Emprego Clínico, Uso Indevido e Abuso de Benzodiazepínicos ...
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO CUIDADOS CLÍNICOS EM
ENFERMAGEM E SAÚDE
DOUTORADO ACADÊMICO CUIDADOS CLÍNICOS EM ENFERMAGEM E
SAÚDE
ARISA NARA SALDANHA DE ALMEIDA
“A VIDA COMO ELA É”: UMA ANÁLISE EPIDEMIOLÓGICA E DISCURSIVA
DO ABUSO DE BENZODIAZEPÍNICOS ENTRE MULHERES
FORTALEZA-CEARÁ
2017
1
ARISA NARA SALDANHA DE ALMEIDA
―A VIDA COMO ELA É‖: UMA ANÁLISE EPIDEMIOLÓGICA E DISCURSIVA
DO ABUSO DE BENZODIAZEPÍNICOS ENTRE MULHERES
Tese apresentada ao Curso de Doutorado em
Cuidados Clínicos em Enfermagem e Saúde do
Programa de Pós-Graduação Cuidados
Clínicos em Enfermagem e Saúde do Centro
de Ciências da Saúde da Universidade
Estadual do Ceará, como requisito parcial para
à obtenção do título de Doutor em Cuidados
Clínicos em Enfermagem e Saúde. Área de
Concentração: Fundamentos e Práticas do
Cuidado Clínico em Enfermagem e Saúde.
Orientadora: Profa. Dra. Lia Carneiro Silveira
FORTALEZA-CEARÁ
2017
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ARISA NARA SALDANHA DE ALMEIDA
―A VIDA COMO ELA É‖: UMA ANÁLISE EPIDEMIOLÓGICA E DISCURSIVA
DO ABUSO DE BENZODIAZEPÍNICOS ENTRE MULHERES
Tese apresentada ao Curso de Doutorado em Cuidados
Clínicos em Enfermagem e Saúde do Programa de Pós-
Graduação Cuidados Clínicos em Enfermagem e Saúde
do Centro de Ciências da Saúde da Universidade
Estadual do Ceará, como requisito parcial para à
obtenção do título de Doutor em Cuidados Clínicos em
Enfermagem e Saúde. Área de Concentração:
Fundamentos e Práticas do Cuidado Clínico em
Enfermagem e Saúde
Aprovada em: 20 dezembro de 2017
BANCA EXAMINADORA
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Aos meus filhos e esposo,
Antônio Pedro, Alissa Nara e
Alexandre Barbosa.
Aos meus Pais,
Neto e Elisa.
À minha tia mãe,
Margarida.
À minha grande amiga e orientadora,
Lia Silveira.
Pessoas que, de alguma forma,
São minhas referências de vida e de
cuidado.
5
AGRADECIMENTOS
À DEUS, que me deu o dom da vida e a força necessária para a busca dos
meus sonhos.
À professora Lia Silveira pela amizade, carinho, atenção, dedicação, continua
orientação e disponibilidade na construção deste trabalho. Agradeço também
pelos momentos de escuta quando me sentia angustiada e insegura quanto ao
meu objeto de pesquisa. Pelos momentos de construção e desconstrução. Por
me indicar caminhos e tornar possível que eu os escolhesse com liberdade.
Enfim, obrigada!
Ao professor Paulo César pela amizade, carinho e atenção na orientação
desse trabalho. Foram longas orientações na abordagem quantitativa que
rendeu muito aprendizado.
Aos meus professores do doutorado pelos longos momentos de discussões e
dedicação na construção do conhecimento em enfermagem.
Aos colegas do doutorado pela amizade, companheirismo durante esses três
anos de doutorado.
Á secretaria do doutorado pela dedicação e presteza nas resoluções das
atividades.
Aos profissionais dos serviços, em especial a Dra Ana Lucia, Dra Solange Cid,
Dra Leila Memória, pela amizade, atenção, acolhida para o desenvolvimento
dessa pesquisa.
À minha banca, Profa. Rocineide Ferreira, Profa. Karla Miranda e Profa. Camila
Nayane, pela contribuição para finalização desse trabalho.
E ainda mais especialmente,
Ao Alexandre Barbosa, amor de uma vida toda, pelo apoio, companheirismo,
carinho e cumplicidade durantes minha formação.
À minha mãe, guerreira, que, ao seu jeito, soube me repassar os valores da
vida e o incentivo para eu sempre ir em frente.
À minha eterna tia Margarida, pelo amor incondicional, incentivo e dedicação.
Às minhas irmãs, Ádla, Ana Paula e Ayla, que sempre me ajudaram por
diversas vezes em minha caminhada.
6
Às minhas irmãs de coração, Mirian e Juliana, que sempre me ajudaram por
diversas vezes em minha caminhada.
Ao meu irmão de coração, Herculano, que sempre me ajudou
incondicionalmente por diversas vezes em minha caminhada.
A minha chefe, Edna Guerra, que sempre me incentivou na busca dessa
vitoria.
E aos demais que, de alguma forma, contribuíram na elaboração deste
trabalho.
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―Uma parte de mim é todo mundo:
Outra parte é ninguém: fundo sem
fundo.
Uma parte de mim é multidão:
Outra parte estranheza e solidão.
Uma parte de mim pesa, pondera:
Outra parte delira.
Uma parte de mim almoça e janta:
Outra parte se espanta.
Uma parte de mim é permanente:
Outra parte se sabe de repente.
Uma parte de mim é só vertigem:
Outra parte, linguagem.
Traduzir uma parte na outra parte
— que é uma questão de vida ou morte
—
Será arte?‖
(Ferreira Gullar. Traduzir-se.)
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RESUMO
O estudo tem como objetivo: Investigar o uso abusivo de drogas
benzodiazepínicas (BZD‘s) na rede publica de saúde, considerando os
aspectos epidemiológicos e discursivos deste fenômeno. Trata-se de um
estudo transversal com abordagem quanti-qualitativa, realizado em Unidades
Básicas de Saúde e Centros de Atenção Psicossocial do município de
Fortaleza-Ceará. A pesquisa foi realizada em duas etapas, sendo a primeira
destinada a padrão do uso abusivo de Benzodiazepínicos entre mulheres
(n=520). A segunda etapa consistiu na análise dos discursos das mulheres em
situação de uso abusivo de BZD‘s. A análise quantitativa foi desenvolvida no
SPSS versão 20.0 licença número 10101131007, onde foram calculadas as
medidas estatísticas descritivas, médias e desvio padrão. A análise qualitativa
foi realizada utilizando a Análise de Discurso de Michel Pechêux. A pesquisa foi
aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do
Ceará com parecer número 690.266. As mulheres em uso abusivo do
benzodiazepínico caracterizam-se média de idade de 53,82 anos, a maioria
sem companheiro (60,3%), filhos (86,5%), baixa escolaridade (59,8%), religião
(94,8%) e não trabalhava (55,6%). O padrão de uso apresentou o diazepam
como o fármaco mais usado pelas mulheres com baixa escolaridade
(p<0,0001) e baixa renda familiar (p=0,007). Quando o motivo do uso foi
alguma perda (91,4%; ρ=0,028) ou tristeza (92,9%; ρ=0,041), a maioria das
mulheres usa o BZD por mais de dois anos. Identificamos a predominância de
três formações discursivas, a saber: Formação Discursiva Biomédica,
Formação Discursiva Religiosa e A Vida como ela é: pontos de ruptura. A
primeira formação representa os discursos voltados para perspectiva
farmacológica do uso, trazendo os motivos de uso, tipos de BZD utilizados e
conseqüências clínicas do uso abusivo. A segunda formação está relacionada
ao apelo religioso, a fé em Deus, que diante da angústia do ato de existir, a
religião comparece para tamponar o sujeito. Por fim, finalizamos com as
rupturas dos discursos, onde surgem algo que, apesar de silenciado, insiste em
se revelar. Encontramos uma metáfora que dá a tônica dessa formação
discursiva: o sujeito se anuncia como alguém ―perturbada‖, significante que faz
série com outros significantes como ―alterada‖, ―agitada‖, aquela que ―dá
9
ataque‖. O uso abusivo caracteriza-se pelo tempo de uso excessivamente
prolongado e pelas queixas/motivos que não deveriam ter este tipo de fármaco
como medicação de escolha. Percebe-se a necessidade de pensar estratégias
de abordagem das demandas desse público específico que possam ir além da
medicalização das queixas relacionadas aos eventos da vida cotidiana.
Palavras-chave: Saúde Mental. Saúde da Mulher. Psicotrópicos. Receptores
de GABA-A. Estudos Transversais. Farmacoepidemiologia.
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ABSTRACT
The aim of the present study is to investigate the abusive use of
benzodiazepine drugs (BZD's) in the public health network, considering
the epidemiological and discursive aspects of this phenomenon. This is
a cross-sectional study with quantitative-qualitative methods, carried
out in Basic Health Units and Psychosocial Care Centers of the city of
Fortaleza - Ceará. The research was performed in two steps. The first
one focused on the pattern of abusive use of benzodiazepines among
women (n = 520). The second consisted in analysing the discourses of
women in abusive situations of BZD's. The quantitative analysis was
developed in SPSS software, version 20.0, license number 10101131007,
in which the descriptive statistical measures, means and standard
deviations were calculated. The qualitative analysis was made using
Michel Pechêux's Discourse Analysis. The research was approved by the
Research Ethics Committee of the State University of Ceará under
number 690266. Women in abusive use of benzodiazepine are
characterized by a mean age of 53,82 years old, most of them single
(60,3%), mother (86,5%), low education level (59,8%), religious
(94,8%) and not working (55,6%). The usage pattern presented diazepam
as the most used drug by women with low education (p <0.0001) and low
family income (p = 0.007). When the reason for the use was some kind
of loss (91,4%, ρ = 0.028) or sadness (92,9%, ρ = 0.041), most women
used the BZD for more than two years. It was identified a predominance
of three discursive formations: Biomedical Discursive Formation;
Religious Discursive Formation; and Life As It Is - rupture points.
The first formation represents the discourse focused on the
pharmacological perspective and brings the reasons for using, the
types of BZD and the clinical consequences of abusive use. The second
formation is connected to the religious appeal, the faith in God,
which facing the anguish of the act of existing, buffers the subject.
Lastly, we end up with a disruption of the discourses, where appears
something that, although muted, insists on revealing itself. We found
a metaphor that gives the emphasis on this discursive formation: the
11
subject is announced as someone that is "disturbed", a signifier that
makes series with other signifiers in sense of "alteration",
"agitation" and "attacking". The abusive use is characterized by
extended time, such as by complaints and reasons that do not necessary
justify choosing this type of drug. It is noticed the need to think
about strategies to approach the demands of this specific public in a
way that could lead beyond the medicalization of the complaints
related to the events of daily life.
Keywords: Mental Health. Women's Health. Psychotropics. Receptors of
GABA-A. Transversal Studies. Pharmacoepidemiology.
12
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 –
Tabela 2 –
Tabela 3 –
Tabela 4 –
Tabela 5 –
Tabela 6 –
Distribuição do número de mulheres em uso abusivo de
benzodiazepínicos, segundo as variáveis socioeconômicas e
demográficas. Fortaleza, 2015-2016.........................................
Distribuição do número de mulheres segundo os aspectos
do padrão de uso abusivo de benzodiazepínicos. Fortaleza-
CE, Brasil, 2015-2016...................................................................
Distribuição do número de mulheres segundo
queixas/motivos de uso dos benzodiazepínicos e as variáveis
socioeconômicas. Fortaleza-CE, Brasil, 2015-2016................
Distribuição do número de mulheres segundo o tipo de BZD
e as variáveis queixas/motivos e tempo do uso. Fortaleza-CE,
Brasil, 2015-2016...........................................................................
Distribuição do número de mulheres segundo o tempo de
uso do BZD e as variáveis renda e queixas/motivos do uso.
Fortaleza-CE, Brasil, 2015-2016.................................................
Distribuição do número de mulheres segundo a tentativa de
interrupção do uso de benzodiazepínicos e as variáveis sócio
clínicas. Fortaleza-CE, Brasil, 2015-2017.................................
42
46
48
50
54
57
13
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
BZD Benzodiazepínico
RENAME Relação Nacional de Medicamentos Essenciais
SNGPC Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados
APS Atenção Primária em Saúde
ISRS‘s Inibidores Seletivos da Recaptação de Serotonina
14
SUMÁRIO
1
2
2.1
2.2
3
3.1
3.1.1
3.1.2
3.1.3
3.2
3.3
4
4.1
4.1.1
4.1.2
4.2
4.2.1
4.2.2
4.2.3
5
INTRODUÇÃO..............................................................................
OBJETIVOS.................................................................................
GERAL..........................................................................................
ESPECÍFICOS..............................................................................
METODOLOGIA..........................................................................
PRIMEIRA ETAPA DA PESQUISA - ANÁLISE
EPIDEMIOLÓGICA.......................................................................
Tipo de pesquisa e abordagem.................................................
Local, população e amostra.......................................................
Coleta e Análise dos dados.......................................................
SEGUNDA ETAPA DA PESQUISA - ANÁLISE DISCURSIVA...
ASPECTOS ÉTICOS....................................................................
APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS...............
ANÁLISE CLÍNICO-EPIDEMIOLÓGICO DO ABUSO DE
BENZODIAZEPÍNICOS EM MULHERES....................................
Caracterização socioeconômica e demográfica das
mulheres em uso abusivo de BZD.............................................
Padrão de uso abusivo de benzodiazepínicos entre
mulheres......................................................................................
ANÁLISE DA PRODUÇÃO DISCURSIVA DAS MULHERES EM
USO ABUSIVO DO BENZODIAZEPÍNICO: PERSPECTIVA
SUBJETIVA E SINGULAR...........................................................
Formação Discursiva Biomédica...............................................
Formação Discursiva Religiosa................................................
A vida como ela é: pontos de ruptura.......................................
CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................
REFERÊNCIAS.............................................................................
APÊNDICES................................................................................
APÊNDICE A - INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS.........
APÊNDICE B - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE e
ESCLARECIDO............................................................................
16
23
23
23
24
24
24
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38
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40
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61
68
72
86
88
98
99
101
15
ANEXO..........................................................................................
ANEXO A - PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP.............
103
104
16
1 INTRODUÇÃO
O atual cenário científico perpassa por mudanças nas atividades de
investigação, de pesquisa e de produção do saber voltado para inovações
tecnológicas e métodos disciplinares. No campo da saúde, esse movimento surge
no século XX com a medicina científica, que trouxe para a saúde mental a
―patologização‖ do sofrimento.
Neste contexto, as práticas de saúde são desenvolvidas para uma
tradução deste sofrimento em quadros psiquiátricos como transtorno do pânico,
depressão, déficit de atenção, compulsão alimentar, disfórica pré-menstrual, dentre
outros. Um dos exemplos mais evidentes é o catálogo de transtornos mentais
apresentados nas edições IV e V do Diagnostic and Statistical Manual of Mental
Disorders (DSM, sigla em inglês), pautado numa descrição, desprovido de uma base
teórico – cientifica. Essa categorização comporta uma abrangência maior das
possibilidades diagnósticas, permitindo a inclusão de um maior número de sujeitos.
Paralelo a isso, temos uma ênfase no tratamento medicamentoso, que desponta
como uma panacéia. A combinação desses dois fatores leva a um uso indevido de
fármacos na população.
Sobre o assunto, Ferrazza et al (2010) ressaltam que o saber psiquiátrico
vem definindo novas rotulações diagnósticas e novas formas de tratamento do
sofrimento psíquico. Os autores trazem termos e definições terapêuticas que se
tornaram parte da linguagem e da vida cotidiana. Observa-se, assim, um processo
de psiquiatrização da vida social, que vem transformando todo o mal-estar psíquico
em doença, e incentivando o tratamento baseado essencialmente em recursos
químicos.
Este saber embasa uma provável cientificidade da psiquiatria
contemporânea. Centrada na biologização do homem, utilizando as explicações da
neurociência e a oferta de medicamentos – que supostamente aplacariam o
sofrimento, maquilando os sintomas com ansiolíticos ou antidepressivos. Elia (2014)
ressalta que atualmente a ciência é conduzida pelo capitalismo, abrindo mão do seu
17
rigor teórico, explicativo e da sua eficiência concreta. Fundamenta, agora, no lastro
que lhe confere o poder econômico dos grandes conglomerados e laboratórios da
indústria psicofarmacológica.
Na década de 1970 com o movimento de reforma psiquiátrica, houve um
processo de reformulações – críticas e práticas – que questionavam e propunham a
transformação do modelo clássico e do paradigma da psiquiatria. A construção desta
proposta tem como ponto nevrálgico o deslocamento operado no conceito de "doença
mental" para a concepção de "existência-sofrimento" do sujeito em relação ao corpo
social (ROTELLI; AMARANTE, 1992). Ou seja, redireciona o objetivo da psiquiatria,
passando da ‗cura‘ para a abordagem de como alguém vive, trabalha, ama e como
cada um significa essas experiências.
Ainda assim, mesmo com todos os avanços trazidos pelo ideário da
reforma psiquiátrica, grande parte da clínica direcionada ao sujeito em sofrimento
psíquico tem um caráter reducionista. O protagonista materializa-se na medicação,
destacando-se o uso de psicotrópicos. Portanto, continua-se esbarrando na
centralização, na medicalização da atenção, na ênfase em modelos biológicos e no
estímulo à fármaco dependência.
Sobre essa prática do incremento dos psicofármacos em detrimento de
atendimentos mais voltados às questões subjetivas do sofrimento, Birman (2000,
p.242) ressalta:
[...] diante de qualquer angústia, tristeza ou desconforto psíquico, os
clínicos passaram a prescrever, sem pestanejar, os psicofármacos
mágicos, isto é, os ansiolíticos e antidepressivos. A escuta da
existência e da história dos enfermos foi sendo progressivamente
descartada e até mesmo, no limite, silenciada. Enfim, por essa via
tecnológica, a população passou a ser ativamente medicalizada,
numa escala sem precedentes.
Estudos como o de Nordon et al (2009) discutem que fármacos como os
benzodiazepínicos (BZD) são a terceira classe de drogas mais prescritas no Brasil,
sendo utilizada por aproximadamente 4% da população. A representação de uso dos
BZD já foi avaliada em muitos países e perfis populacionais. No Brasil, estima-se
18
que quase 2% da população adulta seja usuária crônica desse medicamente
(LARANJEIRA; CASTRO, 2017; MOLINA; MIASSO, 2008).
Em 2001, no mundo todo foram consumidas 26,74 bilhões de doses
diárias e 6,96 milhões de doses como hipnóticos (CEBRID, 2003). No Brasil, entre
setembro e agosto de 2011, foram consumidas 19.845.964 unidades (caixas) contra
23.470.193 unidades para o mesmo período em 2015, representando um aumento
de 15,45% no consumo (BRASIL, 2016). De acordo com o II Home Survey sobre o
uso de drogas psicotrópicas no Brasil (2005), entre os 7.939 entrevistados em 108
Cidades brasileiras com mais de 200 mil habitantes, 5,6% dos entrevistados
relataram uso de BZD. No último estudo realizado no Centro Brasileiro de
Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID, 2005), o consumo de BZD teve
porcentagens muito diferentes nas cinco regiões brasileiras. Assim, 2,4% dos
entrevistados do Norte já fizeram uso na vida desses medicamentos, ao passo que
no Sudeste foi de 6,6%.
O primeiro BDZ lançado foi o clordiazepóxido (Librium®) e causou grande
impacto no tratamento dos distúrbios de ansiedade. Sua grande aceitação pela
comunidade médica estimulou as empresas farmacêuticas produzirem drogas
simulares e trinta anos depois já existia no mercado cerca de 50 novos compostos
químicos derivados do clordiazepóxido. Na década de 70, medicamentos como o
diazepam (Valium®) tornaram-se as drogas mais prescritas em todo mundo para o
tratamento de doenças que afetavam o sistema nervoso central (SILVA, 1999).
Posteriormente, foram fabricados outros semelhantes e inseridos no mercado
nomeados de Clonazepam (Rivotril®), Bromazepam (Lexotan®), Alprazolam (Apraz®)
e, consequentemente, os BZD‘s se efetivaram como importante terapêutica
medicamentosa para a realidade da assistência psiquiátrica.
As drogas benzodiazepínicas ganham destaque, neste contexto, como
uma substância destinada a tratar os quadros ansiosos, devido aos seus efeitos de
sedação, diminuição da ansiedade e relaxamento muscular (FIRMINO et al, 2011).
Por diminuírem seus efeitos ao longo do tempo, os BZD‘s não são indicados para
tratamentos prolongados.
19
Além disso, devido ao seu alto potencial para provocar tolerância e
dependência, a recomendação é de que a prescrição seja limitada a apenas poucas
semanas, com curta duração do uso (FIORELLI; ASSINI, 2017; CASALI, 2010). A
partir disso já pode-se afirmar sobre o ―abuso‖ do fármaco, com sério risco de
desenvolvimento de dependência. O uso abusivo define-se por padrões de
consumo, nos quais as posologias e o tempo de uso são determinados fora daquilo
que é preconizado cientificamente (FIORELLI; ASSINI, 2017).
A Organização Mundial da Saúde (2009) preconiza que os
benzodiazepínicos devem ser utilizados na menor dose eficaz durante o menor
tempo possível. Ou seja, por no máximo quatro semanas. A partir disso já se
considera ―abuso‖ do fármaco, com sério risco de desenvolvimento de dependência.
Uso ultrapassando de 6 meses leva a abstinência que ocorre de 1 a 11 dias após
retirada, pioram entre o 5º e o 6º dia de abstinência e desaparece em 4 semanas.
Diversos estudos realizados nos últimos anos (FIORELLI; ASSINI; 2017;
FIRMINO et al., 2017; LARANJEIRA; CASTRO, 2017; ALVIM et al., 2017) apontam
para o abuso desses fármacos como um complexo problema de saúde pública.
Ambiguamente, é motivo de revoltas e tabus no dia a dia das unidades de saúde,
com usuários implorando por renovação de receitas e médicos contrariados em
fazê-lo (BRASIL, 2013). Nesse sentido, para enfrentar essa pandemia (dada à
cronicidade das altas taxas de uso), faz-se necessário desenvolver estudos para
compreender esse fenômeno e melhor direcionar ações preventivas.
A literatura científica (MEZZARI; ISER, 2015; ALVIM et al., 2017,
ABI-ACKEL et. al, 2017) revela que essa questão é ainda mais evidenciada na
população feminina, indicando uma vulnerabilidade de gênero, associada por esses
autores à condição social da mulher. No cenário assistencial há um reforço desse
estereótipo e consequentemente uma naturalização do uso abusivo de BZD por
parte das mulheres (SOUZA; OPALEYE; NOTO, 2013). Segundo estudos recentes,
outro aspecto a ser considerado são os dados pessoais, sociais e clínicos dessas
mulheres, os quais possuem estreita relação com o uso abusivo (MEZZARI, ISER,
2015; ALVIM et al., 2017, ABI-ACKEL et. al, 2017).
20
Essas mulheres carregam cada vez mais a incumbência de grandes
responsabilidades, tanto na sociedade quanto no meio familiar. Além de serem
quem mais frequentam os serviços de saúde, sendo atingidas pelas estratégias da
indústria farmacêutica (OLIVEIRA; AGUIAR; CAVALCANTE, 2011). Essa sobrecarga
que acompanha o papel de protagonista no gerenciamento de conflitos familiares e
das dificuldades financeiras tem deixado a mulher cada vez mais vulnerável ao
sofrimento psíquico.
Mas porque a mulher? Entre os usuários do BZD, as mulheres são as que
mais o utilizam. Comparando-se aos homens, chega a cerca de quatro vezes mais
em algumas regiões do Brasil (CEBRID, 2005). Indubitavelmente, as relações de
gênero induzem a vulnerabilidade feminina, compondo as questões sociais que irão
influenciar os papéis que cada um assume.
Diante da escassez de estudos epidemiológicos relativos a este objeto de
estudos, além de pesquisas defasadas que contemplem o padrão de uso em
mulheres de uma maneira mais sistematizada, questionamo-nos: qual o padrão de
uso abusivo de BZD entre mulheres no município de Fortaleza-Ceará? Por padrão
de uso consideramos o tipo de benzodiazepínico utilizado, a queixa e o motivo, o
tempo de uso e a tentativa de interrupção do uso. Este conhecimento faz-se
necessário no sentido de planejar uma assistência mais coerente com as demandas
das mulheres e, portanto, capaz de reduzir este uso abusivo.
Por outro lado, percebemos que, o uso abusivo de drogas lícitas
(psicotrópicos) para amenizar o sofrimento, configura uma situação de desaparição
do sujeito do desejo. Demonstra uma inabilidade em lidar com o mal-estar na
sociedade e sua consequente angústia (MENDONÇA, 2011). Quando algo constitui-
se como intolerável e não pode ser simbolizado, apontando para algo do sujeito, o
recurso às drogas benzodiazepínicas surge como saída.
Assim, consideramos também importante nos perguntarmos para além da
dimensão bioquímica e social, sobre como a medicação é simbolizada por esses
sujeitos, como ela entra nos discursos constituídos na atualidade como forma de
tratamento deste mal-estar. Ou seja, para além das dimensões médica e social,
21
quais as formações discursivas que perpassam o uso abusivo de benzodiazepínicos
por mulheres? Quais os pontos de ruptura desses discursos? Quais as
possibilidades de pensar o lugar do sujeito na questão do abuso dessa substância?
Para a psicanálise, o sofrimento não é visto como algo a ser
simplesmente eliminado, mas como algo que denota a presença de um sujeito
diante de algo que lhe faz questão. O importante é ater-se ao discurso do sujeito,
possibilitar-lhe dizer ou apreender quais significados emergem da combinação entre
os significantes.
Relembremos que foi nos atendimentos de Freud aos sintomas das
histéricas que se deu o nascimento da psicanálise. Esses sintomas, por não
apresentarem lesão orgânica, eram destituídos de lugar no saber médico. Com
Freud o sintoma neurótico ganhou estatuto de mensagem a ser decifrada
(SILVEIRA, 2011). O conceito de sintoma é o que melhor convém ao trabalho
psicanalítico do caso a caso. Os sintomas falam, podendo revelar uma verdade
singular e fundamental para cada sujeito.
Observamos, então, a diferença entre o sintoma na psicanálise e na
medicina. Para medicina, o sintoma deve ser eliminado, é um sinal de desequilíbrio.
Já para psicanálise, o sintoma deve ser acolhido e decifrado. Ele representa uma
forma de o sujeito existir. São atos e como tais possuem sentidos e singularidades
próprios de cada sujeito. Mesmo sabendo que pode corresponder a um adoecimento
no corpo, o sintoma é sinal de um conflito inconsciente, possibilita ao sujeito
defrontar-se com o desejo recalcado.
Freud (1930) dedicou-se a abordar o mal-estar humano e afirmou que ele
decorre do próprio processo civilizatório. Para nos tornarmos humanos há um preço
a pagar: abrir mão de uma parcela importante de satisfação pulsional. Segundo ele,
para aplacar esse sofrimento, recorre-se a algumas estratégias, como o recurso às
drogas. Essa, porém, é uma medida paliativa para silenciar o sofrimento, e assim o
silêncio passa a ser preferível à linguagem, impedindo que a pulsão circule na
cadeia significante, fonte de angústia e mal-estar.
22
A psicanálise aposta noutra forma de lidar com o sofrimento. Pela via da
palavra acessa-se o sujeito inconsciente, buscando apreender no sintoma o desejo
inconsciente indestrutível. Assim, o sujeito surgirá como efeito de linguagem,
estruturado na lógica de uma cadeia de significantes que é construída de maneira
singular para cada um. As marcas que cada homem carrega são também restritas à
sua existência. Ademais, com a formulação dos discursos, o inconsciente é
estruturado como uma linguagem na medida em que a própria linguagem aparelha o
gozo (LACAN, 2008).
Nessa perspectiva, pensando nas dimensões do desejo e gozo,
utilizaremos como método a análise do discurso. Essa permite abordar a fala desses
sujeitos para além de sua significação imediata, tomando-a em suas formações
discursivas e em seus pontos de ruptura. Para tanto, buscaremos compreender
como constrói-se o sentido do discurso, levando-se em conta um sujeito que falha
em dizer, porque as palavras escapam a seu domínio (TEIXEIRA, 2005).
Dessa forma, considerando todas essas questões trazidas acima,
pensamos na necessidade de ter um estudo quanti-qualitativo, onde a parte
quantitativa poderia dar conta da apresentação clínica e social do padrão de uso
abusivo do BZD, e a parte qualitativa iria abordar o lado discursivo do abuso. Ou
seja, como ele entra no discurso, como ele é apreendido pelas mulheres e a serviço
de que ele está.
Diante desse cenário, esse estudo tem como finalidade analisar o padrão
de uso abusivo de BZD entre mulheres no município de Fortaleza e compreender o
discurso das mulheres em uso abusivo de BZD, considerando as questões do
sujeito, do desejo, do gozo e do sintoma em psicanálise.
23
2 OBJETIVOS
2.1 GERAL
Investigar o uso abusivo de drogas benzodiazepínicas entre mulheres na
rede pública de saúde, considerando os aspectos epidemiológicos e discursivos
deste fenômeno.
2.2 ESPECÍFICOS
a) Caracterizar as mulheres em uso abusivo de drogas benzodiazepínicas,
conforme seus dados pessoais, sócio-econômicos e clínicos;
b) Analisar o padrão de uso abusivo de drogas benzodiazepínicas em mulheres
através da correlação dos seus dados pessoais, sociais e clínicos.
c) Compreender o discurso das mulheres que fazem uso abusivo de drogas
benzodiazepínicas, considerando a dimensão do sujeito em sua relação com
o desejo, o sintoma e o gozo.
24
3 METODOLOGIA
Devido a complexidade do nosso objeto, nós nos deparamos com a
necessidade de tanto conhecer essa realidade, caracterizando esses elementos que
estamos chamando de padrão de uso, como também compreender esse fenômeno
através do estudo qualitativo. Seguiremos com os detalhamentos do processo
metodológico, dividindo-o em duas etapas: primeira quantitativa e a segunda
qualitativa.
Trata-se de um recorte da pesquisa intitulada ―o uso abusivo de drogas
benzodiazepínicas na atenção à saúde mental: um estudo sobre a vulnerabilidade e
a subjetividade feminina‖, financiado pela Fundação Cearense de Apoio à Pesquisa
– FUNCAP, no edital PPSUS/MS/FUNCAP.
3.1 PRIMEIRA ETAPA DA PESQUISA - ANÁLISE EPIDEMIOLÓGICA
3.1.1 Tipo de pesquisa e abordagem
Nesta primeira etapa do estudo, realizamos uma pesquisa de natureza
transversal, utilizando uma abordagem quantitativa. Para Rouquayrol (2017), a
pesquisa transversal apresenta-se como um estudos epidemiológicos no qual causa
e efeito são observados num mesmo momento.
Constitui-se de um estudo de abordagem quantitativa visando investigar a
associação existente entre o abuso de drogas benzodiazepínicas por mulheres e
seus aos dados pessoais, sócio-econômicos e clínicos. Nesta perspectiva, iremos
recorrer à linguagem matemática para descrever as relações entre as variáveis
inerentes ao fenômeno em estudo. Para Creswell (2010), a pesquisa quantitativa se
centra na objetividade, considerando que a realidade só pode ser caracterizada com
base na análise de dados brutos.
25
3.1.2 Local, população e amostra
Foi realizada uma estratificação segundo as seis Coordenadorias
Regionais de Saúde (CORES), do município de Fortaleza-CE. Selecionamos duas
Unidades de Atenção Primária em Saúde (UAPS) que havia dispensação de
psicotrópicos e um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) em cada CORES.
As Unidades de Atenção Primária em Saúde funcionam como nível
primário da rede de atenção à saúde, conceitua-a como o modo de organizar e fazer
funcionar a porta de entrada do sistema, enfatizando a função resolutiva desses
serviços sobre os problemas mais frequentes de saúde. Estas Unidades têm
também a responsabilidade de desenvolver ações de promoção de saúde mental e
cuidados ao sofrimento psíquico. Dessa forma, quando se analisa o tipo de
atendimento por condições de saúde na rede de atenção, 82% são condições
crônicas e 18% condições agudas, e dentre a assistência as condições crônicas
encontramos a demanda pelo benzodiazepínico (BRASIL, 2015).
Apesar da literatura configurar o abuso a partir do quarto semanas de
prescrição, optamos por tomar como população desse estudo aquelas mulheres
usuárias de benzodiazepínicos há mais de seis meses. Para o cálculo do tamanho
da amostra fixou-se P em 50%, haja vista que esse valor implica em tamanho
máximo de amostra.
Fixou-se o nível de significância de 5% ( = 0,05) e um erro amostral
relativo de 8% (erro amostral absoluto = 4%). A formula abaixo é indicada para
populações infinitas, e estes valores aplicados a ela proporcionaram uma amostra
em que ―n‖ seria igual a 520 mulheres.
z25% x P x Q
n = e2
O convite a participar da pesquisa foi realizado nos espaços de espera
das consultas de acolhimento, de hipertensão e diabetes, ginecológica ou na fila da
26
farmácia. Partimos da perspectiva de que estes lugares seriam de mais circulação
das mulheres em uso do BZD. Segundo um estudo realizado no Paraná, a maioria
das prescrições eram realizadas por clínico geral, em segundo vem o cardiologista e
em seguida o ginecologista (SILVA; RODRIGUES, 2014)
Os critérios de inclusão foram: estar usando BZD há mais de seis meses;
ter idade igual ou superior a 18 anos; e não ser caracterizado como ―incapaz‖ que
necessite de autorização da família ou responsável. Como critérios de exclusão: ser
portador de doença aguda ou crônica que limite a sua verbalização e não ter
condições psíquicas ou econômicas para chegar ao serviço.
3.1.3 Coleta e Análise dos dados
A coleta dos dados foi realizada através de um instrumento que foi
aplicado junto à amostra selecionada (APÊNDICE A). Os sujeitos da pesquisa
(mulheres em uso abusivo de drogas benzodiazepínicas) foram abordados por
ocasião de sua ida aos serviços, no intuito de obter a referida medicação. Foi
apresentado o propósito da pesquisa e o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido (TCLE – APÊNDICE B).
No instrumento abordamos as seguintes variáveis: dados pessoais (idade,
estado civil, escolaridade em anos de estudo, religião); dados socioeconômicos
(profissão, renda familiar, tipo de moradia, condições de moradia, e condições de
lazer); dados clínicos, a partir do prontuário (benzodiazepínico utilizado, diagnóstico
médico, co-morbidades, queixa, sintomas, motivo de uso, tempo de uso, tentativas
de interrupção de uso).
Os dados foram apresentados por meio de tabelas para melhor
compreensão dos resultados, sendo calculadas as medidas estatísticas descritivas
médias e o desvio padrão das variáveis quantitativas.
Analisamos a associação entre dependência química por BZD e as
variáveis qualitativas e/ou categóricas por meio dos testes não paramétricos de 2 e
do teste de razão de verossimilhança. Para aquelas associações com p>0,20, as
variáveis independentes entraram no modelo de regressão logística.
27
As correlações entre variáveis foram feitas por meio do coeficiente de
correlação linear r de Pearson ou do coeficiente de correlação linear rs de Spearman.
As médias de dois grupos foram comparadas pelo teste t de Student ou
de Mannn-Whitney; as médias de três ou mais grupos (dados paramétricos) foram
comparadas pelo teste F de Snedecor. Sendo estatisticamente significante, as
comparações múltiplas foram realizadas pelo teste de Tukey ou de Games-Howell.
Para todas as análises considerou-se como estatisticamente significante
aquelas com p < 0,05. Os dados foram processados no SPSS versão 20.0.
3.2 SEGUNDA ETAPA DA PESQUISA - ANÁLISE DISCURSIVA
No segundo momento, foi realizado um levantamento qualitativo,
objetivando compreender o discurso das mulheres que fazem uso abusivo das
drogas estudadas, desenvolvido pelo método da análise do discurso.
Nos estudos de abordagem qualitativa, o pesquisador tenta estabelecer o
significado de um fenômeno a partir do ponto de vista dos participantes. Em outras
palavras, o investigador sempre faz alegações de conhecimento com base em
perspectivas construtivistas ou em perspectivas participatórias ou em ambas
(CRESWELL, 2010).
No nosso estudo o que interessa não é o acontecimento em si, mas sim,
como os fenômenos são apreendidos e subjetivados a partir da linguagem. Ou seja,
quais são significantes que um indivíduo em particular atribui aos fenômenos da
natureza que lhes dizem respeito.
Devido ao fato desta pesquisa tomar como objeto de estudo a questão da
experiência humana, notadamente no que diz respeito ao sofrimento, entendemos
que este não pode ser abordado de forma generalizada e implica numa investigação
pautada na AD.
28
No entanto, o fato de debruçarmo-nos no aspecto singular desse
sofrimento não nos impede de buscar importantes considerações sobre o corpo de
conhecimentos da clínica em geral.
Definimos como campo dessa segunda etapa o território adstrito da
Coordenadoria Regional de Saúde I (CORES I), localizada no município de
Fortaleza-CE. A CORES I é composta por doze Unidades de Atenção Primária em
Saúde (UAPS), uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) e dois Centros de
Atenção Psicossocial (CAPS) – um geral e outro Álcool e Drogas (AD), que
abrangem 15 bairros, com uma população de cerca de 360 mil habitantes. Dessas
unidades de saúde, duas possuem farmácias com dispensação de psicotrópicos.
Realizamos essa etapa em uma Unidade de Atenção Primária em Saúde
da CORES I com liberação de BZD. Este território possui aproximadamente 41 mil
habitantes, 3,5 mil famílias e sete equipes de saúde da família.
Com base nesse cenário, convidamos para esta pesquisa apenas as
mulheres que residem no território da unidade referida e participaram do primeiro
momento da pesquisa. Entramos em contato por telefone, após esclarecimentos
sobre a pesquisa, marcamos a entrevista na mesma unidade de saúde. Em se
tratando de uma abordagem qualitativa e do referencial psicanalítico que subsidiou a
entrevista e análise, a quantidade de sujeitos a serem pesquisados não foi definida.
No entanto, das 120 mulheres participantes da primeira etapa, conseguimos o
contato de 16 mulheres, dessas apenas nove compareceram a entrevista.
Durante a análise das entrevistas, essas mulheres receberam um nome
fictício de flores, a saber:
Entrevistada 01 - Alfazema
Entrevistada 02 - Bromélia
Entrevistada 03 - Rosa
Entrevistada 04 - Flor de Lótus
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Entrevistada 05 - Iris
Entrevistada 06 - Jasmim
Entrevistada 07 - Margarida
Entrevistada 08 - Orquídia
Entrevistada 09 - Violeta
Como forma de alcançar uma maior apreensão dos discursos dessas
mulheres em uso abusivo de BZD, utilizamos como técnica de produção de dados a
entrevista semiestruturada, que foi gravada para uma análise mais profunda do
material. Utilizou-se, também um diário de campo como fonte primária de coleta de
dados. Nele o pesquisador toma nota dos elementos do discurso, dos silêncios, das
expressões faciais. A pesquisadora participou de oficinas de supervisão para
discussão dos casos atendidos quinzenalmente.
A entrevista semiestruturada é amplamente utilizada nas pesquisas
qualitativas. Ela tem atraído o interesse dos pesquisadores em virtude da maior
possibilidade de os entrevistados expressarem o seu ponto de vista em uma
situação de entrevista, em detrimento da entrevista padronizada (FLICK, 2009).
Este tipo de entrevista utiliza-se de certos questionamentos comuns para
todos os entrevistados, a partir de um instrumento apoiado num referencial teórico
metodológico. Apresentando, assim, uma flexibilidade de introduzir novas questões
à medida em que o diálogo avança (LICHTMAN, 2010).
As entrevistas foram registradas através de um minigravador de voz
digital e posteriormente transcritas para leitura. Os dados foram armazenados em
CD-ROM e serão guardados por um período de cinco anos.
ANÁLISE DISCURSIVA
30
Com vistas a compreender o discurso das mulheres que fazem uso
abusivo de drogas benzodiazepínicas na rede pública de saúde, optamos para
fundamentar esta pesquisa o referencial teórico da análise do discurso e da
psicanálise, considerando a dimensão do sujeito em sua relação com o desejo, o
gozo e o sintoma. Traremos em seguida uma discussão acerca da interseção
desses dois referenciais.
A ANÁLISE DO DISCURSO E SUA INTERSEÇÃO COM A PSICANÁLISE
Com o surgimento da ciência moderna, observam-se mudanças nas
formas de conceber o mundo, a sociedade e a relação do próprio homem com a
verdade. Essa ciência valoriza uma forma de relação do sujeito com a produção do
conhecimento que elimina de seu campo as questões relativas ao modo como o
acesso à ―verdade‖ modifica o sujeito. O que importa é a regularidade do método
que, se for seguido, permite reproduzir o conhecimento. Santos (2010, p. 29) situa o
método científico ao referir que conhecer significa quantificar. É preciso separar,
cortar e contar para depois perceber as relações. Ademais, o ―conhecimento causal
aspira à formulação de leis, à luz de regularidades observadas com vistas a prever o
comportamento posterior dos fenômenos‖.
Certamente se procuramos, encontramos alguma regularidade, algo que
se repete. Mas a vida não se resume as regularidades. Percebemos, então, que o
método científico consegue dar conta de explicar uma parcela do real, mas para isso
paga-se um preço: ao fixar regras e observar repetições, o método científico limita a
realidade, exclui as contradições, homogeneíza as diferenças e reduz a
complexidade da vida.
É exatamente o discurso da cientificidade que Sanada (2004) ressalta ser
responsável pela produção de objetos que visam ao suturamento da falta. Excluindo
o sujeito, a partir de uma universalização dos conceitos e dos instrumentos que
produz. É esse sujeito que a psicanálise busca reintroduzir em seu discurso,
considerando a dimensão da verdade como não-toda a partir da fala, e a dimensão
31
do saber naquilo que se articula à cadeia significante. Se do lado da ciência busca-
se o Um-tudo, Um unificante. Do lado da psicanálise abri-se espaço para a
singularidade, para o desejo do sujeito, ou seja, para o inconsciente.
Nas palavras de Silva e Kirschbaum (2008, p.488):
Pensar o inconsciente e o sujeito do inconsciente do ponto de vista
da pesquisa é considerar, dentre outras coisas, que há, sim, um não-
dito, muitas vezes por não se conseguir dizê-lo, ou simplesmente por
não se saber dizê-lo. Isso implica suportar a lacuna desse não-saber
ou, cuidadosamente, propor possíveis leituras desse não-dito.
Possíveis leituras e não verdades sobre aquilo que o discurso não
revelou. O que valida um saber do sujeito é o próprio sujeito.
Diante desse discurso da dimensão da verdade como não-toda a partir da
fala, adotaremos como referencial teórico dessa pesquisa os preceitos da
psicanálise, por considerar o não-dito na fala do sujeito. Ademais, um dos objetivos
desse estudo destaca-se por pretender analisar as singularidades nos discursos das
mulheres em uso abusivo de benzodiazepínicos, considerando a dimensão do
sujeito em sua relação com o desejo, o gozo e o sintoma.
Nesse ponto, nos perguntamos como examinar esse abuso, esse
excesso, esse gozo frente ao uso de BZD por mulheres? Nessa interrogação, não
nos interessa o fenômeno em si, nem o significado que as coisas ganham.
Significados estes que um indivíduo em particular ou um grupo determinado
atribuem aos fenômenos da natureza que lhes dizem respeito. Ou seja, esse estudo
não tem uma perspectiva hermenêutica. Aliás, aqui nos importa saber produzir
momentos de rupturas (ditos espirituosos, atos falhos, repetições, lapsos, silêncio)
nas palavras, para extrair delas o seu fundamento.
Ao pensar em um método de pesquisa que considere o sujeito da
linguagem, do discurso, do significante e do inconsciente, chegamos ao referencial
da análise do discurso na perspectiva da corrente francesa de pensamento,
representada por Michel Pechêux (1938-1983). Acreditamos que esse método seja
compatível as particularidades do presente estudo e seus objetivos, visto que a
teoria psicanalítica atravessa toda a epistemologia da análise do discurso.
32
A Análise do Discurso (AD) surge na década de 1960, tendo como bases
epistemológicas: o materialismo histórico, postulado por Althusser a partir de sua
releitura da obra de Marx, adotando o conceito de ideologia; a linguística cuja maior
influência foi Ferdinand Saussure, abordando os processos de enunciação; e a
teoria do discurso e adoção do conceito de formação discursiva de Foucault,
trazendo a perspectiva das relações entre o discurso e suas condições de produção
(SANTOS, 2012).
Michel Pêcheux e Jacques Lacan, um filosofo e um psicanalítico,
contemporâneos do séc. XX, teorizam modos de pensar a linguagem e a teoria do
discurso, ambos foram leitores de Saussure e Freud. Destarte, a psicanálise
constitui um dos tripés de composição do campo teórico da AD. Um eixo de
fundação que auxilia o desenho que Pêcheux traça sobre o discurso como efeito de
sentidos, o sujeito, a interpelação ideológica, os esquecimentos e o real. Ademais, a
psicanálise permitiu fazer furo naquilo que os linguistas tão bem costuraram (e
costuram) conceitualmente como língua (MARIANI; ROMÃO ; MEDEIROS, 2012).
A AD de Pêcheux propõe-se a pensar os efeitos de sentido no discurso,
considerando as condições de produção, a ideologia, a posição do sujeito falante e
todo o processo discursivo (TEIXEIRA, 2005). Portanto, sua preocupação nunca foi
―o que isso significa?‖, não se importando com os significados dos fenômenos, mas
com os significantes que emergem de um sujeito que falha em dizer.
Em seu artigo A Análise do discurso: três épocas (1983), Pêcheux divide
sua obra em três momentos. O primeiro aborda a exploração metodológica da noção
de maquinaria discursivo-estrutural; o segundo, voltada para o estudo do
entrelaçamento desigual dos processos discursivos; e o terceiro, interessada em
fazer emergir novos procedimentos de análise a partir da consideração da
heterogeneidade/equivocidade do sujeito e do sentido (TEIXEIRA, 2005).
A articulação entre a língua e o discurso dá origem às formações
discursivas (FD), e elas são constituídas por um sistema de paráfrase ou polissemia.
Enquanto a paráfrase é um mecanismo de fechamento, de delimitação das fronteiras
em busca da preservação de sua identidade. A polissemia é o rompimento dessas
33
fronteiras, instalando a pluralidade, a multiplicidade de sentidos. Ademais, a FD vem
homogeneizar os discursos que se organizam segundo as formações ideológicas
(FI). A AD apresenta nesses conceitos um sujeito totalmente assujeitado, interpelado
pela instância linguística e pela ideologia (BRANDÃO, 2004; SANTOS, 2012)
A AD é separada em fases. Dentre elas, a terceira pode-se observar a
influência da Psicanálise de forma mais acentuada, e é exatamente essa etapa que
iremos utilizar para aproximar nosso objeto de pesquisa. Sobre esse momento,
Teixeira (2005, p. 16) ressalta que abre-se a possibilidade de tratar da questão da
incompletude do sentido, que atravessa a literatura e as manifestações mais triviais
da vida cotidiana. Nessa perspectiva, a autora busca ―elementos para compreender
como se constrói o sentido no discurso, levando-se em conta um sujeito que falha
em dizer, porque as palavras escapam a seu domínio‖.
Pêcheux tenta conferir à subjetividade uma dimensão ao mesmo tempo
ideológica e psicanalítica, utilizando-se dos conceitos de Sujeito althusseriano e o
Outro lacaniano. No entanto, essa identificação de Pêcheux coloca o sujeito
predominantemente tomado pelo imaginário e simbólico, desconsiderando o registro
real (TEIXEIRA, 2005). Para Lacan, o sujeito para se constituir depende das
amarras do nó dos três registros. Portanto, a noção de sujeito aparece no
―entrecruzamento das tendências imaginárias com as cadeias simbólicas e as linhas
de força do real‖ (CABAS, 2009, p. 127).
A noção de heterogeneidade constitutiva, presente na terceira fase da
AD, traz um novo estatuto ao sujeito discursivo, pois inaugura a presença
determinante do discurso do Outro. Para Brandão (2004), esse Outro não é só o seu
destinatário para quem planeja e ajusta a sua fala. Envolve também outros discursos
historicamente já constituídos e que emergem na sua fala (interdiscurso), ou seja, é
aquilo que fala antes. O saber discursivo que torna possível todo dizer, o já-dito que
está na base do dizível.
Seguindo essa linha de raciocínio sobre a definição de sujeito, para
Lacan, ele é o efeito clivado, faltoso, desejante e dividido, interpelado pelo
inconsciente, do qual fala o Outro. Assim, o inconsciente é o discurso desse Outro,
34
isto é, ele traduz naquelas palavras que surgem de algum lugar que não o da fala do
eu. Ou seja, está repleto da fala, das conversas, dos objetivos, das aspirações e das
fantasias de outras pessoas (CABAS, 2009).
Diante desses Outros, Lacan (2008) explica essa dupla dimensão da
alteridade, distinguindo o outro (minúsculo) – que é o eu, do Outro (maiúsculo) – que
não é um semelhante. É dele que se trata na função da fala, é o Outro da
linguagem, detendo as chaves de todas as significações inacessíveis ao sujeito.
Segundo Teixeira (2005, p. 80): ―o Outro é, em primeiro lugar, a mãe, objeto perdido
devido à proibição do incesto, mas constitui sobretudo o lugar onde os significados
já estão, antes de todo sujeito, sendo daí que ele recebe sua determinação maior‖.
É nesse sentido que Pêcheux toma o sujeito, integralmente pelo campo
do Outro, enfocando na perspectiva simbólica, a alienação total do sujeito à
estrutura, desconhecendo sua condição de desejante. No entanto, ao deter-se a
essa assertiva, o sujeito passa a ser um mero produto, sub julgado da linguagem,
entre uma forma discursiva e outra. Um sujeito que se institui no automatismo de
uma combinatória estrutural sem resto (TEIXEIRA, 2005).
A psicanálise, em contrapartida, defende que o sujeito não está só sub
julgado a linguagem. A linguagem não pode ser somente a fala, há uma revelia, algo
que escapa aos discursos já construídos, da ordem do desejo do sujeito. Isso
(re)produz certas rupturas, equívocos, lapsos, chistes, produzindo renovações
linguísticas. É através do interdiscurso que podemos nos amparar para trabalhar
com os ditos que escapam ao dizer, frente a questão, o que faz uma pessoa dizer
uma coisa e não outra.
Pêcheux em seu texto Só há causa daquilo que falha (1978) lamenta o
fato de ter levado o sujeito discursivo para uma dimensão de assujeitamento,
reconhecendo que esse sujeito precisa ser repensado. Passando, então, a referir a
categoria do real na estruturação do sujeito (TEIXEIRA, 2005), o mesmo autor (p.86)
discorre sobre esse real na obra de Pêcheux:
Embora não o formule explicitamente, parece-me que é por
considerá-la, fazendo nó com o imaginário e o simbólico, que ele se
35
dá conta da impossibilidade constitutiva de um saber absoluto, da
realização simbólica consumada. A crítica à ―onipotência‖ do analista
de discurso e a conseqüente inclusão da AD entre as disciplinas de
interpretação, o deslocamento da atenção para o fato do equívoco, a
abertura na direção da heterogeneidade do campo enunciativo, a
ênfase dada ao fio do discurso atestam o reconhecimento por
Pêcheux de um Outro vazado.
Ainda sobre a articulação da AD e a psicanálise, Tfouni (2006) propõe
construir o conceito de interdito como fundador do discurso. O autor argumenta que
o sujeito fala a partir de discursos historicamente construídos. No entanto, a sua
posição frente a esses discursos não lhe será algo transparente, ou seja, sua
verdade enquanto sujeito não lhe será acessível. Ele não vê a realidade de sua
posição, por essa razão é alienado, dividido entre os discursos. Por isso, afirma-se
que o interdiscurso trata do sujeito que comparece fora do discurso. Ademais, o
sujeito só manifesta-se porque o inconsciente insiste em aparecer, rompendo a
barreira do recalque e surgindo através das formações do subconsciente (sonho, ato
falho, piadas ou sintoma).
Nesse sentido, é importante ressaltar com a noção de interdito que todos
os discursos são incompletos. Bem como a noção de incompletude do sujeito, não
existindo uma homogeneidade do discurso, furando a idéia de formação ideológica.
Assim, para a psicanálise, esse discurso vem a ser articulado com a noção de
repetição em Lacan, pois se uma vez o objeto foi perdido, o sujeito tenta alcançá-lo
pela palavra. Mas como nenhum discurso é completo, o sujeito vê-se obrigado a
repeti-los, para que possa expressar sua verdade (TFOUNI, 2006).
Para Orlandi (1995), o silêncio seria uma partícula fundadora de
discursos, pois nele residiria a incompletude da linguagem: todo dizer é uma relação
fundamental com o não dizer. O silêncio assumiria a condição de ―vir a ser‖ do
discurso, longe de ser um vazio ou um reservatório de coisas, ele possui significado.
Assim, pensando o interdito como formador do discurso, se por uma via
há a tentativa de silenciar, por outra há a de revelar. ―O discurso se alonga, se
desenrola, ora para silenciar, ora com momentos preciosos onde o enunciatário
aparece através de significantes‖ (TFOUNI, 2006, p.133).
36
Portanto, pensando em um dos objetivos desse estudo, a AD irá contribuir
como método de apreensão do discurso das mulheres em uso abusivo de
benzodiazepínicos. De forma, ajudará a compreendê-las de uma maneira articulada
com as suas condições de produção. Ademais, buscaremos identificar os pontos de
rupturas desse discurso, delineando os significantes que nomeiam o sujeito em sua
relação com o desejo, o gozo e o sintoma.
Dessa forma, como já mencionado, as entrevistas semiestruturadas
realizadas junto às mulheres foram transcritas e analisadas por meio da Análise do
Discurso. Segundo Orlandi (2005), a AD não se ocupa do sentido do texto, ou do
sentido do discurso, procurando seus significados, mas sim com os modos e com as
dinâmicas do texto e do discurso por ocasião da produção de sentidos ao longo do
fio da história. Segue etapas do processo de realização da análise descrito por
Orlandi (2005):
Figura 1 - Etapas do processo de análise do discurso e suas correlações.
Fonte: elaborado pela autora
A primeira etapa de análise do discurso foi realizada durante as
transcrições das entrevistas. Nesse momento, faz-se a passagem da superfície
linguística (o material empírico bruto), de modo rigorosamente fidedigno, para objeto
discursivo. Foram considerados a marcação de tempo de fala, todos os elementos
linguísticos, que incluem desde as palavras utilizadas pelo sujeito, até os recursos
linguísticos, preservando o dito no momento da enunciação. Ademais, as partículas
linguísticas normalmente desconsideradas pela análise de conteúdo permanecem
37
no corpus analisado. Como, por exemplo, as contrações como ―né‖, ―tá‖, ―é...‖, ―ah!‖,
―ahhhh...‖, que poderiam ser descartadas (GOMES, 2007).
A segunda etapa será aplicada ao realizar a passagem do objeto
discursivo para o processo discursivo. O que consiste na operacionalização de
sucessivas leituras do material que estejam vinculadas ao contexto social e histórico,
adotando assim uma dialogicidade com a soma dos fatores internos e externos ao
sujeito que a produz, em sua individualidade (GOMES, 2007).
Por fim, a terceira etapa, apresenta o esqueleto dos resultados dispondo
os elementos que constituem a AD. Após constituir o processo discursivo, observam-
se várias ideologias no dizer. Mas apenas uma apresenta-se como ―pano de fundo
sobre o qual se formaram e se desenvolveram as particularidades das distintas
formações discursivas‖ (GOMES, 2007, p. 560).
Nesse sentido, a análise das formações discursivas pode ir além do está
posto, podendo ser identificado através dos dispositivos analíticos, a saber:
paráfrase, polissemia, interdiscurso e metáfora (GOMES, 2006).
A metáfora é definida como um fato semântico produzido por uma
substituição contextual, pelos deslizamentos de sentidos; é a tomada de uma
palavra pela outra através de um mecanismo de transferência.
Para Orlandi (2001), metáfora é um dos lugares privilegiados em que a
ideologia e a historicidade se manifestam, pois, pelos equívocos gerados por essas
variáveis no inconsciente do enunciante, permite que os sentidos atribuídos pelos
próprios sujeitos se mostrem.
No interdiscurso, o sujeito elabora o seu dizer remetendo-o a outros
discursos. Ao fazer uso desses discursos de acordo com sua aproximação com os
mesmos, demarca também como se posiciona ideologicamente. Constitui-se como a
―memória do dizer‖. É através dessa memória que os sentidos se constroem, dando
a impressão de que a pessoa sabe do que está falando e de que esse dizer possui
origem exclusiva em seu pensar (GOMES, 2006).
38
A paráfrase diz respeito a matriz de sentido da linguagem em suas
diversas manifestações, tratam-se de discursos já estabelecidos presentes na fala
do entrevistado, em que seus elementos repetem-se. Este dispositivo apresenta-se
como indispensável para a realização da AD, pois todo o dizer vai se estruturando a
partir de famílias parafrásticas, que dão continuidade espaço-temporal ao sentido
constituído em algum ponto da linha histórica do indivíduo ou da sociedade
(GOMES, 2006).
A polissemia contrapõe-se à paráfrase, sendo definida pelo
deslocamento, que provoca uma ruptura e experimenta um sentido novo no dito
cotidiano. Quando o enunciado passa a ter vários sentidos, causando um equívoco,
o diferente.
Se o real da língua não fosse sujeito à falha e o real da história não fosse
passível de ruptura, não haveria transformação, não haveria movimento possível,
nem dos sujeitos, nem dos sentidos. É porque a língua é sujeita ao equívoco e a
ideologia é um ritual com falhas que o sujeito, ao significar, se significa. Por isso,
dizemos que a incompletude é a condição da linguagem: nem os sujeitos, nem os
sentidos, logo, nem o discurso, já estão prontos e acabados (ORLANDI, 2001),
Nesse percurso, Gomes (2006) situa que os dispositivos analíticos
tornam-se imprescindíveis à análise do discurso, objetivando desvelar os
significantes para se (re)constituir o sentido impresso pelo sujeito. Considerando
uma formação discursiva sobre as dimensões do dito, da linguagem e sobre o não-
dito, o sentido.
3.3 ASPECTOS ÉTICOS
O presente estudo faz parte de um projeto contemplado no edital do PPSUS
intitulado ―Uso Abusivo de Drogas Benzodiazepínicas na Atenção à Saúde Mental:
um estudo sobre a vulnerabilidade e a subjetividade feminina‖, financiado pela
Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico
39
(FUNCAP). Foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade
Estadual do Ceará (UECE), atendendo à Resolução 466/12 (BRASIL, 2012) – que
estabelece a regulamentação para a pesquisa com seres humanos, tendo sido
aprovado com o número de parecer 690.266.
Após isso, para cada participante foi entregue o Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido, para que fosse assinado. O não consentimento por parte dos
pacientes não trouxe (ou trará) prejuízo ao tratamento que estes recebem na
instituição onde será desenvolvida a pesquisa. O sigilo sobre a identidade dos
indivíduos participantes será mantido, sendo que o seu nome próprio será
substituído por um nome fictício e os demais aspectos éticos serão observados
respeitando a resolução 466/12.
40
4 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS
4.1 ANÁLISE CLÍNICO-EPIDEMIOLÓGICO DO ABUSO DE BENZODIAZEPÍNICOS
EM MULHERES
Estudos apontam o uso abusivo de drogas benzodiazepínicas como um
complexo problema de saúde pública (ALVIM et al, 2017; SCHALLEMBERGER E
COLET, 2016; CARLINI et al, 2007). Estes ressaltam alguns fatores preocupantes
na liberação dessas drogas, a saber: distribuição gratuita pelo SUS, tornando
acessível à população e a falta de protocolo para orientar sua prescrição e
dispensação.
A literatura cientifica anuncia uma percentagem maior de uso na
população feminina, indicando uma vulnerabilidade de gênero, associada à condição
social da mulher. Além da maior predisposição a problemas de cunho afetivo e
psicológico, o que confere a elas aproximadamente 30% de prevalência na utilização
dessa medicação (SCHALLEMBERGER E COLET, 2016; ALVARENGA et al, 2008;
CARLINI et al, 2007).
No cenário assistencial há um reforço desse estereótipo e
consequentemente, uma naturalização do uso abusivo de BZD por parte das
mulheres (SOUZA, OPALEYE e NOTO, 2013). Segundo estudos recentes, é
provável que, para além de ser uma questão de gênero, outros aspectos devem ser
considerados, entre eles podemos citar fatores pessoais, sociais e clínicos dessas
mulheres, os quais possuem estreita relação com o uso abusivo de medicamentos
(SCHALLEMBERGER E COLET, 2016; FIRMINO et al, 2011; VANTOUR et al,
2010).
Diante da elevada prevalência do uso de BZD entre mulheres, bem como
o potencial de abuso desses medicamentos e a ausência de estudos nessa área,
propomo-nos neste capitulo a analisar quantitativamente como se dá o padrão de
uso abusivo de drogas benzodiazepínicas por mulheres, na rede pública de saúde.
Consideramos como padrão de uso a queixa/motivo de uso, tipo de BZD utilizado,
tempo de uso e as tentativas de interrupção. Esses dados foram cruzados aos
41
dados pessoais, socioeconômicos e clínicos, no sentido de identificar associações
entre estas variáveis.
4.1.1 Caracterização socioeconômica e demográfica das mulheres em uso
abusivo de BZD
A partir dos dados coletados na primeira parte do instrumento,
apresentamos a seguir a caracterização socioeconômica e demográfica das 520
mulheres em uso abusivo de BZD que procuram atendimento na atenção primária e
nos centros de atenção psicossocial da cidade de Fortaleza – CE.
Conforme observado na tabela 1, a média de idade dessas mulheres é de
53,82±13,39 anos, sendo 65,2% com idade na faixa etária de 21 a 59 anos. Esse
dado vai de encontro a literatura majoritária nesse campo que refere prevalência em
idosos (ALVIM et al, 2017; SILVA E RODRIGUES, 2014; TELES FILHO et al, 2011;
NORDON et al, 2009). No entanto, os resultados que encontramos são corroborados
por Firmino et al (2011), apontando para uma tendência na diminuição desta faixa
etária.
Quanto ao seu estado civil, em sua maioria (60,3%) é sem união estável
(solteira; 44,9% ou viúva; 15,4%). Sobre este quesito, dados levantados por Telles
Filho (2011) em sua pesquisa apontam número elevado de usuárias viúvas, o que
ainda as colocariam em um grupo de risco para isolamento social.
Quanto a religião, a maior parte (94,8%) declarou possuir uma crença e
55,6% declararam não ter trabalho. Em relação a quantidade de pessoas que
moram na mesma residência, temos uma média de 3,35±1,74, sendo 63,7% com
moradia própria.
No que tange escolaridade a maioria possui até o ensino fundamental
(59,8%), e quanto a renda familiar per capita autorreferida, a média foi 1,57±1,28
SM, onde 76,5% tinham renda inferior a dois salários mínimos. Esses dados são
corroborados por outros estudos (VALÉRIO e BECKER, 2014; HUF, LOPES,
42
ROZENFELD, 2000), nos quais a maior parte das mulheres só possui o ensino
básico ou nenhuma escolaridade. Sobre esse aspecto, vale ressaltar que a pesquisa
foi realizada na rede pública, onde se tem uma demanda populacional com menor
poder aquisitivo.
Tabela 1 – Distribuição do número de mulheres em uso abusivo de
benzodiazepínicos, segundo as variáveis socioeconômicas e demográficas.
Fortaleza, 2015-2016.
Variável Nº % Média ±DP
Faixa etária (ano) (n=520)
53,82±13,39
21-39 80 15,4 40-59 259 49,8 60-87 181 34,8 Estado civil (n=519)
Solteira 233 44,9 Casada 206 39,7 Viúva 80 15,4 Tem filho (n=520)
SIM 450 86,5 NÃO 70 13,5 Escolaridade (n=513)
Até Fundamental 307 59,8 Médio/Superior 206 40,2 Religião (n=507)
SIM 493 97,2 NÃO 14 2,8 Ocupação (n=520)
Trabalha 231 44,4 Não trabalha 289 55,6 Renda per capita (SM*) (n=480) 1,57±1,28
0 – 1,0 151 31,5 1,1 – 2,0 216 45,0 2,1 – 13,0 113 23,5 Número de pessoas que moram na residência (n=513) 3,35±1,74
1 54 10,5 2 a 3 256 49,9 4 a 12 203 39,6 Tipo de moradia (n=513)
Própria 327 63,7 Alugada 186 36,3 Fonte: Elaborado pela autora, Notas: *SM (Salário Mínimo=R$ 788,00)
43
Podemos considerar que a partir do século XXI, o papel da mulher na
sociedade foi reelaborado à luz das conquistas relativas à sua inserção no mercado
de trabalho, esta fase da vida (adulta), corresponde ao período em que ela exerce
atividades profissionais somadas aos afazeres domésticos.
Devemos destacar também o expressivo uso por idosas (34,8%),
realidade presente em várias literaturas (ALVIM et al, 2017; SILVA E RODRIGUES,
2014; TELES FILHO et al, 2011; NORDON et al, 2009). Uma vez que o consumo de
medicamentos sofre influência dos indicadores sócio demográficos, os quais nas
últimas décadas têm demonstrado uma tendência crescente no aumento na
expectativa de vida da população, há uma projeção de aumento neste consumo
(KANTORSKI et al, 2011).
Diante do uso abusivo dos benzodiazepínicos de forma mais precoce na
vida adulta, teremos em curto prazo um número elevado de idosas em uso desta
droga há mais de uma década. Por consequência, o processo de envelhecimento
será perpassado por situações de dependência física e psicológica. Além dos
problemas de saúde e socioeconômicos como perda da memória e da função
cognitiva, aumento das tentativas de suicídio, maior risco de acidentes e redução da
capacidade de trabalho (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSIQUIATRIA, 2013).
4.1.2 Padrão de uso abusivo de benzodiazepínicos entre mulheres
A seguir, consta a distribuição de mulheres segundo os aspectos do
padrão de uso abusivo de BZD (queixa/motivo de uso, tipo de BZD utilizado, tempo
de uso e as tentativas de interrupção). Iremos cruzar essas variáveis de padrão de
uso com os dados socioeconômicos, buscando assim alguma associação
estatisticamente significante para o uso abusivo de BZD por mulheres.
De acordo com a Tabela 2, as queixas/motivos do uso do BZD
predominaram depressão (36,9%), insônia (32,7%), estresse (21,0%) e ansiedade
(20,0%). Em vários estudos consultados, as principais indicações para o uso do BZD
44
condiziam com o descrito no nosso estudo, referente aos sintomas depressivos,
ansiosos e dificuldade de dormir (NALOTO et al, 2016; MEZZARI E ISER, 2015;
SOUZA, OPALEYE e NOTO, 2013; NORDON et al, 2009). Vale salientar que
identificamos outros motivos de uso não citados em outras pesquisas, a saber:
estresse, pânico, perdas e tristeza.
Observamos que a queixa mais citada pelas mulheres foi a depressão.
Importante ressaltar que o uso prolongado de BZD não é a medicação de escolha
para esta queixa. Segundo Naloto et al (2016), esse medicamento até pode ser
combinado aos fármacos antidepressivos quando o diagnóstico de depressão está
associado também a um quadro ansioso. No entanto, essa conduta é recomendada
apenas nas primeiras quatro semanas do início terapêutico. Após esse período os
riscos de dependência e tolerância superam os benefícios terapêuticos.
No tocante aos tipos de benzodiazepínico, o mais consumido foi o
Diazepam® (63,0%), seguido pelo Alprazolam® (16,6%) e Clonazepam® (13,4%).
Esta prevalência da prescrição do Diazepam foi compatível com estudos também
realizados em instituições públicas no Brasil (FIRMINO et al, 2011; TELLES FILHO
et al, 2011; NORDON et al, 2009).
O que irá diferenciar um BZD de outro é seu mecanismo de metabolização,
ou seja, o tempo de permanência da droga no corpo, sendo nomeado esse processo
de meia-vida plasmática. Assim, têm-se os BZD‘s de meia-vida mais longa
(clordiazepóxido, diazepam, prazepam, clorazepato, halazepam, clonazepam,
bromazepam, flurazepam), meia-vida relativamente curta (oxazepam, lorazepam,
temazepam) e meia-vida curta (alprazolam, adinazolam e triazolam). No entanto,
não se deve fazer uma escolha terapêutica de um BZD apenas com base em sua
meia-vida, precisa-se entender como se dá seu índice de absorção e distribuição no
organismo, suas propriedades lipofílicas e hidrofílicas, e sua afinidade pelos
receptores (FEIJÓ, 1999).
Em 2012, a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) lançou a
segunda edição do Boletim do Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos
Controlados (SNGPC), que publica uma série de dados relativos ao comércio de
45
medicamentos controlados no Brasil. Apresenta os ansiolíticos mais consumidos
pela população brasileira no período de 2007 a 2010, estando nas três primeiras
posições de venda os fármacos Clonazepam (301.437), Alprazolam (249.134) e
Bromazepam (177.039). Só em 2010, foram vendidas cerca de 10 milhões de caixas
do medicamento Rivotril® (Clonazepam) – o primeiro da lista (ANVISA, 2015).
O Alprazolam (16,6%), o segundo mais utilizado em nossa pesquisa, é
um fármaco com meia-vida intermediária (12 a 16 horas) e com características mais
ansiolíticas que sedativas (KATZUNG, 2014). Em um estudo realizado em uma
farmácia de manipulação da cidade de Paranavaí (PR), após análise de 500
receitas, apresentou o alprazolam (20,45%) como o mais prescrito (SILVA;
RODRIGUES, 2014).
Dentre as questões que permeiam o tempo de uso, constatou-se uma
predominância do uso há mais de 2 anos (77,1%), com média de 8,4±9,2 anos.
Segundo literatura especializada (NETTO, FREITAS E PEREIRA, 2012 e
CUNNINGHAM, HANLEY E MORGAN, 2010), este período de uso não deveria
ultrapassar seis meses, pois devido a sua elevada lipossolubilidade, o uso
prolongado induz à ocorrência de síndrome de abstinência. Como esta pode
acontecer entre um e onze dias após a suspensão do medicamento, quanto maior
for o tempo de uso mais difícil será para a paciente interrompê-lo (FUCHS, LENITA,
2010).
No referente à tentativa de interrupção, constatamos que 61,6% da
amostra empreendeu algum ensaio de interromper o uso do BZD, mas sem obter
sucesso. Dentre essas tentativas de interrupção, os principais motivos de insucesso
foram insônia (25,2%), angústia (15,6%), estresse (11,7%) e ansiedade (9,2%).
O distúrbio do sono (insônia) apresenta-se como principal motivo do
insucesso da tentativa de interrupção do uso. Na literatura internacional, pelo último
consenso de tratamento de insônia, os BZDs não são drogas de primeira escolha,
pelo contrário, o uso crônico de BZD é referido como causa de insônia. Atualmente a
tendência de uso de novos sedativos hipnóticos mais seguros e eficazes, como
menor dependência e abstinência. Por exemplo, os novos agonistas do receptor
46
GABA-A ou drogas Z (Zolpidem, Zaleplona, Zopiclona), que irão agir de forma mais
seletiva (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSIQUIATRIA, 2013), no entanto, esses
fármacos não são disponibilizados na rede pública de saúde.
Tabela 2 – Distribuição do número de mulheres segundo os aspectos do padrão de
uso abusivo de benzodiazepínicos. Fortaleza-CE, Brasil, 2015-2016.
Variável Nº %
Queixa/motivo de uso*
Depressão 192 36,9
Insônia 170 32,7
Estresse 109 21,0
Ansiedade 104 20,0
Pânico 52 10,0
Perdas 49 9,4
Tristeza 42 8,1
Benzodiazepínico utilizado (n=506)
Diazepam 319 63,0
Alprazolam 84 16,6
Clonazepam 68 13,4
Bromazepam 35 6,9
Tempo de uso do benzodiazepínico (ano) (n=516) -Média±DP: 8,4±9,2
< 2 118 22,9
2 – 10 276 53,5
> 11 122 23,6
Tentativas de interrupção de uso (n=520)
Sim 317 61,6
Não 198 38,4
Motivo de insucesso do abandono*
Insônia 131 25,2
Angústia 81 15,6
Estresse 61 11,7
Ansiedade 48 9,2
Depressão 38 7,3
Crise 26 5,0
Medo 12 2,3
Outros 58 11,2
Fonte: Elaborado pela autora, Nota: *a mulher poderia relatar mais de um motivo
A população estudada nesta pesquisa tem uma média de uso do BZD de
aproximadamente 8 anos, fato este que dificulta a interrupção, pois a relação com o
fármaco já é possivelmente de dependência. Conforme várias literaturas confirmam,
47
a razão para continuação do uso abusivo do BZD está relacionada ao temor do
retorno e da intensificação dos sintomas, ou do comprometimento do desempenho
das atividades cotidianas (ALVIM et al, 2017; NORDON et al, 2009). Neste sentido,
a dependência é uma síndrome comportamental com perda de controle (compulsão)
sobre o consumo do fármaco (fissura) com intensos prejuízos individuais e sociais.
Tal afirmação justifica-se ao identificarmos os motivos de insucesso
apreendidos neste estudo. A tentativa de interromper o uso levou ao retorno de
alguns sintomas como a insônia, angústia, estresse, ansiedade, depressão, crise e
medo de sentir algo. Desse modo, frente à perspectiva de retorno dos sintomas, o
receio de não conseguir dormir e pelo fato de não terem informações sobre a
importância de parar o uso do BZD, essa clientela adere ao uso abusivo deste
fármaco.
a) Queixas/Motivos de uso abusivo de BZD por mulheres
Este tópico vem apresentar as associações existentes entre as principais
queixas/motivos de uso (depressão, insônia, estresse e ansiedade) e as variáveis
socioeconômicas (estado civil, religião, escolaridade, idade, anos de casada,
número de filhos e renda familiar).
Conforme evidenciado na tabela 3, apenas a queixa depressão
apresentou associação com o estado civil, havendo diferença estatisticamente
significante (p<0,05). Desse modo, notamos a depressão com percentual maior nas
mulheres solteiras (43,8%), em comparação as mulheres viúvas (23,8%), com
p=0,003. O contrário acontece com a queixa estresse, temos um percentual maior
desta queixa nas mulheres viúvas (25,0%) e casadas (24,8%) em comparação as
solteiras (16,3%), p=0,060.
Não encontramos, porém, na literatura pertinente ao tema,
fundamentação teórica para justificar essas associações. Podemos relacionar esse
percentual elevado de mulheres solteiras relatando o uso do BZD para o tratamento
da depressão, com o fato de que muitas vezes a sociedade exige que a mulher
tenha uma relação estável, uma família.
48
Tabela 3 – Distribuição do número de mulheres segundo queixas/motivos de uso dos
benzodiazepínicos e as variáveis socioeconômicas. Fortaleza-CE, Brasil, 2015-2016.
Variáveis
Queixa/Motivo de Uso
Depressão Insônia Estresse Ansiedade
Nº % Nº % Nº % Nº %
Estado Civil (n=519)
Solteira 102 43,8 70 30,0 38 16,3 22 9,4
Casada 70 34,0 69 33,5 51 24,8 17 8,3
Viúva 19 23,8 31 38,8 20 25,0 9 11,3
ρ 0,003a 0,344a 0,060a 0,728a
Religião (n=507)
Não 7 50,0 3 21,4 1 7,1 0 0,0
Sim 175 35,5 165 33,5 106 21,5 44 8,9
Ρ 0,265a 0,345a 0,194a 0,242a
Escolaridade (n=513)
Até
fundamental 105 34,2 108 35,2 73 23,8 29 9,4
Médio / Superior
82 39,8 60 29,1 36 17,5 19 9,2
Ρ 0,196a 0,152a 0,087a 0,932a
Média ± DP Média ± DP Média ± DP Média ± DP Ρ
Idade 51,1 ± 13,0 55,9 ± 13,6 54,6 ± 14,4 54,8 ± 13,4 0,006b
Anos de Casada
12,5 ± 14,8 20,3 ± 16,7 17,0 ± 16,8 19,2 ±16,5 0,001b
Nº de filhos 2,1 ± 1,8 3,0 ± 2,3 2,9 ± 2,8 2,9 ± 2,1 <0,0001b
Renda per capita (SM)
1,6 ± 1,5 1,6 ± 1,3 1,6 ± 1,3 1,5 ± 1,0 0,853b
Ρ
Idade Depressão e Insônia
0,004c
Anos de casada Depressão e Ansiedade
0,017c
Depressão e Insônia
0,001c
Nº de filhos Depressão e Ansiedade
0,028c
Depressão e Insônia
0,001c
Depressão e Estresse
0,009c
Notas: ρ (a): Qui-quadrado; ρ (b): ANOVA; ρ (c): Comparações múltiplas pelo teste de Tukey HSD
Fonte: elaborado pela autora
49
As demais queixas/motivos de uso não diferem entre si quando
correlacionadas às variáveis religião e escolaridade (p>0,05). No entanto, vale
salientar algumas predominâncias: a maioria das mulheres que declararam não
terem religião apresentava depressão (50%). Além disso, percebemos que as
queixas insônia (35,2%) e estresse (23,8%) aparecem em um percentual maior nas
mulheres com menor escolaridade.
Ao se analisar as médias das variáveis, segundo as queixas, verificou-se
que diferiram as médias de idade (p=0,006), anos de casada (p=0,001) e número de
filhos (p<0,0001). Pelo teste de comparações múltiplas, a média de idade de
pessoas com depressão foi menor que a de insônia (p=0,004); a média de anos de
casada das mulheres com depressão foi menor que a ansiedade (p=0,017) e a
insônia (p=0,001); o número médio de filhos daquelas com depressão também foi
menor que as com ansiedade (p=0,028), insônia (p=0,001) e estresse (p=0,009).
Vale ressaltar que estados de insônia, estresse e ansiedade serão uma
constante na vida da mulher moderna. Resultando, portanto, no surgimento das
queixas e sintomas destacados como os motivos para a prescrição do BZD
(VANTOUR et al, 2010; NETTO, FREITAS E PEREIRA, 2012).
Além disso, a inserção da mulher no mercado de trabalho também lhes
trouxe um adicional de atividades, seja dentro seja fora de casa. Uma vez que foram
designadas à manutenção das tarefas que já lhe eram destinadas junto aos
cuidados com o lar e a educação dos filhos. Logo, torna-se inevitável que, para
algumas mulheres e em um determinado momento, este acúmulo de papéis venha a
ter consequências. Por isso, podem se constituir em fontes de conflitos e tensões
que se potencializam frente ao contexto socioeconômico que determina uma
subsistência precária em termos de acesso aos bens e serviços essenciais à vida.
Temos também o processo de senectude que por si mesma já apresenta
alterações fisiológicas nos padrões de sono e de adaptação às situações novas e
inusitadas. Nestes casos, o benefício obtido com o BZD precisa ser avaliado quanto
aos riscos que ele pode trazer. Principalmente porque o uso abusivo produz
sedação diurna em algum nível, favorecendo a ocorrência de quedas com fratura de
50
fêmur, exacerbação de declínio cognitivo e inclusive comprometimento das funções
vitais (RISKA et al, 2014).
b) Tipos de BZD em uso abusivo por mulheres
A tabela 4 apresenta as relações existentes entre o tipo de BZD usado e
variáveis como idade, escolaridade, renda, tempo e motivo do uso. Houve
associação estatística significativa na maioria das variáveis, só não identificamos
p<0,05 na variável idade.
Tabela 4 – Distribuição do número de mulheres segundo o tipo de BZD e as variáveis
queixas/motivos e tempo do uso. Fortaleza-CE, Brasil, 2015-2016.
Variáveis
Tipo de BZD
Ρ Diazepam Alprazolam Clonazepam Bromazepam
Nº % Nº % Nº % Nº %
Idade (ano) (n=506) 0,323a
Até 59 216 64,7 52 15,6 47 14,0 19 5,7 60 ou + 103 59,9 32 18,6 21 12,2 16 9,3
Escolaridade (n=499) <0,0001a
Até fundamental
207 69,5 35 11,7 34 11,4 22 7,4
Médio / Superior
108 53,7 48 23,9 33 16,4 12 6,0
Renda per capita (SM) (n=466) 0,007a
0,0 – 1,0 111 74,0 18 12,0 11 7,3 10 6,7 1,1 – 2,0 120 58,2 36 17,5 36 17,5 14 6,8 2,1 – 13,0 58 52,7 26 23,6 17 15,5 9 8,2
Tempo de uso (ano) (n=502) <0,0001a
< 2 59 18,5 32 39,0 16 23,5 7 20,6 2 – 10 164 51,6 45 54,9 41 60,3 19 55,9 11 ou + 95 29,9 5 6,1 11 16,2 8 23,5
Queixa / Motivo de uso (n=506)* Depressão 122 63,5 32 16,7 26 13,5 9 4,7 <0,0001b
Insônia 107 62,9 27 15,9 17 10,0 11 6,5 <0,0001b
Estresse 69 63,3 17 15,6 15 13,8 7 6,4 <0,0001b
Angústia 66 61,7 12 11,2 18 16,8 8 7,5 <0,0001b
Pânico 23 44,2 14 26,9 14 26,9 1 1,9 0,004b
Perdas 35 71,4 7 14,3 3 6,1 4 8,2 <0,0001b
Tristeza 30 71,4 5 11,9 5 11,9 2 4,8 0,001b
Fonte: Elaborada pela autora, Notas: ρa: Qui-quadrado; ρb: Qui-quadrado para cada uma das queixas individualmente. *A mulher poderia citar mais de uma queixa
Desse modo, o estudo apresenta que a escolha do tipo de BZD
independe da idade. Atentamos, novamente, o predomínio de idosos em uso de
51
Diazepam (59,9%) e de BZD de meia-vida longa (Diazepam e Clonazepam; 72,1%).
O estudo de Alvim et al (2017), realizado com 423 idosos na comunidade em Juiz de
Fora - MG, constatou também alta prevalência no uso de BZD de meia-vida longa
(59,2%), corroborando com nosso estudo.
Nesta perspectiva, colaborou também uma pesquisa realizada por Park,
Bae e Shin (2017) na Coréia do Sul com 58.056 pacientes idosos (38.910 mulheres,
67%). Constatou-se um número total de prescrições BZD de 78.843, das quais
44,7% eram farmacos de ação prolongada, sendo o Diazepam o BZD mais
freqüentemente prescrito (39,7%) para idosos.
A literatura aponta que existem limitações nas indicações de BZD para
idosos, principalmente os de meia-vida longa, pois acumulam quando administrados
repetidamente e seus efeitos indesejáveis podem manifestar-se depois de vários
dias ou semanas. Com isso, pode levar-se à depressão do sistema nervoso central,
como diminuição da atividade psicomotora, prejuízo da memória e a potencialização
do efeito depressor pela interação com outras drogas (ALVIM et al, 2017).
A política brasileira de acesso aos psicofármacos preconiza um
acompanhamento clínico que favoreça a realização de prescrições condizentes com
as indicações de cada medicamento, visando o seu uso racional e adequado. Nesta
perspectiva, a terapêutica medicamentosa não exclui outras abordagens
assistenciais que estejam em consonância com a necessidade de se questionar a
prescrição e o uso abusivo do BZD (KANTORSKI et al, 2011).
No tocante a escolaridade e renda familiar, este estudo reforça que o tipo
de BZD Diazepam é mais usado pelas mulheres com baixa escolaridade (p<0,0001)
e baixa renda familiar (p=0,007). Ou seja, mulheres com escolaridade até o
fundamental e com renda menor que dois salários mínimos. Podemos justificar essa
associação pelo fato do Diazepam ser liberado na rede pública.
A seleção do Diazepam nos serviços público dá-se por ser uma droga
pertencente à Relação Nacional de Medicamentos Essenciais – RENAME (2017).
Além de ser eficaz, seguro, de baixo custo e de grande experiência clínica nas suas
diversas aplicações (FIRMINO et al, 2011). O Clonazepam, também, está na lista do
52
RENAME e é liberado na rede pública, sendo um fármaco com tempo de ação longo
e propriedades mais sedativas, porém proporciona um efeito com duração reduzida
quando comparado ao Diazepam (KATZUNG, 2014).
Em relação ao cruzamento tipo de BZD e o tempo de uso, o estudo
revelou que dentre as mulheres que fazem uso de Diazepam, 81,5% o fazem por
mais de 2 anos (p< 0,0001). Já as que usam Alprazolam, apresentam um percentual
maior no intervalo de tempo menor que dois anos (39,0%). Para Alvim et al (2017), o
uso prolongado inclui o desenvolvimento de tolerância e aumento da dose,
dependência e abuso de medicamentos. Sendo o Diazepam, o fármaco de ação
prolongada, que possui mais efeitos colaterais e maior tolerância a medicação.
De acordo com Katzung (2014), o Alprazolam é o BZD mais eficaz nos
quadros de ansiedade, tem boa tolerabilidade e promove menor sedação, assim
com menos efeitos colaterais. No entanto, ele não é fornecido na rede pública,
apenas em farmácias privadas.
Essas mulheres de classe social mais baixa ficam submissas às drogas
com maiores efeitos de dependência e tolerância, com estratégias terapêuticas
muito restritas para a abordagem de suas queixas. O uso abusivo do Diazepam em
mulheres, articula-se a um controle social, no qual a consolidação do domínio de
grandes corporações amplia a submissão da coletividade a padrões de conduta
massiva. Favorecendo, dessa forma, o enrijecimento de identidades unilateralizadas
e a condição de vulnerabilidade a que esse grupo fica exposto (BREILH, 2015).
No referente ao cruzamento do tipo de BZD com as queixas/motivos do
uso, identificamos diferença estatisticamente significante (p<0,05). A maioria das
mulheres que apresentam queixas como depressão (p<0,0001), insônia (p<0,0001),
estresse (p<0,0001), angústia (p<0,0001), perdas (p<0,0001) e tristeza (p=0,001)
fazem uso do Diazepam.
Em paralelo, o Diazepam foi mais utilizado pelas mulheres quando a
queixa era de perdas e/ou tristeza (71,4% cada). Enquanto o Alprazolam e
Clonazepam foram mais frequentes entre aquelas que relataram pânico (26,9%). Por
fim, o Bromazepam esteve mais associado, também, a queixa de perdas (8,2%). A
53
literatura confirma a utilização de Alprazolam ou Clonazepam no transtorno de
pânico, por ter a vantagem de atuar rápido e não causar disfunção sexual, nem
aumento de peso. No entanto, a orientação é entrar também com inibidores seletivos
da recaptação de serotonina (ISRS‘s) e realizar a redução gradativamente após 3 a
4 semanas do BZD, uma vez que os benefícios dos ISRS‘s já estariam se
manifestado (SADOCK, 2007).
Ao analisar o uso do Diazepam, como sendo o fármaco mais prescrito,
com maior tempo de uso e prevalencendo em todas as queixas, percebemos que
algumas características estão associadas a esse abuso. Primeiro, o Diazepam é
uma das drogas mais antigas, conhecida pela comunidade. Segundo, este fármaco
é dispensado na rede pública e geralmente os médicos mantêm o medicamento, se
o paciente já usa há algum tempo. Dessa forma, a presente pesquisa vem
mostrando o uso inadequado dos BZDs para tratar problemas decorrentes das
adversidades da vida.
c) Tempo de uso do BZD
A tabela 5 relaciona o tempo de uso do BZD com as variáveis: idade,
estado civil, religião, escolaridade, renda familiar per capita referida e queixa/motivo
de uso. Não se encontrou associação entre tempo de uso e as variáveis estado civil
(p=0,116), religião (p=0,537) e renda familiar (p=0,528).
Constatamos associação entre tempo de uso com idade e escolaridade.
Ou seja, as mulheres com maior tempo de uso do BZD, em sua maioria, têm 60 ou
mais anos (80,5%, p=0,034) e baixa escolaridade (80,4%; p=0,001). Esta relação
era esperada, uma vez que essas mulheres tendem a começar o uso do
medicamento de forma precoce e sem conseguir interromper o tratamento inicial,
levando a uma alta dependência. Além da falta de informação sobre os efeitos do
uso abusivo pela baixa escolaridade e acesso aos meios de comunicação.
54
Tabela 5 – Distribuição do número de mulheres segundo o tempo de uso do BZD e as
variáveis socioeconômicas e clínicas. Fortaleza-CE, Brasil, 2015-2016.
Variáveis
Tempo de Uso (anos)
ρ
< 2 2 – 10 11 ou +
Nº % Nº % Nº %
Idade (anos) (n=516) 0,034a
Até 59 83 24,6 186 55,2 68 20,2 60 ou + 35 19,6 90 50,3 54 30,2
Estado civil (n=515) 0,116a Solteira 46 19,8 128 55,2 58 25,0
Casada 58 28,4 106 52,0 40 19,6 Viúva 14 17,7 42 53,2 23 29,1
Religião (n=503) 0,537a Sem religião 5 35,7 6 42,9 3 21,4
Católica/Evangélica 113 23,1 263 53,8 113 23,1 Escolaridade (n=509) 0,001a
Até fundamental 60 19,6 158 51,6 88 28,8 Médio/Superior 58 28,6 114 56,2 31 15,3
Renda (SM) (n=476) 0,528b
0,0 – 1,0 32 21,3 78 52,0 40 26,7 1,1 – 2,0 53 24,8 115 53,7 46 21,5 2,1 – 13,0 22 19,6 67 59,8 23 20,5
Queixa / Motivo do uso* Depressão 43 22,4 104 54,2 45 23,4 0,970a
Insônia 46 27,1 90 52,9 34 20,0 0,184a
Estresse 30 27,5 52 47,7 27 24,8 0,325a
Angústia 22 21,0 52 49,5 31 29,5 0,283a
Pânico 12 23,1 29 55,8 11 21,2 0,901a
Perdas 4 8,5 27 57,4 16 34,0 0,028a
Tristeza 3 7,1 27 64,3 12 28,6 0,041a
Tentativas de interrupção de uso (n=511) 0,005a
NÃO 58 29,4 90 45,7 49 24,9 SIM 57 18,2 184 58,6 73 23,2
Motivo de insucesso do abandono* Insônia 28 21,5 76 58,5 26 20,0 0,384a
Angústia 8 9,9 42 51,9 31 38,3 <0,0001a
Ansiedade 7 14,6 29 60,4 12 25 0,349a
Fonte: Elaborada pela autora, Notas: ρ (a): Qui-quadrado de Pearson; ρ (b): Associação Linear. *A mulher poderia citar mais de um motivo.
Os principais fatores condicionantes da dependência são o tempo de uso
e a dose diária. A partir do terceiro mês de uso até doze meses, aumenta de 10% a
15% o risco de dependência. Acrescidos mais doze meses, a probabilidade aumenta
entre 25% a 40% (AUCHEWSKI et al, 2004). Além disso, quanto maior o tempo de
uso, maior o risco de acidentes (domésticos e ocupacionais); de aumento das
55
tentativas de suicídio; e da redução da capacidade de trabalho, entre outros
(ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSIQUIATRIA, 2013).
A relação entre tempo e a queixa/motivo de uso do BZD foi
estatisticamente significante em duas queixas, a saber: perdas e tristeza. Quando o
motivo do uso foi alguma perda, a maioria das mulheres usam o BZD por mais de
dois anos (91,4%; ρ=0,028). O mesmo acontece para queixa de tristeza (92,9%;
ρ=0,041). Já os motivos de uso depressão, insônia, estresse, angústia e pânico não
influenciaram o tempo de uso.
Torna-se importante destacar essa medicalização de eventos da vida
cotidiana, como perdas e tristeza. O casamento da medicina científica com o modo
de produção capitalista alça o BZD à categoria de mercadoria. Servindo ao mesmo
tempo, para a manutenção do funcionamento de um corpo que atenda às
necessidades do mercado – sem demonstrar mal-estar ou dor, e a constituição de
um produto imensamente lucrativo para a indústria farmacêutica (SILVEIRA;
MARTINS; RODRIGUES, 2015).
Dessa forma, para Dantas (2009, p. 564):
O uso abusivo de medicamentos na atualidade parece ser um dos traços significativos de nossa cultura ocidental, na qual impera a convicção de que o mal-estar, bem como o sofrimento de todo gênero, deve ser abolido a qualquer preço. A medicalização da vida tem se tornado cada vez mais, na sociedade ocidental moderna, um dos caminhos mais eficientes e rápidos para amenizar o sofrimento psíquico e os problemas que nos assolam cotidianamente. Neste sentido, o psicofármaco aparece como uma solução técnica para eliminar nossas inquietações, diante de uma sociedade que nos impõe a necessidade de estar na condição de felicidade permanente.
Observamos também a associação entre o tempo de uso e a tentativa de
interrupção do uso do BZD. 58,6 % das mulheres que tentaram interromper a
medicação já a usavam por um intervalo de tempo de 2 a 10 anos. Em contrapartida,
apenas 18,2% das que fazem uso da droga por menos de 2 anos tentaram
interromper (p=0,005). Não encontramos estudos na literatura discutindo esta
associação. No entanto, algumas complicações podem ocorrer com maior
56
frequência, após uso prolongado. Estimulando, assim, a mulher a tentar interromper
seu uso.
A Associação Brasileira de Psiquiatria (2013) descreve algumas das
complicações, a saber: disfunção sexual, ganho de peso, alterações de ciclo
menstrual, erupções cutâneas, anomalias hematológicas e agravamento de
glaucoma de ângulo fechado. Em 1% dos casos, pode ocorrer a reação paradoxal,
com instabilidade emocional, agitação psicomotora, irritabilidade e confusão mental.
Além dos principais efeitos colaterais que incluem a diminuição da atividade
psicomotora, a intolerância, o prejuízo na memória, a dependência e a
potencialização do efeito depressor.
Com relação ao tempo de uso e o motivo do insucesso da tentativa de
interrupção, o estudo apresentou associação na queixa angústia. Ou seja, 90,2%
das mulheres relataram a angústia como motivo de insucesso, utilizam o BZD por
mais de 2 anos (p<0,0001).
A angústia passa a ser traduzida como um estado patológico crônico,
resultando como única opção terapêutica a medicalização. Contexto este trazido por
Martins et al (2017) ao ressaltar que os serviços de saúde atendem essa demanda
em busca de alivio do sofrimento psíquico. Como resposta recebe uma assistência
unicamente realizada com tratamentos à base de recursos químicos
(medicamentos). A escuta dos problemas existenciais tem sido progressivamente
esquecida e até mesmo, muitas vezes, silenciada.
d) Tentativa de interrupção de uso do BZD
Quando se relaciona a tentativa de interrupção com os dados pessoais e
econômicos dessas mulheres, observamos que não há diferença estatisticamente
significante quanto ao estado civil (p=0,666), a religião (p=0,779) e a escolaridade
(p=0,239). Vale salientar que entre as mulheres casadas, 63,9% tentaram
interromper o uso da medicação em algum momento da vida (Tabela 6).
No referente a religião e a escolaridade, percebemos que não influenciam
diretamente as tentativas de interrupção. Daquelas que declararam uma religião
57
60,9% iniciaram algum procedimento de desmame da medicação. Já as com maior
nível de escolaridade (ensino médio ou ensino superior), 64,4% realizaram alguma
tentativa de interrupção do uso de BZD.
Tabela 6 – Distribuição do número de mulheres segundo a tentativa de interrupção do
uso de benzodiazepínicos e as variáveis sócio clínicas. Fortaleza-CE, Brasil, 2015-
2017.
Variáveis
Tentativa de Interrupção do uso
NÃO SIM
Nº % Nº %
ρ
Estado Civil 0,666a
Solteira 90 39,3 139 60,7
Casada 74 36,1 131 63,9
Viúva 33 41,3 47 58,8
Religião 0,779a
Sem religião 6 42,9 8 57,1
Católica/Evangélica 191 39,1 297 60,9
Escolaridade 0,239a
Até básica 125 40,8 181 59,2
Médio/ Superior 72 35,6 130 64,4
BZD utilizado 0,204a
Bromazepam 16 45,7 19 54,3 Alprazolam 34 40,5 50 59,5 Clonazepam 31 46,3 36 53,7 Diazepam 109 34,6 206 65,4
Queixa/motivo de uso do BZD 0,697a
Insônia 62 36,5 108 63,5 Estresse 45 41,7 63 58,3 Angústia 44 41,5 62 58,5 Depressão 70 36,6 121 63,4
Média ± DP Média ± DP ρ
Idade 53,8 ± 13,9 53,7 ± 13 0,976b
Anos de Casada 15,7 ± 16,4 17,3 ± 16,3 0,330b
Nº de filhos 2,3 ± 1,6 2,4 ± 1,5 0,540b
Renda per capita (SM) 1,5 ± 1,9 1,6 ± 1,2 0,354b
Fonte: Elaborada pela autora, Notas: ρ (a): Qui-quadrado de Pearson; ρ (b): Teste t de Student.
Com relação aos cruzamentos entre tentativa de interrupção e os dados
clínicos (tipo de BZD e queixas/motivos de uso) não houve associação significante.
Vale ressaltar que entre as mulheres que usam Diazepam, 65,4% tentaram
58
interromper o uso. Já as com motivos de uso depressão e/ou insônia, 63,4% e
63,5%, respectivamente, tentaram interromper.
Por conseguinte, as tentativas de interrupção demonstraram que essas
mulheres têm consciência das conseqüências do uso abusivo do BZD, algo que
deveria ser aproveitado pelos médicos para rever tratamentos alternativos ao
medicamentoso (NORDON et al., 2009).
A média de idade das mulheres que não empreenderam tentativas de
interromper no uso do benzodiazepínico (53,8 ± 13,9) foi igual a daquelas que
empreenderam (p=0,976). O mesmo aconteceu para as variáveis: anos de casada
(15,7 ± 16,4; p=0,330), número de filhos (2,3 ± 1,6; p=0,540) e renda per capita (1,5
± 1,9; p=0,354).
Percebemos um porcentual mais elevado na tentativa de interrupção do
uso em todas as variáveis cruzadas. Sabemos da dificuldade de retirar o BZD diante
do uso abusivo, o maior temor dessas mulheres está relacionado ao retorno dos
sintomas de forma mais intensa, comprometendo suas atividades cotidianas.
Em uma revisão sistemática sobre a temática, Castro et al. (2013)
ressaltam que 50% dos pacientes que interromperam um tratamento com BZD
voltaram a usar a droga após um ano. Sendo, portanto, o fármaco mais difícil de
interromper o uso.
O BZD, porém, não pode se constituir em um anteparo adaptativo que a
sujeite ao uso crônico e, consequentemente, à dependência desse medicamento.
Logo, o uso abusivo reflete uma abordagem reducionista das queixas das pacientes.
Além disso, há a falta de uma assistência em que sejam ofertadas outras
possibilidades terapêuticas para os sintomas inerentes à vida na sociedade atual
(CARRILHO et al, 2015).
Por sua vez, o discurso da vulnerabilidade feminina é produzido neste
contexto e tem ressonância no âmbito das políticas e dos serviços de saúde.
Principalmente quando sua organização é pautada em torno de uma apreensão do
corpo da mulher que o destina essencialmente à procriação. Ou quando lhe oferece
59
um suporte assistencial focado no adoecimento orgânico justificado pela severidade
do câncer seja ele de mama ou do colo do útero. Ou ainda, pela ausência de uma
abordagem que considere a subjetividade feminina como um lugar onde ela possa
se colocar sem os cerceios forjados pelo viés da biopolítica (SILVA et al, 2015).
Esses discursos, em geral, têm justificado a prescrição e o uso abusivo
dos benzodiazepínicos, por compreender a mulher a partir de um estereótipo
construído socialmente ao longo dos anos. A publicidade da indústria farmacêutica
tem se apropriado desta imagem chegando a influenciar tanto os prescritores quanto
as próprias mulheres (NETTO, FREITAS E PEREIRA, 2012; CUNNINGHAM,
HANLEY E MORGAN, 2010).
Outro aspecto que merece destaque são as condições em que ocorre a
tradução de um sintoma ou de uma queixa em um diagnóstico biomédico. No
espaço de um atendimento individual estão em jogo perspectivas singulares de
acolhimento de uma demanda. Mesmo assim, faz-se pertinente interrogar em que
condições os diagnósticos de depressão, ansiedade e estresse foram elaborados e
utilizados como justificativa para a prescrição do BZD. Pois, em tese a existência por
si mesma não pode ser cunhada por uma patologicização dos modos de viver e de
reagir às adversidades (CARRILHO et al, 2015; SILVA et al, 2015).
Por fim, precisamos pensar o tipo de relações existentes nesses espaços
assistenciais, em que há uma alta dispensação de BZD‘s, muitas vezes por falta de
informações adequadas sobre a droga. Além disso, como apresentado em algumas
pesquisas, gera-se entre a equipe de saúde e o paciente um relacionamento
afetuoso, surgindo assim um receio de negar os medicamentos comumente tão
requisitados pelo usuário (NORDON et al, 2009).
60
4.2 ANÁLISE DA PRODUÇÃO DISCURSIVA DAS MULHERES EM USO ABUSIVO
DO BENZODIAZEPÍNICO: PERSPECTIVA SUBJETIVA E SINGULAR.
Dialogamos no tópico anterior ―Análise clínico-epidemiológico do abuso
de benzodiazepínicos entre mulheres‖ acerca da análise quantitativa do padrão de
uso abusivo dos benzodiazepínicos por mulheres, trazendo a toma a medicalização
do sofrimento e a vulnerabilidade da mulher centrada numa perspectiva social e
cultural.
Consideramos que esta análise quantitativa não foi suficiente para
compreendermos este fenômeno do uso abusivo de BZD por mulheres, deixando de
fora a relação singular do sujeito com seu desejo. Nesse sentido, iremos tratar a
seguir da análise da produção discursiva dessas mulheres, numa perspectiva
subjetiva e singular.
Primeiramente, iremos apresentar as formações discursivas encontradas,
em seguida as rupturas que emergiram dos discursos, finalizando com a formação
ideológica que ampara o discurso, articulando o referencial da psicanálise.
4.2.1 Análise das formações discursivas
O processo discursivo se operacionaliza pelas sucessivas leituras do
material, considerando o contexto social e histórico em que as mulheres da pesquisa
realizaram seus discursos. Além da leitura individual, realizamos uma oficina de
trabalho para discussão das entrevistas com o grupo de estudo do Laboratório de
Psicanálise da UECE.
Durante a oficina, na perspectiva de identificar as formações discursivas,
utilizamos os dispositivos analíticos para irmos mais além do que foi dito. Ou seja,
processo de dessuperficialização do material analítico, objetivando encontrar os
mecanismos de produção de sentido dos sujeitos. Nesse sentido, iniciamos a
61
análise do material empírico identificando os discursos parafrásticos e polissêmicos,
além da interdiscursividade, do efeito metafórico e do discurso de negação.
Após esse trabalho inicial, iremos apresentar as formações discursivas
emergidas a partir dos elementos enunciados presentes nas falas das mulheres
quando questionadas sobre o uso do BZD em sua vida cotidiana. Identificamos três
formações, a saber: Formação Discursiva Religiosa, Formação Discursiva Biomédica
e Medicalização da Vida Cotidiana: pontos de rupturas.
4.2.1 Formação Discursiva Biomédica
Iremos discutir a ―Formação Discursiva Biomédica‖, cuja base
epistemológica surge da união entre a clínica e a ciência moderna cartesiana, além
de desvelar aquilo que é formulado como demanda de cuidado e a oferta de uma
prescrição medicamentosa.
Para entendermos o contexto da produção discursiva acerca do abuso de
benzodiazepínicos entre mulheres, precisamos situá-lo inicialmente no cenário do
surgimento da medicina moderna em seus alicerces científicos.
O nascimento desta medicina é balizado por uma aproximação entre a
clínica e o aforismo científico, buscando na razão os recursos para a recuperação da
certeza científica. Nasce, portanto, o sujeito do conhecimento e, com ele, a certeza
de que a razão humana seria capaz de conhecer completamente as paixões e as
emoções, governando-as e dominando-as. O sujeito do conhecimento que será
definido pelo método cartesiano não é outro senão o sujeito da ciência, ou seja, o
detentor da verdade (SANTOS, 2010).
O modelo biomédico foi difundido no século XX através do Relatório de
Flexner que recomenda uma formação acadêmica de caráter experimental, biológica
e orientada para especialização dos profissionais da saúde. Este paradigma
flexneriano encontra-se hegemônico nas práticas clínicas atuais e tem como
62
características: ―visão do corpo humano como máquina; visão das doenças como
coisas concretas, que não variam em pessoas e lugares, e que surgem como
defeitos das peças dessa máquina, de natureza material‖ (TESSER; POLI NETO;
CAMPOS, 2010, p.3616).
Sobre essa clínica médica contemporânea, Simanke (2002, p. 22) afirma que:
[...] a prática de ‗tomar notas à cabeceira dos doentes‘ só pode produzir confusão, já que não permite vincular os sintomas a um substrato real que os justifique. A fala do paciente, queixas subjetiva e desencaminhadora, é preterida em benefício do silêncio do cadáver. A medicina se dá um objeto adequado ao seu instrumento, às custas da subjetividade do paciente, considerando, a partir daí, como uma espécie de cadáver em potencial e, assim, potencialmente inerte, em sua objetividade ideal.
Ao longo do desenvolvimento da medicina, a clínica tem assumido
características conforme as condições históricas de possibilidade de sua existência
e do jogo de interesses que engendram sua produção. A clínica que predomina na
formação e nas práticas dos profissionais de saúde é organizada por saberes e
práticas que tomam o corpo anatomo-patológico como objeto e o esquadrinha em
órgãos, separa-o em físico e psíquico, físico e emocional. Nessa clínica, o corpo é
destituído de sua produção sociocultural, tendo um caráter simplificador dos
processos sobre os quais se propõe atuar (FOUCAULT, 1994). Ocorre que, na
tentativa de chegar à verdade essencial de uma doença, os sintomas são
transformados em signos, assim a singularidade se perde na padronização da
clínica, chegando ao saber cientifico totalizante.
Os enunciados que sinalizam para essa formação discursiva irão tratar
de: sinalização dos motivos biomédicos do uso abusivo do benzodiazepínico; a
oferta da prescrição medicamentosa; e, por fim, a revelação das conseqüências
biomédicas do uso abusivo do benzodiazepínico.
Assim, ao questionar as mulheres acerca da percepção do uso do
benzodiazepínico em sua vida cotidiana, alguns discursos surgiram na tentativa de
63
justificar o uso através dos diagnósticos psiquiátricos estabelecidos pelo médico.
Vejamos abaixo:
[...] essa semana agora eu fui pro CAPS e o médico disse que eu tenho... aquele... trans...transtorno bipolar. (Voz embargada pelo choro) Aí eu tenho que tá tomando. Tem dia que eu tô alegre, tem dia que eu tô...meio chorona, tem dia que eu tô triste, tem dia que eu tô com raiva e hoje eu tô... um pouquinho mais... agitada. Então eu tenho que tá tomando ele direito, constantemente. Porque se eu não tomar eu fico fora de mim. Já tentei me matar uma vez (Margarida).
Essa doutora passou os remédio que nessa fase foi [...] Aí comprou a medicação e eu fiquei tomando dentro de casa, onde eu melhorei. Que era pra dormir, pra autoestima, né e pra arritmia cardíaca e pro distúrbio bipolar que ela disse que tinha transtorno bipolar, uma hora tava dum jeito, outra hora tava doutro. Então era esses 3 tipos de remédio que eu tomo e não dormi (Violeta).
Teve um tempo que meu irmão foi preso. Quando ele foi preso, aí foi onde eu tive depressão, que eu já tive depressão. Quando eu tive a depressão eu fiquei muito mal aí me encaminharam pro CAPS (Violeta).
Eu tenho uma diarréia, no dia que vou ao presídio é o dia pior que tenho. Tenho que tomar antes de sair, se eu não tomar, eu não consigo ir [...] Só quando fico nervosa, vou ao banheiro toda hora, aí tem xixi também, né? (Alfazema).
Eu não vi, eu sei que fiquei toda dura, desmaiei no hospital mesmo, na hora que deu a primeira injeção para mim operar, eu desmaiei. Aí quando eu já tava no quarto, quando me levantei para ir no banheiro e não agüentei e desmaiei de novo e fiquei toda dura, aí o médico falou que era para eu tomar, não era para deixar de tomar (Alfacema).
Percebemos nessas falas o reflexo do paradigma biomédico no cuidar do
sofrimento psíquico, ou seja, as experiências e comportamentos humanos são
redefinidos em problemas médicos recebendo assim um diagnóstico. Sobre isto,
Tesser, Poli Neto e Campos (2010) ressaltam que essa medicina moderna é
pautada em uma filosofia de transformar toda queixa em síndrome, transtorno ou
doença de caráter biológico, desligando-a da vida cotidiana do sujeito,
considerando-a em uma realidade distinta e independente da própria existência.
64
Assim, temos "Margarida" que traz esta perspectiva ao comentar seu
diagnóstico de transtorno bipolar: "[...] Tem dia que eu tô alegre, tem dia que eu tô...
meio chorona, tem dia que eu tô triste, tem dia que eu tô com raiva e hoje eu tô... um
pouquinho mais... agitada". Essas alterações de humor são de certa forma
esperadas, pois tem dia que a pessoa acorda triste outro dia feliz, no entanto, a
tendência é nomear esses aspectos da vida como patológico.
Essa medicina científica trouxe para o campo da saúde mental a
―patologização‖ da loucura, seguido da substituição dos tratamentos de choque e
camisa-de-força pelos medicamentos da alma. Roudinesco (2000) ressalta que
mesmo não curando nenhuma doença mental, as pílulas revolucionaram as
representações do psiquismo, fabricando um novo homem, polido e sem humor,
esgotado pela evitação de suas paixões, envergonhado por não ser conforme ao
ideal que lhe é proposto.
É nesse cenário que, na década de 1950, foram sintetizados os primeiros
psicotrópicos, propondo-se à uma reintegração social através da normalização dos
comportamentos e eliminação dos sintomas mais dolorosos do sofrimento psíquico
(ROUDINESCO, 2000). Esse avanço veio trazer para medicina psiquiátrica a
suposta legitimidade científica, passando a direcionar sua clínica na utilização de
psicofármacos como dispositivos no tratamento e cura do sofrimento psíquico.
Quer se trate de angústia, agitação, melancolia ou simples ansiedade, é preciso, inicialmente, tratar o traço visível da doença, depois suprimi-lo e, por fim, evitar a investigação de sua causa de maneira a orientar o paciente para uma posição cada vez menos conflituosa e, portando, cada vez mais depressiva. Em lugar das paixões, a calmaria, em lugar do desejo, a ausência de desejo, em lugar do sujeito, o nada, em lugar da história, o fim da história (ROUDINESCO, 2000, p. 41).
Diante destes apontamentos, traremos as falas enunciadas pelas
mulheres que trazem sua relação com a medicação e seu sofrimento:
o Diazepam foi um dia que eu tomei 10 e não dormia. Tomei 15 e não dormia. Tomei a chegar 20 e não dormia [...] Eu cheguei em casa, cortei os pulsos. Aí eu tomei... já tava tomando esse... que o Diazepam não tava mais resolvendo. Eu tomei 10 Rivotril, que era o Rivotril, e 10 daquele outro do ‗vridinho‘ (Violeta).
65
[...] um doutor, aliás, o Doutor X, ele era psiquiatra. Só que aqui ele exercia a função do médico da família. E eu conversando com ele, ele disse assim ―Olha, eu vou passar um remediozinho pra você‖. Aí passou o Bromazepam de 3 miligrama. ―Aí eu vou fazer um teste e você vai me dizendo‖. E ele foi me acompanhando e eu vi que eu fui melhorando com o Bromazepam. Aquela ansiedade que eu tinha diminuiu um pouco. Eu num vou dizer que diminuiu muito, mas diminuiu um pouco. Porque eu sou muito agitada já por... acho que por natureza mesmo (Flor de Lótus).
Desde daquele dia que eu vi aquela cena que eu adoeci. Foi quando eu vim pra cá. Aí eu voltei a tomar esse remediozinho Diazepam (Iris).
Aí... eu sinceramente, eu não tô vendo melhora. Eu tomo o Diazepam é pra poder me acalmar e parece que fica mais agitada, mais ansiosa, mais nervosa (Flor de Lótus).
Nos discursos acima, percebemos tanto a medicação como a pílula que
melhora um pouco a ansiedade como também a que pode matar. Na fala de Violeta,
observamos que o sentimento ganha proporções a beira do insuportável diante das
frustrações presentes na vida cotidiana. Ela recorre ao uso do benzodiazepínico
para aplacar e silenciar a tristeza frente aos conflitos familiares.
Os benzodiazepínicos (BZD) deveriam ser prescritos principalmente para
tratamento de transtorno de ansiedade e como indutores de sono. São fármacos
capazes de deprimir o sistema nervoso central (SNC) a partir de receptores
gabaérgicos específicos no cérebro, exibindo feitos como: ansiolítico-tranquilizantes,
hipnótico-sedativos, anticonvulsivantes, miorrelaxantes, induzem amnésia e
alterações psicomotoras (HALES, YUDOFSKY, GABBARD, 2012).
O primeiro agente utilizado para aliviar a ansiedade foi o álcool etílico.
Posteriormente, a partir de 1900, os barbituratos foram os principais fármacos para
tratar a ansiedade. No entanto, o mesmo causava vários efeitos colaterais,
apresentando principalmente o risco de superdosagem muito próximo a dose
terapêutica. Foi diante desse cenário que laçaram os benzodiazepínicos em 1960,
os quais tiveram de imediato uma grande aceitabilidade dos médicos e pacientes.
Além da eficácia terapêutica, os principais motivos do sucesso talvez tenham sido a
segurança em seu uso e a melhor tolerabilidade (SILVA, 1999).
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Nesse sentido, para prescrever um BZD, os médicos precisam considerar
sua rápida ação, tolerabilidade e segurança, além lógico basearem-se em
diagnóstico clínico. Ademais, os pacientes precisam ser informados dos efeitos
colaterais, do risco de dependência e abstinência no uso prolongado da medicação.
Sobre os enunciados que apontam o modo de uso e conseqüências do
uso abusivo do benzodiazepínico para o paciente, apresentaremos algumas falas:
Bem, a médica mandou...quando ela me deu, passou ela disse que não era pra mim ficar tomando. Que eu tomasse só uma bandinha na hora que eu... tivesse assim muito... nervosa (Orquídea).
Eu cheguei e contei o que tinha acontecido no hospital e ele perguntou, você precisa tomar mesmo? Falei que sim, ele falou que ia passar, mas não tomasse demais, quando você não puder tomar não tome, por que você fica viciada, por que é uma droga, né? Aí pronto, recebi, passa um tempo, recebo de novo. Consulto primeiramente para ter a receita (Alfazema).
Aí eu fui pedindo e o doutor disse assim: ―Não, Rosa, a senhora é tão nova, a senhora é tão nova, sabe, tá tomando esses remédio assim. Dá uma aparência assim que a senhora tá querendo se drogar”. Eu digo: ―Nam. Nunca usei droga na minha vida. O único remédio que eu uso só é esse daqui e é no último caso, quando eu tô muito nervosa, que eu sinto quando eu tô nervosa que a garganta começa a arranhar, entendeu? (Rosa).
Observamos nos discursos acima, o alerta do médico na atenção ao
modo de uso da medicação. Ademais, o aumento da dose de BZD pelo próprio
paciente causará problemas de dependência e abstinência em seu uso crônico,
além de poder se tornar objeto de consumo abusivo. Segundo Dodle (1998), na
prática clínica, o BZD tornou-se o principal fármaco de escolha para o sofrimento da
vida cotidiana, levando os clínicos gerais a fazerem prescrições indiscriminadas,
rotineiras e por longo prazo.
O uso prolongado de BZD compreende períodos acima de 4 semanas,
podendo levar ao desenvolvimento de tolerância, abstinência e consequentemente
dependência, particularmente quando prescreve-se doses elevadas de
benzodiazepínicos de alta potência e de meia-vida curta (midazolam, lorazepam,
alprazolam e triazolam) (WHO, 2009). Nesse sentido, o paciente chega desejando o
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alivio do seu mal-estar e encontra o terrível hábito, o aumento das doses e a
dependência.
Pensar na dependência como a adaptação do organismo à presença
continuada de uma determinada droga, de forma que sua retirada desencadeia
distúrbios físicos, geralmente opostos ao efeito farmacológico da droga. Já o uso
continuado provoca fenômenos de tolerância, ou seja, necessidade de doses cada
vez maiores para manutenção de efeitos terapêuticos. Outros efeitos bastante
comuns são os déficits cognitivos (perda de atenção e dificuldade de fixação), que
tendem a se instalar no curso da utilização desses medicamentos (BRASIL, 2013).
O potencial de abuso dos BZD‘s passou a ser considerado a partir dos anos
70, quando os primeiros estudos clínicos evidenciaram a evolução de dependência e
sintomas de abstinência em doses terapêuticas. Nos anos 80, observou-se que 50%
dos pacientes que usam benzodiazepínicos por mais de 12 meses evoluem com
síndrome de abstinência (emergência de novos sintomas seguintes à
descontinuação ou redução da droga). Os sintomas começam progressivamente
dentro de 2 a 3 dias após a parada de BZD‘s de meia-vida curta e de 5 a 10 dias
após a parada de BZD‘s de meia-vida longa, podendo também ocorrer após a
diminuição da dose (LARANJEIRA; CASTRO, 1999).
É fundamental considerar que, para o manejo de longo prazo para queixas
crônicas de ―ansiedade‖, é mais interessante incluir alguma medicação
―antidepressiva‖ (amitriptilina, fluoxetina etc.). Vale a pena esgotar as opções destes
―antidepressivos‖ (substâncias e doses) e resguardar ao máximo o uso dos BZD‘s
para eventos clínicos agudos (BRASIL, 2013).
Sonolência, sedação e fraqueza muscular são os efeitos colaterais mais
comuns a partir da utilização de benzodiazepinas. Outros efeitos menos comuns
incluem tontura, dor de cabeça, confusão, depressão, disartria, alterações na libido,
tremores, distúrbios visuais, retenção ou incontinência urinária, distúrbios
gastrintestinais, alterações na salivação e amnésia (WHO, 2009).
Enfim, a psiquiatria contemporânea atualmente vem definindo novas
rotulações diagnósticas e novas formas de tratamento do sofrimento. Agora para
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cada sinal de mal-estar cotidiano (tristeza, desamparo, solidão, receio, insegurança
etc) existe uma patologia correspondente que será tratada com psicofármacos.
Assistindo então ao processo de psiquiatrização da vida social, perpassado pela
valorização da concepção biológica e pelo tratamento baseado em recursos
químicos (FERRAZZA et al, 2010).
Vejamos o que Roudinesco (2000, p. 24) ressalta sobre o contexto acima:
Uma dada pessoa ―normal‖, atingida por uma série de infortúnios – perda de uma pessoa próxima, abandono, desemprego, acidente -, vê ser-lhe receitado, em caso de angústia ou de uma situação de luto, o mesmo medicamento receitado a outra que não tem nenhum drama para enfrentar, mas apresenta distúrbios idênticos em virtudes de sua estrutura psíquica melancólica ou depressiva.
Diante desse cenário, temos observado que quanto mais se promete a
cura do sofrimento psíquico através da medicalização, mais o sujeito se decepciona
e procura outras formas de eliminar seu mal-estar. Seja na obtenção de algum
objeto material, seja na religião na tentativa de dar sentido a tudo isso, seja em
terapias alternativas e integrativas.
4.2.2 Formação Discursiva Religiosa
Essa formação discursiva se destacou em predominância nas falas das
mulheres entrevistadas, quando comparada à formação discursiva biomédica e está
relacionada ao apelo religioso, a fé em Deus, que tudo pode, que tudo cura.
O discurso religioso ancora o sujeito num lugar de assujeitar-se ao grande
Pai. A existência desse Pai, Deus, que tudo pode, consente ao sujeito dar um
sentido a morte, ao sexo, a vida, enfim, diante das angústias, mal-estar, há alguém
que sabe, que traça o destino dos homens (BRUNETTO, 2010).
Segundo Sigmund Freud o homem encontra na religião uma resposta
ilusória às questões insolúveis do sofrimento e da morte. Esse tipo de controle é
exigido para que possamos viver em sociedade e caso ―a religião fosse extinta,
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inevitavelmente, o homem criaria outro sistema de doutrina com as mesmas
características para se defender‖ (GONTIJO, 2010, p.17).
As falas abaixo trazem a religião numa perspectiva de sobrevivência,
reforçando sua importância para a estruturação da vida subjetiva:
[...] por que eu tenho Jesus na minha vida [...] Por que a gente sem Jesus num é ninguém, Ele me dá muita força para resistir o que passo com ele, já passei muita coisa ruim com ele [...] Enquanto Deus não me levar, eu ainda vou ver, ele servindo ao Senhor, liberto! Que Deus é maior em nossas vidas, né? (Alfazema) Eu dou graças a Deus eu tenho 8 filho: 6 homem e 2 mulher. Mas em
tudo graças a Deus, Meu Deus, são pobre mas são trabalhador e
vivem à custa do trabalho deles [...] Aí ‗fumo‘ indo, ‗fumo‘ indo. E
nascendo menino, nascendo menino. Mas graças a Deus nunca
passaram um dia sem comer (Orquídia).
Diante da angústia do ato de existir, na ordem do real, a religião
comparece para tamponar o sujeito. Lacan (2005, p.72) em seu livro o Triunfo da
religião revela que ―Desde o começo tudo o que é religião consiste em dar um
sentido às coisas que outrora eram as coisas naturais. [...] A religião é feita para
isso, para curar os homens, isto é, para que não percebam o que não funciona‖.
Neste sentido, a religião vai operar na relação entre o sujeito e o real, este
último tomado no sentido do que não funciona, o que não anda, o que gera angústia.
Assim, a religião alcança o saber para suturar a falta de funcionamento que aflige o
real, ou seja, o trabalho da religião é apaziguar os sujeitos, aliviar sua angústia,
segregando novos sentidos que possam vir a gerar novos transtornos no homem. O
real se enche de sentido e o sujeito se adapta ao real (REBOLLO, 2010). Mas o que
é esse real?
O real é o lugar onde Deus está, ainda que morto, e é nesse lugar que se instaura a fé que move montanhas e pode não apenas ―salvar‖, mas ser um instrumento de destruição da vida. O real é o que não funciona nesse mundo, e podemos chamá-lo de i-mundo (RODRIGUES, 2015, p.50).
Para Gontijo (2010), a angústia operante no real é tamponada pela
religião, na medida em que esta é conforme a vontade Divina e já está escrito nos
70
princípios da igreja e na Bíblia. Assim, o sujeito encontra na religião a possibilidade
de não ter trabalho com o seu próprio desejo, uma vez que basta entregá-lo a Deus.
Essa contextualização construída acima irá nos permitir trabalhar os
enunciados que se encontram articulados a essa formação discursiva. Na fala
abaixo, o uso abusivo da medicação é justificado pelo envio da medicação por Deus,
mostrando a impotência da mulher em assumir seu desejo. Vejamos:
Chorando direto, aí eu tomo, né? Mas não é todo dia, pra mim, já que Deus botou, né? Eu tomo um, né? Num acho ruim não. Era ruim se eu fosse viciada, né? Mas não sou não, graças a Deus! (Alfazema).
Percebemos que ―Alfazema‖ entrega a Deus a incumbência da causa,
como diz Lacan em Ciência e Verdade cortando seu acesso a verdade. ―Por isso é
levado a atribuir a Deus a causa de seu desejo, o que é propriamente o objeto do
sacrifício. Sua demanda é submetida ao desejo suposto de um Deus que, por
conseguinte, é preciso seduzir‖ (1965-1966, p.887).
Se por um lado a religião proibe, frusta e priva o sujeito, por outro ela
também promete compensá-lo pelos sofrimentos e privações que uma vida civilizada
apresenta. Ou seja, a religião promete recompensar aqueles que se submetem as
suas normas a qualquer custo (SOUSA; LENZI, 2010). Frente a este discurso,
apontamos as falas das mulheres em uso abusivo do benzodiazepínico que
assumem uma posição de apelo a Deus:
Mas Graças a Deus, eu não sou viciada. E nem vou ser em nome de Jesus. (Alfazema)
Eu ia dormir e dizia ―Meu Deus, será que aquela senhora conseguiu resolver aquele problema, que eu mandei pra aquele local. Será que a Dona Maria resolveu? O Seu João...‖ Eu sempre ficava nessa... nessa... nessa... (Flor de Lótus)
É difícil. Eu não vou. Juro perante a Deus do céu que eu não vou. Por amor que eu tenho a meu filho. Deus queira que isso nunca hei de acontecer, mas eu num vou não. Nesse ponto aí eu sou fraca. Eu num... eu num sou mais aquela pessoa que era antes desses trauma que eu tô de enfrentar cada coisa que eu enfrentava antes. Num sou mais (Iris).
―Meu Deus do Ceú, tenho que procurar uma píula pra mim‖ (Rosa).
71
Em seu texto O Futuro de Uma Ilusão, Freud (1997) apresenta a religião
como uma ilusão, não por ela ser falsa, mas por desprezar a realidade e não se
importar com a verificação. Nesta perspectiva, algumas falas são postas nesse
sentido que a religião não tem resposta para tudo, que Deus não olha para todos,
que a religião é mesmo uma ilusão:
Ela (a irmã) era... era da igreja, muito católica. Vivia lá. Dizimista, ia lá. E eu cheguei até ir num dia de domingo, na igreja... sai da minha casa cinco e meia da manhã pra pegar a missa das 7 horas lá no Conjunto... lá na Granja Portugal, onde ela morava, pra ir pra missa pedir a cura dela na igreja. Falando com Deus, pedindo pra... pra Nossa Senhora e num teve a cura dela. Ela morreu. [...] Eu num vou mentir não. Essa semana eu me ajoelhei, fui tentar rezar o terço bizantino do Padre Manzotti, que passa bem de manhã. Aí eu disse ―Pronto, o dia vai ser ótimo pra mim‖. Aí vem as bomba. (Flor de Lótus).
Acho que eu num fui a mãe boa. Eu acho que... sei lá se eu mereço
isso, Meu Deus? O sofrimento dele. Aí eu botei na cabeça, aí eu abro
o... nas oração do Padre Manzotti, eu vejo a situação daquelas mães
e digo assim pra mim mesma ―Meus Deus, o senhor num tá me
olhando? [...] Meu Deus é tão ruim. É horrível isso aí. Aí eu melhorei
de lá pra cá quando eu comecei a tomar... abandonei, num vou
mentir, comecei nessa besteira que eu tô fazendo. Num sei. Sabe.
Tem hora que eu penso que... Tem hora que eu num quero nem
viver. Porque você quer ajudar e num pode. Cadê Deus que num
ajuda as pessoa boas? Meu Deus me perdoe. Num dá (Iris).
Segundo Lacan, o poder da religião sobre o homem é pelo fato dela dar
sentido às coisas, ele não está disposto a viver sua vida sem um sentido. E nem a
ciência nem a psicanálise possuem essa capacidade, pelo contrário, Lacan coloca
as duas sob o mesmo estatuto, qual seja, o de engajar-se ―na falta central em que o
sujeito se experimenta como desejo‖ (1985, p.251).
Podemos pensar diante do uso abusivo dos benzodiazepínicos entre
mulheres que esse abuso perpassa por uma questão biológica situada no corpo,
além do sentido que a fé em Deus vem sustentar a dor de existir, na medida em que
o discurso religioso tampona o desejo e de alguma forma, ao menos imaginária, a
falta do sujeito.
72
Aqui fazemos uma pausa de separação entre o que verificamos na
formação discursiva biomédica e na formação discursiva religiosa para delimitar
aquilo que, apesar do esforço de tamponamento dessas duas vias, escapa
insistentemente. Trata-se de pontos de ruptura desse discurso, os furos e não ditos
que chamaremos aqui de ―A vida como ela é‖.
4.2.3 A vida como ela é: pontos de ruptura
Esse tópico irá abordar o que surge na ruptura nos discursos, momento
destinado a ouvir o que se diz nessa ‖outra cena‖, como chamou Freud. Onde surge
algo que, apesar de silenciado, ao mesmo tempo, insiste em se revelar. Para além
de todas as respostas que a sociedade oferta para tamponar um sofrimento, sejam
biomédicas ou religiosas, algo desses sujeitos na sua relação como desejo e com o
gozo, se manifesta. Não como algo escondido a ser buscado nas profundezas, mas
como aquilo que se revela no cotidiano na vida como ela é.
Mas a que sujeito estamos nos referindo? Para responder a esse
questionamento, buscaremos abordar a seguir de que sujeito estamos falando,
traçando um percurso das primeiras definições sobre o ser sujeito até a dimensão do
sujeito na psicanálise.
No século XVII, com o questionamento ―O que sou eu?‖ Descartes
inaugura as primeiras ideias sobre o conceito de sujeito. Em sua obra Discurso do
Método, o filósofo racionalista busca na razão os recursos para a recuperação da
certeza científica, ou seja, o que é verdadeiro para Descartes é o que pode ser
concebido ―clara e distintamente‖ unicamente pela razão. Eis o passo precursor para
o desenvolvimento da ciência moderna (QUINET, 2000).
A exacerbação da dúvida coloca em xeque a objetividade do conhecimento científico. Se da máxima incerteza desponta uma primeira certeza – ―Se duvido, penso‖ –, esta é ainda, contudo, uma certeza a respeito da própria subjetividade (―penso‖) (PESSANHA, 1999, p. 21).
73
Diante dessa explicitação de Descartes ―Se duvido, penso‖, inaugura-se
assim o cogito pela proposição que se tornou famosa: Cogito ergo sum, traduzida
como ―Penso, logo sou‖. Nasce, portanto, o sujeito do conhecimento e, com ele, a
certeza de que a razão humana seria capaz de conhecer completamente as paixões
e as emoções, governando-as e dominando-as (CHAUÍ, 2000). O sujeito do
conhecimento que será definido pelo método cartesiano não é outro senão o sujeito
da ciência. É esse mesmo sujeito da ciência sobre o qual opera a psicanálise – eis a
tese de Lacan – sem o advento do sujeito com Descartes, a psicanálise não poderia
ter vindo à luz (QUINET, 2000).
Foi pelas mãos de Sigmund Freud que a psicanálise surgiu na aurora do
século XX. Sua inovação ocorreu pela concepção de um psiquismo inconsciente, de
maneira que o sujeito não se restringia ao registro da consciência. Essa hipótese
pressupunha, então, uma divisão do sujeito de caráter estrutural, pois transcenderia
o campo da patologia mental e se evidenciaria na experiência psíquica normal
através das formações do inconsciente (BIRMAN, 1997). Freud formalizou suas
descobertas sobre o inconsciente e descreveu o funcionamento do aparelho
psíquico através de seus estudos sobre os sonhos.
Em seus escritos sobre a interpretação dos sonhos, Freud ([1900] 1996)
propõe que o sonho é um processo inconsciente, destarte não pode ser interpretado
como uma formulação ocorrida ao acaso, isto é, o sonho é uma estrutura provida de
sentido.
No entanto, antes dessa formalização das leis que regem os processos
oníricos, Freud ensaiava uma forma de fazer surgir os conteúdos inconscientes, que
apesar de não sabidos, não paravam de interferir a todo momento na vida vígil de
seus pacientes. Na França, ele havia aprendido com Charcot a prática da hipnose e
se surpreendera com seus efeitos em pacientes neuróticos. Em estado hipnóide
falavam livremente sobre coisas relacionadas aos seus sintomas e com isso
experimentavam certo alívio. Freud passou então a aplicar a técnica com seus
pacientes, mas logo percebeu as limitações do método: apesar de falarem durante a
sessão de hipnose, os pacientes pouco lembravam do que disseram ao acordar.
Assim como na ciência ou na medicina, na hipnose não há sujeito (ELIA, 2004).
74
Além disso, os sintomas apresentados retornavam em pouco tempo. Foi aí que a
intervenção de uma paciente de Freud ao relatar: ―cale a boca e me deixe falar‖,
provocou um deslocamento no método (MANNONI, 1994).
Dessa maneira, Freud abandonou o uso da hipnose e da sugestão pós-
hipnótica e passou a instituir o método da associação livre, chamando-a de ―regra
fundamental‖, que consiste em permitir a livre expressão do paciente sobre o que lhe
vier à cabeça. Elia (2004) propõe-se ao analisante que se entregue à experiência da
fala de um determinado modo, muito peculiar, que consiste precisamente em não
qualificar, de modo algum que esteja ao seu alcance, a sua fala. O mesmo autor
afirma que:
Desqualificar a fala do sujeito equivale, portanto, a criar as condições
de desqualificação, de ausência de qualidades, que pavimentam as
vias de acesso do inconsciente à fala, ao discurso concreto do
sujeito. Desqualificar a fala do sujeito é o equivalente a ―qualificar‖ o
sujeito do inconsciente como ―um sujeito sem qualidades‖ e é a única
forma de criar um acesso precisamente pela via da fala assim
proposta a que o sujeito do inconsciente possa emergir nessa fala
(ELIA, 2004, p. 19).
Nesse contexto, a fala revela o sujeito, que emergirá nos tropeços das
intenções conscientes daquele que fala, além de emergir nesses tropeços,
reconhece-se como tal pelo falante. Assim, a partir desse reconhecimento não será
mais o mesmo, porquanto terá sido incentivado a admitir como sua uma produção
que desconhecia, mas que faz parte dele (ELIA, 2004).
Freud destaca que, nessa nova regra, o crédito de seu dispositivo não
está na pessoa do analisante, mas na sua palavra. Porém, poder-se-ia perguntar:
por que a fala? ―Ora, o inconsciente é estruturado como uma linguagem e que,
sendo assim, é a palavra, a via de acesso a ele‖ (ELIA, 2004, p. 20).
Em seus textos A interpretação dos sonhos (1900), A psicopatologia da
vida cotidiana (1901) e Os chistes e suas relações com o inconsciente (1905), Freud
teoriza sobre os mecanismos do que ele chamou de pensamento inconsciente, isto
é, trata-se do sujeito não da desrazão e sim da razão inconsciente. Para pensar
75
como se estrutura esse sujeito inconsciente, tomaremos as obras do psicanalista
francês Jacques Lacan (1901-1981) que inaugura os três registros do processo de
constituição subjetiva: imaginário, simbólico e real.
No texto O estádio do espelho como formador da função do eu, Lacan
(1998a) ressalta que o eu não é pré-existente, mas surge de uma nova ação
psíquica. O bebê apenas possui uma imagem fragmentada do seu corpo, ele apenas
o vê em pedaços. Portanto, configura-se em um campo das pulsões parciais. Assim,
o bebê só irá construir a concepção de unidade, e não de partes, com a imagem de
outro. No entanto, esse estádio só opera se tiver um ―Outro‖ que dê uma moldura,
organizando o mundo imaginário ao qual o sujeito se aliena.
Para Lacan, um sujeito se constitui pela sua inserção nos laços sociais e
determinado pelo ―Outro‖, através da linguagem. Ao discorrer sobre o sujeito
lacaniano, Quinet (2000) afirma que esse sujeito não é o homem e tampouco é a
mente suscetível de estar doente ou saudável, visto que tais acepções reduzem-no
a uma simples dimensão objetiva. O sujeito é patológico por definição, afetado pela
estrutura que obedece a uma lógica: os significantes que o determinam e o gozo do
sexo que o divide, fazendo-o advir como desejo.
Para o mesmo autor, o sujeito é essa lembrança apagada, esse
significante que falta, esse vazio de representação em que se manifesta o desejo.
Para Freud, o inconsciente nos ensina a seguinte proposição: ―penso logo desejo‖
(cogito ergo desidero), pois a cogitação inconsciente presentifica o desejo sexual,
indestrutível, inominável, sempre desejo de outra coisa. Mas, o pensamento não o
define, pois não há representação própria para o desejo, pois, como o sujeito, ele
não tem substância; é vazio, aspiração, falta, se não deixaria de ser desejo
(QUINET, 2000).
Como já se pode ter percebido, o cogito freudiano cogito ergo desidero é
antes de tudo desidero ergo sum, isto é, lá onde se encontra o desejo está o sujeito
como efeito da associação das representações. Desejo logo sou. Desejo é o nome
do sujeito de nossa era: a era freudiana (QUINET, 2000).
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Portanto, diante da definição desse sujeito em questão, ou seja, o sujeito
do inconsciente, tivemos a condição de durante a construção das formações
discursivas levantar os pontos que quebram a linearidade nas falas das mulheres
em uso abusivo do benzodiazepínico.
Neste sentido, quando essas mulheres foram indagadas acerca do uso do
benzodiazepínico em sua vida cotidiana, identificamos a justificativa do motivo de
uso carregada de questões subjetivas que abrem a significação do que sejam estes
sintomas como perdas, nervosismo, abuso do corpo, uso de drogas e tristeza.
Encontramos uma metáfora que dá a tônica dessa formação discursiva: o
sujeito se anuncia como alguém ―perturbada‖, significante que faz série com outros
significantes como ―alterada‖, ―agitada‖, aquela que ―dá ataque‖. No entanto, Vemos
que esta identificação vem como metáfora no lugar de tudo aquilo que ela sente em
decorrência dos acontecimentos da vida que são difíceis de lidar, assim como aquilo
que ela identifica como doença mental no outro.
Eu morava com ele e minha sogra, criando meus filhos. Minha sogra me perturbava muito, eu tinha uma cunhada que era doente mental e eu cuidava dela, aí minha perturbação já vem de longe. [...] É meu filho mais novo, quando tá em crise, quebra as coisas tudo dentro de casa, sai correndo na rua gritando. A Enfermeira daqui faz visita lá em casa e conhece como é minha vida com ele. Ele tem 48 e minha doença maior é medo dele, do adoecimento dele, medo de tá perturbado e me tranco no meu quarto (Bromélia).
Era. Todo tempo triste que num... todo tempo... eu não tinha... era muita agitada com tudo eu já começava a chorar, a sair, eu não dormia de noite. Aí foi só devido essas coisas (Jasmim).
Quando eu posso, quando eu me lembro, quando eu tô agitada. As vezes eu tô tão descontrolada que eu tomo logo de 3, que é de 5 miligrama. Aí eu acho que 2 não dá jeito. Aí quando eu tomo, quando é no outro dia eu fico lesadinha. Querendo das as passada e parece que tá é beba. Porque eu tomei demais, né? (Iris).
Quando eu dei o ataque, meu filho ainda não usava droga, ele começou a usar com 16 anos (Alfazema).
Identificamos um ponto interessante no relato de ―Bromélia‖ como ―minha
doença maior é medo dele‖, refletindo que esta mulher tem clareza acerca do que a
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medicina está chamando de doença, ou seja, ela se depara com as dificuldades de
lidar com a vida como ela é, esta vida cotidiana.
Essa perturbação aparece na relação com o corpo, sob a forma de algo
que não se controla, a ―carne frouxa‖ ―a fraqueza da cabeça‖ e um esfíncter que não
―tranca‖:
Aí eu... nunca ele tinha me batido, aí de tanto ele me bater eu fiquei com crise. Aquela crise assim que as carnes ficam tudo solta dos ossos. Que você num vai... A sua vista vai embaçando. [...] O único remédio que eu uso só é esse daqui e é no último caso, quando eu tô muito nervosa, que eu sinto quando eu tô nervosa que a garganta começa a arranhar, entendeu? Aí as carne começa a afrouxar dos ossos aí eu tomo, mas se não for assim eu não tomo não. Só tomo em último caso mesmo. Em último caso. [...] É, eu sinto. A carne tremendo, as costas... aqui minha nuca começa a esquentar... Eu acho que isso num é normal não (Rosa).
Não sentia as perna, não sentia os braço e a fraqueza no meu corpo. Uma fraqueza muito grande e eu passando mal. Passando mal, passando muito mal. E os meus filho chorando. E comecei a ficar roxa, meus pés ficando roxo. E eu me sentido mal. Aí ligaram pro meu esposo. Meu esposo veio, me botou dentro do carro e eu desmaiei, apaguei (Violeta).
Aquelas fraqueza na cabeça. Acho que é. Sei lá. Que eu num comia. Aí fiquei um bocado de dia assim, aí depois melhorei com o Alprazolam, que eu tomava aí dormia, pronto. Dormia direto, num sonhava nada. Aí eu tornei a dormi, num tomava mais aí vou suspender...mas aí eu faço...tem dia que eu passo dois dias sem tomar. Passo até mais se num eu sentir mal, que eu começo a tremer assim. Aí eu tomo, pronto. Num instante melhoro (Orquídea).
Aí as vezes eu...o sistema é tão grande que eu me tremo, eu fico se tremendo. É se tremendo todinha, é suando frio. Aquele calafrio, quente e frio, quente e... E as vezes ou a pressão baixa ou as vezes alteia (Jasmim).
Tem hora que eu me acordo boazinha, aí eu sinto pra mim aqui no meu rosto tá tremendo, sabe? (Iris)
Só quando fico nervosa, vou ao banheiro toda hora, aí tem xixi também, né? Mas quando ele ta bem, aí não tomo, tomo de jeito nenhum, mas agora to necessitada (voz baixa), por que ele ta lá dormindo no chão, né? Cheio de ferida, por que lá cria curuba, né? Ele tava na tranca, né? (Alfazema)
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Vemos nessa falas como algo que se passa diretamente no corpo, sem
palavra que possa simbolizar o que perpassa nesse sujeito. Mas também como que
não se controla na relação com o outro. ―Alfazema‖, por exemplo, não controla o que
―tranca o corpo exatamente quando precisa visitar o filho na prisão‖
Ao refletir acerca destes sintomas apresentados no corpo, levando em
consideração o sujeito do inconsciente, podemos trazer algumas considerações para
compreender esse abuso.
Freud avança em sua teoria sobre o inconsciente trazendo a noção de
pulsão. Ele refere que ―uma pulsão nos aparecerá como sendo um conceito situado
na fronteira entre o psíquico e o somático, como o representante psíquico dos
estímulos que se originam dentro do corpo e alcançam a mente‖ (FREUD, [1915]
1996, p. 127). A pulsão liga o corpo à mente, aparecendo como um conceito limítrofe
entre o psíquico e o somático. Exatamente o que se desvela na fala de ―Alfazema‖ e
sua demanda pela medicação na tentativa do controle do esfíncter.
Assim, deixa a ―evidência de que o inconsciente é a tentativa de aprender,
por meio da representação psíquica da meta pulsional, aquilo que, em nome da
satisfação, faz palpitar uma vida‖ (CABAS, 2009, p.48). Essas pulsões sempre
insistem em cumprir com seu objetivo de descarga, tendendo à satisfação, podendo
aparecer no corpo como sintomas, conforme relatadas pelas mulheres
entrevistadas: ―carnes ficam tudo solta dos ossos‖, ―carne tremendo‖ e ―fraqueza na
cabeça‖.
Entretanto, o sintoma é um fenômeno que dependendo da área em que
está sendo abordada leva a interpretações e condutas distintas. Esse termo é muito
utilizado pela medicina como sendo distúrbios subjetivos referido pelo paciente, no
qual o médico apresenta a sua significação, decifrando-o. Diferentemente dos sinais
que são revelações objetivas da doença, observado por vários meios. Na medicina
este sintoma precisa ser eliminado, sendo a medicação uma forma de tentar
tamponá-lo.
Na psicanálise, o sintoma é tomado como algo dotado de sentido, como
um enigma a ser decifrado. No entanto, seu sentido não está do lado do profissional,
79
mas do próprio sujeito. Além disso, para Freud, o sintoma é, também, uma forma
substitutiva de satisfação libidinal, substituição a algo que foi sentido como
traumático nas vivências infantis. Freud sustenta que o sintoma é eleito e colocado
no lugar de um conflito e estabelece a satisfação pulsional que permaneceu em seu
estado latente. É uma consequência do processo de recalque e tem como finalidade
orientar o curso dos fatos mentais de conformidade com o princípio de prazer
(GARCIA, 2004).
A libido insatisfeita liga-se a lembranças de experiências abandonadas na
infância, nas quais restos de energia libidinal ficaram desde então (FURTADO,
2005).
[...] a dor a que o sintoma se refere (conversões, obsessões, fobias)
não é exatamente a mesma que gerou sua constituição. Essa causa
é inconsciente, e o sujeito a recalca por ser traumático. Em seu lugar,
aparecem outras motivações que convergem para o sintoma. O
sintoma em sua vertente significante é sempre enganador (QUINET,
2003, p. 9).
Essa citação elucida que o sintoma é uma formação do inconsciente,
como o sonho, o chiste e o ato falho. Assim, seu sentido só poderá ser entendido
dentro da história de cada sujeito. Podendo ser decifrado com a participação do
psicanalista, mas só trará benefício ao paciente se adquirir sentido para o próprio
sujeito.
Nesse sentido, Freud afirma em seus textos que o analista não deve
negar ou combater o sintoma, mas sim acolhê-lo, pois este traz, tanto o engano,
quanto revelações. Tentar supri-lo é aumentar seu poder de engano, uma vez que a
dor ressurgirá em outro lugar, dessa forma, não adianta um maquilador: ansiolíticos,
antidepressivos (QUINET, 2003).
Não existe sujeito sem sintoma, sem falta. Quinet (2000, p. 47) escreve
que:
Essa falta, que se situa no nível dos significantes, corresponde
estruturalmente à falta descrita por Freud no complexo de castração.
Esse Outro é, portanto, marcado por uma falta que podemos chamar
de castração, mas o sujeito não quer saber da falta no Outro nem da
80
sua própria. Na análise, o sujeito deve ser levado a se confrontar
com a falta para chegar à pura diferença. Trata-se de sua diferencia,
de sua singularidade.
Neste sentido, pensando aqui nos relatos de demanda dessas mulheres
apresentando suas queixas como motivo de uso abusivo do BZD, percebemos uma
medicalização dos acontecimentos da vida na tentativa de aplacar o sofrimento e
silenciar o sintoma.
Na perspectiva da psicanálise, o sintoma é encarado como motivo do
tratamento, produzindo um saber próprio, a verdade acerca de seu sintoma. Além
disso, é preciso que esse sintoma, que é um significado para o sujeito, readquira sua
dimensão de significante, implicando o sujeito e o desejo.
