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Universidade Estadual de Campinas
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
THIAGO NOGUEIRA CYRINO
A CADEIA PRODUTIVA DA CARNE E A POLÍTICA
NEODESENVOLVIMENTISTA DOS GOVERNOS LULA (2003-2010)
CAMPINAS
2017
THIAGO NOGUEIRA CYRINO
A CADEIA PRODUTIVA DA CARNE E A POLÍTICA
NEODESENVOLVIMENTISTA DOS GOVERNOS LULA (2003-2010)
Dissertação apresentada ao Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas da
Universidade Estadual de Campinas como
parte dos requisitos exigidos para a
obtenção do título de Mestre em Ciência
Política.
Supervisor/Orientador: Prof. Dr. Armando Boito Júnior
ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA
DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELO ALUNO THIAGO
NOGUEIRA CYRINO, E ORIENTADA PELO PROF. DR.
ARMANDO BOITO JÚNIOR.
CAMPINAS
2017
Agência(s) de fomento e nº(s) de processo(s): CNPq, 130591/2015-7
Ficha catalográfica Universidade Estadual de Campinas
Biblioteca do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
Cecília Maria Jorge Nicolau – CRB 8/3387
Cyrino, Thiago Nogueira, 1991-
C993c A cadeia produtiva da carne e a política neodesenvolvimentista dos Governos
Lula (2003-2010) / Thiago Nogueira Cyrino. – Campinas, SP: [s. n.], 2017.
Orientador: Armando Boito Júnior.
Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas.
1. Silva, Luiz Inácio Lula da, 1945-. 2. Pecuaristas. 3. Frigoríficos. 4. Brasil –
Política e governo, 2003-2010. I. Boito Júnior, Armando, 1949-. II.
Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas. III. Título.
Informações para Biblioteca Digital
Título em outro idioma: The beef production chain and the neo-developmental policy of the
Lula governments (2003-2010).
Palavras-chave em inglês:
Cattle ranchers
Cattle slaughterhouses
Brazil – Politics and government, 2003-2010
Área de concentração: Ciência Política
Titulação: Mestre em Ciência Política
Banca Examinadora:
Armando Boito Júnior [Orientador]
Wagner Pralon Mancuso
José Marcos Nayme Novelli
Data de defesa: 17-04-2017
Programa de Pós-Graduação: Ciência Política
Cyrino, Thiago Nogueira, 1991-
C993c A cadeia produtiva da carne e a política neodesenvolvimentista dos
Governos Lula (2003-2010) / Thiago Nogueira Cyrino. – Campinas, SP: [s.
n.], 2017.
Orientador: Armando Boito Júnior.
Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas.
1. Silva, Luiz Inácio Lula da, 1945-. 2. Pecuaristas. 3. Frigoríficos. 4.
Brasil – Política e governo, 2003-2010. I. Boito Júnior, Armando, 1949-. II.
Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas. III. Título.
Universidade Estadual de Campinas
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
A Comissão Julgadora dos trabalhos de Defesa de Dissertação de Mestrado, composta pelos
Professores Doutores a seguir descritos, em sessão publicada realizada em 14/04/2017,
considerou o candidato Thiago Nogueira Cyrino aprovado.
Prof. Dr. Armando Boito Júnior
Prof. Dr. Wagner Pralon Mancuso
Prof. Dr. José Marcos Nayme Novelli
A Ata de Defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de
vida acadêmica do aluno.
Resumo
Esta dissertação estuda a organização e o posicionamento políticos dos principais elos
burgueses ligados à cadeia produtiva de carne bovina no Brasil – quais sejam, os pecuaristas e
os frigoríficos –, ao longo dos Governos Lula (2003 a 2010). O foco do trabalho são,
principalmente, os conflitos políticos que esses elos empreenderam entre si, as suas demandas
políticas direcionadas ao Estado – e como este as atendeu, ou não, por meio de suas ações
políticas – e, em menor medida, a relação desses elos com forças sociais que compõem a frente
política neodesenvolvimentista.
Palavras chave: pecuaristas; frigoríficos; burguesias; cadeia produtiva de carne bovina;
Governos Lula; políticas estatais; neodesenvolvimentismo.
Abstract
This dissertation studies the organization and political positioning of the main bourgeois sectors
linked to the beef production chain in Brazil - cattle ranchers and slaughterhouses – along the
Lula governments (2003 to 2010). The focus of the work are the political conflicts that those
sectors undertaken between themselves, their political demands directed at the state – and how
the state has complied, or haven’t, with them through its political actions – and, to a lesser
extent, the relation of these sectors with social forces that compose the neo-developmental
political front.
Keywords: cattle ranchers; cattle slaughterhouses; bourgeoisies; beef production chain; Lula
governments; state policies; neo-developmentalism.
Lista de Abreviaturas
ABAG – Associação Brasileira de Agrobusiness
ABC – Associação Brasileira dos Criadores
ABCZ – Associação Brasileira dos Criadores de Zebu
ABIEC – Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne
ABRAFRIGO – Associação Brasileira de Frigoríficos
ABRAS – Associação Brasileira de Supermercados
ALCA – Área de Livre Comércio das Américas
APEX-BRASIL – Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos
BND – Base Nacional de Dados
BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica
CNA – Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil
COFINS – Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social
CONSECANA – Conselho dos Produtores de Cana-de-açúcar, Açúcar e Álcool
CONTAG – Confederação dos Trabalhadores na Agricultura
DEM – Democratas
FAPEMIG – Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais
FENAPEC – Fórum Nacional Permanente da Pecuária de Corte
FHC – Fernando Henrique Cardoso
FUNRURAL – Fundo de Apoio ao Trabalhador Rural
IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
MAPA – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
MERCOSUL – Mercado Comum do Sul
MP – Medida Provisória
MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
OMC – Organização Mundial do Comércio
ONGs – Organizações Não Governamentais
PFL – Partido da Frente Liberal
PIB – Produto Interno Bruto
PIS – Programa de Integração Social
PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PNDH-3 – Programa Nacional de Direitos Humanos, terceira versão
PP – Partido Progressista
PPS – Partido Popular Socialista
PR – Partido da República
PSD – Partido Social Democrático
PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira
PT – Partido dos Trabalhadores
PTB – Partido Trabalhista Brasileiro
PTC – Partido Trabalhista Cristão
SISBOV – Sistema Brasileiro de Identificação e Certificação de Origem Bovina e Bubalina
SRB – Sociedade Rural Brasileira
UDR – União Democrática Ruralista
Sumário 1. Introdução ..................................................................................................................................... 10
1.1. O objeto, os objetivos e as hipóteses .......................................................................................... 10
1.2. A teoria ....................................................................................................................................... 13
1.3. Neodesenvolvimentismo e bloco no poder no Brasil (2003-2010) ............................................ 21
1.4. Os métodos, as fontes e a organização da pesquisa ................................................................... 28
2. Capítulo 1: Os Pecuaristas ............................................................................................................. 30
2.1. Os grandes pecuaristas: demandas políticas e ação estatal ........................................................ 32
2.1.1. A ABC e a ABCZ ................................................................................................................ 32
2.1.2. A política econômica ........................................................................................................... 34
2.1.3. A política ambiental ............................................................................................................ 40
2.1.4. A rastreabilidade bovina ...................................................................................................... 42
2.1.5. A política externa ................................................................................................................ 51
2.1.6. Os grandes pecuaristas e as classes populares ..................................................................... 54
2.1.7. Os conflitos no interior do bloco no poder .......................................................................... 59
2.1.8. A representatividade e a participação políticas ................................................................... 66
2.2. Breve nota sobre os pequenos e os médios pecuaristas: a ausência de organização em âmbito
nacional como fraqueza política ........................................................................................................ 81
3. Capítulo 2: Os Frigoríficos ................................................................................................................ 84
3.1. Os grandes frigoríficos: demandas políticas e ação estatal ........................................................ 86
3.1.1. A ABIEC ............................................................................................................................. 86
3.1.1.1. A postura de burguesia interna ..................................................................................... 87
3.1.1.1.1. Os grandes frigoríficos, os Governos Lula e o Irã................................................. 94
3.1.1.2. A conjuntura e as políticas econômicas dos Governos Lula ........................................ 97
3.2. Os pequenos e médios frigoríficos: demandas políticas e ação estatal ...................................... 99
3.2.1. A ABRAFRIGO .................................................................................................................. 99
4. Considerações Finais ....................................................................................................................... 107
5. Referências ...................................................................................................................................... 111
5.1. Teses, projetos, artigos acadêmicos, livros e capítulos ............................................................ 111
5.2. Jornais, revistas, anuários e artigos jornalísticos ...................................................................... 113
10
1. Introdução
1.1. O objeto, os objetivos e as hipóteses
O objeto de estudo desta dissertação é a organização e o posicionamento políticos dos principais
elos ou subsistemas burgueses ligados à cadeia produtiva de carne bovina no Brasil – quais
sejam, os pecuaristas e os frigoríficos –, ao longo dos Governos Lula, cujo primeiro mandato
se deu entre os anos de 2003 a 2006 e, o segundo, entre 2007 a 2010.
O foco do trabalho são, principalmente, os conflitos que esses elos empreenderam entre
si no interior do bloco no poder, as suas demandas políticas direcionadas ao Estado – e como
este as atendeu, ou não, por meio de suas ações políticas – e, em menor medida, a relação desses
subsistemas com forças sociais que compõem a frente política neodesenvolvimentista.
A escolha de tal objeto justifica-se pelo fato de terem ocorrido, no decorrer dos
Governos Lula, importantes transformações no interior do bloco no poder no Brasil. Contudo,
permanece a lacuna de estudos que analisam em detalhe a organização e a atuação políticas dos
setores que sofreram e precipitaram tais mudanças, falha essa que vem sendo superada, por
exemplo, pelos participantes do projeto temático Política e Classes Sociais no Capitalismo
Neoliberal, coordenado por Boito Jr. (2015).
De qualquer modo, os principais elos burgueses vinculados à cadeia produtiva de carne
bovina no Brasil, as suas relações políticas com o Estado e com outras forças sociais não foram
analisados em profundidade até o presente momento. Na realidade, são poucos os estudos que
têm como tema, na área de Ciência Política, essa cadeia produtiva: os mais comuns, apesar de
pouco numerosos, tratam de assuntos como a atuação da “bancada do boi” no Congresso
Nacional, dentre outros, os quais, embora relacionados à esta dissertação, apresentam focos
consideravelmente diferentes.
Em contrapartida, em áreas de conhecimento como a Economia e a Agronomia a cadeia
produtiva em questão é vastamente estudada. Alguns poucos exemplos são os trabalhos de
Golani e Moita (2010), Zucchi e Caixeta-Filho (2010), Pigatto et. al (2006), Santos et. al (2013),
11
DE ZEN et. al (2008) e Tirado et. al (2008), os quais foram estudados no decorrer da realização
desta pesquisa.
Isto posto, o objetivo geral deste trabalho é auxiliar a comprovação empírica das
referidas transformações no interior do bloco no poder, no Brasil, ao longo dos Governos Lula.
Dessa forma, também esperamos contribuir ao debate que gira em torno de diversas questões
relacionadas aos governos petistas, no qual podemos incluir autores como Leda Paulani, Luiz
Filgueiras, Reinaldo Gonçalves, dentre outros, que, em maior ou menor medida, consideraram
que houve mais continuidade do que mudanças na passagem dos Governos Fernando Henrique
Cardoso (FHC) para os Governos Lula; como Emir Sader, que enfatiza, no decorrer do período
2003 a 2010, a luta entre os projetos políticos neoliberal e neodesenvolvimentista, estando estes,
porém, em sua análise, desvinculados dos conflitos de classes; como Valério Arcary, que, ao
invés de conceber os fracionamentos das classes dominantes, compreendeu os governos petistas
como governos da burguesia em seu conjunto; contrariamente, para Valter Pomar, esses mesmos
governos representariam os trabalhadores, sendo combatidos pelas “elites” (BOITO JR., 2016);
como Francisco de Oliveira (2006; 2007; 2009), com sua tese de nova classe dominante, na
qual ressaltou o controle dos fundos de pensão por parte de sindicalistas; como Carlos Nelson
Coutinho (2010), que, a partir de uma ótica gramsciniana, falou em uma “hegemonia da
pequena política”, referindo-se à manutenção do neoliberalismo no Brasil sob os governos do
PT; como André Singer (2009), que interpretou os Governos Lula como um árbitro, apoiado
pelo “subproletariado”, a duas coalizações contrapostas, por ele denominadas de “rentista” e
“produtivista”: enquanto a primeira seria formada pelo capital financeiro e a classe média
tradicional, a segunda contaria com “empresários industriais associados à fração organizada da
classe trabalhadora” (SINGER, 2015, p. 58); e, finalmente, como Armando Boito Jr. (2012a),
que defendeu tratarem-se de governos voltados sobretudo aos interesses do que ele chama de
grande burguesia interna, a qual apoiou-se politicamente numa frente política de caráter
neodesenvolvimentista. É nesta última tese, aliás, que esta dissertação se baseia, buscando testá-
la no caso da cadeia produtiva de carne bovina, tese essa que se diferencia das demais, grosso
modo e de uma maneira geral, por dar mais atenção, em suas análises relativas ao período em
questão, às transformações entre os Governos FHC e Lula e aos conflitos entre as classes e
frações dominantes, tanto locais quanto estrangeiras. Em outras palavras, apesar de tratar-se de
um estudo de caso, esta dissertação insere-se num debate mais amplo da literatura atual e espera
a ele contribuir.
Cabe apontar, ademais, que esta dissertação segue a tradição daquilo que poderíamos
12
denominar de Escola Poulantziana da Universidade Estadual de Campinas, ou seja, um conjunto
de autores e autoras que realizam seus trabalhos acadêmicos com base nas obras de Nicos
Poulantzas, tais como Décio Saes, Armando Boito Júnior, Renato Perissinotto (1994), Francisco
Pereira de Farias (2010), Tatiana Berringer (2014) – os quais e a qual também estudamos, a fim
de aprender sobre a aplicação, em casos concretos, de teorias e métodos marxistas,
principalmente poulantzianos –, dentre outros autores e autoras, sendo uma das principais
características de tais teorias e métodos poulantzianos a ênfase nos conflitos entre as classes e
frações dominantes.
Como objetivo específico, analisaremos a organização e o posicionamento políticos dos
setores que consideramos como os principais elos burgueses ligados à cadeia produtiva de carne
bovina no Brasil, ou seja, os pecuaristas e os frigoríficos, tendo como foco as suas atuações
políticas em relação à ação estatal e às suas disputas no interior do bloco no poder, ao longo do
período 2003 a 2010.
Consoante a Buainain e Batalha (2007), a cadeia produtiva de carne bovina no Brasil é
composta por cinco elos ou subsistemas: o de apoio, que diz respeito aos agentes
transportadores e de insumos básicos, como rações, vacinas, etc.; o de produção da matéria-
prima, isto é, os pecuaristas que criam, recriam e/ou engordam o gado bovino de corte; o de
industrialização, ou seja, os frigoríficos e matadouros que abatem os animais e/ou agregam
valor à carne; o de comercialização, que engloba os exportadores, os atacadistas, os varejistas
e as empresas de alimentação, tais como restaurantes, hotéis, hospitais, escolas, presídios, etc.;
e, finalmente, os consumidores finais.
Entretanto, nos marcos desta dissertação, optamos por estudar somente aqueles
subsistemas que se envolvem direta e prioritariamente com a produção de carne bovina; por
isso, excluímos de nossa análise os elos de apoio, de consumo e de comercialização, uma vez
que as suas metas principais não necessariamente encontram-se ligadas, especificamente, desde
uma perspectiva burguesa, à carne bovina: o subsistema de consumo, além de se referir
sobretudo às classes populares, não se organiza politicamente em nível nacional a fim de
reivindicar, por exemplo, menores preços para a carne bovina; o varejo e as empresas de
alimentação, por sua vez, não dependem, geralmente, em excesso, desse produto – com exceção
dos açougues, que não se organizam politicamente em nível nacional; e o subsistema de apoio,
finalmente, é composto por empresas que muitas vezes não tem como foco o gado de corte, mas
o gado de leite ou outros animais, no caso dos setores de insumos, e até mesmo mercadorias
completamente diferentes da carne bovina, no caso dos transportes.
13
As hipóteses essenciais levantadas nesta pesquisa são as que seguem: (1) a contradição
fundamental que atravessou os principais setores ligados à cadeia produtiva de carne bovina no
Brasil, ao longo dos Governos Lula, foi aquela que dividiu o grande capital, de um lado, e o
pequeno e o médio capitais, de outro, tendo as políticas estatais como referência; (2) os grandes
pecuaristas se comportaram, em geral, ao longo do período 2003 a 2010, como burguesia
interna, mas, apesar disso, mantiveram mais proximidade com os partidos do campo político
conservador, de orientação neoliberal ortodoxa e, desse modo, atuaram em grande medida como
oposição aos Governos Lula, embora os tenham apoiado em algumas ocasiões importantes; (3)
os pequenos e médios pecuaristas tiveram pouca ou nenhuma influência política em nível
nacional ao longo do período em questão, sendo o maior indicativo disso a sua falta de
organização política em âmbito nacional; (4) os grande frigoríficos fizeram parte tanto da frente
neodesenvolvimentista quanto da grande burguesia interna, compondo plenamente, assim, a
fração que ascendeu no interior do bloco no poder sob os governos petistas; e (5) os pequenos
e médios frigoríficos se comportaram como burguesia interna durante o período em estudo,
porém, tiveram seus interesses preteridos pela política estatal em favor do grande capital.
1.2. A teoria
Antes de darmos início à análise de nosso objeto de estudo, faz-se necessário um esclarecimento
sobre os conceitos teóricos que serão mobilizados ao longo desta dissertação, tais como bloco
no poder, fração de classe social, burguesia interna, dentre outros, os quais, cabe ressaltar, não
temos pretensão de desenvolver em nível teórico: trata-se apenas de uma exposição. De
qualquer modo, essas considerações poderão despertar a (justa) desconfiança do leitor; afinal,
em muitos trabalhos, a introdução teórica não apresenta uma forte relação com a análise
empírica. Atrevemo-nos a dizer que este não é o nosso caso. Passemos imediatamente às
considerações.
O bloco no poder é um conceito que indica o conjunto das classes e/ou frações de classe
politicamente dominantes de uma formação social capitalista, sendo composto, portanto, de um modo
geral, por classes e frações burguesas. No entanto, esse conjunto de classes e frações dominantes não é
14
coeso, ao contrário do que poderíamos deduzir à primeira vista. Na verdade, trata-se de uma união eivada
de conflitos e interesses contraditórios: daí o fracionamento das classes dominantes (POULANTZAS,
1977).
A ação política do Estado capitalista, no que toca aos interesses de classe, pode ser subdividida,
analiticamente, em: política econômica, isto é, medidas fiscais, creditícias, monetárias, cambiais, etc.;
política externa, ou seja, ações que dizem respeito fundamentalmente às relações entre Estados de
diferentes formações sociais; política social, a qual se refere às deliberações estatais dirigidas às classes
trabalhadoras quanto a temas como política salarial, previdenciária, educacional, de saúde, de
distribuição de terras, etc.; e política de ordem, que a visa a manutenção da ordem burguesa. Enquanto
as políticas econômica e externa são alvos de amplas disputas entre as classes e frações dominantes, a
política de ordem tende a ser, entre essas classes e frações, objeto de maior consenso. A política social,
por sua vez, encontra-se geralmente em situações mais complexas, uma vez que, grosso modo, envolve
ainda mais diretamente os interesses das classes populares, podendo beneficiar ou não também certas
classes ou frações dominantes, a depender da conjuntura.
Portanto, o Estado capitalista atua normalmente de modo a atender aos interesses do
bloco no poder, em prejuízo dos interesses das classes dominadas. Isso ocorre porque o Estado
capitalista, entendido ao mesmo tempo como uma condensação de relações sociais e um
aparelho – mas não um instrumento – de dominação, tem como principal função assegurar a
unidade e a coesão da formação social e, consequentemente, ele assegura também o domínio
das classes dominantes sobre as dominadas (POULANTZAS, 1977).
Além disso, no interior do bloco no poder, o Estado capitalista ainda atende, em geral e
prioritariamente, aos interesses da classe ou fração dominante que é hegemônica, isto é, a classe
ou fração "que polariza politicamente os interesses das outras classes ou frações que dele fazem
parte" (POULANTZAS, 1977, p. 293-294, grifo na obra original).
Contudo, apesar de o Estado capitalista atender aos interesses da classe ou fração
hegemônica, em primeiro lugar, do conjunto do bloco no poder, em segundo, e das demais
forças sociais presentes em seu território – o que inclui também as classes dominadas –, em
último, essa resposta estatal às demandas sociais não ocorre de maneira mecânica ou
instrumental, uma vez que o Estado capitalista conta com uma autonomia relativa ao conjunto
das forças sociais (POULANTZAS, 1977).
Por sua vez, o fracionamento das classes dominantes de uma formação social é, via de
regra, complexo e mutável ao longo do tempo. Porém, de forma analítica e didática, podem-se
distinguir três linhas gerais de fracionamento, que em análises da realidade concreta
15
provavelmente não aparecerão de maneira "pura", mas sim entrelaçadas: (1) o fracionamento
que tem como base a esfera econômica, no qual as frações burguesas se dividem entre burguesia
industrial, comercial e bancária; (2) o fracionamento que depende da relação das classes
dominantes locais com o capital estrangeiro, caracterizando a burguesia como nacional, interna
ou compradora; e (3) o fracionamento que separa a burguesia em monopolista ou não-
monopolista (POULANTZAS, 1974).
No que diz respeito ao primeiro tipo desse sistema de fracionamento, é interessante notar
que, para Poulantzas (1977), a simples existência econômica de uma classe ou fração não a
projeta como uma força social, ou seja, como uma classe ou fração politicamente distinta e
autônoma. Para tanto, faz-se necessário que sua presença econômica se reflita nos planos
político e ideológico via uma presença específica, isto é, por aquilo o autor denomina de "efeitos
pertinentes". O problema é que Poulantzas não se aprofundou suficientemente no que seriam
esses "efeitos pertinentes". E não será esta dissertação a solucionar esta questão.
De qualquer modo, Saes (2001) descobriu uma maneira de verificar a preponderância
política, ou a hegemonia, de uma classe ou fração dominante sobre as demais: via a análise do
impacto da política econômica do Estado sobre o bloco no poder. Para os fins desta dissertação,
seria interessante acrescentar que, além da política econômica do Estado, a política social, a
política externa e a política de ordem também serão consideradas como fatores determinantes.
Ou seja, ao invés de considerarmos somente a política econômica, tomaremos em conta essas
quatro esferas (econômica, social, externa e de ordem) da ação estatal – no que concerne a
cadeia produtiva de carne bovina no Brasil ao longo dos Governos Lula. Portanto, as classes e
frações de classes só podem atuar como forças sociais quando elas, umas em relação às outras,
aglutinam-se e/ou organizam-se para rejeitar ou defender determinadas políticas estatais.
Vale a pena levarmos em conta também a existência de grupos multifuncionais, isto é,
conglomerados econômicos que atuam, ao mesmo tempo, em mais de uma esfera do capital
(indústria, comércio, banco). Segundo Farias (2009, p. 83), "esse fenômeno não anula a
existência das frações, uma vez que tais conglomerados tendem a sofrer o recorte dos interesses
setoriais, em razão do impacto das políticas do Estado no seio deles". Em outras palavras, o
mais provável é que uma dessas dimensões prevaleça no interior do grupo multifuncional,
aquela que, por exemplo, resulte em mais lucros para o conglomerado.
Ainda sobre o critério das funções do capital, faz-se necessário a consideração de outros
dois pontos: a burguesia agrária e o capital financeiro.
16
Para Poulantzas (1977), pode acontecer de o bloco no poder de determinada formação
social capitalista não ser composto apenas por frações de classe burguesas. Essa possibilidade
existe porque, em seu entendimento, diferentes modos de produção podem conviver numa
mesma formação social, ainda que um deles, geralmente, predomine sobre os demais. Assim,
pode ocorrer, por exemplo, a existência de proprietários fundiários que, embora se encontrem
numa sociedade predominantemente capitalista, mantêm em suas fazendas relações de trabalho
de tipo pré-capitalista (servis ou escravistas, por exemplo). Nesses casos, esses proprietários
são considerados como uma classe à parte à burguesia, ainda que componham o bloco no poder
daquela formação social. No entanto, quando esses mesmos proprietários passam a incorporar,
em suas fazendas, técnicas propriamente capitalistas, surge a questão conceitual de como
caracterizá-los: ainda como uma classe à parte à burguesia, ou como uma fração burguesa? De
um lado, Rey (1976) acredita que os proprietários fundiários capitalizados continuam sendo
uma classe à parte, embora vinculada ao capitalismo, dado que a renda capitalista da terra
(arrendamento) seria um efeito de uma relação de tipo pré-capitalista. Por outro lado, Farias
(2009) interpreta a renda absoluta da terra como um lucro comercial, incluindo o arrendatário
como parte da burguesia comercial, enquanto que o proprietário rural que utiliza trabalho
assalariado poderia ser considerado como um burguês industrial. Assim, a burguesia agrária
seria aquela que utiliza aspectos comerciais ou industriais em sua produção, transformando-se
em multifuncional com a combinação dos dois. Ademais, a fim de conceitualizar a burguesia
agrária como uma classe ou fração de classe, Farias (2009, p. 87, grifo na obra original)
considera aspectos de ordem política e ideológica, dando como exemplo o caso brasileiro:
No Brasil recente, com a transformação da propriedade fundiária e a formação
de uma burguesia agrária, observa-se o surgimento de uma nova ideologia no
campo, que insere totalmente o mundo rural no universo capitalista, com a
substituição da mentalidade coronelista (semifeudal) pelo conservadorismo
burguês, o clientelismo. Dessa forma, torna-se plausível a assertiva de que a
bancada ruralista que se manifesta atualmente no Congresso Nacional já não
possui parentesco político-ideológico com os históricos coronéis.
Dentro dos marcos desta dissertação, utilizaremos a concepção de burguesia agrária defendida
por Farias.
Quanto ao capital financeiro, ele deve ser entendido como a fusão entre o capital
bancário e o capital industrial. Com a reunião dos capitais, as contradições próprias entre eles,
ao invés de serem abolidas, passam a se reproduzir sob uma nova forma no seio do capital
financeiro. Por isso, pode ocorrer tanto o capital monopolista dominante industrial, resultado
da concentração do capital industrial sobre o bancário; quanto o capital monopolista dominante
17
bancário: grandes bancos que também atuam na esfera produtiva (POULANTZAS, 1974).
No que toca ao segundo tipo do sistema de fracionamento – aquele que mantém uma
separação entre capitais locais e estrangeiros e classifica as burguesias como nacional, interna
e compradora –, seria interessante elucidar certos pontos. Em primeiro lugar, entendemos que
a chamada "globalização" é melhor compreendida como uma mundialização do capital
(CHESNAIS, 1996), isto é, ao invés da ideia liberal pouco precisa de globalização, que indica
uma tendência a condições de maior igualdade econômica, política e cultural no sistema
internacional, acreditamos que o processo que vivenciamos atualmente é, na verdade, um
aprofundamento das desigualdades sociais em nível mundial e o aumento do poder do capital
sobre as classes dominadas.
Em segundo lugar, defendemos que a atual mundialização do capital não abala e não
suprime os Estados nacionais, num sentido de uma integração pacífica dos capitais, como
pretendem os teóricos liberais da globalização. De qualquer modo, essa mundialização afeta
profundamente as formas institucionais e as políticas desses Estados, pois ela significa a
interiorização de capitais estrangeiros no seio das diferentes formações sociais. Assim, a ação
política dos Estados nacionais é influenciada pelos interesses dos capitais estrangeiros – o que
é particularmente importante e notório nos Estados dependentes – em suas disputas com as
burguesias locais, nas quais existem contradições importantes. Entretanto, como a relação do
capital estrangeiro com o capital local não é meramente externa, a influência daquele atravessa
as diversas frações do capital local, o que explica, precisamente, parte da desarticulação deste.
Em outras palavras, o Estado Nacional, em seu papel de organizador da hegemonia, atua num
campo já atravessado pelas contradições interimperialistas, estando internacionalizadas as
contradições entre as classes e frações dominantes locais (POULANTZAS, 1974).
E, em terceiro lugar, esse capital que se mundializa nada mais é do que uma relação
social e, portanto, uma relação de dominação. Assim, ainda que na atual fase do capitalismo a
proveniência dos capitais seja complexa e difusa, é possível, em geral, localizar sua base
dominante (POULANTZAS, 1974).
Dito isso, entendemos por burguesia nacional a fração autóctone burguesa que detém
uma capacidade produtiva própria e é suscetível, em grande medida, a se opor aos interesses de
capitais estrangeiros, sendo, assim, relativamente autônoma. Em certas conjunturas de luta por
libertação nacional, ela pode adotar posições anti-imperialistas e ser considerada como parte do
"povo", pois é passível de realizar alianças com as classes dominadas (POULANTZAS, 1974).
18
Contrariamente, a burguesia compradora é a fração burguesa que não tem uma
capacidade produtiva própria e atua como simples intermediária dos capitais estrangeiros em
sua formação social, estando, portanto, do triplo ponto de vista político, ideológico e
econômico, completamente imbricada aos interesses imperialistas (POULANTZAS, 1974). De
modo geral, a burguesia comercial – especialmente a dos setores de exportação e importação
de mercadorias – e a burguesia bancária – principalmente os bancos baseados em capitais
estrangeiros – são as frações que possuem maior inclinação a se comportarem como burguesia
compradora. Já a burguesia industrial, particularmente aquela voltada ao mercado interno, não
apresenta propensão a agir como burguesia compradora, uma vez que seus interesses
necessariamente se chocam com os interesses do capital industrial estrangeiro; a exceção são
justamente os ramos industriais dependentes desse capital (FARIAS, 2009).
Por sua vez, a burguesia interna é a fração burguesa que, apesar de dispor de uma
capacidade produtiva própria, é, ao mesmo tempo, dependente tecnológica e financeiramente
do capital estrangeiro. Por essa razão, essa fração assume uma postura ambígua frente a esse
capital: ora o apoia, ora a ele se opõe. Em outras palavras, a burguesia interna não possui as
mesmas condições estruturais de uma burguesia nacional, convivendo, no interior da formação
social, com setores propriamente compradores. Cabe considerar que não está excluída a
possibilidade das burguesias comercial e bancária se comportarem como burguesia interna,
oferecendo resistência à penetração de capitais estrangeiros em sua formação social. Farias
(FARIAS, 2009, p. 88) utiliza como exemplo a postura de burguesia interna que o capital
bancário local assumiu no Brasil da década de 1990:
por um lado, [a burguesia bancária] tem atritos com o imperialismo (tentou
opor-se à entrada de bancos estrangeiros), mas, por outro, vota em um
candidato a presidente do país [Fernando Henrique Cardoso (FHC)] que não
se opõe a uma política mais geral de liberalização. Ou seja, posiciona-se
contrariamente à penetração de banco estrangeiro no Brasil, mas não se
contrapõe à vinda de indústrias. Assim, tem esse capital brasileiro um
comportamento de conflito, em alguns aspectos, e ao mesmo tempo de
acomodação, em outros, sendo, pois, marcado pela ambigüidade.
Além disso, é relevante destacar que a burguesia interna não se dedica somente ao
mercado interno, atuando simplesmente de modo reativo às tentativas do capital estrangeiro em
adentrar nesse mercado. Pelo contrário, a burguesia interna busca a exportação tanto de
mercadorias quanto de capitais (POULANTZAS, 1974).
Outro aspecto interessante que se refere ao comportamento da burguesia interna é a sua
19
reação às diferentes formas de presença do capital estrangeiro na formação social: o capital
estrangeiro associado ao local (joint venture); o capital estrangeiro internalizado (atua através
de filiais, enviando remessas de lucro à matriz); e o capital estrangeiro totalmente externo,
embora com interesses locais (ação interna/externa). A resistência e acomodação da burguesia
interna em relação a essas três situações pode variar, a depender da conjuntura (FARIAS, 2009).
Enfim, de maneira geral, o que se apreende dos conceitos de burguesia nacional,
compradora e interna é que a desigualdade social que prevalece entre as formações sociais e em
seus interiores deve ser compreendida com base na articulação de fatores internos e externos
(FARIAS, 2009).
O último critério do sistema de fracionamento que mencionamos é aquele que divide a
burguesia em monopolista e não-monopolista. O que diferencia uma da outra é que o capital
monopolista apresenta uma composição orgânica do capital sensivelmente mais elevada, o que
por sua vez conduz a uma maior exploração intensiva do trabalho (muito trabalho morto
empregado, em comparação com o trabalho vivo); além de uma atuação em mais ramos da
produção social e de uma mais alta capacidade de autofinanciamento. Portanto, a
conceitualização do monopólio ou do não-monopólio não deve ser meramente técnica (tamanho
da empresa, número de trabalhadores empregados etc.) ou relativa ao mercado (única empresa
presente no mercado ou não), uma vez que os limites entre eles são variáveis e relativos:
dependem da fase do capitalismo e de suas formas concretas em uma formação social
(POULANTZAS, 1974).
Vale notar que a presença do capital não-monopolista sob a fase do capitalismo
monopolista é absolutamente compatível: porque ele é útil, em diversos sentidos, ao capital
monopolista. Por exemplo, o capital não-monopolista pode atuar em ramos ou atividades pouco
rentáveis, nas quais o capital monopolista não possui interesse imediato, podendo este inclusive
decidir o melhor momento para sua extensão; além disso, o capital monopolista pode dominar
o capital não-monopolista, numa relação de dependência comercial, tecnológica e/ou
financeira, sem necessariamente adquiri-lo formalmente (POULANTZAS, 1974).
Devemos ainda considerar que, embora normalmente o capital não-monopolista seja útil
ao capital monopolista, a persistência daquele, em certos casos, ocorre graças ao fato de que o
capitalismo competitivo se reproduz constantemente sob a dominação do capitalismo
monopolista: "assiste-se a um processo de ressurgência constante e 'espontânea' de novos
capitais não-monopolistas, paralelamente à dissolução permanente dos antigos. Trata-se de dois
20
estádios – capitalismo competitivo, capitalismo monopolista – de um mesmo modo de produção
– capitalista" (POULANTZAS, 1974, p. 154, grifos na obra original), reproduzindo-se
dialeticamente, ao mesmo tempo, numa mesma formação social.
