UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença...

86
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PLANEJAMENTO TERRITORIAL PLANTERR MESTRADO PROFISSIONAL Nilza Bispo Brito Kiriri de Mirandela: processo de demarcação, conflitos e interesses em terras indígenas (Banzaê-Ba). 1970 a 2015 Feira de Santana 2016

Transcript of UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença...

Page 1: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PLANEJAMENTO TERRITORIAL

PLANTERR

MESTRADO PROFISSIONAL

Nilza Bispo Brito

Kiriri de Mirandela: processo de demarcação, conflitos e interesses em terras

indígenas (Banzaê-Ba).

1970 a 2015

Feira de Santana

2016

Page 2: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

Nilza Bispo Brito

Kiriri de Mirandela: processo de demarcação, conflitos e interesses em terras

indígenas (Banzaê-Ba)

1970 a 2015

Relatório de Pesquisa apresentado ao

Programa de Pós-Graduação em

Planejamento Territorial, da Universidade

Estadual de Feira de Santana como pré-

requisito para obtenção de título de Mestre.

Orientadora: Profª. Drª. Acácia Batista Dias

Feira de Santana

2016

Page 3: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PLANEJAMENTO TERRITORIAL

PLANTERR

MESTRADO PROFISSIONAL

Nilza Bispo Brito

Kiriri de Mirandela: processo de demarcação, conflitos e interesses em terras

indígenas (Banzaê-Ba).

1970 a 2015

Feira de Santana

2016

Page 4: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

FICHA CATALOGRÁFICA

Brito, Nilza Bispo

Kiriri de Mirandela: processo de demarcação, conflitos e interesses em terras

indígenas (Banzaê-Ba).1970 – 2015/Nilza Bispo Brito.-Feira de Santan,2016.

84f. :il.

Orientadora: Acácia Dias Batista.

Relatório (Mestrado Profissional em Planejamento Territorial) – Universidade

Estadual de Feira de Santana, Programa de Pós Graduação em Planejamento Territorial

– PLANTERR/UEFS, 2016.

Page 5: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,
Page 6: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

AGRADECIMENTOS

Apesar de sentir uma solidão durante a construção deste trabalho, e muitas vezes

acreditar que a caminhada no curso de Mestrado é solitária, não posso deixar de

reconhecer que muitas pessoas estiveram comigo durante este percurso. Evidente que

não fariam o trabalho por mim. Não podiam fazer isso! Eu escolhi este caminho! Este

era meu trabalho. Por isso agradeço a aqueles que me ajudaram a finalizar, mas uma

etapa de minha vida.

A Deus, pela presença constante em minha vida.

A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade, mais que isso. Uma

profissional de excelência, dedicada, amiga nas horas difíceis. Um exemplo de mulher e

de pessoa. Um exemplo para minha vida. É Professora Acácia, sem você não teria

chegado ao fim desta jornada. Muito obrigada por fazer parte de minha história.

Ao povo Kiriri por contribuir com o trabalho colaborando para a conclusão do mesmo.

Ao Professor Fábio Bandeira, por todas as colaborações.

Ao Professor José Augusto Laranjeiras Sampaio (Guga), pelas conversas e entrevista

concedida. Sua colaboração foi fundamental para a continuação deste trabalho.

Aos Professores Marco Tromboni, Edwin Reesink e a Professora Patrícia Navarro pelas

contribuições.

A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB) pelo investimento e

credibilidade.

Agradeço a Leidiane minha irmã, sempre presente.

As amigas: Camila Gonzaga, Maria Vieira e Roberta Carregosa pela companhia nas

horas dramáticas e também momentos de descontração.

A meu amigo Anderson pela paciência. Pelas tantas vezes e instalou e desinstalou os

programas do meu computador. Muito obrigada amigo!

A Nivaldo, meu amado querido, que mesmo chegando ao final da jornada foi

companheiro e amigo em momentos críticos.

Enfim, aos meus pais pela confiança.

Page 7: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

Todas as coisas foram feitas por ele, e sem ele nada do que foi feito se fez.

João 1:3. Bíblia Sagrada.

Page 8: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

RESUMO

Esta pesquisa investigou o grupo indígena Kiriri de Mirandela, localizado na região

norte da Bahia entre os municípios de Banzaê e Ribeira do Pombal. O principal objetivo

foi analisar a existência de conflitos nesta comunidade, a partir da identificação dos

sujeitos envolvidos e suas reivindicações quanto à posse da terra. Abordou-se o

histórico processo de demarcação das terras enfatizando os conflitos entre índios e

posseiros da região, entre os anos de 1972 a 1999; seguido da análise dos conflitos

instalados no grupo após a demarcação oficial das terras. A pesquisa também observou

as estratégias adotadas pelos Kiriri para permanecerem em suas terras. Nesse sentido,

destacou-se o ritual religioso do Toré considerado pelos índios a representação

simbólica da resistência Kiriri. Por fim, constatou-se através das análises de fontes,

entrevistas e observações de campo, que os Kiriri de Mirandela vivem em um cenário

onde os conflitos e as divergências ainda são muito presentes, e todo o grupo que vive

em Mirandela defende a permanência na terra como uma forma de resistência e

manutenção dos costumes e tradições do grupo.

PALAVRA- CHAVES: Índios – Kiriri - Conflitos - Mirandela

Page 9: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

ABSTRACT

This research aimed to study the indigenous community Kiriri, located in the northern

region of Bahia between the municipalities of Banzaê and Ribeira do Pombal. The main

objective was to analyze the existence of conflicts in this community, from the

identification of the subjects involved and their claims regarding ownership of the land.

Approached the historic process of demarcation of the lands emphasizing the conflicts

between Indians and settlers in the region, between the years of 1972 to 1999; followed

by the analysis of the conflicts in the community after the official demarcation of the

land. The research also noted the strategies adopted by Kiriri to remain on their land. In

this regard, it was emphasized the religious ritual of the Toré, considered by the indians,

the symbolic representation of the resistance Kiriri. Finally, it was found through the

analysis of sources, interviews and field observations, that The Kiriri of Mirandela live

in a scenario where conflicts and disagreements are still very present, and the entire

group who lives in Mirandela defends the permanence in the land as a form of

resistance and maintain the customs and traditions of the group.

KEY WORDS: Amerindians – Kiriri - Conflicts - Mirandela

Page 10: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

LISTA DE SIGLAS E ABREVIAÇÕES

ANAÍ Associação Nacional de Ação Indigenista

CEP Comitê de Ética em Pesquisa

CIMI Conselho Indigenista Missionário

DOKANAÍ Dossiê Kiriri

DPGS Diagnóstico e Plano de Gestão Socioambiental.

FUNAI Fundação Nacional do Índio

INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária.

PI Posto indígena

SPI Serviço de Proteção ao Índio

Page 11: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

LISTA DE QUADROS E ILUSTRAÇÕES

Figura 01: Trabalho em roças coletivas – Fazenda Picos. ............................................. 45

Figura 02 – Índios Kiriri a caminho das roças coletivas na fazenda Picos.....................46

Quadro 01 - Acontecimentos marcantes da história Kiriri - (1972 – 2015)....................52

Figura 03 – Delimitação inicial das terras proposta pelos índios de Mirandela/Banzaê no

estado da Bahia/ 1947......................................................................................................55

Figura 04: Caracterização parcial do solo da terra indígena onde se encontram posseiros

-1995................................................................................................................................56

Figura 05 – Octógono representativo das terras Kiriri, após o pedido de demarcação -

1993.................................................................................................................................58

Figura 06 - Estrada de acesso a Mirandela......................................................................60

Figura 07 - Saída da Vila de Mirandela...........................................................................60

Figura 08 – Vista da chegada em Mirandela...................................................................61

Figura 09 – Praça da Vila Mirandela...............................................................................61

Figura 10 – Igreja Católica em Mirandela.......................................................................62

Figura 11 - Casebre onde são realizados rituais e festejos na Vila de Mirandela...........63

Figura 12 – Barraca de artesanato Kiriri.........................................................................65

Figura 13 – Preparação das bebidas e oferendas para os encantados no dia do Toré......72

Figura 14 - Início do Toré na vila de Mirandela..............................................................73

Figura 15 - Desfile de comemoração pelos 20 anos de retomada das terras.

Mirandela/Banzaê, 2015..................................................................................................74

Figura 16- Kiriri em desfile em frente ao casebre...........................................................74

Figura 17 – Desfile dos Kiriri em frente à igreja.............................................................75

Page 12: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

SUMÁRIO

Introdução ...................................................................................................................... 13

2. Procedimentos Metodológicos .................................................................................. 17

3. Em terras de índio: conceitos de território e territorialidade ............................... 22

3.1 Conflitos e Etnicidade ............................................................................................... 26

4. Sobre os índios no Nordeste e formação do grupo Kiriri ...................................... 30

4.1.Quem são os Kiriri de Mirandela .............................................................................. 33

4.2. As disputas internas em Mirandela e suas consequências ....................................... 39

4.3. Conflito entre os Kiriri e os posseiros ...................................................................... 44

4.4. Linha do tempo: principais episódios da história Kiriri .........................................51

5. Viver em Mirandela: caracterização, costumes e significados..............................53

5.1. Caracterizações de Mirandela..................................................................................54

5.2. O significado do território em Mirandela................................................................67

5.3. Mirandela e o Toré: o ritual como forma de resistência..........................................70

5.4. Conflitos atuais em Mirandela..................................................................................76

6. Considerações Finais.................................................................................................79

7. Referências ...............................................................................................................81

Page 13: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

13

Introdução

Esta pesquisa teve como alvo a investigação do processo de reconquista e

demarcação das terras indígenas dos Kiriri. Essas terras estão localizadas na região

norte da Bahia, entre os municípios de Banzaê e Ribeira do Pombal.

Historicamente, os Kiriri foram submetidos ao sistema de aldeamento que

agrupava vários grupos indígenas próximos aos vilarejos dos colonos, para facilitar o

contato e catequização dos índios. No final do século XVII, ainda dentro deste sistema,

estes grupos foram integrados às missões religiosas, que de certo modo contribuíram

para uma redefinição das áreas que já estavam ocupadas por colonizadores. Desta

forma, os povos indígenas, especialmente aqueles da região norte da Bahia, foram

incorporadas ao projeto de colonização e ocupação territorial. Com o avanço deste

projeto e com a utilização da criação extensiva de gado, muitos povos indígenas,

inclusive os Kiriri, sofreram significativas perdas das suas terras.

No início do século XVIII, com o enfraquecimento econômico da criação de

gado e a consolidação de outros sistemas de exploração colonial, a situação dos povos

indígenas complicou-se ainda mais. O desenvolvimento econômico da colônia com as

novas lavouras de cana-de-açúcar e a ampliação das relações comerciais com a

metrópole contribuíram significativamente para ocupação definitiva das terras, projeto

que foi assumido por latifundiários, que herdaram as terras desde a formação das

sesmarias1. Estes “novos proprietarios” das terras atuavam como agentes do projeto

colonizador instalado nos séculos anteriores. (FERLINI, 1994). Esta nova realidade

impôs aos indígenas a expropriação de suas terras e consequentemente a instalação dos

conflitos entre os índios que as ocupavam bem antes da chegada dos colonizadores, e

dos fazendeiros que assumiram o mesmo projeto de apropriação das terras com o passar

dos anos, marcando dessa maneira a história dos povos indígenas com a constante

presença de conflitos pela posse e permanência nas terras.

No Nordeste, a grande produção açucareira para o mercado consumidor e a

instalação do sistema escravista colocou os índios ainda mais a parte, definindo a posse

das terras em favor dos colonizadores que instalaram engenhos e latifúndios. No sertão,

onde os índios Kiriri habitavam, a dinâmica de apropriação territorial seguiu a proposta

1 Para maiores informações sobre os sistemas de semarias ver NEVES, Erivaldo Fagundes. Estrutura

fundiaria e dinamica mercantil: alto sertao da Bahia, seculos XVIII e XIX. Salvador, Ba: EDUFBA;

UEFS, 2005.

Page 14: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

14

dos colonizadores, ou seja, a formação de grandes latifúndios e de fazendas de criação

de gado contribuindo para que a população fosse expulsa de suas terras.

Porém, a Missão conhecida como Saco dos Morcegos, que posteriormente

recebeu o nome de Mirandela, agrupou os Kiriri e se manteve como uma forma de

resistência à ocupação do território. Vale acrescentar que esta missão contou com o

apoio dos religiosos, que desde o início da colonização já desenvolviam alguns

trabalhos de apoio aos povos indígenas. (LEITE, 1993).

Ressalta-se que alguns estudos dedicaram-se a investigar o histórico de

formação dos Kiriri, observando a dinâmica existente no grupo. Dentre estas se

referenda a de Maria de Lourdes Bandeira (1972), que propôs o que se pode considerar

o primeiro trabalho etnológico referente ao grupo Kiriri. Bandeira faz um diagnóstico da

organização do grupo Kiriri, descrevendo a situação histórica- geográfica revelando as

formas de organização adotadas durante o recorrer do tempo. Em conformidade com o

processo histórico vivenciando pelos Kiriri. O estudo desta autora descreve ainda a

organização social do grupo, perpassando por questões de formação e heranças deixadas

por grupos indígenas vizinhos. Nesse aspecto também trata das questões religiosas e

culuturais, observando as relações com seres sobrenaturais tratados como encantados.

Vale acrescentar ainda que este trabalho traz questões que ainda hoje são marcantes

dentro do grupo Kiriri: primeiro mostra a discriminação e o preconceito que a

população não indígena da região tem em relação aos índios; segundo trata os conflitos

existentes internos ao grupo. O trabalho de Maria de Loudes Bandeia é uma rica

contribuição para investigações atuais sobre os Kiriri.

Somando às contribuições de Bandeira (1972), observa-se a pesquisa de

Nascimento (1994) que também estudou a respeito do histórico de formação do grupo

Kiriri, enfatizando as questões religiosas, principalmente. A dissertação de mestrado

intitulada de O tronco da Jurema centraliza o processo de (re) contrução dos preceitos

religiosos e crendices dos Kiriri, define os seres sobrenatuaris, que para o grupo,

permanece nas terras protegendo-os, estes são os chamados encantados. Nascimento

(1994) trata do ritual da Jurema, que é presente no grupo Kiriri, mas que sofre

alterações com o passar do tempo, sendo reinventado por esses índios.

Outro trabalho de grande valia para as pesquisas relacionadas ao grupo Kiriri, é

o de Brasileiro (1996). O texto aproxima-se de um trabalho etnológico e apresenta

dados produzidos durante as suas pesquisas que campo. As principais questões tratadas

Page 15: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

15

no texto são os conflitos e as facções existentes dentro grupo. Brasileiro (1996), em sua

dissertação, discute os desdobramentos de um processo de organização social e política

e que resulta na mobilização do grupo para retomada de suas terras. O texto aborda

também como em meio às articulações para a definição da posse das terras,

compreendida como um bem comum a todos, o grupo, mesmo contando com a presença

das divergências politicas e influências externa, instala em suas terras um processo de

divisão, ao qual Brasileiro (1996) chamou de faccionalismo.

Este trabalho exalta principalmente o processo de divisão interna que se iniciou

em determinado momento dentro do grupo Kiriri, e que continuou com o passar do

tempo, se tornando um marca na vila de Mirandela.

Todos os trabalhos acima informam como o grupo Kiriri protagonizou um longo

e complicado processo de demarcação e oficialização das terras, que ganhou força no

século XX depois de uma série de episódios de invasões e ocupações, intervenção

militar e disputas judiciais. Ao final, foi dada a posse definitiva das terras ao povo

indígena. Os conflitos pela terra se fizeram presente, resultante do processo de

apropriação da mesma para incrementar o desenvolvimento econômico das grandes

fazendas instaladas em toda a região Nordeste. Nesse contexto, as invasões tornaram-se

uma prática constante e os novos “donos” não mediam esforços para expulsar os povos

indígenas e se apropriarem definitivamente das terras. Não obstante, o grupo Kiriri

empreendeu esforços para permanecer no espaço onde considerava a existência da

relação com as suas origens, recorrendo aos documentos de doação feitos pelo Rei de

Portugal (século XVIII). Esta reação dos Kiriri contribui para instalar uma realidade de

conflito, que atravessou os séculos seguintes. (BRASILEIRO; SAMPAIO, 2012)

Atualmente, os Kiriri vivem na terra indígena oficialmente demarcada, em uma

área de 12.300 hectares, composta por nove povoados: Mirandela, Lagoa Grande, Canta

Galo, Baixa da Cangalha, Segredo, Gado Velhaco, Curral Falso, Araçá e Marcação, no

município de Banzaê, região norte da Bahia, e conta com uma população superior a

1.100 pessoas. (CARVALHO; SILVA, 2009).

Dentro da terra indígena há também conflitos internos, os quais foram alvo desta

pesquisa, e tratados em dois momentos distintos: primeiro tratou-se dos conflitos

durante o processo de demarcação e da análise acerca de como estes fragilizaram o

grupo e prejudicaram o andamento do processo de legalização das terras. No segundo

momento, os conflitos atuais foram problematizados, especificamente àqueles que

Page 16: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

16

ocorrem na vila Mirandela, considerada centro da terra indígena Kiriri. Esta análise

dedicou-se a identificação das causas destes novos enfrentamentos e as heranças

deixadas por aqueles ocorridos na década de 1980.

Para os Kiriri, o lugar em que vivem deve ser protegido para que os costumes e

as tradições sejam mantidos e acomodados e por esse motivo a terra é sagrada e deve ser

resguardada. Nesse sentido, também se analisou a relação do povo Kiriri com a posse da

terra observando o ritual do Toré que foi reinventado durante a retomada das terras e

mantido até os dias atuais, como forma de preservar as práticas culturais do grupo. Vale

destacar que durante o longo processo de disputa pela posse das terras, muitos rituais

indígenas foram perdidos e o Toré foi reintegrado como forma de fortalecer o grupo no

momento de retomada das terras.

O principal objetivo desta pesquisa foi analisar como o grupo Kiriri se

reestruturou após a demarcação oficial de suas terras, observando a dinâmica adotada e

os novos elementos que passaram a compor o grupo, os conflitos instalados antes e

depois da demarcação das terras, os rituais mantidos até os dias atuais e por fim o

significado da terra e do território para o grupo Kiriri de Mirandela. Para tanto, o texto

está estruturado em três capítulos além desta introdução e da descrição dos

procedimentos metodológicos utilizados na pesquisa.

O capítulo I dedica-se a discussão teórica, onde são tratados os conceitos básicos

da pesquisa com destaque para a definição do território e territorialidade, além da

abordagem da etnicidade e conflitos no que tange os grupos indígenas.

O capítulo seguinte teve como objetivo principal tratar do processo de retomada

e demarcação das terras, o início do retorno dos Kiriri para suas terras e a instalação dos

conflitos com posseiros e fazendeiros presentes na região. Os conflitos ocorridos

internamente no grupo também foram aqui abordados, em razão de estratégias

divergentes e modos de organização política para a retomada das terras.

No último capítulo, apresenta-se a realidade de Mirandela após a demarcação

oficial das terras. O significado do território para os Kiriri foi enfatizado, além de tratar

do Toré como principal ritual de representação cultural do grupo. Por fim, foram

registrados os conflitos atuais existentes em Mirandela analisando quais as heranças

deixadas pelos embates da década de 1970 e que influenciam a realidade atual.

É valido destacar que a temática proposta por esta pesquisa é pouco inovadora,

uma vez que muitos pesquisadores se dedicaram ao estudo dos Kiriri. No entanto, essa

Page 17: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

17

produção buscou contribuir para elucidar questões mais atuais em relação ao grupo

Kiriri, com destaque para os conflitos gerados após o surgimento de novas lideranças e

para o cotidiano do grupo que vive em Mirandela.

Tratar do grupo Kiriri de Mirandela, observar seu processo histórico, a forma

como se organiza e como entende a posse da terra foi uma tarefa complexa, mas,

gratificante. Concluir esta pesquisa foi uma realização pessoal, uma pequena

contribuição para a comunidade acadêmica e uma reflexão sobre como vivem os índios

do norte da Bahia.

2. Procedimentos Metodológicos

Este trabalho dedicou-se a análise do processo de demarcação e reorganização

social do grupo Kiriri da vila Mirandela, situada no município de Banzaê/BA, através de

procedimentos metodológicos próprios da pesquisa qualitativa. Segundo Gomes (2010),

este tipo de pesquisa se dedica a responder questões específicas e muito particulares no

contexto das Ciências Sociais, uma vez que os objetos investigados não são

quantificados. A pesquisa qualitativa está pautada no cenário dos significados, das

motivações, dos desejos, dos costumes, das crenças e dos valores. Este tipo de pesquisa

permite, portanto, analisar o grupo Kiriri a partir de suas práticas, sua vivência, a

criação de seus símbolos, e suas formas de organização e reorganização social.

Na tentativa de aproximar-se do objeto pesquisado, realizou-se o trabalho de

campo e a observação participante. Esta observação é uma ferramenta importante para a

produção do conhecimento a respeito dos grupos pesquisados, uma vez que permite,

durante a atuação em campo, capturar dados específicos que contribuem para uma

análise mais completa das questões inerentes ao objeto de pesquisa. É fundamental que

o pesquisador apresente autenticidade e compromisso com o grupo demonstrando

honestamente seu interesse e respeito pelo outro. Vale acrescentar também que este

método requer que o pesquisador conheça a dinâmica do local, respeite seus costumes,

suas práticas e considere todo conhecimento que é produzido naquele espaço.