O sujeito é desejo e sua existência mantém uma correlação com a cadeia
de significantes do inconsciente. Cadeias essas descritas por Lacan (1998b, p. 505)
como ―anéis cujo colar se fecha no anel de um outro colar feito de anéis‖. Essa
articulação em cadeias produz uma ordem capaz de engendrar o significado, que
não se encontra constituído desde o começo, antes da articulação significante. O
sujeito se constitui e não só nasce e se desenvolve. Dessa maneira, o sujeito só
pode se constituir em um ser humano que tem a vicissitude obrigatória e não
eventual de entrar em uma ordem social a partir da família ou de seus substitutos
sociais e jurídicos (ELIA, 2004).
Para um ser recém-nascido se manter vivo é necessário a intervenção de
um adulto próximo que realize ações essências para sua sobrevivência. A esse
fenômeno, Lacan propõe a categoria de Outro (escrito com ―o‖ maiúsculo) para
designar não apenas esse adulto próximo, mas também a ordem que este adulto
encarna para o ser recém-aparecido, ou seja, o que chega ao bebê ―é um conjunto
de marcas materiais e simbólicas – significantes – introduzidas pelo Outro materno,
que suscitarão, no corpo do bebê, um ato de resposta que se chama de sujeito‖
(ELIA, 2004, p. 41).
81
Lacan é radical ao afirmar que uma criança não sabe o que quer antes da
assimilação da linguagem, pois quando um bebê chora, o sentido desse ato é dado
pelos pais ou pelas pessoas que cuidam dele que tentam nomear a dor que a
criança parece estar expressando. Deste modo, o Outro pode ser visto como um
intruso traiçoeiro que transforma nossos desejos, mas é, ao mesmo tempo, aquilo
que nos capacita a revelar uns aos outros nossos desejos e a nos comunicarmos
(FINK, 1998).
Seguindo essa linha de raciocínio, para Lacan, o inconsciente é o
discurso desse Outro, isto é, o inconsciente consiste naquelas palavras que surgem
de algum outro lugar que não o da fala do eu, ou seja, o inconsciente está repleto da
fala, das conversas, dos objetivos, das aspirações e das fantasias de outras pessoas
(CABAS, 2009).
Dessa forma, ao entender o inconsciente como linguagem, o sujeito se
constitui nesse mundo através daquilo que não pode ser satisfeito pela demanda
entendida no sentido estritamente biológico, que lhe garante a manutenção da
própria vida (fome, frio, desconforto físico, etc.) (GARCIA et al, 2006).
Entretanto, apesar de marcado por ele, o sujeito não é o significante. O
significante (S1) é o que representa o sujeito para outro significante (S2). O sujeito
surge nos intervalos da cadeia significante, ou seja, ―sobre a brecha que separa o
consciente do inconsciente‖ (CABAS, 2009, p. 44). Assim, para a psicanálise o
sujeito não está inserido no pensamento – ―sou onde não penso‖ – fora do
significante, lá onde se encontra a pulsão sexual. É também não identificável, mas
sujeito à identificação, e longe de ser unificado, ele é dividido – ele se divide em
relação ao sexo e à castração (QUINET, 2000).
Para que exista um sujeito, é preciso reconhecer o outro também como
faltante, ou seja, como algo que também se revela desejante (por exemplo, o bebê
ao perceber que a mãe tem outras ocupações além dele, que ela volta sua atenção
para o pai, para o trabalho, observa que a mãe é faltante). Nessas idas e vindas, o
sujeito percebe que a mãe não é completa, que a ela também faltam coisas que
82
busca alcançar. Esse ponto fraco aparece justamente porque o outro também tem
que recorrer à linguagem, impossível de dizer tudo.
Essa linguagem não diz tudo porque inexiste o conjunto de todos os
significantes (Outro). Logo, todas as palavras de uma língua são incompletas para
conseguir expressar o que o sujeito (S) do inconsciente demanda. Diante disso, o
sujeito é levado a tentar preencher a falta do Outro se perguntando: mas o que é
que ele quer de mim?
E, a partir daí, o sujeito segue procurando responder a esta questão,
tomando o outro por objeto do seu próprio desejo e se colocando como o objeto que
poderia tamponar a falta do outro também desejante. Mas, esse momento é
hipotético e irrealizável, visto que o desejo, enquanto efeito de linguagem, já anuncia
a impossibilidade da simbolização totalizada, ou seja, de dar significantes a tudo que
o implica. Rompe-se a ilusão de totalidade e essa ruptura é uma divisão com resto:
―esse resto, esse Outro derradeiro, esse irracional, essa prova e garantia única,
afinal, da alteridade do Outro, é o a‖ (LACAN, [1962-63] 2005, p. 36).
Outra metáfora que podemos destacar nas formações discursivas é
aquela que aponta para uma relação velada com o benzodiazepínico como droga. O
benzodiazepínico é uma substancia que ―avicia”, metáfora que condensa a droga
BZD e a droga a que essa mulher se vê exposta no tráfico ilícito.
Aí meu menino começou a usar drogas, aí eu fui de novo e tirei. Mas eu não tomo todo dia não, pois quem toma todo dia se avicia e eu não quero isso para minha vida... (Alfazema)
Tem dia que eu não quero me levantar. Tem dia que eu quero ficar só deitada. Tem dia que eu fico triste. Tenho vontade de sumir. Tenho vontade de andar e ir embora, mas os meus filho são muito apegado comigo. Então é o que me dá muita força. Aí como eu tô procurando me libertar deles, que que eu tô fazendo agora? Eu entrego na mão do meu esposo pra mim não perder o controle da minha pessoa porque eu já me sinto já viciada neles né? [...] Esse aqui infelizmente eu tomo porque a gente precisa dormi. Mas por mim eu já tinha deixado. E... eu me sinto mal tomando eles. Eu me sinto drogada. Quando falta as minhas receita é preciso ir na bocada comprar. [...] Lá onde vende droga (Violeta).
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Ele se env... assim se... se envolveu nas drogas. (Voz embargada pelo choro) Aí... foi um choque pra mim né, porque eu já me juntei com ele pra ter uma vida melhor (Jasmim).
Num quer porque não quer. A verdade é essa. Então o medo que eu tenho o fim daquele menino é ir pruma cadeia. Aquelas crianças... Já foi polícia lá, ele drogado. Olha, no dia que eu cheguei ali e eu vi, eu num aguentei. Nesse dia que eu vi ele daquele jeito eu disse: ―Olha a polícia vem buscar essas criança, vai pro Conselho Tutelar e tu vai preso ((Iris).
Nos trechos das falas acima, as mulheres denunciam tanto o tráfico e
abuso das drogas ilícitas como a venda de BZD‘s na ―bocada‖, mesmo local de
venda da droga. O estudo de Carrilho (2016), realizado com profissionais da rede de
saúde pública acerca do uso abusivo dos BZD‘s, revela os psicotrópicos entrando no
esquema de tráfico na comunidade. Os profissionais justificam a prescrição dos
BZD‘s frente ao mal-estar causado pelas condições sociais (criminalidade e tráfico),
ao mesmo tempo em que essa engrenagem sustenta o tráfico e a criminalidade.
Dessa forma, conforme traz Carrilho (2016, p.79), ―estamos diante do
‗pior‘, do preço a ser pago pelo esvaziamento do lugar da palavra e pela tentativa de
tamponar o lugar da falta com objetos compráveis e ao acesso da mão‖. Levando
essa mulher a depender do fármaco para viver sua vida cotidiana, como anunciado
por ―Violeta‖ – ―[...] eu já me sinto já viciada neles‖; ―Eu me sinto drogada‖ – ―Quando
falta as minhas receita é preciso ir na bocada comprar‖.
Percebemos então a angústia operante no real nas falas acima. A
medicação sendo colocada como produto do saber que enfrenta as perturbações do
gozo do corpo. Nessa lógica do real, Laurent (2004. P.41) aponta que:
Pelo medicamento, o sujeito recorta seu organismo de outro modo. Ele o recorta com esse instrumento de saber específico que é o medicamento. Se o significante poda o corpo à sua maneira, o saber contido no medicamento o poda de outra forma. Ele faz o sujeito conhecer um ―gozo desconhecido dele mesmo‖, absolutamente desconhecido [...] Pelo medicamento o sujeito é levado a poder gozar de novas partes do corpo. A manipulação das doses por cada sujeito, a automedicação com a ajuda de um outro, consistindo numa negociação prescritiva, produz um gozo normatizado próprio de cada um.
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Para Lacan (1969-70) existe uma estreita relação entre a repetição, o
saber e o gozo. Acompanhando e ordenando as repetições são ordenadas por um
saber, atrelada ao meio de gozo. Esse saber é referenciado pelo conjunto dos
significantes que se repetem e reeditam, de forma não idêntica, o reprimido. Assim,
toda a vida dos sujeitos, por meio dos sintomas, de outras formações do
inconsciente e da estrutura do fantasma, está ordenada por esse saber que trabalha
em cada um (GIANESI, 2005).
Segundo Fink (1998), o sujeito passa a se apegar ao objeto a (desejo do
Outro como causa do desejo do S) como forma de ignorar sua divisão e é esse
mecanismo que Lacan vai chamar de fantasia, formalizando-o no matema $ ◊ a
(sujeito dividido em relação ao objeto a). É nessa relação complexa, que Lacan
descreve como ―envolvimento-desenvolvimento-conjunção-disjunção‖, que o sujeito
obtém uma sensação fantasmática de completude, preenchimento e bem-estar.
Assim, é na escuta da fantasia que o analista percebe como o sujeito gostaria de
estar posicionado em relação ao desejo do Outro.
Para Quinet (2002, p. 170), ―a fantasia é o quadro que o sujeito pinta para
responder ao enigma do desejo do outro; é sua forma de tapar cenicamente o furo
no Outro (S(A)) – a incompletude do todo da linguagem - que lhe retorna como
castração (-
não é apenas imaginária, mas contém uma estrutura significante. É essa estrutura
significante que vai permitir ao sujeito considerar-se o ―diretor da cena‖, saindo da
mera condição de alienado, marionete do desejo do Outro.
Criada a cena, é como se ela fosse um quadro que o sujeito põe sobre
sua janela. ―A tendência do neurótico é colocar um quadro em sua janela e
constituir, assim, a sua realidade a partir de sua fantasia sem, no entanto, dar-se
conta disso‖ (QUINET, 2002, p. 162). Seria possível uma paisagem além do quadro?
Ou seja, uma realidade isenta da fantasia?
Para a psicanálise, a histérica é, antes de mais nada, o nome que damos
ao laço e aos nós que o neurótico tece em sua relação com os outros a partir de
85
suas fantasias. Isto é, o histérico, como qualquer sujeito neurótico, é aquele que,
sem ter conhecimento disso, impõe na relação afetiva com o outro a lógica doentia
de sua fantasia inconsciente. Uma fantasia em que ele desempenha o papel de uma
vítima infeliz e constantemente insatisfeita. O histérico inventa inconscientemente
um cenário fantasístico destinado a provar a si e ao mundo que só existe gozo
insatisfeito. Trata, portanto, seu semelhante, amado ou odiado, e mais
particularmente seu parceiro psicanalista, da mesma maneira que trata o Outro de
sua fantasia. (NASIO, 1991).
Contudo, o sofrimento na histérica é um sofrer conscientemente no corpo.
Portanto, esse sofrimento presentifica-se na angústia da fantasia inconsciente de
castração. Essa angústia é intolerável e, para se desfazer dela, o histérico não
encontrou outra solução senão transferi-la para sofrimentos corporais (NASIO,
1991).
Lacan se refere à ―travessia da fantasia‖ como sendo a função da análise:
―restabelecer ao Outro o estatuto do lugar da palavra é o ponto de partida
necessário onde cada coisa em nossa experiência analítica pode retomar seu justo
lugar‖ (LACAN, 1967, p. 5). Em outras palavras, o sujeito assume uma nova posição
em relação ao Outro como linguagem e ao Outro como desejo (FINK, 1998).
Entretanto, retirado o quadro (ou pelo menos deslocado) resta ainda a janela
(enquadre imaginário) que por sua vez é determinada pelo simbólico. Isso confere
caráter equívoco à realidade, ―pois ela é estruturada com a equivocidade própria do
significante‖ (QUINET, 2002, p. 132).
Podemos então trazer aqui que a droga BZD vem re-alienar o sujeito no
lugar do Outro, conforme contextualizado essa alienação do sujeito ao Outro e como
a psicanálise conduz o sujeito para assumir uma nova relação com esse Outro como
linguagem ou como desejo.
86
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
As questões que nortearam este estudo nasceram das inquietações: qual
o padrão de uso abusivo de BZD entre mulheres no município de Fortaleza-Ceará?
Para além das dimensões médica e social, quais as formações discursivas que
perpassam o uso abusivo de benzodiazepínicos por mulheres, considerando a
dimensão do sujeito em sua relação com o desejo, o gozo e o sintoma em
psicanálise? Partimos para a realização do estudo nesse campo cheio de novidades,
de um lado a perspectiva de trabalhar em uma abordagem quantitativa, nunca
realizada por nós, e do outro se aventurar na compreensão de fenômeno utilizando o
método da análise do discurso e com referencial teórico da psicanálise.
O primeiro momento da pesquisa consistiu na caracterização das
mulheres em uso abusivo de benzodiazepínicos de maneira geral por elementos que
dialogam com a literatura produzida sobre o tema até então. Algumas variações,
como uma mudança na faixa etária de idosas para adultas também foram
reconhecidas, porém os problemas derivados da ministração desses fármacos na
população de mais idade geram preocupações específicas.
Em idosas, predominam os fármacos de meia-vida longa, o que
acarreta um aumento dos efeitos adversos pela condição de senescência própria da
idade. É indicado que haja uma avaliação entre o risco e o benefício da prescrição
desses fármacos nessa população.
Nas mulheres adultas, o acúmulo de tarefas caracterizado por sua
inserção no mercado de trabalho, em acréscimos às atividades próprias do lar pode
constituir fontes de tensos e conflitos frente aos impasses socioeconômicos para a
sobrevivência em condições precárias de acesso a qualidade de vida.
As queixas e os sintomas apresentados pelas mulheres foram
traduzidos em um estado patológico cuja abordagem tem se restringido à
terapêutica medicamentosa. Esta prática resulta em uso indiscriminado do BZD,
porque muitas dessas queixas e sintomas não se enquadram nos critérios
diagnósticos para a referida prescrição. Além disso, o tempo de uso apresentado
87
também se mostrou maior do que a indicação da literatura, apontado um uso para
além da função terapêutica recomendada.
A predominância de mulheres de baixa renda e baixa escolaridade
articula-se não só aos serviços públicos onde a pesquisa foi realizada, mas também
a uma condição de controle social advindo da utilização de benzodiazepínicos como
estratégia restrita diante de suas queixas. Inclusive, medicações com mais efeitos
colaterais, como é o caso do diazepam. Indicando assim que o modo de produção
da sociedade interfere tanto na produção de vulnerabilidades como no enrijecimento
através de identidades massificadas, com espaços reduzidos para a expressão de
subjetividade.
Ao tomar a sociedade contemporânea como o lugar onde essas mulheres
vivem e projetam sua existência, tem-se um contexto que lhe atribui estereótipos
excluindo a sua própria forma singular de enfrentar os dilemas cotidianos. A não
conformidade com este papel é precursora de justificativas para a prescrição do
BZD, bem como da justificativa para o uso abusivo.
O segundo momento do estudo, utilizando como método a análise do
discurso e a psicanálise como referencial da pesquisa, foi possível considerar a
abordagem da linguagem que situa o sujeito enquanto um ser que fala, concebendo
uma realidade que o cerca simbolicamente. Ademais, as formações discursivas são
matérias, constituídas pelo processo histórico social ideológico, que englobam o
sujeito e o sentido daquele fenômeno.
Faz-se, portanto, urgente a necessidade de pensar estratégias de
abordagem das demandas desse público específico, que possam ir além da
medicalização das queixas relacionadas aos eventos da vida cotidiana, buscando
ainda alternativas que permitam minimizar os riscos do uso abusivo nos casos onde
a medicação se mostre efetivamente necessária.
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APÊNDICES
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APÊNDICE A - INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS
Instrumento de coleta de dados com as usuárias de benzodiazepínicos
Dados de identificação
Código: ________________________________No.Prontuário:________________________
UBS a qual a usuária está vinculada: ______________________________________________
Aceita ser entrevistada posteriormente: ( ) sim ( ) não telefone: _______________________
Dados pessoais
1 Idade: _________ anos
2 Estado civil: 1( )Solteira 2( )Casada/União estável 3( )Divorciada4( )Viúva
3 anos de casada: _______anos
4 Escolaridade: 1( )sem escolaridade 2( )ensino básico 3( )ensino médio 4( )ensino superior
5 No de Filhos: ___________
6 Religião: 1( )católica 2( )evangélica/protestante 3( )outras 4( )sem religião
Dados Socioeconômicos
7 Profissão: 1( )Doméstica 2( )Do Lar 3( )Técnicos de nível médio 4( )Profissional Liberal 5(
)Aposentada 6( )Trabalhadores do Comercio 7( )Outros______________________
8 Renda familiar: ____________ reais
9 Recebe algum beneficio social: 1( )sim 2( )não
10 Quantas pessoas moram na casa:_________
11 tipo de moradia: 1( )própria 2( )alugada 3( ) outro
Dados clínicos
12 Benzodiazepínico utilizado: 1( )Diazepam 2( )Bromazepam 3( )Lorazepam
4( )Alprazolam 5( )Clonazepam 6( )Cloxazolam 7( ) Outro_______________________
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13 Dosagem prescrita: _____ mg/dia 14 Dosagem utilizada: ______mg/dia
15 Tempo de uso ________ meses
17 Queixa/motivo de uso: 1( )Depressão 2( )Ansiedade 3( )Insônia 4( )Perdas 5( )Tristeza 6(
)Pânico 7( )Estresse 8( )Outros: ________________
18 Tentativas de interrupção de uso: 1( )Sim 2( )Não
19 Motivo do insucesso: 1( )Depressão 2( )Angústia 3( )Estresse
4( )Insônia 5( )Crise 6( )Medo 7( )Ansiedade 8( )Outros:_____________________
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APÊNDICE B - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE e ESCLARECIDO
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ (UECE) SUJEITOS: MULHERES INCLUÍDAS PARA PESQUISA
Prezada Sra., você está sendo convidado para participar da pesquisa ―Uso abusivo de drogas benzodiazepínicas na atenção à saúde mental: um estudo sobre a vulnerabilidade e a subjetividade feminina” a ser coordenada pela prof.ª Dra. Lia Carneiro Silveira, docente do Programa de Pós Graduação em Cuidados Clínicos em Saúde e Enfermagem da UECE. Este estudo tem como objetivo investigar o uso abusivo de drogas benzodiazepínicas na atenção à saúde mental com enfoque nas dimensões da vulnerabilidade e da subjetividade feminina. Desta forma, gostaríamos de contar com sua participação, autorizando a realização de uma pesquisa me seu prontuário; serão pesquisados os seguintes dados: Dados de identificação; Dados pessoais; Dados Sócio-econômicos; Dados clínicos (A partir do prontuário); Dados clínicos (A partir da paciente). Esses dados estarão melhor explicados no instrumento em anexo a este termo, e a sra. pode solicitar o esclarecimento de qualquer dúvida que necessitar. Esses dados serão organizados em uma planilha eletrônica (Excel) e submetidos a análises estatísticas através de um programa de computador (SPSS). Garantimos que este registro será feito de modo a manter seu anonimato, ou seja, sua identificação será preservada. Garantimos que a pesquisa não trará nenhuma forma de prejuízo, dano para aqueles que participarem. Todas as informações obtidas neste estudo serão mantidas em sigilo e sua identidade não será revelada. Vale ressaltar que sua participação é voluntário e a Sra. poderá a qualquer momento deixar de participar deste, sem qualquer prejuízo ou dano. Comprometemo-nos a utilizar os dados coletados somente para a pesquisa e os resultados poderão ser veiculados através de artigos científicos e revistas especializadas e/ou encontros científicos e congressos, sempre resguardando sua identificação. Trata-se de uma pesquisa de relevância para a compreensão do uso de tais medicamentos e não visa realizar uma avaliação moral dos hábitos dos participantes. Assim, caso implique em alguma situação de risco, a questão será conduzida pelos responsáveis da pesquisa. Todos as participantes poderão receber quaisquer esclarecimentos acerca da pesquisa e, ressaltando novamente, terão a liberdade para não participarem quando assim não acharem mais conveniente. O Comitê de Ética da UECE encontra-se disponível para quaisquer esclarecimentos pelo fone (85) 3101 9890; o mesmo está localizado na Avenida Parajana 1700, Campus do Itaperi – Fortaleza-CE. Assim, após ter sido informado sobre a pesquisa, caso consinta em participar, você assinará DUAS CÓPIAS DESTE TERMO que também será assinado pelos pesquisadores, ficando uma cópia com você. Fortaleza - CE, ___/___/___. _____________________________ Assinatura do (a) Participante
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___________________________________ Dra. Lia Carneiro Silveira Docente – Programa de Pós-Graduação em Cuidados Clínicos em Saúde/UECE [email protected]
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ANEXO
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ANEXO A - PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP
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