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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA DEPARTAMENTO DE SAÚDE MESTRADO PROFISSIONAL EM SAÚDE COLETIVA JOÃO ANDRÉ SANTOS DE OLIVEIRA TELESSAÚDE E OS MÉDICOS DA ATENÇÃO BÁSICA: UMA ANÁLISE À LUZ DA MICROPOLÍTICA DO TRABALHO E DA PRODUÇÃO DO CUIDADO EM SAÚDE FEIRA DE SANTANA - BAHIA 2013

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA

DEPARTAMENTO DE SAÚDE

MESTRADO PROFISSIONAL EM SAÚDE COLETIVA

JOÃO ANDRÉ SANTOS DE OLIVEIRA

TELESSAÚDE E OS MÉDICOS DA ATENÇÃO BÁSICA: UMA ANÁLISE

À LUZ DA MICROPOLÍTICA DO TRABALHO E DA PRODUÇÃO DO

CUIDADO EM SAÚDE

FEIRA DE SANTANA - BAHIA

2013

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA

DEPARTAMENTO DE SAÚDE

MESTRADO PROFISSIONAL EM SAÚDE COLETIVA

TELESSAÚDE E OS MÉDICOS DA ATENÇÃO BÁSICA: UMA ANÁLISE À

LUZ DA MICROPOLÍTICA DO TRABALHO E DA PRODUÇÃO DO

CUIDADO EM SAÚDE

Dissertação apresentada ao Mestrado Profissional em

Saúde Coletiva da Universidade Estadual de Feira de

Santana, como requisito para a obtenção do grau de

Mestre em Saúde Coletiva.

Orientador: Prof. Dr. Emerson Elias Merhy

Co-orientadora: Profa. Dra. Débora Cristina Bertussi

FEIRA DE SANTANA - BAHIA

2013

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Ficha Catalográfica – Biblioteca Central Julieta Carteado

Oliveira, João André Santos de

O47t Telessaúde e os médicos da atenção básica : uma análise à luz da

micropolítica do trabalho e da produção do cuidado em saúde / João

André Santos de Oliveira. – Feira de Santana, 2013.

88 f.

Orientador: Emerson Elias Merhy.

Co-orientadora: Débora Cristina Bertussi.

Mestrado (dissertação) – Universidade Estadual de Feira de Santana,

Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, 2013.

1. Atenção básica a saúde – Médicos. 2. Programa Nacional

Telessaúde Brasil Redes. I. Merhy, Emerson Elias, orient. II. Bertussi,

Débora Cristina, co-orient. III. Universidade Estadual de Feira de

Santana. IV. Título.

CDU: 614

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JOÃO ANDRÉ SANTOS DE OLIVEIRA

TELESSAÚDE E OS MÉDICOS DA ATENÇÃO BÁSICA: UMA ANÁLISE

À LUZ DA MICROPOLÍTICA DO TRABALHO E DA PRODUÇÃO DO

CUIDADO EM SAÚDE

Dissertação apresentada ao Mestrado Profissional em

Saúde Coletiva da Universidade Estadual de Feira de

Santana, como requisito para a obtenção do grau de

Mestre em Saúde Coletiva.

Áreas de Concentração: Gestão do Trabalho; Educação Permanente; Cuidado em Saúde.

Data de defesa: 05 de julho de 2013.

Resultado: Aprovada

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________

Prof. Dr. Emerson Elias Merhy

Universidade Federal do Rio de Janeiro

___________________________________________

Profa. Dra. Débora Cristina Bertussi

Universidade da Cidade de São Paulo

____________________________________________

Prof. Dr. Washington Luís Abreu de Jesus

Universidade Federal da Bahia

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a todas as pessoas (profissionais, usuários e gestores), que

constroem cotidianamente o SUS enquanto política de Estado e como passo importante

na construção de uma sociedade que, acima de tudo, tem a defesa da vida como

princípio fundamental.

Dedico à Grace e às minhas filhas, Sofia e Lara (que foi gerada e chegou durante

o mestrado), que são amor, afeto e sentido em todas as empreitadas que topo na vida!

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AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, agradeço a Grace, companheira da vida (e de mestrado, também!), pelo

apoio, companheirismo, cumplicidade e carinho. Sem ela eu não conseguiria. Além do apoio

afetivo, ela ofereceu seu olhar crítico e interessado, balizando meus caminhos na construção

dessa dissertação, me ajudando a não me perder e a crescer. Te amo!

Agradeço às minhas menininhas (Sofia e Lara), por me fazer lembrar todos os dias das coisas

que valem à pena; pelos momentos de leveza e carinho do cotidiano. Especialmente a Sofia,

que ficou sem os pais três dias ao mês, durante mais de um ano, e que terminou incluindo a

palavra "mestrado" no seu vocabulário sem saber do que se tratava, somente que eram os dias

que seus pais ficavam fora.

Agradeço a D. Fátima e Armandão, pelo carinho e suporte com Sofia e apoio de diversas

ordens durante todo o período do mestrado.

À Tico que, pela amizade, cumplicidade, troca e incentivo, mesmo à distância, me ajudou a

amadurecer. Pela referência que é para mim. Te amo meu irmão!

À vô Zeca (in memoriam), um exemplo de homem, pela sua integridade, honestidade e bom

senso. Foi um dos meus grandes incentivadores à leitura e apoio à compreensão da política,

apesar das diferentes visões de mundo. Você me acompanha até hoje, presente nos meus

pensamentos, nas boas lembranças da infância, adolescência e vida adulta. Muitas saudades vô!

Ao meu pai e a Ninha, pelos exemplos que foram e são; incentivadores e apoiadores na busca

do nosso crescimento, na singularidade de cada um dos cinco; alicerces de quem sou hoje.

À minha mãe e vó Tereza, pelo carinho e afeto; pelo esforço de se fazerem próximas, mesmo

estando distantes geograficamente.

Às minhas irmãs, Clara, Manuca e Duda, por fazerem parte de mim; por todos os momentos

felizes que compartilhamos durante nosso crescimento e que ainda compartilhamos.

A Emerson, pela parceria e amizade. Pela referência que tem sido para mim todos esses anos,

desde a época do movimento estudantil. Pelo orientador "desterritorializador" que você é! Pela

paciência e por contribuir com o meu amadurecimento enquanto sujeito epistêmico, enquanto

pesquisador cartógrafo. Por sempre contribuir com o preenchimento da minha caixa de

ferramentas vibrátil.

À Débora, pela contribuição valiosa na qualificação e, a partir daí, como co-orientadora! Por

acreditar e apostar na produção que ainda se mostrava tímida. Suas cutucadas me afetaram e

empurraram para frente; me nortearam para o caminho que eu desejava seguir!

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Aos meus colegas da FESF-SUS e do SUS baiano, pelas parcerias, pelo aprendizado, pelo

companheirismo na militância pelo SUS que acreditamos. À FESF-SUS, por contribuir com

meu crescimento como pessoa e como profissional.

Ao amigo/irmão Webster, pelos momentos de descontração e reflexões políticas e filosóficas no

"Clube do Café"; pelo exemplo de militância no SUS e implicação no trabalho; pela amizade

construída no dia-a-dia da construção da FESF-SUS que fica para a vida.

Ao "camarada/comandante" Hélder, pela sensibilidade, verdade e autenticidade que você

coloca nas relações; pela coerência das suas ideias e convicções com a construção cotidiana da

vida! Irmão, você, sem saber, foi um norte nos momentos de turbulência pelo qual passamos na

construção da FEFS-SUS.

A Gel, pelo afeto, carinho, lucidez e amizade durante esses anos de FESF-SUS; por me chamar

de filho e, às minhas filhas, de netas! Pela ajuda imprescindível na dissertação.

Ao companheiro de trabalho/militância na agenda do Telessaúde, Tiago, pela empolgação,

implicação e energia que você coloca no que faz; pela amizade que fomos construindo nessa

caminhada.

A Leandro, companheiro de tantos espaços (SMS Aracaju, Rede Própria - SESAB, FESF-SUS

e UFBA), irmão e amigo para além das trincheiras da militância no SUS, com quem aprendi e

ainda aprendo bastante!

Aos colegas de mestrado, pelos encontros sempre prazerosos em Feira de Santana. Um

agradecimento especial aos companheiros de mestrado que também são/foram companheiros da

FESF-SUS: Grace, Joca, Carol, Leandro, Tim, Igor, Aline Lima, Gal, Vânia, Luciana, Joana,

Aline Pinheiro e Renata, pelas trocas, idas e vindas a Feira de Santana, pelos momentos de

trocas no hotel e nos intervalos das aulas, e pelo amadurecimento que tivemos juntos.

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"Ai daqueles que pararem com sua capacidade de sonhar, de invejar sua coragem de

anunciar e denunciar. Ai daqueles que, em lugar de visitar de vez em quando o amanhã

pelo profundo engajamento com o hoje, com o aqui e o agora, se atrelarem a um

passado de exploração e de rotina."

Paulo Freire

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RESUMO

A Atenção Básica brasileira vem aumentando sua cobertura desde meados da década de 90,

quando o Programa de Saúde da Família foi lançado pelo Ministério da Saúde. É crescente a

preocupação, pelos atores comprometidos com a consolidação da Atenção Básica, com a

qualificação da mesma e aumento de sua resolutividade. Neste cenário, o Ministério da Saúde

propõe, em 2011, o Programa Nacional Telessaúde Brasil Redes, articulado a um conjunto de

políticas e programas, com objetivo de consolidar a Atenção Básica como ordenadora das

Redes de Atenção à Saúde. O Telessaúde Brasil Redes busca contribuir com o aumento da

resolutividade da Atenção Básica e propõem-se, para isso, a transformar as práticas das Equipes

de Atenção Básica na perspectiva da Educação Permanente em Saúde. O presente trabalho tem

como objeto a relação do médico da Atenção Básica com o Telessaúde. Considerando a

centralidade que o médico tem no Modelo Médico Hegemônico e seu forte papel na

resolutividade, esse trabalho propõe-se a compreender quais os sentidos e significados o

Telessaúde tem para os médicos atuando em Equipes de Saúde da Família de municípios

contratualizados com a Fundação Estatal Saúde da Família, além de apontar limites e

possibilidades do Telessaúde constituir-se enquanto dispositivo de Educação Permanente em

Saúde e de aumentar a resolutividade das Equipes. É um estudo qualitativo, de cunho analítico,

que utiliza a perspectiva da micropolítica do trabalho e da produção do cuidado em saúde para

realização da análise. Foram entrevistados 6 (seis) médicos atuando em Equipes que, de alguma

forma, tiveram contato com a oferta de Telessáude da Fundação: o Apoio Clínico. A partir de

perguntas norteadoras, os médicos trouxeram questões relativas à sua inserção na Atenção

Básica, a como e a quê/quem recorrem para obter respostas aos seus incômodos cotidianos, e

em relação à compreensão que possuem a respeito do Telessaúde. Registrei as questões que me

afetavam e dialoguei com os orientadores e com autores que ofertavam conceitos-ferramentas

capazes de compreender melhor esses afetamentos e produzir sentido para os mesmos.

Coloquei-me na pesquisa enquanto sujeito implicado, compreendendo que o objeto investigado

se confunde comigo o tempo todo. Toda a pesquisa foi balizada pela minha experiência na

Atenção Básica, enquanto médico, professor e gestor, e no Telessaúde. Assim, o estudo não

produziu "a" verdade, mas, sim, "certa" verdade sobre a relação entre o Telessaúde e o médico

da Atenção Básica, além das possibilidades do mesmo constituir-se enquanto dispositivo de

Educação Permanente em Saúde. Apontou que o Telessaúde não é um dispositivo de Educação

Permanente em Saúde e que, sozinho, não é capaz de produzir transformações na prática dos

profissionais de uma Equipe e, em especial, do médico. No entanto, enquanto virtualidade,

pode ser atualizado de formas muito potentes na perspectiva de apoiar movimentos de

transformação das práticas que as equipes já vêm desenvolvendo. Da mesma forma, pode e

deve ser virtualizado, com o intuito de redefini-lo e aumentar sua potência, sendo a articulação

com a regulação do acesso a algumas especialidades e procedimentos, desde que na perspectiva

de apoio aos profissionais, uma possibilidade interessante.

Descritores: telessaúde; atenção básica; micropolítica; trabalho em saúde; produção do

cuidado; educação permanente em saúde.

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ABSTRACT

The Brazilian Primary Health Care has increased its coverage since the mid-90s, when the

Family Health Program was launched by the Ministry of Health. There is a growing concern,

from the characters committed to the consolidation of Primary Health Care, with its

qualification and resoluteness increase. In this scenario, the Ministry of Health proposes, in

2011, the Telehealth Brazil Networks National Program, articulated with a set of policies and

programs, in order to consolidate the Primary Health Care as ordering Networks for Health

Care. The Telehealth Brazil Networks has a major focus on increasing the outcomes of Primary

Health Care proposing to transform the practices of Primary Health Care Team in the

perspective of Permanent Health Education. The object of this work is the relationship between

the Primary Health Care physician and Telehealth. Considering the centrality that the physician

has in the Hegemonic Medical Model and his strong role in problem solving, this study aims to

understand the meanings which the Telehealth has for the Primary Health Care physicians and

point out the limits and possibilities of this tool as a Permanent Health Education Dispositive

and helps to increase the Primary Health Care resolutivity. The study's subject are physicians

that work in municipalities whom keeps contract with the Family Health Estate Foundation. It

is a qualitative study of analytical nature, which uses the micropolitic's perspective of the work

and production of health care to perform the analysis. We interviewed six (6) physicians

working in the Primary Health Care Team that somehow had contact with the Family Health

Estate Foundation's Telehealth offering: the Clinical Support. I put myself in the research as a

subject involved, understanding that the investigated object is confused with me all the time.

From guided questions, the doctors brought issues concerning their inclusion in Primary Health

Care, as how and what/who to turn to get answers to their everyday annoyances, and in relation

to the understanding they have about Telehealth. Recorded the issues that affected me and

dialogued with mentors and authors who offered concepts tools to understand better these

effects and produce a meaning for them. The whole research was limited by my experience at

Primary Health Care, as a physician, university professor and manager, and into Telehealth.

Thus, the study did not produce "the" truth, but rather "certain kind of truth" about the

relationship between Telehealth and Primary Health Care physician, also the possibility of the

Telehealth been a Permanent Health Education dispositive. Pointed out that the Telehealth is

not a Permanent Health Education dispositive and that alone is not capable of producing

changes in the professional practice of a Primary Health Care Team and in particular in the

physician. However, while virtuality, it can be updated in very powerful ways to support

movements in perspective transformation practices that teams have been developing. Likewise,

can and should be virtualized in order to reset it and increase its power, and coordination with

the regulation of access to some specialties and procedures, since the prospect of support to

professionals, an interesting possibility.

Key words: telehealth; primary health care; micropolitics; health work; care production;

permanent health education.

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

AB Atenção Básica

ACS Agente Comunitário de Saúde

APS Atenção Primária à Saúde

BA Bahia

BVS Biblioteca Virtual de Saúde

CEPS Centro de Educação Permanente da Saúde

CI Comunicação Interna

CIB Comissão Intergestores Bipartite

CIES Comissão de Integração Ensino-serviço

CLT Consolidação das Leis do Trabalho

CONASS Conselho Nacional de Secretários de Saúde

CONASEMS Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde

CAPS-AD Centro de Atenção Psicossocial Álcool e outras Drogas

CPS Cuidados Primários em Saúde

DA Diretório Acadêmico

DAB Departamento/Diretoria de Atenção Básica

DSF Departamento de Saúde da Família

DENEM Direção Executiva Nacional dos Estudantes de Medicina

EPS Educação Permanente em Saúde

EqSF Equipe de Saúde da Família

ESF Estratégia de Saúde da Família

EUA Estados Unidos da América

FESF Fundação Estatal Saúde da Família

FIT Formação Inicial do Trabalhador

GM Gabinete do Ministro

LRF Lei de Responsabilidade Fiscal

MMH Modelo Médico Hegemônico

MSB Movimento Sanitário Brasileiro

MS Ministério da Saúde

NASF Núcleo de Apoio à Saúde da Família

NUCAAR Núcleo de Controle Auditoria Avaliação e Regulação

NUTS Núcleo Universitário de Telessaúde

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PMAQ Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade

PNAB Política Nacional de Atenção Básica

PROVAB Programa de Valorização da Atenção Básica

PSE Programa Saúde na Escola

PSF Programa de Saúde da Família

RAS Redes de Atenção à Saúde

RS Rio Grande do Sul

SESAB Secretaria Estadual de Saúde da Bahia

SGTES Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação e Saúde

SMS Secretaria Municipal de Saúde

SOF Segunda Opinião Formativa

SUS Sistema Único de Saúde

TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

TS Telessáude

UBS Unidade Básica de Saúde

USF Unidade de Saúde da Família

UFBA Universidade Federal da Bahia

UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul

VER-SUS Vivências e Estágios na Realidade do Sistema Único de Saúde

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SUMÁRIO

1.INTRODUÇÃO..................................................................................................................... 14

1..1. Contextualizando o atual momento da atenção Básica no Brasil...................................... 14

1.2. O Telessaúde para a Atenção Básica: histórico e contexto atual......................................... 18

1.3. Contextualizando o Telessaúde na Bahia............................................................................ 20

1.3.1. Apoio Clínico: a oferta de Telessaúde da FESF-SUS....................................................... 22

1.4.Justificativa........................................................................................................................... 24

2. PERCURSO METODOLÓGICO...................................................................................... 26

2.1. Sobre as implicações: conhecendo um pouco o pesquisador........................................... 26

2.2. A construção do objeto da pesquisa: encontros e afectos do cotidiano........................... 30

2.3. A escolha dos sujeitos da pesquisa................................................................................... 32

2.4. Coleta de dados: encontros e afetamentos entre sujeitos................................................. 34

3. O QUE PRODUZ INCÔMODO NOS MÉDICOS NO CONTEXTO DA

ATENÇÃO BÁSICA?.............................................................................................................. 39

4. REFLETINDO SOBRE A PROFISSÃO MÉDICA E SUA INSERÇÃO NA

ATENÇÃO BÁSICA................................................................................................................ 45

5. MOVIMENTAÇÕES DO COTIDIANO DA ATENÇÃO BÁSICA: PISTAS

PARA PENSAR O USO DO TELESSAÚDE...................................................................... 51

5.1. Repetição dos territórios vigentes na Atenção Básica.................................................. 51

5.2. A produção de redes vivas de conexão como um potente dispositivo de

Educação Permanente em Saúde.......................................................................................... 52

5.3. A solidão terapêutica e a demora permitida: diferenças do uso do Telessaúde

entre o interior e a região metropolitana.............................................................................. 59

5.4. A possibilidade real de evitar encaminhamentos desnecessários, no

caso de dificuldades de encaminhar ao especialista (baixo acesso)..................................... 63

6. O TELESSAÚDE PARA A ATENÇÃO BÁSICA COMO

"CÉLULA TOTIPOTENTE": TECNOLOGIA DURA A SERVIÇO

DO TRABALHO MORTO OU DO TRABALHO VIVO?............................................ 67

6.1. A fragilidade da gestão da Atenção Básica na maioria dos municípios:

como fica essa disputa?..................................................................................................... 69

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7. O TELESSAÚDE E A REGULAÇÃO DO ACESSO A RECURSOS

CRÍTICOS NO SUS: TRABALHO VIVO DO MÉDICO EM DISPUTA................... 76

8. ATUALIZAÇÃO E VIRTUALIZAÇÃO DO TELESSAÚDE PARA

A ATENÇÃO BÁSICA: REDIMENSIONANDO AS EXPECTATIVAS

E PENSANDO POSSIBILIDADES............................................................................... 79

9. CONSIDERAÇÕES FINAIS: APONTAMENTOS E DEVIRES................................. 83

REFERÊNCIAS..................................................................................................................... 85

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1. INTRODUÇÃO

1.1.Contextualizando o atual momento da Atenção Básica no Brasil e na Bahia

A Atenção Básica - AB sofreu expansão importante desde o início da implantação do

Programa de Saúde da Família - PSF, lançado pelo Ministério da Saúde - MS, a partir de 1994.

O PSF foi proposto, inicialmente, com o objetivo de ampliação da cobertura da assistência para

populações com maior risco social, mas foi adquirindo centralidade nas políticas públicas de

saúde progressivamente, sendo considerado pelo MS como uma estratégia estruturante do

Sistema Único de Saúde - SUS municipal na perspectiva da reorientação do modelo assistencial

(ESCOREL et al., 2007).

A partir de 1999, o PSF passou a ser denominado Estratégia de Saúde da Família - ESF.

Segundo Escorel et al. (2007), a ESF passou a incorporar os princípios e diretrizes do SUS e a

se aproximar do conceito de Atenção Primária à Saúde - APS propostos por Starfield (2002),

que tem no primeiro contato, longitudinalidade, abrangência do cuidado, coordenação e

orientação à família e às comunidades seus atributos essenciais e derivados, na perspectiva de

romper com a noção de uma atenção de baixo custo e simplificada.

Hoje, abrange mais da metade da população brasileira, contando com 33.726 equipes

(BRASIL, 2013). Até agosto de 2011, cinco mil duzentos e oitenta e quatro municípios

brasileiros já contavam com Equipes de Saúde da Família - EqSF implantadas, equivalendo a

uma cobertura com a estratégia a cento e um milhões e trezentos mil brasileiros (BRASIL,

2013).

No entanto, apesar dessa expansão expressiva e do resultado significativo na redução da

mortalidade materno-infantil entre outros, a ESF vem enfrentando vários desafios, entre os

quais se destaca a precarização das relações de trabalho, conforme nos colocam Andrade,

Teixeira e Machado (2012, p.66):

Ainda que a ESF tenha se mantido como política prioritária na agenda de

sucessivos governos desde sua criação, sua expansão nacional expressa

dificuldades e desafios, também observados nos demais serviços e níveis de

atenção do SUS. Um deles é que a implementação da estratégia ocorreu desde

meados dos anos 1990 por meio da ‘precarização' das relações de trabalho nos

serviços públicos de saúde, relacionada ao contexto mais amplo de reforma do

Estado que impôs restrições à expansão do funcionalismo público nas três

esferas de governo.

A Atenção Básica, organizada a partir da ESF, ainda apresenta uma baixa resolutividade,

muito aquém da esperada, que é de 85%. Entre os grandes obstáculos para a consolidação e

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fortalecimento da AB, destaca-se a alta rotatividade dos profissionais nas EqSF e, mesmo, o

baixo provimento de profissionais, especialmente do médico, em algumas regiões, como o

interior do Nordeste, do Norte e do Centro-oeste, assim como na periferia dos grandes centros

urbanos. Isso dificulta em grande medida o desenvolvimento dos princípios e diretrizes da AB,

destacando-se a longitudinalidade do cuidado e a resolutividade.

Dessa forma, vem sendo um desafio para todos os atores envolvidos com a consolidação

do Sistema Único de Saúde - SUS e da AB, enquanto ordenadora das redes de atenção à saúde,

o provimento e fixação de profissionais para comporem as EqSF.

A partir de 2011, o MS, em articulação com o Conselho Nacional de Secretários de

Saúde - CONASS e com o Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde -

CONASEMS, iniciou um processo muito intenso de ações, políticas e programas com o

objetivo de fortalecer e consolidar a AB.

Houve um aumento significativo do aporte financeiro federal para os municípios nos

anos de 2011 e 2012. Segundo Pinto, Koerner e Silva (2012, p.1),

Estes dois anos somam mais de 3,6 bilhões de aumento, que representam um

acréscimo de quase 37% nos recursos repassados fundo a fundo para a AB. É

o maior reajuste desde a criação do PAB, que inclui verbas dispostas no

contexto da nova Política Nacional de Atenção Básica - "Saúde Mais Perto de

Você", e evidenciam que a atenção básica, definitivamente, entrou na agenda

prioritária do Governo.

Foi lançada a Nova Política Nacional de Atenção Básica - PNAB ("Saúde Mais Perto de

Você") (BRASIL, 2011a) e assinado o Decreto Presidencial nº 7.508 de 28 de junho de 2011

(BRASIL, 2011d), o qual regulamenta a Lei 8.080 de 1990, além de definir as redes de Atenção

à Saúde e "oficializar" a AB como porta de entrada do SUS e como ordenador do acesso

universal e igualitário às ações e serviços de saúde.

Programas já existente foram fortalecidos (como o Núcleo de Apoio à Saúde da Família

- NASF); vários Programas do MS, a partir do Departamento de Atenção Básica - DAB, foram

iniciados, assim como outros, não ligados ao DAB diretamente, mas que têm a AB como foco.

Entre esses Programas do DAB/MS, destacam-se: Requalifica UBS (central na PNAB);

Melhor em Casa (Programa de Atenção Domiciliar); o Telesssaúde Brasil Redes na Atenção

Básica (Programa Nacional de Telessaúde com foco na AB); NASF; Academia da Saúde

(Programa de Promoção da Saúde com foco na prática de atividades físicas orientadas);

Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade - PMAQ; entre outros.

