificação para a carne bovina, no

qual comprometia-se a não mais comercializar produtos oriundos de áreas desmatadas, embargadas pelo

Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), fruto de grilagem

ou envolvidas em invasões de terras indígenas. "Para conseguir colocar o produto sustentável na

gôndola, a Abras pretende certificar os frigoríficos e obter deles a garantia de controle dos pecuaristas,

de forma a atender o programa" (VALOR ECONÔMICO, 2009c, p. 1). Assim como os pequenos e

médios frigoríficos, os grandes pecuaristas desaprovaram a iniciativa da ABRAS:

Sem saber de onde sairá o dinheiro para bancar o programa de certificação e

rastreamento do gado bovino, proposto [...] pela Associação Brasileira de

Supermercados (Abras), os pecuaristas reivindicaram participação prévia na

discussão do modelo e se declararam contrários ao desenho original da

iniciativa. [...]

Em reunião na Câmara Setorial da Carne Bovina, os produtores defenderam o

modelo oficial de rastreamento (Sisbov) criado pelo Ministério da Agricultura.

"Se depender de CNA, ABCZ, Assocon [Associação Brasileira dos

Confinadores], OCB [Organização das Cooperativas Brasileiras], CNPC

[Conselho Nacional da Pecuária de Corte] e SRB [Sociedade Rural

Brasileira], acreditamos mais no trabalho do ministério. Um é oficial e outro

é privado", afirmou [Antenor Nogueira, então presidente da FENAPEC]

(ZANATTA, 2009b, p. 1).

8 Em 1999 o grupo Casino, de origem francesa, adquiriu 25% das ações do grupo Pão de Açúcar. Em 2005, o

controle acionário tornou-se de 50% e, em 2012, o Pão de Açúcar começou a ser comandado de fato pelos

franceses.

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A iniciativa da ABRAS também parece ter sofrido influência do documento A Farra do Boi na

Amazônia, publicado pela ONG GREENPEACE em junho de 2009, o qual acusou os elos da cadeia

produtiva de carne bovina no Brasil de se envolverem em práticas ilegais como desmatamentos,

submissão de trabalhadores a condições análogas à escravidão, invasão de terras indígenas e

quilombolas, grilagem de terras, dentre outras. Uma vez que tal ONG era vista tanto pelos pecuaristas

quanto pelos frigoríficos como um representante de interesses estrangeiros, neste caso possuindo

relações com o grande varejo atuante no Brasil, torna-se possível afirmar que, no que toca à temática

ambiental, eles se comportaram como burguesia interna.

Como vimos, outra pauta que unificava os pequenos e médios frigoríficos com os grandes

pecuaristas era a concentração no setor frigorífico. Em janeiro de 2010, o então presidente da

ABRAFRIGO, Péricles Salazar, enviou uma carta ao então presidente do BNDES, Luciano Coutinho,

criticando o financiamento que o banco estatal vinha oferecendo aos grandes frigoríficos com o intuito

de criar "megacorporações" para competir no mercado internacional. Consoante a Salazar, tal estratégia

penalizava "duramente os pequenos e médios frigoríficos espalhados pelos quatro cantos do nosso país"

(LIMA, 2010, p. 1). Ainda de acordo com ele, se, por um lado, o Brasil tornou-se o maior exportador

de carne bovina do mundo "graças à política do banco", por outro, essa mesma política desencadeou um

processo de concentração que, na prática, significou a incorporação de inúmeros frigoríficos de médio

porte, tais como Margen, Arantes, Independência, Estrela e Bertim, a grandes frigoríficos. Além disso,

Salazar enfatizou que "os pecuaristas em muitas regiões estão sem saída, não têm para quem vender, a

não ser para alguns que foram beneficiados com recursos do banco" (LIMA, 2010, p. 1).

Apesar da cooperação política contra os grandes frigoríficos em certos momentos, é importante

ressaltar que ocorreram disputas significativas dos pequenos e médios frigoríficos com os grandes

pecuaristas ao longo dos Governos Lula.

