UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA JULIO DE MESQUITA FILHO ... · Os tambores tocam hoje para agradecer...

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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA JULIO DE MESQUITA FILHO FACULDADE DE HISTÓRIA, DIREITO E SERVIÇO SOCIAL TAIS PEREIRA DE FREITAS ENTRE AS SAFRAS DA CANA-DE-AÇÚCAR: Desafios para o profissional de Serviço Social na agroindústria canavieira FRANCA – SP 2009

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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA JULIO DE MESQUITA FILHO

FACULDADE DE HISTÓRIA, DIREITO E SERVIÇO SOCIAL

TAIS PEREIRA DE FREITAS

ENTRE AS SAFRAS DA CANA-DE-AÇÚCAR: Desafios para o profissional de

Serviço Social na agroindústria canavieira

FRANCA – SP 2009

TAIS PEREIRA DE FREITAS

ENTRE AS SAFRAS DA CANA-DE-AÇÚCAR: Desafios para o profissional de

Serviço Social na agroindústria canavieira

Dissertação apresentada à Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho”, Faculdade de História, Direito e Serviço Social, como pré-requisito para obtenção do Título de Mestre em Serviço Social. Área de concentração: Serviço Social: Trabalho e Sociedade.

Orientador: Prof. Dr. Ubaldo Silveira

FRANCA – SP 2009

TAIS PEREIRA DE FREITAS

ENTRE AS SAFRAS DA CANA-DE-AÇÚCAR: Desafios para o profissional de Serviço Social na agroindústria canavieira

Dissertação apresentada a Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho”, Faculdade de História, Direito e Serviço Social, como pré-requisito para obtenção do Título de Mestre em Serviço Social. Área de concentração: Serviço Social: Trabalho e Sociedade.

BANCA EXAMINADORA

Presidente: ________________________________________________________

Prof. Dr. Ubaldo Silveira

1º. Examinador: _____________________________________________________ 2º. Examinador: _____________________________________________________

Franca, ______ de novembro de 2009.

Dedico esta dissertação, fruto de uma safra em minha vida, aos trabalhadores da agroindústria canavieira com os quais trabalhei durante quatro safras. Em especial aos cortadores de cana.

AGRADECIMENTOS

Agradecer é atitude de corações que se dispõem a reconhecer que suas

conquistas e sucessos têm participação incontestável de pessoas que passam no seu

caminho.

Recorro a ubuntu, um “conceito” sul-africano que em português poderia ser

entendido a partir da idéia de “humanidade para com os outros”, ou mesmo “eu sou o que

sou devido ao que todos nós somos”. Dessa forma reconheço através da ética ubuntu,

que pertenço a algo maior, que sou tão diminuída quanto meus semelhantes que são

diminuídos, que sou tão reconhecida quanto meus semelhantes que são reconhecidos.

Nesse momento especial de minha vida, a idéia de ubuntu me ajuda a explicitar

que essa conquista não é só minha, que eu sou apenas através de outros. Por isso, meu

coração errante e louco reverencia hoje, os olhos que junto comigo enxergaram as

estrelas, os ouvidos que ouviram as mesmas canções que eu ouvi e as vozes que se

uniram a minha para cantar canções de redenção e liberdade.

Os tambores tocam hoje para agradecer o meu Deus, Senhor da minha história e

companheiro da estrada.

Ao som dos tambores se unem a minha voz, o canto de toda a minha família e a

celebração de todos aqueles que me querem bem. Canto pela luz do dia e pelas sombras

da noite, pelo amor e pela amizade, pelas conquistas, pelos sonhos, pelas alegrias

cotidianas.

Rendo-me a emoção deste momento e deixo meu coração correr solto, feito um

doido, revendo cada rosto, celebrando ao som do tambor com cada uma destas pessoas

que, de alguma forma contribuíram para este momento, fosse orando por mim, me

orientando, ouvindo as minhas divagações ou simplesmente rindo comigo das besteiras

da vida, ou seja, estiveram junto comigo, de mãos dadas caminhando em direção ao

sonho:Ronaldo e Fátima, Chico, Saulo, Natanael, Elioenai, Jonathan, Professor Ubaldo

Silveira, Professora Helen Barbosa Raiz Engler, Professora Ana Cristina Nassif Soares,

Laura (Biblioteca), André Borin, Regina Maria, Regina Lydia, Meire, Débora, Viviane,

Rosemeire e Alexandre.

Meu coração está unido a vocês. Com a alma em festa deixo registrado através destas

palavras meu agradecimento.

Primavera de 2009.

Vinte e Cinco Horas

“São cinco horas da manhã. Seu Antônio está de pé e começam os preparativos para mais

um dia de luta nos canaviais. Primeiro é a marmita. Nesse dia tem arroz e duas “misturas”:

ovo e mandioca. Na maioria das vezes, ou é ovo ou é mandioca. Enche a garrafa de água, e

prepara o embornal: marmita, colher, um pacote de biscoitos para comer mais à tarde, luvas

e lima para afiar o podão.

Isso feito é hora do preparo pessoal: primeiro as calças jeans já surradas e a camiseta de

um candidato a vereador da última eleição na cidade. Por cima das calças a perneira e por

cima da camiseta uma velha camisa de tergal de mangas compridas. As meias já surradas e

a botina já gasta, afinal é metade da safra. O boné com uma camiseta pregada imitando a

touca árabe é colocado na cabeça e ele está pronto. Foram quarenta e cinco minutos.

Sai de casa com o embornal em uma das mãos e a garrafa de água em outra. Entra no

ônibus e começa a jornada rumo à fazenda onde vai cortar cana.

Às sete horas já está no meio do canavial e enquanto espera a distribuição dos eitos toma o

café trazido por um dos companheiros e troca aquela prosa costumeira da manhã. Quinze

minutos depois, podão na mão lá está ele cortando cana. E nessa tarefa ele vai até ao meio

dia, parando cinco minutos de vez em quando para tomar água e fumar seu cigarro, já que

ninguém é de ferro.

Na hora do almoço, contada no relógio, conta piada, ri, graceja com as mulheres e até se

esquece da vida. Mas passada uma hora, é o momento de voltar a cortar cana. Seus braços

ágeis vão derrubando metros e metros de cana. Às vezes doem as costas, às vezes os

braços, e às vezes as pernas também. E nesse revezamento de dores e cansaços, as horas

vão passando. O sol vai diminuindo, mas junto com ele vai acabando a disposição e a

resistência. Junto com seu Antônio está toda a turma. Foram quase oito quilômetros

percorridos durante o dia para cortar a cana e amontoá-la facilitando o trabalho das

máquinas carregadeiras. O número de vezes em que levantou o podão e bateu na cana?

Não dá pra arriscar dizer. São quatro horas da tarde e ele, como a maioria, acabou o seu

eito. É hora de limpar e guardar as ferramentas, pegar os pertences e entrar no ônibus.

São quase cinco e vinte da tarde quando seu Antônio chega em casa. Como mora só, ele

próprio tem que lavar a marmita e cuidar de suas coisas... Vai arrumando o pequeno

barraco, lavando a camiseta e as meias, limpando as botinas e preparando “a janta”. Às sete

da noite já o encontramos em seu barraco, saindo do banho. O macarrão que vai jantar e

levar marmita no outro dia já está pronto.

Mas antes da janta, tem aquela cachaça de todo o dia no Bar do Turco. Como sempre

coloca a chinela havaiana e sai assim mesmo de bermuda e sem camisa. Lembra-se da

esposa que implicava com ele, quando ele saía assim sem camisa. Mas agora ela está em

Pernambuco e ele aqui, trabalhando para lhe mandar todo o mês o dinheiro para os seis

filhos.

Pensando nisso, bate a saudade e ele chega ao bar. Os companheiros estão todos lá.

Companheiros de podão e copo. Gente amiga, que assim como ele também tem angústias

imensas e que assim como ele também gosta de uma boa cachaça. Se bem, que a cachaça

do Turco não é tão boa assim... Pensa.

A hora passa e seu Antônio se esquece da vida. Está alegre, canta, ri... E bebe.

São quase dez da noite, quando ele chega ao barraco, engole o macarrão, acerta o relógio

e cai na cama da forma como está mesmo. Nem sente o corpo doer... É uma noite agitada,

de pesadelos incontáveis.

O relógio desperta no horário de sempre. Seu Antônio faz o ritual de todos os dias e às seis

horas lá está ele esperando o ônibus para o início de mais um dia de vinte e cinco horas.

(Texto extraído do Livro “Bagaços” p. 21-23)

FREITAS, Tais Pereira. Entre as safras da cana-de-açúcar: desafios para o profissional de Serviço Social na agroindústria canavieira, 2009. 124 f. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) – Faculdade de História, Direito e Serviço Social, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho, Franca, 2009.

RESUMO

O presente estudo trata da agroindústria canavieira como espaço para atuação profissional do Serviço Social, com destaque para empresas de corte manual da cana-de-açúcar. O objetivo central é contribuir com a construção de conhecimento sobre o Serviço Social e sua intervenção no meio rural, frente à questão agrária, a proletarização do homem do campo e os seus rebatimentos na questão social no Brasil. Considerando o desenvolvimento do setor sucroalcooleiro a partir dos anos 1990, tem-se um crescimento elevado na produção e a expansão em ritmo vertiginoso das áreas plantadas com cana-de-açúcar. A região de Ribeirão Preto (que neste trabalho corresponde às regiões administrativas de Franca e Ribeirão Preto) ganha destaque devido a sua produção de cana-de-açúcar, que na safra 2008/2009 correspondeu a 28% do total de cana processada em todo o estado de São Paulo, estado esse que processou nesta mesma safra aproximadamente metade de toda a produção nacional. Neste estudo, inicialmente discute-se dados atuais sobre o desenvolvimento do setor sucroalcooleiro nos últimos anos na região de Ribeirão Preto. Constatou-se a necessidade de conhecer as condições de vida e trabalho dos cortadores de cana, destacando-se o dia-a-dia nos canaviais, o sistema de pagamento por produção e a realidade dos trabalhadores migrantes, e então foram entrevistados três sujeitos: um cortador de cana, uma assistente social que atua nesse setor e um dirigente de um dos sindicatos da região. A partir dos dados obtidos com essa pesquisa e com a atuação profissional da autora na agroindústria canavieira são discutidos aspectos relacionados ao corte da cana, destacando-se o corte manual, o sistema de pagamento por produção, o dia-a-dia nos canaviais, os trabalhadores migrantes e os impactos da mecanização da colheita. Essa reflexão implica na abordagem do agudizamento da questão social e seus rebatimentos nitidamente perceptíveis nas condições de trabalho e sobrevivência dos cortadores de cana. Qual o entendimento do Serviço Social frente a estas questões? O espaço rural ainda não está efetivamente ocupado profissionalmente pelos assistentes sociais. Como atuar neste espaço, sendo comprometido com o projeto ético político da profissão e dialogando com os empregadores, garantindo que o espaço não se feche a atuação profissional do Serviço Social? Essas e outras questões serão abordadas, buscando-se elementos constituintes de uma proposta de atuação profissional do Serviço Social na agroindústria canavieira. Palavras-chave: agroindústria canavieira. Serviço Social. atuação profissional.

FREITAS, Tais Pereira. Entre as safras da cana-de-açúcar: desafios para o profissional de Serviço Social na agroindústria canavieira, 2009. 124 f. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) – Faculdade de História, Direito e Serviço Social, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”,Franca, 2009

RESUMEN

El presente estudio se refiere al sector sucroenergético como un espacio para la actuación profesional del Trabajo Social, relevando las empresas de corte manual de caña de azúcar. La finalidad central es contribuir con la construcción de conocimiento sobre el Trabajo Social y su intervención en el universo campesino frente a la cuestión agraria, la proletarización del hombre del campo y sus rebatimientos en la cuestión social en Brasil. En relación al desarrollo del sector sucroenergético, a partir de los años 1990 hay un crecimiento de la cosecha y la ampliación en ritmo vertiginoso de las áreas con plantación de caña. La región de Ribeirão Preto (que en este estudio corresponde a las regiones administrativas de Franca e Ribeirão Preto) se destaca debido a su producción de caña de azúcar, que en la cosecha 2008/2009 ha comprendido 28% de toda la producción del estado de São Paulo que fue responsable por la mitad de toda producción nacional en esta misma cosecha.En este estudio, inicialmente se debate informaciones actuales acerca del desarrollo del sector sucroenergético en los últimos años en la región de Ribeirão Preto. Se constató la necesidad de conocer las condiciones de vida y trabajo de los cortadores de caña se relevando el cotidiano en las haciendas de caña, el sistema de salario por producción y la realidad de los trabajadores migrantes y entonces fueron realizados citas con tres sujetos: un cortador de caña, una asistente social con actuación en la industria agrícola de caña y un director de un de los sindicatos de la región estudiada.A partir de las informaciones obtenidas con esa encuesta y en la actuación profesional de la autora en el sector sucroenergético son debatidos aspectos que están relacionados al corte manual, al sistema de salario por producción, al cotidiano en las haciendas de caña, los trabajadores migrantes y los impactos de la motorización de la cosecha. Esa reflexión implica en abordar el aguzamiento de la cuestión social y sus rebatimientos claros en las condiciones de trabajo y supervivencia de los cortadores de caña. ¿Cual el entendimiento del Trabajo Social frente esas cuestiones? El espacio campesino todavía no está efectivamente ocupado por los asistentes sociales. ¿Cómo actuar en este espacio siendo compromisazo con el proyecto ético y político profesional y manteniendo diálogo con los empresarios, garantizando que el espacio no se cierre a la actuación profesional del Trabajo Social? Esas y otras cuestiones serán debatidas buscando-se elementos constituyentes de una propuesta de actuación profesional en el sector sucroenergético. Palabras-clave: sector sucroenergético. Trabajo Social. actuación profesional.

LISTA DE SIGLAS

ABAG/RP Associação Brasileira do Agronegócio – Ribeirão Preto

CESSAIC Centro de Estudos de Serviço Social da Agroindústria Canavieira

CEVASA Central Energética Vale do Sapucaí

CONTAG Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura

CLT Consolidação das Leis do Trabalho

CNA Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil

DSR Descanso Semanal Remunerado

EPI Equipamento de Proteção Individual

ESALQ-USP Escola Superior de Agricultura Luis Queiroz – Universidade de

São Paulo

FERAESP Federação dos Trabalhadores Rurais Assalariados do estado de

São Paulo

GERHAI Grupo de Estudos em Recursos Humanos na Agroindústria

INPE Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais

LOAS Lei Orgânica da Assistência Social

ORPLANA Organização dos Plantadores de Cana da Região Centro-Sul

SMA/SP Secretaria Estadual do Meio Ambiente de São Paulo

SENAR Serviço Nacional de Aprendizagem Rural

SESMT Serviço de Segurança e Medicina do Trabalho

SIPAT Semana Interna de Prevenção de Acidentes de Trabalho

UDOP União dos Produtores de Bionergia

UNICA União da Indústria de Cana-de-açúcar

LISTA DE QUADROS

QUADRO 1-Evolução da Área de produção e da produtividade da cana-de-açúcar

no Brasil ...............................................................................................25

QUADRO 2-Destinação da Cana-de-açúcar: percentual de Açúcar e álcool ............32

QUADRO 3-Trabalhadores migrantes sazonais........................................................79

QUADRO 4-Quanto ao gênero dos trabalhadores ....................................................79

QUADRO 5-Quanto à escolaridade ..........................................................................79

QUADRO 6-Quanto à faixa etária .............................................................................80

LISTA DE FOTOS

FOTO 1-Cana em pé ................................................................................................43

FOTO 2-Cana deitada ..............................................................................................43

FOTO 3-Trabalhador com equipamentos de proteção individual .......................47

FOTO 4-Barracas sanitárias ...................................................................................48

FOTO 5-Área de convivência..................................................................................48

FOTO 6-Compasso..................................................................................................55

FOTO 7-Fiscal de campo medindo a cana.............................................................55

FOTO 8-Faixa no campo .........................................................................................90

FOTO 9-Faixa perto do ônibus ...............................................................................90

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..........................................................................................................14

PERCURSO METODOLÓGICO ...............................................................................18

CAPÍTULO 1 REALIDADE AGRÁRIA: O CENÁRIO ATUAL PARA A

AGROINDÚSTRIA CANAVIEIRA........................................................24

1.1 A propriedade privada da terra no Brasil.........................................................26

1.2 Agroindústria Canavieira na Região de Ribeirão Preto..................................29

1.3 A mecanização do corte da cana-de-açúcar....................................................35

CAPÍTULO 2 NO MEIO DOS CANAVIAIS: AS CONTRADIÇÕES NO SISTEMA DE

CORTE DA CANA-DE-AÇÚCAR.......................................................38

2.1 O corte manual da cana-de-açúcar ..................................................................42

2.2 Equipamentos de segurança............................................................................45

2.2.1 Proteção de cabeça, olhos, face ......................................................................45

2.2.2 Proteção dos membros superiores...................................................................46

2.2.3 Proteção dos membros inferiores.....................................................................46

2.3 Trabalhadores da lavoura .................................................................................48

2.3.1 Motoristas dos ônibus.......................................................................................49

2.3.2 Gerente Agrícola ..............................................................................................49

2.3.3 Encarregado de campo ....................................................................................49

2.3.4 Fiscais de campo..............................................................................................50

2.3.5 Técnico de Segurança do Trabalho..................................................................51

2.3.6 Motorista de ambulância...................................................................................51

2.3.7 Profissional de enfermagem.............................................................................52

2.4 Pagamento por Produção.................................................................................53

2.5 Contratação de Migrantes.................................................................................57

2.6 Os impactos da mecanização da colheita de cana-de-açúcar.......................61

CAPÍTULO 3 SERVIÇO SOCIAL: DESAFIOS DA ATUAÇÃO PROFISSIONAL

NA AGROINDUSTRIA CANAVIEIRA ...............................................67

3.1 Serviço Social em empresas ............................................................................70

3.2 Considerações sobre o projeto ético-político do Serviço Social..................75

3.3 Elementos para uma proposta de atuação do Serviço Social no corte

manual da cana-de-açúcar................................................................................78

3.3.1 Ações de rotina.................................................................................................80

3.3.2 Ações Emergenciais.........................................................................................82

3.3.3 Atenção aos trabalhadores migrantes ..............................................................83

3.3.3.1 Moradia..........................................................................................................84

3.3.3.2 Rede Social dos municípios ..........................................................................86

3.3.4 Ações Educativas .............................................................................................88

CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................95

REFERÊNCIAS.......................................................................................................103

APÊNDICE

APÊNDICE A – Roteiro das Entrevistas...............................................................110

ANEXOS

ANEXO A – Mapa de usinas e destilarias da Região Administrativa de

Franca................................................................................................114

ANEXO B – Mapa de usinas e destilarias da Região Administrativa de

Ribeirão Preto...................................................................................115

ANEXO C – Protocolo agroambiental do setor sucroalcoleiro paulista ..........116

ANEXO D – Termo do compromisso nacional para aperfeiçoar as condições

de trabalho no corte manual da cana-de-açúcar ...........................119

ANEXO E – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido...............................124

INTRODUÇÃO

“De qualquer forma fui e sou um itinerante. Toda vida é itinerante, mas, sem cessar, a

minha vida despertou minhas idéias e meus atos e fez interagir umas sobre os outros.”

(Edgar Morin)

O desenvolvimento da agroindústria canavieira no Brasil, em especial no

estado de São Paulo tem sido objeto de estudo de diversos pesquisadores. As

razões históricas para o “deslocamento” deste setor da região Nordeste para a

região Sudeste do Brasil, o aumento de incentivos estatais (financeiros, econômicos)

para a produção de etanol, a implementação de novas tecnologias no cultivo da

cana e diversos outros elementos têm sido estudados por pesquisadores de

diversas áreas. Por outro lado, e recentemente, têm se estudado também as

contradições desse processo produtivo e o quanto a mecanização da colheita da

cana potencializa essas contradições.

O Serviço Social, enquanto profissão inserida na divisão sócio-técnica do

trabalho tem na agroindústria canavieira possibilidades sólidas de intervenção, uma

vez que esta constituição agro-industrial recria contradições nas quais a profissão

historicamente tem sido chamada a intervir. Esse lócus de atuação tem

particularidades que decorrem principalmente de sua constituição agrícola e

industrial, uma vez que se, por um lado têm-se todos os elementos caracterizadores

de uma indústria capitalista, têm-se também intrínseco a isso as problemáticas da

questão agrária.

Entende-se questão agrária a partir do processo de passagem do pequeno

produtor rural para assalariado, ou seja, as mudanças que vão ocorrendo no campo,

como a industrialização da agricultura, a reestruturação produtiva e outros

elementos que vão expropriando o pequeno produtor, expulsando-o do campo,

empurrando-o para a o trabalho assalariado na busca de condições de

sobrevivência.

Dessa forma a intervenção profissional do Serviço Social neste espaço, traz

os desafios do que foram historicamente atribuídos a função do assistente social nas

empresas, mas, também a necessidade de intervenção frente a questões do mundo

rural, já que ao abordar a agroindústria canavieira há que se considerar o processo

produtivo na lavoura, com o plantio, cultivo, corte e transporte da cana, e o processo

produtivo nas indústrias, ou seja, a produção de açúcar e etanol a partir da cana.

A atuação em empresas é discutida em diversas pesquisas, a partir de

análises críticas que procuram entender, além das especificidades das formas de

atuação profissional neste lócus, as motivações empresariais para a requisição do

profissional de Serviço Social e como este profissional vai intervir.

Sobre esta atuação em empresas, Mota (2008, p. 68-69) afirma que:

Na medida em que o processo de exploração do trabalho cria as condições básicas para a valorização do capital, gera também situações crescentes de pauperização dos trabalhadores, que se manifestam nos (assim chamados pela empresa) “problemas do trabalhador” ou “problemas sociais”. [...] A priori, portanto, pode-se afirmar que a empresa solicita a ação profissional por entender que o assistente social é um elemento capacitado para atuar nos setores de Recursos Humanos, desenvolvendo atividades de caráter “educativo” junto aos empregados, mediante a prestação de serviços sociais.

Contudo, a atuação na agroindústria canavieira, no que diz respeito à lavoura

apresenta elementos da atuação em empresas, mas, ao mesmo tempo requer

compreensões que estão ligadas ao entendimento da questão agrária no Brasil. É

evidente que nesta atuação profissional serão encontrados desafios das atribuições

da profissão nas empresas, mas é preciso compreender as particularidades desta

atuação nas lavouras, junto aos trabalhadores da cana, em especial os cortadores

de cana.

Dessa forma a proposta do presente trabalho é discutir os elementos

orientadores da atuação do profissional de Serviço Social na agroindústria

canavieira, focalizando o trabalho com os cortadores de cana.

Para a construção que se pretende nesta dissertação é preciso explicitar

como se deu a inserção profissional da autora nos espaços da agroindústria

canavieira, ou seja, a atuação da mesma como assistente social em um Consórcio

de Produtores Rurais da Central Energética Vale do Sapucaí (CEVASA), destilaria

do município de Patrocínio Paulista/SP, que processa por safra aproximadamente

Hum milhão e duzentas mil toneladas de cana-de-açúcar.

A inserção profissional neste espaço deu-se em 2005, quando devido a

constantes fiscalizações e multas em decorrência das condições de trabalho e

moradia dos cortadores de cana, que eram, em sua maioria, migrantes, a empresa

fez acordo com o Ministério do Trabalho visando à contratação de assistente social

para fiscalizar as condições das residências onde os trabalhadores estavam

residindo durante a safra. A aparente simplificação da prática profissional e

desconstrução do agir profissional do Serviço Social descortinariam um espaço

privilegiado de visibilidade da questão agrária no cenário brasileiro e, portanto,

também um espaço de atuação profissional do Serviço Social.

Os desafios se revelariam no cotidiano da prática profissional. O Consórcio,

formado por 11 produtores rurais, é responsável pelo plantio, corte e transporte de

aproximadamente 60% da cana processada na destilaria Central Energética Vale do

Sapucaí (CEVASA), que em 2006 teve 63% de suas ações compradas pela Cargill,

empresa multinacional.

O corte da cana neste consórcio, que a partir daqui será chamado de

empresa, em 2005 era totalmente manual e os trabalhadores nele empregados eram

em sua maioria migrantes, oriundos de regiões empobrecidas do país (Região

Nordeste do Brasil e Norte do estado de Minas Gerais) e em busca de melhores

condições de vida. O mecanismo de exploração que traz e mantém estes

trabalhadores na Região de Ribeirão Preto funciona como uma corrente onde um elo

é o agenciador (“gato”) que busca estes trabalhadores em seus municípios de

origem com promessas de ganhos irreais e condições de vida ilusórias. Chegando á

região (municípios de Batatais, Brodoskwy, Cajuru, Jardinópolis e Patrocínio

Paulista) são encaminhados aos empreiteiros (outro elo da corrente). Esse aluga as

casas onde os trabalhadores irão residir (e pagar por isso), são os proprietários dos

ônibus que conduzirão os mesmos aos canaviais e possuem contrato com a

empresa, recebendo uma porcentagem sobre a produção da turma pela qual é

responsável (cada ônibus é uma turma), a título de transporte.

Em relação à estrutura de trabalho, não havia na empresa outros setores

como segurança e medicina do trabalho. Em linhas gerais esse era o cenário para a

intervenção profissional do Serviço Social.

A atuação profissional desencadeou o processo de desconstrução do papel

atribuído ao Serviço Social, o “fiscalizar” as condições de residências, já que a partir

dessa ação (legitimada e esperada pelos empregadores) outras foram pensadas e

desenvolvidas, sendo construído então um novo projeto de atuação, que foi sendo

revisto e ampliado diante das necessidades que foram sendo colocadas.

A partir do cotidiano na atuação profissional começaram a surgir para a

autora, diversos questionamentos em relação à agroindústria canavieira, ás

contradições intrínsecas a um sistema de exploração de mão de obra e a atuação

profissional do Serviço Social neste espaço.

Com estas constatações e questionamentos delineou-se o primeiro projeto de

pesquisa que tinha como objetivo principal investigar o perfil dos trabalhadores

empregados no corte manual da cana-de-açúcar, buscando entender quem era esse

trabalhador, os motivos que o levaram a estar empregado no corte manual da cana-

de-açúcar. Todavia, o “pesquisar” é um processo contínuo de aprendizagem,

construções e desconstruções, e essa pesquisa já era desenvolvida pela autora em

termos de atuação profissional, já que no início da safra eram feitas entrevistas

individuais com os cortadores de cana, no local de trabalho dos mesmos, durante o

horário de trabalho, visando construir o perfil, o que permitiria melhor planejamento

das ações futuras e, no fim da safra novamente eram feitas entrevistas individuais

para avaliar a safra: Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), condições de

trabalho, preços pagos na cana.

