UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ CAMPUS DE...

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ CAMPUS DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, EDUCAÇÃO E LETRAS CURSO DE GEOGRAFIA SOLANGE QUEIRÓZ RIBEIRO A TERRITORIALIZAÇÃ DE CATADORES EM COOPERATIVAS DE RESÍDUOS RECICLÁVEIS: O CASO DOS CATADORES ORGANIZADOS NA COOPERATIVA DE TRABALHADORES CATADORES DE MATERIAL RECICLÁVEL – COOTACAR/CASCAVEL/PR MARECHAL CÂNDIDO RONDON - PR 2009

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ

CAMPUS DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, EDUCAÇÃO E LETRAS

CURSO DE GEOGRAFIA

SOLANGE QUEIRÓZ RIBEIRO

A TERRITORIALIZAÇÃ DE CATADORES EM COOPERATIVAS DE RESÍDUOS

RECICLÁVEIS: O CASO DOS CATADORES ORGANIZADOS NA COOPERATIVA

DE TRABALHADORES CATADORES DE MATERIAL RECICLÁVEL –

COOTACAR/CASCAVEL/PR

MARECHAL CÂNDIDO RONDON - PR

2009

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ

CAMPUS DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, EDUCAÇÃO E LETRAS

CURSO DE GEOGRAFIA

SOLANGE QUEIRÓZ RIBEIRO

A TERRITORIALIZAÇÃ DE CATADORES EM COOPERATIVAS DE RESÍDUOS

RECICLÁVEIS: O CASO DOS CATADORES ORGANIZADOS NA COOPERATIVA

DE TRABALHADORES CATADORES DE MATERIAL RECICLÁVEL –

COOTACAR/CASCAVEL/PR

Monografia apresentada ao curso de Geografia da Universidade estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, Campus de Marechal Cândido Rondon, como requisito para obtenção de grau de Licenciado em Geografia. Orientador: Professor Doutor Marcelo Dornelis Carvalhal

MARECHAL CÂNDIDO RONDON – PR

2009

Dedico este trabalho ao meu irmão Deusdt

e ao meu pai Luiz, por sempre terem me

incentivado a estudar. Mesmo com os

percalços e barreiras têm me apoiado e

sempre me desejado sucesso

AGRADECIMENTOS

A realização desde trabalho foi possível graças a algumas pessoas. Dessa forma

manifesto aqui meus agradecimentos a todos.

Aos meus pais Luiz e Regina; aos meus irmãos Deusdt, Walter, David, Eliezer, Joel e

Daniel, Ezequiel, e às minhas irmãs Izabel e Nair; às minhas cunhadas Aparecida e Elisiana; à

minha sobrinha Sara e aos meus sobrinhos, Natanael e Gabriel, que nesses quatro anos me

apoiaram nos momentos mais difíceis.

Agradeço de forma especial ao meu Orientador e Professor Doutor Marcelo Dornelis

Carvalhal, mesmo com minhas dificuldades, tem se disponibilizado a me orientar. Agradeço

também por ser um excelente professor, e pelas ricas contribuições para minha formação

enquanto estudante e pessoa.

Agradeço também ao professor João Fabrini pelo incentivo ao estudo.

A todos os professores do Curso de Geografia da UNIOESTE – Marechal Cândido

Rondon, cujo conhecimento repassado foi de fundamental importância na minha formação.

Aos trabalhadores catadores da Cooperativa de Material Reciclável de Cascavel

(COOTACAR), e aos funcionários do CRAS – Centro de Referência e Assistência Social.

Aos colegas do Geolutas: Irma, Djoni, Djeovani, Erwin, Daia, Teresa, Gabriel,

Leandro, Ivanildo, Fernando, Rafa e Terezinha.

Aos colegas de graduação Leandro Neri, Marcelo, Alexandre Roberto, Marcos, Igor,

Fabiana, Janete, Cris e Elisangela.

À Fundação Araucária que me proporcionou a inserção na pesquisa através de projeto

de iniciação cientifica.

Agradeço ainda às minhas amigas Alenice, Marli, e especialmente à Danielle, por todo

o apoio e conforto espiritual.

RESUMO

Este trabalho tem por objetivo compreender a territorialização da organização do trabalho dos

catadores de resíduos recicláveis da Cooperativa de Trabalhadores Catadores de Material

Reciclável (COOTACAR), do Município de Cascavel, Estado do Paraná. Compreendemos

que a organização dos catadores na Cooperativa é uma forma de enfrentar as questões cruciais

do circuito mercantil da reciclagem, e, também, o elo visando a saída da subordinação e

exploração pelos atravessadores e intermediários. O cooperativismo, na perspectiva da

economia solidária, aparece para esses sujeitos, excluídos ao máximo, como saída do modelo

econômico capitalista que cria estratégias para acumulação/reprodução através do trabalho

precários dos catadores.

Palavras – Chave: Organização do Trabalho; Cooperativa; Informalidade;

ABSTRACT

This study aims at understanding the territorial organization of the work of collectors of recyclable waste Cooperative workers recyclable material (COOTACAR) of Cascavel / PR. We understand that their organization is in a cooperative way to address the crucial issues of commercial recycling circuit, and link to end the subordination and exploitation by middlemen and intermediaries. The cooperative view of Solidarity economy appears to these individuals excluded to the maximum as a new link to the output of the capitalist economic model that creates strategies to build / play through poor working conditions of scavengers.

Words-Key: Work Organization; Cooperative; Informality;

SUMÁRIO

LISTA DE FIGURAS, QUADROS, GRÁFICOS, TABELAS, FOTOS E MAPAS...............8 LISTA DE SIGLAS ..................................................................................................................9 INTRODUÇÃO.......................................................................................................................11 1 - A TRANSFORMAÇÕES NO MERCADO DE TRABALHO E A PRECARIDADE DO EMPREGO NAS ÚLTIMAS DÉCADAS (1980 /1990)...................................................12 1.1 – As Metamorfoses no Mercado de Trabalho nos Últimos Anos no Brasil ...........................12 1.2 – A Precarização do Mercado de Trabalho Brasileiro ..........................................................16 1.3 – A Ofensiva do Capital e o Mercado de Trabalho em Cascavel ..........................................27 1.4 – A Relação do Trabalho dos Catadores e sua Contribuição Indireta para o Meio Ambiente ..................................................................................................................................31 1.5 – A Gênese dos Catadores de Material Reciclável no Brasil ................................................37 1.6 – Os Catadores da Cooperativa de Trabalhadores em Produtos Recicláveis de Cascavel (COOTACAR)..........................................................................................................................41 2 – A MUDANÇA NO TRABALHO DOS CATADORES DE MATERIAL RECICLÁVEL A PARTIR DAS FORMAS ORGANIZATIVAS. .......................................46 2.1 Ações e Origem do Movimento Nacional dos Catadores de Material Reciclável no Brasil...46 2.2 A Atuação do Movimento Nacional dos Catadores de Material Reciclável em Cascavel e a Relação com os Catadores de Reciclável ...................................................................................52 2.3 – A Organização do Comitê Regional dos Catadores de Materiais Recicláveis do “Oeste Paranaense” ..............................................................................................................................53 2.4 – O Cooperativismo como Elo da Nova Inserção no Circuito da Reciclagem.......................56 2.5 – A Organização da Cooperativa na Perspectiva da Economia Solidária ..............................62 3 - A TERRITORIALIDADE DO TRABALHO DOS CATADORES DE MATERIAL RECICLÁVEL E SUA ORGANIZAÇÃO COLETIVA NA COOTACAR EM CASCAVEL/PR. .....................................................................................................................65 3.1 – O Processo de Organização e Formação da Associação/Cooperativa no Município de Cascavel ...................................................................................................................................65 3.2 – A Formação da Cooperativa – COOTACAR ....................................................................67 3.3 – A Organização dos Catadores de Resíduos Reciclável de Cascavel...................................70 3.4 – Desafios do Trabalho Coletivo na COOTACAR...............................................................79 3.5 – A Territorialidade da Comercialização dos Resíduos Recicláveis em Cascavel .................89 3.6 – A Inserção da Cooperativa dos Trabalhadores em Cascavel no Circuito Econômico da Reciclagem ...............................................................................................................................94 3.7 – A Territorialização do Trabalho dos Catadores de Cascavel: Um Novo Elemento do Trabalho Coletivo .....................................................................................................................97 CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................................99 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................101 ANEXOS ...............................................................................................................................104

LISTA DE FIGURAS, QUADROS, GRÁFICOS, TABELAS, FOTOS E MAPAS Figura 1 – Organograma do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis. ......49 Figura 2 – Descrição Esquemática do Espaço Interno da Cooperativa –COOTACAR. ..............76 Figura 3 – A Logística do Processo Produtivo da Reciclagem em Cascavel/PR .........................91 Quadro 1 – Ocupação de Catadores de Materiais Recicláveis ....................................................38 Gráfico 1 – Taxa de Desemprego Brasil ....................................................................................16 Gráfico 2 – Jornada de Trabalho Diária dos Catadores Entrevistados de Cascavel/PR ...............23 Gráfico 3 – Número de Trabalhadores Cooperados que Trabalhavam com Carteira Assinada e Trabalhadores sem Carteira Assinada........................................................................................42 Gráfico 4 – Renda Mensal dos Catadores Organizados na COOTACAR Obtida da Coleta de Material Reciclável ...................................................................................................................72 Tabela 1 – Diferencial da Remuneração Média Segundo a Formalização/Informalização do Vínculo Trabalhista – 2000 .......................................................................................................21 Tabela 2 – Crescimento Demográfico em Cascavel / PR ...........................................................30 Tabela 3 – Experiência Profissional dos Trabalhadores Catadores do Município de Cascavel/PR..............................................................................................................................39 Tabela 4 – Procedências dos Catadores de Cascavel/PR ............................................................40 Tabela 5 – Campo de Atuação Profissional dos Trabalhadores da Cooperativa- COOTACAR ..41 Tabela 6 – Preços dos Produtos Comercializados na COOTACAR – 2009................................77 Tabela 7 – Preço Pago aos Catadores Pela COOTACAR..........................................................85 Tabela 8 – Renda Mensal que Cada Tipo de Catador Atinge em Cascavel/ PR ..........................91 Tabela 9 – Beneficio Social.......................................................................................................93 Foto 1 – Catador Empurrando Carrinho com Materiais Recicláveis ...........................................19 Foto 2 – Materiais Armazenados no Quintal de Casa.................................................................35 Foto 3 – Catadores Classificando e Prensando Material para Comercialização, Cascavel (PR). .73 Foto 4 – Espaço Interno da Cooperativa. ...................................................................................75 Foto 5 – Sucata Estocada em Frente à Cooperativa de Cascavel/PR 2009..................................81 Mapa 1 – Bairros Com Coleta Seletiva e Sem Coleta Seletiva em Cascavel/PR.........................87

LISTA DE SIGLAS

ACAMAR – Associação dos Catadores de Material Reciclável de Cascavel

AMOP – Associação dos Municípios do Oeste do Paraná

CRAS – Centro de Referência e Assistência Social

COODEVEL - Companhia de Desenvolvimento de Cascavel

COOTACAR – Cooperativa de Trabalhadores Catadores de Material Reciclável de Cascavel

CPTMP – Centro de Processamento e Transferência de Material Reciclável

CPT – Central de Processamento e Transferência de Resíduos Secos do Comércio

CBO – Código Brasileiro de Ocupação

FHC – Fernando Henrique Cardoso

FMI – Fundo Monetário Internacional

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

INSS – Instituto Nacional do Seguro Social

MNCR – Movimento Nacional dos Catadores de Material Reciclável

SEPLAN – Secretária de Planejamento do Município de Cascavel-Paraná

SEABO – Secretária Municipal de Ação Social

SEMAB – Secretária Municipal do Meio Ambiente

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo compreender a organização e a territorialização

do trabalho dos catadores de material reciclável e as relações mantidas por esses sujeitos que

sobrevivem da catação de resíduos recicláveis, atividade de forte precariedade social.

O foco de análise são os catadores de papel/papelão vinculado à Cooperativa dos

trabalhadores Catadores de Material (COOTACAR), especificamente dos trabalhadores

catadores do município de Cascavel, no Oeste do Estado do Paraná.

No primeiro capítulo, foram abordadas as transformações no mercado de trabalho nos

últimos anos, as mudanças nas leis trabalhistas com as políticas neoliberais, sendo discutido a

precarização do mercado de trabalho no Brasil nas últimas décadas e os efeitos para a classe

trabalhadora.

No segundo capítulo tratar-se-á das mudanças no trabalho dos catadores a partir da

organização desses trabalhadores em cooperativas. Primeiramente, foram abordadas a origem

e as ações do Movimento Nacional dos Catadores de Material Reciclável no Brasil (MNCR),

que teve suas origens nas ações de indivíduos não catadores, pessoas ligada a Igreja Católica.

Em um segundo momento, analisar-se-á como essas ações organizativas

desencadearam outras mobilizações que resultaram na criação do Movimento Nacional dos

Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR), em meados de 1999.

Ainda neste capítulo, far-se-á também uma breve análise da atuação do MNCR, em

Cascavel e a relação dos catadores com o movimento.

Abordar-se-á também a questão da cooperativa que tem como objetivo organizar os

sujeitos desagregados pelo sistema capitalista na forma da Economia Solidária em que os

sujeitos submissos ao capital têm dificuldades de exercer seu novo papel no trabalho ou de

sócio/proprietário.

No último capitulo, tecer-se-á algumas considerações acerca das formas coletivas de

organização e luta dos trabalhadores em cooperativas e seus papéis nas organizações políticas.

E também far-se-á apontamentos sobre as dificuldades encontradas pelos catadores no

trabalho interno da cooperativa. Para se entender a organização e a territorialização do

trabalho dos catadores de material reciclável de Cascavel, fez-se necessária a realização do

trabalho de campo, consistindo na aplicação de questionários junto aos catadores e entrevista

com a Presidente da Cooperativa. Também foram realizadas entrevistas com representantes de

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entidades de apoio à organização dos catadores em Cooperativa, CRAS/Norte, Secretária de

Ação Social, entre outros.

Durante a realização do trabalho de campo na Cooperativa dos Trabalhadores de

Catadores de Material Reciclável de Cascavel, foram aplicados 26 questionários com os

catadores, 16 deles são cooperados da cooperativa, e o restante são trabalhadores catadores

“informais” que fazem catação de reciclável individual, e comercializam com os donos de

depósitos da cidade de Cascavel, conhecidos como intermediários, sucateiros e aparistas.

Fontes documentais também foram consultadas para dar sustentação às informações

descritas neste trabalho. Neste sentido, documento fornecido pelo Centro de Referência e

Assistência Social foi de grande importância para garantir substância empírica ao trabalho.

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CAPITULO 1

1 – AS TRANSFORMAÇÕES NO MERCADO DE TRABALHO E A PRECARIEDADE DO EMPREGO NAS ÚLTIMAS DÉCADAS (1980 /1990)

1.1 – As metamorfoses no mercado de trabalho nos últimos anos no Brasil

O padrão de acumulação capitalista de base industrial no Brasil desenvolveu-se

principalmente no pós-guerra, intensificando-se a partir da década de 1960 com a

transnacionalização econômica mundial.

A intensificação ampliou uma estrutura produtiva que apresentava, de um lado, voltada

para a produção de bens de consumo duráveis, como automóveis e eletrodomésticos, e, de

outro, a produção voltada para a exportação, tanto de produtos primários quanto de produtos

industrializados. Apesar da transnacionalização subordinada, o Brasil industrializou-se,

tornando-se importante produtor mundial em alguns setores, como exemplo a indústria

automobilística.

Este cenário favoreceu a ampliação do mercado de trabalho capitalista no país,

concomitante à intensa migração rural em decorrência da aplicação do pacote modernizante na

agropecuária, consusbatanciada no agronegócio, fortalecendo a concentração fundiária.

A industrialização tardia estruturou-se através do processo de superexploração da força

de trabalho, dado pela articulação entre baixos salários, jornada de trabalho prolongada e de

fortíssima intensidade em seus ritmos.

A partir da década de 1980, a crise da dívida externa afetou duramente as economias

latino-americanas, levando-as à recessão que durou toda a década, culminando com a adoção

das práticas neoliberais preconizadas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e pelo Banco

Mundial como chantagem para o refinanciamento das dívidas desses países.

Diante deste contexto, ocorreram importantes transformações no mercado de trabalho

nas últimas décadas, principalmente entre as décadas de 1980/1990. Sob a égide da

reestruturação produtiva, da implementação de políticas neoliberais e da globalização do

capital financeiro, é dizer, essa política macroeconômica de regulação econômico-social

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possibilitou a sobrevivência das indústrias a partir da adoção de novas racionalidades de

acumulação e expansão do capital e, concomitantemente, a exploração do trabalho.

Desta maneira, adotaram-se estratégias de acumulação engendradas na nova ofensiva

do capital que permitiram avanços no que diz respeito à tecnologia e aumento da

produtividade. As mudanças no mundo do trabalho foram tão intensas, que nesta época, as

transformações laborais do trabalho não só atingiram sua materialidade, mas também

repercutiram na subjetividade dos trabalhadores.

A ofensiva do capital provocou intensificação da flexibilização das conquistas

trabalhistas e da precarização do mercado de trabalho através do desemprego estrutural, da

informalidade e da terceirização. A inserção subordinada do mercado de trabalho de vários

países na divisão internacional do trabalho na fase monopolista foi altamente excludente para

os países que se encontravam com industrialização tardia no modo típico da ofensiva

capitalista, como é o caso brasileiro.

A racionalidade adotada pelo desenvolvimento econômico capitalista, com intuito de

garantir sua dinâmica territorial coloca a classe trabalhadora cotidianamente diante de graves

consequências sociais, que se desdobra na exclusão dos seus postos de trabalho, enquanto

mecanismo de controle sócio-metabólico. Ou seja, o espaço e os trabalhadores passam a ser

elementos estratégicos para a (re) produção capitalista. Portanto o capital tende a

territorializar os espaços que ofereçam melhores condições de uso da força de trabalho e de

acumulação da lucratividade. Sendo que o trabalhador precarizado é o elemento fundamental

para a acumulação e expansão geográfica do capital.

Ancorada na ofensiva do capital, está a precarização do mercado de trabalho, que

coloca parcelas cada vez maiores da população brasileira sob os efeitos nocivos do capital, em

busca de vantagens e competitividade pela reestruturação produtiva. Essa ofensiva

consubastancia-se em aumento da jornada de trabalho, em desregulamentação das leis

trabalhistas e dos contratos de trabalho e em contratação de trabalhadores pelo sistema da

terceirização, principalmente.

Isso significa ataques constantes contra as conquistas dos trabalhadores, através da

diminuição dos direitos trabalhistas, conquistas históricas que se não são eliminadas dos

direitos trabalhistas, são ignoradas pelos empresários sob a negligência fiscalizadora estatal.

A substituição de trabalhadores menos qualificados ou até mesmo a substituição de

postos de trabalho humano pelo uso da máquina, trabalho vivo pelo trabalho morto, ampliou o

número de desempregados, ampliando a precarização, o rebaixamento salarial e acentuando a

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perda crescente de direitos. Eis o desenho mais freqüente da classe trabalhadora nos últimos

anos (Antunes, 1999).

A questão do desemprego e do subemprego é estrutural na nova configuração do

mundo do trabalho, nem sempre um resultado da desqualificação profissional, desta ou

daquela parcela dos trabalhadores.

O uso intensivo de maquinaria produz um excedente de trabalhadores dispostos a

aceitar condições de trabalho inferiorizadas. Mesmo esse sendo um trabalho abstrato,

destituído do fetiche da mercadoria, ele tem papel na vida dos trabalhadores (Marcelino,

2004).

O novo padrão leva a uma escala maior de produção, atendendo a lógica do mercado,

mas as condições de trabalho têm se deteriorado. A reestruturação produtiva capitalista gera

gama enorme de trabalhadores que são “obrigados” a se sujeitarem às condições cada vez

mais precárias de trabalho, baixos salários, péssimas condições de trabalho, ampliando o

trabalho temporário e sem direito trabalhistas. Como afirma Marcelino (2004, p.122):

O processo de precarização do trabalho inscreve-se na necessidade de flexibilização e desregulamentação do padrão de produção e das relações de trabalho. Aliados inseparáveis desse processo econômico, os Estados nacionais, em sua maioria, vivem uns movimentos de adoção das prerrogativas neoliberais. Além de outras características, a adoção desse tipo de política significa um abandono progressivo das responsabilidades sociais do Estado, principalmente os direitos trabalhistas como uma importante estratégia de responder tanto ao declínio das taxas de lucro das empresas quanto à retomada do domínio capitalista.

Na atual estrutura do capital, as políticas neoliberais constituem-se como um elemento

importante da precarização do trabalho. Essas prerrogativas estão inseridas na dinâmica atual

da modernização, da reestruturação industrial e da competitividade. A nova configuração

engendrada pelo capital torna-se uma máquina eliminadora de postos de trabalho dos

trabalhadores, pois, ao invés de integradora, excluem os trabalhadores que não conseguem

acompanhar as mudanças tecnológicas impostas pelos empregadores.

Neste caso, os avanços tecnológicos industriais dos últimos anos acirraram ainda mais

problemas já existentes no mercado de trabalho, gerando, por um lado, excedentes de força de

trabalho, e, por outro, trabalhadores não qualificados ou pouco qualificados passaram a se

sujeitar às condições impostas pelo capital na tentativa de continuarem no mercado de

trabalho formal.

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Dessa forma, as profundas transformações ocorridas no mercado de trabalho por

conta da robotização dos parques industriais, principalmente esta, direcionaram

significativamente grande parcela da população economicamente ativa brasileira para o

circuito da informalidade. Esses problemas ocorrem com maior intensidade em países

considerados economicamente emergentes, haja vista que possuem uma industrialização

intermediária, combinada a uma grande desigualdade econômica e social, acentuando ainda

mais a problematização. É preciso reconhecer que essa problematização não só ocorre nos

países ditos periféricos, mas também é presente nos países considerados de economia estável

e de acentuada industrialização. Como dito, essa precarização é comandada pelas novas

exigências tecnológico-econômicas do capital comandada pela evolução do capitalismo

moderno (Gonçalves, 2002).

Conforme Gonçalves (2006) em relação aos países de economia periférica, o Brasil é

um exemplo que se adequa a nova ordem econômica mundial.

Esses fatores são intensificados nos centros urbanos, que aceleram o aparecimento de

atividades que exploram a força de trabalho precariamente, em que há a presença de

diversificadas formas de trabalho informal, como os trabalhadores que sobrevivem da catação

de materiais recicláveis - marcada pelo trabalho precário e insalubre.

É nesse contexto que proliferou o subemprego, o trabalho informal e incerto, a

contratação de trabalhadores por tarefas ou em tempo parcial (par time), ocorrendo uma maior

precarização dos empregos e dos salários, aumentando o processo de desregulamentação da

legislação trabalhista, tendo como ponto culminante a redução dos direitos sociais para os

empregados em geral e para os terceirizados em particular.

A desativação de um conjunto de instituições estatais através de suas privatizações

pode ser considerado como um dos fatores que provocaram o acirramento do desemprego e o

aumento da informalidade, agravando a situação geral do mercado de trabalho, que a despeito

da diminuição da taxa de desemprego nos últimos anos, mantêm-se em patamares elevados,

conforme o Gráfico 1.

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2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 -até Julho

Gráfico 1 - Taxa de Desemprego Brasil

Fonte: IBGE, Pesquisa Mensal de Emprego. Para recompor seu ciclo reprodutivo, o capital reorganizou-se produtivamente em

dimensão global, recompondo ao mesmo tempo o sistema de dominação, em suas vertentes

ideológicas e políticas, objetivado no que se conhece como neoliberalismo, reforma do

Estado, desregulamentação de direitos sociais e do trabalho (Coggiola, 2002; Mészaros, 2002;

Barbosa, 2007).

Assim, as novas políticas neoliberais desencadearam mudanças na legislação

trabalhista brasileira, suprimiram muitos direitos ligados ao trabalho, articulações essas

acentuadas durante os governos Fernando Affonso Collor de Mello (1990-1992) e Fernando

Henrique Cardoso (1995-2002), com a implantação do Plano Real, as aberturas comerciais

adotada pelo neoliberalismo, como paradigma econômico, acentuando sobremaneira os

problemas estruturais do mercado de trabalho.

Enfatize-se que essas medidas agravaram a situação do emprego, precarizando-o e

intensificando a informalidade.

Como já dito, a desativação de um conjunto de instituições estatais, as privatizações de

outras, como nos processos de fusões, e a consolidação de empresas privadas, consoante o seu

sucesso econômico de um lado, resultaram, de outro lado, numa redução do número de

empregados, seja através da eliminação simples de postos de trabalho seja com a terceirização

(com aumento da informalidade).

1.2 - A Precarização do Mercado de Trabalho Brasileiro

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O crescimento demográfico urbano foi um elemento essencial para o incremento no

número de trabalhadores informais, sobretudo a partir da década de 1970, em países

considerados de terceiro mundo1, como é o caso do Brasil.

Assim os trabalhadores passam a buscar meios de sobrevivência em atividades

economicamente menos importantes e que compunham o denominado setor informal, a

exemplo dos trabalhadores que compõem o circuito da reciclagem, trabalhadores da

construção civil, empregadas domésticas, trabalhadores ambulantes entre outros.

Até certo ponto, as medidas de informatização dos postos de trabalho são responsáveis

pela introdução de traços da informalidade no setor considerado formal. O trabalho formal é

caracterizado como um vínculo legal a uma determinada empresa ou entidade empregatícia,

em que os direitos conquistados pelos trabalhadores devem ser respeitados, tais como, jornada

de trabalho definida, décimo terceiro salário, seguro desemprego, entre outras conquistas. Por

decorrência, é um emprego mais estável e de melhor remuneração.

Para Barbosa (2007) é precário o trabalho que se realiza sob uma ou mais das

seguintes condições: a) com tempo parcial do dia/semana/mês, com extensas jornadas de

trabalho, com pagamento por produção/serviço; b) destituídas de garantias legais de

estabilidade ou proteção contra dispensas, de carga horária definida, de descanso semanal e

férias renumeradas, realizado em condições insalubres, sem seguridade social, seguro-

desemprego, aposentadoria, e licença-maternidade, licença-doença, sem cobertura de acidente

de trabalho, entre outros quesitos.

Analisando as condições de trabalho, renda e vida dos catadores de materiais

recicláveis de Cascavel, eles se enquadram em todos os quesitos referentes ao trabalho

precarizado, citados por Barbosa anteriormente.

Desse modo, o número de trabalhadores em condições precarizadas tem aumentado

gradativamente, assim o capital se apodera de discursos ideológicos para mascarar suas

prerrogativas sob o trabalho, que acentua a degradação das condições de trabalho, dos

trabalhadores não qualificados, ou até mesmo aqueles que possuem qualificação profissional

para o trabalho. O discurso ideológico para justificar o desemprego está na suposta falta de

qualificação profissional. Para atender a demanda do mercado de trabalho, os trabalhadores

1 São denominados de terceiro mundo pelo fato de ter incorporado o processo de industrialização tardia que é entendido como setor econômico que abriga trabalhadores incapazes de serem empregados aos setores produtivos mais importantes da economia capitalista, em desenvolvimento, no caso dos países com maior intensificação dos processos produtivos tecnológicos.

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tem que estar constantemente em busca de habilidades técnicas, de modo que o ônus da

(in)capacidade profissional não deveria recair apenas sobre o trabalhador.

O sistema capitalista, em seu discurso ideológico, utiliza a desqualificação dos

trabalhadores como forma de mascarar as precárias condições de trabalho, “obrigando” esses

a trabalharem na informalidade, a exemplo dos catadores de papel/papelão que sobrevivem da

catação/garimpagem de resíduos recicláveis.

