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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO - MESTRADO. FLORINDA SANTOS AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS PARA O ENSINO MÉDIO NO CURRÍCULO DO ESTADO DO PARANÁ: UMA ANÁLISE HISTÓRICA DA INSERÇÃO DA DISCIPLINA FILOSOFIA. PONTA GROSSA 2007

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO - MESTRADO.

FLORINDA SANTOS

AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS PARA O ENSINO MÉDIO NO CURRÍCULO DO ESTADO DO PARANÁ: UMA ANÁLISE HISTÓRICA DA INSERÇÃO DA

DISCIPLINA FILOSOFIA.

PONTA GROSSA 2007

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FLORINDA SANTOS

AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS PARA O ENSINO MÉDIO NO CURRÍCULO DO ESTADO DO PARANÁ: UMA ANÁLISE HISTÓRICA DA INSERÇÃO DA

DISCIPLINA FILOSOFIA.

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Educação no Curso de Pós-Graduação em Educação – Mestrado da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Orientador: Prof. Dr. Antonio Marques do Vale.

PONTA GROSSA 2007

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TERMO DE APROVAÇÃO

FLORINDA SANTOS

Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção de grau de Mestre no Curso de Pós-Graduação em Educação – Mestrado, setor de Educação da Universidade Estadual de Ponta Grossa, pela seguinte banca examinadora: Presidente e Orientador: Prof. Dr. Antonio Marques do Vale. UEPG Prof. Dr. Vandeí Pinto da Silva. UEJM – UNESP. Prof. (a). Dra. Maria José Dozza Subtil. UEPG Prof. Dr. Adair Ângelo Dalarosa. UEPG

PONTA GROSSA 2007

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EPÍGRAFE

A filosofia da práxis

A práxis é considerada um dos conceitos centrais, a grande descoberta da filosofia de Marx. Não se deve confundir práxis com prática ou trabalho. A práxis depende da ação consciente do sujeito e, por isso, une a interpretação da realidade (teoria) à transformação do mundo (prática, trabalho, criatividade etc.). A práxis é a atividade concreta pela qual os sujeitos se afirmam no mundo, modificando a realidade objetiva e, para poderem alterá-la, transformando-se a si mesmos. É a ação que, para se aprofundar de maneira mais conseqüente, precisa da reflexão, do autoquestionamento, da teoria; e é a teoria que remete à ação, que enfrenta o desafio de verificar seus acertos e desacertos, cotejando-os com a prática. (KONDER L. in COTRIM G. Fundamentos da Filosofia: ser, saber e fazer. São Paulo, Saraiva,1996, p.258/259).

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho em especial ao meu esposo Albari pela cooperação e compreensão nos momentos de ausência, aos meus filhos Hercules e Altair e também aos meus netos Fernanda, Luiz Fernando, Gabriel e Luiz Eduardo.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos que, colaboraram para que eu pudesse fazer este trabalho. Aos meus colegas de profissão pelo compartilhamento durante o curso dos seus conhecimentos. Também meu obrigado aos colegas do mestrado pela amizade e companheirismo. Ao professor Dr. Antonio Marques do Vale, orientador deste trabalho.

Agradeço ainda a importante colaboração e incentivo nas orientações da Profª Drª Maria José Dozza Subtil na conclusão desta pesquisa.

Ao Prof Dr Adair Ângelo Dalarosa pelas orientações, sugestões e críticas que contribuíram para o enriquecimento da pesquisa.

E também ao Prof Dr Vandeí Pinto da Silva pelo apoio e críticas positivas a respeito da temática, assim como, a relevância da pesquisa para a educação.

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RESUMO A pesquisa teve o objetivo de enfatizar a importância da Filosofia e da disciplina Filosofia para fazer avançar os processos de conhecimento e de formação de sujeitos históricos e sujeitos para a autonomia. Também objetivou analisar as ideologias e representações sobre a Filosofia no contexto escolar de Ponta Grossa-PR, bem como os resultados da luta, no Paraná, pela implantação da Filosofia na matriz curricular como disciplina da Base Nacional Comum. As propostas referenciais do materialismo histórico e dialético foram o eixo sobre o qual girou a investigação em torno a Filosofia e ideologias e à influência das ideologias no posicionamento dos personagens escolares que foram escutados. Apoiada em bibliografia crítica atinente, a pesquisa adotou, para a investigação de campo, estes procedimentos: aplicação de questionário adequado, em vinte escolas, aos sujeitos cuja palavra seria de específica relevância, a saber, professores da disciplina Filosofia, pedagogos, alunos e diretores; a leitura atenta do material, seguida da seleção de cinco escolas que ofereceram as respostas mais completas; enfim, se operou a análise das representações e ideologias presentes nos sujeitos. Pela análise realizada das muitas concepções, se verificou que a maior parte do pessoal envolvido com as opções sobre currículo e sobre Filosofia é favorável à inserção na matriz curricular; também se verificou que as resistências detectadas, que apontam para os conflitos, contradições e dilemas presentes nas “políticas educacionais”, reforçam o apelo a prosseguir na luta organizada pela efetiva implantação da disciplina Filosofia na matriz curricular do Ensino Médio.

Palavras-chave: Filosofia, história, práxis, ideologia, alienação, política educacional.

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ABSTRACT:

The research had the objective of emphasizing the importance of the Philosophy and of the Philosophy Subject in order to collaborate to the advance of the discovery processes and to the formation of historical subjects and of subjects for autonomy. It also aimed at to analyze the ideologies and representations on the Philosophy in the school context of Ponta Grossa City, as well as, the results of the fight for the implantation of the Philosophy in the curriculum as a Subject of the Common National Base in Paraná State. The theoretical proposals of the dialectical and historical materialism were the axis on which the investigation was conducted, around the Philosophy and ideologies and the influence of the ideologies in the school characters' positioning that were listened to. Supported by a concerning critical bibliography, the research adopted for the field investigation such procedures: application of appropriate questionnaire to the participants whose word would be of specific relevance: Philosophy Subject’ teachers, pedagogic educators, students and directors in twenty schools; the reading of the material, followed by the selection of five schools which offered the most complete answers. Finally, it was operated the analysis of the representations and the present ideologies of the subjects. From the accomplished analysis of the several conceptions, it was verified that most of the personnel involved with the options on curriculum and on Philosophy is favorable to the insert in the school curriculum. It was also verified that the detected resistances that point out some conflicts, contradictions and dilemmas in the "education politics", reinforce the appeal to continue in the organized fight for the effective implantation of the Philosophy as a Subject in the curriculum of the High School Teaching context. Key words: Philosophy, History, Praxis, Ideology, Alienation, and Education Politics.

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LISTA DE SIGLAS

ANPUH Associação Nacional dos Professores Universitários de História

ANPOF Associação Nacional de Pós-Graduação em Filosofia

CEE Conselho Estadual de Educação

CNE Conselho Nacional de Educação

DESG Departamento de Ensino do Segundo Grau

DEM Departamento de Ensino Médio

DCN Diretrizes Curriculares Nacionais

IBF Instituto Brasileiro de Filosofia

ISEB Instituto Superior de Estudos Brasileiros

IES Instituições de Ensino Superior

MEC Ministério de Educação e Cultura

NRE Núcleos Regionais de Educação

PCNEM Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio

RBH Revista Brasileira de História

SEED Secretaria Estadual de Educação

SEAF Sociedade de Estudos e Atividades Filosóficas

USAID United States Agency for International Development

UFPR Universidade Federal do Paraná

UNESCO Organização para a Educação, Ciência e Cultura

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SUMÁRIO

TERMO DE APROVAÇÃO.................................................................................... 3 DEDICATÓRIA....................................................................................................... 5 AGRADECIMENTOS............................................................................................. 6 RESUMO................................................................................................................ 7 ABSTRACT.......................................................................................................... 10 LISTA DE SIGLAS................................................................................................ 11 SUMÁRIO.............................................................................................................. 12 INTRODUÇÃO.......................................................................................................14

AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS PARA O ENSINO MÉDIO NO CURRÍCULO DO ESTADO DO PARANÁ: UMA ANÁLISE HISTÓRICA DA INSERÇÃO DA DISCIPLINA FILOSOFIA. CAPÍTULO I........................................................................................................... 25

1. FILOSOFIA E CONHECIMENTO NA PERSPECTIVA HISTÓRICA / DIALÉTICA.

1.1. O QUE É A FILOSOFIA E PARA QUE SERVE 1.2. FILOSOFIA, EXIGÊNCIA DA HISTÓRIA: A PRÁXIS E O DEPOIMENTO DE

CHÂTELET. 1.2.1. TESTEMUNHOS SOBRE O COMPROMISSO DE CHÂTELET. 1.2.2. CHÂTELET E SUA EXPOSIÇÃO DA FILOSOFIA. 1.3. POSSIBILIDADES DO CONHECIMENTO. CAPÍTULO II......................................................................................................... 45

2. IDEOLOGIA E ALIENAÇÃO NO PROCESSO DO CONHECIMENTO NUMA PERSPECTIVA DA FILOSOFIA DA PRÁXIS. 2.1. O HOMEM SER SOCIAL 2.2. CIÊNCIA E TECNOLOGIA: UMA SÍNTESE HISTÓRICA.

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2.3. CONCEITOS DE IDEOLOGIA (MARX, GRAMSCI). 2.4. A IDEOLOGIA NO SENTIDO AMPLO. 2.4.1. A FILOSOFIA MARXISTA DA PRÁXIS: A LEITURA DE VÁZQUEZ. 2.4.2. O QUE É PRÁXIS EM MARX. 2.4.3. O PROLETARIADO E A PRÁXIS EM MARX. 2.4.4. A ALIENAÇÃO. CAPÍTULO Ill........................................................................................................ 81 3. AS LUTAS NO PARANÁ PELA INSERÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO DA

FILOSOFIA ENQUANTO DISCIPLINA DA BASE NACIONAL COMUM NO CURRÍCULO ESCOLAR.

3.1. A FILOSOFIA NA PERSPECTIVA HISTÓRICA E DE CURRÍCULO DAS

POLÍTICAS EDUCACIONAIS NO PARANÁ. 3.2. O ENSINO DE FILOSOFIA: UMA ABORDAGEM HISTÓRICA. 3.3. ENSINO DE FILOSOFIA E CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO:

EXPECTATIVA E EQUÍVOCOS. 3.4. PRINCÍPIOS NORTEADORES DA PROPOSTA PARANAENSE. 3.5. OS CONTEÚDOS COMO MEDIADORES: A ESPERIÊNCIA FILOSÓFICA E

O PROBLEMA DOS RECORTES. 3.5.1 RECORTES NO CONTEÚDO E CONTEÚDOS ESTRUTURANTES. 3.5.2 FILOSOFAR INTERDISCIPLINARMENTE. 3.6 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DAS DIRETRIZES CURRICULARES.

CAPÍTULO IV...................................................................................................... 119

4. AS IDEOLOGIAS E REPRESENTAÇÕES À RESPEITO DA DISCIPLINA DE

FILOSOFIA: O PENSAMENTO E AS FALAS DOS SUJEITOS PESQUISADOS.

4.1 A BUSCA DE RESPOSTAS, E OS SUJEITOS DIANTE DA DISCIPLINA FILOSOFIA NO CURRÍCULO ESCOLAR. 4.2 RESPOSTAS DOS PROFESSORES AO QUESTIONÁRIO E A ANÁLISE DA

PESQUISADORA. 4.3 RESPOSTAS DOS “PEDAGOGOS” COORDENADORES DOS PROGRAMAS 4.4 RESPOSTAS DOS ALUNOS, E COMENTÁRIOS

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4.5 RESPOSTAS DOS DIRETORES AO QUESTIONÁRIO E A ANÁLISE DA PESQUISADORA

CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................... 137

REFERÊNCIAS................................................................................................. 140

APÊNDICES...................................................................................................... 143

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INTRODUÇÃO

Esta pesquisa surgiu no contexto escolar quando de minha atuação como

docente da disciplina de filosofia para o ensino médio, na análise das dificuldades de

aceitação dos professores de outras disciplinas, alunos, e diretores em relação a

mesma no currículo es colar. Sendo assim problematizar a relevância, dada ou

recusada, à implantação da disciplina de Filosofia no currículo. Insere-se na luta

travada no Paraná pela obrigatoriedade de sua inserção nas matrizes curriculares.

Por força de uma mentalidade pragmática, a disciplina ao longo de vários anos, foi

vista com maior desinteresse, ou foi tida como supérflua, ficando a cargo do diretor

da escola colocá-la na matriz curricular ou não.

Conseqüentemente, são numerosos, agora, os que não valorizam o ensino de

Filosofia ou por ele se interessam bem pouco. Sobre a sua utilidade, se escuta dizer:

“tanto faz”; “posso viver com ou sem Filosofia”; “isso é coisa para intelectuais,

pessoas simples ou pobres não se envolvem com isso”. Até se ouvem ironias: “no

que pode a Filosofia mudar a minha vida?”. (Aranha e Martins, 1993, p. 75). A

presença dessas e de outras afirmações semelhantes, bem como a mesma

problemática da realidade curricular, sugeriram a investigação em torno à Filosofia e

ao ato de filosofar no dia-a-dia da escola, suscitaram o interesse por verificar as

contingências advindas das ideologias, representações e políticas educacionais a

respeito do ensino de Filosofia no Paraná e especificamente nas Escolas Estaduais

de Ensino Médio de Ponta Grossa – PR Uma análise mais acurada permite verificar

como é necessária à presença da disciplina Filosofia para o processo reflexivo e

para a formação crítica frente ao conhecimento e à transformação da realidade.

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A dissertação assume as orientações de um quadro teórico dialético-crítico.

Como referencial teórico, o materialismo dialético, se apresenta como crítica da

própria Filosofia, mas especialmente da realidade histórica e social.

A dialética consiste num método e numa filosofia que permitem relacionar

criticamente idealismo e materialismo, e até, posteriormente, estabelecer diferenças

entre materialismo mecanicista e materialismo dialético e histórico. Oferece

diferenças perante a concepção metafísica do mundo, típica da filosofia antiga e da

lógica de Aristóteles, baseadas, em geral, nos princípios de identidade e de não-

contradição.

Três grandes construções teóricas contribuíram para a afirmação da dialética

no século XIX: as que fundamentaram a descoberta da célula, os enunciados da lei

de conservação e transformação da energia em calor e as argumentações de Darwin

vêm em defesa da evolução das espécies. Essas teorias propugnaram que o mundo

é transformação, que tudo muda e a própria história está em mudança, e que o

velho é sempre substituído pelo novo. Se novo já possui em si o germe da sua

destruição, não existem “coisas acabadas”; o que existe é um complexo de

processos onde tudo só é estável na aparência. (Aranha e Martins, 1993, p. 88).

Para Marx e Engels, a dialética é a ciência das leis gerais do movimento,

tanto do mundo externo quanto o do pensamento humano, e a estrutura contraditória

do real passa por três fases: a tese, a antítese e a síntese. O movimento da

realidade, portanto, é explicado através do antagonismo entre os momentos da tese

e da antítese, de modo que a contradição é superada pela síntese.

Em resumo, são estes os três momentos: identidade – tese; contradição ou

negação – antítese; positividade ou negação da negação – síntese. Para melhor

compreender este processo, é necessário verificar o que, antes, dizia Hegel a

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respeito do verbo alemão aufheben. Num primeiro sentido, ambíguo, esse verbo

poderá significar “suprimir”, negar; mas também se entendia como conservar; e

ainda, num terceiro sentido, exprimia o “elevar a um nível superior”. ARANHA e

MARTINS (1993, p. 89) exemplificam:

quando começo a esculpir uma estátua, estou diante de uma matéria-prima, a madeira, que depois é negada, isto é, destruída na sua forma natural, mas ao mesmo tempo conservada, pois a madeira continua existindo como matéria, só que modificada, elevada a um objeto qualitativamente diferente, uma forma criada. Portanto, o trabalho nega a natureza, mas não a destrói, antes a recria.

Para a concepção dialética, a passagem do ser ao não-ser não é

aniquilamento, nem destruição, nem morte pura e simples, “mas o movimento para

outra realidade”. A contradição faz com que “o ser suprimido se transforme”. A

categoria totalidade é grande utilidade para fazer compreender a dialética. Implica

que o todo predomina sobre as partes que o constituem. Estando as coisas estão

em constante relação entre si, um fenômeno não pode ser entendido de forma

isolada nem se distancia dos fenômenos que o rodeiam. “Os fatos não são átomos,

mas pertencem a um todo dialético e como tal fazem parte da estrutura”. (ARANHA

e MARTINS, 1993, p. 89).

Hegel, o primeiro a contrapor sistematicamente a lógica dialética à lógica

tradicional, representou a natureza como um processo. Sendo idealista, porém,

explicou a realidade como um processo constituído pela marcha do pensamento.

ARANHA e MARTINS traduzem as idéias de Hegel assim:

O Ser é a Idéia que se exterioriza, manifestando-se nas obras que produz, e que interioriza, voltando para si e reconhecendo sua produção. O movimento de exteriorização e interiorização da idéia se faz por contradições sempre superadas nas sínteses que, por sua vez, se desdobram em contradições (novas teses e antíteses). 1993 p. 89.

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Karl Marx e Friedrich Engels, diferentemente de Hegel, e por serem

materialistas, invertem o processo, embora aceitando o significado hegeliano de

dialética. Marx argumenta que a “dialética de Hegel apóia-se sobre a cabeça, basta

repô-la sobre seus pés para lhe dar fisionomia racional” (1993 p. 89). Para Hegel, o

pensamento cria a realidade, e esta se manifesta exterior à idéia; Para Marx, porém,

o dado primeiro é o mundo material, “as contradições surgem entre os homens reais,

em condições históricas e sociais reais”. (1993 p. 89).

Entende-se, portanto, que o mundo material está em constante movimento

dialético, e que as mudanças ocorrem devido às contradições surgidas no processo

de produção social a partir dos antagonismos das classes. À mesma página,

ARANHA e MARTINS ainda citam os exemplos históricos e esclarecedores dos

modos de produção escravista, feudal e capitalista e os comenta:

Para Marx a história passou a ser compreendida tendo por motor a luta das classes antagônicas (senhor versus escravo; senhor versus servo; burguês versus proletário). Ou seja, da contradição entre senhor e servo derivou a síntese do capitalismo, que por sua vez gerou a contradição entre capitalista e operário, cuja síntese, segundo Marx, deveria ser o socialismo.

E a discussão se aprofunda em torno ao esquema tríplice que “compõe” a

dialética: a dialética tem como suporte três leis. São elas: lei da passagem da

quantidade à qualidade – o processo de transformações das coisas se faz por salto;

lei da interpretação dos contrários, pois que a dialética considera a contradição

inerente à realidade das coisas; lei da negação da negação, da interação das forças

contraditórias, em que uma nega a outra, de modo a derivar um terceiro momento: o

da síntese, do surgimento do novo, momento a que se chama negação da

negação.Tese, antítese e síntese compõem a tríade que explica o movimento do

mundo e do pensamento, explicam ARANHA e MARTINS, (p.90).

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Ressalta-se o não pensar dialeticamente, que pode conotar a dogmatização

das leis da dialética. O saber teórico implicaria a negação da dialética. O pensar

dialeticamente consiste no que é denominado práxis, união da teoria/pensamento e

do fazer/transformar, ou relação dialética entre teoria e prática. A teoria não pode ser

desvinculada da prática. No erro dessa desvinculação incorreu Stálin, político

soviético que petrificou a teoria, usando-a para justificar todo tipo de ação arbitrária,

inclusive o emudecimento de intelectuais do pensamento divergente, como Trótski e

Bukhárin. (1993 p. 90).

É importante destacar que a lógica dialética não faz desaparecer a lógica

formal. A lógica formal continua a existir, no contexto das correlações imediatas que,

partindo da observação dos fatos, atingem as leis do método experimental. Ela está

presente na expressão da realidade e continua sendo válida, pois, enquanto a

produção da idéia é dialética, sua expressão continua sendo formal. “O que é

pensado dialeticamente tem de ser dito formalmente, pois se acha subordinado às

categorias da linguagem, que são formadas por força de sua constituição social, de

sua função como instrumento criado pelo homem para a comunicação com os

semelhantes”. (1993, p. 90).

A lógica formal se apresenta insuficiente quando, no seu alto grau de

generalidade, deixa preterir as categorias de totalidade e de relações recíprocas.

Tratando-se de superação da ciência clássica e formal, se faz lembrar que,

com o progresso da física, o pensamento científico se volta para os fenômenos relacionados com estrutura íntima da matéria, os quais não mais são explicados pelas relações clássicas da casualidade formal. O mesmo ocorre com os fenômenos das outras ciências, que introduzem a idéia de processo. É aí exatamente que a lógica formal se torna insuficiente, devendo ser substituída. (ARANHA e MARTINS, 1993, p. 90).

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A realidade não deve permanecer em um sistema fechado, seja o das leis da

dialética, seja o das formas lógicas de Santo Tomás, sejam ainda, os sistemas de

Kant ou hegeliana, constituídos a partir das idéias a priori ou do espírito absoluto.

Na perspectiva dos métodos e princípios do marxismo, a exigência é que a

dialética não seja estudada como forma de razão absoluta, mas como o equilíbrio de

cada grande período histórico ou vitória da racionalidade. Com outras palavras a

dialética não é uma razão transcendente à história da qual faz parte, nem uma razão

constituída, esclerosada e coagulada no processo de seu desenvolvimento, nem

uma hipótese de trabalho escolhida apenas como comodidade, mas, é o produto de

uma epigênese, ou seja, “cada etapa de seu desenvolvimento consolida o adquirido

no momento que é superado, é o subterfúgio de uma história que se está fazendo”.

(1993 p. 91).

A ideologia, transformada em representação no plano da consciência, chega

a mascarar a realidade fundamental, na medida em que a classe dominante,

economicamente interessada, procura ocultar seus verdadeiros propósitos.

Ideologia, então, é entendida como um conjunto de idéias de vida independente, e a

classe dominante pode submeter a realidade às suas próprias leis.

O processo ideológico, ao qual ficam submetidas às condições materiais dos

homens se desenvolve, em última análise, de maneira a ser ignorado até pelos bons

pensadores.

Segundo Marx, a ideologia se dá quando a consciência passa adiante a ilusão

de que as ações humanas decorrem de decisões livres e soberanas. A consciência

não percebe a vinculação com uma determinada realidade social. A ideologia atua,

pois, como registro de falsa consciência; esta é a que, subjetivamente, se deixou

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enganar, perdendo o contato direto com a objetividade. Para Severino (1986, p.

9/10) isso acontece:

[...] por causa da fragilidade da consciência humana e do próprio homem objetivo, passível de alienação. O homem se deixa alimentar por formas enganosas da consciência, situação que o induz a se deixar dominar por aqueles cujos interesses foram artificiosamente traduzidos nessas formas de consciência constituídas de representações, conceitos e valores, representações ilusórias do real. Esta alienação da consciência, de acordo com a visão de Marx, já é decorrente da alienação econômica anterior, que acontecia no processo de trabalho dividido.

Posto o sentido da filosofia crítica, ou do pensar criticamente, é possível

explicitar os recortes investigativos feitos a partir do objeto de Pesquisa: a disciplina

Filosofia na Grade Curricular das Escolas Estaduais de Ponta Grossa, a ideologia e

a política educacional.

Propõe-se levantar informações empíricas através de questionários. Serão

coletados discursos correspondentes à natureza da pesquisa. A análise indicará

valores da referência, bem como modelos de comportamentos e conteúdos inscritos

nos mesmos discursos reunidos. Da pesquisa de campo se esperam respostas para

as seguintes indagações: O que pensam os alunos, professores, coordenadores e

diretores sobre a Filosofia na escola? Quais são as maiores dificuldades de natureza

ideológica e representacional, e quais os obstáculos de política educacional à

implantação da Filosofia na Grade Curricular?

Os objetivos propostos a esta dissertação levaram a captar como as

ideologias presentes no contexto social e, especificamente, na escola e a direcionar

o comportamento dos diferentes sujeitos, pensamentos por eles elaborados e a

resposta dos mesmos ante o contexto global. As representações dos indivíduos,

portanto fazem parte de um todo cultural e conceitual que permeia a vida deles

numa sociedade. Elas influenciam o modo deles perceberem a realidade,

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interferirem nos modos de ver e de ser dos outros, abstraindo conceitos e de novo

reconstruindo representações.

A pesquisa se interessa, basicamente, pelo aspecto filosófico-crítico e se

prende aos seguintes objetivos específicos: avaliar a presença da disciplina de

Filosofia na grade curricular do Ensino Estadual nas Escolas de Ponta Grossa;

avaliar a importância a ela atribuída; descrever a influência ideológica das

representações e da política educacional na implantação da disciplina de Filosofia

no currículo do Paraná; investigar sobre as representações dos alunos, professores,

diretores e equipes pedagógicas em torno da disciplina Filosofia no currículo escolar

e correlacionar com a possibilidade de um pensamento dialético-materialista.

Para melhor expor como as ideologias e as representações sociais,

influenciam na organização escolar, de modo positivo ou negativo, e como a

alienação se revela na recusa da disciplina na matriz curricular, se pretende uma

reflexão crítica e referencial. Depois da investigação crítica sobre elementos

metodológicos, e depois da pesquisa de base em torno à amostragem de Ponta

Grossa, se discute sobre a importância atribuída ou negada à disciplina Filosofia na

organização educacional do Paraná. Finalmente, decorrentes das análises

realizadas, se seguem os resultados que indicam para uma práxis educativa

comprometida com a transformação.

Visto que a Filosofia permite a disseminação da visão crítica, ela pode

contribuir com a educação ao questionar a escola e os seus agentes. A percepção

sobre a Filosofia e sua relação com a realidade social é, contudo, muitas vezes

condicionada pela ideologia de grupos poderosos. Tais grupos, até numerosos,

pretenderiam colocar a escola como aparelho ideológico do Estado que eles

controlam para o serviço de seus próprios interesses. A Filosofia, ao invés, como

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instância crítica, pode preparar sujeitos críticos, voltados para um exercício

consciente da cidadania e capazes de superar a alienação e de transformar as

práticas sociais.

A problemática que conduz esta investigação se enuncia assim: preconceitos

em alunos, professores e diretores com relação à Filosofia, a ponto de a recusarem

como elemento da Grade Curricular obrigatória; para a introdução da filosofia na

Grade Curricular como disciplina obrigatória, se requer articulação e pressão das

forças críticas interessadas na emancipação social.

Neste sentido, se impõe à elaboração desta dissertação tomar a Filosofia

numa perspectiva dialético-materialista, de modo que se apresente a Filosofia, como

acontece na contemporaneidade, como Filosofia da Práxis.

A Filosofia, em última instância, pretende salvar a objetividade, e por isso

pode e deve empenhar-se num discurso contra-ideológico. A Filosofia mereceria

denúncia contra si mesma se, abordando a educação, se desligasse de um projeto

político ou de um projeto antropológico. De fato, numa visão de totalidade, ela

pretende articular o destino das pessoas com o destino da comunidade humana.

Adotando um discurso contra-ideológico contextualizado, ela se põe como exercício

de consciência crítica e reflexiva perante toda e qualquer expressão do espírito

humano e perante o discurso teórico ou prático de tipo científico, artístico ou

pedagógico-educacional. Prioritariamente, porém, cabe-lhe situar-se no contexto da

vida social, política e econômica dos grupos humanos.

No plano mais restrito da formação da consciência individual, a Filosofia se

defronta com o problema da atividade ideologizante, que atinge a consciência

enquanto uso e não enquanto produto ou conteúdo. Por força dessa atividade, o

conteúdo explicativo e valorativo de um grupo se apresenta como universal, servindo

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seu sistema de representações e valores para convencer quanto à validade

intrínseca da visão do mesmo grupo; em geral, é o esforço por conseguir o consenso

dos integrantes do todo social, para produzir coesão ou sustentar a unidade.

Contudo, é a Filosofia da Práxis que pode contribuir para a transformação do mundo.

A coleta de dados, que sustenta este trabalho, investiga professores, alunos,

pedagogos e diretores. Eles respondem às indagações sobre a relevância ou não

relevância da Filosofia como disciplina que pode conduzir a reflexão do aluno e

demais envolvidos no processo educativo; a construção do conhecimento se faz

frutífera, porém, se for numa perspectiva dialético-materialista.

No primeiro capítulo, o enfoque está no conhecimento, nas possibilidades de

conhecer, e no diálogo com a Epistemologia e a Filosofia da Ciência; e ainda, na

historicidade e na racionalidade, como categorias básicas da Filosofia que a busca

do conhecimento tem de envolver. São analisados conceitos mais fundamentais da

Filosofia (Filosofia, Filosofar), bem como a pluralidade da sua compreensão no

decorrer da história da humanidade e, a inter-relação entre conhecimento (sujeito) e

abordagem da realidade pelo sujeito cognoscente (fenômeno e essência).

O segundo capítulo enfoca a Filosofia na perspectiva da práxis em Marx. A

pesquisa explícita como teoria e prática operam em relação indissociada na

construção do conhecimento da realidade. Para tanto serão exploradas as

categorias: ideologia, práxis e alienação, com apoio de leituras de Vasquez.

O terceiro capítulo faz referência às lutas no Paraná pela implantação da

Filosofia no currículo escolar e como disciplina da Base Nacional Comum. Conflitos,

contradições e dilemas da história das “políticas educacionais” permeiam todo o

processo de implantação da Filosofia e implementação na escola pública em nível

médio. Com a compreensão das imposições ideológicas e das representações sobre

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a disciplina no Paraná, especialmente em Ponta Grossa, se faz o contraponto com o

contexto escolar e as políticas de currículo.

O quarto capítulo expõe análise da pesquisa sobre as representações a

respeito de inserir a disciplina na matriz curricular da Base Nacional Comum,

pesquisa sobre as realidades de colégios estaduais do Ensino Médio de Ponta

Grossa-PR.

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CAPÍTULO I

1. FILOSOFIA E CONHECIMENTO NA PERSPECTIVA HISTÓRICA / DIALÉTICA.

1.1. O QUE É A FILOSOFIA E PARA QUE SERVE.

Definir ou conceituar Filosofia é conflitante e paradoxal, uma vez que existem

várias filosofias; em cada período histórico, em cada contexto social-cultural,

diversas concepções, sobre o que ela venha a ser, quanto à representação que

sobre ela constroem.