Tal foi o caso da cobrança ao FUNRURAL. Como vimos no Capítulo 1, em 2010 o Supremo

Tribunal Federal declarou essa cobrança inconstitucional, condenando o governo federal a devolver aos

contribuintes os montantes pagos nos cinco anos anteriores, estimados em cerca de R$ 14 bilhões.

Enquanto os frigoríficos argumentavam que eles eram os responsáveis pelo recolhimento do imposto,

por isso devendo receber o que foi pago indevidamente ao governo, os pecuaristas alegavam que o

tributo havia sido descontado deles, sobre a receita bruta obtida com a venda de suas mercadorias. De

acordo com o procurador-adjunto Fabrício da Soller, da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, os

pecuaristas poderiam pleitear na Justiça somente a diferença entre o montante recolhido na nova forma

de cálculo e o modelo original, uma vez que o "Supremo não considerou inconstitucional o tributo, mas

o seu cálculo" (ROSA; CARVALHO, 2010, p. 1). Já os frigoríficos, ainda segundo ele, não teriam

direito à restituição do dinheiro, pois eram apenas responsáveis por reter e repassar a contribuição à

União. "Seria um absurdo. Quem pagou de fato foram os produtores rurais [...] As empresas

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[frigoríficas] poderiam, no máximo, pleitear na Justiça o direito de não mais reter o valor (sic) do

Funrural" (ROSA; CARVALHO, 2010, p. 1). A despeito de ser pouco provável a vitória dos pequenos

e médios frigoríficos na disputa sobre os recursos do FUNRURAL, eles decidiram pleiteá-la, o que pode

ser compreendido como uma tentativa de descontar nos pecuaristas, elo fraco da cadeia produtiva, a

pressão que eles vinham sofrendo devido à crise econômica e à concentração dos grandes frigoríficos.

Além disso, em abril de 2010, a Bolsa Brasileira de Mercadorias, controlada pela

BM&FBovespa, lançou um sistema eletrônico de comercialização de gado bovino no país com o intuito

de, dentre outros, conciliar os conflitos entre frigoríficos e pecuaristas:

O novo modelo deve dar mais segurança de recebimento do dinheiro a

pecuaristas em caso de problemas financeiro nos frigoríficos, como ocorreu

na onda de processos de recuperação judicial. Além disso, permitiria um

planejamento de médio e longo prazos na escala de engorda e a redução de

custos operacionais da bolsa, como ajustes diários e de margens. Aos

frigoríficos, o sistema daria regularidade de oferta, planejamento das escalas

de abate e melhor utilização da capacidade industrial (ZANATTA, 2010c, p.

1).

Cerca de quatro meses após o lançamento do sistema, os pecuaristas já acusavam os frigoríficos

de pagarem mais pela arroba do boi fora da bolsa "porque preferem o modelo tradicional onde o

pecuarista não tem garantia nenhuma de receber" (ZANATTA, 2010d, p. 1), como afirmou o então

presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Mato Grosso, Rui Prado. Em resposta,

Salazar, então presidente da ABRAFRIGO, disse que o problema seria o fato de os pecuaristas não

ofertarem gado em quantidades suficientes na bolsa. Entretanto, dos 1.300 bois ofertados até aquele

momento, somente 465 haviam sido vendidos (ZANATTA, 2010d). Mais uma vez, parece-nos que os

pequenos e médios frigoríficos buscaram repassar suas dificuldades aos pecuaristas.

Mas, afinal, qual era a real situação desses frigoríficos nos três últimos anos do Governo Lula

(2008-2010), período em que os efeitos da crise econômica mundial encontraram seu ápice no Brasil,

pelo menos num primeiro momento? De acordo com Zanatta e Rocha (2010d), os pequenos e médios

frigoríficos encontravam-se, à época, sem capital de giro, altamente alavancados em termos financeiros,

com margens de lucro apertadas e elevada capacidade ociosa, além de sofrerem com a falta de crédito

por parte do governo federal e com a política de "vencedores e perdedores" então empreendida pelo

BNDES no setor (ZANATTA; ROCHA, 2010d).

