Universidade Estadual de Maringá Centro de Ciências da Saúde
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS DA … · centro de ciÊncias da saÚde curso...
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEAR
CENTRO DE CINCIAS DA SADE
CURSO DE MESTRADO PROFISSIONAL EM SADE DA FAMLIA
ADRIANA FREITAS DINIZ RODRIGUES
COMPETNCIAS ESSENCIAIS PARA O SUS: A CONTRIBUIO DA
RESIDNCIA MULTIPROFISSIONAL EM SADE DA FAMLIA PARA A
REORIENTAO DAS PRTICAS EM SADE NO MUNICPIO DE FORTALEZA.
FORTALEZA - CEAR
2016
ADRIANA FREITAS DINIZ RODRIGUES
COMPETNCIAS ESSENCIAIS PARA O SUS: A CONTRIBUIO DA
RESIDNCIA MULTIPROFISSIONAL EM SADE DA FAMLIA PARA A
REORIENTAO DAS PRTICAS EM SADE NO MUNICPIO DE FORTALEZA
Dissertao apresentada Coordenao do Curso de Mestrado Profissional em Sade da Famlia da Pr-Reitoria de Ps-Graduao e Pesquisa do Centro de Cincias da Sade da Universidade Estadual do Cear, como requisito parcial para obteno do grau de Mestre. rea de concentrao: Sade da Famlia Orientadora: Prof.a Dr.a Maria Rocineide Ferreira da Silva
FORTALEZA - CEAR
2016
Dedico ao meu marido e companheiro,
Marcelo, por todo o amor incondicional nos
momentos mais difceis e pelo constante
estmulo ao meu desenvolvimento
profissional.
AGRADECIMENTOS
A Deus, pelo amor imensurvel, proteo, misericrdia e bnos em todos os
momentos da minha vida.
minha orientadora, Prof.a Dr.a Maria Rocineide Ferreira da Silva, pela pacincia,
dedicao, ateno, compreenso e competncia, ao compartilhar tanto
conhecimento para a consolidao deste estudo.
s minhas irms Solange e Andra, pelo incentivo e apoio psicolgico nesse
momento to difcil de enfrentamento das condies de sade de nossa me.
coordenadora da UAPS Edmar Fujita, Dr.a Lorrnia Bezerra, pela compreenso
das minhas ausncias, pela presena sempre to positiva, pelo apoio, pelas
palavras de incentivo e ajuda, indispensveis realizao desta conquista.
Conceio, Tereza, Daniele Rocha e Cludia, pela preocupao e incentivo desde
o incio.
s minhas amigas, Daniele Braz, Giovanna Herbster, Priscilla Leite, Regina, Mrcia
e Micheli, tambm companheiras de trabalho, por me acolherem, ouvirem minhas
angstias e compartilharem das alegrias e aflies de vivenciar a ESF.
Brgida Quezado, por tanto companheirismo nas atividades do mestrado, alm da
amizade sincera e das consultas frequentes.
Prof.a Dr.a Ana Patrcia Morais, pela dedicao e empenho, conduzindo com
maestria a coordenao do curso do Mestrado Profissional em Sade da Famlia-
UECE.
Prof.a Dr.a Annatlia Meneses de Amorim Gomes, pelo carinho e confiana.
Ao Prof. Dr. Raimundo Augusto Martins Torres, pela ateno de sempre.
Prof.a Dr.a Sharmnia Nuto, por tantos momentos enriquecedores, ao partilhar com
toda a turma seus conhecimentos, pela sua generosidade imensa e pela gratido e
honra que sinto em ter suas contribuies nesta produo.
Prof.a Dr.a Lucyla Oliveira Paes Landim, pelas contribuies to importantes e por
gentilmente ter aceito avaliar este estudo.
secretria Cludia, sempre to atenciosa s nossas solicitaes; Tatiana e
Camila, por tanto carinho, cuidando de ns e do Mundo Verde. Anair, com seu
sorriso encantador.
Aos profissionais entrevistados, pelas valiosas informaes que permitiram o
desenvolvimento deste estudo.
Aos meus companheiros de curso, que se tornaram mais do que colegas, pela
parceria e momentos mpares que levarei por toda a minha vida com saudades e
gratido.
RESUMO
O Sistema nico de Sade (SUS) resultou de lutas pela Reforma Sanitria Brasileira
surgidas no esteio da redemocratizao do pas e na construo de um modelo de
ateno sade, pblico e universal, que se opunha ao modelo hegemnico, e
propem a Estratgia Sade da Famlia (ESF) como meio de reorientao da rede
de servios e das prticas de cuidado em sade. O desafio de concretizar os
princpios e diretrizes do SUS esbarra no perfil de formao dos profissionais de
sade. O ato de cuidar consiste em constituir novas prticas e competncias
articuladas para o individual ou coletividade, e requer o envolvimento dos
trabalhadores do SUS nessa elaborao. A Residncia Multiprofissional em Sade
da Famlia (RMSF) aparece como estratgia para promover integralidade do cuidado
e ressignificao das prticas, com origem no contato entre os mundos do trabalho e
da formao. Assim, a RMSF contribuiu para o desenvolvimento de competncias
profissionais com vistas atuao na ESF? A RMSF proporcionou o incentivo
reflexo sobre as prticas no mundo do trabalho e a possibilidade de ressignificao
destas? Para responder a estas indagaes, realizou-se estudo qualitativo,
descritivo-exploratrio, cujo objetivo geral foi analisar as competncias que orientam
a prtica profissional dos egressos da RMSF, com foco na reorientao dos
processos de trabalho para maior integralidade das aes em sade. Os objetivos
especficos foram: identificar as competncias profissionais que orientam a RMSF no
Municpio de Fortaleza; conhecer as concepes de competncias necessrias para
a prtica profissional na ESF dos egressos da RMSF; descrever as diversas prticas
de sade nos territrios da ESF, fomentadas pela RMSF; identificar se a RMSF
incentivou reflexo sobre o processo de trabalho na ESF e as possibilidades de
transform-lo. Os participantes do estudo foram os profissionais dentistas e
enfermeiros, conforme os critrios de incluso estabelecidos para a pesquisa,
totalizando 14 egressos da RMSF que continuaram atuando, direta ou indiretamente,
na ESF, por no mnimo, 12 meses. O estudo foi realizado no Municpio de Fortaleza,
nas Unidades de Ateno Primria Sade (UAPS), que contavam com egressos
atuando na ESF. Utilizou-se entrevista semiestruturada como tcnica para a coleta
de dados, e, para a anlise destes, o mtodo de Anlise de Contedo Temtica
proposta por Minayo (2010) e Gomes (2009), a fim de interpretar as mensagens
apreendidas nas falas dos sujeitos. As entrevistas foram realizadas no perodo de
abril e maio de 2016. Foram observados os preceitos ticos da pesquisa com seres
humanos e submetido o projeto apreciao do Comit de tica em Pesquisa da
Universidade Estadual do Cear (UECE), sendo aprovado em maro de 2016. Deste
estudo emergiram as seguintes categorias para anlise: 1. A Residncia como
espao de aprender/fazer permanente; 2. Competncias para atuar no SUS
desenvolvidas no cotidiano das prticas na Residncia: vnculo, empatia,
solidariedade, tecnologias leves, conhecimento terico e poltico, trabalho em
equipe; 3. Lacunas da formao profissional: o caminho da graduao para a
Residncia; 4. A Residncia e as reflexes sobre os processos de trabalho na ESF:
os desafios de superar o institudo; 5. Fragilidades e potencialidades da Residncia
como processo formativo; e 6. A Residncia como indutora de mudanas nas
prticas em sade. Os resultados apontam que a Residncia fomentou reflexes
diversas acerca do perfil profissional e do seu papel no contexto do SUS, ao
estabelecer dilogos com as prticas e processos vigentes, e de promover
questionamentos sobre as competncias que se estabelecem alm da tcnica, de
modo a produzir as aes mais favorveis e resolutivas possveis para ofertar
cuidado integral em sade. A ressignificao das prticas pode ser evidenciada em
aes capazes de produzir transformaes no trabalho em sade, que variam desde
uma atitude diferenciada no acolhimento ao usurio do SUS, com outras
modalidades de produzir tecnologias, at mudanas expressivas dos processos de
trabalho que reverberaram na adoo dessa produo como poltica pblica no
Municpio de Fortaleza.
Palavras-chave: Sistema nico de sade, Estratgia sade da famlia, Educao
permanente, competncias, residncia.
ABSTRACT
The Unified Health System (SUS) is a result from struggles for Brazilian health reform
that arose in the wake of the country's democratization and the construction of a
public and universal health care model, which opposed the hegemonic model, and
propose the Family Health Strategy (FHS) as a means of reorientation of network
services and practices of health care. The challenge to achieve the principles and
guidelines of SUS conflicts with health professionals profile. The act of caring is to
set up new practices and skills articulated for individual or collective attendance, and
requires the involvement of SUS professionals in this preparation. The
Multiprofessional Residence in Family Health (MRFH) appears as a strategy to
promote comprehensive care and to reframe practices arising from the contact
between work and formation. Thus, RMSF contributed to the development of
professional skills with a view to acting in the FHS? RMSF provided the incentive to
reflect on the practices in the labor market and the possibility of reframing these? To
answer these questions, there was a qualitative, descriptive and exploratory study,
whose general objective was to analyze the professional skills that guide the
professional practice of graduates of MRFH, focusing on the reorientation of work
processes for greater comprehensiveness of health actions. The specific objectives
were to identify professional skills that guide MRFH in Fortaleza; know the concepts
of skills required for professional practice in the FHS of the MRFH graduates;
describe the various health practices in the FHS territories, encouraged by MRFH;
identify the MRFH encouraged to reflect on the work process in the FHS and the
possibilities of transforming it. The study participants were dentists and nurses, as
the inclusion criteria for the study, a total of 14 graduates of MRFH who continued
acting, directly or indirectly, in the FHS for at least 12 months. The study was
conducted in the city of Fortaleza, in Primary Care Units Health, which relied on
graduates working in the FHS. We used semi-structured interview as a technique for
data collection, and for the analysis of the qualitative method proposed by Minayo
(2010) and Gomes (2009), in order to interpret the messages seized in the
statements of the subjects. The interviews were conducted between April and May
2016. We observed the ethical principles of human research and submitted the
project for consideration by the Ethics Committee of the State University of Cear
(UECE), was approved in March 2016. In this study the following categories were
emerged for analysis: 1. MRFH as a place to learn / do permanent; 2. Skills to work
in the SUS developed in the daily practice in MRFH: bonding, empathy, solidarity,
light technology, theoretical and political knowledge, teamwork; 3. Gaps in vocational
training the path of graduation for residence; 4. MRFH and the reflections on the
work process in the FHS: the challenges of overcoming the set; 5. Weaknesses and
potential of residence as training process; and 6. MRFH to induce changes in health
practices. The results show that the residence fomented several reflections on the
professional profile and its role in the context of SUS, to establish dialogues with
current practices and processes, and to promote questions about the powers that set
it apart from technique, to produce the most favorable actions and resolving possible
to offer comprehensive health care. The reinterpretation of the practices can be
evidenced in actions that produce changes in health work, ranging from a
differentiated attitude in welcoming to SUS users with other types of produce
technologies to significant changes in work processes that reverberated in the
adoption of this production and public policy in the city of Fortaleza.