Aqui se pretende destacar apenas o conceito de alguns filósofos ou teóricos

sobre o que é Filosofia. Platão definia a Filosofia como um saber verdadeiro que

deve ser usado em beneficio dos seres humanos. Descartes dizia que a Filosofia é o

estudo da sabedoria, conhecimento perfeito de todas as coisas que os humanos

podem alcançar para o uso da vida, a conservação da saúde e a invenção das

técnicas e das artes. Kant entendeu a Filosofia como conhecimento que a razão

adquire de si mesma para saber o que pode conhecer e o que pode fazer, tendo

como finalidade a felicidade humana. Merleau-Ponty escreveu que a Filosofia é um

despertar para ver e mudar o nosso mundo. Para Espinosa, a Filosofia é um

caminho árduo e difícil, mas que pode ser percorrido por todos, se desejarem a

liberdade e a felicidade... Marx declarou que a Filosofia havia passado muito tempo

apenas contemplando o mundo e que se tratava, agora, de conhecê-lo para

transformá-lo, numa transformação que traria justiça, abundância e felicidade para

todos. (CHAUI. 2002 p. 15).

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Na visão da autora é comum perguntar para que a Filosofia serve. Numa

cultura como a nossa, as coisas só têm seu valor e o direito de existir, se ostentam

alguma finalidade prática visível e de utilidade imediata; é o ponto de vista da

concepção pragmática que invade o mundo contemporâneo. No entanto, em se

tratando da Filosofia, essas afirmativas ainda não são as mais relevantes, uma vez

que a Filosofia não tem lugar marcado pela prática e pelo consumo imediato. Ao

contrário, como afirma Chauí, a Filosofia pode ser o mais útil dos saberes, por fazer

abandonar a ingenuidade e os preconceitos do senso comum, e por levar as

pessoas à reflexão crítica a respeito das idéias dominantes e dos poderes pré-

estabelecidos pela classe dominante. Ela faz compreender o significado do mundo,

da cultura e da história, elucidando o sentido das criações humanas, seja na arte, na

ciência ou na política. Ela possibilita a cada um ser consciente de si e das próprias

ações, na prática de liberdade e na procura pela felicidade de todos. Possibilita,

então, uma cultura crítica. (Chauí. 2002, p.15)

Enquanto disciplina sistemática, a Filosofia favorece a integração dos

conhecimentos, retira da situação de alienação, ajuda à análise dos conceitos. Em

suma, ela exige uma fundamentação racional do que é enunciado e apresentado a

respeito da realidade externa ao pensamento humano e da realidade complexa do

mesmo ato de pensar. Ao questionar sobre a realidade circunstante, segue-se a

interrogação sobre o mesmo sujeito, sobre o que acontece, sobre o porquê de

acontecerem vários fatos sociais que a cada um envolve.

A Filosofia tem como princípio a fundamentação teórica e prática dos

conhecimentos e das práticas que, determinadas pelo pensamento verdadeiro, ou

seja, pela atividade de examinação e avaliações detalhadas, têm por objeto o

conhecimento humano e do mundo. Por isso, investiga e interpreta o significado de

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idéias gerais como natureza e verdade. É, portanto, uma crítica que se caracteriza

pelo exame de todas as coisas, sem preconceito e sem pré-julgamento, buscando a

elaboração do conhecimento verdadeiro, a essência das coisas, analisando a

essência da coisa em si, visto ter a filosofia seu caráter totalizante como categoria

geral.

É difícil aceitar, sem questionar, as várias propostas de conceitos e as

definições da filosofia. E apenas de forma racional e generalizada é que pode

resolver todos os problemas do mundo.

{...}. O problema crucial é o seguinte: a filosofia aspira à verdade total, que o mundo não quer. A Filosofia é, portanto, perturbadora da paz. E a verdade o que será? A filosofia busca a verdade nas múltiplas significações do ser-verdadeiro segundo os modos do abrangente. Busca, mas não possui o significado e substância da verdade única. (Jaspers, 1971, p. 138).

Aquele que se dedica à filosofia se põe à procura do homem, escuta o que

por ele é dito, interessa-se pelo que ele faz, por sua palavra e sua ação e tem o

desejo de compartilhar com os outros o destino comum da humanidade.

Mas, por que a Filosofia? Essa pergunta, comum, é instigante. Contudo, não

se ouve perguntar, por exemplo, para que matemática, física ou outra disciplina do

currículo escolar. Acha-se natural, porém, perguntar: por que a filosofia? Isto é

característica comum na cultura das sociedades ocidentais, que consideram que

alguma coisa só tem valor e direito de existir se ostentar finalidade prática, utilidade

imediata. Contudo, não se interroga para que as Ciências, pois se imagina ver

suficientemente claro e bem atendido o problema das próprias ciências, da técnica,

do produto e da aplicação científica à realidade. Outro exemplo é o da arte, o da

causa da compra e venda das obras de artes; de fato, na cultura ocidental, os

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artistas são vistos como gênios, que são valorizados por serem elogiados pela

humanidade. O caso da Filosofia é caso à parte, também nesta resposta: “Ninguém,

todavia, consegue ver para que servirá a Filosofia, donde dizer-se: não serve para

coisa alguma”. (Chaui, 2002, p. 10).

As ciências acreditam em conhecimentos verdadeiros, adquiridos por

pensamentos sistematizados, e pretendem agir na realidade através de objetos

técnicos, em progresso contínuo e no constante aumento na quantidade das suas

informações ou mesmo nas suas eventuais correções.

A Filosofia, geralmente, acredita na existência da verdade: o pensamento

como procedimento correto, a vê como útil à tecnologia, e como aplicação prática

das teorias, que segundo a racionalidade do pensamento as teorias são corrigidas e

aperfeiçoadas.

Verdade, pensamento, procedimentos especiais para conhecer fatos, relação entre teoria e prática, correção e acúmulo de saberes: tudo isso não é ciência, são questões filosóficas. O cientista parte delas como questões já respondidas, mas é a filosofia que as formula e busca respostas para elas. (Chaui, 2002, p. 11).

A Filosofia, portanto, perpassa a ciência; esta se encontra envolvida com as

questões filosóficas, embora o cientista não seja propriamente filósofo.Os cientistas

e filósofos sabem reflexivamente que boa parcela do senso comum continua a

acreditar e a afirmar que a Filosofia “não serve para nada”.

Entretanto, pode-se avançar esclarecendo:

Para dar alguma utilidade à Filosofia, muitos consideram que, de fato, a Filosofia não serviria para nada, se “servir” fosse entendido como a possibilidade de fazer usos técnicos dos produtos filosóficos ou dar-lhes utilidade econômica, obtendo lucros com eles; consideram também que a Filosofia nada teria a ver com a ciência e a técnica. (Chaui, 2002, p. 11).

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Visão esta apoiada pelo senso comum das pessoas e da sua cultura entende-

se por senso comum todo o conhecimento de interpretação do mundo em que

vivemos, resultado da herança fecunda de um grupo social e das experiências

atuais. O senso comum não é refletido, é fragmentado, assistemático, incoerente e

mecânico passivo de valores não questionados.

Segundo Saviani é preciso “trabalhar o senso comum” de modo a extrair seu

núcleo válido (o bom senso) dar-lhe a expressão elaborada com vista à formulação

de uma concepção de mundo adequada aos interesses particulares. (1944 p. 10).

Diz ainda Saviani:

Passar do senso comum à consciência filosófica significa passar de uma concepção fragmentária, incoerente, desarticulada, implícita, degradada, mecânica, passiva e simplista a uma concepção unitária, coerente, articulada, explícita, original, intencional, ativa e cultivada. (1944 p. 10).

Nessa perspectiva, do senso comum, a Filosofia é compreendida como a arte

do bem viver, como ensinamento moral e ético, desta forma não cuida do

conhecimento nem da teoria. A Filosofia teria como finalidade ensinar a virtude, que

é o princípio do bem viver; ela imporia limites aos desejos e paixões, para um viver

justo e honesto.

A Filosofia, porém, continua a questionar a respeito da realidade, mesmo com

esse tipo de concepção que a reduziria à moralização ou algo semelhante.

Permanece o estilo filosófico e a atitude filosófica, pois as perguntas permanecem.

A atitude filosófica possui algumas características, que são as mesmas

independentemente do conteúdo estudado. “Já a reflexão filosófica indaga: Por quê?

O quê? Para quê? dirigindo-se ao pensamento, aos seres humanos no ato da

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reflexão. São perguntas sobre a capacidade e a finalidade humanas para conhecer e

agir”. (Chaui, 2002, p.12).

A reflexão filosófica é o movimento radical pelo qual o pensamento volta a si

mesmo para conhecer a si mesmo, interrogando como é possível o próprio

pensamento. Sendo assim, a reflexão filosófica mantém a característica de ser

radical, ir à raiz do próprio conhecimento. Elabora um pensamento sistemático. As

indagações fundamentais não acontecem por acaso, conforme a experiência de

cada um, não deixam prevalecer os, achismos, não estão relacionados com a

pesquisa de opinião que faz a vida dos meios de comunicação de massa. A Filosofia

trabalha enunciados precisos e rigorosos e exige fundamentação racional do que é

enunciado e pensado. Seu propósito é fazer com que a reflexão submeta o cotidiano

das experiências, das ciências e das opiniões a uma análise crítica. A Filosofia

também criticando a si mesma.

Não se trata de dizer “eu acho que”, mas de poder afirmar “eu penso que”.

Não se trata de projetar a si próprio “esta é minha Filosofia de vida”. A Filosofia

previne contra o engano a si e aos outros, ela requer cuidados:

Basta alguém possuir um conjunto de idéias mais ou menos coerentes sobre todas as coisas e pessoas, bem como ter um conjunto de princípios mais ou menos coerentes para julgar as coisas e as pessoas. ‘Minha Filosofia’ ou a ‘Filosofia de fulano’ ficam no plano de um ‘eu acho’ coerente. (Chaui, 2002, p. 13).

Evidentemente, não se pode julgar que o senso comum se engane

totalmente. Ainda que confusamente, o senso comum guarda as características das

idéias e dos princípios, que levam a concluir que preserva também afinidade com a

Filosofia. Do senso comum podem-se formar presunções favoráveis:

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Ou seja, o senso comum pressente que a Filosofia opera sistematicamente, com coerência e lógica, que a Filosofia tem uma vocação para formar um todo daquilo que aparece de modo fragmentado em nossa experiência cotidiana. (CHAUI, 2002, p. 13).

A Filosofia, portanto, cumpre a sua função enquanto categoria totalizante, e

assim permite entender de forma global o conhecimento de coisas em si. Conforme

Kosík, perceber o fenômeno é compreender sua essência, o processo de elaboração

e compreensão da realidade vivida. (1976 p. 12).

Como a essência – ao contrário dos fenômenos – não se manifesta diretamente, e, desde que o fundamento oculto das coisas deve ser descoberto mediante uma atividade peculiar, tem de existir a ciência e a filosofia. Se a aparência fenomênica e a essência das coisas coincidissem diretamente, a ciência e a filosofia seriam inúteis. (1976 p. 13).

1.2. FILOSOFIA, EXIGÊNCIA DA HISTÓRIA: A PESQUISA E O DEPOIMENTO DE CHÂTELET.

Na História da Filosofia se registram diferentes concepções a respeito da

Filosofia. Refletir sobre a História da Filosofia já é fazer Filosofia da História. Por

isso, ela é pertinente para se entender os contextos nas quais esteve inserido o

pensamento e o processo do conhecimento da humanidade.

1.2.1. TESTEMUNHOS SOBRE O COMPROMISSO DE CHÂTELET.

François Châtelet ofereceu subsídios para boa compreensão a respeito da

Filosofia. Sua obra serviu de oportuna orientação para esta pesquisa. Ele defendeu

e utilizou a Filosofia. Partilhou com os outros nas investigações e descobertas. Dele

afirmou Desanti: “Não guardava nada para si, nem sua força vital, nem seu

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pensamento, nem seu saber”. Homem da doação e um destaque nos estudos como

“filósofo”, no sentido pleno da palavra. (in: Châtelet, 1994, p. 7).

Para Châtelet, a Filosofia é necessariamente uma atividade corporal e prática.

De fato, o filósofo só pode atingir o outro com sua palavra, expondo-se a si mesmo

como sujeito falante, sujeito visível e, em última análise, “público”.

Isto significa dizer que o filósofo não se deve dar o gozo de um pensamento

altivo e solitário. Deve fazer exatamente o contrário: levar o pensamento a público.

No ruído do mundo, deve interferir como sujeito pensante, o que o conduz a tomar

partido e a lutar. (Desanti in: Châtelet, p. 8).

Conforme Desanti, a paixão de Châtelet era publicizar a verdade e oferecê-la

para um maior número de pessoas. Permaneceu sempre fiel a essa exigência de

esclarecimento, assim como ao seu “demônio” que o estimulava. Faleceu, mas em

seus textos permanecem vivos os seus demônios, dos quais vive e fala. Faz a

descrição desses demônios como numa história da racionalidade, que ainda

vivemos. História que, desde sua origem grega, através de crises, revoluções,

tensões e impasses, é sempre superada. (Desanti, in: Châtelet, p. 9).

Por seu lado, Émile Noël testemunha p. 32 que, embora concorde com as

várias racionalidades no mundo, procura destacar a forma de pensar da dita

civilização ocidental e fazer referência a Sócrates, Platão, Aristóteles. A busca do

começo se designa em função do passado. “A história da razão é também a história

dessas reanimações sucessivas: o nascimento da democracia, a importância da

palavra, a hipótese das idéias, a passagem da persuasão para a procura da

verdade”. (Noël, in: Châtelet, 1994, p. 12).

Nesse processo, chega-se a Galileu e a Kant, que lançavam vários

questionamentos sobre a verdade. Representante da Filosofia alemã da segunda

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metade do século XVIII e início do século XIX, Kant se pergunta como pensar. Com

ele, parece ter-se esgotado a Filosofia; se fosse levado a sério, não haveria mais

metafísica possível. Seu desafio se constituiu em orientação para Hegel, que

continuou preocupado com o objeto e com o fenomênico kantiano.

Após a Revolução Francesa, Hegel trabalhou para “fundar um pensamento,

sobre os abismos do pensamento, inscrevendo a Filosofia nesse novo horizonte, o

da história, para lhe escrever o fim”, ousando expor o saber absoluto em um livro,

não manifestou apenas imodéstia, mas falta de humor. Assim, provocou o riso

sarcástico de Nietzsche e se viu cavar o abismo do inconsciente freudiano. (Noël, in:

Châtelet, p. 13).

Noël continua, afirmando que a Filosofia foi acusada de não ter objeto próprio,

de não interrogar a sua época, de não se ligar com os novos saberes que se

constituíam. Hesitante ante as aproximações e as incertezas que isso comportava,

ela parecia não se inserir numa cultura, que não se oferecia acabada, mas que se

encontrava em estado de acabamento.

Não era possível negar a contribuição da psicanálise para a Filosofia por uma

consideração do pensamento “puro”, desprovido do afeto. Também a contribuição

do marxismo à Filosofia não pode ser negada.

No entendimento de Noël sobre a razão, não devia ser confundida com o

entendimento ou faculdade de compreender, porque a razão mesma solicitava de

Châtelet, o seu desejo de transmitir. O grande intelectual, jornalista, panfletário e

professor, havia consagrado sua vida ao compromisso da transmissão da Filosofia.

(Noël, in: Châtelet, p. 14).

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1.2.2. CHÂTELET E SUA EXPOSIÇÃO DA FILOSOFIA.

Ao ser indagado por Noël, numa entrevista radiofônica, Châtelet contestou

Marx e a idéia expressa quando das críticas sobre Feuerbach. “Nas teses sobre

Feuerbach, Marx diz que a filosofia vê o mundo, mas não o transforma”. (Châtelet,

1994, p.15). Segundo Châtelet, a afirmação de Marx não é verdadeira, isto porque

os filósofos transformaram o mundo não diretamente, é claro, mas com suas idéias,

influenciando as elites e as massas. Então as idéias filosóficas passaram para o real.

Daí o interesse de saber como o projeto filosófico nasceu e se consolidou. (Châtelet,

1994, p. 16).

Tendo a Filosofia nascida na Grécia e em razão da rivalidade entre as

cidades de Atenas e Esparta, que têm em comum os deuses, uma cultura, uma

língua e são rivais entre si, e apesar da ameaça de invasão dos bárbaros, elas

criaram colônias e logo conquistaram a independência. Um espírito novo circulava

então. Com o surgir da urbanização, a construção de cidades, foram elaboradas

constituições e o pensamento tradicional foi sendo submetido a duras provas.

Nasce então em Atenas a “democracia”, que se define pela igualdade. Todos

são cidadãos e iguais perante a lei. Os cidadãos têm o direito a intervir diante das

assembléias, têm o direito à palavra para decidir o destino coletivo. A democracia

causa grande impacto e impõe mudanças sobre a cultura tradicional.

“Na democracia, a palavra veio a impor-se, e quem dominar a palavra,

dominará a cidade”. (Châtelet, 1994, p. 16).

É o tempo da retórica, tempo da arte, do bem falar e dos professores dessa

nova arte. Saber convencer que esta posição é melhor que aquela é de importância

capital.

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Mais tarde, no fim do século, o autor faz uma releitura da história na qual

Platão fala desses “professores da democracia”. Ele os chama “sofistas”, termo que,

por causa do mesmo Platão, tomou conotação pejorativa. Sócrates, a seu modo, era

“sofista”. Ao contrário, porém, de seus colegas hábeis na arte de falar, não abriu

escolas, nem pediu dinheiro aos seus interlocutores. Diz que fala em nome de seu

daîmon (demônio interior), do seu gênio pessoal. (Châtelet, 1994, p. 19).

A personalidade de Sócrates pode ser compreendida com ajuda de um dos

diálogos da obra de Platão. No diálogo simples que se chama “Laques”, em que dois

pais de família, (dois especialistas) se manifestam e discutem sobre ensinar ou não,

sobre receber dicas de arte ou de esgrima. Pediram a Sócrates que acompanhasse

esses pais e tentasse, então, resolver o assunto. Os especialistas se manifestaram.

Para Laques, velho general que se distinguiu em célebres batalhas célebres, lições

desse tipo são inúteis, pois arte militar se aprende na prática. Qual o seu voto?

Perguntaram a Sócrates, e Sócrates se omitiu em dar resposta. Com efeito, seu

raciocínio é diferente e, se respondesse, estaria dando uma opinião subjetiva.

Pedindo licença para interrogá-los e percebendo que os dois falavam

mecanicamente, sem conhecimento da situação, tinha fabricado uma argumentação

a partir de uma idéia pré-concebida, que nada provava. Os dois pais indagaram de

Sócrates o que fazer. Tomando o caminho da invenção filosófica, ele diz: o que

queremos? Que nossos filhos sejam capazes de se defender na guerra, de vencer o

inimigo, de honrar o nosso nome combatendo adequadamente e continuando vivos.

Muito bem. Logo, a arte militar tem por finalidade a aquisição da virtude militar.

Então, é mister saber o que é virtude militar. Do contrário, não se consegue dar

resposta à pergunta, como aconteceu a Laques e Nícias. (Châtelet, 1994, p. 20).

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Sócrates acabara de inventar uma coisa nova, que, 24 séculos depois, seria

chamada de conceito.

“Para responder uma pergunta, é preciso saber o que essa pergunta contém,

perceber a idéia que nela se encontra, elaborar-lhe a representação, em termos

modernos: conhecer o seu conceito”. (Châtelet, 1994, p. 21).

Assumindo a atitude de interrogar, é possível compreender o que aconteceu

com Sócrates, irritando com seus raciocínios que destruíam a argumentação,

abalando as certezas sobre as quais a cidade ateniense fora construída, atraindo o

ódio de todo mundo contra si. “Dos seus ensinamentos e de sua morte exemplar,

nascerá a Filosofia; Filosofia platônica (Filosofia voltada para o pensamento,

especulativo...) certamente, mas que Platão dá uma definição que permaneceu no

centro do exercício da Filosofia de hoje”. (Châtelet, 1994, p. 23).

Châtelet afirma que por mais que seja antiplatônico, só se pode ser filosófico

numa perspectiva que remeta à análise platônica, que contemple as idéias de

Sócrates, defendidas por Platão durante os 60 anos que ainda viveu.

Na tentativa de manter vivas as idéias de Sócrates, Platão queria que os

homens tivessem o mesmo gênio pessoal de Sócrates, o mesmo “daîmon”. Que

pudessem expressar-se, e “fazer o homem viver com cores divinas”, fora da

imoralidade e na transferência da verdade. (In: Châtelet, 1994, p. 22).

A obra platônica, essencialmente, opõe-se aos sofistas. Não ataca de

maneira fugaz a tradição, pois não a considera perigosa. O inimigo número um eram

os sofistas, que excitaram os atenienses, lançando-os a empreendimentos

duvidosos e debilitantes, tanto no plano cultural, quanto no da política externa.

O pensamento platônico tem como ponto de partida mesmo dos sofistas: é a

palavra. Platão o herdou das características de Sócrates. Em luta contra a palavra

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mentirosa, diz Platão: só dispomos da palavra ou nos entregamos à violência. Ele

fundou a Academia, escola cara, aberta nos jardins de um cidadão chamado

Akademos. Ali, os filhos das famílias gregas recebiam aula de matemática, dialética,

etc... A sistemática do pensamento dos mestres da democracia fica desprezada.

Conforme a crítica acerbada de Platão, não há nenhuma razão para que a maioria

tenha razão. O número de votos não faz a verdade. Não é porque alguém sabe

construir um barco ou fabricar sapatos que é capaz de governar a cidade. Platão se

propõe, usando apenas a palavra, construir um discurso que seria juiz de toda

palavra.

Utilizando as palavras de Platão in: Châtelet, (1994, p. 23) a Filosofia, devo

insistir, partindo de perguntas simples: o que se chama habitualmente, no jargão

filosófico, questões “empíricas”. Ela tenta construir uma argumentação que permita

responder, não no plano da simples opinião, mas no plano do conceito – da idéia

“clara e distinta” como dirá depois Descartes.

Após ter feito a pergunta, Platão mostra o seu núcleo, a idéia central à qual se

refere. Posteriormente, através do jogo de perguntas e respostas, monta um

dispositivo argumentativo que, a cada etapa do desenvolvimento, exige a

concordância dos resultados. O diálogo, essa forma normal da Filosofia nascente,

mostra-se, estilisticamente, como um jogo de perguntas e respostas argumentadas

[...]. É a arte do diálogo, como se chamará em oposição à técnica retórica do sofista.

(Châtelet, 1994, p. 24).

Aristóteles irá, refinar essa oposição aos sofistas, quando comparar a

persuasão ao advogado que defende o seu cliente sem preocupar-se com a

verdade, mas apenas com a absolvição do cliente. Aristóteles mostrará que, com o

procedimento platônico, com a ajuda da palavra, pode-se obter a adesão de

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qualquer pessoa de boa fé. Será o segundo esboço que se poderia chamar:

“discurso filosófico”. Explica-se: o filósofo afirma que não existem fatos e que o fato

está sempre relacionado à experiência singular de um indivíduo colocado em

circunstâncias singulares. O fato está ligado, pois, à afirmação, a uma tomada de

decisão, sem outro fundamento além da experiência de quem se encontra nessa

posição. No entanto, o filósofo faz uma exigência suplementar quanto aos fatos,

como esclarece Châtelet: “Cada indivíduo pode evocar fatos; todos os fatos podem

ser contraditórios e destruir-se entre si. [...]. Para o homem, o fato passa

necessariamente pela palavra e pela reflexão”. (Châtelet, 1994, p. 24). Essa

percepção sobre o discurso filosófico é a herança maior que Platão guardou dos

ensinamentos de Sócrates.

Nas assembléias do povo, em que se tomavam às decisões para Atenas, os

“raciocínios” se faziam de acordo com o prisma de cada um, de acordo com os

interesses e paixões e seus desejos de cada um. Cada um pretendia construir a sua

realidade, a decisão que resultava disso, não era necessariamente “verdadeira”.

Para Platão, o diálogo se justificava pela necessidade de tomar as decisões

coletivas em comum, para tornar a cidade tão feliz quanto possível. Era o diálogo

que oferecia à possibilidade da verificação de aceitabilidade na busca da verdade.

No diálogo, Platão recorreria a alguns de seus interlocutores. Cada um representava

certo papel e, quando uma significação era evocada, reagia em função do ponto de

vista que representava. O diálogo se fazia para verificar se desse ponto de vista a

significação era aceitável, se ela passava pela “prova de receptibilidade”.

Mais tarde, os filósofos explicarão tal esforço como o da construção de uma

idéia. Ou seja, eles darão como consolidada a primeira categoria da Filosofia, o

conceito maior que define a própria Filosofia: o conceito da “Universalidade”. Então a

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universalidade resultaria da totalização das diferentes concordâncias estabelecidas

durante o diálogo. (Châtelet, 1994, p. 26).

Tem-se de considerar que o filósofo é alguém que leva em conta que o

homem é um ser da comunidade e considerar que o diálogo termina quando é

preciso, quando já não vale a pena continuar. Assim como, a Sinfonia de Mozart

termina quando os temas foram expressos em sua extensão e em sua diversidade.

(Platão in: Châtelet, 1994, p. 26).

Questionado sobre o berço da filosofia, Châtelet defende que os gregos

inventaram o que ele, Châtelet chama de lógos, razão, uma forma de construir a

sabedoria. Explica que existem outras formas:

Os gregos não têm nenhum privilégio, apenas o fato de que, por motivos históricos, essa concepção da sabedoria nascida da Filosofia “stricto sensu” influenciou de modo decisivo a concepção da ciência, que posteriormente teve efeitos consideráveis na transformação da humanidade. Por exemplo, os chineses inventaram técnicas notáveis, mas não tiraram delas – e talvez tivessem razão – o que nós tiramos na Europa; e o que nós tiramos vem da filosofia. (Châtelet, 2002, p. 31).

Portanto segundo Châtelet, nem a opinião da maioria, nem o discurso da

autoridade e da competência, são garantias satisfatórias. “Assim o caminho da

verdade estaria exclusivamente reservado à filosofia”. Para Châtelet, o diálogo

filosófico, o que se mantém como tal, jamais abandona a realidade histórica.

1.3. POSSIBILIDADES DO CONHECIMENTO

Os primeiros filósofos gregos preocupavam-se com a origem e a ordem do

mundo, com o Cosmo e a Filosofia nascente. Era a Cosmologia. Não tinham uma

preocupação principal pelo conhecimento enquanto conhecimento, isto é, não

indagavam se podemos ou não conhecer o ser, mas partiam da pressuposição de

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que podemos conhecer, pois sendo a verdade “aletheia”, isto é, presença e

manifestação das coisas aos sentidos, isto é, se o ser está manifesto e presente

para o sujeito, então, sim, é possível conhecer. (Chaui, 2002, p. 62).

O fundamento do conhecimento tem seus pressupostos na Filosofia nascida

na Grécia. Trata-se de uma Filosofia de caráter especulativo que tinham a

preocupação apenas com o conhecimento comum, e não com o conhecimento

enquanto conhecimento. Tem muita importância, dentre os primeiros filósofos:

Heráclito de Éfeso, que considerava a natureza como sendo harmonia dos

contrários, e acreditava haver diferença entre o conhecimento através da percepção

e do pensamento; Parmênides de Eléia, que pensa em especial sobre o que é

idêntico a si mesmo; Demócrito de Abdera, que creditava ser a realidade constituída

por átomos, que se uniam para transformar as coisas através, de novos arranjos.

Para Sócrates e os Sofistas o “ser” não pode ser conhecido, mas um homem

pode ter opiniões subjetivas sobre a realidade. A linguagem, para eles, era mais

importante que a percepção e o pensamento.

Platão falava de os graus do conhecimento sensível, a crença e a opinião,

conhecimentos que deveriam ser afastados da Filosofia, por serem ilusórios ou de

aparência. Para ele, somente os graus de conhecimento intelectual, raciocínio e

intuição, devem ser considerados válidos, pois fazem alcançar a verdade.

Segundo Aristóteles, o conhecimento é formado pelo acúmulo trazido pelo

conhecimento sensível; Não existe separação entre conhecimento sensível e

intelectual, mas sim uma continuidade entre eles.

A partir do século XVII, os filósofos modernos analisam o conhecimento por

outro ângulo. Separam a fé da razão, sem atribuir nenhuma relação entre ambos.

Por novos modos, explicam como a alma ou a consciência pode conhecer os corpos.

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Geralmente acreditam que a razão e o pensamento são mais fortes que a vontade e

que são capazes de controlá-la evitando o erro.

A teoria do conhecimento volta-se para a própria questão do conhecimento,

tornando-se disciplina central da Filosofia. Faz-se o exame da capacidade humana

de conhecer. Segundo a demanda pela sobrevivência, porém, torna-se necessário

conhecer o contexto em que estão inseridos os indivíduos e seus diversos grupos.

Através da capacidade de raciocínio, o homem necessita conhecer a

realidade para transformá-la e não aceita o viver pelo viver. O conhecimento implica

uma conexa relação, pois, entre o pensamento e a linguagem que comunica pensar

é estabelecer a relação com os signos. São várias as formas pelas quais o sujeito

conhece o mundo, dependendo da forma pela qual o sujeito vê o mundo. Também

ficam por analisar os diferentes discursos e expressões do mito, da Filosofia, da

ciência e da arte, inclusive.

O conhecimento é constituído por dois elementos básicos: sujeito e objeto do

conhecimento. O objeto do conhecimento é a realidade em si, e o sujeito do

conhecimento é o ser que conhece e incorpora o objeto. Conforme Locke, (Chaui,

2002, p. 69). “A consciência é um conhecimento (das coisas de si) e o conhecimento

desse conhecimento” (reflexão).

O homem tem três formas de conhecer o objeto. Essas formas de

conhecimento diferenciam-se conforme o acesso à propriedade do objeto: o

conhecimento sensorial ou empírico pelos sentidos; o conhecimento lógico e

intelectual; o conhecimento pela fé, ou a crença.

A realidade tem papel fundamental no que se refere ao conhecimento, pois

propicia que o conhecimento tenha um objeto, que posteriormente será

representado ou descrito em detalhes.

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Como em qualquer outro animal, o primeiro contacto do homem com a

realidade se dá através dos cinco sentidos. O conhecimento sensorial ou empírico

se estabelece quando, num primeiro contacto com a realidade, os cinco sentidos são

impressionados. O Universo de objetos físicos é conhecido pela sensação. No

homem cognoscente, estabelece-se uma relação das propriedades sensíveis, que

foram obtidas a partir do objeto, com o intelecto.