Com o amadurecimento das reflexões, definiu-se o segundo projeto de

pesquisa que propunha como objeto de estudo o sistema de trabalho nas lavouras

de cana-de-açúcar na Região de Ribeirão Preto, partindo do pressuposto de que

este estudo seria ponto de partida para outras reflexões sociológicas acerca das

contradições da agroindústria canavieira.

Contudo, uma vez mais o debruçar-se sobre o objeto de estudo, as leituras

sobre o tema e a prática profissional levaram a indagações acerca dos interesses

que seriam contemplados neste estudo.

O questionamento acerca do Serviço Social e sua inserção neste espaço de

atuação profissional, instigava, provocava. Estariam estes profissionais inseridos nos

espaços da agroindústria canavieira? Essa inserção se dá a partir de que condições

históricas, sociais e econômicas?A partir dessas e outras indagações delineava-se o

projeto de pesquisa que culminou na presente dissertação.

Durante o período Agosto 2005 a Agosto 2008, a autora atuou como

assistente social no consórcio, no período da safra, sendo desligada de suas

funções a cada fim de safra, assim como os cortadores de cana e todos os demais

profissionais que atuam junto aos trabalhadores do corte e transporte da cana. Com

base nesta experiência de atuação profissional, a autora publicou o livro “Bagaços”,

que se propôs a retratar através da literatura a realidade do trabalhador rural

empregado no corte manual da cana-de-açúcar.

PERCURSO METODOLÓGICO

No que diz respeito ao processo de pesquisa e elaboração da presente

dissertação, a construção teórica teve como base a leitura de textos acerca da

questão agrária no Brasil, a posse da terra e as implicações disto na sociedade

brasileira. Passou também pela (re) leitura de textos do Serviço Social, textos de

pesquisa e metodologia e, pela pesquisa constante na internet, jornais e revistas

acerca de assuntos com relação direta com a questão agrária e com agroindústria

canavieira. A partir da atuação profissional, das leituras realizadas, das orientações

e das disciplinas cursadas no Programa de Pós Graduação em Serviço Social da

Faculdade de História, Direito e Serviço Social alguns caminhos foram traçados.

Acerca do espaço geográfico da pesquisa optou-se por utilizar a definição de

região administrativa e para isso definiu-se que a pesquisa teria como foco a Região

de Ribeirão Preto, utilizada neste trabalho para definir as regiões administrativas de

Franca e Ribeirão Preto, compostas pelos seguintes municípios: Altinópolis,

Barrinha, Brodoskwy, Cajuru, Cássia dos Coqueiros, Cravinhos, Dumont, Guariba,

Guatapará, Jaboticabal, Jardinópolis, Luiz Antonio, Monte Alto, Pitangueiras, Pontal,

Pradópolis, Ribeirão Preto, Santa Cruz da Esperança, Santa Rosa de Viterbo, Santo

Antonio da Alegria, São Simão, Serra Azul, Serrana, Sertãozinho, Taquaral,

Aramina, Batatais, Buritizal, Cristais Paulista, Franca, Guará, Igarapava, Ipuã,

Itirapuã, Ituverava, Jeriquara, Miguelópolis, Morro Agudo, Nuporanga, Orlândia,

Patrocínio Paulista, Pedregulho, Restinga, Ribeirão Corrente, Rifaina, Sales Oliveira,

São Joaquim da Barra e São José da Bela Vista.

Após a definição da região a ser pesquisada procurou-se identificar o número

de usinas e destilarias nela existentes. A identificação deste elemento implicou em

coleta de informações com diversas pessoas inseridas no mercado de trabalho da

agroindústria canavieira, consultas a diversos organismos como Federação dos

Trabalhadores Rurais Assalariados do Estado de São Paulo (FERAESP), União da

Agroindústria Canavieira (UNICA), entre outros. A partir de uma indicação do

Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Patrocínio Paulista, chegou-se aos dados da

União dos Produtores de Bioenergia (UDOP) com informações melhor sintetizadas e

atuais acerca do número de usinas e destilarias em todo o país. Com o cruzamento

das informações obtidas chegou-se ao número de 32 usinas e destilarias presentes

em 20 dos 48 municípios da região definida como referência para a pesquisa. Um

destaque importante é que esses caminhos estão apresentados aqui ordenados

para fins didáticos, mas que não foram processos estáticos, e sim elementos

constitutivos de um processo maior, integrado, com objetivos e metodologias

previamente definidos (mas ao mesmo tempo passíveis de reformulação) que

formaram a pesquisa, ora apresentada.

Definido o número de usinas e destilarias na região era preciso então saber

se nessas empresas existiam profissionais de Serviço Social atuando como

assistentes sociais, uma vez que o objetivo principal definido para a pesquisa era

entender, investigar a atuação profissional do Serviço Social na agroindústria

canavieira.

A primeira tentativa para chegar ao número de assistentes sociais inseridos

neste espaço foi entrar em contato com o Departamento de Recursos Humanos das

empresas (telefone/e-mail) e solicitar esta informação. Essa proposta revelou-se um

fracasso. Alguns e-mails não retornaram e a maioria das ligações telefônicas não

resultou em informações concretas. Contudo, um elemento interessante do processo

de pesquisa, é que o cruzamento de informações, por vezes alcança resultados não

previstos. Devido a essas “surpresas” do processo de pesquisar, a partir do contato

com o Departamento de Recursos Humanos de algumas empresas, chegou-se ao

Centro de Estudos do Serviço Social na Agroindústria Canavieira (CESSAIC) que

tem como objetivo desenvolver atividades visando o aprimoramento técnico e

operacional dos profissionais de Serviço Social que atuam em usinas, destilarias e

empresas afins. Segundo a atual coordenadora, o Grupo existe há mais de 20 anos

e é um dos cinco grupos técnicos do Grupo de Estudos de Recursos Humanos na

Agroindústria Canavieira (GERHAI), mas não foi possível acessar documentos do

grupo já que não existe uma estrutura funcional e a atual coordenadora (quem

organiza as reuniões, contato os profissionais) não dispunha dessas informações.

Os profissionais que fazem parte deste grupo se reúnem mensalmente para estudar

e discutir temas que vão de encontro às dificuldades sentidas na atuação

profissional. Mesmo com essas dificuldades em relação a documentos e

sistematizações, decidiu-se pesquisar o histórico do CESSAIC no período 2007-

2008 e participar de algumas reuniões para estabelecer contato com os profissionais

de Serviço Social. No período definido, o CESSAIC teve 11 encontros, que

discutiram os seguintes temas: Sustentabilidade: Desafio da Gestão Social

Corporativa; Saúde nas Empresas: uma nova ótica da legislação sanitária e da

Previdência Social; Exposição de Experiências em Responsabilidade Social; Gestão

de Benefícios: Estratégias e Práticas; Incentivos Fiscais; Ambiente Cultural: a marca

e o investimento em cultura; Comunicação sustentável nas organizações; Educação

Corporativa; Previdência Social para assistentes sociais; Desenvolvimento

sustentável: construindo uma relação sustentável; Comunicação Organizacional.

A partir das informações coletadas nos contatos com o Departamento de

Recursos Humanos (mesmo escassas) e da participação nas reuniões do Centro de

Estudos de Serviço Social da Agroindústria Canavieira (CESSAIC) chegou-se ao

número de 12 (doze) profissionais de Serviço Social atuando como assistentes

sociais nas usinas e destilarias da região.

Contudo, o contato com estes profissionais, a pesquisa sobre os temas das

reuniões do CESSAIC e a participação em duas dessas reuniões, mostrou que os

objetivos da pesquisa e os interesses dos profissionais contratados não convergiam.

Não que estes profissionais estivessem descomprometidos com o projeto ético

político da profissão ou que sua atuação não se constitua objeto de estudo, mas a

proposta da pesquisadora sempre esteve ligada à questão agrária e suas

manifestações na agroindústria canavieira.

A partir das orientações, leituras e do Exame Geral de Qualificação realizado

em Junho de 2009, optou-se por construir então uma proposta de atuação do

Serviço Social na agroindústria canavieira com enfoque nos trabalhadores do corte

manual da cana-de-açúcar. Para esta construção era preciso uma leitura consistente

da realidade e então definiu-se, que a partir da concepção de sujeito coletivo, seriam

entrevistados 03 sujeitos na região definida para a pesquisa: um trabalhador do

corte manual da cana-de-açúcar, um representante de sindicato de trabalhadores

rurais e uma assistente social que estivesse atuando diretamente com os cortadores

de cana. Cumpre destacar que a concepção de sujeito coletivo é aquela expressa

por Martinelli (1999, p.24):

[...] trabalhamos com a concepção de sujeito coletivo, no sentido de que aquela pessoa que está sendo convidada para participar da

pesquisa tenha uma referência grupal, expressando de forma típica o conjunto de vivências de seu grupo. O importante, nesse contexto, não é o número de pessoas que vai prestar a informação, mas o significado que esses sujeitos têm, em função do que estamos buscando com a pesquisa.

Além disso, definiu-se também que seriam utilizados dados obtidos e o

conhecimento construído pela autora durante sua atuação profissional na

agroindústria canavieira, com destaque para os documentos que são resultados de

entrevistas feitas com os trabalhadores: Avaliação da safra 2007/2008 e Perfil dos

trabalhadores empregados nas safras 2005/2006 e 2008/2009.

Definiu-se que a pesquisa seria de abordagem qualitativa, que ainda segundo

Martinelli (1999, p.26), tem por objetivo dar visibilidade acerca do que os

participantes pensam sobre o que está sendo pesquisado e que é “[...] uma pesquisa

que se insere na busca de significados atribuídos pelos sujeitos ás suas experiências

sociais.”

A partir do contato telefônico com o representante de um dos sindicatos de

trabalhadores rurais a região, o mesmo indicou um trabalhador do corte manual da

cana, que após visita da pesquisadora em sua residência, aceitou participar da

pesquisa. Foram identificadas na região, duas assistentes sociais que trabalham

diretamente com os trabalhadores no corte manual da cana, mas uma delas alegou

não ter disposição em participar da pesquisa.

Os sujeitos foram esclarecidos verbalmente e por escrito (através do Termo

de Consentimento Livre e Esclarecido) acerca dos objetivos da pesquisa bem como

sobre a identificação dos pesquisadores responsáveis. Cumpre destacar que o

projeto de pesquisa foi encaminhado com toda a documentação pertinente ao

Comitê de Ética da Faculdade de História, Direito e Serviço Social, UNESP, campus

de Franca, que o analisou e aprovou, conforme Protocolo número 056/2009.

Definiu-se como instrumento de pesquisa, a entrevista, com roteiro semi-

estruturado, ou seja, garantindo ao sujeito entrevistado a possibilidade de não se

ater apenas ao que foi perguntado.

As entrevistas foram gravadas, com o consentimento dos sujeitos, e em

seguida transcritas, sendo enviadas aos mesmos as transcrições de suas “falas”,

com as correções necessárias para a utilização nesta dissertação. Garantindo-se o

sigilo dos entrevistados serão usados nomes fictícios, sendo que a assistente social

será chamada Zélia, o trabalhador no corte manual da cana, José e o representante

do sindicato de trabalhadores rurais, Luis.

As fotos utilizadas nesta dissertação fazem parte do acervo pessoal da

autora, de imagens dos canaviais.

As entrevistas procuraram conhecer a visão dos sujeitos acerca dos seguintes

elementos: dia-a-dia nos canaviais, sistema de pagamento por produção, condição

migrante e impactos da mecanização da colheita da cana-de-açúcar e após a

análise das mesmas chegou-se aos dados que se constituíram base para as

informações apresentadas e discutidas nesta dissertação.

A pesquisa desenvolveu-se conforme o percurso metodológico descrito acima

e a partir dos dados obtidos (entrevistas com os sujeitos, prática profissional da

autora, leituras) construiu-se a presente dissertação, estruturada em três capítulos.

No primeiro “Realidade Agrária: o cenário atual para a agroindústria

canavieira” são discutidos aspectos históricos e atuais da formação e

desenvolvimento do setor sucroalcooleiro no Brasil, destacando-se a região de

Ribeirão Preto e apresentando-se dados atuais acerca da produção e destinação da

cana-de-açúcar.

No segundo capítulo “No meio dos canaviais: as contradições no sistema de

corte da cana-de-açúcar” é feita uma leitura da realidade dos canaviais discutindo

sistema de trabalho, dia-a-dia dos trabalhadores, a contratação de trabalhadores

migrantes e os impactos da mecanização da colheita. Nesse capítulo busca-se ainda

mostrar com nitidez os cenários da agroindústria canavieira no que diz respeito ao

corte da cana, ou seja, os espaços de convivência dos trabalhadores no campo, os

equipamentos de proteção individual (EPIs), as diversas funções existentes na

lavoura, entre outros, definindo-se as características do lócus de atuação

profissional do Serviço Social.

O terceiro capítulo “Serviço Social: desafios da atuação profissional na

agroindústria canavieira” tem o objetivo de apresentar elementos para uma proposta

de atuação do Serviço Social nestes espaços, destacando-se as ações cotidianas e

emergenciais da profissão em relação à realidade do trabalho no corte manual da

cana-de-açúcar, bem como as ações de atenção aos trabalhadores migrantes e a

proposta de ações educativas, baseadas em uma ética que questiona as práticas

usuais e propõe o novo, a construção de uma práxis, efetivamente comprometida

com o trabalhador e que requer uma competência teórica, técnica, ética e política do

assistente social.

Nas considerações finais destaca-se a trajetória histórica do Serviço Social no

Brasil e a necessidade de os profissionais pensarem as configurações atuais da

sociedade brasileira, construindo formas de atuação que realmente atendam aos

princípios do projeto ético político hegemônico da profissão.

CAPÍTULO 1 REALIDADE AGRÁRIA: O CENÁRIO ATUAL PARA A

AGROINDÚSTRIA CANAVIEIRA

[...] Decepar a cana Recolher a garapa da cana

Roubar da cana a doçura do mel, se lambuzar de mel Afagar a terra

Conhecer os desejos da terra Cio da terra, propícia estação de fecundar o chão.”

(Chico Buarque e Milton Nascimento)

A produção de açúcar e álcool a partir da cana-de-açúcar representa hoje no

Brasil o destaque do agronegócio. Segundo pesquisa de Bacchi (2009, p.11, online),

o Brasil possui 420 unidades produtoras de açúcar e álcool. Dessas, 248 produzem

açúcar e álcool (unidades mistas), 157 produzem exclusivamente etanol (destilarias)

e 15 produzem apenas açúcar. O mapa destas unidades aponta o estado de São

Paulo como maior produtor, com 200 unidades. As demais estão distribuídas no

território brasileiro da seguinte forma: Minas Gerais, 37 unidades; Paraná, 33

unidades; Goiás, 29 unidades; Alagoas, 24 unidades; Pernambuco, 24 unidades;

Mato Grosso do Sul, 14 unidades; Mato Grosso, 11 unidades; Paraíba, 09

unidades; Rio de Janeiro, 07 unidades; Sergipe, 06 unidades; Espírito Santo, 06

unidades; Rio Grande do Norte, 04 unidades; Maranhão, 03 unidades; Bahia, 03

unidades; Tocantis, 02 unidades; Ceará, 02 unidades e 01 unidade nos estados de

Roraíma, Rio Grande do Sul, Piauí e Amazonas.

O grande destaque da agroindústria canavieira no cenário nacional, pode ser

facilmente verificado nas estatíticas do setor que apontam um crescimento elevado

na produção, bem como a expansão em ritmo vertiginoso das áreas plantadas por

todo o território nacional. Os dados apresentados no quadro abaixo foram

sintetizados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, no Anuário

Estatístico de Agroenergia, disponível no portal do ministério. O quadro apresenta a

evolução da área de produção e da produtividade da cana-de-açúcar no Brasil e é

importante por traçar o histórico da agroindústria canavieira nas duas últimas

décadas.

Ano Área plantada (milhões de hectares)

Área colhida (milhões de hectares)

Produção (Milhões de toneladas)

Rendimento (tonelada/hectare)

1990 4,29 4,27 262,60 61,49

1991 4,24 4,21 260,84 61,94

1992 4,20 4,20 271,43 64,61

1993 3,97 3,86 244,30 63,24

1994 4,36 4,34 292,07 67,23

1995 4,62 4,57 303,56 66,49

1996 4,90 4,83 325,93 67,52

1997 4,95 4,88 337,20 69,10

1998 5,00 4,97 338,97 68,18

1999 4,86 4,85 331,71 68,41

2000 4,82 4,82 325,33 67,51

2001 5,02 4,96 344,28 69,44

2002 5,21 5,10 363,72 71,31

2003 5,38 5,37 389,85 72,58

2004 5,57 5,63 416,26 73,88

2005 5,62 5,76 419,56 72,83

2006 7,04 6,19 457,98 74,05

2007 7,89 6,69 515,82 77,05

2008 8,92 8,14 648,85 77,52

QUADRO 1

Evolução da área de produção e da produtividade da cana-de-açúcar no Brasil Fonte: Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (2009, p.10 online), Pec

uária e Abastecimento

A expansão da agroindústria canavieira, em especial no Estado de São Paulo,

torna visível o que Iamamoto (2001, p.101) discute como desenvolvimento desigual.

A autora afirma que a agroindústria canavieira é um campo privilegiado de

visibilidade das desigualdades do desenvolvimento histórico da sociedade brasileira,

já que é possível observar nos espaços desta, a expansão das forças produtivas,

tecnologia na produção e, ao mesmo tempo, “arcaísmo no trato da força de

trabalho”. Portanto, acerca dessa desigualdade do desenvolvimento o que se pode

discutir é que ela expressa-se principalmente no fato de que, a modernidade das

forças produtivas do trabalho convive (por vezes no mesmo espaço) com padrões

arcaicos nas relações de produção.

Em relação a agroindústria canavieira, especificamente, desenvolvimento

desigual pode ser entendido a partir da leitura de que o usineiro utiliza de processos

modernos de produção, com emprego de ciência e tecnologia e de um padrão de

organização do processo de trabalho que reproduz formas fordistas, além de lançar

mão de “formas despóticas de gestão da força de trabalho” (IAMAMOTO,

2001,p.105,).

É preciso ainda entender a noção clássica de desenvolvimento desigual: a

desigualdade entre o desenvolvimento econômico e o desenvolvimento social. Ainda

de acordo com Iamamoto (2001, p.115), a produção de açúcar e álcool a partir da

cana-de-açúcar, que pode ser considerada uma das expressões da industrialização

na agricultura já que se utiliza de trabalho assalariado e a apropriação (pelo usineiro)

das condições de produção agrícola e industriais, exige que haja disponibilidade de

capital, tanto fixo (máquinas e equipamentos) quanto circulante (para investimentos

em tecnologia, por exemplo) e alocado em terras.

Essa análise da realidade da agroindústria canavieira, passa pela discussão do

cenário maior onde a mesma está inserida , a questão agrária brasileira. Para isso, é

preciso rever alguns momentos da história brasileira, em especial no que diz respeito a

posse da terra, que representa o eixo em torno do qual se estrutura a dita questão

agrária brasileira. O ponto de partida para este debate passa pelo conceito de

propriedade e pelas dimensões históricas da posse da terra no Brasil. O conceito de

propriedade, da forma como foi apropriado para o entendimento da posse da terra, traz

subjacente a lógica do sistema capitalista; é um termo essencial ao capital, é o conceito

usado na justificativa da exploração, expropriação e violência. O conceito de terra como

propriedade privada está arraigado à forma de pensar e organizar a sociedade

brasileira. Exemplo disto é que a diretriz das propostas de reforma agrária feitas ao

longo da história desta luta no país passa sempre pela distribuição da terra de forma

justa, mas sem questionar a lógica da propriedade privada da terra.

1.1 A propriedade privada da terra no Brasil

A chegada dos portugueses no Brasil a partir de 1500 é significativa para o

entendimento do conflito em relação à posse de terra no país. As tribos indígenas,

ocupantes do território brasileiro tinham, de acordo com dados históricos, uma

concepção de terra diferenciada dos recém-chegados portugueses. Para as tribos

indígenas a terra é sagrada1; e ela quem lhe dá o alimento e é ela quem lhe guarda

os ancestrais. Portanto, ela não pertence a um ou a outro; a terra é o espaço da

tribo. Para os portugueses a terra não tem a sacralidade que tem para os indígenas.

É um meio de sobrevivência e cultivá-la é garantir condições materiais, direta ou

indiretamente.

Com a instituição das capitanias hereditárias (a divisão das terras brasileiras

em faixas que eram doadas a homens nobres que tinham a responsabilidade de

administrar, colonizar e desenvolver estas regiões) em 1536 por Dom João III

começa a funcionar também o sistema de sesmarias que estabelecia que uma vez

que a terra não fosse cultivada seria repassada a outro. Na linha histórica da

propriedade da terra no Brasil, a Lei das Terras (1580) é divisora de águas em

relação ao direito de propriedade, abolindo o regime de sesmarias e estabelecendo

a compra como única forma de acesso a terra, ou seja, dando o primeiro passo

concreto e legal para o atrelamento da terra ao capital.

A questão da posse da terra sempre foi central na reflexão acerca da

sociedade brasileira e ocupa lugar de destaque nos diferentes momentos históricos

brasileiros, a partir de diversas dimensões de análise. Importante citar algumas

destas dimensões a partir da análise de José de Souza Martins (1980). A abolição

(oficial) da escravatura abre caminho para a chegada dos imigrantes, principalmente

europeus e japoneses que vinham para o Brasil através de acordos firmados entre o

governo brasileiro e o governo de seus países de origem para substituir a mão de

obra escrava. Esses imigrantes recebiam terras (afastadas das grandes fazendas e

de qualidade inferior) para desenvolver a pequena propriedade através da

agricultura familiar, principalmente no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná,

São Paulo e Espírito Santo. Mas longe de permitir uma melhor distribuição de terra

1 A carta do cacique Seattle, escrita ao presidente dos Estados Unidos da América, Franklin Pierce

em 1854 e intensamente divulgada pela Organização das Nações Unidas (ONU), mesmo sendo norte-americana, exemplifica a concepção indígena (também dos índios brasileiros) sobre a terra,: “Sabemos que o homem branco não compreende nossos costumes. Uma porção da terra, para ele, tem o mesmo significado de qualquer outra, pois é um forasteiro que vem a noite e extrai da terra aquilo que necessita. A terra não é sua irmã, mas sua inimiga, e quando ele a conquista, prossegue seu caminho. Deixa para trás os túmulos de seus antepassados e não se incomoda. Rapta da terra aquilo que seria de seus filhos e não se importa. A sepultura de seu pai e os direitos de seus filhos são esquecido. Trata sua mãe, a terra, e seu irmão, o céu como coisas que possam ser compradas, saqueadas, vendidas como carneiros [...].”

no Brasil (como poderia se supor), essa política de colonização nunca permitiu que

estas pequenas propriedades competissem com as grandes fazendas no que diz

respeito à produção e, além disso, a análise histórica permite reconhecer que essas

pequenas propriedades de agricultura familiar foram sendo tomadas pelas grandes

fazendas e o trabalhador, expropriado e expulso do campo.

Este breve histórico aqui apresentado acerca da posse da terra no Brasil

serve como ponto de partida para a reflexão sobre a questão agrária e a

agroindústria canavieira, que também se utiliza da acumulação de capital, da

exploração e expropriação do trabalhador do campo e do pequeno proprietário para

gerar a riqueza do agronegócio no Brasil.

Conforme o apresentado no quadro das páginas 24, o desenvolvimento da

agroindústria canavieira tem atingido níveis significativos na última década. Dados

ESALQ – USP, divulgados pela Associação Brasileira do Agronegócio/Ribeirão

Preto (ABAG/RP), (online) mostram que em 2008 o valor bruto da produção (VBP)

de cana-de-açúcar foi de aproximadamente 20 bilhões de reais. Ainda de acordo

com estes dados a cana-de-açúcar é o quinto produto agropecuário em termos de

faturamento, ficando atrás apenas da soja, carne bovina, milho e frango. É preciso

esclarecer que o valor bruto da produção (VPB) é o faturamento gerado no processo

produtivo dos 25 produtos agropecuários mais expressivos da produção nacional.

O cultivo da cana-de-açúcar em território brasileiro inicia-se aproximadamente

em 1532 quando, de acordo com dados históricos, Martin Afonso de Souza traz a

cana-de-açúcar para o Brasil, então colônia de Portugal. Também nesse ano foi

construído o primeiro engenho brasileiro, inicialmente chamado de “Do Governador”

e depois rebatizado como “São Jorge dos Erasmos”. É importante pontuar que

durante grande parte do período histórico do cultivo da cana-de-açúcar a produção

era destinada a fabricação do açúcar e da cachaça. A produção de álcool com a

cana-de-açúcar destaca-se no Brasil a partir da década de 1970 quando é criado o

Programa do Álcool (Proálcool) com o objetivo de produzir combustível alternativo

ao petróleo, já que o país importava 80% de seu consumo e os preços estavam

elevados. Com o incentivo do Governo Brasileiro aos produtores e usinas, há o

aumento da produção da cana-de-açúcar, de modo que entre 1983 e 1988 mais de

88% dos automóveis nacionais vendidos eram movidos á álcool. (LEÃO, 2002)

A partir de 1988 desenvolve-se o que pode ser entendido como crise do setor,

já que devido à retirada de estímulos financeiros do Governo, os produtores

reduziram a produção de álcool, gerando uma crise de abastecimento em 1990. A

retomada se dá a partir de 2000, com a reorganização do setor e o aumento, tanto

da produção, como da exportação.