Entre os Programas do MS que se articulam fortemente com a AB, destacam-se: Rede

Cegonha (Atenção Integral à Saúde Materno-infantil) e Programa Saúde na Escola - PSE.

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A PNAB e todos os Programas foram estruturados na perspectiva da AB constituir-se

como o "contato preferencial dos usuários, a principal porta de entrada e o centro de

comunicação com toda a Rede de Atenção à Saúde" (BRASIL, 2011a).

Antes mesmo dos avanços mais significativos impulsionados pela esfera federal, a AB

entrou na agenda prioritária de alguns estados. Neste contexto, na Bahia, foi instituída a

Fundação Estatal Saúde da Família - FESF-SUS, em 2009. A FESF-SUS é uma Fundação

Governamental instituída por 69 municípios baianos que tem como objetivo desenvolver de

forma articulada e compartilhada a atenção à saúde, em especial a ESF, tendo como eixos

norteadores de sua atuação o Apoio Institucional, Educação Permanente em Saúde - EPS, a

Gestão por Resultados e a Carreira intermunicipal de âmbito estadual.

Caracteriza-se como um componente interfederado do SUS, que tem como uma de suas

diretrizes a articulação de políticas de saúde entre todos os demais entes do SUS na Bahia, em

especial o Ministério da Saúde, a Secretaria Estadual de Saúde e as Secretarias Municipais de

Saúde, visando à qualificação, fortalecimento e expansão da atenção à saúde na Bahia. Foi

instituída após ampla discussão nas instâncias de Controle Social do SUS, como a Conferência

Estadual de Saúde e o Conselho Estadual de Saúde; e após intensa mobilização legislativa, a

partir da qual foram aprovadas leis municipais permitindo que os municípios instituíssem a

Fundação. Posteriormente, foi desenvolvido o entendimento jurídico e decidido no Conselho

Curador da FESF-SUS que mesmo os municípios que não eram instituidores poderiam celebrar

Contrato de Gestão, o que foi feito por 69 municípios, não exatamente os mesmos que

compunham a instituição. Destes 69, 39 municípios iniciaram os serviços previstos no Contrato

de Gestão.

Em março de 2010, ocorreu o primeiro Concurso da FESF-SUS, em âmbito nacional.

Os primeiros profissionais começaram a desenvolver suas atividades nos municípios

contratualizados em agosto de 2010. A partir deste momento, a FESF-SUS começou a enfrentar

o desafio de implantar serviços em atenção básica, em gestão compartilhada, com um conjunto

de municípios baianos. Serviços nem sempre desejados pelos gestores municipais (apoio

institucional à gestão e às equipes, formação para os profissionais, gestão compartilhada dos

serviços, gestão do trabalho), mais interessados e motivados a contratualIzar com a FESF-SUS

pela prespectiva, que mais era uma aposta do que uma realidade palpável, de conseguir

médicos para compor suas equipes desfalcadas ou, mesmo, expandir sua cobertura de atenção

básica limitada pela escassez desse profissional.

No entanto, vários fatores do contexto da atenção básica no estado (os quais não são

exclusivos da Bahia) constituíram-se como obstáculos à consolidação dessa aposta. Menos

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municípios do que o esperado contratualizaram, entre outros fatores, pela desconfiança na

recém-nascida Fundação; pela perda da "liberdade" antes exercida na gestão dos profissionais

que não mais eram contratados diretamente pelo município através de contratos precarizados;

pelo fato da contratualização com a FESF-SUS implicar em aumento no custo com contratação

de profissionais, por conta dos vínculos serem através da Consolidação das Leis do Trabalho -

CLT, incidindo no índice de pessoal na Lei de Responsabilidade Fiscal - LRF; entre outros.

Outro obstáculo importante, foi o número bem abaixo do esperado de médicos inscritos no

concurso e que, de fato, efetivaram contrato e foram lotados nas equipes de saúde da família.

Mesmo nos municípios contratualizados, não foi possível a oferta de serviços médicos

em várias equipes, o que trouxe uma insatisfação muito grande para os gestores municipais,

que viam na FESF-SUS a resolução de seus problemas no que diz respeito à falta do médico.

Somado a isso, muitos municípios tornaram-se inadimplentes, alguns chegando a nunca

repassar nenhum recurso, apesar dos serviços serem prestados.

Assim, foi tornando-se cada vez mais complicada a sustentabilidade da FESF-SUS do

ponto de vista político, orçamentário e financeiro, sendo necessária a descontratualização com

alguns municípios e revisão de seu escopo de ofertas e espectro de parcerias.

A partir de 2012, principalmente por demandas colocadas pela Secretaria Estadual de

Saúde, a FESF-SUS começou a diversificar seus serviços e a especializar-se para isso. Houve

mudanças importantes na lógica organizacional, no organograma e na composição da equipe de

gestão, passando a desenvolver serviços de Regulação, Atenção Domiciliar e Apoio

Institucional Estadual. Com isso, a Atenção Básica teve uma importante atrofia, limitando-se à

contratualização com poucos municípios, assim como a perspectiva de carreira estadual para os

profissionais das EqSF, na FESF-SUS, tornou-se uma realidade cada vez mais distante.

Dessa forma, desde 2012 a FESF-SUS vem se preparando para ofertar outros serviços

para os municípios baianos e para o estado da Bahia, o que iniciou, de fato, em 2013. Todos os

novos serviços são regidos por uma relação com o governo do estado, representados pela

SESAB, através de um Contrato de Programa, o qual envolve os municípios, como é o caso do

Telessaúde, o qual foi lançado oficialmente em junho de 2013. Os serviços, antigos e os novos,

são transversalizados e articulados com os eixos norteadores da instituição.

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1.2. O Telessaúde para a Atenção Básica no Brasil: histórico e contexto atual

No Brasil, O Telessaúde - TS direcionado para a AB foi iniciado no ano de 2006 pelo

Ministério da Saúde, com a criação da Comissão Permanente de Telessaúde, sob a coordenação

da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação em Saúde - SGTES (CAMPOS et al.,

2009). Em 2007, foi lançado o Programa Nacional de Telessaúde em apoio à Atenção Básica,

através da Portaria n° 35/GM/MS, de 4 de janeiro de 2007 (BRASIL, 2007).

O contexto de surgimento desse Programa baseia-se na importante expansão da ESF

enquanto modelo de organização da AB no Brasil e no entendimento de que um dos principais

obstáculos para a expansão e aperfeiçoamento da qualidade da ESF tem a ver com a

capacitação dos profissionais e das equipes para que atuem segundo o modelo proposto.

Considera-se que o currículo e modelo pedagógico vigentes na maioria dos cursos de

graduação em saúde não estão adaptados para a formação de profissionais com o perfil

esperado para a ESF, ou estão em um estágio inicial de mudança para se adequar às Diretrizes

Curriculares Nacionais (CAMPOS et al., 2009).

Como pano de fundo da criação deste Programa, considerou-se que o surgimento

constante de conhecimentos científicos leva à necessidade de atualização profissional

continuada como forma de manter a qualidade dos serviços, assim como a capacitação

adequada dos profissionais deve ser encarada como uma estratégia que pode aumentar a

eficiência dos serviços de saúde, pois o aperfeiçoamento educacional reduz os custos com

assistência, permitindo a diminuição das condutas inadequadas e, consequentemente, dos

desperdícios (CAMPOS et al., 2009).

Segundo Campos et al. (2009), o Programa Nacional de Telessaúde em apoio à Atenção

Básica considera o TS como uma ação estratégica nacional que, além de otimizar a atenção à

saúde, permite racionalizar os recursos disponíveis, facilitando que o governo possa

desencadear ações rápidas e contribuindo para que a AB alcance a resolutividade, esta

internacionalmente testada e divulgada, de 85%.

O foco dessa primeira iniciativa de TS para a AB no Brasil assim, foi a "capacitação"

profissional para tornar a AB mais resolutiva e eficiente, utilizando-se as tecnologias de

teleducação interativa desenvolvidas nos centros de investigação das universidades brasileiras,

como forma de superar as estratégias de capacitação profissional, anteriormente utilizadas, as

quais, de acordo com esses autores, tiveram êxito limitado.

Apesar de concordar com Campos que os currículos das graduações em saúde, de

maneira geral, não são adequados para o que se espera da atuação na AB, gostaria de iniciar

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uma problematização, que aprofundarei mais adiante, sobre a limitação que têm estratégias de

"capacitação adequada" dos profissionais em produzir transformação das práticas de saúde e,

assim, reduzir custos e desperdícios.

Desde 2004, com o lançamento da Política de Educação e Desenvolvimento para o SUS

(BRASIL, 2004), da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do SGTES/MS,

autores como Feuerwerker e Ceccim (2004) e Merhy, Feuerwerker e Ceccim (2006), iniciaram

com mais intensidade a discussão de estratégias que utilizam o mundo do trabalho como

substrato da reflexão, crítica e transformação dos serviços de saúde como forma de qualificá-

los. Dialogando com esses autores, e como discutirei em seguida, entendo que apenas

estratégias que lançem mão de dispositivos de Educação Permanente em Saúde - EPS é que

têm possibilidade de produzir transformações nas práticas e aumentar a qualidade dos serviços.

O próximo passo no desenvolvimento do TS para a AB foi o lançamento do Programa

Telessaúde Brasil, que amplia o anterior, pela Portaria nº 402/GM/MS de 24 de fevereiro de

2010, com o objetivo de qualificar, ampliar a resolubilidade e fortalecer a ESF, a partir da

oferta da denominada 'Segunda Opinião Formativa' e outras ações educacionais dirigidas a

todos os profissionais destas equipes (BRASIL, 2010). Seguindo a mesma linha do Programa

de 2007, o Telessaúde Brasil tem como foco a oferta de ações educativas aos profissionais das

EqSF.

Em outubro de 2011, foi lançado, pelo Departamento de Atenção Básica do Ministério

da Saúde - DAB/MS, o Programa Telessaúde Brasil Redes, o qual redefine e amplia o

Programa Telessaúde Brasil, que passa a ser denominado Programa Nacional Telessaúde Brasil

Redes (Telessaúde Brasil Redes), tendo por objetivo apoiar a consolidação das Redes de

Atenção à Saúde, ordenadas pela AB, no âmbito do Sistema Único de Saúde (BRASIL, 2011c).

A oferta de Telessaúde para a Atenção Básica baseia-se nas seguintes Portarias:

Portaria Nº 2.546, de 27 de outubro de 2011, que redefine e amplia o

Programa Telessaúde Brasil, que passa a ser denominado Programa Nacional

Telessaúde Brasil Redes (Telessaúde Brasil Redes). [...] “Tem por objetivo

apoiar a consolidação das Redes de Atenção à Saúde, ordenadas pela Atenção

Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS)" (BRASIL, 2011c).

Portaria Nº 2.554, de 28 de outubro de 2011, que institui, no âmbito do

Programa de Requalificação das Unidades Básicas de Saúde (UBS), o

Componente de Informatização e Telessaúde Brasil Redes na Atenção Básica,

integrado ao Programa Nacional Telessaúde Brasil Redes e tem como

objetivos ampliar a resolutividade da Atenção Básica e promover sua

integração com o conjunto da Rede de Atenção à Saúde (BRASIL, 2011b) .

A Portaria nº 2.554 coloca em seu artigo 3º, como objetivo, ainda,

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desenvolver ações de apoio à atenção à saúde e de educação permanente das

equipes de atenção básica, visando à educação para o trabalho, na perspectiva

da melhoria da qualidade do atendimento, da ampliação do escopo de ações

ofertadas por essas equipes, da mudança das práticas de atenção e da

organização do processo de trabalho, por meio da oferta de Teleconsultoria,

Segunda Opinião Formativa e Telediagnóstico (BRASIL, 2011b).

O Telessaúde Brasil Redes deverá fornecer aos profissionais e trabalhadores das RAS

no SUS os seguintes serviços:

1. Teleconsultoria: consulta registrada e realizada entre trabalhadores,

profissionais e gestores da área de saúde, por meio de instrumentos de

telecomunicação bidirecional, com o fim de esclarecer dúvidas sobre

procedimentos clínicos, ações de saúde e questões relativas ao processo de

trabalho, podendo ser de dois tipos:

a) Síncrona - teleconsultoria realizada em tempo real, geralmente por

chat, web ou videoconferência;

b) Assíncrona - teleconsultoria realizada por meio de mensagens off-

line; Telediagnóstico: serviço autônomo que utiliza as tecnologias da

informação e comunicação para realizar serviços de apoio ao

diagnóstico através de distância e temporal.

2. Segunda Opinião Formativa: resposta sistematizada, construída com base

em revisão bibliográfica, nas melhores evidências científicas e clínicas e no

papel ordenador da AB à saúde, a perguntas originadas das teleconsultorias, e

selecionadas a partir de critérios de relevância e pertinência em relação às

diretrizes do SUS.

3. Tele-educação: conferências, aulas e cursos, ministrados por meio da

utilização das tecnologias de informação e comunicação (BRASIL, 2011c).

Além desses serviços, na perspectiva de posicionar a AB, de fato, como ordenador das

RAS, o MS tem incentivado através das Portarias, do discurso institucional e de seu apoio

financeiro, técnico e político, que os Núcleos Técnico-científicos de Telessaúde se articulem

com as Centrais de Regulação dos estados e municípios. Esta articulação visa à utilização do

TS no processo regulatório, criando lógicas e fluxos de acesso a recursos, como exames com

maior adensamento tecnológico e consultas especializadas, que não estão sob a gestão da AB,

focando nos recursos mais críticos.

1.3.Contextualizando o Telessaúde na Bahia

O Telessáude na Bahia começou a ser discutido desde 2011, quando a Diretoria de

Atenção Básica, da Secretaria Estadual de Saúde da Bahia, formulou o Projeto Telessaúde

Brasil/Bahia, a partir do lançamento da Portaria 402/2010, pela SGTES/MS, em julho de 2011.

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O Projeto foi construído pela SESAB baseado na proposta aprovada pela Resolução

CIB BA Nº 143/2011 de 21 de Julho de 2011 e aprovado pela SGTES no mesmo ano.

Considerado um Projeto Piloto para implantação do TS na Bahia, foram inicialmente

contemplados 100 (cem) Pontos de Telessaúde em Unidades de Saúde da Família - USF de 100

(cem) municípios.

Logo em seguida, o Departamento de Atenção Básica do MS lançou o Programa

Nacional Telessaúde Brasil Redes através da Portaria Nº 2.546, de 27 de outubro de 2011.

Dessa forma, foram cadastradas 05 (cinco) propostas intermunicipais considerando como

Núcleos Técnico-Científicos 05 (cinco) municípios destas regiões prioritárias (Juazeiro, Capim

Grosso, Vera Cruz, Porto Seguro e Itabuna) e 01 (uma) proposta estadual considerando a

SESAB como Núcleo Técnico Científico.

Foi criado, assim, o Comitê Gestor do Telessaúde na Bahia, composto pela SESAB

(DAB e Escolas de Formação do SUS), Fundação Estatal Saúde da Família - FESF-SUS,

Universidade Federal da Bahia - UFBA, Comissão de Integração Ensino-serviço - CIES,

Conselho dos Secretários Municipais de Saúde - COSEMS e municípios que seriam Núcleos

Técnico-científicos (BAHIA, 2012). Foi definido que a gestão do TS da Bahia seria feita de

forma colegiada entre a SESAB e o COSEMS.

Foram realizadas intensas discussões, principalmente entre a SESAB, FESF-SUS e

COSEMS, onde foram considerados aspectos técnicos, operacionais e orçamentários,

chegando-se à conclusão de que os seis Projetos aprovados na Bahia comporiam um Projeto

Único.

Em janeiro de 2012, foi aprovada em CIB (BAHIA, 2012) a construção de um Projeto

Único de Telessaúde Brasil Redes no Estado da Bahia, onde o volume de recursos para os seis

Projetos seria utilizado de forma articulada para o desenvolvimento do Projeto Único e

conformação de um único Núcleo: Núcleo Técnico-Científico de Telessaúde da Bahia.

Por possuir uma série de características institucionais, jurídicas, operacionais e técnicas,

como a relação com vários municípios baianos, a conformação de equipe de apoio institucional

e a experiência como a oferta do "Apoio Clínico", como será tratados em seguida, foi

construída a possibilidade e definido em CIB, que a FESF-SUS ofertaria os serviços do Núcleo

Técnico-científico de Telessaúde para todos os municípios do estado, viabilizando o Projeto

Único Telessaúde Brasil Redes Bahia.

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1.3.1.Apoio Clínico: a oferta de Telessaúde da FESF-SUS

Vale à pena localizar a FESF-SUS no contexto do SUS na Bahia, para ficar mais claro

seu papel no desenvolvimento do TS neste estado. A FESF-SUS tem como objetivo precípuo o

desenvolvimento e fortalecimento da Atenção Básica da Bahia. Como uma de suas ofertas de

apoio à distância, assim como a Praça Virtual1 e a Formação Inicial do Trabalhador - FIT,

desenvolveu uma oferta de TS para a AB, chamada de "Apoio Clínico", que passou a integrar o

conjunto de ofertas de EPS da FESF-SUS e teve como objetivo qualificar a produção do

cuidado e aumentar a resolutividade das equipes, além de contribuir com formação de Rede de

Apoio Horizontal entre os trabalhadores da AB, na perspectiva dos mesmos sentirem-se parte

de um mesmo projeto.

O Apoio Clínico foi desenvolvido através da oferta temporária do serviço pelo Núcleo

de TS do Rio Grande do Sul - TelssaúdeRS, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul -

UFRGS, a partir de parceria firmada com o MS, como projeto piloto do processo de

desenvolvimento do Programa Telessaúde Brasil Redes. O TelessaúdeRS possui larga

experiência com TS direcionados para o contexto da AB e vem, desde 2007, desenvolvendo o

TS naquele estado.

Assim, o Apoio Clínico constituiu-se enquanto uma oferta pioneira de TS na Bahia e

contou com todo o suporte técnico, conceitual e operacional do TelessaúdeRS, na perspectiva

da transferência de tecnologia, o que envolveu: visitas de equipe técnica e de gestão do Núcleo

à FESF-SUS; visitas do coordenador do Apoio Clínico ao Núcleo em Porto Alegre; capacitação

presencial e à distância para uso da Plataforma de TS (Intraflow), para solicitação e respostas

de teleconsultorias; oferta de teleconsultorias, a partir dos teleconsultores do TelessaúdeRS, aos

trabalhadores dos municípios contratualizados com a FESF-SUS nos primeiros meses; oficina

de formação dos teleconsultores do Apoio Clínico (selecionados entre os trabalhadores

médicos, dentistas e enfermeiros) da carreira FESF-SUS; "albergagem" da interface da FESF-

SUS no Intraflow e suporte remoto em relação ao uso do mesmo.

Para envolver todos os trabalhadores das EqSF atuando nos municípios contratualizados

com a FESF-SUS (concursados da FESF ou não), houve momentos presenciais e à distância de

capacitação para o uso da Plataforma de TS. À distância, ocorreram cinco capacitações para os

trabalhadores dos municípios e uma para os Apoiadores Institucionais FESF-SUS, todas

1

Ambiente virtual criado pela FESF-SUS para interação e comunicação com todos os trabalhadores vinculados a

ela e com os gestores dos municípios que são contratualizados.

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realizadas conjuntamente com o TelessaúdeRS. Duas oficinas presenciais (abril e setembro de

2012), foram realizadas também com a participação do TelessaúdeRS.

A primeira oficina contou com a participação, além da equipe da FESF-SUS, de todas as

instituições que já estavam discutindo o TS na Bahia (DAB/SESAB, Escola Estadual de Saúde

Pública - EESP/SESAB, Escola de Formação Técnica em Saúde - EEFTS/SESAB; Núcleo

Universitário de Telessaúde - NUTS, da UFBA; COSEMS). Nesta oficina, foi realizada a etapa

final da seleção interna (entre os trabalhadores da carreira da FESF-SUS) para teleconsultores,

na qual foram selecionados um teleconsultor médico, um cirurgião-dentista e dois enfermeiros.

Na segunda oficina, além dos atores envolvidos com a discussão do TS no Estado,

houve a participação de trabalhadores das EqSF de municípios contratualizados com a FESF-

SUS, em um total de 65 pessoas.

Foi criado um ambiente do Apoio Clínico na Praça Virtual, o qual possui: link para

acessar a Plataforma do TS; links para o site do TelessaúdeRS, Biblioteca Virtual de Saúde -

BVS, entre outros. Nesse ambiente, foram disponibilizados tutoriais sobre cadastramento na

plataforma e solicitação de teleconsultoria. Para possibilitar a interação dos trabalhadores e

estimular o uso do Apoio Clínico, foi criado um tópico de discussão: "Conversando sobre o

Apoio Clínico", conforme aponta o Relatório de Gestão da FESF-SUS de 2012:

Durante todo o ano de 2012 foi realizado o aprimoramento e a gestão

cotidiana do Ambiente Virtual do Apoio Clínico. Foram abertos 17 tópicos de

discussão no fórum "Conversando sobre o Apoio Clínico", entre os quais se

destacam convites para capacitação para o uso da plataforma do Telessaúde,

Enquete sobre temas prioritários para as Webpalestras, divulgação do

Cronograma de Webpalestras, Tutoriais sobre o uso da Plataforma do

Telessaúde, entre outros (FESF-SUS, 2013).

Além da solicitação de teleconsultoria, também houve oferta de webpalestras, recurso

de Tele-educação utilizado pelos Núcleos de TS com o objetivo de discutir temas específicos

relacionados à AB de forma interativa com os expectadores. O TelessaúdeRS possuía um

cronograma de webpalestras estruturado, o qual foi disponibilizado para FESF-SUS,

amplamente divulgado no ambiente virtual do Apoio Clínico, assim como os Apoiadores

Institucionais mobilizaram os trabalhadores para que os mesmos participassem. Também foi

realizada uma enquete no Ambiente Virtual, com o objetivo de levantar temas prioritários para

elaboração de webpalestras pela equipe do TelessaúdeRS.

Durante todo esse período (novembro de 2011 até a presente data) tive uma intensa

participação nessa agenda, a qual passou a ser a minha frente prioritária na FESF-SUS. Eu era

referência para os municípios da macrorregião Leste como apoiador institucional e fui

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deslocado para coordenar todo o processo de implantação e desenvolvimento do Apoio Clínico

e ser médico telerregulador2. Além disso, comecei a representar a FESF-SUS no Comitê Gestor

do TS e em todas as reuniões onde esse tema fosse discutido.

1.4.Justificativa

Um dos grandes objetivos do TS para a AB é contribuir com um aumento da

resolutividade das EqSF e, com isso, leia-se: evitar encaminhamentos desnecessários para

serviços de referência, qualificar os encaminhamentos necessários e tornar mais racional e

qualificada a solicitação de exames complementares. Dessa forma, espera-se, também, reduzir

custos com acesso a recursos e deslocamentos desnecessários.

Pensando nos núcleos profissionais que conformam uma EqSF, o principal profissional

que tem como atribuição o encaminhamento do usuário para serviços especializados, como

para profissionais das diversas especialidades médicas, ou, mesmo, outras categorias

profissionais, como o nutricionista, psicólogo e fisioterapeuta, por exemplo, é o médico.

Seguindo o mesmo raciocínio, a solicitação de exames, dos mais simples aos com maior

adensamento tecnológico, em grande medida, é realizada pelo médico.

Assim, por mais que o TS para AB seja uma oferta para toda a equipe, o médico, pelo

papel instituído que possui no atual modelo hegemônico de produção de cuidado, termina

sendo uma peça central da engrenagem quando pensamos os objetivos principais dessa oferta.

Um exemplo dessa centralidade do médico no processo foi o Projeto Único Telessaúde Brasil

Redes Bahia ter sido aprovado com o quantitativo de 7 (sete) teleconsultores médicos, 1 (um)

enfermeiro e 1 (um) dentista, desconsiderando a necessidade apontada pela equipe técnica de

haver mais teleconsultores enfermeiros do que médicos.

O TS, que se propõe a transformar práticas na AB na perspectiva da EPS, é ofertado a

partir de tecnologias de informação e comunicação; depende da interação do trabalhador com

essas tecnologias, que é feita à distância. Assim, faz-se necessário refletir como essa oferta fará

parte da dinâmica de uma EqSF e de que forma os médicos se relacionarão e farão uso da

mesma; e, ainda, quais são os limites e possibilidades do TS constituir-se, de fato, enquanto um

dispositivo de EPS para as equipes na AB.

2

Profissional que tem como função principal receber as solicitações de teleconsultorias via plataforma específica,

classificá-las e encaminhá-las para os teleconsultores responderem, de acordo com seu núcleo profissional,

disponibilidade e experiência. Pode ser considerado o "maestro" no processo de solicitação e respostas de

teleconsultorias.