(BRANDÃO, 1999)

Esta pesquisa utilizou também a análise documental e bibliográfica. A primeira

possibilitou a leitura e interpretação de documentos produzidos sobre as questões da

demarcação das terras Kiriri. A pesquisa bibliográfica permitiu o acesso a outras obras

Page 18: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

18

acadêmicas que tratam do tema pesquisado, auxiliando na produção da pesquisa e dando

suporte teórico. (OLIVEIRA, 2007).

Os procedimentos metodológicos foram divididos em etapas a partir dos

objetivos específicos. O primeiro momento foi dedicado às leituras e levantamento de

fontes e acervos documentais. Foram selecionadas fontes diversas, relatos dos sujeitos

envolvidos na pesquisa, além de alguns documentos de um dossiê (composição de uma

série de documentos produzidos entre os anos de 1970 e 2000 que trata do processo de

retomada das terras) arquivados na sede Associação Nacional de Ação Indigenista

(Anaí), em Salvador. Também foram utilizadas algumas cartas e ofícios direcionados ao

Ministério Público, cartas dos índios direcionadas às paróquias locais solicitando ajuda

e intervenção; cartas enviadas à Fundação Nacional do Índio (FUNAI) solicitando

medidas de auxílio de definição para a legalização da posse das terras, entre outros.

Estes documentos foram analisados, na tentativa de extrair informações oficiais

referentes ao processo de legalização das terras indígenas. Mas, o principal elemento

destacado nas leituras foram as narrativas, que expressam, sobretudo, as reivindicações

feitas pelos Kiriri. Foram destacados, também, os principais acontecimentos que

marcaram o processo de reconquista de Mirandela e seus principais personagens.

Em outros documentos, também integrantes do referido dossiê, do Museu do

Índio, arquivado na Anaí, extraiu-se dados referentes à demarcação geográfica da terra

Kiriri, como por exemplo, o protótipo original do mapa do território em formato de

octógono indicando os principais marcos da terra, os povoados e pontos de preservação

dos rituais, como pequenas áreas de mata virgem, e as serras ao redor do território. Estes

dados foram utilizados nas discussões finais da pesquisa, quando foi caracterizada a vila

de Mirandela.

No capítulo que trata especificamente do processo de demarcação e oficialização

das terras Kiriri utilizou-se o Memorial Descritivo da Demarcação (doc. 08- Dossiê

Kiriri/Anaí-Ba), do qual foram extraídas informações como: o número de povoados e

quantidade de habitantes (no período já citado); dados das fazendas existentes na terra

indígena e seus respectivos proprietários.

O trabalho de campo foi importante para a conclusão da pesquisa, mas

constituiu-se também na fase mais complicada. Foi necessário muito diálogo e pedidos

para a que os Kiriri aceitassem participar e contribuir com a pesquisa. Os motivos

elencados para a recusa versavam sobre o número de pesquisadores que solicitou

Page 19: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

19

autorização para realizar suas investigações e após a coleta de dados, poucos retornaram

à vila para apresentar os resultados ou mesmo para deixar uma cópia do exemplar.

Assim, depois de um primeiro encontro com alguns dos conselheiros do grupo

de Mirandela que participavam de um evento na UEFS, consegui o contato telefônico de

um dos líderes da vila para agendar um encontro de trabalho. A partir daí, iniciaram-se

as tentativas de visitas e conversas com as lideranças, para apresentar o trabalho e

começar a pesquisa de campo.

Concomitante as dificuldades de contato com o grupo, o trabalho de campo teve

atrasos para seu início devido à espera do resultado da tramitação do projeto junto ao

Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da UEFS, o qual exigiu documentos e autorizações

que colocariam em risco a realização do trabalho. Declarações solicitadas pelo CEP

requeriam o consentimento dos líderes políticos de Mirandela, os quais representam

facções rivais; uma parte sob a liderança de Lázaro Gonzaga e a outra liderada por

Marcelo de Jesus, os quais mantinham uma relação conflituosa motivada por diferenças

políticas, historicamente datadas desde os anos 2000. Dessa forma, conseguir

autorizações de ambas as lideranças tornou-se inviável, pois os líderes explicitaram a

discordância da atividade de pesquisa realizada conjuntamente com os dois grupos.

Na primeira visita feita a Mirandela e em conversa com o cacique Marcelo e

seus conselheiros essas diferenças foram postas. O líder Kiriri foi enfático quando expôs

que para que ele e seu grupo contribuisse com o trabalho, o cacique Lázaro Gonzaga e

seu grupo não poderiam participar. Mesmo respeitando as condições postas pelo cacique

Marcelo, buscou-se um contato com Lázaro que demonstrou certo interesse pela

pesquisa, mas também foi enfático quanto a não participação do grupo rival. Lázaro

Gonzaga e Marcelo de Jesus mantinha uma relação de rivalidade e atestaram que não

participariam juntos de uma mesma atividade, seja ela qual fosse, assim como também

entediam que autorização de um estaria anulando a do outro. Diante dessas questões, e

compreendendo esta realidade de conflito estabelecida dentro da vila de Mirandela e na

tentativa de preservar o grupo e respeitar suas questões internas, foi descartada a

possibilidade de apresentar as respectivas autorizações ao CEP/UEFS e o projeto foi

retirado da Plataforma Brasil.

Nesse contexto de tentativas para iniciar as atividades em campo, os diálogos e

contatos por telefone foram mantidos com os seguintes conselheiros, Lourival de Jesus

e Marlene de Jesus, integrantes do grupo liderado por Marcelo, e contatados

Page 20: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

20

inicialmente no evento ocorrido na UEFS. Depois de algumas ligações telefônicas foi

agendada nova visita a Mirandela, no mês de março de 2015, desta vez para

apresentação e solicitação de autorização para iniciar o trabalho de campo. Na visita a

vila o diálogo foi com o cacique Marcelo de Jesus para apresentação do trabalho e

solicitação da autorização. Mas, novamente o líder expôs a resistência em relação aos

trabalhos e pesquisas realizadas com o grupo enfatizando a falta de retorno dos

pesquisadores, e solicitou algum tempo para que pensasse sobre o assunto. Esta questão

atrasou ainda mais o do trabalho no campo. A autorização só foi concedida no dia 19 de

abril de 2015, época de comemorações referentes ao dia do índio.

Durante a ida a vila, observou-se a rivalidade e o conflito entre os grupos e com

base nos princípios de respeito à dinâmica instaurada na vila, decidiu-se por tratar

apenas com o grupo do cacique Marcelo, com o qual foi feito os primeiros contatos. A

decisão de trabalhar apenas com um grupo não significou um posicionamento em

relação aos conflitos, optou-se por respeitar a ordem dos contatos realizados e da

receptividade dentro da vila, como também se buscou assegurar a realização do

trabalho, haja vista o tempo já decorrido e os prazos para conclusão do estudo. Os

prejuízos para a pesquisa também precisam ser destacados, uma vez que o cacique

Lázaro Gonzaga foi um dos personagens de maior representatividade política durante o

processo de retomada das terras. Sua participação na pesquisa, com relatos e

depoimentos, teria sido de muita relevância e poderia revelar mais especificidades e

detalhes da história Kiriri.

Nas primeiras visitas, observou-se a vila: a estrada de acesso, suas construções e

casas, os serviços públicos oferecidos (água, esgoto, iluminação), além dos elementos

simbólicos, como a igreja, a oca no centro da praça e a tapera onde são realizados rituais

e reuniões do grupo Kiriri. Estas observações foram utilizadas para caracterizar a vila de

Mirandela geográfica e socialmente. Vale destacar que esta estrutura da vila serve aos

dois grupos, porém alguns espaços, como a tapera são de utilização apenas do grupo de

Marcelo, que não realiza seus rituais em frente à igreja como faz o grupo de Lázaro. Já a

oca no centro da vila serve de ponto de celebração apenas para o grupo de Lázaro em

dias festivos.

Depois de observadas as estruturas presentes na vila, definiu-se possíveis

entrevistados. Como não poderia entrevistar todo o grupo, optou-se pelas lideranças

(política e religiosas), além de conselheiros e pessoas como mais idade que tivessem

Page 21: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

21

algum conhecimento sobre a história de luta dos Kiriri. Foi agendado um período de

estadia na vila (quatro dias) para realizar oficinas e entrevistas. O objetivo dessas

oficinas era através da interação e participação de alguns membros do grupo, realizar a

caracterização da terra indígena. O objetivo da atividade era colher dados a respeito da

Terra indígena Kiriri como o número de casas e de habitantes, lugares sagrados,

extensão da terra, número de povoados, e ao fim seria construído um painel onde estas

informações seriam expostas. Contudo, esta visita, não aconteceu. A conselheira

responsável pela estadia precisou viajar para um evento cultural no município vizinho e

o cacique Marcelo também estava com algumas ocupações e não poderia organizar a

população de Mirandela para a realização do trabalho. Este fato não só atrasou a coleta

dos dados, mas provocou um sentimento de frustração e desânimo para a continuação da

pesquisa.

Após estas idas e vindas à vila outra estadia em Mirandela foi marcada para o

mês de novembro, quando ocorreriam os festejos do Toré. Desta vez foram aproveitados

alguns dias na vila para a realização das entrevistas, pois o grupo se recusou a participar

das oficinas, por estar ocupado com atividades referentes aos festejos que ocorriam

naquele período.

Depois de realizadas as entrevistas, as idas ao campo foram finalizadas em razão

do tempo disponível para conclusão do curso, embora ciente de que o trabalho de

campo com grupos indígenas requer maior permanência na aldeia, os entraves de

liberação para início do trabalho adiaram o processo da pesquisa.

Com as informações coletadas em campo: entrevistas, observações e registros

fotográficos; além dos documentos selecionados nos arquivos da Anaí, seguiu-se para

escrita deste relatório de pesquisa onde são apresentados os resultados das análises das

fontes utilizadas. Vale acrescentar que o curso para qual esta pesquisa foi desenvolvida

é um Mestrado Profissional, no qual há uma orientação para elaboração de novos

resultados/produtos de pesquisa que não sejam apenas dissertações, mas trabalhos mais

práticos que possam também contribuir para o grupo analisado. Entre as ideias iniciais

que motivaram esse estudo e o que foi possível realizar, diferentes propostas foram

traçadas, mas a maioria tornou-se inviável.

Assim, como forma de minimizar as frustrações do desejo inicial de um trabalho

com toda a vila, no qual fosse possível construir um processo de pesquisa-ação que

tinha como uma das possibilidades a construção de uma cartilha para uso na educação

Page 22: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

22

infantil, optou-se pela produção de um vídeo com imagens e informações referentes à

história dos Kiriri. Como a definição do produto só foi realizada no final do trabalho, a

construção do vídeo recorreu a um metodo simples, mas que possibilitasse visualisar

uma síntese do histórico de luta vivenciado pelos Kiriri. Utilizou-se fotos retiradas

durante as visitas a vila, imagens cedidas pelo próprio grupo e algumas imagens

retiradas da internet, além das gravações de imagens feitas durante o trabalho de campo.

Para produzir o vídeo foi utilizado o programa Movie Maker, que permitiu agrupar as

imagens e vídeos e adicionar legendas, músicas e áudios.

O principal objetivo do vídeo foi o de devolver ao grupo um produto que

contribuisse para a divulgação de sua história e cultura. Dessa forma, essa mídia poderá

ser usada em dias festivos, comorações escolares e em viagens e eventos que os Kiriri

participam frequentemente. É, portanto, mais uma ferramenta para que os índios sejam

vistos e reconhecidos.

O registro da vida dos Kiriri contribuiu para a continuidade de pesquisas que se

dediquem as questões deste grupo, e ao mesmo tempo, buscou-se oferecer um retorno

para os índios. O vídeo e cópia do relatório final serão entregues aos Kiriri para que

possam usufruir deste material para a divulgação de sua história, suas lutas e seus

costumes.

3. Em terras de índio: o uso dos conceitos de território, conflito e etnicidade.

Tratar de questões que envolvem povos indígenas no Brasil e sua formação

territorial é uma tarefa complexa. Os povos indígenas protagonizaram diversos conflitos

relacionados diretamente com a posse e permanência em seus espaços originais. Nesse

contexto e na perspectiva indígena, terra e território ganham significados muito

próximos, mas não possuem o mesmo sentido. Terra e território são categorias distintas:

a primeira se refere aos processos políticos de reconhecimento jurídico conduzido pelo

Estado, que determina a posse da terra, e a reconhece como Terra Indígena; a segunda

categoria se refere aos processos de apropriação, construção e reconstrução da terra a

qual estão de posse. Trata-se da relação entre os sujeitos e o meio. A terra passa a ser

significada, dando-lhe, portanto, a noção de território. (GALLOIS, 2004).

Para direcionar a reflexão a respeito dos conceitos trazidos por esta pesquisa,

algumas questões foram destacadas: Como se define um território indígena? Quais as

Page 23: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

23

suas especificidades? Como a legislação reconhece um território indígena? As

definições apresentadas até aqui se aproximam do que é pensado pela antropologia a

respeito dos territórios indígenas, quando tratam da relação simbólica e material que o

compõem2. Vale acrescentar, que no decorrer desta pesquisa, percebeu-se que a

categoria território poderia ser usada para pensar a relação entre os sujeitos e suas

formas de viver e relacioná-la com a terra, ou seja, território seria o espaço de

acomodação em movimento. (GALLOIS, 2004). Dessa forma, utilizou-se o termo

território para se referir as terras ocupadas pelos índios Kiriri considerando as relações

simbólicas presentes, como por exemplo, as celebrações do Toré que é ritual religioso

em que os Kiriri agradecem aos encantados3 pela produção dos alimentos e pela

proteção que estes seres oferecem ao grupo; e dos festejos do dia 19 de abril, data em

que os Kiriri festejam o dia do índio relembrando antigos costumes do grupo e abrindo a

vila para a visitação da comunidade não indígena.

Assim, como a maioria dos povos indígenas do Brasil, os Kiriri também foram

submetidos ao sistema colonial português, no qual eram vistos como mão de obra para

os trabalhos de exploração e a catequização jesuíta, estes fatos provocaram perdas

culturais em diversos grupos e reduziu a população indígena brasileira, submetendo os

remanescentes ao sistema de escravidão, além de promover a dispersão dos grupos e,

em muitos casos, a expulsão das próprias terras.

Os Kiriri, como tantos outros grupos indígenas, também se espalharam pelo

sertão nordestino, fugindo do trabalho escravo, da catequização e dos desmandos

impostos pela colonização. Contudo, a ideia de pertencimento e o significado das terras

foram mantidos por muitos dos grupos indígenas, assim como os Kiriri, que mesmo

obrigados a deixar suas terras de origem, mantinham um conhecimento a respeito dos

significados que não poderiam ser substituídos, como por exemplo, a relação com seres

sobrenaturais chamados de encantados, que existiam naquele território e que não

poderiam ser deixados para trás. (BRASILEIRO; SAMPAIO, 2012).

Para compreender o significado do território indígena é indispensável considerar

a relação do sujeito com a natureza de forma ainda mais enfática. Reesink (2011)

considera que o território indígena compreende também seu habitat, e se dá de um modo

mais abrangente constituindo uma complexa relação entre o sociocultural, o conjunto

2 Para mais informações ver RAMOS, Acilda Rita. Sociedades Indígenas. Ed. Ática. São Paulo. 1988.

3 A definição dos encantados bem como sua relação com o Toré e seus significados será tratada no

capítulo 3 deste relatório de pesquisa.

Page 24: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

24

humano e o ambiente natural. Completando as análises desse autor, Ramos (1988)

define que o território indígena é composto por elementos simbólicos como os

costumes, as crenças, as tradições, somados ao ambiente, paisagens e estruturas físicas.

Assim o território se dá com a acomodação destes elementos, seguido da existência de

relações sociais.

No território estão inscritas as mais básicas noções de

autodeterminação, de articulação sociopolítica, de vivência e crenças,

para não falar na própria existência física do grupo. A redução dos

territórios indígenas, que tem sido uma constante na história do

contato entre índios e brancos, tem representado, em cada caso

específico, violências de várias ordens, como a privação cultural,

social, religiosa, moral, econômica e ecológica das sociedades

indígenas. (RAMOS, 1988, p. 20-21).

Ramos (1998) destaca a complexidade presente na definição de território

indígena, e aponta como este sempre foi alvo da ganância de não índios. Entender a

conformação do território indígena requer também a percepção sobre os permanentes

conflitos que atravessaram séculos e marcaram a história dos povos indígenas. A

dinâmica que envolve a construção do território indígena permite a observação de um

movimento constante.

Sobre este movimento de apropriação existente sob as terras no Brasil ainda no

período colonial, e especialmente na região Nordeste, Oliveira (1998) chama a atenção

para um processo de territorialização, ou seja, uma variação constante de crenças,

costumes, tradições e posicionamentos políticos que ocorrem dentro de determinados

grupos, com a presença do colonizador em terras de índios. Após a consolidação e

avanço do projeto de colonização no Brasil, os grupos indígenas tornaram-se

protagonistas de uma série de conflitos para determinar a posse e a permanência nas

terras, iniciando um movimento de reconstrução dos territórios, que estavam, há muito

tempo, sob o domínio de não índios. Vale destacar que a originalidade destas terras é

imprecisa, uma vez que durante o processo de aldeamento houve a intervensãode outros

sujeitos, como os jesuítas, por exemplo, e este processo pode ter afetato na noção da

origem das terrras dos mais diversos povos.

Desse modo pode-se constatar que predomina nesta questão um processo de

territorialização, definido pelo movimento constante dos elementos sociais que compõe

um grupo, como, por exemplo, a criação e a identidade étnica, dos mecanismos de

organização política, redefinições do controle social, dos conflitos, que seguem uma

Page 25: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

25

lógica de movimento. Assim, a territorialização reconhece como o território é

constituído, observando os elementos que o compõem.

Há uma diferença entre os processos de formação territorial indígena no período

colonial e o que se instala na década de 70, já no século XX. No primeiro momento, os

grupos indígenas sofreram fortes imposições de um sistema, ainda colonial, que

caminhou para a formação de um estado nacional, e este fato excluiu os grupos

indígenas que não foram reconhecidos como partes integrantes deste novo estado. No

segundo momento, com o aumento e visibilidade das questões relacionadas às

populações indígenas e seus direitos sob as terras e a presença do movimento

indigenista (ainda recente), iniciou-se um processo de reconhecimento dos territórios

indígenas. (OLIVEIRA, 1988).

Este movimento ganha visibilidade e o Estado brasileiro busca uma ordenação

dos territórios indígenas que ainda resistem, intervindo com definições legais

específicas na tentativa de amenizar os conflitos existentes nas terras originalmente

indígenas. O estado passa a legalizar a posse de terras de diversos grupos,

reconhecendo-as também como território indígena.

Em terras indígenas, o território é composto por aspectos simbólicos como a

crença nos encantados, os rituais e as relações sobrenaturais, assim como os aspectos

políticos e sociais que tratam da organização interna dos povos e das aldeias. Os

aspectos judiciais também são importantes e auxiliam em uma definição legal para as

terras indígenas. Nesse sentido, a Constituição da República Federativa4 do Brasil

(1988) apresenta algumas definições no que tange as terras indígenas.

Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social,

costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre

as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-

las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

§ 1º - São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles

habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades

produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais

necessários a seu bem-estar e as necessárias à sua reprodução física e

cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. (BRASIL, 1988)

O texto da Constituição Federal de 1988 revela a luta pelo reconhecimento dos

direitos indígenas incluindo a posse das suas terras ao mesmo tempo em que as definem

4 Faz-se uma breve explanação a respeito do que a constituição Federal define como terras indígenas

apenas para situar o leitor sobre os aspectos jurídicos que norteiam esta definição.

Page 26: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

26

contemplando elementos como a permeância, as construções sociais e a preservação dos

recursos naturais.

Montanari (2006) considera as terras dos índios como elemento principal para a

sobrevivência do grupo, assim as determinações da Constituição Federal contribuem

para garantir a posse e permanência dos índios nas suas terras. Vale destacar que a

Constituição garante apenas a posse das terras ocupadas atualmente por grupos

indígenas, sem considerar aquelas que teriam sido também ocupadas no passado.

(LIPPEL, 2013)

Montanari (2006) ainda enfatiza que a dinâmica das terras indígenas contribui

para a manutenção e construção do território, porém, este não precisa das determinações

legais para existir.

No entanto, as determinações desta Constituição, contribuem significativamente

para a organização de diversas aldeias indígenas que ainda não estão de posse de suas

terras, mesmo ocupando-as. Assim, tais determinações assumem o papel de território,

quando revela a necessidade de assegurar a posse da terra resguardando ao povo o

direito de usufruto dos bens materiais segundo seus costumes e tradições5.

3.1. Conflitos e Etnicidade.

Zannoni (1999) considera os conflitos como parte da estrutura de cada sociedade

que vive uma complexidade das relações humanas permanentemente conflituosas. De

fato, os conflitos pela retomada das terras e retirada dos posseiros6, iniciados nos anos

de 1970 e que tiveram a vila de Mirandela como centro da disputa, foram movidos pela

complexidade e diferenças entre os grupos envolvidos: de um lado posseiros que

dependiam da terra para sobrevivência e que construíram nela relações sociais, políticas

e culturais, além de montarem um estrutura física com a construção de pequenos

vilarejos com casas de alvenaria, luz elétrica e outros serviços; de outro lado, índios

Kiriri que consideravam aquela terra como território fundamental para a manutenção

dos costumes e tradições do grupo, e também como meio de sobrevivência.

