Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho ... · Aos companheiros “as” de sala...

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1 Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – Unesp Faculdade de Ciências e Tecnologia FCT Curso de Graduação em Geografia (Licenciatura e Bacharelado) Convênio Unesp/Incra (Pronera) Parceria: Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF) LEANDRO FEIJÓ FAGUNDES POTENCIALIDADES E LIMITES DA PRODUÇÃO DO ARROZ ORGÂNICO NO ASSENTAMENTO FILHOS DE SEPÉ VIAMÃO/RS Presidente Prudente 2010

Transcript of Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho ... · Aos companheiros “as” de sala...

1

Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – Unesp

Faculdade de Ciências e Tecnologia – FCT

Curso de Graduação em Geografia (Licenciatura e Bacharelado)

Convênio Unesp/Incra (Pronera)

Parceria: Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF)

LEANDRO FEIJÓ FAGUNDES

POTENCIALIDADES E LIMITES DA PRODUÇÃO DO ARROZ ORGÂNICO NO

ASSENTAMENTO FILHOS DE SEPÉ – VIAMÃO/RS

Presidente Prudente

2010

2

LEANDRO FEIJÓ FAGUNDES

POTENCIALIDADES E LIMITES DA PRODUÇÃO DO ARROZ ORGÂNICO, NO

PROJETO DE ASSENTAMENTO FILHOS DE SEPÉ – VIAMÃO/RS

Trabalho de conclusão apresentado ao

Curso de Graduação em Geografia

(Licenciatura e Bacharelado), do

Convênio Unesp/Incra (Pronera), para a

obtenção do título de Bacharel em

Geografia.

Orientador: Prof. Dr. João Osvaldo

Rodrigues Nunes

Presidente Prudente

2010

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TERMO DE APROVAÇÃO

LEANDRO FEIJÓ FAGUNDES

POTENCIALIDADES E LIMITES DA PRODUÇÃO DO ARROZ ORGÂNICO, NO

PROJETO DE ASSENTAMENTO VIAMÃO

Monografia aprovada como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em

Geografia, da Faculdade de Ciência e Tecnologia – Unesp, pela seguinte banca examinadora:

Orientador: Prof. Dr. João Osvaldo Rodrigues Nunes

Departamento de Geografia, FCT-Unesp

Presidente Prudente, 10 de outubro de 2011

4

DEDICATORIA

Ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

Por ter me dado a oportunidade de realizar este curso, que

vem, sem dúvida nenhuma, ao encontro dos objetivos

deste grande movimento social.

5

AGRADECIMENTOS

Este singelo agradecimento não possui uma ordem de importância, mas sim uma

ordem cronológica dos acontecimentos e encontros proporcionados pela vida, o meu muito

obrigado:

Ao meu pai Leonel e minha mãe Nilma, a minha esposa Luciane e minha querida

filha Laura, que sempre souberam entender as minhas vontades, minha eterna gratidão, pela

compreensão e apoio nos momentos difíceis desta longa jornada.

A COPTEC, cooperativa esta que presta serviço aos Assentamentos Rurais, na

qual faço parte, meus sinceros agradecimentos pela liberdade que tenho de inovar e criar

novas soluções para a agricultura camponesa. Em especial agradeço a toda equipe técnica de

Viamão, principalmente aos colegas que estão diretamente ligados á várzea, Ricardo, Gelson

e Marcelo.

Ao companheiro Edson Cadore, pelas reflexões e diálogos sobre os percalços da

reforma agrária, pela paciência e companheirismo peculiar deste amigo.

A todos “as” companheiros “as”, pertencentes aos movimentos sociais, que vem

ao longo de suas vidas construindo um mundo mais igualitário e justo para os seres deste

planeta. Em especial Sidi Santos, Cilone e Chicão, que me deram toda a força para estar neste

curso.

As famílias do Assentamento Viamão, que sempre se colocaram a disposição para

o diálogo, na construção em que a troca de saberes é mutua.

A todos aqueles que contribuíram na Coordenação Política Pedagógica deste

curso, em especial a Marisa e a Liciane, que sempre se esforçaram para contribuir com o

nosso aprendizado.

Aos companheiros “as” de sala de aula e de tantas outras batalhas, a qual as

diferenças culturais foram respeitadas tornando-se verdadeiros amigos.

Aos professores do Departamento de Geografia da FCT-Unesp, em especial ao

Bernardo e ao Thomaz e a todos os funcionários desta instituição.

Ao Professor Doutor João Osvaldo Rodrigues Nunes, por aceitar me orientar e

acreditar no meu trabalho, sempre teve presente depositando apoio, auto-estima e confiança.

Considero além de orientador, um grande camarada.

Meus sinceros agradecimentos,

Leandro Feijó Fagundes / Tchesco

6

EPÍGRAFE

...o camponês que resolve os seus problemas

constrói conhecimento, que pode não ter a

natureza científica, mas esta imbricado nas bases

epistemológicas do construir o verdadeiro

conhecimento, que são validados pelos próprios

camponeses, no seu espaço de decisão.

(Tchesco/Cadore)

7

Resumo

Este trabalho tem como objetivo evidenciar as potencialidades e os limites da produção do

Arroz Orgânico e a sua importância na estratégia de territorialização dos camponeses, a partir

do estudo de caso do Assentamento Filhos de Sepé, no município de Viamão-RS. Este

assentamento foi selecionado como espaço de pesquisa por ser o maior da região

metropolitana de Porto Alegre, com 373 famílias, e por localizar-se em uma ampla planície

aluvial, que esta inserida na Área de Proteção Ambiental do Banhado Grande do Rio

Gravataí. A área deste assentamento sofreu por muitos anos um grande impacto ambiental,

provocado pela monocultura do arroz (Oryza sativa) irrigado, cultivada pelos antigos

proprietários. Atualmente, tendo em vista a grande complexidade e fragilidade dos

ecossistemas existentes no local, devido às várias nascentes que ali existe aliada à área de

proteção ambiental (APA), tem-se incentivado a prática agrícola da produção do arroz

orgânico, em detrimento do uso intensivo de agroquímicos. Há cerca de 10 anos em vários

assentamentos desta região metropolitana, vinculados ao MST, muitas famílias vem

cultivando o arroz orgânico, entre as quais algumas de Viamão. Para garantir a participação

das famílias em todas as etapas da produção e comercialização do grão foi criado o Grupo

Gestor do Arroz Ecológico, apostando na agroecologia como forma de efetivar sua

territorialização, dentro de uma sustentabilidade ecológica. O Assentamento Filhos de Sepé

representa 38% das famílias que participam do grupo e 40% da área de arroz orgânico

plantada, que na safra 2010/2011 abrangeu em torno de 3500 ha.

A pesquisa possibilitou evidenciar a superação de alguns limites vivenciados historicamente

pela comunidade, entre eles a falta de experiência na atividade orizícola e a problemática

ambiental, que desencadeou no Termo de Ajuste de Conduta, colocando a obrigatoriedade da

não utilização de pesticidas e outros insumos químicos no assentamento. Estes fatos, aliado ao

potencial estrutural da área para a produção de arroz, e a aproximação do grupo gestor, com a

formação de grupos para a certificação orgânica, possibilitaram uma maior territorialização

dos camponeses. Portanto, da conflitualidade surgiu a cooperação, para viabilizar a produção,

construindo um modelo mais sustentável, onde sem dúvida nenhuma, a produção isolada, sem

vinculo ou aproximação entre os camponeses, dificultaria a reorganização do sistema

produtivo do Assentamento Filhos de Sepé.

Palavra chave: camponês, grupo gestor, arroz e agroecologia

8

Abstract

OR Projeto Assentamento Viamão, also called hairs of rural Assentamento Filhos de Sepé é

composto by 373 families, locates-is not District of Águas Clear – Viamão/RS. This

assentamento has uma ampla alluvial plains, that this located at the area of proteção

Environmental oj Banhado Grande Rio Gravataí. The area oj assentamento of ao longo two

years, hair old owners, a great environmental impact, caused pela monoculture oj rice

irrigated (Oryza sativa). Atualmente, tendo em view to great complexity and fragilidade two

existing ecossiste not assentamento, due às several palace that ali there allied à area of

proteção environmental (APA), to não use of agrochemicals é basic requirement for as future

safras. Neste sense or trabalho tem goal by highlighting as potential and os limits da produção

oj Rice Orgânico e sua importance nas strategies of territorialização two rural. OR

assentamento this part na Região Metropolitana de Poro Alegre, where ao environment desta,

has outros 25 assentamentos rurais made hair Reform Program Agrária, yet residents more

than one thousand families of rural assentados nesta grande region. Estes rural belong ao

MST e created or Group Manager oj Rice Ecological, will na livestock as a form of efetivar

sua territorialização, within uma

sustentabilidade ecological. OR Assentamento Viamão represents 38% das families

participating oj group and 40 per cent da area of rice orgânico planted.

Keywords: camponês, group manager, rice and livestock

9

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Mapa de localização do município de Viamão e as principais vias de acesso........13

Figura 2 – Mapa de localização do Assentamento Filhos de Sepé – Viamão/RS....................14

Figura 3 – Localização dos setores “A”, “B”, “C” e “D”.........................................................15

Figura 4 – Produção agrícola Municipal...................................................................................29

Figura 5 – Mapa da produção de arroz no RS – 2009...............................................................30

Figura 6 – Municípios que compõem a Regional Porto Alegre...............................................31

Figura 7 – Principais recursos hídricos do Assentamento Filhos de Sepé................................36

Figura 8 – Localização do Refugio de Vida Silvestre Banhado dos Pacheco, que se encontra

na Área de Proteção Ambiental Banhado Grande....................................................................38

Figura 09 e 10 – Programa de Capacitação em Arroz Orgânico..............................................45

Figura 11 – Lotes cultivados na safra 2010/2011.....................................................................46

Figura 12 – Tratores tracionados e colheitadeira......................................................................47

Figura 13 e 14 – Utilização da tração animal e mecanizada no cultivo do arroz......................48

Figura 15 e 16 – Lavoura sistematizada e convencional. Fonte: Arquivo COPTEC (2010)....49

Figura 17 e 18 – Grade aradora e grade de disco......................................................................49

Figura 19 e 20 – Semeadeira em linha e lavoura com aproximadamente 20 dias após o plantio,

pronta para receber a irrigação em definitivo...........................................................................49

Figura 21 e 22 – Taipa permanente em quadros retangulares e em curva de nível..................50

Figura 23 – Mapa zoneamento agrícola para a cultura do arroz irrigado no Estado do Rio

Grande do Sul............................................................................................................................51

Figura 24 e 25 – Transporte da semente pré-germinada...........................................................52

Figura 26 – Germinação da semente / desenvolvimento da radícula e do coleóptilo...............53

Figura 27 e 28 – Semeadura mecânica a lanço e manual.........................................................53

Figura 29 e 30 – Infra-estrutura de drenos e irrigação adequados...........................................54

Figura 31 – “a” gorgulho aquático, “b” larva e “c” raiz atacada pelo gorgulho.......................54

Figura 32 e 33 – Drenagem da lavoura após o plantio com semente pré-geminada e solo que

poderá ser perdido na retirada da água......................................................................................55

Figura 34 e 35 – Lavoura com plântulas de arroz com 3 a 4 folhas e o surgimento do capim-

arroz, na sequência a mesma lavoura inundada com o objetivo de controlar o capim arroz....56

Figura 36 e 37 – Arroz submetido ao stress e arroz em bom desenvolvimento.......................56

Figura 38 – Uso do marreco de pequim....................................................................................57

10

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Evolução dos 10 principais produtores mundiais, no período de 2005 a 2009.......27

Tabela 2 – Evolução da produção de arroz nos países do Mercosul, no período de 2005/06 a

2009/10......................................................................................................................................28

Tabela 3 – Limites e potencialidades da atividade orizícola no Assentamento Filhos de

Sepé...........................................................................................................................................61

LISTA DE SIGLAS

AAFISE – Associação de Moradores do Assentamento Filhos de Sepé

APA – Área de Proteção Ambiental

ASCAR – Associação Sulina de Crédito e Assistência Rural

COCEARGS – Cooperativa Central de Agricultores de Reforma Agrária

COOPAC – Cooperativa do Assentamento de Charqueadas

COOTAP – Cooperativa dos Trabalhadores Assentados da Região de Porto Alegre Ltda.

COPTEC – Cooperativa de Prestação de Serviços Técnicos Ltda.

CPA – Cooperativa de Produção Agrícola

DEFAP – Departamento de Florestas e Áreas Protegidas

DNOS – Departamento Nacional de Obras de Saneamento

DPP – Diferenciação dos Primórdios da Panícula

DRH – Departamento de Recursos Hídricos

EMATER – Empresa Riograndense de Empreendimentos de Assistência Técnica e Extensão

Rural

EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária

EMBRATER – Empresa Brasileira de Assistência Técnica Extensão Rural

EPAGRI – Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina S.A.

FAO – Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação

FEPAM – Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luiz Roessler - RS

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IMO – Instituto do Mercado Orgânico

INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

11

INFINDHA – Instituto de Formação Integral Desenvolvimento Humano e Ambiental

IPH – Instituto de Pesquisas Hidráulicas

IRGA – Instituto Rio Grandense do Arroz

METROPLAN – Fundação Estadual de Planejamento Metropolitano e Regional

MPE – Ministério Público Estadual

MPF – Ministério Público Federal

MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

PAC – Programa de Consolidação e Emancipação de Assentamentos Resultantes da Reforma

Agrária

PROCERA – Programa de Crédito Especial a Reforma Agrária

RMPA – Região Metropolitana de Porto Alegre

SEMA – Secretaria Estadual do Meio Ambiente

UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul

12

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO.…...............................................................................................................13

2. JUSTIFICATIVA............................................................................................................. .....15

3. OBJETIVO............................................................................................................................16

3.1. Objetivo geral.......................................................................................................... ...........16

3.2. Objetivos específicos.........................................................................................................16

4. PROCEDIMENTO METODOLÓGICO..............................................................................17

5. ELEMENTOS HISTÓRICOS QUE INFLUENCIARAM NO APRENDIZADO DO

CAMPONÊS....................................................................................................................... ......18

5.1. O papel do Estado como promotor de tecnologias para produção agrícola.......................18

5.2. Processos tecnológicos e sua apropriação.........................................................................22

5.3. A agroecologia como proposta de desenvolvimento.........................................................24

6. CONTEXTO DA ATIVIDADE ORIZÍCOLA.....................................................................27

6.1. Posição do Brasil e do Rio Grande do Sul.........................................................................27

6.2. Histórico da atividade orizícola na Regional Porto Alegre................................................30

6.3. Construção do conhecimento pelos camponeses assentados da Regional Porto Alegre...33

7. CONTEXTUALIZAÇÃO DO ASSENTAMENTO FILHOS DE SEPÉ............................35

7.1. História da área de estudo..................................................................................................35

7.2. Contexto ambiental............................................................................................................37

7.3. Contextualização das atividades produtivas do assentamento...........................................39

7.4. Criação do Distrito de Irrigação.........................................................................................41

7.5. Ações do INCRA que culminou na saída dos arrendatários..............................................43

7.6. Intensificação dos trabalhos do Grupo Gestor do Arroz Ecológico...................................44

7.7. Sistema de plantio utilizado pelos camponeses do Assentamento Filhos de Sepé............47

8. LIMITES E POTENCIALIDADES DA ATIVIDADE ORIZÍCOLA NO

ASSENTAMENTO FELHOS DE SEPÉ..................................................................................58

9. CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................................63

10. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFIAS..................................................................................66

13

1. INTRODUÇÃO

A Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA) e seu entorno, possui 26

assentamentos rurais realizados pelo Programa de Reforma Agrária, onde vivem mais de mil

famílias de camponeses assentados. Esta região se caracteriza por ter extensas lavouras de

arroz (Oryza Sativa) irrigado artificialmente, pois a topografia do terreno é composta por

várzeas, que tem como característica amplas planícies aluviais as margens de rios, lagoas e

banhados.