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Assim, esta pesquisa tem como objetivo contribuir com o aprofundamento da

compreensão dos sentidos e significados atribuídos ao TS pelos médicos que atuam na AB.

Com esse aprofundamento, pretende apontar limites e possibilidades do TS constituir-se como

um dispositivo de EPS para as EqSF, além de ampliar sua potência, levando à criação de

estratégias de apoio para a implantação, monitoramento e avaliação do TS alinhadas com esse

desafio.

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2. PERCURSO METODOLÓGICO

Esta pesquisa propõe-se a analisar um fenômeno social no campo saúde, qual seja a

relação entre o médico da AB e o TS. Como qualquer fenômeno social, o objeto que aqui se

pretende estudar é complexo, determinado por inúmeros aspectos que se relacionam e que

envolvem atores sociais em relação entre si e com as tecnologias envolvidas no trabalho em

saúde, que são atravessados por instituições e suas linhas de força, em um contexto histórico,

social, cultural e subjetivo.

É nesse território social que os profissionais de saúde constroem seus territórios de

identidade, subjetivos, existenciais. É nos serviços de saúde que estes profissionais realizam

seu trabalho e produzem suas práticas a partir do encontro entre si e com os usuários. Entre os

mesmos ocorrem disputas, tensionamentos, conflitos e produção do novo ou repetição do

velho. A partir da micropolítica, poderão criar possibilidades de transformação das práticas de

saúde e dos modos hegemônicos de se produzir o cuidado em saúde.

Cecílio (2012) ressalta a dimensão subjetiva e micropolítica da produção do cuidado em

saúde e aponta a equivocada "externalidade" com que o Movimento Sanitário relaciona-se com

essas dimensões, além da influência que essa externalidade teve nas políticas de avaliação nos

últimos anos.

A construção da metodologia, assim, pretende contribuir com a superação dessa

externalidade apontada por Cecílio, aproximando a dimensão subjetiva e micropolítica da

pesquisa no campo da Saúde Coletiva. Mas do que isso, pretende reforçar a necessidade de

considerar essa dimensão como importante objeto de interesse desse campo no estudo dos

fenômenos na saúde; assim como, de preencher a caixa de ferramentas do pesquisador, gestor,

ou trabalhador de saúde, com tecnologias capazes de lidar com essa dimensão. Dessa forma,

reconhece-se que há uma produção subjetiva e que os "processos de avaliação qualitativa de

serviços de saúde devem admitir no seu plano analítico a subjetividade como umas das

dimensões do modo de produção em saúde" (tradução nossa) (FRANCO; MERHY, 2011, p.10).

2.1.Sobre as implicações: conhecendo um pouco o pesquisador

Aproveito, aqui, para refletir sobre minha implicação enquanto pesquisador. Sou

médico, considero-me militante de esquerda do Movimento Sanitário Brasileiro. Fui do

movimento estudantil de medicina, tendo participado ativamente do Diretório Acadêmico de

Medicina da Universidade de Pernambuco - UPE (DA Josué de Castro), onde fiz a graduação,

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durante quase todo o curso, e da Direção Executiva Nacional dos Estudantes de Medicina -

DENEM. Sempre fui crítico à formação do médico, à forma como se estruturam, ainda, os

currículos dos cursos de medicina. Sempre me causou estranhamento e incômodo a forma e as

situações as quais somos expostos durante a formação e ao tipo de produção de subjetividades

que se dá nesse processo.

Durante toda a graduação, tive o movimento estudantil e a DENEM como minhas

escolas para a vida, o que me permitiu "suportar" e reinventar minha formação enquanto

médico. Participei de todos os espaços e discussões possíveis nesse período, local e

nacionalmente. Disputa interna na Universidade pela concepção e rumos da reforma curricular

em andamento, paralisações, passeatas, boicotes ao "PROVÃO"; seminários, encontros e

congressos da DENEM. Participei do Projeto Piloto do VER-SUS (Vivências e Estágios na

Realidade do SUS) em Sobral - CE, oportunidade na qual pude entender melhor como um

sistema de saúde municipal pode ser organizado de forma menos fragmentada e em torno do

usuário.

Durante o internato, fiz um dos estágios optativos (6 semanas) em Saúde Coletiva, no

SUS de Aracaju - SE, a exemplo de outros colegas que já haviam feito o mesmo e desbravado

esse estágio. Fiquei em uma Unidade de Saúde da Família - USF pela manhã e, à tarde, visitava

e conhecia outros serviços e setores da Secretaria Municipal de Saúde - SMS, como o Núcleo

de Controle, Avaliação, Auditoria e Regulação - NUCAAR e o Centro de Educação Permanente

em Saúde - CEPS. Este último foi palco de inúmeros encontros entre trabalhadores e gestores,

dos quais pude participar de alguns, em torno das atividades de formação e EPS, como o Curso

de Especialização em Saúde Coletiva e a Residência Multiprofissional em Saúde Coletiva.

Nesse período fiz uma imersão no SUS, com mais maturidade do que havia feito em Sobral, e

durante mais tempo. Praticamente construí o estágio junto a vários companheiros que estavam

trabalhando no SUS de Aracaju (SMS ou USF) e pude me aproximar, imergir e entender

melhor as possibilidades de funcionamento de um serviço de AB. Pude experienciar um

processo vivo de conformação de um sistema de saúde municipal, o Modelo Saúde Todo Dia

(SANTOS, 2006), em torno do qual teve muita energia militante envolvida. Sai outro dessa

experiência. Mesmo depois do término do estágio, continuei visitando Aracaju e participando

de alguns momentos das formações em Saúde Coletiva no CEPS.

Acabei a graduação em julho de 2006 e, logo em seguida, estava em Aracaju,

trabalhando como médico de família. Fiquei um ano e meio na mesma EqSF. Nesse tempo pude

experimentar o cotidiano da AB e protagonizar uma série de enfrentamentos no sentido de

organizar o trabalho da equipe para a produção de um cuidado mais integral, que tem como

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norte as necessidades de saúde individuais e coletivas das pessoas usuárias deste serviço. Foi

uma experiência tão intensa, que definiu qual o médico que eu seria dali para frente. Ainda

hoje, é nessa experiência que busco a maioria das reflexões e exemplos de situações que vivi e

as quais utilizo hoje na minha inserção como docente e na produção do cuidado. Esse foi meu

primeiro emprego e minha primeira atuação como médico.

Em fevereiro de 2008, fui trabalhar na gestão da rede hospitalar própria da SESAB, na

Bahia, e, após um ano e meio vivendo uma intensa experiência (inclusive tendo feito

especialização em Gestão Hospitalar nesse período, pela UFBA), "afastado" da AB, voltei a me

aproximar da mesma quando comecei a trabalhar na FESF-SUS, em setembro de 2009, onde

estou até hoje.

Em 2011 ingressei na UFBA como professor efetivo do Departamento de Saúde da

Família - DSF. Assim, nos últimos dois anos, estive inserido no cuidado em uma Unidade de

Saúde da Família com estudantes do quarto e do oitavo semestre, desenvolvendo atividades

como atendimento ambulatorial, visitas domiciliares, atividades educativas e visitas de campo

com equipe de redutores de danos ligados ao CAPS AD (Álcool e outras drogas) Gregório de

Matos, pertencente à UFBA. Esse período tem sido muito rico no amadurecimento enquanto

trabalhador de saúde e docente, o que tem produzido muitos encontros, produtores de intensas

e vivas experiências.

A FESF-SUS foi uma escola para a gestão no SUS e para o cuidado, mais

especificamente, para a gestão e o cuidado na AB. Foi, está sendo, uma escola para pensar que

outros "SUS´s" são possíveis, e para criar e experimentar novas ferramentas e conceitos-

ferramentas. Na FESF-SUS, como apoiador institucional, eu me constitui enquanto gestor e

também cuidador; pude pensar a produção do cuidado de forma mais intensa, conhecendo

diferentes realidades dos municípios baianos, tanto na gestão, quanto nas EqSF. Estou, desde

novembro de 2011, à frente da agenda do TS na FESF-SUS; tornei-me referência para esse

tema.

Tenho um envolvimento muito intenso com a FESF-SUS desde os primeiros momentos

de sua instituição há quatro anos. A FESF-SUS, para mim, foi concebida no bojo de uma

estratégia mais ampla de construção do SUS, assim como fortalecimento da AB na Bahia.

Dentre as várias estratégias desenvolvidas pela da FESF-SUS para apoiar as equipes e

gestões municipais, o Apoio Clínico constituía-se como uma oferta de EPS, interessante para o

trabalhador e potente para alcançar uma AB (ou APS) mais próxima da qual eu acredito, a qual

se baseia na produção do cuidado integral aos cidadãos brasileiros e na defesa da vida

individual e coletiva, muito próximo do que Lavras (2011) coloca:

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29

(...) a APS responsabiliza-se pela atenção à saúde de seus usuários,

constituindo-se na principal porta de entrada do sistema; ofertando ações de

saúde de caráter individual e coletivo; organizando o processo de trabalho de

equipes multiprofissionais na perspectiva de abordagem integral do processo

saúde doença; garantindo acesso a qualquer outra unidade funcional do sis-

tema em função das necessidades de cada usuário; responsabilizando-se por

esse usuário, independentemente de seu atendimento estar se dando em outra

unidade do sistema; e, dessa forma, ordenando o funcionamento da rede

(LAVRAS, 2011, p. 873).

O trabalho, para mim, é uma forma de exercer uma militância em torno do que acredito

e, nesse caso, uma militância em torno do fortalecimento do SUS e da AB como expressões

sociais concretas das bandeiras de luta do Movimento Sanitário Brasileiro - MSB3.

Na hora de pensar o tema da pesquisa, o objeto, os objetivos, o percurso metodológico e

os sujeitos da pesquisa, de alguma forma, todas as minhas experiências estavam operando em

mim; não tive como me separar delas, pois são constitutivas do médico, do gestor, do professor

e do pesquisador que sou hoje.

Essa reflexão traz à tona dois pontos que penso ser necessário serem afirmados. O

primeiro, é que assumo explicitamente que não me coloco no lugar de pesquisador neutro,

separado do objeto de estudo. Ao contrário, misturo-me com o objeto de forma tão complexa

que não é possível falar sobre ele e analisa-lo sem falar de mim mesmo e sem me colocar em

análise. Exercendo a função de coordenador e médico Telerregulador do Apoio Clínico, a oferta

de TS da FESF-SUS, acompanhei o processo desde o começo e me envolvi intrinsecamente em

todas as etapas e ações de desenvolvimento do mesmo.

Concordo, portanto, com Emerson Merhy quando ele coloca que o todo pesquisador,

além de um sujeito epistêmico, é um sujeito interessado "que dá valor a certas coisas e não

outras, que tem certas opções e não outras, que têm certas concepções ideológicas e não outras"

(MERHY, 2004, p.22). Coloco-me, portanto, no lugar de sujeito interessado em relação ao meu

objeto de investigação, o TS na AB.

O segundo ponto, que se relaciona fortemente com o primeiro, mas avança em relação

ao mesmo, é que, além de pesquisador interessado (ou não neutro), considero-me um sujeito

implicado, pois sou o pesquisador e o pesquisado; o analisador e o analisado (MERHY, 2004).

3

"Conjunto organizado de pessoas e grupos partidários ou não articulados ao redor de um projeto" (ESCOREL,

1998), cujo desenho e conteúdo foram sendo construídos ao longo do tempo a partir de um conjunto de práticas

que Arouca (1976) caracterizou em três níveis: a prática teórica (construção do saber), a prática ideológica

(transformação da consciência) e a prática política (transformação das relações sociais) (CARVALHO, 1995:48)

(Tirado de Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. A construção do SUS:

histórias da Reforma Sanitária e do Processo Participativo / Ministério da Saúde, Secretaria de Gestão Estratégica

e Participativa. - Brasília: Ministério da Saúde, 2006.300 p. - (Série I. História da Saúde no Brasil)

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Por fim, ainda para ajudar a construir/entender esse sujeito que sou e que se colocou

como tal no mestrado, na pesquisa e na construção de todo esse percurso como estudante,

cuidador, gestor, professor e pesquisador, até chegar aqui, dialogo com Bondía (2002),

identificando-me com o quem ele chama de sujeito da experiência:

o sujeito da experiência seria algo como um território de passagem, algo como

uma superfície sensível que aquilo que acontece afeta de algum modo, produz

alguns afetos, inscreve algumas marcas, deixa alguns vestígios, alguns efeitos

(...). seja como território de passagem, seja como lugar de chegada ou como

espaço do acontecer, o sujeito da experiência se define não por sua atividade,

mas por sua passividade, por sua receptividade, por sua disponibilidade, por

sua abertura. Trata-se, porém, de uma passividade anterior à oposição entre

ativo e passivo, de uma passividade feita de paixão, de padecimento, de

paciência, de atenção, como uma receptividade primeira, como uma

disponibilidade fundamental, como uma abertura essencial (BONDIA, 2002,

p.24).

Ainda dialogando com esse autor, considero experiência tudo o que me passou e que,

nessa passagem, afetou-me e produziu transformação em mim. Assim, um componente

fundamental da experiência seria

sua capacidade de formação ou de transformação. É experiência aquilo que

"nos passa", ou que nos toca, ou que nos acontece, e ao nos passar nos forma e

nos transforma. Somente o sujeito da experiência está, portanto, aberto à sua

própria transformação (BONDIA, 2002, p.25).

2.2. A construção do objeto da pesquisa: encontros e afectos4 do cotidiano

O objeto deste estudo, assim como seus objetivos, começou como um incômodo e foi

ganhando contornos mais claros aos poucos. Um incômodo, na verdade, que já me

acompanhava desde a época em que fui apoiador Institucional da FESF-SUS, quando saltava

aos olhos o comportamento bem diferenciado que os médicos tinham, em relação ao resto da

equipe, de certa resistência a qualquer oferta que a eles era feita. Seja a visita do apoio

institucional, seja a Formação Inicial do Trabalhador - FIT, entre outras. A relação dos médicos

da AB com o Telessaúde, assim, é um objeto que já vem "impregnado" de outras percepções

que já trago comigo e que terminei estendendo-as ao TS.

Mesmo após defini-los, o objeto e os objetivos só foram se mostrando com mais

profundidade a partir de alguns encontros que experienciei e que aconteceram em variados

momentos:

4

"Os afectos são também encontros, um encontro é um afecto, ou um signo que comunica, ou que força a pensar

e coloca novas forças em relação. Pensar é ser afetado". (DAMASCENO, 2010, p.88)

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Rodas de conversa com os Apoiadores Institucionais FESF-SUS;

Oficinas de capacitação para o uso da Plataforma de TS;

Oficina de Formação de Teleconsultores e Médico Telerregulador;

Visita ao Núcleo de Telessaúde do Rio Grande do Sul - TelesaúdeRS/UFRGS;

Reuniões internas na FESF-SUS para tratar do TS;

Reuniões com a equipe da Diretoria de Atenção Básica da SESAB;

Seminário do Programa Telessaúde Brasil Redes, em Brasilia;

Reuniões do Comitê Gestor do Telessaúde Brasil Redes Bahia;

Conversas com os teleconsultores do Apoio Clínico;

Visitas aos médicos que supervisionei pelo Programa de Valorização da Atenção Básica

- PROVAB;

Encontro com estudantes de medicina (UFBA) e usuários, no exercício da docência e da

produção do cuidado, na USF do Terceiro de Jesus;

Encontros com os colegas e professores do mestrado;

Banca de qualificação do Projeto de Pesquisa do Mestrado;

Conversas com colegas de trabalho no corredor da FESF-SUS, enquanto tomava um

cafezinho no meio da manhã;

Encontro com os Sujeitos da Pesquisa;

Encontros com o orientador e co-orientadora desta pesquisa, seja através da internet

(webconferência), seja pessoalmente, ou a partir das trocas em torno dos Relatórios de

Coletas de Dados;

Webconferência de Pré-lançamento do Projeto Único do Telessaúde Brasil Redes Bahia.

Gostaria de destacar o papel que as conversas no corredor tiveram. As mesmas ocorriam

no cotidiano do trabalho na FESF-SUS, sempre após alguma reunião ou atividade, às vezes

bem corriqueira, como a elaboração de um documento, mas que terminava me afetando e

mobilizando a falar, a elaborar melhor as ideias que já tinham surgido e que ainda estavam

hibernando e expô-las. O interlocutor, grande parte das vezes, era um companheiro de trabalho

que passou a fazer dupla comigo na agenda do TS, no segundo semestre de 2012, e que também

estava e está bem mobilizado com o tema.

O processo de elaboração do meu discurso em torno das ideias, afetamentos e

aprendizados que iam surgindo, e emissão do mesmo para um interlocutor interessado, foi um

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processo riquíssimo de amadurecimento. Algumas vezes, cheguei a anotar alguns pontos após

algumas dessas conversar. Algo novo para mim, com frequência, surgia após esses encontros.

Dessa forma, concordo com Damasceno (2010, p. 90), quando ela coloca, a partir dos

escritos de Deleuze e Simondon, que:

Pensar é também objeto de um encontro, um encontro que faz signo,

incomoda e força a pensar, já que naturalmente não pensamos, mas somente

quando somos incomodados e, portanto, levados a pensar. Nesse sentido, o

pensamento se faz nesse campo ou no meio de individuação, povoado pelas

intensidades, individuações, afectos de um corpo sem órgãos, sujeito

embrionário ou larvar.

Dialogo com Deleuze, com o objetivo de reforçar a ideia que coloco aqui. Este autor afirma o

seguinte:

Há sempre violência de um signo que nos força a buscar, que nos rouba a paz.

(...) A verdade jamais é o produto de uma vontade prévia, mas o resultado de

uma violência no pensamento (...). A verdade que depende de um encontro

com algo que nos força a pensar, a buscar o verdadeiro (...). É o caso do

encontro que garante a necessidade do que é pensado (...). O que quer aquele

que diz "eu quero a verdade"? Ele só a quer constrangido e forçado. Só a quer

sob o império de um encontro, em relação a um determinado signo

(DELEUZE, 2003, pp. 14-5, apud DAMASCENO, 2010, p.89).

Assim, considero-me esse sujeito incomodado, forçado a pensar, em busca não "da"

verdade, mas de uma verdade. Busco essa verdade a partir dos encontros que vivo e tomo como

experiência no meu cotidiano, e a partir das afecções geradas nesses encontros. Nessa busca,

vou montando e desmanchando meus territórios, vou vivendo minha cartografia (ROLNIK,

2006); vou me tornando, em ato, os vários que sou.

2.3.A escolha dos sujeitos da pesquisa

Interessava-me entender como os médicos atuando na ESF entendiam o TS; qual o

sentido que os mesmos atribuíram a ele. Por outro lado, interessava-me, também, saber em que

situações esses profissionais lançariam mão desta ferramenta.

Para isso, não haveria necessidade de entrevistar muitos médicos, pois se trata de uma

pesquisa qualitativa. Dessa forma, é importante se debruçar sobre o que pessoas que estão no

cotidiano dos serviços de saúde, em situação, pensam sobre o TS. Da mesma forma, é

importante não só saber o que esses profissionais pensam, mas, de fato, como organizam suas

práticas, e como o TS dialoga com isso.

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Seis médicos foram sujeitos da pesquisa, sendo 3 (três) que usaram o TS (neste caso, o

Apoio Clínico da FESF-SUS) e 3 (três) que não usaram.

Há várias formas de usar o TS: solicitação de teleconsultoria; solicitação de materiais;

acesso à webpalestras já realizadas sobre algum tema; participação em minicursos online;

acesso às Segundas Opiniões Formativas - SOF, na Biblioteca Virtual de Saúde - BVS; etc.

Aqui, considerei como uso do TS a solicitação de teleconsultorias, por alguns motivos.

Em primeiro lugar, o Manual de TS para Atenção Básica/Atenção Primária à Saúde, do

MS, coloca que "o Núcleo de Telessaúde é a unidade técnico-científica e administrativa que

planeja, executa, monitora e avalia as ações de Telessaúde, em especial a produção e oferta de

teleconsultoria e telediagnóstico" (BRASIL, 2012, p.23).

Além disso, o mesmo Manual atribuiu à teleconsultoria o aumento da resolutividade.

Coloca que, a partir da experiência do TelessaúdeRS, Castro Filho et al. (2012, apud BRASIL,

2012, p.35) "demonstrou que a cada duas teleconsultorias solicitadas por profissionais médicos

um encaminhamento de paciente para outros níveis de atenção é evitado". Coloca, também que

"todas as atividades de teleconsultoria para Atenção Primária à Saúde (APS) são de apoio

assistencial com caráter educacional; portanto, tem o objetivo de ampliar a capacidade

resolutiva de quem as solicita" (BRASIL, 2012, p. 35).

Todas essas características conferem à teleconsultoria um papel central em um Núcleo

de TS. Além disso, o Apoio Clínico da FESF-SUS teve como oferta principal a resposta de

teleconsultorias.

Além do critério de uso e não uso, os seis médicos não foram escolhidos à toa. Em

primeiro lugar, escolhi profissionais que já conhecia, pela facilidade do contato e do acesso aos

mesmos. Em segundo lugar, estes profissionais, de alguma forma, já tinham contato com a

temática do TS: um deles foi selecionado como teleconsultor na seleção interna da FESF-SUS e

já havia participado de oficina de formação de teleconsultores e para o uso da Plataforma; três

dos entrevistados já haviam sido convidados por mim para se envolverem na agenda do Apoio

Clínico e, inclusive, participar da seleção para teleconsultores, que terminaram não

participando; um dos entrevistados havia participado de capacitação para o uso da Plataforma;

e o último, assim como outros quatro entrevistados, trabalha em um dos municípios

contratualizados com a FESF-SUS, o qual teve uma expressiva participação em umas das

capacitações para o uso da Plataforma. Esse contato com o tema TS permite, minimamente, que

o profissional tenha alguma noção sobre essa oferta e que já possa ter desenvolvido alguma

opinião a respeito.

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Uma característica comum aos seis médicos, é que todos, no meu ponto de vista, são

engajados com a AB e realizam de alguma forma uma militância em torno do SUS e da AB.

Essa característica não foi um pré-requisito que precedeu o convite dos sujeitos da pesquisa; ao

contrário, "apareceu" para mim posteriormente. Assim, perguntei-me algumas vezes o porquê

de, inconscientemente, ter optado por profissionais que identifico como militantes ou engajados

na sua inserção profissional.

Não consegui nenhuma resposta muito clara. No entanto, uma das pistas que encontrei é

que, em algum momento, eu havia desenvolvido o seguinte pressuposto: a oferta de uma

ferramenta de qualificação da AB, o TS, para profissionais sabidamente envolvidos com a AB

enquanto uma arena de disputa por um modelo de atenção à saúde universal e integral seria (ou

deveria ser) aproveitada por todos eles. O que me intrigou, de fato, foi que alguns deles usaram

e outros não. Mesmo sabendo que são variados os motivos para não fazerem uso do TS e não

acreditando que aconteça desse jeito (profissionais engajados necessariamente usam ofertas

como essa), penso que isso me atravessou na hora de pensar nos possíveis sujeitos da pesquisa.

Reitero que "usar", aqui, refere-se à solicitação de teleconsultoria. Durante as

entrevistas, da mesma forma, quando os Entrevistados referiam-se ao TS, primordialmente,

associavam-no à solicitação e resposta de teleconsultoria.

2.4.Coleta de dados: encontros e afetamentos entre sujeitos

Durante esse período, pude perceber a aproximação ou distanciamento de alguns

profissionais da discussão do TS que estava crescendo na FESF-SUS; naturalmente, criei a

expectativa de que alguns profissionais, por conhecer suas trajetórias e seu engajamento, e por

ter uma identificação com estes, envolveriam-se e apoiariam uma oferta como o TS, feita aos

trabalhadores. Uma oferta pioneira na AB na Bahia, uma inovação que começou a ser

desenvolvida pela FESF-SUS em uma perspectiva de tornar a AB mais forte, mais atrativa para

se trabalhar, e assim por diante.

A minha implicação com o objeto surgiu em algumas entrevistas, na narrativa dos

entrevistados, quando, ao falar como tiveram contato com o Apoio Clínico da FESF-SUS ou

foram convidados ao usar o mesmo, falaram de mim.

Os sujeitos da pesquisa (denominados Entrevistado 1,2,3,4,5,6) foram convidados a

participar das entrevistas por telefone ou pessoalmente. Após o convite ter sido aceito,

procurou-se, sempre, o dia, horário e local mais cômodos e adequados para a realização das

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entrevistas, levando-se em consideração que todos são médicos de família e desenvolvem suas

atividades em uma USF.