Pelo intelecto, pelo uso da razão, o homem difere do animal e tem uma

interação maior com o objeto, o que lhe permite captar suas características

essenciais; a razão elabora combinações que permitem analisar, comparar e

articular quanto a conceito, definições e leis indispensáveis ao entendimento e,

conseqüentemente, à utilização da realidade.

O conhecimento através da fé baseia-se na fidedignidade de outrem.

Constitui-se num crédito de confiança nos que passam informações. Por isso, a fé

não é objeto da Filosofia, uma vez que esta pretende fundamentar-se em dados

racionais.

Como já afirmado anteriormente, as maneiras pelas quais chegamos ao

conhecimento são: raciocínio, sentidos e crença. Em relação à forma de

conhecimento, ocorrem conflitos ao inquirir qual o mais verdadeiro, sobre qual o

mais objetivo e o mais certo.

Segundo René Descartes, a dúvida faz parte desse conhecimento, porque os

nossos sentidos nos enganam às vezes. Descartes supunha que nenhuma coisa era

como nos fazem imaginar. Isso porque os homens se equivocam ao raciocinar.

Inclusive quanto aos elementos mais simples da matéria como a geometria. O

conhecimento também raciocina com a boa-fé. É modo simplista de ver as coisas.

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Em sua afirmação “Penso, logo existo”, Descartes mostra uma tal convicção que lhe

parece que ninguém poderia questioná-lo.

Descartes pretende basear-se nos conhecimentos que permeiam a vida das

pessoas. Tais conhecimentos, muitas vezes, são tidos como verdadeiros, mas

posteriormente, vêm a ser questionados. Por exemplo: Galileu Galilei procura

avançar, justificando matematicamente a teoria heliocêntrica de Copérnico.

A partir do método de Descartes, é possível perceber a capacidade do ser

humano em conhecer a verdade. São duas tendências básicas, e antagônicas, que

explicam as possibilidades do conhecimento: o ceticismo e o dogmatismo. Para os

ceticistas existe uma impossibilidade de conhecer a verdade. Os dogmáticos, no

entanto acreditam que se possa dar conhecimento verdadeiro.

Dentro dessas duas tendências distinguem-se teses que procuram explicar

seus pontos de vista em relação à capacidade do homem de conhecer a verdade: o

ceticismo absoluto e o ceticismo relativo. Para o ceticismo relativo, a capacidade de

conhecer não é totalmente desconsiderada e ele ostenta várias modalidades, como

o Fenomenismo e o Probabilismo.

No Fenomenismo, a manifestação do fato e a aparência dos seres, observa-

se aquilo que é exterior e cai sob os olhos. Por exemplo, para gerar uma percepção

sensorial. O Probabilismo é a incapacidade da certeza das coisas.

A modalidade do Dogmatismo apresenta duas variantes: o dogmatismo

ingênuo, que deriva do senso-comum e acredita fielmente no que vê. O dogmatismo

crítico usa a razão e o questionamento para chegar à realidade do mundo, e chega a

ser pragmático, pois vê o conhecimento como resultado de investigação e pesquisa.

Os fundamentos do conhecimento são discutidos por duas correntes

filosóficas que pretendem explicar como ele acontece: o racionalismo e o empirismo.

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A elas correspondem, como derivadas e respectivamente, o realismo crítico e o

materialismo dialético.

O racionalismo alcança em René Descartes a sua sustentação. As correntes

racionalistas depositam confiança total exclusivamente na razão. Discordam

totalmente dos empiristas por verem na experiência sensorial uma fonte de erros e

confusões sobre a complexa realidade do mundo.

O empirismo busca a explicação do conhecimento através das nossas

experiências sensoriais – todas as idéias provêm das percepções advindas através

de visão, audição, tato, paladar e olfato. O grande defensor do empirismo é John

Locke, que diz: nada vem à mente sem ter passado pelos sentidos; principalmente

porque nascemos como uma folha em branco, completamente desprovidos de

idéias. Para Locke, existem “duas fontes possíveis para nossas idéias: a sensação e

a reflexão. A sensação é o resultado da modificação feita na mente através dos

sentidos. A reflexão é a percepção que a alma tem daquilo que ocorre. Portanto, a

reflexão se reduz apenas à experiência interna do resultado da experiência externa

produzida pela sensação”. (ARANHA e MARTINS, 1993, p.107).

Além dessas duas visões opostas em relação à forma e das divergências no

modo pelo qual o sujeito conhece, existem outras duas visões derivadas que se

utilizam da razão e da experiência para formular seus conceitos. Fala-se do realismo

crítico e do materialismo dialético: tanto os sentidos, como a razão humana tem

participação que determina o conhecimento.

Para o realismo crítico, o universo do conhecimento não é uma cópia do

universo objetivo, mas uma construção efetuada pela inteligência a partir dos dados

sensíveis; ou seja, constrói-se o conhecimento a partir das situações vividas. O

materialismo dialético defende que o conhecimento humano resulta de uma

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evolução e é garantido pelo confronto entre a experiência sensível e a atividade

racional.

Portanto, é relevante, na Filosofia e no estudo do conhecimento, verificar

como o homem interpreta os conhecimentos que lhes são transmitidos pelas

diversas sociedades e de que forma utilizará seus conhecimentos no processo de

transformação social. É o que compõe o eixo desta pesquisa, sob o enfoque de uma

Filosofia da práxis. Não se trata apenas de compreender o mundo, mas de contribuir

para transformá-lo, uma vez que, na busca pelo conhecimento, a interpretação da

realidade do mundo passa pelo fenômeno e pelo fato fenomênico até atingir a

essência da coisa em si.

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CAPÍTULO II

2. IDEOLOGIA E ALIENAÇÃO NO PROCESSO DO CONHECIMENTO NUMA PERSPECTIVA DA FILOSOFIA DA PRÁXIS.

2.1. O HOMEM SER SOCIAL

O homem, para ser homem, não pode ficar só na subjetividade, deve

objetivar-se e estar presente como ser social.

O processo de produção este é apresentado por Marx nos Manuscritos de

1844. Conforme Vázquez, é lá que o trabalho começa a assumir dimensão essencial

para Marx. A dimensão do trabalho não é determinada pelo conteúdo meramente

econômico, pela produção de objetos que satisfazem as necessidades humanas.

Trata-se, fundamentalmente, de conteúdo filosófico. A produção para Marx é

representada por autoprodução ou autocriação do homem.

O papel da produção, que nos Manuscritos começa a esboçar-se sob o conceito econômico-filosófico de trabalho alienado, se revelará já claramente como premissa fundamental de toda a história humana e, desse modo, os Manuscritos constituem uma contribuição decisiva para a formação do pensamento de Marx. (Vázquez, 1977, p.140).

Nos Manuscritos de 1844, como explica Vázquez, Marx elabora o conceito de

capital de produção para explicar a alienação do trabalho. São obras que já se

aproximam da posterior fundamentação materialista da história.

A produção à qual Marx se refere, está relacionada à necessidade humana de

subsistência. O homem, como ser de necessidades, produz para satisfazê-las. No

animal também há necessidade de produzir de certo modo. Entretanto, embora tanto

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o animal como o homem produza, é necessário entendermos como se relacionam a

necessidade e a produção no homem:

[...] para que o homem satisfaça propriamente suas necessidades, ele tem que se libertar delas superando-as, ou seja, fazendo com que percam seu caráter meramente natural, instintivo, e se tornem especificamente humanas. Isso quer dizer que a necessidade propriamente humana tem que ser inventada ou criada. O homem, portanto, não é apenas um ser de necessidades, mas sim o ser que inventa ou cria suas próprias necessidades. (Vázquez, 1977, p. 142).

A produção é a criação de um mundo objetivo. Só pode dar-se pelo próprio

homem, conforme sua necessidade. Dá-se, afinal, num processo sem fim. O tipo de

produção particular vivido no século XIX é o de uma produção alienada. Se a

objetivação se revestiu historicamente da forma de uma objetivação alienada, no

entanto, o homem não deixou de produzir a si mesmo como ser social. Sua

autoprodução o eleva sobre a natureza exterior e sua própria natureza, numa

objetivação que, em vista de dominar a natureza, conduz a uma dependência em

relação aos outros. É até verdadeiro que se pode dizer que a alienação aparece

como fase necessária do processo de objetivação e que a alienação será superada

pelo homem quando se verificarem aquelas condições necessárias para que se

justifique sua verdadeira essência. Portanto, há uma dupla exigência para a práxis

material: de um lado, que objetivação e alienação se ponham em relação e, de

outro, que distingam. (Vázquez, 1977, p. 143).

O homem só existe como tal e se autoproduz como ser que se objetiva e produz um mundo humano. Mas essa objetivação assume, necessariamente, mas não essencialmente, um caráter alienado. Precisamente por isso a alienação pode ser superada; o mesmo não acontece com a objetivação que é, podemos dizer; constitutiva, essencial para o homem. Por isso, dizíamos anteriormente, a produção é essencial e fundamental na vida social. Contudo o problema das relações entre sujeito e objeto, não só num sentido ontológico como também gnoseológico, tem que ser examinado à luz da práxis. (Vázquez, 1977, p. 143).

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A relação sujeito-objeto não pode ser analisada só no sentido ontológico

(estudo do ser), mas também no sentido gnoseológico (conhecimento). De qualquer

maneira, só será compreendida à luz da práxis. Esse é um problema que se

apresenta nas teses sobre Feuerbach quando do estudo do sujeito-objeto. Nas teses

contra Feuerbach, Marx chega à mesma conclusão em relação ao aspecto

antropológico do homem e em relação com o conhecimento, Marx afirma: “não

existe o homem à margem de sua atividade prática e, portanto, tem ele um caráter

antropológico”. (Vázquez, 1977, p. 143).

A antropologização da natureza, do sujeito e do objeto se dá pela

característica que recebem em e pela prática. A antropologização do conhecimento

ocorre da relação cognoscitiva do sujeito-objeto. A natureza exterior do objeto se

constitui, assim, no lugar central da práxis. É o homem por essência que necessita

objetivar-se de modo prático e natural, humanizando o mundo. Produzir é entrar no

mundo do objeto a ser conhecido, humanizando-o a fim de o levar ao serviço do

homem para sua transformação.

A natureza, como tal perde seu caráter em si; isto é, por si só não tem caráter

antropológico. É ao homem que cabe a tarefa de ajustar-se ao seu mundo humano,

através da transformação a que submete a mesma natureza com seu trabalho.

Interessante ler em Vázquez:

‘A indústria é a relação histórica real entre a natureza e, portanto, as ciências naturais e homem’. Através da indústria, da produção ou do trabalho, a natureza se adapta ao homem, pois ‘nem a natureza objetivamente, nem a natureza subjetivamente, existem de modo imediatamente adequado ao ser humano’. A natureza em si, exterior ao homem, se transforma em natureza humanizada e, nesse sentido, Marx diz também que ‘a industria é o livro aberto das forças essenciais do homem’. Livro escrito poderíamos dizer, com caracteres humanos. E o desenvolvimento da produção, da práxis produtiva, não passa de uma crescente humanização da natureza. (Vázquez, 1977, p. 144).

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Segundo Marx (Vázquez, 1977, p. 144) o homem não pode ser considerado a

margem da natureza ou fora de sua relação com ela e “nem pode entendê-la

separada e abstratamente, pois esta isolada do homem é nada para este”.

Tratar-se-ia, nessa discussão de Marx, de uma nova versão “idealista do não

há objeto sem sujeito” ou do “idealismo da práxis?” (Vázquez, 1977, p. 144).

Parece tratar-se de compreender que o homem só existe na relação prática

com a natureza. O homem tem de estar em relação produtiva com a natureza, uma

vez que a natureza lhe oferece o objeto ou a matéria de sua atividade, ou, como

resultado desta, é natureza humanizada. Em outras palavras, para o “homem como

tal a natureza ”só existe” como objeto de sua ação, ou como produto de sua

atividade”. (Vázquez, 1977, p. 145).

Se acontecer que natureza e homem se integrem, sejam postos em relação –

pela indústria, por exemplo, coloca-se o problema do novo sentido humano.

Dado o sentido humano ainda se revela à prioridade ontológica da natureza.

Entretanto a natureza, já não é a original, mas sim integrada no mundo do homem

pela prática. Repete-se com Vázquez:

“o conhecimento que o homem tem dessa natureza é, portanto, um conhecimento antropológico”. (Vázquez, 1977, p. 145/146).

Por isso, é conseqüente repetir com Marx: “as ciências da natureza não

passam indubitavelmente de ciências humanas”. (Tese dos Manuscritos de 1844).

Para entendermos essas afirmações é necessário analisar melhor o

fundamento antropológico da indústria e da sua práxis produtiva, visto ter esta sido

qualificada por Marx como o livro aberto das forças essenciais humanas. Essas

forças essenciais são buscadas, além de na indústria, também na política, na

literatura e na arte. Entende-se que não se pode considerar a indústria

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simplesmente como força exterior ao homem. De fato, inclusive sob a forma de

alienação, o homem se desenvolve nesse mundo de objetos úteis. Portanto, a

indústria tem de ser posta em relação com o homem. (Vázquez, 1977, p. 146).

2.2. CIÊNCIA E TECNOLOGIA: UMA SÌNTESE HISTÓRICA

Qual, então, a relação do conhecimento cientifico com o homem? O

conhecimento científico da natureza se dá através de uma relação histórica, real,

exatamente porque está a serviço do homem por meio da indústria.

Evidentemente, nos conceitos marxianos, não existe um fundamento para a

indústria e outro diferente para a ciência, pois não se trata de dois mundos, um

prático e outro meramente contemplativo. É a difícil dialética que se tem de manter:

As ciências naturais influem praticamente na vida humana por meio da indústria e, como no caso da práxis material produtiva, apresentam uma dupla face: humanizam o homem (o emancipam) e o desumanizam (vêm contemplar sua alienação). (Vázquez, 1977, p. 146).

As ciências naturais, como foi fartamente explicado, contribuem para a

emancipação do humano, que passa a ter caráter antropológico. Para Marx, porém,

não só o caráter antropológico das ciências naturais tem razão de ser, mas,

sobretudo, a função prática que elas exercem. Leia-se em Vázquez:

A natureza é, certamente, o objeto das ciências naturais, mas não a natureza em si que existe com uma prioridade ontológica em relação ao homem, mas sim a natureza integrada ou em vias de integrar-se no mundo humano. Há unidade de homem e natureza: a) na medida que a natureza é homem (natureza humanizada); b) na medida em que este como ser natural humano também é natureza. (Vázquez, 1977, p. 147).

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Diante de tal definição, conclui-se que a ciência da natureza é a ciência do

homem, e esta por sua vez, é ciência natural. Logo, não há, para Marx, como

separar a natureza do homem, nem podem, as ciências naturais, ser separadas da

ciência do homem. (Vázquez, 1977, p. 147).

O homem adquire sua natureza real que lhe permite elevar-se sobre a

natureza exterior e interior. A natureza original adquire seu caráter antropológico

num processo histórico que se realiza graças à prática material produtiva. Também

por isso, as ciências naturais, como as ciências humanas se realizam ao mesmo

tempo, e o homem toma consciência de que a natureza, que era objeto das ciências,

nada mais é do que uma ciência humanizada; e, no fim, as ciências sociais são

objetos do homem, no seu próprio fazer produtivo. Sinteticamente, Vázquez, dirime

essa questão:

Enquanto a ciência não fizesse da natureza em si uma natureza antropológica, se poderia por em evidência, tanto por sua função como por seu objeto, o caráter antropológico das ciências naturais. Com o tempo, a crescente humanização da natureza fará com que se apague a linha divisória entre as ciências naturais e a ciência do homem. (Vázquez, 1977, p. 147/148).

Apesar de afirmar a fusão entre as duas ciências aqui expostas, Marx explica

que, devido ao progresso e à tecnologia, ainda existe a divisão entre as ciências

naturais e antropológicas. Assinalando essa divisão, Marx parece negar o caráter

comum entre elas. Vázquez retoma a ler Marx e explica: pela alienação do ser

humano perante a natureza que enquanto natureza, não se põe como um meio de

objetivação das suas forças essenciais do homem, mas um simples meio de

subsistência, ambos se mostram estranhos e alheios entre si. E o homem se

mantém, então, como simples animal. O homem, não estando presente à natureza,

não está presente à ciência natural, o que propicia “a divisão ou cisão entre ciências

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naturais e humanas”. (Vázquez, 1977, p. 148). Em outras palavras, e positivamente,

Vázquez intervém:

Só quando a relação prática entre o homem e a natureza assumir um caráter verdadeiramente humano – como práxis produtiva criadora, não alienada – surgirão às condições para unir as ciências naturais e a ciência do homem sobre uma base comum antropológica. (Vázquez, 1977, p. 148).

Entende-se que o homem, enquanto ser humano, faz parte de uma sociedade

de produção, na qual teoria e prática estabelecem uma relação dialógica, e tanto o

homem como a natureza (ciência) podem trabalhar pela transformação da realidade.

Sendo assim, não existe a alienação do sujeito frente ao objeto (indústria) nem a

prática produtora alienada; existe, sim, a prática produtora não alienada. Pois

embora o homem sofra alienação por parte da produção capitalista, esta se faz

necessária ao processo de alienação que leva a questionar sobre a realidade. Assim

pode o homem construir para si, através da reflexão filosófica, e no processo do

conhecimento, um meio para a própria libertação e conseqüentemente para a

desalienação do sujeito social.

A questão do conhecimento na relação sujeito-objeto-homem na natureza,

para ruína de um certo antropologismo, permitiu a Marx direcionar seu pensamento

e dar à sua filosofia um verdadeiro sentido da práxis.

Desde A Ideologia Alemã, aparecem com clareza os traços fundamentais de

sua teoria, sua filosofia. Também nas suas teses sobre Feuerbach, conteúdo

implícito nos seus Manuscritos de 1844, ele relança a prática como fundamento da

unidade entre homem e natureza e da unidade sujeito-objeto.

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Marx formula em suas teses contra Feuerbach uma concepção da

objetividade. Definindo-se pela práxis, define sua filosofia como a filosofia da

transformação do mundo. (Vázquez, 1977, p. 149).

A relação sujeito-objeto aparece em vários momentos. São vinculados entre si

o sujeito e o objeto. Destacadas essa relação e vinculação, a práxis é elevada à

condição de fundamento de toda a relação humana. De novo, pode-se encontrar

uma expressão lapidar em Vázquez:

O problema da objetividade, da existência ou tipo de existência dos objetos, só pode ser formulado no próprio âmbito da práxis. Isto é, ao colocar no centro de toda relação humana “a atividade prática, transformadora do mundo, isso não pode deixar de ter conseqüências profundas no terreno do conhecimento” (1977 p. 149).

O descaso pela grave questão da práxis acarreta sem dúvida, graves

problemas para a área do conhecimento, donde deve-se buscar a pertinência das

análises sobre o processo de conhecer, bem como sobre o critério de verdade e a

finalidade do conhecimento.

Considerado criticamente o perigo de tal descaso e o dever das análises

sobre o conhecer, pode-se captar quão fundamental se torna buscar novo enfoque

sobre a oposição entre idealismo e realismo. Sobre isso, uma longa advertência de

Vázquez:

A intervenção da práxis no processo de conhecimento leva à superação da antítese entre idealismo e materialismo, entre a concepção do conhecimento como conhecimento de objetos produzidos ou criados pela consciência, e a concepção que vê no conhecimento uma simples reprodução ideal de objetos em si. Isto é, ao converter-se à prática em fundamento, critério de sua verdade e finalidade do conhecimento, as duas posições têm que ser transcendidas, e da mesma maneira que não é possível ficar, uma vez admitido o papel decisivo da práxis, numa teoria idealista do conhecimento, também não é possível continuar atendo-se a uma teoria realista como a do materialismo tradicional, que não passa de um desenvolvimento do ponto-de-vista do realismo ingênuo. (Vázquez, 1977, p. 149-150).

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A introdução da práxis na relação do conhecimento, em Marx, levou a

diversas interpretações posteriores. Para alguns, não significa que não conheçamos

as coisas em si. Para outros, o papel decisivo da práxis veio destacar que não é

possível que se conheça o que as coisas são em si mesmas se forem separadas da

“relação com o homem”. Primeira posição é a de Gramsci que entende as coisas

como integradas num mundo humano. Segunda posição é a de K. Kosík, que, até

com acerto maior, julga que o conhecimento da realidade devia ter tomado como

práxis, isto é, como criação da realidade humana social. (Vázquez, 1977, p. 150).

Vázquez declara-se, mormente pela posição encontrada em Kosík. De fato,

Marx denunciara que já fora uma “falha fundamental” do materialismo anterior (de

Feuerbach, inclusive) ter captado o objeto como forma de objeto (Objekt), isto é, só

pela contemplação; anteriormente, desconsideravam a atividade humana sensível

(subjetividade) como prática. Tal falha fundamental levou a que o lado ativo se

desenvolvesse de modo abstrato – isto é, a atividade humana não foi concebida

como atividade objetiva (gegenstand) (Vázquez, 1977, p. 150).

Na contraposição entre materialismo e idealismo, na qual algumas posições

são negadas, fica clara a necessidade de superação de maneira que a concepção

da atividade humana seja transformada em atividade “sensorial”, real e objetiva, isto

é, como prática.

Marx utiliza em alemão duas palavras para destingir o objeto: na primeira vez diz Gegenstand; na segunda, Objekt. Com essa designação diferente, Marx quer destingir objeto como objetivação não só teórica como também prática, e o objeto em si, que é o que entra na relação cognoscitiva segundo o materialismo. (Vázquez, 1977, p. 151).

Segundo Marx, Objekt é o objeto em si, fora do homem e de sua atividade.

Nesse sentido, o próprio objeto se opõe ao sujeito, como alguma coisa dada e

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existente em si e por si, e não como produto humano; pressupõe atitude passiva do

sujeito ou visão apenas contemplativa da realidade. O sujeito apenas recebe o

conhecimento que nada mais seria do que a “pressão” do mundo exterior sobre os

órgãos do sentido. A manter essa posição retificadora, segundo a crítica

esclarecedora de Vázquez, o leitor de Marx, “o objeto é captado objetivamente, isto

é, não como produto da atividade prática, não de modo subjetivo” (Vázquez, 1977, p.

151-152).

Deve-se, então, afirmar a subjetividade, entendida esta como atividade

humana sensível e prática, em síntese com o objeto, mas que se contrapõe a

“objetividade, a existência do objeto como objeto em si, dado na contemplação”.

Esse papel passivo, inativo, do sujeito, característico do materialismo tradicional é o que Marx tem presente ao mostrar a necessidade de substituir seu objetivismo por uma concepção da realidade, do objeto, como atividade humana, como prática, ou seja, subjetivamente. O objeto do conhecimento é produto da atividade humana, e como tal – não como mero objeto da contemplação – é conhecido pelo homem. (Vázquez, 1977, p. 152).

Marx vê o real, o objeto, como “diferente” do sujeito, recusa-se a considerá-lo

como simples produto de sua atividade. Portanto, o conhecimento, para Marx, é o

conhecimento do mundo criado pelo homem, mundo que não existe separado da

história, da sociedade e da indústria. Uma concepção que foi ignorada por

Feuerbach, apesar da criticidade demolidora que ela representava contra o

interessado materialismo tradicional.

2.3. CONCEITOS DE IDEOLOGIA (MARX, GRAMSCI).

A Ideologia segundo Marx e Engels ocorre no processo histórico real, devido

à ascensão de cada nova classe que começa a se desenvolver dentro dos modos de

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produção, quando essa nova classe denominada emergente se apoiasse no restante

da sociedade para demonstrar que seus interesses são os mesmos de todas as

classes. Embora seja outra classe particular dando a aparência de universal; cada

nova classe estabelece dominação sobre a outra. Estas podem ser compreendidas

devido às características intrínsecas a uma realidade, onde foram produzidas pelo

processo que deu origem a esta realidade.

A Ideologia está ligada à hegemonia burguesa, cuja função é apagar as

diferenças de classe, próprias dos sentimentos de identidade pessoal como, por

exemplo: as referências identificadas colocadas a humanidade como liberdade,

igualdade, Nação ou Estado. A Ideologia é uns campos teóricos, religiosos,

filosóficos ou cientifico que não pode pensar realmente a luta de classe que lhe deu

origem. Citamos como elemento clarificador o exemplo da Ideologia Alemã, criticada

por Marx e Engels.

As principais determinações que constituem o fenômeno da ideologia são:

A ideologia é resultado da divisão social do trabalho e, em particular, da [...];

Essa separação dos trabalhos estabelece a aparente autonomia do [...];

Essa autonomia aparente do trabalho intelectual aparece como [...];

Essa autonomia dos produtores do trabalho intelectual aparece [...];

Essas idéias autonomizadas são as idéias [...] de tal modo que a dominação

de homens [...] sobre todos os homens;

A ideologia é, pois, um instrumento de dominação de classe [...] e em luta;

A divisão da sociedade em classes [...] de classes. Esta não deve ser

entendida apenas [...]. A ideologia é um instrumento de dominação de classe;

entre outras. (Chauí, 1991, p. 101,102 e 103).

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É oportuno se levar em conta à análise feita pelo marxista italiano Gramsci

(1891-1937), para quem é preciso diferenciar entre ideologias historicamente

orgânicas e ideologias arbitrárias. As ‘primeiras são historicamente necessárias

porque organizam as massas humanas, formam o terreno sobre o qual os homens

se movimentam, adquirem consciência de sua posição, lutam etc... Segundo

Gramsci:

pode-se dar ao conceito de ideologia “o significado mais alto de uma concepção de mundo que se manifesta implicitamente na arte, no direito, na atividade econômica, em todas as manifestações de vida individuais e coletivas”. (ARANHA e MARTINS, 1993, p. 36).

e que tem por função conservar a unidade de todo o bloco social.

Assim sendo, Gramsci considera que em um primeiro momento, enquanto

concepção de mundo, a ideologia tem função positiva de atuar como cimento da

estrutura social. Quando incorporada ao que chamamos senso comum, ela ajudará a

estabelecer o consenso, o que em última análise confere hegemonia a uma

determinada classe, que passará a ser dominante.

Evitando a concepção mecanicista, Gramsci não considera que os dominados

permaneçam submissos indefinidamente, pois no senso comum poderão ser

trabalhados elementos de bom senso e de instinto de classe que aos poucos

formarão por sua vez, a ideologia dos dominados. Daí a necessidade de formação

de intelectuais surgidos da própria classe subalterna e capazes de organizar

coerentemente a concepção de mundo dos dominados. (ARANHA e MARTINS,

1993, p. 36/37).

2.4. A IDEOLOGIA NO SENTIDO AMPLO.

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No sentido amplo, a ideologia é um conjunto de idéias, concepções ou

opiniões sobre algum ponto de vista sujeito a discussão. Ao perguntarmos qual a

ideologia de um determinado pensador, nos referimos à sua doutrina, ao seu corpo

sistemático de idéias e a seu posicionamento interpretativo diante de certos fatos.

Nesse sentido, se fala de ideologia liberal ou ideologia marxista.

O conceito de ideologia é muitas vezes usado num sentido mais amplo, como

um corpo doutrinário sistematizado. Assim, ela pode ser vista como teoria, no

sentido de organização sistemática dos conhecimentos destinados à orientação da

ação efetiva. Existe a ideologia de uma escola, que orienta a prática pedagógica; a

ideologia religiosa que estabelece as regras de conduta dos fiéis; a ideologia de um

partido político que estabelece determinada concepção de poder e fornece diretrizes

de ação a seus afiliados. Em termos de pensamento, a filiação partidária de alguém

já foi mais relevante no Brasil, tanto que por muito tempo foi corrente falar de

“atestado ideológico”. Quando do regime da ditadura, por longo tempo após 1964,

em certas circunstâncias, a polícia do regime usou pedir que as pessoas

apresentassem atestado desse tipo, para controle sobre possíveis adesões

ideológicas ao marxismo, consideradas perigosas à segurança nacional.

De fato, ela não é inócua como atitude nascida de uma consciência. Severino

explicita: “A ideologia quer dizer aqui um conjunto de idéias, conceitos e valores

assumidos, organizados sistematicamente e apresentados com um objetivo bem

específico: justificar e defender determinada prática política” (Severino, 1986: p. 34).

Outras vezes, este conceito tem uma relativa autonomia semântica em

relação a grupos que representam os interesses evocados.

Trata-se, em sentido parcializado, considerado mais isoladamente, do plano da abstração conceitual. É quando se fala, por exemplo, de ideologia da segurança nacional, de ideologia da raça pura, de ideologia da superioridade da raça branca etc. Trata-se de um subconjunto doutrinário, constituído de uma série de idéias

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explicativas – conceitos – e de uma série de juízos apreciativos e tomadas de posição – valores –, que definem um ideal a ser imposto e defendido como absolutamente verdadeiro e inquestionável. (Severino, 1986, p. 35).

Pode-se tomar novamente o exemplo da ideologia da Segurança Nacional,

que foi estudada por Joseph Comblin em seu livro “A Ideologia da Segurança

Nacional”. É bem o caso de um corpo doutrinário que se fez presente na recente

história da política brasileira. Mostra que a organização do poder e as relações

sociais e políticas guardam referência entre si. No caso, muitos grupos de militares

brasileiros, levados por tal ideologia de segurança nacional, idealizam um

determinado modelo de convivência entre os homens e as nações, e repetem

sempre a afirmação de que, sem tal modelo, a sobrevivência seria impossível.

Este trabalho destaca a Filosofia como crítica da ideologia, e nesse sentido se

faz pertinente recorrer a alguns conceitos de ideologia. O interesse é o de valorizar a

crítica política e social, para romper barreiras e estruturas petrificadas que justificam

formas de dominação. Destaca-se aí a Filosofia como expressa por Marx, a Filosofia

da práxis. Na Filosofia da práxis, teoria e prática, dialeticamente, estabelecem uma

relação de reciprocidade e simultaneidade. De forma indissolúvel, teoria e prática

contribuem para uma verdadeira práxis. E na superação das muitas dominações é

que se encontra a justificativa de adotar a Filosofia, no currículo escolar, como

disciplina da Base Nacional Comum.

Embora todos tenham ideologias, nem todos sabem que as carregam

consigo. Pode-se comparar ideologia com uns óculos que ficam diante dos olhos do

seu portador. É comum pressupor-se que quem faz uso de óculos enxerga melhor

as coisas que tem diante de si. Contudo, quem vê as coisas não vê os seus próprios

olhos. Assim também, uma pessoa não tem a consciência da ideologia plantada em

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sua cabeça, através da educação familiar e escolar, do cinema, dos jornais, da

igreja, da mídia.

