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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ
FACULDADE DE FILOSOFIA DOM AURELIANO MATOS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIAS E LETRAS DO SERTÃO CENTRAL
MESTRADO ACADÊMICO INTERCAMPI EM EDUCAÇÃO E ENSINO
LUCIANA DE SOUSA SANTOS
A REPERCUSSÃO DA POLÍTICA DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E
TECNOLÓGICA EM LIMOEIRO DO NORTE: DA FACULDADE TECNOLÓGICA
(FATEC), DO INSTITUTO CENTRO DE ENSINO TECNOLÓGICO (INSTITUTO
CENTEC), AO INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E
TECNOLOGIA DO CEARÁ (IFCE)
LIMOEIRO DO NORTE – CEARÁ
2017
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LUCIANA DE SOUSA SANTOS
A REPERCUSSÃO DA POLÍTICA DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA
EM LIMOEIRO DO NORTE: DA FACULDADE TECNOLÓGICA (FATEC), DO
INSTITUTO CENTRO DE ENSINO TECNOLÓGICO (INSTITUTO CENTEC), AO
INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO CEARÁ
(IFCE)
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado
Acadêmico em Educação e Ensino Intercampi
do Programa de Pós-Graduação em Educação
e Ensino da Universidade Estadual do Ceará,
da Faculdade de Filosofia Dom Aureliano
Matos e da Faculdade de Educação Ciências e
Letras do Sertão Central, como requisito
parcial à obtenção do título de mestre em
Educação. Área de concentração: Educação,
Escola, Ensino e Formação Docente.
Orientador: Prof. Dr. José Eudes Baima
Bezerra.
LIMOEIRO DO NORTE – CEARÁ
2017
3
LUCIANA DE SOUSA SANTOS
A REPERCUSSÃO DA POLÍTICA DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA
EM LIMOEIRO DO NORTE: DA FACULDADE TECNOLÓGICA (FATEC), DO
INSTITUTO CENTRO DE ENSINO TECNOLÓGICO (INSTITUTO CENTEC), AO
INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO CEARÁ
(IFCE)
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado
Acadêmico em Educação e Ensino Intercampi
do Programa de Pós-Graduação em Educação
e Ensino da Universidade Estadual do Ceará,
da Faculdade de Filosofia Dom Aureliano
Matos e da Faculdade de Educação Ciências e
Letras do Sertão Central, como requisito
parcial à obtenção do Título de Mestre em
Educação.
APROVADA EM: ____/_____/____
BANCA EXAMINADORA
4
AGRADECIMENTOS
A Deus, que me possibilitou a perseverança na conclusão dessa Odisseia, a qual idealizei
desde o término da graduação.
Ao programa de Mestrado Acadêmico Intercampi em Educação e Ensino (MAIE) e ao corpo
docente deste, que de forma rica e comprometida com o ensino emancipador fomentou na
minha essência o germe do saber aliado à necessidade de ação para mudança da realidade.
Ao meu orientador, José Eudes Baima Bezerra, pela condução, apoio e dedicação conferidos
ao estudo. Por ter guiado o trabalho de maneira a lapidar minhas ideias e, ao mesmo tempo,
oxigenando minha criativa. Sou grata pela maneira séria e coerente que sempre se mostrou
enquanto mestre que alumia o caminho do seu discípulo. Pela sabedoria e partilha do saber de
modo generoso. Agradeço pelas ponderações quanto ao ritmo de construção da pesquisa,
estabelecendo agenda saudável, ao passo que me acalmando quanto à maturação do estudo
para ser apresentado.
Aos professores membros da banca que designaram tempo e dedicação para qualificar o
estudo.
Aos sujeitos da pesquisa que se dispuseram a partilhar suas memórias trazendo a
possibilidade para ampla navegação e ricas particularidades.
À minha família pelo amor e apoio incondicional, em particular a minha mãe e irmãos.
Aos meus colegas de turma que contribuíram com minha formação na troca de saberes. Em
especial a Joao Paulo, Janine, Diana, Renata e Elenice (Leninha) que estiveram irradiando
apoio, solidariedade e camaradagem em toda jornada do mestrado, especialmente nos
momentos de angústia da elaboração do texto de dissertação. E, por fim, pela amizade
germinada no decorrer destes dois anos.
Aos meus amigos que me apoiaram e ficaram felizes com a minha vitória quando ingressei no
mestrado, a compreensão nos momentos de ausência e ainda pela torcida contínua pela
conclusão. Em especial à minha amiga Nilene Matos Trigueiro, que me incentivou a ousar
esta empreitada de conquistar um grau maior de formação e me encharcou de esperança e
apoio. Obrigada por ter insistido e acreditado no meu potencial!
A TODOS que somaram na minha formação acadêmica, contribuindo nas dimensões humana
e política, o meu muito obrigada!
5
“Mesmo sem naus e sem rumos, mesmo sem
vagas e areias, há sempre um copo de mar para
um homem navegar”.
(Jorge de Lima)
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RESUMO
A política de educação profissional e tecnológica, suscitada pela Lei 11.982/2008, criou os
Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, possibilitando a transformação da
Faculdade de Tecnologia (FATEC), do Instituto CENTEC, de uma Organização Social a uma
unidade do Instituto Federal em Limoeiro do Norte. O objetivo central do estudo é o de
investigar o processo pelo qual se deu a criação do Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia do Ceará (IFCE) na referida cidade, a partir dos enfrentamentos, resistências e
interesses políticos, econômicos e sociais envolvidos neste processo de
substituição/transformação da Faculdade de Tecnologia (FATEC), do Instituto CENTEC, de
Limoeiro do Norte. A pesquisa é caracterizada como qualitativa, de natureza explicativa,
conduzida por uma análise bibliográfica-documental e amparada no recurso da entrevista com
sujeitos protagonistas do citado processo, tendo como horizonte teórico-metodológico o
materialismo histórico-dialético. A criação do IFCE em Limoeiro do Norte se deu a partir da
desobrigação do governo do estado do Ceará em manter a instituição de educação profissional
gerida por Organização Social. A FATEC, do Instituto CENTEC, foi federalizada na
oportunidade de expansão da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica
primeiramente pelo Centro Federal de Educação Tecnológica (CEFET) - Unidade de Ensino
Descentralizado (ENED), aproximadamente em 2007. O Instituto CENTEC foi federalizado
de forma arbitrária tanto pelo Estado quanto pela União, desconsiderando os sujeitos desta
instituição. A federalização refletiu a pauta da política de interiorização do ensino profissional
pelo governo Lula da Silva no quadro da segunda fase de expansão de rede federal. O
CEFET- UNED de Limoeiro do Norte foi incorporado à Rede de Educação Profissional e
Tecnológica em 29 de dezembro de 2008, pela lei nº 11.982, se tornando uma unidade dos
Institutos Federais no Ceará, o IFCE, Campus de Limoeiro do Norte. A pesquisa constatou
que através das diferentes etapas do processo de federalização se ressaltou o fenômeno do
hibridismo das instituições do Instituto CENTEC e do IFCE, que expressa elementos de
continuidade e descontinuidade, de conservação e transformação, permanecendo, contudo, a
mesma espinha dorsal da educação para o trabalho como sinônimo da produção de mão de
obra razoavelmente habilitada para o consumo do grande capital. O estudo constatou que o
caso em tela corrobora com a ideia de que a educação profissional na sociabilidade do capital
não se coaduna com uma educação para emancipação humana.
Palavras-chave: Instituto CENTEC. CEFET. IFCE. Limoeiro do Norte. Política de educação
profissional e tecnológica.
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RESUMEN
La política de educación profesional y tecnológica planteada por la Ley 11.982 / 2008 creó los
Institutos Federales de Educación y Tecnología de la Ciencia, lo que permite la
transformación de la Escuela de Tecnología (FATEC) de CENTEC Instituto de organización
social para una unidad del Instituto Federal en Limoeiro del Norte . El objetivo principal del
estudio es investigar el proceso por el cual dio la creación del Instituto Federal de Educación
y Tecnología de la Ciencia de Ceará (IFCE) en la ciudad de Limoeiro do Norte, de la lucha,
resistencia y políticos, económicos y sociales involucrados en este proceso de sustitución /
transformación de la Escuela de Tecnología (FATEC) de CENTEC Instituto de Limoeiro do
Norte. La investigación se caracteriza como la naturaleza cualitativa, explicativa, impulsado
por un análisis bibliográfico y documental, y se basa en la entrevista con sujetos disponen
protagonistas de dicho procedimiento, con el horizonte materialismo histórico y dialéctico
teórico y metodológico. La creación de la Limoeiro del Norte de IFCE tomó de la liberación
del gobierno del estado de Ceará para mantener la institución de educación profesional a
cargo de la organización social. FATEC el Instituto Centec la federalización en la expansión
de la oportunidad profesional Federal y la Red de Educación Tecnológica principalmente por
el Centro Federal de Educación Tecnológica (CEFET) - Unidad descentralizada Educación
(ENED), aproximadamente en el año 2007. El Instituto CENTEC federalización
arbitrariamente por el Estado y la Unión excluyendo el tema de esta institución. La
federalización refleja la agenda de la política de internalización de la formación profesional
por el gobierno de Lula da Silva en la segunda fase de la expansión de la red federal. El
CEFET UNED de Limoeiro del Norte se constituyó la Red de Educación Profesional y
Tecnología el 29 de diciembre de 2008 por la Ley N ° 11.982 se convirtió en una unidad de
los Institutos Federales en Ceará, IFCE, el Campus Norte Limoeiro. La encuesta encontró
que, a través de las diferentes etapas del proceso de federalización ha puesto de manifiesto el
fenómeno de la hibridación de las instituciones Instituto Centec y IFCE elementos de
continuidad y discontinuidad, conservación y transformación que expresan, sin dejar de ser la
misma columna vertebral de la educación trabajar como sinónimo de la producción de mano
de obra cualificada para el consumo razonable de las grandes empresas. El estudio encontró
que en el caso corrobora la idea de que la formación profesional en la naturaleza social del
capital no es consistente con una educación para la emancipación humana.
Palabras clave: Instituto CENTEC. CEFET. IFCE. Limoeiro do Norte. Política de educación
profesional y tecnológica.
8
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Quadro 1 - Lista dos cursos ofertados no Instituto CENTEC....................................... 61
Quadro 2 - Geografia das zonas econômicas de Limoeiro do Norte............................. 66
Quadro 3 - Disposição dos cursos do IFCE, Campus Limoeiro do Norte.................... 71
Quadro 4 - Categoria dos entrevistados.......................................................................... 74
Figura 1 - Linha temporal do Instituto CENTEC ao IFCE ....................................... 76
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ADECE Agência de Desenvolvimento do Estado do Ceará
BID Banco Interamericano de Desenvolvimento
BM Banco Mundial
CEFET Centro Federal de Educação Tecnológica
CENTEC Instituto Centro de Ensino Tecnológico
CHESF Companhia Hidrelétrica do São Francisco
CLT Consolidação das Leis Trabalhistas
CNI Confederação Nacional das Indústrias
CNE Conselho Nacional de Educação
CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
CVT Centros Vocacionais Tecnológicos
CVTEC Centros Vocacionais Técnicos
FATEC Faculdades de Tecnologia
FUNCAP Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e
Tecnológico
FMI Fundo Monetário Internacional
IF Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
IFCE Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará
ONU Organização das Nações Unidas
OS Organização Social
PDDU Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano
PDDU-LN Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Limoeiro do Norte
PI Perímetro Irrigado
PROMOVALE Programa de Valorização Rural do Baixo e Médio Jaguaribe
PROURB Projeto Cidades do Ceará
10
SECITECE Secretaria de Ciência Tecnologia e Educação Superior do Ceará
SDLR Secretária de Desenvolvimento Local e Regional do Ceará
SENAC Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial
SENAI Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
UNED Unidade de Ensino Descentralizada
11
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.......................................................................................... 13
2 ÂNCORA METODOLÓGICA – TEÓRICA: REUNINDO
PRESSUPOSTOS.......................................................................................
23
2.1 O FAZER METODOLÓGICO.................................................................... 23
2.2 A RELAÇÃO EDUCAÇÃO – TRABALHO.............................................. 30
2.2.1 Brasil Imperial escravocrata..................................................................... 33
2.2.2 Brasil Império pós-escravocrata............................................................... 35
2.2.3 Brasil República......................................................................................... 36
2.3 OS ASPECTOS BASILARES DO ENSINO PROFISSIONAL E
TECNOLÓGICO NO BRASIL...................................................................
39
2.4 INSTITUCIONALIZAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR NO BRASIL..... 43
3 DO INSTITUTO CENTEC EM LIMOEIRO DO NORTE,
NATUREZA E CARACTERIZAÇÃO, AO IFCE..................................
51
3.1 LIMOEIRO DO NORTE: ROTA DE EXPANSÃO DA REDE
FEDERAL DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL.........................................
51
3.2 O INSTITUTO CENTEC EM LIMOEIRO DO NORTE E A
PUBLICIZAÇÃO.........................................................................................
54
3.3 O AGRONEGÓCIO EM LIMOEIRO DO NORTE.................................... 63
3.4 ADVENTO DO IFCE, CAMPUS DE LIMOEIRO DO NORTE................ 69
4 ATRAVÉS DO MAR REVOLTO............................................................. 72
4.1 LIVRO I: ANCORANDO AS VELAS DO INSTITUTO CENTEC.......... 74
4.1.1 Trabalho...................................................................................................... 74
4.2 LIVRO II: NAVEGANDO EM VENTOS PRECISOS, MAS LOGO A
TORMENTA VIRIA....................................................................................
78
4.2.1 Políticas educacionais da educação profissional................................... 78
4.3 LIVRO III: NAUFRÁGIO, QUEM VIVER VERÁ!................................... 92
4.3.1 Totalidade.................................................................................................... 92
4.4 LIVRO IV: A FEDERALIZAÇÃO: “NOVA” EMBARCAÇÃO.............. 97
4.4.1 Hibridismo: substituição e transformação da FATEC, do Instituto
CENTEC, para IFCE, Campus de Limoeiro do Norte..........................
97
4.5 LIVRO V: A EMBARCAÇÃO DO IFCE: NOVA TRIPULAÇÃO?
NOVOS VENTOS? NOVO DESTINO? NOVO COMANDANTE?........
102
12
4.5.1 Conciliação da educação progressista e o ensino superior técnico e
tecnológico...................................................................................................
102
5 CONCLUSÃO............................................................................................. 113
REFERÊNCIAS.......................................................................................... 118
APÊNDICE................................................................................................. 125
APÊNDICE A – ROTEIRO DE ENTREVISTA......................................... 126
13
1 INTRODUÇÃO
A presente pesquisa tem como finalidade refletir sobre a política de educação
profissional e tecnológica implementada pelo governo Lula da Silva (2003-2006, 2007-2010),
a qual possibilitou a criação do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará
(IFCE) na cidade de Limoeiro do Norte. Para atingir este intento, o presente trabalho realizou
um resgate histórico sobre a instituição que antecedeu a criação do IFCE de Limoeiro do
Norte, denominada Faculdade de Tecnologia (FATEC), organizada pelo Instituto Centro de
Ensino Tecnológico (Instituto CENTEC), no sentido de compreender como aconteceu o
processo político de transformação desta última em IFCE.
Na sociabilidade do capital, a escola de insígnia profissional no Brasil se
encarrega da missão de ofertar uma educação destinada ao mercado de trabalho, diga-se, para
o trabalho fragmentado, desagregador de humanidade. Infere-se que esta escola se distingue e
se opõe à educação propedêutica e politécnica. É na relação educação e trabalho, ensino
propedêutico e ensino técnico, dominados e dominantes, que se fundamentam a proposição
deste estudo. O presente estudo adota estas balizes para discutir o caso da Rede Federal de
Educação Profissional e Tecnológica na figura dos Institutos Federais de Educação Ciência e
Tecnologia (IF’s), a qual possibilitou a implantação da unidade do IF no município de
Limoeiro do Norte.
O fenômeno estudado na pesquisa é o IFCE, Campus de Limoeiro do Norte,
analisado a partir da construção do ordenamento legal que tornou possível a transformação da
Faculdade de Tecnologia (FATEC), do Instituto CENTEC de Limoeiro do Norte, até então
uma instituição mantida pelo governo estadual, em Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia (IF), cuja responsabilidade orçamentária, fiscal e financeira passou a ser destinada
ao governo federal. As Faculdades de Tecnologia (FATEC), os Centros Vocacionais Técnicos
(CVTEC) e Centros Vocacionais Tecnológicos (CTV) são modalidades de ensino ofertadas
pelo Instituto CENTEC.
A pesquisa é de natureza quali-quantitativa e o método de análise empregado é o
materialismo histórico dialético. Este se apresenta em:
Três dimensões, que são a concepção de mundo, o método e a práxis[...], nos
revelando que o entrelaçamento dos aspectos da apreensão, interpretação e
intervenção da realidade se apresentam como inseparáveis para possibilitar uma
perspectiva de totalidade. (BEZZERA, SOUSA 2015.p.3).
14
O estudo de caso e a pesquisa explicativa são aspectos metodológicos deste
estudo, que se valeu dos instrumentos da analise documental e de entrevista com os sujeitos,
que receberam pseudônimos no intento de preservar o anonimato e ambientar a narrativa. Os
depoimentos dos sujeitos deverão perpassar os capítulos do estudo, a começar destes.
A motivação da escolha da referida temática partiu da inquietação em conhecer o
processo de constituição histórica do IFCE, Campus de Limoeiro do Norte, no qual a
pesquisadora é docente desde o ano de 2011. Diante de pesquisas e conversas com
funcionários mais antigos da instituição, notou-se a ausência de um arquivo histórico que trate
dessa questão, bem como de estudos referentes ao processo de criação do IFCE, Campus de
Limoeiro do Norte.
Ao iniciar seus trabalhos na instituição, a autora do presente estudo percebeu que
o IFCE, Campus de Limoeiro do Norte, provinha de uma origem diferenciada da maioria das
instituições pertencentes à Rede Federal de Educação Tecnológica do Estado do Ceará, que
foram criadas a partir de instituições pertencentes ao Sistema Federal de Educação
Tecnológica, instituída pelo governo Fernando Henrique Cardoso a partir da Lei nº 8.948 de
08 de dezembro de 1994. Quanto a Limoeiro do Norte, a criação do IFCE deu-se efetivamente
através da transformação da FATEC, do Instituto CENTEC, instituição de ensino profissional
e tecnológico financiado pelo governo estadual, gerida por uma Organização Social (OS)
através de um contrato de gestão pactuado com o Estado do Ceará, embora tenha havido um
breve período de federalização anterior ao IFCE, Campus de Limoeiro do Norte, quando se
instituiu o CEFET.
Com o resultado da pesquisa pode-se perceber que houve sim uma passagem da
FATEC, do Instituto CENTEC, de Limoeiro do Norte, para a rede federal supracitada na
figura do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará (CEFET) como Unidade
Descentralizada de Ensino (UNED) na cidade de Limoeiro do Norte, antes dessa se configurar
em IF. O processo de federalização ocorreu ainda na forma de CEFET porque a política de
educação profissional dos Institutos Federais estava em processo de elaboração e aprovação.
Tal peculiaridade foi desvelada apenas no percurso de desenvolvimento da pesquisa, por meio
dos primeiros sujeitos elencados, quando da aplicação do questionário-piloto para o estudo
(entrevistas) e, posteriormente, por meio de registro em jornal e do depoimento dos demais
sujeitos durante coleta de dados definitiva.
A federalização da FATEC, do Instituto CENTEC, de Limoeiro do Norte, ocorreu
muito provavelmente no ano de 2007, embora a ausência de marco temporal exato nos
coloque na condição de eleger um parâmetro aproximado, tendo em vista que as instituições e
15
o próprio Instituto CENTEC não possuem documentos sobre a data da extinção do Campus de
Limoeiro do Norte, assim como o IFCE- Reitoria, e, inclusive, o IFCE, Campus de Limoeiro
do Norte, também não dispõe de registros da federalização da instituição. O que mostra que
estas instituições de ensino têm pouco apreço por seus aspectos históricos, o que se
apresentou como uma das principais dificuldades do nosso estudo.
O período de transição perdurou aproximadamente entre os anos de 2007 e 2008,
tempo em que o corpo de funcionários do Instituto CENTEC se manteve até a realização de
concurso público para o novo ente federal.
Este último dado explica a dificuldade dos sujeitos da pesquisa, na sua maioria,
terem de reconhecer a federalização antes da contração de pessoal através de concurso
público, já que para a comunidade pouco havia mudado no período de transição. O CEFET,
enquanto instituição funcionando com servidores próprios (concursados para o CEFET-
UNED de Limoeiro do Norte), permaneceu por um período ínfimo, cerca de um mês, tendo
em vista que logo a seguir se instituiu legalmente o Sistema Nacional de IF’s, que ensejou o
surgimento do Campus do IFCE em Limoeiro do Norte.
Nessa medida, a formalidade e burocratismo dessa transformação (que inclui a
instituição do CEFET-UNED por apenas 26 dias como exigência puramente legal, vazia de
sentido) seria reflexo apenas do cumprimento das determinações de instâncias superiores ao
largo das necessidades da comunidade de alunos, professores e servidores?
A provocação colocada parte da premissa de que o fenômeno revela traços de
hibridismo, ou seja, de substituição e transformação, mas com a conservação de traços
anteriores e de sua coexistência com novos parâmetros de funcionamento, porém isso só veio
a ser considerado na maturação do estudo. Antes a hipótese esteve fixada na figura da
transformação, apenas.
Doutro modo, a transformação da FATEC em IFCE, Campus de Limoeiro do
Norte, seria uma manifestação da abdicação da responsabilidade do governo do Estado de
prover o ensino profissionalizante diante da implantação da Rede Federal de Educação
Profissional e Tecnológica capaz de incorporar as instituições de ensino profissional?
Nota-se que a política de criação da Rede Federal de Educação Profissional e
Tecnológica em alguns estados exigia como contrapartida, do Município e do Estado, uma
estrutura física já construída para que a implantação dos IF’s pudesse ocorrer de forma mais
rápida. Atena1 assinala que “O governo federal aprovou a ampliação da rede; teve a
1 GESTOR(A). Entrevista concedida em 24 de março de 2017, em Limoeiro do Norte.
16
contrapartida da infraestrutura física”. No caso do IFCE, Campus de Limoeiro do Norte,
ocorreu uma desresponsabilização do governo do Estado com o Instituto CENTEC, melhor
dizendo, com a política de educação profissional do Estado que o possibilitou.
No instante em que houve a oportunidade de entregar o Instituto CENTEC para
o governo federal, o ente estadual o fez, no governo Lúcio Alcântara. Tal entendimento é
também o de Atena quando afirma: “O instituto CENTEC já havia enfrentando problemas
financeiros, assim como os institutos CENTEC de Sobral e Maracanaú. O Estado gostaria de
se livrar do problema” (grifo nosso). Tendo em vista a política de expansão da educação
profissional e tecnológica que se concretiza no segundo mandato do governo Lula da Silva
(2007-2010). Esta hipótese se constata diante da debilidade econômica que a FATEC vinha
enfrentando sob a chancela do Instituto CENTEC em Limoeiro do Norte, a possibilidade de
tornar-se parte da Rede Federal de Educação Tecnológica foi extremamente oportuna,
conforme a fala de Antinoo2 quando comentou: “o Instituto CENTEC estava com os dias
contados muitos (professores e servidores) já se preparavam para buscar novos postos de
trabalho”. Com este indicador, infere-se que a instituição via uma saída com a incorporação
na rede federal, apresentando-se, a priori, como única alternativa viável para conservação da
instituição, pelo menos em parte, logicamente com outro formato. Confirmando o exposto,
resgatamos o depoimento de Poseidon3: “A rede federal foi um alívio para o Estado”.
Esta hipótese se apresenta como indicação provável de que tenha havido
contrapartidas determinantes para a incorporação da FATEC, do Instituto CENTEC, no
município de Limoeiro Norte à Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica, a qual
foi descortinada no âmbito da investigação do estudo em questão, acessível no corpo da
pesquisa, no sentido de negar, afirmar e/ou identificar aspectos impossibilitados de serem
vislumbrados inicialmente. Foi levantada a hipótese, ao mesmo tempo, se a federalização do
Instituto CENTEC para o CEFET- UNED e, por fim, ao IFCE, em Limoeiro do Norte, esteve
ligada à conformação a uma tendência das necessidades do capital atualmente. Considerando
assim como efeito das nuances da globalização que repercute em larga escala o fomento sobre
a educação técnica e tecnológica, assim como nas demais modalidades do ensino superior,
particularmente nos países em desenvolvimento.
A educação carrega consigo o emblema caraterístico do tipo de sociabilidade que
representa e que a institui, tendo em vista as mutações do sistema econômico em vigor. A
base legal (amparada na Lei 11.892, de 29 de dezembro de 2008) e os documentos oficiais da
2 PROFESSOR(A). Entrevista concedida em 19 de fevereiro de 2016, em Limoeiro do Norte.
3 TÉCNICO(A). Entrevista concedida em 30 de março de 2017, em Limoeiro do Norte.
17
rede federal de educação profissional e tecnológica, tais como apresentam os consultores
técnico-científicos da rede, em Silva (2009) e Pacheco (2010), dizem estar apontando para um
ensino progressista e emancipador, negando e até mesmo colocando-se como um marco na
ruptura da educação de patrões e empregados, como bem aponta a teoria da escola dualista
percebida no cenário nacional, conforme identifica Saviani (2009).
Contudo, é possível vislumbrar, nas entrelinhas, aspectos convergentes e/ou
indissociáveis com a ideologia neoliberal imposta pelos organismos internacionais, tais como
o Banco Mundial (BM), Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD),
Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Organização das Nações Unidas (ONU),
Fundo Monetário Internacional (FMI) mesmo diante da “nova” proposta educacional
apresentada. Elucidados pela leitura de dados da realidade em questão, como a oferta da
maioria das vagas (50%) na rede federal de ensino para a educação de nível técnico.
Nesse cenário, os organismos internacionais têm grande impacto nas políticas de
educação, sobretudo em países em desenvolvimento. Em linhas gerais, estes objetivam uma
educação mínima com a universalização da educação básica. A referida educação trata-se de
caráter estritamente vinculado a empregabilidade para garantir o desenvolvimento econômico
requerido no mundo do trabalho. As políticas da educação orquestradas pelos organismos
internacionais se erguem;
A partir dos valores e da lógica vigente no mundo dos negócios, tendem a moldar o
processo de formação humana a partir de seus conceitos mercadológicos e, em
última instância, moldar e justificar a organização social humana segundo os seus
interesses. (SABII, 2012, p. 08).
Diante desses dados, percebe-se que a realidade investigada, ou seja, os Institutos
Federais e por consequência o IFCE, Campus de Limoeiro do Norte, é, a priori, compatível
com a política de sociabilidade do capital, explicada especialmente pelo interesse com
segmento de ensino técnico, quando se apresenta como uma formação aligeirada,
perceptivelmente na qualificação profissional, podendo acontecer em até 18 meses, no caso
do ensino técnico subsequente, ofertado no IFCE, Campus de Limoeiro do Norte.
Neste sentido, as políticas de ensino profissional, conhecidas ao longo da história
da educação brasileira, não se identificam com a noção de politecnia apontada por Marx e
desenvolvida por Gramsci. Importante ressaltar que a politecnia concebe uma educação
indissociada do trabalho (CASSOL; SILVA, 2015), opondo-se também ao ensino
18
profissionalizante de maneira geral, visto pelos moldes que se conformam especialmente em
países em desenvolvimento. A escola politécnica objetiva promover o mais alto grau de
elevação da potencialidade humana, para isso rompe-se com a perspectiva dualista de ensino
(teoria X prática). É importante frisar que tal ideário ainda não encontrou aplicação concreta
mesmo nas propostas mais genuínas e/ou firmes dos regimes de esquerda que tendem a
compactuar com tal ideário, ainda se configura na zona do “inédito viável”, assim como
argumenta o conceito de utópico em Paulo Freire. Não se tratando de uma educação
profissional como estranha ao homem que o faz, mas considerando o trabalho um elemento
imprescindível para formação humana nos seus diversos aspectos: intelectual, material, social
e político (JESUS, 2005).
Diante da discussão de qual tipo de ensino se propõe, coloca-se o locus do
fenômeno, onde foi possível notar que é eleita a carga horária mínima estipulada pelos órgãos
reguladores, a qual também repercute nos cursos superiores do IFCE, Campus de Limoeiro do
Norte, se comparado às universidades, que vem sendo modificado recentemente (com
alterações nos documentos da matriz curricular – aguardando implementação) por força de
determinações legais em nível nacional, como a eleição da quantidade mínima de semestres
para licenciatura, por exemplo. O Conselho Nacional de Educação (CNE), através da
Resolução do CNE/CP Nº 02 de 1º de Julho de 2015, se encarrega de alterar a quantidade
mínima de formação do licenciado, antes 2800hs, para 3200hs, com distribuição agora em, no
mínimo, 08 semestres para integralização do curso. O curso de licenciatura em Educação
Física no Campus Limoeiro do Norte, por exemplo, nasceu com apenas 07 semestres, embora
obedecendo à carga horária mínima.
Contudo, o acondicionamento em menor número de semestres só foi possível
diante da escolha da carga horária mínima obrigatória, dada em decorrência da orientação da
gestão, que objetivava um curso mais curto possível. O que gostaríamos de evidenciar aqui é
o tempo de permanência da graduação, que se diminui um semestre se comparado às
licenciaturas nas universidades, falando de forma geral. Consideramos que essa diminuição na
permanência do licenciado nos cursos de graduação dos IF’s, a exemplo do IFCE, Campus de
Limoeiro do Norte, pode impactar na formação do acadêmico.
Por entender o tempo de formação do aluno como fator maturacional de uma
maior apropriação dos saberes em todas as esferas que a instituição de ensino superior propõe,
para além das aulas regulares, mencionamos aqui também as formações promovidas que
margeiam a própria dinâmica do ensino superior, tais com as agremiações, os fóruns de
debates, ações científicas, políticas e culturais que florescem na rotina acadêmica. Por
19
conseguinte, das novas exigências de formação docente por determinação do CNE, todas as
licenciaturas deverão ser ofertadas em, no mínimo, 08 semestres. Diferentemente da resolução
atual, a prerrogativa de flexibilização no número de semestres para a integralização das
licenciaturas possibilitou que o IFCE, Campus de Limoeiro do Norte, suprimisse 01 semestre.
Observa-se que o uso desse arranjo legal se constitui em um diferencial na formação mais
rápida desse profissional, conforme a lógica histórica do aligeiramento da educação
profissional.
A respeito dos cursos ofertados pelo Instituto CENTEC, assim como IFCE,
Campus de Limoeiro do Norte, ocorre um perfilhamento com os interesses da lógica do
mercado. A implantação de cursos, ainda que sob a recomendação das necessidades do
mercado, não traz garantias nem quanto à eficiência da formação e, especialmente, no que se
refere à conquista de postos de emprego. Entendemos que a politica de educação profissional
é forjada sob os anseios dos organismos internacionais. Estas políticas afirmam que os
mecanismos de qualificação de mão de obra são suficientes para alavancar o crescimento de
posto de emprego, porém, se trata de falácia. Visto que o produto da qualificação consiste
apenas num status de empregabilidade, que depois “são colocadas na agenda pública as
políticas de formação de mão de obra, na perspectiva de empregabilidade e não de emprego”,
conforme Faleiros (2009, p.75 apud GARCIA; SOUZA, 2014, p.05).
Nesse sentido, as políticas públicas de educação profissional, assinaladas pelos
organismos internacionais, fazem a transposição das regras do mercado para a educação. Com
isso “garante que o mercado disponha de profissionais preparados para suas demandas, mas
não garante que esses profissionais ainda que empregáveis, tenham acesso ao emprego”
(GARCIA; SOUZA, 2014, p.16). As políticas de educação profissional recomendadas pelos
organismos internacionais representam de fato os interesses do mercado, e neste prisma a
educação se torna um capital humano que concede ao homem apenas o tíquete para disputar
uma vaga e não lhe assegura qualquer conquista, ao contrário, “na verdade a exigência de
qualificação e habilidades especiais para atuação no processo produtivo se configura como
critério de seleção de trabalhadores justificando assim o desemprego” (GARCIA; SOUZA,
2014, p.19). Desse modo, a educação se configura com critérios, ou seja, medidas para excluir
mais do que para admitir nos postos de emprego.
Diante desse cenário de educação profissional, o estudo ganha relevância ao
possibilitar uma reflexão sobre as questões que permeiam a concretização ideológica
propaladas nas políticas de implantação da rede federal de ensino profissional e tecnológico,
através do processo que fomentou a unidade do Instituto Federal de Educação, Ciência e
20
Tecnologia em Limoeiro do Norte, a qual afirma objetivar a formação de indivíduos críticos e
atuantes na construção de uma sociedade balizada na democracia e equidade para todos, e que
caminhe na contramão de uma educação para o capital, avessa a simples capacitação para
ofícios.
Elencamos como objetivo geral deste estudo: Investigar o processo pelo qual se
deu a criação do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE) na
cidade de Limoeiro do Norte, a partir dos enfrentamentos, resistências e interesses políticos,
econômicos e sociais envolvidos neste processo de substituição/transformação da Faculdade
de Tecnologia (FATEC), do Instituto CENTEC, de Limoeiro do Norte. Os objetivos
específicos se configuram como desdobramentos para o alcance da reflexão fundante. São
eles:
a) Compreender, através da análise do ordenamento legal a nível nacional e
estadual, como ocorreu o processo de substituição/transformação da Faculdade de Tecnologia
(FATEC), do Instituto CENTEC, de Limoeiro do Norte em IFCE.
b) Analisar a política de educação profissional e tecnológica promovida pelo
Governo do Estado do Ceará a partir da década de 1990, no intuito de entender os motivos
que possibilitaram a transmissão de responsabilidades com a educação profissional e
tecnológica desenvolvida pelo Governo do Estado do Ceará em Limoeiro do Norte ao
Governo Federal.
c) Refletir acerca da política de educação profissional e tecnológica implementada
pelo governo Lula da Silva, a qual possibilitou a criação do IFCE na cidade de Limoeiro do
Norte, considerando como aconteceu a mudança na oferta de cursos da então FATEC, do
Instituto CENTEC, de caráter tecnológico para cursos diversificados, como licenciatura no
IFCE, Campus de Limoeiro do Norte.
Para alcançar tais objetivos traçamos o percurso ancorado no materialismo
histórico-dialético, uma vez que ele se configura como método marcado pela análise profunda
dos determinantes sociais, políticos e econômicos que permeiam o fenômeno educacional
estudado.
Buscamos uma reflexão que, a partir do estudo de natureza descritiva em que foi
confrontado o objeto, garantisse, ao mesmo tempo, a reflexão sobre os desdobramentos que
cercaram a problemática.
A análise também foi guiada pelo contexto histórico, sendo fundamental para
compreensão ampla e desvendada da prática social focada, uma vez que esta reflete a
21
realidade social concreta e contraditória imersa no bojo de necessidades e interesses próprios
de agentes distintos da esfera social.