Em março de 2009, chegou a parecer que a situação desses frigoríficos poderia se reverter: o

então presidente Lula aprovara uma linha de crédito de R$ 10 bilhões em socorro à agroindústria, via

BNDES, com o intuito de garantir capital de giro às empresas, num momento marcado pela retração de

créditos e por forte aversão a riscos. Mas os pequenos e médios frigoríficos, na prática, não tiveram

acesso a esses recursos, seja porque os juros eram muito elevados (11,25% a.a.), seja porque as

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exigências realizadas a eles pelo banco estatal eram muito rígidas. Ao Valor Econômico, o então

presidente da ABRAFRIGO, Salazar, afirmou que o "auxílio que chegou [do governo federal] não pôde

ser acessado" (ZANATTA; ROCHA, 2010d, p. 1).

Consoante a Zanatta e Rocha (2010d, p. 1), do Valor Econômico, a situação das pequenas e

médias empresas do setor era tão precária que outros bancos chegaram a estimular alguns frigoríficos a

venderem seus negócios, antes que eles perdessem mais eficiência em um cenário "amplamente

desfavorável a empresas sem capital".

O então proprietário do frigorífico Frialto – empresa que acabou por pedir recuperação judicial

em maio de 2010, com quatro de suas seis plantas paradas por falta de capital de giro –, Tadeu Paulo

Bellicanta, disse que percebeu "mais facilidades para uns grupos e menos para outros" (ZANATTA;

ROCHA, 2010d, p. 1), referindo-se à política de socorro ao setor realizada pelo governo federal. "Não

houve boa vontade de operar conosco. Ficou patente a opção pela concentração" (ZANATTA; ROCHA,

2010d, p. 1), concluiu.

O então advogado do Frigol, Júlio Mantel, por sua vez, contou ao Valor Econômico que a

empresa por ele representada tentou obter recursos "com o BNDES e com o Banco do Brasil, mas as

propostas não foram aprovadas" (ZANATTA; ROCHA, 2010d, p. 1). O frigorífico FrigoEstrela, que

pediu recuperação judicial em novembro de 2008, também se viu frustado em sua tentativa de conseguir

recursos do BNDES: "Fomos lá no BNDES durante a crise, mas disseram que já tinham dado muito

dinheiro para frigoríficos" (ZANATTA; ROCHA, 2010d, p. 2), informou ao Valor Econômico o então

diretor de controladoria da empresa, Rubens Andrade Ribeiro Filho.

Na prática, a linha de crédito lançada por Lula em 2009 acabou beneficiando os grandes

frigoríficos. Segundo Zanatta (2010e), do orçamento de R$ 10 bilhões, cerca de 6,4 bilhões haviam sido

emprestados até agosto de 2010, sendo que metade da quantia destinada a frigoríficos foi direcionada à

JBS e à Marfrig, as duas maiores empresas frigoríficas em atuação no Brasil. De acordo com Salazar,

então presidente da ABRAFRIGO, não existia à época um planejamento do governo federal para os

pequenos e médios frigoríficos (VALOR ECONÔMICO, 2010e).

Neste quesito, o governo federal não discordava de Salazar: apesar de defender "de forma

intransigente a estratégia do banco estatal de concentrar o foco em JBS e Marfrig [... o governo] admite

ter faltado uma ação mais sistêmica de ajuda ao setor, sobretudo para pequenas e médias indústrias"

(ZANATTA, 2010e, p. 1). Portanto, o governo federal avaliava como corretas as medidas do BNDES

direcionadas aos grandes frigoríficos. O problema seria somente a falta de recursos às pequenas e médias

empresas do setor.