Dessa forma, a maioria das entrevistas foram realizadas à noite e, para registro das

mesmas, foi utilizada uma câmera filmadora digital. Antes de cada entrevista, foi novamente

realizada uma explicação sobre a pesquisa e fornecidas duas vias do termo de Consentimento

Livre e Esclarecido - TCLE, os quais foram assinados, ficando uma das vias comigo e a outra

com cada entrevistado. As entrevistas foram realizadas nos locais mais cômodos e apropriados

possível, resguardando a privacidade do entrevistado. Da mesma forma, foi solicitada

permissão para a gravação e garantido o anonimato de cada um durante a escrita deste trabalho,

respeitando-se todas as orientações contidas na Resolução 196/96 do Conselho Nacional de

Saúde (BRASIL, 1996).

As entrevistas foram semiestruturadas e tiveram, como norteadores, algumas perguntas

destacadas abaixo. No entanto, as mesmas se deram de uma maneira bem descontraída, em

forma de conversa, que permitiu que o entrevistado interagisse com a pergunta disparadora de

uma maneira livre, a depender da afetação que a pergunta produzisse em cada um.

Fale, resumidamente, sobre sua trajetória na AB;

Fale um pouco sobre sua inserção profissional atual;

Você já teve contato com alguma oferta de TS na AB? Como essa oferta chegou a você?

Você teve algum apoio para a utilização dessa oferta?

Por mais que não tenha optado pela cartografia (PASSOS; KASTRUP; ESCÓSSIA;

2009) como forma de realizar esta pesquisa, procurei exercitar a postura de um cartógrafo

contemporâneo; não representar o objeto de estudo, mas investigar seu processo de produção

(BERTUSSI, 2010).

Assim, busquei ficar atento ao novo e ao inusitado e compreender certa realidade a

partir de certos sentidos e significados, na busca de pistas que, conectando-se com os sentidos

que já havia produzido para enxergar essa mesma realidade, pudesse entendê-la melhor, como

nos coloca Bertussi (2010, p.24):

Neste sentido a cartografia produz mundos, ou seja, redes de significações, por

isso, o cartógrafo está interessado em atentar para o novo, para o que produz

diferença num campo aparentemente homogêneo, quebrando as sequências

lineares de fatos e dando visibilidade às forças de resistência.

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Deixei-me poroso aos afetamentos que foram surgindo, esforçando-me em permitir que

meu olho vibrátil enxergasse (ou meu ouvido vibrátil ouvisse) (ROLNIK, 2011) para além da

espessura da narrativa dos entrevistados, que o invisível me tocasse. Deixei a entrevista tomar

os rumos que fossem possíveis em cada encontro, e as mesmas seguiram caminhos diferentes

entre si. Tentei não fazer juízos de valor, não me referenciar em regimes de verdades pré-

estabelecidos. Pude ver meu objeto de estudo se reconstruindo em ato, a cada entrevista; e

apesar do objeto continuar sendo a relação do médico da AB com o Telessaúde, o mesmo

tomou outras formas, outras cores, algumas ficaram mais vivas, outras mais opacas, e outras

desapareceram.

Enquanto cada entrevista acontecia, eu ia registrando, em um papel, o que ia me

chamando a atenção, o que fazia sentido para mim, por fim, o que me afetava. Volto a ressaltar

o conceito de afetamento trazido anteriormente: "Os afetos são também encontros (...). Pensar é

ser afetado" (DAMASCENO, 2010, p.88).

Segundo Merhy (2013, p.22),

Qualquer encontro é encontro de um multidão em produção. E, é nesse plano de

imanência que o saber-fazer é de fato o fazer-saber, dito é, o saber emerge do

campo da ação inscrita no encontro e, como tal, não pode ser seu a priori, só o

sendo imaginariamente. Como tal, o encontro é sempre um lugar de

porosidades, de fugas incontroláveis e, por isso, de imprevisibilidade, de

incertezas, a tornarem precários todos os arranjos que se posicionam antes do

próprio acontecimento.

Assim, o pensamento, as ideias, os conceitos, ou a necessidade de criá-los, foram sendo

construídos a cada entrevista/encontro que acontecia. Após as duas primeiras entrevistas e de

revisitar os afetamentos produzidos pelas mesmas, escrevi o primeiro Relatório Parcial da

Coleta de Dados. O que eu havia registrado no papel serviu como guia da escuta das

entrevistas. Após as quatro entrevistas seguintes, produzi o segundo Relatório Parcial de Coleta

de Dados.

A produção de cada Relatório, no entanto, não visava à transcrição das entrevistas, e,

sim, à problematização de forma mais livre sobre as questões que surgiram e que julguei

relevantes para dialogar com o objeto da pesquisa. Esse julgamento, por sua vez, tem a ver com

as reflexões que já vinha fazendo e as questões sobre o Telessaúde que já me inquietavam, a

partir de toda a minha trajetória na AB (no cuidado, na gestão e na universidade) e, também, a

partir de minha inserção na temática do Telessaúde, através da FESF-SUS, desde 2011.

Após a produção de cada um dos Relatórios, enviei-os para os orientadores, ao quais

dialogavam com o que eu havia escrito, apontando novos caminhos ou reforçando os que eu já

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havia iniciado, fazendo questionamentos e provocações. Esse encontro com os orientadores,

que se deu por e-mail ou através de dispositivos de voz e imagem (como o Skype®), foi muito

rico na produção do que aqui se apresenta.

O encontro com os sujeitos da pesquisa, e a conversa sobre AB e Telessaúde,

produziram uma autoanálise em mim em muitos momentos. Da mesma forma, percebi que os

entrevistados também foram afetados nesse encontro comigo, pelas perguntas norteadoras que

fiz, pelas minhas falas, pelo simples fato de ser eu o entrevistador. Assim, os entrevistados

também se colocaram em análise.

A partir das entrevistas, surgiram alguns elementos que foram produzindo muita

inquietação e, ao mesmo tempo, muito sentido para mim. Esses elementos me mobilizaram a

revisitar algumas reflexões e (re) significá-las, ao mesmo tempo em que produziram derivações

das mesmas e reforçaram outras.

Chamarei esses elementos de analisadores, um conceito-ferramenta no sentido trazido

por Vasconcelos e Morschel (2009, p.729): "Situações espontâneas ou produzidas que colocam

algo (uma instituição, um dispositivo, uma encomenda) em análise".

Essas mesmas autoras colocam, ainda, que analisador "é o que, ao emergir em

determinada situação - artificial ou espontânea-, possibilita uma quebra dos modos artificiais,

desestabilizando formas, muitas vezes percebidas como naturais e até mesmo necessárias"

(BENEVIDES, 2002; COIMBRA, 2001, apud VASCONCELOS; MORSCHEL, 2009, p.729).

Alguns dos analisadores que surgiram repetiram-se nas entrevistas e outros não. São

eles:

As características da profissão médica e como a mesma se insere na AB;

Os incômodos dos Entrevistados com seu cotidiano enquanto médicos de uma EqSF;

As variadas estratégias que os Entrevistados utilizam no seu cotidiano para dar respostas

a esses incômodos;

Diferenças do uso do TS entre a região metropolitana e interior;

O entendimento dos Entrevistados sobre as potencialidades do TS: tirar dúvidas clínicas

e evitar encaminhamentos;

A produção de redes vivas de conexão no cotidiano dos serviços de saúde como

exercício de EPS.

A partir dos analisadores, fui buscar os referenciais teóricos que juguei úteis para

dialogarem com o que surgiu de afetação. Esse diálogo com alguns autores não teve o objetivo

de explicar o que estava acontecendo, mas, somente, compreender um pouco mais sobre isso e

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poder seguir algumas pistas que surgiram. Dessa forma, alguns debates precisam ser feitos para

entrar de forma um pouco mais consistente nesse contexto. São eles:

Micropolítica do trabalho em saúde;

Autogoverno;

Modos corporativos de sobre codificar o exercício da autonomia (que o médico e todos

operam no cotidiano).

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3. O QUE PRODUZ INCÔMODO NOS MÉDICOS NO CONTEXTO DA ATENÇÃO

BÁSICA?

Não é objetivo deste trabalho responder esta pergunta de forma absoluta, até por que

isso não é possível de ser feito. Esta pergunta é útil para lançar uma discussão central quando

pensamos em disparar qualquer processo de mudança na AB, o qual depende, fortemente, na

adesão do profissional médico pelo papel que ocupa no processo produtivo em saúde.

Antes de avançar na reflexão, é importante deixar claro que o que chamo de incômodo

seriam os acontecimentos do cotidiano que afetam o trabalhador, impele-os a buscar respostas,

desestabiliza-os. Assim, incômodo, aqui, não seria estar insatisfeito com as condições de

trabalho, com a infraestrutura, ou algo parecido.

O médico, hegemonicamente, tem como objeto do seu trabalho o corpo biológico,

enxergado como máquina, e, mais especificamente, os órgãos desse corpo entendidos como

peças da máquina. Assim, as necessidades de saúde são reduzidas/enquadradas às queixas e

sintomas relatados pelos "pacientes" que se enquadram nessa perspectiva; o papel do médico é

identificar qual a peça (órgão) que está com "defeito" e consertá-la, restaurando o bom

funcionamento da "máquina humana".

Merhy (2002), analisando o trabalho do profissional médico, coloca que os mesmos, ao

atuarem, utilizam três tipos de valises tecnológicas: a valise das mãos, a qual seria composta

de tecnologias duras, como o estetoscópio, o exame complementar, o protocolo e outros; a

valise da cabeça, na qual teria as tecnologias leve-duras, que seriam os conhecimentos mais ou

menos estruturados, como a clínica de cada núcleo profissional, a epidemiologia, dentre outros;

e a valise das relações, presente no espaço relacional trabalhador-usuário, na qual estariam as

tecnologias leves caracteristicamente relacionais, e que só têm materialidade ou são acionadas

em ato, no momento do encontro entre os mesmos. Merhy (2002) também traz que o produto

do trabalho em saúde, assim como acontece na educação, é consumido no mesmo momento em

que é produzido, no encontro entre profissional de saúde e usuário, constituindo-se enquanto

trabalho vivo em ato.

Ainda segundo Merhy (2002), o arranjo entre esses três tipos de tecnologias leva a certa

estruturação tecnológica, a qual define como se dá a produção do cuidado e, em última medida,

como se constitui o Modelo Tecnoassistencial de Saúde. No modelo atualmente vigente, o

Modelo Médico Hegemônico - MMH5 (SILVA JÚNIOR, 1997), há um desequilíbrio entre essas

5

O Modelo Médico Hegemônico possui como característica os seguintes elementos estruturais (MENDES,

1980; POLANCO, 1985; NOVAES, 1990, apud SILVA JÚNIOR, 1998): Mecanicismo; Biologismo;

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três valises e tecnologias: as tecnologias leve-duras e duras são as que dominam o ato produtivo

em saúde. Isso leva a um cuidado centrado na produção de procedimentos, quais sejam:

consultas enquanto procedimentos, solicitação de exames complementares, prescrições de

medicamentos e de formas de viver a vida e de existir, para que a máquina quebre menos ou

demore mais para quebrar.

Assim, a consulta do médico, lócus fundamental da prática médica, é uma unidade de

produção de certo tipo de cuidado que se articula com esse Modelo. Segundo Aciole (2004, p.

96),

O consultório médico é, pois, o lugar de realização de uma prática clínica,

espaço onde ela se realiza, ou ainda o lugar em que o procedimento de

consulta, ali praticado, encontra possibilidades de realização. Sob esta

condição, o consultório se apresenta como o espaço de localização, e de

explicitação, de um saber fazer, o do médico, que utiliza uma disciplina, a

semiologia.

Voltando a refletir sobre o TS, percebe-se, pelos objetivos, colocados pelas duas

portarias que instituem o Programa Nacional Telessaúde Brasil Redes, que se fazem apostas

muito altas para este Programa, com pretensões bastante complexas: apoiar a consolidação das

RAS ordenadas pela AB e ampliar a resolutividade desta última. Para isso, pretende

desenvolver, entre outras, ações de EPS na perspectiva da mudança nas práticas de atenção e

da organização do processo de trabalho (grifos nossos).

O Manual Instrutivo do Telessaúde Brasil Redes para a Atenção Básica/Atenção

Primária à Saúde, uma publicação do MS elaborado pela Universidade Federal do Rio Grande

do Sul - UFRGS/Núcleo de Telessáude do Rio Grande do Sul - TSRS, coloca que o Programa

Telessaúde Brasil Redes objetiva "não apenas fomentar as atividades de Educação

Permanente (grifos nossos) em Saúde - EPS, [...] mas ofertar estratégias de apoio assistencial

que fortaleçam a integração entre os serviços de saúde ampliando a resolutividade dos mesmos"

(BRASIL, 2012).

Para aumentar resolutividade na saúde e, especialmente, na AB, é preciso "mexer" no

MMH, o que implica em mexer com o arranjo tecnológico predominante e, por fim, com essa

estrutura produtiva. Mexer nessas questões significa, em última análise, dialogar com a

micropolítica do trabalho vivo em ato do médico (principalmente, mas, também, de todas as

categorias profissionais do campo da saúde), disputar quais rumos ele vai tomar; enfim,

interrogar e dialogar com o processo microdecisório do médico.

Individualismo; Especialização; Exclusão das Práticas Alternativas; Tecnificação do Ato Médico; Ênfase na

Medicina Curativa; Concentração de Recursos.

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Entendo que só se consegue avançar nessa transformação das práticas quando se lança

mão de dispositivos que sejam capazes de interrogá-las, de colocá-las em análise. Mas não a

partir de fora, só fazendo sentido para o questionador; questionar de forma que o produtor das

práticas, nesse caso, o médico, passe ele mesmo a questionar o que está fazendo. E, ao

questionar esse território, terá a possibilidade de desmanchá-lo (desterritorialização) e investir

seu desejo na produção de outras formas de existir enquanto profissional de saúde, ou seja, na

produção de outros territórios existenciais (territorialização). É sua máquina desejante sendo

utilizada para a produção de novos mundos no campo da produção do cuidado (ROLNIK,

2011).

Quem sabe, nesse processo, transforme o modo como produz cuidado e passe a acolher

com alteridade, enxergar o outro como portador de vida (portador de direitos, crenças, verdades

e desejos), responsabilizar-se pelas necessidades de saúde do outro a partir de uma perspectiva

que não o restrinja a um objeto ou corpo biológico. Quem sabe, assim, ele (o médico da AB)

passe a encaminhar menos para especialistas os usuários que não necessitam desse

encaminhamento; passe a encaminhar os que precisam de forma mais qualificada, dentro de um

processo de coordenação do cuidado e de longitudinalidade; passe a fazer pequenos

procedimentos cirúrgicos na USF, desde que tenha o material e local adequados para isso e não

esconda o material para não ter que fazer os procedimentos, mesmo tendo habilidade técnica e

segurança para fazê-los. Quem sabe, dessa forma, os médicos da AB não se tornem mais

resolutivos dentro do que é possível ser no atual cenário de organização das redes de atenção à

saúde, tendo claro que esse profissional é ator importantíssimo da conexão real dessas redes

(entendendo-as enquanto redes vivas e que se dão em ato no cotidiano).

Entendo EPS como a possibilidade de criação de outros territórios existenciais como

trabalhador de saúde a partir da interrogação, análise e transformação de suas próprias práticas,

no cotidiano do trabalho. Assim, se as instâncias gestoras do SUS (municipal, estadual ou

federal) intentam fazer alguma oferta para as EqSF com o objetivo de transformar suas práticas

e torná-las mais resolutivas, estas ofertas tem que ter a capacidade de serem dispositivos de

EPS.

Agora, volto à reflexão: o que produz incômodo para os médicos no contexto da AB?

Essa reflexão é importantíssima para nos nortear em outra reflexão: quando estão incomodados

com seu cotidiano, a que os médicos recorrem? Essa reflexão, por sua vez, puxa outra: e o TS,

como entra nesse cenário?

Refletir sobre o que produz incômodo é relevante, pois esse é o gancho para pensar

ofertas paras as EqSF que podem, ou não, funcionar como dispositivo de EPS, a depender de

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quais sejam e de como são ofertadas. É importante, também, para pensar se é possível que o TS

possa, e de que forma, constituir-se como um dispositivo de EPS.

Alguns aspectos inerentes ao TS precisam ser refletidos profundamente. Refiro-me ao

pressuposto de que o TS, para contribuir com o aumento da resolutividade das equipes e

qualificar a atenção, precisa, em primeiro lugar, ser usado pelos profissionais de saúde, e não de

qualquer forma.

Castro Filho (2011, p.36) coloca que "o que se percebe é um efeito quase sempre

modesto das iniciativas para a qualificação da prática médica. Não há uma intervenção única

que resolva os problemas de qualidade e atenda às necessidades dos médicos".

Alckmin (2010) fez uma revisão da literatura, na qual foram encontrados alguns estudos

que corroboram com apontamentos de outras pesquisas que mostram a baixa utilização em

geral dos projetos de TS em várias partes do mundo.

Mars e Scott (2009, apud ALCKMIN, 2010) realizaram uma revisão sistemática para

avaliar a utilização de serviços de teleconsultoria e concluíram que há uma importante lacuna

entre o potencial das teleconsultorias e sua utilização e que mais atenção deve ser dada à

identificação das causas da baixa utilização.

Dados do Núcleo de Telessaúde do Rio Grande do Sul - TelessaúdeRS mostram

importantes diferenças no uso entre as categorias profissionais atuando nas EqSF. Neste Estado,

os profissionais que mais utilizam o TS são os Agentes Comunitários de Saúde - ACS, seguidos

dos Técnicos de Enfermagem, Enfermeiros, Dentistas e, por último, os Médicos. Este

profissional foi responsável apenas por 12% das teleconsultorias desde 2008, na experiência do

TelessaúdeRS.

Estudo recente realizado no Rio Grande do Sul mostrou que cerca de 30% dos médicos

que tiveram acesso ao TS durante um longo período não fizeram nenhuma utilização do mesmo

(CASTRO FILHO et al., 2012, apud BRASIL, 2012).

Essa realidade apontada pelos estudos é uma pista a qual, se seguirmos, vai nos levar a

algumas constatações há muito tempo apontadas por vários autores, como Matus (1996),

Merhy (1997; 2002), Franco (2003) e Merhy, Feuewerker, e Ceccim (2006) entre outros:

As práticas de saúde são construções sociais e são determinadas pelos atores que a estão

produzindo, da época em que estão sendo produzidas;

Todos os atores em cena governam;

O trabalho em saúde, por mais que haja tentativa de captura do mesmo, é operado com

um alto grau de liberdade pelo trabalhador, através do seu trabalho vivo;

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O trabalho em saúde tem um alto grau de indeterminação quanto ao seu resultado, tendo

o trabalhador grande liberdade para realizá-lo.

Essas constatações dialogam com Capozzolo (2003) quando essa autora coloca que:

o processo de trabalho em saúde não se enquadra totalmente em programas e

não consegue ser controlado plenamente por lógicas gerenciais, pois é

"trabalho vivo realizado em ato", com autonomia dos trabalhadores e um grau

de liberdade significativo o modo de produzir os atos de saúde. Decorrente da

relação privada que estabelecem com o usuário, os profissionais têm um

espaço próprio de gestão de seu trabalho que Merhy (2002) denomina de

autogoverno, e reconstroem no cotidiano dos serviços os modelos de atenção,

atualizando-os constantemente (CAPOZZOLO, 2003, p.62).

É aí que entra a micropolítica do processo de trabalho e da produção do cuidado em

saúde. Segundo Baduy (2010, p.30) "discutindo o momento do encontro entre trabalhador e

usuário de saúde, evidenciaremos a importância da micropolítica, compreendida como a

possibilidade que cada um tem de governar seu trabalho".

Essa mesma autora traz um conceito de micropolítica interessante para o que estamos

discutindo aqui: "A micropolítica é o protagonismo do trabalhador e do usuário nos seus

espaços de trabalho e relações" (BRASIL, 2005, apud BADUY, 2010, p.30).

Porque há profissionais de saúde que aproveitam certas ofertas de

formação/capacitação/educacionais ou mesmo realizam EPS no seu cotidiano, e há outros que

não aproveitam estas ofertas e não se propõem a transformar suas práticas?

Para um trabalhador aproveitar ou consumir certas ofertas de formação, estas precisam

fazer sentido para o mesmo, precisam oferecer respostas às suas perguntas, contribuir com a

resolução dos problemas e incômodos levantados por esse trabalhador no seu cotidiano. Da

mesma forma, para um trabalhador de saúde realizar EPS em seu cotidiano, ele precisa estar

incomodado com o mesmo, a ponto de haver questionamentos sobre sua própria prática,

estremecimento de seu território já conformado enquanto trabalhador de saúde; e, só assim, é

possível haver transformação de suas práticas de saúde, ou seja, construção de outros territórios

existenciais.

Em relação ao TS, o que explica essa baixa utilização generalizada? Porque os médicos,

pelo menos no contexto do Rio Grande do Sul, foi o profissional das EqSF que menos usou

essa oferta? O que explica essa diferença?

Assim, surge o questionamento: o médico, de maneira geral, está incomodado em

relação a seu cotidiano na AB? Ele está poroso a esses incômodos? Ou, dito de outra forma, ele

está disposto a transformar suas práticas através da construção de outros territórios existenciais

no mundo do trabalho?

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Vale à pena, assim, refletir sobre as características da profissão médica e a identidade

que a mesma promove. Aciole (2004) ao analisar a perda da dimensão liberal da profissão

médica, coloca que essa categoria profissional ainda sonha com a "clientela" (aspas nossas)

privada e com a manutenção de um status quo e que, nesse contexto,

o setor público vai significar, para o médico, um lugar de baixa valorização

ideológica, em que seu trabalho ganha dimensão de bico": forma ainda mais

compensatória de reagir à expropriação da condição liberal que advoga

possuir esta corporação (ACIOLE, 2004, p.12).

Não pretendo, em hipótese alguma, afirmar que o comportamento hegemônico de uma

categoria profissional, como a médica, estende-se a todos os médicos da mesma maneira. No

entanto, arrisco-me a afirmar que essa construção da profissão e as características corporativas

que a mesma assume em determinada sociedade e época transversaliza os médicos e traz uma

implicação para os mesmos, a qual termina por influenciar fortemente, mas não condicionar,

suas práticas.

Essa afirmação dialoga com Merhy e Franco (2003, p.02) quando os mesmos colocam

que:

Os estudos que têm se dedicado a observar e analisar a forma como se produz

saúde, indicam que esse é um lugar onde os sujeitos trabalhadores, individuais

e coletivos, agem de forma interessada, isto é, de acordo com projetos

próprios, sejam estes de uma dada corporação, ou mesmo da pessoa que ocupa

um certo espaço de trabalho.

Assim, como coloca Baremblitt (1992, p.50),

Para certas correntes do Instituicionalismo, o sujeito é uma organização por

meio do qual se realizam muitas instituições. Assim entendido, o sujeito é

produto de processos instituintes, organizantes, criadores, assim como de

outros repetitivos ou antiprodutivos.

Assim, por mais que o médico não seja exclusivamente uma realização da corporação

médica enquanto instituição, pois os sujeitos não se constituem por determinações externas e

também produzem linhas de fuga instituintes de outras realidades, ele termina reproduzindo em

maior ou menor grau as características próprias de sua profissão em determinado contexto

histórico.

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4. REFLETINDO SOBRE A PROFISSÃO MÉDICA E SUA INSERÇÃO NA ATENÇÃO

BÁSICA

Vários autores (CAMPOS, 1988; CARAPINHEIRO, 1993; MERHY, 2002; MERHY;

FRANCO, 2003; CUNHA, 2004; CAPOZZOLO, 2003) têm refletido e questionado sobre a

prática médica e sua relação com o SUS, com a produção do cuidado e com a AB. Todos estes

autores desenvolveram trabalhos na perspectiva de entender como essa categoria profissional

constrói sua prática, relaciona-se com o usuário, com outros profissionais de saúde e como o

poder e autonomia que o médico possui interferem no processo produtivo em saúde.

É notória a forma como essa categoria profissional foi se conformando no decorrer do

tempo e, mais intensamente, nos últimos dois séculos, e o papel que desempenhou e

desempenha nas práticas assistenciais, fora e dentro do setor saúde, tanto no público, quanto no

privado.

Dialogando com esses autores, gostaria de refletir sobre as características da inserção do

médico na AB no Brasil. A ideia não é realizar uma análise profunda sobre esse tema, o que

daria um estudo à parte, mas, sim, trazer elementos que nos permita entender os territórios

ocupados pelos médicos nesse contexto. Dessa forma, é possível pensar mais claramente sobre

os comportamentos, opções e relações que esses profissionais estabelecem na AB, inclusive, no

que se refere à EPS e os processos de transformação necessários e desejados que ocorram na

AB, pelo menos a partir do ponto de vista de um conjunto de atores.

De forma geral, penso que, pelo menos, três linhas de força influenciaram fortemente a

forma como o médico se insere na AB no Brasil atualmente:

A "herança" da medicina hospitalar, representante mais fiel do modelo tecno-

assistencial ainda hegemônico hoje, o MMH;

O poder que o médico possui no exercício de seu trabalho e, por conseguinte, a

centralidade que o mesmo termina tendo no processo produtivo na saúde;

O imaginário social criado em torno da AB no Brasil, no seu nascedouro enquanto

política pública, na primeira metade dos anos noventa. Ou: o equívoco da separação

entre clínica e saúde pública.