Singer (2002, apud Carvalho 2007), aponta que recolher material reciclável entre os

dejetos é o meio de vida que resta àqueles cuja exclusão social degradou ao máximo, quando

não, talvez, socorrem-se de atividades criminosas e de mendicância. Por outro lado, a grande

parte dos trabalhadores que mora nas ruas tem mesmo, na maioria das vezes, como alternativa

à auto sustentação, a catação de material reciclável. Sendo extremamente pobres, são

explorados pelos sucateiros, que lhes adiantam dinheiro para poderem subsistir em troca da

entrega do material coletado a preços vis.

O trabalho dos catadores de papel/papelão é um trabalho precário e insalubre. Não

possuem carteira assinada, seguro desemprego entre outros benefícios sociais garantidos

legalmente. Mais. Por falta de proteção, esses sujeitos desenvolvem ainda suas atividades

expostos a risco de vida e à contaminação quando estão separando o lixo do material

reciclável. Além disso, correm sério risco de serem atropelados nas ruas ao desenvolver a

atividade.

Nesse sentido,

Um terço da força humana disponível para o trabalho, em escala global, se encontra exercendo trabalhos parciais precários, temporários, ou já vivenciava a barbárie do desemprego. Mais de um bilhão de homens e mulheres padecem as vicissitudes do trabalho precário, instável, temporário, terceirizados, quase virtual, dos quais centenas de milhões têm seu cotidiano moldado pelo desemprego estrutural (ANTUNES, 2007, p. 13).

A atividade geralmente é realizada sob condições muito precárias, grande parte dos

catadores realiza a coleta em lixões a céu aberto, disputando alimentos com urubus, e

entrando em contato direto com os produtos tóxicos descartados, em lugares inadequados,

como no caso dos lixões clandestinos.

Em Cascavel, eles fazem a coleta nas ruas disputando território com o lixeiro e

sofrendo com as intempéries climáticas. Os catadores aparecem como elementos estranhos ao

serviço público de coleta de resíduos sólidos urbanos domésticos regulares, não havendo

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nenhum tipo de obrigação das administrações municipais para com eles (GONÇALVES,

2006, p. 48).

Os catadores percorrem as ruas, numa jornada que freqüentemente ultrapassa oito

horas ininterruptas, tal situação pode ser observada na foto 1, submetendo-se a um trabalho

exaustivo, carregando por dia excessiva carga de produtos recicláveis. Além disso, a idade

avançada de muitos deles dificulta ainda mais o seu trabalho. Sendo que, no final da jornada

de trabalho muitas vezes o resultado monetário é insatisfatório, ficando na dependência do

preço pago pelos sucateiros e intermediários, que monopolizam a comercialização de material

reciclável, em algumas situações fornecendo apenas a comida em troca do material recolhido.

(Gonçalves, 2006; Bosi; 2007; Carvalho 2008).

Foto 1 - Catador Empurrado Carrinho com Materiais Recicláveis Foto: Solange Queiróz Ribeiro, 2008. Neste caso, a vida cotidiana dos catadores de Cascavel, é em grande medida,

heterogênea, composta por um trabalho informal árduo, onde passam por privações e

preconceitos.

Em conversa com alguns catadores percebe-se que os preconceitos fazem parte do

cotidiano de trabalho. No trabalho de campo, percebe-se na fala de uma catadora, que quando

são avistados pelos comerciantes (como donos de supermercados) coletando material nas

ruas, são chamados de lixeiros, vagabundos, que vão roubar os materiais deles. A disputa

entre catadores e comerciantes está no fato de os comerciantes prensarem e comercializarem

os materiais. Assim, são vistos como invasores de seu território.

20

Outro preconceito que os catadores sofrem é em relação ao trânsito urbano. Quando

estão caminhando pelas ruas puxando seus carrinhos e carroças em busca de materiais

recicláveis para a venda, são vistos pelos motoristas como “entulhos” que atrapalham o

trânsito. Além disso, são vistos como indivíduos que sujam a “imagem” do Calçadão da

cidade, ao ficarem aglomerados esperando pelo descarte de materiais pelos comerciantes,

visto tratar-se da principal concentração comercial do município de Cascavel.

A vida social dos catadores também é precária por não ter local adequado para deixar

seus filhos. Há casos concretos de que muitas famílias para melhorar a renda familiar utilizam

todos os seus membros para trabalharem na catação de materiais recicláveis. Tal situação,

apesar de dramática, é compreensível.

Como os rendimentos financeiros dos catadores dependem de sua produção no dia-dia

de trabalho, isso significa que quanto mais tempo permanecerem nas ruas, maior será sua

renda, lembrando que o dinheiro obtido geralmente é o mínimo necessário para manter suas

necessidades básicas. Assim, muitos deles trabalham de segunda a segunda, não tendo tempo

para o lazer e o descanso, luxos que quase não fazem parte de suas vidas.

Além do preconceito vivenciado pelos catadores, há o poder econômico, a diversidade

cultural que os afastam cada vez mais para áreas periféricas da cidade.

Segundo Gonçalves (2002) os sujeitos excluídos do processo de exploração do

trabalho no capitalismo não se torna um privilégio, e sim um fator de inserção em uma

condição de privação e de pobreza, ainda maior do que aquela sob a qual continuam

submetidos os que sofrem a exploração no trabalho, restando aos deserdados do capital

procurar outras formas para garantir a sua sobrevivência, sujeitando-se ao subemprego e ao

trabalho informal.

Como dito, o trabalho deles é marcado ainda pela forte concorrência, que envolve

desde os colegas de trabalho e o lixeiro.

O catador “J” que trabalha há anos na coleta de recicláveis nos relata alguns aspectos

da rotina de trabalho, “é preciso acordar muito cedo, antes que o lixeiro, pois às 6 horas da

manhã o lixeiro já está passando, com isso não encontro mais nada, nem papel, nem papelão

etc.”. Para conseguir recolher os materiais, temos que acordar muito cedo, e passar muito

antes dele (lixeiro)’’. Assim, percebemos que a jornada de trabalho dos catadores varia de

acordo com a coleta do lixo nos bairros de Cascavel. 2

2 Fonte: trabalho de campo realizado em Cascavel, 2009.

21

No município de Cascavel, os supermercados e as casas de shows passaram, nos

últimos anos, a comercializar os materiais recicláveis, tais como, papelão, latinhas de

alumínio etc. Esses materiais são vendidos para atravessadores da cidade, diminuindo assim a

produção dos catadores. Por fim, além da concorrência com os colegas de trabalho e com o

lixeiro, os catadores passaram a concorrer com os donos de supermercados e outros

empresários da cidade.

Além desses fatores, o trabalho nos dias chuvosos não é realizado. Sendo assim, a

produção de cada catador decai, pois depende das intempéries do cotidiano de trabalho. Para

garantir melhor êxito no trabalho é preciso manter um bom relacionamento com os moradores

das residências, seja do centro ou de bairros próximos à residência deles.

Para tanto, conhecer o lugar (ponto) mais propício para coleta dos produtos torna-se

vantajoso para os catadores, como é o caso do centro da cidade, que aparentemente apresenta

ser o local onde há maior quantidade de recicláveis a serem recolhidos.

Segundo Chassot (2007), os catadores, como forma de reivindicar melhorias, se

aglomeravam no centro da cidade como forma para pressionar o poder público para atender

suas necessidades, sobretudo de melhoria de renda e de trabalho. Mas por não atingirem seus

objetivos com esta prática, entravam em conflitos entre si, pois o material disponibilizado

pelos comerciantes não era suficiente para todos. A sociedade não dava crédito a estes

catadores e não colaborava para uma melhor separação deste material.

Baseado neste fator, a Prefeitura Municipal de Cascavel e a sociedade civil

organizada planejaram a reorganização dos catadores em forma de cooperativismo, dando

continuidade ao trabalho já começado no passado.

Os conflitos enfrentados pelos trabalhadores catadores têm suas origens no passado.

Nos anos 1970, o emprego despencou em índices alarmantes e a diminuição dos custos

sociais do trabalho, com a precarização, transformou-se numa alternativa rentável para o

capital.

A tabela - 1 (a seguir) reflete a diferenciação existente entre mercado de trabalho

formal e informal no Brasil:

22

Tabela 1 – Diferencial da remuneração média segundo a formalização/informalização do vínculo trabalhista – 2000

Brasil Paraná Cascavel

Empregados com carteira de trabalho assinada (a) 612,68 555,64 540,82

Empregados sem carteira de trabalho assinada (b) 291,45 295,31 320,55

Proporção b/a 47,5% 53,1% 59,3%

Fonte: IBGE – Censo Demográfico. SIDRA, www.ibge.gov.br, acesso em 05 de Setembro de 2008.

Dados na tabela 1 demonstram a relação salarial de trabalhadores empregados com

carteira de trabalho assinada e trabalhadores empregados sem carteira assinada no Brasil,

evidenciando como a condição informal significa uma remuneração correspondente a

aproximadamente metade da remuneração dos trabalhadores formalizados, fator determinante

da condição precária de sua inserção no mundo do trabalho.

Embora em Cascavel essa proporção seja um pouco mais favorável aos empregados

sem carteira de trabalho, ainda assim, a remuneração média desses trabalhadores corresponde

a 59% da remuneração média dos empregados com carteira assinada, evidenciando o grande

diferencial entre essas categorias e que a condição de informalidade significa, via de regra,

uma remuneração menor e, por conseguinte, condição de vida pior do que aqueles

trabalhadores com carteira assinada.

Não restando alternativa para aqueles que são “rejeitados” pelo mercado de trabalho

formal, ao ter que buscar um meio de sobrevivência, praticam a auto-exploração ou submetem

à venda sua força de trabalho. Em ambos os casos, a realização do trabalho dá-se sob

condições degradantes, como exemplos extremos do trabalho escravo contemporâneo.

Conforme Gonçalves (2006), o número de trabalhadores em condições precarizadas

tem aumentado gradativamente. O metabolismo expresso pelo capital requer a análise de toda

a estrutura que se enquadra na precariedade do desemprego, pois, a falta de um emprego

digno e a miséria tornam precárias a ocupação dos trabalhadores catadores.

Na cidade de Cascavel, as condições de trabalho dos catadores também são

degradantes, não se diferenciando de outros catadores que sobrevivem da catação de

recicláveis nas ruas de todo o Brasil.

A renda obtida da catação está diretamente relacionada à quantidade de material

reciclável. Isso significa jornadas de trabalho extensas, pois precisam permanecer muitas

horas nas ruas para garantir seu sustento.

23

A ocupação na catação de reciclável apresenta-se bastante rotinizada semelhante ao

trabalho assalariado, executadas em jornadas diárias superiores a 6 (seis) horas, conforme

Gráfico 2.

Gráfico 2 – Jornada de Trabalho Diária dos Catadores Entrevistados de

Cascavel/PR. Fonte: Trabalho de campo, 2009. Dessa forma, foi possível verificar em nossa pesquisa que a jornada de trabalho dos

catadores de Cascavel varia de 5 (cinco) a 12 (doze) horas de trabalho. Eles saem de suas

casas em torno de cinco horas da manhã, em direção à área central da cidade, local em que

encontram maior quantidade de materiais recicláveis, devido à concentração

comercial/industrial. E muitos retornam para suas casas à noite, após longa jornada de

trabalho.

A freqüência das extensas jornadas de trabalho, esta devidamente relacionada com a

renda, isso porque, para o catador ao diminuir a jornada de trabalho, provavelmente diminuirá

sua renda, ou seja, o que eles recebem não será suficiente para manter suas necessidades. A

jornada de trabalho tem sua distribuição, ao longo do dia e da noite, norteada por variáveis

(lixeiro, colega de trabalho, oscilações do preço no mercado de reciclagem, intempéries

climáticas etc.), que não são controladas pelos catadores.

A renda dos catadores, tanto daqueles que coletam individualmente, quanto dos que

trabalham organizados em cooperativas, está sujeita às oscilações do mercado, em decorrência

de diversos fatores, como exemplo, a crise financeira mundial, ocorrida no início do ano de

2009. Desse modo, os trabalhadores estão à mercê do mercado de recicláveis, que, de acordo

24

com as oscilações, inclusive internacional (queda do dólar), regula os valores dos produtos

recicláveis.

Conforme Gonçalves (2006), esse não é o único condicionante externo do rendimento

dos catadores. A sazonalidade no consumo, como época de festas, de férias escolares e

também o período do mês próximo ao pagamento de grande parcela dos trabalhadores

interfere, consideravelmente, no volume de recicláveis descartados e, consequentemente, no

volume coletado e comercializado, e, finalmente, na renda.

Baseado-se nas problemáticas citadas anteriormente e preocupados com a

comercialização dos seus produtos, um grupo de catadores de Cascavel, pertencente à

Cooperativa dos Trabalhadores Catadores de Material Reciclável de Cascavel (COOTACAR),

percebeu que a saída para a problemática que envolve a comercialização dos produtos e a

solução de parte da problemática que envolve a sua atividade, como a possibilidade de

superação, a saída da subordinação do capital, passa pela organização entre os grupos de

catadores dos municípios adjacentes de Cascavel, colocando-os em condições melhores no

circuito da reciclagem. Dessa forma, estabelece-se uma rede de comercialização entre os

grupos organizados em cooperativas da região oeste do Paraná. Desse modo, a organização

entre os grupos aparece como saída da condição precária.

A respeito da atividade que envolve os catadores, devido à exposição solar, muitos

deles desenvolvem a atividade no final da tarde, já que, também, trata-se do período em que

são encontrados grande quantidade de material reciclável, deixado pelos comerciantes e

moradores das residências. Há aqueles que preferem trabalhar de madrugada, nos bairros em

que a coleta de lixo ocorre às 6 (seis) horas da manhã. Estrategicamente, os catadores saem

primeiro do que o lixeiro para conseguir recolher o material. De outra forma, se for coletar

após a passagem do lixeiro não mais encontrarão produtos para comercializar. Para Bosi

(2007, p. 13):

Premiados por esse quadro os catadores tendem não só a estenderem suas jornadas de trabalho como também a intensificá-las. Desse modo, árduo e prolongado trabalho dos catadores encontra sua principal razão de ser na composição de uma renda mensal que seja suficiente à sua sobrevivência. Esta conexão entre jornada e renda revela que a organização dessa modalidade de trabalho obedece a uma lógica que tem sido historicamente deternimada, em larga medida, pelos compradores e pelas recicladoras que se apropriam indiretamente do trabalho dos catadores. Este fato garante, do ponto de vista do capital que controla o negócio de recicláveis, o sistemático e cada vez mais intenso retorno dos catadores para as ruas em busca de papel, papelão alumínio.

25

A realidade do trabalho dos catadores de Cascavel evidencia a subordinação e

integração ao processo de acumulação do modo de produção capitalista. O trabalho realizado

pelos catadores traz como força produtiva a marca das relações capitalistas de produção. A

organização ocorre conforme determinação do capital envolvido no negócio da reciclagem. A

força de trabalho empregada no negócio não é formalizada em contratos que fixem salários,

jornadas ou mesmo uma disciplina como ocorre com os trabalhadores operários das indústrias

ou outros trabalhadores (Bosi, 2007).

Conforme Gonçalves (2006), a precarização das condições de trabalho é sempre

lembrada de maneira não declarada, como estruturante do sistema de coleta e triagem dos

recicláveis, o que garante a lucratividade de vários outros atores envolvidos com a reciclagem

dos materiais, mas não dos trabalhadores catadores.

Na verdade, a informalidade, as longas jornadas de trabalho e a precariedade na

realização da atividade, é o que lhes garantem o seu rendimento, e, mais ainda, os ganhos dos

outros envolvidos no circuito econômico que envolve a reciclagem de materiais que tem o

trabalhador catador como base para a recuperação dos resíduos.

Outra problemática em torno do trabalho dos catadores está na tarefa de separação do

lixo daquilo que pode ser reciclado e, portanto, reentrar no circuito mercantil. Conforme é

destacado no comentário a seguir pelo catador “S”3 que trabalha na catação de recicláveis há

15 anos: “Pois as pessoas não separam os materiais e isso acaba dificultando o meu trabalho se todos colaborassem na separação do reciclável/lixo, meu rendimento seria maior, o tempo em que levo para abrir o saco e procurar o que é reciclável faz cair a produção, e minha condição de trabalho não seria tão desumana”. (“S”, catador de Cascavel/PR).

Para os catadores de papel/papelão, quanto mais tempo permanecerem nas ruas e nos

aterros sanitários maior será a quantidade de produto recolhido por eles, dessa forma os

catadores poderão aumentar sua rentabilidade, mas submetido a longas jornadas de trabalho.

Sabemos que as amarras e as várias formas de coerção social e econômica existentes na sociedade do capital obrigam aqueles que têm como único meio para assegurar a sua força de trabalho, a se sujeitar às condições extremamente precarizadas e destrutivas, estando dentro ou fora do mercado formal de trabalho. (GONÇALVES, 2006.p.53).

3 Entrevista realizada em Cascavel, 2009.

26

Sendo assim, os trabalhadores que são “excluídos” do mercado de trabalho formal

procuram a catação um meio de sobrevivência, e são “obrigados” a trabalhar em péssimas

condições de trabalho.

A necessidade de encontrar um comprador para sua força de trabalho, tida como condição natural na sociedade do capital, aparece então como a única coisa a fazer, pois ficar fora desse mercado, como acontece com os catadores, é ser excluído das relações de trabalho assalariadas, é ter a vida dificultada, ou mesmo ser privado das condições mínimas de sobrevivência. É ser colocado à margem, é converter-se do ponto de vista do sistema produtor de mercadoria, em coisa inútil, sem valor (ANTUNES, 1998.) apud (GONÇALVES, 2006. p.53)

Dessa forma, o trabalho dos catadores de papel é um trabalho precário, pois, não

possuem carteira assinada, seguro desemprego entre outros benefícios sociais, como o seguro

acidente, pois vivem expostos aos riscos de sua atividade, como exemplo, a contaminação

com objetos ao mexerem no lixo desprotegidos. Além disso, submetem-se ao risco de serem

atropelados quando estão desenvolvendo o trabalho nas ruas.

A comparação das condições de trabalho de trabalhadores de frigoríficos em relação às

condições de trabalho de um catador de materiais recicláveis como aponta Voll, são

extremamente destrutivas, em ambientes inadequados para a saúde, como câmeras frias, ou

em ambientes com barulho ensurdecedor de máquinas com longas jornadas de trabalho, e

rebatimento salarial mensal que varia de R$ 400,00 (quatrocentos reais) a R$ 600,00

(seiscentos reais). Como relata VOLL (2007, p. 14): Um catador de recicláveis, como todos os problemas que trazem à sua atividade, não é necessariamente mais precarizado que o de um trabalhador de um frigorífico, que apesar de registrado, se submete às péssimas condições de trabalho, estando também expondo a sua saúde a risco, assim como também recebe uma renda muita baixa pelo seu trabalho.

Com todos os problemas citados, se puder fazer comparações, o trabalho do proletário

do frigorífico não é tão precarizado do que aqueles que sobrevivem da catação de recicláveis.

É bem de repisar que o trabalho dos catadores está exposto às intempéries do tempo e sua

renda depende da produtividade, ou seja, não produzindo provavelmente não receberá renda.

Os catadores estão expostos também a fatores outros como as oscilações dos preços dos

recicláveis. Outra implicação em relação ao trabalho deles está na organização do capital

envolvido no negócio, que controla os preços dos produtos.

27

Por outro lada, os trabalhadores dos frigoríficos possuem carteira assinada, seguro

desemprego, décimo terceiro salário, férias entre outros direitos trabalhistas. Sua condição de

trabalho não é mais insalubre e precária do que a daqueles que sobrevivem da

catação/garimpagem em lixões, ou nas ruas disputando alimentos com urubus, correndo o

risco de serem contaminados com produtos tóxicos e serem atropelados ao circularem pelas

ruas em busca de produtos para a venda, além da insegurança em relação à saúde e

aposentadoria, lembrando que, como os demais trabalhadores informais, em caso de

problemas de saúde, ficam sem receber, pois a renda depende dos dias trabalhados.

Mesmo estando trabalhando organizado em associações/cooperativas ou

desenvolvendo a atividade individualmente, ao visarem conseguir algum tipo de benefício, os

catadores arcam com seu próprio custo, como exemplo aposentadoria via INSS – Instituto

Nacional do Seguro Social. Para Gonçalves (2006, p. 201):

Eles saem da condição de trabalhador informais, sem nenhum tipo de registro e passam para a condição de trabalhadores autônomos na prática, isso significa que poderão agora se retornar o pagamento da seguridade social com vista em obter a aposentadoria por tempo de trabalho é alguns outros poucos benefícios, cujos custos recairão eles próprios.

Além dos problemas já citados anteriormente em relação ao trabalho dos catadores,

que envolve a seguridade social, as condições de trabalho são péssimas. Para conseguir o

material para a venda, segundo o catador “I”4 que trabalha na catação de reciclável desde

2005, realiza uma jornada de trabalho diário de 9 (nove) horas. “O catador necessita caminhar

muito empurrando o carrinho, que é pesado e cansa muito, prejudicando o seu trabalho, e,

consequentemente, refletindo em sua renda. Se não fosse tão cansativo, conseguiria mais que

duzentos reais por mês com o trabalho na catação de recicláveis”. (Catador “I”, Cascavel,

2009).

A renda mensal5 dos catadores depende de variáveis, como mencionado

anteriormente. Na pesquisa constatou-se que a renda varia em torno de R$ 150,00 (cento e

cinquenta reais) a R$ 800,00 (oitocentos reais). Como dito, a renda dependerá da produção de

cada um, quer dizer, dos dias trabalhados na atividade de coleta dos recicláveis.

1.3 – A Ofensiva do Capital e o Mercado de Trabalho em Cascavel

4 Entrevista realizada em Cascavel, 2009. 5Fonte: Trabalho de campo realizado entre 2007/2009.

28

O município de Cascavel possui uma área de 2.073,08 km e uma população de

aproximadamente 245.369 habitantes, sendo 228.673 na área urbana e 16.696 na área rural,

(incluindo os cinco distritos). Caracteriza-se como um sociedade eminentemente urbana com

apenas 8% da população vivendo no campo.

A população economicamente ativa de Cascavel compõe-se de 66.816 homens e

48.646 mulheres, totalizando 115. 462 habitantes, sendo que a população urbana em idade

economicamente ativa é de 122.373 pessoas.

No município, aproximadamente 12.000 famílias vivem em situação de pobreza e

48.361 pessoas vivem na mesma situação.6 Assim, aproximadamente 6.911 pessoas em idade

economicamente ativa, encontram-se excluídos do mercado de trabalho formal (IBGE, 2009).

A modernização no campo, como aponta Gonçalves (2002), é responsável pelo

deslocamento da força de trabalho do campo rumo à cidade e considerada o principal

determinante do crescimento do setor informal urbano. A chegada de trabalhadores oriundos

do campo aos centros urbanos nos países em processo de industrialização, a exemplo do

Brasil, decorre do fato de que se tornou-se quase impossível a sua sobrevivência no campo

devido principalmente a crescente concentração de terras nas mãos de grupos de

latifundiários.

O município de Cascavel, por estar localizada em uma região predominantemente

agrícola, enfrenta os mesmos problemas decorrentes da concentração de terra, inviabilizando

a permanência de pequenos proprietários em suas terras devido à pressão dos grandes

latifundiários que compraram, ou forçaram os pequenos produtores a venderem suas terras

formando grandes latifúndios. (OLIVEIRA, 2004). Lembrando-se também que em

decorrência da modernização da agricultura, os trabalhadores que trabalhavam no campo

como arrendatários, não conseguiram mais terras para arrendar, restando duas alternativas:

lutar pela terra ou migrar para cidade.

Diante dessas implicações, muitos trabalhadores migraram para as cidades. Neste

sentido, entende-se a concentração populacional de trabalhadores na área urbana do município

de Cascavel. Os trabalhadores concentram–se na periferia da cidade formando aglomerados

de miseráveis despossuídos de educação, saúde etc. Outros, transferiram-se para outras

regiões do próprio país, como a Região Amazônica ou até mesmo para outro país, como o

Paraguai. 6 Fonte: Censo Demográfico IBGE/IPARDES de 2000.

29

A alternativa que muitos deles encontram como meio de sobrevivência no centro

urbano são os trabalhos via contratação por tarefa, em tempo parcial, e o trabalho informal e

incerto, tais como vendedores ambulantes, catador de papel/papelão, tudo isso por não

possuírem qualificação profissional exigida pelo mercado de trabalho capitalista

contemporâneo. Sendo assim, justifica-se porque esses trabalhadores têm se destinado ao

circuito da informalidade, buscando meios que garantam sua sobrevivência.

Outro fator determinante da expulsão de trabalhadores do campo na região Oeste do

Paraná a partir da década de 1970 foi à construção de usinas hidrelétricas. Com o objetivo do

desenvolvimento ampliado das atividades industriais e de serviços, que garantissem os

interesses da classe hegemônica, deixando em segundo plano os pequenos proprietários

rurais, obrigando-os a deixar suas terras produtivas. Além disso, apesar de afetados pela

construção desses complexos hidrelétricos, não tiveram pagamento justos das indenizações

por suas antigas propriedades.7

Dessa maneira evidencia-se um processo de acumulação/ampliação de capital na

região que tem deixado profundas marcas nas vidas de muitos trabalhadores no Oeste do

Paraná nas duas últimas décadas do século XX. Como já dito, isso forçou os trabalhadores a

migrarem rumo aos centros urbanos em busca de trabalho industrial. (Bosi, 2007).

Para Gonçalves (2002), os recém chegados às cidades, em condições de serem

empregados, cumpriam o papel de aumentar a força de trabalho disponível no mercado,

pressionando os salários dos que já se encontravam empregados, o que fez a oferta de mão-

de-obra tornar-se maior que a demanda.

Como essa força de trabalho anteriormente encontrava-se empregada em trabalhos

temporários ou via contratação em tempo parcial sem exigência de qualificação profissional,

ou ainda por aqueles que têm suas origens no campo, ao chegarem aos centros urbanos,

deparam-se com as exigências técnicas e educacionais do capital urbano-industrial.

Visto pela ótica do capital industrial, os não-aproveitáveis e os incapazes de serem

empregados restaram-lhes, como alternativa, a busca de ocupação que lhes proporcionasse

alguma renda e que lhes garantisse minimamente a sua sobrevivência nas atividades que

compunham o setor informal, como é o caso dos catadores de recicláveis (GONÇALVES,

2002).

Para Singer (1999), a catação de materiais recicláveis é uma alternativa de trabalho

que minimamente garantirá a sobrevivência dessas pessoas que vão passando por uma série 7ROOS, 2007.

30

de processos de exclusão e não tem mais acesso a “empregos” em que possam trabalhar

amparadas sob as leis do Estado e ter direitos básicos garantidos, como os da previdência

social, entre outros.

Nos últimos anos, sob novos patamares, a depreciação da força de trabalho aumentou,

vastos contingentes de trabalhadores que possuíam direitos trabalhistas viram sua situação de

trabalhador cair nas mazelas, levando à situação precarizada ou direcionando-os para fora do

processo produtivo. Inclusive, grande parcela de trabalhadores até então não conhecia as

dimensões desumanas do trabalho precário, mas forçosamente, por conta daquela depreciação,

passaram a fazer parte deste circuito.

O chamado desemprego estrutural brasileiro, não tem raízes em um passado histórico,

mas de um novo arranjo do processo produtivo e da ampliação/valorização do capital que se

beneficia da condição precária, diminuindo seus custos com a contratação da mão-de-obra.

Como nas demais cidades e centro regionais, Cascavel enfrenta os mesmos problemas,

decorrentes do intenso crescimento demográfico das últimas décadas, conforme mostra a

Tabela 2.

Como não houve crescimento de postos de trabalho no mesmo ritmo elevou-se a

precarização do emprego, fazendo com que muitos não usufruam de produtos que a sociedade

consumista utiliza e logo descarta.

Tabela 2 – Crescimento demográfico em Cascavel / PR

Fonte: IBGE, Censo Demográfico. www.ibge.gov.br, acesso em 05/09/2008.

