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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO FÍSICA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO ASSOCIADO EM EDUCAÇÃO FÍSICA UEM/UEL Maringá 2013 BEATRIZ RUFFO LOPES A CULTURA NA PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO DA EDUCAÇÃO FÍSICA BRASILEIRA: CENTRALIDADE OU PERIFERIA?

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ

CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO FÍSICA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO ASSOCIADO EM

EDUCAÇÃO FÍSICA – UEM/UEL

Maringá 2013

BEATRIZ RUFFO LOPES

A CULTURA NA PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO

DA EDUCAÇÃO FÍSICA BRASILEIRA:

CENTRALIDADE OU PERIFERIA?

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BEATRIZ RUFFO LOPES

Dissertação de Mestrado apresentada

ao Programa de Pós-Graduação

Associado em Educação Física –

UEM/UEL, para obtenção do título de

Mestre em Educação Física.

Maringá

2013

A CULTURA NA PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO DA

EDUCAÇÃO FÍSICA BRASILEIRA: CENTRALIDADE OU

PERIFERIA?

Orientador: Profa Dra Larissa Michelle Lara

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Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)

(Biblioteca Central – UEM, Maringá – PR., Brasil)

Lopes, Beatriz Ruffo

L864c A cultura na produção de conhecimento da educação física

brasileira : centralidade ou periferia? / Beatriz Ruffo Lopes.

-- Maringá, 2013.

157 f. : il. color.

Orientadora: Prof.a Dr.a Larissa Michelle Lara.

Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de Maringá,

Centro de Ciências da Saúde, Departamento de Educação Física,

Programa de Pós-Graduação Associado em Educação Física –

UEM/UEL, 2013.

1. Centralidade da cultura - Educação física. 2. Cultura -

Educação física. 3. Produção do conhecimento - Educação

física. I. Lara, Larissa Michelle, orient. II. Universidade

Estadual de Maringá. Centro de Ciências da Saúde. Departamento

de Educação Física. Programa de Pós-Graduação Associado em

Educação Física – UEM/UEL. III. Título.

CDD 22.ed. 796.07

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Dedicatória

Dedico este trabalho à minha família, meus amores, meu

refúgio, meu porto seguro.

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AGRADECIMENTOS

Aos meus pais Elizete e Aparecido, pelo amor incondicional; pela maneira simples e

humilde ao tentar entender meus momentos de conflito.

Aos meus irmãos, pela amizade, risos e descontração; por se orgulharem das minhas

conquistas e sempre demonstrarem isso.

Ao Henrique, pelo amparo e proteção; pela serenidade nos meus momentos de

estresse e, sobretudo, compreender minha ausência nesse momento de escrita e

isolamento.

À minha orientadora Larissa Michelle Lara, pela sabedoria transmitida; por propiciar

meu amadurecimento acadêmico e pessoal; pela admirável inteligência e ética

profissional que me inspira desde 2005, no primeiro ano da graduação em educação

física.

Ao meu amigo Antonio, companheiro de graduação, de pós-graduação, de grupo de

pesquisa, de descontração, desabafos, congressos, crises de risos e estresses.

Obrigada pela parceria e por tornar minhas idas à universidade mais prazerosas.

Aos companheiros do Grupo de Pesquisa Corpo Cultura e Ludicidade. Pelos

conhecimentos compartilhados e pelas amizades construídas e fortalecidas nesse

processo.

A todas minhas amigas, pela paciência nos meus momentos de desabafos; pela

amizade quando eu me perdia e precisava de resgate; por compreenderem tantos

―nãos‖ nos finais de semana.

Aos professores Celi Taffarel, Hugo Lovisolo, Jocimar Daolio, Marcos Neira, Marco

Paulo Stigger e Valter Bracht pela acolhida em suas cidades; pela atenção e

contribuição ao meu trabalho mesmo com suas agendas atribuladas; pelo admirável

conhecimento acadêmico compartilhado em forma de entrevista.

Aos professores Ivan Gomes e Amauri Bássoli, pela disponibilidade e rigorosidade que

vieram a enriquecer meu trabalho e a todos que participaram desse processo e que

contribuíram direta ou indiretamente com essa conquista.

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LOPES, Beatriz Ruffo. A cultura na produção de conhecimento na educação física

brasileira: centralidade ou periferia?. 2013. 157.f. Dissertação (Mestrado em Educação Física)

– Centro de Ciências da Saúde. Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2013.

RESUMO

A presente pesquisa teve por objetivo analisar como a cultura é tratada na produção de

conhecimento da educação física brasileira, identificando se pesquisadores da área a

elegem como tema central ou periférico. Dessa forma, seis pesquisadores/professores

da educação física brasileira que vêm tematizando a cultura em suas produções

teóricas foram intencionalmente selecionados, os quais participaram da investigação

por meio de entrevista. O intuito era perceber qual a apreensão de cada um deles

acerca da cultura na educação física, sendo eles: Celi N. Z. Taffarel, Hugo R. Lovisolo,

Jocimar Daolio, Marcos G. Neira, Marco P. Stigger e Valter Bracht. Com base no

conceito de centralidade da cultura formulado por Hall (1997), buscou-se entender as

relações desse conceito junto a outras obras que discutem a temática. A análise dos

dados foi realizada com orientações teóricas e metodológicas de Bardin (2011), as

quais auxiliaram na interpretação acerca de duas principais categorias temáticas:

―conceito de cultura‖ e ―cultura como centralidade ou periferia‖. A pesquisa aponta que

para alguns pesquisadores a cultura é central na produção da educação física

brasileira, assim como não assume condição central nem periférica para outros

interlocutores, haja vista que se relaciona com outros campos de conhecimento também

importantes e que esse conceito, na área, é marcado por polissemia e imprecisões dos

campos teóricos. Entretanto, para além das reflexões acerca da centralidade ou

periferia da cultura na educação física está a compreensão dos modos pelos quais a

cultura se constrói e se estrutura na área, o que exige radicalidade em relação aos

saberes produzidos e o exercício vigilante da atividade epistemológica frente à

apropriação desses saberes.

Palavras-Chave: Centralidade da cultura. Cultura. Educação física. Produção de

conhecimento.

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LOPES, Beatriz Ruffo. The culture in the production of knowledge in physical education in

Brazil: central or peripheral?. 2013. 157.f. Dissertação (Mestrado em Educação Física) – Centro

de Ciências da Saúde. Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2013.

ABSTRACT

This research aimed to examine how culture is treated in the production of knowledge of

physical education in Brazil, identifying whether the researchers chose it as central or peripheral

theme. Thus, six researchers / physical education teachers who come thematising Brazilian

culture in their theoretical productions were intentionally selected, which participated in the

investigation by interviewing. The aim was to understand what the apprehension of each about

culture in physical education, namely: Celi N. Z. Taffarel, Hugo R. Lovisolo, JocimarDaolio,

Marcos G. Neira, Marco P. Stigger and ValterBracht. Based on theconcept of theculture

centralityformulatedby Hall(1997), we sought tounderstandthe relationshipof this concept along

with otherworksthat discussthe topic. Data analysis was performed with theoretical and

methodological backgrounds of Bardin (2011), which assisted in the interpretation on two main

themes: "the concept of culture" and "culture as central or peripheral." The research shows that

for some researchers the culture is central to the production of physical education in Brazil, as

well as central and peripheral assumes no condition to other parties, considering that it relates to

other also important fields of knowledge and that this concept, in the area is characterized by

polysemy and inaccuracies of theoretical fields. However, in addition to the reflections on the

centrality or periphery of culture in physical education is an understanding of the ways in which

culture is constructed and structure in the area, which requires radical in relation to knowledge

produced and vigilanteexercise activity against the epistemological appropriation of knowledge.

Keywords: Centrality of culture. Culture.Physicaleducation. Knowledgeproduction.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Correntes teóricas constituintes do conceito de cultura corporal de movimento

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Mapeamento – Currículo Lattes..................................................................... 74

Quadro 2 - Produção bibliográfica................................................................................... 77

Quadro 3 - Análise dos currículos................................................................................... 79

Quadro 4 - Interlocutores da pesquisa............................................................................. 81

Quadro 5 - Pesquisadores entrevistados......................................................................... 85

Quadro 6 - Inferências................................................................................... 124

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................... 11

2 CULTURA E EDUCAÇÃO FÍSICA: RECONHECENDO O MOSAICO

TEÓRICO ....................................................................................................

17

2.1A centralidade da cultura..................................................................... 22

2.2 Sobre a produção de conhecimento em educação física e cultura 37

3 OS ATORES SOCIAIS DA CULTURA NA EDUCAÇÃO FÍSICA

BRASILEIRA: DIVERSOS OLHARES .......................................................

69

3.1 Ações de mapeamento de pesquisadores e seleção de

interlocutores..............................................................................................

72

3.2 Sobre o conceito de cultura na produção de conhecimento em

educação física...........................................................................................

88

3.3 Cultura como centralidade ou periferia na produção de

conhecimento em educação física............................................................ 111

3.4Incursões pelos desdobramentos da pesquisa................................. 123

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................... 134

REFERÊNCIAS ........................................................................................ 139

ANEXOS .................................................................................................. 146

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1 INTRODUÇÃO

A relação entre cultura e educação física constitui-se como objeto de

análise dessa dissertação, a qual se desenvolve em meio ao delineamento dos

sujeitos que contribuíram para a construção da memória dessa interface

temática. A partir de teorias, percepções da área e preocupações com a

intervenção, diferentes professores e pesquisadores lançam desafios a partir

de seu próprio campo de visualização dessa problemática, os quais

transcendem os limites da escrita para ganhar corpo nos sujeitos, nas quadras,

em outras produções de conhecimento. Cada teoria tem seu momento histórico

de representação e ápice, e seus impactos sociais à vida dos sujeitos em

formação e daqueles que exercem a prática cotidiana da profissão,

estruturando-se como legado que se move ante a constante atividade

epistemológica.

Quando a obra de Medina (1983) anunciou a crise na educação física

brasileira fez breve menção à palavra ―cultura‖, em nota de rodapé, ainda na

introdução. Naquele momento de leitura da obra, em 2005, quando iniciei a

graduação em educação física pela Universidade Estadual de Maringá (UEM),

a discussão sobre cultura era realizada não como campo central de

conhecimento da área, mas como algo que fazia parte de seu entorno. Ter

contato com algo crítico, que refletia acerca da dicotomia corpo e mente,

questionando o sentido da educação física, causou inquietações, ainda mais

porque o paradigma que orientava a escolha do curso não era o escolar ou o

acadêmico, mas o mercadológico. Entretanto, confesso que não me recordo da

―cultura‖ de Medina, muito menos das reflexões que tivemos acerca dessa

temática.

Esse foi o pontapé inicial. A partir daí, com o passar dos anos, algumas

impressões em relação à área ‒ construídas durante o ensino fundamental e

médio ‒ rompiam-se na medida em que eu avançava em leituras

fundamentadas, essencialmente, nas Ciências Humanas e Sociais. Embora,

nesse período, meu interesse maior sempre fora pelas disciplinas que

instigavam essa discussão, a estrutura curricular do curso também era

composta por outros conteúdos voltados à fisiologia, esporte e saúde. Contudo,

a cultura ainda era um universo desconhecido naquele meu momento de

formação.

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Na problematização da educação física escolar alguns conceitos vieram

à tona, sobretudo o de cultura corporal, mas me parecia que, naquela estrutura

curricular, designada como licenciatura plena, não havia, ainda, espaço para a

discussão cultural. A partir de 2006 algumas mudanças ocorreram na estrutura

curricular do curso de graduação em Educação Física da UEM, pois além da

divisão do curso em bacharelado e licenciatura, houve também a inclusão de

disciplinas com novos formatos, quando a discussão cultural ganhou seu

espaço por meio de uma disciplina intitulada ―Educação física e cultura‖.

Contudo, não pude acompanhar esse processo já que minha formação estava

atrelada à organização anterior.

Finalmente, o primeiro contato e interesse por investigar o tema em

questão remonta ao ingresso no Programa de Pós-Graduação Associado em

Educação Física da Universidade Estadual de Maringá e Universidade

Estadual de Londrina. Essa foi uma etapa progressiva, tendo em vista o

cumprimento de disciplinas como aluna não regular nos anos de 2009 e 2010

e, posteriormente, a entrada de fato como aluna regular no ano de 2011.

Dentre as disciplinas cursadas houve uma que me causou mais impacto, em

que senti aquele mesmo entusiasmo vivenciado no meu primeiro ano, ao ler

Medina (1993). Agora, a leitura correspondia a uma compilação de textos que

tinha como foco primordial a discussão sobre os conceitos de cultura e como

eles se constituíam na educação física. Nesse conjunto de artigos, capítulos e

ensaios estudados na disciplina da pós-graduação intitulada ―Abordagens

culturais e pedagógicas em educação física‖ estavam presentes estudiosos

como Clifford Geertz, Marcel Mauss, Stuart Hall, Jocimar Daolio, Hugo

Lovisolo, entre outros.

Percebi que esse seria o segundo pontapé. A partir daí, junto a essas

aproximações teóricas, comecei a me questionar sobre esse campo de

conhecimento: Por que a quase imperceptível tematização da cultura durante a

graduação? Qual a relevância dessas discussões para a área? O que já foi

publicado sobre o tema? E para além do campo teórico, qual a relevância

dessas pesquisas nas mais diversos espaços da educação física?

Além das disciplinas realizadas durante o mestrado, o engajamento

acadêmico passava a ser construído e, como consequência, a maturidade

como pesquisadora ia se desenvolvendo, formação valorizada pelas trocas

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acadêmicas com colegas de grupo de pesquisa, por leituras, estudos e

participações em eventos da área que trouxeram à tona essa discussão. Um

exemplo disso foi a participação como expectadora do Painel Literário

promovido no ano de 2011 pelo Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte,

em Porto Alegre, o qual possibilitou a discussão acerca do que é educação

física esuscitou também a tematização da cultura.

Com os estudos e absorção de discussões advindas de distintos

espaços de conhecimento, pude perceber que não havia um conceito de

cultura exclusivo na educação física, nem nas Ciências Humanas e Sociais. As

experiências acadêmicas que vivenciava revelavam a variedade de conceitos,

cada qual aportado em um dado referencial teórico. Entretanto, nem sempre a

categoria cultural me parecia bem fundamentada nas produções de

conhecimento em educação física. E, mesmo dentre aqueles teóricos da área

que em suas pesquisas demarcavam sua teoria basilar, era possível constatar

grandes embates científicos e conflitos decorrentes da pluralidade conceitual

do termo cultura.

Essas inquietações foram também exteriorizadas por meio dos debates

e leituras que ocorreram no Grupo de Pesquisa Corpo Cultura e Ludicidade1, o

qual tinha como forte aporte teórico as discussões sobre a teorização dos

conceitos de cultura na corrente teórica dos Estudos Culturais, relacionadas,

naquele momento, com a tematização do esporte e lazer em comunidades

quilombolas no Paraná. Assim, em 2011, quando ingressei no grupo, as

atividades de pesquisa estavam voltadas a essas comunidades, decorrentes de

um projeto em processo de conclusão2. Se por um lado, não me identificava

com a dimensão empírica das comunidades quilombolas, o viés teórico me

chamava atenção, tanto que a teorização dos Estudos Culturais me causou

encantamento. Ler os textos dessa corrente ‒ sobretudo de Stuart Hall ‒ era

1 O Grupo de Pesquisa "Corpo, Cultura e Ludicidade" encontra-se vinculado ao Programa de

Pós-Graduação Associado em Educação Física da Universidade Estadual de Maringá e da Universidade Estadual de Londrina (PEF-UEM-UEL). Surge em 2004, na UEM e, atualmente, é formado por professores/pesquisadores do DEF/UEM, por pós-graduandos vinculados ao PEF-UEM-UEL e por universitários diretamente ligados à pesquisa e à iniciação científica. Liderado pela professora Dra Larissa Michelle Lara e pelo professor Dr. Fernando Augusto Statepravo, o GPCCL desenvolve atividades, debates, intercâmbios e intensifica as produções acadêmico-científicas em torno da cultura, do esporte, do lazer, das práticas corporais e das políticas públicas. 2Projeto de pesquisa ―Políticas públicas de esporte/lazer em comunidades quilombolas no

Paraná‖, com financiamento da Fundação Araucária.

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um contínuo processo de desconstrução e amadurecimento de ideias. Tinha

encontrado no grupo de pesquisa, portanto, um espaço criativo com intensos

debates e trocas que viriam a auxiliar na teorização da dissertação de

mestrado, principalmente pelo aprofundamento do conceito de ―centralidade da

cultura‖, cunhado por Hall (1997).

Mas não era só a cultura que me incomodava. O que a educação física

vinha produzindo também era inquietante. Por considerar o campo cultural

fértil, questionei-me sobre quais caminhos percorriam essas pesquisas em

cultura na educação física, encorajada, sobretudo, pelas discussões postas em

algumas aulas com o professor Paulo Evaldo Fensterseifer, quando de sua

colaboração junto ao nosso Programa com a disciplina de ―Epistemologia e

Educação Física‖. As reflexões incitadas pelo professor traziam à frente

questões sobre a lógica e a dinâmica do conhecimento científico, bem como as

interrelações epistemológicas existentes dentro desse campo. Com essas

ideias, acabei constatando o meu interesse, como pesquisadora, em entender

como se constitui (lógica, dinâmica e interrelacionalmente) o campo teórico no

que se diz respeito à problemática da interface entre cultura e educação física.

Além disso, por meio de conversas com a orientadora, juntas, constatamos que

o meu interesse investigativo estava associado ao papel que a cultura exercia

nas produções de conhecimento em educação física. Por isso foi possível

apropriarmo-nos do conceito de ―centralidade da cultura‖ (HALL, 1997) como

balizador da reflexão sobre os diversos discursos da cultura e seu papel na

sociedade, especificamente, na educação física.

Daí delineiam-se os objetivos dessa dissertação que buscou analisar

como a cultura é tratada na produção de conhecimento da educação física

brasileira, identificando se pesquisadores da área a elegem como tema central

ou periférico. Especificamente, a pesquisa visou diagnosticar pesquisadores e

respectivas produções que tematizam a cultura no campo da educação física

brasileira; identificar se pesquisadores que tomam a cultura como objeto

investigativo a elegem como centralidade ou periferia na produção de

conhecimento da área e em sua própria produção, bem como verificar como os

pesquisadores têm percebido a interlocução entre educação física e cultura e o

que pensam acerca dessa relação.

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A partir das reflexões expostas e justificado o interesse pelo tema, a

problemática que orienta o desenvolvimento dessa investigação pode ser

assim descrito: como a cultura é tratada na produção de conhecimento em

educação física? Tal problematização foi desenvolvida a partir de incursões

pelo campo teórico da educação física, por meio de pesquisadores que

promovem o debate entre a área e a discussão cultural, bem como pela

interlocução com alguns desses pesquisadores por meio da técnica de

entrevista semi-estruturada.

Primeiramente, o delineamento teórico – por meio de incursões teóricas

por livros, artigos, dissertações/teses – apontou alguns pesquisadores que

discutiam a educação física pelo viés cultural. Pelo levantamento bibliográfico,

em articulação com a busca (por assunto) no currículo Lattes, chegamos a seis

interlocutores, os quais, em suas ações, produções, papel social na área, são

representativos no cenário nacional − Marcos Neira, Jocimar Daolio, Marco

Paulo Stigger, Celi Taffarel, Hugo Lovisolo e Valter Bracht. As entrevistas foram

realizadas entre os meses de setembro de 2012 a janeiro de 2013, na cidade

em que cada interlocutor trabalha e/ou reside. Os dados foram tratados a partir

de orientações metodológicas da Análise de Conteúdo, de Bardin (2011), cujos

conceitos e técnicas nos serviram como aporte teórico-metodológico,

sobretudo, para organização e interpretação do material coletado.

Para o desenvolvimento dessa dissertação, em atendimento aos

objetivos, à problemática da pesquisa e à sua orientação metodológica, a

estruturação deu-se a partir de dois capítulos orientadores. No capítulo

“Cultura e educação física: reconhecendo o mosaico teórico‖, apresento a

diversidade conceitual de cultura, contextualizando historicamente o uso desse

termo. Ainda, aprofundo o conceito de cultura dos Estudos Culturais, bem

como a noção de centralidade da cultura, identificada por Hall (1997), e

salientamos as discussões epistemológicas da educação física, articulando

essas análises às características da sua produção de conhecimento, atreladas

ao contexto histórico em que essas pesquisas foram se desenvolvendo e

disseminando-se.

No capítulo ―Os atores sociais da cultura na educação física brasileira‖

trago as questões culturais da educação física, como essa temática se delineou

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na área e a descrição da seleção dos interlocutores por meio do currículo

Lattes. Posteriormente, são apresentadas as orientações metodológicas dessa

pesquisa e as análises das entrevistas, aliadas a estudos que discutem cultura

e produção de conhecimento. Com isso, talvez, seja possível encontrar

caminhos orientadores para algumas das questões que me movem na

tematização da relação entre cultura e educação física, possibilitando,

inclusive, o surgimento de novas questões desencadeadoras de investigações.

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2 CULTURA E EDUCAÇÃO FÍSICA: RECONHECENDO O MOSAICO

TEÓRICO

A tematização da cultura na educação física não se dá em sua forma

uníssona, mas se inscreve na variedade de correntes teóricas que alicerçam a

estruturação desse conceito. Daí resulta a expressão ―mosaico teórico‖ como

representativa do campo conceitual constitutivo da cultura, empregada nessa

pesquisa por considerar que a ideia de cultura reflete, não só na educação

física, mas em outras áreas do conhecimento, a reunião de variadas fontes

teóricas originárias em diferentes momentos históricos, as quais se propuseram

ou se propõem a situar/problematizar esse campo. É essa característica plural

da noção de cultura que a torna um conceito polissêmico e, algumas vezes,

dúbio.

A ideia de cultura como ―palavra mosaico‖ e ―[...] talvez por isso

mesma, rica, sedutora e contraditória‖ (ALVES, 2010, p.15) adverte para a

inexistência de significado atribuído ao termo que se traduza pelo consenso,

ou seja, inexistiria um entendimento único que pudesse abarcar diferentes

formas de compreensão conceitual. Daí que várias teorias, similares ou

antagônicas, cada uma com suas formas argumentativas próprias, justificam-se

na tentativa de procurar explicá-la. Seja para representar um conjunto de

tradições, de valores, de identidades de grupos, de processos normativos, de

manifestações sociais ou expressões próprias de uma dada classe social, entre

outras possibilidades próprias do pântano conceitual, a cultura se insere cada

vez mais como questão essencial do debate contemporâneo em seus mais

diversos contextos.

Na mesma direção, Bauman (2012) reconhece as múltiplas concepções

intelectuais advindas da palavra ―cultura‖, considerando o seu conceito

ambíguo tanto no que se diz respeito à maneira como as pessoas tentam

defini-la, quanto em relação à existência de numerosas linhas de conhecimento

que tomaram o significado da cultura como foco de estudo. O sociólogo

ressalta que a palavra cultura, assim como outras palavras, teria sido

adotadapor diferentes comunidades intelectuais para dar resposta a diversos

problemas enraizados em interesses divergentes, mas que essas divergências

existentes na busca do significado de cultura também são enriquecedoras na

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medida em que os estudiosos reconhecem as contribuições que essas

abordagens conceituais trazem para a significação do termo.

Ao tomamos a cultura como produção material e simbólica que entrelaça

todas as práticas sociais, as quais, por sua vez, diferenciam-se de acordo com

o contexto em que se inserem e com suas condições históricas, sinalizamos

para uma das possibilidades de percebermos esse campo de conhecimento.

Contudo, vários foram os desdobramentos que conduziram à ideia de cultura

em sua variedade conceitual e que perpassam questões em torno da origem do

termo; do seu entendimento como cuidado (com a formação individual, com o

gado, a terra, o cultivo agrícola); como ação de cultivar a terra; como arte,

ciência, língua; como patrimônio universal dos valores e conhecimentos

humanos; como sinônimo de civilização e, portanto, de civilidade, de

refinamento dos costumes, entre outros entendimentos que se fizeram

marcantes, tanto no contexto da Grécia antiga quanto na efervescência do

século XVIII a partir do pensamento iluminista3.

É justamente nesse período, observa Bauman (2012, p. 13), que

―emergiu uma visão do ‗homem‘ que, nos duzentos anos seguintes, deveria

servir de eixo em torno do qual iriam girar as imagens do mundo‖. Para o

pesquisador, além da valorização excessiva da razão e do afastamento do

homem em relação à moral da Igreja, o ritmo acelerado da sociedade

enfatizava a temporalidade, algo que não é característico do mundo de Deus, e

sim dos humanos. O que em gerações anteriores voltava-se ao divino, algo

3 Embora a pesquisa não se volte para o trato histórico do conceito de cultura há de se

ressaltar alguns aspectos que auxiliam a pensar na pluralidade do termo. A etimologia da palavra cultura está relacionada ao latim ―colere‖, que significa o ―cuidado dispensado ao campo, ao gado, ao ‗cultivo agrícola‘ ‖ (ALVES, 2010, p. 23). É a partir dessa perspectiva que pensadores da antiguidade clássica ampliaram a concepção desse conceito, passando do cultivo e cuidado para dimensões humanas. Entre os romanos, a palavra cultura implicava a educação individual e espiritual (cultura animi), cujo sentido estava relacionado à relevância do esforço e do saber individual pela busca da perfeição humana. Na sociedade grega, a concepção de cultura era voltada ao cultivo das qualidades inerentes ao espírito, ou seja, à paideia (educação geral do indivíduo; busca da perfeição moral, das virtudes). Tais concepções vigoraram durante séculos, respeitando-se as particularidades de entendimento de homem e sociedade em cada período histórico, culminando com abrupta mudança no século XVIII, quando esse conceito passa a significar, segundo Chauí, o resultado da formação-educação dos seres humanos e se refere aos resultados expressos em obras, feitos, ações e instituições. Por isso, a cultura torna-se, segundo a autora, ―sinônimo de civilização porque os pensadores julgavam que os resultados da formação-educação se manifestam com maior clareza e nitidez nas formas de organização da vida social e política ou na vida civil” (CHAUÍ, 2009, p. 246, grifos da autora).

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inquestionável por qualquer ação humana, a partir desse momento histórico

para a se constituir como traço marcante de realizações humanas e, portanto,

revogáveis, mortais, certas ou erradas.

Gradativamente, o conceito de cultura vai assumindo várias formas,

incitado por perspectivas positivistas, funcionalistas e também por reflexões

críticas que se configuram no interior da sociologia, da antropologia, da história,

da filosofia, entre outras áreas do conhecimento. Esse conceito passa, ainda, a

ser confrontado em sua dimensão totalizante no intuito da busca de

particularidades que venham a representar mais diretamente o contexto das

diferenças e das constituições identitárias de grupos ou sociedades4.

A pluralidade de entendimentos conceituais acerca da cultura parece ser

sinalizada amplamente com o conceito formulado por Edward Tylor (1832 –

1917), que definiu cultura como um todo complexo que compreende os

conhecimentos, a arte, a crença, moral, direitos, costumes, dentre outras

especificidades adquiridas pelo homem como membro da sociedade. Assim,

tanto a concepção de cultura como sinônimo de civilização (viés francês e

inglês), quanto a concepção de cultura como sinônimo de Kultur (corrente

alemã), densamente demarcadas ao longo do século XVIII, integra o conceito

formulado por Taylor, uma vez que a amplitude do termo agrega, inclusive,

campos teóricos distintos em muitos aspectos5.

Esse antropólogo britânico, reconhecido por alguns teóricos como o pai

da concepção moderna de cultura, formulou seu conceito a partir da ―teoria

4 As palavras de Baumann contribuem para o entendimento histórico-conceitual da cultura:

“Originalmente, na segunda metade do século XVIII, a ideia de cultura foi cunhada para

distinguir as realizações humanas dos fatos ‗duros‘ da natureza [...]. Porém, a tendência geral do pensamento social durante o século XIX, culminando com Émile Durkheim e o conceito de ‗fatos sociais‘, foi naturalizar a cultura: os fatos culturais podem ser produtos humanos [...]. Só na segunda metade do século XX, de modo gradual, porém contínuo, essa tendência começou a se inverter: havia chegado a era da culturalização da natureza‖ (BAUMAN, 2012, p. 12). 5 Elias (1994), ao refletir sobre o processo civilizador aponta que a expressão ―kultur‖, ligada ao

povo alemão, correspondia ao orgulho de suas próprias manifestações e do próprio ser e, embora diferente do conceito inglês e francês de civilização, aproxima-se deles em relação à noção de progresso social. Entretanto, segundo o autor (1994, p. 24) enquanto a palavra ―civilização‖ em francês ou inglês pode se referir a fatos políticos ou econômicos, religiosos ou técnicos, morais ou sociais, Kultur ―alude basicamente a fatos intelectuais, artísticos e religiosos e apresenta a tendência de traçar uma nítida linha divisória entre fatos deste tipo, por um lado, fatos econômicos, políticos e sociais por outro‖. Ainda, enquanto ―civilização‖ indica um processo ou o resultado de um processo, ―kultur” se refere a produtos humanos, como obras de artes, livros, sistemas religiosos ou filosóficos, entre outros.

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evolucionista‖ que emergia nos embates científicos da época. Contudo, afirma

Alves (2010), essa escola reduzia a diversidade cultural em estágios evolutivos,

acreditando que havia uma unidade psíquica de todo ser humano. Destacava

que a diferenciação cultural se dava a partir das etapas históricas de

determinada comunidade, como também identificava ―relíquias‖ das

sociedades, que são os costumes (crendices e superstições). Desde então,

baseados nesse conceito, muitos teóricos desenvolveram diversos

entendimentos sobre ―o que é cultura‖, e também teceram suas críticas, a

exemplo de Geertz (2008, p. 3) que reflete sobre a abrangência do conceito

tyloriano e coloca-se a favor de um conceito de cultura mais limitado e ―[...}

teoricamente mais poderoso, para substituir o famoso ‗o todo mais complexo‘ de E.B.

Tylor, o qual embora não conteste sua força criadora, parece-me ter chegado ao ponto

que confunde muito mais do que esclarece‖6. Assim, em meio às mudanças sociais e

às novas exigências de um mundo marcado por rápidas transformações, a

demarcação conceitual do campo da cultura passa a ser tônica no debate

contemporâneo, trazendo consigo essa profusão de perspectivas decorrentes de um

período marcado pelo trânsito e pelo efêmero.

Em meio às mudanças em uma sociedade que passa de ―sólida‖ (bases

firmes) à líquida (solúvel, incerta, volúvel), o conceito de cultura também se

transfigura. No entendendimento de Baumann (2001), a modernidade sólida

caracterizou as primeiras décadas do século XX e propunha durabilidade em

tudo que mediava as relações humanas, ou seja, os costumes, a religião, o

capital o trabalho, as classes sociais, a produção de conhecimento científico,

entre outros aspectos, rigidamente controlados e ordenados, não revelando

mudanças expressivas, nem dinamicidade nesse período. Essas relações

―duras‖ estavam contidas na modernidade sólida com o sistema fordista,

implantado por Henry Ford nas primeiras décadas do século XX, cuja fábrica

fordista é um exemplo de sistema ordenado, em que se controla a liberdade e a

obediência. Em contrapartida, a modernidade líquida representa o oposto, uma

vez que indica a fluidez das relações e a vulnerabilidade de tudo que antes era

concreto e tradicional. As características do mundo moderno expressas em sua

6 Geertz (2008, p. 4) defende um conceito que considera ―essencialmente semiótico‖ pautado

na teoria de Max Weber de que o homem é um animal amarrado a teias de significados, e acrescenta que a cultura são essas teias e a sua análise. Ainda, para o autor a cultura é uma ciência interpretativa em busca de significado e não experimental em busca de leis

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metáfora da modernidade em sua fase líquida é ser volúvel, dinâmica e

acelerada.

A cultura que ora tratamos por essa investigação, em sua relação com a

educação física, situa-se nesse contexto da modernidade líquida. Daí

percebermos a diversidade e a complexidade de delimitá-la em meio a uma

sociedade cada vez mais difícil de se delimitar e reconhecer. Logo, esse

contexto exige também cautela em relação às várias seduções que nos são

potas cotidianamente. Como observa Alves (2010, p. 15),―‗cultura‘ é a palavra

da moda‖. Esse pensamento tem gerado frutos auspiciosos no que se diz

respeito à visibilidade dessa temática nas produções de conhecimento. O fato,

é que nenhuma dessas definições mencionadas é puramente isolada uma da

outra. Tais concepções são construídas gradualmente e se desdobram

formando outros novos conceitos significativos para o contexto sociocultural em

que se inserem.

Diante do debate existente sobre as transformações sociais e

reconhecendo a relevância da cultura para o entendimento dessa dinâmica do

mundo moderno atual, sobretudo pelo papel central que a cultura passa a

assumir em diferentes áreas do conhecimento, por meio de abordagens

teóricas diversas, é que nos voltamos para ela a partir do campo acadêmico da

educação física. Contudo, foi a discussão proposta por Hall (1997) acerca da

centralidade da cultura na sociedade hodierna, por meio dos Estudos Culturais,

que despertou-nos para a tematização dessa possível centralidade da cultura

também no campo da educação física. As contribuições dos fundamentos

teóricos formulados por essa ―escola‖ forneceram o aporte reflexivo às

questões inerentes à realidade da educação física que ora se configuram por

essa investigação.

O fato de aproximarmo-nos dos Estudos Culturais não significa que

outras linhas intelectuais foram excluídas desse processo, mas se articulam no

propósito de refletir sobre a temática investigativa. As reflexões são

entretecidas juntamente com o confronto teórico de outras abordagens que,

também, são relevantes no campo da cultura. Além disso, essa relação

possibilita compreender o contexto social e histórico em que se produz

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determinado conceito e o processo de construção do pensamento como algo

produzido culturalmente7.

A partir dessas reflexões iniciais, os tópicos seguintes discorrem sobre a

corrente dos Estudos Culturais e, particularmente, sobre um dos seus

representantes ‒ Stuart Hall ‒ que nos concede aporte reflexivo sobre a cultura

como centralidade na sociedade, motivação que nos leva a visualizá-la na

educação física e na produção de conhecimento nessa área. Além disso,

voltamos nossos olhares para uma breve imersão por problemáticas ligadas à

produção de conhecimento científico-acadêmico no Brasil, à intensificação das

pesquisas na educação física brasileira, bem como às bases científicas e

epistemológicas que inauguraram o pensamento das Ciências Humanas e

Sociais na área. Por fim, apresentamos obras do âmbito científico da educação

física que trazem a cultura como categoria relevante para a área, buscando

compreender seus fundamentos teóricos para a formulação de conceitos.

2.1 A centralidade da cultura

O que importa são as rupturas significativas – em que velhas correntes de pensamentos são rompidas, velhas constelações deslocadas, e elementos novos e velhos são reagrupados ao redor de uma nova gama de premissas e temas (HALL, 2009, p. 123, grifo do autor).

A ideia de centralidade pode parecer obvia, mas requer cautela. Leva-

nos a refletir sobre algo que ocupa o centro, que passa pelo meio de um

território, que direciona o que está em seu entorno, entre outras interpretações

possíveis. Mas, o que dizer da centralidade da cultura? Conseguiríamos

7 No que tange a produção de conhecimento decorrente dos Estudos Culturais, destacamos a

contribuição de Barbero (2003) e Canclini (2008) na América Latina. Canclini (2008) discute as relações existentes entre campos político, econômico e cultural, marcados por características modernas redimensionadas no processo de ―hibridação‖ para caracterizar essa interculturalização social. Nesse mesmo cenário, Barbero (2003), por sua vez, discute as mediações sociais existentes, sobretudo, entre as dimensões comunicativas, culturais e políticas que exercem seu papel em uma sociedade em que as características tradicionais se intercruzam com elementos modernos. Embora não tenhamos focalizado esses autores nessa pesquisa, eles configuram-se como interlocutores do debate cultural.

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prosseguir nessa obviedade? Mas, afinal – diante desse mosaico conceitual ‒

de que cultura estamos falando? Devemos encarar essa complexidade no

campo intelectual como fragilidade ou como riqueza reflexiva derivada da

própria cultura?

A ―confusão‖ está posta, e não é de hoje. Muitos são os autores que

consideram a cultura como campo complexo, antagônico, ambíguo, amplo,

dentre outras características. Tylor , em 1971, propôs uma definição iluminista

de cultura, considerando-a um ―todo complexo‖ e inaugurou uma discussão

interminável na esfera intelectual. Desde então há uma busca reflexiva de

entender esse ―todo‖. Assim, criticamente, Coelho (2008, p. 17), reforça:

―Cultura não é o todo. Nem tudo é cultura‖ e ainda observa que essa proposta

―é uma idéia imobilizadora e engessadora, além de cômoda, porque

abrangente‖. Geertz, por sua vez, Teria como negar o todo complexo e definir

cultura em um significado único? E, a cultura seria, mesmo, o ―todo‖

universalista de Tylor, ou parte desse todo? Que parte?

Os Estudos Culturais, disciplina acadêmica que impulsiona reflexões

pela educação física, não se configuram fora desse paradigma conceitual de

diversidade de ideias e definições. O conceito de cultura, nessa corrente

teórica, parte de um conjunto de obras publicadas e disseminadas que, em

meados do século XX, romperam com concepções já consolidadas. Esses

―inovadores‖ textos transformaram a natureza das questões epistemológicas

sobre cultura, historicamente propostas nas teorias das ciências sociais e

humanas, quebrando tradicionalismos teóricos8, embora mantivessem

características ainda significantes, pois ―no trabalho intelectual sério e crítico

não existem ‗inícios absolutos‘‖ (HALL, 2009, p.123). Essas (re)construções

não possibilitaram a formação de um conceito central, único e não problemático

sobre cultura pois, como afirma Hall (2009, p.126), ―o conceito continua

complexo ‒ um local de interesses convergentes, em vez de uma idéia lógica

8 Segundo Johnson (2010, p.10), as publicações e movimentos sociais que deram origem à corrente

teórica dos Estudos Culturais têm como crítica central o “velho marxismo”. O autor destaca, ainda, que nessa percepção, a expressão “crítica” não tem sua conotação negativa, mas “crítica como um conjunto de procedimentos pelos quais outras tradições são abordadas, tanto pelo que elas podem contribuir quanto pelo que elas podem inibir”.

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ou conceitualmente clara. Essa ‗riqueza‘ é uma área de contínua tensão e

dificuldade no campo‖.

Embora a institucionalização dos Estudos Culturais tenha se dado,

substancialmente, com a criação do Centre for Contemporary Cultural

Studies (CCCS), ligado ao setor de Pós-Graduação da English Departament,

da Universidade de Birmingham, Inglaterra, em 1964, fundado por Richard

Hoggart, sua disseminação ocorreu por meio de cursos e publicações

provenientes de várias fontes e em diferentes lugares (HALL, 2009). Assim,

desde então, diversas áreas de conhecimento buscam interlocução com essa

corrente teórica e isso porque ‒ dentre outros fatores ‒ os Estudos Culturais

dedicam-se a discussões atuais e significantes para o entendimento da

sociedade contemporânea, como: globalização, diversidade, pós-modernidade,

mídia, tecnologia, identidade, poder, significação, cultura e outras.

Os Estudos Culturais buscam dar respaldo ao entendimento do que é

cultura, entendendo suas convergências e divergências conceituais e

colocando-a como algo central que se conecta a todas as práticas sociais.

Considerado como um movimento ―teórico-político‖ (ESCOSTEGUY, 2010, p.