A área de pesquisa esta localizada no município de Viamão/RS, que pertence à

microrregião Porto Alegre (IBGE, 2006). Sua sede está a 111 m de altitude e suas

coordenadas geográficas são 30º04'51.6"de latitude Sul e 51º01'22.8" de longitude Oeste

(figura1).

Figura 1 – Mapa de localização do município de Viamão e as principais vias de acesso. Fonte: INCRA

(2007).

14

Viamão limita-se ao norte com Alvorada, Gravataí e Glorinha, a leste com Santo

Antônio da Patrulha e Capivari do Sul, ao sul com a Laguna dos Patos e Lagoa do Casamento

e a oeste com Porto Alegre e o Lago Guaíba. Na divisão fisiográfica do Estado (FORTES,

1979), enquadra-se na região Depressão Central. As principais vias de acesso ao município

são a RS 040 e a RS 118.

O Assentamento Filhos de Sepé, também denominado de Projeto de Assentamento

Viamão1, foi criado em 14 de dezembro de 1998, localiza-se no Distrito de Águas Claras –

Viamão/RS. Os principais acessos a este assentamento são pela RS 040 e RS 118, com

distância de 13 km a leste da sede do município de Viamão e a 30 km de Porto Alegre (figura

2).

Figura 2 – Mapa de localização do Assentamento Filhos de Sepé – no município de Viamão/RS.

Fonte: INCRA (2007).

1 Denominação oficial dada pelo INCRA/RS.

15

2. JUSTIFICATIVA

O assentamento constitui-se de camponeses do Movimento dos Trabalhadores

Rurais Sem Terra (MST) e está organizado em quatro setores: setor “A” composto por 120

famílias, setor “B” composto por 20 famílias, setor “C” composto por 122 famílias e setor

“D” composto por 111 famílias (figura 3), totalizando 373 famílias2. Forma uma área total de

9.478,90 ha, o maior Assentamento de Reforma Agrária do Rio Grande do Sul.

Figura 3 – Localização dos setores “A”, “B”, “C” e “D”. Fonte: Arquivo COPTEC (2010).

A área que constitui atualmente o assentamento sofreu ao longo dos anos, pelos

antigos proprietários, um grande impacto ambiental, provocado pelo uso intensivo de

agrotóxico na monocultura do arroz irrigado. Após a instalação do assentamento, foi criada no

2 Conforme relação dos beneficiários de 2009 fornecida pelo INCRA/RS.

16

interior do mesmo, uma Unidade de Proteção Integral na categoria de Refúgio de Vida

Silvestre, devido esta área estar localizada na principal nascente do Rio Gravataí. Este rio é

um dos principais mananciais hídricos superficiais de abastecimento para a Região

Metropolitana de Porto Alegre/RS.

Atualmente tendo em vista a grande complexidade e fragilidade dos ecossistemas

existentes no assentamento, devido às várias nascentes que ali existe aliada à área de proteção

ambiental (APA), tem-se incentivado a prática agrícola da produção do arroz orgânico, em

detrimento do uso intensivo de agroquímicos.

Todavia, há um conjunto de famílias que não estão na atividade ou que não

acreditam na produção orgânica. Neste sentido é pertinente analisar as potencialidades e os

limites da produção do Arroz Orgânico e a sua importância nas estratégias de territorialização

dos camponeses, visto que a produção orgânica é um contraponto aos sistemas convencionais

de produção. Assim como é pertinente interpretar a realidade ambiental, a fim de trazer

elementos para os debates em fóruns de discussões dos assentamentos da regional3, além de

colaborar com os processos organizativos locais, qualificando as análises da comunidade.

3. OBJETIVO

3.1. Objetivo geral

Analisar as potencialidades e os limites da produção do arroz orgânico e a sua

importância nas estratégias de territorialização dos camponeses.

3.2. Objetivos específicos

Identificar os elementos históricos que influenciaram no aprendizado do

camponês;

3 Nome dado pelos camponeses, para designar os territórios conquistados pelos assentados do Movimento dos

Trabalhadores Rurais Sem Terra, que ficam próximos de Porto Alegre e extrapolam a RMPA.

17

Contextualizar a atividade orizícola no âmbito nacional e local;

Contextualizar os processos históricos ocorridos no assentamento e como

ocorre a participação do Grupo Gestor do Arroz Ecológico4 da Regional Porto Alegre;

4. PROCEDIMENTO METODOLÓGICO

A metodologia a ser adotada é conceituada como “pesquisa-ação”, que tem por

finalidade desenvolver simultaneamente, um referencial teórico-metodológico para as ciências

sociais e para a superação de problemas das comunidades envolvidas, a partir de uma

colaboração mútua entre pesquisador e pesquisado. Neste caso a pesquisa se constituirá na

acumulação de dados de experiências através do trabalho cotidiano com a comunidade

envolvida.

A pesquisa ocorreu em diferentes ambientes. Para uma melhor análise das

potencialidades e limites da produção do arroz orgânico, foi necessária uma caracterização

geográfica, social e ambiental dos camponeses que desenvolvem esta prática. Para isto foi

realizado um levantamento bibliográfico sobre a região e o assentamento, assim como

diálogos com os camponeses que cultivam arroz. A escolha dos camponeses se deu por

consideração a representatividade qualitativa, como descreve Thiollent (1986), “trata-se de

um pequeno número de pessoas que são escolhidas intencionalmente em função da relevância

que elas apresentam em relação a um determinado assunto”. Já as fontes documentais de

informações foram obtidas em relatórios, atas, editais, mapas, livros e outros documentos

históricos.

Realizou-se um levantamento das entidades que atuam no assentamento, ou que se

relacionam com o mesmo, assim como suas funções, através de informações junto à direção

do assentamento e no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA/RS)

responsável legal pelo assentamento.

Por fim, descrevo as experiências produtivas desenvolvidas na várzea, onde contei

com o apoio dos próprios camponeses e dos técnicos da Cooperativa de Prestação de Serviços

Técnicos Ltda. (COPTEC).

4 Grupo formado pelos próprios camponeses que tem como objetivo organizar a produção do arroz orgânico.

18

As saídas a campo foram realizadas pelo método da observação participante, que

segundo BECKER (1994) o pesquisador coleta os dados participando do grupo ou

organização, observando pessoas e seus comportamentos em situações de sua vida cotidiana.

Neste caso, aproveitei-me da condição de técnico para identificar as potencialidades e limites

da produção do arroz orgânico.

5. ELEMENTOS HISTÓRICOS QUE INFLUENCIARAM NO APRENDIZADO DO

CAMPONÊS

5.1. O papel do Estado como promotor de tecnologias para produção agrícola

Para compreendermos melhor os processos vivenciados pelos camponeses

assentados é importante analisarmos o historico do Estado na disseminação do conhecimento

gerado pela sociedade. Em algumas décadas atrás, observou-se a criação de empresas estatais,

para a produção e disseminação do conhecimento gerado pela sociedade. Todavia, é

importante conhecer a historia do Instituto Rio Grandense do Arroz, entidade esta que foi

criada a partir do Sindicato Arrozeiro do Rio Grande do Sul, em 12 de junho de 1926. Esta

entidade foi criada pelos próprios arrozeiros e tinha como propósito desenvolver pesquisa e

assistência técnica aos agricultores.

Em 31 de maio de 1938, foi transformado em Instituto do Arroz do Rio Grande,

posteriormente em 20 de junho de 1940, transformou-se em Instituto Rio Grandense do Arroz

(IRGA), uma entidade pública, que tinha por finalidade principal incentivar, coordenar e

defender a cadeia do arroz no Rio Grande do Sul, desde a produção, passando pela indústria e

o comércio.

Em estados agrícolas como o Rio Grande do Sul, varias empresas foram criadas ou

acopladas ao Estado, como é o caso do próprio IRGA, que em 31 de dezembro de 1948 foi

institucionalizado através da Lei nº 533, que vigora até os dias atuais. No artigo 1º: "O

Instituto Rio Grandense do Arroz (IRGA), criado e oficializado pelo Decreto-Lei nº 20, de 20

de junho de 1940, é uma entidade pública, com autarquia administrativa, subordinada ao

Governo do Estado do Rio Grande do Sul, por intermédio da Secretaria da Agricultura."

19

Outras empresas foram criadas, como a Associação Sulina de Crédito e

Assistência Rural (ASCAR), em 1955, sendo a primeira empresa específica de assistência

técnica do Estado, com o objetivo de desenvolver a agricultura e o bem-estar das populações

rurais, através do acesso ao crédito e da assistência, nos mesmos moldes de outros países.

A criação da ASCAR teve a participação financeira, em partes iguais, do

“Ministério da Agricultura, do Escritório Técnico da Agricultura Brasil - Estados Unidos”,

com sede no Brasil, e da Secretaria da Agricultura, Indústria e Comércio do Estado do Rio

Grande do Sul. Nota-se que o IRGA não teve, pelo menos na sua origem, um vínculo com

empresas estrangeiras, diferentemente da ASCAR, embora que, os objetivos desta até então,

era o bem estar da população rural.

Cabe salientar que no processo de modernização da agricultura brasileira, na

década de 60, o modelo hegemônico proposto, discutido e incorporado foi o químico-

mecânico, período este que ficou conhecido por Revolução Verde5. A partir deste contexto, os

grandes grupos capitalistas começaram a organizar a agricultura, com o objetivo único e

exclusivo de produzir para o mercado (ZAMBERLAM, 2001, p.13 e 14).

O Governo Federal desenvolve uma política agrícola racional e competitiva,

criando em 1972, a EMBRAPA6 e dois anos depois, a EMBRATER

7. Com base nestes órgãos

concretiza-se uma fase de transferência de tecnologias aos camponeses, seguida de expansão

do crédito rural, do incentivo à produção de tratores e veículos de transporte, à eletrificação

rural e a produção de fertilizantes e defensivos agrícolas8. Com a implementação desses

sistemas, procurava-se racionalizar os serviços oficiais de amparo à agricultura, abrangendo a

pesquisa, a extensão rural e o crédito.

A EMBRATER era de natureza empresarial, compatibilizada com seu caráter

público de instrumento do Ministério da Agricultura. Com isso, os estados deveriam ter,

também, empresas nos mesmos moldes, o que não se adequava ao caso da ASCAR.

Em 1977, foi constituída, então, a EMATER/RS9, que passa a atuar juntamente

com a ASCAR. Neste período presenciou-se o distanciamento da agricultura dos seus

condicionamentos naturais e subordinação aos imperativos do ritmo industrial.

5 Período marcado por geração de conhecimentos tecnológicos, destinados à agropecuária do mundo inteiro e

sistematizados em pacotes tecnológicos abrangendo a área da química, da mecânica e da biologia. Segundo

Belato (1993) apud ZAMBERLAM & FRONCHETI, 2001, p. 14. 6 Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. 7 Empresa Brasileira de Assistência Técnica Extensão Rural. 8 Veneno para matar insetos, ervas, fungos, bactérias entre outros. 9 Empresa Riograndense de Empreendimentos de Assistência Técnica e Extensão Rural.

20

O IRGA ao longo de sua história sempre esteve diretamente ligado a produção de

arroz. Toda a tecnologia necessária a produção é desenvolvida por este órgão, salvo algumas

parcerias que ocorriam por determinados períodos, como a produção de sementes juntamente

com a EMBRAPA. Mesmo que o IRGA tenha sido fundado por um sindicato, observa-se que

ao decorrer dos anos ele foi incorporado pelo Estado e consequentemente absorveu a base

tecnológica da revolução verde. A união entre IRGA e EMBRAPA, para a produção de

sementes, onde a base genética é Norte Americana, é um exemplo deste processo.

A produção de arroz, em grande parte, ocorreu no Rio Grande do Sul em áreas

superiores a 100 ha, sendo necessários investimentos altos, para estabelecer a infra-estruturar

hidráulica da atividade orizícola. Outro fator que elevou os custos da lavoura foi à importação

do padrão tecnológico Norte Americano, como máquinas de grande porte e insumos.

Portanto, esta atividade nunca esteve no alcance dos camponeses gaúchos menos providos de

recursos financeiros.

O Estado de Santa Catariana se diferencia do Rio Grande do Sul, os camponeses

catarinenses, de modo geral se caracterizam por terem áreas de no máximo 20 ha. Esta

condição forçou ao longo da história a desenvolverem tecnologias apropriadas a sua

realidade. Estas iniciativas tiveram impulso, quando os recursos do programa do governo

federal “Pró Várzea” foram utilizados pela Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão

Rural de Santa Catarina S.A. (EPAGRI), para sistematizar as pequenas áreas de arroz,

proporcionando o uso da técnica de plantio pré-germinado10

, que consiste em colocar a

semente pré-germinada ao solo, antecipando o ciclo da cultura. Esta tecnologia proporcionou

maiores rendimentos e custos baixos.

O mesmo programa foi gerenciado no Rio Grande do Sul pelo IRGA, sendo

utilizado pelo grande produtor para drenar as várzeas, tirando-as do seu estado ecológico e

pondo-as ao serviço do capital, até o momento em que os proprietários destas áreas faliram.

Na perspectiva de modernizar o campo brasileiro, os órgãos de pesquisa, na sua

grande maioria, deixaram de lado a produção de tecnologias apropriadas à agricultura

camponesa, com raras exceções como é o caso da EPAGRI. Portanto estes órgãos tiveram

aliadas ao grande capital, no máximo transferiam esquemas tecnológicos fechados aos seus

agricultores, podendo citar como exemplo o IRGA.