Como foi mencionado anteriormente o desemprego não só atingiu grandes capitais

brasileiras, atingiu também, sobretudo cidades consideradas pólos regionais que possuem

atrativos de trabalho.

Para Gonçalves (2002), o fenômeno do desemprego e da precarização das condições

de trabalho na nova era do capital, podem facilmente ser observados na maior parte das

1970 1980 1991 2000 Total 89.921 163.470 192.990 245.369Urbana 34.950 123.656 177.766 228.673Rural 54.971 39.814 15.224 16.696Pop. Urbana % 38.9% 75.6% 92.1% 93.2%Tx. Crescimento da pop. Urbana - 253.8% 43.8% 28.6%

31

cidades brasileiras. O cenário do desemprego tornou-se mais visível a partir do ano de 1990

com as políticas neoliberais dos respectivos governos brasileiros8.

Segundo Antunes (1999) o resultado das transformações e metamorfoses no mundo do

trabalho das últimas décadas, significou aos trabalhadores fabris, em particular, os dos países

dotados de uma industrialização intermediária, um processo múltiplo: de um lado, verificou-

se uma desproletarização do trabalho industrial, fabril, nos países de capitalismo avançado.

De outro lado, efetivou-se uma significativa subproletarização do trabalho, decorrência das

formas diversas de trabalho parcial, precário, terceirizado, subcontratado, vinculado à

economia informal, ao setor de serviços etc. Nesse período, verificou-se, portanto, uma

significativa heterogeneização, complexificação e fragmentação do trabalho e da classe

trabalhadora.

Nesse contexto, têm surgindo diversas formas de trabalho temporário, em tempo

parcial e informal, a exemplo dos trabalhadores da agroindústria canavieira, os catadores de

material reciclável. Em especial aos catadores de papel/papelão que cumprem excessivas

jornadas de trabalho em condições adversas.

Diante disso, compreende-se que os catadores de materiais recicláveis de Cascavel

vêm se destacando num cenário relevante de crescimento populacional desde meados da

década de 1970, conforme a Tabela 2. Segundo a Secretária de Planejamento de Cascavel,

hoje o município possui uma estimativa de 297.961 habitantes.

O crescimento populacional articulado com as transformações e metamorfoses do

mundo do trabalho proporcionou o crescimento de catadores de materiais recicláveis que

chega a 1.200 trabalhadores no município. Para muitos, restaram a catação/coleta de materiais

recicláveis como alternativa de trabalho como meio de sobrevivência, articulando-se baixa

remuneração salarial e superexploração da força de trabalho.

1.4 – A Relação do Trabalho dos Catadores e sua Contribuição Indireta para o Meio

Ambiente

Pode-se afirmar que as pessoas que sobrevivem do trabalho de coleta de recicláveis

colaboram com a melhoria do meio ambiente, como foi apontado anteriormente. O catador de

material reciclável busca tirar sua renda através da catação (papel, papelão, alumínio,

plásticos, vidro etc.). O trabalho deles contribui indiretamente na diminuição de material 8 Fernando Affonso Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso.

32

jogado em valas, nas ruas e principalmente nos aterros sanitários, contribuindo para a limpeza

urbana.

Para Silva (2008), o processo de reciclagem é uma maneira de contribuir para a

preservação do meio ambiente. Por conta disso, os aterros sanitários e os lixões passam a

receber menos materiais sólidos de difícil decomposição, o que de certa forma ajuda no

saneamento básico, retirando da natureza o excesso de resíduos que poluem a água dos rios,

as matas e a própria área urbana, livrando o poder público de ônus maior.

O reaproveitamento dos diversos produtos que compõem a reciclagem revela na

atualidade a mais perversa exploração do trabalho, apoiando-se contraditoriamente no

discurso da preservação ambiental, camuflando assim a realidade dos sujeitos envolvidos no

circuito da reciclagem.

Esta atividade é realizada com amparo mínimo institucional das respectivas

prefeituras. Os catadores, com sua contribuição, diminuem o custo produtivo e engrossam as

taxas de lucro por extração livre de trabalho não-pago.

Provavelmente, o termo agente ambiental utilizado para designar o catador é devido à

sua colaboração com o meio ambiente. Sendo assim, esse termo veio para substituir o nome

de catador de papel, pois a pronúncia agente ambiental aumenta a auto-estima dos

trabalhadores catadores, e ao mesmo tempo camufla as condições de trabalho precário e

insalubre.

Os catadores aparecem como elementos estranhos ao serviço de coleta nos centros

urbanos, não havendo nenhum tipo de obrigação da administração municipal em relação à

atividade realizada por eles (GONÇALVES, 2006).

O trabalho desenvolvido pelos catadores tem sua importância em várias vértices. Sua

colaboração não se dá apenas na coleta seletiva diária do lixo. Seu árduo trabalho desvia

diariamente toneladas de lixo dos aterros sanitários, dos lixões e das ruas prolongando a vida

útil dos aterros sanitários a longo prazo . Outra importância da sua contribuição é que acaba

por originar um ciclo, pois a reciclagem ou a reutilização dos materiais recicláveis a sua vida

útil, poupando recursos naturais.

Toda a trama que envolve a reciclagem assume tamanha dimensão social e econômica,

territorializa-se no centro urbano, devido ao elevado consumo de produtos industrializados e

logo descartados. A reciclagem acaba tornando-se uma “alternativa” de trabalho para os

desempregados ou trabalhadores inseridos em outras atividades precárias que só conseguem

33

encontrar trabalho em profissões sem estabilidade, sem seguridade social, quadro em que se

encaixam os catadores do município de Cascavel.

Conforme Gonçalves (2006), apesar da taxa de utilização decrescente atingir todas as

mercadorias, conservando a potencialidades de reaproveitamento em vários resíduos, nem

todos serão recuperados, mesmo sendo fruto do trabalho humano e compostos por materiais

potencialmente recuperáveis.

Quanto aos produtos que compõem a reciclagem, nem todos reúnem “qualidades”

necessárias para serem reaproveitados e voltar ao circuito de produção. Em grande maioria as

usinas de triagem não disponibilizam tecnologia para recuperação destes produtos, ou em

outros casos não há mercado de consumo garantido para esses produtos reciclados.

Os baixos custos e a lucratividade com o empreendimento e a precarização da mão-de-

obra envolvida no negócio é o que lhes garantem todo lucro. Para que haja acumulação do

capital neste negócio é necessário que o capital garanta todos os mecanismos utilizados para a

extração da mais-valia (mão-de-obra informal, precarização do trabalho, etc.).

O lixo que os trabalhadores recolhem nas ruas, são aqueles de interesse comercial,

não um lixo qualquer, mas tem como principal intuito a incorporação de um determinado

valor de uso ou valor de troca para a indústria da reciclagem, e que possibilite a

comercialização (Gonçalves, 2006).

O capital empregado na reciclagem e no capital em geral, extrai-se a mais valia,

apropriando-se do trabalho dos catadores, utilizando sua força de trabalho (não paga) no

processo produtivo nas mais diversas formas de reutilização das mercadorias.

Nesse caso específico, da reciclagem dos materiais contidos nos resíduos de objetos e

de embalagens, além de apropriar-se do trabalho não pago, o trabalhador inserido ativamente

no processo fabril de reciclagem apropria-se também do trabalho já incorporado nos resíduos

recicláveis (GONÇALVES, 2006).

Para Silva (2006, p.30), o catador não é apenas aquele trabalhador que tem na catação

sua sobrevivência, mas, sim, um agente ambiental consciente e ativo que rompendo com o

ciclo do desperdício, característico da industrialização cada vez maior, imprime uma nova

lógica e um novo modo de pensar a relação com as diversas instâncias de governança,

incluindo-se o próprio mercado, pois exige deste o comprometimento e a responsabilidade de

reutilização dos resíduos que ele mesmo gerou.

Embora a catação que os “agentes ambientais” realizam nas ruas esteja relacionada à

uma atividade com forte componente ambiental, as motivações destes agentes em trabalharem

34

organizados em associações e cooperativas são determinadas pelas possibilidades de inserção

no circuito da economia formal brasileira.

Dessa forma, muitos trabalhadores catadores de material reciclável estão se

organizando em associações e cooperativas para o enfrentamento coletivo de questões

cruciais, principalmente quanto à melhoria das condições de trabalho. Os catadores realizam a

função da coleta de tais resíduos pela necessidade de obtenção de renda, não necessariamente

pela consciência ambiental, assim os chamados “agentes ambientais” realizam seu trabalho

como única alternativa de geração de renda, embora seja uma renda que garanta apenas uma

sobrevivência miserável.

As questões envolvidas em torno da reciclagem industrial assumem um papel

fundamental no discurso político e ambientalmente correto na preservação ambiental. A

atividade que circula em torno da reciclagem, seja ela qual for, realiza-se estimulada com o

fim de obtenção de acumular valor para a reprodução ampliada do capital, tendo como base a

super-exploração do trabalho dos catadores de recicláveis. E, para aqueles que sobrevivem da

catação dos resíduos, a busca na catação é um meio que garanta sua sobrevivência, não a

preservação dos recursos naturais, como é tratada a atividade dos catadores.

As longas jornadas de trabalho muitas vezes quase ininterruptas em condições

adversas não é pelo simples fato de consciência ambiental mas, sim, para garantir uma

alternativa de sobrevivência.

Em relação à questão ambiental, há o caso dos lixões a céu aberto. De acordo com a

reportagem (ANEXO III) publicada pelo Jornal O Paraná9, os lixões dos municípios da região

Oeste do Paraná estão com a área destinada para deposito de lixo imprópria para descarte.

Os lixões impõe um alto risco à saúde da população e ao meio ambiente. A maior

parte dos depósitos municipais de lixo dos 50 (cinquenta) municípios da região Oeste do

Paraná são criadouros de animais peçonhentos e abrigo de entulho que compromete o meio

ambiente. Treze cidades ainda depositam o lixo dessa forma, quando o correto seria destiná-lo

a aterros sanitários. Dessas, cinco cidades sequer contam com estrutura para destinar esse

material, o qual é levado para outras cidades. A maioria daqueles municípios que tem aterros,

37 (trinta e sete) não fazem a coleta seletiva e enfrentam degradação do solo e do lençol

freático de áreas vizinhas.10

9 A reportagem intitulada Lixões a céu aberto leva risco à população e ao meio ambiente, foi publicada no dia 29 de Agosto de 2009. 10 Fonte: Jornal o Paraná, 29 de Agosto de 2009.

35

Nesse contexto, os desempregados de longa duração encontram na catação a

alternativa para garantir a subsistência, indiretamente colaborando na diminuição da

quantidade de lixo nos aterros sanitários, nos lixões e nas ruas, sem serem remunerados pelo

importante papel ambiental que exercem.

As questões que permeiam a disposição final do lixo é ainda muita precária no Brasil,

pois mais de 50% (cinqunta por cento) dos municípios ainda destinam seus resíduos a céu

aberto, os denominados lixões (RIBEIRO, et.al 2009).

De fato, a disposição final do lixo em lixões a céu aberto, como visto anteriormente,

nos municípios do Oeste do Paraná contamina o solo, o ar e a água com produtos depositados

em locais inadequados. Nesses locais, a disposição de materiais como as lâmpadas

fluorescentes ou produtos que no futuro podem gerar riscos à saúde pública, em geral, e para

os indivíduos, em particular, que no cotidiano de trabalho convivem com esse tipo de

material. Além disso, os espaços utilizados na disposição final do lixo urbano aos poucos vão

desaparecendo em virtude do crescimento das cidades.

Neste caso, a reciclagem do lixo aparecesse como um importante passo no qual se

pensa quando o assunto é diminuir o depósito de recicláveis em espaço inadequado ou

também em espaços adequados. Todavia, em alguns casos, a reciclagem torna-se inviabilizada

pelo fato de não existir colaboração da comunidade local em separar o lixo/reciclável. Em

Cascavel, a quantidade de material que é separado nas residências é significativo, todavia nem

todos os bairros possuem Coleta Seletiva.

Levando em conta a condição de trabalho, como a falta de proteção dos coletores para

o manuseio dos materiais nas ruas da cidade, nos lixões e nos aterros dispostos pelos

moradores e comerciantes, acaba se constituindo num problema de saúde pública, seja pelo

contato direto com o lixo, o armazenamento inadequado de materiais em seus quintais

conforme foto 2.

36

Foto 2 - Materiais Armazenados no Quintal de Casa. Foto: Solange Queiróz Ribeiro, 2008.

Atualmente, uma alternativa encontrada para superar parte da problemática que

envolve a atividade dos catadores, tem sido sua organização em grupos para realização do

trabalho coletivo em cooperativa. Nesse sentido,

O catador está na base da cadeia de produção que envolve o lixo, o sujeito que promove o que antes era tido como modo depreciável de trabalho, e hoje refaz sua história na sociedade escrevendo o seu novo papel no cenário econômico na luta por reconhecimento, na organização coletiva, na construção de uma forma mais justa de se viver, o catador apresenta o lixo para a sociedade de modo que ela nunca viu, e a sociedade do “lixo” enxerga nessa figura emblemática a chance de ajudar promover um mundo mais sustentável e consciente, ainda que isso não seja a causa mais urgente para este trabalhador, mas esta função pode estar amadurecendo como princípio e se tornando na realidade idealizada pela preservação do meio ambiente (SILVA, 2008. p. 2).

A organização dessa categoria de trabalhadores em âmbito nacional, regional e local,

objetiva-se na efetivação de normas e diretrizes que possibilitem a integração dos catadores na

cadeia de reaproveitamento dos resíduos sólidos recicláveis. Essa ação demonstra, então, uma

maneira eficaz na organização social dessa categoria de trabalhadores que necessita de

políticas sociais para maior efetivação de suas reivindicações.

Tramita desde 1991, no Congresso Nacional, o Projeto de Lei nº 203/91 que define a

Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS). A aprovação desse Projeto de Lei contribuiria

para a inclusão social dos catadores a partir da regulamentação legal da participação desses

agentes no sistema de gestão de Resíduos Sólidos Urbanos (NOBRE, 2008).

37

Diversas entidades civis, entre as quais universidades, ONGs vêm participando do

processo com intuito de incentivar a organização dos trabalhadores catadores, a partir da

perspectiva da Economia Solidária e do Cooperativismo, que possibilita uma nova inserção na

cadeia produtiva que envolve os materiais recicláveis.

De fato, percebe-se que após a organização da Cooperativa houve melhoras

significativas no trabalho dos catadores para a realização do trabalho, porém em relação ao

capital a condição permanece precarizada.

Para Gonçalves (2006), no que diz respeito à relação com o capital, que o mantém

sobre seu domínio direto, mas sem assumir dimensões contratuais, o trabalho assume, pelo

contrário, uma falsa característica de autonomia e independência na sua realização.

Assim, as cooperativas de reciclagem mostram-se incapazes de mudar o panorama de

exploração dos catadores de lixo pelos sucateiros e grandes indústrias. (Barbosa, 2007).

Para que esse quadro se revertesse, as cooperativas necessitam de capital de giro.

Entretanto, como sobrevivem apenas da doação de materiais, em alguns casos, e dos materiais

recolhidos pelos cooperados, no final do mês precisam arcar com as própria despesas básicas,

tais como, o pagamento dos membros da cooperativa. Dessa forma, dificilmente as

cooperativas de catadores terão poder de barganha para enfrentar as indústrias de reciclagem

que mantém o controle do comércio da reciclagem.

1.5 – A Gênese dos Catadores de Material Reciclável no Brasil

O trabalho na catação de reciclável no Brasil tem sua gênese na década de 1950 e é

ampliado nas décadas subseqüentes com o consumismo da sociedade contemporânea. Apenas

no ano de 2001, os catadores se organizam politicamente em grupo dando origem ao

Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis.

No ano de 2002 foi publicada a Portaria 397 regulamentando a ocupação de Catador

de Material Reciclável, que assim passou a figurar no Código Brasileiro de Ocupação (CBO)

sob o número 5192. A partir de então os catadores de papel passaram a ter reconhecimento

institucional como categoria de trabalhadores autônomos

Como se observa no quadro abaixo, os catadores possuem diversas ocupações e

funções. Para exercê-las não há exigência específica de qualificação profissional técnicas,

embora para exercer a função seja necessário fazer cursos de capacitação, proteção e

segurança.

38

Para Bosi (2007), os catadores, que formam uma força de trabalho cada vez mais

visível em todo o Brasil, a partir de meados da década de 1980, estão inseridos nesse processo

de inclusão/exclusão do mercado de trabalho formal. Não foram catadores desde sempre e

esta ocupação não foi resultado de uma livre escolha. A maioria dos catadores teve uma

profissão (ou mais de uma), a qual não pode mais ser exercida, seja pela determinação do

mercado, seja pela incapacidade física em função de seu envelhecimento como força de

trabalho.

Para muitos catadores, a idade e os problemas de saúde influenciaram sua ida para a

catação de reciclagem. Há que se lembrar também que muitos catadores estão nessa atividade

devido às exigências do mercado de trabalho, que cada vez mais “empurra” trabalhadores

para as atividades informais, por não atender às exigências técnicas como qualificação

profissional, experiência de trabalho etc.

Quadro -1 Ocupação de Catadores de Materiais Recicláveis Fonte: (SILVA, apud Chassot, 2007).

Dos entrevistados apenas 1 tem idade inferior a 30 anos (4%). Cerca de (38%)

concentram-se entre 33 e 40 anos. Considerando uma faixa de idade mais avançada, entre 40 e

65 anos, encontramos (57,7%) dos catadores entrevistados.

Funções Relacionadas

Descrição Sumária

Condições Gerais de Exercício

Formação e Experiência

Catador de ferro velho, Catador de papel e papelão, catador de vasilhames, Enfardador se sucata (cooperativa), separador de sucata (cooperativa), triador de sucata (cooperativa).

Selecionaram e vendem materiais recicláveis como papel, papelão e vidro, bem como materiais ferrosos e não ferrosos e outros materiais reaproveitáveis.

O trabalho é exercido por profissionais que se organizam de forma autônoma ou em cooperativas. Trabalham para a venda de materiais a empresas ou cooperativas de reciclagem. O trabalho é exercido a céu aberto, em horários variados. O trabalhador é exposto a variações climáticas, a riscos de acidente na manipulação do material, a acidentes de trânsito e, muitas vezes, à violência urbana. Nas cooperativas surgem especializações do trabalho que tendem a aumentar o número de postos, como os de separador, triador e enfardador de sucatas.

O acesso ao trabalho é livre, sem exigência de escolaridade ou formação profissional. As cooperativas de trabalhadores ministram vários tipos de treinamento a seus cooperados, tais como cursos de segurança no trabalho, meio ambiente, dentre outros.

39

A partir destes dados é possível perceber que a força de trabalho envolvida na catação

de reciclável de fato mostra-se envelhecida. Analisando a trajetória ocupacional desses

trabalhadores muitos deles tornaram-se catadores entre os 30 e 40 anos de idade.

O ingresso na reciclagem como foi apontado anteriormente, está associado a algum

tipo de problemas de saúde ou está relacionado principalmente à idade avançada devido às

exigências do mercado de trabalho. Entre estes, há trabalhadores que sempre estiveram nas

atividades temporárias e informais, atividades essas que não exigem qualificação profissional

para desempenhá-las, como podemos perceber nas análises dos questionários aplicados aos

catadores.

Como a situação do catador “I”, entrevistado em janeiro de 2009, contava 38 anos de

idade e está na catação de reciclável há 3 anos:

“Nasci e cresci em um sitio em Catanduva, sempre trabalhei na roça, mas chegou um tempo que não tinha mais emprego. Tive que procurar na cidade então quando eu não estava trabalhado no sítio fazia limpeza de lotes na cidade. Como não encontrei mais emprego no sitio vim morar para Cascavel, então sem experiência não consegui arrumar emprego, com isso iniciei o trabalho na catação de reciclável.”11

As trajetórias profissionais dos trabalhadores catadores são semelhantes entre si, sendo

marcadas pela alta rotatividade ocupacional, vinculada às necessidades da família e à baixa

escolaridade, que é um empecilho para conseguir emprego.

Nesse sentido, os catadores que foram entrevistados no Município de Cascavel, entre o

ano de 2007 e 2009, apresentaram trajetórias ocupacionais bastante comuns no que se refere

ao ingresso na coleta de recicláveis como “única” alternativa de trabalho, seja como meio de

sobrevivência, seja como atividade para complementação da renda.

No conjunto dos catadores pesquisados, os trabalhadores catadores constituíram

trajetórias ocupacionais marcadas pela precariedade das condições de trabalho e da

informalidade ou tiveram sua trajetória marcada com trabalhos temporários, outros nasceram

e cresceram no campo conforme tabela 3.

11 Fonte: Trabalho de campo, janeiro de 2009.

40

Tabela 3 - Experiência Profissional dos Trabalhadores Catadores do Município de Cascavel/PR

Fonte: Trabalho de Campo, Janeiro 2009.

Em sua maioria, os catadores desempenhavam atividades que não exigiam qualificação

profissional específica, como é o caso das costureiras, dos serralheiros, dos carpinteiros e dos

trabalhadores rurais, entre outras.

Entretanto, apesar de afirmarem que a escolaridade é fundamental importância para a

inserção no mercado de trabalho formal, e após concluírem como o melhor meio de garantir

melhores condições de vida e trabalho, nenhum dos entrevistados está estudando ou tem como

perspectiva retomar os estudos para tentar melhorar as condições de trabalho e de vida. O

quadro de escolaridade que os catadores estão inseridos está marcado fortemente pela

baixíssima escolaridade. Dos 26 entrevistados, nenhum deles possui o ensino médio

completo, e apenas 3 deles completaram o ensino fundamental, 4 são analfabetos e 19 deles

sequer completaram o ensino básico (primário).

A formação escolar insuficiente não explica sozinha a inserção desses trabalhadores

no circuito da catação de recicláveis. Outros fatores foram fundamentais para o processo de

inserção na catação de reciclável, tais como idade avançada, problemas de saúde. Outro fator

está relacionado com o fato de a localização do Município de Cascavel estar inserido em uma

região predominantemente agrícola, e nos municípios circunvizinhos houve a desapropriação

Profissão Homens Mulheres Total %

Pedreiro e Servente de Pedreiro 2 - 2 7,7 Auxiliar de Produção 2 1 3 11,5 Zeladora - 3 3 11,5 Serviços Gerais 1 1 2 7,7 Dona de Casa - 1 1 3,8 Trabalhador Rural 3 4 7 27 Operador de Máquinas 1 - 1 3,8 Barrageiro 1 - 1 3,8 Serralheiro 1 - 1 3,8 Costureira - 1 1 3,8

Autônomo 1 - 1 3,8 Carpinteiro 1 - 1 3,8 Empregada Doméstica 2 - 2 7,7 Total 15 11 26 100

41

das terras causada pelas construções de complexos hidrelétricos na região no últimos anos.

Sobreviviam no campo como pequenos arrendatários ou trabalhadores assalariados. Com a

nova reconfiguração da região viram-se “obrigados” a migrar para os centros urbanos em

busca de meio que garantisse sua sobrevivência. Conforme tabela 4, percebe-se que em sua

maioria os catadores migraram de seu lugar de origem para o município de Cascavel.

Tabela 4 - Procedências dos Catadores de Cascavel/PR

Urbano Rural Total

Municípios Adjacentes/Cascavel 6 2 8

Paraná 8 2 10 Outros 5 3 8

Fonte: Trabalho de campo, 2009

Muitos dos catadores entrevistados que têm suas origens no campo, também apontam

a modernização no campo como um fator determinante em seu deslocamento do campo para o

meio urbano. Não atendendo as exigências do mercado de trabalho como alternativa de

trabalho e meio de sobrevivência, muitos trabalhadores “excluídos do mercado de trabalho

formal”, buscaram na catação o meio de garantir sua sobrevivência ou até mesmo para se ver

livre da figura do patrão, como é o caso de alguns dos catadores de material reciclável de

Cascavel.

1.6 – Os Catadores da Cooperativa de Trabalhadores em Produtos Recicláveis de

Cascavel (COOTACAR)

O processo de exclusão do mercado de trabalho formal e a inserção no circuito do

trabalho informal como catadores de materiais recicláveis, os quais serão abordados aqui

tratam-se especificamente dos catadores organizados na Cooperativa de Trabalhadores

Catadores de Material Reciclável de Cascavel (COOTACAR).

O grupo de trabalhadores aqui abordados tem uma especificidade, que no decorrer

estaremos esclarecendo e que leva-nos a melhor entender e encontrar resposta das motivações

de sua organização na cooperativa.

Dentre estas especificidades, destacamos as atividades profissionais exercidas por este

grupo de trabalhadores antes de entrarem no circuito da reciclagem.

42

Tabela 5 - Campo de Atuação Profissional dos Trabalhadores da Cooperativa- COOTACAR

Fonte: Trabalho de campo, Janeiro de 2009

Assim, a análise da trajetória ocupacional do passado profissional dos atuais

cooperados, feita a partir dos relatos das profissões mencionadas, permite-se conhecer um

pouco mais da história e vida destes trabalhadores.

A maioria dos trabalhadores da cooperativa estava em serviços temporários, prestação

de serviço, linha de produção e na agricultura. Uma minoria em outros setores da economia,

como pode ser observado na tabela acima.

O que se pode perceber é que a grande maioria dos cooperados já atuava em profissões

precárias. Isso, contudo, não indica que a atuação profissional deles se enquadra em um

histórico que podemos descrever como sendo o da informalidade das relações de trabalho.

Mesmo estando em atividades consideradas precárias, baixos salários, condições precárias de

trabalho, sendo que 9 (nove) dos 16 (dezesseis) cooperados declararam que possuíam carteira

de trabalho assinada no trabalho anterior a coleta de material. E, outros 7 (sete) trabalhadores

já desenvolviam atividades no setor da informalidade. Como demonstra o gráfico 3 abaixo.

Profissão Homens Mulheres Zeladora _ 2 Linha de Produção 2 1 Serviços Gerais 1 _ Serralheiro 1 _ Dona de casa - 1 Domestica - 1 Trabalhador (a) Rural 2 2 Operador de Máquinas 1 _ Barrageiro 1 _ Costureira _ 1 Total 8 8

43

Gráfico 3 – Número de trabalhadores Cooperados que trabalhavam com Carteira Assinada e Trabalhadores sem Carteira Assinada.

Fonte: Trabalho de Campo, Janeiro 2009.

Entre os cooperados da COOTACAR, 7 (sete) deles informaram nunca tiveram

registros em carteira de trabalho, 4 (quatro) são oriundos do campo, 2 (duas) mulheres e 2

(dois) homens, as outras 3 (trêns) são mulheres que atuavam como dona de casa, costureira e

empregada doméstica.

Analisando a trajetória profissional dos cooperados, não se aponta necessariamente

para um grupo de trabalhadores que sempre esteve em atividades informais. Ao contrário,

para alguns dos trabalhadores, a coleta de reciclável significou a primeira atividade informal.

Após longo período de desemprego que os “empurraram”para o setor que compõem a

economia informal. O desemprego de longa duração e a necessidade de garantir o meio de

sobrevivência “obrigaram” esses trabalhadores catadores (homens, mulheres, idosos, crianças)

a realizar esse tipo de atividade. Para Malagutti (2000, p. 65):

Nos últimos anos, milhares de famílias viram-se, então, privadas das de um rendimento, sendo obrigadas a sujeitar-se aos mais diversos expedientes de sobrevivência (...) em um pais cuja a seguridade social é uma ficção jurídica, estes trabalhadores expulsos do sistema salarial formal vêm-se obrigados a penetrar no mercado da informalidade, das transações ilícitas, da pequena marginalidade e mesmo do crime.

Pautando-se na manutenção de altas taxas de juros, na abertura comercial generalizada

e nas reformas constitucionais, fenômenos que visaram dar “mais liberdade” ao capital na sua

gana de espoliação do trabalho (MALAGUTTI, 2000).

44

O trabalho de catação dos resíduos recicláveis nos lixões e nas ruas é uma das

expressões mais aviltantes da implementação destas políticas que perpetuam a miséria

(GONÇALVES, 2006).