Almeida (1988, apud CUNHA, 2004, p. 39) "propõe a existência de duas medicinas - a

hospitalar a e extra-hospitalar. Para ele, o discurso da medicina "científica" estaria estruturado

basicamente para dar conta da medicina hospitalar".

Segundo Cunha (2004, p. 40), "o Hospital ainda é o espaço de formação hegemônico

dos profissionais de saúde. Esta presença marca as competências dos profissionais, mesmo

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quando se encontram trabalhando na AB." Dessa forma, é muito comum nos depararmos com

profissionais médicos só transferem seu lugar de atuação do hospital para a USF, e não mudam

em nada suas práticas. Estas continuam centradas na produção de procedimentos (como vamos

refletir mais adiante neste trabalho), na coisificação do usuário e na pretensão do controle sobre

o mesmo.

Dessa forma, o trabalho do médico, de maneira geral, é o que mantém viva/alimenta

uma cadeia articulada que vai parar no Complexo Médico-industrial e na Indústria de

Medicamentos, contribuindo com a acumulação do capital no setor saúde. É o trabalho do

médico, também, que alimentam, só que desde outra perspectiva, os planos de saúde (Managed

Care6 ou Atenção Gerenciada) (MERHY; FRANCO, 2003).

A essa "transferência" da prática hospitalar para a AB, soma-se a o poder que o médico

exerce, que é uma característica central no MMH. Capozzolo (2003, p.63) coloca que "estes

(os médicos) ocupam posição central nos serviços de saúde, sendo, em geral, o processo de

trabalho dos outros profissionais comandado a partir dos saberes e atos médicos.".

Sobre esse aspecto, Carapinheiro (apud Capozzolo, 2003, p.63) coloca que

Os médicos detêm uma posição estrutural na divisão de trabalho, sustentada

pela dominação de seu saber, diferente da de qualquer outra categoria

profissional. A autoridade dos médicos, decorrente no monopólio dos atos

diagnóstico-terapêuticos, confere-lhes um poder de influenciar e conformar as

práticas de saúde.

Segundo Capozzolo (2003), citando vários autores (CAMPOS, 1988; VIANNA, 1989;

MONNERAT, 1996), "a inserção dos médicos nos serviços públicos ocorreu

predominantemente estabelecendo regras de atendimento e mantendo determinados padrões de

funcionamento particulares, configurando, assim, uma atuação norteada por lógicas privadas de

atenção" (CAPOZZOLO, 2003, p.63).

Franco e Merhy (2003) fazem uma análise epistemológica do Programa de Saúde da

Família - PSF, mostrando seus equívocos, contradições e limites de se conformar como o

modelo de atenção que substituiria o MMH, como está colocado em documentos no nascedouro

do Programa. Estes autores nos colocam essa missão do PSF citado no documento do

Ministério da Saúde:

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A saúde suplementar tem reestruturado sua produção, com objeto de impactar os custos da assistência à saúde.

Isto vem sendo feito, introduzindo no campo da micro-regulação do trabalho, diretrizes do "managed care", que

pressupõe o controle do ato prescritivo do médico, com base em protocolos técnicos e a auditoria de um

administrador, ao qual, muitas vezes, é delegado o poder de autorizar procedimentos que fogem à norma

previamente estabelecida. No entanto, a produção do cuidado continua tendo a hegemonia das tecnologias dura s,

apesar de haver impacto importante no processo de trabalho do médico, especialmente pela captura do seu micro

processo decisório. (IRIART, 1999; MERHY, 2002 apud MERHY e FRANCO, 2003, p.08).

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O objetivo do PSF é "reorganização da prática assistencial em novas bases e

critérios, em substituição ao modelo tradicional de assistência, orientado para

a cura das doenças e no hospital. A atenção está centrada na família, entendida

e percebida a partir de seu ambiente físico e social, o que vem possibilitando

às equipes uma percepção ampliada do processo saúde-doença e da

necessidade de intervenções que vão além das práticas curativas". (BRASIL,

1998, apud FRANCO; MERHY, 2003, p.56).

Reforçando essa ideia, Teixeira e Solla (2006) afirmam que um conjunto heterogêneo de

atores, diante do sucesso do PSF na epidemia de cólera no Norte e Nordeste do país no início

dos anos 90, redefiniu esse Programa entendendo-o como uma "oportunidade histórica de

promover a mudança do modelo de atenção em larga escala" (TEIXEIRA; SOLLA, 2006, p.

147).

Franco e Merhy (2003) analisam o PSF e destacam sua similitude com as propostas da

Medicina Comunitária - MC, desenvolvida na década de 60, e dos Cuidados Primários à Saúde

- CPS, desenvolvido na década de 70 e a partir da Declaração de Alma. Estes autores ressaltam

o cunho racionalizador e economicista destas propostas, em sintonia com o cenário político-

econômico em cada um desses momentos: a MC na década de 60 era uma alternativa barata

que possibilitava o acesso dos mais pobres aos serviços médicos nos EUA; e os CPS, em

especial, propostos após a crise fiscal vivida internacionalmente com a recessão mundial da

década de 70.

Franco e Merhy (2003) colocam que as propostas da MC e os CPS operam com

diretrizes centradas na Vigilância à Saúde, não se propondo a atuar na forma como a clínica é

praticada, de forma a ampliá-la e permitir a exploração de sua potência enquanto tecnologia de

cuidado, possibilitando a produção de vínculo, responsabilização e autonomia nos modelos de

andar a vida dos usuários. Assim, tem pouca ou nenhuma capacidade de romper com o MMH.

Segundo estes autores (2003, p.99),

O PSF tem sua matriz teórica circunscrita prioritariamente ao campo da

vigilância à saúde. Sendo assim, seu trabalho está quase que restritivamente

centrado no território, de acordo com as concepções desenvolvidas pela

Organização Pan-Americana de Saúde. Isto significa que em grande medida a

normatização do programa inspira-se nos cuidados a serem oferecidos para

ações no ambiente. Não dá muito valor ao conjunto da prática clínica, nem

toma como desafio a necessidade de sua ampliação na abordagem individual

nela inscrita, no que se refere a sua atenção singular, necessária para os casos

em que os processos mórbidos já se instalaram, diminuindo "as autonomias

nos modos de se andar a vida" (CAMPOS, 1992; MERHY, 1998). Desta

forma o PSF desarticula sua potência transformadora, aprisionando o trabalho

vivo em ato, em saúde, em normas e regulamentos definidos conforme o ideal

da vigilância à saúde, transformando suas práticas em "trabalho morto"

dependentes.

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E ainda:

Assim, como a Medicina Comunitária e os Cuidados Primários em Saúde, ao

não se dispor a atuar também na direção da clínica, dando-lhe real valor com

propostas ousadas como a da "clínica ampliada", age como linha auxiliar do

Modelo Médico Hegemônico. É como se o PSF estivesse delimitando os

terrenos de competência entre ele e a corporação médica: "da saúde coletiva,

cuidamos nós o PSF; da saúde individual cuidam vocês, a corporação

médica". E, nada é melhor para o projeto neoliberal privatista, do que isso,

pois deixa-se um dos cenários de luta vitais para a conformação dos modelos

de atenção sem disputa anti-hegemônica (FRANCO; MERHY, 2003, p.100).

Na mesma linha, Merhy e Franco (2003), ao analisar processos de Reestruturação

Produtiva, trazem o exemplo do PSF, no qual ocorre, de maneira geral, uma Reestruturação

Produtiva na qual se muda a forma de produzir sem alterar, no entanto, o processo de trabalho

centrado nas tecnologias duras, como segue:

A formação da equipe, o deslocamento do trabalho para o território e o

incentivo ao trabalho de vigilância à saúde, dão uma ideia de que há mudança

do modo de produzir saúde, no entanto, a micropolítica de organização do

trabalho revela, especialmente na atividade clínica, um núcleo do cuidado que

continua operando um processo centrado na lógica instrumental de produção

da saúde (FRANCO; MERHY, 2003 apud MERHY; FRANCO, 2003, p.08).

De fato, o que se percebe7, com frequência, são EqSF que organizam seu trabalho,

prioritariamente, em torno de dois formatos: (1) centrado em ações coletivas (de Educação em

Saúde e de Promoção da Saúde) e de Vigilância, na qual o médico é apenas um apêndice com

função de produzir consultas, cujo acesso pelos usuários é estritamente regulado pelo resto da

equipe; apesar disso, a consulta médica continua pautando o trabalho do resto da equipe,

instalando-se uma disputa: atenção pontual e individual do médico X atenção coletiva e

“integral” do resto da equipe - verdadeira missão do PSF; e (2) centrado no atendimento

ambulatorial realizado pelo médico, do tipo "queixa-conduta", com pouca ou nenhuma ação

coletiva no território.

Ambos os formatos têm o trabalho do médico como central e chamam a atenção os

seguintes aspectos gerais:

Em mutas destas equipes não se realizavam reuniões; ou, se realizava, as mesmas

aconteciam eventualmente e para tratar de demandas operacionais e pontuais;

7 Essa percepção se deu, principalmente, a partir da experiência do autor enquanto Apoiador Institucional,

conhecendo a realidade de vários municípios baianos contratualizados com a Fundação Estatal Saúde da Família -

FESF-SUS.

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Em muitas destas equipes, a visita domiciliar não era uma oferta perene; quando

acontecia, não se discutiam critérios, prevalecendo algum impedimento do usuário se

deslocar até a Unidade (paciente restrito ao leito);

Agendas desintegradas e pouco flexíveis, frequentemente "fechadas" para o

atendimento de usuários em situação de urgência ou qualquer demanda espontânea;

Profissionais desgastados com o fato dos usuários "insistirem" em continuar a acessar a

Unidade fora do horário estabelecido, com "problemas que são para estar na Unidade e

sim numa emergência";

Profissionais desgastados com o fato de que várias das estratégias de educação em

saúde e de promoção desenvolvidas pela equipe, denominadas como "palestras" -

mesmo sabendo que não se restringem à palestra propriamente dita -, não tinham adesão

dos usuários; e sempre atribuindo o insucesso dessas estratégias ao "baixo nível cultural

dos usuários" e ao não entendimento, por parte dos mesmos, da proposta do PSF, que

seria a de Promover Saúde para que as pessoas não adoeçam e não precisem acessar a

Unidade;

Profissionais desgastados e com o discurso de insucesso do PSF pelo mesmo motivo do

insucesso da adesão às atividades de educação e promoção. É como se, sendo essas

ofertas a missão precípua do PSF, se as mesmas não estão dando certo, o PSF não está

dando certo; e, sendo o motivo do insucesso a não compreensão da população da

proposta do PSF, chega-se à conclusão de que, quando a população estiver esclarecida e

convencida do papel do PSF, passará a acessá-lo da "maneira correta".

Essa forma de entender a "missão" do PSF, herança da forma como o PSF foi

implantado e de suas bases teóricas e epistemológicas, leva a um ciclo vicioso que nunca tira a

equipe, e muito menos o médico, da sua zona de conforto: além da explicação para o insucesso

estar sempre no outro (neste caso, no usuário), a equipe tem dificuldades de se colocar em

análise, de questionar a forma como a mesma se organiza para produzir o cuidado e, mais

importante, a forma como cada profissional produz o cuidado. Assim, a estratégia para reverter

o insucesso termina girando em torno de "educar mais a população" para que a mesma entenda

o PSF e, portanto, passe a utilizá-lo da forma correta.

Estão aí inscritos os equívocos de nascença do PSF, que foi proposto para substituir o

modelo de atenção hegemônico, utilizando, para este fim, estratégias que não questionam, não

colocam em cheque, não interferem onde esse modelo está sendo gerado e alimentado: a

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produção do cuidado em ato, a forma como se exerce a clínica, em cada encontro entre

trabalhador de saúde, especialmente o médico, e o usuário.

Essas linhas de força (a prática hospitalar, expressão maior do MMH, povoando a AB; o

poder exercido pelo médico nesse contexto; e a dicotomia entre clínica e saúde pública),

associadas à percepção pelo médico de que o setor público é um lugar de baixa valorização,

significando seu trabalho como um "bico" (ACIOLE, 2003), já trazido anteriormente, leva a um

imaginário social muito forte do que é a AB no Brasil.

Para os usuários, é o "postinho" onde se faz vacina, palestras, campanhas e feiras de

saúde, e que não resolve seus problemas; para os médicos que optam em trabalhar na AB, um

lugar de "passagem", onde trabalha só enquanto não arranja algo melhor para fazer ou enquanto

não ingressa em um programa de residência médica; ou, mesmo, um lugar de "descanso e

tranquilidade" para os que já estão no final da vida profissional, onde se pode ser remunerado

de forma razoável e sem "ter muito trabalho". Para os outros médicos, o lugar para onde vão os

que ainda não conseguiram passar na prova da residência médica desejada ou que não são

competentes o suficiente para ter outra inserção profissional.

Todas essas percepções em torno da AB se retroalimentam e estão fortemente

articuladas com um entendimento superficial de que a AB opera com baixa complexidade,

quando, na verdade, é justamente o contrário. É um cenário de extrema complexidade, mas de

um adensamento tecnológico menor: menos tecnologia dura e mais tecnologias leve-duras e

leves (MERHY, 2002).

Nesse contexto, cabe novamente a reflexão: será que os médicos, de maneira geral,

estão dispostos a refletir sobre sua prática na AB? Essa reflexão que acabo de fazer nos remete

novamente à pergunta: o que realmente causa incômodo para os médicos no contexto da AB?

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5. MOVIMENTAÇÕES DO COTIDIANO DA ATENÇÃO BÁSICA: PISTAS PARA

PENSAR O USO DO TELESSAÚDE

5.1.Repetição dos territórios vigentes na Atenção Básica

Utilizo a discussão de repetição e diferença feita por Merhy, Feurwerker e Cerqueira

(2010) em relação à produção do cuidado para refletir sobre a construção das práticas de saúde

e o uso do TS enquanto ferramenta de qualificação das mesmas. Estes autores, baseados em

Deleuze e Guatarri, (1995), trazem a noção de que

O encontro que produz cuidado deve ser sustentado por uma aposta de que é

possível produzir diferença, mesmo ali onde, em princípio, nada se

movimenta. Talvez resida aí um desafio para todos dessa equipe, qual seja: a

necessidade de recolher movimentos ainda não observados, a-significantes,

gestos indiciários, falas ainda inaudíveis, atos ainda não perceptíveis...

(MERHY; FEURWEKER; CERQUEIRA, 2010, p.70).

Os autores chamam atenção para a necessidade da produção da diferença no mundo do

cuidado, justamente, por que se produz muita repetição. O sentido que quero trazer aqui,

aproveitando-me da contribuição dos autores, é que os profissionais das EqsF e, em especial, o

médico, conformam certa caixa de ferramentas para operar no seu cotidiano e estas, por vezes,

tornam-se estanques. Não por que o mundo do cuidado não demanda outras ferramentas, mas

por que os profissionais estão acomodados a seus territórios, filiados a certas formas de agir na

realidade e de reagir às questões surgidas no cotidiano, as quais os dificultam de experimentar

outras formas.

Trago uma situação relatada pelo Entrevistado 1, incluído no grupo dos que utilizaram o

TS (solicitou teleconsultoria assíncrona), para refletir essa questão. O que o motivou a solicitar

uma teleconsultoria através do Apoio Clínico FESF-SUS, foi sua atuação na supervisão do

PROVAB e não seu cotidiano de trabalho enquanto profissional médico da AB. Um médico

inscrito no PROVAB, o qual ele acompanhava, demandou uma dúvida clínica e ele recorreu ao

Apoio Clínico para poder apoiá-lo. O interessante, é que o Entrevistado 1, apesar de estar

cadastrado na Plataforma de TS e ter sido capacitado para seu uso, foi motivado a utilizar essa

ferramenta por uma inserção profissional diferente da sua inserção em uma EqSF. Inclusive

numa equipe em que a enfermeira e a dentista também participaram do treinamento.

Fico pensando se seu território mais estabelecido, no qual já criou certo modo de atuar

(vem criando desde a graduação), que é a atuação enquanto médico de família, já não virou

repetição, não o desacomoda tanto; ou, se desacomoda, o mesmo já tem um leque de

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possibilidades para recorrer, dentre os quais o TS ainda não faz parte. Por outro lado, sua

atuação enquanto supervisor do PROVAB, ainda nova, sem contornos definidos, permitiu que

lançasse mão do TS, até mesmo porque essa atividade de supervisão já se iniciou tendo o TS

como uma oferta estimulada e reforçada pela própria coordenação do PROVAB enquanto apoio

para o médico inscrito no mesmo.

Outra questão, que entendo se articular com essa primeira, é que o Entrevistado 1 trouxe

que não utiliza o TS não por não ver sentido, mas pelo mesmo ainda não ter "virado rotina".

Isso dialoga com o que aponta Albuquerque (2013) em recente pesquisa em torno do Projeto

Telessaúde Brasil Redes Bahia, quando ainda estava em fase de implantação. Após entrevistar

doze informantes-chaves envolvidos com o Projeto na Bahia, essa autora aponta que um dos

principais desafios na implantação do mesmo é a dificuldade de incorporação do TS nas rotinas

de trabalho.

Neste caso, pode haver certa captura do trabalho vivo em ato pelo trabalho morto. Para

o TS ser incorporado enquanto ferramenta de trabalho, o mesmo precisa virar rotina. No

entanto, pode significar, também, que ele não despertou para as possibilidades do uso desta

ferramenta na sua potência, que ainda não enxergou essas possibilidades; ou, mesmo, que esse

trabalhador (Entrevistado 1) ainda não identifica que o TS pode dar respostas às questões

surgidas no cotidiano.

5.2.A produção de redes vivas de conexão como um potente dispositivo de Educação

Permanente em Saúde

O Entrevistado 2 trouxe que a "alta rotatividade dos profissionais de nível superior é um

importante fator na descontinuidade de ofertas da equipe, como as atividades coletivas". Apesar

desta realidade não ser uma novidade para ninguém, penso que precisamos refletir mais sobre

isto.

Chamou-me a atenção essa colocação do Entrevistado 2 por acreditar que isso tem

muito a ver com as dificuldades que existem nas EqSF em produzir e manter certas

transformações. É nesse contexto que entra o TS. Tenho refletido sobre o uso de ofertas que

usam tecnologia de informação e comunicação - TIC, como o TS, pelas equipes na AB;

acredito que, para uma equipe de saúde da família passar a usar no seu cotidiano tecnologias

como essas (inclui-se, aí, o TS), é preciso uma transformação importante nos modos como

essas equipes organizam seu trabalho; são necessários outros hábitos, outras "formas de fazer",

que os trabalhadores vão conformando e incorporando em sua prática cotidiana. Mas do que

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isso, é preciso que essas ofertas dialoguem com as reais demandas dos trabalhadores dessa

equipe.

Tudo isso se torna mais difícil quando há descontinuidade do trabalho pela saída de um

profissional e entrada de outro. Realmente há uma alta rotatividade dos profissionais,

principalmente médicos, nas EqSF e isso prejudica os movimentos de mudança na organização

das práticas, seja para que lado essa mudança aponte. Movimentos de transformação mais

consistentes ficam prejudicados, pois se cria um ambiente de "instabilidade" que não encontra

sustentação em estruturas tradicionais verticalizadas de organização da AB. Isso contribui com

a produção de territórios profissionais de pouca responsabilidade pelo trabalho, de pouco

compromisso com o resultado do mesmo, já que o profissional olha para frente e não enxerga

continuidade do seu trabalho.

Não faz tanto sentindo colocar em análise o próprio trabalho, questionar o cotidiano,

produzir transformações no mesmo se, a qualquer momento, esse profissional pode não estar

mais na equipe, ou, mesmo, não contar com o colega que pode sair a qualquer momento

também.

Dessa forma, processos de EPS são muito mais difíceis de ocorrerem, da mesma forma

como fica muito mais complicado ofertas como o TS, que exigem tantas mudanças, serem

incorporadas às práticas.

No entanto, quando há processos de produção de encontro entre os trabalhadores da

mesma equipe, entre esses e a gestão (apoio institucional, por exemplo) e entre os trabalhadores

e usuários, para refletir sobre o trabalho e o cuidado produzido, mesmo com a alta rotatividade,

tem-se mais condições dos processos de transformação se dar de forma mais perene.

A partir desses encontros, novas formas de produzir o cuidado podem ser inventadas; é

onde se negociam a partir dos diversos projetos que cada um possui e se pactuam novas

modelagens de organização do trabalho na equipe, novos direcionamentos e novos fluxos

comunicacionais aparecem; onde se produzem novos significados e sentidos para o cotidiano

da produção do cuidado; enfim, quando há grandes possibilidades de processos instituintes

ocorrerem e de novos territórios serem criados. Esses encontros, sejam "informais", sejam em

uma reunião de equipe ou em uma visita de apoio institucional, uma consulta ou uma visita

domiciliar, possibilitam a construção da caixa de ferramentas vibrátil, no sentido que é usado

por Baduy (2010, p.174):

Uma mistura de conceitos-ferramenta advindos de diversos lugares, de diversas

histórias vividas na construção do SUS local. Há a produção de ferramentas em ato na

relação e na produção de coletivos, em intervenção, considerando a clínica, o cotidiano

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e o cuidado. É a produção da e a caixa de ferramentas em movimento e dando

movimento, de proliferação, de muitas conversas, desterritorializações e

reterritorializações, nomadismo sem sair do lugar, mas produzindo novos territórios.

Uma questão trazida por quase todos os entrevistados, uns de forma mais evidente que

outros, parece-me muito relevante para se entender a micropolítica de produção do cuidado

numa EqSF. Todos eles realizam bastante a discussão de casos "informalmente", a troca de

ideias com os colegas da equipe e com alguns especialistas que atuam em alguns turnos junto à

equipe, como ginecologista e pediatra. São utilizados encontros rápidos no corredor da USF, na

hora do almoço, na copa, com quem almoça na USF, enquanto caminha para realizar uma visita

domiciliar etc.

Esses encontros do cotidiano podem produzir novos afectos, formas de pensar

(DAMASCENO, 2010). Trago para ajudar nessa discussão o conceito de gestão peripatética

desenvolvido por Baduy (2010), muito potente para refletir sobre o cotidiano de uma EqSF e

que se articula fortemente com a caixa de ferramentas vibrátil. Segundo esta autora a gestão

peripatética

é um conceito-ferramenta para dar sentido a conversações e pensamentos que

aconteceram nos encontros, nos corredores, nas salas de café, em diversos

lugares além das salas de reuniões formais, mas nelas também,

potencializando as singularidades, os processos de subjetivação nas

multiplicidades das afetações e atualizações, sem imposição vertical, com

outra ordenação temporal, não pontual, mas sim constante. A produção da

caixa de ferramentas na gestão do e no cotidiano - o não saber - a produção na

inutilidade, na compreensão dos problemas que se vive, a solidão, o prazer e a

dor deste trabalho (BADUY, 2010, p.166).

É assim que os trabalhadores inventam inúmeras formas de lidar com as questões

surgidas no seu cotidiano, que causam incômodo e que os afeta. Com frequência, essas formas

não dialogam com ofertas das secretarias municipais de saúde, secretaria estadual de saúde ou

MS. Assim, os trabalhadores lançam mão da criação de redes vivas de conexão (produção de

encontro), seja na própria equipe, seja fora dela; seja pessoalmente, seja por telefone.

Todos os médicos entrevistados trouxeram situações que, ao mesmo tempo em que

motivaram essa reflexão, são exemplos de como essa criação de redes se dá no cotidiano dos

serviços de saúde. Destaco aqui, algumas delas.

Em relação à estruturação da dinâmica da sua equipe, o Entrevistado 4 coloca o

seguinte:

Semanalmente temos as reuniões de equipe, que pode ser tanto integrada com

as duas equipes ou separadas para discutir casos, num espaço mais reservado;

terça [...] à tarde é uma agenda liberada para EP, onde a gente produz

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conhecimento, material e metodologia para o espaço da reunião de equipe (...);

o espaço de EP ele surge de uma necessidade de qualificar o espaço da reunião

de equipe, onde os pactos e as decisões e o conhecimento gerado a partir da

reunião de equipe não surgisse a partir de construções mais espontâneas, onde

a gente pudesse preparar metodologicamente esse espaço para que ele seja

mais produtivo [...]; é como se fosse um espaço de coordenação pedagógica da

USF; não é uma coisa que funcione de forma burocrática, nesse horário, em

todas as semanas, mas é um espaço protegido...