Conduzido por uma análise bibliográfica-documental, buscando elementos num
conjunto de entrevistas com sujeitos envolvidos no processo, empreitou-se elucidar o
processo da história da FATEC, do Instituto CENTEC, em IFCE, Campus de Limoeiro do
Norte, a partir da política de educação profissional e tecnológica implementada pelo governo
Lula da Silva. Diante do exposto, foram alcançados os objetivos propostos, debruçando-se
nos documentos oficias e ordenamentos legais.
Os dados foram colhidos num período de seis meses, partindo da análise dos
documentos e bibliografias referentes à política da Rede Federal de Educação Profissional e
Tecnológica que suscitou a criação do IFCE, Campus de Limoeiro do Norte, bem como
valendo-se de entrevistas com funcionários que permaneceram na instituição, conferindo
espaço para alguns relatos das vivências de sujeitos que puderam acompanhar essa trajetória.
Para conduzir a análise desse estudo elegemos um grupo de autores, dentre os mais
recorrentes citamos Libâneo (2012), Saviani (2007,2009), Frigotto (1989), Kuenzer (2011),
Ramos; Ciavatta (2011; 2012), Mészáros (2008) e Cunha (2000; 2005). As fontes
documentais apreciadas no estudo se tratam: Lei estadual nº. 12.781, de 30 de dezembro de
1997; Artigo 11 da Lei federal nº. 9.637, de 15 de maio de 1998, que versa sobre as
Organizações Sociais (OS) que regem os Institutos CENTEC; Lei nº 11.892, de 29 de
dezembro de 2008, criadora dos IF’s, estas duas são o foco da análise; Ainda consideramos
para uma leitura colaborativa o Decreto nº 5.224, de 1º de outubro de 2004, o qual discorre
sobre a organização dos Centros Federais de Educação, Ciência e Tecnologia e a Lei nº 11.
741, de 2008, tratando a educação profissional atualizando a LDB.
O estudo foi estruturado em cinco capítulos, sendo o primeiro a introdução, o
texto aqui apresentado. O capítulo dois trata do recorte teórico-metodológico em que o
trabalho se erigiu, reunindo especialistas do campo da educação e da pesquisa para
fundamentar as categorias centrais do estudo. O terceiro e o quarto capítulo tratam
especialmente do fenômeno da pesquisa. Sendo que o terceiro capítulo coloca o Instituto
CENTEC no contexto de Limoeiro do Norte, compreendendo a instituição como reflexo de
uma política de desenvolvimento econômico do governo a nível estadual e federal, com
repercussão também no IFCE. O quarto capítulo recebe o título Através do Mar Revolto, onde
é narrado e explicado o trajeto que o Instituto CENTEC percorreu até se conformar em
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia. Para isso sistematizamos as memórias
dos sujeitos e recrutamos as fontes documentais para descortinar esse enredo. E por último a
22
conclusão, que traz os elementos fundamentais para a compreensão da federalização do
Instituto CENTEC em Limoeiro do Norte.
23
2 ÂNCORA METODOLÓGICA-TEÓRICA: REUNINDO PRESSUPOSTOS
Ao segundo capítulo destinamos primeiramente a apresentação da conformação
metodológica do estudo, no intuito de guiar a incursão da investigação. Logo em seguida
requisitamos também os teóricos que tratam da temática em foco, no sentido de levantarmos a
política de educação profissional que deu origem aos IF’s, concatenando e analisando as
reflexões dos especialistas em torno do fenômeno em questão. Para isso, o quadro teórico ao
qual nos valemos ajudou a situar essa política numa perspectiva histórica e ideológico-política
de caráter global, vislumbrando assim as repercussões do plano local.
2.1 O FAZER METODOLÓGICO
Nesta sessão desenvolveremos os pressupostos eleitos para a análise e o
tratamento dos dados que foram continuamente aperfeiçoados no percurso da pesquisa, à
medida que atendem as necessidades de desvelar o fenômeno.
Como norteador da pesquisa, buscamos descortinar o seguinte objetivo geral:
investigar o processo pelo qual se deu a criação do Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia do Ceará (IFCE) na cidade de Limoeiro do Norte, a partir dos enfrentamentos,
resistências e interesses políticos, econômicos e sociais envolvidos neste processo de
substituição/transformação da Faculdade de Tecnologia (FATEC), do Instituto CENTEC, de
Limoeiro do Norte.
O objeto de estudo, ou melhor, o fenômeno – se convencionou por vezes com
distinção das ciências positivistas - ao ser estudado, indubitavelmente se configura uma
pesquisa qualitativa predominante sem prescindir dos dados quantitativos no instante em que
o próprio fenômeno é emancipado, ou seja, autônomo, com isso imprime sua personalidade
determinando a forma de análise, e o pesquisador apenas torna-se um coadjuvante nessa
eleição. A pesquisa qualitativa, para Minayo (1994), alcança um nível mais profundo dos
sentidos, valorações, hábitos e crenças num plano simbólico da linguagem. Nesse prisma, é
impossível de ser conformado em dados quantificáveis apenas. Afirmando tal concepção
sobre a natureza qualitativa de uma pesquisa, versa-se:
Por trabalhar em nível de intensidade das relações sociais (para se utilizar uma
expressão kantiana), a abordagem qualitativa só pode ser empregada para a
compreensão de fenômenos específicos e delimitáveis mais pelo seu grau de
complexidade interna do que pela sua expressão quantitativa. (MINAYO, 1993, p.
7)
24
Embora, muitas vezes, haja, na academia, distinção entre pesquisas quantitativas e
qualitativas, se vê de forma profunda que esta se dissolve no método marxista, a saber:
A importância atribuída tanto a dados quantitativos como qualitativos, utilizando-os
de modo complementar como contraprovas históricas, [...] O capital (1989), no qual
Marx, referindo-se à exploração do trabalho infantil, descreve-a com riqueza de
dados quanti-qualitativos (PRATES, 2012, p.121).
A qualidade e quantidade são faces do mesmo fenômeno que:
Tão somente a quantidade permite que nosso mundo qualitativo tenha uma estrutura
definida, sem deixar de ser qualitativo. No devir, a qualidade dura, se prolonga, se
repete, conserva-se a mesma no curso de um crescimento quantitativo gradual.
Lefebvre (1991, p. 211 apud PRATES, 2012, p. 123).
A pesquisa que utiliza características ditas de natureza quali-quanti é mais
coerente com o método marxista de pesquisa, pois utiliza a articulação de ambos os tipos de
investigação, podendo até ter predominância de um ou outro tipo, mas no cerce reconhece a
unidade dialética necessária entres estas (PRATES, 2012). No nosso estudo, esse movimento
se deu quando buscamos entender o fenômeno, observando que este se vale tanto de aspectos
quantificáveis quanto qualificáveis. No que se refere aos quantificáveis, partindo inicialmente
do número da população, amostra e da própria unicidade do estudo, além do volume de dados
disponíveis sobre a temática, a quantidade de tempo disponível para maturar o estudo. Todos
estes fatores são importantes e, sobretudo, impactantes na qualidade dos dados
documentários. Consolidado através do valor das teorias e autores consultados, assim como a
eficiência da depuração dos dados extraídos dos sujeitos (que se vale de produção/qualidade e
volume/quantidade dos discursos numa relação real).
A pesquisa atende também aos pré-requisitos para ser estudo de caso. Sendo o
IFCE, Campus de Limoeiro do Norte, uma realidade particular a ser perquirida,
consequentemente, suas singularidades e inferências não poderão ser generalizadas, tendo em
vista o caráter de aprofundamento conferido neste tipo de estudo. Diante desta manifestação
da pesquisa, Gil (2011, p. 57-58), conceitua o estudo de caso como “estudo profundo e
exaustivo de um ou de poucos objetos, de maneira a permitir o seu conhecimento amplo e
detalhado”, o autor ainda se vale do estudo de Yin (2003) para explicar os diferentes
propósitos em número de três, a que o estudo de caso atende, sendo que para o estudo do
IFCE converge para a terceira situação exposta, a qual é transcrita com a finalidade de
25
“explicar as variáveis causais de determinados fenômenos em situações muito complexas que
não possibilitam a utilização de levantamentos e experimentos (YIN, 2003, p.32 apud GIL,
2011, p. 58)”.
Objetivando esclarecer as problemáticas levantadas, foi eleito como referência o
método materialismo histórico-dialético, uma vez que este se configura como método capaz
de uma análise profunda dos determinantes sociais, políticos e econômicos que permeiam o
fenômeno educacional estudado. Superar a aparência do fenômeno e alcançar elementos que
possam concorrer para a essência, para Marx, na via do intérprete Netto (2011, p.22), é uma
etapa importante no processo de estudo, uma vez que essa é aprioristicamente necessária por
ser um aspecto da realidade, assinalado nestes termos: “[...] indo além da aparência
fenomênica, imediata e empírica – por onde necessariamente se inicia o conhecimento, sendo
essa aparência um nível da realidade e, portanto, algo importante e não descartável”. A
criação do IFCE a partir da substituição ou transformação da FATEC como oriundo de uma
determinação legal é a aparência do fenômeno do estudo em voga aqui. O que se almeja como
a contemplação do real que se desprende do idealizado pelo pesquisador esforçando-se para
revelá-lo o mais próximo da sua concretude. Compreendendo-o com as suas múltiplas
determinações, que incorre naturalmente na subjetividade – desejos e contradições dos
sujeitos imbricados, aos que de forma explícita é dado poder em tal deliberação. E por último,
sem descartar os sujeitos que parecem ser esvaziados de poder – é nesta direção que se
prognostica a busca pela apreensão da essência, o real.
Tivemos consciência da complexidade da tarefa e, ao mesmo tempo, também dos
riscos que esse nome imprime sobre um estudo. Diante de história de adulteração, a qual foi
submetida à teoria de Marx, colocamo-nos cientes das dificuldades da teoria e, sobretudo,
pela aversão que por vezes se edificam sobre o tema e, sejamos honestos, sobre a oposição
que se faz ao método no instante em que este não se descola da postura nada
amistosa/conciliadora, nem tão pouco comportada, que Marx propõe.
A pesquisa ainda é classificada como explicativa. Entendendo como característica
basilar o levantamento e análise dos determinantes envolvidos no caso de estudo. O fenômeno
é o IFCE de Limoeiro do Norte, que será explicado a partir da análise de peculiaridade de
suas bases, ou seja, a FATEC ligada ao Instituto CENTEC. O município de Limoeiro do
Norte foi o piloto do Instituto CENTEC no Brasil, com a implementação da primeira FATEC.
A origem da educação tecnológica no viés no Instituto CENTEC a nível nacional é conferida
a um político natural do referido município. Tal levantamento e descoberta foram esclarecidos
por um sujeito da pesquisa ainda na aplicação do questionário piloto. A figura do deputado
26
Ariosto Holanda nos parece central para entender o caso Instituto CENTEC em Limoeiro do
Norte. O protagonismo do deputado na historia do Instituto CENTEC de Limoeiro do Norte,
assim como sua presença no CEFET- UNED até a chegada do IFCE nesta cidade está
explicado no capítulo quatro (04).
A pesquisadora em questão se colocou no patamar de participação relativa no
fenômeno estudado, não podendo prescindir do entendimento de imersão desta no fenômeno e
no próprio lócus de estudo. Essa estabelece de forma explícita uma relação de laboralidade, a
qual não poderia ser omitida por conta do vínculo empregatício que instigou a escolha do
estudo diante da identificação com a categoria de servidor público e, sobretudo, docente.
Desse modo, buscamos entender como esses sujeitos perceberam e foram impactados por esse
fenômeno/acontecimento.
Como é sabido, Marx não se propôs a desenvolver um estudo sobre um método de
análise, embora o materialismo histórico-dialético seja uma ontologia, um estudo do ser.
Daquilo que na concepção marxiana remetia ao complexo fundante: o trabalho. Considerando
que o trabalho é fundamental e particularmente comum à espécie humana. Marx não se
dedicou a pensar uma epistemologia teórica do conhecimento que versasse sobre o
conhecimento das dimensões processuais e de valoração. Ainda assim a sua produção teórica
esta ancorada em método peculiar de analise da realidade que inaugura procedimentos
metodológicos que usou para compreender os modos de produção.
A teoria marxiana identifica regulações, leis que caracterizam o fenômeno. Neste
viés, surgem as categorias de análise que são normatizações, permitindo compreender os
modos de ser e estar no mundo. São elas totalidade, contradição e mediação, estas são
fundamentais para se conceber o método em Marx.
A primeira categoria posta refere-se à totalidade de como compreender o
fenômeno IFCE, Campus de Limoeiro do Norte, numa dimensão micro sem desconsiderar sua
correspondência com as ideologias propaladas para educação na escala mundial,
particularmente para os países em desenvolvimento que repercutem inegavelmente nas
diretrizes e propostas de educação para as massas, a categoria em voga, totalidade, certamente
é estratégica neste estudo.
A contradição é uma das categorias centrais em Marx, considerando
especialmente a apreensão do real numa dimensão dinâmica que não se torna imóvel quando
dada à apreciação. Pelo contrário, remete ao estudo de um fenômeno vivo, orgânico, que deve
ser compreendido mesmo em movimento e especialmente no movimento, para assim garantir
a contemplação da concretude deste. O IFCE foi forjado literalmente em meio a contradições
27
de forma real, ao que se refere às posições dos sujeitos imbricados nesta instituição. Diante
das dimensões deliberativas e de poder que eram próprias de um grupo de sujeito, a saber, os
legisladores e o executivo, que não iriam ser implicados diretamente. Estes possibilitaram o
surgimento da rede, nas dimensões nacional e local na nova configuração da instituição.
Por último, a mediação encarna a natureza simbólica a que o fenômeno se faz.
Conhecer a primeira feita se dá pela aparência num plano sensório e dedutivo. Contudo, deve
ser logo superada para estabelecer as conexões necessárias para compreensão da realidade.
Tal entendimento deve se descolar do senso comum, reconhecendo que o homem possui
poder de transformar no instante em que compreende a realidade e alcança as abstrações do
concreto, num movimento que se dá puramente no intelecto, mas se presta a identificar os
elementos/determinantes que conformam o real. Desta feita, a mediação neste estudo partirá
da análise de forma, contorno, textura, volume que o IFCE, em Limoeiro do Norte, se erigiu.
Dito de outro modo, foi levado em conta as impressões, anseios, valorações como traduções
destas primeiras características assinaladas. Estes dados foram acessados através dos sujeitos
que vivenciaram o fenômeno, ao mesmo tempo em que as mediações se dão pelos discursos e
via documental. Com isto pudemos entender as configurações deste fenômeno e verificamos
se de fato, o IFCE, Campus de Limoeiro do Norte, representa um projeto superador da
educação dualista, se propondo a ter uma perspectiva progressista de educação.
Freitas (2007) afirma que o método em Marx revela o fundamento do ideário
marxista que é a categoria no e do pensamento sui generis, avessa a considerar o método
como técnicas e procedimentos estéreis de ideologia.
É importante pontuar a distinção de categorias de análise e de conteúdo, assim
chamadas respectivamente categorias gerais e específicas. Antes de mais nada, categorias
representam um tipo de procedimento que é comum nas pesquisas qualitativas, segundo
Minayo (2001, p.70), servindo ao intento de reunir aproximações comuns de um conceito.
Vejamos logo adiante os pormenores das categorias: “[...] são empregadas para se estabelecer
classificações. Nesse sentido, trabalhar com elas significa agrupar elementos, ideias ou
expressões em torno de um conceito capaz de abranger tudo isso”.
As categorias gerais identificadas como mote das discussões se mostraram na fase
exploratória da pesquisa. Assim como na coleta de dados, Minayo (2001) esclarece que as
categorias deveriam ser eleitas previamente antes do trabalho de campo, embora no
tratamento dos dados surjam as categorias específicas. Desta feita, foram dois grupos de
categorias: as gerais e as específicas. No primeiro grupo foram elencadas: a) totalidade, no
sentido de compreender as articulações e nexos com diversas instâncias que o fenômeno se
28
emaranha para explicá-lo; b)trabalho, atividade imbricada de humanidade e sua demanda para
escolarização na sociabilidade do capital; c) políticas educacionais da educação profissional,
analisando a repercussão destas políticas na dimensão da globalização e sua materialização no
ensino superior de perfil profissionalizante nos países em desenvolvimento.
As categorias específicas que emanam dos dados da pesquisa representam um
aspecto bem peculiar ao estudo e foram anunciadas como: a) O Hibridismo: Substituição e
Transformação da FATEC para IFCE em Limoeiro do Norte; b) A conciliação da educação
progressista e o ensino superior técnico e tecnológico.
As categorias específicas são de fundamental importância para apresentar, reunir,
classificar e, sobretudo, explicar a particularidade do fenômeno estudado. Estas foram eleitas
ou se fizeram no instante em que se compreende como cruciais para atender a
intencionalidade da pesquisa em questão.
Conduzido por uma análise bibliográfica-documental, empreitou-se elucidar o
processo de transformação da FATEC do Instituto CENTEC em IFCE, Campus de Limoeiro
do Norte, a partir da política de educação profissional e tecnológica implementada pelo
governo Lula da Silva. Diante do exposto, foram alcançados os objetivos propostos
debruçando-se nos documentos oficias e ordenamentos legais, que se tratam de/da: Lei
estadual nº. 12.781, de 30 de dezembro de 1997 e o Artigo 11 da Lei federal nº. 9.637, de 15
de maio de 1998, que versa sobre as Organizações Sociais (OS) que regem o Instituto
CENTEC; a Lei nº 11. 741, de 2008, tratando a educação profissional atualizando a LDB em
vigor; o Decreto nº 5.224, de 1º de outubro de 2004, que discorre sobre a organização dos
Centros Federais de Educação, Ciência e Tecnologia; e especialmente a Lei nº 11.892, de 29
de dezembro de 2008, que criou os IF’s. De segunda ordem, as fontes de dados documentais
foram pautadas em estudos científicos, em periódicos, matérias de jornal, editais dos
concursos públicos do CEFET- UNED, documentos do Estado do Ceará e municípios, tais
como: plano de desenvolvimento local e regional e dados da agência de desenvolvimento
econômico do Governo do Estado, informações pedagógicas dos cursos fundantes do Instituto
CENTEC e projeto pedagógico dos cursos do IFCE em Limoeiro do Norte, obra do deputado
Ariosto Holanda relacionada à idealização dos Institutos CENTEC, que convergiram sobre a
rede de educação profissional e tecnológica. Os dados foram colhidos num período de seis
meses, partindo da análise dos documentos e bibliografias referentes à política da Rede
Federal de Educação Profissional e Tecnológica que suscitou a criação do IFCE, Campus de
Limoeiro do Norte, bem como valendo-se de entrevistas com funcionários que permaneceram
29
na instituição, conferindo espaço para relatos vividos por sujeitos que puderam acompanhar
esse processo de transição.
A técnica de entrevista é um recurso utilizado na pesquisa em questão tendo em
vista considerar como fundamental a apreensão de dados referentes ao fenômeno da
conformação do IFCE, Campus de Limoeiro do Norte, no prisma de perceber com riqueza de
detalhes as impressões e informações do problema levantado no estudo. Para tanto,
apresentamos a definição de Minayo (2001, p. 57-58) a respeito da entrevista:
[...] ela não significa uma conversa despretensiosa e neutra, uma vez que se insere
como meio de coleta dos fatos relatados pelos atores, enquanto sujeitos-objeto da
pesquisa que vivenciam uma determinada que esta sendo focalizada.[...]. Através
desse procedimento podemos obter dados objetivos e subjetivos. Os primeiros
podem ser também obtidos através de fontes secundarias, tais como censos,
estatísticas e outras fontes de registros. Em contrapartida o segundo tipo de dados se
relacionam aos valores, às atitudes e às opiniões dos sujeitos entrevistados.
Utilizamos no presente estudo a entrevista na modalidade semiestruturada, a qual
se caracteriza por estabelecer perguntas previamente definidas, mas, ao mesmo tempo em que
permite flexibilidade quanto aos questionamentos que possam ser desencadeados na conversa.
O roteiro da entrevista (apêndice A) é constituído de seis (06) proposições e se dispõe a ser
desmembrado de forma maleável, não necessariamente seguindo a ordem de disposição das
perguntas, tendo em vista que nesta modalidade de técnica de coleta de dados a entrevista
pressupõe que a rigidez no diálogo não seja a vertente norteadora. Por vezes, quando
efetivamos a entrevista, o assunto abordado na questão um (01) remetia a outra proposição do
roteiro. Nesta feita, é importante que o entrevistador esteja atento e aberto para não perder a
riqueza trazida pela espontaneidade da conversa. A população e amostra do estudo foram
delimitadas com o intento de dar voz aos sujeitos que assistiram a gestação do IFCE, Campus
de Limoeiro do Norte. Nesta perspectiva foram elencados na categoria de: a) docentes (05); b)
técnicos administrativos (02); c) discentes (02); d) gestor (01); que vivenciaram o período de
instabilidade e transformação da FATEC, do Instituto CENTEC, para o IFCE em Limoeiro do
Norte, sem, contudo, nos esquecer da passagem pelo CEFET – UNED. Diante do exposto, o
número de sujeitos da amostra foi dez(10), o qual percebemos como significativo e
representativo para compreender o fenômeno. O capítulo quarto apresenta como os sujeitos
foram tratados. Para isso, optamos pelo uso de pseudônimos.
30
2.2 A RELAÇÃO EDUCAÇÃO-TRABALHO
A educação formal, conquista da evolução histórica do homem, representa
certamente um avanço indiscutível nos modos de viabilizar o status de civilização moderna
que desfrutamos hoje, fruto de uma trajetória de dois mil anos de história humana.
Compreender esses processos educacionais e a configuração destas organizações são
temáticas recorrentes no âmbito acadêmico, o entrelaçamento com áreas de conhecimento,
tais como história, políticas públicas, sociologia e filosofia se fazem imperiosas com
frequência, a fim de desvelar a realidade complexa que cerca as instituições educacionais.
O empenho em congregar estas áreas distintas de conhecimento converge para
debruçar-se sobre o fenômeno da educação institucionalizada. Os processos de escolarização
vivenciados nos últimos anos no país acompanham uma tendência global ditada pelo trabalho
moderno. O modo de produção do capital requer instrumentalização da educação, os
organismos internacionais, tais com Banco Mundial, Organização das Nações Unidas (ONU),
Fundo Monetário Internacional (FMI) dão o tom em boa medida na formatação das políticas
educacionais. A discussão da educação formal provoca a análise sobre a raiz e o propósito da
educação para o gênero humano, que se imbrica de forma indissociável com o trabalho. As
instituições escolares de educação básica, ensino técnico, tecnológico, ensino de graduação e
pós-graduação são nomeados de educação formal por teóricos como Libanêo (1994), que
apontam para uma universalização dos processos de formação com vista à preparação para o
trabalho.
É importante pontuar que houve um tempo em que o trabalho era imediatamente
educação, no instante que o ato de trabalhar já era em si o espaço de educação de forma
indissociável da instrumentalização para este. Ou seja, a educação se dava pelo trabalho, por
transmissão verbal e gestual das técnicas e modus operante. Neste período podia-se prescindir
da instituição escola (SAVIANI, 2009).
A educação deliberada, formal ou intencional se mostra forjada sobre a égide da
apreensão e socialização dos conhecimentos historicamente acumulados pelo homem. Embora
por vezes, resguarde dos holofotes a natureza indissolúvel desta, que tem causa e fim no
trabalho. O trabalho é caracterizado como um complexo4, na perspectiva lukacsiana – o termo
4 Para Lukács, complexo designa a compreensão de um fenômeno fruto de múltiplas determinações gestadas no
seio social, dentre os complexos, o trabalho é considerado o complexo fundante do homem. Apoiamos-nos em
Lara (2015, p.02) para caracterizar a categoria complexo: “As análises lukacsianas partem do pressuposto de
que os processos sociais só são compreensíveis como partes do organismo complexo. A sociedade é composta
por complexos de complexos, em que o próprio homem biológico é em si um complexo e, sobretudo, enquanto
31
complexo refere-se às categorias basilares para compreensão do gênero humano. Destarte, o
trabalho se configura como uma potencialidade exclusivamente humana, repercutindo na
supremacia dos homens diante de toda e qualquer espécie.
Por este prisma, a história esclarece aspectos importantes quanto à
criação/invenção da educação nos moldes que se assemelham a práticas com potenciais de
reprodução, tendo sido elaboradas para atender ao elemento fundante, trabalho, como
premissa imanente ao homem. É importante pontuar a conotação de trabalho, aqui se trata do
trabalho intelectual, ou seja, capacitar os homens para liderar os que de fato trabalham
(SAVIANI, 2011). O mesmo autor destaca que “a história da escola começa com a divisão
dos homens em classe” (SAVIANI, 2011, p. 8).
A educação a que se refere este estudo é aquela que se apresenta de modo formal
ou institucional. Deste modo, as instituições escolares têm representado um tipo de educação
oriunda da estratificação social “com o aparecimento de uma classe que não precisa trabalhar
para viver, surge uma educação diferenciada. E é aí que está localizada a origem da escola”
(SAVIANI, 2000?, p. 2). A educação iria atender como gênese à classe ociosa, uma vez que,
“a palavra escola em grego significa o lugar do ócio. Portanto, a escola era o lugar a que
tinham acesso as classes ociosas” (SAVIANI, [2000?], p.2).
Em contrapartida, o trabalho era o princípio gerador de educação para o
trabalhador. Ou seja, a educação para a maior parcela da população dos trabalhadores se dava
no e pelo trabalho, restringindo-se a esse. Isto após o “comunismo primitivo”, ou seja, no
advento da sociedade de classes esse tipo de educação era suficiente, se não, vejamos em
“contraposição, a educação geral, a educação da maioria era o próprio trabalho: o povo se
educava no próprio processo de trabalho. Era o aprender fazendo. Aprendia lidando com a
realidade, aprendia agindo sobre a matéria, transformando-a” (SAVIANI, [2000?], p. 2).
Neste momento, nos deparamos com o dilema quando se colocam os avanços da
civilização. Estes avanços são propiciados pelo modo de produção do capital, sendo a
educação formal um fator decisivo para tal. A sofisticação dos modus de viver humano
alcançados pela tecnologia e ciência para a vida dos indivíduos se deu na conjuntura do
capital, portanto, pelas vias da sobrepujança de uma minoria sobre um coletivo denso. Essas
melhorias alcançadas pelo modo de produção em que a expropriação do homem sobre o
complexo humano-social, jamais pode ser decomposto. [...]. A questão central da abordagem é estudar o
“objeto”, a partir de sua historicidade e preponderância social, sempre relacionado à particularidade e
universalidade. Assim, as categorias que expressam formas de ser e determinações da existência estão
prevenidas das abstrações logicistas”.
32
homem é engrenagem apriorística, especialmente o capital têm suas bases em “[...] uma classe
ociosa, ou seja, uma classe que não precisa trabalhar para viver: ela vive do trabalho alheio”
(SAVIANI, 2000?, p. 2).
A escola como encarnação da educação, se consolidou com a primazia de atender
ao ócio da classe dominante, mas não a qualquer tipo de ócio. Na Idade Média, a escola –
lugar do ócio – precisava ter um caráter produtivo para a vida aristocrática. Este era o “ócio
com dignidade”. Nele estava em pauta a formação para o exercício da nobreza, que incluía a
arte militar e atitudes corteses, “neste contexto, a forma escolar da educação é ainda uma
forma secundária que se contrapõe como não trabalho à forma de educação dominante
determinada pelo trabalho” (SAVIANI, 2000?, p. 3). A dignidade perseguida pela escola/ócio
provinha de princípios que garantiriam a este grupo reunir condições de permanecer
subjugando. Tais tarefas versam sobre apropriação de dialética, hábitos/atitudes polidos e
desenvoltura na arte militar, propriedades perquiridas pela nobreza galgando para o
burgo/modus urbano que se inauguravam.
Já na Idade Moderna encerrou-se a estratificação de classes pelo direito natural,
hereditário (a servidão passa de pai para filho, assim como a nobreza), inaugurando as
relações dominantemente sociais, mantidas por uma convenção contratual. Sai de cena a ideia
de comunidade e instalam-se as bases da sociedade. Todos têm possibilidade de ser
proprietários, o liberalismo é anunciado com força. Embora no Brasil, ainda nesse período,
estivesse em vigor o escravismo, tornando anacrônica a relação homem livre e mão de obra
escrava, já que a abolição escravista aconteceu bastante tardia no país, adiando, desse modo, o
liberalismo econômico. O capitalismo se instala para garantir a liberdade de dispor ou
comercializar a força de trabalho, ao mesmo tempo em que para isso captura do sujeito o
vínculo com seus meios de existência. A educação, neste prisma, ganha novos olhares a partir
do momento em que “a sociedade contratual, baseada nas relações formais, centrada na cidade
e na indústria, vai trazer consigo a exigência de generalização da escola” (SAVIANI, [2000?],
p.05).
É importante mencionar a distinção das formas de trabalho consolidadas e
hierarquizadas pelas civilizações ao longo do tempo, no que se refere a reconhecimento e
credibilidade destes tipos de trabalho radicalmente distintos, se apresentando este em duas
modalidades: manual e intelectual. Tal bifurcação, há pouco mencionada, reverbera de modo
impactante nas manifestações educacionais cultivadas, ou melhor, disponíveis para os
coletivos sociais, convergindo para o que se espera de determinada classe quanto a postular
posições laborais nas formas de sociabilidade ou modos de produção que primam pela
33
sobrepujança de um grupo sobre outro, conforme se vê historicamente - escravismo, asiático,
feudalismo, capitalismo; que se acentua em determinados tempos históricos.
A correspondência entre educação e trabalho tem nexos vigorosos, enquanto
pensamos nas implicações e repercussões da instrução, consideremos fatores como tempo de
permanência, forma e ideário desta educação para o exercício do trabalho, ou melhor, dos
tipos de trabalho e a quê se destinam estes. Como veremos, o ensino profissional conta com
importantes marcas históricas no Brasil até chegarmos ao modelo, dentre eles ao dos IF’s.
O trabalho atrelado à educação, tratado há pouco na dimensão ampla, agora parte
para o contexto do Brasil, buscando reconhecer as repercussões da história geral para a
particular, alinhando aos determinantes que caracterizam a realidade da educação profissional
no Brasil. A educação profissional no Brasil remonta desde o período imperial à república,
que compreende século XIX, estimado entre os anos 1822 a 1889, tendo como dirigente Dom
Pedro I e Dom Pedro II. Elegemos Cunha (2000; 2005) para tratar das bases do ensino
técnico-profissional no Brasil. Para isso, o faremos sob três marcos históricos, a saber: Brasil
Imperial escravocrata; Brasil Imperial pós-escravocrata; Brasil República.
2.2.1 Brasil Imperial escravocrata
A tarefa de perpetuação dos ofícios se dava de forma espontânea, de geração a
geração, no que concerne ao processo de transmissão desses saberes. (CUNHA, 2000).
No Brasil os processos de formação de novos profissionais se davam de maneira
peculiar. No que se refere à apropriação de um ofício, não estava em jogo apenas o trabalho,
mas quem o exercia. Os escravos no Brasil desempenhavam toda sorte de trabalhos
manuais/braçais e isto repercutiu em cheio sobre a escolha de um ofício (CUNHA, 2000).
O fato de exercer, naquele período, um trabalho que é ou foi exercido
fundamentalmente por escravos, transmitia irremediavelmente a ideia de falência de
dignidade, nobreza ou valoração. Uma vez que nessa análise se materializa a concepção
dualista de trabalho: trabalho manual (como relés, vil) se contrapondo ao trabalho intelectual
(honroso, nobre, respeitado). Somada à esta dualidade valorativa de trabalho agrega-se a
questão da coisificação do sujeito que exercia esse ofício, ou seja, o escravo era também
objeto do seu patrão/dono, assim como o fruto do seu trabalho, ele também faz parte da
propriedade, vejamos tal constatação:
34
O emprego de escravos como carpinteiro, ferreiro, pedreiro, tecelões etc, afugentava
os trabalhadores livres dessas atividades, empenhados todos em se diferenciar do
escravo, e que era da maior importância diante dos senhores/empregadores que
viviam todos os trabalhadores com coisa sua. (CUNHA, 2000, p. 90, grifo nosso).
Desse modo, “as escolas” de ofícios eram designadas na sua gênese aos
miseráveis, nas quais estavam os órfãos, os abandonados, os desvalidos. Estes jovens, à mercê
da sorte, eram encaminhados a trabalhar como artífices nos arsenais militares e da marinha.
(CUNHA, 2000).
Como se pode notar, as raízes da educação profissional são problemáticas, uma
vez que o ensino de ofícios não era voluntário, ao contrário, era impositiva. (CUNHA, 2000).
A semelhança deste formato de educação profissional que se institui a instrução de ofício
destinada às crianças e jovens desvalidos ocorria também na Europa, especificamente na
Inglaterra, além da França e norte da Europa. Vejamos:
No século XVIII, na Inglaterra, foram criadas casas de trabalho para o internamento
e disciplinamento das crianças, os workhouses, com o objetivo de educá-las na
disciplina e hábitos necessários para futuramente trabalhar nas indústrias. (PADOIN;
AMORIN, 2016, p. 3).
A primeira instituição formal embrionária de ensino profissional no Brasil
Imperial foi o Colégio das Fábricas, criado em 1809, no Rio de Janeiro, para abrigar órfãos
portugueses recém-chegados no Brasil. O ensino inicial versava para os ofícios nos cais dos
navios, nos hospitais, nos arsenais militares ou da marinha, progressivamente foi acrescida a
alfabetização, ou melhor, as “primeiras letras”, e por último o ensino primário. (CUNHA,
2000).
As casas de Educandos Artífices foram continuadas durante 10 governos
provinciais das décadas de 1840 a 1856, seguindo um padrão militar, capturando a hierarquia
e a disciplina como motes desse processo educacional para os ofícios, consoante o mesmo
autor.
Já na década de 1870, ainda no século XIX, é criado o Asilo dos Meninos
Desvalidos, no Rio de Janeiro, abrigando crianças da extrema pobreza com idade entre 06 a
12 anos. Estes recebiam instrução primária, e, posteriormente, disciplinas especiais de
conhecimento do mundo do trabalho e de cultura geral, e por fim aprendiam um ofício. Ao
final, digamos de sua educação profissional, estaria ligado à instituição por ainda três (03)
anos, trabalhando para pagar os investimentos na sua educação e reunindo uma espécie de
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poupança para o seu sustento e proveito no período de encerramento de sua estadia no asilo.
(CUNHA, 2000).
2.2.2 Brasil Império pós-escravocrata
As modificações do sistema de produção impulsionaram novas demandas
educacionais no momento regido pela produção manufatureira no Brasil, isto no século XIX.