O crescimento urbano desordenado impelido pela modernização no campo e as

políticas neoliberais incentivadas pelo Estado são condicionantes para a ampliação no cenário

brasileiro da informalidade.

Como pode ser observada pelas pesquisas realizadas através de questionários junto aos

catadores, a saída que estes encontraram para manter suas necessidades foi na coleta de

materiais recicláveis. A maioria dos catadores organizados na cooperativa faz parte da mesma

família (casal). As mulheres desenvolvem um papel fundamental no trabalho na cooperativa,

já que elas estão incumbidas de classificar e separar o material para a comercialização. É

através da separação dos materiais que eles obtêm o lucro da reciclagem.

A falta de emprego, de estudo e a necessidade de aumentar a renda familiar são alguns

dos fatores determinantes que fizeram com que grande parte das mulheres entrassem no

circuito da reciclagem. É dizer, muitas delas têm o esposo trabalhando na coleta, mas como a

renda adquirida com o trabalho de coleta não é suficiente para o sustento da família, aliada à

necessidade de complementar a renda familiar fizeram com que essas mulheres se submetem

as essas condições degradantes de trabalho.

Para Martins (2002), o processo de acumulação do capital para ajustar a economia do

país à economia globalizada e a dinâmica de um novo liberalismo econômico tiveram

implicações sociais e políticas amplas. As relações sociais e políticas foram completamente

submetidas à mediação do mercado e ao seu poder regulador. Com todas as mudanças

ocorridas na economia brasileira, os trabalhadores para sustentar uma família precisaram

transformar mais um membro de sua família em trabalhador, como é o caso de muitas

catadoras que estão nesta atividade para complementar a renda familiar e sempre em

desigualdade de competição com os homens.

Algumas delas, antes de trabalhar na coleta de reciclável, já haviam trabalhado como

empregada doméstica, zeladora, dona de casa, diarista e na linha de produção, como se pode

verificar. Muitas delas trabalharam muitos anos em um só emprego, como o caso da catadora

“G12” que trabalha na coleta há 17 anos, e que antes trabalhou como empregada doméstica por

15 anos em uma casa de família, por motivos de doença foi dispensada do emprego.

12Entrevista realizada em Cascavel, 2009

45

Além do trabalho na coleta de reciclagem, nas horas vagas faz limpeza de lotes vazios

para complementar a renda, desenvolvendo assim tripla jornada de trabalho. Algumas das

catadoras afirmam que estão neste trabalho pelos motivos de idade avançada, e por não ter

estudo formal suficiente para disputar melhores postos de trabalho, pois os estudos que elas

possuem não se enquadram nas exigências do mercado de trabalho.

O trabalho na coleta de reciclável também está relacionado com outras questões, como

no caso de uma catadora que trabalhou 30 anos em uma loja como zeladora com carteira de

trabalho assinada. Devido a problemas de saúde da mãe teve que abandonar o emprego,

ficando desempregada por longo período, sem condições de atender às exigências do mercado

de trabalho formal, iniciou o trabalho na catação de reciclável, pois também a renda de seu

esposo não é suficiente para manter todas as necessidades de sua família.

Em relação aos homens, como pudemos verificar na pesquisa, grande parte deles que

está na coleta de reciclável também tem suas esposas nesta atividade. Os motivos que os

levaram a atuarem na coleta de reciclável é praticamente pelos mesmos motivos que levaram

suas esposas, tais como, a falta de emprego, idade avançada considerada para fazer frente às

exigências do mercado de trabalho formal, motivos de saúde, qualificação profissional e falta

de experiência profissional.

Hoje em dia, o trabalhador tanto da indústria quanto do comércio e de serviços – é cada vez mais sujeito a entradas e saídas cíclicas do mercado de trabalho. O novo perfil da classe trabalhadora é o de exclusões cíclicas cada vez mais demoradas, mais espaçadas, do mercado de trabalho (MARTINS, 2002, p. 31).

De certa forma não há muitas alternativas para aqueles rejeitados do mercado de

trabalho formal. É preciso buscar meios para sobreviverem e a saída que muitos têm

encontrado é a catação de produtos recicláveis nas ruas em lixões e aterros sanitários.

Normalmente, alguns dos catadores de material reciclável do município de Cascavel

trabalham de segunda a sábado, descansando no domingo. Mas também, foram encontrados

casos daqueles que utilizam os finais de semana para selecionarem os materiais para a

comercialização.

Como se pode verificar pela pesquisa, muitos catadores trabalham entre oito e doze

horas diárias. Saem de suas casas em torno de cinco horas da manhã em direção à área central

da cidade, local em que encontram maior quantidade de materiais recicláveis devido à

46

concentração comercial/industrial. Retornam para suas casas à noite após longa jornada de

trabalho. Sendo que alguns estendem sua jornada até meia-noite ou mais. Há também aqueles

que preferem fazer a catação nos bairros mais próximos da residência para facilitar o trabalho.

Devido à exposição solar muitos deles desenvolvem a atividade no final da tarde, já

que é o período também em que encontram grande quantidade de material reciclável deixado

pelos comerciantes e moradores das residências. Como alternativa para enfrentar a

problemática do seu mercado de trabalho é o que tem feito muitos dos catadores organizarem-

se em cooperativas, cujo assunto será discutido nos próximos capítulos.

CAPITULO 2

2 – A MUDANÇA NO TRABALHO DOS CATADORES DE MATERIAL

RECICLÁVEL A PARTIR DAS FORMAS ORGANIZATIVAS

2.1 – Ações e Origem do Movimento Nacional dos Catadores de Material Reciclável no

Brasil

A catação dos materiais recicláveis nos lixões ou nas ruas das cidades brasileiras é

marcada pela forte precariedade do trabalho, pois que realizado sob condições insalubres.

Além disso, em sua maioria, vivem em disputa com seus pares.

A marginalização e o individualismo não permitem tempo e espaço para a

sociabilidade ou trocas de conhecimentos, que são quase inexistentes entre os catadores.

Foi baseado nas condições dos sujeitos envolvidos na catação, que grupos não ligados

a esta atividade se mobilizaram para a organização política e do trabalho dos trabalhadores

catadores em forma de associativismo/cooperativismo com intuito de amenizar a situação

precária dos catadores.

O processo de organização dos catadores em forma de cooperativismo/ associativismo

no Brasil está diretamente ligado a agentes não catadores, ligados à Igreja Católica e a

sociedade civil organizada.

47

Em Cascavel o processo de organização está ligado ao poder público municipal que

mantinha contato direto com os catadores através de programas de assistência social e ações

beneficentes, tais como a distribuição de cestas básicas.

Nas demais cidades brasileiras, pessoas ligadas a Igreja Católica que sensibilizados

com as condições precárias do trabalho dos catadores estimularam a mobilização como

maneira de transformar essa realidade. Essas ações organizativas desencadearam outras

mobilizações que resultaram na criação do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais

Recicláveis (MNCR), em meados de 199913.

O processo de organização política em cooperativa é um elo para a articulação com o

MNCR, que objetiva inserir os indivíduos em outro contexto de trabalho, sendo a maneira

encontrada para enfrentar a precarização das relações de produção capitalista, pois estes

trabalhadores aparecem subordinados no circuito da reciclagem de materiais sem direitos

trabalhistas e sujeitos aos baixos preços pelo material recolhido.

O envolvimento nas ações do movimento pode vir a ser a maneira de organizar-se

enquanto sujeitos capazes de indenticar-se dentro e além do processo de trabalho. Este fato

pode ser observado em Cascavel, que após o envolvimento com as ações do movimento,

inseriu os catadores em outro contexto do trabalho na catação e uma nova intermediação no

circuito da comercialização dos recicláveis.

Contemporaneamente, a luta eficaz dos sujeitos despossuídos de seus direitos

trabalhistas e marginalizados na sociedade possibilita o salto para além do capital.

A ação destes sujeitos torna-se eficaz quando incorpora as reivindicações presentes na

cotidianidade do mundo do trabalho, como a busca incessante na melhoria das condições de

trabalho e renda, redução da jornada de trabalho etc. As reinvidicações são eficazes desde que

essa ação esteja indissoluvelmente articulada com o fim da subordinação/exploração dos

sujeitos despossuídos dos meios de produção, mas que possuem apenas a força de trabalho.

Desta forma, o processo de organização dos catadores de Cascavel em

Associação/Cooperativa e o envolvimento com o MNCR foi o elo para a aprendizagem dos

catadores enquanto trabalhadores organizados. O processo de trabalho na cooperativa

promoveu um novo entendimento, como exemplo, permitiu avanços em termos de concepção

da transformação das relações sociais de produção capitalistas, que se estrutura sob a

exploração do trabalho.

13 GONÇALVES, 2006

48

O Movimento Nacional dos Catadores (as) de Material Reciclável (MNCR) surgiu em

meados de 1999, no 1º Encontro Nacional de Catadores de Papel em Belo Horizonte, em

Minas Gerais. A formação do MNCR tem suas origens nas ações da Igreja católica, que

objetivava melhorar as condições de trabalho dos catadores carrinheiros através de trabalho

desenvolvidos com moradores de rua de algumas capitais dos estados brasileiros durante a

década de 1980.14

Grupos ligados à Igreja Católica entendiam que a forma coletiva de trabalho em

associações/cooperativas poderia melhorar as condições de trabalho dos trabalhadores

catadores. A organização dos catadores em cooperativa/associação poderia colocá-lo em

condições favoráveis no circuito de reciclagem, assim melhorando as condições de trabalho e

possibilitando o fim da exploração por parte dos intermediários, aparistas, sucateiros15.

Neste contexto, surgiu a primeira Cooperativa de Catadores de Papel do Sumaré

(COOPAMARE), no ano de 1989, na cidade de São Paulo - SP, e a Associação dos Catadores

de Belo Horizonte - MG (ASMARE), no ano de1990.

A crise do emprego desencadeada na década de 80 e o contexto da redemocratização

do país marcaram o período de grandes mobilizações sociais, nas lutas por melhores

condições de vida, tendo importante participação das alas progressistas da Igreja Católica,

partidos políticos e do novo sindicalismo (Batista apud Gonçalves, 2006, p. 245). Assim,

chamam de Movimento Popular Reivindicatório Urbano, estratégias organizadas com

objetivo de reivindicar equipamentos, serviços e recursos financeiros e melhoria da condição

de existência de populações estigmatizadas.

Referindo-se aos catadores de resíduos recicláveis, a grande maioria desses

trabalhadores residem na rua, que constantemente eram alvos de ações de grupos religiosos

que distribuíam-lhes alimentos e roupas.

O grupo entendia que o apoio mútuo deveria ir além da ajuda assistencialista, pois a

questão da pobreza urbana, de certa maneira, não podia, de uma hora para outra, romper

apenas com a tradicional ajuda filantrópica. Até porque o valor recebido dos produtos

vendidos não era suficiente para manter suas necessidades básicas. É com esta perspectiva

que o MNCR tem se estruturado para além da base local, articulando-se em todo o território

brasileiro objetivando fortalecer a luta dos catadores.

14Fonte: Folder do Movimento Nacional dos Catadores de Material Reciclável 15Denominam-se intermediários, aparistas, sucateiros, pessoas que compram os materiais dos catadores e acumulam em barracões uma grande quantidade de materiais com o objetivo de acumular valor dos produtos, assim faz a intermediações direta da venda com as indústrias recicladoras.

49

Conforme Gonçalves (2006), o processo de reestruturação do Movimento Nacional

dos Catadores em todo território nacional em forma de comitês regionais e bases orgânicas

(cooperativas), conforme o (organograma - 1), possibilita conhecer outras experiências

organizativas. A vivência com outros grupos permite o fortalecimento enquanto sujeitos

envolvidos no movimento social, tendo em vista que proporciona aos grupos de catadores o

fortalecimento em suas bases locais, demonstrando a importância da articulação e a força da

ação organização em grupo.

Figura - 1 Organograma do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais

Recicláveis.

Fonte: Cartilha de Formação Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis.

Org.: RIBEIRO, S. Q.

O processo organizativo tem contribuído na interação com outros movimentos e se

fortalecido enquanto movimento social.

Comissão Nacional ccCatadores

Equipe de

Comissões Estaduais

Coordenações Estaduais

Coordenações Estaduais Estadual

Comitês Regionais Comitês Regionais Comitês Regionais

Bases Orgânicas

Bases Orgânicas

Bases Orgânicas

Bases Orgânicas

50

Uma das primeiras atividades nacionais de catadores de papel foi realizada em Belo

Horizonte (MG), em novembro de 1999. O evento foi organizado com apoio do Fórum

Nacional de Estados sobre Populações de Rua e nele decidiu-se pela organização de um

congresso nacional de catadores, evento que reuniu 1.700 congressistas, contando-se

catadores, técnicos e agentes sociais de dezessete estados brasileiro.

No dia 7 de junho realizou-se a Primeira Marcha Nacional da População de Rua, com

3.000 participantes.

No evento os catadores apresentaram à sociedade e às autoridades responsáveis pela

implantação e efetivação das políticas públicas suas reinvidicações e propostas de criação e

direcionamento das ações governamentais e políticas de Estado para a melhoria das condições

dos catadores e dos moradores de rua em geral.

A principal diretriz acordada foi a adoção e a consolidação de políticas públicas nos

vários níveis de governo que possibilitem aos trabalhadores o acesso a programas de

financiamento aos empreendimentos que visem a geração de emprego e renda. Além disso,

que essa diretriz tenha um amplo alcance, permitindo–lhes organizarem-se em associações e

cooperativas instrumentalizadas para a realização ao trabalho, bem como, a reestruturação das

já existentes. O documento ficou conhecido como Carta de Brasília.16

O fato é que as instâncias governamentais necessitam reconhecer a condição precária

em que eles se encontram e garantir, sobretudo às suas organizações, proporcionar

financiamento para que estes mantenham o empreendimento, concomitantemente à

implantação de políticas de gestão dos resíduos sólidos urbanos (Gonçalves, 2006).

A luta do movimento parte de um reconhecimento de existência do trabalho dos

catadores que atuam neste setor para que futuras decisões não afetem a existência destes

enquanto trabalhadores, a exemplo da legislação referente aos resíduos sólidos. O movimento

tem lutado para que os órgãos públicos disponibilizem os resíduos sólidos para as

cooperativas.

Segundo Bauman (2005), os sujeitos destituídos de seus direitos pelo Estado são como

mercadorias que podem ser consumidas e logo descartadas. Neste caso pode-se fazer uma

comparação das mercadorias com os catadores de produtos recicláveis, que são explorados e

logo descartados pelo capital quando seu trabalho não mais produz valor econômico.

16 Disponível em www.mncr.com.br. Acesso em 6 de outubro de 2009.

51

Para Gonçalves (2006, p. 252), no metabolismo societário do capital o trabalho deixa

de ser atividade criadora do trabalhador para passar a ser meio de sua própria reprodução.

Deixa de ser potencialidade criadora para se estabelecer como objeto de propriedade privada

do capital.

No capitalismo, a reprodução e ampliação do capital é desigual na medida em que o

trabalhador é excluído do próprio fruto de seu trabalho. Para sobreviver, o homem tem de

igualar-se a outra mercadoria qualquer. Este mecanismo é a lógica que o capital utiliza para

assegurar valor sobre o trabalho.

Nesta lógica que o capital se reproduz, sendo o trabalho o componente fundamental

para sua reprodução e causando o estranhamento na medida em que o trabalhador não se

reconhece no produto do seu trabalho, o trabalhador não tem a posse sobre o que produz,

causando o estranhamento do trabalhador em relação ao seu trabalho e ao resultado de seu

trabalho.

Para tanto, os catadores de produtos recicláveis em seu movimento necessitam avançar

para além da efetivação de seu trabalho, não só como meio de (re) produção da própria lógica

do capital.

É de fundamental importância que os catadores se organizem enquanto movimento, a

fim de contestarem os mecanismos de exploração e subordinação dos catadores dentro da

lógica do capital. Reivindicações essas que necessitam transpassar as barreiras do

assistencialismo, tais como, a garantia das necessidades materiais básicas desses trabalhadores

que é de grande importância para a inclusão social desses sujeitos em projetos sociais a

habitação, a saúde, etc.

Bem se sabe que a situação de miséria dificulta que esses sujeitos lutem por políticas

organizativas. De fato, muitas vezes essa situação de miséria leva a mendicância ou

indigência, circunstâncias essas que se manifestam na condição precária que atingem a classe

trabalhadora, sobretudo aqueles desempregados de longo período.

Nestes poucos anos de luta reivindicatória, o movimento tem proporcionado aos

catadores uma nova perspectiva na inserção do circuito mercantil da reciclagem, e

conquistado junto aos órgãos públicos a disponibilização de resíduos e apoio mútuo de

cooperação para as cooperativas solidárias.

Conforme a representante do MNCR, apesar da atuação do movimento não atingir

todas as cooperativas existentes no Estado, o MNCR tem proporcionado conquista aos

catadores do Estado do Paraná. Como exemplo, pode-se citar o Decreto nº 4167/2009

52

assinado pelo Governo do Estado que obriga os órgãos públicos estaduais a separarem e

destinarem o material reciclável produzido para as cooperativas e associações de catadores.

Assim, a Cooperativa de Catadores de Material Reciclável de Cascavel

(COOTACAR) receberá doações de resíduos recicláveis da Ferroeste, como parte daquele

Decreto nº 4167/2009, do Governo do Estado do Paraná, o qual trata da separação seletiva dos

resíduos sólidos gerados pelos órgãos e entidades da administração pública estadual direta e

indireta.

Como ressalta a representante do movimento no Paraná, Marilsa, que participou da

implantação do Decreto e, é membro da Cooperativa Catamar de Curitiba, ela diz que o

movimento também vem atuando no sentido de melhorar a venda dos produtos recicláveis

que está sofrendo queda de preço. A expectativa de membros do MNCR no Paraná é que essa

articulação possa servir de exemplo para outros Estados. “A nossa oportunidade está

chegando. Hoje conquistamos mais que esperávamos”, disse em entrevista o catador

Valdomiro Ferreira da Luz, membro da Catamar.

Outra conquista do movimento que está em trâmite, trata-se do edital do Ministério do

Trabalho e Emprego que garantirá capacitação e formação para as bases orgânicas do

movimento em todo o Brasil. O edital conta com apoio da Fundação Banco do Brasil e

Secretaria Nacional de Economia Solidária. Estão previstas a capacitação técnica, gerencial e

a assessoria técnica para 30 redes de comercialização, insumos para o funcionamento de 115

cooperativas e associações e o monitoramento e a avaliação dos resultados.

O convênio soma um total de R$ 16,8 milhões para formar 10.380 catadores de 346

organizações, além da organização de seminários estaduais e eventos nacionais. Outro foco

das capacitações é permitir que as organizações de catadores estejam aptas a captar recursos

do BNDES e da Petrobrás. Para isso, será contratado consultório de apoio para auxílio

jurídico e administrativo das cooperativas.

Essa iniciativa faz parte da luta dos MNCR, que já dura 3 anos, para investimento em

infra-estrutura em cooperativas e associações de catadores e a realização do projeto de criação

de 40 mil postos de trabalho no país. Apesar da grande burocracia, a mobilização do MNCR

começa a dar resultados concretos17

2.2 – A Atuação do Movimento Nacional dos Catadores de Material Reciclável em

Cascavel e a Relação com os Catadores de Reciclável 17Informações retirada do site do Movimento Nacional dos Catadores de Material Reciclável.

53

Com a formação da Cooperativa dos Trabalhadores Catadores de Material Reciclável

de Cascavel, o Movimento Nacional dos Catadores de Material Reciclável (MNCR) tem

procurado se articular com os trabalhadores com o intuito de fortalecer a base no município.

A formação de um Comitê Regional na Região tem como intuito aproximar os

catadores do MNCR. Pelo fato de estar no inicio do processo de organização do trabalho, a

articulação deles com o movimento nacional é muito frágil. O que pode-se observar é que os

catadores têm pouca proximidade com MNCR.

Nos questionários aplicados com os trabalhadores foi observado que eles têm pouco

conhecimento sobre o Movimento, pois, dos 16 (dezesseis) entrevistados, 6 (seis) deles nunca

ouviram falar do MNCR, e os demais tem pouco conhecimento. Os trabalhadores que fazem

parte da Diretoria da Cooperativa estão mais articulados com o MNCR. Conforme o catador

“J”, “somente os dois delegados vão buscar informações para o restante do grupo”. Existe

certa deficiência do MNCR com os catadores, marcada pela pouca proximidade entre a base

orgânica dos catadores e a direção nacional.

Além da fragilidade dos catadores há avanços desses sujeitos na organização política,

sem a qual não haverá maneira de mudar a situação dentro desse circuito econômico. Há

necessidade de construir uma independência política do grupo dos catadores organizados na

cooperativa, de forma que não haja interferência política da prefeitura nem dos empresários

exploradores. A organização política neste sentido torna-se muito importante para o grupo de

catadores, para que entidades que apóiam essa experiência, não acabem por assumir o

controle político do grupo.

O MNCR, a respeito da relação com as parcerias, defende que há que garantir que

entidades parceiras não venham desenvolver interferência interna nos assuntos da base

orgânica, preservando a independência e a autogestão da organização. Tais condições

constituem obstáculos a mais e cerceia os associados de praticarem os princípios da Economia

Solidária e do Cooperativismo na sua totalidade, de forma que não prejudique a busca pela

autonomia e gestão democrática, e assuma o negócio, minando as possibilidades de um

trabalho auto-organizado e que garanta as melhorias materiais desejadas. (Carvalho, 2008).

Desta maneira, a orientação é de que o grupo de catadores de Cascavel procure se

estruturar da melhor forma possível para a realização do trabalho, buscando o apoio de outras

entidades. Objetivando a mobilização e a organização de atos políticos com grupos já

estruturados e aqueles em processo de estruturação, não só como meio de reivindicação, mas

54

também de aprendizado para os catadores, socializando informações e procurando traçar

estratégias comuns para fortalecer o processo organizativo.

2.3 – A Organização do Comitê Regional dos Catadores de Materiais recicláveis do

Oeste Paranaense

A proposta de formação dos comitês regionais está dentro das principais deliberações

do Primeiro Congresso Latino-Americano de Catadores, realizado em Caxias do Sul,

Município localizado no Estado do Rio Grande do Sul.

A formação desses comitês ficou sob a responsabilidade dos militantes presentes no

Congresso, que retornariam às suas bases e iniciaram a sua organização, tendo como objetivo

principal instituir, ampliar e fortalecer a base do MNCR no interior dos estados. Os comitês

Regionais ficariam ligados a uma comissão estadual, que por sua vez, fica vinculada à

Comissão Nacional, formando uma estrutura política organizativa mais sólida e ampliada.18 A dificuldade dos trabalhadores das cooperativas e associações participarem das reuniões, mesmo as regionais, são elementos que dificultam o estabelecimento de agendas políticas exeqüíveis, daí a necessidade de se estruturar uma rede organizada na tentativa de diminuir essas dificuldades. A constituição dessa base é fundamental para que o MNCR fortaleça-se e ganhe legitimidade para agir em nome dos trabalhadores catadores. (GONÇALVES, 2006, p. 262).

A participação dos catadores em encontros e eventos é uma maneira de os

trabalhadores obterem informações e repassarem ao restante do grupo, tais como capacitação

e gestão de negócio, assim como também para conhecer as experiências organizativas em

andamento, seus problemas, suas dificuldades e possibilidades de organização mais ampliada

entre os grupos.

As dificuldades dos trabalhadores de participarem de eventos afetam indiretamente na

organização do grupo. Nesse mesmo sentido, as dificuldades dos trabalhadores da cooperativa

participarem das reuniões, mesmo as regionais, são fatores que dificultam o estabelecimento

de agentes políticos ativos. É nesta perspectiva que o MNCR estimula a formação de comitês

regionais com a intenção de integração dos catadores de vários grupos já formados, para

estruturarem uma rede organizativa na tentativa de diminuir essas dificuldades.

18GONÇALVES, 2006.

55

Para tanto, os catadores de Cascavel iniciaram sua trajetória política após a

participação de alguns dos membros da cooperativa no I Festival de Catadores em Belo

Horizonte e no V Cultivando Água Boa em Foz do Iguaçu, realizado pela Itaipu Binacional.

As ações para formação do Comitê Regional do Oeste Paranaense ocorreram em

Cascavel no dia 9/7/2009, nas dependências da Associação dos Municípios do Oeste do

Paraná (AMOP). Nesta data ocorreu a 1ª Reunião dos catadores de Cascavel com militantes

do MNCR e contou com a participação de representantes de trabalhadores catadores das

cidades de Guaraniaçu e Vera Cruz do Oeste.

O objetivo do encontro está na questão de levar informações e organizar os

trabalhadores catadores em atividade nos municípios da região, incentivando-os a participação

junto ao movimento. Neste encontro os catadores poderão debater questões em torno da sua

ocupação laboral enquanto categoria de trabalho dos catadores de materiais recicláveis no

Brasil e as demais problemáticas que envolvem o trabalho dos catadores nos demais

municípios da região Oeste do Paraná.

Como estratégia de fortalecimento da organização dos catadores do município de

Cascavel e de outros grupos de 11 (onze) municípios da região oeste do Paraná, e do

Município de Mundo Novo (MS), juntamente com entidades civis ligada ao processo, ocorreu

no dia 11/8/2009, em Cascavel, o primeiro I Encontro Regional de Catadores da Região nas

dependências da COOTACAR.

A constituição do Comitê Regional no Oeste Paranaense dos Trabalhadores Catadores

de Materiais Recicláveis é fundamental para fortalecer as ações e interação dos grupos com o

MNCR que possivelmente o fortalecerá enquanto grupo organizado. Tem-se observado

quanto é importante a interação dos catadores junto ao Movimento de Cascavel. Logo após os

catadores participarem de eventos observa-se a ação política dos mesmo em busca de

melhoria nas condições de trabalho enquanto sujeitos trabalhadores. Desta forma, foram

eleitos delegados para representar o grupo junto ao MNCR, em eventos que permitem aos

catadores uma melhor articulação com outros grupos.

A prefeitura, que é responsável pelo serviço de coleta seletiva de lixo, está diretamente

envolvida com os problemas relativos aos resíduos sólidos, aparecendo como colaboradora

em alguns casos. Como exemplo, tem-se a instalação de contêiner pela Secretária do Meio

Ambiente em condomínios da cidade para armazenamento de resíduos recicláveis com intuito

de expandir a coleta seletiva dos resíduos em toda a área urbana do município.

56

A organização dos catadores traz benefícios à administração pública. A realização do

trabalho na coleta e na triagem dos resíduos recicláveis não representa custos adicionais às

respectivas prefeituras das quais os catadores estão organizados.

As tentativas de solucionar a problemática do lixo no município tem sido a

organização dos trabalhadores em cooperativa/associação através dos CRAS que capacitam os

catadores para atuarem na coleta dos produtos recicláveis.

Da atual administração pública municipal os catadores receberam a infraestrutura do

Ecolixo, que antes pertencia à Secretária do Meio Ambiente19 , agora repassada ao grupo da

cooperativa.

2.4 - Cooperativismos Como Elo da Nova Inserção no Circuito da Reciclagem

O cooperativismo, em sua definição, é compreendido como uma estrutura política

organizada a partir de um processo cumulativo de ações pautadas na tentativa de minimizar o

grau de miserabilidade dos trabalhadores diante produção das relações capitalista de

ampliação/reprodução e na extração da mais valia da força de trabalho. ( GONÇALVES,

2006).

A perspectiva do trabalho organizativo surgiu, no século XIX, na Inglaterra, a partir de

diversos percussores (Robert Owen, Charles Fourier, Saint-Simon, Louis Blanc, et.) e da

concretização de realizações cooperativas (sendo a dos Pioneiros de Rochdale, a mais

importante, constituindo-se como um marco histórico do cooperativismo mundial.) (Ribas

apud Gonçalves, 2006. p. 234).