As diferentes instituições são em geral controladas pela classe mais

poderosa. É a ideologia da classe dominante que gera o conformismo dos

moradores de favela prontos a acreditar que sempre haverá ricos e pobres. A

ideologia, portanto, produz na sociedade uma escala de valores, um modo de agir, a

aceitação de uma sociedade desigual. Em geral, a ideologia encobre a realidade.

No entanto, também existe a ideologia dos oprimidos, que é temida pelos

opressores. Existe, afinal, um conflito de classes permanente e por nada ocultável,

como segue explanando o professor de Filosofia e pesquisador Sílvio Gallo:

A palavra ideologia foi criada no começo do século XIX para designar uma teoria geral das idéias’. Foi Karl Marx quem começou a fazer uso político dela quando escreveu um livro junto com Friedrich Engels intitulado A ideologia alemã. Nessa obra, eles mostram como, em toda sociedade dividida em classes, aquela classe que domina as demais faz tudo para não perder essa condição. Uma forma de manter-se no poder é usar a violência contra todos aqueles que forem contrários a ela. Mas a violência pode voltar-se também contra ela: a violência pode gerar a revolta do povo. É, então, muito mais fácil e mais eficiente dominar as pessoas pelo convencimento. http://www.suigeneris.pro.br/filo_ideologia.htm (acessado em 07/02/2006).

A ideologia, constituindo-se como corpo de idéias produzidas pelas classes

dominantes, será passada para toda a população, de modo que todos parecem

convencer-se de que esse corpo de idéias é o melhor ou o único possível. As idéias

dos dominantes tendem a, e forçam por tornarem-se as idéias de todos, as idéias de

uma sociedade inteira. A ideologia passaria a dominar todos os atos de um grande

grupo, grupo que a leva adiante como verdade e que age guiado por ela, como que

inconscientemente. Ou seja: o corpo de idéias constituído atravessa o pensamento

de um grupo que disso não se dá conta. E as pessoas passam a desejar o que é

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determinado de fora: ao comprar um sabonete ou creme dental, se faz uma

“escolha” que foi determinada pela propaganda.

A ideologia alcança sucesso quando funciona de fato, fazendo com que cada

indivíduo, em cada ato, reproduza aquelas idéias. O triunfo da ideologia acontece

quando há convencimento da “verdade”, prevalecendo o grupo social dominante.

Ninguém questiona, e a sociedade pode manter-se na mesma forma.

A Ideologia está relacionada ao processo de alienação, como se verá mais

adiante. Na sua conotação político / social, esse corpo de idéias, que é a ideologia,

falseia a realidade para que os diferentes grupos deixem continuar tudo como está.

Mas, afinal, por que o poder de convencimento da ideologia é tão forte? Por

que as pessoas não se revoltam contra ela?

A ideologia propaga que em qualquer sociedade é possível, ter bom sucesso,

basta a cada indivíduo esforçar-se ao máximo e será bem sucedido na vida. A

ideologia funciona, no entanto sabe-se que existem pessoas vivendo na miséria,

numa sociedade desigual.

A ideologia funciona de maneira forte porque atravessa e invade o íntimo das

pessoas. As pessoas até se esforçam, atingindo o limite. Evidentemente não

chegam ao sucesso e mesmo assim, permanecem firmes no ideal e não desistem de

sonhar um sonho inatingível.

Embora seja um corpo de idéias, a ideologia não domina pelas idéias, mas

pelas necessidades criadas por essas idéias, pelo desejo que elas despertam. “O

discurso ideológico é aquele que consegue tocar nas vontades e ambições mais

íntimas de cada indivíduo, dando-lhe a ilusão de sua realização”.

http://www.suigeneris.pro.br/filo ideologia.htm (acessado em 24/01/2006).

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Como, em última instância, pretende salvar a objetividade, a filosofia se

empenha num discurso contra-ideológico. Merece, porém, até uma denúncia contra

si mesma quando, abordando a educação, a desliga de um projeto político ou de um

projeto antropológico. De fato, numa visão de totalidade, ela pretende articular o

destino das pessoas com o destino da comunidade humana e adota um discurso

contra-ideológico em contexto. Isto é, ela se põe como exercício da consciência

crítica e reflexiva perante qualquer forma de expressão do espírito humano, perante

o discurso teórico ou prático de tipo científico, artístico ou pedagógico-educacional.

A Filosofia destaca o contexto da comunidade. Mas também aborda a

formação da consciência individual. Neste plano mais restrito, se tem uma atividade

ideologizante, que atinge a consciência enquanto uso, e não enquanto produto ou

conteúdo. Os produtos são menos considerados pelas várias formas assumidas pela

consciência, e não podem ser sempre explicitados, porque o poder de dominação,

nas relações sociais dos grupos no interior da sociedade, procura assumir função

dissimuladora e assumir disfarçar-se para não sofrer contestação e ameaça.

Ao plano da consciência, o conteúdo significativo e valorativo de um grupo se

apresenta como universal. O grupo social dominante, servindo-se de seus sistemas

de representações e valores para convencer os demais quanto à validade intrínseca

da sua visão, busca conseguir consenso dos integrantes do todo social, a fim de livre

de qualquer conflito com interesses divergentes, garantir a coesão e unidade do

mesmo todo social. No plano epistemológico, se essa visão da atividade ideológica é

bastante radical e parece depor contra a filosofia, pode também admitir importante

ressalva. Se mesmo a ciência pode integrar a concepção do mundo da classe

dominante e se oferecer como arma ideológica, também é verdade que isso pode

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ser apreendido criticamente, e tanto a ciência como a filosofia podem desempenhar

um papel de crítica e denúncia do discurso ideológico. (Severino, 1986, p. 34).

Apresentou-se, aqui, a ideologia sob o aspecto da propaganda, e os

exemplos ressaltados serviram para clarear algo das representações do sujeito

diante da realidade que se lhe antepõe. É necessário relacioná-la com a Filosofia, e

com a disciplina escolar de Filosofia, verificando como esta disciplina contribui para

a formação da consciência crítica, para a transformação do sujeito, e, enfim, para o

exercício consciente de cidadania e a transformação social.

Retomando a questão da ideologia e de seu discurso conforme o exposto,

Karl Marx foi universalmente reconhecido, embora não como expoente único, por

sua contribuição para a explicitação do conceito e pela sua sistematização numa

abordagem clássica. “Desde o início de sua atividade filosófica, Marx se insere na

disputa espiritual de seu tempo, determinada pela vultosa figura de Hegel, cujo

pensamento ele chamou de filosofia atual de mundo”.

http://www.mundociencia.com.br/filosofia/marx.htm.(acessado em 20/02/2006).

Inicialmente, Marx se dedica a Hegel com paixão, para depois se distanciar

dele com maior aspereza.

Marx faz crítica à concepção de história de Hegel, para o qual a história não é

mera seqüência casual de acontecimentos, mas um suceder racional, numa dialética

interna. Marx o reprova pelos resultados negativos possíveis:

O decisivo nisso é que o verdadeiro sujeito da história não são os homens que agem. Na história antes dominaria um espírito que tudo abrange, ao qual Hegel designa como “espírito do mundo” ou “espírito absoluto” ou mesmo “DEUS”. Esse, o DEUS que vem-a-ser, realiza no curso da história sua autoconsciência. Ele chega, por meio dos diferentes momentos do processo histórico, a si mesmo.

Fonte: http://www.mundociencia.com.br/filosofia/marx.htm. (acessado em 20/02/2006).

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Marx retoma de Hegel a concepção dialética da realidade, ou seja, a

afirmação de que a realidade vai se produzindo permanentemente mediante um

processo de mudança determinado pela luta dos contrários, por força da contradição

que trabalha o real no próprio interior do real. Marx conta, então, com a recuperação

da temporalidade real, da historicidade, do processo criador, entendendo que essa

dimensão se perdera desde o predomínio da filosofia grega sobre a visão judaica.

Severino explica:

este processo criador, que ocorre por força da luta provocada pelas contradições que trabalham internamente a realidade, é um processo dialético, de posição, negação e superação, de acordo com a tríade hegeliana da tese-antítese-síntese. (Severino, 1986, p. 05).

Apesar de se utilizar as idéias de Hegel sobre o real, Marx não aproveita mais

o pensamento de Hegel. Repudia, radicalmente, a metafísica idealista implícita

nesse pensamento que considera o mundo real da natureza e da sociedade como

momentos do desdobrar da idéia rumo ao espírito. Para Marx, existe somente o

mundo da natureza, o universo material, que inclui a sociedade humana e que

encontra em si mesmo sua explicação. O universo material não é parte de nenhuma

história da idéia absoluta. Ele é o absoluto, desligado de qualquer outro ser que

justificasse sua existência, de modo que a totalidade é constituída pelo mundo

natural e humano. (Severino, 1986, p. 06).

Na teoria de Marx, se deve dizer, a alienação religiosa não é original. Ela se

encontra numa forma de alienação anterior mais profunda, a alienação econômica,

que ocorre no processo do trabalho. Para Marx, a alienação é:

uma condição histórica, presente na relação do homem com a propriedade dos meios de produção de sua existência. A propriedade privada aliena o homem de si ao transformá-lo em mercadoria. O homem é originariamente, para Marx, constituído por relações com a natureza e com os outros homens. O regime da propriedade privada rompe estas relações, o que leva o homem a romper consigo mesmo, tornando-se

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objetivo em relação a si mesmo, um objeto estranho e desumano [...]. (Marx in: Severino, 1986, p. 06).

Mesmo aceitando a contribuição de Hegel, Marx reorienta a Filosofia

radicalmente, e abandona a idéia de homem como essência humana universal e

abstrata, pura autoconsciência privada de qualquer relação intrínseca com o mundo

real. Ele tematiza a significação decisiva da realidade econômica, não só a partir da

relação prática política social dos homens, mas também a partir da relação entre as

várias formas de pensamentos por eles utilizadas para os representar. O marxismo

não renuncia ao pensamento enquanto atividade da consciência, mas, sobretudo,

não o desvincula das condições históricas reais da produção. Nem admite

pensamento autônomo e independente em relação às condições objetivas de sua

produção.

Marx aponta que as formas de intercâmbio e de cooperação nascem das

idéias e da atividade material do homem. Não apenas de sua atividade mental.

Todas as formas de pensamento e de representação, elaboradas pela consciência

humana, como crenças religiosas e morais, filosóficas e científicas, jurídicas e

políticas, dependem das relações de produção e de trabalho, e são atinentes a fases

determinadas da história das formações econômicas. Então Marx pode denominar a

ideologia o conjunto de formas de consciência que, não constituindo representações

objetivas da realidade, correspondem a interesses das classes sociais presentes em

cada uma das fases da história. (Severino, 1986, p. 94).

Desse modo, no entender de Marx, a estrutura econômica, conforme se

apresenta, determina as mudanças, tanto na estrutura social como um todo, como

na consciência de seus membros. Sendo assim, idéias e concepções teóricas não

têm uma existência independente ou autônoma, mas estão intrinsecamente

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vinculadas a atividades materiais e a relações sociais existentes entre os homens.

Noutras palavras, as idéias emanam da conduta material dos homens.

A divisão do trabalho fez ocorrer a separação entre duas esferas, a da

existência social e a da consciência. Foi o incremento na divisão do trabalho que

conduziu à existência de conceitos independentes frente às situações singulares e a

expressão através de conceitos universais. O desenvolvimento histórico desses

conceitos, por um lado, e de novas formações econômicas, por outro provocou o

surgimento de novos modos de produção e de classes econômicas contrapostas

entre si.

Ao deter os modos de produção material e os instrumentos adequados a essa

produção, uma classe dominante controla igualmente os meios da produção mental,

impondo as próprias idéias às classes que nada possuem e nada controlam.

Severino interpreta Marx ao escrever: “as idéias dominantes numa sociedade nada

mais são do que a expressão das relações dominantes”. (Severino, 1986, p. 08). A

ideologia nada mais é do que o uso da atividade pensante como recurso de domínio.

Se entendida como um conjunto de idéias de vida independente é como se um

grupo submetesse, outros às suas próprias leis.

O processo ideológico se desenvolve segundo as condições materiais dos

homens. Estas, em última análise, determinam tal processo. De um modo, porém,

ignorado pelos pensadores. É um processo epistemológico e axiológico, de maneira

que a ideologia é uma representação mediante conteúdos conceituais e também

uma apreciação mediante significações valorativas. Portanto, a ideologia, constituída

de um conteúdo cognoscitivo e representativo ainda se propõe caracterizar seu

objeto como apreciável e legítimo; ou, com outra expressão: o conjunto de

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representações e idéias que visam legitimar as condições sociais insiste por

aparecer verdadeiro e justo.

Por esse processo de dissimulação e ocultamento, são escamoteadas e

camufladas as reais condições da situação social. Ocorre o desvirtuamento da

realidade própria da representação, porque se perde a possível objetividade. As

representações acabam tendo dois níveis, portanto: o da expressão manifesta, que

implica na significação explícita, e o da expressão latente, portador de uma

significação implícita. Como:

Ao nível da expressão manifesta, os conteúdos conceitual e valorativo são apresentados com resultantes tão-somente de uma elaboração teórica e intelectual, como neutros e objetivos, produzidos que foram pela investigação científica e pela reflexão filosófica. Enquanto tais são assumidos tanto por seus produtores – cientistas, filósofos, artistas, pensadores –, como pelas pessoas e grupos em geral que deles se apropriam, como verdades e valores autônomos, desvinculados de qualquer realidade histórica e social. Mas, ao nível de sua significação implícita, é de fato expressão destas condições. (Severino, 1986, p. 30).

Segundo Chaui (Severino, 1986, p. 28), o processo ideológico envolve

relações de poder, visto que valores/interesses se sobrepõem às representações.

Uma atribuição de valor conforme interesses particulares. Mas, sendo a Ideologia

um processo inconsciente e coletivo, a sua significação de exercício oculto nem

sempre é assumida ao nível da consciência.

A discussão acima teve como propósito explicitar o papel da ideologia e das

representações no processo de alienação do sujeito diante da realidade que ele tem

à sua frente. Ressalta a necessidade de uma educação crítica baseada no

conhecimento filosófico em toda a sua totalidade e concretude.

2.4.1. A FILOSOFIA MARXISTA DA PRÁXIS: A LEITURA DE VÁZQUEZ.

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Ainda neste capítulo será abordada a concepção da práxis em Marx, na

leitura de Vázquez o motivo é obter uma análise mais profunda sobre a filosofia

enquanto disciplina sistemática que contribua com a transformação da sociedade,

tendo o sujeito como elemento mediador das práticas sociais; é também aprofundar

as análises acima em torno da ideologia e do processo de alienação do sujeito.

O problema da práxis como atitude humana transformadora da natureza e da

sociedade, conforme é exposto por Marx, é alçado ao primeiro dentre os interesses

das ciências humanas e sociais.

“A Filosofia se torna consciência, fundamento teórico e seu instrumento”

(Vázquez, 1977, p. 117).

Para Marx, a prática se dá à medida que a teoria serve como direcionamento

das relações humanas, moldando as atividades do homem em particular. Trata-se

de uma atividade revolucionária, pois a teoria permite que esta relação seja

consciente.

No decorrer da história da filosofia, as práticas da Filosofia se passaram, por

um maior ou menor grau, independente das intenções dos filósofos. “Neste sentido,

a relação entre teoria e prática, mesmo possuindo um caráter prático, não é teórica,

já que sua plasmação (renovação) efetiva e suas conseqüências na vida real não só

não são desejadas e reconhecidas, como inclusive repelidas” (Vázquez, 1977,

p.118).

Então, a prática é vista com desconfiança, uma vez que só serviria para

encobrir ou disfarçar a pureza da teoria. Encobrimento e disfarce presentes nos

gregos e na Filosofia idealista pré-hegeliana.

A consciência de práxis se encontra na Filosofia idealista alemã, na figura de

Hegel. Contemporâneo dos movimentos revolucionários franceses, ele atribui à

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burguesia plena hegemonia no terreno político e social e reconhece a existência de

uma vinculação entre a Filosofia e a realidade revolucionária de seu tempo.

Foi apenas a partir de Marx que o conceito de práxis se tornou claro,

estabelecendo as diferenças entre Filosofia idealista e prática revolucionária da

época. Particularidade relevante que retirou a Alemanha do anacronismo histórico;

de fato Marx julgava a Alemanha sem condições de dar um passo semelhante como

o da França. Segundo o próprio Marx, aquilo que os alemães não podem fazer, eles

pensam, isto é, fazem no terreno do pensamento.

[...] ainda que Hegel formule o problema das relações entre Filosofia e realidade, seu idealismo absoluto aspira a deixar o mundo como ele é, pois, em sua opinião, a missão da Filosofia é dar razão ao que existe e não traçar caminhos para a transformação do real.(Vázquez, 1977, p.118/119).

Mesmo sendo conscientes teoria e prática não quer dizer que tenham

conseqüências práticas revolucionárias. “E o que vemos no caso dos filósofos neo-

hegelianos, é que pretendem transformar a realidade efetiva por intermédio do mero

exercício da crítica por meio da pura atividade do pensamento” (Vázquez, 1977, p.

119). Conforme Vázquez, eles dissolveram a prática em simples atividade teórica,

uma vez que o teórico, como absoluto, é inseparável do idealismo. Hegel, porém, vai

descendo à realidade:

È verdade que, como já assinalamos, Hegel concebe a práxis como um conteúdo rico e profundo (como trabalho humano na Fenomenologia do Espírito, ou como Idéia prática na Ciência da Lógica). É tão rico esse conteúdo que, uma vez desmistificado, permitirá que tanto Marx (nos Manuscritos econômico-filosóficos de 1844) como Lênin (em seus Cadernos filosóficos), descubram neles novas riquezas. (Vázquez, 1977, p.119).

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É inegável, porém, que a teorização hegeliana de caráter hermético ainda

leva à imobilização da própria realidade, afogando-se o método. Esta contradição é

explicitada mais tarde pelos jovens hegelianos e acentuada nas idéias de Engels.

Hegel não aceitaria, de certo, as interpretações de Engels sobre uma dialética

hegeliana: o espírito se movendo e desdobrando, mas ao mesmo tempo se

fechando sobre si para aceitar a realidade como ela é. Hegel não aceita essa

contradição, pois a verdade só se dá como totalidade e essa tem que ser fechada.

‘O espírito é o que deve ser’ (Vázquez, 1977, p.119). Vázquez amplia esclarecendo:

As inadequações só se manifestam no conhecimento que o Espírito tem de si mesmo, de sua realidade, que é a realidade inteira. Quer se trate da Filosofia, da história ou das relações econômicas e sociais, as cartas já estão lançadas. A missão do filósofo – cortador do Espírito – é compreender – e justificar – o que é. Ou, como diz Hegel sem rodeios: “A coruja de Minerva só alça vôo ao crepúsculo”. (Vázquez, 1977, p.120).

Nesta perspectiva, a Filosofia de Hegel, em substância não é compatível com

uma autêntica Filosofia da práxis, da ação e da transformação revolucionária do real.

Uma vez que o idealismo alemão consiste em uma Filosofia da atividade, atividade

da consciência, essa atividade pode levar – como saber ao plano absoluto,

caracterizando-se uma Filosofia da ação absoluta.

Esse pensamento suscitava a oposição da esquerda hegeliana, que entendia

a Filosofia como prática, no sentido de transformar o mundo, a realidade,

particularmente se considerava a Alemanha naquela época, que tinha como esteio a

Igreja e o Estado.

Na busca de transformação da realidade através da prática, os jovens

hegelianos de esquerda não escapavam a algumas contradições nas próprias

posições:

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Exatamente essa limitação e essa impotência da atividade teórica – tanto mais evidente quanto mais se confia em sua onipotência – é que apresentam como um problema a resolver a necessidade de passar de uma atividade teórica, que na verdade nunca deixa de ser teoria e jamais é práxis verdadeira, a uma atividade prática. (Vázquez, 1977, p.121).

O pensamento de Marx sobre a práxis desenvolveu-se no horizonte

problemático da esquerda hegeliana. Culmina com afirmar a exigência de uma

Filosofia de práxis, “entendida esta não como práxis teórica, mas sim atividades

reais, transformadoras do mundo”. (Vázquez, 1977, p. 121).

Já não se trata de ver a teoria como práxis, enquanto crítica do real, que por

si só transforma o real, nem tampouco como Filosofia da ação entendida como uma

teoria que traça os objetivos que a prática “deve aplicar e atingir (Filosofia da ação

de Cieszkowski e Hess, que na realidade não passava de uma nova forma de

utopia)”. (Vázquez 1977, p.122).

Para a passagem à teoria da práxis, é preciso romper com as falsas

concepções de transformação do mundo baseadas nas críticas teóricas e que

mostravam impotência e limitação desde que elevadas ao plano absoluto pelos

jovens hegelianos. Para Marx, os jovens hegelianos não resolviam o problema de

conjugar fatores teóricos e práticos. Vázquez explica sobre tais fatores:

Os fatores teóricos eram: a Filosofia da práxis, ainda que marcasse uma ruptura radical com a Filosofia especulativa, só podia surgir sobre uma base teórica determinada, como herdeira da Filosofia que dera ao homem consciência de seu poder criador, transformador, ainda que sob forma idealista: ou seja, com base no idealismo alemão. Os fatores práticos eram representados pela atividade humana produtiva e político-social que punha à prova o valor e o alcance da própria teoria. (Vázquez, 1977, p. 122).

2.4.2. O QUE É PRÁXIS EM MARX.

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A categoria da práxis que envolve processo teórico e prático está presente na

Filosofia de Marx, quando ele elabora as teses contra Feuerbach. Afinal, se acha ali

a Filosofia da práxis de Marx:

Trata-se de um processo em que se alternam os fatores teórico-críticos e assimilação de outras teorias (Filosofia de Hegel vista através dos jovens hegelianos e de Feuerbach; teorias dos economistas ingleses e doutrinas socialistas e comunistas utópicas) – e os fatores práticos (realidade econômica capitalista, situação dos operários ingleses e experiência viva da luta política e revolucionária) assimilados teoricamente em grande parte através dos estudos de Engels. (Vázquez, 1977, p.122/123).

O marxismo começa a firmar-se como teoria da práxis, que esclarece,

fundamenta e orienta das transformações práticas e revolucionárias. Para alguns, o

momento mais destacado da sua exposição é quando de sua crítica à Filosofia do

direito de Hegel (1843), na qual Marx acusa a mistificação não só da política

hegeliana, como também do idealismo em geral. Sua teoria da práxis consta na

introdução a essa crítica, onde formula a aliança entre Filosofia e proletariado,

proletariado distinguido pela primeira vez com uma missão histórico-universal.

Em vários momentos de sua vida de analista do capitalismo, Marx tratou da

teoria da práxis. Vázquez resume, como citamos a exploração de diferentes autores

sobre esses diferentes momentos:

À contribuição à crítica da economia política; lei com a qual a práxis produtiva material revela sua plena dimensão histórico-social e se torna possível uma concepção materialista da história; outros pesquisadores ressaltam, sobretudo, que o marxismo inicia seu caminho próprio com as Teses sobre Feuerbach, formuladas quase ao mesmo tempo em que a ideologia alemã, e nas quais se lança o princípio da transformação do mundo como tarefa fundamental para a Filosofia. Não faltam, enfim, aqueles que descobrem a reviravolta radical na formação do marxismo no Manifesto do Partido Comunista, onde se traça clara e expressamente à teoria da ação revolucionária dos proletários que devem levar a cabo essa transformação. (Vázquez, 1977, p.123/124).

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A questão da práxis é a de uma estreita ligação entre filosofia e ação, que

esbarra na esfera problemática dos jovens hegelianos.

A partir da concepção de que a realidade tem que ser modificada a filosofia

não poderá ser instrumento teórico de conservação ou justificação de interesses. Os

próprios jovens hegelianos compreenderam que a filosofia tinha de ser crítica da

realidade para garantir essa transformação. É necessário que a filosofia estabeleça

outra vinculação com a realidade, ou melhor, entre o pensamento e a ação,

mudando, assim, seu próprio conteúdo e sua própria missão. A filosofia tem que se

“realizar”, o que significa algo como admitir a própria supressão.

Como seria possível esta “realização” da Filosofia? Quem a realiza e como?

Como pode a filosofia representar a unidade entre teoria e prática?

Marx é contrário às falsas concepções da época e questiona a relação entre

os que são chamamos de partidos políticos.

Dois partidos se afirmavam a partir do liberalismo alemão, o que correspondia

ao movimento romântico-liberal da “Jovem Alemanha”, e o que se apresentava como

esquerda hegeliana. Vázquez expõe as inclinações de ambos:

Os representantes do partido político prático, impelidos pelo desejo de transformar de modo direto e imediato à realidade presente, negam a Filosofia, com o que está de acordo Marx; mas esquecem que a filosofia não pode ser negada como mera Filosofia, como Filosofia especulativa, sem realizar-se. Ou seja, dão tudo à prática e nada à teoria.(Vázquez, 1977, p. 126).

Como a filosofia não pode ser negada enquanto mera Filosofia, Vázquez trata

do partido político teórico dos jovens hegelianos:

[...] pensam que a teoria é a práxis de per si, e, desse modo, dão tudo à teoria e nada à prática. Acreditam que a teoria pode realizar-se, ser prática, sem negar-se como mera Filosofia, sem eliminá-la. Enquanto a filosofia é mera especulação e não é

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negada como tal, a Filosofia não sai de si mesma e, portanto, não se realiza. (Vázquez, 1977, p. 126).

Nestas teorias falta uma adequação entre a Filosofia e o mundo. No primeiro

caso, seria possível modificá-lo sem a Filosofia; no segundo caso, é a Filosofia que

pretende modificá-lo, no entanto o mundo permanece como está, uma vez que a

filosofia não interage com ele.

O que falta, em ambos os casos, é o laço da dialética entre teoria e prática,

entre Filosofia e realidade. Laço que só é obtido pela mediação da práxis:

Esse problema é formulado por Marx pela primeira vez em 1843, e eis aqui sua resposta: “A arma da crítica não pode substituir a crítica das armas... a teoria se converte em poder material tão logo se apodera das massas... quando se torna radical”. Ou seja, a teoria, que por si só não transforma o mundo real, torna-se prática quando penetra na consciência dos homens. Desse modo, ficam estabelecidos seus limites e a condição necessária para que se torne prática; por si só ela é inoperante e não pode substituir a ação, mas se torna força efetiva – um “poder material” – quando é aceita pelos homens. (Vázquez, 1977, p. 127).

Esta mudança segundo Marx, só poderá ser efetivada através de uma

revolução do proletariado, mediada pelos homens e suas consciências. “A aceitação

pelos homens de uma teoria é condição essencial de uma práxis verdadeira, mas

não é ainda a atividade transformadora”. (Vázquez, 1977, p. 127). Para tanto é

necessário determinar que tipo de teoria há de ser aceita, para então passar a

própria realidade, assim como determinar homens concretos, que ao fazer a crítica

possam convertê-las em ação, em práxis revolucionária.

Nesta perspectiva, se preconiza que a crítica seja radical, e os homens que

se disponham a fazê-la, a realizar a verdadeira Filosofia, sejam mediadores entre ela

e a realidade; esses homens são em particular homens do proletariado.

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Para que a crítica vingue, tem que ser radical. ‘Ser radical – diz Marx – é atacar o problema pela raiz. E a raiz para o homem é o próprio homem’. Crítica radical é crítica que tem como centro, como raiz, o homem, crítica que corresponde a uma necessidade radical. ‘Num povo, a teoria só se realiza na medida em que é a realização de suas necessidades’. (Vázquez, 1977, p. 128).

Com a práxis se dá a revolução ou à crítica radical, que conforme

necessidades radicais passam do teórico ao prático. Essa necessidade radical,

portanto... a teoria enquanto expressão teórica e de passagem da teoria a prática,

“entendida esta como práxis à altura dos princípios, ou seja, como Revolução, ou

emancipação total do homem; que segundo Marx o proletariado, não pode

emancipar-se sem passar da teoria à práxis”.

Nem a teoria por si mesma pode emancipá-lo, nem a existência social por si só garante sua libertação. É preciso que o proletariado adquira consciência de sua situação, de suas necessidades radicais e da necessidade e condições de sua libertação. Essa consciência é justamente a filosofia; mais exatamente, a sua Filosofia. (Vázquez, 1977, p. 130).

Ao afirmar isso, Marx se refere à fundamentação da missão do proletariado e

apela à vinculação entre a Filosofia e o proletariado e a mútua realização a que

levam. Os conceitos-chave de emancipação, “recuperação total do homem”

necessidade radical e revolução radical têm ainda certa ligação com o

antropologismo em Feuerbach; nesse antropologismo, um estudo do homem, o

proletariado aparece ainda como negação do humano, sem vínculo com certo

desenvolvimento da sociedade.

2.4.3. O PROLETARIADO E A PRÁXIS EM MARX.

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É necessário que se elabore um conceito científico de proletariado. Será

construído, em Marx, a partir da análise das relações capitalistas posteriormente

condensada em “O Capital”.

É preciso que se tenha clareza quanto o sentido do proletariado. Até então,

fora visto como missão histórico-universal, sem derivação da sua posição econômica

e social no seio da sociedade burguesa. Nessa concepção filosófica de missão

universal, o proletariado se entende como encarnação do universalmente humano. É

um ponto-de-vista histórico estreito, alheio a uma posição histórico-científica,

objetiva, devido a que não se conhecem as leis que regem a produção material

capitalista, as relações de classe, a natureza e a função do Estado burguês.

“Revela-se especial carência de uma concepção de história que permita

fundamentar a necessidade da revolução do proletariado”. (Vázquez, 1977, p. 131).

Para que o conteúdo da práxis social revolucionária se enriqueça, e, com isso, o conceito do proletariado como seu sujeito, será necessário que Marx chegue à descoberta de uma práxis original e ainda mais radical, uma práxis que não só enriqueça o conceito do proletariado, mas também – e precisamente por ser o proletariado a imagem negativa do homem verdadeiro – o do próprio homem. Essa práxis original é exatamente a produção material, o trabalho humano.(Vázquez, 1977, p. 131).

Segundo Marx, a práxis revolucionária consciente pelo proletariado só será

possível, se passar necessariamente pela consciência da práxis material produtiva.

Conceitos estes expressos nos “Manuscritos econômico-filosóficos” de 1844; aqui

lhes imprime um novo conteúdo, falando de práxis produtiva ou trabalho humano;

com isso, dá novo enfoque à práxis social da Crítica do Direito de Hegel e enriquece

as investigações.