Keywords: Unified health system, Family health strategy, Continuing education, skills,
residence.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ACS Agente Comunitrio de Sade
APS Ateno Primria Sade
ASB Auxiliar de Sade Bucal
CEP Comit de tica em Pesquisa com Seres Humanos
CESAU Conselho Estadual de Sade
CIES Comisses Permanentes de Integrao Ensino-Servio
CNES Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Sade
COGTES Coordenadoria de Gesto do Trabalho e Educao em Sade
DCN Diretrizes Curriculares Nacionais
DST Doena Sexualmente Transmissvel
DEGES Departamento de Gesto da Educao na Sade
EPS Educao Permanente em Sade
eSF equipes de Sade da Famlia
ESF Estratgia Sade da Famlia
MS Ministrio da Sade
NASF Ncleo de Apoio ao Sade da Famlia
PNAB Poltica Nacional da Ateno Bsica
PNEPS Poltica Nacional de Educao Permanente em Sade
Pr-Sade Programa Nacional de Reorientao da Formao Profissional em Sade
PPP Projeto Poltico Pedaggico
PSE Programa Sade na Escola
RMS Residncia Multiprofissional em Sade
RSB Reforma Sanitria Brasileira
RMSF Residncia Multiprofissional em Sade da Famlia
SGTES Secretaria de Gesto do Trabalho e da Educao na Sade
SMS Sistema Municipal de Sade
SMSE Sistema Municipal Sade Escola
SNRMS Sistema Nacional de Residncia Multiprofissional em Sade
SR Secretarias Regionais
SUS Sistema nico de Sade
TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
TS Trabalhadores da sade
UAPS Unidade de Ateno Primria Sade
UNIFOR Universidade de Fortaleza
UFC Universidade Federal do Cear
SUMRIO
1 INTRODUO....................................................................................... 15
1.1 CAMINHOS DE POSSIBILIDADES PARA ESTA PRODUO......... 22
2 OBJETIVOS.......................................................................................... 26
2.1 GERAL.................................................................................................. 26
2.2 ESPECFICOS...................................................................................... 26
3 FUNDAMENTAO TERICA DOS ARGUMENTOS ........................ 27
3.1 AS PROPOSTAS DESENVOLVIDAS NO MOVIMENTO EDUCAO-
SADE.....................................................................................................
27
3.1.1 A Construo do SUS e o modelo de ateno da Estratgia
Sade da Famlia (ESF).......................................................................
27
3.1.2 A discusso da formao da fora de trabalho para o SUS .......... 29
3.2 A POLTICA DE EDUCAO PERMANENTE E A VALORIZAO
DA FORMAO EM SADE ...............................................................
37
3.2.1 A modalidade Residncia Multiprofissional em Sade da Famlia
(RMSF) como proposta para a formao dos trabalhadores do SUS
41
3.2.2 A RMSF do Municpio de Fortaleza.................................................... 47
3.3 O ENSINO POR COMPETNCIAS NA FORMAO EM SADE:
PRODUO DE SUJEITOS AUTNOMOS OU ADEQUADOS AO
SISTEMA? ............................................................................................
51
4 PERCURSO METODOLGICO........................................................... 57
4.1 NATUREZA DO ESTUDO..................................................................... 57
4.2 LOCAL DO ESTUDO............................................................................. 58
4.3 PARTICIPANTES DO ESTUDO............................................................ 59
4.4 TCNICA E INSTRUMENTO PARA COLETA DE DADOS.................. 61
4.5 ANLISE DOS DADOS......................................................................... 62
4.6 ASPECTOS TICOS............................................................................. 64
5 RESULTADOS E DISCUSSO .......................................................... 66
5.1 A RESIDNCIA COMO ESPAO DE APRENDER/FAZER
PERMANENTE......................................................................................
66
5.2 COMPETNCIAS PARA ATUAR NO SUS DESENVOLVIDAS NO
COTIDIANO DAS PRTICAS NA RESIDNCIA: VNCULO,
EMPATIA, SOLIDARIEDADE, TECNOLOGIAS LEVES,
CONHECIMENTO TERICO E POLTICO, TRABALHO EM EQUIPE
67
5.3 LACUNAS DA FORMAO PROFISSIONAL: O CAMINHO DA
GRADUAO PARA A RESIDNCIA .................................................
79
5.4 A RESIDNCIA E AS REFLEXES SOBRE OS PROCESSOS DE
TRABALHO NA ESF: OS DESAFIOS DE SUPERAR O INSTITUDO
80
5.5 FRAGILIDADES E POTENCIALIDADE DA RESIDNCIA COMO
PROCESSO FORMATIVO....................................................................
87
5.6 A RESIDNCIA COMO INDUTORA DE MUDANAS NAS
PRTICAS EM SADE.........................................................................
93
6 CONSIDERAES FINAIS.................................................................. 102
REFERNCIAS..................................................................................... 110
APNDICES.......................................................................................... 121
APNDICE A A Residncia Multiprofissional em Sade da Famlia
nos cenrios das prticas em sade.....................................................
122
APNDICE B Roteiro de entrevista semiestruturada......................... 123
APNDICE C Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) 125
ANEXO.................................................................................................. 127
ANEXO A Parecer consubstanciado do Comit de tica e Pesquisa 128
15
1 INTRODUO
O Movimento da Reforma Sanitria Brasileira (RSB) foi ao mesmo tempo
uma bandeira de luta especfica, e parte de um movimento mais amplo de
mudanas, j que concretizava os direitos democrticos pelos quais amplos
segmentos da sociedade brasileira se mobilizavam.
Assim, desde os anos de 1980 com a criao do Sistema nico de Sade
(SUS), propostas de mudanas na formao em sade esto sendo discutidas,
principalmente quando o Ministrio da Sade (MS) chamou para si a
responsabilidade de orientar a formao dos profissionais de sade para atender as
necessidades do SUS (BRASIL, 2006).
A universidade o lugar legitimado de produo da cincia oficial, que
tambm disputa processos de subjetivao, interferindo, por exemplo, nos modos de
produzir saber, na pretenso de verdade, na deslegitimao de outros saberes, na
sujeio e subordinao como tnica na produo da relao com o outro, no
vnculo com o complexo mdico-industrial. As escolas so tambm lugar da
produo de um modo de olhar o corpo adoecido, como lugar fsico de existncia de
leses orgnicas (FEUERWERKER, 2014).
Apesar do reconhecimento da importncia da renovao das prticas
pedaggicas na formao dos profissionais de sade, existe ainda uma distncia
entre o que as instituies formadoras oferecem e o perfil necessrio ao trabalhador
da sade para que se estabelea uma prtica em sade orientada pelos princpios e
diretrizes do SUS.
Portanto, a formao dos profissionais da sade pautada no modelo
biomdico, fragmentado e especializado, dificulta a compreenso dos determinantes
do processo sade-doena da populao, e tambm acerca de como realizar a
interveno sobre seus condicionantes. A fragmentao do conhecimento, que
caracteriza a formao inicial na maior parte dos cursos, predispe mesma
ocorrncia na prtica, o que cria obstculos para o estabelecimento da integralidade
da assistncia (FEUERWERKER, 1998).
A mesma autora considera que somente a experincia adquirida na
prtica pode completar a formao, pois pelo exerccio clnico que o profissional se
16
aproxima das pessoas necessitadas de cuidados de sade, e no apenas da doena
(FEUERWERKER, 1998).
Portanto, com base na vivncia prtica nos servios, permeada por um
suporte pedaggico especfico e voltada para as necessidades da populao, que se
concretiza uma formao tcnica e humanstica do profissional de sade, uma vez
que as situaes-problema vivenciadas no cotidiano desses profissionais exigem
aes que extrapolem o mbito puramente cientfico e clnico (NASCIMENTO;
QUEVEDO, 2008).
Corroborando essas consideraes, Merhy (1997) chama ateno para
o fato de que a formao de profissionais de sade precisa considerar, ainda, o
fortalecimento do modelo de ateno sade usurio-centrado, no qual o
compromisso essencial diz respeito s necessidades do usurio, como contrapartida
do modelo procedimento-centrado, no qual o ordenamento do ato de assistir
sade redutvel, em grande medida, produo de procedimentos. O territrio das
tecnologias leves, que permitem operar os processos relacionais do encontro entre o
trabalhador de sade e do usurio; bem como as tecnologias leve-duras, os saberes
estruturados que permitem o processo de trabalho em sade, precisam ser
intensamente expandidos.
As unidades do SUS deparam desafios significativos diversos em seu
funcionamento, e um deles o de oferecer aos usurios do sistema cuidados em
sade que tenham qualidade. Portanto, faz-se necessrio refletir sobre o perfil
pretendido aos profissionais de sade, no com enfoque apenas em conhecimentos
tcnicos, mas tambm nas habilidades e atitudes a serem desenvolvidas em favor
da sade da populao e com a conscincia da sua responsabilidade social.
O profissional de sade, para atuar no SUS, precisa refletir sobre as suas
prticas e a respeito da complexidade do cuidado como expresso de direitos,
responsabilizao pelo outro, integralidade, vnculo, respeito, solidariedade e
tambm articulao com os demais profissionais em um trabalho de equipe.
indispensvel ao trabalhador do SUS reconhecer o cuidado na sua conceituao
mais ampla.