Segundo SANTOS,

10 Caracteriza um conjunto de técnicas de cultivo de arroz irrigado adotado em áreas sistematizadas, onde as

sementes previamente germinadas são lançadas em quadros nivelados e inundados.

21

Ontem a técnica era submetida. Hoje, conduzida pelos grandes

atores da economia e da política, é ela que submete. Onde está a

natureza servil? Na verdade é o homem que se torna escravizado, num mundo em que os dominadores não se querem

dar conta de que suas ações podem ter objetivos, mas não tem

sentido. (1994, p. 24)

Nas palavras do autor, identifica-se claramente a apropriação das técnicas, onde o

capital é o que impulsiona a economia e o Estado a política, que desenvolveu um papel

estratégico no meio rural, reaplicando tecnologias agrícolas, de outros países no campo

brasileiro, que além de serem muito exigentes em energia externas, foram implementadas

com pouca responsabilidade ecológica, social e econômica.

Além disso, a lavoura mecanizada nas grandes propriedades, com o uso de

fertilizantes, de defensivos e de herbicidas, caracterizam um modelo químico-mecânico, que

trouxe sérios problemas ambientais para o meio rural estudado, tais como: envenenamento da

flora e fauna, e assoreamento dos rios. Na ordem social, com desemprego e esvaziamento do

campo.

Desta forma, o Estado incorporou as novas tecnologias, proporcionadas pelo

capital estrangeiro, com pouco critério ambiental omitindo-se de seu papel de regulador.

Esse processo ocorre atualmente, (...) onde a economia se tornou mundializada e

todas as sociedades terminaram por adotar, de forma mais ou menos explícita, um modelo

técnico único que se sobrepõe à multiplicidade de recursos naturais e humanos. (SANTOS,

1991)11

.

Segundo SMITH,

[...]a medida que as relações econômicas, tecnológicas, políticas

e culturais se desenvolvem e se expandem, a base institucional

para manipular as relações também torna-se mais complexa e perde, progressivamente, qualquer definição espacial intrínseca.

Contudo, quanto mais a sociedade se liberta do espaço, mais o

espaço pode ser transformado numa mercadoria, no seu sentido mais estrito. Se o surgimento do mercado mundial traça as

fronteiras para esse projeto social, o capitalismo tenta realizá-lo.

(1988 p. 127).

11 SANTOS, 1991 apud SANTOS, 1994, p. 18

22

Observa-se quanto o camponês é refém destas relações, onde de certa forma, ele é

manipulado e refém de tecnologias, bem como financiamentos de créditos junto a bancos, que

posteriormente é estendida pela assistência técnica.

Fica evidente a forma pelo qual, o capital se apropria do espaço geográfico,

podendo-se considerar no seu sentido mais geral, como espaço da atividade humana12

,

generalizando-o e utilizando-o para seu desenvolvimento.

Nota-se que em dias atuais, expansão geográfica é sinônimo de expansão social e

desenvolvimento. De um modo geral, neste período, ocorreu à transformação do território

nacional em espaços nacionais da economia internacional. (SANTOS 1994, p.50).

Este é o caso da atividade orizícola no Rio Grande do Sul que ao longo da sua

historia vem ocupando as várzeas em pró do desenvolvimento econômico. Este modelo de

agricultura produziu uma importante contradição da sociedade brasileira que é a concentração

da terra versus a concentração demográfica, com maior acentuação a partir dos anos 60. Não

obstante, isso provocou problemas de várias ordens, sobretudo no que diz respeito às

condições de vida da população e uso e conservação dos recursos naturais. Dentre estes,

destacamos o uso exagerado de agrotóxicos, ocasionando envenenamento dos camponeses,

dos alimentos, do solo e da água.

5.2. Processos tecnológicos e sua apropriação

Os camponeses que cultivam dentro dos princípios da agroecologia, destacam-se

por um caráter criativo, aliado a técnica, implicando no conhecimento das operações, como o

manejo das habilidades, tanto das ferramentas como dos conhecimentos técnicos e da

capacidade de improvisação.

Nas diversas sociedades, as técnicas surgem de sua relação com o meio e se

caracterizam por ser consciente, reflexiva e inventiva. As ciências e as tecnologias sempre

estiveram muito próximas uma das outras. Geralmente, a ciência é o estudo da natureza

rigorosamente de acordo com o método científico. A tecnologia, por sua vez, é a aplicação de

tal conhecimento científico para conseguir um resultado prático.

12 SMITH, Neil 1988 p. 110.

23

A tecnologia esta sendo vista atualmente pelo conjunto da sociedade brasileira,

dentro de um senso comum, como algo novo, que vem de fora, passando uma certa

neutralidade para as pessoas. No entanto, todo processo tecnológico e científico ocupa um

papel estratégico, na qual o capital se apropria e a classe camponesa fica a mercê deste

processo.

Porém, a tecnologia não é neutra, se realizar uma análise observa-se que a

elaboração de novas tecnologias está muitas vezes a serviço de uma classe e quase sempre é

utilizada para controlar. Segundo ROMERO (2005), o que não podemos perder de vista é que,

[...] as inúmeras inovações técnicas e cientificas também ocupam um papel político nesta luta: trata-se de uma brutal luta

ideológica, travestida de modernidade capitalista. Esta luta visa

negar a possibilidade de uma identidade classista do trabalhador, negar suas formas de sociabilidade e subjetividade.

(2005, p. 12).

Podemos definir superficialmente a tecnologia, como uma atividade socialmente

organizada, baseada em planos e de caráter essencialmente prático, como se dá a vida

camponesa. Todavia, como toda produção humana, a tecnologia deve ser pensada no contexto

das relações sociais e dentro de seu desenvolvimento histórico.

Para ROMERO,

[...]a tecnologia que estamos criticando é a concepção de

neutralidade das forças produtivas em relação às relações de

produção, consideração esta que podemos definir [...] como um

hipotético desenvolvimento autônomo das forças produtivas frente as relações sociais de produção, sendo que este

desenvolvimento contínuo das técnicas de produção, as quais

deveriam valer para qualquer formação social, fosse ela pré-capitalista, capitalista ou socialista. (2005, p.21).

Fica claro atualmente a completa dissociação entre a forma social e a base

material, onde a agricultura capitalista (agronegócio) tenta passar uma neutralidade, impondo

um processo ideológico. A manipulação se dá através do fetiche13

da tecnologia, onde a classe

dominante coloca a tecnologia num processo de fatalidade determinando os períodos

históricos.

13 Conceito utilizado por Marx, para explicar o enfeitiçamento do capital.

24

Portanto além, de socializar o conhecimento tecnológico produzido pela

humanidade, temos que construir outro conhecimento, com outras bases epistemológicas.

Apesar dos bilhões gastos para promover a agricultura moderna, utilizando muito capital e

muita pouca mão de obra, que triunfou nos países desenvolvidos e se expandiu para países

menos desenvolvidos na forma de monoculturas predatórias ao meio ambiente, verifica-se

atualmente que a maioria do campesinato se encontra fragilizado.

Com certeza, os desprovidos de uma tecnologia mais sofisticada são

marginalizados da sociedade contemporânea que coloca como suprassumo do

desenvolvimento às corporações agroindustriais, providas de alta tecnologia e controladoras

ou até manipuladoras do conhecimento cientifico.

5.3. A agroecologia como proposta de desenvolvimento

A agroecologia passou a ser considerada como disciplina científica, na década de

80, principalmente a partir dos pesquisadores Altieri e Gliessman. Estes autores definem a

agroecologia como uma das formas de desenvolvimento capaz de criar um novo conceito de

agricultura sustentável, já que os estudos agroecológicos davam conta de algo que a

agronomia convencional não valorizava: a integração dos diferentes campos do conhecimento

agronômico, ecológico e sócio econômico. Neste momento, ocorre uma compreensão e

avaliação do efeito das tecnologias sobre os sistemas agrícolas e a sociedade como um todo.

Nesse sentido, a agroecologia carrega em seu interior, além da preocupação com o

equilíbrio de agroecossistemas, a responsabilidade de tentar servir de alternativa para a busca

de um novo caminho de desenvolvimento sócio econômico, centrada nas questões sociais.

Uma definição esquemática por Eduardo Sevilla Guzmán da Universidade de

Córdoba - Espanha:

La agroecología puede ser definida como el manejo ecológico

de los recursos naturales a través de formas de acción social colectiva que presentan alternativas a la actual crisis de

Modernidad, mediante propuestas de desarrrollo participativo

desde los ambitos de la producción y la circulación alternativa de sus productos, pretendiendo establecer formas de producción

y consumo que contribuyan a encarar la crisis ecológico y

social, y con ello a restaurar el curso alterado de la coevolución

social y ecológica. Su estrategia tiene una naturaleza sistémica, al considerar la finca, la organización comunitaria, y el resto de

25

los marcos de relación de las sociedades rurales articulados en

torno a la dimensión local, donde se encuentran los sistemas de

conocimiento (local, campesino y/o indígena) portadores del potencial endógeno que permite potenciar la biodiversidad

ecológica y sociocultural. Tal diversidad es el punto de partida

de sus agriculturas alternativas, desde las cuales se pretende el

diseño participativo de metodos de desarrollo endógeno para el establecimiento de dinámicas de transformación hacia

sociedades sostenibles. (SEVILLA, [1999?], p. 1).

Não podemos confundir a agroecologia com um modelo de agricultura que adota

determinadas práticas ou tecnologias agrícolas, e, muito menos, como oferta de produtos

“limpos” ou ecológicos, em oposição aqueles característicos dos pacotes tecnológicos da

revolução verde (CAPORAL e COSTABEBER, 2004, p. 7).

Segundo alguns autores, a idéia de transição na agroecologia é entendida como

um processo gradual e multilinear de mudanças, que ocorrem através do tempo, nas formas de

manejo dos agroecossistemas. Mas sempre tratando-se de um processo social, pois depende

sempre da intervenção humana.

A agroecologia é o estudo dos agroecossistemas, abrangendo todos os elementos

humanos e ambientais. Enfoca a forma, a dinâmica e as funções dos conjuntos das inter-

relações e de processos nos quais estes elementos estão envolvidos, constituindo assim uma

grande teia.

A agricultura sustentável, sob o ponto de vista agroecológico, é aquela que seja

capaz de atender, de maneira integrada, aos seguintes critérios: baixa dependência de inputs

comerciais; uso de recursos renováveis localmente acessíveis; utilização dos impactos

benéficos ou benignos do meio ambiente local; aceitação e/ou tolerância das condições locais,

antes da dependência da intensa alteração ou tentativa de controle sobre o meio ambiente;

manutenção a longo prazo da capacidade produtiva; preservação da diversidade biológica e

cultural; utilização do conhecimento e da cultura da população local; e produção de

mercadorias para o consumo interno e para a exportação (GLIESSMAN, 1990)14

.

Entretanto, refletindo-se sobre a práxis da agroecologia, não única e

exclusivamente voltada para as ações sócio-econômicas, mas sim procurando trazer elementos

da lógica de funcionamento do Campesinato, percebe-se que estes por sua vez trazem

princípios agroecológicos.

Ao analisarmos o conceito proposto por SEVILLA [1999?], verifica-se que o

ponto de partida é a relação homem-natureza, onde o homem sempre procurou de certa forma

14GLIESSMAN, 1990 apud CAPORAL e COSTABEBER, 2004, p. 15.

26

dominar a natureza, e a base para um processo agroecológico sem dúvida é a ruptura desta

lógica, perpassando por uma ação social coletiva, a fim de protagonizar um desenvolvimento

participativo, que tenha como ponto de partida a dimensão local, pois os sistemas de

conhecimento endógenos são portadores, na sua essência da co-evolução social ecológica e

cultural.

A agroecologia é essencialmente camponesa, a história humana tem suas raízes no

Campesinato, por isto que podemos dizer que a agroecologia é o meio pelo qual

abrangeremos todos os elementos humanos e ambientais. Neste sentido a visão da

agroecologia precisa de uma dimensão que vá para além da agricultura sustentável e consolide

uma ação social permanente e incorpore a multidimencionalidade camponesa.

Todavia, em uma sociedade capitalista tanto a agricultura como outras dimensões

da vida são levadas a imagem e semelhança da forma capitalista de se pensar o mundo.

Segundo FERNANDES (2009, p. 6) o capitalismo se estabelece com a condição do território

capitalista, mas no seio dos territórios capitalistas, surgem relações não capitalistas, que por

sua vez produzem outros territórios não capitalistas. Portanto, esta é a oportunidade histórica

que tem o camponês conceber a agroecologia como uma totalidade multidimensional, saindo

da dimensão econômica. FERNANDES (2009, p. 6), quando trata da dimensão do território,

traz este como totalidade e multidimensionalidade, onde as disputas territoriais se desdobram

em todas as dimensões, portanto, as disputas ocorrem também no âmbito político, teórico e

ideológico, o que nos possibilita compreender os territórios materiais e imateriais.

Nesta perspectiva, coloca-se em jogo dois projetos de desenvolvimento, um o

modelo químico mecânico, que tem como característica no discurso governamental a não

conflitualidade existente no campo brasileiro, onde todos podem entrar na lógica de

exploração capitalista, e um outro, pautado pelo modo de vida camponês, que coloca a

agroecologia na dimensão da conflitualidade “Campesinato X Agronegócio”. Este último tem

em sua lógica a exploração dos recursos naturais de forma predatória em nome do lucro.

Portanto, a agroecologia está intrinsecamente ligada à concepção camponesa,

tornando-se um elemento fundamental para uma nova organização territorial. Conclui-se que

o camponês esta mais próxima da agroecologia, e está da lógica do campesinato. Neste

sentido, a constituição e a organização das multidimencionalidades do território camponês,

passam necessariamente pela agroecologia.

27

6. CONTEXTO DA ATIVIDADE ORIZÍCOLA

6.1. Posição do Brasil e do Rio Grande do Sul

O arroz é um dos alimentos mais consumidos no Brasil, tendo um consumo médio

de 45 kg/pessoa/ano, além da importância nacional tem uma expressão mundial sendo a base

alimentar de mais de 3 bilhões de pessoas no mundo, onde são cultivados anualmente 158

milhões de hectares de arroz, produzindo 662 milhões de toneladas de grãos em casca

correspondendo 29% do total de grãos usados na alimentação humana. O milho é o grão com

maior volume produzido no mundo, correspondendo 33%.