136), os Estudos Culturais buscaram constituir não somente um projeto

político, mas também um conjunto de saberes com a intenção epistemológica

de construir uma nova perspectiva teórica. Conceitualmente, Turner (2003, p.

9) define que:

Estudos culturais é um campo interdisciplinar em que certas preocupações e métodos convergem; a utilidade dessa convergência é que nos propicia entender os fenômenos e relações que não eram acessíveis através da disciplinas existentes. Não é, contudo, um campo unificado (tradução nossa).

As ideias dos Estudos Culturais que emergiram em meados da década

de 1950 tiveram influências intelectuais de três grandes obras publicadas na

época. Primeiramente, o livro de Richard Hoggart ―As utilizações da cultura‖

(1957), que é, em parte autobiográfico, e em parte, história cultura, discute

questões culturais acerca da classe trabalhadora, preocupando-se com o

popular. ―Cultura e sociedade‖, de Raymond Williams (1958), buscou

reconstruir e entender a origem da tradição e das mudanças da vida social,

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política e econômica (HALL, 2009). Ambos teóricos procuraram, em seus livros,

romper com tradições de pensamentos que existiam no período pós-guerra e

pautaram-se em concepções diferenciadas até então não muito discutidas. E

por fim, outra obra relevante que marca a ruptura do pensamento tradicional ―A

formação da Classe operária inglesa‖, publicada em 1963 por Edward Palmer

Thompson, reconstrói parte da história da sociedade inglesa. Segundo Hall

(2009), além de destacar questões culturais, de consciência e experiência, a

obra de E. P. Thompson também ―[...] rompeu com certa forma de

evolucionismo tecnológico, com o economicismo reducionista e com

determinismo organizacional‖ (p. 25). Essas três obras, portanto, representam

um marco teórico e intelectual para a configuração política e intelectual dos

Estudos Culturais.

No que diz respeito aos fatores que influenciaram, a princípio, o

pensamento dos Estudos Culturais, alguns autores (ESCOSTEGUY, 2010;

SCHULMAN, 2010) destacam que, além da nova perspectiva teórica –

amparada, sobretudo, no marxismo9 – presente nos textos de Hoggart,

Willliams e Thompson, também emerge, no contexto histórico da época, um

movimento que entrelaça as razões inerentes à gênese dessa corrente, ao

contexto social da época. Dessa forma, surge no período pós-guerra, na

Inglaterra, o movimento político identificado como ―Nova Esquerda‖, que aliado

fortemente aos interesses socialistas, posicionou-se contra o imperialismo, o

racismo e a favor da nacionalização das principais indústrias e da abolição do

privilégio econômico e social (SCHULMAN, 2010). Desde então, as convicções

dessa ―escola‖ foram disseminadas junto à dinâmica social, bem como em

publicações que voltavam sua atenção à história, à cultura popular, à

identidade e à mídia como veículo de informação à massa. Nesse contexto,

Escosteguy (2010, p.142) aponta que

mais tarde, no período pós-68 os estudos culturais transformaram-se numa força motriz da cultura intelectual, de esquerda. Assim, enquanto movimento intelectual tiveram impacto teórico e político que foi além dos muros acadêmicos,

9 Segundo Escosteguy (2010), a perspectiva marxista contribui com os Estudos Culturais por

entender que a cultura não pertence apenas às relações econômicas e não consiste, também, em seu reflexo, mas sofre consequências das relações político-econômicas. É o que a autora chama de ―cultura na sua ‗autonomia relativa‘‖ (ESCOSTEGUY, 2010, p. 144).

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pois, na Inglaterra, constituíram-se numa questão de militância e num compromisso com mudanças sociais radicais.

Ainda em relação à formação e consolidação do CCCS, o teórico cultural

jamaicano Stuart Hall10 também teve importante participação nesse processo.

Hall foi um dos fundadores dos Estudos Culturais e dirigiu o Centro que foi o

berço dos Estudos Culturais na Universidade de Birmingham, na Inglaterra,

substituindo Hoggart na direção, no período de 1969 a 1979. Considerado um

dos mais proeminentes estudiosos da cultura, tratando-a como centralidade na

sociedade, entende que a esfera cultural é protagonista nas relações sociais e

em todos os aspectos da vida social. Nos últimos anos, propôs-se a repensar a

cultura na sociedade moderna, compreendendo-a em meio a uma globalização

complexa e contraditória (HALL, 2009).

Dada a diversidade de interlocutores que deram base ao campo

intelectual e político dos Estudos Culturais delineia-se, nesse contexto,

orientações conceituais para a cultura a partir dessa corrente. Hall (1997)

identifica duas diferentes fases para a construção do conceito de cultura nos

Estudos Culturais. A primeira decorre da visão etnográfica influenciada pelas

técnicas antropológicas, que privilegiavam ‒ nos anos de 1950 e 1960 ‒

questões de significado. Além disso, houve uma reconfiguração de elementos

que já se faziam presentes em estudos tradicionais, a exemplo de Max Weber,

que, em sua sociologia interpretativa, preocupou-se em relacionar o sujeito, a

ação e o significado. Ainda, Durkheim, que em sua escola fez interlocuções

entre o social e o simbólico, sendo que essa teoria foi basilar para a

Antropologia Social, e por fim, Marx que embora priorize os aspectos materiais

e econômicos, foi um dos primeiros cientistas sociais clássicos a considerar o

modelo cultural como fator que distingue a ação social humana da ação animal,

ou seja, a cultura encontra-se atrelada à concepção de toda e qualquer prática

social.

10

Stuart Hall é considerado por alguns teóricos o pai dos Estudos Culturais. Jamaicano de origem, migrou para Grã-Bretanha em 1951 e, é nesse contexto que Hall desenvolveu suas ideias. Entretanto, é nas décadas de 1960 e 1970 que Hall tornou-se uma das principais referências para se pensar na globalização, nas políticas culturais e na crescente influência dos meios de comunicação na cultura.

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No entanto, foi de fato com a criação do CCCS, nos anos 1960, que

ocorreu a ampliação da concepção de cultura. Segundo Hall (1997, p.11),

―houve aproximações seletivas com diversas linhas de teorização e análise,

nas ciências humanas e sociais, para estabelecer-se a matriz intelectual a

partir da qual os ‗estudos culturais‘ se desenvolveriam‖. Desse modo, admite-

se, nessa linha teórica, que a cultura não é mero resíduo ou antiguidade

gerada pela sociedade, mas ―é algo que se entrelaça a todas as práticas

sociais‖, sendo essas práticas construídas com base nos sentidos e valores

humanos, edificada a partir das relações históricas existentes entre as

diferentes classes e grupos sociais (HALL, 2009, p. 133).

Essa concepção da cultura como centralidade tem como aporte teórico

as ideias de Stuart Hall, que no capítulo cinco da obra Media and Cultural

Regulation, publicada em 1997, intitulado ―A centralidade da cultura: notas

sobre as revoluções culturais do nosso tempo‖ define que a cultura se torna

central porque há uma ―[...] enorme expansão de tudo que está associado a

ela, na segunda metade do século XX, e o seu papel constitutivo, hoje, em

todos os aspectos da vida social‖ (p.1). Além desse trabalho, Hall sinaliza, em

outras obras (HALL, 2009; HALL, 2011), o reconhecimento da importância da

cultura, tratando-a como centralidade na sociedade e colocando-a como

protagonista nas relações sociais. São análises que, de modo geral, vêm

recorrentemente chamando a atenção para a relevância da cultura e a sua

posição nas relações global, cotidiana e pessoal (identidade), sempre

buscando romper com traços das teorias tradicionais que tratam da cultura

como algo secundário e/ou hierarquizado e que não dão o sentido orgânico que

o conceito merece.

Ao fazer reflexões sobre essa disseminação em tudo o que se diz

respeito à cultura na sociedade moderna, Hall (1997) observa os aspectos da

vida social, os elementos que constituem as teorias e os conceitos, e os

mecanismos de regulação presentes para mediar essas relações, percebendo

que a cultura passou a alcançar e agir nessas instâncias, provocando

transformações em todos os segmentos sociais de maneira individual e

coletiva. Entretanto, embora sua análise seja recente (século XX), Hall (1997,

p. 1) destaca que as ciências sociais e humanas há muito tempo reconhecem a

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cultura como categoria relevante. Porém, o autor entende que isso não indica

―que as ciências humanas e sociais tenham sempre dado à ‗cultura‘ uma

centralidade substantiva ou o peso epistemológico que ela merece‖. Assim, a

inferência da cultura como central na sociedade é algo que se intensificou

recentemente, juntamente com o processo de globalização.

No contexto da teoria de Hall (1997) é discutida a percepção moderna

em que se observa o efeito dessa globalização na sociedade, isto é, busca-se

o entendimento da cultura para explicar, também, as transformações sociais

que ocorreram, sobretudo, nas últimas décadas. Nesse sentido, os efeitos da

aceleração, no que tange à comunicação entre os indivíduos e instituições e a

tentativa de homogeneização cultural com a integração das instâncias

econômicas, políticas, sociais, entre outras, trouxeram/trazem mudanças

profundas para a sociedade.

Um tipo diferente de mudança estrutural está transformando as sociedades modernas no final do século XX. Isso está fragmentando as paisagens culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade, que, no passado, nos tinham fornecido sólidas localizações como indivíduos sociais (HALL, 2011, p. 11).

Hall (1997, p. 2) chama de ―revolução cultural‖ a relação existente entre

essas transformações e a importância que a cultura tem assumido na vida das

pessoas. Para explicar tal fenômeno, o autor parte do tema da expansão

substantiva da cultura, entendendo que substantivo é ―o lugar da cultura na

estrutura empírica real e na organização das atividades, instituições, e relações

culturais na sociedade, em qualquer momento histórico particular‖ (p. 1), e que

a cultura revela sua importância tanto no processo de revolução da

organização e estrutura da sociedade, quanto no papel do desenvolvimento do

meio ambiente global e de recursos econômicos e matérias.

Já a cultura no âmbito substantivo aparece em Hall (1997) em uma

perspectiva global, uma autêntica ―revolução cultural‖, revelando-se nas

dimensões empíricas, materiais e reais da sociedade. Para o autor, os meios

de circulação de ideias, as trocas de capital, o comércio de bens e o acesso ao

conhecimento são características da sociedade moderna e têm gerado

mudanças na cultura mundial em amplo escopo. Ao estabelecer diferenciações

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entre a mídia e a concepção marxista de ―base‖ e ―superestrutura‖, Hall

entende que num mundo em que a força midiática é um dos principais meios

de circulação de ideias e, ao mesmo tempo, é parte crítica da infraestrutura

material da sociedade moderna, não há como sustentar a teoria formulada por

Karl Marx. Isso porque, os recursos que, no século XIX, eram voltados para a

indústria de carvão, ferro e aço, hoje são investidos na ―tecnologia

comunicação digital e os softwares da Idade Cibernética‖ (HALL, 1997, p. 2).

O que o teórico dos Estudos Culturais quer nos atentar é em relação aos

efeitos da globalização, que interliga o mundo por meio da informação rápida e

acessível, bem como encurtam o tempo e o espaço social, diminuindo as

fronteiras entre as diferentes culturas. Observa ainda que umas das principais

características do efeito da globalização é a compressão do espaço-tempo, na

medida em que se sente que o mundo é menor e as distâncias não existem.

Essa desintegração das fronteiras geográficas é o fator causador do efeito

homogeneizador das culturas. Para o autor, mudanças do tempo e do espaço

estão

apagando as particularidades e diferenças locais e produzindo, em seu lugar, uma ‗cultura mundial‘ homogeneizada, ocidentalizada. Entretanto, todos sabemos que as conseqüências desta revolução cultural global não são nem tão uniformes nem tão fáceis de ser previstas da forma como sugerem os ‗homogeneizadores‘ mais extremados (HALL, 1997,p. 3).

Hall (2009, p. 35) analisa a globalização em nível cultural e considera

que o poder nacional é descentrado, na medida em que se subordina às

―operações sistêmicas globais‖. Para esse autor, a diáspora da cultura fomenta

uma revolução dos modelos culturais tradicionais, sendo que esse processo

tem causado efeitos profundos. A diminuição do tempo-espaço ocorrida pela

intensificação do uso de tecnologias expressa a disseminação das culturas

como uma categoria que já não é mais possível de ser relacionada com lugar,

ou seja, ―já não é mais fácil dizer de onde elas se originam‖ (p.36).

Muito embora essas mudanças aconteçam numa perspectiva macro,

elas tendem a influenciar o modo de viver das pessoas, ou seja, na cultura e

em seu sentido local e cotidiano. Hall (1997, p. 5) exemplifica essas mudanças:

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[...] o declínio do trabalho na indústria e o crescimento dos serviços e outros tipos de ocupação, com seus diversos estilos de vida, motivações, ciclos vitais, ritmos, riscos e recompensas; o aumento dos períodos de folga e o relativo vazio do chamado ―lazer‖; o declínio das perspectivas de ―carreira‖ e dos empregos vitalícios dando lugar ao que tem sido chamado de ―flexibilidade no emprego‖, mas que, freqüentemente, constitui uma questão de desemprego não planejado; as mudanças no tamanho das famílias, nos padrões de diferenças de geração, de responsabilidade e autoridade dos pais; o declínio do casamento numa época de incremento do divórcio, o aumento de famílias uniparentais e a diversificação de arranjos familiares; o envelhecimento da população, com seus dilemas acerca de uma terceira idade mais longa sem a ajuda do cônjuge, sustentada por generosos programas nacionais de seguros, sistemas públicos de saúde e outros sistemas de benefícios estatais; a redução das tradicionais idas à igreja e da autoridade dos padrões morais e sociais tradicionais e das sanções sobre as condutas dos jovens; os conflitos de gerações em conseqüência da divergência entre jovens e adultos, entre o declínio da ética puritana, de um lado e o crescimento de uma ética consumista hedonista, de outro.

As transformações da vida local são situações de cunho geográfico,

social e de classe. Por isso, Hall (1997) ainda ressalta que não há

exclusividade de classe nessas mudanças sociais modernas e que essas são

modificações ―das‖ culturas e ―pela‖ cultura, já que a centralidade da cultura se

expressa em seu nível global e invade cada instância da vida local, ou seja,

A expressão ―centralidade da cultura‖ indica aqui a forma como a cultura penetra em cada recanto da vida social contemporânea, fazendo proliferar ambientes secundários, mediando tudo. A cultura está presente nas vozes e imagens incorpóreas que nos interpelam das telas, nos postos de gasolina. Ela é um elemento chave no modo como o meio ambiente doméstico é atrelado, pelo consumo, às tendências e modas mundiais. É trazida para dentro de nossos lares através dos esportes e das revistas esportivas, que freqüentemente vendem uma imagem de íntima associação ao "lugar" e ao local através da cultura do futebol contemporâneo.

É a partir dessa imersão da cultura nas diversas esferas da vida ‒ dessa

virada do campo cultural ‒ que entendemos sua relevância e o porquê se faz

tão presente como temática em algumas áreas do conhecimento, sendo a

educação física uma delas. A cultura e seu novo papel na sociedade (no

sentido da centralidade assumida) pode, então, ser considerada como uma

fonte de estudo central. Seu sentido é amplo e plural, o que exige o

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reconhecimento de sua importância social. Nesse sentido, Hall (1997, p. 6)

ressalta que,

[...] a ―cultura‖ não é uma opção soft. Não pode mais ser estudada como uma variável sem importância, secundária ou dependente em relação ao que faz o mundo mover-se; tem de ser vista como algo fundamental, constitutivo, determinando tanto a forma como o caráter deste movimento, bem como a sua vida interior.

Diante do exposto, vimos que Hall (1997) aborda a dimensão

substantiva, no que refere à cultura numa perspectiva global, que envolve a

vida cotidiana das pessoas. Entretanto, a substancialidade da cultura também

pode abranger o último aspecto levantado, pelo autor, no que se diz respeito à

identidade, ou seja, ao impacto da cultura na ―vida interior‖ dos indivíduos.

Dessa forma, Hall (1997, p. 8) entende que a construção da identidade

acontece por meio da cultura e das subjetividades existentes no contexto em

que se vive, ou seja, as representações culturais subjetivas dialogam com um

centro interior; daí, a identidade ser uma construção coletiva.

O que denominamos ―nossas identidades‖ poderia provavelmente ser melhor conceituado como as sedimentações através do tempo daquelas diferentes identificações ou posições que adotamos e procuramos ―viver‖, como se viessem de dentro, mas que, sem dúvida, são ocasionadas por um conjunto especial de circunstâncias, sentimentos, histórias e experiências única e peculiarmente nossas, como sujeitos individuais. Nossas identidades são, em resumo, formadas culturalmente.

Isso significa que a identidade emergente nos dias atuais deve ser

entendida a partir de um olhar cultural e não apenas psicológico ou biológico,

demonstrando, mais uma vez, o crescente papel da centralidade da cultura e

seu papel constitutivo na construção das identidades e subjetividades. Para

Hall (2011), as identidades estão em ―crise‖ ou ―entrando em colapso‖, pois o

sujeito que antes era tradicional, unificado e estável, agora é fragmentado, ―[...]

não tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente‖ (p.13).

Assim, o delineamento do conceito de centralidade da cultura,

fundamentado em Hall (1997), vai se concretizando, primeiramente pelos seus

aspectos substantivos, que atingem a vida global no que se diz respeito às

transformações das tecnologias e das instituições, e como a cultura age

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historicamente nessas esferas; em um segundo momento, a cultura vista como

impacto na vida local, no que se refere ao cotidiano das pessoas e suas

atividades; e, por fim, a centralidade da cultura nas questões da construção da

identidade e das subjetividades do sujeito.

Nessa mesma linha de pensamento, Hall (1997) observa que além dos

aspectos substantivos, expostos anteriormente, há também outra dimensão,

que se refere a seus aspectos epistemológicos. O autor entende por

epistemológico a ―posição da cultura em relação às questões de conhecimento

e conceitualização, em como a ‗cultura‘ é usada para transformar nossa

compreensão, explicação e modelos teóricos do mundo‖ (p.1), no que se diz

respeito ao conhecimento, aos paradigmas e ao entendimento das teorias. Hall

(1997, p. 9) chama esse processo de ―virada cultural‖, explicando que ela

Refere-se a uma abordagem da análise social contemporânea que passou a ver a cultura como uma condição constitutiva da vida social, ao invés de uma variável dependente, provocando, assim, nos últimos anos, uma mudança de paradigma nas ciências sociais e nas humanidades que passou a ser conhecida como a ―virada cultural‖.

Hall (2011) reconhece que alguns conceitos contribuíram com a

mudança conceitual ocorrida no século XX. Para o autor, essas teorias

emergentes causaram um impacto profundo e desestabilizador na sociedade,

sobretudo na questão da identidade do sujeito. Dessa forma, Hall compreende

que a construção do sujeito moderno aconteceu gradualmente a partir de uma

virada cultural no que se diz respeito aos conceitos teóricos. No entanto,

didaticamente, Hall (2011) descreve esse processo apontando cinco principais

teorias que implicaram na virada do conhecimento na modernidade tardia.

A primeira, diz respeito à teoria marxista e às interpretações realizadas

por outros teóricos no século XX, entendendo que houve uma mudança na

concepção do homem e seu papel na sociedade, ou seja, alguns intérpretes da

teoria marxista argumentam que o homem pode agir ―[...] apenas com base em

condições históricas criadas por outros e sob as quais eles nasceram,

utilizando os recursos materiais e de cultura que lhes foram fornecidos por

gerações anteriores‖ (HALL, 2011, p. 35). Essa teoria teve um impacto grande

na concepção teórica da época.

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Outra teoria que causou mudança epistemológica, segundo Hall (2011),

relaciona-se com a teoria formulada por Freud, que entende as identidades, a

sexualidade e as estruturas dos nossos desejos como formadas pelo

inconsciente, a partir de processos psíquicos e simbólicos. Essa teoria, além de

se diferenciar da lógica da razão, rompe com a noção da identidade fixa e

imutável. Os fundamentos formulados por Freud pautam-se na concepção de

que a identidade não é algo inato, pois existe a partir de um aprendizado

gradual e, sobretudo, a partir das relações com os outros (HALL, 2011). O

trabalho do linguista estrutural Ferdinand de Saussure também é apontado por

Hall (2011) como uma mudança conceitual de grande peso para as sociedades

modernas, já que essa teoria aborda a questão da linguagem como explicação

da realidade, sendo observada como uma estrutura simbólica que dá sentido a

tudo que existe, seja um objeto, seja uma instituição, ou um conceito.

A quarta teoria causadora das transformações teóricas, para Hall (2011),

parte da teoria de Michel Foucault, que no século XIX, destaca o poder

administrativo disciplinar de vigilância do sujeito. Essa descrição teórica de

Foucault mudou a concepção de sujeito, por entender que ―[...] quanto mais

coletiva e organizada a natureza das instituições da modernidade tardia, maior

o isolamento, a vigilância e a individualização do sujeito individual‖ (p. 44). Por

fim, o último apontamento sobre a mudança teórica é o impacto do feminismo

como movimento crítico teórico e social, causando mudanças culturais globais

na sociedade como um todo.

É importante ressaltar que a análise da construção do pensamento

moderno, feita por Hall (2011), não é consensual entre os teóricos. É apenas

um mapeamento das mudanças teóricas que, segundo o estudioso, deram

outras configurações aos conceitos estabelecidos até então e que,

consequentemente, alteraram o papel do sujeito na sociedade. Entretanto, a

explanação dessas concepções, nessa presente dissertação, faz-se relevante

por elegermos as análises de Stuart Hall como significativas para o

entendimento da mudança conceitual no sentido de contribuir para a

compreensão da virada epistemológica que atingiu várias áreas do

conhecimento, inclusive a educação física.

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O que nos parece é que, de todas as teorias levantadas por Hall (2011)

em relação à virada cultural do conhecimento, ele se debruça especialmente

nas questões da linguagem como forma de interpretação da realidade. Isso

porque, ao falar da centralidade da cultura nas mudanças epistemológicas, Hall

(1997) trata a linguagem como um meio de comunicação ou ―[...] um termo

geral para as práticas de representação, sendo dada à linguagem uma posição

privilegiada na construção e circulação do significado‖ (p. 9, grifo do autor), ou

seja, só se pode captar o que é ―algo‖ se houver um jogo de linguagem capaz

de transmitir e classificá-lo, dando o seu devido sentido e significado. É por

esse viés que o autor analisa o discurso criado pelo homem como produção

cultural. Os fatos não independem das descrições que fazemos dele mas, ao

contrário, eles possuem significado dentro de um sistema de classificação e,

por isso, são fenômenos discursivos.

A ―virada cultural‖ está intimamente ligada a esta nova atitude em relação à linguagem, pois a cultura não é nada mais do que a soma de diferentes sistemas de classificação e diferentes formações discursivas aos quais a língua recorre a fim de dar significado às coisas (HALL, 1997, p. 10).

As argumentações de Hall apontam para a cultura como central nas

análises das instituições e relações sociais, tendo aí seu papel constitutivo,

primordial e orgânico. O conceito de cultura, para Hall (1997), dentro do campo

epistemológico, valoriza não somente o conhecimento pelo conhecimento, o

discurso pelo discurso, o objeto pelo objeto. Valoriza, também, a linguagem

que produz significados e que dá sentido à produção de conhecimento e,

essencialmente, traz à tona a concepção de cultura pouco enfatizada entre os

teóricos das ciências humanas e sociais.

A cultura é vista como centralidade porque ―cada instituição ou atividade

social gera e requer seu próprio universo distinto de significados e práticas —

sua própria cultura‖ (HALL, 1997, p.12, grifo do autor), ou seja, todas as

dimensões humanas, mesmo que tenham efeitos reais e materiais na

sociedade, gozam de um sentido simbólico de significados. Esse conceito de

cultura como central pode nos remeter a uma ideia de que ―tudo é cultura‖,

entretanto:

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O que aqui se argumenta, de fato, não é que ―tudo é cultura‖, mas que toda prática social depende e tem relação com o significado: conseqüentemente, que a cultura é uma das condições constitutivas de existência dessa prática, que toda prática social tem uma dimensão cultural. Não que não haja nada além do discurso, mas que toda prática social tem o seu caráter discursivo (HALL, 1997, p.13, grifos do autor).

Para exemplificar essa ideia, voltamos nossos olhares ao que Hall

(1997, p. 13) aponta acerca do papel político e da economia. O autor entende

que tudo depende da forma como o humano politicamente define as situações.

A constituição familiar, por exemplo, modificou-se nos últimos tempos em

relação ao poder, isto é, as relações familiares eram definidas fora do domínio

do poder, como esferas da vida nas quais a palavra ‗política‘ não tinha qualquer

relevância ou significado‖. Hoje percebemos que as questões de gênero e de

sexo existentes dentro do contexto familiar não são dissociadas de uma política

de poder, e para que isso tenha acontecido houve a necessidade de

transformações no significado de política.

Teria sido impossível conceber uma ―política sexual‖ sem que houvesse alguma mudança na definição do que consiste o âmbito ―político‖. Da mesma maneira, só recentemente — desde que o feminismo redefiniu ―o político‖ (como por exemplo: ―o pessoal é político‖) — que passamos a reconhecer que há uma ―política da família‖. E isto é uma questão de significado — o político tem a sua dimensão cultural (HALL, 1997, p. 13 grifos do autor).

O mesmo acontece com as questões econômicas. Ao refletirmos sobre

diferenças econômicas, podemos nos remeter à concepção de injustiça por

entender que uma determina classe/grupo/ indivíduo está mais privilegiado que

o outro. Entretanto, para que façamos essa interpretação, há necessidade de

produzirmos significados para o senso de justiça, de equidade, de pobreza,

riqueza, e isso e esses sentidos e significados do discurso foram e sempre

serão construídos historicamente a partir dessas relações sociais. Dessa

forma, ―a cultura é, portanto, nestes exemplos, uma parte constitutiva do

‗político‘ e do ‗econômico‘, da mesma forma que o ‗político‘ e o ‗econômico‘

são, por sua vez, parte constitutiva da cultura e a ela impõem limites‖ (HALL,

1997, p.13).

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Como observado, a concepção de ―centralidade da cultura‖ abordada

por Hall diferencia-se em dois aspectos: os substantivos e os epistemológicos

na tentativa de esclarecer a sua natureza, ou seja, ―tanto o que ela é quanto o

que ela faz‖ (HALL, 1997, p. 21). Nesse sentido, propomos, nessa pesquisa,

fazer uso do conceito de centralidade da cultura, verificando o papel que a

cultura tem desempenhado na área, entendendo que os aspectos substantivos

da centralidade da cultura na educação física, por exemplo, nas instituições de

ensino, nas práticas de lazer, esportes, danças, lutas, jogos, mídia (como

veiculadora de informações) e nas atividades da vida local são significantes,

como também, os epistemológicos, ligados aos conceitos e produções de

conhecimento no campo da educação física e cultura. Embora Hall (1997)

tenha separado didaticamente esses dois aspectos, eles não podem ser

dissociados, uma vez que dialogam com seus valores, refletindo-os um no

outro.

É partindo da concepção de que cada vez mais a cultura se dissemina

em todas as vertentes sociais que buscamos, em nossa pesquisa, analisar

como ocorre a produção de conhecimento sobre cultura na educação física

brasileira, identificando se pesquisadores a elegem como tema central ou

periférico em suas produções e na área. Para isso, tomamos como ponto de

análise para este estudo a percepção do grau de importância que os conceitos

de cultura têm na produção de conhecimento na educação física e, para essa

percepção, utilizamos os termos centralidade e periferia, entendendo que,

embora alguns estudos considerem a cultura como elemento relevante em

suas pesquisas, faz-se mister a análise da perspectiva teórica dada ao

conceito, bem como a base argumentativa assumida nesses estudos.

Aqui chamamos de periférico o trato do conhecimento da cultura como

entorno de temáticas pesquisadas na área, ou seja, a concepção de cultura

que assume papel coadjuvante dentro da produção de conhecimento na

educação física. No entanto, não significa que a cultura, vista como periférica,

não se comunica com os agentes existentes nas produções de conhecimento

da área, mas que embora possa fazer interlocuções, não é a dimensão cultural

que se encontra central, pois ela se aproxima e se relaciona com outro(s)

fator(es) ao centro. Quanto ao que compreendemos como central ou

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centralidade da cultura é a sua capacidade de passar a ser tratada como

principal conceito e/ou campo investigativo dentro da composição teórica da

educação física, constituindo-se como categoria significativa para o

entendimento das questões e manifestações da área. Diante do exposto, é

necessário salientarmos as discussões epistemológicas da educação física no

intuito de compreender o papel que a cultura exerce nesse campo, articulando

essas análises às características da sua produção de conhecimento, atreladas

ao contexto histórico em que essas pesquisas foram se desenvolvendo e se

disseminando. Assim, faremos uma breve incursão por fatos constitutivos do

processo científico da educação física brasileira no intuito de entender as

influências históricas e sociais que se configuraram como base para a

produção de conhecimento na área e como a questão cultural na educação

física alcançou o patamar científico nos dias atuais.

2.2 Sobre a produção de conhecimento em educação física e cultura

O incentivo à pesquisa na educação física brasileira tem uma história

muito recente. A partir das décadas de 60 e 70 do século XX ‒ que foram

cruciais para o desenvolvimento da pós-graduação no Brasil ‒ o fortalecimento

da cientificidade na educação física brasileira, orientou-se para a constituição

das produções de conhecimento voltadas ao fenômeno esportivo, um período

marcado pela intensa teorização na área e por sua continuidade nas décadas

posteriores.

Entretanto, tais fatos não indicam a inexistência de uma fundamentação

teórica da área antes da criação da pós-graduação pois, como Betti (2008,

p.144) destaca, na Europa, entre os séculos XVII e XIX, as bases filosóficas da

educação física foram constituídas, momento em que filósofos e pensadores

lançavam, em meio à ascensão da burguesia, ideias atreladas aos cuidados

com o corpo e com o exercício físico para a formação do indivíduo. No que

tange à produção de conhecimento, o autor observa que

ainda no século 19, obras que propõem a sistematização científica (com base na Medicina e na Biologia) e pedagógica da ginástica ou mesmo tratados de ordem mais geral, utilizam explicitamente a expressão ―educação física‖.

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Betti (2008) constata que, naquele período, a expressão ―educação

física‖ era vinculada à sistematização científica sobre exercícios físicos, jogos e

esportes. Bracht (1999) identifica dois principais fatores que caracterizam a

especificidade da educação física até a sua constituição como campo

acadêmico no Brasil. O primeiro decorre das influências médicas e morais da

ginástica escolar11, a partir de um olhar pedagógico, em que ―as práticas

corporais eram constituídas e vistas como instrumentos para a educação para

a saúde e para educação moral‖ (BRACHT, 1999, p. 17). Outro aspecto é que

a educação física, conhecida na época como Ginástica Escolar, tinha o papel

de receptora de conhecimentos advindos de intelectuais de outros campos. No

entanto, ela não criava sua própria teoria, mas se apropriava das

fundamentações intelectuais da Medicina, das Forças Armadas, da Pedagogia

e das Ciências Políticas.

Gradativamente a educação física dava seus próprios passos na ciência

e pesquisa, tanto que suas produções originaram diferentes enfoques

temáticos. Daí decorre que - para compreendermos como a produção de

conhecimento na educação física modificou seus paradigmas e passou a

teorizar não só os fundamentos das Ciências Naturais, como também aspectos

das Ciências Humanas e Sociais, sobretudo no que se diz respeito ao viés

cultural - faz-se importante, nessa pesquisa, perceber o movimento histórico

que levou a área (por muito tempo dominada por conhecimentos sobre

rendimento esportivo e aptidão física) a avançar no sentido de abarcar

discussões epistemológicas, sociológicas, pedagógicas, históricas, culturais.

Essa discussão do percurso das pesquisas em educação física e suas

modificações epistemológicas não acontece desvinculada de um processo

mais amplo e global, pois o que tematiza os livros e artigos publicados na área

é resultante de uma sucessão de acontecimentos que transcedem o campo

científico da educação física.

Para isso, a tematização de alguns aspectos gerais relacionados à

implementação da pós-graduação stricto sensu no país contribui para entender

11

Ver Soares (2004), sobretudo quando ela se refere às características dos Métodos Ginásticos criados na Europa.

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o período que a cientificidade se fortaleceu motivada pelo entorno de sua

própria constituição. Como observa Dantas (2004), ―as contribuições da

pesquisa científica à sociedade são sempre mediadas por processos políticos,

culturais e sociais mais amplos, em que as expectativas dos autores são

limitadas e influenciadas por outros agentes‖. Entre esses agentes podemos

citar instituições como a mídia, a universidade, a escola, os cargos

responsáveis para gerenciar esses segmentos, e outros que, em contato com o

contexto social, influenciam direta ou indiretamente o campo científico

brasileiro.

O entendimento da produção de conhecimento científico no Brasil pode

ser diretamente relacionado com a história da pós-graduação stricto sensu e

essa ligação não se restringe somente à educação física. As mais diversas

áreas do conhecimento tiveram a ampliação da cientificidade com a criação

dos programas de pós-graduação. Isso porque, com a criação de cursos de

mestrado e doutorado as universidades passaram a intensificar sua produção,

principalmente, a partir da década 1970 quando a pós-graduação no Brasil foi

responsável pela maior parte da produção científica das diversas áreas de

conhecimento, sendo esse crescimento tanto quantitativo quanto qualitativo

(AMADIO, 2007; DANTAS, 2004).

O grande impulso para a pós-graduação brasileira foi a criação do

documento que a regulamentou em nosso país parecer 977 do Conselho

Federal de Educação, aprovado no ano de 1975. Esse documento descreve

não somente as novas regras e leis que buscavam controlar os programas,

mas também explicita a parceria existente entre a pós-graduação brasileira e

os países norte-americanos. Esse fato fica evidente com a caracterização dos

cursos de pós-graduação do Brasil, organizados em níveis de mestrado e

doutorado (LUDKE, 2005; SANTOS, 2003), seguindo os padrões norte-

americanos. Segundo Santos (2003, p. 629), a tendência de adaptação do

modelo da pós-graduação da América do Norte à realidade brasileira parte da

busca ―em tentar reproduzir no Brasil marcas dos países ‗adiantados‘,

principalmente os EUA, no intuito de tornar o país subdesenvolvido o mais

parecido com o país desenvolvido‖.

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Como o sistema de pós-graduação no Brasil ainda era muito

embrionário, empregar o modelo estrangeiro se fez imprescindível como

suporte, no sentido de orientar e dar aporte à lógica interna da pós-graduação

brasileira. Esse fato atrai análises críticas, sobretudo, no que diz respeito a

uma produção de conhecimento realizada em nosso país, porém que se volta

para objetivos da ciência e tecnologia dos países estrangeiros. .

Ao discutir a história da pós-graduação no Brasil, Santos (2003, p. 630)

entende que essas relações com as grandes potências mundiais - que

predominavam na década de 1980 - indicam uma série de contradições,

principalmente, no que concerne à ―dependência científico-cultural‖. O autor

aponta a fragilidade desse modelo à área das Ciências Humanas, observando

que apenas para as áreas de exatas e biológicas ele era coerente.

A internacionalização das publicações é um padrão totalmente adequado aos trabalhos nas áreas de Ciências Exatas e Biológicas, cujos temas não estão, necessariamente, circunscritos a um espaço geográfico, cultural e histórico. A publicação em periódicos internacionais de trabalhos na área de Ciências Humanas é algo muito mais difícil e improvável (SANTOS, 2003, p. 631).

No entanto, embora os traços de uma produção científica voltada para

as Ciências Naturais e Exatas sejam herdados, inicialmente, dos modelos

estrangeiros de pós-graduação das grandes potências mundiais e tenham

deixado marcas profundas na pós-graduação brasileira (em seu contexto

geral), essas características foram se configurando, com o passar do tempo.

Como afirma Ludke (2005, p. 121) e, ―com base em nossas necessidades e em

nossos recursos, foi-se constituindo um sistema novo, próprio, com

características originais, embora mostrando marcas daquelas influências‖. Isso

porque as características herdadas foram se hibridizando com outras

influências, construindo uma pós-graduação brasileira com seu formato atual.

Nesse processo de transformação e aprimoramento, o envolvimento de

órgãos governamentais de fomento à produção científica também contribuiu

para que a pós-graduação obtivesse esse perfil que se encontra na atualidade,

a exemplo da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível

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Superior12 (CAPES) que vem alocando recursos e financiamentos de

pesquisas, e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e

Tecnológico13 (CNPq) que estimula o desenvolvimento da investigação

científica e tecnológica. Assim, as publicações tomaram novos formatos e as

instituições públicas passaram a desempenhar papel primordial no que se diz

respeito à produção de conhecimento (DANTAS, 2004). Consequentemente, a

produção de conhecimento no Brasil também tomou novas formas, o que

afetou, portanto, o âmbito da educação física.

Com a consolidação do esporte que entrou em cena no sentido de

substituir os métodos ginásticos14 houve o fortalecimento das Ciências do

Esporte no Brasil, tendo esse fenômeno como tema orientador da própria

cientificidade da área, isto é, a educação física teve seu campo científico

configurado e regulado pela lógica do sistema esportivo voltado ao alto

rendimento e à performance. Bracht (1999, p. 22) contesta esse período e faz a

crítica: ―O que importa mesmo é a medalha!‖, ou seja, a lógica existente no

interior do campo esportivo acabou influenciando as leis e as regras do campo

científico da educação física, Bracht (1999, p. 23) complementa que as ações

realizadas em prol do sistema esportivo foram redefinidas ―[...] em função de

um melhor ou pior resultado esportivo‖ e o viés pedagógico se tornou

secundário.

Esse viés esportivo culminou na criação no Colégio Brasileiro de

Ciências do Esporte, no final da década de 1970 (BRACHT, 1999). Com esse

evento, o autor observa que o fenômeno esportivo orienta a produção

acadêmica. ―É a importância social e política desse fenômeno que faz parecer

legítimo o investimento em ciência neste campo‖ (BRACHT, 1999, p.20). Em

suma, nessa época, as relações assumidas entre educação física,

cientificidade e esporte eram vinculadas aos interesses políticos e sociais, ou

12

A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), criada em julho de 1951, tem como uma de suas funções avaliar a pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado) em todos os Estados da Federação. 13

O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), criado em Abril de 1949, tem como finalidade promover e fomentar o desenvolvimento científico e tecnológico do país e contribuir na formulação das políticas nacionais de ciência e tecnologia 14

Os “Métodos Ginásticos” ou “Escolas de Ginástica” compuseram um movimento surgido Europa no início de século XIX e que posteriormente, disseminou-se para o resto do mundo. Objetivava, por meio de exercícios sistematizados, formar corpos saudáveis, regenerar a raça, promover saúde, desenvolver a coragem, a força e a moral (SOARES, 2004.)

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seja, foi por meio do esporte que o campo científico da educação física se

manteve na universidade

Junto a esse paradigma esportivo, houve a criação do primeiro curso de

pós-graduação stricto sensu em educação física, o que se deu-se em 1977,

modificando a configuração da área no que se diz respeito à produção de

conhecimento, havendo a formação de novos e mais qualificados mestres e

doutores (KOKUBUN, 2003). Esse fato está relacionado diretamente ao

estímulo à pesquisa na educação física, entendendo o espaço acadêmico

como favorável para a formação de pesquisadores, além das novas exigências

de órgãos orientadores, reguladores e avaliadores, como também da legislação

(LDB) que reforçou a importância da pesquisa e da pós-graduação ao

reconhecer as organizações de ensino superior como responsáveis pelo

desenvolvimento da pós-graduação, pela pesquisa e pelos requisitos de

titulação de pós-graduação dos docentes (LOVISOLO, 2003).