Para Pinheiro e Guizardi (2004), a definio do cuidado indissocivel de
sua integralidade. So os atos de tratar, respeitar, acolher, atender o ser humano em
17
seu sofrimento, em grande medida, fruto de sua fragilidade social, caracterizados
como cuidado.
Como leciona Feuerwerker (2014), para consolidao do SUS, h modos
de estabelecer polticas, relaes e processos de gerao de vida, que favorecem a
mobilizao para efetivar um sistema com base na preparao de agentes sociais,
portadores do futuro que o SUS requer. Portanto, segundo a mesma autora, no
existem os agentes prontos para produzir relaes cuidadoras, pois esses
profissionais precisam ser preparados, assim como espaos regionais solidrios,
tecnologias para operar redes de ateno sade, apoiadores, escolas para formar
os trabalhadores de sade, territrios de vida mais ricos. Todos eles precisam ser
produzidos.
A Educao Permanente em Sade (EPS) surge para contribuir com a
produo desses espaos e sujeitos mais solidrios, medida que se prope a
reorientar o processo de trabalho do profissional de sade, buscando essa
reestruturao com suporte na anlise dos determinantes sociais, culturais, de
valores, de conceitos que convergem para uma prtica em sade orientada pela
integralidade e humanizao.
Silva e Egry (2003) defendem o argumento de que o ensino-
aprendizagem alicerado em competncia pressupe saberes intensamente
trabalhados, para que possam ser mobilizados de acordo com as situaes
complexas e imprevisveis, ou seja, no seria possvel formar competncias por
meio de um currculo que privilegiasse apenas a transmisso de contedos, sem
promover situaes em que esse conhecimento seja empregado em contextos
vividos.
A Poltica Nacional de Educao Permanente em Sade (PNEPS), como
estratgia do SUS para formao e o desenvolvimento dos trabalhadores para o
setor, foi instituda em 2004, por meio da Portaria no 198/04, substituda pela Portaria
GM/MS nmero 1.996, de 20 de agosto de 2007 (BRASIL, 2007b). A PNEPS busca
a consolidao da Reforma Sanitria com origem na criao de outros meios para
entender e engendrar sade, fortalecendo a descentralizao, o desenvolvimento de
estratgias e processos para a construo da integralidade da ateno sade
individual e coletiva, mobilizando a incorporao dos trabalhadores como agentes
identificados com as necessidades de criao e modificao no cenrio da sade.
18
Na proposta da PNEPS, a mudana das estratgias de organizao das
aes, dos servios e do exerccio da ateno efetivada na prtica das equipes,
visando a transformar e qualificar a ateno sade, os processos formativos, as
prticas pedaggicas e de sade. Tem como propsito trabalhar com meios que
permitam reflexo crtica sobre a prtica cotidiana nos servios de sade e nas
pessoas, promovendo a capacidade de produzir relaes de afeto e de sentido entre
os profissionais de sade, e entre eles e os usurios, com amparo na aproximao
com a realidade das comunidades, e do despertar para o papel de cada um como
co-responsvel na transformao da sociedade.
A Poltica Nacional da Ateno Bsica (PNAB) reafirma a necessidade da
reorientao das prticas em sade, por meio da Portaria N 2488, de 21 de outubro
de 2011, a qual estabelece a reviso das diretrizes e normas para a organizao da
ateno bsica para a Estratgia Sade da Famlia (ESF) (BRASIL, 2012b). Assim,
a PNAB atualizou conceitos na poltica e introduziu elementos ligados ao papel
pretendido da ateno bsica e, consequentemente, aos trabalhadores de sade
para atuar na ESF. A afirmao de uma ateno bsica acolhedora, resolutiva e que
avana na gesto e coordenao do cuidado integral sade, ampliando as aes
intersetoriais para uma maior resolubilidade da ateno bsica, exige profissionais
preparados para lidar com todas as dimenses e subjetividades no cuidado sade.
As demandas para a capacitao no se definem somente a partir de uma lista de necessidades individuais de atualizao, nem das orientaes dos nveis centrais, mas prioritariamente, desde a origem dos problemas que acontecem no dia a dia, da organizao do trabalho em sade. Desse modo, transformar a formao e a gesto do trabalho em sade no pode ser considerado uma questo simplesmente tcnica, pois envolve mudanas nas relaes, nos processos, nos atos de sade e, principalmente, nas pessoas (JAEGER; CECCIM, 2004, p. 10).
Portanto, na perspectiva da Educao Permanente, os profissionais de
sade precisam estar inseridos no mundo do trabalho, apostando na transformao
com amparo na produo de conhecimentos no cotidiano dos servios, com uma
reflexo crtica sobre o trabalho que executam a respeito dos problemas enfrentados
na realidade dos servios, levando em considerao conhecimentos e experincias
que esses sujeitos carregam consigo. Que proposta formativa daria conta de formar
esses trabalhadores? A Residncia surge como proposta para a formao desses
sujeitos.
19
Assim, no ano de 2005, pela lei n 11.129, foi institudo o Programa de
Residncia em rea Profissional da Sade, no intuito de qualificar os profissionais
da sade para a atuao no SUS (BRASIL, 2007c).
Procurou-se estabelecer no projeto pedaggico do curso de Residncia
Multiprofissional em Sade da Famlia (RMSF) as competncias dos profissionais de
sade com base em habilidades, conhecimentos e atitudes que envolvem todas as
dimenses da pessoa. Esta perspectiva implica rupturas na dinmica interna dos
espaos institucionais, como tambm, nos demais espaos em que a pessoa atua
como cidado. O trabalhador, ao articular saberes em face dos problemas
encontrados em seu trabalho, atua criticamente. Ele envolvido como um todo,
rompendo-se com as delimitaes impostas pelo mero fazer, atingindo-se o seu ser
(DESAULNIERS, 1997).
Apesar da grande diversidade de concepes, o conceito de competncia
sempre esteve ligado, como referncia principal, ao mundo do trabalho, mas,
tambm, esfera da educao, decorrente de variadas vises tericas. Portanto,
fundamental conhecer os autores e as diversas abordagens da conceituao de
competncia. Assim, realizaremos maiores consideraes na fundamentao
terica, ao abordarmos as competncias na formao em sade.
Perrenoud (1999b) define competncia como a capacidade de agir
eficazmente em determinada situao, com apoio em conhecimentos, mas sem se
limitar a eles. Para o autor, a competncia busca responder s necessidades do
mundo contemporneo; perfaz-se na formao, mas tambm nas distintas situaes
do trabalho.
Para desenvolv-las, h necessidade de uma elaborao curricular que
possibilite o desenvolvimento de um perfil profissional em que conhecimentos,
habilidades e atitudes se articulem com o contexto da prtica profissional
(NASCIMENTO; OLIVEIRA, 2010).
Nessa abordagem, a competncia concebida como o conjunto de
saberes, habilidades e atitudes que os profissionais incorporam por meio da
formao e da experincia, somados capacidade de integr-los, utiliz-los e
transferi-los em variadas situaes profissionais. Esse marco conceitual aproxima-se
muito do que os australianos definem como abordagem integrada ou holstica ou,
20
ainda, com a definio proposta por Zarifian (1996), em que relaciona inteligncia
prtica, responsabilidade, autonomia, cooperao e disposio comunicativa.
Para o MS, a noo de competncia est referida ao cuidado, em sua
dimenso tica, uma vez que a produo e a prestao dos servios de sade tm
como caractersticas fundamentais o acautelamento dos riscos e o resguardo do
direito vida com qualidade (BRASIL, 2000).
Considerando todo o contexto descrito, a necessidade de buscar
respostas para questes vivenciadas no cotidiano do meu trabalho na ESF,
impulsionou-me a refletir sobre as prticas no modo de produzir sade que
promovessem maior integralidade e compromisso profissional com os usurios.
Portanto, percebi a necessidade de compreender as potencialidades da RMSF na
contribuio do desenvolvimento de competncias essenciais ao profissional de
sade e como estas influenciariam na reorientao das prticas no trabalho em
sade. Assim, dedico um captulo para relatar minha trajetria profissional e o
envolvimento com o assunto aqui desenvolvido.
A proposta da RMSF fundamenta-se na interdisciplinaridade como
facilitadora da formao de um conhecimento ampliado de sade, que precisa
compreender os desafios de trabalhar a coletividade, visualizando as dimenses
objetivas e subjetivas dos sujeitos. A fim de formar profissionais para a rea da
sade, reconhece a necessidade da insero destes nos servios de sade, onde
possam, no exerccio da educao em servio, realizar prticas de sade que
integrem o ensino, a ateno e a prtica.
Partir da Residncia tem um sentido especial para mim, que j atuei como
preceptora de campo de prtica de estudantes da graduao e fui convidada, em um
determinado momento, para assumir tambm a preceptoria da Residncia.
Questionava-me sobre: que sujeito seria capaz de ensinar o que de fato se
objetivaria num cuidado de qualidade aos usurios? Como poderia contribuir para a
transformao do cotidiano de prtica profissional, muitas vezes orientada pela
formao dissonante da proposta da Residncia?
No ato de produzir cuidados, o profissional de sade precisa enfrentar os
desafios de proceder a um trabalho orientado e mobilizado pelas necessidades de
sade no somente do usurio, mas tambm do coletivo familiar com os arranjos
verificados, produzindo um equilbrio das tecnologias em sade, superando a
21
fragmentao do sistema para produzir a continuidade de ateno segundo uma
linha de cuidado capaz de propiciar tambm ganhos de autonomia e de vida aos
seus usurios, utilizando-se das potencialidades da gesto compartilhada e equipe
interprofissional para garantir integralidade na assistncia sade. Assim, seria a
Residncia o territrio que poderia fabricar um sujeito, inclusive ampliando as
questes de sade ao transpor o cartesianismo to fortalecido pela formao a que
outrora tinha sido assujeitado?
A modalidade de formao especializada (ps-graduao) em servio,
Residncia, representa uma das estratgias potenciais para repensar a formao
em sade, pois a formao multiprofissional em servio expressa como relevante
para a conformao de trabalhadores comprometidos e aptos para intervir, com sua
ao tcnica, poltica e gerencial, para as mudanas necessrias na produo da
sade (CECCIM, 2010).
Na inteleco de Faustino (2003), o desenvolvimento de competncias
mostra-se como nova perspectiva para formao do profissional da sade, no s
por incentivar a reflexo crtica, mas tambm por ser capaz de responder s
exigncias impostas pela atual realidade de mudanas sociais e por favorecer o
desenvolvimento da cidadania, bem como de sujeitos comprometidos.