É por isso que, a partir de então, o governo federal passou a considerar a possibilidade de

socorrer frigoríficos de porte médio. A ideia do governo era patrocinar a fusão de cerca de 15 empresas

em um ou dois grandes grupos, os quais se tornariam capazes de concorrer com a JBS, a Marfrig e a

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Brasil Foods nos mercados interno e externos. Como condição à liberação dos recursos, o governo

obrigaria as empresas envolvidas a profissionalizar sua gestão; além disso, "qualquer crédito estatal seria

'carimbado' para garantir o pagamento das dívidas com pecuaristas (estimadas em R$ 800 milhões) e

instituições financeiras, além do capital de giro necessário para tornar viáveis (sic) a nova operação"

(ZANATTA, 2010e, p. 1). Porém, parte dos empresários envolvidos na possível fusão avaliava que as

empresas que se fundiriam possuíam "saúde financeira" em estágios diferentes. A proposta do governo

era que a participação dos sócios nos novos grupos, em termos de controle acionário, fosse equivalente

ao endividamento e ao patrimônio de cada empresa no momento da fusão (ZANATTA, 2010f).

Consoante a Zanatta (2010e), o Governo Lula tinha bons motivos para auxiliar os pequenos e

médios frigoríficos:

a questão que mais angustia uma parcela do governo é o impacto social de

uma quebradeira generalizada no setor. Os empresários fizeram chegar ao

governo que estão em jogo 80 mil empregos diretos nos médios e pequenos

frigoríficos. Além disso, o Ministério da Agricultura está preocupado com os

efeitos de um calote das indústrias na atividade pecuária.

O domínio de JBS e Marfrig sobre o mercado não interessa ao governo porque

esse seria o caminho mais curto para uma ampla crise de renda na pecuária via

depressão de preços. O governo lembra dos impactos da crise da Parmalat no

setor leiteiro, em 2004, que deixou milhares de pequenos produtores sem ter

para quem vender e deprimiu os preços do leite (ZANATTA, 2010e, p. 2).

Portanto, o governo federal somente demonstrou efetiva preocupação em socorrer os pequenos

e médios frigoríficos quando os interesses destes coincidiram com os dos grandes pecuaristas e houve

perigo de aumento do desemprego. Em outras palavras, quando setores da grande burguesia interna e

dos trabalhadores – integrantes da frente política neodesenvolvimentista – seriam afetados. Contudo,

nem assim a situação dos pequenos e médios frigoríficos se reverteria. Na verdade, a disputa dos

pequenos e médios frigoríficos com os grandes frigoríficos somente se acirraria ainda mais.

Em agosto de 2010, a Receita Federal autorizou, via a Instrução Normativa nº 1.060, a

antecipação de 50% dos créditos do PIS/COFINS aos frigoríficos exportadores com o intuito de

incentivar as vendas de carne bovina ao exterior (ZANATTA, 2010a): em 2008, havia sido embarcado

a partir do Brasil o equivalente a US$ 5,4 bilhões em carne bovina; em 2009, o montante caíra para US$

4,1 bilhões (ABIEC, 2008; ABIEC, 2009).

Consoante a João Alberto Dias, então presidente da Associação dos Frigoríficos do Estado de

Mato Grosso do Sul, enquanto os pequenos e médios frigoríficos somente foram desonerados do

PIS/COFINS, os grandes, além da desoneração, receberiam "um prêmio que não tem a mesma escala

em nenhum outro lugar do mundo" (ZANATTA, 2010a, p. 1), referindo-se aos R$ 800 milhões que os

grandes frigoríficos embolsariam de ressarcimento. "É mais um subsídio com outro mecanismo além do

BNDES. Isso deixa o grande ainda maior [...] O pequeno continua sendo esmagado" (ZANATTA,

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2010a, p. 1), finalizou Dias. A ABIEC, por seu turno, defendeu a medida tomada pela Receita Federal

(ZANATTA, 2010a).

Com todo o aporte do governo federal aos grandes frigoríficos e a complicada situação das

pequenas e médias empresas do setor, o então presidente Lula passou a cobrar do então ministro da

Agricultura, Wagner Rossi, e do então ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior,

Miguel Jorge, "maneiras 'criativas' para ampliar a exportação brasileira de carne bovina" (VALOR

ECONÔMICO, 2010f). Coincidência ou não, em setembro de 2010 a ABRAFRIGO assinou, com a

Associação Nacional da Carne, da Rússia, um acordo de cooperação prevendo a ampliação do leque de

empresas de origem brasileira fornecedoras de carne bovina àquele país. Segundo o Valor Econômico

(2010g, p. 1), o acordo "acontece num momento em que a Rússia busca diversificar fornecedores e

amenizar os efeitos da consolidação [leia-se concentração] no setor de frigoríficos no Brasil".

Acreditamos que os pequenos e médios frigoríficos passaram a buscar o acesso a

mercados externos como um meio de superar a crise que viviam no mercado interno, uma vez

que suas tentativas de obter recursos do governo federal vinham enfrentando sérios obstáculos.

Além disso, essa ação era compatível com os objetivos do governo de retomar as exportações

de carne bovina a partir do Brasil. Desse modo, consideramos que os pequenos e médios

frigoríficos se comportaram como burguesia interna.

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4. Considerações Finais

No Capítulo 1 vimos que os grandes pecuaristas apresentaram, ao longo dos Governos Lula,

uma maior afinidade política com partidos do campo conservador, de orientação neoliberal

ortodoxa, atuando, portanto, em grande medida, como oposição aos governos

neodesenvolvimentistas, apesar de alguns apoios políticos importantes a eles em determinadas

ocasiões, com destaque àqueles voltados a funcionários do alto escalão do Ministério da

Agricultura e ao governo federal durante a "Crise do Mensalão".

Tal postura oscilante diferenciou os grandes pecuaristas de outros setores da grande

burguesia interna que, durante o período 2003 a 2010, manifestaram um apoio muito mais

consistente aos governos petistas, como foi o caso dos usineiros paulistas.

O que explica esse comportamento titubeante por parte dos grandes pecuaristas parece

ser a discordância que eles sustentaram com esses governos no que diz respeito, principalmente,

às suas políticas de ordem e ambiental: preferiam a abordagem mais repressiva e conservadora

dos partidos neoliberais ortodoxos a esse respeito.

Sobre essas questões, Boito Jr. (2012b, p. 97-98) resumiu bem a conduta dos grandes

proprietários de terra (o que engloba os grandes pecuaristas) ao longo do período em questão:

Os [grandes] proprietários de terra temem a ação do MST e o Governo Lula

é, no entendimento deles, complacente com esse movimento social; os

grandes proprietários de terras desejam rever o Código Florestal, de modo a

aumentar a área agricultável do país, mas o Governo Lula, no entendimento

deles, cria dificuldades também nessa área; os grandes proprietários também

hostilizam o Governo Lula pela sua política de concessão de terras aos povos

indígenas e às populações remanescentes de quilombos.

Além disso, cabe lembrar que o fortalecimento econômico e político dos grandes

frigoríficos também pesou significativamente para a construção dos posicionamentos

oposicionistas dos grandes pecuaristas.

No entanto, esses mesmos grandes pecuaristas não dispensaram diversas políticas de

cunho neodesenvolvimentistas oferecidas a eles pelos Governos Lula, tais como os créditos a

taxas de juros favorecidas; os seguros à produção rural; as políticas anticíclicas em períodos de

crise econômica; a política externa de enfrentamento moderado à política agrícola das

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formações sociais imperialistas; e o fortalecimento do mercado interno por meio de políticas

estatais como o Bolsa Família e o crescimento do salário mínimo real. Dessa forma,

demonstraram também como o discurso neoliberal que proferem ao pautarem, por exemplo, a

diminuição da carga tributária sobre seu setor não passa, na prática, de um falatório ideológico

em que vale a máxima: "para nós, proteção estatal; aos trabalhadores, "Estado Mínimo"! – a

não ser que as políticas voltadas aos trabalhadores também nos beneficiem".

Foram essas contradições que os fizeram pender, ao longo de todo o período, do apoio

à oposição e da oposição ao apoio aos Governos Lula. Porém, como as questões relacionadas

sobretudo à manutenção da propriedade da terra e ao meio ambiente pesaram mais em suas

avaliações, a postura de oposição a esses governos foi a que predominou.

Os grandes frigoríficos, por sua vez, foram muito beneficiados pela política estatal ao

longo do período 2003 a 2010, uma vez que todos os seus interesses essenciais foram atendidos:

em primeiro lugar, os créditos favorecidos ou subsidiados, provenientes de instituições públicas

(como Caixa Econômica Federal, fundos de pensão de empresas estatais e, especialmente,

BNDES), garantiram o crescimento exponencial das principais empresas do setor, com destaque

à JBS e à Marfrig. Sem dúvida, o crédito oferecido pelo governo aos grandes frigoríficos foi a

medida estatal que mais impactou, como um todo, a cadeia produtiva de carne bovina no Brasil

– em favor dos grandes frigoríficos e em prejuízo dos demais elos e subsetores da cadeia.

Em segundo lugar, a política externa de manutenção e abertura de mercados externos

assegurou tanto o escoamento da carne bovina produzida no Brasil quanto a posição de destaque

dos grandes frigoríficos de origem brasileira no mercado internacional. A JBS, por exemplo,

tornou-se não só a maior produtora de mercadorias à base de proteína animal do mundo, como

também a maior exportadora.

Cabe ressaltar que nem essa política de crédito, nem essa política externa eram

praticadas pelos governos neoliberais ortodoxos de Collor, Itamar e FHC: os empréstimos

estatais massivos a empresas do setor frigorífico passaram a ser realizados somente a partir de

2005, ou seja, já no primeiro Governo Lula; e o Estado brasileiro, de uma postura de

subordinação passiva às formações sociais imperialistas na década de 1990, passou a apresentar

um comportamento de subordinação conflitiva frente a elas nos anos 2000 (BERRINGER,

2014). No caso da carne bovina, isso significou que o Estado brasileiro buscou diversificar seus

parceiros comerciais para além dos Estados Unidos e dos países europeus, ainda que essa

postura contrariasse interesses táticos dos Estados imperialistas, tal como ocorreu quando o

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Brasil decidiu manter suas relações comerciais com o Irã.

Tais transformações na atuação do Estado brasileiro nos indicaram duas coisas no que

diz respeito aos grandes frigoríficos sob os Governos Lula: eles de fato ascenderam no interior

do bloco no poder; e eles se comportaram como burguesia interna.

Também vale a pena considerar que as políticas estatais que não atenderam aos

interesses desses grandes frigoríficos tampouco os impediram de continuar se expandindo. A

título de exemplo, poderíamos citar a manutenção do real valorizado frente ao dólar, medida

vista como importante pelo governo federal para manter o controle sobre a inflação, apesar de

desincentivar as exportações; e a insuficiência de investimentos estatais em sanidade animal.

Em ambos os casos, o acesso dos grandes frigoríficos a mercados externos a partir do Brasil foi

dificultado; porém, as exportações brasileiras de carne bovina, em geral, continuaram

crescendo.

Além disso, devido ao processo de internacionalização por qual passaram os grandes

frigoríficos de origem brasileira – o que somente foi possível graças aos subsídios

governamentais que receberam –, esses frigoríficos se tornaram capazes de continuar

exportando a partir de outras formações sociais. De qualquer modo, quando a tendência de

crescimento das exportações de carne bovina a partir do Brasil foi interrompida, em decorrência

da crise econômica mundial de 2008, o Governo Lula pôs em prática um conjunto de políticas

anticíclicas que aqueceram o mercado interno e, consequentemente, sustentaram o escoamento

da produção dos grandes frigoríficos.