Assim, as formas e os ritmos concretos dos processos de concentração e centralização do capital,
que caracterizam a tendência ao monopólio, dependem estritamente da luta classes em determinada
conjuntura de uma formação social, inclusive no que diz respeito à resistência do capital não-
monopolista frente ao monopolista. Nesse sentido, poderia-se dizer, por exemplo, que a elevação das
massas trabalhadoras predispõe o fortalecimento da união das frações burguesas frente a elas, enquanto
que o seu retraimento aguça as lutas entre as frações do capital. Em conjunturas de elevação das massas,
a partir da perspectiva do capital não-monopolista, destaca-se a dependência deste frente ao capital
monopolista; sob a perspectiva do capital monopolista, ressalta-se o capital não-monopolista como
“zona de segurança” do capital monopolista (POULANTZAS, 1974).
Além disso, é importante notar que o capital não-monopolista é parte da classe dominante, ou
seja, compõe o bloco no poder, apesar de muitas vezes não se constituir em força social autônoma, dada
a sua dependência frente ao capital monopolista. Deste modo, o capital não-monopolista se diferencia
da pequena-burguesia que, por não explorar principalmente o trabalho assalariado, encontra-se do outro
lado da barreira de classe – o lado das classes dominadas. É a pequena-burguesia, aliás, que mais sofre
com o processo de dissolução, próprio à atual fase do capitalismo monopolista, sendo em grande medida
precipitada à pauperização e ao assalariamento (POULANTZAS, 1974).
No que se refere ao capital monopolista, e pelo que afirmamos até aqui, cabe ressaltar que ele,
em muitas ocasiões, confunde-se com o capital financeiro e, portanto, também é atravessado por
interesses contraditórios diversos.
Nos marcos desta dissertação, o capital monopolista será denominado, de forma
descritiva, grande capital, enquanto que o capital não-monopolista englobará tanto o médio
capital quanto o pequeno capital – este último não se confundindo com a pequena burguesia.
Enfim, considerada a grande diversidade de rumos que as políticas estatais podem
tomar, além dos diferentes interesses das classes e frações dominantes, torna-se claro que o
sistema de fracionamento pode apresentar muitos formatos, a depender das estruturas e da
conjuntura da formação social: ora a grande burguesia industrial entra em conflito com a grande
burguesia bancária, ora elas se juntam em seu interesse contra o capital estrangeiro; ora o
pequeno capital comercial diverge do grande capital comercial, ora eles se juntam para enfrentar
o poder do capital financeiro, e assim por diante.
21
1.3. Neodesenvolvimentismo e bloco no poder no Brasil (2003-2010)
Passemos agora à apresentação da tese de Boito Jr. (2012a), a qual aponta os Governos Lula
como governos dirigidos pelos interesses da grande burguesia interna, estando esta apoiada
numa frente política neodesenvolvimentista. Como dissemos, é nesta tese em que esta
dissertação se apoia, buscando colocar à prova, a partir do caso da carne bovina, as explicações
gerais existentes sobre as relações das classes e frações dominantes com as políticas do Estado
brasileiro ao longo do período 2003 a 2010. Mais uma vez, cabe salientar que se trata de uma
exposição, não havendo, portanto, pretensões de desenvolver a referida tese.
De acordo com Boito Jr. (2012a, p. 1), “o capitalismo no Brasil tem dependido muito,
para se desenvolver, de algum tipo de participação política das classes populares”, fato que,
segundo o autor, decorre da inserção tardia e dependente da economia, da sociedade e do Estado
brasileiros no capitalismo mundial, o que lhes conferiu características estruturais e dinâmicas
próprias. Grosso modo e de maneira muito sucinta, para que não nos estendamos muito, foi isso
o que se verificou em momentos importantes da história brasileira, tais como 1888/98 e 1930.
Além disso, foi no período entre 1930 e 1980, para utilizarmos a periodização consagrada pela
literatura, que o processo de modernização capitalista mais avançou no Brasil, justamente,
também grosso modo, por apoiar-se na pressão e na luta reivindicativa dos movimentos
operários e populares. As décadas de 1980 e 1990, em compensação, foram marcadas pela
alternância entre estagnação e baixo crescimento econômico, época na qual a grande burguesia
se encontrava, no Brasil, pressionada por capitais estrangeiros, pela abertura de seu mercado e
isolada em relação às classes populares (BOITO JR., 2012a).
Foi somente a partir da década de 2000, com a ascensão à Presidência da República de
candidatos oriundos dos Partidos dos Trabalhadores (PT), que o capitalismo no Brasil voltou a
apresentar taxas de crescimento econômico um pouco mais elevadas, sobretudo se comparadas
às duas últimas décadas do século XX. Mais uma vez, acreditamos que foi a intervenção política
dos trabalhadores no processo político brasileiro que possibilitou este novo impulso ao
capitalismo no país. Desta vez, porém, não presenciamos algo tão importante quanto, por
exemplo, a quebra da duradoura hegemonia do grande capital cafeeiro, como ocorreu em 1930.
Contudo, “até para que os governos Lula da Silva e Dilma Rousseff pudessem, de modo tímido
22
e ziguezagueante, superar a estagnação que predominou na década de 1990, até para isso
revelou-se importante a intervenção do elemento popular em nossa história política” (BOITO
JR., 2012a, p. 2-3). Tanto que foi um partido criado pelos movimentos sindical e popular, o PT,
que retomou a proposta de intervenção do Estado na economia em prol do desenvolvimento do
capitalismo no Brasil (BOITO JR., 2012a).
Segundo Boito Jr. (2012a, p. 3), formou-se no Brasil do século XXI uma ampla e
heterogênea frente política, por ele denominada neodesenvolvimentista, que atuou como base
“de sustentação da política de crescimento econômico e de transferência de renda encetadas
pelos governos Lula da Silva e Dilma Rousseff”. Tratou-se de uma situação política que, de
modo geral, apresentou semelhanças com aquela do período desenvolvimentista e populista do
período 1930-1980, resguardadas as inúmeras e muito significativas diferenças entre elas, em
termos de experiência sindical dos assalariados urbanos, integração das empresas de origem
brasileira ao capitalismo mundial, dentre outros (BOITO JR., 2012a).
A frente política neodesenvolvimentista foi representada, no plano partidário,
principalmente pelo PT. Ela reuniu, do lado burguês, a grande burguesia interna – que foi sua
força dirigente –, e, do lado popular, contou com a baixa classe média, o operariado urbano, o
campesinato e aqueles que compõem o que poderíamos chamar de "massa marginal", (BOITO
JR., 2012a), isto é, um "amplo e heterogêneo setor social que compreende desempregados,
subempregados, trabalhadores por conta própria, camponeses em situação de penúria e outros
setores" (BOITO JR.; BERRINGER, p. 31).
A frente neodesenvolvimentista enfrentou, no cenário político nacional, o campo
político conservador, de orientação neoliberal ortodoxa, que, no plano partidário, foi
representado especialmente pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), o qual,
apesar do nome, não possui nenhuma relação com a socialdemocracia europeia. Esse campo
congrega, grosso modo, o grande capital financeiro internacional, a fração da burguesia local
plenamente integrada a esse capital, a maioria dos grande proprietários de terras e a alta classe
média, seja do setor privado, seja do público (BOITO JR., 2012a).
A frente neodesenvolvimentista começou a se formar ao longo da década de 1990. Na
década de anterior, de 1980, os principais instrumentos de luta das classes populares – o PT, a
Central Única dos Trabalhadores e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST),
à época recém-criados – encontravam-se infensos a qualquer aproximação política com a
grande burguesia, devido a questões de ordem política e econômica: a força política dessas
23
organizações era grande e a inflação aguçava o conflito em torno dos salários. No início da
década de 1990, entretanto, a situação transformou-se consideravelmente: com o aumento do
desemprego devido às políticas neoliberais, os movimentos populares e sindicais entraram em
refluxo, com exceção do MST. Na segunda metade da década de 1990, um setor da grande
burguesia interna, o qual também havia apoiado, ainda que de modo seletivo, no início da
década, o programa neoliberal, esse setor foi acumulando contradições importantes com
programa neoliberal.
Foi nesse quadro marcado, de um lado, por dificuldades crescentes para o
movimento sindical e popular e, de outro lado, pelo fato de um setor da
burguesia começar a rever suas posições frente a algumas das chamadas
reformas orientadas para o mercado que se criaram as condições para a
construção de uma frente política que abarcasse setores das classes
dominantes e das classes dominadas. Essa frente, organizada,
fundamentalmente, pelo PT chegou ao poder governamental em 2003 com a
posse do primeiro Governo Lula. Não se tratava, agora, de uma frente que se
pudesse denominar populista e, ademais, tampouco o seu programa poderia
ser identificado com o programa do velho desenvolvimentismo (BOITO JR.,
2012a, p. 4-5).
Dito isso, recorremos ao termo "desenvolvimentista" pois o programa de política
econômica e social defendido pela frente neodesenvolvimentista buscou o crescimento
econômico do capitalismo no Brasil, com alguma transferência de renda, embora o fez sem
romper com os limites do modelo neoliberal ainda em vigência no país. A fim de alcançar o
crescimento econômico, os Governos Lula lançaram mão de políticas econômicas, sociais e
externas que eram inexistentes nos governos neoliberais ortodoxos que os precederam: as
medidas de transferência de renda e de recuperação do salário mínimo, as quais aumentaram o
poder aquisitivo daqueles que apresentam maior propensão ao consumo, ou seja, os mais
pobres; o aumento da dotação orçamentária do Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES), a fim de financiar grandes empresas de origem local a taxas de
juros favorecidas ou subsidiadas; a política externa de apoio às grandes empresas instaladas no
Brasil, sejam elas locais, sejam estrangeiras, para a exportação tanto de capitais quanto de
mercadorias; e as políticas econômicas anticíclicas, que mantiveram a demanda agregada em
níveis razoáveis ao longo de períodos de crise. Devido a medidas como essas é que escolhemos
denominar esse programa de (neo)desenvolvimentista, pois, reafirmamos, apesar de ele não
romper o com modelo neoliberal em vigência no país desde a década de 1990, as diferenças em
relação a ele são significativas (BOITO JR., 2012a).
E por que empregamos o prefixo "neo"? Pois as diferenças com o "velho"
24
desenvolvimentismo que prevaleceu no Brasil no período 1930-1980 também são
consideráveis, convindo destacar algumas delas: o desenvolvimentismo conferia uma
importância maior ao mercado interno e ao desenvolvimento do parque industrial local; não
aceitava os constrangimentos da Divisão Internacional do Trabalho, buscando superar a função
história do Brasil como exportador de produtos primários, função que, atualmente, sob novas
condições histórias, tem sido reativada; tinha maior capacidade distributiva de renda; tinha
como força dirigente uma fração burguesa que assumia posturas anti-imperialistas; e
apresentava um crescimento econômico muito mais ambicioso que o neodesenvolvimentismo,
apesar de o Produto Interno Bruto (PIB) do país ter crescido a taxas muito mais elevadas no
período 2003 a 2010 do que na década de 1990. Todas essas características, as quais encontram-
se interligadas, fizeram do neodesenvolvimentismo um programa muito mais modesto que o
desenvolvimentista, o que se deve ao fato de o neodesenvolvimentismo haver sido a política de
desenvolvimento possível dentro dos marcos do modelo neoliberal (BOITO JR., 2012a):
As taxas menores de crescimento do PIB são as taxas possíveis para um
Estado que aceita abrir mão do investimento para poder rolar a dívida pública;
o papel de menor importância conferido ao mercado interno é decorrente da
manutenção da abertura comercial; a reativação da função primário-
exportadora é a opção de crescimento possível para uma política econômica
que não pretende revogar a ofensiva que o imperialismo realizou contra o
parque industrial brasileiro; e todas essas características impedem ou
desestimulam uma política mais forte de distribuição de rendas (BOITO JR.,
BERRINGER, 2013, p. 32).
Analisemos agora cada uma das forças sociais que compuseram a frente
neodesenvolvimentista. A grande burguesia interna, força dirigente dessa frente, atuou em
diversos setores da economia nacional, como na indústria de transformação, na mineração, na
construção pesada, na cúspide do agronegócio, isto é, nas empresas exportadoras de produtos
agropecuários, e, em certa medida, nos grandes bancos privados e estatais de capital
predominante nacional. O que unificou esses setores numa fração de classe foi a reivindicação
de proteção e favorecimento ao Estado na concorrência com o capital estrangeiro (BOITO JR.,
2012a).
O Estado brasileiro, por sua vez, atendeu às aspirações da grande burguesia interna por
meio de diversas políticas ao longo dos Governos Lula, dentre elas: a busca por superávits na
balança comercial, o que favoreceu enormemente os setores ligados à exportação, com destaque
ao agronegócio e à mineração; a política de financiamento a grandes empresas nacionais via
BNDES, o qual passou a contar com um orçamento muitas vezes superior ao que dispunha na
25
década de 1990; a política de compras das empresas estatais e do Estado, que passou a priorizar
as grandes empresas locais, sejam nacionais, sejam estrangeiras (BOITO JR., 2012a); e as
medidas de política externa que tiveram como foco as relações Sul-Sul, como um todo, e a
América do Sul, em particular, e, na prática, barraram as negociações relativas à Rodada Doha
da Organização Mundial do Comércio (OMC), ao possível acordo do Mercado Comum do Sul
(MERCOSUL) com a União Europeia e à proposta de criação da Área de Livre Comércio das
Américas (ALCA), as quais, se aprovadas, teriam aberto unilateralmente o mercado brasileiro
aos capitais de formações sociais imperialistas (BOITO JR.; BERRINGER, 2013). Por isso, a
grande burguesia interna foi a força social que mais ganhou com a política
neodesenvolvimentista (BOITO JR., 2012a).
No campo das classes populares, a frente neodesenvolvimentista contou com a baixa
classe média e o operariado urbano, os quais, por intermédio do sindicalismo e do PT,
participaram da frente de forma organizada. É interessante destacar que foram essas forças
sociais que deram origem ao principal instrumento partidário da frente: o PT. Ao longo da
década de 1990, esse partido lutava pela implementação de um capitalismo de Estado e um
Estado de bem-estar no Brasil, atuando como oposição aos governos neoliberais. Nesse ínterim,
passou a ser atraído pela grande burguesia interna, a qual também se opunha a certos aspectos
do neoliberalismo, ainda que de maneira moderada. Foi assim que o PT, na virada do milênio,
mesclando sua origem popular com essa insatisfação burguesa, transformou-se no instrumento
partidário do neodesenvolvimentismo. A baixa classe média e o operariado urbano continuaram
presentes no partido, mas agora como base social, e não mais como força dirigente (BOITO
JR., 2012a).
A política estatal atendeu parte das reivindicações dessas forças sociais: o crescimento
econômico permitiu uma significativa diminuição do desemprego e a política de reajuste do
salário mínimo aumentou o poder aquisitivo das classes populares; as novas condições políticas
e econômicas favoreceram a luta e a organização sindical, principalmente se comparadas à
situação da década de 1990, possibilitando conquistas salariais; inúmeros órgãos consultivos
do governo, inclusive, passaram a contar com representantes dos trabalhadores, ao lado de
representantes do empresariado; além disso, campanhas conjuntas realizadas por associações
de grandes empresários da indústria e pelas centrais sindicais pressionaram o governo por taxas
de juros mais baixas e proteção alfandegária à indústria local (BOITO JR., 2012a).
O campesinato também participou da frente neodesenvolvimentista de modo
organizado: na luta pela terra, via, principalmente, o MST; nas organizações baseadas em
26
trabalhadores rurais assalariados e em camponeses, via entidades como a Confederação dos
Trabalhadores na Agricultura (CONTAG). Aqui, torna-se importante separar o campesinato em
duas situações: o camponês remediado e o (mais) pobre. O primeiro foi aquele que se
encontrava presente principalmente na CONTAG, mas também no setor de camponeses
assentados do MST. Ele reivindicou ao Estado o asseguramento de preços mínimos e mercado
aos seus produtos, financiamento e assistência técnica, aspirações essas que foram atendidas,
em parte, pelas políticas neodesenvolvimentistas, com destaque aos programas de compras
governamentais à produção camponesa e ao financiamento à agricultura familiar, o qual cresceu
muito em relação aos Governos FHC (BOITO JR., 2012a).
Já o camponês (mais) pobre, isto é, aquele sem nenhuma terra ou com pouquíssima terra,
reivindicou uma política radical de abertura de novos assentamentos e a desapropriação de
terras ociosas. Essa camada foi a mais marginalizada pela política neodesenvolvimentista, pois,
como o agronegócio possuía um peso importante na frente, a política de desapropriações foi
bloqueada (BOITO JR., 2012a).
Finalmente, a "massa marginal", composta por desempregados, subempregados, entre
outros setores marginalizados, foi aquela que, residindo sobretudo na periferia das grandes
cidades e no interior do nordeste do país, entreteve uma relação bem particular com a frente
neodesenvolvimentista, convindo distinguir dois grandes grupos que a integram: os que se
organizam em movimentos populares reivindicativos como, por exemplo, por moradia, terra ou
emprego; e os que são politicamente desorganizados. No que diz respeito aos primeiros, já
indicamos como a política neodesenvolvimentista tratou as questões do emprego e da terra,
cabendo somente destacar aqui o principal programa criado na área de moradia, o Minha Casa,
Minha Vida, o qual rompeu com a omissão do Estado brasileiro no que se refere à política
habitacional (BOITO JR., 2012a).
Quanto à parte desorganizada da "massa marginal", ela foi incluída na frente
neodesenvolvimentista graças aos programas de transferência de renda dos Governos Lula, com
destaque ao Bolsa Família, destinado a famílias em situação de pobreza, e ao Benefício de
Prestação Continuada, voltado a pessoas com deficiências e idosos. Tais pessoas eram
convocadas a participar do processo político somente por meio dos votos, a fim de eleger os
candidatos da frente, uma vez que nem o governo, nem o PT, preocuparam-se em organizá-las
politicamente (BOITO JR., 2012a).
Foram justamente nos momentos críticos do processo político nacional, aliás, que as
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forças sociais que compuseram a frente neodesenvolvimentista atuaram como tal, apesar de elas
entrarem muitas vezes em conflito umas com as outras no que se refere a questões como
salários, direitos sociais e trabalhistas, desapropriação de terras, etc. (BOITO JR., 2012a).
Foi assim em 2002 na eleição presidencial de Lula da Silva; em 2005, na crise
política que ficou conhecida como “Crise do Mensalão” e chegou a ameaçar
a continuidade do governo Lula; em 2006, na reeleição de Lula da Silva para
a presidência da República, e novamente em 2010 na campanha eleitoral
vitoriosa de Dilma Rousseff. Em todos os momentos críticos citados, a
sobrevivência dos governos neodesenvolvimentistas esteve ameaçada e, em
todos eles, importantes associações patronais, centrais sindicais, movimentos
camponeses, movimentos populares por moradia bem como o eleitorado pobre
e desorganizado apoiaram, com manifestações dos mais variados tipos ou
simplesmente com o seu voto, os governos e as candidaturas Lula da Silva e
Dilma Rousseff. Ao agirem assim, tais forças sociais, mesmo que movidas por
interesses distintos, evidenciaram fazer parte de um mesmo campo político
(BOITO JR., 2012a, p. 11).
Enfim, no Brasil, ao longo dos Governos Lula (2003 a 2010), o que se verificou foi uma
transformação no interior do bloco no poder, com a ascensão política da grande burguesia
interna em relação ao grande capital financeiro internacional e seus aliados internos, estes dois
últimos tendo sido forças sociais incontestavelmente hegemônicas nos governos neoliberais
ortodoxos de Collor (1990-1992), Itamar Franco (1993-1994) e FHC (1995-2002). Com isso,
tanto o grande capital financeiro internacional quanto os seus aliados internos passaram para o
terreno da oposição aos Governos Lula (BOITO JR.; BERRINGER, 2013).
Em segundo lugar, essa ascensão significou uma mudança mais ampla no cenário
político nacional, uma vez que ela somente foi possível graças à formação de uma frente política
que congregou, além da grande burguesia interna, os principais setores das classes populares.
Como resultado, as políticas econômica, social, externa e de ordem do Estado brasileiro
passaram a atender mais aos interesses da grande burguesia interna, respondendo menos às
aspirações do grande capital financeiro internacional e seus aliados internos (BOITO JR.;
BERRINGER, 2013). Se a grande burguesia interna chegou a ocupar uma posição de
hegemonia, não temos condições e não pretendemos responder nesta dissertação, apesar de
esperarmos que os resultados aqui apresentados contribuam para a solução desta questão.
28
1.4. Os métodos, as fontes e a organização da pesquisa
O nosso método de pesquisa é a análise documental das publicações das organizações patronais
que representaram os interesses dos principais elos burgueses vinculados à cadeia produtiva de
carne bovina no Brasil ao longo do período de 2003 a 2010, tanto no que diz respeito aos
conflitos no interior do bloco no poder quanto às políticas estatais, sendo essas associações: a
Associação Brasileira dos Criadores (ABC) e a Associação Brasileira dos Criadores de Zebu
(ABCZ), no caso dos grandes pecuaristas; a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras
de Carne (ABIEC), no caso dos grandes frigoríficos; e a Associação Brasileira de Frigoríficos
(ABRAFRIGO), no caso dos pequenos e médios frigoríficos.
E as nossas fontes de pesquisa são, essencialmente, o Jornal dos Criadores, da ABC; a
Revista ABCZ, da ABCZ; a Revista ABRAFRIGO, da ABRAFRIGO; além de inúmeros artigos
jornalísticos relacionados ao nosso tema, publicados pelo Jornal Valor Econômico.
Por fim, esta dissertação conta, além desta introdução, com dois capítulos e as
considerações finais. No primeiro deles, pretendemos: demonstrar a diversidade de associações
e, consequentemente, a falta de unidade organizativa dos grandes pecuaristas; apontar as
principais reivindicações dessas associações e como as políticas econômica, social, externa e
de ordem do Estado brasileiro atenderam ou não a elas; argumentar, com base nos dados
recolhidos, que os grandes pecuaristas compuseram o campo político conservador, de
orientação neoliberal ortodoxa, e, por isso, atuaram, em geral, no campo da oposição ao longo
dos Governos Lula, apesar de alguns apoios significativos ao neodesenvolvimentismo, além de
se comportarem, na maior parte do tempo, como burguesia interna; tratar dos conflitos dos
grandes pecuaristas com outros elos da cadeia produtiva, principalmente os grandes
frigoríficos; e concluir, também com base nos dados coletados, que os grandes pecuaristas,
apesar de terem suas reivindicações atendidas em grande medida pela ação estatal, uma vez que
são parte do grande capital, não podem ser considerados como membros plenos de uma fração
hegemônica ao longo dos governos petistas, uma vez que atuaram na oposição aos Governos
Lula e que o Estado tomou medidas que foram por eles, grandes pecuaristas, consideradas como
contrárias aos seus interesses fundamentais ou, ao menos, pouco eficazes, tais como o
fortalecimento dos grandes frigoríficos e a aceitação de movimentos sociais tais quais o MST.
Além disso, abordaremos, numa breve nota, a falta de organização política dos pequenos e
29
médios pecuaristas em nível nacional como um indício de sua fraqueza política.
Na primeira metade do segundo capítulo, tentaremos indicar, também com base nos
dados reunidos, que os grandes frigoríficos compuseram tanto a frente neodesenvolvimentista
quanto a grande burguesia interna, tendo eles, portanto, ascendido no interior do bloco no poder
e visto seus interesses serem atendidos em grande medida pela política estatal. Ademais,
analisaremos os conflitos que eles travaram com outros elos burgueses da cadeia produtiva.
Já na segunda metade deste capítulo, buscaremos verificar se os pequenos e médios
frigoríficos se comportaram como burguesia interna, a despeito do fato de seus interesses terem
sido preteridos pela política estatal em favor do grande capital.
Por fim, nas considerações finais, concluiremos o trabalho dando destaque às
contradições entre grande capital, por um lado, e pequeno e médio capitais, por outro, no que
diz respeito aos principais setores ligados à cadeia produtiva de carne bovina no Brasil ao longo
dos Governos Lula.
30
2. Capítulo 1: Os Pecuaristas
A criação de bovinos de corte encontra-se presente no território brasileiro desde os primeiros
anos após a chegada dos colonizadores portugueses (SCHLESINGER, 2010). Ao longo dos
séculos seguintes, a bovinocultura de corte sofreria poucas transformações, desempenhando
basicamente as funções de ocupação do território – por tratar-se de uma atividade extensiva por
excelência – e de subsistência (PRADO JR., 2004).
Quanto a esta última atribuição, cabe considerar que, de acordo com Schlesinger (2010),
a criação de gado de corte exerceu um papel fundamental de abastecimento às áreas voltadas à
exportação de mercadorias, isto é, as áreas economicamente mais dinâmicas do país ao longo
de todo o período colonial. A princípio, isso se deu na região nordeste, onde se produzia açúcar
a partir da cana. Na zona produtiva do litoral, o gado bovino era empregado diretamente na
movimentação de moinhos e no transporte da produção, enquanto que, no interior, era criado
por vaqueiros – uma vez que escravos fugiriam numa região tão extensa – com fins de abate.
No período seguinte, quando o ciclo do açúcar perdeu importância frente à mineração,
a bovinocultura foi implementada em Minas Gerais (MG), onde o gado finalmente encontrou
boas condições de clima e solo. Graças a isso e à introdução de novas técnicas, como o uso de
cercas, a produtividade tanto da carne quanto do leite aumentou consideravelmente, ao ponto
de termos aí a origem das primeiras indústrias de laticínios, as quais abasteciam também as
regiões de São Paulo e do Rio de Janeiro. Com a possibilidade de uma produção mais intensiva,
a mão de obra empregada era escrava, com os fazendeiros e suas famílias residindo nas
propriedades e participando ativamente das atividades produtivas (SCHLESINGER, 2010).
Outro importante polo de criação de gado bovino foi a região sul do país, mais
especificamente os Campos Gerais, onde encontram-se as melhores condições naturais para tal
atividade. Merecem destaque a produção de couro, a princípio, e a produção de charque, na
sequência histórica. O trabalho era em sua maior parte realizado por capatazes e peões, isto é,
trabalhadores de origem normalmente mestiça ou indígena (SCHLESINGER, 2010).
Embora de menor importância, valem ser mencionados, também, o gado criado na ilha
de Marajó, na região norte, que abastecia a população do foz do Amazonas; nos campos do Rio
Branco, no Alto do Amazonas; nos campos do noroeste maranhense, conhecidos como perizes;
31
e em algumas localidades em Goiás e no norte de Mato Grosso (PRADO JR., 2004).
Foi somente no século XX, com a chegada ao Brasil dos grandes frigoríficos
estrangeiros, especialmente estado-unidenses, que importantes mudanças ocorreram na cadeia
produtiva de carne bovina do país: ao invés de simplesmente subsidiar as atividades econômicas
mais dinâmicas, a produção de carne passou também a ser exportada em larga escala,
principalmente à Europa. Assim, no período de 1940 a 1967, o rebanho bovino brasileiro mais
que dobrou, passando de 44,6 milhões de cabeças para 90 milhões, enquanto que as pastagens
aumentaram em mais de 34 milhões de hectares (SCHLESINGER, 2010).
A partir da década de 1970, com o estímulo dos mercados importadores, principalmente
a Europa e os Estados Unidos; com a realização de investimentos em plantas industriais, em
boa medida incentivados pelo governo; e com a expansão da fronteira agrícola nas regiões norte
e centro-oeste, a pecuária bovina de corte atingiu seu ápice de desenvolvimento (TIRADO et
al., 2008).
Atualmente o Brasil possui o maior rebanho comercial do mundo, com mais de 212
milhões de cabeças (PORTAL BRASIL, 2015), as quais se encontram distribuídas
aproximadamente da seguinte forma: centro-oeste 34,1%, norte 20,3%, sudeste 18,5%, nordeste
13,9% e sul 13,1% (IBGE, 2012), ocupando cerca de 20% do território nacional ou 174 milhões
de hectares (ABIEC, 2016).
Além disso, o país é o segundo maior produtor mundial de carne bovina, com mais de
10 milhões de toneladas equivalente carcaça1 anuais, atrás somente dos Estados Unidos
(BRAZILIAN BEEF, 2014).
A seguir, analisaremos a organização e atuação políticas dos grandes criadores de gado
bovino de corte no Brasil ao longo do período 2003 a 2010.
1 Segundo Tonini (2010), a tonelada equivalente carcaça é uma unidade de medida padrão utilizada na pesagem
da carne bovina. Tem como objetivo facilitar a transformação dos diferentes tipos de carne bovina em uma
medida capaz de ser comparada com a massa da carcaça do animal. Isto é, “estima-se a perda de peso decorrente
da desossa e do cozimento (no caso da carne industrial) a partir do peso da carne in natura ou industrial”. Para
o calculo do equivalente carcaça, utiliza-se os seguintes índices: 1 para tonelada métrica de carne in natura com
osso; 1,3 para tonelada métrica de carne in natura sem osso; e 2,5 para tonelada métrica de carne industrializada.
Em outras palavras, a tonelada equivalente carcaça não trata da massa real de carne, mas sim a massa que tal
produto apresentaria se não tivesse passado por um processo de desossa ou cozimento.
32
2.1. Os grandes pecuaristas: demandas políticas e ação estatal
O associativismo ligado à bovinocultura de corte é, no Brasil, muito complexo, uma vez que os
pecuaristas se organizam de acordo com diferentes critérios. Algumas organizações buscam
representar os interesses mais gerais do setor agropecuário, englobando também os interesses
dos criadores de bovinos, tais como a Sociedade Rural Brasileira (SRB) e, de certo modo, a
Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) – órgão máximo do patronato rural
na estrutura sindical corporativa brasileira, criada à época de Vargas –, que conta com o mais
específico Fórum Nacional Permanente da Pecuária de Corte (FENAPEC). Outras buscam
representar os interesses específicos do setor da pecuária bovina, tanto de corte quanto de leite,
como a Associação Brasileira de Criadores (ABC) e a Associação Brasileira de Criadores de
Zebu (ABCZ). Outras ainda têm como foco a representação dos criadores ligados a um sistema
produtivo específico, como é o caso da Associação Nacional dos Confinadores. Outras mais
almejam defender os interesses daqueles que utilizam certo sistema de comercialização, tal
como a Associação Brasileira dos Exportadores de Gado. Outras procuram congregar os
bovinocultores segundo a raça do gado que criam, como a Associação Brasileira dos Criadores
de Girolando, a Associação dos Criadores de Nelore do Brasil, dentre muitas outras. Outras
reúnem os pecuaristas bovinos de uma região específica, tais como a Associação dos Criadores
de Mato Grosso e a Associação dos Criadores de Mato Grosso do Sul. E assim por diante.
Selecionamos como foco de nossa análise a ABC e a ABCZ, pois elas são as que mais
possuem relações com a política estatal em nível nacional, sendo, assim, mais relevantes. A
SRB e o FENAPEC poderiam ser incluídos nessa seleção, porém, nenhum material de estudo
significativo relativo à SRB pode ser encontrado, já que a associação não publica documentos
próprios em seu site e nada útil sobre ela foi descoberto no Valor Econômico e em nossa
pesquisa. E o FENAPEC – assim como outras organizações – será considerado nesta dissertação
em momentos oportunos, sobre temas específicos.
2.1.1. A ABC e a ABCZ
33
A Associação Brasileira dos Criadores (ABC) origina-se de uma associação fundada em 1926,
a Federação Paulista dos Criadores de Bovinos, ou simplesmente Confederação dos Criadores.
Em 1945, seu nome foi alterado para Associação Paulista dos Criadores de Bovinos e, em 1972,
tornou-se finalmente Associação Brasileira de Criadores, ano em que expandiu sua atuação para
o âmbito nacional e passou a congregar também os pecuaristas voltados à produção de leite
(ABC, 2016).
Dentre suas principais conquistas históricas constam o serviço de registro genealógico
de animais; o controle leiteiro; o controle de desenvolvimento ponderal, hoje em conjunto com
a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo; o
desenvolvimento de raças e seu aperfeiçoamento genético e de produtividade, assim como a
comercialização de insumos agropecuários (ABC, 2016).
Em nossa pesquisa descobrimos o Jornal dos Criadores, publicado pela ABC e
disponível no site da entidade (www.abccriadores.com.br/newsite). As edições de número 25 a
72 recobrem o período entre janeiro de 2003 a janeiro/fevereiro de 2011, as quais variam entre
uma frequência de emissão mensal (2003-2005), bimestral (2007-2008) e inconstante (2010-
2011). No Valor Econômico, não encontramos nenhum artigo útil a esta pesquisa sobre a ABC.
A Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ), por sua vez, originou-se de
uma associação criada em 1934, cujo nome era Sociedade Rural do Triângulo Mineiro.
Transformou-se em ABCZ no ano de 1967. Desde a década de 1930, sua sede principal
encontra-se localizada em Uberaba, Minas Gerais (MG). Com mais de 20 mil associados e 20
escritórios regionais em todo o Brasil, tem como missão central “promover o aumento
sustentável da produção mundial de carne e leite, através do registro genealógico,
melhoramento genético e promoção das raças zebuínas” (ABCZ, 2014a). Dentre as principais
atividades desenvolvidas pela ABCZ, destacam-se o Programa de Melhoramento Genético de
Zebuínos, as feiras ExpoZebu e ExpoGenética (ABCZ, 2014b) e o registro genealógico das
raças zebuínas, no qual a associação atua cumprindo uma função estatal, uma vez que ela foi
delegada à ABCZ pelo Ministério da Agricultura, com validade em todo o território nacional
(REVISTA ABCZ, 2010a).
Em nossa pesquisa, tivemos acesso às versões online da Revista ABCZ, órgão oficial de
comunicação da entidade, disponíveis no site da associação (www.abcz.org.br/Revistas). As
edições de número 49 a 59 recobrem o período de março/abril de 2009 (primeira edição
34
digitalizada) a novembro/dezembro de 2010, com uma frequência de publicação bimensal. No
Valor Econômico, encontramos 4 artigos que consideramos úteis a esta pesquisa, referentes à
ABCZ.
Optamos por realizar a análise do Jornal dos Criadores, da ABC, e da Revista ABCZ,
da ABCZ, mesclando critérios cronológicos e temáticos.
2.1.2. A política econômica
Uma das organizações que mais influenciou a política econômica voltada ao agronegócio, ao
longo dos Governos Lula, foi o Conselho Superior de Agricultura e Pecuária do Brasil,
conhecido como Rural Brasil, o qual congrega a CNA, a Organização das Cooperativas
Brasileiras, a SRB, a ABC, a ABCZ, a Associação Brasileira dos Produtores de Algodão, o
Conselho Nacional do Café e a União Brasileira de Avicultura, sendo seu objetivo declarado
"discutir os macro problemas da agropecuária brasileira" (JORNAL DOS CRIADORES,
2003a, p. 5).