As reformas setoriais em sade tm-se deparado constantemente com a
necessidade de organizar ofertas de polticas especficas ao segmento dos
trabalhadores, a tal ponto que o setor de recursos humanos chegou a configurar
uma rea especfica de estudos nas polticas pblicas de sade. Ante essa
realidade, Ceccim (2005) assevera ser absolutamente prioritrio assegurar rea da
formao no mais um lugar secundrio, mas uma posio central e finalstica s
polticas de sade. Nesse sentido, os trabalhadores precisam deixar a condio de
recursos para assumir um estatuto de agentes sociais das reformas, do trabalho,
das lutas pelo direito sade e do ordenamento de prticas acolhedoras e
resolutivas da gesto e da ateno sade.
Em razo da importncia de se pensar sobre a atual formao profissional
para o SUS, e tambm na busca por profissionais com viso humanstica, crtica e
integrada para atuar na ESF, torna-se visvel procura, por parte desses
profissionais, de cursos de especializao que considerem a formao dessas
competncias.
22
Sendo assim, premente se conhecer as competncias que orientam a
RMSF, reconhecida como padro-ouro de referncia na modalidade de ps-
graduao lato sensu, pois est inserida na prtica do trabalho, e, ento, justificar a
necessidade de constituir polticas pblicas de formao e de financiamento que a
fortaleam como estratgia para ressignificar a formao dos trabalhadores em
sade e, consequentemente, contribuir para a consolidao do SUS.
Em decorrncia da necessidade de formao de trabalhadores capazes
de atuar no SUS, esta pesquisa assume relevncia, ao discutir um Programa de
Residncia que tem a perspectiva da Educao Permanente e da formao de
trabalhadores capazes de atuar ante as complexidades do SUS.
Portanto, no panorama de crise econmica vivenciado no Brasil, e
consequente diminuio dos investimentos em sade, conhecer a contribuio da
Residncia Multiprofissional na formao de competncias profissionais essencial
para legitimar os recursos pblicos destinados para esse fim, bem como fomentar,
se for o caso, maior oferta de residncias.
Esse estudo visa tambm a contribuir na elaborao de futuros projetos
pedaggicos da RMSF, em vistas a reunir competncias para a ao como
profissional de sade da famlia.
1.1 CAMINHOS DE POSSIBILIDADES PARA ESTA PRODUO
O vento sempre o mesmo, mas sua resposta diferente em cada folha. Somente a rvore seca fica imvel entre borboletas e pssaros (CECLIA MEIRELES).
Ingressei no curso de graduao em Odontologia da Universidade
Federal do Cear (UFC) em 1999. Na poca, o currculo da graduao era voltado
para a formao biologicista, priorizando a assistncia clnica e individual, com
prticas direcionadas s habilidades tcnicas com apoio na concepo da doena e
suas sequelas. Apenas alguns poucos crditos destinavam-se Sade Coletiva,
portanto, percebi a necessidade de buscar na Educao Permanente conhecimentos
para apropriar-me dos temas em Sade Coletiva.
Iniciei as atividades profissionais na ESF em 2003, o que intensificou a
necessidade de aprimorar a perspectiva crtico-reflexiva perante os desafios que
23
surgiam: como estabelecer critrios que permitissem a equidade no acesso, uma
vez que a procura por atendimento clnico era maior do que a capacidade de
equipamentos instalados? Qual a maneira de investir em aes que permitissem
estabelecer uma rede mais solidria, com a valorizao das pessoas na produo
da sade? Como identificar as necessidades sociais, coletivas e subjetivas de sade
da populao? De que modo interpretar necessidades, razes, sentimentos e
comportamentos dos usurios, que, muitas vezes, estavam fragilizados e buscavam
no profissional de sade as respostas para suas expectativas e seus problemas? O
que se faz para fomentar a autonomia dos sujeitos a fim de compreenderem o seu
papel como protagonistas de sua condio de sade? De que jeito se procede para
identificar prioridades? Como planejar as aes em sade? De que maneira se
articular com os demais profissionais da equipe para potencializar os processos de
trabalho? Enfim, muitos eram os questionamentos que me angustiavam, e,
incessantemente, buscava compreender como lidar com a dimenso subjetiva das
prticas em sade.
Descobri verdadeiramente a magnitude do trabalho com as comunidades
e suas potencialidades; e, com origem nessa vivncia, resolvi aprofundar-me nos
conhecimentos do SUS. Nesse esforo contnuo, notei a necessidade de sair da
clnica odontolgica para dentro dos territrios, e, assim, compreendi que h muito o
que fazer fora dos consultrios, utilizando-se de outras tecnologias, como as leves e
leve-duras.
A mobilizao para conhecer vem de certos incmodos que a ao como protagonista pode gerar como acontecimento, mobilizando as vrias dimenses do sujeito de modo que interajam para conduzir a um saber militante, que lhe permite compreender mais sobre a situao e a ao, para continuar agindo (FEUERWERKER, 2014, p. 30).
Precisava de respostas para compreender questes que me angustiavam
como profissional despreparada para lidar com os sentidos produzidos com base
nas relaes entre trabalhador e usurio. Potencialmente, me sentia impulsionada a
experimentar os caminhos que aprofundassem minha viso sobre os problemas e
meios de que dispunha para agir, ou que poderiam mobilizar aes em defesa da
sade e da vida.
Conclu, posteriormente, curso de ps-graduao em Sade da Famlia,
mas foi na especializao em Gesto do Trabalho e da Educao na Sade, ao
confrontar-me com bases conceituais que postulavam a necessidade de mudana
24
do paradigma que ainda orienta o modelo de ateno no Pas, que consegui
perceber os entraves que me inquietavam no processo de trabalho. Essas
dificuldades consistiam, no apenas, no acesso dos usurios ao sistema de sade,
mas, tambm, nas lacunas deixadas durante a formao profissional, evidenciando
o despreparo para atuar em servios de sade pblica.
Em pesquisa realizada sobre acolhimento em sade bucal, alcancei de
fato, sair das quatro paredes do consultrio odontolgico, para ressignificar
conceitos e prticas, e assim ampliar a perspectiva sobre inmeras possibilidades
que emergem do prprio territrio, das experincias dos sujeitos, na constituio da
autonomia e do vnculo. Compreendi que a Educao Permanente, ao transformar a
formao e a gesto do trabalho em sade, pode modificar as pessoas e produzir
trabalhadores solidrios e comprometidos. Esta pesquisa me fez estabelecer outras
vises e produzir mais conhecimentos no mbito da sade.
Em 2014, fui convidada para atuar como preceptora da RMSF na cidade
de Fortaleza. Esse novo desafio e a vontade de mergulhar mais profundamente
nesse universo, impulsionou-me a refletir sobre as insuficincias da minha formao
inicial, portanto, optei por ingressar, inicialmente, no Mestrado Profissional em
Sade da Famlia, cujo processo de ensino e aprendizagem se constitui com apoio
na anlise de situaes do dia a dia, no intuito de buscar respostas coletivas para as
questes vivenciadas no cotidiano da equipe multiprofissional e identificar as
competncias necessrias para essa atuao, com vistas a ressignificar as prticas
em sade, e assim contribuir para discutir a formao de trabalhadores para o SUS,
a fim de, posteriormente, se houver ainda esta possibilidade, atuar como preceptora
da RMSF.
A perspectiva da RMSF ia ao encontro das necessidades que sentia, na
qualidade de profissional, de compreender a dimenso da formao interdisciplinar
no exerccio da profisso. Com procedncia nesse pensamento, surgiu o interesse
de compreender sobre a RMSF e seu potencial como modalidade de ps-graduao
lato sensu, baseada no desenvolvimento de competncias, que permite levar o
profissional a atuar diretamente nos locais de prticas, com possibilidades reais de
reorientao dos processos de trabalho desde a reflexo sobre a realidade.
Portanto, considero-me como sujeito implicado, ou seja, aquele que tem
estreita relao com as questes em estudo, como se fizesse parte daquele coletivo
25
pesquisado, portador de pressupostos, caracterizado por um jeito prprio de agir
(MERHY, 2005).
Com apoio nessas colocaes, busco produzir nesta pesquisa uma
reflexo crtica, de relevncia tica e poltica, que contribua para as discusses na
dimenso formativa de trabalhadores para o SUS e do Programa de Residncia
Multiprofissional sobre a perspectiva da Educao Permanente.
Ao aprimorar minhas reflexes sobre o paradigma que orienta o modelo
de ateno biomdico e biologicista, e a formao profissional em sade, alguns
questionamentos me inquietavam:
a Residncia Multiprofissional em Sade da Famlia contribuiu para o
desenvolvimento de competncias profissionais com vistas atuao na
Estratgia Sade da Famlia?
A Residncia Multiprofissional em Sade da Famlia proporcionou o
incentivo reflexo sobre as prticas no mundo do trabalho e a
possibilidade de ressignificao destas?
26
2 OBJETIVOS
2.1 GERAL
Analisar as competncias que orientam a prtica profissional dos egressos da
Residncia Multiprofissional em Sade da Famlia, com foco na reorientao
dos processos de trabalho para maior integralidade das aes em sade.
2.2 ESPECFICOS
Identificar as competncias profissionais que orientam a Residncia
Multiprofissional em Sade da Famlia no Municpio de Fortaleza.
Conhecer as concepes de competncias necessrias para a prtica
profissional na Estratgia Sade da Famlia dos egressos da Residncia
Multiprofissional em Sade da Famlia.
Descrever as diversas prticas de sade nos territrios da Estratgia Sade
da Famlia, fomentadas pela Residncia Multiprofissional em Sade da
Famlia.
Identificar se a Residncia Multiprofissional incentivou reflexo sobre o
processo de trabalho na Estratgia Sade da Famlia e as possibilidades de
transform-lo.
27
3 FUNDAMENTAO TERICA DOS ARGUMENTOS
3.1 AS PROPOSTAS DESENVOLVIDAS NO MOVIMENTO EDUCAO-SADE
3.1.1 A Construo do SUS e o modelo de ateno da Estratgia Sade da
Famlia (ESF)
Nos anos de 1970, o Movimento da Reforma Sanitria Brasileira (RSB)
aflorou como resistncia ao poderoso complexo mdico-industrial, financiado
principalmente com dinheiro pblico do Ministrio da Previdncia e Assistncia
Social, e resistncia tambm ao modelo de formao, baseado na especializao e
fragmentao do conhecimento, e na viso da doena como fenmeno estritamente
biolgico (BRASIL, 2006).