1.2 Agroindústria Canavieira na Região de Ribeirão Preto

O cultivo da cana-de-açúcar na Região de Ribeirão Preto começa a ganhar

destaque a partir da crise da cafeicultura. De acordo com dados históricos, o café

chega à região de Ribeirão Preto por volta de 1880 e potencializa o desenvolvimento

da região, sendo um exemplo disso a chegada dos trilhos da Companhia Mogiana

de Estrada de Ferro três anos depois. A quebra da hegemonia do café nesta região

vem abrir espaço para a cultura da cana-de-açúcar. Vários fatores contribuíram para

a quebra desta hegemonia, entre eles a superprodução do café, a geada de 1918,

as secas de 1924 e 1926 e a quebra da Bolsa de Nova York em 1929. Do cultivo do

café passou-se a policultura (sem grandes culturas de expressão) e posteriormente

a região foi “tomada” pelo cultivo da cana que começa em torno de 1944, ano em

que a área cultivada com cana ultrapassou a área cultivada com café. (SILVEIRA,

1996)

Dados da União da Indústria de Cana de Açúcar (UNICA) (2009, online)

apontam que as 200 unidades (usinas e destilarias) localizadas no estado de São

Paulo processaram na safra 2008/2009, Trezentos e quarenta e seis milhões,

duzentos e noventa e três mil e trezentos e oito toneladas (346.293.308) de cana-de-

açúcar, o que equivale a aproximadamente metade de toda a produção nacional. As

32 unidades existentes na Região de Ribeirão Preto, que neste trabalho

corresponde às regiões administrativas de Franca e Ribeirão Preto, processaram

Noventa e cinco milhões, cento e vinte mil e oitenta e sete toneladas de cana-de-

açúcar (95.120.087), o que corresponde a aproximadamente 28% da produção do

estado de São Paulo.

Esse destaque da região de Ribeirão Preto na produção de cana-de-açúcar

pode ser observado também no fato de que, de acordo com o ranking da União dos

produtores de Bioenergia (UDOP), (2008, online) em relação aos quinze maiores

grupos empresariais do estado (no que diz respeito à produção de cana), cinco

possuem unidades na região.

O primeiro grupo, grupo COSAN, possui duas unidades na região, a BONFIM,

em Guariba e JUNQUEIRA, em Igarapava. O segundo grupo, grupo SANTELISE,

possui 04 unidades na região: VALE DO ROSÁRIO, em Morro Agudo, SANTA

ELISA em Sertãozinho, MB em Morro Agudo e JARDEST, em Jardinópolis. O grupo

SÃO MARTINHO, possui na região a unidade SÃO MARTINHO em Pradópolis,

sendo esta a maior produtora do estado, processando em 2008, Oito milhões, quatro

mil e duzentos e vinte e uma toneladas de cana de açúcar (8.004.221). O grupo

MORENO possui a unidade MORENO em Luis Antônio e o grupo PEDRA

AGROINDUSTRIAL possui a unidade DA PEDRA em Serrana e a unidade IBIRÁ,

em Santa Rosa do Viterbo.

A região de Ribeirão Preto torna-se carro-chefe da produção nacional de

cana-de-açúcar. Esse fato pode ser verificado nos números apresentados e no fato

de que de acordo com dados publicados pelo jornal Folha de São Paulo de 25 de

fevereiro de 2007, a área plantada de cana-de-açúcar na região de Ribeirão Preto

estava atingindo seu ápice e algumas usinas começam a construir novas unidades

em estados como Minas Gerais, Acre, Goiás e Mato Grosso. Ainda de acordo com a

Folha de São Paulo de 09 de Dezembro de 2007, a pesquisa desenvolvida pelo

geógrafo José Gilberto de Souza da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias

da UNESP de Jaboticabal conclui que a expansão da cana-de-açúcar no Estado

reduz a diversidade agrícola. A pesquisa aponta que diminuiu o plantio de 32

produtos associados a pequenas propriedades entre 2005 e 2006 entre eles arroz

(10%), milho (11%), feijão (13%) e batata (14%) e na citricultura nos últimos 06 anos,

117 mil hectares foram substituídos por canaviais.

Além desses elementos associados à expansão sem limites dos canaviais há

a questão da exploração da mão-de-obra no corte manual da cana-de-açúcar que é

um elemento a ser discutido nos próximos capítulos. Essa exploração deve ser

compreendida a partir da perspectiva de totalidade, que passa por pensar o sistema

de trabalho nos canaviais como um sistema notadamente capitalista e que, como tal,

pressupõe a acumulação. Segundo Marx, a causa da acumulação primitiva pode ser

entendida a partir do momento histórico em que o trabalhador é separado de suas

“condições exteriores indispensáveis”; ou seja, o trabalhador renuncia a propriedade

do produto de seu trabalho porque nada possui além de sua força física e o

capitalista possui essas condições exteriores indispensáveis: matéria prima,

instrumentos.

Contudo, essa análise marxista não pode ser, por si só, a tônica da reflexão

acerca da realidade da agroindústria canavieira; vários outros aspectos precisam ser

apontados, buscando-se uma leitura ampliada que contemple o maior número

possível de dimensões envolvidas.

Um elemento a ser destacado é a “aparente” crise do setor nos últimos dois

anos. As projeções e mesmo as análises do primeiro semestre de 2009 apontam a

produção de cana mais destinada ao açúcar, já que as vendas de etanol passam por

momentos delicados. A crise financeira mundial reduziu a possibilidade de crédito e

algumas empresas aceleraram a produção para, com a venda de açúcar e álcool

cobrir os custos diários. Isso coloca mais álcool e açúcar no mercado e, logo, reduz

os preços. Segundo a Organização dos Plantadores de Cana da Região Centro Sul

do Brasil (ORPLANA), o valor que o produtor recebe por tonelada de cana, em

média R$52,00, é até 24% abaixo do que custa a produção e essa realidade perdura

já há 02 safras.

De acordo com especialistas (CANA, 2009, online), São Paulo abriu a

moagem na safra 2009/2010 com o mais baixo valor do litro de álcool, desde 2004.

Com muita cana plantada e a contínua expansão da produção sobra muita cana nas

lavouras, o que é ruim para o setor, já que na última safra, por exemplo, 40 milhões

de toneladas de cana deixaram de ser processadas.

A produção de açúcar parece ser a possibilidade de reorganização do setor,

já que a crise da produção na Índia, segundo maior produtor mundial, abre espaço

para o aumento na exportação do açúcar brasileiro.

Essa alternância entre a produção de açúcar ou álcool, de acordo com os

interesses do mercado externo é uma realidade da agroindústria canavieira

brasileira. De acordo com as estatísticas do Ministério da Agricultura e Pecuária

(BRASIL, 2009, online), uma tonelada de cana produz em média 138 kgs de açúcar

cristal ou 82 litros de etanol. O quadro abaixo mostra essas variações no destino da

produção.

Safra Percentual da produção de Açúcar

Percentual da produção de Álcool

1990/1991 28% 72%

1991/1992 29% 71%

1992/1993 32% 68%

1993/1994 33% 67%

1994/1995 35% 65%

1995/1996 37% 63%

1996/1997 36% 64%

1997/1998 36% 64%

1998/1999 43% 57%

1999/2000 47% 53%

2000/2001 47% 53%

2001/2002 49% 51%

2002/2003 51% 49%

2003/2004 50% 50%

2004/2005 51% 49%

2005/2006 50% 50%

2006/2007 50% 50%

2007/2008 45% 55%

2008/2009 39% 61%

QUADRO 2

Destinação da cana-de-açúcar: percentual de açúcar e álcool Fonte: Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (2009, p.12, online),

A estimativa da União da Indústria da cana-de-açúcar (UNICA) é que a

produção de açúcar represente na safra 2009/2010, 43% do total de cana

processada, contra 39% na safra anterior. Este aumento na produção e exportação

do açúcar já pode ser visto na Região de Ribeirão Preto. De acordo com Reis (2009,

p.C5), no primeiro semestre de 2009, a exportação de açúcar em Ribeirão Preto

elevou-se em 1733% em relação ao mesmo período de 2008, o que faz do açúcar

(produzido a partir da cana) o produto que lidera o ranking dos produtos exportados

por Ribeirão Preto neste ano.

Contudo, é possível falar em crise na produção de etanol e esse período de

crise acentua a concentração e a internacionalização do setor sucro-alcooleiro,

segundo José Ricardo Severo, assessor técnico da Confederação da Agricultura e

Pecuária do Brasil (CNA). Segundo ele (Agência Brasil, 2009, online) muitas

empresas, por falta de capital de giro e de recursos financeiros estão vendendo

álcool a preços muito baixos, o que vai criando um circuito de endividamento que

dificultará o funcionamento das mesmas, culminando na venda para empresas

internacionais que, atualmente, preferem comprar usinas a investir na montagem de

novas unidades.

Porém essa discussão, mesmo necessária, não é o foco do Serviço Social

quando se discute a agroindústria canavieira. O processo de produção de açúcar e

etanol a partir da cana tem dimensões que se chocam entre si: de um lado a

tecnologia de ponta que transforma essa cana em etanol e açúcar a partir do uso de

modernos equipamentos, e de outro o arcaísmo do corte manual, como já foi dito

anteriormente. A mecanização se apresenta como um esforço de modernização

(mais pela preocupação em atender exigências internacionais quanto à questão

ambiental do que em relação aos trabalhadores do corte manual), mas que ao

mesmo tempo deixa desempregados milhares de trabalhadores.

Algumas iniciativas vêm sendo pensadas no que diz respeito aos

trabalhadores do corte manual da cana-de-açúcar, entre elas o “Compromisso

Nacional para aperfeiçoar as condições de Trabalho na cana-de-açúcar” (Brasil,

2009, online), cujo termo foi celebrado em 25 de junho de 2009, entre o Estado

representado por Ministério do Trabalho e Emprego, Ministério do Desenvolvimento

Agrário, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Ministério da

Educação, Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome e organismos

ligados a agroindústria, como Federação dos Trabalhadores Rurais Assalariados do

estado de São Paulo (FERAESP), União da Indústria de cana-de-açúcar (UNICA),

Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (CONTAG) e Fórum

Nacional Sucroenergético.

Contudo, esse compromisso na realidade não traz grandes mudanças em

relação à legislação existente. Vejamos:

No que diz respeito à cláusula “Das Práticas Empresariais”, o termo do

“Compromisso Nacional” retoma o que já está preconizado na Consolidação das

Leis do Trabalho (CLT) e nos documentos afins, destacando a necessidade do

contrato direto e a eliminação da vinculação da remuneração dos serviços de

transportes (e outros) à produção do trabalhador; ou seja, o “empreiteiro”, (dono do

ônibus) não pode mais receber a título de transporte da turma, percentagem sobre

o que essa turma produz. Esse atrelamento do ganho do empreiteiro a produção

da turma instiga os mesmos a não respeitarem os limites físicos dos trabalhadores,

uma vez que quanto mais os trabalhadores produzirem, mais ganham os

empreiteiros.

Ainda em relação às práticas empresariais, o termo destaca a necessidade

de transparência na aferição da produção, informando antecipadamente o preço do

“metro da cana” aos empregados e utilizando “compasso com ponta de ferro”, além

de complementar o pagamento da diária correspondente ao piso salarial para os

trabalhadores que não alcançarem essa remuneração com sua produção.

A leitura completa do termo do “Compromisso Nacional” mostra que o que

está sendo firmado, principalmente em relação às práticas empresariais, não

pontua nenhum avanço, apenas retoma o que já está proposto e regulamentado

em outras legislações e acordos e, que ainda é descumprido em muitas empresas,

especialmente no que diz respeito aos contratos de trabalho, ao trabalhador

migrante, aos equipamentos de segurança, à transporte, alimentação.

Na realidade, a assinatura do termo desse Compromisso acaba por

“assumir” que existe o descumprimento em relação à legislação trabalhista no corte

manual da cana-de-açúcar. Por outro lado, representa que esta realidade está

sendo vista pelo Estado, por organismos como União da Indústria de cana-de-

açúcar (UNICA), Federação dos Trabalhadores Rurais Assalariados do estado de

São Paulo (FERAESP) e isso representa avanço, já que a questão dos direitos dos

trabalhadores da cana sempre foi “invisível”.

A cláusula que talvez mais represente avanço nesse Compromisso Nacional é

a que diz respeito às políticas públicas, onde o Governo Federal assume apoio e

incentivo a ações que objetivem:

[...] promover a alfabetização e elevação da escolaridade dos trabalhadores do cultivo manual da cana-de-açúcar; promover a qualificação e a requalificação dos trabalhadores do cultivo manual da cana-de-açúcar, com vista à sua reinserção produtiva; fortalecer

ações e serviços sociais em regiões de emigração de trabalhadores para atividades sazonais do cultivo manual da cana-de-açúcar. (BRASIL. 2009, p.4,online)

Observando com atenção essa proposta, a mesma é um avanço, mas ao

mesmo tempo, fica nítida a marca de um Estado com orientação notadamente

neoliberal, já que pensar estas ações deveria ser atribuição do Estado e não de

empresas ou organizações da sociedade civil.

Essas propostas desse Compromisso precisam ser concretizadas e para isso

se faz importante a cobrança por parte das organizações que representam os

trabalhadores da cana, no sentido de fazer com que o Governo Federal destine

recursos e implemente ações que tenham como público alvo estes trabalhadores.

De acordo com a União da Indústria de cana-de-açúcar (UNICA), no final de

julho de 2009, 323 usinas sucroenergéticas já haviam aderido voluntariamente ao

Compromisso, o que representa 80% das mais de 400 usinas instaladas no país. A

organização também afirma reconhecer que o compromisso, além de valorizar as

boas práticas trabalhistas já existentes no setor, também representa o aumento de

esforços para requalificar trabalhadores da cana, preparando-os para enfrentar o

desemprego causado pela crescente mecanização da colheita.

Como já colocado anteriormente, esse é talvez o relativo (no sentido de que

precisa ser concretizado) avanço desse “Compromisso Nacional”, já que o Governo

Federal, ainda que tardiamente, passa a olhar a questão dos trabalhadores no corte

manual da cana-de-açúcar.

1.3 A mecanização do corte da cana-de-açúcar

A tentativa do Governo Federal de pensar ações que visem à reinserção do

trabalhador do corte manual da cana-de-açúcar passa também pela realidade da

mecanização da colheita da cana no país, em especial no estado de São Paulo.

Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE),

divulgados pela Secretaria de Meio Ambiente do Estado de São Paulo (SMA),

(Globo Rural, 2009 online) de toda a área de cana-de-açúcar colhida na safra

2008/2009 no estado, em 49,1% a colheita foi mecanizada, considerando-se os

canaviais das usinas e dos fornecedores de cana. A UNICA afirma que essa

percentagem chegaria a 60% caso fossem considerados apenas os canaviais das

usinas. Ainda de acordo com os dados divulgados pela Secretaria de Meio Ambiente

do Estado de São Paulo (SMA/SP), na safra 2008/2009 a mecanização da colheita

avançou 175 mil hectares em comparação com a safra 2007/2008. Isso significa que

dos 3,9 milhões de hectares de área colhida no estado de São Paulo, mais de 2

milhões de hectares foram colhidos com máquinas.

O avanço da mecanização no estado de São Paulo deve-se também à

legislação. Em 2002 foi aprovada uma lei que fixou o prazo para o fim da queima da

palha da cana-de-açúcar (o que na prática inviabiliza o corte manual) para 2021 em

áreas mecanizáveis e 2031 em áreas não mecanizáveis. Contudo a agroindústria

canavieira paulista (através de seus representantes) e o governo do estado

assumiram o compromisso descrito no “Protocolo Agroambiental do Setor

Sucroenergético”, prevendo para 2014 o fim da queima da palha da cana-de-açúcar

em áreas mecanizáveis e para 2017 em áreas não mecanizáveis.

Segundo a UNICA esse protocolo já foi assinado por 155 usinas e destilarias

instaladas no estado, além de outras 24 cooperativas de fornecedores de cana. E o

que isso representa efetivamente para os trabalhadores do corte manual da cana-

de-açúcar?

Apenas para situar o impacto da mecanização: Uma máquina colheitadeira da

marca Case IH, modelo 2006 colhe em média (considerando as variações de

terreno, de regulagem da máquina entre outras) 900 toneladas de cana em um turno

de 24 horas diárias, empregando 03 operadores em 03 turnos de 08 horas diárias;

ou seja, uma única máquina substitui o trabalho de aproximadamente 100 homens.

Mesmo diante da realidade futura de desemprego de aproximadamente 160 mil

cortadores de cana que atuam no estado de São Paulo (segundo dados da ÚNICA)

em face da mecanização, nem empresas, nem Estado ou organizações sindicais

têm propostas concretas para a capacitação destes trabalhadores objetivando a

inserção em outras atividades no futuro.

Mas como os trabalhadores da cana vêem esta realidade da mecanização? A

proposta de mecanizar toda a colheita da cana atende apenas interesses

ambientais? Todos estes questionamentos estão presentes no próximo capítulo,

onde além dessas reflexões propostas acima, serão discutidos aspectos

relacionados com o dia-a-dia dos trabalhadores inseridos no corte manual da cana-

de-açúcar, buscando elementos que subsidiem uma proposta de atuação

profissional do Serviço Social nestes espaços.

O dia-a-dia dos cortadores de cana é apresentado a partir do cenário dos

canaviais, da organização hierárquica das funções, dos equipamentos de proteção

individual contra acidentes de trabalho, além de considerações sobre as condições

de vida dos trabalhadores migrantes e sobre o sistema de pagamento por produção.

Contudo, essa focalização nos canaviais, no corte manual da cana-de-açúcar

não perde de vista a estrutura da agroindústria canavieira, fundamentada na macro

realidade brasileira de um estado capitalista com orientação neoliberal.

CAPÍTULO 2 NO MEIO DOS CANAVIAIS: AS CONTRADIÇÕES NO SISTEMA DE

CORTE DA CANA-DE-AÇÚCAR

“O dia ainda amanhecia e, como de costume, eles já estavam dentro do ônibus. Cada dia tinha que ser vivido aos pouquinhos,

sem muita ansiedade ou expectativa, afinal as ocupações eram sempre as mesmas

e o cansaço também. O local de trabalho podia mudar, mas o serviço...

de segunda a sábado a mesma ocupação: cortar cana. Derrubar toneladas e toneladas de cana,

andar quilômetros dentro do canavial, amontoar as leiras e todo o dia a mesma coisa”.

(Bagaços, p.94)

Como já discutido no capítulo anterior a agroindústria canavieira desenvolveu-

se na Região de Ribeirão Preto a partir da década de 1980, gerando riquezas para

determinado grupo e, ao mesmo tempo contribuindo para a preservação do abismo

entre trabalhadores e os proprietários dos meios de produção.

O presente capítulo pretende retratar a partir da experiência profissional da

autora e de dados obtidos na pesquisa, o dia-a-dia nos canaviais, objetivando assim

entender como se dão as relações de trabalho neste espaço, bem como as formas

com que esses trabalhadores vão construindo sua condição de indivíduo social, que

se ocupa de um trabalho, para dele garantir condições de sobrevivência para si e

para os que dele dependem.

A teia da organização hierárquica do trabalho nos canaviais é por si só

complexa, com papéis e funções rigidamente definidos, mas antes dessa análise é

preciso fazer a distinção de quem se apropria do trabalho do cortador de cana, ou

seja, para quem o mesmo efetivamente trabalha, onde ele está alocado. Essas

informações definem também como esse trabalhador será visto e que direitos ele

terá garantido.

As usinas e destilarias têm duas formas básicas de se organizarem quanto à

produção da cana-de-açúcar: serem proprietárias de terras, produzindo assim a

cana a ser processada em suas unidades, ou comprarem a cana de fornecedores.

Ser responsável pelo cultivo e colheita da cana a ser processada em suas unidades

industriais, significa também ser responsável pelos trabalhadores empregados neste

processo e mesmo que haja a terceirização, a usina se vê obrigada a estar atenta ao

trabalho dos cortadores de cana. De acordo o Direito do Trabalho, caso haja uma

demanda, por exemplo, em relação á acidente de trabalho, e mesmo que o trabalho

no corte da cana tenha sido terceirizado pela usina, é aplicado o princípio da

responsabilidade solidária, ou seja, o trabalhador pode reclamar seus direitos tanto

junto a empresa que o contratou quanto junto á usina.

Conforme informações obtidas no processo de construção do projeto de

pesquisa, quando os trabalhadores do corte manual da cana-de-açúcar são

funcionários da usina (como acontece em apenas algumas poucas usinas) eles tem

acesso a convênio médico e farmacêutico, ginástica laboral e todos os benefícios a

que os trabalhadores da indústria têm direito.

Contudo, verifica-se que em geral, permanece a separação radical entre

indústria e campo, onde os trabalhadores empregados no processo direto de

transformação da cana em açúcar ou etanol tem inúmeros benefícios, enquanto os

que trabalham no campo, no cultivo, corte e transporte da cana ficam excluídos do

acesso a esses direitos.

As usinas e destilarias que não possuem ou arrendam terras, compram a

cana a ser processada em suas unidades, de fornecedores (proprietários ou

arrendatários de terras), sendo esses então responsáveis pelo plantio, cultivo, corte

e transporte da cana e para isso vão ser também os responsáveis pela mão de obra

utilizada nesses processos.

Esses fornecedores são então os empregadores dos trabalhadores que se

ocupam do plantio, cultivo, corte e transporte da cana. Em relação ao corte manual

da cana-de-açúcar, os fornecedores em geral contratam empreiteiros, donos de

ônibus, para que estes transportem os trabalhadores para os locais de trabalho.

Contudo, esses empreiteiros recebem pelo transporte a partir da produção

dos trabalhadores que transportam em cada ônibus. O fornecedor fixa uma

percentagem (25%, por exemplo) para o empreiteiro e então, sobre o que a turma

(trabalhadores que ele transporta em seu ônibus) produzir (líquido) ele receberá

essa percentagem. O cálculo é simples: Se, em uma turma de quarenta e cinco

trabalhadores, cada trabalhador ganhar em média R$ 1.000, 00 (Hum mil reais) no

mês, a produção da turma será de R$ 45.000,00 (Quarenta e cinco mil reais),

líquidos. Logo, considerando a percentagem de 25%, o dono do ônibus receberá R$

11.250,00 (Onze mil, duzentos e cinqüenta reais) do fornecedor, a título de

transporte.

Ora, não é necessário um esforço muito grande para perceber que é interesse

desses empreiteiros que os trabalhadores de sua turma produzam muito, ou seja,

cortem muitas toneladas de cana.

Essa prática é tão conhecida e difundida que no “Compromisso Nacional para

aperfeiçoar as condições de trabalho na cana-de-açúcar”, assinado em 25 de junho

de 2009 e já apresentado e discutido no capítulo anterior, as empresas

comprometem-se à:

c) eliminar a vinculação da remuneração dos serviços de transporte de trabalhadores, administração e fiscalização, executados pelas próprias empresas ou por terceiros, à remuneração dos trabalhadores no corte manual da cana-de-açúcar, respeitadas as normas constantes de convenções coletivas ou acordos coletivos de trabalho que disciplinem a matéria. (BRASIL, 2009,p.2)

Considerando que tal compromisso seja realmente efetivado, será preciso

ainda tempo significativo para que essa prática seja eliminada, até porque, há uma

gama de interesses envolvidos na continuidade da mesma. Além disso, um exemplo

é o fato de que, se o empreiteiro recebe a partir do que a turma produz, ele vai

buscar mecanismos para que esta turma produza muito, e então acaba tendo a

prerrogativa de “formar a turma”, ou seja, escolher os trabalhadores que ele vai levar

ao fornecedor para serem contratados. Daí, os trabalhadores que não produzem a

quantidade esperada, estipulada, não são nem mesmo contratados na próxima

safra. Esses aspectos são característicos do que é chamado de pagamento por

produção, ou seja, os trabalhadores recebem a partir da quantidade de cana que

cortam por dia de trabalho, o que de acordo os estudos de Francisco Alves (2009,

online), citando Marx e Adam Smith, é desumano e perverso, [...] já que o trabalhador

tem o seu ganho atrelado à força de trabalho dispendida por ele por dia [...]. (ALVES, 2009,

online)

De acordo com Luís, sujeito da pesquisa, os empreiteiros estão dando

prioridade para quem já tenha experiência no corte da cana para assim garantir

maior produtividade.

Se você for entrar hoje no corte da cana...se você não tiver lá a Carteira (de trabalho) com dois, três, quatro contrato não adianta nem apresentar ela, que eles não vão pegar... (Luís)

A partir dessa breve reflexão sobre onde o trabalhador está inserido, nesta

dissertação a referência é o cortador de cana que trabalha para proprietários e

arrendatários de terra, fornecedores de cana para usinas e destilarias.

Impossível não fazer referência a estrutura macro política econômica

brasileira que interfere diretamente nos rumos da agroindústria canavieira. O Estado

brasileiro tem uma proposta notadamente neoliberal e mesmo que não se possa

falar em um Estado neoliberal brasileiro é possível identificar traços desta proposta

neoliberal com este Estado intervindo pouco no que diz respeito às condições de

produção e reprodução da vida.

Segundo Teixeira, o neoliberalismo surge reagindo ao Estado interventor e

pregando o mercado como única instituição capaz de coordenar racionalmente

qualquer problema social. Contudo a partir de 1930, depois da grande crise de 1929,

o Estado é obrigado a intervir (contra os pressupostos da teoria neoliberal)

começando então a fase do capitalismo regulado estatalmente e instaurando-se um

novo modelo de acumulação com a substituição de um modelo agrário exportador

para um que tem na indústria o centro do processo de acumulação. Esse Estado

interventor é:

[...] obrigado a assumir funções permanentes de planejamento da economia, não só via produção de bens públicos (educação, saúde, transporte, saneamento, seguridade social etc) como também sustentar o processo de acumulação por meio da intervenção direta nas políticas de inversões privadas (TEIXEIRA 1996, p.22)

No Brasil, como já foi dito, o Estado se ocupa da intervenção no mercado,

financiando e injetando recursos, em especial em momentos de crise, mas continua

ausente no que diz respeito às questões da classe trabalhadora. Pode-se, portanto,

no Brasil falar de um estado capitalista, com orientação neoliberal, e isso é

perfeitamente visível na agroindústria canavieira. O país financia o crescimento do

setor canavieiro, com diversos incentivos fiscais, empréstimos, financiamento de

pesquisas para novas tecnologias, mas ausenta-se das questões sociais

decorrentes de todo este desenvolvimento.

O corte da cana-de-açúcar, que é uma das bases da agroindústria, tem sido

debatido atualmente devido à crescente mecanização. Mas, antes da mecanização,

como é o corte manual da cana? Como se dão as relações trabalhistas neste

espaço? Como o trabalhador é visto? Quais os impactos do sistema de trabalho, de

pagamento por produção na vida destes trabalhadores?