Nesse contexto, Daolio (2007, p. 50) reforça a relação da produtividade

em educação física e a pós-graduação, afirmando que esse boom nas

publicações da área permitiu a percepção de que a educação física vai além de

uma prática pedagógica e de aplicação de conceitos provindos de outras áreas

acadêmicas, pois se trata de um campo que também produz seus próprios

conhecimentos. O autor observa o caráter quantitativo desse processo:

O número de titulados como mestres e doutores e o equivalente número de dissertações e teses, o número de revistas científicas da área, o número de artigos de autores nacionais publicados em periódicos dão alguns indícios de desenvolvimento desse empreendimento, que não possui mais que trinta anos, mas que foi incrementado na última década

Na década de 1980, houve aumento na produção de conhecimento que

buscava um arcabouço teórico para fortalecer as novas ideias que iam

surgindo. No que diz respeito às tendências temáticas produzidas nesse

período, Silva (1990, 1997) identificou as características epistemológicas das

dissertações produzidas nos três primeiros Cursos de Mestrado15 criados em

Educação Física e Esporte. Esse mapeamento revelou a predominância de

pesquisas de cunho metodológico empírico-analítico, sendo elas, em sua

15

Os três primeiros cursos de mestrado em Educação Física no Brasil foram: Universidade de São Paulo (1977), Universidade Federal de Santa Maria (1979) e Universidade Federal do Rio de Janeiro (1980).

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maioria, vinculadas aos princípios científico-positivistas. Silva (1997, p. 153)

ainda destaca que, em relação à concepção de homem ―nos textos das

dissertações, o biológico prevalece sobremaneira e o cultural se restringe ao

ambiental‖. Para a construção dessa pesquisa, a autora realizou um recorte,

analisando as produções desenvolvidas no período de 1988 a 1994.

Embora discussão sobre um viés biológico ainda era predominante nos

anos 1980, é esse o momento em que ocorreu a entrada mais decisiva da

apropriação de teorias das Ciências Humanas e Ciências Sociais na área da

educação física. Como consequência desse processo, houve grande

repercussão de algumas obras publicadas que questionavam criticamente o

papel da educação física na sociedade, a exemplo de Medina (1983), que nos

alertou para uma crise que se instalava na área e, no mesmo ano, Oliveira

(1983), que também buscou entender a chamada ―crise de identidade‖ pela

qual passava a educação física, além de autores como Kunz (1991), Bracht

(1989) e o chamado Coletivo de Autores (1992) que, na segunda década de

―crise‖, buscou respaldo bibliográfico para impulsionar, por um viés crítico, a

educação física escolar. A respeito da área da educação física, Daolio (2010, p.

10) observa:

[...] Até há pouco tempo ainda era refém dos estudos quase exclusivamente biológicos. De fato, não se pode negar o avanço recente da educação física brasileira com base em conhecimentos das ciências humanas, não só da antropologia, mas da história, da sociologia, da ciência política e outras.

O campo epistemológico da educação física, no entanto, desde os anos

1980, vem buscando basear-se não somente nas Ciências Naturais, como

também dialogar com as disciplinas das Ciências Humanas e Sociais, saberes

que contribuem para a superação do pensamento hegemônico por meio de

uma perspectiva local em sua dinâmica e especificidade, pensando no corpo e

seu sentido gestual, construídos a partir das relações estabelecidas

socialmente em seu contexto cultural, bem como a reflexão da aula de

educação física no espaço escolar e sua percepção pedagógica como

momento crítico que reconheça as diferenças de cada aluno.

Há de se considerar que a criação de programas de pós-graduação,

trata-se de um fenômeno que ocorre em paralelo com outros fatos que se

intensificaram nas últimas décadas do século XX e vem se ampliando cada vez

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mais, caracterizado por uma polarização epistemológica. Daolio (2010, p. 1)

salienta que as publicações da educação física – artigos em periódicos, livros,

capítulos – que utilizam como base as ciências humanas têm aumentado nos

últimos anos. O autor ainda ressalta: ―Enfim, não causa mais polêmica afirmar

que a educação física lida com conteúdos culturais‖.

Essa diversidade de ciências, segundo Chauí (1994, p. 226), ―[...] refere-

se às diferentes maneiras de realização do ideal de cientificidade segundo os

diferentes fatos investigados e os distintos métodos e tecnologias

empregados‖, sendo as Ciências Naturais aquelas que aplicam métodos

relacionados à física, à química, à biologia, entre outras, e as Ciências

Humanas ou Sociais aquelas que tratam de saberes da psicologia, sociologia,

antropologia, e outros.

Alguns autores da educação física pesquisaram acerca desse

paradigma da pluralidade de fontes científicas existentes na área e discutem

como as produções se configuram dentre essas mudanças históricas. Em

Bracht (1999), há critica às influências herdadas das Ciências da Saúde e

Biológicas para a educação física em interlocução com as reflexões

epistemológicas acerca do desejo ou não de se construir uma ciência própria

na área. Ainda, um levantamento teórico realizado por Ludorf (2002) indica

que, na década de 1980, o maior número de publicações de pesquisas era de

cunho quantitativo, nas quais prevaleciam o caráter técnico e biológico.

Em nível de crítica ao sistema de avaliação científica, Daolio (2007)

observou que as pesquisas em educação física com referenciais das

humanidades deveriam possuir um diferencial no que diz respeito à avaliação

da CAPES e seu comitê científico se comparado aos conhecimentos das

Ciências Naturais e Exatas, por entender que existem variadas características

entre essas diferentes abordagens teóricas. Igualmente, o artigo de Falcão

(2007) corrobora essa discussão, reconhecendo a predominância de pesquisas

empírico-analíticas e a necessidade de interlocução da produção de

conhecimento em educação física com manifestações de jogos e movimentos

da cultura popular. Assim, de forma geral, essas obras buscam, em algum

momento, analisar as questões da pesquisa em educação física e os

equívocos existentes no interior da área em relação à predominância de uma

ciência em relação à outra.

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Pesquisa desenvolvida por Bracht et al. (2011) aponta indicadores

acerca da ampliação do debate científico pelo viés humano. O autor realiza o

mapeamento e a avaliação da produção do conhecimento sobre o tema

educação física escolar, veiculados em nove dos principais periódicos

brasileiros, no período de 1980 a 2010. Contatando que, até o fim da década

de 1980, houve uma intensificação na publicação de artigos ―que, em alguma

medida, buscam lançar os alicerces teóricos para a construção de uma

determinada educação física escolar‖ (BRACHT et al. 2011, p. 15), sendo

essas produções classificadas pelo autor como pesquisas de

―Fundamentação‖, as quais buscavam ir além de um projeto de intervenção e,

para isso, partiam de diferentes referenciais para problematizar e fundamentar

as bases teóricas da educação física. Essa constatação feita por Bracht et al.

(2011) reitera a ideia de que na década de 1980 emergiram grandes

transformações na teorização da educação física.

Outro diagnóstico do autor foi a percepção de equilíbrio nos temas das

publicações posteriores aos anos 1990, avaliando que o debate acadêmico

ocorrido no interior da área é um dos fatores que influenciaram para que

pesquisas de caráter crítico e interventivo se intensificassem nas publicações

em periódicos. Entretanto, vale ressaltar que o levantamento realizado por

Bracht et al. (2011) focou-se, sobretudo, na educação física escolar, e por isso

esse mapeamento da produção de conhecimento na área, nas últimas três

décadas, além de um recorte temporal, também consiste em um recorte

temático, portanto, não se trata da área como um todo mas de um campo de

atuação específico.

Podemos considerar que as inquietações dos profissionais que

buscaram novas perspectivas para o campo da educação física foram geradas

a partir de um processo global que envolve a criação dos programas de pós-

graduação, a alocação do esporte como característica hegemônica de

desempenho físico, assim como também as críticas em relação a todo esse

processo. Bracht (1999) destaca que os profissionais passaram a refletir

pedagogicamente a área da educação física, criando uma resistência

acadêmica em relação ao cientificismo das Ciências do Esporte. Dessa

maneira, percebemos que as pressões externas não são independentes, mas

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mediadas pela lógica do campo, ou seja, o grau de autonomia do campo

científico da educação física, em relação à sociedade de modo geral, está

ligado aos conflitos de dominação e luta existentes no seu interior. É o que

Bourdieu (2004, p. 22) chama de ―capacidade de refratar‖ (grifo do autor),

compreendendo que os campos sociais se caracterizam como mais ou menos

autônomos a partir do poder de seus agentes, ou seja, a partir das relações de

força e dominação presentes na lógica e na autorregulação.

Com a apropriação dos conhecimentos das Ciências Humanas e

Sociais, o termo ―cultura‖ adquiriu espaço no discurso da educação física, uma

vez que, essas últimas décadas professores e pesquisadores da área tentam

fundamentar as manifestações corporais a partir desse viés cultural. Esse fato

se materializa na educação física, especialmente, nos últimos 20 anos, com a

publicação de artigos e livros que incorporam essa temática. Notamos que

embora com diferentes aprofundamentos teóricos, muitos pesquisadores da

área referem-se à cultura em propostas diversificadas.

Essas ―novas‖ perspectivas na produção de conhecimento na educação

física provocaram – desde a década de 1980 – uma mobilização riquíssima no

campo científico e acadêmico. Hoje, há preocupação substancial, no interior

das universidades, com os aspectos teóricos advindos da Antropologia, da

Sociologia, da História, entre outras disciplinas que agregam, conhecimentos

ao saber científico. Assim, a ―cultura‖, em interlocução com a educação física,

vem aparecendo sucessivamente nas publicações, nas linhas de

conhecimento, nas disciplinas, nos projetos e congressos. É a partir dessas

frentes teóricas que autores da área confrontam ou apoiam discussões

conceituais sobre os significados de termos como: ―cultura corporal‖, ―cultura

corporal de movimento‖, ―cultura física‖ e ―cultura de movimento‖, além de

outras variações.

Partindo desses pressupostos é necessário indagar: quais as relações

existentes entre o campo da ciência, da educação física e a temática ―cultura‖?

Destacamos que, nesse estudo, a educação física é uma área entendida como

área de conhecimento e de intervenção profissional e também de

características de ordem científica e epistemológica. No entanto, entendemos

que a área produz histórica e culturalmente seu próprio fazer científico, que é

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questionável, dinâmico e (re)significativo, em interlocução com diferentes

campos teóricos. Como, metaforicamente, diz Fensterseifer (2010, p. 103), a

educação física não produz uma única Verdade, mas sim verdades que

―possuem endereços e fazem aniversário‖.

O mesmo autor (2006) nos atenta para o caráter histórico do

conhecimento, da consciência do homem, da razão e, consequentemente,

dessas verdades que são produzidas. Não se trata de cair no mero relativismo

científico nem tampouco buscar uma verdade com ―V‖ maiúsculo, mas assume

a linguagem que leva à abertura ―para novos sentidos dados pela

compreensão‖ (p. 8).

É nesse sentido que buscamos olhar para a produção de conhecimento

em cultura na educação física brasileira, a partir da análise crítica e do

reconhecimento do debate existente na área que envolve diversos conceitos de

cultura apropriados e significados pelos atores sociais. Entendemos que a

educação física, de fato, possui uma produção cultural apreciável e passível de

críticas, engajada, por meio de diferentes atores sociais, na produção de

conhecimento acadêmico e científico.

Pensar na produção de conhecimento em educação física e nos

conceitos por ela apropriados é, também, refletir sobre uma área científico-

acadêmica em constante crescimento e amadurecimento intelectual. A

amplitude de abordagens teóricas existente nessa área concede aos

profissionais da educação física o direito de articular com o campo da cultura, o

que se tornou incisivo há algum tempo. Nessa linha pensamento, torna-se

fundante a discussão de cultura na educação física pelo entendimento de

―virada cultural‖ designado por Hall (1997), que aponta para um fenômeno que

atinge a sociedade, em nível de conhecimento, de teorias e de interpretações.

Contudo, a mudança na forma de pensar, conceituar e produzir é um

processo lento e, por isso, na educação física ainda não há consenso acerca

da apropriação do conceito de cultura, em termos de aceitação desse conceito

e de seus vieses teóricos, haja vista a utilização de expressões como ―cultura

corporal‖, ―cultura corporal de movimento‖ e ―cultura física‖ que são

tematizadas a posteriori nessa dissertação. Noutras palavras, nessa

dissertação, admitimos a aproximação da ideia de ―virada cultural‖ designada

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por Hall (1997) com o que tem acontecido na educação física – sobretudo, a

partir da década de 1990 – entretanto, são heterogêneas as formas como esse

tema vem sendo tratado na área.

Embora a categoria cultura seja de interesse comum a alguns

pesquisadores da educação física, existem divergências conceituais, próprias,

logicamente, de abordagens teóricas distintas e dos modos como se olham

para o campo acadêmico. Assim, os caminhos percorridos nessa pesquisa não

buscam consenso e nem definição singular. O intuito é descortinar um cenário

teórico e apreender o papel que a abordagem cultural tem desempenhado

nesse campo.

A teorização da área da educação física, por um viés cultural, consolida-

se, sobretudo, na década de 1990. Foi também, nesse momento histórico que

algumas obras foram lançadas e disseminadas em meio acadêmico, ganhando

ressonância nesse campo. Entretanto, com a intensificação de produções,

iniciou-se, no contexto da educação física brasileira uma sucessão de

divergências teóricas, resultantes da variedade de entendimentos sobre o que

é cultura. Além disso, a diversidade conceitual que emergiu na academia

possibilitou aproximações e identificações teóricas entre essas produções e a

pesquisadora desse estudo. Por isso, a escolha dos autores que embasaram

essa pesquisa ocorreu a partir de nossa percepção acerca dos estudiosos que

tratam de educação física e cultura, tanto em produções acadêmicas (livros,

artigos), quanto em projetos e eventos em que são convidados para discorrer

sobre a temática.

Partindo desses pressupostos, apresentamos o delineamento teórico-

metodológico dessa pesquisa no intuito de tornarmos elucidativas as escolhas

dos interlocutores que nos subsidiarão. Grosso modo, as escolhas dizem

respeito à notoriedade que dadas produções de conhecimento possuem no

interior da área e, consequentemente, dos proponentes dessas produções.

O debate empreendido na área de educação física amplia a discussão

veiculada nas produções de conhecimento em relação às interlocuções com a

cultura. Desde que a cultura começou a aparecer nas publicações da educação

física brasileira – com mais evidência teórica na década de 1990 - essa palavra

tem sido frequentemente utilizada para designar e explicar terminologias como

―cultura corporal‖, ―cultura de movimento‖, ―cultura física‖, ―cultura corporal de

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movimento‖, além de outros desdobramentos. Tais terminologias mantêm

interconexões, por vezes, tecidas a partir de suas origens e/ou

desdobramentos.

González e Fensterseifer (2008) - organizadores do Dicionário Crítico da

Educação Física - apresentam uma compilação terminologias do universo

linguístico-conceitual veiculados na área. Por isso, o conceito de cultura está

presente isoladamente e, também, articulado com outras palavras comuns na

área. Dentre esses temas são discutidas as expressões: cultura corporal,

cultura física, cultura corporal de movimento. Nessa mesma obra, Pich (2008),

autor do verbete ―cultura corporal de movimento explica que o conceito de

―cultura corporal do movimento‖ explica que esse conceito está articulado a

outros, sendo originário de duas diferentes influências geográficas e

acadêmicas: a tradição soviética16, a qual cunhou a expressão ―cultura física‖,

por meio da Academia de Cultura Física de Varsóvia; e também a tradição

alemã, que se associa a duas diferentes frentes teóricas: à perspectiva

marxista, ao criar o conceito de cultura corporal, e às perspectivas

fenomenológica e etnográfica, com a noção de cultura de movimento.

16 No que diz respeito à tradição soviética, Pich (2008) destaca a reflexão sobre o caráter

constitutivo do corpo humano relacionado ao trabalho, tendo em vista que, para essa concepção, é na transformação do corpo que se torna possível a utilização, por exemplo, das mãos para a manipulação da matéria. A Figura 1 ilustra essas variações terminológicas com base na obra de González e Fernsterseifer (2008), que apresenta a tradição e/ou corrente desses conceitos.

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A concepção de cultura física, para Pedraz (2008)17, é definida como ―o

conjunto simbólico e prático elaborado e adquirido e pelo qual a coletividade

organiza seu comportamento especificamente corporal‖. O autor observa que o

corpo é construído socialmente e constitui-se como um espaço de produção

ideológica que expressa, pela cultura, seus atos e afetos. Nessa linha de

pensamento, fazem parte da cultura física ―todas as formas adquiridas de se

relacionar corporalmente do homem com o exterior e consigo mesmo‖ (p. 116).

Para o autor, a cultura física configura-se tanto no viés simbólico, quanto na

morfologia física do homem e abarca elementos como: técnicas, hábitos,

representações e sensações de pudor, vergonha, intimidade, entre outros

aspectos.

Embora Pedraz (2008) não faça referência à utilização da expressão

―cultura física‖ na educação física brasileira, Betti (2009, p. 38) ao discutir esse

17

Apesar de Pedraz (2008) ser o autor do verbete “Cultura Física” no “Dicionário crítico de educação física”, não há, por parte do pesquisador, menção ao caráter histórico desse verbete, o que inviabiliza a relação direta com a discussão da cultura física advinda da tradição soviética apontada por Pich (2008).

Figura 1: Figura ilustrativa, elaborada pela pesquisadora, extraídos de Pich

(2008). Ilustra as correntes teóricas constituintes do conceito de cultura corporal

de movimento.

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conceito, reconhece que em um artigo de sua autoria, publicado em 1992, o

conceito de ―cultura física‖, baseado em autores poloneses, é utilizado para

―esclarecer os objetivos da educação física no então ensino escolar de 1º e 2º

graus, visando preservar sua especificidade e, ao mesmo tempo, sua

integração à Pedagogia‖.

Contudo, vale ressaltar que Betti (2009e Pich (2008) apresentam o

mesmo conceito de cultura física advindo da tradição soviética, Entretanto, na

definição de Pedraz (2008), apesar dele mesmo ser o autor do verbete ―Cultura

Física‖ no ―Dicionário crítico de educação física‖, não há, por parte do

pesquisador, menção ao caráter histórico desse verbete.

A expressão, nomeada ―cultura corporal‖ está relacionada à

organização da produção capitalista e suas relações com o esporte, ou seja, a

divisão de classes sociais e constitui significados e valores, que acabam por

refletir no fenômeno esportivo (PICH, 2008). No contexto da educação física, a

―cultura corporal‖ foi incorporada pela obra ―Metodologia do Ensino de

Educação Física‖ (1992) para definir o objeto de conhecimento da área.

Resultado de um trabalho em conjunto18, esse Coletivo de Autores elegeu

como temas ou formas de atividades corporais: jogos, esporte, ginástica,

dança, entre outros. Assim, os autores observam que a cultura corporal

―expressa um sentido/significado onde se interpenetram, dialeticamente, a

intencionalidade/objetivos do homem e as intenções/objetivos da sociedade‖.

São formas de atividades expressivas corporais e devem ser tratadas na aula

de educação física escolar (COLETIVO DE AUTORES, 1992, p. 62).

Já a corrente da ―cultura de movimento‖ apropria-se da ideia de

linguagem corporal para identificar as redes simbólicas existentes em uma

sociedade (PICH, 2008). Kunz (2008, p.112) define quais são as atividades que

fazem parte da cultura de movimento:

Pertencem à cultura de movimento todas aquelas atividades que envolvem o movimentar-se humano com características lúdicas, de jogo, de brincadeira, de ginástica de apresentação e competição, reconhecidas num determinado contexto sócio-cultural.

18

Carmem Lúcia Soares, Celi Taffarel, Elizabeth Varjal, Lino Castellani Filho, Michele Ortega

Escobar e Valter Bracht são os autores da referida obra.

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52

No que tange o conceito de ―cultura corporal de movimento‖,

percebemos em Daolio (2008, p. 109) a reflexão desse conceito como objeto

do qual trata a educação física. Observa que

o conceito de cultura corporal do movimento deve ser entendido a partir do processo de ruptura com a visão biologicista-mecanicista do corpo e do movimento situado de forma hegemônica na Educação Física até o início da crise epistemológica ocorrida nos anos 80. Assim sendo, o conceito veio representar a dimensão histórico-social ou cultural do

corpo e do movimento.

Além de Daolio (2008), Bracht (2003, p. 41) também aborda a ―cultura

corporal de movimento‖ como objeto da educação física. Antes de assumir

essa ideia, o autor observa: ―quando falo em objeto da EF me refiro ao ‗saber‘

específico de que trata essa prática pedagógica19‖ e ainda reforça:

então, quando nos referimos ao objeto da EF, pensamos num saber específico, numa tarefa pedagógica específica, cuja transmissão/tematização e/ou realização seria atribuição desse espaço pedagógica que chamamos de EF (BRACHT, 2003, p.42).

É nessa preocupação com a configuração do saber específico da

educação física que Bracht (2003) sugere reflexões sobre o conceito de

―cultura corporal de movimento‖, por entender que expressões-chave como

―atividades físicas‖, ―exercícios físicos‖―, ―movimento humano‖ e ―motricidade

humana‖, são termos que fundamentam uma percepção do objeto não como

construção histórica, mas como elemento natural ou naturalmente social. Já na

perspectiva da cultura corporal de movimento, segundo o autor, o movimentar-

se é entendido como forma de comunicação e de linguagem que possui

especificidades, mas também é incluído em simbolismos culturais, os quais,

juntamente com o corpo humano, ―precisam ser entendidos e estudados como

uma complexa estrutura social de sentido e significado, em contextos e

processos sócio-históricos específicos‖ (BRACHT, 2003, p. 46).

Ainda é importante ressaltar que Bracht (2003), ao compactuar com a

expressão ―cultura corporal de movimento‖, atenta para a análise da ―cultura‖

19

Bracht reconhece a educação física como uma ―prática pedagógica que trata/tematiza as

manifestações da nossa cultura corporal e que [...] busca fundamentar-se em conhecimentos científicos, oferecidos pelas abordagens de diferentes disciplinas‖ (2003, p. 30).

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53

ele se refere, tendo em vista que, segundo o autor, esse conceito é amplo e

pode ser definido a partir de fundamentos politicamente conservadores. Para

evitar tal orientação, ele apropria-se de pressupostos teóricos de John B.

Thompson, que auxiliam na fundamentação conceitual do seu entendimento

sobre cultura.

Também preocupado com a dimensão cultural, Bracht (2006) realiza

uma reflexão a respeito da seguinte questão: corporeidade, cultura corporal,

cultura de movimento ou cultura corporal de movimento? Entretanto, logo no

início do texto, o autor, em tom provocativo (por ele assumido), retira a

expressão corporeidade e afirma que para construir o objeto da educação física

é preciso entender a relevância do conceito de cultura. Bracht (2006, p.97)

atribui essa ênfase ao viés cultural que, para ele, é o que ― melhor expressa a

ressignificação mais importante e a necessária desnaturalização do nosso

objeto e que melhor reflete a sua contextualização sócio-histórica‖.

O pesquisador discute questões históricas e epistemológicas dos

conceitos de corpo e movimento, suas relações com a natureza – dos gregos à

cultura ocidental – e as novas configurações dessas noções na atualidade

(pluralismo, incerteza, deflação do conceito de verdade). Assim, Bracht (2006)

nos atenta que conceitualmente o problema está nas bases da cultura ocidental

e por isso esses questionamentos estão longe de ser resolvidos. Ao final do

texto, o autor se posiciona em relação à essa problemática:

Não me parece colocada, no momento, outra solução do que entender o corpo e os movimentos que realiza como contendo, como expressando a ambiguidade (até o momento incontornável) sujeito-objeto (natureza-cultura) (BRACHT, 2006, p. 104).

Bracht (2006) corrobora uma discussão recorrente na educação física no

que diz respeito à certa concepção de cultura vinculada a reflexões sobre quais

―atividades‖, ―temas‖ e ―movimentos‖ a área deve tratar, sobretudo, no âmbito

escolar. Muito embora exista um processo de ―culturalização‖ do objeto da

educação física (NEIRA, 2009), não há um único entendimento, na área, sobre

qual terminologia de fato deve ser utilizada, o que entendemos ser um

processo corriqueiro no âmbito da academia. Afinal, as expressões: cultura

corporal, cultura de movimento, cultura física e cultura corporal de movimento,

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mesmo que divergentes, indicam a pluralidade intelectual da área e, de forma

geral, sinalizam para a preocupação com aspectos históricos, epistêmicos,

sensíveis e culturais do humano.

Embora a preocupação com os paradigmas teóricos do campo da

cultura nas produções de conhecimento tenha se intensificado na década de

1990, o campo intelectual da educação física adotou esse conceito em seus

escritos, já nos anos 1980, seja superficialmente ou de forma orgânica. Como

exemplo é possível identificar o princípio de uma discussão de caráter cultural

em obras como a de Bruhns (1985), Bracht (1989) e Freire (1989).

Na mesma época em que se iniciou o processo de reorganização do

campo científico da educação física (década de 1980), foi publicada a célebre

obra ―A educação física cuida do corpo... e mente‖, por João Paulo Subirá

Medina, no ano de 1983. Esse livro, além de trazer apontamentos críticos

sobre a configuração do campo da educação física naquele período histórico,

faz sutil menção ao conceito de cultura logo na introdução. O autor alega

buscar o que chama de ―revolução cultural do corpo‖ (1983, p. 11) e afirma:

Procurei, durante algum tempo, uma obra que desse fundamentação à chamada ―cultura do corpo‖ e, por consequência, à disciplina educação física dentro do contexto cultural dinâmico e mais amplo em que vive a sociedade brasileira.

Embora Medina, no início da década de 1980, tenha se referido à cultura

como campo significativo para o entendimento da educação física, Betti (2009)

problematiza o fato de a obra apresentar as noções de corpo e motricidade

humana desvinculadas de suas características socioculturais. Além disso,

Medina (1983) assume, em nota de rodapé, os termos cultura do corpo, cultura

física, cultura corporal e cultura somática como sinônimos. No entanto, o

campo da cultura não é o seu foco de estudo naquela obra e, portanto, o autor

não se preocupa em conceituar esses termos.

Na mesma obra, o autor também admite que buscou estudar de forma

indireta essa temática, o que nos leva a compreender que, embora o conceito

de cultura indique uma preocupação entre os teóricos no início da década de

1980, ainda não se tinha dado a ele o aprofundamento teórico necessário. O

tema era apenas tangenciado para se falar de outras perspectivas da área.

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Nessa mesma conjuntura, alguns anos depois, Bruhns (1985), na

introdução à obra ―Conversando sobre o corpo‖, e por ela organizada, destaca

a necessidade de diálogo entre a educação física e outras áreas como:

filosofia, antropologia, ciências sociais, psicologia e educação. Para a autora

(1985, p. 9), essas são disciplinas que ―deveriam estar obrigatoriamente

inseridas adequadamente no nosso currículo, de maneira que pudéssemos

tomar consciência do nosso papel como ser social [...]‖. Assim, Bruhns (1985)

reúne um grupo de professores atuantes nesses diferentes campos intelectuais

e propõe uma reflexão – que posteriormente se materializa na forma de livro –

sobre o corpo, a sociedade, os valores humanos e outras discussões que, à

época em que o livro foi escrito, eram latentes no campo acadêmico da

educação física.

O texto de Kofes (1985) – situado na obra organizada por Bruhns (1985)

– suscitou a articulação entre a discussão sobre o corpo e a antropologia.

Tendo como alicerce, sobretudo, a teoria dos antropólogos Marcel Mauss e

Pierre Clatres, nesse capítulo, é dado enfoque à compreensão do corpo como

expressão da cultura de uma determinada sociedade. Kofes (1985), além de

fazer breve retomada teórica sobre a antropologia, demonstra a preocupação

com o respaldo do qual ela parte, evidenciando uma discussão aprimorada

para a educação física da época. Por isso chega até mesmo dizer que a área

se preocupa somente com uma ―concepção científica do corpo‖ e despreza as

outras dimensões de entendimento. Essa ideia caracteriza a cientificidade da

educação física naquele momento, a qual era voltada para as Ciências

Naturais e pouco ainda se escrevia sobre a concepção de corpo sob o prisma

das Ciências Humanas e Sociais.

Ainda que Suely Kofes seja antropóloga, a discussão proposta no livro é,

primordialmente, voltada para a área da educação física. Isso se materializa

logo na introdução da obra em que Bruhns (1985, p. 9) destaca sua

preocupação com ―os rumos que sempre tomou essa disciplina e ainda toma,

ou seja, uma quase completa manipulação por meio da classe dominante, cujo

objetivo é manter um estado de coisas que garantam sua permanência no

poder‖. Essa inquietação justifica a construção teórica do livro.

Posto que o último capítulo da obra de Bruhns (1985) tenha sido escrito

por um professor da área da educação física – Castellani Fillho (1985) – a

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discussão sobre cultura é vinculada ao desporto e à ideia de indústria cultural20.

O autor observa que o desporto, visto como manifestação cultural, está a

serviço da veiculação de uma cultura dominante e, nesse sentido, sua

reprodução visa ao consumo de uma prática (desportiva) não pensada.

Entretanto, como essa discussão ainda era incipiente entre os

autores/professores da educação física à época, nesse capítulo de Castellani

Filho (1985) a palavra cultura em si e seus fundamentos conceituais foram

pouco aprofundados.

Ainda, na década de 1980, é possível constatar o termo cultura

relacionado à educação física, em um artigo de Bracht (1989). No intuito de

classificar as diferentes perspectivas da educação física, o autor distingue a

área em dois sentidos: o ―restrito‖, que compreende a educação física pelo viés

pedagógico e tem como tema o movimento corporal inserido na instituição

escolar; e o ―amplo‖, que abrange ―todas as manifestações culturais ligadas à

ludomotricidade humana‖. Porém, o autor considera que o sentido amplo tem

sido utilizado de modo inadequado para se referir a todas as manifestações

culturais voltadas à ludomotricidade humana e que, para ele, seriam melhor

representados por ―cultura corporal ou cultura do movimento‖ (BRACHT, 1989,

p. 13), embora não esclareça esse termo.

Além disso, o autor se preocupa em definir o tema da educação física

como: movimento humano ou movimento corporal, sendo esses dotados de

sentido ―que por sua vez lhe é conferido pelo contexto histórico-cultural‖. Mais

tarde, viria a assumir o conceito de cultura corporal e, após, cultura corporal de

movimento. Bracht (1989) demonstra a preocupação com a dimensão

simbólica do humano ao entender que os jogos, os exercícios ginásticos de

desporto e a dança, entre outros conteúdos, não são elementos exclusivos da

educação física, mas podem passar, ou não, por um processo de

pedagogização. Nessa compreensão, esses elementos exprimem ―um

determinado código, que denuncia seu condicionamento histórico,

expressam/comunicam um sentido, incorporam-se a um contexto que lhes

20

Segundo Bassani e Vaz (2008) a expressão indústria cultural aparece pela primeira vez em 1947 na obra ―Dialética do esclarecimento‖ escrita pelos alemães Theodor Adorno e Max Horkheimer.A crítica, realizada pelos teóricos, diz respeito à mercantilização da cultura, ou seja, produtos como rádio, cinema, revistas ilustradas são adaptados e disseminados para o consumo das massas

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confere sentido‖ e por isso são compreendidos como movimentos corporais

que possuem ―forma cultural‖ (BRACHT, 1989, p.13). Em consequência disso,

dentro do processo pedagógico, faz-se necessário incorporar essas atividades

a partir das funções e códigos do interior da instituição escolar.

Além dos autores mencionados anteriormente, nesse mesmo período,

outros realizaram reflexões sobre a educação física – principalmente a escolar

– junto ao campo da cultura. Podemos citar Oliveira (1983) e sua preocupação

com a educação física e a dimensão cultural do ser humano; Freire (1989), que

se volta a um conjunto de movimentos, jogos e fantasias pertencentes ao que

ele chama de ―cultura infantil‖; e Kunz (1991), que tematiza os movimentos das

culturas tradicionais (danças, jogos, competições, entre outros).

Kunz (1991) observa a predominância, na área da educação física, de

práticas esportivas de caráter competitivo e reconhece a existência e a

importância da ―cultura do movimento‖ na sociedade. No entanto, essas

reflexões, que aconteceram até o fim dos anos 1980 e início da década

seguinte, revelam o início de um intenso debate na área da educação física,

em que a cultura passou a não ser mais um conceito distante das pesquisas e

publicações.

Contudo, podemos admitir que o início de uma virada cultural (HALL,

1997) no campo teórico da educação física aconteceu com maior evidência

apenas em 1992, com o lançamento do livro escrito pelo Coletivo de Autores.

Conforme dito anteriormente, nessa obra, o conceito de ―cultura corporal‖

aparece em forma de temáticas que, segundo os autores, devem estar

presentes no processo de escolarização. Assim, o conceito de cultura aparece

vinculado à concepção marxista, sendo ela um marco para a área,

especialmente no campo escolar da educação física e no fortalecimento do

conceito de cultura corporal.

Essa obra apresentou consistência teórica e repercussão acadêmica no

início de uma década trivial para o desenvolvimento do conceito de cultura na

educação física. A proposta da obra caracteriza-se em refletir sobre a função

social da educação física no âmbito escolar e, para isso, os autores partem de

uma lógica sobre cultura relacionada à classe social.

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Desde que o livro foi lançado, a palavra ―cultura‖ e, em especial, a

expressão ―cultura corporal‖, passou a ser, gradativamente, apropriada em

diversas dimensões da educação física, seja na produção de conhecimento

dos próprios autores do Coletivo, seja nas pesquisas de outros autores que

revelaram desdobramentos dessa concepção e, até mesmo, nas propostas

pedagógicas presentes em documentos oficiais do contexto escolar. Um

exemplo é a criação – por meio do Ministério da Educação - dos Parâmetros

Curriculares Nacionais (PCN). Em sua dissertação de mestrado, Gramorelli

(2007) realizou uma análise documental do PCN em relação à etnografia de

professores de educação física que atuam no ensino fundamental para realizar

algumas reflexões sobre o papel do professor junto a esse documento. Dentre

suas análises, a autora constatou que o PCN se apropriou do conceito de

cultura corporal, com a finalidade de fundamentar a educação física a partir de

uma visão crítica.

Conceitualmente, ao definir o que trata a educação física escolar no

ensino médio e fundamental, o Coletivo de Autores (1992, p.61, 62) entendeu

que ―a Educação Física é uma disciplina que trata, pedagogicamente, na

escola, do conhecimento de uma área denominada aqui de cultura corporal‖ e

posteriormente o define como ―jogos, esportes, ginásticas, danças e outras,

que constituirão o seu conteúdo‖.

Posteriormente, entre os autores que fizeram parte da construção teórica

do Coletivo, Taffarel e Escobar (2009, s/p) demonstram, ainda, fundamentar-se

na mesma perspectiva que orientou a publicação do Coletivo de Autores.

Desse modo, reconhecem que o objeto de estudo da educação física tem sua

essência e materialização em forma de atividades. As autoras enfatizam:

O geral dessas atividades é que são valorizadas em si mesmas; seu produto não material é inseparável do ato da produção e recebe do homem um valor de uso particular por atender aos seus sentidos lúdicos, estéticos, artísticos, agonísticos, competitivos, e outros, relacionados à sua realidade e às suas motivações. Elas se realizam com modelos socialmente elaborados que são portadores de significados ideais do mundo objetal, das suas propriedades, nexos e relações descobertos pela prática social conjunta. A essa área de conhecimento que se constrói a partir dessas atividades, no momento, a denominamos de "Cultura Corporal", não obstante seja alvo de críticas por "sugerir a existência de tipos de cultura". Pensamos não haver necessidade de polemizar a tal

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respeito, apenas queremos destacar que, para toda interpretação, deve prevalecer a conceituação materialista histórico-dialética de cultura (TAFFAREL; ESCOBAR, 2009 s/p).

O texto apontado acima relata o nítido posicionamento das autoras em

relação à corrente teórica para a fundamentação do conceito de cultura –

baseado na concepção materialista histórico-dialética. Ao longo dos anos, após

o lançamento do Coletivo de Autores, em 1992, os demais autores que

compunham esse trabalho coletivo, ainda que seguissem os mesmos

fundamentos teóricos utilizados no livro, direcionaram seus estudos para outras

dimensões da área da educação física (SOUZA JUNIOR, et al., 2011).

Posteriormente, outras obras se tornaram marco na produção de

conhecimento da educação física e cultura. De forma mais ou menos orgânica,

e partindo – ou não – de diferentes correntes teóricas, encontram-se

pesquisadores como: Jocimar Daolio, Marcos Garcia Neira, Hugo Rodolfo

Lovisolo, Marco Paulo Stigger, Tarcisio Mauro Vago, Mauro Betti, entre outros

que consolidaram uma discussão cultural no interior do campo acadêmico e

científico da área. Tais nomes ganharam visibilidade acadêmica e passaram a

compor o campo de conhecimento que tematiza a cultura na área da educação

física.

Em se tratando de educação física pelo viés cultural, agora pelo diálogo

com a Antropologia Social, Jocimar Daolio foi um dos precursores dos anos

1990 (se não o primeiro) a lidar com essa tematização. Baseando-se na

Antropologia Social, Daolio incursionou, especificamente, pela teoria de Marcel

Mauss, François Laplantine e Clifford Geertz no sentido de lançar um olhar

antropológico para o trabalho do professor de educação física. Dessa forma,

aborda concepções sobre corpo, educação, cultura, trabalho docente,

comportamento, de modo que esses aspectos se tornam fontes de sentidos e

significados.

Os estudos de Daolio (2007, 2009, 2010, 2011), publicados nas últimas

décadas, ressaltam a relevância da análise densa e crítica dos fatores que

influenciam e determinam o modo de pensar e agir, ou seja, o modo de ser do

homem, entendendo que por meio das suas relações sociais ele pode construir

significados para suas ações no mundo, ressaltando a relevância de uma

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percepção cultural na área. Essas análises se materializaram, com

propriedade, em obra resultante de sua dissertação de mestrado, defendida em

1992, na Escola de Educação Física da Universidade de São Paulo. O livro foi

lançado no ano de 1995, intitulado ―Da cultura do corpo‖. Nele, Daolio já deixa

claro que a teoria da Antropologia Social é basilar no seu estudo. Desde então,

vem articulando esses referenciais em suas produções.

Ainda sobre a produção teórica de Jocimar Daolio podemos destacar

outra obra de grande impacto no campo científico da educação física –

―Educação física e o conceito de cultura‖. Nesse livro, o autor discute questões

sobre a produção de conhecimento que trata do conceito de cultura de alguns

dos principais autores e obras21 da educação física brasileira. Entretanto,

embora os autores que Daolio trouxe para esse diálogo tenham utilizado o

termo ―cultura‖ (de diferentes formas, mais ou menos expressa) em suas obras

(referimo-nos-as), não nos parece muito clara a intencionalidade desses

pesquisadores em discutir cultura, como parece antever Daolio e sua análise, o

que gera alguns desencontros.

Em seus argumentos, Daolio (2010), sempre fundamenta-se na

Antropologia Social para analisar e refletir acerca da concepção de cultura

presente nas produções dos pesquisadores. Ele reconhece a importância

dessa perspectiva para área e, sobretudo, a relevância dos fundamentos

antropológicos. Por isso, o autor exterioriza suas reflexões, posicionando-se:

―Acredito que a abordagem antropológica tem contribuído e pode ainda muito

contribuir para uma revisão da educação física, tornando-a uma área mais

dinâmica, mais original e mais plural‖ (DAOLIO, 2010, p. 10).