A VIII Conferncia Nacional de Sade e a criao da Comisso Nacional
de Reforma Sanitria, nos anos 1980, foram importantes para as muitas conquistas
que aconteceram na reorganizao do sistema de sade no Brasil. Apesar de muitos
conflitos, embates e interesses, ocorreram importantes mudanas, chegando
Constituio Federal Brasileira de 1988, que reconhece a sade como um direito de
todos os cidados e um dever do Estado, acarretando na criao do SUS (BRASIL,
1988).
A criao do SUS representou um avano, especialmente pelos seus
princpios de organizao traduzidos em garantia de acesso de toda a populao
aos servios de sade e participao dos cidados na formulao de polticas de
sade e controle da sua execuo. O SUS regido pelos princpios de
universalidade, equidade e integralidade, alm de igualdade, participao da
comunidade, resolubilidade e gratuidade. organizado, ainda, segundo as diretrizes
descentralizao, atendimento integral e participao popular (TRAVERSO-YEPEZ;
MORAIS, 2004).
A Ateno Primria Sade (APS) reconhecidamente um componente-
chave dos sistemas de sade. Este reconhecimento fundamenta-se nas evidncias
de sua influncia na sade e no desenvolvimento da populao nos pases que a
adotaram como base para seus sistemas de sade: melhores indicadores de sade,
maior eficincia no fluxo dos usurios dentro do sistema, tratamento mais efetivo de
28
condies crnicas, maior eficincia do cuidado, maior utilizao de prticas
preventivas, maior satisfao dos usurios e diminuio das iniquidades sobre o
acesso aos servios e o estado geral de sade (STARFIELD, 2002; OPAS, 2011). A
opo pelo combate s iniquidades em sade elevou a APS condio de
reordenadora do sistema de ateno sade.
Considerada como primeiro contato dos usurios nos servios de sade,
especificamente nas equipes de Sade da Famlia, a APS pode ser considerada
estratgia flexvel, capaz de fornecer ateno sobre a pessoa e no somente a
respeito da enfermidade no decorrer do tempo. Tal estratgia garante uma ateno
integral oportuna e sistemtica em um processo contnuo, mantida com recursos
humanos cientificamente qualificados e capacitados a um custo adequado e
sustentvel (BARRETO et al., 2012).
De acordo com Andrade, Barreto e Bezerra (2007) a APS foi a norteadora
da implementao da ESF rede de assistncia sade do Brasil, mediante uma
poltica de universalizao do acesso ateno bsica, bem como consolidao da
descentralizao. A ESF surgiu como um modelo para organizar a ateno primria,
dentro da estrutura do Sistema de Sade.
Na busca de uma conceituao mais ampla dessa poltica, definimos a
ESF como um modelo de ateno primria operacionalizado por estratgias e aes
preventivas, promocionais, de recuperao, reabilitao e cuidados. Tais aes,
realizadas por equipes de Sade da Famlia (eSF) comprometidas com a
integralidade da assistncia sade, so focadas na unidade familiar e consistentes
com o contexto social e econmico, cultural e epidemiolgico da comunidade na
qual a equipe est inserida (ANDRADE; BARRETO; BEZERRA, 2007).
A ESF define-se por um conjunto de aes e servios que vo alm da
assistncia mdica, estruturando-se com base no reconhecimento das necessidades
da populao, apreendidas a partir do estabelecimento de vnculos entre os usurios
dos servios e os profissionais de sade, em contato permanente com o territrio.
Prope que a ateno sade seja centrada na famlia, entendida e percebida
desde o ambiente fsico e social, o que leva os profissionais de sade a entrarem em
contato com as condies de vida e sade das populaes, permitindo-lhes uma
compreenso ampliada do processo sade-doena e da necessidade de
intervenes que vo alm das prticas curativas. Para tanto, os profissionais que
29
nela atuam devero dispor de um arsenal de recursos tecnolgicos bastante
diversificados e complexos (OLIVEIRA; PEREIRA, 2013).
Com origem nesse marco, atribui-se ESF a responsabilidade pelo
desenvolvimento e aplicao de propostas referentes organizao do processo de
trabalho e ateno sade. Pretendia-se, com efeito, superar as prticas de
cuidado eminentemente curativas alavancadas pelo modelo mdico-assistencial
privatista (PAIM, 2003).
3.1.2 A discusso da formao da fora de trabalho para o SUS
As transformaes vividas nas sociedades contemporneas alteraram a
vida dos sujeitos e a maneira como se relacionam com o mundo, demandando a
necessidade de se repensar as relaes. Portanto, nesse contexto e ante as
significativas mudanas da sociedade, torna-se imperativo reorientar a educao
para o trabalho, com a elaborao de currculos que ressaltem as competncias
para o profissional de sade, provendo maior aptido para lidar com os problemas
em sade.
A consolidao do SUS responsabilidade no s da esfera
governamental, mas tambm de toda a sociedade, ressaltando os profissionais de
sade como agentes fundamentais para constituir um sistema humanizado,
qualificado e comprometido com a defesa dos direitos e da qualidade de vida.
O Movimento da Reforma Sanitria Brasileira trabalhou com algumas
ideias fundamentais:
Um modelo de democracia com base na defesa da igualdade (universalidade, equidade), a garantia da sade como direito individual ao lado da construo do poder local fortalecido pela gesto social democrtica; a reconceitualizao da sade, naquele momento com o reconhecimento da determinao social do processo sade-doena e uma perspectiva de ateno integral s necessidades de sade da populao; a crtica s prticas hegemnicas de sade com a proposio de uma nova diviso do trabalho em sade, com a valorizao do trabalho em equipe e incluindo um papel ativo do usurio na construo da sade (FEUERWERKER, 2014, p. 70).
30
A implantao do SUS representou uma expanso significativa do Estado
Brasileiro na vigilncia sade e na prestao de servios de sade, sobretudo com
a significativa ampliao da rede de ateno primria por meio da ESF. No houve,
porm, acompanhamento dessas mudanas no que diz respeito formao de
profissionais em coerncia com este novo modelo de organizao do sistema de
sade, resultando numa baixa adeso de alguns grupos de profissionais aos
princpios do SUS (BARRETO et al., 2007).
O desafio de concretizar a universalidade do acesso, a equidade e a
integralidade das aes esbarra, em parte, no perfil de formao dos profissionais
da sade. Dentre os entraves se destacam a excessiva especializao observada
em alguns cursos da rea da sade e o distanciamento entre essa formao e as
necessidades da populao brasileira (BRASIL, 2007c).
O trabalho em sade apresenta-se com uma forma de trabalho diferenciado, pois o saber no campo da sade e o seu produto final, a prpria prestao da assistncia de sade, produzida no mesmo momento em que consumida, sendo indissocivel o produto do processo que o produz. O processo de trabalho em sade um trabalho vivo, s existe em ato, em ao, no momento do trabalho em si. Difere-se, tambm, por no se expressar apenas atravs de equipamentos ou de saberes estruturados, mas opera-se atravs de tecnologias de relaes, de encontro de subjetividades, atravs das prticas de acolhimento, vnculo e autonomizao (MERHY, 2007, p. 189).
Um dos pilares desta ideia uma viso mais global da pessoa, que
rena seus aspectos fsicos, psquicos e sociais, conforme compartilha Boff (1999):
A racionalidade mdica ocidental contempornea evidencia, atravs de suas prticas e de seus critrios decisrios, a persistncia do modelo tecnicista, no qual o cuidado e ateno integral pessoa do doente na maior parte das vezes ficam em segundo plano, quando aparecem. O sintoma mais doloroso, j constatado h dcadas por srios analistas e pensadores contemporneos, um difuso mal-estar da civilizao. Aparece sob o fenmeno do descuido, do descaso e do abandono, numa palavra, da falta de cuidado (BOFF, 1999, p. 199).
A integralidade compreende o ato de fazer sade como um fenmeno
complexo, no qual, interagem na sade-doena aspectos ambientais, emocionais,
orgnicos e sociais. Nessa perspectiva, a produo da sade tem um significado
ampliado, indo alm da dimenso da doena, implicando tambm a necessidade
de interveno em seus determinantes sociais. Por isso, destaca-se o desafio de
31
trabalhar a intersetorialidade com os outros setores da Administrao Pblica
(BARRETO et al., 2007).
As necessidades de sade so amplas e vo desde as boas condies de
vida at o direito de ser acolhido, escutado, de desenvolver vnculo com uma equipe
solidria, que se responsabilize pelo cuidado continuamente, assim como ter acesso
a todos os servios e tecnologias necessrios. Pensar a integralidade como eixo da
ateno implica reconhecer as necessidades de sade como referncia para
organizar os servios e as prticas de sade, o que resulta na cadeia de cuidados
(FEUERWERKER, 2014).
A cadeia do cuidado em sade pode ser definida como arranjos que
possibilitem articular o acesso aos servios de variados tipos, mantendo vnculo e
continuidade do cuidado de acordo com as situaes clnicas. Este tema remete
imediatamente integralidade (FEUERWERKER, 2011).
Nesse sentido, conhecer, compreender, tratar e controlar passam a ser
responsabilidades compartilhadas por toda a equipe. Sendo assim, a noo de
consulta superada por outra de maior amplitude, que passa a ser concebida como
cuidado, uma nova atitude perante os processos de sade, doena e interveno da
comunidade. Cuidar ir alm da ao de vigilncia, mas assumir atitude proativa de
proteo (BRASIL, 2008).
A linha do cuidado integral incorpora a ideia da integralidade na
assistncia sade, o que significa unificar aes preventivas, curativas e de
reabilitao; proporcionar o acesso a todos os recursos tecnolgicos de que o
usurio necessita, e ainda requer uma opo de poltica de sade e boas prticas
dos profissionais. O cuidado integral pleno, feito com base no ato acolhedor do
profissional de sade, no estabelecimento de vnculo e na responsabilizao pelo
problema de sade (FRANCO; FRANCO, 2011).
Portanto, a integralidade do cuidado requer incorporar ao trabalho as
necessidades dos usurios e o contexto em que estas necessidades de sade so
produzidas, com todo potencial de objetividade e subjetividade em que a realidade
expressa; depende da reorientao das prticas que valorizem as subjetividades do
trabalho em sade e das necessidades dos sujeitos, constituindo a possibilidade do
cuidado centrado no usurio, produzindo autonomia para que eles possam conduzir
as prprias vidas.