O cultivo de arroz é considerado estratégico, no que se refere na solução de

questões de segurança alimentar, tendo importância em muitos países em desenvolvimento,

principalmente na Ásia e Oceania, onde vivem 70% da população total dos países em

desenvolvimento e cerca de dois terços da população subnutrida mundial. Atualmente, o arroz

é a cultura com maior potencial de aumento de produção e responde pelo suprimento de 20%

das calorias consumidas na alimentação das pessoas no mundo. Segundo estimativas, até

2050, haverá uma demanda para atender ao dobro desta população.

O Brasil se destaca como o maior produtor de fora do continente asiático, estando

entre os dez principais produtores mundiais de arroz, com aproximadamente 11 a 13 milhões

de toneladas. Essa produção é oriunda de dois sistemas de cultivo: irrigado e de sequeiro,

sendo que as lavouras irrigadas representam 65% da produção nacional. Na tabela abaixo,

expressa a posição do Brasil no cenário internacional.

Tabela 1 – Evolução dos 10 principais produtores mundiais, no período de 2005 a 2009

País

Produção por safra (toneladas)

2005 2006 2007 2008 2009

China 182.055138 183.276048 187.397460 193.354175 197.257175

Índia 137.690100 139.137000 144.570000 148.260000 131.274000

Indonésia 54.151097 54.454937 57.157436 60.251072 64.398890

Bangladesh 39.795618 40.773000 43.057000 46.905000 45.075000

Vietnã 35.832900 35.849500 35.942700 38.725100 38.895500

Tailândia 30.291870 29.641871 32.099401 31.650632 31.462886

28

Mianmar (ex-

Birmânia)

27.684000 30.924000 31.450000 30.500000* M

Filipinas 14.603005 15.326706 16.240194 16.815548 16.266417

Brasil 13.192863 11.526685 11.060700 12.061465 12.604782

Japão 11.342000 10.695000 10.893000 11.028750 10.592500*

* = Unofficial figure | [ ] = Official data | M = Data not available

Fonte: Fao: http://faostat.fao.org/site/567/DesktopDefault.aspx?PageID=567

O Brasil produz aproximadamente 82% da produção do Mercosul, seguido pelo

Uruguai, Argentina e, por último, o Paraguai, com menos de 1% do total, ver tabela a seguir:

Tabela 2 – Evolução da produção de arroz nos países do Mercosul, no período de 2005/06 a

2009/10

País Produção por safra (toneladas)

2005 2006 2007 2008 2009

Brasil 13.192863 11.526685 11.060700 12.061465 12.604782

Uruguai 1.214500 1.292400 1.145700 1.330000 1.287200

Argentina 956253 1193492 1080070 1245800 1334155

Paraguai 102000 126000 130000 149701 219800

Fonte: Fao: http://faostat.fao.org/site/567/DesktopDefault.aspx?PageID=567

Segundo EMBRAPA (2007) as várzeas15

subtropicais estão presentes nos estados

do Rio Grande do Sul (RS), Santa Catarina (SC) e Paraná (PR). No RS, são encontrados cerca

de 5,4 milhões de hectares de várzeas, em SC aproximadamente 684 mil hectares e no PR

estima-se que existe cerca de 400 mil hectares, o que totaliza uma área de 6,5 milhões de

hectares de várzeas na Região Sul do Brasil.

A área cultivada no Rio Grande do Sul é de 1 milhão de ha, representando 61% da

área nacional, juntamente com Santa Catarina que tem aproximadamente 150 mil ha

cultivados, totalizam 70% da área nacional, por este motivo estes dois Estados são

considerados estabilizadores do mercado brasileiro. No ano de 2008 o Rio Grande do Sul

colheu 1.065.357 ha de arroz, com uma produtividade média de 6.886 kg/ha, totalizando

7.336.443 toneladas de produto (IBGE, 2008).

15 Terreno baixo e plano que margeia os rios e ribeirões.

29

O gráfico abaixo demonstra a produção de arroz nos principais Estados brasileiros

e o crescimento significativo que teve a produção gaúcha, principalmente após 2004 (figura

4).

Figura 4 – Produção de arroz, por Estado. Fonte: IBGE (2006)16

.

No Rio Grande do Sul o arroz é produzido em 133 municípios localizados na

metade sul do Estado, onde 232 mil pessoas vivem direta e indiretamente da atividade. O

setor agroindustrial opera, atualmente, com 350 indústrias de beneficiamento e responde por

quase 50% do beneficiamento do arroz no País. Segundo o último levantamento efetivado

pelo IRGA (2006) 17, 18,5 mil pessoas participaram da produção da safra 2004/05, sendo 11,9

mil produtores e 6,6 mil parceiros ou proprietários de terra. O tamanho médio das lavouras

era de 144,7 ha, com cerca de 60% da área cultivada em terras arrendadas (figura 5).

16

Pesquisa no site http://www.seplag.rs.gov.br/atlas/atlas.asp?menu=264

17Apud. “Arroz Irrigado: recomendações técnicas da pesquisa para o Sul do Brasil”, de agosto de 2010. p.9.

30

Figura 5 – Mapa da produção de arroz no RS - 2009

6.2. Histórico da atividade orizícola na Regional Porto Alegre

A Regional Porto Alegre possui 26 assentamentos com uma área aproximada de

26.689,12 ha e com aproximadamente 1.337 famílias. Sendo formada pelos municípios de

Charqueadas, Guaíba, Eldorado do Sul, Nova Santa Rita, Capela de Santana, Montenegro,

São Jerônimo e Viamão (pertencentes à Região Metropolitana de Porto Alegre) e os

municípios de Arambaré, Butiá, Sentinela do Sul, Camaquã, Capivari do Sul, Palmares do Sul

31

e Taquari (municípios que ficam próximos à Região Metropolitana de Porto Alegre).

Somando a área territorial dos municípios citados tem-se 9.316 Km², destes os assentamentos

correspondem 2,8 % do total (figura 6).

Figura 6 – Municípios que compõem a Regional Porto Alegre.

A atividade do arroz pelos agricultores assentados desta região teve início no ano

de 1995, de forma convencional com o uso do pacote tecnológico18

empregado pela revolução

verde. Os camponeses conquistaram neste período uma linha de crédito para as cooperativas,

chamada Programa de Crédito Especial a Reforma Agrária (PROCERA). Na região, este

recurso foi utilizado para dar início a atividade orizícola. Neste período ocorreu a

18 Formas de se organizar a produção, segundo um “conjunto de técnicas, práticas e procedimentos agronômicos

que se articulam entre si e que são empregados indivisivelmente numa lavoura ou criação, seguindo padrões

estabelecidos pela pesquisa” (AGUIAR, 1986, p. 42).

32

incorporação da tecnologia necessária ao cultivo do arroz, como a compra de colheitadeira,

tratores e outros implementos e benfeitorias como silos, pelas cooperativas da regional,

vinculadas a Cooperativa Central de Agricultores de Reforma Agrária (COCEARGS).19

No decorrer dos anos, o sistema produtivo desenvolvido pelos camponeses

começou a entrar em crise, principalmente econômica. A crise dos camponeses assentados

ocorreu pelos altos custos de produção, desencadeados pelo uso de tecnologias altamente

dependentes de energia externas a unidade produtiva. O uso de máquinas pesadas,

fertilizantes químicos e pesticidas das mais variadas faixas toxicológicas, levou ao

endividamento econômico. Este fato associado com os aspectos da saúde foi determinante

para a mudança de concepção das técnicas e tecnologias desenvolvidas pelos camponeses.

Além dos altos custos, as primeiras safras tiveram uma baixa produtividade,

devido à falta de estrutura apropriada20

e de experiência na atividade. Outro fato relevante

neste período foi o acordo do governo brasileiro com a Argentina e o Uruguai, que em 1999,

resolveu baixar as tarifas aduaneiras de alguns produtos, entre eles o arroz, esta entrada de

produto no país, ajudou a baixar os preços, colaborando para o endividamento dos

camponeses assentados.

Como podemos observar a causa principal da crise econômica foi de três

naturezas: os altos custos de produção, a falta de estrutura apropriada e à inexperiência na

atividade. Mesmo com todo empenho e esforço para desenvolver a atividade orizícola, havia

fatores que limitavam o desenvolvimento desta atividade e que para superá-los, havia a

necessidade de “conhecer” outras formas de produção.

Estes camponeses conquistaram o direito de permanecer na terra, tinham em mente

a socialização dos meios de produção (terra, água, biodiversidade, crédito e outros), mas não

era suficiente para resistir em seu território, que está em permanente disputa com a agricultura

capitalista (agronegócio). Havia e ainda há a necessidade de se conquistar outros territórios,

como o do conhecimento tecnológico apropriado à classe camponesa, que até o presente

momento todo processo tecnológico está submetido aos interesses hegemônicos, ou seja, dos

grandes complexos monopolizados ou oligopolizados.

19 Cooperativa Estadual que congrega outras cooperativas regionais, vinculadas aos assentamentos de reforma

agrária do Estado do Rio Grande do Sul. 20 Aqui está se referindo, não só ao maquinário necessário para desenvolver a atividade, mas sim a toda cadeia

produtiva, que envolve cultivo, beneficiamento e comercialização.

33

6.3. Construção do conhecimento pelos camponeses assentados da Regional Porto Alegre

Com o propósito de contrapor o fetiche da tecnologia, a COCEARGS, Setor de

Produção Cooperação e Meio Ambiente21

, Assistência Técnica da COPTEC e a Cooperativa

dos Trabalhadores Assentados da Região de Porto Alegre Ltda. (COOTAP)22

, no ano de 1999

iniciaram um processo de construção de novos saberes, que conduziria a uma agricultura de

base agroecológica, focando o sistema de várzea.

Neste período formou-se o Grupo do Arroz Ecológico, que abrangeria todos os

camponeses assentados da Regional Porto Alegre que produziam arroz ou queriam iniciar a

atividade. Neste processo havia camponeses do Assentamento Viamão.

No ano de 2002 foi organizado um dia de campo, entre os camponeses que vinham

produzindo arroz orgânico, no Assentamento Lagoa do Junco para troca de experiência e

estudos em arroz pré-geminado orgânico e rizipiscicultura23

. A partir deste ano, o grupo

passou a se chamar de Grupo Gestor do Arroz Ecológico24

, que é composto por famílias

assentadas que trabalham de forma cooperativa (CPAs)25

, associações de camponeses, grupo

de camponeses e de forma familiar no lote.

Neste processo organizativo, o grupo começou a desenvolver atividades, como

seminários e dias de campo, para debater a atividade orizícola, desde gargalos tecnológicos,

até infra-estrutura necessária para desenvolver o controle da atividade, consequentemente do

território. No mesmo período o grupo teve a necessidade de certificar a produção como

orgânica, para facilitar a comercialização do produto, este processo organizativo foi e é

primordial para que ocorra a formação de grupos e consequentemente a territorialização dos

camponeses. Atualmente a produção vem sendo certificado pelo Instituto de Mercado

Ecológico (IMMO), tendo como mandatária a COCEARGS.

O surgimento do Grupo Gestor foi de fundamental importância, já que o método

de construção do conhecimento perpassava pela cooperação entre técnicos, lideranças e

camponeses. Com isto o grupo baniu do sistema todos os agrotóxicos (inseticidas, herbicidas,

21 Organização dos assentados, pertencentes ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, que tem a

finalidade de dialogar a respeito da produção dos assentamentos na esfera regional, estadual e nacional. 22 Cooperativa Regional, que surgiu com a finalidade de dar suporte ao Setor de Produção Cooperação e Meio

Ambiente da Regional Porto Alegre. É ligada a COCEARGS. 23

Sistema auto sustentável de tecnologia limpa caracterizado pelo cultivo de arroz irrigado e criação de peixes,

sem uso de agrotóxico, reduzindo o uso de máquinas, conservando o meio ambiente e proporcionando

aumento de renda por área (COTRIN, 2001, p. 6). 24 Denominação dada pelos próprios camponeses assentados 25 Cooperativa de Produção Agrícola.

34

fungicidas, entre outros), das mais diferentes classes toxicológicas, que eram utilizados nas

lavouras e começaram a utilizar biotecnologias, como os biofertilizantes26

. Podemos salientar

que alguns camponeses não absorveram a idéia, persistindo no modelo de agricultura

convencional dentro do modelo agroquímico.

A história e evolução do Grupo Gestor do Arroz Ecológico, ainda são recentes,

mas desde o começo esta ligada ao ato de conhecer, sempre na incessante busca de explicação

dos fenômenos produzidos e existentes na natureza, como no mundo social e individual a que

estão inseridos. Para estes camponeses, o ato de conhecer é a possibilidade de desvendar os

impasses presenciados no seu cotidiano, que por muitas vezes pode levar a rupturas e

mudanças, de tal modo que o conhecimento sobre determinado objeto que parecia verdadeiro

e aceitável num determinado espaço-tempo, em outro momento pode parecer falsa percepção.

Os camponeses de uma forma geral consolidam os seus conhecimentos práticos

através da experiência, ou seja, pelos processos empíricos, que tem como objeto a cultura do

arroz na várzea. O camponês do Grupo Gestor do Arroz Ecológico, além de observar o

objeto, também interage com este, ocorrendo uma permanente transformação entre ambos.

Pode-se caracterizar o sistema desenvolvido pelo grupo, como um sistema que

envolve um processo gradual e multilinear de mudança, que ocorre através do tempo, nas

formas de manejo do agroecossistema. Para estes camponeses, este processo vem como meta

à passagem de um modelo agroquímico de produção, para um estilo de agricultura que

incorpore princípios e tecnologias de base agroecológica.

Na busca de novos conhecimentos os camponeses encontram um conjunto de

tecnologias, que são oriundos de um conhecimento já acumulado na história do campesinato,

alguns até milenarmente, como é o caso da rizipiscicultura e do consórcio de arroz com

marrecos de pequim27

desenvolvido pelos camponeses orientais e atualmente praticado por

alguns assentados.

Neste caso, os camponeses do grupo, passaram a olhar o seu objeto não só no

presente, mas foram buscar elementos na história humana, que pudesse servir de base para

uma transformação concreta, tanto dos aspectos tecnológicos como sociais.

Nesta busca por novas tecnologias, os camponeses conheceram novas operações,

manusearam novas ferramentas, aprimoraram habilidades e fortaleceram a capacidade de

improvisação perante a realidade. A construção do conhecimento pelo grupo tem como base o

26 Composto orgânico líquido - tem como função promover saúde, através de fungos e bactérias benéficas, que

sintetizam micro-nutrientes. 27Sistema utilizado pelos chineses, que consiste em um consórcio de plantas de arroz irrigado com Marrecos de

Pequim.

35

diálogo, que está focado na realidade concreta. Quando um camponês relata a sua atividade

diária, observa-se que ele transmite uma informação elaborada, organizada, com vários

elementos metodológicos e tecnológicos, embora que muitos destes conhecimentos não

tenham uma base científica. Estes elementos com certeza constituem uma das formas de

resistência perante a classe dominante.