Podemos considerar que Jocimar Daolio não só inaugurou uma

discussão na área da educação física, como também, direcionou sua trajetória

acadêmica, predominantemente, para a temática da cultura em publicações de

livros, capítulos de livros e artigos. Suas pesquisas quase sempre fazem

alusão à educação física escolar e à necessidade do entendimento desse

campo de atuação com um olhar cultural. Além disso, Daolio (2007), em um

artigo, também, atenta-se para questões de cunho epistemológico, ainda pelo

viés cultural. Nele, o autor discute a especificidade das pesquisas no que

21

Foram investigados: Go Tani (1988), João Batista Freire (1989), Coletivo de Autores (1992), Elenor Kunz (1991, 1994), Valter Bracht (1992, 1999) e Mauro Betti (1991).

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chama de ―subárea sociocultural da educação física‖ e analisa a forma como

essas pesquisas são avaliadas pelos órgãos que cumprem essa função no

campo científico dentro das instituições.

Reconhecemos o mérito de obras produzidas por Daolio (2007, 2010,

2011), Coletivo de Autores (1992), Taffarel e Escobar (2009) e as contribuições

que essas e outras22 trouxeram em um período histórico que a educação física

pouco dialogava com a perspectiva cultural. A percepção da relevância dessas

produções científicas – tanto de Daolio, quanto do Coletivo de Autores – partiu

de leituras prévias feitas pela pesquisadora dessa dissertação, acrescido de

observações de autores que reconhecem e apontam a relevância dessas obras

para a educação física. Como exemplo, lembramos que, Moura e Lovisolo23

(2008, p.138), logo no início de seu artigo, observam acerca da importância

dessas produções.

No campo disciplinar da educação física (EF), no Brasil, tem surgido duas linhas de propostas que vinculam a intervenção ao termo cultura. A primeira é amplamente reconhecida nas propostas do Coletivo de Autores e a segunda, nosso objeto,

está associada à produção de Jocimar Daolio.

O artigo de Moura e Lovisolo, (2008) aponta para preocupações em

torno do diálogo estabelecido entre educação física e antropologia social e,

consequentemente, entre educação física e cultura, atentando, ainda, para a

finalidade desses debates.

Para além da Antropologia Social, recentemente, os estudos de Neira e

Nunes (2009, 2011) relacionam suas investigações sobre escola, currículo e

22

É importante ressaltar que tanto Jocimar Daolio quanto os professores que construíram o Coletivo de Autores (1992) possuem outras produções teóricas que também são relevantes para a discussão da educação física e cultura, a exemplo de Castelani Filho (1990), Escobar (1995, 2005) e Soares (2001).

23 Moura e Lovisolo (2008) discutem, por meio desse artigo publicado da Revista Brasileira de

Ciência do Esporte, a ideia de cultura em algumas produções acadêmicas de Jocimar Daolio, alegando que há nelas ―inconsistências e lacunas‖ (p. 37). As reflexões trazidas no texto incitam o debate acadêmico com a publicação de Daolio (2009), que em artigo publicado em ano posterior busca esclarecer alguns pontos da crítica e rever alguns aspectos apontados por seus críticos. Assim, Daolio (2009) reconhece certas lacunas em sua produção, rebate acusações consideradas infundadas e traz seus argumentos acerca da temática cultura em suas pesquisas. Contudo, é preciso reconhecer que debates como esses instigam o leitor a pensar nessas temáticas de forma crítica, entendendo que a definição de cultura na educação física – assim como em outras áreas do conhecimento – não é consensual, única, ou pouco problemática.

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educação física ao viés cultural, sobretudo no âmbito dos Estudos Culturais. A

obra de Neira e Nunes (2009) discorre, em um primeiro momento, acerca da

trajetória da teorização da educação que influenciaram/influenciam as

propostas curriculares da educação física. Entretanto, posteriormente

fundamentam suas discussões sobre o ensino da educação física, na

perspectiva cultural. Os autores se baseiam, notadamente, em Stuart Hall e

Homi Bhabha para ressaltar a importância da centralidade da cultura na

dinâmica social atual. O mesmo acontece em outro artigo publicado na Revista

Brasileira de Ciências do Esporte, no qual os pesquisadores (NEIRA; NUNES,

2011) se debruçam no campo teórico dos Estudos Culturais em interlocução

com a área da educação física.

Ainda no campo dos Estudos Culturais, Neira e Uvinha (2009) propõem

um diálogo entre a educação física escolar e o lazer. Para isso, Neira (2009, p.

21) apresenta o conceito de cultura – com base nos Estudos Culturais – e

sustentam que ―a cultura é uma produção histórica‖, bem como, ―pode ser

entendida como espaço de luta‖, ou seja, há disputas que se estabelecem a

partir dos diferentes grupos sociais. Nesse caso, o papel social da escola é

reconhecer e valorizar as diferentes produções culturais na busca por novos

significados.

No que tange ao campo da educação física escolar, Neira (2009)

reconhece a relevância dos conceitos existentes na área: ―cultura corporal‖

(COLETIVO DE AUTORES, 1992) e ―cultura física‖ (BETTI, 1992). Entretanto,

observa que a linguagem corporal é o elemento fundante da cultura corporal

(dança, jogos, lutas, esporte) e essas manifestações possuem diferentes

identidades e diferentes sentidos e significados, atrelados ao contexto social

em que cada uma delas é produzida e reproduzida.

É preciso ter claro que não basta eleger os saberes produzidos pelos diversos grupos sociais; este é somente o ponto de partida. O desafio se apresenta na leitura crítica da realidade, isto é, de seus contextos ideológicos, de produção, manutenção, transformação etc ( NEIRA, 2009, p. 41).

As práticas realizadas no contexto não-escolar, na esfera do lazer,

devem adentrar os muros escolares e introduzir-se nos currículos, no intuito de

proporcionar ―a existência de atividades diferenciadas no contexto pedagógico‖

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(UVINHA, 2009, p. 55)24. Como forma de exemplificar, o autor sugere práticas

como: skate, parkour, grafitagem, dança e hip hop e observa a importância do

lazer ―como ponto de partida para a compreensão de elementos ligados à vida

cotidiana das comunidades‖. Ressalta ainda a significância em estabelecer

aproximações entre a educação formal e as práticas concebidas culturalmente

no cotidiano informal.

No que diz respeito à educação não-formal, Stigger (2009, p. 76) busca

estabelecer relações entre a cultura o lazer, focando a vida cotidiana das

pessoas e o processo educativo que vai além dos muros escolares, ou seja: ―a

cultura, e juntamente a ela a educação, são aspectos que atravessam

diferentes dimensões da vida das pessoas, incluindo aí as atividades que se

inserem no contexto do lazer‖. Stigger (2009, p. 82) considera a cultura

corporal (jogos, danças esportes e outros), bem como os elementos da cultura

lúdica (passatempos), como:

[...] atividades realizadas em espaços/tempos em que os indivíduos estão livres do trabalho e de outras obrigações e, apesar de inúmeros constrangimentos, ocorrem de acordo com as suas possibilidades de escolhas. Mesmo que essas práticas sejam, na maioria das vezes, observadas (e mesmo vividas) na perspectiva do entretenimento e de possibilidade de repouso, as pessoas que as desenvolvem estão passando por processos educativos.

Nesse ensaio, Stigger se apropria de três diferentes pesquisas, para

auxiliar suas reflexões: uma de sua própria autoria (STIGGER, 2002) e outras

duas dissertações de mestrado por ele orientadas (WENETZ, 2005;

RECKZIEGEL, 2005). Nesses estudos, três diferentes dimensões do lazer

foram investigadas: o futebol na cidade do Porto, em Portugal (STIGGER,

2002), questões de gênero, sexualidade e brincadeiras no recreio de uma

escola pública de Porto Alegre (WENETZ, 2005) e a prática de dança de rua na

periferia dessa cidade. Dentro de cada tempo e espaço investigado, detectou-

se uma característica única, qual seja: havia uma lógica interna presente

nesses grupos para conseguir se inserir ou se manter neles, resultante de um

processo de aprendizagem das regras existentes naquele contexto.

24

As ideias de Uvinha (2009) são referentes à sua obra escrita juntamente com Marcos Neira. Por isso destacamos a relevância do debate cultural incitado no primeiro capítulo por Neira (2009) aliado à discussão sobre lazer no segundo capítulo o qual Uvinha (2009) é autor.

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Considero assim, pois em todos esses estudos as vivências ocorridas no lazer evidenciam-se como reguladoras do comportamento de indivíduos e de grupos, na medida em que oferecem as referências para a vida individual e coletiva em cada universo particular (STIGGER, 2009, p. 85).

Além disso, esses estudos também demonstraram, segundo Stigger

(2009), que as práticas de lazer são influenciadas por elementos externos

sendo foi possível perceber as relações de sociabilidades existentes entre elas.

Nessa conjuntura, as relações sociais se tornam relevantes para a construção

da dança, do futebol ou das brincadeiras, pois são influenciadas pela cultura

específica do contexto em que estão inseridas. O autor reforça a reflexão sobre

a cultura de uma sociedade como ambiente educacional:

O meu esforço foi no sentido de mostrar, a partir de uma determinada noção de cultura e da sua articulação com uma perspectiva de educação que vai além da educação formal, que as atividades que acontecem no tempo de lazer não são separadas dos processos de socialização dos quais todos os indivíduos de uma determinada sociedade participam (STIGGER, 2009, p. 85).

Ainda pelo enfoque educacional e cultural, orientamo-nos pelo estudo de

Mariante Neto e Stigger (2011) que segue a etnografia como ferramenta de

intervenção e formação profissional. Os autores fundamentaram-se na

antropologia e na etnografia para investigar a prática do boxe em uma

academia de boxe e fitness da cidade de Porto Alegre. Um aspecto peculiar

dessa pesquisa é que Mariante Neto, um dos autores, era professor dessa

mesma academia e pôde então constatar contribuições do olhar antropológico

a sua ação docente.

Nessa pesquisa, os autores buscaram apreender a relevância do olhar

cultural no processo interventivo do professor de educação física. Assim, se

apropriar da Antropologia e na etnografia em relação ao modo de agir

pedagógico, no contexto não-escolar, é algo promissor e expressivo para a

educação física, tendo em vista a dificuldade no processo de legitimação dessa

área de conhecimento e desse método em campos que ainda se baseiam na

perspectiva da saúde e rendimento físico do sujeito. Além disso, a investigação

de Mariante Neto e Stigger (2011 demonstra aproximações – necessárias –

entre os campos de pesquisa e atuação profissional da educação física.

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65

Ainda é possível também identificar em outras produções teóricas a

―cultura‖ como categoria significativa. Na obra de Betti (2009), por exemplo, o

autor transita pelos conhecimentos da filosofia e história da ciência, para tratar

de assuntos de cunho epistemológico e pedagógico referente à educação

física. Nesse percurso, Betti (2009, p. 55) discute, historicamente, o conceito de

educação física e cultura corporal de movimento. Entre suas análises, o autor

se posiciona: ―Identifico a temática da ‗cultura‘ como a mais importante a ser

aprofundada nesse momento na Teoria da Educação Física, tal como a

concebo‖. O autor justifica essa sua ideia com dois argumentos: a) ―por ser um

conceito fundante das concepções de educação física que vêem a sua prática

e objeto ligados à ‗cultura corporal de movimento‘‖; e b) para

fazer frente às investidas de um novo biologicismo que virá por aí, a partir dos desdobramentos recorrentes das descobertas no campo da genética, e que se esquece que a herança genética apresenta apenas possibilidades (e não determinações) que são resolvidas no plano sociocultural (BETTI, 2009, p. 55).

Assim, Betti (2009) destaca a importância de recorrermos à literatura

especializada em estudos sobre a cultura, como a Antropologia ―clássica‖, a

Antropologia de Marcel Mauss e a de Clifford Geertz, a concepção estrutural de

J. B. Thompson, ou a que o autor chama de ―Antropologia mais filosófica‖, de

Ernest Cassirer. No caso da educação física, Betti (2009) reconhece a

relevância da obra de Daolio (1995) pela apropriação teórica da Antropologia

Social. Entretanto, dedica-se às reflexões acerca das produções de Carmo

Junior (1998) e Sérgio (1987) ―por entendê-las promissoras para a

compreensão das relações entre educação física e cultura‖ (BETTI, 2009, p.

55).

A concepção cultural também aparece em Vago (2009) relacionada às

maneiras de pensar a educação física na escola. A primeira se refere à

educação física e seu lugar na escola. Para iniciar essa reflexão, Vago (2009)

evidencia a importância de se pensar na escola e sua identidade, sua

responsabilidade social e sua expectativa social. O autor entende a escola

como ―um lugar de culturas, um lugar das culturas, e um lugar entre as

culturas‖ (VAGO, 2009, p.27, grifos do autor). É um lugar ―de culturas‖ porque

crianças, jovens, adolescentes e adultos – protagonistas da escola – são

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produtores de cultura: cultura infantil, cultura juvenil, cultura adulta. Essas

classificações estão relacionadas, segundo Vago, com a cultura que esses

sujeitos estão envolvidos (questões de etnia, gênero, sexualidade) e na forma

como produzem essas culturas, dentro da escola, em suas relações com os

outros.

Associada à primeira (escola como lugar de culturas), a segunda

perspectiva apontada por Vago (2009) diz respeito à escola como um lugar das

culturas. Nessa concepção, a escola e, consequentemente, a disciplina de

educação física, tem a responsabilidade de promover aos estudantes o acesso

às diversas culturas. Por fim, o autor reconhece a escola como um lugar entre

as culturas por ser um local que deve dialogar com outros espaços de

produção de cultura: as ruas, as praças, os pertencimentos religiosos, a

política, na arte. O autor parte da conceituação de cultura proposta por

Marilena Chauí e pelo psicanalista Leopold Nosek. Ambas concepções,

entendem a cultura como essencial ao ser humano.

Além desses aspectos, Vago (2009) também entende o papel do

professor como mediador das diferentes culturas e a importância de tomar

essas culturas como referências para sua prática pedagógica. O autor ainda

destaca que ―da Educação Física se espera que faça circular, reinventar,

estimular, transmitir, produzir e praticar... cultura‖ (VAGO, 2009, p. 34, grifos do

autor), e isso por meio das práticas corporais produzidas historicamente pelo

ser humano e problematizadas pelos professores.

Desse modo, as obras aqui citadas discutem a cultura a partir de

diferentes referenciais (Antropologia Social, Estudos Culturais, Materialismo

Histórico, Filosofia, entre outras) e em diversificadas dimensões da educação

física (escolar e não-escolar). Tais obras apresentam, a seu modo,

apontamentos acerca da relação entre educação física e cultura, bem como

alguns atores sociais que integram esse quadro, aspectos que nos auxiliaram

na delimitação dos entrevistados da pesquisa.

Além das produções aqui citadas, outra possibilidade de constatar a

educação física em diálogo com o campo da cultura é a percepção dessa

temática em debates na área. Como exemplo, lembramos o Painel Literário25

25

O Painel literário encontra-se disponível no seguinte endereço:

http://cev.org.br/biblioteca/afinal-o-que-educacao-fisica-painel-literario-conbrace-2011

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67

promovido no ano de 2011 pelo Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte,

em Porto Alegre, que promoveu o encontro de pesquisadores da educação

física brasileira para retomarem o debate acerca da pergunta ―O que é, afinal,

educação física‖?. Os interlocutores foram: Celi Taffarel (UFBA), Valter Bracht

(UFES), Hugo Lovisolo (UFRJ) e Adroaldo Gaya (UFRGS), com a mediação da

mesa feita por Marco Paulo Stigger (UFRGS). Nesse debate acerca do que é

educação física, a cultura apareceu como elemento delineador da área em

várias das falas, a exemplo de questionamentos feitos sobre as concepções de

cultura corporal, cultura corporal de movimento e cultura corporal de

movimento humano.

A discussão sobre cultura fez-se evidente logo na primeira fala de

Adroaldo Gaya, partindo da ideia de que a educação física é uma manifestação

pedagógica da cultura corporal do movimento humano. Entretanto, essa ideia

não foi consensual entre os professores presentes no Painel Literário. A

discussão intensificou-se quando vieram à tona os conflitos e confusões

existentes no significado desses diferentes conceitos. Tal encontro reforçou a

necessidade de olhar para a cultura e para os espaços que ela ocupou nos

campos de intervenção e na produção acadêmica da área, o que pretende ser

tematizado por essa investigação.

A explanação sobre alguns autores que fazem interlocução entre as

temáticas ―educação física e cultura‖ nos revela as diferentes perspectivas que

a área vem desenvolvendo. Tanto no Coletivo de Autores (1992), quanto em

Taffarel e Escobar (2009) é possível constatarmos uma abordagem sobre

cultura e escola constituída no interior no interior do materialismo histórico-

dialético. Daolio (2007, 2010, 2011) também trata da educação física escolar e

baseia-se teoricamente na Antropologia Social. Por sua vez, Neira e Nunes

(2009, 2011) investigam o mesmo campo escolar, embora partam dos Estudos

Culturais para compreender as relações culturais existentes no processo

educativo da educação física26; Stigger (2009) e Mariante Neto e Stigger (2011)

26

Ressaltamos que essa interlocução entre os campos dos Estudos Culturais e a educação

física não é novidade, embora seja ainda recente. Autores como Melo (2007), Neira e Nunes (2009), Neira e Uvinha (2009) e Neira e Nunes (2011) têm percebido a importância desse diálogo entre esses dois campos, sobretudo, no que se diz respeito à construção do currículo escolar atrelado ao entendimento das manifestações corporais como práticas de significação.

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68

de modo geral, discorrem sobre o lazer no espaço não-formal e a visão

antropológica da aula de boxe (respectivamente).

Como são muitos os pesquisadores que, ao menos, tangenciam a

relação entre educação física e cultura, priorizamos – para seleção dos

entrevistados – o método de escolha intencional. Entendemos que os caminhos

mais criteriosos que chegariam a alguns nomes para essa pesquisa possuem

falhas na sua busca, revelando, assim, suas fragilidades. Procuramos cercar

algumas das possibilidades de escolhas, analisando, como iremos sinalizar, o

que essa busca nos demonstrava e para justificarmos os nomes escolhidos.

Essa intencionalidade teve como principal indicador nossas análises pessoais

acerca da produção de conhecimento nessa temática (educação física e

cultura), acrescido de novo olhar acerca daqueles que apresentam visibilidade

no campo da educação física brasileira, trazendo a cultura tematizada direta ou

indiretamente em suas investigações. Guiou-nos a busca por produções

teóricas (livros, capítulos de livros e artigos) que discutissem a temática, bem

como a orientação do currículo Lattes em relação à produção que engloba a

educação física e a cultura.

O capítulo ―Os atores sociais da cultura na educação física brasileira:

diversos olhares‖ discute, primeiramente, questões teóricas e metodológicas

acerca da escolha dos entrevistados, posteriormente, procura sinalizar para

discussão da centralidade e periferia da cultura na educação física brasileira.

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69

3 OS ATORES SOCIAIS DA CULTURA NA EDUCAÇÃO FÍSICA

BRASILEIRA: DIVERSOS OLHARES

Desvelar as particularidades presentes no campo acadêmico e científico

da educação física e cultura configura-se como um processo instigador. Se por

um lado essa temática já se consolidou teoricamente ‒ por meio de algumas

obras e autores ‒com notoriedade em nível nacional, por outro, ainda integra

um campo de intensas discussões, críticas, conflitos e nem sempre consensos.

Ou seja, falar da cultura na educação física não é algo fácil, pois requer a

articulação de dois campos: educação física + cultura, cada qual com suas

especificidades e anseios intersubjetivos.

A coleta de dados a partir da colaboração dos interlocutores deu-se por

da técnica de entrevista semiestruturada, já que ela permite a organização de

um conjunto de questões relacionadas com os objetivos da pesquisa, de modo

que o entrevistado fale livremente sobre assuntos que vão surgindo como

desdobramentos (PÁDUA, 2004). Essa semiestruturação se caracterizou com

questões norteadoras – pré-estabelecidas – que objetivaram orientar o diálogo,

sempre favorecendo a liberdade necessária para os entrevistados articularem

suas respostas com autonomia. O roteiro pré-estabelecido foi organizado em

quatro eixos: a) Conceito de cultura; b) Cultura na educação física; c) Cultura

como centralidade ou periferia na educação física; d) Cultura na produção

teórica do entrevistado.As entrevistas foram gravadas em vídeo, com uma

câmera filmadora e um aparelho de gravação de áudio. Em seguida, foram

transcritas27 em diário de campo, analisadas a partir de seu conteúdo, em

atendimento aos objetivos elencados para essa pesquisa. O tratamento dos

dados foi realizado em separado e também, entre si, aliado à conjuntura

histórica do próprio autor e da educação física. Essa exploração analítica

ocorreu de modo reflexivo, compreendendo as diferenças e semelhanças de

concepções existentes no meio acadêmico-científico da área.

Para a análise dos dados, adotamos como teoria e técnica orientadora a

Análise de Conteúdo, de Bardin (2011). A autora define esse caminho

metodológico como um ―conjunto de técnicas de análise das comunicações que

27 Posteriormente, para versão definitiva da dissertação, as transcrições serão enviadas aos

autores para ajustes que considerarem necessários.

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70

utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das

mensagens‖ (2011, p. 44, grifos da autora). Essa escolha justifica-se por alguns

motivos primordiais. Primeiramente, a análise de conteúdo é um conjunto de

técnicas que auxilia na organização e interpretação dos dados e,

consequentemente, seria bem vinda na análise de um vasto volume de

conteúdos encontrados nas entrevistas. Outro fator a ser ressaltado é que esse

não é considerado um método rígido, fechado e inflexível e, por isso, adaptável

ao nosso estudo. É um ―leque de apetrechos‖ com uma diversidade de formas

de aplicação. Nas palavras de Bardin (201, p. 36), essa característica fica

evidente: ―[...] é um método muito empírico, depende do tipo de ‗fala‘ a que se

dedica e do tipo de interpretação que se pretende como objetivo‖. Daí termos

nos guiado por essa orientação, embora não tenhamos seguido à risca todos

os passos dessa análise, aliando ao tratamento nossas próprias necessidades

investigativas.

Por essa adaptabilidade, Bardin (2011) nos fornece procedimentos

sistemáticos para orientar as análises, além de nos propiciar, por meio de

técnicas, a compreensão da construção de significados que os interlocutores

exteriorizam na sua fala, durante a entrevista. Para autora, a análise de

conteúdo organiza-se em três diferentes etapas: a) pré-análise: fase de

organização do material e a sistematização das ideias iniciais; b) exploração do

material: fase de codificações (recortes, enumerações e classificações); c)

tratamentos dos resultados obtidos e interpretação: é a fase de reflexão, de

confrontação entre material e inferências.

Nessa conjuntura, guiados pelos fundamentos teóricos de Bardin (2011),

os tópicos seguintes buscam, em um primeiro momento, discutir o que cada

entrevistado revela em sua fala, em consonância com teóricos que dão aporte

às discussões. Após essa análise individual agregada à bibliografia, fazemos

outra análise de modo a explorar as interrelações de ideias entre os

segmentos: fala do interlocutores, teoria (artigos e livros) e contextualização

(histórica, cultural e política).

Nesse capítulo, primeiramente, no tópico 3.1 ―Ações de mapeamento de

pesquisadores e seleção de interlocutores‖ fizemos um mapeamento por meio

do currículo Lattes na busca de dados que venham a somar com a

contextualização teórica abordada no capítulo anterior. Embora, nessa

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71

pesquisa tenhamos optado pela escolha intencional, o detalhamento da

seleção dos entrevistados se faz relevante no processo investigativo, pois os

interlocutores não foram escolhidos alheatoriamente, utilizamos a Plataforma

Lattes como ferramenta que nos deu a possibilidade de analisar alguns dados

acerca da produção cultural da educação física brasileira.

No tópico ―Sobre o conceito de cultura na produção de conhecimento em

educação física‖, aborda entrevista propriamente dita no que diz respeito ao

conceito de cultura assumido pelos entrevistados e como esses pesquisadores

visualizam esse conceito na educação física brasileira. No tópico ―Cultura como

centralidade ou periferia na produção de conhecimento em educação física‖

constitui-se como desdobramento do tópico anterior, ou seja, a partir do

conceito de cultura apropriado pelo pesquisador, analisa se o mesmo entende

a cultura como centralidade ou periferia na educação física. Por fim, o tópico

―Incursões pelos desdobramentos da pesquisa‖ discute algumas constatações

decorrentes das análises das entrevistas.

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72

3.1 Ações de mapeamento de pesquisadores e seleção de interlocutores

O mapeamento da produção cultural de pesquisadores da educação

física brasileira e sua relação com o campo cultural, por meio do currículo

Lattes28, foi uma ferramenta a mais na tentativa de delimitar quais seriam os

interlocutores dessa pesquisa, o que não ocorreu sem dificuldades. Assim,

questionamos: Quais seriam os atores sociais que poderiam contribuir

diretamente com a pesquisa a partir da tematização que fazem do campo

cultural? Seriam considerados quaisquer tipos de apreensão desse campo?

Nessa tarefa, percebemos que, mesmo utilizando o Lattes, não era

possível abarcar todo o universo de autores da educação física que em sua

trajetória acadêmica tenham perpassado ou se aproximado da temática da

cultura. Isso nos levou a critérios de seleção daqueles pesquisadores

poderiam atender aos objetivos elencados, por meio de entrevista, mesmo

sabendo que após esse cuidado o critério último poderia ser intencional.

No ensejo de selecionar os interlocutores que fariam parte da pesquisa

por meio de entrevista, entendemos ser necessário considerar os seguintes

critérios em sua atuação profissional e produção de conhecimento: a)

tematização da cultura associada à educação física na produção de

artigos/livros; b) tematização da cultura associada à educação física no

currículo Lattes por meio das produções, pesquisas e linhas de pesquisa; c)

vínculo com Programas de Pós-Graduação stricto-sensu em Educação Física;

d) visibilidade nacional da produção de conhecimento sobre cultura e educação

física por meio de diferentes veículos de disseminação.

A busca pelo currículo Lattes de pesquisadores foi utilizada como ação

complementar à análise da produção de conhecimento no intuito de delimitar

os interlocutores, o que nos conduziu até a base de currículos do Conselho

Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A busca foi

feita pelas palavras ―educação física‖ e ―cultura‖, tendo como critério a

condição de rastrear os pesquisadores que possuíam vínculo com a pós-

graduação stricto-sensu, já que isso pressupõe, minimamente, o título de

28

A Plataforma Lattes é uma ferramenta que nos oferece acesso direto à base de dados de currículos Lattes de estudantes e pesquisadores cadastrados. Para fazer procura simples, é possível selecionar o modo: busca por nome ou por assunto (títulos ou palavra-chave da produção).

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73

doutor e uma carreira acadêmica de envolvimento e experiência com a

produção de conhecimento.

Para esse mapeamento na Plataforma Lattes foram considerados os 50

primeiros nomes que apareceram numa lista de pesquisadores relacionados

aos termos de busca ―educação física‖ e ―cultura‖, os quais são rastreados em

todo o currículo. A escolha dessa quantidade foi intencional por entendermos

que ela seria passível de verificação em função do tempo disponível para o

desenvolvimento da pesquisa. Ainda, além da busca dos 50 primeiros nomes,

foi realizada uma busca intencional no Lattes a partir do currículo dos

pesquisadores que foram mapeados por sua produção acadêmica, como

explicitado anteriormente.

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MAPEAMENTO – CURRÍCULO LATTES (realizado nos dias 17 e 18 de julho/2012)

Classificação (Lattes) / Pesquisador

Vínculo com Programas de

Pós-Graduação

Cultura em projetos de

pesquisa e/ou extensão

Cultura em Linhas

de Pesquisa

Cultura na Produção

Bibliográfica

1º Marcos Garcia Neira Programa de Pós-

Graduação em Educação- USP

8 0 Artigos: 20 Livros: 6

Capítulos: 5

3º Marcílio Souza Júnior

Programa associado de Pós-Graduação em Educação Física–

UFPE/UFPB

4 0 Artigos: 1 Livros: 0

Capítulos:0

4º Rogério Cruz de Oliveira

Programa de Pós-Graduação em Ensino em

Ciências da Saúde – UNIFESP

1 3 Artigos: 1 Livros: 0

Capítulos: 0

5º Tarcísio Mauro Vago

Programa de Pós-Graduação em

Conhecimento e inclusão social –UFMG

9 2 Artigos: 1 Livros: 1

Capítulos: 6

7º Valter Bracht Programa de Pós-

graduação em Educação Física – UFES

0 0 Artigos: 1 Livros: 0

Capítulos:8

8º Flávio Medeiros Pereira Programa de Pós-

Graduação em Educação Física – UEPel

4 0 Artigos: 2 Livros: 0

Capítulos:0

9º Larissa Michelle Lara Programa de Pós-

Graduação em Educação Física –UEM/UEL

9 5 Artigos: 3 Livros: 3

Capítulos: 2

11º João Batista Andrestti

Gomes Tojal

Programa de Pós-Graduação em Educação

Física – UNICAMP 0 0

Artigos: 1 Livros: 0

Capítulos: 0

13º Mauro Betti

Programa de Pós-Graduação em Educação -

UNESP – Presidente Prudente

7 3 Artigos: 4 Livros: 0

Capítulos: 4

19º Astrid Baecker Avila Programa de Pós-

Graduação em Educação –UFSC

0 1 Artigos: 0 Livros: 0

Capítulos: 0

30º Emerson Luís Velozo

Programa de Pós-Graduação em Educação –

Unicentro

5 2 Artigos: 2 Livros: 1

Capítulos: 1

36º Carlos Henrique de

Vasconcellos Ribeiro

Programa de Pós-Graduação em Ciências do

Exercício e do Esporte – UGF

2 1 Artigos: 1 Livros: 0

Capítulos: 0

39º André da Silva Mello Programa de Pós-

Graduação em Educação Física – UFES

0 0 Artigos: 0 Livros: 0

Capítulos: 0

41º Edgard Matiello Junior Programa de Pós-

Graduação em Educação Física –UFSC

1 0 Artigos: 0 Livros: 0

Capítulos:0

43º Sandra Soares Della

Fonte

Programa de Pós-Graduação em Educação

Física – UFES 3 0

Artigos: 1 Livros: 0

Capítulos: 0

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Quadro 1 ‒ Mapeamento de pesquisadores vinculados à pós-graduação stricto-sensu

e que tematizam a educação física e a cultura. Quadro elaborado pela pesquisadora com base na Plataforma Lattes. Fonte: http://lattes.cnpq.br/

O Quadro 1 relaciona os nomes dos pesquisadores que apareceram na

busca pelos termos ―educação física‖ e ―cultura‖ na Plataforma Lattes e os

apresenta por ordem de menções aos termos referidos. Logo, a numeração

apresentada no Quadro 1 diz respeito à ordem de classificação do pesquisador

na busca pelos termos ―cultura‖ e ―educação física‖, a qual não é sequencial,

dada a supressão dos pesquisadores que não integram a pós-graduação, um

dos critérios de seleção. Além disso, o Quadro 1 foi construído levando-se em

consideração os seguintes itens de classificação: a) vínculo com a pós-

graduação stricto-sensu; b) projetos de pesquisa e extensão desenvolvidos

(integrante ou coordenador) que tenham a palavra cultura no título, na

descrição ou nas palavras-chave; c) linhas de pesquisa que tenham o termo

cultura no título, descrição e/ou palavras-chave; d) autoria ou coautoria na

produção bibliográfica considerada a partir do ano29 de doutoramento do

pesquisador e que tenha a palavra cultura no título3031.

Além desses critérios, também foram analisados outros elementos que

não estão materializados no Quadro 1, como: o texto inicial de apresentação do

currículo, especialmente a delimitação dos campos principais de atuação; as

produções de menos impacto científico (trabalhos em anais de eventos,

produções técnicas, entre outras); as disciplinas ministradas na pós-graduação,

entre outros elementos que serviram como aporte para análises secundárias.

Embora o Currículo Lattes seja uma ferramenta importante a essa

pesquisa, recorrer apenas a ela não foi suficiente. Alguns professores não o

preenchem de modo zeloso em termos de disponibilidade de informações, o

29

Considera-se o ano seguinte ao doutoramento. 30

No caso da produção de livros serão consideradas todas as edições. 31

Foram considerados os capítulos de livros que tiverem ―cultura‖ no título do capítulo ou no título da obra.

46º Jocimar Daolio Programa de Pós-

Graduação em Educação Física – UNICAMP

2 1 Artigos: 10 Livros: 25

Capítulos: 4

47º Maristela da Silva Souza

Programa de Pós-Graduação em Educação

Física - UFSM

6 0 Artigos: 3 Livros: 1

Capítulos: 0

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que acaba por omitir dados relevantes. Por exemplo, um elemento fundamental

no delineamento dessa pesquisa, como o vínculo com a pós-graduação stricto-

sensu, nem sempre estava explícito nos currículos dos pesquisadores. Foi

necessário, nesses casos, recorrermos a páginas eletrônicas das

Universidades e de Programas de Pós-graduação para que, assim,

conseguíssemos, de fato, confirmar o vínculo profissional daqueles

professores. Além disso, é possível que alguns pesquisadores não atualizem

assiduamente sua base de dados e consequentemente deixem de registrar

informações relevantes que, no período de análise realizada pela autora dessa

dissertação, não estavam explícitas no seu currículo.

Após essa triagem, 33 pesquisadores foram excluídos da relação dos

50, obtida pela Plataforma Lattes, por não se enquadrarem no critério

estabelecido (lecionar na pós-graduação stricto-sensu). Outros 17 (que estão

listados no Quadro 1) tiveram seus currículos analisados. Nessa relação de

nomes, deparamo-nos com a vulnerabilidade dessa classificação, tendo em

vista que alguns pesquisadores, mesmo sem ter quaisquer publicações sobre a

temática cultura, estão classificados em estratos superiores a outros que

publicaram nessa temática. Um exemplo é a pesquisadora Avila, que se

encontrou em 19° lugar, com nenhuma publicação, logo em estrato inferior, em

20° lugar há Velozo com total de quatro publicações (2 artigos, 1 livro e 1

capítulo de livro) com a palavra ―cultura‖ no título. Esses dados nos revelam

que o Lattes embora auxilie na análise curricular, não nos oferece uma

classificação que nos leve a atingir os objetivos da pesquisa, sobretudo nessa

etapa damos um peso maior em publicações de artigos, livros e capítulos, algo

que a essa ferramenta não tem como recurso.

A partir de então, identificamos a necessidade de reclassificarmos os

pesquisadores. Assim, o Quadro 2 aponta o mapeamento dos dados

quantitativos relacionados à totalização da produção bibliográfica (artigos em

periódicos, livros e capítulos de livros) de cada pesquisador, que tenha a

palavra cultura e suas variáveis no título. Para os pesquisadores que

apresentaram o mesmo número total de publicações foram utilizados os

seguintes critérios de desempate: a) número de linhas de pesquisa que

contenham a palavra cultura (título ou descrição); b) número de participação

em projetos de pesquisa e extensão que também apresentem ―cultura‖ no título

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ou descrição. O mesmo critério se faz presente entre aqueles que não

obtiveram nenhuma publicação a partir do título do doutorado.

PRODUÇÃO BIBLIOGRÁFICA

(artigos, livros e capítulos de livros)

Classificação Pesquisador Total de Produções

1º Jocimar Daolio 39

2º Marcos Garcia Neira 31

3º Valter Bracht 9

4º Larissa Michelle Lara 8

5º Mauro Betti 8

6º Tarcisio Mauro Vago 8

7º Emerson Luís Velozo 4

8º Maristela da Silva Souza 4

9º Flávio Medeiros Pereira 2

10º Rogério Cruz Oliveira 1

11º Carlos Henrique de Vasconcellos Ribeiro 1

12º Marcílio Souza Junior 1

13º Sandra Soares Della Fonte 1

14º João Batista Andrestti Gomes Tojal 1

15º Astrid Baecker Avila 0

16º Edgard Matiello Junior 0

17º André da Silva Mello 0

Quadro 2 – Classificação dos pesquisadores a partir da produção bibliográfica relacionada à educação física e cultura. Quadro elaborado pela pesquisadora com base na Plataforma Lattes. Fonte: http://lattes.cnpq.br/

Ao analisarmos o quadro 2, também identificamos falhas nesse

processo: não pudemos considerar as palavras-chave dos artigos, haja vista

que nem todos eles estão disponíveis on-line e, por limitações temporais, a

busca pela versão impressa seria inviável; o autor, mesmo com grande

quantidade de produções sobre cultura e em revistas de impacto na área, pode

não figurar entre os primeiros nomes na busca do Lattes, sobretudo, se tiver

produções com enfoques temáticos variados e utilizar em seus títulos outras

expressões, que não necessariamente ―cultura‖.

A escolha do número de produções bibliográficas (livros, artigos e

capítulos de livros) como classificatório acontece por entendemos que essas

pesquisas são de maior impacto acadêmico, considerando o vínculo desses

pesquisadores com a pós-graduação stricto-sensu, e também por

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78

reconhecermos como foco da nossa pesquisa as produções de maior

visibilidade nacional (artigos e livros).

Ao considerarmos o número total de publicações, o cenário

classificatório se modifica. Jocimar Daolio, que anteriormente encontrava-se

em 46º lugar, aqui aparece em primeiro, e o mesmo acontece com outros

interlocutores. Isso porque, o pesquisador pode, em seu Lattes, ter poucas

produções bibliográficas, mas utilizar a palavra cultura e seus desdobramentos

como foco, tanto no título quanto em palavras-chave, e aparecer nos primeiros

lugares de busca, totalizando 100%, ou quase, de sua produção vinculada a

esse tema. Esse exercício leva-nos a constatar falhas na utilização desse

instrumento como classificatório da produção e de seus pesquisadores, uma

vez que ele se caracteriza mais como aporte de busca técnica/operacional no

sentido de se reconhecer interlocutores possíveis, do que necessariamente de

conteúdo.

Diante disso, foi necessária a realização de análise minuciosa desses

currículos, a fim de compreender as tendências temáticas presentes nas

produções de cada um desses autores. Com a intenção didática de facilitar a

compreensão dos elementos observados nesses currículos, criamos dois eixos

orientadores que buscam tematizar as produções, e também, justificar o porquê

de alguns autores não serem escolhidos como interlocutores dessa pesquisa

por meio de entrevista.

Para realizar essa análise curricular, bem como, para criarmos os eixos

orientadores, foi necessário utilizarmos alguns critérios. Por isso,

consideramos, primeiramente, as produções de artigos, livros e capítulos de

livros que apresentassem ―cultura‖ e suas variáveis no título. Caso o

pesquisador não apresente essa temática em nenhuma dessas produções,

buscamos verificar em qual espaço do seu currículo ela estaria presente e

para, com isso, avaliamos o envolvimento do interlocutor com a temática.

Seguem os eixos orientadores: a) Predominância das temáticas

―educação física e cultura‖ nas produções teóricas; b) Educação física e cultura

na produção intelectual, embora não predominantes, dividindo espaços com

outras temáticas de interesse dos pesquisadores. O Quadro 3 elucida essa

organização.

Quadro 3 – Análise dos currículos

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79

ANÁLISE DOS CURRÍCULOS

Jocimar Daolio Predominância das temáticas

“educação física e cultura” nas

produções teóricas

Marcos Garcia Neira

Emerson Luís Velozo

Rogério Cruz Oliveira

Larissa Michelle Lara32

Educação física e cultura presentes

na produção intelectual, embora não

predominantes, dividindo espaços

com outras temáticas de interesse

dos pesquisadores

Tarcísio Mauro Vago

Valter Bracht

Mauro Betti

Marcílio Souza Junior

Maristela da Silva Souza

Astrid Baecker Avila

Carlos Henrique de Vasconcellos Ribeiro

Sandra Soares Della Fonte

André da Silva Mello

Flávio Medeiros Pereira

João Batista Andreotti Gomes Tojal

Edgard Matiello Junior

Quadro 3 Análise de currículos de pesquisadores. Quadro elaborado pela

pesquisadora com base na Plataforma Lattes. Fonte: http://lattes.cnpq.br/.