Em maio de 2003, o Rural Brasil entregou ao então ministro da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento – doravante denominado ministro da Agricultura –, Roberto Rodrigues, uma
proposta ao Plano Agrícola e Pecuário 2003/2004 (JORNAL DOS CRIADORES, 2003b). A
função deste plano anual é disponibilizar, à burguesia agrária no Brasil, linhas de créditos
voltadas a custeio e comercialização de suas mercadorias.
O Plano Agrícola e Pecuário 2003/2004 foi lançado pelo governo federal no início de
junho de 2003, prevendo recursos da ordem de R$ 32,5 bilhões, importância 25,8% maior do
que no ano anterior. Destes, R$ 27,15 bilhões foram destinados aos médios e grandes
produtores, sendo os R$ 5,4 bilhões restantes, à agricultura familiar. O grande trunfo, porém,
de acordo com a ABC, "foi a garantia da manutenção dos juros em 8,75% para a maioria dos
programas de crédito rural" (JORNAL DOS CRIADORES, 2003c, p. 4). Ou seja, a política de
crédito do governo federal voltada à agropecuária para o ano-safra 2003/2004 agradou aos
grandes pecuaristas.
Na 34ª edição do Jornal dos Criadores, referente a outubro de 2003, a ABC protestou
35
contra a reforma tributária então aprovada na Câmara dos Deputados, a qual, se passasse
também pelo Senado, resultaria, segundo a associação, em "inadmissível" aumento da carga
fiscal sobre o setor agropecuário. Sobre o tema, falou a diretoria da ABC (2003c, p. 2):
O maior problema se refere ao ICMS. Em primeiro lugar, porque será
decretado o fim do Convênio ICMS 100/97, que reduz a sua base de cálculo
nas operações interestaduais em 60% para os agroquímicos, sementes e
produtos veterinários, e em 30% para farelos e tortas de soja e canola e do
milho para alimentação animal. Em segundo lugar porque, com o
estabelecimento de alíquotas de 4%, 12%, 15%, 18% e 25%, para todo o
território nacional, o mais provável é que os produtos agropecuários serão
taxados em 12%, já que a menor alíquota (4%) se destinará a alimentos de
primeira necessidade e a medicamentos para uso humano.
O Convênio ICMS 100/97 segue em vigência até os dias de hoje (CONFAZ, 2016). Portanto, o
agronegócio se mostrou capaz de barrar, no legislativo, essa tentativa de aumento da carga
tributária sobre o setor.
No dia 14 de abril de 2004, o Rural Brasil entregou mais uma vez a Rodrigues, então
ministro da Agricultura, suas propostas para o Plano Agrícola e Pecuário, desta vez relativas ao
ano-safra 2004/2005. Dentre as propostas, constava o aumento dos recursos disponibilizados
pelo governo federal à burguesia agrária, de R$ 32,5 bilhões para R$ 56,2 bilhões, "para o
financiamento de custeio e comercialização [...], a renovação dos programas de investimentos,
a implantação dos novos programas e o atendimento da necessidade de crédito do setor rural"
(JORNAL DOS CRIADORES, 2004a, p. 7).
Tal plano foi apresentado pelo então ministro da Agricultura no dia 18 de junho de 2004.
Segundo a ABC, a "agropecuária empresarial brasileira terá R$ 39,5 bilhões à disposição"
(JORNAL DOS CRIADORES, 2004b, p. 8), uma elevação de 45% sobre o plano anterior. Para
Rodrigues, este "novo plano significa o reconhecimento do governo do presidente Lula à
importância da agricultura e do agronegócio para o país" (JORNAL DOS CRIADORES, 2004b,
p. 8). O governo também aumentou de 40% para 50% a parcela de aplicação obrigatória em
crédito rural pelo Banco do Brasil (JORNAL DOS CRIADORES, 2004b). Portanto, o montante
de recursos destinado à burguesia agrária aumentou, mas não tanto quanto queria o Rural Brasil.
Ademais, apesar de o governo haver afirmado que os juros seriam mantidos, em sua
maior parte, em 8,75%, na prática, este patamar de juros valeu apenas para alguns programas
de investimento, como o Moderfrota, o Finame Especial e o Proger Rural, os quais responderam
por R$ 10,7 bilhões. Os R$ 28,8 bilhões restantes foram regidos por juros livres. Consoante às
opiniões publicadas na edição de número 44 do Jornal dos Criadores (2004c, p. 3), de agosto
36
de 2004, os juros altos viriam a inviabilizar o agronegócio:
Uma vez que o governo federal não tem condições de aumentar os montantes
disponíveis de crédito agrícola à taxa de 8,75%, a agricultura acaba sendo
empurrada para o sistema financeiro privado, que é regido pela taxa Selic, hoje
em 16%. Isso, aliado ao elevado spread bancário, faz com que os juros no
mercado sejam exorbitantes para o produtor rural. Aliás, esse é um dos nós
que entravam o crescimento da economia brasileira como um todo e enquanto
isso não for equacionado os juros continuarão elevados.
A partir da análise dos posicionamentos do Rural Brasil relativos aos Planos Agrícolas e
Pecuários 2003/2004 e 2004/2005, podemos apreender que os setores da grande burguesia
agrária no Brasil que compõem tal Conselho – o que inclui tanto a ABC quanto a ABCZ –
reivindicaram, já nos primeiros anos do primeiro mandato do Governo Lula, menores taxas de
juros no que toca à política de crédito. Entretanto, uma vez que grandes bancos de capital
predominantemente nacional também compunham a grande burguesia interna que ascendeu no
interior do bloco no poder ao longo dos anos 2000, a diminuição das taxas de juros, apesar de
ter ocorrido de forma gradual2, teve de ser lenta e limitada.
Ainda na 44ª edição do Jornal dos Criadores, o então presidente da ABC, Luis Alberto
Moreira Ferreira (2004a, p. 2), tratou da questão da falta de infraestrutura, no Brasil, para
armazenagem e escoamento de mercadorias, o que, de acordo com ele, poderia "colocar a
exuberante produção brasileira numa situação caótica, dentro de poucos anos". Em sua opinião,
o "assunto é mais do que sério e exige do governo brasileiro medidas urgentes e definitivas. O
esforço de agricultores, pecuaristas e industriais não pode ficar empacado em estradas
esburacadas, ferrovias ineficientes, portos sobrecarregados e na falta de armazéns"
(FERREIRA, 2004a, p. 2). Como é sabido, o governo federal lançaria, em 2007, o Programa
de Aceleração do Crescimento, que promoveu obras de infraestrutura no país, ainda que – na
opinião do agronegócio – insuficientes.
Na 51ª edição do Jornal dos Criadores (2005a), referente a março de 2005, a ABC se
manifestou contra a Medida Provisória (MP) 232, que aumentaria de 32% para 40% a base de
cálculo da Contribuição Sobre o Lucro Líquido e do Imposto de Renda de pessoas físicas e
jurídicas prestadoras de serviços, fossem eles comerciais, industriais ou agropecuários. No dia
15 de fevereiro de 2005, Francisco Márcio da Costa Carvalho, então diretor da ABC,
representou a associação num ato público, em São Paulo, ocasião em que dirigentes de mais de
2 A taxa Selic saiu de 25,36% a.a. em janeiro de 2003 para 10,66% a.a. em dezembro de 2010. Em janeiro de
2013, já sob o primeiro mandato do Governo Dilma, a taxa Selic ainda alcançaria o patamar mínimo de 7,12%
a.a. (BANCO CENTRAL, 2016).
37
1100 entidades se reuniram para protestar contra a MP. Como resultado, o governo adiou por
30 dias a entrada em vigor da medida, a qual acabou por ser convertida na Lei nº 11.119, de
2005 (BRASIL, 2004), que, por sua vez, foi revogada pela Lei nº 11.482, de 2007 (BRASIL,
2005). Isto é, mais uma vez o governo federal tentou aumentar a carga de impostos sobre o setor
agropecuário e, novamente, não teve sucesso, ao menos não por muito tempo.
Em sua edição de número 52, de abril de 2005, o Jornal dos Criadores (2005b) divulgou,
na íntegra, um artigo escrito por Roberto Rodrigues, então ministro da Agricultura, publicado
pelo Valor Econômico. Nele, Rodrigues explicou que alguns importantes setores do
agronegócio no Brasil enfrentavam um período de crise, em virtude da queda dos preços de
seus produtos no mercado internacional, da elevação dos custos de produção, da seca que
assolava algumas regiões do Brasil, dos altos "custos da logística inadequada" e, finalmente,
das dívidas contraídas pelos ruralistas devido a investimentos diversos:
Para fazer frente a tudo isso, o governo está buscando os mecanismos para
amenizar os prejuízos incalculáveis que os produtores estão amargando em
2005.
Nos países desenvolvidos, além de vultosos subsídios nos casos de quebra de
produção ou de preços, há um seguro rural que garante a renda, e, em grande
parte, os prêmios são bancados pelos governos. No Brasil, estamos
engatinhando nessa modalidade de seguro, o que não nos permite atender a
calamidades dessa natureza. A caminhada até esse estágio é árdua e demorada.
Sem instrumentos equivalentes aos dos países ricos, as ações do governo
deverão se concentrar na prorrogação de dívidas do crédito rural (JORNAL
DOS CRIADORES, 2005b, p. 4).
Ao publicar o artigo de Rodrigues no Jornal dos Criadores, acreditamos que a ABC demonstrou
seu apoio às palavras do então ministro da Agricultura, com destaque à prorrogação das dívidas
da burguesia agrária; à abordagem relativa à logística do país, considerada inadequada, isto é,
demandante de investimentos; e à menção ao seguro rural dos "países desenvolvidos". Cinco
anos mais tarde, aliás, em 26 de agosto de 2010, o então presidente Lula sancionaria a lei
complementar nº 137, a qual trata do Fundo de Catástrofe, "que garante o ressarcimento de
forma complementar aos produtores rurais atingidos por eventos climáticos desastrosos, como
seca e excesso de chuva" (THOMAZINI, 2010a, p. 34-35). Em outras palavras, o seguro rural,
a exemplo das formações sociais imperialistas, finalmente chegaria ao Brasil.
Em sua 55ª edição, referente a julho de 2005, o Jornal dos Criadores (2005c, p. 6)
entrevistou "criadores de animais de elite presentes na Feicorte – Feira Internacional da Cadeia
Produtiva da Carne Bovina, realizada no Centro de Exposições Imigrantes, em São Paulo (SP),
nos dias 14 a 18 de junho [de 2005]". De acordo com eles, devido à crise que atingia, à época,
38
os pecuaristas (com o aumento dos custos de produção e a baixa dos preços pagos a eles, pela
arroba do boi, por parte dos frigoríficos), o governo federal deveria diminuir a carga tributária
sobre o setor, baixar as taxas de juros e, visando impulsionar as exportações de carne bovina a
partir do Brasil, desvalorizar o real frente ao dólar.
Quanto aos juros e ao câmbio, tais reivindicações só viriam a ser atendidas de forma
mais expressiva nos anos iniciais do primeiro mandato do Governo Dilma (BOITO JR.;
BERRINGER, 2013).
De qualquer modo, cabe ressaltar que, embora o real tenha se mantido valorizado frente
ao dólar em meio à crise econômica mundial que eclodiu em 2008, período no qual as
exportações de carne bovina a partir do Brasil sofreram considerável queda, o governo federal
lançou mão de políticas anticíclicas que beneficiaram os principais elos burgueses da cadeia
produtiva de carne bovina. Consoante a Bayão (2009d), o mercado interno foi capaz de absorver
significativamente a produção de carne bovina no período pós-crise, devido a políticas
governamentais de incentivo ao consumo, apesar de que, nesse processo, os pecuaristas – elo
fraco da cadeia produtiva em questão – foram os que mais perderam renda, uma vez que tanto
os frigoríficos quanto o varejo foram capazes de recompor suas margens de lucro. Portanto, a
despeito da cotação prejudicial do real e dos frigoríficos e varejistas, os grandes pecuaristas
viram como benéficas as políticas anticíclicas do neodesenvolvimentismo em meio à crise.
Em contrapartida, o governo federal revogou, no final de 2009, o parágrafo quarto da
MP 447, "que garantia a isenção do imposto sobre operações entre pessoas físicas que tratasse
de cria, recria e engorda de gado". Sobre o assunto, o então presidente da ABCZ, José Olavo
Borges Mendes (2009a, p. 4), afirmou: "Não vamos aceitar passivamente mais uma pedrada no
agronegócio". Segundo ele, a revogação "caminha na contramão de todas as ações do governo
para proteger a economia brasileira dos reflexos da crise econômica mundial". Enquanto a
pecuária bovina passaria a ser cobrada por um imposto que nunca incidira, também num
momento de baixa do preço da arroba do boi, diversos setores da economia eram beneficiados
pela redução do Imposto sobre Produtos Industrializados. Como reação, a ABCZ solicitou uma
reunião com o presidente Lula para discutir o assunto, além de prometer entrar com uma ação
institucional, em conjunto com outras entidades do setor, a fim de garantir a isenção do tributo.
Infelizmente, não encontramos informações se o imposto segue incindindo.
Ainda no que toca à carga tributária, porém, cabe considerar a aprovação da Lei 12.058,
de 13 de outubro de 2009, que acabou com a cobrança do Programa de Integração Social (PIS)
39
e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS) sobre a cadeia
produtiva de carne bovina no Brasil. A isenção beneficiou sobretudo os pequenos e médios
frigoríficos (BAYÃO, 2009a) e, como isso significou o enfraquecimento relativo dos grandes
frigoríficos, os pecuaristas comemoraram a ação do governo.
E, em 2010, foi a vez do Fundo de Apoio ao Trabalhador Rural (FUNRURAL) deixar
de incidir sobre os pecuaristas.
O FUNRURAL foi uma cobrança de 2,1% sobre a receita bruta proveniente da
comercialização da produção rural do ruralista, pessoa física. No julgamento do Recurso
Extraordinário nº 363.852/MG, o Supremo Tribunal Federal considerou esse imposto
inconstitucional. Assim, no dia 28 de julho de 2010, a ABCZ decidiu, por ordem de sua
assembleia geral, "ajuizar, em nome próprio, exercendo a representação de todos os seus
associados, ação declaratória de inexistência de relação jurídica tributária contra a União para
a suspensão da cobrança da contribuição previdenciária ao FUNRURAL" (REVISTA ABCZ,
2010b, p. 74). No dia 23 de novembro de 2010, o juiz da segunda Vara da Subseção Judiciária
de Uberaba determinou a suspensão da cobrança do FUNRURAL a todos os representados pela
ABCZ (REVISTA ABCZ, 2010c).
Ora, no que diz respeito à tributação sobre os grandes pecuaristas ao longo dos Governos
Lula, o que podemos concluir é: até onde as informações por nós coletadas nos permitiram
chegar, as tentativas desses governos de aumentar os impostos sobre esse elo da cadeia
produtiva da carne bovina acabaram por ser frustadas; e, em alguns casos, certos tributos
deixaram, inclusive, de incidir sobre eles.
Por fim, no que se refere à política de crédito, a ABCZ analisou o Programa de Estímulo
à Produção Agropecuária Sustentável (PRODUSA), que incentiva a implantação e ampliação
de sistemas de integração da pecuária com a agricultura ou a integração lavoura-pecuária-
silvicultura, cujo limite máximo de financiamento por beneficiário é de R$ 400.000,00 à taxa
máxima de juro de 6,75% a.a., e o Programa para Redução da Emissão de Gases de Efeito
Estufa na Agricultura (ABC), que tem seus recursos destinados à recuperação de pastagens e
áreas degradadas, à implantação de sistemas de integração (lavoura-pecuária, pecuária-floresta,
lavoura-pecuária-floresta, entre outros), e à implantação e manutenção de florestas comerciais
ou destinadas à recomposição de reservas legais ou de áreas de preservação permanente, sendo
o crédito máximo por beneficiário de R$ 1.000.000,00 por ano-safra e juros de 5,5% a.a.. Sobre
os recursos destinados à recuperação de áreas degradadas, a ABCZ concluiu que os recursos
40
liberados pelo governo federal nem de longe conseguiram suprir toda a necessidade creditícia
existente no país (PIMENTA, 2010).
Enfim, a partir da análise da política econômica dos Governos Lula, voltada aos grandes
pecuaristas, podemos concluir que: o montante de créditos destinados ao setor aumentou,
embora não tanto quanto eles gostariam, continuando a ser considerado, por eles, insuficiente;
as taxas de juros os favoreceram, embora também não tanto quanto e nem no ritmo que eles
gostariam; as tentativas, por parte do governo federal, de aumento dos tributos sobre os
pecuaristas foram, em geral, frustradas, sendo que alguns dos impostos, como o FUNRURAL,
deixaram de incidir sobre eles; investimentos governamentais em infraestrutura e logística
foram realizados, embora tenham sido, na opinião dos grandes pecuaristas, insuficientes; o real
manteve-se valorizado, em geral, em relação ao dólar, freando as exportações de carne bovina
a partir do Brasil; o seguro rural, por meio do Fundo de Catástrofe, entrou em vigor no país; e
as políticas de incentivo ao consumo possibilitaram ao mercado interno absorver, em meio à
crise econômica internacional, grande parte da produção que deixou de escoar em direção aos
mercados externos.
Trata-se, portanto, de uma política econômica que atendeu, sim, aos interesses dos
grandes pecuaristas, uma vez que estes compõem a fração do grande capital. No entanto, foi
um atendimento pouco convincente, por assim dizer, pois os grandes pecuaristas, no interior do
grande capital ligado à cadeia produtiva de carne bovina no Brasil, foram o seu elo fraco, tendo
como referência as ações estatais. A análise das políticas voltadas aos grandes frigoríficos
tornará isso claro, como veremos.
2.1.3. A política ambiental
As principais políticas estatais referentes a questões ambientais ao longo dos governos
neodesenvolvimentistas foram, sem dúvida, as que giraram em torno do Novo Código Florestal.
Em sua 49ª edição, de março/abril de 2009, a Revista ABCZ divulgou uma opinião
favorável à aprovação do Novo Código Florestal, argumentando no sentido de que, caso a
legislação ambiental à época em vigência fosse cumprida à risca, mais de dois milhões de
41
propriedades rurais teriam de desaparecer e o custo dos alimentos se elevaria, afetando a vida
nas cidades, a balança comercial brasileira e o meio ambiente (VIEIRA, 2009a). Como é
comum às burguesias em geral, os grandes pecuaristas lançaram mão do discurso de
“necessidade de modernização” a fim de alterarem uma legislação que não mais correspondia
aos seus interesses. Quando tratarmos da questão da reforma agrária, veremos que o mesmo
artifício discursivo não valeria, desde a perspectiva desses mesmos grandes pecuaristas, para as
classes trabalhadoras: neste caso, aqueles que descumprissem as leis em vigência deveriam ser,
segundo eles, severamente punidos pela força de Estado.
A ABCZ voltaria a tratar do Novo Código Florestal somente no início de julho de 2010,
quando alterações relativas a ele foram finalmente aprovadas pela Comissão Especial que
tratava da reforma. Na ocasião, o editorial da ABCZ se mostrou preocupado com a pressão que
ambientalistas estavam exercendo a fim de retirar pontos importantes do documento para o
agronegócio nas etapas seguintes de tramitação do projeto, quais sejam, a Câmara dos
Deputados, o Senado e o veto presidencial (REVISTA ABCZ, 2010a).
O que potencializou ainda mais a preocupação da ABCZ foi o fato de os ambientalistas
estarem conquistando grande espaço, à época, na mídia nacional, os quais acusavam os
ruralistas de estarem sendo anistiados pelo governo no que se refere à questão do
desmatamento, fato que, segundo a associação, prejudicava a imagem do agronegócio perante
à sociedade (REVISTA ABCZ, 2010 a). Ao ser finalmente aprovado, em 2012, já no primeiro
Governo Dilma, o Novo Código Florestal contaria com um texto que beneficiaria amplamente
os grandes ruralistas, apesar de alguns vetos por parte da então presidenta. De qualquer modo,
a aprovação do Novo Código Florestal significou uma grande vitória política ao conjunto da
grande burguesia agrária no Brasil.
Ainda sobre o tema meio ambiente, o editorial da ABCZ desabafou que, no Brasil, os
proprietários rurais vivem na berlinda: por um lado, são cobrados por mais produtividade; por
outro, pela preservação de mais áreas ambientais. Citando um pronunciamento do então
ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, a ABCZ disse que mais “de 30% das florestas
nativas do planeta estão em solo brasileiro. Na Europa, não se fala em preservação. Somente
1% das florestas européias estão preservadas e é aqui, no Brasil, que as ONGs ambientalistas
européias estão fincadas” (PIMENTA, 2009a, p. 14). Portanto, a ABCZ compreendeu as ONGs
internacionais ligadas ao meio ambiente como agentes políticos representantes de interesses
externos. Nesse aspecto, o comportamento dos grandes pecuaristas foi de burguesia interna,
postura que seria assumida, por eles, em geral, em todos os âmbitos, como veremos.
42
Por fim, em sua edição de número 51, referente a julho/agosto de 2009, a Revista ABCZ
tratou do tema do pagamento, aos proprietários rurais, por parte do governo, pela "prestação de
serviços ambientais". Em outras palavras, esses proprietários queriam ser remunerados por
preservarem o meio ambiente no interior de suas próprias fazendas. À época, a cidade de
Extrema (MG) já implantara um sistema desse tipo, no qual a prefeitura ainda arcava com as
despesas, nas fazendas, da implantação de cercas, plantio de mudas, contenções de águas, dentre
outros, ao mesmo tempo que um Projeto de Lei tramitava no Congresso Nacional prevendo a
expansão do pagamento por esses serviços em todo o território nacional (VIEIRA, 2009b). Tal
Projeto de Lei segue em tramitação enquanto esta dissertação é escrita (BRASIL, 2013). De
qualquer maneira, tal pauta demonstra como o discurso neoliberal contra a intervenção do
Estado na economia – o qual aparece, por exemplo, nas reivindicações pela redução ou retirada
de impostos – é um discurso ideológico, isto é, um discurso que está em contradição com a
prática de alguns setores que o proferem. Dentre as pautas dos grandes pecuaristas que vimos
até aqui, o mesmo valeria também para o Fundo de Catástrofe.
2.1.4. A rastreabilidade bovina
Outra importante questão que demandou considerável atenção dos grandes pecuaristas ao longo
dos Governos Lula foi a rastreabilidade bovina, entendida como um "conjunto de ações,
medidas e procedimentos adotados para caracterizar a origem, o estado sanitário, a produção e
a produtividade da pecuária nacional e a segurança dos alimentos provenientes dessa exploração
econômica" (PANTANAL CERTIFICADORA, 2016). No Brasil, a rastreabilidade bovina é
gerenciada pelo Ministério da Agricultura por meio do Sistema Brasileiro de Identificação e
Certificação de Bovinos e Bubalinos (SISBOV), "utilizado para a identificação individual de
bovinos e bubalinos em propriedades rurais que têm interesse em vender animais que serão
utilizados para produção de carne para atender mercados que exigem identificação individual"
(MAPA, 2016). Portanto, a rastreabilidade bovina é compreendida pelo Ministério da
Agricultura como uma política necessária à abertura e manutenção de mercados externos à
carne bovina produzida no Brasil. Uma vez que, como veremos, as associações de grandes
pecuaristas pautaram de fato a implementação e desenvolvimento da rastreabilidade bovina no
43
país, a postura destes foi de burguesia interna.
A 26ª edição do Jornal dos Criadores (2003d), referente a fevereiro de 2003, também
teve como foco a pauta da rastreabilidade, a qual teria atenção especial do Ministério da
Agricultura sob o novo governo, como afirmou José Amauri Dimarzio, então secretário-
executivo do ministério (isto é, o segundo posto mais importante da instituição) e membro do
Conselho Deliberativo da ABC. Rodrigues, então ministro da Agricultura, confirmou a
relevância da pauta:
nós consideramos que esse tema é prioridade máxima dentre as medidas e
ações que estamos tomando no Ministério. As possibilidades reais do mercado
internacional para a carne bovina brasileira são muito otimistas; ao mesmo
tempo, o mercado comprador é muito exigente, portanto a rastreabilidade é
um item da maior importância (JORNAL DOS CRIADORES, 2003d, p. 3).
Na edição de número 29 do Jornal dos Criadores (2003a), a pauta em destaque foi uma
portaria emitida no final de março de 2003 pelo então secretário de Defesa Agropecuária do
Ministério da Agricultura, Maçao Tadano, fundando o Comitê Técnico Consultivo do Sistema
Brasileiro de Identificação e Certificação de Origem Bovina e Bubalina, o SISBOV. As funções
desse Comitê foram elaborar e avaliar propostas relacionadas à rastreabilidade, sugerir
alterações que visem melhorar esse Sistema e emitir pareceres técnicos. Da parte
governamental, fizeram parte do Comitê os Departamentos de Inspeção de Produtos de Origem
Animal, de Defesa Animal e de Fiscalização e Fomento Animal; do lado patronal, a ABC, a
ABIEC, a CNA, a ABCZ, o Sindicato Nacional da Indústria de Produtos de Saúde Animal, o
Sindicato Nacional da Indústria de Alimentação Animal, a Associação das Empresas de
Certificação e Rastreabilidade Agropecuária e a Associação Brasileira de Novilho Precoce.
Portanto, os grandes pecuaristas estiveram presentes no Comitê que tratava da rastreabilidade
no Brasil, influenciando o processo.
Em abril de 2003, foi realizado pela ABC um seminário sobre a Instrução Normativa nº
21, relacionada ao SISBOV. O item dessa instrução que mais incomodou a ABC foi a proibição
a associações de criadores de se tornarem certificadoras no processo de rastreabilidade. De
acordo com a entidade, este "fato foi questionado [frente ao Ministério da Agricultura] durante
todo o ano pela ABC, sem sucesso até hoje" (JORNAL DOS CRIADORES, 2003a, p. 4).
Em maio de 2003 ocorreu, no Canadá, a confirmação de casos da doença denominada
de encefalopatia espongiforme bovina, popularmente conhecida como "mal da vaca louca". De
1995 até aquele momento, o Brasil havia importado cerca de 4400 animais daquele país. No
44
Jornal dos Criadores (2003b, p. 1), o então presidente da ABC, Ferreira, afirmou que os "cerca
de 800 animais que continuam no País serão localizados e monitorados"; será "intensificado o
controle sanitário na entrada de animais, enquanto o Ministério da Agricultura desenvolve
estudos visando o aperfeiçoamento das barreiras sanitárias". Em outras palavras, o Ministério
da Agricultura agiu de modo a garantir que mercados importadores não deixassem de comprar
carne bovina do Brasil por causa do surgimento da doença no Canadá, atendendo aos interesses
tanto dos grandes pecuaristas quanto dos grandes frigoríficos exportadores.
Ainda em maio de 2003 a Secretaria de Defesa Agropecuária do Ministério da
Agricultura aprovou uma medida construída no Comitê Técnico Consultivo do SISBOV. A
partir de 15 de junho daquele ano, todo bovino abatido com vistas à exportação à União
Europeia teria de estar registrado no banco de dados do SISBOV com, no mínimo, 40 dias de
antecedência ao abate (JORNAL DOS CRIADORES, 2003b). Isso significa que o Ministério
da Agricultura começara a colocar definitivamente em prática o sistema de rastreabilidade
bovina no Brasil a fim de garantir o acesso ao mercado europeu, fato que foi comemorado pela
ABC (FERREIRA, 2003a).
Na edição de número 35 do Jornal dos Criadores, de novembro de 2003, a pauta da
rastreabilidade voltou à tona e a ABC apoiou a postura de Dimarzio, membro do conselho da
associação e secretário-executivo do Ministério da Agricultura, o qual, "em missão oficial na
França, foi categórico ao afirmar que o Brasil não adotará o sistema de certificação por
propriedade" (FERREIRA, 2003b, p. 2). Isso ocorreu pois, nos meses anteriores, houve um
debate no Brasil acerca de se a certificação deveria ser por propriedade ou por animal
individual. Como a União Europeia exige a certificação por animal, tanto o Ministério da
Agricultura quanto a ABC decidiram-se por esta opção (FERREIRA, 2003b).
O SISBOV continuou sendo o centro das discussões na 36ª edição do Jornal dos
Criadores, de dezembro de 2003. De acordo com a ABC, a partiu de 31 de dezembro de 2003
o período mínimo de 40 dias de registro dos animais no SISBOV passou a valer para todos os
mercados importadores, e não mais somente para a União Europeia. Além disso, os animais
registrados entre 31 de maio e 30 de novembro de 2004 passariam a ter de permanecer no banco
de dados do Sistema por no mínimo 90 dias para poderem ser exportados (JORNAL DOS
CRIADORES, 2003e). Essa extensão do prazo de permanência dos animais no banco de dados
do SISBOV, no entanto, não entrou em vigor no prazo previsto, o que, na prática, estancou o
processo de implementação da rastreabilidade bovina no Brasil (JORNAL DOS CRIADORES,
2004b). Ambas as medidas foram tomadas pelo Comitê Técnico Consultivo do SISBOV graças
45
às propostas apresentadas pela ABC, apesar da resistência dos frigoríficos (JORNAL DOS
CRIADORES, 2003e).
No final de dezembro de 2003, foi a vez de os Estados Unidos apresentarem casos do
"mal da vaca louca" em seu rebanho, o que causou expectativas positivas à burguesia ligada ao
setor da carne bovina no Brasil, uma vez que, com os embargos às exportações estado-unidenses
por parte dos mercados importadores, os produtos brasileiros deveriam ocupar esses mercados.
Porém, a ABC (JORNAL DOS CRIADORES, 2004d, p. 2), ao invés de se deixar levar pela
euforia do momento, preferiu apoiar as medidas mais cautelosas do então ministro da
Agricultura, Roberto Rodrigues:
nos parece acertada a postura que vem adotando o ministro Roberto Rodrigues
acerca das conseqüências para o Brasil do caso norte-americano (sic) da vaca
louca. Buscar novos mercados ou ampliar os atuais, sim. Mas, acima de tudo,
melhorar o sistema interno de defesa da saúde animal. Urge, portanto, que o
ministro [da Fazenda] Palocci libere as verbas solicitadas pelo Ministério da
Agricultura e que este, como planeja Roberto Rodrigues, possa contratar em
caráter de urgência os agentes que precisamos para a vigilância sanitária.
De qualquer modo, o governo brasileiro não perdeu tempo e passou a negociar com o
Japão, a Coreia do Sul, Taiwan, a Rússia e os próprios Estados Unidos a fim de tentar obter
acesso aos mercados desses países. Para tanto, a ABC considerava essencial que o governo
realizasse os investimentos citados na área de defesa sanitária:
Rodrigues espera que a área econômica do governo libere mais R$ 60 milhões,
além dos R$ 68 milhões já previstos no Orçamento de 2004, para desenvolver
ações de prevenção à febre aftosa, entre outras doenças. Segundo o ministro,
o orçamento atual representa cerca de 70% da média da pasta nos últimos oito
anos. Rodrigues também quer autorização para contratar, em caráter
emergencial, 500 agentes de defesa sanitária (JORNAL DOS CRIADORES,
2004c, p. 4).
A 37ª edição do Jornal dos Criadores, referente a janeiro de 2004, destacou a promessa
do então presidente Lula a representantes das cadeias produtivas de carne bovina, suína e de
frango de que "não faltará dinheiro para a defesa sanitária animal", em reunião que aconteceu
no dia 12 de dezembro de 2003, em Brasília, evento que contou também com a presença do
então Ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, e do então ministro do Desenvolvimento,
Indústria e Comércio, Luiz Fernando Furlan (JORNAL DOS CRIADORES, 2004e). No
entanto, nos anos seguintes, o governo federal resistiria à liberação de recursos para a sanidade
animal, fato que causaria desconforto aos grandes pecuaristas.
46
De todo modo, em março de 2004, o então ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues,
assinou a Instrução Normativa nº 08, publicada dia 26 daquele mês no Diário Oficial da União,
a qual complementa as instruções nº 7, de 17 de março de 2004, e nº 18, de 27 de fevereiro de
2004, atualizando e revogando a nº 15, de 17 de julho de 2001, a fim de proibir a importação
de ruminantes, seus produtos e subprodutos de países que tenham registrados casos do "mal da
vaca louca", áreas ainda não inspecionadas e/ou consideradas de risco pela Secretaria de Defesa
Agropecuária do Ministério da Agricultura, reforçando, assim, o sistema brasileiro de
prevenção contra a doença. A mesma Secretaria ainda estabeleceu normas relacionadas aos
requisitos de qualidade para efeito de monitoramento e credenciamento de laboratórios
dedicados ao diagnóstico da doença em ruminantes pela técnica denominada de
imunohistoquímica (JORNAL DOS CRIADORES, 2004f). Em outras palavras, o Ministério da
Agricultura, apesar da falta de recursos, tomou as medidas possíveis para evitar o surgimento
do "mal da vaca louca" no Brasil, já que isso dificultaria as exportações brasileiras de carne
bovina.
Ainda assim, na 40ª edição de seu jornal, de abril de 2004, a ABC denunciou as
dificuldades que o Ministério da Agricultura "vem encontrando para garantir os necessários e
imprescindíveis serviços de fiscalização sanitária" (JORNAL DOS CRIADORES, 2004f, p. 5),
o que, de acordo com a associação, não condiz com a importância que o agronegócio tem para
a economia brasileira e desconsidera perigo das doenças surgidas em outros países (JORNAL
DOS CRIADORES, 2004f).
Em junho de 2004, surgiu no Pará um foco de febre aftosa. Apesar de a doença ter se
manifestado somente em bovinos, a Argentina e a Rússia embargaram, além da carne bovina,
as carnes suína e de frango provenientes do Brasil, o que resultou num prejuízo de cerca de US$
36 milhões. Em consequência disso, o Governo Lula liberou mais R$ 44 milhões para a defesa
sanitária, cujo orçamento inicial era de R$ 68 milhões (JORNAL DOS CRIADORES, 2004a).
Portanto, o governo federal somente liberou recursos direcionados à defesa sanitária após o
surgimento de um caso de doença animal no rebanho bovino brasileiro, e não de maneira
preventiva, como demandavam os grandes pecuaristas.
No mesmo mês, o Ministério da Agricultura atendeu à sugestão do deputado federal
Luiz Carlos Heinze (Partido Progressista(PP)/RS) e criou um grupo de trabalho "com o objetivo
de identificar problemas e propor aprimoramentos no sistema brasileiro de rastreabilidade
animal" (JORNAL DOS CRIADORES, 2004b, p. 5).