A disputa entre índios e posseiros foi movida por fatores como a organização

social. O grupo de posseiros que habitava em Mirandela instalou ali roças, hortas, casas,

5 Atigo 231 - § 1º. Constituição Federal do Brasil. 1988.

6 Grupo composto por pequenos agricultores que ocupavam as terras indígenas sem nenhum tipo de

documentação de posse das terras ou autorização para produzir nelas.

Page 27: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

27

reservatórios de água, cercas, e uma estrutura física para a sobrevivência do grupo e esta

construção dificultava ainda mais a definição da posse das terras. Por outro lado, os

índios também construíram ao redor de Mirandela uma estrutura com casebres e

pequenas plantações que também serviam como formas de resistência à ocupação das

terras.

As condições econômicas também representaram um fator relevante uma vez

que os posseiros extraiam daquela terra seu sustento através da agricultura e da criação

de pequenos animais, e a saída de Mirandela significava perder os meios de

sobrevivência. A transferência das terras indígenas para assentamentos e vilarejos em

cidades vizinhas representava prejuízos para os posseiros que já tinham investido seus

recursos na vila.

Do mesmo modo, os Kiriri também dependem da terra para sobreviverem. Outro

fator determinante para a existência dos conflitos entre os índios e os posseiros de

Mirandela se refere à tradição e costumes relacionados com os antepassados. Fernandes

(2006), em seus estudos sobre a sociedade Tupinambá, também considera as relações

sobrenaturais como um dos motores do conflito indígena, e aponta para a existência de

algo a mais que o material, que move a “guerra” (conflito).

O caso dos conflitos entre os Kiriri e os posseiros está para além do material,

envolvem os sentidos mágicos e sobrenaturais e estes significados são passados de

geração para geração. O grupo Kiriri foi personagem de um longo processo de disputa e

conflitos pela posse e demarcação das terras, que passou de geração para geração. A

reconquista da terra representou para a nova geração de Kiriri uma forma de honrar os

mais antigos que iniciaram esta luta. Alguns depoimentos confirmam esta relação entre

as gerações.

Meu nome é JOSÉ PAULO KIRIRI, quando nasci em 1972, a gente já

brigava pela terra. Já vi meu pai sofrê e meus avôs contarem as

histórias das lutas e agora estou vendo acontecer. Perdemos um irmão,

estamos sendo ameaçados pelos brancos que querem voltar pra

Mirandela (...) a luta vão continuar. (Trecho dos depoimentos dos

índios Kiriri de Mirandela, p.12 Dokanaí, Salvador – Bahia. 2000)

Neste depoimento é possível observar a relação com um passado de luta dos

índios que viveram em Mirandela, mas já faleceram. Continuar lutando para honrar os

Kiriri mais velhos é também um motivo para manutenção dos conflitos. A narrativa do

índio José Paulo aponta o histórico da luta dos Kiriri, além disso, percebe-se que os

Page 28: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

28

conflitos pela posse da terra significavam uma forma de defesa da história, dos

costumes, da cultura e dos modos de vida deste grupo. A afirmação de que a luta vai

continuar revela a disposição para permanecer na defesa de suas terras e da preservação

de seus direitos. Em depoimento, outro índio, José Kiriri, discorre sobre sua relação

com a luta pela terra.

Meu nome é José Kiriri. Eu nasci na luta. Reconheço que sou um

índio Kiriri, nascido e criado no meu torrão herança dos meus

antepassados. Os posseiros, aqui no meio da gente, destruíram as

nossas reservas, espantaram as nossas caças, e acabaram com nossas

ervas medicinais e agora querem destruir Mirandela. Mas nós

resistimos. (Trecho dos depoimentos dos índios Kiriri e do chefe do PI

de Mirandela. Pag.12. Dokanaí, Salvador – Bahia. 2000).

Este depoimento reafirma a presença da luta na história dos Kiriri e demonstra

também o reconhecimento da identidade e a reverência aos antepassados, de forma

respeitosa. A narrativa também deixa transparecer a relação que os Kiriri mantêm com a

natureza, as matas, os rios, animais e as serras e como estes são sagrados para o grupo, e

são destruídos com a presença do não índio.

Os diversos elementos, como os símbolos, a economia, a organização social que

nutrem os conflitos entre os Kiriri e não índios estão relacionados com a construção

étnica do grupo. Segundo Streiff Fenart e Poutgnat (1998), a etnicidade pode ser

definida como um conjunto de atributos ou fatores como língua, religião e costumes,

que além de funcionar como um mecanismo de mobilização e conquistas políticas,

econômicas, sociais e culturais. Nas análises de Gordon (1964), a etnicidade é um

elemento de organização para os mais variados grupos, e considera os sistemas

políticos, econômicos, culturais e simbólicos fundamentais neste processo.

A consciência de elementos comuns na formação do grupo étnico permite a

adoção de uma identidade e consciência coletiva baseada na relação entre fatores

comuns ao grupo, como a cultura, os costumes, os antepassados, as formas de vivência,

o local de origem e a terra em que vivem ou viveram seus parentes. (BRANDÃO,

1986).

A etnicidade caracteriza-se não só por uma coleção de elementos simbólicos

para definir um grupo étnico, mas apresenta-se em constante movimento, assimilando,

quando possível, novos símbolos e significados, reinventando-se de forma dinâmica.

(CUNHA, 2009). Os indígenas, durante o processo histórico da formação territorial do

Page 29: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

29

Brasil, foram submetidos a procedimentos constantes de adequação cultural em que

novos elementos foram inseridos em seu cotidiano. A religião é um exemplo marcante

deste contexto. A catequização de índios no Brasil foi uma estratégia comum, uma vez

que combatia outras práticas religiosas, ao passo que promovia a expañsáo da fé cristã

(católica)7, exemplo disso são as muitas igrejas construídas em vilarejos e aldeias já

reconhecidas como indígenas. Além do mais, diversos grupos, inclusive parte dos Kiriri,

ainda mantêm algum tipo de referência a está religião realizando rituais sagrados

sempre em frente à igreja católica no centro da vila Mirandela8.

Segundo Cunha (2009), a assimilação e a reconstrução cultural auxiliam na

definição da etnicidade, além de representarem estratégias de afirmação e/ou resistência.

Nesse sentido, é válido considerar que o Kiriri quando adotaram a religiosidade católica

conseguiram apoio de autoridades religiosas da época que contribuíram para a definição

da posse das terras9. Comprova-se, portanto, o dinamismo na construção da etnicidade,

que permite a introdução de novos elementos, que no caso Kiriri, foram utilizados como

estratégias de resistência.

Streiff-Fernart e Poutignat (1998) direcionam esta discussão para o campo

político. Segundo estes autores, a etnicidade atua como uma forma de comunicação e

favorece as relações de solidariedade do grupo fazendo com que este se perceba como

grupo étnico específico, mas em condições de introduzir novos elementos políticos ou

culturais, desde que estes sejam para sua defesa e contribuam para manter a organização

interna. Contudo, os autores apontam que a etnicidade é uma rede entre indivíduos que

se fortalece em momentos de conflitos na defesa dos interesses comuns ao grupo. É uma

forma de reunir elementos externos ao grupo, também como formas de resistência,

defesa e reconstrução social e cultural de determinado povo.

No caso Kiriri, muitos elementos comuns ao grupo foram recriados como

estratégias durante o processo de retomada das terras. Podem-se elencar aqui dois

exemplos de utilização de elementos pertencentes à etnicidade do grupo que foram

bastante cultivados durante a luta, são eles: o ritual do Toré, reinventado com o auxílio

7 Para mais detalhes desta discussão ver SANTOS. Fabrício Lyrio. Catequese e Povos Indígenas na Bahia

colonial. In: SANTOS. Fabrício Lyrio.(org). Os índios na História da Bahia.EDUFRB. Cruz das

Almas.2016. 8 O último capítulo desta pesquisa trata-se de forma mais detalhada a respeito da religiosidade indígena.

9 Sobre esta contribuição religiosa para a definição e legalização da posse das terras Kiriri discute-se

melhor no capitulo II deste relatório.

Page 30: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

30

do grupo Tuxá10

, como forma de reunir o grupo, além de apresentar fatores culturais do

grupo Kiriri que ainda poderiam ser cultivadas naquelas terras; e as roças coletivas, as

quais se configuram também como uma estratégia de fortalecer o grupo e apresentar a

produtividade das terras em questão. Estas medidas reafirmaram a identidade étnica do

grupo e atuaram como estratégias para a retomada definitiva das terras.

4. Sobre os índios no Nordeste e formação do grupo Kiriri

A região Nordeste do Brasil, especialmente a Bahia, foi uma das primeiras

regiões a serem incorporadas à administração do sistema colonial, ainda no século XVI.

Este sistema foi notadamente marcado por modos distintos de povoamento e

exploração: no litoral desenvolveram-se principalmente as plantações e engenhos de

açúcar e no sertão as fazendas de gado. A formação do estado brasileiro passou por

diversas fases, e os grupos indígenas estavam de alguma forma sempre presente neste

contexto, primeiramente servindo como mão-de-obra para a exploração das terras, em

outros momentos sendo catequisados na perspectiva religiosa, porém visando um

controle apresentando aos povos indigenas novas formas de vida, costumes, tradições.

Este processo de catequização, assim como a exploração da mão-de-obra indígena

contribuiram para a dispersão de muitos povos.

Em meados do século XIX foram criadas algumas leis com objetivo de defender

os índios, mas que os submetia a tutela dos jesuítas. De fato, estas leis funcionavam

muito mais como uma forma de controlar estes grupos do que protegê-los.

O projeto de civilização imposto aos índios também tinha por objetivo alcançar a

posse das terras. As medidas de proteção dos povos indígenas, dentro deste processo

civilizatório instiuiu-se, já no século XIX, as Leis de Terras. Esta lei trouxe muitos

prejuízos aos povos indígenas, pois não tinham documentos de suas terras e foram

desapropriados em favor de grandes latifundiários que estavam contribuindo para o

projeto de formação do estado nacional brasileiro. Foram poucos os casos em que o

estado concedeu posse a determinados grupos de índios. Em algumas províncias ocorreu

o reconhecimento das terras como propriedade indígena, e alguns órgãos como o

Ministério da Agricultura responsável pelas políticas de defesa dos índios,

reivindicavam a posse da terra para estes. Fato muito raro, que não impediu a extinção

10

Este aspecto também será abordado no último capítulo desta pesquisa.

Page 31: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

31

de vários grupos e instalação definitiva de grandes latifúndios para o desenvolvimento

do estado brasileiro. (GOMES, 1991).

Carvalho (2001) discute a questão da legalização das terras indígenas e aponta

que em 1755 as mais populosas aldeias indígenas foram elevadas à condição de vilas e

os religiosos afastados da sua administração. Neste mesmo período é formulado o

chamado Diretório Pombalino, promulgado em 1757 em algumas regiões do país e

expandido para todo o território em 1758. Nesse documento, mais de 95 artigos tratava

dos tipos de relações estabelecidas entre o governo e os povos indígenas incluindo as

questões de trabalho e de terras indígenas. Este Diretório, não obstante revogado em

1798, permaneceu (extra) oficialmente em vigor até 1845, quando foi promulgado o

Regimento das Missões 11

.

Somente em 1850 a Lei de Terras determinou os registros de propriedade de

terras devolutas oficiais que poderiam ser negociadas por senhores de engenho no litoral

ou fazendeiros no interior e no sertão. Estas invasões “legalizadas” acabavam por

determinar a nova conjuntura geográfica e territorial do nordeste brasileiro.

(OLIVEIRA, 2001).

Com o avanço do projeto de formação de um estado nacional brasileiro

fortalecido e civilizado, os povos indígenas foram expropriados de suas terras e

submetidos a tal projeto. Com o fim do sistema imperial e a instalação da república

adotava-se um novo modelo de governo, novas propostas e projetos de integração das

terras para o desenvolvimento, que afetavam diretamente as populações indígenas, ou

seja, mais uma vez os índios foram empurrados e espalhados pelo território nacional

recém-constituído, sendo obrigados a desfazer seus vínculos culturais e simbólicos

cultivados em seus lugares de origem, que a esta altura não os pertenciam mais.

Nesse sentido, os grupos indígenas, das formas mais variadas, iniciam um

movimento de reintegração da posse de terras que são para eles sagradas. Estes

diferentes grupos, em diversos momentos, sofrerem com o mesmo projeto colonizador e

posteriormente com projetos de modernização e civilização impostos pelos sistemas que

seguiram, e enfrentaram muitas dificuldades para preservar características e hábitos

tradicionais. Todas as medidas adotadas para a formação de um estado brasileiro

11

Para mais detalhes sobre o Diretório Pombalino ver CUNHA, Manuela Carneiro da Legislação

Indigenista no século XIX. Edusp, Comissão Pró-Índio de São Paulo, São Paulo, 1992.

Page 32: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

32

contribuíram para uma série de prejuízos culturais de grupos indígenas que habitavam

todo o território brasileiro.

Estes povos, ao longo da história, reivindicaram a posse de suas terras, seu lugar

de viver e de conviver. A posse da terra não é apenas uma questão de manutenção

material, mas de sobrevivência de crenças e costumes. A relação entre índio e terra é o

convívio com um habitat natural que faz parte do próprio sujeito (REESINK, 2011). O

conflito pela terra, que atravessou os séculos da história dos grupos indígenas na Bahia,

não está alicerçado apenas nas questões materiais de sobrevivência, os elementos

simbólicos aparecem de forma bem latente nesse processo.

A luta está baseada na permanência e continuidade de processos históricos,

intimamente ligados à manutenção dos índios em seu lugar de origem. Neste contexto

também, é que se observa a instalação de um processo de territorialização, considerando

que ainda no período colonial estes índios já demonstravam a necessidade da criação e

manutenção do seu território. Vale acrescentar que o fator conflito é comum dentro do

processo de territorialização, no que diz respeito a grupos indígenas, é um marco

permanente na formação territorial destes grupos. (OLIVEIRA, 1988).

Vale destacar que estes grupos indígenas não constituem um conjunto

homogêneo, divergem de uma região para outra, e também em uma mesma região pode

haver grupos distintos. Estas diferenças apontam para a organização das dinâmicas em

cada grupo, considerando a existência e assimilação de outras influências culturais.

Nesse sentido, a lógica sociocultural destes povos é complexa e ao mesmo tempo

flexível às incorporações que vão desde os elementos da cultura grupal até a sua ordem

sociopolítica e econômica. (RAMOS, 1988).

A Bahia, por exemplo, no que diz respeito a povos indígenas, conta com uma

variação de grupos tanto nas questões culturais como nas questões regionais. Do litoral

ao sertão, as comunidades indígenas buscaram manter-se em seus espaços, conservando

seus costumes e modos de viver. Estes grupos, desde a implantação do projeto

colonizador, registram na sua trajetória de conflitos com os não índios. Tais conflitos

são também resultados do processo de disputa pela posse e manutenção de terras, os

quais ocorrem desde o início da formação do estado brasileiro. Ainda na Bahia, durante

alguns séculos, estes conflitos foram mais constantes na região litorânea (CARVALHO,

2001), mas com o passar do tempo e com a colonização e expansão territorial, as frentes

de criação de gado e o estabelecimento dos grandes latifúndios, estes conflitos se

Page 33: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

33

expandiram para o sertão baiano. Esse fato está associado, também as mudanças de

sistemas políticos adotados no Brasil. Com a instalação da república, na região nordeste,

por exemplo, foram instaladas grandes fazendas de gado que empurravam os povos

indígenas para fora da região.

As motivações trazidas pelos povos indígenas no que se refere à permanência e

posse das terras não estão associadas apenas ao recurso natural, mas também às

questões socioculturais. Permanecer nas terras que antes eram ocupadas por seus

antepassados significa manter os costumes e a base cultural do grupo. (RAMOS, 1998)

Séculos após o início da colonização, mesmo com a extinção de muitos grupos

indígenas, o censo do IBGE (2010), informa que a Bahia conta com uma população

indígena que ultrapassa os 60 mil indivíduos, e muitos grupos ainda vivem situações

territoriais indefinidas e um contexto de conflitos. Dentro dessa realidade são

reinventadas tradições, estabelecidas estratégias de guerra, ao mesmo tempo em que se

recorre à legislação, aos decretos, as leis, aos juízes e aos políticos, tudo em prol da

legalização da posse da terra.

Considerando o histórico de resistência, reivindicação e conflitos em terras

indígenas, na Bahia, especialmente, é que este trabalho mantém sua atenção no grupo

Indígena Kiriri, habitantes do município de Banzaê, ao norte do estado da Bahia.

Objetivou-se tratar do processo de demarcação das terras Kiriri que se iniciou em 1970

sendo finalizado apenas no final da década de 1990, além deste movimento, foi alvo do

trabalho o tratamento das questões referentes à reorganização social e política do grupo

Kiriri, observando a existência de conflitos internos mais recentes que são responsáveis

pela nova realidade da vila de Mirandela e que ainda trazem em seu contexto heranças

das disputas instaladas nos séculos passados.

4.1Quem são os Kiriri de Mirandela

Os índios Kiriri são um ramo dos chamados Kariri, que contava com vários

grupos espalhados pelo interior de alguns estados do Nordeste incluindo, Ceará,

Paraíba, Pernambuco, Sergipe e Bahia (BANDEIRA, 1972). Na Bahia, estes grupos,

obedecendo ao sistema de organização colonial, foram reduzidos a quatro núcleos (mais

achegados ao sertão que ao litoral), a saber: Saco dos Morcegos (atual Terra Kiriri),

Page 34: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

34

Canabrava (atual município de Ribeira do Pombal), Natuba (atual município de Nova

Soure) e Geru (estado de Sergipe).

Assim, como em quase todo Brasil, esta organização provocou uma redução no

número de grupos indígenas espalhados na região, agrupando-os em pequenos núcleos.

O sistema de ajuntamento tinha por objetivo reunir as populações indígenas que

estavam espalhadas por grande parte do Nordeste, este sistema facilitaria a

administração colonial, uma vez que a parcela de terra ocupada pelos índios diminuiria,

proporcionando aos administradores a transferência destas para os não índios. O

ajuntamento foi mais uma estratégia para a ocupação definitiva das terras indígenas.

Em meados do século XVIII, as aldeias foram transformadas em vilas. A missão

Saco dos Morcegos passou a ser conhecida como Vila Mirandela. Ao longo do século

XIX a situação dos Kiriri agravou-se consideravelmente. Os não índios permaneceram

em um devastador processo de invasão das terras indígena e o pároco que substituiu os

jesuítas na vila Mirandela enviou cartas ao Presidente da Província da Bahia, no ano de

1884, relatando a intensa ocupação. Em uma destas cartas o pároco trata das invasões

das terras indígenas.

Por isso o terreno dê, graças a uma doação régia, se achavam eles de

posse desde longos anos, tem sido horrivelmente devastado, suas

matas quase não existem mais, e acabo de saber que até uma parte

dele há sido vendida por alguns indivíduos (Boletim. nº 16/17, janeiro

a novembro 1995. Arquivo ANAÍ).

No trecho da carta enviada pelo pároco fica evidente a participação religiosa que

acompanhou a história dos Kiriri e destaca como as terras, cedidas através de doação

régia para os índios, estavam sendo devastada e apropriada por não índios. O

desrespeito às leis e a constante invasão das terras definiu durante muito tempo a

divisão fundiária da região que acabava por beneficiar não dos latifundiários criadores

de gado, assim como pequenos camponeses e agricultores regionais, em detrimento dos

índios Kiriri.

No contexto de disputas e desigualdades que se instalou na região Nordeste, e

especialmente no sertão baiano, e com a intensidade das invasões das terras, os índios

Kiriri migraram para o arraial de Canudos, onde estava concentrado um grupo de

pequenos trabalhadores rurais, sob a liderança de Antônio Conselheiro. Estas pessoas

organizavam-se em um pequeno povoado com a finalidade de resistir aos desmandos e

Page 35: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

35

imposições de grandes coronéis que dominavam a região, sob os pequenos produtores,

trabalhadores rurais de ganho e os pequenos grupos indígenas que ainda existiam na

região. (OLIVEIRA, 1990)

No ano de 1897, com o fim da guerra de Canudos, os índios Kiriri retornaram a

sua terra localizada nos atuais municípios de Banzaê e Ribeira do Pombal. Contudo,

ainda muito dispersos, tentavam a reinvenção e a valorização das tradições e dos

costumes dos indígenas como uma estratégia política para permanecerem unidos e em

busca da definição legal para a posse das terras.

Em 1910, os Kiriri ainda estavam dispersos por suas terras, muitos deles

servindo de força de trabalho para as fazendas, outros sobreviviam de pequenas

lavouras. Neste mesmo ano foi criado o Serviço de Proteção ao Índio (SPI) que tinha

por finalidade defender os interesses dos grupos indígenas. Em 1949, foi construído um

posto do Serviço de Proteção ao Índio na vila Mirandela, tal feito significou para os

Kiriri o reconhecimento por parte do Estado da sua condição de índio e da necessidade

de proteção apresentada pelos índios desde o seu retorno após a guerra em Canudos.

Assim, a instalação deste posto tinha como proposta inibir/coibir as constantes invasões

das terras Kiriri.