O primeiro eixo orientador, designado ―predominância das temáticas

‗educação física e cultura‘ nas produções teóricas‖, refere-se aos

pesquisadores Jocimar Daolio, Marcos Garcia Neira, Emerson Luís Velozo e

Rogério Cruz Oliveira. Isso porque, percebemos o grande número de

publicações sobre a temática cultural. Entretanto, há um diferencial entre esses

pesquisadores: a trajetória acadêmica. Daolio e Neira possuem,

expressivamente, um número superior de publicações em relação aos outros

pesquisadores classificados no mesmo eixo temático. Entretanto, ambos

possuem mais de 10 anos de carreira acadêmica (após o doutoramento), fato

que pode estar relacionado com o caráter quantitativo de suas pesquisas em

32

Embora a pesquisadora Larissa Lara esteja relacionada no quadro 3, seu nome não figura entre os entrevistados, por ser orientadora dessa pesquisa haja vista esse entendimento de que esse espaço pode ser preenchido por outro pesquisador que também venha a contribuir e somar com essa pesquisa.

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cultura. Já Oliveira e Velozo33 concluíram o doutorado recentemente (2010 e

2009, respectivamente), e embora a temática cultura apareça

significativamente em seus currículos, o número de publicações ainda é

pequeno por circunstâncias temporais.

Os autores que fazem parte do grupo ―Temáticas ‗educação física e

cultura‘ presentes na produção intelectual, embora não predominantes,

dividindo espaços com outras temáticas de interesse dos pesquisadores‖

também estabelecem diálogo com o campo da cultura. Entretanto, verificamos

outras perspectivas em evidência: epistemologia, presente nas produções de

Valter Bracht; semiótica, focada por Mauro Betti; o âmbito escolar, evidente no

currículo de Marcilio Souza Junior, Tarcísio Mauro Vago, Sandra S. Della

Fonte; representação social, nas produções de Carlos H. Vasconcellos e André

S. Mello; ginástica, em Flávio M. Pereira; formação profissional, nas pesquisas

de João B. A. G. Tojal; e ênfase na saúde coletiva, nas produções de Edgard

Matiello Junior 34. Esses pesquisadores possuem diferentes níveis de

envolvimento com a dimensão da educação física e cultura. Alguns deles têm

produções que apenas tangenciam a temática; outros abarcam o tema com

maior proporção e aprofundamento teórico35.

As análises acima, descritas a partir dos quadros de interlocutores da

educação física e cultura, são interpretações da pesquisadora dessa

dissertação. Isso não significa que são dados consensuais. Por isso a

necessidade de articular outras ferramentas para contribuir nesse processo de

escolha dos entrevistados dessa pesquisa. Assim, além da produção teórica e

da utilização da base de dados do Currículo Lattes, também se faz necessário

33

Emerson Luís Velozo e Rogério Cruz Oliveira foram orientados por Jocimar Daolio no mestrado e doutorado. Esse fato nos indica uma proximidade temática entre esses pesquisadores, embora, por si só, não represente motivo de exclusão para entrevista, mas o fato do recente doutoramento acrescido a esse vínculo acadêmico. 34

Essas são análises generalizantes, entretanto, também é possível verificar cruzamentos de temáticas como educação escolar e semiótica (em Betti), educação física escolar e epistemologia (em Bracht), entre outras relações que caracterizam o campo acadêmico desses pesquisadores. 35

Outros aspectos foram analisados nesse contexto. Um exemplo é a filiação teórica desses interlocutores. Alguns nomes ‒ encontrados nesse mapeamento ‒ foram orientados por pesquisadores já reconhecidos em nível nacional: Marcílio Souza Junior foi orientado por Celi Taffarel no período do mestrado; Astrid Baecker Avila (mestrado) e Maristela da Silva Souza (mestrado e doutorado) foram orientandas de Elenor Kunz, embora reconheçamos que alguns tenham perspectivas teóricas distintas de seus mestres. Tendo em vista a proximidade teórica estabelecida entre orientador-orientando, adotamos como um critério a preferência por aqueles que são interlocutores de referência nacional por suas obras, já apresentados nessa pesquisa.

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recorrer às experiências em eventos que trouxeram o assunto ―educação física

e cultura‖ como foco de discussões. Entendemos que a produção de

conhecimento não se dá apenas materializada em forma de textos nos artigos

e livros, mas também em discursos, aulas, debates e palestras que buscam

refletir sobre determinado campo do conhecimento.

Após esse levantamento, organizados a partir dos caminhos

explicitados, levantamos subsídios para a escolha intencional dos entrevistados

que foram i selecionados como interlocutores da pesquisa a partir dos dados

levantados por meio da produção acadêmica e currículo Lattes. Foram

convidados cinco pesquisadores para integrarem a pesquisa, como

demonstrado no Quadro 4, valorizando-se tanto aqueles que têm a escola

como foco investigativo quanto os que elegem outros espaços para o trato com

a educação física.

INTERLOCUTORES DA PESQUISA

NOME JUSTIFICATIVA

Celi Nelza Zulke Taffarel

Pela participação na construção da obra Coletivo de Autores (1992) e por adotar até os dias atuais a expressão ―cultura corporal‖, cunhada na época em que o

livro foi escrito.

Jocimar Daolio

Pela notoriedade acadêmica na discussão sobre educação física e cultura e, desde a década de 1990, ter incitado à discussão

teórica a partir dos fundamentos da Antropologia Social, com foco na

educação física escolar.

Marcos Garcia Neira

Pela notoriedade acadêmica na discussão sobre educação física e cultura e por

estabelecer diálogo, embora incipiente, com os Estudos Culturais, com recorte

para a educação física escolar.

Hugo Rodolfo Lovisolo

Pelo estímulo ao debate acadêmico produzido sobre a temática educação física e cultura, com foco na educação

física não escolar.

Marco Paulo Stigger

Por estabelecer diálogo entre educação física, lazer e esporte, e estudar essas

dimensões da educação física em campos não escolares.

Valter Bracht

Por ter contribuído para disseminar o conceito de cultura corporal de movimento

no âmbito da educação física escolar e seu campo teórico, mesmo após ter

figurado entre os idealizadores do Coletivo de Autores.

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Quadro 4: Interlocutores da Pesquisa. Quadro elaborado pela pesquisadora a partir de análises das produções bibliográficas, do currículo Lattes e percepções em debates sobre a temática.

Pelo Quadro 4 é possível observar os interlocutores selecionados para

entrevista nessa pesquisa e a motivação que nos levou a escolhê-los. Logo, a

professora Celi N. Z.Taffarel, ainda que, na construção da obra do Coletivo de

Autores seja uma das autoras, foi a entrevistada representativa desse grupo,

sobretudo porque sua defesa do conceito de ―cultura corporal‖ continua a

figurar em suas produções recentes, a exemplo de Taffarel et.al. (2008),

Taffarel e Escobar (2009) e Taffarel (2012). Portanto, entre o grupo de autores

que propôs o conceito de ―cultura corporal‖, na década de 1990 (Celi Taffarel,

Valter Bracht36, Lino Castellani Filho, Michele Ortega Escobar e Carmen Lúcia

Soares), discussão que se tornou um marco teórico na área, escolhemos o

nome de Taffarel para representá-los.

A designação de Jocimar Daolio como interlocutor do estudo se deu por

dois principais motivos. Primeiramente, reconhecemos o impacto acadêmico

que algumas de suas obras (DAOLIO 1995; DAOLIO 2004) causaram na área

da educação física. Essas produções tratam da cultura na educação física, algo

ainda desconhecido e pouco explorado na época, impacto esse que é

reconhecido por pesquisadores da área (MOURA, LOVISOLO, 2008) e também

por nós. Além disso, com o auxílio do currículo Lattes, também verificamos

que, predominantemente, suas produções teóricas partem do viés cultural e

refletem questões da educação física sob a ótica da Antropologia Social.

A escolha de Marcos G. Neira está relacionada a um diferencial em suas

produções: os Estudos Culturais como teoria basilar em suas pesquisas sobre

a educação física (escolar). Essa fundamentação é incipiente na área da

educação física, tendo em vista que, como já dito, os Estudos Culturais se

consolidaram como corrente teórica nos anos 1960 e, consequentemente, seus

desdobramentos na educação física ainda são embrionários. Assim, nossa

escolha baseia-se, essencialmente, por sua visibilidade teórica na área (ocupa

o primeiro lugar na busca simples do currículo Lattes), pelo reconhecimento do

36

Cabe observar que Valter Bracht assume o conceito de cultura corporal nessa proposta

coletiva e que, após, passa a assumir de modo enfático o conceito de cultura corporal de movimento.

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mérito de suas pesquisas e por percebê-las como um diferencial na educação

física.

O interlocutor Hugo R. Lovisolo, graduado em sociologia e pós-graduado

em antropologia social, foi escolhido como um nome relevante para esse

estudo por relacionar os saberes de sua formação ao campo teórico da

educação física (que transcende o espaço escolar), algo que concretiza as

possibilidades epistemológicas desse campo em se apropriar de

conhecimentos de outras disciplinas e correntes teóricas. Além disso, ao longo

da sua trajetória acadêmica, Lovisolo tem demonstrado a possibilidade de

debates e questionamentos sobre a produção de conhecimento em educação

física e cultura, fato que nos motiva a buscar outras percepções sobre a linha

de pensamento desse autor.

A seleção do professor Marco P. Stigger foi motivada pela característica

de suas produções em aproximar o campo da cultura com o lazer e o esporte,

seja em produções individuais ou naquelas decorrentes de orientações no

stricto-sensu. Além disso, suas pesquisas não se restringem à educação física

escolar, pois elas também se voltam para outros campos de atuação da

educação física. Essa flexibilidade na produção de conhecimentos em espaços

diversificados é primordial no momento em que a área vive mudanças no

campo da formação, decorrentes da estruturação dos cursos em bacharelado e

licenciatura.

Por fim, Valter Bracht fecha o quadro de entrevistados. Num primeiro

momento, nossa opção era em investigar cinco nomes, sendo o nome de

Bracht não relacionado diretamente por sua representação junto à obra do

Coletivo de Autores (1992). Contudo, à medida que a pesquisa foi sendo

desenvolvida, entendemos que ele não poderia ausentar-se dessa relação,

haja vista a contribuição para a área e a disseminação do conceito de cultura

corporal de movimento, bastante recorrente no campo da educação física

brasileira. Assim, ampliamos o leque de entrevistados – de cinco para seis, de

modo a ampliar o campo analisado.

Para além desses estudiosos selecionados, também seria fundamental

dialogar com outros teóricos da área que discutem a temática em questão. Mas

por questões operacionais – tempo, recursos financeiros e disponibilidade –

não serão entrevistados nesse momento da pesquisa, entre eles: Mauro Betti,

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Elenor Kunz, Tarcísio Mauro Vago, que também têm discutido a temática da

cultura, sobretudo com tematização da educação física escolar, já contemplada

por alguns dos entrevistados selecionados.

Desse modo, delineamos o mapeamento que nos apontou um grupo de

intelectuais da educação física, os quais, em suas ações, produções, papel

social na área, são representativos no cenário nacional. O contato pesquisador-

pesquisado proporcionou contribuições enriquecedoras no campo teórico da

educação física. Visto o volume dos dados encontrados e a expressividade das

informações fez-se relevante uma escolha metodológica que tratasse

minuciosamente os conteúdos até aqui expostos (fundamentação teórica e

expressividade acadêmica) e valorizasse os elementos presentes nas falas dos

entrevistados.

As ferramentas até então utilizadas partiram de análises bibliográficas e

de levantamento de dados, os quais incluem a interlocução com os

pesquisadores selecionados e que trazem contribuições para pensar como a

cultura se inscreve no campo acadêmico da educação física. São eles: Marco

Garcia Neira, Jocimar Daolio, Marco Paulo Stigger, Hugo Rodolfo Lovisolo, Celi

Neuza Zulke Taffarel e Valter Bracht 37.

Dialogar com esses autores que vêm tratando a cultura e a educação

física em suas pesquisas tornou-se algo imprescindível e prazeroso nesse

processo. As conversas realizadas ‒ por meio das entrevistas ‒ são aportes

para mais bem compreendermos a conceituação da cultura na área e revelam

elementos fundamentais que, muitas vezes, não são evidenciados na produção

bibliográfica desses estudiosos.

O contato com os pesquisadores/professores escolhidos para fazerem

parte dessa pesquisa, deu-se, inicialmente, por intermédio de conversas via e-

mail. Enviamos uma carta convite para cada um dos nomes selecionados e

aguardamos a resposta, nem sempre imediata. O agendamento das

entrevistas, que deveria ser conforme o dia, local e horário definidos pelo

professor, em comum acordo com a pesquisadora dessa dissertação, sofreu

37 Os nomes dos interlocutores do estudo são revelados, uma vez que eles se configuram como protagonistas da pesquisa, tendo aceite o convite para dela participar. A pesquisa segue as orientações do Comitê de Ética da Universidade Estadual de Maringá, sendo aprovada sob n.05607212.3.0000.0104

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várias alterações dada a agenda de trabalho bastante intensa desses

pesquisadores. Essa adaptação de horários e compromissos foi um processo

longo, até que fosse possível confirmar o agendamento de cada contato.

Todas as entrevistas foram realizadas no período de setembro de 2012

a janeiro de 2013, nas cidades em que os entrevistados residem ou trabalham.

Os professores que participaram dessa pesquisa são de diferentes estados do

território brasileiro, o que demandou organização da pesquisadora dessa

dissertação, bem como disponibilidade financeira para arcar com custos de

passagens, hospedagem e alimentação. O deslocamento da entrevistadora

(autora da pesquisa) até localidades situadas em cinco estados diferentes

suscitou uma série de eventos que, por sua vez, dificultaram o

desenvolvimento dessa dissertação. O Quadro 5 traz esclarecimentos sobre os

professores entrevistados, a data de entrevista, o local em que ela foi realizada

e as cidades e estados visitados pela pesquisadora.

DATA PESQUISADOR LOCAL/CIDADE-ESTADO HORÁRIO

18/09/2012 Marcos Neira Faculdade de EducaçãoUSP São Paulo – SP

15h00

19/09/2012 Jocimar Daolio Faculdade de Educação FísicaUNICAMP Campinas – SP

11h00

06/11/2012 Marco Paulo Stigger Escola Superior de Educação Física UFRGS

Porto Alegre – RS

10h30

26/11/2012 Celi Taffarel Residência da entrevistada Salvador – BA

2h00

28/11/2012 Hugo Lovisolo Residência do entrevistado Rio de Janeiro – RJ

13h00

31/01/213 Valter Bracht Centro de Educação Física e Desporto/UFES

Vitória – ES

09h15

Quadro 5: Pesquisadores entrevistados, data, horário e local das entrevistas.

Os entrevistados revelavam, gradualmente, informações cruciais para a

pesquisa que, somadas às novas leituras, possibilitaram outros

desdobramentos que até então não haviam sido pensados, refinando e

aprimorando as ideias surgidas no decorrer das entrevistas e no desenvolver

do texto. Um exemplo disso foi a inevitável escolha do último entrevistado,

Valter Bracht, que aconteceu no decorrer do tratamento dos dados, a partir de

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declarações dos entrevistados e amadurecimento teórico por parte da autora

da pesquisa.

Muito embora a maioria das produções dos interlocutores tenha

notoriedade no campo da educação física e cultura e, por isso, seus conceitos

basilares já são reconhecidos na área, a cada entrevista, a cada declaração, as

falas sinalizavam dados minuciosos, e até mesmo inéditos. Daí a riqueza

desse diálogo. Os artigos, livros, capítulos, por si só, não davam conta de nos

fornecerem preciosidades teóricas elementares para compreensão dessa

temática. O caráter epistemológico das entrevistas nos demonstrou grande

engajamento dos professores com o campo acadêmico-científico, que

articulado com impressões pessoais de cada um deles, proporcionou o

entendimento ampliado de suas produções.

Sendo assim, essa fase nos exigiu cautela no que diz respeito à

organização dos dados coletados, para que pudéssemos distinguir quais

informações seriam pertinentes a esse estudo. Observamos, então, a

necessidade de reorganização das entrevistas para facilitar a compreensão e

análise. Para Bardin (2011, p. 125), esse momento corresponde à pré-análise

que, segundo a autora, ―é a fase da organização propriamente dita‖, é o

processo que objetiva sistematizar as ideias iniciais.

A leitura flutuante é a primeira atividade dessa etapa, pois ―consiste

estabelecer contato com os documentos a analisar e em conhecer o texto

deixando-se invadir por orientações e impressões‖ (BARDIN, 2011, p. 126). Por

isso, partindo da leitura flutuante das entrevistas, optamos pela elaboração de

temas primordiais que guiaram nossas análises, para início da fase de

exploração do material. Esses temas, segundo Bardin (2011, p.135), são

unidades de registro (unidades de significação) que se libertam de um texto

analisado.

[...] o tema, enquanto unidade de registro, corresponde a uma regra de recorte (do sentido e não da forma) que não é fornecida, visto que o recorte depende do nível de análise e não de manifestações formais reguladas [...] O tema é geralmente utilizado como unidade de registro para estudar motivações de opiniões, de atitudes, de valores, de crenças, de tendências, etc.

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Por basearmo-nos nas entrevistas, os temas definidos correspondem

aos eixos temáticos pré-estabelecidos, já citados anteriormente38. A sequência

de perguntas, reflexões e apontamentos (eixos temáticos) realizados pelo

entrevistador foram guiados pelo objetivo da pesquisa e, por isso, seguem uma

lógica reflexiva no que diz respeito às temáticas educação física e cultura.

Assim, consequentemente, as repostas dos entrevistados, transcritas,

exprimem essa mesma lógica, fato que propiciou o tratamento dos dados,

tendo em vista que os textos (falas dos pesquisadores) já estavam organizados

e seguiam uma coerência reflexiva.

Ainda, para prosseguir com as nossas análises, foi preciso, também,

definir o que Bardin (2011, p. 137) chama de ―unidades de contexto‖, o que

corresponde a um recorte mais amplo que codifica a unidade de registro, ou

seja, um ―segmento de mensagem, cujas dimensões (superiores às da unidade

de registro) são ótimas para que se possa compreender a significação exata da

unidade de registro‖. Por isso, em nossa pesquisa, as unidades de contexto

são trechos das entrevistas, que visam explicar e justificar os temas (unidades

de registro) que elaboramos.

Contudo, é preciso ressaltar que embora os recortes sejam indicadores

de que há pertinência entre os temas propostos e a análise, eles não são

suficientes. A fim de se elaborar uma análise mais completa é preciso

contextualizá-los com outros conteúdos também relevantes, presentes nas

entrevistas. Em outras palavras, alguns dados apresentados, mesmo não

sendo elementos que focam de modo direto os objetivos da pesquisa, fazem

parte da teia de ideias dos entrevistados, e servem para que o leitor entenda o

contexto mais amplo das reflexões de cada um dos interlocutores.

À vista disso, algumas entrevistas são mais extensas e podem revelar

mais elementos que outras. Embora todos os diálogos tenham seguido o

mesmo roteiro pré-estabelecido, há divergências existentes entre cada

entrevistado. Ora a entrevista dava-se por um tom mais formal, o que

proporcionou um ambiente acadêmico; ora ela ocorria num formato despojado.

Um era mais breve, sucinto, objetivo em sua fala; o outro com ideias

38 Esses eixos temáticos são: a) Conceito de cultura; b) Cultura na educação física; c) Cultura como centralidade ou periferia na educação física; d) Cultura na produção teórica do entrevistado.

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complexas, com exemplificações, dando o tom de uma aula à entrevista, entre

outras características que transpareciam a partir da individualidade dos

entrevistados.

Apesar de haver entrevistas que apontaram para diversos estudos e

campos a que pertencem os entrevistados, optamos por selecionar as

informações que atenderiam mais especificamente aos objetivos, tornando,

assim, alguns dados, embora relevantes, secundários. Assim, em função dessa

variedade de conteúdos presentes nas entrevistas e por necessidades

didáticas da pesquisa, a exposição da análise foi orientada por Quadros39 que

construímos com base nos conceitos ‒ unidade de registro, unidade de

contexto e inferências ‒ conforme orientações de Bardin (2011).

Depois de contextualizarmos o procedimento metodológico, passamos à

análise das entrevistas, que estão divididas em três tópicos. O primeiro ―Sobre

o conceito de cultura na produção de conhecimento em educação física‖

discutimos a concepção de cultura assumida por cada entrevistado, bem como

sua percepção do trato desse conceito na educação física. O segundo, ―Cultura

como centralidade ou periferia na produção de conhecimento em educação

física‖ buscamos refletir sobre a apreensão dos interlocutores acerca da

centralidade e periferia da cultura na educação física e em suas produções. O

último tópico de análise ―Incursões pelos desdobramentos da pesquisa‖

abordamos algumas constatações que se desenrolaram a partir das análises.

3.2 Sobre o conceito de cultura na produção de conhecimento em

educação física

As discussões realizadas nos tópicos anteriores buscaram, de forma

geral, explicitar algumas compreensões do conceito de cultura nas ciências

humanas e sociais. Posteriormente, especificamos a reflexão acerca da

temática na produção de conhecimento em educação física, tendo em vista que

esse campo de conhecimento tem se apropriado cada vez mais da dimensão

cultural, fato que nos instiga a tentar entender como se dá essa relação entre

educação física e cultura. Entretanto, nesse tópico, buscamos ir além da

dimensão teórica exposta em livros e artigos, o que nos conduziu à associação

39

Referimo-nos aos Quadros: 1, 2, 3, 4, 5 e 6, que seguem como anexos.

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entre teoria e falas dos entrevistados, especificamente no que diz respeito ao

conceito de cultura por eles assumido, bem como visualizam esse conceito na

educação física.

A pluralidade conceitual da cultura permite que cada pesquisador siga

uma linha intelectual diferenciada. No caso de Marcos Neira40, por exemplo,

quando perguntamos qual o conceito de cultura, o pesquisador não hesitou em

posicionar-se assumindo que sua base conceitual para a formulação desse

conceito pauta-se nos Estudos Culturais e que o autor central das discussões é

Stuart Hall. Segundo essa perspectiva, Neira define ―cultura enquanto processo

de significação e mais especificamente, cultura enquanto campo de luta para

validação de significados‖. Além disso, o professor acrescenta que os Estudos

Culturais partem de um conceito antropológico de cultura, ou seja:

Como toda produção de um determinado grupo social, mas não se restringe a esse conceito, amplia, falando que a cultura é a maneira com a qual um determinado grupo tenta impor para outro grupo seu modo de ver o mundo, as suas concepções para ver as coisas, seus entendimentos e suas noções (NEIRA, 2012).

Além de assumir seu conceito de cultura, Neira também nos atenta para

o conceito na teoria dos Estudos Culturais. Sua reflexão se aproxima com algo

já apontado por Hall (1997, 2009) ao observar que o conceito de cultura

decorre de seu entendimento como ―toda prática social‖ formulada pelas

vertentes antropológicas e etnográficas, ideia que está presente na origem dos

Estudos Culturais, em meados do século XX.

Um dos fatores que impulsionaram essa corrente foi a publicação de

obras que trouxeram à tona a discussão cultural, rompendo com paradigmas

tradicionais da época. O estudioso Raymond Williams deu ênfase ao caráter

democrático e socializado da cultura, remodelando a conotação do termo como

domínio das ideias. Além disso, formulou uma definição antropológica de

cultura como toda prática social. Entretanto, Edward Palmer Thompson resistiu

a esse conceito global de cultura e, ―no seu lugar, preferia entendê-la enquanto

uma luta de modos de vida diferentes‖ (ESCOSTEGUY, 2010, p. 141).

40

A primeira entrevista dessa dissertação foi realizada com o professor Dr. Marcos Neira40

e

aconteceu em sua própria sala (sala de professores) na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, e durou em torno de 26 minutos. Foi um diálogo mais breve do que alguns outros e o entrevistado foi objetivo em suas respostas.

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Quando Neira trata da ampliação do conceito de cultura, é o mesmo que

Hall (2009, p. 133) faz ao questionar essa concepção universalista –

antropológica – incluindo nova percepção ao conceito, como sendo ―[...]

sentidos e valores que nascem entre as classes e grupos sociais diferentes,

com base em suas relações e condições históricas, pelas quais eles lidam com

as suas condições de existência e respondem a estas‖. Além disso,

complementa afirmando a cultura também ―[...] como tradições e práticas

vividas através das quais esses ‗entendimentos‘ são expressos e nos quais

estão incorporados‖.

Escosteguy contribui com a discussão ao afirmar:

Com a extensão do significado de cultura [...] considera-se em foco toda produção de sentido. O ponto de partida é a atenção sobre as estruturas sociais (de poder) e o contexto histórico enquanto fatores essenciais para compreensão da ação dos meios massivos, assim como o deslocamento do sentido de cultura da sua tradição elitista para as práticas cotidianas (2010, p. 143).

Observamos que, na definição de cultura nos Estudos Culturais,

fundamentada por Hall (2009) e estudada por Escosteguy (2010), a ampliação

desse conceito ‒ para além do antropológico, universalista ‒ engloba outros

saberes, como as condições históricas, o rompimento com a concepção

tradicional de cultura, a preocupação com diversos grupos sociais, as questões

de poder, além de enfatizar a forma com que esses grupos podem atuar

perante suas condições. Assim, percebemos em Neira (2012) uma concepção

de cultura que se aproxima desses teóricos (HALL, 2009; ESCOSTEGUY,

2010), ao falar, como observado no excerto citado anteriormente, que cultura é

o modo como ―[...] um grupo tenta impor para outro‖, observando-se as

condições desses grupos, ―suas concepções, seus entendimentos e suas

noções‖. Todos esses aspectos nos levam a inferir que, para Marcos Neira, a

cultura é processo de significação e também um campo de luta.

Reforçando sua inquietação em relação ao conceito antropológico de

cultura e a ausência de questões ―de poder‖ nesse conceito, Neira afirma:

[...] recentemente eu encaminhei um trabalho para uma revista e veio negado, e o parecerista dizia assim: ‗ele não usou os textos dos autores da educação física que discutem cultura‘, né! Só que pô, não há textos da educação física que discutem cultura com o conceito que eu tô usando. Essa que é a

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questão. Há uma parcela das pessoas que trabalham no ensino superior que, enfim, ou são pareceristas ou até escrevem e publicam, etc, que trabalha com as noções de cultura da antropologia, e há um problema grave, né, nessa noção de cultura. Essa noção de cultura da antropologia, ela não trabalha com a categoria de poder. Então, é como se os produtos culturais fossem isentos, né, de jogos de poder, de relação de poder, que na visão dos Estudos Culturais são fundamentais. A relação de poder é fundamental no estabelecimento, né, na imposição da cultura. Então, se há distorção, lá nos professores da [educação física escolar], também há distorção no campo da produção (NEIRA, 2012, grifos nossos).

O entrevistado ressalta que, ao realizar uma de suas investigações,

posteriormente submetida para publicação em forma de artigo, foi questionado

sobre o uso que fazia do conceito de cultura. No entanto, Neira alerta para o

fato de que não se compreendeu que o conceito de cultura estava estritamente

ligado ao seu próprio embasamento teórico científico, ou seja, havia uma

perspectiva teórica sobre o termo que deveria ser respeitada.

O excerto apresentado anteriormente, além de reforçar o

posicionamento conceitual do entrevistado, com suas críticas à apropriação da

antropologia pela educação física e à forma distorcida como a cultura chega

até os professores da educação física escolar, também toca em uma

preocupação de nossa pesquisa, qual seja, a cultura no campo da produção de

conhecimento. Para Neira, o conceito de cultura dos Estudos Culturais,

vinculado à categoria poder, ainda é pouco utilizado nas pesquisas da

educação física. Alguns representantes da área não entendem a existência de

variedade conceitual que inviabiliza reduzir a noção de cultura a uma dimensão

única, exclusiva e, ao mesmo tempo, universal. Por isso, percebemos, pela fala

de Neira, que distorções conceituais ocorrem na tematização da cultura na

produção de conhecimento da educação física. Por outro lado, Neira atenua

essa distorção, observando a imprescindibilidade de localizar, dentro de um

texto, qual teoria é basilar.

Mas eu diria que na produção de conhecimento no campo da educação física há grupos ou pessoas que não incorrem nesse risco. Já apresentam de cara o conceito de cultura que estão utilizando e que faz um trabalho lógico nessa área. É coerente e não faz mal usar o conceito de cultura de um campo ou de outro; não faz mal [...] (NEIRA, 2012).

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A declaração de Neira evoca a discussão realizada no segundo capítulo

dessa pesquisa ao se referir à pluralidade conceitual da categoria ―cultura‖ e à

inviabilidade de definir um conceito consensual. Posteriormente, o entrevistado

retoma a crítica, fomentando a discussão sobre o ecletismo conceitual da área:

[...] mas há pessoas que aí vão fazer uma misturada geral e aí eu acho que isso, na cabeça dos universitários, dos alunos, dos acadêmicos, dos estudantes, isso fica bastante confuso, né?. Eu acho que o maior reflexo disso é no conceito de cultura corporal, porque quando você trabalha com o conceito de cultura do Stuart Hall, dos Estudos Culturais, cultura corporal é uma coisa. Quando você trabalha o conceito de cultura mais estruturalista, do Clifford Geertz, a noção de cultura é outra coisa. E, então, lá, a cultura virou outra (NEIRA, 2012).

Ainda, segundo o entrevistado, revela-se essa mesma distorção ‒ por

parte dos professores de educação física escolar ‒ no entendimento da noção

de cultura. E para justificar essa fragilidade, Neira recorre a dados históricos e

discorre sobre como o conceito de cultura se constituiu na área da educação

física:

Quando a educação física tentou se apropriar da ideia de cultura, principalmente de cultura corporal, né, e basear suas intervenções no campo das ciências humanas, uma parcela muito grande dos professores pensou que trabalhar na perspectiva da cultura é, ou deixar as crianças fazerem o que elas querem, ou trabalhar, é... ou dar aula teórica, ou explicar conceitos, ou dar aula de história de uma modalidade ou fazer um trabalho antropológico nas aulas (NEIRA, 2012).

Como relata Neira, ao começar a pensar em cultura na educação física

houve grande confusão, também no contexto escolar. O pesquisador, nesse

excerto, refere-se à expressão ―cultura corporal‖, a qual ganhou notoriedade na

educação física, sobretudo com a disseminação do conceito na obra do

Coletivo de Autores (1992). Embora – como já discutido em capítulos

anteriores – esse conceito tenha sido um marco teórico no que diz respeito ao

entendimento da educação física escolar pelo viés das Ciências Humanas, o

que o entrevistado nos atenta é para os desdobramentos dessa noção cultural

no campo da educação física. É preciso ressaltar que essas distorções são

decorrentes de um processo histórico dinâmico que revela as necessidades da

área. Sobre essas transformações, Neira declara:

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[...] o tempo foi passando, a maturidade intelectual da área também foi se aprimorando, os cursos de formação de professores também foram entendendo mais e nós tivemos as contribuições de outros autores que ajudaram um pouquinho a situar.

O que o entrevistado ressalta é que hoje já não é mais inédito falar sobre

cultura na área da educação física, e com o aumento – qualitativo e quantitativo

– desse debate houve, também, o aprimoramento teórico e conceitual. Do

mesmo modo, o segundo entrevistado, Jocimar Daolio41, entende que já não é

mais novidade falar sobre cultura na educação física e, de forma geral, na

produção intelectual das mais diversas áreas de conhecimento. ―A gente

encontra isso (conceito de cultura) em todos os autores. Ninguém nega a

cultura‖ (DAOLIO, 2012). Contudo, embora Daolio e Neira convirjam nessa

reflexão, Daolio se baseia em outra vertente teórica para conceituar ―cultura‖. O

pesquisador parte três principais autores que, por sua vez, fundamentam-se na

antropologia:

[...] eu gosto de uma definição da Eunice Durham [...]. Ela fala que cultura é o processo pelo qual seres humanos dão sentido às suas ações por meio de uma manipulação simbólica própria dos seres humanos [...]. Então, essa ideia de uma manipulação simbólica que dá sentido para as ações humanas, acho que é chave. Assim, Geertz trabalha com a ideia de cultura como uma teia de significado [...]. A Marilena Chauí trabalha com a ideia de um processo pelo qual os humanos se humanizam, né... por meio de formas simbólicas, numa ordem simbólica, né?. Então eu circulo, circulo por aí (DAOLIO, 2012).

A primeira pesquisadora citada por Daolio é Eunice Durham, brasileira,

professora da Universidade de São Paulo, que ao longo da sua trajetória

acadêmica estudou antropologia e cultura, dentre outras temáticas. Em um

artigo, escrito em 1984, a autora discute os significados dos costumes e o

conceito cultura, fundamentando-se na Antropologia. Para Durham (1984, p. 6),

a conduta humana e a significação constituem uma mesma realidade. Assim, a

autora apresenta alguns pressupostos explicativos sobre a Antropologia e seu

papel interpretativo de análise das práticas sociais. ―Em resumo, estamos

querendo mostrar que, analisando a prática econômica, a vida cotidiana ou a

41

Jocimar Daolio é graduado em educação física e psicologia, mestre e doutor em educação física, e atualmente é professor da Faculdade de Educação Física da Universidade Estadual de Campinas. Suas pesquisas articulam cultura, educação física escolar e corpo.

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religião, a abordagem culturalista parte sempre do pressuposto da unidade

entre sua ação humana e significação‖. Assim, o que Durham (1984) aponta é

que, na visão cultural, não há como apreender uma prática social

isoladamente, pois ela está integrada a um sistema simbólico que, por sua vez,

dá sentido à ação humana. Tal reflexão é trazida por Daolio (2012) em um dos

conceitos por ele apresenta como basilar.

Além de Durham, outra concepção apresentada por Daolio (2012) é a de

Marilena Chauí, também professora da Universidade de São Paulo,

especializada em filosofia e história. A autora, em um capítulo de seu livro

―Convite à filosofia‖ (2000), lança seu olhar à cultura e enfatiza, sobretudo, sua

compreensão antropológica, afirmando que ―o antropólogo procura, antes de

tudo, determinar em que momento e de que maneira os humanos se afirmam

como diferentes da Natureza fazendo o mundo cultural surgir‖(CHAUÍ, 2000, p.

374).

Mesmo sem entrar em detalhes da teoria antropológica, Chauí (2000)

discute que, por esse viés, valoriza-se momento em que há separação entre

homem-Natureza e, dessa forma, o surgimento da cultura. Esse momento,

segundo a autora, é regido pela lei humana que organiza toda a vida social dos

indivíduos, criada pelo próprio homem por meio de uma ordem simbólica, isto

é, os seres humanos são capazes de criar uma ordem de existência que atribui

significado a sua realidade. E é na demarcação entre homem-Natureza que a

cultura, inevitavelmente, faz-se presente. Nesse sentido, Chauí (2000, p. 376)

afirma que ―[...] a Cultura é a maneira pela qual os humanos se humanizam por

meio de práticas que criam a existência social, econômica, política, religiosa,

intelectual e artística‖.

Essa reflexão feita por Chauí (2000) é apresentada na entrevista dada

por Daolio (2012) – junto à perspectiva de Eunice Durham – como um de seus

conceitos basilares para entender o que é cultura. Além dessas duas

fundamentações, o entrevistado também lembra o antropólogo norte americano

Clifford Geertz para refletir a cultura como uma ―teia de significados‖42. Geertz

(2008, p.4) aborda essa noção como central para o entendimento do conceito

42

Geertz (2009) baseou-se nas ideias de Max Weber para formular esse conceito de cultura como teia de significados.

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de cultura pois, para o autor, a cultura é uma ciência interpretativa à procura de

significado e ―o homem é um animal amarrado a teias de significados que ele

mesmo teceu‖.

Percebemos que as três concepções indicadas por Daolio, embora

partam de autores diferentes, são baseadas na antropologia43 e tratam,

essencialmente, do conceito de cultura como manipulação simbólica que dá

sentido às ações humanas e que, dessa forma, cultura é o que demarca o

processo de humanização. Além disso, o entrevistado se apropria da

perspectiva de Geertz (2008) da cultura como teia de significados. Noutras

palavras, por esse viés, a cultura é entendida como um sistema entrelaçado de

signos, os quais podem ser interpretados com densidade por meio da

etnografia.

No que se refere à educação física, Daolio retoma, em sua fala, a

discussão acerca do uso excessivo do termo ―cultura‖ nas produções teóricas

da área, o qual incide em certa superficialidade conceitual. Nas suas palavras:

[...] é um uso, por vezes, é... de moda; por vezes, diletante; por vezes, superficial. Algum uso, assim, que se pega uma certa onda cultural. É moda. Cai bem diante de um certo público você falar disso. Mas são alguns conceitos que não ajudam muito porque, às vezes, até podem ter um uso equivocado (DAOLIO, 2012).

Essa reflexão também é exposta na obra ―O conceito de cultura‖, de

Daolio (2010), na qual o autor analisa a produção de alguns autores

considerados por ele como ―proeminentes‖ na área da educação física. Nessa

leitura, Daolio constatou que embora a discussão cultural, promovida pelos

autores, seja algo positivo, esse uso pode trazer certas armadilhas: ―se a

utilização for superficial, não passará de um certo diletantismo, atendendo,

talvez os ditames da moda‖ (p. 57). O pesquisador revela, tanto em sua obra

(DAOLIO, 2010) quanto na entrevista (DAOLIO, 2012) que o principal problema

é que, na área, a compreensão do conceito de cultura é, muitas vezes,

superficial.

Para Daolio (2010), algumas obras de Go Tani – um dos autores

selecionados para sua análise – apresentam o conceito de cultura e a

43

Embora Chauí em seu livro “Convite à filosofia” (2000) apresente a ideia de cultura em uma perspectiva histórica, nessa mesma obra a autora também expõe a compreensão antropológica de cultura. Tal concepção foi citada por Daolio (2012) em sua entrevista cedida para essa dissertação.

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influência dessa dimensão no ciclo da vida do humano. Entretanto, essa

discussão, segundo o autor, é vinculada à abordagem desenvolvimentista

(desenvolvimento motor), o que deixa, por sua vez, a cultura em um plano

secundário em relação à dimensão biológica (DAOLIO, 2010). Já em João

Batista Freire, a crítica de Daolio (2010) refere-se, sobretudo, à utilização do

conceito de ―cultura‖ que – muitas vezes relacionada à palavra ―infantil‖ –

parece aludir a um elemento que parte de fora para dentro, que foi

internalizado pelo indivíduo, interferindo na sua personalidade e refletindo,

dessa forma, no humano que parece não ser visto como ser social, focado

apenas na dimensão psíquica.

Daolio (2010) reporta-se ao Coletivo de Autores, especificamente em

relação à reflexão acerca da expressão cultura corporal e observa que a

proposta tem seus méritos ao envolver a discussão cultural no contexto

educativo. Entretanto, as reflexões ainda seriam insuficientes, pois priorizam a

dimensão consciente e material do humano, não aprofundando a dimensão

simbólica inerente ao homem. Posteriormente, a análise de algumas obras de

Elenor Kunz, Daolio (2010) constata uma abordagem mais filosófica sobre

―cultura física‖, embora também mais idealizada, polarizando ideias entre o

certo e o errado, ou entre o bom e mau.

Por fim, Daolio (2010) discute as obras de Valter Bracht e Mauro Betti e

sua crítica se volta, sobretudo, à falta de aprofundamento e apropriação da

Antropologia Social – por parte dos autores. Daolio reconhece o êxito das

produções desses dois pesquisadores da educação física brasileira, sobretudo

na ênfase ao plano simbólico existente em suas obras. Contudo, percebe que,

em Bracht, seu vínculo com a antropologia está mais relacionado ao viés

filosófico, o que, em Betti, ocorre pela perspectiva da semiótica..Assim, expõe

os méritos e as superficialidades existentes no trato do conceito de cultura,

identificados também em sua fala como ―[...] vantagens e desvantagens de um

certo modismo desse uso; talvez, um uso assim superficial‖ (DAOLIO, 2012).

Vale ressaltar que a obra de Daolio (2010) tem sua primeira edição

escrita em 2004 e os autores que ele selecionou para análise condizia com

aquele momento histórico. Por esse fato, embora Daolio (2012) retome a crítica

ao uso do conceito de cultura, em sua entrevista não houve menção a nomes

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e/ou obras expostas à crítica na referida obra. Além disso, após a análise de

cada um desses autores, Daolio (2010) manifesta seu posicionamento a favor

da apropriação da Antropologia Social – sobretudo, das ideias de Clifford

Geertz – para o entendimento e aprofundamento do conceito de cultura. O

autor identifica nessa perspectiva fundamentos essenciais que contribuem com

a área da educação física, dentre eles: a compreensão da dimensão simbólica

do homem; o trato da cultura como uma dimensão pública que implica

comportamentos e ações humanas em contextos específicos e, por isso,

dotadas de significados; a possibilidade interpretativa da cultura com a

intersubjetividade existente entre pesquisador-pesquisado. É nesse sentido que

Geertz (2008) sugere a substituição da chamada concepção estratigráfica, na

qual o homem é composto de níveis (biológico, psicológico, social e cultural)

que se sobrepõem uns aos outros, pela concepção sintética em que ―os fatores

biológicos, psicológicos, sociológicos e culturais possam ser tratados como

variáveis dentro dos sistemas unitários de análise‖ (GEERTZ, 2008, p. 32).

Essa perspectiva antropológica também é exposta na entrevista com o

professor Marco Paulo Stigger44 que, logo no início da sua entrevista, situou a

antropologia, a etnografia e a sociologia como foco de investigação.

Digamos assim... é algo que eu me identifico; é minha tese de doutorado. Ela foi sobre o campo da antropologia do esporte. Chamarei assim antropologia, sociologia, um olhar sociocultural pro esporte com uma preocupação muito grande, de entender como as coisas acontecem no campo empírico, onde as coisas ocorrem, onde eu fui me agarrar pra isso... [...]. Então, eu fui me agarrar na antropologia enquanto noção de cultura, e enquanto a metodologia que é a etnografia (STIGGER, 2012).

Além de assumir o campo cultural como foco de estudo, Stigger nos

revela a etnografia como meio de investigação. Em sua entrevista, o professor

apresenta a antropologia e a etnografia como um caminho empírico, como uma

forma de interpretar o campo e, consequentemente, uma maneira de entender

o que ele chama de ―universos culturais‖ (STIGGER, 2012). Essa apropriação

44

Marco Paulo Stigger é graduado em Educação Física pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), doutor em Ciências do Desporto e Educação Física pela Universidade de Porto, professor da Escola de Educação Física/UFRGS. Tem como foco investigativo estudos da Sociologia/Antropologia do esporte, do lazer e políticas públicas. Tem se aproximado dos Estudos Sociais da Ciência, em suas relações com Educação Física.

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também se faz presente em suas produções, a exemplo do artigo publicado

juntamente com Mariante Neto. Os autores apontam que

escolher a etnografia como metodologia é tentar olhar para o objeto de estudo a partir de um procedimento que se caracteriza por uma análise cultural e aprofundada de um universo específico, através de observações sistemáticas, registradas em diários de campo e, algumas vezes, a partir de entrevistas (MARIANTE NETO; STIGGER, 2011, p. 98-99).

Assim, segundo o entrevistado, é por meio desse viés antropológico que

ele define o que é cultura:

Quando eu falo em cultura, estou falando de um sistema de representações simbólicas [...] que organiza a vida dos indivíduos [...] através das coisas que as pessoas se comunicam e constroem as suas relações, as suas relações no entorno de como representam determinadas coisas.

Contudo, esse conceito, segundo Stigger, demarca a primeira fase de

suas produções. O entrevistado declara que, com o amadurecimento

acadêmico, foi percebendo que o conceito de cultura, além de ser um universo

compartilhado, também estava atrelado às questões de disputa e conflito. Para

fazer essa reflexão, Stigger se apropria de algumas ideias centrais de Pierre

Bourdieu e Norbert Elias.

Em Stigger (2007) é possível apreender essas relações com Elias e

Bourdieu. Nesse capítulo de livro, o autor relata a pesquisa de campo

desenvolvida durante o período de doutoramento, o que culminou na

construção de sua tese. Por isso, revela seu interesse pela utilização de

autores como Elias e Bourdieu, entre outros, como fundamentais para o

entendimento da sociedade e, peculiarmente, do esporte a partir de uma

relação não consensual, pautada em interações e conflitos.

Em um dado momento da entrevista, Stigger, ao discutir o conceito de

cultura, reitera essa noção de dinamismo e conflito:

[...] a cultura, enquanto universo de disputa, universo conflituoso de disputa sobre todas as questões culturais, todas as representações, tá sempre presente. Essa noção de cultura como arena de lutas, como arena de disputas, como um universo onde os indivíduos compartilham mais ou menos, compartilham porque não poderiam estar juntos, mas também disputam [...] (STIGGER, 2012).

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Identificamos essa mesma discussão em Stigger (2009) que busca uma

reflexão para entender as relações entre a cultura, o lazer e a educação. Nesse

ensaio, o autor contextualiza a cultura como dimensão imprescindível à vida

humana de compartilhamento de significados. Assim como a teoria bourdiana,

certifica-se de que há relação de poder, demarcada pela busca da imposição

de significados e pela dominação material e simbólica existente na sociedade

(STIGGER, 2009).

Por isso, Stigger se apropria dessa noção para refletir sobre a educação

física na condição de campo de dinamismo e conflito:

[...] agora, ter um campo enquanto uma noção bourdiana, né, que é um campo sociológico [...] de indivíduos que circulam no entorno de alguma temática. No nosso caso é essa coisa da educação física. E então, tem uma área de conhecimento, mas tem isso ai, como um campo, um campo que é, de novo, um campo de disputa, um campo que tem suas disputas, seus jogos, etc. (SITGGER, 2012).

Os estudos do sociólogo Pierre Bourdieu consistem em modelos de

análises que envolvem agentes sociais, estruturas e disposições. Por isso, ao

se basear nas ideias de Bourdieu, o entrevistado destaca o conceito de campo

e as singularidades de grupos específicos presentes dentro do espaço social.

Isso porque, os chamados campos sociais abordados por Bourdieu (2004) são

os espaços sociais relativamente autônomos, dotados de suas próprias leis e

regras, submetendo-se às influências externas de outros campos.

Assim, os conceitos apontados levam-nos a inferir que, para Stigger

(2012), o conceito de cultura é antropológico por ser um ―campo de

representações simbólicas‖ e, para além dessa perspectiva, o entrevistado

entende a necessidade de incluir a noção sociológica de que a cultura é

―campo de disputa‖ e ―sistema de relações que organiza os homens e a

sociedade‖.

Muito embora o entrevistado entenda a relevância da dimensão cultural

para a educação física, sua percepção de como esse conceito é tratado pela

área não é otimista mas, pelo contrário, dá-se marcada pelo senso comum:

―Primeiro, cultura é que nem futebol, né? Todo mundo acha que sabe falar‖

(STIGGER, 2012). Além disso, Stigger declara que alguns pesquisadores da

educação física buscam, em referenciais diferenciados, como Geertz, Certeau,

Magnani e DaMatta, fundamentar o conceito de cultura. Entretanto, o fato da

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área se apropriar de distintas concepções, por um lado, gera diversidade

conceitual e, por outro, ocasiona certa distorção conceitual: ―As pessoas estão

buscando esses referenciais. Então, há bastante, mas há coisas não tão claras

e há coisas diferentes‖.E complementa:

[...] têm aqueles que não deveriam estar falando sobre cultura e estão falando e que falam... volta e meia falam. E no campo dos que estudam ‒ no que eu chamei no campo do sociocultural ‒ têm várias bases teóricas: os marxistas; têm outros que estão mais pautados no campo da Antropologia; pessoal dos Estudos Culturais; outros que estão mais ligados mais à educação. Então, essa expressão, ela vai sendo usada e vai aparecendo, relacionando muito à educação, enfim, em formas diferentes.

Assim como em Daolio e Stigger, o viés antropológico também é

apontado por Hugo Lovisolo45, em sua entrevista. Antropólogo em sua

formação acadêmica, o entrevistado inicia sua discussão sobre o conceito de

cultura fazendo alusão ao papel interpretativo que a antropologia exerce em um

grupo cultural específico pois, assim como Geertz (2008, p. 10), entende que a

cultura ―é um contexto, algo dentro do qual eles podem ser descritos de forma

inteligível ‒ isto é, descritos com densidade‖. Com o cotidiano de uma praça

localizada próxima a sua casa, Lovisolo exemplifica essas questões ao

discorrer sobre

[...] as relações que ocorrem nessa praça, entre os velhinhos que vão jogar baralho todos os dias. Provavelmente eu, como antropólogo, vou trabalhar com o conceito de cultura, vou trabalhar com os símbolos que ele tem [...]. Então, posso usar uma explicação cultural do porquê se reúnem a jogar baralho? Então, diria que a construção que você está fazendo, a construção sobre as representações, os valores, as normas, tudo isso que forma parte da cultura; dá conta dessas condutas de jogar baralho (LOVISOLO, 2012).

Por isso, podemos considerar, pela fala de Lovisolo, o entendimento que

o contexto cultural proporciona a construção sobre representações, símbolos,

valores e normas existentes nas relações humanas. Entretanto, Lovisolo

entende que, com a complexidade da sociedade, não há como definir cultura,

45

Hugo Lovisolo possui graduação em Sociologia pela Universidad de Buenos Aires e mestrado e doutorado em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Também possui Pós-doutorado em Ciências dos Esportes pela Universidade do Porto. Atualmente é professor adjunto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e do Mestrado em Desenvolvimento Social da UNISUAM. Suas investigações são, principalmente, nos seguintes temas: comunicação e jornalismo esportivo, cultura, educação e desenvolvimento local.

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ou tentar conceituá-la, pois existe uma diversidade social que impede essa

demarcação conceitual. Afirma que [...] aqui você tem uma sociedade plural,

você tem diferentes enigmas; assim, tem diferentes projetos culturais. Não há

uma definição única e isso precisa de múltiplas definições (LOVISOLO, 2012).

A ideia que a cultura, cada vez mais, tem sido foco de discussão nas

ciências humanas e sociais, exposta por Hall (1997), aproxima-se da reflexão

trazida por Lovisolo a respeito da utilização do conceito de cultura no campo

epistemológico. O entrevistado se refere à utilização demasiada do termo nas

ciências sociais e na antropologia, fato que caracteriza o termo ―cultura‖ pela

sua ambiguidade, com seus êxitos e falhas. Por um lado:

[...] a cultura, por essa ambiguidade, ela era autônoma, ela era envolvente, ela tinha a ver tanto com a cultura material [...] quanto o que poderíamos denominar como a cultura do mundo simbólico (LOVISOLO, 2012).

Entretanto, para Lovisolo, o paradoxo existe porque, por outro lado ―[...]

a cultura passou a justificar muitas coisas [...]‖, sobretudo no campo da

educação física.

Então, começou-se a utilizar a palavra cultura como se fosse uma explicação total, e, na área da educação física, aqueles que tinham algum vínculo mais forte com as elaborações da educação, também passaram a importar a palavra cultura ao

campo educacional.

Essa contradição apontada por Lovisolo também é identificada, de forma

mais ampla, nas ideias de Bauman (2012). Para o autor, a cultura é paradoxal,

ou seja, é tanto agente da desordem, quanto um instrumento de ordem, em

uma sociedade que produz a liberdade e, simultaneamente, a restrição. E é

nessa linha de pensamento que Bauman (2012, p. 18) discute o jogo

conflituoso na concepção cultural:

[...] ideia de cultura que significa tanto inventar quanto preservar; descontinuidade e prosseguimento; novidade e tradição; rotina e quebra de padrões; seguir as normas e transcendê-las; o ímpar e o regular; a mudança e a monotonia da reprodução; o inesperado e o previsível.

No caso da educação física, segundo Lovisolo, como área que

historicamente continha fragilidades pedagógicas, o conceito cultura entra em

cena como tentativa de estruturar o campo escolar.

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E no caso do Brasil, houve outra questão, que a educação física, durante muito tempo ela foi dominada por um enfoque, digamos, cinesiológico, ou fisioquímico. E, com isso, muitos autores acharam que [...] teriam que ir além disto. E, nesse ir além, é claro que eles se apropriaram e começaram a utilizar o conceito de cultura, também como um conceito crítico, pretendendo criticar essa posição, pretendendo criticar essa

posição dominante (LOVISOLO, 2012).

De fato, a educação física se apropriou do conceito de cultura,

primeiramente, atrelado ao viés pedagógico. Isso porque, como já

mencionamos anteriormente, o livro Coletivo de Autores (1992) foi lançado com

o intuito de orientar a prática profissional do professor de educação física no

campo escolar e, nele, o conceito de cultura (cultura corporal) é apresentado

como balizador no que diz respeito aos conteúdos a serem trabalhados em

aula. Posteriormente, com a repercussão da obra e seus desdobramentos, a

perspectiva cultural vinha aparecendo, predominantemente, aliada à educação

física escolar. A crítica de Lovisolo está relacionada a esse cenário. Próximo a

essa compreensão, percebemos, em Moura e Lovisolo (2008), a insatisfação

quanto à forma como a produção de conhecimento sobre a educação física

escolar – especificamente as obras de Daolio (1995, 2001) – apresenta a

categorial cultural:

Conforme Daolio (1995a), a antropologia social ajudaria a EF a contemplar o educando por um viés menos reducionista, que erradamente entende ser o ponto de vista biológico (DAOLIO, 2001) [...]. Ser anti-reducionista não implica sê-lo a partir da antropologia social nem do conceito de cultura. Há muitas formas de ser anti-reducionista e, não raro, isso significa apenas praticar outro reducionismo (MOURA; LOVISOLO, 2008, p. 145).

De modo geral, o artigo de Moura e Lovisolo (2008) discute, segundo a

compreensão dos autores, as falhas existentes na utilização da antropologia

vinculada ao campo de intervenção da área da educação física. Em sua

entrevista, Lovisolo revela sua opinião sobre essas questões. ―O antropólogo

não se coloca à intervenção; o antropólogo não se coloca querendo mudar o

grupo que está estudando‖ (LOVISOLO, 2012). Daí vem a crítica do

entrevistado pois, segundo ele, não há conceito de cultura que oriente o campo

da intervenção.

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Ao ampliar sua análise sobre o conceito de cultura, Lovisolo observa

que, na educação física, a categoria cultural se apresenta como uma ―espada

enguiçada‖, ou seja, ―ela [a cultura] entra numa briga e ela quer cortar, ela quer

estar a favor ou contra os projetos de domínio do campo da intervenção‖.

Noutras palavras, o entrevistado entende que a categoria cultural é utilizada

como premissa de ―domínio‖, ―controle‖ e ―manejo‖ no espaço de intervenção

profissional.

No que tange à definição conceitual, Valter Bracht46 também faz críticas.

Para o entrevistado, o conceito ultrapassa qualquer tentativa de definição.

―Definições... elas ajudam a demarcar o campo que vai ser objeto de discussão

conceitual‖ (BRACHT, 2013). Contudo, ele nos traz a ideia de cultura como

plano simbólico:

Quando a gente fala em cultura, a gente está trabalhando com um plano simbólico, ou seja, do significado. Então, vamos dizer assim: a gente está discutindo que o significado, que uma determinada produção humana tem um determinado contexto [...] (BRATCH, 2013).

Percebemos que, assim como Neira, Daolio, Lovisolo e Stigger, para

Bracht, a cultura também está vinculada a um sistema de significações e/ou

símbolos que são produzidos por meio da prática humana. Na educação física,

peculiarmente, Bracht entende que o conceito de cultura foi incorporado pela

área para a tentativa da definição de um objeto e, além disso, assume a

expressão cultura corporal de movimento.

Especificamente, a gente cunhou o conceito de cultura corporal do movimento prá albergar exatamente aquelas práticas corporais que ,vão sendo construídas pelo homem, particularmente aquelas que não dizem respeito diretamente ao mundo do trabalho.

É possível identificarmos essa reflexão sobre o objeto da educação

física em Bracht (2003, p. 41). Contudo, o autor se preocupa em expor o que

entende por objeto da educação física: ―me refiro ao ‗saber‘ específico de que

trata essa prática pedagógica‖, e ainda reitera: ―pretendo defender, aqui, a tese

46

Valter Bracht realizou o curso de graduação em educação física na Universidade Federal do Paraná. É mestre em educação física pela Universidade Federal de Santa Maria e doutor pela Universidade de Oldenburg (Alemanha). Atualmente é professor da Universidade Federal do Espírito Santo e atua, principalmente, nos seguintes temas: educação física escolar, formação continuada de professores, educação e epistemologia.

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/ideia de que, para configuração do saber específico da EF, devemos recorrer

ao conceito de cultura corporal de movimento‖ (p. 43). Isso porque, segundo o

autor, nessa perspectiva, o movimentar-se é uma linguagem com

especificidades, uma forma de se comunicar ‒ simbolicamente ‒ com o mundo.

Bracht (2003) entende que o que qualifica o movimento como humano são

essas questões simbólicas de sentido/significado do mover-se, o mesmo é dito

acerca do conceito de cultura na entrevista:

[...] no âmbito da cultura, com o conceito da cultura, nós estamos trabalhando com as condições simbólicas, portanto, do processo de significação das diferentes práticas humanas (BRACHT, 2013).

O entrevistado ressalta que o viés cultural foi apropriado pela educação

física a partir da insatisfação na compreensão do objeto da área que, por sua

vez, é marcado pelas ciências biológicas.

E ai a gente vai se confrontar com os conceitos de cultura, ou seja, esse nosso objeto, que é entendido como atividade física por influência das ciências biológicas, passa a ser entendida, então, como uma manifestação da nossa cultura, ou seja, como uma produção histórica, como uma produção humana, caracteristicamente humana. Portanto, precisaria ser entendido como uma manifestação da cultura (BRACHT, 2013).

Em seu livro ―Educação Física e ciência: cenas de um casamento

(in)feliz‖, Bracht (2003) esclarece que a definição do objeto da educação física

está atrelada à função social a ela atribuída, ou seja, relaciona-se à

característica do conhecimento buscado para sua fundamentação. Por isso a

crítica do autor a termos que reduzem a área em uma especificidade biológica,

a exemplo das expressões ―atividade física‖ e ―exercícios físicos‖. Essas

reflexões vão ao encontro da fala do entrevistado ao entender que o conceito

de cultura na educação física surge da insatisfação decorrente do conceito das

Ciências Biológicas. Além disso, Bracht (2003) identifica a redução do objeto

da área ao âmbito psicológico e desenvolvimentista com os termos ―movimento

humano‖, ―movimento corporal‖, entre outros.

A partir da crítica à perspectiva das Ciências Biológicas e Psicologia do

Desenvolvimento, Bracht (2003) abre possibilidades de entendermos o objeto

da educação física a partir das Ciências Humanas e, especificamente, com um

olhar cultural à área por meio da identificação do objeto da educação física pela

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cultura corporal de movimento. Nessa inclusão, a abordagem cultural para o

entendimento do saber e do movimentar-se humano é entendida por Bracht – a

partir da sua fala na entrevista – como ―[...] um processo de desnaturalização

do nosso objeto, de desnaturalização da própria área de educação física,

colocando ela como uma produção humana‖ (BRACHT, 2013). O mesmo

discurso está presente em Pich (2008, p. 109) ao entender que

O conceito de cultura corporal de movimento deve ser entendido a partir do processo de ruptura com a visão biologicista-mecanicista do corpo e do movimento situado de forma hegemônica na educação física até o início da crise epistemológica corrida nos anos 80.

Para Pich (2008), com a apropriação desse conceito na educação física,

o corpo e o movimento passam a ser entendidos em uma dimensão histórico-

social ou cultural, fato que gerou avanços na área no sentido de superar a

perspectiva reducionista na compreensão do ser humano. Nessa mesma linha

de pensamento, Bracht acrescenta que, com a passagem do biológico (natural)

ao cultural, tornou-se visível o objeto da educação física pelo viés cultural.

A partir do momento em que se operou essa virada culturalista, e que se passou a ter entendimento que o nosso objeto faz parte do mundo da cultura, é fundamental pra gente compreender [...] como que se dá a dinâmica na produção cultural, especificamente, dessa parcela da cultura que a gente passou então a chamar de cultura corporal [...]. Eu gosto de chamar de cultura corporal do movimento (BRACHT, 2013).

O entrevistado entende que, com a inclusão da categoria cultural da

educação física, houve a ―virada culturalista‖ na área, ideia que se aproxima da

virada cultural apontada por Hall (1997, p. 9) ao vislumbrar que, ―nas últimas

décadas, tem havido uma revolução do pensamento humano em relação à

noção de ‗cultura‘‖. No entendimento de Hall (1997), nas ciências humanas e

sociais foi dado à cultura peso explicativo que anteriormente não se

preocupava em fundamentar.

No que tange à fundamentação do conceito de cultura, Bracht entende

que há uma multirreferencialidade presente na educação física. Por isso aponta

a influência do conceito de cultura desenvolvido pela corrente marxista, pelo

pós-estruturalismo (Michel Foulcaut), pela antropologia de Clifford Geertz e

também pela Teoria Crítica (a exemplo de Herbert Marcuse,Theodor Adorno e

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Max Horkheimer) que, para o entrevistado, são referências que influenciam a

formulação do conceito na área:

[...] se tem uma gama grande de influências tratando do tema da cultura. O que eu acho importante é de que isso, é... enriquece, vamos dizer assim... o debate; essa multirreferencialidade enriquece o debate (BRACHT, 2013).

No que se refere à educação física escolar, Bracht entende que o

conceito de cultura ‒ sobretudo depois da publicação do Coletivo de Autores –

está presente em documentos que regularizam e orientam o a intervenção do

professor. Contudo, ―se lá na intervenção propriamente dita, isso tá

efetivamente presente; já é uma outra questão. Eu diria que não está presente;

tá pouco...‖ (BRACHT, 2013).

Assim, percebemos que, para Bracht, o conceito de cultura da

educação é marcado pela diversidade de fundamentações teóricas e que, no

campo empírico, embora seja uma categoria presente em documentos, na

prática profissional ainda há falhas. Para o entrevistado, a tradução do que tem

sido produzido para o que tem sido feito na escola é uma problemática

complexa que exige aprofundamento específico da temática, algo que não

cabe nas reflexões propostas pela entrevista.

A entrevistada Celi Taffarel47 inicia discussão sobre o conceito de cultura

por ela assumido, dizendo que o marco referencial para explicá-lo está na

história da humanidade. Desse modo, a entrevistada contextualiza

historicamente como se dá esse processo, momento em que a matéria em

movimento transforma-se em seres conscientes, capazes de agir. Segundo

Taffarel:

Teve um momento do nosso percurso, para nos tornarmos seres humanos, que nós estávamos simplesmente submetidos às leis físicas da matéria. Nós demos saltos qualitativos e passamos a ser regidos por leis biológicas; nos tornamos seres vivos. Mas nos distinguimos da natureza, porque ao interagir com a natureza a transformamos e somos transformados por ela. Isso significou milhões de anos, e significou salto qualitativo, dos quais resultaram, pelo trabalho humano, a produção da cultura (TAFFAREL, 2012).

47

Celi N. Z. Taffarel é graduada pela Universidade federal de Pernambuco mestre em Ciências do Movimento Humano pela Universidade Federal de Santa Maria. É doutora em educação pela Universidade Estadual de Campinas e Pós--Doutora pela Universidade de Oldenburg, Alemanha. Atualmente, é professora titular da Universidade Federal da Bahia.

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A reflexão trazida por Taffarel aborda o processo dinâmico de

humanização da matéria em estágio simples, a qual passa a ser regida por leis.

Essas leis, por sua vez, transformam essa matéria em um ser (homem) que

depende dos modos de produção para assegurar seus meios de vida, algo que,

segundo a entrevistada, não acontece, por exemplo, com um animal ou uma

pedra. Essas ideias são, fundamentalmente, identificadas no referencial

marxista48, a exemplo do teórico Trotski (1981, p. 51) ao definir que:

Cultura é tudo aquilo que foi criado, construído, apreendido, conquistado pelo homem no curso de toda sua História, em contraposição ao que a natureza lhe deu, compreendida aí a história natural do homem como espécie animal [...]. Mas o momento em que homem se separou do reino animal – e isso aconteceu quando segurou pela primeira vez os instrumentos primitivos de pedras e de madeira – naquele momento começou a criação e acumulação de cultura, isto é, do conhecimento e da capacidade de todos os tipos para enfrentar e subjugar a natureza.

Trotski (1981) discute acerca da passagem do homem, em seu estágio

inicial (biológico), à aquisição de conhecimentos que possibilitaram a

acumulação de cultura. Do mesmo modo, Taffarel reflete sobre as mudanças

históricas da humanidade e, nessa trajetória, além de instrumentos palpáveis –

como, por exemplo, a flecha e o arco – identifica, também, o desenvolvimento

da capacidade intelectual de ―compreender, analisar, sintetizar, conceituar,

teorizar, explicar cientificamente e, com isso, ter consciência dos nossos atos,

das consequências da nossa ação‖ (TAFFAREL, 2012).

Essas fases de transição, do estágio animal ao estágio humano, são

expostas detalhadamente por Leontiev (1978) – teórico que, por sua vez, foi

apontado por Taffarel como um dos autores basilares para formulação do

conceito de cultura. Ao se fundamentar nos dados da paleantropologia,

Leontiev (1978) entende que o homem passou por diferentes ―estádios de

preparação‖. No primeiro estádio predominavam as leis biológicas, cujos

representantes ―eram animais que levavam uma vida gregária; conheciam a

48

Como observa Triviños (2012), a doutrina marxista, fundada por Karl Marx na década de 1940, apresenta fases de teorização. A primeira é representada por Marx; a segunda, pelo trabalho conjunto de Marx e Friedrich Engels; a terceira, marcada pelas contribuições de Vladimir L. Lenin; por fim, a quarta etapa, contemporânea, apresenta diversidade de tendências teóricas.

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posição vertical e serviam-se de utensílios rudimentares‖ (LEONTIEV, 1978, p.

1). No segundo estádio, a formação humana ainda estava submetida às leis

biológicas, embora já apresentassem formas rudimentares de trabalho e

sociedade. Por isso, outros elementos apareciam nesse contexto, como

mudanças na linguagem e na constituição anatômica do homem. Por fim, no

terceiro estádio, identificado como estágio atual do homem – o Homo Sapiens

– entende-se que ―apenas as leis sócio-históricas regerão doravante a

evolução do homem‖ (LEONTIEV, 1978, p. 2, grifo do autor).

Percebemos que, para entender o conceito de cultura, a entrevistada

recorreu à história da humanidade e ao desenvolvimento das relações de

produção, pois ―a cultura é fruto do trabalho humano que adquire sentido e

significado na vida humana, nas relações de produção da vida‖ (TAFFAREL,

2012), ou seja, a cultura decorre das relações de trabalho, de cooperação e de

submissão, estabelecidas entre os homens. É nessa linha de pensamento que

Taffarel reforça a fundamentação dada ao conceito de cultura.

[...] em termos de cultura, dependente do grau de desenvolvimento das forças produtivas que vão dar sentido e significado a isto que a humanidade elabora, que é o patrimônio da humanidade, um patrimônio que todos têm que acessar. Por quê? Porque nos humaniza. Ele nos torna ser- humano e, portanto, acessar a cultura, compreender a cultura, se instrumentalizar para produzir a cultura, significa o processo de humanização. Se a gente retira isso, nós nos desumanizamos. Então, cultura é isso. É isso! (TAFFAREL, 2012).

Na educação física, Taffarel identifica que a cultura corporal é o objeto

da área. Entretanto, no que se refere ao campo empírico, esse conceito vem

sendo tratado de forma restrita e distorcida. Segundo a entrevistada:

Como é que está se tratando a cultura corporal da educação física? Te convido para irmos às escolas. Você vai ver uma unilateralidade, uma formação de crianças e jovens com uma visão restrita da cultura, porque só se ensina modalidades esportivas ‒ as quatro, que são as que predominam: o futebol, o handebol, o voleibol, e o basquete.

O conceito de cultura corporal, como já dito em capítulos anteriores,

ganhou força na educação física com a publicação da obra ―Metodologia do

ensino de educação física‖, pelo Coletivo de Autores (1992), que passou a ser

definido por temas ou formas de atividades corporais que a área deve tratar

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pedagogicamente. Taffarel está entre os autores da obra que, até os dias

atuais, manteve suas fundamentações nessa linha de pensamento. A crítica

de Taffarel, no excerto acima, diz respeito à distorção desse conceito, tendo

em vista que ele não se restringe apenas a temas como futebol, handebol,

voleibol e basquete, mas, também, engloba outros esportes, jogos, ginásticas,

danças e outras manifestações.

Então, aí a gente viu a cultura corporal na escola, que está sendo muito mal e equivocadamente tratada. Precisamos redimensionar o trato com o conhecimento da cultura corporal na escola, inclusive para alterar a própria escola (TAFFAREL, 2012).

A reflexão feita por Taffarel, como exposto, decorre do entendimento da

distorção da finalidade da cultura corporal. Além da conceituação dos temas da

cultura corporal, no Coletivo de Autores, também, é sinalizado que essas

atividades devem se configurar baseadas na visão do homem como um ser

histórico, ou seja, nessa perspectiva, os conteúdos a serem trabalhados na

sala de aula possibilitam ao aluno o reconhecimento do sujeito histórico, capaz

de interferir na sociedade, seja na dimensão privada ou nas atividades sociais

sistematizadas (COLETIVO DE AUTORES, 1992). Contudo o equívoco,

segundo Taffarel, está na utilização da cultura corporal como geradora de

lucros. Para a autora, o esporte, por exemplo, é elemento da cultura corporal;

no entanto, quando inserido no âmbito da política estatal, é utilizado para

priorizar a burguesia: ―o que determina, em última instância, o desenvolvimento

da cultura e, dentro dela, a cultura corporal, é o quê? É a economia política‖

(TAFFAREL, 2012).

Por outro lado, Taffarel reconhece que há outros programas que

atendem a classe trabalhadora, mas que, segundo a entrevistada,

contraditoriamente, são minoritários, ou seja, não são hegemônicos. A

perspectiva proposta no Coletivo de Autores (1992) aponta como o esporte

deveria ser tratado no conceito da educação física escolar.

[...] o Esporte, enquanto cultura corporal, é tratado pedagogicamente na Escola de forma crítico-superadora, evidenciando-se o sentido e o significado dos valores que inculca e as normas que o regulamentam dentro de nosso contexto sócio-histórico.

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Muito embora o Coletivo de Autores (1992) enfatize a crítica sobre o

esporte de alto rendimento, na obra, ainda é possível constatar que a

abordagem teórica assumida não desconsidera os saberes técnicos e táticos

do esporte, contudo, não os coloca como únicos no processo de

aprendizagem. Tanto na obra acima citada, quanto na entrevista realizada com

Taffarel, é possível identificarmos uma concepção crítica, sobretudo no que diz

respeito a tudo aquilo que consideram hegemônico na sociedade.

No que tange à produção de conhecimento, Taffarel revela a mesma

percepção. Para a entrevistada, o que vem sido produzido, na educação física

brasileira nega determinadas abordagens teóricas por estar submetido a

interesses da economia política ―e aí nós vamos ver a negação do

conhecimento sobre epistemologia, em especial, o materialismo histórico e

dialético‖. Nesse sentido crítico, ela expõe o conceito de materialismo histórico

e dialético49 como ―[...] uma teoria do conhecimento que considera as leis

gerais do modo de produção, do Estado burguês, e a constituição de valores

que implica em tomar posições na luta de classes‖ (TAFFAREL, 2012).

Dessa forma, percebemos que, para Taffarel, o conceito de cultura

decorre da história da humanidade, de como o homem foi se transformando e

construindo seus instrumentos práticos (como machado, arco, flecha, bomba

atômica, aeronaves) e seus instrumentos intelectuais, como a compreensão, a

racionalidade e a capacidade teórica. No contexto da educação física, para

Taffarel, o objeto da área é a cultura corporal. Contudo, esse objeto tem sido

tratado de forma restrita, distorcida e submetida à política econômica.

Percebemos, portanto, que o conceito de cultura e a percepção dessa

categoria na educação física são marcados pelas diversas perspectivas e

interpretações de cada interlocutor, como observado nos quadros no anexo

dessa dissertação. Dessa forma, no próximo tópico discutiremos sobre a

49

Trivinos (2012, p. 53) define separadamente o que é materialismo histórico e materialismo dialético. O primeiro, segundo o autor, é “a ciência filosófica do marxismo que estuda as leis sociológicas que caracterizam a vida da sociedade, de sua evolução histórica e da prática social dos homens, no desenvolvimento da humanidade”. Já o materialismo dialético “é a base filosófica do marxismo e como tal, realiza a tentativa de buscar explicações coerentes, lógicas e racionais para fenômenos da natureza, da sociedade e do pensamento” e “*...+ mostra como se transforma a matéria e o como se realiza a passagem das formas inferiores às superiores”. Para Netto (2006, p. 54), na perspectiva marxista, os saberes do materialismo histórico e materialismo dialético são interligados, haja vista que “o materialismo histórico é a aplicação dos princípios do materialismo dialético ao estudo da sociedade”.

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centralidade e periferia desse conceito na educação física e nas produções

teóricas do entrevistado, no intuito de compreender qual papel que a cultura

exerce nessas dimensões.

3.3 Cultura como centralidade ou periferia na produção de conhecimento

em educação física?

A ampliação do número de publicações que discutem a cultura, sob

várias perspectivas, tem gerado certo consenso entre teóricos que pesquisam

esse campo no que diz respeito à importância que essa temática passou a

exercer nas mais diversas esferas sociais. Embora partam de fundamentações

teóricas diferenciadas, muitos pesquisadores (ALVES, 2009; BAUMAN, 2012;

CANCLINI, 2008; GEERTZ, 2008, entre outros) assumem que a cultura

passou, nos últimos anos, a ter maior influência, não só no meio intelectual,

mas também na forma de entender a dinâmica social. De certo modo, os

pesquisadores partem de diferentes abordagens teóricas e concebem a

sociedade e/ou as produções de conhecimento com olhar cultural. Entretanto, a

percepção da centralidade da cultura, adotada nessa pesquisa, decorre – como

já expusemos anteriormente – da linha de pensamento de Stuart Hall,

notadamente impulsionada pela discussão da centralidade da cultura (HALL,

1997).

É importante ressaltar que as análises já realizadas nessa dissertação

acerca do conceito de cultura são de suma importância para essa próxima

discussão. O intuito é correlacionar as ideias dos entrevistados sobre o

conceito de cultura e o papel assumido por ela na educação física segundo a

opinião dos interlocutores dessa pesquisa (se como centralidade ou periferia),

com retomada de alguns elementos teóricos presentes em Hall (1997). Isso

porque, em dado momento da entrevista o questionamento se a cultura é

abordada de modo central ou periférico na educação física vem à tona. Essa

pergunta se faz necessária, sobretudo, para apreendermos, segundo a

percepção do entrevistado, como ocorre essa produção de conhecimento sobre

cultura na área e qual papel esse conceito tem ocupado. Sobre isso, Marcos

Neira relata:

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Uma vez que eu tô trabalhando com o conceito de cultura que vai colocar a centralidade da cultura na sociedade contemporânea e que tudo que nós vemos é produzido através de uma luta de significação e que principalmente as representações que nós temos sobre as coisas do mundo se dão com base nesse debate cultural, gente, não há como pensar de outra maneira a não ser colocar a cultura como aspecto central na escola e na educação física escolar (NEIRA, 2012).

Tendo em vista que o conceito de ―centralidade da cultura‖, assumido

nesse estudo, foi cunhado em Hall (1997), destacamos que há relação teórica

entre o embasamento científico utilizado por Neira e aquele que orienta essa

pesquisa. Aliás, ao ser questionado em quais autores se baseia, Neira afirma

que ―o autor central dos Estudos Culturais é Stuart Hall‖ (NEIRA, 2012), base

teórica que se relaciona diretamente aos conceitos assumidos por essa

dissertação. Embora Neira tenha dado ênfase inicial à educação física escolar

ao entender que a cultura é central nesse campo, posteriormente o

entrevistado completa sua reflexão incluindo outras dimensões.

Então, a cultura está no centro da educação física, está no centro da escola. Também tá no centro da sociedade também. E aí eu comecei a falar do processo inverso: sociedade, escola e educação física, e tô invertendo né ‒ educação física, escola e sociedade (NEIRA, 2012, grifos nossos).

Além disso, ao discutir sobre a centralidade da cultura na

produção de conhecimento em educação física, o interlocutor ressalta questões

de significados, discurso, noções e representações:

[...] claro que a produção de conhecimento, as noções que eu tenho de pesquisa, as noções que eu tenho de objeto de pesquisa, as noções que eu tenho do que é um objeto bom ou ruim, do que é um método adequado ou não, depende, também, dos discursos que eu acessei, das representações que eu construí, de como eu lidei com essas questões (NEIRA, 2012).

Nesse excerto, Neira discute que a produção científica é constituída e

atrelada a questões culturais. Para ele, o conhecimento expressa significado de

acordo com o contexto em que está inserido e, por isso, a cultura é central,

também, nessas relações. Ainda complementa sua reflexão acerca do campo

acadêmico-científico e destaca as divergências existentes entre as diferentes

teorias e linhas de pensamentos no âmbito da educação física.

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[...] talvez eles pensem que nós, aqui, não produzimos conhecimento, né? Porque nós trabalhamos com outras categorias, com outras maneiras de organizar as experiências pedagógicas e com outros tipos de pesquisa [...]. Nós aqui estamos achando que estamos produzindo conhecimento bom e eles também acham que são eles que estão produzindo conhecimentos bons (NEIRA, 2012).

Noutras palavras, Neira entende que determinada produção de

conhecimento só tem sentido dentro do seu sistema de significações. É o que

Hall (1997, p. 10) afirma em seu texto ao discorrer que ―o significado surge, não

das coisas em si — a ‗realidade‘ — mas a partir dos jogos da linguagem e dos

sistemas de classificação nos quais as coisas são inseridas‖. Trata-se, para

Hall (1997), da chamada ―virada cultural‖ – já abordada no segundo capítulo ‒

que modificou as atitudes em relação à linguagem em seu sentido amplo50.―[...]

um interesse na linguagem como um termo geral para as práticas de

representação, sendo dada à linguagem uma posição privilegiada na

construção e circulação do significado ― (p. 9, grifo do autor).

Nessa conjuntura, é possível inferir que, para Neira, a cultura é central

na educação física e as várias dimensões da área (escolar, ensino superior,

produção de conhecimento, entre outras) são linguagens ou práticas de

representações mediadas pelo viés cultural. Na mesma linha de pensamento,

ele define que em suas pesquisas ―o diálogo central é com a noção de

movimento enquanto forma de linguagem. Esse é o ponto chave da questão‖

(NEIRA, 2012). O entrevistado acentua as questões sobre a linguagem e

significado, e reitera sua ideia afirmando que

[...] a gente produz textos corporais com o corpo e o objetivo da educação física, na escola, é ajudar as crianças a entenderem essas práticas corporais e a produzirem novas práticas corporais (NEIRA, 2012)

Essa reflexão já foi mencionada por Marcos Neira em uma obra escrita

em conjunto com Nunes. Preocupados com a escola, com a diversidade de

grupos que a compõem e com a construção curricular da educação física,

Neira e Nunes (2009, p. 19) enfatizam a necessidade de reflexão sobre os

conteúdos trabalhados em aula e observam que:

50

Hall (1997) amplia a noção de linguagem em relação a conceitos cunhados pela literatura e

por linguistas.

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[...] entre as inúmeras linguagens, as diferenças culturais manifestam-se intensamente nos ‗textos‘ produzidos pelas manifestações da cultura corporal. Nem sempre o repertório de gestos e práticas corporais cultivados na comunidade escolar é

valorizado pela instituição educativa.

Nessa obra, os autores visualizam o movimento humano como

linguagem que veicula significados culturais e entendem as aulas de educação

física como meio de valorizar o diálogo entre as diferentes culturas e diminuir

as distorções existentes entre as classes, etnias, gêneros, entre outros. ―O que

se pretende é a afirmação da dignidade das várias culturas, por meio da vivência,

partilha e do respeito pela diversidade das manifestações corporais que nelas se

originam‖ (NEIRA; NUNES, 2009, p. 19).

A preocupação tanto de Neira e Nunes (2009) quanto do entrevistado

(especificamente) está na maneira como todos os segmentos sociais vivem

suas práticas influenciadas pela visão cultural hegemônica e veem na

teorização dos Estudos Culturais a possibilidade de confronto e resistência.

E os Estudos Culturais, eles vão problematizar essa sociedade: que é democrática, que é multicultural, que é globalizada, né, e que, portanto, a sociedade, a escola tem uma nova... uma outra função social [...]. Ela [perspectiva dos Estudos Culturais] não quer ser hegemônica; ela é contra-hegemônica. Por quê? Porque quem trabalha com os Estudos Culturais e quem trabalha com esse conceito de cultura, está sempre posicionado a favor dos mais fracos (NEIRA, 2012).

Preocupações com os ―mais fracos‖ ou com o contra-hegemônico são

abordagens que permeiam a base teórica dos Estudos Culturais. Essa

corrente, além de enfatizar o conceito de cultura associado às lutas existentes

entre grupos minoritários, promove denso debate sobre o popular. Em um dos

ensaios publicados, Hall (2009) discute histórica e conceitualmente essa noção

de cultura e contextualiza-a atrelada a questões de consentimento, resistência

e hegemonia. Afirma a existência de três definições acerca do popular: a

primeira está em nível do senso comum, uma definição comercial do tema que

relaciona o popular a tudo que ―as massas‖ consomem, leem, escutam e

apreciam; a segunda definição é descritiva e se aproxima com a antropológica

ao entender o popular como valores, costumes e formas de pensar do ―povo‖.

Entretanto, Hall (2009, p. 241) parece não consentir com nenhum desses

conceitos e, por isso, sugere uma terceira definição para o termo:

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Essa definição considera, em qualquer época, as formas e atividades cujas raízes se situam nas condições sociais e materiais de classes específicas; que estiveram incorporadas nas tradições e práticas populares. Neste sentido, a definição retém aquilo que a definição descritiva tem de valor. Mas vai além, insistindo que o essencial em uma definição de cultura popular são as relações que colocam a ―cultura popular‖ em uma tensão contínua (de relacionamento, influência e antagonismo) com a cultura dominante.

Percebemos que Marcos Neira, em suas respostas, busca sempre

articular a temática cultura à produção de conhecimento e ao campo empírico

(escolar). Isso porque não há como desconsiderar todas as características

pessoais, profissionais e teóricas que foram construídas, sobretudo ao longo da

sua trajetória acadêmica e reveladas na sua fala. Por exemplo, as produções

teóricas, os projetos e as linhas de pesquisa de Neira (descritos a partir da

apreensão do currículo Lattes)51, de modo geral, mesclam temas como

educação física escolar, atuação do professor de educação física na instituição

escolar, currículo e cultura junto a conceitos dos Estudos Culturais.

Similarmente a Neira, Daolio e Bracht também visualizam a cultura com

a mesma percepção, pois ao serem questionados acerca da centralidade da

cultura na educação física, Daolio afirma: ―Eu acho que é central. Nem tenho

nenhuma dúvida disso e escrevo isso até frequentemente, em vários textos

meus‖. Bracht afirma que ―[...] o conceito cultura é o conceito chave na

mudança que nós tentamos operar na educação física brasileira, a partir da

década de 80‖ e ainda completa que ―o conceito de cultura ocupa uma posição

central‖ (BRACHT, 2013) e que outras dimensões, como a visão biológica do

corpo, deveriam ser consideradas como conhecimentos mediados pelo

conceito de cultura.

Entretanto, embora Neira, Daolio e Bracht concebam a cultura como

conceito central na educação física, é perceptível que as fundamentações

teóricas dos autores são distintas. No que se refere a Daolio, conforme descrito

no tópico anterior, o entrevistado parte da Antropologia Social para

fundamentar o conceito de cultura. E essa característica teórica fica em

evidência em suas produções. Daolio (2011, p.13), logo nas primeiras linhas da

51

Esses dados foram revelados a partir do mapeamento e análise do currículo Lattes descritos no capítulo anterior.

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introdução, evidencia que ―este trabalho utiliza um referencial teórico próprio da

Antropologia Social para analisar a prática de professores de educação física

[...]‖. Em outra obra, o autor assume a antropologia social e afirma ser

relevante ―defender algumas importantes contribuições dessa área que me

parece renovar a compreensão e a possibilidade de intervenção da educação

física‖ (DAOLIO, 2010, p.58). Ainda, Daolio (1998) se apropria do referencial

teórico da antropologia para realizar uma etnografia dos pensamentos

científicos, dedicando um tópico de seu livro, exclusivamente, para discutir os

pressupostos da antropologia social.

Por isso, além de considerar a cultura como centralidade na educação

física brasileira, Daolio também entende que a cultura é categoria central em

suas produções. Daí afirmar na entrevista sobre a cultura que ―conceito é

central; é o termo que mais aparece lá‖. Peculiarmente, também faz menção à

dimensão da educação física que predomina em suas pesquisas: ―Eu tenho,

basicamente, atuado na educação física escolar‖ (DAOLIO, 2012), muito

embora também tenha considerado a cultura como centralidade em todos os

espaços de atuação do professor de educação física, incluindo o campo do

bacharelado.

A centralidade da cultura na educação física visualizada por Bracht e

exposta na entrevista, tem o aporte teórico não tão demarcado quanto

verificamos em Daolio e Neira. O autor evita se enquadrar em determinadas

concepções, como justifica:

Talvez se tenha a expectativa – como foi em um determinado momento da discussão na educação física – que os autores se auto-classifiquem em determinadas referências teóricas (marxista, neo-marxista, funcionalista, pós-estruturalista, pós-moderno, etc.). Ao longo da entrevista eu evitei isso, porque eu acho que isso se tornou um problema na área. Coloquei num determinado momento que considerava importante essa

diversidade de referências (BRACHT, 2013).

Apesar desse cuidado, Bracht sinaliza em sua fala áreas com as quais

dialoga para o desenvolvimento de pesquisas. Por exemplo, ao ser

questionado sobre a configuração do conceito de cultura em suas produções,

Bracht nos revela que a cultura é central e enfatiza:

Sem dúvida! Por que eu fiz questão de me apropriar do instrumental da Sociologia? (talvez menos Antropologia, um pouco mais da Sociologia e um pouco da História... das

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Ciências Humanas, enfim). Exatamente para entender essa dinâmica, que é a dinâmica da produção, da distribuição da cultura, das práticas corporais humanas (BRACHT, 2013).

Na sequência, Bracht menciona que, por muito tempo, para conceituar

cultura em suas produções, baseava-se nos pressupostos teóricos marxistas.

Como exemplo dessa afirmação podemos citar sua participação na construção

do livro Coletivo de Autores (1992), no qual foi cunhado o conceito de ―cultura

corporal‖ a partir da vertente marxista. Para o entrevistado, com o conceito de

―cultura corporal‖ na educação física constata-se a ―virada culturalista‖, ou seja,

o momento em que ―se passou a ter o entendimento de que o nosso objeto faz

parte do mundo da cultura‖ (BRACHT, 2012). Contudo, atualmente, é a

expressão ―cultura corporal de movimento‖ que caracteriza suas produções, em

especial, atrelado às questões da educação física escolar. O autor ressalta

que, com os desdobramentos e algumas mudanças em suas produções, houve

a necessidade de buscar novos pressupostos teóricos. Por isso cita como

exemplo o sociólogo Zygmunt Bauman, sobretudo para o entendimento acerca

das questões da modernidade e pós-modernidade.

Embora Bracht não se aproprie de fundamentos teóricos de Stuart Hall

para fundamentar seus argumentos, o que o entrevistado identifica como

―virada culturalista‖ se aproxima das ideias sobre a ―virada cultural‖, de Hall

(1997). O teórico dos Estudos Culturais entende que, nas últimas décadas, a

cultura passou a ter importância e peso explicativo maior do que anteriormente.

Contudo, reconhece que a mudança não é unânime, mas um processo

contínuo e desigual (HALL, 1997). Bracht explica, durante a entrevista, que o

objeto da educação física se desnaturalizou e passou a ser entendido pelo viés

cultural, ou seja, a área passou a ser discutida como construção histórica e não

mais como demanda natural e biológica.

Ainda, no que tange à percepção da centralidade da cultura na

educação física, Stigger primeiramente afirma que a cultura deveria ser central.

Contudo, reconhece que esse entendimento acerca da importância da

dimensão cultural pode mudar de acordo com a perspectiva adotada. Isso

porque Stigger identifica que, cientificamente, a educação física possui duas

abordagens em conflito: ―[...] o campo biológico tá de um lado, o campo

sociocultural tá do outro e que as guerras são horríveis‖. Mas, conforme o

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excerto abaixo, o entrevistado entende que a noção da cultura permeia a

atuação do profissional da área:

Só que em qualquer estância que tu for – em uma academia, numa escola, num clube de futebol – a noção de cultura tem que ser algo, é... Tem que ser algo que o aluno tem que entender; é profissional. Tem que entender que ela perpassa todas as relações, né? (STIGGER, 2012).

Nessa discussão, Stigger nos revela que, em suas produções, a cultura

é central, como exemplificado: ―[...] tô estudando esporte, tô estudando lazer e

a partir do olhar da cultura. E a cultura que é central‖ (STIGGER, 2012). Para

fundamentar suas investigações o entrevistado se baseia, sobretudo, na

perspectiva antropológica e sociológica. Cabe aqui retomarmos alguns dados

expostos no tópico anterior, quando discutimos que Stigger, em sua trajetória

acadêmica, percebeu que o conceito de cultura da antropologia, por si só, não

lida com questões de disputa. Por isso vê a necessidade de ampliar esse

conceito, apropriando-se da perspectiva sociológica Outra característica de

suas produções, destacada pelo entrevistado, é a etnografia como caminho

investigativo, por sua preocupação com empírico.

Temos, portanto, três entrevistados – Neira, Daolio e Bracht – que

identificam a cultura como centralidade na educação física e nas suas

produções. Para essa constatação, além da temática cultural, os

pesquisadores citam a educação física escolar como principal foco investigativo

de suas pesquisas. Stigger, por sua vez, apreende a cultura como central na

educação física (ou deveria ser, conforme afirma). O pesquisador ainda

destaca que enquadrar a cultura ao centro é uma característica da abordagem

sociocultural, pois, na educação física como um todo, há outras perspectivas

intelectuais em que a cultura não se caracteriza como categoria central. Além

disso, as produções de Stigger têm, de modo geral, como temas o lazer e o

esporte, nos mais diversos espaços de atuação, o que o leva a se diferenciar

de Neira, Daolio e Bracht que se focam no campo escolar.

Já as ideias acerca da centralidade da cultura entre os entrevistados

Lovisolo e Taffarel, de certo modo, divergem das anteriores. Ao ser

questionada sobre esse aspecto, Taffarel entende que não há como colocar a

cultura ao centro,ou seja, ―não dá para dividir, para dizer: ‗isso é mais

importante do que aquilo‘‖ (TAFFAREL, 2012), e nem mesmo adequar a cultura

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à periferia, pois, para a entrevistada, na sociedade (ser humano e a natureza)

as dimensões ―movimento, atividade, trabalho, cultura‖ são interrelacionadas

com a cultura:

Elas têm nexos e têm determinações históricas. Portanto, o que nós produzimos, que mantém a nossa vida, que garante a nossa existência, que são os elementos da cultura, eles estão interrelacionados dentro desta minha perspectiva de compreensão do que é sociedade, do que é o ser humano, do que é conhecer (TAFFAREL, 2012).

A entrevistada completa que, embora parta da concepção de cultura na

perspectiva da cultura corporal (constituída como objeto da educação física),

não visualiza a cultura como categoria central e nem periférica na área, pois é

a partir dessas interrelações nos mais variados espaços formativos (espaço

escolar e não escolar) que a educação física é estruturada.

Para discutir como a cultura se configura em suas pesquisas, Taffarel

argumenta, novamente, sobre seu processo de humanização. Para a

pesquisadora, o trabalho é fundante do ser social, ou seja, é por meio dele que

se forma o ser humano, as suas relações e o conhecimento. Ainda, Taffarel

nos revela que o conhecimento entre as relações de produção estrutura o

poder, concluindo que os eixos estruturantes de suas produções de

conhecimento são ―trabalho, conhecimento, formação, poder‖ (TAFFAREL,

2012). A cultura entra em cena, em suas pesquisas, por entendê-la junto a

essas dimensões, conforme afirma Taffarel:

Eu abordo a cultura pedagógica e, dentro dela, o nosso objeto ‒ cultura corporal. Eu abordo a cultura epistemológica, a cultura de produzir conhecimento científico. Lá dentro eu enfatizo a cultura corporal. Eu abordo e enfatizo a cultura política, e lá dentro eu destaco produzindo o conhecimento acerca das políticas de Estado, políticas de governo, política educacional, política social, política de educação física (TAFFAREL, 2012).

E todas essas discussões são fundamentadas, conforme já

mencionamos anteriormente, por autores da tradição marxista. Dessa forma, o

conceito de cultura nas produções de Taffarel é construído a partir do

materialismo histórico e dialético. Entretanto, a autora enfatiza, novamente, que

a perspectiva assumida em suas produções valoriza as relações da cultura

com outros conhecimentos: ―Não tenho o conceito restrito de cultura. Eu tenho

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um conceito bem mais amplo de cultura [...] porque eu nunca faço algo só,

sempre faço relação‖.

Identificamos essa reflexão em Taffarel e Escobar (2009, s/p.). As

autoras entendem que o objeto de estudo da educação física é

o fenômeno das práticas cuja conexão geral ou primigênia – essência do objeto e o nexo interno das suas propriedades – determinante do seu conteúdo e estrutura de totalidade é dada pela materialização em forma de atividades – sejam criativas ou imitativas – das relações múltiplas de experiências ideológicas, políticas, filosóficas e outras, subordinadas à leis histórico-sociais.

Taffarel e Escobar (2009) ainda ressaltam que essas atividades são

valorizadas em si mesmas e o seu produto não material é indissociável ao ato

de produção. São portadoras de significados ideais do mundo objetal, das suas

propriedades, nexos e relações descobertos pela prática social conjunta.

Assim, as autoras acrescentam: ―A essa área de conhecimento que se constrói

a partir dessas atividades, no momento, a denominamos de ‗Cultura Corporal‘‖

e a organização dessa área do conhecimento é feita coletivamente, a partir de

enquadramentos teóricos, o que chamam de ―contribuições teórico-

metodológicas básicas‖ (TAFFAREL; ESCOBAR, 2009, s.p.), ou seja, devem

ser considerados os pressupostos lógicos, didáticos e psicológicos.

Prosseguindo, as autoras exemplificam essas atividades (da cultura corporal),

que podem ser denominadas como: ginástica, dança, mímica, malabarismo,

equilibrismo, trapezismo, atletismo e outras do gênero, e nos atenta para o

caráter histórico e dinâmico na construção desses movimentos.

Observamos em Taffarel e Escobar (2009) que – assim como na

entrevista de Taffarel – para conceituar cultura, ou especificamente, a cultura

corporal, é preciso entender as correlações existentes na sociedade e que a

cultura está sempre em conexão com outros campos de conhecimento.

Portanto, nessa perspectiva, para Taffarel, a cultura não é central e não é

periférica, o que foi observado também em Lovisolo que, ao ser questionado

acerca da centralidade da cultura, identifica que não há apenas a perspectiva

cultural envolvendo as dimensões da educação física:

Quando você se pergunta se há alguma coisa no futebol que é um traço cultural e a cultura que explica isso, ou é a fisiologia, ou não sei que coisa... Bom, você pode fazer tantas interpretações... Por exemplo, poderia dar uma interpretação

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neurológica e trocentas interpretações. São como perspectivas, nenhuma delas fecha, nenhuma delas é uma explicação superior; quase que diria que todas elas são possibilidades interpretativas e vivemos num mundo de muitas possibilidades, possibilidades de interpretação, por vezes absolutamente antagônicas.

Lovisolo, assim como Taffarel, não apreende a cultura ao centro da

educação física e entende que há outras possibilidades interpretativas. Por

isso, o entrevistado declara que, no plano explicativo, a cultura é central na

educação física. Contudo, seria o mesmo que afirmar que a nutrição também é

central na área: ―Alguém que está mal nutrido não pode praticar muita atividade

física e esporte‖. E reitera sua reflexão:

Mas eu diria que têm outras coisas que também são essenciais. O que passa é que a cultura tem uma característica de poder englobar, de poder agregar coisas. Mas tem muitas coisas que são centrais para entender aquilo que ocorre no campo da educação física, o campo dos esportes da educação física etc., etc. (LOVISOLO, 2012).

Por isso, a cultura, para Lovisolo, é agregadora de outros conhecimentos

que auxiliam no entendimento da educação física; é relevante mas, segundo

ele, ―têm outras coisas que também são essenciais‖ (LOVISOLO, 2012).

Antropólogo por formação, Lovisolo tem suas pesquisas configuradas a

partir desse viés e, portanto, reflete sobre o trabalho interpretativo e o papel

que a cultura exerce nas pesquisas antropológicas.

Supostamente o antropólogo deve fazer uma reconstrução de um grupo, de como esse grupo vive e como esse grupo produz simbolicamente, e como produz materialmente, e como essa coisa se articula e etc., e ter solucionado alguns enigmas que podem aparecer porque um grupo faz determinada coisa e não faz outra. Então [...], a cultura está aqui a serviço de um investimento intelectual.

Percebemos, a partir do excerto acima, que as ideias de Lovisolo se

aproximam do que Geertz (2008, p. 7) conceitua como uma ―descrição densa‖.

Para o autor, ―a cultura é pública porque o significado o é‖ (p. 9) e, por isso,

passível de análise antropológica por meio da etnografia, ou seja, por meio

dessa descrição densa. As formas culturais estão articuladas com o fluxo da

ação social e a análise antropológica deve se atentar a essas relações

(GEERTZ, 2008).

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Fazer a etnografia é como tentar ler (no sentido de ‗construir uma leitura de‘) um manuscrito estranho, desbotado, cheio de elipses, incoerências, emendas suspeitas e comentários tendenciosos, escrito não com os sinais convencionais do som, mas com exemplos transitórios de comportamento modelado.

Além de demonstrar aproximações teóricas com a teorização de Geertz,

ao longo da conversa, Lovisolo revelou que é influenciado pela sociologia, pelo

estruturalismo francês (sem citar autores) e, nos últimos anos, por Clifford

Geertz e Max Weber. Em Geertz, o entrevistado enaltece riqueza de

linguagens, a erudição da escrita e enfatiza: ―é um grande literário‖. Em Weber,

Lovisolo reconhece a relevância do simbólico e as questões de religião

atreladas à cultura.

Em suas produções de conhecimento que discutem questões da

educação física, Lovisolo se utiliza do viés interpretativo da antropologia.

[...] todos nós partilhamos um pouco isso: uma interpretação a partir da cultura, um entendimento a partir da cultura, uma compreensão da cultura, do esporte, da aula de educação física, do movimento; há uma interpretação cultural do movimento, sim... e dos significados que tem esse movimento (LOVISOLO, 2012).

Todavia, para o entrevistado, o conceito de cultura, em suas produções,

configura-se para tentar explicar condutas, universos simbólicos e de

representações, mas, segundo sua concepção, não há tentativa de alterar esse

meio. Ainda, afirma que muito embora ele discuta esses aspectos

antropológicos, evita – em suas pesquisas – utilizar a palavra ―cultura‖, pois,

para ele, desse modo, não incorre ao reducionismo estereotipado: ―[...] porque

muitas vezes parece que força uma afirmação do tipo ‗eu sou cultural‘ ‖

(LOVISOLO, 2012).

Assim, percebemos que, para os professores Celi Taffarel e Hugo

Lovisolo, a cultura não é central e nem periférica na educação física, mas suas

percepções são antagônicas no que diz respeito à utilização desse conceito.

Taffarel valoriza o conceito de cultura na educação física escolar, sobretudo,

por meio da expressão ―cultura corporal‖, além de ter sua trajetória acadêmica

relacionada à construção da obra elaborada pelo Coletivo de Autores (1992),

voltada para o campo de intervenção pedagógica. Já Lovisolo entende a

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relevância do conceito de cultura pelo viés interpretativo, mas não visualiza um

conceito de cultura para o campo da intervenção.

Portanto, discutimos aqui uma questão primordial dessa pesquisa que é

a análise sobre a percepção da centralidade ou periferia da cultura na

produção de conhecimento da educação física brasileira. Em conjunção com a

reflexão referente ao conceito de cultura, discutido no tópico anterior, vamos

agora abordar algumas constatações que chegamos a partir dessas

discussões.

3.4 Incursões pelos desdobramentos da pesquisa

As análises apresentadas no tópico anterior e ao longo desse tópico

corroboram com a construção de alguns desdobramentos basilares que nos

auxiliam na organização de algumas interpretações e inferências acerca do que

já foi discutido. Desse modo, definimos com base nos excertos (unidades de

contexto) orientados por temáticas (unidades de registro), o quadro 6, como

segue:

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Quadro 6 Inferências

Entrev. 1

NEIRA

Entrev. 2

DAOLIO

Entrev. 3

STIGGER

Entrevi. 4

TAFFAREL

Entrev. 5

LOVISOLO

Entrevi. 6

BRACHT

Conceito de cultura

- Processo de

significação;

- Campo de luta.

- Manipulação

simbólica que dá

sentido às ações

humanas;

- Processo de

humanização;

- Teia de

significados.

- Campo de

representações

simbólicas;

- Sistema de relações

que organiza os

homens e a

sociedade.

- Campo de disputa

- Construído

historicamente (história da

humanidade);

- Processo de

humanização;

- Fruto do trabalho humano

com sentido/significado.

- Cultura como

construção sobre

representações,

símbolos, valores e

normas existentes nas

relações humanas;

- Diversidade no conceito

de cultura.

- Cultura como plano

simbólico;

- Processo de

significação das

práticas humanas.

Cultura na

educação física

- Ecletismo

conceitual;

- Distorções

conceituais.

- Termo recorrente

na área;

- Uso superficial/

equivocado do

conceito.

Senso comum;

- Distorções teóricas;

- Diversidade teórica.

- Distorções no campo

empírico e no

entendimento de cultura

corporal;

- Predomina, na área, a

visão restrita da cultura;

- Cultura corporal como

objeto da educação física;

- Cultura como

explicação/justificativa;

- Cultura como conceito

crítico;

- Cultura como

argumento a favor ou

contra dos projetos do

campo de intervenção

- O conceito surge a

partir da insatisfação

decorrente do

conceito das

ciências biológicas

(―virada culturalista‖);

- Processo de

desnaturalização do

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- Cultura (cultura corporal)

determinada pela

economia política;

(cultura como ―espada

enguiçada‖);

- Não há conceito de

cultura que oriente o

campo de intervenção.

objeto da educação

física;

Multireferencialidade

teórica;

- Referência

importante para a

intervenção

(educação física

escolar), porém,

pouco utilizada

nesse campo.

- Objeto da

educação física faz

parte do campo

cultural.

Cultura como

centralidade ou

periferia na

educação física

- Cultura como

centralidade na

educação física.

- Cultura como

centralidade na

educação física;

- Conteúdo como

algo eminentemente

cultural.

- O que define a

centralidade ou a

periferia da cultura na

educação física é a

abordagem teórica.

- Cultura não é central e

nem periférica na

educação física;

- Cultura na perspectiva da

cultura corporal,

constituída como objeto da

educação física.

- Cultura não é central e

nem periférica na

educação física; é

agregadora;

- Diversas possibilidades

interpretativas de pensar

a cultura na educação

física.

- Cultura como

centralidade na

educação física.

-

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Cultura na

produção teórica

do entrevistado

- Cultura como

centralidade na

produção teórica do

entrevistado;

- Conceito de

cultura

desenvolvido a

partir da teoria dos

Estudos Culturais

(dimensão

discursiva contra-

hegemônica)

- Cultura como

centralidade na

produção teórica do

entrevistado;

-Conceito de cultura

desenvolvido a partir

da teoria da

Antropologia Social

(dimensão escolar)

- Cultura como

centralidade na

produção teórica do

entrevistado;

-Conceito de cultura

desenvolvido a partir

da Antropologia

(dimensões do

esporte e lazer);

- Preocupação com

campo empírico

(etnografia);

- Amplia o conceito de

cultura da

Antropologia e, para

isso, apropria-se de

outras perspectivas

(noção de cultura

como universo de

disputa/luta).

- Cultura em interlocução

com outros campos

(conhecimento, formação,

poder e outros);

- Construído a partir do

materialismo histórico e

dialético;

- Cultura com função

quase holística,

balizadora no

desenvolvimento de

pesquisas;

- Cultura a serviço de um

investimento intelectual;

- Não utiliza a palavra

cultura em suas

produções;

- Produção teórica

influenciada pela

sociologia e

antropologia.

- Cultura como

centralidade na

produção teórica do

entrevistado;

-Conceito de cultura

desenvolvido a partir

da sociologia, entre

outras áreas

(dimensão escolar);

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Quadro 6: descrição das inferências encontradas a partir dos temas e

excertos das entrevistas. Quadro elaborado pela autora dessa dissertação.O

Quadro 6 foi analisado vertical e horizontalmente com o propósito de articular

as reflexões individuais e as interrelações das ideias dos entrevistados. Logo,

inferimos que para alguns pesquisadores a cultura é central na produção

da educação física brasileira, assim como não assume condição central

nem periférica para outros interlocutores, haja vista que se relaciona com

outros campos de conhecimento também importantes. Em síntese,

observamos que, para os pesquisadores Neira, Daolio, Bracht e Stigger, a

cultura é central na educação física. Isso não quer dizer que haja consenso

entre as reflexões, mas que cada um deles parte de determinada perspectiva

de cultura.

Marcos Neira, por exemplo, apoia-se nos Estudos Culturais e nos

apresenta uma concepção de cultura como mediadora de todas as relações

existentes na educação física, na escola e na sociedade. Além disso, Neira

destaca a noção cultural inerente à produção de conhecimento ao enfatizar as

questões de significação e linguagem existentes na produção científica. Por

sua vez, Bracht aponta a centralidade da cultura na educação física e em suas

produções. Essa designação é caracterizada, segundo o entrevistado, pelo

processo de desnaturalização do objeto da área, fenômeno que ganhou força a

partir da década de 1980. Bracht valoriza a multirreferencialidade teórica

existente na educação física e, por isso, busca não se enquadrar em uma

perspectiva específica, embora assuma traços da sociologia.

No que tange a centralidade da cultura a partir dos olhares dos

professores Daolio e Stigger, ambos ressaltam a relevância da Antropologia

Social nessa percepção. Enquanto Daolio se debruça nos pressupostos da

Antropologia Social e apreende a cultura como central na educação física e em

suas produções, com seus conteúdos eminentemente culturais, Stigger

acrescenta a concepção sociológica no seu conceito de cultura e reconhece

que na perspectiva sociocultural – na qual ele se enquadra – a cultura é

centralidade na educação física. Todavia, o entrevistado entende que essa

designação depende da abordagem teórica adotada, ou seja, há outras

perspectivas que se valem de outras dimensões que não a cultural.

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128

Por outro lado, verificamos em Lovisolo e Taffarel a percepção de que a

cultura não é central nem periférica na educação física. Os entrevistados

concebem a cultura como categoria relevante, mas não partilham da ideia de

centralidade por entenderem que, ao definirmos qualquer perspectiva como

central, incorremos no erro de desconsiderar outras dimensões que também se

fazem importantes no processo. E, nesse sentido, para os pesquisadores,

quando consideramos a cultura como central na educação física assumimos

que há hierarquia conceitual na área. Os entrevistados exemplificam: Lovisolo

cita o fato da concepção de nutrição ser central para atividade física; Taffarel

fala sobre a relevância de outros aspectos, como o movimento, a atividade e o

trabalho.

Em síntese, os diversos discursos dos entrevistados nos indicam que, ao

designar a cultura como central (ou não) na educação física, os pesquisadores

demonstram a pluralidade intelectual existente na área. Além da multiplicidade

de referências nos campos da Sociologia e da Antropologia, percebemos que

alguns deles partem da mesma perspectiva e chegam a diferentes argumentos.

Contudo, de forma unânime, os entrevistados compreendem que a proliferação

conceitual sobre a cultura na educação física tem gerado algumas distorções.

Dessa forma, entendemos que a cultura integra a produção de

conhecimento da educação física, marcada por polissemia e pelas

imprecisões dos campos teóricos.

A polissemia da cultura está presente nas entrevistas em dois principais

aspectos. Primeiramente identificamos no conteúdo da fala, quando alguns dos

entrevistados partilham da mesma opinião ao mencionarem (de maneiras

diferenciadas) que o conceito de cultura se configura na educação física a

partir de várias perspectivas. Nesse contexto foi possível extrairmos das

entrevistas inferências que buscam justificar essa afirmação como, ―ecletismo

conceitual‖ (NEIRA, 2012), ―termo recorrente na área‖ (DAOLIO, 2012) e

―diversidade teórica‖ (STIGGER, 2012).

Além da polissemia presente na fala individual, também é possível

identificarmos outro aspecto, mais amplo, ao analisarmos que cada

pesquisador tem uma percepção diferenciada desse conceito, transitando pela

teorização da Antropologia e da Sociologia, com recorte dos Estudos Culturais,

algo que também indica a variedade intelectual da educação física. Nas

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entrevistas de Lovisolo e Taffarel são perceptíveis a não visualização da

centralidade da cultura na educação física. Os pesquisadores partem de

referenciais divergentes para chegar a essa constatação, além de entenderem

a ―não centralidade‖ da cultura de maneiras distintas. Da mesma forma Bracht,

Daolio, Neira e Sitgger concordam com a centralidade da cultura, porém

seguindo diferentes correntes teóricas.

Se por um lado há variedade conceitual da noção de cultura, baseada

em correntes intelectuais já consolidadas nas Ciências Humanas, por outro

lado, a ampliação do debate acerca das temáticas cultura e educação física

também geram imprecisões e distorções teóricas. Grosso modo, os

entrevistados concordam que, ao se tratar desse conceito equívocos têm sido

gerados, interpretação em nível do senso comum, visão restrita de cultura,

entre outros elementos que caracterizam as distorções e imprecisões da

cultura na educação física.

Há, portanto, um paradoxo presente na tematização da cultura na

educação física. De um lado as falhas e incompreensões acerca do conceito de

cultura que, em alguns espaços, têm sido marcados por erros e fragilidades.

De outro lado, a riqueza conceitual proporcionada por um conceito (de cultura)

que, nos últimos séculos, tem sido objeto de estudo de diferentes linhas

intelectuais e por uma disciplina (educação física) que tradicionalmente possui

um leque de apropriações teóricas. Entretanto, compreendemos que a difusão

dessa temática tem gerado mais contribuições à área – justamente pela sua

imprecisão – do que desvantagens.

O que queremos evidenciar é que, no momento que definimos o objetivo

dessa dissertação que foi analisar como a cultura é tratada na produção de

conhecimento da educação física brasileira, identificando se pesquisadores da

área a elegem como tema central ou periférico, não buscamos encontrar qual

resposta predominou entre os entrevistados. Almejamos, no entanto, entender

os diferentes diálogos existentes dentro do campo acadêmico da educação

física. Entretanto, os desdobramentos nos levam a perceber que para além das

reflexões acerca da centralidade ou periferia da cultura na educação física está

a compreensão dos modos pelos quais a cultura se constrói e se estrutura na

área.

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Não se trata de relativizarmos as diversas opiniões. Entendemos que os

campos acadêmico e científico da educação física se caracterizam por essa

pluralidade de ideias. Isso porque, a educação física, historicamente, configura-

se como área de conhecimento que passou por uma proliferação de discursos

na década de 1980, algo já sinalizado por Daolio (1998). Isto é, buscamos

apreender as ideias divergentes acerca do conceito de cultura e considerar os

conflitos, consensos e disparidades desse discurso, aproximando-nos da

reflexão proposta por Fensterseifer (2010, p. 100) ao criticar a chamada

―cientificidade forjadora de verdades definitivas‖ e propor a compreensão da

lógica de saberes das ciências, por meio da atividade epistemológica. O autor

completa: ―Um bom exemplo disso é o reconhecimento de que chegamos a

verdades diferentes nos movimentando em paradigmas diferentes ou com

diferentes metodologias‖ (FENSTERSEIFER, 2010, p. 101).

Por isso, embora consideremos a centralidade da cultura conforme a

teorização dos Estudos Culturais, especificamente, por Hall (1997), como a

expansão de tudo que está associado à cultura, e o seu papel constitutivo, nos

aspectos da vida social, teóricos e conceituais, consideramos também a

relevância das outras abordagens intelectuais. E assim, novamente, faz-se

relevante as ideias de Fensterseifer (2010, p. 101) ao concluir que ―não

tratamos na ciência com ‗fatos brutos‘ ou com ‗a coisa em- si‘, mas já sempre

com interpretações, o que não precisa ser tomado como um ‗defeito da

ciência‘, mas como algo constitutivo da condição humana‖.

Por isso que, nessa dissertação, para entender a produção do discurso

de cada entrevistado junto à teorização sobre cultura na educação física foi

necessário também refletirmos sobre a condição humana como produtora

desses saberes. Não buscamos avaliar qual perspectiva está correta, se é

aquela que visualiza a cultura como central ou aquela que não apreende dessa

forma, mas sim entender a produção das diferentes ideias e como se dá esse

discurso. Caso contrário, cairíamos – como diria Fenterseifer (2010) – na ilusão

do modelo de cientificidade na busca da verdade definitiva.

Um fator relevante a ser evidenciado são as peculiaridades de cada

entrevistado. O que queremos destacar é o que Bardin (2011) chama de

―variáveis inferidas‖ que, segundo a autora, é a articulação entre dois aspectos:

a) o texto descrito e analisado em sua superfície e b) fatores (deduzidos

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logicamente) que determinam essas características; ou seja, são variáveis

psicológicas, variáveis sociológicas, variáveis relativas à situação do contexto

de produção de mensagem, entre outras variáveis que podemos inferir na

recepção da mensagem.

Embora não tenhamos acesso a todas as informações que levaram os

entrevistados a se posicionarem de determinada forma, nem tampouco

podemos controlar tais variáveis, cabem aqui alguns pontos a serem

ressaltados. Na entrevista de Neira, por exemplo, foi possível percebermos

três pontos cruciais: demarcação teórica (Estudos Culturais), demarcação

empírica (educação física escolar), e articulação entre essas duas dimensões.

O mérito dessa orientação científica está na interdependência existente entre o

conhecimento e a prática pedagógica. Dito de outro modo, Neira estabelece a

relação teoria-prática por meio do viés cultural, demonstrando enfrentar um

desafio acerca da problemática histórica da educação física, apontada por

Fenstenseifer (2009, p. 211), em que a ―[...] nossa produção do conhecimento

caracterizou-se por um grande distanciamento entre aqueles que se lançaram

à pesquisa – os chamados teóricos, e os que se mantiveram no cotidiano da

prática profissional – os chamados práticos‖.

Nesse sentido, no que tange às motivações que levaram o entrevistado

a escolher o campo escolar para reflexão, cabe ressaltar a influência

profissional, haja vista que o docente atua junto à Faculdade de Educação da

Universidade de São Paulo.52.

É notável, também, na entrevista de Neira e em suas produções esse

enfoque pedagógico em articulação com o viés cultural. Além disso, os Estudos

Culturais é fundamentação quase unânime em suas pesquisas. Daí

apreendemos a representatividade desse alicerce teórico para a área da

educação física. Isso porque, os Estudos Culturais, como já exposto

anteriormente, é uma corrente que surge gradativamente em meados do século

XX, ou seja, é recente e, se por um lado, aponta reflexões atuais acerca da

cultura no mundo globalizado, por outro ainda não se dissemina amplamente,

comparado com outras perspectivas teóricas. Portanto, em diversos momentos

da entrevista a fala de Neira busca acentuar a relevância dos Estudos Culturais

52

É importante ressaltar que, possivelmente, outros fatores influenciam a escolha de Neira pelo enfoque do campo escolar, o que não será tematizado nessa dissertação.

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e, até mesmo, chega mencionar a escassez dessas ideias nas produções de

conhecimento na educação física.

Tal característica é pouco perceptível nos argumentos de Bracht, o qual

se nega a assumir uma única perspectiva teórica. Ele entende que o fato de se

auto-classificar dentro de uma referência teórica se tornou um problema na

educação física e, desse modo, valoriza as diferentes linhas de pensamento

pelas quais a área se apropria. Já Daolio destaca, no início da entrevista, que

sua escolha teórica pela Antropologia decorre de sua inserção no curso de

mestrado na Universidade de São Paulo, primeiramente, pelo interesse da

discussão sobre corpo e cultura e, em consequência disso, buscou no

Departamento de Antropologia subsídios teóricos com os docentes que ali

atuavam. Assim, a pesquisa desenvolvida nesse período ganhou grande

repercussão e culminou na publicação do livro ―Da cultura do corpo‖, em 1995.

A Antropologia também fica bem demarcada na fala de Stigger,

sobretudo, por meio da etnografia como forma de investigação. Contudo, na

fala do pesquisador há sempre um discurso de defesa da etnografia que visa a

superar sobre os preconceitos existentes em relação a fazer um trabalho

etnográfico na área da educação física. Isso porque, segundo Stigger, muitos

entendem que para fazer o trabalho etnográfico é necessário ser antropólogo.

Entretanto, Stigger refuta essa ideia e enfatiza que a etnografia contribui com a

educação física, principalmente, como forma de compreender o campo

empírico. Da mesma forma, Lovisolo valoriza o caráter interpretativo das

diferentes dimensões da educação física, mas detém-se ao esporte, na maioria

dos exemplos. Talvez esse fato se deva por sua formação no pós-doutorado

em Ciências do Esporte, na Universidade do Porto (Portugal).