Essas e outras questões relativas ao corte manual serão analisadas a partir daqui,

procurando-se traçar o cenário dos canaviais, entendendo a organização e o

sistema de trabalho e remuneração no corte manual da cana-de-açúcar.

2.1 O corte manual da cana-de-açúcar

O corte da cana pode ser feito em cana queimada ou em cana crua, ou seja,

cana cuja palha foi queimada e cana com a palha sem queimar, e de acordo com

orientações do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR), após a queima

da palha da cana o corte deve ser feito em menor tempo possível, pois caso

contrário a cana começa a perder sacarose, que é matéria prima utilizada para a

produção de etanol e açúcar.

Para a queima da palha da cana, os proprietários precisam solicitar

autorização da Secretaria Estadual de Meio Ambiente, que regula e fiscaliza todo

este processo, estipulando horários, percentagem de áreas que podem ser

queimadas.

Em relação ao corte da cana crua, isso diminui o rendimento do trabalhador,

além de provocar maior desgaste físico e aumento de acidentes de trabalho.

Cortar cana sem queimar não dá não... o serviço não rende, parece que não anda. E ainda tem dia que a gente encontra bichos, que a gente se machuca com o facão. (José, cortador de cana)

Além das dificuldades encontradas pelos trabalhadores, o corte da cana crua

contribui para o aumento de impurezas vegetais na cana mandada para as usinas e

destilarias, o que prejudica o processo de industrialização.

De acordo com Alves (2006, online) o corte manual da cana-de-açúcar requer

do trabalhador habilidade e conhecimentos da função, já que é isso que irá garantir

sua produtividade.

No corte, especificamente, o trabalhador abraça um feixe de cana (contendo entre cinco e dez canas) e curva-se para cortar a base da cana. O corte da base tem que ser feito bem rente ao chão, porque é no pé da cana que se concentra a sacarose. O corte rente ao chão não pode atingir a raiz para não prejudicar a rebrota. Depois de cortadas todas as canas do feixe o trabalhador corta o palmito, isto é a parte de cima da cana, onde estão as folhas verdes, que são jogadas ao solo. (ALVES, 2006, online)

Após o corte, a cana é amontoada em leiras e depois é feito o carregamento

para a usina. Depois de colhida, a cana rebrota e em aproximadamente doze meses

pode ser novamente cortada, processo esse que pode se repetir por quatro ou cinco

anos, quando então a cana é replantada.

Em termos técnicos, ainda de acordo com o Serviço Nacional de

Aprendizagem Rural (SENAR), o corte da cana pode ser caracterizado de duas

maneiras principais: corte de cana em pé, corte de cana deitada, características que

dizem respeito à situação do canavial e, que, muitas vezes influenciam no preço que

vai ser pago ao trabalhador já que o corte da cana deitada requer maior esforço

físico e, logo maior desgaste.

Em geral a cana fica caída devido a fatores naturais, quais sejam ventos,

chuvas, e isso requer do trabalhador uma atenção maior, pois, aumenta-se o risco

de acidentes, além do fato de que a produtividade cai. Devido a esses e outros

fatores, os trabalhadores em geral não gostam de trabalhar em cana deitada.

O corte em cana deitada aumenta ainda mais os riscos de problemas na

coluna vertebral, já que exige que o trabalhador se curve mais, ocasionando maior

desgaste e por vezes impossibilitando o cortador de trabalhar alguns dias devido ao

comprometimento de sua saúde.

As imagens seguintes mostram um trabalhador cortando cana que está em pé

e o outro cortando cana que esta caída. É nítido o esforço que o trabalhador tem que

fazer para conseguir cortar a cana, o que deixa sua coluna vertebral em uma postura

desgastante durante todo o dia. O corte da cana em pé também requer que o

trabalhador abaixe-se muito, mas não tanto quanto em relação à cana caída.

Foto 1: Cana em pé Foto 2: Cana deitada

Em relação ao corte manual da cana-de-açúcar o dia a dia dos trabalhadores

tem uma rotina exaustiva: cortar a cana, amontoar nas leiras, despontar (tirar as

folhas que sobraram), deixando preparado para o carregamento e transporte.

Durante toda a sua jornada diária de trabalho, o cortador de cana irá fazer a

mesma atividade: com um dos braços vai abraçar o maior número possível de “pés

de cana”, curvar-se para frente e com o podão em uma das mãos, vai golpear com

um ou mais movimentos a base da cana (o mais próximo possível do solo) fazendo

um giro e ao mesmo tempo levantando a cana já cortada e jogando-a em montes

(nas leiras). Se considerarmos a média de 08 toneladas de cana cortadas ao dia,

serão aproximadamente 183.150 golpes de podão no dia e a média de 6.000 metros

percorridos. (ALVES, 2006, online)

Em termos técnicos:

O processo de trabalho no corte de cana consiste no trabalhador cortar um retângulo; com 8,5 metros de largura, em 5 ruas (linhas em que é plantada a cana), por um comprimento que varia de trabalhador para trabalhador, que é determinado pelo que ele consegue cortar num dia de trabalho. Este retângulo é chamado pelos trabalhadores de eito e o comprimento do eito varia de trabalhador para trabalhador, porque depende do ritmo de trabalho e da resistência física de cada um e é esta distância, que é medida ao final do dia e será o indicador do seu ganho diário. Estes metros lineares de cana, multiplicados pelo valor da cana pesada pela usina, dão o valor do dia de trabalho no corte de cana para cada trabalhador. (ALVES, 2006, online)

Com a necessidade de produzir cada vez mais, a rotina dos cortadores de

cana traduz-se em um dia-a-dia exaustivo:

Acredito que o dia a dia destes trabalhadores é bem sacrificante... Até mesmo porque tem que acordar cedo, fazer a sua própria alimentação porque a empresa não fornece alimentação, então eles mesmos que tem que levar. Acho que com isso já é um desgaste. Eles já chegam, muitos já se alimentam com metade do almoço, que é uma comida mais pesada, logo pela manhã, prá agüentar o dia. Então começam a trabalhar, depois ás 11 horas, tem que parar prá almoçar, aí comem o restante da comida... Depois chegam em casa depois do trabalho, às vezes é longe, aí acabam tendo que chegar em casa tarde, tem lavar as suas roupas, porque suja muito de fuligem...aí com esse dia a dia deles, todos os dias é pesado...o trabalho...cansaço... Tem que fazer tudo isso e muitas vezes onde ficam alojados não tem quem faz isso. (Zélia, assistente social)

De acordo com o cortador de cana entrevistado, o dia-a-dia no corte manual

da cana-de-açúcar é:

Sofrido [...] Saio de casa as cinco da manhã, começo trabalhar às 7, paro ás onze horas prá almoçar... eles exige que a gente para de trabalhar quinze minutos de manhã e quinze minutos à tarde... quando chega umas três e meia é a hora de vir embora... é só isso o nosso dia, só trabalhar, trabalhar, trabalhar. (José)

Importante destacar que na fala dos sujeitos pesquisados o dia-a-dia no

trabalho no corte da cana envolve muito mais do que a atividade de cortar a cana,

envolve toda a rotina que caracteriza na maioria das vezes a vida do migrante, que

vem para a região em busca de melhores condições de vida.

O trabalho no corte da cana tem características muito peculiares que o

diferenciam de várias atividades rurais. Uma dessas características é o risco

constante de acidentes de trabalho e daí a necessidade de uso de diversos

equipamentos de segurança, descritos como equipamentos de proteção individual,

de que trataremos a partir daqui.

2.2 Equipamentos de Segurança

De acordo com a “Norma Regulamentadora de Segurança e Saúde no

trabalho na Agricultura, Pecuária, Silvicultura, Exploração Florestal e Aqüicultura”,

NR 31, Portaria no. 86 de 03 de Março de 2005, o trabalhador deve fazer uso diário

de equipamentos que devem ser adequados aos riscos, sendo que cabe ao

empregador fornecer os equipamentos e orientar os trabalhadores quanto ao uso

correto e ao trabalhador cabe, além de usar durante suas atividades laborais, manter

os equipamentos conservados e funcionando.

De acordo com a NR 31, considerando os riscos a que o cortador de cana

está sujeito, são necessários os seguintes equipamentos:

2.2.1 Proteção de cabeça, olhos, face

*Chapéu ou outra proteção contra o sol: Em geral é utilizada a touca árabe que

constitui-se de um boné com um prolongamento de tecidos nas laterais e na parte

de trás, protegendo assim as orelhas e o pescoço dos raios solares e da palha da

cana.

*Óculos contra a ação da poeira e da fuligem: Esse equipamento deve proteger os

olhos e mesmo as laterais do rosto na região dos olhos, evitando assim ferimentos e

escoriações, em especial com a palha da cana.

2.2.2 Proteção dos membros superiores

*Luvas: Protegem as mãos, em especial contra ferimentos com podão e são

basicamente de raspas de couro e grafatex, devendo ser usadas em ambas as

mãos.

*Mangotes: São como mangas de camisa, compridas (algodão, couro) que devem

proteger o braço do cortador contra os restos da palha e mesmo da cana.

2.2.3 Proteção dos membros inferiores

*Botinas com pontas (biqueiras) de aço: a botina deve ter a biqueira/ponta (frente)

com proteção de aço para evitar acidentes com podões.

*Perneiras: Esse equipamento que pode ser definido como uma espécie de

revestimento para a canela e parte do peito do pé, protege de cortes com podão e

picadas de animais peçonhentos.

De acordo com a avaliação feita2 com cortadores de cana de um consórcio de

fornecedores de cana para a Central Energética Vale do Sapucaí (CEVASA), em

relação aos equipamentos utilizados na safra 2007/2008, os trabalhadores

entrevistados apontaram que estes equipamentos em geral eram bons, com

exceção dos óculos, que 75% dos entrevistados apontaram como péssimos, já que

segundo eles, os óculos fornecidos embaçam muito e causam dores de cabeça.

2 Esta avaliação foi realizada pela autora durante sua atuação como assistente social neste

consórcio, destacando que os trabalhadores foram entrevistados pela autora, no campo, com questionário previamente elaborado.

O trabalhador entrevistado nesta pesquisa trabalha em outra empresa, no

município de Batatais, mas perguntado acerca dos equipamentos de proteção

individual, afirma:

Olha, estes óculos aí não servem prá nada não [...] Você tá trabalhando meia hora e quando começa a suar esse óculos aí fica tudo assim... embaçado, e você tem que parar prá limpar e perde tempo [...]. Agora esse negócio de luvas nas duas mãos não ta certo não, entende? Usar luvas na mão que segura o facão é muito difícil... não dá prá ganhar nada. (José)

Esses equipamentos devem ser distribuídos pela empresa, como já foi dito,

mas também repostos sempre que necessário, uma vez que a durabilidade de

alguns, por vezes não é tão grande, e se o equipamento não estiver em perfeitas

condições de uso pode oferecer riscos à segurança do trabalhador, ao invés de

protegê-lo.

Abaixo imagem de trabalhador usando todos os equipamentos descritos, e

afiando (amolando) o podão:

Foto 3: Trabalhador com equipamentos de proteção individual

Além dos equipamentos de proteção individual, o trabalhador no corte manual

da cana-de-açúcar se utiliza de equipamentos de trabalho que são o podão ou facão

e a lima para afiar esse podão que deve estar extremamente amolado para cortar

vários “pés” de cana ao mesmo tempo, o que muitas vezes causa acidentes graves,

inclusive com a amputação de dedos.

A empresa também deve fornecer ao trabalhador a marmita e a garrafa

térmica e disponibilizar no local onde irão trabalhar, a barraca sanitária, o lavatório

móvel e a área de convivência, uma espécie de toldo preso ao ônibus, com mesas e

cadeiras para os trabalhadores almoçarem. O ônibus também deve ter um

reservatório de água gelada disponibilizada para os trabalhadores. A pesquisa

realizada em 2007 (já citada acima) para avaliar a safra 2007/2008 apontou que os

trabalhadores em geral consideraram a barraca sanitária inútil, já que todos

afirmaram não utilizar (inclusive as mulheres).

Os trabalhadores apontaram também que o avanço significativo em relação à

melhoria nas condições de trabalho foram a área de convivência e a água gelada

disponibilizadas nos ônibus.

Vale ressaltar que a maioria dos trabalhadores apontou que o que deve ser

pensado é o aumento no preço pago por tonelada, já que as demais coisas

(barracas, água, equipamentos) são secundárias segundo eles.

Abaixo imagens do campo:

Foto 4: Barracas Sanitárias Foto 5: Área de convivência

2.3 Trabalhadores da Lavoura

Nos canaviais além dos cortadores de cana, existem trabalhadores que

exercem outras funções, sendo possível identificar uma hierarquia pré-definida e

bastante respeitada.

2.3.1 Motoristas dos ônibus

Esses são empregados dos empreiteiros ou, em algumas vezes, os próprios

empreiteiros. Além da função de motoristas, eles acumulam também a função de

acompanharem a produção da turma e são responsáveis por organizar todo o

ambiente de trabalho. São eles que todos os dias pela manhã, armam o toldo da

área de convivência, colocam as mesas e bancos, montam toda a estrutura das

barracas sanitárias (armações de ferro, lonas) e do lavatório móvel. Durante todo o

restante do dia eles vão acompanhar o serviço dos cortadores de cana e dos fiscais,

e no fim do dia eles desmontam todas as estruturas e as guardam nos ônibus para

em seguida conduzir os trabalhadores de volta às suas casas.

2.3.2 Gerente Agrícola

Empregado da empresa é o contato direto dos fornecedores de cana no

campo. É ele quem determina o local onde a turma irá trabalhar, qual a meta para

aquele dia. Também é o mesmo quem cobra a qualidade do serviço e a ele se

reportam todos os profissionais que atuam junto aos cortadores de cana: assistente

social, técnico de segurança, auxiliar de enfermagem, encarregado de campo. O

gerente agrícola não permanece o dia todo na lavoura, sendo o seu contato o

encarregado de campo.

2.3.3 Encarregado de campo

Empregado da empresa, ele responde diretamente ao gerente agrícola.

Permanece o dia todo na lavoura e distribui o talhão3 onde cada turma irá trabalhar,

fazendo o cálculo do preço a ser pago no metro da cana.

3 Um espaço delimitado do canavial, como se fosse uma espécie de quarteirão.

Ressalte-se que ele recebe no início da safra o mapa de toda a área a ser

colhida no período, com as estimativas em toneladas e área de cana plantada de

cada fazenda. Com estes dados, ele percorre com o gerente agrícola cada talhão da

fazenda (cada fazenda pode ter vários), com a área já delimitada no mapa, e

visualmente, estimam quantas toneladas de canas tem aquela área. A partir desta

estimativa, como o preço da tonelada é definido para toda safra, fazem o cálculo do

valor a ser pago no metro de cana cortado.

O dirigente sindical entrevistado explica:

[...] Eles fazem a estimativa do talhão em toneladas e eles têm a medida do talhão, aí eles dividem [...]. Por exemplo, se você pegar um talhão que eles acham que deu 1200 toneladas e ele tem 1000 metros quadrados... o que você vai fazer? Já tem o preço da tonelada que é esse que já negociou [...] aí eles dividem as toneladas do talhão pelos metros e sai o preço do metro. (Luis)

Durante o dia o encarregado acompanha e cobra a qualidade do trabalho, o

uso de equipamentos de proteção, além de tomar as providências necessárias em

casos de acidentes (chamar a ambulância, comunicar o escritório).

2.3.4 Fiscais de campo

Também empregado da empresa, ele é responsável pela turma, sendo que

cada turma tem seu próprio fiscal. No período da manhã o fiscal determina onde

cada cortador de cana irá trabalhar, ou seja, o eito4 de cada um. Durante o dia, o

fiscal verifica a qualidade do serviço e está sempre em contato com o encarregado

de campo. Também entrega equipamentos de proteção quando necessário, e

resolve problemas eventuais entre os trabalhadores. Ao final do dia, o fiscal mede a

cana cortada por cada trabalhador e o informa sobre a quantidade de metros

cortados.

Em empresas que têm Serviço Social e setor de Segurança do Trabalho, na

lavoura também ficam o motorista de ambulância e o enfermeiro (que deveria ser

enfermeiro do trabalho, mas, que na maioria das vezes é uma auxiliar ou técnico de

enfermagem). O assistente social e o técnico de segurança visitam a lavoura, mas

4 As cinco ruas de cana que cada trabalhador deverá cortar

não permanecem todos os dias. As atribuições do Serviço Social serão discutidas no

próximo capítulo para que seja possível analisar de forma consistente as

possibilidades de atuação que vão para além do que está posto ou que se espera da

atuação nestes espaços.

2.3.5 Técnico de Segurança do Trabalho

Empregado da empresa, ele é o responsável pela proteção do trabalhador durante o

exercício de suas funções. Para isso ele coordena a distribuição dos equipamentos

de proteção individual, orienta e fiscaliza quanto ao uso dos mesmos, quanto à

parada obrigatória de 15 minutos nos períodos da manhã e tarde, além de promover

diálogos de segurança (esclarecendo os trabalhadores quanto aos riscos do

trabalho) e organizar toda a documentação exigida pelo Ministério do Trabalho em

relação à segurança do trabalhador.

2.3.6 Motorista de ambulância

Empregado da empresa trabalha conduzindo o veículo e o profissional de

enfermagem para prestar serviços de primeiros socorros em casos de acidentes de

trabalho e outros. Como os trabalhadores ficam em duas ou mais fazendas no

mesmo dia, a ambulância usualmente é designada para permanecer na fazenda

mais distante do escritório da empresa ou da cidade, para que se caso algum

trabalhador nesta fazenda sofra algum acidente seja socorrido mais rápido, já que

nas fazendas próximas ao escritório da empresa ou aos municípios existem maiores

possibilidades de prestação de socorros.

2.3.7 Profissional de enfermagem

Empregado da empresa, responsável pela prestação de primeiros socorros

em casos de acidentes de trabalho ou de outros problemas de saúde. O mesmo

trabalha também fazendo a orientação em relação aos cuidados com a saúde, como

pressão arterial, colesterol, diabetes.

Esta divisão de funções nas lavouras de cana-de-açúcar possibilita maior

organização do trabalho, e ao mesmo tempo facilitam a visualização da hierarquia

existente nas lavouras, mostrando uma face diferente da agricultura, uma face

industrializada, onde a imagem do trabalhador rural não é mais aquela do homem ou

da mulher com a enxada na mão. Essa divisão de funções facilita também o

entendimento da indústria no campo, ou seja, cada trabalhador cumpre sua função

para que esta produção não pare. Apesar das diferentes funções pode ser

encontrado o ponto que une estes trabalhadores, o que Iamamoto (2001, p.148) ao

falar dos trabalhadores da agricultura e da indústria chama de condição comum.

Encontram-se unificados na condição operária, contratados temporariamente pelo mesmo capital usineiro, por ocasião da safra e, neste lapso temporal, integrantes da população economicamente ativa. Essa condição comum, fruto de uma mesma inserção no processo imediato de produção, atribui unidade aos personagens como assalariados da agroindústria canavieira, membros de um coletivo de trabalhadores, construída na relação com o capital usineiro. (IAMAMOTO p.148, 2001)

Feitas todas essas considerações que dizem respeito principalmente ao dia-a-

dia nos canaviais é possível então analisar as contradições presentes no corte

manual da cana, uma atividade onde se notam traços de arcaísmo, mas que é a

base para a transformação de cana em etanol e açúcar e que requer o emprego de

modernas tecnologias. Essa análise será feita a partir de dois aspectos: Pagamento

por produção e Contratação de migrantes, para em seguida fazer-se a abordagem

dos impactos da mecanização do corte da cana.

2.4 Pagamento por Produção

O pagamento por produção nos canaviais ganha as cores da exploração da

força de trabalho, já que se tem um piso salarial muito baixo e que os trabalhadores

se vêm na obrigação de, a cada dia, produzir mais, visando garantir seu trabalho

frente à concorrência com as máquinas colheitadeiras e ter ainda o mínimo de

condições de sobrevivência. O preço pago por tonelada de cana cortada na safra

2007/2008 foi em média, de R$3,48 (Três Reais e quarenta e oito centavos). O

trabalhador que corte em média 10 a 12 toneladas de cana no dia receberá salários

mensais entre R$ 1.000,00 (Hum mil reais) e 1200,00 (Hum mil e duzentos reais), já

que à produção são acrescidos alguns valores a títulos de hora in itinere (horas em

que o trabalhador está indo para a empresa) e Descanso Semanal Remunerado

(DSR). Essa remuneração mensal é obtida mediante esforço físico sobre-humano, o

que parece ter sido a causa das mortes ocorridas nos canaviais paulistas entre 2005

e 2006. Segundo a Pastoral do Migrante, entre as safras 2004/2005 e 2005/2006,

morreram 10 cortadores de cana na região canavieira do estado de São Paulo,

sendo que eram trabalhadores jovens, migrantes e a causa da morte não foi

devidamente explicitada. A associação entre as mortes e o trabalho nos canaviais foi

investigada também pela Relatoria Nacional para o Direito Humano ao Trabalho:

As denúncias de que o excesso de trabalho pode estar por trás das mortes de bóias-frias no interior de São Paulo ganharam mais força após uma investigação realizada pela Relatoria Nacional para o Direito Humano ao Trabalho (RNDHT), da Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais e Culturais (DHESC) – uma rede nacional de organizações da sociedade civil. Entre abril de 2004 e outubro de 2005, pelo menos dez trabalhadores morreram na região canavieira de Ribeirão Preto, interior de São Paulo, de causas semelhantes. A avaliação é que as péssimas condições vividas pelos bóias-frias no corte da cana e o pagamento proporcional – por metro de cana colhido – favorecem a ocorrência de mutilações e estão ligadas à ocorrência de paradas cardíacas e até acidentes cerebrais hemorrágicos. (CAMARGO, 2005, online)

O trabalho no corte manual da cana-de-açúcar pode ser caracterizado como

exaustivo e extenuante principalmente devido ao sistema de pagamento por

produção. Segundo Iamamoto ( 2001, p.217),

A necessidade de imprimir uma intensidade crescente ao trabalho, condensando-o supõe o dispêndio ampliado do trabalho no mesmo espaço de tempo – um maior esforço vital -, de modo que a jornada

de trabalho se materializa em mais produtos no igual número de horas, do que depende a remuneração a ser obtida. A busca de preencher todos os poros da jornada para obtenção de maior produtividade atinge os limites máximos da resistência física, resultando no esgotamento das energias e o desgaste do corpo, traduzido no reclamo reincidente do cansaço como a principal chancela do trabalho no corte.

Há que se esclarecer que o pagamento por produção não é criação da

agroindústria canavieira, mas quando por ela utilizado, estampa a realidade da

exploração da mão de obra no Brasil, bem como expressa uma das dimensões da

questão agrária no Brasil, ou seja, a proletarização do trabalho rural.

Em geral, a produção do cortador de cana é medida pelos fornecedores pela

quantidade de toneladas que ele corta por dia, mas esse trabalhador só acompanha

sua produção por metros. Isso acontece devido à conversão de toneladas em

metros feita pelos fornecedores, usinas e destilarias, para segundo eles, facilitar a

verificação da produção, dada a inviabilidade da pesagem da quantidade de cana

cortada diariamente por cada trabalhador.

Essa forma de acompanhamento (conversão de metros em toneladas) já

esteve no centro de várias disputas entre trabalhadores e usinas, inclusive greves na

Região Nordeste do Brasil, com os trabalhadores exigindo maior rigor na medida da

cana cortada. No estado de São Paulo, o marco histórico é a greve de 1984, no

município de Guariba, cujos motivos principais foram: a tentativa da introdução do

sistema de corte de cana de sete ruas, reduzindo o salário dos trabalhadores; a falta

de segurança no transporte, a falta de equipamentos de proteção individuais; e a

inexistência de direitos trabalhistas.

Silveira (1988), ao tratar do “levante no canavial” afirma:

Maio de 1984 ficou registrado na história dos trabalhadores rurais do Brasil como o “Levante de Guariba”. O sistema de corte imposto pelos usineiros da região (corte da cana em sete ruas) e a situação de fome vivida pelas trabalhadoras e trabalhadores rurais foram o “estopim da revolta”.(SILVEIRA, 1988, p.74, grifos do autor)

Outro momento de disputas entre trabalhadores e usineiros foi a greve de

1986 que partiu do município de Leme/SP e foi para outras regiões canavieiras do

estado de São Paulo. Nessa greve, os trabalhadores reivindicavam que o

pagamento fosse efetivamente por metro: cada metro de cana teria seu preço

definido em acordo coletivo, dependendo do tipo da cana, ou seja, cana de primeiro

corte, de segundo corte, deitada, em pé, queimada, crua. Mas essa proposta não foi

aceita, já que ela significaria o controle total dos trabalhadores sobre sua produção.

O final da greve aconteceu com o acordo de que a tonelada da cana seria convertida

em metro (sistema que permanece até hoje), mas que os trabalhadores teriam

acesso à pesagem dos caminhões na usina e, portanto acompanhariam o processo

de conversão de toneladas em metros. Esse acompanhamento revelou-se inviável,

já que para que os trabalhadores o fizessem deveriam se ausentar do campo e

assim sua produção como seu salário, ficariam comprometidos.

Hoje, esse acompanhamento se dá esporadicamente, quando se têm dúvidas

e essas geram conflitos.

De acordo com Luís, essa forma é justa quando permite que o trabalhador

saiba quando está produzindo através do acesso a pesagem dos caminhões.

Cumpre destacar que os caminhões saem do campo com uma nota onde está

descrito a fazenda e o número do talhão e ao entrar na usina são pesados

eletronicamente, o que dá a quantidade exata de toneladas de cana naquele

caminhão.

Ainda de acordo com Luis, quando a cana processada nas usinas é de

fornecedores é mais difícil que a pesagem seja fraudada, pois, prejudicaria não

apenas os trabalhadores, mas, sobretudo os fornecedores.

Contudo, permanece o fato de o trabalhador receber por tonelada, mas

acompanhar por metro, ficando por conta dos sindicatos e outros órgãos fiscalizarem

se essa conversão não está lesando os trabalhadores.

Abaixo, compasso para medição da quantidade de metros cortados e fiscal de

campo medindo a cana cortada:

Foto 6: Compasso Foto 7: Fiscal de campo medindo a cana

José, indagado, não soube afirmar quantas toneladas de cana produz por dia,

apenas afirmou que recebe em média R$60,00 (Sessenta reais) por dia e que corta

também por dia aproximadamente seiscentos metros.