É comum certa confusão quando se fala de economia solidária e cooperativismo. Os

princípios não tornam semelhantes esses dois modos de organização da produção. Existem

empreendimentos cooperativos que não atuam com os princípios da Economia Solidária, um

exemplo a ser citado são as cooperativas de trabalho. Porém, para que um empreendimento

seja solidário, ele deve ser organizado coletivamente pelos trabalhadores funcionando no

formato de uma associação ou de uma cooperativa.

O cooperativismo é uma forma de organização do trabalho na Economia Solidária que

pressupõe uma associação autônoma de pessoas, unidas voluntariamente para uma finalidade

comum, em um empreendimento coletivo e democrático.

19Secretária de Ação Social.

57

O trabalho é solidário uma vez que os trabalhadores se encontram em condições de

igualdade, uns com os outros, frente à nova condição de sócio-proprietário-trabalhador

(Carvalho, et al, 2008). Além disso, elas devem ser constituídas exclusivamente por

trabalhadores que tenham a atividade como única fonte de renda.

Todo o planejamento e organização do trabalho, as tomadas de decisões e deliberações

se dão no espaço coletivo, o que requer autonomia para decidir os rumos da produção.

Nas assembléias Gerais, todos os trabalhadores têm direito a participação sem

qualquer restrição. Segundo o preceito, um membro, um voto, pois parte-se do pressuposto

que apenas o indivíduo é capaz de expressar sua vontade e, portanto, ele não pode ser

representado por alguém durante reuniões de gestão da cooperativa.

Os sujeitos submissos ao sistema capitalista de produção ao transferir da atividade

individual para a coletiva encontraram percalços em seu caminho, a exemplo os membros do

Conselho de Administração, como se pode observar na COOTACAR.

Os cooperados eleitos para representar os demais catadores, no caso a presidente e o

tesoureiro da cooperativa, enfrentam de forma mais acentuada o conflito de poder, uma vez

que é de sua responsabilidade a administração interna de gestão que pressupõe autonomia e

poder.

Constatou-se pela pesquisa que, pela primeira vez em suas vidas, a maioria desses

trabalhadores depara-se com a forma de trabalho solidário, ou melhor, solicita o exercício da

cooperação mútua de seus pares.

Os catadores que já tiveram contato com outros grupos já formados estabelecem a

cooperação mútua e o entendimento em ajudar o colega de trabalho. Isso é um avanço

importante, pois parte significativa dos catadores desenvolve a atividade sozinha. Como foi

percebido na cooperativa, a maioria deles trabalham em família, mas há casos de catadores

que trabalham sozinhos e necessitam da cooperação dos colegas de trabalho.

O trabalho no cooperativismo permite a vivência de gestão democrática e social nunca

vivida antes, já que os catadores envolvidos neste processo vêm de um processo histórico

marcado pela realidade de competição e individualismo, conforme a ordem do sistema

capitalista de (re) produção. Ao lidar com a gestão democrática, a autonomia e o trabalho

coletivo os catadores enfrentam novos desafios, que lhes são bastante estranhos e difíceis.

Muitos deles eram autônomos, marcando a trajetória obreira com intensa rotatividade,

trabalhando em diversos “bicos”, em que emerge a catação de materiais nas ruas como uma

“alternativa” flexível em relação ao horário de trabalho.

58

Assim, para se compreender essa problemática, deve-se considerar como cada

indivíduos se apropria da nova condição de trabalhador/sócio/proprietário de um negócio

solidário e de todos os novos direitos e deveres. Foi observado que em sua maioria os

catadores têm como referência seus colegas que fazem parte da administração da cooperativa

como patrão do negocio, como exemplo, aquele que tem por obrigação resolver todos os

problemas que ocorrem no cotidiano do trabalho, como atraso no pagamento, venda dos

produtos, etc.

Segundo Carvalho et.al (2008), no caso dos catadores estudados em Cascavel, a

realidade de associado é muito nova para todos. Mais ainda para aqueles que o grupo os

elegeu para o Conselho de Administração. Estes têm toda a responsabilidade de articular as

atividades, de orientar o trabalho coletivo, bem como representá-los.

Os membros da cooperativa que representam o Conselho necessitam de ter uma noção

de conjunto que viabilize seu funcionamento de modo integrado, além de possuir técnicas de

autogestão de empreendimento solidário.

Os trabalhadores organizados em cooperativas sob os princípios da Economia

Solidária são estimulados a vencerem os desafios com esforços de igualdade, sem a

submissão a chefes. Por outro lado, são responsáveis pelo bom andamento do Projeto, uma

vez que devem assumir as cobranças feitas pela sociedade, pelo Poder Público e até mesmo

pelos demais membros da cooperativa.

A forma de remuneração na cooperativa de Cascavel apresenta algumas semelhanças

com a remuneração do trabalho numa empresa capitalista. A distribuição salarial referencia-se

no trabalho individual, pois os cooperados ganham pela sua produção.

A pequena diferença da empresa capitalista é que os catadores não são uma força de

trabalho contratada. Outra diferença está na proporcionalidade, ou seja, na cooperativa todo o

faturamento é acessível ao trabalhador, direta (retiradas individuais) ou indiretamente

(investimentos na empresa e custeio). Apenas parte do lucro é divi

dido. O resultado de todo o esforço coletivo/individual é compartilhada pelos seus

membros, na empresa o resultado é apropriado pelo dono do capital, aquele que possui os

meios e bens de produção, o qual concede aos trabalhadores parte do capital concedido na

empresa como forma de recompensa pela venda de sua força empregada no empreendimento.

O objetivo maior da cooperativa, não é a apropriação da mais-valia. Está na

oportunidade de trabalho e renda, tendo o aumento da produtividade como finalidade de

melhorias para o conjunto de trabalhadores. Dessa forma, muitos catadores estão satisfeitos

59

com a COOTACAR, conforme se percebeu nas entrevistas. A melhora na renda e nas

condições de trabalho está na organização do trabalho coletivo na cooperativa.

“Para Presidente da COOTACAR, “M” o beneficio do trabalho coletivo e para todos, quando há cooperação mútua entre os cooperados, e preciso que todos os cooperados pensem na solidariedade, um ajudando o outro, não pensar que a cooperativa é uma empresa. O cooperado tem que enfrentar junto todos os problemas da cooperativa, não querer participar do negócio só quando esta indo bem, porque isso aqui e de todos nós” (Entrevista realizada em 13 de julho de 2009).

Ela entende que o trabalho na cooperativa é como outro qualquer. Para que o

empreendimento dê certo, todos os cooperados devem apropriar-se do que é seu e lutar

coletivamente. Esse entendimento indica a apropriação do sentimento do que é o

cooperativismo, marcando as diferenças com a empresa capitalista. Estar trabalhando na

cooperativa significa mais que fazer sua parte, é estar comprometido com o andamento da

cooperativa como um todo, como sua produção e entre outros. Muitos se apropriam dessa

dimensão em reuniões de capacitação do grupo discutindo teorias do trabalho coletivo e

levando ao cotidiano de trabalho.20

O trabalho coletivo na cooperativa significou para os atuais cooperados uma melhora

significativa em relação às condições em que realizam o trabalho, pois esses continuam

desenvolvendo a atividade nas ruas disputando com seus pares e as intempéries do tempo.

Outro elemento importante, no que se refere às melhoras nas condições de trabalho,

trata-se da doação de uniformes e carrinhos em parcerias estabelecidas entre Prefeitura e

Itaipu Binacional através do Projeto Coleta Solidária. Segundo os catadores, auxilia no

trabalho à medida em que os distingue de outras pessoas nas ruas, como identificado na fala

de uma catadora. Segundo ela, o trabalho na cooperativa permite o reconhecimento pela

comunidade, e ao sair nas ruas para recolhimento de material são respeitados pelo fato de

fazer parte dos catadores organizados.21

No trabalho de campo, percebemos também que os catadores estão muito insatisfeitos

com as necessidades básicas, como as condições precárias de saúde e nutrição, situações de

moradia inadequadas, precárias e ilegais localizadas em lugares insalubres.

20Curso de capacitação e fornecido pela Secretária do Meio Ambiente e CRAS/Norte. 21Fonte: trabalho de campo realizado em Cascavel, 2009.

60

Aplicado os questionários, percebeu-se que ao serem questionados sobre como a

cooperativa pode ajudar na melhoria das condições de trabalho, os catadores demonstraram

muita insatisfação pela situação que se encontram enquanto cidadão. Eles também salientaram

que espera que a cooperativa possa melhorar as condições de saúde, como a disponibilização

de dentista, alimentação etc. A precariedade da condição de saúde e alimentação interfere no

cotidiano de trabalho.

Entende-se a inserção da cooperativa e dos trabalhadores cooperados no circuito

econômico da reciclagem em escala de comercialização, com uma certa fragilidade frente ao

poder político e econômico que controla todo o mercado de reciclagem.

Enfim, a cooperativa inseriu o grupo em nova situação de trabalho, a nova

infraestrutura da cooperativa22 tem permitido avanço na cadeia da reciclagem. O repasse que

o governo municipal disponibilizou ao grupo, permitiu abarcar em escala maior a

territorialização da coleta da reciclagem.

A nova infraestrutura acentuou um novo elemento no circuito econômico local de

coleta e comercialização de resíduos recicláveis, permitindo abarcarem uma parcela maior dos

produtos recicláveis do município.

A lógica que a organização do trabalho inseriu os catadores em nova perspectiva do

circuito econômico da reciclagem em Cascavel (re) desenhou uma nova territorialidade em

que os trabalhadores avançaram sob o controle de algumas atividades relacionadas ao

mercado dos resíduos recicláveis, que implica em conflito local.

A organização do trabalho aliada a coleta seletiva modifica a forma como o Município

de Cascavel faz a gestão dos resíduos sólidos urbanos.

De certa forma, a coleta seletiva implica em ganho para os empresários que atuam

neste setor com a diminuição do peso dos resíduos. Conforme o representante do

CRAS/Norte, Jonas Barretos, em reunião na COOTACAR, “relatou que o município de

Cascavel pretende contratar a cooperativa para prestar todo o serviço à prefeitura com intuito

de garantir a participação e a sensibilização da sociedade para o problema vivido pelos

catadores”.

Para tanto, o Movimento Nacional dos Catadores de Material Reciclável visa em suas

ações a comprometer o poder público com políticas públicas, garantindo a inserção dos

trabalhadores catadores em projetos, como programas de coleta seletiva, e viabilizando

22Local em que se encontravam o Ecolixo administrado pela Secretária do Meio Ambiente.

61

modificações na estrutura de coleta e na disposição dos resíduos sólidos domiciliares urbanos,

compostos, em grande parte, por materiais recicláveis.

Para Gonçalves (2006), porém, a maior dificuldade das cooperativas/associações de

catadores está ainda em conseguir apoio das administrações públicas, que tendem a não apoiar

as iniciativas dos trabalhadores. Enquanto apóiam, não entendem a necessidade de articular o

serviço prestado pelos catadores a todo o sistema de recolha de lixo do município. As

cooperativas/associações estão sempre a reboque das prefeituras, à medida que estas não

assumem, por exemplo, o programa de coleta seletiva como sendo de sua responsabilidade, e

que é executado pelos trabalhadores catadores (GONÇALVES, 2006).

Porém, a articulação junto ao Movimento fortalece a base orgânica e um avanço em

relação a coleta seletiva individual dos resíduos recicláveis, não só desenvolvendo a atividade

de coleta, passando também a atuar no processo de beneficiamento do material,

gerenciamento da cooperativa, enfim, exercer um maior controle sobre o processo produtivo,

tudo articulado aos benefícios da renda provenientes da venda dos produtos pela cooperativa.

As dificuldades acentuam nesta forma de organização do trabalho. O grupo tem

dificuldades de ir além do trabalho coletivo, pois a situação de fragilidade muitas vezes torna-

se um empecilho, no que diz respeito, questões políticas a respeito do controle do capital sob

o trabalho.

Para Barbosa (2007), as relações precarizantes dificultam a mobilidade

socioeconômica das cooperativas de qualquer segmento, muito embora a narrativa das

virtudes do empreendedorismo e do auto-emprego precise dar coerência e convicção a essa

insegurança social, transmutada no ideário da independência e liberdade.

A organização do trabalho em forma de cooperativismo sempre estará em contra mão

às prerrogativas do capital. Este ato é compreendido como uma estrutura político-organizativa

construída a partir de um processo acumulativo de ações pautadas para minimizar a

miserabilidade de seus membros diante do metabolismo expresso pelas relações capitalistas

de (re) produção/ ampliação.

As dificuldades levam à percepção de que a realização de todo o procedimento de

constituição e a ação conjunta do grupo na cooperativa tem encontrado problemas em

constituir uma organização politicamente representativa, que permita ir além do trabalho

desenvolvido na cooperativa e, sobretudo a visualização do papel político destes catadores no

circuito mercantil dos recicláveis.

62

As condições atuais da cooperativa conseguem evitar a comercialização com os

pequenos atravessadores e fazer a comercialização direta com a indústria recicladora.

A atividade coletiva permitiu alguns dos catadores compreenderem a realidade social

em que eles se encontram. A superação dessa precarização está na estratégia de

enfrentamento, como a concentração de grande volume de produtos. O entendimento que o

grupo possui em relação à superação de tanta subordinação está na implementação de uma

rede de comercialização entre os grupos de catadores organizados da região Oeste do Paraná,

ampliando a autonomia em relação às prefeituras locais.

Como dito, a estratégia que os catadores encontraram foi a concentração de grande

volume de produtos. Tal estratégia favorece os grupos na comercialização, tanto na condição

de favorecimento no mercado para melhores preços, quanto no avanço da cadeia produtiva

dos recicláveis, agregando assim valor em produtos economicamente viáveis ao mercado da

reciclagem. Tal estratégia que o grupo da COOTACAR vem adquirindo está baseada na

participação e em discussões do grupo junto ao Movimento Nacional dos Catadores de

Material Reciclável, para formação do Comitê Regional de Catadores e para a organização

dos grupos na região Oeste do Paraná.

Mediante todas as discussões e participações em reuniões do movimento, percebeu-se

que, a maioria dos cooperados ainda não se apropriou dos princípios do trabalho coletivo, e

também não construiu uma consciência de classe. Entende-se que este processo requer tempo,

muita reflexão e práxis.

2.5 – A Organização da Cooperativa na Perspectiva da Economia Solidaria

A economia solidária surge no Brasil nos anos 1980, generalizando-se nos anos 1990,

estimulado por entidades civis e órgãos governamentais, com intuito de geração de renda e

ocupação, sem seguir totalmente os paradigmas da organização capitalista de produção.

O crescimento dessa rede de economia solidária está diretamente relacionada ao

aumento da desproteção social como conseqüência do ajuste do capital nos últimos anos

(políticas neoliberais) para atender seus interesses de acumulação/ampliação, o que provocou

danos sociais aos trabalhadores assalariados de países considerados desenvolvidos e em

desenvolvimento. Para Singer (2004):

A economia solidária surgiu historicamente como reação

contra as injustiças perpetradas pelos que impulsionam o

63

desenvolvimento capitalista. Foi assim desde a primeira revolução industrial e continua sendo hoje, quando o mundo passa pela terceira revolução industrial. A economia solidária não pretende opor-se ao desenvolvimento, que mesmo sendo capitalista, faz a humanidade progredir. O seu propósito é tornar o desenvolvimento mais Justo repartindo seus benefícios e prejuízos de forma mais igual e menos casual.

Em decorrência desta problemática, houve iniciativas para construir práticas

amenizadoras que garantissem a inclusão de trabalhadores desempregados em práticas de

trabalho autônomo e com o nome de economia solidária.

As técnicas aqui apresentadas partem de ações econômicas realizadas em sistema de

autogestão (trabalho extra dos cooperados para gerir a cooperativa), através de cooperativas

ou associações, tanto no campo como nas cidades. (BARBOSA, 2007).

Ao longo dos anos 1990, variadas iniciativas dessa natureza de produção e

comercialização de matriz informal ganharam expressão nas periferias das cidades e na zona

rural do país, a partir da ação direta de igrejas, sindicatos e organização não governamentais

(BARBOSA, 2007).

No caso da cooperativa de catadores de recicláveis estudada, a ação e iniciativa do

modo de produção baseada nos princípios da economia solidária partiram de entidades de

apoio a iniciativa ao grupo de catadores.

O trabalho organizado nos princípios da economia solidária, objetiva entre seus

membros a substituição do trabalho assalariado baseado nos princípios das relações

capitalistas de competição e individualidade para a forma de trabalho solidário.

A luta de trabalhadores submissos aos interesses do capital e a busca por melhores

condições de trabalho, tendo possibilidade de maior autonomia em seus negócios, tem

originado a economia solidária, que se baseia na requalificação das atividades informais de

trabalho.

A economia solidária é uma forma da economia que se desenvolve através de empreendimento auto-gestionados, uma forma coletiva e participativa em que os próprios trabalhadores são produtores, proporcionando uma distribuição mais justa da renda e estimulando relações sociais de produção e consumo baseadas na cooperação, na solidariedade e na satisfação e valorização dos seres humanos e do meio ambiente. (MELLO apud, CARVALHO, 2006. p. 3).

A organização da cooperativa de resíduos recicláveis ocorreu no município de

Cascavel a partir de base nas próprias ações organizativas dos catadores e, com a ajuda

64

indireta de agentes não catadores, em outros casos a organização ocorre a partir de estímulos

de agentes externos. A organização do trabalho em cooperativas de recicláveis seja pelos

estímulos de agentes não catadores ou pela própria ação dos catadores, enfrenta todos os tipos

obstáculos, como se pode verificar em Cascavel: falta de dinheiro, ausência de infraestrutura,

desmobilização por parte do grupo, baixos rendimentos, conflitos entre os cooperados, entre

outros.

O objetivo dessa organização é a melhor inserção dos catadores no circuito econômico dos recicláveis, através da reestruturação e da reorganização do trabalho na catação e na triagem para obter melhores rendimentos. Como não poderia ser diferente, participando de uma lógica de mercado em que elementos como produtividade, concorrência, preço das mercadorias e as formas de organização do trabalho são condições fundamentais a serem consideradas para que o empreendimento não somente se estruture, mas permaneça em funcionamento dentro do mercado, garantindo a obtenção da renda necessária à reprodução dos trabalhadores envolvidos. (GONÇALVES, 2006. p. 237/238).

Desta forma, a cooperativa de resíduos recicláveis é apontada como um novo elemento

no circuito econômico dos recicláveis, no que diz respeito a organização do trabalho.

A separação dos resíduos visando a comercialização ocorre de diversas formas no

município de Cascavel. A descentralização da territorialidade de pontos de recuperação dos

resíduos, deslocando-os para outras áreas, além da área central tem por objetivo fazer com

que a cooperativa exerça um controle maior sobre o sistema de catação dos resíduos. Assim,

agentes23 ligados indiretamente ao trabalho da cooperativa construíram a estratégia de dividir

o município em 4 regiões: norte, sul, leste, oeste com intuito de descentralizar os pontos de

recuperação dos resíduos recicláveis de um ponto central, deste modo concentrando em outras

áreas do município.

Porém, nem todas as estratégias aqui apresentadas alteram profundamente as relações

de subordinação e exploração em que envolvem outros agentes no circuito mercantil, tais

como as indústrias de reciclagens, os intermediários, aparistas, sucateiros.

O trabalho organizado interessa aos catadores. Até certo ponto esta forma organizativa

contribui na melhora de renda, permitindo aos trabalhadores catadores uma nova inserção no

mercado da reciclagem. Isto não interessa nem às indústrias nem aos intermediários, pois

insere os catadores de forma mais soberana no circuito econômico da reciclagem, ameaçando

23Secretária de Ação Social e Cras.

65

os ganhos daqueles, já que a (re) produção/acumulação ampliada do capital está assentada na

baixa remuneração do trabalho dos catadores em sua subordinação mercantil.

Isso demonstra que as cooperativas de trabalhadores catadores são incapazes de mudar

o quadro de exploração dos catadores pelos sucateiros e das grandes indústrias.

Para Barbosa (2007): Mesmo os catadores formando cooperativas para fugirem da exploração econômica, esta continua, porque as indústrias que compram os materiais reciclados são poucas (formam um mercado oligosônico), exigem grandes volumes para negociarem e estes volumes só são alcançados, muitas vezes, por sucateiros que estão há mais tempo no mercado e financiados pela própria indústria.

No trabalho de campo pode-se verificar que a COOTACAR não possui capital de giro

para estipular preço do material no mercado, pois além de contar com concorrente superior no

mercado, os meios de trabalhos são precários. Além disso, existe a concorrência entre os

catadores que os dispersam e o grupo conta com pouca formação escolar que lhe garanta

maiores informações. Os catadores em sua maioria desconhecem o que significa autogestão24

de cooperativa e sua prática geralmente se assemelha à relação encarregado/empregado.

Houve a percepção também de que há certo desconhecimento dos cooperados sobre os preços,

custos e vendas do material.

Assim, as relações precarizantes e a falta de informações dos cooperados dificultam a

mobilidade socioeconômica da cooperativa. Barbosa (2007) entende que a narrativa das

virtudes do empreendedorismo e do auto-emprego precisa dar coerência e convicção a essa

insegurança social, transmutada na liberal independência e liberdade.

O trabalho coletivo trouxe melhoras significativas para os catadores e os inseriu em

outro contexto no circuito da reciclagem.

Conclui-se, portanto, que a forma organizativas dos catadores de material reciclável

pode vir a ser a saída para a exploração e subordinação do capital do qual os catadores

sofrem, como verificar-se-á adiante que sobre a organização do trabalho dos catadores de

Cascavel, no próximo capitulo.

24De acordo com os princípios e objetivos do (MNCR) denomina-se auto-gestão a prática econômica em que os trabalhadores são os donos das ferramentas e equipamentos de produção, modo de organizar o trabalho sem patrões, tendo a decisão, o planejamento e a execução sob controle dos próprios trabalhadores.

66

CAPÍTULO 3

3 – A TERRITORIALIDADE DO TRABALHO DOS CATADORES DE MATERIAL RECICLÁVEL E SUA ORGANIZAÇÃO COLETIVA NA COOTACAR EM CASCAVEL/PR

3.1 - O Processo de Organização e Formação de Associação/Cooperativa no Município de Cascavel

O processo de organização dos catadores na cidade de Cascavel está diretamente

ligado a agentes não catadores, principalmente o poder público municipal,25 .

São esses agentes não-catadores que mantêm contato direto com os trabalhadores

através de programas de assistência social e ações beneficientes, como exemplo a distribuição

de cestas básicas entre outros.

No ano de 1998, após pesquisa de campo realizada por técnicos do governo municipal

de Cascavel, com apoio da Secretaria do Meio Ambiente e da Secretaria de Ação Social, foi

realizado um mapeamento identificando as áreas de maior concentração de famílias que

sobreviviam da coleta de material reciclável no município.

Após esse mapeamento, foi construído em Cascavel o primeiro Centro de

Processamento e Transferência de Materiais Recicláveis (CPTMR) do município por

iniciativa da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, denominado Ecolixo.

Dentre alguns objetivos do Ecolixo destaca-se o recebimento de materiais recicláveis

para diminuir a quantidade de resíduos recicláveis depositados no aterro sanitário,

aumentando a vida útil da área destinada ao depósito de lixo urbano.

Das questões ambientais, como a degradação causada ao meio ambiente, conforme já

ressaltado anteriormente, há que se destacar também uma grande dificuldade: o fato de os

moradores do meio urbano e rural resistirem à construção de novos aterros sanitários. Diante

disso, a coleta seletiva sobressai-se como uma alternativa para diminuição dos aterros

25 Secretária de Ação Social e Secretária do Meio Ambiente

67

sanitários, aumentando em 40% sua vida útil.26 Tendo em vista que os aterros sanitários são

projetados com vida útil de 10 anos, prazo dificilmente alcançado, há sempre a necessidade da

construção de novos, em período inferior ao projetado.

Nesse contexto, surgiu em Cascavel no ano de 2003 a idéia de uma associação dos “Agentes Ecológicos”: Associação dos Catadores de Materiais Recicláveis de Cascavel – ACAMAR, que iniciou com 36 membros e contando com ajuda indireta do Poder Público municipal através do Programa intitulado Ecolixo. Para Oliveira (2004, p. 43):

Após a formação do Ecolixo a equipe técnica inserida no projeto proporcionou ao grupo a participação dos catadores em fóruns regionais envolvendo os temas: meio ambiente reciclagem e organização de categoria, cooperativismo e economia solidária. E em encontro de catadores nos quais se destaca o I Fórum Estadual Lixo & Cidadania. Nestes encontros, os catadores tinham a oportunidade de trocar experiências, conhecendo novos grupos que se encontravam em formação ou já estruturados, dando maior visibilidade à realidade que eles estavam vivenciando no processo de formação da associação de catadores de material reciclável no município de Cascavel.

A interação do grupo de catadores com outros trabalhadores da mesma categoria

proporcionou a identificação na forma de organização e gestão do empreendimento do

negócio de outros catadores.

A administração da associação/cooperativa era realizada pelos catadores com a ajuda

indireta do poder público local. O lucro era dividido entre os cooperados que trabalhavam

organizados na associação.

O modelo de organização utilizado por esses trabalhadores catadores baseia-se em

associações com características de cooperativas não registradas, contando com apoio das

respectivas prefeituras na qual se localizam, sendo que muitas delas são ligadas às

organizações não-governamentais (ONGs).

Contraditoriamente, a forma de organização dos trabalhadores do município de

Cascavel que sobreviviam da catação de resíduos recicláveis, posteriormente destinados ao

Ecolixo não mudaram, pois o negócio dos “agentes ambientais” que trabalhavam vinculados

ao Centro de Processamento e Transferência de Materiais Recicláveis continuava

administrado pelo poder público municipal.

Neste sentido, havia reivindicação por parte dos catadores que entregavam material

reciclável no Ecolixo no que se refere aos rendimentos. 26Folheto ONG URU: Projeto de Educação Sócio Ambiental para Coleta Seletiva de Resíduos Domésticos.

68

Conforme Oliveira (2004), durante todo o processo de organização dos catadores,

houve inúmeras promessas por parte da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, quanto à

melhoria de renda e a divisão dos lucros com os “agentes”. Essa divisão estava vinculada com

a venda do material ao Ecolixo, ou seja, quanto mais os catadores entregassem seu material

no (CPTMR), maior seria sua rentabilidade.

Como não houve divisão de lucros e melhoria de renda entre os catadores que

desenvolviam o trabalho coletivo e diante das dificuldades encontradas, esses trabalhadores

começaram a se organizarem e passaram a reivindicar melhorias quanto à renda e condições

de trabalho27. A alternativa encontrada por eles foi através da organização de seu próprio

negócio. Verifica-se em Cascavel a luta destes catadores na formação de uma cooperativa que

atua nos princípios da Economia Solidária e do MNCR. Ambos objetivam o cooperativismo e

a solidariedade entre os membros da cooperativa ligados ao processo de formação do trabalho

coletivo.

3.2 – A Formação da COOTACAR

O processo de formação da Cooperativa dos Trabalhadores Catadores de Material

Reciclável (COOTACAR), de Cascavel, no Estado do Paraná possui características

semelhantes com outras formas de cooperativismo dirigidas pelos municípios brasileiros, que

conta com ajuda indireta da Prefeitura Municipal desta cidade.

Os modelos de cooperativismo nos municípios brasileiros variam de acordo com as

realidades locais.

Para Ribeiro et.al (2009, p.1), após quase duas décadas, constata-se que esses

programas multiplicaram-se pelo país e se tornaram um modelo de política pública de

resíduos sólidos, com a inclusão social e geração de trabalho para aqueles expostos às

crueldades da sociedade capitalista. Esse modelo de cooperativismo camufla as realidades de

trabalho e renda dos catadores.

Segundo Gonçalves (2006), há de fato interesse de algumas administrações municipais

com o trabalho dos catadores de papel, cuja utilidade decorre da reciclagem da parte

importante do lixo urbano, contribuindo para a diminuição dos custos da destinação final do

lixo, mesmo quando trabalham nos lixões. De alguma forma é a utilização da força de

27 Oliveira 2004.

69

trabalho dos catadores, por meio de acordos e projetos sociais, não implicando nenhum

vínculo empregatício com a prefeitura.