A realidade concreta dos camponeses assentados, aliada aos principos da

agroecologia juntamente com o acúmulo histórico, forjou um modo de se pensar a agricultura

no agroecosistema da várzea. Portanto a “realidade”, o “resgate” e a “re-elaboração” forma a

base do conhecimento agroecológico deste campesinato, que procura ter uma ação consciente

e inventiva, dentro de uma práxis a fim de desenvolver novas tecnologias. Todavia, o

conhecimento empírico dos camponeses não é simplesmente uma forma de desenvolvimento

da técnica, mas sim é essencialmente a condição para o desenvolvimento da mesma. Portanto

ao analisarmos a agroecologia percebemos a relevância da prática camponesa, ou seja, da

cultura camponesa. Por isto, esta clase social é tão disputada ideologicamente pelo capital,

que tenta de todas as formas reintegrá-los na lógica capitalista.

7. CONTEXTUALIZAÇÃO DO ASSENTAMENTO FILHOS DE SEPÉ

7.1. História da área de estudo

A área que é hoje o Assentamento Viamão é fruto de um processo de modificação

intensa da paisagem, visto que no período de 1959 a 1985, quando foi propriedade de Breno

Alcaraz Caldas, onde deu-se início a obras de macro-drenagem na área da fazenda. Na mesma

época o DNOS28

realizou a construção do sistema de drenagem do Banhado Grande, que

contribuiu para a drenagem da área de várzea do assentamento pesquisado. Este sistema de

drenagem foi realizado com recursos do programa “Pró Várzea”. Além do canal principal

com 35 km, que foi construído no sentido leste oeste e que pode ser considerado um

prolongamento do Rio Gravataí, também foram construídos outros canais laterais ao sul do

28 Departamento Nacional de Obras e Saneamento.

36

Banhado Grande, no sentido sul a norte. Estes canais laterais foram os principais responsáveis

pela drenagem do Banhado dos Pachecos, onde está inserido o assentamento.

Estas obras mudaram o curso de rios e nascentes que passam pela área, entre elas

podemos citar: a Nascente Águas Claras29

, o Arroio do Vigário, o Arroio Alexandrina, entre

outros pequenos córregos que cercam a mesma. Além destes recursos hídricos, o

assentamento tem em seus domínios uma extensa barragem, com 514 ha de área de alague,

que foi construída pela Incobrasa Agrícola A.S.30

(1985 a 1998), período em que foi

desenvolvida a maior quantidade de obras de irrigação e drenagem na área, facilitando a

produção das culturas de arroz e soja, que chegaram a alcançar uma área anual de 1.950 ha de

arroz e até 2.500 ha de soja. Na figura 7 localização os recursos hídricos do assentamento.

Figura 7 – Principais recursos hídricos do Assentamento Filhos de Sepé. Fonte: Arquivo COPTEC

(2010).

29 Esta nascente possui uma vazão de 250 a 350 l/s (INFINDHA, 2004, p. 52). 30 Empresa Incobrasa Agrícola S.A. foi propriedade de Renato Ribeiro de 1985 a 1998.

37

As ações antrópicas ocorridas ao longo da história, na área que hoje corresponde o

Projeto de Assentamento Viamão, promoveram alterações intensas neste ecossistema,

modificando o seu funcionamento natural. Cabe salientar, que o território dos assentamentos,

é fruto de um processo de modernização da agricultura brasileira, portanto, fruto da revolução

verde. A partir deste período, os grandes grupos capitalistas começaram a organizar a

agricultura, com o objetivo único e exclusivo de produzir para o mercado, deixando de lado

os problemas ambientais, como foi o caso da área estudada.

7.2. Contexto ambiental

O Assentamento Viamão foi criado em 14 de dezembro de 1998, sendo

constituído por famílias de diversas regiões geográficas do Rio Grande do Sul, principalmente

da região do Alto Uruguai. Segundo relatos dos camponeses a chegada na terra, foi conduzida

por inúmeros debates no acampamento devido à área ser de várzea e a pouca experiência das

famílias com este ecossistema.

O camponês José31

relata que alguns dias após o sorteio, realizado no

acampamento para ver quais famílias iriam para o futuro assentamento, aconteceu uma

intervenção do Estado, devido a área ser considerada naquele momento como de preservação

ambiental. Quando efetivamente o assentamento foi liberado, surgiu uma série de exigências

ambientais, que serão tratados na sequência.

Ao chegar à área as famílias começaram a ocupar as várzeas. Neste momento, o

INCRA interviu orientando que não era possível a construção de moradias nas várzeas devido

a mesma ser susceptível a alagamentos. Com esta condição o INCRA demarcou os lotes das

áreas altas, aproximadamente 2 ha por família para construir as moradias. Desta forma,

estabeleceu-se os quatro setores existentes atualmente no assentamento (A,B,C e D). A área

de várzea ficou para ser parcelada posteriormente, fato este que só ocorreria em 2008. Com

esta situação muitas famílias deixaram o assentamento, já que a área de produção,

aproximadamente 14 ha, encontrava-se não parcelada.

No ano de 1999, em função da área ser de preservação ambiental, os assentados

assinaram um “Contrato Provisório” com o INCRA, onde se comprometiam perante os órgãos

31Camponês assentado no Assentamento Filhos de Sepé que participou ativamente do acampamento. Nome

fantasia.

38

ambientais competentes (SEMA, Comitê de Defesa da Bacia do Rio Gravataí entre outros), a

cumprir uma série de determinações, ficando estritamente proibido:

Corte de vegetação em áreas de preservação permanente e nas áreas definidas

de preservação ambiental, sendo que os cortes fora destas áreas deverá obedecer a legislação

vigente;

Caça, captura, perseguição, apanha e utilização de animais silvestres, bem

como, a destruição de seus ninhos, abrigos e criadouros, e no caso da pesca, será permitido

aos assentados, mas somente pesca de linha;

Uso de fogo ou queimadas em florestas ou qualquer outra forma de vegetação,

sob qualquer pretexto;

Uso não autorizado ou desperdício de água na área do assentamento, bem

como contaminação ou degradação de nascentes e lençol freático;

Uso de agrotóxicos e produtos transgênicos, a não ser quando autorizado pelos

órgãos ambientais competentes.

Devido a forte preocupação ambiental por parte dos órgãos competentes, em 24 de

abril de 2002, foi criada uma unidade de “Conservação Refúgio de Vida Silvestre Banhado

dos Pachecos”, caracterizada como uma Unidade de Proteção Integral na categoria de Refúgio

de Vida Silvestre. A área possui 2.543,46 ha, inicialmente estava destinada para

assentamento, mas foi cedida pelo INCRA à SEMA - Secretaria Estadual de Meio Ambiente.

Esta área constitui uma das importantes nascentes do Rio Gravataí, e atualmente,

devido às drenagens realizadas de forma irresponsável pelos antigos proprietários e Estado,

este lugar tornou-se o principal regulador do ciclo das águas do Rio Gravataí. Além do mais,

segundo a SEMA (2009), é o único local do Estado onde foi encontrado o cervo-do-pantanal,

bem como também o jacaré-de-papo-amarelo e aves como o curiango-do-banhado, a

noivinha-de-rabo-preto, a veste-amarela, o narcejão, a corruíra-do-campo e o maçarico-real.

Destaca-se o Refúgio de Vida Silvestre Banhado dos Pacheco (figura 08).

39

Figura 8 – Localização do Refugio de Vida Silvestre Banhado dos Pacheco, que se encontra na Área

de Proteção Ambiental Banhado Grande. Fonte: METROPLAN apud INFINDHA, 2004, p. 31.

7.3. Contextualização das atividades produtivas do assentamento

As famílias que integram o Assentamento de Viamão provêm de 115 municípios

do Rio Grande do Sul, de diversas regiões geográficas do Estado, principalmente da região do

Alto Uruguai. A história das famílias presentes no local mostra uma grande diversidade de

experiências anteriores, tais como: camponeses que cultivavam em pequenas áreas próprias,

passando por meeiros e arrendatários, até mesmo famílias periurbanas, que tiveram as mais

variáveis atividades, tais como vendedores, motoristas de caminhão, frentistas, empregadas

domésticas, pedreiros, serventes de obras, entre outras. Ainda integraram o grupo assentado,

40

cerca de 20 famílias de ex-empregados da Fazenda Santa Fé, antiga Incobrasa (INFINDHA,

2004, p. 34).

Segundo DIEL (2009, p. 20), poucas das famílias ali assentadas tinham

conhecimento de manejo produtivo em área de várzea. Algumas já nos primeiros anos

deixaram o Assentamento por não conseguirem obter sua renda dos lotes e passaram a buscar

alternativas fora destes, facilitadas pelas oportunidades de trabalho da região metropolitana.

Outras famílias, mesmo com todas as dificuldades não abdicaram da sua condição de

camponês, procuraram formas de cultivarem as áreas altas do assentamento, ou aquelas

menos susceptível a alagamentos. As famílias produzem batata, aipim, feijão, milho e outras

culturas de subsistência, além de criarem pequenos animais, bovinos de leite e corte.

A primeira experiência de arroz, dos assentados de Viamão, ocorreu na safra

2000/01, com o apoio da COOTAP e da COPTEC, onde foi cultivado 120 ha, ainda no

sistema convencional, mas sem a utilização de produtos químicos. No ano seguinte, safra

2001/02, a Cooperativa do Assentamento de Charqueadas (COOPAC) plantou 300 ha, toda

cultivada em sistema convencional, porém sem uso de agrotóxicos, mas com adubação

química. No mesmo ano um grupo de famílias do acampamento, oriundas do município de

Camaquã, que tinha experiência com produção de arroz irrigado e disponibilidade de

máquinas, foram assentados e cultivaram uma pequena lavoura no sistema convencional.

Esta região do Estado do Rio Grande do Sul sofria nesta época uma pressão de

produtores de arroz do Estado de Santa Catarina, que estavam em busca de espaço para

expandirem seus cultivos. Os produtores catarinenses traziam consigo a tecnologia do sistema

de cultivo pré-germinado, o qual já estava implantado praticamente em todo território

produtor de arroz de Santa Catarina. Os “Catarinas”, como são chamados até hoje, chegavam

a pagar 40% da produção pelo arrendamento da terra e da água.

Com esta pressão externa somada as deficiências internas do assentamento,

principalmente, a necessidade de renda, a não medição dos lotes da várzea, a falta de

habilidade no cultivo de arroz, a existência de conflitos no uso dos recursos produtivos e a

oferta de trabalho da região metropolitana, intensificaram-se as “parcerias” no cultivo de arroz

entre as famílias assentadas e plantadores32

.

A produção de arroz orgânico no Assentamento Viamão, iniciou com um pequeno

grupo de 14 famílias, no ano de 2000, onde formaram a Associação Arroz e Peixe que

32 Consideram-se como plantadores os indivíduos que efetivamente realizam o cultivo das lavouras e detêm o

poder de decisão sobre o processo produtivo, os quais nem sempre são os beneficiários e responsáveis diretos

do lote.

41

participava dos encontros do Grupo Gestor do Arroz Ecológico da Regional Porto Alegre.

Ouve todo um esforço por parte destes camponeses em consolidar o cultivo de arroz orgânico,

dentro dos princípios da agroecologia. Mas não podemos esquecer que estas áreas sofreram

grandes impactos ecológicos, além de usos de inúmeras aplicações de venenos, adubos

químicos e outros produtos prejudiciais ao ambiente. Isto levou a perda da biodiversidade

natural do ecossistema, tornando o desafio maior no que diz respeito à produção orgânica.

Além do mais, estes camponeses sofriam pressões internas por parte dos arrendatários

catarinas, que utilizavam todo o pacote agroquímico dentro do assentamento. Vale a pena

salientar que os catarinenses foram regularizados pelo INCRA, tornando-se assentados, com

isto, a conflitualidade aumentou, já que apartir deste fato os arrendamentos ficaram internos.

7.4. Criação do Distrito de Irrigação

Outro elemento a ser considerado são os esforços por parte do INCRA em

consolidar um Distrito de Irrigação no assentamento, isto vinha sendo tentado desde 2002

quando foi criado o Refúgio da Vida Silvestre Banhado dos Pachecos. Devido a ineficiência

operacional e a não consolidação deste Distrito de Irrigação, na safra de 2004/2005 a SEMA

acionou o Ministério Público Estadual (MPE) e a Patrulha Ambiental para liberar a água da

barragem do assentamento para o Rio Gravataí, isto aconteceu devido a uma severa estiagem

ocorrida neste ano e a falta deste recurso a população urbana, fato que acarretou prejuízos aos

plantadores de arroz do assentamento.

Dentro deste contexto, as lavouras eram cultivadas pelos catarinas com o uso de

pesticidas e outros insumos da indústria química, outro elemento era os inúmeros incêndios,

devido ao terreno turfoso existente na área, que facilmente entra em combustão nos meses

secos. Todos estes fatos prejudicavam o Refúgio de Vida Silvestre, forçando o Ministério

Público a exigir por parte do INCRA a gestão dos recursos hídricos do assentamento. Para

isto, assinaram em 2004 um Termo de Ajuste de Conduta (TAC), tendo como co-responsáveis

os próprios Ministérios Público, a Prefeitura Municipal, o Comitê da Bacia Hidrográfica do

Rio Gravataí, o Estado do Rio Grande do Sul por meio do Departamento Estadual de

Florestas e Áreas Protegidas (DEFAP/SEMA), a 1ª Companhia do Batalhão de Polícia

Ambiental, o INCRA e os assentados, onde estes dois últimos assumiram o compromisso

público de corrigir os problemas encontrados no assentamento, tais como eliminar os danos

42

ambientais provocados pelo fogo, pelo uso de agrotóxicos, pelo mau uso da água (excesso),

arrendamento e venda de lotes.

O INCRA contratou o Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da Universidade

Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a fim de elaborar um plano de manejo para o uso da

água da barragem para o cultivo de arroz, mas sem comprometer a Bacia Hidrográfica do Rio

Gravataí e a área do Refúgio de Vida Silvestre.

Este plano de manejo previu um perímetro de irrigação e um corredor ecológico

que liga a unidade de conservação ao Rio Gravataí, isto permitiu o licenciamento ambiental

da área. O IPH sugeriu um Distrito de Irrigação como o modelo mais recomendado perante a

legislação federal. Todavia o INCRA não realizou a demarcação dos lotes da várzea, o que

dificultou o controle da área cultivada com arroz, ocorrendo problemas e excesso por parte

dos plantadores. Os lotes da várzea somente foram medidos em janeiro de 2008, o que

auxiliou no controle e gestão da água.