47
Em sua 43ª edição, de julho de 2004, o Jornal dos Criadores (2004b) divulgou as
respostas da ABIEC e da ABRAFRIGO, enviadas à ABC por e-mail, às perguntas formuladas
por participantes do seminário "Rastreabilidade Bovina – tudo o que você queria saber mas não
tinha para quem perguntar", evento realizado pela ABC em abril de 2004, o qual não pode
contar com a presença dos representantes dos frigoríficos, embora eles tivessem sido
convidados. A parte mais polêmica do documento se refere à afirmação de ambas as associações
de que a "identificação dos animais é obrigação dos pecuaristas" (JORNAL DOS
CRIADORES, 2004b, p. 6), em referência ao SISBOV, apesar de os frigoríficos serem os
principais interessados nas exportações de carne bovina a partir do Brasil. Não muito tempo
depois, como veremos, a ABC começaria a acusar "certos setores" de implodirem o SISBOV,
impedindo-o de avançar.
Na edição de número 50 do Jornal dos Criadores, de fevereiro de 2005, Ferreira (2005a) chegou
a questionar se o combate da febre aftosa deveria realmente ficar sob responsabilidade do Ministério da
Agricultura. Para ele, seria mais eficaz a criação de uma Organização da Sociedade Civil de Interesse
Público (OSCIP), pois ela, em sua opinião, contemplaria a pluralidade que a situação exige, envolvendo
não só o governo, mas também alguns setores da sociedade civil, como associações de pecuaristas,
frigoríficos, indústrias veterinárias e universidades, além de agilizar a execução das atividades e facilitar
a captação e destinação de recursos financeiros. Entretanto, a proposta do presidente da ABC não se
concretizou, e o combate à febre aftosa continuou sob o comando do Ministério. Em nossa opinião, a
proposta do então presidente da ABC partiu tanto dos posicionamentos contrários à rastreabilidade
bovina no Brasil por parte de “certos setores” da cadeia produtiva, quanto de sua insatisfação com o
tratamento dado pelo Governo Lula no que toca à questão das doenças animais.
A 51ª edição do Jornal dos Criadores, referente a março de 2005, também demonstrou
preocupações da ABC quanto ao SISBOV, o qual, segundo a associação, encontrava-se, à época,
"paralisado e sem rumo, como resultado da pressão ao Ministério da Agricultura de setores
contrários à rastreabilidade" (FERREIRA, 2005c, p. 3). Segundo o presidente da ABC, o marco
desse descaminho foi uma reunião da Comissão de Agricultura da Câmara Federal, realizada
no dia 3 de junho de 2004. Consoante a Dimarzio, então ex-secretário executivo do Ministério
da Agricultura e membro da ABC, "o Ministério sofreu pressão de deputados, que ameaçaram
entrar com um projeto de lei na Câmara Federal que se sobreporia às normas do Sisbov"; e
completou: "há setores trabalhando contrariamente aos interesses do Brasil; predominou uma
falta de visão de longo prazo nas últimas decisões sobre o Sisbov" (FERREIRA, 2005c, p. 3).
Mais uma vez, a ABC não foi clara a quais setores se referia.
48
Na 53ª edição do Jornal dos Criadores, de maio de 2005, Ferreira (2005b, p. 2) voltou a
tratar da questão da rastreabilidade, demandando ações do Ministério da Agricultura:
um tão poderoso quanto retrógado lobby conseguiu jogar trevas sobre um
caminho que se mostrava claro o suficiente para conduzir a rastreabilidade a
seu destino natural de modernizar efetivamente a pecuária brasileira.
Mesmo declarando-se favorável à rastreabilidade, no que piamente
acreditamos, infelizmente o ministro Roberto Rodrigues se viu envolvido pela
avalanche de opiniões contrárias, o que inclui deputados federais que se dizem
representantes da agropecuária.
Um dos resultados do "excelente" trabalho do lobby foi a suspensão do
cronograma, de modo que continua em vigor a permanência de 40 dias na
BND [base nacional de dados]. Outro, foi o descrédito do Sistema. Um
terceiro, está sendo a perpetuação da inércia, por meio da constituição de
incontáveis “grupos de trabalho” com a função de apresentarem “propostas”
para o Sisbov.
A situação, no entanto, chegou no limite. Mesmo que não tenha sido o
causador da pasmaceira atual, chegou a hora de o Ministério da Agricultura
marcar uma posição em relação ao sistema de rastreabilidade bovina no Brasil.
Governar, nos ensinam os dicionários, significa controlar o rumo, dar direção.
Após debates no Fórum Nacional Permanente da Pecuária de Corte, da CNA, e no
Comitê Técnico Consultivo do SISBOV, nos dias 17 e 18 de maio de 2005, respectivamente, o
Ministério da Agricultura aprovou um novo modelo para a rastreabilidade bovina no Brasil, o
qual, em substituição ao SISBOV, contaria com a adesão voluntária dos pecuaristas (fato
criticado pela ABC), a descentralização da Base Nacional de Dados e quatro possibilidades de
identificação dos animais, sendo elas o chip eletrônico, o número de registro genealógico, o
número de manejo da fazenda e a marcação a ferro, ao invés da identificação por brincos
(JORNAL DOS CRIADORES, 2005d).
Na votação do novo sistema, a ABC se absteve: "Em princípio, não somos contra o novo
sistema [...] Pela sua complexidade e também por incluir o altamente questionável processo de
marcação a ferro, entendemos que o novo sistema deveria ser testado e avaliado antes de ser
considerado a opção do Brasil pela rastreabilidade" (JORNAL DOS CRIADORES, 2005d, p.
3). Tal posição foi enviada, via carta, ao então ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues,
sugerindo que o Ministério "mantenha o SISBOV, com as correções sugeridas por nós e outras
entidades" (JORNAL DOS CRIADORES, 2005d, p. 3). A fim de fortalecer sua posição, a ABC
também entrou em contato com o deputado federal Xico Graziano (PSDB/SP), que disse estar
aberto a sugestões a serem encaminhadas à Comissão de Agricultura da Câmara Federal
(JORNAL DOS CRIADORES, 2005d).
49
Tais sugestões surtiram efeito, uma vez que o então secretário de Desenvolvimento
Agrário e Cooperativismo do Ministério da Agricultura, Márcio Portocarrero, enviou uma carta
ao presidente da ABC informando-o que tomara conhecimento do conteúdo publicado na edição
de março de 2005 no Jornal dos Criadores e dizendo: "Espero que, a partir da sua importante
participação na reunião do comitê ocorrida ontem (18/05/2005) aqui no MAPA, sua impressão
sobre a falta de rumo do sistema esteja superada" (JORNAL DOS CRIADORES, 2005d, p. 4),
referindo-se ao SISBOV.
Contudo, as ações do Ministério da Agricultura não agraram a ABC:
Com previsível desapontamento, não podemos deixar de registrar aqui os
efeitos negativos da proposta preparada pelo MAPA, com a aquiescência de
alguns setores da pecuária, sobre o que viria a ser a rastreabilidade bovina no
Brasil. Conforme havíamos alertado ao Ministério da Agricultura, em ofício
enviado no dia 04 de maio, seria melhor que o Brasil não levasse à União
Européia tal proposta, desprovida que era do mínimo de consistência do que
possa ser um sistema de identificação e certificação de animais. No mesmo
documento, sugeríamos que o Sisbov passasse pelos ajustes necessários,
enquanto se decidisse o que fazer em termos do futuro imediato.
A proposta foi levada a Bruxelas, e deu no que deu: com a sua não aceitação,
passamos um carão na frente dos europeus e, o que é pior, abrimos um flanco
para que a comissão da União Européia que virá ao Brasil em agosto refine
suas exigências e coloque o Brasil numa situação de absoluto desconforto –
pior do que já se encontra. Diante desse quadro, não restou – como prevíamos
– outra alternativa que não uma atualização no Sisbov (FERREIRA, 2005e, p.
2).
Em outras palavras, o projeto de rastreabilidade que substituiria o SISBOV acabou não entrando
em vigor, tendo este sido reativado. Além disso, não ficou clara a razão pela qual "alguns setores
da pecuária" apoiaram a substituição do SISBOV.
A edição de número 58-1 do Jornal dos Criadores (2005f), referente a outubro/novembro
de 2005, teve como foco os casos de febre aftosa que ocorreram no Mato Grosso do Sul em
outubro de 2005. Como resultado, 43 países, de diversas regiões do mundo, suspenderam a
compra da carne bovina proveniente do Brasil, parte dos quais, de acordo com opinião
divulgada pela ABC, agiram não de forma técnica, mas política, com destaque à União
Europeia, que teria aproveitado o surto da doença para se fechar aos produtos vindos do Brasil,
cedendo, assim, à pressão de produtores locais – como os irlandeses –, que concorrem com as
mercadorias de origem brasileira.
Consoante a Ferreira (2005g, p. 2), muitos foram os culpados pelo aparecimento da
doença:
O primeiro responsável é o Governo Federal, que desde o início de seu
50
mandato ignorou por completo as solicitações do ministro Roberto Rodrigues
e dos pecuaristas para a liberação de verbas para o MAPA e destinadas à
sanidade animal.
Todos se lembram das “brigas” do ministro Rodrigues com o então ministro
do Planejamento, Guido Mantega, por verbas para o MAPA e para o sistema
de defesa agropecuária de todo o Brasil. Com o ministro da Fazenda, Antonio
Palocci, a história foi a mesma.
E como se vê, agora é tarde para o presidente Lula vir a público para dizer que
“não faltarão recursos para o combate à aftosa”. A tragédia já aconteceu.
Pecou também o MAPA, por não informar à sociedade as suas dificuldades
em poder garantir a segurança de nossas práticas agropecuárias.
Pecaram as entidades e lideranças agropecuárias, sempre otimistas com as
exportações de carne bovina, esquecendo-se da retaguarda, da evolução das
garantias de nossa cadeia alimentar, de novas exportações, da própria aftosa,
da rastreabilidade, da certificação...
Pecaram os políticos e governadores de Estado onde práticas quase primitivas
predominam na nossa agropecuária [...]
Pecaram também alguns pecuaristas, até hoje com visão primitiva, pouco
evoluída, omitindo-se de suas obrigações, práticas sanitárias obrigatórias [...]
E os frigoríficos? Com especial enfoque visando as exportações, se omitem
muitas vezes em não atender aos requisitos básicos e legais, como por exemplo
na entrada de animais para abate.
Todos somos responsáveis!
A fim de minimizar os prejuízos com a doença, Ferreira (2005g) demandou ao Governo
Federal e aos governos estaduais a devolução à pecuária brasileira de uma parte dos "enormes
ganhos" com a arrecadação de tributos que, segundo a ABC, eles obtiveram com o crescimento
das exportações de carne bovina. Dito de outra maneira, o então presidente da ABC – que, como
vimos, sempre pautou a redução de impostos para o setor agropecuário (um "Estado mínimo"
–, na hora da crise, quis a intervenção estatal, a socialização dos prejuízos: um "Estado
máximo". Novamente, podemos perceber a contradição entre o discurso neoliberal e a prática
política dos grandes pecuaristas.
No dia 20 de novembro de 2007, o Ministério da Agricultura anunciou diversas medidas
que visaram atender às pressões dos europeus a fim de que o Brasil pudesse continuar
exportando carne bovina para a União Europeia (JORNAL DOS CRIADORES, 2007a). De
acordo com a ABC (JORNAL DOS CRIADORES, 2007b), pecuaristas e deputados da Irlanda
e do Reino Unido demandavam a proibição total da entrada de carne bovina, a partir do Brasil,
na União Europeia, alegando que o produto brasileiro representaria riscos à saúde dos
consumidores, além de ocorrerem problemas sócio-ambientais no processo produtivo. Este
51
conflito entre os grandes pecuaristas brasileiros e seus concorrentes europeus indica a postura
de burguesia interna que os grandes pecuaristas assumiram ao longo dos Governos Lula no que
se refere à abertura e manutenção de mercados externos.
De qualquer modo, entre os dias 30 de janeiro e 27 de fevereiro de 2008 a carne bovina
proveniente do Brasil foi embargada pela União Europeia (JORNAL DOS CRIADORES,
2008). Uma vez mais, Ferreira (2008a, p. 2) apontou os culpados pelos erros: “pecuaristas,
certificadoras, entidades, frigoríficos e, sobretudo, o Ministério da Agricultura”. A 62ª do Jornal
dos Criadores (2008, p. 8) ainda afirmou o seguinte: “Se o País tivesse feito o que se propôs em
relação ao Sisbov, não estaria passando pela atual situação de desconforto. O problema, porém,
é que o Sisbov nunca foi levado muito a sério – nem pelo governo, nem pelos frigoríficos e nem
por um número expressivo de pecuaristas”.
A mesma edição do Jornal dos Criadores, referente a janeiro/fevereiro de 2008, também
nos informou que, em 14 de julho de 2006, o Ministério da Agricultura instituiu o “novo
SISBOV”, no qual se destacou o conceito de Estabelecimento Rural Aprovado SISBOV
(ERAS), que conta com um conjunto de regras visando a identificação individual dos animais
com vistas à exportação. “Os pecuaristas tiveram até 31 de dezembro de 2007 para se adequar
às regras do 'novo Sisbov', data em que o 'velho Sisbov' deixou de existir” (JORNAL DOS
CRIADORES, 2008, p. 8).
Apesar de a ABC haver comemorado, a princípio, o fim do embargo da União Europeia
à carne bovina exportada do Brasil, a verdade é que as novas exigências do bloco significaram
um bloqueio parcial e muito significativo às exportações brasileiras do produto dali em diante.
Logo, neste quesito, os grandes pecuaristas da ABC também se comportaram como burguesia
interna, uma vez que pautaram pela efetivação da rastreabilidade no Brasil ao longo dos
Governos Lula, entrando, muitas vezes, em conflito com burguesias de formações sociais
imperialistas.
2.1.5. A política externa
A postura de burguesia interna dos grandes pecuaristas também apareceu no que diz respeito às
52
negociações hemisféricas.
A edição de número 25 do Jornal dos Criadores, de janeiro de 2003, destacou a posição
favorável do então ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, à abertura comercial das
"nações ricas" para os produtos agropecuários dos "países em desenvolvimento", podendo o
ministro ser considerado, naquele momento, "uma peça fundamental para o aprofundamento da
abertura do comércio internacional agrícola para o Brasil" (JORNAL DOS CRIADORES,
2003f, p. 4). Assim, a ABC já indicava como viria a se comportar quando o assunto eram as
negociações hemisféricas: a exigência de abertura comercial do setor agropecuário por parte
das formações sociais imperialistas como condição para a firmação de acordos de livre
comércio – uma postura de burguesia interna.
Em dezembro de 2003, Roberto Rodrigues recebeu a homenagem de "Personalidade do Ano"
da ABC, referente a 2003. Na cerimônia de entrega do prêmio, o então ministro da Agricultura concedeu
entrevista ao Jornal dos Criadores, com destaque ao tema das negociações hemisféricas:
Ainda hoje (08/12/2003) ouvi o presidente Lula falando no Egito que ele não
permitirá que se avancem as negociações comerciais na OMC ou na Alca sem
que a agricultura tenha abertura de mercado de verdade. Então é essa a posição
clara do governo brasileiro e estamos confiantes. [...] Fracasso teria sido
aceitarmos as imposições dos Estados Unidos e da União Europeia e, como
sempre fizemos no passado, ceder aos interesses comerciais deles. Desta vez
o Brasil, comandando um grupo de países exportadores agrícolas, o G20, ou
GX como também é chamado, fez um movimento de resistência e enfrentou
as imposições que os países desenvolvidos queriam mais uma vez colocar
sobre nós. Portanto, não houve fracasso para o Brasil (JORNAL DOS
CRIADORES, 2004e, p. 5).
A 40ª edição do Jornal dos Criadores, por sua vez, ressaltou a realização da primeira
reunião do Comitê Consultivo de Agricultura Brasil-Estados Unidos, o qual foi fundado, em
2003, por iniciativa do então presidente Lula e de George W. Bush, o então presidente dos
Estados Unidos. Com isso, criou-se a expectativa, no meio pecuário brasileiro, de as vendas de
carne in natura a partir do Brasil, em direção aos Estados Unidos, se iniciarem ainda em 2004
(JORNAL DOS CRIADORES, 2004f), o que, porém, não se concretizou.
Na 41ª edição do Jornal dos Criadores, o então presidente da ABC, Ferreira (2004b, p.
2), tratou da vitória do Brasil sobre os Estados Unidos no caso do algodão, julgado pela OMC,
resultado considerado como "o prenúncio de que outros processos semelhantes poderão ser
apresentados, com boas perspectivas de vitória [... contra a] concorrência desleal por parte das
nações desenvolvidas". Uma vez mais, os grandes pecuaristas se comportaram como burguesia
53
interna.
Em sua edição de agosto de 2005, o Jornal dos Criadores lamentou o fato de a União
Europeia e a Organização Internacional de Epizootias terem rebaixado a classificação do Brasil
no que se refere ao risco do "mal da vaca louca". Para o então secretário de Defesa Agropecuária
do Ministério da Agricultura, Gabriel Maciel, tais medidas foram uma reação ao crescimento
das exportações de carne bovina a partir do Brasil, visando freá-las (JORNAL DOS
CRIADORES, 2005e). Ora, novamente o governo brasileiro, respaldado pelos grandes
pecuaristas, agiu de modo a confrontar os interesses das formações sociais imperialistas, desta
vez, denunciando as intenções políticas por detrás de uma medida aparentemente técnica.
Em sua 61ª edição, o Jornal dos Criadores também comemorou o fato de a Rússia ter
voltado a importar carne bovina e suína de oito estados brasileiros, que estavam suspensos
desde outubro de 2005 devido aos casos de febre aftosa no Mato Grosso do Sul e no Paraná. A
retomada se deu, segundo a ABC, graças aos esforços empreendidos pelo Ministério da
Agricultura, à época comandado por Reinhold Stephanes (JORNAL DOS CRIADORES,
2007a). Em outras palavras, o governo brasileiro buscou reabrir o mercado russo à carne bovina
produzida no Brasil, atendendo a um setor burguês que possuía interesse pela abertura e
manutenção de mercados externos – um setor que apresentou postura de burguesia interna.
Já o foco da ABCZ no âmbito internacional foi a ampliação do comércio de animais
vivos – com fins reprodutivos, não de abate – e de material genético. Ao longo dos anos 2007-
2010, o Brasil assinou protocolos com o Panamá (exportações de material genético, ou seja,
sêmen e embriões) e com o Egito (exportações de animais vivos) (VIEIRA, 2010a).
Além disso, "Embaixadores de mais de 20 países visitaram a sede da ABCZ em 2009,
em uma ação desenvolvida em conjunto com o governo federal e associações promocionais das
raças com o intuito de abrir novos mercados para o zebu" (VIEIRA, 2010a, p. 70).
O Departamento de Relações Internacionais da ABCZ é o grande responsável por
divulgar a associação, seus serviços e as raças zebuínas internacionalmente. A Agência
Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (APEX-BRASIL), órgão vinculado ao
Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, é sua principal parceira, responsável
pela participação da ABCZ em pelo menos 78 eventos internacionais em 16 países ao longo do
período 2003-2010. Investindo cerca de R$ 900.000,00 por ano, a APEX financia os custos de
participação da ABCZ em eventos internacionais, seus materiais de divulgação e suas despesas
com transporte e alimentação durante os eventos, além de buscar soluções para entraves
54
técnicos e comerciais existentes com outros países e apoiar a vinda, ao Brasil, de empresários,
jornalistas e autoridades governamentais a fim de conhecerem a associação e o agronegócio
brasileiro (REVISTA ABCZ, 2010d).
Outra importante tarefa do Departamento é a busca de soluções para problemas
sanitários enfrentados pelo Brasil no mercado internacional. O Ministério da Agricultura e a
APEX-BRASIL também apoiaram as ações da ABCZ relativas à abertura de mercados à
genética bovina brasileira (REVISTA ABCZ, 2010d).
2.1.6. Os grandes pecuaristas e as classes populares
Se, por um lado, os grandes pecuaristas aceitaram bem às políticas sociais dos Governos Lula
– até porque elas atenderam, ainda que indiretamente, aos seus interesses –, por outro, a política
de ordem do neodesenvolvimentismo, em especial no que diz respeito à manutenção da
propriedade fundiária, foi a principal causa de conflitos entre eles e o governo federal.
A edição de número 25 do Jornal dos Criadores (2003f), de janeiro de 2003, enfatizou
o apoio do então ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, ao programa Fome Zero, o qual,
ainda sob os governos neodesenvolvimentistas, acabaria por ser incorporado ao Bolsa Família.
Rodrigues, referindo-se ao programa, disse que ele "implica maior demanda por alimentos e
isso representa o crescimento da agropecuária e da cadeia do agrobusiness". Em outras palavras,
o
subsídio do governo para a compra de alimentos aumentará a demanda de
produtos agrícolas e pecuários, que, por sua vez, irá incrementar a procura por
sementes, fertilizantes, defensivos, máquinas agrícolas, rações, armazéns,
caminhões para transporte, embalagens e assim por diante (JORNAL DOS
CRIADORES, 2003a, p. 4).
Ora, o Fome Zero foi um importante programa social dos governos neodesenvolvimentistas, o
qual contou com o apoio da ABC pelas razões supracitadas.
A ABCZ, por sua vez, divulgou uma opinião que ressaltou como políticas de incentivo
à aquisição de alimentos, como o Bolsa Família e o aumento real do salário mínimo,
estimularam o aumento da produção e da renda no campo (PIMENTA, 2009b), demonstrando,
55
portanto, seu apoio a essas políticas sociais de cunho neodesenvolvimentista.
Estas foram as duas únicas menções diretas da ABC e da ABCZ à política social dos
Governos Lula. Seja como for, elas parecem ser suficientes para concluirmos que, por
beneficiarem indiretamente aos grandes pecuaristas, os programas sociais
neodesenvolvimentistas puderam contar com o seu apoio.
No que concerne à política de ordem, cabe considerar que, em sua 28ª edição, referente
a abril de 2003, o Jornal dos Criadores publicou uma declaração realizada por Miguel Rossetto,
à época ministro do Desenvolvimento Agrário, sobre a Medida Provisória 2183, "que ajudou a
coibir as invasões de propriedades rurais, tornando-as indisponíveis para efeitos de reforma
agrária durante dois anos" (JORNAL DOS CRIADORES, 2003g, p. 6). Sobre o assunto, disse
Rossetto, dirigindo-se à Sociedade Rural Brasileira em 31 de março de 2003: "Garanto aos
senhores que o governo não irá encaminhar nenhuma proposta de mudança na MP" (JORNAL
DOS CRIADORES, 2003g, p. 6). Em outras palavras, a MP continuaria a coibir as invasões de
terra e a reforma agrária. Neste aspecto, verificamos o conflito entre os grandes pecuaristas,
dentre os quais a ABC, e os movimentos populares pela reforma agrária.
Em sua 32ª edição, de agosto de 2003, o Jornal dos Criadores (2003h, p. 3) divulgou a
nota oficial "O campo produz paz", escrita pelo então ministro da Agricultura, Roberto
Rodrigues, divulgada no dia 25 de julho de 2003, sobre "as declarações de incitação à guerra
contra os produtores rurais feitas pelo dirigente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra (MST), João Pedro Stédile". Sobre o assunto, disse Rodrigues (JORNAL DOS
CRIADORES, 2003h, p. 3):
A sociedade brasileira foi surpreendida com declarações de representantes de
movimentos sociais no campo incitando à guerra contra os produtores rurais.
Trata-se de um absurdo inconcebível, um equívoco brutal, e uma ameaçadora
agressão ao Estado de Direito e à Democracia. Defender uma solução violenta
para a questão agrária é não ter compromisso com o Império da Lei, com a
Democracia e com a Paz.
Tais declarações estão na contramão dos extraordinários avanços econômicos
alcançados pelo campo nos últimos tempos. A ameaça feita contra os
empresários rurais revela total desconhecimento sobre a verdadeira revolução
pacífica vivida pelo agronegócio brasileiro. [...]
O agronegócio é o mais importante setor da economia nacional, responde por
27% do PIB, gerando 37% do total dos empregos no Brasil e garantindo o
saldo da balança comercial [...]. É, na verdade, o setor que mais incorporou
tecnologia nos últimos anos [...] E tudo isto foi feito suportando o peso imenso
de ter que garantir a estabilização da economia e o combate à inflação. [...]
Pois é este setor, que trabalha dia e noite rasgando a fronteira agrícola,
enfrentando o protecionismo externo dos países ricos, abastecendo o povo
56
brasileiro, abrindo mercados estrangeiros na base da eficiência e modernidade,
que vem sendo ameaçado por declarações que não podem ter mais vez no
mundo democrático que todos almejamos. [...]
O campo quer a Paz, sem o quê perde a confiança para investir e continuar a
ser a grande alavanca do desenvolvimento nacional, gerando poupança para a
promoção de outros setores da economia.
O campo precisa da Paz, até porque qualquer guerra não ficará restrita a ele:
terminará invadindo as cidades. O campo quer a reforma agrária para
promover a justiça social e compensar os excluídos rurais, vítimas de erros
passados, de décadas de descaso para com o setor. Mas é absolutamente
imprescindível que esta reforma agrária seja feita dentro da legalidade, com o
respeito à Constituição, ao direito de propriedade e à intocabilidade das terras
produtivas.
O Estado de Direito é a única via para o país seguir avançando. A alternativa
a ele é a barbárie. Esta situação não interessa à Democracia e muito menos ao
cidadão comum, que acaba sendo a grande vítima de uma eventual quebra do
Contrato Social.
Não se pode continuar atribuindo atraso ao setor que mais se desenvolveu no
Brasil, pelo esforço hercúleo dos produtores rurais. O discurso de que o campo
é atrasado é muito mais atrasado: estacionou no século passado, enquanto o
setor rural avançou rumo ao terceiro milênio.
Paz no campo é a verdadeira saída para o desenvolvimento equilibrado.
Preservá-la é uma garantia para atrair investimentos externos produtivos.
Reforma agrária sim, mas dentro da Lei. Sem violência.
Tal nota nos informa a visão e os posicionamentos favoráveis de Rodrigues no que se refere ao
agronegócio e ao capitalismo. Além disso, Rodrigues expôs, na nota, o posicionamento dos
Governos Lula sobre a reforma agrária, indicando o conflito entre os grandes pecuaristas e os
movimentos sociais que lutam por terra. Numa reunião realizada no dia 28 de julho de 2003, a
diretoria da ABC manifestou seu apoio, por meio de uma carta, à declaração do ministro
(JORNAL DOS CRIADORES, 2003h).
Na 41ª edição do Jornal dos Criadores, referente a maio de 2004, o então presidente da
ABC, Ferreira (2004b, p. 2), denunciou o
ritmo empreendido pelo MST em sua prática de tomar de assalto propriedades
agrícolas, fazendo aumentar a vulnerabilidade dos agricultores e pecuaristas e
a desconfiança do mundo em relação ao Brasil. Se o país necessita de uma
reforma agrária, isso deve ser objeto de discussão e deliberação do governo e
da sociedade – e não um simples estandarte que anuncia o terror, o medo e a
insegurança de quem trabalha para o crescimento da nação.
Como podemos ver, a ABC, assim como Rodrigues, também abria espaço, ao menos num nível
discursivo, à reforma agrária. Na prática, no entanto, tanto os grandes pecuaristas quanto o
Ministério da Agricultura agiriam, ao longo dos Governos Lula, de maneira a barrar tal reforma.
Na 52ª edição da Revista ABCZ, de setembro/outubro de 2009, Mendes (2009c), então
57
presidente da associação, demonstrou-se preocupado com o fato de o presidente Lula ter
enviado ao Congresso Nacional uma medida visando a adoção de novos índices para medir a
produtividade da agropecuária para fins de reforma agrária, o que, de acordo com o editorial da
revista, teria sido uma reivindicação do MST (VIEIRA, 2009c).
A quem essa medida vai favorecer? Certamente não serão os milhares de
produtores rurais que enfrentam prejuízos em decorrência de mudanças
climáticas enquanto o Fundo de Catástrofe não sai do papel, nem os
agricultores que estão sufocados pelas dívidas rurais sem uma justa
renegociação até hoje ou os pecuaristas que estão sem receber pelo boi
entregue a alguns frigoríficos.
A Constituição Federal veda expressamente a desapropriação de propriedades
produtivas para fins de reforma agrária (artigo 185). Porém, nas últimas
décadas, vimos muitas fazendas produtivas serem invadidas por movimentos
sociais sob a alegação de improdutividade. Resta saber com base em qual
estudo técnico essas pessoas definiram o conceito de produtividade. Não deve
ter sido no desempenho do setor. Não custa lembrar que somos os grandes
responsáveis pelo saldo positivo da balança comercial, o maior exportador de
carne do mundo e geradores de milhões de empregos diretos e indiretos
(MENDES, 2009c, p. 4).
Na opinião do então senador Valter Pereira (Partido do Movimento Democrático
Brasileiro (PMDB)/MS), o Ministério do Desenvolvimento Agrário pressionava, à época, pela
aprovação da medida, de um lado, "para engordar estatísticas e agradar movimentos sociais";
enquanto o Ministério da Agricultura, de outro, defendia a sua rejeição em apoio aos grandes
ruralistas3, os quais teriam virado "saco de pancada" tanto dos ambientalistas quanto de parte
da mídia, enquanto o executivo federal continuava inerte frente a alguns problemas que
afetavam o agronegócio, tais como o endividamento, a ausência do Fundo de Catástrofe (o qual
viria a ser aprovado em 2010, como vimos), a logística e a infraestrutura, a promoção comercial,
etc. (THOMAZINI, 2009a, p. 16-17).
Em meados de 2010, a Comissão de Agricultura do Senado aprovou, em caráter
terminativo, um projeto de lei que alterou os critérios de desapropriação de terras para fins de
reforma agrária no país. Defendida "no Congresso pela senadora Kátia Abreu, [... a lei] blinda
as propriedades rurais consideradas produtivas, tira poder do Executivo ao submeter eventual
processo desapropriatório ao Congresso Nacional e concede prazos adicionais de adequação a
donos de terras improdutivas" (OCB/MS, 2010), isto é, os índices de produtividade foram
3 Tal declaração do então senador Valter Pereira nos fez pensar, em caráter hipotético, que a estrutura ministerial
dos Governos Lula, no que se refere à divisão entre o Ministério do Desenvolvimento Agrário e o Ministério
da Agricultura, pode ser reflexo da contradição no interior da frente neodesenvolvimentista que opunha, de um
lado, o agronegócio e, de outro, movimentos sociais pela reforma agrária.
58
atualizados, mas isso foi feito pelo Congresso Nacional em atenção aos interesses do
agronegócio, e não dos movimentos sociais.
Na edição de número 56 da Revista ABCZ, de maio/junho de 2010, a associação voltou
a abordar a questão fundiária. De acordo com ela, essa questão "tem sido a principal mola
propulsora das discussões movidas por entidades classistas junto ao Governo Federal"
(THOMAZINI, 2010b, p. 14).
A mesma edição da Revista ABCZ ainda contou com uma entrevista a Moisés Gomes,
superintendente técnico da CNA, na qual foram debatidas as propostas do governo federal
relativas ao Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3). Sobre o tema, disse Gomes:
O texto do PNDH-3 atropela a Constituição no que diz respeito à questão
fundiária. O Programa propunha que, no caso de invasões de terras, o
proprietário que foi privado ilegitimamente de sua propriedade não poderia
mais pedir diretamente à Justiça a reintegração de posse. Antes disso, teria que
negociar com os invasores e submeter essa negociação à análise de um comitê
de monitoramento do Programa. Isso é uma barreira ao direito de acesso à
Justiça e nada pode obstruir um direito constitucional. Condicionar a
concessão de liminares ou a reintegração de posse a mecanismos
administrativos estimula a violência no campo, a invasão de terras e o esbulho
possessório (THOMAZINI, 2010b, p. 14).
Todavia, tais propostas do governo federal teriam sido revistas antes de entrarem em vigor.
Enfim, podemos concluir que os Governos Lula apresentaram certa ambiguidade no
tocante à reforma agrária, a despeito de, em momento decisivos, a tendência haver sido as
políticas estatais beneficiarem o agronegócio, em prejuízo dos movimentos sociais. Em outras
palavras, embora o executivo federal tenha esboçado certas tentativas de avançar na reforma
agrária, isso, na prática, não foi possível. Acreditamos que esse cenário se desenhou devido ao
fato de tanto o agronegócio quanto os movimentos populares pela reforma agrária terem sido
parte da frente neodesenvolvimentista que deu sustentação política aos Governos Lula.
Por fim, seria interessante considerar o posicionamento da ABC frente às greves da
polícia federal e de fiscais agropecuários, as quais foram abordadas na edição de número 40 do
Jornal dos Criadores (2004f, p. 2), referente a abril de 2004:
Tão preparados, nos anos anteriores, em organizar e administrar greves, o
agora presidente Lula e seus assessores estão sendo obrigados a experimentar
o veneno que ajudaram a produzir. E com um agravante: na posição de
governadores dos rumos do país, não sabem recorrer aos antídotos necessários
para combater as causas e neutralizar os efeitos desse veneno. [...]
Enquanto os funcionários da Polícia Federal dificultavam o embarque nos
aeroportos e os fiscais agropecuários faziam paralisar o agronegócio,
resultando em vultosos prejuízos para o País, o que se viu foi um governo de
59
ações retardadas para reverter uma situação que já se sabia iminente meses
antes.
Esperamos que o presidente Lula acorde para o fato de que agora seu papel é
de evitar greves, e não de facilitar que elas ocorram.
Em outras palavras, a ABC se sentiu desconfortável com postura do governo federal em relação
às greves: a associação demandava repressão, enquanto o governo evitava reprimi-las.
Ora, sabemos que a origem do principal instrumento partidário da frente
neodesenvolvimentista, o PT, foi marcada pela construção de greves. Além disso, este partido
apresentou, historicamente, certa afinidade política com o MST, principal inimigo dos grandes
proprietários de terras no Brasil contemporâneo. Como veremos na seção 2.1.8, sobre a
representação e a participação políticas dos grandes pecuaristas, serão estes fatores,
relacionados aos limites da política de ordem dos governos encabeçados pelo PT, que farão este
setor da burguesia no Brasil se identificar politicamente menos com o neodesenvolvimentismo
e mais com o campo conservador, de orientação neoliberal ortodoxa. Antes disso, analisaremos
os conflitos que esses grandes pecuaristas empreenderam, ao longo dos Governos Lula, no
interior do bloco no poder no Brasil.