Apesar de, anteriormente aos Manuscritos de 1844, Marx ter mostrado

estreita aliança com a filosofia e com o proletariado, como sujeito de uma classe que

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era destinado a mudar e a libertar a sociedade existente, ainda era impossível

avançar. Considerava, esse texto, que havia grande concentração de sofrimento a

infligir os trabalhadores, e seria necessária a abolição de toda a humanidade, o que

era ainda impossível, pois proletariado ainda não era visto como existência proletária

capaz e produtora, participante em determinadas relações econômicas e sociais

aceitáveis.

Naquele contexto histórico, o proletariado se apresentava como sujeito

passivo, a sofrer. Seria “destinado” a libertar-se como sujeito de uma práxis

revolucionária. Trata-se de um conceito um tanto especulativo e antropológico do

proletariado, não de um conceito científico. Conceito científico se terá conforme a

formulação de Marx em “O Capital”: o proletariado será constituído como membro de

uma classe social, mas ainda precisará continuar como meio de produção e será

social, forçado a vender sua força de trabalho como mercadoria e produzir mais

valia. Até os “Manuscritos”, porém,

“o proletário se apresentara a Marx como a negação da essência humana, e não como agente da produção. Marx via nessa negação a necessidade e a possibilidade de sua emancipação”. (Vázquez, 1977, p. 132/133).

Fica bem caracterizada a situação do proletário como lugar de sofrimento

humano. No sentido de fundamentar a emancipação como práxis revolucionária,

Marx passa a analisar sua situação como sujeito da práxis produtiva.

É expressão berrante a do operário numa Alemanha atrasada com baixo

desenvolvimento de produção; ali o próprio Marx vê ainda o operário apenas como

revolucionário, ou mais do que como produtor de bens materiais. É isso que leva

Marx a examinar a prática, material, do operário no processo de produção alienado.

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A práxis produtiva pode servir como trabalho alienado, quando o trabalho é

visto como fonte de toda a riqueza. Assim, quando o trabalho é objetivo exterior do

homem, a riqueza subjetiva se torna apenas produto do trabalho humano e se

constitui a alienação do sujeito que produz. Visto que o sujeito da atividade produtiva

é o operário que se encontra numa situação desigual e desvantajosa em relação ao

capitalista e assim é na economia burguesa que tem no trabalhador uma fonte de

riqueza e não propriamente um ser humano a essência humana é negada ou

mutilada na produção.

[...] a economia política, que tem como princípio o trabalho, é antes a aplicação conseqüente da negação do homem... A economia política reconhece, com uma franqueza que raia o cinismo – como acentua Marx –, que essa desumanidade existe, mas que o trabalho humano só lhe interessa como produção de bens visando o lucro. (Vázquez, 1977, p. 134).

A práxis criadora ao contrário, segundo Marx está ligada a consciência do

sujeito frente ao objeto no processo do trabalho como, por exemplo, nas sociedades

capitalistas. A consciência do sujeito como práxis criadora dá-se em virtude da

história fundamental do ser humano e é determinantemente universal. Tal atitude

possibilita ao homem re elaborar a práxis produtiva transformando-a, e assim

permitindo ao sujeito sair do seu estado de alienação.

2.4.4. A ALIENAÇÃO

A negação do trabalho do homem como ser produtivo e participativo é

pregação que o afeta também vitalmente, numa dimensão mais profunda do que

meramente econômica; o operário é afetado radicalmente na condição humana. O

operário não pertence a uma categoria econômica pura e simples. Por isso, Marx

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examina a ”atividade humana que se baseia na produção de um tipo peculiar de

objetos dos quais se apropria o não operário, ou seja, o capitalista” (Vázquez, 1977,

p. 134).

Examina a atividade alienada, que é caracterizada pela atividade prática,

material pela qual o operário transforma a natureza e faz surgir um mundo de

produtos, no qual, ele como sujeito não se reconhece. O que lhe é imposto, como

alheio e independente, dotado de certo poder voltado contra ele operário. Não se

trata apenas da alienação da consciência (Feuerbach) e sim de uma alienação real,

efetiva, que tem lugar no processo real, efetivo da produção material.

Vázquez entende que, para Marx, a alienação ocorre por parte também do

não-operário, do homem que participa diretamente do processo de produção e que

se apropria do produto do operário. Esse não-operário, agora, mantém uma relação

contemplativa com o produto, agora já separado do próprio processo produtivo.

O operário, por sua vez, agora enxerga o objeto de sua atividade (trabalho)

numa relação puramente exterior.Tanto a relação passiva como a ativa com os

objetos, a relação teórica como a prática com a produção, determinam a alienação

do homem.

Na análise do sujeito e da sua práxis material, realizada nos Manuscritos de

1844, Marx conclui que o trabalho é a negação do homem como essência humana.

Visto que o homem não se reconhece no mundo do objeto que se volta contra ele,

se tem à negação da existência real, efetiva do operário. Nisso consiste a alienação

Ou seja, a alienação não se verifica apenas como relação entre sujeito e objeto, mas também como relação entre o operário e os outros homens. Isto é, só alienação entre seres humanos.Mediante o trabalho alienado – diz Marx –, o homem não só engendra sua relação com respeito ao objeto e ao ato de produção como potências alheias e hostis a ele, como engendra também a relação em que outros se mantêm com respeito a sua produção e a seu produto, e a que ele mesmo mantém com respeito a outros homens. Esse tipo de relações, entendidas como relações sociais – não intersubjetivas –, são as quais mais tarde Marx irá denominar de relações de

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produção. A produção não só cria objetos, como cria relações humanas, sociais. À produção material de objetos se revela assim como produção social. (Vázquez, 1977, p. 136).

A análise da práxis como atividade humana deixa pontos negativos, que

propiciam uma alienação do homem em relação a seu trabalho, e na sua atividade

produtiva assim como, na sua relação com outros homens “trata-se de uma relação

alienada entre sujeito e objeto”.

O conceito de alienação, tão presente no processo de formação do

pensamento de Marx, abre caminhos para uma concepção posterior sobre o papel

da produção e sobre o papel das relações contraídas entre os homens nos

processos da produção. Vázquez pretende, não sem muitos esforços realizados, ter

sido fiel ao pensar marxiano:

[...] pensamos não ser infiel ao pensamento de Marx se dissermos que ele estende a toda a história esse caráter da práxis material. Nesse sentido, poderíamos afirmar – por nossa conta, mas com a pretensão de interpretar Marx fielmente – que, até chegar ao comunismo, a história do homem não passa da história da alienação do ser humano no trabalho. Essa alienação não só é o fato fundamental da existência humana na sociedade capitalista, como também historicamente. O homem vive e tem vivido constantemente alienado, o que equivale a dizer: em constante negação de si mesmo, de sua essência.(Vázquez, 1977, p. 137).

A discussão (dramática) da alienação em Marx remete à preocupação com a

transformação do mundo e do homem. Segundo Hegel, o homem é produto de seu

trabalho, porque o trabalho não produz apenas objetos e relações sociais, com um

caráter alienante em ambos os casos, mas produz igualmente o próprio homem.

Essa conclusão de Hegel, e presente em ”A Fenomenologia do Espírito”, de que o

homem é produto de seu próprio trabalho, foi aprovada por Marx com ressalvas.

Marx critica Hegel por não haver percebido o aspecto negativo do trabalho – sua

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alienação – porém não entende que o trabalho seja apenas pura negação ou então

pura afirmação. Há uma contradição. Para entendermos essa contradição, é

necessário diferenciar objetivação de alienação e ao mesmo tempo estabelecer uma

relação entre elas. A primeira (objetivação) torna possível a segunda.

O homem, enquanto ser ativo e genérico, tem como comportamento real a

manifestação de si mesmo, como ser genérico real, como ser humano. Contudo, ao

exteriorizar sua força genérica, numa ação conjunta com os outros homens como

resultado da própria história, adota diante dela e dos objetos um determinado

comportamento, e este propicia a forma de alienação.

Ao objetivar as suas forças essenciais genéricas, o ser humano propicia a

práxis material, ou seja, o trabalho humano, bem como a relação com outros

homens. A alienação se consolida através do comportamento dos outros homens

diante das forças objetivadas por eles como objeto; o objeto se afirma como algo

alheio e estranho a seu conhecimento.

No próximo capítulo, abordaremos o processo de inserção a partir dos

elementos teórico-políticos adotados pelos autores da SEED, para maior

compreensão a respeito do referencial adotado. Este referencial que até então

tratava-se de uma Filosofia de cunho idealista, mais voltada para o pensamento da

Idade Média com bases religiosas, vindo culminar com uma proposta da SEED,

quando das lutas no Paraná pela sua implantação no currículo, no contexto histórico

político pedagógico no Brasil.

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CAPÍTULO III

3. AS LUTAS NO PARANÁ PELA INSERÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO DA FILOSOFIA ENQUANTO DISCIPLINA DA BASE NACIONAL COMUM NO CURRÍCULO ESCOLAR.

3.1. A FILOSOFIA NA PERSPECTIVA HISTÓRICA E DE CURRÍCULO DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS NO PARANÁ.

Na pesquisa do segundo capítulo, abordam-se alguns aspectos da história da

Filosofia no sentido de compreender suas teorias, enfoques, conflitos e paradoxos,

na abordagem do conhecimento e do real no sentido de compreender sobre a

Filosofia no processo histórico-filosófico da humanidade.

Assim sendo neste capítulo, o estudo se reporta à Filosofia no Brasil, porém

com o enfoque sobre as lutas havidas no Paraná pela inserção da disciplina no

currículo e seus resultados. Primeiramente, convém buscar o contexto histórico

político pedagógico no Brasil, no que tange à Filosofia, seu desenvolvimento,

entraves e avanços no currículo escolar. Cabe ressaltar que [...] não são dialéticas.

No Brasil, a Filosofia, enquanto disciplina, aparece no currículo escolar desde

o ensino jesuítico, sob as regras da Ratio Studiorum. A Ratio, de um lado era

instrumento de formação moral e intelectual sob os “cânones da Igreja Católica e do

poder cartorial local”, e, de outro lado, esforço por formar num discurso com boa

estrutura lógico-gramatical e aperfeiçoar a compreensão dos textos bíblicos e

patrísticos. Conforme a Ratio Studiorum,

a razão é posta predominantemente em função da fé, ou seja, a Filosofia serve à Teologia [...] não basta crer: é preciso também compreender a fé. E isso não se obtém somente interpretando os textos sacros ou demonstrando suas possíveis implicações para a vida individual e comunitária dos homens, mas também

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demonstrado com base na razão as verdades aceitas pela fé ou, pelo menos, a sua logicidade ou a sua não contrariedade com os princípios fundamentais da razão. (REALE, 2003, p. 125).

Após a proclamação da República, a Filosofia passa a fazer parte dos

currículos oficiais como disciplina obrigatória. No entanto, não contribui de forma

significativa, não se oferece como crítica à configuração social e política brasileira, e

oscila também entre democracia formal, populismo e ditadura.

Um dos documentos mais importantes da educação do período, o Manifesto

dos Pioneiros da Educação de 1932, pretende a reconstrução da educação no Brasil

e preconiza nos currículos escolares uma queda significativa na participação das

humanidades. A nova política educacional, segundo o Manifesto, devia estimular.

“O desenvolvimento da educação técnica profissional, de nível secundário e superior, como base da economia nacional, com a necessária variedade de tipos de escola: a) de agricultura, de minas e de pesca (extração de matérias-primas); b) industriais e profissionais (elaboração de matérias-primas); c) de transporte e de comércio (distribuição de produtos elaborados), e segundo métodos e diretrizes que possam formar técnicos e operários capazes em todos os graus de hierarquia industrial”. (Manifesto dos Pioneiros da Educação, 1932).

A partir da lei 4024/61, a Filosofia deixa de ser obrigatória. A seguir com a lei

5692/71, editada em pleno regime militar, o currículo não dá espaço para o ensino e

o estudo da Filosofia. Durante aquela ditadura, a Filosofia desaparece

completamente dos currículos escolares do ensino médio. O motivo dado, em geral,

era que a Filosofia não serve aos interesses e técnicos do momento. Neste contexto,

pois, os interesses dominantes se voltavam para a formação de um “cidadão

produtivo”, cidadão igualmente não crítico, e que não viesse a perturbar os

interesses políticos do sistema vigente.

O processo de extinção da Filosofia dos currículos dos cursos secundários, que teve início com a redução gradativa do número de horas-aula semanais, se acentuaram a partir do momento em que perdeu seu caráter de obrigatória e passou a ser uma

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disciplina complementar, depois optativa, e culminou com a reforma de ensino introduzida pela lei nº. 5692 de 1971; que incentivando a formação básica profissionalizante acabou por desintegrar o que ainda restava das classes de Filosofia. (SOUZA, 1992, p. 84).

No período, a liberdade de pensamento estava cerceada e o pensamento

crítico, bem como as ações dele decorrentes, eram reprimidos. E a uns cabiam

prêmios, a outros castigos, conforme houvesse vontade de colaborar ou, ao menos,

de submeter-se. Dois exemplos são interessantes analisar: primeiro, o do Instituto

Brasileiro de Filosofia (IBF) de 1951, que

[...] atravessou incólume os 15 anos de ditadura militar, sem que nada lhe acontecesse. Ao longo desses 15 anos, de opressão e repressão, de prisão, tortura e morte, nenhum diretor ou professor desse Instituto foi processado ou preso, nem demitido ou aposentado. O Instituto continuou a ministrar seus cursos, a editar sua revista e a promover congressos, nacionais e internacionais de Filosofia [...]. (CORBISIER, 1986, p. 84).

Exemplo diferente é o do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB),

fundado em 1954, que sofreu represálias e que, logo em 1964, nos primeiros dias

após o golpe, foi extinto. O IBF prosseguiu em funcionamento porque cultivava a

Filosofia acadêmica que separava a Filosofia da política e não procurava os serviços

de segurança:

o outro Instituto, o ISEB, foi fechado porque não se propunha conhecer para conhecer apenas, estudar as ciências e a Filosofia para permanecer indefinidamente em seu estudo. Não pretendia, somente, [...] compreender o mundo e nosso país na perspectiva mundial, mas contribuir, também, para sua efetiva transformação [...]. A Filosofia torna-se perigosa, subversiva, a partir do momento que deixa de ser essa interminável e estéril ruminação no interior da própria Filosofia, esse eterno repisar dos mesmos problemas, insolúveis no plano da pura teoria, para tornar-se [...] (prática). (CORBISIER, 1986, p. 84-85).

Tomam-se como parâmetros de análise sobre a vigência do estudo da

Filosofia no Brasil estes dois exemplos. Tornaram-se referenciais. A presença

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contraditória de ambos exemplos elucida, desde já, qual tipo de ensino médio se

pretende nas instituições escolares, quais recortes se poderiam autorizar e aonde

devem levar os estudos dos conteúdos diversos.

3.2. O ENSINO DE FILOSOFIA: UMA ABORDAGEM HISTÓRICA

A discussão sobre a volta da Filosofia aos currículos do ensino médio não é

nova. O tema foi objeto de inúmeros debates, seja no contexto educacional e nos

meios acadêmicos, seja nos meios de comunicação.

Atualmente, dois fatores reforçam tal preocupação e subsidiaram a

importância do debate: o próprio momento histórico nacional, que provoca novas

discussões e redireciona as perspectivas pedagógicas; e a proposta da LDB nº.

9394 de 20/12/1996 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação que, em um de seus

artigos 3º, (Seção IV do Ensino Médio), aborda a questão da obrigatoriedade da

Filosofia e da Sociologia nos currículos do segundo grau e como parte integrante do

Núcleo Comum.

O momento político e a situação conjuntural que o país está atravessando

conduz a repensar as condições de desvalorização da educação humanística

desde a implantação das leis 5540/68 e 5692/71, vindas no bojo da ditadura militar.

Tais leis atingiram profundamente de modo negativo à área das Ciências Humanas.

Contudo, abrindo-se o regime repressivo, a lei 7044/82 gerou novas possibilidades.

Foi permitido a inclusão da Filosofia, da Sociologia e da Psicologia como disciplinas

optativas nos currículos do segundo grau. Tal inclusão foi levada a efeito por escolas

de vários Estados, entre eles o Paraná, e a emergência de um novo momento

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histórico, social e político aqueceu um debate nacional pela volta da Filosofia aos

currículos escolares de forma mais ampla.

Em meio ao contraditório quadro educacional brasileiro, muitos os educadores

e filósofos, e todos aqueles que se preocupam com a formação filosófica e crítica

dos jovens, mesmo a duras penas, permaneceram alerta para evidenciar o lugar da

Filosofia na escola. Procuraram resgatar a evolução dessa discussão. Ao longo do

período de “repressão e reclusão” das idéias filosóficas, na década de 60/70, com

acordos MEC/USAID, a Filosofia, foi desaparecendo das escolas. Caiu do elenco

das disciplinas obrigatórias para o quadro das optativas e depois foi proscrita.

Decide-se por orientar o segundo grau para a profissionalização, entendendo que “o

pensamento abstrato, a reflexão, não fazem sentido na era da tecnologia”.

(PEGORAF, 1983).

Em 1971, com a lei 5692, foram erradicados as Ciências Humanas dos

currículos e seus professores, notadamente os de Filosofia, ficaram sem campo de

ação. Caíram em descrédito os cursos de licenciatura, em especial os de Filosofia.

Contudo, algumas luzes já despontavam ao início dos anos 80. Em maio de

1982, o Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Paraná encaminha o

ofício nº. 032/82 ao Conselho Estadual de Educação do Paraná. Contém duas

petições: “(a) apreciação do documento original encaminhado a Sua Excelência

Senhor Ministro de Educação e Cultura; b) sugestões para ação imediata do

Departamento de Filosofia da UFPR”. O documento merece amplos estudos por

parte do CEE, e este, em dois de agosto de 1982, emite parecer técnico sensível às

ações no tocante a reinclusão da Filosofia no segundo grau.

Em 1988, o Paraná inicia o “Projeto de Reestruturação do Ensino do 2º Grau”,

favorecendo a discussão dos conteúdos essenciais do currículo neste grau de

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ensino. Gradativamente são sistematizadas propostas curriculares para as diversas

áreas do conhecimento. O Departamento de Ensino de Segundo Grau sugere que

as escolas incluam, na parte de estudos complementares das grades curriculares de

segundo grau as disciplinas de Filosofia e Sociologia. No final de 1993 e no início de

1994, se iniciam estudos sobre a proposta curricular para Filosofia e Sociologia

respectivamente.

No primeiro semestre de 1994 a SEED/DESG convida universidades e

faculdades do Estado, que mantêm cursos de Filosofia, para estudos e discussões e

para elaboração da Proposta Curricular de Filosofia no 2º grau.

Em setembro de 1994, a UFPR desenvolve um Projeto de Extensão

Universitária intitulado “A Filosofia no 2º Grau”, que reúne professores na área de

Filosofia de Curitiba e da Região Metropolitana.

Em outubro de 1994, são convidados professores das escolas públicas que já

atua com Filosofia; representando os Núcleos Regionais de Educação do Estado,

vêm para Curitiba para o I Encontro do Projeto de Elaboração da Proposta Curricular

do Ensino de Filosofia no 2º Grau.

No início de dezembro de 1994, no II Encontro do Projeto de Elaboração da

Proposta Curricular do Ensino de Filosofia no 2º Grau, em Curitiba, é aprovado o

documento com a referida Proposta.

A Proposta é encaminhada às escolas, para a implementação em 1995, com

o compromisso da SEED, NRE, Escolas, Professores, Alunos e IES, na tarefa de

reconstrução e recuperação do pensar reflexivo e transformador. É reconhecido o

espaço que a Filosofia merece no Ensino de 2º Grau.

Apresenta-se nitidamente neste contexto histórico sobre o Ensino de Filosofia

no Paraná, a influência dominante da ditadura militar, cerceando os direitos de

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liberdade do Ensino de Filosofia, fazendo seus conteúdos passarem por recortes,

que propunham apenas estudar as Ciências e a Filosofia, desvinculadas das

questões políticas e sociais, visto que esta, a Filosofia torna-se perigosa, subversiva,

perturbadora da paz dos interesses políticos vigentes.

Embora a Filosofia neste contexto histórico faz parte do currículo escolar não

atendeu as necessidades essenciais do Ensino de Filosofia, visto ser desta a

responsabilidade de crítica aos sistemas políticos.

3.3. ENSINO DE FILOSOFIA E CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO: EXPECTATIVA E EQUÍVOCOS.

A referência aos conteúdos de Filosofia e ao seu ensino, representada na

Proposta, se justifica porque se tem em vista que qualquer ensino não venha

desarticulado da Filosofia e de seu saber, não se desgarre da interdisciplinaridade.

Esta, a interdisciplinaridade, é característica imprescindível às aulas de Filosofia;

permeadas por atividades investigativas, individuais e coletivas, as aulas organizam

e orientam o debate filosófico. Dela brota um caráter mais dinâmico e participativo ao

filosofar. Não se trata especificamente de entrar na sua questão metodológica do

como ensinar, apenas se faz alusão ao que ensinar em Filosofia, para que estes

alunos tenham possibilidades de conhecer, aprender e transformar a realidade em

que vivem na busca de um “mundo melhor” e de um ser humano melhor. Neste

sentido se justifica a busca de uma postura crítica, competente e comprometida do

educador filósofo, tanto na forma de ensinar como de avaliar.Quando se fala a

respeito da volta da Filosofia no currículo Ensino Médio, se percebe que existem

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grandes expectativas e acerbos equívocos com relação ao papel da Filosofia na

escola.

Tendo considerado a realidade brasileira, o grande número dos problemas e o

forte pragmatismo cultural infiltrado nos discursos educacionais, professores

propõem a volta da Filosofia e o objetivo de despertar a consciência crítica.

Pretendem assumir papéis para a formação do educando, destacando a relação

interdisciplinar e a contribuição para fortalecer a “cidadania”. Assim sendo, a

Filosofia requer certos pressupostos:

Para tomar consciência de seu papel de sujeito e agente de transformação social e política, o filósofo deve se voltar apenas para sua inserção histórica, numa leitura “ideológica” das obras da tradição filosófica e da própria cultura. O trabalho filosófico poderá pensar necessariamente a realidade nacional através de uma “análise crítica”. (Proposta Curricular de Filosofia para o Ensino de 2º grau, 1994, p. 10).

Acentua-se também o caráter humanista moralizante de ensinar a verdade;

bem como o caráter formativo, no sentido de criar atitudes, sobretudo morais, do ser

humano, desvalorizado e “desumanizado” pela técnica e pelo “consumo”, e no

sentido dos valores perdidos, que deixam um vácuo para a falta de sentido.

Ressalta-se ainda a necessidade de interagir com outros conceitos filosóficos,

ressalvado que a Filosofia é uma meditação do EU, uma reflexão “crítica” dos

problemas do mundo; por ela são capacitados os jovens, ou se capacitam, a

discernir o bem e o mal, a descobrir a verdade. “A Filosofia poderá trazer uma

valiosa contribuição para a formação ‘integral’ do homem, reduzida ao

desenvolvimento individual e ao aprimoramento de sua personalidade”. (Proposta

Curricular de Filosofia para o Ensino de 2º grau, 1994, p. 11).

No emaranhado dos equívocos, se põe a questão do humanismo científico.

Este se apresenta como o desenvolvimento das potencialidades do ser humano,

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dando crédito à igualdade de oportunidades de todos aqueles que se esforçam

individualmente para conquistar as melhores condições de ascensão social no

mundo da ciência e da técnica. Apresenta-se contrário ao espírito dogmático ou

metafísico, enfatizando frequentemente a idéia da ciência. Este discurso apresenta

um homem desumanizado e coisificado, que se adapta melhor ao mundo em

acelerada mudança, através do desenvolvimento optimal de suas “potencialidades”,

discurso característico do neoliberalismo. Desprezando a existência de um “ser no

mundo”, conceitual e historicamente situado, se ao homem como um entre tantos

objetos neutros, que podem ser manipulados e dominados.

Justificando o caráter formativo do ensino de Filosofia, e manifesta a

preocupação com as deficiências desse ensino, a Proposta enfatiza a utilidade real

da Filosofia:

Através da Filosofia, o aluno teria a possibilidade de adquirir determinadas habilidades intelectuais: capacidade de raciocínio, de abstração, de análise, de leitura. Poderá desenvolver o espírito “crítico”, as técnicas de argumentação, etc. Esquece que estes são objetivos gerais de todo o ensino e não especificamente da Filosofia. (Proposta Curricular de Filosofia para o Ensino de 2º Grau, 1994, p. 12).

Ela discorda dos que acreditam na filosofia como “salvação da escola”,

remédio para todos os males causados pela decadência educacional; prefere impor

a filosofia uma missão, de fato exclusiva, para o trabalho de Filosofia na escola, para

o “ensinar a pensar”.

É possível que a Filosofia ensine de forma que o aluno “aprenda a pensar”.

Isto é entendido como capacitação lógica, como se tal ensino fosse um instrumento

que ordenasse o pensamento. Outros professores, os “progressistas”, acrescentam

a palavra “criticamente”, às vezes de forma genérica, até indefinida.

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Alguns dos argumentos rememorados refletem o desconhecimento da

problemática da Filosofia no Ensino Médio, de visão limitada, percebe-se assim, a

dificuldade de definir com clareza o lugar e a especificidade do ensino de Filosofia

no currículo escolar; muitas vezes, consciente ou inconscientemente, se compartilha

uma visão equivocada do “Ensino Médio” e seus objetivos:

de acordo com o professor Milton Meira do Nascimento, “a instrumentalização da filosofia é a decretação de sua morte (Folha de São Paulo 01.05.94. 6-6), e podemos acrescentar que a própria instrumentalização conferida tacitamente ao Ensino de 2º grau impede, de per si, a compreensão do lugar da Filosofia no trabalho escolar. (Proposta Curricular de Filosofia para o Ensino de 2º grau, 1994, p. 12).

Freqüentemente se tem apelado ao argumento de que faltam professores

com formação sólida, que atuem com a disciplina de Filosofia. A afirmação provoca

uma advertência:

“Esta tarefa é de extrema seriedade e exige uma avaliação profunda dos

cursos superiores, em nível de bacharelado e de licenciatura, dos cursos de especialização e dos cursos de capacitação”. (Proposta Curricular de Filosofia para o Ensino de 2º grau, 1994, p.13).

De acordo com o professor José Arthur Giannotti (Folha de São Paulo

01.05.94), argumentos daquele tipo são suficientes para fazer abandonar os

esforços no sentido de facultar ao jovem estudante do Ensino Médio a oportunidade

de desenvolver uma atitude filosófica, frente à existência humana e suas

manifestações históricas. Salienta-se a necessidade de uma “sólida formação em

filosofia para os professores que atuam no ensino, do contrário isto poderá implicar

no seu fracasso”. (Proposta Curricular de Filosofia para o Ensino de 2º grau, 1994, p.

13).

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Diante dessa discussão cabe a pergunta: e o aluno, como fica? Terá a

Filosofia relevância, no contexto pedagógico, para a formação do aluno?

Acredita-se que a alta relevância da Filosofia deve ser enfatizada, pois o

educando, em geral, encontra num estágio de tomada de consciência de si próprio,

como indivíduo, de individualização do próprio modo de agir, sentir e de pensar, ao

mesmo tempo em que é convocado a um diálogo crescente com a própria cultura.

Trata-se de momento crescente em que o jovem está construindo pontos de

referência que lhe favoreçam progredir no reconhecimento de si mesmo como

pessoa. Abrem-se-lhe possibilidades quanto à sua realização pessoal e inserção

profissional e quanto a mudanças qualitativas que podem reverter expectativas:

A especialização crescente que caracteriza a divisão de trabalho nas sociedades modernas faz com que, de certa forma, a oferta profissional atue retrospectivamente de forma negativa, sobre a formação do aluno no 2º grau propedêutico. O contexto social encoraja o aluno a menosprezar a formação global em nível propedêutico, pois se costuma conjugar a excelência profissional com a especialização exacerbada. (LEOPOLDO e SILVA, 1992. p. 12 in Proposta Curricular de Filosofia para o Ensino de 2º grau, 1994, p.13).

Essa postura frente aos cursos propedêuticos, com o desprezo pela formação

global, pode acarretar sérias dificuldades aos alunos. Muitas vezes não aceitam o

ensino de Filosofia, por considerá-la uma área irrelevante frente às necessidades

imediatas de inserção social. Voltam-se para o mercado competitivo de trabalho,

através de especialização profissionalizante, curso técnico ou por meio de uma

específica preparação para o vestibular. Confirma-se a falta de:

[...] uma integração curricular que demonstre ao aluno a necessidade de diversificação e o fato de não existir obrigatoriamente uma construção entre diversificação curricular e formação unitária. Em parte, isto decorre ou de um divórcio entre sociedade e escola ou de uma relação distorcida entre as duas instâncias. (LEOPOLDO e SILVA in Proposta Curricular de Filosofia para o Ensino de 2º grau. 1994 p. 12/14).

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A ausência de uma efetiva integração curricular implica num refazer da visão

distorcida da escola e da formação do aluno. O acentuar a especialização tolhe ao

aluno valorizar a experiência cultural e de currículo. Faz também piorar e agravar-se

a relação entre a escola e sociedade, pois que se dá o alheamento completo da

escola em relação às necessidades sociais.Uma formação apenas “academicista”

significa distorção, e a educação guiada por critérios “utilitaristas e imediatistas” só

pode levar a uma sociedade tecnocrática. (Proposta Curricular de Filosofia para o

Ensino de 2º grau, 1994, p. 14).

A sociedade tecnocrática banaliza o pensar, regido pela ‘ideologia’ da ciência

e da técnica, do progresso e do crescimento ilimitado, da produtividade e da

especialização. Com isso, também a própria produção do saber e se vê corrompida,

considerado que a teoria toma em descaso a prática. E o ser de conhecimento, não

vale um pouco como um homem, que já não é um ser de desejo, de sentimento, de

comunicação.

A educação confunde-se com treinamento (adestramento) de recursos humanos necessários ao mundo produtivo. A formação tecnológica e científica aparece como uma das finalidades fetichizadas do sistema educacional; o homem total (isto é, unidimensional) é o ponto de chegada do humanismo científico. Daí o interesse da sociedade industrial em atrelar o sistema escolar e, de uma maneira geral, todas as mediações formativas. (Proposta Curricular de Filosofia para o Ensino de 2º grau. 1994 p. 14).

