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UNIVERSIDADE ESTADUAL VALE DO ACARAÚ (UEVA) PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO (PRPPG) CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS (CCH) MESTRADO ACADÊMICO EM GEOGRAFIA (MAG) CONTRIBUIÇÃO INDÍGENA TREMEMBÉ NO PROCESSO DE FORMAÇÃO SOCIOESPACIAL DO CEARÁ MARIA SOUZA DE ARAÚJO SOBRAL-CE 2015

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UNIVERSIDADE ESTADUAL VALE DO ACARAÚ (UEVA)

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO (PRPPG)

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS (CCH)

MESTRADO ACADÊMICO EM GEOGRAFIA (MAG)

CONTRIBUIÇÃO INDÍGENA TREMEMBÉ NO PROCESSO DE FORMAÇÃO

SOCIOESPACIAL DO CEARÁ

MARIA SOUZA DE ARAÚJO

SOBRAL-CE

2015

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UNIVERSIDADE ESTADUAL VALE DO ACARAÚ

MESTRADO ACADÊMICO EM GEOGRAFIA

CONTRIBUIÇÃO INDÍGENA TREMEMBÉ NO PROCESSO DE FORMAÇÃO

SOCIOESPACIAL DO CEARÁ

MARIA SOUZA DE ARAÚJO

SOBRAL-CE

2015

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UNIVERSIDADE ESTADUAL VALE DO ACARAÚ

MARIA SOUZA DE ARAÚJO

CONTRIBUIÇÃO INDÍGENA TREMEMBÉ NO PROCESSO DE FORMAÇÃO

SOCIOESPACIAL DO CEARÁ

Dissertação apresentada ao Mestrado

Acadêmico em Geografia, da Universidade

Estadual Vale do Acaraú, como requisito

obrigatório para obtenção do Título de Mestre

em Geografia.

Área de Concentração: Organização, Produção

e Gestão do Território no Semiárido.

Linha de Pesquisa: Dinâmica territorial: campo

e cidade

ORIENTADOR: Prof. Dr. Luiz Cruz Lima

SOBRAL/CE

2015

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MARIA SOUZA DE ARAÚJO

CONTRIBUIÇÃO TREMEMBÉ NO PROCESSO DE FORMAÇÃO

SOCIOESPACIAL DO CEARÁ

Dissertação defendida e aprovada em: ___/___/___

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________________________________

Prof. Dr. Luiz Cruz Lima

Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA

(Orientador)

__________________________________________________________________

Prof. Dr. José Mendes Fonteles Filho

Universidade Federal do Ceará – UFC

___________________________________________________________________

Prof. Dra. Aldiva Sales Diniz

Universidade Estadual Vale do Acaraú - UEVA

SOBRAL/CE

2015

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Dedicatória

Aos meus pais Edvar (in memórian) e Tereza

por me amarem incondicionalmente; Ao meu

esposo Eranildo Albuquerque, que, nesse

período em que estive em Casulo, esteve

comigo me apoiando nas horas necessárias.

De um modo especial dedico, aos Tremembé

do Córrego João Pereira, Telhas e Queimadas.

A todos, meus sinceros agradecimentos, pelas

contribuições, ensinamentos e aprendizado

nesses dois anos de idas e vindas às

comunidades indígenas.

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AGRADECIMENTOS

A realização deste trabalho não teria sido possível sem o auxílio das

inúmeras pessoas que cotidianamente deram suas contribuições para o

enriquecimento da pesquisa e amadurecimento desta pesquisadora.

Um agradecimento especial acompanhado de um sincero pedido de

desculpas pelas ausências à minha progenitora, que mesmo sem entender as

razões desta pesquisa esteve ao meu lado me apoiando nos momentos mais

difíceis, não permitindo que eu desistisse quando as dificuldades pareciam

insuperáveis. Obrigada pelo cuidado, carinho, respeito e compreensão.

Não poderia deixar de expressar minha gratidão ao meu esposo Eranildo

Albuquerque, que desde a construção do pré-projeto para a seleção do Mestrado

tem sido um companheiro. Sua atenção e carinho foram fundamentais durante esses

dois anos da pesquisa.

Em nossa caminhada acadêmica nos encontramos com diversos mestres,

alguns passam quase despercebidos, outros deixam marcas que são como

tatuagens, que nem mesmo o tempo consegue apagar. Assim, agradeço

especialmente ao mestre Dr. Luiz Cruz Lima, por quem tenho grande apreço e

admiração por sua trajetória acadêmica e pela pessoa íntegra que é. Sua cuidadosa

orientação, confiança e zelo foram fundamentais para o desenvolvimento deste

trabalho.

Às professoras Dr. Aldiva Diniz e Ms Tereza Vasconcelos, Dr. José Mendes

Fonteles Filho, agradeço pela leitura atenciosa e contribuições propostas no artigo

para o seminário de projetos e também da qualificação que muito contribuíram para

o resultado final desta pesquisa.

Aos professores que lecionaram disciplinas no Mestrado Acadêmico em

Geografia: Fábio Cunha, Falcão Sobrinho, Isorlanda Caracristi, Aldiva Diniz, Marize

Vital e Virgínia Holanda.

Aos colegas da primeira turma do Mestrado Acadêmico em Geografia:

Valdelúcio Fonseca, Joffre Fontenele, Francisco Ielos, José Costa, Juscelino Lima,

Laerton Bernardino, Rachel Facundo, Analine Parente e Vanessa Freire. Agradeço

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pelos momentos juntos e pelas discussões travadas em sala de aula no período das

disciplinas.

Em Itarema, agradeço imensamente a recepção do chefe administrativo da

Coordenação Técnica Local (CLT – FUNAI) Antônio Neto que me recebeu no

escritório da CLT e também em sua casa. A este, meu profundo agradecimento pelo

carinho, paciência, zelo e respeito para comigo no período em que estive coletando

dados junto às comunidades indígenas e depois na tabulação dos mesmos no

escritório da FUNAI.

Um agradecimento especial aos sujeitos pesquisados, que não pouparam

esforços para contribuir com o desenvolvimento desta pesquisa. Os Tremembé do

Córrego João Pereira, Comunidade de Telhas e Queimadas meu profundo

agradecimento por me receberem em suas comunidades e minha profunda

admiração pela história de vida e de luta de cada comunidade indígena, bem como

de todos os povos Tremembé que vivem em território cearense.

Um agradecimento acompanhado de um sincero pedido de desculpas a

minha amiga Cássia Sá, que por muitas vezes, colocou sua dor no bolso e se dispôs

a me ajudar. Algumas vezes eu nem percebi que você precisava falar e mesmo

assim você me ajudou sem de nada reclamar. Nesse período em que estivemos em

Casulo escrevendo nossas dissertações nos encontramos muitas vezes para

discutirmos nossas dúvidas e desilusões e foram esses encontros que permitiram

fortalecer nossos laços de amizade e compreensão uma para com outra. Obrigada

por me ajudar nesta caminhada que muitas vezes nos é espinhosa.

À Janete Braga, agradeço por me ajudar a compreender o meu caminho.

Amiga dos tempos de infância que com o tempo se tornou uma irmã. Nestes poucos

rabiscos te agradeço pelo carinho, respeito, dedicação e amizade sincera durante

todos esses anos, desde o nosso primeiro encontro.

Ao Manoel (nosso eterno Manu) agradeço pelo trabalho primoroso com os

mapas.

Marcelo Mascarenhas falta-me palavras para agradecer pelo imenso

carinho. Nossa amizade será eterna.

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Dalyne, Ilany e Deylane, Daniele Menezes, Maria Moreira, amigas de

república, sempre lembrarei de vocês com carinho e afeição.

Ao Fabrício Frota, Adriano e Rodrigo Souza, agradeço pelo zelo, cuidado e

dedicação com que realizaram seus trabalhos na Secretaria do MAG.

À Dona Antonieta, agradeço imensamente pelo carinho, cafezinhos e pelos

conselhos nas horas difíceis e, sobretudo, pela dedicação e zelo com que exerce

seu trabalho na Casa da Geografia.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (Capes)

pela concessão de bolsa de estudo, imprescindível ao desenvolvimento e conclusão

desta pesquisa.

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RESUMO

Este trabalho tem como objetivo analisar a contribuição indígena Tremembé para a

formação socioespacial do Ceará. Para alcançar este objetivo, elegemos como

objeto de estudo as comunidades indígenas do Córrego João Pereira (Cajazeiras,

Capim-açu e São José), Telhas (Itarema) e Queimadas (Acaraú). O povo Tremembé

habita em território cearense desde o século XVIII, antes desse marco temporal,

este povo vivia migrando desde o litoral maranhense até a costa litorânea do Rio

Grande, atual estado do Rio Grande do Norte. O povo que habita estas

comunidades é originário de Almofala e migrou para estas terras no século XIX, no

ano de 1888 fugindo da seca dos três oito. No que se refere aos objetivos

específicos da pesquisa, propomos três momentos. No primeiro, embasados por um

referencial teórico dialogamos com pensadores que discutem o conceito de

formação socioespacial e também com autores que versam sobre a questão

indígena no Ceará. No segundo, buscamos fazer um resgate das origens Tremembé

em Itarema. No período colonial, os Tremembé resistiram a presença de

estrangeiros em suas terras, mesmo com ações de resistência as investidas do

colonizador, no ano de 1702 foram aldeados no Aracati-Mirim e em, 1766

realdeados em Almofala, que atualmente é o núcleo central do povo Tremembé no

Estado do Ceará. Para encerrar abordamos os conflitos e as disputas territoriais na

demarcação da Terra Indígena que compõem as comunidades já citadas, trazendo à

tona as lutas vividas pelos Tremembé até conseguirem a demarcação da Terra

Indígena Córrego João Pereira, única terra demarcada e homologada até o presente

momento no Estado do Ceará.

PALAVRAS-CHAVE: Formação socioespacial; Ceará; Indígena; Tremembé

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ABSTRACT

This essay aims to analyze the Tremembé Indian socio spatial contribution. By trying

to achieve this objective, we have selected, as the main form of studies, the Indian

communities at Córrego João Pereira (Cajazeiras, Capim-açu e São José), at Telhas

(Itarema) and at Queimadas (Acaraú). The people of Tremembé community have

lived at Ceará state since the XVIII century. Before that, though, they have been

moving from the Maranhão coastland, to Rio Grande shore, which is in Rio Grande

do Norte. Those people are originally from Almofala, and they migrated to those

areas in the XIX century, in 1988, when they ran away from the dry. The study has

three main purposes. Firstly, based on theories, previously studied, we have

discussed through researches that have been studied and discussed about the social

spatial formation, and also, about questions involving the Indians at Ceará State.