É preciso ainda avaliar que essa forma de pagamento (por produção) é típica

do sistema capitalista de produção, pois, atrela o ganho do trabalhador força

dispendida por ele durante aquela jornada de trabalho, o que acaba por tornar-se

perverso, já que muitas vezes esse trabalhador vai tentar ir além de suas próprias

resistências no intuito de aumentar seus ganhos. A perversidade de que se fala aqui,

está também no discurso de que se pode “ganhar bem”, dependendo apenas do

esforço individual, e, portanto, quanto mais o indivíduo produzir, mais ele receberá

por isso. Essa lógica, essencial ao sistema capitalista expressa-se claramente no

pagamento por produção na agroindústria canavieira.

O trabalhador no corte da cana ao receber 1.200, 00 (hum mil e duzentos

reais), 1.500,00 (hum mil e quinhentos reais) na maioria das vezes não consegue

avaliar que o maior ganho não é o dele, mas sim de seus empregadores, já que

quanto mais cana ele corta, mais a usina ou destilaria produz e lucra, enquanto o

valor que ele recebe não tem grande significado frente ao esforço dispendido e ao

lucro da empresa.

A análise da história da produção de álcool e açúcar a partir da cana no Brasil

mostra que a necessidade de alta produtividade ganhou destaque a partir do

Proálcool, quando cresceu a produção e foram instaladas novas usinas e destilarias,

com a incorporação de novas tecnologias e a industrialização da agricultura. De

acordo com Alves (2006, online), isso forçou o crescimento da produtividade do

trabalhador empregado no corte manual da cana-de-açúcar, já que este trabalhador,

na década de 1960, cortava em média 3 toneladas de cana por dia de trabalho,

passando para 06 toneladas por dia na década de 1980 e no final da década de

1990 e início da presente década, atinge 12 toneladas de cana por dia.

Se esse trabalhador, apesar de ter quadruplicado sua produção, não teve

alteradas de forma significativa suas condições de vida, ou mesmo de sobrevivência,

considerando moradia, alimentação, saúde, entre outros, fica nítido que o

pagamento por produção não beneficia o trabalhador, mas pelo contrário, traz

ganhos significativos apenas para o capital que o emprega.

Todavia, esse tipo de remuneração, arcaica, no sentido de que o ganho do

trabalhador vai depender de sua força física não está no centro da discussão acerca

da realidade dos trabalhadores do corte manual da cana-de-açúcar.

Segundo Alves (2006, online), quando analisando as mortes dos cortadores

de cana ocorridas entre 2004 e 2006, o pagamento por produção mostra a dicotomia

da agroindústria canavieira: de um lado a modernidade tecnológica típica do século

XXI com tecnologias de última geração e de outro, relações de trabalho combatidas

desde o século XVIII e já extintas de vários setores da indústria.

Diante disso é possível inferir que, análises das relações de trabalho da

agroindústria que não considerem a dinâmica do pagamento por produção, não

conseguirão efetivamente compreender a realidade da exploração a que estão

sujeitos os trabalhadores empregados no corte manual da cana-de-açúcar.

Atrelada ao pagamento por produção está a sazonalidade do trabalho no

corte da cana, como um dos fatores que contribuem para a permanência da

desigualdade social que atinge os trabalhadores deste setor já que os obriga a se

esforçarem além de seus limites físicos, para garantir sua sobrevivência, também

nos meses da entressafra quando ficarão sem trabalho.

2.5 Contratação de Migrantes

De acordo com dados pesquisados em um dos consórcios de fornecedores

de cana da CEVASA, na safra 2007/2008, aproximadamente 60% dos trabalhadores

eram de outros estados brasileiros e estavam no município apenas para trabalhar no

corte manual da cana-de-açúcar durante a safra. Já na safra 2008/2009, essa

percentagem foi de 75%. Isso mostra que muitos trabalhadores saem de seu estado

de origem para trabalharem como cortadores na cana na região de Ribeirão Preto,

em busca das propagadas melhores condições de vida.

A migração de nordestinos para a região Sudeste do Brasil (em especial para

o estado de São Paulo) é um fenômeno já conhecido na história brasileira. Segundo

Martins (1980) pode-se falar em três correntes migratórias históricas no Brasil:

1. Do Nordeste (Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe,

Bahia) para o Sul e Sudeste (São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná);

2. Do Nordeste (Ceará, Piauí e Maranhão) para Norte e Centro Oeste (Amazônia)

3. Do Rio Grande do Sul e Paraná para Mato Grosso e Rondônia (Amazônia).

Esses movimentos históricos de migração no Brasil mostram a procura por

áreas em expansão, onde espera-se encontrar novas oportunidades e o estado de

São Paulo sempre esteve no imaginário brasileiro como esta “terra das

oportunidades”. Atendo-se a esta questão da migração é preciso diferenciar o

migrante que sai de seu estado em busca de melhores condições de vida e

estabelece-se na região de destino e o migrante que sai para trabalhar em períodos

específicos e volta para seu estado, ou seja, os migrantes sazonais, como é o caso

de parcela significativa dos trabalhadores do corte manual da cana. Na pesquisa

realizada em 2008 em um dos consórcios fornecedores de cana da CEVASA, para

identificar o perfil dos trabalhadores empregados no corte manual da cana-de-

açúcar, 75% dos trabalhadores migrantes entrevistados afirmaram que retornam ao

seu estado de origem ao fim da safra.

Esses trabalhadores permanecem na região durante a safra da cana (07 a 08

meses) e talvez vivenciem de forma mais intensa as contradições da agroindústria

canavieira. José, oriundo do estado de Minas Gerais, da cidade de Porteirinha,

afirma que desde 2005, vem de sua cidade para trabalhar e retorna no fim da safra.

Segundo ele, mesmo com as dificuldades que encontram na região:

[...] aqui é melhor, porque lá não tem emprego não. (José)

Essa fala deixa nítido o paradoxo do emprego de trabalhadores migrantes,

oriundos em geral de regiões extremamente empobrecidas do país, para ocuparem-

se de serviços e funções que os trabalhadores da região não se empregam. Mesmo

explorados, esses migrantes defendem esse emprego, já que é o único que lhes é

oferecido e a grande perversidade é que o capital usineiro, conhecedor desta

realidade, se aproveita para não garantir nem mesmo o mínimo a estes

trabalhadores.

Todavia, não apenas o capital usineiro se isenta da responsabilidade em

relação a estes trabalhadores. O Estado brasileiro não enxerga estes trabalhadores,

não propõe políticas públicas que os tenha como público alvo, uma vez que

constituem uma população específica, itinerante. Tem-se, portanto, uma

invisibilidade total, onde nenhum órgão público, nenhuma empresa assume

responsabilidades sociais em relação a estes trabalhadores, que ainda assim ainda

preferem estar nestas regiões, já que em seus estados de origem não há nem

mesmo a oportunidade de trabalho remunerado que encontram nas regiões de

destino.

Segundo Luís, os sindicatos de trabalhadores rurais não têm nenhum

programa específico para o trabalhador migrante e acompanham de forma mais

constantes as questões trabalhistas, não se atendo às questões sociais, já que

essas não são de responsabilidade do sindicato e sim das empresas que contratam

estes trabalhadores.

É importante destacar a fala da assistente social entrevistada e que atua junto

a esses trabalhadores:

O que a gente percebe também com a moradia é que os colchões não são bons... esses trabalhadores não tem uma boa noite de sono apropriada e isso influencia na própria saúde, porque a gente consegue perceber que muitas pessoas, ás vezes acabam passando passam mal com diarréias, enjôos, todas essas questões que a gente sabe que é do dia-a-dia, das condições de vida, do próprio esforço e da falta de suprimentos [...] (Zélia)

Ainda segundo ela, o que se percebe é que estes trabalhadores não se

mobilizam e nem se organizam devido à insegurança do trabalho, já que está

diminuindo muito a oferta de trabalho e por isso, ficam a mercê do emprego,

aceitando as condições de trabalho e sobrevivência que lhe são impostas.

Tem muita gente lá da minha cidade que não conseguiu emprego aqui este ano [...] Na safra passada, eles brigaram por causa de preço de cana e porque o homem não tinha arrumado uma casa prá eles. Quando foi esse ano, eles vieram, mas chegaram aqui e não tinha serviço prá eles. Então, eles tiveram que ficar esperando começar o café prá poder arrumar dinheiro prá ir embora [...] (José)

Todas estas falas mostram de maneira contundente as dificuldades a que

estão expostos os trabalhadores que saem de suas regiões para “tentar a vida” no

corte da cana no estado de São Paulo, em especial na Região de Ribeirão Preto.

Muitos destes trabalhadores lutam para conseguir guardar dinheiro, economizar para

no momento de retorno a sua região levar dinheiro, e lá comprar casa, se

estabelecer. Nesta luta, abrem mão de condições básicas de sobrevivência, indo

morar nas periferias, em condições insalubres, (casas sem ventilação, iluminação)

não se alimentando corretamente, no intuito de guardar dinheiro para quando

retornarem às suas regiões ou então utilizando todo o dinheiro ganho na compra de

bens de consumo (celulares, aparelhos televisores, motos) que os aproximem do

padrão aparente dos moradores das regiões de destino.

O fenômeno da migração brasileira vem sendo estudado a partir de

conceituações históricas, econômicas, sociais e culturais. Em relação ao trabalho no

corte da cana-de-açúcar, a migração parece estar fortemente ligada a questões

econômicas e para analisar as implicações disto no setor é preciso considerar a

macroestrutura brasileira que concentra o desenvolvimento na região Sudeste,

exarcebando as diferenças regionais, tornando-as desigualdades econômicas,

desigualdades nas condições de sobrevivência das populações.

As questões decorrentes das migrações não se alterarão enquanto o Estado

brasileiro, através de sua política econômica, não se propor a pensar soluções que

alterem o quadro de desigualdades que separa o Brasil em regiões desenvolvidas e

regiões subdesenvolvidas, fazendo com que os trabalhadores destas regiões

subdesenvolvidas procurem migrar para as regiões ditas desenvolvidas,

submetendo-se a condições de trabalho e sobrevivência que remontam ao século

XVIII, como já foi colocado.

Todas as reflexões apresentadas até aqui, tomam como base os

trabalhadores empregados no corte manual da cana-de-açúcar, mas como já foi

exposto no capítulo I deste trabalho, a mecanização da colheita da cana já é uma

realidade no estado de São Paulo. Os dados do Instituto Nacional de Pesquisas

Espaciais (INPE), divulgados pela Secretaria de Meio Ambiente do estado de São

Paulo, e já apresentados anteriormente, apontam que de toda a área de cana-de-

açúcar colhida na safra 2008/2009, no estado, em 49,1% a colheita foi mecanizada,

considerando-se os canaviais das usinas e dos fornecedores de cana. Mas para

além dos impactos ambientais, da modernização na lavoura, quais os impactos

disso na vida dos trabalhadores? Como os trabalhadores da cana estão vivenciando

este processo gradativo de mecanização? São estes e outros aspectos que serão

discutidos a partir daqui, considerando-os também como elementos constituintes

destas contradições na agroindústria canavieira.

2.6 Os impactos da mecanização da colheita de cana-de-açúcar

Partindo de uma análise atual, tome-se como exemplo uma máquina

colheitadeira de cana da marca Case IH, série 7000, que tem capacidade para

colher, em média, até mil toneladas de cana por dia. De acordo com os proprietários

da marca, essas máquinas podem trabalhar a uma velocidade de até 9 km/h, com

rendimento acima de 40 toneladas/hora, dependendo das condições da cultura e da

logística de transporte Ou seja, uma única máquina pode substituir o trabalho de

aproximadamente 100 cortadores de cana. Mas porque mecanizar? De acordo com

pesquisadores do Instituto de Economia Agrícola (VEIGA, 1994, online), existem

diversos componentes que podem ser apontados como condicionantes do processo

de mecanização, componentes estes que variam de acordo com as unidades

produtoras, com a realidade de cada região.

Segundo eles, alguns autores apontam questões econômicas, (o corte

mecanizado teria menores custos que o corte manual a longo prazo), outros

apontam questões de emprego, uma vez que com a organização dos trabalhadores,

o capital usineiro percebe que mecanizar pode ser interessante, já que “máquina

não faz greve”. Contudo o grande fator a ser destacado é a questão da

industrialização da agricultura.

Dos componentes estruturais fazem parte, principalmente, mercado de trabalho; transformações técnico-econômicas, que o corte mecanizado impõe ao processo de produção agrícola e até mesmo industrial; impactos na qualidade da matéria-prima, ocasionados pelo sistema de corte adotado; e avaliações econômicas de custos e investimentos das alternativas existentes. Além disso, não se pode esquecer que o processo de modernização da agricultura não se limitaria, como não se limitou, ao avanço das transformações técnico-econômicas, mas também abrangeria transformações na estrutura social, entendida aqui como a problemática da alteração nas relações de emprego. Assim, a adoção de colhedoras deve ser considerada a partir da perspectiva de ser decorrente do processo de modernização. (VEIGA, 1994, online)

Essa análise deixa nítido que a questão da mecanização da colheita da cana

passa primordialmente pelos processos de industrialização/modernização da

agricultura. Impossível negar que as exigências internacionais em relação às

questões ambientais pressionam para o fim da queima da palha da cana-de-açúcar,

mas os estudos e pesquisas mostram que na realidade a preocupação principal é a

máxima: “produzir mais, em menor tempo e com menores custos”.

Mas qual a análise dos trabalhadores e órgãos que os representem acerca

deste assunto? José, indagado acerca de sua opinião sobre a mecanização no corte

da cana afirma:

Eu acho ruim. Nós precisa trabalhar. É um serviço ruim, difícil, mas nós precisa. Agora máquina tira o serviço da gente. Se eu tiver que parar de cortar cana, assim se não tiver serviço prá nós, sei não. Eu tenho o primeiro grau, mas não trabalhei em outro serviço não. Mas se tiver que procurar outro a gente vai. Lá em Porteirinha é difícil serviço em escritório, banco, mas serviço de roça tem [...] só que lá a diária é pouco [...] (José)

O trabalhador destaca as dificuldades no corte manual da cana-de-açúcar,

mas, ao mesmo tempo percebe que a mecanização significa o fim das

possibilidades de trabalho na região, mostrando que caso isso aconteça, a

alternativa é voltar à região de origem para buscar outras oportunidades. Ou seja, a

mecanização do corte significa não apenas o fim do trabalho, mas, o fim das

oportunidades na região, restando apenas o retorno a suas cidades, já que a

permanência na região de destino está vinculada ao trabalho, principalmente quando

se toma por referência o migrante sazonal.

Portanto, fica implícito que a mecanização representa um grande paradoxo,

porque se por um lado, o trabalho no corte manual da cana representa sofrimento,

“um trabalho difícil, ruim”, o fim dele significa também o fim de oportunidades de

renda e emprego, e retorno para a realidade da qual já se fugiu, quando da migração

para a região de destino. O trabalhador não vê a possibilidade de permanecer na

região caso encerre-se as oportunidades de trabalho na lavoura, que é o que eles na

maioria dos casos sabem fazer. A baixa escolaridade, a falta de experiência em

outros trabalhos são fatores que determinam quais serão as ocupações destes

migrantes na região, delimitando-lhes quais seus espaços e papéis na sociedade.

O trabalhador entrevistado sabe que sua permanência na região se deve a

sua ocupação em uma espécie de trabalho que não é do interesse dos “paulistas”

(sic), e que finda esta ocupação ele não tem condições de competir e inserir-se em

outras atividades laborais porque lhe faltam escolaridade, experiência. Resta-lhe o

retorno a sua região, onde mesmo que os salários sejam menores, e o trabalho seja

apenas na agricultura, ainda existem oportunidades, diferente do estado de São

Paulo, onde com a modernização da agricultura, foram eliminados diversos tipos de

culturas agrícolas e, onde a agricultura familiar, a agricultura de subsistência, deu

lugar ao mar de canaviais que sustentam a riqueza do agronegócio no país.

A fala do trabalhador entrevistado mostra este paradoxo implícito na

mecanização da colheita da cana. Finda a possibilidade de emprego para estes

trabalhadores, qual a alternativa em relação a emprego e sobrevivência? Há algum

tempo atrás, a análise detalhada destas perspectivas mostrava que esses

trabalhadores aumentariam o que denomina-se “exército de reserva do capital”.

Contudo a realidade atual em relação a emprego e trabalho mostra que cada vez

mais, trabalhadores são descartados, colocados a margem, uma vez que já não são

mais úteis ao capital, nem mesmo como exército de reserva. As conseqüências já

são conhecidas: aumento do número dos “sem-terra” e dos “sem-tetos” e dos “sem-

esperanças”, os chamados “sem-sem”, ampliando o número dos excluídos da

cidadania. Mas, se nos detivermos a analisar o trabalho no corte manual da cana,

percebe-se que ele está estruturado a partir de um sistema de remuneração que

remonta ao arcaísmo e que se sustenta a partir da exploração da mão de obra.

Dessa forma qualquer discussão acerca da mecanização precisa considerar estes

dois componentes: de um lado a realidade de exploração a que é submetido o

trabalhador no corte manual da cana, e de outro a marginalização a que será

empurrado este trabalhador com a mecanização.

Luis, discutindo a mecanização, fala do papel do Sindicato no debate com o

trabalhador e as dificuldades encontradas:

A gente tá alertando o seguinte: vão mecanizar o setor mesmo. Quem está neste setor vai ter arrumar outra coisa prá fazer, porque vai sobrar pouca vaga. Então, com isso acaba criando um atrito entre o trabalhador e o sindicato. Ele (o trabalhador) fica achando que a gente tava apoiando a mecanização e por isso estava tendo uma certa resistência. [...] O que a gente ta conscientizando é o seguinte: não vai poder queimar cana. (Luis)

Percebe-se que a realidade da mecanização é conhecida de todos, inclusive

do trabalhador, mas que não se está buscando construir alternativas para reinserção

destes trabalhadores no mercado de trabalho. De acordo com os dados já

apresentados, metade da colheita da cana no estado de São Paulo já está

mecanizada, contudo não se falou ainda de políticas públicas ou de iniciativas

empresariais para esta reinserção dos trabalhadores, o que aprece demonstrar o

descaso do Estado brasileiro em relação a esta realidade.

Um dos elementos que têm acelerado o processo de mecanização da colheita

no estado de São Paulo é o prazo estabelecido para o fim da queima da palha da

cana-de-açúcar, o que torna o corte manual inviável. O acordo firmado entre o

governo paulista e o setor canavieiro em junho de 2007, antecipa para 2014 o fim da

queima da palha em terrenos com declividade até 12% e para 2017 em terrenos

com declividade acima de 12%. Em termos práticos, este acordo estabeleceu um

prazo de 10 anos (2007 para 2017) para a mecanização completa da colheita da

cana-de-açúcar, mas toda a diretriz é para a questão ambiental, já que em nenhuma

cláusula do protocolo (Disponível na íntegra em Anexo) pensou-se no trabalhador

empregado no corte manual, mais uma vez invisível ao Estado brasileiro.

A proposta central do protocolo diz respeito principalmente a questões

climáticas e aqui cabe destacar que essa proposta tem interesses notadamente

econômicos, na medida em que pretende mostrar internacionalmente que o etanol é

“energia limpa e renovável”. O momento em que o protocolo foi assinado, (Junho de

2007) reforça essa preocupação com a opinião internacional, já que no período

2006/2007 o Brasil recebeu a visita de executivos e governantes de diversos países,

inclusive o então presidente dos EUA, George W Bush, para conhecer a produção

de etanol e discutir o uso de combustíveis alternativos ao petróleo.

Os termos do protocolo reforçam esta leitura. Na cláusula das diretrizes

gerais, se destaca que o etanol é opção economicamente viável para mitigação do

efeito estufa, além de ser instrumento para prevenir e controlar a poluição da

atmosfera. Impossível não perceber o discurso ecologicamente correto, na tentativa

de mostrar que o etanol pode ser a solução para países com problemas em relação

à preservação do ambiente. E no cerne desse discurso está a preocupação

econômica, já que o Brasil é líder na produção de etanol a partir da cana-de-açúcar

e a exportação desse produto significa desenvolvimento econômico para o país.

Então, sob o ponto de vista da industrialização, a colheita mecanizada da

cana é uma alternativa que agrada o mercado internacional e, portanto

extremamente rentável. Com relação às questões ambientais também é um avanço

já que o corte mecanizado deve eliminar as queimadas, reduzindo a poluição da

atmosfera.

Contudo, na análise social, a mecanização do corte da cana, representa um

problema, já que, citando a fala de Zélia,

[...]o ponto negativo de introduzir a colheita mecanizada é o problema social, porque apesar do corte de cana ser um dos trabalhos considerados mais insalubres, mais sacrificantes, ele ainda é um trabalho para muitas pessoas. (Zélia)

Na realidade nenhum órgão (estatal ou privado) tem planejado ações que

tenham como foco o trabalhador empregado no corte manual da cana, já que a

mecanização significará o desemprego maciço destes trabalhadores, e que a própria

agroindústria canavieira não conseguirá absorver esta mão de obra. Exemplificando:

uma máquina colheitadeira faz o trabalho de 100 homens e emprega diretamente

apenas 03, considerando as vinte e quatro horas do dia, divididas em três turnos de

08 horas. Nesse cálculo simples, no mínimo 97 trabalhadores ficam desempregados,

sem possibilidades de serem absorvidos, já que as demais funções (tratorista,

mecânico) já existem mesmo com o corte manual.

Essa é uma realidade que aparente não preocupa os organismos que estão

pensando a mecanização. No “Compromisso Nacional para Aperfeiçoar as

Condições de Trabalho na Cana-de-açúcar”, os signatários do termo, afirmam que

estão considerando as questões relativas ao avanço da mecanização da colheita da

cana e seus impactos na geração de emprego, mas propõem de forma geral, que o

Governo Federal deverá apoiar e incentivar ações que promovam a “qualificação e

requalificação dos trabalhadores do cultivo manual da cana-de-açúcar, com vistas a

sua reinserção produtiva”, mas não estabelecem prazos (como estabeleceram para

o fim da queima da palha da cana) e nem mesmo o necessário protagonismo do

Estado brasileiro frente a isso.

Tem que haver um planejamento para este trabalhador, porque não é só introduzir a colheita mecanizada, é preciso projetos que venham remanejar, requalificar estes trabalhadores prá outras áreas, porque do contrário, eles ficaram a mercê, desempregados, sem trabalho, sem condições de sobrevivência. Hoje acredito que 50% da colheita está mecanizada, quer dizer, até hoje não foi realizado um trabalho, simplesmente uma demanda ficou; um exercito de reserva que está aí, desempregado. A gente não sabe o que vai ser dessas pessoas. (Zélia)

Na pesquisa realizada fica nítido que a mecanização é uma preocupação

daqueles que trabalham no corte manual da cana e daqueles que atuam junto aos

cortadores (sindicato, assistente social), mas que infelizmente as ações efetivas

frente a esse processo de mecanização devem ter o protagonismo do Poder Público,

que uma vez mais ausenta-se do que é uma das faces atuais da questão social no

Brasil: o desemprego em massa de milhares de trabalhadores, sem condições

suficientes (escolaridade, experiência) de serem reinseridos em atividades

produtivas que lhe garantam condições de sobrevivência.

Diante desta abordagem, qual o espaço de atuação do profissional de Serviço

Social nesta realidade? Como se dá a construção de uma prática profissional que

perpasse esses questionamentos e esteja comprometida com a transformação da

realidade?

Como o Serviço Social, enquanto profissão inserida na divisão sócio-técnica

do trabalho posiciona-se frente a essa demanda? O espaço rural ainda não está

efetivamente “ocupado” pelos profissionais de Serviço Social. Na agroindústria

canavieira ainda são desconhecidas as atuações junto aos cortadores de cana, são

desconhecidos projetos sociais que tenham como objeto de atuação o

enfrentamento das questões produzidas pela forma como os trabalhadores

vivenciam as implicações da modernização da agricultura, e do agudizamento da

questão social, expresso na exploração do trabalhador, na não garantia de

condições mínimas de sobrevivência para o trabalhador migrante e por fim,

desemprego em massa potencializado pela mecanização.

Esses e outros aspectos serão discutidos no próximo capítulo, que pretende

apresentar alguns dados acerca do Serviço Social e sua inserção nas usinas e

destilarias, mas ao mesmo tempo apresentar elementos para a construção de uma

proposta de atuação profissional, comprometida com o projeto ético-político da

profissão e que consiga dialogar com o capital usineiro de maneira suficiente para

garantir que este espaço não se feche a atuação profissional do Serviço Social.

Essa proposta a ser discutida no próximo capítulo é plena de desafios, já que

implica na disposição do assistente social em ser flexível, mas concomitantemente

não abrir mão da defesa intransigente dos direitos humanos, bem como do

posicionamento em favor da equidade e da justiça social.

CAPÍTULO 3 SERVIÇO SOCIAL: DESAFIOS DA ATUAÇÃO PROFISSIONAL NA

AGROINDUSTRIA CANAVIEIRA

Não deixei de ser caminhante. Minha vida foi e continua a ser uma vida em movimento, errante, em meandros, impulsionada por minhas aspirações múltiplas e antagônicas. (Edgar Morin)

A atuação do assistente social na contemporaneidade requer do profissional

uma leitura atenciosa e crítica em relação ás configurações da sociedade, uma vez

que a prática profissional só tem sentido na história da sociedade na qual está

inserida e da qual faz parte, e, portanto as mudanças que ocorrem nesta incidem

sobre a atuação profissional. “Pensar o Serviço Social na contemporaneidade requer os

olhos abertos para o mundo contemporâneo para decifrá-lo e participar de sua recriação”.

(IAMAMOTO, 2003, p.19,)

A história do Serviço Social no Brasil mostra exatamente isso: que a profissão

sempre esteve inserida na realidade brasileira, atuando conforme as configurações

da mesma. A profissão surge na década de 1930, em conseqüência do

desenvolvimento do sistema capitalista, das forças produtivas, das relações sociais.