32
Para cuidar, aprofundar-se no contexto e nas vidas dos usurios
circunstncia fundamental, alm de reconhecer o territrio, muito mais do que uma
delimitao geogrfica, sendo nesse espao que se reconstituem as relaes intra e
extrafamiliares e onde se desenvolve a luta pela melhoria das condies de vida dos
sujeitos, permitindo, ainda, uma compreenso ampliada do processo sade-doena,
alm da concepo de cuidado e, portanto, da necessidade de intervenes de
maior impacto e significao social (BRASIL, 1997; SILVA, 2012).
No territrio, importante produzir uma viso interessada, no somente
para buscar e reconhecer os problemas, mas tambm as potencialidades, os
recursos, as redes sociais, a produo das relaes:
[...] h um investimento a ser feito no reconhecimento dos modos de viver, dos contextos, arranjos, saberes, crenas e valores com que os diferentes grupos populacionais e indivduos produzem suas conexes e sua vida e, por extenso, sua sade (FEUERWERKER, 2014, p. 110).
O ato de cuidar consiste em um novo desenho do cuidado, outras prticas
e competncias articuladas para o individual ou coletividade, e requer envolvimento
dos trabalhadores do SUS nessa misso, sendo a interdisciplinaridade um caminho
essencial para buscar a integralidade da ateno, com amparo na articulao e
redefinio dos saberes.
Para o enfrentamento dos problemas de sade em sua prtica e o desafio
de cuidar, a interdisciplinaridade emerge como importante referncia, pois exige a
integrao, no somente, de saberes, mas tambm de prticas, e integra as
disciplinas e as profisses delas decorrentes, concretizando a ntima relao entre
conhecimento e ao. Portanto, a interdisciplinaridade como elaborao de
conhecimento e ao, com procedncia em finalidades compartilhadas por coletivos
de trabalho, implica um posicionamento tico e poltico que exige dilogo e
negociao para definir as competncias necessrias resoluo dos problemas
enfrentados (SCHERER; PIRES; JEAN, 2013).
Assim, qualquer abordagem assistencial de um trabalhador de sade
junto a um usurio-paciente se produz por intermdio de:
33
Um trabalho vivo em ato, em um processo de relaes, isto , h um encontro entre duas pessoas, que atuam uma sobre a outra, e no qual opera um jogo de expectativas e produes, criando-se intersubjetivamente alguns momentos interessantes, como os seguintes: momentos de falas, escutas e interpretaes, no qual h uma produo de uma acolhida ou no das intenes que as pessoas colocam nesse encontro; momentos de cumplicidade, e cuidados, nos quais h produo de uma responsabilizao em torno do problema que vai ser enfrentado; momentos de confiabilidade e esperana, nos quais se produzem relaes de vnculo e aceitao (PINHEIRO; GUIZARDI, 2004, p. 37-56).
As dvidas e dificuldades na resoluo de problemas complexos,
expressos como demanda pelos usurios, devem buscar uma compreenso
ampliada. Faz-se necessrio valorizar a troca entre os saberes e somar as
experincias dos profissionais em uma ao de produo de sade.
Para Peduzzi (2001), o trabalho em equipe multiprofissional um tipo de
trabalho coletivo em que ocorre interao recproca entre as diversas intervenes e
sujeitos por meio da comunicao e da cooperao em situaes laborais objetivas.
Essa integrao pressupe o ato de agir comunicativo, tcnico e tico.
Como perfil necessrio para fora a de trabalho no SUS, identifica-se a
necessidade de uma prtica diferenciada em que sobressaia o comportamento do
profissional afetivo, humanista, engajado, responsvel, disponvel, interessado,
comprometido, compromissado, humilde, sensvel, dinmico, proativo, motivador e
paciente, ressaltando o respeito, o interesse, a autonomia, a flexibilidade, a
iniciativa, a criatividade, o planejamento, o saber ouvir e acolher, a valorizao do
outro, o domnio das tecnologias leves, as habilidades nas relaes interpessoais,
em estabelecer dilogos e no trabalho em equipe, estimulando a autonomia dos
sujeitos, reconhecendo os mltiplos saberes envolvidos na produo do cuidado e
valorizando a constituio do sujeito e sua histria de vida, alm de ter
conhecimento tcnico-clnico na sua rea de formao, buscando apropriar-se das
polticas pblicas para um gerenciamento mais efetivo e eficiente de suas aes
(WITT, 2005; PINHEIRO; GUIZARD, 2004).
Em razo do perfil necessrio para a fora de trabalho no SUS,
considerando o contexto abordado, a formao requer um olhar crtico,
problematizador e reflexivo de suas prticas, que prepare para o trabalho em equipe
multidisciplinar, para o desenvolvimento de conhecimentos, atitudes e habilidades,
exigindo uma mudana na formao dos profissionais, com base no:
34
Deslocamento da centralidade da formao para a promoo da sade, a incorporao do conceito de sade como qualidade de vida, o processo de trabalho pautado pela interdisciplinaridade, o desenvolvimento de competncias, habilidades e atitudes para a ao social transformadora, fomentando a organizao e a participao das pessoas, das famlias e das comunidades, bem como a capacitao para a educao em sade e o gerenciamento (SAUPE et al., 2007, p. 654-661).
Conforme descrevem Ceccim e Feuerwerker (2004), a constncia da
designao do trabalho em equipe em qualquer circunstncia propositiva de
elevao da qualidade do trabalho e da formao em sade. A orientao do
trabalho em equipe consta tanto das diretrizes para a formao dos profissionais da
sade, quanto dos pressupostos para o exerccio profissional no SUS.
Para alm do modo como essas profisses produzem um cuidado, preciso resultar para o usurio algo bom na perspectiva de seu desejo e expectativa e ser mais completo e solidrio nas aes desenvolvidas por toda equipe. O ponto de vista apresentado o de no haver necessidade de que uma ao profissional se sobreponha outra, mas que, ao possurem aspectos que so diversos no seu campo especfico de saber e de cuidar, so todas igualmente importantes para o usurio, na capacidade de entend-lo de modo abrangente, na sua singularidade [...]. O espao de interseo entre servio e formao rico em possibilidade para produo de novos saberes e prticas e tambm para a aquisio de condutas interprofissionais na produo do cuidado (HENRIQUES, 2005, p. 361).
A multidisciplinaridade aparece como condio a ser desenvolvida no
espao de trabalho, para o estabelecimento de atividades resolutivas e propositivas
da interdisciplinaridade. J a interdisciplinaridade pe em cheque a criao de outro
campo de conhecimento estabelecido com suporte nas trocas de saberes que a
formao em servio pelo modelo de equipes multidisciplinares prope (OLIVEIRA;
GUARESCHI, 2010).
Ampliando as discusses, surge o conceito de interprofissionalidade como
critrio fundamental que orienta equipes multiprofissionais na ESF. A ao
profissional, no entanto, parece ser marcada por uma lgica caracterizada pela
delimitao estreita de territrios de cada categoria, conformando um quadro da
disputa entre as lgicas contraditrias da profissionalizao e da
interprofissionalidade. Esta compreendida como a sntese de uma integrao de
saberes e de colaborao interprofissional, processos estes mediados pelos afetos
(ELLERY, 2014).
35
As mudanas de perfil epidemiolgico, com o aumento da expectativa de
vida e das condies crnicas de sade que requerem acompanhamento
prolongado, trazem a necessidade de uma abordagem integral que privilegie as
mltiplas dimenses das necessidades de sade de usurios e populao. Isso
torna a qualidade da comunicao e a colaborao entre os profissionais envolvidos
no cuidado, fundamental e crtica para a resolubilidade dos servios e a efetividade
da ateno sade (PEDUZZI et al., 2013).
A tendncia dos profissionais de cada rea trabalhar isoladamente e em
independncia em relao s demais expressa sua formao tambm isolada e
circunscrita prpria rea de atuao. Autores Peduzzi et al. (2013) defendem,
contudo, a noo de que as oportunidades de Educao interprofissional contribuem
para a formao de profissionais de sade mais bem preparados para uma atuao
integrada em equipe, na qual a colaborao e o reconhecimento da
interdependncia das reas predominam ante a competio e a fragmentao.
O fato de as necessidades de sade expressarem mltiplas dimenses
demanda aes que no podem se realizar isoladamente, por parte de um nico s
agente, necessitando-se de recomposio dos trabalhos especializados, tanto no
interior de uma mesma rea profissional, como na relao interprofissional
(SCHRAIBER et al., 1999).
A formao de uma equipe permite a troca de informaes e a busca de
um melhor plano teraputico, situando-se a cooperao como instrumento para
enfrentar o fazer em grupo.
Profissionais com formaes distintas na sade articulam seu saber
especfico com o dos outros, na organizao do trabalho, o que possibilita
compartilhar as aes para uma prtica colaborativa. Essa flexibilidade permite
otimizar os recursos e ampliar o reconhecimento e a ateno s necessidades de
sade prprias de usurios e populao de cada territrio e servio, visto que as
necessidades so heterogneas e complexas e requerem ser apreendidas
integralmente e no apenas focadas na demanda espontnea (PEDUZZI et al.,
2013).
Outro conceito importante na produo de conhecimentos evidencia o
modelo da transdisciplinaridade que surge da quebra da ideia de existncia de um
suposto saber na figura do profissional de sade, permite trocas efetivas entre os
36
trabalhadores e destes com seus usurios, priorizando as necessidades reais em
detrimento da reproduo dos saberes institudos. Isso permite que o conhecimento
gerado pela prtica vivenciada junto s populaes ou s pessoas passe a ter sua
importncia considerada, retirando a separao entre o senso comum e a cincia da
modernidade (OLIVEIRA; GUARESCHI, 2010).
Vencer os desafios de ter uma assistncia integral sade comea pela
reorganizao dos processos de trabalho na rede bsica, seguindo aquilo que nos
dizem Ceclio e Merhy (2003, p. 2):
[...] uma complexa trama de atos, de procedimentos, de fluxos, de rotinas, de saberes, num processo dialtico de complementao, mas tambm de disputa, vo compondo o que entendemos como cuidado em sade. A maior ou menor integralidade da ateno recebida resulta, em boa medida, da forma como se articulam as prticas dos trabalhadores [...].