Entretanto, a criação do posto não apresentou uma mudança significativa na

realidade instalada na aldeia, pois o número de posseiros residindo na vila e nos

arredores ainda era bastante expressivo. Em Mirandela, estes posseiros haviam

construído uma estrutura física com pequenas casas de alvenaria, algumas com

eletricidade, pequenas roças e criações. Um pequeno grupo de fazendeiros também

permanecia na região controlando a exploração dos recursos naturais e utilização da

mão-de-obra indígena, enquanto os Kiriri encontravam-se acampados às voltas de

Mirandela em condições precárias.

Durante a década de 1960, o Serviço de Proteção ao Índio foi substituído pela

Fundação Nacional do Índio – FUNAI - órgão indigenista oficial criado para promover

a segurança e implantação dos direitos dos povos indígenas de todo o território

nacional. A instalação da FUNAI e a adequação ao Posto de Mirandela não representou

mudanças imediatas, os desmandos e apropriações indevidas cometidas por não índios

permaneciam, ao passo que as demandas indígenas continuavam negligenciadas.

Contudo, a criação desta fundação, através da adoção de políticas de assistência aos

índios, alertou os Kiriri a respeito de seus direitos, fato que incentivou a mobilização e

Page 36: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

36

união do grupo em busca da delimitação oficial de suas terras e expulsão definitiva dos

não índios que estavam em Mirandela.

Na segunda metade da década de 1960, a FUNAI apresentava aparente falência

em suas medidas protetoras. Os índios ainda sofriam com a inoperância do órgão e com

as constantes invasões. Além desta situação, os Kiriri estavam dispersos e enfrentavam

a pouca organização, estavam sem lideranças definidas e imersos em uma realidade

onde o alcoolismo representava quase que uma praga, dificultando ainda mais a

mobilização do grupo. Essa situação favoreceu o surgimento de conflitos internos e

disputas entre os núcleos indígenas. A realidade Kiriri, carecia urgente de uma

organização política de mobilização, sem a qual seria muito difícil reverter o quadro da

ocupação das terras pelos posseiros. (BRASILEIRO; SAMPAIO, 2012).

A partir de 1970, com o significativo crescimento de organizações e movimentos

em defesa das questões dos povos indígenas, a exemplo, da criação do Conselho

Indigenista Missionário – CIMI - que tinha por missão apoiar estes grupos em suas lutas

políticas e reconhecimento de suas terras. O CIMI liderou a organização de assembleias

e reuniões com diversos grupos indígenas espalhados por todo o país. Este período

representou um novo momento para a história dos índios no Brasil, marcado por um

significativo aumento na articulação dos movimentos indigenistas que se espalhou por

todo o Brasil. (CUNHA, 1994).

Além do CIMI, outras instituições se dedicaram a pesquisa e defesa das questões

indígenas, a exemplo do Programa de Pesquisas sobre os Povos Indígenas do Nordeste

Brasileiro (PINEB) ligado ao Departamento de Antropologia e Etnologia e no Programa

de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal da Bahia-UFBA. Este

programa iniciou seus trabalhos com o povo indígena Pataxó de Barra Velha de Porto

Seguro na Bahia, no ano de 1971, sob a orientação do Professor Pedro Agostinho da

Silva. A partir de então o programa desempenhou fundamental papel em defesa das

questões indígenas através da contribuição e pesquisas de diversos outros

professores/pesquisadores dedicados à causa indigenista, especialmente na Bahia12

.

A Associação Nacional de Ação Indigenista (ANAÍ), criada em 1982, é uma

organização sem fins lucrativos e tinha como principal objetivo promover discussões e

formas alternativas para construir relações mais justas e harmoniosas entre a sociedade

brasileira e os povos indígenas no país. Vale destacar que a ANAÌ, sobretudo os

12

Para mais informações acessar: http://www.pineb.ffch.ufba.br

Page 37: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

37

pesquisadores da Bahia, se dedicaram as questões específicas dos Kiriri, intervindo nos

processos de reorganização deste grupo e ao mesmo tempo realizando pesquisas e

estudos que hoje servem de suporte para analisar e entender as questões históricas que

marcam este grupo.

Os Kiriri também foram alcançados pelo visível crescimento do movimento

indígena nacional, que se fortaleceu numa realidade de inoperância da FUNAI, nas mais

diversas regiões do país, fato que paralisava a resolução de processos de demarcação, e

nesse contexto o grupo Kiriri se empenhou para organizar-se politicamente, visando

articular o grupo para o início da luta pela demarcação oficial das terras e uma das

primeiras medidas estratégicas para isso foi a escolha de um líder para o grupo.

(BRASILEIRO; SAMPAIO, 2012).

Em 1972, o índio Lázaro Gonzaga foi escolhido como cacique pelo grupo que

estava se formando para reivindicar a posse da terra. Esta escolha considerou a questão

religiosa e política. Vale destacar que o novo cacique assumiu em um contexto em que a

disputa pela terra já se instalava e envolvia índios, fazendeiros, posseiros e

representantes da FUNAI. A escolha do novo cacique sofreu uma influência dos chefes

da FUNAI da época que acreditavam que Lázaro Gonzaga seria o mais adequado para a

instalação deste novo projeto que se estabelecia nas terras Kiriri13

.

A definição do novo líder contou também com influências religiosas, pois desde

o início da década de 1960, missionários da religião Baha’i, percorriam as terras Kiriri,

e influenciavam o grupo, que até então estava carente de relacionamento com

instituições religiosas que apoiassem sua causa. Nesse sentido, os kiriri estabeleceram

uma relação de trocas de interesses com os Baha’i, e aprenderam com eles novas

estratégias políticas como organização de assembleias, trabalhos coletivos e formas de

negociação com o poder público. (BRASILEIRO; SAMPAIO, 2012).

Segundo o professor José Augusto Laranjeira Sampaio,14

o índio Lázaro

Gonzaga assumiu como cacique em 1972 dentro de um projeto político definido

13

Dado fornecido pelo Professor José Augusto Laranjeiras através de entrevista realizada na cidade de

Salvador/BA, em 09 de outubro de 2015. O conteúdo dessa entrevista foi utilizado em diversos momentos

nesse trabalho. 14

José Augusto Laranjeiras Sampaio é professor da Universidade do Estadul da Bahia, (UNEB), é

Pesquisador Associado do Programa de Pesquisas sobre Povos Indígenas do Nordeste Brasileiro - UFBA.

Autor de diversos textos e pesquisas relacionados com o grupo Kiriri, atualmente desevolve trabalhos

com os Kiriri. Estes dados foram coletados através de entrevista realizada na cidade de Salvador/BA, em

09 de outubro de 2015. O conteúdo dessa entrevista foi utilizado em diversos momentos nesse trabalho.

Page 38: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

38

estimulado pelo chefe de posto da FUNAI, na época. Em certa medida, a liderança de

Lázaro trouxe um centralismo político, pouco questionado nos momentos iniciais da

reconquista da terra, mas que posteriormente contribuiu para a fragmentação e

surgimento de facções do grupo. Desde que assumiu como cacique, Lázaro explicitou

sua postura e decisão de reconquista em relação à terra indígena Kiriri e como pretendia

avivar a aldeia e seu grupo, mudar os rumos de uma história marcada pelo extermínio

dos índios. Sob a nova liderança, os Kiriri levantaram sua bandeira de luta firmando sua

postura em relação a FUNAI, exigindo a demarcação das suas terras. (DPGS, 2004)

Por volta do ano de 1985, Lázaro juntamente com seus companheiros,

começaram a fazer suas próprias demarcações, abrindo picadas e delimitando marcos

nos arredores das terras que consideravam ser suas originalmente. Estas medidas

repercutiram de forma positiva em meio ao grupo afirmando a seriedade do movimento

de reconquista das terras iniciado na década anterior. Ainda em meio às articulações e

iniciativas, o cacique Lázaro entrou em contato com outro grupo indígena da região, os

Tuxás que habitavam o município de Rodelas, vizinho ao município de Banzaê também

na região norte da Bahia, para a reinvenção do ritual do Toré. O objetivo na busca do

ritual era revitalizar as tradições do grupo Kiriri em defesa de uma identidade coletiva,

também utilizada como estratégia política a favor da luta pela demarcação oficial.

Estas medidas foram fundamentais para o andamento do processo de

demarcação e para a concretização do mesmo. Vale destacar o impacto causado pela

iniciativa dos Kiriri em fazer suas próprias demarcações, fato que chamou atenção tanto

dos posseiros como de políticos da região que não estavam dando muita credibilidade

ao movimento dos índios. Nesse contexto, destacam-se ainda as diferenças político-

ideológicas entre os representantes políticos de Ribeira do Pombal15

com o então

governador do estado, Antônio Carlos Magalhães. Esta rivalidade política contribuiu

para o andamento do processo de demarcação das terras indígenas que foi acelerado

como forma de represália do governo do estado para com a prefeitura de Ribeira do

Pombal.

A ação do governo do estado desagradou aos políticos da região, mas favoreceu

os Kiriri e destacou o desempenho do cacique Lázaro, que a partir de então ganhou mais

força política em meio ao grupo, sendo visto como um líder combativo.

15

Nesse período as terras dos Kiriri ainda pertenciam ao município de Ribeira do Pombal, pois ainda não

havia sido criado o município de Banzaê.

Page 39: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

39

Apesar dos avanços e conquistas, surgiram algumas divergências em relação às

medidas de retomada e demarcação da terra. Depois de demarcada a terra, o próximo

passo era a retirada dos posseiros e ocupação das regiões de tabuleiros, como a Baixa da

Catuaba que ficava entre Mirandela e o Poço que não estavam sob o domínio dos Kiriri

e também não desenvolviam nenhum tipo de agricultura. Naquela conjuntura era

fundamental que estes espaços fossem ocupados. Desse modo, o cacique Lázaro optou

pela introdução das roças comunitárias, com a produção de mandioca e com cajueiro.

Nesse contexto, Lázaro adotou uma política centralizadora que foi desgastada

com o passar dos anos, e este fato gerou o descontentamento de parte do grupo que

estava espalhado no território. A partir daí os Kiriri iniciam um movimento de divisões

internas, formam-se facções pelos povoados, evidenciando as divergências políticas do

grupo. Estes episódios acabaram por atrasar o processo de demarcação, uma vez que os

próprios Kiriri estavam divididos e desarticulados.

4.2. O conflito entre Kiriri

As divergências entre os Kiriri se acirraram significativamente a partir de 1981,

quando a FUNAI iniciou o processo de estudos para a demarcação das terras. Aos

poucos os Kiriri foram ocupando alguns povoados como Sacão, Lagoa Grande, Baixa

da Cangalha, Cacimba Seca e Canta Galo, com objetivo de bloquear o avanço dos

posseiros. Há que se destacar que as terras ocupadas pelos posseiros nesse período eram

de pouca produtividade. Nos terrenos mais planos (os tabuleiros)16

foram implantadas

as roças comunitárias com extensas plantações de mandioca e cajueiro.

Para a manutenção dessas roças os membros do grupo ou povoado tinham de

trabalhar pelo menos dois dias nessas lavouras, e os lucros gerados eram repassados à

liderança para custear as viagens e despesas na luta pela terra. Ocorreu que o uso dos

lucros foi questionado por alguns membros, pois se desconfiava que os resultados das

plantações estivessem sendo desviados para conselheiros e para o próprio Lázaro. As

medidas adotadas pelo líder foram bem sucedidas no que diz respeito à retomada das

16

Grande extensão de terras apropriadas para o desenvolvimento de diversas plantações.

Page 40: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

40

terras e retiradas dos posseiros, contudo o centralismo das decisões gerou uma

instabilidade no grupo provocando um processo de divisão entre os Kiriri17

.

A política de Lázaro tendia a centralização do poder de decisão no grupo, fato

que tencionava ainda mais os conflitos. As exigências impostas pelo cacique, como a

obrigatoriedade de prestar dias de trabalho nas roças coletivas, a perseguição ao uso de

bebidas alcóolicas em terra Kiriri, além das represálias aos que mantinham algum tipo

de relação de trabalho com posseiros, constituíam seu plano de unidade para o grupo,

porém geraram a insatisfação de muitos índios em alguns núcleos18

. O cacique deu

continuidade a seu projeto de unidade e implantou uma política batizada como “coador”

que determinava, basicamente, que quem não dedicasse um ou dois dias de trabalho na

roça coletiva, quem mantivesse relações de trabalho com não índios ou bebesse cachaça

seria expulso das terras19

.

No final da década de 1980, os grupos dos povoados de Canta Galo e da Baixa

da Cangalha resolveram conjuntamente eleger outro cacique, pois não apoiavam a

postura política de Lázaro. Nesse contexto, o índio Niel, morador da Baixa do Juá,

pequeno núcleo da Baixa da Cangalha, foi eleito como novo cacique, fato que acentuou

ainda mais os conflitos.

A eleição de Niel provocou uma divisão territorial entre os índios, a qual

assumiu a seguinte forma: de um lado os povoados de Baixa da Cangalha, Lagoa

Grande, e Canta Galo ficaram sob a liderança de Niel; de outro lado os povoados do

Sacão, Cacimba Seca, parte da Lagoa Grande e Mirandela mantiveram Lázaro como

líder. A partir daí os conflitos entre os Kiriri tornaram-se mais intensos e esta situação

atrasou a demarcação e reconhecimento da terra.

Segundo o depoimento do professor José Augusto, tais conflitos foram, em

alguns momentos, violentos. O cacique Lázaro não admitia a autonomia do outro grupo,

entendendo-se como líder único, ameaçando expulsar aqueles que não estivessem de

acordo com sua política, com isso criou uma espécie de elite militar responsável por

rondas nos povoados para efetivar a política do coador e expulsar das terras indígenas

aqueles que não acatassem suas determinações.

17

Entrevista realizada com o Professor José Augusto Laranjeiras Sampaio em Salvador/BA, no dia 09 de

outubro de 2015. 18

Os núcleos eram pequenas aglomerações dentro de povoados maiores pertencentes à terra Kiriri. 19

BRASILEIRO, Sheila. A organização política e o processo faccional no povo indígena Kiriri. 1996. Nº

de pág.250. Dissertação de Mestrado. Salvador. UFBA. 1996.

Page 41: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

41

Vale destacar que a política do cacique Lázaro era muito centralizadora, e em

alguns momentos radical, mas garantiu ganhos para o grupo Kiriri forçando o

reconhecimento e a demarcação definitiva das terras. Em 1983, por exemplo, o grupo

liderado por Lázaro ocupou a Fazenda Picos, a maior da região e de propriedade do

senhor Artur Miranda20

, permaneceu por lá até a FUNAI indenizar o fazendeiro. Em

seguida houve a ocupação da fazenda de Raul Nobre21

, na Baixa da Cangalha. As

estratégias de ocupação mantidas pelo cacique Lázaro foram bem-sucedidas e geraram

credibilidade para a luta indígena frente ao governo do estado já no final dos anos

198022

.

De fato, a estratégia de demarcação e expulsão dos não índios e o apoio do

governo do estado trouxeram vitórias para os Kiriri, mas tudo isso teve um preço: gerou

o faccionalismo Kiriri, acentuando ainda mais a realidade de conflito nas terras

indígenas, como informa o professor José Augusto Laranjeira Sampaio. Em sua

entrevista, destacou que a estratégia de demarcação e expulsão dos não índios e o apoio

do governo do estado trouxeram vitórias para os Kiriri, contudo os índios vivenciaram o

centralismo político econômico dentro do grupo, e esse foi um dos motivos que gerou o

faccionalismo kiriri, acentuando ainda mais a realidade de conflito nas terras indígenas.

A instalação dos conflitos fez com que alguns grupos começassem a intervir,

com destaque, para um grupo de freiras da cidade de Cícero Dantas23

, que dividiam seu

apoio entre os posseiros e os índios liderados pelo cacique Niel. Estas freiras

desenvolviam pequenos projetos com os posseiros financiando a compra de máquinas

para produção de farinha e pequenas lavouras, mas também apoiavam os índios de dois

povoados, pertencentes à terra indígena, eram eles Marcação e Araçás com projetos de

escolas e educação influenciando-os a conviver pacificamente com os não índios. O

grupo de freiras de Cícero Dantas também estava dividido quanto ao apoio na situação

de conflito presente na aldeia. De um lado, a freira Lúcia apoiava a política do cacique

Lázaro e consequentemente, a expulsão dos posseiros definitivamente das terras Kiriri;

20

Influente fazendeiro da cidade de Tucano que mantinha sua fazenda com trabalho de posseiros e mão

de obra indígena. 21

Fazendeiro de grande influência na região de Ribeira do Pombal e Tucano. 22

Nesse período o governador do Estado era Waldir Pires do Partido do Movimento Democrático

Brasileiro (PMDB). 23

Município baiano membro da microrregião de Microrregião de Ribeira do Pombal (Nordeste do estado

brasileiro da Bahia).

Page 42: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

42

e do outro lado, havia o posicionamento da freira Gabriela que defendia o convívio

pacífico entre índios e não índios.

O depoimento de José Augusto L. Sampaio elucida que a participação do grupo

de freiras de Cícero Dantas gerou mais tensão nos conflitos entre os Kiriri. Em meados

da década de 1990, depois de muitos desentendimentos com o grupo de Lázaro e as

ameaças de expulsão das terras, Niel deixou de ser cacique e Manoel Batista, que já

atuava junto com Niel, assumiu como novo cacique com algumas interrupções entre os

anos de 1991 até 1994, até consolidar-se definitivamente como liderança mais

expressiva em meio aos conflitos. A partir daí os Kiriri assumiram uma realidade de

conflito interno e de disputas entre as lideranças dos povoados. O grupo de Lázaro,

nesse período, já ocupava a vila de Mirandela, ocupação ocorrida após um longo

período de chuvas que atingiram o núcleo do Sacão. Neste núcleo estavam instaladas

muitas famílias indígenas, que viviam do trabalho de ganho, pequenas roças e criações.

Com as casas destruídas pelas chuvas, foi necessário a reconstrução das mesmas,

contudo na época esse processo foi realizado em Mirandela. Em seguida, o grupo de

Lázaro ocupou o núcleo de Gado Velhaco, localizado na entrada de Mirandela, e

avançou mais um pouco chegando ao povoado de Marcação. Esta última ocupação

promoveu no grupo de Manoel o sentimento de aprisionamento dentro das próprias

terras, conjuntamente com as ameaças de Lázaro em expulsá-los do território, assim a

situação ficou ainda mais complicada.

O cacique Lázaro contava com apoio do governador da época, Waldir Pires, que

autorizou o pagamento das indenizações e retirada dos não índios da terra. Tal

influência política impactava o grupo de Manoel, o qual na tentativa de reverter à

situação rompeu com o apoio das freiras de Cícero Dantas, que propagavam uma

política de aceitação dos posseiros, e passou a se instalar nas áreas onde os não índios

estavam. Dessa forma, o grupo de Manoel ocupou o povoado de Araçás e parte da

Baixa da Cangalha. Estas medidas adotadas por Manoel acirrou ainda mais os

confrontos, exigindo inclusive a participação da Polícia Federal na área.

Em 1996, houve o enfrentamento dos grupos pelo controle das terras na Lagoa

Grande, povoado dentro dos limites da terra indígena. Os conflitos entre as duas

facções ocorreram motivados pelo controle e acesso às terras do povoado.

Anteriormente, no ano de 1995, a FUNAI interviu nos conflitos, mas esta ação agravou

ainda mais a divisão dentro da aldeia Kiriri. No fragmento extraído do Diagnóstico

Page 43: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

43

Socioambiental (2004), realizado pela ANAÍ percebe-se como se deu a participação da

FUNAI, neste ocorrido:

A facção liderada por Lázaro Gonzaga ocupa Mirandela; a escalada de

violência é sustada pela presença massiva de agentes da Polícia

Federal; [...] A facção liderada pelo jovem Manuel Cristovão Batista

padece nas “procissões aos gabinetes” da FUNAI, de Brasília e A E R/

Paulo Afonso, encetando esforços pela liberação de recursos para a

indenização dos posseiros. Enquanto isso, prepostos da FUNAI

regional, na aldeia e no calor dos conflitos, inculcaram nos índios

componentes da facção liderada por Lázaro que a facção contrária não

teria direito às terras (indenizadas e lideradas pelos posseiros) por não

ter lutado “para (re) conquistá-las”. (DPGS, 2004, p. 47).

Neste fragmento, as distintas formas de luta adotadas por cada um dos grupos

são evidenciadas. De um lado o cacique Manoel, buscando entendimento com os órgãos

responsáveis; de outro lado, o cacique Lázaro, centralizando as decisões e impondo a

retirada imediata dos posseiros e o corte de relações com estes. Destaca-se ainda a

participação da FUNAI, que deveria atuar para promoção da solução do problema, mas,

ao que parece, não adotou essa prática e incentivou a rivalidade entre os grupos. Vale

destacar que, alguns representantes da FUNAI desde os anos de 1970, quando iniciou a

luta pela demarcação das terras, já mantinham uma relação de interesses políticos com o

cacique Lázaro e por esse motivo, negligenciavam os conflitos internos ao grupo. Na

década de 1990, pesquisadores ligados a ANAÍ, que visitaram a terra indígena Kiriri,

relataram as impressões acerca dos conflitos entre os grupos de Manoel e Lázaro,

ratificando mais uma vez como influências externas contribuíam para inflamar a relação

entre os índios.