Sempre esteve, portanto, intrinsecamente relacionada com o capitalismo, e marcada

pela influência da Igreja e pela importação de modelos europeus e norte-americanos

para a prática profissional. Surge sobre as bases da filantropia e da caridade, o que

direcionou o agir profissional para o desenvolvimento de ações que visavam

prioritariamente amenizar os efeitos das relações sociais desiguais sem, entretanto

questionar o sistema capitalista e a origem das desigualdades. A intervenção nos

espaços financiados pelo Estado também se orientava pelo conceito de filantropia,

uma vez que a assistência social era considerada benefício do Estado e não direito

do cidadão, e o profissional, inserido neste contexto, reproduzia em suas ações este

conceito de assistência social como repasse de benefícios.

Historicamente um dos divisores de água para a profissão no Brasil foi o

Movimento de Reconceituação ocorrido na década de 1960, que estabeleceu novas

bases teórico-metodológicas para o agir profissional, além de um sistema de ações

pautado na realidade da América Latina, fugindo dos modelos até então importados.

Contudo, mais do que isso, o Movimento representou um desafio, já que era preciso

um projeto de ruptura que questionasse toda a base teórica e as práticas

profissionais que caracterizavam a profissão. Um momento histórico desse esforço

de ruptura é o III Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais (CBAS) realizado em

1979 e que ficou conhecido como Congresso da Virada, já que enquanto o

Congresso acontecia, uma parcela da categoria (impulsionada por todo o movimento

que já vinha sendo gestado no país, na defesa da democracia e da cidadania)

decide montar uma plenária para mudar os rumos do Congresso, discutindo

aspectos da formação e da atuação profissional e marcando o momento de tomada

de decisões.

A partir desse esforço de ruptura começam a serem lançadas as bases para

um agir profissional que se oriente em um projeto ético político para a sociedade.

Contudo, esse agir profissional está inserido na realidade brasileira e em um

movimento dialético influencia e é influenciado pela mesma.

Dessa forma, em 1988, a Constituição Brasileira alça a assistência social ao

status de política pública e em 1993, a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS)

preconiza que ela é política pública, não contributiva, direito do cidadão e dever do

Estado, mas longe do que poderia ser imaginado, esse reconhecimento do Estado,

não suprime os desafios do agir profissional.

Segundo Engler (1995, p.80-81),

É preciso ter consciência que o Serviço Social surgiu em conseqüência da implantação do sistema capitalista e sua luta permanente de sustentação ao longo do tempo está, portanto, por esse motivo, inquestionavelmente a serviço da burguesia. Hoje, porém, esse traço presente na sua condição histórica já caminhou em busca de um novo horizonte, ou seja, amadureceu a ponto de transportar sua prática para outra dimensão – não mais a lógica do capital -, mas sim a da luta na construção de novas relações sociais, onde uma nova dinâmica desafiadora se coloca para o exercício profissional, alicerçado na convicção de que os seres humanos são capazes de transformar a realidade instituída, visto que são seres histórico-sociais.

Desde o Movimento de Reconceituação, transformações ocorreram na

sociedade e também na profissão e na atualidade pensar o Serviço Social implica

em considerar sobre tudo a macro estrutura brasileira, assentada sobre as bases de

um Estado capitalista com forte orientação neoliberal, o que propõe desafios amplos

para a atuação profissional, com um Estado mínimo no que diz respeito ao bem

social, à intervenção para garantir as condições básicas dos trabalhadores, mas, ao

mesmo tempo um Estado máximo para o capital, financiando o desenvolvimento das

grandes empresas, bancos e repassando para a sociedade civil a responsabilidade

de atuação frente às demandas do agudizamento da questão social.

Iamamoto (2003) faz uma análise da atuação profissional do Serviço Social e

os desafios na contemporaneidade. Segundo ela, a realidade atual da globalização,

a alteração das relações entre Estado e sociedade civil, o agudizamento da questão

social em suas múltiplas manifestações chamam a profissão a uma atuação crítica

frente a essa realidade.

O mundo do trabalho também sofre alterações significativas. Atualmente vê-

se um retrocesso em relação aos direitos trabalhistas, mas um retrocesso com o

discurso do moderno, da eficiência econômica e administrativa, reduzindo gastos e

aumentando os lucros, como evidenciado nos capítulos anteriores acerca da

agroindústria canavieira. Com este discurso do moderno, as empresa vão sendo

terceirizadas e as relações de trabalho precarizadas, com a retomada de formas de

trabalho arcaicas como o trabalho em casa, trabalho familiar, além do não

reconhecimento de direitos sociais e trabalhistas e formas de remuneração também

arcaicas, como o pagamento por produção, em especial, no corte manual da cana-

de-açúcar. Tem-se ainda, principalmente no que diz respeito à terceirização uma

diferenciação dos contratos de trabalho:

[...] os trabalhadores da empresa-mãe, dotados de relativa estabilidade no emprego por meio de contratos que asseguram direitos sociais e trabalhistas; por outro, o trabalhador terceirizado, vinculado a empresas contratadas, que não dispõem dos mesmos direitos, ainda que freqüentemente exercendo as mesmas funções. (IAMAMOTO, 2003, P.48,)

Em relação à agricultura, é preciso destacar que na contemporaneidade tem-

se a crescente industrialização, com o apoio cada vez maior do Estado brasileiro a

agricultura de exportação, prejudicando a agricultura de produção alimentos e um

processo histórico de expropriação do trabalhador. Segundo Martins (1980), esse

processo de expropriação pode ser entendido a partir das seguintes considerações:

o trabalhador, pequeno proprietário de terra, perde a propriedade dos seus

instrumentos de trabalho, sendo, ou expulso da terra ou passando a trabalhar na

terra produzindo exclusivamente para o capital, para as grandes empresas. Os que

não resistem a estas formas de opressão vão se transformando em assalariados,

seja no campo, ou nas cidades, e no campo ganham destaque os bóias-frias, os

trabalhadores sazonais, os que são levados pelos “gatos” para trabalharem na

maioria das vezes sem direitos trabalhistas assegurados, longe da família. Isso

mostra duas faces da questão agrária brasileira: a expropriação e a exploração. A

expropriação, grosso modo, separando o trabalhador de seu instrumento de trabalho

(no caso, a terra) e a exploração, quando este trabalhador já expropriado se vê na

necessidade de vender sua força de trabalho não de acordo com suas necessidades

pessoais de sobrevivência, mas segundo as regras do mercado.

Pensando o agudizamento da questão social, da qual a questão agrária é

uma manifestação,

[...] a produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais amplamente social, enquanto a apropriação dos seus frutos mantêm-se privada, monopolizada por parte da sociedade. (IAMAMOTO, 2003, p.27,)

Cumpre destacar que essa parte da sociedade que monopoliza os frutos do

trabalho, é cada vez menor, já que a forma como se processam as relações de

trabalho na atualidade, expulsa um número cada vez maior de trabalhadores do

mercado, uma população que já não encontra onde vender sua força de trabalho e

que vai ser violentamente excluída de todos os seus direitos.

O agudizamento da questão social, expresso na demanda cada vez maior por

trabalho, assistência social, assistência médica, habitação, previdência social,

educação, segurança pública, entre outros, configura diversos campos para a

atuação profissional do Serviço Social e é sobre este aspecto que pretende-se

discorrer neste capítulo, com destaque para a intervenção profissional no mundo do

trabalho.

3.1 Serviço Social em empresas

O estudo que tem sido feito até aqui, na presente dissertação, tem como

objetivo apresentar elementos que possam se constituir em uma proposta para a

atuação do Serviço Social na agroindústria canavieira, com destaque para o trabalho

no corte manual da cana-de-açúcar e os impactos com o fim deste e a

implementação da mecanização da colheita. Este espaço de trabalho tem desafios

peculiares, já que trata por um lado da atuação em empresas, e por outro, da

atuação frente à questão agrária, ao mundo rural. Devido a isso, algumas

considerações precisam ser feitas, principalmente em relação à atuação em

empresas. Impossível não recorrer a Mota (2008, p.30) nesta análise:

Entendemos que a presença do assistente social numa empresa, antes de qualquer coisa, vem confirmar que a expansão do capital implica na criação de novas necessidades sociais. Isto é, a empresa, enquanto representação institucional do capital passa a requisitar o assistente social para desenvolver um trabalho de cunho assistencial e educativo junto ao empregado e sua família.

A atuação do Serviço Social em empresas não é tradicional na profissão.

Recorrendo a história do Serviço Social é possível analisar que a prática do Serviço

Social nos espaços empresariais pode ser assinalada entre 1914/1917 na França e

nos EUA com a criação da função de “superintendente”, funcionário responsável

pelo atendimento assistencial dos trabalhadores, e em seguida, a criação da função

de “visitadoras sociais”, cuja função era acompanhar a vida dos trabalhadores,

utilizando-se para isso de visitas domiciliares. No Brasil, a inserção do Serviço Social

no espaço empresarial pode ser assinalada a partir da década de 1950 e a

efetivação a partir das décadas de 1960 e 1970, momento histórico em que o

modelo político e econômico do Brasil é desenvolvimentista, cuja marca principal é a

modernização e a industrialização, quaisquer que sejam os custos. (Engler, 1995) A

inserção da profissão nos espaços empresariais está assim relacionada com o

contexto sócio-econômico do país marcado pelo crescente processo de

industrialização e avanço de movimentos operários com grande expressão política

dos trabalhadores. O mercado de trabalho para os profissionais de Serviço Social

expande-se, uma vez que os avanços tecnológicos, a globalização, a reestruturação

produtiva e outros fatores incindem nas relações de trabalho, que são alteradas,

flexibilizadas.

A profissão é chamada a intervir nessa realidade, inicialmente pelas

empresas que vêm à necessidade de gerir a força de trabalho, mas a partir da

atuação cotidiana vão se construindo formas de priorizar o trabalhador. Contudo, os

espaços empresariais ainda são vistos com resistência pelos profissionais de

Serviço Social. A atuação profissional em empresas passa pelo questionamento

principal do “atender a quem”, mas este questionamento também pode ser feito no

serviço público, nas entidades, organizações não governamentais, entre outros

espaços de atuação do Serviço Social. Impossível negar a especificidade dos

espaços empresariais, mas esses também precisam ser ocupados pelos assistentes

sociais para que, a partir daí, se estabeleça uma crítica fundamentada e se

construam propostas centradas no trabalhador.

O profissional de Serviço Social, como contratado das empresas, deve

responder as demandas impostas pela mesma, ou seja, as demandas do capital,

mas ir além no sentido que Mota (2008) chama de “potencial negador do

trabalhador”, ou seja, o trabalhador também faz pressão para que suas

necessidades sejam atendidas, questionando-se então a prioridade dada ao capital.

Dessa forma, o assistente social tem possibilidades de construir uma atuação

que tenha como foco prioritário os trabalhadores, mas que atenda também os

interesses da empresa. Não que essa seja uma tarefa fácil, mas trata-se de inverter

as prioridades, mas entendendo que sua intervenção beneficia também a empresa,

no sentido de que garante a produtividade desse trabalhador. Segundo Mota (2008,

p.78):

[...] pode-se, então, inferir que a ação do Serviço Social nas empresas é polarizada entre a convivência objetiva com as condições de vida e trabalho do empregado e as prerrogativas da entidade. Ao mesmo tempo que tem na tarefa de suprir carências um retrato da condição do trabalhador, tem nas políticas da empresa, um retrato do que as carências significam para a produção.

Ora, os desafios estão postos, como já foi dito. Tradicionalmente, a prática do

Serviço Social em empresas lida com este conflito exposto até aqui. Contudo, a

contemporaneidade, traz novos elementos para este realidade e a partir dos textos

de Mota (2008) e de Iamamoto (2003) é possível apontar alguns:

� A partir da ausência do Estado nas políticas públicas, estão aumentando as

possibilidades de intervenção das empresas nas condições decorrentes do

agudizamento da questão social, ou seja, através da “responsabilidade

social”, as empresas tornam-se parceiras no trato “do social” e isso aumenta o

leque de atuação do Serviço Social na empresa, uma vez que o assistente

social passa a intervir não apenas no espaço da empresa, mas também a

gerenciar projetos de responsabilidade social.

� Essa intervenção no social dá-se a partir da lógica empresarial,

(especialmente como estratégia para redução de tributos devidos e como

“marketing” social), mas dá para a empresa uma imagem positiva junto à

sociedade e junto ao trabalhador e sua família.

� As empresas apossaram-se das reinvindicações trabalhistas e sindicais,

especialmente dos anos 1980, e “criaram”, gestão compartilhada, participação

dos empregados nas decisões. Apesar de isso não contemplar as

reivindicações passadas, desmonta a luta política, já que os trabalhadores

passam a não ter grandes reivindicações a fazer, mas ao mesmo tempo, sua

realidade não se alterou de forma significativa. O momento político brasileiro

atual tem como presidente da República, Luis Inácio Lula da Silva, uma das

mais fortes lideranças sindicais de resistência dos anos 1980, além de os

quadros sindicais e militantes de esquerda dos anos 1980 hoje fazerem parte

da estrutura de governo o que favorece esse enfraquecimento da luta política

dos trabalhadores.

� Implantou-se o discurso do trabalhador como colaborador da empresa, aquele

que é ouvido quando das decisões, que é chamado a ser parte da empresa, a

trabalhar com qualidade de vida. Contudo, esse discurso da qualidade de

vida, na realidade traz em seu bojo, a preocupação com a qualidade do

produto que vai para o mercado.

Esses elementos apontados criam também condições diferenciadas para o

trabalho dos profissionais de Serviço Social nas empresas na contemporaneidade, já

que alteram o quadro das empresas e conseqüentemente o campo para a

intervenção profissional, que estende-se, solicitando um profissional que conheça o

setor de Recursos Humanos, chegando por vezes a gerenciá-lo; um profissional que

amplie e incremente os critérios de contratação da empresa, avaliando aspectos

como disponibilidade para trabalho em equipe, capacidade de tomar decisões; um

profissional que não apenas planeje e execute programas sociais dentro das

empresas, mas que também gerencie os programas para fora da empresa, os

programas de responsabilidade social.

E como a profissão responde a esses desafios, postos pelo trabalho em

empresas na contemporaneidade?

É preciso ir para além da crítica esvaziada, de que trabalhar na empresa é

estar unicamente a serviço do capital. É preciso ocupar estes espaços empresariais

e desenvolver uma prática que esteja comprometida com a ampliação e

consolidação da cidadania.

Como colocado no início, a agroindústria canavieira traz para a atuação do

Serviço Social esses desafios peculiares do trabalho em empresas. Contudo, no que

diz respeito a empresas de corte manual da cana-de-açúcar, aliados aos desafios do

trabalho nos espaços empresariais, estão as problemáticas da atuação frente à

questão agrária e para essa análise algumas considerações precisam ser pensadas.

Primeiramente, é preciso entender a questão agrária a partir da problemática

do meio rural como um conjunto de forças em tensão e conflito, que ao mesmo

tempo em uma perspectiva dialética se confrontam e se sustentam. Os proprietários

de usinas e de grandes extensões de terra convivem lado a lado com trabalhadores

rurais assalariados e trabalhadores rurais sem terra. Há um conflito camuflado que

se dá entre a luta dos trabalhadores e suas famílias sejam por terra ou por um

trabalho que garanta condições de vida dignas e por outro lado, a posse e o uso da

terra como forma de enriquecimento dos grandes proprietários e dos usineiros.

Essa luta não e nova, mas, assume a cada época, novas configurações. Segundo Martins (2000, p.11):

A questão agrária brasileira é um desdobramento do modo como no século XIX, foi resolvida a questão do trabalho escravo. Arranjos sociais inventivos estabeleceram regimes de trabalho nas grandes fazendas que postergaram por cerca de um século sua explosão sob a forma de luta pela terra por parte da massa de trabalhadores que o latifúndio modernizado foi descartando, e que o mercado urbano não teve condições de absorver. A questão agrária tornou-se institucional e cíclica e já não é estritamente agrária. “Daí o modo confuso como ela se manifesta atualmente, como um problema de quem não tem problemas, um problema da consciência e das carências políticas da classe média.”

Pensar a questão agrária, portanto, envolve pensar as questões da sociedade

brasileira, numa perspectiva de compromisso com a superação da realidade que

está posta, uma vez que o cenário da agricultura brasileira na atualidade aponta

para cada vez maiores extensões de terra destinadas à produção de etanol ou

biocombustíveis em detrimento da garantia de condições adequadas para a

sobrevivência do ser humano.

O enfoque na questão econômica na agricultura descarta a necessidade de

garantir terra para o cultivo de alimentos, descarta a preocupação com os recursos

naturais (água, por exemplo), descarta a preocupação com o meio ambiente, enfim,

descarta o ser humano, que passa a ser simples instrumento para acumulação de

capital dos grandes proprietários de terra e de tecnologias.

A questão agrária hoje pode também ser visualizada no surgimento de um

conjunto de trabalhadores sem terra, posseiros, foreiros, pequenos agricultores, que

forçados pelas condições precárias de trabalho ou pela inexistência do mesmo,

deslocam-se para o emprego no setor sucroalcooleiro, abandonando suas atividades

produtivas e culturais, a fim de submeter-se a jornadas de trabalho exaustivas e

relações de trabalho precárias.

A partir dessas considerações, qual o espaço de atuação do profissional de

Serviço Social frente à questão agrária brasileira? Como se dá a construção de uma

prática profissional que perpasse esses questionamentos e esteja comprometida

com a transformação da realidade?

Pensar estas questões requer estar atento as determinações da profissão, ao

que é proposto para o profissional e como a categoria tem pensado as demandas da

prática profissional.

O projeto ético-político da profissão constitui-se uma forma de pensar a

prática estando atento ao colocado acima: o que se exige do profissional e como ele

responde a essas exigências.

3.2 Considerações sobre o projeto ético-político do Serviço Social

Em relação ao projeto ético político do Serviço Social, algumas reflexões são

fundamentais. Segundo Reis (2005) o termo projeto ético político profissional se

refere a uma construção ou esforço de construção, envolvendo sujeitos individuais e

coletivos, orientados por princípios éticos e profundamente relacionados a projetos

societários.

Dessa forma, o primeiro aspecto a ser considerado diz respeito ao fato de não

ser possível desvincular o projeto ético político do Serviço Social do contexto social

em que está inserido e que se articula com as políticas sociais introduzidas neste

contexto. Ainda segundo Reis (2005), os projetos societários podem ser de natureza

conservadora ou transformadora, que se constitui na proposta do projeto ético

político do Serviço Social. Uma reflexão crítica acerca da dinâmica da sociedade

brasileira, mostra que a legislação do país faz uma caminhada histórica no sentido

de um esforço de construção de uma nova ordem societária, não se podendo negar

o avanço que representaram as mudanças na legislação a partir de 1988, com a

Constituição da República Federativa Brasileira. Mas, entende-se que é preciso

garantir a efetivação do que está posto na legislação. Dentre os avanços

conquistados, pode se destacar a mudança na concepção da assistência social, que

passa a ser entendida pelo Estado como direito do cidadão, rompendo, ainda que

teoricamente, com o conceito de filantropia.

Em 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), representa um

avanço, ao garantir às crianças e adolescentes direitos até então desconsiderados.

Em 1993, a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) vem para regulamentar a

política de assistência social e assim garantir o desenvolvimento de programas,

projetos, serviços que realmente entendessem a assistência social como direito do

cidadão. É preciso mencionar ainda, o Estatuto do Idoso, promulgado em 2003, da

Legislação para a Pessoa Portadora de Deficiência (1989/1999) e da Lei Maria da

Penha (2006), que protegem grupos minoritários, até então desprotegidos pela

efetividade da legislação brasileira.

No que se refere à atuação do assistente social, cumpre discutir o Código de

Ética dos Assistentes Sociais que tem como princípios fundamentais o

reconhecimento da liberdade como valor ético central e das demandas políticas a

ela inerentes – autonomia, emancipação e plena expansão dos indivíduos sociais

que aponta para um compromisso com a construção de uma nova ordem societária,

diferente da que ainda está posta.

No contexto das discussões emergentes no Serviço Social Netto (1999)

discute com propriedade o projeto ético político da profissão ao apresentar as

configurações que direcionaram o Serviço Social, como profissão, para compromisso

com a classe trabalhadora. Afirma que foi ao longo dos 1980 que o projeto ético-

político do Serviço Social no Brasil se converteu em sua estrutura básica atual, uma

estrutura que se mantém aberta, flexível, incorporando novas questões, enfrentando

novos desafios, o que caracteriza um projeto em processo de construção. O projeto

ético político do Serviço Social tem em seu núcleo os princípios fundamentais do

Código de Ética que propõem a criação de uma nova ordem social sem

exploração/dominação de classe, etnia e gênero e que afirma a defesa intransigente

dos direitos humanos e o repúdio do arbítrio e dos preconceitos, contemplando

positivamente o pluralismo, tanto na sociedade como no exercício profissional.

Posiciona-se a favor da equidade e da justiça social, na perspectiva da

universalização do acesso a bens e a serviços relativos às políticas e programas

sociais, em uma perspectiva claramente política.

Em relação à profissão, especificamente:

O projeto implica o compromisso com a competência, que só pode ter como base o aperfeiçoamento intelectual do assistente social. Daí a ênfase numa formação acadêmica qualificada, fundada em concepções teóricas metodológicas críticas e sólidas, capazes de viabilizar uma análise concreta da realidade social – formação que deve abrir a via à preocupação com a (auto) formação permanente e estimular uma constante preocupação investigativa (NETTO 1999, p.16, grifo do autor).

Na concepção de REIS (2005) é nítido que o projeto ético político do Serviço

Social está comprometido com um projeto de transformação da sociedade

principalmente porque a intervenção profissional apresenta uma dimensão política,

situada nas relações estabelecidas pelas classes sociais, no direcionamento das

ações. Uma atuação que se proponha comprometida com o Projeto ético político da

profissão deve caminhar no sentido da construção de um modelo de sociedade

diferente do que está posto, seja qual for o contexto de atuação. No âmbito da

discussão proposta neste trabalho considera-se fundamental e possível a atuação

do Serviço Social, articulada ao projeto ético político da profissão, em organizações

empresariais, com destaque para as empresas do setor sucro-alcooleiro.

Discutir a atuação do Serviço Social neste espaço é questionar o

direcionamento que se dá as diversas atuações profissionais. A atuação profissional

deve estar comprometida com a defesa intransigente dos direitos humanos e a

recusa do arbitrarismo e autoritarismo, e principalmente com o compromisso de

construção de uma nova ordem societária, sem dominação/exploração de classe,

etnia e gênero.

Esse compromisso requer a defesa do aprofundamento da democracia,

enquanto socialização da participação política e da riqueza socialmente produzida; o

posicionamento em favor da equidade e justiça social, assegurando a universalidade

de acesso os bens e serviços relativos aos programas sociais, bem como sua

gestão democrática. Esses princípios destacados levam a reflexão acerca do

compromisso da ação profissional que não deve ser diferenciado na agroindústria

canavieira. O projeto ético político da profissão não está terminado e sua construção

passa pelo enfrentamento dos desafios inerentes a atuação profissional e

[...] o sucesso do projeto depende de análises precisas das condições subjetivas e objetivas da realidade para sua realização bem como ações políticas coerentes com seus compromissos e iluminados pelas mesmas analises. (REIS, 2005, p.334).

Os desafios para esta construção estão postos, e na agroindústria canavieira

passam, sobretudo, pelo questionamento de como atuar comprometido com a

transformação da realidade, mas, atendendo as exigências dos empregadores,

como pensar ações sociais em um sistema que privilegia o econômico em

detrimento do humano.

3.3 Elementos para uma proposta de atuação do Serviço Social no corte

manual da cana-de-açúcar

O exercício profissional em Serviço Social se constitui elemento de discussão

para os próprios profissionais, uma vez que as práticas do dia-dia estão

relacionadas à leitura que o mesmo faz da realidade onde está inserido.

O assistente social em seu cotidiano adota uma postura crítica de indagar,

problematizar a realidade que lhe é exposta, buscando transformá-la. Esse profissional

também está inserido no cotidiano, mas sua prática tem que ir para, além disso,

superando-se os fatos do dia-a-dia, e construindo-se a práxis, a ação transformadora.

Daí que as ações profissionais do Serviço Social não podem ser reduzidas a

intervenções pontuais na realidade (mesmo que necessárias). É preciso discutir, planejar,

com o objetivo da transformação. Por isso, o presente capítulo pretende (em especial a

partir da experiência profissional da autora) apresentar elementos que norteiam o agir

profissional do assistente social no corte manual da cana-de-açúcar, considerando o

cenário apontado no segundo capítulo. Para fins de exposição didática, esses elementos

são analisados em itens, mas constituem uma proposta integrada de atuação na

agroindústria canavieira, no corte manual da cana-de-açúcar.

Os elementos para uma proposta de atuação profissional comprometida e que

identifique-se com o trabalhador, devem deixar nítido o compromisso do Serviço

Social com a transformação da realidade, mas ao mesmo tempo atender as

demandas dos empregadores o que constitui-se o desafio principal para os

assistentes sociais que atuam neste espaço.

Um projeto profissional que esteja comprometido com o trabalhador deve ter

como base a identificação do que é interesse dos trabalhadores, de quais são as

necessidades, emergenciais ou não, dos mesmos. A atuação do assistente social

em empresas de corte manual da cana-de-açúcar deve considerar ainda a realidade

do trabalho sazonal e que o universo de trabalhadores altera-se a cada safra, sendo

então necessário a investigação dos interesses e demandas dos trabalhadores em

cada período de safra. No Consórcio de produtores rurais da Central Energética

Vale do Sapucaí (CEVASA), essa investigação era feita a cada início de safra, para

a construção do perfil social dos trabalhadores. Apenas para exemplificar as

alterações que se dão no universo dos trabalhadores empregados no corte manual

de cana-de-açúcar a cada safra, os quadros abaixo mostram alguns dos dados

obtidos5 junto a estes trabalhadores nas safras 2005/2006 e 2008/2009.

Safra 2005/06 59%

Safra 2008/09 55%

QUADRO 3 Trabalhadores migrantes sazonais

Safra Masculino Feminino

2005/06 93% 7%

2008/09 97,5% 2,5%

QUADRO 4 Quanto a Gênero dos trabalhadores

Escolaridade Safra 2005/06 Safra 2008/09

Não alfabetizados 11,3% 4%

Semi alfabetizados6 16% 9%

Alfabetizados 72,7% 87%

QUADRO 5 Quanto a Escolaridade

5 As pesquisas eram realizadas no local de trabalho dos cortadores de cana, em entrevistas

individuais, com instrumental próprio. Em 2005, foram entrevistados 430 trabalhadores, aproximadamente 60% do universo de cortadores de cana da empresa e em 2008 foram entrevistados 220 , aproximadamente 90% do total.