Atualmente, o assentamento conjuntamente com o INCRA, consolidou o Distrito

de Irrigação, que é composto por representantes das famílias que possuem lote no perímetro

de irrigação, esses representantes formam o Conselho de Irrigação. A cada ano ocorre uma

eleição, onde os plantadores aptos a cultivar arroz no corrente ano votam em uma chapa

formada pelos próprios plantadores, para assumir o distrito a fim de desenvolver a gestão dos

recursos hídricos. Todavia, o distrito esta ligado legalmente a Associação de Moradores do

Assentamento Filhos de Sepé (AAFISE), entidade está, criada no ano de 2005, para gerenciar

os recursos do Programa de Consolidação e Emancipação de Assentamentos Resultantes da

Reforma Agrária (PAC), destinados ao Assentamento Viamão via INCRA.

A área do perímetro de irrigação é de 3.600 ha, com aproximadamente 250 lotes,

porém a capacidade de irrigação da Barragem Águas Claras é limitada a 1.200 ha, que soma-

se as 300 ha da Nascente Águas Claras, totalizando 1.600 ha.

A partir da safra 2005/2006 os beneficiários, que se encontram no perímetro de

irrigação, tem a necessidade de a cada nova safra realizar um pré-projeto de lavoura, coletivo

ou individual, no qual constitui o plano de lavoura para safra, que tem por objetivo não

exceder os 1.600 ha permitidos. Portanto todo o camponês assentado que deseja plantar tem

que esperar abrir o edital de safra. Este por sua vez determina as normas a serem cumpridas

para cultivar arroz no assentamento.

43

7.5. Ações do INCRA que culminou na saída dos arrendatários

A Superintendência Regional do Incra no Rio Grande do Sul, em outubro de

2009, realizou uma ação para retomada de 23 lotes no Projeto de Assentamento Viamão. A

medida segue decisões da Justiça Federal favoráveis à reintegração de posse das parcelas

destinadas à reforma agrária. Segundo notícias do site oficial do INCRA33

, os beneficiários

perderam seus lotes por vários motivos: há casos de arrendamento, compra e venda de lote,

porte ilegal de arma, cárcere privado de servidores, entre outros. O plantio irregular de arroz

em desconformidade com as normas dos Editais de Safra, também foi considerado nos

processos, em adição aos outros fatores. Todos os casos têm origem em apurações de

irregularidades realizadas pelo INCRA/RS desde 2004 que passaram por instâncias

administrativas e judiciais, com acompanhamento do Ministério Público Federal (MPF).

As retomadas dos lotes integram um conjunto de ações de regularização do

assentamento. No início do ano de 2009, o Incra/RS colheu aproximadamente 4,7 toneladas

de arroz em desconformidade com o Edital de Safra, criado para normatizar o plantio de

acordo com critérios estabelecidos por um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado

com o Ministério Público em 2004. O TAC tem por finalidade eliminar danos ambientais no

assentamento, que está localizado na área de uma unidade de conservação - a Área de

Proteção Ambiental (APA) do Banhado Grande e que possui em seus limites, outra unidade

de conservação, o Refúgio de Vida Silvestre Banhado dos Pachecos.

Esta ação do INCRA ajudou a criar as condições para evitar desvios de conduta

por parte de alguns camponeses assentados, que manipulavam pelo viés econômico a maioria

das famílias que possuíam lotes no perímetro de irrigação. Para melhor compreendermos este

processo, havia no assentamento uma família que plantava sozinha, 700 ha de arroz no

sistema de arrendamento. Isto credenciava esta família a manipular de certa forma o sistema

hídrico do assentamento, por intermédio dos donos dos lotes. Com esta ação os grandes

arrendatários saíram do assentamento e o Grupo Gestor do Arroz Ecológico, conseguiu com a

ajuda da COPTEC uma aproximação dos assentados que arrendavam os seus lotes.

33 Disponível em <http://www.incra.gov.br> Acesso em 28 nov. 2009.

44

7.6. Intensificação dos trabalhos do Grupo Gestor do Arroz Ecológico

Na safra 2009/2010, 82 famílias se envolveram diretamente ou indiretamente na

atividade orizícola. As famílias que se envolve indiretamente são aquelas que não possuem

máquinas e implementos ou tem outros problemas como de saúde ou idade, portanto realizam

parcerias. As famílias estavam organizadas em 06 grupos de produção, onde o coordenador de

cada grupo as representa no Grupo Gestor do Arroz Ecológico da Regional Porto Alegre,

instância organizativa que reúne famílias assentadas produtoras de arroz e que estão em

processo de certificação orgânica.

Para a safra 2010/2011 o número de famílias envolvidas é de 120 e a área

plantada é aproximadamente 1.200 ha, isto se deve pela conscientização por parte das famílias

do pagamento de 5 sc/ha pelo uso da água na irrigação, esta é gestada pelo Distrito de

Irrigação. Mesmo tendo dificuldades financeiras as famílias vêm quitando dividas passadas e

regularizando sua situação. Outro elemento e o programa de formação que vem sendo

desenvolvendo, pelo Grupo Gestor, no assentamento, que tem por objetivo trazer os

princípios elementares para conviver com o agroecossistemas das terras baixas do

assentamento, valorizando as condições de clima, solo e água, potencializando essas

características agronômicas, especialmente no cultivo do arroz orgânico. Portanto, este

processo de capacitação servirá para incentivar e qualificar as iniciativas de transição, em que

diversas famílias se encontram.

Com o cenário atual vivido no assentamento34

, a produção orgânica tornou-se um

processo obrigatório para todos os agricultores, devido ao assentamento estar localizado em

uma área de proteção ambiental (APA) logo a não utilização de agroquímicos é requisito

básico para o plantio.

A partir desta necessidade, a saída encontrada foi a certificação das áreas

orizícolas. O processo organizativo é primordial para que ocorra a produção orgânica

certificada, desta forma o programa de formação (figura 09 e 10) esta servindo como um

apoiador deste processo. Portanto, incentivar a formação de grupos, além dos já existentes, se

tornou essencial para o desenvolvimento do local.

34Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), firmado no ano de 2004 com o Ministério Público, que tem por

finalidade eliminar danos ambientais na APA.

45

Figura 09 e 10 – Programa de Capacitação em Arroz Orgânico. Fonte: Arquivo COPTEC (2010).

Outro apoio do Grupo Gestor é a busca de recursos financeiros para o

assentamento, junto ao INCRA, a fim de construir infra-estruturas para recebimento, secagem

e armazenamento do arroz orgânico35

. Isto faz parte da estratégia do Grupo Gestor do Arroz

Ecológico da Regional Porto Alegre, para descentralizar a atividade e possibilitar um maior

controle pelos camponeses, do peso real da colheita, porcentagem de impurezas, umidade do

grão, enfim, de todos os processos desta fase da cadeia produtiva.

O camponês que tem a possibilidade de armazenar o seu produto, próximo ao

local de cultivo, consegue reduzir de forma extremamente significativa os custos de transporte

e secagem, bem como, diminuir as perdas que ocorrem durante o manuseio do produto, além

de escolher um momento mais propício para a venda possibilitando melhores preços pelo

arroz.

Outro elemento importante é o fato de que os camponeses que fazem parte do

Grupo Gestor do Arroz Ecológico têm como princípio a gestão, que já acontece nos campos

de cultivos, mas precisam chegar a autonomia nas etapas da recepção, pesagem, secagem e

armazenagem do produto certificado. O domínio dessas novas etapas da cadeia produtiva

reforça e reafirma a vontade dos agricultores de manterem o controle de quantidade e

qualidade dos grãos, possibilitando maior autonomia na cadeia do arroz.

O Grupo Gestor do Arroz Ecológico envolveu na safra de 2009/2010 196 famílias

da regional, com uma área certificada de arroz de 1.856 ha, e produção de aproximadamente

150.000 sacas. Na atual safra (2010/2011) o grupo aumentou para 310 famílias, com uma área

certificada de 3.000 ha, e uma produção de aproximadamente 240.000 sacas.

35A COPTEC elaborou o pré-projeto das infra-estruturas.

46

O Assentamento de Viamão contribui neste processo na safra 2009/2010 com 82

famílias, que ocupavam uma área de aproximadamente 850 ha, com uma produção de 60.000

sacas. Na safra 2010/2011 tem 120 famílias envolvidas, com aproximadamente 1.200 ha, com

uma estimativa de 100.000 sacas de arroz orgânico ou em processo de certificação. A figura

11 identifica os lotes cultivados.

Perante estes dados observa-se um crescimento do grupo, o que redobra o trabalho

e o processo organizativo dos camponeses, principalmente no período de armazenamento da

produção do Grupo Gestor do Arroz Ecológico. Atualmente o grupo só tem capacidade para

armazenar 41% da produção, neste sentido faz-se necessário a construção de uma infra-

estrutura no Assentamento Viamão, caso contrário, o arroz produzido no assentamento é

obrigado a transitar pelas estruturas convencionais da Região Metropolitana de Porto Alegre,

perdendo o status de produto orgânico.

Figura 11 – Lotes cultivados na safra 2010/2011. Fonte: Arquivo COPTEC (2010).

47

7.7. Sistema de plantio utilizado pelos camponeses do Assentamento Filhos de Sepé

O atual cenário vivido no assentamento é de reorganização do sistema produtivo,

onde os camponeses procuram organizar-se em grupos, com o propósito de participar no

Grupo Gestor do Arroz Ecológico, a fim de partilhar das discussões referentes a produção. No

grupo é discutido desde aspectos tecnológicos até aspectos organizativos, como compra de

insumos, secagem, armazenagem e beneficiamento do produto, assim como comercialização.

O sistema tecnológico desenvolvido pelo assentamento é considerado pela

legislação brasileira como orgânico36

, pois considera a agroecológica como produção

orgânica. Estes camponeses, alguns por consciência e outros pela proibição, não podem

utilizar pesticidas e fertilizantes químicos, fazendo-se necessário o desenvolvimento de um

conjunto de práticas que controlam as ervas indesejáveis e potencializem a fertilidade dos

solos.

Os camponeses de uma forma geral utilizam maquinários, como tratores e

colheitadeiras de grande porte (figura 12), devido ao padrão aplicado no Brasil, o mesmo

Norte Americano, que esta calcada na grande propriedade rural com monocultura extensiva.

Neste caso a viabilização deste parque de máquinas, possui um custo relativamente alto,

necessitando cultivar um número expressivo de hectares, aproximadamente 150 ha para

viabilizar um trator, segundo informações dos próprios camponeses.

Figura 12 – Tratores tracionados e colheitadeira. Fonte: Arquivo COPTEC (2010).

36 A Instrução Normativa Nº 64 promulgada pelo Ministério de Estado da Agricultura, Pecuária e Abastecimento

no dia de 18 de dezembro de 2008, tem como Art. 1º aprovação do regulamento técnico para os sistemas

orgânicos de produção animal e vegetal.

48

No assentamento alguns camponeses mais estruturados possuem máquinas e

acabam prestando serviço para os camponeses que não possuem. Neste contexto, os

camponeses que não tem máquinas ficam dependentes e a mercê da disponibilidade e dos

valores da hora máquina da região, que geralmente são altos devido a grande demanda e a

pouca disponibilidade de máquinas.

Por causa desta dependência, ocorreram experiências no assentamento utilizando a

tração animal (figura 13) em detrimento da máquina (figura 14), entretanto o esforço por parte

do camponês é grande, em decorrência do número de horas trabalhadas. Segundo relatos dos

camponeses que trabalharam neste sistema, a única diferença é o grau de autonomia, porque o

próprio camponês organiza-se para fazer a operação de preparo do solo, não ficando na

dependência de terceiros.

Figura 13 e 14 – Utilização da tração animal e mecanizada no cultivo do arroz. Fonte: Arquivo

COPTEC (2010).

Praticamente em todo o assentamento as lavouras estão sistematizadas (figura 15)

para o cultivo do arroz no sistema pré-germinado, o que facilita as operações agroecológicas.

Em raras exceções é utilizado o plantio convencional em curva de nível (figura 16), que

consiste em realizar a atividade de preparo de solo com arado de disco, ou grade aradora

(figura 17), com objetivo de revolver o solo e enterrar a vegetação existente. Após é realizada

a atividade de destorroamento do solo com grade de disco (figura 18). A semeadura é feita a

lanço ou em linha e a água de irrigação é colocada 20 a 35 dias após a emergência das

plântulas (figura 19 e 20). Este sistema dificulta as operações de controle das ervas

espontâneas, com isto torna-se difícil a produção orgânica.

49

Figura 15 e 16 – Lavoura sistematizada e convencional. Fonte: Arquivo COPTEC (2010).

Figura 17 e 18 – Grade aradora e grade de disco. Fonte: Arquivo COPTEC (2010).

Figura 19 e 20 – Semeadeira em linha e lavoura com aproximadamente 20 dias após o plantio, pronta

para receber a irrigação em definitivo. Fonte: Arquivo COPTEC (2010).

O sistema predominante no assentamento é o pré-germinado, que consiste no

cultivo de arroz irrigado em áreas sistematizadas onde as sementes, previamente germinadas,

são lançadas em quadros nivelados e inundados. Tem como objetivo principal o controle de

plantas indesejáveis. A sistematização da área é um importante requisito para o sistema, que

50

consiste no nivelamento do solo com adequação dos sistemas de irrigação, drenagem e vias de

acesso. Normalmente adotam quadros fixos, regulares e em geral de pequenas dimensões,

separados por taipas permanentes. Em algumas situações de topografia com declividades

maiores os camponeses utilizam taipas em curvas de nível (figura 22 e 23). Vale apena

salientar, que a sistematização no assentamento foi realizada pelos catarinas, no período de

arrendamento das áreas, prática esta comum no Estado de Santa Catarina, como vimos

anteriormente.

Figura 21 e 22 – Taipa permanente em quadros retangulares e em curva de nível. Fonte:

Arquivo COPTEC (2010).

Segundo levantamento do Instituto Riograndense do Arroz, no Rio Grande do Sul

o sistema de cultivo pré-germinado na safra de 2009/2010 representou 10,7% da área

cultivada, o sistema convencional de preparo do solo com lavração e gradagem seguido de

plantio tem 25,6%, o cultivo mínimo que consiste no preparo antecipado do solo (outono ou

primavera) e semeadura direta tem 63,7% (IRGA, 2010)37

. Todos estes sistemas utilizam

venenos, das mais diferentes classes toxicológicas, na qual podemos observar que os órgãos

do Estado, que prestam assistência técnica, continuam dentro do modelo químico-mecânico,

principalmente o IRGA.