No caso da Terra Kiriri, as facções políticas, gestadas e nutridas no

período mais crítico de extrusão, também foram abandonados à

própria sorte, dada a negligência perniciosa do órgão indigenista,

cujos prepostos regionais, muitas vezes, deliberadamente, estimularam

a divisão interna, os ódios e as inimizades, ao invés de buscar mitigar

seus efeitos, enquanto representantes da instância mediadora e

formalmente competente para monitorar, de maneira tentativamente

transparente e isenta, a reconfiguração territorial pós-extrusão.

(DPGS, 2004, p. 48.)

O depoimento apresenta o descuido da FUNAI em relação aos conflitos internos

ao grupo Kiriri. Essas dificuldades de organização por parte do órgão indigenista

Page 44: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

44

provocaram uma tensão ainda maior entre os índios, agravando a conclusão do processo

de demarcação oficial das terras.

Com os Kiriri divididos e mais a interferência das freiras de Cícero Dantas, dos

políticos e até mesmo da FUNAI, o processo de conclusão de demarcação oficial das

terras e retirada dos não índios foi dificultado. É importante destacar que os povos

indígenas sempre tiveram sua história marcada pela influência de grupos externos e no

caso Kiriri não foi diferente. Nesse contexto, outros elementos, com destaque para

forças religiosas, contribuíam para potencializar as disputas entre as facções. Brasileiro

(1996) destaca:

A facção liderada pelo cacique Manuel vem sendo assistida por

setores da Igreja Católicos fortemente engajados no movimento de

trabalhadores rurais na região e que ali exercem considerável controle,

o seu poder coercitivo residindo, essencialmente, na eficácia com que

vem injetando, nas comunidades “do cacique Manuel”, uma

diversidade de bens e serviços de significativa relevância.

(BRASILEIRO, 1996, p.3)

Pode-se concluir que, se de um lado o cacique Lázaro atuava com um

centralismo político evidente, por outro lado o cacique Manoel recorria às benfeitorias

cedidas pelos grupos religiosos e em certa medida, cedendo espaço a não índios, fato

que prejudicava a unidade do grupo na definição da posse das terras. Os motivos que

nortearam a divisão entre os Kiriri perpassam do campo cultural ao político, além das

influências externas (não índios) que acirraram ainda mais os conflitos. Percebe-se que

a divisão interna gerou notadamente o enfraquecimento dos Kiriri, facilitando, dessa

forma, durante algum tempo, o controle de não índios na região. O conflito interno entre

os Kiriri permaneceu durante todo o processo da reconquista das terras dificultando

ainda mais a conclusão da demarcação definitiva. (DPGS, 2004).

4.3. Conflito entre os Kiriri e os posseiros.

Apesar de vivenciarem uma realidade de conflito entre os grupos dos caciques

Lázaro e Manoel, os Kiriri tinham também uma disputa maior com o grupo de não

índios que ocupavam seu território. Vale destacar que o cacique Lázaro, contando com

sua representatividade política fora e dentro da vila, estabeleceu medidas para retomar

as terras dos não índios. Uma dessas medidas foi à organização de uma roça

Page 45: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

45

comunitária localizada no sul das terras indígenas na estrada que liga Mirandela a

Ribeira do Pombal (Figura 01).

Figura 01: Trabalho em roças comunitárias – Fazenda Picos.

Fonte: Jornal da Bahia - 23 de abril 1983

Esta medida foi uma estratégia para a ocupação e reconstrução do território,

além de servir para demarcar a posse de um espaço e para demonstrar a relação do índio

com suas terras e com seu grupo. Esta ação revelou a importância simbólica da terra e a

noção de coletividade entre o grupo, colocando a terra para além da posse pessoal, como

um fator de promoção da unidade, associando território e simbolismos. (RAMOS,

1988).

A compreensão da terra como um recurso natural vinculado à vida social

dissocia-se da ideia de propriedade individual. O sentido da coletividade na posse de

terras indígenas apresentada por Ramos (1998) se aproxima da proposta feita pelo

cacique Lázaro de promover reavivamento dos costumes originais do grupo, incluindo a

posse da terra como um bem coletivo. A iniciativa desse cacique de organizar estas

roças comunitárias, juntamente com o grupo, não surtiu certo efeito, por algum tempo,

mas muitos regionais24

continuaram a ocupar as terras.

Ao longo do processo de reconquista das terras, outras medidas foram tomadas

como a ocupação da fazenda Picos, que tinha como proprietário o senhor Artur

24

Este termo refere-se a posseiros, fazendeiros e pequenos agricultores que não respeitavam as

determinações legais nem os limites das terras indígenas Kiriri.

Page 46: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

46

Miranda, considerado um dos maiores inimigos dos Kiriri, devido a sua forte ligação

com os políticos locais. Esta medida significou uma decisão desses índios em

avançarem no processo de retomada de suas terras sem esperar as definições do estado.

(DPGS, 2004).

A ocupação da Fazenda Picos representou a real intenção dos Kiriri de expulsar

de vez os posseiros e os regionais. Esta atitude foi pensada e organizada pelo grupo sob

a liderança do cacique Lázaro e vista como uma forma de inibir as ações dos não índios,

além de pressionar a FUNAI a resolver definitivamente os problemas instaurados

naquela região. (DPGS, 2004). A Figura 02 refere-se a alguns os trabalhos nas roças

comunitárias que foram instaladas na fazenda Picos, como estratégias de ocupação das

terras, com objetivo de forçar a redefinição da posse em favor dos Kiriri.

Figura 02 – Índios Kiriri no caminho das roças coletivas na fazenda Picos.

Fonte: http://fckfeiradecultura.blogspot.com.br/. Acesso Jun. de 2016.

A ocupação da fazenda Picos instalou-se um clima de muita tensão entre índios,

fazendeiros e também com a FUNAI. Os Kiriri mantinham a pressão sobre o órgão para

que a situação fosse definida de fato. Uma nota publicada pelo jornal Estado de São

Paulo, no ano de 1982, revela o clima tenso que rodeava a região e os grupos

envolvidos no conflito. Na nota consta que:

[...] Gino Manoel dos Reis e Manoel Calazans de Souza em entrevista

coletiva convocada pela Associação Nacional de Apoio ao Índio –

Page 47: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

47

Anaí – secção de Salvador, disseram que o clima na região é de guerra

desde março do ano passado, quando a FUNAI demarcou 12.300

hectares que lhes pertence. Mas até agora eles estão esperando a

desocupação das terras e responsabilizam a fundação por esta situação

“já que ela não tomou conhecimento da presença dos dois mil

posseiros que vivem na área a mais de 150 anos”. Cansados de esperar

pela promessa de solução, os dois mil quiriris fizeram uma

Assembleia, presidida pelo cacique Lázaro e tomaram a decisão de

reter na aldeia o delegado da FUNAI em Recife, Leonardo Machado,

se ele aparecer por lá “Ele vai ficar preso até resolver. Se não aparecer

vamos atacar. Não podemos mais esperar. Já perdemos duas colheitas

seguidas e antes de junho precisamos começar a plantar”. (Jornal

Estado de São Paulo, 28 de janeiro de 1982. DOKANAÍ, Pág.08,

Salvador – Bahia).

Ocupar a fazenda Picos representou uma reação dos índios contra a situação

estabelecida, uma vez que as terras já demarcadas continuavam invadidas e a FUNAI

continuava a negligenciar os conflitos. Estes acontecimentos desencadearam uma série

de outros, tão graves e violentos quanto o primeiro. A partir desta ocupação o grupo

avançou significativamente no processo de reconquista das terras, contudo, ainda

existiam divergências sobre as medições das terras. Em nota divulgada no Jornal da

Bahia, em 23 de abril de 1983, foram descritas as medições da terra,

A demarcação foi concluída mais surgiu daí a controvérsia, do que

seja “uma légua em quadra”. A FUNAI, os kiriri, e os antropólogos da

Universidade Federal da Bahia consideram esta medida, conforme

está no Alvará da Coroa Portuguesa (1700) um octógono (polígono de

oito lados) com uma légua (seis quilômetros e meio) centro e a igreja

da Missão até os vértices do polígono. Isso corresponde a 12 mil e 300

hectares.

O Instituto de Terras da Bahia (Inter-Ba) foi acionado para defender

os interesses dos fazendeiros ligados ao (PDS-2)- que perdeu as

eleições em Ribeira do Pombal – os índios votaram do PSD -1. Na

interpretação do Inter-Ba e dos fazendeiros “uma légua em quadra”

significa um quadrado com meia légua do centro até os extremos

(norte) e meia légua do centro até o outro extremo (sul), Meia légua

para leste e meia légua para oeste dando um total de 4 mil e 350

hectares.

Mesmo assim admitindo esta versão a desapropriação de Picos só

garante 600 hectares aos kiriris. De acordo com o delegado da FUNAI

nesses 600 hectares, além do fazendeiro Artur Miranda (1 mil e 400

tarefas), estão Antonio Ponte Miranda (200 tarefas), Heráclito Dantas

Miranda (150 tarefas), José Emanuel dos Santos (100 tarefas), Maria

Miranda Barros (100 tarefas), Zezito da Gama (100 tarefas) e Antonio

Nogueira (50 tarefas). Cada duas tarefas e meia corresponde a um

hectare.

E o resto das 4 mil e 350 hectares, ou dos 11 mil e 600 hectares, de

acordo com a demarcação da FUNA Í,estão ao longo da estrada entre

Ribeira do Pombal e Mirandela, e de Mirandela para a Lagoa Grande,

Page 48: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

48

na fazenda Picos. (Jornal da Bahia, 23.04.83. DOKANAÍ, Pág. 18.

Salvador- Bahia).

O fragmento extraído do referido Jornal traz a distribuição geográfica da

ocupação de não índios em terras Kiriri e aponta para uma dominação da família

Miranda, grupo que mais dificultou a demarcação definitiva das terras. Esta reportagem

apresenta ainda a diferença entre as medidas espaciais defendidas por cada grupo e

como estas dificultavam a conclusão e regularização das terras.

Nesse contexto de tensão, os conflitos em Mirandela se acirraram ainda mais no

período das eleições municipais (1983/1984), em Ribeira do Pombal. Os grupos

políticos da região se manifestaram em relação aos conflitos, porém estes

posicionamentos vieram carregados de interesses próprios e eleitoreiros, fato que não

contribuiu para a resolução dos conflitos, adiando a demarcação oficial. Sobre estas

questões o Jornal A Tarde publicou uma nota, cujo trecho foi transcrito abaixo:

[...] Tudo começou durante a campanha eleitoral, quando uma

candidata a vereadora pelo PSD – 1 conhecida como Maria Tidinha

começou a angariar assinaturas da população para acabar com o

conflito de terra só que defendia a expulsão dos índios, pura e

simplesmente (...) o grupo adversário que elegeu o prefeito Pedro

Rodrigues do PSD- 2 como divisor de águas da campanha eleitoral

utilizou a questão dos índios defendendo uma solução da FUNAI

deixando parte do território invadido com os quiriri e indenizando o

proprietário (A Tarde, 14.12.1982. DOKANAÍ, Pág. 16. Salvador-

Bahia).

As disputas pela terra acirraram-se consideravelmente, e em fins da década de

1980, aproximadamente 85% das terras indígenas passaram a compor o município de

Banzaê25

. A criação deste novo município foi pensada como uma forma de redefinir a

demarcação das terras indígenas e também representou uma articulação política dos

grupos da cidade de Ribeira de Pombal que nutriam diferenças políticas com o governo

do estado da Bahia que continuava autorizando a reintegração de posse aos Kiriri e

pagamento das indenizações aos posseiros para que estes desocupassem definitivamente

as terras, além disso, muitos índios saíram das terras e perambulavam pelas ruas de

Ribeira do Pombal, fato que gerou muitas reclamações da comunidade local e queixas

às autoridades políticas para que o problema fosse resolvido.

25

Este município foi criado pela Lei Estadual n. 4.485 de 24 de fevereiro de 1989, publicada no Diário

Oficial de 25 de fevereiro de 1989.

Page 49: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

49

Este acontecimento, assim como os questionamentos em relação às medidas das

terras, funcionou como mais um mecanismo político para dificultar a reconquista das

terras indígenas. A criação do município de Banzaê foi uma articulação dos políticos de

Ribeira do Pombal, com o objetivo de “se livrar” dos Kiriri definitivamente, uma vez

que ficou determinado que Mirandela fosse a sede do novo município, fato que não

aconteceu, e os índios permaneceram em suas terras, enfrentando as mesmas

dificuldades. (BRASILEIRO, 1995).

Em sua entrevista, o professor José Augusto destacou que além das questões

políticas enfrentadas pelos Kiriri, acrescentam-se outras dificuldades relacionadas à

natureza, solo inadequado para a agricultura com a presença de serras e matas, além das

fortes chuvas ocorridas no período e que destruíram casas de 50 famílias indígenas, na

Lagoa Grande. É importante observar que a ocorrência das chuvas que atingiu o núcleo,

contribuiu para a unidade do grupo, que frente ao prejuízo, se articulou dando maior

visibilidade ao movimento. As famílias indígenas acamparam nos arredores de

Mirandela, improvisando habitações e toda a estrutura para sobrevivência. Diante de

tantos conflitos e disputas legais pela garantia da terra no início dos anos 1990, o então

presidente da república José Sarney assinou a homologação da terra indígena Kiriri.

Esta decisão foi registrada no cartório de Ribeira do Pombal que assim a descreveu:

[...] ÁREA INDÍGENA “KIRIRI” localizada neste município de

Ribeira do Pombal, Estado da Bahia, com superfície total de 12.299

(...) área constante da presente matrícula, foi criada pelo decreto

98.928 de 15 de janeiro de 1990, publicado no Diário Oficial da União

de 16.01.90. Trata-se de terras de posse imemorial e tradicional do

Grupo Indígena sendo-lhe destinado usufruto exclusivo das riquezas

dos solos, dos rios, dos lagos, e de todas as utilidades nelas existentes,

senão bens inalienáveis, (...) e indisponível da UNIÃO FEDERAL, e

que não podem ser objeto de arrendamento desapropriação (salvo o

previsto no artigo 20), ou qualquer negócio jurídico que restrinja o

pleno exercício de posse da comunidade indígena. Cartório de

Registro de Imóveis e Hipotecas. (Certidão, fls. 83, livro 2-N,

matricula nº 2.969, Registro nº R-l-2.969. Pag. 45. DOKANAÍ,

Salvador – Bahia)

O documento registrado em cartório comprovou a demarcação oficial das terras

indígenas Kiriri e como estas deveriam ser respeitadas segundo a Lei, conferindo aos

índios o controle da propriedade, descartando a possibilidade de qualquer tipo de

negociação, além de considerar a terra como um patrimônio da memória e da tradição

Kiriri, e, portanto, de direito dos mesmos. Contudo, a resistência dos regionais foi

Page 50: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

50

intensa, estes não aceitaram de forma passiva as providências tomadas pelo Estado e as

tensões se acirraram ainda mais, perdurando por quase um ano, sendo que somente em

1991, a FUNAI indenizou algumas famílias de posseiros que foram retirados de

Mirandela, e o grupo do cacique Lázaro ocupou as casas que ficaram vazias na vila. Tal

ocupação motivou uma tensão ainda maior entre os grupos e suas respectivas lideranças,

os Kiriri neste momento encontravam-se divididos: de um lado os que estavam com o

cacique Lázaro, do outro lado, com o cacique Manoel.

Os dois grupos continuaram lutando pela conquista da terra, cada um a seu

modo. O grupo liderado por Manoel nesse momento já ocupava os núcleos de Araçás,

Segredo, a nova vila Cajazeira (formada pelo grupo), e parte da Baixa da Cangalha.

Como estratégia de retomada, este líder dedicava-se as viagens para os gabinetes da

FUNAI, na tentativa de manter a paz com os posseiros e definir a situação de ambos os

grupos de forma que nenhum fosse ainda mais prejudicado. Por outro lado, o grupo

liderado por Lázaro se mantinha em Mirandela sem “arredar o pé” e recorria à política

das plantações comunitárias, que, além de ocupar o território, atuava como forma de

reunir os Kiriri, emitindo uma ideia de unidade do grupo o que pressionava tanto os

posseiros a desocuparem a área como o governo do estado que entendia a legitimidade

do movimento de reconquista das terras organizado pelos índios. Os Kiriri constituíram

mais roças comunitárias nos arredores de Mirandela, com o intuito de definir de vez a

situação ali posta. (BRASILEIRO, 1996).

A falta de providências para a relocação dos posseiros promoveu maior tensão

entre índios e não índios. No ano de 1991, as terras indígenas foram homologadas e os

posseiros ainda estavam em Mirandela esperando indenizações e o deslocamento para

locais determinados pelas instâncias do estado. A falta das medidas para remoção

imediata dos posseiros trouxe novas situações para o conflito. Durante o processo de

demarcação havia mais de 300 famílias de posseiros na terra indígena Kiriri, eram

pequenos grupos de camponeses que viviam da venda de produtos daquelas terras e,

portanto, necessitavam de um lugar para que pudessem continuar a produzir. A demora

nas indenizações agravou a situação desses sujeitos que se recusavam a sair de

Mirandela, por ter construído uma estrutura física definida.

A saída dos não índios das terras deveria ter sido garantida pelos órgãos

responsáveis, através de indenização e relocação dos mesmos para outros espaços onde

pudessem reconstruir suas vidas. A realidade de conflitos existente em Mirandela

Page 51: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

51

pressionou a FUNAI para que apressasse a desocupação das terras e realizasse o

pagamento das indenizações aos posseiros, na tentativa de finalizar os conflitos entre

índios e não índios. Em meados do ano de 1995, esta Fundação, pressionada ainda mais

pelo Ministério Público da União, iniciou o processo de desocupação de Mirandela e de

toda a terra indígena concluindo este trabalho somente no final de 1998, quando os

posseiros foram retirados definitivamente, encerrando os conflitos com os Kiriri.

As disputas ocorridas em Mirandela tiveram como motivos elementos diversos

como a negligência dos órgãos responsáveis em mediar o conflito, a interferência

político-religiosa da região e o próprio conflito interno ao grupo. O processo de

reconquista das terras pelos Kiriri afetou profundamente as estruturas estabelecidas

pelos posseiros que moravam na região, pois estes tiveram de abandonar suas casas,

lavouras e criações que matinha em Mirandela e seus arredores. Após a retirada as

famílias dos posseiros foram relocadas para assentamentos do INCRA, na cidade de

Tucano. Este deslocamento obrigou o grupo a reorganizar suas estruturas recomeçando

com novas lavouras e criações, na tentativa de redefinir suas fontes de sobrevivência.

A demarcação oficial das terras não promoveu o fim das confusões. Após o

processo oficial de demarcações, os Kiriri passam a reviver alguns conflitos dentro da

própria terra. Estes são, de certo modo, continuação daqueles instaurados no início dos

anos 1980. Com a terra indígena reconhecida e demarcada, novas (ou renovadas)

tensões e inquietações, como a diferença política no próprio grupo, se reapresentaram e

uma nova dinâmica se instalou entre o grupo.

4.4. Linha do tempo: principais episódios da história Kiriri

Durante o processo de demarcação das terras Kiriri, muitos acontecimentos

foram fundamentais para a reorganização social deste povo. Os conflitos e diferenças

políticas existentes no grupo ainda permanecem até os dias atuais. O quadro que se

apresenta destaca, em resumo, alguns fatos da história Kiriri.

Estes episódios se destacam como momentos decisivos no processo de retomada

e demarcação das terras indígenas. São apresentados também, fatos mais recentes dessa

história, que serão tratados no capítulo seguinte deste texto. São acontecimentos que

marcam o novo período vivido pelos índios e a nova estrutura política que se instalou

em Mirandela a partir do ano de 2010.

Page 52: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

52

Quadro 01 - Acontecimentos marcantes da história Kiriri - (1972 – 2015).

Ano Acontecimento

1972 Assunção de Lázaro Gonzaga como cacique do grupo. Adoção de

uma política de reorganização do grupo.

1980 Instalação de uma política de autodemarcação - criação de grupos

para organizar marcação de pontos limites sem nenhum tipo de

autorização legal, os Kiriri instalam pontos de marcação pelo

território. Fato que gerou conflitos com fazendeiros da época e

também acentuou a divisão interna do grupo.

1983 Ocupação da Fazenda Picos: os índios Kiriri ocuparam uma das

maiores fazendas da região, sob o controle da família Miranda,

dessa forma pretendia pressionar os órgãos estatais para legalizar a

demarcação e oficializar a posse das terras.

1990 Desvinculação dos povoados de Baixa da Cangalha, Baixa do Juá e

Canta Galo da liderança de Lázaro. Assunção de novo cacique, Niel.

Homologação do processo de demarcação das terras indígenas Kiriri

– Decreto nº 98.828 de 15 de janeiro de 1990/ regularização

imobiliária Reg. Cl. Mat. 2969, livro 2m, f. 83 de 23 de março de

199026

.

1994 Substituição do cacique Niel por Manoel Batista nos povoados de

Baixa da Cangalha, Baixa do Juá e Canta Galo. O faccionalismo

entre os Kiriri é declarado.

1995 Indenização da FUNAI aos posseiros. Ocupação definitiva da Vila

de Mirandela pelos Kiriri.

1998 Retirada dos últimos posseiros da terra indígena kiriri. As políticas

de organização dos povoados são estabelecidas por suas lideranças.

Mirandela ficou sob a liderança do cacique Lázaro Gonzaga com

auxílio de conselheiros e um vice-cacique, Marcelo de Jesus.

2003 Permanência da política centralizadora do cacique Lázaro.

Manutenção do descontentamento do grupo que vive em Mirandela,

inclusive do vice-cacique Marcelo, o qual inicia um conflito político

com Lázaro.