Com a tecnocracia, se desvirtua o papel da escola. Nem é socializadora do

conhecimento, nem exerce uma práxis voltada para a transformação da sociedade,

para “acabar” com as desigualdades sociais, ou para atenuá-las ao menos.

Em relação às expectativas e equívocos, devem ser examinadas igualmente

as duas vertentes da proposta: a Pedagogia e a Filosofia. A questão do lugar e da

especificidade da primeira vertente faz pensar a disciplina Filosofia necessariamente

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a partir da situação pedagógica de fato, e os problemas abordados têm de ser os

que decorrem da relação distorcida entre currículo e formação.

A segunda vertente é a que se esmera em definir que concepção,

procedimentos e conteúdos do trabalho filosófico devem ser desenvolvidos.

No que se refere a ambas as vertentes, “não se trata de definir ou mesmo conceituar a Filosofia enquanto um campo de saber. Importa, na realidade, caracterizar a especificidade da Filosofia enquanto disciplina integrante do currículo escolar”. (Proposta Curricular de Filosofia para o Ensino de 2º grau. 1994 p. 15).

Conforme o enfoque pedagógico do processo educacional, a Filosofia tem o

caráter “formativo”, e raramente o conhecimento é recriado, isto é constituído

ativamente pelo aluno. Apesar de o discurso educacional apresentar um discurso

“crítico”, o que predomina na prática educativa no cotidiano escolar é um ensino

desvinculado das necessidades e interesses dos alunos ou da comunidade. O que

agrava a situação, ainda, é não haver preocupação com as condições cognitivas

adequadas ao trabalho de assimilação e compreensão dos conteúdos de ensino das

diferentes disciplinas. É o problema da ausência de articulação curricular, intra e

interdisciplinar.

Portanto, o ensino-aprendizagem é prejudicado. Neste contexto “pedagógico”,

a atividade do aluno em relação à aprendizagem não aparece, devido a que ele não

vivencia conscientemente o processo cognitivo, nem se reconhece no processo. No

1º grau, o aluno é submetido à passividade na relação educativa. Se, porém, não for

exercitada uma boa relação no Ensino Médio, inclusive em atenção à inquietude

crítica da faixa etária, o aluno corre o risco de mergulhar na alienação em relação ao

próprio processo formativo, ou desenvolver uma indesejável mescla de

inconformismo pedagógico e resistência psicológica que entrava o rendimento

escolar. “Infelizmente, em geral, o caráter obrigatoriamente formal, do ensino sufoca

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este potencial crítico. Tentativas espontaneístas e não fundamentadas de fugir ao

caráter formal, provocam atitudes pedagogicamente inadequadas e prejudicam a

aprendizagem”. (Proposta Curricular de Filosofia para o Ensino de 2º grau. 1994 p.

16).

No enfoque filosófico, lembra-se, em especial, a necessidade de instalar um

processo de discussão permanente. Os espaços de ações e reflexões, na escola,

embora muito aceitos nos cursos de capacitação, permanecem divorciados do agir

da sala de aula. É preciso vencer a ausência de espaços de ação-reflexão grupal no

cotidiano escolar.

3.4. PRINCÍPIOS NORTEADORES DA PROPOSTA PARANAENSE.

Em 1994, diante dos impasses sobre a Filosofia e seu ensino, o Paraná

editou, antecipadamente, as propostas curriculares, no aguardo da universalização

do Ensino Médio, que era debatido no Senado Federal, e até a aprovação das

Diretrizes e Bases da Educação.

Conseguia-se relacionar do volume publicado os princípios norteadores. A

educação e o ingresso no universo da cultura. No seu mais amplo significado, o

processo educacional tem por objetivo oferecer as condições necessárias para que o

educando ingresse no universo da cultura; desvelando os discursos ideológicos,

políticos, morais, etc. e os processos que permeiam as atividades humanas:

a) O currículo do Ensino Médio como mediação. O currículo precisa ser

concebido como mediação desse processo educacional, sendo

estruturado de modo a assegurar a integração dos educandos nos três

universos que tecem dialeticamente a existência humana.

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b) Desenvolvimento de uma experiência cultural e a

interdisciplinaridade. A partir, fundamentalmente, de um trabalho

interdisciplinar, o processo educacional poderá possibilitar aos

educandos a participação na experiência da cultura e a articulação dos

seus elementos dentro do currículo, como também a articulação da

escola com a sociedade.

c) O lugar da Filosofia no currículo. Na sua especificidade a Filosofia

tem por tarefa fomentar a interdisciplinaridade, tanto em nível de

currículo como em nível de prática pedagógica.

d) Problematização da cultura. Considera-se que o trabalho filosófico

no Ensino do 2º Grau possa começar por assumir a tarefa básica de

problematizar a cultura, que é produto e produtora do homem.

e) Pensar a cultura técnico-científica. Tendo em vista a presença

marcante de um mundo específico de saber e fazer científico –

tecnológico nas sociedades contemporâneas, considera-se que a

Filosofia é um dos pontos de partida que torna fecundo o Ensino

Médio.

f) Conhecimento em construção é concebido como um processo em

construção, deste modo não pode ser veiculado como algo

definitivamente acabado como uma doutrina fechada, constituída de

certezas indiscutíveis.

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g) O específico do Ensino de Filosofia e o estilo reflexivo. A

especificidade do ensino de Filosofia se expressa exatamente pelo fato

de que o ato de “ensinar” Filosofia não se confunde com a simples

transmissão de conteúdos; apesar de serem estes indispensáveis, é

básico que o aluno adquira o estilo reflexivo.

h) A educação para a inteligibilidade. Ao possibilitar ao educando a

experiência de reflexão filosófica, o ensino de Filosofia tem por objetivo

educar para entender e ser entendido.

i) A constituição de uma linguagem de segurança é condição que

permite o exercício do pensamento crítico. Desenvolvendo o exercício

de reflexão crítica a partir de problemas, o aluno trata os mesmos

problemas numa perspectiva deliberada, metódica e sistemática,

explicitando os seus fundamentos num todo articulado; o ensino de

Filosofia leva o aluno a se apropriar de uma “linguagem de segurança”,

e a articular um repertório de referências.

j) Partir da experiência do aluno. Através de uma abordagem

problematizante, aberta, o ensino de Filosofia parte dos problemas

emergentes vinculados à experiência cotidiana dos alunos, evitando

transformar a Filosofia num simulacro de reflexão ou num discurso

vazio. (Proposta Curricular de Filosofia para o Ensino de 2º Grau.

Curitiba PR: SEED, 1994, p. 25, 26 e 27).

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Os primeiros movimentos pelo retorno da Filosofia ao Ensino Médio (antes

denominado de 2º grau), surgiram ao início da década de 80, em vários Estados do

Brasil, entre eles o Paraná. Na UFPR, alguns professores ligados à Filosofia

começaram um movimento de resistência e defesa que com articulações políticas e

organizações de eventos para a retomada do espaço da Filosofia; contestavam a

educação tecnicista, oficializada com a lei 5692/71.

A partir desta mobilização, estendida aos grandes centros ganhou significado

a criação da Sociedade de Estudos e Atividades Filosóficas (SEAF). Assim foi

apresentada a SEAF por Pegoraro (2003):

[...] um movimento intelectual que visa à criatividade à produtividade filosófica que interprete a situação do homem na contemporaneidade. O movimento da inteligência atenta ao processo que exige estruturas leves e sempre em adaptação. Isso não poderia ocorrer se a SEAF fosse uma empresa de congressos com donos estabelecidos. (PEGORARO, 1980, p. 3).

Apesar dos esforços, a experiência da SEAF foi significativa; não foi

duradoura. Sua criação e primeiras ações foram seguidas de um silêncio só

interrompido por eventos espaçados e destinados a um público restrito à própria

comunidade acadêmica.

Após um período de esquecimento da Filosofia, o DEM, (Departamento do

Ensino Médio) antes denominado de DESG, reabriu as discussões pela Filosofia no

Paraná, em 1994. Foram iniciados estudos voltados à elaboração de uma Proposta

Curricular para a disciplina de Filosofia no Ensino Médio. Realmente foi concluído

um texto com sete tópicos: “histórico do Projeto de elaboração da proposta curricular

para o ensino de Filosofia no 2º Grau; - O ensino de Filosofia: uma abordagem

histórica; - Fundamentação: ensino de Filosofia, o lugar e a especificidade no

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currículo de 2º Grau; - Princípios norteadores da fundamentação da Proposta; -

Metodologia; - Os conteúdos como mediadores da experiência filosófica; - Avaliação

do ensino de Filosofia”. (HORN, 2002, p. 30).

A Proposta ainda não foi implementada, contudo, em escolas do Paraná. A

mudança de governo, em 1995, fez que ela caísse no esquecimento por oito anos.

De fato, uma opção neoliberal passou a orientar a reestruturação do sistema público

de ensino e toda perspectiva curricular se voltou para a competição individual e para

os interesses de mercado. Em nível Nacional, a LDB 9394/96 permitiu discutir o

ensino de Filosofia; com o objetivo, porém, de mantê-lo em posição transversal,

inserido em outras disciplinas do currículo.

Entre as lutas pela implantação da disciplina de Filosofia no Paraná, destaca-

se o projeto de lei 3178/1997 do então deputado Pe. Roque Zimmermann que

solicitou a alteração do art. 36 da LDB, lei 9394 de 20 de dezembro de 1996, que

estabelece as diretrizes curriculares da educação no Paraná.

A ementa é explicada pela necessidade da implantação da disciplina de

Filosofia como disciplina obrigatória na matriz curricular do Ensino Médio.

Esta lei tramitou no Congresso Nacional desde 1997, sendo vetada em 2001,

pelo então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, tendo como

explicação poucos professores formados na área para atuar com a disciplina, o que

causou grande impacto negativo a todos aqueles que viam nesta disciplina a sua

importância no currículo do Ensino Médio. A última ação do veto decorreu em 08 de

outubro de 2001 e mantido o veto total em 20 de maio de 2005, não contemplando

assim a Filosofia no currículo do Ensino Médio.

Expressivo dessa grave situação foi o veto do então presidente Fernando

Henrique Cardoso, em 2001, ao projeto de Lei que propunha o retorno da Filosofia e

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da Sociologia como disciplinas obrigatórias no nível médio. Com três argumentos, o

Presidente pretendeu justificar o veto: os riscos provindos da precariedade na

formação de professores; a introdução de novas disciplinas obrigatórias elevaria o

gasto dos Estados e municípios com a contratação de pessoal; a redução da

Filosofia e da Sociologia a um discurso meramente pedagógico, o que as

descaracterizaria naquilo que lhes é peculiar.

O próprio Texto Preliminar à Proposta da SEED, na versão 2006, referiu os

motivos pelos quais os argumentos do Presidente careciam de fundamentos:

[...] se recorrermos aos dados do concurso promovido em 2004 pela SEED/PR, em que o número de inscritos foi bastante superior ao número de vagas disponíveis, verificaremos que o número de profissionais formados em Filosofia é bem significativo em nosso Estado. Existem, no Estado do Paraná, onze cursos de Filosofia autorizados e ou reconhecidos pelo MEC; portanto, é um número suficiente para formar profissionais habilitados ao ensino de Filosofia. Quanto ao argumento da elevação dos custos dos estados e municípios há demonstração de desconhecimento da discussão, pois o que se propõe é o remanejamento da carga horária já existente e não o seu aumento. E, por fim, é falacioso dizer que a Filosofia não deve deixar-se reduzir ao âmbito escolar, pois perderia sua característica de resistência, crítica e criatividade. Entendemos o contrário. (Diretriz Curricular de Filosofia. Texto Preliminar, SEED, versão 2006, p. 5).

Professores comprometidos com o espaço escolar têm de buscar sujeitos que

exercitem aquilo que é próprio da Filosofia: o exercício do pensamento crítico, da

resistência e da criação – transformação do conhecimento. Assim, a luta devia

continuar por novos avanços.

A Filosofia torna vivo o espaço escolar, onde os sujeitos desenvolvem sua

inteligência crítica na busca do diálogo, na convivência e no embate entre as

diferenças e na construção da história.

O artigo 36 da LDB já havia expressado que o estudante deveria “dominar os

conhecimentos de Filosofia e de Sociologia necessários ao exercício de cidadania”.

Entretanto outros documentos oficiais (propostas) tomam como explícito o caráter

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transversal dos conteúdos filosóficos, parece cumprir-se a exigência da Lei, quanto à

necessidade dos conteúdos filosóficos, deixada de lado, porém, a implantação da

disciplina na grade curricular na Base Nacional Comum em nível de Ensino Médio.

Tais documentos, que defendem a simples transversalidade, se contentam em

reduzir a filosofia a uma ferramenta útil ao exercício de cidadania. Noutro tempo os

currículos, de cunho tecnicista, não lhe davam espaço, e agora, de novo, era

relegado ao segundo plano, e quase lhe é negado um caráter disciplinar.

Evidentemente, a resolução 03/98 CNE, das Diretrizes Curriculares para o Ensino

Médio, interpreta de maneira errônea a Filosofia ao colocá-la na transversalidade do

currículo.

Esta posição da Resolução 03/98 do CNE é criticada nos documentos com as

Orientações Curriculares do Ensino Médio de 2004, quando da análise do PCNEM

de Filosofia, de elaboração da Associação Nacional de Pós-Graduação em Filosofia

(ANPOF), por solicitação do departamento de Políticas do Ensino Médio do

Ministério da Educação. “[...] a legislação parece prestigiar a Filosofia concedendo-

lhe até alguma centralidade. Como sabemos, essa aparência é enganadora. A tese

da centralidade traduziu-se na não integração obrigatória e especificidades de

conteúdos [...]” (MEC, 2004, p. 375).

O PCNEM, não colocando a Filosofia como disciplina, e nem os seus

conteúdos, como obrigatórios, torna inoportuna e inadequada qualquer discussão

curricular em relação ao ensino de Filosofia. Professores convocados pela ANPOF,

para discutirem os DCNEM, chegaram após seminários regionais (cinco) e nacionais

(um), a essa conclusão, mas apresentaram diversas modificações para as Diretrizes

Curriculares para o Ensino Médio. Enviaram juntamente um documento final de

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conclusão ao MEC, o qual em 2005, mandou ao CNE, uma proposta de alteração da

Resolução 03/98.

A partir da década de 80 até os dias atuais, alguns desses questionamentos

decorrentes da sala de aula onde se ensina Filosofia, vêm se constituindo como um

corpo, que alguns chamam de Filosofia do Ensino de Filosofia, que está

profundamente ligado a prática pedagógica decorrente do ensino de Filosofia na

tentativa de respostas a estes questionamentos.

“Nos últimos anos os filósofos professores de Filosofia brasileiros vêm se preocupando com questões como essas. Trata-se, quer me parecer, de um movimento de pensar filosoficamente o ensino de Filosofia. Um movimento em que os filósofos têm tomado para si a responsabilidade de pensar a prática docente, em seus vários níveis”. (GALLO, 2004, p. 10).

Com base neste movimento nacional sobre o pensar filosófico do ensino de

Filosofia nos currículos escolares e que, em meio a este movimento inicia-se a

construção das Diretrizes Curriculares para o ensino de Filosofia no Paraná.

A abordagem do ensino de Filosofia no Brasil se fez pertinente para revisitar à

história da Filosofia no decorrer histórico tanto em nível de país como a de Estado,

entre eles em destaque desta pesquisa o Paraná e suas lutas em prol da Filosofia e

currículos.

Assim sendo possível à análise com seus recortes de conteúdos legitimados

ou legitimadores, conivência ou resistência a esta, nas sociedades onde se

encontravam inseridas.

Neste processo pelo qual passou ou permanece, ao se ler sobre sua história

percebe-se em seu bojo duas presentes continuidades: a primeira busca afirmar-se

como disciplina e de garantir seu espaço nos currículos escolares; cujo objetivo tem

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de justificar-se perante as demais disciplinas diante da insistente e pertinente

pergunta: para que Filosofia? Ainda no presente momento, vivemos em defesa da

disciplina no currículo escolar.

A segunda continuidade expressa nas lutas pela implantação e

implementação, refere-se a que Filosofia ensinar. Questionamento este ligado aos

conteúdos e métodos pertinentes, que nos indique de que Filosofia e de que filosofar

está se falando. E ainda, nos remete ao para que filosofar?

A argumentação da Declaração de Paris para a Filosofia (UNESCO) é assim

expressa:

[...] ação filosófica formando espíritos livres e reflexivos capazes de resistir às diversas formas de propaganda, fanatismo, exclusão e intolerância contribui para a paz e prepara cada um para assumir suas responsabilidades face as grandes interrogações contemporâneas [...]. Consideramos que a atividade filosófica, que não subtrai nenhuma idéia à livre discussão, que se esforça em precisar as definições exatas das noções utilizadas, em verificar a validade dos raciocínios, em examinar com atenção os argumentos dos outros, permite a cada um aprender e pensar por si mesmo [...]. (UNESCO. Philosophie et Dèmocratie dans le Monde – Une enquête de l’Unesco. Librarie Générale Française, 1995, p. 13-14).

Celso Favoretto (1995) aborda primeiramente a questão do ensino de

Filosofia, antes da abordagem do currículo, pois segundo ele, esta é anterior ao

currículo. Para o autor é necessário antes pensar como ensinar, o que pode ser

ensinado, portanto o professor deve ter a preocupação de definir para si mesmo o

lugar de onde pensa e fala que sujeitos são esses, aos quais nos dirigimos isso nos

permitirá pensar que Filosofia vamos ensinar.

Identificamos o local de onde pensamos e falamos a partir do resgate histórico desta disciplina, da militância histórica pela sua inclusão e permanência na escola. Localizamo-nos a partir da proposição: a rigor, não há propriamente ofício filosófico sem sujeitos democráticos e não há como atuar no campo político e cultural, avançar e consolidar a democracia, quando se perde o direito de pensar, a capacidade de discernimento, o uso autônomo da razão. Quem pensa opõe resistência. (Diretriz Curricular de Filosofia. Texto preliminar, SEED, versão 2006, p. 7).

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3.5. OS CONTEÚDOS COMO MEDIADORES: A EXPERIÊNCIA FILOSÓFICA E O PROBLEMA DOS RECORTES.

Segundo a matriz curricular da SEED para o Ensino da Filosofia no Ensino

Médio, os recortes dos conteúdos estruturantes acontecem em função da amplitude

da Filosofia e da longa história de doutrinas, com muitas biografias de filósofos. São

amplos conteúdos e graves as limitações da oferta de aulas na matriz curricular. Os

que operam recortes em conteúdos estruturantes não cogitam, evidentemente, em

esgotá-los, mas escolhem conteúdos específicos relevantes e significativos para os

estudantes do Ensino Médio.

3.5.1. RECORTES NO CONTEÚDO E CONTEÚDOS ESTRUTURANTES.

Os conteúdos estruturantes são definidos a partir de um referencial teórico-

metodológico e cobram pelos devidos encaminhamentos no Ensino de Filosofia no

Nível Médio.

Os conteúdos estruturantes, constituídos e legitimados através da história da

disciplina e de seu ensino, são conhecimentos basilares, mas por alguns deles

devem optar as Diretrizes Curriculares. Diretrizes tomam em consideração épocas,

sociedades e contextos diferentes. Neste momento histórico do Ensino Médio no

Paraná, se tem de buscar o significado político, social e educacional e considerar o

próprio papel que futuramente exercerá o estudante de ensino médio que,

presentemente, se pretende formar.

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Os conteúdos estruturantes pelos quais, atualmente, o Paraná optou, são:

Mito e Filosofia; Teoria do Conhecimento; Ética; Filosofia Política; Estética; Filosofia

da Ciência.

Dentro destes, o professor pode optar por conteúdos específicos, discutidos,

porém, em vista de elaborar o Projeto Político Pedagógico da escola e reorganizar

em vista de um bom planejamento das aulas programadas.

A realização dos objetivos se pauta na estimulação do trabalho de mediação

intelectual, do pensar e da busca da profundidade na conceituação e na apreensão

das relações históricas, em oposição ao imediatismo com que assedia a experiência

e as ações resultantes do conhecimento. Daí a importância atribuída à história da

Filosofia. É evidente que todo processo determina ausências, dialeticamente

falando; e sempre impõe questionamentos. A SEED, com os professores se

pergunta:

Por que não adotamos um percurso cronológico pela história da Filosofia? Ora, não se trata de abandonar a história da Filosofia, pois na opção por conteúdos estruturantes temos feito a defesa do trabalho com os textos clássicos e da sua relação com a história da Filosofia. Trata-se de garantir que as aulas de Filosofia não percam algumas das características essências da disciplina, por exemplo: a capacidade de dialogar de forma crítica e mesmo provocativa com o presente. (Diretriz Curricular de Filosofia. Texto Preliminar, SEED, versão 2006, p. 8).

De acordo com as Diretrizes Curriculares para o Ensino Médio, a opção pelos

conteúdos estruturantes não exclui, de forma alguma, a história da Filosofia, nem

tampouco as perspectivas nelas denominadas de geográficas. De fato, esses

conteúdos são parte da história da Filosofia e são trabalhados em diversas tradições

das filosofias europeus, ibero-americanas, latino-americanas, norte-americanas,

hispano-americanas, etc.

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Nessa concepção, a Filosofia se caracteriza como espaço de crítica a toda

forma de dogmatismo e, por ter como fundamento o exame da própria razão, não se

furta à discussão e à superação das posições de cunho eurocêntrico, que, segundo

o documento D.C.N., seguem este caminho.

Em relação às abordagens geográficas e tomando em conta, agora, a

Filosofia Oriental, é necessário dizer que, dada a sua amplitude, não se pode dar um

tratamento genérico que se estenda da antiguidade até a contemporaneidade, e que

compreenda, por exemplo, todo o pensamento elaborado num vasto espaço

geográfico que passa pela Síria, Fenícia, Índia, China, Japão e outros vários países

orientais. Certamente, cabe examinar com atenção o pensamento árabe e judaico,

comumente vinculado à filosofia dita ocidental e, sobretudo, ponderar os

enfrentamentos de problemas oriundos das suas divisões. Podem agravar-se os

problemas ao ter de, freqüentemente abandonar o tipo de pensamento propriamente

filosófico e se referir, antes, ao pensamento religioso. É questão de levar a sério o

horizonte cultural, histórico ou espiritual no qual a filosofia se encontra inserida;

horizonte que facilita a compreender melhor o pensamento filosófico. No entanto,

Ferrater Mora mantém uma advertência que a SEED não omite:

quando o horizonte em questão substitui a Filosofia de modo excessivamente radical, corre-se o risco de perdê-la de vista completamente. Para evitar isso, propôs-se um conceito mais restrito de “Filosofia oriental”. Essa proposta consiste em circunscrevê-la às seguintes manifestações: cosmologia iraniana e diversos elementos religiosos e religioso-filosóficos vinculados a ela (particularmente o zoroastrismo); Filosofia indiana, Filosofia chinesa e Filosofia japonesa. De modo mais restrito ainda, pode-se restringir o mencionado conceito às maiores dessas filosofias: a indiana e a chinesa. (FERRATER MORA. 2001 p. 1103 – tomo ll).

Reafirma-se, pois, que as Diretrizes Curriculares, ao se referenciar aos

filósofos orientais, não negam seu caráter implícito e vivo que daria créditos em favor

de sua implantação no currículo. Elas ressaltam, todavia, as dificuldades, sobretudo

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práticas, desde a do acesso ao idioma e, conseqüentemente, a de não constar com

bibliografia que respalde o trabalho docente. Essas dificuldades são manifestas em

certas filosofias ocidentais que fizeram tentativas.

Os conteúdos estruturantes não devem jamais ser considerados

isoladamente, separados entre si, ou sem comunicação. São dimensões da

realidade que dialogam e que se relacionam com as outras dimensões. São

disciplinas que debatem com as demais disciplinas.

3.5.2. FILOSOFAR INTERDISCIPLINARMENTE

Na perspectiva da intra e interdisciplinaridade Leopoldo e Silva trata da

seguinte questão: qual seria o papel da Filosofia no Currículo do Ensino Médio?

A Filosofia [...] realiza o trabalho de articulação cultural. Pensar e repensar a cultura não se confunde com compatibilização de métodos e sistematização de resultados; é uma atividade autônoma e crítica. Não devemos entender que a Filosofia está no currículo [...] em função das outras disciplinas, quase num papel de acessória metodológica. [...] A Filosofia tem função de articulação cultural e, ao desempenhá-la, realiza também a articulação do indivíduo enquanto personagem social, se entendermos que o autêntico processo de socialização requer consciência e o reconhecimento da identidade social e uma compreensão crítica da relação homem-mundo. (LEOPOLDO e SILVA, 1992, p. 162).

Além dessa compreensão teórica fundamental, e além da problemática da

inclusão da Filosofia nos currículos escolares, enquanto disciplina obrigatória na

Base Nacional Comum, esbarra-se, agora com um problema metodológico: o que se

pretende ensinar, o modo como desenvolver o ensino.

O ensino, numa concepção tradicional de educação, habitua o estudante a

assumir a aprendizagem como aquisição de conteúdos estáveis de conhecimentos,

conteúdos que vão acumulando-se progressivamente. Tal conceituação do

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estudante se revela em muitos cursos para vestibulares, cujos programas e

conteúdos, aprendidos, acabam sendo medidos por uma prova única.

Na inclusão da Filosofia nos vestibulares se deve ter a preocupação de não a

reduzir a apenas alguns elementos desta ou daquela escola filosófica. Redução

assim não corresponderia ao estilo reflexivo filosófico.

As Diretrizes Curriculares para o Ensino Médio consideram de seu ponto de

vista didático-pedagógico, que toda disciplina da grade adota conteúdos que sejam,

obviamente, mediadores de construção.

Neste sentido, o Texto Preliminar em pauta ressalta que o problema do

currículo de Filosofia se coloca frente a duas exigências que emergem dos próprios

fundamentos da Proposta:

O Ensino de Filosofia não se confunde simplesmente com o ensino de conteúdos; e, enquanto disciplina análoga a qualquer outra disciplina do currículo, tem, nos seus conteúdos, elementos mediadores fundamentais para que se possa desenvolver o específico do ensino de Filosofia: a problematização, investigação e criação de conceitos. (Diretriz Curricular da Filosofia. Texto Preliminar, SEED, versão 2006, p. 11).

As Diretrizes Curriculares se rompem com a visão sistematizadora e

enciclopedista, não pretendem desvalorizar os conteúdos que podem ser

trabalhados ao longo do percurso filosófico. Os conteúdos, e sua aprendizagem se

articulam necessariamente com a atividade reflexiva do sujeito que aprende, com

seus questionamentos e encaminhamento à ação, à prática. Efetivamente o

conteúdo de Filosofia não surge do vazio, da generalidade, do indeterminado e do

individualismo, mas requer dos sujeitos da aprendizagem um compromisso com o

outro e com o mundo. Mas, repita-se com o Texto Preliminar, é imprescindível a

atividade reflexiva:

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O aprendizado dos conteúdos, como mediadores da reflexão filosófica, deve recorrer necessariamente à tradição filosófica, confrontando diferentes pontos de vistas e concepções, de modo que o estudante perceba a diversidade de problemas e de abordagens. Num ambiente de diálogo investigativo, de re-descobertas e re-criações, pode-se garantir aos educandos a possibilidade de elaborar, de forma problematizadora, suas próprias questões e tentativas de respostas. (Diretriz Curricular da Filosofia. Texto Preliminar, SEED, versão 2006, p. 11).

As Diretrizes Curriculares, ao abordarem o tema ”Mito e Filosofia” propõem

que o homem no mundo pode ser identificado como um ser que pensa e cria

explicações para a sua vida. Cria assim, o pensamento. Presentes, por conseguinte,

tanto o mito como a racionalidade; tanto os ”pensamentos” mitológicos, ou

pensamentos por conceitos, que são constituintes do processo de formação do

pensamento filosófico como o desenvolvimento de idéias, a criação de sistemas, a

invenção e elaboração de leis, códigos e práticas.

A compreensão histórica de como surgiu o pensamento racional, conceitual entre os gregos, foi decisiva no desenvolvimento da cultura e da civilização ocidental. Entender a conquista da autonomia da racionalidade (Logos) diante do mito marca o advento de uma etapa fundamental na história do pensamento e do desenvolvimento de todas as concepções científicas produzidas ao longo da história humana. (Diretriz Curricular da Filosofia. Texto Preliminar, SEED, versão 2006, p. 11).

A definição da forma pela qual se deu o conhecimento permite entender em

que condições se estabeleceram as relações entre pensamento mítico e

pensamento racional. Foi a elucidação de questões fundamentais para a

compreensão das linhas de força que dominam todas as nossas tradições culturais.

Entre as questões mais importantes, ainda são trabalhadas as questões

éticas e o conflito, conforme expresso por Bornheim:

A ética é o estudo dos fundamentos da ação humana. Um dos grandes problemas enfrentados pela ética é o da relação entre o sujeito e a norma. Essa relação é eminentemente tensa e conflituosa, uma vez que todo o estabelecimento de uma norma implica no cerceamento da liberdade “e, que compete à tessitura das forças

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sociais convencionarem entre ambas alguma forma de equilíbrio; ou então, por vezes, reconhecer que o equilíbrio se faz difícil e mesmo impossível”. (BORNHEIM, 1997, p. 247).

Enquanto conteúdo estruturante no espaço escolar, a ética pode contribuir

para examinar a ação individual ou coletiva. A perspectiva é filosófica. Portanto, não

se trata de ensinar valores específicos, mas de mostrar que o agir fundamentado

propicia conseqüência, melhores e mais racionais que o agir sem razões ou

justificativas.

Ao propor o ensino da ética, a Diretriz Curricular do Ensino Médio quer

chamar a atenção para os novos desafios da reflexão ética na vida moderna.

Modernamente, há que enfrentar as contradições do projeto de construção das

sociedades livres e democráticas e confrontá-lo com o crescimento dos

fundamentalismos religiosos e com o pragmatismo que pretende impor a

reordenação dos espaços privados e públicos.

Outro conteúdo estruturante que permeia o currículo é o de Filosofia e

Filosofia Política. Analisa como os regimes democráticos são exceções no espaço e

no tempo, embora a modernidade tenha trazido conquistas fundamentais como a

valorização da subjetividade e a liberdade individual. Tais conquistas não foram

suficientes para viabilizar a democracia nas sociedades modernas. Há que admitir

que hoje se vive uma tal crise de representação política, que o atual modelo das

chamadas Repúblicas Democráticas Liberais é posto em questão. “Vivemos uma era

onde os direitos humanos e políticos conquistados a partir do século XVIII, não

garantem os direitos sociais mais elementares para a maioria das pessoas”. (Diretriz

Curricular de Filosofia. Texto Preliminar Versão 2006, p. 13).