O sistema pré-germinado vem crescendo como uma alternativa de manejo das

plantas espontâneas, mesmo em sistemas convencionais de produção (com uso de produtos

químicos), principalmente no controle do capim-arroz, arroz vermelho e preto. Um fator

importante de seu crescimento é a menor dependência das condições agroclimática,

contornando problemas de drenagem das áreas, possibilitando que a semeadura aconteça na

época recomendada.

37 Fonte: “Arroz Irrigado: recomendações técnicas da pesquisa para o Sul do Brasil”, de agosto de 2010. p. 52.

51

A época de semeadura tem relação direta com a produtividade, sendo um dos

principais fatores de produção no Rio Grande do Sul, principalmente para a produção

orgânica. Os períodos favoráveis de semeadura variam em função das regiões e sub-regiões

do Estado e do ciclo das cultivares. São estabelecidos dezesseis grandes grupos de períodos

de semeadura, sendo quatro para cultivares tardias, quatro para cultivares de ciclo médio,

quatro para cultivares precoce e quatro para cultivares muito precoce.

Na sequência é apresentado o zoneamento agrícola para a cultura do arroz irrigado

no Rio Grande do Sul (figura 23). Como pode ser observado, no município de Viamão/RS, as

cultivares de ciclo tardio tem como recomendação o plantio de 1º de outubro a 30 de outubro;

para cultivares de ciclo médio 1º de outubro a 20 de novembro; já para as cultivares de ciclo

precoce recomenda-se 11 de outubro a 30 de novembro; e para as cultivares de ciclo muito

precoce, recomenda-se de 11 de outubro a 10 de dezembro.

Figura 23 – Mapa zoneamento agrícola para a cultura do arroz irrigado no Estado do Rio Grande do

Sul. Fonte: EMBRAPA (1994)38

.

38 Pesquisa no site http://www.agencia.cnptia.embrapa.br/gestor/arroz/arvore/CONT000desi63xh0

2wx5eo0y5mh ykhju6o4.htm#fig2

52

O rendimento do grão de arroz irrigado é determinado pela biomassa, sendo esta

determinada pelo índice de radiação solar, o fotoperíodo. A fase mais crítica é a reprodutiva,

principalmente nos estágios da Diferenciação dos Primórdios da Panícula (DPP) até a

floração, que requer muita radiação solar, no mínimo 20 dias antes e 20 dias depois da

floração. Para isso é fundamental que o camponês que cultiva orgânico, fique atento a época

recomendada da semeadura, para aproveitamento da energia gratuita e renovável.

Os camponeses do Assentamento Viamão, cultivam variedades de ciclo tardio,

como a variedade EPAGRI 108 e cultivam variedades de ciclo precoce, como a variedade

IRGA 417. Os camponeses escolhem as variedades conforme a resistência a patógenos, ao

acamamento na hora da colheita, a produtividade, a resistência de ferro ou alumínio entre

outras características da cultivar em relação à área de plantio.

A semeadura dentro das recomendações técnicas colabora com o desenvolvimento

da cultura do arroz, evitando os limites climáticos e possíveis ocorrências de insetos, pássaros

e doenças. Semear com temperatura muito fria dificulta o desenvolvimento da cultura do

arroz, dando espaço para as plantas espontâneas se desenvolverem. Os camponeses do

assentamento que não possuem máquinas encontram dificuldades para fazerem a semeadura

na época correta, pois estão na dependência de terceiros, com isto tendem ter produtividades

menores.

Os camponeses que estão na atividade a mais tempo, aproximadamente 5 a 6

safras, dominam a técnica da pré-germinação da semente (figura 24 e 25), ao contrario dos

camponeses que se inseriram nos últimos dois anos.

Figura 24 e 25 – Transporte da semente pré-germinada. Fonte: Arquivo COPTEC (2010).

A semente ao pré-germinar, não tendo contato com a terra até a semeadura, requer

cuidados que dependem exclusivamente do manuseio humano, a fim de garantir a qualidade e

53

o potencial genético da mesma. Todavia, este processo de aceleramento da germinação da

semente, depende das condições de umidade, temperatura e oxigênio, que estão diretamente

relacionados aos cuidados do camponês, para que ocorra um bom desenvolvimento e

uniformidade da radícula e do coleóptilo (figura 26), parte inicial do desenvolvimento do

grão que vão dar origem ao sistema radicular e parte aérea da planta.

Figura 26 – Germinação da semente / desenvolvimento da radícula e do coleóptilo. Fonte: Arquivo COPTEC (2010).

No sistema pré-germinado a semeadura é realizada sobre lâmina de água com a

semente germinada, sendo realizada pelos camponeses manualmente ou mecanicamente

(figura 27 e 28). Dentre os cuidados a serem tomados pelos camponeses, está a precaução de

evitar um choque térmico da semente com água fria, a fim de não comprometer o vigor da

plântula, além de semear a uma profundidade de aproximadamente 1 cm no solo, fato este

nem sempre alcançado pelos camponeses do assentamento.

Figura 27 e 28 – Semeadura mecânica a lanço e manual. Fonte: Arquivo COPTEC (2010).

As estruturas de irrigação e drenagem devem dar condições de disponibilizar água

e drenar os quadros em qualquer época, período ou fases de desenvolvimento do arroz (figura

29 e 30).

54

Figura 29 e 30 – Infra-estrutura de drenos e irrigação adequados. Fonte: Arquivo COPTEC

(2010).

A água é uma das principais ferramentas utilizadas no controle de plantas

indesejáveis e também no controle de insetos, como o gorgulho aquático (Oryzophagus

oryzae), nos sistemas de produção orgânica (figura 31).

Figura 31 – “a” gorgulho aquático, “b” larva e “c” raiz atacada pelo gorgulho. Fonte: Arquivo COPTEC (2010).

No assentamento este gerenciamento dos recursos hídricos é realizado pelo

Distrito de Irrigação, que vem tornando-se mais eficiente nos últimos dois anos. Entretanto, a

distribuição equânime da água depende de infra-estruturas no perímetro de irrigação do

assentamento, tais como: pontes, estruturas de controle de nível, bueiros, reforma das

comportas, implantação de passagens de água e reforma do enrocamento da Barragem Águas

Claras, que esta prevista no Programa de Consolidação e Emancipação de Assentamentos

Resultantes da Reforma Agrária (PAC). Estas infra-estruturas vêm sendo concretizadas pela

AAFISE.

A necessidade de água para irrigação inicia-se no preparo do solo e vai até o

estágio de grão pastoso do arroz. Na fase inicial de estabelecimento da cultura, é fundamental

55

a disponibilidade da água assim como as variações da lâmina, a fim de dar condições das

plântulas se estabelecerem, bem como, realizar o controle da germinação e desenvolvimento

de plantas espontâneas.

Para a drenagem das lavouras (quadros), não segue regra pré-estabelecida, mas no

manejo agroecológico, os camponeses após a semeadura fazem uma retirada da água, sendo

importante neste momento observar o fator temperatura, umidade e de preferência realizar a

drenagem no final da tarde. Isto tem como propósito disponibilizar iluminação no dia

seguinte, fazendo com que a planta se beneficie dos primeiros raios de sol (figura 32). A

drenagem deve ser lentamente para evitar a lixiviação dos nutrientes e perdas de solo (figura

33), regra esta que não é cumprida a risca no sistema convencional, ou por parte de alguns

camponeses, principalmente quando ocorre atraso no período de plantio. O tempo para

retorno da água depende de vários fatores, como: umidade, desenvolvimento das plântulas,

germinação das plantas espontâneas ou indesejáveis, temperatura, ocorrência de insetos, etc.

Figura 32 e 33 – Drenagem da lavoura após o plantio com semente pré-geminada e solo que poderá ser perdido na retirada da água. Fonte: Arquivo COPTEC (2010).

Após o estabelecimento da cultura o controle das plantas indesejáveis no sistema

agroecológico, principalmente do capim-arroz, deve acontecer até este atingir a 4° folha, com

água profunda “afogamento do arroz”. A planta de arroz é resistente, sendo a sílica (mineral)

um dos elementos responsáveis por esta condição, presente em maior quantidade nas plantas

de arroz (figura 34 e 35). É um método que exige muita observação por parte do camponês, o

momento certo de entrar com a água, o tempo de permanência com o estado de "afogamento"

e os manejos pós a drenagem. Neste processo o arroz teve um crescimento forçado e pode vir

a cair e grudar no solo, tendo a necessidade de entrar de forma rápida com a água nos

quadros, para descolar as plantas do solo. O IRGA recomenda aplicação de herbicida nesta

fase.

56

Figura 34 e 35 – Lavoura com plântulas de arroz com 3 a 4 folhas e o surgimento do capim-arroz, na

sequência a mesma lavoura inundada com o objetivo de controlar o capim arroz. Fonte: Arquivo

COPTEC (2008).

As plantas de arroz suportam um determinado período de inundação e até mesmo

uma condição de lâmina de água permanente, possuindo grande capacidade de recuperação.

As demais plantas não apresentam tais condições, como capim arroz, que não suporta

períodos longos de afogamento. Quando submetido, enfraquece, amarela e morre. Um bom

controle agroecológico requer conhecimento, habilidade e observação do camponês (figura 36

e 37).

Figura 36 e 37 – Arroz submetido ao stress e arroz em bom desenvolvimento. Fonte: Arquivo

COPTEC (2010).

Ao longo do ciclo vegetativo da cultura, que dependendo da cultivar fica entre 100

a 130 dias, o arroz fica com uma lâmina d água de 10 a 20 cm, até chegar a formação do grão

e este ficar pastoso, apresentando umidade entre 18 a 24% (abaixo de 18% reduz o

rendimento de engenho e acima de 24% os grãos não estão bem formados e na secagem serão

57

danificados). Neste momento, os camponeses drenam a lavoura, para efetivar a colheita, que

no assentamento é realizada mecanicamente.

Vale à pena ressaltar, que os campesinos que se utilizam das tecnologias

convencionais, vivem uma insegurança, ao menor ataque de insetos ou plantas indesejáveis o

pânico se instala, automaticamente corre-se para os agrotóxicos. Enquanto que os camponeses

do assentamento procuram sistematizar a lavoura e entender os processos cíclicos da natureza,

a fim de melhor manejar, com isto o pânico só se instala quando desconhecemos estes

processos.

Os assentados de Viamão baniram do sistema todos os venenos (inseticidas,

herbicidas, fungicidas entre outros), das mais diferentes classes toxicológicas, que são

utilizados nas lavouras e começaram a utilizar o marreco de pequim (figura 38) e

biotecnologias, como os biofertilizantes e produzir seus próprios insumos, assim como, a sua

própria semente. As sementes segundo os camponeses possuem diferentes facetas, sendo

simultaneamente entidade biológica, parte de sistemas ecológicos, portanto é produto do

desenvolvimento humano e, neste último sentido, compatível com valores culturais do

camponês.

Figura 38 – Uso do marreco de pequim. Fonte: Arquivo COPTEC (2010).

58

8 LIMITES E POTENCIALIDADES DA ATIVIDADE ORIZÍCOLA NO

ASSENTAMENTO VIAMÃO.

Das 373 famílias assentadas, apenas 250 famílias tem lotes dentro do perímetro de

irrigação, que totalizam 3.600 ha. Destes tem aproximadamente 600 ha com dificuldades

estruturais para se realizar o plantio do arroz. Algumas dificuldades estão associadas a falta de

manutenção adequada do sistema de drenagem, ou por estarem em terrenos turfosos que

apresentam deficiência nutricionais, principalmente nitrogênio, fosforo e potássio, e de alguns

micronutrientes, especialmente cobre, zinco e ferro39

. Estes problemas de drenagem eram

maiores em anos anteriores, mas diminuíram bastante com os recursos financeiros do PAC,

que disponibilizou verbas para reparar parte da infra-estrutura necessária a drenagem e

irrigação do assentamento. Todavia, estes recursos não abarcaram a totalidade dos problemas.

Os assentados reclamaram da morosidade do INCRA para demarcar os lotes da

várzea, assim como da distância destes dos lotes de moradia, que dificulta o acesso as

lavouras. Aliada a isto, a falta de experiência de cultivar em solos de várzea, juntamente com

a falta de políticas para esta atividade, leva os camponeses desprovidos de recursos, há não

desenvolverem a atividade por falta de infra-estrutura adequada.

Atualmente alguns camponeses do assentamento dominam as técnicas da

atividade orizícola, mas ainda tem uma parcela significativa que esta distante da dinâmica do

manejo da várzea. Portanto, os níveis de informação e necessidades são diferentes, assim

como os limites e as potencialidades percebidas por cada um.

Os camponeses que querem entrar na atividade possuem muitas dúvidas, devido a

pouca experiência, faltando conhecimento de causa, principalmente no manejo do novo

agroecossistema. No entanto, estes camponeses destacam a importância da capacitação e da

troca de experiência com outros plantadores. Neste sentido, há todo um esforço de estabelecer

processos organizativos pautados pela troca de informações entre os camponeses interessados

na atividade, sejam aqueles que já se destacam pelo manejo desenvolvido na atividade, ou por

aqueles que querem iniciar a produção de arroz orgânico.

Outra preocupação dos camponeses assentados é a participação nas instâncias

organizativas do MST. Muitas vezes a ausência destas, faz com que ocorra um distanciamento

dos assentados do movimento e automaticamente cresce o individualismo por parte dos

39 Fonte: “Arroz Irrigado: recomendações técnicas da pesquisa para o Sul do Brasil”, de agosto de 2010. p. 48.

59

camponeses. Alguns assentados relatam que precisam melhorar as relações pessoais, a fim de

trabalhar coletivamente, ou no mínimo aumentar as trocas de serviços e máquinas essenciais à

atividade, ou seja, aumentar a ajuda mútua, a fim de cooperar com o projeto do arroz

orgânico.

Os camponeses que desenvolvem a atividade orizícola há mais tempo, tem

preocupações relacionadas à produtividade, manutenção da fertilidade dos solos, manejos de

insetos ou ervas indesejáveis. Estes gargalos são frutos de vários fatores, desde dificuldades

de implementos até do próprio conhecimento do ecossistema da várzea, que necessita de uma

compreensão dos processos biológicos e uma prática constante.

Em um testemunho dado pelo agricultor Benjamim40

, percebe-se com mais

evidencia o contexto local. Juntamente com mais um companheiro plantou 7 ha de arroz na

safra 2007/2008, utilizando tração animal para preparar a terra. O entrevistado comenta que as

dificuldades, no primeiro ano foram muitas, não havia assistência técnica especializada em

produção orgânica nem recursos financeiros para investir na produção. Parou um ano de

plantar e retornou na safra 2009/2010, onde começou a participar das reuniões do Grupo

Gestor do Arroz Ecológico, conseguindo comprar as sementes e com muito esforço conseguiu

no assentamento máquina para preparar o solo.