2.1.7. Os conflitos no interior do bloco no poder
Em sua edição de número 38, de fevereiro de 2004, o Jornal dos Criadores (2004d) abordou
pela primeira vez a questão dos conflitos entre os grandes pecuaristas e os grandes frigoríficos.
Como veremos, tais conflitos marcariam todo o período 2003 a 2010.
Segundo o editorial (JORNAL DOS CRIADORES, 2004d), entre janeiro e novembro
de 2003, o preço médio da carne bovina in natura valorizou 43% no mercado internacional: de
US$ 1.543, a tonelada passou a valer US$ 2.206. Contudo, os pecuaristas não teriam sido
beneficiados por esse aumento; pelo contrário, com a elevação de 6,5% dos custos operacionais
totais4 e com a subida de somente 1,85% do preço pago por partes dos frigoríficos pelo gado,
os bovinocultores teriam sido, no período, prejudicados. Por isso, Ferreira (JORNAL DOS
4 "Equivalentes a desembolsos mensais com salários, insumos, energia elétrica, sal mineral e medicamentos
veterinários" (VALOR ECONÔMICO, 2007, p. 1).
60
CRIADORES, 2004d, p. 3) afirmou que "a 'relação de força entre os pecuaristas e os
frigoríficos' precisa mudar"; e propôs: "Talvez seja hora de o assunto ser discutido na Câmara
Setorial da Cadeia Produtiva da Carne Bovina, contando inclusive com a participação firme do
Governo Federal".
No início de maio de 2003, por iniciativa do então ministro da Agricultura, Roberto
Rodrigues, o governo federal criou a primeira câmara setorial do Conselho do Agronegócio, a
Câmara Setorial da Cadeia Produtiva de Carne Bovina, um canal de diálogo direto entre o
governo e as burguesias ligadas à cadeia produtiva de carne bovina, o que demonstrava a
importância conferida pelo Ministério ao setor. Nas palavras de Rodrigues, a Câmara "é um
órgão fundamental para a discussão das políticas públicas voltadas à bovinocultura e à melhor
organização do setor privado" (JORNAL DOS CRIADORES, 2003b, p. 3). Para Ferreira, então
presidente da ABC, a criação da Câmara significou "não um passo, mas um salto para a
organização da cadeia da carne bovina e a consequente definição de políticas e ações para seu
aperfeiçoamento e crescimento" (JORNAL DOS CRIADORES, 2003b, p. 3). De caráter
consultivo, a Câmara tem como objetivo propor e encaminhar ao Ministério da Agricultura
soluções que visem aprimorar a cadeia produtiva em questão. A ABC e outras vinte
organizações do setor privado, além de nove órgãos públicos subordinados ao governo federal,
integram-na (JORNAL DOS CRIADORES, 2003b).
Entretanto, dois anos após a criação dessa Câmara, em maio de 2005, o mesmo Ferreira,
ainda presidente da ABC, concluiria que tal órgão havia sido esvaziado politicamente por parte
dos grandes frigoríficos, isto é, apesar de existir, ele não criaria efeitos práticos benéficos aos
grandes pecuaristas, que teriam de encontrar outras formas de luta pela valorização da arroba
do boi.
O Jornal dos Criadores (2004a) tornou a tratar dos conflitos entre os grandes pecuaristas
e os grandes frigoríficos em sua 41ª edição, de maio de 2004, ocasião em que falou pela primeira
vez em concentração no setor frigorífico. De acordo com a ABC, o Brasil exportou US$ 1,52
bilhão em carne bovina em 2003, uma elevação de 39% frente ao ano anterior, com US$ 1,096
bilhão. Em compensação, o preço médio pago pelo boi gordo em São Paulo subiu somente 19%,
apenas acompanhando a inflação.
Sobre o tema da concentração, divulgou o editorial: "Dos 351 frigoríficos legalizados
existentes no País, 17 respondem por 98% das exportações, sendo que apenas quatro detêm
cerca de 70% do faturamento no mercado externo” (JORNAL DOS CRIADORES, 2004a, p.
61
4), fato que, segundo a ABC, dificultava a elevação do preço do boi, já que o mercado
encontrava-se sob controle de um pequeno número de empresas (JORNAL DOS CRIADORES,
2004a).
O editorial ainda tratou de duas possíveis soluções para o problema: a adoção de normas
para a classificação de carcaças, que permitiria premiar aqueles que produzem carne de melhor
qualidade; e a união dos pecuaristas, visando racionalizar a produção e diminuir os custos. O
problema da primeira é que, segundo foi divulgado pela ABC, "os frigoríficos se recusam a
reconhecer a qualidade no preço" (JORNAL DOS CRIADORES, 2004a, p. 4), situação que
somente se alteraria caso a procura pela carne de qualidade fosse superior à oferta. No que toca
à segunda alternativa, a associação fez notar que tal união deveria combater não somente os
frigoríficos, mas também as grandes redes de varejo, as quais também lucram em prejuízo dos
pecuaristas (JORNAL DOS CRIADORES, 2004a). Vale a pena notar que, na opinião da ABC,
faltava, à época, unidade política organizativa entre os pecuaristas.
No dia 3 de maio de 2004, Rodrigues assinou – durante a abertura oficial da 70ª
ExpoZebu, organizada pela ABCZ, em Uberaba (MG), onde também recebeu uma homenagem
pelos "relevantes serviços prestados ao Brasil" – a Instrução Normativa nº 9, criando o Sistema
Brasileiro de Classificação de Carcaças de Bovinos. A partir de 2005, os frigoríficos viriam a
ser obrigados a aderir a esse sistema (JORNAL DOS CRIADORES, 2004a).
Numa reunião realizada no dia 7 de julho de 2004, o Conselho Deliberativo da ABC
elegeu, por aclamação, a diretoria executiva da associação para o mandato 2004/2007, sendo
Luis Alberto Moreira Ferreira reeleito presidente, o qual definiu a remuneração ao criador por
parte dos frigoríficos e a rastreabilidade bovina como as pautas centrais para o período
(JORNAL DOS CRIADORES, 2004b).
No dia 30 de agosto de 2004, essa nova diretoria da ABC tomou posse, tendo Ferreira
(2004d) voltado a afirmar que a efetiva participação dos pecuaristas e de suas associações nas
negociações com frigoríficos, visando a melhoria dos preços de venda do gado, seria um dos
focos principais da ABC ao longo do mandato que então se iniciava. Ferreira também destacou,
dentre outras, a pauta da rastreabilidade, da defesa sanitária (buscando a erradicação da febre
aftosa no Brasil) e da defesa da propriedade privada contra as invasões de terras.
Na edição de número 47 do Jornal dos Criadores (2004g), referente a novembro de 2004,
a ABC voltou a falar sobre a remuneração dos frigoríficos aos pecuaristas. Segundo
informações divulgadas pela associação, de janeiro a setembro de 2004 os custos operacionais
62
totais da pecuária de corte subiram, no mercado interno, 8,27%, enquanto que os preços pagos
pelo boi gordo diminuíram em 1,72%. Em contrapartida, no mercado internacional, o preço da
carne bovina in natura passou de US$ 1.736 por tonelada em setembro de 2003 para US$ 2.153,
em média, entre janeiro e setembro de 2004. Isto é, os grandes frigoríficos continuaram
lucrando em prejuízo dos pecuaristas ao longo desse período.
Em fevereiro de 2005, o Jornal dos Criadores (2005f, p. 9) denunciou que foram
encontrados, à época, "documentos que mostram que as indústrias criaram uma tabela única de
preços a serem pagos aos criadores”, ou seja, os frigoríficos formaram um cartel a fim de pagar
menos aos pecuaristas pela arroba do boi.
Em sua edição seguinte, referente a março de 2005, o Jornal dos Criadores (2005a, p. 9)
afirmou que, numa reunião realizada dia 3 de março de 2005, na Delegacia do Ministério da
Agricultura, em São Paulo, “os frigoríficos se comprometeram a suspender, já no dia seguinte,
a utilização da tabela de deságio que reduziu o preço da arroba do boi gordo a partir do final de
janeiro”: o boi com peso de 15 a 16 arrobas valia 5% menos em relação ao período anterior; o
de 14 a 15 arrobas, 10% menos; e o com menos de 14 arrobas, o mesmo que uma vaca, que é
menos valorizada que o macho da espécie (JORNAL DOS CRIADORES, 2005a).
Tal reunião foi articulada pelo ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, e contou
com a participação de representantes dos pecuaristas (ABC e SRB), dos frigoríficos
(ABRAFRIGO, SINDICARNE, Bertin, JBS e Independência) e do próprio Ministério
(JORNAL DOS CRIADORES, 2005a).
Diante das provas colhidas pela CNA com o intuito de apresentá-las ao Conselho
Administrativo de Defesa Econômica (CADE), os frigoríficos deixaram claro que preferiam
suspender o cartel a serem processados (JORNAL DOS CRIADORES, 2005a).
Como reação à tabela de deságio, alguns pecuaristas goianos, incentivados pela CNA,
deixaram de vender bois aos frigoríficos por 30 dias, mas esse boicote teve adesão apenas
parcial (JORNAL DOS CRIADORES, 2005a).
Na opinião do então presidente da ABC, Ferreira (2005c, p. 2), além dos resultados
imediatos, tal acontecimento também serviu para gerar um sentimento de união entre os
pecuaristas, sentimento que, ao longo da história, nunca teria sido uma das características do
setor: "precisou que os frigoríficos promovessem uma ação coordenada de redução do preço da
arroba – o que significa dizer, desqualificar o trabalho e os investimentos dos pecuaristas – para
que nossa classe resolvesse se mobilizar".
63
Ainda de acordo com ele, esse rebaixamento do preço da arroba teria sido "apenas a
gota d'água que fez transbordar um recipiente já cheio de injustiças". E concluiu:
Se tivéssemos um associativismo forte, efetivamente determinado a identificar
as questões mais importantes da pecuária, discuti-las em profundidade e
encaminhar suas soluções, certamente não haveria ambiente para que os
frigoríficos agissem de modo unilateral e coercitivo como vêm fazendo agora
(FERREIRA, 2005c, p. 2).
Contudo, o então presidente da ABC previu o risco dessa união entre os pecuaristas ser frágil e
momentânea, ao invés de vigorosa e duradoura (FERREIRA, 2005c). Ora, tais declarações
também indicam que existia uma falta de unidade organizativa dos grandes pecuaristas.
Tais reuniões, tentativas de acordo e protestos não foram capazes, porém, de mudar o
comportamento dos frigoríficos para com os pecuaristas, uma vez que eles continuaram a agir
de modo a rebaixar forçosamente os preços da arroba do boi (FERREIRA, 2005d). Por isso, no
dia 16 de março de 2005, a CNA os denunciou ao CADE, contando com o apoio do então
presidente da Comissão de Agricultura da Câmara, deputado federal Ronaldo Caiado (Partido
da Frente Liberal (PFL)/GO, atual DEM – Democratas) (VALOR ECONÔMICO, 2005).
Além disso, como solução às disputas entre pecuaristas e frigoríficos, Ferreira (2005d,
p. 2) propôs o fortalecimento da cadeia produtiva de carne bovina, "o que implica
necessariamente que pecuaristas e frigoríficos se vejam como partes integradas de um todo,
portanto dispostas ao entendimento, e não como setores opostos, sempre prontos para o
embate", ressaltando que, em 2003, o Ministério da Agricultura já havia criado a Câmara
Setorial da Cadeia Produtiva da Carne Bovina, a qual, como vimos, conta com todos os setores
ligados ao produto. "Ou seja, já existe um ambiente institucionalizado para o entendimento. Só
falta ser utilizado" (FERREIRA, 2005d, p. 2), concluiu.
Dado o esvaziamento político dessa Câmara, a ABC afirmou que a união dos pecuaristas
seria o único modo de eles conseguirem melhores preços para o boi gordo na venda aos
frigoríficos. E, assim como fizeram estes, "nós, criadores, deveríamos igualmente desenvolver
uniformização do valor (sic)" (JORNAL DOS CRIADORES, 2005d, p. 3), isto é, os pecuaristas
também deveriam criar tabelas de preços, estabelecer preços mínimos para a venda e/ou formar
cartéis (JORNAL DOS CRIADORES, 2005d).
De todo modo, no dia 6 de abril de 2005, o então presidente da ABC, Ferreira,
compareceu numa reunião que aconteceu em São Paulo, ocasião em que, por iniciativa do
Conselho Nacional da Pecuária de Corte, representantes de pecuaristas e frigoríficos
constituíram um grupo de trabalho para discutir os problemas da cadeia produtiva de carne
64
bovina, principalmente a polêmica entre os dois setores relativa ao baixo preço pago pela arroba
do boi gordo. Passaram a compor o grupo de trabalho, do lado dos frigoríficos, a ABIEC, a
ABRAFRIGO e o frigorífico Independência; e, do lado dos pecuaristas, a SRB, a CNA e a
Federação de Agricultura do Rio Grande do Sul (FARSUL) (JORNAL DOS CRIADORES,
2005g).
Entre dezembro de 2005 e agosto de 2007, o Jornal dos Criadores não circulou. Ferreira
(2007, p. 2), reeleito para mais três anos de mandato à frente da ABC, disse o seguinte na 59ª
edição do Jornal dos Criadores, referente a setembro/outubro de 2007: a "pecuária de corte
apresentou uma recuperação ainda não muito grande nos preços ao produtor, mas com grandes
acréscimos nas exportações, a preços muito interessantes". Isto é, a partir do final de 2006, os
preços da arroba do boi apresentaram significativa elevação, o que, porém, ainda não
acompanhava o crescimento das exportações.
De qualquer maneira, o então presidente do Fórum Nacional Permanente da Pecuária de
Corte, da CNA, Antenor Nogueira, pontuou que, por quarto anos consecutivos (2003 a 2006),
os pecuaristas tiveram perdas devido a custos mais elevados do que as receitas. "Nas contas da
entidade, há uma perda de margem na atividade agropecuária de 42%, acumulada nos últimos
quatro anos, por aumento de 32% nos custos de produção e queda de 9,5% no preço da arroba
do boi" (VALOR ECONÔMICO, 2007a, p. 1). A tendência de alta no preço da arroba que se
iniciou em 2007 teria decorrido, em realidade, da escassez de oferta de animais para o abate,
fato que obrigou os frigoríficos a pagarem mais pela matéria prima (VALOR ECONÔMICO,
2007b).
A 49ª edição da Revista ABCZ, de março/abril de 2009, deu voz a um pecuarista que
também denunciou o maior crescimento dos custos de produção em relação ao preço da arroba
do boi. A fim de solucionar tal problema, disse ele, dever-se-ia criar um "CONSECARNE", a
exemplo do Conselho dos Produtores de Cana-de-açúcar, Açúcar e Álcool (CONSECANA),
para garantir preços mínimos à arroba (BAYÃO, 2009a). No entanto, a criação de um
"CONSECARNE" ou de um Conselho de Preços do Boi, outra iniciativa com o mesmo
propósito, não saíram do papel (até onde nossa investigação pode averiguar), fato que, na
prática, representou uma derrota política dos grandes pecuaristas frente aos grandes frigoríficos
e aos grandes varejistas, apesar do apoio discursivo destes à iniciativa.
Em sua 51ª edição, de julho/agosto de 2009, o editorial da Revista ABCZ denunciou
também o grande varejo por não repassar aos consumidores finais às quedas de preço da arroba
65
do boi e da carne bovina nos mercados atacadistas, lucrando, assim, em prejuízo de toda a
cadeia produtiva (BAYÃO, 2009b). Por mais que os grandes pecuaristas não tenham, em geral,
contato direto com o varejo, uma vez que são, no mercado, intermediados pelos frigoríficos, o
poderio econômico dos hipermercados pode ser sentido em algumas ocasiões, principalmente
quando os interesses dos dois elos em questão entram em conflito.
Finalmente, na edição de número 71 do Jornal dos Criadores (2010a), de dezembro de
2010, a ABC voltou a tratar da concentração no setor de frigoríficos. De acordo com o editorial,
a crise econômica mundial iniciada em 2008 provocou a falência de pelo menos 50 pequenos e
médios frigoríficos no Brasil. Em contrapartida, os grandes frigoríficos foram às compras,
adquirindo unidades de abate que entravam em dificuldades financeiras.
Segundo opiniões divulgadas pela ABC, essa situação seria prejudicial aos pecuaristas,
uma vez que tenderia a causar a diminuição do preço pago pela arroba do boi por parte dos
frigoríficos, o que só não estaria ocorrendo, naquele momento, devido à baixa oferta de gado
bovino no mercado. Como soluções, especialistas ouvidos pela ABC apontaram a união dos
pecuaristas, os contratos de compra e venda entre os dois setores e o apoio do governo a
pequenos e médios frigoríficos (JORNAL DOS CRIADORES, 2010a).
A ABC encerrou o ano de 2010 avaliando-o como favorável aos pecuaristas, graças ao
aumento do preço da arroba em 50% em relação a 2009, o que teria ocorrido devido à baixa
oferta de gado bovino no mercado e apesar da concentração dos frigoríficos, da falta de
infraestrutura e da ausência de ajuda financeira aos pecuaristas por parte do governo (JORNAL
DOS CRIADORES, 2011).
Enfim, podemos concluir que, ao longo dos Governos Lula, os grandes frigoríficos
foram capazes de impor aos pecuaristas sistemáticas reduções de preços à arroba do boi – e isso
apesar das diversas tentativas de resistência por parte destes, sejam elas por meio de apelos ao
governo, sejam via articulações políticas entre os próprios pecuaristas. Acreditamos que o ponto
chave por detrás desta situação se encontre no fortalecimento político e econômico dos grandes
frigoríficos, os quais, como veremos no Capítulo 2, se beneficiaram amplamente das políticas
estatais ao longo do período 2003 a 2010.
66
2.1.8. A representatividade e a participação políticas
Nesta seção estudaremos a agenda política dos grandes pecuaristas. Veremos que, ao longo dos
Governos Lula, foi comum a participação política de seus representantes em eventos de posse
de diversos cargos governamentais, em canais institucionais de comunicação direta com o
governo federal (como conselhos, comitês e câmaras, sobre variados assuntos) e em reuniões
com parlamentares e outros "políticos profissionais", os quais não raro seriam homenageados
por suas associações.
A ABC encerrou o ano de 2002 recebendo o então ministro da Agricultura, Pratini de
Moraes, juntamente com aquele que seria o seu sucessor, Roberto Rodrigues, a fim de lhes
entregar a homenagem da associação de "Personalidades do Ano", referente a 2002. Sobre o
acontecimento, disse o então presidente da ABC, Luis Alberto Moreira Ferreira (2003c, p. 2):
"Pratini de Moraes e Roberto Rodrigues não carregavam nos gestos e nas palavras qualquer
indício de oposição entre um e outro, entre um governo [psdbista] que perdera a eleição e outro
[petista] que ganhara". Ademais, afirmou (FERREIRA, 2003c, p. 2) que o "presidente Lula, ao
que parece, está atribuindo ao setor rural a importância que ele merece. A escolha de Roberto
Rodrigues é uma indicação forte".
Ora, tais declarações indicam que a ABC, pela voz de seu presidente, viu uma
continuidade no que toca ao Ministério da Agricultura entre os Governos FHC e Lula, assim
como as homenagens a Moraes e a Rodrigues demonstraram um apoio, uma satisfação com
essa continuidade, a qual se manifestou, por exemplo, quando Moraes concordou com o
posicionamento de Rodrigues sobre as negociações hemisféricas: "Precisamos manter firme
nossa posição contra o protecionismo dos países ricos que injetam um bilhão de dólares por dia
de subsídios na agropecuária" (JORNAL DOS CRIADORES, 2003c, p. 5), denunciou Moraes
ao Jornal dos Criadores.
Já no primeiro dia do ano de 2003, o então primeiro vice presidente da ABC, Rubens
Malta Souza Campos Filho, representou sua associação na posse do então governador de São
Paulo, Geraldo Alckimin (PSDB), e do secretariado deste. No dia 2, o então segundo vice
presidente da associação, Ney Soares Piegas, esteve em Brasília para a assunção de Roberto
Rodrigues ao cargo de ministro do Agricultura, "levando o nome da ABC para uma das mais
prestigiadas e concorridas posses do governo federal" (JORNAL DOS CRIADORES, 2003d,
67
p. 2). Essas presenças ocorreram com "o objetivo de participar de momentos significativos da
vida política paulista e brasileira, e também como forma de expressar seu apoio [da ABC] a
dirigentes públicos comprometidos com as causas e interesses da agropecuária" (JORNAL DOS
CRIADORES, 2003d, p. 2).
No dia 14 de janeiro de 2003, a diretoria da ABC ainda realizou uma "visita de cortesia"
ao deputado estadual Duarte Nogueira (PSDB/SP), então recém empossado como titular da
Secretaria da Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, a fim de manifestar a ele o
apoio da associação (JORNAL DOS CRIADORES, 2003d). Como veremos ao longo desta
seção, as associações de grandes pecuaristas apresentaram, ao longo dos Governos Lula, grande
afinidade política com o PSDB e outros partidos de orientação neoliberal ortodoxa, como o
DEM, seja por meio de "visitas" a eles, seja a eles apelando politicamente em relação a
determinadas pautas, seja apoiando os seus candidatos em períodos eleitorais. Nisto, cabe
ressaltar, os grandes pecuaristas se diferenciaram, em grande medida, de outros setores que,
durante os Governos Lula, também se comportaram como burguesia interna, como foi o caso
dos usineiros paulistas ligados à produção de açúcar e álcool.
Consoante a Boito Jr. (2012b), esses usineiros reivindicavam que a Petrobras se
associasse a eles na produção do etanol para evitar que fossem engolidos pelo capital
estrangeiro, cuja presença crescia no setor. Dito de outra forma, "os usineiros querem proteção
do Estado – no caso, de uma poderosa empresa estatal – para se defenderem da concorrência,
que consideram desigual, que lhes move o capital estrangeiro" (BOITO JR., 2012b, p. 95) – daí
a sua postura de burguesia interna. Ao mesmo tempo, avaliavam negativamente a José Serra,
do PSDB, à época governador de São Paulo.
A avaliação dos grandes pecuaristas aos Governos Lula, por seu turno, foi oscilante: ora
demonstrariam apoio a eles, principalmente voltado ao Ministério da Agricultura; ora os
criticariam negativamente. Já o apoio do setor sucroalcooleiro aos governos petistas foi muito
mais sólido (BOITO JR., 2012b). Abaixo, transcrevemos alguns trechos de uma entrevista
realizada pelo Valor Econômico (2010) a Luiz Guilherme Zancaner, então proprietário do grupo
Unialco e diretor da Unidade dos Produtores de Bioenergia, "entidade de usineiros da região
Oeste de São Paulo, onde está concentrado o rico e produtivo agronegócio da cana no país".
Valor: Como o senhor avalia a atuação do governo Lula no setor?
Zancaner: Na crise, o governo fez a parte dele. Deu crédito, apesar de toda a
burocracia para liberar. O governo Lula foi excepcional para o nosso negócio,
fico até emocionado. O setor fez muito pelo Brasil, mas o governo está
fazendo muito pelo setor. Nunca houve antes política tão boa para nós. O
68
presidente Lula não perde nenhuma oportunidade de ser gentil. Outras pessoas
não perdem a oportunidade de serem desagradáveis, arrogantes.
Valor: É sobre o pré-candidato do PSDB à Presidência, José Serra, que o
senhor está falando? Ele tem sido restritivo à plantação da cana?
Zancaner: Só posso afirmar que o Serra é um excelente administrador, mas
considero que o Serra não vê o setor como o Lula vê. O Lula formou uma
equipe boa, como o ótimo ministro da Agricultura, o Reinhold Stephanes.
Noto que o Lula fez um governo melhor. O [ex-presidente, do PSDB]
Fernando Henrique Cardoso fez as bases, mas Lula e Dilma construíram os
canais conosco.
Voltemos à agenda política dos grandes pecuaristas.
No dia 18 de fevereiro de 2003, a ABC participou, em Brasília, de um jantar entre 87
deputados federais, 11 senadores e o Rural Brasil. Nessa reunião, o então presidente do Rural
Brasil e da CNA, Antônio Ernesto de Salvo, distribuiu aos parlamentares e ao então ministro
da Agricultura, Roberto Rodrigues, um estudo que apontou quatro demandas do Conselho com
o objetivo de incentivar as exportações agropecuárias: "manutenção da Lei Kandir, criação de
mecanismos para facilitar o financiamento, eliminação de impostos incidentes na cadeia
produtiva destinada à exportação e promoção e divulgação dos produtos brasileiros" (JORNAL
DOS CRIADORES, 2003i, p. 3). Vimos, nas seções anteriores, o tratamento do governo federal
em relação ao crédito, aos tributos e, por meio da APEX-BRASIL, à promoção e divulgação
das mercadorias exportadas a partir do Brasil. A Lei Kandir, por sua vez, dispõe "sobre o
imposto dos Estados e do Distrito Federal sobre operações relativas à circulação de mercadorias
e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, e
dá outras providências" (BRASIL, 1996). De acordo com a Agência Senado (2016), uma das
normas que essa lei estabelece é "a isenção do pagamento de ICMS sobre as exportações de
produtos primários e semielaborados ou serviços. Por esse motivo, a lei sempre provocou
polêmica entre os governadores de estados exportadores, que alegam perda de arrecadação
devido à isenção". A Lei Kandir segue em vigência até os dias de hoje (BRASIL, 1996).
Na ocasião, a ABC foi representada pelo seu então primeiro vice presidente, Campos
Filho, "que aproveitou a oportunidade para estabelecer contatos com vários parlamentares,
autoridades e dirigentes de entidades da agropecuária" (JORNAL DOS CRIADORES, 2003i,
p. 3). Além disso, ele também expressou o apoio da ABC "ao ministro Roberto Rodrigues e ao
governo Lula, principalmente no que se refere às medidas para promover a agricultura e a
pecuária do nosso País" (JORNAL DOS CRIADORES, 2003i, p. 3).
69
No dia 26 de março de 2003, o então presidente da ABC, Ferreira, esteve em Brasília
para as posses dos presidentes da Frente Parlamentar da Agricultura, o então deputado federal
Ronaldo Caiado (PFL/GO, atual DEM), e da Comissão de Agricultura e Política Rural da
Câmara Federal, o então deputado federal Waldecir Moka (PMDB/MS). "Entendemos que uma
de nossas missões à frente da ABC é estreitar os laços da entidade com os parlamentares que
decidirão os rumos da agropecuária", afirmou Ferreira, antes de continuar: "Essa é uma forma
de expressar nosso apoio a quem nos representa no Congresso Nacional e também de mostrar
que estamos atentos ao trabalho que esses parlamentares realizam" (JORNAL DOS
CRIADORES, 2003g, p. 2).
A ABC encerrou o ano de 2003 concedendo mais uma vez seu título de "Personalidade
do Ano" a Roberto Rodrigues (JORNAL DOS CRIADORES, 2003e), demonstrando, assim,
que a associação ficou satisfeita com o trabalho do então ministro da Agricultura em seu
primeiro ano de mandato no referido cargo.
No dia 7 de maio de 2004, a ABC definiu, por meio de eleições internas, dez novos
membros efetivos de seu Conselho Consultivo para os três anos seguintes. Os dois candidatos
mais votados foram o ex-deputado federal pelo Partido da Frente Liberal (PFL), atual DEM,
Carlos Eduardo Moreira Ferreira, e o então secretário-executivo do Ministério da Agricultura,
José Amauri Dimarzio (JORNAL DOS CRIADORES, 2004a). Em dezembro de 2004, contudo,
Dimarzio deixaria seu posto no Ministério, fato que foi lamentado pelo então presidente da
ABC, Ferreira (2005h), o qual ainda nos informou que o desligamento de Dimarzio teria sido
voluntário e que os trabalhos realizados por ele na secretária, acompanhados de perto por toda
a associação.
Em sua 43ª edição, referente a julho de 2004, o Jornal dos Criadores (2004b) destacou
a participação da ABC em 7 colegiados em âmbito nacional, entre conselhos, comitês e
câmaras, sendo eles o Rural Brasil; o Comitê Técnico Consultivo do SISBOV; as Câmaras da
Cadeia Produtiva da Carne Bovina, da Cadeia Produtiva do Leite e Derivados e da Cadeia
Produtiva da Agricultura Orgânica; a Câmara Consultiva do Boi Gordo e Bezerro, da Bolsa de
Mercadorias & Futuros; o Conselho Nacional da Pecuária de Corte; e o FENAPEC, ligado à
CNA; além de outras 5 organizações no Estado de São Paulo (JORNAL DOS CRIADORES,
2004b).
No ano de 2004, a ABC, pela terceira vez consecutiva, voltou a oferecer seu título de
“Personalidade do Ano” a Roberto Rodrigues. Na cerimônia de entrega do prêmio, a associação
70
destacou positivamente a atuação do então ministro em relação a alguns temas importantes para
a pecuária de corte, como o combate à febre aftosa, a criação das Câmaras setoriais, a
rastreabilidade bovina, os Planos Agrícolas e Pecuários e as negociações hemisféricas, apesar
da dificuldade encontrada por ele em obter recursos do governo federal (JORNAL DOS
CRIADORES, 2004h).
Em abril de 2005, o Jornal dos Criadores (2005b) publicou uma entrevista ao então
deputado federal Xico Graziano (PSDB/SP), a qual tratou de diversos temas de nosso interesse:
no que toca à relação entre pecuaristas e frigoríficos, Graziano denunciou o excessivo poderio
econômico dos últimos frente aos primeiros, afirmando que atuaria fortemente na Comissão de
Agricultura com o intuito de promover o reequilíbrio dessa relação: "Não é nada contra
ninguém, mas a favor dos produtores, que têm que participar dos ganhos das exportações"
(JORNAL DOS CRIADORES, 2005b, p. 6). Quanto à rastreabilidade, ele disse se tratar de uma
agenda inescapável, mas que o SISBOV, até aquele momento, não teria sido efetivo. Sobre a
defesa sanitária animal, Graziano disse acreditar que o governo gasta muito pouco na área: "O
coitado do ministro [Rodrigues] tem de ficar pedindo dinheiro para uma coisa fundamental.
Mas, graças ao ministro é que ainda temos conseguido recursos" (JORNAL DOS
CRIADORES, 2005b, p. 6). Por fim, o deputado, no que se refere às "invasões de terras",
criticou a postura do Governo Lula:
o governo é dúbio, omisso, e não sabe o que faz com a principal cria dele, o
MST. O Lula está tratando disso como se o MST fosse um filho malcriado. Dá
uns tapinhas, mas não reprime de vez. E é preciso reprimir. A agenda
democrática do Brasil não pode conviver com invasão de terra. [...] o governo
Lula bate e assopra, não sabe o que fazer, está claramente perdido (JORNAL
DOS CRIADORES, 2005b, p. 6).
Em outras palavras, o deputado federal do PSDB apresentou o mesmo posicionamento da ABC
em todos os assuntos supracitados.
Outra confirmação da proximidade política da ABC com o PSDB foi o fato de José
Serra, à época prefeito de São Paulo, ter convidado Nelson Luiz Baeta Neves, então presidente
do Conselho Deliberativo da associação, a presidir o Conselho de Orientação do Fundo
Municipal de Turismo da cidade (JORNAL DOS CRIADORES, 2005b).
Na edição de número 56º do Jornal dos Criadores, referente a agosto de 2005, o então
presidente da ABC, Ferreira (2005g), manifestou, mais uma vez, o apoio de sua associação a
Roberto Rodrigues, devido a notícias na imprensa sobre a possível demissão do então ministro
da Agricultura de seu cargo governamental. De fato, Rodrigues deixaria o posto em questão no
71
dia 3 de julho de 2006, antes, portanto, do fim do primeiro Governo Lula. Além disso, a partir
de 2007, Rodrigues passaria a ser anunciado pela ABC como membro do Conselho Deliberativo
da associação (JORNAL DOS CRIADORES, 2007a).
Rodrigues era, portanto, um representante orgânico da pecuária de corte. Com base nas
seguidas homenagens entregues a ele, nas manifestações de apoio a sua continuidade à frente
do Ministério e no fato de ele se tornar membro do Conselho Deliberativo da associação, fica
evidente que a ABC avaliou positivamente o fato de o primeiro Governo Lula o haver escolhido
para o cargo de ministro da Agricultura.
Na 57ª edição do Jornal dos Criadores, de setembro de 2005, Ferreira (2005f) expôs o
comportamento da ABC frente à "Crise do Mensalão" (embora o editorial não tenha utilizado a
expressão "mensalão"). Segundo Martuscelli (2013), tal crise foi, fundamentalmente, uma crise
do partido do governo, o PT, tendo sido desencadeada pela divulgação, por parte da grande
mídia, de casos de corrupção envolvendo o alto escalão deste partido. Em meio à crise, os
principais partidos de oposição de direita ao Governo Lula, alinhados aos interesses do grande
capital financeiro internacional, procuraram
aproveitar-se dessa situação, adotando a tática de sangria para tentar
inviabilizar a candidatura de Lula nas eleições presidenciais de 2006 e
neutralizar as reformas no modelo neoliberal que o governo vinha
promovendo. Na ausência de um grande movimento de massas, o governo
Lula conseguiu contornar a situação, [...] promovendo encontros e assumindo
compromissos com representantes da grande burguesia interna, substituindo
Palocci por Mantega no Ministério da Fazenda.
Na opinião de Boito Jr. (2012b, p. 80-81), foi, ironicamente, na “Crise do Mensalão”,
na qual “o capital financeiro internacional e a burguesia compradora imaginavam representar o
toque de reunir para reconquistar o poder governamental, foi essa crise que induziu o Governo
Lula a passar para a ação ofensiva na implantação da política neodesenvolvimentista”5.
De acordo com o então presidente da ABC, Ferreira (2005f), sua associação apoiou, em
meio aos escândalos do “mensalão”, a iniciativa da Confederação Nacional da Indústria em
produzir o documento "Crise política – uma agenda mínima para a governabilidade", entregue
aos presidentes da Câmara Federal e da República no dia 5 de agosto de 2005, o qual tratou de
5 Segundo Boito Jr. (2012b, p. 80), os dois Governos Lula não foram homogêneos, embora possuíssem um
elemento de continuidade política: enquanto o primeiro começou cauteloso, "marcado pela tática defensiva,
cujo principal objetivo era não hostilizar o capital financeiro internacional"; o segundo passou para uma tática
ofensiva, implementando a política neodesenvolvimentista em benefício da grande burguesia interna. A "Crise
do Mensalão" foi justamente o "divisor de águas" entre essas duas táticas.