Neste contexto, iniciou-se uma mobilização para ensino de artes e ofícios e ao mesmo tempo,
por isso mesmo, o amparo de órfãos, a quem se destinaria essa instrução. O diferencial nesse
instante se dá pelos mantenedores dessa instrução, nessa época estava sendo organizada uma
associação, composta por burocratas do Estado, tais como civil, militar e eclesiástica, além de
nobres, fazendeiros e comerciantes. Em contrapartida, tal sociedade civil tinha “dotações
governamentais”, isto é, verbas específicas para fins públicos. Havia também a possibilidade
dos próprios artífices fazerem parte da sociedade, embora as organizações que obtinham
sucesso fossem as que os sócios injetavam os próprios recursos ou ainda aqueles que tinham
amparo do Estado (CUNHA, 2000).
Como exemplo de sociedades civis apontamos os liceus de artes e ofícios, e foi no
Rio de Janeiro, em 1858, que surgiu o primeiro liceu. Um ano antes a Sociedade Propagadora
de Belas-Artes é fundada com o propósito de criar e conservar o liceu de artes e ofícios, neste,
é interessante notar, o seu acesso era livre, exceto no primeiro momento, para os escravos.
Apesar de uma nova roupagem que se anunciava na educação profissional, no que concerne à
adesão voluntária, ao financiamento e fundamentalmente ao tipo de educação com um caráter
mais amplo, esta não se materializou como pretendido, se conformando apenas no ensino das
artes, não os ofícios, já que não dispunham de laboratórios para o exercício destes ofícios
(sem oficinas) (CUNHA, 2000).
Este autor destaca ainda as intencionalidades do ensino voltado para os ofícios no Brasil
Imperial, seja oriunda do Estado ou da sociedade civil, comungavam dos seguintes ideais:
a) Imprimir a motivação para o trabalho; b) evitar o desenvolvimento de ideias
contrárias à ordem politica, de modo a não se repetirem no Brasil as agitações que
ocorriam na Europa; c) propiciar a instalação de fábricas que se beneficiariam da
existência de uma oferta de força de trabalho qualificada, motivada e ordeira; e d)
favorecer os próprios trabalhadores, que passariam a receber salários mais elevados,
na medida dos ganhos de qualificação. Ao final do império, com a chegada ao Brasil
dos padres salesianos, um novo elemento ideológico foi incorporado a esse conjunto
– o do ensino profissional como antídoto ao pecado. (CUNHA, 2000, p. 92).
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A trajetória da educação profissional no Brasil Imperial é perpassada por várias
nuances, embora algo permaneça recorrente, a nosso ver, o tipo: que é a educação rala,
elementar e os destinatários, pessoas menos “propensas” à carreira de excelência,
considerando o conjunto de ofícios e seus respectivos protagonistas.
2.2.3 Brasil República
Diante de ideias positivistas forjadas, partindo do pressuposto de Augusto Comte,
foi idealizado um plano de trabalho, ao qual todos os empregadores deveriam se encaixar com
indicativos de regulamentação do exercício do trabalho movido pela novas demandas de
produção. Ao mesmo tempo, tais ações exigiriam uma instrução maior dos operários, onde
seria necessária uma educação para assegurar o cumprimento do dever, trabalho, implicando
com isso um resgate à educação moralizadora (CUNHA, 2000).
Segundo Cunha (2000), o Asilo de Meninos Desvalidos sofreu uma modificação,
se tornando o Instituto de Educação Profissional com ressalvas, já que se institui uma
regulamentação do trabalho infantil. Antes as crianças de 12 anos podiam trabalhar nas
fábricas, com o decreto 1.313, de 17 de janeiro de 1891, não podiam mais. Embora houvesse
exceção para o trabalho nas tecelagens, em que as crianças entre 08 e 13 anos de idade
podiam ser admitidas a título de aprendizagem com carga horária de 04 horas, no máximo.
A princípio houve um apartamento do assistencialismo dos órfãos e desvalidos do
ensino profissional, a partir do decreto 722, de 30 de janeiro de 1892. Assim, estes jovens
seriam destinados a lugares de acolhimento desagregado agora de uma obrigatoriedade de
ensino profissional diante de sua condição de abandono, o mesmo autor.
O Brasil começou a ver com muito bons olhos a ideia de ensino profissional como
horizonte alternativo de massa de trabalhadores ou mesmo como instrumento para forjar esses
trabalhadores dóceis, no início do século XIX. Uma vez que, em 1909, o processo de
industrialização estava num frenesi, ao mesmo tempo em que a articulação dos sindicatos era
admirável, as categorias se solidarizavam aos colegas grevistas e paravam também suas
atividades. Neste contexto, esse proletário foi visto como nocivo e apontado como “corrente
anarcosindical”, formado por imigrantes estrangeiros, em boa medida. Diante desse cenário o
ensino profissional foi apontado como a saída para contenção das ideias subversivas.
(CUNHA, 2000).
A uma postura conservadora, quando a educação profissional seria moralizadora,
agregava-se um ditame progressista no sentido de desenvolvimento da nação a partir da
37
industrialização brasileira, inoculando a ideia de elevação do desenvolvimento para a pátria,
alcançando o status civilizatório de países europeus e do próprio Estados Unidos.
Essa concepção se materializou em políticas públicas no governo de Nilo
Peçanha:
Como presidente do estado do Rio de Janeiro, ele baixou um decreto criando, em
1906, cinco escolas profissionais – três para o ensino manufatureiro (em Campos,
Petrópolis e Niterói) e duas para o ensino agrícola (em Paraíba do Sul e Resende).
Em 1909, já presidente da República, Nilo Peçanha baixou o decreto 7.566, de 23 de
setembro, criando 19 escolas de aprendizes e artífices, situadas uma em cada Estado. (CUNHA, 2000, p. 94).
As Escolas de Aprendizes e Artífices se diferenciavam das demais escolas de
características similares quando “[...] tinha prédios, currículos e metodologia didática
próprios; alunos, condições de ingresso e destinação esperada dos egressos que as distinguiam
das demais instituições de ensino elementar” (CUNHA, 2000, p. 94).
É interessante colocar que as dezenove (19) escolas foram estabelecidas em todos
os estados da federação, com exceção do Distrito Federal e do Rio Grande do Sul, os quais já
possuíam escolas com esse propósito. Bem se destaca ainda que a distribuição igualitária de
escolas pelos estados, especificamente nas capitais, se dava quase de forma maciça. Não se
promovia com esse intento de justiça/igualdade, mas sim projetando interesses de visibilidade
do poder federativo. O critério para a instalação das escolas passou a largo dos interesses e
necessidades, ou mesmo potenciais manufatureiros das cidades que iriam receber estas
escolas, a revelia dos lócus de produção atuantes, de fato uteis/promissor para o
desenvolvimento daquela cidade. Cunha assinala essa leitura no instante em que diz:
Enquanto as escolas de aprendizes artífices obedeceram a um movimento centrifugo,
pois foram instaladas de modo disperso, uma em cada Estado, mesmo nos menores,
o processo de industrialização apresentava uma tendência centrípeta. (CUNHA,
2000, p. 95)
O mesmo estudioso conclui afirmando que esta política não era séria ou mesmo
lógica, já que suas ações não correspondiam aos espaços, onde garantiam uma aplicação real
da instrução e logo gerariam desenvolvimento, mesmo no sentido de rentabilidade econômica
para os empregadores. Importa considerar que a ordem do crescimento da indústria se dava na
dimensão espacial voltada para as regiões periféricas dos grandes centros e não nas capitais.
38
Essa política, no mínimo insana, repercutiu indiscutivelmente na longevidade e saúde da
educação profissional nestes termos na escola de aprendizes e artífices.
Observa-se ainda que as escolas de aprendizes e artífices deveriam ter a gerência
de ministérios distintos ao longo de sua vida. Primeiramente ligado ao Ministério da
Agricultura, Indústria e Comércio. Interessante notar que estas escolas, apesar de constituírem
um segmento educacional, indiscutivelmente estavam vinculadas ao setor produtivo
economicamente, e só a partir de 1930 foram guiadas pelo Ministério da Educação e Saúde
(CUNHA, 2000). Embora o Ministério da Educação e Saúde preservasse o Ministério anterior
da Agricultura, Indústria e Comércio, analisa-se que foi a perspectiva do desenvolvimento
econômico especialmente que erigiu o sistema federal de escolas de Aprendizes e Artífices
(CUNHA, 2005).
A vida destas escolas foi de 33 anos e está na ordem de 141 mil o número de
alunos que foram impactados por esse sistema educacional, de 1910 a 1942. Os anos gloriosos
se deram na década de 20, no que diz respeito ao funcionamento em grande volume de alunos,
em seguida houve um declínio. Aponta-se a falência desta empreitada devido à discrepância
“[...] os propósitos industrialistas de seus criadores e a realidade diversa de sua vinculação ao
trabalho fabril” (CUNHA, 2000, p. 94). O tipo de ofício ensinado era mais manufatureiro
(marcenaria, alfaiataria, sapataria, etc) do que industrial (tornearia, mecânica, eletricidade,
etc.), conforme se alardeava como propósito de um desenvolvimento da industrialização no
país. Tal circunstância se tornou ainda mais incoerente com a lógica do programa educacional
porque ocorreu de forma maciça, com exceção de São Paulo, devido sua frutífera
potencialidade de desenvolvimento e por consequência a necessidade de instrução para o
mundo do trabalho. (CUNHA, 2000).
Foram expostos alguns pormenores da história da educação profissional no Brasil
que apontam para iniciativas muitas vezes controversas e incongruentes, apesar de trazerem a
bandeira do desenvolvimento, o que custou certamente fissuras no projeto de
profissionalização e industrialização do Brasil, que com o tempo, adensadas a outros fatores
interferiram/comprometeram o curso da educação profissional no Brasil.
Nesse momento se encera a trajetória de parte da educação profissional no Brasil
no formato de Escolas de aprendizes e artes. Inaugura-se então o Sistema S5, através da
5 Diz respeito à associação de instituições que se destinam à formação profissional como gênese e a posterior
agregam ações como consultorias, assistência social, pesquisa e assistência técnica. Tem seus limites tênues e
ora difuso entre a iniciativa privada e o poder público na sua gestão/promoção, para mais ver Cunha (2000).
Recebe o nome Sistema S devido às demais instituições que se vinculam a esta iniciarem com a letra S, que
reúne 11 esferas. Destacam-se o SENAI e o SENAC, respectivamente, ligado à Indústria e o Comércio, como
39
criação do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – SENAI. O sistema S compreende
hoje 11 instituições, destas, pode-se destacar, além do SENAI, seu precursor, o Serviço
Nacional de Aprendizagem Comercial - SENAC e o Serviço Social da Indústria – SESI, com
grande abrangência em todo território nacional. Embora o SENAI mereça mais visualização,
tendo em vista sua importância no estudo no que diz respeito à educação profissional. O
ministro da educação, Gustavo Capanema, no mote da reforma educacional elegeu o SENAI
como sistema destinado ao ensino industrial, materializado no Decreto lei 4.073, de 30 de
janeiro de 1942. O SENAI foi instituído como fruto do interesse de industriais. É curiosa a
participação do Estado na constituição e funcionamento desses órgãos, que por si eram de
gestão privada, e, ao mesmo tempo, respondiam também ao Estado. Vejamos: “mas o
ambíguo estatuto do SENAI, uma instituição privada criada por ato estatal, propiciou
interpretações que ameaçaram seu próprio formato institucional” (CUNHA, 2000, p.102). A
atuação do SENAI na formação de operários qualificados lhe conferiu destaque, tendo um
crescimento vertiginoso impulsionado pelas mudanças do setor econômico, conforme se
observa quando:
[...] nos anos 40, iniciou suas atividades priorizando a aprendizagem industrial, para
qualificar o operariado para a indústria nascente; nos anos 50, foi a vez da
modalidade treinamento, correlativa à industrialização segundo os moldes da grande
indústria; nos anos 90, a ênfase recaiu na polivalência. Nos anos 70, a ênfase na
habilitação de técnicos de nível médio resultou mais da política educacional de
profissionalização universal e compulsória no ensino de 2o. grau do que de
mudanças efetivas do setor produtivo (CUNHA, 2000, p.102).
Contudo, não iremos expor a trajetória SENAI, nem mesmo a do Sistema S. A
intenção neste instante é sumariamente apontar a participação deste na educação profissional,
assim como outras esferas de instituições e/ou políticas públicas que se somam à constituição
da educação na ou para laboralidade no Brasil.
2.3 OS ASPECTOS BASILARES DO ENSINO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICO NO
BRASIL
O nosso fenômeno, isto é, o ensino profissional, situa-se temporalmente na década
de 1990. A trajetória da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica brasileira
protagonistas desta organização de setores produtivos. Originalmente se deu no Governo Vargas,
acompanhando a politica Nacional-Desenvolvimentista a qual o Brasil se empreitava.
40
fomentada no início do século XX passou por diversas mudanças desde a sua implantação,
alcançando formatos e visibilidade nacional consideráveis nos governos de Fernando
Henrique Cardoso (1995-1998, 1999-2000) e Lula da Silva (2003-2006, 2007-2010),
conforme Trigueiro (2014).
O ensino profissional aponta para uma concepção superadora da sociabilidade do
capital que se coloca com o viés de entrelaçar trabalho e educação de forma a democratizar e
garantir o acesso aos bens e/ou mecanismos de produção das riquezas através de uma
educação no e pelo trabalho. Recorremos a Gramsci para dialogar com tal ideário.
Gramsci apud Jesus (2005) indica como ideário a concepção de que a escola não
deve estar dissociada do mundo do trabalho, contrária à perspectiva de dicotomia de ensino
distinto para as classes sociais – patrões e empregados; contudo, a escola idealizada por
Gramsci busca ser “desinteressada”, termo que imprime um caráter de equidade e de
dimensão social do homem aliando conhecimentos profissionais com formação política,
cultural e reflexiva, ou seja, uma dimensão de ensino ampliado que garanta, ao mesmo tempo,
a capacitação para o trabalho bem como uma formação capaz de fazer o aluno refletir e
intervir na sociedade que o institui. Manacorda (1997, p.173 apud Jesus, 2005, p. 55)
manifesta a concepção gramsciana de educação, conforme pode-se perceber quando diz:
Gramsci propôs uma escola que excluísse os pontos de estrangulamento e que
integrasse as funções e os princípios educativos dispersos da escola atual. Uma
escola “nova” deve apresentar-se como escola de cultura e de trabalho ao mesmo
tempo, isto é, da ciência que se tornou produtiva.
Gramsci (1982) revela sobre a questão da dualidade do ensino:
A crise terá uma solução inicial de cultura geral, humanística, formativa, que
equilibre e equanimemente o desenvolvimento da capacidade de trabalhar
manualmente (tecnicamente, industrialmente) e o desenvolvimento das capacidades
de trabalho intelectual. Deste tipo de escola única, através de repetidas experiências
de orientação profissional, passar-se-á a uma das escolas especializadas ou ao
trabalho produtivo (GRAMSCI, p. 118).
A escola unitária ou de formação humanística [...] ou de cultura geral deveria se
propor a tarefa de inserir os jovens na atividade social, depois de tê-los levado a um
certo grau de maturidade e capacidade, à criação intelectual e prática e uma certa
autonomia na orientação e na iniciativa (GRAMSCI, p. 121).
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Os Institutos Federais (IF’s), nos seus documentos legais, se comprometem com
uma formação que converge para uma aliança do ensino profissional e científico, apontados
anteriormente por Gramsci, e, abaixo, nas palavras de Silva (2009):
Nosso objetivo central não é formar um profissional para o mercado, mas sim um
cidadão para o mundo do trabalho, o qual poderia ser tanto técnico, como um
filósofo, um escritor ou tudo isto. Significa superar o preconceito de classe de que
um trabalhador não pode ser um intelectual, um artista. [...] (SILVA, p.10-11).
O que está em curso, portanto, reafirma que a formação humana, cidadã, precede a
qualificação para a laboralidade e pauta-se no compromisso de assegurar aos
profissionais formados a capacidade de manter-se em desenvolvimento. (SILVA
p.16)
Saviani (2009) também confere importância fundamental ao processo de ensino
como instrumento de resistência contra a opressão sobre a classe trabalhadora. Nesse sentido,
as instituições de ensino formais podem se apresentar como espaço de desenvolvimento
humano, quando garante conhecimento necessário para a leitura de mundo que o aluno pode
exercer sobre a sociedade.
Frigotto (1989) discorre sobre o papel que o ensino tem cumprido na sociedade,
conferindo êxito no seu anseio mascarado que é a falência da educação pública quando esta
possui ares de resolutividade e eficácia supostamente intangíveis. Impregnando na população
a ideia que o sistema educacional envolve uma complexidade de ações que dificilmente serão
palpáveis mesmo diante dos esforços engendrados pelas políticas educacionais, uma vez que
os agentes diretos – alunos e professores – envolvidos no processo educacional têm a maior
parcela de responsabilidade no seu sucesso ou fracasso da trajetória escolar, já que a educação
é entendida com percurso predominante individual. Dessa forma, isentando o Estado da
responsabilidade na promoção de educação de qualidade.
A Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, e nesta os
Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, criados pela Lei nº 11.982, de
dezembro de 2008, se intitula como um marco na propagação da ruptura do ensino dualista
até então vigente no Brasil, comprometendo-se nos documentos oficiais a suscitar uma rede
federal de ensino capaz de combater as distâncias sociais, galgando oportunidade de ascensão
social. Percebe-se essa ideia na afirmação de Pacheco (2010, p. 7) quando coloca: “O
Governo Federal tem implementado, na área educacional, políticas que se contrapõem às
concepções neoliberais e abrem oportunidades para milhões de jovens e adultos da classe
trabalhadora”.
42
As ideias ou as bases que os IF’s dizem seguir não representam necessariamente a
aplicação exata ou mesmo em parte desta versão sobre uma suposta ruptura do
neoliberalismo. É especialmente importante colocar que o governo (diga-se Partido dos
Trabalhadores) que fomentou essa rede se distanciou significativamente de suas bases –
originalmente, antes mesmo de se instituir no poder, mostrava-se com bandeira avessa aos
ditames do capital.
Contudo, se erigindo no poder, comportou-se dessa forma, assim como em outras
ações, com uma política não desvinculada dos interesses da concepção neoliberal. De modo
algum se desconsideram os avanços e as repercussões também positivas no que diz respeito à
expansão do ensino de forma ampla, sobretudo no ensino técnico e superior através da política
da Rede Federal de Educação Profissional implementada no governo do Partido dos
Trabalhadores (PT), no momento do governo Lula da Silva, atingindo uma expansão maior no
governo Dilma Rousseff (2011-2014; 2014 a 31 de agosto de 20066).
Kuenzer (1985) aponta, balizado em Marx e Engels, que o homem se faz homem,
se educa no trabalho e nas relações de produção demonstrando a indissociabilidade visceral
entre trabalho e educação, já que o primeiro determina o segundo. Para a autora, o cerne da
questão, quando se pensa a educação do trabalhador na sociedade capitalista, representa a
disponibilidade na oferta de conhecimentos – habilidades técnicas – necessária a um conjunto
de condutas convenientes, conformista. A ideia pode ser ratificada quando se coloca:
A escola, por sua vez, se constitui historicamente como uma das formas de
materialização desta divisão, divorciação da práxis, representação abstrata feita pelo
pensamento humano, e que corresponde a uma forma peculiar de sistematização,
elaboração a partir da cultura de uma classe social. E, não por coincidência, é a
classe que detém o poder material que possui também instrumentos materiais para a
elaboração do conhecimento (Marx e Engels, s.d). Assim a escola, fruto da prática
fragmentada, expressa e reproduz esta fragmentação, através de seus conteúdos,
métodos e formas de organização e gestão (KUENZER, 2005, p.79).
.
Os estudos de Ramos e Ciavatta (2012), referentes à política de educação
profissional e tecnológica, demonstram o balizamento dos currículos que se desenvolvem por
meio de competências contidas na atualização das Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação Profissional Técnica de Nível Médio (BRASIL, 2011). Notoriamente, apontam a
“CHAVE” como conjunto de competências a serem desenvolvidas, ao mesmo tempo entende-
6 Governo interrompido diante de golpe político midiático, onde acabou por ser destituída do cargo de presidente
pelo mecanismo de Impeachment.
43
se como uma metáfora que representa o acesso para a ascensão profissional/social, quando se
coloca que:
[...] a “chave”, sigla que reúne os componentes da competência (conhecimento,
habilidades, atitudes, valores e emoções), é o eixo de todo o argumento do parecer.
A visão da educação como chave para algum lugar não é nova. Incluem-se chave
para o futuro, [...], para o sucesso profissional. Expressões como essas fazem parte
do senso comum. Trata-se, portanto, de uma metáfora reificadora do poder
econômico e social da educação tão difundido pela teoria do capital humano nas
décadas de 1950 e 1970 e, por isso mesmo, bastante sedutora (RAMOS;
CIAVATTA 2012, p. 22).
Destarte, a política de educação tecnológica e profissional inclina-se para a
formação de indivíduos com foco não mais em disciplinas específicas, mas sim no domínio de
competências, tendo em vista a habilidade de superar os desafios da vida cidadã do
trabalhador. Imprimindo um caráter de base polivalente ao aluno/trabalhador e contrapondo-
se, de certa forma, à especialização e fragmentação minuciosa da produção, como no auge da
industrialização fordismo/taylorismo; com vista até mesmo a minar as possíveis mobilizações
sindicais, já que muitos funcionários que se colocam à margem da causa da categoria detendo
o domínio das etapas de produção podem ser levados a manter a produção como estratégia de
dissolução das mobilizações trabalhistas.
Apesar desse contexto da educação para o trabalho, a expansão do ensino é uma
conquista inegável para a sociedade, aspira-se que a concretização desse direito não incorra
em mais um instrumento de expropriação da sociabilidade do capital, que entende a educação
como necessária apenas para o exercício do trabalho – expansão do mercado, conforme a
teoria do capital humano afirmado por Saviani (2010).
2.4 INSTITUCIONALIZAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR NO BRASIL
A trajetória do ensino superior no Brasil no século XIX (1808) tem um marco
significativo com a chegada da família real portuguesa ao país. Tais instituições mencionadas
com fomento desse período eram ligadas às duas áreas: a primeira predominante médica de
modo concorrente a escola de guarda nacional. A corte, em 1808, teve como direcionamento
para o ensino superior no Brasil a formação profissional e controle do Estado (SAMPAIO,
1991).
Colossi et al (2001) afirma que o ensino superior no Brasil foi implementado
graças às necessidades das elites da sociedade, uma vez que a fuga da família real das forças
44
napoleônicas desencadearam o fomento de escolas superiores, dentre elas a Escola de
Medicina do Rio de Janeiro, Escola de Medicina da Bahia e Escola de Engenharia e Artes
Militar do Rio de Janeiro.
Até à proclamação da república, o ensino superior se desenvolveu bem lentamente
por iniciativa de alguns profissionais liberais em faculdade isoladas. O ensino superior, por
não ter ainda um caráter universitário, não era desacreditado, já que o nível dos docentes se
assemelhava ao padrão de ensino superior na Universidade de Coimbra e os cursos eram de
longa duração, conforme Martins (2002).
Para o mesmo autor, com a independência política, em 1822, o sistema de ensino
se manteve sem avanços, a elite no poder não via o investimento em ensino superior como
necessário.
Depois de 1850 houve uma pequena expansão das instituições de ensino no Brasil
com a criação de alguns centros científicos (Museu Nacional, Comissão Imperial Geológica e
o Observatório Nacional), como coloca Martins (2002). Para Sampaio (1991), esta expansão
se deu devido a um período de estabilidade política e de crescimento econômico, sendo palco
do crescimento gradual relativo de instituições educacionais. Ainda diante deste cenário
destaca-se:
O ensino superior propriamente dito manteve-se exclusivamente limitado às
profissões liberais em meia dúzia de instituições isoladas de tempo parcial. Quanto à
atividade cientifica, até o início da República, ela pode ser caracterizada por sua
extrema precariedade, oscilando entre a instabilidade das iniciativas realizadas pelo
favor imperial e as limitações das escolas profissionalizantes (SAMPAIO, 1991, p.
4).
O controle que o Estado exercia sobre o ensino superior no Brasil até 1878
permaneceu preponderante, incorrendo no engessamento de sua mobilidade. O investimento e
a gestão estavam subjugados pelos interesses do governo central. Os currículos e os
programas eram objeto de analise criteriosa do governo, assim como a indicação dos sujeitos
que geriam o sistema de ensino, chegando até mesmo à escolha dos docentes. Nesse contexto,
a distribuição da cátedra estava na prática ancorada em critérios políticos se sobrepondo aos
critérios estabelecidos como acadêmicos (SAMPAIO, 1991).
O referido autor afirma que a resistência dos positivistas em fomentar a
universidade no Brasil valeu-se dos pressupostos de Comtê para argumentar que o modelo de
universidade, enquanto modalidade do ensino superior, não era adequada para sociedade
brasileira. Essa posição influenciou todo o século XIX e início do século XX, permanecendo
45
no ensino superior, nesse período, o viés de profissões tradicionais em faculdades isoladas
para esse fim, avesso ao formato de universidade.
O número de 100.000 alunos representa os estudantes de ensino superior no Brasil
em apenas 24 instituições de ensino no final do século XIX. A partir daí a iniciativa privada
(elites locais e confessionais católicas) investiu nos seus próprios centros de ensino superior,
amparados na abertura para esse negócio, conforme a Constituição de República de 1891.
(MARTINS, 2002).
No primeiro período, que vai de 1808 a 1889, o ensino superior se desenvolve de
forma muito tímida ao lado das transformações sociais e econômicas no país, este sistema
tinha foco no ensino que conferia uma habilitação profissional e um cargo de trabalho, como
bem aponta Sampaio (1991, p.3) quando coloca “[...] um sistema voltado para o ensino, que
assegurava um diploma profissional, o qual dava direito a ocupar posições privilegiadas no
restrito mercado de trabalho existente e a assegurar prestigio social”. O mesmo autor continua
argumentando que o advento da independência no Brasil, em 1822, não impactou nem
timidamente o formato de ensino superior, já que os governantes não viam qualquer lucro na
criação de universidades, permanecendo o modelo de faculdades dessincronizadas.
Na década de 1930 houve uma expansão significativa das instituições de ensino
superior, antes com 24 para 133 escolas, destaca-se a década de 20 pelo maior fomento destas
instituições (MARTINS, 2002).
Martins (2002) vê a criação de uma rede/sistema de universidade pública que
incorreu em embates, a elite intelectual laica encabeçava a ideia de universidade pública se
opondo às iniciativas descompassadas de instituições (faculdades) e propunha a fomentação
de centros de pesquisa.
Em oposição ao colonialismo espanhol, a implantação de universidades no
México ocorreu ainda no período de colônia (domínio espanhol), diferentemente da colônia
Brasil, onde o poderio lusitano não permitiu a criação de universidades no Brasil, e as forças
independentistas não tiveram potência para tanto, sendo adiada para a chegada da família real
portuguesa. A concepção ainda pragmática (reforma pombalina em Portugal) de ensino
superior foi idealizada e alinhada ao modelo de dissociação entre ensino e pesquisa científica,
de Napoleão7 (MARTINS, 2002; SAMPAIO, 1991). Helena Sampaio (1991) acrescenta que o
7 Para explicar o modelo Napoleão recorremos ao seguinte trecho: “O modelo francês-napoleônico foi adotado
no Brasil Colônia a partir de 1808, com a vinda da família real, quando iniciou o ensino superior, com a
criação das escolas isoladas. Antes dessa data, as famílias abastadas, que aqui viviam, mandavam seus filhos
para Europa, geralmente para Portugal, a fim de completar seus estudos. Esse modelo caracterizava-se por uma
organização não-universitária, mas profissionalizante, centrada nos cursos ou faculdades com a finalidade de
46
ensino superior no Brasil só teve caráter universitário nos anos 30. Além do já citado México,
no período colonial, o Peru, também como colônia espanhola, ganha universidade, e o Chile
recebe a universidade no Pós-independência. No período de 1808 a 1934, durante mais de um
século, o ensino superior no Brasil foi voltado para profissões liberais tradicionais,
exemplificadas nos cursos de medicina, direito e engenharias. A escolha destes cursos, a
“espinha dorsal” do ensino superior, nesse período, se deu pela busca de formar profissionais
para gerir os negócios do Estado e para a busca de novas riquezas para a nação (SAMPAIO,
1991).
Ganha holofotes, nessa época, não apenas o controle que o Estado exerce sobre o
ensino superior, mas a função que este deverá ter na sociedade, assim definidas: abrigar a
ciência, os cientista e promover a pesquisa. Residia a ideia de que as universidades fossem
centro de saber desinteressados. Quanto a universidades, só existiam duas (02), de fato, no
Paraná e no Rio de Janeiro, no mesmo período. As demais cento e cinquenta (150)
instituições representavam um acúmulo de escolas (desarticuladas), que não configuram como
universidades. (MARTINS, 2002).
Com a Reforma Francisco Campo (primeiro Ministro da educação no país),
promovida no governo provisório de Getúlio Vargas, em 1931, foi proposta uma ampla
reformulação educacional, “autorizando e regulamentando o funcionamento da universidade,
inclusive a cobrança de anuidade, uma vez que o ensino público não era gratuito”.
(MARTINS, 2002, p.2). O ideário da universidade era um núcleo constituído de uma escola
de Filosofia, Ciência e Letras. Embora tenha havido avanços importantes, uma das principais
queixas era a não exclusividade de promoção do ensino superior pela esfera pública aliada à
sua concessão ao funcionamento de instituições isoladas. (MARTINS, 2002). Sampaio (1991)
afirma que a implantação de universidade no Brasil ganhou nova conotação saindo do campo
essencialmente político e migrando para a acolhida da ciência, neste sentido, duas associações
exerceram um papel importante, a Associação Brasileira de Educação (ABE) e a Academia
Brasileira de Ciências (ABC), propondo reforma em todo o sistema educacional no Brasil,
formar os burocratas que atuariam nos quadros administrativos do Estado. O ensino superior foi criado para
servir a elite, única parcela da população que tinha condições econômicas para financiar os estudos de seus
filhos. Assim, foram criados os cursos de anatomia, cirurgia e medicina, bem como os cursos jurídicos, que
mais tarde deram origem à Faculdade de Medicina da Bahia e as Faculdades de Direito em São Paulo e Recife.
[...].Este modelo seguiu nitidamente os moldes das organizações religiosas e, por isso, seus membros eram
considerados “jesuítas” do Estado, que juravam obediência aos estatutos e às ordens do Imperador, que a esse
respeito se manifestava assim “Eu quero um corpo que esteja ao abrigo das pequenas febres da moda, um
corpo que marche sempre, quando o governo descansa” (NAPOLEÃO apud ROSSATO, l998. p. 127). Em
outras palavras, um corpo obediente e disposto a servir o Imperador, por meio do Estado enquanto instrumento
de dominação política”.”
47
desde a educação elementar/primária percorrendo ao ensino superior. Nestes termos, a
universidade brasileira formulada pelos idealizadores deveria:
Ser semi-oficial, dispor de autonomia didática e disciplinar tão completa quanto o
possível e de uma relativa autonomia administrativa. [...]. Não se trata de excluir o
Estado, mas de propor mecanismo que limitassem seu poder. (SAMPAIO, 1991, p.
10).
As reformas concebidas no período de liberdade política foram estranhamente
implementadas por governos autoritários e centralizadores, como em Vargas (década de 30).
Surgiu duas modalidades de ensino superior: o sistema universitário e o instituto isolado;
neste mesmo período os gestores da universidade, o conselho e o reitor, este último passando
a ser indicado a partir de uma lista tríplice (norma que ainda vigora atualmente). A Reforma
Francisco Campos aqui mencionada, não implementou vigorosamente o ideário de
universidade concebido por intelectuais e educadores da década de 20, doutro modo, apenas
priorizou a formação de professores para o ensino secundário (SAMPAIO, 1991).
No período de 1931 a 1945 houve disputa das lideranças laica e católica, no que
concerne ao controle educacional. Como barganha, o Estado ofereceu o ensino religioso como
facultativo no ciclo básico. Contudo, a Igreja não se deu por satisfeita, empreendendo mesmo
assim no campo do ensino superior, posteriormente (MARTINS, 2002).
Apenas em 1934 foi criada uma universidade dentro dos moldes propostos pela
Reforma Francisco Campos, a Universidade de São Paulo como Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras, com grande autonomia (SAMPAIO, 1991). Embora esta tenha se
configurado quase como relíquia, uma vez que o projeto de universidade prática ficou a título
de aglutinação de escolas isoladas, lhes conferindo o status de universidades, o modelo antigo
de formação de profissionais liberais permaneceu, como bem elucidado a seguir:
Em síntese, a criação das universidades no Brasil foi antes um processo de
sobreposição de modelos do que de substituição. O antigo modelo de formação para
profissões foi preservado. O modelo de universidades de pesquisa acabou sendo
institucionalizado de modo muito parcial e apenas em algumas regiões do pais,
sobretudo naquelas mais desenvolvidas. A fundação da USP é um exemplo. (SAMPAIO, 1991, p. 12).
Para Martins (2002), reinvindicações do período de 1945 a 1968, balizados pelo
movimento estudantil e de professores, acenavam à defesa do ensino público, buscando a
implantação do modelo de universidade e eliminação do setor privado destas instituições. A
elite predominante era a parcela beneficiada pela oferta do ensino superior. A reforma da Lei
48
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), de 1961, assinalou uma derrota para o
reformista, uma vez que a iniciativa privada ganhou abertura para a liberdade de ensino
(MARTINS, 2002).
O mesmo autor ainda declara que diante do golpe militar a crise se intensificou, o
abafamento dos movimentos sociais (estudantil e professores) expôs a universidade a bode
expiatório, vista como articuladora de rebeliões, tendo como consequência a expulsão de
lideranças importantes no ensino superior e a consequente expansão da esfera privada.
Em 1968 houve melhorias no campo de sistematização e gestão do ensino
(organização de currículo básico, criação de departamentos de ensino, institutos básicos,
alterou o vestibular, aboliu a cátedra, etc), além de envolver política de acesso e fomento da
pesquisa no ensino superior (MARTINS, 2002). Contudo, há controvérsias sobre as supostas
melhorias, essa posição não é consenso entre teóricos, uma das críticas que se fazem é ao
vestibular classificatório. Dentre os teóricos que se opõem a essa perspectiva otimista de
1968, se colocam Romanelli (1986) e Saviani (2010).
As décadas de 1960 e 1970 foram influenciadas pelo novo molde de universidade
americana, que propunha a organização de departamentos e a institucionalização da carreira
aberta docente, se contrapondo às questionáveis cátedras, já que “a distribuição das cátedras,
em geral, atendia mais a critérios políticos do que acadêmicos” (SAMPAIO, 1991, p. 6). Esse
modelo era nutrido pelos movimentos de intelectuais e estudantes que almejavam uma
formatação de ensino superior mais coerente com o rigor acadêmico.
O projeto proposto por Darcy Ribeiro na universidade de Brasília convergia
significativamente para esse ideário, embora não tenha encontra solo fértil, a repressão por
conta do regime político minou a concretização da nova universidade, esta instituição vivia
sob suspeita e vigilância policial. Havia neste contexto um paradoxo: a repressão política e a
expansão do ensino, o último se dava para atender às demandas desencadeadas no movimento
de 68, com vista ao mercado (SAMPAIO, 1991).