Secondly, we have been looking forward to explore the origin of the Tremembé

people, at Itarema town. During the colonial time, the Tremembé people resisted

against the forces of foreign people in their area. Although, the Indians have resisted

to the settlers attacks. In 1702, Tremembé people were settled at Aracati-Mirim, and

then, in 1766, they were taken again to Almofala, where is the currently the heart of

Tremembé people in the state of Ceará. Finally, we have discussed about the

conflicts and disputes involving the Indians and their communities, emphasizing their

hard journey, until they got the delimitation of the Terra Indígena Córrego João

Pereira, the only Indian official area that has been approved in the state of Ceará so

far.

Keywods: Sociospatial formation; Ceará; Indian; Tremembé

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LISTA DE SIGLAS

CLT – Coordenação Técnica Local

CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior

TI – Terra Indígena

FUNAI – Fundação Nacional do Índio

SUDENE – Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste

INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

MIT – Magistério Indígena Tremembé

FSE – Formação Socioespacial

FES – Formação Econômica e Social

DNOCS – Departamento Nacional de Obras Contra as Secas

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LISTA DE MAPAS

Mapa 01: Localização das comunidades indígenas estudadas.

Mapa 02: Povos indígenas no Ceará contemporâneo

Mapa 03: Migração regional do Povo Tremembé

Mapa 04: Mobilidade indígena dos Tremembé do Córrego João Pereira/Telhas e

Queimadas

LISTA DE FIGURAS

Figura 01: A primeira Missa no Brasil

Figura 02: Igreja de Nossa Senhora da Conceição – Distrito de Almofala

Figura 03: Comunidade de Telhas dançando Torém

Figura 04: Estrada que dá acesso a Comunidade do Córrego João Pereira

Figura 05: Escola indígena diferenciada Rosa Suzana da Rocha

Figura 06: VI Assembleia do Movimento Indígena Tremembé

Figura 07: Professores Tremembé discutindo a educação indígena na VI

Assembleia do Movimento Indígena Tremembé

Figura 08: Estrada que dá acesso a comunidade de Telhas

Figura 09: Escola indígena diferenciada Francisco Sales Nascimento

Figura 10: Perímetro Irrigado Baixo Acaraú

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 01: Crescimento da População Tremembé de 1950 a 2010.

Gráfico 02: População indígena Tremembé

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13

CAPÍTULO 1: O ÍNDIO NA FORMAÇÃO SOCIOESPACIAL DO CEARÁ . . . . . . . 22

1.1. Formação Socioespacial: apontamentos teóricos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22

1.2. Índios do Nordeste: panorama histórico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .30

1.3. Notas sobre a formação socioespacial cearense: participação indígena. . . . .34

CAPÍTULO 2: RESGATE HISTÓRICO DOS POVOS TREMEMBÉ . . . . . . . . . . . . 45

2.1. A origem dos povos Tremembé . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .45

2.2. O aldeamento de Almofala . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 49

2.3. Organização territorial dos índios Tremembé em Itarema . . . . . . . . . . . . . . . . 53

CAPÍTULO 3: DEMARCAÇÃO DA TERRA INDÍGENA: CONFLITOS E DISPUTAS

PELO TERRITÓRIO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58

3.1. Córrego João Pereira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .58

3.2. Telhas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .68

3.3. Queimadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .74

CONSIDERAÇÕES FINAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .82

APÊNDICE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87

APÊNIDE A . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .88

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INTRODUÇÃO

Historicamente o Ceará é caracterizado por ter sido palco de violentas lutas

entre os índios e os conquistadores, o que nos leva a inferir que esses povos foram

forçados a lutar contra os conquistadores para que pudessem se manter em seus

territórios. Baniwa (2006, p. 101-102) nos explica a importância do território para o

indígena,

Para os povos indígenas, o território compreende a própria natureza dos seres naturais e sobrenaturais, onde o rio não é simplesmente o rio, mas inclui todos os seus espíritos e deuses e nele habitam. No território, uma montanha não é somente uma montanha, ela tem significado e importância cosmológica sagrada. Terra e território para os índios não significam apenas o espaço físico e geográfico, mas sim toda a simbologia cosmológica que carrega como espaço primordial do mundo humano e do mundo dos deuses que povoam a natureza.

Entendo que os indígenas são protagonistas do processo de Formação

Socioespacial onde geograficamente situa-se o estado do Ceará. Assim, para

melhor compreender esse processo, o estudo ora apresentado, teve como objetivo

analisar a contribuição indígena Tremembé para a Formação Socioespacial do

Ceará. No mapa 01, observamos o recorte espacial de nosso estudo, abrangendo os

municípios cearenses de Itarema e Acaraú.

Na intenção de entender a realidade indígena Tremembé, em nosso estudo

propomos os seguintes objetivos específicos:

a) Abordar a contribuição indígena no processo de Formação Socioespacial

cearense;

b) Entender a origem dos povos indígenas Tremembé de Itarema;

c) Compreender a forma de organização dos Tremembé do Córrego João

Pereira, Telhas e Queimadas abordando os conflitos e disputas territoriais,

através do processo de demarcação da terra indígena.

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Mapa 01: Localização das comunidades indígenas estudadas.

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O recorte espacial do presente estudo contempla as comunidades indígenas

do Córrego João Pereira – Cajazeiras, São José e Capim-açu, situadas no município

de Itarema, formando a gleba I e Telhas e Queimadas localizadas no município de

Acaraú formando a Gleba II. Essas comunidades compõem a única Terra Indígena

(TI) oficialmente homologada pela FUNAI (Fundação Nacional do Índio) no Estado

do Ceará, até o presente momento.

Em contraposição à historiografia cearense da extinção indígena, a década

de 1980 marca a emergência do movimento indigenista no Estado do Ceará. O

recorte temporal de nosso estudo compreende o período de 1980 a 2000, pois foi a

partir da segunda metade da década de 1980 que surgiram os primeiros registros de

mobilização política dos Tremembé, segundo relata Messender (1995, p. 09). O

início da mobilização política dos Tremembé está relacionado com o aumento da

expansão fundiária protagonizada pelas grandes corporações do agronegócio e

também por representantes locais da política e do comércio que fixaram seus

empreendimentos nas Terras Indígenas dos Tremembé em Almofala e Tapera. No

final dos anos de 1970 a DuCôco Agrícola S.A se instalou na região de Tapera,

provocando grande mal-estar aos indígenas habitantes daquela área. Com amplo

financiamento da SUDENE (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste), os

empresários, que se diziam donos daquelas terras, derrubaram as casas e

expulsaram as famílias indígenas que habitavam aquele local. Essas ações

contribuíram para que a mobilização política desses povos ganhasse autonomia.

No caso específico do recorte espaço-temporal desse estudo, entendo que

as mobilizações políticas começaram por causa da concentração das terras nas

mãos de fazendeiros, o que colocou os índios na condição de moradores destes. A

mobilização para que as terras do Córrego João Pereira e posteriormente Telhas e

também Queimadas fossem reconhecidas tem início por meio de cartas escritas pela

comunidade indígena, contando a história e a relação daquele povo com Almofala à

FUNAI, uma vez que as famílias dali são originárias desta região. Migraram para o

Córrego e também para Telhas no ano de 1888, fugindo da seca que naquele ano

assolava o sertão nordestino e ali encontraram refúgio e um córrego que lhes

fornecia água. A partir dos anos de 1990 um decreto desapropriatório do INCRA

colocou a comunidade em situação de agredidos e agressores aumentando assim,

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os conflitos entre fazendeiros e índios, levando as famílias indígenas destas

comunidades a lutarem pelo reconhecimento de suas terras. Queimadas é um caso

particular, embora, os atuais habitantes desta comunidade também sejam originários

de Almofala, tendo migrado para a Lagoa dos Negros igualmente em busca de

refúgio e água em 1888, onde fixaram residência. Nos anos de 1990, uma fazenda

situada próxima à lagoa foi desapropriada para fins de reforma agrária e os índios

expulsos dali. Por isso, o recorte temporal da pesquisa abrange o período de 1980 a

2000, pois este período representa um momento de efervescência no movimento

indígena dos Tremembé.

O território cearense antes da ocupação colonial era habitado por diversos

grupos indígenas. Borges (2010, p.17) nos fala que dentre “[...] os grupos indígenas

que ocupavam uma grande porção da Costa-Leste-Oeste, uma parte deles [...]

chamados de “tremembés” [...] mantiveram autonomia em seu território, mesmo

perante a constante abordagem europeia [...]”. A presença dos Tremembé no Ceará

remonta à colonização, este povo vivia em constante movimento migratório indo do

rio Gurupi no Maranhão, atravessando à costa litorânea piauiense e cearense,

chegando ao Rio Grande do Norte. No século XVIII foram aldeados por um grupo de

missionários na foz do rio Aracati-Mirim. Mais tarde vieram ocupar a atual região de

Almofala, hoje distrito de Itarema e considerado núcleo central dos Tremembé no

Ceará. Em busca de melhores condições de sobrevivência e também por causa de

fatores climáticos muitos desses povos migraram para o litoral e para o interior de

Itarema. Outros foram para os municípios de Acaraú e Itapipoca onde fixaram

residência até os dias atuais.

Entender essa complexa teia de relações que se revelam requer auxílio de

um método para desvendar as particularidades do objeto analisado. Nas palavras de

Paulo Netto (2011, p. 53) “O método implica [...] uma determinada posição

(perspectiva) do sujeito que pesquisa: aquela em que se põe o pesquisador para, na

sua relação com o objeto, extrair dele suas múltiplas determinações”.

O materialismo histórico dialético contribuiu para aclarar minhas

inquietações me possibilitando captar os elementos ocultos e as contradições nas

relações entre indígenas e colonizadores, haja vista, o movimento e as mudanças

causadas pelas ações destes últimos na construção da sociedade brasileira.