72
questões de infraestrutura, tributos, regulação, reforma do Estado e gestão, inovação e sistema
político, com o intuito de contribuir para minimizar os efeitos da crise política sobre a
economia. Também assinaram o documento as confederações da Agricultura, do Comércio, das
Instituições Financeiras, dos Transportes e a Ação Empresarial. Em outras palavras, a ABC se
somou à postura do conjunto da grande burguesia interna e também apoiou o prosseguimento
do primeiro Governo Lula – ao invés de enfraquecê-lo, como queriam os partidos neoliberais
ortodoxos –, aproveitando-se, contudo, da situação de crise para pressioná-lo a atender seus
interesses, dentre os quais merece destaque a busca pela redução dos juros6.
Contraditoriamente, porém, a afinidade política dos grandes pecuaristas com partidos
de orientação neoliberal ortodoxa, a partir de então, só cresceria: em 2007, por exemplo, a ABC
concedeu seu título de "Personalidade do Ano" à então senadora Kátia Abreu, à época filiada
ao DEM (hoje ao PMDB) (JORNAL DOS CRIADORES, 2007a). Seriam as políticas de ordem
e ambiental dos governos petistas que explicariam, em nossa opinião, as desconfianças dos
grandes pecuaristas de corte para com o neodesenvolvimentismo, fazendo-os se aproximar do
campo político conservador.
Na edição de número 66 do Jornal dos Criadores, referente a setembro/outubro de 2008, o então
presidente da ABC, Ferreira (2008b), tratou de dois temas de nosso interesse. O primeiro se refere ao
anúncio de Kátia Abreu como presidente da CNA, fato comemorado pela ABC. O segundo, à
preocupação da associação com o Decreto 6.514, promulgado no dia 22 de julho de 2008, que trata das
infrações e sanções administrativas ao meio ambiente. Nos anos seguintes, como vimos, as discussões
em torno do Novo Código Florestal seriam destaque para os grandes pecuaristas.
Não por acaso, em 2008, a homenagem da ABC de “Personalidade do Ano” foi entregue
a Silvio Crestana, então presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
(EMBRAPA) (FERREIRA, 2008c), instituição pública de pesquisa vinculada ao Ministério da
Agricultura que seria o ponto de referência técnico dos pecuaristas quando em pauta o Novo
Código Florestal.
Em 2009, a homenagem da ABC passou a se chamar “Personalidade de Destaque”. Mais
uma vez, o prêmio foi entregue a um parlamentar do DEM, tendo sido o então deputado federal
Ronaldo Caiado o escolhido da vez. Embora Caiado não tenha comparecido à solenidade de
entrega do título, ele enviou seu filho em seu lugar, para representá-lo, além de haver gravado
um depoimento em vídeo, que dizia: “[lembro] do trabalho feito junto com a ABC e seu
6 Em 2015 e 2016 – não resistimos não comentar – a postura dos grandes pecuaristas seria diferente: apoiariam
o impeachment de Dilma Rousseff, então presidenta pelo PT (VALOR ECONÔMICO, 2015; JUBÉ, 2016).
73
presidente, Luís Alberto Moreira Ferreira, para garantir na Constituição Brasileira, promulgada
em 1988, o capítulo da reforma agrária, da política agrícola, principalmente o que garante o
direito à propriedade” (FERREIRA, 2009, p. 4), referindo-se especificamente ao artigo que diz
que terras produtivas não podem ser desapropriadas. Além disso, acrescentou:
Graças a isso nós estamos resistindo a este governo [Lula] que tanto
preconceito tem com o produtor rural e tanto desestímulo tem causado ao
homem do campo, que resiste a todo momento, não só às intempéries
climáticas, mas também a toda agressão de um MST, à falta de uma política
de apoio ao setor rural (FERREIRA, 2009, p. 4).
Em relação a Caiado, a ABC ainda destacou a Lei 12.097, de autoria do deputado,
sancionada pelo então presidente Lula no dia 24 de novembro de 2009, a qual trata da
aplicabilidade e conceito da rastreabilidade nas cadeias produtivas de carnes bovina e bubalina
(FERREIRA, 2009). A proximidade política com um grande opositor dos Governos Lula, como
foi Caiado, não poderia ser mais clara.
Em sua 49ª edição, de março/abril de 2009, a Revista ABCZ comentou sobre uma
medida tomada pelo então governador de Minas Gerais, Aécio Neves, do PSDB/MG,
demonstrando, assim, sua afinidade político-ideológica para com ele:
Atento ao empreendedorismo, o governador Aécio Neves [fundou] [...] o Pólo
de Excelência em Genética Bovina com sede em Uberaba. [...]
A ABCZ é parceira do pólo e como contrapartida cedeu instalações para sediar
seu escritório. A implantação do projeto do governo conta com recursos da
Fapemig (Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais).(THOMAZINI,
2009b, p. 54).
Isto é, assim como a ABC, a ABCZ também demonstraria afinidade política com partidos de
orientação neoliberal ortodoxa.
Além disso, em 2009 ocorreu a 75ª edição da ExpoZebu. Pelo terceiro ano consecutivo,
a feira da ABCZ foi sede de uma reunião das Comissões de Agricultura da Câmara e do Senado,
cujo intuito foi debater sobre questões agrárias, fundiárias e de conflito, sendo os temas
principais da reunião a "Relativização do direito de propriedade no Brasil do ponto de vista
indígena, quilombola e de fronteira", a rastreabilidade bovina e a reforma tributária para o setor
agropecuário. "A intenção da ABCZ é que cada vez mais a ExpoZebu ganhe em
representatividade política, de modo que os assuntos referentes ao agronegócio nacional e
estadual possam ser discutidos durante a feira, com a participação de milhares de produtores
rurais", disse o editorial (THOMAZINI, 2009c, p. 75). Acreditamos que o fato de a ABCZ
sediar reuniões das Comissões de Agricultura da Câmara e do Senado demonstra tanto a força
74
política da associação quanto a afinidade política entre ela e as Comissões em questão.
O mais destacado resultado da reunião daquele ano foi a elaboração da "Carta de
Uberaba", que solicitou ao então presidente Lula o apoio a um Novo Código Florestal.
Assinaram a carta a então senadora e presidente da CNA, Kátia Abreu (DEM/TO), o então
presidente da ABCZ, José Olavo Borges Mendes, o então presidente da Comissão de
Agricultura e Pecuária da Câmara dos Deputados, Aberlado Lupion (DEM/PR), e o então vice
presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais, Rivaldo
Machado Borges Júnior, documento que foi entregue ao então ministro da Agricultura,
Reinhold Stephanes, que representou Lula naquela edição da ExpoZebu (THOMAZINI,
2009d).
Stephanes ainda recebeu, no decorrer do evento, o título de Associado Honorário da
ABCZ e a homenagem dos 75 anos da ExpoZebu, esta última juntamente com o então ministro
das Comunicações, Hélio Costa (PMDB/MG), e com o então secretário de Defesa Agropecuária
do Ministério da Agricultura, Inácio Afonso Kroetz (THOMAZINI, 2009d). Durante a feira, a
ABCZ também homenageou a APEX-BRASIL, "em função dos esforços a favor do projeto
Brazilian Cattle Genetics" (REVISTA ABCZ, 2009a, p. 144), que oferta, às regiões tropicais,
tecnologias com base nas raças zebuínas brasileiras. As homenagens a essas autoridades e
instituições demonstram, na nossa opinião, o apoio e afinidade política da ABCZ para com eles.
Ademais, o editorial da Revista ABCZ aproveitou para tecer denuncias às "invasões" de
terras realizadas por movimentos sociais. Também solicitou do governo federal uma reforma
trabalhista que desonerasse a folha de pagamentos do agronegócio, demanda que não foi
atendida pelos governos petistas, de acordo com o investigado por nós. E demonstrou sua
preocupação com a burocratização dos créditos governamentais destinados ao agronegócio
(REVISTA ABCZ, 2009b). Em contrapartida, apoiou a iniciativa do governo de tentar tornar
livres de febre aftosa, até 2010, todos os estados da federação (PIMENTA, 2009c), o que
também não se concretizou, já que o país tenta combater a doença até os dias de hoje.
Na edição de número 51 da Revista ABCZ, de julho/agosto de 2009, o então presidente
da entidade, Mendes (2009b, p. 6), insistiu na pauta do Novo Código Florestal. De acordo com
ele, o "que nos resta é pressionar o governo federal [...] Para isso, precisamos nos unir e, junto
com nossos representantes no Congresso Nacional, senadores e deputados federais da Bancada
Ruralista, lutar por uma revisão justa do Código Florestal".
Em janeiro/fevereiro de 2010, Mendes (2010a) voltaria a reforçar a necessidade de união
75
entre os pecuaristas, pois, de acordo com ele, só assim suas vozes seriam ouvidas nos principais
âmbitos políticos do país. O presidente da ABCZ também aproveitou para convidar a todos os
pecuaristas para a próxima edição da ExpoZebu, ocasião na qual a ABCZ homenagearia, com
a medalha "Mérito Parlamentar", deputados federais e senadores que, na perspectiva da
associação, lutaram em prol dos interesses do agronegócio durante o ano anterior (2009), quais
sejam: Abelardo Lupion (DEM/PR), Aelton Freitas (Partido da República (PR)/MG), João
Alberto Fraga Silva (DEM/DF), Benedito de Lira (PP/AL), Beto Rosado (PP/RN), Carlos
Willian de Souza (Partido Trabalhista Cristão/MG), Dilceu João Sperafico (PP/PR), Eduardo
Francisco Sciarra (Partido Social Democrático (PSD)/PR), Felix de Almeida Mendonça
(Partido Democrático Trabalhista/BA), Jairo Ataide Vieira (DEM/MG), João Bittar Júnior
(DEM/MG), João Lúcio Magalhães Bifano (PMDB/MG), José Carlos Machado (DEM/SE),
José Santana de Vasconcellos Moreira (PR/MG), Kátia Abreu (DEM/TO), Leonardo Moura
Vilela (PSDB/GO), Marcos Guimarães de Cerqueira Lima (PP/MG), Marcos Montes Cordeiro
(PSD/MG), Rubens Moreira Mendes Filho (Partido Popular Socialista (PPS)/RO), Nelson
Marquezelli (Partido Trabalhista Brasileiro (PTB)/SP), Osório Adriano Filho (DEM/DF), Paulo
Piau (PMDB/MG), Ronaldo Caiado (DEM/GO), Sabino Castelo Branco (PTB/AM), Virgílio
Guimarães de Paula (PT/MG), Waldemir Moka (PMDB/MS) e Wandenkolk Pasteur Gonçalves
(PSDB/PA) (VIEIRA, 2010a). Tais parlamentares, em sua maioria, eram membros de partidos
de orientação neoliberal ortodoxa e compunham a Bancada Ruralista. Em outras palavras, a
ABCZ também entendeu que, ao longo do período em análise, faltou união política entre os
pecuaristas. Além disso, a associação se sentia representada pela Bancada Ruralista, fato que
foi demonstrado com a homenagem à parcela significativa de seus membros.
A associação também voltou a entregar a comenda "Mérito ABCZ" a Inácio Afonso
Kroetz, então secretário de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura, além de oferecê-
la, dentre outros, a Eurípedes Barsanulfo da Fonseca, fundador da União Democrática Ruralista
(UDR) e do PFL (hoje DEM) (VIERA, 2010b), o que reforça não só o argumento da afinidade
política da associação com políticos de orientação neoliberal ortodoxa, mas também com a
gestão à época do Ministério da Agricultura.
No encerramento do ano de 2009, a Revista ABCZ entrevistou o então secretário de
Estado de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior de Minas Gerais, Alberto Duque Portugal, que
comentou sobre alguns desafios a serem vencidos pelo agronegócio, como o real valorizado
frente ao dólar, a falta de logística e infraestrutura e, no caso específico da pecuária bovina, a
sanidade e a rastreabilidade (THOMAZINI, 2009e). Portugal, que foi nomeado pelo então
76
governador de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB/MG), parecia refletir os posicionamentos da
ABCZ sobre esses assuntos, mais um indício da proximidade da associação com partidos de
orientação neoliberal ortodoxa.
Em sua edição de 2010, mais uma vez a ExpoZebu foi um importante espaço político,
desta vez trazendo à tona debates relacionados às eleições presidenciais daquele ano. Assim, na
abertura daquela edição da feira, o então presidente da ABCZ, Mendes, pautou diversos temas
chaves à época para o agronegócio, como "invasão de terras", Novo Código Florestal, logística,
financiamento e preços. Ouviram o discurso do então presidente da ABCZ: o então vice
presidente da República, José Alencar (Partido Republicano Brasileiro/MG), que afirmou ser
contrário às "invasões de terra" e firmou um baixo-assinado pela implementação do "Plano
Nacional de Combate às Invasões de Terras"; o então presidente da Câmara dos Deputados,
Michel Temer (PMDB/SP); o então ministro da Agricultura, Wagner Rossi (PMDB/SP); o então
governador de Minas Gerais, Antônio Anastasia (PSDB/MG) (MENDES, 2010b), que, durante
a feira, ainda assinou uma autorização para investimento, por meio da FAPEMIG, de R$ 2.140
milhões, destinados a ações do Polo de Excelência em Genética Bovina (THOMAZINI, 2010a);
além de membros do Judiciário, senadores, deputados federais e estaduais, prefeitos, vereadores
e lideranças rurais. A então presidente da CNA e senadora, Kátia Abreu (DEM/TO), aproveitou
a ocasião para entregar aos presidenciáveis Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB) o
documento "O que esperamos do próximo presidente", o qual contou com a elaboração da
ABCZ, dentre outras associações (MENDES, 2010b).
O então presidente da ABCZ também ressaltou a "Medalha 150 Anos" que o Ministério
da Agricultura, em virtude do aniversário desta instituição governamental, ofereceu à
associação pelo trabalho prestado em prol do desenvolvimento da pecuária brasileira
(MENDES, 2010d).
Na edição de número 55 da Revista ABCZ, referente a março/abril de 2010, Mendes
(2010c, p. 6) comentou sobre a visita da então candidata à presidência da República, Dilma
Rousseff, à sede da associação, ocasião na qual ele apresentou a ela alguns problemas que, em
sua opinião, afetavam à época o setor da carne bovina, tais como a insegurança jurídica
(ocupações de terras), as deficiências de logística, a escassez de crédito e uma legislação
ambiental defasada e burocrática (Novo Código Florestal). Além disso, o presidente da ABCZ
reivindicou a escolha de um ministro da Agricultura "competente e capaz de dialogar com o
setor, como foram Pratini de Moraes, Roberto Rodrigues e Reinhold Stephanes".
77
O então candidato do PSDB à presidência, José Serra (PSDB), também visitou a sede
da ABCZ, em companhia de Aécio Neves (PSDB/MG) e do então governador de Minas Gerais,
Antônio Anastasia (PSDB/MG) (REVISTA ABCZ, 2010e). Segundo Felício (2010, p. 1), do
Valor Econômico, Serra foi recebido na ABCZ "com o estribilho musical usado na TV para
marcar as vitórias de Ayrton Senna na Fórmula 1". Na ocasião, o presidente da ABCZ, Mendes,
afirmou que a principal preocupação dos pecuaristas se direcionava a movimentos sociais como
o MST, que influenciavam o governo federal sobre temas "que afetam direitos de propriedade,
como a redefinição dos limites de reserva legal no Código Florestal, a revisão dos índices de
produtividade e o descumprimento de ações de reintegração de posse".
De acordo com Maia (2010, p. 1), também do Valor Econômico, a então candidata do
PT à presidência, Dilma Rousseff, poderia
preparar o discurso que for, declarar-se contra invasões de terra, mas a
realidade presenciada na Expozebu 2010, em Uberaba (MG), é de que será
difícil superar a desconfiança dos pecuaristas em relação à sua política. O
passado de militância socialista da ex-ministra, somado à postura do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva com o Movimento dos Sem-Terra (MST),
considerada condescendente pelo agronegócio, faz de Dilma uma candidata
que deixa o setor "aterrorizado", segundo um influente pecuarista que pediu
para não ser identificado. "Temos medo do histórico de Dilma", diz.
Já o pré-candidato do PSDB, José Serra, conta com a simpatia do grupo e é
elogiado pela forma como tem lidado com o MST em São Paulo [Estado onde
foi governador entre 2007 e 2010]. Nem mesmo sua política de arrecadação
de impostos, avaliada por pecuaristas como abusiva, interfere na avaliação da
categoria sobre ele. "O Serra não é produtor, mas nas oportunidades que teve,
lidou bem com os problemas de invasão e procurou pacificar regiões de
conflito", diz Paulo Ferolla, diretor da Associação Brasileira dos Criadores de
Zebu (ABCZ). Como Serra consegue pacificar? "Agindo antes, se há um
agrupamento de pessoas sem fazer nada em frente a uma propriedade, a polícia
chega antes da invasão e tira eles de lá", explica Ferolla.
Maia (2010) ainda afirmou que esse posicionamento aberto dos pecuaristas era compreensível,
uma vez que a resistência do setor a Lula somente foi superada posteriormente, com as escolhas
do ex-presidente para o Ministério da Agricultura.
Novamente, seria interessante comparar a postura dos grandes pecuaristas à dos
usineiros paulistas. Mais uma vez, recorremos à entrevista do Valor Econômico a Zancaner:
Valor: E o senhor acha que a Dilma vai dar continuidade [às políticas dos
Governos Lula direcionadas ao setor sucroalcooleiro]?
Zancaner: A Dilma foi muito clara quando esteve aqui, em Araçatuba. A linha
é de continuar a política de Lula.
Valor: O senhor esteve com ela?
Zancaner: Sim, conversei com ela. Sinto que a maioria do setor, mesmo com
78
os problemas com o MST, tem afinidade com a ministra e um diálogo muito
bom. O governador Serra é mais fechado, não temos diálogo com ele.
Valor: O senhor tem diferenças ideológicas com o atual governo e com a
ministra Dilma?
Zancaner: Fui fundador da UDR de Araçatuba, em 1988. Sou muito amigo do
Ronaldo Caiado. Tenho divergências ideológicas tanto com Lula quanto com
a ministra. Tenho divergência em relação ao MST, nessa questão dos direitos
humanos, do ministro Vannuchi [Ministro de Estado-Chefe da Secretaria de
Direitos Humanos entre 2006 e 2011], a quem sou muito crítico. [...]
Valor: Quer dizer que esse apoio ao governo Lula e à Dilma é uma questão
pragmática?
Zancaner: É uma questão pragmática, do nosso negócio. O governo, por
exemplo, se preocupa com a desnacionalização do setor, o que é importante
para nós. Nessa questão é importante ter equilíbrio, é interessante o capital
estrangeiro vir porque melhora o preço dos nossos ativos. E nós precisamos
desse capital. Mas precisa ter equilíbrio. O custo de capital deles é muito
menor por causa dos juros que eles encontram lá fora.
Valor: O governo poderia oferecer juros mais baixos, no patamar do
americano (sic)?
Zancaner: Poderia ser juro mais barato do BNDES.
Valor: A ministra Dilma defende o fortalecimento dos grupos nacionais do
setor de etanol. Qual seria a maneira de fazer isso além de aumentar a oferta
de financiamento?
Zancaner: Por que a Petrobras não pode participar dos grupos nacionais? O
governo deverá fortalecer e tem condição de dar sustentação dos grupos
nacionais para dar equilíbrio ao capital nacional. Hoje, o capital estrangeiro já
tem 25% de toda a produção de cana do Brasil.
Valor: Como poderia ser essa participação da Petrobras?
Zancaner: A Petrobras tem mais chance de entrar na produção de etanol, na
usina. A empresa já faz contratos de exportação com o Japão, já tem estrutura
de distribuição.
Valor: O senhor defende que a Petrobras plante cana ou seja proprietária de
terras?
Zancaner: Não, seria uma participação só nas usinas.
Valor: Os usineiros sempre foram adversários do PT. O senhor acha que
contraria a tendência?
Zancaner: Temos deputados do PSDB, DEM, PP, PPS. Eles têm atividade
conosco. Acredito que o Serra vá sinalizar qual é a política para o setor, o que
ele quer para o etanol. O Alckmin dialogava com o setor, fez um rearranjo do
ICMS do setor, fez a lei das queimadas, mas o Serra modificou e diminuiu o
prazo para reduzir as queimadas.
Valor: O senhor acha o governo Lula bom, para além do seu setor?
Zancaner: Sou um sujeito de direita, sou a favor da livre iniciativa, mas tenho
sensibilidade social. O Bolsa Família mudou o Nordeste. Tinha gente sem
dinheiro para comer ou para comprar uma pasta de dente. A situação fora de
São Paulo, do Sudeste, é muito diferente. O Brasil ainda tem muita miséria.
79
Dito de outra maneira, a condição de burguesia interna dos usineiros (o seu apoio a políticas de
cunho neodesenvolvimentista, a sua necessidade de proteção por parte do Estado frente ao
capital estrangeiro, etc.), se sobrepôs, neste caso, às discordâncias com a política de ordem dos
governos petistas, possibilitando um sólido apoio político a eles. Em contrapartida, os grandes
pecuaristas – provavelmente por não sofrerem tanto quanto os sucroalcooleiros a concorrência
de capitais estrangeiros, ao menos no que toca à criação de gado bovino e à indústria frigorífica7
– não puderam apoiar tão firmemente os governos neodesenvolvimentistas, aproximando-se,
assim, do campo conservador, o qual oferecia a eles uma política de ordem mais dura, repressiva
para com os movimentos sociais de luta pela terra.
De qualquer modo, Amauri Dimarzio, que foi secretário-executivo do Ministério da
Agricultura por certo período do primeiro Governo Lula, amenizou os discursos dos grandes
pecuaristas ao dizer, ainda na ExpoZebu 2010, que o então presidente Lula sempre esteve aberto
a ouvir o agronegócio. Por isso, na prática, segundo ele, tornava-se relativa a preferência entre
Dilma e Serra, dado que "o setor não espera grandes mudanças, independente de quem ganhar
as eleições" (MAIA, 2010, p. 1).
Quanto à avaliação aos Governos Lula, apareciam divergências entre os
bovinoculturores de corte: segundo o então presidente da ABCZ, Mendes, "o setor teve
conquistas importantes, como a importação de novas linhagens de bovinos da Índia. "Para
Ferolla [então diretor da ABCZ], porém[,] a continuidade da política atual seria muito ruim.
Um pecuarista, em off, diz que votou em Lula, mas não vota na Dilma" (MAIA, 2010, p. 2).
De qualquer maneira, o fato foi que a recepção mais calorosa a Dilma na ExpoZebu
2010 ficou por conta dos pequenos pecuaristas (MAIA, 2010). Assim como foi evidente o
desconforto dos grandes pecuaristas com a candidata neodesenvolvimentista, sendo as suas
preferências direcionadas ao candidato neoliberal ortodoxo.
Na 70ª edição do Jornal dos Criadores (2010b), de setembro de 2010, a ABC deu destaque aos
documentos formulados pela CNA e pela Associação Brasileira de Agrobussines (ABAG) e enviados
aos principais candidatos das eleições presidenciais daquele ano.
O documento construído pela CNA, denominado de “O que esperamos do próximo
Presidente 2011-2014 – A agropecuária brasileira pede passagem”, teve como temas principais
a insegurança jurídica (preocupações com as “invasões” de terra), a política agrícola (mais
7 Como veremos no Capítulo 2, a partir da década de 1990, o setor frigorífico passou a ser completamente
controlado, no Brasil, por capitais de origem nacional, indo na contramão das políticas neoliberais ortodoxas
que predominaram na década em questão.
80
proteção estatal ao agronegócio e mais recursos), a infraestrutura (demanda por investimentos
em transporte ferroviário, fluvial e marítimo) e o meio ambiente (por um Novo Código
Florestal). Tal documento norteou o encontro da entidade com os candidatos à presidência, no
dia 1 de julho de 2010, na sede da CNA, em Brasília, ocasião em que apenas o candidato do
PSDB, José Serra, compareceu. A CNA considerou o documento como “livre de quaisquer
laivos partidários ou ideológicos (sic)” (JORNAL DOS CRIADORES, 2010b, p. 9) e um
sumário de cinco grandes encontros rurais realizados no primeiro semestre de 2010, “nos quais
foram colhidos os anseios e reivindicações do campo” (JORNAL DOS CRIADORES, 2010b,
p. 9), sendo a síntese de todos esses encontros formulada num seminário ocorrido em São Paulo,
nos dias 24 e 25 de março (JORNAL DOS CRIADORES, 2010b).
Já o documento da ABAG foi intitulado “Agronegócio – Desenvolvimento e
Sustentabilidade – Plano de Ação 2011/2014/2020”, finalizado no início de junho, também em
São Paulo, durante um encontro que reuniu mais de 50 entidades do setor no Conselho Superior
do Agronegócio, da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo. O documento conta com
seis pontos principais: garantia de renda ao produtor rural (crédito e seguro rurais, preços
mínimos, isenções, etc.); infraestrutura; comércio exterior (abertura de mercados); pesquisa,
desenvolvimento e inovação; defesa agropecuária (principalmente no que toca à febre aftosa);
e institucionalidade (melhor coordenação das instituições estatais) (JORNAL DOS
CRIADORES, 2010b).
A ABC apoiou a ambos os documentos.
Com a vitória de Dilma Rousseff nas eleições presidenciais de 2010, Ferreira (2011, p.
2) comentou que a manutenção do então ministro da Agricultura, Wagner Rossi, na passagem
do Governo Lula ao Dilma, “nos parece bastante boa”, dando destaque aos posicionamentos
favoráveis do ministro ao Novo Código Florestal, a sua disposição de lutar contra a alteração
dos índices de produtividade no campo e de sua afinidade com o agronegócio. “Dessa forma,
nos resta torcer para que os demais escolhidos pelo governo federal para ocupar cargos na área
do agronegócio façam juz (sic) a isso e trabalhem em conjunto com o Ministério da Agricultura
combatendo invasões anunciadas e já em andamento pelo MST”.
A ABCZ, por sua vez, encerrou o ano de 2010 com um balanço das eleições à Câmara dos
Deputados. Apesar de o quadro de representantes da Bancada Ruralista ter diminuído em 38,59% em
relação ao mandato anterior, a associação afirmou acreditar que isso não significou uma perda de força
política. Segundo opinião divulgada pela ABCZ, os principais temas a serem debatidos dali para frente
seriam a aprovação do Novo Código Florestal (o que viria a se concretizar, como vimos), a redução da
81
carga tributária dos custos de produção, o aumento de recursos para o seguro agrícola e as assimetrias
entre os países do MERCOSUL (THOMAZINI, 2010c).
Quando Mendes (2010d, p. 4), então presidente da ABCZ, chegou ao fim de seu mandato de
três anos à frente da associação, resumiu o período 2007-2010 da seguinte forma:
Lutamos pelo fim da cobrança do PIS/COFINS (frigoríficos), do
FUNRURAL, por mudanças no sistema de rastreabilidade, pela redução dos
preços dos insumos, por uma revisão justa do Código Florestal, pela melhoria
do sistema sanitário, pela retomada da importação de embriões zebuínos da
Índia, pelo combate às invasões de terra, pela manutenção dos atuais Índices
de Produtividade e participamos de campanha para rebater as acusações dos
criadores ingleses em relação à qualidade da carne brasileira.
Por fim, no dia 16 de dezembro de 2010, o Valor Econômico (2010) divulgou que, a
partir de janeiro de 2011, Antenor Nogueira, então presidente do FENAPEC, ligado à CNA,
assumiria, a convite do então governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), a Agência Goiana
de Defesa Agropecuária. Trata-se de mais uma forte ligação entre os representantes dos grandes
pecuaristas e os partidos políticos neoliberais ortodoxos.
A seguir, apresentamos uma breve nota sobre os pequenos e médios pecuaristas ao longo
dos Governos Lula, ressaltando a sua incapacidade de organização em âmbito nacional como
um indício de sua fraqueza política.
2.2. Breve nota sobre os pequenos e os médios pecuaristas: a ausência de
organização em âmbito nacional como fraqueza política
O território brasileiro é o quinto maior do mundo, com mais de 8,5 milhões de km² de extensão,
sendo cerca de 20% desse território ocupado por pastagens, em regiões de clima tropical, que
são propícias à criação de gado bovino em sistema extensivo. Portanto, não é por acaso que a
criação bovinos seja a principal atividade produtiva desenvolvida no campo, estando presente
em mais de 30% das propriedades rurais (CYRINO, 2014).
Entretanto, o país apresenta também uma das maiores concentrações de terras de todo o
mundo. Consoante ao Censo Agropecuário 2006, divulgado pelo Instituto Brasileiro de
82
Geografia e Estatística, os estabelecimentos rurais com menos de 10 hectares, apesar de
representarem 47% do número de propriedades, ocupam 2,7% do território destinado à
agropecuária no Brasil, enquanto que os estabelecimentos com mais de 1000 hectares
representam cerca de 1% do total do número de propriedades e ocupam 43% da área total. E
estamos nos referindo a um total de 5,2 milhões de propriedades rurais, que ocupam mais de
329 mil hectares ou o equivalente a 36,75% do território brasileiro (CYRINO, 2014).
O mesmo censo ainda revela que somente 22% das propriedades agropecuárias recebem
algum tipo de orientação técnica. E, via de regra, quanto maior é o estabelecimento rural, maior
é o emprego de técnicas avançadas.
Ora, esses dados revelam uma estrutura produtiva extremamente desigual, que divide,
de um lado, grandes proprietários relativamente bem capitalizados, e, de outro, pequenos e
médios, que não raro se encontram em situação de subsistência (CYRINO, 2014).
Essa desigualdade se reflete na esfera política. No caso da pecuária bovina de corte, os
grandes pecuaristas são capazes de se organizar politicamente, em âmbito nacional, em
associações de orçamentos anuais milionários, sendo a ABCZ um bom exemplo, as quais são
capazes de influenciar em grande medida a ação estatal, como vimos; já os pequenos e médios
pecuaristas, em geral, nem sequer se organizam politicamente e, quando o fazem, isso se dá
somente em localidades muito específicas, uma vez que eles não têm sido capazes de se
articularem nacionalmente, a não ser talvez em organizações mais generalistas, tais como a
CONTAG.
O resultado disso tem sido uma marginalização política dos pequenos e médios
pecuaristas quase que absoluta ao longo da história do Brasil – eis como a falta de organização
política dos pequenos e médios pecuaristas pode ser entendida como fraqueza política.
Nos Governos Lula, algumas medidas direcionadas às camadas mais pobres da
população e à agricultura familiar acabaram, em tese, por beneficiar os pequenos e médios
pecuaristas, como o Bolsa Família, programas de asseguramento de preços mínimos e de
mercados a certos produtos agropecuários, financiamentos e assistências técnicas, etc. Contudo,
pensamos ser seguro afirmar que as políticas neodesenvolvimentistas voltaram-se muito mais
às necessidades do grande capital do que às dos pequenos e médios no que diz respeito à
bovinocultura de corte, embora o neodesenvolvimentismo tenha atendido mais os interesses
destes do que o fez o neoliberalismo ortodoxo.
83
De qualquer forma, não é demais observar que parte das medidas que beneficiaram os
pequenos e médios pecuaristas só puderam ocorrer pois também atendiam aos interesses do
grande capital, como foi o caso do Programa de Melhoria de Qualidade Genética do Rebanho
Bovino, projeto da ABCZ que facilita a venda de touros puros de origem de grandes para
pequenos e médios pecuaristas ou, de certa forma, programas como o Bolsa Família, que, como
vimos, acarretam em maior demanda para o conjunto do agronegócio.
84
3. Capítulo 2: Os Frigoríficos
Até o século XIX, a mercadoria mais aprimorada à base de carne bovina produzida no Brasil
era o charque. Foi somente no início do século XX – com a chegada de grandes e
tecnologicamente sofisticados conglomerados econômicos de origem estado-unidense e
inglesa, os quais predominaram no mercado nacional até meados da década de 1970 – que a
indústria frigorífica propriamente dita se instalou no país, produzindo, no princípio, carnes
congeladas e enlatadas com vistas à exportação, uma vez que a demanda internacional por
proteína foi grande ao longo do período que recobre as duas Guerras Mundiais (1914 a 1945)
(ZUCCHI; CAIXETA-FILHO, 2010).
Contudo, esses grandes frigoríficos conviveram, principalmente durante as décadas de
1920 e 1930, com um grande número de pequenos matadouros, que abasteciam o mercado
interno com, além do charque, carnes frescas e produtos de salsicharia (ZUCCHI; CAIXETA-
FILHO, 2010).
Nas décadas de 1940 e 1950, devido ao acelerado processo de urbanização então em
curso, começaram a surgir no país frigoríficos de médio porte, "dotados de tecnologia de
refrigeração e equipamentos mais eficientes para o abate, demonstrando uma diferenciação
tecnológica se comparados aos antigos matadouros" (ZUCCHI; CAIXETA-FILHO, 2010, p.
22), o que, na prática, significou um aumento considerável da produção de carne fresca voltada
ao mercado interno. Já na década de 1960, esses frigoríficos de médio porte passaram a
produzir, além de carnes frescas, refrigeradas e congeladas, embutidos e enlatados (ZUCCHI;
CAIXETA-FILHO, 2010).
A década de 1970, por sua vez, foi marcada por importantes transformações no setor
frigorífico: dada a grande expansão do mercado interno e problemas de abastecimento, o
governo brasileiro proibiu, à época, todas as exportações de carne bovina, com exceção das
carnes industrializadas, devido ao seu maior valor agregado, e, com isso, ao menos
momentaneamente, a produção dessa mercadoria passou a privilegiar os consumidores
nacionais. Assim, os grandes frigoríficos de origem estrangeira passaram a ter de concorrer, no
mercado interno, com frigoríficos nacionais; porém, o faziam sem possuir as vantagens
competitivas de outrora. "Ocorre, então, uma reestruturação do setor de abate no País, de modo
85
que as multinacionais que dominavam o setor [...] venderam suas unidades para empresas
nacionais" (ZUCCHI; CAIXETA-FILHO, 2010, p. 23). Em outras palavras: a indústria
frigorífica iniciara seu processo de nacionalização, que se completaria somente na década de
1990 (DE ZEN et al., 2008).
Além disso, ainda na década de 1970, pecuaristas passaram a migrar em direção à região
centro-oeste do país, em busca de terras mais baratas. Por isso, surgiram, no final dos anos 1970
e início dos 1980, novos frigoríficos, com capacidades produtivas menores e mais próximos à
matéria-prima, ou seja, instalados em locais diferentes dos habituais, quais sejam, a região sul
e o Estado de São Paulo (ZUCCHI; CAIXETA-FILHO, 2010).