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No Ensino Médio, os conteúdos de Filosofia Política têm o propósito de

discutir as relações de poder e compreender os mecanismos, as estruturas e a

legitimação dos diversos sistemas políticos.

Segundo as Diretrizes Curriculares do Ensino Médio, a opção por esse

conteúdo visa a problematizar conceitos, como os de cidadania, democracia,

soberania, e justiça dentre outros, de modo que se atenda o dispositivo da LDB,

segundo o qual o estudante deve preparar-se para a ação política efetiva.

Considerado que, na contemporaneidade, a estética conduz para além do

império das técnicas, das máquinas e da arte, império ligado à produção comercial,

ou ainda, conduz do belo como conceito acessível para poucos, enquanto espaço de

reflexão, pensamento, representação e contemplação do mundo aquele conteúdo da

disciplina Filosofia Política visa a isto: possibilitar que os estudantes compreendam a

apreensão da realidade pela sensibilidade, tomando consciência que o

conhecimento não é apenas resultado da atividade intelectual, mas também faz

parte o imaginário da intuição e da fruição. Então se trata de contribuir para a

constituição de sujeitos “críticos e criativos”.

Por seu lado, a Filosofia da Ciência é o estudo crítico dos princípios,

hipóteses e resultados das diversas ciências. O propósito é refletir de modo crítico o

conhecimento científico, para conhecer e analisar todo o processo de construção da

ciência dos pontos de vista lógico, lingüístico, sociológico, interdisciplinar, político,

filosófico e histórico.

A pesquisa aplicada, na presente cultura, no seu universo empirista e

pragmatista, tem como fruto a Ciência e a Tecnologia. Frutos da cultura de nosso

tempo é necessário entendê-las, o que salienta mais uma vez a importância da

Filosofia da Ciência enquanto objeto de estudo.

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Necessário ressaltar, também, que o conhecimento científico e provisório,

jamais acabado ou definitivo e sempre tributário, porém, de um pano ideológico,

religioso, econômico, político e histórico. O momento é de triunfo das ciências, com

temas em destaque como genoma, transgênicos, clonagem etc. Tais temas já

fazem parte do cotidiano dos meios de comunicação, apresentando-se como formas

até cristalizadas e definitivas; isso faz parecer que todos fazem parte de uma

civilização que elabora, sob medida, as condições ideais da existência numa

perspectiva técno-científica. Mas a Filosofia da Ciência serve como ferramenta

capaz de questionar tal visão. Este conteúdo estruturante do Ensino Médio, com seu

caráter problematizador do método, ainda deve deixar evidente que a ciência é

movida pela curiosidade e pelo desejo, de modo que seja passível de crítica tanto

esses impulsos básicos como as próprias produções deles resultantes.

Na Idade Moderna, portanto, a teoria do conhecimento, ocupa de forma

sistemática, com as questões sobre a origem, a essência a certeza do conhecimento

humano, como consta:

A teoria do conhecimento aborda basicamente as questões abaixo: quanto ao critério da verdade: o que permite reconhecer o verdadeiro?; Quanto à possibilidade do conhecimento: pode o sujeito apreender o objeto? Quanto ao âmbito do conhecimento: abrange a totalidade do real ou se restringe ao sujeito que conhece: quanto à origem do conhecimento: qual é a fonte do conhecimento? (Diretriz Curricular de Filosofia. Texto Preliminar, SEED, versão 2006, p. 12).

O estudante, pois, ao ter contato com os diversos questionamentos, depara-

se com uma realidade que o impressiona, exerce a atividade reflexiva e volta à

realidade que o cerca para apresentar respostas e caminhos.

Na perspectiva dos conteúdos para o Ensino Médio, evidenciam-se os limites

do conhecimento. A partir de tal evidência, o educando pode perceber suas

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elaborações (representações) como históricas e temporais e, só assim, dispor-se a

buscar novas soluções relativas ao seu tempo.

3.6. FUNDAMENTOS TEÓRICOS DAS DIRETRIZES CURRICULARES.

Para as Diretrizes Curriculares, por nada indiferentes à atual polêmica,

mundial e brasileira, acerca dos valores éticos, políticos, estéticos e epistemológicos,

a Filosofia tem um espaço a ocupar e uma rica e singular contribuição a oferecer.

Visto atuarem os processos filosóficos basicamente em volta de problemas e

mesmo de conceitos gerados através da história da Filosofia, sabe-se que são

geradas discussões promissoras e criativas quando são processos devidamente

trabalhados. Discussões válidas podem frutificar em ação e transformação.

A Filosofia no Ensino Médio, destacando a formação pluridimensional (no

sentido empregado por Herbert Marcuse em Eros e a civilização) e democrática

plena, oferece ao estudante a oportunidade única de compreender a complexidade

do mundo contemporâneo a partir de múltiplas particularidades e especializações.

Apresentando-se ao mundo, empiricamente fragmentado, o estudante não pode

prescindir de um saber filosófico que se processe por questionamentos, conceitos e

categorias e pensamento que busquem articular a totalidade espaço-temporal e

sócio-histórica.

Nas palavras de Ribeiro, a Matriz Curricular do Ensino Médio é considerada

nas suas possibilidades de viabilizar interfaces da Filosofia com as disciplinas para

compreender o mundo da linguagem, da literatura, da história das Ciências e da

arte:

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[...] essas discussões, nascendo da política, da cultura ou do comportamento, [problemas] não podem dispensar conteúdos filosóficos nem se pulverizar: gosto da idéia de ciclos de filmes, que dialoguem entre si, falando, por exemplo, na condição social dos personagens, no amor que vivem, na vinda do imigrante, na luta contra a opressão. Há muito espaço para pensar e, portanto, para a Filosofia. (RIBEIRO, Diretriz curricular de Filosofia para o Ensino Médio. P.14. 2005).

Ao tratarem do Ensino de Filosofia, as Diretrizes Curriculares retomam a

clássica questão a respeito da cisão entre Filosofia e filosofar: ensina-se Filosofia ou

se ensina a filosofar? As Diretrizes citam Kant, posto perante este impasse.

Entretanto, não é possível separar a Filosofia do filosofar. Kant desejou afirmar, ao

dizer que se ensina filosofar, afirmar a autonomia da razão filosofante diante da

própria Filosofia. Não é possível conhecer o conteúdo da Filosofia sem filosofar. E

assim o será para Hegel, malgrado seu idealismo: a Filosofia constitui seu conteúdo

na medida em que reflete sobre ele.

Esse, portanto é o sentido da frase em Kant. “[...] a própria prática da

Filosofia leva consigo o seu produto e não é possível fazer filosofias sem filosofar,

nem filosofar sem filosofia, porque a Filosofia não é um sistema acabado, nem o

filosofar apenas a investigação dos princípios universais propostos pelos filósofos

[...]”. (GALLO & KOHAN, 2000, p. 184).

As Diretrizes Curriculares para o Ensino Médio afirmam pautar sua construção

por uma tal perspectiva. Entende que não é possível filosofar sem Filosofia, nem

estudar Filosofia sem filosofar. As aulas de Filosofia são espaços de estudo, da

Filosofia e do filosofar.

O filosofar se apresenta em relação conteúdo indissolúvel ao filosófico, mas

também se torna a oportunidade de o educando formar seu próprio estilo de pensar.

As aulas de Filosofia também são o espaço de criação de conceitos. No que tange a

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esse caráter de criação de conceitos, é válida a contribuição de Deleuze e Guattari,

aqui transcrita e que requer comentários:

Os filósofos não se ocuparam o bastante com a natureza do conceito como realidade filosófica. Eles preferiram considerá-lo como um conhecimento ou uma representação de dados, que se explicam por faculdades capazes (abstração ou generalização) ou de utilizá-los (o juízo). Mas o conceito não é dado, é criado, está por criar; não é formado, ele próprio se põe em si mesmo, autoposição. (Hegel). [...] Os pós-kantianos giravam em torno de uma enciclopédia universal do conceito, que remeteria sua criação a uma pura subjetividade, em lugar de propor uma tarefa mais modesta, uma pedagogia do conceito, que deveria analisar as condições de criação como fatores de momentos que permanecem singulares. Se as três idades do conceito são a enciclopédia, a pedagogia e a formação profissional comercial, só a segunda pode nos impedir de cair, dos picos do primeiro, no desastre absoluto do terceiro, desastre absoluto para o pensamento, quaisquer que sejam, bem entendidos, os benefícios sociais do ponto de vista do capitalismo universal. (DELEUZE & GUATTARI, 1992, p. 20).

A contribuição desses teóricos sobre a formação do profissional do conceito,

compara as três idades dos conceitos: a 1ª, a da enciclopédia, a 2ª, a da Pedagogia,

e a 3ª, a da formação comercial do conceito dentro do Ensino de Filosofia.

Em relação à primeira idade, dá o tratamento “filosófico específico” ao

conceito citando a idéia hegeliana das figuras de sua criação e dos momentos de

sua autoposição, e concebendo a criação do conceito, numa perspectiva histórica.

Segundo o pensamento de Hegel, o conceito não tem nada que ver com a idéia

geral e abstrata, nem tampouco com uma Sabedoria criada, que não dependeria da

própria Filosofia.

Para Deleuze e Guattari, os pós-kantianos, mesmo se considerando a

perspectiva histórica, que implica na criação e na autoposição do conceito, estão em

busca da construção de uma enciclopédia de conceitos universais, em busca de

perfeição, inatingível e distante dos planos de imanência da história da maioria dos

seres humanos.

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A segunda idade do conceito é a pedagógica. Sua característica é a

simplicidade porque aproxima a Filosofia de sua vocação original, a de criar

conceitos. Ela toma em conta as condições de sua criação como fatores de

momentos que permanecem singulares e não tem o objetivo de compor uma

enciclopédia universal. Não se trata, evidentemente, de uma defesa apolítica da

singularidade.

A terceira idade é entendida como o fundo do poço da vergonha, o que

significa a morte do pensamento em prol da sua rendição aos interesses do

capitalismo universal e de seu caráter imediatista. Os conceitos, simples

instrumentos dos prazeres do mercado, são simulacros e jogos de linguagem,

desprovidos de crítica e de criação e das potencialidades de transformações. As

Diretrizes destacam a segunda idade:

Em oposição à dimensão enciclopédica e comercial do conceito, esta Diretriz propõe a dimensão pedagógica do conceito. A Filosofia na escola significa o espaço de experiência filosófica, espaço de criação e provocação do pensamento original, da busca, da compreensão, da imaginação, da investigação e da criação de conceitos. (Diretriz Curricular de Filosofia. Texto Preliminar, SEED, versão 2006, p. 16).

Certamente as dimensões enciclopédica e comercial do conceito são de

rejeitar, e importa manter o Ensino de Filosofia como instigação ao pensamento

construtivo dos adolescentes:

[...] experiência eminentemente pessoal e subjetivada, mas que precisa ser suscitada, alimentada, sustentada, provocada, instigada. Eis aí o desafio didático com que nos deparamos. (SEVERINO, 2004, p. 108).

Pode-se voltar aos conteúdos filosóficos, trabalhados de formas diversificadas

nos currículos escolares, não excluído o recorte:

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[...] em geral, o currículo e/ou programação de aulas da disciplina de Filosofia do Ensino Médio pautam-se em recortes efetuados na história da Filosofia, limitando-se no mais das vezes em apresentar aspectos centrais do pensamento de alguns filósofos considerados mais importantes na linha do tempo ou sistemas filosóficos mais estudados. Ou simplesmente fixam temas filosóficos de natureza diversa, sem preocupação com coerência ou estruturação lógica dos mesmos, o que torna possível trabalhar com Ética em determinado momento, com Política em outro, depois com noções de Epistemologia e assim por diante. Ou ainda, partem de temáticas extraídas do cotidiano do aluno sem estabelecer qualquer articulação com os conteúdos filosóficos propriamente ditos [...]. (HORN, 2002, p. 4/5).

O ensino de Filosofia pelas Diretrizes Curriculares adota os conteúdos

estruturantes, e busca o significado dessa disciplina para os sujeitos do Ensino

Médio. Os conteúdos estruturantes organizam o currículo de Filosofia do Ensino

Médio, porém não esgotam as possibilidades do conhecer filosófico. Para as

Diretrizes, os recortes curriculares nos conteúdos estruturantes devem ser

trabalhados na perspectiva de analisar os problemas com significação histórico e

social para os estudantes. É proposto que sejam abordados e analisados com o

auxílio dos textos filosóficos, subsídios para que os estudantes possam pensar o

problema, pesquisar, estabelecer relações e criar conceitos. E ressalta que não se

trata de propor apenas uma leitura dos textos filosóficos, assumidos como fórmulas

antigas a impedir a atitude filosófica:

‘Ir ao texto filosófico ou à história da Filosofia não significa trabalhar numa perspectiva em que esses conteúdos passem a ser a única preocupação da aula de Filosofia. Eles são importantes na medida em que atualizam o problema filosófico a ser tratado com os estudantes’. (Diretriz Curricular. Texto Preliminar, SEED, versão 2006, p. 17).

Com efeito, a característica filosófica própria e peculiar, como tal, dissolve as

interpretações já cristalizadas, não admite novas cristalizações e abre possibilidades

de novas representações e de soluções inusitadas para problemas novos.

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No trabalho com o texto, a atividade filosófica tem o intuito de consolidar as

estruturas lógicas e argumentativas, analisando criteriosamente os enunciados e

estabelecendo o justo encadeamento de idéias na superação do caráter

fragmentário do conhecimento. O texto não deve ser um fim em si mesmo. Por isso

o professor terá o domínio da sua leitura, descartando o formalismo e o tecnicismo e

captando o contexto histórico, social e político, tanto da produção, como da leitura

do mesmo texto.

O professor de Filosofia do Ensino Médio, por seu lado, deve conseguir

espaços para a problematização compartilhada com estudantes a fim de que

possam articular os problemas da vida atual com as respostas e formulações da

História da Filosofia e com a elaboração de conceitos.

(...) Filosofia pretende, portanto, provocar o despertar da consciência de ensinar a pensar filosoficamente, isto é, ensinar a exercer a crítica radical (isto é, que chega às raízes), ou ensinar a pensar do ponto de vista da totalidade, o que é equivalente, pois é na totalidade que as coisas mergulham suas raízes. Pensar, ou aprender a parte na perspectiva do todo, e o todo na perspectiva da parte. (CORBISIER, 1986, p. 86).

O trabalho realizado pelo professor, na sala de aula, assegura ao estudante a

experiência do que é específico da atividade filosófica. Propõe problematizações,

leituras filosóficas, análise de textos, debates, pesquisas, sistematizações e

elaboração de conceitos. O professor que ensina a pensar filosoficamente ajuda a

organizar perguntas em torno a um problema filosófico, a ler e escrever

filosoficamente, a investigar e dialogar filosoficamente, a avaliar filosoficamente.

Juntos professor e estudante criam saídas filosóficas para o problema investigado.

Todo ensino se dá na prática e sem produção de fórmulas. (ASPIS, 2004, p. 310).

Cabe aos docentes do Paraná a responsabilidade por uma análise crítica

frente à Proposta para a Filosofia no Ensino Médio. Percebendo que é insuficiente

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preocupar-se apenas com a transversalidade no currículo escolar, apenas com a

abordagem pedagógica, se sentem chamados a preocupar-se com a inserção da

Filosofia como disciplina pertencente à Base Nacional Comum e à Matriz Curricular

do Paraná.

No transcorrer da pesquisa para esta Dissertação, surge uma nova lei, a de

nº. 15228, de 25/07/2006, publicada no Diário Oficial nº. 7276, de 26/07/2006. A

súmula diz: institui as Disciplinas de Filosofia e de Sociologia como disciplinas

obrigatórias na Grade Curricular do Ensino Médio do Estado do Paraná, conforme

especificado em seus artigos 1º, 2º, 3º e 4º nos incisos 1, 2 e 3, completando com os

artigos 5º e 6º, da Base Nacional Comum.

Esta lei (nº. 15228) se constituiu como avanço, no Estado do Paraná, em

termos de lutas históricas e de políticas públicas.

Após estudos sobre a implementação e implantação da disciplina de filosofia

nas Diretrizes Curriculares do Paraná, percebe-se que houve alguns avanços por

parte dos diversos órgãos já citados. Porém, os textos atinentes ainda não

contemplam um posicionamento historicamente crítico, uma vez que abordam mais

o aspecto pedagógico do que o filosófico.

Portanto, delimitar a Filosofia apenas pelos seus conteúdos estruturantes é

destituí-la de sua relevância quanto a seu aspecto filosófico, aquele que propicia o

pensar reflexivo sobre a realidade numa perspectiva crítica enquanto Filosofia da

práxis.

Nota-se que a Proposta de Filosofia da SEED contém aspectos ideológicos

toma o conceito ideologia pelo sentido arbitrário, no que tange ao conteúdo

estruturante da proposta; considerando-se que o papel do filosofar, se deve abordar

as questões filosóficas do ensino de Filosofia. No entanto, a Proposta persiste na

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abordagem mais pedagógica, apesar de insistir no discurso de não ser contrária ao

trabalho com textos filosóficos.

A Filosofia da Práxis, em Marx, propõe a transformação do homem,

diferentemente da concepção Idealista na qual o homem é apresentado como uma

matéria passiva deixando-se modelar por outros homens. A atividade é reduzida a

uma atividade pedagógica que exerce influência dos educadores sobre os

educandos.

Para Marx, o caminho da transformação da sociedade só ocorrerá pela

prática revolucionária assim resumida: não só os homens são produtos das

circunstâncias, estas são também igualmente produtos seus, sendo o homem

condicionado ao meio e tendo relação ativa com ele. Os educadores devem ser

educados, o que significa afirmar que a sociedade não pode ser dividida em duas

partes, classe dominante e classe dominada. As circunstâncias que modificam o

homem são por ele modificadas. A afirmativa da revolução fica validada quando se

trata de que a práxis produtiva pode ser revertida por uma práxis criadora, que

conscientiza o sujeito de sua situação de alienado.

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CAPÍTULO IV

4. AS IDEOLOGIAS E REPRESENTAÇÕES A RESPEITO DA DISCIPLINA FILOSOFIA: AS FALAS DOS SUJEITOS PESQUISADOS.

4.1. A BUSCA DE RESPOSTAS, E OS SUJEITOS DIANTE DA DISCIPLINA FILOSOFIA NO CURRÍCULO ESCOLAR.

Este capítulo tem como objetivo articular os pressupostos teóricos da

pesquisa com a prática, verificando a existência das contradições a respeito da

Filosofia, disciplina de Filosofia no currículo escolar. Pretende-se identificar o que

pensam e dizem e porque pensam e dizem sobre esta disciplina em se tratando do

contexto histórico de Ponta Grossa-PR especificamente. A pesquisa de campo irá

permitir verificar as ideologias e as representações dos sujeitos sobre sua escola,

assim como, compreender as muitas resistências por parte de alguns sobre a

disciplina de Filosofia e de sua importância enquanto seu caráter especifico do

filosofar como meio de libertação do sujeito alienado.

Procurando respostas possíveis a este questionamento, a pesquisa partiu de

uma investigação exploratória, de cunho qualitativo, e fez análises com raízes no

materialismo dialético. Como Malagodi afirma, não há o propósito de criar uma

metafísica da matéria, nem “criar a Filosofia do marxismo” (Malagodi, 1987, p. 78). O

que se pretende buscar, envolvendo o maior número de professores nesse projeto, é

a revisão crítica da tradição filosófica clássica. Atitude filosófica crítica se faz

necessária, e os esforços de Marx bem podem orientar para aproveitamento dos

conhecimentos criados pelas novas gerações (1987 p. 78).

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A importância de tal investigação não está apenas na observação dos fatos;

está igualmente na essência, ou seja, nos condicionantes históricos e sociais dos

fatos observados, bem como na demanda de soluções dos problemas detectados.

Foram escolhidas algumas escolas da Rede Pública Estadual em Ponta

Grossa, que têm no seu quadro curricular a disciplina de Filosofia, para a verificação

dos enfoques que estão sendo adotados para a mesma disciplina nas classes de

ensino médio.

Para a coleta de dados foram utilizados questionários. Os sujeitos envolvidos

na pesquisa foram: um professor por disciplina, de cada escola selecionada, dois

alunos por classe, indicados pelos professores, bem como a Equipe de Ensino da

Escola.

Para esta análise foi delineada a pesquisa de campo que possibilitará verificar

a concepção e a visão sobre a disciplina Filosofia pelos sujeitos da pesquisa nas

escolas que a adotam em seu currículo, enquanto parte diversificada que passa a ter

inserção na Base Nacional Comum da Matriz Curricular da SEED.

Dos dados obtidos foram selecionadas algumas respostas, para verificar

sobre a concepção da disciplina de Filosofia na escola e a visão a respeito de sua

inserção no currículo articulando-as com os pressupostos teórico-metodológicos da

pesquisa, que delinearam este trabalho monográfico. Buscavam-se as possíveis

respostas aos problemas relacionados àquelas ideologias arbitrárias que influenciam

nas representações dos sujeitos diante da realidade a eles apresentada.Tanto o

sujeito como o objeto do conhecimento se acham relacionados neste processo de

construção do real. Diante a estas questões, delinear proposta para uma educação

que permita emancipar o sujeito, assim como colocar a Filosofia não como um

conhecimento de alto ou máximo valor, porém no sentido do que lhe é essencial, e

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que é a sua peculiaridade o filosofar. Desse modo, pode a Filosofia contribuir com a

autonomia do sujeito, cidadão de direito e de fato; ela se justifica enquanto a

Filosofia da práxis em Marx, uma Filosofia dialética voltada para um “saber” mais

consciente, onde não existem verdades prontas e acabadas. Os conhecimentos são

passíveis de contradições, ultrapassando por isso os conhecimentos da metafísica

(além do físico) da ciência (conhecimento científico). O conhecimento não traz uma

verdade absoluta, e o que se propõe neste estudo são as possíveis conclusões, e

este é o pressuposto da dialética. Numa visão dialética, não só é possível ao sujeito

ter contato com a práxis produtiva do trabalho, mas também é possível participar

com sua práxis transformadora, perante a realidade em que vivem os diferentes

grupos. E são os grupos em seu trabalho, como no processo de educação na

escola, onde é indispensável ter o professor como mediador das práticas educativas.

Neste sentido se propõe um fórum aberto de estudos em Ponta Grossa-PR,

para melhor conhecimento do valor da disciplina na formação do indivíduo, na

formação política para a compreensão e exercício de sua cidadania contribuindo

para a transformação da sociedade.

4.2. RESPOSTAS DOS PROFESSORES AO QUESTIONÁRIO E A ANÁLISE DA PESQUISADORA

Dos professores pesquisados sobre implantar ou não a Filosofia no currículo

escolar, a maioria se posicionou favorável à implantação. Entre as respostas obtidas,

optou-se pela seleção das três que deram uma posição delineadora para o resumo

da questão proposta em seu conjunto. A observação de cada conteúdo registrado

sobre a questão considera o valor da disciplina, sendo que alguns professores,

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dentre os que ressaltaram a necessidade de se valorizar a Filosofia no currículo

escolar, insistiram na presença de profissionais capacitados, isto é, imbuídos de bom

domínio dos conteúdos e aptos, portanto, a valorizar a sua inserção no ambiente do

ensino médio.

Na questão sobre a opinião dos professores acerca da Filosofia e da sua

inserção no currículo escolar, as respostas, de modo geral, e a exemplo dos

Professores “A, B, C”, apontam que:

“É necessário, pois, o aluno ter conhecimento da Filosofia desde o seu início, e irá perceber que esse conhecimento faz parte da nossa vida”. (Professor “A”)

Tratando da importância da Filosofia no ambiente de ensino e aprendizagem,

Aranha e Martins (1992, p. 49) destacam que a disciplina se propõe um tipo de

busca, com todo o rigor, da origem dos problemas, uma busca das relações com os

muitos aspectos da vida humana, numa abordagem globalizante. Sobre essa

questão, Chauí (2002, p. 67) assinala que a Filosofia precisa começar pelo exame

da capacidade humana de conhecer, pelo entendimento do sujeito do conhecimento.

Ela observa que a teoria do conhecimento, no seu todo, realiza-se como reflexão

sobre entendimento, e se baseia num pressuposto fundamental: o de que somos

seres racionais conscientes (2002 p. 69).

“É uma disciplina que propicia o pensar melhor de si mesmo, melhorando as estruturas sociais. E, portanto, propiciando as análises e as interpretações”. (Professor “B”)

A observação, que se relaciona à maneira de como o sujeito interpreta e

reflete sobre a realidade que o cerca, propõe pensamentos como este: considerar

que a Filosofia trata de problemas de importância vital para a abordagem do

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conhecimento humano (Zanlorenzi, p. 20). Importância vital, porque envolve o papel

da experiência e da razão no conhecimento; a liberdade ou determinismo; relações

entre alma e corpo; existência da natureza de Deus; e valores em geral.

“Não há dúvida que se trata de uma disciplina importante”. Afinal, engloba questões que levam alunos e professores a refletirem sobre a cultura e o conhecimento que fazem parte de suas vidas (Professor “C”).

Como determinam as posições anteriores, a resposta considera a importância

da disciplina a partir de reflexões, a exemplo de Severino (p. 64), que, salienta que

todas as tendências filosóficas contemporâneas dedicam espaço à discussão dos

conhecimentos, respeitando o conhecimento relacionado com as ciências humanas.

Na base dessa reflexão, se encontra a referência à importância dos conhecimentos

que se direcionam ao somatório de problemas que fazem o cotidiano da

humanidade em sua trajetória de desafios e conquistas.

“A Filosofia confere ao ensino um valor formador não de acúmulo ou repasse de conteúdo, mas a formação racional do pensamento”. (Professor “D”)

De significado fundamental no ambiente de ensino, a formação crítica se

desvela na resposta com suporte no pensamento de Severino, (1994, p. 109).

Abordando René Descartes, pensador francês do Século XVII Severino, explica o

significado da Filosofia para o entendimento das verdades fundamentais em

caminho de conciliação com os novos conhecimentos da ciência sobre o homem e

sobre o mundo. Para Severino (1994, p. 175), a filosofia, hoje, trata da consciência

subjetiva com seu efetivo poder de intervenção na atividade produtiva e na atividade

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social dos homens como um fato antropológico. O autor afirma que, como tal, esse

fato precisa ser provado, pois acompanha a espécie humana desde suas origens.

“A importância da disciplina está ligada à necessidade da presença de professores habilitados para o envolvimento com o conjunto das questões que determinam seus conteúdos. É preciso material de apoio e conhecimentos profundos que permitam que os alunos que não gostam de”pensar”, possam entender o significado da disciplina para a sua formação”. (Professor “E”)

Na análise da resposta, percebe-se que o professor relaciona a importância

da Filosofia no currículo escolar com a necessidade de profissionais competentes

para absorver a profundidade das discussões que nascem no interior da disciplina.

Citando CERLETTI (2003, p. 62), Aspis (2004, p. 16) diz que “ensinar Filosofia é

antes de qualquer coisa ensinar uma atitude em face à realidade, diante de coisas, e

o professor de Filosofia tem que ser, a todo o momento, conseqüente com esta

maneira de orientar o pensamento”. Portanto, para Aspis, o professor de Filosofia

deve ser um filósofo, porque o professor de filosofia é um herói às avessas, ou seja,

ele cria problemas e orienta suas soluções.

Outra questão proposta na pesquisa se refere às dificuldades que se impõem

no cotidiano da escola que impedem a inclusão da Filosofia no currículo do ensino

médio. Tal posicionamento nos reporta às idéias expressas por Marx no capitulo l°

sobre alienação. Segundo este, filosofar ocorre devido à fragilidade da consciência

humana, do próprio homem que como ser é passível de alienação. No entanto, Marx

declara ser possível estes sujeitos formarem consciência crítica para superar a

alienação e transformar as práticas sociais. Para esse entendimento, o estudo inclui,

como anteriormente, as respostas selecionadas como orientadoras para o

entendimento dessa investigação. Por exemplo:

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“A dificuldade está na alienação de professores e alunos. É um reflexo do desinteresse pela leitura” (Professor “A”).

A resposta traz o rigor da observação que não poupa professores nem

alunos, considerando que para a inclusão da disciplina na grade curricular da escola

se torna imprescindível o compromisso e o interesse das partes. Nesse aspecto,

Chaui (1991, p. 55) registra a questão da alienação a partir de reflexões sobre

autores, como Marx e Feuerbach, eles consideram que o trabalho alienado é aquele

no qual o seu produtor não pode reconhecer-se no produto de seu trabalho.

Segundo a autora, isso ocorre porque as condições desse trabalho, suas finalidades

reais e seu valor não dependem do próprio trabalhador, mas do proprietário das

condições do trabalho.

“Acho necessária a disciplina. Já tivemos Filosofia na grade curricular da escola. Alguns alunos questionam o porquê da ausência da disciplina”. (Professor “B”)

Percebe-se, na resposta, a importância dada à disciplina. Da mesma maneira,

Sátiro e Wuensch (1997, p. 17) destacam o valor da Filosofia como uma linguagem

de amor à sabedoria. Nessa consideração, as autoras indicam que a Filosofia

nasceu de um amor que busca compreender o mundo, os outros e a sim mesmo.

Para elas, a filosofia cria laços, vincula, se expressa e se comunica:

“Talvez o que dificulte a presença da disciplina na grade escolar seja o número reduzido de aulas na grade curricular e a falta de professores na área”. (Professor C)

Nessa orientação, o professor aponta o problema da ausência da Filosofia ou

o reduzido número de aulas, bem como reconhece, como outras a necessidade de

professores preparados para trabalhar com a disciplina. Ainda com relação à

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problemática do ensino de Filosofia, Gelamo (2004, p. 71) destaca que as

preocupações mais sérias surgiram de experiências educadoras em cursos de

graduação, tanto de licenciatura quanto de bacharelado. O autor assinala que,

segundo Pagni (2004), o professor de Filosofia deveria refletir sobre sua formação e

ter claros os limites de seu ofício.