6 Trabalhadores que apenas assinam o nome.

Idade Safra 2005/06 Safra 2008/09

18 a 20 anos 9, 4% 5%

21 a 30 anos 42,6% 51%

31 a 40 anos 25% 34%

41 a 50 anos 20% 9%

51 a 60 anos 3% 1%

QUADRO 6 Quanto a Faixa Etária

Vale destacar que estas pesquisas foram propostas pelo profissional de

Serviço Social a partir da constatação da necessidade de aproximar-se do

trabalhador e ter dados informados por este mesmo trabalhador, já que a proposta

principal é a de identificação com a classe trabalhadora, buscando viabilizar a

participação, a discussão sobre as condições de vida e trabalho.

Objetivando ainda entrar em contato com as demandas dos trabalhadores, a

partir de 2006, o Serviço Social passou a avaliar com os trabalhadores a safra,

investigando questões como condições de trabalho, moradia, remuneração,

equipamentos de proteção individual (EPIs). Essas ações proporcionaram um

conhecimento privilegiado para o profissional de Serviço Social acerca da leitura que

o trabalhador faz de suas condições de trabalho e de suas necessidades, sendo

possível a partir daí, construir propostas de ações identificadas com o trabalhador e

com foco na construção da cidadania, pressuposto do projeto ético político da

profissão.

3.3.1 Ações de rotina

Na realidade observada no corte manual da cana-de-açúcar, o profissional de

Serviço Social irá desenvolver ações que busquem atender os trabalhadores nas

demandas por ele identificadas.

Toda ação profissional do Serviço Social precisa considerar o cotidiano,

enquanto espaço pleno de possibilidades de transformação e de construção do

novo. Portanto parte-se do dia-a-dia do trabalhador no corte da cana, podendo ser

elencadas as seguintes ações necessárias do Serviço Social:

� Visitas aos canaviais onde o trabalhador está cortando cana, para

acompanhar as condições de trabalho e necessidades dos trabalhadores para

o exercício de suas funções;

� Visitas domiciliares em situações de acidentes de trabalho e de necessidades

colocadas pelos trabalhadores, em relação a alimentos e medicamentos;

� Escuta individual, objetivando ouvir o trabalhador e atender a demanda

trazida por ele, tomando-se as providências necessárias, como

encaminhamentos, solicitação de recursos ao departamento financeiro, entre

outras.

� Acompanhamento das ações desenvolvidas pelo Serviço de Segurança e

Medicina do Trabalho (SESMT), já que a integração com este setor permite

intervir na organização do trabalhador, na discussão de direitos, além da

construção de intervenções cuja finalidade é a qualidade de vida do

trabalhador.

Não é possível e nem é a intenção negar nestas ações a necessidade de

atender a demanda da empresa, qual seja, que o trabalhador esteja bem para

produzir mais. Contudo, pode-se visualizar também, a inversão das prioridades ao

ouvir o trabalhador e procurar atender, na esfera da empresa, ou da rede de

serviços sociais do município, o que é trazido por ele.

Dentro do contexto empresarial, o trabalhador é considerado como usuário dos serviços prestados pelo assistente social. [...] Mas admitindo-se que essa qualificação só se dá em vista da legitimidade emprestada pela empresa como requisitante institucional, ele, trabalhador, passa a ser, dialeticamente, um requisitante potencial independente da empresa ou do assistente social. (MOTA, 2008, p.110)

Essas ações desenvolvidas no cotidiano, possibilitam ao profissional de

Serviço Social ter acesso ao mundo do trabalhador na empresa, entendendo as

relações que se estabelecem, conhecendo a organização hierárquica, que na

maioria das vezes não está no papel, e, além disso, atuando em consonância com o

projeto ético político na profissão, na garantia dos direitos civis, sociais e políticos

das classes trabalhadoras.

Ao (pré) ocupar-se destas ações desenvolvidas no cotidiano na empresa, o

assistente social encontra subsídios para planejar, desenvolver outras ações de

cunho educativo, assistencial, cultural e que mais do que atender as solicitações da

empresa, alcancem as aspirações dos trabalhadores.

3.3.2 Ações Emergenciais

O trabalhador empregado no corte manual da cana-de-açúcar é submetido à

rotina desgastante de trabalhar por produção, exposto a condições de trabalho que

são determinadas também pelas condições naturais, como sol forte, fuligem e

mesmo chuvas e ventos. Essas condições, associadas à relativa resistência dos

trabalhadores no uso de alguns equipamentos de proteção individual são

determinantes para um grande número de acidentes de trabalho. O profissional de

Serviço Social se integra ao setor de segurança do trabalho em ações de prevenção

de acidentes, buscando reduzir a ocorrência e a gravidade dos mesmos. Essa

integração se dá na participação nos “Diálogos de Segurança”, nas Semanas

Internas de Prevenção de Acidentes de Trabalho (SIPAT) e em outras ações

desenvolvidas pelo Serviço de Segurança e Medicina do Trabalho (SESMT).

Contudo, mesmo com todas essas ações, ainda ocorrem vários acidentes de

trabalho no corte da cana-de-açúcar, e então o profissional de Serviço Social é

quem deve ter o conhecimento necessário para a intervenção nessa situação.

Após os primeiros socorros, feitos pelo profissional de enfermagem, o

trabalhador é encaminhado para o hospital ou serviço de saúde mais próximo,

buscando-se em geral levar o trabalhador para o município onde ele reside. O

assistente social irá então, caso haja internação hospitalar, buscar comunicar a

família, ou colegas de trabalho que residam junto e a partir daí, viabilizar junto ao

departamento pessoal todas as documentações necessárias para o afastamento do

trabalhador de suas funções, e caso o mesmo precise ficar mais de15 dias afastado

do trabalho, é o profissional de Serviço Social que irá orientá-lo (por vezes até

acompanhar o trabalhador) quanto ao afastamento pelo INSS (Instituto Nacional de

Seguridade Social). O assistente social deverá ainda informar a empresa (através de

relatórios) quais as necessidades do trabalhador, seja em relação a medicamentos,

alimentação, consulta com médicos especializados e outras providências

necessárias, destacando-se que essa intervenção dever ser orientada pela lógica do

direito e não do benefício.

Dessa forma as ações denominadas neste trabalho de emergenciais do

Serviço Social na agroindústria canavieira, estão diretamente relacionadas às

questões de acidentes de trabalho e também de adoecimento do trabalhador na

realização de suas funções.

3.3.3 Atenção aos trabalhadores migrantes

O trabalhador migrante, que em algumas empresas da região de Ribeirão

Preto, representa parcela significativa do universo de trabalhadores, vivencia de

forma nítida as contradições do sistema de trabalho no corte manual da cana-de-

açúcar. O assistente social que atua nestes espaços precisa atentar-se para as

demandas desses trabalhadores, já que essas são diferenciadas das dos

trabalhadores da região.

Ressalte-se aqui, que as questões estruturais que envolvem a migração de

trabalhadores das regiões empobrecidas do Brasil para a região Sudeste na busca

por melhores condições de vida, precisam ser estudadas e aprofundadas

objetivando uma intervenção da sociedade (representada por poderes políticos,

econômicos, sociais) no sentido de se alterar radicalmente essa relação, onde

migração implica em exploração e muitas vezes em submeter o migrante á condição

análoga a de escravo. É preciso que o país se organize para que essa alteração se

efetive, e o Serviço Social enquanto categoria comprometida com a construção de

uma nova ordem societária, sem dominação-exploração de classe, etnia e gênero,

tem o compromisso histórico com a participação nessa organização. No dia-a-dia do

trabalho na agroindústria canavieira, o assistente social tem condições de estimular

a organização de que falou-se acima, mas terá que, muitas vezes trabalhar com as

conseqüências/efeitos da migração convertida em exploração.

A figura do agenciador, ainda é uma realidade, assim como também é

concreto que alguns destes trabalhadores ainda são trazidos para o estado de São

Paulo, com a promessa de ganhos irreais e condições de vida ilusórias. O Estado,

busca intervir frente a isso, principalmente com a atuação fiscalizadora do Ministério

do Trabalho, mas os fornecedores de cana e também os usineiros ainda se utilizam

do agenciador para recrutamento de mão-de-obra.

Dessa forma, o assistente social terá que trabalhar buscando questionar essa

lógica da exploração a que é submetido o migrante, mas intervindo também

diretamente nos efeitos da mesma. As ações que serão elencadas abaixo

constituem-se uma forma de intervenção nestes efeitos, já que a empresa cobra do

Serviço Social que o trabalhador esteja bem para desempenhar suas funções,

garantindo a produtividade. É interesse da empresa a intervenção nas condições de

vida dessa população porque além de influenciar diretamente na produção, pode

haver problemas com órgãos fiscalizadores, como sindicatos e Ministério do

Trabalho se os trabalhadores estiverem em condições desumanas.

A partir de todas essas considerações, a ação do Serviço Social em relação

aos trabalhadores migrantes no corte da cana pode ser considerada a partir dos

seguintes aspectos: Moradia e Rede social dos municípios.

3.3.3.1 Moradia

Os trabalhadores chegam aos municípios através do agenciador e então

procuram os empreiteiros que são os responsáveis por providenciar casas para eles

habitarem, destacando-se que o aluguel dessas casas será pago por estes

trabalhadores e o empreiteiro é apenas um facilitador na locação uma vez que esses

migrantes não conhecem o município onde irão residir e nem mesmo têm condições

legais de cumprir as exigências de um contrato de locação de imóvel, por exemplo, a

questão do fiador.

Os empreiteiros devem garantir que a empresa não tenha problemas

(fiscalizações, multas) em relação à moradia de seus trabalhadores, e mesmo que

legalmente não seja um alojamento e a empresa não seja responsável direta pelas

condições da moradia, o empreiteiro deve garantir que as casas onde os

trabalhadores de sua turma residem, estejam em condições habitáveis, sob pena de

não conseguir ser “contratado” pelos fornecedores.

Assim, considerando a realidade de um dos consórcios de fornecedores da

Central Energética Vale do Sapucaí (CEVASA) o assistente social deveria fiscalizar

as condições de residência dos trabalhadores, relatando para os fornecedores quais

as condições das mesmas e o que deveria ser providenciado. Essa investigação

baseia-se nas exigências da NR31, em relação a alojamentos.

Para além das exigências dos fornecedores ou usineiros, empregadores do

assistente social, o profissional pode conhecer as moradias dos trabalhadores para

buscar garantir aos mesmos condições dignas de sobrevivência, que passam por

uma habitação com ventilação, iluminação, sanitários em condições de uso,

estrutura física que não ofereça riscos ao trabalhador.

Para conhecer as moradias é preciso que o assistente social proceda visitas

domiciliares e que investigue o que precisa ser providenciado, por exemplo, camas,

colchões, chuveiros. A partir da investigação é feito o relatório das condições de

moradia e encaminhado aos fornecedores que exigem do empreiteiro que seja

providenciado o que foi solicitado e cabe ao assistente social acompanhar se essas

solicitações foram atendidas sem ônus ao trabalhador.

A partir dessas visitas domiciliares com o objetivo de conhecer as condições

de moradia é possível também entender as motivações dos trabalhadores, as

expectativas de cada um em relação ao trabalho no corte da cana-de-açúcar no

estado de São Paulo. De acordo com a assistente social entrevistada:

O que eu pude perceber com a visita é que eles vêm prá cá, eles querem aproveitar o tempo, prá trabalhar e ganhar o máximo de dinheiro prá levar prá família, prá comprar sua casa, ou até mesmo aqueles que trazem a família, acabam ficando por aqui mesmo, comprando sua casa, trazendo a família... então são várias situações. (Zélia)

Portanto na ação de visitar as residências podem ser contemplados diversos

outros aspectos que fornecerão ao profissional dados para outras ações cujo foco

seja a garantia de condições dignas para os trabalhadores. Um dos desafios do

assistente social em relação a essa visita ás residências dos trabalhadores

migrantes é romper com a lógica fiscalizadora, higienista que tem como objetivo

adequar o trabalhador ao que a empresa entende como aceitável, seja em relação à

higiene ou a forma como o trabalhador organiza o espaço de sua residência.

3.3.3.2 Rede Social dos municípios

O trabalhador migrante ao vir para o estado de São Paulo para ocupar-se no

corte manual da cana-de-açúcar não ficará restrito aos espaços da fazenda, já que

irá residir em cidades próximas, estando, portanto no dia-a-dia do município. No

consórcio que serve de referência para esta dissertação, os trabalhadores residem

nos municípios de Batatais, Brodoskwy, Cajuru, Jardinópolis e Patrocínio Paulista.

Todos estes municípios são de pequeno porte, o que torna comum alguns aspectos

na gestão dos serviços de assistência social, educação e saúde.

Os trabalhadores migrantes sazonais representam uma população flutuante,

mas que precisa ser atendida, o que em algumas situações, gera impasse, no

sentido de que, por vezes os recursos existentes não atendem nem mesmo a

população fixa do município. O trabalhador migrante na maioria das vezes não

procura os serviços sociais dos municípios, ou por não conhecer, ou por já não ter

sido atendido.

Contudo, esse trabalhador tem necessidades que precisam ser atendidas e a

Lei Orgânica da Assistência Social preconiza que a assistência social rege-se pelos

princípios de universalização dos direitos sociais e igualdade de direitos no acesso

ao atendimento, sem discriminação de qualquer natureza. Ora, o entendimento deve

ser que este trabalhador não pode ser penalizado por estar em outro estado,

“inchando” a população demandatária de assistência social, educação e saúde. O

Estado brasileiro deveria garantir que não houvesse a necessidade de um

trabalhador migrar de uma região para outro em busca de sobrevivência, mas uma

vez que não garante, as instâncias administrativas municipais e estaduais devem

estar preparadas para atender essa população “flutuante”, garantindo o atendimento

universal e sem discriminação, princípio da Lei Orgânica da Assistência Social

(LOAS).

E qual a função do assistente social, funcionário da empresa que emprega

estes trabalhadores migrantes, frente à rede social do município? Alguns aspectos

podem ser apontados. Primeiro, a integração entre empresa e Poder Público,

representado pelas prefeituras municipais. Os representantes do Poder Municipal

precisam entender que o município também é beneficiado com a presença destes

trabalhadores que, ocupam um espaço ao qual os do município não se submetem e

contribuem na geração do capital do agronegócio, que muitas vezes é o responsável

pela metade das arrecadações do município. Além disso, esses trabalhadores

também geram renda para a cidade, na medida em que consomem o que é

oferecido no comércio, seja alimentação, vestuário, mobília, eletrodomésticos,

celulares.

O assistente social, funcionário da empresa, buscará essa integração

principalmente através da participação em fóruns, discussões e outras instâncias

deliberativas acerca do atendimento social no município. É preciso chamar a

atenção dos municípios para a realidade do trabalhador migrante, que não é

responsabilidade apenas da empresa que o emprega, mas também do Estado,

representado na instância municipal pelas prefeituras e órgãos públicos de

assistência, saúde e educação.

Às prefeituras cabe, mostrar as instâncias maiores, (Secretarias Estaduais,

Ministérios) que a população migrante precisa ser atendida, mas que na maioria das

vezes faltam recursos, cobrando-se assim, uma gestão eficiente das verbas

públicos.

Além dessa linha de ação, o assistente social deve ainda assegurar que o

trabalhador conheça os recursos da rede social de seu município, que consiga

reivindicar seus direitos.

Tem vez que a gente precisa de médico e aí não consegue porque não tem documento daqui, dessa cidade. A gente às vezes não sabe o que precisa fazer prá poder passar no médico e aí fica doente, sem conseguir tratar. (José)

A experiência profissional da autora na agroindústria canavieira mostra que

esses trabalhadores desconhecem o funcionamento da rede social dos municípios

onde residem durante a safra, o que muitas vezes implica na não procura pelo

atendimento de suas necessidades. Quando o trabalhador traz a família para a

região, a necessidade de integração com a rede social dos municípios é essencial,

já que os filhos terão que ir para a escola depois que já iniciaram as aulas, muitas

vezes a família recebia em sua região de origem, auxílios como Bolsa Família e

outros e precisa ser orientada quanto ao acompanhamento no município onde está

residindo. Enfim, em relação à atenção da empresa aos trabalhadores migrantes, a

integração com a rede social dos municípios é fundamental, no sentido de que as

necessidades destes trabalhadores se colocam para além dos limites da empresa e

a mesma não tem condições e nem mesmo legitimidade para intervir em algumas

situações originárias da condição de trabalhador migrante.

Dessa forma, o profissional de Serviço Social que atua em empresas de corte

de cana, deve estar informado acerca da rede social dos municípios para orientar e

encaminhar os trabalhadores da empresa para programas, projetos e serviços, dos

quais eles necessitem, seja em relação à saúde, educação, assistência social e

outros.

3.3.4 Ações Educativas

O Serviço Social, enquanto profissão inserida na divisão sócio-técnica do

trabalho tem subsídios teóricos e técnicos para desenvolver nas empresas uma

prática educativa, que seja participativa e sistematizada.

É preciso destacar que o objetivo dessa ação seja a educação (não formal) e

a oportunidade do trabalhador entrar em contato com conhecimentos que não sejam

limitados ao espaço da empresa, que não sejam apenas para que este trabalhador

tenha condições de trabalhar melhor, produzindo mais.

Essa prática educativa deve partir do entendimento de que o ser humano,

enquanto homo sapiens-demens7 têm condições e necessidades de transcender a

realidade na qual está inserido e construir conhecimentos que lhe possibilitarão o

seu crescimento enquanto cidadão.

A experiência da autora na agroindústria canavieira, em empresa de corte da

cana, mostra que as ações educativas não têm espaço legitimado na empresa, já

que a lógica empresarial tem cunho paternalista e toda prática educativa deve ser

capacitadora, ou seja, preparar o trabalhador para melhor desenvolver seu trabalho,

para garantir a produtividade, ou mesmo cuidar de si, de sua saúde, para não

“atrapalhar” a produção.

7 O conceito de homo sapiens está relacionado ao conceito de homem racional que tem a capacidade

de pensar suas ações, refletir seus comportamentos; O conceito de homo demens, está relacionado ao conceito de louco, o imaginativo: O homem que não está preso ao que aparece, ao que se pode quantificar, observar, racionalizar; o homem que sonha, que imagina. Portanto falar em homo sapiens-demens é falar no ser humano a partir da complexidade, inerente à condição humana. (MORIN, 1990)

As dificuldades para o desenvolvimento de ações educativas passam ainda

pelo fato de a empresa não permitir que os trabalhadores se afastem de suas

funções durante o horário de trabalho e, tomando como exemplo o trabalho no corte

da cana, ao final do dia o trabalhador está exausto, sem condições de participar de

qualquer outra atividade e como se trabalha no sábado, o domingo é o único dia que

o trabalhador tem para seu descanso, logo, ele não irá participar de nenhuma

programação nesse dia.

Onde eu trabalho tem assistente social. Eu acho que ela ta lá prá ajudar nós. Ela vai no campo conversar com nós, vai saber se está tudo bem, se a gente tem cama e colchão. Teve umas vezes que ela queria fazer umas coisas lá, acho que era reunião, mas não tinha jeito dia de semana e no domingo ninguém quer saber não [...] (José)

Ressalte-se ainda que o domingo, ou mesmo o fim de semana é a

oportunidade que o trabalhador tem de estar longe do espaço de trabalho, a

oportunidade de ser mais do que um cortador de cana, de por vezes estar com sua

família, com seus amigos e que o Serviço Social não pode implementar ações que

tirem esses momentos do trabalhador. Como colocado por Mota (2008), algumas

ações desenvolvidas por empresas em relação à educação, saúde, lazer se

configuram em ações de controle do tempo livre do trabalhador por parte da

empresa, e o assistente social, deve fazer essa leitura crítica, para não esquecer

que o trabalhador tem direito a gerir como achar melhor o tempo que estiver longe

da empresa.

Os desafios nesse sentido têm dois enfoques diferenciados: legitimar na

empresa as ações educativas, durante o período de trabalho e mobilizar o

trabalhador para a participação nesse processo, procurando conhecer suas

expectativas, suas necessidades e sua disponibilidade de tempo e energia para tais

ações, já que o não conhecimento dessas condições favorece a criação de ações

que atendam exclusivamente os interesses dos empregadores, no sentido de

“educar” para a direção que a empresa assinala, ou seja, para a educação

profissionalizante, educação de hábitos, educação para o orçamento doméstico, que

não é a proposta do Serviço Social.

A proposta do assistente social que esteja identificado com a classe

trabalhadora, em termos de ações educativas deve ser orientada para a

participação, para a organização na busca de solução de problemas, para o

exercício de tomada de decisões, ações que superem a concepção do educar para o

trabalho e transcendam à educação para a vida.

Considerando a empresa que serve de referência, as ações educativas

começaram a ser desenvolvidas no campo, enquanto o trabalhador estava

exercendo sua função ou mesmo durante o período de descanso no almoço.

Cumpre esclarecer que ações educativas aqui estão sendo entendidas como

palestras, orientações, diálogos coletivos sobre temáticas que os trabalhadores

apontaram como interesse deles.

Apenas para exemplificar, no período de 2008, foram realizadas nesta

empresa duas campanhas de orientação no campo em relação à saúde (combate a

dengue e doenças sexualmente transmissíveis), além de uma semana voltada à

alimentação com distribuição de folders informativos, orientação de uma nutricionista

durante o período do almoço dos funcionários.

A campanha de orientação acerca de doenças sexualmente transmissíveis foi

organizada com o apoio da Secretaria de Saúde do município de Patrocínio Paulista

e teve momentos (no período de almoço) de orientação com um enfermeiro e a

distribuição de preservativos.

A campanha de orientação acerca do combate a dengue foi organizada com o

apoio da Vigilância Sanitária do município de Franca e foi estruturada com a

distribuição para todos os trabalhadores de folders e orientação breve acerca dos

cuidados necessários. Abaixo, fotos dessa campanha:

Foto 8: Faixa no campo Foto 9: Faixa perto do ônibus

As ações educativas se constituem em uma das maiores possibilidades dos

profissionais de Serviço Social atuarem frente ao compromisso com a construção de

uma nova ordem societária, já que é nessas ações que o profissional se revela, se

identifica com o trabalhador, com os anseios e motivações do mesmo.

Todos os aspectos da prática profissional do assistente social na

agroindústria canavieira discutidos até aqui (ações de rotina, ações emergenciais,

atenção aos trabalhadores migrantes e ações educativas) pressupõem uma

competência teórica, técnica, ética e política para a atuação profissional.

Em se falando de teoria, faz-se necessário que o assistente social consiga

identificar o que subsidia suas análises, o que o faz agir de determinada forma e não

de outra. O projeto ético político hegemônico da profissão está intrinsecamente

relacionado com a teoria marxista, mas pressupõe também a garantia do pluralismo,

através do respeito às correntes profissionais democráticas existentes e suas

expressões teóricas.

Em relação à orientação marxista da profissão, muitas vezes o assistente

social afirma identificar-se com a teoria marxista, mas em sua atuação profissional

identificam-se muito mais aspectos positivistas e conservadores do que

transformadores. É nítida a necessidade de uma leitura completa e profunda (que

não é contemplada na formação profissional na graduação) da teoria marxista, para

que o profissional consiga fazer leituras consistentes da realidade onde irá intervir e

construir mediações nesta atuação. A grande problemática em relação ao Serviço

Social e a orientação marxista é que muitas vezes encontra-se o que Morin (2004)

chama de marxismo ortodoxo, que não avança, não contextualiza e torna-se mais

uma teoria que “na prática não dá certo”, como se escuta muitas vezes. Esse

marxismo ortodoxo constitui-se na estratificação de conceitos, na redução do

complexo ao simples. Caso o profissional opte por orientar sua prática pela teoria

marxista é necessário romper com essa ortodoxia, retornar as idéias de Marx,

desconstruindo essas apropriações irreais que foram sendo historicamente

construídas.

Para a atuação profissional consistente a formação teórica é fundamental, no

sentido de que, como já foi colocado, é ela que embasa as análises e ações do

assistente social. Longe de fazer uma crítica à teoria marxista, (até porque faltam

elementos para tanto) o que está sendo proposto é que ao optarem por esta ou por

aquela teoria, os assistentes sociais devem ter nítido que esta teoria é legitimada no

dia-a-dia de sua atuação profissional e, portanto, vai sendo construída, apropriada

de formas diferentes.

Em relação à competência técnica, as empresas requisitam um profissional

que consiga “resolver” seus problemas em relação aos seus empregados. O

assistente social deve superar essa concepção, mas precisa apresentar um saber

prático na intervenção na realidade.

Na empresa [...] o Serviço Social também é assumido como um instrumento de intervenção nos “problemas sociais”, entendidos como situações de carências do trabalhador que interferem na produtividade da força de trabalho. Deste modo, assumindo uma função técnica específica no interior das empresas – mediar soluções de carências e conflitos dos trabalhadores – os assistentes sociais são considerados profissionais da área de recursos humanos. (MOTA, 2008, p.78)

Não é apenas na crítica ao que está posto na empresa, que o assistente

social vai legitimando sua intervenção frente ao capital empregador. O profissional

precisa construir sua identidade profissional na empresa através da intervenção, que

requer este saber técnico do qual se está falando.

É a intervenção que dá forma, caracteriza e determina o modo do fazer profissional desvelando a especificidade do Serviço Social no campo das ciências sociais aplicadas. Além de exigir conhecimentos e definição para a ação, a intervenção determina originalidade na forma de abordar problemas específicos da realidade social; desenvolvem-se por um conjunto de ações com o usuário, com a equipe, nas diversas instâncias institucionais e locais, espaços em que se manifestam as relações objetivas e subjetivas. Neste sentido é através da intervenção que se operam os significados, os rumos, as mediações, a intencionalidade da ação profissional, revelando assim, os valores morais, éticos e políticos. (RODRIGUES, 1999, p.15)

Portanto é na intervenção, no cotidiano, que o assistente social torna legitima

sua inserção nos espaços empresariais , e para essa intervenção é que é preciso a

competência técnica, a exigência principal dos empregadores, e a forma de se

atender os trabalhadores visando a construção de práticas comprometidas com a

transformação do quadro de desigualdades que está posto.