Sobre os movimentos que realiza na busca de respostas aos incômodos que surgem no

seu cotidiano, ele coloca:

... eu, por exemplo, já fui médico de emergência e minha vivência com a

nefrologia nessa emergência me permitiu ter uma bagagem [...], que me

permitiu maior resolubilidade e um maior trânsito de diálogo com esses

profissionais que eu, volta e meia, faço contato telefônico; isso, com certeza,

facilitou muito mais com minha vinda do interior para a região metropolitana,

o acesso a internet, telefone, isso é inegável. Eu tenho facilidade, também,

com o trabalho dentro da própria equipe, pois tem duas enfermeiras na equipe,

tem outra médica, e nossa primeira tentativa é buscar uma solução

internamente, com as referências como livros, arquivos, que a gente tem na

USF e, depois, tentando partir para algum recurso fora da USF. [....] Então

termina sendo um mosaico possível dentro da USF.

Corroborando com o relato acima, Franco (2006, p.1), ao falar das redes na

micropolítica do processo de trabalho em saúde, coloca que

... a vida produtiva se organiza pelas relações ou, melhor dizendo, conexões

realizadas pelas pessoas que estão em situação e se formam em linhas de

fluxos horizontais por dentro das organizações. Essa forma de condução de

processos se repete para todos os níveis de produção, é social e subjetivamente

determinada e vai configurando uma certa micropolítica, que é entendida

como o agir cotidiano dos sujeitos, na relação entre si e no cenário em que ele

se encontra. Podemos observar, portanto, que na sugestão ofertada pelas

propostas de planejamento que fogem da matriz normativa há o

reconhecimento de que a formação de microrredes no interior da organização

é eficaz para a condução dos projetos, colocando em segundo plano o

funcionamento com base nas formações estruturais da organização.

Equipes como esta do Entrevistado 4, que funcionam de forma integrada, reúne-se com

frequência, que discute seu cotidiano, e faz EPS, a princípio, são mais porosas às mudanças, à

experimentação do novo. Assim, cenários como esse seriam mais férteis para a incorporação de

ofertas como o TS. No entanto, não necessariamente. Outra possibilidade é que aconteça o

contrário: para esse tipo de equipe, justamente por ter uma dinâmica de encontros, reflexões e

interseções, ferramentas que demandam o uso do computador e internet, como o TS, podem

não ter tanta necessidade, não fazer tanto sentido, não acrescentar, ou acrescentar muito pouco,

no seu cotidiano.

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Coloco como uma possibilidade. Se assim for, será que isso ocorre porque o TS tem

baixa possibilidade de produzir esses encontros, de produzir as conexões e afecções necessárias

à produção de novas formas de pensar? Ou será que existem essas possibilidades e que as

mesmas ainda não foram percebidas ou, mesmo, exploradas e, por conta disso, o TS é pouco

identificado como produtor de encontros? Considerando que o TS seja capaz de produzir

encontros à distância via internet, estes produziriam afecção da mesma forma que os encontros

presenciais, "olho-no-olho"? Através do TS seria possível produzir redes vivas de conexão para

dar suporte ao mundo do trabalho na saúde e, mais especificamente, na AB?

Recorro a Baduy (2010, p.167) para fazer uma síntese dessa dinâmica de produção de

redes vivas de conexão:

É na experimentação, produzindo movimentos, linhas, contornos e torções

desenhados nos vários encontros no trabalho em saúde, em constantes tensões

e disputas é que vão se produzindo novas práticas de gestão e de cuidado.

Intensidades que se atualizam em enunciados em atos visíveis concretos.

O uso do telefone para ligar para outro médico mais experiente no assunto, de

confiança, e, mesmo, amigo, durante uma consulta, se repetiu entre os seis Entrevistados. Todos

eles colocaram o telefone com um recurso que utilizam frequentemente quando têm dúvidas

quanto a alguma conduta diagnóstica ou terapêutica, ou mesmo sobre como conduzir situações

de outras ordens.

Podemos refletir sobre isso da seguinte forma: a produção do cuidado, que ocorre na

hora do encontro entre dois sujeitos (trabalhador de saúde e usuário) é regida pelo trabalho vivo

em ato, o qual é dinâmico e pode mobilizar o trabalhador de forma intensa. Se surge uma

dúvida do profissional nesse momento, alguma insegurança em como lidar com a situação, e

que o leva a recorrer a algum recurso, este tem muito mais chance de ser utilizado se tiver

como ser consumido neste mesmo momento em que a produção do cuidado está se dando. Isso

se relaciona com o fato do telefone ser um recurso bastante acionado, assim como os

aplicativos de smartphone, ou a consulta a um livro ou arquivo de computador durante a

própria consulta.

O Entrevistado 2 reforça essa percepção quando coloca que:

... não acho um impeditivo, acho um dificultador para o uso no TS não haver

computador com internet na USF, pois, se a solicitação de uma teleconsultoria

não for feita no calor da situação, na hora em que surge (ou logo depois), a

necessidade que motivou a solicitação pode esfriar.

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Outro aspecto colocado pelo Entrevistado1 é que o tempo de resposta de até 72h,

também é um fator que pode limitar o seu uso. A prática médica vem sendo construída, mesmo

na AB, como o lugar do saber e de poder de forma muito intensa. O Médico é formado para

aprender a tomar decisões o tempo todo; a ele é atribuído uma grande responsabilidade social:

decidir sobre "a vida" das pessoas. Esse lugar ocupado pelo médico na equipe e na relação com

o usuário, e legitimado pela sociedade e pela racionalidade científica hegemônica, tanto

demandaria respostas imediatas, estruturadas e já prontas para serem acessadas (72h termina

sendo muito tempo), como não permitiria que o profissional fosse buscá-las (as respostas)

através de uma ferramenta como o TS.

Por outro lado, as solicitações de teleconsultorias (o "não saber", portanto) ficam

registradas na Plataforma, são analisadas por um médico telerregulador e encaminhadas para

outros profissionais teleconsultores (médicos ou não). Esse processo pode ser percebido como

uma "exposição", além de deixar registrado numa plataforma virtual que esse profissional não

tinha todas as respostas. Outros recursos, como os livros e formas mais tradicionais de busca de

repostas, são diferentes, pois representam uma busca privada de informações.

O Entrevistado 2 reforça essa questão da dificuldade de expor as "fragilidades" e traz

que o recurso "ligar para um colega" é muito utilizado no cotidiano. Esse recurso daria conta

das duas questões colocadas aqui: a necessidade de dar respostas em ato, na hora em que o

cuidado está sendo produzido, seja por causa do vínculo criado com o usuário, seja porque a

situação exige isso por vários motivos (não necessariamente por ser uma urgência ou

emergência), seja por não haver acesso garantido para o retorno do usuário posteriormente; e a

dificuldade de expor suas fragilidades, já que, quando se "liga para um colega em quem se

confia", espera-se que não haja melindres.

Por outro lado, e penso que é muito importante quando pensamos no uso do telefone

para ligar para pessoas conhecidas na hora de uma dúvida ou insegurança, é que, mesmo à

distância, isso é um encontro entre dois sujeitos, no qual há uma relação de disponibilidade

para ouvir o outro, vínculo, confiança e respeito. Não é uma ligação procedimental para ter uma

mera resposta a uma pergunta, mas para se discutir uma situação no qual o demandante está

inserido no mesmo momento da ligação. Há a criação de um espaço intercessor entre os dois

pelo telefone, a partir do qual é construída uma resposta, bem diferente de "ser dada uma

resposta", como é o caso das teleconsultorias, principalmente as assíncronas.

O TelessaúdeRS, diante da baixa solicitação de teleconsultorias pelos médicos das

equipes participantes do projeto neste estado, implantou em 2013 o "Serviço de 0800" para os

médicos poderem ligar no momento que surgirem as dúvidas no seu cotidiano de trabalho.

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Após o início desse serviço, perceberam um aumento progressivo da participação destes

profissionais através do “serviço de 0800”.

Talvez, recorrer ao telefone de forma tão importante na AB seja uma pista que devamos

seguir para entendermos melhor quais os caminhos que os médicos entrevistados percorrem no

cotidiano de suas práticas e, talvez, quais são as possíveis ofertas que terão maior possibilidade

de fazer sentido para esses profissionais. Podemos pensar que eles estão em busca da formação

de redes vivas de conexão, tal qual colocaram Franco (2006) e Baduy (2010), o que é reforçado

pelo Entrevistado 4 quando relata que:

... a gente acaba fazendo uma rede de retaguarda que tem muito pouco a ver

com a rede oficial, como ambulatórios de especialidades do município; é

muito pouco comum a troca com esses profissionais; é muito mais comum a

troca com amigos e com colegas que a gente vai conhecendo em outras

passagens ...

Penso que o conceito de interatividade, que vem sendo usado no campo da Educação à

Distância - EAD, ajuda-nos nessa reflexão sobre a produção de encontros/afecções e, por

conseguinte, processos de EPS. A interatividade seria um

processo comunicacional de construção do saber, de participação de todos os

membros envolvidos no processo de produção de conhecimento sobre

determinado assunto, e que leva em conta as considerações e colaborações de

cada sujeito para um maior aprofundamento sobre o tema que está sendo

abordado (UFBA, 2013).

Diferente de um telefone, no qual há interatividade e se constrói com o interlocutor a

resposta, a solicitação de uma teleconsultoria assíncrona (um dos principais recursos do

Programa Telessaúde Brasil Redes, por exemplo), de certa forma, tira esse protagonismo, essa

postura mais ativa que o médico pode vir a ter no seu processo decisório, pois "transfere"

parcialmente esse caminhar da busca de repostas ao teleconsultor, o qual faz a pesquisa,

estrutura a resposta e a encaminha. Além disso, a interatividade não está presente.

Por sua vez, a consulta às Segundas Opiniões Formativas - SOF se equiparam à consulta

a um livro, ou a um site de busca qualquer, como o Google®. O profissional acessa e faz uma

busca pelo tema que ele necessita, sem interação com o outro sujeito.

Por outro lado, as teleconsultorias síncronas, que pressupõe o encontro em tempo real

entre profissionais, podem constituir-se com um diferencial do TS na APS, pois além de trazer

as características parecidas com o formato clássico da formação médica em discussão de casos,

do raciocínio clínico, conserva o protagonismo do profissional na construção em ato do

conhecimento que o ajudará na decisão. É aí que entra a interatividade.

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Apesar de ser menos vivo que os encontros produzidos no cotidiano de um serviço de

saúde, que não têm hora para acontecer e podem, inclusive, dar-se durante uma consulta ou

visita domiciliar, a teleconsultoria síncrona pode produzir afecções a depender de como ocorra.

Para isso ser possível, acredito ser necessário que o trabalhador solicitante tenha confiança no

teleconsultor, credibilidade no processo e um setting adequado para que esse encontro à

distância ocorra.

5.3.A solidão terapêutica e a demora permitida: diferenças do uso do Telessaúde entre o

interior e a região metropolitana

Os Entrevistados 4, 5 e 6 relataram que acessam vários recursos para lidar com as

situações do cotidiano com as quais têm alguma dificuldade. Como já foi colocado, eles

discutem, principalmente o Entrevistado 4, com a equipe nas reuniões de equipe, usam a

"demora permitida"8 (para poder acessar internet ou livros em casa), ligam para colegas

especialistas em quem confiam, usam a internet 3G do próprio celular para consultas rápidas

etc.

Nas palavras do Entrevistado 5:

Tem uma ferramenta que a gente usa que é a demora permitida, que é negociar

com o paciente o retorno no prazo um pouco maior. ‘Olhe, eu vou entrar em

contato com outras pessoas, eu posso te dar uma resposta amanhã, depois de

amanhã'? E aí agenda com o paciente o retorno e vai lá entra em contato, tanto

pela internet, em busca de caso clínico, quanto estudar na fonte mesmo, pegar

o tratado de medicina de família, tentar pegar uma fonte principal lá e tirar a

dúvida; quanto, na hora mesmo, pedir um instante e fazer um telefonema para

contatos da rede mesmo, ligar para um pediatra de confiança, um

infectologista de confiança, ligar para um cirurgião do Hospital "X" de

confiança; quanto ter acesso rapidinho a internet por conta própria mesmo, via

3G; tá com uma dúvida na dose de uma medicação, que você não acha nem no

catálogo e nem no DEF, você entra em contato rapidinho pela internet, digita

lá, e consegue a identificação com a resposta. É mais ou menos isso, sair do

interior para vir para a capital permitiu um melhor sinal tanto de telefone,

quanto de internet.

Os Entrevistados 4 e 5, que trabalham hoje em um mesmo município da região

metropolitana de Salvador e já trabalharam no interior da Bahia (Região do Recôncavo baiano,

Entrevistados 4 e 5; Região da Chapada Diamantina, Entrevistado 5), trouxeram diferenças

entre o interior e a região metropolitana no que diz respeito às possibilidades de acessar

8

"Demora Permitida" é o tempo que se pode esperar para iniciar a investigação de um sintoma (como rouquidão,

por exemplo), que na maioria das vezes vai desaparecer espontaneamente (KLOETZEL, 1996, apud CUNHA,

2004, p.46 ).

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recursos para lidar com as situações do cotidiano. Um fato que penso merecer reflexão, pois

tem a ver diretamente com os as possibilidades de uso (ou não) do TS.

Eles colocam o seguinte sobre as diferenças entre o interior e a região metropolitana:

Entrevistado 4:

Isso (contato com profissionais conhecidos por telefone), com certeza,

facilitou muito mais com minha vinda do interior para a região metropolitana,

o acesso a internet, telefone, isso é inegável.

Entrevistado 5:

Aí (trabalhar no município atual) é um pouco diferente de quando a gente

trabalhava no recôncavo e também na chapada, onde o sinal de telefone era

ausente, totalmente, então a gente não tinha como entrar em contato, tirar

dúvida, a gente apelava para quando chegava em casa tentava entrar em

contato com alguma pessoa. Aqui na capital, região metropolitana, como a

gente tem contato com internet 3G ou então a gente tem contato com telefone

mesmo. Isso facilita bastante a tirada de dúvidas.

... (no interior) fazia o encaminhamento direto, o que estava fora do meu

alcance, encaminhava para o especialista ou, então, dava uma demora

permitida muito rápida; e, aí, quando chegasse em casa tentava telefonar,

tentava pela internet, ou então lia mesmo o livro em casa e tentava dar

resposta. Mas era mais complicado...

O Entrevistado 5, ainda, traz um elemento bem relevante. Diz que tem interesse em usar

o TS pelo seu formato ser interessante, com retaguarda de um "especialista" em integralidade9,

mas que, como outros recursos supriam a necessidade dele (rede de amigos acessada por

telefone, internet 3G no celular, demora permitida) e nunca teve necessidade "mortal" de uso,

acabou negligenciando o TS. Complementa dizendo que tem o entendimento do formato e de

como funciona o TS, mas que não "pegou" para utilizá-lo até agora.

Ainda sobre os recursos utilizados na AB na hora da dúvida, o Entrevistado 5 coloca:

... a gente usa mais o google, consulta pessoal, alguns aplicativos para fazer

cálculo de gestação rápido, alguns softwares para fazer busca de medicação,

interação medicamentosa, os que podem e não podem ser prescritos para

gestante; a tendência agora é cada vez mais abandonar a internet crua de

computador e começar a usar só aplicativo médico, de smartphone,

Iphone...os “caras” agilizam muito, dão muita velocidade, você não precisa

nem baixar arquivo nem nada, você vai lá no smartphone e já acha o dado que

você quer e já segue.

9

Aqui, o Entrevistado colocou a denominação "especialista em integralidade" referindo-se ao Teleconsultor

médico, cirurgião-dentista ou enfermeiro, generalista ou especialista em Saúde da Família/Atenção

Básica/Medicina de Família e Comunidade, e em contraponto ao Teleconsultor Especialista Focal, que seria o

especialista em um órgão ou sistema do corpo humano, como o cardiologista, por exemplo.

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... nossos próprios internos, estudantes de medicina do 5º ano da UFBA estão

dando show na gente; se nós somos a geração, ‘Y' eles são a geração ‘Z' já;

eles têm um outro nível de tecnologia que eles estão ensinando para a gente

agora, então eu estou começando a baixar programas, aplicativos deles para

poder usar na minha própria USF e isso dá uma ajudazinha muito boa.

O Entrevistado 4 vai na mesma linha e reforça o que o Entrevistado 5 trouxe. Colocou

que se tivesse uma rede de apoio mais fragilizada do que ele tem hoje, certamente estaria

usando o TS; se estivesse morando sozinho, em um município com poucos profissionais para

trocar ideia (para produzir redes vivas de conexão), ele teria usado essa ferramenta. Fala sobre

o fenômeno da "solidão diagnóstica": os profissionais médicos que têm poucos colegas para

poder trocar, acabam tendo que tomar decisões de forma solitária, correndo risco de produzir

iatrogenia, ou, mesmo, acabar gerando uma sobre demanda para o serviço.

O Entrevistado 5 reforça a ideia colocando que a solidão diagnóstica e terapêutica acaba

conformando certo comportamento no profissional, que este acaba aprendendo a agir assim ao

longo dos anos, de forma repetitiva.

Colocam que, quando trabalhavam no interior, antes do TS ser ofertado, estavam

começando a ensaiar isso de trazer uma situação, um caso para casa para discutir em grupo e

poder dar uma resposta; então, o TS "caiu como uma luva", mas bem na hora que eles estavam

saindo do interior e se mudando para a região metropolitana.

Essa questão da solidão diagnóstica trazida pelo Entrevistado 4 chama ainda mais

atenção para as diferenças que existem entre quem está no interior e quem está na região

metropolitana em relação ao acesso a redes de apoio e ao trabalho na AB e, consequentemente,

ao uso do TS. Isso precisa ser refletido.

Será que o profissional que trabalha em uma USF da zona rural, por exemplo, por não

ter uma rede de apoio (em sentido amplo) tão acessível, tende a usar mais o TS se for oferecido

a ele condições de uso (computador conectado à internet disponível na USF)?

Diante de tantas possibilidades e ofertas que já são acessadas pelos médicos,

exemplificados pelo Entrevistado 5, como os aplicativos médicos nos smartphones, o TS terá

lugar? Com esta pergunta, não quero dizer que o TS oferece o mesmo que uma ligação para um

amigo especialista ou um aplicativo médico. No entanto, há de se refletir se o que o TS oferta é

o que os médicos valoram para o exercício do seu trabalho. Para que o TS seja considerado

como uma ferramenta útil pelos trabalhadores da AB e, especialmente, pelos médicos, precisa

fazer ofertas que são valorosas para os mesmos e que os recursos que eles acessam hoje,

principalmente os recém-formados, não conseguem ofertar.

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O relato do Entrevistado 5 contribui com uma pista para pensarmos nessa questão,

quando coloca o comportamento dos estudantes de medicina ao final do curso. Os recém-

formados conformam boa parte dos médicos que trabalham na ESF atualmente e é preciso

refletir sobre o tipo de relação que essa geração de profissionais fazem das tecnologias de

informação, comunicação e digitais.

Hadadd (2006, apud CASTRO FILHO, p.40) ao falar sobre o quê os médicos usam para

se atualizar, coloca que:

Os comportamentos e características de estudantes de medicina talvez não

sejam um parâmetro ótimo para estimar o que acontece com os médicos. É

provável, porém, que parte de seus hábitos persista após a formatura. É

preocupante que, nacionalmente, mais da metade deles (50,3%) não

desenvolvam atividades de pesquisa, ensino ou extensão complementares ao

currículo de graduação.

Apesar de estarmos nos referindo ao TS e não à pesquisa científica, ensino e extensão,

esse pode ser um dado importante para refletirmos sobre certa "forma de fazer" dos estudantes

que perduram quando profissionais. O Entrevistado 5 chama atenção para esta questão quando

coloca o seguinte:

... nós não vimos, na faculdade, nenhum professor nosso usando o telessaúde;

nem nas residências isso está introjetado...talvez, se fosse diferente, teria um

peso maior, pois ainda não faz parte da cultura. Por outro lado, os internos, os

estudantes, baixam um aplicativo no celular e fazem o cálculo de dose de

medicamentos, de data provável de parto, acessam o protocolo de refluxo

gastro-esofágico mais atual etc.

O Entrevistado 5 coloca, referindo-se ao Apoio Clínico (oferta de TS da FESF-SUS),

que se poderia utilizar formas mais variadas de divulgação do TS, como redes sociais, por

exemplo; no entanto, diz que quem tem interesse de verdade não tem dificuldades e que para

ele, a princípio, foi difícil. Coloca, ainda, o caso do trabalhador que poderia se beneficiar com a

oferta, vivencia várias situações que poderia usar, mas não usa por questões "pequenas", como

falta de acesso à internet, que é estruturante, ou por outros motivos, como dar plantão à noite.

Afirma que, se ele “batesse o olho” na oferta e a mesma fosse, de alguma forma, mais atraente,

talvez ele "entrasse nessa roda".

Esta reflexão trazida pelo Entrevistado 5 só reforça uma questão trazida também pelo

Entrevistado 1, que é a necessidade da garantia de infraestrutura adequada na USF para

diminuir os obstáculos ao uso do TS. Por infraestrutura adequada entende-se computador

conectado à internet na USF, com câmera e microfone, em local adequado e dedicado a esse

tipo de uso (sem ser dividido com a regulação, por exemplo).

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Por outro lado, é importante refletir, também, sobre os motivos que levam a ser tão

solitário para o profissional médico tomar as decisões diagnósticas e terapêuticas. É notório

que, quando citaram o tema da solidão, nenhum dos entrevistados colocou que realiza

movimentos junto às suas equipes no intuito de construir perspectivas de produção do cuidado

mais ampliadas, não tão focadas no médico. No entanto, ao serem perguntados sobre que

recursos acessam para lidar com as variadas situações com que se deparam no cotidiano, todos

falaram da criação de redes de conexão com seus colegas de equipe e com profissionais do

Núcleo de Apoio à Saúde da Família, por exemplo.

Não deixando de levar em consideração o papel e o poder atribuído ao médico no

modelo assistencial hegemônico, o que isso representa no cotidiano de um serviço e a

repercussão que esse papel pode ter no discurso dos entrevistados, penso que essa constatação

pode apontar para o que os mesmos têm o seguinte entendimento: o TS é útil nas questões mais

inerentes ao núcleo profissional do médico; assim como, pode falar a respeito de certa forma de

enxergar esse núcleo na AB, como se a maioria das situações que se deparam em sua atuação

nesse nível de atenção fosse possível um diagnóstico preciso, quando sabemos que, não

necessariamente, é assim.

5.4.A possibilidade real de evitar encaminhamentos desnecessários, no caso de

dificuldades de encaminhar ao especialista (baixo acesso)

Apesar de todas essas reflexões sobre o uso e o papel que o TS pode desempenhar de

fato na AB, assim como seus limites em constituir-se enquanto dispositivo de EPS, penso que,

para algumas situações, ele pode contribuir com o aumento da resolutividade. No entanto, isso

não quer dizer que haverá transformação das práticas dos médicos, mas, somente, que ele pode

ser um recurso útil em determinadas situações, para um profissional que deseja não encaminhar

e responsabiliza-se pela necessidade de saúde do usuário.

O Entrevistado 6, que ainda não usou do TS, trouxe claramente que o mesmo seria "uma

mão na roda", pois estava vivenciando uma situação naquele momento, e identifica que o TS

seria de grande ajuda, pois já recorreu à internet, a livros, a uma colega especialista por e-mail e

não obteve resposta.

O Entrevistado 6 colocou que há uma rede de profissionais médicos, trabalhando em

diferentes USF´s nesse município, que se apoiam e a qual ele pode recorrer quando precisa

discutir questões afetivas e técnicas. Novamente surge a importância da conformação de redes

vivas de conexões entre os trabalhadores da AB. Falou da importância do TS, citou o

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sentimento de isolamento que os profissionais da AB costumam ter e da possibilidade do TS

minimizar isso. Chamou-me a atenção esse sentimento, pelo fato desse profissional trabalhar

em município da região metropolitana de Salvador, ter colega especialista a quem enviar e-

mail, ter uma rede de profissionais que conhece e a quem pode recorrer quando precisa e,

mesmo assim, sente-se isolado. Por que esse sentimento de solidão? Será a "solidão

diagnóstica" trazida pelos entrevistados 4 e 5? Mas esse não era um sentimento dos

profissionais trabalhando em municípios mais isolados?

Esta fala, de certa forma, faz um contraponto à reflexão que fiz a partir do que foi

trazido pelo Entrevistado 4. O Entrevistado 6 é bastante engajado com sua inserção

profissional, tem uma equipe coesa, com a qual pode contar; tem uma rede afetiva de

profissionais no município que ela pode acionar e, ainda assim, se vê numa situação na qual

identifica que o TS seria uma ferramenta importante e que isso evitaria um encaminhamento. O

Entrevistado 6 colocou que teve casos que encaminhou usuários para um especialista e que,

talvez, se tivesse usado o TS, não tivesse encaminhado.