Assim, diminuem os custos com mão-de-obra da limpeza pública do núcleo urbano do

município. Com as atividades desenvolvidas por eles sem nenhum custo adicional, os

catadores contribuem com a limpeza das ruas. O trabalho dos catadores é importantíssimo

para a limpeza pública urbana, sem qualquer tipo de reconhecimento institucional.

A atividade coletiva dos catadores em cooperativas de resíduos recicláveis com ajuda

indireta do poder público municipal associa-se a um forte componente ambiental, esse fator

pode ser verificado em Cascavel.

O trabalho dos catadores de papel/papelão contribui indiretamente para a preservação

do meio ambiente. O que ocorre muitas vezes é um certo sensacionalismo ideológico

ambiental produzido pela sociedade em relação ao trabalho dos catadores. Porém, isso

camufla as condições econômicas, e sociais, principalmente pelas condições de trabalho, e

desrespeito à legislação trabalhista.

Ainda está presente nesta retórica, a recuperação da auto-estima dos catadores,

apresentados e identificados como agentes ambientais, o qual também não deixa de camuflar

suas condições de trabalho precário.

Em meados da década de 1980, com o alto consumo de mercadorias descartáveis e

transformadas em lixo para a substituição por novos supérfluos, houve iniciativas de

consciência ambiental que abrangeram ações e estratégias de sobrevivência daqueles que são

excluídos do mercado de trabalho formal. Como alternativa de sobrevivência, estes excluídos

desenvolvem a coleta de resíduos recicláveis com o intuito de garantir a renda, ou até mesmo

aqueles que têm como única fonte de subsistência, a coleta de materiais recicláveis.

A cooperativa surgiu com o objetivo de contemplar a problemática do crescimento

populacional no final da década de 1990 e do uso incontrolável de produtos, necessitando da

construção de um programa que contemplasse tanto as questões ambientais, como também

sociais, mesmo que de forma paliativa e mascarada.

A partir do ano de 1993, a Secretaria Municipal de Ação Social (SEABO) juntamente

com a Secretária Municipal do Meio Ambiente (SEMAB) procuraram alternativas e soluções

para o enfrentamento da problemática do destino de refugos humanos. No mesmo ano a

Câmara de Vereadores do Município de Cascavel aprova uma lei que autoriza o Poder

Público Municipal a patrocinar o serviço de tratamento e reciclagem do lixo (Lei Nº 2.366/93)

- (COOTACAR, 2008 p. 2). No documento da COOTACAR destaca-se também que foram

70

realizadas inúmeras tentativas de inserção social dos catadores com o objetivo de

formalizarem a cooperativa.

Diante da organização dos catadores e a inserção através de projetos sociais que

contaram com apoio, em parte, do Poder Público local, percebe-se que as inúmeras tentativas

de um sistema de coleta seletiva organizacional não obtiveram muito êxito.

Para Chassot, (2007, p. 52), é relevante salientar que há aproximadamente 12 anos o

município de Cascavel vem realizando tentativas de organização desta categoria profissional.

Durante este período foram realizados estudos, e pesquisas por diversas instituições com o

intuito de apontar estratégias de fortalecimento desta categoria. Agora, na atualidade, é que

começa a despontar os resultados dos trabalhos até então desenvolvidos.

Entende-se que o negócio sob tal organização não obteve êxito devido às intervenções

do governo municipal que se desdobraram na administração da associação/cooperativa. Os

catadores passam então a se perceberem, enquanto sujeitos políticos, que são capazes de

coletivamente resistir à ação da Prefeitura Municipal de Cascavel.

A participação destes catadores em eventos possibilitou o conhecimento sobre a

realidade de outros grupos de catadores de outros municípios. Esta experiência proporcionou

conhecimento enquanto sujeitos políticos organizados capazes de resistir contra a ação do

governo municipal em sua organização enquanto categoria profissional.

Segundo o documento da (COOTACAR), algumas tentativas foram realizadas para

que este processo de coleta seletiva municipal proporcionasse um resultado de gestão social

para o catador. Porém, não houve interesse econômico nem político para esta realização. Uma

das tentativas do trabalho coletivo foi através da ACAMAR, no ano de 2003, e até o ano de

2006 a associação ficou inativa, com taxas, tributos e documentos pendentes (CHASSOT,

2007).

No ano de 2005 o Programa Ecolixo foi descentralizado e o trabalho social com os

catadores foi direcionado aos CRAS – Centro de Referência de Assistência Social, que

precisou se integrar com o processo desta categoria profissional, planejando a inclusão

produtiva formalmente. Através de pesquisa de campo foram cadastradas, 900 famílias de

catadores de materiais recicláveis no perímetro urbano de Cascavel.

71

O Centro de Referência de Assistência Social está distribuído nas 4 regiões28, as

equipes se organizam de forma que possam assessorar as associações existentes e fomentar a

organização dos mesmos em forma de cooperativismo.

No ano de 2007 funda-se a COOTACAR – Cooperativa dos Trabalhadores Catadores

de Material Reciclável, que atualmente é composta por 35 cooperados em parceria com a

Prefeitura Municipal de Cascavel, os quais desenvolvem um sistema Integrado de Coleta

Seletiva e formam a unidade denominada CPT – Central de Processamento e Transferência de

Resíduos Secos do Comércio.

Esta unidade contempla um projeto piloto denominado como a Escola Prática e de

Administração da Cooperativa, cujo centro de treinamento há 35 catadores que fazem cursos

de capacitação para a operacionalização dos futuros centros de triagem nos bairros.

O interessante é que esse projeto se expande além de um objetivo convencional de

coleta, triagem e de comercialização, pois vem readequar todo o processo de arrecadação,

armazenagem e de processamento dos materiais recicláveis do Município de Cascavel,

associando a este processo uma visão positiva organizacional do trabalho segmentado de

coleta seletiva, tornando estes catadores verdadeiros profissionais e não alienados ao sistema

irregular dos atravessadores 29

O sistema proporciona uma possibilidade de reestruturação do modo de vida, e ainda

oportuniza sua reintegração à sociedade, encontrando suporte em atividade que possa

proporcionar renda e participação em uma atividade produtiva. Além do ponto de vista

ecológico, possibilitará a economia de recursos a partir de reciclagem de materiais, gerando

menores quantidades de poluentes, demandando quantidades sensivelmente menores de água

e energia, reduzindo consideravelmente o número de aterros sanitários.

3.3 – A Organização dos Catadores de Resíduos Recicláveis de Cascavel

As primeiras iniciativas de organização dos catadores de materiais recicláveis em

Cascavel são decorrentes da prefeitura municipal. Tal situação gerou uma relação de

dependência muito grande entre os catadores e a prefeitura. Todavia, essa relação tende,

aparentemente, pela organização dos próprios trabalhadores, a se tornar mais autônoma.

28 O município foi dividido em quatro regiões estratégicas, onde realmente se concentra o maior número de fragilidade com relação ás condições de vida, trabalho e renda, afetando diretamente seus vínculos familiares e comunitários. Estas regiões passaram a ser denominadas como regiões Norte, Sul, Leste e Oeste (Chassot, 2007). 29 Documento da COOTACAR, 2008.

72

A instalação do Centro de Processamento e Transferência de Materiais Recicláveis

(CPTMR), que tinha por objetivo principal o recebimento dos resíduos recicláveis com intuito

de diminuir a quantidade de resíduos no espaço destinado ao aterro sanitário, foi um marco no

processo organizacional dos catadores carrinheiros.

No ano de 1999, foi criado o projeto “Agentes Ecológicos”, contando inicialmente

com 70 integrantes. Os catadores inseridos receberam da prefeitura municipal de Cascavel

carrinhos para a coleta dos materiais recicláveis, uniformes, crachás para a identificação do

grupo e uma cesta básica mensal para complemento de sua renda. Este projeto era custeado

pela Secretaria de Ação Social. Foi a partir deste momento que os catadores iniciaram o

processo de organização do trabalho coletivo.

Para Oliveira (2004, p. 43), a área do Ecolixo tinha uma estrutura adequada para o

recebimento do material, proporcionando a possibilidade de estreitar relações com os

catadores, absorvendo a demanda e inserindo-os em projeto de inclusão social.

Os catadores procuraram administrar seu próprio negócio sem a intervenção do poder

público municipal. Diante disso, os trabalhadores catadores organizaram-se sob a forma de

cooperativismo para a realização do trabalho coletivo.

O trabalho coletivo em cooperativa pressupõe a compreensão da ação política,

conjugada com o enfrentamento de situações políticas e sociais que afrontam, marginalizam e

destroem a dignidade dos catadores. É no trabalho organizado que os trabalhadores catadores

têm a oportunidade de lutar por melhorias nas condições de trabalho e renda.

Mesmo que haja contradições entre esta forma de organização dos trabalhadores

cooperados, destacando-se a divisão das tarefas na cooperativa e a divisão dos lucros etc.,a

forma de trabalho em cooperativas torna-se mais vantajosa para os catadores cooperados.

Como aponta Singer (2002, p. 89), a cooperativa possibilita compras, em comum, a

preços menores e vendas, em comum, a preços maiores. Sendo entidade econômica e política,

a cooperativa representa os catadores perante o poder público e dele, reivindica o espaço

protegido para armazenar, seguido de separar o material recolhido e financiamento para

processar parte do material separado, agregando-lhe valor.

Nessa mesma perspectiva Gonçalves (2006, p. 190) ressalta que a estruturação de

cooperativas e associações objetiva romper com algumas das amarras existentes no circuito de

separação e comercialização com intuito de melhorar as condições de vida e de trabalho dos

catadores de papel.

73

Mesmo com todas as dificuldades encontradas por aqueles que têm como parceira a

miséria e a falta de recursos, percebe-se que a luta pela formação de uma cooperativa

administrada pelos próprios catadores, contando com a ajuda indireta do poder público e da

sociedade civil organizada proporcionou conquistas aos catadores de Cascavel.

O catador de material reciclável “C” que iniciou o trabalho na coleta há 13 anos por

encontrar-se desempregado devido a problemas de saúde. Está trabalhando como cooperado

há 2 meses na cooperativa, e destaca que “com os pontos fixos esta ação torna-se mais

vantajosa para nós cooperados. Pois, com os locais e horários marcados para recolher os

materiais não necessitamos nos preocupar com quantidades de produtos a ser recolhido. O

trabalho coletivo proporciona muitas melhorias para o catador, como, o aumento na renda, nas

condições de trabalho devido não necessitar mais trazer até a cooperativa o material recolhido

por ele de carrinho”.

Além disso, “a sociedade nos vê com outros olhos respeita nosso trabalho, quando não

era cooperado muitas vezes era humilhado pelas pessoas. Hoje não, quando alguém nos vê

passando na rua oferece material sem medo de sermos marginais”.

No entanto, algumas formas organizativas fogem de sua essência, obedecendo a uma

racionalidade do capital. Mesmo que os catadores de papel estejam trabalhando organizados

em associações/cooperativas ou desenvolvendo atividades individuais, estes não possuem

carteira assinada com os direitos trabalhistas correspondentes, como décimo terceiro salário,

férias, entre outros benefícios.

Além disso, possuem baixa remuneração salarial pela longa jornada de trabalho que

desenvolvem. Tais fatores foram identificados durante a pesquisa, podendo tomar como

exemplo, o fato de que os 35 cooperados da COOTACAR não possuem carteira de trabalho

assinada. Além disso, a renda é pequena. Muitas vezes para conseguirem algum tipo de

benefício, os catadores arcam com seu próprio custo, através do pagamento como

trabalhadores autônomos ao INSS – Instituto Nacional do Seguro Social.

No gráfico 4 podemos verificar a renda salarial a partir da coleta de reciclagem dos 16

catadores entrevistados que trabalham organizados na COOTACAR, que varia de R$ 200,00

(duzentos reais) a R$ 800,00 (oitocentos reais).

74

25%

44%

13%

6%6% 6% R$ 200 a 300

R$ 301 a 400R$ 401 a 500R$ 501 a 600R$ 601 a 700R$ 701 a 800

Gráfico 4 – Renda Mensal dos Catadores Organizados na COOTACAR Obtida da Coleta de Material Reciclável Fonte: Trabalho de campo realizado em Cascavel, Janeiro de 2009.

O fato de estarem organizados em Cooperativa não significa que estejam fora do

circuito da economia informal, das relações do trabalho precário e degradante.

Na foto 3, percebe-se a precariedade do trabalho dos catadores mesmo que estejam

organizados de forma coletiva. Estes deveriam usar luvas, botas e máscara ao manusear o

material, até porque os produtos coletados e separados do lixo orgânico possuem forte cheiro.

Entre os materiais coletados e separados para classificação há, muitas vezes, materiais

cortantes que podem ferí-los e ainda materiais químicos que podem trazer algum tipo de

contaminação, como lâmpadas fluorescentes e outros.

A melhoria nas condições de trabalho, no que diz respeito à utilização de

equipamentos de segurança nas cooperativas, encontrará obstáculos devido aos custos com

equipamentos.

A situação sinaliza ainda para o descaso dos órgãos fiscalizadores com relação à

situação de perigo e danos a saúdes dos trabalhadores catadores. Levando em conta tal

situação, a própria desmobilização dos trabalhadores que não conseguem fazer valer suas

reivindicações por melhores condições de trabalho de certa forma os acomodaram com a

situação de trabalho degradante, pois que não se mobilizam para reivindicar melhorias nas

condições de trabalho (Gonçalves, 2006).

75

Foto 3 – Catadores classificando e prensando material para comercialização, Cascavel (PR). Foto: Solange Queiróz Ribeiro, 2009.

No município de Cascavel não há mais catadores trabalhando no lixão. No entanto,

sejam os catadores organizados em forma de cooperativismo, sejam aqueles que trabalham

por conta própria, todos estão nas ruas disputando com o lixeiro os sacos de lixo, à procura

dos materiais com uma excessiva carga horária de trabalho.

Os catadores individualizados, além de trabalharem em condições adversas, quase

sempre são explorados por pequenos comerciantes que compram seus materiais por preços

irrisórios, também chamados de atravessadores.

A organização dos trabalhadores em cooperativas não significa que estes estejam livres

do metabolismo do capital, pois no sistema capitalista é vantajoso para sua reprodução e

ampliação que haja o trabalho precário e informal.

Nesse sentido, Gonçalves (2006. p.23) aponta que

A precariedade do trabalho da catação revela-se para nós como fundamental para os ganhos dos demais agentes do circuito, já que o cumprimento das leis trabalhistas e os contratos formais de trabalho dos catadores tornariam a reciclagem dos resíduos menos rentável e economicamente inviável para as indústrias. Neste caso, seria preferível ao capital produzir mercadoria a partir de matérias-primas virgens, o que é sempre opção, à medida que haja contratempo que encareçam o processo de reciclagem nos moldes existentes atualmente.

76

Com intuito de livrar-se dessa problemática, os catadores, no ano de 2008,

formalizaram a Cooperativa dos Trabalhadores Catadores de Material Reciclável de Cascavel

(COOTACAR).

A COOTACAR foi criada na perspectiva de atuar nos princípios do Cooperativismo e

da Economia Solidária. Uns dos objetivos da cooperativa é a gestão democrática e

participativa. Nas reuniões todos os catadores têm voz ativa sobre o andamento da gestão da

cooperativa. É constituída por instâncias deliberativas, que são: Diretoria, Conselho

Administrativo e Assembléia Geral.

A administração e a gestão da cooperativa são realizadas pelos cooperados com ajuda

indireta de funcionários da prefeitura.

Em reunião na COOTACAR no dia 28/01/2009 entre os catadores e funcionários da

prefeitura, esta pesquisadora teve a oportunidade de participar. Observou-se o desejo destes

catadores em realizarem a comercialização de seus materiais diretamente com as indústrias

recicladoras, conseguindo preços mais justos, sem a intermediação de atravessadores,

sucateiros ou intervenção do poder público local. As reivindicações dos catadores baseavam-

se na auto-gestão do próprio negócio do qual eles não estavam aceitando intermediações do

poder público municipal. As questões estavam relacionadas ao repasse da infra-estrutura, do

Ecolixo aos cooperados, mas que os catadores só iriam trabalhar na cooperativa e não geri-la.

O grupo organizado na COOTACAR acredita que a falta de infraestrura para

desenvolver o trabalho prejudica a organização do trabalho coletivo, pois a infraestruta da

COTACAR não abrange toda a demanda que a cooperativa necessita. Na Foto 4 observa–se a

falta de espaço físico para acomodar todo o material recolhido pelos catadores.

77

Foto 4 - Espaço interno da Cooperativa Foto: Solange Queiróz Ribeiro, 2009

A problemática da falta de infraestrutura, como aponta a Presidente da COOTACAR,

não possibilita a integração de novos cooperados, pois a cooperativa necessita de

infraestrutura para acomodar o material dos novos cooperados.

Essa situação de precariedade nas condições de trabalho, falta de infraestrutura,

exploração e subordinação por atravessadores é corriqueira em muitas cidades do país. A

maioria dos catadores de materiais recicláveis do Brasil está atrelada a essa situação de

exploração, subordinação e péssimas condições de trabalho.

A precarização das condições de trabalho é sempre lembrada de maneira camuflada,

como estruturante do sistema de coleta, e triagem dos recicláveis. De certa maneira, são estas

condições que permite os outros atores (atravessadores) dessa cadeia negocial a garantir

lucratividade com a reciclagem dos materiais, mas não aqueles (os trabalhadores catadores)

que são os agentes principais da reciclagem garantir lucratividade com o seu trabalho. Na

verdade, a condição de informalidade dos catadores, as longas jornadas de trabalho e a

precariedade da atividade é que garante os ganhos de quase todos os envolvidos no circuito

econômico que envolve a reciclagem de materiais, excetuando-se o trabalhador catador.

Atualmente a COOTACAR conta com cerca de 35 cooperados. O trabalho está

organizado através de uma divisão interna e rotativa das atividades, sendo desenvolvidas em

grupos de cinco catadores ao dia. A atividade deles na cooperativa consiste em selecionar e

classificar os materiais, além da triagem, prensagem e o processamento dos produtos para a

78

comercialização. Tal organização pode ser observada na figura da demonstração do espaço

interno da COOTACAR.

Figura - 2 Descrição Esquemática do Espaço Interno da Cooperativa –COOTACAR. Fonte: Trabalho de campo, 2009. Org: Ribeiro, S. Q, 2009.

O grupo divide-se em dois trabalhadores na prensagem e pesagem dos fardos e o

restante na classificação/seleção do material. A preferência pelo trabalho de selecionar,

classificar os materiais fica com as mulheres, por ser um trabalho menos árduo. O trabalho de

processamento, triagem, prensagem, pesagem e carregamento ao caminhão fica a cargo dos

homens.

Esses catadores se reúnem em um barracão alugado pela prefeitura para selecionar

conforme a qualidade dos produtos (papelão de primeira, papelão de segunda, papel branco,

papel misto, plástico), conforme pode ser observado na Tabela 6.

EENTRADA

FARDOS PARA COMERCIALIZAÇÃO

PESAGEM DO MATERIAL

COZINHA

REFEITÓRIO AADMINISTRAÇÃO

MI

SALA DE

REUNIÃO

PRODUTOS ARMAZENADOS PARA

CLASSIFICAÇÃO/ SELEÇÃO

CLASSIFICAÇÃO/

SELEÇÃO

TRIAGEM/

PRENSAGEM

EXPEDIÇÃO DOS

PRODUTOS

79

Tabela 6 – Preços dos Produtos Comercializados na COOTACAR – 2009 Material Comercializado PREÇO R$/KG ALUMÍNIO DURO (PAN,PERFIL) 2,50 COBRE 5,50 COPINHO 0,10 GARRAFINHA BCA NATURAL 0,90 GARRAFINHA MISTA 0,20 GARRAFINHA PP ÁGUA MINERAL 0,90 LATINHA 1,80 METAL 1,80 PAPEL BRANCO 0,25 PAPEL CIMENTO 0,05 PAPEL MISTO 0,05 PAPELÃO 1ª 0,16 PAPELÃO 2ª 0,05 PET BRANCO 0,60 PET ÓLEO 0,15 PET VERDE 0,60 PLÁSTICO CRISTAL 0,80 PLÁSTICO MISTO 0,40 RAFIA 0,10 SACOLINHA 0,40 SUCATA Sem preço TETRA PARK 0,10 Fonte: COOTACAR, Janeiro de 2009

Eles fazem a comercialização direta dos produtos com a Indústria Recicladora

Moraflex, localizada no município de Francisco Beltrão, localizado no Sudoeste do Estado do

Paraná.

A contribuição do poder público municipal consiste em estrutura física a fim de

garantir o desenvolvimento das atividades, tais como aluguel do barracão, água, luz, telefone,

prensa, balança, entre outros meios que garantam o desenvolvimento do projeto.

Da ONG Cáritas, ligada à Igreja Católica, os catadores contam com o custeio do

aluguel do caminhão, que por três vezes por semana recolhe os materiais na residência dos

cooperados.

Cada trabalhador possui seu carrinho. Fazem a catação aleatória nas ruas, ressalvado

uma parte dos cooperados da COOTACAR que possui pontos fixos para coleta dos materiais

no comércio e em residências no centro da cidade. O uso de carroça com animal na coleta de

recicláveis não é “permitido” aos trabalhadores cooperados da COOTACAR. Porém, existem

cooperados que utilizam veículo automotor na coleta de material e carroça com tração animal.

80

De acordo com o trabalhador “J”, catador e delegado da cooperativa que representa os

catadores de Cascavel em reuniões do MNCR, quando perguntado sobre os catadores que

utilizam automotores e carroça na catação de reciclável, ele nos diz que:

Catador que é catador é aquele que cata empurrando carrinho, não que não é permitido o uso destes meios de transporte para trabalhar, mas o certo é o carrinho, enquanto um catador de carrinho traz um carga de material o de carroça traz duas ou três vezes mais. Isso torna desvantajoso para aqueles que não possuem esse meio de trabalho (Entrevista realizada em 13/07/2009).

O material recolhido fica armazenado na residência dos catadores, após completarem

uma ou três cargas, quando então o caminhão é acionado para transportar o material até a

cooperativa.

Uns dos principais parceiros da cooperativa é o Poder Público municipal. Este apoio é

fundamental, pois dadas as condições materiais e financeiras em que os cooperados se

encontram, torna difícil a ação de uma política organizada para a consolidação do grupo.

Os cooperados contam com apoio da Secretaria Municipal do Meio Ambiente e do

Centro de Referência e Assistência Social – CRAS, responsáveis pela assessoria à

Cooperativa. Funcionários ligados ao CRAS são responsáveis em organizar cursos de

capacitação, e gestão aos catadores.

Ainda de acordo com o trabalhador “J”, o curso de capacitação é para os cooperados

saberem controlar a venda do material, como recolher, como separar, enfim, a capacitação e

orientação do grupo para atuarem nos princípios da Economia Solidária e do Movimento

Nacional dos Catadores de Material Reciclável.

Os cursos de capacitação oferecidos aos catadores são de gestão em coleta seletiva,

organização do barracão, classificação/separação dos materiais para prensagem, como

exemplo: papel branco, papel misto, papelão de 1º, papelão de 2º etc.

O programa de capacitação é composto de duas estruturas direcionais: o conteúdo

teórico ministrado aos trabalhadores através do curso de gestão e a parte prática executada

como projeto piloto no Centro de Processamento e Transferência.

Quanto ao objetivo desse trabalho é o de fazer com que os catadores atinjam a

demanda de materiais recicláveis da esfera municipal, a fim de que este trabalho seja

compensatório e para isto será necessária à criação de novos Centros de Processamento e

Transferência nos bairros onde há demanda desta categoria.

81

O programa também conta com outros objetivos:

- Proporcionar conhecimento e esclarecimento sobre trabalhos solidários. Ex:

Cooperativas, Associações.

- Confrontar realidade atual e realidade possível, apontando o cooperativismo como

um meio eficaz para sair e mudar uma realidade de exploração, com poucos ganhos ou até a

inexistência de direitos para uma realidade onde existam direitos respeitados, ganhos

condizentes ao seu árduo trabalho e em conseqüência disso, aumento na qualidade de vida

para os catadores de materiais recicláveis e seus familiares.

O programa de Curso de Educação Ambiental objetiva fundamentalmente promover a

educação ambiental que forma e transforma o homem para a vida, sobretudo na sua relação

individual e coletiva com o meio ambiente30.

Conforme o Educador Sócio-Ambiental, Jonas Barreto, em reunião na Cooperativa,

relatou que cada catador recebe o curso de capacitação conforme sua função no processo, e

que os apoiadores ligados a formação da cooperativa orientam na administração do negócio.

Quanto à parte externa (venda dos produtos), esta ficará por conta dos próprios catadores, pois

são eles que vão administrar a cooperativa.

Além do apoio da Cáritas Diocesana, a cooperativa conta com o apoio de outras

entidades civis. A COOTACAR também atua vinculada ao Movimento Nacional dos

Catadores de Material Reciclável (MNCR).

Futuramente os grupos de catadores dos 11 municípios da região oeste do Paraná,

formarão o comitê Regional da região oeste do Paraná, além de Mundo Novo (MS), comitê

que será responsável pela divulgação e fortalecimento do MNCR na região.

3.4 – Desafios do Trabalho Coletivo na COOTACAR

Com o tempo de convivência com os catadores, pode-se apontar algumas

considerações em relação ao trabalho interno dos catadores. As dificuldades encontradas pelos

cooperados da COOTACAR para atuarem nos princípios da Economia Solidária e do

Movimento Nacional dos Catadores de Material Reciclável, partindo do modo da organização

e das relações do trabalho desenvolvidas pelos catadores na cooperativa no dia-a-dia.

A primeira dificuldade observada no cotidiano desses trabalhadores foi a dificuldade

de organizar coletivamente os catadores na COOTACAR.

30 Fonte: Documento da COOTACAR, 2008.

82

As dificuldades aparecem nas decisões de organização do trabalho interno, por

exemplo: selecionar os materiais para triagem, processamento e mutirão para organização do

barracão.

As decisões de organização a respeito do trabalho coletivo, teoricamente nos

princípios da Economia Solidária e do MNCR, devem acontecer nas reuniões com a presença

de todos os membros do grupo. No entanto, nem todos os membros do grupo participam das

reuniões e nem sempre o que é decidido no coletivo é cumprido.

Os cooperados têm problemas na organização dos seus trabalhos. 31 Um dos maiores

problemas observados no grupo está em disponibilizar um dia de trabalho de cada catador,

para realizarem trabalho interno, nem todos aceitam perder um dia de trabalho na catação para

fazer autogestão32 na cooperativa.

Pelo fato desse dia de trabalho não ser remunerado, há uma grande resistência de

alguns catadores em disponibilizar um dia de trabalho interno na cooperativa. Este trabalho

interno é essencial para o funcionamento da cooperativa, pois como a cooperativa está no

início de formação e não tem disponibilidade de capital de giro para pagar o trabalho interno

dos cooperados, tendo vista em que esta não recebe doações de produtos recicláveis para

venda. Apenas comercializa os materiais entregue pelos cooperados.

Alguns deles comparecem na cooperativa somente no dia do pagamento que é feito

após a venda do material, não tendo nenhum compromisso com o trabalho coletivo.

Com a crise econômica mundial33 os catadores vivenciaram efeitos em suas atividades,

podendo-se citar as reduções dos preços. A título de exemplo, a sucata na foto 5 ficou

estocada em frente à cooperativa por vários dias, simplesmente pelo fato de não encontrarem

comprador.

31 Fonte: trabalho de campo realizado em Cascavel, 2009. 32 Trabalho extra dos cooperados para gerir a empresa. 33 Crise financeira mundial de 2009.

83

Foto 5 – Sucata estocada em frente à Cooperativa de Cascavel/PR 2009. Foto: Solange Queiróz Ribeiro, 2009.