Já a postura de burguesia interna dessas grandes empresas pôde ser apreendida em

diversas ocasiões, tais como: quando surgiram possibilidades de acordos de livre comércio

envolvendo o Brasil e formações sociais imperialistas, com destaque às negociações entre

MERCOSUL e União Europeia e à Rodada Doha da OMC; quando os irlandeses e os ingleses

lideraram uma campanha contra a carne bovina produzida no Brasil, com o intuito de impedir

o acesso do produto aos mercados da União Europeia; e quando o GREENPEACE denunciou

os elos da cadeia produtiva de carne bovina no Brasil de se envolverem em diversas práticas

ilegais. Em todos esses casos, o Estado brasileiro buscou agir de modo a garantir o acesso das

mercadorias provenientes do Brasil nos mercados externos, em benefício dos grandes

frigoríficos de origem brasileira.

Por fim, os pequenos e médios frigoríficos não tiveram seus interesses atendidos pela

política estatal ao longo dos Governos Lula. Os subsídios do governo federal a um punhado de

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grandes frigoríficos forçaram as pequenas e médias empresas do setor a reduzirem a sua atuação

política à luta por sua própria sobrevivência.

E é certo que os pequenos e médios frigoríficos tentaram resistir de todas as formas

possíveis: denunciaram as desigualdades tributárias e creditícias no setor, ambas em favor dos

grandes frigoríficos; apoiaram a permanência de Roberto Rodrigues à frente do Ministério da

Agricultura, uma vez que o então ministro se empenhava contra a concentração no setor

frigorífico; relacionaram-se de maneira pragmática com os pecuaristas, ora somando suas

forças às deles para combater inimigos políticos em comum, ora neles descontando pressões

advindas de outros elos da cadeia produtiva; buscaram acordos comerciais com a Rússia a fim

de concorrer com os grandes frigoríficos também no mercado externo; e resistiram às pressões

do grande varejo e de ONG's internacionais no que diz respeito à proteção ao meio ambiente.

Essas duas últimas ações, aliás, indicam-nos que os pequenos e médios frigoríficos

apresentaram uma postura de burguesia interna no período 2003 a 2010.

Infelizmente para eles, mesmo as políticas estatais que pareciam beneficiá-los acabaram

por enfraquecê-los frente aos grandes frigoríficos. Tal foi o caso da isenção do PIS/COFINS, a

qual, na prática, significou mais injeção de crédito às grandes empresas do setor. Além disso,

dos R$ 10 bilhões que o governo federal prometeu a eles em seu socorro, em meio a crise

econômica mundial que eclodiu em 2008, pelo menos R$ 3,2 bilhões terminaram nas mãos de

grandes frigoríficos.

Enfim, esta dissertação pretendeu analisar tanto a organização quanto os

posicionamentos políticos dos principais elos e subsetores da cadeia produtiva de carne bovina

no Brasil ao longo dos Governos Lula, seja em relação às políticas estatais, seja no que toca às

disputas intraburguesas. Os dados por nós levantados e aqui analisados apontam que os

Governos Lula beneficiaram, em primeiro lugar, aos grandes frigoríficos, e, em segundo, aos

grandes pecuaristas, enquanto os pequenos e médios frigoríficos foram, de um modo geral,

marginalizados pelas políticas do Estado. Tais diferenças no tratamento do governo federal para

com eles ocorreu a despeito de todos haverem se comportado como burguesia interna na década

de 2000. Essa mesma postura frente ao capital internacional, no entanto, não os impediu de

travarem diversas disputas entre si, principalmente no que se referiu às políticas econômica e

externa dos Governos Lula.

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