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Entendo que a história dos povos indígenas não tem sido revelada em sua plenitude,

ficando clara a sobreposição dos interesses dos colonos sobre as comunidades

originárias1. Muitos estudiosos têm revelado em suas pesquisas a composição dos

atores sociais, oferecendo parte do que se oculta para compreendermos a produção

do espaço cearense, cujo processo não ocorrera de forma suave e pacífica. A

relação entre o originário e o colonizador sempre fora contraditória, haja vista, os

diferentes interesses dos protagonistas. Posto isto, é que buscamos pelo olhar

geográfico, com a contribuição de outras ciências sociais, compreender os liames

que explicam a Formação Socioespacial cearense.

Pensamos que o método conjuga-se com o caminhar percorrido pelo

pesquisador. Nas palavras de Alves (1970, p.70) “a ciência só nos pode oferecer

métodos para explorar, organizar e testar problemas previamente escolhidos [...]. A

escolha dos problemas é um ato anterior à pesquisa, que tem a ver com os valores

do investigador”.

A escolha metodológica e a justificativa da pesquisa aqui posta são reflexos

do caminhar acadêmico da pesquisadora. A Geografia sempre foi uma área do

conhecimento que chamava atenção por abranger uma série de discussões

relevantes para compreensão das relações que se põem em sociedade. A questão

indígena, por tantas vezes tratada em sala de aula, pouco foi inserida nas

abordagens da ciência geográfica, despertando-nos a vontade de nos aproximarmos

desses povos.

Na Iniciação Científica, as reflexões sobre os povos indígenas se

reacenderam nas abordagens da Geografia Urbana, quando em tratamento dos

movimentos migratórios no quadro do município de Sobral-CE. Desse modo,

elegemos, no âmbito do Curso de Mestrado em Geografia, a temática que vinha

adormecida para agora aprofundar no âmbito científico. Temos consciência que

estudar a temática indígena no âmbito da Geografia, nos dias atuais, é um desafio,

uma vez, que a história da civilização originária cearense é caracterizada pelo

polêmico Relatório Provincial de 1863 que nega a presença indígena em território

1 O geógrafo Carlos Walter Porto Gonçalves (2006, p. 25) nos esclarece “Não confundir sociedades

originárias com sociedade tradicionais. A expressão tradicional conclama ao seu par moderno e, assim, se inscreve numa hierarquização conduzida pelo eurocentrismo do tradicional ao moderno. Já a expressão originária recusa este par e requer que seja vista por si e pelos seus próprios valores”.

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cearense, conforme assinala Silva (2011). Mesmo assim, é necessário irmos às

fontes, procurando conhecer a realidade do Brasil Colônia, evidenciando esses

povos na produção do espaço geográfico.

O primeiro contato com as comunidades indígenas de Itarema e Acaraú

ocorreu em Setembro de 2013, por ocasião da Marcha dos Tremembé. Já no

primeiro encontro me interessei pela história deste povo, inicialmente, este interesse

se deu principalmente pela curiosidade de entender os meandros das relações entre

os indígenas e os colonizadores e evidentemente apreender o papel que estes

desempenharam na produção do espaço cearense, na tessitura da Formação

Socioespacial deste território.

Neste primeiro encontro passei um intervalo de três dias visitando várias

comunidades indígenas no município de Itarema, em uma dessas visitas conheci os

Tremembé do Córrego João Pereira e me encantei com a história de luta deste

povo. Ao travar um diálogo, percebi neste povo um imenso amor pela história e pela

luta que seus antepassados enfrentaram, pude sentir o orgulho do sangue índio que

corria nas veias daquelas pessoas e entendi que os valentes Tremembé tiveram

importante participação na produção do espaço cearense.

A partir desse encontro, a pesquisa ganhou contorno, com uma

problemática, um recorte espaço-temporal definidos e sujeitos sociais envolvidos

nessa trama. Desse modo, ao retornar à Academia comecei organizar os dados

coletados em campo e refletir e concatenar as discussões que traziam a temática

indígena em suas pautas. Fiz o levantamento de literatura e documentos que ao

longo da pesquisa se associaram aos trabalhos de campo e tabulação de dados da

população indígena de Itarema, Acaraú e Itapipoca. Partindo do pressuposto de que

o levantamento de literatura deve ser feito cotidianamente, para o cumprimento

desta tarefa, recorremos à Geografia, História, Ciências Sociais, Antropologia,

ciências que discutem essa temática sob perspectivas distintas e que contribuíram

para uma melhor aproximação dos sujeitos estudados.

O primeiro trabalho de campo aconteceu ainda em Setembro, onde me reuni

com a comunidade indígena do Córrego João Pereira na Escola Diferenciada de

Ensino Fundamental Rosa Suzano da Rocha. Na oportunidade apresentei o trabalho

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e falei de meu interesse em estudá-los objetivando o entendimento da Formação

Socioespacial cearense. Essa atividade me possibilitou a compreensão da história

de luta daquele povo e a importância da terra para os mesmos.

De volta à Academia, por ocasião do I Seminário de Projetos realizados em

Novembro de 2013, no Centro de Ciências humanas da Universidade Estadual vale

do Acaraú, com apoio da coordenação do mestrado estabeleci um convênio com a

Coordenação Técnica Local (CLT) Funai de Itarema, representada pelo chefe

administrativo Senhor Antônio Pereira de Souza Neto. Por meio desse convênio, foi

possível estreitar as relações com os sujeitos da pesquisa. Em Dezembro do mesmo

ano, retornei à Itarema, permanecendo ali um intervalo de quinze dias executando o

trabalho de tabulação de dados no escritório da CLT e visitando as comunidades

indígenas.

Em Fevereiro de 2014 retornei aos trabalhos de campo, na ocasião visitei as

comunidades de Telhas e Queimadas e também conversei com o Pajé dos

Tremembé Luis Caboclo. Em Telhas busquei resgatar as origens da ocupação

daquela comunidade discutindo os conflitos enfrentados no processo de

demarcação daquela Terra Indígena. Com o Pajé, tive uma longa e calorosa

conversa buscando entender principalmente a origem do povo Tremembé e como

estes chegaram à região de Almofala.

E por fim, em Maio, me reuni com a comunidade de Queimadas, onde em

conversa com as lideranças mais idosas daquela comunidade busquei entender as

origens de sua formação. Encerradas as atividades de campo retornei ao meu

casulo para organização dos dados adquiridos em campo, execução da cartografia,

análise dos diários de campo e escrita da dissertação.

A observação direta e o diário de campo foram fundamentais para melhor

entender os sujeitos envolvidos na pesquisa. O diário de campo é necessário para a

reconstituição do trabalho de campo e também para explicar as implicações do

pesquisador. Para Lourau (1993, p.77):

O diário nos permite o conhecimento da vivência cotidiana de campo (não o "como fazer" das normas, mas o "como foi feito" da prática). Tal conhecimento possibilita compreender melhor as condições de produção da vida intelectual e evita a construção daquilo que chamarei "lado mágico" ou

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"ilusório" da pesquisa (fantasias, em torno da CIENTIFICIDADE, geradas pela "asséptica" leitura dos "resultados" finais). (LOURAU, 1993, p. 77)

Ainda de acordo com este autor (p.78) “o diário da pesquisa [...] reconstitui a

história subjetiva do pesquisador” e, portanto, nos possibilita dialogar com aquilo que

convivemos no campo.

Ratifico que os Tremembé, no Ceará tem sido objeto de estudo de

historiadores e antropólogos, com suas pesquisas para evidenciar a cultura e a

dinâmica social desse povo2 e reconheço que Itarema está registrada como núcleo

central dos Tremembé. Diante do que foi exposto, almejo com esse estudo contribuir

para aclarar as abordagens geográficas no que concerne as discussões sobre a

contribuição dos povos indígenas na Formação Socioespacial do Ceará.

A presente dissertação está estruturada em três capítulos. O capítulo 1: O

índio na formação socioespacial do Ceará é de ordem teórico conceitual, onde

dialogo com o conceito chave da pesquisa: formação socioespacial defendido pelo

professor Milton Santos e busco compreender o papel desempenhado pelos

indígenas na tessitura do território cearense. Temos em nossas mentes registros

históricos que nos foram deixados pelos colonizadores, os indígenas sequer tiveram

a oportunidade de terem suas histórias de vida e de luta contados por si próprios, ao

contrário, os escritores colonizadores nos falaram de um povo feroz, valente,

temidos e que, portanto, deviam ser controlados. Na execução deste controle o

Estado Português e a Igreja Católica, representantes da implantação do sistema

2Messender (1995) faz uma abordagem a cerca da construção da etnicidade e da emergência

Tremembé. Em seu trabalho o autor resgata as origens da ocupação das terras indígenas e também das migrações em direção à mata e o sertão; Valle (1993) traz em seu estudo intitulado “Terra, Tradição e Etnicidade: os Tremembé do Ceará, uma cuidadosa abordagem a cerca do processo de concentração fundiária a que os Tremembé da Terra da Santa estão submetidos, suas terras tem sido tomadas por grandes empresas e posseiros; Nascimento (2001) traz um estudo que por meio das narrativas dos Tremembé resgata a memória sobre a Igreja Nossa Senhora da Conceição, considerando para alcançar este objetivo o significado da terra do aldeamento para os índios locais; Não obstante a estas pesquisas também Fonteles Filho (2003) escreve um trabalho de intervenção sobre os processos de subjetivação indígena e sua relação com a produção de escolas indígenas diferenciadas no estado do Ceará, para o autor a formação de professores indígenas, através da criação do MIT (Magistério Indígena Tremembé), é um indicativo de que estes povos têm adquirido autonomia e se reinventado socialmente e politicamente diante das contradições presentes na política indigenista; Borges (2010), relata que a autonomia Tremembé está registrada desde o processo de colonização das terras pertencentes ao Ceará, de acordo com sua pesquisa este povo resistiu bravamente contra a presença do colonizador até o final do século XVII, quando foram aldeados por missionários na região do Aracati-Mirim.

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capitalista praticaram um verdadeiro etnocídio e genocídio contra os povos

indígenas, os mesmos consideravam que estes povos representavam um atraso

para o progresso do novo sistema, portanto, era necessário que esses povos fossem

banidos de seus territórios.

No capítulo 2: Resgate histórico do povo Tremembé, buscamos conhecer a

história dos Tremembé, como estes chegaram a Almofala, como vivem e se

organizam nos dias atuais. Habitantes da região de Almofala de 1702, os Tremembé

percorreram longos caminhos até fixarem raízes neste lugar. Vindos dos Lençóis

Maranhenses inicialmente os Tremembé alcançaram as terras de Camucim e foram

percorrendo por vários municípios, contribuindo para a criação de alguns topônimos

em terras cearenses, dentre os quais podemos destacar Camucim, Granja, Acaraú e

Almofala. Atualmente o maior aglomerado Tremembé é Amofala, mas eles se

encontram dispersos vivendo comunidades indígenas, nos municípios de Itarema

(Praia, Sertão e Mata), Acaraú (Sertão) e Itapipoca (Litoral).

No capítulo 3: Demarcação da terra indígena: conflitos e disputas pelo

território nos dedicamos a entender as nuances que levaram os Tremembé do

Córrego João Pereira, Telhas e Queimadas a se tornarem as únicas comunidades

indígenas a terem suas terras demarcadas em território cearense. Essas

comunidades possuem particularidades que são inerentes a todas, tiveram suas

terras e matas desbravadas no fim século XIX em decorrência da seca dos três oito.

De acordo com registros orais, quando esses povos encontraram estas terras por ali

não havia ninguém, apenas os animais selvagens que serviam como alimento para

os índios. No decorrer do século XX enfrentaram processos fundiários distintos

decorrentes de fazendeiros que inicialmente se aproveitavam da inocência dos

índios, colocavam seus gados para beberem nas águas, que mesmo em ano de

seca, por ali não cessava no Córrego e também na Lagoa dos Negros, onde viviam

os atuais moradores da comunidade de Queimadas.

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CAPÍTULO 1. O ÍNDIO NA FORMAÇÃO SOCIOESPACIAL DO CEARÁ

Este capítulo tem como objetivo discorrer sobre o debate teórico-conceitual

acerca do conceito norteador de nossa pesquisa: Formação Socioespacial. O

capítulo enfatiza a importância da participação indígena no processo de Formação

Socioespacial do território cearense. Para tanto, dividimos nossas reflexões em três

momentos. No primeiro, fazemos uma discussão teórico-conceitual sobre o referido

conceito. Para isto, nos apoiamos em autores como Santos (2008a e 2008b), Marx

(1977); (2008), Engels (2009), Moreira (2012), Furtado (2002). No segundo

momento, referenciados nos estudos de Puntoni (2002), Leite Neto (2006) Oliveira e

Freire (2006) fazemos um breve panorama sobre a presença indígena no Nordeste

brasileiro. No momento que se segue, traçamos uma discussão sobre a participação

indígena na Formação Socioespacial do território cearense, onde dialogamos com

autores como Pinheiro (2004), Valle (2009), e Silva (2005); (2011), estudiosos sobre

os indígenas do Ceará que contribuem para melhor compreendermos as origens

desse território.

1.1. Formação Socioespacial: apontamentos teóricos

A categoria Formação Socioespacial (FSE) é a expressão geográfica da

teoria da Formação Econômica e Social (FES) proposta por Karl Marx, portanto, tem

sua origem no Materialismo Histórico Dialético. Nas palavras de Santos (2008, p.

236) “é através de cada Formação Social que se cria e recria, em permanência uma

ordem espacial de objetos que é paralela à ordem econômica, à ordem social, à

ordem política [...]”. Para o autor, a formação espacial constitui o instrumento

essencial para explicar a sociedade e o espaço enquanto uma instância social.

“O espaço é formado por um conjunto indissociável, solidário e também

contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações, não considerados

isoladamente, mas como o quadro único no qual a história se dá” (SANTOS, 2012,

p. 63). Desse modo, a formação socioespacial nos permite entender o espaço em

sua dinamicidade, percebendo-o enquanto uma instância social que não se pode

dissociar dos meios e modos de produção.

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Essa categoria nos possibilita o entendimento de uma sociedade na sua

totalidade3, mostrando-nos a interdependência entre modo de produção, formação

social e espaço. Para Santos, distinguir o modo de produção e formação espacial é

uma necessidade metodológica. “O modo de produção seria o “gênero” cujas

formações sociais seriam as “espécies”; o modo de produção seria apenas uma

possibilidade de realização e somente a FES seria a possibilidade realizada”.

(SANTOS, 2008b, p. 26-27).

A formação econômica social representa o modo de produção vigente na

sociedade, no qual as forças produtivas assumem o conjunto das relações políticas,

econômicas e ideológicas, interferindo assim, nas relações econômicas e sociais

que se processam em sociedade.

Percebemos, portanto, que formação econômica e formação espacial não

são categorias estanques. A primeira nos fornece elementos para entendermos as

relações das partes que se processam entre o geral e particular no espaço,

enquanto a segunda nos permite compreender a totalidade dos elementos que

compõem a sociedade. Por meio da análise das partes podemos chegar ao

entendimento do todo.

O modo de produção indica a forma pela qual uma determinada sociedade

se organiza para garantir a produção de suas necessidades materiais, estando o

mesmo em acordo com o desenvolvimento das forças produtivas e das relações de

produção. Desse modo, nos permite compreender a realidade e a maneira pela qual

a sociedade produz seus bens e serviços, como os utiliza e os distribui. Marx (2008)

nos esclarece que o modo de produção reúne os instrumentos necessários para

execução de trabalho. Na concepção do autor,

[...] “modo de produção” implica todo um complexo sociocultural, extremamente típico e variável; compreende as noções de forma social e de conteúdo material em sua correspondência efetiva. [...] Marx [...] compreende nele três elementos essenciais [...]: a) as forças materiais de produção (as forças naturais e os instrumentos de produção como máquinas, técnicas, invenções etc.); b) um sistema de relações sociais, que definem a posição relativa de cada indivíduo na sociedade através do seu

3 A totalidade para Kosik (1976, P.41) É algo “[...] que compreende a realidade nas suas íntimas leis e

revela, sob a superfície e a causalidade dos fenômenos, as conexões internas, necessárias, coloca-se em antítese à posição do empirismo, que considera as manifestações fenomênicas e causais [...]”.

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status econômico; c) um sistema de padrões de comportamento, de que depende a preservação ou transformação da estrutura social existente. (MARX, 2008, p. 34).

A formação espacial ou formação socioespacial4 constitui a base do modo

de produção. Para Holanda (2007, p. 36) “[...] o modo de produção possibilita o

conhecimento de processos realizados ou não, já a formação econômico e a social

oferece o movimento de concreção do modo de produção [...]”. O modo de produção

é a forma encontrada pela sociedade para alcançar o desenvolvimento de suas

forças produtivas, enquanto que a formação econômico social é o reflexo do modo

de produção e de sua relação com as forças produtivas e relações de produção.

Engels (2009) em “A origem da família, da propriedade privada e do Estado”,

tomando como referência os estudos do antropólogo Lewis Morgan, sobre as tribos

indígenas nova-iorquinas aborda as etapas de evolução social, denominadas de

estado selvagem, barbárie e civilização, conforme progrediam na produção dos

meios de subsistência. Para o autor “[...] A habilidade nessa produção desempenha

um papel decisivo na supremacia do homem na terra”. (ENGELS, 2009, p. 35). O

desenvolvimento do homem acompanha os progressos obtidos na produção e

ampliação dos meios de existência, conforme se observa nesta passagem,

[...] estado selvagem – período em que predomina a apropriação de produtos da natureza já prontos; os produtos artificiais do homem são, sobretudo, instrumentos destinados a facilitar essa apropriação; barbárie – período em que se domina a criação de gado e a agricultura e se aprende a incrementar a produção da natureza por meio da atividade humana; civilização – período de aprendizagem de novas formas de trabalhar os produtos naturais, período da indústria propriamente dita e da arte. (ENGELS, 2009, p. 42).

Inferimos assim, que o progresso alcançado pela humanidade é reflexo do

aumento das fontes de existência. Noutro momento, Marx (1977) e Marx e Engels

(2005) propõem distintas formas de propriedade acerca das diferentes formas de

organização das distintas sociedades. Em suas obras, os autores analisam e

caracterizam os seguintes tipos de propriedade: a) propriedade tribal; b) propriedade

comunal e estatal da antiguidade; c) propriedade feudal ou por estamento. Na

introdução do “Grundrisse” ou “Crítica da Economia Política”, Marx aborda a

sistematização das formas sociais de produção que antecedem o capitalismo. O

4 Para Santos (2008, p. 240) não há formação social que não seja também espacial, por isso o leitor

observa que ao longo do texto aparecem as duas grafias, pois optamos por respeitar o posicionamento dos autores.

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homem enquanto animal político foi produzido para viver em sociedade. Significa,

portanto, que a produção é material, mas também é social. Para o autor,

A produção é sempre apropriação da natureza pelo indivíduo no seio e por intermédio de uma forma de sociedade determinada. Neste sentido, é uma tautologia afirmar que a propriedade (apropriação) constitui uma condição da produção. Mas é ridículo saltar daqui para uma forma determinada de propriedade, para a propriedade privada, por exemplo, (tanto mais que esta implica, como condição, uma forma sua antagônica; a não-propriedade). Bem pelo contrário, a história mostra-nos que a propriedade comum (por exemplo, nos índios, nos Eslavos, nos antigos Celtas, etc.) representa a forma primitiva, forma essa que, durante muito tempo, continuou a desempenhar um papel muito importante, como propriedade comunal. Não está em causa por agora o saber-se se a riqueza se desenvolve melhor sob esta ou aquela forma de propriedade. Mas é uma pura tautologia afirmar que não pode haver produção, nem tão pouco sociedade, quando não existe nenhuma forma de propriedade (MARX, 1999, p. 05).

Compreendemos, portanto, que as distintas formas de propriedade são

necessárias para o entendimento das diferentes formações econômicas e sociais e,

portanto, das formações sociais e espaciais, haja vista, essas formações serem

vinculadas ao espaço geográfico.

A propriedade tribal caracteriza-se pela produção rudimentar, sem uso de

técnicas sofisticadas. A alimentação é composta basicamente pela caça, pesca,

pecuária e eventualmente agricultura. A divisão social do trabalho é pouco

desenvolvida se estendendo apenas à família, representada pelo patriarca, pelos

membros da tribo e escravos. Estes últimos surgiram por causa do crescimento

populacional e dos intercâmbios internos em guerras e com as relações comerciais

de troca que estabeleciam fora da tribo. Este tipo de propriedade é autossuficiente e

contém todas as condições necessárias para o desenvolvimento da produção, para

a subsistência da tribo e também para a produção de excedentes, que é reservada

para o custeio de despesas, por exemplo, durante as guerras. Nesse tipo de

propriedade, o indivíduo é ao mesmo tempo proprietário e dono dos meios de

produção.

A propriedade comunal e estatal da antiguidade vincula-se com a

privatização da terra (propriedade privada imóvel) e com uma complexa divisão

social do trabalho. Essa forma de propriedade possui uma base citadina e é

resultado da unificação de várias tribos, com uma acentuada presença de escravos

(propriedade privada móvel) que não pertencem a um único dono, estes são

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trabalhadores de uso coletivo e por isso estão ligados à forma de propriedade

comunal.

Na propriedade feudal ou por estamento, o ponto de partida é a área rural,

sendo sua base à propriedade coletiva. Essa forma de propriedade também é

comunitária, os escravos deixam de compor a classe produtora, passando os servos

a assumirem esta posição. Havia também um forte antagonismo entre a cidade e o

campo. Segundo Marx (1977, p. 31) havia uma “rígida separação dos vários

estamentos – príncipes, nobres, clero e camponeses na área rural; mestres, oficiais,

aprendizes e, eventualmente, a plebe dos jornaleiros nas cidades”. Esse sistema

caracteriza-se por grandes extensões territoriais.

Dada a caracterização das formas de propriedades aqui expostas,

entendemos que estas compõem uma sucessão histórica das formações

socioespaciais que contribuíram para consolidar a nossa sociedade nos dias atuais.

Compreendemos que esta categoria nos permite pensar as distintas sociedades,

apreendendo sua totalidade por meio da interpretação dos diferentes modos de

produção. Desse modo, consideramos que a formação socioespacial “constitui um

instrumento importante para o entendimento da sociedade e do espaço

respectivamente” (SANTOS, 2008, p 238), nos auxiliando em sua interpretação e

contribuindo para uma compreensão das relações sociais.

Segundo CRUZ (2003, p. 67), “sob a ótica da dialética marxista e do

materialismo histórico” o conceito de formação socioespacial tem contribuído para

enriquecer as discussões em diversas áreas da Geografia. De acordo com a autora,

“este conceito permite uma abordagem totalizante, para questões cujo entendimento

demanda uma perspectiva integradora e não dicotômica” (p. 72). Em sua formação,

este conceito possui caráter teórico e empírico e nos possibilita a compreensão de

processos de alta complexidade.

Pereira (2012) propõe a categoria formação socioespacial para compreender

a gênese das formações sociais latino-americanas. Para a autora, esta categoria

permite desvendar as especificidades ainda não visualizadas pelos pesquisadores

acerca da evolução das formações coloniais latino-americanas.

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Ferreira (2011) elegeu a formação socioespacial para apreender a dinâmica

e o funcionamento da rede urbana regional. Nas palavras da autora (p.4), “através

da rede, a região se relaciona com outras espacialidades, num movimento intenso

de ideias, pessoas, mercadorias e informações [...]”. As formações urbanas

regionais apresentam particularidades que se somam ao todo, necessitando,

portanto, de uma abordagem totalizante do fenômeno.

Para compreender a questão habitacional em Londrina-Paraná, Ambrogi e

Asiri propõem formação socioespacial como conceito necessário no estudo desse

tema “[...] visto que, em cada período histórico e fase econômica houve um

tratamento diferenciado para a sociedade para a questão habitacional pela

sociedade [...]” (p.1).

Holanda (2008) também nos presenteia discutindo o conceito de formação

socioespacial para compreender o espaço geográfico. Para a autora, “o grande

desafio para o geógrafo é o de separar da realidade total num campo particular

passível de ser autônomo e que, ao mesmo tempo, permaneça integrado à realidade

total” (p. 70).

Para o economista Celso Furtado (2002), em sua obra “Formação

econômica do Brasil”, os fundamentos que influenciaram a ocupação territorial

brasileira são: I) economia escravista de agricultura tropical; II) economia escravista

mineira; III) economia de transição para o trabalho assalariado e IV) economia de

transição para um sistema industrial. A ocupação do território brasileiro teve grande

relevância na época da colonização, a criação dos engenhos, a comercialização do

açúcar e a exploração da terra contribuíram demasiadamente para a consolidação

do que nós geograficamente denominamos de formação socioespacial.

No caso específico de nosso estudo, pensamos que para entendermos a

consolidação da formação socioespacial cearense se faz necessário apreender o

desenvolvimento e o papel dos sistemas técnicos, que se revelam espacialmente na

forma como a sociedade se organiza em suas distintas esferas sociais.

Compreender a formação socioespacial nos permite entender a constante dinâmica

a que a sociedade está submetida, nos oferecendo a possibilidade de perceber a

interação de suas variáveis, no funcionamento do modo de produção.

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Em sua gênese, a formação socioespacial cearense nos revela uma série de

conflitos entre os indígenas e o colonizador que perdurou por centenas de anos.

Assim, na consolidação da formação socioespacial do Ceará destacam-se quatro

momentos. Santos e Lima (2012) nos esclarecem que no século XVII e XVIII temos

o desenvolvimento da pecuária, perpassando o século XVIII até a segunda metade

do século XIX com o binômio gado-algodão, segunda metade do século XX com a

inserção de uma indústria tradicional e finalizando no século XXI com o meio técnico

científico-informacional5, com a produção da indústria moderna, agronegócio,

turismo etc.

A primeira atividade econômica de destaque no Ceará foi à pecuária que

contribuiu para a criação de uma sistemática política de dominação e ocupação

territorial no Nordeste e em particular, do que é hoje o território cearense. “As

necessidades da criação do gado, [...] forçavam a pecuária a ocupar regiões mais

interioranas, [...]” (PUNTONI, 2002, p. 22). Essa atividade foi decisiva na

consolidação da ocupação do sertão cearense, uma vez, que seu “crescimento era

de caráter puramente extensivo, mediante a incorporação de terra e mão-de-obra”

(FURTADO, 2002, p.61). As vastas extensões de terras, aliada à abundância de

pastagens e boa qualidade dos solos e a facilidade na aquisição de sesmarias, após

a “limpa das terras” com o assassinato coletivo dos índios na “guerra justa”, como

veremos adiante, produziram um novo espaço no Ceará. Os índios que aqui

habitavam tiveram seu espaço restringido, por meio de ações como extermínio,

criação de aldeamentos e expulsão para áreas ainda não ocupadas, conforme nos

relata Pinheiro (2004).

É importante ressaltar que o conflito entre os povos indígenas e os conquistadores no sertão do Nordeste foram se agonizando à medida que as terras foram sendo ocupadas pela pecuária. Para viabilizar essa atividade econômica era fundamental, para o projeto colonial, “limpar” a terra, isto é, restringir o espaço dos grupos indígenas que ocupavam a região. Tal restrição se deu através de pelo menos três mecanismos principais: (a) o extermínio, utilizando-se dentre outros meios a guerra “justa”, disseminação de doenças, (b) a criação das aldeias indígenas pelos missionários, para os quais o governo de Portugal doava uma légua em quadro, (c) finalmente a possibilidade de serem expulsos para regiões ainda não ocupadas pelos “colonizadores” (PINHEIRO, 2004, p. 27-28).

5 Santos (1998) esclarece que o período técnico-científico-informacional se caracteriza pela

transformação dos territórios nacionais em espaços da economia internacional; aceleração de todas as formas de circulação e seu papel crescente na regulação das atividades localizadas; generalização do crédito; a multinacionalização das firmas; revolução informacional; etc.

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A criação bovina não causava gastos monetários aos donos (FURTADO,

2002), as reses se autoreproduziam biologicamente, o rebanho se autotransportava,

ao mesmo tempo o boi era mercadoria, transporte e frete. Nessas condições,

técnicas e naturais, a fazenda constituiu-se na unidade econômico-social dos

sertões cearense, sendo dominada por homens protegidos pelo poder da época e

muitos se transformaram em fortalecidos políticos e militares, com patentes de

coronéis, com mandos sobre as coisas e a vida dos humildes. Essa é uma herança

que ainda permanece nos sertões do Nordeste. As longas viagens para a

comercialização nas feiras de Pernambuco fazia com que o gado chegasse abatido,

perdendo assim, o seu valor comercial (SANTOS e LIMA, 2012), situação que

contribuiu para o surgimento das charqueadas. Com as Oficinas de Carne (como

eram conhecidas as charqueadas), a carne salgada poderia viajar a longas

distâncias. O charque se mantém firme no mercado até meados do século XVIII

quando as questões climáticas ambientais causam um atrofiamento à atividade

pecuarista. Nesse momento uma nova atividade ascende no mercado econômico

cearense: a atividade algodoeira.

A expansão da Revolução Industrial na Inglaterra e a Guerra de Secessão

nos Estados Unidos tiveram significativo reflexo na economia brasileira (SANTOS e

LIMA, 2012, p.40), sobretudo na região Nordeste, onde a cultura do algodão

conheceu seu auge nos sertões cearenses. As condições semiáridas das terras para

o cultivo desta cultura, atrelado ao conhecimento que o indígena tinha desse

produto, contribuíram para o cultivo da plantação do algodão, rompendo, portanto

com o exclusivismo da criação bovina. A partir do século XIX, a pecuária e o algodão

passam a constituir a base da economia cearense, período que ficou conhecido

como o binômio gado-algodão.

“O processo civilizatório-alicerçado no tripé gado, algodão e agricultura de

subsistência inicia a acumulação do capital que daria para a base industrial”

(QUINTILIANO e LIMA, 2008, p.24-25). O descaroçamento do algodão fez surgir a

necessidade de importação das primeiras máquinas industriais, trazidas da

Inglaterra e o incremento das primeiras indústrias têxteis aqui. A expansão do

algodão e a inserção da indústria provocaram grandes transformações

socioespaciais no território em tela, cabendo “ao Estado assumir as principais

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transformações estruturais para dotar o território com potencialidades de contato

entre os diversos pontos de sua extensão [...]”. (QUINTILIANO e LIMA, 2008, p.27).

Todas essas metamorfoses ocorridas no território cearense contribuíram

para o surgimento de uma nova configuração territorial, de outras relações sociais e

de um modo de produção alicerçado na lógica do capital. No momento atual, o

Ceará assiste à expansão da técnica, da ciência e da informação, vemos se

expandir o meio técnico-científico-informacional, como a força propulsora do

capitalismo globalizante.

1.2. Índios do Nordeste: panorama histórico

O Brasil tem a história de sua formação contada sob a ótica colonizadora, o

que nos leva a pensar a sua formação socioespacial a partir da efetivação da

colonização. De acordo com Oliveira (2012, p.39) os colonizadores não travaram um

diálogo com os indígenas, ao contrário os aniquilaram e os colocaram em situação

de supressão, confrontando-os e violentando-os para garantir seus interesses.

A expressão “índios do Nordeste”, para muitos é algo imaginário. Muitas

pessoas ainda pensam o índio como aquele ser “puro”, vestido da nudez, vivendo

isolado da sociedade, levando as pessoas a questionarem a presença deste povo na

região onde o colonizador destruiu o modo indígena de viver.

O interior da região Nordeste teve sua conquista efetivada na segunda

metade do século XVII, período em que se efetivou a Guerra dos Bárbaros6, o maior

e mais trágico levante contra os povos indígenas no Brasil, o objetivo desse levante

era obter a terra necessária à criação do gado. Segundo Andrade (1986, p.147),

O Sertão nordestino foi integrado na colonização portuguesa graças a movimentos populacionais partidos de dois focos: Salvador e Olinda. Foram estas duas cidades que se desenvolveram como centros nas áreas de terras férteis de “massapê” e, consequentemente, como centros açucareiros que comandaram a arremetida para os sertões à cata de terra onde se fizesse a criação de gado [...].

6 A Guerra dos Bárbaros, assim denominada por ter sido um movimento de índios não-aldeados, teve

longo alcance e duração e ocorreu simultaneamente nas capitanias do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e, posteriormente Piauí (LEITE NETO, 2006. p.76).

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A história escrita pelo colonizador não revela a dimensão que tomavam os

conflitos nos quais os índios estiveram envolvidos criando para este a imagem de

um povo rebelde. A Guerra dos Bárbaros ocorrida nos séculos XVII e XVIII significou

a “limpeza da terra” para a expansão da pecuária. O índio passou a ser visto como

um empecilho para o progresso e, portanto, precisava ser eliminado.

As guerras aos índios neste momento, por razões estruturais da forma da evolução desta economia e do processo colonizador, longe de serem guerras de conquista e submissão de novos trabalhadores aptos ao manejo do gado, eram tendencialmente guerras de extermínio, de “limpeza do território” [...] o escopo era sempre a matança, seja para refrear a “insolência” de grupos resistentes, seja para abrir simplesmente espaços para as criações (PUNTONI 2002, p. 45-46).

A guerra que envolveu os bárbaros ou tapuias, denominados assim por

causa de sua bravura, recebeu o apoio das missões religiosas que desejavam isolar

os índios da sociedade. Nas palavras de Leite Neto (2006 p. 69) “Os índios eram,

então qualificados como bárbaros, selvagens, verdadeiros animais que

necessitavam urgentemente ser “civilizados” e transformados em vassalos a serviço

de Deus e do Estado Português”. No Brasil os indígenas foram descaracterizados de

sua condição étnica, segundo Puntoni (2002, p.53) “os índios deveriam ser isolados

da sociedade colonial, para então poder voltar a integrá-la de forma controlada.” A

violência e a desumanidade contextualizada a partir da visão do colonizador são

usadas para justificar as atrocidades que os índios foram obrigados a sofrer. Desse

modo, os índios foram forçados a ressocializar-se e aculturar-se.

O primeiro levante bárbaro foi protagonizado pelos tupinambás, na região

do Recôncavo Baiano em fins de 1555. Os anos de 1651-1679 e 1687 são

caracterizados por uma maior efervescência de levantes envolvendo os bárbaros.

Esta guerra serviria de modelo para o extermínio praticado contra os indígenas

posteriormente. Assim, as margens do rio Açu, no Rio Grande do Norte e Jaguaribe

no Ceará foram palco de intensas lutas contra os bárbaros, visto pelo colonizador

como empecilhos para o desenvolvimento do País, uma vez que o desejo do

colonizador era se apossar das grandes extensões de terras indígenas, tendo a

expansão da pecuária contribuído fortemente para esta empreitada.

A guerra do Recôncavo Baiano foi uma oficina de aprendizagem para o

extermínio praticado mais tarde, a saber: a Guerra de Orobó (1657-1659), a Guerra

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do Aporá (1669-1673) e as guerras no São Francisco (1674-1679) (Puntoni, 2002)

são exemplos das reinvindicações que envolveu a participação de vários povos

dentre os quais destacamos a atuação dos Tapuias, Janduís, Paiacus, Cariri.

Desde o início da colonização os índios receberam a denominação de

bárbaros, vistos como seres ferozes e hostis. Eram muitos os motivos que

contribuíram para desencadear guerras entre o colonizador e o homem originário.

De acordo com Puntoni (2002) a expansão da pecuária e a necessidade de ampliar

as terras e a mão-de-obra elevou os ânimos dos tapuias contribuindo para

desencadear a guerra na ribeira do Açu (RN), Paraíba e nas proximidades do

Jaguaribe (CE). Segundo o mesmo autor o sertão foi “palco das mais sangrentas

batalhas e atrocidades cometidas ao longo da guerra dos bárbaros” (p.124). Ao

longo do texto do autor citado observamos as expressões “os tapuias” e “os

moradores” e atentamos que para o colonizador importava que os bárbaros fossem

destruídos para que os moradores recém-chegados gozassem de sossego e

pudessem expandir seus negócios. A guerra dos bárbaros, foi à desculpa dada

pelos colonizadores para evangelizar e dominar o índio, como convinha seus

interesses e também para justificar a presença da junta missionária e a criação de

aldeamentos, pois havia a necessidade de se levar a fé cristã para os gentios bravos

que padeciam nas trevas.

No processo inicial de formação dos aldeamentos, os missionários utilizaram

artimanhas estratégicas para dominar de maneira mais eficiente os indígenas,

Oliveira e Freire (2006, p. 47) destacam que entre as suas artimanhas de conquista

estava a ideia de integração dos povos, por meio da aprendizagem da língua

indígena, conversão dos representantes indígenas, pregação do evangelho, trocas

compensatórias, como a conquista de sesmarias e o pagamento de salários. Os

indígenas tiveram sua cultura dizimada e foram obrigados a se fixar nos

aldeamentos, assumindo um modo de viver sedentário.

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Figura 01: A primeira Missa no Brasil, óleo sobre tela de Victor

de Meireles, 1860 (Museu Nacional de Belas Artes, Rio de

Janeiro).

Fonte: Oliveira e Freire, 2006.

Dentre os objetivos principais da política dos aldeamentos estava a

contenção dos levantes indígenas, funcionavam como espaços de treinamento da

mão de obra indígena para servir o Estado Português. Na figura 01, observamos a

submissão indígena perante a cruz e ao homem branco, a curvatura do índio diante

daqueles que chegaram aqui, usurparam suas terras e os obrigaram a deixar suas

raízes, cultos, deuses e cultura para trás, os índios encontraram nos aldeamentos

um lugar para se manter vivos, isto significa que a nossa formação socioespacial se

deu de maneira violenta. O estabelecimento dos aldeamentos significou a

consolidação do projeto colonial, com os índios doutrinados e convertidos, grandes

extensões de terras livres e mão de obra para fomentar o projeto de

desenvolvimento da colônia.

Salientamos que os movimentos indígenas não se limitaram apenas a

Guerra dos Bárbaros, segundo Oliveira e Freire (2006), os índios atuaram em todo o

processo de formação brasileiro, desde a instauração dos aldeamentos missionários

(1549-1755), na transição da colônia para o império (1755-1910 e durante o Regime

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Tutelar (1910-1988), período em que foi criado o Serviço de Proteção aos índios,

considerada pelo autor “a primeira agência leiga do Estado brasileiro a gerenciar os

povos indígenas” (p. 112), cujas ações estavam centradas na pacificação de grupos

indígenas em áreas colonizadas.

Em território cearense, os aldeamentos deixaram marcas que o tempo não

conseguiu apagar. A partir do século XIX é atribuído aos índios o título de índios

misturados, desqualificando-os e opondo-os aos índios puros de outrora. Para

favorecer o quadro social e político daquele momento, o poder público provincial em

1863 ousou contestar a presença indígena aqui.

1.3. Notas sobre a Formação Socioespacial do Ceará: participação indígena

Moreira (2012, p. 9-10) relata que a formação espacial brasileira é

caracterizada por uma sequência histórica de conflitos que têm origem em dois

vetores territoriais: o bandeirantismo com objetivo de lutar contra os indígenas

rebeldes e os escravos fugitivos e a expansão do gado, somando-se a estes no

século XVII os aldeamentos jesuíticos. A presença de conflitos tendo esses vetores

como envolvidos diretos contribuíram demasiadamente para as transformações que

ocorreram na história e no território cearense.

Carlos Studart Filho, em seu artigo Os aborígenes do Ceará (1965) nos

relata que na época da conquista do território cearense os habitantes desta terra

eram constituídos por dois grupos indígenas de aspectos físicos diferentes. “A um

grupo de naturais compunham indivíduos altos, robustos e selváticos; ao outro,

homens de mediana estatura, baços de cor e não menos bravios” (STUDART

FILHO, 1965, p.5). A escassez de documentos específicos, que possam ser

aproveitados para construção da história desse povo e as várias denominações que

uma mesma etnia recebia contribuíram para o autor considerar a história dessas

etnias como uma das mais “obscuras e fragmentárias”. Nosso estudioso classificou

os indígenas do Ceará em cinco grupos específicos e um grupo não específico,

conforme se observa a seguir:

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(I) Tupi – Representados pelos Tabajaras, habitantes da Serra da Ibiapaba e pelos

Potiguaras que habitavam o baixo Jaguaribe, a faixa praiana das margens do

Parnaíba, ultrapassando o golfão maranhense, conforme nos relata o autor.