No final da década de 1980 e início dos anos 1990 os elevados custos de transporte e a
alta capacidade ociosa da indústria levaram diversos frigoríficos à falência. De qualquer forma,
o setor continuou se desenvolvendo em termos logísticos, tecnológicos e de estrutura
empresarial, culminando num processo de significativa reestruturação em meados dos anos
1990, quando a economia nacional se estabilizou no que toca à inflação (ZUCCHI; CAIXETA-
FILHO, 2010).
A datar de 1999, com a desvalorização do real frente a outras moedas e com o rebanho
brasileiro apresentando boas condições sanitárias no que se refere à febre aftosa, as exportações
de carne bovina a partir do Brasil cresceram em grande medida, sendo que, desde 2004, o Brasil
se tornou o maior exportador do produto em termos de volume (ZUCCHI; CAIXETA-FILHO,
2010).
Por fim, cabe ressaltar que, desde 2005, grandes frigoríficos de origem brasileira
passaram a se internacionalizar, seja via aquisições e fusões com empresas estrangeiras, seja
via novos investimentos no exterior, sendo esse processo em grande medida patrocinado pelo
governo brasileiro por meio de fundos de pensão de empresas estatais, da Caixa Econômica
Federal e, principalmente, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES) (CYRINO, 2014; ALMEIDA, 2009).
A seguir, analisaremos a organização e atuação políticas dos grandes frigoríficos no
Brasil ao longo do período 2003 a 2010.
86
3.1. Os grandes frigoríficos: demandas políticas e ação estatal
A organização política dos grandes frigoríficos é muito menos difusa do que a dos grandes
pecuaristas, concentrando-se principalmente na Associação Brasileira das Indústrias
Exportadoras de Carne (ABIEC), isso porque, via de regra, são os grandes frigoríficos que
controlam a atividade exportadora de carne bovina a partir do Brasil, cabendo aos pequenos e
médios frigoríficos competirem com eles sobretudo no mercado interno. Por isso, grande parte
das demandas políticas do setor dizem respeito a questões relacionadas à abertura e à
manutenção de mercados externos.
Outra associação política dos grandes frigoríficos que merece destaque é a União
Nacional da Indústria e Empresas da Carne (UNIEC), embora ela seja muito menos tradicional
do que a ABIEC – já que foi fundada somente em março de 2007 – e tenha tido como foco, até
2011, o Estado do Pará, uma vez que foi somente neste ano em que sua atuação política foi
ampliada ao nível nacional. É devido a este último fato, aliás, que nossa análise se concentrará
na organização e posicionamentos políticos da ABIEC, levando em consideração o período
2003 a 2010.
3.1.1. A ABIEC
A Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (ABIEC) foi criada em 1979, "a
partir da necessidade que os exportadores de carne sentiram de uma atuação focada e mais
agressiva na defesa de seus interesses específicos" (ABIEC, 2016). Desde então, diz a entidade,
a ABIEC se tornou a principal representante do setor nas áreas internacionais de abertura de
mercados, regulamentação comercial e exigências sanitárias (ABIEC, 2016).
Assim como a ABCZ, a ABIEC também realiza parcerias com a Agência Brasileira de
Promoção de Exportações e Investimentos (APEX-BRASIL), que patrocina a participação de
seus associados em feiras internacionais; e com embaixadas brasileiras de diversas regiões do
87
mundo, promovendo workshops e recebendo autoridades locais a fim de promover a carne
bovina brasileira no exterior (ABIEC, 2016).
Apesar de a ABIEC não publicar, em seu site, materiais próprios que analisem a política
estatal ao longo dos Governos Lula, selecionamos 62 artigos disponibilizados pelo jornal Valor
Econômico que tratam da atuação política da organização ao longo do período 2003 a 2010, os
quais passamos a analisar a seguir. Veremos que, no decorrer dos Governos Lula, os grandes
frigoríficos se comportaram como burguesia interna, buscando a abertura e a manutenção de
mercados externos, com destaque aos dos Estados Unidos, União Europeia, Rússia e Irã. Trata-
se, portanto, de uma grande burguesia interna que não somente se defendeu das investidas dos
capitais estrangeiros, mas que buscou ativamente atuar em mercados externos, seja vendendo
mercadorias, seja exportando capitais.
3.1.1.1. A postura de burguesia interna
A seguir apontaremos situações em que os grandes frigoríficos de origem brasileira se
comportaram como burguesia interna, dando destaque ao caso do Irã.
No dia 11 de setembro de 2003 o Valor Econômico publicou uma matéria na qual
Marcus Vinicius Pratini de Moraes, ex-ministro da Agricultura e então presidente da ABIEC,
tratou das negociações da Rodada Roha da Organização Mundial do Comércio (OMC). Para
ele, se a reunião que viria a ocorrer em Cancún, no México, ainda em setembro daquele ano,
não pudesse chegar a um acordo sobre os subsídios às exportações de produtos agrícolas
praticados pelos "países desenvolvidos", seria melhor "não discutir nada". Em suas palavras:
"Ou Cancún acerta uma programação de progressiva eliminação dos subsídios e um mínimo
entendimento em relação a acesso a mercados, ou seria melhor transferir essa negociação para
o ano que vem, quando as economias em desenvolvimento terão mais condições de negociar"
(GOY, 2011, p. 1).
Além disso, no encerrar do ano de 2003, ocorreu, como vimos no Capítulo 1, um surto
do "mal da vaca louca" nos Estados Unidos, o qual gerou expectativas positivas aos
exportadores brasileiros de carne bovina, uma vez que as mercadorias provenientes do Brasil
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deveriam substituir as dos Estados Unidos nos mercados importadores – o que de fato ocorreu.
Sobre o assunto, Pratini de Moraes disse esperar, à época, um crescimento de 20% das
exportações de carne bovina a partir do Brasil graças ao surgimento da doença animal nos EUA.
No entanto, a fim de não colocar em risco esses ganhos, o país teria que retomar os
investimentos em sanidade, dado que, segundo ele, os recursos governamentais teriam
diminuído de R$ 85 milhões ao ano no Governo FHC, quando foi ministro, para R$ 10 milhões
em 2003 (VALOR ECONÔMICO, 2003). Dito de outra forma, assim como aconteceu com os
grandes pecuaristas, os grandes frigoríficos também manifestariam preocupações relacionadas
à falta de recursos do governo federal voltados à sanidade animal, tendo em vista a manutenção
do acesso a mercado externos. Não muito tempo depois, o rebanho bovino brasileiro de fato
sofreria com doenças animais que fariam o país perder o acesso a diversos mercados, apesar de
não o suficiente para bloquear o crescimento das exportações de carne bovina a partir do Brasil.
As negociações hemisféricas continuaram sendo uma das principais pautas da ABIEC
em 2004, com a diferença que seu foco passou a ser as relações comerciais entre o MERCOSUL
e a União Europeia, ao invés da Rodada Doha da OMC. De acordo com Pratini de Moraes, os
exportadores brasileiros de carne bovina esperavam conseguir reduções na taxação da carne
embarcada em direção ao bloco europeu, aumentando, assim, o volume de mercadorias
exportadas. Segundo o Valor Econômico (2004a), o Brasil, à época, já participava com 42,5%
do total de carne bovina exportado pelo MERCOSUL à União Europeia.
Em março de 2005, a ABIEC comemorou o fato de a Rússia haver suspendido o
embargo às exportações de carne bovina a partir do Rio Grande do Sul, São Paulo, Goiás, Mato
Grosso do Sul e Minas Gerais. O embargo havia sido imposto a todo o Brasil após a ocorrência
de um caso de febre aftosa no Amazonas, em setembro de 2004. Dois meses depois, em
novembro, a Rússia já havia liberado as exportações a partir de Santa Catarina, único estado
brasileiro com o status de livre de febre aftosa sem vacinação, mas manteve o bloqueio para os
demais estados. Consoante a Rocha (2005a), a nova rodada de liberalizações foi resultado dos
esforços de uma missão técnica que visitou a Rússia, contando com membros tanto do governo
quanto da iniciativa privada, dentre os quais o presidente da ABIEC. Ao longo dos Governos
Lula, tais parcerias entre os grandes frigoríficos e o governo federal seriam comuns, as quais,
de um modo geral, visavam a abertura ou retomada de mercados externos.
Não muito tempo depois, no entanto, a Rússia voltaria a embargar a carne bovina
proveniente do Brasil devido ao surgimento de doenças animais no rebanho do país, situação
que somente seria revertida em 2007, após seis meses de negociações e três encontros bilaterais
89
entre os dois países (ZANATTA; ROCHA; JURGENFELD, 2007).
Em abril de 2005 foi a vez de os Estados Unidos embargarem a carne bovina proveniente
do Brasil. À época, uma missão técnica de estadunidenses visitou o Brasil e acabou por proibir
a exportação de carne bovina cozida a partir de três frigoríficos brasileiros ao seu país, além de
suspender temporariamente outros cinco. Isso aconteceu pois os EUA exigiam inspeção federal
aos frigoríficos, enquanto que, no Brasil, os inspetores, indicados por prefeituras, eram
contratados e pagos pelos próprios frigoríficos, dando margem para conflitos de interesse.
"Além disso, as indústrias não cumpririam requisitos do acordo de equivalência sanitária, como
planos de auto-controle e procedimentos específicos" (ZANATTA; ROCHA, 2005, p. 1).
Como reação, o Ministério da Agricultura suspendeu temporariamente toda a
exportação de carne industrializada para os Estados Unidos, com o objetivo de adotar, em
caráter de urgência, as providências que fossem necessárias a assegurar definitivamente o
mercado estadunidense (ROCHA, 2005b). Entretanto, o governo brasileiro criticou o "rigor"
adotado pelos técnicos dos EUA, assegurando que iria rebater seus argumentos. Nos bastidores,
afirmava-se que o que estaria por trás desse "rigor" seria somente uma pequena parte de um
jogo comercial muito mais amplo que tentava forçar o governo brasileiro a ceder em outras
áreas em negociações bilaterais, tais como a da carne bovina, como uma espécie de retaliação
devido ao fato de a OMC haver condenado os EUA, em favor do Brasil, no que se referiu à
questão dos subsídios ao algodão. Competidores diretos do Brasil no mercado internacional da
carne bovina, os EUA teriam atacado a imagem dos produtos brasileiros como uma tentativa de
retomar os mercados perdidos ao Brasil a partir de 2003, quando registraram casos do "mal da
vaca louca" (ZANATTA; ROCHA, 2005).
Consoante a Pratini de Moraes, então presidente da ABIEC, esse mesmo "rigor" também
poderia estar relacionado a uma tentativa de os EUA adiarem ainda mais a liberalização das
compras de carne bovina in natura do Brasil (ZANATTA; ROCHA, 2005). Ademais, de acordo
com especialistas, os frigoríficos brasileiros sempre teriam apresentado os problemas de
inspeção então apontados pelos EUA; logo, esse país poderia ter feito essas reclamações muito
antes, mas, por alguma razão, somente as fez no momento em questão (ROCHA, 2005b).
Em outubro de 2005, com o surgimento de casos de febre aftosa no Mato Grosso do Sul,
o governo e os grandes frigoríficos entraram em acordo sobre "parar com isso de achar
culpados" e enviar de imediato missões especiais aos principais mercados compradores da carne
bovina produzida no Brasil com vistas a "reabrir os mercados e retomar as vendas o mais rápido
90
possível", considerando que, até aquele momento, 41 países haviam proibido o acesso das
mercadorias brasileiras a seus mercados. O próprio ministro da Agricultura à época, Roberto
Rodrigues, visitaria a União Europeia a fim de tratar do caso com as autoridades europeias
(ZANATTA, 2005a).
Assim, o ano de 2006 foi voltado a tentativas de superar os embargos impostos pelos
mercados externos graças aos surtos de febre aftosa surgidos no ano anterior. Em fevereiro de
2006, um foco da mesma doença animal atingiu o rebanho bovino argentino, o que gerou dois
resultados contraditórios: se, por um lado, os embargos impostos a Argentina aceleraram a
retomada das exportações brasileiras a certos mercados, o que por extensão também significou
maior sustentação de preços no mercado interno, por outro, a ocorrência de um novo surto da
doença na região prejudicou a imagem de todos os países da América do Sul, uma vez que,
assim "como no primeiro foco brasileiro, descoberto em outubro, o foco argentino também
surgiu numa região de fronteira com o Paraguai" (ZANATTA; ROCHA, 2006, p. 1). É por isso
que o Ministério da Agricultura determinou o reforço na vigilância das fronteiras dos estados
do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, além de assinar, por meio da secretaria de
Defesa Agropecuária, um acordo bilateral com o Paraguai, o qual também seria estendido a
Bolívia e ao Peru, com vistas a implantar um sistema de gestão e controle nas faixas de fronteira
com o Brasil, cadastrando fazendas e rebanhos num raio de 25 km em ambos os lados das
fronteiras e convergindo critérios de fiscalização, prevenção e controle da febre aftosa
(ZANATTA; ROCHA, 2006).
Em outubro de 2006, 57 países ainda restringiam total ou parcialmente a entrada da
carne bovina produzida no Brasil a seus mercados, enquanto o governo brasileiro seguia
buscando acordos para a retomada das vendas, principalmente com a União Europeia, a Rússia,
o Chile, a Argélia e a África do Sul (ZANATTA; LOPES, 2006). Apesar desses embargos, as
exportações brasileiras desse produto prosseguiram batendo recordes em 2006, graças à
capacidade dos frigoríficos em redirecionar sua produção a estados não impedidos de exportar.
De acordo com Pratini de Moraes, o desempenho dessas exportações somente não foi melhor
devido a valorização de 24% do real frente ao dólar no mesmo período (ROCHA, 2006).
O ano de 2007 foi marcado pelas denúncias da ABIEC às campanhas promovidas por
pecuaristas ingleses e irlandeses contra a carne bovina produzida e exportada a partir do Brasil.
Tais pecuaristas tinham como objetivo barrar a entrada dos produtos brasileiros na União
Europeia, uma vez que eles eram seus concorrentes (CAMAROTTO, 2007).
91
No início de 2008, como vimos no Capítulo 1, a União Europeia chegou de fato a proibir
a entrada da carne bovina produzida no Brasil em seus mercados. Sobre o assunto, disse o então
ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes: "o embargo [...] tem motivação comercial, e não
sanitária", referindo-se justamente àquelas campanhas. Para Stephanes, "o Brasil errou" ao
aceitar as normas exigidas pelo bloco europeu no que diz respeito ao comércio de carne bovina,
medidas estas que foram tomadas pelo Governo FHC (VALOR ECONÔMICO, 2008).
O embargo total da União Europeia à carne bovina proveniente do Brasil, contudo, não
duraria muito tempo. Apesar disso, o país enfrentaria a partir de então diversas restrições por
parte do bloco europeu que viriam a de fato diminuir o acesso de seus produtos naqueles
mercados. Dentre essas restrições, merece destaque a criação de uma lista de fazendas aptas a
fornecer matéria prima voltada à exportação em direção à União Europeia.
Não por acaso, a ABIEC formalizaria, em outubro de 2009, um pedido junto ao bloco
europeu propondo alterações nas exigências da Comissão Europeia para o rastreamento do gado
bovino no Brasil. Os grandes frigoríficos buscavam "equiparação com as regras fixadas pelos
europeus para a compra do produto dos Estados Unidos, como as exigências de permanência
do gado em áreas habilitadas, além da administração da lista de fazendas habilitadas a vender
ao bloco por autoridades brasileiras". Sobre este último assunto, comentou o então presidente
da ABIEC, Roberto Giannette: "Tínhamos 10 mil fazendas [aptas a exportar à União Europeia]
antes da criação da lista. Hoje, são 1,5 mil. Se aprovarmos as mudanças, podemos chegar a 8
mil ou 9 mil fazendas habilitadas em um ano" (VALOR ECONÔMICO, 2009b, p. 1-2).
No mesmo mês a ABIEC ainda participou da feira de Anuga, na Alemanha, a maior do
mundo ligada a alimentos e bebidas. Na ocasião, os representantes dos grandes frigoríficos no
Brasil atraíram a atenção de inúmeros jornalistas e especialistas devido à expansão da pecuária
na Amazônia (VALOR ECONÔMICO, 2009a). A despeito de o Valor Econômico não haver
citado o ocorrido, é sabido que tal interesse se deveu em grande medida a um documento
publicado pelo GREENPEACE (organização não governamental que trata de temas vinculados
à proteção do meio ambiente), intitulado A Farra do Boi na Amazônia, publicado em junho de
2009, o qual apresentou denúncias aos principais elos da cadeia produtiva de carne bovina no
Brasil por envolverem-se em questões como trabalho análogo ao escravo nas fazendas,
desmatamentos ilegais, invasões de terras indígenas e quilombolas, dentre outros
(GREENPEACE, 2009). Em resposta aos diversos questionamentos realizados em Anuga,
Giannette, então presidente da ABIEC, afirmou que a entidade tem um compromisso com o
desmatamento zero na Amazônia e aproveitou para criticar medidas protecionistas tomadas pela
92
União Europeia a fim de barrar a entrada da carne bovina proveniente do Brasil em seus
mercados, as quais seriam resultado de campanhas infundadas contra o produto brasileiro,
lideradas pela Irlanda e pelo Reino Unido (VALOR ECONÔMICO, 2009a). Em janeiro de
2010, a ABIEC assinaria com o GREENPEACE o convênio Critérios Mínimos para Operações
com Gado e Produtos Bovinos em Escala Industrial no Bioma Amazônia, o qual propôs o
cadastro, por parte dos frigoríficos, de todos os pecuaristas que lhes fornecerem gado bovino
no bioma amazônico, visando banir aqueles que ferem critérios socioambientais durante o
processo produtivo. Porém, apesar dos avanços consideráveis nesse sentido, as empresas, em
geral, apresentaram dificuldades em cumprir os prazos estabelecidos no documento (LOPES,
2010).
Apesar das pressões internacionais, os grandes frigoríficos de origem brasileira não
passariam à defensiva: em dezembro de 2009 a ABIEC chegaria a propor ao Ministério das
Relações Exteriores do Brasil a abertura de uma painel na OMC contra a União Europeia com
o intuito de forçá-la a abrir seus mercados mais rapidamente à carne bovina de origem brasileira
(ZANATTA; ROCHA, 2009). Contudo, o trâmite na OMC não foi levado adiante, uma vez que
a ABIEC resolveu voltar atrás em seu pedido: com a baixa oferta de carne bovina no mercado
europeu no início de 2010, ocorreram indícios de que a administração da lista de fazendas
habilitadas a exportar à União Europeia passaria para as mãos do Ministério da Agricultura
brasileiro, diminuindo significativamente a burocracia para os embarques das mercadorias
(ZANATTA; ROCHA, 2010a).
Entretanto, justamente quando as relações entre o Brasil e União Europeia, no que se
refere ao comércio de carne bovina, pareciam melhorar, outro problema relacionado a questões
burocráticas surgiu: o bloco alterou os critérios de exportação no âmbito da Cota Hilton,
destinada a cortes nobres, e, por conta disso, das 10 mil toneladas a que o Brasil tinha direito,
somente 8% disso havia sido embarcado após 9 meses daquele ano-cota. Tais alterações
previam a identificação eletrônica dos animais destinados a atender a cota, processo que deveria
ocorrer antes de os bezerros completarem 11 meses de idade. "Ocorre que[,] no Brasil, não há
identificação eletrônica e muito menos nessa fase da vida do bovino. [...] os animais são
identificados nos últimos três meses de vida – quando ficam 90 dias nas áreas habilitadas à
exportação para a UE e na última propriedade" (ZANATTA; ROCHA, 2010a, p. 2). Devido a
isso, o governo brasileiro solicitou à União Europeia que o gado bovino destinado à cota
pudesse ser embarcado aos mercados do bloco após 100 dias de confinamento (ZANATTA;
ROCHA, 2010a). Além disso, a União Europeia exigia ao Brasil que os animais destinados à
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cota deveriam ser alimentados somente a pasto, ou seja, sem nenhum tipo de suplementação. O
problema é que a mesma exigência não era feita aos Estados Unidos e a Austrália, também
participantes da cota. Por isso, em dezembro de 2010, a ABIEC manifestaria novamente a
intenção de abrir um painel contra o bloco na OMC, referente a essas exigências. No ano-cota
em questão, os exportadores brasileiros conseguiram cumprir menos de 10% do volume a que
tinham direito (ROCHA, 2010).
Quando Antônio Jorge Camardelli deixou a JBS para a assumir, em outubro de 2010, no lugar
de Roberto Giannetti da Fonseca, a presidência da ABIEC, ele disse que um de seus principais objetivos
no novo cargo seria a busca de "alternativas à União Europeia para os cortes nobres bovinos produzidos
no Brasil" (VALOR ECONÔMICO, 2010d, p. 1), sendo, em sua visão, o Japão, a Coreia do Sul e
Taiwan os mercados potenciais para essas mercadorias de maior valor agregado (VALOR
ECONÔMICO, 2010d). Em outras palavras, os grandes frigoríficos antes queriam diversificar suas
exportações do que se manter presos aos mercados tradicionais, como a União Europeia, que
apresentavam resistências aos produtos brasileiros devido a pressões internas.
Outro mercado que daria trabalho à ABIEC seriam os Estados Unidos. No dia 27 de
maio de 2010 o governo brasileiro suspendeu os embarques de carne bovina industrializada, a
partir do Brasil, aos Estados Unidos, devido à detecção de níveis acima do recomendado do
vermífugo ivermectina na carne industrializada exportada ao país pelo frigorífico JBS. De
acordo com Francisco Ferreira Jardim, então secretário de Defesa Agropecuária do Ministério
da Agricultura, o Brasil passaria a adotar os mesmo critérios utilizados pelos EUA quanto à
avaliação de resíduos na carne bovina para que o incidente não voltasse a acontecer (INACIO,
2010). O episódio chegou a abrir margem aos pecuaristas irlandeses, que mais uma vez tentaram
barrar o acesso do produto brasileiro aos mercados da União Europeia, desta vez sem sucesso
(ZANATTA; ROCHA, 2010b).
Além disso, em julho de 2010 representantes da ABIEC visitaram a sede da União Europeia,
em Bruxelas, Bélgica, acompanhados do então ministro da Agricultura brasileiro, Wagner Rossi, com o
intuito de negociar com autoridades europeias a participação do Brasil numa nova cota criada por elas
para importação de carne bovina. "A medida foi tomada para favorecer os EUA, mas permite a
participação de outros países na cota, como já ocorre com a Austrália" (VALOR ECONÔMICO, 2010b,
p. 1). De acordo com Cançado, então diretor-executivo da ABIEC, a visita ainda buscou pressionar os
europeus para que o governo brasileiro finalmente se tornasse responsável por administrar a lista de
fazendas habilitadas a exportar à Europa (VALOR ECONÔMICO, 2010b).
Após as reuniões, Rossi garantiu haver avançado nas negociações no sentido de reduzir
as exigências dos europeus à compra de carne in natura proveniente do Brasil. Segundo o Valor
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Econômico (2010c, p. 1), a administração da lista de fazendas credenciadas a vender à União
Europeia seria de fato transferida ao governo brasileiro, mas "eles se reservam o direito de
auditar o processo a qualquer momento". Na opinião do então ministro, ainda "remanesce no
imaginário do consumidor europeu os resultados de uma campanha insidiosa sobre as condições
da agropecuária brasileira, de trabalho escravo, desmatamento ou de que não temos todos os
controles, como bem-estar animal" (VALOR ECONÔMICO, 2010c, p. 1). Ademais, e mesmo
em Bruxelas, Rossi "informou ter alcançado um acordo técnico com os Estados Unidos para
retomar 'em algumas semanas' as vendas de carne processada ao mercado americano, suspensas
desde o fim de maio" (VALOR ECONÔMICO, 2010c, p. 1). Contudo, em setembro de 2010,
nem a União Europeia havia transferido a administração da lista de fazendas ao Brasil, devido
ao "forte lobby interno contra a abertura total à carne brasileira"; nem o mercado estadounidense
de carne bovina industrializada havia sido retomado, pendência sobre a qual Cançado, então
diretor executivo da ABIEC, concluiu estar relacionada à questão política com o Irã, em
prejuízo do Brasil (ZANATTA; ROCHA, 2010c, p. 1) – a qual analisaremos a seguir.
Em absolutamente todos os casos citados nesta seção, os grandes frigoríficos de origem
brasileira se comportaram como burguesia interna. Foi assim em Cancún, onde o então
presidente da ABIEC, Pratini de Moraes, exigiu a abertura dos mercados das formações sociais
imperialistas aos produtos agropecuários dos "países em desenvolvimento" como condição para
o prosseguimento das negociações. Foi assim quando a ABIEC manifestou preocupações com
a falta de recursos governamentais para a sanidade animal, tendo em vista a manutenção de
mercados externos. Foi assim quando a Rússia, os Estados Unidos e diversos outros países
embargaram a carne bovina proveniente do Brasil, sobretudo devido ao surgimento de doenças
animais no rebanho brasileiro. Foi assim quando o GREENPEACE acusou a cadeia produtiva
de carne bovina no Brasil de cometer diversos crimes socioambientais, o que prejudicou a
imagem das mercadorias brasileiras nos mercados externos. E foi assim no que diz respeito a
todas as tentativas da União Europeia em barrar ou ao menos diminuir o acesso da carne bovina
de origem brasileira em seus mercados. E, em todos esses casos, os Governos Lula fizeram o
que estava ao seu alcance para atender aos interesses dos grandes frigoríficos.
3.1.1.1.1. Os grandes frigoríficos, os Governos Lula e o Irã
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Uma pauta importante que ganhou força no final da década de 2000 foi a relação comercial do
Brasil com o Irã. Em maio de 2009, o então presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, visitou
o Brasil com o intuito de aprofundar as relações comerciais e de investimentos entre os dois
países, apesar das polêmicas que cercavam a autoridade iraniana à época, relacionadas a temas
como enriquecimento de urânio supostamente para fins não pacíficos, antissemitismo,
machismo e homofobia. O então presidente da ABIEC, Roberto Giannetti, declarou o seguinte
sobre esse assunto: "Não apoiamos a posição do Irã nos fóruns internacionais, mas isso não
pode impedir o relacionamento [do Brasil] com o país [...] É um mercado importante e não se
deve ignorar isso por razões ideológicas" (LEO, 2009, p. 2). Em 2009, o Irã fecharia o ano
como o segundo maior comprador da carne bovina de origem brasileira em termos de
faturamento (ABIEC, 2009).
Como vimos na Introdução, a priorização das relações sul-sul por parte da política
externa dos Governos Lula é uma das características do neodesenvolvimentismo, estando o
caso iraniano diretamente ligado aos interesses da grande burguesia interna ligada ao setor
frigorífico no Brasil. Em abril de 2010, uma comitiva composta por membros do governo
brasileiro e da iniciativa privada brasileira ainda visitaria o Irã, apesar da possibilidade de virem
a sofrer retaliações por parte do governo dos Estados Unidos, que à época liderava uma
campanha contra o Irã, acusando-o de desenvolver um programa nuclear para fins não pacíficos,
o que era negado por este país (SOUZA, 2010a).
Em maio de 2010 o Valor Econômico chegou inclusive a publicar uma carta escrita por
Otávio Cançado (VALOR ECONÔMICO, 2010a, p. 1-2), então diretor-executivo da ABIEC,
sobre a política externa dos Governos Lula. No documento, disse ele:
Recentemente, ao anunciar o aumento dos embarques da carne brasileira para
mercados como a Rússia, o Irã e o Chile fui "advertido" de que estes seriam
mercados de "altos e baixos", e que, "clientes tradicionais" como alguns países
europeus e outros ditos desenvolvidos deveriam ser o foco principal das
nossas atividades de exportação e das nossas ousadas ações de promoção
comercial.
[...] ao pregar o pragmatismo nas relações internacionais, a atual gestão
diversificou o comércio exterior brasileiro e empenhou, de forma inegável,
seus interesses no agronegócio brasileiro.
[...] Outro claro e distinto exemplo da expressiva ampliação das relações
comerciais e internacionais do Brasil – em um mundo cada vez mais pluralista
– é o honesto direito de, mediante legítima negociação, preservar as suas
relações comerciais com países do Oriente Médio como o Irã, que só no
primeiro trimestre de 2010 aumentou em 300% suas importações de carne
96
bovina do Brasil, em comparação com o mesmo período de 2009.
A possibilidade de se instituir esse espaço de diálogo em busca de soluções
pacíficas e pragmáticas – sempre prevendo dissonâncias externas – é um ativo
que o Brasil alçou na última década, de forma a dar acesso comercial aos
nossos produtos agrícolas em condições de igualdade, e não competir com os
cofres dos Estados Unidos ou da União Europeia, que além de subsidiar
altamente as suas produções impedem o acesso da carne bovina brasileira em
seus territórios.
Ora, trata-se de uma clara defesa, por parte de um representante da ABIEC, da política
externa dos Governos Lula, que teve como um dos focos as relações sul-sul, ao invés de uma
submissão pura e simples às formações sociais imperialistas.
E os conflitos da burguesia e do governo brasileiros com as formações sociais
imperialistas por causa do Irã não parariam por aí. Em agosto de 2010, a União Europeia
voltaria a preocupar os grandes frigoríficos de origem brasileira devido às sanções que impôs
ao Irã, criando dificuldades ao comércio entre este país e o Brasil. Consoante a Souza (2010b),
do Valor Econômico, os "bancos europeus" passaram a restringir operações de confirmação de
cartas de crédito aos fornecedores do Irã, um serviço essencial ao comércio que serve de
garantia de que as vendas seriam realmente pagas. O fluxo de pagamento, que normalmente era
de dois dias, em alguns casos passou a levar mais de uma semana. "Como os contratos com o
Irã são grandes, essa diferença seria suficiente para provocar impacto nas fábricas destinadas a
atender o mercado iraniano. A carne que segue para o país precisa ser produzida a partir de um
abate que obedeça às leis islâmicas" (SOUZA, 2010b, p. 1). Ainda de acordo com Souza (2010,
p. 1), o "aumento das exportações de carne para o Irã é visto como resultado direto da
aproximação do governo Lula com o presidente Mahmoud Ahmadinejad, criticado pelos
Estados Unidos, Europa e ONU por seu programa nuclear".
Por isso, em setembro de 2010, o governo federal brasileiro iniciaria uma ofensiva
política para que o "sistema financeiro nacional" retomasse a concessão de linhas de
financiamento e operações de comércio exterior com o Irã, as quais estavam sendo dificultadas
justamente pelas sanções que a ONU, a União Europeia e os Estados Unidos estavam impondo
aquele país. O então porta voz do ministro da Fazenda, Luiz Eduardo Melin, disse ao Valor
Econômico que o "ministro [Guido Mantega] está determinado a atuar para não deixar um
problema político ser usado como pretexto para deslocar o Brasil no contexto internacional. O
Irã é o nosso segundo mercado para a carne" (ZANATTA, 2010b, p. 1). Os bancos atuantes no
Brasil temiam retaliações por parte das formações sociais imperialistas caso mantivessem
97
relações comerciais com o Irã. O governo federal disse compreender a postura cautelosa dos
bancos, mas preferiu insistir na retomada das operações, realizando "reuniões com dirigentes
de instituições privadas e do Banco do Brasil para 'esclarecer' que as sanções impostas pela
ONU, pela UE e pelos EUA não proíbem as exportações de alimentos ao país" (ZANATTA,
2010b, p. 1). À época, a Caixa Econômica Federal estava sendo preparada para atuar como
asseguradora dos papéis nas operações entre governos, com uma linha de crédito de € 1 bilhão:
o "banco adiantará a receita das vendas ao exportador e debitará na conta do Tesouro, que será
o responsável por cobrar do governo do Irã o dinheiro depositado pelo importador iraniano"
(ZANATTA, 2010b, p. 2). De acordo com Zanatta (2010b), a ABIEC liderava as pressões sobre
governo no que dizia respeito ao Irã. Portanto, uma vez mais os grandes frigoríficos de origem
brasileira se comportaram como burguesia interna. E novamente o Governo Lula agiu de modo
a atender aos interesses deles.
3.1.1.2. A conjuntura e as políticas econômicas dos Governos Lula
No dia 28 de abril de 2004, o então presidente Lula instalou o Conselho Nacional de
Desenvolvimento Industrial (VALOR ECONÔMICO, 2004b), o qual tomou posse somente no
dia 17 de fevereiro de 2005, sendo composto por 13 ministérios, o BNDES e 14 representantes
da iniciativa privada, dentre eles Pratini de Moraes, então presidente da ABIEC, tendo cada um
de seus membros direito a um voto. O conselho foi criado visando "a formulação de políticas
públicas voltadas ao desenvolvimento industrial, às atividades de infra-estrutura, à
normalização de medidas que permitam maior competitividade das empresas e ao
financiamento das atividades empreendedoras" (VALOR ECONÔMICO, 2005). Em outras
palavras, a exemplo dos grandes pecuaristas, os grandes frigoríficos também participariam de
canais de comunicação direta entre o governo federal e a burguesia, influenciando no processo
de formulação de políticas econômicas.
Com a eclosão da crise econômica em 2008, os preços da carne bovina no mercado
internacional caíram e inúmeras empresas do ramo frigorífico faliram, o que acelerou o
processo de concentração e centralização do capital já em curso no Brasil.
O mês de setembro de 2009, em especial, foi marcado por aquisições importantes por
98
parte dos frigoríficos de origem brasileira: a Marfrig comprou a Seara, enquanto a JBS
incorporou tanto a Bertin quanto a Pilgrim's Pride, empresa de origem estadounidense. Na visão
do então presidente da ABIEC, Roberto Giannetti, tais aquisições demonstraram que "as
empresas do segmento de carnes estão recuperando sua capacidade de investimento em
expansão e estão mais confiantes quanto ao futuro desse mercado" (LOPES; ROSAS, 2009, p.
1), referindo-se ao contexto pós-crise de 2008. Em outras palavras, a ABIEC compreendeu esse
movimento de concentração e centralização de capital no setor como positivo, uma vez que os
beneficiados foram justamente os grandes frigoríficos, ao contrário do entendimento de outros
elos e subsetores da cadeia produtiva, a exemplo dos grandes pecuaristas, como vimos, e dos
pequenos frigoríficos, como veremos na próxima seção.
Em outubro de 2009 os grandes frigoríficos também demonstraram certa preocupação
com a valorização do real frente ao dólar, o que desestimulava as exportações a partir do Brasil.