O camponês afirma que o dia-a-dia da produção de arroz exige bastante, tem que

estar muito atento a todos os acontecimentos da lavoura e que o grupo gestor tem uma grande

importância na organização das famílias. Nas 6 ha plantadas, na safra 2009/2010, a principal

dificuldade foi conseguir a máquina no tempo certo de preparar o solo e colher, já que neste

período todas as máquinas estão sendo utilizadas na região.

Na safra de 2009/2010 colheu 78 sacos por ha e ficou satisfatório com a produção,

sabendo o quê melhorar para a próxima safra. Está muito satisfeito com a participação no

grupo gestor, acredita que é por este viés que a produção vai ser organizada. Atualmente

(safra 2010/2011) Benjamim participa, juntamente com mais 19 companheiros, de um grupo

coletivo (cultivam 195 ha), organizado durante os trabalhos do grupo gestor e COPTEC.

Benjamim destaca que antes os assentados de Viamão não tinham todas as

informações necessárias, hoje, com a participação no grupo gestor estão bem informados e

organizados em torno da produção. Segundo o mesmo, os assentados precisam se organizar

para plantar e colher em grupos, buscando formas de beneficiamento da produção dentro do

assentamento.

40 Camponês do Assentamento Filhos de Sepé. Nome fantasia.

60

Percebe-se que a saída encontrada pelos camponeses e técnicos da COPTEC, é o

resgate e a valorização dos saberes locais e tradicionais. Isto tudo aliado às dinâmicas de

experimentação, baseadas no intercambio entre os camponeses possibilita a construção do

projeto de arroz orgânico.

Os camponeses que estão inseridos a mais tempo na atividade orizícola e que se

utilizam da agroecologia como filosofia de vida, de uma forma geral consolidam os seus

conhecimentos práticos através da experiência, que tem como objeto a cultura do arroz

orgânico na várzea. Como citado anteriormente, podería-se dizer que o conhecimento nasce

do próprio objeto, mas o diferencial, é que o sujeito, neste caso o camponês do Grupo Gestor

do Arroz Ecológico, além de observar o objeto, ele interage com este, ocorrendo uma

permanente transformação entre eles.

Pode-se observar que praticamente toda a cadeia do arroz é dominada pelo capital,

onde o processo tecnológico tem um papel essencialmente ideológico que manipula o

campesinato. Neste aspecto, importante destacar que nem toda a tecnologia que vem das

classes dominantes é negativa, mas sim que praticamente toda vem de forma a excluir ou a

deixar este camponês dependente do mercado, como o caso das sementes, fertilizantes,

herbicidas ou tantos outros. Uma máquina ou um equipamento agrícola, por exemplo, que são

presenciados nas lavouras de arroz convencional, utiliza-se de grande quantidade de recursos

fósseis, tornando-se insustentável economicamente para uma pequena área; já no caso das

técnicas e tecnologias para armazenamento e beneficiamento do produto, são de grande valia,

embora esteja no contexto capitalista, ou seja, para grandes áreas. Neste caso muitas vezes

inviabiliza o uso pelos camponeses.

O Assentamento Filhos de Sepé vive atualmente um processo de reorganização, no

que se refere a atividade orizícola, principalmente após as ações do INCRA e da

implementação do Programa de Consolidação e Emancipação de Assentamentos Resultantes

da Reforma Agrária (PAC) no assentamento. Na sequência, caracterizamos na tabela 3 os

limites e as potencialidades vivenciadas historicamente pela comunidade. Todavia, para uma

melhor compreensão dos elementos que envolvem a atividade orizícola, separamos os

aspectos econômicos vinculados a infra-estrutura, incluindo os recursos naturais existentes na

área; dos aspectos que estão diretamente relacionado a organização social e cultural da

comunidade.

61

Tabela 3 – Limites e potencialidades da atividade orizícola no Assentamento Viamão.

Aspectos econômicos vinculados a infra-estrutura e recursos naturais

Potencialidades Limites

O Assentamento Viamão está

inserido na Regional Porto Alegre,

que possui mais de mil famílias

assentadas pelo INCRA e pelo

ESTADO/RS, sendo todas

vinculadas a organização do MST;

70% da área do assentamento é

adequada a atividade orizícola,

tendo uma infra estrutura montada

para esta atividade;

95% da área é sistematizada para o

cultivo no sistema pré-germinado;

O assentamento possui fácil

acessibilidade, com BR e estradas

vicinais com boa trafegabilidade;

O assentamento possui uma riqueza

natural, tanto hídrica como solos;

Implementação do cultivo pré-

germinado no assentamento pelos

arrendatários;

Programa de Consolidação e

Emancipação do Projeto de

Assentamento Filhos de Sepé

(PAC), que proporcionou a limpeza

e desassoreamento de canais, além

de estarem previstos recursos para

comprar e instalar canos para

passadas d água, construção de

bueiros, pontes e controle de nível,

entre outras infra-estruturas

necessárias à atividade orizícola.

A área do assentamento sofreu ao

longo de sua história uma

modificação da paisagem, diminuindo

a biodiversidade do local;

Uso do pacote agroquímico pelo

antigo proprietário da área e no

começo do assentamento pelos

arrendatários;

A classe de solos pertencentes aos

Organossolo (turfa), tem limitações

de fertilidade, sob o ponto de vista

químico, pela acidez extrema de

difícil reversão (representa 18% da

área total do assentamento);

Distancia de até 15 Km do lote de

moradia para o lote de produção;

Disponibilidade de máquinas e

implementos adequados a pequenas

áreas de arroz (10 a 20 ha);

Dependência de máquinas de

terceiros para preparo do solo e

colheita;

Custo alto e falta de disponibilidade

de máquinas na atividade orizícola;

Falta de recurso financeiro para

manter o sistema de irrigação e

drenagem funcionando ao longo do

tempo;

Embora os solos possuem uma

fertilidade natural, os camponeses

tem a preocupação constante de

manter a fertilidade do mesmo, sendo

necessário um aprofundamento

técnico, a fim de trazer

conhecimentos agroecológicos

referentes a este assunto;

Ausência de uma política de

financiamento para a atividade do

arroz orgânico;

Ausência de uma unidade de

secagem, armazenagem e

beneficiamento do arroz no

assentamento.

62

Aspectos da organização social e cultural da comunidade.

Potencialidades Limites

O assentamento esta vinculado a

organicidade do MST, isto facilita a

construção de grupos de trabalho;

Produção agroecológica como

organização multidimensional do

território;

Apoio técnico e organizativo da

COPTEC, que tem como linha de

trabalho a agroecologia;

Participação no Grupo Gestor do

Arroz Ecológico;

O arroz não se caracteriza ainda

como uma commodity, sendo que

praticamente toda a produção

brasileira fica no mercado interno

suprindo o consumo da população,

que é 45 kg/pessoa/ano;

Montagem e efetividade do Distrito

de Irrigação no assentamento;

Programa de Formação em Arroz

Orgânico no assentamento, com

recursos do PAC e realizado pelo

Grupo Gestor do Arroz Ecológico,

este serviu como motivador,

ampliando o número de camponeses

no cultivo do arroz;

Apoio do Grupo Gestor do Arroz

Ecológico e da COPTEC na

elaboração de projetos e na

organização da cadeia produtiva do

arroz;

100 % da área certificada ou em

processo de certificação;

Uso de marreco de pequim, com o

propósito de melhorar a fertilidade

do solo e possibilitar uma

alternativa econômica as famílias;

Resgate e a valorização dos

conhecimentos locais e tradicionais;

Disponibilidade dos agricultores

para troca de informações;

Adesão e envolvimento de novas

famílias na atividade orizícola.

A influência que os órgãos oficiais de

assistência técnica, pesquisa e

agências de credito tiveram no

estímulo ao uso de pacotes

agroquímicos ao longo da história do

campesinato (padrão norte

americano);

Falta de experiência com o

ecossistema de várzea aliada a

atividade orizícola;

Desconfiança por parte de algumas

famílias assentadas, no que se refere a

produção agroecológica;

A demora no parcelamento dos lotes

de produção, facilitou o arrendamento

das áreas de arroz e dificultou a

organização do assentamento;

A oferta de trabalho na RMPA aliada

ao arrendamento no começo do

assentamento possibilitou o não

controle do território da várzea;

Interesse por parte de outros

produtores, não assentados, em

arrendar as áreas de arroz do

assentamento, embora que atualmente

isto não ocorre, devido as ações do

INCRA;

Conflitualidade permanente com os

órgãos ambientais, embora tenha

melhorado nos últimos anos;

Perda do espírito coletivo por parte de

alguns camponeses, tendo como

consequência a não participação da

vida organizativa do assentamento, a

qual leva a um maior individualismo;

63

9. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O processo de formação do conhecimento dos camponeses, nas últimas décadas

veio se realizando dentro do paradigma agroquímico, que por sua vez, foi idealizada por uma

determinada ciência, nada neutra, como podemos observar anteriormente. Esta ciência

produziu um conjunto de tecnologias e técnicas que, em muitos casos tem negado o

conhecimento dos camponeses. Portanto não basta socializar este conhecimento tecnológico

dominante produzido pela humanidade, tem que construir outro conhecimento, com outras

bases epistemológicas.

Percebe-se que tanto a assistência técnica (COPTEC), como as cooperativas

(COOTAP e COCEARGS) tem o papel de motivação e acompanhamento dos processos de

construção do conhecimento, contrapondo o modelo desenvolvido pelo Estado. Mas estes

camponeses assentados hoje na Regional Porto Alegre são frutos deste modelo, então

questiona-se: Onde esta o sentido de desenvolvimento proposto pelo capital e assumido pelo

Estado? Quando Milton Santos se refere aos objetivos, fica claro que o único sentido

proposto foi à ganância econômica, que hoje é representada pelo agronegócio; o sentido de

desenvolvimento social e ambiental foi excluído deste processo.

Os camponeses do Grupo Gestor do Arroz Ecológico, onde o Assentamento de

Viamão representa 38%, apostam na agroecologia como uma das formas de se territorializar.

A agroecologia traz consigo as ferramentas teóricas e metodológicas que auxiliam o grupo, a

considerar de forma sistêmica, as seis dimensões da sustentabilidade, ou seja: a ecológica,

por que respeita os ciclos da natureza, procurando conviver dentro dos processos lógicos do

mundo natural; a econômica, por que reduziu os gastos com insumos, aumentando o ganho

real para o camponês; a social, porque aumenta a inter-relação entre os camponeses, passando

a conviver e a dividir os problemas e as soluções concretas do grupo, tornando-se orgânico; a

cultural, por que tem a oportunidade de realizar um resgate histórico do conhecimento

camponês, tanto de técnicas, como de tecnologias, como exemplo reproduzir suas próprias

sementes; a política, por que estes camponeses saíram da condição de excluídos e hoje são

reconhecidos como cidadãos, com consciência de classe; e a ética, por que reconhece os seus

limites e potencialidades sobre os sujeitos e o mundo natural.

Partindo deste contexto, o grupo vem dialogando com outros camponeses e

técnicos partidários da agroecologia, a fim de construir um conhecimento endógeno, para

consolidar este novo estilo de agricultura; procurando transpor a visão simplista, que muitos a

64

tem, de um conjunto de práticas agrícolas ambientalmente aceitas, em um determinado

espaço geográfico.

Averigua-se, no presente trabalho que o campesino que resolve os seus problemas

constrói conhecimento, que pode não ter a natureza científica, mas esta imbricado nas bases

epistemológicas do construir o verdadeiro conhecimento, que são validados pelos próprios

camponeses, no seu espaço de decisão. A classe camponesa não está negando a ciência, mas

sim estão contestando os seus empregos atualmente. Forças ocultas entravam o

desenvolvimento do campesinato, em nome de um crescimento meramente econômico, que

extrai mais valia sem limites, com o consentimento do Estado.

O Assentamento vive atualmente um processo de reorganização da atividade

orizícola, que ao contar com o apoio do Grupo Gestor do Arroz Ecológico vem superando

alguns limites vivenciados historicamente pela comunidade. Diante do contexto ambiental,

que desencadeou no Termo de Ajuste de Conduta, colocou a obrigatoriedade da não utilização

de pesticidas e outros insumos químicos. Estes fatos potencializaram a produção orgânica e

consequentemente a territorialização dos camponeses que estavam cultivando dentro dos

princípios agroecológicos.

A ação do INCRA na consolidação do Distrito de Irrigação foi outro elemento

importante para a efetivação na ocupação da várzea. Por parte dos camponeses foi primordial

a formação dos grupos, que possibilitou a busca do conhecimento para a produção, que com o

apoio da assistência técnica vem implementando as lavouras orgânicas.

A COCEARGS como mandatária no processo de certificação a COOTAP como

articuladora, são os instrumentos organizativos dos camponeses assentados, que procuram

produzir um alimento diferenciado. Da conflitualidade surgiu a cooperação, para viabilizar a

produção, construindo um modelo mais sustentável, onde sem dúvida nenhuma, a produção

isolada, sem vinculo ou aproximação entre os camponeses, dificultaria a reorganização do

sistema produtivo do Assentamento Filhos de Sepé.

Um dos grandes desafios posto a estes camponeses é o controle da cadeia

produtiva do arroz, tentar atingir o consumidor de forma mais direta possível, e

sensibilizando-o para sua luta, pela causa da reforma agrária. E que este consumidor se

sensibilize e valorize o resultado de seu trabalho, do seu sofrimento, de sua esperança, através

do alimento oferecido a ele consumidor.

O planeta pede por socorro e quem sabe banir, ou pelo menos reduzir ao máximo,

esta agricultura petrodependente, exclusivamente dependente do petróleo (óleo diesel,

adubos, uréia, inseticidas, fungicidas...), seja a alternativa. Esta agricultura tem altos custos

65

de produção tornando-se insustentável ao longo dos anos, como é o caso do arroz cultivado

com agroquímicos.

A produção orgânica é uma das formas de concretizar e consolidar antes de

qualquer coisa uma justiça social, que coloque a humanidade como centro da questão e não a

ganância como vimos nos dias atuais.

Quando o homem altera o meio ambiente em uma velocidade

muito rápida, como, por exemplo, quando transforma os oceanos de petróleo da crosta terrestre em um gás na atmosfera,

(ele) cria uma situação na qual o ambiente muda mais rápido do

que a sua própria velocidade de adaptação. (Dalai Lama)41

Razões como esta e movidos pela necessidade é que faz os camponeses do Grupo

Gestor do Arroz Ecológico acreditar nos princípios agroecológicos e persistir nos seus

desafios.

41 THOMPSON, 2001, p. 17 – reproduziu uma observação de Dalai Lama, no encontro de Lindisfarme Fellows.

66

10. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

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