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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE HUMANIDADES MESTRADO ACADÊMICO EM FILOSOFIA MARCOS AURÉLIO DA GUERRA DANTAS Vida civil e alerta contra a barbárie da reflexão em Giambattista Vico FORTALEZA 2011

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

CENTRO DE HUMANIDADES

MESTRADO ACADÊMICO EM FILOSOFIA

MARCOS AURÉLIO DA GUERRA DANTAS

Vida civil e alerta contra a barbárie da reflexão em Giambattista Vico

FORTALEZA

2011

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

Marcos Aurélio da Guerra Dantas

Vida civil e alerta contra a barbárie da reflexão em Giambattista Vico

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado

Acadêmico de Filosofia do Centro de Humanidades –

CH da Universidade Estadual do Ceará – UECE, como

requisito para a obtenção do título de Mestre em

Filosofia.

Orientador: Prof. Dr. José Expedito Passos Lima

FORTALEZA

2011

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D192v Dantas, Marcos Aurélio da Guerra

Vida civil e alerta contra a barbárie da reflexão em

Giambattista Vico / Marcos Aurélio da Guerra Dantas. - Fortaleza,

2011.

178p.

Orientador: Prof. Dr. José Expedito Passos Lima.

Dissertação (Mestrado Acadêmico em Filosofia) -

Universidade Estadual do Ceará, Centro de Humanidades.

1. Vida Civil 2. Barbárie 3. Cartesianismo 4. Nuova scienza

5. Racionalidade. I. Universidade Estadual do Ceará, Centro de

Humanidades.

CDD: 195

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

Mestrado Acadêmico em Filosofia

Título da dissertação: Vida civil e alerta contra a barbárie da reflexão em

Giambattista Vico

Autor: Marcos Aurélio da Guerra Dantas

Professor-Orientador: Prof. Dr. José Expedito Passos Lima

Exame de qualificação em 30/ 05/2011

Defesa da Dissertação em 17/06/2011 Conceito Obtido: satisfatório

Nota Obtida:

Banca Examinadora

____________________________________________________

Prof. Dr. José Expedito Passos Lima

Orientador – UECE

____________________________________________________

Prof. Dr. Evanildo Costeski

1º Examinador – UFC

___________________________________________________

Prof. Dr. Eduardo Jorge Oliveira Triandopolis

2º Examinador – UECE

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Mas - corrompendo-se também os Estados

populares e, portanto, também as filosofias (que

caindo no cepticissmo, puseram-se os doutos

estultos a caluniar a verdade), e nascendo,

assim, uma falsa eloquência, disposta

igualmente para apoiar nas causas ambas as

partes opostas – sucedeu que, usando mal a

eloquência (como os tribunos da plebe na

romana) e não se contentando já os cidadãos

com as riquezas para instituir a ordem,

quiseram fazer dela poder; [e], como austros

furiosos o mar, agitando guerras civis nas suas

repúblicas, conduziram-nas a uma tal desordem

total e, assim, de uma perfeita tirania (que é a

pior de todas), que é a anarquia, ou seja, a

desenfreada liberdade dos povos livres.

(...) por tudo isto, com obstinadíssimas facções e

desesperadas guerras civis, passam a fazer das

cidades selvas e das selvas covis de homens; e,

desse modo, ao longo de vários séculos de

barbárie, vão se enferrujar as grosseiras

subtilezas dos engenhos maliciosos, que tinham

feito deles feras mais imanes com a barbárie de

reflexão do que tinham sido com a primeira

barbárie dos sentidos. Porque esta descobria

uma ferocidade generosa, da qual outros se

podiam defender, ou salvar-se ou evitar; mas

aquela, com uma ferocidade vil, com as lisonjas

e os abraços arma ciladas à vida e às fortunas

dos seus confidentes e amigos.

Giambattista Vico. Ciência Nova.

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AGRADECIMENTOS

Ao professor Expedito pela paciência comigo e conduta magistral da presente pesquisa. À

minha querida família Tânia (esposa) e Ariadne (filha) por haverem suportado mesmo a

contragosto minha ausência, embora fisicamente presente, pois absorto na pesquisa não

lhes dediquei a devida atenção de esposo e pai. Ao meu “cumpadi” José Wagner pelo

auxílio, pois ao tornar suas dificuldades as minhas me possibilitou entrever muito do que

foi preciso para a compreensão do autor. Aos professores Evanildo Costeski e Jorge

Eduardo Triandópolis pelas sugestões e por aceitarem participar das bancas tanto de

qualificação quanto de defesa. Aos funcionários do mestrado, Rose e dona Fátima pela

celeridade com que me deram suporte para a burocracia no mestrado. A Capes por

financiar a pesquisa.

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Ao meu pai, cujo patrimônio deixado tanto

poético, quanto literário permitiu inspiração no

desenvolvimento desta pesquisa.

Ao Marcelo Bitencourt também pela inspiração e

incentivo, pois me fortificava o ânimo quando,

sobre a pesquisa, confiava-lhe de pensar não ter

competência para desenvolvê-la.

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RESUMO DANTAS, Marcos Aurélio da Guerra. Vida civil e alerta contra a barbárie da reflexão em Giambattista

Vico. 2011. Dissertação (Mestrado)-Cursos de Mestrado Acadêmico em Filosofia. Centro de Humanidades.

Departamento de Filosofia, Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, 2011.

A barbárie, em especial, a barbárie da reflexão, foi tratada por Giambattista Vico (1668-

1744), nos Princìpi di Scienza Nuova (Ciência Nova), de 1744, não obstante ser

perceptível tal problemática em seus escritos anteriores. O desenvolvimento do

pensamento viquiano, no decorrer da experiência acadêmica, finda com o alerta ante os

riscos de uma nova barbárie ameaçadora da convivência civil. A presente pesquisa

principia pelos seus escritos de juventude (Orazioni Inaugurali; De ratione; De

antiquissima), mas considera também o seu Epistolário (1720-1729), pois se trata aqui de

pensar a preocupação de Vico com a vida prática e civil. Para o seu projeto filosófico

contribuíram algumas disciplinas pertencentes à tradição clássico-humanista: Retórica,

Filologia, Poética. A retomada dessas disciplinas, em seu pensamento, objetivava pensar

uma reforma do saber, oposta àquela cartesiana, em virtude dos excessos oriundos do

método geométrico. O alerta viquiano contra a barbárie da reflexão não está separado dos

rumos tomados pela racionalidade moderna, seja na sua expressão racionalista, seja

naquela empirista. Daí o retorno aos Studia humanitatis, e às suas disciplinas que, pretende

ser, antes de qualquer coisa, uma preocupação com a vida civil e a sua conservação, pois a

experiência do humanismo renascentista oferece as fontes para a invenção de uma nuova

scienza, voltada para a prática, e atenta a certo ethos. Vico defende os filósofos platônicos,

porque políticos, e refuta as doutrinas dos estóicos e epicuristas: uma exigência de

oposição a filósofos “monásticos e solitários”. Esta dissertação adota a seguinte hipótese

interpretativa: a barbárie da reflexão é expressão da contradição entre civilidade e

racionalidade que não implica avanço da civilidade, mas destruição: denunciada na Scienza

Nuova, por causa dos riscos que já se anunciavam na experiência moderna. Vico

identificou, ao longo de sua experiência como docente e filósofo, as consequências das

mudanças ocorridas no método dos estudos, em particular, com a crise da antiga ratio

studiorum jesuítica e com a nova reforma do saber postulada por Descartes. Em suma,

Vico sabia que o ingenium havia se esgotado na Europa, pondo em risco a inventio: algo

ameaçador para a melhor cultura da humanidade.

Palavras-chave: Vida civil. Barbárie. Cartesianismo. Nuova scienza. Racionalidade.

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ABSTRACT

DANTAS, Marcos Aurélio da Guerra. Civil life and alert against the barbarity of reflection by Giambattista

Vico. 2011. Dissertation (master’s degree courses in Philosophy) Humanity Center. Philosophy department,

Estadual of the Ceará University, Fortaleza, 2011.

The barbarity, in special, the barbarity of reflection, was studied by Giambattista Vico

(1668-1744), on Principi di scienza nuova (New Science), in 1744, not with standing being

perceptible to problem in his previous writings. The development of Vico’s his thoughts,

during the academic experience, end with an alert before the risks of a new threatening

barbarity of civil sociability. The current research begins with his writing off youth

(Orazioni Inalgurali; De ratione; De antiquissima), but it also considers his Epistolary

(1720-1729), because it is about Vico’s thought of worring about civil and pratical life. For

his philosophical project, contributed some disciplines that belong to classic-humanistic

tradition: Rhetoric, Philology, Poetic. The reconquest of these disciplines, in his thought,

intended to think about a reform of knowledge, opposite to one, as a result of proceeding

excesses of the geometric method. The alert against the barbarity of reflection is not apart

from course taken by modern rationality, both in his rationalistic expression, and in his

empirical one. From there the return to Studia humanitatis and to his disciplines intend to

be, before anything else, a concern with a civil life and its conservation, because the

experience of the renaissance humanist offers ways to the invention of nuova scienza,

related to the practice and considers to certain ethos. Vico supports the platonic

philosophers, because politicians and refutes the doctrines of the stoics and epicureans: an

exigency of opposition to “monastic and solitary” philosophers. This dissertation uses the

following interpretative hypothesis: the barbarity of reflection is an expression of

contradiction between civility and rationality that doesn’t involve progress of the civility,

but destruction, denounced in Scienza Nuova, by virtue of the risks that have already

announced in the modern experience. Vico identified, during his experience like a

professor and philosopher, the consequences of the changes that happened in method of the

studies, in special, with the crisis of ancient Jesuitical ratio studiorum and the new reform

of knowledge postulated by Descartes. In short, Vico knew that the ingenium had ended in

Europe, by risking the inventio: something threating to better culture to humanity.

Keywords: Civilian life. Barbarity. Cartesianism. Scienza nuova. Rationality.

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SUMÁRIO

Introdução........................................................................................................................11

Capítulo I: O esgotamento do ingenium na Europa e o diagnóstico viquiano...........16

1.1 Vico e o sentimento de atopia ante o seu presente.......................................................16

1.2 A novidade do projeto viquiano de ciência e o cartesianismo.....................................25

1.3 A incipiente recepção do Diritto Universale e da Scienza Nuova prima.....................34

1.4 Vida civil e significado prático do saber: os escritos de juventude..............................45

Capítulo II: A relevância da vida civil e a problemática do saber no projeto filosófico

de Vico.................................................................................................................................54

2.1 Scientia e prudentia: o descaso com as ciências morais................................................54

2.2 O projeto de uma nova scientia: a relevância da Filologia...................................................63

2.3 Da nova arte crítica à arte diagnóstica: a Scienza nuova prima.....................................73

2.4 História e barbárie na reflexão da nuova scienza...........................................................81

Capítulo III: A Scienza nuova viquiana: busca de uma filosofia da autoridade e

oposição à filosofia dogmática...........................................................................................96

3.1 Os primórdios da civilidade: a questão da gênese do humano.......................................96

3.2 Senso comum e vida civil.............................................................................................102

3.3 Sabedoria poética e origem da vida civil......................................................................111

3.4 A relevância dos grandes fragmentos da erudição humana e as origens da história da

civilidade............................................................................................................................116

Capítulo IV: A barbárie da reflexão: risco contra a civilidade...................................131

4.1 Origem da civilidade e barbárie primitiva....................................................................131

4.2 O sentido da barbárie retornada....................................................................................136

4.3 Os rumos da racionalidade e a barbárie.......................................................................144

4.4 Providência e barbárie na história................................................................................156

Conclusão..........................................................................................................................169

Referências bibliográficas...............................................................................................175

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Fig. 1 – Sn44, <<Dipintura>>. VICO, Giambattista. Princìpi di Scienza Nuova d’intorno alla comune natura

delle mezioni [1744]

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INTRODUÇÃO

A presente pesquisa tem como principal objetivo um estudo da barbárie e, em

especial, da barbárie da reflexão no pensamento de Vico. Para tanto realizamos, uma

investigação das principais obras de Vico, a fim de compreendermos a formação e

desenvolvimento do seu pensamento. Trata-se, portanto, de uma leitura visando identificar

as primeiras formulações que possibilitam um esclarecimento do termo barbárie no ideário

viquiano. Tarefa um tanto quanto difícil uma vez que as ideias elaboradas por Giambattista

Vico, desde o lançamento de suas primeiras obras, são acusadas de ―obscuras‖: fato

advertido pelo autor tanto em seu epistolário como em sua Autobiografia.

Giambattista Vico (1668 – 1744) viveu em um período de grandes transformações

no pensamento ocidental em diversas áreas do conhecimento. Entre pensadores

importantes de tal período destacam-se Galileu, Newton, Bacon e Descartes. Trata-se de

uma época de revolução no domínio do saber, pois as novas propostas de reformulações,

quer científicas quer filosóficas, abandonaram as antigas formas da produção de

conhecimento e de saberes, sob o argumento de estarem superados e, em alguns casos,

representarem um obstáculo para as novas concepções que estavam surgindo.

Vico, a princípio, mostrou-se entusiasta das novas ideias oriundas do cartesianismo,

mas em seguida assume uma postura oposta às propostas de reformulação do saber com

base no pensamento cartesiano. Daí principiar o seu projeto de um novo método e,

consequentemente, de uma nuova scienza: uma resposta aos novos rumos tomados pela

ciência. A scienza viquiana, construída como nuova arte crítica1, retomava um diálogo

com os Antigos, a fim de resgatar a relevância da erudição: recuperava, antes de qualquer

coisa, o patrimônio retórico e poético.

Como herdeiro da tradição humanista, Vico considerava de grande importância a

cultura clássico-humanista, uma vez que a filosofia crítica (cartesiana) revelava-se um

tanto quanto estéril. Daí o autor, ao escrever a sua mais importante obra, ou seja, a Scienza

Nuova (1725; 1730 e 1744), resgatava uma parte significativa do saber dos Antigos,

apresentando uma nova concepção de erudição. A Scienza nuova reflete a sua preocupação

1 Cf. VICO, Giambattista. Ciência Nova [1744]. Trad. port. Jorge Vaz de Carvalho. Portugal: Edições da Fundação

Calouste Gulbenkian, 2005, p. 8.

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com o excesso de formalismo, racionalismo e ceticismo que limitava, naquela época, o

potencial criador do homem: uma crítica aos rumos tomados pelo saber.

Giambattista Vico dedicou-se ao estudo de diversos teóricos do Direito Natural.

Chegou até a eleger um deles como um de seus principais mentores intelectuais, a saber,

Hugo Grócio (1583 – 1645). Os outros foram o inglês John Selden (1584 – 1654), que

tinha ideias relevantes para a sua época, pois comparou os costumes hebraicos com os

princípios da lei natural e também defendeu a ideia de que os homens primitivos viveram

em completa liberdade moral, antes do estabelecimento dos dez mandamentos. Outro

importante teórico do direito foi o alemão Samuel Pufendorf (1632 – 1694), que defendia a

concepção aristotélica de que os primeiros homens eram governados por leis naturais,

regidas pela lei fundamental da sociabilidade natural.

Vico protestou com veemência contra toda sabedoria sem expressão e, em

particular, contra uma sabedoria vazia. Segundo ele, as sociedades se degeneravam quando

pensadores, tais como os cartesianos, esqueciam de como comunicar ou como os retóricos

da corrente manierista, que procuravam tão-somente enfeitar a linguagem: buscavam

apenas serem astutos e não verdadeiros. Ao citar Cícero, Vico dizia ser sinal da total

decadência social o fato dos homens, mesmo em grande ajuntamento, viverem em

profunda solidão de espìrito. Por diversas vezes, Vico advertiu contra a ―ética

individualista‖ dos epicuristas, modo como ele incluìa os pensadores cartesianos na moral

de filósofos ―monásticos e solitários‖.

Como professor e cidadão, Vico se preocupava com a sociedade de seu tempo, bem

como com às que adviriam. Ele estava vivendo a ―idade retornada‖ (idade ritornata) dos

homens, e lhe preocupava bastante a saúde de sua própria sociedade. Reclamava que o

direito em sua época estava oprimido pelo peso dos livros e a oratória se encontrava sem

expressão. Segundo ele, antes tivessem continuado a seguir os romanos, que mantinham

um número mínimo de leis, e propiciavam a equidade nos engenhos dos advogados. Vico

foi, sem dúvida, um fervoroso defensor da tradição retórica.

Retomando a questão da natureza sociável, na Ideia da Obra, pertencente à Scienza

Nuova, ele destacava a importância do mundo civil e sua relevância no estudo das

primeiras sociedades. Para o autor, o mundo civil tem início com as religiões, representado

no frontispício da sua obra pelo altar. Vico considerava a natureza sociável do homem a

sua principal propriedade. Tal natureza subjaz até à condição de animalidade em que

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caíram após o Dilúvio Universal. Foi esta natureza sociável, diz ele, que reconduziu os

homens à civilidade, abandonando o isolamento que a bestialidade os haviam conduzidos.

É certo que Giambattista Vico na sua Scienza Nuova apresenta um alerta aos

perigos da humanidade viver uma nova experiência da barbárie, conforme já havia

ocorrido em duas épocas anteriores, seja em tempos bem remotos, e após o dilúvio narrado

na Bíblia seja no medioevo. Na primeira barbárie, os homens haviam caído em um

embrutecimento do intelecto e mergulhados em um estado primitivo, mas retornaram à

civilidade mediante uma particularidade que os havia dotado a Providência: a sociabilidade

natural. Desse período obscuro somente podemos conhecer algo, interpretando as

mitologias e fábulas.

Para a exposição dos principais argumentos desta dissertação, dispomos o seu

conteúdo em quatro capítulos. Nesse sentido, o primeiro capítulo [O esgotamento do

ingenium na Europa o diagnóstico viquiano] apresenta certo diagnóstico de Vico com base

em uma leitura do seu epistolário, bem como da Vita e do De ratione, em que encontramos

os seus relatos sobre o enfraquecimento da capacidade inventiva de seus contemporâneos.

Tal perda se expressa no gosto pela frívola erudição, bem como na superficialidade dos

conhecimentos, e gosto pelos manuais facilitadores na obtenção de conhecimentos. Disso

resulta o sentimento viquiano de atopia ante a ausência de perspectiva e sentido decorrente

das novas transformações do status cultural moderno. A fraca acolhida dos seus escritos e

de suas ideias são identificadas por Vico como expressão das novas degenerescências

oriundas dos novos tempos. Isso justifica a sua advertência da necessidade de um saber

voltado para a vida prática e para a conservação da vida civil.

O segundo [A relevância da vida civil e a problemática do saber: no projeto

filosófico de Vico] retoma, de modo aprofundado, as questões suscitadas no término do

primeiro capítulo, ou seja, propomos uma reflexão sobre a distinção realizada por Vico

entre ciência e prudência: questões que envolvem, seja a problemática do conhecimento

seja aquela relativa à ação humana. Trata-se de uma questão pensada por Vico, de forma

obstinada, tanto no De ratione quanto na Autobiografia. Em seguida apresentamos

algumas formulações sobre a sua nova proposta científica, que pressupõe um diálogo com

os escritos da tradição: a necessidade de se justificar a Filologia como uma ciência certa.

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No terceiro capítulo [A Scienza nuova viquiana: busca de uma filosofia da

autoridade e oposição à filosofia dogmática] expomos as ideias de Vico pertinentes aos

primórdios da civilidade, bem como a sua reflexão sobre a gênese das coisas do mundo

humano, e a relevância do senso comum para formação desse mundo. Vico compreendeu o

senso comum como forma de sabedoria, ou seja, uma sabedoria vulgar, e buscou seus

registros também na autoridade daqueles escritos da tradição. Destacamos, em seguida, o

papel exercido pela sabedoria poética e sua importância para a formação do mundo civil.

Nesse domínio do saber reportamo-nos aos grandes fragmentos de erudição, em especial,

os escritos de Homero: Ilíada e Odisséia.

O quarto e último capítulo [A barbárie da reflexão: risco contra a civilidade]

abordamos a questão da barbárie da reflexão, anunciada e preparada na exposição dos

capítulos anteriores sobre a vida civil e sua conservação. Trata-se de uma abordagem que

pressupões as formas anteriores de barbárie que, não obstante suas recorrências na

História, possuem características singulares que as diferenciam. Aqui destacamos o papel

relevante da Providência na condução do mundo civil e sua relação com a problemática da

barbárie. De acordo com Vico, a primeira forma de barbárie, ou seja, a barbárie dos

sentidos, compreendida como barbárie primitiva, ocorreu logo após o Dilúvio universal

narrado na Bíblia. Nessa primeira barbárie, os homens experimentaram os males advindos

de uma liberdade desenfreada. A segunda barbárie foi aquela ocorrida na Idade Média, isto

é, a barbárie retornada, mais danosa que a primeira. No entanto, a barbárie que produziria

efeitos mais nefastos é a barbárie da reflexão, em que o homem se utiliza da sua

capacidade intelectiva para a prática de ações prejudiciais ao gênero humano: risco à

civilidade.

Para a elaboração desta pesquisa adotamos a seguinte hipótese interpretativa: na

filosofia de Vico a barbárie da reflexão é expressão da contradição entre civilidade e

racionalidade e contrária a todo avanço da civilidade, pois provoca destruição. A Scienza

Nuova alerta contra os riscos que já se anunciam na experiência moderna. Nesse sentido, o

tema central deste estudo, a saber, vida civil e a problemática da barbárie da reflexão,

pressupõe uma compreensão das diferentes formas da barbárie no universo das

formulações da Scienza Nuova de 1744, uma vez que Vico, ao pensar o advento da

civilidade, reconhece certa dimensão positiva da primeira barbárie, pois possibilitadora de

humanidade.

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Privilegiamos, neste estudo, a última edição da Scienza Nuova, ou seja, aquela de

1744, uma vez que é nessa obra onde Vico desenvolve, com mais acuidade, a problemática

da barbárie. Contudo, consideramos os escritos viquianos de juventude, a saber, Orazioni

inaugurali (1699 – 1708); De ratione (1708); De antiquissima (1710); Autobiografia (1725

- 1728); Scienza Nuova (1725) a fim de elaborarmos os pressupostos fundamentais da

reflexão de Vico relativa ao período de juventude. Tais pressupostos possibilitam uma

compreensão da gênese de alguns conceitos e noções pertencentes ao seu pensamento.

É importante ainda destacar que esta dissertação considera alguns temas

pertencentes às tradições, seja do patrimônio retórico, seja daquele poético, pois

contribuem para a construção de uma exposição sobre a orientação filosófica e o método

adotado na nossa investigação. Por conseguinte, essa orientação segue ainda a

problemática metafísica, uma vez que a busca viquiana de um novo saber considera as

novas conquistas ocorridas no universo da filosofia e da ciência moderna. Trata-se,

portanto, da necessidade de justificar, como ainda relevantes para o conhecimento, saberes

pertencentes à antiguidade, e defender a sua racionalidade no âmbito das exigências

modernas.

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CAPÍTULO I

O esgotamento do ingenium na Europa e o diagnóstico viquiano

No pensamento de Giambattista Vico é possível identificarmos um diagnóstico do

esvaziamento da capacidade inventiva nos centros de cultura, em virtude do esgotamento

do ingenium na Europa em meados da Idade Moderna. Daí o seu sentimento de atopia ante

a constatação desse quadro que aos poucos se agravava. Por causa desses acontecimentos,

Vico compreendeu o menosprezo com que as suas obras, Diritto Universale e Scienza

Nuova, foram recebidas pelos doutos de sua cidade, bem como o não-reconhecimento da

relevância de suas descobertas: sintomas que justificam a sua interpretação dos novos

tempos. O abandono de ciências relacionadas à doutrina dos Estados e da Moral, que

possibilitam uma prática do saber voltada ao bem comum, também foi indicado por Vico

como responsável pelo quadro que se instala na modernidade européia. Vico intentará uma

reforma da orientação do saber tendo como preocupação uma investigação científica do

mundo civil. Isso justifica o seu projeto de uma nuova scienza, herdeiro da cultura do

Humanismo civil renascentista e oposto a algumas ideias de René Descartes (1596-1650),

cuja filosofia, fortemente fundamentada em princípios racionais e matemáticos, refutara os

saberes ligados à memória. Diante desse contexto, a sua Scienza Nuova, apresenta uma

―nova arte crìtica‖ [nuova arte critica], bem como realiza a nuova scienza já anunciada no

Diritto Universale.

1.1 Vico e o sentimento de atopia ante o seu presente

Em uma das cartas escritas por Vico, endereçada ao padre e advogado Giuseppe

Luigi Esperti, há um relato sobre a influência das novas doutrinas filosóficas herdeiras do

pensamento epicurista e estoicista2, bem como aquelas derivadas e inspiradas no

cartesianismo. Descartes conseguira, em pouco tempo, a aceitação de suas ideias em todos

os grandes centros de cultura da Europa. Conforme o conteúdo da carta, as doutrinas,

2 Vico critica as filosofias da antiguidade que não reconheceram o papel desempenhado pela Providência na

humanização dos gentios. Ele critica, por exemplo, as filosofias de Zenão e Epicuro: a primeira por ter como

consequência a fatalidade e a segunda por descambar no mero acaso. Tais filosofias terminaram

obscurecendo a verdadeira percepção da dimensão Providêncial nas coisas civis e morais públicas (Cf.

VICO, Giambattista. Scienza Nuova, in: Opere. Milano: Mondadori, 2007, p. 418.). Vico se opôs a outras

orientações do pensamento como o tomismo, o utilitarismo, bem como a maioria dos modelos de pensamento

político e social de seu tempo.

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fundamentadas no pensamento de Epicuro, conduziam-se pelo acaso, a de Zenão, pela

necessidade, e aquela de Descartes, pelo dogmatismo necessário. Ademais, as obras que

não acompanhavam tais ideias, não correspondiam ao gosto dos autores que se guiavam

por essas doutrinas. Por isso Vico diz na carta a Esperti:

Mas hoje o mundo ou flutua e oscila entre as tempestades provocadas nos

costumes humanos pelo ‗acaso‘ de Epicuro, ou é preso e fixo à

‗necessidade‘ de Descartes; e assim, ou abandonando-se à cega sorte ou

deixando-se carregar pela surda ‗necessidade‘, pouco, se não até a moda,

se cuida com os esforços invencíveis de uma escolha racional para

regular uma, ou esquivar-se, (...) pelo menos de tornar mais forte a outra.

Por isso não agradam livros que aqueles os quais, como as vestes, se

encontram na moda. Mas isto explica o homem sociável na sua eterna

propriedade (tradução nossa) 3.

Daí os livros que não se adequassem ao gosto e à moda da época, Vico se reporta, aqui aos

seus escritos, um sobre o direito e o outro sobre as suas novas descobertas e propostas de

uma nuova scienza, a saber, o Direito universal [Diritto Universale], de 1720-1722, e a

Ciência Nova [Scienza Nuova] 4, de 1725, eram recebidos respectivamente com total

indiferença5.

Em outra correspondência, aquela enviada ao padre jesuíta Edouard De Vitry

(1666-1730), Vico relata as tendências da cultura européia, bem como a exaustão do

engenho [ingenium], não obstante o aparecimento de diversas ciências. Ele menciona

também o abandono do estudo das línguas clássicas como o Grego e o Latim. Nesse

sentido, ele escreve :

3 VICO, Giambattista. Lettere, in: Opere, p. 323: ―Ma oggi il Mondo o fluttua ed ondeggia tra le tempeste

mosse a‘ costumi umani dal <<caso>> di Epicuro, o è inchiodato e fisso alla <<necessità>> del Cartesio; e

così o abbandonatosi alla cieca Fortuna o lasciandosi strascinare dalla sorda necessità, poco se non pur nulla

si cura con gli sforzi invitti di una elezion ragionevole di regolare l‘una o di schivare, (...) almeno di temprar

l‘altra. Perciò non piacciono libri che quei i quali, come le vesti, si lavorino sulla moda; ma questo spiega

l‘uomo socievole sopra le sue eterne propietà‖. 4 Vale salientar aqui a distinção entre Scienza Nuova e nuova scienza, confusão que fazemos ao ler a obra

sem a devida atenção. Scienza Nuova corresponde à obra, o nome do livro; nuova scienza corresponde à nova

proposta de saber, ao método de investigação do autor. Tal projeto distingue-se das outras propostas de

scienza do período Renascentista e do século XVII, por exemplo, as propostas metodológicas de Galileu,

Bacon e Descartes. 5 Sobre tais escritos trataremos mais adiante quando da investigação sobre os motivos da pouca aceitação

dessas obras no ambiente cultural de Nápoles.

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Depois, para todas as espécies de ciências, os engenhos da Europa estão

já exaustos. Os estudos rigorosos das duas línguas, grega e latina

findaram tanto com os escritores do século XVI, [bem] como com os

críticos do século XVII. Um repouso razoável da Igreja Católica sobre a

antiguidade e perpetuidade que mais que as outras louva a versão Vulgata

da Bíblia, fez que a glória das línguas orientais passasse aos protestantes

(tradução nossa) 6.

Vico viveu em um período de acirradas discussões e disputas em diversas áreas do

conhecimento e da cultura: a Teologia era o terreno mais áspero. Tudo isso em razão da

vigilância, e em alguns casos, da negligência exercida pela Igreja Católica ante o perigo

das teorias heréticas 7. Ele passa pelo crivo da Igreja, mas tem de enfrentar opositores que

lhe acusam de ter suas ideias certa conveniência com aquela instituição. Entre os

opositores, alguns viviam em Nápoles e outros nos países orientados pela Reforma. Aquilo

que não distancia Vico tanto dos eruditos do Norte, é o fato de ele adotar dois autores

fortemente influenciados pela Doutrina Protestante: Francis Bacon (1561-1626) e Hugo

Grotius (1583-1645), considerados por ele como relevantes para a formação de seu

pensamento8.

Em carta endereçada a Jean Le Clerk (1657-1736) 9, Vico agradece-lhe por receber

seus escritos relativos ao Direito, ou seja, o Direito Universal [Diritto Universali]. Ele

agradece as considerações de Le Clerk a seu escrito e diz haver as suas palavras lhe

encorajado para seguir em frente nos seus estudos. Não obstante as adversidades que lhe

6 VICO, Giambattista. Lettere, in: Opere, p. 327: ―Dipoi per tutte le spezie delle scienze gl‘ingegni d‘Europa

sono già esausti. Gli studi severi delle due lingue greca e latina si consumarono così dagli scrittori del Cinque

come da‘ critici del Seicento. Un ragionevol riposo della Chiesa cattolica sopra l‘antichità e perpetuità che

più che le altre vanta la version vulgata della Bibbia, ha fatto che la gloria delle lingue orientali passasse a‘

protestanti‖. 7 Entre tais doutrinas, o jansenismo foi um dos movimentos mais destacados. Possuía um caráter dogmático,

moral e disciplinar, que assumiu também contornos políticos. Esse movimento desenvolveu-se em especial

na França, entre os séculos XVII e XVIII, em oposição a algumas doutrinas e práticas da Igreja Católica. A

origem do nome deve-se ao seu idealizador o bispo de Ypres, Cornelius Jansen. 8 Cf. VICO, Giambattista. Vita scritta da se medesimo, in: Opere, pp. 30 e 44.

9 Leclerc ‹lëklèer›, Jean (latinizz. Ioannes Clericus) Leclerc ‹lëklèer›, Jean (latinizz. Ioannes Clericus). –

teólogo e escritor arminiano (Genebra 1657 – Amsterdã 1736). Professor de hebraico e de filosofia em

Amsterdã (1684); se dedicou à crítica bíblica (comentou alguns livros da Bíblia e negou a atribuição do

Pentateuco a Moisés) e histórica, ocupando-se também das importantes edições das obras de Erasmo, U.

Grozio, D. Petau, etc (tradução nossa). [Leclerc ‹lëklèer›, Jean (latinizz. Ioannes Clericus)

Leclerc ‹lëklèer›, Jean (latinizz. Ioannes Clericus). - Teologo e scrittore arminiano (Ginevra 1657 -

Amsterdam 1736). Prof. di ebraico e di filosofia ad Amsterdam (1684); si dedicò alla critica biblica

(commentò parecchi libri della Bibbia e negò l'attribuzione del Pentateuco a Mosè) e storica, curando anche

importanti edizioni delle opere di Erasmo, U. Grozio, D. Petau, ecc. In:

http://www.treccani.it/enciclopedia/jean-leclerc/ (consulta em 07/06/2011).].

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desencorajavam de prosseguir, muita das intempéries provinham, conforme suas palavras,

da corrupção do século. Na seguinte passagem, Vico descreve o seu sentimento:

Portanto, presto infinitas graças à Vossa Senhoria ilustríssima, por tantos

benefícios feitos a mim: porque na travessia deste oceano, V. Exª serviu-

me de norte; ao me desanimar com frequência, V. Exª soprou o vento

favorável para seguir o caminho; e, nas tempestades da adversa fortuna e

da corrupção do século, V. Exª defende-me como porto (tradução

nossa)10

.

Ao fazer bom uso da Retórica, Vico procurava não ser descortês, mesmo para com

aqueles que, não atacando suas concepções, abriam espaço para que outros deturpassem as

suas ideias. Nesse sentido, ele escreve aos editores da Novelle Letterarie di Lipsia: ―Ao

respeitosíssimo colégio dos doutos de Leipzig e aos seus diretores, excelentíssimo senhor

Johann Burckhard Mencke, Giambattista Vico lhes saúda (...) ilustríssimos senhores (...)

espero que estas, com maior razão me proporcionem a ocasião, não de ofendê-los, mas ao

contrário de receber as suas graças (...)‖ 11

.

Sobre o periódico, o autor reclama de algumas críticas eivadas de erros sobre as

ideias contidas na sua Scienza Nuova prima, bem como as falsas informações a respeito de

sua pessoa, que o teria incitado a escrever a carta conforme o trecho acima citado. Ao final

de outro escrito, o De ratione, Vico expôs o modo respeitoso com o qual sempre buscou

reportar-se aos outros autores:

Com efeito, como tu ó leitor equânime tem visto, quando tenho criticado

os defeitos, tenho omitido os autores; e se alguma vez foi preciso nomeá-

los, os nomeei não sem os sentimentos de estima, como me convinha,

homem sem importância, a estes homens tais e de tanta autoridade (...). E

10

VICO, Giambattista. Lettere, in: Opere, p. 312: ―Laonde rendo infinite grazie a Vostra Signoria

illustrissima di cotanti benefizi fattimi: ché, nel valicare quest‘oceano, Ella mi ha servito di tramontana;

perdendomi spesse volte di animo, Ella mi ha spirato il vento favorevole a seguitare il cammino; e, nelle

tempeste della contraria fortuna e della corruzione del secolo, Ella mi difende da porto‖. 11

VICO, Giambattista. Vita scritta da se medesimo, Comento e note, in: Opere, p. 1310: ―al chiarissimo

consesso dei dotti di Lipsia e al loro direttore, l‘eccelentissimo signor Johann Burckhard Mencke, Giovan

Battista Vico rivolge il saluto (...) illustrissimi signori (...) spero con l‘offrirvele di avere l‘occasione non già

di offendere qualcuno ma di entrare nelle vostre grazie (...)‖.

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os defeitos, apresentei-os com muita modéstia, atenuados com a maior

diligência quanto pude (tradução nossa) 12

.

A sua decepção, não obstante o seu sentimento de viver em um período de herança

renascentista decorria do fato de seus companheiros eruditos da época não conseguirem

visualizar ou não quererem compreender as suas ideias. Daí sua sensação de atopia ser

também estendida ao gosto literário13

. Pensadores como Descartes, Locke, Hobbes e

Gassendi eram os mestres do pensamento filosófico da modernidade. Os conselhos de

Descartes, no que concerne ao abandono da tradição14

, eram seguidos com poucas

objeções. Livros que não expressavam ideias com clareza eram rejeitados ou esquecidos. A

busca de erudição estava, entretanto, voltada para as frivolidades ou galanteios da vida

cortesã. Enfim, obras escritas com testemunho e autoridade de autores da tradição, e nesses

modelos de escritos inspiravam-se os de Giambattista Vico, não eram, portanto,

apreciadas. Por conseguinte, os escritos que exigiam muita erudição para serem

compreendidos eram qualificados como incompreensíveis15

.

Aqueles autores que citamos acima, e aceitos como grandes gênios, foram, na

verdade, conforme comenta Vico, geniais apenas pelo estratagema utilizado para compor

suas ideias, ou seja, unir reflexões de pensadores das orientações mais diversas.

Aglutinaram-se, com efeito, concepções de autores da tradição, muitas já esquecidas, mas

acreditava-se serem novidades16

. Por tal motivo, Vico costumava se reportar em suas

reflexões aos autores e ideias de seu tempo, valendo-se do nome daqueles pensadores ou

ideias da tradição. Isso justifica a presença no seu ideário, da alusão aos filósofos

12

VICO, Giambattista. De nostri temporis studiorum ratione, in: Opere, p. 213: ―Infatti, come tu, o lettore

equanime, hai visto, quando ho criticato i difetti, ho taciuto gli autori; e se qualche volta fu necessario

nominarli, li ho nominati non senza i sensi di stima, come conveniva a me, uomo da poco (...). Ed i difetti

stessi li ho presentati con molta modestia, attenuati con quanta diligenza ho potuto‖. 13

Conforme Expedito Passos: O desencanto de Vico em relação ao novo status intelectual napolitano se

expressa também em virtude da monotonia despótica do discurso cartesiano, ou seja, como consciência dos

preconceitos decorrentes das ―modas‖ filosóficas napolitanas, em que os eruditos renascentistas (Ficino,

Pico, Piccolomini, Acquaviva, Patrizi, Nifo, Mazzoni e Steuco), expressão do renascimento da Retórica, da

Historiografia e da Filosofia, terminaram desacreditados. Daì a sua situação de atopia: ―não só vivia como

estrangeiro na sua pátria, mas também deconhecido‖ (LIMA, José Expedito Passos. A estética entre saberes

antigos e modernos na nuova scienza, de Giambattista Vico. Tese de doutorado PUC SP 2006, p. 158.). 14

Cf. DESCARTES, René. Discurso do Método [1637]. Trad. br. J. Guinsburg e Bento Prado Júnior. Os

Pensadores. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1996, p. 70. 15

Cf. VICO, Giambattista. Lettere, in: Opere, pp. 323-324. 16

VICO, Giambattista. Vita scritta da se medesimo. in: Opere, pp. 15 a 22.

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epicuristas e estoicistas, destacados por Vico em virtude das consequências decorrentes do

pensamento deles: uns voltados para o acaso, outros para o destino.

Em oposição, outros autores deveriam, conforme Giambattista Vico, serem

verdadeiramente estudados: os filósofos políticos e, em especial, Platão, Aristóteles (este

último com algumas reservas), e ainda Cícero e Quintiliano. Segundo a passagem abaixo

extraída de uma das cartas endereçada ao padre Giuseppe Luigi Esperti, Vico comenta que:

Os escritores, que adoram viver ouvindo seus nomes propalados, e com

glória tempestuosa juntar o útil e fazer ganho dos livros, dirigem as penas

ao gosto do século, porque mais rapidamente queiram conforme o tempo.

E, em verdade, seria matéria digna de toda aplicação dos engenhos

[ingegni] bem formados dos pormenores na república das letras para

escrever ‗sobre ocultas ou estranhas razões da sorte dos livros‘. Gassendi

encontrou o mundo todo corrompido em amores de romances, e

enfraquecido entregue a uma moral muito complacente, e vivo ouviu por

toda parte se celebrar o seu nome como restaurador da boa filosofia,

porque de um sistema que tomava como critério da verdade o sentido, de

que a cada um agrada o seu, e põe no prazer do corpo, porque não existe

outra coisa, para Epicuro, que vácuo e corpo, a felicidade humana. Com

ódio do verossímil, enrijeceu-se na França a moral cristã, e do vizinho

Setentrião, e grande parte da Alemanha, o espírito interno de cada um

torna-se divina regra das coisas que se devem crer. Vê Descartes o tempo

de fazer uso dos seus maravilhosos talentos e dos seus longos e profundos

estudos, e trabalhava uma Metafísica segundo à necessidade e estabelece

como regra do verdadeiro a ideia que nos chegou de Deus, sem nunca

defini-la: onde entre esses mesmos cartesianos ocorre muitas vezes que

uma mesma ideia será clara e distinta para um, obscura e confusa para

outro. E se ele veio à fama em vida como filósofo muito célebre neste

século delicado e vistoso, no qual a maioria com pouco estudo e apenas

com os talentos naturais quer se apresentar doutos que fazem da

capacidade deles regra dos livros, onde julgam bons apenas os

explicáveis e fáceis, de que se possa como passatempo raciocinar com as

damas; ao contrário, aqueles que requerem no leitor muita e variada

erudição e o obrigam ao tormento de muito refletir e concordar,

condenado apenas com a declaração de que não entendem (tradução

nossa) 17

.

17

VICO, Giambattista. Lettere, in: Opere, pp. 323-324: ―Gli scrittori, che amano vivi udire gridarsi i loro

nomi e con una gloria tempestiva accoppiar l‘utile e far guadagno de‘ libri, indirizzano le penne al gusto del

secolo, perché più speditamente volino a seconda del tempo. Ed in vero sarebbe materia degna di tutta

l‘applicazione degl‘ingegni ben informati de‘ particolari nella repubblica delle lettere di scrivere <<sulle

occulte o straniere cagioni della fortuna de‘ libri>>. Il Gassendi ritrovò il mondo tutto marcio in amori di romanzi e illanguidito in braccio di una troppo compiacente morale, e vivo udì da per tutto celebrarsi il suo

nome di ristoratore della buona filosofia, perché di un sistema che fa criterio del vero il senso, di cui a

ciascuno piace il suo, e pone nel piacere del corpo, perché non vi è altro per Epicuro che vano e corpo,

l'umana felicità. In odio della probabile s'irrigidisce in Francia la cristiana morale, e dal vicino Settentrione, e

gran parte della Germania, lo spirito interno di ciascheduno si fa divina regola delle cose che si deon credere.

Vede il Cartesio il tempo di far uso de' suoi meravigliosi talenti e de' lunghi e profondi suoi studi, e lavorava

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Conciliando pensadores e ideias quase, ou totalmente distintas, prosseguia-se

refletindo sobre renomados autores cujos pensamentos prevaleciam naquele período.

Descartes, resgatando algumas ideias do platonismo18

, e Hobbes, os princípios de Epicuro.

Na Inglaterra, Locke unia dois autores da Antiguidade: Platão e Epicuro19

. Vico procurou

abster-se de seguir alguns pensadores de seu tempo por reconhecer serem detentores de

uma frívola erudição. Desse modo narrou na sua Autobiografia acerca da ocasião e da sorte

de ter permanecido recolhido em Vatolla20

:

De maneira que, (...) Vico abençou [o fato] de ele não ter tido mestre em

cujas palavras houvesse jurado, e agradeceu aqueles bosques entre os

quais, guiado por seu bom gênio, tinha feito o maior curso de seus

estudos, sem nenhum apego a seitas, e não na cidade, na qual, como a

moda das vestimentas, troca-se a cada dois ou três anos o gosto literário

(tradução nossa) 21

.

Ao perceber as influências e consequências desses novos métodos, Vico indica na

sua correspondência com Edouard De Vitry os diversos campos do conhecimento afetados

de modo funesto, por tais filosofias. Entre as consequências destaca-se a diminuição da

capacidade criativa, em virtude do método proposto por Descartes. O descaso com ciências

como a Física euclidiana; a Moral, antes objeto de reflexão dos filósofos e agora pouco

una Metafìsica in ossequio della necessità, e stabilisce per regola del vero l'idea venutaci da Dio, senza mai

definirla: onde tra essi Cartesiani medesimi sovente avviene che una stessa idea per uno sarà chiara e distinta,

oscura e confusa per l' altro. E si egli salì vivente in fama di filosofo celebratissimo in questo secolo dilicato e

vistoso, nel quale dagli più con poco studio e co‘ soli naturali talenti si vuole comparir dotti che fanno la loro

capacità regola de‘ libri, onde stimano buoni i soli spiegati e facili, di cui si possa per passatempo ragionare

con le dame; al contrario, quelli che richiedono nel leggitore molta e varia erudizione e l‘obbligano al

tormento del molto rifletere e combinare condannato col solo dire che << non s‘intendono>>‖. 18

Cf. VICO, Giambattista. Vita di Giambattista Vico scritta da se medesimo, in: Opere, p. 29. 19

Cf. VICO, Giambattista. Lettere, in: Opere, p. 324. 20

Sobre este período que esteve afastado de Nápoles, e a sua relevância para a formação do pensamento de

Vico, escreveu Liliane Severiano: ―estada de Giambattista Vico em Vatolla: algo fundamental para o

aprofundamento de seus estudos. Nesse período ocorre a ampla formação intelectual de Vico, embora

praticamente autônoma, mas determinante para o desenvolvimento de sua forma de pensar. Tal demora em

Vatolla contribui também, quando do retorno a Nápoles, para a sua reflexão sobre as novidades presentes na

cultura napolitana, totalmente modificada, por causa das intensas mudanças provocadas na orientação do

saber e na expressão dos doutos‖ (SILVA, Liliane Severiano. Do sistema do direito universal a uma nuova

scienza da vida civil: a invenção de Giambattista Vico. Dissertação de mestrado, UECE, 2009, p. 14.). 21

VICO, Giambattista. Vita di Giambattista Vico scritta da se medesimo, in: Opere, p. 25: ―Talché, (...) il

Vico benedisse non aver lui avuto maestro nelle cui parole avesse egli giurato, e ringraziò quelle selve, fralle

quali, dal suo buon genio guidato, aveva fatto il maggior corso dei suoi studi senza niun affetto di setta, e non

nella città, nella quale, come moda di vesti, si cangiava ogni due o tre anni gusto di lettere‖.

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preocupados com essa doutrina; a Política e a Jurisprudência. Esta última, em especial,

porque, conforme as polêmicas de Vico com os jusnaturalistas22

da sua época, porque

alguns defendiam não ser preciso uma Providência divina que a amparasse:

Os filósofos têm atenuado os engenhos com o método de Descartes, pelo

qual, apenas satisfeitos com a sua percepção clara e distinta, naquela eles

sem dispêndio ou cansaço encontram prontas e abertas todas as livrarias.

Onde as Físicas não se põem mais à prova, para ver se se sustentam sob

as experiências; as Morais não mais se cultivam, sob a máxima de que

nos é ordenada pelo Evangelho, seja necessária; as políticas muito menos,

aprovando-se por toda a parte, que basta uma feliz capacidade para se

compreender os negócios, e uma destra presença de espírito para manejá-

los com vantagem. Os livros de jurisprudência romana culta encontram-

se, em miniatura e raros, apenas na Holanda. A medicina, tomada pelo

ceticismo, encontra-se também na época do escrever. Certamente a sorte

da sabedoria grega terminou em metafísicas nada úteis, mesmo que não

prejudicial à civilidade, e em matemáticas todas ocupadas em considerar

as grandezas que não suportam régua e compasso (...) (tradução nossa) 23

.

O pensamento epicurista, cujo principal disseminador em Nápoles foi a obra de Pier

Gassendi, será analisado e submetido a fortes críticas por Vico. No seu entender, Epicuro,

ao negar a distinção entre a substância física <<res extensa>> e mental <<res cogitans>>,

tornava sua filosofia limitada quanto aos fundamentos metafísicos. Por isso, a sua filosofia

era mais conveniente às mentes infantis e femininas. Giambattista Vico dirá, mesmo

conhecendo pouco de Geometria, que Epicuro conseguiu formular uma metafísica

fundamentada nos sentidos, a qual influenciou fortemente o pensamento de Jonh Locke:

22

Outros pensadores do Direito que foram objeto dos estudos, de Vico podemos destacar em ordem de

relevância: o holandês Hugo Grócio, o inglês Jonh Selden e o alemão Samuel Pufendorf. Que serão tratados

aqui convenientemente mais adiante. Vico remetia a esses três pensadores como os ―três prìncipes do

Direito‖. 23

VICO, Giambattista. Lettere, in: Opere, p. 327: ―I filosofi hanno intiepiditi gl'ingegni col metodo di

Cartesio, per lo qual, solo paghi della lor chiara e distinta percezione, in quella essi senza spesa o fatiga

ritrovano pronte ed aperte tutte le librarìe. Onde le fisiche non più si pongono a cimento, per vedere se

reggono sotto l'esperienze; le morali non più si coltivano, sulla massima che la sola comandataci dal Vagelo

(sic) sia necessaria; le politiche molto meno, approvandosi da per tutto che basti una felice capacità per

comprender gli affari ed una destra presenza di spirito per maneggiarli con vantaggio. Libri di giurisprudenza

romana colta si fan vedere, e piccioli e radi, dalla sola Olanda. La medicina, entrata nello scetticismo, si sta

anche sull‘<<epoca>> dello scrivere. Certamente il fato della sapienza greca andò a terminare in metafisiche

niente utili, se non pur dannose, alla civiltà, ed in matematiche tutte occupate in considerare le grandezze che

non sopportano riga e compasso (...)‖.

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(...) Epicuro, porque negava ser a mente de outro gênero de substância

que o corpo, por falta de uma boa metafísica permaneceu com mente

limitada, teve de pôr como fundamento da filosofia o corpo já formado e

divido em diversas partes multiformes fundamentais formadas de outras

partes, as quais, por falta do vazio disposto ali, entre elas, supôs-se serem

estas indivisíveis: porque uma filosofia para satisfazer às mentes curtas

das crianças, e as frágeis das mulherzinhas. E ainda que ele pouco

entendesse de geometria, com tudo isso, com um bem ordenado séquito

de consequências, produziu com base em uma física mecânica, uma

metafísica totalmente dos sentidos, como seria precisamente aquela de

Jonh Locke, e uma moral do prazer, boa para homens que devem viver

em solidão, como, de fato, ele ordenou aqueles que professassem a sua

seita; (tradução nossa) 24

.

Não obstante Descartes haver utilizado a Física de Epicuro, mas a sua Metafísica -

no entender de Vico - era influenciada pelas ideias platônicas25

. Ademais, Descartes não se

preocupou em produzir uma Moral, pois o seu escrito sobre As Paixões da alma, de 1649,

seria mais útil à Medicina26

. No entanto, a principal crítica postulada por Vico contra o

epicurismo e às suas ideias, diz respeito ao abandono dos vínculos sociais, pois tais

vínculos deveriam ser o principal objeto de estudo da Filosofia. Para Vico, o pensamento

epicurista era mais adequado àqueles indivíduos que buscavam uma vida à parte da

sociedade e dos seus semelhantes. Seguindo o conselho do seu idealizador, os epicuristas

se preocupavam apenas na busca do prazer, e isolados em sua seita, alcançavam apenas o

solipcismo. Para Vico isso deveria ser evitado a todo custo, daí haver denominado esses

pensadores de ―filósofos monásticos e solitários‖ 27

.

24

VICO, Giambattista. Vita di Giambattista Vico scritta da se medesimo, in: Opere, p. 19: ―(...)Epicuro,

perché niegava la mente esser d'altro genere di sostanza che 'l corpo, per difetto di buona metafisica rimasto

di mente limitata, dovette porre principio di filosofia il corpo già formato e diviso in parti moltiformi ultime

composte di altre parti, le quali, per difetto di vuoto interspersovi, fìnselesi indivisibili: ch'è una filosofia da

soddisfare le menti corte de' fanciulli e le deboli delle donnicciuole. E quantunque egli non sapesse né meno

di geometria, con tutto ciò con un buono ordinato séguito di conseguenze vi fabbrica sopra una fisica

meccanica, una metafisica tutta del senso, quale sarebbe appunto quella di Giovanni Locke, e una morale del

piacere, buona per uomini che debbon vivere in solitudine, come in effetto egli ordinò a coloro che

professassero la sua setta;‖ 25

Cf. VICO, Giambattista. Vita scritta da se medesimo, in: Opere, p. 21. 26

Cf. VICO, Giambattista. Vita scritta da se medesimo, in: Opere, pp. 21-22. 27

Cf. VICO, Giambattista. Vita scritta da se medesimo, in: Opere, p. 15.

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1.2 A novidade do projeto viquiano de ciência e o cartesianismo

Como mestre da cátedra de Retórica da Universidade de Nápoles, e herdeiro de

uma tradição retórica que tivera como mestres Cícero, Quintiliano, e mais próximo de seu

tempo, autores Renascentistas, Vico buscava em seus estudos e escritos a conservação dos

liames sociais. Ciente das propostas de Descartes, mas fortemente influenciado por Francis

Bacon, Vico percebia as insuficiências desses dois autores 28

: daí se lançar na elaboração

do seu próprio projeto científico.

Tanto Bacon quanto Descartes desenvolveram métodos que, conforme Vico

abarcava tão-somente projetos de aprimoramento das comodidades humanas. E quanto às

coisas pertinentes ao mundo social? Vico percebeu que poucos haviam se dedicado aos

estudos de tais coisas, e quando o fizeram fora de modo deveras insatisfatório. Em razão

disso, ele assume como tema de sua especulação e reflexão aquelas questões relativas ao

mundo civil. É visível a satisfação da sua descoberta, em especial, aquela de em um novo

projeto de ciência. Estava tão certo da novidade de seu projeto, que encontrou forças para

resistir aos golpes da ―adversa fortuna‖: modo como costumava denominar as adversidades

que vez por outra se apresentavam à sua vida29

.

Mesmo as novidades de seu tempo, que costumava classificar de ―corrupta moda‖,

não o desestimulavam, e tampouco o fizeram mudar a orientação de seus estudos.

Conforme relata em sua correspondência, tais novidades o fizeram mais determinado e

forte, pois teriam sido justamente essas modas o que o teria inspirado na elaboração de

uma nuova scienza. A seguinte passagem da sua correspondência com o padre Giacco,

revela tal sentimento, ao lhe enviar a edição da Scienza Nuova prima:

Porque desde esta obra eu me sinto um novo homem, e experimento

sufocados aqueles estímulos de me lamentar de mais da minha sorte

adversa, e de atacar mais a corrupta moda das letras, que me causou tal

sorte contrária, porque esta moda, esta sorte me tem garantido e ajudado a

trabalhar esta obra (...) esta obra me formou de certo espírito heróico,

28

Cf. BORDOGNA, Alberto. Gli idoli del foro: Retórica e mito nel pensiero di Giambattista Vico, Aracne

editrice. Roma, 2007, pp. 25-27. 29

A expressão é utilizada por Vico várias vezes em seus escritos (Cf. VICO, Giambattista, in: Opere, pp. 54,

63, 301, 309.).

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pelo qual não mais me perturba nenhum temor da morte e experimento

um ânimo não mais voltado para falar dos rivais (tradução nossa) 30

.

Apesar de Vico ser um grande admirador de Descartes, reconhecerá que muitas de

suas propostas apresentam riscos para a civilidade. Isso ocorre, em especial, no

aconselhamento cartesiano ao abandono da tradição, sejam aquelas obras dos autores da

antiguidade, ou daquelas pertencentes ao período renascentista31

. O método proposto por

René Descartes seria inapropriado para as coisas do mundo civil, por intentar transportar a

frieza e a rigidez dos raciocínios matemáticos a alguns campos do conhecimento. Algo

que, no entender de Vico, seria inadequado, conforme o seu comentário em uma carta

escrita ao advogado Francesco Saverio Estevan:

E são abandonadas, em especial, pela autoridade de René Descartes no

seu método, e graças ao seu método, dado que quer para tudo o seu

método; onde ele tem feito um grande séquito por causa daquela fraqueza

da nossa natureza humana, que em brevíssimo tempo e com pouquíssimo

esforço deseja saber de tudo. Que é a razão porque hoje não se estudam

outros livros [senão] aqueles de novos métodos e compêndios, porque a

delicadeza dos sentidos, que é muito enfadonha neste século, sendo

transferida para as mentes, os novos livros não por outra coisa se

aprovam senão para a facilidade, a qual tão fraca e envenena os

engenhos, assim como a dificuldade revigora e anima (tradução nossa) 32

.

O fato dos estudiosos de seu tempo buscarem livros que versavam sobre os novos

métodos de estudo, ou apresentar o conhecimento na forma de manuais: para facilitar a

obtenção do conhecimento e conseguir uma sapiência sem esforço, terminavam, entretanto,

30

VICO, Giambattista. Lettere, in: Opere, p. 309: ―Perché da quest‘opera io mi sento avere vestito un nuovo

uomo, e pruovo rintuzzati quegli stimoli di più lamentarmi della mia avversa fortuna, e di più inveire contro

alla corrotta moda delle lettere, che mi ha fatto tale aversa fortuna, perché questa moda, questa fortuna mi ha

avvalorato ed assistito a lavorare quest‘opera (...) quest‘opera mi ha informato di un certo spirito eroico, per

lo quale non più mi perturba alcuno timore della morte e sperimento l‘animo non più curante di parlare degli

emoli‖. 31

Cf. DESCARTES, René. Discurso do Método. pp. 67-68 32

VICO, Giambattista. Lettere, in: Opere, p. 333: ―E si son abbandonate principalmente per l‘autorità di

Renato delle Carte nel suo metodo, ed in grazia del suo metodo, perocché voglia per tutto il suo metodo;

ond‘egli si ha fatto un gran séguito per quella debolezza della nostra natura umana, che ‗n brevissimo tempo

e con pochissima fatiga vorebbe saper di tutto. Che è la cagione perché oggi non si lavoran altri libri che di

nuovi metodi e di compendi, perché la dilicatezza de‘ sensi, che é fastidiosíssima in questo secolo, essendosi

traggittata alle menti, i nuovi libri non per altro si commendano che per la facilità, la quale così fiacca ed

avvelena gli‘ingegni siccome la dificoltà gl‘invigorisce ed anima‖.

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fragilizando a capacidade criativa, ou seja, a engenhosidade, pois todos os estudos que

propiciavam uma erudição satisfatória eram condenados33

.

O método de Descartes, que aplicava fórmulas matemáticas a certo universo, no

entender de Vico mostrava-se insuficiente e inapropriado, pois seu critério de clareza e

distinção, era bastante incerto. Para Vico era mais incerto que aquele proposto por Epicuro,

que propunha o sentido como regra para se chegar à verdade. A dúvida metódica de

Descartes, um procedimento para descobrir a verdade das coisas, terminava por levar,

aqueles que seguissem tal método, a se lançar no ceticismo. Ao refutar o conhecimento

advindo da tradição, ou seja, dos historiadores, poetas e linguistas, o procedimento

cartesiano refutava também o conhecimento proveniente do senso comum [sensus

communis], cujos fundamentos estavam na ―verossimilhança‖ e na ―autoridade‖ do gênero

humano. Por isso Vico escreveu, opondo-se às ideias cartesianas, que tal filosofia traria

grandes prejuízos à vida civil. Segundo os seus argumentos presentes na carta a Francesco

Saverio Estevam:

A razão de tudo o que escrevi é que, celebrando-se por toda a parte o

critério de verdade de Descartes, que é a clara e distinta percepção, o

qual, não definido, é mais incerto daquele de Epicuro, que a percepção

evidente de cada um, o qual, nos faz parecer evidente toda paixão, conduz

rapidamente ao ceticismo, o qual, desconhecendo as verdades que nascem

dentro de nós mesmos, pouco, ou nenhum interesse tem daquelas que se

devem captar de fora, que precisam ser encontradas com a tópica para

fixar o verossímil, o senso comum [sensus communis] e a autoridade do

gênero humano, e por isso se desaprovam os estudos que precisam disso,

que são aqueles dos oradores, dos historiadores e dos poetas e das línguas

nas quais eles falaram (tradução nossa) 34

.

A influência das ideias cartesianas foi tão forte nos centros culturais da Europa,

que, em relação à Nápoles, os estudos de autores das letras do período Quinhentista foram

abandonados a favor do pensamento metafísico cartesiano. Mesmo os pensadores

33

Cf. VICO, Giambattista. Lettere, in: Opere, pp. 333-335. 34

VICO, Giambattista. Lettere, in: Opere, p. 335:―E la ragione di tutto ciò che ho scritto è che, dappertutto

celebrandosi il criterio della verità del medesimo Renato, che è la chiara e distinta percezione, il quale, non

diffinito, è più incerto di quel di Epicuro, che il senso evidente di ciascheduno, il qual ogni passione ci fa

parer evidente, conduce di leggieri allo scetticismo, il quale, sconoscendo le verità nate dentro di noi

medesimi, poco anzi nium conto tiene di quelle che si deono raccogliere dal di fuori, che bisognano ritrovarsi

con la topica per fermare il verisimile, il senso comune e l‘autorità del gener umano; e perciò si

disappruovano gli studi che a ciò bisognano, che sono quelli degli oratori, degli storici e de‘ poeti e delle

lingue nelle quali essi parlarono‖.

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clássicos, como os platonistas e plotinianos que refletiram profundamente tais questões,

bem como autores do Renascimento como, por exemplo, Marsílio Ficino (1433-1499),

serão abandonados, pois as obras de Descartes, Meditações e Discurso do Método, serão

objetos de estudo e pesquisa, ao mesmo tempo outras disciplinas importantes, a saber, a

Matemática, a Física e a Metafísica.

Em virtude dessas mudanças, a literatura ficaria restrita àquela produzida pelos

árabes, não obstante tivessem realizado grandes progressos em outras artes e ciências. Vico

escreve em sua Autobiografia:

Por isso, de repente ocorreu um grande revolvimento nas coisas literárias

em Nápoles, que, quando se acreditava dever-se aqui restabelecer por

muito tempo todas as melhores letras do século XVI (...) que aqueles

hábeis literatos, os quais dois ou três anos antes diziam que as metafísicas

deviam estar recolhidas nos claustros, eles começaram com todo

entusiasmo a cultivá-las, não mais com base nos Platões, Plotinos com os

Marsilios, em que no século XVI justificaram tantos grandes literatos,

mas com base nas Meditações de René Descartes, das quais seguiu o seu

livro Do método, em que desaprova o estudo das línguas, dos oradores,

dos historiadores e poetas, e dando relevância apenas à sua metafísica,

física e matemática, reduz a literatura ao saber dos árabes, os quais em

todas estas três partes [do conhecimento] tiveram [homens] doutíssimos,

como [o] foi Averróis na metafísica e tantos [outros] famosos astrônomos

e médicos que deixaram em uma e em outra ciência também as vozes

necessárias para se explicarem (tradução nossa) 35

.

Ainda na Autobiografia, Vico adverte para o fato de muitos doutos de seu tempo,

antes absortos em reflexões sobre a Física e na criação de objetos mecânicos, tivessem

grande admiração pelas ideias de Descartes, em especial, por aquelas expostas na obra

Discurso do Método. Tais doutos tomavam as ideias cartesianas como portadoras de

35

VICO, Giambattista. Vita di Giambattista Vico scritta da se medesimo, in: Opere, pp. 28-29: ―Impercioché

ad un tratto si fa um grande rivolgimento di cose letterarie in Napoli, che, quando si credevano dovervisi per

lunga età ristabilire tutta le lettere migliori del Cinquecento (...) che que‘ valenti letterati, i quali due o tre

anni avanti dicevano che le metafisiche dovevano star chiuse ne‘ chiostri, presero essi a tutta voga a

coltivarle, non già sopra i Platoni e i Plotini coi Marsili, onde nel Cinquecento fruttarono tanti gran letterati,

ma sopra le Meditazioni di Renato Delle Carte, delle quali è seguito il suo libro Del metodo, in cui egli

disapruova gli studi delle lingue, degli oratori, degli storici e de‘ poeti, e ponendo su solamente la sua

metafisica, fisica e matematica, riduce la letteratura al sapere degli arabi, i quali in tutte e tre queste parti

n‘ebbero dottissimi, come gli Averroi in metafìsica e tanti famosi astronomi e medici che ne hanno nell‘una e

nell‘altra scienza lasciate anche le voci necessarie a spiegarvisi.‖

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brilhantes verdades, e assim emitiam juízos elogiosos sobre aqueles que se dedicavam aos

estudos das obras de Descartes36

.

Vico, que muito dialogou sobre tais ideias, em particular, com seu amigo Paolo

Mattia Doria (1667-1746), advertia que tudo o quanto escrevera Descartes, sobretudo no

que diz respeito à Metafísica, era ultrapassado e comum entre os platonistas. Conforme ele

sustenta na seguinte passagem:

Portanto, a quantos doutos e grandes engenhos, porque primeiro e por

longo tempo se ocuparam de física corpuscular, em experiências e em

máquinas, as Meditações de Renato teriam de parecer muito obscura,

porque deveriam retirar dos sentidos as mentes para meditar; de onde o

elogio de grande filósofo era - Este compreende as Meditações de Renato

– E, nesses tempos, frequentando Vico e o senhor Paolo Mattia Doria a

casa do senhor Caravita, cuja casa era reduto de homens das letras, este

igualmente grande cavalheiro e filósofo, foi o primeiro com quem Vico

pode começar a raciocinar sobre metafísica; e o que Doria admirava de

sublime, grande e novo em Renato, Vico advertia que era velho e vulgar

entre os platônicos (tradução nossa) 37

.

Após tecer inúmeras críticas às ideias cartesianas, Vico volta-se para o pensamento

de Francis Bacon. Instigado pelas ideias deste filósofo, permanecia ainda insatisfeito com a

situação do saber, pois buscava elaborar um projeto que considerasse justamente aquilo

que os outros autores se abstiveram de estudar, como por exemplo, o que estava

relacionado ao arbítrio humano por causa das incertezas e obscuridades que tal disposição

humana possuía. De acordo com Vico, Bacon havia refletido no seu livro Sobre o

progresso das ciências [Advancement of Learning], de 1605, quais artes haviam

progredido até então, e as que necessitavam ainda progredir para que o conhecimento

humano pudesse atingir uma excelente perfeição. Vico principia o seu De ratione

afirmando:

36

Cf. VICO, Giambattista. Vita di Giambattista Vico scritta da se medesimo, in: Opere, p. 29. 37

VICO, Giambattista. Vita di Giambattista Vico scritta da se medesimo, in: Opere, p. 29: ―Quindi ai

quantunque dotti e grandi ingegni, perché si eran prima tutti e lungo tempo occupati in fisiche corpuscolari,

in esperienze ed in macchine, dovettero le Meditazioni di Renato sembrar astrusissime, perché potessero

ritrar da‘ sensi le menti per meditarvi; onde l‘elogio di gran filosofo era: - Costui intende le Meditazioni di

Renato -. E in questi tempi, praticando spesso il Vico e ´l signor don Paolo Doria dal signor Caravita, la cui

casa era ridotto di uomini di lettere, questo egualmente gran cavalliere e filosofo fu il primo con cui il Vico

poté cominciare a ragionar di metafisica; e ciò che il Doria ammirava di sublime, grande e nuovo in Renato,

il Vico avvertiva che era vecchio e volgar tra‘ platonici‖.

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Francis Bacon no magnífico libreto Sobre o avanço das ciências indica

quais as novas artes e ciências são necessárias, além daquelas que temos

até então, e até que ponto é preciso desenvolver aquelas que temos a fim

de que a sabedoria humana alcance a total perfeição. Mas enquanto

descobre um novo mundo das ciências, demonstra ser merecedor mais de

tal novo mundo que do nosso terráqueo. De fato, os seus vastos desejos

superam muito as capacidades do engenho humano, a ponto de parecer

que venha apresentado mais o que necessariamente nos falta para atingir

uma perfeita sabedoria, que daquilo ao qual se possa suprir (tradução

nossa) 38

.

Na sua busca e tentativa de uma nova reforma do saber, Vico se distancia de

Descartes e aproxima-se de Bacon. Na leitura do De augmentis scientiarum [1605] e

Novum organum [1620] inspira-se para escrever o De ratione 39

. Nesta obra ele expõe sua

descoberta científica e o modo de conduzir seu projeto de ciência, cujos fundamentos são

de orientação lógico-retórico, pois, conforme havia descoberto, o conhecimento humano

deve estar fundado na capacidade cognitiva, bem como na verossimilhança das ações

humanas 40

. Ainda sobre a obra De ratione, ele se reporta na sua Vita à ocasião em que a

escreveu como uma de suas Orações inaugurais:

Mas, no ano de 1708, tendo a Real Universidade decidido fazer uma

abertura pública e solene dos estudos, e dedicá-la ao rei com uma oração

a ser pronunciada na presença do cardeal Grimani, vice-rei de Nápoles, e

que, por isso devia ser publicada, teve felizmente Vico a ocasião de

refletir um argumento que apresentasse alguma nova descoberta e

utilidade ao mundo das letras, que teria sido um desejo digno de ser

incluído entre aqueles de Bacon no seu Novo orgão das ciências

(tradução nossa) 41

.

38

VICO, Giambattista. De ratione, in: Opere, p. 93: ―Francesco Bacone nell‘aureo libreto Sui progressi delle

scienze indica quali nuove arti e scienze occorrano oltre quelle che abbiamo sinora, e sino a qual punto

occorre sviluppare quelle che abbiamo affinché la sapienza umana raggiunga la tottale perfezione. Ma mentre

scopre un nuovo mondo delle scienze, dimostra di essere degno più di tale nuovo mondo che del nostro

terracqueo. Infatti i suoi vasti desideri superano di tanto le capacità dell‘ingegno umano, da far sembrare che

venga mostrato piuttosto ciò che necessariamente ci manca per raggiungere una perfetta sapienza, che ciò cui

si possa suplire‖. 39

A obra Sobre o método de estudos de nosso tempo [De nostri temporis studiorum ratione], foi escrita por

Giambattista Vico em 1708, foi uma de suas orações inaugurais. Depois foi ampliada, visto o grande valor do

tema, e tinha por fundamental intenção indicar os benefício e desvantagens enfrentadas pelos antigos e

modernos nos estudos. 40

Cf. BORDOGNA, Alberto. Gli idoli del foro: Retórica e mito nel pensiero di Giambattista Vico, p. 27. 41

VICO, Giambattista. Vita Scritta da se medesimo, p. 36: ―Ma nell‘anno 1708, avendo la regia università

determinato fare un‘appertura di studi pubblica solenne e dedicarla al re con un‘orazione da dirsi alla

presenza del cardinal Grimani vicerè di Napoli, e che perciò si doveva dare alle stampe, venne felicemente

fatto al Vico di meditare un argomento che portasse alcuna nuova scoperta ed utile al mondo delle lettere, che

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Para demonstrar a inconsistência das afirmações de Descartes a respeito da

inutilidade do legado histórico, retórico e filológico como propiciadores de algum

contributo para o conhecimento, Vico utilizar-se-á do Verum ipsum factum42

, opondo-se

assim ao Cogito ergo sum proposto por Descarte. Conforme Vico, o cogito cartesiano não

teria fundamentação lógica, mas apenas psicológica43

. Ademais, o verossímil não pode ser

descartado da ordem do saber, uma vez que produz a intermediação entre o que é

verdadeiro e o falso tendo o senso comum um papel relevante na sua proposta de uma

reforma do saber 44

. De acordo com esta passagem do De ratione, ele argumenta:

Antes de qualquer coisa, sobre os instrumentos das ciências, nós

iniciamos todos os estudos pela crítica, a qual, para liberar a verdade

primeira [primum verum], não apenas de cada erro, mas também do que

pode suscitar a mínima suspeita de engano, prescreve que sejam afastadas

da mente todas as segundas verdades, ou seja, os verossímeis, do mesmo

modo que se afasta o falso. Todavia é errado: de fato, a primeira coisa

que é formada nos adolescentes é o senso comum [sensus comunis], a fim

de que, chegados à maturidade, no tempo da ação prática, não

prorrompam em ações estranhas e insólitas. O senso comum se origina do

verossímil, [assim] como a ciência se origina do verdadeiro e o erro do

falso. E, com efeito, o verossímil é como o intermediário entre o

verdadeiro e o falso, já que geralmente verdadeiro, muito raramente é

falso (tradução nossa) 45

.

sarebbe stato un desiderio degno da esser noverato tra gli altri del Bacone nel suo Nuovo organo delle

scienze‖. 42

O princípio do verum ipsum factum, proposto por Vico no incipt do Líber metaphysicus, não se expressa

como introspecção do sujeito, nem obedece a um primado gnosiológico. Daí conjeturar que os antigos doutos

da Itália concordassem com a verdade nas seguintes proposições: ―o verdadeiro se identifica com o feito

[verum esse ipsum factum]; por conseguinte, o primeiro verdadeiro está em Deus, porque Deus é o primeiro

agente [primus Factor]; este primeiro verdadeiro é infinito, como feitor de todas as coisas; é completíssimo,

pois representa a Deus, enquanto os contêm, os elementos extrìnsecos e intrìnsecos das coisas‖. Por isso, as

implicações gnosiológicas, contidas nas formulações do princípio viquiano do verum-factum, não excluem

uma fundamentação metafísica, isto é, onto-teológica. (LIMA, José Expedito Passos. A estética entre saberes

antigos e modernos na nuova scienza, de Giambattista Vico, p. 206.). 43

Cf. VICO, Giambattista. De antiquíssima italorum sapientia, p. 452. 44

Em virtude de ter sido mediante o senso comum que os primeiros povos se conduziram para a civilidade,

pois não dispunham do conhecimento acumulado, mas eram possuidores de uma ―sabedoria vulgar‖ (Cf.

VICO, Giambattista. Princìpi di scienza nuova d’intorno alla comune natura umana [1725], in: Opere, p.

1213, parágrafo 486. Ver também Scienza Nuova [1744], página 560, parágrafo 363.). 45

VICO, Giambattista. De ratione, in: Opere, p. 105: ―Innanzitutto, circa gli strumenti delle scienze, noi

iniziamo tutti gli studi dalla critica, la quale, per liberare la verità genuina non solo da ogni errore, ma anche

da ciò che può suscitare il minimo sospetto di errore, prescrive che siano allontanati dalla mente tutti i

secondi veri, ossia i verissimili, al modo stesso che si allontana la falsità. Tuttavia è sbagliato: infatti la prima

cosa che va formata negli adolescenti è il senso comune, affinché, giunti con la maturità al tempo dell‘azione

pratica, non prorompano in azioni strane e inconsuete. Il senso comune se genera dal verossimile come la

scienza si genera del vero e l‘errore dal falso. E in effetti il verossimile è come intermedio tra il vero e il

falso, giacché, essendo per lo più vero, assai di rado è falso‖.

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Vico lançar-se-á a elaboração de um novo método, por perceber que no seu tempo

as metodologias utilizadas, quer pelos jesuítas, o Ratio Studiorum; quer aquele método de

Port Royal, conhecido também por Lógica de Arnaud, eram inadequados para as mentes

das crianças e dos jovens. Para Vico, ambos os métodos levavam-nos precocemente à arte

da crítica, algo que produzia danos à vida civil destes discentes. A negligência com as

disciplinas que tratavam tanto do Estado quanto do Direito incomodavam a Vico, a Moral

também se encontrava em abandono sob o pretexto das incertezas produzidas pelo arbítrio

humano46

.

Os doutos da época preferiam, porém, dedicar-se a problemas relacionados à Física

e, em especial, à Mecânica. Em razão disso, Vico dizia ser sua época mais semelhante

àquela dos filósofos pré-socráticos que se ocupavam mais do mundo natural do que do

mundo civil. Os autores políticos e morais, como aqueles das escolas platônica e

aristotélica, haviam caído no esquecimento. Segundo escreveu no De ratione:

Para resumir, os filósofos, que por seu alto conhecimento dos problemas

mais árduos foram [em] um tempo chamados de políticos, do nome de

todas as coisas [pertinentes] ao Estado, a seguir por um pequeno distrito

de Atenas, e pelo lugar onde tomaram o nome de peripatéticos ou

acadêmicos; naquele tempo ensinavam lógica, cosmologia e moral para a

prática civil: hoje nós recaímos nos antigos físicos. E enquanto outrora a

tríplice filosofia fora aplicada à pelos mesmoseloquência – onde do Liceu

saiu Demóstenes e da Academia, Cícero, grandes oradores das mais

nobres línguas – hoje, ao contrário, também com este mesmo método, se

ensina de modo tal que são esgotadas todas as fontes de qualquer

eloquência que seja, verossímil, rica, intensa, ornamentada, clara, ampla,

inflamada, e capaz de exprimir os caracteres humanos; e as mentes dos

ouvintes se formam [de modo] semelhante (...) (tradução nossa) 47

.

46

VICO, Giambattista. De ratione, in: Opere, p. 131. 47

VICO, Giambattista. De ratione, in: Opere, p. 135: ―Per riassumere, i filosofi, che per la più alta

conoscenza dei problemi più ardui erano un tempo chiamati politici, dal nome di tutte le cose dello Stato, in

seguito da un piccolo rione di Atene e dal luogo ove insegnavano presero il nome e furono detti peripatetici e

accademici; allora insegnavano logica, cosmologia e morale per la pratica civile: ora noi ricadiamo verso gli

antichi fisici. E mentre una volta dagli stessi la triplice filosofia era applicata all‘eloquenza – onde dal Liceo

uscí Demostene e dall‘Accademia Cicerone, massimi oratori degli idiomi più nobile – oggi invece, pur con

questo stesso metodo, si insegna in modo tale che sono tutti inariditi i fonti di ogni eloquenza che sia

verissimile, ricca, accuta, ornata, chiara, ampia, infiammata, nonché capace di esprimere i caratteri umani; e

le menti degli uditori si formano simili(...)‖.

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O critério de verdade era aquele de Descartes, aplicado ao mundo natural,

fundamentado nos raciocínios matemáticos, mas inapto às reflexões acerca da natureza

humana que, conforme dissemos anteriormente, era incertíssima por causa do nosso livre

arbítrio. Daí os argumentos viquiano no VII livro do De ratione, identificar certa lacuna:

Mas o maior dano do nosso método é que, enquanto nos dedicamos com

muita frequência às ciências naturais, descuidamos da moral, em especial,

daquela parte que se ocupa da índole da nossa alma [de humani animi

ingenio] e das suas tendências [passionibus] à vida civil e à eloquência à

casuística das virtudes e dos vícios, dos costumes segundo a idade, sexo,

condição, sorte, linhagem, estado, e da arte do decoro, que de todas as

artes é a mais difícil: (...). E dado que hoje o único fim dos estudos é a

verdade, nós estudamos a natureza porque nos parece mais infalível e não

observamos a natureza humana, porque é muito incerta por causa do

arbítrio (tradução nossa) 48

.

Vico lançar-se-á, ao perceber a inaptidão do método cartesiano para as coisas

pertinentes ao mundo civil, à elaboração de um método que possibilite pensar o agir do

homem, ou seja, ele imprime à prudência civil [prudenza civile] um status de

cientificidade. Para Vico, ciência e prudência civil se distinguem quanto ao objeto que

almejam: a primeira busca uma única causa responsável por diversos fenômenos na

natureza; a segunda estuda os diversos modos de agir do homem, buscando descobrir quais

ou qual seja o verdadeiro. Nesse sentido, Vico escreve:

Quanto à ciência, ela se diferencia da prudência civil justamente nisto:

sobressaem-se na ciência aqueles que buscam uma única causa da qual

poder extrair muitos fenômenos da natureza, enquanto na prudência civil

aqueles que buscam quanto mais causas de um único fato para

conjecturar qual delas seja a verdadeira (tradução nossa) 49

.

48

VICO, Giambattista. De ratione, in: Opere, p. 131: ―Ma il più grave danno del nostro metodo è che,

mentre ci occupiamo molto assiduamente di scienze naturali, trascuriamo la morale, specialmente quella

parte che si occupa dell‘indole dell‘animo nostro e delle sue tendenze alla vita civile e all‘eloquenza, alla

casistica delle virtù e dei vizi, ai costumi per ogni età, sesso, condizione, fortuna, stirpe, stato, e da quell‘arte

del decoro, più di ogni altra difficile: (...). E poiché oggi l‘unico fine degli studi è la verità, noi studiamo la

natura in quanto ci sembra certa e non osserviamo la natura umana, perché incertissima a causa dell‘arbitrio‖. 49

VICO, Giambattista. De ratione, in: Opere, p. 133: ―Quanto alla scienza, essa differisce dalla prudenza

civile proprio in questo: eccellono nella scienza quelli che ricercano una causa sola da cui poter ricavare

molteplici fenomeni di natura, mentre nella civile prudenza prevalgono quelli che ricercano quante più cause

di un sol fatto per congetturarne quale sia vera‖.

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Por fim, Vico se confronta com as ideias lançadas por Descartes contra as Letras,

quando este acusa as Letras de conduzir o pensamento à incerteza e ao erro50

. Vico refuta

os juízos cartesianos, em especial, aqueles pertinentes aos erros que, segundo Descartes, a

poesia nos conduz. Em contraposição, Vico afirma: ―Eu, em verdade, não sou da opinião

que os poetas se deleitem com o falso, antes ouso afirmar que eles, assim como os

filósofos, perseguem a verdade‖ 51

. Daí Vico acrescentar: o poeta ensina verdades por meio

do prazer proporcionado pela poesia; e o filósofo, por sua vez, ensina verdades mediante

atitudes e discursos austeros 52

.

1.3 A incipiente recepção do Diritto Universale e da Scienza Nuova prima

Todos os anos de estudo e pesquisa parecem não ter sido suficientes para que as

ideias de Giambattista Vico obtivessem o reconhecimento que ele tanto almejava. O status

de mestre da cátedra de Retórica na Universidade de Nápoles não fora satisfatório para que

os seus concidadãos dessem o merecido valor às suas descobertas. Demonstrando certa

angústia e desesperança com a situação de seu tempo, sentimentos visíveis em seus

escritos, vez por outra respondia àqueles que tentavam desacreditar suas ideias. Dizia

sentir-se um solitário em sua própria terra, e o que escrevera parecia não despertar o

interesse ou não ser compreendido por seus pares53

.

Os dois grandes escritos de que tanto se orgulhava o Diritto Universale [1722] e a

Scienza Nuova [1725], não obtiveram a recepção que ele aguardava. Sobre a Scienza nuova

prima desabafa em sua correspondência com o padre Giacco: o sentimento frustrante de

havê-la enviada ao deserto, pois para aqueles de sua cidade, aos quais havia enviado cópias

do livro, pareciam que sequer haviam aberto o livro54

. Conforme atesta a seguinte

passagem de sua carta ao padre Giacco:

Assim, nesta cidade, eu faço de conta de tê-la enviado ao deserto, e fujo

de todos os lugares ilustre para não me esbarrar com aqueles aos quais a

50

Cf. DESCARTES, René, Discurso do Método p. 13. 51

VICO, Giambattista. De ratione, in: Opere, p. 147: ―(...) io, infatti, non sono dell‘aviso che i poeti dilettino

col falso, anzi oserei affermare che essi, al pari dei filosofi, perseguano il vero‖. 52

Cf. VICO, Giambattista. De ratione, in: Opere, p. 147. 53

Cf. VICO, Giambattista. Lettere, in: Opere, p. 308. 54

Ibidem.

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enviei, que, se por acaso isso ocorra, rapidamente cumprimento-os: neste

ato eles não me dando nem sequer aviso de havê-la recebido, me

confirmam a opinião de que a enviei ao deserto (tradução nossa) 55

.

Entre as prováveis causas para o fraco acolhimento das obras viquianas, em

particular, a Scienza nuova, podemos indicar o seu conteúdo. Embora na primeira edição,

aquela de 1725, o autor procurasse seguir os modelos das edições vigentes, no entanto, as

ideias contidas no livro, principalmente aquelas relacionadas à poesia e às fábulas, não

tinham boa aceitação em virtude dos conselhos de Descartes sobre tais artes 56

. Isso

ocorria, não obstante a proposta de vico de uma nova orientação sobre a arte poética57

. Ao

que tudo indica, o fato de sua obra buscar uma nova interpretação das fábulas, e novos

princípios para a poesia, tornava seu escrito pouco convidativo à leitura.

Em outra correspondência, esta endereçada ao poeta e advogado Gherardo Degli

Angioli, Vico demonstra o quanto estava consciente da situação de seu tempo e dos

motivos do insucesso de seus escritos:

Primeiramente ela chegou em um tempo muito aguçado pelos métodos

analíticos, muito rígidos pela severidade dos critérios, e assim de uma

filosofia que professa amortecer todas as faculdades do ânimo,

provenientes do corpo, e sobre todas aquela da imaginação, que hoje se

detesta como mãe de todos os erros humanos; e, em uma palavra, ela veio

no tempo de uma sabedoria que esfria toda generosidade da melhor

poesia, a qual não sabe explicitar-se que por entusiasmo, faz sua regra o

juízo dos sentidos e imita, pinta as coisas vivamente, os costumes, os

afetos imaginando-os bem e, portanto, sentindo-os de modo vivo. Mas

aos raciocínios filosóficos sobre tais matérias ela, como frequentemente

tenho advertido, apenas com a sua mente se aproxima como para vê-las

na praça ou no teatro, não para recebê-las, no interior, dissipando a

fantasia, dispersando a memória e sufocando o engenho (tradução

nossa)58

.

55

VICO, Giambattista. Lettere, p. 308: ―In questa città sí io fo conto di averla mandata al diserto, e sfuggo

tutti i luoghi celebri per non abbatermi in coloro a‘ quali l‘ho io mandata, che, se per necessità egli

addivenga, di sfuggita li saluto: nel quale atto non dandomi essi né pure un riscontro di averla ricevuta, mi

confermano l‘oppenione di averla io mandata al diserto‖. Ver também: BURKE, Peter. Vico [1985]. Trad. br.

Roberto Leal Ferreira, São Paulo: UNESP, 1997, pp. 30-31. 56

Sobre este tema, ver a nota 29 da página 26. 57

Cf. VICO, Giambattista. Vita Scritta da se medesimo, in: Opere, p. 43. 58

VICO, Giambattista. Lettere, in: Opere, p. 315: ―Primieramente Ella è venuta a tempi troppo assottigliati

da‘ metodi analitici, troppo irrigiditi dalla severità de‘ criteri, e sí di una filosofia che professa ammortire

tutte le facoltà dell‘animo che li provvengono dal corpo, e sopra tutte quella d‘immaginare, che oggi si

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Segundo Vico, uma das causas da tímida acolhida da sua Scienza nuova entre os

doutos, além daquelas já aludidas acima, era o desagrado que o seu livro lhes causava, em

especial, ao tratar de questões pertinentes à Providência. Recusavam também a severidade

com a qual dever-se-ia abordar os temas do Estado que, conforme Vico, eram

negligenciados pelos eruditos de seu tempo, bem como as matérias que tratavam da Moral

e da vida civil. Tais argumentos podem ser identificados na carta enviada ao abade

Giuseppe Luigi Esperti:

O livro saiu em uma idade em que, com uma expressão de Tácito, onde

reflete sobre seu tempo muito semelhante a este nosso: ―está na moda

corromper e corromper-se‖; e, por isso, como livro que, ou desagrada ou

incomoda a muitos, não pode conseguir o aplauso universal. Porque ele é

trabalhado com base na ideia da Providência, se empenha para a justiça

do gênero humano e conclama as nações à austeridade (tradução nossa)59

.

A relevância da Filologia nos escritos de Vico se destaca tanto na Scienza nuova,

quanto no Diritto universale. Desnecessário lembrar o desprezo que a Filologia adquiriu

ante os conselhos de Descartes e de seus seguidores, quanto à possibilidade de se

fundamentar racionalmente uma ciência nas Letras. Giambattista Vico faz uso de sua

erudição, com o objetivo de conceder à Filologia um caráter de scienza certae. Sua

primeira tentativa ocorre quando ele escreve o De antiquissima italorum sapientia [1710].

Nesse escrito, Vico ainda é bastante influenciado pelas concepções renascentistas da

Filologia. Sua inspiração para escrever o De antiquíssima, adveio das leituras do Crátilo de

Platão e da obra De sapientia veterum de Francis Bacon:

detesta come madre di tutti gli errori umani; ed, in una parola, Ella è venuta a‘ tempi di una sapienza che

assidera tutto il generoso della miglior poesia, la quale non sa spiegarsi che per trasporti, fa sua regola il

giudizio de‘ sensi ed imita e pigne al vivo le cose, i costumi, gli affetti con un fortemente immaginarli e

quindi vivamente sentirli. Ma a‘ ragionamenti filosofici di tali materie Ella, come spesso ho avvertito,

soltanto con la sua mente si affacia come per vederle in piazza o in teatro, non per riceverle dentro a

dileguarvi la fantasia, disperdervi la memoria e rintuzzarvi lo ingegno‖. 59

VICO, Giambattista. Lettere, in: Opere, pp. 323-324: ―Il libro è uscito in una età in cui, con l‘espressione

di Tacito, ove riflette sopra i suoi tempi somigliantissimi a questi nostri, <<corrumpere et corrumpi saeculum

vocatur>>; e perciò, come libro che o disgusta o disagia i molti non può conseguire l‘applauso universale.

Perché egli è lavorato sull‘idea della Provedenza, si adopera per la giustizia del gener umano e richiama le

nazioni a severità‖.

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Entretanto Vico, com a lição do mais talentoso e douto que ‗verdadeiro

tratado‘ de Bacon de Verulamio De sapientia veterum, foi incitado a

buscar, mais tarde os princípios que nas fábulas dos poetas,

impulsionando-o para fazer isto a autoridade de Platão, que no Crátilo

foi invetigá-los nas origens da língua grega; e impulsionando-o a

disposição, na qual já havia entrado, porque, começava a desagradá-lo as

etimologias dos gramáticos, põe-se a procurá-las no interior das origens

das palavras latinas, quando certamente o saber da seita itálica floresceu

muito antes, na escola de Pitágoras, mais profundo que aquele que

depois começou na própria Grécia (tradução nossa)60

.

O De antiquissima, a princípio, deveria ser apenas a primeira parte de um

compêndio. Vico sentiu-se, porém, desmotivado pelas críticas suscitadas pelo primeiro

livro, e finda abandonando tal projeto restando apenas o primeiro volume que tratava das

fundamentações metafísicas. Os estudos e pesquisas, para a elaboração do projeto do qual

fazia parte o De antiquissima, não foram entretanto em vão, pois permitiram a Vico

aprimorar a sua erudição e reordenar suas ideias para a elaboração de obras como o Diritto

Universale e a Scienza nuova 61

. Segundo ele expõe na Autobiografia, a escrita do De

antiquíssima e a leitura de Bacon proporcionou-lhe intuir novos princípios para poesia e

para a ideia de um dicionário mental comum a todos os povos:

Mas a Metafísica só foi publicada em Nápoles em duodécimo, no ano de

1710, junto a Felice Mosca, dirigido ao senhor don Paolo Doria, para o

primeiro livro do De antiquissima italorum sapientia ex linguae latiniae

originibus eruenda. E desencadeou-se a contenda entre os senhores

jornalistas de Veneza e o autor, da qual são publicadas em Nápoles, em

duodécimo, também por Mosca, uma resposta no ano de 1711, e uma

réplica no ano de 1712; cuja contenda de ambas as partes, e de modo

honroso, e com gentileza se concluiu. Mas a insatisfação com as

etimologias gramaticais, que havia começado a ser sentida por Vico, era

um indício do que depois, nas últimas obras, descobriria as origens das

línguas extraídas de um princípio de natureza comum a todas, com base

no qual estabelece os princípios de uma etimologia universal para as

origens de todas as línguas mortas e vivas. E o pouco contentamento

60

VICO, Giambattista. Vita Scritta da se medesimo, in: Opere, p. 38: ―Frattanto il Vico, con la lezione del

più ingegnoso e dotto che ve<ro trattato> di Bacone da Verulamio De sapientia veterum, si destò a

ricercarne più in là i princípi che nelle favole de‘ poeti, muovendolo a far ciò l‘auttorità di Platone, ch‘era

andato nel Cratilo ad investigargli dentro le origini della lingua greca; e, promuovendolo la disposizione,

nella quale era già entrato, che l‘incominciavano a dispiacere l‘etimologie de‘ gramatici, s‘applicò a

rintracciargli dentro le origini delle voci latine, quando certamente il sapere della setta italica fiorì assai

innanzi, nella scuola di Pittagora, più profondo di quello che poi cominciò nella medesima Grecia‖. 61

Cf. VICO, Giambattista. Vita Scritta da se medesimo, in: Opere, pp. 42-43.

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com a obra de Verulamio, onde se propõe descobrir a sabedoria dos

antigos, valendo-se das fábulas dos poetas, foi outro sinal daquilo onde

Vico, mesmo nas suas últimas obras, descobriu outros princípios da

poesia, daqueles que os gregos e os latinos, e outros depois, acreditavam

até então, com base nos quais estabeleceu outros de mitologia, com os

quais as fábulas apresentaram unicamente significados históricos das

primeiras e antiquíssimas repúblicas gregas, e explica toda a história

fabulosa das repúblicas heróicas (tradução nossa) 62

.

Para Vico, o Diritto Universale não teve boa acolhida pelos críticos em razão de ele

fundamentar seus argumentos em escritos da tradição. Em suas correspondências com

outros eruditos de seu tempo, Vico relata o menosprezo de sua época pelos autores

clássicos do jusnaturalismo. Outrora tais escritores detinham grande reputação, mas

findaram esquecidos e, com os mesmos, o método de investigação do qual se utilizavam: a

Tópica. Esta última era bastante eficaz e eficiente para as questões jurídicas em que a

dúvida sobre o direito entre as partes litigantes pairava:

Os antigos intérpretes do direito civil haviam caído de sua alta reputação

na Academia, e ascenderam os modernos eruditos para grande prejuízo

do Foro; pois se estes são necessários para a crítica das leis romanas, no

entanto aqueles são necessários para a tópica legal nas causas de

duvidosa equidade (tradução nossa) 63

.

62

VICO, Giambattista. Vita Scritta da se medesimo, pp. 42-43: ―Ma la Metafisica sola fu stampata in Napoli

in dodicesimo l‘anno 1710 presso Felice Mosca, indrizzata al signor don Paolo Doria, per primo libro del

De antiquissima italorum sapientia ex linguae latinae originibus eruenda. E vi si attaccò la contesa tra‘

signori giornalisti di Vinegia e l‘auttore, di cui ne vanno stampate in Napoli in dodicesimo pur dal Mosca

una Risposta l‘anno 1711 e una Replica l‘anno 1712; la qual contesa da ambe le parti e onorevolmente si

trattò, e con molta buona grazia si compose. Ma il dispiacimento delle etimologie gramatiche, che era

incominciato a farsi sentire nel Vico, era un indizio di ciò onde poi, nelle opere ultime, ritruovò le origini

delle lingue tratte da un principio di natura comune a tutte, sopra il quale stabilisce i princìpi di un

etimologico universale da dar l‘origini a tutte le lingue morte e viventi. E ‘l poco compiacimento del libro

del Verulamio, ove si dà a rintracciare la sapienza degli antichi dalle favole de‘ poeti, fu un altro segno di

quello onde il Vico, pur nell‘ultime sue opere, ritruovò altri princípi della poesia di quelli che i greci e i

latini e gli altri dopoi hanno finor creduto, sopra cui ne stabilisce altri di mitologia, co‘ quali le favole

unicamente portarono significati storici delle prime antichissime repubbliche greche, e ne spiega tutta la

storia favolosa delle repubbliche eroiche.‖ 63

VICO, Giambattista. Vita Scritta da se medesimo, in: Opere, p. 24: ―Gl‘interpetri antichi della ragion

civile erano caduti dall‘alta loro riputazione nell‘accademia, e salitivi gli eruditi moderni con molto danno

del fòro; perché quanto questi sono necessari per la critica delle leggi romane, altrettanto quelli bisognano

per la topica legale nelle cause di dubbia equità‖.

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O livro sobre o direito foi designado por alguns de seus contemporâneos como um

tanto quanto obscuro. Não obstante as críticas favoráveis de Jean Le Clerk (1657-1736),

editor da Biblioteca Universal [Bibliotèche Universelle], importante revista da época64

, o

Diritto Universale comporta muitas ideias que Vico ampliaria posteriormente na Scienza

Nuova Prima e Seconda. Aquela obra contém igualmente um capítulo em que Vico

menciona a pretensão de sua nuova scienza, e escreve: ―uma nova ciência é aguardada‖

[Nova scientia tentatur]. Conforme Vico comenta na seguinte passagem da Autobiografia:

Saído o primeiro livro com o título De uno universi iuris principio et

fine uno no mesmo ano de 1720, (...) no qual prova a primeira e segunda

parte da dissertação, chegaram ao ouvido do autor objeções feitas a viva

voz por desconhecidos, e outras feitas mesmo privadamente, das quais

nenhuma torcia o sistema, mas em torno de coisas levemente

particulares, e a maior parte em consequência das velhas opiniões contra

as quais havia sido meditado o sistema. A esses opositores, para não

parecer que Vico inventasse inimigos para depois ferí-los, responde sem

nomeá-los, no livro que publicou posteriormente: o De constantia

iurisprudentis, a fim de que assim conhecidos se por acaso caísse em

suas mãos a obra, todos sozinhos e em segredo entendessem de haver

lhes respondido. Saiu, em seguida, pela mesma imprensa de Mosca,

também em quarto, no ano seguinte, 1721, o outro volume com o título:

De constantia iurisprudentis, no qual, mais minuciosamente, se

demonstra a terceira parte da dissertação, a qual neste livro se divide em

duas partes, uma De constantia philosophiae, a outra De constantia

philologiae; e nesta segunda parte desgostando a alguns um capítulo

assim intitulado: Nova scientia tentatur, onde se inicia a redução da

filologia a princípios de ciência, e achando efetivamente que a promessa

feita por Vico na terceira parte da dissertação não era nada em vão, não

só pela parte da filosofia, mas, aquilo que era mais relevante, nem menos

por aquela da filologia, ou melhor, mais porque com base em tal sistema

se faziam muitas e importantes descobertas de coisas totalmente novas e

todas distantes das opiniões de todos os doutos de todos os tempos, [por

isso] não ouviu a obra outra acusação: de que não se entendia. Porém,

atestaram ao mundo que ela era muito bem compreendida pelos homens

doutos da cidade, os quais a aprovaram publicamente e a elogiavam com

seriedade e com eficácia, cujos elogios se lêem na própria obra (tradução

nossa) 65

.

64

Cf. BURKE, Peter. Vico, p. 38. 65

VICO, Giambattista. Vita Scritta da se medesimo, in: Opere, pp. 46-47: ―Uscito il primo libro col titolo De

uno universi iuris principio et fine uno l‘istesso anno 1720, (...) nel quale pruova la prima e la seconda parte

della dissertazione, giunsero all‘orecchio dell‘auttore obbiezioni fatte a voce da sconosciuti ed altre da

alcuno fatte pure privatamente, delle quali niuna convelleva il sistema, ma intorno a leggieri particolari

cose, e la maggior parte in conseguenza delle vecchie oppinioni contro le quali si era meditato il sistema. A‘

quali opponitori, per non sembrare il Vico che esso s‘infingesse i nemici per poi ferirgli, risponde senza

nominargli nel libro che diede appresso: De constantia iurisprudentis, accioché così conosciuti, se mai

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Após a edição do Diritto universale e as críticas tanto favoráveis quanto contrárias,

Giambattista Vico diz ter razões para continuar seus estudos. Segundo descreve na sua

Vita, a carta, que recebera de Le Clerk, serviu para demonstrar àqueles que criticavam seus

escritos, o quanto ele detinha de autoridade e erudição para elaborar ideias e propostas bem

fundamentadas. O juízo de Le Clerk foi estampado em seus escritos como um escudo de

que servia para debelar as críticas daqueles que o acusavam de obscuridade, e assim

provando a falta de erudição de outros para a compreensão de seus textos. Sobre a carta,

Vico comenta:

Quanto esta carta alegrou os destemidos homens que haviam opinado a

favor da obra de Vico, igualmente desagradou aqueles que haviam

ouvido o contrário. Todavia iludiam-se que isto fosse um elogio

particular de Le Clerk, mas quando ele desse parecer público na

Biblioteca, então julgaria conforme lhes parecia justo; dizendo ser

impossível que por ocasião desta obra de Vico quisesse Le Clerk

retratar-se de aquilo que ele, por volta de cinquenta anos, havia sempre

dito: que na Itália não se trabalhavam obras as quais, por engenho e por

doutrina, pudesse [comparar] com aquelas que saíam de além de suas

fronteiras (tradução nossa) 66

.

A edição de uma obra concernente ao Jusnaturalismo, como o Diritto Universale,

fez que o autor almejasse a cátedra de Direito na Universidade de Nápoles. No entanto, não

avessero in mano l‘opera, tutti soli e secreti intendessero esser loro stato risposto. Uscì poi dalle medesime

stampe del Mosca, pur in quarto foglio, l‘anno appresso 1721, l‘altro volume col titolo: De constantia

iurisprudentis, nella quale più a minuto si pruova la terza parte della dissertazione, la quale in questo libro

si divide in due parti, una De constantia philosophiae, altra De constantia philologiae; e in questa seconda

parte dispiacendo a taluni un capitolo così concepito: Nova scientia tentatur, donde s‘incomincia la filologia

a ridurre a princìpi di scienza, e ritruovando infatti che la promessa fatta dal Vico nella terza parte della

dissertazione non era punto vana non solo per la parte della filosofia, ma, quel che era più, né meno per

quella della filologia, anzi di piú che sopra tal sistema vi si facevano molte ed importanti scoverte di cose

tutte nuove e tutte lontane dall‘oppinione di tutti i dotti di tutti i tempi, non udí l‘opera altra accusa: che ella

non s‘intendeva. Ma attestarono al mondo che ella s‘intendesse benissimo uomini dottissimi della città, i

quali l‘approvarono pubblicamente e la lodarono con gravità e con efficacia, i cui elogi si leggono

nell‘opera medesima‖. 66

VICO, Giambattista. Vita Scritta da se medesimo, in: Opere, p. 48: ―Quanto questa lettera rallegrò i

valenti uomini che avevano giudicato a pro dell‘opera del Vico, altrettanto dispiacque a coloro che ne

avevano sentito il contrario. Quindi si lusingavano che questo era un privato complimento del Clerico, ma,

quando egli ne darebbe il giudizio pubblico nella Biblioteca, allora ne giudicherebbe conforme a essoloro

pareva di giustizia; dicendo esser impossibile che con l‘occasione di quest‘opera del Vico volesse il Clerico

cantare la palinodia di quello che egli, presso a cinquant‘anni, ha sempre detto: che in Italia non si

lavoravano opere le quali per ingegno e per dottrina potessero stare a petto di quelle che uscivano da

oltramonti‖.

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foi suficiente para que Vico a obtivesse. Segundo relata na sua Autobiografia, alguns

pensaram que ele utilizaria sua recente obra sobre o Direito para concorrer ao cargo da

cátedra vacante, ou iniciaria a lição do concurso prefaciando os méritos que possuía para

obtê-la. Porém, nada disso aconteceu67

. O consolo pela não obtenção da vaga de professor

adveio novamente pelos pareceres favoráveis de sua obra, e de sua pessoa, feitos por Le

Clerk. Entre tais pareceres sobre Vico, destacam-se àqueles relativos à sua vasta erudição,

à organização dos argumentos e profundo conhecimento de Filosofia, Filologia e

Jurisprudência:

Esta desventura de Vico, pela qual se afligiu de conseguir alguma vez no

futuro um lugar mais digno na sua pátria, foi consolada pelo parecer do

senhor Jean Le Clerck, o qual, como se houvesse ouvido as acusações

feitas por alguns à sua obra, assim na segunda parte do volume XVIII da

Biblioteca antiga e moderna, no artigo VIII, com estas palavras

exatamente traduzidas do francês, para aqueles que diziam não se

compreender, julga-a em geral: que a obra é ‗repleta de matérias

recônditas, de considerações as mais variadas, escrita em um estilo

deveras fechado‘; que inúmeros lugares teriam necessidade de mais

extensos desenvolvimentos; é ordenada com ‗método matemático‘, que

‗de poucos princípios extrai infinitas consequências‘; que é preciso se ler

com atenção, sem interrupção do começo ao fim, e habituar-se às suas

ideias e ao seu estilo (...) E finalmente conclui para todos: aqui se vê

uma mistura continua de matérias filosóficas, jurídicas e filológicas,

porque o senhor Vico é particularmente aplicado a estas três ciências e

as tem meditado bem, como todos aqueles que lerão as suas obras

concordarão com isso (tradução nossa) 68

.

À edição da Scienza Nuova Prima (1725), foi dirigida posteriormente uma crítica

literária em 1727 na Acta eruditorum lipsiensia sob o título: Novella letteraria. Vico, no

67

Cf. VICO, Giambattista. Vita Scritta da se medesimo, in: Opere, p. 50. 68

VICO, Giambattista. Vita Scritta da se medesimo, in: Opere, pp. 52-53: ―Questa dissavventura del Vico,

per la quale disperò per l‘avvenire aver mai più degno luogo nella sua patria, fu ella consolata dal giudizio

del signor Giovan Clerico, il quale, come se avesse udite le accuse fatte da taluni alla di lui opera, così nella

seconda parte del volume XVIII della Biblioteca antica e moderna, all‘articolo VIII, con queste parole,

puntualmente dal francese tradotte, per coloro che dicevano non intendersi, giudica generalmente: che

l‘opera è <<ripiena di materie recondite, di considerazioni assai varie, scritta in istile molto serrato>>; che

infiniti luoghi avrebbono bisogno di ben lunghi estratti; è ordita con <<metodo mattematico>>, che <<da

pochi princìpi tragge infinità di conseguenze>>; che bisogna leggersi con attenzione, senza

interrompimento, da capo a piedi, ed avvezzarsi alle sue idee ed al suo stile; (...) E finalmente conchiude per

tutti: <<Vi si vede una mescolanza perpetua di materie filosofiche, giuridiche e filologiche, poiché il signor

Vico si è particolarmente applicato a queste tre scienze e le ha ben meditate, come tutti coloro che

leggeranno le sue opere converranno in ciò‖.

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entanto, protestará junto aos editores da revista em razão dos inúmeros erros e equívocos

publicados sobre a sua obra e a seu respeito. De acordo com ele, os autores do escrito não

esclareceram sobre o que tratava seu livro, postaram unicamente o título Scienza Nuova,

sem contudo explicarem que se tratava de um escrito concernente ao direito natural das

gentes, cujos argumentos iam além daquele direito natural refletido pelos filósofos.

Entre outros comentários, argumentava-se ainda que os escritos viquianos estavam

concordes com a doutrina da Igreja Católica, atribuindo ao autor e a seu escrito um teor de

subserviência para com os propósitos daquela instituição. Conforme Vico escreve:

Ademais, durante o mesmo tempo sucedeu que em relação à Ciência

Nova lhe fizeram uma mentira vil, a qual se encontra entre as Nouvelle

letteraire das Actas de Leipzig do mês de agosto do ano de 1727. A qual

silencia o título do livro, que é o principal dever dos novelistas literários

(dado que diz apenas ‗Ciência nova‘, nem explica sobre qual matéria);

falseia a forma do livro, que diz ser em oitavo (o qual é duodécimo);

mente o autor e diz que um seu amigo italiano lhe assegura que seja um

abade da casa Vico (o qual é padre com filhos e filhas e, igualmente,

avô); narra que ali trata um sistema ou mais precisamente, ‗fábulas‘ do

direito natural, (nem distingue aquele das gentes, que aí reflete, daquele

dos filósofos que refletem os nossos teólogos morais, e como se esta

fosse a matéria da Ciência Nova, quando é um corolário); informa

deduzir-se desde princípios distintos daqueles com base nos quais têm

explicado até agora os filósofos (em que não querendo, confessa a

verdade, porque não seria ‗ciência nova‘ aquela da qual se deduzem tais

princípios); observa que esteja em conformidade com o gosto da Igreja

Católica Romana (como basear-se na Providência divina não fosse de

toda religião cristã, aliás de qualquer religião (...). (tradução nossa) 69

.

69

VICO, Giambattista. Vita Scritta da se medesimo, in: Opere, pp. 73-74: ―Di più, dentro il medesimo tempo

avvenne che d‘intorno alla Scienza nuova gli fu fatta una vile impostura, la quale sta ricevuta tra le Novelle

letterarie degli Atti di Lipsia del mese di agosto dell‘anno 1727. La qual tace il titolo del libro, ch‘è il

principal dovere de‘ novellieri letterari (perocché dice solamente <<Scienza nuova>>, né spiega dintorno a

qual materia); falsa la forma del libro, che dice esser in ottavo (la qual è in dodicesimo); mentisce l‘autore e

dice che un lor amico italiano gli accerta che sia un <<abate>> di casa Vico (il qual è padre e per figliuoli e

figliuole ancor avolo); narra che vi tratta un sistema o piuttosto <<favole>> del diritto naturale (né distingue

quel delle genti, che ivi ragiona, da quel de‘ filosofi che ragionano i nostri morali teologi, e come se questa

fusse la materia della Scienza nuova, quando egli n‘è un corollario); ragguaglia dedursi da princìpi altri da

quelli da‘ quali han soluto finor i filosofi (nello che, non volendo, confessa la verità, perché non sarebbe

<<scienza nuova>> quella dalla quale si deducono tai princìpi); il nota che sia acconcia al gusto della

Chiesa catolica romana (come se l‘esser fondato sulla provvedenza divina non fusse di tutta la religion

cristiana, anzi di ogni religione (...)‖.

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Vico prossegue relatando as considerações que a revista literária publicara a

respeito de Scienza nuova prima. Relata o desprezo que, segundo a revista comenta, os

eruditos da própria Itália sentiam em relação ao seu escrito. Tais considerações sobre esse

livro fizeram que Vico redigisse uma carta aos editores da revista com o intuito de

esclarecer as deturpações, presentes nos erros e incoerências a seu respeito e à sua obra.

Tal escrito intitulava-se: Notae in Acta lipsiensia, posteriormente editada em 1729 sob o

título Vici vindiciae 70

.

Na Autobiografia, Vico descreve as razões pelas quais seu livro recebera críticas

tão adversas por parte da Nouvelle letteraire. Lamenta que os editores da revista tenham

levado em consideração os embustes de um detrator sem face. Em razão disso ele

denominará esse infame de ―vagabundo desconhecido‖ 71

. Em carta aos editores da revista,

ele relata sua insatisfação:

Ao ilustríssimo consenso dos doutos de Leipzig e ao diretor deles, o

excelentíssimo senhor Johann Burckhard Mencke, Giambattista Vico

dirige a saudação. Com certeza, lamentei-me um pouco porque as minhas

desventuras tenham arrastado também vós, ilustres senhores, na sorte de

indicar nos vossos Acta eruditorium coisas totalmente destituídas de

fundamento, falsas e injustas sobre mim e sobre o meu livro, intitulado

Princípios de uma ciência nova em torno da natureza comum das nações,

enganados por um vosso amigo italiano. No entanto, aliviou a minha dor

o consolo de saber que o problema, pela sua própria natureza, surgiu de

tal modo que, por meio da vossa inocência, generosidade e boa-fé possa

punir a malvadeza, inveja e a traição dessa pessoa; e este pequeno livro

que vos envio é capaz de abraçar juntos, os seus delitos com a punição

deles, e vossa virtude civil com os elogios delas. Por conseguinte, dado

que publiquei estas notas, sobretudo pelo interesse de vosso bom nome de

eruditos, espero as oferecê-vo-las de ter a oportunidade de não ofender

ninguém, mas de cair nas vossas graças, em primeiro lugar da sua

excelentíssima pessoa Burckhard Mencke (...) (tradução nossa) 72

.

70

Cf. VICO, Giambattista. Vita Scritta da se medesimo, in: Opere, p. 74. 71

Cf. VICO, Giambattista. Vita Scritta da se medesimo, in: Opere, p. 75. 72

VICO, Giambattista. Vita Scritta da se medesimo, in: Opere, ver nota à p. 1310: ―(...) al chiarissimo

consenso dei dotti di Lipsia e al loro direttore, l'ecellentissimo signor Johann Burckhard Mencke, Giovan

Battista Vico rivolge il saluto. Sicuramente mi sono alquanto rammaricato che le mie calamità abbiano

trascinato anche voi, ilustrissimi signori, nella sorte avversa di riferire nei vostri "Acta eruditorium" delle

cose del tutto destituite di fondamento, falso e ingiuste su di me e sul mio libro intitolato Princípi d‘una

Scienza Nuova dintorno all'umanità delle nazioni, ingannati da un vostro finto amico italiano. Ma ha alleviato

il mio dolore la consolazione di sapere che l'affare, per la sua stessa natura, è nato in modo tale che per

mezzo della vostra stessa innocenza, magnanimità e buona fede posso punire la mavalgità, l'invidi e la

perfidia di costui; e il libercoletto che vi mando è tale da abbraciare insieme i suoi misfatti con la sua loro

punizione e de vostre virtù civile con le loro lodi. Pertanto, poiché ho pubblicato queste notae sopratutto

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Outro percalço enfrentado pelo autor, ocorreu quando da sua tentativa de

reimpressão da Scienza nuova na cidade de Veneza73

: diversos contratempos culminaram

com a desistência da impressão do livro nessa cidade. Obstinado, Vico prossegue nos seus

estudos, acolhendo aquelas críticas que considerava um tanto quanto justificada. Segundo

ele, tais juízos, quando emitidos por pessoas verdadeiramente sábias, tornam as ideias e

escritos mais corretos e oportunos74

. Por isso, ele estava sempre consertando, ampliando e

refazendo o que escrevia. A Scienza nuova tivera três edições: 1725, 1730 e, finalmente,

1744. As duas últimas edições traziam a ampliação e reformulação das ideias contidas

naquela primeira edição: não obstante relatar na sua Autobiografia que suas constantes

modificações pareciam não agradar aos leitores:

Nem isto deve parecer ostentação a alguns: que Vico, não contente dos

pareceres vantajosos dados por tais homens às suas obras, depois as

desaprove e as recuse, porque este é argumento de uma suma veneração

e estima que ele faz de tais homens, ou antes, não. Para que os escritores

rudes e orgulhosos sustentam as suas obras também contra as justas

acusações e emendas razoáveis de outros; outros que, por acaso, tenham

corações pequenos, as preenchem dos juízos favoráveis dados às [obras]

deles e, por aqueles mesmo, não mais progridam para aperfeiçoá-las.

Mas para Vico os elogios dos grandes homens engrandecem o ânimo

para corrigir, suprir e também modificar, em uma forma melhor, a sua.

Assim condena as Anotações, as quais pela via negativa buscavam

encontrar estes Princípios, dado que aquela trata as suas provas com

torpeza, absurdos e impossibilidades, as quais, com seus aspectos feios,

amarguram mais que alimentam o entendimento, ao qual a via positiva

se faz sentir suave, para que lhe represente o apropriado, o conveniente e

o uniforme que fazem à beleza do verdadeiro, do qual unicamente se

deleita e se nutre a mente humana (tradução nossa) 75

.

nel'interesse del vostro buon nome de eruditi, spero con l'offriverle di avere l'occasione non già di offendere

qualcuno ma di entrare nelle vostre grazie, in primo luogo delle Sue, eccelentissimo Burckhard Mencke (...).‖ 73

Cf. VICO, Giambattista. Vita Scritta da se medesimo, in: Opere, pp.77-78. 74

Cf. VICO, Giambattista. Vita Scritta da se medesimo, in: Opere, p. 79. 75

VICO, Giambattista. Vita Scritta da se medesimo, in: Opere, p. 79: ―Né già questo dee sembrar fasto a

taluni: che il Vico, non contento de‘ vantaggiosi giudizi da tali uomini dati alle sue opere, dopo le

disappruovi e ne faccia rifiuto, perché questo è argomento della somma venerazione e stima che egli fa di

tali uomini anzi che no. Imperciocché i rozzi ed orgogliosi scrittori sostengono le lor opere anche contro le

giuste accuse e ragionevoli ammende d‘altrui; altri che, per avventura, sono di cuor picciolo, s‘empiono de‘

favorevoli giudizi dati alle loro e, per quelli stessi, non più s‘avvanzano a perfezionarle. Ma al Vico le lodi

degli uomini grandi ingrandirono l‘animo di correggere, supplire ed anco in miglior forma di cangiar questa

sua. Così condanna le Annotazioni, le quali per la via niegativa andavano truovando questi Princìpi,

perocché quella fa le sue pruove per isconcezze, assurdi, impossibilità, le quali, co‘ loro brutti aspetti,

amareggiano piuttosto che pascono l‘intendimento, al quale la via positiva si fa sentire soave, ché gli

rappresenta l‘acconcio, il convenevole, l‘uniforme, che fanno la bellezza del vero, del quale unicamente si

diletta e pasce la mente umana‖.

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Giambattista Vico conclui assim, sua Autobiografia com uma autocrítica,

demonstrando assim de acolher com humildade as justas opiniões e conselhos que

acreditava tornar melhor o seu trabalho. Desse modo, entre as razões de desagrado com os

seus escritos no Diritto Universale, constava o fato de ele retroceder, valendo-se das ideias

formuladas por Platão e por outros filósofos, à mente dos primeiros pais da gentilidade. No

que concernia à Scienza nuova prima, Vico defende de ter se equivocado quanto à forma

de expor as ideias. Segundo ele, deveria ter tratado unitariamente as questões relacionada

aos princípios das ideias juntamente com aqueles das línguas, uma vez que ambos surgiram

simultaneamente76

, errando também no método e na ordem de exposição. Tais erros serão

corrigidos nas subsequentes edições, ou seja, a de 1730 e naquela de 1744, a Scienza nuova

seconda 77

.

1.4 Vida civil e significado prático do saber: os escritos de juventude

De acordo com Vico, o conhecimento tem uma finalidade. Por isso a crítica que ele

dirige aos eruditos, tanto aqueles da tradição quanto os de seu tempo, objetiva demonstrar

que a finalidade do conhecimento é o aperfeiçoamento, mediante a instrução do individuo,

e a preservação do patrimônio cultural adquirido. Daí sua preocupação com a manutenção

e o estudo das coisas relacionadas ao mundo civil. As críticas feitas contra uma sapiência

sem conteúdo, destituída de qualquer relação com o mundo humano e utilizada somente

como adorno de erudição, tinham por principal meta uma valorização da filosofia tópica

em oposição a uma filosofia critica78

, em particular quando da antecipação desta no

método de ensino 79

.

Herdeiro da tradição retórica, Giambattista Vico teve o discernimento, a

determinação e o empenho de difundir o significado prático do conhecimento. Buscou,

mediante seus escritos, transformar e tornar as vias, que conduziam ao saber, um tanto

quanto mais seguras. O caminho do conhecimento deveria ser percorrido sem receios de

76

Cf. VICO, Giambattista. Vita Scritta da se medesimo, in: Opere, p. 79. 77

Ibidem. Ver nota à p. 79. 78

Cf. VICO, Giambattista. Vita Scritta da se medesimo, in: Opere, p. 17. 79

Sobre tais questões são pertinentes os estudos de Eugenio Garin. GARIN, Eugenio. Storia della filosofia

italiana, Torino Einaudi,1966, II, pp. 920-937. Também Ernesto Grassi. Filosofia critica o filosofia topica: il

dualismo di pathos e ragione, in <<Archivio di filosofia>>, 1969, pp. 109-121. Ver ainda: MODICA,

Giuseppe. La filosofia del <<senso comune>> in Giambattista Vico, p. 41.

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percalços, e a aquisição de erudição implicava esforços, labuta: daí suas críticas aos

manuais da época. Tais manuais ―facilitavam‖ demasiadamente a obtenção de erudição.

Vico dizia que muitos preferiam a facilidade e praticidade desses manuais 80

.

Suas preocupações com essas questões moveram-no a escrever alguns escritos que

tratavam desses problemas: as Orazioni Inaugurali, o De ratione e a Vita. Contra aquelas

filosofias que punham em risco a civilidade, Vico contrapôs as doutrinas daqueles

pensadores que denominou de ―filósofos polìticos‖ [filosofi politici], entre os quais

contavam Platão, Aristóteles, Cícero, Quintiliano etc. Tratam-se de autores que tiveram

como preocupação a vida política e moral. De acordo com Vico:

Ao mesmo tempo as obras filosóficas de Cícero, de Aristóteles e de

Platão, todas trabalhadas em ordem para bem regular o homem na

sociedade civil, fizeram que ele nada ou muito pouco apreciasse a moral

tanto dos estóicos como dos epicuristas, posto que ambas são uma moral

de solitários: dos epicuristas, porque de desocupados fechados nas suas

hortas; dos estóicos, porque de meditantes que se esforçavam para não

sentir paixão (tradução nossa) 81

.

Os juízos sensatos, que Vico formulou contra os métodos de ensino de seu tempo

na busca do conhecimento e das vias para obtê-lo, consideravam a mais tenra idade

daqueles que se iniciavam nos estudos. Para tanto, ele considerou os próprios caminhos

que percorrera82

. Conforme Vico, levar as crianças e jovens às reflexões abstratas,

demasiadamente cedo, tornava-os inaptos à compreensão e entendimento dos problemas

mais simples, em especial, aqueles da vida cotidiana. Nesse ponto, os antigos foram mais

sábios, pois na educação de suas crianças os raciocínios matemáticos, muito utilizado nos

manuais do seu tempo, estavam restritos à geometria. Daí Vico escrever:

80

Cf. VICO, Giambattista. Vita Scritta da se medesimo, in: Opere, p. 16. 81

VICO, Giambattista. Vita Scritta da se medesimo, in: Opere p. 15: ―Ad un medesimo tempo le opere

filosofiche di Cicerone, di Aristotile e di Platone, tutte lavorate in ordine a ben regolare l‘uomo nella civile

società, fecero che egli nulla o assai poco si dilettasse della morale così degli stoici come degli epicurei, siccome

quelle che entrambe sono una morale di solitari: degli epicurei, perché di sfaccendati chiusi ne‘ loro orticelli,

degli stoici, perché di meditanti che studiavano non sentir passione.‖ 82

Cf. VICO, Giambattista. Vita Scritta da se medesimo, in: Opere, pp. 6-7.

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E às suas custas experimentou que às mentes já alçadas ao universal pela

metafísica não torna fácil aquele estudo próprio de engenhos

minuciosos, e deixou de seguí-lo, pois que aquele que põe em grilhões e

angústias a sua mente já avessa, de muito estudo de metafísica, a vagar

no infinito dos gêneros; e com a frequente lição dos oradores, dos

historiadores e dos poetas deleitava o engenho observando, entre coisas

tão distantes, liames que em certa razão comum as aproximassem, que

são os belos laços da eloquência que fazem agradáveis as agudezas

(tradução nossa)83

.

Para Giambattista Vico era mais adequado às crianças, além do ensino de

geometria, que é útil para adentrar nos juízos abstratos, o estudo das línguas e dos

historiadores. Tais estudos possibilitavam às crianças desenvolverem a engenhosidade, a

fantasia e a memória. Vico diz também os manuais de Port Royal, conhecidos por Lógica

de Arnaud, acarretavam danos às mentes juvenis. Tais manuais antecipavam nos jovens os

raciocínios repletos de devaneios, distanciando-os do senso comum e do processo

cognitivo natural das mentes ainda pueris. Daí provocarem nos jovens enorme prejuízo

para sociabilidade e modos de expressão deles. Conforme Vico escreve na Autobiografia:

De modo que, com razão, os antigos apreciaram [como] estudo

apropriado, para se aplicar às crianças, a Geometria, e a consideraram

como uma lógica própria daquela tenra idade, pois à medida que

compreende bem os particulares e sabe ordená-los fio a fio, tão

dificilmente compreende os gêneros das coisas; o próprio Aristóteles,

ainda que do método utilizado pela geometria tivesse extraído a arte

silogística, até convém onde afirma que às crianças devam se ensinar as

línguas, as histórias e a geometria como matérias mais apropriadas para

exercitar a memória, a fantasia e o engenho. Por isso se pode facilmente

entender com quanto prejuízo, com que cultura da juventude, hoje, no

método de estudar, são utilizadas por alguns duas práticas perniciosas. A

primeira, que às crianças apenas saídas da escola de gramática se inicie a

filosofia com base na lógica, [aquela conhecida por] lógica ‗de Arnauld‘,

toda repleta de severos juízos sobre matérias recônditas de ciências

superiores, todas distantes do senso comum vulgar; (tradução nossa) 84

.

83

VICO, Giambattista. Vita Scritta da se medesimo, in: Opere, p. 16: ―E a suo costo sperimentò che alle

menti già dalla metafisica fatte universali non riesce agevole quello studio propio degli ingegni minuti, e

lasciò di seguitarlo, siccome quello che poneva in ceppi ed angustie la sua mente già avezza col molto

studio di metafisica a spaziarsi nell‘infinito de‘ generi; e con la spessa lezione di oratori, di storici e di poeti

dilettava l‘ingegno di osservare tra lontanissime cose nodi che in qualche ragion comune le stringessero

insieme, che sono i bei nastri dell‘eloquenza che fanno dilettevoli l‘acutezze‖. 84

Ibidem: ―Talché con ragione gli antichi stimarono studio propio da applicarvisi i fanciulli quello della

geometria e la giudicarono una logica propia di quella tenera età, che quanto apprende bene i particolari e sa fil

filo disporgli, tanto difficilmente comprende i generi delle cose; ed Aristotile medesimo, quantunque esso dal

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O mais adequado, conforme Vico era que a criança fosse instruída, primeiro na

Topica, pois esta arte favorecia o desenvolvimento do ingegno, para depois ser instruído na

Crítica 85

. Este era a característica mais particular de uma mente que se encontrava em

processo de formação. A não observância desse processo era o que acarretava aos jovens,

que adentravam na sociedade, a incapacidade de conseguirem se expressar de modo

conveniente e com pouca loquacidade. Nesse sentido, ele argumenta:

Mas, com tais lógicas, os jovenzinhos, transportados antes do tempo à

crítica, que é o mesmo que dizer, levados a julgar bem antes de

aprenderem bem, contra o curso natural das ideias, que primeiro

aprendem, depois julgam, e finalmente raciocinam, torna a juventude

árida e seca no explicar-se, e sem fazer mais nada, julgam qualquer

coisa. Ao contrário, se eles na idade do engenho, que é a juventude, se

dedicassem à tópica, que é a arte de encontrar, que é o único privilégio

dos engenhos (como Vico, advertido por Cícero, empregou-se na sua),

eles preparariam a matéria para depois julgar bem, porque não julga bem

se não se conhece o todo da coisa, e a tópica é a arte de encontrar em

cada coisa tudo o que está nela; assim iriam de modo natural se formar

os jovens, quer filósofos quer bem falantes (tradução nossa) 86

.

As reflexões de Vico estavam alicerçadas no pensamento de quatro autores [quattro

autori]: Platão, Tácito, Bacon e Grócio. Cada um desses pensadores, influenciariam de

modo particular a elaboração de seu pensamento. Os dois primeiros foram Platão e Tácito:

o primeiro despertou-lhe para os raciocínios metafísicos e políticos, o segundo, que

raciocinava metafisicamente, compreendia o homem sob os seus aspectos reais. Francis

metodo usato dalla geometria avesse astratto l‘arte sillogistica, pur vi conviene ove afferma che a‘ fanciulli

debbano insegnarsi le lingue, l‘istorie e la geometria, come materie più propie da esercitarvi la memoria, la

fantasia e l‘ingegno. Quindi si può facilmente intendere con quanto guasto, con che coltura della gioventù, oggi

da taluni nel metodo di studiare si usano due perniziosissime pratiche. La prima, che a fanciulli appena usciti

dalla scuola della gramatica si apre la filosofia sulla logica che si dice <<di Arnaldo>>, tutta ripiena di

severissimi giudizi d‘intorno a materie riposte di scienze superiori e tutte lontane dal comun senso volgare;‖ . 85

O papel da primeira era criar (pois conforme já dizia o autor, nela reside o engenho) e da segunda refletir

sobre o conhecimento produzido. 86

VICO, Giambattista. Vita Scritta da se medesimo, in: Opere, p. 17: ―Ma, con tai logiche, i giovinetti,

trasportati innanzi tempo alla critica, che è tanto dire portati a ben giudicare innanzi di ben apprendere,

contro il corso natural dell‘idee, che prima apprendono, poi giudicano, finalmente ragionano, ne diviene la

gioventù arida e secca nello spiegarsi e, senza far mai nulla, vuol giudicar d‘ogni cosa. Al contrario, se

eglino nell‘età dell‘ingegno, che è la giovanezza, s‘impiegassero nella topica, che è l‘arte di ritrovare, che è

sol privilegio dell‘ingegnosi (come il Vico, fatto accorto da Cicerone, vi s‘impiegò nella sua), essi

apparecchierebbero la materia per poi ben giudicare, poiché non si giudica bene se non si è conosciuto il

tutto della cosa, e la topica è l‘arte in ciascheduna cosa di ritrovare tutto quanto in quella è; e sí

anderebbono dalla natura stessa i giovani a formarsi e filosofi e ben parlanti‖.

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Bacon, pela sua erudição e prática governamental, articulava o que havia de melhor tanto

em Platão quanto em Tácito. Hugo Grócio, pensador do jusnaturalismo, foi aquele que veio

mais tardiamente, quando Vico já se encontrava com as ideias bem elaboradas, aquilo que

lhe despertou a simpatia foi o modo magistral com o qual Grócio fez uso da Filosofia e da

Filologia87

. Em sua Autobiografia, Vico explicitava, de modo pormenorizado, as razões da

sua escolha desses autores:

Até [então] Vico admirava acima de todos os outros doutos dois, que

foram Platão e Tácito; porque com uma mente metafísica incomparável,

Tácito contempla o homem como [ele] é, Platão como deve ser; e como

Platão com aquela ciência universal se estende a todas as partes da

honestidade que cumpre o homem sábio de ideia, assim Tácito desce a

todos os conselhos da utilidade, porque entre os infinitos e irregulares

eventos da malícia e da sorte se conduza bem o homem sábio de prática.

(...) Quando finalmente toma conhecimento de Francis Bacon senhor de

Verulamio, homem igualmente de incomparável sabedoria quer vulgar

quer douta, como aquele que foi [ao mesmo tempo], um homem

universal em doutrina e em prática, como raro filósofo e grande ministro

de Estado da Inglaterra. E, deixando de lado seus outros livros, em cujas

disciplinas teve talvez iguais ou melhores, naqueles do De augmentis

scientiarum aprendeu tanto que, como Platão é o príncipe do saber dos

gregos e os gregos não tinham um Tácito, do mesmo modo um Bacon

falta quer aos latinos quer aos gregos; que um único homem visse o

quanto falte no mundo das letras que se deveria descobrir e promover,

(...) de quantos e quais defeitos seja preciso corrigir-se; (...) E, Vico

tendo proposto estes três singulares autores desde sempre de tê-los

diante dos olhos no meditar e no escrever, assim foi elaborando seus

trabalhos de engenho, (...) (tradução nossa) 88

.

87

Cf. VICO, Giambattista. Vita Scritta da se medesimo, in: Opere, p. 44. 88

VICO, Giambattista. Vita Scritta da se medesimo, in: Opere, pp. 29-30: ―Fino a questi tempi il Vico

ammirava due soli sopra tutti gli altri dotti, che furono Platone e Tacito; perché con una mente metafisica

incomparabile Tacito contempla l‘uomo qual è, Platone qual dee essere; e come Platone con quella scienza

universale si diffonde in tutte le parti dell‘onestà che compiono l‘uom sapiente d‘idea, cosí Tacito discende

a tutti i consigli dell‘utilità, perché tra gl‘infiniti irregolari eventi della malizia e della fortuna si conduca a

bene l‘uom sapiente di pratica. (...) Quando finalmente venne a lui in notizia Francesco Bacone signor di

Verulamio, uomo ugualmente d‘incomparabile sapienza e volgare e riposta, siccome quello che fu insieme

insieme un uomo universale in dottrina ed in pratica, come raro filosofo e gran ministro di stato

dell‘Inghilterra. E, lasciando da parte stare gli altri suoi libri, nelle cui materie ebbe forse pari e migliori, in

quelli De augumentis scientiarum l‘apprese tanto che, come Platone è il principe del sapere de‘ greci e un

Tacito non hanno i greci, cosí un Bacone manca ed a‘ latini ed a‘ greci; che un sol uom vedesse quanto vi

manchi nel mondo delle lettere che si dovrebbe ritruovare e promuovere, (...) di quanti e quali difetti sia egli

necessario emendarsi; (...) E, propostisi il Vico questi tre singolari auttori da sempre avergli avanti gli occhi

nel meditare e nello scrivere, così andò dirozzando i suoi lavori d‘ingegno, (...)‖. Ver também a página 44.

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Não obstante Vico citar quatro autores [quattro autori] principais para a formação

de seu pensamento, a leitura de seus escritos denotam, no entanto, o contrário. Vemos o

quanto foram relevantes outros pensadores, entre os quais poetas, historiadores, gramáticos

e jusnaturalistas. Ele resgata a relevância da Retórica, não em seu sentido vulgar de ser

apenas arte de se expressar 89

, mas, acima de tudo, como arte do convencimento, da

expressão objetiva, emotiva e responsável. O retórico deve ter em vista, antes de qualquer

coisa, um discurso do bem comum, ou das vantagens da vida em comunidade. Em suas

Orações inaugurais [Orazioni Inaugurali] é perceptível que todas abordavam temas

relativos à natureza humana, à religião e de ordem político-social. Como atesta a sua

Autobiografia:

Por isso ele nas suas orações feitas, [por ocasião] da abertura dos estudos

na régia universidade, utilizou sempre a prática de propor argumentos

universais, extraídos da metafísica para o uso civil; e com este aspecto

tratou ou dos fins dos estudos, como nas seis primeiras, ou do método de

estudar, como na segunda parte da sexta e em toda a sétima. As três

primeiras tratam, em especial, dos fins convenientes à natureza humana,

as duas outras principalmente dos fins políticos, e a sexta do fim cristão

(tradução nossa) 90

.

A primeira Oração Inaugural foi escrita em 1699. Nesse escrito, ele propõe de

devermos utilizar todo potencial de nossa mente na busca do conhecimento. Como Deus é

a mente de tudo, a mente do homem é para o próprio como uma divindade. A segunda

Oração, escrita no ano seguinte, 1700, argumenta que devemos moldar o espírito em

conformidade com o nosso intelecto, para o comando das nossas ações. O homem deve ter,

como fim último, a verdade e a honestidade, e os sentidos devem ser submetidos ao

raciocínio. Aquele homem que não segue este modo de conduzir-se age como se travasse

89

Segundo Vico, as sociedades se degeneravam quando os pensadores, semelhantes aos cartesianos,

esqueciam de como se comunicar, ou como os retóricos de orientação manierista, que procuravam tão-

somente brincar com a linguagem, buscavam apenas ser astutos e não verdadeiros. 90

VICO, Giambattista. Vita Scritta da se medesimo, in: Opere, pp. 30-31: ―Imperciocché egli nelle sue

orazioni fatte nell‘aperture degli studi nella regia università usò sempre la pratica di proporre universali

argomenti, scesi dalla metafisica in uso della civile; e con questo aspetto trattò o de‘ fini degli studi, come nelle

prime sei, o del metodo di studiare, come nella seconda parte della sesta e nell‘intiera settima. Le prime tre

trattano principalmente de‘ fini convenevoli alla natura umana, le due altre principalmente de‘ fini politici, la

sesta del fine cristiano‖.

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uma batalha contra si próprio. Na terceira oração, recitada no ano de 1701 91

, Vico afirma

ser a mesma um apêndice daquelas duas primeiras, e critica aqueles pensadores repletos de

objeções que, encobertos sob o manto de uma falsa erudição, produziam textos de pouca

ou nenhuma utilidade para a já demasiada abarrotada República das Letras92.

A quarta Oração inaugural, apresentada em 1704 93

, sustenta que toda busca do

conhecimento deve ter como principal meta o bem comum. Aqui o alvo de Giambattista

Vico seriam aqueles falsos doutos que se dedicavam aos estudos visando unicamente os

proveitos particulares. A quinta Oração vem exposta no ano de 1705 94

, onde Vico expõe

seus argumentos sobre a finalidade prática dos estudos, pois grandes foram os progressos

dos Estados quando do investimento no conhecimento. Tais argumentos são justificados

historicamente pelos sucessos dos grandes impérios da humanidade na obtenção de

crescimento, quando dedicaram esforços na busca de conhecimento 95.

A sexta Oração inaugural, do ano de 1707 96

, Vico resume na Autobiografia

indicando o seu título, pois tem como finalidade o estudo e a ordem de estudar. Daí

escrever: O conhecimento da natureza corrompida dos homens convida a apreender

91

De acordo com os estudos de Fausto Nicolini, essa oração teria sido recitada verdadeiramente no ano de

1702. Cf. Giambattista Vico Opere, Comento e note, p. 1273 à nota 7. 92

VICO, Giambattista. Vita Scritta da se medesimo, in: Opere, p. 31-32: ―La prima, recitata li diciotto di

ottobre 1699, propone che coltiviamo la forza della nostra mente divina in tutte le sue facoltà, (...) E pruova

la mente umana in via di proporzione esser il dio dell‘uomo, come Iddio è la mente del tutto; (...) La

seconda orazione, recitata l‘anno 1700, contiene che informiamo l‘animo delle virtù in conseguenza delle

verità della mente, (...) E fa vedere questo universo una gran città, nella quale con una legge eterna Iddio

condanna gli stolti a fare una guerra contro di se medesimi, (...) L‘orazion terza, recitata l‘anno 1701, è una

come appendice pratica delle due innanzi, sopra questo argomento: A litteraria societate omnem malam

fraudem abesse oportere, si vos vera non simulata, solida non vana, eruditione ornari studeatis. E dimostra

che nella repubblica letteraria bisogna vivere con giustizia, e si condannano i critici a compiacenza, che

esiggono con iniquità i tributi di questo erario, gli ostinati delle sètte, che impediscono accrescersi l‘erario,

gl‘impostori, che fraudano le loro contribuzioni all‘erario delle lettere.‖ 93

A data desta oração, também não é exata. Conforme Nicolini, ela foi recitada no ano anterior 1703.

Entretanto, outro estudioso S. Monti argumenta que ela foi proferida em 1705, em razão do biênio de silêncio

entre os anos de 1703 1705 devido ao concurso universitário, por tal motivo não teria acontecido neste

período às ditas Orações Inaugurais que abriam o ano acadêmico (Cf. VICO, Giambattista. Opere. Andrea

Battistini, Comento e note, p. 1274 à nota 10.). 94

Segundo os estudos de S. Monti, essa oração foi recitada no ano de 1706 (Cf. Giambattista Vico. Opere.

Comento e note, p. 1274 à nota 7.). 95

VICO, Giambattista. Vita Scritta da se medesimo, in: Opere, pp. 32-34: ―La quarta orazione, recitata

l‘anno 1704, propone questo argomento: Si quis ex litterarum studiis maximas utilitates easque semper cum

honestate coniunctas percipere velit, is gloriae sive communi bono erudiatur. Ella è contra i falsi dotti che

studiano per la sola utilità, (...) Nella quinta orazione, recitata l‘anno 1705, proponsi: Respublicas tum

maxime belli gloria inclytas et rerum imperio potentes, quum maxime litteris floruerunt. E si pruova

vigorosamente con buone ragioni, e poi si conferma con questa perpetua successione di esempli‖. 96

De acordo com Fausto Nicolini, tal oração foi recitada ano de 1706, no entanto, os estudos de S. Monti

indicam que a data indicada por Vico está correta (Cf. Giambattista Vico. Opere. Comento e note, p. 1276 à

nota 8.).

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completamente o ciclo inteiro das artes liberais e das ciências, e apresenta o correto, fácil

e perene caminho que se deve seguir para aprendê-las 97. Em tal Oração, Vico explica ser

o homem uma criatura tripartida em consequência do Pecado Original98

. Tal tripartição

seria: língua, modo particular de se expressar; raciocínio, também particular em razão das

diversas opiniões conflitantes e diversidade dos apetites e, por último, o coração,

representado pelos sentidos que, pela invariável semelhança dos vícios, torna os indivíduos

concordes. Segundo ele, três coisas possibilitam unir os homens em um sentimento

comum: virtude, ciência e eloquência. Aplicar-se aos estudos das línguas é preciso, por ser

a língua uma disposição humana responsável por nossa sociabilidade. Não obstante as

línguas serem tão diversas e particulares em determinados povos, possibilitou-lhes

manterem-se unidos aqueles que falavam a mesma língua 99

. Vico sustenta que os estudos

dos povos deveriam iniciar com a linguagem.

Aqui ele faz os ouvintes entrarem em uma meditação sobre si mesmo,

que o homem, [sob] a pena do pecado, está separado do homem em

língua, mente e coração: pela língua, que com frequência não socorre e

frequentemente trai as ideias, pelas quais o homem queria e não pode

unir-se ao homem; com a mente pela variedade das opiniões nascidas da

diversidade do gosto dos sentidos, nos quais o homem não concorda com

outro homem; e finalmente com o coração, pelo qual, corrompido, nem a

uniformidade dos vícios concilia o homem com o homem. Onde prova

que a pena da nossa corrupção se deva corrigir com a virtude, com a

ciência, com a eloquência, por [estas] três coisas o homem sente

unicamente o mesmo que outro homem. E isto, por aquilo que se atém

aos fins dos estudos. No que diz respeito à ordem de estudar, prova que,

assim como as línguas foram o mais potente meio para firmar a

sociedade humana, assim das línguas devem começar os estudos, porque

97

VICO, Giambattista. Vita Scritta da se medesimo, in: Opere, pp. 34: ―Nella orazion sesta, recitata l’anno

1707, tratta quest’argomento mescolato di fine degli studi e di ordine di studiare: Corruptae hominum

naturae cognitio ad universum ingenuarum artium scientiarumque absolvendum orbem invitat incitatque,

ac rectum, facilem ac perpetuum in iis perdiscendis ordinem proponit exponitque.‖ 98

Sobre este tema são relevantes as considerações de Francesco Botturi: ―A condição histórica da queda é

vivida por isso necessariamente no engano das ‗falsas religiões‘ e em certo sentido, na indefinida reiteração

do pecado da ‗curiosidade‘ original: as formas idolátricas e divinatórias são, de fato, o prosseguimento – a

intitucionalização, pode-se dizer – do pecado original‖. [La condizione storica decaduta è vissuta perciò

necessariamente nell‘inganno delle ―false religioni‖ e in un certo senso nella indefinita reiterazione del

peccato della ―curiosità‖ originale: le forme idolatriche e divinatorie sono infatti la prosecuzione – la

istituzionalizzazione, si potrebbe dire - del peccato originale]; (BOTTURI, Francesco. (2003). Caduta e

storia: note sul ―peccato originale‖ in G. B. Vico. Memorandum, 5, 18-35. Retirado em 12/11 2010/, do

World Wide Web: http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/artigos05/botturi01.htm.). 99

O autor tinha a ideia de construir uma espécie de dicionário mental, comum a todos os povos.

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todas elas se apoiam à memória, na qual serve admiravelmente a

infância (tradução nossa) 100

.

É sabido que Vico considerava a importância das línguas pelo fato de elas

possuírem um estreito laço com a memória e a fantasia: algo determinante para a

capacidade cognitiva infantil. Ele costumava fazer comparações entre a mente dos

primeiros pais da humanidade com a mente juvenil. Desse modo, pelas mesmas vias por

onde conduziram-se os antigos, que foi mediante a História, seja ela verdadeira ou

fantástica, assim também deveriam ser encaminhada as crianças e jovens nos processo

educativo101

.

Giambattista Vico foi um pensador comprometido com o seu tempo, com a vida

político-social, com a religião e com a formação dos indivíduos, em particular, com

indivíduos preocupados e empenhados em preservar esses elementos considerados de

extrema importância para a manutenção da vida civil. Eis o motivo de ele estar sempre

reescrevendo suas obras, ou reelaborando suas ideias. Vico rebateu com veemência as

críticas feitas às Letras como aquelas formuladas pelos pensadores de orientação

cartesiana. Ademais ele buscou unir o que havia de melhor no pensamento filosófico com

o acervo filológico, Considerando, conforme suas palavras, uma história das línguas e das

coisas. Tratava-se de combinar e certificar o que de melhor havia sido produzido pelos

homens das Letras, com o que foi refletido pelos homens das ideias102

.

100

VICO, Giambattista. Vita Scritta da se medesimo, in: Opere, pp. 34-35: ―Qui egli fa entrar gli uditori in

una meditazion di se medesimi, che l‘uomo in pena del peccato è diviso dall‘uomo con la lingua, con la

mente e col cuore: con la lingua, che spesso non soccorre e spesso tradisce l‘idee per le quali l‘uomo

vorrebbe e non può unirsi con l‘uomo; con la mente, per la varietà delle opinioni nate dalla diversità de‘

gusti de‘ sensi, ne‘ quali uom non conviene con altr‘uomo; e finalmente col cuore, per lo quale, corrotto,

nemmeno l‘uniformità de‘ vizi concilia l‘uomo con l‘uomo. Onde pruova che la pena della nostra

corruzione si debba emendare con la virtù, con la scienza, con l‘eloquenza, per le quali tre cose unicamente

l‘uomo sente lo stesso che altr‘uomo. E ciò, per quello s‘attiene al fine degli studi. Per quello riguarda

l‘ordine di studiare, pruova che, siccome le lingue furono il più potente mezzo di fermare l‘umana società,

cosí dalle lingue deono incominciarsi gli studi, poiché elle tutte s‘attengono alla memoria, nella quale vale

mirabilmente la fanciullezza‖. 101

Cf. VICO, Giambattista. Vita Scritta da se medesimo, in: Opere, p. 35. 102

Ibidem, p. 45.

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CAPÍTULO II

A relevância da Vida Civil e a problemática do saber no projeto filosófico de Vico

As preocupações de Vico com os rumos da civilidade, conforme já explicitamos no

capítulo anterior, encaminham-se para as questões que abarcam a problemática do saber.

Daí sua exposição estabelecer a distinção entre ciência [scientia] e prudência [prudenza], e

o papel desempenhado por ambas, bem como a aludida desatenção com que eram tratadas

nas doutrinas que versavam sobre a Moral. Vico desenvolveu o seu projeto científico, ou

seja, de uma nuova scienza, reabilitando a Filologia, ao status de ciência, não obstante a

recusa dos eruditos de sua época. Fundamentalmente na primeira edição da Ciência Nova

[Scienza Nuova], aquela editada no ano de 1725, podemos identificar o papel do método

viquiano, denominado por ele de nova arte crítica [nuova arte critica]. Tal método

possibilita uma arte diagnóstica [arte diagnostica]: metodologia que permite a descoberta

de alguns problemas e possíveis resoluções dos mesmos, pois afetam, em especial, a

compreensão de como surgiu o mundo civil das nações. Nesse sentido, a leitura da Scienza

Nuova Prima apresenta como na História ocorreram processos recorrentes de barbárie dos

povos e que as duas artes, a saber, crítica e diagnóstica permitem identificar esses

processos

2.1 Scientia e prudentia: o descaso com as ciências morais

Giambattista Vico questiona no De nostri temporis studiorum ratione, de 1708, o

descaso dos doutos para com as ciências morais. Em tal obra o autor já denunciava a

negligência com tal doutrina103

. A obra De ratione104

, como é conhecida, escrita por Vico

em 1708, originalmente uma de suas orações inaugurais, e posteriormente ampliada, visto

a relevância do tema, tinha, como principal finalidade, indicar as vantagens e desvantagens

103

Cf. VICO, Giambattista. De nostri temporis studiorum ratione, in: Opere. p. 131. 104

Ratione: oportunamente os tradutores tornaram este termo, oriundo do tecnicismo pedagógico, depois da

Ratio studiorum dos Jesuítas, um diálogo fechado e quase exclusivo com o Discurso do método, mas também

porque a dissertação inteira tem um recorte de tipo epistemológico; ou seja, mais incidir sobre os conteúdos

do saber, se interroga sobre a natureza, sobre valor, sobre potencialidade e sobre os limites do conhecimento‖

(tradução nossa). [Ratione: opportunamente i traduttori rendono questo termine, assurto a tecnicismo

pedagógico dopo la Ratio studiorum dei Gesuiti un dialogo serrato e quase esclusivo con il Discours de la

méthode, ma anche perchè l‘intiera dissertazione ha um taglio di tipo epistemológico; ossia, più che vertere

sui contenutti del sapere, si interroga sulla natura, sul valore, sulle potenzialità e sui limiti della conoscenza].

VICO, Giambattista. De nostri temporis studiorum ratione, in: Opere. Comento e note, p. 1325.

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enfrentadas tanto pelos antigos quanto pelos modernos nos estudos. Mediante a pesquisa

de tais desvantagens, Vico pretende buscar respostas para os problemas que se

apresentavam para os modernos. O livro se encontra disposto em quinze capítulos, cada

um deles tratando de temas específicos105

.

Conforme Vico, temas do âmbito moral estavam intrinsecamente relacionados ao

direito (jurisprudência) e à política. O estudo relativo à Jurisprudência [giurisprudenza],

permitia a compreensão como se desenvolveu o direito natural dos povos, visto que

implicações metafísicas eram identificadas quando da observação do direito civil, em

particular, naquele relativo à história dos costumes e dos governos da antiga Roma. Uma

investigação sobre o relevante papel da ciência e do senso comum será efetuada no De

ratione. É importante salientar ainda que, para Giambattista Vico, o significado do termo

senso comum [senso comune] está intrinsecamente ligado ao conceito de prudência

[prudenza] 106

, e mais precisamente ao de prudência civil [prudenza civile]. Daí o seu

esforço de diferenciar o senso comum ou prudência civil da ciência: questões estas já

investigadas desde longa data. Conforme atestam as passagens do De ratione:

O senso comum provém do verossimil como a ciência provém do

verdadeiro e o erro do falso. E, com efeito, o verossimil é como um

intermediário entre o verdadeiro e o falso, já que, sendo na maioria das

vezes verdadeiro, raramente é falso (tradução nossa) 107

.

105

Cf. VICO, Giambattista. El sistema de los estúdios de nuestro tiempo y Principio de oratoria. Edición de

Celso Rodríguez Fernandez y Fernando Romo Feito. Madrid. Clássicos de la cultura. Editorial Trotta S.A.,

2005, p. 47. Vale lembrar que a divisão em capítulos não foi efetuada pelo autor, mas elaborada

posteriormente por Fausto Nicolini editor das obras de Vico. Para tanto Nicolini toma como base os escritos

do autor. A mesma disposição do livro, feita por Nicolini, foi adotada pela edição da Mondadori que

utilizamos na presente pesquisa (VICO, Giambattista. De nostri temporis studiorum ratione, in: Opere.

Comento e note, p. 1325.). 106

São pertinentes aqui estes argumentos de Alberto Bordogna: ―O conceito de senso comum termina por

estar ligado à atividade prática e a um conceito, aquele de <<prudência>>, que muitas vezes é usado como

sinônimo do primeiro; além disso, se relaciona aos unidos verossímeis e às segundas verdades enquanto é

substancialmente um verdadeiro ‗ampliado‘, uma verdade comum que se fundamenta sobre esperiências

comuns, memórias e crenças‖. (tradução nossa). [Il concetto di senso comune finisce per essere legato

all‘attività pratica e ad un concetto, quello di <<prudenza>>, che spesse volte è usato come sinonimo del

primo; se connette inoltre ai verossimili e ai secondi veri in quanto è sostanzialmente un vero ―allargato‖, una

verità comune che si fonda su comuni esperienze, memorie e credenze]; (BORDOGNA, Alberto. Gli idoli del

foro: Retorica e mito nel pensiero di Giambattista Vico, p. 85.). 107

VICO, Giambattista. De ratione, Opere, p. 105: ―Il senso comune se genera dal verossimile come la

scienza si genera del vero e l‘errore dal falso. E in effetti il verossimile è come intermedio tra il vero e il falso

giacché, essendo per lo più vero, assai di rado è falso‖.

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O autor estabelece a distinção entre a prudência e a ciência, em razão da primeira

buscar conhecer uma única causa que produziria diversos fenômenos. A prudência é a

doutrina que permite se compreender que diversas causas podem pruduzir um único fato e,

com o auxílio dela, descobre-se qual entre tais causas tem veracidade:

Quanto à ciência, ela difere da prudencia civil justamente nisto:

sobressaem-se na ciência aqueles que buscam uma só causa da qual poder

extrair fenômenos múltiplos da natureza, enquanto na prudência civil

destacam-se aqueles que buscam quanto mais causas em um só fato, para

conjecturar qual delas seja verdadeira (tradução nossa) 108

.

Na obra, Vico pretende uma valorização dos conhecimentos advindos da tradição

por constatar que, não obstante os progressos da modernidade, a tradição, em certos

conteúdos do conhecimento, principalmente naquilo que concerne à vida prática, apresenta

certa superioridade109. Razões pelas quais, estes dois elementos, ciência e prudência, são

tratadas convenientemente de maneira distinta, considerando que o conhecimento advém à

mente do homem por estas duas vias: senso comum e ciência. A apreciação, suscitada

contra os métodos de estudo em voga, devia-se ao fato de que estes causavam prejuízos aos

estudantes, ao propor elementos abstratos para as mentes de pessoas que ainda não tinham

suficiente capacidade contemplativa para compreender algumas matérias. O correto era

que fossem instruídos de acordo com as potencialidades que possuíam: memória, fantasia,

engenhosidade. Nesse sentido, Vico sustenta:

108

VICO, Giambattista. De ratione, in: Opere, p. 133: ―Quanto alla scienza, essa differisce dalla prudenza

civile proprio in questo: eccelono nella scienza quelli che ricercano una causa sola da cui poter ricavare

molteplici fenomeni di natura, mentre nella civile prudenza prevalgono quelli che ricercano quante più cause

di un sol fatto per congertturarne quale sia vera‖. 109

VICO, Giambattista. De ratione, in: Opere, p. 93: ―Em verdade, tudo o que o homem pode conhecer,

como também o próprio homem, é finito e imperfeito. E se comparamos os nossos tempos com os [dos]

antigos, e pesamos as vantagens e desvantagens de uma e de outra parte pelos estudos, poderemos talvez

estabelecer um método idêntico àquele dos antigos. Nós temos, de fato, descoberto muitas coisas que os

antigos ignoravam, de fato, e os antigos sabiam muitas coisas que nós não conhecemos‖ (tradução nossa).

[In realtà tutto ciò che l‘uomo può conoscere, come anche l‘uomo stesso, é finito e imperfetto. E se

paragoniamo i nostri tempi con gli antichi, e soppesiamo vantaggi e svantaggi dall‘una e dall‘altra parte per

gli studi, potremo forse stabilire un metodo identico a quello degli antichi. Noi abbiamo infatti scoperto molte

cose che gli antichi ignoravano affatto, e gli antichi sapevano molte cose che noi non conosciamo].

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Enfim os nossos críticos põem o primeiro verdadeiro como anterior,

estranho e superior a qualquer imagem corpórea. Mas o ensinam

demasiado prematuramente aos jovens, ou antes, quando eles são ainda

imaturos. De fato, como na velhice prevalece a razão, na juventude

prevalece a fantasia; e não convém de fato ofuscá-la, porque sempre é

considerada como feliz indício de índole futura. E a memória, a qual se

não é única com a fantasia, certo está próxima [de ser] a mesma coisa,

porque as crianças em nenhuma outra faculdade da mente sobressaem-se,

deve ser rigorosamente cultivada (tradução nossa)110

.

O método crítico, e por tal método compreenda-se aqueles estudos oriundos do

método de Arnauld também conhecido por lógica de Port Royal, que era o método adotado

como novidade, o outro aquele da escola jesuíta fundamentado na obra de Francisco

Suarez, no qual o autor fora iniciado, mas que conforme declara na Autobiografia eram

inadequados111

. Giambattista Vico argumenta, no sétimo capítulo do De ratione, que o

principal problema enfrentado pelo método de estudos em seu tempo, diz respeito

principalmente ao fato dos estudiosos negligenciarem aqueles estudos voltados para a

Moral e dar mais atenção àqueles que tratam das Ciências Naturais. O argumento

decorreria, em especial, por causa dos estudos, pertinentes à psicologia humana, serem por

demais incertos. Conforme a seguinte passagem, Vico sustenta:

Mas o maior dano do nosso método é que, enquanto nos dedicamos com

muita frequência às ciências naturais, descuidamos da moral, em especial,

daquela parte que se ocupa da índole da nossa alma [de humani animi

ingenio] e das suas tendências [passionibus] à vida civil e à eloqüência, à

casuística das virtudes e dos vícios, dos costumes segundo a idade, sexo,

condição, sorte, linhagem, estado, e da arte do decoro, que de todas as

artes é a mais difícil: porque para nós está descuidada e [não] cultivada a

completíssima e nobilíssima doutrina do estado (tradução nossa) 112

.

110

VICO, Giambattista. De ratione, in: Opere, p. 105: ―Infine i nostri critici pongono il primo vero come

anteriore, estraneo e superiore ad ogni immagine corporea. Ma lo insegnano troppo prematuramente ai

giovani, anzi, quando essi sono ancora acerbi. Infatti, come nella vecchiaia prevale la ragione, nella gioventù

prevale la fantasia; e non conviene affatto accecarla, poiché sempre è considerata come felice indizio

dell‘indole futura. E la memoria, la quale se non è tutt‘uno con la fantasia, certo è press‘a poco la stessa cosa,

poiché i fanciulli in nessun‘altra facoltà della mente primeggiano, dev‘essere rigorosamente coltivata;‖ 111

Tal inadequação devia-se ao fato da metafísica de Suarez ser fundamentada naquela de Aristóteles (Cf.

Giambattista Vico. Vita scritta da se medesimo, in: Opere, p. 14.). 112

VICO, Giambattista. De ratione, in: Opere, p. 131: ―Ma il più grave danno del nostro metodo è que,

mentre ci occupiamo molto assiduamente di scienze naturali, trascuriamo la morale, specialmente quella

parte che si occupa dell‘indole dell‘animo nostro e delle sue tendenze alla vita civile e all‘eloquenza, alla

casistica delle virtù e dei vizi, ai costumi per ogni età, sesso, condizione, fortuna, stirpe, stato, e di quell‘arte

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Vico conclui seus argumentos com um relato sobre o descaso em que se encontra

uma das mais relevantes matérias de estudo por parte de uma nação: a doutrina acerca do

Estado, pois se encontrava completamente marginalizada e sem estudo. Isso decorre, em

particular, do fato de que em seu tempo, dada à influência das ideias cartesianas, o único

fim almejado pelos estudos era a ―verdade‖ e, para tanto, se seguia unicamente a pista da

natureza das coisas materiais, porque estas não davam lugar a dúvidas. A natureza humana

não era objeto de estudo porque era insegura em virtude do nosso livre arbítrio113

.

Entre outros inconvenientes dos métodos de estudo em uso na sua época, Vico

indica os prejuízos à vida civil dos jovens, porque atingida certa maturidade, esses jovens

eram incapazes de se conduzir com determinada prudência. Eles não conseguiam controlar

seus modos de expressão, fossem ligados à correta postura em pronunciar-se ou em

expressar seus sentimentos. Daí Vico argumentar:

(...) este método de estudo determina nos jovens tais danos que, em

seguida, nem se comportam na vida civil com suficiente prudência, nem

sabem bem ornar e inflamar, oportunamente, uma oração com o calor dos

sentimentos (tradução nossa) 114

.

A arte crítica, ensinada às crianças, seria altamente prejudicial à faculdade da

fantasia. Tal arte crítica traria como consequência, para a mente infantil, uma espécie de

destruição da memória: elemento peculiar e imprescindível da mente dos poetas mais

renomados. Vico esclarece que se os jovens fossem adequadamente conduzidos, levando

em consideração tanto a memória quanto a fantasia, teriam mais capacidade de guiar-se na

vida. A geometria contribui de modo eficaz, quando trabalhada de modo adequado. O autor

explica: o método geométrico é de grande utilidade para as mentes que se dedicam à

poesia, pois contribuem para a composição das ficções poéticas e, conforme o testemunho

de Aristóteles, Homero teria sido o primeiro a fazer uso de tal método. Vico escreve ainda:

del decoro, più di ogni altra difficile: perciò per noi se ne sta trascurata e incolta la compiutissima e

nobilissima dottrina dello stato‖. 113

Cf. VICO, Giambattista. De ratione, in: Opere, p. 131. 114

VICO, Giambattista. De ratione, in: Opere, p. 131: ―(...) questo metodo di studio determina nei giovani

tali danni che in seguito né si comportano nella vita civile com sufficiente prudenza, né sanno colorire e

infiamare opportunamente una orazione col calore dei sentimentei‖.

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Não tratei até aqui da poesia, em particular, porque o gênio poético sendo

um dom de Deus Ótimo Máximo não se pode buscar com outro meio.

Contudo, aqueles que são divinamente inspirados por esta faculdade, se

querem aperfeiçoá-la com os estudos literários, é necessário que cultivem

a flor de todos os estudos (...). Temos dito que a crítica do nosso tempo é

prejudicial à poesia, às vezes de tal crítica se nutrem as crianças, já que

ela cega nelas a fantasia e oprime a memória. Os melhores poetas, ao

contrário, são seres da fantasia e têm como numes particulares a Memória

e as suas filhas, as Musas. Mas se esta arte se ensina aos jovens já bem

educados nessas duas faculdades mentais, eu creio [ser] proveitosa à

poesia, porque, como diremos depois, os poetas olham para o verdadeiro

ideal universal. Também o método geométrico contribui muito para a

formação das ficções poéticas, isto é, as personagens no deccorrer da

fábula, se comportam sempre como foram representadas desde o início, e

essa arte a ensinou Homero, o primeiro de todos, segundo Aristóteles (...)

(tradução nossa) 115

.

A adoção do método crítico, próprio da ciência, é um dos principais causadores de

erros na prática civil. Isto porque a crítica elabora juízos convenientes com a reta razão

humana, ou seja, do modo ideal como o homem deve proceder. Na vida prática, ou melhor,

na prática civil, os indivíduos devem agir em conveniência com o que é verossímil, pois se

deve levar em conta que grande parte dos indivíduos possui um pequeno poder de

raciocínio: como ocorre nas crianças, nos jovens e nos ignorantes que são os homens de

pouca instrução. Conforme Vico explicita nesta passagem:

(...) em verdade, na vida prática, os estultos não se ocupam nem das mais

altas virtudes, nem das menores verdades; os astutos analfabetos

advertem as pequenas e não vêem as primeiras; os doutos imprudentes

julgam as coisas mais baixas com base nas mais altas, vice-versa os

sábios, as mais altas com base nas mais baixas. Mas as verdades

universais são eternas e aquelas particulares, de um momento a outro, se

tornam falsas; as coisas eternas estão acima da natureza e nesta não existe

115

VICO, Giambattista. De ratione, in: Opere, p. 145: ―Non ho trattato fin qui della poesia in particolare,

perché il genio poetico essendo dono di Dio ottimo massimo, non si può procurare con altro mezzo. Tuttavia

quelli che sono divinamente ispirati da questa facoltà, se vogliono perfezionarla con gli studi letterari, è

necessario che coltivino il fiore di tutti gli studi (...). Abbiamo già detto che la critica del nostro tempo è

dannosa alla poesia, qualora di una tale critica si nutrano i fanciulli, giacché essa acceca in loro la fantasia e

ne annienta la memoria. I poeti migliori, invece, sono esseri della fantasia e hanno come numi peculiari la

Memoria e le sue figlie, le Muse. Ma se quest‘arte si insegna ai giovani già bene educati in ambedue queste

facoltà mentali, io credo che giovi alla poesia, perché, come diremo poi, i poeti guardano al vero ideale

universale. Anche il metodo geometrico giova molto alla formazione delle finzioni poetiche, cioè i

personaggi per tutto lo svolgimento della favola si comportano sempre come sono stati ritratti da principio, e

quest‘arte, secondo Aristóteles, la insegnò Omero per primo (...)‖.

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coisa alguma que não seja móvel e mutável. Portanto, o verdadeiro

coincide com o bom, do qual tem os mesmos dotes e virtudes. Por isso o

estulto, ao qual são desconhecidas as verdades, universais e particulares,

paga continuamente o castigo de sua estultícia116

.

Segundo o autor esclarece o conhecimento não é a mesma coisa que sabedoria, uma

vez que aqueles dotados de conhecimento e erudição são passíveis de atitudes estultas. Daí

Vico sustentar que certos indivíduos, ainda que em posição de comando, prorrompem em

atitudes não de sábios, mas de néscio, pela negligência com que tratam o senso comum e,

muitas vezes, por tomar decisões sem refletir as consequências que ocasionam para si e

para os outros grandes prejuízos. Segundo Vico:

(...) procedem erroneamente aqueles que adotam na prática da vida o

método de julgar próprio da ciência; de fato eles medem os fatos segundo

a reta razão, enquanto os homens, por serem em grande parte estultos,

não se regulam segundo decisões racionais, mas conforme o capricho e o

acaso. E porque não têm cultivado o senso comum nem perseguido as

verossimilhanças, contentes apenas da verdade, não estimam como

concretamente a pensam os homens e se isto pareça a eles até verdadeiro:

o que não só para os simples citadinos, mas também para os optimates e

para os soberanos têm sido atribuído gravíssimo defeito, e por vezes, foi

grande dano e ruína117

.

116

VICO, Giambattista. De ratione, in: Opere, p. 133: ―(...) in verità, nella vita pratica, gli stolti non si

curano né delle più alte né delle più piccole verità; gli astuti analfabeti avvertono le piccole e non vedono le

prime; i dotti avventati giudicano le cose più basse in base alle più alte, viceversa i sapienti le più alte dalle

più basse. Ma le verità universali sono eterne e quelle particolari da um momento all‖altro divengono false; le

cose eterne stanno al di sopra della natura e in questa non esiste cosa che non sia mobile e mutevole. Pertanto

il vero coincide col buono, del quale ha le medesime doti e virtù. Perciò lo stolto, cui sono ignote tutte le

verità, universali e particolari, paga continuamente il fio della sua stoltezza‖. 117

VICO, Giambattista. De ratione, in: Opere, pp. 133-135: ―(...) procedono erroneamente coloro che

adottano nella prassi della vita il metodo di giudicare proprio della scienza; infatti essi misurano i fatti

secondo la retta ragione, mentre gli uomini, per essere in gran parte stolti, non si regolano secondo decisioni

razionali, ma secondo il capricico e il caso. E poiché non hanno coltivato il senso comune né mai perseguito

le verissimiglianze, contenti della sola verità, non apprezzano come in concreto la pensino gli uomini e se ciò

sembri loro pur vero: il che non solo per i semplici cittadini ma anche per gli ottimati e per i sovrani è stato

attribuito a gravissimo difetto e talvolta fu di gran danno e rovina‖.

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A tópica118

, elemento bastante utilizado na Retórica pelos antigos jurisconsultos,

deveria ser utilizada como um importante instrumento de instrução dos jovens. Conforme

Vico aborda na sua Autobiografia, ela é uma arte bem adequada às mentes dos jovens, por

apresentarem grande engenhosidade. A tópica possibilita um esquadrinhamento dos

elementos que se pretende investigar, pois é a arte de descobrir tudo quanto existe em um

elemento119

. Na época de Vico, esta arte, que deveria ser ensinada aos estudantes antes que

se dedicassem à crítica, era, entretanto, posta de lado: algo que também pruduziria efeitos

nefastos quando os jovens atingiam certa maturidade. Ao contrário, Vico adverte:

Hoje se celebra somente a crítica e a tópica não só não precede, mas até é

deixada para trás. E isso sem razão, porque como a descoberta dos

argumentos vem por natureza antes do juízo sobre a verdade, assim a

tópica, como matéria de ensino, deve preceder à crítica. Contudo, os

nossos a excluem, julgando-a boa para nada; desde que os homens sejam

críticos, afirmam, descobrirão aquilo que há de verdadeiro em cada coisa

ensinada e distinguirão, sem haver aprendido nenhuma tópica e seguindo

o mesmo critério do verdadeiro, as coisas verossímeis que estão em torno.

Mas quem pode estar certo de haver visto tudo?120

118

―A tópica, do grego τοπικός, é a parte da Retórica em sentido amplo que contém o arsenal de ideias ou

argumentos com os quais, por um lado, o orador pensa e organiza seu pensamento e, por outro, se prepara

para convencer o seu auditório (retórica stricto sensu) ou vencer a um adversário (dialética)‖. (tradução

nossa). [La topica, del griego τοπικός, es la parte de la retorica en sentido amplio que contiene el arsenal de

ideas o argumentos con los cuales, por un lado, el orador piensa y organiza su pensamiento y, por el otro, se

prepara para convencer a su auditorio (retorica stricto sensu) o vencer a un adversario (dialéctica)]. In:

http://es.wikipedia.org/wiki/T%C3%B3pica. (Consulta em 15/02/2011). 119

Ao escrever sobre a inserção da tópica, Vico diz ser um método com o qual dever-se-ia proceder para um

eficaz cultivo do engenho nas mentes infantis: ―Ao contrário, se eles na idade do engenho, que é a juventude,

se dedicassem à tópica, que é a arte de descobrir, que é o único privilégio dos engenhosos (como Vico, em

acordo com Cícero se dedicou na sua), eles preparariam a matéria para depois bem jugar, porque não se juga

bem se não se conhece tudo [a respeito] da coisa, e a tópica é a arte de encontrar em cada coisa tudo quanto

nela está‖ (tradução nossa). [Al contrario, se eglino nell'età dell'ingegno, che è la giovanezza, s'impiegassero

nella topica, che è l'arte di ritrovare, che è sol privilegio dell'ingegnosi (come il Vico, fatto accorto da

Cicerone, vi s'impiegò nella sua), essi apparecchierebbero la materia per poi ben giudicare, poiché non si

giudica bene se non si è conosciuto il tutto della cosa, e la topica è l'arte in ciascheduna cosa di ritrovare tutto

quanto in quella è]; (VICO, Giambattista. Vita scritta da se medesimo, in: Opere, p. 17.). 120

VICO, Giambattista. Vita scritta da se medesimo, in: Opere, p. 107: ―Oggi si celebra solo la critica e la

topica non solo non precede ma addirittura è lasciata indietro. E ciò a torto, poiché come la scoperta degli

argomenti viene per natura prima del giudizio sulla verità, così la topica, come materia di insegnamento, deve

precedere la critica. Eppure i nostri la escludono, giudicandola buona a nulla; purché gli uomini siano dei

critici, affermano, scopriranno ciò che c‘è di vero in ogni cosa insegnata e distingueranno, senza aver appreso

alcuna topica e seguendo lo stesso criterio del vero, le cose verosimili che stanno attorno. Ma chi può esser

certo d‘aver visto tutto?‖.

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62

Em seguida, Vico prossegue explicitando os contributos herdados tanto pela

Filosofia quanto pela Eloquência, pois para ele, é pela Filosofia e pela Eloquência que os

impulsos das paixões são refreados. Por meio da Filosofia, os sábios transformam as

perturbações do ânimo em virtudes. No vulgo, ou seja, nas pessoas comuns, é a Eloquência

que possibilita um reordenamento das paixões transformando-as em virtudes. Naquela

época, porém, alguns autores sustentavam que a Eloquência não assumia o mesmo papel

que antes exercera nas nações da Antiguidade, pois na modernidade as nações livres são

governadas pelas leis e não pelas palavras dos reis. Não podemos esquecer, Vico insiste, a

relevante importância da Eloquência, quando ainda se fazia uso do discurso nas questões

do Estado, no foro, nos senados ou nas assembléias. Segundo Vico:

Mas eles replicarão que hoje a forma dos estados é tal que nos povos não

reina mais a livre eloquência. Somos gratos aos príncipes que nos

governam com leis, não com palavras; mas, nestes mesmos estados,

oradores exímios foram famosos pela sua grandiloquência, agilidade e

ardor oratório, tendo brilhado no foro, no senado e nos púlpitos com mais

alta vantagem para o estado e com máxima glória para a linguagem

(tradução nossa) 121

.

Se na Antiguidade, a Filosofia era transmitida de modo conveniente e eloquente,

possibilitando ao Liceu e a Academia a formação de homens como Demóstenes e Cícero, o

método de ensino em voga, nos novos tempos é questionado por Vico, justamente pela

incapacidade de formar indivíduos que se expressassem com clareza, verdade e coerência

122. De acordo com Vico, os sábios conseguem induzir-se pela própria vontade ao

cumprimento de um dever, pois seus juízos estão em conformidade com a razão123

. Com os

homens comuns, no entanto, é preciso que sejam persuadidos para o cumprimento das leis.

121

VICO, Giambattista. De ratione, in: Opere, p. 139: ―Ma essi replicherano che oggi la forma degli stati è

tale che nei popoli non regna più la libera eloquenza. Siamo grati ai prìncipi che ci governano con leggi, non

com parole; ma, in questi stessi stati, oratori eccellenti per facondia, agilità e ardore oratorio hanno brillato

nel foro, nel senato e dal pulpito con sommo vantaggio per lo stato e con grandissima gloria per il loro

linguaggio‖. 122

Cf. VICO, Giambattista. De ratione, in: Opere, p. 135. 123

VICO, Giambattista. De ratione, in: Opere, p. 137: ―Os sábios suscitam em si este estado de ânimo com a

vontade, dócil sequaz da razão, pela qual basta lhes ensinar o dever para fazê-lo‖ (tradução nossa). [I sapienti

suscitano in sé questo stato d‘animo con la volontà, docile seguace della ragione, per cui basta loro insegnare

il dovere per farlo ].

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O vulgo é naturalmente inclinado a seguir suas paixões e quando largadas a si mesmas

tumultuam e arrastam os indivíduos à indolência, à corrupção e a outros vícios. Nesse

sentido, a função do orador é justamente convencer o vulgo do agir virtuoso, por meio de

―imagens corpóreas‖ [immagini corporee] que façam que o ouvinte ame e acredite no seu

discurso. De acordo com a seguinte passagem do VII capítulo do De ratione:

O vulgo está voltado e arrastado pela cobiça, que é tumultuosa e

turbulenta, como uma marca da alma contraída no contágio com o corpo,

do qual segue a natureza, onde não se remove se não mediante coisas

corpóreas. Portanto, deve-se atrair o ouvinte com imagens corpóreas, para

que ame, já que, se ama uma vez, facilmente se induzir-le-lo-á a crer;

(tradução nossa) 124

.

Por conseguinte, o bom orador deve ser capaz de dobrar os ânimos por meio da

palavra. Ele é capaz de fazer que o ouvinte, ainda que impotente, possa querer. Para ser

capaz de prender a atenção do ouvinte, este orador deve possuir três faculdades, conforme

estão contidos nos Princípios de Oratória. São elas: o deleitar, o ensinar e o comover125

.

Só quem possui tais requisitos poderá ser considerado completo na arte de persuadir 126

.

2.2 O projeto de uma nova scientia: a relevância da Filologia

Sem dúvida alguma, uma das ideias mais ousadas de Giambattista Vico consistiu

em elevar a Filologia à condição de ciência certa [scientia certae]. A relevância da

Filologia, no pensamento de Vico, deveu-se aos primeiros contatos com os eruditos de

Nápoles, quando ainda era membro de algumas Academias, em especial, aquela dos

124

VICO, Giambattista. De ratione, in: Opere, p. 137: ―Il volgo è volto e travolto dalla bramosia, che è

tumultuosa e turbolenta, come un marchio dell‘anima contratto a contagio col corpo, del quale segue la

natura, onde non si smuove se non mediante cose corporee. Pertanto, si deve attrarre l‘ascoltatore con

immagini corporee, perché ami, giacché, se ama una volta, facilmente lo si indurrà a credere;‖. 125

Conforme Vico escreve: ―Pelo qual, as partes do ofìcio de orador são deleitar, ensinar e comover‖

(tradução nossa). [Por lo cual, las partes del oficio de orador son deleitar, enseñar, conmover [delectare,

docere, commuovere]]. VICO, Giambattista. El sistema de los estúdios de nuestro tiempo y Principios de

oratoria. Edición de Celso Rodríguez Fernandez y Fernando Romo Feito. Madrid. Clássicos de la cultura.

Editorial Trotta S.A., 2005, p. 114. 126

Cf. VICO, Giambattista. De ratione, in: Opere, p. 137.

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Novatori. Foi nesse ambiente127

que ele conheceu Giuseppe Valleta128

(1636-1714),

filósofo, advogado e jurisconsulto, autor de ideias com forte fundamentação em pensadores

dos mais diversos ramos do conhecimento, e de escritos como o Discurso filosófico em

matéria de Inquisição e em torno da correção da filosofia de Aristóteles [Discorso

filosofico in materia di Inquisizione et intorno al corregimento della Filosofia di

Aristotele], de 1697 e História Filosófica [Historia philosofica]. Com este pensador, Vico

pode ter assim iniciado os seus primeiros estudos e progressos nos conteúdos filológicos.

É importante destacarmos também a figura de um dos seus quatro autores: Francis

Bacon129

. Sabe-se que a admiração de Vico por Bacon130

se deu em razão das ocupações

127

Sobre tal período são oportunas as observações de Dario Generali em relação à efervescência cultural em

Nápoles: ―No perìodo que seguiu a época dos investiganti, e nos primeiros decênios do século XVIII, a

heterogeneidade e a variedade das posições dos novatori teve um posterior destaque. De Lorenzo Ciccarelli a

Giuseppe Valleta, de Costantino Grimaldi a Bartolomeo Intieri e a Giacinto Gimma vieram, de fato, muitos

esforços de renovação da cultura citadina, que constituíram as premissas da sucessiva época iluminista, mas

que não foram de certo, sempre coerentes com o pensamento científico europeu moderno, como no caso de

Gimma, que não exitava em utilizar teses de Kircher com a finalidade de integrar e sustentar o

experimentalismo baconiano e galileano e que, junto a teorias de Descartes, Baglivi, Boyle e Gassendi, não

deixavam de considerar ideias de Plìnio, Patrizzi, Cardano e Della Porta‖ (tradução nossa). [Nel periodo che

seguì la stagione investigante e nei primi decenni del Settecento l‘eterogeneità e la varietà delle posizioni dei

novatori ebbe un‘ulteriore accentuazione. Da Lorenzo Ciccarelli a Giuseppe Valletta, da Costantino Grimaldi

a Bartolomeo Intieri e a Giacinto Gimma vennero infatti molti sforzi di svecchiamento della cultura cittadina,

che costituirono le premesse della successiva stagione illuministica, ma che non furono certo sempre coerenti

col pensiero scientifico europeo moderno, come nel caso di Gimma, che non esitava a utilizzare tesi di

Kircher al fine di integrare e sorreggere lo sperimentalismo baconiano e galileiano e che, insieme a teorie di

Descartes, Baglivi, Boyle e Gassendi, non disdegnava di considerare idee di Plinio, Patrizi, Cardano e Della

Porta]; (GENERALI, Dario. Web site Vita pensata: http://www.vitapensata.eu/2010/08/03/la-nuova-scienza-

in-italia-nel-primosettecento/ (Consulta em: 27/10/2010). 128

Cf. VICO, Giambattista. Opere. Comento e note, p. 1289. 129

Ver aqui as considerações de Bordogna sobre a influência de Bacon no ideário viquiano: ―Mas em Bacon

Vico devia, além disso, encontrar aquele conjunto de temas, contidos no De augmentis e no Novum organum

(outra obra recordada na Vita), relativos ao problema de uma reforma do saber e de uma ressistematização

dos conhecimentos. E Vico, percorrendo outra vez a estrada traçada por Bacon, devia rapidamente ter tomado

consciência da exigência da descoberta de um método que permitisse realizar uma efetiva sistematização do

saber e que consentisse reformar, nos seus princípios e nas suas funções, os instrumentos dos quais tinha se

servido, tradicionalmente, o conhecimento: a lógica e a retórica‖ (tradução nossa). [Ma in Bacone dovette

inoltre ritrovare quell‘insieme di temi, contenuto nel De augmentis e nel Novum organum (altra opera

ricordata nella Vita), relativi al problema di una riforma del sapere e di una risistemazione delle conoscenze.

E Vico, ripercorrendo la strada tracciata da Bacone, doveva rendersi ben presto conto dell‘esigenza del

ritrovamento di un metodo che permettesse di realizare un‘effetiva sistemazione del sapere e che consentisse

di riformare, nei loro princìpi e nelle loro funzioni, gli strumenti di cui si era avvalsa tradizionalmente la

conoscenza: la logica e la retorica]; (BORDOGNA, Alberto. Gli idoli del foro: Retórica e mito nel pensiero

di Giambattista Vico, pp. 27-28.). 130

Bordogna em seu livro Os ídolos do Foro [Gli idoli del foro], reforça o grau de influência de Francis

Bacon, em particular, os ídolos baconianos marcaram o ingenium do criador da Nuova scienza. Tais ídolos

possuem certa semelhança com aqueles elementos denominados, ora de caracteres poéticos [caratteri

poetici], ora universais fantásticos [universale fantastici]. Para Bordogna: ―Bacon no Novum organum havia

destacado que as palavras da língua natural contêm ‗preconceitos‘, os <<idolos do foro>>, e havia exigido

esclarecimentos sobre esses conceitos sobrecarregados de ‗preconceitos‘: daí o significado da sua proposta de

uma língua universal da verdade e da ciência. Vico com a sua ideia de um dicionário mental comum retoma

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que esse pensador desempenhava na Inglaterra, ou seja, dedicando-se às ciências, às artes e

ao governo. Duas obras marcaram o pensamento viquiano: Da sabedoria dos antigos [De

sapietia veterum], de 1609, e O progresso das ciências [De dignate et augmentis

scientiarum], de 1624. Vico considerava-o como um homem de doutíssima sabedoria e

profundo conhecedor da tradição douta e vulgar. Segundo narra em sua Vita:

Quando finalmente tomou conhecimento de Francis Bacon, senhor de

Verulâmio, homem igualmente de incomparável sabedoria, quer vulgar

quer secreta, assim como aquele que foi, ao mesmo tempo, um homem

universal na doutrina e na prática, como raro filósofo e grande ministro

de estado da Inglaterra (tradução nossa) 131

.

Também no De ratione, Vico escreve:

Francis Bacon no áureo livreto Sobre o progresso das ciências,

indica quais novas artes e ciências são necessárias, além das que

temos até agora, e até que ponto é preciso para desenvolver aquelas

que temos, a fim de que, a sabedoria humana alcance a total

perfeição (tradução nossa)132.

Segundo Vico, assim como os gregos tiveram um Platão e não tiveram um Tácito,

faltou aos gregos e latinos Francis Bacon133

. O nobre inglês cometera, não obstante os seus

tal crítica baconiana, mas a neutraliza completamente, mostrando que as palavras das diversas línguas não

são outras coisas senão visões particulares sob as quais se pode ver a mesma coisa, no mesmo modo em que

os deuses das várias nações, ainda que assumindo diferentes denominações, significam os mesmos caracteres

poéticos‖ (tradução nossa). [Bacone nel Novum organum aveva rilevato che le parole della lingua naturale

contengono dei ―pregiudizi‖, gli <<idoli del foro>>, ed aveva chiesto di far luce su questi concetti gravati

da dei pregiudizi: da qui il significato della sua proposta di una lingua universale della verità e della scienza.

Vico con la sua idea di un dizionari mentale comune riprende tale critica baconiana ma la neutralizza

completamente, mostrando che le parole delle diverse lingue non sono che delle visioni particolari sotto cui si

può vedere la stessa cosa; nello stesso modo in cui gli dèi delle varie nazioni, pur assumendo differenti

denominazioni, significano gli stessi carateri poetici] (BORDOGNA, Alberto. Gli idoli del foro: Retórica e

mito nel pensiero di Giambattista Vico, p. 140.). 131

VICO, Giambattista. Vita scritta da se medesimo, in: Opere, p. 30: ―Quando finalmente venne a lui in

notizia Francesco Bacone signor di Verulamio, uomo ugualmente d‘incomparabile sapienza e volgare e

riposta, siccome quello che fu insieme insieme un uomo universale in dottrina ed in pratica, come raro

filosofo e gran ministro di stato dell‘Inghilterra‖. 132

VICO, Giambattista. De ratione, in: Opere, p. 93: ―Francesco Bacone nell‘aureo libreto Sui progressi

delle scienze indica quali nuove arti e scienze occorrano oltre quelle che abbiamo sinora, e sino a qual punto

occorre sviluppare quelle che abbiamo affinché la sapienza umana raggiunga la tottale perfezione‘. 133

Vico escreve na sua Autobiografia: ―(...) como Platão é o prìncipe do saber dos gregos e um Tácito não

tiveram os gregos, assim um Bacon falta aos latinos e aos gregos, que um só homem visse o quanto falte no

mundo das letras, que se deveria encontrar outra vez e promover, (...) e de quantos e quais defeitos fosse

necessário se corrigir; (...) E, tendo Vico proposto estes três autores singulares de tê-los sempre diante dos

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grandes feitos, alguns equívocos que até mesmo Vico incorrera em seu escrito De

Antiquíssima 134

:

Após o erro anterior, que esconderam mistérios elevadíssimos de

sabedoria secreta nas fábulas, onde tanto se desejou nas fábulas a

descoberta da sabedoria dos Antigos, desde os tempos de Platão até os

nossos dias, isto é, de Bacon de Verulâmio. Mas foi por eles escondida a

sabedoria daquela espécie que as coisas sagradas próximas a todas as

nações foram tidas ocultas aos homens profanos (tradução nossa) 135

.

Com a certeza do papel relevante da Filologia e dos argumentos fundamentados em

pensadores de grande autoridade, como representava Bacon, Giambattista Vico defendia

não ser preciso abandonar o legado histórico-cultural conquistado. O discurso dos

cartesianos, até então, tinha como principal fundamento e objeto de estudo aqueles

conhecimentos oriundos das experiências dos cientistas e, em especial, aqueles dedicados à

Medicina136

. Vico recebera certa influência de tais doutrinas, ao fazer uso da expressão

arte diagnóstica137

[arte diagnostica], pois, juntamente com a sua nova arte crítica [nuova

arte critica], complementava uma metodologia para descobrir a veracidade das coisas

investigadas. Em oposição, porém, àquela orientação de se guiar por cientistas e médicos,

Vico toma os exemplos de jurisconsultos e humanistas138

.

olhos no meditar e no escrever, assim andou polindo os seus trabalhos do engenho, (...)‖ (tradução nossa).

[come Platone è il principe del sapere de‘ greci e un Tacito non anno i greci, cosí un Bacone manca ed a‘

latini e d a‘ greci; che un sol uom vedesse quanto vi manchi nel mondo delle lettere che si dovrebbe

ritruovare e promuovere, (...) di quanti e quali difetti sia egli necessario emendarsi; (...) E, propostisi il Vico

questi tre singolari auttori da sempre avergli avanti gli occhi nel meditare e nello scrivere, così andò

dirozzando i suoi lavori d‘ingegno, (...)‖]; (VICO, Giambattista. Vita scritta da se medesimo, p. 30.). 134

Comentando ainda sobre tais motivações, ver VICO, Giambattista. Vita scritta da se medesimo, p. 38. 135 VICO, Giambattista. Princìpi di una Scienza nuova [1725], in: Vico opere, p. 1215: ―In seguito

dell'antecedente errore, che nascondessero altissimi misteri di sapienza riposta entro le favole: onde si è

cotanto desiderato entro le favole la discoverta della sapienza degli Antichi, da' tempi di Platone fino a' dì

nostri, cioè di Bacone da Verulamio. - Ma fuvvi da essi nascosta la sapienza di quella spezie che le cose sacre

appo tutte le nazioni furono tenute occulte agli uomini profani‖. 136

Cf. BORDOGNA, Alberto. Gli idoli del foro: Retórica e mito nel pensiero di Giambattista Vico, p. 23. 137

Sobre a arte diagnóstica e suas prováveis origens no ideário viquiano, algo pode ser desvelado quando na

Ciência Nova segunda, o autor faz alusão ao método filosófico dos primeiros autores da humanidade, a

αύτοψία, e que dela particularmente se aplicou Epicuro. Conforme podemos ler na página 323 edição

portuguesa que utilizamos aqui. 138

Sobre as influências da medicina no pensamento de Vico, Bordogna escreve: ―De fato, como já tenho dito,

a defesa dos ‗modernos‘ não vinha mais conduzida pelos cientistas e médicos, mas por juristas e

humanistas‖(tradução nossa). [Difatti, come ho già detto, la difesa dei ―moderni‖ non veniva più condota da

scienziati e medici, bensì da giuristi ed umanisti]; (BORDOGNA, Alberto. Gli idoli del foro: Retórica e mito

nel pensiero di Giambattista Vico, pp. 22-23.).

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Conforme expressa na sua Autobiografia, era preciso uma articulação entre

Filosofia e Filologia, pois, conforme ele advertia, a Filologia auxiliaria à Filosofia, uma

vez que ambas poderiam se complementar e as duas andaram, durante certo tempo,

isoladas, mas agora deveriam ser conciliadas. Trata-se de

(...) uma filologia que apresentasse necessidade de ciência em ambas as

suas partes, que são as duas histórias, uma das línguas, a outra das coisas;

e da história das coisas se certificasse aquela das línguas, de tal conduta

que deste sistema compusesse amigavelmente, quer as máximas dos

sábios da academia quer as práticas dos sábios das repúblicas (tradução

nossa)139

.

Em sua Scienza nuova prima, Vico opôs-se àquelas incoerências que filósofos e

filólogos acabaram incorrendo: os filósofos por não acreditarem que toda a sabedoria deles

só foi possível mediante o surgimento e desenvolvimento da religião e das leis; os filólogos

por não compreenderem as próprias matérias que estudavam em virtude das divergências

de opiniões e por alguns erros motivados por informações imprecisas e desconexas. daí

Vico sustentar:

Infeliz razão disso tem sido, porque nos falta até agora uma ciência a qual

fosse, ao mesmo tempo, história e filosofia da humanidade. Porque os

filósofos já têm meditado sobre a natureza humana grosseira a partir das

religiões e das leis, das quais, (...) eles se originaram filósofos; e não

meditaram sobre a natureza humana, da qual se originaram as religiões e

as leis, em meio às quais provieram esses filósofos. Os filólogos, pelo

fato comum da antiguidade, que, com o demasiado distanciar-se de nós,

se faz perder de vista, têm transmitido dela as tradições vulgares assim

desfiguradas, dilaceradas e divididas que, se não se restitui os aspectos

próprios delas, não se recompõem os pedaços e não se dispõem nos

lugares delas, a quem medite sobre com um pouco de seriedade, parece

ter sido totalmente impossível ter podido elas nascer tais, não só nas

alegorias que elas têm se agarrado, mas nos mesmos vulgares

sentimentos, com os quais bem longa idade, pela mão de gentes rudes e

ignorantes completamente das letras, elas chegaram até nós (tradução

nossa) 140

.

139

VICO, Giambattista. Vita scritta da se medesimo, in: Opere, p. 45: ―(...) una filologia che portasse

necessità di scienza in entrambe le sue parti, che sono le due storie, una delle lingue, l'altra delle cose; e dalla

storia delle cose si accertasse quella delle lingue, di tal condotta che sì fatto sistema componesse

amichevolmente e le massime de' sapienti dell'accademie e le pratiche de' sapienti delle repubbliche‖ 140

VICO, Giambattista. Princìpi di una Scienza nuova [1725], in: Opere, pp. 990-991: ―Infelice cagione di

ciò ella è stata, perché ci è mancata finora una scienza la quale fosse, insieme, istoria e filosofia dell' umanità.

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Não obstante tantas dúvidas e obscuridades, no que diz respeito à origem das

línguas, Giambattista Vico dedicou-se ao estudo das mesmas, abordando tal tema no livro

Sobre a antiga sabedoria dos italianos [De antiquissima italorum sapientia], de 1710,

inspirado, conforme as palavras presentes no exórdio da obra, no Crátilo de Platão e no De

Sapientia Veterum de Bacon141

. Outro autor relevante para os estudos filológicos foi Pico

della Mirandola (1463 – 1494), humanista pertencente ao Renascimento e admirador das

ideias platônicas e da cabala judaica, fez em seus escritos uso de argumentos filológicos

para fundamentar suas ideias, não obstante seus argumentos carecerem ainda de

fundamentos verdadeiramente científicos. Daí a novidade da proposta viquiana na busca de

pensar uma filologia como verdadeira ciência, confrontada e comparada com os

argumentos dos filósofos.

A verdade é que Vico rompe posteriormente com o modelo renascentista de

concepção poietico-mitológica. Ele percebeu que a filologia do período renascentista não

possuía fundamentos que a justificasse como uma ciência certa, nesse ponto concordando

com Descartes. Em sua Autobiografia, Vico sustenta que Pico della Mirandola, nas suas

célebres Novecentas teses, tinha a pretensão de abarcar todo o conhecimento humano, e

alguns doutos haviam aproximado a seu projeto de saber,

Imperciocché i filosofi han meditato sulla natura umana incivilita già dalle religioni e dalle leggi, dalle quali,

(...), erano essi provenuti filosofi; e non meditarono sulla natura umana, dalla quale erano provenute le

religioni e le leggi, in mezzo alle quali provennero essi filosofi. I filologi, per lo comun fato dell'antichità,

che, col troppo allontanarsi da noi, si fa perdere di veduta, ne han tramandato le tradizioni volgari così

svisate, lacere e sparte che, se non si ristituisce loro il propio aspetto, non se ne ricompongono i brani e non si

allogano a' luoghi loro, a chi vi mediti sopra con alquanto di serietà, sembra essere stato affatto impossibile

aver potuto esse nascere tali, nonché nelle allegorie che loro sono state appiccate, ma negli stessi volgari

sentimenti, co' quali ben lunga età, per mano di genti rozze ed ignoranti affatto di lettere, esse ci sono

pervenute‖. 141

Sobre tal argumento, ver: VICO, Giambattista. L’antichíssima Sapienza degli italici da ricavarsi dalle

origini della lingua latina [De antiquissima italorum sapientia ex linguae latiniae originibus eruenda -

1710]. In: Opere filsofiche, trad. it. Paolo Cristofolini, Firenze: Sansoni, 1971, p. 58: ―Também Platão, com

efeito, se esforçou no Crátilo para alcançar por esta mesma via a antiga sabedoria dos gregos. Por esta razão,

o que levou a cabo Varrão nas Origines, Julio César Escalígero no Das causas da língua latina, Francisco

Sanchez na Minerva e Gaspar Schopp nas notas ao mesmo livro, está muito distante da nossa empresa. Pois

eles se esforçaram em desvelar as causas da língua e em apreender seu sistema a partir da filosofia na qual

haviam sido instruídos e que cultivavam. Nós em troca, sem estarmos inscritos em nenhuma escola, vamos

indagar qual tenha sido a sabedoria dos antigos italianos com base nas próprias origens dos

vocábulos‖(tradução nossa). [Anche Platone infatti, nel Cratilo, si sforzò di raggiungere l‘antica sapienza dei

Greci per la stessa via. Pertanto ciò che fecero Varrone nelle Origines, Giulio Scaligero nel De caussis

latiniae linguae, Francisco Sanchez nella Minerva, e Gaspare Schoppe nelle notae al medesimo libro, è molto

lontano dal nostro assunto. Essi infati si adoperarono a dedurre le cause della língua dalla filosofia in cui

ciascuno di essi era Dotto e colto, e di raccoglierle in un sistema. Noi invece, senza essere affiliati ad alcuna

scuola, ricercheremo quale sai stata la sapienza degli antichi Italici dalle origini stesse delle parole].

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(...) afirmando que não tanto era comprometido Pico della Mirandola

quando se propôs defender <conclusiones de omni scibili>, porque

deixou a grande e maior parte da filologia, a qual, em torno a inumeráveis

coisas das religiões, línguas, leis, costumes, domínios, comércios,

impérios, governos, ordens, e outras, é nos seus começos mutilada,

obscura, irracional, inconcebível e inteiramente desesperada de poder se

reduzir a princípios de ciência (tradução nossa)142

.

Em outra importante obra, a saber, o Direito Universal [Diritto Universale], Vico

anunciava o seu estudo sobre tais questões no Capitulo I – Onde se tenta uma nova scienza

[Nova Scientia Tentatur] - da segunda parte intitulada A coerência da Filologia [De

Constantia Philologiae], em que apresenta a importância da Filologia143

. A Autobiografia

testemunha o cumprimento de ele haver concretizado aquilo que anunciara no De uno144

.

As ideias que Vico publicou apenas na forma de esboço e, conforme suas palavras,

de modo um tanto quanto confuso no Diritto universale, seriam ampliadas e aprofundadas

na Scienza Nuova prima no ano de 1725. Ideias como aquela das fábulas das XII tábuas145

142

VICO, Giambattista. Vita Scritta da se medesimo, in: Opere, p. 46: ―(...) dicendo che non di tanto si era

compromesso Pico della Mirandola quando propose sostenere <<conclusiones de omni scibili>>, perché ne

lasciò la grande e maggior parte della filologia, la quale, intorno a innumerabili cose delle religioni, lingue,

leggi, costumi, domìni, commerzi, imperi, governi, ordini ed altre, è ne' suoi incominciamenti mozza, oscura,

irragionevole, incredibile e disperata affatto da potersi ridurre a' princípi di scienza‖. 143

Vejamos as considerações oriundas da pesquisa elaborada por Liliane Severiano Silva: ―O anúncio de uma

nuova scienza se faz presente já no Diritto Universale, quando no capítulo I – Onde se tenta uma nova

scienza [Nova Scientia Tentatur] - da segunda parte intitulada A coerência da Filologia [De Constantia

Philologiae]. Algumas questões iniciadas no Diritto Universale se desenvolverão na Scienza Nuova de 1725,

tais como as relações entre Filologia e Filosofia como saberes intrinsecamente ligados, no intuito de

investigar por meios seguros os princìpios da humanidade‖. (SILVA, Liliane Severiano. Do sistema do

direito universal a uma nuova scienza da vida civil: a invenção de Giambattista Vico, p. 88.). 144

Segundo Vico: ―(...) onde se inicia a filologia a se reduzir a princípio de ciência, e, com efeito,

reconhecendo outra vez, que a promessa feita por Vico na terceira parte da dissertação não era vã, não só pela

parte da filosofia, mas (...) nem menos por aquela da filologia, pelo que sobre tal sistema se faziam muitas e

importantes descobertas de coisas todas novas e todas distantes da opinião de todos os doutos de todos os

tempos, a obra não ouviu outra acusação: que não se compreendia ela. Mas atestaram ao mundo que ela fosse

compreendida muito bem por homens muito doutos da cidade, os quais aprovaram-na publicamente e a

elogiaram com seriedade e com eficácia, cujos elogios se lêem na obra mesma‖ (tradução nossa). [(...)donde

s‘incomincia la filologia a ridurre a princípi di scienza, e ritruovando infatti che la promessa fatta dal Vico

nella terza parte della dissertazione non era punto vana non solo per la parte della filosofia, ma (...) né meno

per quella della filologia, anzi di piú che sopra tal sistema vi si facevano molte ed importanti scoverte di cose

tutte nuove e tutte lontane dall‘oppinione di tutti i dotti di tutti i tempi, non udí l‘opera altra accusa: che ella

non s‘intendeva. Ma attestarono al mondo che ella s‘intendesse benissimo uomini dottissimi della città, i

quali l‘approvarono pubblicamente e la lodarono con gravità e con efficacia, i cui elogi si leggono nell‘opera

medesima]; (VICO, Giambattista. Vita Scritta da se medesimo, in: Opere, p. 47.). 145

Este código de leis foi um dos resultados da luta por igualdade levada a cabo pelos plebeus em Roma. A

escola tradicionalista atribui, ao tribuno da plebe, Gaio Arsa, a criação de uma magistratura no ano de 461

a.C. encarregada de fazer redigir uma forma de lei que diminuísse o arbítrio dos cônsules. Em contrapartida,

a lei escrita traria uma menor variação nos julgamentos que envolvessem Patrícios e Plebeus, já que, sendo os

juizes de origem patrícia, a tendenciosidade de seus julgamentos se mostrava óbvia. Teria sido enviada à

Grécia uma comissão com a incumbência de estudar as leis de Sólon. Dois anos depois foi nomeada uma

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que se acreditava terem sido trazidas de Atenas para Roma146

, representava uma

antecipação do herói grego Hércules como caractere dos primeiros desbravadores do

mundo147

. A obra foi endereçada a todas as universidades da Europa e tinha a proposta de

demonstrar outros princípios para o direito natural que, segundo Vico, havia sido, até

então, raciocinado com base na mente dos filósofos, quando em verdade devia ter sido

realizada em concordância com a mente dos primeiros jurisconsultos da humanidade148

.

Giambattista Vico diz que para a elaboração do seu novo escrito, a Ciência Nova,

procurou levar em consideração todas as especulações sobre o Diritto Universale149

.

Comenta também na sua Autobiografia sobre o seu novo método investigativo por ele

magistratura extraordinária composta por dez membros, os decênviros (= dez varões) que teria redigido a

posteriormente nomeada Lei das XII Tábuas. In: http://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/12tab.htm.

(Consulta em: 24 de agosto de 2010.). 146

Nesse sentido Vico escreve: ―E demonstra a vaidade da fábula das leis das XII tábuas vindas de Atenas‖

(tradução nossa). [E dimostra la vanità della favola della legge delle XII tavole venuta da Atene]; ( VICO,

Giambattista. Vita Scritta da se medesimo, in: Opere, p. 58.). 147

Para Vico: ―(...) cuja história ele explica com suma facilidade descrita pelos gregos toda no caractere do

Hércules tebano deles, que certamente foi o máximo herói dos gregos, de cuja raça foram certamente os

heráclidas, pelos quais, sob dois reis, se governava o reino espartano, que sem contraste foi aristocrático‖

(tradução nossa). [(...)la cui storia egli spiega con somma facilità descrittaci da' greci tutta nel carattere del

loro Ercole tebano, che certamente fu il massimo de' greci eroi, della cui razza furono certamente gli Eraclidi,

da' quali sotto due re si governava il regno spartano, che senza contrasto fu aristocratico]; (Ibidem). 148

Vico descreve assim na primeira edição da Scienza Nuova: ―E no fim do ano de 1725 veio a público em

Nápoles, pela imprensa de Felice Mosca, um livro em duodécimo, de doze folhas, não mais, em caracteres de

pequeno testo, com o título: Princípios de uma ciência nova em torno da natureza das nações, pelas quais se

encontram outros princípios do direito natural das gentes, e com um elogio o endereça às universidades da

Europa. Nesta obra ele reconhece finalmente, todo exposto, aquele princípio, que ainda confusamente e não

com toda distinção havia compreendido nas suas obras anteriores. Por isso, ele aprova uma necessidade

indispensável, também humana, de repetir as primeiras origens de tal Ciência com base nos princípios da

história sacra, e, por um desespero demonstrado tanto pelos filósofos como pelos filólogos para encontrar os

progressos nos primeiros autores das nações gentias, (...)‖ (tradução nossa). [E nel fine dell'anno 1725 diede

fuori in Napoli, dalle stampe di Felice Mosca, un libro in dodicesimo di dodeci fogli, non più, in carattere di

testino, con titolo: Princìpi di una Scienza nuova d'intorno alla natura delle nazioni, per li quali si

ritruovano altri princìpi del diritto naturale delle genti, e con uno elogio l'indirizza alle università

dell'Europa. In quest'opera egli ritruova finalmente tutto spiegato quel principio, ch'esso ancor confusamente

e non con tutta distinzione aveva inteso nelle sue opere antecedenti. Imperciocché egli appruova una

indispensabile necessità, anche umana, di ripetere le prime origini di tal Scienza da' princìpi della storia

sacra, e, per una disperazione dimostrata così da' filosofi come da' filologi di ritrovarne i progressi ne' primi

auttori delle nazioni gentili, (...)]; (VICO, Giambattista. Vita Scritta da se medesimo, in: Opere, pp. 54-55.). 149

Sobre as observações de Le Clerck em relação a seu escrito, Vico comenta: ―(...) fazendo mais amplo,

antes um vasto uso de um dos juízos que o senhor Jean Le Clerck havia dado da obra antecedente, que depois

ele << pelas principais épocas depois deu em abreviação do dilúvio universal até o fim da segunda guerra de

Cartago, discorrendo sobre diversas coisas que seguiram neste espaço de tempo, faz muitas observações de

filologia sobre um grande número de matérias, corrigindo quantidades de erros vulgares, cujos homens muito

entendedores não haviam observado>> (...)‖ (tradução nossa). [(...) facendo più ampio, anzi un vasto uso di

uno de' giudizi che 'l signor Giovanni Clerico avea dato dell'opera antecedente, che ivi egli «per le principali

epoche ivi date in accorcio dal diluvio universale fino alla seconda guerra di Cartagine, discorrendo sopra

diverse cose che seguirono in questo spazio di tempo, fa molte osservazioni di filologia sopra un gran numero

di materie, emendando quantità di errori volgari, a' quali uomini intendentissimi non hanno punto

badato»(...)]; (VICO, Giambattista. Vita Scritta da se medesimo, in: Opere, pp. 55.).

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denominando de ―nuova arte crítica‖, pois possibilita o desvelamento da história universal

antiga perdida nas fábulas da gentilidade. Com tal procedimento, Vico pretende descobrir

as origens históricas da Filosofia, das formas de governo com as quais se governaram, se

governam e finalmente terminam os povos. Conforme ele apresenta neste extenso

paragrafo:

(...) descobre esta nova Ciência em virtude de uma nova arte crítica para

avaliar o verdadeiro nos autores das nações mesmas no interior das

tradições vulgares das nações que eles fundaram, depois dos quais, após

milhares de anos, vieram os escritores, sobre os quais se envolve esta

crítica utilizada; e, com a chama de tal nova arte crítica, descobre todas as

outras com base naquelas que tem sido imaginadas até agora as origens

de quase todas as disciplinas, sejam ciências ou artes, que necessitam

para raciocinar com ideias esclarecidas e com falares próprios do direito

natural das nações. Em seguida, ele divide os princípios em duas partes,

uma das ideias, uma outra das línguas. E para aquela das ideias descobre

outros princípios históricos de cronologia e geografia, que são os dois

olhos da História, e, portanto, os princípios da história universal que tem

faltado até agora. Descobre outros princípios históricos da filosofia, e

primeiramente uma metafísica do gênero humano, ou seja, uma teologia

natural de todas as nações, com a qual cada povo naturalmente imaginou

para si mesmo os seus próprios deuses por um certo instinto natural que

tem o homem da divindade, com cujo temor os primeiros autores das

nações foram se unindo com certas mulheres em perpétua companhia de

vida, que foi a primeira sociedade humana dos matrimônios; e se

descobre ter sido o mesmo o grande princípio da teologia dos gentios e

aquele da poesia dos poetas teólogos, que foram os primeiros no mundo e

aqueles de toda a humanidade gentilesca. De tal metafísica descobre uma

moral e, em seguida, uma política comum às nações, sobre as quais funda

a jurisprudência do gênero humano, variante para certas seitas dos

tempos, assim como essas nações vão todavia desenvolvendo mais as

ideias da natureza delas, em consequência das quais, mais desenvolvidas,

vão modificando os governos, a última forma das quais demonstra ser a

monarquia, na qual irão repousar por natureza as nações (tradução

nossa)150

.

150

VICO, Giambattista. Vita Scritta da se medesimo, in: Opere, pp. 55-56: ―(...) discuopre questa nuova

Scienza in forza di una nuova arte critica da giudicare il vero negli auttori delle nazioni medesime dentro le

tradizioni volgari delle nazioni che essi fondarono, appresso i quali doppo migliaia d'anni vennero gli

scrittori, sopra i quali si ravvoglie questa critica usata; e, con la fiaccola di tal nuova arte critica, scuopre

tutt'altre da quelle che sono state immaginate finora le origini di quasi tutte le discipline, sieno scienze o arti,

che abbisognano per raggionare con idee schiarite e con parlari propi del diritto naturale delle nazioni. Quindi

egli ne ripartisce i princìpi in due parti, una delle idee, un'altra delle lingue. E per quella dell'idee, scuopre

altri princìpi storici di cronologia e geografia, che sono i due occhi della storia, e quindi i princìpi della storia

universale, c'han mancato finora. Scuopre altri princìpi storici della filosofia, e primieramente una metafisica

del genere umano, cioè una teologia naturale di tutte le nazioni, con la quale ciascun popolo naturalmente si

finse da se stesso i suoi propri dèi per un certo istinto naturale che ha l'uomo della divinità, col cui timore i

primi auttori delle nazioni si andarono ad unire con certe donne in perpetua compagnia di vita, che fu la

prima umana società de' matrimoni; e sì scuopre essere stato lo stesso il gran principio della teologia de'

gentili e quello della poesia de' poeti teologi, che furono i primi nel mondo e quelli di tutta l'umanità

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Vico comprova ser a sua Scienza nuova uma obra que abrange não apenas temas

pertinentes ao Direito, mas também à Teologia, pois, conforme argumenta no decorrer de

toda a obra, tudo o que os homens fizeram para a vida civil teve em primeira instância uma

crença no divino. Os primeiros pais do gênero humano começaram o mundo civil com a

crença em uma força superior, e que os povos tiveram princípios na bárbárie, pois, após

algum tempo, quando do refreamento dos seus instintos bestiais, surge a civilidade,

primeiro com os poetas teólogos e só muito tardiamente surgiriam os filósofos.

A Scienza nuova tem como um dos seus objetivos confrontar as doutrinas

filosóficas e jurídicas que negavam a atuação da Providência Divina no mundo civil das

nações, por isso o autor lançou severas críticas aos três jusnaturalistas: Grócio, Selden e

Pufendorf. Ele argumenta:

(...) que aqueles nos princípios surgiram e estiveram firmes com base em

práticas de um justo eterno, mas as nações pagãs, conduzindo-as

absolutamente a Providência divina, foram igualmente variando com

constante uniformidade por três espécies de direitos, correspondentes as

três épocas e líguas dos egípcios: o primeiro, divino, sob o governo do

verdadeiro Deus com os hebreus e de falsos deuses entre os gentios; o

segundo, heróico, ou próprio dos heróis, posto em meio aos deuses e os

homens; o terceiro, humano, ou da natureza humana totalmente

desenvolvida e reconhecida igual em todos, do qual último direito podem

unicamente provir nas nações os filósofos, os quais sabiam compô-lo por

raciocínios com base nas máximas de um justo eterno. No que têm errado

em concordar Grócio, Selden e Pufendorf, os quais, por defeito de uma

arte crítica sobre os autores mesmos das nações, julgando-lhes sábios de

sabedoria secreta, não viram que aos gentios a Providência foi a divina

mestra da sabedoria vulgar, da qual entre eles, no princípio dos séculos

saiu a sabedoria secreta; onde têm confundido o direito natural das

nações, surgido com os costumes delas mesmas, com o direito natural dos

filósofos, que aqueles têm compreendido pela força dos raciocínios, sem

distinguir com algum privilégio um povo eleito de Deus pelo seu

verdadeiro culto, por todas as outras nações perdido (tradução nossa)151

.

gentilesca. Da cotal metafisica scuopre una morale e quindi una politica commune alle nazioni, sopra le quali

fonda la giurisprudenza del genere umano variante per certe sette de' tempi, sì come esse nazioni vanno

tuttavia più spiegando l'idee della loro natura, in conseguenza delle quali più spiegate vanno variando i

governi, l'ultima forma de' quali dimostra essere la monarchia, nella quale vanno finalmente per natura a

riposare le nazioni‖. 151

VICO, Giambattista. Vita Scritta da se medesimo, in: Opere, p. 59: ―(...) che quelli da principio sorsero e

stieron fermi sopra pratiche di un giusto eterno, ma le pagane nazioni, conducendole assolutamente la

providenza divina, vi sieno ite variando con costante uniformità per tre spezie di diritti, corrispondenti alle tre

epoche e lingue degli egizi: il primo, divino, sotto il governo del vero Dio appo gli ebrei e di falsi dèi tra'

gentili; il secondo, eroico, o propio degli eroi, posti in mezzo agli dèi e gli uomini; il terzo, umano, o della

natura umana tutta spiegata e riconosciuta eguale in tutti, dal quale ultimo diritto possono unicamente

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A mais coerente forma para facilitar uma apropriada compreensão de tais princípios

da humanidade, seria, portanto, dividi-las em história das línguas e história das ideias, uma

vez que nos encontramos impossibilitados de conhecer, pela carência de matérias e

conteúdos, tais questões. Daí aconselhar um esforço para se compreender aquelas

primeiras coisas humanas, como elas de fato surgiram, ou seja, sem uma reflexão por parte

dos filósofos, tampouco com alguma descrição por parte dos filólogos.

2.3 Da nova arte crítica à arte diagnóstica: a Scienza nuova prima

Com os novos rumos do seu pensamento, Giambattista Vico inicia a exposição de

suas ideias e dos novos métodos mediante os quais seus objetivos seriam realizados. Ele se

opõe, porém, àquelas concepções presentes em sua época, pois identificava nas mesmas

uma forte influência de doutrinas de escassa contribuição para a vida civil, em especial,

aquelas de orientação estoicista e epicurista152

. Em contraposição à crítica adotada pelos

cartesianos, de matiz analítica, Vico propõe uma nova arte crítica153

[nuova arte critica].

provenire nelle nazioni i filosofi, i quali sappiano compierlo per raziocini sopra le massime di un giusto

eterno. Nello che hanno errato di concerto Grozio, Seldeno e Pufendorfio, i quali per difetto di un'arte critica

sopra gli auttori delle nazioni medesime, credendogli sapienti di sapienza riposta, non videro che a' gentili la

providenza fu la divina maestra della sapienza volgare, dalla quale tra loro, a capo di secoli uscì la sapienza

riposta; onde han confuso il diritto naturale delle nazioni, uscito coi costumi delle medesime, col diritto

naturale de' filosofi, che quello hanno inteso per forza de' raziocini, senza distinguervi con un qualche

privilegio un popolo eletto da Dio per lo suo vero culto, da tutte le altre nazioni perduto‖. 152

Cf. VICO, Giambattista. Princìpi di una Scienza nuova [1725], in: Opere, pp. 985-986. Sobre a oposição a

tais doutrinas, ver os apontamentos do capítulo I desta dissertação, em especial, o primeiro tópico à página

16. 153

Tal arte crìtica é compreendida, por alguns comentaristas contemporâneos, como uma ―Filosofia da

História‖. Penso não ser correto utilizar um termo posterior a Vico, quando o mesmo criou o seu próprio

vocábulo: nuova arte critica e com este nome visa explicar seu método investigativo que abarca não apenas a

História, mas uma história das ideias e uma história das línguas. O termo ―arte crìtica‖ [ars critica], no

entanto, surge com Jean Le Clerck, e objetiva uma crítica filológica, conforme recorda Modica em seu livro.

Ver MODICA, Giuseppe. La filosofia del <<senso comune>> in Giambattistta vico, p. 138. O termo

―Filosofia da História‖, que se tornou conhecido, quando dele fizeram uso Voltaire e Hegel, veio depois de

Vico, e se tomarmos a acepção hegeliana não tem o mesmo sentido da ―nova arte crìtica‖. Ademais, Jules

Michelhet, um dos responsáveis pela redescoberta de Vico, escreveu uma obra em 1853 intitulada: Princípios

da Filosofia da História – traduzidos da Ciência Nova de J. B. Vico, e precedido de um discurso sobre o

sistema e a vida do autor, por Jules Michelet, professor de história da escola normal de Paris [Principes de la

Philosophie de l’Historie – traduits de la Scienza Nuova de J. B. Vico, et precedes d’um discours sur le

sistème et la vie de l’auteur, par Jules Michelet, professeur d’histoire a l’ecole normale de Paris]. Deve ter

sido um dos primeiros a atribuir a Vico uma reflexão sobre a ―Filosofia da História‖, mas como o tìtulo

deixar claro são ―princìpios‖: Vico foi ―acusado‖ de prescindir as mais variadas ideias na filosofia. Quanto ao

tema aqui tratado, ora é sabido que Hegel descarta a História fabulosa e mìtica dos primeiros povos, ―Mitos,

canções folclóricas e tradições não são parte da história, mas continuam sendo costumes obscuros,

característicos de povos não muito conhecidos. Aqui tratamos de povos que sabiam quem eram e o que

queriam‖ (A Razão na História, 2004, p. 44.). Ao contrário, Vico diz ser sua ―nova arte crìtica‖ um meio de

conhecer as origens obscuras que estão presentes nas fabulas e mitos que eram verdadeiras histórias dos

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Esse novo procedimento possibilitaria a compreensão dos problemas que se apresentavam

no decorrer de seus estudos e, reconhecendo os limites da Filologia, postula uma arte

diagnóstica [arte diagnostica], porque, conforme pensava, era dever daquele que suscitava

objeções às concepções e métodos existentes postular outros em seu lugar. Ele escreve:

(...) porque o dever de quem retoma sistemas inteiros de outros é o de

repor outro próprio, em cujos princípios suportem todos os efeitos com

maior felicidade, nos aprofundamos com a meditação, para satisfazer a

certo nosso dever. E, antes de retomar o iniciado caminho, coisa não vã,

supomos fazer aqui um ensaio da verdade e utilidade desta nova Ciência,

para, ou continuá-la depois, ou abandoná-la ao começar (tradução

nossa)154

.

A nova arte crítica, juntamente com a arte diagnóstica, possibilitava-lhe descobrir

e identificar, mediante a pesquisa dos escritos de vários autores da tradição, em particular,

aqueles que tratavam do Direito, os problemas que se apresentavam no decorrer da

pesquisa, sobretudo aqueles fatos envolvidos pelas obscuridades das fábulas:

De cuja Ciência, assim conduzida com tal espécie de provas, duas são as

práticas. Das quais uma é de uma nova arte crítica, que sirva de lume para

distinguir o verdadeiro na história obscura e fabulosa. Além desta, a outra

prática é uma arte como diagnose, a qual, regulando-nos com a sabedoria

gentios, [VICO, Giambattista. Ciência Nova, 2005, pp. 8-9: ―Para além disso, aqui se assinala que, nesta

obra, com uma nova arte crítica, que até agora tem faltado, entrando na procura da verdade sobre os autores

das nações mesmas (nas quais tiveram que decorrer bastante mais de mil anos para poderem surgir os

escritos, acerca dos quais a crítica, até agora se ocupou),...]. É notório que ambos os autores tinham

concepções distintas da História como ciência. Concordo, em especial, com as formulações de Jorge Vaz de

Carvalho, onde nas notas à edição da Calouste interpreta a nova arte crítica como metafísica, (ver a página 8,

nota 13). Tal concepção parece ser verdadeira, conforme deixa entender também a compreensão de ―nova

arte critica‖ e ―história da filosofia‖. As suas distinções são expressas também por Alberto Bordogna, quando

assegura com base nos estudos de Giovanni Gentile: ―A continuidade entre Descartes, Vico e Hegel seria

provada somente após ter aceitado a conhecida tese expressa por Gentile e parcialmente também partilhada

por Croce, para a qual a Scienza Nuova deve ser compreendida não tanto como uma filosofia da história, mas

como <<metafísica da realidade como espírito>>.‖ [La continuità tra Cartesio, Vico ed Hegel sarebbe

provata solo dopo aver accettato la nota tesi espressa da Gentile ed in parte condivisa anche da Croce, per cui

la Scienza nuova dovrebbe essere intesa non tanto come una filosofia della storia, quanto come <<una

metafísica della realtà intesa come spirito>>.]. Mais à frente Bordogna afirma com as palavras de Pietro

Piovani: ‗a verdadeira racionalidade viquiana da história é fantasia, não razão‘. (tradução nossa). [‗la vera

razionalità vichiana della storia è fantasia, non ragione‘]; (BORDOGNA, Alberto. Gli idoli del foro: Retórica

e mito nel pensiero di Giambattista Vico, p. 55 e 60.). 154

VICO, Giambattista. Princìpi di una Scienza nuova [1725], in: Vico opere, p. 1025: ―(...) perché il dovere

di chi riprende sistemi intieri di altrui è di riporre altro propio, ne' cui princìpi reggano tutti gli effetti con

maggiore felicità, noi c'innoltriamo con la meditazione, per soddisfare a sì fatto nostro dovere. E, innanzi di

riprendere 1‘incominciato cammino, non inutil cosa stimiamo fare qui un saggio della verità ed utilità di

questa nuova Scienza, per o seguitarla in appresso, o abbandonarla sul cominciare‖.

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do gênero humano, dessa ordem das coisas da humanidade, dão os graus

de suas necessidades ou utilidades e, como último resultado, dá a

finalidade principal desta Ciência conhecer os sinais indubitáveis do

estado das nações (tradução nossa) 155

.

O estudo das leis, com as quais se guiavam os primeiros povos, possibilitaria o

conhecimento das causas de alguns princípios e fatos da história gentílica, fatos que,

quando comparados, demonstrariam a existência de uma estrutura comum a todos os

povos, mesmo que tivessem existido ou viessem a existir em épocas distintas. Alguns

comentaristas aludem também ao fato de Vico utilizar a História Sagrada como um meio

que possibilitasse mesurar a história dos gentios156

. Como matéria prima para tais estudos,

as leis romanas e aqueles fragmentos de erudição da humanidade157

, seriam os

fundamentos da sua Scienza. Mediante a sua arte crítica seria possível conhecer os

verdadeiros elementos da História [veri elementi della storia]:

Porém nenhuma outra coisa mais da lei das XII Tábuas com sério

argumento nos prova que, se tivéssemos a história das antigas leis dos

povos, teríamos a história dos fatos antigos das nações. Porque – da

natureza dos homens saindo os seus costumes e governos, dos governos

as leis; das leis os hábitos civis, dos hábitos civis os feitos públicos

constantes das nações, e, com certa arte crítica, como aquela dos

jurisconsultos, à certeza das leis reduzindo-se os feitos de incerta ou

dúbia razão – os verdadeiros elementos da história parecem ser estes

princípios de moral, política e jurisprudência do gênero humano,

encontrados por esta nova ciência da humanidade, sobre os quais se

conduz de onde elas começaram, não nos socorreram os dois olhos, como

a história universal das nações, que narra os seus surgimentos,

progressos, estados, decadências e fins. Mas para determinar, quer os

155

Ibidem, pp. 1169-1170: ―Della quale Scienza, cosí condotta con tai sorte di pruove, due sono le pratiche.

Delle quali una è di una nuova arte critica, che ne serva di fiaccola da distinguere il vero nella storia oscura e

favolosa. Oltre questa, l'altra pratica è un‘arte come diagnostica, la quale, regolandoci con la sapienza del

genere umano, da esso ordine delle cose dell'umanità, ne dà i gradi della loro necessità o utilità e, in ultima

conseguenza, ne dà il fine principale di questa Scienza di conoscere i segni indubitati dello stato delle

nazioni". 156

Ver aqui as considerações de Fabrizio Lomonaco: ―Permanece, por este motivo ‗sem medida‘a tentativa

(exposta por Rossi) de fazer da história sagrada ―uma espécie de metro‖ daquela profana, já que a ―perpétua

humanidade da história sagrada se assemelha ao tempo estendido das nações não mais de quanto o império

romano assemelha-se ao Estado moderno‖ (tradução nossa). [Resta, perciò ―fuori misura‖ il tentativo

(prospettato da Rossi) di fare della istoria sacra ―una sorta di metro‖ di quella profana, giacché la ―perpetua

umanità della storia sacra assomiglia al tempo dispiegato delle nazioni non più di quanto l‘impero romano

assomogli allo Stato moderno]; (LOMONACO, Fabrizio. I devoti di G. Vico in Italia: a proposito di una

recente polemica. Educação e Filosofia – Vol 15 – nº 29, jan/jun 2001, pp. 161-174.). 157

Cf. VICO, Giambattista. Princìpi di una Scienza nuova [1725], in: Vico opere, p. 1032. Sobre tais

fragmentos ver aqui o tópico 3.4.

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tempos certos quer certos lugares, até agora tem sido utilizado, da

história, que são a cronologia e a geografia (tradução nossa) 158

.

Na passagem acima, Giambattista Vico expõe o que propicia a adoção de sua nova

arte crítica, cuja inspiração adveio das matérias relacionadas à Jurisprudência, em virtude

de tais registros conterem elementos pertinentes aos costumes e às leis, entre os quais estão

inclusos a moral, a política e o direito. Entretanto, outras disciplinas também auxiliam a

busca de tais elementos para a composição da sua Scienza nuova: a Geografia e a

Cronologia. Ambas, conforme ele concebe, são de extrema relevância à compreensão da

História Universal, por delimitarem o espaço e o tempo onde aqueles fatos registrados

pelos jurisconsultos e legisladores aconteceram. Em razão disso, Vico define estas duas

ciências: Geografia e Cronologia como os dois olhos da História [i due occhi della storia]

159.

A compreensão da história das leis de determinados povos e, em especial aquela

dos gregos e romanos160

, em razão de terem percorrido todo o curso linear de seu

desenvolvimento, possibilitou a compreensão dos estados nos seus surgimentos, progressos

e decadências, pelos quais devem percorrer todas as nações. A dissidência religiosa é

indicada como uma das principais causas de degeneração de um povo. Daí Vico expor na

sua Scienza as contendas entre patrícios e plebeus romanos sobre a permissão dos

matrimônios entre estes últimos:

158

Ibidem, p. 1083: ―Ma niuna cosa più della legge delle XII Tavole con grave argomento ci appruova che,

se avessimo la storia delle antiche leggi de' popoli, avremmo la storia de' fatti antichi delle nazioni. Perché -

dalla natura degli uomini uscendo i loro costumi, da' costumi i governi, da' governi le leggi; dalle leggi gli

abiti civili, dagli abiti civili i fatti costanti pubblici delle nazioni, e, con una certa arte critica, come quella de'

giureconsulti, alla certezza delle leggi riducendosi i fatti d'incerta o dubbia ragione - i veri elementi della

storia sembrano essere questi princìpi di morale, politica, diritto e giurisprudenza del genere umano,

ritruovati per questa nuova scienza dell'umanità, sopra i quali si guida donde esse incominciarono, non ci

soccorrono i due occhi, come la storia universale delle nazioni, che ne narra i loro sorgimenti, progressi, stati,

decadenze e fini. Ma per determinare e i certi tempi e i certi luoghi sinora sono stati usati, della storia, che

sono la cronologia e la geografia‖. 159

Esta designação, de acordo com o professor Donald P. Verene, era comum entre os eruditos do século

XVII. Para um maior aprofundamento consultar o seu escrito La scienza della fantasia, pp. 155-159. 160

Conforme retornaria na Scienza nuova seconda: ―E assim se esclarecem os princìpios do famoso <<ius

quiritium>>, que os intérpretes da romana razão tem acreditado ser próprio dos citadinos romanos, porque

nos seus últimos tempos assim o era; mas nos tempos antigos de Roma se encontra o estado natural de todas

as gentes heróicas‖ (tradução nossa). (E quindi si schiariscono i princìpi del famoso «ius quiritium», che

gl'interpetri della romana ragione han creduto esser propio de' cittadini romani, perché negli ultimi tempi tale

lo era; ma ne' tempi antichi romani si truova essere stato diritto naturale di tutte le genti eroiche). (VICO,

Giambattista. Princìpi di Scienza nuova [1744], in: Opere, p. 432.).

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Daí se explica a fábula, que também é história das heróicas contendas:

que Júpiter com um chute precipita do céu Vulcano plebeu, que quis se

interpor entre Júpiter e Juno enquanto discutiam: mas, pela nossa arte

crítica, não entre esses, mas com ele, que pretende as núpcias de Juno

com os auspícios de Júpiter, e Vulcano ficou coxo (ficou vil,

inferiorizado e humilhado) (tradução nossa) 161

.

Mais adiante, Vico indica outro mito relacionado a tais disputas:

(...) de cuja fábula não compreendendo os poetas heróicos corrompidos

[que, em] seguida, fizeram Vênus mulher de Vulcano, e fingiram também

entre os deuses os adultérios. E o Sol (deus da luz civil), para nossa arte

crítica, não lhe descobriu, mas cobriu com o esplendor dos ínclitos, como

acima dissemos; e os deuses todos fizeram zombaria, como os patrícios

romanos, como vemos em Salústio, faziam a plebe infelicíssima, no

tempo, que o mesmo Salústio dizia do heroísmo romano. E isto é aquilo

que acima dissemos, que o vínculo era empresa das nações heróicas

(tradução nossa) 162

.

Desse modo, fatos históricos ou mitológicos restritos a determinados povos

possibilitariam um diagnóstico de situações que seriam recorrentes na história. Vico,

porém, fez uso da história romana porque esta se encontrava melhor conservada e esse

povo percorrera ininterruptamente todo o ciclo que uma nação percorreria. Na história de

Roma existem, com efeito, inumeráveis exemplos das rixas ocorridas entre plebeus e

nobres. Segundo Vico escreve:

(...) porque cada cidade dividida em partes por razão de religião ou já está

arruinada ou já está proxima à ruína; se não se pode desconhecer este

testemunho demasiado estrepitoso da história romana certa de um direito,

que com disputas públicas e com movimentos populares em Roma bem

seis anos se opôs: vemo-nos lançados em uma necessidade, se não mais

imediatamente sublevados em uma liberdade, muito a desconfiar de tanta

161

VICO, Giambattista. Princìpi di una Scienza nuova [1725], in: Opere, p. 1197: ―Onde si spiega la favola,

che pur è istoria di queste eroiche contese: che Giove con un calcio precipita giù dal cielo Vulcano plebeo,

che si vuol frapporre tra Giove e Giunone mentre piatiscono: ma, per la nostra arte critica, non tra loro, ma

con esso lui, che pretende le nozze di Giunone con gli auspìci di Giove, e Vulcano ne restò zoppo (ne restò

basso ed umiliato)‖. 162

Ibidem, p. 1201: ―(...) dalla qual favola non intesa i poeti eroici corrotti appresso fecero Venere moglie di

Vulcano, e sì finsero anche tra essi dèi gli adultèri. E `l Sole (il dio della luce civile), per la nostra arte critica,

non gli scovrì, ma covrì con lo splendore degl'incliti, come sopra dicemmo; e i dèi tutti ne fanno scherno,

come i romani patrizi, quali vedemmo con Sallustio, facevano dell'infelicissima plebe, nel tempo, che lo

stesso Sallustio diceva, dell' eroismo romano. E questo è quello che sopra dicemmo, che 'l nodo era l'impresa

delle nazioni eroiche‖.

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exatidão dos Críticos, que a cada uma das Tábuas têm ordenado os

princípios de tal lei (...) (tradução nossa) 163

:

Munido de tais instrumentos, uma arte crítica possibilitadora de uma arte

diagnóstica, para pensar a História com aqueles seus olhos (geografia e cronologia), Vico

percebeu que, de todos os povos existentes, ou que já existiram, permaneciam algumas

características similares e recorrentes. Todas as nações, à exceção dos hebreus, tiveram

início com costumes bárbaros, conforme principia o capítulo IX intitulado: Ideia de uma

nova arte crítica [Idea d’una nuova arte critica]:

E esta mesma ciência pode prover de tal arte crítica sobre os autores das

nações mesmas, que dê delas as regras para discernir o verdadeiro em

todas as histórias gentilescas, que nos bárbaros começos delas o

misturaram, mais ou menos, de fábulas (tradução nossa) 164

.

Tais estudos o levaram à sua concepção de uma História ideal eterna [storia ideali

eterna] e, mediante estudos de etimologia, a um dicionário universal [dizionario

universal], e posteriormente a um dicionário mental [dizionario mentale]165

, em virtude de

ideias comuns a povos distintos. Na seguinte passagem Vico sustenta:

Logo em todas estas antigas nações percorreu o heroísmo com as mesmas

propriedades, onde os Hércules delas mereceram o mesmo nome dos

egípcios, dos gregos e de Varrão. Que deve ser uma grande prova da

163

Ibidem, p. 1027: ―(...) perché ogni città divisa in parti per cagion di religione o è già rovinata o è presso

alla rovina; se non si può sconoscere questa troppo strepitosa testimonianza di romana storia certa di un

diritto, che con pubbliche arringhe e con popolari movimenti in Roma ben sei anni si contrastò: ci vediamo

gittati in una necessità se non più tosto sollevati in una libertà, di troppo sconfidare della tanta accuratezza

de‘ Critici, che a ciascheduna delle Tavole hanno fissi i propi capi di cotal legge‖. 164

Ibidem, p. 1033: ―E questa istessa scienza ne può fornire di tal arte critica sopra gli autori delle nazioni

medesime; che ne dia le regole di discernere il vero in tutte le storie gentilesche, che ne'loro barbari

incominciamenti lo han tramischiato, qual più qual meno, di favole‖. 165

Veja aqui o que escreve Alberto Bordogna: ―A tentativa viquiana de compor uma enciclopédia [que]

compreeenda os princípios de todas as ciências e artes se apóia sobre duas premissas fundamentais, desde o

momento em que Vico está convencido, quer de ser preciso retornar aos inícios para encontrar aquela

unidade primitiva que depois é perdida, quer se dever referir às condições que têm permitido o nascimento da

sociedade como a dos pressupostos imprescindìveis para a formação de todos os nossos conhecimentos‖. [Il

tentativo vichiano di comporre un‘enciclopedia comprendente i princípi di tutte le scienze e le arti poggia su

due premesse fondamentali, dal momento che Vico è convinto sia che occorre tornare agli inizi per ritrovare

quell‘unità primitiva che poi è andata perduta, sia che ci si deve riferire alle condizioni che hanno permesso

la nascita della società come a dei presupposti imprescindibili per la formazione di tutte le nostre

conoscenze]; (BORDOGNA, Alberto. Gli idoli del foro: Retórica e mito nel pensiero di Giambattista Vico,

Aracne editrice. Roma, 2007, pp. 11-12.).

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história ideal eterna, por nós acima esboçada, a qual deve se ler com os

auxílios da nossa arte crítica e dos etimologistas acima designados e do

dicionário universal que concebemos [também] acima. Nós explicaremos

nele algumas fábulas, que pertencem ao direito natural das gentes

heróicas, em confirmação dos nossos princípios (tradução nossa) 166

.

Para Giambattista Vico, tais caracteres, que em seu tempo eram utilizados de

maneira artística pelos eruditos, podem ter sido naturalmente utilizados para forjar aquelas

primeiras divindades fantasiadas pelos pais da gentilidade. De acordo com a explicação

abaixo:

Que sendo tal uso dos caracteres poéticos feitos por arte, como devem

também ser por natureza, que essas primeiras nações, sendo incapazes de

entender os gêneros das coisas, naturalmente foram levadas a concebê-los

como caracteres poéticos, como acima foi demostrado (tradução

nossa)167

.

Em síntese, o autor da Scienza nuova descobre uma perpetuidade de características

existente no direito natural das gentes, porque alguns fatos foram sempre recorrentes na

história dos povos. Daí os seus estudos das leis, ou seja, da jurisprudência, levarem-no a

conceber uma espécie de Jurisprudência do gênero humano [giurisprudenza del genere

umano], pois, conforme descobrira, os costumes dos povos [costumi dei popoli] carregam

uma similaridade que os tornam costumes humanos [costumi umani]. Convicto de suas

descobertas, apresentadas em um capítulo que intitulou Desenho de uma Historia Ideal

eterna sobre a qual corre no tempo a história de todas as nações com certas origens e com

certa perpetuidade [Disegno d’una storia ideali eterna sulla quale corra in tempo la storia

di tutte le nazioni con certe origini e con certa perpetuità], Vico declara:

166

VICO, Giambattista. Princìpi di una Scienza nuova [1725], in: Opere, p. 1198: ―Adunque da per tutte

queste antiche nazioni corse l‘eroismo con le medesime propietà, onde i loro Ercoli meritarono il medesimo

nome dagli egizi, da' greci e da Varrone. Che deve essere un gran saggio della stòria ideale eterna da noi

sopra disegnata, la quale è da leggersi con gli aiuti della nostra arte critica e degli Etimologici sopra divisati e

del dizionario universale che abbiamo conceputo pur sopra. Noi lui ne spiegaremo alcune favole, che

appartengono al diritto naturale delle genti eroiche, in confermazione de' nostri princípi‖. 167

VICO, Giambattista. Princìpi di una Scienza nuova [1725], in: Opere, p. 1151: ―Che essendo tale l'uso de'

caratteri poetici fatti per arte, tale dovette innanzi pur essere per natura; che esse prime nazioni, essendo

incapaci d'intendere i generi delle cose, naturalmente furono portate a concepirli per caratteri poetici, come si

è più sopra dimostro‖.

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Portanto, estabelecida a eternidade e universalidade para o direito natural

das gentes pelas supracitadas propriedades delas, e sendo tal direito saído

com os comuns costumes dos povos; e os costumes dos povos sendo fatos

constantes das nações; e, juntamente, sendo os costumes humanos

práticas ou verdadeiras usanças da natureza humana, e a natureza dos

homens não se modificando toda de repente, mas sempre retendo uma

impressão do costume, ou seja, usança primeira: essa Ciência deve levar

de uma só vez quer a filosofia quer a história dos costumes humanos –

que são as duas partes que compõe esta espécie de jurisprudência, da qual

aqui se tratam, que é a jurisprudência do gênero humano – de modo que a

primeira parte explique dela uma série concatenada de razões; a segunda

narra dela um perpétuo, ou seja, não interrupto desenvolvimanto dos fatos

da humanidade em conformidade [com] essas razões - como as razões

produzem para si semelhantes os efeitos; e, por tal via, se encontram as

origens certas e os não interruptos progressos de todo o universo das

nações. Que, segundo a presente ordem de coisas postas a nós pela

Providência, ela vem a ser uma história ideal eterna, sobre a qual corre no

tempo a história de todas as nações. Da qual se pode unicamente obter

com ciência a história universal com certas origens e certa perpetuidade,

as duas máximas coisas, que até o dia de hoje, nela tem sido tão desejado

por eles (tradução nossa) 168

.

O autor reconhece a origem do direito nos próprios costumes humanos, por serem

costumes fundamentados no constante ―fazer humano‖ que se modifica de modo gradual.

Na jurisprudência particular de cada povo é possivel identificar conteúdos das ideias ou do

espírito humano [spirito umano], características de uma universalidade de pensamento169

,

isto é, conteúdos da Filosofia e da História Universal (conteúdos de Filologia), portadora

de fatos particulares, ou elementos da ordem da contingência que fundamentam as ideias

universais pela constância de como ocorrem na história particular dos povos. Trata-se de

marcas irrefutáveis de uma Providência Divina auxiliadora do gênero humano [genere

umano].

168

Ibidem, p. 1032: ―Adunque, stabilite l‘eternità ed universalità al diritto naturale dalle genti per le sudette

loro propietà; ed essendo cotai diritto uscito coi comuni costumi de' popoli; e i costumi de' popoli essendo

fatti costanti delle nazioni; e, insiememente, essendo i costumi umani pratiche ovvero usanze dell' umana

natura; e la natura degli uomini non cangiandosi tutta ad un tratto, ma sempre ritenendo un'impressione del

vezzo o sia usanza primiera: questa Scienza debbe portare ad un fiato e la filosofia e la storia de' costumi

umani - che sono le due parti che compiono questa sorta di giurisprudenza, della quale qui si tratta, che è la

giurisprudenza del genere umano - in guisa che la prima parte ne spieghi una concatenata serie di ragioni, la

seconda ne narri un perpetuo o sia non interrotto seguito di fatti dell'umanità in conformità di esse ragioni -

come le cagioni producono a sé somiglianti gli effetti; - e, per cotal via, si ritruovino le certe origini e i non

interrotti progressi di tutto l'universo delle nazioni. Che, secondo il presente ordine di cose postoci dalla

provvedenza, ella viene ad essere una storia ideale eterna, sopra la quale corra in tempo la storia di tutte le

nazioni. Dalla quale unicamente si può ottenere con iscienza la storia universale con certe origini e certa

perpetuità, le due cose massime che, fino al dí d' oggi, in lei sono state cotanto desiderate‖. 169

Aqueles anteriormente referidos dicionários universais e mentais.

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2.4 História e barbárie na reflexão da nuova scienza

Considerando como verossímeis os relatos da existência dos gigantes, tanto aqueles

presentes nas fábulas170

como nas Sagradas Escrituras, descrevendo-os como homens de

elevada estatura e costumes bestiais, Vico toma tais testemunhos como prova de que os

homens, que negligenciaram aqueles princípios de humanidade, ou seja, sentimento

religioso, união em matrimônio e sepultamento dos mortos, estavam condenados a vagar

pela terra sem perspectiva, afundando-se mais e mais nos instintos e aproximando-se aos

animais estúpidos. Em sua pesquisa, Vico elaborou a teoria de que houve na História um

período de barbárie ocorrido antes do Dilúvio, na qual caíram aqueles descendentes de

Caim, e logo após o Dilúvio Universal os descendentes de Cam e Jafé. Por tal motivo, a

religião é considerada por ele como a primeira ciência, mais precisamente como ciência do

mundo civil, pois eram, mediante os aupícios, que os homens interpretavam as vontades

divinas e elaboravam as suas leis. Por tais conhecimentos regularam sua vida ferina como

um ponto em que podiam se fixar e cultivar o fazer humano. Ele descreve na seguinte

passagem:

(...) e a ciência das divinas e humanas coisas civis, que é aquela da

religião e das leis (que são uma teologia e uma moral comandada, a qual

se adquire por hábitos), fosse assistida pela ciência das divinas e humanas

coisas naturais (que são uma teologia e uma moral raciocinada que se

adquire com os raciocínios); de modo que extraídas de ditas máximas,

fosse ele o verdadeiro vagar, ou seja, andar errante, não de homem, mas

de fera (tradução nossa) 171

.

O descaso com a higiene dos corpos ou economia172

, e uma vida desregrada, fez

surgir os gigantes173

. Tais gigantes, entretanto, aos poucos se tornam cientes dos males

170

Nesse sentido, Vico afirma: ―(...) pelo menos acerca dos princípios do tempo histórico, que, pela barbárie

avizinharam-se todas nações, era bastante travestido de fábula: muito mais aquele tempo fabuloso, e

sobretudo aquelas do tempo obscuro(...)‖. [(...) almeno circa i princìpi del tempo istorico, che, per la barbarie

appo tutte le nazioni è troppo vestito di favole: molto più quelle del tempo favoloso, e sopra tutto quelle del

tempo oscuro (...)]; (VICO, Giambattista. Princìpi di una Scienza nuova, in: Opere, p. 989.). 171 VICO, Giambattista. Princìpi di una Scienza nuova [1725], in: Opere, p. 985: ―(...)e la scienza delle

divine ed umane cose civili, che è quella della religione e delle leggi (che sono una teologia ed una morale

comandata, la quale si acquista per abiti), fosse assistita dalla scienza delle divine ed umane cose naturali

(che sono una teologia ed una morale ragionata, che si acquista co‘ raziocinî); talché farsi fuori da sí fatte

massime, fosse egli il vero errore, o sia divagamento, non che di uomo, di fiera‖. 172

Compreendida aqui não apenas no sentido tradicional do termo grego Οίχονομία: direção, governo,

administração (de uma casa) etc., Vico adota tal palavra acrescentando-lhe outro termo ―poético‖, cuja

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ocasionados pela vida ferina, e retornam pouco a pouco à vida em sociedade pelas

vantagens que esta proporciona. Reenviando a esse período, na Scienza nuova prima, Vico

comenta:

Além disso, se constroem com demosntrações físicas, as quais vêm

seguidas à prova da natureza das primeiras nações. Assim nada impede

por natureza terem sido, os gigantes homens de amplos corpos e de forças

deformadas, como de fato foram os germânicos antigos, que sustentaram

bastante a sua antiquíssima orígem assim nos seus costumes, como na

língua, porque não admitiram jamais dentro das suas fronteiras império

estrangeiro de nações civilizadas, (...) Isso proporcionou meditar nas

razões físicas e morais que, a propósito dos Germânicos antigos, nos

trouxe Júlio Cesar primeiro e, em seguida, Cornélio Tácito, as quais, em

suma, se reduzem à ferina educação das crianças: de deixá-los rolar nuas

nas próprias imundícies, fossem também filhos dos príncipes, e, livres

totalmente do temor dos mestres, fossem também filhos dos pobres,

largados por suas amas a exercitarem-se nas forças do corpo. E se achem

ter sido muito maiores essas razões mesmas nas raças de Caim antes, e de

Cam e Jafé após o Dilúvio, enviados pelos autores na impiedade e,

depois, após algumas idades, por si mesmos também na liberdade bestial:

porque até as crianças germânicas antigas temiam os deuses delas, e os

pais 174

.

Somente a crença em uma divindade comum poderia reagrupar aqueles gigantes

dispersos pelas florestas e campos. O fragor das tempestades incutiu-lhes a crença de que

acepção também é grega, no sentido de primeira coisa feita ou criada, e mais apropriadamente para educação

e higiene dos corpos. 173

Vico descreve a aparição dos primeiros gigantes: ―(...) uma outra de gigantes idólatras (como os antigos

germânicos) divididos pelas cidades, que de tempos em tempos depois, com espantosas religiões e com os

terríveis impérios paternos ( que se descrevem em seguida) e finalmente com a limpeza da educação (onde

talvez da mesma origem vem πόλις para os gregos <cidade> e aos latinos <polio> e <politus>), degradaram

pela desmesurada grandeza deles a nossa justa estatura‖ (tradução nossa). [un'altra d'idolatri giganti (come di

antichi Germani) divisi per le città, che tratto tratto poi, con ispaventose religioni e co' terribili imperi paterni

(che si descrivono appresso) e finalmente con la polizia dell‘educazione (onde forse dalla stessa origine viene

πόλις a' greci <<città>> ed a' latini <<pólio>> e <<politus>>), degradarono dalla loro smisurata grandezza

alla nostra giusta statura]. (VICO, Giambattista. Princìpi di una Scienza nuova [1725], in: Opere, p. 1037.). 174

VICO, Giambattista. Princìpi di una Scienza nuova [1725], in: Opere, pp. 1036-1037: ―Oltracciò, si

fanno pruove con fisiche dimostrazioni, alle quali viene di seguito la pruova della natura delle prime nazioni.

Così niente vieta in natura essere stati i giganti uomini di vasti corpi e di forze sformate, come di fatto furono

i Germani antichi, che ritennero assaissimo della loro antichissima origine sì ne' costumi, come nella lingua,

perché non ammisero mai dentro i loro confini imperio straniero di nazioni ingentilite, (...) Ciò ha dato da

meditare nelle cagioni fisiche e morali che a proposito de' Germani antichi, ne arrecano Giulio Cesare prima

e poi Cornelio Tacito, le quali, in somma, si riducono alla ferina educazione de' fanciulli: di lasciargli rotolar

nudi nelle loro propie lordure, fussero anche figliuoli di príncipi, e, liberi affatto dal timor de‘ maestri,

fussero anche figliuoli de' poveri, lasciargli in lor balia ad esercitarsi nelle forze del corpo. E si ritruovano

essere state molto maggiori queste cagioni medesime nelle razze di Caino innanzi, e di Cam e Giafet dopo il

Diluvio, mandate da' loro autori nell' empietà e quindi, dopo qualche età, da se stessi iti nella libertà bestiale:

perché pure i fanciulli germani antichi temevano i loro dèi, i loro padri‖.

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uma divindade os observava do céu, daí a crença semelhante entre povos distintos de que

uma divindade, como aquela de Júpiter, que os observava. Vico acrescenta ainda que

Varrão175

havia enumerado cerca de quarenta divindades entre os povos antigos com as

características daquele maior expoente ou caractere dos desbravadodores da gentilidade, ou

seja, Hércules.

Começa a formar-se o caractere de Hércules tebano na idade dos deuses,

desde a época de Júpiter, porque ele é gerado por Júpiter e nasce com o

trovão de Júpiter; como Baco, outro famoso herói da Grécia, nasceu de

Sêmele fulminada, que são o primeiro e [o] segundo dos nossos

princípios da humanidade, porque todas as antigas nações se fundaram

sobre a justa opinião de uma divindade providente, e começaram pelas

núpcias certas e solenes, que os gentios celebraram com os auspícios

observados no raio de Júpiter (tradução nossa) 176

.

Nesse primeiro estado ferino, no qual estavam imersos todos os sentidos e quase

nenhuma reflexão177

, cuja principal característica dos homens era a de se guiarem por

paixões violentíssimas, a esses primeiros pais da humanidade foram se pondo freio nos

seus impulsos, com o estabelecimento de uniões lícitas, e estabelecendo-se em grupos de

famílias. daí ser a divindade Juno, esposa de Júpiter, um caractere poético das primeiras

uniões que também daria origem à genealogia. Vico escreve:

Portanto é o princípio da história, que começou pelas genealogias, e por

isso, dito princípio da luz civil, a qual Juno Lucina leva os legítimos

partos: onde depois foi afixado ao sol, fonte da luz natural (tradução

nossa) 178

.

175

Cf. VICO, Giambattista. Princìpi di una Scienza nuova, in: Opere, p. 1198. 176

VICO, Giambattista. Princìpi di una Scienza nuova, in: Vico Opere, pp. 1198-1199: ―Comincia a

formarsi il carattere di Ercole tebano nell'età degli dèi fin dall' epoca di Giove, perché egli è generato da

Giove e nasce col tuono di Giove; come Bacco, altro famoso eroe di Grecia, nacque da Semele fulminata, che

sono il primo e secondo de' nostri princìpi dell'umanità, perché tutte le antiche nazioni si fondarono sopra la

giusta oppenione di una divinità provvedente, e cominciarono da nozze certe e solenni, che i gentili

celebrarono con gli auspíci osservati nel fulmine di Giove‖. 177

Vico concebia os primeiros homens do gentilismo unindo características particulares de diversos

pensadores de seu tempo: ―(...) porque os primeiros homens de Hobbes, de Grócio, de Pufendorf, todos

sentido e quase nenhuma reflexão, deviam ter um sentido limitado, pouco menos que das bestas (...)

(tradução nossa). [perché i primi uomini di Obbes, di Grozio, di Pufendorfìo, tutti senso e quasi niuna

riflessione, dovevano avere un senso fine, poco men che di bestie (...)]; (VICO, Giambattista. Princìpi di una

Scienza nuova, in: Opere, p. 1098.). 178

VICO, Giambattista. Princìpi di una Scienza nuova [1725], in: Vico Opere, p. 1183: ―Quindi è il principio

della storia, che cominciò dalle genealogie, e perciò fatto principio della luce civile, alla quale Giunone

Lucina porta i legittimi parti: onde poi fu affisso al sole, fonte della luce naturale‖.

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84

O estudo da história dos povos antigos possibilitou a Giambattista Vico encontrar

entre os eruditos, tanto da antiguidade quanto de sua época, algumas divergências em

relação às concepções de natureza daqueles primeiros homens. Em razão disso, Vico

costumava reenviar ao comportamento e costume de tais primeiros pais da humanidade

com base na acepção dos filósofos e jusnaturalistas. Nesse sentido, ele reconhece que

autores como Hugo Grócio, John Selden e Samuel Pufendorf refletiram sobre os

fundadores da humanidade de forma equivocada. De acordo com Vico, Hugo Grócio

(1583–1645), considerado como o principal expoente179

da orientação jusnaturalista, e

influenciado pelo pensamento de Epicuro, compreendia aqueles primeiros homens como

naturalmente bons, ou simplórios [semplicione]180

. Tal concepção grociana era também

resultado, de acordo com Vico, da doutrina Sociniana181

. O principal equívoco desses três

autores foi a inobservância da existência de uma Providência divina, que rege as coisas

morais públicas182

. Vico adverte o fato de que, mesmo os jurisconsultos romanos nascidos

179

Cf. VICO, Giambattista. Princìpi di una Scienza nuova, in: Opere, p. 987. 180

Vico sustenta: ―Que os primeiros homens gentios foram quietos por sua [própria] natureza, e, portanto,

inocentes e justos; os quais fizessem a idade de ouro, primeira idade narrada pelos poetas, tais quais, Grócio,

na qualidade de Sociniano, compreende ter sido os seus simplórios‖ (tradução nossa). [Che i primi uomini

gentili furono paghi di lor natura, e quindi innocenti e giusti; i quali facessero l'età dell' oro, prima età

narrataci da' poeti, quali da Sociniano intende Grozio essere stati i suoi semplicioni]; (VICO, Giambattista.

Princìpi di una Scienza nuova, in: Opere, p. 1212.). 181

O socianismo ou socinianismo, seguidores de Fausto Socino (1539-1604), desenvolveu uma teologia

inspirada em seu tio Lélio Socino (1529-1562), que consiste em uma doutrina teológica de fundamentação

racionalista contra o dogma da Trindade. A doutrina sociniana, por ser antitrinitária, considera que há em

Deus uma única pessoa e que Jesus de Nazaré é um homem. Os socinianos se estabeleceram, em especial, na

Transilvânia, Polônia e nos Países Baixos. Suas crenças, resumida no Catecismo Racoviano, são: a Bíblia é a

única autoridade, mas tem que ser interpretada pela razão; rejeição de mistérios; unidade, eternidade,

onipotência, justiça e sabedoria de Deus; a razão é capaz de compreender Deus para a salvação humana, mas

sua imensidão, onipresença e infinitude vão além da compreensão humana, portanto, desnecessárias à

salvação; rejeição da doutrina do pecado original; celebração do batismo e da santa ceia como símbolos

memorativos, sem serem eficazes meios de graça. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Socinianismo. (consulta

em 20/01/2011). 182

Conforme Expedito, no ‗sistema‘ elaborado por Vico existe um forte liame entre Providência divina e

livre arbítrio, e mediante estes a capacidade de uma escolha moral, ou seja, optar entre o justo e o injusto, o

bem e o mal: ―Este novo ‗sistema‘ pressupõe o princìpio da Providência, mas não se afasta da Filosofia. Isto

porque o sistema viquiano da nuova scienza se contrapõe a Grotius, Pufendorf e Selden. Quando Vico se

reporta à Providência, tenciona afirmar a existência na natureza humana, de uma ―faculdade de escolher

livremente entre o bem e o mal; sem [os] princípios filosóficos (...) não teria nenhum sentido discutir justiça,

justo, leis‖. Para destacar a dimensão filosófica de seu sistema e a importância do princípio da Providência, o

autor reenvia a Platão, que pôs ―entre os princìpios a Providência divina e reconhece[u] no homem a

liberdade de escolha entre o torpe e o honesto‖. Vico remete ainda a Cìcero por ele reconhecer na

Providência ―uma potência que preside às coisas humanas universalmente reconhecidas por todas gentes e

por todos os povos‖. (LIMA, José Expedito Passos. A estética entre saberes antigos e modernos na nuova

scienza, de Giambattista Vico, p. 294.).

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sob orientação de religião pagã, não a desconsideraram183

. Tais erros não foram repetidos

nas suas obras, mas criticados. Segundo Vico:

Por tudo isso que aqui se deseja, ela seria a ciência do direito natural das

gentes, como exatamente recebido dos seus maiores [autores], os

jurisconsultos romanos o definiram: <<Direito ordenado pela Providência

divina com os ditames dessas humanas necessidades ou utilidades,

observado igualmente próximo a todas as nações>> (tradução nossa) 184

.

Vico observa que os golpes desferidos por Hugo Grócio contra os jurisconsultos

romanos teriam caído no vazio, pois Grócio sustentou que seu sistema jusnaturalista era

válido, ainda que não existisse Providência Divina. Vico refuta tais considerações pelo fato

de que seria impossível a instituição de leis, caso os primeiros homens, ainda que em

estado de aguda barbárie, não concordassem com a existência de uma divindade comum

para o estabelecimento de leis em comunidade. Nesse sentido, Vico argumenta:

Surgiram nos nossos tempos três célebres homens: Hugo Grócio,

Giovanni Selden e Samuel Pufendorf, tendo à frente Hugo, os quais

meditaram cada um, um próprio sistema do direito natural das nações,

dado que Boeclero, Vander Muelen e outros que não são senão

adornadores do sistema de Grócio. Sobre os três princípios dessa doutrina

erraram todos os três nisto: que nenhum pensou estabelecê-lo sobre a

Providência divina, não sem injúria [para] a gente cristã, quando os

jurisconsultos romanos, em meio a esse paganismo, com base nela

reconheceram [como] grande princípio. Por isso Grócio, pelo mesmo

grande interesse que tinha pela verdade, com erro de não se lhe perdoar

nem nessa espécie de matéria, nem em metafísica, professa que o seu

sistema reja e esteja estabelecido também à parte de qualquer cognição de

183

Ver aqui as considerações de Giuseppe Ferrari: ―(...) ele apresentou o modelo de Roma às nações e o

modelo de Roma se repetiu nas mitologias, nos poemas de Homero, nas origens da língua latina, nos

fragmentos da história, na Bíblia, no brasão; por fim na Europa moderna; até os feudos do medioevo: - ele

tem buscado a imagem e o despertar das ideias de Platão na história, e as XII Tábuas, o Direito antigo de

Roma, toda a mitologia, toda a história tem oferecido a imagem ocasional da justiça, da filosofia e da

humanidade‖ (tradução nossa). [(...) egli ha presentato il modello di Roma alle nazioni, e il modello di Roma

si è ripetuto nelle mitologie, nei poemi d'Omero, nelle origini della lingua latina, nei frammenti della storia,

nella Bibbia, nel Blasone; perfino nell'Europa moderna, perfino ne' feudi del medioevo: — egli ha cercato

l'imagine e il risvegliamento delle idee di Platone nella storia; e le XIl Tavole, il Diritto antico di Roma, tutta

la mitologia, tutta la storia hanno offerto l'imagine occasionale della giustizia, della filosofia e dell'umanità];

(FERRARI, Giuseppe. Opere de Giambattista Vico ordinate ed illustrate coll’analisi storica della mente di

Vico in relazione alla scienza della civiltà, [1852], p. 175.). 184

VICO, Giambattista. Princìpi di una Scienza nuova, in: Opere, p. 987: ―Per tutto ciò quella che or qui si

desidera, ella sarebbe la scienza del diritto natural delle genti, quale appunto ricevuto da‘ lor maggiori, i

giureconsulti romani il diffiniscono : <<Diritto ordinato dalla provvedenza divina coi dettami di esse umane

necessità o utilità, osservato egualmente appo tutte le nazioni>>‖.

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Deus: quando, sem alguma religião de uma divindade os homens nunca

[se] estabeleceram em nações; e, assim como das coisas físicas, ou seja,

dos movimentos dos corpos não se pode ter certa ciência sem a

orientação das verdades abstratas da matemática; assim das coisas morais

não se pode tê-la sem a provisão das verdades abstratas da metafísica, e,

portanto, sem a demonstração de Deus. Além disso, como sociniano que

ele era, [concebe] o primeiro homem [como sendo] bom, porque não

mau, com essas qualidades de solitário, débil e carente de tudo; e que,

avisado dos males da bestial solidão, veio ele à sociedade: e, em

consequência, que o primeiro gênero humano tenha sido de simplórios

solitários, vindos depois à vida social, lhes ditada pela utilidade. Que é,

de fato, a hipótese de Epicuro (tradução nossa) 185

.

Jonh Selden (1584-1654), outro autor da doutrina jusnaturalista, será também

criticado por Vico em razão de suas concepções a respeito da conduta moral dos primeiros

gentios. Segundo Vico, Selden não distinguiu entre hebreus e gentios os modos como

ambos conduziram-se tanto no âmbito da moral quanto no do direito, pois Selden

acreditava que ambos regeram-se por um direito natural idêntico: algo pouco provável de

ter ocorrido. Por tal motivo Vico discorre:

Veio, em seguida, Selden, o qual, pelo demasiado afeto que dirige à

erudição hebréia, da qual ele era muito douto, fez seu princípio os poucos

preceitos que Deus deu aos filhos de Noé. Um dos quais, Sem (para não

referir aqui as dificuldades que fez contra Pufendorf), o qual só

perseverou na verdadeira religião do Deus de Adão, antes que um direito

comum com as gentes, provenientes de Cam e Jafé, derivou um direito

tão próprio, que restou dele aquela célebre divisão de hebreus e de

gentios, a qual durou até os últimos tempos deles, nos quais Cornélio

Tácito chama os hebreus <homens insociáveis>, e, destruídos pelos

185

VICO, Giambattista. Princìpi di una Scienza nuova [1725], in: Opere, p. 987: ―Sursero ne' nostri tempi

tre celebri uomini, Ugone Grozio, Giovanni Seldeno e Samuello Pufendorfio, faccendo Ugon capo; i quali

meditarono ciascuno un proprio sistema del diritto natural delle nazioni, perocché Boeclero, Vander Muelen

e altri non sono che adornatori del sistema di Grozio. I quali tre prìncipi di questa dottrina errarrrrono tutti e

tre in ciò: che niuno pensò stabilirlo sopra la provvedenza divina, non senza ingiuria della gente cristiana,

quando i romani giureconsulti, in mezzo ad esso paganesimo, da quella ne riconobbero il gran principio.

Imperciocché Grozio, per 1o stesso troppo interesse che egli ha della verità, con errore da non punto

perdonarglisi né in questa sorta di materie né in metafisica, professa che 'l suo sistema regga e stia fermo

anche posta in disparte ogni cognizione di Dio: quando, senza alcuna religione di una divinità gli uomini non

mai convennero in nazione; e, siccome delle cose fisiche, o sia de' moti de' corpi non si può avere certa

scienza senza la guida delle verità astratte dalla matematica; così delle cose morali non si può averla senza la

scorta delle verità astratte dalla metafisica, e quindi senza la dimostrazione di Dio. Oltre a ciò, come

sociniano che egli era, pone il primo uomo buono, perché non cattivo, con queste qualità di solo, debole e

bisognoso di tutto; e che, fatto accorto da' mali della bestial solitudine, sia egli venuto alla società: e, 'n

conseguenza, che 'l primo genere umano sia stato di semplicioni solitari, venuti poi alla vita socievole, dettata

loro dall'utilità. Che è, in fatti, l'ipotesi di Epicuro‖.

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romanos, todavia com raro exemplo vivem dissipados entre as nações,

sem fixar-se em parte alguma (tradução nossa) 186

.

Samuel Pufendorf (1632-1694) recebeu críticas de Vico pelo fato de, não obstante

considerar a Providência, tomar por orientação as concepções epicuristas, mediante as

interpretações de Thomas Hobbes187

. Tal autor concebeu que os primeiro homens, que

fundaram a humanidade, o fizeram sem qualquer auxílio da Providência. Segundo Vico:

Finalmente Pufendorf, não obstante ele entenda servir à Providência, e aí

adote, atribui uma hipótese totalmente epicurista, ou seja, hobbesiana,

(que é a mesma coisa) do homem largado neste mundo sem cuidado e

ajuda divina. Onde não menos os <simplórios> de Grócio, que os

‗destituídos‘ de Pufendorf devem concordar com os <licenciosos

violentos> de Thomas Hobbes, sobre os quais ele ensina o seu <citadino>

a menosprezar a justiça e seguir a utilidade. Tanto as hipóteses de Grócio

e de Pufendorf são próprias para estabelecer o direito natural imutável!

(tradução nossa) 188

.

Por tais razões, Giambattista Vico considerou estes três autores, juntamente com

Hobbes, como pensadores que refletiram sobre os primeiros pais da humanidade de modo

186

VICO, Giambattista. Princìpi di una Scienza nuova [1725], in: Opere, p. 988: ―Venne appresso Seldeno, il

quale, per lo troppo affetto che porta all'erudizione ebrea, della quale egli era dottissimo, fa princìpi del suo i

pochi precetti che Iddio diede a' figliuoli di Noè. Da un de' quali, Semo (per non riferire qui le difficultà che

gliene fa contro il Pufendorfio), il quale solo perseverò nella vera religione del Dio d'Adamo, anziché che un

diritto comune con le genti provenute da Cam e Giafet, derivò un diritto tanto propio, che ne restò quella

celebre divisione di ebrei e di genti, la qual durò infino agli ultimi tempi loro, ne' quali Cornelio Tacito

appella gli ebrei <<uomini insocievoli>>, e, distrutti da' romani, tuttavia con raro esemplo vivono dissipati

tra le nazioni, senza farvi nessuna parte‖. 187

Conforme os estudos de Patricio Alarcón, Vico e Hobbes têm em comum a ideia do temor reverencial a

uma divindade que dá origem ao processo de civilazação entre os gentios: ―A partir dessa interpretação nos

propomos a analisar o modo em que o temor e a reverência cumprem um papel fundador da religião tanto em

Hobbes como em Vico, e a maneira em que esta primeira instituição origina posteriormente o mundo civil. O

temor, por intermédio da imaginação, cumpre uma função coercitiva nos homens gentios; porém também

uma função inspiradora em ambos os autores‖ (tradução nossa). [A partir de esta interpretación nos

proponemos analizar el modo en que el temor y la reverencia cumplen un rol fundador de la religión tanto en

Hobbes como en Vico, y la manera en que esta primera institución origina posteriormente el mundo civil. El

temor, por intermedio de la imaginación, cumple una función coercitiva en los hombres gentiles; pero

también una función inspiradora en ambos autores]; (ALARCÓN, Patrício. El temor reverencial: un

principio político en Hobbes y Vico. In: Cuadernos sobre Vico 23 (2009) / 24 (2010) Sevilla (España), p.

91.). 188

VICO, Giambattista. Princìpi di una Scienza nuova [1725], in: Opere, p. 988: ―Finalmente il Pufendorfìo,

quantunque egli intenda servire alla provvedenza, e vi si adoperi, dà un'ipotesi affatto epicurea ovvero

Obbesiana, (che in ciò è una cosa stessa) dell'uomo gittato in questo mondo senza cura ed aiuto divino.

Laonde non meno i <<semplicioni>> di Grozio, che i <<destituti>> di Pufendorfìo devono convenire coi

<<licenziosi violenti>> di Tommaso Obbes, sopra i quali egli addottrina il suo <<cittadino>> a sconoscere la

giustizia e seguire l‘utilità. Tanto le ipotesi di Grozio e di Pufendorfio sono propie a stabilire il diritto

naturale immutabile!‖.

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parcial, pois, conforme meditara também na sua Autobiografia, erraram em consequência

da vaidade dos doutos [boria dei dotti]189

, aquela de pensar as coisas do mundo antigo

tendo por base as ideias de seu tempo, e por não possuírem a sua arte crítica que

possibilitou conhecer a verdade sobre o mundo dos primeiros gentios190

. Daí Vico ironizar:

dos homens de Hobbes, de Grócio e de Pufendorf não poderia jamais ter começado a

humanidade‖ 191

.

Com tais motivos uniu aquelas características com que estes conceberam os

homens no estado de barbárie primeira, ou seja, como simplórios [semplicione], destituídos

[destituti] e violentos licenciosos [licenciosi violenti] como peculiaridades daqueles

homens primitivos192

. Nesse sentido, Vico acrescenta:

189

As Dignidades II, III e IV expõem de modo preciso os significados dos termos: ―vaidade das nações‖

(boria delle nazioni) e a ―vaidade dos doutos‖ (boria del dotti). Conforme o autor escreve na segunda

Dignidade: ―Outra propriedade da mente humana é que, quando os homens não podem fazer qualquer ideia

sobre as coisas longìnquas e desconhecidas, avaliam-nas a partir das coisas que lhes são conhecidas e

presentes‖; e, na terceira: ―Sobre a presunção das nações ouvimos aquele áureo dito de Diodoro Sículo, de

que as nações, tanto gregas como bárbaras, tiveram esta presunção: de ter uma encontrado, antes de todas as

outras, as comodidades da vida humana e conservado a memória das coisas desde o princìpio do mundo‖; por

fim a quarta Dignidade: ―A essa presunção das nações junta-se aqui a presunção dos doutos, que pretendem

que a sua sabedoria seja tão antiga quanto o mundo‖ (VICO, Giambattista. Ciência Nova, p.106.). 190

Vico escreve sobre os três jurisconsultos: ―Em que tem errado no acordo Grócio, Selden e Pufendorf, os

quais por falta de uma arte crítica sobre os autores das próprias nações, acreditando-os sabios de sabedoria

secreta, não viram que aos gentios a Providência foi a divina mestra da sabedoria vulgar, da qual entre eles,

saiu, no início dos séculos, a sabedoria recôndita; onde tem confundido o direito natural das nações, saído

com os costumes das mesmas, com o direito natural dos filósofos, que tem compreendido por força dos

raciocínios, sem os distinguir com um privilégio qualquer de um povo eleito por Deus, pelo seu verdadeiro

culto, por todas as outras nações perdido‖ (tradução nossa). [Nello che hanno errato di concerto Grozio,

Seldeno e Pufendorfio, i quali per difetto di un'arte critica sopra gli auttori delle nazioni medesime,

credendogli sapienti di sapienza riposta, non videro che a' gentili la providenza fu la divina maestra della

sapienza volgare, dalla quale tra loro, a capo di secoli uscì la sapienza riposta; onde han confuso il diritto

naturale delle nazioni, uscito coi costumi delle medesime, col diritto naturale de' filosofi, che quello hanno

inteso per forza de' raziocini, senza distinguervi con un qualche privilegio un popolo eletto da Dio per lo suo

vero culto, da tutte le altre nazioni perduto]; (VICO, Giambattista. Vita scritta da se medesimo, in: Opere, p.

59.). 191

Nesse sentido, ver: VICO, Giambattista. Princìpi di una Scienza nuova [1725], in: Opere, p. 1015: ―dagli

uomini di Obbes, di Grozio, di Pufendorflo non può giammai aver potuto incominciare 1' umanità‖. 192

Vejamos as considerações de Alberto Bordogna: ―Além disso, os ‗licenciosos violentos‘ de Hobbes estão

sempre presentes no pensamento de Vico, e são estes muito mais que os ‗simplórios‘ de Grócio, a dar ao

filósofo napolitano múltiplas ocasiões para as suas reflexões. É, de fato, de uma hipótese substancialmente

hobbesiana que Vico parte para reconstruir aquilo que devia ser o estado de natureza originário e as relações

existentes entre os homens, antes que estes começassem a fazer parte de qualquer forma de vida associada‖

(tradução nossa). [Del resto i "licenziosi violenti" di Hobbes sono sempre presenti nel pensiero di Vico, e

sono questi, molto più che i "semplicioni" di Grozio, a dare al filósofo napoletano molteplici spunti per le sue

riflessioni. E' infatti da un'ipotesi sostanzialmente hobbesiana che Vico parte per ricostruire quello che

dovette essere lo stato di natura originario ed i rapporti esistenti tra gli uomini, prima che questi entrassero a

far parte di una qualche forma di vita associata.]; (Cf. BORDOGNA, Alberto. Gli idoli del foro: Retórica e

mito nel pensiero di Giambattista Vico, p. 68.).

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Em tal orientação da língua muda dos bestiais de Hobbes, dos simplórios

de Grócio, [dos] solitários de Pufendorf, iniciados a vir à humanidade,

começou-se de tempos em tempos a formar a língua de cada uma das

antigas nações, primeiro das vulgares presentes, [ou seja], poética. A

qual, após longo passar dos séculos, se encontrou próximo dos primeiros

povos, cada uma, em todo o seu corpo no qual nos chegou, composta de

três partes, como agora observamos, de três espécies diversas (tradução

nossa) 193

.

A razão de Vico haver escolhido o filósofo Platão como um dos principais mestres

do seu pensamento, em oposição a autores que seguiam as doutrinas epicuristas e estóicas,

deve-se ao fato de que Platão considerava a relevância, tanto da Providência Divina como

reguladora do mundo humano, quanto do dever obedecer às leis que estabelecemos. De

acordo com aquela decisão de seu mestre Sócrates que, embora condenado à morte por

envenenamento, não se permitiu descumprir o que a lei determinara. Vico reconhece

também o erro cometido por Platão, de acreditar na existência de uma sabedoria secreta

dos primeiros pais da humanidade gentílica, como se ele houvesse esquecido a atuação da

Providência. Tal erro é comum aqueles que tomam a si mesmos como medida para os

outros. Desse modo, Platão imaginou um estado de perfeição nas primeiras gentes em total

desconformidade com o que de fato existiu.

Só o divino Platão meditou uma sabedoria secreta que regulasse o homem

segundo máximas que ele aprendeu da sabedoria vulgar da religião e das

leis. Porque ele é totalmente comprometido com a Providência e a

imortalidade das almas humanas; põe a virtude na moderação das

paixões; ensina que por próprio dever de filósofo se deva viver em

conformidade com as leis, também por acaso se tornem rígidas ao

excesso por uma razão qualquer, a exemplo de Sócrates, seu mestre,

deixou com a sua própria vida; o qual, ainda que inocente, quis, porém,

condenado como réu, satisfazer à pena e tomar a cicuta. Porém, esse

Platão perdeu de vista a Providência quando, por um erro comum das

mentes humanas, de julgar por sí as naturezas não bem conhecidas dos

outros, elevou as bárbaras e grosseiras origens da humanidade gentilesca

ao estado perfeito das suas altíssimas divinas cognições recônditas (o

qual, tudo a reverso, devia das suas ‗ideias‘ descer e aprofundar aquelas),

e, sim, com um douto engano, no qual tem estado até hoje seguido, nos

193

VICO, Giambattista. Princìpi di una Scienza nuova [1725], in: Opere, p. 1131: ― In cotal guisa dalla

lingua muta de‘ bestioni di Obbes, semplicioni di Grozio, solitari di Pufendorfìo, incominciati a venire

all'umanità, cominciossi tratto tratto a formare la lingua di ciascheduna antica nazione, prima delle volgari

presenti, poetica. La quale, dopo lungo correre di secoli, si trovò appo i popoli primieri, ciascuna, in tutto il

suo corpo nel quale ci provenne, composta di tre parti, come ora l'osserviamo, di tre spezie diverse‖.

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quer aprovar, terem sido sapientíssimos de sabedoria secreta os primeiros

autores da humanidade gentílica, os quais, como de raças de homens

ímpios e sem civilidade, como deviam há um tempo ser aquelas de Cam e

Jafé, não puderam ser [mais] que bestas todas espantadas e ferozes. Em

seguida a este erro erudito, em vez de meditar na república eterna e nas

leis de um justo eterno, com as quais a Providência ordenou o mundo das

nações e a governa com essas necessidades comuns do gênero humano,

meditou uma república ideal e até um ideal justo, onde as nações não só

se regulam e se conduzem com base em um senso comum de toda

humana geração, mas, infelizmente delas deveríamos: desvirtuar e [deixar

de fazer uso]: como, por exemplo, aquele justo, que ele ordena na sua

República, que as mulheres sejam comuns (tradução nossa) 194

.

Em outra passagem, Giambattista Vico disserta sobre os erros que os autores

jusnaturalistas incorreram pelo fato de não adotarem a Providência Divina195

[Provvedenza

Divina] como fundamento para seus princípios 196

. Vico refuta o argumento de que tenha

194

VICO, Giambattista. Princìpi di una Scienza nuova [1725], in: Opere, pp. 986-987: ―Solo il divino

Platone egli meditò in una sapienza riposta che regolasse 1'uomo a seconda delle massime che egli ha

apprese dalla sapienza volgare della religione e delle leggi. Perché egli è tutto impegnato per la provvedenza

e per l'immortalità degli animi umani; pone la virtù nella moderazione delle passioni; insegna che per propio

dover di filosofo si debba vivere in conformità delle leggi, ove anche all'eccesso divengan rigide con una

qualche ragione, sull'esempio che Socrate, suo maestro, con la sua propia vita lasciò; il quale, quantunque

innocente, volle però, condennato qual reo, soddisfare alla pena, e prendersi la cicuta. Però esso Platone

perdé di veduta la provvedenza quando, per un errore comune delle menti umane, che misurano da sé le

nature non ben conosciute di altrui, innalzò le barbare e rozze origini dell'umanità gentilesca allo stato

perfetto delle sue altissime divine cognizioni riposte (il quale, tutto a rovescio, doveva dalle sue <<idee>> a

quelle scendere e profondare), e, sì, con un dotto abbaglio, nel qual è stato fino al dì d'oggi seguito, ci vuol

appruovare, essere stati sapientissimi di sapienza riposta i primi auttori dell'umanità gentilesca, i quali, come

di razze d'uomini empi e senza civiltà, quali dovettero un tempo essere quelle di Cam e Giafet, non poterono

essere che bestioni tutti stupore e ferocia. In seguito del qual erudito errore, invece di meditare nella

repubblica eterna e nelle leggi d'un giusto eterno, con le quali la provvedenza ordinò il mondo delle nazioni e

'l governa con esse bisogne comuni del genere umano, meditò in una repubblica ideale ed uno pur ideal

giusto, onde le nazioni non solo non si reggono e si conducono sopra il comum senso di tutta l'umana

generazione, ma pur troppo se ne dovrebbono: storcere e disusare: come, per esemplo, quel giusto, che e'

comanda nella sua Repubblica, che le donne sieno comuni‖. 195

Conforme escreve Bordogna: ―A aceitação de uma disposição Providêncial da história permite a Vico

estabelecer a condição necessária que permite unificar a multiplicidade dos fatos humanos, a fim de compor

uma <história ideal eterna> de um caráter universal‖ (tradução nossa). [L'ammissione di una disposizione

provvidenziale della storia consente a Vico stabilire la condizione indispensabile che permette di unificare la

molteplicità dei fatti umani al fine di comporre una <<storia ideali eterna>> di un carattere universale.];

(BORDOGNA, Alberto. Gli idoli del foro: Retórica e mito nel pensiero di Giambattista Vico, p. 61.). 196

Assim Vico escreve: ―Desse modo, porque nenhum dos três, no estabelecer os seus princípios, observou a

Providência, por isso e nenhum dos três descobriu as verdades e até então escondidas origens de nenhuma de

todas as partes que compõem toda a economia do direito natural das gentes, que são religiões, línguas,

costumes, leis, sociedades, governos, domínios, comércios, ordens, impérios, juízes, penas, guerra, paz,

rendições, escravaturas, alianças. E, por não haverem descoberto as origens, estão todos os três em acordo

nesses três seríssimos erros (tradução nossa)‖. [Quindi, perché niuno delli tre, nello stabilire i suoi princìpi,

guardò 1a provvedenza, perciò e niuno degli tre scuoprì le vere e finora nascoste origini di niuna di tutte le

parti che compongono tutta l‘iconomia del diritto natural delle genti, che sono religioni, lingue, costumanze,

leggi, società, governi, domìni, commerzi, ordini, imperi, giudìci, pene, guerra, pace, rese, schiavitù, allianze.

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existido no mundo alguma nação com base no ateísmo197

, pois sem a crença em uma

divindade, que possibilite aos indivíduos acreditarem em algo comum a todos que compõe

o grupo, não se pode formar sociedade. Para Vico, a crença em uma divindade comum

possibilitou igualmente as primeiras uniões matrimoniais, uma vez que, crentes em uma

deidade vigilante ante suas atitudes, abandonaram aquelas uniões movidas por violentas e

desavergonhadas paixões.

Outro argumento em favor da Providência e de um sentimento de justiça inerente

ao seu espírito, seria aquele da não existência no mundo de alguma nação que em sua mais

crua barbárie permitisse que seus mortos ficassem insepultos. Nesse sentido, Vico

argumenta:

Onde não só não existiu no mundo nação de ateus, tão pouco alguma na

qual as mulheres não adotassem a religião pública de seus maridos; se

não existiram nações que andaram todas nuas, muito menos existiu

alguma que fez uso de Vênus canina ou desavergonhada na presença dos

outros e não celebrasse outra coisa senão que concúbitos incertos, como

fazem as bestas; nem finalmente existe nação, ainda que bárbara, que

deixe apodrecer e insepultos sobre a terra os cadaveres dos seus parentes:

o qual seria um estado infame, ou seja, estado pecante contra a natureza

comum dos homens. No qual, para não cair as nações, conservam todas

com invioláveis cerimônias as religiões em que nasceram, com

requintados ritos e solenidades acima de todas as outras coisas humanas

celebrando os matrimônios e enterros. Que é a sabedoria vulgar do

gênero humano, a qual começou com as religiões e com as leis, e se

aperfeiçoou e realizou com as ciências, as disciplinas e com as artes

(tradução nossa) 198

.

E, per non averne scoverte le origini, dànno tutti e tre di concerto in questi tre gravissimi errori]; (VICO,

Giambattista. Princìpi di una Scienza nuova [1725], in: Opere, p. 988.). 197

Sobre este tema Cristofolini escreveu: ―No primeiro parágrafo se apresenta uma significativa sucessão de

adjetivos postos ao substantivo religiões, que acarreta um verdadeiro deslizamento semântico. Depois da

‘Ideia da obra’, na qual a inscrição virgiliana ‗A Iove principium Musae‘ está explicitada com a declaração

de que a humanidade das nações ‗todas começaram com as religiões‘, a obra se abre com a enunciação do

conceito-chave que acompanhará, a partir de agora, toda elaboração de Vico e que as duas versões

sucessivas, de 1730 e 1744, colocarão na conclusão com maior força retórica: ‗não existiu jamais no mundo

[uma] nação de ateus‘. [En el primer párrafo se presenta una significativa sucesión de adjetivos puestos al

sustantivo religiónes, que conlleva un verdadero deslizamiento semántico. Después de la ―Idea dell’opera‖,

en la cual el exergo virgiliano ―A Iove principium Musae‖ está explicitado con la declaración de que la

humanidad de las naciones ―a tutte cominciò com le religioni‖, la obra se abre con la enunciación del

concepto–clave que acompañará, a partir de ahora, toda elaboración de Vico y que las dos versiones

sucesivas, de 1730 y 1744, colocarán en la conclusión con mayor fuerza retórica: ―né alcuna giammai al

mondo fu nazion d’atei‖]; (CRISTOFOLINI, Paolo. Vico y la naturaleza de las religiones de las naciones,

in: Cuadernos sobre Vico 17 – 18 (2004 -2005). Sevilla Spaña, p. 47.). 198

VICO, Giambattista. Princìpi di una Scienza nuova [1725], in: Opere, pp: 984: ―Onde non solo non fu al

mondo nazion d‘atei, ma nemmeno alcuna nella quale le donne non passino nella religion pubblica de‘ lor

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Para Vico, a custódia de tais princípios, ou seja, religião, matrimônio e

sepultamento deve ser considerada por todas as nações que desejem perseverar no curso da

história. Tais princípios são provenientes de uma sabedoria vulgar da qual é dotado o

gênero humano, e aperfeiçoando-se mediante o auxílio das ciências, o cultivo das

disciplinas e das artes. Essas três coisas possibilitaram ao homem tornar a vida mais

confortável.

Conforme Vico, até seu tempo não havia ainda existido uma ciência [scienza] que

considerasse o conhecimento proveniente do senso comum, pois nele se encontram aqueles

―certos princìpios de humanidade‖ [certi princìpi dell’umanità] das nações, e tampouco

existiu uma disciplina que abarcasse tanto as ciências quanto as artes. Para Vico, isso

justifica a exigência de escrever a Scienza nuova prima:

Mas todas as ciências, todas as disciplinas e as artes têm sido

estabelecidas para aperfeiçoar e regular as faculdades do homem. Porém,

nenhuma até agora existiu que tivesse meditado sobre certos princípios da

humanidade das nações, da qual sem dúvida saíram todas as ciências,

todas as disciplinas e as artes; e por ditos princípios fosse estabelecido

certa άχμή, ou seja, um estado de perfeição, do qual se pudessem medir

os graus e os extremos, pelos quais e no interior dos quais, como

qualquer outra coisa mortal, deve essa humanidade das nações correr e

terminar, onde com ciência aprendessem as práticas de como a

humanidade de uma nação, surgindo, possa chegar a tal estado perfeito; e

como ela, daqui decaindo, possa de novo se reconduzir. Tal estado de

perfeição seria unicamente: manterem-se as nações em certas máximas

demonstradas assim por razões imutáveis, como praticadas com os

costumes comuns, sobre os quais a sabedoria oculta dos filósofos desse a

mão e regesse a sabedoria vulgar das nações, e, de tal modo, pôr de

acordo os mais reputados das academias com todos os sábios das

repúblicas (...) (tradução nossa) 199

.

mariti; e se non vi furon nazioni che andarono tutte nude, molto meno vi fu alcuna che usò la venere canina o

sfacciata in presenza di altrui e non celebrasse altri che concubiti vaghi, come fanno le bestie; né finalmente

vi ha nazione, quantunque barbara, che lasci marcire insepolti sopra la terra i cadaveri de‘ loro attenenti: il

quale sarebbe uno stato nefario o sia stato peccante contro la natura comune degli uomini. Nel quale per non

cadere le nazioni, custodiscon tutte con inviolate cerimonie le religioni natiee, con ricercati riti e solennità,

sopra tutte le altre cose umane celebrano i matrimoni e i mortori. Che è la sapienza volgare del genere

umano, la quale cominciò dalle religioni e dalle leggi, e si perfezionò e compiè con le scienze e le discipline e

con l‘arti‖. 199

VICO, Giambattista. Princìpi di una Scienza nuova [1725], in: Opere, pp. 984-985: ―Ma tutte le scienze,

tutte le discipline e le arti sono state indiritte a perfezionare e regolare le facultà dell‘uomo. Però niuna

ancora ve n'ha che avesse meditato sopra certi princìpi dell'umanità delle nazioni, dalla quale senza dubbio

sono uscite tutte le scienze, tutte le discipline e le arti; e per sì fatti princìpi ne fosse stabilita una certa άχμή,

o sia uno stato di perfezione, dal quale se ne potessero misurare i gradi e gli estremi, per li quali e dentro i

quali, come ogni altra cosa mortale, deve essa umanità delle nazioni correre e terminare, onde con iscienza si

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Os seus estudos sobre a História e a Filologia levaram-no à descoberta de que todos

os povos em seus inícios tiveram costumes bárbaros. A barbárie, conforme revela os

estudos de Enrico Nuzzo sobre a concepção viquiana, deve ser compreendida não apenas

como ponto de partida do processo de humanização e civilização do ser humano, mas

também de seu reverso: algo como um retorno ou processo de desumanização ou

incivilidade ao qual o homem (ou mais precisamente a humanidade) está sujeito200

. Em

virtude de tais estudos, Vico expôs na Scienza nuova prima aqueles testemunhos histórico-

filológicos das manifestações, tanto de proximidade quanto de afastamento do processo de

civilidade e barbarização. Este último, não obstante todos os progressos civilizatórios já

conquistados, parece estar sempre adjacente ao homem. Segundo Vico escreve:

Depois, tendo Roma crescido de camponeses e de plebe, e essa utilidade,

entretanto, atenuando a barbárie, deixava de pé as cidades vencidas,

dentro do Lácio, mais distantes, rendiam-se com a fórmula aráldica de

Anco Márcio (com a qual, certamente, nos tempos heróicos da Grécia,

venceu Pterela rei dos Teleboi, rende a cidade de Anfitrião, na

tragicomedia dele em Plauto (tradução nossa) 201

.

Vico descreve, mais adiante, como ocorreu a divisão entre os homens que

compunham as cidades, ou seja, os nobres e os plebeus em Roma. Isso porque, os

primeiros já se encontravam estabelecidos e com costumes mais piedosos eram civis, os

segundo, por ainda preservarem costumes animalescos terminaram denominados hostis:

(...) por aquela célebre divisão que as antigas gentes latinas fizeram de

<civis> e <hostis> para partes que nos tempos bárbaros delas eram

sumamente opostos entre elas: quais espécies de guerras eternas hoje

apprendessero le pratiche come 1'umanità d‘una nazione, surgendo, possa pervenire a tale stato perfetto; e

come ella, quinci decadendo, possa di nuovo ridurvisi. Tale stato di perfezione unicamente sarebbe: fermarsi

le nazioni in certe massime così dimostrate per ragioni costanti, come praticate co' costumi comuni, sopra le

quali la sapienza riposta de' filosofi dasse la mano e reggesse la sapienza volgare delle nazioni; e, 'n cotal

guisa, vi convenissero gli più riputati delle accademie con tutti i sapienti delle repubbliche (...)‖. 200

Nesse sentido, ver aqui: ―A ‗barbárie‘ é incluìda em uma concepção dramática da história, onde não só

tem o sentido de ponto de partida da humanidade, mas também o caráter permanente de ‗perda‘ que pende

sobre ela, em uma dinâmica de barbárie/civilização‖ (tradução nossa). [La ―barbarie‖, es incluìda dentro de

una concepción dramática de la história, donde no solo tiene el sentido de punto de partida de la humanidad,

sino también el carácter permanente de ―pérdida‖ que pende sobre ella, en una dinámica de

barbarie/civilización]; (NUZZO, Enrico. Figuras de la barbarie. Lugares y tiempos de la barbarie en Vico.

Trad esp. Josep Martinez Bisbal, in: Cuadernos sobre Vico 15 -16, 2003, Sevilla – España, p. 151.). 201

VICO, Giambattista. Princìpi di una Scienza nuova [1725], in: Opere, p. 1092: ―Poi, cresciuta Roma e di

campo e di plebe, ed essa utilità frattanto mitigando la barbarie, lasciavano in piedi le città vinte dentro esso

Lazio più lontane, arrese con la formola araldica di Anco Marzio (con la quale appunto ne' tempi eroici di

Grécia, vinto Pterela re de' teleboi, rende la città ad Anfitrione nella di lui tragicomedia appresso Plauto)‖.

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estão entre as gentes de Barbária e as cristãs. Que por isso talvez pelos

cristãos essa costa da África chamada: Barbária, de tal costume bárbaro

desses eternos corsários: assim como dos gregos permaneceu chamada

Βαρβαρία a costa da África sobre o mar Vermelho, na qual estava a

Troglodicícia; porém mais adiante devessem ser todas as outras nações,

dos gregos afora, no tempo que haviam já [se] despido de tal costume,

por aquela célebre divisão deles de <grego> e de <bárbaro>, que, mais

amplamente por nação, respondia àquela dos latinos, mais restrita por

nacionalidade de <civis> e <hostis> (tradução nossa) 202

.

Ele concluiu a sua Scienza nuova prima refutando as conjecturas de Políbio e Pierre

Bayle: o primeiro afirmou que se houvesse existido no mundo primeiramente os filósofos

não haveria necessidade das religiões; o segundo acreditava não existir uma Providência

divina no comando do mundo civil. Se não houvesse existido no mundo, tanto as religiões

quanto uma Providência, muito provavelmente estaríamos imersos na barbárie e nos seus

perigos que a Scienza Nuova tem por intuito principal advertir. Tais homens bestiais

retornaram à civilidade com o auxílio da Providência (que os advertiu quanto aos males da

vida errante, mediante aquelas espantosas divindades dos Jupíteres), e convocados a se

reunirem em torno de uma divindade e de uma língua comum de onde principia o

refinamento dos costumes203

. Segundo a conclusão da Scienza nuova prima:

Que, sem um Deus providente, não existiria no mundo outro estado que

[não fosse] de erro, bestialidade, torpeza, violência, arrogância, podridão

202

VICO, Giambattista. Princìpi di una Scienza nuova [1725], in: Opere, p. 1117: ―(...) per quella celebre

divisione che le antiche genti latine facevano di <<civis>> e <<hostis>> per parti che ne' lor tempi barbari

erano sommamente opposte tra loro: quali sorte di guerre eterne sono oggi tra le genti di Barbaria e le

cristiane. Che per ciò forse dalle cristiane questa costa d'Affrica è detta Barbaria da tal costume barbaro di

questi loro eterni corseggi: siccome da' greci restò detta Βαρβαρία la costa d'Affrica sul mar Rosso, nella

quale era la Troglodizia; ma più innanzi dovettero essere tutte le altre nazioni, da' greci in fuori, nel tempo

che avevano già spogliato cotal costume, per quella celebre loro divisione di <<greco>> e di <<bárbaro>>,

che, più ampiamente per nazione, rispondeva a quella de' latini, più ristretta per cittadinanza, di <<civis>> ed

<<hostis>>‖. 203

Sobre a relevãncia das línguas, Vico escreve: ―Mas de tempos em tempos vindo as nações a se formar os

falares vocais e a crescer os vocabulários (que nós acima raciocinamos ser uma grande escola de fazer destras

e céleres as mentes humanas), os plebeus vieram, refletindo, reconhecerem-se de uma natureza igual àquela

dos nobres; em consequência da conhecida [e] verdadeira natureza humana, mudando de opinião pela

inutilidade do heroísmo, quiseram ser com os nobres comparados nas razões de utilidade‖ (tradução nossa).

[Ma, tratto tratto venendosi tra le nazioni a formare i parlari vocali ed a crescere i vocabolari (che noi sopra

ragionammo essere una gran scuola di far destre e spedite le menti umane), i plebei vennero, riflettendo, a

riconoscersi di una natura eguale a quella de' nobili; in conseguenza della qual conosciuta vera natura umana,

ricredendosi della vanità dell'eroismo, vollero essere co' nobili uguagliati nella ragione dell'utilità]; (VICO,

Giambattista. Princìpi di una Scienza nuova[1725], in: Opere, p. 1024.).

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e sangue; e, talvez pela grande selva da terra hórrida e muda hoje não

existisse gênero humano (tradução nossa) 204

.

204

VICO, Giambattista. Princìpi di una Scienza nuova [1725], in: Opere, p. 1208: ―Che, senza un Dio

provvedente, non sarebbe nel mondo altro stato che errore, bestialità, bruttezza, violenza, fierezza, marciume

e sangue; e, forse e senza forse, per la gran selva della terra orrida e muta oggi non sarebbe genere umano‖.

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CAPÍTULO III

A Scienza nuova viquiana: busca de uma filosofia da autoridade e oposição à filosofia

dogmática

Ao se opor ao dogmatismo cartesiano205

, o qual postulava a incapacidade de se

obter algum conhecimento certo com base nos escritos da Tradição, em especial, a

Filologia, compreendendo-se aqui por Filologia todo conteúdo expresso na forma de

poemas, registros historiográficos e linguísticos, Vico, para justificá-la como ciência, se

reporta à Filosofia e à fundamentação metafísica. Para justificar tal conhecimento, ele

reconhece que até seu tempo ocorrera uma inabilidade daqueles que se lançaram nesse

empreendimento: conforme defende na Autobiografia remontando à tentativa de Pico della

Mirándola. Descartes, com seu Discurso do Método, negava que a Filologia tivesse alguma

utilidade para a obtenção de um conhecimento certo e verdadeiro. Faltava ainda à Filologia

um verdadeiro caráter científico por permanecer presa às particularidades: algo não

apropriado a um saber fundamentado na universalidade e na certeza. Diante de tais

objeções, Vico lança-se no estudo infatigável, por bem vinte anos de sua vida: o grande

desafio de elevar a Filologia ao estatuto de ciência. Para tanto, ele inicia o resgate das

fontes mais longìnquas da tradição, aqueles ditos ―fragmentos‖ [frammenti] mais

relevantes, como os poemas de Homero e as XII Tábuas [XII Tavole]. Tais códigos de leis

fornecem assim como a Bíblia, a história dos pensamentos dos primeiros homens.

3.1 Os primórdios da civilidade: a questão da gênese do humano

É certo que as origens das coisas humanas foram grosseiras, mas o homem

primitivo não estava largado à própria sorte, como sustentavam alguns jusnaturalistas,

porque a Providência fez-se perceptível a fim de que eles, ainda com mentes embrutecidas

pela aguda sensibilidade e fosse por esta constantemente surpreendidos, percebiam a

natureza como uma força sobrenatural, imaginando essa natureza repleta de divindades206

.

205

Cf. VICO, Giambattista. L’antichíssima Sapienza degli italici da ricavarsi dalle origini della lingua latina

pp. 70-71. 206

Ver aqui as considerações de Burke sobre tais questões que envolvem o animismo e o fetichismo no

pensamento de Vico: ―No caso do animismo, escreveu que ‗quando os homens ignoram as causas naturais

que produzem as coisas (...) atribuem sua própria natureza a elas‘. Quanto ao fetichismo, escreveu Vico que

‗os homens tinham um medo terrìvel dos deuses que eles próprios haviam criado‘, outra expressão tirada do

não reconhecido mestre de Vico, o poeta romano Lucrécio‖ (BURKE, Peter. Vico, p. 66.).

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São estes primeiros gigantes estabelecidos, os bestioni207

, que criaram as leis, mas não para

si e sim para sujeitar aqueles primeiros fâmulos que, passado algum tempo de

condicionamento, começaram a exigir alguns direitos208

. Foram destas leis criadas a

contragosto dos nobres, que Vico extrai a metafísica209

da mente destes primeiros homens,

porque, pela exigência de imutabilidade nas leis que tais nobres velavam, esses são

testemunhos valiosos de como se encaminhava a cognição humana.

Vico argumentava ser a sua metafísica uma metafísica das mentes humanas e do

mundo civil [mondo civile]. O modo como o direito natural e com base nele o direito civil

começou, não sob acaso, mas pela Providência210

, com o estabelecimento das primeiras

religiões. Daí a presença do altar no desenho da Introdução à Ciência Nova. Conforme

Vico: Entre estes hieróglifos, a maior presença é ali a de um altar, porque o mundo civil

começou para todos os povos com as religiões, como um pouco atrás um tanto se divisou,

e mais se divisará daqui a pouco211

.

Por ―civis‖ [civile] compreendemos todos aqueles que primeiro detiveram direitos,

pois foram os gigantes a dominar primeiro as terras incultas e nelas também enterraram os

seus antepassados212

. Por isso explicamos anteriormente a distinção usada pelos latinos

entre civis e hostis, uma vez que Vico se apropria desses termos a fim de explicar as

distinções entre estes gigantes, os heróis (civis) e os seus fâmulos (hostis). Percebemos,

com os estudos da Scienza Nuova, que todos os conflitos entre as classes dos primeiros

povos têm por finalidade a obtenção de direitos, aos quais almejavam aqueles subjugados.

207

Sobre o termo e sua acepção no ideário viquiano, ver as considerações de Liliane Severiano: ―É preciso

esclarecer que, com relação ao vocábulo bestioni, que aparece no interior dessa citação, optamos por não

realizar a sua tradução em virtude, quer da insuficiência de significado na língua portuguesa, quer por não se

tratar de uma problemática meramente terminológica na refexão viquiana sobre as origens obscuras da

humanidade. Trata-se de um conceito, presente na obra de Vico, que se vincula à determinada especificidade

antropológica no estado de civilização dos primeiros homens (da gentilidade), em que predominou certas

faculdades e disposições pré-reflexivas, necessárias ao desenvolvimento da humanidade (Cf.

MOMIGLIANO, Arnaldo. ―La ‘Scienza Nuova’ de Vico: ‘bestioni’ y ‘eroi’ romanos. In: Ensayos de

historiografia antigua y moderna. [1947] Trad. esp. Stella Mastrangelo. México: Fondo di cultura

Económica, 1993, pp. 214-233. In: SILVA, Liliane Severiano. Do sistema do direito universal a uma nuova

scienza da vida civil: a invenção de Giambattista Vico. Dissertação de mestrado, 2009, p. 92.). 208

Cf. VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 26. 209

Vico escreve: ―(...) porque, por virtude da metafísica (a qual se construiu, desde o início, sobre uma

história das ideias humanas, desde que começaram tais homens a pensar humanamente), é que nós descemos

finalmente às mentes tolas dos primeiros fundadores das nações gentias, todos de robustíssimos sentidos e

vastìssimas fantasias (...)‖. A metafìsica dessas mentes primitivas, o autor denomina ―metafìsica poética‖

(VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 7.). 210

Cf. VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 109. 211

Ibidem, p. 11. 212

Cf. VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 14.

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As razões dos nobres não quererem transmitir privilégios à plebe era justificada por

eles acreditarem ser de natureza distinta, porque seus costumes eram distintos daqueles

homens que chegavam às suas aldeias, pois se assemelhavam mais às bestas213

. O

gigantismo era explicado como consequência de criação inumana, conforme o autor relata

de haver recolhido tais informações daqueles doutos da tradição214

. Vico dedicou um

capítulo inteiro a tais gigantes na sua Scienza nuova de 1744, o qual intitulou Do dilúvio

Universal e dos gigantes [Del diluvio universale e de’ giganti] pertencente ao segundo

livro, a saber, Da Sabedoria Poética [Della Sapienza Poética]215

. Daí a necessidade de

uma educação (economia poética) 216

, para civilizar as mentes rudes. Os gentios só a partir

de algum tempo, com o processo civilizatório que consistia na higiene física e mental,

retrocederam à justa estatura217

.

Assim como existiram primeiramente três formas de governos [tre forme de'

governi], que se explicaram com três formas de linguagem, também existiram três formas

de jurisprudência. É preciso, porém, que façamos uma breve exposição sobre as ditas três

espécies de linguagens [tre specie di linguaggio], pois durante aqueles três tempos antigos,

cada um produziu uma forma de linguagem particular. Na idade dos deuses os homens se

213

Ibidem, p. 15. Um excelente resumo do que seriam, ou como se comportavam esses bestioni, encontra-se

no trabalho de Damiani nos Cuadernos sobre Vico: ―No estado selvagem os seres humanos haviam perdido

os seus costumes, suas instituições e sua linguagem. A incapacidade para comunicar-se e para dominar os

seus impulsos corporais havia transformado os seres humanos em bestioni. A ausência de instituições reduz

os diversos aspectos da natureza humana (mente, ânimo, corpo) e as distintas faculdades que a caracterizam

(sentidos, memória, fantasia, engenho e intelecto) a um corpo quase animal submetido a estímulos. No estado

selvagem a mente se encontra imersa nos sentidos, o ânimo preso às paixões e o <<homem interior>>

enterrado em um corpo. Os bestioni, como os bruta, não se movem, mas são movidos pelas paixões. Estas

lhes permitiriam fugir das feras, satisfazer a libido e alimentar-se‖ (tradução nossa). [En el estado salvaje los

seres humanos habrían perdido sus costumbres, sus instituciones y su lenguaje. La incapacidad para

comunicarse y para dominar sus impulsos corporales habría transformado a los seres humanos en bestioni. La

ausencia de instituciones reduce los diversos aspectos de la naturaleza humana (mente, ánimo, ánima,

cuerpo) y las distintas facultades que la caracterizan (sentidos, memoria, fantasía, ingenio e intelecto) a un

cuerpo cuasi-animal sometido a estímulos. En el estado salvaje la mente se encuentra inmersa en los sentidos,

el ánimo rendido a las pasiones y el «hombre interior» enterrado en un cuerpo. Los bestioni, como los bruta,

no se mueven sino que son movidos por las pasiones (LM, 106/73). Éstas les permitirían huir de las fieras,

satisfacer la libido y alimentarse (SN, 13)]. (DAMIANI, Alberto M. Orden civil y orden metafísico en la

scienza nuova. in: Cuadernos sobre Vico 11-12 (1999-2000) Sevilla (España). ISSN 1I30-7498, p. 98.). 214

Ibidem, p. 121. 215

Ibidem, p. 205. 216

A economia poética foi o processo educativo no qual, os primitivos homens do gentilismo, educaram suas

mentes e corpos e assim assumiram verdadeira forma humana. Vico descreve, com efeito, o processo de

educação: ―Sentiram os heróis, através dos sentidos humanos, aquelas duas verdades que compõem toda a

doutrina econômica, que as gentes latinas conservaram com estas duas palavras de <<educere>> e de

<<educare>>; das quais, com predominante elegância, a primeira pertence à educação do ânimo, e a segunda

à do corpo‖ (VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 345.). 217

Cf. VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 15.

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comunicaram mediante uma linguagem muda e uma escrita hieroglífica. Durante a idade

dos heróis a comunicação se deu de forma simbólica. Já na idade dos homens a

comunicação ocorreu com uma linguagem epistolar218

. Tais verdades sobre a origem das

línguas são expostas por Vico, porque concluiu, mediante seus estudos, terem sido tais

primeiros homens poetas, uma vez que tiveram que criar um mundo de sentido e, por meio

dos sentidos, deram sentido às coisas219

.

Naqueles primeiros tempos devia ser por meio de caracteres poéticos ou universais

fantásticos220

que deviam se expressar. Desse modo, o autor questiona aqueles autores que

desde a Antiguidade, como Platão, e em seu tempo Bacon, que acreditavam serem os

antigos homens, sábios nas mais diversas doutrinas221

. Os antigos se expressaram por

―caracteres poéticos‖ e ―universais fantásticos‖, não porque possuìssem alto grau de

abstração, mas por causa da carência de elementos linguísticos, tanto de fala (pois a fala

expõe o pensamento e com este as ideias), quanto de escrita (porque a escrita conserva a

memória), e consequentemente a carência da capacidade de abstração: conforme suas

218

Ibidem, p. 36. 219

Vejamos as considerações de Expedito Passos: ―Por isso na primeira versão da Scienza Nuova (a de

1725), Vico teria afirmado que ―‗nunca existiu um mesmo homem hábil, ao mesmo tempo, quer grande

metafìsico, quer grande poeta‘‖; já na edição de 1744, teria enfatizado ―o fato de que a função dos poetas na

metafísica é igualmente grande, quanto àquela dos filósofos (...) nas primeiras fases da história, foi até

maior‖‖ (LIMA, José Expedito Passos. A estética entre saberes antigos e modernos na Nuova Scienza de

Giambattista Vico, p. 29.). 220

Sobre tais ―universais fantásticos‖, vejamos as considerações de Donald Phillip Verene: ―Um elemento

central da teoria de Vico sobre a sabedoria poética é sua teoria dos ‗universais fantásticos‘ (gêneros ou

universais fantásticos). A concepção de Vico do universal fantástico é a concepçao de uma lógica da

metáfora, e mais especificamente é uma lógica da identidade, das identidades imediatas entre as coisas. A

forma que a linguagem dos primeiros homens é aquela do caractere poético. Estes caracteres, que são as

figuras centrais das fábulas, diz Vico, eram imagens quase sempre de substâncias animadas, de deuses ou de

heróis‖ (tradução nossa). [Un elemento central de la teoria de Vico sobre la sabidurìa poética es su teoría de

los ‗universales fantásticos‘ (generi o universali fantastici). La concepción de Vico del universal fantástico es

la concepción de una lógica de la metáfora, y más específicamente, es una lógica de la identidad, de las

identidades inmediatas entre las cosas. La forma que el lenguaje de los primeros hombres es aquella del

carácter poético. Estes caracteres, que son las figuras centrales de las fábulas, dice Vico, eran ‗imágenes, casi

siempre de sustâncias animadas, de dioses o de héroes‘]; (VERENE, Donald Phillip. ―La Filosofia de la

imaginación de Vico‖, in: TAGLIACOZZO, Giorgio. et. Al. Vico y el pensamiento contemporâneo, pp. 26-

27.). 221

Conforme escrevera: ―Exemplos, e poderosos exemplos divinos (ainda que essas fábulas contenham toda

a sabedoria secreta desejada, desde Platão até os nossos tempos, por Bacon de Verulam, De sapientia

veterum) que, tomados à letra, desagregariam os povos mais bem-educados e instigá-los-iam a

embrutecerem-se como essas feras de Orfeu (...)‖, e mais adiante em uma das Dignidades: ―é ainda tradição

vulgar que os primeiros reis foram sábios, pelo que Platão desejava com votos vãos estes antiquíssimos

tempos em que reinavam os filósofos e filosofavam os reis‖ (VICO, Giambattista. Ciência Nova, pp. 77 e

144.).

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100

afirmações na Scienza nuova sobre as fábulas e as ―locuções poéticas‖ 222

. Daí Vico

advertir a dificuldade de compreensão, pois foi preciso um grande período de estudos para

compreender tais elementos, considerados por ele como ―chave mestra‖ de sua obra. Ele

escreve:

(...) esta descoberta, que é a chave mestra desta Ciência, custou-nos a

pesquisa obstinada de quase toda a nossa vida literária, uma vez que, com

estas nossas naturezas civilizadas, tal natureza poética desses primeiros

homens é, de facto [sic], impossível de imaginar e muito a custo nós é

permitido compreender 223

.

Quanto ao problema da gestação do mundo civil, Vico tinha diante de si duas

hipóteses: uma de ter sido o mundo formado e conduzido pela mente de homens sábios e

outra, a de que um sentimento particular do ser humano, que é a sociabilidade, instituiu

tudo o quanto foi preciso para a formação das coisas civis 224

. Desnecessário afirmar que

ele optou pela segunda via, pois quanto a isso a verdade estava não em uma sabedoria

douta, mas em uma sabedoria vulgar [sapienza volgare]: hipótese já adotada desde a

primeira edição da Scienza nuova 225

.

222

Vico afirma: ―Para mais, uma vez que tais géneros [sic] (que são na sua essência, as fábulas) eram

formados por robustíssima fantasias, como de homens de debilíssimo raciocínio, descobrem-se neles as

verdadeiras sentenças poéticas, que devem ser sentimentos vestidos de grandíssimas paixões e, por isso,

plenos de sublimidade e despertando a admiração. Comprova-se, além disso, que as fontes de toda a locução

poética são estas duas, a saber, pobreza de linguagens e necessidade de se explicar e de se fazer entender; das

quais provém a evidência da fala heróica, que imediatamente sucedeu às falas mudas por gestos ou objectos

[sic] que tivessem relações naturais com as ideias que se queriam significar, a qual, nos tempos divinos, era

falada‖ (Ibidem, p. 38.). 223

VICO, Giambattista. Ciência Nova, pp. 37-38. 224

Sobre tais questões são relevantes as considerações de Expedito Passos: Vico sabe, todavia, ser possível

―imaginar‖, considerando a compreensão das origens do mundo das nações gentìlicas, apenas mediante dois

modos: ―ou que alguns homens sábios tivessem organizado por reflexão; ou que homens ignorantes

[bestioni] tivessem por certo sentido, ou seja, instinto humano estabelecido‖ (LIMA, José Expedito Passos. A

estética entre saberes antigos e modernos na Nuova Scienza, de Giambattista Vico, p. 272.). 225

Conforme Vico: ―Tal divina arquiteta, tem mandado fora o mundo das nações com a régua da sabedoria

vulgar, a qual é o senso comum de todos os povos ou nações, que regula a nossa vida social em todas as

nossas humanas ações, de modo tal que fazemos ajustes no que sentem comumente todos os povos e nações.

A conveniência deste senso comum dos povos ou nações [contida] neles todos é a sabedoria do gênero

humano‖ (tradução nossa). [Tal divina architetta, ha mandato fuori il mondo delle nazioni con la regola della

sapienza volgare, la quale è un senso comune di ciascun popolo o nazione, che regola la nostra vita socievole

in tutte le nostre umane azioni, così che facciano acconcezza in ciò che ne sentono comunemente tutti di quel

popolo o nazione. La convenienza di questi sensi comuni di popoli o nazioni tra loro tutte è la sapienza del

genere umano]; (VICO, Giambattista. Princìpi di una Scienza nuova [1725], in: Opere, p. 1009.).

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Vico pretende, após refutar a ideia de uma sociedade primitiva fundada sob uma

lógica mais conveniente aos novos tempos, como o fizeram Hobbes, Grócio, Selden e

Pufendorf, investigar as origens do mundo civil, uma vez que os primeiros homens

ignorantes estabeleceram esse mundo não com base em uma sabedoria douta, mas no senso

comum incutido neles pela Providência divina. Para a resolução do problema de um saber

das origens, Vico adota a ideia hipotética da não existência, seja de filósofos seja de

filólogos. Conforme a seguinte passagem:

Porque também os homens fizeram este mundo de nações (que foi o

primeiro princípio não questionado desta Ciência, depois que

desesperamos de encontrá-la nos filósofos e nos filólogos); mas este

mundo, sem dúvida, nasceu de uma mente muito diferente e, por vezes,

completamente contrária e sempre superior aos fins particulares a que

esses homens se tinham proposto; estes fins restritos, convertidos em

meios para fins mais amplos, foram sempre empregues para conservar a

geração humana nesta terra 226

.

Tal hipótese objetivava evitar antecipações que distraíam e perturbavam

semelhantes reflexões. Nesse empreendimento era cabível a dúvida metódica de

Descartes227

, considerada como orientação de investigação não do homem singular, mas do

mundo histórico-social. A resolução virá pela descoberta da verdade sobre o mundo das

nações, que foi de fato feito pelo homem e, portanto, possível de ser conhecido, mesmo

envolto pelas densas trevas das opiniões desconexas das quais se queixavam conduzir os

eruditos228

.

226

VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 843. 227

De acordo com as notas de Expedito Passos: C. Vasoli, ―Note sul ‗metodo‘ e la ‗struttura‘ della Scienza

nuova prima‖, in Bollettino del Centro di Studi viquiani, p. 32. Não obstante a utilização da dúvida metódica

(scepsi) isto não significa que Vico permaneça aqui próximo a Descartes. Já na Scienza nuova prima, não é

sustentável o pressuposto do Cogito para se pensar uma ciência da origem do mundo civil das nações‖

(LIMA, José Expedito Passos. A estética entre saberes antigos e modernos na Nuova Scienza de

Giambattista Vico, p. 273.). 228

VICO, Giambattista. Ciência Nova, pp. 171-172: ―Mas, nessa densa noite de trevas de que está coberta para

nós a primeira antiquidade, aparece esta luz eterna, que não declina esta verdade, que de modo nenhum se

pode pôr em dúvida: que este mundo civil foi certamente feito pelos homens, pelo que se podem, porque se

devem descobrir os princìpios dentro das modificações da nossa própria mente humana‖.

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3.2 Senso comum e vida civil

Antes de aprofundar a relação entre senso comum e vida civil é preciso, de início,

um esclarecimento sobre a acepção do termo ―senso comum‖ tanto no sentido da tradição,

quanto naquele que Vico se utilizou. O termo ―senso comum‖, que aparece primeiramente

com Platão e Aristóteles, designa não apenas a percepção das coisas, mas a sensibilidade,

αισθητά. Com a escola dos filósofos latinos, o senso comum adquire uma significação um

pouco distinta, a de costume, gosto, modo comum de viver e de falar229

. Vico, no entanto,

concebe o senso comum como um juízo sem reflexão alguma, comumente sentido por toda

uma nação ou por todo género [sic] humano230

.

Desde os seus primeiros escritos, em especial as Orações inaugurais, a

problemática do senso comum já era, entretanto, tema da reflexão de Vico. Recordemos

que no De ratione, Vico já advertia contra os riscos que sofria essa disposição humana

quando da adoção do método educativo de Port Royal. A aridez dos raciocínios lógicos

levava o estudante prematuramente a desenvolver a habilidade crítica. Visto que o senso

comum era a primeira coisa a ser formada no indivíduo, a formação de um senso crítico

antes do senso comum deixava os jovens inábeis no trato das coisas civis231

.

As ideias oriundas do cartesianismo buscavam guiar-se única e exclusivamente com

vista à verdade lógico-matemática, não deixando espaço para as coisas sujeitas ao falso,

mas com alguma possibilidade de expressão de verdade232

. O valor do senso comum pode

229

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Trad. bras. Martins Fontes. São Paulo. 2000, pp. 872-

873. 230

VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 111. 231

Veja sobre tais questões ver as considerações de Expedito Passos: ―Desde as Orazioni inaugurali, em

especial o De ratione e a sua preocupação com uma educação dos sentidos, até o De antiquissima, com a sua

proposta de uma metafísica que apresenta também uma teoria das faculdades e operações da mente, e das

artes correspondentes, delineia-se no pensamento viquiano uma impostação estética do problema da

sensibilidade. Isto ocorre, na medida em que Vico reconhece a importância das faculdades pré-reflexivas para

a aquisição do verdadeiro, mediante a articulação entre sentido, verossímil e senso comum. Tais formulações

preparam uma postulação de um saber do sentido como sabedoria poética, que ganhará autonomia já na

reflexão desenvolvida no Diritto Universale, publicado em 1720-1721‖ (LIMA, José Expedito Passos. A

estética entre saberes antigos e modernos na Nuova Scienza de Giambattista Vico, pp. 226-227.). 232

Sobre esta problemática são pertinentes os argumentos de Alberto Damiani: ―Dentro da crìtica de Vico à

filosofia de René Descartes podem-se distinguir, ao menos, quatro argumento independentes. O primeiro se

refere à ideia cartesiana da introdução do método geométrico na física. Vico impugna esta ideia afirmando

que uma mente só pode conhecer sua própria obra [verum ipsum factum]. O segundo argumento se refere à

condenação que as exigências cartesianas da evidência intuitiva e o método geométrico fazem pesar sobre as

humanidades. Vico impugna esta ideia afirmando a necessidade de aplicar a arte de descobrir (tópica) antes

da arte de julgar (crítica). O terceiro argumento se refere às possíveis consequências políticas da recepção da

filosofia cartesiana. Ainda que o próprio Descartes pretenda evitá-lo mediante a ideia de uma moral

provisória, Vico adverte que certo racionalismo político aplica imprudentemente o juízo científico à tomada

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ser constatado na própria história, pois quando os homens ainda em estado primitivo não

possuìam um conhecimento ―claro e evidente‖ 233

, como queriam os cartesianos, para a

distinção das ideias, foi esse senso comum que os guiou para o certo234

. Foi por obra da

Providência divina que o homem, para que não caísse desamparado, estabeleceu o senso

comum como regra do certo. De acordo com a seguinte Dignidade XIII:

Esta dignidade é um grande princípio, que estabelece ser o senso comum

do género [sic] humano o critério ensinado às nações pela Providência

divina para definir o certo acerca do direito natural das gentes, através do

qual as nações se asseguram pela compreensão das unidades substanciais

de tal direito, nas quais, com diversas modificações, todas concordam 235

.

Em contraposição à sabedoria dos doutos, ou seja, à Filosofia expressa por

sentenças lógico-racionais e senhora do conhecimento, como regra de conduta de todos os

indivíduos na busca da verdade, Vico apresenta a Filologia que teve seus fundamentos

erigidos sobre o senso comum que é sapienza volgare do gênero humano236

. Isso não

ocorre, porém, pelo fato do autor desconsiderar o comando da racionalidade no agir

humano, mas porque o conhecimento, oriundo das fontes filológicas, tinha grande

de decisões políticas. Por último, o quarto argumento se refere ao critério de verdade cartesiano. Vico o

impugna afirmando que as afirmações evidentes não constituem uma refutação ao ceticismo‖ (tradução

nossa). [Dentro de la crítica de Vico a la filosofía de René Descartes pueden distinguirse, al menos, cuatro

argumentos independientes. El primero se refiere la idea cartesiana de la introducción del método geométrico

en física. Vico impugna esta idea afirmando que una mente sólo puede conocer su propia obra {verum ipsum

factuní}. El segundo argumento se refiera a la condena que las exigencias cartesianas de la evidencia intuitiva

y el método geométrico hacen pesar sobre las humanidades. Vico impugna esta idea afirmando la necesidad

de aplicar el arte de descubrir (tópica) antes del arte de juzgar (crítica). El tercer argumento se refiere a las

posibles consecuencias políticas de la recepción de la filosofía cartesiana. Aunque el propio Descartes

pretenda evitarlo mediante la idea de una moral provisional, Vico advierte que cierto racionalismo político

aplica imprudentemente el juicio científico a la toma de decisiones políticas. Por último, el cuarto argumento,

se refiere al criterio de verdad cartesiano. Vico lo impugna afirmando que las afirmaciones evidentes no

constituyen una refiatación del escepticismo]; (DAMIANI, Alberto M. Vico y la estrategia racionalista.

ÉNDOXA: Series Filosóficas, n." 13, 2000, pp. 121-132. UNED, Madrid, pp. 121-122.). 233

VICO, Giambattista. Lettere, p. 335. 234

Nesse sentido, Vico sustenta: ―O arbìtrio humano, de sua natureza muito incerto, certifica-se e determina-se

com o senso comum dos homens acerca das necessidade ou utilidade humanas, que são as duas fontes do

direito natural das gentes‖ ( VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 111.). 235

VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 111. 236

Sobre isto, Expedito Passos escreveu: Ademais, Vico compreende a ―sabedoria do gênero humano‖

(sapienza del genero umano) como a ―conformidade‖ (convenienza) destes sensos comuns de povos ou

nações entre si. Se o ―artìfice‖ (fabbro) do mundo das nações que obedece à divina Providência é o arbítrio

humano, com a sua natureza muito incerta, pelo menos nos homens particulares, ―porém determinado pela

sabedoria do gênero humano‖ [però determinato dalla sapienza del genere umano]‖. (LIMA, José Expedito

Passos. A estética entre saberes antigos e modernos na Nuova Scienza de Giambattista Vico, p. 278.).

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relevância para a formação do conhecimento da própria tradição filosófica. Daí a

necessidade que tanto a Filosofia quanto a Filologia tinham de complementar uma a outra,

pois isoladas só conseguiram chegar a meio caminho dos seus objetivos. Segundo Vico

argumenta:

A filosofia contempla a razão, donde provém a ciência do verdadeiro; a

filologia observa a autoridade do arbítrio humano, donde provém a

consciência do certo. Esta dignidade, na sua segunda parte, define serem

filólogos todos os gramáticos, historiadores, críticos, que se ocuparam da

cognição das línguas e dos factos [sic] dos povos, tanto em casa, como

são os costumes e as leis, como fora, tal como são as guerras, as pazes, as

alianças, as viagens, os comércios. Esta dignidade demonstra terem

ficado a meio caminho tanto os filósofos, que não se acertaram as suas

razões com a autoridade dos filólogos, como os filólogos, que não

cuidaram de certificar a sua autoridade com a razão dos filósofos; o que,

se o tivessem feito, teria sido mais útil às repúblicas e ter-nos-ia

prevenido o meditar desta Ciência 237

.

O primeiro procedimento adotado por Giambattista Vico, para iniciar a reflexão

sobre os fundamentos de sua Scienza, será estabelecer os princípios [princìpi] com base

nos quais essa ciência deve se edificar. Vico obtém de sua ―incansável pesquisa‖ a

constatação de três primitivas instituições que sempre apareceram e consecutivamente

surgem em qualquer comunidade humana. Tais instituições, por seu caráter de

generalidade e universalidade, serão adotadas como os três princípios [tre princìpi] de sua

nuova scienza. Por tais princípios, Vico identificou o sentimento religioso, os matrimônios

e os sepultamentos. Esses três princípios eram concordes com o senso comum do gênero

humano [senso comune del genere umano]238

.

De acordo com Vico, a vida em comunidade possibilitou a formação da vida civil.

Tal civilidade, pelo fato de se denominarem civis239

[civis] aqueles primeiros homens, que

abandonaram o errar ferino e se estabeleceram em locais fixos próximos às fontes perenes,

com determinadas mulheres, iniciaram assim as primeiras famílias. Primeiramente se

estabeleceram por temor de um deus que acreditavam observá-los do céu; depois refrearam

237

VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 110. 238

Cf. VICO, Giambattista. Ciência Nova, pp. 11-14. 239

Cf. VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 443.

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os seus instintos de animais ao adotarem uma única companheira para o ato carnal, e

―fizeram filhos certos‖. Próximos às fontes perenes, e com o uso do fogo, começaram as

primeiras comunidades. Conforme, Vico sustenta:

A primeira destas coisas humanas foram os matrimónios, [sic] (...) os

quais, como todos os políticos concordam, são o seminário das

famílias, como as famílias o são das repúblicas. (...) porque depois

se compreendeu que, por conselho divino, estas duas coisas

comuns (e, antes do fogo, a água perene, como coisa mais necessária à

vida) tinham levado os homens a viver em sociedade. (...) A segunda das

coisas humanas — pela qual para os 1atinos, de <<humando>>,

<<sepultar>>, deriva primeiro e propriamente <<humanitas>> — são

as sepulturas, que são representadas por uma urna cinerária, (...). E

na urna está inscrito «D. M. », que quer dizer: «Às almas boas dos

sepultados»; esse moto estabelece o consentimento comum de todo o

género [sic] humano naquela sentença, depois demonstrada verdadeira

por Platão, que as almas humanas não morrem com os seus corpos, mas

que são imortais 240

.

A vida errante daqueles que abandonaram a religião e adotaram costumes imanes

traziam grandes infortúnios aos primeiros indivíduos, pois tantas eram as desavenças, que

tais imanidades acarretavam, que a Providência, a ―divina arquiteta‖, dotou tais homens

primitivos de uma sociabilidade natural, compreendendo que as adversidades da vida eram

amenizadas quando se reuniam em comunidades. Tal sociabilidade é um sentimento natural

e comum a todos os povos e, conforme Vico adverte, se aqueles estudiosos do direito

tivessem levado em consideração a afeição natural do homem pela sociabilidade explicar-

se-iam com verdade e propriedade.

Entre esses pensadores podemos citar Hobbes, Grócio, Selden e Pufendorf. Esses

pensadores imaginaram aqueles primeiros homens do gentilismo com base em sentimentos

mais marcantes: a violência, a simplicidade e a falta de esperança ou de amparo. Também

eles conjecturaram que esses homens pactuaram com fundamentos que pertenciam mais ao

direito natural dos filósofos, desconsiderando ou esquecendo-se da escassez de elementos

linguísticos e abstratos naquelas primeiras idades241

.

Argumentando também com fundamentos de Teologia, Giambattista Vico advertia

240

VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 13. 241

Ver subitem 2.4 às páginas 72 e 73 do capítulo anterior.

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que a queda do homem, por ocasião do pecado original, não impossibilitou que a

Providência atuasse por meios naturais, como aquele senso comum, ou sobrenaturalmente,

com o auxílio da Graça Divina242

fazendo que ela opere no homem que tenha a privação,

não a negação, das boas obras, e tenha assim uma potencia ineficaz e, por isso, seja eficaz

a graça243

. Desse modo, levou os homens, que viviam no errar ferino, a retornarem à vida

em sociedade. Vico explicava o episódio da queda de Adão dizendo que o homem não era

débil por natureza, mas de natureza débil, o que ocasionava a sua fraqueza e vileza de

espírito244

.

A reunião de homens e mulheres em comunidade por si só não dera surgimento às

famílias, mas após agregarem-se aos primeiros gigantes estabelecidos245

, aqueles

desafortunados fugiam das constantes brigas ocasionadas pela vida vagabunda246

. Eles iam,

muitas vezes, se refugiar das perseguições, que os mais violentos lhes faziam, e assim

acabavam acolhidos pelos que já haviam se organizados em sociedade. Como animais que

mantêm certa gratidão, por aqueles que os bem acolhem e tratam, permaneciam juntos na

condição de servos ou, conforme a expressão viquiana, fâmulos [famuli]. Daí se originou

propriamente as famílias, que de tais fâmulos derivaram sua denominação247

.

Os primeiros gigantes estabeleceram-se assim em determinados lugares e com a

proximidade da água e o manuseio do fogo desbastaram as selvas e iniciaram os cultivos

dos campos juntamente com seus fâmulos, garantindo assim seu sustento bem como

daqueles que a eles estavam reunidos248

. Com o passar dos tempos, porém, tais uniões com

os outros gigantes mais fracos vão dando origem a disputas, porque os que se encontravam

estabelecidos acreditavam-se de origem distinta daqueles agregados. Por terem se

estabelecidos pela crença em uma divindade, e crerem que ela os havia originado,

imaginavam-se de natureza divina, ao contrário dos que, por ainda manterem costumes

242

Cf. VICO, Giambattista. Ciência Nova, pp. 109-110. 243

Ibidem, p. 164. 244

Ibidem. 245

Sobre a estabilização e o que ela proporcionou aos gigantes, e as sucessivas idades (dos deuses, dos heróis

e dos homens), Burke argumenta: ―Vico parece ter adotado o que pode ser útil descrever como uma posição

‗semi-relativista‘. Sugeriu que certos bons costumes eram universais (enterro, casamento e culto divino), mas

negava que alguma das três idades pudesse se considerada melhor ou pior do que outra, pois cada uma tinha

pontos bons e maus, que era impossìvel separar‖ (BURKE, Peter. Vico, p. 68.). 246

Cf. VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 18. 247

Cf. VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 20. 248

Cf. VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 19.

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bestiais, teriam origem animal249

. Daí serem denominados de hostis [hostis], porque eram

considerados estrangeiros por seus estranhos costumes e assim contrapunham-se àqueles

civis, pois sabiam a origem de seus modos250

.

Tais fâmulos, considerados também sob a denominação de hostis, não podiam ter

direitos dentro destas comunidades, pois não possuíam rituais religiosos. Para os civis, esses

rituais eram o fundamento de suas leis, uma vez que essas leis eram elaboradas mediante os

rituais de adivinhação, os auspícios251

. Desse modo, o que antes era uma sociedade vai aos

poucos se transformando em escravidão: algo que naturalmente levaria ao

descontentamento dos agregados252

. Iniciam-se assim as primeiras disputas, não pela posse

de territórios, mas pelo usufruto dos trabalhos253

. Quando os fâmulos pediam o que

acreditavam ser um direito, os nobres argumentavam que eles não tinham direitos porque

não possuíam rituais religiosos para fundamentar algum direito254

.

O senso comum existente entre as nações antigas seria a prova de que uma

Providência regula e governa as coisas humanas. A Providência incutiu nas mente dos

primeiros homens a crença de uma divindade, não obstante a falsidade das primeiras

religiões255

: algo necessário para que, mediante a crença em uma divindade, comum a todos

249

Cf. VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 22. 250

Cf. VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 443. 251

Cf. VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 11. 252

Nesse sentido, Vico sustenta: ―Mas, finalmente, os pais das famìlias, graças à religião e virtude dos seus

maiores, engrandecendo-se à custa da fadiga dos seus clientes, abusando das leis de protecção [sic], delas

faziam áspero governo; e, tendo saído da ordem natural, que é a da justiça, os clientes amotinaram-se então

contra eles. Mas, porque sem ordem (que é o mesmo que dizer sem Deus) a sociedade humana não pode

reger-se, nem por um só momento, conduziu a Providência naturalmente os pais das famílias a unirem-se

com os seus próximos, em ordens contra aqueles; e, para os pacificarem, permitiram-lhes, com a primeira lei

agrária que existiu no mundo, o domínio bonitário dos campos, conservando eles para si o domínio optimo

[sic], ou seja, soberano familiar: donde nasceram as primeiras cidades, com base nas ordens dos nobres‖

(VICO, Giambattista. Ciência Nova, pp. 836-837.). 253

Cf. VICO, Giambattista. Ciência Nova, pp. 22-23. 254

Sobre estas questões, ver as afirmações de Fustel de Coulanges: ―Um dia, procurando os tribunos da plebe

para fazer serem aceitas pela assembléia das tribos determinada lei, certo patrìcio lhes retorquiu: ‗Que direito

tendes vós de fazer nova lei ou de tocar nas leis existentes? Vós que não tendes aupícies [sic], vós que nas

vossas assembléias não cumpris os atos religiosos, que tendes de comum com a religião e todas as coisas

sagradas, entre as quais se deve contar a lei?‖ (FUSTEL DE COULANGES, Numa Denis. A Cidade Antiga

[1864]. Trad. br. Heloísa da Graça Burati, São Paulo: Rideel, 2005, p. 142.). 255

Vejamos as interrogações e formulações de Cristofolini no seu artigo sobre a natureza das religiões e dos

povos no pensamento viquiano: ―Que relação existe, no pensamento de Vico, entre a verdadeira religião e as

enganosas? Para interrogarmos sobre esta questão examinemos o início da Ciência Nova de 1725. No

primeiro parágrafo se apresenta uma significativa sucessão de adjetivos postos ao substantivo religião/ões,

que acarreta um verdadeiro deslizamento semântico. Depois da ‗Ideia da Obra’, na qual a inscrição virgiliana

‗A Iove principium Musae’ está explicitado com a declaração de que a humanidade das nações ‗todas

começaram com a religião’, a obra se abre com a enunciação do conceito-chave que acompanhará, a partir de

agora, toda elaboração de Vico e que as duas versões sucessivas, de 1730 e 1744, colocarão na conclusão

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os povos256

, pudesse formar-se as sociedades. A Providência revela o seu comando não

apenas sobre o mundo natural, mas acima de tudo sobre o mundo civil257

. Aqui foi, porém,

conveniente falarmos dessa Providência Divina que se manifestou em todas as religiões e

em todas as leis, quando estas leis sequer existiam, para punir as rixas privadas. De acordo

com Vico:

E aqui se revela a origem dos duelos: os quais como certamente se

celebraram nos últimos tempos bárbaros, também se comprova terem sido

praticados nos primeiros tempos bárbaros, nos quais os poderosos não

estavam ainda familiarizados com o vingar entre eles as ofensas e os

agravos através das leis judiciárias, e exerciam-no através de certos juízos

divinos, nos quais protestavam Deus por testemunha e invocavam a Deus

como juiz da ofensa, (...) Alto conselho da Providência divina, afim de

que, em tempos bárbaros e cruéis, nos quais não se compreendia o direito,

a razão fosse avaliada por ter Deus propício ou contrário, para que tais

guerras privadas não se disseminassem noutras guerras que levassem à

extinção definitiva do género [sic] humano; esse sentido bárbaro natural

não se pode fundar em mais nada senão no conceito inato que têm os

homens dessa Providência divina, com a qual se devem conformar, se por

com maior força retórica: ‗não existiu no mundo nenhuma nação de ateus‘‖ (tradução nossa). [¿Qué relación

existe, en el pensamiento de Vico, entre la verdadera religión y las engañosas? Para interrogarnos sobre esta

cuestión examinemos el inicio de la Ciencia nueva de 1725. En el primer párrafo se presenta una significativa

sucesión de adjetivos puestos al sustantivo religión/es, que conlleva un verdadero deslizamiento semántico.

Después de la ―Idea dell’opera‖, en la cual el exergo virgiliano ―A Iove principium Musae‖ está explicitado

con la declaración de que la humanidad de las naciones ―a tutte cominciò con le religioni‖, la obra se abre

con la enunciación del concepto–clave que acompañará, a partir de ahora, toda elaboración de Vico y que las

dos versiones sucesivas, de 1730 y 1744, colocarán en la conclusión con mayor fuerza retórica: ―né alcuna

giammai almondo fu nazion d’atei‖.]; (CRISTOFOLINI, Paolo. Vico y la naturaleza de las religiones de las

naciones. Cuadernos sobre Vico, p. 47.). 256

Ver também Bordogna: ―Como fundamento disto Vico põe como efeito a idolatria, dado que os homens,

partindo do sentimento de algo que mesmo se manifestando em um fenômeno concreto, é superior e

sobrepuja a experiência humana, separam um local da ingens sylva originária, distinguem-no de todo o resto

e o assinalam, dedicando-o ao deus mediante um altar e um ídolo. Para marcar o local particular se encontra

um simulacro ou um ídolo, uma ideia concreta, materializada, visível e acessível ao senso comum; uma ideia

que pertence ao âmbito do verossìmil e da crença‖ (tradução nossa). [A fondamento di questo Vico pone

infatti l‘idolatria, dato che gli uomini, partendo dal sentimento di un qualcosa che, pur manifestandosi in un

fenomeno concreto, è superiore e sovrasta l‘esperienza umana, separano un luogo dall‘ingens sylva

originaria, lo distinguono da tutto il resto e lo contrassegnano, dedicandolo al dio mediante un‘ara ed um

idolo. A segnare il luogo particolare si trova un simulacro o un idolo, un‘idea concreta, materializzata,

visibile ed accessibile al senso comune; un‘idea che appartiene all‘ambito del verosìmile e della credenza.];

(BORDOGNA, Alberto. Gli idoli del foro: Retórica e mito nel pensiero di Giambattista Vico, p. 99.). 257

No trecho que citamos aqui, Vico inicia explicando as figuras do frontispício na Ideia da Obra: ―O

triângulo luminoso que tem dentro de si um olho vidente é Deus, sob o aspecto da sua Providência, aspecto

pelo qual, em atitude extática, a metafísica o contempla sobre a ordem das coisas naturais, ordem pela qual

até agora tem contemplado os filósofos; porque ela nesta obra, elevando-se mais alto, contempla em Deus o

mundo das mentes humanas, que é o mundo metafìsico (...)‖ (VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 3.). Porém trataremos esta questão no próximo capítulo.

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acaso vêem os bons serem oprimidos e prosperar os celerados 258

.

Para Vico, o senso comum do gênero humano é tão eficiente na condução das coisas

civis que, durante o processo civilizatório, os homens convenientemente escolhiam a forma

de governo mais adequada à situação política que vivenciavam259

. A princípio, as

comunidades foram de regimes aristocráticos e severos, e tal forma de governo e severidade

foi conveniente para que os primeiros aglomerados humanos não se dissipassem novamente

em costumes bestiais e dissolutos260

. Em seguida, os regimes populares que, com o

entendimento universalizado de que todos eram iguais em racionalidade, também eram

iguais em direitos civis. Posteriormente, porém, por tais leis se mostrarem ineficientes por

causa das cobiças dos poderosos e das guerras civis que tais ambições conduziam, optaram

finalmente pelo regime de governo monárquico. Segundo Vico argumenta:

(...) depois dos governos aristocráticos, que foram governos heróicos,

vieram os governos humanos, primeiramente de espécies populares; nos

quais os povos, porque já tinham finalmente compreendido ser a natureza

racional (que é a verdadeira natureza humana) em todos igual, dessa dita

igualdade natural (pelas razões que se meditam na história ideal eterna e

se encontram com precisão na romana), conduziram os heróis, pouco a

pouco, à igualdade civil nas repúblicas populares (...). Mas finalmente,

não podendo os povos livres manter-se em igualdade civil com as leis por

causa das facções dos poderosos, e sendo levados a perder-se com as

guerras civis, sucedeu naturalmente que, para se salvarem, através de uma

lei régia natural que se comprova comum a todos os povos de todos os

tempos, em tais Estados populares corruptos (...), com tal lei, ou melhor,

costume natural das gentes humanas, vão proteger-se sob as monarquias,

que é outra espécie dos governos humanos 261

.

O senso comum [senso comune] das nações manifesta-se de diversas maneiras e

Giambattista Vico, ao negar que certas invenções humanas teriam sido transferidas ou

ensinadas por uns povos a outros, reforça este senso comum como propriedade conatural da

258

VICO, Giambattista. Ciência Nova, pp. 30-31. 259

De acordo com o autor: ―Os governos devem ser conformes à natureza dos governados. Esta dignidade

demonstra que, por natureza das coisas humanas civis, a escola pública dos prìncipes é a moral dos povos‖.

(VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 143.). 260

Cf. VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 18. 261

VICO, Giambattista. Ciência Nova, pp. 32-33.

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espécie humana262

. Tal opinião, de um conhecimento transferido de um povo a outro, era

fruto da ―vaidade das nações‖ [boria delle nazioni], que pretendiam ser consideradas como

criadoras de todas as comodidades da vida. Tal opinião será desvelada pela conhecida

animosidade que existia entre os primeiros povos263

, que se considerando como eternos

inimigos, aqueles vencidos eram tidos como destituídos de suas divindades 264

.

A ―vaidade dos doutos‖ e aquela das ―nações‖ também possuem origens em uma

propriedade comum a todas as nações, conforme Vico ressalta nas Dignidades pertencentes

à parte Dos elementos. Vico adverte que os homens, naturalmente, quando caem na

ignorância das causas e das origens das coisas, refletem sobre essas causas e coisas, com

base nos elementos que lhes são conhecidos. Desse modo, ele sustenta que o homem devido

à indefinida natureza da mente humana, quando cai na ignorância, faz de si a regra do

universo265

. Para reforçar esses argumentos expomos aqui a seguinte Dignidade II onde se

diz:

Outra propriedade das mente humana é que, quando os homens não

podem fazer qualquer ideia sobre as coisas longínquas e desconhecidas,

avaliam-nas a partir das coisas que lhes são desconhecidas e presentes.

Esta dignidade indica a fonte inesgotável de todos os erros aceites pelas

nações inteiras e por todos os doutos sobre os princípios da humanidade;

porquanto, desde os seus tempos iluminados, cultos e magníficos, nos

quais começaram as nações a adverti-los, e os sábios a reflectir [sic] sobre

eles, todos têm avaliado as origens da humanidade, que deviam ter sido,

por natureza, pequenas, grosseiras, obscuríssimas266

.

Vico assegura que o arbítrio humano não quedou desamparado tendo que sujeitar-

se à cega escolha, pois, não obstante a sua dimensão de incerteza se assegura e se decide

pelo senso comum que o homem possui acerca de suas carências e vantagens. Daí os

homens mesmo, privados da verdade buscam se ater ao certo, conforme suas

262

Cf. VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 112. 263

Cf. VICO, Giambattista. Ciência Nova, pp. 478-479. 264

VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 87. Em raciocínio semelhante incorreu Jonh Selden em razão

daquela aludida ―vaidade dos doutos‖ [boria dei dotti], onde argumentou que o direito natural dos gentios não

tinha distinção daquele dos hebreus, conforme Vico notificou na primeira edição da Scienza Nuova. Tais

questões são analisadas no tópico 2.4 do capítulo anterior. 265

VICO, Giambattista. Ciência Nova, p.105. 266

VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 106.

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Dignidades267

. Para dissipar todas as dúvidas a respeito do senso comum destacamos a

Dignidade XII que expõe de forma precisa, o seu significado: O senso comum é um juízo

sem reflexão alguma, comumente sentido por toda uma ordem, por todo um povo, por toda

uma nação ou por todo o género [sic] humano268

.

3.3 Sabedoria poética e origem da vida civil

Considerando agora a sabedoria poética [sapienza poetica] 269

, uma das matrizes

originárias da vida civil, podemos dizer que Giambattista Vico dedicou um livro inteiro

para a explicação do surgimento das ideias270

, das línguas e das coisas humanas e civis.

Esse segundo livro, da Ciência Nova, denomina-se Da Sabedoria Poética, e busca pensar a

natureza da mente dos primeiros pais da humanidade: conforme Vico esclarece no Livro

Primeiro - Do estabelecimento dos princípios [Dello stabilimento de' princìpi], na Secção

Quarta, intitulado Do Método [Del metodo]. Vico escreve:

(...) esta Ciência é uma história das ideias humanas, baseada na qual

parece dever proceder a metafísica da mente humana; rainha das ciências

essa que, de acordo com a dignidade de que <<as ciências devem

começar desde que começou a matéria>>, começou desde o momento em

que os primeiros homens começaram a pensar humanamente (...)271

.

Trata-se de explicitar como os primeiros poetas teólogos [poeti teologi],

imaginaram e acreditaram ser formado o mundo, e porque assim, como imaginaram e

267

Vico sustenta: ―Os homens que não sabem o verdadeiro das coisas procuram apegar-se ao certo, porque,

não podendo satisfazer o intelecto com a ciência, ao menos que a vontade repouse sobre a consciência‖.

(VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 87, 110.). 268

Ibidem, p. 111. 269

Sobre o conceito de ―sabedoria poética‖ ver aqui as considerações de Nicola Badaloni: ―O conceito de

sabedoria poética (no centro da reflexão viquiana) não é substitutivo daquele de ciência, mas abre a

possibilidade de um recìproco complementamento e de uma mútua compenetração‖ (tradução nossa). [Il

concetto di sapienza (al centro della riflessione vichiana) non è sostitutivo di quello di scienza, ma apre la

possibilità di un reciproco completamento e di una mutua compenetrazione]; (BADALONI, Nicola. Su talune

articolazioni dell concetto di mitologia in Giambattista Vico, in: Giambattista Vico nel suo tempo e nel

nostro. A cura di Mario Agrimi. CUEN Editore, 1999, p. 457.). 270

Veja aqui as considerações de Burke sobre o sentido de uma ―história das ideias‖: ―Esta última expressão

era a sua maneira de se referir a um de seus maiores feitos. Traduzido em termos modernos, e com isso

tornando-o mais inteligível ao custo de certo grau de anacronismo, esse feito descrito como a descoberta do

pensamento concreto, ou mentalidade primitiva, ou mente selvagem‖ (BURKE, Peter. Vico, p. 63.). 271

VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 186.

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creram, formaram o mundo à sua volta272

. Eram essas mentes dos primeiros homens rudes,

que mais se assemelhavam às das crianças273

que, pela força da fantasia, pegam as coisas

inanimadas e com elas se divertem como se vivas fossem. Nesse sentido, Vico sustenta na

Dignidade XXXVII:

O mais sublime trabalho da poesia é dar às coisas insensatas sentido e

paixão, e é propriedade das crianças tomar coisas inanimadas entre as

mãos e, divertindo-se, falar-lhes como se elas fossem pessoas vivas.

Esta dignidade filológico-filosófica faz-nos admitir que os homens do

mundo infantil foram, por natureza, sublimes poetas 274

.

Para Vico, os primeiros sábios do mundo antigo foram poetas porque criaram as

coisas pertinentes ao mundo civil, tudo em conformidade à sua época. Por isso os poetas

teólogos receberam tal denominação, porque também acreditavam ter sido deuses, os

responsáveis por tudo quanto existia no mundo. A prova dessa verdade foi que alguns

doutos da antiguidade recolheram um variado número de divindades, e todas relacionadas

às coisas da vida prática275

.

Logo no início da obra, a relevância desses poetas teólogos está representada pela

figura de Homero276

. Esse autor da gentilidade representa todos aqueles autores que serão

272

Mais uma vez os comentários de Bordogna nos auxiliam na elucidação da concepção viquiana dos poetas

teólogos: ―E, de fato, Vico na Ciência Nova esclarece que os primeiros homens, as crianças do nascente

gênero humano, eram ditos ‗poetas‘ ou ‗criadores‘, justamente porque eles também, como Deus, criavam as

coisas do nada mesmo, operando mediante as <corpolentíssimas fantasias> deles, à diferença de Deus que

pode formar as coisas, em virtude do seu <puríssimo entendimento>‖ (tradução nossa). [E diffati Vico nella

Scienza nuova chiarisce che i primi uomini, i fanciulli del nascente genere umano, erano detti ―poeti‖ ovvero

―creatori‖, proprio perché anch‘essi, come Dio, creavano le cose dal nulla, pur operando mediante la loro

<<corpolentissima fantasia>>, a diferenza di Dio che può formare le cose in virtù del suo <<purissimo

intendimento>>.]; (BORDOGNA, Alberto. Gli idoli del foro: Retórica e mito nel pensiero di Giambattista

Vico, p. 94.). 273

Ver aqui as inferências de Burke: ―Estabeleceu uma analogia entre as mentalidades das crianças e dos

adultos na ‗infância do mundo‘, como a chamava, uma mentalidade que era ao mesmo tempo mais pobre e

mais rica do que a dos adultos e modernos. Por um lado, era pobre no que diz respeito aos conceitos

abstratos, ‗incapaz de abstrair formas e propriedades‘ e sem o conceito de número, ‗pois o sistema de

números, em razão da sua extrema abstração, era a última coisa a ser compreendida pelas nações‘. Em

compensação por essas deficiências, por outro lado, o pensamento primitivo era rico em imaginação, em

metáforas e em personificação. Era um ‗modo de pensar poético‘(maniera poetica di pensare), que

naturalmente se expressava em mitos‖ (BURKE, Peter. Vico, pp. 65-66.). 274

VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 126. 275

Cf. VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 16. 276

Novamente são relevantes as considerações de Peter Burke: ―Vico tinha uma imensa admiração pelo

‗prìncipe dos poetas‘, como chamava Homero, e em especial pela sublimidade de seu estilo. Ao mesmo

tempo, ficava embaraçado, como alguns de seus antecessores, pela falta de dignidade dos heróis da Ilíada, em

especial Aquiles e Agamêmnon, por exemplo, são certa vez representados xingando-se mutuamente como

dois bêbados (...) Vico reconciliou seu embaraço com sua admiração, considerando que períodos diferentes

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comprovados como sábios, mas não de sabedoria recôndita, como queriam aqueles doutos

da posteridade, e sim de sabedoria vulgar [sapienza volgare] 277

. Recebe no peito o raio da

Providência Divina que resvala na jóia que está no peito da metafísica278

, significando que

suas ideias, não obstante serem rudes e toscas (porque eram os primeiros pensamentos dos

homens), não perdem seu valor 279

. Para suprir a carência de raciocínio criaram, com

efeito, gêneros fantásticos [generi fantastici], e após estas primeiras formas, com a

racionalidade mais aguçada, viriam os gêneros inteligíveis [generi intelligibili]. Conforme

Vico explica a origem das línguas e das letras:

O princípio de tais origens das línguas e das letras comprova-se que foi o

facto [sic] de os primeiros povos da gentilidade, por uma demonstrada

necessidade de natureza, terem sido poetas e falarem por caracteres

poéticos; (...). Esses caracteres poéticos comprova-se terem sido certos

géneros [sic] fantásticos (ou seja, imagens, na maioria dos casos de

substâncias animadas ou de deuses ou de heróis, formadas pela sua

fantasia), aos quais reduziam todas as espécies ou todos os particulares

pertencentes a cada género [sic]; precisamente como as fábulas dos

tempos humanos, que são aquelas da última comédia, são os géneros [sic]

inteligíveis, ou seja, reflectidos [sic] pela filosofia moral, (...). Para mais,

uma vez que tais géneros [sic] (que são, na sua essência, as fábulas) eram

têm diferentes padrões de comportamento, e que Homero pertencia à sua época. O comportamento de

Aquiles e Agamêmnon, estranho como veio a ser às gerações posteriores, era na realidade ‗perfeitamente

decoroso‘ em sua idade heróica (ou bárbara)‖ (BURKE, Peter. Vico, p. 62.). 277

Sobre a sabedoria vulgar, ver aqui as considerações de Nicola Badaloni: ―Analogamente o adjetivo

‗vulgar‘ é definido na época da razão <<como senhora do vulgo dos povos>>; mas, em relação aos ‗teólogos‘

da era mítica, serve para especificar uma <<sabedoria vulgar>>, que é, ao mesmo tempo, <<ciência em

divindade de auspìcio>>. Neste caso está contido em ambos os usos do termo a referência à ‗senhoria‘, mas é

completamente diverso o modo como esta se esprime, seja em relação às instituições, seja aos os modos

mentais de concebê-la entre dois extremos do comando a e da submissão‖ (tradução nossa). [Analogamente

l‘aggetivo ‗volgare‘ viene definito nell‘epoca della ragione <<come signora del volgo de‘ popoli>>; ma, in

rapporto ai ‗teologi‘ dell‘èra mìtica, serve a specificare una <<sapienza volgare>>, che è nel contempo

<<scienza in divinità di auspici>>. In questo caso è contenuto in ambendue gli usi del termine il riferimento

alla ´signoria‘, ma è completamente diverso il modo come questa si esprime sai riguardo alle istituzioni sai ai

modi mentali di concepirla tra due estremi del comando e della sottomissione]; (BADALONI, Nicola. Su

talune articolazioni dell concetto di mitologia in Giambattista Vico, in: Giambattista Vico nel suo tempo e

nel nostro, p. 439.). 278

Cf. VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 7. 279

Ver aqui as formulações de Expedito Passos: ―As antigas tradições comuns chegaram até nós, como

defende Vico, mediante ―gentes rudes e completamente ignorantes de letras‖. Isto justificaria a sua

formulação de que as fábulas, com base nas quais a ―história gentìlica‖ (storia gentilesca) teve os seus

inìcios, não eram invenções repentinas de ―poetas teólogos‖ (poeti teologi ) como Platão Bacon acreditaram

terem sido tais poetas: ―homens especiais cheios de sabedoria recôndita hábeis em poesia, [os] primeiros

autores da humanidade gentìlica‖; (...) todas as nações começaram por uma religião qualquer, todas

foram fundadas por poetas teólogos, isto é, homens comuns, que com falsas religiões fundaram as suas

nações‖ (LIMA, José Expedito Passos. A estética entre saberes antigos e modernos na Nuova Scienza de

Giambattista Vico, pp. 270-271.).

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formados por robustíssimas fantasias, como que de homens de

debilíssimo raciocínio, descobrem-se neles as verdadeiras sentenças

poéticas, que devem ser sentimentos vestidos de grandíssimas paixões e,

por isso, plenos de sublimidade e despertando a admiração 280

.

Tão inconteste é a verdade sobre a sabedoria poética dos primeiros povos que a

tradição, ao pretender refutá-la, não obtivera êxito porque intentara fazê-lo acreditando ser

tal sabedoria semelhante à douta. Os sábios da gentilidade se governaram, entretanto, com

o certo281

da autoridade do gênero humano. Desse modo Vico ataca Hugo Grócio282

quando este, ao investir contra o direito romano, não considerou a atuação da Providência

Divina, pois o seu escrito sobre o Direito, desta prescindia283

. Grócio, ainda que cristão,

desconsiderava a Providência, mas aqueles jurisconsultos antigos, apesar de pagãos, sob a

tutela da Providência, criaram e resguardaram o direito natural fundamentando-o, não

sobre uma sapiência douta, aquela concebida pela mente dos filósofos, mas sobre o

verdadeiro [vero] e o certo [certo] da autoridade do gênero humano, que é o senso comum

das nações284

. Por isso Vico diz que os golpes de Grócio contra o direito romano quedaram

no vazio. Conforme a seguinte passagem:

Para além disso, quando, pela definição do verdadeiro e do certo acima

proposta, os homens, durante muito tempo, não puderam ser capazes do

verdadeiro e da razão, que é a fonte da justiça interna, com a qual se

280

VICO, Giambattista. Ciência Nova, pp. 37-38. 281

De acordo com o autor: ―O certo das leis é uma obscuridade do direito unicamente sustentada pela

autoridade, que nos faz experimentá-las duras ao pô-las em prática, e temos necessidade de as pôr em prática

pelo seu <<certo>>, que em bom latim significa <<particularizado>> ou, como dizem as escolas,

<<individuado>>; sentido no qual <<certum>> e <<commune>>, com grande elegância latina, são opostos

entre si‖ (VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 168.). 282

Sobre o tratamento de Vico para com Hugo Grócio ver aqui as considerações de Damiani: ―A análise do

juìzo viquiano sobre a ‗jusfilosofia‘ de Grócio também conduz a um quadro altamente diferenciado. Por um

lado, em sua Vita scritta da se medesimo, Vico identifica Grócio como o <quarto autor> que, depois de

Platão, Tácito e Francis Bacon havia influenciado decisivamente na sua formação. Por outro, Vico identifica

Grócio junto a Samuel Pufendorf e John Selden, entre os representantes da escola moderna do direito natural

que sua Scienza Nuova pretende refutar‖ (tradução nossa). [El análisis del juicio viquiano sobre la iusfilosofìa

de Grocio también conduce a un cuadro altamente diferenciado. Por un lado, en su Vita scritta da se

medesimo. Vico reconoce a Grocio como el «quarto autore» que, después de Platón, Tácito, y Francis Bacon,

habría influido decisivamente en su formación. Por el outro, Vico identifica a Grocio, junto a Samuel

Pufendorf y John Selden, entre los representantes de la escuela moderna del derecho natural que su Scienza

Nuova pretende refiutar]; (DAMIANI, Alberto M. Vico y la estrategia racionalista. ÉNDOXA: Series

Filosóficas, nº" 13, 2000, pp. 121-132. UNED, Madrid, p. 122.). 283

Cf. VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 230. 284

Cf. VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 110.

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satisfazem os intelectos (...) que, entretanto, se governassem com o certo

da autoridade, isto é, com o mesmo critério que usa esta crítica

metafísica, que é o senso comum desse género [sic] humano (...), sobre o

qual repousam as consciências de todas as nações. De modo que, por esta

outra principal atenção, vem a ser esta Ciência uma filosofia da

autoridade, que é a fonte daquilo a que os teólogos morais chamam

<<justiça externa>>. Autoridade essa que deviam ter em conta os três

príncipes da doutrina acerca do direito natural das gentes, e não aquela

retirada dos textos dos escritores; da qual os escritores não puderam ter

nenhum conhecimento, porque essa autoridade reinou entre as nações

bem mais de mil anos antes de poderem surgir os escritores. Pelo que

Grócio, mais do que os outros dois, como douto tão erudito, combate os

jurisconsultos romanos quase em cada matéria particular de tal doutrina;

mas todos os golpes caem no vazio, porque aqueles estabelecem os seus

princípios do justo sobre o certo da autoridade do género [sic] humano,

não sobre a autoridade dos instruídos 285

.

A sabedoria poética [sapienza poetica] era uma verdadeira sapiência, pois aqueles

primeiros pais da humanidade, apesar da fresca origem bestial, conseguiram com uma

prática religiosa adquirir virtudes. Essas virtudes, embora fossem ainda poucas, Vico

identifica quatro, a saber, justos [giusti], prudentes [prudenti], comedidos [temperati] e

fortes [forti], possibilitando a gestação do caráter dos indivíduos. É verdade que a

sabedoria poética era uma ―sabedoria comum‖ [sapienza volgare], mas apesar disso, foi-

lhes suficiente para conduzi-los na vida civil. Foram tais virtudes que principiaram a

―moral filosófica‖ [moral filosofia] e assim completando um vínculo entre a sabedoria

secreta dos filósofos e sabedoria vulgar dos legisladores. Conforme a Ideia da Obra:

Pelo que os primeiros pais das nações gentias – que eram justos pela

crédula piedade de observar os auspícios, que acreditavam serem ordens

divinas de Júpiter (do qual, entre os Latinos chamado Ious, foi o direito

antigamente dito <<ious>>, que depois, contraído se disse <<ius>>; pelo

que, em todas as nações, a justiça se ensina naturalmente com a piedade);

eram prudentes com os sacrifícios feitos para procurar, ou seja, bem

compreender os auspícios e, assim, aconselhar-se bem sobre aquilo que,

por ordens de Júpiter, deviam fazer na vida; eram comedidos com os

matrimónios [sic] – foram, como aqui se assinala, também fortes. Aqui se

dão outros princípios para a moral filosófica para que a sapiência secreta

dos filósofos se deva conjugar com a sapiência vulgar dos legisladores

princípios pelos quais todas as virtudes fundam as suas raízes na piedade

e na religião, únicas pelas quais são eficazes a operar as virtudes, e em

285

VICO, Giambattista. Ciência Nova, pp. 187-189.

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consequência das quais os homens devem ter em vista como bem tudo

aquilo que Deus quer 286

.

Desse modo, tais ordens de Júpiter, a primeira divindade dos gentios em que eles

acreditavam piamente [creduta pietà], pois conheciam mediante os auspícios [auspìci] as

suas vontades, e desses auspícios nasceram a ideia do direito em todos os povos e com ele

o sentimento de justiça de piedade que, por sua vez, tem origem no sentimento religioso.

Com os matrimônios tornaram-se comedidos, freando os instintos e com esses os seus

costumes imanes. Foram fortes porque defenderam seus territórios com uma justa causa,

por suas posses e suas famìlias: nisso consiste a ―virtude verdadeira da fortaleza‖ [virtù

vera della fortezza].

3.4 A relevância dos grandes fragmentos da erudição humana e as origens da história

da civilidade

Os fragmentos de erudição foram todos aqueles escritos que, segundo Vico, nos

possibilitam descobrir como surgiram as coisas civis [cose civili]287

. Entre os mais

relevantes Giambattista Vico indica aqueles poemas atribuídos a Homero288

, não obstante

ser improvável que ele os tenha escrito, porque é incerto se nos tempos deste poeta já

existiria a escrita289

. Para Vico também a Bíblia será de grande relevância por permitir uma

compreensão das histórias fabulosas ou ―fìsicas‖. As XII Tábuas estão entre os fragmentos

da humanidade, pois conservam os costumes dos povos do Lácio. Só mais tardiamente a

Ilíada e a Odisséia viriam a ser escritas. Outros importantes fragmentos foram aqueles

286

VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 16. 287

Sobre a relevância desses fragmentos, ver aqui nota 180 na página 85 no tópico 2.4. 288

A relevância deste poeta vem devidamente esclarecida com as considerações de Humberto Guido: ―A

fonte primária da pesquisa social é Homero, mas, tal como afirmou Sócrates no Íon, não basta conhecer os

versos de Homero, é preciso ser o intérprete do seu pensamento. Sua interpretação poética oferece ao

pesquisador o relato histórico da barbárie primitiva e a formação dos primeiros organismos sociais‖ (GUIDO,

Humberto Aparecido de Oliveira. A barbárie da reflexão e a decadência moral, p. 5.). 289

Nesse sentido, Vico afirma: ―(...) porque as letras, como se sabe sobre as gregas, a partir das tradições

gregas, não foram descobertas todas ao mesmo tempo; e é necessário pelo menos que não tivessem sido

descobertas todas no tempo de Homero, que se demonstra não ter deixado escrito nenhum de seus poemas‖

(VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 25.).

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deixados pelos egípcios que, pelo testemunho de Heródoto, diziam haver existido aquelas

três idades no tempo anterior a eles: a Idade dos Deuses, dos Heróis e dos Homens290

.

Os livros Ilíada e Odisséia são os mais bem conservados fragmentos, pois neles é

possível identificar muitas coisas das culturas dos gregos, em particular, sobre os seus

costumes. O Livro Terceiro da Ciência Nova, Da Descoberta do Verdadeiro Homero

[Della Discoverta del Vero Omero] é dedicado exclusivamente ao estudo e descobertas da

verdade sobre o poeta. Desse modo, no primeiro capítulo, intitulado Da sabedoria Secreta

dedicada a Homero [Della Sapienza Riposta c'Hanno Oppinato d'Omero], existe uma

passagem onde Vico diz que alguns autores acreditaram ter sido Homero o responsável

pela organização da política dos primeiros povos da Grécia. Tal crença se justifica 291

pelo

fato de sua obra Ilíada conter, como principal tema e personagens, uma disputa entre

Agamênon e Aquiles. Conforme esta passagem:

Eis o Homero que, até agora, se acreditou ter sido o organizador da

política, ou seja, da civilização grega, que começa, a partir desse facto

[sic], o fio com que tece toda a Ilíada, cujos principais personagens são

um tal capitão e um herói, como nós demos a ver Aquiles, quando

raciocinamos acerca do heroísmo dos primeiros povos!292

Na Odisséia percebem-se também aspectos relativos à política com os povos

estrangeiros, pois lá existem relatos de determinados produtos e especiarias provenientes

do comércio com os fenícios. Eles comercializavam produtos originários de diversas

nações da costa mediterrânica 293

. Vico diz ter surgido Homero em um período no qual o

290

Cf. VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 58. 291

Sobre esta polêmica Expedito Passos argumenta da seguinte forma: ―Sustentou-se, porém, a ideia de que

Homero tivesse disseminado com os seus poemas ―inumeráveis germes divinos da sabedoria mais sublime‖.

Esta opinião decorreria de um erro consolidado pela autoridade dos séculos: o de que todos os primeiros

poetas foram teólogos naturais [primos poetas naturales fuisse theologos]. Para combater este erro, Vico

propôs três objeções: a primeira, extraída da própria característica da natureza humana; as demais da história

indubitável dos filósofos e poetas; e ambas entrelaçadas com a natureza do próprio engenho (indubia

philosophorum et poetarum historia). Portanto, na primeira objeção, Vico defende o argumento de que ―os

homens aspiram antes de tudo à realização do necessário para viver, depois ao útil, e só por último aos

gêneros voluntários‖, algo constatável pelo senso comum. Nas outras, ele sustenta que todas estas razões

certificam a completa ignorância dos primeiros poetas acerca da Teologia natural‖ (LIMA, José Expedito

Passos. A estética entre saberes antigos e modernos na nuova scienza, de Giambattista Vico, p. 246.). 292

VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 601. 293

Cf. VICO. Giambattista. Ciência Nova, pp. 608-612.

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―direito heróico‖ estava em vias de desaparecimento, pois estava em ascensão o período de

―liberdade popular‖, e os heróis já contraíam matrimônios com as mulheres estrangeiras e

os filhos de uniões ilícitas eram admitidos como regentes dos reinos 294.

No Capítulo Quinto, ainda na Primeira Seção onde o autor expõe as Provas

filosóficas para a descoberta do verdadeiro Homero [Pruove Flosofiche per la Discoverta

del Vero Omero], são expostos alguns desses aspectos históricos. Entre esses aspectos, o

primeiro diz que o homem possui certa propensão natural para conservar seja a ―memória

das ordens‖ [memorie degli ordini], sejam as leis que tenham a propriedade de mantê-los

unidos em sociedade 295

. Autores como Ludovico Castelvetro, incorreram em erro ao

acreditar que a História tenha surgido antes da Poesia. Se os poetas surgiram anteriormente

aos historiadores, é mais conveniente acreditar que a primeira história deve ter sido

poética, 296

em razão das primeiras narrações e fábulas possuírem um conteúdo

verdadeiro297

. O motivo de acreditarmos serem tais fábulas eivadas de falsidades deve-se

às deturpações por elas sofridas à medida que repassadas às outras gerações. Conforme

Vico explicita nesta passagem:

Que as fábulas, na sua origem, foram narrações verdadeiras e severas

(donde ς, a fábula, foi definida como <<vera narratio>>, como

acima, por várias vezes, nós dissemos); as quais primeiro nasceram

geralmente indecentes e, por isso, depois, se tornaram impróprias,

portanto alteradas, seguidamente inverossímeis, mais adiante obscuras,

daí escandalosas e, por fim, inacreditáveis; que são sete fontes das

dificuldades das fábulas, as quais se podem encontrar ao de leve em todo

o segundo livro 298

.

294

Cf. VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 611. 295

Cf. VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 619. 296

Cf. VICO, Giambattista. Ciência Nova, pp. 619-620. 297

Sobre tal problemática que envolvia conjecturas sobre a origem da poesia entre Vico e outros autores é

convenientemente abordada por Expedito Passos: Para responder à questão acerca da origem da poesia, Vico

parte de certa compreensão antropológica da natureza humana: primeiro os homens se ocupam ―do

necessário, em seguida da comodidade, finalmente do prazer‖. Embora permaneça ainda o desacordo dos

eruditos quanto à origem da poesia (nasceu por causa do útil ou do deleite?), há um consenso quando

recusam o seu advento por meio de qualquer necessidade. Contra esta imprecisão, Vico destaca o nascimento

da poesia ―antes de todas as artes da comodidade e do prazer, que todas se devem à república‖. Ademais, os

homens, em virtude de sua própria natureza, ―sentem primeiro as coisas que [lhes] tocam, em seguida os

costumes, finalmente as coisas abstratas‖. Tal como as crianças que percebem o particular ―os mais

engenhosos não sabem senão se expressar por semelhanças‖ (LIMA, José Expedito Passos. A estética entre

saberes antigos e modernos na nuova scienza, de Giambattista Vico p. 237.). 298

VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 620.

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Retornando ao Capítulo Terceiro também da Secção Primeira, intitulado Da Idade

de Homero [Dell'età d'Omero], podem ser descobertos os seguintes aspectos históricos: já

se disputavam alguns jogos, como aqueles citados nos funerais de Pátroclo, que

posteriormente também seriam realizados durante as Olimpíadas; algumas artes, por

exemplo, a fundição de baixos-relevos, eram já conhecidas, conforme Homero descreve

na fabricação do escudo de Aquiles 299

. As coisas esplêndidas que na Odisséia são narradas

sobre os jardins de Alcínoo seriam testemunhos históricos de que, quando da sua escrita, os

gregos já se deleitavam com o luxo e as riquezas 300

: uma prova também de que a Ilíada e a

Odisséia teriam sido escritas em épocas mui distantes uma da outra301

.

Para Vico, tal erro ocorreu em consequência da não observância de dois pontos

importantíssimos para aqueles que se dedicam ao estudo da História: o primeiro é o tempo

em que o fato teria ocorrido; e, o segundo, o lugar em que havia se passado tal fato 302

. Daí

a relevância daquelas duas ciências que Vico considerava como os ―dois olhos da história‖

[due occhi della istoria]: a Cronologia e a Geografia303

. Conforme ele escreve na

explicação da Ideia da Obra:

(...) tais descobertas dizemos nós que dão outros princípios à geografia,

os quais, como os outros princípios assinalados para serem dados à

cronologia (que são os dois olhos da História), eram necessários para ler a

história ideal eterna que acima foi mencionada304

.

De antemão faz-se necessário rememorarmos, para uma melhor compreensão, que

para Giambattista Vico, os aspectos filológicos são bem abrangentes, e não se limitam

apenas às questões relacionadas à linguagem, à gramática ou a etimologia. Vico afirma ser

299

Cf. VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 607. 300

Cf. VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 607. 301

Cf. VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 640. Ver também a página 611 onde Vico diz que Dionísio

Longino chegou ao equívoco de acreditar que a Ilíada tivesse sido escrita por Homero na sua juventude e a

Odisséia, na maturidade, de acordo com a seguinte passagem: ―Dionìsio Longino, não podendo dissimular a

grande diversidade dos estilos dos dois poemas, diz que Homero, sendo jovem, compôs a Ilíada, e depois,

sendo velho a Odisséia (...)‖. 302

Cf. VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 640. 303

Ver aqui o comentário de Expedito Passos: Em relação à parte das ideias, Vico descobre outros princípios

históricos de cronologia e Geografia, que são ―os dois olhos da história e, em seguida, os princípios da

história universal que faltavam até então‖. (LIMA, José Expedito Passos. A estética entre saberes antigos e

modernos na nuova scienza, de Giambattista Vico, p. 292.). 304

VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 20.

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a Filologia a doutrina de todas as coisas que dependem do arbítrio humano, como são

todas as histórias das línguas, dos costumes e dos fatos, tanto da paz como da guerra dos

povos 305

.

No Capítulo Segundo, Da pátria de Homero [Della patria d'Omero], ainda na

Primeira Secção, Vico trata da disputa que algumas cidades da Grécia travaram para

decidir sobre qual delas seria a pátria de Homero. Tal ocorrido se deu em virtude de tais

cidades reconhecerem nos poemas dele, tanto na Ilíada, quanto na Odisséia, determinadas

palavras, frases e dialetos comuns a cada uma delas. Como indica a seguinte passagem: A

contenda entre as cidades gregas pela honra de ter cada uma Homero como seu cidadão

provém do fato de quase todas observavam nos dois poemas dele tantas palavras e frases

como dialectos [sic] que em cada uma delas eram vulgares 306

.

Os mitos e fábulas que, conforme dissemos anteriormente, foram descritos de modo

um tanto o quanto indecentes, por Homero, deveu-se pelo seguinte motivo: tais fábulas

tinham originariamente sentidos verdadeiros e até chegarem à época de Homero sofreram

deturpações307

. Esse fato explicaria outra verdade a respeito da figura de Homero: o poeta

teria de estar situado em uma ―terceira idade dos poetas heróicos‖ [terza età de'poeti

eroici]. Na primeira idade, as fábulas teriam significados verossímeis; na segunda, os

significados foram alterados e corrompidos; na terceira e última, pertencente à de Homero,

ele já as recebeu e transmitiu totalmente desfigurada dos seus primeiros significados.

Segundo como apresenta a passagem abaixo:

O que se demonstra com esta crítica metafísica: que as fábulas, as quais,

quando do seu nascimento tinham surgido direitas e convenientes,

chegaram a Homero tortas e indecentes; como se pode observar ao longo

de toda a Sabedoria Poética aqui acima reflectida, pois todas foram

primeiramente histórias verdadeiras que, pouco e pouco, se alteraram e se

corromperam e, assim corrompidas, chegaram finalmente a Homero. Pelo

que deve ser situado na terceira idade dos poetas heróicos: depois da

primeira, que encontrou essas fábulas em uso como verdadeiras

narrações, na primeira e própria significação da palavra ς, que é

305

Ibidem, p. 9. 306

Ibidem, p. 606. 307

Veja também as considerações de Berlin: ―Tais mito e seus modos de expressão, apesar de imperfeitos

que possam parecer aos teólogos e filósofos de nossos tempos sofisticados (e àquele das épocas ‗clássicas‘

anteriores) foram, em seus dias, apropriados e coerentes‖ (BERLIN, Isaiah. Vico e Herder [1976]. Trad. br.

Juan Antônio Gili Sobrinho, Brasília, 1982, p. 101.).

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definida por esses mesmos gregos como <<verdadeira narração>>; a

segunda, daqueles que a alteraram e corromperam; a terceira, finamente,

de Homero, que assim corrompidas as recebeu 308

.

No Capítulo Quinto, que versa sobre as provas filosóficas para a descoberta do

verdadeiro Homero [Pruove Filosofiche per la Discoverta del Vero Omero], existe uma

passagem que diz: a fala heróica se expressava mediante semelhanças, imagens e

comparações, em razão da escassez de gêneros e espécies, necessários para uma definição

adequada das coisas309

, e surgem por causa de uma necessidade natural dos povos 310

. Já no

Capítulo Sexto, sobre as provas filológicas, Vico diz que os povos bárbaros, que se

conservaram fechados em suas fronteiras sem nenhum contato com outras nações, a

exemplo dos povos germânicos e indígenas americanos, guardaram em versos toda a sua

história. Outro testemunho forte é o de que se encontra no Capítulo Segundo da Segunda

Secção [sic], pois diz que os poemas de Homero devem ser considerados como

testemunhos dos costumes antigos dos gregos. Semelhante consideração deve ser atribuída

às leis das XII Tábuas: testemunhos dos costumes dos povos do Lácio 311

.

No que diz respeito aos aspectos da vida civil, no Capítulo Primeiro, da Primeira

Secção onde Vico trata de uma pretensa sabedoria secreta que alguns autores acreditavam

ser Homero possuidor, e que Vico refuta, estão as seguintes considerações: Homero, em

verdade, não era douto, mas detinha uma sabedoria vulgar312

, e tal sabedoria estava em

conformidade com os costumes daqueles primeiros povos da Grécia. Os sentimentos do

autor da Ilíada, de acordo com o que percebemos na leitura do poema, são, no entender de

Vico, totalmente pertinentes aos sentimentos dos povos gregos em seu estado de barbárie.

308

VICO, Giambattista. Ciência Nova, pp. 615-616. 309

Sobre tal questão, ver aqui o que afirma Burke sobre Vico: ―Sendo ele mesmo um poeta, argumentava que

tipos diferentes de poesia, como tipos diferentes de leis, eram apropriadas a sociedades diferentes e que os

homens primitivos eram necessariamente poetas, porque tinham imaginações fortes, que compensavam a

fraqueza de sua razão‖ (BURKE, Peter. Vico, p. 15.). 310

Veja as afirmações de Vico: ―Tanto que ocorreu o mesmo facto com os poemas de Homero que ocorreu

com a lei das XII Tábuas: porque, com estas, acreditando-se terem sido leis dadas por Sólon aos Atenienses,

e que daí tivessem chegado aos Romanos, conservaram-nos oculta, até agora, a história do direito natural das

gentes do Lácio (...)‖ (VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 628.). 311

Cf. VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 655. 312

Ver a seguinte nota de Expedito Passos: ―Para Vico, como o explicita Croce, os grandes poetas não

nascem nas ―idades de reflexão‖ (età di riflessione), mas da ―imaginação‖ que se dizem de barbárie (Homero

na ―barbárie antiga‖ e Dante na Idade Média, ou ―barbárie retornada‖ na Itália). Trata-se sempre, nestes

poetas, de ―sabedoria poética‖, porque ―os séculos dos poetas precedem aqueles dos filósofos e as nações

infantis foram de sublimes poetas‖ (LIMA, José Expedito Passos. A estética entre saberes antigos e

modernos na Nuova Scienza de Giambattista Vico, p. 54.).

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Tais sentimentos são os propiciadores da matéria, da qual os poetas extraem seus versos.

Conforme Vico explicita nesta passagem:

Conceda-se-lhe também aquilo que seguramente lhe deve ser atribuído,

ou seja, que Homero deve ter andado em conformidade com os

sentimentos completamente vulgares e, por isso, com os costumes

vulgares da Grécia, bárbara nos seus tempos, porque tais sentimentos e

costumes vulgares fornecem aos poetas as matérias próprias 313

.

Na Segunda Secção, Capítulo Primeiro, onde o autor trata das inconveniências e

inverossimilhanças a respeito de Homero, e que tornar-se-íam conveniências e

necessidades do Homero descoberto por Vico, existe uma passagem que diz o seguinte:

Homero teria composto a Ilíada em um período em que a Grécia era jovem, e a Odisséia

em uma época mais tardia, conforme já exposto acima. No primeiro poema, cujo ator

principal é Aquiles, herói jovem e de ações movidas por fortes sentimentos, reflete como

um espelho os costumes e comportamentos civis daqueles primeiros gregos. No segundo

poema, a figura de Ulisses serve justamente para demonstrar as características daqueles

homens gregos, cuja existência deu-se em uma época posterior, e que já se comportavam

de modo mais prudente e refletindo cautelosamente antes de agirem. Conforme podemos

acompanhar na seguinte passagem:

Assim, Homero compôs a Ilíada quando a Grécia era jovem e,

consequentemente, ardente de paixões sublimes, como o orgulho, a

cólera, a vingança, paixões essas que não suportam dissimulação e ama a

generosidade; pelo que admirou Aquiles, herói da força: mas, depois,

compôs velho a Odisséia, quando a Grécia tinha arrefecido um tanto os

ânimos com a reflexão, que é mãe da prudência; pelo que admirou

Ulisses, herói da sabedoria 314

.

O Homero que teria elaborado a Ilíada deve ter vivido em uma época que os

gregos, ainda mergulhados em costumes bárbaros, se deleitavam com atitudes

313

VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 599. 314

Ibidem, p. 646.

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crudelíssimas, e tinham prazer com ações vis e atrozes. Já o Homero compositor da

Odisséia viveu em um período em que os ânimos315

estavam arrefecidos, e compraziam-se

com o luxo, e os costumes estavam um tanto quanto dissolutos316

. Daí Vico concluir ter

sido o poeta Homero não um personagem histórico, mas apenas um caractere poético dos

grandes rapsodos da antiga Grécia, e que os escritos atribuídos a Homero são importantes

para o conhecimento das coisas civis relativas ao mundo antigo.

A Bíblia será outro grande fragmento de erudição da humanidade e, conforme Vico,

o mais completo, uma vez que possui muito bem conservado a memória do povo hebreu.

Daí o autor apresentar na Tábua Cronológica [Tavola Cronologica] de sua Scienza nuova

o povo hebreu como primeiro a ocupar posição de relevância na História. Os hebreus

tiveram origem distinta dos gentios, por essa razão, Vico separa-os dos gentios que tinham

seu direito fundamentado na adivinhação e nos auspícios divinos. Aos hebreus era

terminantemente proibido praticá-la, por serem conduzidos pelo próprio Deus317

. Enquanto

a história profana encontrava-se repleta de incoerências318

, a história sagrada conservou a

história das primeiras famílias que viveram sob o regime patriarcal. Desse modo Vico

afirma na Dignidade XXIII:

A história sagrada é mais antiga que todas as mais antigas das profanas

que nos chegaram, porque conta muito detalhadamente e ao longo de um

período de mais de oitocentos anos o estado de natureza sob o governo

dos patriarcas, ou seja, o estado das famílias, baseados nas quais todos os

315

Sobre o ânimo são pertinentes as considerações de Bordogna: ―O ânimo seria aquela parte da nossa

natureza que nos põe em comum com as bestas, ou melhor, aos <bestiais> das origens, cujas mentes ainda

não eram aguçadas e espiritualizadas mediante os raciocínios, mas se encontravam ainda todas presas aos

sentidos, nas produções da fantasia e imersas nas paixões‖ (tradução nossa). [L‘animo sarebbe quella parte

della nostra natura che ci accomuna alle bestie o meglio ai <<bestioni>> delle origini, le cui menti non si

erano ancora assottigliate e spiritualizzate mediante i ragionamenti, ma si trovavano ancora tutte prese nei

sensi, nelle produzioni della fantasia ed immerse nelle passioni.]; (BORDOGNA, Alberto. Gli idoli del foro:

Retórica e mito nel pensiero di Giambattista Vico, p. 90.). 316

Conforme atestam aquelas passagens da Odisséia, onde estão descritos: o fausto dos jardins de Alcínoo,

os prazeres nos palácios de Calipso e Circe e os passatempos com os quais se deleitavam os pretendentes de

Penélope, esposa de Ulisses. 317

Vico escreveu na Dignidade XXIV: ―A religião hebraica foi fundada pelo verdadeiro Deus com base na

proibição da adivinhação, baseada na qual surgiram todas as nações gentias. Esta dignidade é uma das

principais causas pelas quais todo o mundo das nações antigas se dividiu entre Hebreus e Gentes‖ (Cf. VICO,

Giambattista. Ciência Nova, p. 120.). 318

Daí Vico prescrever, como ciência que possibilita o desvelamento dessa história profana a Mitologia.

Conforme sustenta: ―E [disto deriva] que a primeira ciência que se deve aprender seja a mitologia, ou seja, a

interpretação das fábulas (porque, como se verá, todas as histórias gentílicas têm princípios fabulosos), e que

as fábulas foram as primeiras histórias das nações gentias‖ (VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 58.).

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políticos concordam que depois surgiram os povos e as cidades; estado

do qual a história profana pouco ou nada nos contou e fê-lo de modo

assaz confuso319

.

Os gentios, e tomando como exemplo fundamental os gregos, começaram a contar

seu tempo a partir das semeaduras e colheitas: razão pela qual o autor afirma ser a ―idade

do ouro‖, não um perìodo de paz e riqueza, conforme entendiam os filósofos e poetas que

surgiram mais tardiamente. O ouro significava, em verdade, o trigo, uma vez que aqueles

primeiros homens da gentilidade consideravam o trigo como verdadeira riqueza do mundo.

Esse significado histórico está contido no mito de Hércules, primeiro autor do mundo

antigo a dar início às plantações e desbravamento das terras incultas, celebrando tais feitos

também com os Jogos Olímpicos. Desse modo o autor explica na Ideia da Obra:

(...) nos seus princípios conta primeiramente Hércules (...) e contempla-o

no maior dos seus trabalhos, que foi aquele em que matou o leão que

vomitando chamas, incendiou a selva némea (...) e serve igualmente para

indicar o princípio dos tempos que, para os gregos (os quais devemos

tudo o que temos das antiquidades gentílicas), começaram a partir das

olimpíadas, com os jogos olímpicos (...) e, assim os tempos dos gregos

começaram desde que entre eles começou o cultivo dos campos. E a

Virgem, que os poetas descrevem aos astrônomos [sic] como andando

coroada de espigas, quer dizer que a história grega começou na idade do

ouro, que os poetas abertamente contam ter sido a primeira idade do

mundo, na qual, durante um longo curso dos séculos, os anos se contaram

pelas messes do trigo, que se comprova ter sido o primeiro ouro do

mundo; 320

.

Aqui se encontra aquela dita distinção entre a história dos povos gentios e o povo

hebreu. Enquanto esses acreditavam em divindades compostas de mentes e corpos, aqueles

acreditavam em uma Divindade de mente infinita que conhece tudo com base na

eternidade. Dessa distinção provém a diferença do direito natural entre esses povos. Vico,

ao comparar a história sagrada e a profana, percebe os pontos em que a história dos gentios

319

VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 119. 320

VICO, Giambattista. Ciência Nova, pp. 4-5.

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tem fundamento de verdade. Por tal motivo o autor fala em provas físicas e filológicas.

Nesse sentido Vico sustenta:

(...) os áugures tomavam os augúrios e observavam os auspícios; o qual

pretende dar a entender a adivinhação, a partir da qual começaram as

primeiras coisas divinas para os gentios. Porque, pelo atributo da sua

Providência, tão verdadeira para os Hebreus – os quais acreditavam ser

Deus uma Mente infinita e que, consequentemente, vê todos os tempos

num ponto de eternidade; (...) mas com esta diferença fundamental que

foi referida, da qual dependem todas as diferenças essenciais (...) entre o

direito natural dos hebreus e o direito natural das gentes, que os

jurisconsultos romanos definiram ter sido ordenado pela Providência

divina. Portanto, de uma só vez, (...) se assinala o princípio da história

universal gentílica que, com provas físicas e filológicas, se demonstra ter

tido o seu começo no dilúvio universal; (...) e com essas mesmas provas

se demonstra a maior antiquidade da religião dos Hebreus sobre aquelas

com as quais se fundaram as gentes e, consequentemente, a verdade da

cristã321

.

Ao principiar a contagem dos tempos com a sua Tábua Cronológica, início do

primeiro livro da Ciência Nova, Vico põe como expoente que origina a história humana,

não os egípcios, conforme afirmavam alguns eruditos de seu tempo322

. Segundo ele, a

História tem início a partir dos Hebreus, pois se mantiveram próximos à verdade, ao

manter seus registros históricos conservados no seu livro sagrado323

. Vico afirmava com

veemência que o primeiro povo do mundo foi o hebreu, do qual foi príncipe Adão, que foi

321

VICO, Giambattista. Ciência Nova, pp. 11-12. 322

Ver o que diz o autor na Ciência Nova sobre esta questão: ―Além disso, ela apresenta-se como totalmente

contrária ao Cânone cronológico egípcio, hebraico e grego, de John Marsham, em que pretende provar que os

egípcios precederam todas as nações do mundo na política e na religião, e que os seus ritos sagrados e

ordenamentos civis, transportados para outros povos, foram recebidos com algumas correções pelos Hebreus.

Opinião na qual o seguiu Spencer (...)‖ (VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 50.). 323

Ver aqui as considerações de Caporali: ―Reconduzida a princìpio antropológico geral em virtude do qual

<o homem pela indefinida natureza da mente humana em que essa cai na ignorância ele faz de si a regra do

universo>, a glória reivindicada pelos <caldeus, citas, egípcios, chineses de haver eles primeiro fundado a

humanidade do mundo antigo>, se reduz à <vanglória> restituindo o <privilégio> <somente aos hebreus>, <a

mais antiga de todas as nações>, o ―primeiro povo do nosso mundo‖ (tradução nossa). [Ricondotta al

generale principio antropologico in virtù del quale <<l‘uomo per l‘indefinita natura della mente umana, ove

questa si rovesci nell‘ignoranza egli fa sé regola dell‘universo>>, la gloria via via rivendicata dai caldei, sciti,

egizi, chinesi, d‘aver essi i primi fondato dell‘umanità dell‘antico mondo>>, si riducce a <<vanagloria>>,

riconsegnandone il <<privilegio>> ai <<soli ebrei>>, l‘<<antichissima di tutte le nazioni>>, il <<primo

popolo del nostri mondo>>: l‘unico ad aver <<serbato com veritá>> le sua memorie <<nella storia sagra fin

dal principio del mondo>>]; CAPORALI, Riccardo. La tenerezza e la barbarie Studi su Vico. Napoli:

Liguore 2006, p. 30.

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criado pelo verdadeiro Deus com a criação do mundo324

. Nesse sentido, ele defende a

primazia dos hebreus325

nas suas Anotações à Tábua Cronológica:

Erige-se a primeira coluna para os hebreus, que, segundo as seriíssimas

autoridades do hebreu Flávio Josefo e de Lactâncio Firmiano, que em

seguida serão aqui apresentadas, viveram ignorados por todas as nações

gentias. E também esses faziam com precisão a contagem dos tempos

transcorridos no mundo, hoje recebida como verdadeira pelos mais

severos críticos, segundo o cálculo de Fílon, o judeu; a qual, difere

daquele de Eusébio, a diferença não é de mil e quinhentos anos, que é

brevíssimo espaço de tempo em comparação com o quanto alteraram os

Caldeus, os Citas, os Egípcios e, até ao dia de hoje, os Chineses. O que

deve ser um argumento invencível de que os Hebreus foram o primeiro

povo do nosso mundo e de que preservaram, com verdade, as memórias

na história sagrada desde o princípio do mundo326

.

A história sagrada, testemunha ao ser confrontada com a história profana, sua

anterioridade, não obstante as outras nações se atribuírem uma antiguidade mais longínqua

em relação às outras: algo que seria um testemunho irrefutável da ―vaidade das nações‖

[boria delle nazioni]. Os hebreus viveram escondidos dos outros povos tal como as outras

nações também viveram, não obstante tais nações afirmarem ser cada uma, a primeira a

constituir os primeiros princípios de humanidade transmitidos aos outros povos. Vico,

entretanto, com o testemunho de Flávio Josefo, afasta os hebreus dessa vaidade. A história

sagrada confirma a verdadeira idade do mundo que é bastante jovem, quando equiparada à

idade que lhe atribuíam às outras nações gentias327

. Daí Vico sustentar na Dignidade III:

324

VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 57. 325

Nessa discussão são relevantes as formulações de Riccardo Caporali: ―Dentro desta preeminência de

natureza, escrita em tal supremacia de começo/essência está também a prioridade ‗filológica‘ da história

sagrada, a sua absoluta anterioridade e a sua absoluta desunião em relação a todas as outras profanas: <o

primeiro povo do mundo foi o hebreu, do qual foi príncipe, Adão, o qual foi criado pelo veradeiro Deus com

a criação do mundo‖ (tradução nossa). [Interna a questa preminenza di natura, iscritta in tale supremazia di

cominciamento/essenza, è anche la priorità ―filologica‖ della storia sacra, la sua assoluta anteriorità e la sua

assoluta disunione rispetto a ogni altra profana: <<‘l primo popolo del mundo fu egli l‘ebreo di cui fu

principe, Adamo, il quale fu criato dal vero Dio con la criazione del mondo]; (CAPORALI, Riccardo. La

tenerezza e la barbarie Studi su Vico, pp. 29-30.). 326

VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 60. 327

De acordo com Expedito Passos: ―Vico separa, de inìcio, as duas histórias após o dilúvio universal: a

―história sagrada‖ (storia sacra) e a história dos ―gentios‖ (gentí). A primeira, a ―mais antiga‖ (più antica),

que Vico faz valer a verdade dela contra a ―vaidade das nações‖ (boria delle nazioni), é a história dos

hebreus (Dignidades XIII e XXIV), cuja religião ―foi fundada pelo verdadeiro Deus na proibição da

divinação‖. A outra é a história dos ―gentios‖ (gentì), diferentes dos hebreus, porque estes últimos possuìam

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Sobre a presunção das nações ouvimos aquele áureo dito de Diodoro

Sículo, de que as nações, tanto gregas como bárbaras, tiveram esta

presunção: de ter uma encontrado, antes de todas as outras, as

comodidades da vida humana e conservado as memórias das suas coisas

desde o princípio do mundo.

Esta dignidade dissipa num ápice a vanglória dos Caldeus, Citas,

Egípcios, Chineses, de terem sido eles os primeiros a fundar a

humanidade do mundo antigo. Mas o hebreu Flávio Josefo expurga disso

sua nação, com aquela confissão magnânima que acima pudemos ouvir:

que os hebreus tinham vivido escondidos de todos os gentios; e certifica-

nos a história sagrada ser a idade do mundo quase jovem face à vetustez

dele em que acreditaram os caldeus, os Citas, os Egípcios e, até aos dias

de hoje, os Chineses. O que é uma grande prova da verdade da história

sagrada328

.

A importância da memória329

deve-se ao fato de ser o meio da conservação do fazer

humano, que o homem pôde constituir e se manter unidos por vínculos de comunidade330

.

Por isso a afirmação de que as coisas, fora do seu estado natural, nem se estabelecem nem

duram331

, quando aplicada ao mundo civil, significa que o homem, ao abdicar da vida em

comunidade e optar pelo vagabundear da liberdade fora da lei, está sujeito a sucumbir

diante das incertezas de uma vida sem regras332

. Para Vico, a problemática do direito

―justa estatura‖ (giusta corporatura) e os ―gentios‖ se submeteram à degeneração ―ferina‖ (Dignidade

XXVII)‖ (LIMA, José Expedito Passos. A estética entre saberes antigos e modernos na Nuova Scienza de

Giambattista Vico, p. 311-312.). 328

VICO, Giambattista. Ciência Nova, pp. 106-107. 329

Sobre o papel da memória, ver aqui as considerações de Expedito Passos: Ademais, o respeito às

―tradições comuns‖ (tradizioni volgari) se conserva tomando por base a máxima de que: ―todo comum dos

homens é naturalmente levado a conservar as memórias daqueles costumes, ordens, leis que o mantém no

interior daquela (...) sociedade‖. Valendo-se desta máxima, argumenta Vico: se todas as histórias da

gentilidade conservaram os seus ―princìpios fabulosos‖ (princìpi favolosi), em especial, a grega, da qual se

deve tudo o que se conhece da antiguidade [sic] gentìlica, isto significa que ―as fábulas dev[am] conter

unicamente narrações históricas dos costumes muito antigos, ordens, leis das primeiras nações gentìlicas‖.

Por conseguinte, este será o principal procedimento adotado pela Scienza nuova – como ―nova arte crìtica‖ –

para o conhecimento do mundo das nações e de seus ―autores‖ (autori) (LIMA, José Expedito Passos. A

estética entre saberes antigos e modernos na Nuova Scienza de Giambattista Vico, p. 281.). 330

Nesse sentido é conveniente a Dignidade XXXI em que Vico reforça o papel da religião como

mantenedora dos vìnculos sociais, em especial, quando o mundo mergulha na barbárie das guerras: ―Quando

os povos se encarniçam com as armas, de modo que entre eles já não têm lugar as leis humanas, o único meio

poderoso para os submeter é a religião. Esta dignidade estabelece que, no estado fora-da-lei, a Providência

divina deu origem a que os ferozes e violentos se encaminhassem para a humanidade e que se ordenassem as

nações, ao despertar neles a ideia confusa da divindade, que eles, devido á sua ignorância, atribuíram a quem

ela não convinha; e assim, com pavor desse divino imaginado, começaram a submeter-se a uma certa ordem‖

(VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 123.). 331

VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 109. 332

Daí Vico acreditar ser algo natural ao próprio ser humano o conservar as ―memórias‖ para que dentro das

sociedades possam manter-se, conforme escreve na Dignidade XLV: ―Os homens são naturalmente levados a

conservar as memórias das leis e das ordens que os mantêm dentro das sociedades‖ (VICO, Giambattista.

Ciência Nova, p. 130.).

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natural, bem como da sociabilidade natural, está relacionada à defesa do patrimônio

histórico que a humanidade gestou e deu prosseguimento. Isto responde à querela existente

entre filósofos, teólogos e céticos. Certamente o mundo civil foi edificado pela livre

escolha, ainda que débil, dos homens e não sob o acaso. Conforme Vico expõe na

Dignidade VIII:

Esta dignidade, por si só, - uma vez que o género [sic] humano, desde que

há memória no mundo, viveu e vive convenientemente em sociedade –

determina a grande disputa, pela qual os melhores filósofos e os teólogos

morais ainda contendem com o céptico [sic] Carnéades e com Epicuro

(nem mesmo Grócio a deteve): se existirá direito natural, ou se a natureza

humana será sociável, o que significa a mesma coisa.

Esta dignidade, conjuntamente com a sétima e o seu corolário, prova que

o homem possui livre arbítrio, ainda que débil, para fazer das paixões

virtudes; 333

.

Não apenas os escritos de Homero e a Bíblia serão considerados como fragmentos

relevantes à compreensão do mundo civil, e nisso compreende o direito natural, mas

também as XII Tábuas [XII Tavole]: primeiro código de leis escrito e conservado pelos

povos do Lácio como testemunho de seus costumes334

. Tais descobertas serão destacadas

por Vico em duas Dignidades: XIX e XX:

Se a lei das XII Tábuas foram costumes das gentes do Lácio, começados

a celebrar desde a idade de Saturno, passando sempre para outros lugares

e fixados pelos Romanos no bronze e religiosamente guardados pela

jurisprudência romana, ela é um grande testemunho do antigo direito

natural das gentes do Lácio. Isto foi por nós demonstrado ser, de facto

[sic], verdadeiro, há bastantes anos atrás, nos Princípios do Direito

Universal; o que se verá mais claramente nestes livros335

.

333

Ibidem, p. 109. 334

Ver aqui as considerações de Expedito Passos sobre tais fragmentos e sua interpretação: ―Como

―fundamentos do certo‖ valem aqui os dados filológicos, a fim de interpretá-los: um exercìcio da ―nova arte

crìtica‖ que é a própria nuova scienza viquiana. Para tanto, é preciso considerar as ―tradições comuns‖

(tradizioni volgari), ou seja, mitos, lendas, fábulas (Dignidade XVI), as quais tiveram ―públicos motivos de

verdadeiro‖ (pubblici motivi di vero); os ―falares comuns‖ (parlari volgari) que testemunham antigos

costumes dos povos (Dignidade XVII) e, em especial, aqueles ―falares‖ de lìngua de nação antiga (lingua di

nazione antica), os quais representam grande testemunho do mundo (Dignidade XVIII) e que se conservaram

em sua forma originária. Além destes dados filológicos destacam-se ainda os monumentos jurídicos como as

―leis das XII Tábuas‖ (legge delle XII Tavole) e aqueles poéticos, como os ―poemas de Homero‖ (poemi d’

Omero), uma vez que estes últimos são histórias civis dos antigos costumes gregos (Dignidades XIX e XX)‖

(LIMA, José Expedito Passos. A estética entre saberes antigos e modernos na Nuova Scienza de

Giambattista Vico, p. 311.). 335

VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 114.

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Também são considerados fragmentos de erudição aqueles relatados sobre a

história egípcia que o autor indica haver recolhido dos escritos de Heródoto. Segundo

Vico, os egìpcios ―reduziram‖ a idade do mundo anterior a eles a três estágios: uma ―idade

dos deuses‖ para o perìodo narrado em fábulas; uma ―idade dos heróis‖; e uma ―idade dos

homens‖ 336

. Em tais períodos, cada um possuía uma linguagem particular conveniente às

suas necessidades. Segundo Vico escreve nas Dignidades337

e nas Anotações à Tábua

Cronológica:

(...) ser-nos-à nisso grandemente proveitosa a antiguidade dos Egípcios,

pois conservaram dois grandes fragmentos não menos maravilhosos do

que as suas pirâmides, que são estas duas grandes verdades filológicas.

Das quais uma é a referida por Heródoto: que eles reduziam a três idades

todo o tempo do mundo que antes deles tinha decorrido: a primeira, dos

deuses; a segunda, dos heróis; e a terceira, dos homens. A outra é que, em

número e ordem correspondente, durante todo esse tempo se tinham

falado três línguas: a primeira hieroglífica, ou seja, por caracteres

sagrados; a segunda, simbólica, ou por caracteres heróicos; a terceira,

epistolar, ou por caracteres convencionados pelos povos, segundo a

referência de Scheffer, De philosofia italica338

.

Da Bíblia Vico extrai muitos fundamentos para a certificação e esclarecimentos da

história profana, que ele denomina ―história fìsica‖, pois nos chegou toda revestida em

fábulas. Vico considera como primeiros pais das antigas raças dos gigantes, aqueles três

filhos de Noé, a saber, Sem, Cam e Jafé que se espalhando pela terra, após o Dilúvio

Universal, esqueceram-se dos costumes humanos que deviam ter conservado para que na

336

Ver aqui as considerações de Expedito Passos: ―Com base nos testemunhos dos ‗dois grandes fragmentos‘

(due gran rottami) da antiguidade egípcia, o autor segue na sua nuova scienza a tripartição das idades e das

línguas correspondentes. Os egípcios reduziam todo o tempo do mundo transcorrido antes deles ―a três

idades, que foram: a idade dos deuses, a idade dos heróis e a idade dos homens (...), ao longo dessas três

idades, se falaram três línguas, na ordem correspondente às três idades, que foram: a língua hieróglifa, ou

seja, sagrada, a língua simbólica e a epistolar, ou seja, vulgar dos homens, por signos convencionados para

comunicar as vulgares necessidades de sua vida‖ (Dignidade XXVIII). Além destes testemunhos,

contribuíram também como fonte para esta ciência, conforme as Dignidades XXIX e XXX, os poemas de

Homero e dos escritos de Varrão‖ (LIMA, José Expedito Passos. A estética entre saberes antigos e modernos

na Nuova Scienza de Giambattista Vico, p. 312.). 337

Cf. VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 122. 338

VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 58.

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humanidade permanecessem. Desse modo esses gigantes encaminharam-se para um estado

de selvageria ocasionado pela dissolução dos costumes. Disto resulta a primeira barbárie

da história, a ―barbárie dos sentidos‖ [barbarie dei sensi]. O retorno à humanidade deve ter

ocorrido quando as suas mentes, aterrorizadas pelo recente dilúvio, temeram o céu

relampejante e acreditando ser uma divindade como Júpiter cultuado por todos os povos

como deus principal. Conforme Vico diz na seguinte Dignidade XLII:

Júpiter fulmina os gigantes, e cada nação gentia possui um.

Esta dignidade contém a história física que nos conservaram as fábulas:

que foi o dilúvio universal sobre a terra.

Esta mesma dignidade, junta com o antecedente postulado, permite-nos

determinar que, durante esse longuíssimo decurso de anos, as raças

ímpias dos três filhos de Noé teriam andado num estado ferino, e com

vaguear ferino se teriam espalhado e dispersado pela grande selva da

terra, e com a educação ferina ter-se-íam tornado e comprovado gigantes

no tempo em que pela primeira vez o céu relampejou depois do

dilúvio339

.

339

VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 129.

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CAPÍTULO IV

A barbárie da reflexão: risco contra a civilidade

É comprovado nos escritos da Scienza Nuova que o mundo vivenciou duas grandes

barbáries na História; a ―barbárie dos sentidos‖ [barbarie dei sensi], que ocorreu após o

dilúvio universal, narrado na Bíblia e nos mitos da gentilidade; e aquela da Idade Média,

como um retorno à selvageria semelhante à primeira barbárie, denominada na Scienza

nuova de ―barbárie retornada‖ [barbarie ritornata], que vários autores narram como uma

―idade de trevas‖. Para a presente exposição, faz-se necessário aqui a compreensão da

linha divisória entre barbárie e civilização340

. Trata-se de verificar o significado da

―barbárie retornada‖, e com esta a possibilidade de podermos conhecer as causas e a

possibilidade também de remediar os males que advém do processo de barbarização dos

costumes civis. É preciso também uma exposição aprofundada do desenvolvimento

intelectual humano, e com isto a descoberta do que é próprio da civilidade e o que pertence

à barbárie. Ademais é relevante, nesse contexto, a reflexão de Vico sobre o caráter da

Providência como mantenedora do curso que rege a história humana, porque todo o seu

estudo tem como principal preocupação a demonstração de que existe uma Providência

Divina. Para Vico, muitos dos males que afligem a humanidade são, em sua grande parte,

decorrentes da soberba de espírito dos homens, pois negar a atuação da Divindade e

negligenciar a religião e o senso comum estão entre as causas principais da degeneração do

homem e do mundo civil.

4.1 Origem da civilidade e barbárie primitiva

A barbárie foi identificada por Vico como algo inerente à História, pois todos os

povos nos seus inícios foram bárbaros341

. Antes de adentrarmos no tema é preciso, porém,

340

De acordo com Mattéi: ―É possìvel distinguir facilmente o que chamo efeitos de barbárie dos efeitos de

civilização. O efeito de barbárie caracteriza toda a forma de esterilidade humana e de perda de sentido no

campo da cultura, quer se trate de ética, de política, de arte, quer de educação. Para que haja barbárie, é

preciso haver já uma civilização anterior que o bárbaro, como Alarico e seus visigodos quando do saque de

Roma, vai bater, pilhar e destruir. Se o selvagem não teve tempo de criar obras duráveis de civilização pelo

trabalho sobre si mesmo, o bárbaro procura arruinar esse mundo estrangeiro que o provoca e fascina, mas que

ao mesmo tempo lhe devolve o reflexo de sua impotência a encontrar-lhe sentido. Em sua secundaridade, a

barbárie está estreitamente ligada à civilização, de que é a face negativa, assim como a queda está

intimamente ligada à ascensão: só aquele que pode subir está em condições de cair‖ (MATTÉI, Jean-

François. A barbárie interior: ensaio sobre o i-mundo moderno [1999]. Trad. br. Isabel Maria Loureiro. São

Paulo: Editora UNESP, 2002, pp. 13-14.). 341

Cf. VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 10.

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uma abordagem a respeito desses termos, barbárie e bárbaro342

, como os compreendia o

autor da Scienza Nuova343

. Nesse âmbito o remédio contra a barbarização é a educação do

indivíduo.

A primeira barbárie, aquela primitiva, seria a consequência de uma educação

ferina344

, pois aqueles que negligenciaram a religião findaram por embrutecer o seu

intelecto tornando-se, desse modo, os primeiros gigantes. Vico diz que os filhos de Noé, a

saber, Sem, Cam e Jafé, ao esquecerem-se dos costumes piedosos345

, tornaram-se gigantes,

não apenas de corpos, mas de mentes, não obstante a diminuição da capacidade

raciocinante, engrandecendo assim os instintos e a fantasia346

. Um gigantismo que, em

tempos selvagens, se caracterizou pela rudeza de costumes. Conforme indicam as

considerações da Tábua Cronológica: Será demonstrado, pelas histórias físicas

encontradas no interior das fábulas gregas e provas tanto físicas como morais extraídas

do interior das histórias civis, terem estes existidos na natureza em todas as primeiras

nações gentias347

. Mais adiante, Vico acrescenta:

342

Uma explicação sobre a origem do termo e sua utilização no pensamento humano, ver MATTÉI, Jean-

François. A barbárie interior, pp. 17-22. 343

Em um estudo sobre tais questões, Enrico Nuzzo dispõe em três acepções este termo e o significado da

expressão bárbaro [barbaro] e barbárie [barbarie]. A primeira acepção é compreendida como ―alteridade

menosprezada‖ [alteridade despreciada], espécie de sentimento de inferioridade ante as coisas que não

compreendemos. O segundo, como falta de limites, caracterizada pela ausência de medida [desmesura], e que

se configura como a grandiosidade (no sentido monstruoso e disforme) das obras e das ações. Por fim, como

condição inerente e natural [natural] ao próprio homem, independente da época histórica. Vejamos as

considerações de Nuzzo: ―Voltemos, para tanto, ao novo conceito de barbárie elaborado por Vico (porém, em

primeiro lugar, sobretudo, de primitiva rudeza dos homens). Eu identificaria pelo menos três elementos

fundamentais sobre os quais trabalha a sistemática reconceituação viquiana do conceito de barbárie: (...)

como ‗alteridade‘ desprezada (ou igualmente mais ou menos hostil ‗condição de limite‘ [limitação] ou ao

menos [excesso de uma] marcada inferioridade; como ‗desmedida‘; e como condição ‗natural‘, e por tanto

fixa, a-histórica‖ (tradução nossa). [Volvamos, por lo tanto, al nuevo concepto de barbarie elaborado por

Vico (pero, en primer lugar, sobre todo de primitiva rudeza de los hombres). Yo individuaría por lo menos

tres elementos fundamentales sobre los que trabaja la sistemática reconceptualización viquiana del concepto

de ―barbarie‖: (...) como ―alteridad‖ despreciada (o incluso más o menos hostil ―condición de lìmite‖

[liminalità] o al menos muy marcada inferioridad; como ―desmesura‖; y como condición ―natural‖, y por lo

tanto fija, a-histórica]; (NUZZO, Enrico. Figuras de la barbarie, Lugares y tiempos de la barbarie en Vico,

p. 153.). 344

Para Vico: ―(...) as mães abandonando os seus filhos, estes devem ter crescido, pouco a pouco, não só sem

ouvir voz humana, mas também sem aprender costumes humanos, pelo que chegaram a um estado, de facto

[sic], animal e ferino‖ (VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 205.). 345

Vico escreve: ―os autores da humanidade gentìlica devem ter sido homens das raças que, muito depressa a

de Cão, um tanto depois a de Jafeth e, finalmente a de sem, uns após outros, pouco a pouco, renunciaram à

verdadeira religião do seu pai comum Noé, que era a única que no estado das famílias podia conservá-los na

sociedade humana com a sociedade dos matrimónios e dispersado as famílias com os concúbitos incertos‖.

(Ibidem, p. 205.). 346

Cf. VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 533. 347

VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 64.

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Porquanto as raças de Cão e Jafeth devem ter-se dispersado pela grande

selva desta terra, num errar ferino de duzentos anos; e assim, vagabundas

e solitárias, devem ter produzido os filhos, com uma ferina educação,

desnudadas de todo o costume humano e privadas de toda a fala humana

e, portanto, num estado de animais selvagens348

.

Entre os diversos recursos para humanizar os costumes das primeiras gentes

bárbaras, Vico identifica o papel crucial da religião. Primeiro princípio de humanidade, por

tal motivo foram relevantes as figuras daqueles poetas teólogos, pois foram eles os

primeiros a disciplinar os costumes descrevendo como se comportavam seus personagens.

O segundo princípio foi aquele dos matrimônios onde aqueles primeiros homens, da

primitividade, arrastaram para dentro de suas cavernas as mulheres que deviam ser

demasiadamente arredias. Ao serem mantidas cativas, os primeiros hpmens puderam dar

início as primeiras famílias, constituídas primeiramente dos pais, das mães e dos filhos.

Outro princípio da civilidade comum aos povos, que vivem mesmo na mais intensa

barbárie, é o culto aos mortos. Todos os povos possuem o costume de enterrá-los e

reverenciá-los, pois acreditam que as almas não morrem com os corpos. Esse costume deu

origem à possessão das terras, uma vez que os primeiros homens do gentilismo foram

levados a se fixar nas terras que haviam enterrados os seus antepassados 349

. O desenho da

urna cinerária, no frontispício da obra, tem por finalidade representar não apenas os limites

das terras que cada povo reclamava como seu, pois ali estabeleceram propriedade os seus

pais, mas também representa o abandono dos costumes selvagens de deixar seus parentes

mortos servirem de pasto para os animais350

.

348

Ibidem, p. 65. 349

De acordo com Vico: ―Finalmente, para avaliar quão grande princìpio da humanidade sejam as sepulturas,

imagine-se um estado ferino em que os cadáveres humanos permaneçam insepultos sobre a terra, a servir de

engodo aos corvos e cães; pois deve estar certamente de acordo com este costume bestial não só aquele de

ficarem os campos incultos, mas também as cidades desabitadas, e os homens, à maneira dos porcos, irem

comer bolotas, apanhadas entre a podridão dos seus parentes mortos. (...) Para além disso, esta é uma

sentença na qual concordam todas as nações gentias: que as almas permaneçam sobre a terra inquietas e

andem errando em torno dos seus corpos insepultos e, consequentemente, que não morram com os seus

corpos, mas que sejam imortais‖ (VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 176.). 350

Vico escreve: ―Essa urna assinala, além disso, a origem, entre os mesmos gentios, da divisão dos campos,

na qual se devem procurar encontrar as origens da distinção das cidades e dos povos e, por fim, das nações.

(...) E, por estarem ali estabelecidos muito tempo, e por causa das sepulturas dos antepassados, verificaram

ter aí fundado e dividido os primeiros domínios da terra, cujos senhores foram chamados <<gigantes>>

(palavra essa que em grego significa o mesmo que <<filhos da terra>>, isto é, descendentes dos sepultados)

e, portanto, consideram-se nobres, avaliando com ideias justas, naquele primeiro estado das coisas humanas,

a nobreza de terem sido eles humanamente gerados no temor da divindade; por esta maneira de gerar

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Com base nesses três princípios, religião, matrimônios e sepultamentos, aqueles

primeiros homens, caídos em um estado de barbárie tão nefando aos costumes humanos,

porque chegaram a abandoná-los quase que completamente, puderam então recomeçar um

novo processo civilizatório. Vico defende que esse retorno efetiva-se porque o homem

possui uma espécie de sociabilidade inerente ao seu espírito, tal como a capacidade

raciocinante é também uma particularidade da mente humana.

Sob essa força da religião única, que poderia libertá-los daquele ―errar ferino‖,

detiveram-se e escolheram uma companhia com a qual tiveram filhos. Juntos a esses filhos

acrescentamos os fâmulos, conhecidos também por hóspedes, porque vivendo nas

possessões dos nobres gigantes, antes de todos fixados nas terras e por elas lutaram para

manter esse território conquistado como sua propriedade, tais servos nada tinham de direito

nas comunidades. Por essa razão, o autor sustenta ter existido duas espécies de gigantes: a

primeira a dos pios e poderosos, que conquistaram as terras com o valor de sua fortaleza

[fortezza], a segunda, a dos débeis, que foram nessas fortalezas recebidos quando fugiam

daqueles violentos351

.

Os primeiros gigantes que se fixaram nas terras, e formaram as primeiras famílias,

exerceram ao mesmo tempo as funções de reis, juízes e sacerdotes352

. Reis porque eram

sábios, mas de uma sabedoria comum ou vulgar [sapienza volgare] necessária para

interpretar os auspícios353

. Como foram os primeiros a se estabelecerem, eles criaram ainda

que de maneira rude, porque tinham as mentes ainda mergulhadas nas sensações e uma

pequena capacidade de raciocínio. Daí a razão das primeiras leis terem sido tão cruéis, as

humanamente e não de outro modo, como adveio, foi assim denominada a <<geração humana>>, da qual as

casas, ramificadas em mais famílias assim constituídas, por essa tal geração, se chamaram as primeiras

<<gentes>>‖ (Ibidem, p. 14.). 351

Cf. VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 20. 352

De acordo com Vico: ―Todas estas dignidades demonstram que nas pessoas dos primeiros pais

andaram unidas sabedoria, sacerdócio e reino, e que o reino e o sacerdócio eram dependências da

sabedoria, não já a secreta dos filósofos, mas a vulgar dos legisladores. E por isso, depois, em todas as

nações se coroavam os sacerdotes‖ (VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 144.). Veja aqui também as

considerações de Ferrate Mora: ―O governante das épocas divinas é, a um tempo, poeta e teólogo. Como

poeta, diz, em sonhos, o que os acontecimentos são na realidade para si. Como teólogo, fala com Deus e fala

de Deus, interpela-o e transmite o resultado de seu <<diálogo>> aos homens‖ (FERRATER MORA, J. ―Vico

ou a visão renascentista‖, in: Visões da História, Porto-Portugal: Rés, s/d, p. 113.). 353

Conforme Vico escreve: ―E, por aquilo que respeita à primeira parte, como nas Dignidades se advertiu,

devem ter sido os pais heróis, no estado dito <<de natureza>>, os sábios em sabedoria de auspícios, ou seja,

sabedoria vulgar; e, em consequência dessa tal sabedoria, devem ter sido os sacerdotes que, como mais

dignos, deviam sacrificar para procurar, ou seja, bem compreender os auspícios; e finalmente, os reis, que

deviam levar as leis dos deuses às suas famílias, no próprio significado de <<legisladores>>, isto é,

<<portadores das leis>>, como depois o foram os primeiros reis nas cidades heróicas, que levavam as leis

dos senados reinantes ao povo (...)‖ (VICO, Giambattista. Ciência nova, p. 346.).

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religiões tão sangrentas e a autoridade e poder dos pais sobre os filhos e os servos ser

exercida de forma tão violenta354

. Em tempos de crua natureza, era preciso que as religiões

fossem exercidas e as leis aplicadas de forma tão grave355

, pois a piedade se aprende com o

temor de uma divindade356

.

Outro motivo dos primeiros bestioni serem tão ferozes, conforme descreve Vico,

deve-se ao fato da natureza dos homens caminharem na seguinte ordem, descrita nas

Dignidades LXIV, LXV, LXVI, LXVII e LXVIII. No processo de civilização tudo tem início

primeiramente nas selvas, depois os tugúrios, logo as aldeias, em seguida as cidades,

finalmente as academias357

. Daí a natureza dos povos também segue esta ordem, primeiro

cruéis, adiante severa, depois benigna, após isso delicada e por ultima dissoluta358

.

Na seguinte Dignidade LXVIII, onde o autor explica essas naturezas particulares em

cada um dos momentos do processo civilizatório, os homens da primeira barbárie foram

condizentes com as personalidades míticas e históricas necessárias para que houvesse

alguma ordem no processo de civilização da humanidade. Seguindo a ordem do gênero

humano [gener umano], Vico explicita:

(...) imanes e desajeitados, como os Polifemos; orgulhosos, como os

Aquiles; valorosos e justos como os Aristides, os Cipiões Africanos; mais

próximos de nós, os que aparecem com grandes imagens de virtude

acompanhadas por grandes vícios, que junto do vulgo fazem estrépito de

verdadeira glória, como os Alexandres e os Césares; mais adiante, os

tristes reflexivos, como os Tibérios; finalmente, os furiosos, dissolutos e

desavergonhados, como os Calígulas, os Neros, os Domicianos. Esta

dignidade demonstra que os primeiros foram necessários para o homem

obedecer ao homem no estado das famílias, e dispô-lo a obedecer às leis

no estado que havia de surgir das cidades; os segundos, que naturalmente

não cediam aos seus pares, para estabelecer com base nas famílias as

repúblicas de forma aristocrática; os terceiros, para abrir o caminho à

liberdade popular; os quartos, para introduzir as monarquias; os quintos,

para as estabelecer; os sextos, para as derrubar359

.

354

Ver aqui as considerações de Berlin: ―Por muito brutal que possa ter sido o exercìcio do poder absoluto

pelos pais daquelas famílias, ele foi, apesar disso, modificado por um senso embriônico da vergonha e do

respeito, e assim se formou a raiz do sentimento religioso, isto é, do meio utilizado pela Providência para

elevar os homens acima de suas origens selvagens, e não do auto-interresse, que nunca poderia ter sido

suficientemente capaz de conter o egoìsmo brutal‖. (BERLIN, Isaiah. Vico e Herder, pp. 64-65.). 355

Cf. VICO, Giambattista. Ciência nova, p. 41. 356

Cf. VICO, Giambattista. Ciência nova, pp. 328-329. 357

VICO, Giambattista. Ciência nova, 140. 358

Cf. VICO, Giambattista. Ciência nova, p. 141. 359

VICO, Giambattista. Ciência nova, p. 142.

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Fundamentado em autores da tradição, Giambattista Vico elege, para esta reflexão,

a figura de Marco Terêncio Varrão (116 - 26 a. C.), e também os documentos ou

―fragmentos de erudição‖ humana, como faz alusão nas duas edições posteriores de 1730 e

1744, aqueles escritos atribuídos a Homero, a Ilíada e a Odisséia, e elege também Biblia.

Ele dedicou-se à pesquisa do processo de embrutecimento do intelecto humano, em

especial, aqueles citados nos mitos e no Gênesis. O autor denominou tal acontecimento

como ―barbárie dos sentidos‖ [barbarie dei sensi], e identifica tal período como de grande

decadência moral, dado o descaso com aqueles princípios de humanidade que os levou a

perderem os seus laços de sociabilidade e costumes civis.

Passados alguns tempos de esplendor nas ciências e nas artes os homens retornam,

entretanto, a um estado de dissolução moral e religiosa: retorno aos costumes bárbaros

denominado ―barbárie retornada‖ 360

[barbarie ritornata], e tempo histórico conhecido por

nós como Idade Média. Após esse período de degradação, os homens retornam a uma nova

fase de esplendor cultural, mas que apresenta sinais para um alerta de uma nova barbárie,

de novo ocasionada pelo excesso de comodidades proporcionado pelos progressos

científicos361

e, ao mesmo tempo, por um descaso com a conduta moral. Tal barbárie, Vico

denomina ―barbárie da reflexão‖ [barbarie della riflessioni].

4.2 O sentido da barbárie retornada

A importância de pensar sobre a segunda barbárie na Scienza nuova se deve ao fato

de permitir aos homens encontrar os meios para enfrentar, com sabedoria, o retorno de uma

nova barbárie. Os estudos sobre a Idade Média demonstram muitas semelhanças com a

primeira barbárie, aquela dos sentidos. Também alerta para que o homem se dedique à

reflexão sobre os erros e a empáfia de acreditar cegamente que, por si mesmo, seja capaz

de superar as dificuldades. A ―barbárie retornada‖ [barbarie ritornata] surge no declínio

do Império Romano, pois, ao se dissolver o espírito heróico daquele povo nas riquezas e

360

Mais adiante retornaremos a esse tema, aprofundando o aspecto da barbarização dos costumes. 361

Aqui algumas considerações de Alberto Bordogna: ―Aumentando deste modo, a produção se

intensificaram também os comércios e as trocas, que de uma parte teriam conduzido a uma nova

barbarização, a ―barbárie da reflexão‖, devido ao luxo, ao ócio e as branduras que ao progresso estão

associadas‖ (tradução nossa). [Aumentando in questo modo la produzione se intensificarono anche i

commerci e gli scambi, che da una parte avrebbero condotto ad um novo imbarbarimento, la ―barbárie della

riflessione‖, dovuta al lusso, agli ozzi ed alle mollezze che al progresso sono associate]; (BORDOGNA,

Alberto. Gli idoli del foro: Retórica e mito nel pensiero di Giambattista Vico, p. 72).

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luxos que suas conquistas proporcionaram, possibilitam aos outros povos, ditos bárbaros

tomarem as conquistas e por fim o próprio Império.

Não obstante os bárbaros conquistadores possuírem também o espírito heróico, e de

não haverem ainda percorrido seu curso completo, porque ainda incultos, receberam um

mundo civilizado e sofisticado o qual não puderam manter, e em muitas circunstâncias

puseram-se a dilapidá-lo362

. O que salvou os primeiros homens daquela primeira ―barbárie

dos sentidos‖ foram as religiões que, quase as vias de se extinguir, foram recuperadas e

disseminadas pela ação dos poetas teólogos, e posteriormente pela Filosofia que se

apropriou das ideias e mitos deixados por esses poetas. A Eloquência que surgiu em

Roma363

também vem auxiliar à boa convivência dos homens. Falhando este remédio

[rimedio], os homens, caídos no desespero das cidades desertas, voltam-se novamente à

religião e às comunidades encerradas em suas fronteiras e fortificações, comuns aos

feudos364

, para retomar o curso natural das coisas humanas e civis. Isso explica o retorno

da barbárie nos período que os historiadores denominaram de Medieval.

Ao estudar o direito natural dos povos, Vico descobre que este se funda, não

primeiramente com leis escritas, mas sim com os costumes. Tais formulações são

confirmadas na Scienza Nuova pela observação dos primeiros direitos que serão

estabelecidos durante a Idade Média. Porque, com o desaparecimento da cultura e com

essas também as letras, o mundo europeu civilizado teve de ser novamente reconstruído

com base nos novos costumes surgidos nas novas fortificações feudais. Conforme Vico

descreve:

Como se, finalmente, a Providência não tivesse acorrido a esta

necessidade humana: que pela falta das letras, todas as nações na sua

barbárie se fundassem primeiro com os costumes e, uma vez civilizadas,

depois se governassem com as leis! Tal como na barbárie regressada, os

primeiros direitos das novas nações da Europa nasceram com os

costumes, dos quais os mais antigos são os feudais; o que deve ser

recordado para aquilo que mais adiante diremos: que os feudos foram as

primeiras fontes de todos os direitos que, depois, chegaram a todas as

nações, tanto antigas como modernas e, portanto, ter sido estabelecido o

362

Talvez por aquela dita ―alteridade menosprezada‖, abordada por Nuzzo em seu estudo. 363

Cf. VICO, Giambattista. Ciência nova, p. 839. 364

Cf. VICO, Giambattista. Ciência nova, pp. 431-450.

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direito natural dos gentios, não imediatamente com leis, mas com esses

costumes humanos 365

.

Não obstante algumas semelhanças entre as barbáries primeira e segunda, elas

tiveram algumas diferenças. Um exemplo são as muralhas construídas durante a ―barbárie

segunda‖ [barbarie seconda], que parecem não haver existido na primeira. Isso porque,

conforme os relatos dos doutos da Antiguidade, as usurpações de tronos eram comuns,

naquelas primeiras nações, algo que não se verificou no retorno da barbárie, porque as

cidades medievais tinham como características as defesas e fortificações para evitar os

saques366

. De acordo com as anotações da Tábua Cronológica:

Mas Tucídides diz que, nos tempos heróicos, os reis se expulsavam do

trono uns aos outros todos os dias; como Amúlio expulsa Numitor do

reino de Alba, e dali Rômulo expulsa Amúlio e repõe Numitor. O que

acontecia tanto pela ferocidade dos tempos, como por estarem sem

muralhas as cidades heróicas, e não estarem ainda em uso as fortalezas,

como aqui se verifica acerca dos tempos bárbaros regressados 367

.

Para se compreender com propriedade o mundo bárbaro da antiguidade, foram

importantes as avaliações e comparações com a segunda barbárie. Aquilo que se

apresentava como incoerência para alguns eruditos, Giambattista Vico tomava como

razões para dissipar as obscuridades que atormentavam os estudiosos: daí a necessidade de

considerações a respeito da origem das línguas. Em uma passagem368

, Vico recorda

Homero mencionar uma língua antiga, denominada ―lìngua dos deuses‖, e Dìon

Crisóstomo recusar-se a acreditar que Homero soubesse da existência de uma língua dos

deuses, por causa dos variados trechos da Ilíada e da Odisséia em que relata nomes

distintos com os quais os deuses e os homens denominavam umas mesmas coisas.

365

VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 69. 366

Vico escreve: ―Mas na barbárie regressada, que por todo o lado destruìa as cidades, da mesma maneira se

salvaram as famílias, donde provieram as nações da Europa; e ficaram-nos denominados pelos Italianos

<<castella>> todos os senhorios que novamente então surgiram, porque geralmente se observa estarem as

cidades mais antigas e quase todas as capitais dos povos colocadas no alto dos montes e, ao contrário,

espalharem-se as aldeias pelas planuras‖ (Ibidem, pp. 351-352.). 367

Ibidem, p. 73. 368

Cf. VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 271.

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Vico sustenta que tal confusão devia ser por causa desses deuses serem de fato os

heróis, uma vez que tais heróis se consideravam de origem divina [d'origine divina], ao

contrário dos seus fâmulos que acreditavam ser de origem bestial [d'origine bestiale] 369.

Algo semelhante foi observado na ―barbárie retornada‖ onde os nobres e os plebeus se

distinguiam, senão mais pelas origens, mas pelas línguas. As novas línguas da Europa

medieval tiveram também suas origens na poesia. Discorrendo sobre o retorno da poesia

nos segundos tempos bárbaros, Vico argumenta

(...) desde o regresso da barbárie da Europa, tendo aí renascido outras

línguas, a primeira língua dos Espanhóis foi aquela que denominam <<

de romance>> e, por consequência, de poesia heróica (porque os

romancistas foram os poetas heróicos dos tempos bárbaros regressados);

em França, o primeiro escritor vulgar francês foi Arnaldo Daniel Pacca, o

primeiro de todos os poetas provençais, que nasceu no undécimo século;

e, finalmente, os primeiros escritores na Itália foram os rimadores

florentinos e sicilianos 370

.

Com tais comparações entre as origens das línguas e o modo como surgiram nas

duas barbáries ocorridas na história, Giambattista Vico dirá que estas são provas de que as

línguas têm suas origens na poesia e no canto371

. As línguas e as letras precisaram ser

novamente cultivadas e trabalhadas e pouquíssimos homens conheciam o grego e o latim,

mas os poucos que detinham algum conhecimento eram pouco mais que semi-analfabetos.

A relevância da linguagem para o refinamento da cultura já vem trabalhada desde a

Scienza nuova prima, pois Vico escreve: de modo que cada língua é uma grande escola

para tornarem destras e céleres as mentes humanas 372

.

Muitos traços de cultura e costumes semelhantes são descobertos por Vico entre os

povos que viveram na primeira e na segunda barbárie. Ao explicar sobre a origem das

369

Cf. VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 272. 370

Ibidem, pp. 273-274. 371

Sobre tais questões Vico escreve: ―Finalmente, demonstra-se que as línguas começaram a partir do canto,

por aquilo que há pouco dissemos: que, antes de Górgias e de Cícero, os prosadores Gregos e Latinos usaram

certos números quase poéticos, como nos tempos bárbaros regressados fizeram os padres da Igreja Latina (o

mesmo se comprovará da grega), de modo que as suas prosas parecem cantilenas‖ (VICO, Giambattista.

Ciência Nova, p. 295.). 372

Vico escreve: onde ogni una lingua è una gran scuola di far destre e spedite le menti umane (VICO,

Giambattista. Princìpi di una Scienza nuova [1725], in: Vico Opere p. 1003.).

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famílias, imaginadas pelas mentes dos primeiros poetas, contava-se sobre as perseguições

das mulheres selvagens com aquele mito de Apolo e Dafne. O deus representa os primeiros

pais heróis, e a ninfa as primeiras mulheres que fixadas à terra com esses homens, e assim

formando as famílias. No período medieval, a figura das árvores genealógicas, conforme

explica o autor, teria estreita relação e significado com esse mito373

. As semelhanças entre

culturas tão distantes no tempo eram relacionadas pela engenhosa mente de Vico. Sobre as

divisas, por exemplo, os escudos, as medalhas e os brasões, eram representados animais

ferozes como os dragões, símbolo do império civil [imperio civile], e possibilitaram a

existência de provas do ―dicionário mental‖ [dizionario mentale] viquiano: divisa na qual

deve provocar espanto a uniformidade do pensamento heróico dos homens desta barbárie

segunda com aquela dos mais antigos da primeira374

.

Assim como ocorreu nos primeiros tempos bárbaros, onde entre os heróis haviam

inúmeros fâmulos sob a sua proteção, e quando necessário deviam lutar pelos seus

senhores, também nos segundos tempos bárbaros, com o retorno e estabelecimento dos

feudos, muitos plebeus recorriam a estes feudos e a seus senhores em busca de proteção.

Em troca eles lavravam suas terras e lutavam junto com os nobres pela defesa de seus

territórios375

. Muitas vezes, pela união que os fâmulos tinham com os seus heróis, tais

heróis os representavam em conjunto. Segundo Vico explicita na passagem abaixo:

Daqui, e ao de qualquer outra parte deve ter provindo que, sob a

<<pessoa>>, ou <<chefe>> (que, como veremos mais adiante,

significaram a mesma coisa que <<máscara>>) e sob o <<nome>> (que

agora se diria <<insígnia>>) de um pai de família romano estavam

compreendidos, de direito, todos os filhos e todos os escravos 376

;

Por isso, Vico explica o sentido dos ―nomes‖ [nomi], ou caracteres, como não estando

relacionados a indivíduos particulares, mas a um grupo familiar, possuidor de uma origem

373

Conforme Vico: ―(...) e a barbárie regressada referiu-nos as mesmas frases heróicas, quando denominam

<<árvores>> as descendências das mesmas, e aos fundadores chamam <<troncos>> e <<cepas>>, e às suas

descendências originadas denominam <<ramos>>, e a essas famìlias denominam <<linhagens>>‖ (VICO,

Giambattista. Ciência Nova, p. 361.). 374

Ibidem, pp. 367-368. 375

Vico escreve: ―Pelo que é necessário dizer que, destas primeiras antiquìssimas protecções, que os heróis

prestaram aos refugiados nas suas terras, devem ter começado no mundo os feudos, primeiro rústicos

pessoais, pelos quais esses vassalos devem ter sido os primeiros <<vades>>, que eram pessoalmente

obrigados a seguir os seus heróis aonde os conduzissem para cultivarem os seus campos (...)‖ (VICO,

Giambattista. Ciência Nova, p. 389.). 376

VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 388.

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comum, uma ―gens‖. Assim como a expressão ‗pessoa‘ e ‗chefe‘ tem o mesmo significado

de ‗máscara‘, são termos concernentes a um grupo inteiro de pessoas que, sob tais

―máscaras‖ ou ―persona‖, usavam como insìgnias familiares, para se distinguirem umas

das outras377

.

Outras semelhanças entre os dois tempos de barbáries comprovam o retorno da

história em semelhantes ocasiões, pois diz respeito ao cultivo e proteção das terras

cultivadas. Os cultivos desses campos deram as origens das ―divisas nobres‖ que, na

segunda barbárie, usavam figuras de animais, a saber, os leões multicoloridos, e tais cores

traziam uma significação especial378

. Também esses primeiros campos cultivados passaram

a ―campos de armas‖ [campi d’armi] 379

, e na defesa dessas terras cultivadas estava o real

significado da nobreza, que Vico argumenta ter sido a defesa considerada como a maior

virtude da fortaleza380

. Nesse sentido, ele argumenta: Pelo que, há de concluir de tudo isto

que a agricultura, tanto nos primeiros tempos bárbaros, sobre os quais nos certificam os

romanos, como os segundos, constitui a primeira nobreza das nações381

.

Os feudos nasceram em todos os períodos da história fundamentados sobre certos

princípios eternos [certi principi eterni], em razão da natureza que, conforme explica Vico,

os nobres terem de conservar os bens adquiridos e as comodidades proporcionadas pela

vida em comunidade, ou seja, a vida civil. Surgiram sob três domínios, a saber, um

bonitário, um quiritário e outro denominado ―domìnio civil‖ [dominio civile] 382

e

ressurgirem de modo semelhante aos primeiros: Da mesma maneira, e não de outro modo,

estas coisas acerca da natureza eterna dos feudos retornaram nos tempos bárbaros

regressados383

.

377

De acordo com Vico: ―A estas verdades associamos aquelas outras: que, entre os Gregos, os <<nomes>>

significaram o mesmo que <<caracteres>> dos quais os pais da igreja tomaram com uso promíscuo aquelas

duas expressões, quando reflectem <<de divinis characteribus>> e <<de divinis nominibus>>. E <<nomen>>

e <<definitio>> significam a mesma coisa, pelo que, em retórica, se diz <<quaestio nominis>>, com a qual se

procura a definição de facto [sic]; e, em medicina, a nomenclatura das doenças é aquela parte que define a

natureza delas. Entre os Romanos, os <<nomes>> significaram primeiro e propriamente <<casas ramificadas

em muitas famílias>> (VICO, Giambattista. Ciência Nova, pp. 264-265.). 378

Cf. VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 365. 379

Cf. VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 394. 380

Cf. VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 21. 381

VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 395. 382

Cf. VICO, Giambattista. Ciência Nova, pp. 431-433. 383

VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 455.

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Os primeiros conhecidos por domínio bonitário [dominio bonitario] pertenciam aos

heróis, e de onde os plebeus ou fâmulos384

retiravam seu sustento. Os segundos, o domínio

quiritário [dominio quiritario], propriedades particulares dos nobres e, portanto, livres de

tributos. Os últimos pertencentes ao erário público e, por tal motivo, foram denominados

por ―domìnio eminente‖ [dominio eminente] 385

. Outra grande semelhança entre aqueles

tempos difíceis estava no direito. Vico descreve que na primeira barbárie, Aquiles,

caractere poético dos nobres, depositava o seu direito na ponta de sua lança, porque

naqueles tempos não existiam leis para punir as injúrias particulares. Daí a necessidade dos

duelos, comuns na primeira barbárie e ressurgidos na segunda: sábio conselho da

Providência para que os povos não se exterminassem em lutas intermináveis. Para Vico, os

duelos são provas da barbárie, porque, uma das causas da barbarização dos povos, é a falta

de leis para domesticá-los386

. Tais duelos surgiam pelo caráter orgulhoso dos nobres,

segundo Vico apresenta no trecho que segue:

Eis o herói de Homero, com o adjetivo perpétuo de <<irrepreensível>>,

canta aos povos gregos como exemplo de virtude heróica! Adjectivo esse

que, a fim de que Homero dele tire proveito para ensinar deleitando (o

que devem fazer os poetas), não se pode entender de outra maneira senão

aplicado a um homem orgulhoso, do qual actualmente [sic] se diria que

não deixa que a mosca lhe passe diante da ponta do nariz; e apregoa-se a

virtude obstinada, na qual, nos tempos bárbaros regressados, depositavam

384

Vico parece, em alguns momentos, não fazer distinção entre plebeus [plebei], fâmulos [famoli], sócios

[soci], clientes [cliente] e vassalos [vassalli], termos que aparecem as dezenas no decorrer da obra. Em outras

ocasiões, ele faz comparações e diferenciações, conforme indicam alguns trechos: ―De modo que estes eram

associados apenas dos trabalhos, mas não já dos bens adquiridos e muito menos da glória (...) sobre estes

fâmulos, ou clientes, ou vassalos (...)‖; (C. N. 44 p. 388). ―Assim concordaram os fâmulos em formar as

primeiras plebes das cidades heróicas, sem nelas possuìrem qualquer privilégio de cidadãos‖ (Ibidem, p.

428). ―Mas, depois de Fábio Máximo introduzir o censo, que distinguia todo o povo romano em três classes,

segundo os patrimônios [sic] dos cidadãos (...) por isso, acerca da história romana se lê que a antiga república

romana estava dividida entre <<patres>> e <<plebem>>; de modo que <<patrício>> e, pelo contrário,

<<plebeu>> o mesmo que <<ignóbil>>: portanto, tal como tinham existido anteriormente apenas duas

classes no povo romano antigo, assim tinham existido apenas duas espécies de assembléias: uma curial, dos

pais, ou nobres, ou senadores; a outra tribunícia, dos plebeus, ou seja, dos ignóbeis (...). Desse tempo em

diante, passou-se a distinguir <<patrício>> de <<senador>> e de <<cavaleiro>>, e <<plebeu>> de

<<ignóbil>>; e <<plebeu>> não se opôs já a <<patrício>>, mas a <<cavaleiro>> e <<senador>>; nem

<<plebeu>> significou ignóbil, mas <<cidadão de pequeno património [sic]>> (...)‖; (Ibidem, p. 459). Ver o

testemunho contrário de Coulanges sobre tal diferenciação: ―Os plebeus não eram clientes; os historiadores

da antiguidade nunca confundiam estas duas classes uma com a outra. Tito Lìvio diz em algum lugar: ‗A

plebe não quis tomar parte na eleição dos cônsules e, por isso, estes foram eleitos pelos patrícios e seus

clientes‘. E em outra parte: ‗A plebe queixava-se porque os patrícios usavam de demasiada influência nos

comìcios, a mercê dos sufrágios dos seus clientes‘‖ (COULANGES, Fustel. A Cidade Antiga, pp. 176-177.). 385

Cf. VICO, Giambattista. Ciência Nova, pp. 431-435. 386

Cf. VICO, Giambattista. Ciência Nova, pp. 149 e 706.

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toda a sua moral os duelistas, da qual surgiram as leis soberbas, os ofícios

altivos e as satisfações vingativas dos cavaleiros andantes que cantam os

romanceiros387

.

Vico escreve na Scienza Nuova que o direito romano parece ter desaparecido

durante os primeiros séculos da segunda barbárie, pelo fato das penas que surgiram, nesse

período, serem extremamente cruéis: igualmente aquelas que eram praticadas na primeira

barbárie. Apenas alguns resquícios das leis romanas eram encontrados somente entre os

camponeses, porque demoram mais tempo a se desfazerem dos costumes. Somente com a

volta dos governos monárquicos e populares é que o Direito Romano surgirá novamente388

.

A força da religião, para submeter aqueles primeiros homens que pela barbárie dos

sentidos embruteceram seus costumes, retornou na segunda barbárie como grande força de

manutenção da civilidade. Por isso Vico afirma terem sido os padres da Igreja que, por

serem os poucos possuidores de alguma erudição, criavam seus poemas unicamente sob

temas sagrados389

. Tal como na primeira barbárie, os primeiros poemas cantavam as coisas

divinas, os oráculos, considerados ordens divinas, eram cantados em versos390

.

Para concluirmos os argumentos de Vico sobre o significado da ―barbárie

retornada‖, no último livro da sua Ciência Nova, intitulado Do retorno das coisas humanas

no ressurgimento das nações [Del ricorso delle cose umane nel risurgere che fanno le

nazioni], podemos sustentatar que Vico demonstra, de modo evidente, que assim, como

aconteceu nos primeiros tempos se sucedem similarmente nesses segundos, não obstante

ele advertir terem sido tempos mais obscuros que aqueles391

. Na segunda barbárie

387

VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 503. 388

De acordo com Vico: ―Cremos, portanto, que foi isto que aconteceu: que, na crueza da barbárie

regressada, as nações desconheceram as leis romanas; tanto que, em França, era punido com graves penas e,

em Espanha, até com a de morte, todo aquele que, na sua causa, tivesse alegado alguma delas. (...) e só os

plebeus, que se desabituam tarde dos seus costumes, praticavam alguns direitos romanos por razões

consuetudinárias: que é a razão pela qual o corpo das leis de Justiniano e outros do direito romano ocidental,

entre nós, Latinos, e os livros Basilici e outros do direito romano oriental, entre os gregos foram sepultados.

Mas, depois, ressurgidas as monarquias e reintroduzida a liberdade popular, o direito romano compreendido

nos livros de Justiniano foi recebido universalmente, tanto que Grócio afirma ser hoje um direito natural das

gentes da Europa‖ (VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 746.). 389

Cf. VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 659. 390

Cf. VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 297. 391

Segundo Vico: ―Através dos inumeráveis lugares em que, ao longo de toda esta obra, acerca das

inumeráveis matérias, se observou dispersamente, até agora, como se correspondem com admirável

concordância os tempos bárbaros primeiros e os tempos bárbaros regressados, pode facilmente compreender-

se o retorno das coisas humanas no ressurgimento das nações. Mas, para confirmá-lo superiormente, apraz-

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regressaram: o fervor e a defesa da religião; as coisas humanas civis [cose umane civili]; os

juízos divinos [giudizi divini]; os latrocínios heróicos [ladronecci eroici]; as represálias

heróicas [ripresaglie eroiche]; os feudos, os primeiros asilos do mundo [primi asili del

mondo]; as clientelas, ou seja, os plebeus como trabalhadores das terras dos nobres; os

censos [i censi], isto é, tributos pagos pelos plebeus ao nobres; e tantas outras

características semelhantes aos primeiros tempos bárbaros392

.

4.3 Os rumos da racionalidade e a barbárie

Todos os povos em suas origens são bárbaros, porque são curtos no raciocínio393

e

possuem uma excessiva fantasia394

, aquele descomedimento395

como falta de prudência nos

pensamentos e atitudes. Começaram com a sabedoria poética, ou seja, a primeira espécie

de sabedoria dos homens primitivos396

. O método adotado por Vico de verificação e

nos dar este argumento um lugar particular, neste último livro, para esclarecer com maior lucidez os tempos

da barbárie segunda (os quais tinham jazidos mais obscuros que aqueles da barbárie primeira, a que chamava

<<obscuros>>, na sua divisão dos tempos, Marco Terêncio Varrão, o mais douto acerca das primeiras

antiquidades) (...)‖ (VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 789.). 392

Ibidem, pp. 792-796 e 804-816. 393

Nesse sentido, Nuzzo escreve: ―Retornemos, portanto ao novo conceito de barbárie elaborado por Vico

(porém, em primeiro lugar, e sobre tudo da primitiva rudeza dos homens‖. [Volvamos, por lo tanto, al nuevo

concepto de barbarie elaborado por Vico (pero, en primer lugar, sobre todo de primitiva rudeza de los

hombres]; (NUZZO, Enrico. Figuras de la barbarie, Lugares y tiempos de la barbarie en Vico, p. 153.). 394

Sobre a fantasia, ver aqui as considerações de Verene: ―Na Ciência Nova, a fantasia tem dois sentidos: 1)

a fantasia que Vico descreve na sua teoria da sabedoria poética, a mentalidade dos universais fantásticos; E 2)

a fantasia que funciona como caminho através do qual a mesma Ciência Nova logra o entendimento do

mundo humano por meio da recordação‖ (tradução nossa). [En la Ciencia nueva, la fantasia tiene dos

sentidos: 1) la fantasia que Vico describe en su teoria de la sabiduría poetica, la mentalidad de los universales

fantásticos; Y 2) la fantasia que funciona como el conducto a través del cual la misma Ciencia nueva logra el

entendimiento del mundo humano por médio del recuerdo]; (VERENE, Donald. P. ―La filosofia de la

imaginación de Vico‖, in: TAGLIACOZZO. Giorgio. et al. Vico y el pensamiento contemporâneo, p. 31.). 395

De acordo com Nuzzo: ―Porém, junto a esta caracterìstica, se não como fundamento, o ‗bárbaro‘ tem

representado posteriormente em boa parte o ‗descomedimento‘: o descomedimento entre excesso dos

sentidos (até chegar inclusive à contiguidade com o animal) e pobreza da racionalidade, o descomedimento

da estulta crueldade e rudeza no que diz respeito aos costumes mais moderados e regidos por normas‖

(tradução nossa). [Pero junto a esta caracterìstica, si no como fundamento, lo ―barbaro‖ ha representado

posteriormente en buena parte la ―desmesura‖: la desmesura entre exceso de los sentidos (hasta llegar incluso

a la contiguidad con lo animal) y pobreza de la raciolalidad, la desmesura de la stulta crueldad y rudeza

respecto a las costumbres más moderadas y regidas por normas]; (NUZZO, Enrico. Figuras de la barbarie,

Lugares y tiempos de la barbarie en Vico, p. 153.). 396

Segundo Vico escreve: ―Portanto, a sabedoria poética, que foi a primeira espécie de sabedoria da

gentilidade, deve ter começado de uma metafísica, não reflectida e abstacta como é esta agora dos instruídos,

mas sentida e imaginada como deve ter sido a desses primeiros homens, pois que eram de nenhum raciocínio

e com todos os sentidos robustos e com vigorosíssimas fantasias, tal como nas Dignidades foi estabelecido.

Esta foi a sua própria poesia, que nesses foi uma faculdade a eles conatural (porque eram naturalmente

dotados de tais sentidos e de tais mencionadas fantasias), nascida da ignorância das causas, que foi para eles

mãe do espanto ante todas as coisas, pois, ignorantes de todas as coisas, fortemente admiravam, como se

assinalou nas Dignidades‖ (VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 212.).

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certificação dos conteúdos filológico-filosóficos397

possibilitou-lhe a compreensão de que

o mundo civil nasce, não sob as reflexões acerca do útil à vida comunitária, conforme

tentaram alguns contratualistas398

, mas com o útil necessário. Somente após algum tempo,

com o refinamento das mentes, é que principiaram os filósofos a refletir sobre tais

questões. Por isso a relevância de doutrinas como a Mitologia, pois, quando estudadas de

forma aprofundada, possibilitam o conhecimento dos inícios da vida em comunidade.

Conforme Vico esclarece na seguinte passagem:

(...) com este referido método [se hão-de] reencontrar os princípios tanto

das nações como das ciências, que surgiram dessas nações e não de outro

modo: como ao longo de toda esta obra está demonstrado que essas

tiveram os seus começos nas públicas necessidades ou utilidades dos

povos, e depois, ao ser-lhes aplicada a aguda reflexão de homens

particulares, foram aperfeiçoadas. E assim deve começar a história

universal, à qual todos os doutos dizem faltar-lhes os princípios399

.

As mentes dos homens primitivos, pela carência de conhecimento per causa,

buscavam se apegar ao certo [certum], conforme adverte na Dignidade IX400

. O senso

comum, que é a prudência com a qual se governam às ações, foi o modo com o qual os

homens se guiaram na tomada de decisões401

. As línguas dos povos antigos, que se

conservaram durante toda a sua fase de desenvolvimento, possuem o testemunho de toda a

sua evolução e trazem muitos esclarecimentos sobre os costumes da Antiguidade. Por tal

motivo, Vico tinha um fascínio pela língua alemã, pois dizia ser língua heróica viva402

.

397

Cf. VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 110. 398

Entre esses contratualistas, Vico reportava-se em especial a Hobbes, Selden, Pufendorf, Grócio e Jean

Bodin. 399

VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 58. 400

Conforme Vico: ―Os homens que não sabem o verdadeiro das coisas procuram apegar-se ao certo, porque,

não podendo satisfazer o intelecto com a ciência, ao menos que a vontade repouse sobre a consciência‖

(VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 110.). 401

Sobre o senso comum Vico escreve: ―O senso comum é um juìzo sem reflexão alguma, comumente

sentido por toda uma ordem, por todo um povo, por toda uma nação ou por todo o género [sic] humano‖

(VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 111.). 402

E, conforme descreve mais adiante sobre a riqueza das línguas heróicas, revela as razões de tal concepção,

segundo Vico: ―De tudo isto reúne-se este corolário: que quanto mais as línguas são ricas nesses falares

heróicos abreviados, tanto mais belas são e, por isso, mais belas porque mais evidentes, e porque quanto mais

evidentes são, mais verdadeiras e mais fiéis; e, pelo contrário, quanto mais repletas estão de palavras de tais

origens ocultas, menos deleitáveis são, porque obscuras e confusas e, por isso, sujeitas a enganos e erros. O

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Ademais, as línguas são instrumentos eficazes para o refinamento das ideias. Desse modo,

ele comparou a língua francesa à língua grega dos atenienses. Vico argumenta que assim

como os gregos da Ática chegaram às reflexões filosóficas, em plena primeira barbárie,

semelhante modo ocorreu com os franceses que, em plena ―barbárie regressada‖, atingiram

alto grau de refinamento com sua língua.

Esta natureza das coisas civis é-nos confirmada pela nação francesa, na

qual, porque no meio da barbárie de mil e cem se abriu a famosa escola

parisiense, onde o célebre mestre de sentenças Pedro Lombardo se

dedicou ao ensino da subtilíssima [sic] teologia escolástica, ficou, como

um poema homérico, a história de Turpin, bispo de Paris, cheia de todas

as fábulas dos heróis de França que se chamaram <<os paladinos>>, com

as quais se encheram depois tantos romances e poemas. E, devido a essa

passagem imatura da barbárie às ciências mais subtis [sic], a língua

francesa ficou uma língua delicadíssima, de modo que, de todas as vivas,

parece ter restituído aos nossos tempos o aticismo dos Gregos e, mais do

que qualquer outra, é boa para a reflexão das ciências, como a grega; e,

como os gregos, ficaram aos franceses muitos ditongos, que são próprios

da língua bárbara, ainda dura e difícil para compor as consoantes com as

vogais403

.

O que os filósofos gregos fizeram, ao dedicarem-se às reflexões filosóficas, foi

apressar o curso natural de sua nação, pois nos tempos em que surgiu a filosofia grega

ainda eram tempos bárbaros. Os romanos, no entanto, seguiram o curso adequado, pois,

quando chegam às reflexões filosóficas já haviam desaparecido muito das suas histórias

fabulosas404

. A relevância da compreensão dessas análises feitas por Vico, em relação às

línguas, tem como principal fim a demonstração de que é nocivo ao intelecto esse

apressamento da reflexão, quando a mente ainda se encontra mergulhada nos sentidos. Tal

atitude, quando adotada nos estudos, causa uma inabilidade nos jovens para a vida prática:

que deve suceder às línguas formadas com a mistura de muitos barbarismos, cuja história das suas origens e

das transposições não nos chegou‖. (VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 282.). 403

VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 116. 404

Assim Vico afirma: ―Os filósofos gregos apressaram o curso natural que devia seguir a sua nação, por

surgirem nela quando era ainda crua a sua barbárie, pelo que passaram rapidamente a uma suma delicadeza e,

ao mesmo tempo, conservaram-lhes intactas as suas histórias fabulosas, tanto divinas quanto heróicas;

enquanto os Romanos, que em seus costumes caminharam com passo justo, de facto [sic], perderam de vista

a sua história dos deuses (...) e conservaram em língua vulgar a história heróica que se estende desde Rómulo

até as leis Publília e Petélia, que se comprovará uma perpétua mitologia histórica da idade dos heróis da

Grécia‖ (VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 115.).

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algo que Vico já havia advertido na Autobiografia e no De ratione405

. Vico retoma aqui

esse argumento na Ciência Nova:

Em confirmação do que dissemos acerca de ambas estas línguas,

acrescentemos a observação, que ainda se pode fazer nos jovens, que, na

idade em que a memória é robusta, a fantasia vívida e o engenho fogoso –

que exercitariam frutuosamente através do estudo das línguas e da

geometria linear, sem dominar com tais exercícios esta aspereza das

mentes contraídas pelo corpo, a que se poderia chamar a barbárie dos

intelectos -, passando ainda crus aos estudos demasiado subtis de crítica e

metafísica e de álgebra, se tornam, para toda a vida, estreitíssimos na sua

maneira de pensar e ficam inábeis para qualquer grande trabalho406

.

Para comprovar o que se sustenta na passagem acima, Vico argumenta, mais

adiante, sobre aquele processo natural de obtenção do conhecimento que discutimos

anteriormente sobre o surgimento das coisas pertinentes ao mundo civil. Vico defende que

a Providência encaminhou os homens para que primeiro conhecessem, e só após se

pusessem a criticar. Para um esclarecimento desse raciocínio, ele fez uso de dois

elementos: a tópica407

e a crítica. A primeira, regulando e dispondo os convenientes lugares

que a mente deve percorrer na obtenção do conhecimento sobre o objeto estudado; a

segunda uma arte de julgar o objeto do estudo, para assim certifica-se do conhecimento

obtido. Conforme o seguinte corolário:

A Providência foi boa conselheira das coisas humanas ao promover nas

mentes humanas a tópica antes da crítica, tal como há primeiro o

conhecer, depois o julgar das coisas. Porque a tópica é a faculdade de

tornar as mentes engenhosas, tal como a crítica é a de as tornar exactas

[sic]; e, naqueles primeiros tempos, havia de descobrir todas as coisas

necessárias à vida humana, e o descobrir é propriedade do engenho. E,

com efeito, quem quer que nisto reflicta [sic], advertirá que não só as

coisas necessárias à vida, mas as úteis, as cômodas, as prazenteiras e até

mesmo as supérfluas do luxo, tinha já sido descobertas na Grécia antes de

405

Sobre essas questões, ver o primeiro capítulo desta dissertação. 406

VICO, Giambattista. Ciência Nova, pp. 116-117. 407

Sobre a tópica o autor escreve: ―E, primeiramente, começou a polir a tópica, que é uma arte de bem

regular a primeira operação da nossa mente, ensinando todos os lugares que se devem percorrer para

conhecer tudo quanto existe na coisa que se quer bem, ou seja, totalmente conhecer‖(VICO, Giambattista.

Ciência Nova, p. 322.).

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aí aparecerem os filósofos, como o daremos a ver quando reflectimos

[sic] acerca da idade de Homero408

.

Na Dignidade XXXII, Giambattista Vico escreve: os homens quando ignoram as

causas dos fenômenos, acreditam serem eles naturais e próprios às coisas que os possuem

ou os causam. Daí Vico dizer que a Fìsica dos homens primitivos ―é uma metafìsica

vulgar‖, pois, pela ignorância deles, atribuem aos fenômenos uma causa extraordinária409

.

Na Dignidade XXXVI adverte que: A fantasia é tanto mais robusta quanto mais débil é o

raciocínio410

. A metafísica poética será esclarecida como verdadeira metafísica pelo fato

dos poetas acreditarem piamente na verdade das fábulas, não obstante suas incoerências e

indecências, eles as divulgaram em conformidade com os seus costumes411

ou, mais

especificamente, justificaram-nos (mesmo que indecorosos) com tais fábulas412

. Quando

chegaram às filosofias, procuraram justificar tais absurdos com a ideia de que escondiam

grandes mistérios de sabedoria que os antigos haviam nelas ocultados de forma proposital.

Essa crença perdurou durante muito tempo, até a modernidade, e foi uma das causas para a

―vaidade dos doutos‖ 413

.

Vico se opõe a alguns juízos que prevaleciam em seu tempo sobre a origem das

ideias e das línguas, pois essas devem ter começado ao mesmo tempo414

, e apenas a escrita

surgiu mais tardiamente415

. Conforme o autor diz ter observado nos indivíduos mudos,

devem ter ocorrido em circunstâncias semelhantes às tentativas de expressão de coisas e

ideias. Nesse sentido, as primeiras palavras surgiram naturalmente pela tentativa de

408

VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 322. 409

Cf. VICO, Giambattista. Ciência Nova, pp. 124-125. 410

VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 126. 411

Cf. VICO, Giambattista. Ciência Nova, pp. 136 e mais adiante 334-335. 412

Sobre tais fábulas, escreve Vico: ―Esta dignidade, a propósito das fábulas, é confirmada pelo costume que

tem o vulgo, que, sobre os homens numa ou noutra parte famosos, postos nestas ou naquelas circunstâncias,

de acordo com o que em certo estado lhes convém, finge as fábulas apropriadas. As quais são verdades de

ideia em conformidade com o mérito daqueles sobre os quais as finge o vulgo; e, no entanto, são por vezes e

de facto [sic] falsas, na medida em que não seja dado àqueles o mérito naquilo de que eles são dignos. De

modo que, se nisto bem se reflectir [sic], o verdadeiro metafísico, em face do qual o verdadeiro físico, que

com ele não se conforma, deve considerar-se desde logo falso‖ (VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 131.). 413

Cf. VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 63. 414

Conforme escrevera: ―Estas duas últimas dignidades permitem conjecturar [sic] que as ideias e as línguas

foram soltas de par e passo‖ (VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 139.). 415

Ver, nesse sentido, a afirmação viquiana: ―O quarto aspecto é uma crìtica filosófica, que nasce da história

das ideias antes mencionadas; e essa crítica julgará o verdadeiro sobre os autores das nações mesmas, nas

quais devem ter decorrido bastante mais de mil anos para poderem ter ali chegado os escritores, que são o

sujeito desta crìtica filológica‖ (VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 228.).

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expressar as coisas por meio das propriedades delas mesmas, e quando não conseguiam

exprimir, pela particularidade de tais coisas, faziam-no por meio de partes do próprio

corpo. Desse modo principiaram os hieróglifos, que são tentativas de explicar as coisas por

meio de figuras que tenham relação com as ideias416

. Também interpretam de maneira

natural os seus afetos e costumes, ou seja, as coisas confusas e ambíguas de acordo com as

suas naturezas417

. Conforme Vico explicita na Dignidade XXXII: a mente humana, devido

à sua natureza indefinida, quando cai na ignorância, faz de si regra do universo no que

respeita a tudo aquilo que ignora418

.

As ideias surgiram quando os homens começaram a meditar sobre as coisas

presentes na sua realidade. Em razão disso, a mente, a princípio, será guiada pelos

sentidos, pela grande dificuldade de meditar sobre si própria. Por isso, pelas etimologias,

torna-se possível perceber que os primeiros vocábulos tinham estreita relação com a vida

nos campos, e de tais palavras camponesas se desenvolveram coisas da mente [mente] e do

ânimo [animo]419

. A mente dos primeiros homens devia ser semelhante àquela dos animais,

preocupadas, em primeiro lugar, com as suas próprias necessidades. A Ciência Nova,

seguindo a conduta conveniente para toda matéria do conhecimento, começou seus

princípios a partir do momento que os homens começaram a pensar humanamente. Daí

Vico advertir a grande dificuldade para compreendermos a mente desses homens, porque

nossa mente civilizada tem certa incapacidade para entendê-la420

. Os primeiros pais da

416

Vico acrescenta: ―Os mudos explicam-se através de actos [sic] ou objectos [sic] que possuam relações

naturais com as ideias que eles pretendem significar. Esta dignidade é o princípio dos hieróglifos, com os

quais se comprova terem falado todas as nações na sua primeira barbárie. Esta mesma dignidade é o princípio

do falar natural que Platão, no Crátilo, e, depois dele, Iâmblico, De misteriis aegyptiorum, conjecturaram ter-

se uma vez falado no mundo. Com os quais estão os estóicos e Orígenes, Contra Celso, e, porque disseram

adivinhando, opuseram-se-lhes Aristóteles, na Peri ermeneia e Galeno, De decretis Hippocratis et Platonis:

disputa acerca da qual reflecte [sic] Públio Nigídio, segundo Aulo Gélio. Fala natural à qual deve ter

sucedido a locução poética por imagens, semelhanças, comparações e propriedades naturais‖ (VICO,

Giambattista. Ciência Nova, p. 137.). 417

Cf. VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 135. 418

VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 125. De acordo também com o que já havia expressado lá nos

Elementos na página 105. 419

Não é difícil perceber, nessas afirmações, evidentes influências do pensamento de Benedictus Espinosa,

pois algumas das Dignidades demonstram grande semelhança com as proposições da Ética, em especial esta

Dignidade LXIV: A ordem das ideias deve proceder segundo a ordem dos objetos (VICO, Giambattista.

Ciência Nova, p. 140.). 420

De acordo com Vico: ―(...) e devendo nós começar a reflectir [sic] sobre isso desde que eles começaram a

pensar humanamente; - e, no seu imane orgulho e desregrada liberdade bestial, não existindo outro meio para

domesticar aquele e refrear esta senão um pavoroso pensamento de uma qualquer divindade, cujo temor,

como se disse nas Dignidades, é o único meio poderoso para sujeitar ao dever uma liberdade furiosa: - para

descobrir o modo desse primeiro pensamento humano nascido no mundo da gentilidade encontramos as

ásperas dificuldades que nos custaram bem vinte anos de pesquisa, e [devemos] descer destas nossas

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humanidade pensaram sob impulso de paixões violentas, e somente o pavor de uma

divindade421

poderia ter dado ―norma‖ e ―medida‖, fazendo que paixões animais [passioni

bestiali] se tornassem ―paixões humanas‖ [passioni umane]422

.

A compreensão da mente dos homens, desde a sua origem e também do seu

desenvolvimento, possibilita-nos compreender as causas e os efeitos no mundo civil.

Compreender este mundo civil, conforme Vico é contemplar as ―divinas ideias‖ [divine

idee] do ―mundo das nações‖ [mondo delle nazioni] e provar que tais ideias prevalecem na

formação desses mundos em distintos ―lugares‖ [luoghi] e ―tempos‖ [tempi] e também em

variadas circunstâncias. Daí Vico atribuir a seu escrito a certificação e conformidade,

exigidas para uma doutrina científica. Por isso ele acrescenta às provas teológicas (uma das

preocupações do meditar a sua obra) as provas lógicas:

(...) esta Ciência, num dos seus principais aspectos, deve ser uma teologia

civil reflectida [sic] da Providência divina. A qual parece ter faltado até

agora, porque os filósofos, ou a desconheceram efectivamente [sic], como

os estóicos e os epicuristas, dos quais uns dizem que um concurso cego

de átomos agita os assuntos dos homens, os outros, que uma surda cadeia

de causas e efeitos os arrastam; ou a consideraram somente sob a ordem

das coisas naturais, pelo que chamam <<teologia natural>> à metafísica,

na qual contemplam este atributo de Deus, (...)423

.

As ―provas teológicas naturais‖ revelam, mediante certa logicidade, as ―coisas

divinas e humanas‖ da antiguidade gentìlica, e até onde é cabìvel uma investigação sobre

os princípios [princìpi] de humanidade:

naturezas humanas civilizadas àquelas completamente ferozes e imanes, as quais nos é completamente

negado imaginar e apenas com grande custo nos é permitido compreender‖. (VICO, Giambattista. Ciência

Nova, p. 180.). 421

Ver as considerações de Jaa Torrano sobre o sentimento pavoroso nos primeiros homens: ―(...) esse

Grande Cosmos vivente e divino como um único tecido composto de células que são as teofanias, - esse

Grande Cosmos centra-se em múltiplos centros: cada um dos deuses-unidades que o constituem é em si

mesmo essencialmente um centro de convergência de honras, veneranda fonte de poderes e de forças que

infundem não só o sentimento de respeito ao homem, mas também um sentido absoluto (i.e. uma significação

não condicionada nem gerada senão por si mesma), pois cada deus, como plenitude e sentidos absolutos,

irrompe dramaticamente e comunica à vida humana uma plenitude de sentido – benéfica ou terrível, que traz

assombro e a experiência do sublime e do horror‖ (HESÍODO. Teogonia a origem dos deuses. Trad. br. Jaa

Torrano. São Paulo: Roswitha Kempf / Editores, 1986, p. 96.). 422

Cf. VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 181. 423

VICO, Giambattista. Ciência Nova, pp. 182-183.

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Estas sublimes provas teológicas naturais ser-nos-ão confirmadas com as

seguintes espécies de provas lógicas: que, ao reflectir [sic] sobre a origem

das coisas divinas e humanas da gentilidade, atingem-se aqueles outros

primeiros para além dos quais se torna estulta curiosidade procurar outros

primeiros, que é a própria característica dos princípios; explicam-se os

modos particulares do seu nascimento, que se chama <<natureza>>, que

é a nota muito própria da ciência; e, finalmente, confirmam-se com as

eternas propriedades que conservam, as quais não podem ter nascido de

outro modo senão de tais e não de outros nascimentos, em tais tempos,

lugares e de tais modos, ou seja, de tais naturezas, tal como sobre isso

foram propostas acima duas dignidades424

.

Mesmo adotando concepções espinosistas como, por exemplo, aquela sobre a

ordem das ideias, conforme dissemos anteriormente, o autor pretende refutar o viés

fatalista proposto por Espinosa, pois suas concepções tinham fundamentos no pensamento

estóico425

. Uma de suas principais preocupações era com a adoção de doutrinas fatalistas

ou casualistas pelos eruditos, porque nenhum povo ou nação formou-se em circunstâncias

pré-determinadas ou ao acaso. Não esquecendo que Espinosa, herdeiro do cartesianismo,

certamente estava incluído na orientação de pensadores considerados dogmáticos 426

.

Giambattista Vico afirma que os homens primitivos, pela limitada capacidade de

raciocínio, estavam privados do conhecimento, ou conforme suas palavras, do verdadeiro e

da razão427

. Disso resulta que o processo de barbarização dos povos, independe do grau

de conhecimento428

, pois, se na ―barbárie dos sentidos‖ [barbarie dei sensi] os homens

424

Ibidem, p. 185. 425

Vico adotou uma postura de intolerância com as doutrinas estoicista e epicuristas pelo fato de ambas

negarem a Providência. Toda a sua obra tem como principal finalidade a comprovação de que esta governou

o curso do mundo civil das nações. 426

Vejamos as considerações de Antônio José P. Filho: ―Numa primeira leitura, as asserções de Vico sobre

Espinosa parecem apontar para uma oposição radical entre os dois filósofos; afinal Vico jamais aceitaria o

determinismo metafísico, ou de acordo com as suas próprias palavras, a ideia de que o mundo seja Deus

operante por necessidade, como sustenta Espinosa, junto com os estóicos‖ (SN §1222); além disso, Vico é

um autor católico que escreve sob a vigilância da inquisição napolitana e, nesse contexto, jamais poderia

aceitar a crítica espinosana a Bíblia tout court e nem mesmo sua teoria polìtica; segundo o filósofo ―Espinosa

fala da república como de uma sociedade de mercadores‖ (SN §335)‖. (FILHO, Antônio José Pereira.

Método, imaginação, história; a presença de Espinosa em Vico. In: Spinoza: tecer colóquio / Boris Eremiev;

Mariana de Gainza; Luis Placencia compilado por Diego Tatián. - 1ª ed. – Córdoba: Brujas, 2007, p. 345.). 427

Sobre a Filosofia e a Filologia o autor escreve: ―A filosofia contempla a razão, donde provém a ciência do

verdadeiro; a filologia observa a autoridade do arbìtrio humano, donde provém a consciência do certo‖

(VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 110.). 428

Sobre tais reflexões, Mattéi principia sua obra com as seguintes considerações: ―Muitos pensadores

contemporâneos se interrogavam sobre as diversas ressurgências da barbárie que se teria podido acreditar

erradicada com o aparecimento do cristianismo e, mais tarde, com o advento do humanismo‖ (MATTÉI,

Jean-François. A barbárie interior: ensaio sobre o i-mundo moderno.).

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agiam, guiados por violentas emoções, com o desenvolvimento da capacidade reflexiva o

processo de barbárie se estende fazendo que ocorra uma degeneração moral429

. Conforme

ele adverte nos últimos dias do Império Romano:

Mas - corrompendo-se também os Estados populares e, portanto, também

as filosofias (que caindo no cepticissmo [sic], puseram-se os doutos

estultos a caluniar a verdade), e nascendo, assim, uma falsa eloquência,

disposta igualmente para apoiar nas causas ambas as partes opostas –

sucedeu que, usando mal a eloquência (como os tribunos da plebe na

romana) e não se contentando já os cidadãos com as riquezas para

instituir a ordem, quiseram fazer dela poder; [e], como austros furiosos o

mar, agitando guerras civis nas suas repúblicas, conduziram-nas a uma tal

desordem total e, assim, de uma perfeita tirania (que é a pior de todas),

que é a anarquia, ou seja, a desenfreada liberdade dos povos livres 430

.

A razão possui limites e a manutenção dos princípios da civilidade, Providência

divina [provvedenza divina], moderação das paixões [moderazione delle passioni] e

sepultamentos, devem ser piedosamente conservados para evitar as recorrências da

barbárie. A descoberta desses princípios e a comprovação dos mesmos dão-se pelo senso

comum das nações, pois se a maioria foi guiada por tal senso comum, tais princípios

devem ser tomados como regra da vida social [regola della vita socievole], uma vez que,

com eles, concordaram tanto os legisladores quanto os filósofos. Os primeiros sábios, de

conhecimento vulgar, e os segundos em sabedoria douta, devem ser os limites da razão

429

Jean-François Mattéi caracterizou a ―barbárie reflexiva‖ como ―aterrorizante‖ e ―brutal‖ por que não

existe um Limes, uma divisa fronteiriça igual àquela edificada pelo Império Romano para manter os povos

ditos ―bárbaros‖ sob uma distância segura para o Império. Para essa barbárie não existem ―crises‖ que

solucionem seus efeitos. Refugiamo-nos em uma espécie de ―limes ontológico‖, onde a lama da barbárie

emporcalha o patrimônio civil e cultural que conquistamos: ―Pensadores tão diferentes quanto Spengler e

Bernanos, Paul Valéry e Simone Weil, Thornstein Veblen e Ortega y Gasset, Max Scheler e André Siegfried,

mas também os autores ligados à Escola de Frankfurt, Walter Benjamin, Max Horkheimer e Theodor

Adorno, mais próximos de nós ainda Jan Patočka e Cornelius Castoriadis, Michel Henry, Edgar Morin,

Emmanuel Levinas e George Steiner discerniram no mundo moderno, ou na sua fratura pós-moderna, a

escalada de uma nova barbárie. Essa barbárie reflexiva, que gosta de demorar, é ainda mais aterrorizante por

não alcançar, por meio de crises brutais, apenas o Império Romano, protegido atrás do seu limes, e sim o

planeta todo submetido a um furor contínuo e sem limites, uma vez que essa barbárie da cultura – uma

―fantasmagoria‖ generalizada para Benjamin das Passagens parisienses – tira sua inesgotável energia e poder

insondável da razão para sempre em acordo, ou em desacordo, com o universal‖. Conforme escrevera no

prefácio a edição francesa: ―Ela aparecerá igualmente sob diversas formas, de Platão a Plotino, de Vico a

Schiller, de Kant a Nietzsche e Adorno, na história da filosofia que sempre se protegeu, como contra uma

espécie de limes ontológico, contra o lamaçal obscuro da barbárie‖ (MATTÉI, Jean-François. A barbárie

interior: ensaio sobre o i-mundo moderno, pp. 21 e 50-51.). 430

VICO, Giambattista. Ciência Nova, pp. 839-840.

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humana. Distanciar-se de tais princípios significa distanciar-se da humanidade, por isso o

tom grave de advertência: E quem quer que deles se queira apartar, veja se não se aparta

de toda a humanidade431

.

A ―vaidade dos doutos‖, que se apóia sobre a ―vaidade das nações‖, será posta em

questão, para depois ser demolida. Vico, quando da escrita do livro Sobre a antiga

sabedoria dos italianos [De antiquíssima italorum sapientia], de 1710, incorreu também

nesse erro432

, porque a obra tinha como finalidade principal a demonstração, pelo

vocabulário latino, de que os antigos povos do Lácio foram ricos de sabedoria secreta 433

.

A obra despertou tanta polêmica que Vico termina escrevendo apenas o primeiro livro

sobre a metafísica434

. Contudo, serviu para a sua compreensão sobre aquelas duas

―vaidades‖, e não foi em vão sua pesquisa sobre a linguagem, pois na Ciência Nova é

perceptível a relevância do De antiquissima:

Assim, se faz sobre isso esta crítica, em torno do tempo em que nasceram

nas línguas: pois todas as metáforas apresentadas com semelhanças

tomadas dos objectos [sic] para significarem trabalhos de mentes

abstractas [sic] devem ser dos tempos em que se tinham começado a polir

as filosofias. O que se demonstra a partir disto: que, em todas as línguas,

as palavras que são necessárias para as artes cultas e para as ciências

secretas têm origens campesinas 435

.

431

VICO, Giambattista. Ciência Nova, pp. 190-191. 432

Esta concepção foi comprovada com as considerações de Alberto Bordogna: ―Com efeito, descartada

definitivamente a hipótese, que era, ao contrário, adotada no De antiquíssima, de uma humanidade dotada

inicialmente de uma sabedoria secreta que teria perdido no curso dos séculos, Vico sustenta que os primeiros

homens tenham sido mais semelhantes às bestas que aos sábios‖. (tradução nossa). [In effetti, scartata

definitivamente l'ipotesi, che era invece stata adottata nel De antiquissima, di un'umanità dotata inizialmente

di una sapienza riposta che avrebbe poi perso nel corso dei secoli, Vico ritiene che i primi uomini siano stati

più simili alle bestie che ai sapienti]; ( BORDOGNA, Alberto. Gli idoli del foro: Retórica e mito nel pensiero

di Giambattista Vico, p. 68.). 433

De acordo com Vico: ―Ao meditar sobre as origens da lìngua latina, percebi que algumas palavras são tão

doutas a ponto de parecer derivada não do uso vulgar do povo, mas de alguma doutrina secreta‖ (tradução

nossa). [Nel meditare sulle origine della língua latina, ho notato che quelle di alcune parole sono tanto dotte

da sembrare derivate non dall‘uso comune del popolo, ma da qualche dottrina riposta]; (VICO, Giambattista.

L’antichíssima Sapienza degli italici da ricavarsi dalle origini della lingua latina, p. 56.). 434

Sobre esta polêmica envolvendo o De Antiquíssima ver o primeiro capítulo no tópico 1.3 A incipiente

recepção do Diritto Universale e da Scienza Nuova, nessa mesma dissertação. 435

VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 239.

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As línguas, e juntamente com elas a capacidade raciocinante, desenvolveram-se

com base nas figuras de linguagem, metáfora436

, metonímia, sinédoque e ironia, seguindo

essa ordem, e formando a ―lógica poética‖ [logica poetica], livro no qual o autor

desenvolve tais reflexões437

. A primeira, que foi mais necessária e mais frequente, é a

metáfora, que é então tanto mais louvada quanto às coisas insensatas ela dá sentido e

paixão, pela metafísica aqui reflectida [sic] 438

. Em seguida vieram a metonímia e a

sinédoque439

, e a ironia adveio por último, pois deve ter iniciado já em tempos de reflexão,

e tem por característica uma mentira mascarada de veracidade. Conforme Vico:

A ironia certamente não pôde começar senão a partir dos tempos de

reflexão, porque ela é formada a partir do falso em virtude de uma

reflexão que toma máscara de verdade. E aqui surge um grande princípio

de coisas humanas, que confirma as origens da poesia aqui descoberta:

que os primeiros homens da gentilidade, tendo sido simplicíssimos

quanto as crianças, que são verdadeiras por natureza, as primeiras fábulas

não puderam fingir nada de falso; pelo que devem ter sido

necessariamente, como acima nos foram definidas, verdadeiras

narrações440

.

A citação acima deixa entrever por quais razões o autor argumenta ser a ―barbárie

retornada‖ e a ―barbárie da reflexão‖ 441

, mais danosas à humanidade que a ―barbárie dos

436

Sobre a metáfora, ver também as considerações de Berlin: ―Porém, para Vico, a metáfora e outros

similares formam uma categoria fundamental, através da qual, em um estágio determinado de

desenvolvimento, os homens não podem deixar de ver a realidade que é, para eles, a própria realidade e não

um embelezamento nem um repositório de sabedoria oculta, como também não é a criação de um mundo

paralelo ao mundo real, nem um acrescentamento ou distorção da realidade, inofensivo ou perigoso,

deliberado ou involuntário, mas, na época de sua aparição ou crescimento, a única maneira natural,

inevitavelmente transitória, de perceber, de interpretar e explicar o que é acessível aos homens daquela época

e lugar especìficos, em um estágio determinado de sua cultura‖ (BERLIN, Isaiah. Vico e Herder, p. 101.). 437

Cf. VICO, Giambattista. Ciência Nova, Livro Segundo Da Sabedoria Poética, Secção Segunda Da Lógica

poética, capítulo segundo Corolários acerca dos tropos, monstros e transformações poéticas, pp. 239-245. 438

Ibidem, p. 239. 439

Vico escreve: ―Por essa mesma lógica, gerada de tal metafìsica, devem os primeiros poetas ter dado os

nomes as coisas a partir das ideias mais particulares e sensíveis; que são as duas fontes, esta da metonímia e

aquela da sinédoque‖ (Ibidem, p. 241.). 440

Ibidem, p. 243. 441

A ―barbárie da reflexão‖ é expressão da contradição na modernidade entre civilidade e racionalidade. Esta

é uma das hipóteses que adotamos para esta pesquisa em razão das incoerências entre o avanço da cultura e

do conhecimento e a falta de significação de tais conquistas para o homem atual. Barbárie da reflexão,

expressão viquiana que adotará Mattéi, por ser mais conveniente às manifestações de autodestruição na

contemporaneidade (MATTÉI, Jean-François. A barbárie interior, p. 62.).

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sentidos‖ 442

, pois o poder intelectivo do homem será utilizado para seu próprio

aniquilamento443

.

(...) por tudo isto, com obstinadíssimas facções e desesperadas guerras civis,

passam a fazer das cidades selvas e das selvas covis de homens; e, desse modo,

ao longo de vários séculos de barbárie, vão se enferrujar as grosseiras subtilezas

dos engenhos maliciosos, que tinham feito deles feras mais imanes com a

barbárie de reflexão do que tinham sido com a primeira barbárie dos sentidos.

Porque esta descobria uma ferocidade generosa, da qual outros se podiam

defender, ou salvar-se ou evitar; mas aquela, com uma ferocidade vil, com as

lisonjas e os abraços arma ciladas à vida e às fortunas dos seus confidentes e

amigos444

.

Vico comprova a teoria de que as ideias nasceram, a princípio, grosseiras e também

bastante influenciadas pelos sentidos. Tal afirmação, no seu entender, são oriundas da

história da própria Filosofia, de onde se extrai a ―historia das ideias humanas‖ [storia

d'umane idee]. Ele constatou que a primeira forma de Filosofia foi a αύτοψία (autopsía)

445, que ele define como ―a evidência dos sentidos‖ [l'evidenza de' sensi]. Tratava-se do

modo de filosofar de Epicuro que se contentava em conhecer as coisas pelas suas

características evidentes ao corpo, ou seja, aos sentidos446

. As questões relacionadas à

moral surgem com os filósofos morais vulgares que, como primeiro caractere, temos a

figura de Esopo, pois buscava, mediante o seu fabulário, conclamar ou despertar uma

conduta conveniente à moral prevalente naqueles que as ouviam. Em tempos de mais

aguda reflexão surge Sócrates com a dialética indutiva447

.

442

Conforme Mattéi: ―Vico sistematizará historicamente a oposição entre as duas barbáries distinguindo a

‗barbárie da reflexão‘ da ‗barbárie primitiva‘, como mais tarde Nietzsche, dando uma dimensão ontológica a

essas categorias, distinguirá a violência do ‗niilismo ativo‘ da lassidão do ‗niilismo passivo‘‖ (MATTÉI,

Jean-François. A barbárie interior, p. 114.). 443

Assim discorre Mattéi: ―Diferentemente da barbárie primitiva, a que Vico chamava ‗barbárie dos

sentidos‘, a barbárie da reflexão não se aliena imediatamente por meio da exterioridade da destruição; ela

sabe levar tempo e amadurecer seu gosto secreto pelo nada‖ (Ibidem, 63.). 444

VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 842. 445

São relevantes essas passagens porque nos despertam para as influências de tais ideias sobre a mente do

autor, quando reflete sobre uma ―arte diagnóstica‖: estudo que iniciamos aqui no segundo Capìtulo 2.1

Scientia e prudentia: o descaso com as ciências morais. 446

Veja as considerações de Torrano na introdução à Teogonia: ―A compreensão que o homem tem de sua

própria essência e condição, de seu próprio corpo e das funções de seus órgãos corporais, - também não tem

nada de inerente a uma natureza humana, mas é dada culturalmente, - tal como a ideia que o homem possa

fazer de seu(s) deus(es). Assim, muitas das atribuições que por nós são entendidas como meramente

humanas, os contemporâneos de Hesíodo as entendiam como privilégios da Divindade, inacessível aos

mortais; - e o que na moderna perspectiva cristã se cinge exclusivamente ao Divino, os gregos arcaicos em sã

consciência compartilhavam com os seus deuses‖ (Cf. HESÍODO. Teogonia, p. 59.). 447

Cf. VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 254.

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Vico busca apresentar as discrepâncias entre o selvagem, o bárbaro e o civilizado.

Nem todas as ações do selvagem são ações bárbaras, tampouco a ação do bárbaro

compreende apenas selvageria. A astúcia é característica bárbara das mentes

intelectualizadas, e de corpos débeis, porque a astúcia é propriedade que se segue à

debilidade 448

. Muitas vezes o autor parece não distinguir449

o homem selvagem, incapaz

de refletir, do homem que se utiliza da reflexão de modo funesto, por conseguinte,

bárbaro450

. O verdadeiro civilizado é aquele capaz de utilizar o patrimônio cultural

edificado pelo homem, mesmo quem não os possua por natureza, como ocorre na posse da

poesia451

, mas pode adquirir outro patrimônio pela indústria ou artes. As artes poéticas,

bem como as artes críticas, são instrumentos de refreamento da barbárie. Conforme

esclarece – as artes poéticas e as artes críticas servem para tornar os engenhos cultos, não

grandes. Porque a delicadeza é uma virtude diminuta e a grandeza despreza naturalmente

as coisas pequenas 452

.

Ao final do livro, Vico demonstra a verdade da sua doutrina ao contestar as

imposturas das outras ideias prevalentes. Refutam-se as vontades do corpo, porque é a

mente que o comanda e que sempre comandou o mundo civil. Ele refuta também o destino,

porque as ações tomadas, o foram por própria escolha, e o acaso pela constância com que

fizeram as causas civis e chegando assim aos mesmos efeitos453

.

4.4 Providência e barbárie na história

Também a Providência assume um papel na condução do homem que, não obstante

o progresso da civilização com conquistas materiais e intelectuais, encontrar-se-ia vez por

outra próximo à barbárie. Daí a necessidade de entendermos por que, no segundo parágrafo

do livro (explicação da figura que introduz a obra), Vico afirma ser a sua Scienza Nuova

448

Ibidem, p. 581. 449

Ver aqui as considerações de Bordogna: ―Que no pensamento viquiano existem dificuldades e

ambiguidades é inegável, mas, como adverte Fubini, deve-se estar atento a não confundir os problemas que

Vico pôs a si mesmo e aqueles que ele põe a nós; (...)‖. (tradução nossa). [Che nel pensiero vichiano esistano

difificoltà ed ambiguità è innegabile, ma come avverte Fubini, si deve stare attenti a non confodere i

problemi che Vico pose a se stesso e quelli che egli pone a noi; (...)]; (BORDOGNA, Alberto. Gli idoli del

foro: Retórica e mito nel pensiero di Giambattista Vico, p. 48.). 450

Ibidem, p. 621: ―Porque os bárbaros carecem de reflexão, a qual, mal usada, é mãe da mentira, (...)‖. 451

Ibidem, p. 134. 452

VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 625 453

Segundo Vico: ―Quem fez tudo isto foi a mente, porque o fizeram os homens com inteligência; não foi

destino, porque o fizeram por escolha; não acaso, porque com perenidade, fazendo sempre assim, produzem

as mesmas coisas‖. (Ibidem, p. 844.).

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―uma teologia civil reflectida [sic] da Providência divina‖ 454

[una teologia civile

ragionata della provvedenza divina] 455

. A novidade apresentada pela Scienza nuova foi a

de que, até então, a Filosofia teria se ocupado do mundo natural, ordem pela qual até

agora o têm contemplado os filósofos 456

. Já a proposta considera, acima de tudo, que a

metafísica da mente do homem é conduzida pela Providência Divina [provvedenza divina],

não obstante tais mentes embrutecidas estarem preocupadas tão-somente com suas próprias

coisas particulares457

. Nesse contexto a mente dos primeiros homens imaginou algo de

divino que foi o ponto de partida para o processo civilizatório. Vico argumenta:

(...) porque ela, nesta obra, elevando-se mais alto, contempla em Deus o

mundo das mentes humanas, que é o mundo metafísico, para demonstrar

a sua Providência sobre o mundo das almas humanas, que é o mundo

civil, ou seja, o mundo das nações (...) 458

.

Somente por contemplar a Providência apenas no âmbito da natureza, algo muito

despercebido aos filósofos, mas agora a metafísica, ocupando-se das coisas pertinentes ao

mundo civil, ou social, será muito proveitosa à humanidade. Daí se descobrir que o homem

não é fraco por natureza, mas de natureza fraca. Por isso, Vico demonstra

454

Nesse sentido, ver aqui as inferências de Bordogna: ―Na verdade, Vico já havia declarado na <Explicação

da pintura> posta no início do livro, que um de seus intentos principais era aquele de demonstrar a existência

da Providência divina no interior da história humana, desde o momento que os filósofos estiveram até agora

limitados a considerar a Providência apenas em relação à natureza: sem esta ideia da Providêncialidade da

história os acontecimentos humanos seriam reduzidos a um destino cego, ao acaso, fado e arbítrio, como, de

fato, admitem os estóicos e os epicuristas antigos e modernos‖ (tradução nossa). [Infatti Vico aveva già

precisato, nella <<Spiegazione della dipintura>> posta all'inizio del libro, che uno dei suoi intenti principali

era quello di dimostrare l'esistenza della provvidenza divina all'interno della storia umana, dal momento che

i filosofi si erano fino a quel momento limitati a considerare la provvidenza soltanto in relazione alla natura:

senza questa idea della provvidenzialità della storia gli avvenimenti umani si ridurrebbero a destino cieco,

caso, fato ed arbitrio, come difatti ammettono gli stoici e gli epicurei antichi e moderni.]; (BORDOGNA,

Alberto. Gli idoli del foro: Retórica e mito nel pensiero di Giambattista Vico, p. 59.). 455

Cf. VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 4. 456

Ibidem, p. 4. 457

De acordo com Vico: ―Esta dignidade prova existir Providência divina e que ela é uma mente divina

legisladora, que, das paixões dos homens – todos apegados aos seus proveitos privados, pelos quais viveriam

como animais selvagens metidos nas suas solidões -, fez as ordens civis, pelas quais vivam numa sociedade

humana‖ (VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 109.). 458

Ibidem, pp. 4-5.

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(...) que o homem não é absolutamente injusto por natureza, mas por

natureza caída e fraca. E, consequentemente, demonstra o primeiro

princípio da religião cristã, que é Adão inteiro, tal como deve ter sido

criado na ideia perfeita de Deus. E assim demonstra os princípios

católicos da graça: que ele opere no homem que tenha a privação,

negação, das boas obras, e tenha assim uma potência ineficaz e, por isso,

seja eficaz a graça; que, por isso, não pode existir sem o princípio do livre

arbítrio, que é naturalmente ajudado por Deus com a sua Providência

(como acima se disse, no segundo corolário da mesma oitava dignidade),

acerca da qual concorda a cristã com todas as outras religiões. Princípio

sobre o qual Grócio, Selden e Pufendorf deviam antes de mais nada,

fundar os seus sistemas e concordar com os jurisconsultos romanos, que

definem ter sido o direito natural das gentes ordenado pela divina

Providência459

.

Isso explica o pecado original ter seus efeitos atenuados, uma vez que, mesmo em

atitudes irracionais, terão os efeitos convertidos em algo de positivo. Aqueles que

provaram da barbárie animal ―sentiram‖, como lhes era próprio, os males da vida ferina

conscientizando-os mesmo a contragosto460

, de que são seres naturalmente sociáveis:

À qual provendo Deus, ordenou e dispôs de tal modo as coisas humanas,

que os homens, caídos da inteira justiça pelo pecado original, entendendo

fazer quase sempre todo o diverso e até, frequentemente, todo o contrário

– pelo que, para servir a utilidade, viveram em solidão como animais

selvagens -, por aquelas mesmas suas vias diversas e contrárias, pela

própria utilidade foram eles levados como homens a viver com justiça e

conservar-se em sociedade e, assim, a celebrar a sua natureza sociável; a

qual, na obra, se demonstrará ser a verdadeira natureza civil do homem

(...) 461

.

A metafísica da mente humana deve ser limpa, no sentido de que não deve nem

enveredar pelas vias da presunção nem pelas doutrinas que visam a satisfação do corpo.

Em verdade, Vico postula aqui suas crìticas à ―vaidade dos doutos‖ e das ―nações‖, bem

459

Ibidem, p. 164. 460

Na Sinopsi del Diritto Universale, o autor escreve: ―Por tudo isso estabelece que o prazer natural do

homem íntegro em contemplar a verdade eterna, transformou-se no homem corrompido em uma força que

nos dá, com as dores dos sentidos, a verdade‖ (VICO, Giambattista. Sinopse do Direito Universal [1720].

Trad. bras. Humberto Guido. Revista Educação e filosofia. Uberlândia Vol. 23, nº. 45. 2009, p. 312.). 461

VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 4.

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como às filosofias de Zenão e Epicuro, porque tais pensamentos levam o homem à

―soberba de espìrito‖ [superbia di spirito] que tem como principal perigo a negação da

Providência462

. É sabido que, em oposição às vaidades tanto àquela das nações, quanto à

dos doutos, Vico propõe a orientação dos ―filósofos polìticos‖ [filosofi politici], que

tiveram como primeiro fundador Platão463

. Conforme Vico escreve:

Esta dignidade afasta da escola desta Ciência os estóicos, que pretendem

enfraquecimento dos sentidos, e os epicuristas, que disso fazem regra,

ambos negando a Providência, aqueles deixando-se arrastar pelo destino,

estes abadonando-se ao acaso, e os segundos opinando que as almas

humanas morrem com os corpos, pelo que ambos se deveriam chamar

<<filósofos monásticos, ou solitários>>. E admite nela os filósofos

políticos e, principalmente, os platónicos [sic], que concordam com todos

os legisladores nestes três pontos principais: que exista Providência

divina, que se devam moderar as paixões humanas e torná-las virtudes

humanas, e que as almas humanas sejam imortais. E, por consequência,

esta dignidade dar-nos-á os três princípios desta Ciência 464

.

O conhecimento ou cognição de Deus [cognizione di Dio], o que prova sua

existência, não é possível de ser encontrado na própria cognição dele, mas onde ela é mais

perceptível, ou seja, nas coisas do mundo civil que são ―as coisas morais públicas‖ [cose

morali pubbliche] ou ―costumes civis‖ [costumi civili], dos quais provieram o mundo civil.

Daí Vico explicitar:

(...) que a cognição de Deus não termina nela mesma, de modo que ela se

ilumine particularmente com os inteligíveis e, portanto, regule apenas as

suas coisas morais, tal como até agora fizeram os filósofos; o que teria

significado com uma jóia plana. Mas ela é convexa, onde o raio se

refracta [sic] e irradia para fora, para que a metafísica conheça Deus

providente nas coisas morais públicas, ou seja, nos costumes civis, com

os quais vieram ao mundo e se conservam as nações 465

.

462

Segundo Vico explicita: ―O raio da Providência, que ilumina uma jóia convexa de que se adorna o peito

da metafísica, denota o coração terso e puro que aqui a metafísica deve ter, nem sujo nem conspurcado pela

soberba de espírito ou vileza dos prazeres corporais; com a primeira das quais Zenão indicou o fado, com o

segundo Epicuro indicou ao acaso, e ambos assim negaram a Providência divina‖ (VICO, Giambattista.

Ciência Nova, p. 7.). 463

Sobre esses temas, ver o primeiro capítulo da presente dissertação. 464

VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 108. 465

VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 7.

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O fato de o raio refletir sobre a estátua de Homero se dá em razão deste poeta ser

um dos caracteres dos primeiros homens que fundaram as coisas do mundo civil, e estes

homens foram poetas por natureza466

, porque criaram as coisas pertencentes ao mundo

civil tomando como base o mundo natural. Vico denomina a sabedoria desses pais da

humanidade de ―sabedoria poética‖ [sapienza poetica], porque a metafísica grosseira da

mente desses homens foi o substrato que deu início à cognição das ideias humanas e só

tardiamente surgiu a metafísica dos filósofos 467

.

Os meios, muitas vezes contrários, com os quais a Providência conduziu o homem,

que parecia se encontrar largado aos seus próprios impulsos animais fez que o autor

refletisse sobre o que denominara ―purgação divina‖ [purgazione divina], a qual se

efetivava mediante o estabelecimento dos duelos. Conforme Vico, seria um ―sentido

bárbaro natural‖ que comprova que o ser humano possuiria um ―conceito inato‖ [concetto

innato] de Providência que fazia que aqueles homens se conformassem a uma sorte

contrária 468

. Também porque, sendo simplíssimos no raciocínio, não podiam compreender

os universais, modo como são formadas as leis atuais. Vico argumenta:

E isto por conselho da Providência divina, a fim de que os homens

gentios, não sendo capazes de universais, como devem ser as boas leis,

fossem levados, por essa particularidade das suas palavras, a observar as

leis universalmente; e, em alguns casos, se por equidade resultava serem

as leis não só duras mas também cruéis, naturalmente as suportavam,

porque consideravam ser esse naturalmente o seu direito469

.

A ação da Providência foi marcante, mesmo nos estados em que a barbárie foi mais

danosa, provando que, ao contrário do que conjecturava Samuel Pufendorf, não ser o

466

Sobre a poieticidade, ver aqui as considerações de Berlin: ―Vico vai mais longe. Ele não supõe apenas

que os poetas criam mundos artificiais, mas também que todos os homens, durante o primeiro estágio

‗poético‘ de uma cultura, somente podem conceber o mundo real ‗dessa maneira‘, que a imaginação criativa,

desempenha um papel dominante na consciência normal desse estágio de desenvolvimento, de forma que a

canção é o modo natural de expressão à palavra, da mesma maneira que a poesia vem antes da prosa, e os

sìmbolos escritos antes dos falados‖ (BERLIN, Isaiah. Vico e Herder, p. 100.). 467

De acordo com Vico: ―O mesmo raio irradia do peito da metafísica para a estátua de Homero, primeiro

autor da gentilidade que chegou até nós porque, por virtude da metafísica (a qual se construiu, desde início,

sobre uma história das ideias humanas, desde que começaram tais homens a pensar humanamente)‖ (VICO,

Giambattista. Ciência Nova, p. 7.). 468

Cf. VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 31. 469

VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 41.

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homem deixado no mundo sem qualquer auxílio da Providência 470

: conforme Vico já

afirmava na Scienza nuova prima 471

. Na ―barbárie dos sentidos‖, a Providência guiou os

homens na instituição de religiões particulares, mesmo sendo elas falsas, para que

fundassem as famílias de onde se originam as cidades, as repúblicas com as legislações e

por fim surgiriam as nações 472

.

Entre as formas de governos que surgiram, o regime aristocrático foi o primeiro e

ocorreu apenas uma vez na História a fim de que os estados pudessem se estabelecer. Em

seguida, vieram os ―governos humanos‖, que foram a princìpio democráticos e

posteriormente monárquicos, estes se permutam desde então, porque os homens finalmente

se reconheceram como iguais em raciocínio 473

. Vico adverte que a Providência humana,

embora se esforce para criar outras formas de governos, esses governos não têm

durabilidade, não obstante serem dignos de louvor. Aqueles que a Providência divina

instituiu, à exceção do regime aristocrático, são, entretanto, constantes, conforme o autor

recolheu das reflexões de Tácito474

.

Foi também a Providência divina quem cessou as hostilidades entre os primeiros

povos, pois nas guerras constantes que a ―barbárie primitiva‖ leva o nascente gênero

humano, ela buscou mantê-los recolhidos às suas terras para que passado algum tempo, e

amansados os costumes bestiais, os homens, já civilizados, criassem a figura do arauto e

com ele as cerimônias que declaravam as guerras ou as encerravam com os tratados de

paz475

. A Providência foi sábia conselheira dos negócios humanos, porque não desamparou

eles, mesmo quando no ápice da ―barbárie dos sentidos‖ os homens esqueceram as letras:

não obstante serem desnecessárias para o surgimento das legislaturas, pois as leis têm seus

fundamentos nos costumes476

. Só algum tempo depois se criou os caracteres vulgares com

470

Segundo Vico: ―E, finalmente, Pufendorf começa com uma hipótese epicurista, que coloca o homem

lançado neste mundo sem nenhuma ajuda e cuidado de Deus. Tendo sido censurado por isso, (...) sem o

primeiro princípio da Providência não pode, de facto [sic], abrir a boca e reflectir [sic] sobre direito, como

ouvimos ser dito por Cícero a Atico, que era epicurista, quando lhe reflectiu [sic] sobre as leis‖ (VICO,

Giambattista. Ciência Nova, p. 231.). 471

VICO, Giambattista. Princìpi di una Scienza nuova [1725], in: Opere, p. 988. 472

Vico escreve: ―tal como a Providência divina ordenou as coisas humanas com este eterno conselho: que

primeiro se fundassem as famílias com as religiões, sobre as quais, depois, haveriam de surgir as repúblicas

com as leis‖ (VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 17.). 473

Cf. VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 32. 474

Cf. VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 33. 475

Cf. VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 34. 476

Vico escreve: ―Como se, finalmente, a Providência não tivesse acorrido a esta necessidade humana: que,

pela falta das letras, todas as nações na sua barbárie se fundassem primeiro com os costumes e, uma vez

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os quais puderam registrar as leis. O autor se opõe, com efeito, às ideias de alguns doutos

que acreditavam poderem as leis só ser formuladas quando da invenção da escrita, segundo

o mito de Toth ou Hermes Trimegisto, que, conforme o testemunho de Cícero, contava-se

que criou as letras e as leis para os egípcios 477

.

Mesmo os hebreus que, embora não governados pela Providência, como afirma

Vico, mas pelo próprio Deus, conforme assegura na Dignidade CV 478

, foram poupados por

ela do contato com os gentios para que não fosse profanada a sua religião verdadeira pela

falsa religião pagã. Daí Vico sustentar serem falsas as afirmações que fizeram alguns

autores da tradição, pois afirmavam entre várias coisas que Pitágoras (570-497 a.C.)

tivesse sido discípulo de Isaías e que o historiador Teopompo (nascido por volta de 380

a.C.), e o retórico Teodectes (séc. IV a.C.) teriam sido punidos com males físicos, porque

tentaram expor o judaísmo às outras nações antigas 479

.

Quanto à ajuda que a Providência deu à humanidade gentílica, Vico advertira o fato

de que os primeiros legisladores, sabiamente, não criaram suas leis com o fito do que o ser

humano pode ser, ou seja, o homem ideal480

, mas, pelo contrário, considera o homem como

ele é de fato481

. O homem, não fraco por natureza, mas de natureza fraca, explica por que a

Providência fez uso de tais fraquezas e dos defeitos humanos482

. Por isso Vico argumentou

civilizadas, depois se governassem com as leis! Tal como na barbárie regressada, os primeiros direitos das

novas nações da Europa nasceram com os costumes, dos quais os mais antigos são os feudais (...)‖ (VICO,

Giambattista. Ciência Nova, pp. 68-69.). 477

Cf. VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 67. 478

Segundo Vico: ―Porque as gentes tiveram apenas as ajudas ordinárias da Providência; os Hebreus tiveram

ainda ajudas extraordinárias do verdadeiro Deus, pelo que todo o mundo das nações era por eles dividido

entre Hebreus e gentes‖ (VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 165.). 479

Cf. VICO, Giambattista. Ciência Nova pp. 84-85. 480

Para Vico: ―A filosofia considera o homem tal como deve ser e, assim, não pode valer senão a

pouquíssimos, que desejam viver na república de Platão, e não cair na escória de Rômulo‖ (VICO,

Giambattista. Ciência Nova, p. 108.). 481

Este foi um dos motivos que o autor explica ter adotado o historiador Cornélio Tácito e, desse modo

minimizar o excesso de idealismo platônico: ―Até [então] Vico admirava dois apenas sobre todos os outros

doutos, que foram Platão e Tácito; porque com uma mente metafísica incomparável, Tácito contempla o

homem como [ele] é, Platão como deve ser. E como Platão com aquela ciência universal se difunde em

todas as partes da honestidade que compõe o homem sábio, assim Tácito desce a todos os conselhos da

utilidade, porque entre os infinitos e irregulares eventos da malícia e da fortuna se conduza bem o homem de

sabedoria prática‖ (tradução nossa) (VICO, Giambattista. Vita Scritta da se medesimo, pp. 29-30.). 482

De acordo com Vico: ―(...) para que o acaso ou o destino não reinassem ali, a Providência ordenou que o

censo fosse a regra das honras; e, assim, os industriosos e não os preguiçosos, os parcos e não os pródigos,

os próvidos e não os ociosos, os magnânimos e não os avarentos de coração e, numa palavra, os ricos com

alguma virtude ou com alguma imagem de virtude e não os pobres com muitos e desavergonhados vícios,

seriam considerados óptimos [sic] para o governo. De república assim referidas – os povos inteiros, que

aspiram em comum à justiça, ordenam leis justas, porque universalmente boas (...) surgiu a filosofia (...). E

das filosofias permitiu que surgissem a eloquência, que a partir da mesma forma dessas repúblicas

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que as sabedorias da humanidade, a saber, poesia483

, filosofia484

, retórica485

, são capazes de

conduzir de modo eficaz o homem, segundo apresenta a Dignidade V, à filosofia, para

aproveitar ao gênero [sic] humano, deve levantar e reger o homem caído e débil, não

destruir-lhe a natureza nem abandoná-lo na sua corrupção 486

.

Uma das razões fundamentais da Providência conduzir a mente dos homens

primitivos que, não obstante a quase incapacidade de raciocínio, elaboraram leis que, a

princípio, eram penas particulares a determinados indivíduos e só posteriormente foram

universalizadas487

. As leis levam em consideração o homem com tendência à vileza, e

também de haver nesse homem um livre arbítrio um tanto quanto precário, mas capaz de

transformar vícios em virtudes488

. Vícios como a ferocidade [ferocia], a avareza [avarizia],

e a ambição [ambizione] são expoentes de corrupção que apodrecem as virtudes humanas,

porém podem ser convertidos em vantagens para a vida em sociedade. Nesse sentido, Vico

sustenta:

A legislação considera o homem tal como é, para fazer bons usos dele para a

sociedade humana: como da ferocidade, da avareza, da ambição, que são os três

vícios que põe à deriva todo o género [sic] humano, fazem as actividades [sic]

militar, mercantil e de corte, a força, a opulência e a sabedoria das repúblicas; e

destes três grandes vícios, que destruiriam certamente a geração humana sobre

a terra, deles faz a felicidade civil489

.

A Providência criou na mente daqueles homens bestiagas, da primeira barbárie, o

pavor de uma Divindade490

, a despeito de serem falsos os deuses em que vieram a

populares, donde se ordenam boas leis, fosse apaixonada pelo justo‖ (VICO, Giambattista. Ciência Nova,

pp. 838- 839.). 483

Conforme Vico: ―Foram os poetas teólogos que instituìram e proclamaram as coisas civis‖ (VICO,

Giambattista. Ciência Nova, p. 600.). 484

Para Vico: ―Foram os filósofos que refletiram sobre as coisas morais do mundo civil‖ (VICO,

Giambattista. Ciência Nova, p. 7.). 485

Novamente pra Vico: ―Foram os retóricos que com a eloquência conclamaram o vulgo as condutas

corretas no mundo civil‖ (VICO, Giambattista. Ciência Nova, pp. 838-839.). 486

VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 108. 487

Cf. VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 41. 488

Vico escreve: ―Esta dignidade, conjuntamente com a sétima e o seu corolário, prova que o homem possui

livre arbítrio, ainda que débil, para fazer das paixões virtudes; mas que é naturalmente ajudado por Deus

através da Divina Providência e, sobrenaturalmente, pela graça divina‖ (VICO, Giambattista. Ciência Nova,

pp. 109-110.). 489

VICO, Giambattista. Ciência Nova, pp. 108-109. 490

Segundo Vico escreve: ―(...) então, em certas ocasiões ordenadas pela Providência divina (que por esta

Ciência se meditam e se descobrem), abaladas e despertas por um terrível pavor de uma divindade do Céu e

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acreditar491

. Tal crença incutiu-lhes o senso do divino, do sobre-humano, em suma de uma

Providência, algo que em último desespero lhes salvaguardasse dos males492

. Aqueles

homens mais ferozes, quando estabelecidos, puseram a humanizar-se493

. Vico escreve:

(...) no estado fora-da-lei, a Providência divina deu origem a que os ferozes e

violentos se encaminhassem para a humanidade e que se ordenassem as nações,

ao despertar neles uma ideia confusa da divindade, que eles devido à sua

ignorância, atribuíram a quem não convinha; e assim, com o pavor desse divino

imaginado, começaram a submeter-se a uma certa ordem 494

.

Giambattista Vico procurou demonstrar, em diversas passagens da Ciência Nova, a

verdade sobre a Providência divina e de que a mesma regula as coisas civis495

. Tal ciência

seria uma demonstração,

(...) de um facto [sic] histórico da Providência, porque deve ser uma

história das ordens que aquela, sem nenhuma advertência ou conselho

humanos, e frequentemente, contra esses propósitos dos homens, deu esta

grande cidade do género [sic] humano, pois se bem que este mundo tenha

sido criado particular e no tempo, porém, as ordens que ela nele pôs são

universais e eternas 496

.

de Júpiter por elas próprias inventada e crida, finalmente, uns tantos detiveram-se e esconderam-se em certos

lugares (...)‖ (VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 14.). 491

Ver aqui as reflexões de Rossi: ―Revelando a origem da poesia, nascida não de um projeto intencional,

mas de necessidade natural, alcança-se uma prova a favor da Providência. Mesmo as falsas religiões serviram

para insinuar nos homens a divina onipotência, para fazer nascer neles o temor a Deus e para fazê-los viver

em sociedade‖ (ROSSI, Paolo. Os sinais do tempo. História da terra e das nações de Hooke a Vico. [1979].

Trad. br. Julia Mainardi, São Paulo. Companhia das letras, 1992, p. 216). 492

De acordo com Vico: ―Por tudo isto, devemos começar de uma qualquer cognição de Deus, de que os

homens não estejam privados, mesmo que selvagens, ferozes e imanes. Demonstramos ser tal cognição: que

o homem, caído no desespero de todos os socorros da natureza, deseja uma coisa superior que o salve. Mas

coisa superior à natureza é Deus, e esta é a luz que Deus espalhou sobre todos os homens‖ (VICO,

Giambattista. Ciência Nova, p. 180.). Ver também a página 223. 493

Segundo Vico: ―Assim os pais de famìlia aprontaram a subsistência às suas famìlias heróicas com a

religião, para que com a religião elas se devessem conservar. Donde foi perpétuo costume dos nobres o serem

religiosos, como observa Giulio [Cesare] Scaligero, na Poética: de modo que deve ser um grande signo de

que uma nação esteja a acabar, quando os nobres desprezam sua religião nativa‖ (VICO, Giambattista.

Ciência Nova, p. 379.). 494

VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 123. 495

Daì Vico afirmar: ―Esta conduz as coisas humanas de modo a que, desde a teologia poética que as

regulava por certos signos sensíveis, julgados avisos divinos enviados aos homens pelos deuses, por meio da

teologia natural, que demonstra a Providência por eternas razões que não caem no domínio dos sentidos, as

nações se dispusessem a receber a teologia revelada por força de uma fé sobrenatural, superior não só aos

sentidos, mas a essas razões humanas‖ (Ibidem, p. 202.). 496

VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 183.

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O senso comum do gênero humano497

, expressão utilizada por Vico, era o

testemunho desse fato498

. Era inegável, com efeito, que todas as nações se fundaram sobre

a opinião de que uma divindade providente as governava: tema do quinto capítulo da

Secção Quinta - Política Poética do Segundo Livro Da Sabedoria poética que recebeu um

longo título: Corolário: Que a divina Providência é a ordenadora das repúblicas e, ao

mesmo tempo, do direito natural das gentes [Corollario: Che la divina provvedenza è

l'ordinatrice delle repubbliche e nello stesso tempo del diritto natural delle genti]. As

doutrinas que se apoiavam em teorias que negavam a Providência, como aquela dos

espinosistas, não podiam ser fundamentos de estados e nações499

. Os povos iniciam a

civilidade com as leis fundamentadas nos costumes principais500

, e as cerimônias

matrimoniais entre as primeiras, porque limita ou inibe as uniões nefárias que distingue o

homem da fera. Para Vico:

A opinião, depois, de que os concubinatos, incontestáveis de facto [sic], de

homens livres com mulheres livres, sem solenidade de matrimônios [sic], não

contém nenhuma malícia natural, é censurada por todas as nações do mundo

como falsa através desses costumes humanos (...) e por eles definem (...) tal é

pecado de animais. Pelo que, no que respeita a esses pais, não os mantendo

unidos necessariamente qualquer vínculo de leis, acabam por disperder os seus

filhos naturais (...). Pelo que, no que a esses diz respeito, deste mundo de

nações, enriquecido e adornado por tantas belas artes da humanidade, vão

formar a grande selva antiquíssima, por entre a qual vagueavam com nefando

errar ferino as feras selvagens de Orfeu, entre as quais os filhos com as mães, os

pais com as filhas, tinham práticas venéreas bestiais 501

.

Vico diz ter adotado o método geométrico em seu escrito, pois escreveu: esta

ciência procede como a geometria502

. Apresentou, porém, algumas considerações sobre tal

497

De acordo com Vico: ―E o critério de que se serve, segundo uma dignidade acima exposta, é aquele,

ensinado pela Providência divina, comum a todas as nações; que é o senso comum desse gênero [sic]

humano, determinado pela necessária conveniência das mesmas coisas humanas, que constitui toda a beleza

deste mundo civil‖ (VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 186.). 498

Vico escreve: ―Porque todas as nações crêem numa divindade providente, pelo que se puderam encontrar

quatro, e não mais, religiões primárias ao longo de todo o decurso dos tempos e por toda a vastidão deste

mundo civil: uma dos Hebreus e, portanto, outra dos Cristãos, que acreditaram na divindade de uma mente

infinita e livre; a terceira dos gentios, que acreditavam na de vários deuses imaginados compostos de corpo e

de mente livre (...) a quarta e última, dos maometanos, que acreditam na de um deus de mente infinita e livre

num corpo infinito, pelo que esperam prazeres dos sentidos como prémio [sic] na outra vida‖ (Ibidem, p.

174.). 499

Cf. VICO, Giambattista. Ciência Nova, pp. 174-175. 500

Religião, matrimônios e sepultamentos. 501

VICO, Giambattista. Ciência Nova, pp. 175-176. 502

Cf. VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 187.

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método de exposição de ideias por considerá-lo ineficiente503

, quando se está diante da

escolha humana, e da qual a tradição (poetas, historiadores, oradores, retóricos, filósofos,

gramáticos) é um testemunho irrefutável. Giambattista Vico expõe os limites da Geometria

ou Matemática, bem como da influência de Descartes, de modo enérgico na edição da

Scienza Nuova de 1730. Segundo Vico:

Descartes havia feito na filosofia, aquilo que Lutero tinha feito na religião: ele

foi militar, a geometria era a ciência que havia educado o seu gênio; lendo os

filósofos, ficou profundamente desgostoso da confusão das escolas, da servidão

dos escolásticos, das disputas intermináveis, daquelas obscuridades

aristotélicas, daqueles sistemas mesquinhos fundamentados em sofismas da

dialética, e metade com base na autoridade dos antigos: ele chocou com esse

velho edifício com o impulso de um militar, com a potência de um geômetra.

Evidência, banimento da autoridade, demonstração clara, geométrica em cada

coisa, eis o grito que elevou Descartes em meio às ambiguidades, às

obscuridades, à servidão dos escolásticos; as autoridades se destroem, os

sistemas se extraviam quando se deseja explicar o universo como uma verdade

matemática; é então necessário fechar os livros, abandonar os sofismas, entrar

outra vez no pensamento para criar novamente a ciência. Esta foi a persuasão de

Descartes no decorrer das filosofias contemporâneas (tradução nossa) 504

.

A Providência, que se manifesta na ordem das coisas civis, e que a Scienza nuova

se propõe esclarecer, despertou o que havia de divino no que existe de mais vil no homem,

ou seja, a vaidade pelo engrandecimento do espírito, e que é também manifestação da

barbárie em todas as suas nuanças. Na busca da verdade, após se embriagarem com a

503

Ver aqui as considerações de Bordogna sobre o método geométrico: ―De fato, o ‗método geométrico‘,

usado incondicionalmente pelos cartesianos, se vale seguramente para a verdade de tipo matemátco, não vale

sempre no âmbito das coisas da natureza: daqui o aviso viquiano de renunciar onde for necessário, aquela

verdade assegurada do método geométrico para comtemplar a simples verossimilhança‖. [Difatti il "metodo

geometrico", utilizzato incondizionatamente dai cartesiani, se vale sicuramente per le verità di tipo

matematico, non vale sempre nell'ambito delle cose della natura: da qui il monito vichiano a rinunciare, dove

è necessario, a quella verità assicurata dal metodo geometrico per mirare alle semplice verosimiglianza];

(BORDOGNA, Alberto. Gli idoli del foro: Retórica e mito nel pensiero di Giambattista Vico, p. 39.). 504

VICO, Giambattista. Scienza Nuova [1730]. Opere di Giambattista Vico Società tipog. de'classici italiani

Adobe Digital Editions (433 páginas) Data de adição: 05 Jan, 2011, 11:11, p. 69: ―Descartes fece nella

filosofia ciò che Lutero aveva fatto nella religione: egli era stato militare, la geometria era la scienza che

aveva educato il suo genio; leggendo i filosofi, fu profondamente disgustalo dalla confusione delle scuole,

dalla servilità degli scolastici, dalle dispute interminabili, da quelle oscurità aristoteliche, da que' sistemi

meschini metà fondati sui sofismi della dialettica, metà sull'autorità degli antichi: egli urtò questo vecchio

edifizio coll'impelo di un militare, colla potenza di un geometra. Evidenza, bando all'autorità, dimostrazione

chiara, geometrica in ogni cosa, ecco il grido che inalzò Descartes in mezzo alle ambagi, alle oscurità, alla

servilità degli scolastici; le autorità si distruggono, i sistemi si smarriscono quando si vuole spiegare

l'universo come una verità matematica; è quindi necessario chiudere 'libri, abbandonare i sofismi, rientrare

nel pensiero per creare nuovamente la scienza. Questa fu la persuasione di Descartes nello scorrere le

filosofie contemporanee‖.

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―vaidade dos doutos‖ e a ―vaidade das nações‖, os homens puderam, com seus erros,

retornar aos retos sentimentos que deram origem à sabedoria: o de admiração ou maravilha

[maraviglia], de veneração [venerazione] e de ardente desejo [ardente disiderio], de

alcançar a sabedoria de Deus [sapienza infinita di Dio]505

.

Vico já alertara, em seus escritos anteriores à Scienza nuova, sobre os perigos da

mente presas aos excessos de raciocínio, quando se deparou com as orientações do

cartesianismo506

, que não admite a existência de uma verdade que finca as suas raízes no

verossímil porque o mundo em que se vive de fato não é o ideal. Vico argumentava sobre o

fato das sentenças, que partem da Filosofia, ser de pouca utilidade para os homens simples

que, são a maioria, e cuja sabedoria comum [sapienza volgare] tem o seu valor prático. A

filosofia considera o homem tal como deve ser e, assim, não pode valer senão a

pouquíssimos, que desejam viver na república de Platão, e não cair na escória de

Rómulo507

. Os homens unidos por crenças e costumes comuns prosperam, divididos entram

em conflito e caminham para a destruição. As dissidências de orientação religiosas, de

pensamento, regimentais e econômicas, suscitam conflitos nos povos, fazendo que entre si

concorram para a conquista de poder.

Na sua época, por ventura de sua filiação em diversas academias, por exemplo, a

dos Investiganti508

, Vico teve contato com as mais diversas doutrinas que estavam em voga

na Europa. Entre as principais orientações de pensamento, a qual ele se opunha, destacava-

505

Cf. VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 846. 506

Na segunda edição da Scienza nuova, o autor fala sobre o efeito das ideias de Descartes na sociedade

européia: ―O sistema de Descartes foi um abalo para a Europa pensante, como o foram ali as ideias de

Lutero para a Europa religiosa; as ciências foram monarquizadas no seu sistema matemático; o método

geométrico penetrou em todas as ciências, a filosofia de Descartes em todas as ramificações do saber:

Espinosa, Malebranche, Leibniz entraram sucessivamente na via aberta por Descartes‖ (tradução nossa). [Il

sistema di Descartes fu una scossa per l'Europa pensante, come lo furono 1i le idee di Lutero per l'Europa

religiosa; le scienze furono monarchizzale nel suo sistema matematico ; il metodo geometrico penetrò in

tutte le scienze, la filosofia di Descartes in tutte le diramazoni dello scibile: Spinoza, Malebranche, Leibniz

entrarono successivamente nella via aperta da Descartes.]; (VICO, Giambattista. Scienza Nuova [1730].

Opere di Giambattista Vico Società tipog. de'classici italiani, p. 70. In:

http://www.archive.org/details/lascienzanuovagi01vico.). 507

VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 108. 508

Os Investiganti, além de seguirem Descartes, Galileu e Gassendi, adotavam também a orientação de

Cornelio de relacionar a nova filosofia à tradição do próprio país: ―ao naturalismo e ao vitalismo dos

filósofos meridionais Bruno, Telesio, Campanella, ao humanismo neoplatônico e ao purismo linguístico

toscano‖. Quanto à Antiguidade, os Investiganti retomavam Platão, Demócrito, Epicuro e Lucrécio.

Tomaram conhecimento da obra de modernos como Cuiacio, Grotius, Selden e Punfendorf, e, ao mesmo

tempo, conheceram o pensamento de Pascal, Espinosa, do físico inglês Rob Boyle, Hobbes, Newton, Locke e

P. Bayle. Isto explica a diversidade de orientações da Academia dos Investiganti e da cultura napolitana do

século XVII e XVIII: racionalismo, experimentalismo, ceticismo, libertinismo (LIMA, José Expedito Passos.

A estética entre saberes antigos e modernos na nuova scienza, de Giambattista Vico, p. 154.).

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se aquela dos Céticos e dos Libertinos. Tais orientações preocupavam o autor, pois eram,

declaradamente, opositoras a uma ideia de Providência. Daí referir-se aqueles que se

julgam sábio e negam a Divindade, a Providência e a Graça. Conforme ele, tais

pensamentos não são reflexões de mentes de sábios, mas estultos, porque é estultícia

[stultitia] negar essas coisas. Por isso Vico fez uso daquela expressão de Horácio: Caelum

ipsum petimus stultitia ―Com a nossa estultìcia procuramos chegar ao céu‖509

. Por

conseguinte, a justiça adveio do sentimento de piedade, pois aqueles primeiros pais foram

diligentes em cumprir os rituais de sacrifícios acreditando ser, de fato, ordem dos

deuses510

.

O homem imerso na absoluta corrupção há de provar dos remédios, que são na

ordem de três, segundo a necessidade da situação511

. Se as guerras civis se instalam, um

monarca se faz necessário para reprimi-las. Se um monarca não se apresenta para refrear as

destruições que a ambição dos poderosos instituiu, então povos melhores com espírito

heróico os conquistam e passam a comandá-los. Se por ventura os dois remédios anteriores

não são utilizados, a Providência ministra um último e mais amargo, que é a volta dos

instintos bestiais para enferrujar as ―grosseiras subtilezas dos engenhos maliciosos‖.

Conforme já exposto, fizeram a barbárie da reflexão mais devastadora que aquela dos

sentidos 512

.

509

VICO, Giambattista. Ciência Nova, pp. 327-328: ―Natureza de coisas humanas da qual surgiu esta eterna

propriedade: que, para fazer bom uso da cognição de Deus, é necessário que as mentes se aterrorizem a si

mesmas, tal como, pelo contrário, a soberba das mentes as conduz ao ateísmo, pelo qual os ateus se tornam

gigantes de espírito que devem dizer com Horácio: Caelum ipsum petimus stultitia‖. 510

Cf. VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 16. 511

Segundo Vico: ―A esse grande mal-estar das cidades aplica a Providência um destes grandes remédios de

acordo com esta ordem das coisas humanas civis‖ (VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 840.). 512

De acordo com Vico: ―Se os povos apodrecem naquele mal-estar civil, que nem dentro consentem um

monarca nativo, nem chegam de fora nações melhores para os conquistar e os conservar, então a Providência,

a este mal extremo aplica este extremo remédio: que – uma vez que tais povos, à maneira dos animais, se

tinham acostumado a não pensar em mais nada senão nos próprios interesses particulares (...) por tudo isto,

com obstinadíssimas facções e desesperadas guerras civis, passam a fazer das cidades selvas e das selvas

covis de homens; e, desse modo, ao longo de vários séculos de barbárie, vão se enferrujar as grosseiras

subtilezas dos engenho e maliciosos, que tinham feito deles feras mais imanes com a barbárie de reflexão do

que tinham sido com a primeira barbárie dos sentidos‖ (VICO, Giambattista. Ciência Nova, pp. 840-842.).

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CONCLUSÃO

O intuito de nossa dissertação foi responder à hipótese interpretativa que orientou a

nossa pesquisa. A barbárie da reflexão é expressão da contradição entre civilidade e

racionalidade513

, por ser contrária à manutenção dos liames sociais, uma vez que os

progressos alcançados, que deveriam reforçar o vínculo social e ser garantia de uma

sociedade mais perfeita, não se confirmar e tampouco se concretizar. Isso porque a razão

termina aplicada contra o próprio homem. Nesse sentido, a barbárie da reflexão não

implica em avanço da civilidade, mas destruição, pois tal barbárie é o expoente negativo da

civilidade, porque torna a convivência entre os indivíduos na sociedade algo insustentável.

A Scienza Nuova denuncia os riscos de um retorno à barbárie, que demonstramos e

confirmamos aqui com as diversas passagens da obra, e ser tal retorno algo sempre

presente no âmbito da civilização: daí a relevância do sentido prático da nuova scienza

viquiana como alerta contra as consequências funestas para o mundo civil.

Conforme nos assegura Vico, o homem, que após o dilúvio mergulhara em uma

―barbárie dos sentidos‖ (barbárie dei sensi), vai aos poucos, com o auxílio da Providência,

retornando à civilidade, visto que esta é inerente ao seu espírito. A segunda barbárie

denominada por Vico de ―barbárie retornada‖ (barbarie ritornata), ou seja, a Idade Média,

e caracterizada pelo feudalismo, dá origem a todas as repúblicas, pois o sistema feudal

seria embasado em ―princìpios eternos‖, que sempre retornam como apresenta no Livro

Segundo da Scienza Nuova a Política poética. Para Vico, a segunda barbárie teria sido

mais obscura que a primeira: esclarece-se a história dos novos reinos da Europa, surgidos

nos últimos tempos bárbaros, que resultaram mais obscuros que os primeiros tempos

bárbaros de que falava Varrão.

A terceira barbárie, a ―barbárie da reflexão‖ (barbarie della reflessioni), seria a pior

das barbáries. Deve-se evitar o risco de uma queda da humanidade nesta barbárie, pois

seria fruto do excesso de racionalidade, e uma espécie de oposição ao senso comum. A

primeira teria sido arrefecida pela religião severa dos primeiros pais da gentilidade, que

513

Comentando sobre os danos causados pela barbárie da reflexão, Lamacchia escreve: ―Na Ciência Nova,

como se dirá depois, o seu desacordo, por ora expresso no confronto com o método dos ‗modernos‘, se

traduzirá na pespectiva do ‗retorno à barbárie‘, e naquela da ‗ruìna‘, por causa da ausência de espiritualidade‖

(tradução nossa). [Nella Scienza Nuova, poi come si dirà, il suo dissenso, per ora espresso nel confronto con

il metodo dei ―moderni‖, si tradurrà nella prospettiva del ―ritorno alla barbarie‖, e in quella della ―rovina‖, a

causa della mancanza di spiritualità]; (LAMACCHIA, Ada, Senso Comune e socialità in Giambattista Vico,

p. 42.).

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creram ser observados pela divindade do altíssimo céu. Daí eles passaram a esconder-se

nas grutas e assim, estabelecidos com as suas mulheres, puderam apascentar os seus

instintos animais e gradativamente retornar à humanidade. A segunda barbárie teria sido

debelada também com uma religião severa, mas foi importante também o papel da

Filosofia. No entender de Vico, esta surge, Providencialmente, para que os homens já

estivessem com o intelecto bem aguçado pelas artes e ciências e que, quando já não se

sentissem persuadidos a praticar boas ações, fossem ao menos dobrados pela reflexão a se

envergonharem de práticas ilícitas.

Por último viria em socorro da religião e da filosofia a eloquência, pois atraída pela

ideia de justiça, apressa-se a inflamar os povos para que se conduzam por leis justas. A

religião teria surgido algum tempo depois da primeira barbárie. A Filosofia surgiu com os

gregos. A eloquência, por sua vez, com os romanos. Como podemos compreender, Vico

reforça, nesse momento, a necessidade de princípios ético-políticos, necessários para que o

homem se mantenha firme na trilha que o conduz à civilidade. A necessidade de o homem

educar-se para manter-se longe dos vícios: daí a riqueza e a abundância desempenharem

papéis que auxiliam na elevação espiritual do homem.

Se, nas duas primeiras barbáries, a Religião, a Filosofia e a Eloquência ajudaram ao

homem a conter o seu avanço sobre o mundo civil, caberia a nós modernos procurar o

antídoto para esta barbárie que aos poucos se instala no mundo moderno. Segundo o autor

da Scienza Nuova, o curso que fazem as nações manifestar-se-ia na própria personalidade

dos indivíduos que a vivenciaram, envolvendo na própria existência deles um caráter da

Providência que se utilizaria de seus vícios e virtudes.

O autor reitera que a humanidade, para que não se afaste da retidão dos costumes,

deve manter-se presa a três princípios básicos e responsáveis pelo surgimento da vida civil:

a religião, fundamento da piedade; o casamento, fundamento da sociabilidade e os

sepultamentos, fundamento da preservação de uma humanidade já conquistada. Aqui está

uma das passagens que indica o ponto principal de suas preocupações quanto a um retorno

à barbárie: afastar-se desses três princípios significa consequentemente afastar-se da

humanidade. Também é preciso que as famílias mais nobres conservem os rituais sagrados,

pois neles se conservam os fundamentos da humanidade. Quando as famílias abastadas

passam a desprezar os rituais e os costumes sagrados, sinalizam, com efeito, que as nações,

as quais pertencem já se encontram perto de seu ocaso, em vias de mergulhar na barbárie.

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Quanto aos costumes ―bárbaros‖, Vico nos diz terem sido comuns na Antiguidade e

praticaram-no igualmente os povos gregos e romanos. Podemos destacar que esses dois

povos procuravam distinguir-se dos demais com a alegação de possuírem costumes mais

pios e que, desde longa data, haviam abandonado a selvageria praticada ainda por diversos

povos em seu tempo. O autor lembra-nos, igualmente, que atos como o saque e o latrocínio

eram considerados, por Platão e Aristóteles, como exercícios de caça, sendo, portanto,

considerados lícitos de se praticarem contra outros povos. Tudo isso porque os povos

estrangeiros consideravam-se como eternos inimigos e os latrocínios eram vistos com

naturalidade entre nações antigas.

Na Seção Primeira do livro IV, Vico descreve a existência de três espécies de

naturezas. A primeira denominada ―poética‖, em razão de estar fundamentada sobre os

instintos e consequentemente também na fantasia, pois é sempre mais robusta, ao passo

que é mais débil o raciocínio. É poética porque também é criadora, ou seja, criou os

alicerces das naturezas que adviriam. A segunda é a ―heróica‖, pois, os que a vivenciaram,

acreditavam-se de origem divina, ou seja, de serem filhos de Júpiter, uma vez que

acreditaram igualmente que toda a natureza estava repleta de divindades. A última espécie

de natureza é a humana, porque tendo os costumes ferozes e os altivos, da segunda, sido

aplacados por sentimentos universalizantes de igualdade, os homens passam a se

reconhecerem comuns em inteligência, modéstia, benignidade e pela lei, comuns em

consciência, razão e obrigações. Segundo Vico, todos os povos em seus inícios foram

bárbaros, e da barbárie só foram libertados ou ―domesticados pelas leis‖.

No parágrafo 982, a respeito da Custódia das Fronteiras, Vico interpreta como

sendo as primeiras tentativas, de empreendimento, mesmo barbaramente executadas para

se afastar dos costumes mais ímpios e imanes. Servindo tais custódias para acabar com a

infame comunhão dos bens, e posteriormente protegerem-se as cidades dos ataques umas

das outras, visto que se viam como perpétuas inimigas. A necessidade e utilidade de

manutenção das fronteiras foram necessárias para que, os indivíduos semi-selvagens, que

nela adentrassem, nelas permanecessem e se desabituassem dos costumes imanes.

Na Scienza Nuova, Vico relata, de forma enfática, sobre o papel ético-moralizador

da vida regrada, que os primeiros pais obrigaram-se a conservar dentro dos primeiros

feudos rústicos. Durante longos tempos, vivendo como animais os próprios males advindos

destas condutas, obrigaram-nos a afastar-se da impiedade, impudicícia e debilidade. Eram

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ímpios, porque não acreditavam nem temiam os deuses; eram impudicos, porque se

relacionavam carnalmente os filhos com os pais; eram débeis, porque errantes pelo mundo

sofriam perseguições dos mais fortes e violentos.

Desse modo, quando passam a refugiar-se entre os que já estavam estabelecidos e

se fortificado para se defenderem dos que ainda se encontravam em estado selvagem,

tornam-se também civilizados. Tornavam-se também fundadores das primeiras famílias,

cidades e repúblicas. Com efeito, os males do caráter bestial eram transmutados em

virtudes como: a piedade, advinda do sentimento religioso; a temperança oriunda do

sentimento de prudência; a fortaleza necessária à defesa de suas posses e a magnanimidade

que lhes possibilitou sair em socorro dos mais fracos.

Vico relata como os costumes vão se corrompendo por causa do desvio de conduta

dos primeiros pais. Ao se esquecerem das antigas leis de proteção aos fâmulos, eles haviam

possibilitado o ajuntamento de riquezas por meio dos trabalhos desses fâmulos, passando

os nobres a oprimir seus servos, e saindo da ―ordem natural‖, ou seja, da justiça. Teve

início, desde então, os conflitos entre estas duas classes. Destes conflitos surgem também

as primeiras leis agrárias e, com elas, a destinação do cultivo dos campos reservados aos

fâmulos, e do controle das leis e da vida nas cidades reservadas aos nobres.

Sobre a ―barbárie da reflexão‖, temida pelo autor da Scienza Nuova mais que as

duas primeiras, por causa dos seus reflexos e potenciais de devastação, Vico já havia

percebido tais efeitos nos princípio da segunda barbárie, ou seja, nos últimos anos do

Império romano. Ele defende a necessidade de uma ordem restrita e fechada para que a

mesma não desvaneça e perca-se na dissolução dos costumes. Caso os costumes cheguem a

se dissolver, pondo em risco a ordem civil das nações, Providencialmente surgirão, porém,

homens altivos que se esforçarão [como monarcas] a fim de que as ordens civis

permaneçam vivas. Se isso não ocorrer, as nações mais jovens e vigorosas derrubam

aquelas que se degeneraram. Na falta dos dois remédios anteriormente descritos, a

Providência aplicará um mais extremo, ou seja, um recomeço a partir da decadência total.

Para Vico, quando os homens chegam a total dissolução dos costumes e dos

vínculos sociais, ao individualismo extremado, onde cada um só pensa única e

exclusivamente nas suas comodidades, e não consigam mais conviver pacificamente, já

estará aqui bem interiorizada a nova forma da barbárie e todo o potencial intelectual

acumulado, até então, será utilizado para destruírem-se uns aos outros. Fingindo

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amabilidade, em verdade estão sendo falsos, e como ele mesmo adverte: ―armam ciladas à

vida e às fortunas‖ de seus pares. Destruindo-se uns aos outros, os poucos que restarem

agarrar-se-ão aos princípios eternos da religião, matrimônio e sepultamentos para como a

Fênix renascer das cinzas.

Tal barbárie seria, conforme nos diz Jean-Francois Mattei, uma interiorização da

‗astúcia‘ e da ‗fraude‘, marcas de uma antiga ―cultura rapace‖ dissimulada no

―individualismo‖ e no relativismo. Seria esta barbárie também o fruto de uma perda do

sentido? De onde ela adviria? De nós mesmos, das profundezas de nossas almas, conforme

nos advertia Heráclito e Platão, ou de fora, conforme os romanos que procuravam manter à

distância determinados povos por meio do Limes? Haveria dois aspectos da barbárie, uma

feritas, que se compraz com a mera destruição, outra a vanitas, caracterizada por um vazio

estéril?

A seriedade de tal problema suscita, e talvez seja um dos grandes temores de Vico,

justamente o fato de a barbárie pôr em risco tudo o que já foi conquistado durante os

cursos e recursos514

na história da humanidade. A ―barbárie da reflexão‖ (barbarie della

reflessioni) pode pôr em perigo, não só uma determinada parcela da humanidade, mas,

sobretudo, o gênero humano, e com ele o poder de recomeçar, de se auto-endireitar, de

seguir o curso providencial pelo qual passam todas as nações. Talvez o grande temor de

Vico fosse o de a barbárie pôr em risco o que denominava ―curso que fazem as nações‖,

visto que tal espécie de barbárie não respeita nenhuma fronteira.

Não podemos dizer se este perìodo de ―barbárie reflexiva‖ estaria apenas

começando, ou se já se aproxima do seu ocaso. O importante é destacarmos que Vico, já

em sua época, identificava os sinais de tal barbárie, manifestando-se na política, nas artes e

nas ciências. A oposição entre a ―barbárie dos sentidos‖ (barbarie dei sensi) e a ―barbárie

da reflexão‖ (barbarie della reflessioni), conforme Mattéi, está no fato de ser uma

514

Sobre esses cursos [corsi] e recursos [ricorsi] ver aqui as considerações de Ferrater Mora: ―O trânsito da

ordem à desordem e, desta, a uma ordem nova no tempo, mas antiga na idéia, é o que se chama os cursos e

recursos da história humana, a qual se repete a si mesma. Por isso, a visão histórica de Vico é uma visão

renascentista, não só por ser a culminação teórica de certas experiências, logo dissolvidas pelas idéias claras e

distintas, que alvoreceram no Renascimento, mas também porque o seu eixo constitui a fé no renascimento

perpétuo da espécie humana (...). Por isso, a história assemelha-se a um processo jurídico interminável; não é,

pois, por acaso, que Vico escolheu um termo exactíssimo: ricorso, recurso‖. (Cf. FERRATE MORA. J.

―Vico ou a visão renascentista‖, in: Visões da História, p. 107.). A proprósito do Corso e ricorso ver também

o texto: Vico, la decadencia y el ricorso de TESSITORE, Fulvio. Trad. esp. María José Rebollo Espinosa

Cuadernos sobre Vico 23 (2009) / 24 (2010) 67 Sevilla (España). ISSN 1130-7498 .

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excessivamente ―máscula‖ e a outra excessivamente ―efeminada‖: a que se realiza na força

e fealdade, a outra na astúcia e no engodo. É como se a primeira barbárie, conforme o

sistema viquiano de cursos e recursos trouxesse parte dessa primeira barbárie de volta, mas

sob uma roupagem nova que a torna mais sutil que a primeira.

Para finalizarmos é preciso destacar aquilo que Vico denomina de uma prática da

Scienza nuova, ou seja, da aplicabilidade do conhecimento contido no livro. Giambattista

Vico propõe, ao finalizar a Scienza nuova, que sua aplicação não é algo difícil, pois trata

dos exemplos contidos na História de modo conveniente na obra. Mesmo aqueles fatos

obscuros são esclarecidos à luz da ―nova arte crítica‖ [nuova arte critica], pois até então

considerados pelos filólogos como problemas insolúveis e indecifráveis, assim

abandonados visto às dificuldades de esclarecimento. Desse modo, a Nuova scienza vem

como uma advertência aos sábios das nações, e aos seus dirigentes, que devem conclamar

os povos a se manterem fixos a determinadas práticas que os conservem em certo estado de

perfeição. A busca da άχμή, ou seja, do estado de perfeição está relacionado intimamente a

boas ordens [buoni ordini], e por tal ordem compreenda-se àquela social; a leis [leggi]

verdadeiramente justas e a bons exemplos [essempli] daqueles que comandam as nações515

.

515

VICO, Giambattista. ―Pratica di questa Scienza nuova‖ in: La scienza nuova, Milano: Rizzoli, 1977, pp

716-719.

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