"Mas, ao contrário do que acontecia até [...] meses atrás, algumas empresas já conseguem
renegociar seus contratos de fornecimento em dólar para amenizar os efeitos do câmbio em suas
operações" (ZANATTA, 2009a, p. 1), condição que é resultado do processo de
internacionalização por qual passaram essas empresas a partir de 2005, com o suporte dos
Governos Lula via BNDES, Caixa Econômica Federal e fundos de pensão de empresas estatais,
uma vez que se tornaram capazes de exportar a partir de outros países. Em outras palavras,
como os grandes frigoríficos de origem brasileira passaram a atuar em outras formações sociais,
tornou-se possível negociar seus contratos em diferentes moedas, não mais dependendo tanto
das cotações do real.
Além disso, a valorização relativa do real foi contrabalanceada pelo aumento do preço
da carne bovina no mercado internacional, que já dava sinais de recuperação, graças à maior
demanda pelo produto por parte de formações sociais e regiões como Rússia, China, Oriente
Médio e África. A dificuldade no câmbio ainda foi compensada pela demanda aquecida no
mercado interno, o qual, à época, pagava entre US$ 300 e US$ 500 a mais pela tonelada da
carne bovina, se comparado à média dos mercados externos (ZANATTA, 2009a). Ora, sabemos
que a demanda efetiva se manteve alta no Brasil no pós-crise de 2008 em grande medida devido
às políticas anticíclicas e programas sociais promovidos pelo Governo Lula. De qualquer forma,
a ABIEC demandou do governo federal medidas para desvalorizar o real frente ao dólar, na
tentativa de estimular as exportações de carne bovina a partir do Brasil (ROCHA, 2009a).
Apesar de o real ter se mantido valorizado ao fim de seu segundo mandato, o Governo
Lula tomou diversas medidas a fim de estimular economicamente o setor frigorífico no Brasil.
99
Já em dezembro de 2009, a ABIEC comemoraria a aprovação da Instrução Normativa que
eliminou a cobrança PIS/COFINS sobre os frigoríficos, uma vez que tal medida colocaria "o
setor em condições melhores para competir com as empresas que atuam na informalidade, cerca
de 25% do total", além de injetar capital nas empresas, uma vez que os créditos acumulados
entre 2004 e 2008 seriam devolvidos aos frigoríficos, uma quantia de cerca de R$ 600 milhões
(ROCHA, 2009b, p. 1). Os pequenos e médios frigoríficos teriam outra opinião a respeito dessa
injeção de capital. Na seção seguinte, trataremos com mais detalhes dos conflitos entre os
grandes frigoríficos, de um lado, e os pequenos e médios, de outro.
3.2. Os pequenos e médios frigoríficos: demandas políticas e ação estatal
Os pequenos e médios frigoríficos organizaram-se politicamente, ao longo dos Governos Lula, na
Associação Brasileira de Frigoríficos (ABRAFRIGO), criada em 2004. No jornal Valor Econômico,
encontramos 19 artigos que consideramos úteis a este estudo, os quais se concentram sobretudo nos anos
de 2009 e 2010.
3.2.1. A ABRAFRIGO
As duas únicas matérias publicadas pelo Valor Econômico que destacamos não referentes aos anos de
2009 e 2010 são de 2005. Como vimos no Capítulo 1 e na seção anterior, ocorreu no ano em questão,
2005, um caso de febre aftosa no Mato Grosso do Sul, o que fez com que diversos países barrassem a
entrada da carne bovina proveniente do Brasil em seus mercados. Com isso, José João Batista Stival,
então presidente da ABRAFRIGO, esperava o aumento da oferta do produto no mercado interno e,
consequentemente, a redução de seus preços de venda, uma vez que as mercadorias que não poderiam
ser exportadas deveriam se redirecionar para o mercado interno (NAKAGAWA, 2005).
Como os pequenos e médios frigoríficos concentram suas atividades em seu mercado de origem,
qualquer dificuldade surgida nos mercados externos acaba por afetá-los, pois isso força os grandes
100
frigoríficos a concorrerem (ainda mais) com eles no mercado interno, sendo grande a desigualdade de
poder econômico entre eles. Assim, é de interesse das pequenas e médias empresas do setor a abertura
e manutenção de mercados externos. Idealmente, esses frigoríficos buscam e preferem concorrer com
os grandes também no exterior, e não somente em seus mercados de origem. Tal fato, porém, é
dificultado justamente pela desigualdade política e econômica no setor.
Em 2005, ano em que os grandes frigoríficos começaram a se internacionalizar com a ajuda
principalmente do BNDES, essa desigualdade já se refletia no trato tributário que o governo federal
oferecia ao setor: de acordo com Stival, a carga tributária de um frigorífico que vendia apenas ao
mercado interno era 18% maior do que pagava um frigorífico exportador. Como os grandes frigoríficos
concentravam – e ainda concentram – as atividades exportadoras, a ABRAFRIGO organizou campanhas
cobrando igualdade fiscal para o conjunto do setor frigorífico atuante no país (NAKAGAWA, 2005).
Como vimos, essa reivindicação seria atendida somente em 2009, ano em que o governo federal
isentou a cadeia produtiva da cobrança do PIS/COFINS, beneficiando especialmente os pequenos e
médios frigoríficos. Isso ocorreu, entretanto, num período em que esses frigoríficos encontravam-se à
beira da falência e sendo em grande medida incorporados pelos grandes frigoríficos, devido aos efeitos
da crise econômica mundial que eclodiu em 2008 e à desigualdade em termos de oferta de crédito
oferecida ao setor, em prejuízo das pequenas e médias empresas.
Além disso, como também vimos no Capítulo 1, a partir de meados de 2005 surgiu um rumor
sobre a possível demissão do então ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, de seu posto
governamental, o que de fato viria a se concretizar em julho de 2006. No dia 25 de outubro de 2005, o
Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio instalou o Fórum de Competitividade da Indústria
de Carnes, evento que, segundo Zanatta (2005b, p. 1), do Valor Econômico, "virou um ato de apoio a
Rodrigues". Nele estavam presentes, dentre outros, Antenor Nogueira, então presidente do Fórum
Nacional Permanente da Pecuária de Corte (FENAPEC), ligado à CNA; e Stival, então presidente da
ABRAFRIGO. Ambos demonstraram seu apoio à permanência de Rodrigues na pasta. Na ocasião,
Stival disse que o "ministro tem feito todos os esforços possíveis para lutar contra o câmbio valorizado
e a concentração das exportações nas mãos de algumas poucas empresas do setor" (ZANATTA, 2005b,
p. 1). O grande problema, na verdade, na opinião majoritária dos presentes no evento, seriam os cortes
que o governo federal vinha promovendo nos principais programas desenvolvidos pelo Ministério da
Agricultura, não as ações do ministro (ZANATTA, 2005b).
É interessante observar que tais cortes no orçamento do Ministério da Agricultura e a atuação
de Rodrigues contra a concentração no setor frigorífico contrastavam com as medidas do governo federal
de patrocínio financeiro aos grandes frigoríficos. Na realidade, foi justamente a grande quantidade de
recursos ofertados pelo governo federal a um punhado de frigoríficos, com destaque a JBS e a Marfrig,
que acelerou o processo de concentração e centralização de capital no setor. Assim, não surpreende o
101
fato de que tanto os pequenos e médios frigoríficos quanto os grandes pecuaristas apoiassem a
permanência de Rodrigues no Ministério da Agricultura, uma vez que ele se contrapunha à política de
"campeões nacionais" do governo federal.
Cabe ressaltar que os pequenos e médios frigoríficos não sofriam somente com o poderio
econômico dos grandes frigoríficos, mas também com o do grande varejo. A exemplo dos grandes
frigoríficos, os hipermercados também passaram por um processo de concentração e centralização do
capital ao longo dos Governos Lula, com a diferença de que, enquanto o setor frigorífico é, no Brasil,
controlado por capitais nacionais, os hipermercados foram cada vez mais cedendo espaço a capitais
estrangeiros, com destaque ao grupo estadounidense Walmart, ao francês Carrefour e ao Pão de Açúcar,
grupo de origem nacional que foi gradativamente passando ao controle de um capital francês8
(SCVCF/SP, 2005).
Em outubro de 2009, cerca de 20 associações patronais cujas empresas possuem relações
comerciais com o grande varejo no Brasil fundaram a Associação Nacional dos Fornecedores do Varejo,
visando contornar "as novas exigências socioambientais das grandes redes de supermercados na compra
de carne bovina" (VALOR ECONÔMICO, 2009b, p. 1). Em dezembro de 2009 a Associação Brasileira
de Supermercados (ABRAS) lançaria oficialmente seu programa de certificação para a carne bovina, no
qual comprometia-se a não mais comercializar produtos oriundos de áreas desmatadas, embargadas pelo
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), fruto de grilagem
ou envolvidas em invasões de terras indígenas. "Para conseguir colocar o produto sustentável na
gôndola, a Abras pretende certificar os frigoríficos e obter deles a garantia de controle dos pecuaristas,
de forma a atender o programa" (VALOR ECONÔMICO, 2009c, p. 1). Assim como os pequenos e
médios frigoríficos, os grandes pecuaristas desaprovaram a iniciativa da ABRAS:
Sem saber de onde sairá o dinheiro para bancar o programa de certificação e
rastreamento do gado bovino, proposto [...] pela Associação Brasileira de
Supermercados (Abras), os pecuaristas reivindicaram participação prévia na
discussão do modelo e se declararam contrários ao desenho original da
iniciativa. [...]
Em reunião na Câmara Setorial da Carne Bovina, os produtores defenderam o
modelo oficial de rastreamento (Sisbov) criado pelo Ministério da Agricultura.
"Se depender de CNA, ABCZ, Assocon [Associação Brasileira dos
Confinadores], OCB [Organização das Cooperativas Brasileiras], CNPC
[Conselho Nacional da Pecuária de Corte] e SRB [Sociedade Rural
Brasileira], acreditamos mais no trabalho do ministério. Um é oficial e outro
é privado", afirmou [Antenor Nogueira, então presidente da FENAPEC]
(ZANATTA, 2009b, p. 1).
8 Em 1999 o grupo Casino, de origem francesa, adquiriu 25% das ações do grupo Pão de Açúcar. Em 2005, o
controle acionário tornou-se de 50% e, em 2012, o Pão de Açúcar começou a ser comandado de fato pelos
franceses.
102
A iniciativa da ABRAS também parece ter sofrido influência do documento A Farra do Boi na
Amazônia, publicado pela ONG GREENPEACE em junho de 2009, o qual acusou os elos da cadeia
produtiva de carne bovina no Brasil de se envolverem em práticas ilegais como desmatamentos,
submissão de trabalhadores a condições análogas à escravidão, invasão de terras indígenas e
quilombolas, grilagem de terras, dentre outras. Uma vez que tal ONG era vista tanto pelos pecuaristas
quanto pelos frigoríficos como um representante de interesses estrangeiros, neste caso possuindo
relações com o grande varejo atuante no Brasil, torna-se possível afirmar que, no que toca à temática
ambiental, eles se comportaram como burguesia interna.
Como vimos, outra pauta que unificava os pequenos e médios frigoríficos com os grandes
pecuaristas era a concentração no setor frigorífico. Em janeiro de 2010, o então presidente da
ABRAFRIGO, Péricles Salazar, enviou uma carta ao então presidente do BNDES, Luciano Coutinho,
criticando o financiamento que o banco estatal vinha oferecendo aos grandes frigoríficos com o intuito
de criar "megacorporações" para competir no mercado internacional. Consoante a Salazar, tal estratégia
penalizava "duramente os pequenos e médios frigoríficos espalhados pelos quatro cantos do nosso país"
(LIMA, 2010, p. 1). Ainda de acordo com ele, se, por um lado, o Brasil tornou-se o maior exportador
de carne bovina do mundo "graças à política do banco", por outro, essa mesma política desencadeou um
processo de concentração que, na prática, significou a incorporação de inúmeros frigoríficos de médio
porte, tais como Margen, Arantes, Independência, Estrela e Bertim, a grandes frigoríficos. Além disso,
Salazar enfatizou que "os pecuaristas em muitas regiões estão sem saída, não têm para quem vender, a
não ser para alguns que foram beneficiados com recursos do banco" (LIMA, 2010, p. 1).
Apesar da cooperação política contra os grandes frigoríficos em certos momentos, é importante
ressaltar que ocorreram disputas significativas dos pequenos e médios frigoríficos com os grandes
pecuaristas ao longo dos Governos Lula.
Tal foi o caso da cobrança ao FUNRURAL. Como vimos no Capítulo 1, em 2010 o Supremo
Tribunal Federal declarou essa cobrança inconstitucional, condenando o governo federal a devolver aos
contribuintes os montantes pagos nos cinco anos anteriores, estimados em cerca de R$ 14 bilhões.
Enquanto os frigoríficos argumentavam que eles eram os responsáveis pelo recolhimento do imposto,
por isso devendo receber o que foi pago indevidamente ao governo, os pecuaristas alegavam que o
tributo havia sido descontado deles, sobre a receita bruta obtida com a venda de suas mercadorias. De
acordo com o procurador-adjunto Fabrício da Soller, da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, os
pecuaristas poderiam pleitear na Justiça somente a diferença entre o montante recolhido na nova forma
de cálculo e o modelo original, uma vez que o "Supremo não considerou inconstitucional o tributo, mas
o seu cálculo" (ROSA; CARVALHO, 2010, p. 1). Já os frigoríficos, ainda segundo ele, não teriam
direito à restituição do dinheiro, pois eram apenas responsáveis por reter e repassar a contribuição à
União. "Seria um absurdo. Quem pagou de fato foram os produtores rurais [...] As empresas
103
[frigoríficas] poderiam, no máximo, pleitear na Justiça o direito de não mais reter o valor (sic) do
Funrural" (ROSA; CARVALHO, 2010, p. 1). A despeito de ser pouco provável a vitória dos pequenos
e médios frigoríficos na disputa sobre os recursos do FUNRURAL, eles decidiram pleiteá-la, o que pode
ser compreendido como uma tentativa de descontar nos pecuaristas, elo fraco da cadeia produtiva, a
pressão que eles vinham sofrendo devido à crise econômica e à concentração dos grandes frigoríficos.
Além disso, em abril de 2010, a Bolsa Brasileira de Mercadorias, controlada pela
BM&FBovespa, lançou um sistema eletrônico de comercialização de gado bovino no país com o intuito
de, dentre outros, conciliar os conflitos entre frigoríficos e pecuaristas:
O novo modelo deve dar mais segurança de recebimento do dinheiro a
pecuaristas em caso de problemas financeiro nos frigoríficos, como ocorreu
na onda de processos de recuperação judicial. Além disso, permitiria um
planejamento de médio e longo prazos na escala de engorda e a redução de
custos operacionais da bolsa, como ajustes diários e de margens. Aos
frigoríficos, o sistema daria regularidade de oferta, planejamento das escalas
de abate e melhor utilização da capacidade industrial (ZANATTA, 2010c, p.
1).
Cerca de quatro meses após o lançamento do sistema, os pecuaristas já acusavam os frigoríficos
de pagarem mais pela arroba do boi fora da bolsa "porque preferem o modelo tradicional onde o
pecuarista não tem garantia nenhuma de receber" (ZANATTA, 2010d, p. 1), como afirmou o então
presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Mato Grosso, Rui Prado. Em resposta,
Salazar, então presidente da ABRAFRIGO, disse que o problema seria o fato de os pecuaristas não
ofertarem gado em quantidades suficientes na bolsa. Entretanto, dos 1.300 bois ofertados até aquele
momento, somente 465 haviam sido vendidos (ZANATTA, 2010d). Mais uma vez, parece-nos que os
pequenos e médios frigoríficos buscaram repassar suas dificuldades aos pecuaristas.
Mas, afinal, qual era a real situação desses frigoríficos nos três últimos anos do Governo Lula
(2008-2010), período em que os efeitos da crise econômica mundial encontraram seu ápice no Brasil,
pelo menos num primeiro momento? De acordo com Zanatta e Rocha (2010d), os pequenos e médios
frigoríficos encontravam-se, à época, sem capital de giro, altamente alavancados em termos financeiros,
com margens de lucro apertadas e elevada capacidade ociosa, além de sofrerem com a falta de crédito
por parte do governo federal e com a política de "vencedores e perdedores" então empreendida pelo
BNDES no setor (ZANATTA; ROCHA, 2010d).
Em março de 2009, chegou a parecer que a situação desses frigoríficos poderia se reverter: o
então presidente Lula aprovara uma linha de crédito de R$ 10 bilhões em socorro à agroindústria, via
BNDES, com o intuito de garantir capital de giro às empresas, num momento marcado pela retração de
créditos e por forte aversão a riscos. Mas os pequenos e médios frigoríficos, na prática, não tiveram
acesso a esses recursos, seja porque os juros eram muito elevados (11,25% a.a.), seja porque as
104
exigências realizadas a eles pelo banco estatal eram muito rígidas. Ao Valor Econômico, o então
presidente da ABRAFRIGO, Salazar, afirmou que o "auxílio que chegou [do governo federal] não pôde
ser acessado" (ZANATTA; ROCHA, 2010d, p. 1).
Consoante a Zanatta e Rocha (2010d, p. 1), do Valor Econômico, a situação das pequenas e
médias empresas do setor era tão precária que outros bancos chegaram a estimular alguns frigoríficos a
venderem seus negócios, antes que eles perdessem mais eficiência em um cenário "amplamente
desfavorável a empresas sem capital".
O então proprietário do frigorífico Frialto – empresa que acabou por pedir recuperação judicial
em maio de 2010, com quatro de suas seis plantas paradas por falta de capital de giro –, Tadeu Paulo
Bellicanta, disse que percebeu "mais facilidades para uns grupos e menos para outros" (ZANATTA;
ROCHA, 2010d, p. 1), referindo-se à política de socorro ao setor realizada pelo governo federal. "Não
houve boa vontade de operar conosco. Ficou patente a opção pela concentração" (ZANATTA; ROCHA,
2010d, p. 1), concluiu.
O então advogado do Frigol, Júlio Mantel, por sua vez, contou ao Valor Econômico que a
empresa por ele representada tentou obter recursos "com o BNDES e com o Banco do Brasil, mas as
propostas não foram aprovadas" (ZANATTA; ROCHA, 2010d, p. 1). O frigorífico FrigoEstrela, que
pediu recuperação judicial em novembro de 2008, também se viu frustado em sua tentativa de conseguir
recursos do BNDES: "Fomos lá no BNDES durante a crise, mas disseram que já tinham dado muito
dinheiro para frigoríficos" (ZANATTA; ROCHA, 2010d, p. 2), informou ao Valor Econômico o então
diretor de controladoria da empresa, Rubens Andrade Ribeiro Filho.
Na prática, a linha de crédito lançada por Lula em 2009 acabou beneficiando os grandes
frigoríficos. Segundo Zanatta (2010e), do orçamento de R$ 10 bilhões, cerca de 6,4 bilhões haviam sido
emprestados até agosto de 2010, sendo que metade da quantia destinada a frigoríficos foi direcionada à
JBS e à Marfrig, as duas maiores empresas frigoríficas em atuação no Brasil. De acordo com Salazar,
então presidente da ABRAFRIGO, não existia à época um planejamento do governo federal para os
pequenos e médios frigoríficos (VALOR ECONÔMICO, 2010e).
Neste quesito, o governo federal não discordava de Salazar: apesar de defender "de forma
intransigente a estratégia do banco estatal de concentrar o foco em JBS e Marfrig [... o governo] admite
ter faltado uma ação mais sistêmica de ajuda ao setor, sobretudo para pequenas e médias indústrias"
(ZANATTA, 2010e, p. 1). Portanto, o governo federal avaliava como corretas as medidas do BNDES
direcionadas aos grandes frigoríficos. O problema seria somente a falta de recursos às pequenas e médias
empresas do setor.
É por isso que, a partir de então, o governo federal passou a considerar a possibilidade de
socorrer frigoríficos de porte médio. A ideia do governo era patrocinar a fusão de cerca de 15 empresas
em um ou dois grandes grupos, os quais se tornariam capazes de concorrer com a JBS, a Marfrig e a
105
Brasil Foods nos mercados interno e externos. Como condição à liberação dos recursos, o governo
obrigaria as empresas envolvidas a profissionalizar sua gestão; além disso, "qualquer crédito estatal seria
'carimbado' para garantir o pagamento das dívidas com pecuaristas (estimadas em R$ 800 milhões) e
instituições financeiras, além do capital de giro necessário para tornar viáveis (sic) a nova operação"
(ZANATTA, 2010e, p. 1). Porém, parte dos empresários envolvidos na possível fusão avaliava que as
empresas que se fundiriam possuíam "saúde financeira" em estágios diferentes. A proposta do governo
era que a participação dos sócios nos novos grupos, em termos de controle acionário, fosse equivalente
ao endividamento e ao patrimônio de cada empresa no momento da fusão (ZANATTA, 2010f).
Consoante a Zanatta (2010e), o Governo Lula tinha bons motivos para auxiliar os pequenos e
médios frigoríficos:
a questão que mais angustia uma parcela do governo é o impacto social de
uma quebradeira generalizada no setor. Os empresários fizeram chegar ao
governo que estão em jogo 80 mil empregos diretos nos médios e pequenos
frigoríficos. Além disso, o Ministério da Agricultura está preocupado com os
efeitos de um calote das indústrias na atividade pecuária.
O domínio de JBS e Marfrig sobre o mercado não interessa ao governo porque
esse seria o caminho mais curto para uma ampla crise de renda na pecuária via
depressão de preços. O governo lembra dos impactos da crise da Parmalat no
setor leiteiro, em 2004, que deixou milhares de pequenos produtores sem ter
para quem vender e deprimiu os preços do leite (ZANATTA, 2010e, p. 2).
Portanto, o governo federal somente demonstrou efetiva preocupação em socorrer os pequenos
e médios frigoríficos quando os interesses destes coincidiram com os dos grandes pecuaristas e houve
perigo de aumento do desemprego. Em outras palavras, quando setores da grande burguesia interna e
dos trabalhadores – integrantes da frente política neodesenvolvimentista – seriam afetados. Contudo,
nem assim a situação dos pequenos e médios frigoríficos se reverteria. Na verdade, a disputa dos
pequenos e médios frigoríficos com os grandes frigoríficos somente se acirraria ainda mais.
Em agosto de 2010, a Receita Federal autorizou, via a Instrução Normativa nº 1.060, a
antecipação de 50% dos créditos do PIS/COFINS aos frigoríficos exportadores com o intuito de
incentivar as vendas de carne bovina ao exterior (ZANATTA, 2010a): em 2008, havia sido embarcado
a partir do Brasil o equivalente a US$ 5,4 bilhões em carne bovina; em 2009, o montante caíra para US$
4,1 bilhões (ABIEC, 2008; ABIEC, 2009).
Consoante a João Alberto Dias, então presidente da Associação dos Frigoríficos do Estado de
Mato Grosso do Sul, enquanto os pequenos e médios frigoríficos somente foram desonerados do
PIS/COFINS, os grandes, além da desoneração, receberiam "um prêmio que não tem a mesma escala
em nenhum outro lugar do mundo" (ZANATTA, 2010a, p. 1), referindo-se aos R$ 800 milhões que os
grandes frigoríficos embolsariam de ressarcimento. "É mais um subsídio com outro mecanismo além do
BNDES. Isso deixa o grande ainda maior [...] O pequeno continua sendo esmagado" (ZANATTA,
106
2010a, p. 1), finalizou Dias. A ABIEC, por seu turno, defendeu a medida tomada pela Receita Federal
(ZANATTA, 2010a).
Com todo o aporte do governo federal aos grandes frigoríficos e a complicada situação das
pequenas e médias empresas do setor, o então presidente Lula passou a cobrar do então ministro da
Agricultura, Wagner Rossi, e do então ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior,
Miguel Jorge, "maneiras 'criativas' para ampliar a exportação brasileira de carne bovina" (VALOR
ECONÔMICO, 2010f). Coincidência ou não, em setembro de 2010 a ABRAFRIGO assinou, com a
Associação Nacional da Carne, da Rússia, um acordo de cooperação prevendo a ampliação do leque de
empresas de origem brasileira fornecedoras de carne bovina àquele país. Segundo o Valor Econômico
(2010g, p. 1), o acordo "acontece num momento em que a Rússia busca diversificar fornecedores e
amenizar os efeitos da consolidação [leia-se concentração] no setor de frigoríficos no Brasil".
Acreditamos que os pequenos e médios frigoríficos passaram a buscar o acesso a
mercados externos como um meio de superar a crise que viviam no mercado interno, uma vez
que suas tentativas de obter recursos do governo federal vinham enfrentando sérios obstáculos.
Além disso, essa ação era compatível com os objetivos do governo de retomar as exportações
de carne bovina a partir do Brasil. Desse modo, consideramos que os pequenos e médios
frigoríficos se comportaram como burguesia interna.
107
4. Considerações Finais
No Capítulo 1 vimos que os grandes pecuaristas apresentaram, ao longo dos Governos Lula,
uma maior afinidade política com partidos do campo conservador, de orientação neoliberal
ortodoxa, atuando, portanto, em grande medida, como oposição aos governos
neodesenvolvimentistas, apesar de alguns apoios políticos importantes a eles em determinadas
ocasiões, com destaque àqueles voltados a funcionários do alto escalão do Ministério da
Agricultura e ao governo federal durante a "Crise do Mensalão".
Tal postura oscilante diferenciou os grandes pecuaristas de outros setores da grande
burguesia interna que, durante o período 2003 a 2010, manifestaram um apoio muito mais
consistente aos governos petistas, como foi o caso dos usineiros paulistas.
O que explica esse comportamento titubeante por parte dos grandes pecuaristas parece
ser a discordância que eles sustentaram com esses governos no que diz respeito, principalmente,
às suas políticas de ordem e ambiental: preferiam a abordagem mais repressiva e conservadora
dos partidos neoliberais ortodoxos a esse respeito.
Sobre essas questões, Boito Jr. (2012b, p. 97-98) resumiu bem a conduta dos grandes
proprietários de terra (o que engloba os grandes pecuaristas) ao longo do período em questão:
Os [grandes] proprietários de terra temem a ação do MST e o Governo Lula
é, no entendimento deles, complacente com esse movimento social; os
grandes proprietários de terras desejam rever o Código Florestal, de modo a
aumentar a área agricultável do país, mas o Governo Lula, no entendimento
deles, cria dificuldades também nessa área; os grandes proprietários também
hostilizam o Governo Lula pela sua política de concessão de terras aos povos
indígenas e às populações remanescentes de quilombos.
Além disso, cabe lembrar que o fortalecimento econômico e político dos grandes
frigoríficos também pesou significativamente para a construção dos posicionamentos
oposicionistas dos grandes pecuaristas.
No entanto, esses mesmos grandes pecuaristas não dispensaram diversas políticas de
cunho neodesenvolvimentistas oferecidas a eles pelos Governos Lula, tais como os créditos a
taxas de juros favorecidas; os seguros à produção rural; as políticas anticíclicas em períodos de
crise econômica; a política externa de enfrentamento moderado à política agrícola das
108
formações sociais imperialistas; e o fortalecimento do mercado interno por meio de políticas
estatais como o Bolsa Família e o crescimento do salário mínimo real. Dessa forma,
demonstraram também como o discurso neoliberal que proferem ao pautarem, por exemplo, a
diminuição da carga tributária sobre seu setor não passa, na prática, de um falatório ideológico
em que vale a máxima: "para nós, proteção estatal; aos trabalhadores, "Estado Mínimo"! – a
não ser que as políticas voltadas aos trabalhadores também nos beneficiem".
Foram essas contradições que os fizeram pender, ao longo de todo o período, do apoio
à oposição e da oposição ao apoio aos Governos Lula. Porém, como as questões relacionadas
sobretudo à manutenção da propriedade da terra e ao meio ambiente pesaram mais em suas
avaliações, a postura de oposição a esses governos foi a que predominou.
Os grandes frigoríficos, por sua vez, foram muito beneficiados pela política estatal ao
longo do período 2003 a 2010, uma vez que todos os seus interesses essenciais foram atendidos:
em primeiro lugar, os créditos favorecidos ou subsidiados, provenientes de instituições públicas
(como Caixa Econômica Federal, fundos de pensão de empresas estatais e, especialmente,
BNDES), garantiram o crescimento exponencial das principais empresas do setor, com destaque
à JBS e à Marfrig. Sem dúvida, o crédito oferecido pelo governo aos grandes frigoríficos foi a
medida estatal que mais impactou, como um todo, a cadeia produtiva de carne bovina no Brasil
– em favor dos grandes frigoríficos e em prejuízo dos demais elos e subsetores da cadeia.
Em segundo lugar, a política externa de manutenção e abertura de mercados externos
assegurou tanto o escoamento da carne bovina produzida no Brasil quanto a posição de destaque
dos grandes frigoríficos de origem brasileira no mercado internacional. A JBS, por exemplo,
tornou-se não só a maior produtora de mercadorias à base de proteína animal do mundo, como
também a maior exportadora.
Cabe ressaltar que nem essa política de crédito, nem essa política externa eram
praticadas pelos governos neoliberais ortodoxos de Collor, Itamar e FHC: os empréstimos
estatais massivos a empresas do setor frigorífico passaram a ser realizados somente a partir de
2005, ou seja, já no primeiro Governo Lula; e o Estado brasileiro, de uma postura de
subordinação passiva às formações sociais imperialistas na década de 1990, passou a apresentar
um comportamento de subordinação conflitiva frente a elas nos anos 2000 (BERRINGER,
2014). No caso da carne bovina, isso significou que o Estado brasileiro buscou diversificar seus
parceiros comerciais para além dos Estados Unidos e dos países europeus, ainda que essa
postura contrariasse interesses táticos dos Estados imperialistas, tal como ocorreu quando o
109
Brasil decidiu manter suas relações comerciais com o Irã.
Tais transformações na atuação do Estado brasileiro nos indicaram duas coisas no que
diz respeito aos grandes frigoríficos sob os Governos Lula: eles de fato ascenderam no interior
do bloco no poder; e eles se comportaram como burguesia interna.
Também vale a pena considerar que as políticas estatais que não atenderam aos
interesses desses grandes frigoríficos tampouco os impediram de continuar se expandindo. A
título de exemplo, poderíamos citar a manutenção do real valorizado frente ao dólar, medida
vista como importante pelo governo federal para manter o controle sobre a inflação, apesar de
desincentivar as exportações; e a insuficiência de investimentos estatais em sanidade animal.
Em ambos os casos, o acesso dos grandes frigoríficos a mercados externos a partir do Brasil foi
dificultado; porém, as exportações brasileiras de carne bovina, em geral, continuaram
crescendo.
Além disso, devido ao processo de internacionalização por qual passaram os grandes
frigoríficos de origem brasileira – o que somente foi possível graças aos subsídios
governamentais que receberam –, esses frigoríficos se tornaram capazes de continuar
exportando a partir de outras formações sociais. De qualquer modo, quando a tendência de
crescimento das exportações de carne bovina a partir do Brasil foi interrompida, em decorrência
da crise econômica mundial de 2008, o Governo Lula pôs em prática um conjunto de políticas
anticíclicas que aqueceram o mercado interno e, consequentemente, sustentaram o escoamento
da produção dos grandes frigoríficos.
Já a postura de burguesia interna dessas grandes empresas pôde ser apreendida em
diversas ocasiões, tais como: quando surgiram possibilidades de acordos de livre comércio
envolvendo o Brasil e formações sociais imperialistas, com destaque às negociações entre
MERCOSUL e União Europeia e à Rodada Doha da OMC; quando os irlandeses e os ingleses
lideraram uma campanha contra a carne bovina produzida no Brasil, com o intuito de impedir
o acesso do produto aos mercados da União Europeia; e quando o GREENPEACE denunciou
os elos da cadeia produtiva de carne bovina no Brasil de se envolverem em diversas práticas
ilegais. Em todos esses casos, o Estado brasileiro buscou agir de modo a garantir o acesso das
mercadorias provenientes do Brasil nos mercados externos, em benefício dos grandes
frigoríficos de origem brasileira.
Por fim, os pequenos e médios frigoríficos não tiveram seus interesses atendidos pela
política estatal ao longo dos Governos Lula. Os subsídios do governo federal a um punhado de
110
grandes frigoríficos forçaram as pequenas e médias empresas do setor a reduzirem a sua atuação
política à luta por sua própria sobrevivência.
E é certo que os pequenos e médios frigoríficos tentaram resistir de todas as formas
possíveis: denunciaram as desigualdades tributárias e creditícias no setor, ambas em favor dos
grandes frigoríficos; apoiaram a permanência de Roberto Rodrigues à frente do Ministério da
Agricultura, uma vez que o então ministro se empenhava contra a concentração no setor
frigorífico; relacionaram-se de maneira pragmática com os pecuaristas, ora somando suas
forças às deles para combater inimigos políticos em comum, ora neles descontando pressões
advindas de outros elos da cadeia produtiva; buscaram acordos comerciais com a Rússia a fim
de concorrer com os grandes frigoríficos também no mercado externo; e resistiram às pressões
do grande varejo e de ONG's internacionais no que diz respeito à proteção ao meio ambiente.
Essas duas últimas ações, aliás, indicam-nos que os pequenos e médios frigoríficos
apresentaram uma postura de burguesia interna no período 2003 a 2010.
Infelizmente para eles, mesmo as políticas estatais que pareciam beneficiá-los acabaram
por enfraquecê-los frente aos grandes frigoríficos. Tal foi o caso da isenção do PIS/COFINS, a
qual, na prática, significou mais injeção de crédito às grandes empresas do setor. Além disso,
dos R$ 10 bilhões que o governo federal prometeu a eles em seu socorro, em meio a crise
econômica mundial que eclodiu em 2008, pelo menos R$ 3,2 bilhões terminaram nas mãos de
grandes frigoríficos.
Enfim, esta dissertação pretendeu analisar tanto a organização quanto os
posicionamentos políticos dos principais elos e subsetores da cadeia produtiva de carne bovina
no Brasil ao longo dos Governos Lula, seja em relação às políticas estatais, seja no que toca às
disputas intraburguesas. Os dados por nós levantados e aqui analisados apontam que os
Governos Lula beneficiaram, em primeiro lugar, aos grandes frigoríficos, e, em segundo, aos
grandes pecuaristas, enquanto os pequenos e médios frigoríficos foram, de um modo geral,
marginalizados pelas políticas do Estado. Tais diferenças no tratamento do governo federal para
com eles ocorreu a despeito de todos haverem se comportado como burguesia interna na década
de 2000. Essa mesma postura frente ao capital internacional, no entanto, não os impediu de
travarem diversas disputas entre si, principalmente no que se referiu às políticas econômica e
externa dos Governos Lula.
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