Portanto, a formao e a qualificao dos profissionais da sade devem
visar ao desenvolvimento de competncias para realizar um diagnstico situacional
das condies de vida e de sade dos grupos sociais em um dado territrio, planejar
intervenes em sade capazes de enfrentar os determinantes do processo sade-
doena, prestar assistncia e desenvolver aes educativas estimulando o auto-
cuidado e a emancipao (OLIVEIRA, 2004).
As competncias expressam-se na ao profissional, da a necessidade
de uma formulao curricular que possibilite o desenvolvimento de um perfil
profissional em que conhecimentos, habilidades e atitudes se articulam com o
contexto da prtica profissional em sade. Para isso, necessrio estimular
reflexes e estratgias interdisciplinares, com vistas ao trabalho em equipe, para
que o cuidado seja integral e efetivo (MORAES, 2003).
A respeito da necessidade da construo de um perfil acadmico e
profissional de competncias para a atuao com qualidade e resolubilidade, Lima e
Feuerwerker (2004) caracterizam como eixos da poltica para a mudana na
graduao das profisses da sade, a implementao das Diretrizes Curriculares
Nacionais (DCN) dos cursos da rea de sade, pelo lado da educao, e a adoo
da integralidade como eixo orientador da formao, objetivando a mudana dos
processos de trabalho, pelo lado da sade. Espera-se formar profissionais
habilitados para responder s necessidades da populao brasileira e
37
operacionalizao e qualificao do SUS, buscando-se um egresso comprometido
com seus princpios (PINHEIRO; CECCIM, 2006).
Nesta perspectiva, Perrenoud (1999b) defende a ideia de que currculos
voltados para a formao de competncias devem promover uma limitao na
quantidade de conhecimentos ensinados e exigidos, dando prioridade aos
contedos que possam ser exercitados pela mobilizao em situaes complexas,
valorizando os conhecimentos mobilizveis e relacionados experincia.
Portanto, ressalta-se a importncia de reconhecer o profissional no
processo de ensino-aprendizagem um sujeito ativo de sua formao (SIQUEIRA-
BATISTA et al., 2013).
Assim, a formao dos profissionais da sade no pode ter como
referncia apenas a busca de conhecimentos a fim de realizar um diagnstico, para
o tratamento e profilaxia de doenas, mas deve focar no desenvolvimento de
estratgias de atendimento e cuidado voltadas s necessidades de sade da
populao, focalizando as questes sociais e respeitando a autonomia das pessoas
(CECCIM; FEUERWERKER, 2004). Com efeito, a Educao Permanente surge
como estratgia com o objetivo de ressignificar os perfis de atuao dos
trabalhadores do SUS, para o fortalecimento da ateno sade.
3.2 A POLTICA DE EDUCAO PERMANENTE E A VALORIZAO DA FORMAO EM SADE
A transformao dos modos de organizar a ateno sade
considerada indispensvel para a consolidao do SUS: pela necessidade de
qualificar o cuidado por meio de inovaes produtoras de integralidade da ateno,
diversificao do emprego das tecnologias de sade e articulao da prtica dos
profissionais e esferas da assistncia; e tambm pela necessidade de adotar
maneiras mais eficientes para a utilizao dos escassos recursos, considerando que
o modelo hegemnico de ateno sade implica custos crescentes,
particularmente em virtude do envelhecimento da populao, da transio
epidemiolgica e da incorporao tecnolgica orientada pela lgica do mercado, no
sendo capaz de responder s necessidades de sade da populao
(FEUERWERKER, 2014).
38
A reflexo proporcionada luz desse paradigma desempenha papel
crucial na mudana da percepo sobre a formao em sade, uma vez que traz
como referencial o reconhecimento da sade como direito; a busca da humanizao,
da integralidade e da resolubilidade da ateno; a incorporao da promoo da
sade, da multipliprofissionalidade, da intersetorialidade e do social como
componente da prtica profissional em sade, conceitos que devem ser
incorporados na formao dos profissionais (RIBEIRO, 2012).
As demandas por mudanas e melhoria institucional baseiam-se na
anlise dos processos de trabalho, seus problemas e desafios. O velho e o novo se
entrelaam em um eterno desafio de superao do institudo por todos os envolvidos
(BASTOS et al., 2008). O velho representa as prticas que mantm o modelo
biomdico e fragmentado, enquanto o novo, expresso nas transformaes
pautadas pela integralidade no ato de cuidar.
Em decorrncia dessa concepo de que, no cotidiano do servio
tambm so constitudos os saberes, que as prticas so repensadas e
modificadas ao longo dessa aprendizagem, em que est inserida a poltica de
Educao Permanente para o SUS (BARRETO et al., 2012).
A PNEPS, lanada pelo MS em 2004, regulamentada pela Portaria
GM/MS no 198/2004 e substituda pela Portaria GM/MS nmero 1.996, de 20 de
agosto de 2007, dispe sobre as novas diretrizes e estratgias para implementar a
educao permanente em sade, alterando a Portaria anterior, e tem como objetivo
preencher essa lacuna. Essa Poltica institui a Educao Permanente como um
conceito pedaggico afirmativo, no sentido de efetuar relaes orgnicas entre
ensino e as aes e servios e entre a docncia, ateno e gesto setorial,
desenvolvimento institucional e controle social, dando ensejo reflexo crtica sobre
o trabalho, no qual aprender e ensinar se incorporam ao cotidiano das organizaes
(BRASIL, 2007b).
O ineditismo indiscutvel se fez pela formulao concreta de uma poltica
de Educao na Sade, superando o programa da capacitao e atualizao de
recursos humanos, pela concreta aproximao interministerial da Sade com a
Educao, no sentido de formalizarem propostas conjuntas para aproximao do
ensino-servio-comunidade, a fim de influenciar nas transformaes na Educao
formal e possibilitar ao longo do tempo a formao de profissionais mais criativos
39
para o enfrentamento dos problemas e maior efetividade na resolubilidade dos
servios (CECCIM, 2005).
De acordo com Feuerwerker (2014), o ser humano est em permanente
formao e em suas relaes no cotidiano sempre produzem conhecimentos que
interferem em suas possibilidades de conduzir a vida. O saber cientfico somente
uma parte desse universo de saberes possveis e vlidos. Os adultos mobilizam-se
para buscar saberes quando deparam problemas que consideram relevantes, para o
trabalho ou a vida. Qualquer processo educativo, dirigido a adultos, que se pretenda
efetivo, deve ser desencadeado desde a identificao de necessidades de
aprendizagem por parte dos educandos e precisa dialogar com seus saberes
prvios, tenham sido eles adquiridos sistematicamente por meio de processos
educativos formais ou por via de sua experincia cotidiana (FEUERWERKER, 2014).
A vivncia e a reflexo sobre as prticas so as que podem produzir
incmodos e a disposio para se fazer opes de prticas e conceitos, a fim de
enfrentar os desafios das transformaes. Portanto, a percepo de que a maneira
vigente de fazer ou pensar insuficiente ou insatisfatria para dar conta dos
desafios do seu trabalho (FEUERWERKER, 2014).
vista dessas consideraes, as DCN abarcam a Educao Permanente
como linha pedaggica, propondo que os profissionais devem ser capazes de
aprender continuamente, ter responsabilidade e compromisso com a sua educao
e a das futuras geraes de profissionais. Recomenda uso de metodologias ativas,
estmulo interao ensino-pesquisa-assistncia, incluso da dimenso tica e
humanstica e insero precoce do aluno em atividades prticas de ensino-
aprendizagem (BRASIL, 2007b).
O MS tomou a Educao Permanente em Sade como ideia central da
Poltica de Gesto da Educao no Trabalho em Sade, passando a desenvolver
aes indutoras significativas no interior do SUS, com a criao da Secretaria de
Gesto do Trabalho e da Educao na Sade (SGTES) no MS (BATISTA;
GONALVES, 2011).
O planejamento do MS (2012-2015) define como objetivo estratgico da
SGTES contribuir para a adequada formao, alocao, qualificao, valorizao e
democratizao das relaes de trabalho dos profissionais e trabalhadores de
sade (BRASIL, 2012, p. 6). Sendo assim, transformar a educao e a gesto do
40
trabalho no algo simples, pois envolve articulaes das instituies de sade,
institutos formadores e o controle social na perspectiva do entendimento da
relevncia e da responsabilidade social do ensino (CECCIM; FEUERWERKER,
2004).
A Educao Permanente compreendida como aprendizagem no
trabalho, em que aprender e ensinar se incorporam ao cotidiano das organizaes e
dos servios de sade, tomando como referncia as necessidades de sade das
pessoas e das populaes. Efetivamente, pois a Educao Permanente tem como
objetivos o aperfeioamento das prticas profissionais e dos processos de trabalho
em sade no SUS. A oferta de cursos na rea da sade, no entanto, parece no ser
orientada pelas necessidades do SUS, muitas vezes, a lgica que vem orientando a
formao a dos interesses das corporaes profissionais, bem como das
instituies de ensino privado (BARRETO et al., 2007).
Desse modo, destaca-se a importncia do potencial educativo do
processo de trabalho para a sua transformao e para a busca da melhoria da
qualidade do cuidado, da capacidade de comunicao e do compromisso social
entre as equipes de sade, dos gestores do sistema de sade, das instituies for-
madoras e do controle social. Estimula a produo de saberes com amparo na
valorizao da experincia e da cultura do sujeito das prticas de trabalho em sade
numa dada situao e com postura crtica (CECCIM; FEUERWERKER, 2004).
Portanto, a Educao Permanente em Sade constitui estratgia
fundamental s transformaes do trabalho no setor para que venha a ser lugar de
atuao crtica, reflexiva, propositiva, compromissada e tecnicamente competente.
Um processo poltico requer a produo ativa de coletivos, protagonismo e
autonomia (CECCIM, 2005).
A definio de educao permanente em sade da Poltica proposta foi carregado pela noo de prtica pedaggica que coloca o cotidiano do trabalho ou da formao em sade como central aos processos educativos ao mesmo tempo que o colocava sob problematizao, isto , em auto-anlise e autogesto (MERHY, 2005, p. 172-174).
Situar a Educao Permanente em Sade na ordem do dia para o SUS
ps em nova evidncia o trabalho da sade, o qual requer: trabalhadores que
aprendam a aprender; prticas cuidadoras; intensa permeabilidade ao controle
41
social; compromissos da gesto com a integralidade; desenvolvimento de si, dos
coletivos, institucional e poltico da sade, alm da implicao com as prticas
concretas de cuidado s pessoas e s coletividades, no ensino e na produo de
conhecimento (CECCIM, 2005b).