2005 Ações de Marcelo de Jesus busca projetos de valorização cultural,

instalação de serviços de tecnologia, como internet na vila de

Mirandela. Aumento da tensão entre Marcelo e o cacique Lázaro.

2007 Resultados das ações de Marcelo: instalação da primeira rádio

comunitária e da antena de internet.

2010 Rompimento do então vice-cacique Marcelo de Jesus com o então

cacique de Mirandela Lázaro Gonzaga. O fato representa a

declaração de uma nova liderança, a aldeia de Mirandela foi dividida

em dois grupos e novas situações de conflitos instalam-se na vila.

2015 Comemoração dos 20 anos de reconquista do território. A divisão

entre os grupos o que resultou em comemorações de forma separada,

cada qual realizou seus rituais e festejos em dias diferentes.

26

Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D98828.htm. Acesso 07 de

jan. 2016.

Page 53: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

53

5. Viver em Mirandela: caracterização, costumes e significados.

Nossa terra é nossa terra mãe. Essa é a fala de Marlene de Jesus, índia Kiriri,

artesã, conselheira27

, 52 anos e moradora de Mirandela, quando perguntada sobre como

é viver em Mirandela hoje e o que pensa sobre o sentido de território. A narrativa de

Marlene revela a relação entre os índios e sua terra. Durante todo o processo de

reconquista os Kiriri evidenciaram a necessidade de que esta terra fosse demarcada

oficialmente, como forma de garantir a permanência do grupo naquele local, que

consideravam ser sagrado. Sobre esta questão o cacique Marcelo de Jesus afirma que,

É importante ela [a terra] ser oficialmente demarcada... Porque isso dá

um direito pra gente que vai constar, na realidade, no registro que ela

é um território indígena, então assegura, e evita de invasores e

também como um direito que nós temos [...] E aí é onde dá toda

segurança pra gente, pra que a gente possa [...] viver nela, praticar a

nossa [...] cultura, nós viver nela pra trabalhar, pra nós sobreviver com

nossos filhos e ter nossa segurança ali [...] (Marcelo de Jesus, índio

Kiriri, 46 anos).

O relato aponta que a importância da demarcação das terras não só estava ligada

a uma necessidade material e para sobrevivência, mas também como espaço a

manutenção da cultura e dos costumes Kiriri que deviam ser valorizados e preservados.

Na sua narrativa, o cacique revela que demarcar as terras e ter registros destas

demarcações poderia contribui para conter o acesso de invasores no local, garantido a

segurança dos índios e sua permanência no espaço que consideram o seu território.

O processo de retomada e demarcação das terras foi longo e com muitos

agravantes como a participação de grupos religiosos e políticos da região e do

faccionismo existente dentro do próprio grupo. Após a demarcação oficial e retirada dos

últimos posseiros, no final dos anos 90, os índios Kiriri se reorganizaram de muitas

maneiras, alguns povoados foram assumidos por novas lideranças, Mirandela assumiu a

posição de centro da terra indígena, porém a atmosfera de conflito dentro do grupo

permaneceu agora movida por outras diferenças.

Atualmente, a terra indígena kiriri possui aproximadamente 12.300 hectares, que

ultrapassam os limites dos municípios de Banzaê, Ribeira do Pombal, Quijingue e

Tucano. Contudo, a maior parte dessas terras ocupa o município de Banzaê, que é

27

Marlene de Jesus faz parte do grupo de conselheiros do cacique Marcelo de Jesus.

Page 54: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

54

responsável pela disponibilização dos serviços públicos para todos os povoados que

compõem esta área indígena. Nesta nova realidade, Mirandela encontra-se dividida em

dois grupos com líderes distintos: de um lado, o cacique Lázaro Gonzaga, personagem

conhecido desde o início da luta pela terra e de outro lado, Marcelo de Jesus que se

tornou uma liderança após romper com o antigo cacique28

.

5.1. Caracterizações de Mirandela.

Após longo processo de reconquista as terras Kiriri foram finalmente reconhecidas

como área indígena. Para tanto, foi preciso definir os limites dessas terras. Os mapas a

seguir (Figuras 03 e 04) representam propostas para a definição das terras e apresentam

a delimitação e marcos iniciais para a legalização das terras:

28

Sobre esta divisão trataremos no ponto 5.4 deste texto, dedicado exclusivamente a esta nova realidade

de conflitos em Mirandela.

Page 55: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

55

Figura 03 – Delimitação inicial das terras Kiriri proposta pelos índios de Mirandela/Banzaê no

estado da Bahia, 1947

Fonte: Serviço de Proteção ao índio. Polo Paulo Afonso, doc. Nº3335 - 17/07/1947/ DOKANAI

– Doc. 18 /1995

A Figura 03 é a representação dos marcos da terra indígena proposta pelos

próprios índios, ainda na década de 1947, quando foi instalado o posto do Serviço de

Proteção ao Índio em Mirandela. No registro da documentação do Museu do Índio

(referenciado acima), quando o grupo inicia a luta pela demarcação das terras as

marcações apresentadas na figura foram retomadas, já na década de 1990, através de

Page 56: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

56

relatórios desenvolvidos pelas equipes ligadas a FUNAI. A figura 04 apresenta uma

segunda proposta de delimitação:

Figura 04: Caracterização parcial do solo da terra indígena Kiriri onde se encontram

posseiros -1995.

Fonte: Fundação Nacional do Indio –FUNAI/ DOKANAI – Doc. 18A/1995

Page 57: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

57

As figuras 03 e 04 sugerem a formação da terra indígena Kiriri, considerando os

lugares sagrados segundo o grupo, bem como os povoados ocupados por índios por

longo tempo e as grandes áreas que serviam para produção, especialmente de caju e

castanhas29

.Observa-se que a delimitação proposta forma um octógono, e no centro,

localiza-se a vila de Mirandela que em meio ao processo de demarcação tornou-se

também o principal cenário de resistência e representatividade Kiriri. Segundo Bandeira

(1972) está figura origina-se a partir da medida de uma légua das antigas sesmarias que

media cerca de 6.600 metros, partindo do ponto central das terras a todas as partes,

também considerando as medidas da igreja de missionários que usavam os oito pontos

cardeais e colaterais. Ao final das medições tem-se este formato octagonal regular, que

caracteriza a terra Kiriri e mede cerca de 12.320 hectares.

Atualmente Mirandela ainda possui destaque em relação aos demais povoados,

atuando como centro de realização das manifestações culturais, reuniões políticas e

festejos e sendo reconhecida como marco da luta pela reconquista.

Os demais povoados são independentes, contam com modestas estruturas

políticas e econômicas próprias, e com líderes locais que auxiliam na organização dos

núcleos. Com o fim do processo de demarcação, estes núcleos ficaram mais evidentes.

A figura a seguir apresenta a localização mais exata dos povoados com compõem à terra

indígena Kiriri,

29

Dado extraído de entrevista consentida pelo Professor José Augusto Laranjeiras Sampaio, em

09/10/2015 – Salvador/Bahia.

Page 58: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

58

Figura 05 – Octógono representativo das terras Kiriri, após o pedido de demarcação -1993

Fonte: Jornal Bahia Hoje, 15/10/1993. Pág. 15. – DOKANAÍ.

A Figura 05 indica a definição do octógono após a demarcação das terras e

pontos de marcação e de preservação da terra indígena como as Serras do Camarão, da

Rã e do Sacão. Esta figura também indica os principais núcleos quando se iniciou o

processo pela legalização das terras: Mirandela (centro), Cacimba Seca (superior à

esquerda), e Baixa do Sacão (parte superior a direita); Baixa da Cangalha (superior à

esquerda); Lagoa Grande (superior à direita) e Canta Galo (inferior à direita).

Atualmente, a terra kiriri é composta por outros povoados sendo nove ao total,

incluindo Mirandela, são eles: Lagoa Grande, Canta Galo, Baixa da Cangalha, Segredo,

Gado Velhaco, Curral Falso, Araçá e Marcação. Segundo o cacique Marcelo, existem

ainda mais alguns pequenos vilarejos que são agregados a estes povoados. Esta divisão

já existia desde o início do processo de demarcação e foi mantida quando ocorreu a

legalização definitiva das terras30

.

Neste trabalho as observações de campo foram feitas em Mirandela, o objetivo

foi perceber a organização social, política e econômica predominante na vila após a

30

Dado fornecido pelo índio Marcelo de Jesus em entrevista realizada em Mirandela-Banzaê/BA, em

Outubro de 2015.

Page 59: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

59

demarcação oficial. Durante as visitas a vila, logo se percebeu a dificuldade de acesso.

Tanto as estradas como os meios de locomoção até Mirandela eram muito precários.

Sobre o transporte, contava-se apenas com o ônibus que presta serviço a prefeitura de

Ribeira do Pombal e realiza o transporte escolar. As alternativas são os chamados carros

de lotação que circulavam nas estradas de acesso à vila em direção aos municípios de

Banzaê ou Ribeira do Pombal. Por último, os táxis e moto táxi que circulavam entre os

municípios e quando solicitados faziam transporte de passageiros com destino a

Mirandela e a outros povoados da terra Kiriri.

São duas vias principais: uma via direta da cidade de Ribeira do Pombal e outra

via Banzaê. Nas duas alternativas o perigo era evidente. As estradas não contam com

nenhuma pavimentação (asfalto), acostamento ou placas de sinalização. Também,

devido ao tipo de relevo da região, são formadas por muitas ladeiras, inclinadas e com

muitos pontos de barro e pedregulho. Em caso de chuva, não só a vila de Mirandela,

como os demais povoados que compõem a terra Kiriri, podem ficar isolados. As figuras

06 e 07 apresentam à estrada de acesso à vila.

Segundo Marlene de Jesus, índia Kiriri, artesã, as estradas são muito ruins o que

dificulta o acesso tanto ao município de Ribeira do Pombal, quanto à Banzaê. Ainda

segundo a entrevistada essa dificuldade atrapalha a vida dos índios que ficam, muitas

vezes, impossibilitados de ir à cidade para “resolver suas questões, vender ou comprar

mercadorias”.31

31

Dado extraído de conversa informal com a índia Marlene de Jesus, durante a visita a vila de Mirandela

em 10 de novembro de 2015.

Page 60: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

60

Figura 06 - Estrada de acesso a Mirandela.

Fotografia: Brito, (2015).

Figura 07 - Saída da Vila de Mirandela.

Fotografia: Brito, (2015).

A primeira impressão ao chegar a Mirandela pela estrada de acesso via Ribeira

do Pombal é de um pequeno vilarejo construído a volta de uma antiga igreja católica.

Composta por casas simples e aparentemente sem nenhum tipo de serviço de

saneamento como redes de água ou esgoto. Outro ponto que marca as impressões da

vila é a praça. Com o passar do tempo muitos elementos que compõem a praça foram se

deteriorando. Os bancos e paralelepípedos estão danificados, também se observa

buracos no calçamento em torno da praça. As figuras 08 e 09 ilustram essa descrição

Page 61: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

61

Figura 08 – Vista da chegada em Mirandela

Fotografia: Brito (2015).

Figura 09 – Praça da Vila Mirandela

Fotografia: Rozany de Jesus, índia Kiriri. (2015).

Na figura 08 é possível observra as casas ao redor (cerca de 70 unidades) trata-se

de construções antigas, muitas já em ruínas, que evidenciam carências enfrentadas pelos

Kiriri. Toda a vila de Mirandela ainda é composta por casas muito antigas, as quais

pertenciam aos posseiros. Alguns índios informaram que há uma dificuldade de viver

nessas casas, pois muitas faltam serviços básicos. Sobre esta estrutura, a entrevistada

Marlene de Jesus informa:

Minha casa falta banheiro né, que banheiro é o que o não índio deixou

ainda, não tem... A instalação é velha, colocaram nas outras casas,

Page 62: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

62

mas na minha casa parece que esqueceram, não colocaram, é

instalação velha... E faltam outras coisas mais pra melhora... Que a

prefeita que é do município não valoriza nós índio, ela não liga com

limpeza da rua, a lâmpada dos postes ela só vem trocar se a gente

cobrar... É assim, ela não liga muito pra gente. (Marlene, índia kiriri,

52 anos).

O depoimento de Marlene aponta para a precariedade das casas, e que também

se apresenta por toda Mirandela. Segundo a índia, faltam serviços públicos e o poder

municipal, não oferece nenhum tipo de apoio aos índios. Mas uma vez observa-se a

negligência dos representantes políticos da região que se ausentavam das questões

indígenas, desde o processo de demarcação e continuam com a mesma prática nos dias

atuais. Outro aspecto de destaque na vila é a igreja católica no centro de Mirandela.

Ainda mantida como um símbolo da presença dos católicos e missionários que

estiveram em Mirandela, a igreja continua ocupando seu lugar na vila, mas necessitando

de reformas e reparos (Figura 10).

Figura 10 – Igreja Católica em Mirandela

Fotografia: Brito (2015).

A igreja continua com paredes imponentes no ponto mais alto do vilarejo, mas

as portas estão envelhecidas e em péssimo estado de conservação, o telhado desabou e

encontra-se no chão em ruínas32

. Mesmo como uma posição centralizada na vila, a

32

Não foi possível fazer imagens da parte interna da igreja para melhor apresentar a situação em que se

encontra, por que os Kiriri se recusaram a abrir as portas com receio de acidentes.

Page 63: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

63

igreja católica hoje não representa mais um ponto de destaque ou representatividade

cultural para os Kiriri. Há uma nova conjuntura cultural em Mirandela, na qual os

resquícios históricos de uma catequização e presença de não índios já não interessa

tanto a maior parte dos Kiriri33

.

Segundo o cacique Marcelo, a igreja católica não é mais considerada um

elemento de representação da cultura na vila e ao lado dela foi construído um casebre34

,

como mostra a Figura 11.

Figura 11 - Casebre onde são realizados rituais e festejos na Vila de Mirandela.

Fotografia: Brito (2015).

Neste casebre construído são realizados alguns rituais, benzeduras e reuniões.

Segundo o cacique, para os índios não existe um significado do posicionamento da

igreja no centro de Mirandela, certamente essa disposição tem sua representação e

simbolismo associada à presença dos não índios no lugar. O que prevalece neste

momento para os índios é o desejo de valorização da sua cultura, suas manifestações e

crenças.

33

Nota fornecida por Marcelo de Jesus em entrevista consentida em Mirandela- Banzaê/Bahia, em

novembro de 2015. 34

Este nome foi utilizado para definir a casa onde acontecem os rituais religiosos e preparo de alimentos

para os dias de festa do grupo liderado pelo cacique Marcelo de Jesus. Este termo foi sugerido pelo

mesmo cacique em entrevista consentida em novembro de 2015.

Page 64: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

64

Sobre a produção agrícola, os povoados, de forma independente, estabelecem o

que irão plantar. As principais lavouras cultivadas são milho, feijão e mandioca. Esse

sistema de produção ainda mantém a herança das roças coletivas, em que famílias

trabalham um dia na semana juntas na mesma lavoura, e os demais dias da semana estão

livres para tratar de suas próprias roças e pequenas criações. Marlene relata um pouco

sobre este esquema de trabalho.

E a gente também tem a roça da união que a gente trabalha na segunda

feira [...] Planta e colhe, tanto faz feijão como mandioca [...] Depois

de pronto à gente tira pra a gente comer nos dias tradicionais que é o

dia 19 de abril e o dia 11 de novembro e o mais a gente vende pra

investir no panelão da união, por que tem o panelão da união.

(Marlene de Jesus, índia Kiriri, 52 anos).

O depoimento de Marlene indica a forma de trabalho coletivo que ainda é

mantido, neste caso, pelo grupo sobre a liderança do cacique Marcelo35. Vale destacar

no relato da índia o movimento que ela chamou de “panelão da união”. Este

acontecimento é uma forma de reunir os Kiriri (liderados por Marcelo) e de outras vilas,

pertencentes a terra Kiriri, para festejar e reforçar laços de unidade entre eles. Nesse

sentido vale inferir que o grupo liderado pelo cacique Marcelo, busca a construção da

unidade política com outros grupos. Entende-se que estes grupos comungam das

mesmas ideias, sejam elas de preservar os aspectos culturais dos Kiriri. Esta unidade,

contudo, exclui o grupo de Lázaro que não participa de nenhum destes eventos, pois é

contrário as ações desenvolvidas por Marcelo e seus aliados36

.

Observou-se também que há divisão social e sexual do trabalho, ainda que haja

tarefas realizadas conjuntamente, como nas plantações, tem-se um grupo demarcado

pelas perspectivas de gênero. Para os homens ainda há a atribuição de responsabilidades

relacionadas às atividades de caça ao passo que as mulheres são responsáveis pelo

preparo dos alimentos cotidianos e aqueles que serão servidos em dias festivos para

todo o grupo. Outro ponto que se pode observar na narrativa da índia, é que a produção

também é comercializada, porém em menor escala. Os Kiriri em Mirandela, ainda

praticam a produção especialmente para subsistência do grupo nesta vila.

(CARVALHO: SILVA, 2009). Estes índios plantam para o consumo das famílias, mas

também vendem sua produção nas feiras livres nos municípios de Banzaê e Ribeira do

Pombal. Esta venda contribui para a aquisição de outros bens necessários as famílias.

35

Sobre a forma de trabalho do grupo liderado pelo cacique Lázaro Gonzaga não se obteve informações. 36

Dado extraído de conversas informais durante as idas a campo.

Page 65: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

65

O artesanato também tem sido uma forma de sobrevivência para alguns Kiriri.

São confeccionadas peças com matéria prima retirada da própria vila, como frutos do

liculizeiros, sementes de diversas árvores, penas de pássaros silvestres, penas de aves

como galinhas d’angolas, fibras e palhas, entre outros37

. Segundo Marlene, a terra

oficialmente demarcada é muito significante para a produção artesanal e para o sustento

do grupo.

E hoje ela [a terra] tá vestida ela tá toda cobertinha [...] Da onde a

gente tira nosso sustento, donde a gente tira madeira, fibra, a palha e

até coleciona as penas dos pássaros pra gente fazer nosso artesanato

que é de nós sobreviver. (Marlene, 52 anos, índia kiriri).

Os índios Marlene de Jesus e Lourival de Jesus são representantes da produção

artesanal da vila e viajam para algumas cidades da região para divulgar o trabalho. As

visitas aos municípios vizinhos promovem não só a arrecadação de fundos para a

continuidade da produção artesanal, mas também contribuem para o sustento das

famílias que desenvolvem este tipo de trabalho, o qual aparece na imagem a seguir

(Figura 12).

Figura 12 – Barraca de artesanato Kiriri.

Fotografia: Brito, (2015).

A imagem apresenta uma barraca com diversos tipos de artesanatos que os Kiriri

produzem. A foto foi feita no dia 19 de abril de 2015, durante os festejos na vila em

comemoração ao dia do índio. Expressa os artefatos artesanais produzidos no local e

que são levados aos municípios vizinhos para comercialização. Vale acrescentar que os

37

Estas informações foram concedidas por índias Kiriri em conversas nas visitas ao campo.

Page 66: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

66

artesanatos também são comercializados nas casas dos índios, tanto em Mirandela como

em outros povoados pertencentes à terra indígena. Atualmente, as viagens a outros

municípios e a participação em feiras culturais representam uma oportunidade de

mostrar a outras pessoas um pouco da cultura e do trabalho dos Kiriri. Nesse sentido,

através dos trabalhos artesanais, o grupo liderado por Marcelo, têm empreendido

esforços para valorizar e divulgar os costumes e práticas, como forma de fortalecimento

cultural do grupo.

Outro elemento importante, segundo os Kiriri, para a manutenção de sua cultura

é a existência de uma escola na vila. Mesmo em um contexto de divergência presente

em Mirandela mantem-se a escola estadual indígena, que foi conquistada logo após a

demarcação, depois de muitos apelos e reivindicações dos índios. (CORTÊS, 1996). A

escola hoje atende crianças e adolescentes do local, é um dos lugares mais valorizados

pelos Kiriri, pois acreditam na educação como mecanismo de promoção da

transformação social, e também de manutenção dos costumes e tradições quando

adequada a realidade do seu povo38

. O processo de reconquista das terras despertou nos

Kiriri o sentimento de reconstrução e manutenção de sua identidade. Nesse sentido a

defesa da existência do espaço escolar caracteriza-se como um instrumento permanente

de luta política, uma vez que nesta escola os índios terão acesso à sistematização de

saberes universais e ao mesmo tempo serão tratados os conhecimentos tradicionais do

grupo, a fim de fortalecê-los e garantir a sua perpetuação em meio às gerações futuras.

(SANTANA, 2008).

Além disso, a existência da escola na vila, que se deu no início dos anos de

1980, gerou empregos para os índios, a partir das propostas de projetos específicos para

o grupo. Estes projetos defendiam a permanência dos índios como responsáveis por toda

a manutenção do espaço escolar, desta forma professores/as, merendeiras, diretor/a e

demais funcionários deveriam ser índios. (CORTÊS, 1996).

O fato dos professores serem índios contribui significativamente para o projeto

de valorização da cultura e costumes Kiriri. Para Marlene de Jesus, com a atuação dos

professores na escola podem ser criadas novas formas de educar considerando os

elementos culturais do grupo, fortalecendo-os.