Esse fato tornou-se emblemático, pois significou um divisor entre o grupo, ou seja,

entre os que se sentiam verdadeiramente comprometidos com o trabalho coletivo e os demais

que estavam interessados apenas na renda do material vendido na cooperativa para arcar com

suas despesas mensais.

A lógica que alguns catadores adotaram foi a de deslocarem-se da figura “sócio

trabalhador” à figura de “empregado”, ou seja, aquele que reivindica seus direitos, buscando

estratégias para pressionar o patrão, lógica adotada por alguns catadores, pois em dado

momento resolveram interromper suas atividades internas na cooperativa.

Outros mencionaram a estratégia de venderem o material aos atravessadores, como

forma de pressão, alegando que estes pagam valor mais alto aos recicláveis e que o

pagamento é feito na hora.

Para enfrentar o excesso de ausências no trabalho, alguns catadores sugeriram ao

grupo que a problemática fosse levada como pauta às reuniões. As regras nem sempre são

aceitas pelos faltosos, mesmo que tenham sido decididas em assembléias. Para contornar o

problema, a Cooperativa estipulou que o cooperado que não comparecer no dia de trabalho

interno marcado na cooperativa, terá descontado um dia de trabalho na remuneração, o valor

descontado passa a ser rateado entre os não faltosos, pois, avaliou-se que estes trabalharam

84

por aqueles. Esse procedimento é considerado justo por muitos dos trabalhadores por ser uma

forma disciplinadora com os faltosos.

Como apenas os sócios fazem parte da diretoria, alguns outros cooperados decidiram

tomar esta decisão. No entanto, essa iniciativa não teve muito êxito no que diz respeito a

punição aos faltosos.

Nem todos os trabalhadores cumprem sua tarefa (trabalho interno na cooperativa).

Esse fator acaba gerando conflitos entre os catadores. Outra dificuldade encontrada no

cotidiano de trabalho destes trabalhadores é a falta de interesse por parte de alguns

cooperados, pelo fato do material ser vendido quinzenalmente para uma indústria recicladora

de outro município. Isso exige de todos trabalhadores cooperação em grupo para atingir a

carga que completa do caminhão.

A justificativa apresentada pelos faltosos para não trabalharem internamente na

cooperativa é que nem sempre há trabalho que preencha o dia todo. Quando, por exemplo,

não há uma carga completa para enfardamento, os trabalhadores ficam sem ter o que fazer na

Cooperativa. Eles avaliam isso como um prejuízo pessoal já que estão deixando de catar

material na rua.

No entanto, essa cooperação não vem ocorrendo. Alguns cooperados permanecem

pouco tempo envolvido em suas atividades, ou há aqueles que ao chegarem ao trabalho dizem

que não tem nada para fazer, ficam conversando no ambiente de trabalho, ou como, já

mencionado anteriormente, muitos deles ficam semanas sem aparecer na cooperativa,

comparecendo somente para reivindicarem seus pagamentos.

Como não há colaboração de todos os catadores, a venda dos materiais muitas vezes é

atrasada pelo fato de não ter carga completa para a venda. Esse fator acaba atrasando a

comercialização do material, que muitas vezes ao chegar à data de entrega dos produtos não

há material prensado para venda. Isto gera descontrole, na medida em que outros cooperados

reclamam de seus colegas de trabalho.

Estas atitudes contrariam os princípios da Economia Solidária e do Movimento

Nacional dos Catadores de Material Reciclável de que todos devem cooperar com os demais

companheiros e trabalhar para o bem de todo o grupo.

A remuneração desses cooperados resulta exclusivamente de seu rendimento

individualizado, do peso e do tipo de materiais que entregam na cooperativa. A estratégia de

pagamento adotada pelos catadores da COOTACAR é diferenciada de outras cooperativas de

85

catadores de material reciclável, em que a remuneração depende dos resultados alcançados

conjuntamente.

A COOTACAR construiu sua maneira atual de remunerar seus cooperados, ou seja,

como o empreendimento é novo e não há colaboração de órgãos públicos34 que faz doação de

materiais à cooperativa e são os próprios cooperados que coletam os resíduos.

Esta forma de remuneração foi escolhida pelos próprios catadores em Assembléia. De

certa forma esta pratica foi escolhida para evitar conflitos entre os sócios, já que a força de

trabalho disponibilizada pelos catadores não são iguais, e eles dificilmente optariam por

manter o principio de igualdade de remuneração entre todos os membros. Muitos deles têm o

entendimento, que os cooperados mais idosos não desenvolveria o trabalho como os demais

cooperados.

Conforme Carvalho (2006, p. 5), a problemática da transição dos trabalhadores de um

modelo de desenvolvimento de economia capitalista para a Economia Solidária,

evidentemente se faz presente. O sujeito encontra dificuldades para sair de um lugar de

submissão e se tornar ator desse processo. Essas dificuldades são sustentadas pela lógica

capitalista, que traz a noção de individualismo e competitividade entre os membros da

cooperativa.

O individualismo pode se observado na fala do catador ao referir-se ao colega de

trabalho idoso. O entendimento dele é que os cooperados mais idosos, devido a seus

problemas de saúde, considerando-se a idade avançada, não desenvolverão as atividades com

as mesmas habilidades que os mais jovens. Por isso, deve haver a forma de diferenciação de

remuneração.

Esses mesmos mecanismos são utilizados pelo capital, ao se referir a um trabalho não

adequado ao mercado de trabalho formal, considerado de idade avançada, sem qualificação

profissional e boa saúde.

Ainda se referindo ao pagamento dos cooperados que é feito quinzenalmente ou

mensalmente, isto vai depender da escolha de cada catador. O valor do salário ocorre

conforme o desempenho alcançado por cada catador na coleta, ou seja, a produtividade

individual é a medida para a remuneração.

Os catadores que estão fora do espaço coletivo de trabalho da cooperativa são

considerados “catadores informais”35

34 Apenas a Ferroeste disponibiliza os produtos recicláveis aos catadores.

86

Aqueles que não participam do trabalho coletivo, ou seja, os catadores que preferiram

permanecer coletando individualmente seus recicláveis, não são permitidos comercializarem

seus produtos na cooperativa. Para os cooperados, estes atos estão fora dos princípios do

trabalho organizado sob o cooperativismo.

No entanto, a tendência de que após a transição da cooperativa para o local onde

funcionava o Ecolixo melhorará as condições de trabalho dos catadores. Esse fator trouxe

novas perspectiva para o grupo, como por exemplo, a reorganização da compra dos produtos

que era só feita com os cooperados.

Hoje, com o objetivo de integrar novos trabalhadores ao espaço coletivo, a diretoria da

cooperativa entrou em consenso para a compra dos materiais dos catadores que não fazem

parte do trabalho coletivo.

A diferença de preços pagos aos produtos dos cooperados e dos não-cooperados pode

ser verificado na tabela 7. Outro fator que ocorreu no espaço coletivo é a compra de produto

bruto, ou seja, sem ser classificado, mas com preço abaixo dos já classificados, que varia

entorno de R$ 0,15 centavos pelo material bruto.

Conforme, o catador “G”, cooperado da cooperativa, esta é uma estratégia para

chamar mais catadores para a cooperativa, pois quando o catador ver a diferença entre o preço

de cooperados e não-cooperados, a tendência é de que esses se juntarão ao grupo. (Entrevista

realizada em 13/7/2009).

Muitos catadores relacionam o trabalho na cooperativa como um outro qualquer.

Havendo a oportunidade de encontrar outro trabalho este poderá ser abandonado a qualquer

momento em função desta nova oportunidade. Isso ocasionará a fragilidade do trabalho

cooperativo, haja vista a rotatividade que essa ação desencadeia através da não fixação de

trabalhadores. E, quando da vinda de um novo componente ao grupo, este necessita ser

capacitado para se integrar, deixando o trabalho coletivo muitas vezes vulnerável.

Para outros, o trabalho na cooperativa significa a oportunidade de se livrar do chefe,

não tendo horário para iniciar e nem para parar o trabalho, dedicando-se ao seu próprio

negócio.

Em entrevista com o catador “J”, com 63 anos de idade, morador do município de

Cascavel há 45 anos e trabalhando na catação de reciclável há 18 anos, tem uma jornada de

trabalho de 8 horas por dia, e renda mensal que varia em torno de R$ 400,00 (quatrocentos

35 “Catadores informais” refere-se aos catadores que não compõem formalmente o quadro dos cooperados, mas comercializam os produtos na cooperativa.

87

reais). É um dos catadores mais efetivos pela formação da cooperativa, tendo acompanhado o

desenvolvimento das atividades de organização dos catadores desde o início.

Tabela 7 - Preço Pago aos Catadores Pela COOTACAR

Fonte: COOTACAR, Julho de 2009. Muitos catadores relacionam o trabalho na cooperativa como um outro qualquer.

Havendo a oportunidade de encontrar outro trabalho este poderá ser abandonado a qualquer

Material Entregue por Cooperado

Material Entregue por não Cooperado

Produtos Valor pago por kg

Produtos Valor pago por kg

Papelão 1ª 0,17 Papelão 1ª 0,13 Papelão 0,05 Papelão 0,04 Papel Branco 0,25 Papel Branco 0,19 Papel Misto 0,05 Papel Misto 0,04 Papel Cimento 0,05 Papel Cimento 0,04 Plásto Cristal 0,80 Plástico Cristal 0,60 Plástico Misto 0,35 Plástico Misto 0,26 Pet Verde 0,50 Pet Verde 0,38 Pet Branco 0,50 Pet Branco 0,38 Garrafinha BCA Natural

0,90 Garrafinha BCA Natural

0,68

Garrafinha PP Água Mineral

0,90 Garrafinha PP Água Mineral

0,68

Garrafinha Mista 0,40 Garrafinha Mista 0,30 Sacolinha 0,35 Sacolinha 0,26 Copinho 0,05 Copinho 0,04 Pet Óleo 0,10 Pet Óleo 0,08 PVC 0,20 PVC 0,15 Plástico Sucata 0,20 Plástico Sucata 0,15 Ráfia 0,10 Ráfia 0,08 Tetra Park 0,20 Tetra Park 0,15 Isopor 0,20 Isopor 0,02 Vidro Branco 0,03 Vidro Branco 0,03 Vidro Cor 0,02 Vidro Cor 0,02 Latinha 1,60 Latinha 1,20 Alumínio Duro ( Panela, Perfil)

2,00 Alumínio Duro ( Panela, Perfil)

1,50

Cobre 6,00 Cobre 4,50 Metal 4,00 Metal 3,00 Sucata de ferro 0,08 Sucata de ferro 0,06 Alumínio Bloco 1,20 Alumínio Bloco 0,90

88

momento em função desta nova oportunidade. Isso ocasionará a fragilidade do trabalho

cooperativo, haja vista a rotatividade que essa ação desencadeia através da não fixação de

trabalhadores. E, quando da vinda de um novo componente ao grupo, este necessita ser

capacitado para se integrar, deixando o trabalho coletivo muitas vezes vulnerável.

Para outros, o trabalho na cooperativa significa a oportunidade de se livrar do chefe,

não tendo horário para iniciar e nem para parar o trabalho, dedicando-se ao seu próprio

negócio.

Em entrevista com o catador “J”, com 63 anos de idade, morador do município de

Cascavel há 45 anos e trabalhando na catação de reciclável há 18 anos, tem uma jornada de

trabalho de 8 horas por dia, e renda mensal que varia em torno de R$ 400,00 (quatrocentos

reais). É um dos catadores mais efetivos pela formação da cooperativa, tendo acompanhado o

desenvolvimento das atividades de organização dos catadores desde o início.

Ao ser questionado se ele tinha vontade de trabalhar em outro emprego com carteira

assinada, décimo terceiro salário, férias entre outros benefícios que os trabalhadores do setor

formal têm direito, observou-se que ele não tem vontade de abandonar o trabalho na

reciclagem que desenvolve a anos, pelo fato de haver maior liberdade de horário. Ele destacou

que já se acostumou a trabalhar na reciclagem, sem ter chefe para mandar em seu trabalho,

nem horário para começar nem para parar a atividade, já que é dono do próprio negócio. 36

Outros catadores, porém, ao serem questionados sobre a mesma possibilidade,

salientaram que os motivos de desemprego a longo tempo, a falta de oportunidade e a

complementação da renda familiar os levaram ao circuito da catação de reciclável. Tendo a

oportunidade de encontrar outro emprego em uma empresa com carteira assinada e tendo

todos os direitos que têm os trabalhadores do setor da economia formal, eles largariam sim a

catação de reciclável para trabalhar em outro emprego.

Diante das condições materiais em que se encontram esses sujeitos, a alternativa que

lhes restam é a catação de recicláveis. As dificuldades estão contidas na condição de

reprodução social em que se encontram os sujeitos, tendo em vista que não têm capital inicial

para alavancar o negócio.

Conforme Gonçalves (2006), a organização do trabalho na reciclagem aparece como

sendo a saída da situação de exploração para os catadores.

36Trabalho de campo realizado em Cascavel, 2009.

89

Assim, verificou pela pesquisa efetuada para embasar este trabalho monográfico, que a

principal motivação que levou os catadores a realizarem o trabalho cooperado está na

melhoria de renda e de condições de trabalho.

Outro fator da motivação para o trabalho cooperado é por que os trabalhadores não

precisam mais procurar comprador pelos materiais recolhidos, e a cooperativa paga maior

valor pelos materiais recicláveis. Neste caso, verifica-se então que os motivos que levaram os

catadores organizados a trabalharem no serviço da catação de recicláveis foi à falta de opção a

uma alternativa de trabalho.

Assim, com a cooperativa estruturada, com seus membros capacitados, o conjunto de

instituições ligadas a esse processo objetiva com apoio do poder público municipal implantar

a Coleta Seletiva em todos os domicílios do município. Em Cascavel há bairros em que já

existe a coleta seletiva ver (mapa 1).

Mapa – 1 Bairros Com Coleta Seletiva e Sem Coleta Seletiva em Cascavel/PR Fonte: SEPLAN, 2004. Org: RIBEIRO, Solange Queiróz

O objetivo do CRAS (Centro de Referência e Assistência Social) é contribuir para a

organização coletiva do grupo, capacitação e desenvolvimento dos sócios, visando que estes

atinjam seus objetivos enquanto categoria de trabalhador.

Nessa parte da pesquisa vários aspectos merecem uma maior reflexão. Em relato de

catadores ligados à diretoria da COOTACAR, foi percebida algumas contradições vivenciadas

pelo grupo. Contradições essas que aparecem na administração em relação à autonomia para

assumirem a gestão do empreendimento e nas decisões de deliberações, bem como os desafios

90

para exercerem efetivamente o papel de lideranças e se apropriarem definitivamente da

autogestão. Exemplo disso ocorreu na reunião do dia 28/01/2009 nas dependências da

COOTACAR. A reunião tinha por objetivo debater as questões sobre a transferência de local

da Cooperativa, para a infraestrutura física do Ecolixo. De fato ocorreu a reunião com a

presença de 13 (treze) cooperados para discutir os pontos que os catadores levariam ao

secretário municipal do Meio Ambiente.

Após a discussão dos pontos de pauta entre cooperados, assessores da cooperativa e

representante da ONG Cáritas, a representante da ONG e o assessor da Cooperativa se

deslocaram até a Prefeitura para apresentar ao Secretário do Meio Ambiente, as reivindicações

dos catadores. No entanto, os catadores que representam a Cooperativa não participaram da

reunião com os demais envolvidos no processo de organização do trabalho dos catadores.

Dessa maneira, percebe-se que os catadores, mesmo gerindo o próprio negócio,

continuam submisso ao poder público municipal, tendo em vista que eles não participam das

decisões do andamento da cooperativa.

Segundo Jonas Barreto, orientador sócio-ambiental, em reunião na cooperativa

explicou que a motivação desta transição é devido ao fato de a Prefeitura não poder mais

comercializar material reciclável, haja vista que a empresa que fazia os trâmites de

comercialização via Ecolixo foi extinta - Coodevel (Companhia de Desenvolvimento de

Cascavel). Neste sentido, há a necessidade de uma associação/cooperativa no local do Ecolixo

para a comercialização dos materiais recicláveis.

O Secretário do Meio Ambiente propôs aos catadores que eles se apropriassem desse

espaço físico, mas a prefeitura continuará na autogestão da Cooperativa.

É possível apontar a intervenção que o poder público vem fazendo na administração

do negócio dos catadores. Alguns cooperados, por estarem acostumados às relações de

subordinações e de explorações não conseguem assumir o papel de sócios-proprietários da

Cooperativa, e acabam por se tornarem muito dependentes, desejando a presença de quem por

eles decida e administra seu próprio o negócio.

Em outros casos, alguns catadores não satisfeitos com a Cooperativa. Desejam que a

administração da Cooperativa seja repassada ao poder público, pois alegam que o grupo de

catadores ligado à diretoria não tem capacidade para administrar o negócio e a prefeitura deve

assumir a autogestão da cooperativa. Aos catadores ligados a diretoria, a intervenção em que a

91

prefeitura faz e o fato de haver conflitos entre os catadores, os mesmos alegam que a desunião

entre os membros cooperados torna difícil a administração da cooperativa.37

Para Carvalho et al. (2008), a transição de trabalhadores de um modo capitalista para o

modo solidário se faz presente. As dificuldades da lógica capitalista é que esta traz noções de

individualismo, de competitividade e de falta de autonomia, tendo em vista a relação

hierárquica patrão versus empregado à qual os trabalhadores estão submetidos.

Assim, a substituição dessa condição de subordinação pela cooperação mútua e

solidariedade entre o grupo necessita de um longo processo de reflexão sobre essa nova

realidade, que é a importância da tomada de consciência do sentimento de coletividade e d

solidariedade com a participação e interação entre todos.

No caso em que a realidade de cooperado é nova para todos, em havendo desunião do

grupo, em que alguns catadores desejam a presença do poder público para administrar a

cooperativa, a omissão predomina no negócio, dificultando as possibilidades do exercício de

democracia e da autonomia entre o grupo de catadores da COOTACAR.

Nos relatos de alguns cooperados, pode-se verificar em suas falas a posição dos

representantes do poder público municipal ligado ao processo. Frente a essas dificuldades na

gestão da COOTACAR, a Prefeitura de Cascavel, apoiadora do projeto, compreende que estes

trabalhadores não têm e dificilmente terão capacidade para gerir a Cooperativa.

É importante destacar que o grupo da COOTACAR, ainda que tenha o acesso aos bens

de produção, não tem a posse. Como já mencionado anteriormente, barracão, equipamentos,

são cedidos pela prefeitura isso implica na dependência do grupo ao governo municipal.

Como se pode verificar, nem todos os catadores têm consciência dessa dependência,

mas apenas os catadores do grupo têm noção dessa dependência. Em uma reunião na

cooperativa, um dos catadores, ao mencionar sobre a intervenção municipal na administração

da Cooperativa, mencionou que os catadores sempre serão “pau mandado” devido aos

funcionários da prefeitura assessorarem a Cooperativa. Como dito, entre o grupo da

COOTACAR, há catadores que têm consciência dessa dependência. Mas alguns deles

acreditam que a organização do grupo é a saída para desfazer essa subordinação.

3. 5 – A territorialidade da comercialização dos resíduos recicláveis em Cascavel

37 Fonte: Trabalho de Campo realizando em Cascavel 2008/2009.

92

Durante a realização do trabalho de campo na Cooperativa dos Trabalhadores de

Catadores de Material Reciclável de Cascavel foram aplicados 26 (vinte e seis) questionários

com os catadores. Desses, 16 (dezesseis) são cooperados da cooperativa e o restante são

trabalhadores catadores “informais” que fazem catação de reciclável individual e

comercializam seus produtos diretamente com os donos de depósitos da cidade de Cascavel,

conhecidos como intermediários, sucateiros e aparistas.

No trabalho de campo foi possível compreender a cadeia produtiva em que o grupo de

catadores de Cascavel faz parte:

● Os catadores se dividem em 4 grupos nos respectivos lugares receptores dos materiais: 1)

catadores que trabalham organizados na cooperativa e coletam materiais na rua com carrinho

ou em locais denominados pontos fixos; 2) os catadores que coletam materiais nas ruas com

carrinho, bicicleta ou à pé; 3) os catadores que coletam os produtos com carrinho de tração

animal e comercializam seus produtos com donos de depósitos; e 4) os catadores que

trabalham no Ecolixo.

● Os sucateiros, intermediários donos de depósitos, que recebem os materiais coletados pelos

catadores;

● As empresas de reciclagem, que absorvem todo o material coletado na cidade e revendem

para as grandes empresas localizadas em alguns municípios do Estado do Paraná: Quedas do

Iguaçu, Palmas, Guarapuava, Francisco Beltrão, entre outras.

● E as empresas que reciclam os produtos que se localizam fora da cidade de Cascavel.

93

Figura 3 – A Logística do Processo Produtivo da Reciclagem em Cascavel/PR

Fonte: Trabalho de Campo, 2007/2009. O. Ribeiro, S. Q.

Indústrias de Reciclagem

Produto Reciclado

Catadores com Carrinho; Catadores sem Carrinho; Catadores com Carroça; Catadores com Veículo Automotor;

Material nas Ruas

COOTACAR Ecolixo COOPERAVIR DEPOSITOS/SUCATEIRO

94

Na pesquisa foi possível identificar a renda média mensal que cada tipo de catador consegue atingir conforme (tabela 8) abaixo.

Tabela 8 – Renda Mensal que Cada Tipo de Catador Atinge em Cascavel/ PR

Catadores de rua sem carrinho R$ 100,00 a R$ 200,00

Catadores de rua com carrinho R$ 150,00 a R$ 600,00

Catadores com veículos de tração animal R$ 250,00 a R$ 400,00

Catadores com veiculo automotor R$ 700,00 a R$800,00

Cooperados (COOTACAR) R$ 200,00 a R$ 800,00

Fonte: Trabalho de campo, 2009

Das observações efetuadas em Cascavel, pode-se verificar a preferência da grande

maioria dos catadores comercializarem os materiais com donos de depósitos ou com

intermediários “catadores” que utilizam automóveis na catação de reciclável.

Como justificativa os trabalhadores alegam que a preferência é pelo fato de os donos

de depósitos ou mesmo os intermediários residirem no mesmo bairro em que 0s catadores

residem. Isso torna mais fácil a comercialização. Já outros vendem em qualquer lugar, não

havendo nenhuma preocupação por parte destes catadores com o valor a ser pago pelo seu

material38.

Ao serem questionados porque não comercializam diretamente na Cooperativa, muitos

declararam que assim não procedem porque necessitam diariamente do dinheiro e a

cooperativa demora um mês para pagar. Além disso, na cooperativa eles têm que realizar a

classificação dos produtos.

A compreensão que alguns têm é que o tempo que eles ficam classificando material na

Cooperativa, atrapalhará seu trabalho, haja vista que quanto tempo demandarem na catação de

material nas ruas, maior será sua rentabilidade.

Observou-se em Cascavel que a maioria dos catadores tem preferência em desenvolver

trabalho individual. Dos 1.200 (um mil e duzentos) catadores do município, até o ato das

38 Segundo dados do CRAS no município de Cascavel há em torno de 1.200 catadores, desses 35 são cooperados da COOTACAR e no Ecolixo há um grupo com 20 catadores e os restantes desenvolvem a atividade individual, comercializam com donos de depósitos grandes ou pequenos.

95

entrevistas39, apenas 35 (trinta e cinco) estavam trabalhando organizados na cooperativa e

outro pequeno grupo no Ecolixo.

Os restantes estão desenvolvendo a atividade individualmente, vendendo os materiais

recolhidos em depósitos da cidade, grandes ou pequenos, dependendo da remuneração de

cada depósito. Compreende-se que o fato de apenas 35 catadores estarem vinculado ao

movimento, é decorrência do fato de a cooperativa estar em início de processo de formação e

também pelo fato de que nem todos os catadores do Município reconhecem a existência da

Cooperativa. Outro motivo está relacionado às intervenções do poder público no negócio dos

catadores. Há anos a prefeitura vem tentando organizar os catadores em

associações/cooperativa. Como esse empreendimento não obteve muito êxito, a grande

maioria dos catadores, no que se pode perceber no trabalho de campo, estão desacreditados

com a organização do trabalho em cooperativa, preferindo, assim continuar desenvolvendo o

trabalho individualmente.

Sobre os trabalhadores catadores que desenvolvem individualmente sua atividade há

que se levar em conta a seguinte situação: não possuem carrinho para a coleta de reciclável;

os aparistas/sucateiros fornecem alimentos; moram distantes do local de entrega do material.

Do exposto, percebe-se que esses trabalhadores são subordinados e “obrigados” a

comercializarem seus produtos com os donos de depósitos.

Ainda que por escolha própria, estas relações fazem dos catadores os sujeitos

fragilizados na relação trabalhista, e comercial, submetendo-se às condições de trabalho

degradante, sendo por isso mal remunerados.

O catador de material reciclável é elemento extremamente funcional dentro da cadeia

produtiva da reciclagem, uma vez que trabalha em situações de precariedade e não tem

seguridade nenhuma no trabalho desempenhado por eles e sem nenhum custo adicional para

os sucateiros, como verificamos anteriormente. (Gonçalves, 2006). Conforme a tabela 9, os

catadores de Cascavel não recebem nenhum tipo de assistência social da Prefeitura. Tantos os

que estão organizados, como também os não organizados.

39 Janeiro de 2009.

96

Tabela 9 - Beneficio Social

Catadores (organizados) Beneficio Tipo de Beneficio

6 Não Recebe _

9 Governo Federal Bolsa família

1 Governo Federal Vale Gás

Catadores (Individual) Beneficio Tipo de Beneficio

6 Governo Federal Bolsa Família

4 Não Recebe _

1 Voluntário Cesta Básica

Fonte: Trabalho de Campo, 2009.

Um indicativo de descaso com os catadores está no fato de a maioria dos trabalhadores

entrevistados na Cooperativa e os considerados “informais” não participarem de nenhum tipo

de programa assistencial da Prefeitura Municipal de Cascavel, como se pode perceber pelas

entrevistas efetuadas. Os que foram inseridos em projetos assistenciais estão ligados a

programas sociais federais, como a bolsa-família e vale gás. Apenas 3 catadores entrevistados

tem filhos participando de projetos assistenciais, como o Eureca e Projovem da Prefeitura

Municipal de Cascavel.

3.6 – A Inserção da Cooperativa dos trabalhadores em Cascavel no Circuito Econômico da Reciclagem

Em Cascavel, apesar de todo o trabalho de convencimento realizado, de porta em porta

pela ONG URU, nos bairros e na área central da cidade, com distribuição de panfletos

explicativos e o proferimento de palestras ministradas por professores e estudantes

envolvidos, nem todos os moradores das áreas onde há o serviço de coleta seletiva colaboram

com a separação criteriosa no momento de descarte do seu lixo.

Alguns resíduos que chegam à cooperativa não têm comercialização e após a triagem,

ficam parados na cooperativa e provavelmente são encaminhados para o aterro sanitário da

cidade. Pode-se citar como exemplo as lâmpadas fluorescentes que estão dentre os resíduos

não comercializados.

97

Dentre esses resíduos não comercializáveis, existem aqueles que colocam em risco o

trabalho dos cooperados, seja no momento da coleta ou quando da triagem desses resíduos. O

uso de equipamentos ao manusear os materiais é importante para segurança (luvas, óculos,

botas, etc.), porém foi observado que poucos cooperados os utilizam.

O sistema de coleta, transporte e disposição final do lixo em Cascavel é gerenciado

pela Engeletrica, que presta o serviço à Prefeitura. O lixo é coletado pelos funcionários da

Engeletrica e transportado até o aterro sanitário do município.

Esse circuito se territorializa na cidade de Cascavel com base nos trabalhadores

catadores, que estão nas ruas e vendem suas mercadorias aos pequenos ou grandes sucateiros

e intermediários que acumulam esse produtos em quintais e pequenos galpões. Estes também

compram pequenas quantidades de reciclável de pessoas que coletam material no tempo livre

a fim de aumentar a renda com a catação. Enfim, os grandes ou pequenos sucateiros são os

principais compradores.

A territorialidade na coleta ocorre também através do trabalho dos catadores

cooperados que fazem a catação rotativa e em locais de pontos fixos. O trabalho organizado

na cooperativa aparece então como forma de organização do trabalho, de obtenção e

comercialização dos resíduos recicláveis. Permite aos cooperados romperem com os

sucateiros e venderem diretamente à indústria recicladora. No entanto, estes não estão livres

da subordinação da comercialização, mesmo estando organizados em cooperativas. Na hora

da comercialização, pois para se verem livres da figura dos intermediários, comercializam

todo o material com a indústria recicladora Moraflex de Francisco Beltrão, mesmo esta não

praticando o preço que eles almejam.

As mercadorias de maiores valores, podem ser citadas o metal, o cobre, o alumínio, a

garrafinha BCA natural. Por outro lado, para se verem livres dos produtos de menores

valores, os catadores os vendem por preços irrisórios. Dessa forma, como único comprador

dos produtos da cooperativa com capacidade de adquirir e vender grandes quantidades,

sobretudo os de menores valores, exerce assim domínio sobre a compra dos produtos da

cooperativa.

A forma de trabalho organizado efetivamente permite uma melhora na

comercialização dos recicláveis e uma pequena melhora nos preços pagos pelas mercadorias.

O melhor preço é obtido por meio da classificação, separação e triagem dos resíduos, pela

quantidade acumulada, pela prensagem em fardos e, sobretudo, pela qualidade dos produtos,

98

que são separados conforme o valor no mercado, como papelão de 1ª separado do papelão 2ª,

o plástico misto separado do plástico branco.

Para Gonçalves (2006, p. 223), na cooperativa os catadores passam a ocupar outro

lugar na cadeia local das mercadorias recicláveis eliminando os pequenos atravessadores. Esta

mudança só foi possível através do apoio direto de várias entidades, já que os trabalhadores

não possuíam capital inicial para alavancar esse negócio.

Em Cascavel, após a organização do trabalho na cooperativa, os catadores passaram a

administrar a comercialização dos seus produtos, eliminando tanto os pequenos como os

grandes atravessadores. E a mudança foi possível com a ajuda indireta do poder público local

e entidades civis envolvidas no processo.

O aluguel do barracão e do caminhão é custeado pela prefeitura e pela ONG Cáritas.

As prensas foram conseguidas com repasses do governo federal. É através desses auxílios que

a COOTACAR pode se manter em funcionamento, pois o valor arrecadado corresponde à

venda que está em torno de 24 (vinte e quatro) a 26 (vinte e seis) toneladas mensais de

resíduos recicláveis e tudo revertido aos trabalhadores.

Há que se contar também os prejuízos na compra dos materiais, pois como os produtos

são pesados na hora que os trabalhadores entregam na cooperativa, o tempo que fica

armazenado, isso faz com que ocorra a diminuição do peso dos produtos.

Há também a ocorrência de outros prejuízos à Cooperativa. Muitos catadores trazem

até a cooperativa material considerado “sujo”, não comercializável e na hora de prensar acaba

sendo retirado, voltando para lixo. Assim diminui o peso dos produtos na hora da venda com

a indústria, provocando prejuízos financeiros à cooperativa.

A ajuda que a cooperativa recebe por não ter que arcar com alguns custos, permite que

o dinheiro obtido com a venda das mercadorias seja utilizado para o pagamento dos

cooperados. Se a cooperativa tivesse que arcar com esses custos tornaria todo o trabalho

inviável.

A Prefeitura obtém retorno importante com o trabalho dos catadores, como a

diminuição de custos. Do contrário, se não houvesse a catação de reciclável necessitaria da

contratação de mão-de-obra por parte do poder público municipal para realização da coleta de

lixo. Dessa maneira aumentaria os custos trabalhistas para a prefeitura, já que os catadores

cooperados não são remunerados pela prefeitura, ficando à mercê dos altos e baixos em que

oscila esse mercado, ou seja, numa posição fragilizada, seja na catação individual ou em

cooperativas.

99

3.7 – A Territorialização do trabalho dos Catadores de Cascavel: um novo elemento do trabalho coletivo

A organização do trabalho coletivo na COOTACAR inseriu uma nova territorialidade

de trabalho aos catadores. O cooperativismo permitiu a construção de uma nova identidade.

Esses sujeitos passam de trabalhadores marginalizados, informais, para trabalhadores

“autônomos”. No passado eram vistos como maus elementos pela sociedade.

Hoje, a organização do trabalho permitiu-lhes a construção de um novo sentido de

vida para alguns desses trabalhadores. Houve uma ampliação dos momentos de sociabilidade

e as troca de experiências entre o grupo, situações difíceis de ocorrer no atribulado dia-a-dia

de trabalho na catação de rua.

A atividade dos catadores da cooperativa que aparenta ser uma desordem, é

extremamente organizada tendo em vista que o trabalho coletivo permitiu na cotidianidade

dos catadores uma nova inserção do circuito da coleta de reciclável no Município de

Cascavel. Eles mantêm uma rotina diária de coleta nas lojas e residências da área central da

cidade, locais denominados como pontos fixos. A área central da cidade entra em um novo

circuito dos trabalhadores catadores.

O circuito do material tem sua origem no descarte das lojas, das residências e pode ser

coletado pelo catador ou ir diretamente para as mãos dos intermediários. Os catadores

recebem os materiais descartados pelos moradores e lojistas, ou seja, seu trabalho consiste em

recolher o material das lojas, das residências - separá-lo e vendê-lo na Cooperativa.

O relacionamento com os lojistas e moradores pode ser considerado de parceria e de

dependência, tendo em vista a disponibilização do material para os catadores. Nesta relação

de troca e parceria entre intermediários, lojistas e catadores se nota uma divisão social e

territorial do trabalho.

No término do expediente de um dia de trabalho, uma parcela de comerciantes que não

tem catador específico para recolher o material, deixam esse lixo nas calçadas. Isso gera

disputa entre os catadores organizados e os individuais pelo fato de que nem todos os

catadores da Cooperativa possuem pontos fixos. De 16 (dezesseis) catadores entrevistados, 8

(oito) possuem pontos fixos e 8 (oito) não possuem pontos fixos.

O fato que gera motivo de disputa entre eles é o da territorialidade dos pontos fixos,

por representar um território de limites frágeis. Não há uma cooperação mútua entre os

100

catadores em respeitar os pontos de coletas de seus companheiros de trabalho. A razão desses

conflitos e disputa entre catadores está na desorganização de uma grande parcela dos

catadores, como foi mencionado anteriormente. Dos 1.200 (um mil e duzentos) catadores,

aproximadamente 40 (quarenta) estão organizados na Cooperativa, o que de certo modo

contribui na disputa pelo material.

Uma parcela dos lojistas já possui seu catador específico, estabelecendo uma relação

de cooperação mútua entre lojistas e catadores. Como no caso especificado anteriormente, os

supermercados e casas de shows reaproveitam o material em benefício próprio, vendendo às

empresas especializadas e aos intermediários, etc.

Os catadores mais antigos possuem mais pontos que os catadores que trabalham mais

recentemente. Seus pontos de recolhimento são definidos e, em média, variam de 4 (quatro) a

5 (cinco). Na maioria, os catadores da cooperativa trabalham de maneira familiar (esposo e

esposa). Quase sempre apresentam noção de territorialidade, uma vez que mencionaram

invasões de seus territórios e conflitos em virtude de recolhimento de material de local não

permitido.

O local demarcado, aparentemente, representa ser o lugar que mais possui materiais.

Com isso, os catadores organizados e os individualizados entram em conflitos na tentativa de

impedir a invasão de seus territórios por outros catadores.

Na pesquisa foi possível constatar que existe efetivamente um território organizado e

definido pelos catadores da Cooperativa na área central de Cascavel, com local e horário

marcado para a coleta, que tende a expandir para outras áreas com a implantação de

contêineres pela Cooperativa e pela Secretária do Meio Ambiente.

A territorialidade do catador manifesta-se no conjunto de práticas desenvolvidas pelo

grupo e envolve ao mesmo tempo as relações que mantêm contato com a cooperativa, com os

lojistas e com os moradores de residências.

Sua noção de territorialidade vem do sentimento de pertencimento de um território.

Além disso, pode-se dizer que a base de suas relações demonstra um sentimento de

dominação e apropriação do espaço, apresentando assim uma relação de poder.

Conclui-se que o território e a atividade do catador estarão garantidas enquanto se

mantiver no trabalho coletivo desta atividade. Pode-se constatar sua territorialidade

demarcada, pois alguns dos catadores já estão há anos na atividade de catação de materiais

recicláveis. As relações de poder e influência entre os catadores e lojistas mais antigos são

definidas e mantidas pela temporalidade, consolidando a apropriação do território.

101

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por meio de análise referente aos catadores de materiais recicláveis vinculados ao

cooperativismo é possível chegar a algumas observações importantes, que serão esboçadas de

forma breve adiante.

O estudo sobre os catadores organizados na Cooperativa dos Trabalhadores Catadores

de Material Reciclável de Cascavel (COOTACAR) possibilitou verificar o processo de

formação de cooperativa/associação no Município de Cascavel.

Ao tratar dos trabalhadores catadores organizado na COOTACAR, foi possível

apreender que existe uma relação entre a política municipal e a forma de organização coletiva

dos trabalhadores, já que o exemplo de Cascavel foi pautado no modo de cooperativa de

trabalho. A organização dos catadores é uma decorrência da forma como atua a Prefeitura

Municipal. Isso proporcionou uma relação de dependência muito grande entre os catadores e a

Prefeitura, relação de dependência essa que tenderia a ser mais autônoma com a própria

organização dos catadores.

Assim, o envolvimento dos trabalhadores catadores em eventos de catadores (fóruns e

eventos de catadores regionais), permitiu a esse grupo a visão de autogestão. Os catadores que

estavam organizados em uma associação (ACAMAR) iniciaram suas reivindicações para

administrar o negócio sem a intermediação da Prefeitura. Foi esse processo que fez surgir a

COOTACAR, que iniciou seu processo de formação em 2007, e sendo legalizada em 2008.

Assim, compreendeu-se que a alternativa para superar parte da problemática que

envolve os catadores e minimizar a exploração e subordinação por parte dos atravessadores na

intermediação da comercialização dos produtos recicláveis e a busca na melhoria das

condições de trabalho e renda foi através do trabalho coletivo.

Verificou-se no decorrer da pesquisa, que a luta dos catadores e seu envolvimento com

o MNCR, proporcionaram estratégias de organização no trabalho. É pela atividade organizada

que os trabalhadores catadores têm a oportunidade de lutar por melhorias, no que diz respeito

às condições de trabalho e renda.

A organização em cooperativa possibilita a comercialização direta com as indústrias

recicladoras, eliminando assim os intermediários da etapa da comercialização dos resíduos

recicláveis. No entanto, não elimina a figura das indústrias recicladoras.

102

Baseando-se nos apontamentos de Barbosa (2007), verificou-se que os catadores da

Cooperativa estão subordinados às indústrias recicladoras da quais eles comercializam os

materiais. Pelo fato de a Cooperativa não possuir capital de giro para estipular preço do

material no mercado, ou até mesmo pela necessidade de pagar os cooperados, vendem os

produtos pelo preço que a indústria estipula.

Outro fator corriqueiro, são os produtos de baixo valor no mercado, sem muito

interesse de comercialização. Para se “desfazer” desses produtos são vendidos a qualquer

preço.

Sendo assim compreende-se que a organização dos trabalhadores em cooperativas não

significa que estes estejam livres do metabolismo do capital, pois no sistema capitalista é

vantajoso para sua reprodução e ampliação que haja o trabalho precário e informal.

Entende-se também que a organização do grupo inseriu os catadores em uma nova

territorialidade da coleta de materiais recicláveis. O fato de os catadores possuírem pontos

fixos na cidade inseriu-os em um novo contexto, em que os catadores passaram a disputar

territórios que aparentam ter mais produtos recicláveis. Nesse sentido, o centro da cidade

aponta como o local que representa ter maior quantidade de produtos, tendo em vista a

concentração comercial e residencial das famílias com maior poder aquisitivo.

103

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106

ANEXOS

107

ANEXO I

ATA Nº 005/2008

ASSEMBLÉIA ORDINÁRIA

Assembléia Extraordimária para eleição de preenchimento de cargos da COOTACAR – Cooperativa dos Trabalhadores Catadores de Material Reciclável. Aos quatro dias do mês de dezembro do ano de dois mil e oito, às quatorze horas, no CAP - Centro de Armazenamento e Processamento, da Cootacar, localizado à rua Carlos Gomes, 3376, centro, na cidade de Cascavel, Estado do Paraná, reuniram-se com o propósito de eleição de preenchimento de cargos, nos termos de legislação vigente, as seguintes pessoas: José Nunes de Lima; Jorge Ramos da Silva; Guiomar Andrade; Alcides Lemes; Maria Laudelina dos Santos Mendes; João Batista; Maria das Dores Lima; Maria Fátima Ferreira Brizola; Irondi Rodrigues; Airton Roza; Sérgio Alves da Silva; Alcides Lemes; Eraci Ribeiro de Lima. Também estavam presente o Técnico Jonatas do Santos Barreto, o técnico Valmir Rogério Japeniski e a assistente sócia Srª Neida Maria Chassot. Assumindo a direção dos trabalhos, a Presidente Maria Laudelina dos Santos Mendes tomou a palavra e depois de dar as boas vindas aos presentes e colocado o assunto em pauta passou a palavra para o assessor da cooperativa, Jonatas, o qual pôs em assembléia a questão da chave do barracão para definir quem iria ficar com a chave e ficou definido que até se organizar melhor a chave ficará na segunda, quarta e sexta-feira com a cooperada Eraci Ribeiro Lima e na terça e quinta feira com o cooperado José Nunes de Lima. Outro assunto abordado foi sobre a questão da venda da sucata, quando seria o pagamento. O cooperado Sérgio tomando a palavra falou de que se poderia usar o dinheiro para pagar as dividas referente à instalação da prensa e compra de fio para confecção dos fardos. Ficou definido que o dinheiro da sucata vais ser usado para quitar as contas acima referida a Srª Maria Laudelina dos Santos Mendes, Presidente da Cooperativa deu por encerrados os trabalhos e eu, Valdemir Rogério Japeniski, lavrei a presente ata, que lida e aprovada contém as assinaturas de todos os presentes.

Maria Laudelina dos Santos Mendes

Presidente

Sergio Alves da Silva

1º Secretário

108

ANEXO II

Data:

1. IDENTIFICAÇÃO

Nome: ________________________________________________________________

Estado Civil Casado (a) ( ) Solteiro (a) ( ) Separado/divorciado ( )

Viúvo (a) ( )

Naturalidade: ___________________________________________________________

Sexo: Masculino ( ) Feminino ( )

Endereço: _______________________________ nº. ____ Bairro__________________

Idade: _________________

2. SITUAÇÃO DE MORADIA

2.1 Casa própria ( ) Aluguel ( ) Área de Ocupação ( ) Cedida ( )

Mora com parentes ( )

2.2 Você possui: ( ) Geladeira ( ) Fogão a gás ( ) Televisão ( ) Máquina de lavar roupa

( ) Telefone ( ) Automóvel

2.3 Qual município morava antes de vir para Cascavel?________________________________________________________________

2.4 Há quanto tempo você mora no município de Cascavel?_________________________________________________________________

2.5 Quantas pessoas moram na casa:____________________________________________

3. ESCOLARIDADE

3.1 Nível de escolaridade: Analfabeto ( ) Ensino Fundamental ( ) Ensino Médio ( ) Outros ( )

3.2 Estuda atualmente: ( ) Sim ( ) Não

3.3 Qual a situação de escolaridade de seus familiares?________________________________________________________________

4 . SITUAÇÃO DE TRABALHO

4.1 Qual horário que desenvolve a catação: Durante dia ( ) Durante Noite ( ) Madrugada

109

( ) Quantas horas trabalha por dia? ______________________

4.2 Tem um local específico de coleta (bairro, centro, indústria, mercado, rua, lixão, residência).

4. 4 Quanto tempo trabalha na catação de reciclável?

______________________________________________________________________

4.5 Tem vontade de trabalhar em alguma empresa? Caso seja afirmativo porque acha que não consegue o emprego? ______________________________________

4.6 Qual o meio de transporte utiliza para desenvolver a catação ( carroça, carrinho, bicicleta, pé)

4.7 Quais as dificuldades para a coleta de materiais? ______________________________________________________________

4.8 Existe atrito com outros catadores? __________________________________________

4.9 Para quem entrega o material reciclável? Por quê? (para saber se entrega para particular ou na associação e qual a vantagem de entregar para um ou outro)

__________________________________________________________________________________________________________________________________________________

5. SITUAÇÃO PROFISSIONAL

5.1 O que você e os demais membros de sua família faziam antes de trabalhar na catação de reciclável? ________________________________________________________________

NOME PROFISSÃO TEMPO DE SERVIÇOS MOTIVO DA SAÍDA

5.2 Quais os motivos que os levaram a trabalhar na catação de reciclável

5.2 Além de trabalhar na catação de reciclável possui outro emprego? Qual?_________________________________________________________________

5.3 A família depende da renda do trabalho na catação de reciclável exclusivamente Sim ( ) não ( )

NOME DESEMPREGO RENDA FAMILIAR

LIBERDADE DE HORÁRIO

FALTA DE OPORTUNIDADE

OUTROS

110

5.4 Qual a renda familiar mensal? ________________________________

6. ASSOCIAÇÃO

6.1 Você conhece a Associação dos catadores de recicláveis? ( ) Sim ( ) Não

6.2 Participa das reuniões da associação? ( ) Sim ( ) Não

6.3 Quais os motivos que levaram a trabalhar na associação? (ou porque não estão associados?)

____________________________________________________________________________________________________________________________________________

6.4 Há quanto tempo trabalha na associação? ____________________________________

6.5 Depois que tornou-se associado as condições de trabalho e renda:

( ) Melhoraram ( ) Pioraram ( ) Continuaram a mesma coisa

Por quê____________________________________________________

6.6 O quê a Associação pode fazer para melhorar suas condições de trabalho?

______________________________________________________________________

6.7 O quê conhece sobre o Movimento Nacional dos Catadores de recicláveis?

______________________________________________________________________

7. PROGRAMAS ASSISTENCIAIS:

7.1 Recebe auxílio: Prefeitura ( ) Governo Estado ( ) Governo Federal ( )

7.2 Quais os tipos de auxílios recebem: Vale Gás ( ) Cesta Básica ( ) Vale Leite

( ) Bolsa família ( ) Outros:______________________________

7.3 Os filhos participam de algum projeto da prefeitura? Quais são? _________________________________________________________________________

7.4 A família participa de algum projeto ou serviço assistencial da Prefeitura Municipal? Sim ( ) não ( ) Qual o projeto ou serviço? _______________

Há quanto tempo?______________________ Quais os membros da família?__________________________________________________________________

7.5 Alguém da família tem algum problema de saúde?

Sim ( ) Não ( ) Quem?_________ Necessita de Medicação Constante?________

111

ANEXO III

112

ANEXO IV

Carta de Brasília

Em relação ao poder executivo, propomos:

1.1 - Garantia de que, através de convênios e outras formas de repasse, haja destinação de

recursos da assistência social para o fomento e subsídios dos empreendimentos de Catadores

de Materiais Recicláveis que visem sua inclusão social por meio do trabalho.

1.2 - Inclusão dos Catadores de Materiais Recicláveis no Plano Nacional de Qualificação

Profissional, priorizando sua preparação técnica nas áreas de gestão de empreendimentos

sociais, educação ambiental, coleta seletiva e recursos tecnológicos de destinação final.

1.3 - Adoção de políticas de subsídios que permitam aos Catadores de Materiais Recicláveis

avançar no processo de reciclagem de resíduos sólidos, possibilitando o aperfeiçoamento

tecnológico dos empreendimentos com a compra de máquinas e equipamentos, como balança,

prensas etc.

1.4 - Definição e implantação, em nível nacional, de uma política de coleta seletiva que

priorize o modelo de gestão integrada dos resíduos sólidos urbanos, colocando os mesmos sob

a gestão dos empreendimentos dos Catadores de Materiais Recicláveis.

1.5 - Garantia de que a política de saneamento tenha, em todo o país, o caráter de política

pública, assegurando sua dimensão de bem público. Para isso, sua gestão deve ser

responsabilidade do Estado, em seus diversos níveis de governo, em parceria com a sociedade

civil.

1.6 - Priorização da erradicação dos lixões em todo o país, assegurando recursos públicos

para a transferência das famílias que vivem neles e financiamento para que possam ser

implantados projetos de geração de renda a partir da coleta seletiva. E que haja destinação de

recursos do programa de Combate à Pobreza para as ações emergenciais.

2 - Em relação à cadeia produtiva:

2.1 – Garantir nas políticas de financiamentos e subsídios, que os recursos públicos sejam

aplicados, prioritariamente, na implantação de uma política de industrialização dos materiais

recicláveis que priorizem os projetos apresentados por empresas sociais de Catadores de

113

Materiais Recicláveis, garantindo-lhes acesso e domínio sobre a cadeia da reciclagem, como

estratégia de inclusão social e geração de trabalho e renda.

3 – Em vista da cidadania dos Moradores(as) de Rua

3.1 – Reconhecimento, por parte dos governos, em todos os níveis e instâncias, da existência

da População de Rua, incluindo-a no Censo do IBGE e garantindo em lei a criação de

políticas específicas de atendimento às pessoas que vivem e trabalham nas ruas, rompendo

com todos os tipos de discriminação.

3.2 – Integração plena da População de Rua na política habitacional que garanta e subsidie a

construção de casas em áreas urbanizadas, e que parta da recuperação e desapropriação dos

espaços ociosos nos centros das cidades, garantindo-lhes o direito à cidade.

3.3 - Priorização da geração de oportunidades de trabalho, com garantia de acesso a todos os

direitos trabalhistas, aos Moradores de Rua, superando especialmente as discriminações

originadas na falta de domicílio e/ou na indicação de endereços de albergues.

3.4 – Promoção de políticas públicas de incentivo às associações e cooperativas de produção

e serviços para e com os Moradores de Rua.

3.5 – Garantia de acesso à educação de todos os Moradores de Rua, especialmente das

crianças, em creches e escolas, independente de comprovante de residência, possibilitando

também a inclusão das famílias que moram nas ruas no programa Bolsa-Escola.

3.6 – Inclusão dos Moradores de Rua no Plano Nacional de Qualificação Profissional, como

um segmento em situação de vulnerabilidade social, garantindo seu encaminhamento a formas

de trabalho que geram renda.

3.7 - Garantia de atendimento no Sistema Único de Saúde - SUS aos Moradores de Rua,

abrindo também sua inclusão nos programas especiais, como “saúde da família” e similares

“saúde mental”, DST/AIDS/HIV e outros, instituindo “casas-abrigo” para apoio dos que estão

em tratamento.

Frente à significativa representação destes eventos, não temos mais dúvidas quanto à força e

importância de nosso movimento e acreditamos que a transformação da realidade atual, será

progressiva e crescente.

Acreditamos que a partir deste momento o Estado e a sociedade brasileira não terão condições

de negar o valor do nosso trabalho. Lutaremos para alcançar maior autonomia e condições

adequadas para exercer nossa profissão, comprometendo Estado e sociedade na construção de

parcerias com nossas associações e/ou cooperativas de trabalho.

114

Trabalharemos cotidianamente pela erradicação do trabalho infantil e do trabalho nos lixões,

colocando nossa força e nossas tecnologias à serviço da preservação ambiental e da

construção de uma sociedade mais justa.

Pelo fim dos lixões!

Reciclagem feita pelos catadores, já!

Brasília, junho de 2001.

ANEXO V

116

ANEXO VI

MNCR conquista Decreto Estadual para coleta em órgãos públicos do Paraná

21/01/2009

Apesar da medida catadores ainda lutam contra a privatização em aterros Marilza Aparecida e

Valdomiro Ferreira, integrantes do MNCR, durante a assinatura do Decreto.

Setor de comunicação MNCR

Os catadores de materiais recicláveis do Estado do Paraná têm mais um motivo para se

orgulhar dos esforços para garantir melhoria de trabalho para todos os catadores e catadores.

No ultimo dia 20 de Janeiro o MNCR no Paraná conquistou a assinatura de um Decreto que

obriga todos os órgãos públicos Estaduais do Paraná a separar o material reciclável produzido

e destinar para associações e cooperativas de catadores.

A iniciativa é inspirada no decreto Federal 5.940 e deve atingir além dos órgãos Estaduais,

também autarquias, empresas públicas, fundações e sociedades de economia mista do Estado.

“O trabalho dos catadores é de importância extraordinária para as cidades e para o mundo.

Eles recolhem o material inservível que é reprocessado e volta para a indústria e se transforma

em bens comercializáveis”, afirmou Roberto Requião, governador do Estado, que anunciou a

criação do Comitê Estadual de Inclusão Social dos Catadores de Materiais Recicláveis.

“Cobramos do governador também a questão da moradia, pois muitos catadores ainda vivem

em barracos dentro de ferros-velhos” comentou Marilza Aparecida, representante do MNCR

que participou ativamente da articulação para implementação do Decreto. Segundo Marilza,

as negociações estão acontecendo junto a Secretária de Habitação e na Secretaria de Industria

e Comercio no sentido de buscar solução quanto aos preços dos materiais que estão em queda.

“Tivemos a ajuda do Ministério Público Estadual da área de Meio Ambiente e do Ministério

Público do Trabalho, além do Instituto IEP” completou.

A expectativa de membros do MNCR no Paraná é que essa articulação posso servir de

exemplo para outros Estados. “A nossa oportunidade está chegando. Hoje conquistamos mais

que esperávamos”, disse o catador Valdomiro Ferreira da Luz, membro da Catamar. O novo

decreto é o resultado de anos de luta dos catadores ligados ao MNCR e parceiros integrantes

do Fórum Lixo e Cidadania do Paraná. A iniciativa deve garantir a o aumento na coleta nos

órgãos e facilitar o avanço da coleta seletiva.

117

Mas há muito que conquistar ainda. Apesar da boa notícia, Marilza não pode comemorar

ainda a nova medida, a luta dos catadores no Paraná se dá hoje contra a eminente privatização

do lixo na cidade de Curitiba, o que atingirá diretamente os catadores, bem como cidades

vizinhas. A prefeitura de Curitiba estuda o fechamento do Aterro Sanitário da Caximba que

hoje recebe materiais de 15 cidades da região metropolitana de Curitiba. Na avaliação do

promotora Magareth Mattos, do Ministério Público do Trabalho, a mudança significa a

privatização do serviço de gestão dos resíduos e vai beneficiar apenas as empresas. “Continuo

criticando esse projeto. Os catadores de papel estão sendo induzidos a acreditar que esse novo

sistema para coleta e tratamento do lixo, que não difere em nada do que é feito hoje, vai

ajudá-los. Só que com esse modelo que querem implantar, há um acordo de que 30% de todo

o material que chegar ao novo aterro deverá ser reciclável. Isso vai prejudicar diretamente

essas pessoas que dependem do lixo reutilizável”, explica. Marilza explica que a empresa que

administrar o novo aterro poderá comercializar os materiais recicláveis que chegarem no

aterro competindo diretamente com as cooperativas e associações de catadores. Denuncia

ainda que muita coisa precisa ser feita nos novos galpões inaugurados em Curitiba. “Ainda

faltam muitos equipamento, em muitas organizações falta até EPI´s (equipamentos de

proteção individual), a demanda (de catadores) é muito grande e ainda não foi contemplada”

declarou. Na opinião da Marilza a prefeitura era ao abrir espaço para a privatização deixando

de lado a questão social. “A prefeitura deve investir na mídia, em campanhas educativas,

sensibilizando os grandes geradores para que o material chegue às cooperativas, deve focar

sempre o trabalho que os catadores realizam” completa.