3.2.1 A modalidade Residncia Multiprofissional em Sade da Famlia (RMSF)
como proposta para a formao dos trabalhadores do SUS
A Residncia Multiprofissional em Sade (RMS) faz parte da Poltica
Nacional de Educao e Desenvolvimento do SUS e constitui modalidade de ensino
de ps-graduao lato sensu destinada aos profissionais da rea da Sade, voltada
para a educao em servio, na lgica da interdisciplinaridade, com a incluso de
categorias profissionais diversas da rea da Sade, visando formao coletiva, em
servio e em equipe, o que se espera que contribua na integralidade do cuidado ao
usurio.
As mudanas na formao dos profissionais de sade passam pela
formulao de competncias, tendo em vista as transformaes ocorridas no setor
Sade e no mundo do trabalho, em virtude dos processos de globalizao e das
mudanas nos paradigmas em Sade Pblica, segundo a Organizao Pan-
Americana de Sade (BRASIL, 2006).
Ainda que o Art. 200 da Constituio j determinasse que cabia ao SUS
ordenar a formao de recursos humanos em sade, anos se passaram, em um
longo caminho de tentativas de aproximao entre as polticas de Educao e
Sade (BRASIL, 2006).
Com a criao da ESF, a estruturao da ateno bsica demandava um
novo profissional, preparado para uma ao eficaz, buscando o desenvolvimento de
competncias para potencializar mudanas, no limitando aes para responder s
necessidades da populao e com a conscincia de sua responsabilidade social.
Os usurios dos servios de sade buscam relaes de confiana,
vnculo e compromisso de que tudo o que precisa ser feito para defender a
qualidade de sua vida ser realizado pelas aes dos profissionais. Sendo assim,
Ayres (2004) acentua que o modelo tcnico-cientfico hegemnico demonstra
progressiva incapacidade das aes de assistncia sade se mostrarem racionais
42
e cientes de seus limites. A insuficincia desse modelo de produo situa a
necessidade de novas concepes de conhecimento, aliadas a sistemas
teraputicos substitutivos e mais resolutivos. No lugar da categorizao e
simplificao dos saberes, da objetivao, da verdade absoluta, da separao entre
sujeito e objeto, buscam-se perspectivas que considerem a complexidade dos
processos vividos de sade-doena, bem como a relao de incerteza inerente aos
conhecimentos produzidos.
Desejam-se como efeito de aprendizagem a prevalncia da sensibilidade, a destreza em habilidades (saber fazer) e a fluncia em ato das prticas. Para habitar um territrio ser necessrio explor-lo, torn-lo seu, ser sensvel s suas questes, ser capaz de movimentar-se por ele com ginga, alegria e descoberta, detectando as alteraes de paisagem e colocando em relao fluxos diversos, no somente cognitivos, no somente tcnicos e no somente racionais, mas polticos, comunicacionais, afetivos e interativos no sentido concreto, isto detectvel na realidade (CECCIM, 2005b, p. 161-168).
H, portanto, uma inverso das aes de sade, de uma abordagem
curativa, desintegrada e centrada no papel hegemnico do mdico, para uma
abordagem preventiva e de promoo de sade, integrada com outros nveis de
ateno e construda coletivamente por outros saberes, entre eles os de todos
profissionais de sade; e, alm disso, ao ressaltar que o campo das competncias
para atuar como profissional de sade requer necessariamente o desenvolvimento
da sensibilidade, do estabelecimento de relaes de afeto, de responsabilizao,
vnculo, envolvimento a fim de buscar solues para as necessidades do outro e no
apenas o conhecimento tcnico.
Ao evidenciar as contradies entre o sistema de sade e a formao em
sade, fazia-se urgente elaborar e propor diretrizes curriculares para os cursos de
graduao, alm de orientar a formao dos trabalhadores do SUS mediante uma
aproximao entre as instituies de educao e os servios de sade.
Com a aprovao da Lei N 9.394, de 20/12/96, foi iniciada legalmente a
reforma da Educao brasileira. Esse processo visa, dentre outras intenes, que as
reformas curriculares reorientem a prtica pedaggica organizada em disciplinas
para uma prtica voltada para a elaborao de competncias. Essa orientao legal
remete a reflexes importantes, como a necessidade de no perder de vista a
perspectiva histrica do processo de trabalho e de formao, uma vez que as
43
competncias variam historicamente, de acordo com os contextos sociais,
econmicos e culturais, e dependem dos embates entre as vises de mundo dos
diversos agentes sociais; e que os espaos formadores devem investir esforos nas
mudanas dos mtodos de ensino e em novas propostas de formao docente
(MARQUES; EGRY, 2011).
Em 1999, o ento Departamento de Ateno Bsica, da Secretaria de
Ateno Sade, do MS, junto aos agentes do Movimento Sanitrio, articularam-se,
formando grupos interessados em criar, reavivar e reinventar Residncias em Sade
da Famlia. A proposta, construda em um seminrio, era criar um modelo de
Residncia Multiprofissional, na qual, embora fossem preservadas as especialidades
de cada profisso envolvida, seria criada uma rea comum, acrescida de valores,
como a promoo da sade, a integralidade da ateno e o acolhimento (BRASIL,
2006).
O MS apoia Residncias Multiprofissionais em Sade desde 2002, por
meio do projeto ReforSUS. Em 2003, com a criao da SGTES e, nessa, o
Departamento da Gesto da Educao na Sade (DEGES), com a finalidade de
ordenar a formao de trabalhadores para a rea da Sade, propondo a Residncia
Multiprofissional em Sade na estrutura do MS, institui-se a PNEPS, expressa na
Portaria n 198, de 13 de fevereiro de 2004 (BRASIL, 2006).
Apenas no ano de 2005, entretanto, pela lei n 11.129, foi institudo o
Programa de Residncia em rea Profissional da Sade, no intuito de qualificar os
profissionais da sade para a atuao no SUS (BRASIL, 2007c). Em consonncia,
no ano de 2007, a Portaria Interministerial n 45 reconheceu a Residncia
Multiprofissional em Sade como curso de especializao caracterizado por ensino
em servio. Assim, ficou definido que esse programa de residncia tem a finalidade
de atuar de acordo com os princpios e diretrizes do SUS, integrando prticas e
saberes das profisses envolvidas, buscando qualificao da ateno e do processo
de trabalho das equipes e integrao ensino-servio e para potencializar a formao
profissional e a qualidade de trabalhadores para o SUS (BRASIL, 2007).
A regulamentao da RMS determina que a formao ocorra em servios
que pretendam formar profissionais da rea da Sade, com a lgica da
interdisciplinaridade, e que possibilitem a integrao entre ensino, servio e
comunidade, promovendo parcerias entre gestores, trabalhadores e usurios.
44
uma proposta ambiciosa, pois exige o enfrentamento de muitos
problemas institudos na formao em sade no Brasil, como a hierarquia do saber
mdico sobre os demais agentes no campo da Sade, a superioridade da ateno
hospitalar sobre outras estruturas de cuidado de nvel ambulatorial e comunitrio,
que esto constitudos h sculos como verdades e, portanto, so de enfrentamento
difcil. Os profissionais de sade ainda so formados por uma tradio mdico-
hegemnica que produz efeitos sobre as relaes cotidianas nos servios de sade,
tanto do ponto de vista do trabalho em equipe como das relaes com os usurios.
Portanto, a RMS coloca em ao uma proposta de formao que pretende produzir
abertura nos territrios vigentes e tambm para novas composies que
problematizem os saberes e as prticas, mesmo que isto signifique inicialmente o
enfrentamento de alguns poderes e lgicas institudas e, portanto, aceitas como
verdades inquestionveis (PASINI; GUARESCHI 2010).
A SGTES, em parceria com outros rgos, realizou, em Braslia, o I
Seminrio Nacional de Residncia Multiprofissional em Sade, no final de 2005, com
a proposta de fomentar a reflexo e estimular o debate com a participao de vrias
representaes. So definidos quatro eixos principais para nortear os trabalhos
durante o seminrio: Estratgias para a Construo da Multidisciplinaridade, visando
a atender o preceito constitucional da integralidade; Construo de Diretrizes
Nacionais para a Residncia Multiprofissional em Sade; Composio da Comisso
Nacional de Residncia Multiprofissional em Sade; Criao do Sistema Nacional de
Residncia Multiprofissional em Sade (SNRMS) (BRASIL, 2006).
A poltica de Educao na Sade implementada pelo DEGES/SGTES tem
como um de seus eixos estruturantes a integrao entre as instituies de ensino e
os servios de sade, caracterizada por aes que visam mudana das prticas de
formao e ateno, do processo de trabalho e da conquista do conhecimento, com
base nas necessidades dos servios (BRASIL, 2006).
A ao articulada entre o Ministrio da Educao e o MS, formalizada
pela Portaria Interministerial n 2.118, de 2005, instituiu a cooperao tcnica entre
os dois ministrios, para a formao e o desenvolvimento de recursos humanos na
sade, envolvendo o nvel tcnico, a graduao e a ps-graduao (BRASIL, 2006).
O Programa Nacional de Reorientao da Formao Profissional em
Sade (Pr-Sade) foi institudo em 2005 pela SGTES com o objetivo de integrar
45
ensino-servio, visando a reorientar a formao profissional para uma abordagem
integral do processo sade-doena, com nfase na ateno primria, para
transformar a prestao de servios populao brasileira. A articulao entre as
instituies de Ensino Superior e os servios pblicos de sade potencializa
respostas s necessidades concretas da populao, mediante a formao de
recursos humanos, a produo do conhecimento e a prestao dos servios para o
fortalecimento do SUS (BRASIL, 2007c).
Com os novos critrios de anlise, pretendeu-se valorizar a estratgia
pedaggica com foco na qualidade da aprendizagem dos residentes inseridos nos
servios, alm de racionalizar a formulao dos projetos por meio da definio mais
clara das funes de cada um dos parceiros quanto a desenvolvimento e
financiamento (BRASIL, 2006).
A intrnseca caracterstica da interdisciplinaridade confere carter
inovador aos programas de RMS, demonstrado, principalmente, por meio da
incluso das catorze categorias profissionais da