(II) Cariri – De acordo com as narrativas de Studart Filho, este povo não se fixava

em um lugar, viviam vagando pelo sertão cearense, sobretudo nas proximidades de

rios. Tinha uma agricultura desenvolvida, quando comparado a outros grupos a

exemplo dos Jês. Cultivavam a mandioca, o feijão, o milho, faziam redes para o

descanso e cerâmica rudimentar. Não praticavam a antropofagia, tampouco usavam

o tacape de guerra. Pintavam-se com urucu ou jenipapo e usavam botoques nos

lábios e orelhas para se ornamentarem. Eram adeptos da poligamia, de certo

matriarcado, de práticas mágico-religiosas, sua mitologia era bastante rica.

Guardiões das velhas crenças, os Cariris já conheciam o divórcio e a prostituição.

(III) Tremembé – As narrativas de nosso estudioso cearense relatam que eles eram

relativamente nômades e exímios nadadores, viviam as margens dos rios Camocim

e Parnaíba e por vezes estendiam-se até a foz do Itapicuru. O autor acredita que

antes da chegada dos colonizadores os Tremembé tenham habitado a foz do Açu, o

cabo de São Roque e provavelmente a região do Gurupi no Pará. A pesca e a caça

constituíam a base alimentar desses povos, também cultivavam a mandioca e o

algodão, moravam em choças feitas com ramos de árvores ou folhas de palmeira e

dormiam nas areias da praia. De espírito guerreiro, cedo atraíram a curiosidade dos

viajantes espanhóis, franceses e portugueses. Sua língua é desconhecida, restando

alguns poucos vocábulos pronunciados quando dançam o Torém, que atualmente

representa a resistência desses povos e é praticado com maior frequência em

Almofala.

(IV) Tarairiú – De acordo com o minucioso estudo de Studart Filho estes povos

teriam migrado das proximidades do litoral do Rio Grande, vindo para os sertões do

Ceará e Piauí. Eram nômades, gostavam de vagar de um lugar para outro. Viviam

da caça, da pesca e do cultivo do milho, abóbora e legumes. Na época do caju

procuravam a praia. Como arma usavam a prancha de lança. A rede era utilizada

para descansar e para transportar os anciãos que já não conseguiam mais percorrer

os longos trajetos em suas andanças. Aos sete ou oito anos de idade, os meninos

eram submetidos aos ritos de passagem, na ocasião perfurava-se o lábio inferior e

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os lóbulos das orelhas e colocava-se nos orifícios pedras verdes ou de outras cores.

Havia também entre esses povos os ritos matrimoniais, onde por meio de jogos

bélicos e atividades que exigia força física testava-se a valentia dos noivos. As

relações poligâmicas eram permitidas desde que os praticantes usassem de

discrição, pois caso fossem pegos em tais práticas sofriam severos castigos. As

mulheres gozavam de elevado status e tomavam decisões em festas e matrimônios.

(V) Zé, Jé ou Jê – Em território cearense Studart Filho faz menção aos Ariús,

prováveis habitantes das margens dos rios Itaim e Jaguaribe. Fisicamente este

grupo se caracteriza por homens e mulheres de estatura mediana, diferindo dos

demais grupos pela ausência de cerâmica, tecelagem e rede, suas casas eram

construídas em formato de círculos, apresentavam uma estrutura social complexa e

resistiram ao contato com os colonizadores.

Grupo não específico – Composto por tribos de filiação linguística duvidosa e cultura

imprecisa. Nesse grupo destacam-se os seguintes povos: Itanãs (Itanhãs), Acimis,

Acocis, Aconguaçus, Carcuaçus, Chibatas, Icós, Icozinhos, Jaguaribaras,

Jaguaruanas, Jucás, Peba, Tocoiús, Vidaes, Anacés e Xixirós.

O Ceará foi integrado tardiamente ao projeto de dominação portuguesa do

Brasil e tem como elemento constitutivo de sua inserção a violência, conforme nos

aponta Pinheiro (2004). Esse fato pode ser explicado pela existência e resistência do

modo de vida dos indígenas que habitavam o território que hoje compreende o

Ceará. Para o autor, as razões da ocupação tardia do Ceará estão ligadas ao

conjunto de conflitos entre os índios e o homem branco e a formação territorial do

litoral açucareiro.

[...] na área açucareira, a conquista começou já no início do século XVI; enquanto que na região que se tornou lócus da pecuária, ela só aconteceu, para o mundo colonial, no final do século XVII e início do seguinte. Analisando as diferenças nos modos de vida, tendo na disputa pela terra a principal questão, é que vamos compreender o confronto entre nativos (indígenas) e lusitanos, em face do projeto de dominação portuguesa no Ceará. À medida que a produção açucareira avançava pelas terras do litoral, que se estendem da Paraíba até a Bahia, a pecuária, como uma atividade subsidiária da produção açucareira, foi sendo tangida para o interior. Dessa forma, ocorreu a ocupação do interior da região hoje denominada Nordeste, principalmente a dos territórios das capitanias da Paraíba, do Rio Grande do Norte e do Ceará. Esse espaço livre para os grupos indígenas, que haviam sido gradativamente expulsos da faixa litorânea, foi-se transformando aos poucos em territórios da pecuária. (PINHEIRO, 2004, p. 17).

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A consolidação da colonização teve um alto preço para os povos indígenas

com a consequente desorganização das comunidades originárias que antes de

terem suas terras usurpadas pelo colonizador viviam em regime de comunhão.

Surgiram conflitos entre os povos indígenas que viviam “[...] vestidos da nudez

emplumada, esplêndidos de vigor e de beleza, tapando as ventas contra as

pestilências [...]” (RIBEIRO, 1995. p.44). Era o início da invasão dos territórios

indígenas pelos colonizadores e a resistência indígena.

A dispersão indígena no Ceará ocorreu com vigor entre os séculos XVIII e

XIX provocada pela institucionalização do Diretório Pombalino7 e criação das

primeiras vilas de índios8 dentre as quais se destacam: “as de Parangaba,

Messejana, Caucaia, Baturité, Pacajus, Viçosa e Miranda (atualmente Crato)”

(PINHEIRO, 2004, p. 46), dificultando a quantificação e a territorialização dos grupos

indígenas habitantes deste território (VALLE, 2009).

A partir de 1758, com a institucionalização do Diretório Pombalino e a

implantação das vilas, o território cearense passou a vivenciar uma série de

mudanças. Uma nova vida de relações foi imposta aos indígenas, que um dia foram

livres e agora eram obrigados a obedecer aos ditames do colonizador. Era

necessário que os diversos grupos sociais de homens ditos ociosos, considerados

pela elite como vadios, se integrassem à sociedade ou deveriam ser entregues aos

juízes ordinários para que fossem presos. Em seu projeto de dominação, o

colonizador percebia a terra como um meio de produção que permitia a acumulação

de capitais, enquanto o indígena a percebia como um meio de subsistência sagrado

para a sua família.

7 Valle (2009, p. 113) assinala que “Durante e até depois do Diretório Seticentista, os índios

trabalharam diretamente para as autoridades cearenses, abrindo e cuidando das estradas locais, melhorando o estado dos açudes, até limpando espaços públicos nas cidades e povoações cearenses”. 8 Pinheiro (2004, p. 46) destaca que “A partir de 1758, as aldeias indígenas foram transformados em

vilas. Com a expulsão dos jesuítas, a administração dos povos indígenas passou para a órbita laica e os povos nativos foram igualados aos demais moradores. Uma nova legislação foi então adotada em relação aos povos nativos, sob determinação do Diretório Pombalino, em que formalmente garantia-se a liberdade destes; no entanto, foi nomeado um diretor que se transformou, na prática, em feitor para controlar a força de trabalho no âmbito da vila”.

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Com a elevação das aldeias à condição de vilas e a expulsão dos jesuítas

do Ceará em 1748, as ações missionárias foram interrompidas. O Diretório

Pombalino objetivava incorporar os índios ao projeto capitalista, transformando-os

em servos do rei, obrigando-os inclusive a pagarem tributos à Coroa Portuguesa.

Além disso, Valle (2009, p. 108) compreende que “[...] as ideias de “civilidade” e a

meta de “civilizar” seriam basilares, através da ênfase no ensino da língua

portuguesa, para entender a dimensão político ideológica do Diretório sob orientação

do iluminismo português”.

O Diretório Pombalino implementou também uma política de distribuição de

sesmarias individuais aos índios, terras vigiadas pelo Governador, no sentido de que

era necessário ter cuidado com a localização das terras indígenas, de modo que

estes pudessem ser vigiados pelos diretores. A distribuição de sesmarias permitia

aos responsáveis por estas cobrar renda de tudo que fosse cultivado pelos índios e

também de bens não cultivados que não fossem comestíveis, que tivessem a

finalidade de ser comercializados. Silva (2005), ao se referir à distribuição de

sesmarias individuais aos índios, assinala que,

[...] o Governador parece ter compreendido muito bem a inspiração do Diretório, através dele propiciar uma mudança de mentalidade e da prática cotidiana dos índios. Tanto é que não bastou dar terras aos índios, mas dá-las individualmente, para que delas tirassem diferentes proveitos, segundo os diferentes trabalhos realizados com sucesso, instaurados assim a lógica do capital, segundo a qual a cada um cabe um retorno proporcional à sua inserção individual no sistema produtivo, observado determinada escala valorativa de fazeres (SILVA, 2005, p. 136).

O objetivo do Diretório era consolidar o domínio colonial e atender às

demandas da metrópole, portanto, necessitava de súditos que protegessem as

áreas fronteiriças e também as áreas já dominadas, mas com população mal

distribuída. Na consolidação do domínio colonial a economia, a sociedade e a

cultura indígenas tiveram que ser reestruturadas para garantir o efetivo domínio

português sobre a colônia.