Nas visitas a Mirandela, observou-se que ainda existem muitas diferenças

políticas, a vila ainda vivencia um processo de reconstrução social e revitalização dos

38

Informação oriunda da entrevista de Marlene de Jesus, índia kiriri, artesã. Mirandela/Banzaê. 2015

Page 67: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

67

costumes. Contudo, o projeto de gestão da escola pelos próprios Kiriri tornou-se

fundamental para que os costumes e tradições do grupo pudessem ser mantidos em toda

a vila, desconsiderando o conflito interno existente, uma vez que na escola os sujeitos

tanto do grupo sob a liderança de Marcelo como os liderados por Lázaro covivem e

trocam saberes e conhecimentos.

5.2 O significado do território em Mirandela.

Para Reesink (2011), o território dos indígenas é seu espaço natural e existe nele

uma relação entre homem e natureza, as ligações com o simbólico, como a religiosidade

e relações com elementos sobrenaturais, também fazem parte da construção territorial.

O processo de definição de um território corresponde a um movimento de constante

mudança, que se apropria de elementos culturais, políticos, econômicos e sociais de um

grupo que se adéqua e acomoda em determinado espaço.

Nos relatos e depoimentos foi possível inferir que para os Kiriri de Mirandela

permanecer naquela terra é fundamental para suas vidas. A saída da vila para outro local

poderia romper com as relações sobrenaturais que os Kiriri cultivam. Descata-se o

relato da índia Marlene de Jesus, 52 anos, que afirma: “significa uma terra santa... [...]

uma mãe terra, uma mãe natureza que é dela que a gente tira o nosso sustento e o nosso

sobreviver”. Para Marlene, a terra é o território, ou seja, espaço, natureza e sujeito estão

associados simbolicamente. A terra é santa, é uma mãe, que fornece o sustento.

Em outro depoimento o índio Manoelino, 37 anos, se refere à terra como

“patrimônio da união”. Uma conquista realizada através da união dos índios, mesmo

considerando a existência dos conflitos internos, a maioria dos Kiriri tinham o mesmo

objetivo que era de reaver suas terras e retirar delas os não índios. Nesse sentido,

considera-se também que o é trabalho do grupo que faz a terra produzir o seu próprio

sustento, e esta apropriação atribui à terra a noção de território em movimento constante

de reconstrução. (GALLOIS, 2004). Desse modo, entende-se que o território Kiriri vive

um processo de territorialização constantemente modificado por ações e acontecimentos

que ocorrem em todo tempo na história do grupo. (OLIVEIRA, 2011).

Segundo o cacique Marcelo de Jesus, território é “Onde nós podemos é...

Trabalhar, criar nossos filhos é... Buscar nosso direito pra ali. Então pra mim é a nossa

vida. Pra mim nosso território é a nossa vida”. Essa busca pelo direito é mantida através

Page 68: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

68

da tentativa de valorização e reconhecimento dos costumes Kiriri. Desde o início da luta

pela retomada das terras, e demarcação definitiva, estes índios utilizavam dos elementos

culturais para significar a importância daquela porção de terra, estes significados faziam

da terra seu território.

Apesar de apresentar uma estrutura precária com a falta serviços públicos no

vilarejo, períodos longos de seca que dificultam a produção agrícola e a criação de

animais, os Kiriri demonstram satisfação por viverem em Mirandela. Segundo o índio

Lourival de Jesus, artesão, 60 anos: “viver em Mirandela hoje pra nós é bom demais.

Assim, por que a gente... O costume da gente, a gente já tem aquele costume como uns

e outros e tudo (...)”. Viver em Mirandela significa viver em parceria. Essa convivência

não anula a existência dos conflitos, que tem suas origens no passado dos Kiriri, e que

resistem até hoje e são motivados por diferenças políticas.

A vila de Mirandela passou (e ainda passa) por um processo de construção em

que a presença de não índios sempre foi marcante. Antes dos Kiriri retomarem a vila,

posseiros e trabalhadores rurais ocupavam-na, com plantações e pequenas criações.

Desse modo, a vila assumiu uma estrutura física adequada aos costumes destes

trabalhadores, mas, com o retorno dos índios, aos poucos, este aspecto adquirido

precisava ser refeito, e assim começaram a reconstruir Mirandela com uma “cara”

indígena.

Estes esforços permanecem ainda hoje, o entrevistado Manoelino de Jesus

Santos, descreve a realidade do grupo em Mirandela,

[...] a realidade de Mirandela hoje ela, [...] Tem duas caras: ela tem a

cara indígena e a não indígena. [...] Essas casas do projeto minha casa

minha vida, a gente lutou pra que ela mudasse, pra ter uma cara

indígena [...] Política né, no caso hoje só se resolve as coisas na

política... É... Num teve oportunidade [...] Porque a gente queria que

todas essas casas fossem no formato indígena, mas veio daquele jeito,

como você tem observado, aí tem aquelas formas lá, mas a gente

queria as formas mais caracterizadas indígenas. Mas isso não

aconteceu [...] Porque nós temos que preservar aquilo que é da gente e

não preservar o que não é da gente. Por que isso aqui tem a cara do

branco. (Manoelino de Jesus Santos, 37 anos, índio Kiriri).

Neste depoimento pode-se destacar alguns pontos a respeito dessa cara dupla

que Mirandela apresenta hoje: observa-se desejo de preservação de características

básicas da cultura indígena, como por exemplo, a proposta de que no projeto minha casa

Page 69: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

69

minha vida39

, que foi iniciado na vila, as construções seguissem o modelo de oca

tradicional dos Kiriri. Nesta narrativa destacam-se também indícios da participação

política neste projeto, quando se refere à falta de apoio de um representante político,

fato que acabou por inviabilizar as construções das casas seguindo o modelo Kiriri.

Observa-se neste caso a continuidade do descaso dos representantes políticos em

relação às questões indígenas e as dificuldades que o grupo ainda enfrenta para

reconstruir seus costumes e tradições. (DPGS, 2004).

O índio Manoelino destacou também como foi difícil à luta pela reconquista do

território: “Foi derramado sangue [...] Então é por isso que hoje a gente quer que seja

uma cara indígena”. As dificuldades de retomar suas terras, de reconstruir este território

foram muitas e por isso os índios consideram importante que a vila de Mirandela

assuma definitivamente uma identidade Kiriri, mantendo seus costumes e tradições

sempre presentes.

Como já foram destacados, os motivos para que os Kiriri reivindicassem suas

terras estavam relacionados com questões simbólicas e materiais. Mesmo após a

homologação e definição de posse das terras, este grupo ainda enfrenta dificuldades e

questões internas que necessitam de um constante movimento de resistência para que as

tradições e costumes não se percam. O índio, Adenilson de Jesus, 46 anos é um dos

líderes religioso do grupo e se refere à necessidade de permanecer na luta em defesa dos

direitos e tradições Kiriri.

E essa resistência pra gente fortalecer a nossa cultura [...] Mirandela

hoje [...] é um sonho, foi um sonho que os índios tinham. A história

que no tempo dos jesuítas quando chegou, [...] ele começou a

catequizar no caso e ai foi passando a dizer pra índio não devia vestir

usar a roupa dele [...] Perderam a língua no caso, a língua não o jeito

de falar. E ai pra buscar isso tudo de novo, vai demora um tempo, mas

a gente vai à busca disso aí. (Adenilson de Jesus, índio, 46 anos).

Este depoimento aponta para as marcas históricas deixadas nos povos indígenas

pela colonização. A referência à catequização jesuíta denuncia as imposições e perdas

que os Kiriri sofreram em toda sua história. Mesmo em um contexto de comum

resistência aos desmandos dos religiosos, os grupos indígenas, em muitos casos,

sofreram com o desaparecimento de suas práticas culturais. (MONTEIRO, 1992).

39

Programa de construção de habilitações para famílias de baixa renda instituído pelo Governo Federal

sob-regime da LEI Nº 11.977, DE 7 DE JULHO DE 2009.

Page 70: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

70

O relato expõe ainda a necessidade de fortalecimento da cultura, que depende

dos esforços do próprio grupo Kiriri. Evidencia-se a preocupação com a preservação

cultural de Mirandela após a retirada dos não índios, além disso, percebe-se a ideia de

luta e resistência com continuidade, ou seja, para os índios, é fundamental a resistência

permanente, em suas terras, para que suas práticas, costumes e tradições sejam

mantidos.

5.3 Mirandela e o Toré: o ritual como forma de resistência.

Durante o processo de retomada e ocupação das terras, os índios empenharam

esforços para que seu território fosse reconhecido definitivamente como patrimônio

Kiriri. Estes esforços foram empregados das mais diversas formas, desde o

enfretamento armado até a recomposição dos elementos culturais do grupo. Nesse

sentido, o cacique Lázaro quando assumiu a liderança do grupo, ainda em 1970, adotou

a reinvenção do Toré, um ritual indígena realizado por diversos grupos. Os Kiriri

buscaram a colaboração dos vizinhos Tuxás40

, pois com o processo de dispersão que

sofreram acabaram perdendo o conhecimento de alguns dos elementos que compunha

este ritual e recorreram ao auxílio do grupo Tuxá para a reinvenção do Toré Kiriri.

O Toré é um ritual religioso que conta com aspectos de mediunidade para

ocorrer. É durante este ritual que os encantados se manifestam. (NASCIMENTO, 1994).

O Toré representa também uma festa de agradecimento e ao mesmo tempo para fazer

pedidos de proteção e prosperidade aos encantados, que representam forças

sobrenaturais de grande influência na vida dos índios. São seres invisíveis, mas dotados

de poderes sobre a natureza e que escolheram Mirandela como ponto de concentração.

(BANDEIRA, 1972).

No início de sua introdução no grupo, o Toré acontecia todo sábado à noite, com

música e danças ao som dos maracás41

, muitos índios usam saiotes de fibras e o

terreiro42

era preparado para a cerimônia com o uso de defumadores de ervas e um tipo

de incenso. As bebidas da jurema, o buraiê, o zuru43

são feitas pelas índias Kiriri dentro

40

Grupo Indígena Tuxá, localizado no município de Rodelas, norte da Bahia. 41

São chocalhos confeccionados a partir de uma cabaça, planta comum na região. 42

Espaço de terra batida onde ocorre o ritual do Toré, fica localizado em frente ao casebre onde são

preparadas a bebidas e a comida para o ritual do Toré. 43

O buraiê e o zuru são respectivamente vinho de milho e cachaça comum.

Page 71: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

71

do casebre em frente ao terreiro e em seguida são respingadas no chão. Logo atrás do

conselheiro era feita uma fila, seguido por dois outros entendidos44

, um com uma

lamparina nas mãos outro fumando um cachimbo. Todo esse ritual tem como objetivo

atrair os encantados e afastar as coisas ruins da aldeia. (NASCIMENTO, 1994).

O Toré chama a atenção para uma relação estabelecida com a terra. Desde que

“reinventado” pelos Kiriri, este ritual se transformou no cartão de visita da vila. Era

fundamental sustentar a permanência dos índios no território como umas reivindicações

dos encantados e das forças sobrenaturais que estavam em Mirandela, desta forma os

Kiriri passaram considerar a vila como centro das atenções desde 1970.

O Toré ainda acontece em Mirandela, como forma de comemoração e

agradecimento e segue a mesma liturgia dos anos de sua introdução, com pequenas

diferenças, como a inclusão da zabumba como instrumento de música, mas acontecendo

ainda aos sábados, porém, quinzenalmente, em todos os povoados de forma

independente45

. Segundo o índio Adenilson de Jesus, um dos líderes religiosos de

Mirandela, o Toré representa,

Uma homenagem que os índios falam, os índios cantam né,

oferecendo [...] aos seus, seus naturais né, isso são coisas, [...]

sagradas que temos em nós. E a gente é feliz por isso, por que temos a

paz, temos a saúde em nosso espaço, né. (Adenilson de Jesus, 46 anos,

índio Kiriri).

A relação do Toré com a terra é muito importante para o grupo, que acredita que

através da realização do Toré eles estão seguros e protegidos por seus encantados e

devem agradecê-los por isso. Ainda sobre o Toré, o índio Manoelino, informa,

[...] vamos dizer assim, que é uma concentração que a gente tem, a

nossa concentração aqui, que é o toré. A gente poder pisar o pé no

chão, dali você ter a sua força dada por Deus, e a força da nossa mãe

terra que afirma você com todas as forças. Vamos dizer assim com

todas as letras num é, e é isso [...] A nossa concentração... (Manoelino

de Jesus, índio Kiriri, 37 anos).

No relato o índio se refere ao Toré como uma forma de concentração. A partir

dessa perspectiva pode-se inferir a relação deste ritual com a posse da terra. Outro

aspecto relevante no depoimento é a afirmação de que as forças do grupo vêm da terra e

44

Indivíduos adultos iniciados na ciência dos índios (.NASCIMENTO, 1994). 45

Nota fornecida por Marceelo de Jesus Santos em entrevista consentida em Mirandela- Banzaê/Bahia,

em novembro de 2015.

Page 72: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

72

também de Deus. A partir desse relato percebe-se que a realização do Toré é uma forma

de manter os Kiriri fortes e unidos em seu território.

Nos dias atuais, o Toré assumiu várias funções, desde a forma de agradecimento

aos encantados pela força e pela prosperidade como também uma forma de manter a

unidade do grupo e também uma forma de representação e valorização da cultura Kiriri.

O cacique Marcelo, quando questionado sobre a realização do Toré, relata:

[...] objetivo do Toré [...] Desse trabalho cultural nosso, dessa

atividade nossa, que nós praticamos. Primeiro: [...] É uma coisa

sagrada... É uma atividade sagrada nossa que nós não devemos

esquecer, por que... É onde nos fortalece, e ser índio né, e ser kiriri...

E... Principalmente na parte cultural nós como indígena é uma força

[...] A gente tem... Fé, que ali aqueles [...] Nossos encantados né estão

com a gente, a força da natureza, tudo... A força dos nossos

antepassados está com a gente. Então isso aí jamais nós devemos

esquecer, jamais nós devemos, né, de esquecer isso aí. Então pra nós é

uma força. (Marcelo de Jesus, índio Kiriri, 46 anos).

As afirmações do cacique revelam o caráter sagrado da realização do Toré, e ao

mesmo tempo demonstra a preocupação deste líder em manter essa tradição, para que

ela não seja perdida. Durante o período das festividades em Mirandela, o Toré é

realizado como ponto alto dos festejos, pois não só representa a cultura Kiriri, como

também um ritual sagrado que precisa ser mantido. Em dias festivos em Mirandela,

como o dia 19 de abril, o dia do índio, o Toré acontece como forma de relembrar as

lutas de reconquista e promover a valorização da cultura. As Figuras 13 e 14 ilustram

etapas da preparação e o início da celebração do Toré.

Figura 13 – Preparação das bebidas e oferendas para os encantados no dia do Toré.

Fotografia: Brito (2015).

Page 73: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

73

Figura 14 - Início do Toré na vila de Mirandela.

Fotografia: Blog Radio Kiriri. Banzaê-Bahia.46

Vale acrescentar que diante da realidade de Mirandela, dividida em dois grupos,

o Toré acontece em dois momentos: cada grupo realiza o seu ritual e ambos

comemoram a retomada. Em 2015, foram comemorados os 20 anos de reconquista da

terra, e dois dias de Toré foram realizados. A Figura 15 ilustra os desfiles de

comemoração pela retomada das terras Kiriri47

.

46

https://radiokiriri.wordpress.com/2014/04/19/kiriris-celebram-o-dia-do-indio/. Acesso 22 de janeiro de

2016. 47

Esta fotografia refere-se somente ao grupo do cacique Marcelo que autorizou o uso das imagens. Não

foram utilizadas fotografias do grupo liderado pelo cacique Lázaro das comemorações dos 20 anos de

retomada porque não houve autorização para este tipo de publicação.

Page 74: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

74

Figura 15 - Desfile de comemoração pelos 20 anos de retomada das terras.

Mirandela/Banzaê, 2015.

Fotografia: Brito (2015).

A imagem retrata alguns integrantes do grupo liderado por Marcelo com a faixa

escrita na língua mãe dos Kiriri48

. Nestas comemorações, observaram-se alguns detalhes

que revelam a relação que cada grupo mantem com a história dos Kiriri. O cacique

Marcelo e seus liderados realizam todos os rituais, apresentações e discursos em frente

ao casebre construído ao lado da igreja, no centro da vila (Figura 16).

Figura 16- Kiriris em desfile em frente ao casebre.

Fotografia : Brito (2015)

48

Esta língua mãe ainda esta sendo resgatada e reelaborada por integrantes do grupo de Marcelo. Não

enfatizamos a respeito por se tratar de algo em construção pelos Kiriri. Esta informação foi retirada das

conversas informais durante os trabalhos de campo.

Page 75: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

75

O cacique Lázaro, por outro lado, realiza suas comemorações no centro da praça

da vila e em frente à igreja. Assim como o grupo de Marcelo, o de Lázaro juntamente

com sua família, conselheiros e aliados realizam suas comemorações na Praça de

Mirandela e comemoram as retomada e retorno para suas terras. A Figura 17, ilustra as

comemorações do grupo liderado por Lázaro49

.

Figura 17 – Desfile dos Kiriris em frente à igreja.

Fonte: Índios Online - Disponível em http://www.indiosonline.org.br/2016

A localização dos festejos em lugares diferentes não revelam apenas as

diferenças políticas de cada grupo. Quando se observa a permanência do cacique Lázaro

em frente à igreja católica, por exemplo, pode-se inferir a manutenção de práticas

históricas que surgiram na década de 1970, quando os Kiriri, definiram Mirandela como

centro das reivindicações e a igreja como um ponto de apoio e referência do movimento

de reconquista. Por outro lado, o cacique Marcelo realiza seus festejos em frente a um

casebre construído ao lado da igreja, infere-se, portanto, e como base nos relatos do

próprio líder que há uma necessidade de substituir os pontos de referência da vila.

Segundo Marcelo, a realização das comemorações feitas no “terreiro” em frente ao

casebre, e não na frente da igreja, representa a valorização dos costumes Kiriri em

substituição aos dos brancos. Para ele, comemorar em frente à igreja católica é

49

A figura 17 foi retirada de um site de acesso livre a visitantes, porque nos dias dos festejos não foi

autorizada fotografas as comemorações do cacique Lázaro e seu grupo.

Page 76: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

76

referenciar a presença do não índio em Mirandela, e isso não faz parte de novo projeto

de fortalecimento cultural da vila, que ele mesmo lidera50

.

Em meio a estas diferenças, foi possível observar que atualmente o Toré tem

como principal objetivo promover a valorização da cultura Kiriri. Mesmo no contexto

de conflitos, o Toré é mantido como elemento fundamental desta cultura, tanto que os

dois grupos que dividem a vila mantém a prática deste ritual. Para os índios,

independente de que grupos façam parte, o Toré é um ritual sagrado, fundamental para a

manutenção da paz em Mirandela, e responsável pela constante presença dos encantados

naquelas terras. Segundo o cacique Marcelo, “O Toré é coisa de índio, é uma

representação da fé e da luta Kiriri pela posse de suas terras”.

Após a reconquista de Mirandela mesmo o com a permanência dos conflitos

internos, o grupo busca manter seus aspectos culturais, atribuindo ao Toré à

responsabilidade de transmitir aos mais jovens e aos não índios, a relação existente entre

povo e território.

5.4 Conflitos atuais em Mirandela.

Depois dos 20 anos de reconquista das terras, o grupo Kiriri ainda carrega

marcas do início desse episódio. Lázaro Gonzaga, personagem marcante da história

deste grupo ainda atua como cacique em Mirandela. Quando assumiu a liderança dos

Kiriri, em 1972, destacou-se no processo de reconquistas por adotar estratégias

significativas para que o grupo reavesse a posse definitiva e legal da terra. Contudo, esta

mesma política considerada centralizadora, em muitos aspectos, como os já citados

neste trabalho, gerou no mesmo grupo descontentamentos que também atravessaram os

anos e estão definidos na atualidade de forma bastante evidente.

Mirandela vive hoje uma divisão política com a instalação de um sutil clima de

tensão. De um lado o cacique Lázaro, mantendo suas raízes históricas e modo de liderar,

de outro Marcelo de Jesus, cada um empreitando esforços naquilo que julgam

importante para o grupo. Vale acrescentar que, conforme relato do próprio Marcelo, ele

lidera cerca de 70% do grupo e o restante (30%) esta sob a liderança de Lázaro.

As idas a campo revelaram um pouco desta rivalidade, e os festejos de

comemoração pela retomada das terras também. Em uma das visitas a Mirandela a

50

Informações extraídas de conversas informais durante as visitas a campo.

Page 77: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

77

conselheira do grupo do cacique Marcelo, Marlene de Jesus, evidenciou que os novos

Kiriri51

reconhecem o cacique Lázaro como personagem fundamental para a retomada

das terras, mas afirmam que após os anos 2000, Lázaro atuou com indiferença e

negligenciou os costumes e apoiou o não índio novamente nas terras, e isso gerou o

conflito e divisão dos Kiriri em Mirandela. As divergências políticas existentes em

Mirandela são visíveis e geram um clima de tensão constante. (BRASILEIRO;

SAMPAIO, 2012).