A partir do momento que o profissional (assistente social) é só um mero executor, funcionalista, ele simplesmente vai estar apoiando e conduzindo o que é colocado no próprio sistema. Esse profissional vai só dizer para o trabalhador que ele tem que ser um bom trabalhador, produzir mais. Agora se ele for um profissional que tenha uma leitura crítica, que entenda sobre isso, que tenha uma forma diferente de como conduzir seu trabalho, a favor do trabalhador, ele irá conseguir mudar muita coisa. Tem que ter estratégias de trabalho, projetos

que mostrem que o profissional está preocupado com a questão da exploração do trabalhador. (Zélia)

Em relação à ética, a consideração a ser feita diz respeito principalmente a

forma como se está entendendo e construindo a ética profissional do Serviço Social.

Silveira (1999) destaca que esta ética profissional pode se apresentar em feições

diferenciadas e aponta três dessas feições:

1. Uma ética que não busca o questionamento crítico da profissão, mas apenas

a legitima, em uma postura conservadora, que baseada em teorias

funcionalistas está comprometida com o re-estabelecimento da ordem social.

2. Uma ética que critica as práticas usuais da profissão, mas de forma idealista,

impossibilitando a construção de novas formas de atuação, já que todas as

propostas estão centradas apenas no plano do discurso.

3. Uma ética que discuta, indague, reflita sobre o que já está posto em termos

de ação profissional e consiga propor práticas alternativas. Essa é a

modalidade de ética necessária a profissão na contemporaneidade.

Essa nova percepção levanta numerosas interrogações sobre a prática usual, na área de nossa profissão, onde a visão social não esteja mais dissociada de outros aspectos. [...] Assim o agir profissional supera a dicotomia discurso/ação, tendo claro o enfrentamento das contradições presentes ao profissional do Serviço Social. (SILVEIRA,1999, p.99)

Sobre a competência política do assistente social é preciso destacar que a

prática profissional está atrelada ao fazer política, entendida na concepção para

além de política partidária, no conceito de formas de organização, direção,

administração. Fazer política para o Serviço Social é estar no jogo de forças que

se estabelecem entre trabalhadores e empresa, entre Poder Público e usuários

de serviços sociais entre outros.

Segundo Palma (1996,p.77):

A institucionalização democrática não representa um jogo com cartas marcadas, no qual as classes subordinadas estão, desde o início, fatalmente condenadas a perder. [...] Se trata de uma arena contraditória, dinâmica onde se abrem e fecham espaços e alternativas segundo as iniciativas – sempre relacionais e opostas – dos sujeitos coletivos que nela se encontram e se confrontam. Jogar este jogo, ganhar forças para o próprio projeto, debilitar a vigência do projeto contrário, ampliar e controlar espaços – isto é fazer política.

A empresa não é uma instituição democrática, mas ainda assim é possível

fazer esse jogo que Palma aponta como fazer política, através da busca de

identificação com os trabalhadores, atendendo as demandas da empresa ao mesmo

tempo que se posiciona a favor de um projeto societário construído sobre as bases

da justiça social.

O dirigente sindical entrevistado, indagado acerca das condições de vida dos

trabalhadores afirma que:

Eu acho que aqui em nossa região muito dos avanços que teve em relação aos cortadores de cana, as condições de vida deles, muita coisa eu acho que foi porque tinha gente trabalhando, brigando por isso. O sindicato não faz nada sozinho e muitas vezes nem consegue entrar na empresa, saber de tudo acontece lá, de tudo que o trabalhador precisa. Então, tem gente que trabalha nesse sentido, de fazer a empresa ver a necessidade do trabalhador e eu acho que a assistente social é quem sabe fazer isso. (Luis)

Todas essas considerações são para caracterizar e discutir a inserção do

Serviço Social na agroindústria canavieira, que constitui-se um espaço para

intervenção que não está efetivamente ocupado pelos assistentes sociais.

Essa inserção precisa ser concretizada e para tanto faz-se necessário discutir

a temática, produzir material teórico sobre o que já está sendo feito no âmbito

profissional e foi esta a proposta principal dessa dissertação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

“Metade de mim Agora é assim

De um lado a poesia, o verbo, a saudade Do outro a luta, a força e a coragem pra chegar no fim

E o fim é belo incerto... depende de como você vê O novo, o credo, a fé que você deposita em você e só.” (Fernando Anitelli )

O Serviço Social, profissão inserida na divisão sócio-técnica do trabalho, tem

como princípios fundamentais do seu Código de ética, entre outros o

reconhecimento da liberdade como valor ético central e a ampliação e consolidação

da cidadania, considerada tarefa primordial de toda sociedade com vistas à garantia

dos direitos civis, sociais e políticos das classes trabalhadoras.

A inserção da profissão em diversos setores da sociedade brasileira tem sido

discutida e aprofundada e hoje tem-se assistentes sociais ocupando diversos

espaços em diferentes campos de atuação e apesar de o Poder Público ainda ser o

grande empregador, a profissão já consegue discutir e pensar possibilidades de

atuação para além do serviço público.

O compromisso com as classes trabalhadoras, sempre foi a tônica do

discurso da profissão, ainda que em seu surgimento no Brasil, este discurso servisse

mais para legitimar uma atuação comprometida com o capital, com a amenização

das desigualdades por ele criadas. Com o movimento da sociedade, a profissão foi

sendo pensada e construída de forma que o compromisso com as classes

trabalhadoras não estivesse apenas no plano do discurso, mas que se tornasse

efetivo na atuação cotidiana, nas orientações teóricas e nas concepções políticas. O

grande marco dessa mudança de rumos ainda é o Movimento de Reconceituação,

mas desde lá, outras mudanças foram acontecendo e a profissão hoje tenta

construir uma atuação mais dinâmica, comprometida com as classes trabalhadoras,

mas que consiga dialogar com o capital, com o Poder Público, com as classes

historicamente detentoras do poder.

A opção continua sendo radical, mas os profissionais já percebem a

necessidade de flexibilidade no discurso, entendendo que a resistência por vezes se

processa mesmo na operacionalização de práticas pensadas pelas classes

detentoras de poder e capital.

O momento vivido atualmente pelo Serviço Social mostra que o discurso

radical já não atende aos interesses das classes trabalhadoras, da população

excluída dos bens gerados pelo capital, uma vez que o radicalismo apenas limita

espaços de trabalho, e a luta pela construção da sociedade justa e igualitária não

pode se restringir aos espaços de movimentos sociais, partidos políticos, entre

outros.

Rever o discurso não significa rever a opção radical pelas classes

trabalhadoras. Significa instrumentalizar, preparar-se para o diálogo com as classes

detentoras de poder e capital. O Serviço Social tem condições de encarar esse

desafio sem que os princípios éticos, políticos e ideológicos da profissão sejam

perdidos, para isso necessitando que o profissional se disponha a mobilizar-se,

enquanto categoria, construindo projetos de ação marcados pela competência

técnica, teórica, ética e política.

A história da profissão sempre esteve ligada ao histórico da sociedade

brasileira, como já foi colocado anteriormente, e em um movimento dialético

influencia e é influenciado por ela. Com a Constituição de 1988 são preconizados na

carta da lei direitos como assistência social, segurança alimentar, educação,

moradia, que devem ser garantidos pelo Estado.

Esses direitos se efetivam principalmente através de políticas públicas. Em

relação à política pública de assistência social, ela está sendo construída no dia-a-

dia, fruto de um amplo processo de debates com a participação intensa dos

assistentes sociais. Um dos marcos desse processo de construção da política da

assistência social é a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), aprovada em

1993.

O debate em relação à assistência social tem sido feito nas esferas federal,

estadual e municipal, principalmente através das conferências, sendo que em um

destes momentos (a IV Conferência Nacional) foi definido como diretriz a criação de

um Sistema Único de Assistência Social (SUAS) como um modelo importante para o

avanço desta política pública no Brasil.

Com a elaboração e aprovação em 2004 da Política Nacional de Assistência

Social (PNAS) tem-se um avanço ao colocar os direitos dos usuários como foco das

ações. Contudo, faz-se necessário destacar que a maioria destes avanços ainda

está no plano da lei e, portanto é preciso a organização dos usuários para exigir que

esses direitos garantidos em lei, sejam realmente concretizados.

O agudizamento da questão social no Brasil coloca desafios contemporâneos

para o assistente social. Entende-se neste trabalho que esta questão expressa-se

nas desigualdades da sociedade capitalista, já que conforme Iamamoto (2005, p.27):

“[...] a produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais

amplamente social, enquanto a apropriação dos seus frutos mantém-se privada,

monopolizada por uma parte da sociedade.”

A questão agrária, abordada neste trabalho a partir da expropriação do

pequeno produtor, que se vê transformado em assalariado, é uma das expressões

da questão social na atualidade brasileira, contribuindo para o agudizamento desta,

uma vez que, no Brasil, a questão da terra também foi absorvida pelo capital.

A agroindústria canavieira constitui-se então, um campo privilegiado de

visibilidade da questão agrária, já que representa a industrialização no campo, a

expulsão de pequenos produtores, o assalariamento do produtor rural, a

necessidade de produzir em larga escala. Na região de Ribeirão Preto, tomada

como referência neste trabalho devido sua expressividade no que diz respeito à

produção de açúcar e etanol a partir da cana, é possível vislumbrar todos estes

aspectos, com o fim do cultivo do café, da laranja e de outras culturas e o avanço

dos canaviais.

Aumentou-se muito o número de usinas na região (conforme discutido no

primeiro capítulo), aumentou-se o número de máquinas colheitadeiras de cana no

campo, e as possibilidades de exportação do etanol tem contribuído para a

necessidade de processar a cada ano, maior quantidade de cana.

O Estado brasileiro tem sido o grande parceiro dos usineiros, auxiliando na

criação de leis e incentivos fiscais que os beneficiam, além de em algumas ocasiões

financiar o setor com créditos milionários, para que não haja quebra ou falência das

empresas. Existe também um número significativo de capital estrangeiro neste setor,

o que significa que empresas estrangeiras estão interessadas na tecnologia

brasileira para transformação de cana em açúcar e etanol.

A agroindústria canavieira está na pauta das discussões econômicas,

ambientais do Brasil e tem-se produzido documentos que tem como objetivo mostrar

as intenções do Estado e usineiros frente às problemáticas que surgem. Exemplo

disso é o Protocolo para adoção de ações destinadas a consolidar o

desenvolvimento sustentável da indústria da cana-de-açúcar no estado de São

Paulo, que assinado em junho de 2007 pelo governo do estado e pelos

representantes dos produtores de cana, estabelece prazos para o fim da queima da

palha da cana e que é discutido também no primeiro capítulo.

Contudo o trabalhador que está na base desse ciclo de produção, o cortador

de cana, nem é visto pelo Estado e vê a cada safra piorarem suas condições de

vida, já que exige-se um número maior de toneladas de cana cortadas no dia, sob

pena de não ser mais contratado. Neste trabalho procurou-se discutir essas

questões relativas ao cortador de cana, que vivencia de forma nítida as contradições

da agroindústria canavieira, com a incorporação de modernas tecnologias na

indústria e o arcaísmo no trato da força de trabalho.

A iniciativa significativa do Estado em relação ao cortador de cana é o

Compromisso Nacional para aperfeiçoar as condições de trabalho na cana-de-

açúcar, que assinado em junho de 2009 pelo Governo Federal e seus

representantes, por órgão representante dos usineiros e órgãos representantes dos

trabalhadores, visa garantir melhores condições de trabalho para o cortador de cana.

Contudo, como já foi colocado no início deste trabalho, é preciso ainda concretizar o

que está proposto neste compromisso sendo necessária a divulgação e ampla

discussão das formas de operacionalizar a proposta.

É visível, portanto, na agroindústria canavieira, um campo de intervenção

para o assistente social. O primeiro aspecto a ser destacado é o compromisso

histórico do Serviço Social enquanto profissão com a classe trabalhadora. O espaço

da agroindústria é um espaço privilegiado em função da perceptível necessidade de

uma atuação profissional que caminhe de encontro com a realidade da fragilização

dos direitos historicamente conquistados pelos trabalhadores em conseqüência

também da flexibilização das leis trabalhistas.

O segundo aspecto diz respeito à necessidade de discutir os diferentes

aspectos presentes na vivência cotidiana dos trabalhadores, entendendo as

especificidades da questão social e agrária e seus desdobramentos na atualidade,

reconhecendo (na prática) os direitos destes trabalhadores.

O espaço da agroindústria canavieira ainda não está efetivamente ocupado

pelos profissionais de Serviço Social, que têm condições de fazer uma leitura

privilegiada nesta realidade, ouvindo os trabalhadores e entendendo as

determinações da empresa. A presente dissertação procurou apresentar algumas

propostas de intervenção, no sentido de que é o assistente social o profissional que

têm competência teórica, técnica, ética e política, para atuar frente às problemáticas

advindas do agudizamento da questão social, em especial da questão agrária no

campo, visível na agroindústria canavieira.

É preciso construir o novo, abrir espaços para intervenção profissional do

Serviço Social, buscar alternativas para a alteração do quadro de desigualdades que

está colocado. Faz-se necessário que a questão agrária, que as problemáticas do

trabalhador rural (seja na cana, na laranja, no café) não estejam somente nos

trabalhos de conclusão de curso, nas dissertações de mestrado ou teses de

doutorado do Serviço Social. A prática profissional nos espaços rurais é necessária,

no sentido de que, a exploração, as desigualdades sociais, e todas as expressões

da questão social, frente as quais o assistente social atua nos espaços urbanos,

estão presentes no mundo rural.

O trabalhador rural, e no caso específico desse trabalho, o cortador de cana,

tem direitos que lhe são negados assim como o trabalhador urbano. É preciso a luta

para dar voz a esses trabalhadores, para que eles alcancem o que historicamente

lhes foi negado, a visibilidade.

Segundo Martins (2000.p.69):

A história dos pobres da terra neste país não é apenas uma história de desencontros. Ela é, também, uma história sofrimentos, de marginalização e dor, de sangue inocente derramado. E é, infelizmente, ainda uma história de sujeições. Não só a sujeição à opressão do latifúndio, da servidão há nela, mas, também, da falta de liberdade e de condições para dizer a própria palavra. O silêncio dos pobres não vem apenas da clausura cultural em que vivem. Vem também da usurpação da palavra, do querer e do esperar por parte daqueles que, ao pretenderem generosamente ser solidários, acabam impondo-lhes um novo e mais grave silêncio, o da fala postiça e inautêntica, anômica.

A realidade dos trabalhadores rurais não se alterou significativamente nos

últimos anos. Continuam sendo explorados, expulsos do campo (por vezes expulsos

de seus estados de origem, como os trabalhadores migrantes), empurrados para as

margens das cidades, sem condições dignas de sobrevivência e sem mesmo o

direito a voz, como exposto na citação acima.

O profissional de Serviço Social tem em sua prática a competência técnica,

mas não pode perder a dimensão do sonho e da esperança, porque sem esta

dimensão, a atuação encontra-se esvaziada de alma, de capacidade imaginativa,

tão importante quanto à competência teórica, técnica, ética e política.

Faz-se necessário buscar a transformação, trabalhar exaustivamente na

busca de consolidar o compromisso do projeto ético político da profissão, a

construção de uma nova ordem societária, sem dominação, exploração de classe,

etnia e gênero.

A construção do projeto ético político do Serviço Social não está finalizada e

são as contribuições de toda a categoria profissional que fornecem o delineamento

deste projeto. Assim, a cada espaço de atuação profissional, torna-se necessário

que o profissional reflita sobre a sua atuação neste espaço, já que a produção de

conhecimentos no interior do Serviço Social é um elemento que dá materialidade ao

projeto. Dessa maneira, o projeto ético político da profissão pode se materializar nas

ações desenvolvidas na agroindústria canavieira, com o Serviço social ocupando

este espaço.

Na agroindústria canavieira ainda são desconhecidas as atuações junto aos

cortadores de cana, são desconhecidos projetos sociais que tenham como objeto de

atuação o enfrentamento das questões produzidas pela forma como os

trabalhadores vivenciam as implicações da questão agrária. Segundo Silveira (1996)

é necessário uma intervenção do Serviço Social junto à questão agrária, através de

uma atuação conjunta com o objetivo de viabilizar a reforma agrária. Esta, entendida

como política social, que deve ser emancipatória, a fim de atingir a condição

concreta de redução da desigualdade no meio rural.

Para esta intervenção, são necessários profissionais que se comprometam a

construir uma atuação no sentido de atender os trabalhadores sem romper com os

interesses dos empregadores. Essa atuação é então construída no cotidiano, tendo

como base o projeto ético político da profissão e as distintas mediações que se

fizerem necessárias nos diferentes contextos.

As determinações da sociedade brasileira contemporânea impõem limites a

atuação profissional, e na agroindústria canavieira, estes são perfeitamente visíveis.

O assistente social precisa pensar constantemente sua prática, a teoria que a

embasa, fugindo assim de posturas que oscilam de um extremo a outro, como por

exemplo, a postura messiânica, de acreditar que irá transformar o mundo com sua

intervenção e a postura conformista, de que nada muda e que, portanto, não adianta

fazer nada além do que já vem sendo feito.

A prática profissional comprometida com as classes trabalhadoras, com a

alteração do quadro de desigualdades existentes, foge destes extremos de

messianismo e conformismo. Está impregnada de capacidade técnica e de

capacidade imaginativa que se funde em uma intervenção legítima, no sentido de

que atende o trabalhador e volta o olhar para mais longe, para além da resolução

imediata de conflitos, para além do atendimento pontual de necessidades.

O assistente social é também homo sapiens-demens, conceito já utilizado

neste trabalho e que pode ser entendido a partir do conceito de ser humano que tem

a capacidade de pensar suas ações, de refletir seus comportamentos (sapiens), mas

que não está preso ao que aparece, que sonha, que imagina (demens). (MORIN,

1990)

Na intervenção profissional, o assistente social tem interligadas essas duas

características, de ser aquele profissional que atua no dia-a-dia, utilizando-se de

conhecimentos técnicos e repensando sua prática, e de ser também aquele que

consegue transcender para além do que está posto, que consegue imaginar, sonhar.

Ao assistente social, cabe preparar-se, pensar a própria prática, discutir o que

lhe é colocado, as atribuições que lhe são conferidas, construindo assim novos

saberes, diferentes formas de atuação, compromissadas com os princípios do

Código de Ética Profissional.

A atuação do profissional de Serviço Social na agroindústria canavieira está

diretamente relacionada com a luta para a efetivação de direitos expressa no dia-a-

dia através do acompanhamento das condições de trabalho oferecidas, além da

assistência dada ao trabalhador em situações eventuais como acidentes de trabalho,

doenças ou afastamentos.

Cabe ao profissional procurar em sua atuação desenvolver uma prática que vá para

além da garantia de condições adequadas de sobrevivência do trabalhador

(particularmente o migrante) e que esteja centrada na garantia de direitos.

Neste processo de atuação o profissional de Serviço Social vai construindo

mediações na medida em que aplica seu saber profissional para atender as

exigências dos empregadores e as necessidades dos trabalhadores.

Os desafios que se colocam no agir profissional do Serviço Social no

cotidiano na agroindústria canavieira estão intrinsecamente ligados com os

pressupostos do projeto ético político da profissão. A defesa de direitos dos

trabalhadores, o entendimento de que o próprio sistema de trabalho é desigual e

propício à exploração, e a necessidade de se pensar formas de atender os

trabalhadores sem ir contra os regulamentos da empresa, são alguns desses a

serem enfrentados no dia a dia nas lavouras de cana-de-açúcar.

O caminho encontrado é construído no dia. Ele se concretiza quando os

trabalhadores são ouvidos com respeito a sua dignidade, quando os direitos

previstos na legislação (como por exemplo, freezer com água gelada, reposição de

equipamentos de segurança, toldos para almoço, horários de saída) são realmente

garantidos no dia a dia, quando as conquistas diárias não são apenas de um

trabalhador, mas de todos os empregados no corte manual da cana-de-açúcar.

Conforme colocado no terceiro capítulo, sempre que as práticas

desenvolvidas não atenderem mais os objetivos da profissão, é preciso propor

outras diferenciadas e inovadoras a partir da leitura das ações usualmente

desenvolvidas.

O profissional de Serviço Social, independente do espaço onde atua (mundo

rural, serviço público, entidades filantrópicas, empresas) deve propor uma prática

que seja essencialmente ética, comprometida com a transformação do que está

posto.

Nossa atuação profissional deve estar atenta a impunidade e ao encobrimento da corrupção, ao descaso com a injustiça social, com o desrespeito pelos direitos humanos, com a marginalização de crianças, de adolescentes e idosos, com a precariedade dos serviços públicos. É preciso entender que o fundamental não são os discursos, mas os atos, as atitudes e ações concretas baseadas em verdadeiros valores morais fundamentais. (SILVEIRA, 1999, p.98)

As discussões expostas neste trabalho tiveram como objetivo fundamental

propor uma reflexão acerca da agroindústria canavieira como espaço para atuação

profissional do Serviço Social.

Não se tem a pretensão de esgotar o estudo dessa temática, ampla e com

várias possibilidades de entendimento, mas esse trabalho é mais uma alternativa de

reflexão, no sentido de contribuir com outra visão da questão agrária, na região de

Ribeirão Preto, no início do século XXI.

Aos profissionais de Serviço Social fica uma contribuição no entendimento da

atuação frente à realidade do trabalho dos cortadores de cana, suas condições de

vida e trabalho.

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______. Reforma agrária: a esperança dos “Sem-terra”. Franca: Ed. UNESP/FHDSS, 2003.

______. Igreja e Conflito Agrário: A Comissão Pastoral da Terra na região de Ribeirão Preto. Franca:UNESP /FHDSS, 1988

SOUZA, José Gilberto de. Pesquisa da Unesp aponta que cana reduz diversidade. Folha de S. Paulo, São Paulo, 9 dez. 2007. Folha Ribeirão, p. C4.

TEIXEIRA, Francisco J. S.; OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. (Org.) Neoliberalismo e reestruturação produtiva: as novas determinações do mundo do trabalho. São Paulo: Cortez; Fortaleza: Ed. UFC, 1996.

UDOP. Ranking de produção: os 15 maiores grupos empresariais do setor da bioenergia - 2008. Disponível em: <http://www.udop.com.br/dowloads/estatistica/ranking2007_2008/15_maiores_grupos.pdf>. Acesso em: 25 maio 2009

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VEIGA FILHO, Alceu de Arruda et al. Análise da mecanização do corte da cana-de-açúcar no estado de São Paulo. Informações Econômicas, São Paulo, v. 24, n.10,1994. Disponível em <http://www.iea.sp.gov.br/out/verTexto.php?codTexto=1142>. Acesso em: 6 set. 2009

VEIGA, José Eli da. O desenvolvimento agrícola: uma visão histórica. São Paulo: Hucitec, 1991.

APÊNDICE

Apêndice A - Roteiro das entrevistas

Entrevista – Assistente Social Quantos cortadores de cana estão empregados na empresa nesta safra? Quantas máquinas colheitadeiras estão sendo utilizadas nesta safra? A empresa disponibiliza todos os equipamentos de segurança necessários, sem custos aos trabalhadores? Qual o horário de trabalho no corte da cana? Como é o dia-a-dia dos trabalhadores do corte manual da cana-de-açúcar? Houve algum acidente grave nestes quase 06 meses de safra? Houve alguma greve ou paralisação dos trabalhadores neste período? A empresa implantou a ginástica laboral para os trabalhadores? A empresa está promovendo capacitação para os trabalhadores do corte manual da cana-de-açúcar? Em relação aos trabalhadores migrantes, a empresa está desenvolvendo algum trabalho específico? É possível saber qual a realidade destes trabalhadores? (condições de moradia, de alimentação, de saúde?) Quais profissionais atuam diretamente junto aos cortadores de cana? Qual a opinião do profissional acerca da mecanização da colheita? O profissional conhece as perspectivas da empresa quanto à mecanização da colheita? O Serviço Social pode contribuir para alteração do quadro de desigualdades do setor canavieiro? Como? Comentários Entrevista – Sindicato dos Trabalhadores Rurais Quais municípios compõem a base desse Sindicato? É possível precisar quantos cortadores de cana estão trabalhando nesses municípios?

É possível precisar quantas empresas (usinas, destilarias, consórcios rurais) existem na base desse Sindicato? Qual a atuação do Sindicato no que diz respeito aos trabalhadores do corte manual da cana-de-açúcar? Qual a forma de acompanhamento da produção dos trabalhadores do corte manual da cana-de-açúcar? Quais as informações que o Sindicato têm acerca do dia-a-dia do trabalho no corte manual da cana-de-açúcar? Quais as informações que o Sindicato têm acerca da mecanização do corte da cana-de-açúcar nos municípios que compõe a base? Qual a opinião do Sindicato quanto à mecanização do corte da cana-de-açúcar? Em relação aos trabalhadores migrantes, o Sindicato sabe precisar quantos são estes trabalhadores? É possível saber qual a realidade destes trabalhadores migrantes? (condições de moradia, de alimentação, de saúde?) Houve alguma greve ou paralisação nesta safra? Comentários Entrevista – Trabalhador do corte manual da cana-de-açúcar Trabalha há quanto tempo no corte manual da cana-de-açúcar? Mora há quanto tempo no município? Já mudou de cidade alguma vez para trabalhar? Atualmente, mora com família, só, ou com outros trabalhadores? Como é seu dia-a-dia no corte da cana? Quanto ganha em média por dia? Já sofreu algum acidente? Usa EPIs (Equipamentos de Proteção Individual)? Se usa, paga por eles? Qual sua opinião acerca de máquinas cortando cana? Você conhece alguém que ficou sem trabalho por causa das máquinas colheitadeiras de cana?

Na empresa onde você trabalha tem assistente social? Qual o trabalho dela? Na empresa onde você trabalha tem técnico de segurança? Qual o trabalho dele? Na empresa onde você trabalha tem algum profissional da área de saúde? Qual o trabalho dele? Você conhece o representante do Sindicato dos trabalhadores rurais? Na sua opinião, qual é o trabalho do Sindicato? Comentários

ANEXOS

Anexo A - Mapa de usinas e destilarias na região administrativa de Ribeirão

Preto

Anexo B - Mapa de usinas e destilarias na região administrativa de Franca

Anexo C - Protocolo agro-ambiental do Setor Sucroalcoleiro Paulista

Anexo D - Termo do Compromisso Nacional para aperfeiçoar as condições de

trabalho no corte manual da cana-de-açúcar

Anexo E - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido