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Universidade Estadual de Londrina CENTRO DE EDUCAÇÃO FÍSICA E ESPORTE CURSO DE BACHARELADO EM EDUCAÇÃO FÍSICA TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO AS RELAÇÕES DE GÊNERO NA HISTÓRIA DA GINÁSTICA DE ACADEMIA TATIANE SIQUEIRA DOS SANTOS LONDRINA PARANÁ 2010

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Universidade

Estadual de Londrina

CENTRO DE EDUCAÇÃO FÍSICA E ESPORTE

CURSO DE BACHARELADO EM EDUCAÇÃO FÍSICA

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

AS RELAÇÕES DE GÊNERO NA HISTÓRIA DA

GINÁSTICA DE ACADEMIA

TATIANE SIQUEIRA DOS SANTOS

LONDRINA – PARANÁ

2010

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TATIANE SIQUEIRA DOS SANTOS

AS RELAÇÕES DE GÊNERO NA HISTÓRIA DA

GINÁSTICA DE ACADEMIA

Trabalho de Conclusão do Curso apresentado à

Universidade Estadual de Londrina – UEL

como requisito parcial para obtenção do título

de bacharel em Educação Física.

Orientadora: Prof. Ms. Karina Toledo de

Araújo.

LONDRINA – PARANÁ

2010

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho àquelas pessoas que acreditaram na

minha vitória. Com carinho, à minha mãe Osly Jacqueline

de Siqueira por sempre ter se preocupado comigo e nunca

ter me abandonado; também à minha amiga e companheira

Cássia Cristina Furlan pelo incentivo e amor de que eu

precisava. À minha avó Manoela Batista por suas rezas

pedindo saúde e proteção à minha vida; e aos meus tios

Marisa, Valmir e Meriane pela força e carinho dedicados.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus por sempre estar presente em minha vida.

À minha mãe Jacqueline, pela sua existência. Aos meus irmãos Pedro Leandro e João Paulo

com todo carinho. A toda a minha família por torcer tanto.

À minha amiga e companheira Cássia Cristina Furlan, por compartilhar desta conquista, por

estar tanto nos momentos bons quanto nos momentos ruins dessa jornada.

Aos meus tios Marisa e Valmir que me acolheram e contribuíram para essa conquista e à

minha tia Meriane.

À professora orientadora Ms. Karina Toledo de Araújo por sua paciência e confiança em

mim.

Aos amigos conquistados no decorrer dessa caminhada e que deram força quando mais

precisei: Henrique Darienzo (sinto falta da companhia; destinos que separam) e Pedro

Henrique Carnevalli Fernandes com quem compartilhei momentos de alegria e distração.

Ao meu “painho” João Carlos pela preocupação de ajudar a família.

À Dalci por ajudar concluir o trabalho.

A todos que fizeram parte da minha vida e compartilharam momentos de distração.

Muito Obrigada!

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Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver

Apesar de todos os desafios,

Incompreensões e períodos de crise.

Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas

E se tornar um autor da própria história.

É atravessar desertos fora de si,

Mas ser capaz de encontrar um oásis

No recôndito da sua alma.

É agradecer a Deus a cada manhã pelo milagre da vida.

Ser feliz é não ter medo dos próprios sentimentos.

É saber falar de si mesmo.

É ter coragem para ouvir um “não”.

É ter segurança para receber uma crítica,

Mesmo que injusta.

Pedras no caminho?

Guardo todas, um dia vou

Construir um castelo.

Fernando Pessoa

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SANTOS, Tatiane Siqueira. As relações de gênero na história da ginástica de academia.

Trabalho de Conclusão de Curso. Curso de Bacharel em Educação Física. Centro de Educação

Física e Esporte. Universidade Estadual de Londrina, 2010.

RESUMO

As academias de ginástica compõem um vasto repertório de práticas e técnicas que

historicamente contribuem para as representações acerca da produção de corpos femininos e

masculinos. Observando o processo de democratização nesses espaços ao longo do tempo,

percebe-se que há um estranhamento nas atividades oferecidas pelas academias quando há

inversão dos papéis masculinos e femininos, ou seja, mulheres praticam atividades ditas

masculinas e homens praticam atividades ditas femininas. Desta forma o presente estudo

buscou como objetivo analisar os conceitos culturais de gênero e como a inversão de gênero e

sexo nas práticas de diversas ginásticas tem propiciado a corporeidade genérica nas aulas de

ginástica de academia. Para isso foi realizado uma pesquisa bibliográfica abordando a relação

de gênero e ginástica na história e o arrolamento desta temática na Educação Física e no

contexto social. A pesquisa realizada se pautou em estudo de livros, artigos especializados,

monografias, teses, dissertações e internet, o que possibilitou o acesso e manipulação de

informações relevantes para nossa reflexão sobre as relações entre gêneros e as academias de

ginásticas, podendo assim, contribuir para a discussão dessa temática, ajudando a descrever e

compreender a construção de normas de conduta que permearam e permeiam essa dimensão

humana, prejudicando o desenvolvimento de algumas atividades corporais (pré) estabelecidas

entre os gêneros acerca das relações sociais de poder. Procuramos destacar estes aspectos e

organizar os conteúdos trazidos pelas pesquisas dividindo-os em capítulos: As questões de

gênero, corpo, sexualidade e as imposições ditadas; a evolução da ginástica; e ginástica para

homens e ginástica para mulheres. Desenvolvemos detalhadamente cada um destes temas

apontando aspectos fundamentais a serem considerados quando se pensa nas relações entre

gênero e academias de ginásticas. Essa pesquisa pretendeu contribuir para os estudos

referentes aos gêneros e as academias de ginástica, visando quebrar com os paradigmas

associados a perpetuação de valores androcêntricos e sexistas. É preciso que outras pesquisas

venham questionar esses sentidos, buscando a formação social de sujeitos críticos e

emancipados.

Palavras-chave: Ginástica. Gênero. Academia.

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SANTOS, Tatiane Siqueira. Gender relations in the history of gymnastics academy.

Completion of course work. Bachelor's Degree Course in Physical Education. Center for

Physical Education and Sport. Universidade Estadual de Londrina, 2010.

ABSTRACT

The gym comprise a vast repertoire of practices and techniques that historically contributed to

representations about production of bodies of women and men. Observing the process of

democratisation in these spaces over time, realizes that there is a strangeness in the activities

offered by academies when inversion of male and female roles, i.e. women practicing

activities said male and female men practice activities said. This way the present study sought

to examine the objective of gender and cultural concepts such as gender and sex reversal in

practice various gymnastics has offered the generic under construction in Academy

Gymnastics classes. To this end a literature search was conducted addressing the relationship

of gender and exercise in the history of this subject and enrollment in physical education and

social context. The research was thus based on a study of books, professional articles,

monographs, theses, dissertations and Internet, allowing access and manipulation of

information relevant to our consideration of the relations between genders and gyms, and may

thus contribute to discussion of this subject, helping to describe and understand the

construction of standards of conduct that permeate and pervade this human dimension,

affecting the development of some bodily activities (pre) established gender about the social

relations of power. We tried to highlight these issues and organize the contents brought by

research dividing them into chapters: The gender, body, sexuality and the impositions

dictated, the development of gymnastics, and gymnastics and gymnastics for men and women.

We develop in detail each of these themes pointing key aspects to consider when thinking

about the relationship between gender and gyms. This research intended to contribute to

studies related to gender and fitness centers, hoping to break the paradigms associated with

the perpetuation of sexist and androcentric values. It is necessary that further research will

question these directions, seeking the social formation of critical and emancipated.

.

Keywords: Gymnastics. Gender. Academy.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO..................................................................................................... 09

2 AS QUESTÕES DE GÊNERO, CORPO E SEXUALIDADE E AS

IMPOSIÇÕES DITADAS....................................................................................

15

3 A EVOLUÇÃO DA GINÁSTICA....................................................................... 23

3.1 CONFIGURAÇÃO HISTÓRICA DA GINÁSTICA............................................. 25

3.2 AS RELAÇÕES DE GÊNERO NA GINÁSTICA DO BRASIL.......................... 31

4 GINÁSTICA PARA HOMENS E GINÁSTICA PARA MULHERES........... 40

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................... 44

6 REFERÊNCIAS.................................................................................................... 47

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INTRODUÇÃO

Ao refletirmos sobre os papéis femininos e masculinos na sociedade, verificamos a

necessidade de rever conceitos a respeito da temática gênero e academias de ginásticas,

promovendo discussões sobre a igualdade de direitos e sobre recusa de forma de

discriminação. Pois se percebe, nas academias, separação de homens e mulheres nas

escolhas/opções das práticas corporais que a mesma oferece. Traçando, portanto, um

pensamento binário, ginásticas para mulheres e ginásticas para homens.

As diferentes sociedades, ao traçarem o que constitui o masculino e o feminino,

mesmo que subjetivamente, também delimitam alguns estereótipos que se multiplicam e são

incorporados, em alguns casos, acriticamente. É preciso então, refletirmos sobre os papéis

femininos e masculinos na sociedade para que tais estereótipos sejam desmitificados no que

diz respeito às influências na formação da identidade e papéis sociais considerados „normais‟

ou aceitáveis socialmente.

Dessa forma, podemos observar diferenciações de gênero quanto aos seus objetivos e

corporeidade seguidos de estereótipos (pré) estabelecidos. Como se observa nos estudos de

Bruno e Pereira (2002), Cedrão et. al. (2008) e Rocha (2008), nas análises dos resultados,

verificam uma baixa quantidade de alunos/homens praticando ginásticas em grupo, estando a

maioria nas salas de musculação, e o contrário para as mulheres, visto que as academias

oferecem várias modalidades de condicionamento físico. Considerando tais dados,

elaboramos a seguinte pergunta: Como foram constituídas, ao longo da história, e como estão

estabelecidas as relações de gênero na ginástica de academia?

A partir dessa pergunta adentramos nas produções teóricas visando uma possível

resposta que pode ser social, cultural, histórica, individual, além das subjetividades de

conhecimentos e interpretações pessoais.

Para fixar uma identidade masculina ou feminina “normal” e duradoura, a sociedade

busca por múltiplas estratégias e táticas para vencer todas as oscilações, contradições e

fragilidades que marcam um investimento cultural, na constituição de mulheres e homens em

determinação de suas formas de ser ou “jeito de viver” (LOURO, 2001).

Segundo Stoller (1993), a identidade de gênero está relacionada à mescla de

masculinidade e feminilidade em um indivíduo, significando que tanto a masculinidade como

a feminilidade são encontradas em todas as pessoas, mas em formas e graus diferentes. O

contexto histórico relacionado às diferenças entre homens e mulheres, os preconceitos e

submissões criados, tanta discriminação relacionada à questão de gênero, nos fazem

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questionar a rigidez dos padrões de conduta estabelecidos para homens e mulheres, moldados

pelas redes de poder da sociedade, buscando como propósito combater relações autoritárias e

apontar para uma transformação social (LOURO, 2001).

Assim, Goellner (2006, p.35) discute:

Pensar a identidade de gênero como algo que se constrói ao longo de nossa

existência e que, portanto não é dada a partir de nossa materialidade

biológica pressupõe entender que essa é uma identidade produzida na e pela

cultura. É pensar, sobretudo que, a expressão gênero, ainda que possa ser

observada a partir de diferentes olhares (marxista, estruturalista,

psicanalítico, feminista radical, pós-estruturalista, entre outros) se refere,

fundamentalmente, à construção social do sexo evidenciado, portanto, que

masculinidade e feminilidade são construções sociais e históricas.

O estudo pretende analisar a produção teórica sobre os estudos de gênero e a

construção dos conceitos de masculino e feminino, procurando relacioná-los com a

representação que se tem sobre o tema nas academias de ginástica. Este ambiente está

permeado de concepções pré-estabelecidas, prejudicando o desenvolvimento de algumas

atividades que antes, praticadas por homens, eram vistas como impraticáveis pelas mulheres e

que, hoje, no contexto atual, se tornam expressões das mulheres, com características quase

exclusivamente femininas, como é o caso das ginásticas aeróbicas e outras ginásticas em

grupo de condicionamento físico dentro das academias.

Segundo Neiva et. al. (2006), homens e mulheres estão cada vez mais próximos do

ideal de igualdade de acesso nos espaços público e privado. Entretanto, ainda se fazem

necessárias estratégias que possibilitem o acesso das mulheres em alguns espaços

exclusivamente masculinos, como era o caso das academias. Destacamos as academias de

ginásticas exclusivamente femininas, onde se aceitam apenas mulheres como proprietárias,

funcionárias e alunas. O número dessas academias vem aumentando vertiginosamente, o que

era incomum há algumas décadas.

Observando o processo de democratização dos espaços públicos às mulheres

ao longo do tempo, considerando suas rupturas e continuidades, a atual

busca por um espaço “demarcado” pelo sexo como traço identitário na

atividade física livre causa estranhamento, e chama atenção na medida em

que academias mistas, assim como as modalidades por elas oferecidas, são

acessíveis a todos/as (NEIVA, et. al., 2006, p.2).

As mulheres, através dos movimentos feministas, de luta por seus direitos, foram

alcançando possibilidades de adentrar em espaços aos quais o acesso lhes era impossível

antes. Por muito tempo os exercícios físicos foram associados ao espaço masculino por receio

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de que sua prática levasse à masculinização da mulher, sendo comuns preconceitos com as

praticantes. A inserção das mulheres nas atividades físico-desportivas aconteceu em meio a

avanços e recuos. Mas ainda há indícios de que as práticas corporais não são território de livre

acesso para as mulheres, e “como um campo de disputa de poderes, constitui-se, ainda, como

um espaço que produz, reforça e reanima a generificação dos corpos, cuja inscrição de marcas

culturais vinculadas a masculinidades e feminilidades se dá de forma minuciosa e persistente”

(GOELLNER, 2006, p.35).

Para dar continuidade à explanação, é preciso buscar na história indícios que deixem

claros os fatores que vieram a permitir a entrada das mulheres aos poucos em espaços

associados ao mundo masculino. A história da educação física é muito enfática ao abordar a

participação feminina e masculina em suas práticas. Segundo Soares (2004), a educação

física, em muitos momentos da história no Brasil, se confunde com as instituições médicas e

militares. A educação física acentuava um caráter médico higienista, exacerbando seu papel

higiênico, eugênico e moral.

Buscavam-se através da educação física disciplinar os corpos através de exercícios

voltados para tais objetivos, sendo específicos e diferenciados a homens e mulheres. Nesse

sentido, a ginástica era um instrumento para que essa educação e disciplinarização dos corpos

se difundissem. Para o completo trabalho de educação dos corpos, eram necessários

exercícios específicos, ou seja, que pudessem desenvolver os órgãos do sentido, que

pudessem atender aos preceitos da elegância e, assim, variar entre os sexos. E ainda trazia a

ideia de saúde, vigor, energia, beleza, força, juventude e moral vinculadas à aplicação da

ginástica. Assim Foucault (1993, p.146) descreve sobre a importância dessas imposições ao

corpo que “o domínio e a consciência de seu próprio corpo só puderam ser adquiridos pelo

efeito do investimento do corpo pelo poder”. Por conseguinte, é evidente o interesse e a

necessidade do ser humano em cuidar do corpo, porém, as capacidades físicas que são

desenvolvidas e exploradas para cada tipo de ginástica podem caracterizar a execução de um

movimento como feminino e masculino.

Mesmo o termo ginástica sendo pertencente ao gênero feminino, historicamente seus

atributos culturais definem-se como masculinos, objetivando força, agilidade, virilidade,

energia/têmpera de caráter, entre outros que caracterizam sua imagem masculina.

Os homens são pressionados socialmente para manter uma postura firme e rígida,

afastando-se de qualquer comportamento feminino. As modalidades apropriadas para os

homens envolvem atitudes como agressividade, espírito competitivo, disciplina e devoção ao

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time; ou ainda se constituem naquelas que ressaltam características biológicas nas quais o

homem “difere” da mulher em relação à força e velocidade.

Seguindo esse pressuposto, muitos homens buscam a prática de atividades físicas em

esportes e, especificamente no nosso estudo, a musculação, aquelas que exigem força e

robustez com intento de modelar o corpo para estar de acordo com os padrões atuais de

beleza.

Nesse contexto da contemporaneidade impulsionado pelos padrões de beleza, as

academias oferecem uma gama de modalidades de ginásticas, que não somente a musculação

traz benefícios ao condicionamento físico, como muitas outras opções de ginástica aeróbica,

localizada, alongamento e programas de atividades fitness. Portanto, as ginásticas foram

surgindo para os homens como para as mulheres, adequadas às realidades sociais de hoje e

ontem, atendendo aos interesses e necessidades do momento (NEIVA et. al., 2006).

Visto que as mulheres estão ocupando seu espaço na sociedade e em especial nas

práticas de atividades corporais, parece desestabilizar um terreno criado e mantido sob

domínio masculino, cuja justificativa assentada na biologia do corpo e do sexo deveria atestar

a superioridade deles em relação a elas. Valendo-se das palavras de Goellner (2006, p.35-41):

As práticas esportivas seduziam e desafiavam muitas mulheres que

indiferentes às convenções morais e sociais aderiram a sua prática

independentemente do discurso hegemônico da interdição ou ainda o

incentivo a participação em modalidades esportivas que fortalecessem o

corpo sem destituir-lhe a feminilidade.

No entanto, percebe-se um número consideravelmente alto do público masculino nas

atividades de musculação, como também uma porcentagem significativa de mulheres nessa

modalidade; já nas diversas atividades de ginásticas de academia (ginástica fitness), estas

realizadas em uma sala separada com exercícios coreografados e ritmados para ambos os

gêneros, percebe-se um pequeno interesse entre os homens e grande aceitação entre as

mulheres; deduz-se que tais atividades são consideradas socialmente uma prática masculina

para o primeiro e feminina para o segundo, argumento baseado no estereótipo1 e mesmo no

preconceito, o que leva os homens e mulheres que os/as praticam muitas vezes a afastarem-se

1 Segundo o dicionário Houaiss (2010), estereótipo significa “esse próprio padrão, geralmente formado de

ideias preconcebidas e alimentado pela falta de conhecimento real sobre o assunto em questão”,

também pode significar “ideia ou convicção classificatória preconcebida sobre alguém ou algo,

resultante de expectativa, hábitos de julgamento ou falsas generalizações”, “aquilo que é falto de

originalidade; banalidade, lugar-comum, modelo, padrão básico”.

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da atividade. Assim, é necessário refletir sobre gênero a partir das práticas de atividades

corporais, em especial as ginásticas de academia, adentrando mais profundamente sobre as

ginásticas do ontem e as de hoje quanto às relações de gênero e suas implicações sociais.

Em virtude de concepções histórico-culturais, ao se conceder comportamentos

próprios aos corpos das mulheres e dos homens, uma (re) estruturação de corporeidade ativa

foi tomando forma devido a ações e movimentos para uma nova realidade social. A

construção de normas de conduta permeou e permeia essa dimensão da realidade humana,

prejudicando o desenvolvimento de algumas atividades corporais (pré) estabelecidas entre os

gêneros.

As práticas generificadas são socialmente construídas pelas relações de poder, e sua

classificação era separada por feminino e masculino, predominando este último nas relações

sociais. A Educação Física vinculada a esses estereótipos de gênero coloca em prática o

processo disciplinar dos corpos, promovendo discussões sobre a igualdade de direitos, recusa

de formas de discriminação e desempenhando um papel importante no processo de

socialização, contudo, separa e demarca o que é considerado socialmente como pertencente ao

mundo feminino e ao mundo masculino. No campo da ginástica de academia, mesmo

praticada por ambos os sexos, ainda mantém algumas diferenças, frutos de conceitos e

preconceitos existentes em tempos remotos.

Nesse sentido, buscou-se como objetivo geral desse estudo analisar os conceitos

culturais de gênero, tendo como foco as aulas de ginástica de academia, e como a inversão de

gênero e sexo nas práticas de diversas ginásticas tem propiciado a corporeidade genérica.

Como objetivos específicos propusemo-nos analisar a relação de gênero e ginástica na

história e o arrolamento dessa temática na educação física; como também analisar as

representações sobre corporeidade e sexualidade entre homens e mulheres.

A pesquisa pretendida tem caráter qualitativo, pois sua finalidade foi familiarizar-se

com o fenômeno e obter uma nova percepção a seu respeito, concebendo assim novas ideias

em relação ao objeto de estudo. A escolha da pesquisa qualitativa se deveu também ao fato de

se distanciar do caráter reducionista de técnicas quantitativas utilizadas pela ciência empírico-

analítica, envolta de objetividade (GAMBOA, 1989).

Segundo Minayo (2004), o estudo qualitativo visa incorporar a questão do significado

e da intencionalidade como inerentes aos atos, às relações e às estruturas sociais. Os estudos

qualitativos devem ser realizados com contextualizações relacionadas aos aspectos históricos,

sociais, culturais e estruturais. Cauduro (2004, p.22) afirma que os estudos qualitativos,

também conhecidos como descritivos, visam “à descrição e interpretação dos fenômenos

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sociais ou educativos e se interessar pelo estudo dos significados e intenções das ações

humanas”.

Desenvolvemos nosso estudo como pesquisa bibliográfica, pois abrange toda a

bibliografia já tornada pública em relação ao tema estudado. Desta forma a base desta

pesquisa foi o estudo de livros, artigos especializados, monografias, teses, dissertações e

internet, o que possibilitou o acesso e manipulação de informações relevantes para nossa

reflexão sobre as relações entre gêneros e as academias de ginásticas, buscando o conceito de

gênero, corpo e sexualidade como também buscar o histórico da ginástica em relação ao

gênero. “A sua finalidade é colocar o pesquisador em contato direto com tudo o que foi

escrito [...] sobre determinado assunto” (MARCONI; LAKATOS, 1988, p. 57-58). Köche

(1997, p. 122) reforça o objetivo dessa pesquisa: “conhecer e analisar as principais

contribuições teóricas existentes sobre um determinado tema ou problema, tornando-se

instrumento indispensável a qualquer tipo de pesquisa”. Vergara (2000, p. 48) completa

concordando que a pesquisa bibliográfica fornece instrumental para qualquer tipo de pesquisa,

mas afirma também que “pode esgotar-se em si mesma”. Pois esse tipo de pesquisa pode

trazer vantagens e limitações, sendo utilizada uma pesquisa direta com cobertura de uma

gama de fenômenos muito mais ampla, e utilização de fontes secundárias de forma

equivocada, respectivamente (GIL, 1991). Porém, “há pesquisas em que os dados obtidos a

partir de fontes bibliográficas são utilizadas de maneira exclusiva” (idem, p. 64).

Fachin (2001, p. 125) resume a importância da pesquisa bibliográfica, ao afirmar que

“[...] é a base para as demais pesquisas e pode-se dizer que é um constante na vida de quem se

propõe a estudar”.

Acreditamos que através da nossa pesquisa bibliográfica que agregue os

conhecimentos sobre as relações entre gênero e academias de ginástica, estamos

disponibilizando um conhecimento que poderá dar suporte a novas reflexões, ampliando uma

discussão além de poder servir de base para outras pesquisas na área.

Embora a área em estudo não seja nova, as discussões no Brasil caminham a passos

lentos, por isso o aprofundamento teórico referente ao assunto em questão se torna relevante,

adentrando nas relações sociais dos gêneros nas academias de ginástica.

Desta forma, visamos esse aprofundamento teórico abordando três capítulos teóricos:

as questões de gênero, corpo e sexualidade e as imposições ditadas; a evolução da ginástica; e

ginástica para homens e ginástica para mulheres.

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2 AS QUESTÕES DE GÊNERO, CORPO E SEXUALIDADE E AS IMPOSIÇÕES

DITADAS

As discussões de gênero foram incorporadas ao debate feminista entre o final dos anos

60 e início dos anos 70. Para Nicholson (2000), o conceito de gênero foi introduzido para

suplementar o de sexo, pois ao fincar na biologia as raízes das diferenças entre mulheres e

homens, o conceito „sexo‟ colaborou com a ideia da imutabilidade dessas diferenças e com a

desesperança de certas tentativas de mudança. Já para Scott (1995), gênero apresenta-se como

uma categoria analítica, como organização social da diferença sexual. Não refletindo ou

implementando diferenças físicas e naturais entre homens e mulheres, mas um conhecimento

que estabelece significação para as diferenças corpóreas.

O gênero, ao enfatizar o caráter fundamentalmente social das divisões baseadas no

sexo, possibilita perceber as representações e apresentações das diferenças sexuais. As

diferenças biológicas existentes entre homens e mulheres estão imbricadas a outras social e

culturalmente construídas. Nesse sentido, o argumento de que homens e mulheres são

biologicamente distintos e que a distinção entre ambos decorre dessa diferenciação tentou

justificar por muito tempo, e ainda hoje, as desigualdades sociais existentes entre os gêneros

(LOURO, 2007a).

Buscar por uma identidade de gênero implica articular suas variáveis, vinculadas

àqueles comportamentos, atitudes e modos de ser que definimos como sendo masculinos e

femininos. Sendo assim, Scott (1995) define gênero como sendo elemento constitutivo de

relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entres os sexos e, ainda, sendo uma forma

primária de dar significado às relações de poder. Louro (2001) completa que o gênero tem o

caráter fragmentado, instável, histórico e plural, afirmado pelos teóricos e teóricas culturais.

Ao longo dos séculos, as relações entre homens e mulheres constituem dois pólos,

sendo designada à mulher a condição de inferior. Platão, em “A República - V livro”,

desenhava a mulher como reencarnação dos homens covardes e injustos. Aristóteles, em “A

História Animalium”, afirmava que a mulher é fêmea em virtude de ser mais vulnerável à

piedade, chorona, mais afeita à inveja, à lamúria, à injúria, tem menos pudor e menos

ambição, não é confiável, é mais encabulada. Rousseau vê a mulher destinada ao casamento e

a ser mãe. Kant a considera pouco dotada intelectualmente, caprichosa indiscreta e

moralmente fraca. Sua única força é o encanto. Sua virtude é aparente e emocional

(LAQUEUR, 2001).

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Considerando que os corpos não se traduzem em matéria universalmente edificada

pelos desígnios da natureza, Goellner (2009, p.3) enfatiza que,

[...] a importância da utilização do “gênero” como uma categoria analítica

visto que esse conceito é fundamental para perceber os processos pelos

quais, no interior de redes de poder, a diferença biológica é tomada para

explicar desigualdades sociais gestando, assim, formas de inclusão e

exclusão de sujeitos e grupos. [...] Os corpos fazem-se femininos e

masculinos na cultura e essas representações, apesar de serem sempre

transitórias, marcam nossa pele, nossos gestos, nossos músculos, nossa

sensibilidade e nossa movimentação.

Ou seja, a autora acredita que as marcas culturais que contornam as representações que

temos de masculino e feminino são históricas, mutantes e provisórias. Como afirma Louro

(2004, p.84), essa marcação pode ser indicada, por exemplo,

[...] por uma aliança de ouro, por um véu, pela colocação de piercing, por

uma tatuagem, por uma musculação “trabalhada”, pela implantação de uma

prótese... o que importa é que ela terá, além de efeitos simbólicos, expressão

social e material. Ela poderá permitir que o sujeito seja reconhecido como

pertencendo a determinada identidade; que seja incluído em ou excluído de

determinados espaços; que seja acolhido ou recusado por um grupo; que

possa (ou não) usufruir direitos; que possa (ou não) realizar determinadas

funções ou ocupar determinados postos; que tenha deveres ou privilégios;

que seja, em síntese, aprovado, tolerado ou rejeitado.

Os gestos, as musculaturas, as roupas, os acessórios, os suplementos alimentares,

carregam consigo significados que, na nossa sociedade e no nosso tempo, estão associados ao

feminino e ao masculino. Essas marcas produzem efeitos e, não raras vezes, são reclamadas

para justificar a inserção, adesão e permanência de homens e mulheres em diferentes práticas

corporais e esportivas (GOELLNER, 2009).

A composição corporal e as qualidades físicas se diferenciam entre os sexos, sendo

que homens possuem a capacidade de produzir gestos e movimentos fortes, ágeis, viris e

eficientes; mulheres se diferenciam por características frágeis, leves, graciosas e belas. Sendo

assim, são esperados comportamentos apropriados para cada sexo/gênero2. Atividades que

exigem menor esforço físico e estão associadas à estética com movimentos harmônicos, leves

e suaves são indicadas à personalidade feminina; o contrário para homens.

2 Conforme Adelman (2006, p.12), aparentemente no esporte, se estaria trabalhando com essa “diferença

mínima” da anatomia dos corpos, mas como aponta Judith Butler, valer-se de uma distinção sexo (biológico) /

gênero (cultural e “papel social”) merece problematização, sendo que tal distinção pressupõe que teríamos

acesso a algum momento prévio à cultura e a nosso próprio esforço cognitivo e lingüístico de apropriação do

mundo.

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Essas identidades do masculino e do feminino são realidades socialmente construídas,

a sociedade que cria padrões de comportamento ditando serem normais ou desviantes. Essa

oposição entre os sexos não é decorrente da dimensão biológica dos seres humanos, mas varia

de cultura para cultura. Assim afirma Laqueur (2001, p.74) que “o corpo é um ator no palco,

pronto, para desempenhar os papéis que a cultura lhe atribui”.

Dessa forma constroem representações sexistas, alimentado a cultura da sociedade,

dotando o homem de capacidade para experimentar a ginástica, o esporte e as atividades

físicas mais intensas, e a mulher ficou restrita às mesmas atividades leves, preservando sua

capacidade produtiva e desenvolvendo características consideradas típicas e essenciais como a

graça, a forma e a beleza (VAITSMAN, 1994).

Desde o tempo da Bíblia, esta reconhecida como fonte de autoridade, buscavam-se

explicações sobre o relacionamento entre mulheres e homens nas suas diferenças, ditando ser

o corpo de menor importância para aquele tempo. Mais tarde é esse corpo que se torna causa e

justificativa das diferenças. “De um sinal ou marca da distinção masculino/feminino [as

características] passam a ser sua causa, aquilo que dá origem”, afirma Nicholson (2000, p.18).

Mudanças essas que dão significado ao que representa ser homem ou mulher em determinada

sociedade nas formas como o poder se exercita. Essa distinção de corpos feminino/masculino

se diverge e se modifica histórica e culturalmente. Como entende De Carteau (1982, p. 180)

apud (SANT‟ ANNA, 2000, p. 50), “[...] cada cultura tem o seu corpo assim como ela possui

a sua língua”.

Como já dizia Platão (429 – 347 a.C.), “o corpo humano, que encerra nossa alma, é

um templo em que se aloja uma centelha da divindade. Deve-se embelezar esse templo por

meio da ginástica e dos esportes, para que Deus se encontre bem nele. Assim, habitá-lo-á

muito tempo e nossa vida transcorrerá harmoniosamente” (RAMOS, 1982, p.89).

Para Foucault (1988), o corpo torna-se, ao mesmo tempo, agente e objeto nos embates

do campo social. Malysse (2002) reforça dizendo que este corpo passa a ser aceito como um

tipo de nova forma de economia, visto como algo a ser exibido e valorizado. O corpo será,

então, uma fonte utilitária para cumprir as novas exigências surgidas em novos contextos

culturais, econômicos, políticos e sociais (SABINO, 2004).

Deparamo-nos no século XX com a exigência de o corpo ser (re) modelado, adequado,

padronizado. Começando pela ideologia higienista, depois pelo mundo da moda e padrões de

beleza (SANTOS; SALLES, 2009). “O corpo torna-se, então, um produto, um rascunho a ser

corrigido, um acessório da presença, testemunha de defesa usual daquele que o encarna,

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sendo, assim, a descrição da pessoa deduzida da feição do rosto ou das formas de seu corpo”

(AZEVEDO; GONÇALVES, 2007, p. 68).

Dessa forma, a identidade corporal se modifica no tempo, constituindo valores antigos

e inovadores da sociedade, determinando, assim, os padrões de corpo. E para atingir essa

identidade corporal, o universo das academias de ginástica viabiliza meios para tal alcance.

Castro (2005, p.137) entende que esse espaço é propício para o culto ao corpo,

“[...] um tipo de relação dos indivíduos com seus corpos que tem como

preocupação básica o seu modelamento, a fim de aproximá-lo o máximo

possível do padrão de beleza estabelecido. Assim, envolve não só a prática

de atividade física, mas também dietas, cirurgias plásticas, uso de produtos

cosméticos e tudo o mais que responda à preocupação em se ter um corpo

bonito e/ou saudável”.

A beleza passa a ser significada como saúde e, assim, os indivíduos vão sendo

oprimidos na busca do modelo que os tornem saudáveis, almejando um corpo modelado ou

corpo musculoso (SANTOS; SALLES, 2009). Ainda, esses autores entendem que “os corpos

de homens e de mulheres devem ser modelados segundo uma geografia de gênero, a partir da

qual, os mesmos desejos permitam conduzir a uma cada vez maior distinção das formas

corporais (idem, p. 99).

As construções corporais da feminilidade e da masculinidade parecem ampliar a

distância anatômica entre homens e mulheres. Ao longo da história, os músculos expressam o

poder masculino, e por muito tempo estiveram associados à brutalidade, à rudeza e à

grosseria. No entanto, atualmente o corpo musculoso tornou-se um ícone cultural

completamente positivo e socialmente desejado (idem).

Endossando essas diferenças corporais, Marzano-Parisoli (2004) considera que o

corpo musculoso é domesticado pelo homem, enquanto a mulher deve domar seu corpo,

sobretudo, pelas dietas emagrecedoras, tornando-o compacto, mais esbelto, aumentando,

assim, o contraste entre homens e mulheres.

Nesse caso, a rigorosa minúcia com que eram estipulados os regulamentos para o

comportamento corporal de homens e mulheres torna os corpos vítimas de políticas de

saberes/poderes que identificam, classificam, recalcam, estigmatizam, enfim, formam e

deformam as imagens de estereótipos sexuais de feminino e masculino. Estabelecem um

padrão de normas de comportamento, perpetuando controle e manipulação. “A argumentação

que coloca os gêneros e as sexualidades no âmbito da cultura e da história, leva a

compreendê-los implicados com o poder” (LOURO, 2007a, p. 211).

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Porém, para Michel Foucault (1988, p.100), implica assumir que “a sexualidade é o

nome que se pode dar a um dispositivo histórico” e que “não se deve concebê-la como uma

espécie de dado da natureza que o poder é tentado a pôr em xeque, ou como um domínio

obscuro que o saber tentaria, pouco a pouco, desvelar”.

O poder agindo ativamente entre os gêneros e as sexualidades institui as referências de

normalidade e de diferença, de sujeitos normais e de sujeitos “diferentes”. Carrega

possibilidade de instabilidade, multiplicidade e provisoriedade. As diferenças de gênero e de

sexualidade que são atribuídas às mulheres e aos homens expressam-se materialmente em

seus corpos e na concretude de suas vidas. Ao fugir daquela identidade marcada como normal

são taxados de esquisitos, extravagantes, sujeitos fora da normalidade, representações que

atribuem como fora das normas de centralidade (LOURO, 2007b). Põem em questão o caráter

cultural da masculinidade e da feminilidade ao escolherem a mobilidade e a posição de

trânsito nas suas práticas corporais.

Provocar identidades excêntricas desestabiliza e desconstrói a naturalidade e assim

surgem indagações sobre determinadas características (físicas, psicológicas, sociais, etc.) de

homens e mulheres, tomadas como definidoras de diferença. Acabam por manter o lugar

especial e problemático das identidades marcadas, sofrem preconceitos e recebem marcas da

particularidade, da instabilidade e da diversidade. São supostamente identificadas como

homossexuais. Porém, quando se busca uma atividade ditada como feminino e masculino,

para homens e mulheres respectivamente, não significa negar a materialidade e nem desprezar

seus corpos. Buscam por algo prazeroso e que satisfaça seus desejos, pois “os corpos não se

conformam, nunca, completamente, às normas pelas quais sua materialização é imposta”

(BUTLER, 1999, p. 54). Entende-se que essas práticas “desviantes” promovem a

marginalização dos papéis femininos e masculinos. Reforçando esse discurso, Sabino (2004)

apontou que as mulheres, ao buscarem um corpo mais musculoso, provocam muitas vezes,

uma deterioração da identidade e, assim, elas passam a ser estigmatizadas como “sapatão”, ou

até mesmo confundidas com “travestis”; e assim também para os homens quando buscam

harmonia e movimentos arredondados nas práticas de ginásticas, passam a ser chamados de

“gays”.

A noção dos dispositivos da sexualidade em Foucault é a explicitação do poder, que

desenha seu perfil na identificação dos corpos, nas práticas sexuadas, sem abandonar a

hegemonia da sexualidade binária e do eixo reprodutivo, ou seja, a proliferação de

sexualidade heterossexual, num regime ordenado de saber. Esses dispositivos da sexualidade

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irão investindo, modelando e construindo corpos sexuados que se representam de formas

variadas, mas sempre controladas.

Na construção de conceitos hegemônicos referentes a masculinidades e feminilidades

surge o termo androginia que sintetiza a possibilidade de vigilância sobre o corpo e o

comportamento de homens e mulheres inseridos nas imagens que aparecem em diferentes

espaços e tempos num contexto sociocultural no qual papéis diferenciados podem ser

designados para ambos os sexos. Conforme Wesley e Wesley (1977) citado por Oliveira

(1983, p.26), o termo androginia,

Vem de andro (homem) e gine (mulher). Significa, em geral, tanto o

masculino quanto o feminino. Contrário tanto à masculinização quanto à

feminilização, androginia não exige nem do homem nem da mulher uma

aceitação total e exclusiva dos traços de papel sexual característicos do sexo

oposto. Ambos os sexos mantém seu traços típicos, mas também incorporam

os traços do sexo oposto a seus repertórios de comportamento. Assim, tanto

homens quanto mulheres devem ser assertivos e submissos, cautelosos e

aventureiros, dependentes e independentes, etc. O indivíduo andrógino é

concebido como sendo menos contido por papéis sexuais convencionais, e

como sendo mais flexível e mais livre para engajar-se naquilo que lhe

parecer mais eficaz no momento.

Antigamente, hierarquizavam-se os sujeitos em um único modelo sexual, o

masculino, diferindo assim os corpos de homens e mulheres, em graus de perfeição.

Explicavam que as mulheres tinham “dentro de seu corpo” os mesmo órgãos genitais que os

homens tinham externamente. “As mulheres eram essencialmente homens nos quais uma falta

de calor vital – de perfeição – havia resultado na retenção, interna, de estruturas que nos

machos eram visíveis” (LAQUEUR, 1990, p.4). Mais tarde a substituição desse modelo pelo

modelo de dois sexos.

Com o aparecimento da identidade sexual, introduz-se a questão do binarismo

masculino/feminino. Nesse sentido, o contexto histórico estrutura modelos de percepção

diferenciada para o corpo de homens e o corpo de mulheres. Ao homem foi atribuído o perfil

de dominador, de detentor da razão, e à mulher deu-se o modelo de exterioridade, de

preocupação com a beleza, de reprodução, de mãe, de objeto de prazer.

Dessa forma sugere novas formas de pensar a cultura das práticas corporais em relação

ao gênero. E uma teoria que permite pensar a ambigüidade, a multiplicidade e a fluidez das

identidades sexuais e de gênero é a teoria queer.

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[...] ela nos obriga a considerar o impensável, o que é proibido pensar, em

vez de simplesmente considerar o pensável, o que é permitido pensar. [...] O

queer se torna, assim, uma atitude epistemológica que não se restringe à

identidade e ao conhecimento sexuais, mas que se estende para o

conhecimento e a identidade de modo geral. Pensar queer significa

questionar, problematizar, contestar todas formas bem-comportadas de

conhecimento e de identidade. A epistemologia queer é, neste sentido,

perversa, subversiva, impertinente, irreverente, profana, desrespeitosa

(SILVA, 2000, p. 107 apud LOURO, 2004, p. 47-48).

O queer, como observa Tamsin Spargo (1999, p. 8 apud LOURO, 2004, p. 63-64),

“pode ser tomado como um substantivo, um adjetivo ou um verbo, mas sempre se definindo

contra o normal ou normalizante”. Significa, no contexto anglo-saxão, expressão pejorativa

como sapatão, bicha ou veado; e corresponde em português a estranho, esquisito, ridículo,

excêntrico (idem).

É no corpo e através do corpo que os processos de afirmação ou transgressão das

normas regulatórias se realizam e se expressam. Assim, os corpos são marcados social,

simbólica e materialmente pelo próprio sujeito e pelos outros (ibidem). Dessa forma, há um

adestramento dos corpos para que sigam modelos socialmente impostos a cada um dos

gêneros, e quando se desviam desses modelos, normalmente são tachados dentro da

sociedade, que discrimina.

Sendo assim, no universo das academias, o culto do corpo engendra uma busca

incansável trilhada por meio de uma árdua rotina de exercícios, através dos quais se pretende

superar os próprios limites em nome de contornos corporais concebidos como ideais

(HANSEN; VAZ, 2004).

Porém, é preciso compreender que nos espaços sociais frequentados por ambos os

gêneros não é necessária uma separação para que estes se adequem ao imposto pela

sociedade. É fundamental a busca pela conquista dos espaços para ambos os gêneros, pois, na

academia, todas as atividades e espaços são permitidos e frequentados por ambos. A

estereotipia criada, através da qual se separam e demarcam fronteiras entre os gêneros, deve

ser quebrada em prol da busca de uma igualdade, na conquista de espaços por vezes não-

permitidos a um ou outro gênero.

No entanto, para o entendimento dessas questões tão pertinentes aos espaços sociais, é

preciso buscar a compreensão dos fatos históricos que desencadearam as transformações

ocorridas na prática de atividades físicas quanto à divisão de gênero. Dessa perspectiva,

abordaremos no próximo capítulo a evolução da ginástica e seus desdobramentos na ginástica

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de academia, segundo a categoria de análise gênero, ponto de partida e ponto de chegada do

nosso trabalho.

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3 A EVOLUÇÃO DA GINÁSTICA

A educação física, entendida como ginástica, se ocupará de um corpo a-histórico,

indeterminado, um corpo anatomofisiológico, meticulosamente estudado e cientificamente

explicado. Ela encarna e expressa os gestos automatizados, disciplinados, e se faz

protagonista de um corpo “saudável”; torna-se receita e remédio para curar os homens de sua

letargia, indolência, preguiça, imoralidade, e, desse modo, passa a integrar o discurso médico,

pedagógico... familiar (SOARES, 2004, p.6).

A educação física estruturada no campo social será a expressão de uma visão biológica

e naturalizada da sociedade e dos indivíduos. Como responsabilidade individual, ela

incorporará e veiculará a ideia da hierarquia, da ordem, da disciplina, da fixidez, do esforço

individual e da saúde. Na sociedade do capital, constituir-se-á em valioso objeto de

disciplinarização da vontade, de adequação e reorganização de gestos e atitudes necessários à

manutenção da ordem.

Como unidade produtiva, o corpo individual passa a ser instrumento de investimento,

observa Foucault (1985, p.203) em:

[...] o controle da sociedade sobre os indivíduos não se opera simplesmente

pela consciência ou pela ideologia, mas começa no corpo, com o corpo. Foi

no biológico, no somático, no corporal que antes de tudo investiu a

sociedade capitalista. O corpo é uma realidade biopolítica.

Segundo Soares (2004), no Brasil, a educação física se confunde com as instituições

médicas e militares. São nesses momentos que as instituições definem o caminho, delineiam o

seu espaço e delimitam o seu campo de conhecimento, tornado-a instrumento de ação e de

intervenção na realidade educacional e social, ao longo do período de 1850 a 1930.

Em nome da saúde, da ordem e do progresso, são os médicos higienistas que,

investidos de uma autoridade que lhes outorga o Estado pelo conhecimento que detêm sobre o

“corpo biológico” dos indivíduos, contribuirão para a formação que faz necessária para o

Brasil de um novo homem disciplinado. A medicina social, em sua vertente higienista, vai

influenciar e condicionar de modo decisivo a educação física, a educação escolar em geral e

toda a sociedade brasileira, considerando-a um valioso componente curricular com acentuado

caráter higiênico, eugênico e moral.

Segundo Azevedo (1919 apud SOARES, 2004, p. 120), a eugenia é:

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A ciência ou disciplina que tem por objetivo o estudo dos fatores que, sob o

controle social possam melhorar ou prejudicar mentalmente, as qualidades

raciais das gerações futuras; ou por outras palavras, o estudo das medidas

sociais, - econômicas, sanitárias e educacionais que influenciam, física e

mentalmente, o desenvolvimento das qualidades hereditárias dos indivíduos

e, portanto, das gerações.

O pensamento médico higienista, em sua vertente eugênica de raça, atravessa o

pensamento pedagógico e influencia fortemente a construção e estruturação da educação

física no Brasil. Tal pensamento identificava a necessidade de garantia da procriação e como

consequência, o melhoramento da geração atual. A educação física, valorizada pelas elites

dirigentes, trata de questões de saúde em geral, de moral ou de educação e ainda deveria estar

associada à educação sexual, transformando homens e mulheres em reprodutores potenciais,

como também vigilantes da pureza de sua própria raça.

Segundo Costa (1983, p.214 apud SOARES, 2004, p.75), o típico indivíduo urbano

seria o produto dessa pedagogia higienizada:

[...] indivíduo física e sexualmente obcecado pelo seu corpo; moral e

sentimentalmente centrado em sua dor e seu prazer, socialmente racista e

burguês em suas crenças e condutas; finalmente, politicamente convicto de

que da disciplina repressiva de sua vida depende a grandeza e o progresso do

Estado brasileiro.

E por esse viés, tudo passou a ser regulado, controlado e vigiado; tempo e espaço,

conteúdo e forma foram pensados para o estudo, o descanso, o exercício físico, a alimentação.

A educação do físico disciplinado tornava-se uma exigência para a formação desse novo

homem, coerente com os pensamentos higienistas, e é nesse sentido que a educação física

passa a fazer parte da educação das elites, ministrada pelos colégios; disciplina, tempo e

ordem eram os fundamentos da educação das elites. “[...] A educação física passaria então a

constituir-se em elemento de extrema validade para colocar em prática o processo disciplinar

dos corpos” (idem, p.79).

À medida em que a sociedade brasileira vai ingressando no modo capitalista de

produção, a homogeneização das mentes e dos corpos vai se adequando à nova ordem. A

educação física torna-se o meio mais eficaz de promover essa adequação e essa

homogeneização das mentes e dos corpos. Como transcreve Marinho (1882 apud

CASTELLANI FILHO, 1988, p. 48), “[...] a consagração do aforisma de Juvenal Mens sana

in corpore sano”, afirma ser o correto entendimento da relação entre corpo e mente, matéria e

espírito.

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Valendo-se da educação física, a educação higiênica das elites pode ditar as normas do

comportamento saudável e, através dele, inculcar valores de urbanidade, racismo,

superioridade masculina, entre outros.

Por razões como essas, a educação física assume um papel de disciplinar os corpos,

constitui-se em importante instrumento de construção da ordem em um processo de

transformação histórica das necessidades do adestramento físico. Sendo assim, a educação

física precisa ser discutidas em relação às práticas corporais a questão da esteriotipação do

comportamento masculino e feminino em nossa sociedade, para compreender os

acontecimentos passados e correlacioná-los com as tendências que os permeiam na busca do

estabelecimento de relações de corporeidade entre os papéis representados pela ginástica ao

longo de sua existência, e sua configuração presente.

3.1 A CONFIGURAÇÃO HISTÓRICA DA GINÁSTICA

Para melhor compreensão do universo da ginástica e sua transformação, faz-se

necessário analisar a construção de movimentos ou habilidades culturalmente determinados,

em relação ao gênero, pois, historicamente, formou-se um campo de poderes, cuja inscrição

de marcas culturais vincula as ações de masculinidades e feminilidade na constituição de uma

generificação dos corpos.

A evolução histórica das Ginásticas apresenta suas próprias características de forma

provisória, modificando-se de acordo com as novas necessidades dos homens de vivenciar o

corpo em termos de práticas corporais. Segundo Fiorin (2002, p. 17), “a Ginástica, sendo

entendida como sinônimo de atividades físicas em geral, vai ganhando roupagens diferentes

de acordo com as épocas, culturas e interesses distintos”. E com isso há a necessidade de

retomar o assunto histórico das ginásticas sempre que possível para „reenquadrá-lo‟ numa

perspectiva atual.

Culturalmente a história se modifica e ao mesmo tempo acompanha o processo

evolutivo do ser humano. Mantendo um parâmetro histórico, Ramos3 (1982, p.15) afirma que

“[...] a prática de exercícios físicos vem da Pré-História, afirma-se na Antiguidade, estaciona

na Idade Média e sistematiza-se nos primórdios da Idade Contemporânea”.

3 O General Jayr Jordão Ramos nasceu em 14 de julho de 1907, no Rio de Janeiro. Cursou a Escola Militar do

Realengo, e foi declarado aspirante a oficial em 1930. Ao longo de toda a sua carreira militar dedicou-se às

questões relacionadas à prática e ao ensino de Educação Física.

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Os homens pré-históricos dependiam dos movimentos para a sua sobrevivência,

realizavam toda sorte de exercícios naturais, com a preocupação de atacar e defenderem-se,

praticando uma verdadeira educação física espontânea e ocasional, apurando assim seus

sentidos, forças e habilidades em aspectos naturais e utilitários, além dessas características

também apresentavam os de guerreiro, ritual e recreativo. E dado o aperfeiçoamento e

sistematização dos exercícios, atingiram-se na antiguidade, características guerreiras com

objetivos de desenvolver músculos fortes para defender a pátria, como também em preparação

às olimpíadas.

Antes de o povo grego estabelecer o significado universal de beleza, o Egito trazia

características próprias, estabelecendo o vigor físico de seu povo, “[...]o grosso da população

masculina compunha-se de indivíduos altos, sólidos e musculosos, largos de ombros, estreitos

de quadris, com braços e pernas alongados, peito forte e saliente, rosto oval, boca carnuda e

pele bronzeada” (RAMOS, 1982, p. 71), em uma harmonia de formas e corpos esbeltos.

Na Grécia, o adestramento do corpo constituía um meio para formação do espírito e da

moral, representada pelo movimento, beleza e ensinamentos. Essa civilização compreendia os

exercícios físicos, as práticas feitas em estado de nudez, geralmente de caráter desportivo, a

fim de dar ao indivíduo saúde, harmonia de formas, força, resistência e beleza. Da mesma

forma que cultivavam o corpo preparavam-se para as competições da época. A Grécia foi o

berço dos Jogos Olímpicos (776 a.C – 393 d.C.) e, juntamente com os exercícios físicos,

valorizava a educação corporal.

Duas cidades traçaram normas à vida helênica: Esparta e Atenas. Na primeira, os

exercícios corporais objetivavam, principalmente, a preparação militar e cultivavam a

agressividade e a energia na ação. As mulheres também praticavam todas as atividades

masculinas; como para os homens, os exercícios procuravam dar à mulher grande fortaleza

física, adestrando-as aos afazeres domésticos. Já na segunda, Atenas, utilizava a formação

corporal de cunho educacional, ditando que “através de uma preparação física bem orientada

com execução de exercícios leves, capazes de dar ao corpo graça, beleza, vigor e coragem, o

jovem adquiria energia, equilíbrio, vigor, harmonia de formas e espírito guerreiro” diferentes

da educação da mulher que era essencialmente doméstica; as práticas de exercícios rítmicos

eram realizadas sob a forma de danças (idem, p. 103).

Herdeira da cultura dos gregos, Roma caracterizou-se em espírito prático, utilitário e

organizador. O exercício tinha como objetivo a preparação militar, como também em segundo

plano desenvolviam a prática de atividades desportivas, como as corridas de carros e os

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combates de gladiadores em suas instalações desportivas como as termas, o circo, o anfiteatro

e o estádio para a prática dos exercícios corporais.

Os exercícios físicos na Idade Média tomaram como base a preparação militar, cujos

soldados lutaram nas Cruzadas empreendidas pela igreja durante os séculos XI, XII e XIII. As

práticas de esgrima, o manejo do arco e flecha, as marchas e corridas a pé eram desenvolvidas

para o adestramento desses homens, como requisito para participar nas justas e torneios, com

o objetivo de “enobrecer o homem e fazê-lo forte e apto” (ibidem, p. 167).

Nessa época perdurou a ascensão do Cristianismo que pregava o descaso pelas coisas

do corpo para a salvação da alma, tornando o culto ao corpo um verdadeiro pecado. Porém o

homem sempre teve interesse no seu próprio corpo e logo, com o Renascimento, no fim da

Idade Média e começo dos Tempos Modernos, novamente é explorada a beleza do corpo, com

a introdução de novas culturas corporais para a sociedade. O exercício físico, na Idade

Moderna, considerada simbolicamente a partir do ano de 1453, quando da tomada de

Constantinopla pelos turcos, passou a ser altamente valorizado como agente de educação. A

partir desse contexto novos movimentos de sistematização da ginástica vão surgindo.

Reforçando esse processo histórico, Gaio (2006) completa dizendo que os exercícios

físicos foram sendo sistematizados por longos anos e hoje se aprimoraram em movimentos

específicos denominados de Ginástica, para atender aos interesses e às necessidades do ser

humano.

O conceito do termo Ginástica, segundo o Novo Dicionário Aurélio da Língua

Portuguesa, vem do grego, Gymnastiké, e significa a “Arte ou ato de exercitar o corpo para

fortificá-lo e dar-lhe agilidade. O conjunto de exercícios corporais sistematizados, para este

fim, realizados no solo ou com auxílio de aparelhos e aplicados com objetivos educativos,

competitivos, terapêuticos, etc.”. Na Encyclopedia Britannica, a Ginástica é definida como “a

system of physical exercices practised either to promote physical development or a Sport”. De

acordo com a Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira (1960, p.850), a Ginástica é

caracterizada como:

Uma forma ou modalidade de educação física, isto é, uma maneira de formar

fisicamente o corpo humano, sendo as restantes, além dela, os jogos e os

desportos. A definição científica diz-nos que a ginástica é a exercitação

metódica dos órgãos no seu conjunto (relacionada ao movimento e à

atitude), por intermédio de exercícios corporais, de “forma” precisamente

determinada e ordenados sistematicamente, de modo a solicitar não só todas

as partes do corpo, como as grandes funções orgânicas vitais e sistemas

anatômicos, nomeadamente: o respiratório, o cárdio-circulatório, o de

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nutrição (assimilação e desassimilação), o nervoso, os órgãos de secreção

interna, etc.

Segundo Gaio (2006, p.13), “A origem da Ginástica se confunde com a da Educação

Física”. Contudo Langlade & Langlade (1970) nos lembra que, de todos os períodos histórico-

evolutivos, é o Renascimento que marca a origem de um novo olhar para os exercícios físicos,

em especial para a Ginástica, para o cuidado com o corpo. Ainda afirmam que a Ginástica

nasceu a partir de 1800 e foi sistematizada frente ao sentido anátomo-fisiológico de corpo e se

desenvolveu através dos métodos ginásticos Alemão, Sueco, Inglês e Francês.

Segundo Soares (2004, p.64):

A partir do ano de 1800 vão surgindo na Europa, em diferentes regiões,

formas distintas de encarar os exercícios físicos. Essas formas receberão o

nome de métodos ginásticos (ou escolas) e correspondem, respectivamente,

aos quatro países que deram origem às primeiras sistematizações sobre a

ginástica nas sociedades burguesas: a Alemanha, a Suécia, a França e a

Inglaterra. Essas mesmas sistematizações serão transplantadas para outros

países forma do continente europeu.

Langlade & Langlade (1970) relata que na Escola Alemã a ginástica era considerada

como dever da vida e tinha uma forte tendência pedagógica; a Escola Nórdica, fundamentada

nos estudos das ciências biológicas, preocupava-se com a execução correta dos exercícios; já

a Escola Francesa, caracterizava-se por uma finalidade não-escolar, em virtude dos seus

exercícios objetivarem o desenvolvimento da força e ser marcante o espírito militar; e, por

fim, a Escola Inglesa era a única com orientação não-ginástica, por valorizar e desenvolver os

jogos e os esportes.

Soares (2004) completa que na Alemanha a ginástica tinha a finalidade da defesa da

pátria, criando forte espírito nacionalista de homens e mulheres fortes, robustos e saudáveis.

Guts Muths (1759-1839), um dos fundadores da ginástica Alemã, apoia-se nas leis da

fisiologia e diz que a ginástica deveria ser ministrada todos os dias e para todos, disseminando

cuidados higiênicos com o corpo e com o espaço onde vive. Outro idealizador Friederich

Ludwig Jahn (1778-1852) reforça o caráter militar na ginástica.

A Escola Sueca coloca a ginástica como instrumento capaz de criar indivíduos fortes,

saudáveis e livres de vícios. Pehr Henrich Ling (sueco, 1776-1839), considerado pai da

ginástica sueca, cria seu método pautado na anatomia e na fisiologia, através das atividades de

ginástica pedagógica, médica, militar e estética. Acionou de preferência as duas primeiras

modalidades, assegurando a saúde essencialmente respiratória, assim como a beleza, por seus

efeitos corretivos e ortopédicos. Contribuiu para uma educação disciplinar com formação de

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caráter enérgica e viril. Estabeleceu o regulamento em que todos jovens deveriam praticar a

ginástica, afirmando que “Uma educação física racional tem que determinar, também, como

se devem alimentar, banhar e vigorizar os jovens ao ar livre, a fim de que a inércia não os

debilite”, citado por Ramos (1982, p. 198). Transformou a ginástica estética em ginástica de

movimento, de maneira elegante e com música, contribuiu de maneira notável na ginástica

feminina. Impregnou o trabalho ginástico de mais potência, flexibilidade e ritmo.

Já o Método Inglês tem características de movimento desportivo, ou seja, a

importância moral e, em particular, psíquica, atribuída à prática dos meios físicos é marcada

pela preferência pelos jogos, com prejuízo dos exercícios sistematizados de ginástica.

Outro método a contribuir na sistematização da ginástica foi o Método Francês, tendo

como idealizador o coronel Francisco Amorós e Ondeano (1770-1848), que admitia três tipos

de sistemas ginásticos: civil, militar e médico. E para Amorós, a ginástica deveria abranger:

[...] “a prática de todos os exercícios que tornam o homem fisicamente, moralmente e

psicologicamente mais desenvolvido em suas qualidades e, consequentemente, o

melhoramento da espécie humana” (SOARES, 2004, p.61). A França se pautou pelo conteúdo

médico-higiênico e teve como representantes George Demeny (1850-1917), Philipe Tissié

(1852-1935), Fernand Langrage (1845-1909) e Esteban Marey (1830-1904). Pontuando um

universo utilitário, a ginástica é capaz de permitir a economia de tempo, de gasto de energia e

de cultivo à saúde, potencializando a necessidade das ações e dos gestos (idem, p. 18), pois

qualquer dispêndio de energia prejudicaria o desenvolvimento físico e moral da população, o

que significaria menor desenvolvimento econômico.

Dessa forma, foi incorporada a ideia de uma concepção científica fundamentada pelo

caráter ordenativo, disciplinador e metódico, abafando assim as práticas corporais populares

manifestada nos circos e nas feiras, praticadas por malabaristas, saltimbancos, bailarinos,

contorcionistas e outros artistas circenses, que expressavam em seus movimentos a liberdade

do corpo ágil e alegre, contrários da nova exigência do espírito científico, conforme relata

Soares:

[...] traziam o corpo como espetáculo. Invertiam a ordem das coisas.

Andavam com as mãos, lançavam-se ao espaço, contorciam-se, encaixavam-

se em pequenos potes, em cestos, imitavam bichos, vozes, produziam sons

com as mais diferentes partes do corpo, cuspiam fogo, vertiam líquidos

inesperados, gargalhavam, viviam em grupos. Opunham-se assim aos novos

cânones do corpo acabado, perfeito, fechado, limpo e isolado que a ciência

construirá, da vida fixa e disciplinada que a nova ordem exigia (SOARES,

1998, p.25).

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A ginástica deveria transformar-se em objeto de investigação científica e, desse modo,

apartar-se definitivamente de seus vínculos populares, permitindo sua inserção no discurso do

poder, juntamente com a compreensão de ser ela técnica capaz de contribuir para a

incorporação de alguns cuidados de si, de novos códigos de civilidade.

Goellner (2003, p, 37) descreve:

A “ginástica” compreendia diferentes práticas corporais, como por exemplo,

exercícios militares de preparação para guerra, acrobacias, danças, cantos,

corridas, jogos, esgrimas, natação, marchas, lutas, entre outras. Estava

voltada para a formação do caráter, para potencialização da energia

individual, para a aquisição da força, resistência, agilidade, enfim, para a

formação de um sujeito moderno, constituidor de novos tempos cujo corpo a

ser produzido e valorizado estava pautado pela lógica do rendimento, da

produtividade e da individualização das aparências.

Assim, a cultura corporal com movimentos imprevisíveis e ousados deveria ser

reinventada nas normas da ginástica científica, pois suas manifestações deveriam ficar

ocultas. Ao se realizarem, evidenciavam assim o realismo grotesco que partia da associação

aos opostos “alto” e “baixo”, como explica Soares (1998), que o alto seria a cabeça e o baixo

seria o ventre, os órgãos genitais e o traseiro, essas últimas sendo representadas como inferno,

tentações, sujeira, o que deveria ser proibido e escondido. O alto, a cabeça, comandava o

corpo, valorizava as permanências e condenava a mutabilidade, as inversões. Ainda Bakhtin

(1987) relata esse corpo grotesco que vive a plena comunicação com o universo e com os

outros corpos:

[...] o corpo e a vida corporal adquirem simultaneamente um caráter cósmico

e universal; não se trata do corpo e da fisiologia no sentido restrito e

determinado que se tem em nossa época... O porta-voz do princípio material

e corporal não é aqui o ser biológico isolado nem o egoísta indivíduo

burguês, mas o povo, um povo que na sua evolução cresce e se renova

constantemente... As manifestações da vida material e corporal não são

atribuídas a um ser biológico isolado ou a um indivíduo “econômico”

particular e egoísta, mas a uma espécie de corpo popular, coletivo genérico...

A abundância e a universalidade determinam por sua vez o caráter alegre e

festivo (não cotidiano) das imagens referentes à vida material e corporal

(BAKHTIN, 1987. P.17).

Essas práticas liberais eram motivos de preocupações para a ginástica científica, pois

não incluíam rigor e nem fundamentação para cada gesto. No campo científico, desejava-se

afirmar um corpo adestrado sem traços de imperfeição, traçando-se desta forma um perfil de

ginástica controlada com objetivos de valorizar o corpo, com característica fixa, limpa,

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prudente, segura e produtiva, para então ser levada às instituições oficiais, como ginásios e

escolas.

O movimento Ginástico Europeu foi, portanto, um primeiro esboço desse esforço e o

lugar de onde partiram as teorias de hoje da educação física no Ocidente. Balizou o

pensamento moderno em torno das práticas corporais que se construíram fora do mundo do

trabalho, matizando a ideia de saúde, vigor, energia e moral. Teve particularidades nos países

de origem, com finalidades semelhantes de regenerar a raça e promover a saúde, desenvolver

a vontade, a coragem, a força, a energia de viver para servir à pátria nas guerras e nas

indústrias e moralizar os indivíduos e a sociedade, intervindo radicalmente em modos de ser e

de viver.

Esses movimentos ginásticos vão até 1939, quando foi realizada a primeira Lingiada

em Estocolmo, um festival internacional de ginástica em comemoração ao centenário de

morte de Per Henrik Ling, dando início ao período que se estende até os dias de hoje,

denominado “Influências recíprocas e universalização dos conceitos ginásticos”

(LANGLADE; LANGLADE, 1970).

Analisando esse breve histórico da sistematização dos exercícios e, posteriormente, a

ginástica propriamente dita, buscamos identificar as relações de gênero feminino/masculino

no âmbito das práticas de ginásticas do passado até o presente, enfatizando o caráter

fundamentalmente social das divisões baseadas no sexo que são culturalmente construídas.

Seguiremos a partir dos movimentos europeus como intervenção/contribuição para evolução

da ginástica no Brasil, promovendo uma discussão em relação à formação de conceitos

estereotipados relacionados às diferenças entre os sexos, relacionado a ginástica como

instrumento de disciplinarização dos corpos no próximo sub-capítulo.

3.2 AS RELAÇÕES DE GÊNERO NA GINÁSTICA DO BRASIL

A implementação da educação física e da ginástica se deu com a chegada da família

Real Portuguesa ao Brasil, e visava à preparação física dos soldados da Corte (MARINHO,

1943). A ginástica passou a ser sistematizada por instituições médicas e militares ao longo do

período de 1850 a 1930. Segundo Soares (2004), em 1860, primeiramente ocorreu a

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implantação da ginástica alemã, como método oficial do exército brasileiro, e permaneceu até

o ano de 1912. Mais tarde é inserido o método Francês, até por volta de 1960. As instituições

médicas e militares, em diversos momentos, definem os caminhos, campos de conhecimentos,

delineiam espaço, tornando-se instrumentos de intervenção na realidade educacional e social.

A ginástica poderia, então, ser um instrumento para que essa educação e disciplinarização dos

corpos pudessem acontecer. A educação física era o meio mais eficaz de promover a

adequação e a homogeneização das mentes e dos corpos. A educação física, no Brasil,

tentando constituir o universo escolar, surge como promotora da saúde e higiene física e

mental, da regeneração da raça. Os educadores passaram a defender a introdução da ginástica

nos colégios, em caráter obrigatório, como afirma Soares (2004, p.93):

[...] distingue-a das horas de recreio, confere aos professores dessa matéria

igualdade aos demais que compõem o universo escolar e estende a ginástica

a ambos os sexos, preservando, porém, para a mulher, as “funções” a serem

por ela desempenhadas na sociedade – as de “mulher/mãe”, de reprodutora

dos filhos da pátria. A ginástica destinada à mulher deveria, então, acentuar

as formas feminis e, desse modo, compor o ideário burguês sobre as

diferenças da mulher em relação ao homem.

A ginástica por basear-se na ciência e higiene, Rui Barbosa e mais tarde Fernando de

Azevedo, defendem a ginástica sueca de Ling por ter um caráter pedagógico, considerando-a

mais apropriada e adequada nos estabelecimentos de ensino do Brasil.

Conferindo-lhe cientificidade, a ginástica se respalda nas ciências biológicas e passa a

ser recomendada mundialmente por médicos, potencializando-se como capaz de, em si

mesma, desenvolver corpos saudáveis em meio à miséria física e social do povo, em meio a

doenças, epidemias e morte. Higiene, raça e moral pontuam as propostas pedagógicas e legais

que contemplam a Educação Física com a importância da saúde e da educação, conforme

acentua Rui Barbosa4.

Marcados pelo cuidado do corpo e da saúde, o higienismo é visto de forma

revolucionária na atuação do coletivo; seu lema por especialistas do ramo era: „prevenir antes

de curar‟, erradicar o mal antes que ele se manifeste (SHWARCZ, 1993, p. 206). Ainda

4 Era dever primário, como bem diz Rui Barbosa, da existência humana “cuidar do corpo”, “da saúde”, e a

ginástica seria o elemento capaz de promover a saúde através do “saudável” exercitar dos músculos, atividade

esta que deveria tornar-se hábito. Portanto, a ginástica não poderia ficar fora da escola, afirmando ser a sua

obrigatoriedade universalmente aceita. Uma educação popular que não incluísse a ginástica seria considerada

indigna desse nome, porque a ginástica deveria acompanhar todo o ensino e plantar no homem o sentimento de

sua necessidade, assim como “do pudor, da urbanidade e do asseio” (BARBOSA, 1942, p. 174 apud SOARES,

2004).

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reporta às causas da eugenia definida como uma nova ciência que “[...] consiste no conhecer

as causas explicativas da decadência ou levantamento das raças, visando à perfectibilidade da

espécie humana, não só no que respeita o phisico como o intellectual. [...] a eugenia não é

outra coisa senão o esforço para obter uma raça pura e forte” (idem, p.231).

A ginástica era praticada por todos dada a sua definição genérica e utilitária.

Entretanto, para o trabalho completo da educação do corpo eram necessários exercícios que

pudessem desenvolver os órgãos dos sentidos, que pudessem atender aos preceitos da

elegância e, portanto, variar entre os sexos. Para meninas, eram indicados canto, declamação e

piano; para meninos, salto, carreira, natação, equitação e esgrima; e dança para meninos e

meninas (SOARES, 2004, p. 80).

No Brasil, os princípios dos exercícios realizados nas ginásticas europeias eram vistos

como imoral para as mulheres, e esta constituição histórica seria incutida nos indivíduos e na

população, no sentido de demarcar questões de gêneros e sexuais.

Relacionadas com a teoria da Evolução de Charles Darwin, essa posição na relação de

gênero, segundo Capra (1982, p.106), constitui uma teoria “fortemente impregnada do

preconceito patriarcal de seu tempo [...]. O macho típico era visto como forte, bravo e

inteligente e a fêmea típica como passiva, frágil de corpo e deficiente de cérebro”.

Era cada vez mais nítida a diferenciação dos perfis estereotipados masculinos e

femininos que se desejavam alcançar sob influências higienistas. A ginástica feminina deveria

oferecer às mulheres a harmonia de suas formas feminis que se prestassem às exigências da

maternidade futura.

Na história higienista da educação física, como afirma Castellani filho (1988, p.60):

Assim, ao propor atividades ginásticas distintas aos homens e mulheres,

justificando tal medida pela necessidade que viam de limitá-las, em relação

às mulheres, àquelas que atendessem às suas peculiaridades bio-fisiológicas,

Rui Barbosa, Fernando de Azevedo e todos aqueles que se viram

influenciados por aquele ideário, além de oportunizarem aos homens,

maiores possibilidades de se desenvolverem em destrezas físicas, acabaram

por reforçar o pensamento dominante acerca do papel da mulher na

sociedade brasileira, qual seja, aquele que, ao ventilar a urgência de prepará-

la fisicamente para a maternidade, estigmatizou sua imagem, associando-a

quase que somente a ideia de mãe.

Enquanto para as mulheres a ginástica era voltada para a maternidade e cuidado com o

corpo, cuidando-se para não deixá-las praticar atividades que pudessem ir contra esses

princípios, aos homens essa ginástica era voltada para a formação, visando ao exército, ou

seja, à defesa da nação, caso o país fosse para guerras.

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Por muito tempo a tradicional separação dos sexos nas práticas de educação física

fundamentou-se em concepções “científicas” – e em preconceitos, analisados por uma visão

“estereotipada” – com base nas ciências naturais e aplicadas à educação física e na concepção

dualista de homem (SANTIN, 1985, p. 123).

Dessa forma, Goellner (2001, p.337) buscou autores que falam sobre a educação

feminina e afirma que:

[...] os autores são rigorosos em afirmar que a prática de atividades físicas é

necessária à mulher que se moderniza e que tem como missão colaborar para

o fortalecimento nacional através daquela missão que lhe foi conferida, dada

a especificidade de sua natureza: a procriação. Sob influência dos ideais

eugênicos amplamente divulgados no período em que publicaram seus

textos, ser feminina é para estes autores ser capaz de gerar filhos fortes para

uma nação forte. Razão pela qual consideram fundamental um bom preparo

físico, emocional e moral o que significa, também, ter um corpo saudável e

aparentemente belo.

A mulher está vinculada à imagem de seu corpo como natural, “nada mais normal que

ela seja passiva, doce, franca, maternal, bela, sedutora, burra talvez, tudo por natureza”, como

denuncia Wainberg (FOLHA DE SÃO PAULO apud CASTELLANI FILHO, 1988, p.59).

Tais atitudes determinadas pela influência das suas característics biológicas, serviu de

anteparo à ideia dominante da superioridade do sexo masculino sobre o feminino, sendo tal

superioridade determinada pelo fator sociocultural e não bio-fisiológicos.

Por razões como essas, a ginástica manteve-se condicionada à educação do corpo,

disciplinarização e medicalização das práticas sociais. Sendo assim, ao longo da vida foram

sendo condicionados papéis específicos a cada um dos gêneros, formando conceitos

estereotipados relacionados às diferenças de sexos, diferenças essas que são elementos

determinantes e discriminadores.

Assim, para designar as relações sociais entre os sexos Scott (1995, 1995) afirma em

relação aos gêneros:

Seu uso rejeita explicitamente explicações biológicas, como aquelas que

encontram um denominador comum para diversas formas de subordinação

feminina, nos fatos de que as mulheres têm a capacidade para dar à luz e de

que os homens têm uma força muscular superior. Em vez disso, o termo

gênero torna-se uma forma de indicar “construções culturais” – a criação

inteiramente social de idéias sobre os papéis adequados aos homens e às

mulheres. Trata-se de uma forma de se referir às origens exclusivamente

sociais das identidades subjetivas de homens e mulheres.

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Ao abordar as construções corporais da feminilidade e da masculinidade, Malysse

(2002) afirmou que no Brasil atual a ideologia do gênero, associada ao erotismo, parece

ampliar um pouco mais a distância anatômica entre homens e mulheres. Santos e Salles

(2009) complementam essa afirmação pontuando que os corpos de homens e de mulheres

devem ser modelados segundo uma geografia de gênero, a partir da qual os mesmos desejos

permitam conduzir a uma cada vez maior distinção das formas corporais.

Percebe-se nesse sentido que no ambiente das academias certas regiões corporais

adquirem diferentes estatutos de acordo com o gênero, o que será um determinante nas

configurações geográficas de cada espaço, bem como dos olhares e preocupações individuais

(HANSEN; VAZ, 2006).

Os objetivos de homens e mulheres ficam restritos às diferenciações impostas aos

gêneros, observando uma divisão sexual das atividades. Aos homens são permitidas

atividades de força, que mostrem o quão másculo eles são; e às mulheres são permitidos

exercícios que definam as formas que mais chamam atenção aos homens, além de exercícios

para emagrecimento, ginástica aeróbica e outras atividades que passam longe do pensamento

dos homens. A fragilidade do culto à beleza nos homens é evidente, pois como coloca

Sant`Anna (2005) “a insistência em associar a feminilidade à beleza não é nova. A ideia de

que a beleza está para o feminino assim como a força está para o masculino atravessa os

séculos e as culturas”. Da mesma forma então que uma mulher tem a sua feminilidade

comprometida por uma aparência forte, a afirmação masculina é afetada por uma beleza

“excessiva”.

É nesse universo das atividades corporais que ora encontramos o espaço privilegiado

do ser homem e ora o espaço somente reservado para o ser mulher, repleto de relações de

poder, subordinação, preconceitos e construções culturais. Por muito tempo a ginástica foi

inapropriada para as mulheres e, ao mesmo tempo, indicada aos homens. Dessa maneira,

conforme a sociedade se transforma, os meios e práticas se transformam, e a ginástica, antes

praticada somente pelos homens, agora adquire um sentido de cuidado com o corpo e estética

dentro das academias, com a presença de ambos os sexos participando das práticas de

ginásticas da academia. Assim as práticas corporais atendem aos interesses da aptidão física e

saúde, como também as necessidades do mercado, trazendo dessa forma novas tendências,

métodos e técnicas para atender aos diversos objetivos (CESÁRIO, 2001).

Para chegar ao foco do estudo, que é a academia de ginástica, primeiramente atentarei

em ordenar as diferentes possibilidades da ginástica que temos na atualidade, pautada nas

classificações que Souza (1997, p.24) nos coloca, nas quais a ginástica é dividida em 5

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categoriais: Ginástica de Condicionamento Físico que engloba todas as modalidades que tem

por objetivo a aquisição ou a manutenção da condição física do indivíduo normal e/ou do

atleta, como as diversas formas de ginástica que hoje são encontradas nas academias e na

preparação física em geral; Ginástica de Competição que reúnem todas as modalidades

competitivas; Ginástica Fisioterápica responsáveis pela utilização do exercício físico na

prevenção ou tratamento de doenças; Ginástica de Conscientização Corporal que reúnem as

novas propostas de abordagem do corpo; e a Ginástica de Demonstração, a ginástica geral

como função a interação social.

Dessa forma, a Ginástica de Condicionamento Físico será o nosso referencial para

entender as nuanças das práticas corporais dentro das academias de ginástica, observando os

fatores que cercam essa prática e que as tornam estereotipada a uma elitização e, até mesmo, o

sexismo, que reforça arbitrariamente padrões femininos e masculinos de movimento.

As academias de ginástica “[...] são espaços formais de educação e culto do corpo,

distantes entre si aproximadamente três quilômetros e frequentadas, como é comum nesses

ambientes, por integrantes das camadas médias” (HANSEN; VAZ, 2006, p. 135, grifos do

autor).

A palavra academia origina-se do latim akademia, nome dado ao jardim na Grécia

Antiga onde Platão lecionava. Já na língua inglesa gym, que provém de gymnasium em latim,

cujo significado é o de um lugar público onde se realizavam exercícios diversos. E

gymnasium em português deu origem à palavra ginásio, como sendo um local em que se

ensinam e treinam várias práticas corporais (CORRÊA, 2009).

O surgimento das academias se deu aproximadamente em 1930, delineando-se em

1940 com base na ginástica, lutas e halterofilismo ou culturismo. Em 1950, a ginástica

realizada em academia teve como entidade propagadora a Associação Cristã de Moços

(ACM), que se volta para a prática de atividade física, com as características das atuais

academias de ginástica (NOVAES, 1991).

Até o início da década de 70, as academias eram frequentadas quase que

exclusivamente por homens e a atividade oferecida era quase sempre a musculação a fim de

desenvolver o physico, tornando-se homens fortes e robustos. Era composta dos seguintes

aparelhos: paralelas, barras, argolas, trapézio, escadas de corda e madeira, cordas lisas e de

nós, massas, alteres, sandows (elástico), remos, aparelhos para tiro ao alvo, esgrima, Box e

puxing. Preparadas para atender apenas ao público masculino, as modalidades de ginástica

oferecidas eram: exercícios de respiração, seguidos da ginástica sueca, da esgrima e da

ginástica de aparelhos (TEIXEIRA, 2004).

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Essa ideia de designar a musculação ao público masculino parte de uma história muito

antiga. Relatos históricos afirmam que já existia o treinamento com peso, pois em algumas

escavações encontraram pedras com entalhes e ainda as paredes de capelas funerárias do

Egito, datados de 4.500 anos atrás, mostram homens levantando pesos como forma de

exercício.

Assim Ramos (1982) observa que os antigos egípcios conheciam certos exercícios

próprios para desenvolver a força muscular e o adestramento no combate, utilizando para isso

pesos, lanças, troncos de árvores e outros materiais, sabendo que com isso desenvolveriam a

massa muscular dos braços e peitoral e, consequentemente, aumentariam a força dessas

regiões. “Parece que davam grande importância aos exercícios de flexão de troco” (idem,

p.78).

A musculação, então, passa a ser um meio de preparação física com intuito de

desenvolver qualidades físicas relacionadas com as estruturas musculares (TUBINO, 1979).

Porém, até o século XX essa prática não tinha tanta aceitação por conter equipamentos

grosseiros, grandes e disformes, possibilitando assim a utilização apenas por homens

vigorosos (LEIGHTON, 1987).

A sala de musculação passa a ter seus aparelhos organizados de acordo com cada

região corporal. Assim, formam-se os setores de peito, de braços, de coxas, de costas, etc.,

especialmente ocupados pelo público masculino, que por sua vez almejam aumentar o volume

muscular, principalmente o dos membros superiores, e diminuir o porcentual de gordura como

delineamento dos músculos; assim, mantêm-se longe das atividades aeróbicas e de

fortalecimentos dos glúteos, o que configura certa divisão sexual do trabalho. Ao contrário

das mulheres que concedem ênfase máxima à malhação dessa região, bem como a do

abdômen, coxas e pernas (SABINO, 2000).

Bertevello (2006) afirma que mais tarde, por volta de 1967, as academias apareciam

como lugares fechados e seguros, tendo a ginástica calistênica como ponto forte. Essa

Ginástica, muito antiga, segundo Costa (1996) relata, apareceu na Grécia Antiga, onde se

encontram os primeiros registros dessa prática ginástica chamada de calistenia, a qual

significa kállos = belo + sthenos = força. Essa realidade perdurou até o início do século XIX,

quando nos Estados Unidos a Calistenia ressurge por iniciativa da Associação Cristã de

Moços (ACM), e então foi definida como,

[...] um sistema de ginástica que apresenta como características a

predominância de formas analíticas, a divisão dos exercícios em grupos, a

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associação da música ao ritmo dos movimentos, a predominância dos

movimentos sobre as posições e exercícios à mão livre como também com

pequenos aparelhos como halteres e bastões (MARINHO, 1980, p. 264-5).

Foi essa ginástica que deu a origem a todas as ginásticas das academias

contemporâneas (COSTA, 1996). No Brasil, foi o referencial científico para as aulas de

ginástica até os anos de 1960-70. Na década seguinte, surge a ginástica aeróbica. Era o tempo

em que tanto a “velha ginástica calistênica” (a grega, hoje mais restrita aos quartéis) quanto a

aeróbica (a calistênica revitalizada e praticada nas academias) tinham, no professor, a figura

central, a que desempenhava o papel de coreógrafo e de maestro capaz de combinar, com

criatividade, movimentos e ritmos sincronizados em coreografias cuja elegância e harmonia

garantiam as salas repletas de alunos.

O surgimento e crescimento das academias de ginástica no Brasil acompanharam o

movimento mundial, surgido nos anos 70 e 80, em torno da prática regular de exercícios

físicos para a melhoria e manutenção de uma vida saudável, incentivadas pelo Dr. Ken

Cooper. Essa última década teve como marco a atriz Jane Fonda, com o lançamento do seu

vídeo “Workout”, que disseminava a ginástica aeróbica pelo mundo, demonstrando exercícios

em grupo com movimentos originados na dança. Tal popularidade tornou-se responsável pela

invasão das mulheres às academias.

É também dessas décadas o termo Fitness, junção de duas palavras fit que significa

apto, e ness, que quer dizer aptidão. Na verdade a expressão correta é physical fitness, ou

aptidão física (SABA, 2006). E pode ser entendido como a prática de uma atividade física que

produz uma melhor forma física e de bem-estar, mas por sua vez marca uma diferença com o

body-building, “desenvolvimento contemporâneo do fisiculturismo, ligado ao seu entorno por

uma procura popular de fortalecimento do corpo que se exprime mediante o desenvolvimento

muscular estético direto” (SASSATELLI, 2000, p 183).

Porém o fitness sofre uma queda e o wellness fortalece-se, passando este a integrar

todos os aspectos da saúde e aptidão (mental, social, emocional, espiritual e física), como

afirma Saba (2006). Potencializam-se dessa forma o condicionamento físico e a busca da

estética em função da saúde. Dessa forma, o fitness não deixa de ser trabalhado, mas fica

subsumido ao welness (FURTADO, 2009).

Com a expansão das academias como negócio no final dos anos 80 e início da década

de 90, novos empreendimentos caracterizados pelo consumo de bens e serviços, cada vez

mais diversificados, passaram a compor a maior quantidade de ofertas aos alunos, com a

diversificação e a padronização das aulas de ginástica em diferentes modalidades para atender

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aos diversos gostos da demanda. Assim Malysse (2002) afirma que essas novas formas de

práticas corporais no âmbito das ginásticas se adequam ao processo de norte-americanização

dos padrões de beleza, como pode ser identificado nos nomes das academias brasileiras:

“fitness”, “power”, “physical”, “center”, “sport”, “body” (SANTOS; SALLES, 2009, p.

89-90).

Em 1997 foi trazida para o Brasil a empresa Les Mills, com a proposta de oferecer um

modelo único de ginástica em forma de franquia. A tendência era oferecer nessa modalidade

de ginástica os componentes aeróbios, de resistência muscular localizada, de flexibilidade e

relaxamento, trabalhados na mesma aula. Ela é compreendida de programas nominados de

BodyAttack, BodyBalance, BodyJam, BodyPump, BodyStep, BodyVive, PowerJump,

PowerPool e RPM, os quais fazem parte da academia que colaborou para este estudo.

Em nossos dias, as academias constituem lugares de moda, tão comuns e frequentados

como quaisquer outros espaços que oferecem algum serviço. Como afirma Wenetz (2007), os

frequentadores das academias outorgam a sua prática e a convicção de que a mesma provoca

um melhoramento do corpo e de sua energia, entendendo que dedicar tempo ao cuidado do

corpo significa um espaço dedicado a si mesmo. Portanto, essa instituição configura-se como

um espaço de consumo, marcado também por divisões de gênero.

A preocupação com a estética corporal e, principalmente, o reconhecimento pela

população da importância da atividade física para a saúde e qualidade de vida tem levado as

pessoas a procurarem as academias de ginástica e musculação, tornando-as um dos locais

mais populares e mais procurados para se conseguir tais objetivos (ANTUNES, 2003).

Dessa forma, o século XX caracterizou-se pelo fato de o ser humano redescobrir o

corpo a partir desses espaços sociais e, direcionando-se ao século XXI como a era do corpo

ativo, na qual se buscará, calcando-se em conceitos de qualidade de vida, uma existência em

que valores da corporeidade possam se pronunciar. É importante que todos os clientes,

inclusive os menos envolvidos no treinamento da academia, se exercitem de modo mais

“racional” e mais “eficaz” possível, para obter rapidamente um corpo melhor (SASSATELLI,

2000, p. 145).

Sendo assim, essas academias vêm crescendo em nossa realidade atual, surgindo como

um espaço social frequentado por indivíduos de ambos os gêneros que buscam, por meio do

exercício físico, (re) criarem suas identidades biológicas e sociais. Assim, há a importância de

se compreender a relação de gênero nesse espaço porque ela faz parte do currículo oculto da

academia como um ambiente de construção de corpos culturalmente adequados a cada um dos

gêneros.

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4 GINÁSTICA PARA HOMENS E GINÁSTICA PARA MULHERES

É no universo das academias, que o corpo permite ser maleável e manipulável e ainda

ser transformado e aperfeiçoado (FOUCAULT, 2002). Segundo Sant`Anna (2000, p. 52) “[...]

o corpo é algo que se adquire, se conquista, se constrói, uma vez que se encontra em contínua

modificação”. O culto do corpo gera uma busca incansável trilhada por meio de uma árdua

rotina de exercício para alcançar os contornos corporais concebidos como ideais.

Portanto, percebemos que a academia de ginástica é um espaço propício ao culto ao

corpo. Por esta categoria, entenda-se conforme Castro (2005, p. 137), como

Um tipo de relação dos indivíduos com seus corpos que tem como

preocupação básica o seu modelamento, a fim de aproximá-lo o máximo

possível do padrão de beleza estabelecido. Assim, envolve não só a prática

de atividade física, mas também dietas, cirurgias plásticas, uso de produtos

cosméticos e tudo o mais que responda à preocupação em se ter um corpo

bonito e/ou saudável.

Nesses espaços encontramos uma divisão muito diferenciada em relação ao gênero,

uma reprodução binária homem-mulher. Sendo pré-estabelecida a prática de musculação para

homens e as salas onde realizam diversas modalidades de ginástica para as mulheres. Assim

Hansen e Vaz (2004, p. 143-144) interpretam as exigências físicas para a mulher e para o

homem, partindo da visão de cada gênero.

As mulheres preocupam-se acima de tudo com a barriga, com o volume dos

seios, com a hipertrofia e delineamento das coxas, das pernas e

principalmente, das nádegas. Por outro lado, suas exigências físicas para o

sexo oposto correspondem, basicamente a um homem com pouca gordura

abdominal, com músculo desenvolvidos e bem delineados; porém, manifestam

aversão aos tipos exageradamente musculosos. Aos homens corpos fortes,

torneados e com volume muscular aparente.

Segundo Guacira Lopes Louro, citada por Hansen e Vaz (2004, p. 138), “todo

movimento é distinto para os dois sexos: o andar feminino balançando os quadris é assumido

como feminino, enquanto que dos homens espera-se um caminhar mais firme [...], enfim

muitas posturas e movimentos são marcados para um e outro de modo diferente”. Essa

distinção é observada nas práticas de ginásticas de academia. Constroem marcas identitárias

de gênero e estabelecem comportamentos estereotipados, marcando aos homens a aventura, a

potência, o desafio, a força; às mulheres, a aventura comedida, a potência controlada, a força

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mensurada, o desafio ameno. Assim torna-se a anatomia a primeira a designar as

gestualidades que generificam e hierarquizam os corpos e os sujeitos (GOELLNER, 2007).

Diferenças corporais visíveis entre os gêneros são ponto de partida para interpretação

de culturas, modelos de significação, ideologia e legitimação. Aos homens determinam ser

forte, usar roupa azul, gostar de futebol, fazer musculação. À mulher restaria ser submissa aos

homens, usar roupa cor de rosa, ficar na cozinha, fazer ginástica. No entanto, a aceitação da

inferioridade biológica das mulheres ainda se faz presente em diferentes discursos que

legitimam a divisão sexual tornando-a constante (idem). Porém, as academias vêm quebrando

esses paradigmas que estabelecem práticas para homens e mulheres, assim chegando cada vez

mais próximos do ideal de igualdade.

No final dos anos 80 e início dos anos 90, há um aumento quantitativo do público

frequentador das práticas de ginástica e musculação, sendo este último também pelas

mulheres. E foi através dos meios de comunicação que a tendência dos corpos “sarados”

tornou-se visível como padrão de beleza da sociedade, podendo citar nomes reconhecidos,

como Madonna e Arnold Schwarzenegger representando imagens de feminilidade e

masculinidade. Percebe-se um corpo mais volumoso e forte nos homens e uma musculatura

definida e arrendonda nas mulheres.

Castro (2001) aborda a partir desses padrões impostos pela mídia e pela sociedade, que

A mídia e a indústria da beleza são aspectos estruturantes da prática do culto ao

corpo. A primeira por “mediar” a temática, mantendo-a sempre presente na vida

cotidiana, levando o leitor as últimas novidades e descobertas tecnológicas e

científicas, ditando e incorporando tendências. A segunda por garantir a

“materialidade” da tendência de comportamento que – como todo traço

comportamental e/ou simbólico no mundo contemporâneo – só poderá existir se

contar com um universo de produtos e objetos consumíveis (CASTRO, 2001, p.

151).

Como um campo de disputa de poderes, constitui-se ainda como um espaço que

produz, reforça e reanima a generificação dos corpos, cuja inscrição de marcas culturais

vinculadas à masculinidade e feminilidade se dá de forma minuciosa e persistente. As

realidades históricas são construídas, determinando o social, o cultural e as subjetividades,

definindo o que é ser homem e o que é ser mulher. Entretanto, esse espaço torna-se acessível

às práticas mistas, adequando as realidades sociais de hoje e ontem, atendendo aos interesses

e necessidades do momento.

Observando o que ocorre nas academias, percebemos a persistência determinante de

normas, crenças, tabus, estereótipos e valores socioculturais que interferem nas produções e

escolhas de práticas de ginásticas. As identidades de gênero e as identidades sexuais são

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afetadas pelas relações de poder. Assim percebe-se um estranhamento nas práticas corporais

realizadas por homens e mulheres que não condiz com o comportamento esperado. A prática

de ginástica defendida para homens e mulheres é feita com “a distinção de exercícios de

acordo com a sábia natureza dos sexos” (COSTA, 2004, p. 48).

O masculismo e o feminismo são movimentos que caminham no sentido de repensar

os estereótipos vigentes e de construir novos modelos de estar no mundo, para além das

demandas e cobranças impostas historicamente aos homens e mulheres. Como forma de

modificar tais condutas padronizadas, estabelecem-se discursos para combater os preconceitos

quanto aos comportamentos femininos e masculinos ditos diferenciados, desejando assim

ocupar espaços diferenciados e expandir suas possibilidades de realização no plano pessoal e

afetivo (WANG, 2006).

Deve ser considerada de suma importância a expressão de homens e mulheres que

optam por práticas comuns para ambos os sexos. Louro (2007a) expõe que é inaceitável uma

sociedade que se paute em sistemas de preceitos jurídicos, de leis, de normas morais e

educacionais que discriminem sujeitos porque seu modo de ser homem ou de ser mulher, suas

formas de expressar seus desejos e prazeres não correspondem àquelas nomeadas como

normais.

Homens e mulheres não têm usufruído proporcionalmente dos mesmos benefícios que

as academias oferecem, pois se apresentam muitas vezes, consciente ou inconscientemente

marcados por preconceitos que continuam se perpetuando nas práticas discriminatórias. Como

é o caso de modalidades reconhecidas como viris que limitam as mulheres devido ao risco de

se masculinizarem e/ou prejudicarem suas “funções”, sendo comuns preconceitos com as

praticantes (GOELLNER, 2006).

As mulheres evitam práticas desportivas caracterizadas como masculinas: no

senso cumum, muitas mulheres, entendem hipertrofia como músculos

exageradamente grandes, igual ao das fisiculturistas, e por isso, evitam a

musculação (GUEDES Jr. 2003, p.16).

Butler (1990), mesmo considerando que as mulheres conseguiram adentrar os espaços

públicos das academias onde antes a presença delas era inaceitável, e que muito já se

progrediu em práticas igualitárias entre elas e os homens, considera que a prática de

musculação continua generizada ao público masculino. E Gianolla (2003) completa dizendo

que o fitness foi criado numa tentativa de substituir a musculação feminina, confirmando

dessa forma o interesse das mulheres pelas ginásticas e a musculação pelos homens.

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Práticas cheias de preconceitos e imagens estereotipadas permeiam nossa sociedade,

sendo a corporeidade e o movimento impregnados por uma padronização orientada em

normas de conduta e representações. Sobre as concepções do papel do homem, Connell

(1995) ressalta que eles devem agir de determinada maneira, sendo incentivados a se

afastarem de qualquer comportamento feminino.

Wang (2006), concordando com as imposições ditadas ao homem, diz que o gestual

masculino deve ser ajustado a parâmetros preestabelecidos, ou seja, garantir que ele seja

“macho”. A virilidade precisa ser arduamente conquistada. Aquele que ousar desviar-se desse

padrão é considerado como estranho e acaba por ser confinados a gozações e insultos, sendo

tachados de gays.

É nas salas de ginásticas que podemos identificar a separação dos gêneros, sendo a

maior parte, quando não o total, mulheres praticando as ginásticas de grupo que envolvem

música e coreografias no composto de coordenação, ritmo, força, agilidade, resistência e

outras exigências psicofísicas. No passado, essas ginásticas começaram ser praticadas por

homens e mais tarde trabalhadas para ambos os gêneros, e até mesmo juntos. Porém as

imposições ditadas de ser homem e mulher levaram à segregação das práticas corporais,

estabelecendo o sexismo no universo da ginástica. Aos homens que participam dessas

ginásticas haverá a possibilidade de marginalização em relação aos que não acompanham o

grupo ou de discriminação daqueles que executam tais movimentos com um jeito considerado

afeminado.

Devem ser reconhecidos o esforço e a coragem com que alguns homens procuram

formas opostas aos estereótipos masculinos tradicionais. A masculinidade deve passar por

uma instauração de uma nova ordem que questiona e desconstrói o paradigma da hierarquia,

buscando não um novo homem, mas novas e múltiplas possibilidades de ser,

independentemente de sexo ou gênero (WANG, 2006).

A produção científica sobre gênero teve e tem grande impacto na desconstrução de

estereótipos ligados a uma suposta essência ou natureza feminina e masculina. Situar a

questão na especificidade do social, significa desnaturalizar os fenômenos, ou seja, mostrar

que fatores como atitudes, comportamentos, gostos, relações entre homens e mulheres são

fenômenos histórica e socialmente construídos e nada têm de naturais, pois pertencem ao

campo da cultura e dos sistemas de relações.

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao iniciarmos este trabalho um questionamento foi proposto: como foram

constituídas, ao longo da história, e como estão estabelecidas as relações de gênero na

ginástica de academia? Partindo deste questionamento, desenvolvemos as discussões

propostas neste trabalho monográfico. A perspectiva de análise que conduziu ao que está aqui

exposto se faz pertinente, pois sem dúvida, as relações de gênero permanecem presentes no

âmbito social, e esse fato é verificado dentro dos limites das academias de ginásticas.

Podemos verificar ao longo desse estudo, que diversas modificações já ocorreram no

espaço das academias, como a entrada de mulheres e homens nas diversas atividades, suas

expectativas em relação aos corpos, os objetivos buscados. Porém, assim como há alguma

tentativa de superação dos estereótipos presentes ao longo dos anos, estes ainda se perpetuam,

com uma nova roupagem. Os preconceitos são assimilados e reproduzidos sem a percepção de

que estejamos produzindo a manutenção desses paradigmas de dominação masculina e

submissão feminina.

Como foi abordado nas discussões, as diferenças corporais não implicam

desigualdade, todavia, a desigualdade de gênero é construída e justificada com base na

diferença sexual. Essas considerações não podem ser tomadas como verdades indiscutíveis,

pois o sexo não é o mesmo que gênero, o sexo é biológico (cromossomos, genitália,

hormônios), enquanto a identidade de gênero é uma construção social/cultural. Dessa forma,

acreditar que as características físicas pautam as atividades e objetivos de cada gênero é no

mínimo, hoje, uma ingenuidade.

Nessa relação estabelecida, entre objetivos diversificados, quanto aos gêneros, há uma

visão machista, que considera corpos pré-moldados para um e outro gênero, ao qual devem

ser seguidos. Corpos perfeitos devem ser buscados incessantemente. Aos homens, a

musculação é mais indicada, pois a musculação representa um culto às características

masculinas, já a ginástica se torna mais representativa ao público feminino. Assim

percebemos que a consciência do gênero pode provocar um problema particular nas aulas de

ginástica, pois é mais difícil envolver os homens em atividades percebidas como femininas,

por exemplo: envolver o homem em dança e ginástica que a mulher envolver com futebol e

musculação, entre outras atividades (LE BRETTON, 2007). Acaba ocorrendo a pressão dessa

divisão binária, estabelecendo o que será feminino e o que será masculino. Para Talbolt

(1996) deveríamos refletir sobre as atividades apropriadas somente aos homens e outras

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somente às mulheres. Se faz necessário desafiar os estereótipo de gênero e a noção tradicional

das atividades apropriadas a cada um dos sexos. Desafiando, assim, a imagem corporal

restritiva e o estereótipo. Porque quando há tentativa de quebrar esses paradigmas há uma

desconfiança em relação a sexualidade, ou seja, o sujeito que pratica uma atividade na qual a

maioria do público é feminino, torna “duvidosa” a sua sexualidade, como se ao realizar a

ginástica ele fosse se tornar „mariquinhas‟; há um tabu em relação às atividades pertencentes a

cada gênero.

Diante desse cenário simultaneamente promissor e caótico, a imagem do homem

perdido e amedrontado poderia ser apenas mais uma num universo habitado por

subjetividades fragmentárias, instáveis e voláteis. Nesse sentido, a crença de que o motivo

principal da insegurança masculina seja a independência feminina, as dúvidas em relação a

sua sexualidade, ou outras justificativas furadas parecem ser um reducionismo ingênuo.

No entanto, para melhor entendermos os limites e possibilidades do que hoje

conhecemos como crise masculina, será preciso transcorrer mais tempo. Só a partir do

distanciamento histórico será possível produzir interpretações mais abrangentes e menos

parciais das transformações em andamento. Contemporâneos que somos do fenômeno,

devemos nos contentar, por enquanto, com levantamentos iniciais de seus principais aspectos,

aos olhos de hoje, o que evitaria conclusões precipitadas e julgamentos preconcebidos, que

podem, por sua vez, levar à formação de novos estereótipos, substituindo ou complementando

os inúmeros já existentes.

Ao longo do processo de desenvolvimento da sociedade, os contextos foram se

modificando, e a problematização da construção social das diferenças de gênero em relação à

participação de homens e mulheres em determinadas modalidades de desporto, a partir de

discussões construídas, tendem a reduzir os conflitos de gênero. O incentivo à prática nas

mesmas atividades corporais contribui para o desenvolvimento da solidariedade, gerando um

melhor entendimento da construção social das diferenças de gênero pela respeito a ambos os

sexos.

A realidade imposta compromete a construção das identidades, pois, sem o devido

suporte de conhecimentos, e sem a consciência de que as transformações são necessárias e

precisam se iniciar, não há modificações no pensamento androcêntrico e sexista que separa os

gêneros em uma relação hierárquica de subordinação.

Falar de diversidade cultural no Brasil significa levar em conta que os indivíduos não

são iguais, que têm especificidades de gênero, raça/etnia, orientação sexual, valores e outras

diferenças definidas a partir de suas histórias pessoais. Esses indivíduos precisam ser

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respeitados e reconhecidos em nossa sociedade, pois não construímos identidades fixas e

postas por um pensamento. As identidades precisam ser reconhecidas e respeitadas em suas

diversidades.

Pudemos constatar nessa pesquisa que há dificuldade em superar os valores

conservadores historicamente construídos, mesmo porque em muitos casos não há sequer

consciência de que são arbitrários. Busca-se, nesse sentido, contribuir, mesmo que

modestamente, para que as práticas sejam repensadas para ambos os gêneros, possibilitando

elementos conceituais e que sejam capazes de posicionar com equilíbrio os sujeitos em um

mundo de diferenças e de infinitas variações. É preciso possibilitar às pessoas uma reflexão

crítica no intuito de reconhecerem o direito de todos à cidadania e compreensão de que,

dentro dos limites da ética e dos direitos humanos, as diferenças devem ser respeitadas e

promovidas e não utilizadas como critério de exclusão social e política.

Como discutido neste trabalho, há uma luta incessante que tem buscado romper com a

subordinação do corpo (e da vida) de homens e mulheres ao imperativo de reprodução de

corpos perfeitos. Em síntese, é a cultura que constrói os gêneros, simbolizando atividades

masculinas e femininas. É preciso superar as premissas da divisão baseada nos aspectos

biológicos, no intuito de promover o respeito às diversidades de gênero, sexualidade, étnico-

raciais e sociais como um todo.

Nessa perspectiva, essa pesquisa pretendeu contribuir para os estudos referentes aos

gêneros e as academias de ginástica, visando quebrar com os paradigmas associados a

perpetuação de valores androcêntricos e sexistas. É preciso que outras pesquisas venham

questionar esses sentidos, buscando a formação social de sujeitos críticos e emancipados.

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