Durante algum tempo Marcelo atuou como vice-cacique de Lázaro, e nesse

contexto percebeu que a política adotada pelo cacique, não supria as necessidades

locais. O Professor José Augusto Laranjeira Sampaio na sua entrevista relata:

Ele [Lázaro] pega o dinheiro e sai distribuindo, com favor aqui, favor

ali, ou coopta a pessoa com essa política de favorecer um, favorecer

outros, e tal... Então Marcelo começou a questionar esse tipo de

coisa... E Lázaro o destituiu do cargo de cacique, isso eu não

acompanhei, isso é coisa que me contam, ele demitiu Marcelo de vice-

cacique, e disse: se você quiser faça seu grupo mas meu vice você não

é mais, né. E Marcelo ficou um tempo sem ser nada, de verdade, ele

era vice de Lázaro foi demitido, e ficou sendo uma espécie de

oposição, mas uma oposição não organizada, e algum tempo depois,

também não sei por que via, acho que uma forma de administrar

projetos e conseguir receber recursos, ele percebeu que para ele

negociar bem esses projetos fora ele tinha que ser cacique. Ele

[Marcelo] tinha muitos projetos, projeto de construção de casa, de

ponto de cultura, então ele percebeu isso. Então se eu quiser

administrar isso sem a depender de Lázaro eu tenho que dizer que sou

cacique, ai ele resolveu ser cacique. Aí pronto. O confronto com

Lázaro ficou muito mais evidente. (José Augusto Laranjeiras

Sampaio, Professor)

Assumindo como novo cacique, Marcelo, se mostra visionário, buscando

alternativas de melhorias de vida do grupo, além de formas de comunição mais

modernas, como acesso à internet, instalação da rádio para trazer todo tipo de

informação à vila. Vale inferir que as estratégias adotadas por Lázaro, e já citadas neste

texto, representaram formas significativas de rever as terras entre as décadas de 1970 e

51

Referência feita aos integrantes do grupo de Marcelo. Segundo a índia Marlene de Jesus, em conversa

informa nas viagens de campo, o grupo liderado por Marcelo de Jesus, é novo por que assumem uma

postura de revitalização dos costumes e ao mesmo tempo busca o desenvolvimento de toda a comunidade.

Nota fornecida por Marcelo de Jesus em entrevista consentida em Mirandela- Banzaê/Bahia, em

novembro de 2015.

Page 78: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

78

1990, contudo, não se aplicam mais na atualidade, e por isso geram resistência dos

novos Kiriri.

Quando Marcelo resolveu assumir a liderança de parte de grupo, tinha

consciência das necessidades do grupo, e em entrevista expõe:

Como agora eu como liderança, to fazendo isso, e muitas coisas boas

eu quero pra aqui né, pra os indígenas, temos conquistas, escolas aí,

né. Muitas conquistas, escolas, estamos buscando muitas coisas,

projetos, desenvolver nossa cultura, é... Hoje, [...] nós já melhoramos

bastante [...] No inicio de 2000 até 2005, que vem visitar aqui

Mirandela, não é essa Mirandela que a gente tá vendo hoje, não é esse

povo que está hoje aqui [...] Os kiriri que vivia aqui passava fome, não

tinha apoio de nada, de muita coisa, não tinha escola como temos

hoje, não tinha muita coisa não. E hoje não, hoje nós temos. E já da

muito bem pra, pra... Ver assim [...] Mudou muito, e a gente espera

que vai mudar mais. (Marcelo de Jesus, índio, 2015)

O relato do cacique Marcelo, enfatiza as mudanças que ocorreram na vila após

sua decisão de assumir como líder, ao tempo que aponta as dificuldades que os Kiriri já

viveram sob a liderança de Lázaro. O cacique também informa sobre suas intenções de

realizar mais ações na vila, na perspectiva de melhorar a forma de viver do grupo.

Atualmente, observa-se que Marcelo atua como um representante dos interesses Kiriri,

muito ativo e envolvido nas questões do grupo. Dedica-se constantemente a reuniões

com representantes da política local e FUNAI na busca de novos projetos para

desenvolvimento da vila de Mirandela. Essas medidas fizeram com que Marcelo fosse

reconhecido como cacique pela maior parte do grupo que vive em Mirandela52

.

De fato, os conflitos atuais ainda não atingiram momentos críticos como nas

décadas de 80 e 90, a resistência do cacique Lázaro as novas atividades propostas pela

liderança de Marcelo, pode em algum tempo tornar o clima em Mirandela mais tenso.

As diferenças políticas, econômicas e os interesses pessoais existem e se entrelaçam o

tempo todo provocando uma atmosfera de tensão que não se sabe onde pode culminar.

A realidade vivenciada pelos Kiriri de Mirandela é inconstante, mesmo com a atuação

política de Marcelo e seus possíveis esforços na busca do desenvolvimento da vila, é

possível que novas lideranças sejam reveladas, discordando dos métodos e práticas do

líder e dessa forma, outros e novos conflitos venham a se instalar em meio aos Kiriri.

52

Informações extraídas de conversas informais durante as visitas a campo.

Page 79: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

79

Considerações Finais

Os povos indígenas no Nordeste foram personagens de um sistema de

colonização que devido as suas práticas de exploração do trabalho, apropriação das

terras e catequização dizimou muitos grupos, desorganizou e submeteu outros ao

isolamento total. Dentre os diversos grupos indígenas afetados por esse sistema,

incluem-se os Kiriri de Mirandela, que foram o alvo deste trabalho.

Esta população ocupa cerca de 12.300 hectares, dividida em pequenos povoados

indígenas, na região norte da Bahia, entre os municípios de Banzaê e Ribeira do

Pombal. Estes grupos indígenas atualmente já têm a posse de suas terras demarcadas e

legalizadas, contudo, tal processo foi vivenciado por um longo período que marcaram a

vida destes índios.

No que tange ao processo de demarcação iniciado nos anos 70, percebeu-se que

a interferência e a participação de diversos personagens externos à comunidade como a

FUNAI, grupos políticos e religiosos contribuíram para permanência dos conflitos,

quando defendiam seus próprios interesses em detrimento dos interesses dos indígenas.

Notou-se que os índios Kiriri enfrentaram uma disputa pela retomada de suas terras, e

atribuíam a esta um significado, baseado em crenças sobrenaturais, costumes e tradições

fundamentais para a manutenção da sua cultura.

Nos anos 80, na busca pela retomada das suas terras, os índios buscaram a

revitalização de seus costumes, na tentativa de mostrar aos não índios os significados

que estavam presentes naquele território. Nesse sentido, procuraram ajuda dos Tuxá, do

município de Rodelas, também no norte da Bahia, para a reinvenção do ritual do Toré.

Este ritual ainda é realizado pelo grupo para celebrar sua relação com seus encantados,

que são definidos como seres espirituais presentes na natureza e naquele território. O

Toré é um ritual de agradecimento, e celebração da terra é uma forma de consagrar seu

território aos espíritos encantados para que seja protegido.

Outro aspecto marcante durante a retomada das terras foram às estratégias

adotadas pela liderança Kiriri: roças comunitárias, definição dos marcos e ocupação de

pontos importantes do território como as grandes fazendas. Estas estratégias geraram

divergências no grupo, o que também gerou conflitos, com destaque para dois líderes

que passaram a representar a divisão da aldeia: Lázaro Gonzaga e Manoel Batista.

Durante muito tempo os dois disputavam a liderança de alguns povoados, ao fim do

Page 80: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

80

processo Lázaro assumiu como cacique de Mirandela e Manoel Batista de alguns outros

povoados.

Depois das terras demarcadas e reconhecidas Lázaro Gonzaga continuou como

cacique da vila por algum tempo, porém em meados dos anos 2000, também movido

pela discordância na política adotada por este cacique, o índio Marcelo de Jesus assumiu

como uma nova liderança em Mirandela, adotando uma política mais moderna, com a

implantação de projetos, instalação de equipamentos de informática, na vila, entre

outros serviços. A partir daí, uma nova atmosfera de conflito se instalou entre os Kiriri,

e atualmente a vila está dividida em dois grupos sob as distintas lideranças.

A luta pela retomada das terras enfrentada pelos Kiriri carregava significados

particulares para este grupo. Tratava-se não apenas de reconquistar e demarcar uma

faixa de terra, mas retomar aquele território significava voltar às raízes. Na visão dos

Kiriri, a terra não serve somente para plantar, mas para viver.

O processo de demarcação e retirada dos posseiros que habitavam nas terras

durou mais de 20 anos sendo concluído apenas no final da década de 1990. Nesse

contexto de conflitos, a vila Mirandela tornou-se o centro de resistência dos Kiriri e até

os dias atuais permanece como local de encontro, comemorações, rituais celebrados e

disputa do grupo indígena.

A terra e o território para os Kiriri são o seu espaço, o seu lugar. Viver em

Mirandela, demarcada e reconhecida, sem a presença de não índios, significa viver o

direito que os Kiriri têm sobre aquela terra e uma forma de continuar resistindo para que

sua cultura seja repassada para outras gerações, e para que sejam definitivamente livres.

Vale destacar ainda que a confecção deste relatório de pesquisa despertou para

inúmeras questões que ainda cercam os povos indígenas no Nordeste, especialmente na

Bahia. Notou-se que estes povos, historicamente, vivem em uma realidade onde os

conflitos são permanentes. Mesmo com a identificação do grupo como um só, são

presentes as discordâncias políticas e culturais. A realização deste trabalho foi um

desafio, acadêmico e pessoal. Faltou fôlego ao fim da jornada, contudo, a experiência

adquirida tornou-se fundamental para continuar e superar os desafios. Que este trabalho

sirva para gerações futuras que se debruçam sobre a complexa realidade em que vivem

os índios Kiriri de Mirandela.

Page 81: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

81

REFERÊNCIAS

ARRUDA. Rinaldo Sérgio Vieira. Imagens do índio. Signos da Intolerância. IN:

GRUPIONI, Luis Donizete Benzi; VIDAL, FICHMANN Lux. Roseli. (orgs.) Povos

indígenas e Tolerância. Construindo práticas de respeito e solidariedade. São

Paulo. Editora da Universidade de São Paulo, 2001.

AZANHA. Gilberto, VALADÃO. Virginia Marcos. Senhores destas terras: os povos

indígenas no Brasil: da colônia aos nossos dias. São Paulo. Atual, 1991.

BANDEIRA. Maria de Lourdes. Os Kiriri de Mirandela: Um grupo Indígena

integrado. Salvador. UFBA, 1972.

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Identidade e etnia: construção da pessoa e

resistência cultural. São Paulo: Brasiliense, 1986.

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Pesquisa participante. São Paulo: Brasiliense, 1999.

BRASIL. Constituição (1998) Constituição da República Federativa do Brasil.

BRASIL. DECRETO Nº 6.040, DE 7 DE FEVEREIRO DE 2007. POLÍTICA

NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DOS POVOS E

COMUNIDADES. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-

2010/2007/decreto/d6040.htm. Acesso em 05 de janeiro de 2015.

BRASILEIRO, Sheila. A organização política e o processo faccional no povo

indígena kiriri. 1996. Nº de pág.250. Dissertação de Mestrado. Salvador. UFBA.

1996.

BRASILEIRO, Sheila. Povo Kiriri: três séculos de resistência e luta. In: O Boletim,

nº 16-17 de Janeiro a Novembro de 1995. Associação Nacional de Apoio ao Índio.

DOKANAÍ, Salvador – Bahia.

BRASILEIRO. Sheila. SAMPAIO. José Augusto Laranjeiras. Estratégias de negociação

e recomposição territorial kiriri. In: CARVALHO, Ana Magda. CARVALHO, Maria do

Rosário Gonçalves. (orgs) Índios e Cablocos: a história recontada. EDUFBA.

Salvador. 2012.

BRIGHAM, Ciro. População indígena reivindica tombamento pelo Iphan para

evitar desaparecimento de povoado em Mirandela. Disponível em

http://quilombosnews.blogspot.com/2006/12/misria-e-abandono-ameaam-

sobrevivncia.html. Acesso: 26 de jun. de 2008.

Page 82: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

82

CARVALHO, Ana Magda. CARVALHO, Maria do Rosário Gonçalves. (org) Índios e

Cablocos: a história recontada. EDUFBA. Salvador. 2012.

CARVALHO. Jailda Evangelista do Nascimento, SILVA. Alecrisson. Identidade

étnico-racial do povo indígena kiriri: algumas reflexões. III Fórum Identidades e

Alteridades. Anais. Itabaiana/SE. 2009.

CARVALHO, M. R. G. Identidade dos Povos Indígenas no Nordeste. Anuário

Antropológico, v. 4, p. 169-188, 1984.

CARVALHO, M. R. G.. De índios `misturados` a índios `regimados` (no prelo). In:

Maria Rosário Gonçalves de Carvalho; Edwin Reesink. (Org.). Negros no mundo dos

índios imagens, reflexos e alteridades. Rio de Janeiro, RJ: Pallas, 2001.

CORTÊS, Clélia Neri, MOTTA. Eremita. (orgs.) História da Reconquista de

Mirandela: História a varias vozes. Salvador. Universidade Federal da Bahia, 2000.

CÔRTES, Clélia Neri. A educação é como o vento: os Kiriri por uma educação

pluricultural. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Educação, Universidade Federal

da Bahia, Salvador, 1996.

COSTA, Wanderley M. O Estado e as Políticas Territoriais no Brasil. São Paulo,

Contexto, 1998.

CUNHA. Manuela Carneiro. O futuro da questão indígena. Estudos Avançados, 1994.

Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ea/v8n20/v8n20a16.pdf. Acesso 26 de ago. de

2015.

DIAGNÓSTICO e plano de gestão socioambiental: terra indígena Kiriri. Salvador.

2004. Nº de pág. 167. Associação Nacional de Ação Indigenista (ANAÍ), Fundo

Nacional do Meio Ambiente (FNMA), Ministério do Meio Ambiente (MMA) e o Povo

Indígena Kiriri.

FELIX. Claudio Eduardo. Uma Escola para formar guerreiros: professores e

professoras indígenas e a educação escolar indígena em Pernambuco. Irecê – BA.

Print Fox, 2007.

FERLINI, Vera Lucia Amaral. A civilização do açúcar: (Séculos XVI a XVIII). 11.

Ed São Paulo: Brasiliense, 1994.

Page 83: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

83

FERNANDES. Florestan. A função social da guerra nas sociedades tupinambá. São

Paulo. Globo. São Paulo. 2006.

GALLOIS, Dominique Tilkin. Terras ocupadas? Territórios? Territorialidades?In:

FANY. Ricardo. (Org.). Terras Indígenas &Unidades de Conservação da Natureza.

1ªed. São Paulo: Instituto Socioambiental, p. 37-41. 2004.

GODOY, Arilda Schmidt. Pesquisa qualitativa tipos fundamentais. Revista de

Administração de Empresas São Paulo, v. 35, n.3, p, 20-29 Mai./Jun. 1995.

GOMES. Mercio Pereira. Os Índios e o Brasil. Ed. Vozes, 1991.

GUIMARÃES. Utiarity Heitor Velasco Fernandes. Os Índios e o Atlântico Os Índios

na História do Brasil Republicano: o território étnico indígena Paresí e o território

indigenista. Simpósio Temático 111. ANPUH._USP. São Paulo. 2011.

HAESBAERT, Rogério. Da Desterritorialização à Multiterritorialidade. Anais do X

Encontro de Geógrafos da América Latina. Universidade de São Paulo. São Paulo.

2005.

LEITE, Serafim. Breve história: da companhia de Jesus no Brasil 1549-1760. Braga,

Portugal: Apostolado da Imprensa, 1993.

LIMA, Cristina Maria Garcia de; DUPAS, Giselle; OLIVEIRA, Irma de;

KAKEHASHI, Seiko. Pesquisa etnográfica: iniciando sua compreensão. Rev.

Latino-Am. Enfermagem, Ribeirão Preto, v. 4, n. 1, p. 21-30, janeiro de 1996.

LUBISCO, Nídia Maria Lienert. Sônia Chagas Vieira. Manual de estilo acadêmico:

trabalhos de conclusão de curso, dissertações e teses. 5. Ed. – Salvador: EDUFBA.

Nº de pág. 150. 2013.

MENDONÇA, Sonia Regina de. FONTES. Virginia Maria. História do Brasil

Recente. São Paulo. Ática. 1994.

MONTANARI, Junior Isaias. Terra indígena e a Constituição Federal: pressupostos

constitucionais para a caracterização das terras indígenas. In: XV Congresso

Nacional do CONPEDI - Manaus, 2006, Manaus. Anais do XV Congresso Nacional do

CONPEDI - Manaus, 2006.

MONTEIRO, John Manuel. Negros da terra: índios e bandeirantes nas origens de

São Paulo. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

Page 84: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

84

MONTEIRO, John M. Os Guarani e a história do Brasil meridional: séculos XVI–XVII.

In: Cunha, Manuela Carneiro da (org.). História dos índios no Brasil. São Paulo: Cia.

das Letras/SMC/FAPESP, 1992, p.475-498.

NASCIMENTO, M. T. S. O tronco da Jurema: ritual e etnicidade entre os povos

indígenas do nordeste - o caso Kiriri.324 f. 1994. Dissertação (Mestrado). Faculdade

de Filosofia e Ciências Humanas. Universidade Federal da Bahia. Salvador. 1994.

NEVES, Erivaldo Fagundes. Estrutura fundiaria e dinamica mercantil : alto sertao

da Bahia, seculos XVIII e XIX. Salvador, Ba: EDUFBA ; UEFS, 2005.

OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. A geografia das lutas no campo. São Paulo,

Contexto. 1990.

OLIVEIRA, João Pacheco de (Org.) A presença indígena no Nordeste: processos de

territorialização, modos de reconhecimento e regimes de memória. Rio de Janeiro,

Contra Capa, 2011.

OLIVEIRA FILHO João Pacheco (Org.). lndigenismo e Terntonalização poderes

rotinas e saberes coloniais no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro.Contra Capa

Livraria. 1998.

OLIVEIRA. Maria Marly de. Como fazer pesquisa qualitativa. Petrópolis. Vozes,

2007.

PACHECO. Sandra Simone Queiroz de Moraes. "A GENTE É COMO ARANHA...

VIVE DO QUE TECE"; NUTRIÇÃO, SAÚDE E ALIMENTAÇÃO ENTRE OS

ÍNDIOS KIRIRI DO SERTÃO DA BAHIA. 2007. Tese de Doutorado. UFBA.

Salvador/Bahia. 2007.

PARAÍSO, Maria Hilda Baqueiro. De como se obtiver mão de obra indígena na

Bahia entre os séculos XVI e XVIII. Revista História. São Paulo, n. 129-131, p. 179-

208, ago.-dez./93 ago.-dez/94.

PIMENTEL, Alessandra. O método da análise documental: Seu uso numa pesquisa

Historiográfica. In: Cadernos de Pesquisa, n. 114, novembro/ 2001.

PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter. A Reinvenção dos Territórios: a experiência

latino-americana e caribenha. In: CECEÑA, Ana Ester. (Org.). Los desafíos de las

emancipaciones en un contexto militarizado. Buenos Aires: Clacso, 2006, v. p. 151-197.

Page 85: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

85

RAFFESTIN, Claude. Por uma geografia do poder. São Paulo: Ática, 1993.

RAMOS, Acilda Rita. Sociedades Indígenas. Ed. Ática. São Paulo. 1988.

REESINK, Edwin. A questão do território dos Kiriri de Mirandela: um confronto

de dados e versões. Cultura, Salvador, v. 1, n.1, p. 41-49, 1988.

REESINK, Edwin. O coração da aldeia: a Ilha, dominação interétinica, expropriação

territorial histórica e “invisibilidade” dos Kaimbé de Massacará. In: In: OLIVEIRA.

João Pacheco de. A presença indígena no Nordeste: processo de territorialização.

Modos de reconhecimento e regimes de memória. Rio de Janeiro. Contracapa, 2011.

REESINK, Edwin. Sete teses equivocadas sobre os “500 anos do descobrimento do

Brasil”. Revista Vivência, nº 28, 2005.

SANTANA, José Valdir de Jesus. Dos “Saberes da tradição” aos “saberes da escola”

No contexto do povo indígena kiriri. In: Anais do II Fórum Identidades e Alteridades.

Ed.UFS. Dias 13e 14 de novembro, Itabaiana-SE, 2008.

SANTILLI, Paulo. Pemongon Patá: território Macuxi, rotas de conflito. São Paulo,

Editora UNESP, 2001.

SANTOS. Fabrício Lyrio. (org). Os índios na História da Bahia.EDUFRB. Cruz das

Almas.2016.

SOUSA, Maria Aparecida Silva de. A Conquista do Sertão da Ressaca: povoamento

e posse de terra no interior da Bahia. Vitória da Conquista. UESB. 2001.

SOUZA, Marcelo Lopes de. “território” da divergência (e da confusão): em torno das

imprecisas fronteiras de um conceito fundamental. In: SAQUET, Marcos Aurélio.

SPOSITO. Eliseu Savério (org.). Territórios e territorialidades: teorias, processos e

conflitos. Editora Expressão Popular, São Paulo. 2009.

SOUZA, Natelson Oliveira De. “por direito deles, invadiram toda a terra": Uma

visão “regional” sobre os Kiriri. 2008. Nº de pág. 81. Monografia. Salvador. UFBA.

2008.

STREIFF – FENART, Jocelyne; POUTIGNAT, Philippe. Teorias de Etnicidade:

seguindo os grupos étnicos e suas fronteiras de Frederik Barth. Trad. Élcio

Fernandes. Fundação Editora da UNESP, 1998.

Page 86: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · etapa de minha vida. A Deus, pela presença constante em minha vida. A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade,

86

ZANNONI, Cláudio. Conflito e coesão: o dinamismo tenetehara. Brasília, DF: CIMI,

1999.