Conforme Martins (2002), na década de 70 e 80 houve uma expansão gigante do
ensino superior em matriculas, atendidas, sobretudo, pela iniciativa privada. A opção do
Estado pelas universidades entrelaçadas ao fomento do ensino e pesquisa tornou-se muito
onerosa. Daí se atribui certo freio na capacidade de expansão, ficando em oposição à
iniciativa privada, que ganhou em fôlego para atender à demanda não absorvida pelo poder
público. Ao custo da qualidade, o ensino superior promovido pela iniciativa privada
proliferou-se e poucas foram as universidades que conseguiram instituir a produção científica.
49
Com relação aos programas de pós-graduação e pesquisa, o ensino público, ainda nesse
momento, se apresentava como elemento mais qualificado para promovê-lo.
Na década de 80 e 90 houve uma retenção do ensino superior, não por falta de
vagas, mas por evasão dos alunos e inadequação do ensino às demandas do mercado de
trabalho. O retorno à interiorização do ensino superior, concebido na década 50, regressou na
década de 90, sob alegativa de promoção da facilidade ou a busca de cliente. (MARTINS,
2002).
A expansão que se deu do ensino superior entre os anos 60 e 90 vem incrustada de
desorganização, o planejamento para tal ampliação da rede parece ter sido ignorada, sendo
impulsionada apenas pela expansão econômica vigente no país (COLOSSI, 2001).
O século XX trouxe a promoção do ensino superior deslocada fundamentalmente
das elites para as massas. Pesquisas da década de 1990 apontam que o ensino superior privado
tem como estudantes jovens de classe média, com um número significativo de sessenta por
cento (60%), ou seja, não eram apenas as classes desfavorecidas, como se imagina. Porém, a
questão fundante tem bases no acesso e, especialmente, na permanência dos alunos de classes
baixas no ensino superior, seja ele privado ou mesmo público, segundo Martins (2002), não
por falta de vagas, mas por deficiências severas no ensino básico e problemas sociais.
(MARTINS, 2002).
O que se propunha na virada do século XX ao XXI era que o ensino superior no
Brasil deveria ser orientado pelos princípios de expansão, diversificação do sistema,
avaliação, supervisão, qualificação e modernização. Logicamente, na prática, esses pontos
seriam ditados pelos interesses do mercado (COLOSSI, 2001). Helena Sampaio reforça tal
afirmação. No instante que:
a expansão de estabelecimentos privados e não universitário é governada pelas leis
do mercado e está, portanto, condicionada aos elementos mais imediatos da
demanda social, que se orienta no sentido da obtenção do diploma. Cria-se, assim,
um sistema empresarial de ensino no qual a qualidade da formação oferecida é
secundaria e a pesquisa totalmente irrelevante (SAMPAIO, 1991, p. 19).
Diante do exposto, se retoma as origens na tentativa de desvelar o contemporâneo.
O ensino superior no Brasil, especialmente o público, apresenta uma trajetória singular se
comparada a outras nações colonizadas também na América, no que concerne a prorrogar
significativamente seu fomento. As intencionalidades que impõem a necessidade de
implantação do ensino superior no Brasil dificilmente se desvinculam de atender as demandas
das elites e consequentemente do mercado. Ora, o ensino superior público, apesar das crises
50
que refletem a contemporaneidade incorrendo na precarização do ensino, por vezes, ainda
possui instituições de relevante prestígio perante à sociedade – tendo em vista que entre o seu
público ainda predomina a elite, ou classes mais favorecidas, na maioria das vezes – já que o
acesso a um conhecimento profissional se ancora na ânsia de ascensão social, na qual se
agarra um crescente complexo de indivíduos que buscam preservar e/ou galgar posições de
privilégio
51
3 DO INSTITUTO CENTEC EM LIMOEIRO DO NORTE, NATUREZA E
CARACTERIZAÇÃO, AO IFCE
Este capítulo destina-se a apresentar a FATEC, do Instituto CENTEC, e o IFCE e
reconhecê-los imersos no cenário do município de Limoeiro do Norte. Segue a exposição dos
dados, relacionando as ações governamentais que suscitaram a educação profissional do
Instituto CENTEC e, posteriormente, do IFCE. Buscamos ainda elucidar como a educação
profissional no Ceará reverberou as políticas de educação nacional, cedendo também às
necessidades do mercado global, ou seja, a economia neoliberal dando o tom aos sistemas
educacionais.
3.1 LIMOEIRO DO NORTE: ROTA DE EXPANSÃO DA REDE FEDERAL DE
EDUCAÇÃO PROFISSIONAL
O município de Limoeiro do Norte se localiza no Vale do Jaguaribe a cerca de
200 km da capital cearense, foi beneficiário da interiorização do ensino superior (ES) no
estado do Ceará através da implantação do IFCE, a partir da expansão da Rede de Educação
Profissional e Tecnológica instituída em 2008, que deu origem ao IF. O IFCE, em Limoeiro
do Norte, foi implantado através do reconhecimento d o potencial socioeconômico da cidade
no setor de produção agrícola, sobretudo. Constituindo, desse modo, um pólo de ensino
superior que atende a potenciais estudantes da Região Jaguaribana, que compreende 16
municípios, englobando cerca de 400.000 pessoas. Na cidade de Limoeiro do Norte a oferta
de ensino superior e/ou profissionalizante público esteve nucleada a uma unidade da
Universidade Estatual do Ceará, a saber, a Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos
(FAFIDAM), com cursos destinados à formação docente, exclusivamente licenciaturas, com
notória importância, porém, não eram compatíveis com os programas de industrialização
agroeconômica do Governo do Estado.
Nesse contexto, ocorre a chegada do Instituto CENTEC, através da FATEC, a
priore, a posteriori o IFCE, Campus de Limoeiro do Norte, que oportunizou o potencial
econômico ligado à produção agrícola alimentícia, especialmente, além de outras áreas que
convergem para agroindústria. Como incentivo estadual, o Instituto CENTEC foi
implementado possivelmente para atender ao promissor distrito agroindustrial instalado na
região do Vale do Jaguaribe, logo, no município de Limoeiro do Norte. A Princesa do Vale,
como é conhecido. O município tem sua economia movida fundamentalmente pela produção
52
primária, alinhada também aos setores de bens e serviços que imanam desse mesmo setor.
Além da produção de grãos e frutas existe a pecuária de tipos bovina leiteira, pequeno e
médio porte e a apicultura.
O município de Limoeiro do Norte tem como potencial econômico agribusiness 8,
nomenclatura usada pela Secretaria de Desenvolvimento Local e Regional do Ceará (SDLR).
A cidade reúne aspectos favoráveis para estar na condição de destaque no desenvolvimento
econômico quando se considera a Região Jaguaribana. Destacam-se o clima estável, as
condições de solo e recursos hídricos como fatores que possibilitam a agricultura irrigada da
cidade, sobretudo na produção de frutas. (CEARÁ, [ca. 2000a] ). O Produto Interno Bruto
(PIB) do município, em 2014, esteve na ordem de 300.000 reais distribuídos nas áreas da
agropecuária, indústria e dos serviços. (CEARÁ, [ca. 2000a] ). O fator econômico
potencializa o desenvolvimento do município “como centro urbano regional do Vale do
Jaguaribe”, imanando também no setor da saúde e educação, segundo a posição da Secretaria
de Desenvolvimento Local e Regional do Ceará.
Destacamos a educação, na figura do IFCE, no município, como potencial produto
da política implementada para o desenvolvimento do Estado. Empresas como Fruta Cor,
Bananas do Nordeste S/A ou Pura Vida e Del Monte Fresh Produce, fixadas no Perímetro
Irrigado (PI) de Apodi (Jaguaribe-Apodi), foram instaladas em Limoeiro do Norte como face
de plano de desenvolvimento regional do Ceará. Este município sedia diversas empresas do
agronegócio, cenário este bem controverso, especificamente quando se coloca em pauta a
ideia de desenvolvimento.
As políticas e/ou estratégias de desenvolver o semiárido no Ceará, mais
especificamente no Baixo Jaguaribe e particularmente em Limoeiro do Norte, perpassam por
medidas governamentais que apontam crescimento/desenvolvimento através de índices de
elevação de produtividade e renda. Ao contrário dessa perspectiva, uma parcela significativa
dos pequenos agricultores e estudiosos das áreas de saúde, meio ambiente, geografia e história
dizem que houve na verdade um retrocesso na produção agrícola. Tal visão se ergue ao
considerar os danos no solo e na água pelo uso excessivo de fertilizantes e a exagerada
produtividade, que desrespeita os intervalos de restauração do solo, tornando-o improdutivo.
Na esfera da saúde há índices elevados de doenças, inclusive câncer, ligados ao agrotóxico,
8 Esta expressão foi repercutida diante da crise da dívida externa e da abertura neoliberal da década de 1990. O agrobusiness trata-se de um terno norteamericano de 1950 que foi “tropilalizado” para o contexto nacional para a palavra agronegócio, que envolve toda cadeia produtiva agrícola tais como o plantil, armazenamento, processamento e distribuição da produtos. Ver: (CALDART, 2012).
53
além de doenças relacionadas ao trabalho exaustivo; assim como o remanejamento ou
migração das populações rurais devido à instalação das agroindústrias.
A Agência de Desenvolvimento do Estado do Ceará (ADECE) explica os motivos
que sustentam essa política de desenvolvimento. Foram elencados os benefícios da produção
de frutas no estado, conferindo alta rentabilidade ao agronegócio no Ceará, dito isto,
aplicamos essas características à viabilidade de produção na cidade de Limoeiro do Norte,
distante da capital cearense 200 km. (CEARÁ [ca. 2010a] ). Destacam-se os fatores atrativos
para agroindústria:
Localização geográfica privilegiada e o menor transit-time do Brasil para a
Europa, Estados Unidos e África.
Aeroporto internacional com câmaras frigoríficas para pescados, flores e frutas.
02 portos internacionais (Mucuripe e Pecém) - últimas paradas de navios do
Brasil para o exterior.
Produção agrícola e pesqueira o ano todo, com ciclo reduzido de pescados,
frutas, hortaliças e flores.
03 mil horas de sol por ano, ausência de granizo e geadas. (CEARÁ, [ca.
2000a] ).
Vê-se no Ceará as condições climáticas adequadas para a cultura de frutas o ano
inteiro, e o lugar privilegiado de escoamento da produção para o exterior por meio de portos e
aeroportos internacionais. Particularmente estratégico para os Estados Unidos (EUA), Europa
e África e lucrativo para o setor de produção de frutas. Limoeiro do Norte então ganha
visibilidade, sobretudo, quanto à localização próxima dos pontos de despache de mercadorias,
especialmente em consideração a produção de frutas que tem níveis de perecimento diminutos
se comparado aos outros itens alimentícios. Destaque é atribuído ao município de Limoeiro
do Norte no que se refere ao Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU) alavancado
pelo Governo do Estado, vejamos:
O Município apresenta vantagem competitiva favorecida por suas condições
climáticas para o desenvolvimento da agricultura irrigada, na medida em que conta
com elevada insolação, temperatura estável e baixa umidade relativa do ar. Essas
condições possibilitam a produção de frutas em qualquer época do ano, com maior
teor de sacarose, menor aplicação de agrotóxico e maior nível de produtividade
agrícola. Os Projetos de Tabuleiro de Russas e Jaguaribe-Apodi são as principais
âncoras para o desenvolvimento da agroindústria em Limoeiro. Limoeiro do Norte e
mais sete outros municípios cearenses foram selecionados para integrar o Pólo de
Desenvolvimento do Baixo Jaguaribe, do Programa de Desenvolvimento do
Nordeste. Por constar dessa relação, Limoeiro do Norte terá prioridade nos
investimentos de infra-estrutura social e econômica a cargo dos poderes executivos
federal e estadual, no funcionamento de programas de capacitação da mão-de-obra,
54
na concessão de incentivos tributários à instalação de agroindústrias e no apoio
creditício à Irrigação e agroindústria, além de outras iniciativas públicas. (CEARÁ,
[ca. 2000b] , grifo nosso)
Desse modo, podemos perceber a posição de Limoeiro do Norte a partir do
Programa de Desenvolvimento do Nordeste, que sobressai em inovação, bem no sentido de
rentabilidade. Este se daria por meio da produção no agronegócio particularmente para o
mercado externo. A política de desenvolvimento do Ceará apresenta a busca pela captação de
capital exterior com repercussão no Vale do Jaguaribe sediando corporações estrangeiras do
agronegócio. A fixação do distrito agroindustrial de forma mais evidente acontece nos anos
2000, mas há 04 décadas (desde o final da década de 80) já existe o agronegócio em Limoeiro
do Norte. Ressalta-se que não foi um processo livre em resistências, especialmente no que
tange a desapropriação de terras dos camponeses (DOSSIÊ, 2014).
3.2 O INSTITUTO CENTEC EM LIMOEIRO DO NORTE E A PUBLICIZAÇÃO
O Instituto CENTEC é uma instituição classificada como sociedade civil de
direito privado qualificado como Organização Social (OS) pelo Decreto Estadual nº 25.927,
de 29 de junho de 2000, conforme Parecer Nº 0099/2005; quanto à natureza do Instituto
CENTEC pode-se elucidar com clareza conforme o artigo que segue:
Artigo 1º - O Instituto Centro de Ensino Tecnológico é uma sociedade civil, com
personalidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, detentor de autonomia
administrativa, patrimonial, financeira, didática e disciplinar, doravante denominado
CENTEC, regendo-se por este Estatuto, pelo seu Regimento Interno e pela
legislação que lhe foi pertinente. (CEARÁ, 2005).
O site oficial do Instituto CENTEC na rede de comunicação digital acrescenta
detalhando a função pública da instituição enquanto OS e a convergência para “o interesse
social e utilidade pública” em correspondência ao Artigo 12 da Lei estadual nº. 12.781, de 30
de dezembro de 1997 e pelo Artigo 11 da Lei federal nº. 9.637, de 15 de maio de 1998.
(INSTITUTO, [ca. 2013] ).
O Instituto CENTEC surge a partir da reforma do Estado, regulamentado pela Lei
nº 9637, de 1998, que trata das OS’s e institui o Programa Nacional de Publicização. Diante
da suposta ou até comprovada ineficiência do serviço público, orquestrada ou não, é soprado
fôlego à OS. Essas instituições foram imbuídas então da missão de promover serviços
55
públicos de qualidades para os cidadãos-clientes9, tendo em vista que o setor estatal não foi
capaz de fazê-lo e especialmente que seria oneroso ofertá-lo pela via estatal. (PINTO, 2000).
Diante disso a atribuição das OS’s, diz respeito à:
[...] promoção do processo de "publicização" dos serviços sociais, que, por sua vez,
representa a transferência para o setor público não-estatal (também reconhecido
como 3º setor) dos serviços não exclusivos do Estado, quais sejam, os arrolados pela
Lei 9.637 de 15 de maio de 1998 (que dispõe sobre a qualificação de entidades como
OS, sobre a criação do Programa Nacional de Publicização, entre outros), a saber,
ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, proteção e preservação do
meio ambiente, cultura e saúde. (PINTO, 2000, p.02, grifo nosso).
Ainda nessa prerrogativa da preocupação com a população, na qual o cidadão
passa a ser cliente, é instaurada a ideia da “democracia participativa” que se materializa na
reforma do Estado, para Bresser Pereira (apud BEZERRA, 2015). Para isso, as Organizações
Sociais se valem de mecanismos, [...] o controle social está encaixado no dispositivo geral e
complexo de controle e gerenciamento dos serviços públicos empurrados para a esfera
privada como parte da área pública não-estatal. (BRESSER PEREIRA apud BEZERRA,
2015, p. 8).
Nesse dispositivo, o controle primordial é exercido pelo mercado, o degrau “mais
difuso e mais democrático”, cuja racionalidade intrínseca seria o horizonte para as
demais esferas de controle: a democracia direta (controle social), o controle
democrático representativo, o controle hierárquico gerencial e o controle hierárquico
tradicional (BEZERRA, 2015, p. 8).
O chamado Estado mínimo é o idealizador da publicização, medida esta tomada
sob justificativa do “enxugamento da máquina pública”. Tal jargão, há pouco mencionado,
traz no seu bojo uma complexidade de interfaces do processo ou mutações, frutos do
neoliberalismo econômico. Iniciaremos dizendo que o público precisa adotar o princípio da
eficiência, sendo assim, o caminho apontado é a publicização, grosso modo, terceirização.
A reforma do Estado possibilitou a elaboração de uma categoria fundante na
institucionalização das OS, que é a noção “[...] do público não exclusivamente estatal”
(PINTO, 2000, p. 01).
9 Designa a ideologia, a princípio positiva, de ampla participação popular na administração pública, contudo, o
que pode se denunciar é a deteriorização da ideia de cidadania, uma vez que ao adensar o termo cliente
minimiza e mina o papel do sujeito/povo quando o reconhece simplesmente como alguém que adquire um
produto. Por mais que seja impressa a ideia de um bem adquirido com recurso próprio, em contrapartida anula
as possibilidade de decisão que podem se dar para o cidadão antes mesmo de realizar a “compra” no ato de
decidir sobre a necessidade ou não desse serviço ou bem, diferente do cliente que se coloca apenas diante do
que foi comercializado ficando à margem da política sobre a gestão deste serviço. Ver NOHARA (2012) para
aprofundamento.
56
Ainda considerando os dispositivos tecidos pela publicização através das OS’s, a
FATEC, do Instituto CENTEC, foi incumbida de ofertar um serviço considerado não
exclusivo do Estado, que é a educação, assinando um contrato de gestão que tem em suas
bases um “instrumento do controle por resultados (Gestão por Resultados), uma das bases da
‘reforma’, tanto na dimensão nacional quanto, nos anos que se seguiram, na esfera dos
Estados e municípios e nas reconfigurações da gestão setorial dos serviços”. (BEZERRA,
2015, p. 04).
Interessante notar que a celebração das parcerias entre as esferas públicas e
privadas, além de se ancorar numa promessa de melhoria na qualidade dos serviços – não
exclusivos do Estado – oferecidos aos cidadãos, também se justifica numa dimensão de
“participação ampla” da sociedade civil na gestão pública. Modesto (1997, apud Pinto, 2000,
p.02) adverte que há uma mensagem de “participação popular na gestão administrativa”
quando se possibilitou a instituição das OS’s, levando o povo a entender que o bem público
poderia ser gerido de modo mais democrático. Importa cautela a implantação de uma
legislação que redefine o papel do Estado, na medida em que transfere responsabilidade na
oferta de serviços públicos, como se não fosse suficiente ainda é capaz de com o Programa
Nacional de Publicização inocular a ideia de que o terceiro setor é a representação que faltava
do povo na administração de bens/serviços públicos.
Como se já não bastasse tal reconfiguração, que por si só já apresenta
questionamentos sobre tal arranjo do papel do Estado, ou melhor, a isenção na oferta estatal
de alguns serviços que são considerados direitos inalienáveis, como a educação e a saúde, há
ainda o alarde da mística nociva do “povo no comando”.
Importante anunciar que o paradigma da “Administração Gerencial10
” é tido como
alternativa capaz de superar a burocratização da máquina pública quanto esta diz replicar o
modelo de gestão do setor privado. Nesse quesito as OS’s seriam uma aposta segura e bem
inovadora, seguindo a bandeira do inovadorismo, que trata da rentabilidade especificamente
na produção do ensino e das ciências. Tal sucesso é atribuído a uma gestão que tem como
princípio a eficiência, logo é possível deduzir que a esfera privada tem um exímio
desempenho, será mesmo? Pinto (2000) aponta como bastante controversa a superação de
10
Modelo que se apresenta superador da gestão pública estatal, desenvolvido no neoliberalismo, tem como
característica a eficiência transplantada da gestão da iniciativa privada. Erigido sob a alegativa de maior
controle e qualidade dos serviços, com ênfase nos mecanismo de gestão dos resultados sobre duras críticas no
que concerne a isenção de responsabilidade do Estado na prestação de serviços estatais, comprometendo em
boa medida a deliberação e administração do coletivo sobre o serviço público.
57
modelo estatal utilizando “Administração Gerencial”. E o Instituto CENTEC repercute a ideia
de público não estatal, quando se reveste da configuração da OS.
A reforma do Estado deve ser entendida pelas regulações as quais esta diz pautar
sua conduta, que se dá através da instalação de mecanismos de controle pelo Estado para com
o terceiro setor e assim, como a partir desta nova conformação, a sociedade seria capaz de
controlar as ações do governo.
Destaca-se ainda que o possível controle da sociedade na esfera pública não
estatal ocorre como garantido na lei do Programa Nacional de Publicização pela participação
no conselho administrativo da organização social, estes são termos normativos. De fato, há
falhas na aplicação desta conduta que comprometem a participação popular de forma efetiva,
vejamos a seguir:
É justamente porque se está chamando a sociedade organizada a comprometer-se
ativamente com o público não-estatal que se tem a necessidade de torná-lo o mais
claro e fundamentado possível tal figura jurídico-institucional para que se evitem
distorções e enganos prejudiciais à sua implementação, ainda mais se se considerar,
por exemplo, que cabe à sociedade (um dos pontos cruciais da Lei n.º 9.637/98)
parcela significativa na representação do Conselho de Administração das
organizações sociais, que é o seu órgão máximo de deliberação institucional.
(PINTO, 2000, p. 3, grifo nosso).
É apontada, na citação acima, a falta de conscientização ampla do povo na
participação desses conselhos deliberativos, ênfase maior se dá na apropriação desses saberes
necessários à compreensão dos membros que farão a composição desses conselhos.
As OS’s são modalidades do terceiro setor, as mesmas se tratam de uma
organização que pode ter seus serviços pactuados (comercializados) para o poder público
através de um contrato de gestão, a exemplo da FATEC, do Instituto CENTEC, que oferta um
serviço de educação que é público, porém contratado por uma “empresa” privada. No que se
refere às OS’s na versão FATEC, a oferta de serviços desta instituição tem o caráter de
ensino, pesquisa cientifica e desenvolvimento tecnológico. Diante da reforma do Estado, o
que se pode inferir é que tais OS’s apresentam a possibilidade de dissimulação da oferta de
qualidade de serviços públicos ganhando amparo já que “ora, grande parte da população
brasileira, de certo modo, nunca teve uma efetivação abrangente dos direitos sociais como
educação e saúde (apesar de estarem conformados na Constituição de 88 como "deveres do
Estado")”. (PINTO, 2000, p.04).
Com relação às regulações e/ou normas estabelecidas para pactuar as celebrações
de parceria público-privado, serão expostos adiante os elementos fundamentais que devem
58
gerir esta parceria. Sendo financiado pelo setor público, o Instituto CENTEC presta
responsabilidade nas dimensões financeiras e de serviços, onde é intermediado pelo controle
do Tribunal de Contas do Estado do Ceará, na figura de uma comissão de no mínimo três (03)
servidores da secretária do Estado da área que corresponde à atividade fomentadora. Deve
sofrer apreciações regulares de especialistas do setor, observando entre os itens fundamentais
sobre a celebração do contrato o cumprimento do plano de trabalho e a confecção de
relatórios.
Os funcionários da instituição não são servidores do Estado, o regime
contemplado nessa modalidade de instituição é a Consolidação das Leis Trabalhista (CLT).
No caso do nosso fenômeno, no entanto, a vigência dos celetistas, nome usual aos
profissionais com este vínculo trabalhista da CLT, só aconteceu de fato cerca de cinco (05)
anos após a implantação do Instituto CENTEC, através da FATEC, em Limoeiro do Norte,
pelo menos para os docentes, os quais desempenhavam trabalho de professor-pesquisador11
,
desenvolvendo atividade de ensino, pesquisa e desenvolvimento tecnológica, sendo
caracterizados como bolsistas de dois órgãos de fomento, respectivamente, CNPq por três(03)
anos e posteriormente Funcap, no período de dois (02) anos.
Pensando na trajetória da FATEC, esta teve onze (11) anos de existência, tendo os
cinco(05) primeiros anos com vínculo empregatício de bolsistas, os quais faziam a instituição
funcionar. É importante frisar que tal situação pode ser explicada pelo caráter de originalidade
no que se refere à unidade inaugural da instituição no país, e sendo o Instituto CENTEC de
Limoeiro do Norte a pioneira. Embora um depoente coloque também algumas dificuldades, a
mais significativa é que esse período de trabalho não pode ser contabilizado em tempo de
serviço para aposentadoria, como revela Antinoo12
, isto nos cinco(05) primeiros anos de
história do Instituto CENTEC em Limoeiro do Norte. Antinoo ainda pondera que, em
contrapartida, não havia atrasos nas suas remunerações enquanto professor-bolsista, ao
contrário do que aconteceu de forma regular a cada ano quando os professores estiveram
posteriormente vinculados pela CLT.
11
A ideia aqui de professor-pesquisador não se configura na FATEC com o sentido admirável e idealizado como
sugere o nome, pois o termo professor-pesquisador se associa diretamente ao docente que tem a pesquisa em
suas bases, e com isso este profissional ancora sua atuação para além do exercício de magistério simplesmente.
Na situação aqui apontada do Instituto CENTEC em Limoeiro do Norte, essa expressão na verdade mascara o
financiamento dos docentes por órgãos de pesquisa, e não significa que o exercício de pesquisador fosse
desenvolvido pelos docentes. Deste modo, exemplifica-se os meandros da efetivação da reforma do Estado,
utilizando de diversos dispositivos para precarização de vínculos trabalhistas e/ou encolher a remuneração
enquanto profissional, já que se entende que bolsistas estão em condições de aprendizado, por isso justiça-se
salários menores. 12
PROFESSOR(A). Entrevista concedida em 19 de fevereiro de 2016, em Limoeiro do Norte.
59
Tal dado nos parece um contrassenso, já que as conquistas trabalhistas parecem
notórias. Contudo, a realidade é diversa e complexa no mesmo instante em que o
professor/servidor conquistara direitos trabalhistas e poderia ser comprovado e validado o
tempo de serviço. De forma recorrente havia uma insegurança quanto à expectativa da
renovação do contrato de gestão da OS, e isto implicava diretamente em atrasos de até três
meses dos salários dos servidores, conforme fala Antinoo e Circe13
, os quais precisavam se
precaver para o período nefasto. Tais dados só vieram a se apresentar no desenrolar do estudo
ainda na entrevista piloto, na medida em que se pode analisar numa perspectiva micro apenas
por conta da participação dos sujeitos.
O Instituto CENTEC, do município de Limoeiro do Norte, foi criado em 1997.
Recebendo posteriormente o nome de Faculdade de Tecnologia (FATEC) como sendo uma
das suas modalidades de ensino. Esse dispunha da oferta de cursos de caráter estritamente
tecnológicos14
, nos níveis médio (ensino técnico), superior (tecnológico), e pós-graduação
(especialização). No Quadro 1 a seguir podemos observar os cursos ofertados pela FATEC ao
longo de sua existência:
Quadro 1- Lista dos cursos ofertados no Instituto CENTEC
Cursos da FATEC do Instituto CENTEC em Limoeiro do Norte (nos anos 1997 a 2008)
Tecnológicos Tecnologia em Alimentos
Tecnologia em Eletromecânica
Tecnologia em Saneamento Ambiental
Tecnologia em Irrigação e Drenagem
Técnicos Meio Ambiente
Fruticultura
Mecânica
Fonte: Elaborado pelo autor
13
PROFESSOR (A). Entrevista concedida em 20 de fevereiro de 2016, em Limoeiro do Norte. 14
Estes cursos tecnológicos consideram 03 fatores, conforme aponta Ângelo Cortelazzo, (responsável) pelas
Faculdades de Tecnologias de São Paulo (Fatecs), curso com foco especifico, pesquisa voltada para avanços
tecnológicos (ou seja inovação) e atrelado ao setor produtivo (acompanhando o potencial do mundo do
trabalho na região. Os cursos de natureza tecnológicos tem tempo reduzido (2-3 anos) se comparado com os
superiores (4-5anos) e foco mais preciso para inserção do mundo do trabalho, pontua-se não no trabalho no
sentido lato senso. Para saber mais ver na entrevista em: <http://guiadoestudante.abril.com.br/profissoes/>.). O
uso de tecnológicos nesse contexto denota a caracterização de um ensino altamente particular, uma
especificação de saber que fundamentalmente deve se ter correspondência com as demandas do mundo do
trabalho, no que concerne à busca pela inovação no sentido de rentabilidade.
60
Podemos ver que os cursos da FATEC, do Instituto CENTEC em Limoeiro do
Norte, eram polarizados em nível médio e superior (tecnológico), mesmo dentro dessa
polarização de níveis deste profissional formado na FACET, do Instituto CENTEC, embora
seja comum o viés prático que molda os dois perfis de cursos ofertados. Uma das questões
que se coloca é a dificuldade de inserção de alguns profissionais, especialmente no que
concerne aos tecnólogos, quando se trata da equiparação de exercício em nível superior com o
bacharelado, deixando os tecnólogos frequentemente em desvantagem. Tanto o profissional
técnico (nível médio) quanto o profissional da tecnologia (nível superior) comungam do
mesmo mote educacional, a tecnologia. Tal tecnologia se liga à ideia de inovação, que em boa
medida esbarra na obsolescência programada – mecanismo que sustenta o consumo moderno,
fundado na fragilidade dos produtos – a aplicação deste termo para com a formação dos
profissionais de cursos de tecnologia consiste no fato desses cursos sofrerem desta mesma
lei/regularidade com caráter transitório, melhor dizendo, pouco duradouro, além da
instabilidade de inserção no mercado.
A FATEC, do Instituto CENTEC, em parceria com a prefeitura municipal já
referida, com a substituição/transformação para IFCE, Campus de Limoeiro do Norte, ganhou
um leque de cursos. Além desses, foi incorporada a oferta de vagas para cursos superiores nas
modalidades de bacharelado e licenciatura, bem como um programa de mestrado,
apresentando um diferencial na instituição de ensino profissional e tecnológico.
Conforme as determinações da Rede Federal de Educação Profissional e
Tecnológica são designadas 50% das vagas para a educação profissional técnica de nível
médio – preferencialmente na modalidade médio integrado; 20% do total de vagas para os
cursos de licenciaturas e as demais vagas (30%) para graduações tecnológicas, programas lato
sensu, de aperfeiçoamento e especialização, e stricto sensu, de mestrado e doutorado. Desse
modo, a Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica se apresenta na regulação,
avaliação e supervisão equiparando as universidades federais (SILVA, 2009).
Destaca-se que as vagas destinadas para o curso de licenciatura foram implantadas
no IFCE, Campus de Limoeiro do Norte, no ano de 2011, no segundo semestre, pelo menos
dois anos após a incorporação da FATEC e seguido do CEFET-UNED, no final do ano de
2008. Esquadrinha-se que a implantação de curso de licenciatura nos IF’s possa ter
contribuído para conferir um diferencial na transformação dos ideais educacionais da Rede
Federal de Educação Tecnológica, mesmo diante da incorporação da instituição de ensino
estritamente tecnológica, a exemplo do Instituto CENTEC, no município de Limoeiro do
Norte.
61
Embora se recomende na legislação, artigo 7º, inciso VI, alínea b da Lei nº
11.892, de 29 de dezembro de 2008, que as licenciaturas e programas especiais de formação
pedagógica estejam voltados preferencialmente para área de ciências e matemática, e para a
educação profissional. Sabe-se, contudo, que a formação de educadores, independente de sua
área específica,volta-se para a criação de bens e serviços – eminentemente técnica (como no
caso das ciências da natureza e suas tecnologias) – o fazer pedagógico inerente ao exercício
do magistério requer um alinhamento com áreas de conhecimento que podem se apresentar
como capazes de suscitar a reflexão do aluno (FREIRE, 1996). Nesta feita, os cursos de
licenciatura podem abrigar espaços de resistência na direção de analisar/questionar e não
romper, em certa medida, com a ideologia que o ensino profissionalizante vem sendo
balizado, por muito tempo, por uma formação simplista, com vista unicamente à
instrumentalização de indivíduos para o mercado de trabalho.
Esse trabalho partiu, a nível nacional, da análise dos ordenamentos legais
instituídos no governo Lula da Silva, que tratam da criação da Rede Federal de Educação
Tecnológica, e, consequentemente, da criação dos IF’s, possibilitada pela Lei 11.892, de
29/12/2008; e a nível estadual da legislação e das questões políticas que tornaram possível a
transferência de responsabilidades da FATEC, do Instituto CENTEC, para o governo federal,
primeiro pelo CEFET- UNED (que será tratado posteriormente) e em seguida através da
criação do IFCE em Limoeiro do Norte.
Esse novo modelo de educação profissional e tecnológica implementado
recentemente, com pouco menos de uma década de história, diz trazer consigo uma proposta
inovadora e ousada quando apregoa a democratização no acesso ao ensino técnico,
tecnológico e superior às camadas majoritárias da sociedade. Nesse sentido, pode-se verificar
a ideia quando se diz:
O Governo Federal, [...] acaba de criar um modelo absolutamente inovador em
termos de proposta politico-pedagógica: os Institutos Federais de Educação, Ciência
e Tecnologia. Estas instituições tem em suas bases um conceito de educação
profissional e tecnológica sem similar em nenhum outro país. Para tanto, devem ir
além da compreensão da educação profissional e tecnológica como mera
instrumentalizadora de pessoas para ocupações determinadas por um mercado.
(PACHECO, 2010, p. 13, grifo nosso).
Abrimos um item para tratar desse conceito de inovação estampada de forma larga
nos documentos oficiais dos IF’s. À primeira vista, a palavra inovação traz aspectos bastante
positivos no que diz respeito à ideia de criação que vigora no nosso uso corriqueiro. No
62
entanto, o termo inovação, sob a tendência “inovacionalista”, dentro da ciência e do
conhecimento de forma geral não tem nada de inofensivo, já que:
[...] uma inovação é uma invenção rentável, isto é, uma invenção que pode ser
adotada por uma empresa, contribuindo para a maximização de seus lucros.
(OLIVEIRA, 2014, P.3).
Além disso, “inovação” é considerado um conceito central das políticas
cientificas neoliberais, apontado ainda pelo mesmo autor, fazendo com que a ciência seja
mercantilizada, isso por vias das políticas públicas que favorecem em grande medida as
pesquisas das áreas consideradas produtivas, ou melhor, com potencial inovador. Isso implica
em espaço ou finanças restritas às ciências humanas, às ciências ou pesquisas básicas (com
fins em si mesmo, a ciência pela ciência) e adensando ainda a mais frágil destas três, as
“ciências do interesse público” termo de Sheldon Krimsky que Oliveira (2014) repercute,
considerando esclarecedora sua aplicação quando a nomeia pelo seu interessa no
desenvolvimento da humanidade, vejamos a ideia:
a ciência do interesse público é a ciência voltada para os problemas sociais
(econômicos, ambientais, etc.), especialmente os dos setores mais pobres da
população, e não susceptíveis de solução pelo mercado” Oliveira (2014, p.5).