Por fim, Taffarel é a mais incisiva em seus argumentos a partir do

materialismo histórico e dialético. Seu posicionamento a favor dessa corrente

teórica como melhor forma de entender a sociedade, o homem e suas relações

é evidenciada não somente na discussão do conceito de cultura, mas também

na sua luta política pelo conhecimento produzido na universidade. A

entrevistada entende que o meio acadêmico, muitas vezes, desarma o discente

e lhe impõe o conhecimento: ―Estamos em um embate de projetos societários,

o que implica o embate pelos conteúdos, métodos, finalidades, avaliação,

tempos e espaços formativos‖ (TAFFAREL, 2012). Por isso, muitas vezes seu

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discurso enfatiza a necessidade de mudança e resistência à lógica da

sociedade e, peculiarmente, do conhecimento científico.

As ideias expostas anteriormente nos levam ao entendimento de que

para além das reflexões acerca da centralidade ou periferia da cultura na

educação física está a compreensão dos modos pelos quais a cultura se

constrói e se estrutura na área, o que nos aproxima do que Boudieu denomina

campo científico. O sociólogo destaca que para conhecermos determinado

agente (indivíduo ou instituição) faz-se necessário analisarmos ―de onde ele

fala‖. Desse modo, avaliamos que as falas dos entrevistados são influenciadas

(alguns mais, outros menos) pela ―estrutura das relações objetivas que

determinam o que eles podem ou não podem fazer‖ (BOURDIEU, 2004, p. 22).

Isso justifica nossa preocupação em apresentar alguns dados que vão além do

objetivo proposto na pesquisa. Noutras palavras, a ideia partiu da discussão

proposta sobre centralidade e periferia da cultura na educação física, mas

também buscamos analisar a construção dos argumentos levantados nas

entrevistas por entendermos sua relevância ao campo da produção de

conhecimento em educação física. São, certamente, desafios que decorrem

dessa empreitada investigativa, a qual nos conduz a outros caminhos possíveis

a partir da imersão pela produção de conhecimento na área e por seus vários

campos de disputa.

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134

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desenvolvimento dessa pesquisa, voltada à problematização da

cultura como centralidade ou periferia na produção de conhecimento em

educação física, deu-se no sentido de atentar para um campo temático que,

mesmo com alguns avanços, ainda carece de intensas reflexões. Daí ser

necessário o exercício da ―atividade epistemológica‖, nos dizeres de

Fensterseifer (2010), que possa orientar especificidades do pensamento

científico na construção das teorias que subsidiam a relação entre educação

física e cultura.

A ideia de analisar como a cultura é tratada na produção de

conhecimento em educação física, identificando se os pesquisadores a elegem

como tema central ou periférico, surgiu da identificação com determinada teoria

e do reconhecimento de lacunas no campo da produção de conhecimento em

educação física, em especial no tocante à tematização da cultura.

Primeiramente, o contato com um capítulo escrito por Hall (1997), em que foca

a problemática da centralidade da cultura, despertou-nos para a relevância e

contemporaneidade dessa discussão no contexto da sociedade globalizada.

Ainda, outro aspecto que nos auxiliou na construção temática dessa pesquisa

foi o fato da cultura, na educação física, constituir campo de investigação ainda

recente, embora já bastante tematizado nas produções de conhecimento da

área a partir de diferentes perspectivas intelectuais.

A complexidade da problemática elencada para essa pesquisa, pautada

na necessidade de averiguar como a cultura é tratada na produção de

conhecimento em educação física, extrapola as dimensões conceituais dessa

temática. Percebemos, pelo percurso investigativo, para além da teoria

presente nas pesquisas, a necessidade de identificar como pesquisadores da

educação física brasileira que aqui atuaram como interlocutores vêm se

apropriando do conceito de cultura e de sua teorização junto à área. Por isso a

escolha intencional de seis professores/pesquisadores da educação física que

discutem a relação entre ―cultura e educação física‖. Para tanto, foi necessário

escolher caminhos balizadores dessa seleção, os quais se constituíram a partir

do currículo Lattes dos pesquisadores, de sua atuação no campo acadêmico e

de suas produções, mediados pela subjetividade da autora dessa dissertação e

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135

pela opção na escolha de interlocutores com vieses diferentes no trato com a

cultura, considerando as abordagens teóricas pela Antropologia e Sociologia,

bem como pelos campos escolar e não escolar.

A coleta de dados realizada por meio de entrevistas com pesquisadores

da educação física brasileira contribuiu de forma singular para o entendimento

de como eles concebem a cultura na área. O cruzamento desses dados da

entrevista com a teoria presente em livros, artigos, dissertações e teses, além

de nos aproximar da problemática do estudo, revelou-nos elementos sociais,

científicos, pessoais e culturais que não eram possíveis de identificar apenas

nas produções.

Delinearam-se, nesse contexto, alguns desdobramentos basilares de

análise, pontos centrais que foram discutidos a partir da teoria e do conteúdo

das falas, sendo eles: a) a cultura é central, assim como não é nem central e

nem periférica na educação física brasileira; b) a cultura integra a produção de

conhecimento da educação física, marcada por polissemia e por imprecisões

dos campos teóricos; c) para além das reflexões acerca da centralidade ou

periferia da cultura na educação física está a compreensão dos modos pelos

quais a cultura se constrói e se estrutura na área.

O primeiro desdobramento – ―a cultura é central, assim como não é nem

central e nem periférica na educação física brasileira‖ – emerge das falas dos

entrevistados, as quais nos levaram a identificar dois grupos de pesquisadores

que se aproximam em suas reflexões em relação à problemática da

centralidade da cultura. De um lado encontram-se Valter Bracht, Jocimar

Daolio, Marcos Neira e Marco Paulo Stigger, os quais visualizam a centralidade

da cultura na educação física, embora cada qual se baseie em sua perspectiva

teórica para chegar a tal conclusão. Já Lovisolo e Taffarel reconhecem a

relevância da dimensão cultural. Contudo, mesmo partindo de abordagens

teóricas diferentes, percebem que ao se dispor a cultura ao centro incorre-se

no erro de descartar outras dimensões que também são importantes e que,

igualmente, adequar-se-iam ao centro.

No que tange ao desdobramento ―a cultura integra a produção de

conhecimento da educação física, marcada por polissemia e por imprecisões

dos campos teóricos‖, percebemos que os entrevistados, ao discutirem a

respeito do trato conceitual de cultura na educação física, apontam para sua

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polissemia, além de reconhecerem que há distorções na aplicação desse

conceito no campo teórico e empírico. Em suma, reconhecem a necessidade

de investigações que possam refinar o uso do termo na área.

Por fim, o último desdobramento, constituído pela ideia de que ―para

além das reflexões acerca da centralidade ou periferia da cultura na educação

física está a compreensão dos modos pelos quais a cultura se constrói e se

estrutura na área‖, leva à argumentação de que a discussão sobre o campo da

cultura na educação física transcende a reflexão de como a cultura se insere

nesse campo (se como centralidade ou periferia). Para além da opção por um

ou outro entendimento, importa saber de que modo ela se insere na área, quais

seus limites, quais seus referenciais e contribuições. Especificamente, visamos

também apreender quais são os paradigmas que orientam tais entendimentos

e como eles se justificam. Daí que o intuito foi refletir acerca da temática basilar

e, também, para além dela, aspectos que se revelaram com amadurecimento

teórico e com dados ―extras‖ presentes na fala dos entrevistados.

Vemos, nesse estudo, a possibilidade de desconstruir algumas

convicções a respeito do conceito de cultura na educação física. Não

buscamos, portanto, apenas responder se a cultura é ou não centralidade na

produção de conhecimento da área, mas sim refletir sobre a construção desses

paradigmas. Assim, o discurso presente entre os interlocutores dessa pesquisa

revelam os mais variados âmbitos e especificidades de atuação e produção de

conhecimento. Alguns pesquisadores caminham por fundamentações e

campos de atuação divergentes, embora comunguem da mesma opinião

acerca da centralidade da cultura. Outros possuem filiação teórica semelhante,

embora não convirjam em relação ao papel da cultura na educação física.

Quando Valter Bracht, Jocimar Daolio, Marcos Neira e Marco Paulo

Stigger visualizam a importância do conceito de cultura, percebendo-o como

central na educação física, há, implicitamente, fatores que determinam essa

opinião, como questões políticas, teóricas, psicológicas, culturais, coletivas e

individuais. Esses mesmos aspectos influenciam as opiniões de Hugo Lovisolo

e Celi Taffarel ao entenderem que não há como definir a centralidade da

cultura se há outras possibilidades de teorização também ao centro e que não

se restringem à cultural.

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Em síntese, discutir a cultura a partir do viés da centralidade, como

conceituado por Hall (1997), é problematizar – por meio dos Estudos Culturais

– essa área de conhecimento que, tradicionalmente, consolidou-se em trânsito

por diversos saberes. É, também, convidar a educação física para reflexões

contemporâneas acerca da globalização e do que Hall (1997) chama de

―revolução cultural‖, referindo-se à função que a cultura vem assumindo no que

diz respeito à organização e estrutura da sociedade moderna tardia ou à

―revolução do pensamento humano‖ no que se refere ao campo

epistemológico.

Além disso, perceber o mérito da proliferação de pesquisas que

discutem a cultura na educação física e, até mesmo, equiparar esse processo

ao que anunciou Hall (1997) ao afirmar que: ―uma revolução conceitual de peso

está ocorrendo nas ciências humanas e sociais‖ no que diz respeito à forma de

pensar a cultura, é identificar a revolução que acontece de forma gradual,

desde a década de 1980, na educação física, mas com maior força a partir dos

anos 1990.

Em meio às discussões propostas por essa dissertação, vemos a

possibilidade de compreender que na tematização da cultura na educação

física há perspectivas que se diferenciam ou se assemelham e que,

consequentemente, geram opiniões divergentes e convergentes. Eis aí a

riqueza desse processo, pois se estamos falando de um conceito (de cultura)

polissêmico, que é discutido por múltiplos referenciais teóricos em uma

disciplina (educação física) que tradicionalmente lida com uma variedade

conceitual transitável nas Ciências Humanas, Sociais e Naturais, torna-se

perceptível que a relevância dessa discussão transcenda a definição da cultura

como central ou periférica. A densidade dessa problemática investigativa

reconhece que não é possível reduzir a discussão cultural a um único caminho,

mas sim, compreender o significado de cada discurso.

Tomando a reflexão apontada por Valter Bracht, em sua entrevista,

momento em que observa que, nas décadas de 1980 e 1990, houve processo

de rompimento com a ―desnaturalização‖ da educação física e de seu objeto,

até, então, eminentemente biológico, talvez seja possível contribuir, via essa

pesquisa, com um segundo rompimento, o qual se dá pela percepção da noção

de cultura não como conceito dado, consumado, mas entendido a partir de sua

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diversidade constitutiva. Contudo, não pretendemos, com isso, relativizar o

conceito de cultura. O que aqui se argumenta é a necessidade de entender a

lógica do pensamento científico acerca dessa temática para que, assim,

possamos contribuir para sanar lacunas no campo da educação física,

decorrentes de uma percepção por vezes fragmentária e superficial da cultura

e de seu campo teórico.

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ANEXOS

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Anexo A

PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO NA EDUCAÇÃO FÍSICA BRASILEIRA:

CULTURA COMO CENTRALIDADE OU PERIFERIA?

ROTEIRO DE ENTREVISTA

Para analisar como a cultura é tratada na produção de conhecimento da

educação física brasileira, identificando se pesquisadores a elegem como tema

central ou periférico na área em geral e em suas produções, em específico.

1. Como você conceitua a cultura, ou seja, o que é cultura para você?

2. Fale sobre como você vê o tema da cultura no campo da educação física,

ou seja, como a cultura é tratada/tematizada pela área?

3. Para você, a cultura tem papel central ou periférico na educação física

brasileira? Qual sua opinião sobre isso?

4. E como o tema da cultura é tratado em suas produções? Como esse tema

se configura?

5. Para você, a cultura tem papel central ou periférico em sua produção? Qual

sua opinião sobre isso?

6. Espaço aberto para complementações.

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Anexo B

QUADRO 1

ENTREVISTADO: Marcos Garcia Neira

Data da entrevista: 18/09/2012

UNIDADE DE REGISTRO: TEMA

UNIDADE DE CONTEXTO: EXCERTO INFERÊNCIAS

Conceito de cultura ―Cultura enquanto processo de significação e mais especificamente, cultura enquanto campo de luta para validação de significados‖.

- Processo de significação;

- Campo de luta.

Cultura na educação física

―Quando a educação física tentou se apropriar da ideia de cultura [...] uma parcela muito grande dos professores pensou, que trabalhar na perspectiva da cultura é, ou deixar as crianças fazerem o que elas querem, [...] ou dar aula teórica, ou explicar conceitos, ou dar aula de história de uma modalidade ou fazer um trabalho antropológico nas aulas‖. ―Se há distorção, lá nos professores, também há distorção no campo da produção‖. ―Há pessoas que aí vão fazer uma misturada geral e aí eu acho que isso, na cabeça dos universitários, dos alunos, dos acadêmicos, dos estudantes, isso fica bastante confuso‖.

- Ecletismo conceitual;

- Distorções conceituais.

Cultura como centralidade ou periferia

na educação física

―Não há como pensar de outra maneira a não ser colocar a cultura como aspecto central na escola e na educação física escolar‖. ―A cultura ela é central na maneira a qual lidamos com as práticas corporais, ela é central na maneira que empregamos para produzir as práticas corporais e se a educação física, ela é aquela disciplina que vai problematizar as práticas corporais na escola, não tem como colocar a cultura em outro lugar que não seja o centro do processo‖. ―A cultura está no centro da educação física, está no centro da escola também, tá no centro da sociedade também‖.

- Cultura como centralidade na educação física.

Cultura na produção teórica do entrevistado

―Sim (a cultura tem papel central na educação física)‖. ―O diálogo central é com a noção de movimento enquanto forma de linguagem‖ ―Eu tenho trabalhado com o conceito de cultura dos Estudos Culturais‖ ―Porque quem trabalha com os Estudos Culturais e quem trabalha com esse conceito de cultura, está sempre posicionado a favor dos mais fracos‖.

- Cultura como centralidade na

produção teórica do entrevistado;

-Conceito de cultura desenvolvido a partir da teoria dos Estudos Culturais (dimensão discursiva contra-

hegemônica).

Outros X x

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Quadro 2

Entrevistado: Jocimar Daolio

Data da entrevista: 19/09/2012

UNIDADE DE REGISTRO: TEMA

UNIDADE DE CONTEXTO: EXCERTO INFERÊNCIAS

Conceito de cultura

―Essa ideia de uma manipulação simbólica que dá sentido para as ações humanas, acho que é chave [...]‖. ―Cultura como uma teia de significados‖. ―Processo pelo qual os humanos se humanizam‖.

- Manipulação simbólica que dá sentido às ações

humanas;

- Processo de humanização;

- Teia de significados.

Cultura na educação física

―Acho que não é mais novidade falar sobre cultura‖. ―[...] é um uso, por vezes, é de moda, por vezes diletante, por vezes, superficial. Algum uso, assim, que se pega uma certa onda cultural, né, é moda, né, cai bem diante de um certo público você falar disso. Mas são alguns conceitos que não ajudam muito porque às vezes até pode ter um uso equivocado‖. ―[...] com as vantagens e desvantagens de um certo modismo desse uso (do conceito de cultura), talvez um uso, assim, superficial‖. ―Faltando uma profundidade‖. ―[...] mas nem todos eles (autores) têm o cuidado de mostrar a ponto de onde que vem esse termo, pra que serve, a filiação teórica. Encontramos, às vezes, além de uma superficialidade até alguns equívocos, até certos usos que não ajudam muito essa ideia, o que seja cultura‖.

- Termo recorrente na área;

- Uso superficial/

equivocado do conceito.

Cultura como centralidade ou

periferia na educação física

―Eu acho que é central, nem tenho nenhuma dúvida disso‖. ―Cultura é o principal conceito pra educação física [...], a principal categoria de pensar e de cuidar com as questões da educação física‖. ―A ideia de uma intervenção pedagógica [...] seja a licenciatura, bacharelado, seja nas escolas, nos clubes, nas academias. Enfim, a gente sempre faz uma mediação pedagógica [...] com um certo ser humano. É, quer dizer, a ideia de uma mediação pedagógica ela pressupõe a ideia de um conteúdo que é eminentemente cultural‖.

- Cultura como centralidade na educação

física; - Conteúdo como algo

eminentemente cultural.

Cultura na produção teórica do

entrevistado

―Conceito é central, é o termo que mais aparece lá‖. ―Cultura, pra mim, aparece pelo viés da Antropologia Social‖. ―Eu tenho, basicamente, atuado na educação física escolar‖.

- Cultura como centralidade na produção teórica do entrevistado;

-Conceito de cultura

desenvolvido a partir da teoria da Antropologia

Social (dimensão escolar)

Outros X x

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Quadro 3 Entrevistado: Paulo Stigger

Data da entrevista: 06/11/2012

UNIDADE DE REGISTRO: TEMA

UNIDADE DE CONTEXTO: EXCERTOS INFERÊNCIAS

Conceito de cultura

―Quando eu falo em cultura, estou falando de um sistema de representações simbólicas [...] que organiza a vida dos indivíduos [...] através das coisas que as pessoas se comunicam e constroem as suas relações, as suas relações no entorno de como representam determinadas coisas‖. ―Então, a cultura enquanto universo de disputa, universo conflituoso de disputa sobre... Sobre... Todas as questões culturais, todas as representações né‖. ―Essa noção de cultura como arena de lutas, como arena de disputas, como um universo onde os indivíduos, compartilham mais ou menos, compartilham porque não poderiam estar juntos né? Mas também disputam [...]‖.

- Campo de representações

simbólicas;

- Sistema de relações que organiza os

homens e a sociedade.

- Campo de disputa.

Cultura na educação física

―Primeiro, cultura é que nem futebol, né? Todo mundo acha que sabe falar‖. ―Tu tá numa reunião onde tão discutindo coisa importante da pós- graduação e um cara que há vinte anos só estuda fisiologia do exercício, né?, se mete a falar de cultura!‖ ―Então, em primeiro lugar a cultura é tratada assim como o senso comum‖. ―As pessoas estão buscando esses referenciais, então há bastante, mas há coisas não tão claras e há coisas diferentes‖. ―[...] têm aqueles que não deveriam estar falando sobre cultura e estão falando e que falam... volta e meia falam. E no campo dos que estudam - no que eu chamei no campo do sociocultural - têm várias bases teóricas: os marxistas; têm outros que estão mais pautados no campo da Antropologia; pessoal dos Estudos Culturais; outros que estão mais ligados mais à educação. Então, essa expressão, ela vai sendo usada e vai aparecendo, relacionando muito à educação, enfim, em formas diferentes‖.

- Senso comum;

- Distorções teóricas;

- Diversidade teórica.

Cultura como centralidade ou

periferia na educação física

“Deveria ser, né!‖

―Só que em qualquer estância que tu for - em uma academia, numa escola, num clube de futebol - a noção de cultura tem que ser algo, é... Tem que ser algo que o aluno tem que entender, é profissional. Tem que entender que ele perpassa todas as relações né?‖ ―Eu acho que ta mais periférico nesta direção, porque é.... As relações sociais de poder, em uma lógica quase de causa efeito, uma lógica quase que linear do econômico. Pautando... Pautando forma de estar e viver das pessoas. É pouco! É pouco cultural!‖ ―[...] têm uns mais ou menos periféricos, vamos dizer, o pessoal dos estudos socioculturais, ele é mais central, a cultura é bem central‖.

- O que define a centralidade ou a

periferia da cultura na educação física é a abordagem teórica.

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Cultura na produção teórica do

entrevistado

―[...] fui me agarrar na antropologia, né? Então, eu fui me agarrar na antropologia enquanto noção de cultura, e enquanto a noção, a metodologia que é a etnografia‖. ―[...] então, eu fui buscar na antropologia, que eu percebia na antropologia uma preocupação com o empírico‖. ―[...] e eu faço etnografia e sempre fazemos boas etnografias. Eu não tenho a menor dúvida de que fazemos boas etnografias‖ ―Bom, a antropologia que eu aprendi é ir pro campo, né, é pé no barro [...]‖

―[...] eu sou um pesquisador sobre esporte e lazer no campo sociocultural‖

―[...] então, autores como Pierre Bordieu, como Norbert Elias são autores que eu trago para discutir essa questão da disputa‖ ―Agora, educação física no sentido amplo, sobre o campo profissional o campo de investigação, uma área de conhecimento bom. Eu acho que eu to completamente dentro, to estudando esporte, to estudando lazer e a partir do olhar da cultura. E a cultura que é central‖.

- Cultura como centralidade na

produção teórica do entrevistado;

-Conceito de cultura desenvolvido a partir

da Antropologia (dimensões do esporte

e lazer);

- Preocupação com campo empírico

(etnografia);

- Amplia o conceito de cultura da Antropologia e, para isso, apropria-

se de outras perspectivas (noção de cultura como universo

de disputa/luta).

Outros X x

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Entrevistada: Celi Taffarel Data da entrevista: 26/11/2012

UNIDADE DE REGISTRO:

TEMA UNIDADE DE CONTEXTO: EXCERTOS INFERÊNCIAS

Conceito de cultura

―Você falou sobre a cultura. Veja só, o marco referencial para explicar isso que você está me perguntando, está na história da humanidade‖ ―Nós demos saltos qualitativos e passamos a ser regidos por leis biológicas, nos tornamos seres vivos. Mas nos distinguimos da natureza, porque ao interagir com a natureza a transformamos e somos transformados por ela. Isso significou milhões de anos, e significou salto qualitativo, dos quais resultaram pelo trabalho humano a produção da cultura‖ ―[...] nós temos que construir os meios de produção para reprodução da vida. Então isso é o fantástico de ser humano, e isso significou desenvolver a cultura‖. ―[...] ao longo da história da humanidade, nós desenvolvemos atividades corporais, e estas atividades corporais desenvolveram as nossas capacidades psíquicas, as nossas capacidades superiores, e de funções elementares pelas atividades‖. ―E qual é a práxis revolucionária? É a práxis que constrói uma cultura superadora, e, portanto, a cultura é fruto do trabalho humano que adquire sentido e significado na vida humana, nas relações de produção da vida‖. ―[...] em termos de cultura, dependente do grau de desenvolvimento das forças produtivas que vão dar sentido e significado a isto que a humanidade elabora, que é o patrimônio da humanidade, um patrimônio que todos tem que acessar. Por quê? Porque nos humaniza, ele nos torna ser humano, e, portanto, acessar a cultura, compreender a cultura, se instrumentalizar para produzir a cultura, significa o processo de humanização, se a gente retira isso nós nos desumanizamos. Então cultura é isso. É isso!‖

- Construído historicamente

(história da humanidade);

- Processo de humanização;

-Fruto do trabalho humano com

sentido/significado.

Cultura na educação física

―[...] estudar o currículo e estudar o trato com o conhecimento da cultura corporal, nos âmbitos onde você vai atuar, nos espaços formativos onde você vai atuar, porque você que vai atuar precisa dominar um objeto, e qual é o nosso objeto? A cultura corporal!‖ ―Então, hoje a cultura corporal é o objeto do mundo dos negócios, é o objeto do mundo da política, é objeto do mundo do direito, é objeto do mundo das políticas sociais, é objeto da educação. E aí é objeto em especial da educação física‖ ―Como é que está se tratando a cultura corporal da educação física? Te convido. Vamos para as escolas. você vai ver uma unilateralidade, uma formação de crianças e jovens com uma visão restrita da cultura, porque só ensina modalidades esportivas, as quatro, que são as que predominam‖ ―[...] não tem condições de desenvolver educação física na minha escola. Eu não tenho quadra, não tenho bola, isso por quê? Têm uma formação distorcida do que é a cultura corporal‖ ―Então, aí a gente viu a cultura corporal na escola, que está sendo muito mal e equivocadamente tratada. Precisamos redimensionar o trato com o conhecimento da cultura corporal na escola, inclusive para alterar a própria escola‖ ―Agora vamos ver na política pública, o esporte. O esporte é um

- Distorções no campo empírico e

no entendimento de cultura corporal;

- Predomina, na

área, a visão restrita da cultura;

- Cultura corporal como objeto da educação física;

- Cultura (cultura

corporal) determinada pela economia política;

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elemento da cultura corporal [...] Então vamos pegar este âmbito da política: o esporte está sendo utilizado no âmbito da política estatal, para priorizar os interesses da burguesia‖ ―[...] o que determina, em última instância o desenvolvimento da cultura, e dentro dela a cultura corporal, é o que? É a economia política, a economia política!‖ ―[...] nós vamos ver que o conhecimento produzido no nosso país, no campo da cultura, em geral e especial da educação física, está determinado por esses interesses que passam pela economia política, e aí nós vamos ver a negação do conhecimento sobre epistemologia, em especial, o materialismo histórico e dialético‖

Cultura como centralidade ou

periferia na educação física

―Não da para dividir, para dizer isso é mais importante do que aquilo; são relações estabelecidas que se auto determinam. Então, você não pode tentar fatiar a cultura, você não pode tentar colocá-la perifericamente porque são relações, ser humano e natureza: relação, movimento, atividade, trabalho, cultura. Não dá para separar estas coisas‖. ―Elas são interrelacionadas, elas têm nexos e tem determinações históricas. Portanto, o que nós produzimos, que mantém a nossa vida, que garante a nossa existência, que são os elementos da cultura, eles estão interrelacionados dentro desta minha perspectiva de compreensão do que é sociedade, do que é o ser humano, do que é conhecer, e daí, o que é o papel da educação física na escola, ou em qualquer espaço formativo, no clube, na academia, na praça, no lazer, no alto rendimento‖ ―Então, eu não reivindico cultura vista por... apesar de defender a cultural corporal como objeto de estudo da educação física. Eu reivindico, do ponto de vista da teoria epistemológica, ou seja, da teoria que explica o desenvolvimento do conhecimento, como aqueles que defendem que a interrelação, o nexo, e as determinações históricas, é que configuram a coisa. E não algo está no centro, ou na periferia, Então, essa é minha compreensão‖

- Cultura não é central e nem periférica na

educação física;

- Cultura na perspectiva da

cultura corporal, constituída como

objeto da educação física.

Cultura na produção teórica do

entrevistado

―Trabalho, conhecimento,formação, poder, são os eixos estruturantes da minha produção do conhecimento‖. ―Ali você vai ver que dimensões da cultura eu abordo. Eu abordo a cultura pedagógica, e dentro dela o nosso objeto, cultura corporal. Eu abordo a cultura epistemológica, a cultura de produzir conhecimento científico; lá dentro eu enfatizo a cultura corporal. Eu abordo e enfatizo a cultura política, e lá dentro eu destaco produzindo o conhecimento acerca das políticas de Estado, políticas de governo, política educacional, política social, política de educação física. E, nos meus textos, na minha produção, além do trabalho, além da produção, além da formação, além da política, estas dimensões da cultura, elas têm um objeto específico, eu saio do mais geral e pego a singularidade e a particularidade da cultura corporal, que é a

ênfase”.

―[...] para compreender a sociedade os clássicos Marx e Engels. Para entender o que é o ser humano, além do Marx e Engels, todos os autores de tradição marxista e todos os autores que se colocam dentro da perspectiva histórico-cultural valendo-se de uma teoria do conhecimento, que teoria do conhecimento é essa? Ou seja, de uma teoria que explica como você conhece, como você se apropria daquilo que está fora de você, e, portanto, o materialismo histórico e dialético‖.

- Cultura em interlocução com outros campos (conhecimento,

formação, poder e outros);

- Construído a partir

do materialismo histórico e dialético;

Outros X X

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Quadro 5

Entrevistado: Hugo Lovisolo Data da entrevista: 28/11/2012

UNIDADE DE REGISTRO:

TEMA UNIDADE DE CONTEXTO: EXCERTOS INFERÊNCIAS

Conceito de cultura

―[...] as relações que ocorrem nessa praça (praça próxima à casa do entrevistado), entre os velhinhos que vão jogar baralho todos os dias, provavelmente eu como antropólogo, vou trabalhar com o conceito de cultura, vou trabalhar com os símbolos que ele tem [...]. Então, diria que a construção que você está fazendo, a construção sobre as representações, os valores, as normas, tudo isso que forma parte da cultura, dá conta dessas condutas de jogar baralho‖. ―[...] e aqui você tem uma sociedade plural, você tem diferentes enigmas, assim, tem diferentes projetos culturais. Não há uma definição única [...]‖.

- Cultura como construção sobre representações,

símbolos, valores e normas existentes nas

relações humanas;

- Diversidade no conceito de cultura.

Cultura na educação física

―[...] então, começou-se a utilizar a palavra cultura como se fosse uma explicação total e na área da educação física, aqueles que tinham algum vínculo mais forte com as elaborações da educação, também passaram a importar a palavra cultura ao campo educacional‖. ―[...] cultura passou a justificar muita coisa [...]‖. ―E no caso do Brasil, houve outra questão, que a educação física, durante muito tempo ela foi dominada por um enfoque digamos, cinesiológico, ou fisioquímico. E com isso, muitos autores acharam que [...] teriam que ir além disto. E nesse ir além, é claro que eles se apropriaram e começaram a utilizar o conceito de cultura, também como um conceito crítico, pretendendo criticar essa posição pretendendo criticar essa posição dominante‖. ―[...] a palavra cultura está sempre enguiçada como uma espada, ela entra numa briga e ela quer cortar, ela quer... ela quer estar a favor ou contra os projetos de domínio do campo da intervenção‖. ―[...] o que abriu o campo para essa história da cultura, acho que foi um pouco esta disputa pelos modos de intervenção e na qual a cultura se tornou uma espada‖. ―Eu não acredito que haja um conceito de cultura que possa orientar a intervenção a um nível que você tenha, bom, nesse mundo plural, ele tem uma diversidade de culturas [...]‖.

- Cultura como explicação/justificativa;

- Cultura como conceito

crítico;

- Cultura como argumento a favor ou contra dos projetos do campo de intervenção (cultura como ―espada

enguiçada‖);

- Não há conceito de cultura que oriente o

campo de intervenção.

Cultura como centralidade ou

periferia na educação física

―Quando você se pergunta se há alguma coisa no futebol ... um traço cultural... se a cultura que explica isso, ou se é a fisiologia... Ou não sei que coisa... Bom, você pode fazer tantas interpretações, por exemplo, poderia dar uma interpretação neurológica e trocentas interpretações são como perspectivas, nenhuma delas fecha, nenhuma delas é uma explicação superior, quase que diria que todas elas são possibilidades interpretativas e vivemos num mundo de muitas possibilidades, possibilidades de interpretação [...]‖

- Cultura não é central e nem periférica na educação física; é

agregadora;

- Diversas possibilidades

interpretativas de pensar a cultura na

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―[...] no plano explicativo, a cultura é central no campo da educação física, é o mesmo que tem, tem o mesmo valor que dizer que a nutrição é central para a educação física [...]‖ ―Mas, eu diria que tem outras coisas que também são essenciais. O que passa é que a cultura tem uma característica de poder englobar, de poder agregar coisas, mas têm muitas coisas que são centrais para entender aquilo que ocorre no campo da educação física... o campo dos esportes, da educação física, etc, etc‖. ―Sempre têm várias perspectivas; você sempre têm várias perspectivas. Muitas vezes essas perspectivas podem ser acopladas; você pode fazer um mosaico dessas perspectivas. E elas só fazem sentido enquanto quadro, embora cada pedacinho do quadro mantenha sua autonomia, mantenha sua originalidade, digamos assim, mas em conjunto dá uma ideia mais aproximada, mais complexa, mais integrada daquilo que eu estou trabalhando. Mas, eu não diria que uma das interpretações, a não ser em casos em casos [...] muito concretos, uma é superior a outra, uma é mais central que a outra, uma é mais‖.

educação física.

Cultura na produção teórica do entrevistado

―[...] aprofundamentos teóricos caminham na direção de um entendimento mais refinado do que é cultura. Por isso, cultura tem uma função, eu diria, para o antropólogo, quase que holística, ela orienta a pesquisa, tá certo? Supostamente o antropólogo deve fazer uma reconstrução de um grupo, de como esse grupo vive e como esse grupo produz simbolicamente, e como produz materialmente, e como essa coisa se articula e etc, e ter solucionado alguns enigmas que podem aparecer porque um grupo faz determinada coisa e não faz outra, então [...] a cultura está aqui a serviço de uma... de um investimento intelectual‖. ―Provavelmente se você pergunta a ele (sujeito que joga a chamada ‗pelada‘): porque o prazer da pelada? [...] então você tem que pensar [...] como se estrutura o universo simbólico dele, que leva ele a ter um prazer tão significativo no caso da pelada. É isso que você faz, tenta explicar sua conduta, tenta explicar o universo de suas representações, mas você não faz nada para alterar‖. ―Eu não uso cultura, porque muitas vezes parece que força uma afirmação do tipo, eu sou cultural, tá certo?‖ ―Eu digo que existem autores que me influenciaram de alguma forma de ser. Diria que uma forma de influência marcante de, que poderia chamar a sociologia [...], outra influência marcante é do estruturalismo francês. E nos últimos anos é a antropologia cultural americana desde Weber a Geertz e outros autores‖

- Cultura com função quase holística, balizadora no

desenvolvimento de pesquisas;

- Cultura a serviço de

um investimento intelectual;

- Não utiliza a palavra

cultura em suas produções;

- Produção teórica influenciada pela

sociologia e antropologia.

Outros X X

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QUADRO 6 ENTREVISTADO: Valter Bracht Data da entrevista: 31/01/2013

UNIDADE DE REGISTRO:

TEMA UNIDADE DE CONTEXTO: EXCERTO INFERÊNCIAS

Conceito de cultura

―Quando a gente fala em cultura, a gente está trabalhando com um plano simbólico, ou seja, do significado, então, vamos dizer assim, a gente está discutindo que o significado, que uma determinada produção humana tem um determinado contexto [...]‖ ―[...] no âmbito da cultura, com o conceito da cultura, nós estamos trabalhando com as condições simbólicas, portanto, do processo de significação das diferentes práticas humanas.‖.

- Cultura como plano simbólico;

- processo de

significação das práticas humanas.

Cultura na educação

física

―No pensamento da educação física brasileira, a partir da insatisfação que se passou a ter com o entendimento do nosso objeto, do objeto da educação física, né, que como nós sabemos agora muito marcado pelo viés das ciências biológicas. Então, no momento em que eles diziam o seguinte: ‗olha essa é uma visão reduzida do nosso objeto, quer dizer, como é que a gente amplia então a visão? ‗. E ela vai ser ampliada a partir dos olhares orientados, então não mais pelas ciências biológicas, mas pelas ciências humanas. E ai a gente vai se confrontar com os conceitos de cultura, ou seja, esse nosso objeto que é entendido como atividade física por influência das ciências biológicas, passa a ser entendida então, como uma manifestação da nossa cultura, ou seja, como uma produção histórica, como uma produção humana, caracteristicamente humana, portanto, precisaria ser entendido como uma manifestação da cultura‖ ―[...] um processo de desnaturalização do nosso objeto, de desnaturalização da própria área de educação física, colocando ela como uma produção humana‖ ―[...] se tem uma gama grande de influências tratando do tema da cultura. O que eu acho importante é de que isso, é... Enriquece, vamos dizer assim, o debate, essa multireferêncialidade enriquece o debate. Claro que a gente pode dizer que algumas dessas perspectivas podem ser conflituosas entre si né, mas acho que esse é um momento interessante que nós estamos vivendo na educação física, essa multireferencialidade tá colocada no campo, né‖. ―Então eu diria que, se você analisar o que está sendo colocado nas diretrizes, das diferentes diretrizes, nos referenciais curriculares de estados, municípios, etc. A gente poderia dizer que esse conceito tá ali fortemente presente, e que, pelo menos, nesse plano vamos dizer assim, que seria uma referência importante para intervenção. Agora, se lá na intervenção propriamente dita, isso tá efetivamente presente já é uma outra questão, eu diria que não está presente, tá pouco... Tá muito mais presente nos documentos, nas elaborações do que lá na intervenção‖.

―a intenção é que ele [conceito de cultura] apareça, mas ainda na intervenção eu diria que ela está pouco presente. Embora já esteja fortemente presente nesses documentos que orientem essas práticas, etc.‖

―Veja bem, a partir do momento em que se operou essa virada culturalista, né, e que se passou a ter entendimento que o nosso objeto faz parte do mundo da cultura, é fundamental pra gente compreender como é que a dinâmica da produção cultural, como que se dá a dinâmica na produção cultural, especificamente, dessa parcela da cultura que a gente passou então a chamar de cultura

- O conceito surge a partir da

insatisfação decorrente do conceito das

ciências biológicas (―virada

culturalista‖);

- Processo de desnaturalização

do objeto da educação física;

Multireferencialidad

e teórica;

- Referência importante para a

intervenção (educação física escolar), porém, pouco utilizada nesse campo.

- Objeto da

educação física faz parte do campo

cultural.

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corporal, cultura... Eu gosto de chamar de cultura corporal do movimento.‖.

Cultura como centralidade

ou periferia na educação

física

―Como eu coloquei: pra mim o conceito cultura é o conceito chave na mudança que nós tentamos operar na educação física brasileira, a partir da década de 80‖. ―No meu entendimento, o conceito de cultura ocupa uma posição central[...] Isso não significa por exemplo dizer que não faz sentido estudar a dimensão biológica do corpo, etc. Significa que esse conhecimento ele precisa ser de alguma forma mediado pelo conceito de cultura, quer dizer, quando eu penso, quando eu me aproprio desse conhecimentos, quando eu penso na intervenção, eu tenho que passar... Eu tenho que fazer a mediação desse conhecimento e essa mediação passa pelo conceito de cultura [...] Então, os fatos, os elementos biológicos não aparecem nas práticas sem a mediação da cultura, aparecem com a mediação da cultura, que é conceito de uma determinante central‖.

- Cultura como centralidade na educação física.

-

Cultura na produção teórica do

entrevistado

―Especificamente, a gente cunhou o conceito de cultura corporal do movimento pra albergar exatamente aquelas práticas corporais que vão sendo, vão sendo construídas pelo homem, particularmente aquelas que não dizem respeito diretamente ao mundo do trabalho. Então, essa é uma demarcação - vamos dizer assim - que a gente está fazendo. Eu faço né‖. ―[...] a escola tem essa tarefa: mediar essa dimensão da cultura [...] Se eu tenho essa tarefa em mente, eu preciso ser um observador atento da dinâmica da produção, da distribuição, do consumo, dessa dimensão da cultura. [...] Pra que eu possa municiar a prática pedagógica em educação física, eu preciso é... Estar extremamente atento a essa dinâmica, à dinâmica da cultura corporal de movimento. Por isso, eu preciso ser um estudioso da dinâmica da cultura corporal do movimento que acontece no âmbito mais geral da cultura. Então, os estudos, por exemplo, que enfocam como determinadas praticas corporais são produzidas, são veiculadas, são apropriadas, são fundamentais para poder atualizar e pensar a tarefa da migração da cultura na educação física escolar‖ ―Buscar instrumental teórico metodológico pra pensar a educação física escolar, passava pela apropriação do interesse sociológico que permitisse compreender essa dinâmica, dinâmica cultural. Então, por exemplo, por muito tempo eu me valia de autores mais, mais, claramente marxistas, né, e com a dinâmica que... Com os desdobramentos das últimas décadas eu ampliei essas referências e passou a ser também importante o debate em torno do conceito de modernidade, das transformações que a modernidade vem sofrendo, vem passando nas últimas décadas [...]‖

- Cultura como centralidade na

produção teórica do entrevistado;

-Conceito de

cultura desenvolvido a

partir da sociologia, entre outras áreas

(dimensão escolar);

Outros X x