O relato do Entrevistado 6 é uma pista importante para pensarmos sobre o potencial que

o TS tem para algumas situações, como evitar encaminhamentos desnecessários para serviços

especializados, nos casos em que o motivo do encaminhamento é uma dificuldade de condução

da situação e não fruto da desresponsabilização do profissional pela situação com que se

depara.

No entanto, a situação na qual identifico que o TS pode ser bastante adequado, é nas

EqSF em municípios mais isolados, na zona rural, na qual o médico não tem acesso tão

facilitado a sua rede (que é sempre maior no município ou região na qual se forma) e nem

mesmo à internet pelo smartphone. Nesse caso, o ponto de TS na USF (computador com

internet, fone de ouvido, microfone e câmera) seria o único acesso à internet disponível.

Apesar da sua percepção do TS como possibilidade de evitar encaminhamentos

desnecessários, o Entrevistado 6 colocou, de forma interessante, que uma das principais

dificuldades de uma equipe de saúde da família é trabalhar na perspectiva da

interdisciplinaridade e em equipe multiprofissional, e isso, segundo o mesmo, não é

devidamente trabalhado e valorizado.

Coloca que o TS, por ser uma ferramenta pela internet, por si só e de forma isolada, não

dá conta de fazer frente a esse desafio e de produzir mudanças, pois não produz

transdisciplinaridade, pois esta demanda de abordar/trabalhar os afetos tem a ver com as

tecnologias leves. Este desafio, portanto, está inserido no dia-a-dia do trabalho, é produzido em

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ato, e vai além de aspectos cognitivos. No entanto, o diálogo, a produção de reflexão, pode

produzir mudanças e, o TS, se for utilizado nessa perspectiva, pode funcionar como dispositivo.

Esta reflexão trazida pelo entrevistado 6, de certa forma, corrobora a discussão feita

anteriormente sobre a produção de encontro através do TS e abre a possibilidade de entrar na

reflexão que já vem sendo colocada durante todo este trabalho, mas que ainda não havia sido

abordada com mais cuidado: é possível o TS constituir-se enquanto dispositivo de EPS para as

EqSF?

Problematizando o uso do TS em municípios mais isolados, penso que, acionar o TS

não é, necessariamente, o que garante a resolutividade. Quando penso em um profissional que

saiu da sua zona de conforto, se "expôs", recorreu a uma ferramenta para conduzir determinada

situação, penso em um profissional comprometido com o resultado do seu trabalho, que se

responsabilizou pela necessidade de saúde com a qual se deparou e que está em busca do que se

encontra ao seu alcance para atuar da melhor forma possível. Assim, o médico, por exemplo,

que recorre ao TS, está se movimentando em torno da qualificação da sua prática, em torno de

produzir o melhor cuidado que puder e, para isso, recorre, por meio de uma tecnologia dura, a

um saber (tecnologia leve-dura) para ajuda-lo a tomar decisões.

O que quero dizer com isso é que o médico, ou qualquer outro profissional, mesmo que

o TS seja um recurso que esteja ao seu alcance e que seja um dos poucos que possa acionar,

pensando nos municípios e regiões mais isoladas, pode não acioná-lo; ou, mesmo, pode acioná-

lo e isso não evitar um encaminhamento, pois, no final das contas, quem decide se vai ou não

encaminhar é o médico. Esse processo faz parte da dinâmica micro decisória em torno da forma

como realiza sua prática.

Nesta perspectiva, o que faz a diferença entre o encaminhamento ou não, e, portanto,

entre o aumento ou não da resolutividade, não é o TS em si, mas os movimentos que o médico

faz em torno de certa forma de se produzir enquanto profissional de saúde e de produzir o

cuidado. Continuando a reflexão, mesmo que o médico possa usar e use o TS, ele pode optar

por manter a conduta de encaminhar o usuário; por outro lado, caso ele acredite que não há

necessidade de encaminhar e deseje isso, o TS pode ser uma ferramenta que o ajudará a não

encaminhar se o profissional souber aproveitar o que o mesmo tem a oferecer.

Assim, os Entrevistados que afirmaram que o TS seria uma "mão na roda", ou que

contribuiria para que não encaminhasse usuários que já encaminharam caso essa ferramenta

estivesse disponível, estariam recorrendo ao TS como uma ferramenta que os auxiliaria em um

movimento/postura que já assumiram previamente. Nesse caso, não seria o TS que produziria a

mudança das práticas, pois essas já estavam em curso anteriormente. Da mesma forma, o TS

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não funcionaria como dispositivo de EPS, mas, sim, como uma ferramenta útil para os que

optaram em (e desejam) qualificar suas práticas e serem mais resolutivos.

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6. O TELESSAÚDE PARA A ATENÇÃO BÁSICA COMO CÉLULA TOTIPOTENTE:

TECNOLOGIA DURA A SERVIÇO DO TRABALHO MORTO OU DO TRABALHO

VIVO?

Tenho refletido muito sobre essas questões trazidas pelo Entrevistado 6. Fazendo um

paralelo com a biologia, penso o TS como uma "célula totipotente"10, que, a depender do

estímulo que receba, do uso que os profissionais façam dele e da direção que aponte o trabalho

vivo destes, pode ser uma ferramenta muito interessante que apoia vários movimentos na

equipe. Por outro lado, pode ser mais uma ferramenta, cujo uso é regido pelo trabalho morto

inscrito na mesma, como várias outras que são ofertadas, mas não adquire, de fato, sentido e

utilidade no cotidiano de uma equipe.

Nesse último caso, é como um protocolo que fica guardado na gaveta e que ninguém

usa. No caso do TS, este pode ficar no computador, disponível, mas sem que a potência que

possui seja explorada. Pode ter um uso ou outro, e várias graduações de uso nesse meio. Isso

depende da forma com que todos os atores envolvidos com a oferta, implantação e uso vão se

relacionar uns com os outros. O uso dependerá, também, de quais as possibilidades que esses

atores vislumbram para essa ferramenta. Vai depender da forma como o TS é lançado na região

e o tipo de divulgação que será feita sobre suas possibilidades de uso, assim como, das

condições concretas que forem oferecidas às equipes para que possam usar o mesmo.

Neste trabalho, até agora, temos refletido sobre o uso das ofertas de TS pelos médicos e

EqSF. A partir dessas reflexões, pudemos perceber que, por si só, o TS não é capaz de

transformar as práticas e reorganizar processo de trabalho; portanto, não é capaz de ser

dispositivo de EPS.

O Entrevistado 6, que concorda com esse entendimento, trouxe um ponto de vista

muito interessante, que percebo poder tornar-se mais possível (ou mesmo, só pode se tornar

possível), quando um personagem entra em cena de forma mais intensa: a gestão municipal.

A gestão municipal, no entanto, não é um bloco uniforme, sendo composta por vários

atores, cada um com um papel importantíssimo. O (a) secretário (a) de saúde, por exemplo, tem

que estar bem informado sobre o TS e o papel do município, além de trazer essa pauta para

dentro da gestão da saúde e para o cotidiano de sua equipe. Da mesma forma, tem que garantir

10

As células totipotentes são as células-tronco (células que possuem a capacidade de se dividir dando origem a

células semelhantes às progenitoras e a outros tecidos do corpo) que têm a maior capacidade de diferenciação. Elas

podem dar origem a todos os tipos celulares de um organismo, incluindo placentas e anexos embrionários.

(http://www.icb.ufmg.br/mor/mor/Disciplinas/Embriologia/cel_tronco.htm).

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as condições objetivas de uso na USF: aquisição dos equipamentos (computador, webcam,

microfone e fone de ouvido); conexão mínima com internet.

A Coordenação de AB, quando há uma, tem que garantir que o Ponto de TS seja

instalado em local adequado na USF, de forma a preservação dos equipamentos e diminuição

de barreiras de acesso ao uso dos mesmos. Instalar um Ponto na sala do médico ou enfermeiro,

por exemplo, impedirá em grande medida o uso dos outros profissionais; ou, mesmo, instalar

em uma sala com infiltração, levará a uma meia-vida menor do equipamento.

No entanto, penso ser chave que a gestão municipal (a Coordenação de AB é

importantíssima nisso) estimule, valorize, contribua com a garantia de espaço protegido na

agenda dos trabalhadores para o uso da ferramenta, contribua com a produção de sentido e de

valor de uso do TS, como apoio às transformações. Nesse sentido, a conformação de lógicas de

apoio institucional às EqSF constituir-se-ia como uma modelagem de organização do processo

de trabalho da gestão da AB muito potente para agenciar as transformações das práticas das

equipes a partir da EPS.

Neste sentido, concordo com Bertussi (2010, p.62) quando a mesma coloca que

... partindo do pressuposto de que o projeto de saúde é disputado no espaço

micropolítico, o apoio institucional/matricial e a educação permanente são

dispositivos estratégicos para fabricar o desenho organizativo da rede de

serviços de saúde e mobilizar um potencial transformador do agir em saúde

com suas práticas. Isso porque aproximam a gestão dos territórios de produção

do cuidado; possibilitam ampliar a caixa de ferramenta da equipe de gestão

para governar em arenas institucionais atravessadas pelas multiplicidades dos

atores em cena, com arranjos que se abram para as suas expressões e decisões

...

Dessa forma, um município que pretenda ter o TS como uma oferta importante de apoio

às EqSF, precisa disputar essa concepção e agenciar as possibilidades de uso do mesmo junto às

equipes. O apoio institucional pode fazer esse papel de "engravidar" os sentidos do TS e

estimular as equipes a usá-los de forma que o mesmo produza encontro entre os profissionais;

apoiar de forma criativa as ações que estão sendo implantadas no município, como o Programa

de Melhoria do Acesso e da Qualidade - PMAQ11, a Rede Cegonha12 entre outros; potencialize

as ações da gestão, e várias outras possibilidades. Por outro lado, um apoiador institucional que

conheça o processo de trabalho e o cotidiano de cada EqSF, pode se relacionar com as mesmas

11

Programa do MS que visa à realização de avaliação das EqSF, classificação das mesmas em graus compráveis

nacionalmente, e oferta de apoio técnico e financeiro (Piso da Atenção Básica Variável) para que avancem na sua

qualidade. 12

Programa do MS que visa à construção de redes integrais de atenção à saúde materno-infantil.

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de forma a articular o TS com cada contexto, ofertando as possibilidades de uso de forma

singular e criativa.

Merhy (2005, p.204), ao falar dos lugares micropolíticos na produção do cuidado traz o

seguinte entendimento:

São encontros de sujeitos em ação, com seus poderes, produzindo relações, se

interditando e mutuamente produzindo. Com isso, disparando nos mapas

destes encontros possibilidades de novos desenhos, como um aberto para

novas conformações cartográficas. Micropolíticos, pois é aí que o trabalho

vivo em ato se efetiva na construção do cuidado e como tal opera como

parteiro de palavras, significados e sentidos. Aí é possível construirmos

dispositivos de gestão coletivas do trabalho em saúde, que abram encontros

públicos para os fazeres privados dos atos profissionais centrados. Provocar

tudo isso, ao mesmo tempo, na lógica do trabalho como ato pedagógico,

expresso pelo olhar da educação permanente, cria novas formas de se construir

os cotidianos nos serviços de saúde.

Aqui estamos tratando do TS, mas essa discussão se estende para muito mais além desta

oferta. Essa postura pode fazer a diferença no sentido de mobilizar o potencial transformador

das equipes (nesse caso, o TS poderia funcionar como ferramenta de suporte nesse processo).

No entanto, pode-se continuar numa postura tradicional de cobrança de produtividade, de

supervisão, de não envolvimento com o cotidiano do processo de trabalho das equipes, de

exterioridade, contribuindo com a captura do trabalho vivo e a repetição de territórios já bem

antigos e consolidados.

6.1.A fragilidade da gestão da Atenção Básica na maioria dos municípios: como fica essa

disputa?

Todos os Entrevistados foram unânimes em afirmar a completa ausência da gestão

municipal em relação ao apoio ao uso do TS para as suas EqSF. Vale à pena destacar que, a

despeito do Apoio Clínico da FESF-SUS ter sido uma oferta de TS ainda incipiente, que iniciou

bem antes do lançamento do Projeto Único Telessaúde Brasil Redes Bahia, os municípios

contratualizados com a FESF-SUS tiveram algum contato com essa oferta.

Especificamente, o município em que cinco, dos seis, Entrevistados trabalham, esteve

presente na Segunda Oficina de Capacitação para o uso da Plataforma, em outubro de 2012,

com mais de um representante; da mesma forma, a maior parte dos trabalhadores presentes na

Oficina pertencia a esse mesmo município.

Isso traz uma preocupação em relação ao processo de implantação dos Pontos de TS e

ao acompanhamento, monitoramento, avaliação e apoio ao uso das ofertas de TS pelas EqSF

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que, na Bahia, por exemplo, começou em junho de 2013. No entanto, essa preocupação trazida

nesse contexto só é a exteriorização de um problema estrutural e um dos grandes "nós" da AB

no Brasil no momento. Refiro-me à extrema fragilidade das equipes de gestão das Secretarias

Municipais de Saúde, principalmente nos municípios menores.

Durante minha atuação enquanto apoiador institucional na FESF-SUS, pude perceber

uma enorme fragilidade nos grupos dirigentes das SMS no que diz respeito à gestão da AB.

Além da alta rotatividade de Coordenadores que entram e saem da função, geralmente oriundos

de alguma EqSF por ter se destacado em seu trabalho e sem experiências prévias em espaços de

gestão, os mesmos são extremamente sobrecarregados com atribuições administrativas -

compra de material de consumo, manutenção de equipamentos permanentes, gestão do

trabalho, além de serem numericamente insuficientes para a quantidade de atribuições. Muitas

vezes, principalmente nos municípios de menor porte, nem há equipe nesta Coordenação,

ficando por conta de uma única pessoa as atribuições da gestão da AB e várias outras da SMS,

como Vigilância, Saúde Bucal, Regulação etc.

No entanto, apesar desses fatores influenciem sobremaneira a forma como essa equipe

de gestão atua, chama atenção a organização de seu processo de trabalho, o qual é organizado a

partir de demandas operacionais e verticais advindos de toda a secretaria de saúde e prefeitura,

muito na lógica do "apagar fogo". Dessa forma, o processo de trabalho dessas equipes é

capturado pelas questões administrativas, havendo pouco espaço para refletir, questionar e

transformar a maneira como esse trabalho está acontecendo.

Há, assim, uma alienação importante por parte dessa equipe de gestão em relação ao seu

trabalho e um desinvestimento em torno do que deveria ser o real foco do objeto de seu

trabalho: a forma como as EqSF estão produzindo o cuidado aos usuários, que somente pode

ser compreendida a partir da interação permanente com essas equipes, no exercício de sua

prática cotidiana para a produção deste cuidado.

Este objeto do trabalho, trazido aqui, não é necessariamente o entendimento dos

Gestores das secretarias e prefeituras (secretários de saúde e prefeitos) e nem dessa própria

equipe de gestão da AB. Não se vê um esforço em organizar o processo de trabalho de outra

forma e o próprio modelo de gestão das secretarias de saúde não apontam neste sentido. Aqui

não me refiro somente a reforçar essa equipe com mais pessoas para que não haja tanta

sobrecarga, ou "qualificar" as mesmas com cursos de aperfeiçoamento/especialização em

gestão. Apesar destes aspectos serem importantíssimos, sabe-se que não são suficientes, pois o

que se está refletindo aqui é o modelo de gestão, o qual continuaria a operar mesmo com uma

equipe mais robusta e "preparada" em relação a aspectos tradicionais de gestão. Não é uma

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questão de quantidade de pessoas ou de recursos, mas, sim, o que essas pessoas fazem

cotidianamente com seus recursos, sejam eles recursos de tempo, financeiros, técnicos, de

poder etc. É, portanto, uma questão de qual objeto toma-se para organizar o trabalho na gestão

e qual uso se faz dos recursos disponíveis.

Considerando que o objeto de trabalho das equipes de gestão da AB deve ser a

organização do processo de trabalho das Equipes de Saúde da Família para a produção do

cuidado, vamos tomar como analisador deste trabalho as formas como se dão os encontros

entre essas equipes de gestão e as EqSF. Assim, pergunta-se: onde esses encontros ocorrem? O

que os motivam? De que forma ocorrem?

Além das características já descritas referentes à sobrecarga de trabalho e excesso de

atribuições, comuns a muitos municípios (baixa arrecadação municipal e problemas financeiros

tem sido a explicação para o déficit de pessoas atuando nos espaços de gestão), têm-se visto a

repetição da forma como acontecem esses encontros com alguma frequência: equipes de gestão

que interagem com as equipes de saúde da família de forma "espasmódica", muitas vezes por

uma "Comunicação Interna - CI", na ocasião de cobrar metas, repassar orientações de algum

novo programa ou protocolo exigido pelas Secretarias Estaduais de Saúde ou pelo MS.

Da mesma forma, é frequente que os trabalhadores demandem um diálogo com a

Coordenação de AB por telefone, ou indo à SMS quando algum equipamento quebra ou quando

a infraestrutura da USF está com algum problema. Quando há alguma espécie de colegiado da

AB, que geralmente ocorrem mensalmente, percebe-se que os mesmos têm caráter burocrático

e operacional, sem pauta previamente construída com os trabalhadores, e com o objetivo de

repassar alguma cobrança feita pelo gestor ou "pactuar" novas metas a serem atingidas. É

frequente, também, "colegiados" por profissões: a dos médicos (raramente visto), a dos

enfermeiros, a dos dentistas e a dos Agentes Comunitário de Saúde - ACS.

Assim, as equipes de gestão da AB pouco exercem a função de "apoio" às EqSF,

preponderando, nessa relação, a lógica gerencial tradicional, a qual não oferece espaços de

reflexão, construção coletiva e, muito menos, de expressão da subjetividade, instituindo uma

hierarquia de poder verticalizada, com uma distância entre os envolvidos (CAMPOS, 2000).

Esta lógica termina levando ao desenvolvimento de uma prática de gestão que se

distancia das EqSF e das formas de organização do processo de trabalho para a produção do

cuidado que as mesmas inventam no seu cotidiano. Caracteriza-se, também, por operar através

de uma relação desigual de poder marcadamente verticalizada, que se dá através da cobrança,

fiscalização, implantação de portarias e normas e pela não valorização das subjetividades que

operam nessa relação, sem a criação de espaços de encontro e diálogo, que possibilitariam a

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produção de outras subjetividades, a partir dos agenciamentos de outros territórios existenciais

no mundo do trabalho que esses encontros têm potencialidade de produzir, transformando a

micropolítica do trabalho na ESF (ROLNIK, 2011; MERHY, 2002).

Toda esta reflexão traz o entendimento de que práticas de gestão organizadas com essas

características, de captura do trabalho vivo para uma direção diferente da produção do cuidado

pelas equipes e regidos pelas tecnologias duras, não dialogam com os desafios de implantar um

modelo assistencial que se contraponha ao MMH, como se espera do PSF. Tamanho desafio

requereria que as equipes das SMS participem dessa construção cotidiana com os trabalhadores

e usuários. O que se vê, ao contrário, são Coordenações Municipais de AB que não possuem, na

sua caixa de ferramentas, saberes e habilidades necessárias para apoiar as EqSF na reflexão e

transformação do seu processo de trabalho, na realização do planejamento local, apropriação e

análise dos dados produzidos pela própria equipe (repassados para as Secretarias de forma

burocrática e alienada), na mediação e gestão de conflitos .

Dessa forma, o processo de trabalho da equipe de gestão, fundada na relação e no

encontro entre estes e os trabalhadores das EqSF regido pelo trabalho vivo, possui uma grande

potência a ser explorada para a produção de uma outra realidade, pois há grande possibilidade

de liberdade para a criatividade, para a experimentação de soluções para os problemas, para a

criação do novo, para a geração do protagonismo. E quando, ao contrário, é hegemonizado pelo

trabalho morto, o trabalho é pré-programado, pois fica sob o comando de instrumentos,

aprisionando o trabalho vivo, limitando a ação àquilo que já foi determinado pela programação

do protocolo, do formulário etc. Há apenas um processo frio e duro de produção de

procedimentos (MERHY, 2002; BRASIL, 2005).

Pergunta-se, então: tendo em vista esse cenário de fragilidade das gestões municipais, é

possível "engravidar" os sentidos do TS, na perspectiva da ativação do mesmo enquanto

ferramenta de apoio às EqSF?

De acordo com Merhy (2002, p.12):

Não se pode descartar a zona de autonomização relativa dos diferentes

gestores que o sistema de saúde desenha. Há níveis de gestão do sistema,

inclusive junto a cada estabelecimento de saúde, nos quais o grau de liberdade

permite haver negociações singulares, nos seus espaços públicos

institucionais, sobre a cara do modelo de atenção a ser perseguido no dia a dia

do fabricar as intervenções em saúde. Contar com isso é uma arma muito

positiva para quem aposta em mudanças dos sentidos dos modelos".

Por outro lado, concordo com Merhy e Malta (2010) quando esses autores colocam que:

A participação dos trabalhadores como sujeitos do processo é essencial e vital,

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abrindo espaços de escuta, participação, definição conjunta de espaços

decisórios, adesão ao projeto de melhoria da qualidade assistencial que seja

centrado nas necessidades do usuário e forte responsabilização institucional

pelo processo (MERHY; MALTA, 2010, p.7).

Um processo de trabalho da gestão que não valorize o encontro com trabalhador, na

perspectiva acima citada, e que tenham dificuldades em fazer ofertas às EqSF que as apoiem no

processo de interrogação e mudanças de suas prática de cuidado, tem limitada capacidade de

produzir mudanças no processo de trabalho destas equipes e, portanto, de oferecer

possibilidades do uso do TS de forma articulada com o cotidiano das mesmas.

O Manual de Telessaúde para a Atenção Básica/Atenção Primária à Saúde, do MS, traz

a importância das áreas meio de um Núcleo Técnico-científico de TS e descreve duas

funções/atores deste Núcleo: o Coordenador de Campo, responsável, primordialmente, pela

relação com os gestores municipais; e o Monitor de Campo, ligado ao Coordenador e

responsável pela relação com as EqSF no que diz respeito ao TS. Apesar de compreender a

importância desses dois atores no processo de consolidação do TS enquanto um conjunto de

ofertas para as EqSF, acredito que um ator, ou conjunto de atores, não está sendo trazido para a

cena da forma e intensidade que a complexidade do TS para AB exige.

Esta discussão me parece central, já que temos diversas outras ofertas que são feitas

para as EqSF, inclusive ditas como de EPS, e que entram num contexto muito complicado que

atropela essas ofertas, fazendo com que percam sua potência, reproduzindo certo modelo de

cuidado. Por isso que, se o TS simplesmente chegar na AB de forma isolada, sem nenhuma

articulação com outras ações que vão na mesma direção e que o potencialize, tem uma grande

chance de ser engolido por essa lógica, de virar repetição e não servir como ferramenta de

apoio à produção do novo.

Esta reflexão é importante por que se os profissionais de saúde fizerem um uso

meramente instrumental do TS, o mesmo funcionará como mais uma tecnologia dura a serviço

de certa produção do cuidado, o regido pela produção de procedimentos. Dessa forma, mesmo

que saibamos que não há a possibilidade do TS, por si só, transformar as práticas de saúde das

EqSF, na medida em que é incorporado na produção do cuidado de forma acrítica e

desconectado de um processo mais amplo de reestruturação das práticas, corre o risco de entrar,

por inércia, em um cenário de reprodução do mesmo.

Por outro lado, se o TS pode ser utilizado como ferramenta de apoio aos movimentos de

encontro da equipe para a análise das situações que se deparam no cotidiano, contribuindo com

a produção de repostas e com a elaboração de Planos Terapêuticos Singulares. Esta aí a

importância da equipe de gestão da AB trabalhar na lógica do apoio institucional.

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Como exemplo, descreverei duas situações fictícias distintas, uma no qual o médico faz

um uso instrumental e pontual do TS, e a outra no qual ele faz um uso mais criativo, como

ferramenta de apoio.

Situação 1: O uso Instrumental

O médico de uma EqSF do município de Inhambupe - BA está em um atendimento

individual no seu consultório e está inseguro em relação à condução terapêutica de um

"paciente" com Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica - DPOC. Ele sabe quais são as drogas de

escolha, sabe as orientações educativas e preventivas que devem ser feitas e sabe que não é

necessário encaminhar o paciente para o pneumologista; porém, como nunca havia conduzido

uma situação como esta na AB, sente-se inseguro em fazê-lo. O paciente está estável e ele

pensa em solicitar uma teleconsultoria para o Telessaúde Brasil Redes Bahia. Pede para o

paciente retornar em uma semana. Usa o Ponto de TS instalado em sua USF na hora do almoço

e solicita a teleconsultoria. Após três dias úteis (72h) ele tem a resposta, que considera bastante

útil, trazendo mais segurança para sua condução do caso. O paciente retorna em uma semana e

o médico institui o tratamento e reforça as orientações, agendando o retorno em um mês para

monitorar a adesão ao tratamento.