Na minha opinião, a dificuldade é política. Há indícios que apontam para a resistência de se colocar a Filosofia no currículo da escola. As escolhas são pessoais e carregadas de significados de poder. (Professor D)

A resposta indica que nem sempre o que se propõe como ideal está próximo

das determinações daqueles que estão no poder. Como observa também Cotrim

(1996, p. 29), o termo alienação tem seu uso corrente ligado ao filósofo alemão Karl

Marx, que registra a alienação como um processo em que as ações das pessoas

são governadas por outros. Tal alienação se revela, indiretamente na percepção do

Professor E, marcada de pessimismo ou desânimo. É uma saída “pragmática”:

Não concordo com a inclusão da filosofia na grade escolar porque as disciplinas básicas já perdem carga horária para as complementares. (Professor E)

Num cenário positivo com relação à Filosofia, porém, a resposta surge

mesmo como uma resistência para defesa das disciplinas básicas do currículo da

escola, demonstrando o caráter alienado dos professores a respeito da importância

dessa disciplina. Quanto à Filosofia no currículo escolar, as respostas, em sua

maioria, colocam como positiva a disciplina, por sua orientação e seu processo de

reflexão do sujeito. Isto porque a disciplina se apresenta como um suporte de

interdisciplinaridade.

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É essencial que a Filosofia faça parte da grade curricular do ensino fundamental e médio. A disciplina traz conteúdos que favorecem a reflexão e a ação crítica. (Professor A)

Como de acordo com outras colocações, a resposta marca o significado da

Filosofia na escola. A partir daí, pode-se considerar a reflexão de Fávero (2004, p.

31), que considera necessária a inclusão da Filosofia no currículo de ensino médio

para a consolidação dos objetivos e finalidades da educação básica.

Não considero relevante a Filosofia na escola. A disciplina reduz a carga horária das outras disciplinas, a exemplo do português e da matemática. (Professor B)

Aqui, outra vez, a pouca importância dada à Filosofia tem que ver com a

preocupação por não em se perder espaços em disciplinas consideradas chave para

o ensino. Pode-se considerar, nessa direção, o texto de Karl Jaspers, Introdução ao

pensamento filosófico, p. 138, citado na Apostila ‘Filosofia I’ (Expoente): este autor

(Jaspers, 2004, p. 7), tratando da filosofia hoje, diz que “por força de tradição, a

Filosofia é polidamente respeitada, mas no fundo, objeto de desprezo”. Karl Jaspers

considera que essa aversão está ligada ao fato de que, para alguns, a Filosofia é

demasiado complexa. Por isso, como ele assinala no texto, a opinião corrente é de

que a Filosofia nada tem a dizer e carece de qualquer utilidade prática”.

A dificuldade é a falta de professor com formação específica. Ou seja, profissionais habilitados para atender às necessidades do mercado de trabalho “. (Professor C)”.

Com relação à falta de profissionais qualificados para assumir a Filosofia,

principalmente nas escolas do ensino médio, há que se considerar o problema:

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é que não há acordo quanto à forma para se incluir a disciplina na sala de aula. Não se chega a um ponto para definir que disciplina terá a carga diminuída para abrir espaço para a Filosofia no currículo da escola. (Professor D)

Quanto a essa questão, Gontijo e Valadão (2004, p.21) ponderam que, em

nossa realidade, percebe-se que a escola é, muitas vezes, pouco ou nada

comprometida com a presença da Filosofia. Eles observam que “a presença de

várias disciplinas é, muitas vezes, natural nas escolas, mas a presença da Filosofia,

normalmente, não foge da tão propagada questão: para que estudar Filosofia? Qual

a utilidade desta disciplina na formação de alunos e alunas?”.

A partir daí, os autores assinalam a importância de saber como se dá o

encontro Filosofia e escola; qual o alcance da Filosofia; e como pensar novas formas

de presença da filosofia no âmbito do ensino (idem, p.22).

Acho necessária a disciplina na escola. A Filosofia já fez parte da nossa grade curricular. Alguns professores até questionam porque ela não está mais na grade curricular. (Professor E)

4.3. RESPOSTAS DOS “PEDAGOGOS”, COORDENADORES DOS PROGRAMAS.

Seguindo a mesma direção da pesquisa com os professores, o estudo

selecionou 20 pedagogos e registra as respostas mais abrangentes de cinco dos

pesquisados. Ocorrem as observações favoráveis à Filosofia como parte do currículo

escolar, mas revelam dificuldades quanto ao trato da disciplina e ao fato de a

disciplina constar da parte diversificada e não da Base Comum Nacional.

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Considero fundamental que haja a inserção da Filosofia à nossa realidade. Assim como as outras disciplinas do currículo, a Filosofia é significativa para formação dos alunos (Pedagogo B)

Vale citar Châtelet (1992, p. 8) que diz: “a filosofia é no fundo uma atividade

corporal e prática. É preciso que assim seja, pois a filosofia pode atingir o outro, com

sua palavra, expondo-se a si mesmo como sujeito falante, sujeito visível e, em última

análise, público”.

É importante a filosofia no currículo escolar, visto que os alunos encontram caminhos de reflexão sobre determinados assuntos. Além disso, eles podem pensar em suas vidas para um melhor conhecimento sobre o ser humano. (Pedagogo B)

A resposta ratifica a importância da filosofia como um ponto de reflexão e de

enriquecimento dos alunos. Utilizando-se das palavras do pensador alemão Karl

Jaspers, pode-se marcar a filosofia como um via pensamento e reflexão. Ele define a

Filosofia antes de tudo como a atividade viva do pensamento e a reflexão sobre

esse pensamento. Assim, o pensador assinala que “é uma investigação racional

direcionada não só para a determinação dos princípios gerais da realidade, mas

também para a análise crítica do próprio instrumento – da razão e das idéias,

concepção e valores elaborados pelo homem e pelo exercício da razão” (1998 p.

181).

Necessária por ser uma disciplina que busca a sabedoria, a razão. (Pedagogo D)

É importante e necessária para o cotidiano escolar. (Pedagogo E)

Também aqui se valoriza a presença da disciplina no currículo escolar. Na

resposta, pode-se considerar os modos de conhecer o mundo, a partir da

contribuição de Aranha e Martins, quando ensinam que “todo conhecimento

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manifesta-se por meio do pensamento. Os autores destacam que pensar é articular

signos, ou seja, é ligar ou unir as representações em cadeias”.

Deve constar do currículo escolar, pois envolve o ser humano em sua existência. (Pedagogo D)

Nessa contribuição, o pensamento de Chauí (2002, p. 13) destaca que o

conhecimento filosófico é um trabalho intelectual. Ela completa: “É sistemático

porque não se contenta em obter respostas para questões colocadas, mas exige

que as próprias questões sejam válidas e, em segundo lugar, que as respostas

sejam verdadeiras”. Conforme Chauí, as respostas devem estar relacionadas entre

si, esclarecendo umas às outras, formando conjuntos coerentes de idéias e

significações, de modo que sejam provadas e demonstradas racionalmente.

Considero importante a disciplina no currículo, incentivando o aluno a ter uma atitude crítica para a construção de uma sociedade mais humana, justa e igualitária. Ela é

muito valiosa para o currículo. (Pedagogo E).

Traduzindo a importância da Filosofia, as respostas trazem o posicionamento

de quase todos os pedagogos entrevistados, que são favoráveis à Filosofia no

contexto escolar – currículo. Mais uma vez se percebe, como foi marcado no

pensamento de Chauí (2003, p. 21), que a Filosofia dirige nossas indagações ao

mundo que nos rodeia e esclarece as relações que mantemos com ele.

Das dificuldades no trato da disciplina, a contribuição dos pedagogos se

resumem nas respostas seguintes:

A falta de hábito de reflexão por parte dos jovens e a ausência de profissionais capacitados para a disciplina. (Pedagogo A)

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Há nas respostas o que se percebe em praticamente todas as contribuições,

ou seja, a preocupação com a falta de interesse dos jovens e a necessidade da

formação de profissionais qualificados para atuar na orientação da disciplina. O veto

ao retorno da disciplina Filosofia como disciplina obrigatória no nível médio (Governo

Fernando Henrique Cardoso, em 2001) justificava-se na precariedade da formação

de profissionais para a área. Mas, segundo educadores, uma análise mais atenta da

questão releva que nem sempre esse argumento procede, porque, por exemplo, há

no Paraná cinco cursos de Filosofia autorizados pelo Ministério da Educação (MEC),

número considerado suficiente para formar profissionais habilitados para o ensino da

Filosofia. (Texto da Secretaria de Estado da Educação, 2006)

É preciso valorizar a disciplina diante das outras áreas do conhecimento (PedagogoB).

Como uma tentativa de explicar o mundo, a Filosofia amplia o seu horizonte

nas mais diversas disciplinas, interagindo o passado com o presente. (DORNAS,

2006) Portanto, torna-se necessária a reflexão sobre a amplitude da disciplina que já

traz em seu conjunto o sentido da avaliação.

Os alunos não querem pensar, refletir e, portanto, não acham a disciplina importante. Eles se voltam somente para as notas, ou seja, passar ou reprovar. (Pedagogo C).

No âmbito do sentido da avaliação, a resposta ganha um reforço a partir desta

reflexão encontrada em Puiggrós: “nós concebemos a educação como um processo

de ensino aprendizagem, cuja função é transmitir/adquirir cultura” (1997 p. 105). A

autora considera que sustentar esses dois binômios não é tarefa fácil. Isso porque

implica combater, ao mesmo tempo, o espontaneísmo e a especulação conceitual;

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ou, mais precisamente, em repelir, a um só tempo, a supervalorização da mensagem

educadora que tem como resultado o ensino enciclopédico e o excessivo

dimensionamento da capacidade autodidática do aluno, e a conseqüência da sua

condenação à ignorância. (1997 p. 105).

Não temos muito conhecimento das dificuldades para se trabalhar com a Filosofia. (Pedagogo D).

Alguns professores não levam a sério a disciplina relegando-a a segundo plano. As dificuldades acontecem quando o docente não é apto a ministrar essa disciplina, pois não exige preparo técnico e teórico. (Pedagogo E).

Percebe-se nas respostas a presença de um profissional distante dos

compromissos de conjunto que envolve a sua participação na escola. Nessa direção,

Linhares (1997, p. 13), na apresentação do livro “Voltar a Educar” de Adriana

Puiggrós, destaca educar como “a aventura de pensar, de rememorar e projetar

ações com que vamos percebendo os caminhos para ressignificar nossos conceitos,

nossas condutas e nossas melhores utopias”.

4.4. RESPOSTAS DOS ALUNOS, E COMENTÁRIOS.

Para o registro da contribuição dos alunos a respeito da disciplina Filosofia, o

estudo contou com o suporte de 20 sujeitos. Na análise, como nas colocações

anteriores, foram selecionados cinco sujeitos, conforme a relevância das respostas.

Nesse registro, estão pontos como dificuldades em relação ao conteúdo trabalhado

na disciplina, forma da avaliação da disciplina, opinião sobre as aulas de Filosofia.

A opinião dos alunos sobre a disciplina ganha as seguintes contribuições:

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É uma disciplina muito interessante, mas difícil de ser compreendida. (Aluno A). A matéria é complicada, mas eu gosto. (Aluno B). Serve para confundir ainda mais a nossa mente. (Aluno C).

Como se apreende das respostas, o que assusta na disciplina são as atitudes

diante dos conteúdos selecionados, por parte dos professores; estes podem não

estar compreendendo a dificuldade dos temas trabalhados em sala de aula e a

necessidade de uma aproximação de linguagem ao nível de conhecimento dos

alunos do ensino médio. Ou seja, falta-lhes adequar o trato da disciplina à realidade

de conhecimento da turma. Na proposta da SEED, 2006, p. 6, há a indicação de que

a necessidade da Filosofia no ensino médio se mostra evidente, devendo ser

contemplada pelo requisito da obrigatoriedade. Portanto, o documento destaca a

necessidade da concomitante e contínua atenção dos responsáveis pelo ensino às

condições materiais e acadêmicas, de modo que a disciplina, com profissionais

formados em filosofia seja ministrada de maneira competente, enriquecedora e

mesmo prazerosa. Nesse sentido, pode-se somar outras contribuições positivas

como as que seguem:

Acho importante porque é uma disciplina do convívio social. A Filosofia demonstra a preocupação que os filósofos tinham em descobrir e explicar a razão das coisas. (Aluno D).

É ótima e deveria ter desde o primeiro ano do ensino médio.Filosofia esclarece e ajuda a desenvolver o pensamento, nos faz refletir e pensar. (Aluno E).

Por essas contribuições, há ainda o suporte da questão sobre a relação de

dificuldade do aluno com os conteúdos trabalhados em sala de aula. As respostas

têm uma relação de confronto. Isso porque alunos que, no primeiro momento,

apontam dificuldades com a disciplina, afirmar que não há dificuldades para a

compreensão da disciplina. Eles apontam que:

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Não tenho dificuldades. A disciplina é muito boa. Ensina a filosofar. (Aluno A).

Não tenho dificuldades. Apesar de ser um conteúdo muito extenso é fácil de ser assimilado. (Aluno B).

Até agora ta tudo bem. Eu consigo me identificar com os conteúdos trabalhados. (Aluno C).

Outros ratificam a sua aproximação positiva com a disciplina.

Não tenho nenhuma dificuldade com a disciplina, pois gosto de ler e tenho opinião própria diante dos fatos. (Aluno D).

É uma matéria muito agradável de se estudar. (Aluno E).

Diante dessas respostas, há que se refletir sobre a necessidade de avaliar

constantemente a relação do aluno com a disciplina. É fundamental essa postura do

professor, para que possa refletir sobre as dificuldades de cada aluno e o porquê

dessa relação. Portanto, a decisão sobre os temas trabalhos em sala de aula deve

ter relação de proximidade com o seu cotidiano. Severino (1994, p. 205) diz que “os

temas a serem trabalhos devem levar em conta a história, a sociedade, o trabalho, a

produção, a organização econômica, a revolução, o Estado, o poder e a política”.

Quanto à avaliação da disciplina, os alunos responderam:

Com discussões em sala de aula e apresentações. (Aluno A).

É feita da seguinte forma: provas, trabalhos escritos e apresentados.(Aluno B).

Trabalhos orais, diferentes e interessantes. (Aluno C).

A avaliação é feita com questões objetivas sobre o conteúdo estudado. (Aluno D).

Avaliando o conhecimento próprio de cada aluno. É um modo de ver como o aluno aprendeu e como usa seu próprio conhecimento. (Aluno E).

Como adverte a “Proposta Curricular de Filosofia para o Ensino Médio”, da

Secretaria Estadual de Educação (1994, p. 41), a avaliação é algo complexo; em

Filosofia isso se torna ainda mais complexo. O documento registra: ”Não há como

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determinar objetivamente tal ‘habilidade’. Mesmo porque não se trata de assimilar

este ou aquele conteúdo da história da Filosofia ou do pensamento de um filosofo”.

4.5. RESPOSTAS DOS DIRETORES AO QUESTIONÁRIO E A ANÁLISE DA PESQUISADORA.

A falta de interesse dos diretores das escolas quanto à relevância da Filosofia

no âmbito do ensino médio reflete-se nas parcas respostas obtidas às perguntas

propostas. Perguntava-se sobre a visão da Direção a respeito da Filosofia se

constituir em parte do currículo escolar das dificuldades da escola em relação à

disciplina, da aceitação da disciplina pelo corpo docente e da análise sobre a

disciplina constar da parte diversificada e não da base nacional comum. Com

relação à disciplina no currículo escolar, a maioria não respondeu. As respostas

mais significativas foram:

É uma disciplina importante, pois trata da filosofia de vida do educando, ajudando-o a entender o seu comportamento e atitudes. (Diretor A). É importante a Filosofia no currículo escolar. Trata-se de uma disciplina necessária para a formação dos cidadãos autônomos. A disciplina contribui para a formação de valores. (Diretor B).

Das dificuldades encontradas com relação ao ensino da disciplina, os dois

sujeitos marcaram a sua opinião entre os cinco selecionados para a pesquisa. Eles

disseram que:

Há falta de material didático para os estudos. (Professor B).

É a questão da dificuldade de material didático para trabalhar os conteúdos da disciplina. (Professor D).

A questão sobre a aceitação da disciplina Filosofia pelo corpo docente traduz

a ausência da direção sobre a relevância da disciplina e, principalmente, a

proximidade com os professores que ministram a disciplina. Todos os selecionados

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para o estudo ficaram alheios à questão. Ou seja, não responderam, o que

demonstra a situação de alienação desses sujeitos perante tal realidade.

Na questão sobre a disciplina constar na parte diversificada e não da Base

Comum, as justificativas foram:

Deveria fazer parte da Base Comum, por ser a única disciplina direcionada ao “eu” do educando. A Filosofia ajuda todas as outras disciplinas (Professor B).

A disciplina deve permanecer na parte diversificada da grade curricular, uma vez que trabalha com a formação docente. (Professor E).

Considerando a importância da direção da escola nos direcionamentos e na

eventual defesa ou apoio a sugestões para o crescimento da qualidade do processo

ensino-aprendizagem, o registro da contribuição dos diretores para a pesquisa se

torna significativa; em consonância com o suporte da fala de professores, alunos e

pedagogos, ainda aponta uma direção para a oferta da Filosofia no currículo escolar.

Da mesma forma como nos registros anteriores, a contribuição dos Diretores

envolve a resposta a estas questões: Filosofia como parte do currículo escolar,

dificuldades encontradas na escola em relação à disciplina, o fato de a disciplina de

Filosofia constar na parte diversificada e não da Base Nacional Comum.

Tendo em vista que a maioria dos pesquisados apontou a Filosofia como uma

disciplina importante para a contribuição no conjunto das disciplinas do ensino

médio, a análise, neste ponto da pesquisa, faz uma apreciação geral da questão,

mesmo porque os Diretores não foram receptivos ao questionário. Neste aspecto, há

de se considerar que as respostas selecionadas foram dos poucos profissionais da

área que valorizam e se colocam à disposição para colaborar a fim de que se estude

a favor da disciplina no currículo escolar.

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Na questão proposta sobre Filosofia como parte do currículo escolar, as

respostas se revelam assim:

É uma disciplina importante, pois trata da filosofia de vida do educando, Ajudando o a entender melhor o se comportamento e suas atitudes diante dos outros. (Diretor A) A escola não trabalha com a filosofia na grade escolar. Por opção dos professes, foi contemplada a sociologia. Mas, eu considero importante a escola contar com o apoio dessa disciplina. (Diretor B) A filosofia deve fazer parte do currículo escolar. Isso porque é importante para formar cidadãos autônomos. A disciplina contribuiu para a formação de valores. (Diretor C)

Mesmo que alguns Diretores tenham uma concepção por demais simplificada

a respeito da abrangência e das muitas possibilidades da Filosofia, como a

possibilidade de ser caminho para a cidadania e a formação de valores, o que se

mostra uma visão geral da importância de sua oferta na escola. Diante dessa

afirmação do significado da disciplina, pode-se citar Vázquez (p. 55, 2002), que

observa que a Filosofia sempre cumpriu uma função social: desde o momento em

que contribuiu para a aceitação ou para rechaço do mundo. Ele destaca que a

Filosofia tanto pode deixar o mundo como está ou transformá-lo. Para ele, isso

explica que as classes sociais nunca foram consideradas neutras diante da atividade

filosófica.

A questão das dificuldades da escola em relação à disciplina traz a

contribuição de apenas duas respostas que se unem na mesma direção.

Falta material didático para um estudo mais profundo da questão no âmbito da escola. (Diretor A)

O que mais dificulta o entendimento da importância da disciplina na escola é a ausência de material de suporte para discussões na área. (Diretor C)

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Poderá dar-se pelo esforço dos Diretores a retirada da Filosofia do seu

ocultamento e inseri-la na parte diversificada da grade escolar? As respostas

positivas ganham suporte no pensamento de Chauí (2002, p. 13) que diz: “somente

a reflexão filosófica pode fazer com que nossa experiência cotidiana, nossas crenças

e opiniões alcancem uma visão crítica de si mesmas”.

Na parte relativa à questão sobre a inserção da Filosofia estar na parte

diversificada e não na base comum, os Diretores registram que:

Deveria fazer parte da base nacional comum por ser a única disciplina direcionada ao “eu” do educando. A disciplina ajuda todas as disciplinas. (Diretor A)

A disciplina deve permanecer na parte diversificada da grade curricular, uma

vez que não trabalhamos com a formação de docentes. (Diretor C)

Com a ausência da resposta do diretor “B”, as contribuições registradas

seguem em direções diferentes. Na experiência da carência de docentes se

encontra a base porquê de alguns profissionais da educação entenderem que a

disciplina teria deve permanecer na parte diversificada. Estes consideram que a

Filosofia invade a carga horária de outras disciplinas. Para os que optam pela

inserção na base nacional comum o que se destaca é a compreensão e a visão mais

crítica da Filosofia, ou seja, eles reconhecem a sua real contribuição para o conjunto

das disciplinas e da formação intelectual do ser humano.

Levando-se em consideração as vozes da pesquisa, as análises apontam o

significado positivo da oferta da disciplina Filosofia na escola. Não obstante uma

certa ingenuidade na compreensão dos aspectos que põem a Filosofia como um

conhecimento importante no âmbito do currículo escolar. Alguns sujeitos

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pesquisados se colocam contra a disciplina, talvez por não entenderem os valores

exigidos para visões isentas de preconceitos.

Não se pode tratar da questão da Filosofia na escola sem o entendimento das

relações que permeiam o cotidiano da escola. Desse modo, para destacar o

significado das concepções a respeito da Filosofia em professores, alunos,

pedagogos e Diretores, se deve considerar que todo processo de mudança depende

do comprometimento das partes. De fato, nada segue numa direção positiva quando

não há uma participação efetiva dos sujeitos envolvidos pela tensão entre afirmação

de valores e enfrentamento de conflitos a cada mudança.

Evidentemente, quanto ao entendimento sobre a oferta da Filosofia como

parte da matriz curricular da Base Nacional Comum, há um desacordo entre

professores e diretores, principalmente; não entenderem realmente o papel da

Filosofia na escola. Por isso, em suas respostas, não se manifestam posições firmes

de defesa de uma posição, seja pela base nacional ou pela parte diversificada.

A metodologia assumida sob a perspectiva de uma boa atitude filosófica,

alcança também uma especial atitude ante o conhecimento científico. Já não basta,

o servir à sociedade; mais ainda, se trata de ser um educador.

Apesar de um avanço considerável, ainda se percebem resistências em

relação à disciplina. Especialmente, se pode destacar a falta de comprometimento

de vários diretores que não deram resposta ao questionário. Teme-se que tal

descomprometimento possa apontar, às vezes, na direção da ironia infeliz, por sorte

não muito freqüente:

“A Filosofia é uma ciência com a qual e sem a qual o mundo permanece tal e qual”. Ou seja, a Filosofia não serve para nada. Por isso, se costuma chamar “filósofo” alguém sempre distraído, com a cabeça no mundo da Lua, pensando e dizendo coisas que ninguém entende e que são perfeitamente inúteis. (Chaui. 2002 p.10).

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Ao término da pesquisa, ficou evidente que o maior número das respostas de

professores, pedagogos, alunos e diretores sobre a importância da Filosofia, como

necessária para a formação crítica do ser humano e para sua autonomia demonstra

estarem pautadas por um posicionamento crítico; nota-se o avanço do senso

comum, a consciência filosófica. Há os que permanecem num processo de

alienação. Assim sendo, melhor se tem a demonstração da necessidade de a

disciplina de Filosofia ser adotada nas escolas do Paraná, especificamente em

Ponta Grossa-PR. Desenvolvida, de preferência, segundo a Filosofia da Práxis

assumida, historicamente, por Karl Marx.

Neste sentido é relevante que o pedagogo, se posicione de forma crítica

diante a proposta da D.C.E. para o Ensino de Filosofia, no propósito de inseri-la na

grade curricular, como disciplina que contribui para a formação humanística do

educando e da tomada de consciência deste, enquanto sujeito transformador das

relações sociais.

Aqui se constitui a necessidade de atenção aos cursos de formação de

docentes, para o Ensino de Filosofia, que contemple uma visão mais humanística e

dialética a respeito do Ensino de Filosofia, que permite realmente justificar a sua

importância como disciplina da BNC, enquanto Filosofia da práxis, que desvele as

ideologias, estas no sentido arbitrário do termo; desvelando a realidade ao

educando; e assim favorecendo o processo de exercício de cidadania e de

transformação social.

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ALGUMA SÍNTESE É POSSÍVEL...

No mundo moderno em constante movimento, as verdades tomam ares

fugazes. Torna-se difícil aproximar resultados definitivos e fechar pensamentos

sobre determinadas questões. E faz bem tomar a sério a dialética. Por isso, a

pesquisa tem um aspecto de contribuição e de sinalização para outros caminhos no

trato da presença da Filosofia na escola.

A preocupação foi a Filosofia na escola, enquanto disciplina que permite uma

passagem do senso comum à consciência filosófica, pois se pensar e agir

dialeticamente significa considerar as múltiplas determinações. Segundo Marx, esse

pensar e esse agir, no processo de tese, antítese e síntese têm relação entre si,

produzem o novo contra a verdade dos sistemas definidos e prontos.

A pesquisa se substanciou como busca por compreender as ideologias e as

representações dos sujeitos, acerca da disciplina Filosofia no currículo escolar, mais

propriamente em algumas escolas de Ponta Grossa – PR, e selecionados conforme

já apresentado.

Compreende-se ideologia e representação como categorias que interferem na

interpretação da realidade e da relação sujeito-objeto.

Partindo de tais conceituações, procura-se, por intermédio desse saber

prático, verificar o porquê do pensamento dos pesquisados, e o que analisam a

respeito do tema, contribuindo assim para melhores reflexões sobre a importância da

Filosofia como disciplina, que permita a emancipação do indivíduo, e que contribua

para uma práxis criadora conforme o exposto por Marx, que propõe tirar o sujeito da

alienação.

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Uma resposta crítica repõe sob exame os valores dos sujeitos e hoje, a força

de pressão dos postulados neoliberais, bem como das ideologias tomadas no

sentido arbitrário do termo, alienadoras e até introjetadas pelos mesmos sujeitos,

porém os efeitos podem ser revertidos por uma práxis transformadora, podendo ser

superadas as desigualdades sociais tão presentes na sociedade capitalista, em que

é garantida a validade do ter à custa da submissão.

As visões dos sujeitos sobre a inserção e implementação das disciplinas na

matriz curricular do Paraná, conforme resultado das análises dos dados empíricos,

mostraram que a maioria dos pesquisados, professores, pedagogos, alunos e

diretores, são favoráveis a que ela seja contemplada como disciplina obrigatória no

currículo escolar. Mostraram também outros impedimentos ao processo, tais como

falta de material didático, de professores habilitados na área, de conhecimento da

matéria. Alguns, porém, ainda mostram-se resistentes a Filosofia, o que demonstra

posicionamentos alienados com uma visão do senso comum a respeito da

importância da Filosofia como contribuição à reflexão e ao senso crítico frente a

realidade.

Quanto as ideologias e representações são os discursos das Políticas

Educacionais sobre História da Filosofia no Brasil e, em especial no Paraná. No

entanto houve muitos avanços nas Políticas Educacionais, nas mudanças das leis, e

a Filosofia foi contemplada como obrigatória no currículo escolar, o que se constitui

uma conquista para aqueles que se lançaram à luta. Contudo, é necessário um olhar

crítico sobre a proposta apresentada para a Filosofia no Ensino Médio pela SEED.

Considerados os conteúdos estruturantes e a vertente apenas pedagógica e pouco

comprometida com os aspectos filosóficos, considerados os limites das nuances

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críticas, ainda não se afirma a pedagogia voltada para a transformação do educando

e da formação social.

Sendo assim, é de extrema relevância entendermos o papel da Filosofia como

disciplina da Base Nacional Comum, enquanto Filosofia da práxis.

Diante do exposto, é necessário que se unam forças, por intermédio da

escola, para contribuir com uma educação progressista, que desvele a realidade.

Confirma-se a importância da Filosofia enquanto disciplina sistemática, que

facilita a ação ante o concreto e a reflexão do sujeito frente à realidade. Em suma,

permite a visão de totalidade, o que exige um educador mediador das práticas

educativas, que contribua para a transformação consciente do sujeito, frente a

realidade.

A dialética não é “um tormento de espírito”, compreendê-la significa

humanizar-se e humanizar. Tomada a história como tarefa, a Filosofia se eleva a

uma satisfação legítima, a um caminho que vai do medo à liberdade, à revolução de

quem não se submete.

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APÊNDICES

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APÊNDICE A – QUESTIONÁRIO COM OS ALUNOS

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA (UEPG)

PROGRAMA DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO

QUESTIONÁRIO

(Alunos)

1) Qual a sua opinião a respeito da disciplina de Filosofia?

2) Você encontra dificuldade em relação ao conteúdo trabalhado na disciplina?

3) De que forma é feita à avaliação na disciplina?

4) Qual a sua opinião a respeito das aulas de Filosofia?

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APÊNDICE B – QUESTIONÁRIO COM OS PROFESSORES

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA (UEPG)

PROGRAMA DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO

QUESTIONÁRIO

(Professores)

1) Qual a sua opinião enquanto professor sobre a Filosofia e sua inserção no

currículo escolar? É necessário? Justifique.

2) Quais as dificuldades encontradas para que a escola inclua no seu currículo a

disciplina de Filosofia?

3) Como docente você acha necessário que esta disciplina faça parte do

currículo da escola?

4) Na elaboração da matriz curricular foi discutido sobre a possibilidade de esta

disciplina fazer parte do currículo? Sim. Não. Justifique.

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APÊNDICE C – QUESTIONÁRIO COM OS DIRETORES

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA (UEPG)

PROGRAMA DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO

QUESTIONÁRIO

(Diretores)

1) Qual a sua visão enquanto diretor a respeito da disciplina de Filosofia

fazer parte do currículo escolar? Justifique.

2) Quais as dificuldades encontradas na escola em relação à disciplina?

3) Existe aceitação da disciplina de Filosofia pelo corpo docente?

4) Enquanto diretor como você analisa a disciplina de Filosofia constar da

parte diversificada e, não da Base Nacional Comum? Justifique.

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APÊNDICE D – QUESTIONÁRIO COM AS EQUIPES PEDAGÓGICAS

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA (UEPG)

PROGRAMA DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO

QUESTIONÁRIO

(Equipe Pedagógica)

1) Qual a sua opinião sobre a disciplina de Filosofia no currículo escolar?

2) Aponte as dificuldades em relação ao trabalho com a disciplina?

3) Qual a opinião dos professores que não ministram a disciplina, diante da

mesma fazer parte do currículo?

4) Enquanto pedagoga, como você analisa a disciplina de Filosofia constar da

parte diversificada e, não da Base Nacional Comum? Justifique.