Sendo, dessa forma, as ciências de interesse público as mais atingidas devido à
incompatibilidade de interesses, já que não haverá mercado que queira produtos/serviços que
entrem em conflito com suas demandas estruturais, mantendo um grande bloco de massa à
margem, e, por isso, não tendo condições de adquirir tais produtos. Podemos mencionar a
indústria farmacêutica que tem pouco interesse em fármacos de doenças ligadas à pobreza,
doenças tratáveis, porém de custo baixo.
Retomando o cerne do estudo, colocamos a trajetória da FATEC, do Instituto
CENTEC, em Limoeiro do Norte, cercada de meandros que perpassam sem dúvida
determinações legais. No entanto, não é isenta de digitais dos sujeitos, sejam estes de embargo
ou chancela política, sejam estes dos sujeitos coadjuvantes ou protagonistas de tal história. A
FATEC, do Instituto CENTEC, de Limoeiro do Norte, como OS, fez parte de um projeto que
atendeu a chamada contrarreforma, a qual representa nada mais que uma nova configuração
de Estado, um modus operante diferente que se inaugura atendendo o objetivo de
compartimentar a vácuo e reduzir substancialmente o Estado como aparelho responsável pela
oferta e gerência das bases reais do funcionamento da sociedade.
63
3.3 O AGRONEGÓCIO EM LIMOEIRO DO NORTE
No termo agronegócio residem aspectos divergentes de perspectivas quanto a sua
natureza, e em grande medida sobre uma visão ideológica/política no que se refere à
produção. Diante disso, foi abordada uma dimensão geral ou mesmo introdutória do conceito
de agronegócio. Sabe-se que este é fruto das demandas de produção da sociabilidade de
capital. Dito isso, o agronegócio é tido por um nicho de profissionais e/ou indivíduos que
lidam com agricultura, pecuária e afins da agroindústria como uma evolução na escala de
produção agrícola e tem como característica basilar uma articulação vinculada com setores
aliados. Vejamos a definição do agronegócio aqui pautada fundamentalmente numa
perspectiva de desenvolvimento de produção de uma sociedade:
Em 1957, Davis e Goldberg, dois pesquisadores americanos reconheceram que não
seria mais adequado analisar a economia nos moldes tradicionais, com setores
isolados que fabricavam insumos, processavam os produtos e os comercializavam.
Neste caso, o agronegócio foi, então, definido como o conjunto de empresas que
produzem insumos agrícolas, as propriedades rurais, as empresas de processamento
e toda a distribuição (LOURENÇO; LIMA, [ca. 2008], p.2)
O agronegócio originalmente sob o viés de Davis e Goldberg (1957) apud
Lourenço e Lima [ca. 2008], respondia ao entrelaçamento de intersetores, fazendo a ponte
entre as relações de produção estabelecidas no campo com as cidades e/ou setores pares, em
se tratando da palavra agribusiness, que a princípio traduzia correspondentemente o intento.
Contudo, o agribusiness, que em sua gênese é sinônimo de agronegócio, repercute no Brasil
com conotações e dimensões por vezes maiores e/ou distintas da singularidade de sua
tradução fiel. Em se tratando das perspectivas que se desdobraram do agronegócio, estes
margeiam em produtividade e crescimento agrícola, gerenciamento de planta indústria,
fronteiras agrícolas, produtores (grande; e/ou pequenos?), e o mais acirrado é a tensão a
respeito da categoria das circunstancias sociais sobre o paradoxo de práticas obsoletas num
meio rural cada vez mais industrializado (HERIDA; PALMEIRA; LEITE; 2009).
Além do mais, o agronegócio esbarra na delicada ferida das questões
socioambientais envoltas frequentemente nesse bojo.
Quanto a sua história no Brasil, o agronegócio tem ganhado espaço na
agroindústria mais fortemente na década de 1970 (LOURENÇO; LIMA, [ca. 2008] ). O Ceará
tem empreendido no ramo do agronegócio de modo mais significativo no final da década de
80 e início da década de 90. Destacamos aqui a fruticultura irrigada, ancorada em políticas de
64
desenvolvimento local, ligadas à captação hídrica, sobretudo no interior. No que compete à
fruticultura, o estado do Ceará encontra-se na 6º posição na produção de frutas,
nacionalmente. No que concerne à agricultura irrigada, ainda ocupa o 3º lugar na exportação
de frutas secas. Atingiu a cifra de US$ 108,2 milhões em exportação, em 2012, melão e
banana são os maiores responsáveis. Desse modo, o município de Limoeiro do Norte tem
importância significativa, uma vez que é o maior produtor de banana irrigada do Ceará,
segundo dados da ADECE (AGÊNCIA, 2013a).
A produção do agronegócio no Ceará, na face da agricultura irrigada, é mapeada
em seis polos. Dentre eles o pólo do Baixo Jaguaribe que abriga Limoeiro do Norte. O
município de Limoeiro do Norte faz parte do pólo do Baixo Jaguaribe e, de forma mais
compartimentada, no Perímetro Irrigado (PI) do Tabuleiro de Russas, além de ter inserção no
PI de Jaguaribe-Apodi e PI de Morada Nova, para um esclarecimento a titulo didático destes
aspectos geoeconômicos de Limoeiro do Norte, segue Quadro 2. (AGÊNCIA, 2013a).
Quadro 2 - Geografia das zonas econômicas de Limoeiro do Norte
Fonte: Próprio autor
Diante desta infraestrutura hídrica, a produção de banana ganha destaque para o
município de Limoeiro do Norte. Individualmente, o município conquista o segundo lugar na
produção desse fruto, e enquanto constituinte do pólo de agricultura irrigada do Baixo
Jaguaribe coloca-se no topo de produção deste fruto no Ceará. O desdobramento da produção
de bananas em Limoeiro do Norte repercute em boa medida, concedendo ao Ceará o 7º lugar
na produção dessa cultura no Brasil, em 2011 (AGÊNCIA, 2012).
Geografia das zonas econômicas de Limoeiro do Norte
Estado do Ceará
Mesoregião Vale do Jaguaribe Limoeiro do Norte com 15 municípios
Microrregião Baixo Jaguaribe Pólo de agricultura
irrigada
Limoeiro do Norte
dentre 15 municípios
Zonas irrigadas Tabuleiro de russas Perímetro Irrigado Russas, Limoeiro do
Norte e Morada
Nova
Jaguaribe-Apodi Perímetro Irrigado Limoeiro do Norte
Morada Nova Perímetro Irrigado Limoeiro do Norte e
Morada Nova
65
Ainda sobre a importância de Limoeiro do Norte nas riquezas do Ceará, vejamos
que a banana foi a segunda fruta mais exportada do Brasil, em 2012. O referido estado
contribuiu com 17% na exportação de frutas, ficando em primeiro lugar o melão, que se
coloca como a fruta mais exportada do Ceará (AGÊNCIA, 2012). O Ceará, no ano de 2014,
exportou 62,4% do melão produzido no Brasil. As regiões apontadas pela ADECE como
responsáveis por esse destaque são duas, dentre 06 polos de agricultura irrigada do estado, o
pólo do Baixo Jaguaribe, particularmente os municípios de Limoeiro do Norte e Russas, ao
lado do pólo da Chapada do Apodi (Aracati e Icapuí). (AGÊNCIA, 2013b).
Estes dados trazem luz à importância econômica de Limoeiro do Norte para
exportação tanto em nível local no Ceará como em escala nacional. Enfatizamos a posição de
destaque das culturas melão e banana, sendo estas as duas frutas mais exportadas do Brasil,
com repercussão direta em Limoeiro do Norte.
Neste contexto de produtividade agricultora, vê-se que o Ceará atingiu um teto de
exportação de ordem US$131.604, no ano de 2008 (AGÊNCIA, 2012), bem no ano de criação
dos IF’s - assinalado na Lei gestora dos Institutos Federais, lei nº 11.892, de 28 de dezembro
de 2008 - sendo Limoeiro do Norte eleita uma das cidades a sediar uma unidade IF no Ceará,
o IFCE, Campus de Limoeiro do Norte.
O mais intrigante, ou melhor, elucidativo, é que o IFCE, Campus de Limoeiro do
Norte, surge dessa política sob o contexto promissor de lucro/produção do agronegócio no
Ceará associado ao “terreno fértil” para uma educação deste mote, dizemos educação
profissional, aberto em um estado com potencial econômico para o agronegócio, sobretudo a
agricultura irrigada e particularmente a cultura de frutas – com perfil de exportação - que
encontra vazão considerável no Baixo Jaguaribe, tendo Limoeiro do Norte como um grande
protagonista dessa riqueza.
Abriremos uma unidade de sessão para relacionar a história do agronegócio no
Ceará e sua relação com Limoeiro do Norte, tendo como fonte um folder da ADECE - tal
documento foi desenvolvido para atração de empresas estrangeiras, dado com redação na
língua inglesa e alguns trechos em língua portuguesa - foram mencionados marcos temporais
para ilustrar brevemente a trajetória do agribusiness no Ceará, particularmente na fruticultura
irrigada (AGÊNCIA, [ca. 2010] ).
66
1970 - A constituição de um Departamento Nacional de Obras Contra as Secas
– DNOCS, criando um dos primeiros perímetros públicos irrigados federais do Ceará15
, com
vista à agricultura irrigada na década de 1970, sendo um marco importante para alavancar e
sistematizar uma plataforma de desenvolvimento de cultura irrigada.
1989 - No ano 1989 começa a funcionar o perímetro público irrigado
Jaguaribe–Apodi no município de Limoeiro do Norte, “hoje uma referência em produção de
frutas”.
2002 - Construção da estrada do melão. Criado o Instituto Agropolos do Ceará
– Instituição vital na formação dos pólos de fruticultura irrigada e atração de investidores;
2003 – Inauguração da Barragem do Castanhão, infraestrutura fundamental para
abastecimento de água para fruticultura irrigada no Ceará.
2004 - Criada a estrada da fruta nos municípios de Quixeré, Limoeiro do Norte
e Russas (municípios que constituem o Perímetro Irrigado do Tabuleiro de Russas),
melhorando o escoamento da produção e por consequência viabilizando a exportação de
frutas. Assim como o Porto do Pecém é inaugurado representando uma importante estrutura
para a exportação da cultura de frutas do Ceará e do Nordeste. Foi criado também o órgão
Fundo de Desenvolvimento do Agronegócio – FDA, para incentivar a modernização e
competitividade do agronegócio cearense. Entra em funcionamento o Perímetro Irrigado de
Tabuleiros de Russas, um dos mais modernos do Brasil (no qual Limoeiro do Norte se
integra).
2006 – O então governador CID GOMES, em Limoeiro do Norte, garante apoio
total à fruticultura irrigada do Ceará. Consideramos que de captação de investidores
estrangeiros deu destaque a localização de Limoeiro do Norte, quando fez ato de público
sobre o tema nessa cidade.
2008 – O Ceará fica no 3º lugar em exportação de frutas no Brasil, com isso
impulsionou a criação de mais um órgão: a Câmara Setorial da Fruticultura no Ceará.
2009 – O Ceará alcança o 2º lugar na exportação de frutas a nível nacional.
(AGÊNCIA, [ca. 2010], grifo nosso)
15
Os primeiros perímetros irrigados na região do vale do Jaguaribe eram públicos, na década de 1970, atendendo
a pequenos produtores locais. Já o segundo lote de perímetros irrigados na década de 1990 são destinados à
iniciativa privada. O destino do segundo lote chegava aos grandes empresários que compravam essa áreas para
a agricultura industrial. Em Limoeiro do Norte, nomes como FRUTACOR, Delmonte foram beneficiados com
esses perímetros. Ver mais em ELIAS (2003).
67
Limoeiro do Norte, diante de tal conjuntura – a potencialidade econômica no
ramo do agronegócio, especialmente da fruticultura irrigada – está numa posição privilegiada
no que concerne a fomentos para sua ampliação de produção e desenvolvimento, conforme à
Secretária de Desenvolvimento Local e Regional do Ceará (SDLR) no Plano Diretor de
Desenvolvimento Urbano de Limoeiro do Norte (CEARÁ, [ca. 2000a] ). Destacamos do
documento, há pouco mencionado, da SDLR a ênfase de ações ou políticas que favorecem o
seguinte município quando revela que:
Os Projetos de Tabuleiros de Russas e Jaguaribe-Apodi são as principais âncoras
para o desenvolvimento da agroindústria em Limoeiro. Limoeiro do Norte e mais
sete outros municípios cearenses foram selecionados para integrar o Pólo de
Desenvolvimento do Baixo Jaguaribe, do Programa de Desenvolvimento do
Nordeste. Por constar dessa relação, Limoeiro do Norte terá prioridade nos
investimentos de infra-estrutura social e econômica a cargo dos poderes executivos
federal e estadual, no funcionamento de programas de capacitação da mão-de-obra,
na concessão de incentivos tributários à instalação de agroindústrias e no apoio
creditício à Irrigação e agroindústria, além de outras iniciativas públicas. O
comércio poderá beneficiar-se com a maior densidade econômica dessas atividades e
com a provável consolidação do Município como centro urbano regional do Vale do
Jaguaribe, para o que também concorrem os serviços de saúde e de educação
oferecidos pela Sede de Limoeiro do Norte. (Ceará, [ca. 2000a], grifo nosso).
Existem ações políticas aqui apontadas em primeira escala pelo Plano Diretor de
Desenvolvimento Urbano em Limoeiro do Norte (PDDU-LN) que foram confeccionadas ao
encontro do potencial do agronegócio do município, já discorridas nessa sessão. Como o
advento dessas prioridades expostas no documento (PDDU-LN) e reproduzidas na citação
acima, tais benefícios ou políticas governamentais são justificadas sob a necessidade de
desenvolvimento do potencial econômico dos municípios e pelo Governo do Estado do Ceará.
Para além do que está posto, vemos ainda que tais medidas envolvem diretamente o
desenvolvimento do agribusiness no município de Limoeiro do Norte, para isso não é
possível prescindir de políticas de qualificação profissional para a massa de trabalhadores, ou
seja, incorrendo em serviços de educação como é mencionado no PDDU-LN quando elenca
os setores que se beneficiaram da agroindústria em Limoeiro do Norte.
É importante mencionar que o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano dos
municípios, a saber, também, o PDDU-LN, é um documento obrigatório, conforme a
Constituição Federal (1988 apud CEARÁ, [ca. 2000c] ), para todas as cidades com mais de
20.000 habitantes, objetivando, desse modo, o planejamento diante do processo corrente de
urbanização da população brasileira. O documento traz ainda como alvo “ a estruturação do
68
espaço urbano, para dar suporte ao processo de desenvolvimento econômico e social”
(CEARÁ, [ca. 2000c]).
A bandeira do desenvolvimento ordeiro e descentralizado dos grandes centros
aparece como âncora para o PDDU dos municípios do Ceará no instante em que:
[...] o Governo do Estado do Ceará, traça uma Política Urbana influenciada por dois
fatores: a perspectiva de progressiva urbanização e a exaustão do modelo urbano
brasileiro que privilegiou a polarização nas capitais. (CEARÁ, [ca. 2000d]).
Cada município tem seu PDDU, que é elaborado pelo próprio município, e no
Ceará essa diretriz está atada ao Projeto Cidades do Ceará (PROURB). Este último tem dentro
do grande bojo de objetivo viabilizar a estruturação urbana. Para isso, o PROURB busca
tornar as cidades competitivas para seduzir as indústrias, alavancando também agricultura
irrigada, esta vertente de potencialidade que corresponde a Limoeiro do Norte.
Diante desses ideais de desenvolvimento, para 44 municípios desse perfil no
Ceará, o governo se compromete a conceder prioridades com investimentos nos direitos
básicos, dentre eles mencionamos cifras para a educação. Relacionamos como indicativo de
investimento dessa área educacional o surgimento do IFCE, Campus de Limoeiro do Norte,
quando o PDDU-LN traz demandas dessa ordem como alvo, inclusive com indicação de
fomento oriundas de poderes executivos federais, não com injeção de verbas do Governo do
Estado como alertado há pouco, mas sabe-se da articulação dos poderes em níveis estaduais e
da união.
O PROURB é desenvolvido pelo governo do Estado em parceria com os
municípios e com o apoio do Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento –
BIRD. (CEARÁ, [ca. 2000c]). Destacamos a participação de organismos internacionais na
confecção de programas com PROURB e, consequentemente, no PDDU. O Banco Mundial,
no caso do PROURB, que aparece como “apoio” nas políticas locais de desenvolvimento dos
municípios. Interessante ver o discurso apregoado pelo Governo do Estado através desse
programa, PROURB, e materializados através do PDDU, quando dizem:
assim, ao mesmo tempo em que interioriza o crescimento econômico e social, o
PROURB fará surgir áreas urbanas onde se poderá viver bem, com muitas das
vantagens das cidades grandes e sem a maioria dos seus problemas. (CEARÁ, [ca.
2000c]).
69
Podemos relacionar tal citação à ideia de desenvolvimento nos moldes da política
neoliberal, ancorada, neste caso, na agroindústria, ou seja, nos grandes conglomerados
empresariais, amparada por políticas públicas de interiorização tanto na ordem de ampliação
de mercado e produção quanto na qualificação profissional. Neste cenário, a educação
profissional em Limoeiro do Norte possui grande relevância no instante em que o potencial de
desenvolvimento dos moldes de produção agribusiness em escala mundial é replicado num
pequeno município do Brasil. Queremos dizer com isso que Limoeiro do Norte é um exemplo
de local, a princípio, fora do alcance ou interesse do grande capital. Contudo esse município
se constituiu como fronteiras agrícolas, sob influência de determinações de políticas dos
organismos internacionais, sem, contudo prescindir de interesses de micropoderes locais.
3.4 ADVENTO DO IFCE, CAMPUS DE LIMOEIRO DO NORTE
O IFCE, Campus de Limoeiro do Norte, surgiu em 2008 como advento da lei de
11.892 do mesmo ano. Como regra, o nome do Campus é instituído em correspondência com
o nome da sede do município em que se instala. É interessante notar que a instituição – O
IFCE, Campus Limoeiro do Norte, se declara no seu site oficial como substituidora do
CEFET-UNED, a antiga rede que intermediou a mudança de CEFEC-UNED para IF’s, logo,
possibilitando o IFCE. O Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará -
IFCE, Campus de Limoeiro do Norte, conta hoje com a oferta de onze (11) cursos no nível
básico (médio/técnico), superior (tecnológico, licenciatura e bacharelado), 04 em nível de
pós-graduação (especialização e mestrado). Veja o Quadro 3 que se segue:
Quadro 3 – Disposição dos cursos do IFCE, Campus Limoeiro do Norte
(continua)
Níveis Tipos/modalidades Cursos:
Pós-graduação Mestrado Tecnologia em Alimentos
Especialização Gestão em controle
ambiental
Segurança alimentar
Fruticultura irrigada
Superiores Tecnologia Alimentos
Mecatrônica Industrial
70
Saneamento Ambiental
Bacharelado Nutrição
Agronomia
Licenciatura Educação Física
Básico Técnico (Nível médio) Mecânica Industrial
Meio Ambiente
Panificação
Agropecuária
Eletroeletrônica
Fonte: Próprio autor
A oferta de cursos do IFCE diz atender às demandas de mercado na localidade, se
articulam também com as dimensões da extensão e da pesquisa, além, fundamentalmente, do
ensino. A instituição promove cursos voltados à profissionalização, tendo como parte da
missão a inserção rápida no mercado de trabalho que “[...] contribuam com as transformações
tecnológicas e socioculturais do mundo do trabalho compatíveis com as características do
processo produtivo da área” (INSTITUTO FEDERAL, 2015). Desse modo, se vê que os
cursos ofertados no IFCE dizem acompanhar o potencial econômico local, qualificando
trabalhadores para o exercício do ofício adequando-se às demandas do mercado. A instituição
oferta cursos nos três turnos, com aporte de laboratórios específicos para as áreas de
conhecimento, além dos espaços comuns de aprendizagem com auditórios, salas de aula, pátio
de convivência, biblioteca, etc.
O IFCE, Campus de Limoeiro do Norte, tem 09 anos de existência e recebeu as
instalações do CEFET- UNED e por consequência originarias do FATEC/Instituto CENTEC.
No que diz respeito à Unidade sede que permanece com poucas alterações e a Unidade
Experimental de Pesquisa e Ensino (UEPE), houve acréscimo de patrimônio depois de se
tornar IFCE. A infraestrutura tem um bom aporte ainda com a Unidade do Bairro Antônio
Holanda (popularmente Cidade Alta), onde fica um dos acessos estratégicos da cidade na CE-
265 e a BR-116, somado ao Campus avançando de Jaguaruana.
A comunidade de alunos atendida pelo Campus de Limoeiro do Norte, no
semestre atual - 2016.2 - compreende o número de 1097 matrículas ativas em todos os níveis
ofertados em cursos técnicos (subsequente), superior (bacharelado, licenciatura e
tecnológicos) e pós-graduação (apenas mestrado, nesse momento). A instituição oferta ainda
(conclusão)
71
uma Coordenadoria de Assuntos Estudantis - CAE, que envolve uma rede de assistência
estudantil objetivando a permanência dos alunos, diminuindo a evasão e retenção a partir de
dois eixos: serviços (didáticos e preventivos) e os auxílios (assegurando as despesas
estudantis). A instituição atende alunos de boa parte da região do Vale do Jaguaribe. O IFCE,
Campus Limoeiro do Norte, tem seus serviços prestados a alunos oriundos de diversos
municípios, sendo que nove(09) municípios estão entre os outros com maior participação, os
quais geralmente os alunos fazem o deslocamento diário de suas cidades de origem até
Limoeiro do Norte em busca de uma formação.
72
4 ATRAVÉS DO MAR REVOLTO
Para apresentar os dados tratados da pesquisa com suas devidas análises,
partiremos rumo a uma totalidade (provisória) dos depoimentos dos sujeitos que estiveram
presentes na trajetória que foi do surgimento do CENTEC à fundação do IFCE – Campus de
Limoeiro do Norte. Mantendo a imagem marítima da travessia, vamos nomeá-los com nomes
de personagens da Odisseia16
, de Homero.
Os pseudônimos foram eleitos considerando os personagens da Odisseia para
conferir o anonimato aos sujeitos entrevistados, que foram em número de dez (10), sendo
seis(06) homens e quatro(04) mulheres. Para isso, ver Quadro 4.
De maneira secundária, embora não menos importante, os personagens foram
designados para cada sujeito da pesquisa como sendo os favoráveis ao protagonista do enredo,
assim como os antagonistas deste, na tentativa de transpor a trama épica, ao mesmo tempo em
que se busca estabelecer uma relação com o posicionamento dos sujeitos diante da história de
transformação do Instituto CENTEC para IFCE, Campus de Limoeiro do Norte.
Quadro 4- Categoria dos entrevistados
Categorias dos
entrevistados
N
Nº de
sujeitos
Pseudônimos
Gestor (a) 1 1.Atena
Técnico (a) 2 1.Poseidon 2. Penélope
Aluno (a) 2 1.Laerte 2.Telémaco
Professor (a) 5 1.Ulisses 2.Odisseu 3. Eumeu 4. Antinoo 5. Circe
Fonte: Próprio Autor.
A questão do gênero dos personagens foi ignorada para nomear os entrevistados,
dito de outro modo, os sujeitos da pesquisa do gênero masculino podem ter nomes femininos
dos personagens da trama grega, e vice-versa. Estes personagens ou pseudônimos aparecem
na medida em que forem emergindo os elementos da história do Instituto CENTEC, que estes
16
Trata-se, pois, de uma história ou conto grego apresentada em poemas compondo vinte e quatro (24) cantos –
que são dispostos em livros, num mesmo volume - de grande repercussão no campo literário. Obra esta
considerada um cânone ocidental, atribuída a sua autoria a Homero no final do século VIII a.C. A “odisseia” é
um vocábulo que foi incorporado maciçamente pelos países ocidentais, uma expressão que significa jornada
heroica.
73
verbalizaram. O despontar mais tímido ou expansivo, recorrente em alguns personagens,
esteve condicionado à relevância do conteúdo que o sujeito trouxe para compor essa narrativa.
A predileção pelo clássico grego para ambientar essa pesquisa se deu por
considerarmos as aproximações e certa correspondência dos dois enredos. Primeiro com
relação à Odisseia, no instante em que Odisseu, protagonista da trama, tinha esta identidade
originalmente, e ao concluir sua jornada assumiu outra identidade, sendo esta modificada
pelos grandes empreendimentos “sobre-humanos” que passou, embora não sendo mais o
mesmo homem que saiu da sua terra natal, ao mesmo tempo em que não pode negar sua
existência (essência) anterior. Neste prisma, o enredo da pesquisa se concatena ao
descortinado na história do Instituto CENTEC e sua possível substituição e/ou transformação,
ou ainda, supressão e/ou conservação na nova instituição, o IFCE, Campus de Limoeiro do
Norte.
Entendemos que a Odisseia, enquanto viagem heroica se assemelha à jornada
emblemática que o Instituto CENTEC viveu até se tornar IFCE, na cidade de Limoeiro do
Norte. Coincidentemente, a viagem do protagonista Odisseu durou dez(10) anos, e a história
do Instituto CENTEC, em Limoeiro do Norte, durou período semelhante no seu pleno
funcionamento, no que diz respeito ao ensino.
A questão da hipótese da supressão do Instituto CENTEC, por nós elencada,
justifica-se pela real mudança que a instituição sofreu, assumindo uma identidade distinta da
sua origem. Por outro lado, a hipótese residual da sua conservação se mostra válida no tocante
a apurar se houve o acondicionamento/preservação de recursos humanos, estruturais,
pedagógicos e ideológicos do Instituto CENTEC, herdados pela unidade federalizada CEFET
e, posteriormente, se tornando IFCE, Campus de Limoeiro do Norte. A substituição ou
supressão paralela à transformação ou, conservação somada a algumas modificações, compõe
a hipótese do hibridismo que constatamos ou refutamos correlacionado aos determinantes
intervenientes desse fenômeno, que será mediado pela exposição da narrativa que se segue
neste instante.
Traçamos uma linha do tempo para situar a Odisseia do Instituto CENTEC, de
Limoeiro do Norte, passando pelas águas turvas da federalização até chegar ao CEFET -
Unidade de Ensino Descentralizada (UNED), de Limoeiro do Norte. Como já foi anunciada
na introdução, a federalização do Instituto CENTEC, de Limoeiro do Norte, aconteceu
provavelmente em 2007, tendo os indicadores de marco jornalístico e depoimentos dos
sujeitos do estudo. Este processo de federalização foi assegurado pela política de expansão da
74
Rede Federal de Educação Tecnológica, no governo Lula da Silva, a qual teve duas fases: a
primeira expansão iniciou em 2005 e a segunda fase teve marco em 2007.
Foi na segunda fase da expansão, especificamente, que a federalização do Instituto
CENTEC, de Limoeiro do Norte, se consolidou. O período de constituição do CEFET-UNED
de Limoeiro do Norte foi bastante conturbado, pois a transição da instituição estadual para a
federal, diz-se para construir quadro próprio de servidores públicos, teve duração aproximada
de dois anos. Entretanto, a instituição já era federalizada, porém funcionava com o mesmo
pessoal do Instituto CENTEC até à adequação com funcionários públicos concursados. O
CEFET-UNED com quadro próprio de pessoal só existiu por cerca de um mês. E em seguida
se tornou IFCE, Campus Limoeiro do Norte. Este último, o IFCE, nasceu como consequência
da absorção das instituições de educação profissional, dentre estas os CEFET da União, para
compor a Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica na figura dos Institutos
Federais de Educação Ciência e Tecnologia pela lei nº 11.982 de 2008, como representado na
Figura 1.
Figura 1 – Linha temporal do Instituto CENTEC ao IFCE
Fonte: Próprio Autor
4. 1 LIVRO I: ANCORANDO AS VELAS DO INSTITUTO CENTEC
4.1.1Trabalho
O Instituto CENTEC é fruto da idealização do deputado Ariosto Holanda,
justificado, por este, pela necessidade do desenvolvimento regional do Vale do Jaguaribe.
75
Antinoo17
constata que o deputado Ariosto Holanda foi o mentor da instituição em Limoeiro
do Norte: “o CENTEC foi uma instituição piloto no Brasil. Ariosto Holanda foi idealizador do
CENTEC”.
O Instituto CENTEC, sendo uma instituição formal de educação de nível técnico e
superior, é instituído para promover uma formação para a laboralidade, atendendo ou
considerando o tino vocacional e potencial econômico do município de Limoeiro do Norte,
assim como o da região que faz parte, o Vale do Jaguaribe. Neste prisma, a categoria de
trabalho é a primeira que nos salta aos olhos, tendo em vista que a educação profissional
chega para subsidiar a formação para o trabalho.
O trabalho aqui mencionado refere-se ao modus de existência humana, fruto de
uma sociabilidade particular, que é o capitalismo, logo “tira do homem o fruto de sua
produção e faz com que se torne estranho a si mesmo e ao ambiente onde vive. Nesse
processo ele identifica a ‘coisificação’ do trabalhador, reduzido à condição de mercadoria”
(MARX, 2008, p.08/09). É importante esclarecer que o trabalho nestes termos perde a
principal característica que é potencializador da humanidade.
O Instituto CENTEC sugere, a priori, que se instituiu para atender ao trabalho,
solucionando uma problemática visceral da sociedade no que diz respeito à sobrevivência e
realização do homem. Contudo, o trabalho a que se destina a formação dos cursos de natureza
profissional que “[...] parece na economia nacional apenas sob a forma de emprego”
(ERWERBSTÄTIGKEIT, apud MARX, 2008, p. 30), dito de forma mais clara, uma educação
erigida para um tipo específico de trabalho. Este trabalho pouco consegue se desvencilhar do
propósito orquestrado de ser uma realização estéril de potencialidade humana.
Ainda sobre este trabalho, empreita-se de condições deterministas quase que
completamente quando o sujeito formado na educação profissional se vê como uma
habilitação restrita e pontual para sua aplicação, e com possiblidades ínfimas de transitar para
galgar níveis mais elevados do mercado do trabalho. Exemplo dessa situação são os cursos
ofertados pelo Instituto CENTEC, em Limoeiro do Norte, desde sua origem: Irrigação e
Drenagem, Saneamento Ambiental, Tecnologia em Alimentos (vegetal ou animal) e
Eletromecânica, os quais têm nichos específicos de inserção no mercado do trabalho, um teor
de formação mais aligeirado com indicação de provisoriedade da formação, que logo pode ser
substituído por outra dita mais atual e especialmente, a nosso ver, a contenção e a limitação a
um ofício, ou, retomando Marx, substituindo o trabalho por emprego ou ainda por ocupações.
17
PROFESSOR (A). Entrevista concedida em 19 de fevereiro de 2016, em Limoeiro do Norte.
76
O último, há pouco mencionado, repercute diretamente nas mudanças dos cursos
especificamente oriundos do Instituto CENTEC, o qual passou por mudanças provavelmente
no período da federalização, onde o curso de Eletromecânica deixou de existir, sendo
transformado em Mecatrônica Industrial.
O curso de Eletromecânica já era de nível superior, porém precisava de
reformulação, como determinação do órgão regulador, o MEC, tendo seu funcionamento
proibido, como denota a fala de Atena18
: “O curso de Eletromecânica passou para
Mecatrônica, o primeiro já era tecnológico (superior), mas o próprio MEC proibiu o curso,
então para os próprios alunos veio a calhar a mudança de curso para ser aceito na sociedade”.
Quanto à provisoriedade da formação e alinhada à limitação do ofício, constatamos a restrição
das ocupações fruto dessa formação. Tais ocupações logo se colocam em oposição ao trabalho
pelo sua efemeridade. Especificamente no curso de Eletromecânica encontramos respaldo na
fala de Odisseu19
, quando declara: “atualizou a Eletromecânica, agora Mecatrônica, inclusão
da informática”.
Podemos dizer que a educação profissional, pensada nestes termos, reduz a noção
de trabalho apenas à sua manifestação imediata-animalesca, negando sua dimensão fundante
da humanidade, como na visão globalizante de Marx e Lukács, entre outros. Para isso, o
trabalho deveria fomentar o mais elevado grau de humanidade, desenvolvendo no indivíduo a
capacidade de ampliar seu potencial criativo e inventivo, ao mesmo tempo em que se
enriqueceria do saber oriundo da atividade humana plena.
Ao contrário, a educação profissional vista no Instituto CENTEC remete a uma
fragmentação de uma genuína formação do trabalho, quando esfacela o saber, assim como
reproduz ou mesmo desconstrói o trabalho, quando nega um ofício (trabalho) e em
substituição, de modo débil, oferta um emprego, ocupação, função ou tarefa profissional.
Difícil até de nomear tal embargo, elegemos o emprego como face deturpada do trabalho, que
anunciávamos há instantes.
Ainda sobre a categoria trabalho, note-se que, no Instituto CENTEC, o curso de
Tecnologia em Alimentos contava com uma bifurcação: o indivíduo seria habilitado em
Tecnologia em Alimentos Vegetal ou Tecnologia em Alimentos Animal. Evidencia-se
também neste curso uma formação esfacelada, onde o profissional teria apenas o
conhecimento de uma vertente da área. Com a mudança da nova instituição (IFCE), o curso
de Tecnologia em Alimentos passou a ser “uno” – aqui trata-se de uma análise inicial,
18
GESTOR(A). Entrevista concedida em 24 de março de 2017, em Limoeiro do Norte. 19
PROFESSOR(A). Entrevista concedida em 27 de março de 2017, em Limoeiro do Norte.
77
considerando apenas os dois caminhos antes apontados – não existindo mais essa divisão e
com indícios de ampliação em certa medida da carga horária, em cerca de um semestre.
Assinalando tal episódio da história do Instituto CENTEC, Telémaco20
destaca na sua fala
que:
Entrei no CENTEC eram duas vertentes: a primeira em Tecnologia em Alimentos
Animal e a segunda Tecnologia em Alimentos Vegetal. No CENTEC, a carga
horaria era de 3,5 anos, com o IFCE, reformulou a matriz curricular acho que
aumentou um semestre. Para os alunos a mudança da matriz não impactou, por que
via o curso como fragmentado, gostaram da perspectiva mais ampla.
Já o curso de Agronomia surgiu como fruto de uma mudança mais radical do
curso de Irrigação e Drenagem, que foi o precursor, informação assinalada por Odisseu no
depoimento em que segue, identificando o novo curso com o antigo: “Agronomia, antiga
Irrigação”. Mesmo diante da ampliação substanciosa de carga horaria, se comparado o curso
de Irrigação e Drenagem de duração de três anos e meio (3,5) com o curso que o sucedeu,
Agronomia, com tempo de cinco (05) anos, inferimos que há similares nos condicionantes
que ombreiam esta formação para a laboralidade. Ou seja, essa mudança do curso original foi
desencadeada para atualizar esse perfil de trabalho que se buscava para atender as novas
necessidades do distrito agroindustrial do Vale do Jaguaribe. O projeto pedagógico do curso
de Agronomia do IFCE, Campus de Limoeiro do Norte, aponta como justificativa para
existência do curso que:
A região foi beneficiada por programas de desenvolvimento nos últimos anos,
devido à sua vocação agroindustrial, o que favoreceu a agricultura irrigada e setor
pecuário; contudo, a comunidade detinha, apenas, o conhecimento básico que é
capaz de gerar baixa renda local, ficando somente na agricultura familiar. Com o
advento da tecnologia e do conhecimento, muitos produtores, irrigantes e
empreendedores passaram a explorar mais intensivamente esta atividade, buscando
qualidade nos produtos produzidos ou transformados. (LIMOEIRO, 2010, p. 10,
grifo nosso).
Diante da citação, vemos que a base de sustentação do curso de agronomia se
ancora para atender às demandas do agronegócio do Vale do Jaguaribe, tendo ainda o curso
como parte de seu objetivo geral:
qualificação de profissionais com conhecimentos de tecnologias pertinentes à
produção vegetal [...] capazes de gerar tecnologias, operar, maximizar e dar
rentabilidade aos sistemas agroindustriais. (LIMOEIRO, 2010, p. 12, grifo nosso).
20
ALUNO(A). Entrevista concedida em 28 de março de 2017, em Limoeiro do Norte.
78
A categoria trabalho, aqui exposta, traz luz sobre o fenômeno de
substituição/transformação do Instituto CENTEC para o IFCE, Campus de Limoeiro do
Norte. Até aqui trouxemos elementos para compor a rede que se aporta o trabalho na
perspectiva do ensino do Instituto CENTEC, compreendemos que essas bases não se
apresentam espontaneamente se não no esforço na leitura da realidade.
4.2 LIVRO II: NAVEGANDO EM VENTOS PRECISOS, MAS LOGO A TORMENTA
VIRIA
4.2.1 Políticas educacionais da educação profissional
O Instituto CENTEC foi forjado no ano de 1996, teve seus anos iniciais cercado
de atenção e “vontade política”. A categoria políticas educacionais da educação profissional
se apresenta neste momento. A primeira sede do Instituto CENTEC se deu na capital do
Estado do Ceará, em 1996, quando foi elaborado o projeto CENTEC. Segundo Ulisses21
, “o
início do projeto CENTEC era uma sala em Fortaleza. Esta é a origem da instituição. Em
Limoeiro do Norte, a estrutura cedida era da PROMOVALE22
em 1997”. O Instituto
CENTEC se presenta hoje em três faces: As Faculdades de Tecnologia (FATEC), os Centros
Vocacionais Técnicos (CVTEC) e Centros Vocacionais Tecnológicos (CTV), modalidades de
ensino ofertadas pelo Instituto CENTEC. Vejamos o relato de um dos precursores do Instituto
CENTEC em Limoeiro do Norte, que afirma:
O instituto CENTEC teve que se instalar em prédio de outra instituição, que no
futuro foi cedido de fato para este. Trabalhei no CVT (CENTROS VOCACIONAIS
TECNTOLOGICOS). Fui pioneiro do CENTEC, proposta da Secretaria de Ciência e
Tecnologia criou os CVTs e o CENTEC. Primeiro a nascer foram os CVTS e o
instituto CENTEC apenas 02 anos depois (em média). Fui convidado a participar do
CVT. A estrutura do CENTEC era da Secretaria da Agricultura do Estado houve
uma permuta com a Secretaria da Ciência e Tecnologia. Em 1996 - processo de
instalação do CENTEC, acompanhei a instalação. Houve um teste de seleção,
primeiros 30 profissionais para Limoeiro, Juazeiro e Sobral. Primeiro acesso de
alunos foi o vestibular eram cursos tecnológicos. Em 1997começaram as aulas.
Ingresso com vestibular era ofertado o dobro de vagas, havia um curso de
21
PROFESSOR (A). Entrevista concedida em 28 de março de 2017, em Limoeiro do Norte. 22
A primeira sede do Instituto CENTEC de Limoeiro do Norte era da PROMOVALE (Programa de Valorização
Rural do Baixo e Médio Jaguaribe), uma instituição que surgiu para instrumentalizar a agricultura já que a
região tinha se consolidado desde 1978, a fruticultura nas áreas ribeirinhas, porém, com a introdução de
técnicas avançadas de irrigação disseminadas pela PROMOVALE seria alavancada a agricultura irrigada
moderna, sobretudo com a chegada dos perímetros irrigados na região do Jaguaribe. Mais informações ver:
BAIXO JAGUARIBE - PLANO DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
79
nivelamento/aperfeiçoamento (português, matemática, química, biologia). O acesso
se dava em duas etapas. Inicio das aulas 06 de janeiro de 1997 no protécnico – curso
de nivelamento (ULISSES).
O Instituto CENTEC teve como arcabouço de sustentação para seu surgimento a
Secretaria de Ciência e Tecnologia do Estado, como menciona Ulisses. É interessante notar
que o titular desta pasta era o deputado Ariosto Holanda, que participou diretamente na
idealização e implantação do Instituto CENTEC. A sede do Instituto CENTEC (hoje
pertencente ao IFCE, Campus de Limoeiro do Norte) era da Secretaria de Agricultura, que
cedeu o espaço para então uso da Secretaria de Ciência e Tecnologia do Estado, através de
uma permuta. Queremos chamar atenção para a prontidão e/ou eficiência que se teve em
mudar essas sedes para viabilizar o Instituto CENTEC, e ainda a relação de aproximação e
interesse com a área da agricultura. Tal situação pode ser explicada, já que a área da
agricultura esteve bem contemplada nos cursos ofertados pelo Instituto CENTEC a fim de
atender ao distrito agroindustrial que se instalava de forma mais proeminente neste período,
no Vale do Jaguaribe. A declaração a seguir esclarece e assinala este fato, ao dar conta de que
o:
CENTEC foi pensando de forma estratégica (uma cadeia), os 04 cursos. Produção:
Irrigação, para região agroindustrial, dar o suporte. Beneficiamento: Tecnologia em
Alimentos Para indústria previne os danos dos maquinários: Eletromecânica.
Poluidores do ambiente: entre o curso de Saneamento (ODISSEU).
Ulisses corrobora a respeito da origem e fins do Instituto CENTEC,
complementando a fala de Odisseu quando diz:
Os primeiros anos foram em Fortaleza, de elaboração da proposta. A primeira
unidade do CENTEC foi em Limoeiro do Norte, a proposta era construir 3 centros
equidistantes (norte- Sobral; Juazeiro e Limoeiro). Acredito que Limoeiro foi eleita
por ser celeiro de educação de referencia do Vale do Jaguaribe (a exemplo da
FAFIDAM23
), além de ser área de produção agrícola (Irrigação) a questão
econômica, pelo viés político também. Infraestrutura direcionada para Limoeiro do
Norte, idealizado por Ariosto Holanda. O primeiro curso Irrigação ou Recursos
Hídricos e Drenagem foi o curso convencido pelo deputado para se instalar;
Eletromecânica e Alimentos (para atender ao perímetro irrigado). 2001-2004 foi o
“boom” da chegada dos macroempresarios. Futura área das agrarias, os alunos dos
05 primeiros anos das turmas iniciais foram absorvidos pela agroindústria. As 04
bases do CENTEC; para atender o parque industrial; 04 primeiros cursos: Propulsão
e produção primária – Irrigação Processamento de Alimentos- Tecnologia de
Alimentos Manutenção do maquinário – Eletromecânica Resolução do lixo residual
– Saneamento ambiental O ciclo fechadinho (ULISSES) (grifo nosso).
23
Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos. FAFIDAM/UECE. Com 49 anos de fundação em Limoeiro do
Norte- CE.
80
Ulisses destaca que o Instituto CENTEC foi o primeiro a ser implantado no
Brasil, como fruto da idealização do deputado Ariosto Holanda. Sublinhamos ainda que o
político em questão escolheu o primeiro curso a ser implementado: recursos hídricos ou
Irrigação e Drenagem.
Damos ênfase mais uma vez ao termo “convencido pelo deputado”, usado pelo
entrevistado Ulisses para demonstrar a força política que este possuía na implementação desta
instituição de educação profissional. A escolha do curso de Irrigação dá pistas sobre o intento
para quem serviriam esses profissionais, “para atender ao perímetro irrigado”, usando as
palavras de Ulisses não só este curso, mas também os quatro (04) cursos originários do
Instituto CENTEC.
Atena sustenta, mesmo que de forma indireta, a ideia de que o agronegócio foi
entendido como sinônimo de desenvolvimento regional, através do perímetro irrigado, e o
desenvolvimento foi a bandeira que alicerçou a criação e instalação do Instituto CENTEC,
como mostra a seguinte fala: “ O CENTEC surgiu da definição de cursos de estratégia da
produção (Alimentos, Irrigação, Eletromecânica) alavancando o desenvolvimento regional”
(grifo nosso). Podemos deduzir com bastante clareza que a educação profissional
implementada no Instituto CENTEC, alicerçada em uma política pública marcada por este
tipo de educação, passa a equivaler, em grande medida, à formação de profissionais para o
agronegócio, a qual se identifica com o desenvolvimento regional.
Ressalta-se aqui o fato de que os produtores menores não faziam parte do grupo
de beneficiados, com profissionais formados nessa instituição, embora, parte dos sujeitos
hesitem com este entendimento. Odisseu mascara dizendo que o: “CENTEC sempre atendeu a
agricultura dando suporte, independente do tamanho do produtor”.
Contudo, a força material de um grupo de megaempresários do agronegócio,
certamente, teve seus interesses de mão de obra atendidos prontamente através da formação
ofertada pelo Instituto CENTEC.
A trajetória do Instituto CENTEC, em Limoeiro do Norte, perdurou por
aproximadamente onze (11) anos. 1996 foi o ano de idealização e implantação, porém as
aulas só começaram em 1997. Assim, no total, estima-se que, em no pleno funcionamento,
foram dez (10) anos de instituto CENTEC de Limoeiro do Norte.
81
Em se tratando dos primeiros momentos do Instituto CENTEC em Limoeiro do
Norte, percebemos como a categoria da política da educação profissional se insere de forma
larga na saúde dessa instituição.
Na instalação do Instituto CENTEC, a divulgação superou o simples anúncio de
seu surgimento e se revestiu de uma ação para captação de alunos/clientes. Alguns pioneiros
do Instituto CENTEC, ainda em projeto, fizeram “divulgação” do empreendimento para os
prefeitos das cidades do Vale do Jaguaribe. Para Ulisses, era necessário “vender o projeto
CENTEC nos municípios, tentando sensibilizar os prefeitos alinhados com o projeto de
educação, além da pressão política” (grifo nosso).
A questão política entra em voga a todo o momento na narrativa dos sujeitos.
Destacando os primeiros períodos de funcionamento da instituição, Ulisses intitula esta como
“projeto CENTEC”, e lembra ainda que “vender o curso tecnológico foi demorado! Mas
obtivemos sucesso”. Ulisses revela sua visão enquanto precursor da instituição que intitula
como Projeto CENTEC.
Ainda sobre a fala de Ulisses, no primeiro momento gostaríamos de chamar
atenção aos embargos enfrentados pelo Instituto CENTEC, de Limoeiro do Norte, quando
este menciona a necessidade de convencer ou, no termo usado, “sensibilizar” os prefeitos.
Sublinhamos ainda a referência aos “prefeitos alinhados com o projeto de educação”. Note-se,
primeiro, que a menção aos “alinhados” denota que o projeto estava ligado à consolidação de
um projeto de poder na região (do então Governador Tasso Jereissati), mas também o fato de
que até para os governantes do Vale do Jaguaribe, simpatizantes da educação profissional, foi
necessário um esforço para “vender” o produto na forma de cursos de tecnologias. Era
necessário um “empurrãozinho” ou a “pressão política” dos políticos de maior expressão
ligados ao governo do Estado, figuras entendidas de peso que fariam a instituição se erigir.
Entendemos que mesmo uma educação profissional com conotações de
fragmentação do saber era vista com ressalvas pelos políticos dos munícipios, que podem ter
hesitado também pela histórica recusa na oferta da educação para o povo, mesmo sendo num
caráter profissional, em sua base pouco nociva.
Para recrutar alunos que fizessem o Instituto CENTEC funcionar foi necessária
muita conversa no sentido de convencer os municípios a apoiar a instituição. Em termos de
amparos financeiros dos municípios, sua contrapartida seria a de fornecer o mínimo de
condições para que os alunos permanecessem estudando na instituição (transporte, etc.).
No instante em que as prefeituras garantiram o traslado dos alunos de seus
municípios para a região, além do apoio de residência universitária para os alunos de
82
municípios mais distantes, elas parecem ter vislumbrado a oportunidade de melhorar os
índices de escolarização e desenvolvimento econômico futuro, a custo baixo: “O avanço na
linha tecnológica foi visto como oportunidade dos municípios, de forma mais barata,
subsidiar uma casa do que manter alunos em outro Estado, a exemplo de Mossoró”
(ULISSES). O município de Mossoró fica no estado do Rio Grande do Norte, fazendo
fronteira com o Ceará, dai a explicação deste local, entenda-se como sendo pertencente a
outro estado e não o próprio estado do Ceará.
A contrapartida do município em incentivar e apoiar seus jovens para fazer um
curso superior, mesmo que em tecnologia, já que antes havia uma hesitação em torno dessa
habilitação, foi superado pela minimização de orçamento para os cofres das prefeituras.
Acreditamos que também era positivo para os prefeitos pela questão da propaganda política,
uma vez que a contrapartida surgia como benemerência e não havia a obrigação direta dos
municípios no custeio para a educação técnica ou superior. Dessa forma, a política da imagem
de bom gestor seria um trunfo importante para qualquer governante, e isto ajudou a viabilizar
o público do Instituto CENTEC em Limoeiro do Norte, até que este ganhasse credibilidade na
comunidade.
Os anos de frescor do Instituto CENTEC foram os cinco primeiros (1996-2000),
no que diz respeito à novidade que representou na região, ao aporte da força de trabalho
docente e de oportunidades de estudo. Corroborando com isso, Antinoo revela:
o corpo docente trabalhava com bastante empenho, os laboratórios já estavam
instalados e bem instalados. Eram dez professores por instituição. O CENTEC
Limoeiro foi o primeiro a ser instalado, seguido do de Sobral e do de Juazeiro.
Laerte24
afirma ainda sobre os anos gloriosos do Instituto CENTEC que
“enquanto aluno: o ensino era referência. Os recursos eram muito bons, os professores sem
muita titulação, mas mesmo assim eram bons”.
Seguiram-se anos ainda de fôlego no que diz respeito a recursos para instituição,
embora sempre houvesse o impasse da remuneração dos funcionários.
Diante da consolidação da instituição nesse primeiro período, os anos de 2000, do
Instituto CENTEC, em Limoeiro do Norte, são considerados pelos sujeitos os anos áureos no
aspecto dos recursos e do desempenho da instituição: “de 2000 a 2004 foram os melhores
anos da instituição” (ULISSES).
24
LAERTE. ALUNO (A). Entrevista concedida em 30 de março de 2017, em Limoeiro do Norte.
83
Esses primeiros anos conheceram bom subsídio no que diz respeito aos recursos
permanentes e de consumo da instituição25
. Alguns entrevistados assinalam que a compra de
materiais de alta qualidade (mesmo a toque de caixa) repercutia no processo de ensino.
Poseidon26
declara que “com relação aos recursos para laboratório, era mais tranquilo o
acesso” e Eumeu27
, comparando o IFCE com o Instituto CENTEC, diz: “o IFCE tem
dificuldades, a questão de compras, a aquisição de bens, equipamentos e de coisas pequenas”.
O entrevistado faz menção à ausência de burocracia, se referindo ao fato de que não se fazia
pregão para aquisição de bens ou serviços no Instituto CENTEC.
Com relação aos anos de fartura do Instituto CENTEC, o financiamento estava
vinculado às questões políticas: se o governador do Estado do Ceará era favorável à
instituição, esta tinha recursos financeiros largos, “o governo de Tasso tinha como secretário
Ariosto Holanda; o CENTEC ficava refém do governo, se apoiava ou não a instituição. No
tempo de Tasso eram das vacas gordas” (EUMEU). Conforme declaração de Eumeu, há
pouco referido, a política de educação profissional que promoveu o Instituto CENTEC em
Limoeiro do Norte, esteve atada às inclinações individuais dos governantes, sem qualquer
relação de parâmetros quanto a desempenho da instituição, como se dependesse apenas da
identificação ou não do governador de plantão com a “bandeira CENTEC”.
Em se tratando dos rumos do Instituto CENTEC, de Limoeiro do Norte, Ulisses
diz textualmente que os motivos que levaram ao enfraquecimento do CENTEC em Limoeiro
do Norte são de cunho político, já que com a “saída do secretário de desenvolvimento
tecnológico e do governador Tasso Jeiressati, diminuiu o apoio ao CENTEC em Limoeiro”. A
menção ao deputado Ariosto Holanda está relacionada com o exercício de seu mandato de
deputado federal nos anos de 1990, quando orquestrou a base do Instituto CENTEC em
Limoeiro do Norte. Após o encerramento de seu mandato de legislador, Holanda assumiu a
pasta da Secretaria de Desenvolvimento Tecnológico no Governo Estadual. Neste cargo de
secretário, Ariosto Holanda pôde ainda expressar grande apoio para sustentação do Instituto
CENTEC em Limoeiro do Norte. Quando foi destituído do cargo, o Instituto CENTEC, em
Limoeiro do Norte, passa a ter problemas financeiros cada vez mais graves, comprometendo
seu funcionamento, com largos atrasos salariais.
25
Na qualidade de Organização Social (OS), o Instituto CENTEC funcionava, no período em tela, na base de
um contrato de gestão que poderia ser ou não renovado a cada ano, e, em todo caso, sem a segurança de um
padrão permanente de financiamento. 26
TÉCNICO (A). Entrevista concedida em 30 de março de 2017, em Limoeiro do Norte. 27
PROFESSOR (A). Entrevista concedida em 28 de março de 2017, em Limoeiro do Norte.
84
A politica de educação profissional, na qual o CENTEC estava ancorado, foi
pouca a pouco sendo estremecida, uma vez que o corpo docente era mantido inicialmente por
verbas federais, através de uma categoria de servidor denominada de “professor–
pesquisador”, na verdade uma modalidade de precarização do trabalho, na qual os professores
eram bolsistas para docência. Esta solução formal foi lograda possivelmente por intermédio
do deputado Ariosto Holanda na vigência de seu mandato. Antinoo assinala sobre este vínculo
empregatício dos docentes do Instituto CENTEC em Limoeiro: “tive Bolsa CNPQ de
Professor/pesquisador por 03 anos fui bolsista nessa modalidade, 02 anos da FUNCAP”.
Nos anos subsequentes, embora o vínculo empregatício tenha sido regularizado
com a instituição da contratação pelo regime da CLT, ao mesmo tempo, o financiamento,
inclusive no que diz respeito à manutenção do corpo docente e técnico-administrativo, passou
a requerer seguidas lutas pela renovação do contrato de gestão, sempre duvidosa e incerta.
Embora tenha acontecido certa guinada numa política de contenção da reforma do
estado, como já observamos, Lula da Silva não apresentou uma ruptura com as bases da
reforma do Estado. Assim, enxergamos que o Instituto CENTEC, de Limoeiro do Norte, foi
uma oportunidade vantajosa, do ponto de vista dos custos, para a política de expansão da rede
de educação profissional do governo federal. Atena mostra os indícios destes ganhos: “o
governo federal aprovou a ampliação da rede; teve a contrapartida da infraestrutura física”,
indicando o baixo custo na implantação de uma Unidade de Ensino Descentralizada (UNED)
da rede federal de educação profissional. De fato, a rede federal aproveitou os recursos
estruturais e organizativos que estavam em curso numa instituição de educação profissional
com cerca de uma década de bagagem e história no município de Limoeiro do Norte.
Contudo, esse aproveitamento da experiência é relativo, se se pensar que o grosso
da herança vinha na forma da estrutura material, e não da experiência do pessoal. Para
Poseidon, a nova embarcação receberia bem os títulos do barco naufragado, que eram os bens
móveis e imóveis: “com relação à estrutura e laboratórios a transição foi mais suave”. Mas, e
seus tripulantes (professores, técnicos e alunos)? Quem receberia esses órfãos? Há espaço
para eles na nova casa? Atena responde de forma negativa: “a transição para os funcionários é
que foi um transtorno, já que implicará na insegurança no emprego”.
Odisseu concorda com Atena, pois questiona sobre a federalização do Instituto
CENTEC de Limoeiro do Norte “Dúvidas: é bom pra região? Sim. Para o município? Sim. E
para nós (funcionários)? Será melhor para nós?” (ODISSEU).
Gostaríamos de voltar a nossa atenção a alusão que Odisseu faz aos funcionários
do CENTEC que ficaram pelo caminho e de fato perderam o emprego, que era o dado real.
85
Diante do naufrágio anunciado e transferência de embarcação, houve resistência
da comunidade, como está registrado, em agosto de 2007, em reportagem do Jornal Diário do
Nordeste:
[...] o principal motivo é a perda do emprego dos atuais docentes e dos servidores,
que, com a incorporação do Centro Federal de Ensino Tecnológico (CEFET), serão
demitidos e submetidos a concurso público federal para continuar dando aulas nos
mesmos cursos (MELQUÍADES JÚNIOR, 2007).
Notadamente, houve recusa e articulação da comunidade com intuito de frear a
proposta de federalização:
Limoeiro do Norte - Com apoio de estudantes e servidores, os professores da
Faculdade Tecnológica CENTEC (FATEC), nesse município, estão protestando
contra o processo de federalização da instituição no Ceará, já em curso, repercutindo
para manifestações na unidade de Sobral. (MELQUÍADES JÚNIOR, 2007, grifo
nosso).
Percebe-se que desde agosto de 2007 já se sabia da federalização, e mais, houve
resistência dos servidores apoiados por alunos do Instituto CENTEC, de Limoeiro do Norte,
contrários à entrega da instituição para a União, já que isto implicava na extinção da FATEC
do Instituto CENTEC de Limoeiro do Norte. Diante desse quadro, portanto, os servidores não
ficaram apáticos: “ameaçando paralisar as aulas, o grupo de professores é contrário à
‘apropriação’ da Fatec pelo Cefet, defende uma ‘nova construção’ para o Cefet e critica a
‘doação’ da estrutura estadual para o governo federal” (MELQUÍADES JÚNIOR, 2007).
Embora houvesse, por parte dos alunos, apoio a respeito da resistência à
federalização junto aos professores e funcionários, estes seriam os menos lesados diante da
transição. No instante em que os discentes seriam incorporados de modo automático pela
instituição, exceto em alguns casos, certos cursos, em que estes deveriam escolher entre
aumentar seu tempo de formação na habilitação nova provida pelo CEFET e/ou IFCE, tendo o
ganho de uma formação melhor avaliada, ou se dirigir para os outros pólos do Instituto
CENTEC do Ceará, se mantendo no curso original. Sobre a última alternativa para os
discentes, Telêmaco assinala: “a Direção reuniu os alunos e foi esclarecendo os pontos, havia
a alternativa de migrar para outros polos do CENTEC que ficavam em outras cidades para não
mudar nada do curso [...]”.
No que diz respeito aos alunos, o professor líder da manifestação - registrada em
reportagem de agosto de 2007 - coloca: “uma escola ter o carimbo federal não quer dizer que
86
seja melhor do que ter o carimbo estadual” (MELQUÍADES JÚNIOR, 2007). Diante desta
fala, temos o entendimento de que foi questionado o “comercial” que já vinha sendo
“veiculado” para a comunidade local sobre a superioridade da instituição federal em relação à
estadual. Ainda sobre as possíveis avarias que os discentes iriam sofrer, outro professor
destaca na reportagem a preocupação com a fragilidade do diploma outorgado por uma
instituição que seria extinta: “como ficarão os alunos que concluírem a Fatec com um diploma
de uma faculdade que não existe mais?” (MELQUÍADES JÚNIOR, 2007). Questiona o
professor.
Diante da conjuntura fatalista da embarcação, dos danos no convés e na proa, se
tornava uma “via sacra” a renovação do contrato de gestão da OS.
“a estrutura da FATEC era frágil por que era um OS; prestava serviço para o estado,
contrato de gestão anual, transtorno ano após ano, na expectativa do contrato ser
renovado; os salários eram instáveis. Grandes incertezas. Boa justificativa para
migração para o IFCE para os profissionais” (ODISSEU).
A menção ao IFCE ao invés do CEFET pode ser explicada pela falta da clareza
acerca de um marco temporal do fim do CENTEC e início da federalização para o CEFET.
Assim como Odisseu, Atena ressalta “havia muito atraso salarial de três (03) meses. [...]. a
remuneração dos funcionários nos últimos anos era o maior embargo do Instituto CENTEC de
Limoeiro do Norte”.
O Instituto CENTEC se agarra à esperança de alcançar a outra embarcação do
governo federal, o CEFET. Os intervenientes são: o mar revolto, as águas são turvas, o
abatimento diante de término/naufrágio do projeto:
O clima era pesado devido à insegurança do emprego. Os professores e servidores
tinham uma identidade com a instituição CENTEC. Onze (11) anos de luta; todo o
esforço empreendido estava em questão. (ULISSES).
Somadas a tal cenário, havia as condições distintas de cada náufrago, ou seja, de
cada servidor. Alguns nadavam bem, outros se viram intimidados diante dos jovens e
vigorosos tripulantes, o espírito de concorrência imperava na disputa entre colegas e até entre
amigos que dividiam a jornada e ergueram o Instituto CENTEC de Limoeiro do Norte.
A prova do concurso público tinha parâmetros iguais de avaliação para todos: “o
processo seletivo para o IFCE foi no CEFET em Fortaleza, estes foram os organizadores. [...]
a concorrência parece alta. O processo parece que foi isento de fraudes.” (ANTINOO).
87
Atena concorda que o “concurso houve com lisura” contando com prova escrita,
prova didática e de títulos. Mas destacamos que as condições de concorrência são
discrepantes. O tempo que cada indivíduo teve disponível para estudar foi também diferente.
A grande maioria estudando para o concurso em paralelo ao trabalho. Diante disso, Poseidon
narra: “pedi para sair para estudar para concurso e retornei em 2009”. Tal atitude só ocorreu
por que Poseidon afirma ainda que podia se dar ao luxo de pedir demissão. Poseidon tinha
outra fonte de renda, trabalhando por conta própria, com menor carga horária já que contava
com os pais para suprimento da maioria das despesas. O entrevistado Poseidon ainda atribui à
decisão de demissão o sucesso ao passar logo no primeiro concurso público.
Esse exemplo sustenta nossa tese da desigualdade de condições materiais ou
espirituais entre os concorrentes. Poseidon estava destituído do emprego no ano de 2008 e no
ano seguinte, em 2009, já estava de posse de seu novo cargo, agora com condições
privilegiadas no que diz respeito a ser um funcionário público, integrante do IFCE de maneira
efetiva.
O primeiro concurso, já na federalização, ocorreu por edital do CEFET, no ano de
2008, e Poseidon tomou posse em 2009, já encontrando a absorção do CEFET- UNAD de
Limoeiro do Norte pelo IFCE, no mesmo município.
Diante do exposto, notamos que as condições dos integrantes, especificamente da
embarcação Instituto CENTEC de Limoeiro do Norte, não eram em nada homogêneas, ao que
o entrevistado acrescenta:
Na reunião com docentes e técnicos, o deputado e o diretor informaram sobre a
necessidade de concurso, porém houve uma maquiagem das informações sobre as
condições de acesso que seriam privilegiados (uma promessa de benefícios para os
antigos funcionários) (POSEIDON).
A declaração de Poseidon remete ao contexto de nebulosidade que cerca a
transformação do Instituto CENTEC, trazendo esse dado de que até houve informações que os
funcionários da casa teriam algum benefício, alguns passos adiante nessa jornada. Tal
promessa de privilégio se constitui num assunto muito delicado, com repercussões concretas
em matéria de condições de existência desses sujeitos funcionários da instituição, e, por isso,
hesitamos, a princípio, em trazer para essa narrativa.
Penélope 28
lembra as falas da direção: “comecem a estudar”, “vai ter concurso”.
A entrevistada ainda declara:
28 TÉCNICO(A). Entrevista concedida em 30 de março de 2017, em Limoeiro do Norte.
88
Não houve muito esclarecimento da situação. [...]. Foi pouca a comunicação. Teve
um cursinho de português para preparação, único apoio de FULADO DE TAL
(Diretor da instituição). (PENÉLOPE).
Trazemos Penélope para ponderar que houve certa vantagem para os funcionários
do Instituto CENTEC, quando foi ofertado esse cursinho de língua portuguesa para, quem
sabe, possibilitar uma melhor posição na concorrência por uma vaga. Contudo, nem fez frente
à promessa veiculada pelo então diretor e deputado “pai do Instituto CENTEC”, no
entendimento de Poseidon. Infere-se que se buscavam condições mais concretas para disputar
a concorrência, como por exemplo, a atribuição de uma pontuação expressiva na prova de
títulos para os antigos funcionários, considerando o tempo de experiência na educação
profissional no Instituto CENTEC de Limoeiro do Norte, o que não se consubstanciou. Foi
frustrada, para Poseidon, qualquer expectativa dessa natureza.
Todos os entrevistados são unânimes em afirmar que houve comunicação sobre a
transformação ou federalização, porém, há divergência quanto ao número de reuniões e acerca
da qualidade destes esclarecimentos. A maioria dos sujeitos afirma que as reuniões foram em
cima da hora, bastante confusas e com o fim apenas de apresentar a situação. Em momento
algum a reunião se punha a consultar a comunidade da instituição (alunos, docentes e
servidores) para deliberar algo. Prova disso é que em agosto de 2007 um dos professores líder
do movimento de resistência, diz “a federalização vai desempregar muitos pais de família.
Não temos certeza do futuro nem somos consultados (MELQUÍADES JÚNIOR, 2007, grifo
nosso)".
Tais reuniões aconteceram apenas para constatar o naufrágio e apresentar a única
saída que era a federalização. Dos dez(10) entrevistados, apenas três(03) afirmam ter havido
uma larga comunicação da transformação ou federalização. Neste último grupo minoritário
está Odisseu, quando diz: “houve uma ampla divulgação sobre a importância da
federalização”. A grande maioria, porém, se mostra insatisfeita sobre a qualidade dos
esclarecimentos, vários citam que houve apenas uma reunião oficial, e que esta comunicação
foi insuficiente. Destacamos a fala Laerte quando diz:
Houve uma reunião com os alunos para explicar a transição para o CEFET.[...]. Já
por parte dos professores houve pauta e movimentação para permanência das duas
instituições. Foi feita uma camisa com jargão para questionar a transição (para usar
em uma reunião). Houve muito atraso pra fazer essa reunião, uma promessa de
transferência para os servidores. (LAERTE, grifo nosso).
89
Podemos analisar muitos aspectos interessantes desta fala que vão ao encontro da
posição da maioria dos entrevistados sobre a comunicação e apreciação da extinção do
Instituto CENTEC e sua substituição por uma instituição da União. Todos os entrevistados
concordam que as reuniões não eram para decidir os rumos na instituição, apenas para
constatar a situação. Note-se, neste sentido, a fala de Laerte quando diz: “houve muito atraso
pra fazer essa reunião”, apontando que essas comunicações foram feitas às pressas, assim
como Eumeu que pontua também: “foi traumatizante; houve algumas conversas, mas a
conversa veio em cima da hora” (grifo nosso).
Diante disso, concluímos que a decisão de federalização foi repassada para a
comunidade com sobressalto e de forma acelerada no que diz respeito à constatação e
oficialização da notícia.
Ainda recuperando o depoimento de Laerte: “houve muito atraso pra fazer essa
reunião, uma promessa de transferência para os servidores”. Veja-se que Laerte comunga da
ideia de falsas promessas de favorecimento no concurso público aos funcionários da casa.
Ainda mais grave foi a promessa de transferência dos funcionários do Instituto CENTEC para
a União de modo automático, como está explícito no uso do próprio termo empregado:
“transferência”.
O primeiro depoimento indicava a promessa (mesmo não cumprida) de vantagem
no concurso público para os servidores da casa que nos deixou incomodados pela gravidade
da questão e ao, mesmo tempo, hesitantes em adicionar o problema à narrativa. Contudo,
quando o segundo sujeito fez essa mesma denúncia, consideramos ser importante que conste
nos apontamentos desse enredo, na medida em que tem valor explicativo acerca dos processos
políticos que envolveram o episódio de transição do Instituto CENTEC, de Limoeiro do
Norte, para o atual Campus do IFCE na cidade.
Diante disso, tivemos indícios então para inferir que as promessas de vantagens já
mencionadas, atribuídas aos gestores da instituição e/ou ao deputado Ariosto Holanda
ocorreram de fato, sendo atestadas por dois sujeitos entrevistados, que tiveram a “ousadia” de
mencionar o fato. Acreditamos ainda que o compartilhamento dessa informação aconteceu
como expressão do repúdio destes sujeitos diante de falsas promessas, que por si não se
sustentavam, já que não há como garantir legalmente essa vantagem no concurso público, até
por que, no regime de ampla concorrência, não pode haver regras particulares para parte dos
concorrentes.
90
O concurso acabou por ocorrer no ano de 2008. Até lá, os servidores do CENTEC
ficaram na instituição durante um período de transição, embora a federalização houvesse se
consumado independente do concurso público. (CEFET, 2008a). (CEFET, 2008b)
Houve assim a extinção da FATEC do Instituto CENTEC, que se pode deduzir da
passagem de reportagem publicada em agosto de 2007, citada a seguir, onde se faz referência
a uma “doação” da estrutura do CENTEC para a União:
Prevê-se que até o próximo mês seja assinado o documento de “doação” de toda a
estrutura das duas escolas para a União. Conforme o deputado federal Ariosto
Holanda, serão abertos concursos públicos para professores dos futuros Cefets. É
justamente com este ponto que professores da unidade Fatec de Limoeiro estão
indignados, pois isso implicaria na demissão dos 56 professores, dos quais 28 são
mestres e outros oito são doutores. Eles consideram “injusto” ter que passar por
novo processo de seleção para continuarem dando aulas nos cursos da faculdade –
Tecnologia de Alimentos, Recursos Hídricos e Irrigação, Eletromecânica e
Saneamento Ambiental. (MELQUÍADES JÚNIOR, 2007).
A pesquisa, entretanto, não encontrou indícios da publicação de tal documento de
doação, o que pode indicar que seu conhecimento não foi dado à comunidade.
Em jogo estava a continuidade de uma instituição já com uma década de
funcionamento, com nome e credibilidade consolidados. Para professores e funcionários
estava em xeque a carreira e a demissão, sem qualquer garantia de emprego diante da nova
instituição, uma vez que o acesso à esta passava para todos via concurso público.
Interessante também destacar a participação do deputado Ariosto Holanda,
consultado na reportagem citada, o que atesta a identificação deste político com o Instituto
CENTEC, de Limoeiro do Norte. Chama a atenção também seu posicionamento favorável à
federalização, tendo em vista que apoiava a extinção da instituição que fundou, e diante da
federalização se mostra desinteressado na manutenção da mesma.
Conforme, ainda, a última citação (MELQUÍADES JÚNIOR, 2007), só do quadro
docente seriam demitidos cinquenta e seis(56) professores a que se somavam os servidores
técnico-administrativos. A reportagem chamava atenção para a interessante qualificação dos
professores: trinta e seis(36) mestres e doutores, correspondente a 62% do corpo docente.
Ainda conforme a reportagem levantada, a comunidade do Instituto CENTEC de
Limoeiro do Norte resistente à federalização questionou o motivo pelo qual a criação de
CEFET deveria ser amparada na extinção do Instituto CENTEC:
Ao invés de incorporar o Cefet na Fatec, o governo deveria criar uma nova estrutura
para o Cefet, permitindo a continuidade dos trabalhos da Faculdade Tecnológica,
isso “garantiria toda essa estrutura que já conquistamos”, explica o professor
91
SICRANO DE TAL, que, juntamente com outros professores, está planejando a
paralisação das atividades na unidade. (MELQUÍADES JÚNIOR, 2007).
Os professores que repeliram a extinção do Instituto CENTEC, de Limoeiro do
Norte, alegavam que o acordo entre o Estado ou a União não era coerente com a ideia de
ampliar a oferta de educação profissional e tecnológica. Se a ideia era expandir a rede de
educação profissional e tecnológica através da educação profissional, em quê a extinção seria
“lucrativa de fato”, questionava o professor entrevistado do jornal Diário do Norte
(MELQUÍADES JÚNIOR, 2007).
Os sujeitos, por nós entrevistados, também corroboram a posição deste professor
quando um deles diz:
Ainda tinha muita insatisfação e incompreensão, porque não foi esclarecido o
porquê de substituir uma instituição por outra, e por que diminuir uma instituição de
educação, e não promover duas instituições. (POSEIDON).
Já Odisseu hesita sobre a vigência de duas instituições, quando perguntado sobre a
ideia de manter o Instituto CENTEC e se instituir o CEFET. Odisseu argumenta:
Não tinha certeza se seria viável duas instituições. Iriam competir entre si? Além de
não ter força política, [como] algumas pessoas colocavam. A sociedade aguentaria
as duas instituições! Porém a sociedade só via o nome federal, e o Estado não tinha
o interesse de continuar regendo a instituição (ODISSEU).
Diante da mesma questão, a manutenção das duas instituições, Eumeu lembra o
alto orçamento de que dependia o Instituto CENTEC, de Limoeiro do Norte, e adiciona: “o
estado não tem responsabilidade com o ensino superior e a União teve a proposta de assumir.
Não se valoriza muito a instituição CENTEC, quando passasse a ser federal seria outra coisa”.
Eumeu destaca o fator investimento, que certamente foi levando em conta na
decisão, corroborando com a opinião de Odisseu. Os anos de crise que antecederam a este
momento mostram justamente que o Estado perdera o interesse em manter este tipo de
empreendimento e que a doação do patrimônio material para permitir o surgimento da
instituição federal era vantajosa para ambos os entes.
O Estado, ao ver a oportunidade de se livrar desta despesa, prontamente o fez,
consoante indica também Ulisses:
92
Em 2007 ‘a federalização, era a salvação’, a única solução diante do declínio. A
transformação do CENTEC de Limoeiro em IFCE garantiu a sobrevivência das duas
outras unidades (Sobral e Juazeiro do Norte) e do Instituto CENTEC no Ceará.
Ulisses se preocupa, em seu depoimento, com uma alternativa para a crise que
estava instalada no Instituto CENTEC, de Limoeiro do Norte, materializada especialmente no
atraso do orçamento, indicando que, de fato, a crise era tão avassaladora que comprometia a
existência de outras unidades do Instituto CENTEC, no Ceará.
4.3 LIVRO III: NAUFRÁGIO, QUEM VIVER VERÁ!
4.3.1. Totalidade
Nos anos de 2006 a 2008 foram grandes as turbulências enfrentadas pelo Instituto
CENTEC, de Limoeiro do Norte: “desde 2006 já se colocava esta conversa de federalização
ao CENTEC” (LAERTE). A situação da instituição, no que diz respeito ao orçamento, estava
cada vez mais complicada, como Atena observa: “O instituto CENTEC já havia enfrentado
problemas financeiros, assim como os institutos CENTEC de Limoeiro, Sobral e Maracanaú”,
destacando que toda a instituição no estado do Ceará estava comprometida, além do Instituto
CENTEC de Limoeiro do Norte.
A categoria totalidade é invocada aqui para compreendermos a concatenação dos
diversos fatores e distintos atores que deixaram sua digital nesse fenômeno. As questões
locais/domésticas se apresentando enquanto cadeia, respingando nos rumos do Instituto
CENTEC, se enlaça com a crise econômica mundial, reverberada em princípio nos estados
que começaram a conter gastos. A eleição destes gastos se dava, por outro lado, de forma
nebulosa. Somado a isso, o sistema nacional de educação passava por transformações
relacionadas evidentemente à pauta política do governo federal daquele momento.
A política de expansão da rede federal, proposta por Lula da Silva, foi uma das
pautas principais do seu governo. A totalidade se evidencia ainda quando identificamos os
ditames dos organismos internacionais interferindo nas políticas nacionais de educação. Neste
momento, como já discutido acima, a orientação dos organismos mundiais se focalizava
fortemente nas medidas voltadas a vincular a oferta de educação diretamente às necessidades
específicas de mão de obra para o mercado de trabalho. Esta orientação se refletiu nas
mudanças operadas na forma de oferta de educação profissional no plano local. Aqui, os
nexos do ensino profissional com os empresários do distrito agroindustrial do Vale do
93
Jaguaribe aparecem com mais nitidez, tornando visível o ciclo que vai do global para o
particular, e, em efeito cascata, chega ao nível local.
Neste item, faremos um esforço para estabelecer conexões entre a ponta da
política local e seus “micropoderes” com a política nacional, na pessoa dos presidentes e seus
projetos de Estado, e, por fim, com o cenário mundial econômico, sobretudo no que diz
respeito às diretrizes para a educação, particularmente para os países em desenvolvimento. É
neste tripé que sustentamos a nossa concepção de totalidade para compreender o fenômeno da
transformação do Instituto CENTEC em IFCE, Campus Limoeiro do Norte.
Os “micropoderes”, acreditamos, já foram em boa medida apresentados,
especificamente destacando o protagonismo do deputado Ariosto Holanda, assim como dos
governadores do estado do Ceará entre os anos de 1996-2007, anos de existência do Instituto
CENTEC em Limoeiro do Norte. O período coincide com o governo Tasso Jereissati (1995-
1998; 1999-2002), durante o qual se instaurou o Instituto CENTEC; o governo Lúcio
Alcântara (2003-2006), que, segundo os sujeitos abordados, não viabilizou o apoio necessário
para permanência do Instituto CENTEC em Limoeiro do Norte. E o governo de Cid Gomes
(2007-2010), durante o qual, no ano de 2007, se operou a federalização do Instituto CENTEC
de Limoeiro do Norte.
Ainda nesse plano dos poderes locais, nos anos iniciais do Instituto CENTEC,
enxergamos as digitais dos prefeitos dos municípios do Vale do Jaguaribe. Embora em menor
proporção, os prefeitos do Vale do Jaguaribe desempenharam papel auxiliar nos ventos da
embarcação CENTEC, no instante em que possibilitaram a condução da massa de potenciais
trabalhadores do agronegócio na região.
O Instituto CENTEC, em Limoeiro do Norte, nasceu em 1996 e ofertou ensino
profissional de 1997 até 2007, aproximadamente. O presidente que estava em exercício nesse
período era Fernando Henrique Cardoso (1995-1998/1999-2002). A bandeira desse governo
era o Estado mínimo, que veio a convergir com a ideia do projeto CENTEC, idealizado pelo
deputado federal Ariosto Holanda. O projeto CENTEC atendia ao Estado mínimo de forma
direta quando adotava uma gestão de tipo OS que, segundo Pinto (2000), foram idealizadas
para reduzir a máquina pública, invocando os princípios fundamentais da eficiência e da
racionalidade administrativa, numa esfera chamada pública não estatal, dedicadas a serviços
públicos considerados não essenciais, como a educação. (PINTO, 2000).
Assim, o Instituto CENTEC surgirá nos termos da Lei nº 9637, de 1998, que
regulamentou o regime de gestão das Organizações Sociais (OS) como instituições que não
integram a administração do Estado, não se regem pelas regulamentações deste, mas pelas leis
94
de mercado e cujo pessoal pode ser contratado sob diversas modalidades, do regime CLT a
contratos de prestação de serviço, descartando o ingresso nos moldes do serviço público
regular. O financiamento de tais organizações é determinado pela celebração de instrumentos
como o contrato de gestão, onde passa a ser pautado por um conjunto de compromissos e
metas com as quais a instituição se compromete diante dos financiadores. Em geral, o próprio
estado que, em contrapartida, se descompromete com a gestão do serviço ofertado.
Foi no governo FHC que o lastro da reforma do Estado ganhou espaço, sendo o
modelo OS uma espécie de modelo prototípico de uma estrutura de serviços públicos, mas
não estatais, descaracterizados, onde, do ponto de vista dos beneficiários, a ideia de cidadão
detentor de direitos se substitui pela de cliente, indo ao encontro do que se chamou acima de
“Estado mínimo”, na sequência do chamado regime de bem-estar social que se apresentou no
segundo pós-guerra como forma suposta de controlar a violência do capital.
Sob este aspecto, o Instituto CENTEC encarnou, no plano local, esta concepção
de ordenamento estatal. A educação profissional ofertada no Instituto CENTEC em Limoeiro
do Norte serviu à população num serviço de custos baixos, com servidores sem estabilidade, e
por consequência, uma educação profissional terceirizada, pública, porém não estatal.
O contrato de gestão da OS carecia continuamente de renovação, problemática
que se acentuou na medida em que minguava o apoio político para a “bandeira CENTEC”. A
celeridade com que a renovação do contrato ocorria nos anos iniciais deu lugar a uma enorme
morosidade na celebração dos novos contratos. Foi ficando claro ainda que o modelo OS se
destinava fundamentalmente a suprimir as normas estatais e a responsabilidade do poder
público para com o serviço, e não, como se alegava na época, para oportunizar investimentos
privados (alegava-se que as regras estatais dificultavam a captação de recursos na área
privada), já que o financiamento do Instituto sempre foi fundamentalmente proveniente do
erário.
A renovação do contrato de gestão da OS que geria o Instituto CENTEC
representava a nutrição vital para sua existência. As condições do CENTEC, naquele período,
impactaram fortemente a oferta do serviço: “o CENTEC por ser contrato de gestão tinha
muitos problemas, todo ano a instituição atrasava salários” (ANTINOO). Penélope comunga
com a fala anterior, quando diz: “foi um processo traumático (isso por 02 anos) de anseios e
medo, o receio da transformação para IFCE, seriam transferidos?”, diz, fazendo menção aos
funcionários.
95
O fato dos anos mais débeis da instituição serem os que antecederam a rede
federal em primeira instancia pelo CEFET, e logo em seguida pelo IFCE, Campus de
Limoeiro do Norte, mostra de fato que o declínio da instituição foi um processo anunciado.
Poseidon comunica o entendimento de que a queda do Instituto CENTEC estava
evidenciada e, como saída, se apresentava a federalização diante dos “atrasos de salários”. “O
sonho era tornar o Instituto CENTEC uma instituição federal por força de lei (porém não foi
possível29
). A rede federal foi um alívio para o Estado”, afirma Poseidon. Realçamos o
seguinte trecho da fala de Poseidon: “porém não foi possível”. Acreditamos que a afirmação
se refere ao imediatismo esperado na transformação do CENTEC em instituição federal, o que
não ocorreu logo. Mesmo a incorporação de seu patrimônio físico, pela via da doação do
Governo Estadual ao Federal, teve de aguardar. A expressão “alivio” sustenta a percepção de
que o Estado abdicou do seu papel de sustentar o Instituto CENTEC e viu como um alento a
desresponsabilização para com esta instituição em Limoeiro do Norte.
A federalização foi apresentada como saída. E como se daria esse processo? Para
Ulisses, “a primeira conversa sobre o processo de federalizar, não se sabia com iria acontecer.
Muita conversa de corredor sobre o tema”. Veja-se que Ulisses indica que a transformação do
Instituto CENTEC de ente de responsabilidade estatal para estrutura da União gerou grande
tensão na comunidade escolar, sobretudo nos funcionários.
Haviam indícios de comunicação sobre os novos rumos da instituição, porém
muitos sujeitos apontam que as informações não eram precisas. Sublinhamos mais um recorte
da citação de Ulisses que reforça esta dedução: “muita conversa de corredor sobre o tema”.
Os servidores do Instituto CENTEC daquele período estavam prestes a testemunhar a guinada
da situação numa nova embarcação, a União. A sua substituição pelo CEFET, sinalizava um
amparo ao ensino profissional em Limoeiro do Norte, porém o quanto teriam de fôlego para
nadar até a outra embarcação?
Essa inquietação atormentava os tripulantes do Instituto CENTEC. Uma das
testemunhas do episódio de naufrágio comenta: “estava presente, existiu a possibilidade do
CEFET, alguns servidores acham positivo, mas havia grande receio de como se daria o
ingresso nessa nova organização. Houveram (sic) reuniões não eram para deliberar
(ANTINOO) ”. Antinoo testemunha que os servidores e a comunidade institucional nada
poderia fazer para reverter a situação ou mesmo se opor à mudança de instituição. As reuniões
29
Esta saída sempre buscada pelos governos estaduais em face de instituições de sua esfera que apresentam
dificuldades não é permitida por vários motivos, em primeiro lugar, pelo dispositivo da CF de 1988, que torna
o ingresso de servidores em qualquer esfera da administração pública condicionada à aprovação em concursos
públicos. Isto, por óbvio, veta a conversão de serviços estaduais e de seus servidores em serviços federais.
96
que houveram foram apenas para constatar que a embarcação, o CENTEC, estava com os dias
contados, a sucumbir.
A única saída que foi apresentada, ou melhor, comunicada aos servidores e alunos
era a mudança de embarcação: “ocorreu então a porta para o CENTEC se tornar CEFET”
(EUMEU), mas não havia espaço para todos, ou melhor, para ocupar esse espaço seria
necessário enfrentar os obstáculos, uma verdadeira jornada contra as forças antagônicas, que
era um concurso público: “muita tensão porque precisaria de concursos” (EUMEU). O
obstáculo era ainda mais grave para estes tripulantes, na medida em que o concurso tem
características de ampla concorrência para todo território nacional e estrangeiros
naturalizados.
Seria necessário transpor águas revoltas com seres místicos e imprevisíveis. O
tíquete para embargar na navegação socorrista era o concurso público: “foi lançado o
concurso para docentes do IFCE, com prova escrita, didática e de títulos (ANTINOO)”.
Em correspondência com Antinoo, sobre a insegurança do emprego, Atena
declara: “Os servidores viram o IFCE como incerteza, que tinha que fazer uma prova
(concurso). Mas os servidores viram também com aspecto positivo, caso passassem, porque o
status de funcionário estadual passaria para federal”. Por IFCE entenda-se CEFET, na fala
agora apontada. Tendo em vista que o período de transição foi bastante confuso e como o
tempo de permanência do CEFET foi breve, os sujeitos do estudo em alguns momentos tem
dificuldade de distinguir CEFET do IFCE. Chamamos atenção para o beneficio que se teria
caso o servidor da OS se tornasse um funcionário público. Para além do status destacado por
Atena, realçamos os ganhos de estabilidade profissional e um plano de cargos e carreiras.
O governo Lula da Silva possibilitou a embarcação socorrista para os náufragos
do Instituto CENTEC em Limoeiro do Norte, por ter como pauta a expansão da política de
educação profissional, que só veio se consolidar no seu segundo mandato, convergindo com o
período de debilidade financeira do Instituto CENTEC que tinha como seu mantenedor o
Estado do Ceará.
O fortalecimento das instituições nacionais foi priorizado de modo significativo
no governo Lula da Silva. Isto não quer dizer que a reforma do Estado foi um projeto refutado
por este governo. O que acreditamos é que a educação profissional, no que concerne ao seu
funcionamento, tomou rumos um tanto diferentes no sentido de injeção de orçamento e
replicação de unidades, tendo em vista o projeto de interiorização da educação profissional e
superior no governo Lula da Silva.
97
4.4 LIVRO IV: A FEDERALIZAÇÃO: “NOVA” EMBARCAÇÃO
4.4.1. Hibridismo: substituição e transformação da FATEC do Instituto CENTEC para
IFCE, Campus Limoeiro do Norte
A federalização marca a admissão da categoria hibridismo30
para desvelar o
fenômeno aqui apreciado. Hibridismo se aplica aqui no contexto da interpenetração de duas
estruturas num mesmo objeto ou mesmo da dupla função de um único objeto. Apresentado o
sentido empregado do termo híbrido, cremos ser tranquila a sua transposição para o
fenômeno.
O hibridismo representa uma categoria que surge para explicação da conjuntura
que levou o Instituto CENTEC, de Limoeiro do Norte, a se tornar CEFET - UNED e logo em
seguida IFCE, Campus Limoeiro do Norte, percebido enquanto resultado do estudo, o
entrelaçamento ainda persistente entre as instituições estadual e federal.
Neste sentido, o hibridismo será aqui aplicado como uma paradoxal substituição
do Instituto CENTEC de Limoeiro do Norte no sentido de sua supressão, ou seja, extinção,
anulação de sua existência no que diz respeito a findar os vínculos e estruturas que o
sustentavam como uma OS e, ao mesmo tempo, sua conservação, no instante em que o
CEFET – UNED mantém do Instituto CENTEC de Limoeiro do Norte:
a) primeiramente, na forma da infraestrutura, incorporada de modo imediato e definitivo;
b) em seguida, na forma da manutenção do quadro discente, em regime provisório, no período
da transição;
c) em terceiro lugar, mantendo ou “recuperando” boa parte do quadro de funcionários do
Instituto CENTEC de Limoeiro do Norte, de modo efetivo por meio do concurso;
d) depois, incorporando e reproduzindo de maneira genérica a forma e a finalidade da
educação profissionalizante quando abriga ou conserva vários cursos de modo contínuo;
e) e finalmente, mantendo o apoio do padrinho político, o deputado Ariosto Holanda, ainda
que este tenha concordado com sua extinção e apoiado o surgimento da nova instituição,
como denota sua declaração à reportagem citada: “conforme o deputado federal Ariosto
Holanda, serão abertos concursos públicos para professores dos futuros Cefets”.
30
Híbrido tem significado aplicado àquilo que passou por cruzamento de espécies distintas ou ainda uma
substância que resulta da mistura de alguns elementos. Se aplica de maneira usual a automóveis enquanto
qualidade de híbridos, ou seja, podem ser alimentados tanto por motor a combustão (combustíveis poluentes;
derivados substrato vegetal ou mineral) como por motor elétrico (que não usam combustíveis fosseis por isso
bem menos poluentes).
98
Tal hibridismo concerne, inicialmente, ao período de federalização pelo CEFET-
UNED de Limoeiro do Norte. Este período de transição ocorreu por cerca de dois (02) anos,
mantendo a mesma comunidade escolar (servidores e discentes) do Instituto CENTEC dessa
cidade. Já diante do resultado do concurso público do CEFET-UNED de Limoeiro do Norte, o
hibridismo se materializou quando também houve a prevalência de uma porção substanciosa
de funcionários do Instituto CENTEC de Limoeiro do Norte. Prevalência esta, apontada pela
grande maioria dos entrevistados e com relação ao quadro docentes especificamente. Circe
sublinha: “em percentual 50% dos professores ficaram”.
Como o IFCE, Campus de Limoeiro do Norte, recebeu o quadro de pessoal do
CEFET- UNED, o hibridismo se consolidou também nesta unidade do Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará, já que estes funcionários públicos eram oriundos
do então Instituto CENTEC. Desse modo, vê-se que esse grupo de servidores perpassaram as
“três faces” desta instituição de ensino, ou seja, primeiro o Instituto CENTEC, mediante
seleção, em seguida CEFET- UNED, por concurso público, e por último o IFCE, por absorção
dos funcionários já da união. Desse modo, vários dos servidores entrevistados têm vinte(20)
anos de vínculo com essa instituição de ensino, estando estes desde as bases do Instituto
CENTEC e tendo conseguido se consolidar enquanto funcionário efetivo da União até o IF do
Ceará em Limoeiro do Norte.
Como foi apontado na pesquisa, o Instituto CENTEC foi incorporado pela União,
tornando-se CEFET- UNED, através do Decreto nº 5.224, de 1º de outubro de 2004, que
regulamenta a organização dos Centros Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, que
garantia a existência dos CEFET’s desde 2004. A pesquisa não logrou precisar com um marco
temporal quando se deu a abdicação do Estado do Ceará do patrimônio da Fatec, do Instituto
CENTEC de Limoeiro do Norte, concluindo o processo de federalização e dando lugar ao
CEFET – UNED, como já foi tratado de forma panorâmica até aqui.
O próprio IFCE, Campus Limoeiro do Norte, não conta com registros (digital ou
documento físico arquivado) desse importante fato histórico para a instituição. O único
registro que se tem da federalização da antiga instituição (FATEC, do Instituto CENTEC) se
encontra neste acanhado número de caracteres veiculados do site do IFCE, em campo
dedicado à sua história, quando diz: “o Instituto substituiu o antigo Cefet/CE e é resultado do
projeto de expansão da Rede de Ensino Tecnológico do País, elaborado pelo Governo Federal,
em 2007.” (INSTITUTO FEDERAL, 2015).
O site do IFCE não traz nada sobre a história do Campus de Limoeiro do Norte
enquanto componente do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará, e, por
99
consequência, é praticamente ausente a história da federalização do Instituto CENTEC de
Limoeiro do Norte, que deu origem a um CEFET-UNED.
O Instituto CENTEC, que ainda é atuante no estado do Ceará, também não
mantém qualquer registro de sua história no seu site oficial. Além disso, enquanto
pesquisadores, ainda buscamos junto à instituição sediada em Fortaleza acesso aos dados,
diga-se, documentos que demarcassem temporalmente a extinção de sua unidade de Limoeiro
do Norte, porém obtivemos resposta pouco otimista acerca da existência e divulgação de
dados dessa natureza. A ausência destes documentos foi-nos informada por um dos
funcionários mais antigos, sendo este gestor também da sede do Instituto CENTEC em
Fortaleza. Esta fonte nos afirmou que “nunca houve uma formalização da extinção da
FATEC” do Instituto CENTEC de Limoeiro do Norte através de portarias ou afins. A mesma
fonte afirma que o término da Fatec, do Instituto CENTEC, de Limoeiro do Norte, e sua
subsequente federalização aconteceu via Secretaria de Ciência Tecnologia e Educação
Superior do Ceará (SECITECE) e CEFET. O(a) gestor(a) do Instituto CENTEC de Fortaleza
revela ainda que muitos dados foram perdidos devido ao Instituto CENTEC não possuir um
acervo de relatórios dessa natureza.
Diante disso, para fins de registro temporal do período de federalização do
Instituto CENTEC de Limoeiro Norte, usamos como parâmetro as datas de matéria de jornal,
e acrescemos os editais dos dois(02) primeiros concursos31
públicos do CEFET-UNED no
Ceará, assim como dados das entrevistas dos sujeitos.
É importante considerar que a maioria dos entrevistados define a data da
federalização apenas conforme o período em que foram empossados depois de prestarem
concurso público.
O pouco esclarecimento já registrado dado por gestores e autoridades acerca da
transição entre as duas instituições e o fato de que nela perduraram durante algum tempo as
estruturas do CENTEC, leva os sujeitos entrevistados a localizar a implantação da nova
instituição federal no momento em que esta constituiu quadro funcional próprio. Mas é óbvio
que esta percepção é falha, bastando lembrar para que algum ente pré-existente convocou o
concurso para o provimento deste quadro funcional.
Tal situação pode ser explicada no instante em que se lembra que tudo
“continuava igual” em termos práticos, todos permanecendo com seus empregos e o corpo
discente, em parte, concluindo seus cursos. Este processo de transição pode ter levado os
31
Com o total de trinta e nove(39) vagas para docente e vinte e seis(26) vagas para o concurso de servidores
técnico-administrativos na UNED de Limoeiro do Norte.
100
sujeitos a desconsiderar que oficialmente não existia mais Instituto CENTEC de Limoeiro do
Norte e sim a manutenção dos serviços dos funcionários do CENTEC em caráter provisório,
até que o quadro da nova instituição fosse composto.
A matéria já mencionada é do Diário do Nordeste de 14 de agosto de 2007,
intitulada “Federalização gera protesto entre docentes”, um dos principais jornais do Ceará.
Trata do processo de extinção da Fatec, do Instituto CENTEC, em Limoeiro do Norte,
ressaltando a mobilização da comunidade institucional, que confrontava a federalização.
Contudo, gostaríamos de chamar atenção para a data de registro da reportagem que trás um
importante parâmetro temporal, data de agosto de 2007, que nos permite localizar a
federalização. Vejamos:
[...] Limoeiro do Norte. Com apoio de estudantes e servidores, os professores da
Faculdade Tecnológica CENTEC (Fatec), nesse município, estão protestando contra
o processo de federalização da instituição no Ceará, já em curso, [...].
(MELQUÍADES JÚNIOR, 2007, grifo nosso)
Destacamos aqui, sobretudo, o seguinte o trecho: “o processo de federalização da
instituição no Ceará, já em curso”. A passagem nos permite concluir que a federalização do
Instituto CENTEC de Limoeiro do Norte já havia sido iniciada, ou seja, estava em andamento.
Este processo de transição aconteceu em termos legais e com impacto imediato
apenas para a infraestrutura física da Fatec do Instituto CENTEC, que ao doar seu patrimônio
para o ente federal era suprimida enquanto instituição de ensino, contudo, conservando
provisoriamente os recursos humanos da instituição (funcionários e professores) e sua
clientela (alunos). Era a expressão deste momento híbrido a origem da confusão que se gerou
nessa instituição quanto a real data da federalização.
O exercício efetivo do CEFET - UNED em Limoeiro do Norte, conforme se vê
aqui, ocorreu no momento da doação dos bens do Instituto CENTEC de Limoeiro do Norte.
Este processo se deu no contexto das mobilizações de resistência à federalização já em curso.
Chamamos atenção para a doação do CENTEC de Limoeiro do Norte, que aqui já
vai se consolidando, quando se diz:
Ameaçando paralisar as aulas, o grupo de professores é contrário à ‘apropriação’ da
Fatec pelo Cefet, defende uma ‘nova construção’ para o Cefet e critica a ‘doação’ da
estrutura estadual para o governo federal. (MELQUÍADES JÚNIOR, 2007, grifo
nosso).
101
Com a federalização consolidada, o primeiro edital (Edital nº 02/GRH-
CEFETCE/2008) de concurso público do CEFET-CE para carreira docente com vagas
também para a UNED de Limoeiro do Norte é publicado em 07/05/2008, assim como o
concurso para servidores técnico-administrativos do quadro efetivo com vagas para o CEFET-
UNED de Limoeiro do Norte (Edital nº 018/CCC-CEFETCE/2008). (CEFET, 2008a).
(CEFET, 2008b).
O CEFET – UNED de Limoeiro do Norte existiu por volta de dois anos (2007-
2008). No ano de 2007, como indica a matéria do jornal, a federalização já estava em curso e
se concluiu com a Lei nº 11.9892, de 29 de dezembro de 2008, que extinguiu a maioria dos
CEFETs de todo o país, salvo exceções, e por conseguinte absorvendo o CEFET–UNED de
Limoeiro do Norte, transformando-o em IF, ou melhor IFCE, Campus de Limoeiro do Norte.
Sendo assim, o CEFET– UNED de Limoeiro do Norte só teve funcionários próprios desta
instituição mediante concurso publico a partir do dia 03 de dezembro de 2008 (conforme
depoimento dos sujeitos) data da posse nos primeiros servidores docentes.
Odisseu expressa com muita convicção o fato histórico da instituição agora ser
gerida pela União quando diz “aos 03 de dezembro de 2008, 1 ª posse do CEFET” (grifo
nosso). Confirmando o pleno funcionamento do CEFET-UNED, do dia 03 de dezembro de
2008 quando aconteceu a posse dos aprovados no primeiro concurso dos professores do
CEFET- UNED de Limoeiro do Norte.
O Projeto de Lei (PL) 3775/2008 que instituiria a rede federal de educação
profissional científica e tecnologia que daria origem aos IF’s é submetido ao congresso
nacional em junho de 2008, prevendo a integração e reorganização dos Centros Federais de
Educação Tecnológica - CEFETs, Escolas Técnicas Federais - ETFs e Escolas Agrotécnicas
Federais - EAFs.
Diante da aprovação do projeto de Lei 3775/2008, entra em vigor a Lei nº 11.892
já no dia 29 de dezembro de 2008, que criou os IF’s. A rede federal de educação profissional,
a partir desta data, pôde absorver os CEFETs de todo território nacional, sendo chamado de
Institutos de Federais de Educação, Ciência e Tecnologia.
A absorção do CEFET em Limoeiro do Norte pela rede federal, logo se
transformando em IFCE, aconteceu com base na Lei nº 11.892, de dezembro de 2008.
Considerando que os institutos federais foram criados mediante a transformação
e/ou integração de Cefet, escolas agrotécnicas federais, escola técnica federal e
escolas técnicas vinculadas às universidades federais [...] (SILVA, 2009, P.57).
102
4.5 LIVRO V: A EMBARCAÇÃO DO IFCE: NOVA TRIPULAÇÃO? NOVOS VENTOS?
NOVO DESTINO? NOVO COMANDANTE?
4.5.1 Conciliação da educação progressista e o ensino superior técnico e tecnológico
A façanha enfrentada em águas, à primeira vista, calmas e convidativas, os ventos
vigorosos e contínuos, a novidade de viagem trazia empolgação e sentimento de
pertencimento aos tripulantes que, inebriados do sonho de alcançar vitória em sua empreitada,
dão o tom inicial dessa jornada. O Instituto CENTEC de Limoeiro do Norte foi um projeto
idealizado por um sujeito, e logo vivido e reverberado como um sonho por outros que
acreditaram ser seu.
Ariosto Holanda foi o idealizador do Instituto CENTEC no Brasil, sendo
Limoeiro do Norte a unidade piloto dessa instituição de ensino de educação profissional e
tecnológica. O Instituto CENTEC de Limoeiro do Norte viveu uma “aventura extraordinária”
rumo ao desenvolvimento. Foi aproximadamente uma década de viagem, assim como a
Odisseia, que durou tempo semelhante. Contudo, o projeto/sonho de desenvolvimento a partir
da educação profissional, “comprado” ou “assimilado” por muitos, trazia no seu bojo, desde
sua base, um conceito não homogêneo de desenvolvimento e, mais que isso, um aspecto
questionável, no instante em que se propunha uma educação para o trabalho e, a partir disso,
gerar desenvolvimento.
Em princípio, iremos mostrar a concepção de desenvolvimento em que se baseia o
idealizador do Instituto CENTEC de Limoeiro do Norte e que, como tal, influenciou
grandemente os parâmetros de desenvolvimento para essa instituição, como se percebe nesta
passagem: “quando se fala em desenvolvimento é sempre bom perguntar: desenvolvimento
para que? Na minha visão, para desativar essas três bombas de efeito retardado colocadas na
nossa região: analfabetismo – fome – desemprego” (HOLANDA, 1990, p.04).
Para Holanda (1990), o desenvolvimento deve estar associado ao sujeito a quem
se destina o dito desenvolvimento ou mesmo àquele que promove o mesmo. Podemos inferir
diante do exposto que o desenvolvimento, a priori, tem uma intencionalidade objetiva e até
honrosa quando diz que este deve considerar o homem e o seu meio. Contudo, enxergamos
aqui uma tendência a considerar o trabalho antes do próprio homem, pois é no trabalho que se
dá o lucro. Infere ainda que os ganhos do trabalho sejam distribuídos de forma justa aos que
geram desenvolvimento, o que se trata de uma anedota. A alienação entendida neste contexto
103
se faz evidente para perpetuar o sistema de produção econômica que usa o dispositivo da mais
valia.
Nesta visão, o autor desfoca o real problema que está na infraestrutura da
sociedade, sobre a qual está assentada a superestrutura. Estas categorias são empregadas por
Marx para entender os sistemas econômico-produtivos das sociedades. Para Marx, são duas as
forças que se entrelaçam na dinâmica de existência humana que se dá no trabalho, a
infraestrutura e a superestrutura. A primeira consiste nas relações sociais materiais de
produção, num conjunto de matérias-primas, meios de produção e no próprio homem,
trabalhador, constituindo a base econômica daquela sociedade. Já a superestrutura, consistente
do conjunto de instituições que se erguem sobre a base social para sustentação de um tipo de
sistema produtivo e que é materializado no Estado, religião, cultura e meios de comunicação,
são instrumentos dos grupos dominantes para se estabelecer e permanecer exercendo controle.
A superestrutura é em suma uma estrutura jurídico-politica e alinhada a uma estrutura
ideológica.
Para Marx (1985, P.57), “as relações sociais são inteiramente interligadas às
forças produtivas. [...]. O moinho a braço vos dará a sociedade com o suserano; o moinho a
vapor, a sociedade com o capitalismo industrial”. Esta passagem ilustra como a infraestrutura
é desenhada de modo distinto em cada sociedade, no que diz respeito ao sistema produtivo,
implicando por consequência nas formas de laboralidade e de relações mercantis.
Os sistemas produtivos e as tecnologias empregadas no trabalho delineia em boa
proporção a perspectiva de desenvolvimento colocada em pauta nessa categoria.
Reconhecemos a perspectiva de desenvolvimento tecnicista/capitalista no Instituto CENTEC
de Limoeiro do Norte. Esta continua a constituir a espinha dorsal da instituição federalizada,
seja na roupa do CEFET ou na do IFCE. De modo genérico, ambas se edificam sobre a
mesma base de desenvolvimento sob o prisma do sistema capitalista. Ao longo deste texto
tratamos as bases que nos levaram a essa interpretação. Defendemos a tese que esse tipo de
desenvolvimento é controvertido, dado que apenas beneficia um grupo da sociedade, a
minoria que se utiliza da posição de detentor dos meios de produção para apropriação
majoritária das riquezas. Em contrapartida, o trabalhador que produz o desenvolvimento, por
que não dizer riqueza, não alcança os frutos do seu trabalho, apenas é relegado ao suficiente
para existir, para permanecer gerando riqueza para alguns, melhor dizer, desenvolvimento.
A educação profissional está erigida nessa concepção de desenvolvimento,
influenciada certamente pelas políticas de educação profissional de modo geral, e, por
conseguinte, pela política que idealiza o Instituto CENTEC de Limoeiro do Norte.
104
Holanda (1990) apresenta o desenvolvimento como alternativa para anular a
situação de miséria do Ceará. Identifica como solução a geração de trabalho:
O homem que trabalha e tem salários dignos garantirá, certamente, educação, saúde,
manutenção e moradia para sua família. Difícil é garantir educação e saúde para uma
massa de desempregados e famintos”[...] “portanto, na minha ótica o carro chefe
deve ser o TRABALHO” (HOLANDA,1990, p. 4-5).
A desigualdade aqui é dada de forma naturalizada ou circunstancial. Nessa
perspectiva, a falta de desenvolvimento tem causa nos próprios sujeitos, ou seja, só existem
miseráveis por que são qualificados para trabalhar. Para Holanda (1990), a geração do
trabalho deveria estar fincada na educação para o trabalho:
Veio-nos a ideia das fábricas escolas para capacitar o homem na prática de processos
produtivos industriais, e dos liceus de artes e ofícios que daria formação nas áreas de
serviços técnicos especializados. (HOLANDA, 1990, p.05).
Evidenciamos aqui a simpatia do político pela educação profissional. O
idealizador do Instituto CENTEC no Brasil [que data do ano de 1996] atribuindo à educação
profissional a possibilidade de superação dos abismos sociais, conforme Holanda (1990).
A educação de caráter profissional, alinhada ao trabalho, é apontada para um
público específico, os pobres. Sendo a qualificação para o trabalho o remédio para o
desemprego e a fome. Se tem uma educação profissional destinada para os pobres, a educação
propedêutica se põe sobre bases distintas da primeira. A educação propedêutica seria uma
educação de conteúdo clássico, de preparação básica geral, de caráter introdutório. Esta,
remetendo à ideia de continuidade para outro nível de ensino mais avançado, implica
condições de existência de um pequeno grupo que pode se dar ao luxo de retardar a entrada no
mercado de trabalho.
A politecnia proposta por Marx e a escola única de Gramsci não correspondem,
assim, à política de educação profissional estandardizadas seja pelo Instituto CENTEC seja
pelo CEFET e até mesmo pelos IF’s, incluindo o IFCE, Campus de Limoeiro do Norte.
É certo que o discurso contido nos documentos oficiais que fundamentam os
Institutos Federais dados pela lei de nº 11.982, de 29 de dezembro de 2008 traz no seu texto
uma perspectiva dita progressista.
Os IF’s dizem refutar o ensino artificial de ofício, assim como a formação
destinada ao mercado de trabalho. Promete-se também uma formação ampla e crítica do
mundo com ensino de disciplinas e conteúdo de caráter reflexivo (PACHECO, 2010). A Rede
105
Federal de Educação Ciência e Tecnologia apresenta, em seus documentos, um compromisso
com uma educação profissional que concorra para a emancipação humana. A Rede faz uso de
teorias de vertente progressistas nos seus documentos oficiais, como visto em Pacheco (2010),
quando este diz que se compromete em romper como a concepção neoliberal no seu projeto
educacional.
Pacheco, em seu texto, entende que os documentos fundacionais dos IF’s se
opõem a uma visão rasteira de educação, invocando, neste sentido, a lei nº 11. 982, de 2008,
que declara:
A educação para o trabalho nessa perspectiva se entende como potencializador do
ser humano, enquanto integralidade, no desenvolvimento de sua capacidade de gerar
conhecimentos a partir de uma prática interativa com a realidade, na perspectiva de
sua emancipação (PACHECO, 2001, p. 30).
Esta fração do texto nos remete a categorias de teóricos progressista contrários à
educação alienante, a um trabalho fragmentador do homem. Reconhecemos os avanços que os
IF’s alardeiam, mesmo que apenas no nível de seus documentos oficiais que, de certo modo,
rompem ainda, no plano do discurso, com a origem e intencionalidade da educação
profissional.
Contudo, veremos a seguir, olhando as bases norteadoras dos chamados cursos
âncoras do CENTEC, e que sobreviveram no IFCE de Limoeiro do Norte, como estas seguem
sustentadas numa educação profissional eixada na divisão de classes, na segregação dos
saberes, isto no instante em que persiste uma educação estritamente profissional, de limitadas
áreas de conhecimento, que continua negando a leitura do mundo e das formas de exploração
do homem no mundo do trabalho, tudo isso na base da “naturalização” da competição homem
versus homem como uma normal aceitável.
A disparidade entre os documentos gerais dos IF’s e as propostas de formação de
seus cursos mostra o caráter inconciliável da relação entre a educação progressista e a
educação para o trabalho.
Vejamos então como esta contradição aparece na transição entre CENTEC e IFCE
em Limoeiro do Norte.
Mesmo diante do discurso distinto, não neoliberal, o curso de Agronomia que
antecedeu, no período do Instituto CENTEC de Limoeiro do Norte, Irrigação e Drenagem, por
exemplo, teve seu tempo de duração ampliado de 3,5 para 5 anos. Neste, contudo, a matriz
curricular é destituída de disciplina de caráter reflexivo ou de ciências básicas, tais como
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história, política, sociologia, filosofia ou outras que versem sobre a organização dos
trabalhadores, estudos sobre a base econômica capitalista que conformou a própria existência
do curso, etc.
Seguindo nesse exemplo, o curso de agronomia, ao contrário do que rezam os
documentos de fundação da Rede, nasce e tem como justificativa, no seu projeto pedagógico,
atender à necessidade de mercado do Vale do Jaguaribe, se não, vejamos: “Os municípios
localizam-se, estrategicamente, próximos a capitais nordestinas, transformando a região num
importante pólo logístico, com fácil acesso aos grandes mercados consumidores”. Conforme o
mesmo documento, o Curso de Agronomia tem como um dos elementos do seu objetivo geral
“desenvolver profissionais capazes de gerar tecnologias, operar, maximizar e dar
rentabilidade aos sistemas agroindustriais” (IFCE, 2010).
Ainda sobre o Curso de Agronomia do IFCE, Campus de Limoeiro do Norte,
quanto ao perfil profissional, foram identificadas as habilitações diretamente relacionadas ao
agronegócio que o agrônomo formado no IFCE será capaz de desempenhar. Dos
dezenove(19) itens listados, seis(06) têm relação direta com agronegócio, apontando
textualmente as palavras agronegócio e/ou agroindústria por cinco(05) vezes, além de um
item tratando especificamente do perímetro irrigado, sendo este desenvolvido pelos
megaempresários do agronegócio no Vale do Jaguaribe.
Com o exposto, pudemos relacionar que os cursos desenvolvidos antes pelo
Instituto CENTEC, como no caso de Irrigação e Drenagem, foram elaborados para atender a
cadeia do agronegócio. Tais cursos correspondiam àquele ideal anunciado por Ariosto
Holanda, em 1990, como se depreende da fala de Ulisses:
Infraestrutura direcionada para Limoeiro, idealizado por Ariosto Holanda. O
primeiro curso Irrigação ou Recursos Hídricos e Drenagem foi o curso convencido
pelo deputado para se instalar; eletromecânica e alimentos (para atender ao
perímetro irrigado). (grifo nosso).
Como podemos notar, os nexos começam a se instalar. A educação para o
desenvolvimento deveria ser, ao modo de Holanda, uma educação para o trabalho, entenda-se,
para o mercado de trabalho. A educação profissional que o Instituto CENTEC de Limoeiro do
Norte promoveu era destinada ao projeto de infraestrutura do distrito agroindustrial no Vale
do Jaguaribe, percebida como uma educação destinada a “produzir” o desenvolvimento. O
CENTEC foi “convencido” então a implementar o curso de Irrigação e Drenagem, e os outros
três cursos, Tecnologia em Alimentos, Saneamento Ambiental e Eletromecânica, para atender
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o perímetro irrigado, ou seja, os grandes produtores agrícolas, o agronegócio. Ulisses assinala:
“as quatro bases do CENTEC; para atender o parque industrial; 04 primeiros cursos”,
deixando claro que a mão de obra qualificada necessária para o agronegócio seria suprida pelo
Instituto CENTEC de Limoeiro do Norte, formando “o ciclo fechadinho” da cadeia de
produção no Vale do Jaguaribe.
Em correspondência com esse viés de educação e desenvolvimento, o Instituto
CENTEC tem como missão promover a educação e a tecnologia por meio do ensino, da
pesquisa, da inovação e da extensão em áreas estratégicas para o desenvolvimento sustentável
do Estado do Ceará (INSTITUTO, 2017). A educação profissional idealizada para o Instituto
CENTEC mostra a ideia de educação para o trabalho com as fábricas-escolas gerando
“desenvolvimento”.
Ariosto Holanda (1990) elenca as premissas e estratégias de desenvolvimento: 1-
A base do desenvolvimento de qualquer região é a educação em todos os níveis; 2- No mundo
moderno, nenhum país será desenvolvido se não tiver uma base educacional forte e,
sobretudo, tecnológica; 3- Qualquer alternativa só é real quando está voltada para resolver os
problemas da população; 4- Nós temos problemas próprios que exigem soluções próprias. As
experiências dos outros podem ser aproveitadas desde que não agridam o nosso meio e a
nossa cultura.
Notamos que aqui o deputado pai do Instituto CENTEC coloca a educação
profissional a serviço do desenvolvimento da nação, atribuindo à educação tecnológica a
façanha de reverter os problemas. Sobre as estratégias para alcançar o desenvolvimento,
Ariosto Holanda sintetiza: “numa economia com base na produção pelas massas em vez de
produção em massa” (Schumacher 1981 apud HOLANDA, 1990, p.18).
A influência do economista alemão em Holanda (1990) destaca-se na identidade
com a teoria de uma revolução pelas tecnologias disseminadas com descentralização. Como
segunda estratégia é colocado o potencial científico-tecnológico para capacitação técnica,
tecnologia no meio rural, foco na produção industrial, além de tecnologia para a área dos
recursos hídricos (HOLANDA,1990).
Holanda destaca que precisa haver uma escola distinta da que está posta, que
estabeleça conexões com a realidade do mundo, “escola prolongamento da vida. Não mais um
lugar de estudo livresco, isolado da vida e do trabalho” (HOLANDA, 1990, p. 23). Esta
educação teria a Fábrica-escola como exemplo de formação, onde seriam desenvolvidos:
processamento de frutos, pescado e leite. Já nos liceus de artes e ofícios, “escolas
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profissionais de cunho técnico essencialmente práticos”, seriam formados bombeiros,
eletricistas rurais, técnico rural, etc.
O deputado aponta a fragilidade da indústria/desenvolvimento do Ceará,
atribuindo-a a ausência de apoio técnico às indústrias no próprio estado, que precisavam
contratar trabalhadores qualificados do sul do país. Podemos deduzir, diante disso, que o
Instituto CENTEC de Limoeiro do Norte teve muita influência dessa perspectiva de
desenvolvimento voltada para formação de mão de obra qualificada.
Apesar de que, em vários momentos, o deputado associe o desenvolvimento
econômico ao desenvolvimento do homem de modo automático, este discurso romantizado, a
nosso ver, só mascara a real intenção da educação profissional que é de possibilitar um tipo de
instrução voltada para produzir diretamente mão de obra, apartada da aprendizagem geral e
científica, pautada apenas pela necessidade de oportunizar o maior lucro ao capitalista, em
nome de um desenvolvimento em abstrato.
Escrita por Holanda, em 1990, a obra citada é um espelho do que se queria na
educação profissional tecnológica em Limoeiro do Norte através do Instituto CENTEC.
Há um capitulo ou sessão no livro que trata sobre o projeto de um distrito
agroindustrial no Vale do Jaguaribe, revelando indiretamente a qual público se destinava a
futura instituição: “quando no exercício do cargo de Secretário de Indústria e Comércio
defendemos, juntamente, com o Diretor Geral do DNOCS, Dr. Simas, um complexo industrial
na região conhecida como Tabuleiro de Russas” (HOLANDA, 1990, p. 68).
O projeto elaborado versava sobre a instalação de complexo industrial e para isso
dependia fundamentalmente da irrigação, afirma o deputado. A terra e o clima são bons e
adequados para culturas de alta rentabilidade, desde que irrigadas: “há a expectativa de que a
agricultura do sertão estará, em breve futuro, associada à produção de produtos nobres da
fruticultura [...]” (HOLANDA, 1990, p.69). Percebam aí que o parque industrial que se tem
instalado hoje no Vale do Jaguaribe foi idealizado neste período, em 1990. Para o
funcionamento do distrito industrial foi necessária mão de obra qualificada e local a ser
provida pelo Instituto CENTEC de Limoeiro do Norte, e, depois, por conseguinte, pelo
CEFET, repercutindo até hoje no IFCE, Campus Limoeiro do Norte.
A educação profissional em Limoeiro do Norte foi rota necessária à concretização
do “desenvolvimento” 32
.
32 Este modelo de desenvolvimento gerou à chaga do agrotóxico, ferindo a terra e as pessoas, inclusive com alta
incidência de câncer na população que trabalhava no distrito agroindustrial de Limoeiro do Norte e do Vale do
109
O projeto pretendia seguir o exemplo do polo Juazeiro-Petrolina, para isso,
instalando um distrito agroindustrial no Vale do Jaguaribe, Apodi e Açu, intercalando os
estados do Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba: “estudos preliminares sugerem as
imediações da cidade de Russas, Quixeré, Limoeiro do Norte, para a implantação do
pretendido distrito agroindustrial” (HOLANDA, 1990, P.70).
A elaboração do projeto do distrito agroindustrial no Vale do Jaguaribe conta com
a indicação da localização geográfica, a exemplo da BR-116, da proximidade com a capital do
estado para escoamento da produção, e ainda revela o suporte de carga para a comercialização
da exportação de frutas finas “in natura” para o exterior, contando com o porto e o aeroporto
de Fortaleza, que futuramente seria internacional, e com aeronaves específicas para cargas.
Menciona também os recursos hídricos e elétricos do Vale do Jaguaribe, o último pontuando a
unidade da CHESF em Russas. O planejamento também envolve um estudo de mão de obra
industrial no item Unidades Comerciais e de Serviços, que dariam suporte ao distrito
agroindustrial através das escolas técnicas, evidência de que o Instituto CENTEC de Limoeiro
do Norte e a política de educação profissional que o sucedeu também constitui uma
consequência da implementação do distrito agroindustrial do Vale do Jaguaribe.
Sobre o IFCE como instituição que surgiu do Instituto CENTEC de Limoeiro do
Norte, este ainda mantém os quatro(04) cursos âncoras do então Instituto CENTEC. Alguns
passaram por modificações mais profundas, como no caso Irrigação e Drenagem, que se
tornou Agronomia, assim como Eletromecânica Industrial que passou a ser Mecatrônica, já na
instituição federalizada. O curso de Alimentos passou por mudanças na sua matriz, tendo uma
formação mais geral (extinguindo a antiga formação que se bifurcava em Tecnologia de
Alimentos Animal e Vegetal).
Os elementos contidos no projeto pedagógico do curso de Tecnologia em
Alimentos, como o Curso de Agronomia, uma âncora do CENTEC, se conservaram de algum
modo no CEFET e no IFCE de Limoeiro do Norte, nos trazendo indícios de que os cursos
referidos continuam a atender os fins de formação de mão de obra imediata para a
agroindústria. Neste sentido, a instituição atual conserva aquele hibridismo que se registrou na
transição de uma à outra, mas também mantém a orientação fundamental que já se expressava
na obra aqui analisada de Holanda, datada de 1990.
Jaguaribe, ou mesmo a população das proximidades destas agroindústrias, tendo como canal da doença a água
contaminada pela pulverização aérea. Este triste episódio traz à tona a história dos vários sujeitos que foram
impactados pelo desenvolvimento da agroindústria no Vale do Jaguaribe.
110
Deste modo, o IFCE de Limoeiro do Norte, devido à sua localização geográfica
“privilegiada”, segue sendo alvo do agronegócio do Vale do Jaguaribe, o que se percebe
quando os objetivos dos cursos de sua instituição colocam que estes estão “[...] voltados ao
atendimento das exigências do momento vivido pelo distrito industrial brasileiro, como forma
de contribuir com processo de modernização do país” (LIMOEIRO, 2011, p. 8).
Voltamos a nos remeter ao desenvolvimento através da modernização do país. Ao
observarmos o projeto pedagógico do curso de Tecnologia em Alimentos do IFCE, Campus
de Limoeiro do Norte (LIMOEIRO, 2011), Pacheco afirma que a educação tecnológica
promovida pelos IF’s, para além do desenvolvimento econômico e tecnológico nacional,
estaria voltada para um “projeto progressista que entende a educação como compromisso de
transformação e de enriquecimento de conhecimentos objetivos capazes de modificar a vida
social [...]” (PACHECO, 2001, p.18). Contudo, os Institutos Federais afirmam que a base da
educação profissional é o eixo tecnológico.
Pacheco (2011), assim como Holanda (1990), estabelece a relação de desemprego
à falta de qualificação profissional e qualificando o IF como instituição que iria equacionar tal
questão, atendendo, sobretudo, à indústria. Para Pacheco (2011, p.29), “a indústria é o setor
que concentra a maior demanda por trabalhadores com experiência e qualificação
profissional”. Ele aponta dados sobre a pouca escolaridade dos brasileiros e a pouca inserção
na formação da modalidade Educação Profissional, ao mesmo tempo em que diz: “a
referência fundamental para a educação profissional e tecnológica é o ser humano e, por isso,
o trabalho, como categoria estruturante do ser social, é seu elemento constituinte”
(PACHECO, 2001, p. 30).
Notamos que o uso de discurso progressista nas bases de fundação dos IF’s
contrasta com a realidade de implantação dos cursos, com a intencionalidade da formação da
mão de obra, o que nos leva a concluir que mesmo no campo teórico já havia descompasso
entre intenção e gesto, como é percebido de forma já explicitada em trechos dos projetos
pedagógicos dos cursos de Agronomia e Tecnologia em Alimentos, que revelam sua
orientação preponderantemente voltada para prover mão de obra para o grande capital.
Esta percepção de continuidade entre o CENTEC e o IFCE, que observamos na
leitura dos distintos documentos enumerados acima, não é consensual entre os sujeitos
entrevistados. Alguns destes enxergam mudanças importantes entre o que se projeta na obra
de Holanda (1990), o projeto original da OS e a atual orientação do IFCE.
Como contraponto aos traços de mudança da nova instituição IFCE, Campus
Limoeiro do Norte, Telémaco fala com saudosismo do caráter empreendedor que o Instituto
111
CENTEC de Limoeiro do Norte tinha, mencionando com ênfase e de forma repetida: “no
CENTEC os professores tinham muita articulação com as empresas/indústrias, isso era muito
bom para promover a inserção do estagiário”.
Telémaco considera que o IFCE não teria como bandeira pragmática o
empreendedorismo. O entrevistado dá a esta noção um sentido positivo, eludindo o fato de
que este conceito mascara a divisão do trabalho, atribuindo ao indivíduo uma superação
inalcançável, pela sua condição de pião concorrendo com reis, a exemplo do xadrez. Apesar
da fala de Telémaco, o curso de Tecnologia em Alimentos, do qual o entrevistado foi aluno e
atualmente é professor, possui unidades de conteúdo voltadas para o empreendedorismo,
assim como a disciplina especifica Gestão e Empreendedorismo, na sua matriz curricular.
Vê-se, assim, que dentro dos processos de transformação que marcaram a
absorção do antigo Instituto CENTEC pelo ente federal, há este importante elemento de
continuidade e conservação, expresso tanto nas funções atribuídas ao IFCE neste modelo de
desenvolvimento, como nos próprios projetos pedagógicos dos seus cursos, sem se falar no
fato de que a ideia dos “cursos âncoras” parece perfeitamente preservada.
Infere-se que era mesmo barco o tempo todo, um pouco modificado do CENTEC
para IFCE, porém, fundado na ideia de uma profissionalização para atender aos patrões do
agronegócio.
A primeira era uma nau com pouca expressão, inicialmente, e que depois foi
ganhando apoio e tida como referência em todo o país.
O barco renovado, agora a vapor, foi oriundo da federalização. Este parece
inovador pelo seu sistema de combustão que o garante suficiência, eis o CEFET.
A embarcação IFCE, Campus de Limoeiro do Norte, no quadro dos Institutos
Federais em vigor no final de 2008, que continua o CEFET, embora com uma fachada
melhor, com abertura, pelo menos nos textos oficiais, para desbravar e implementar uma
educação profissional distinta, ainda permanece atada a místicas, condutas e princípios dos
executores (presidente, governadores, gestores de âmbito nacional assim com gestores
administrativo e políticos locais), que permanecem com o mesmo posicionamento
conservador, burguês, seguros no seus cômodos gabinetes, interferindo e ditando os rumos da
nação.
No nível do IFCE, esta continuidade aparece na sobrevivência da orientação de
um ensino profissionalizante apartado da formação geral e do domínio dos rudimentos da
ciência, eixado num pragmatismo pedagógico que revela, antes da intenção de prover uma
112
formação humana autêntica, a miserável intenção de alimentar a máquina produtiva de
trabalhadores limitados somente ao seu fazer técnico imediato.
113
5 CONCLUSÃO
A pesquisa em questão tratou da repercussão da política de educação profissional
e tecnológica que possibilitou a criação do IFCE, Campus de Limoeiro do Norte, a partir da
transformação da Fatec, do Instituto CENTEC, de Limoeiro do Norte, no contexto da Lei nº
11.982 de 29 de dezembro de 2008.
O estudo teve como o objetivo geral investigar o processo pelo qual se deu a
criação do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE) na cidade de
Limoeiro do Norte, a partir dos enfrentamentos, resistências e interesses políticos,
econômicos e sociais envolvidos neste processo de transição/substituição da Faculdade de
Tecnologia (FATEC), do Instituto CENTEC de Limoeiro do Norte. O IFCE, em Limoeiro do
Norte, foi viabilizado no quadro legal que permitiu a expansão da Rede Federal de Educação
Profissional e Tecnológica implementada no governo Lula da Silva, consolidado no seu
segundo mandato (2007-2010), especificamente no ano de 2008 pela lei já citada.
Esta é uma das faces da história do IFCE, Campus de Limoeiro do Norte, a saber,
como produto da política de expansão da Rede no período Lula da Silva. O processo pelo qual
esta política nacional se efetivou é o outro lado desta história. Os meandros que cercam a
trajetória que vai do Instituto CENTEC ao IFCE, Campus Limoeiro do Norte, estão
intimamente entrelaçados por vários protagonistas do cenário doméstico, do âmbito dos
gabinetes políticos e, finalmente, do alto escalão do capital em dimensões globais.
Foi esta totalidade de fatores que cercaram o processo que nosso trabalho tentou
captar.
Nosso cenário doméstico diz respeito em primeira instância ao protagonista do
Instituto CENTEC, o deputado federal Ariosto Holanda. O político, natural de Limoeiro do
Norte, constituiu o Instituto CENTEC quando esteve no exercício da pasta de Secretário de
Ciência e Tecnologia do Estado do Ceará, nos anos de 1995 a 1998 e 1999 a 2002, nos dois
mandatos do governador do Estado do Ceará Tasso Jereissati (1995-1998; 1999-2002).
As diferentes fases do CENTEC, da época, digamos, áurea, até o período de
colapso, acompanham exatamente os diferentes graus de interesse dos governos na instituição.
Os momentos de maior crescimento mostram a afinidade do político limoeirense com
Jereissati; a época de decadência mostra uma perda de influência do deputado no Governo
Estadual.
114
Este é um aspecto importante de nossas conclusões: a dependência que o modelo
CENTEC tinha da simpatia do governo de plantão, o que pode ser observado pela maior ou
menor facilidade na renovação do contrato de gestão pela qual a entidade era financiada.
Por outro lado, como desenvolvemos no texto supra, a experiência do CENTEC
em Limoeiro do Norte foi uma expressão local da política nacional (por sua vez, ditada pelas
agências multilaterais) de implantar um modelo de serviço público assentado nas OS’s e
regulado por instrumentos de tipo contrato de gestão.
Desse modo, Ariosto Holanda lançou as bases para o que se originaria o IFCE em
Limoeiro do Norte, isto no ano de 1996. O projeto do Instituto CENTEC de Limoeiro do
Norte foi implementado em 1996, sendo uma unidade piloto no Brasil. O pai do Instituto
CENTEC propunha uma educação profissional e tecnológica nos níveis técnico e superior,
sendo o superior na modalidade de tecnólogo, prioritariamente.
A trajetória do Instituto CENTEC de Limoeiro do Norte foi alicerçada bem
anteriormente ao ano de sua implantação e, mais que isso, era um percurso necessário para
outro fim, pois estava vinculada à implantação do projeto de distrito agroindustrial a ser
implementado no Vale do Jaguaribe, que data de 1990, conforme Ariosto Holanda (1990). A
educação profissional e tecnológica era essencial para viabilidade do distrito agroindustrial
que seria instalado no Vale do Jaguaribe, de grande interesse do poder público estadual.
Nesse contexto, o Instituto CENTEC veio atender à qualificação de mão de obra
para o distrito agroindustrial que se erigia alinhada como produto da política implementada
para o desenvolvimento do estado, no que diz respeito ao setor agrário. A agricultura de
grande porte no Vale do Jaguaribe começou a ser desenvolvida desde os anos de 1980 e
alcançou índices muito elevados a partir dos anos 2000, atraindo cada vez mais os
macroempresarios do capital estrangeiro, o que coincide de modo bem elucidativo com os
anos glorioso do Instituto CENTEC de Limoeiro do Norte.
Constatamos que, no nível doméstico ou local, o Instituto CENTEC de Limoeiro
do Norte surgiu para atender ao projeto de desenvolvimento, ou melhor, de lucratividade do
setor agrário, com repercussões na arrecadação estadual, sendo a educação profissional e
tecnológica apenas umas das medidas fundamentais para atrair e consolidar um parque
agroindustrial para o Vale do Jaguaribe.
Os Cursos de Irrigação e Drenagem, Tecnologia de Alimentos, Eletromecânica e
Saneamento Ambiental, ofertados no Instituto CENTEC de Limoeiro do Norte, atestam mais
uma vez a intencionalidade de formação técnico-profissional ligada diretamente à área de
115
agricultura de moldes industrias, assim como assegurar a cadeia produtiva a partir da
formação destes profissionais.
O Instituto CENTEC de Limoeiro do Norte, sendo uma OS, requeria uma
renovação anual de seu contrato de gestão que implicou diretamente na baixa de investimento
para a instituição e atrasos homéricos dos salários dos professores, instaurando uma crise
aproximadamente a partir do ano 2005. Neste período, o governador do estado era Lúcio
Alcântara (2003-2006), que parece não ter a mesma afinidade com a política de educação
profissional do Instituto CENTEC de Limoeiro do Norte que tinha a gestão anterior.
De fato, Ariosto Holanda foi destituído de seu cargo de Secretário de Ciência e
Tecnologia do Estado do Ceará com o fim da era Tasso Jereissati. A ausência de força politica
levou o Instituto CENTEC de Limoeiro do Norte a avarias profundas na sua embarcação. O
que acabou por comprometer a existência do Instituto CENTEC de Limoeiro do Norte na
jornada em direção ao “desenvolvimento”, o que durou apenas uma década, assim como a
Odisseia, de Homero.
O “desenvolvimento” aqui colocado, não representa mudança real nas condições
de existência humana para a grande população que foi impactada pela política de educação
profissional e tecnológica do governo estadual no Vale do Jaguaribe. Embora se considere
que a educação veiculada, apesar dos moldes profissionalizantes, possibilitou a alguns galgar
certa ascensão social, mesmo que inofensiva ao capital de conjunto, a orientação pedagógica
deste período é marcada pela formação direta e imediata de mão de obra para a agroindústria
e, portanto, avessa à formação geral, humana e científica.
O projeto de desenvolvimento econômico do Estado não foi abalado pela
anunciada extinção do Instituto CENTEC de Limoeiro do Norte, tendo em vista que a
formação profissional necessária à manutenção do distrito agroindustrial seria mantida no
instante que a União acenou a expansão de educação profissional através do CEFET- UNED
de Limoeiro do Norte.
Quando o Governo Federal anunciou a bandeira de constituição de uma rede de
educação profissional, no nosso entendimento, houve desinteresse do governador Lúcio
Alcântara em permanecer com essa política, tendo em vista aliviar seus cofres. Junte-se a isto
o mencionado distanciamento do então governador Lúcio Alcântara com o pai e padrinho
político (Ariosto Holanda) do Instituto CENTEC, inferida pela sua destituição da pasta de
Secretaria de Ciência e Tecnologia ou de qualquer outra posição do mesmo governo. Tal
oposição comprometeu irremediavelmente a embarcação no Instituto CENTEC de Limoeiro
do Norte. Tendo sido fatal a avaria que sofreu, extinguindo o Instituto CENTEC de Limoeiro
116
do Norte, o ensino profissional seguiu sobrevivendo agora por conta do novo barco CEFET-
UNED, aproximadamente a partir de 2007, como resultado da abdicação da responsabilidade
do Estado em manter a politica de educação profissional e tecnológica através do CENTEC e
da imediata transferência do patrimônio material da instituição para a União, num acerto
vantajoso para esta, que herdou uma boa infraestrutura, como para o Governo do Estado, que
se viu livre do encargo.
A outra face dessa história corresponde aos poderes dos gabinetes políticos. O
governo Lula da Silva teve como pauta a expansão da educação profissional dada pela
federalização do Instituto CENTEC de Limoeiro do Norte, que assumiu a forma de CEFET –
UNED.
Tal bandeira esteve presente em dois dos seus mandatos, na forma da expansão da
Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica, implementada de forma gradual no
governo Lula da Silva com duas fases de expansão da rede. A primeira data de 2005 e a
segunda em 2007. O CEFET – UNED de Limoeiro do Norte é prova disso, criado quando
estava em vigência a lei que regulamentava os Centros Federais de Educação Tecnológica,
criados em 1994 no governo de Itamar Franco e consolidado nos governos de FHC nos dois
mandatos (1995-1998/1999-2003).
O modelo CEFET foi continuado, mesmo que reestruturado, no Governo Lula da
Silva, nos seus dois mandatos. Foi nesse marco legal que, no ano de 2007 provavelmente, o
Instituto CENTEC de Limoeiro do Norte foi transformando em CEFET – UNED, coincidindo
com a segunda fase de expansão da rede federal.
Registramos ainda a ausência de um marco temporal que registre o momento da
federalização da FATEC do Instituto CENTEC, mostrando fragilidade na história do IFCE,
Campus de Limoeiro do Norte.
Mesmo diante dessa lacuna, temos o ano de 2007 como provável momento da
incorporação do ente estadual pelo federal, tendo em vista os dados que foram apresentados
no corpo do estudo, a partir de jornal, editais e dos sujeitos depoentes.
Temos o entendimento de que o processo de transição foi áspero, com resistência
de parte significativa dos sujeitos presentes nesse período e que viveram o Instituto CENTEC
em Limoeiro do Norte. A federalização foi encharcada de arbitrariedade, tanto do Estado
quanto da União, quando desconsiderou o posicionamento da comunidade institucional,
sobretudo dos funcionários que se viram desamparados e prestes a imergir. Houve danos aos
discentes no que diz respeito às mudanças de matriz curricular, com implicações na carga
horária e na fragilidade do diploma de uma instituição extinta.
117
O Governo Federal integrou então o Instituto CENTEC de Limoeiro do Norte em
sua política de expansão, transformando-o em CEFET – UNED e com isso implementando a
política a baixos custos, já que a infraestrutura da antiga instituição foi doada.
A última dimensão por nós elencada foi a dos ditames dos organismos
internacionais perfilados ao grande capital que, de fato, dão o tom das políticas de educação.
Os países em desenvolvimento como o Brasil são mais impactados e por isso são impelidos a
seguir os regulamentos das diretrizes de instituições financeiras como Banco mundial, Nações
Unidas (ONU), Fundo Monetário Internacional (FMI). O sistema econômico conduz
maciçamente os parâmetros pactuados para a educação. A política de educação profissional e
tecnológica tem sido abordada de um ângulo que privilegia a formação de tipo praticista,
desvinculada da formação geral, humana e científica e, por isso, bastante aceitável e
incentivada pelo seu caráter politicamente inócuo e propiciador da economia do capital.
Trata-se de uma educação profissional que tem características convergentes para o
projeto de permanência da sociabilidade do capital no instante em que é fragmentada e
artificializada da aplicação útil para a emancipação humana.
Desse modo, a educação profissional que ocorre no Instituto CENTEC de
Limoeiro do Norte, passando pelo CEFET – UNED e desaguando do IFCE, seguiu, em todas
estas etapas, os preceitos neoliberais, alguns integralmente e outros com nuances diferentes.
No caso de Limoeiro do Norte, acreditamos que o Instituto CENTEC tomou parte
integral do projeto neoliberal. Há uma descontinuidade com a incorporação do patrimônio da
OS pela União, dando origem ao CEFET – UNED e, depois, com sua transformação em
IFCE, Campus de Limoeiro Norte, com expectativas de mudança, tendo em vista os
documentos fundacionais dos IF’s que apelavam à noção de politecnia.
A manutenção dos cursos âncora, herdados do CENTEC e a reestruturação dos
currículos dos mesmos, mostram que na descontinuidade houve uma continuidade da
manutenção de uma linha que se coaduna com o projeto neoliberal. Ainda que se enxerguasse
um feixe de luz que passava através do convés, mesmo que apenas no campo formal-
normativo e com pouquíssima consistência, o que ainda havia era uma imersão no projeto
neoliberal.
Neste prisma, a hipótese do hibridismo se confirma nas instituições, tanto no
momento de vigência do projeto de educação profissional do Estado, quanto no período de
incorporação do ensino profissional pela União: as duas carregam a essência neoliberal.
Os dados que recolhemos, neste aspecto, seguem mostrando que é certo que não
pode haver conciliação entre este gênero de educação profissional e a emancipação humana.
118
REFERÊNCIAS
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(Mestrado em Educação), Programa de Pós-graduação em Educação, Universidade Federal da
Paraíba, Joao Pessoa, 2014.
126
APÊNDICE A – ROTEIRO DE ENTREVISTA
Dissertação de mestrado- MAIE Turma 2015
Pesquisadora Profª: Luciana de Sousa Santos
Orientador: Profº Dr José Eudes Baima Bezerra
ROTEIRO DE ENTREVISTA
Qual cargo exercia?
Como se deu a forma de ingresso?
Quanto tempo trabalhou no CENTEC de Limoeiro do Norte?
A respeito da mudança da instituição CENTEC em Limoeiro do Norte, que foi criada
em 1997, e em 2009 surgindo com IFCE, você esteve presente? Como aconteceu?
Houve discursão com a comunidade de servidores, assim como um espaço para
deliberação/esclarecimento com os discentes e comunidade local? Ou apenas
aconteceu por força da lei?
O que mudou na nova instituição (IFCE)? Os servidores precisaram passar um por
processo seletivo para a nova instituição? como aconteceu? Como os professores
viram essa mudança? Houve prevalência desse quadro, mesmo diante de uma nova
instituição que se anunciava?
Fique à vontade para reformular alguma resposta ou mesmo adicionar alguma
formação que compreenda como relevante.
*Solicitar indicação de outras fontes prováveis que possa vir a contribuir com o estudo, e assim como o
compartilhamento de algum documento que se relacionem à questão.