Situação 2: O uso "Criativo"

O médico de outra EqSF no mesmo município da Situação 1 se depara com um usuário

com tuberculose pulmonar recidivante. O mesmo faz uso abusivo de álcool e está

desempregado. Encontra-se desnutrido e refere uma situação familiar muito conflituosa. Sua

esposa já esteve na USF "queixando-se" que o marido não quer saber do tratamento e que "só

internando para dar jeito". O médico sabe que instituir o tratamento de escolha, apesar de

necessário e correto, não terá efetividade. Ele sabe de vários outros casos de tuberculose na

comunidade e é de conhecimento de todos que muitos não dão continuidade ao tratamento e

que vários outros problemas estão associados a esse comportamento. Sente-se um tanto

impotente. No entanto, decide responsabilizar-se por essa situação e resolve pedir ajuda ao

Telessaúde Brasil Redes Bahia. Sabe que, por ser uma situação complexa, não será suficiente

uma resposta escrita, em uma lauda só. Resolve solicitar um encontro com o teleconsultor

(teleconsultoria síncrona). Mas, antes, leva a situação do usuário em questão para a reunião da

equipe e usa a mesma para refletir sobre o cuidado a todos os usuários com tuberculose e

problematizar como a equipe está se organizando para isso. Sugere a solicitação da

teleconsultoria para toda a equipe, a qual acha interessante. Sugere, também, que o encontro

com o teleconsultor seja marcado na reunião de equipe da próxima semana, assim sendo

possível todos participarem da discussão, como uma forma de todos refletirem juntos sobre o

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cuidado desse usuário e sua família e, por que não, de todos os usuários com tuberculose.

Assim foi feito. A equipe, depois do encontro com os teleconsultores (médico e enfermeiro),

sentiu-se mais "aquecida" sobre o tema e mobilizada a colocar outras estratégias em prática a

partir da discussão que tiveram coletivamente.

Podemos perceber que o que fez a diferença entre as duas situações descritas não foi o

TS propriamente dito, mas a postura que o médico, neste caso, e a equipe tiveram em relação a

esta ferramenta, explorando suas possibilidades, suas ofertas. Reforçando uma ideia já

trabalhada anteriormente, esta situação exemplifica um profissional que habita certo território

existencial enquanto médico e que recorreu ao TS para apoiá-lo nos movimentos junto à sua

equipe, assim como poderia ter recorrido a outras ferramentas. O que fez a diferença, nessa

situação, não foi o médico ter usado o TS e, nem mesmo, a forma como usou. No entanto,

dentro de certo movimento que o profissional optou em fazer, fez diferença a forma como usou,

pois poderia ter sido bem mais restrita, como na primeira situação.

Assim, pode-se dizer, que, como o Entrevistado 6 colocou, esse desafio está inserido no

dia-a-dia do trabalho, é produzido em ato, e vai além de aspectos cognitivos. No entanto, o

diálogo, a produção de reflexão, pode produzir mudanças e, o TS, se for utilizado nessa

perspectiva, pode funcionar como ferramenta de apoio a essas mudanças.

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7. O TELESSAÚDE E A REGULAÇÃO DO ACESSO A RECURSOS CRÍTICOS NO

SUS: TRABALHO VIVO DO MÉDICO EM DISPUTA

Uma das atribuições do Núcleo de Telessaúde Técnico-científico na AB é a articulação

entre a solicitação e respostas de teleconsultorias com o processo de regulação do acesso às

ofertas de serviços no SUS (BRASIL, 2011c; BRASIL, 2012). O MS não orienta a forma como

essa articulação deve se dar, ficando a cargo de cada Núcleo criar as formas que mais se

adequem a realidade loco regional a qual pertence.

Na Portaria Nº 2.554 (2011b, p.2) essa atribuição é descrita no Artigo 8º (Compete aos

Núcleos de Telessaúde Técnico-Científicos na Atenção Básica):

IV - articular o Telessaúde à regulação da oferta de serviços; V - propiciar a

elaboração, de forma compartilhada e pactuada com os pontos de atenção da

rede, de fluxograma e protocolos clínicos que incluam a solicitação prévia de

Segunda Opinião Formativa e/ou Teleconsultoria antes do encaminhamento ou

da solicitação para a central de regulação.

Esta articulação do TS com a Regulação do acesso às ofertas de serviços ainda está

incipiente nos estados. Destaco os processos que estão ocorrendo nos estados de Pernambuco e

Rio Grande do Sul.

No Rio Grande do Sul, foi realizada uma discussão e uma pactuação, a partir da

Comissão Intergestores Bipartite - CIB, expressa em uma Resolução CIB. Essa Resolução

coloca que as solicitações que chegassem a partir do TS seriam consideradas prioritárias e

entraria na Reserva Técnica Estadual, que corresponde a 5% das Cotas municipais sediadas nos

demais municípios do estado (45% da oferta de Porto Alegre cadastrada no sistema são para os

demais municípios e 55% para os munícipes de Porto Alegre) (RIO GRANDE DO SUL, 2011).

Em Pernambuco, no qual o Núcleo de TS abrange apenas a cidade do Recife e Região

Metropolitana, está se estruturando um processo mais proativo. As solicitações de

encaminhamento para um especialista, por exemplo, chega à Central de Regulação, onde é

identificado se a mesma é realmente necessária ou a situação que a motivou poderia ter sido

manejada na AB. Se for a segunda possibilidade, o médico regulador da Central de Regulação

"devolve" a solicitação com uma oferta do serviço de teleconsultoria da especialidade para a

qual o usuário foi encaminhado incialmente, a qual o profissional pode ou não aceitar

(ARAÚJO; CORREIA; LIMA DA SILVA, 2012).

Outro formato possível, e que já foi sugerido pelo Diretor do Departamento de Atenção

Básica - DAB/MS em fala na mesa de abertura da Iª Oficina Telessaúde Brasil Redes, nos dias

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28 e 29 de maio de 2012, em Brasília, é que antes de realizar um encaminhamento para

consultas com determinados especialistas, o médico terá que, necessariamente, solicitar uma

teleconsultoria ao TS. Só assim é que o usuário atendido poderá ser encaminhado, caso a

teleconsultoria não tenha evitado a necessidade do encaminhamento.

Essa característica do Projeto Telessaúde Brasil Redes para a AB precisa ser analisada,

pelo menos, por dois pontos de vista.

O primeiro refere-se ao papel que essa articulação da AB com o processo regulatório,

mediado pelo TS, pode ter na indução da AB como ordenadora das Redes de Atenção à Saúde -

RAS. Muito se fala que a AB deva ter esse papel, se espera que assim seja. No entanto, o

imaginário social em torno da AB no Brasil; a fragilidade na sua articulação em relação a

outros equipamentos de saúde, como hospitais, ambulatórios especializados, serviço de

urgência e emergência, entre outros; e o perfil inadequado dos profissionais para trabalharem

nesse contexto de atenção, leva a uma baixa resolutividade e uma baixa legitimação da AB no

sistema de saúde. Dessa forma, seu tão falado papel de ordenador das RAS torna-se cada vez

mais distante de ser uma realidade.

Atribuir esse poder à AB, através do TS, de definir quem terá prioridade na fila de

acesso a algum recurso (consulta, exame ou procedimento), por vezes crítico, pode levá-la a um

papel mais protagonista nos fluxos dos usuários, contribuindo com o papel de coordenação do

cuidado que AB deveria ter.

O segundo ponto de vista dialoga mais, apesar de não garantir a assunção da AB como

ordenadora das RAS, com a terceira possibilidade de articulação entre a AB e o processo

regulatório via TS, e diz respeito às consequências que esse formato pode trazer para a

micropolítica da produção do cuidado nas EqSF.

Sendo assim, o TS perde potencial em ser uma ferramenta de apoio às EqSF, e passa a

ser, fundamentalmente, uma ferramenta de gestão do acesso. Pode se configurar, também, como

um instrumento de controle do trabalho dos profissionais e, em especial, do médico, mas sem

atuar nos mecanismos que produzem a forma como esse trabalho se constitui.

Essa questão dialoga com Pimenta (2005, apud BADUY, 2010, p.36) que "ao analisar

uma organização municipal identificou disputa pela direcionalidade do trabalho vivo, e afirma

que a disputa é permanente, todos os dias, e se manifesta das mais diferentes maneiras e através

dos mais diversos atores, inclusive dos mais imprevisíveis".

Assim, a obrigatoriedade da solicitação de uma teleconsultoria para poder realizar um

encaminhamento mexe com o processo microdecisório do médico. Isso pode tanto gerar um

movimento de reação e boicote ao TS por parte desses profissionais; como pode gerar algumas

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distorções, como o médico, para continuar encaminhando os usuários como sempre

encaminhou, passar a fazer solicitação de teleconsultorias para todos as situações, mesmo que

não haja necessidade. Nessas situações, o TS poderia cumprir muito mais um papel de retardar

ou dificultar um encaminhamento do que evitá-lo. Assim, está posta uma contradição, pois foi

afirmado nas portarias e manuais do Programa Nacional Telessáude Brasil Redes para a

Atenção Básica que seu papel era aumentar a resolutividade interferindo nas práticas na AB na

perspectiva da EPS. As consequências que essa tentativa de captura do trabalho vivo do médico

pode gerar não dialogam em nada com a EPS e com a mudança das práticas, muito pelo

contrário, pois pode até reforçar um conjunto de práticas.

No entanto, uma teleconsultoria que oriente um médico a conduzir um usuário com

asma moderada, por exemplo, na AB, não garante que isso será feito. A decisão continua sendo

do médico. Assim, fica a pergunta: essa função de filtro que o TS pode exercer é capaz de

produzir a mudança nas práticas dos médicos? Acredito que não.

Nesse sentido, gostaria de dialogar com Franco e Merhy (2011). Estes autores colocam

que os profissionais da mesma equipe e que estão expostos à mesma realidade e às mesmas

normativas, agem diferente a depender das singularidades de cada um, quando estão na relação

em ato com o usuário; colocam, ainda, que padronização de condutas e regras rígidas

influenciam de forma muito tímida a atividade dos trabalhadores, por que é ele próprio, na

relação que estabelece com o usuário, que define como o cuidado será realizado.

Franco e Merhy (2011, p.10) colocam, ainda, que, neste contexto de imposições e

normatizações, "a capacidade dos níveis gestores em influenciar a ação cotidiana de cada

trabalhador é reduzida, e muito diferenciada" (Tradução nossa).

A gestão do SUS, dessa forma, passa a ter a possibilidade concreta de disputar o

trabalho vivo do médico e entendo que esse seja um movimento legítimo, desde que não seja

feito de modo coercitivo ou impositivo. Essa disputa só é consistente se feita em torno dos

sentidos das práticas, com o risco de, além de não lograr êxito, ainda gerar "efeitos colaterais"

no processo. A depender de como essa disputa seja feita, pode não só não gerar uma mudança

nas práticas dos médicos, como, ao contrário, levar a processos de resistência e

aprofundamento do intenso autogoverno que esse profissional tem em relação ao seu trabalho,

só que no sentido contrário, o da privatização ainda maior de suas práticas.

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8. ATUALIZAÇÃO E VIRTUALIZAÇÃO DO TELESSAÚDE PARA A ATENÇÃO

BÁSICA: REDIMENSIONANDO AS EXPECTATIVAS E PENSANDO

POSSIBILIDADES

Será que a baixa resolubilidade da AB, a qual o Programa Telessaúde Brasil Redes

pretende contribuir com a superação, é explicada pela baixa qualidade técnica dos seus

profissionais, do ponto de vista clínico estrito sensu (diagnóstico e condutas terapêuticas),

portanto tem a ver com a formação? Ou será que essa baixa resolutividade deve-se ao fato dos

profissionais atuando na AB, na sua maioria, não tem "perfil" para atuar nesse contexto devido

a sua formação hospitalocêntrica no MMH?

Ou será que a crise é outra, e são outros fatores que explicam isso, como a baixa

identidade que os profissionais têm com sua inserção na AB, o pouco engajamento dos mesmos

e a desresponsabilização com as necessidades de saúde dos usuários (ou a filiação a certo modo

de produção do cuidado)?

Se a crise é outra, e acredito que seja, a oferta de tecnologias e de ferramentas também

deve ser outra e feita de outras formas. Há uma aposta muito alta nessa ferramenta, inclusive

que a mesma constitua-se como dispositivo de EPS.

Reflito se essas apostas do TS se constituir como um dispositivo de EPS também não

são expectativas locais (equipe FESF-SUS e Comitê Estadual de Gestão do TS). Com essa

reflexão, coloco-me em análise também. Era uma expectativa nossa na FESF-SUS que todas as

ofertas da carreira chegassem às EqSF nas quais havia trabalhadores concursados, e que essas

ofertas chegassem de forma articulada em torno de uma lógica a qual chamamos de "Sistema

FESF".

O "Sistema FESF" consistia em um conjunto de ofertas articuladas que tinha como

objetivo disparar a produção de certa modelagem de organização do processo de trabalho das

EqSF mais próxima do que é preconizado pela PNAB e do que é colocado internacionalmente

como características e atributos da APS13 (STARFIELD, 1992).

Assim, as ofertas consistiam, basicamente, em:

Formação Inicial do Trabalhador - FIT, com um momento presencial de acolhimento e

seis meses de curso na modalidade à distância através da Praça Virtual;

Gestão por Resultados, na qual há uma dimensão quantitativa, com indicadores básicos

pactuados, e uma dimensão qualitativa, através de atividades que os trabalhadores

13

Atributos Essenciais: longitudinalidade, integralidade, coordenação do cuidado e acesso. Atributos derivados:

orientação familiar, orientação comunitária, competência cultural (STARFIELD, 1992).

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deveriam desenvolver junto a sua equipe, as quais são registradas e enviadas

mensalmente e em sintonia com a FIT;

Apoio Institucional às EqSF e às equipes de gestão municipal, través do qual, com ajuda

de algumas ferramentas como o Plano de Ação e Resultados em Saúde - PARES

(instrumento de análise de situação de saúde e pactuação de metas e resultados com as

EqSF) e o Plano de desenvolvimento da Gestão e do Cuidado - PDGC, instrumento de

análise de cenário e de necessidades da município, e pactuação de apoio através de

agendas compartilhadas, com a equipe de gestão (OLIVEIRA; ROSA; PEREIRA,

2012).

O Apoio Clínico surge como uma das ofertas de EPS, sendo o "braço clínico" do

Sistema FESF, com o objetivo de oferecer apoio à decisão clínica e suporte assistencial aos

profissionais, além de preencher uma lacuna que muitos profissionais apontavam como

fragilidade quando optavam em trabalhar na AB. Esperava-se que, com isso, houvesse uma

maior satisfação dos profissionais por atuarem na AB, uma diminuição do sentimento de

isolamento e solidão muito colocado por esses profissionais e, de fato, uma resolutividade

maior.

Dessa forma, o Apoio Clínico era uma promessa desde o primeiro concurso da FESF-

SUS, e tinha muito a ver com o desejo de contribuir para que os profissionais, nos municípios

mais distantes e menores, sentissem-se menos isolados e sozinhos. O objetivo disso era

aumentar a possibilidade de fixação desses profissionais, sobretudo do médico, profissional

com maior rotatividade entre os que compõem a EqSF.

Assim, é possível que tenha havido a criação de uma expectativa exacerbada em relação

ao TS aqui na Bahia, sem que se tenha feito um processo reflexivo mais maduro sobre as

ofertas do TS e as reais possibilidades das mesmas produzirem os resultados esperados e

anunciados.

Para contribuir com essa reflexão, recorro a Lévy (2011) e sua discussão entre real e

virtual, atualização e virtualização. Para esse autor, o virtual não é o oposto do real, mas, sim,

"o complexo problemático, o nó de tendências ou de forças que acompanha uma situação, um

objeto ou uma entidade qualquer, e que chama um processo de resolução, a atualização"

(LÉVY, 2011, p.16).

A atualização, por sua vez, é

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... a solução de um problema, uma solução que não estava contida previamente

no enunciado. A atualização é criação, invenção de uma forma a partir de uma

configuração de forças e de finalidades. Acontece então algo mais que a

dotação de realidade a um possível ou eu uma escolha entre um conjunto

predeterminado: uma produção de qualidades novas, uma transformação das

ideias, um verdadeiro devir que alimenta de volta o virtual (LÉVY, 2011,

p.16).

Assim, quero propor o TS para a AB como um complexo problemático que está pedindo

uma atualização, ou seja, está pedindo um processo de criação por parte dos sujeitos envolvidos

com a oferta dessa ferramenta para as EqSF, de invenção de arranjos e formas de articular o TS

com o cotidiano das equipes que possibilitem a máxima exploração das virtualidades contidas

no mesmo. Essa proposta dialoga em muito com a segunda situação descrita anteriormente (O

Uso Criativo).

O TS como ferramenta de apoio a AB, alvo de grande investimento financeiro público,

técnico e político, o qual exige superar tantos obstáculos (infra estruturais, organizacionais,

subjetivos, técnicos e logísticos) para que seja utilizado de forma consistente pelas EqSF, está

demandando a invenção de estratégias e possibilidades de uso ainda não exploradas, pois o que

o que ela tem para ofertar não está dado e pode, inclusive, ser criado, como nos coloca Lévy

(2011).

Por outro lado, esse mesmo autor propõe o caminho inverso da atualização: a

virtualização. Lévy conceitua a virtualização como

... uma passagem do atual ao virtual, em uma "elevação à potência" da

entidade considerada. A virtualização não é uma desrealização (a

transformação de uma realidade num conjunto de possíveis), mas uma

mutação de identidade, um deslocamento do centro de gravidade ontológico

do objeto considerado: em vez de se definir principalmente por sua atualidade

(uma solução), a entidade passa a encontrar sua consistência essencial num

campo problemático. Virtualizar uma entidade qualquer consiste em descobrir

uma questão geral à qual ela se relaciona, em fazer mutar a entidade em

direção a essa interrogação e em redefinir a atualidade de partida como

resposta a uma questão particular (LÉVY, 2011, p.17).

O TS para a AB, enquanto entidade problemática, da mesma forma, pode e deve ser

virtualizado a partir das atualizações que têm sido inventadas nos vários municípios e Núcleos

Técnico-científicos Brasil afora. A relação dialógica que os atores em situação, no mundo do

trabalho, expostos às realidades complexas como são, pode apontar para outros "problemas"

ainda não constitutivos do TS, ainda não inscritos no conjunto de questões que pediram a

atualização.

Para Lévy (2011, p. 18),

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A virtualização passa de uma solução dada a um (outro) problema. Ela

transforma a atualidade inicial em caso particular de uma problemática mais

geral, sobre a qual passa a ser colocada a ênfase ontológica. Com isso, a

virtualização fluidifica as distinções instituídas, aumenta os graus de

liberdade, cria um vazio motor. [...] Ela implica a mesma quantidade de

irreversibilidade em seus efeitos, de indeterminação em seu processo e de

invenção em seu esforço quanto a atualização. A virtualização é um dos

principais vetores da criação de realidade (grifos nossos).

Quem sabe nesse processo de virtualização, não se criam outras realidades para o TS na

AB? Uma possibilidade muito interessante, e penso que já acontece isso de alguma forma nos

Núcleos de Telessaúde, é que este se constitua como uma Comunidade de Práticas para

profissionais e gestores da AB; ou, mesmo, como uma rede de suporte à atuação da AB, com

informações seguras e de qualidade, adequadamente contextualizadas nesse cenário das

práticas de saúde e que possam contribuir com a qualificação do cuidado produzido pelos

profissionais de saúde que estejam buscando essa qualificação.

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9. CONSIDERAÇÕES FINAIS: APONTAMENTOS E DEVIRES

Depois desse percurso reflexivo e analítico em torno do TS para AB, com foco no

profissional médico, não chego a conclusões e nem a verdades absolutas, até porque estas não

existem. Pelo contrário, consegui alcançar a construção de vários apontamentos, assim como, a

necessidade de uma reflexão mais cuidadosa em relação ao TS e as apostas que estão colocadas

para o mesmo. Consegui alcançar, também, algumas aproximações e aprofundamentos em

relação ao objeto deste estudo que, acredito, dialogam de forma muito intensa com tudo que

tenho experenciado. Nesse processo, surgiram ainda mais questões para análise do que as que

eu tinha antes de iniciar o estudo.

Um dos apontamentos que gostaria de destacar é a fragilidade que o TS tem em se

constituir enquanto dispositivo de EPS. Esse apontamento torna-se relevante pelo fato de se ter

colocado a expectativa dessa ferramenta transformar práticas a partir da perspectiva da EPS.

Assim, o que aponto aqui é que o TS não transforma as práticas dos profissionais, pois não tem

a capacidade de interrogá-las, de colocá-las em análise, de desterritorializar o profissional, de

tirá-lo de sua zona de conforto. O que acontece é que o TS é acionado por um profissional para

apoiá-lo em determinada prática que está sendo construída em ato, no cotidiano dos serviços de

saúde.

Essas práticas podem estar a serviço da produção de um cuidado integral, acolhedor,

produtor de vínculo, de responsabilização. Nesse processo, pode haver diminuição dos

encaminhamentos desnecessários de usuários para serviços especializados, ou, mesmo,

diminuição da solicitação de exames complementares desnecessários. No entanto, as práticas

podem estar alinhadas com outras lógicas de produção do cuidado e, nesse caso, o TS também

poderá apoiá-las. Se a produção do cuidado realizado caracteriza-se pela não responsabilização

pelas necessidades de saúde, o médico, não chega nem a recorrer ao TS para que o

encaminhamento seja evitado, mesmo que tenha acesso a essa ferramenta. Mesmo que recorra

ao TS, por ter que recorrer por fazer parte do protocolo como uma etapa no fluxo de

encaminhamento ao especialista ou, mesmo, por opção, pode continuar a encaminhar o usuário,

independente do que o TS tenha ofertado.

Com essas reflexões, não quero dizer que o TS não tenha razão de existir ou que não se

devam investir esforços e recursos na sua disseminação e implantação. Só quero contribuir com

elementos que ajudem a localizar melhor essa oferta, tanto para diminuir as expectativas

exacerbadas que possam existir em torno da mesma, quanto para potencializar seu uso para os

objetivos que realmente ela possa contribuir.

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Dessa forma, acredito que o TS seja uma virtualidade que só será atualizada de formas

potentes, para além de servir como uma ferramenta "formativa" ou "instrutiva" para os

profissionais, se forem criadas conexões entre o mesmo (TS) e outros movimentos, como a

produção de redes de conexão, processos instituintes e ofertas que estão acontecendo no

cotidiano de uma EqSF.

Acredito que o TS pode ser atualizado de formas muito interessantes, havendo um devir

"ferramenta de apoio" para o mesmo que ainda precisa ser mais bem explorado. No entanto,

isso não a faz transformar-se em dispositivo de EPS. Por outro lado, se há outros

agenciamentos sendo feitos no cotidiano da AB, disputando o trabalho vivo do trabalhador na

perspectiva da mobilização do seu desejo, da produção de sentido em torno de outros territórios

existenciais enquanto trabalhador de saúde, e não tentando controlar esse trabalho vivo, há uma

boa possibilidade de o TS ser uma ferramenta de apoio muito potente. A lógica do apoio

institucional, ofertando conceitos-ferramentas às equipes, produzindo encontros no cotidiano,

mobilizando os saberes e as tecnologias existentes para lidar com os "incômodos" que surgem

no dia-a-dia da produção do cuidado, contribuindo com a produção de outros, é um bom

exemplo disso.

Talvez, essas sejam algumas das contribuições desse trabalho:

Apontar que existe hoje uma dissonância entre o que se espera do TS para AB e o que

realmente esta ferramenta pode ofertar;

Apontar que o TS não é um dispositivo de EPS, mas pode ser uma ferramenta

interessante de apoio às EqSF, nos movimentos que as mesmas realizam no seu

cotidiano, a depender das atualizações que se produzam em torno desta ferramenta;

Apontar a possibilidade e a necessidade de se produzir uma virtualização do TS para a

AB, na perspectiva da criação de outras realidades para essa ferramenta.

Nessa perspectiva, a articulação do TS com o processo de regulação do acesso a certos

especialistas e procedimentos a partir da AB, se feita de determinada maneira (Central de

Regulação acionar o Núcleo de TS quando houver um encaminhamento identificado como

possível de ser manejado na AB e o Núcleo buscar o profissional que encaminhou para discutir

a situação e ofertar apoio no manejo da mesma) pode trazer para o TS um papel mais

sofisticado e proativo, constituindo como uma possibilidade interessante de produção de redes

a partir da AB. O fortalecimentos de redes de atenção, vale lembrar, é um dos objetivos do

Telessaúde Brasil Redes para a AB. Este formato de articulação entre a regulação e o TS,

parece-me, é bem mais potente para produzir redes vivas de conexões, encontros, e, quem sabe,

até transformações das práticas. Seria essa uma possível virtualização do TS?

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