A intenção do Governador ao territorializar os indígenas separadamente era

povoar territórios com funções e interesses favoráveis ao capital. Nesse sentido,

houve uma reorganização social que deu origem a uma nova identidade étnica e

sociocultural, portanto, uma reconstituição da cultura. Essas ações do Estado

permitiram a exploração do trabalho e da terra indígena, garantindo o

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desenvolvimento da colônia e contribuindo para aprofundar o etnocídio e a

desarticulação da força indígena.

Na segunda metade do século XIX, os índios foram extintos dos relatos

historiográficos do Ceará, como reza o Relatório de 18639 que nega a presença de

indígenas em território cearense, como assinala Silva (2011). Em 1850, foi

sancionado, a Lei de Terras, que reverberou na vida política e social, favorecendo os

interesses da classe detentora do poder. Com essa determinação, destaca Silva

(2011, p.332); “no centro das querelas estavam os prepotentes latifundiários,

atuando em particular no que dizia respeito à inserção de ex-escravos e novos

trabalhadores imigrantes na economia e na sociedade de forma geral”, em

detrimento dos índios que serviram como força de trabalho, utilizando os meios de

produção mais elementares. Das determinações políticas do passado, solidificavam-

se as camadas de miseráveis da sociedade atual, descendentes diretos dos

indígenas expropriados de suas terras e de seus meios de trabalho.

Negar a presença indígena no Ceará favorecia o projeto ideológico e político

de consolidação do Império brasileiro e a constituição das oligarquias regionais. O

objetivo era a centralização do império que estava sendo levantado, por isso a

sanção da Lei de Terras em 1850 que transformou a terra em mercadoria,

favorecendo os interesses dos latifundiários.

9 O Jornal O Povo do dia 19 de Abril de 2014 traz a seguinte nota a cerca do Relatório de 1863: “Há

151 anos, foi encaminhada à Assembleia do Ceará uma das maiores e mais cruéis excrescências de nossa história política. O então presidente da província, cargo equivalente ao de atual governador do Estado, era José Bento da Cunha Figueiredo Júnior, que também administrou Rio Grande do Norte, Alagoas, Maranhão e foi deputado por Pernambuco. Em 1863, à frente da província do Ceará, ele enviou ao Poder Legislativo um relatório provincial no qual declarava extintos os índios no Ceará. Todos já estariam “civilizados” e miscigenados à população local. Não foi gesto isolado. Em vários estados do Nordeste houve iniciativas semelhantes, orquestradas para viabilizar a expropriação de terras, a marginalização, a retirada de direitos. Tendo como pano de fundo a “Lei de Terras” da década anterior, o objetivo era omitir ao governo imperial a existência de tais povos, por meio do que se convencionou chamar de “silenciamento étnico”, de modo a abrir caminho para o povoamento das regiões habitadas pelos indígenas. Em bom português, o roubo de seus territórios, de onde foram expulsos, quando não alvo de massacres. O ato, enfim, oficializou e legitimou uma das maiores violências de nossa história. Os efeitos e conflitos se estendem até hoje. [...] Como eco do infame relatório provincial, ainda se propaga o argumento de que os índios são na verdade “caboclos”, miscigenados” (O POVO, 19/04/2014).

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Mapa 02: Distribuição dos povos indígenas no Ceará Contemporâneo

Desenho: Cartográfico: Manoel V. Guedes Souza

Fonte: IBGE, 2010

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Contrariando esse discurso da extinção dos indígenas, por todo território

brasileiro encontramos os descendentes daqueles que se salvaram da violência

praticada pelos dominadores. Somente a partir desse momento, os censos

ressaltam onde se encontram os sobreviventes dos massacres que ocorreram

séculos atrás, cujas memórias não foram totalmente apagadas. No Brasil, segundo

dados do (IBGE, 2010) cerca de 817 mil brasileiros declaram ser índios, o que

significa que aqueles que se autodeclaram índios representam aproximadamente

0,4% da população brasileira. De acordo com dados da FUNAI (Fundação Nacional

do Índio), o Ceará de hoje é habitado pelos seguintes povos indígenas: Anacé,

Gavião, Jeninpapo-Kanindé, Kalabaça, Kanindé, Kariri, Pitaguary, Potyguara,

Tabajara, Tapeba, Tremembé e Tupiba-Tapuia, conforme se observa na figura 03,

contando com uma população de 19.336 habitantes classificados como índios

(IBGE, 2010).

Essa classificação foi elaborada a partir de duas variáveis: cor ou raça. Isso

significa que muitos indígenas não foram classificados com esse critério, porquanto

no censo as pessoas apenas se identificavam índio para ser contabilizado nesse

grupo étnico. O relatório “Os indígenas no Censo Demográfico 2010: primeiras

considerações”, com base no quesito cor ou raça, alerta: “Como a obtenção do

número de auto declarados indígenas é proveniente do quesito cor ou raça [...] um

número significativo de indígenas deixou de se autodeclarar nesta categoria”

(BRASIL, 2012, p.15).

A população indígena brasileira vem apresentando um crescimento

acentuado nos últimos censos demográficos. De acordo com o IBGE nos anos de

1991,2000 e 2010 a população indígena brasileira foi de 294.131, 734.127 e 817.963

respectivamente, sendo que nas Grandes Regiões o Nordeste no censo de 2010

registrou uma população indígena de 232.739. Vemos, portanto, que essas pessoas

estão reassumindo suas origens indígenas, que por muitos anos foram obrigados a

esconder para continuarem vivos.

No gráfico 01 observamos o crescimento da população Tremembé, no

Ceará, mostrando a escala de crescimento dessa etnia desde 1950 até o ano de

2010. De acordo com pesquisa de campo feita em 2014 pela Coordenação Técnica

Local de Itarema (FUNAI) os Tremembé somam hoje 4.579 pessoas vivendo nos

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municípios de Itarema, Acaraú e Itapipoca. Consideramos que esse número seja

significativamente maior, uma vez que desde a realização do censo, nasceram

novas pessoas e também não foram contados os Tremembé que vivem nas áreas

urbanas de Fortaleza.

Gráfico 01: Crescimento da População Tremembé de 1950 a 2014

Fonte: Pesquisa de Campo, 2014.

Diante do exposto, entendemos que o indígena contribuiu de forma

significativa para a formação socioespacial do Ceará, haja vista, as primeiras

atividades econômicas e manifestações culturais terem se desenvolvido com sua

efetiva participação. Adicionamos à riqueza desses povos, sua força em construir as

cidades impostas na fase pombalina, como lócus de mão-de-obra disponível para a

exploração do capital.

Atualmente as lideranças indígenas cearenses enfrentam diversas lutas,

dentre as quais destacamos a luta pela demarcação de suas terras. Hoje, o índio

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passa por um processo de reafirmação de sua identidade, se fazendo personagem

em diferentes setores da sociedade.

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CAPÍTULO 2. RESGATE HISTÓRICO DO POVO TREMEMBÉ

2.1. A origem do Povo Tremembé

A história do Brasil, bem como da gestação de seu povo nos é contada a

partir de uma perspectiva colonizadora. As grandes navegações do século XVI

escreveram uma história sofrida na vida dos povos originários que aqui viviam. Os

relatos dos primeiros encontros entre os colonizadores e os originários dão conta

que aqui habitavam diversos grupos indígenas que viviam livremente na terra, esta,

não pertencia a um dono específico, era propriedade da tribo, que retirava dela

apenas aquilo que necessitavam para sua sobrevivência. Ao contrário dos índios, o

colonizador chegou aqui em busca de riquezas preciosas e os tornaram escravos de

seus desejos.

Em 1500 chegaram aqui “[...] navegantes, barbudos, hisurtos, fedentos de

meses de navegação oceânica, escalavrados de feridas do escorbuto, olhavam em

espanto o que parecia ser a inocência e a beleza encarnadas” (RIBEIRO, 1995, p.

44). A inocência e a beleza encarnadas caracterizam os índios que “[...] vestidos da

nudez emplumada, esplêndidos de vigor e de beleza, tapando as ventas contra a

pestilência, viam, ainda mais pasmos, aqueles seres que saiam do mar” (Op. Cit, p.

44). Desse modo, o colonizador iniciava a invasão aos territórios indígenas, estes

por sua vez incitaram vários movimentos de resistência contra a presença do intruso.

O território sempre foi um objeto cobiçado pelo homem, para este o poder se

expressa nas grandes extensões territoriais que um homem pode ter como suas já

para os indígenas, o território é algo simbólico. Pinheiro (2004, p. 18) nos esclarece

a importância do território para os índios e para os colonizadores.

[...] o território tinha significado diferenciado para os povos indígenas e para os colonos. Para estes últimos, a terra era sobretudo, um meio de produção, enquanto que para os povos indígenas, além de ser um dos meios que lhes garantia a sobrevivência, o território constituía-se em um valor simbólico,

através do qual se definia a própria identidade.

Para o indígena, o território é o lugar do habitat, do morar, onde os seus

antepassados viveram e continuam a viver, é o lugar onde ocorrem as

manifestações culturais e as tradições familiares. Nesse contexto histórico

encontram-se os Tremembé que segundo Aragão (1996, p.102) procedem da costa

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Mapa 03: Migração Regional do Povo Tremembé

Fonte: Adaptado do Mapa Etno-Histórico de Curt Nimuendaju

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litorânea maranhense, migrando até o litoral cearense para a atual cidade de

Camocim, depois para as terras do Rio Coreaú e posteriormente para a Bacia do

Acaraú, de onde alcançaram o Apodi no Rio Grande do Norte, conforme

observamos no mapa 03. Segundo Pompeu Sobrinho (1951, p. 251), muitos

aventureiros fazem parte da longa história do povo Tremembé, dentre eles estão os

espanhóis, cronistas franceses, portugueses e também os holandeses (grifo da

autora).

A denominação Tremembé surgiu no século XVII, em meio à expansão

territorial e a “[...] guerra aos estrangeiros [...]”, (BORGES, 2010), protagonizada

pelos franceses e holandeses, estes últimos tentavam ocupar o norte do litoral

cearense. Nesse contexto emergem os índios Tremembé mostrando-se insatisfeitos

com a presença de intrusos em seu território. Segundo Borges (2010, p.73),

[...] a palavra tremembé corresponderia à junção de dois vocábulos, um vindo do espanhol/português, tremedal, e outro tupi mbáe [...], que juntos formaram o vocábulo tremembé, para designar os grupos nativos que viviam na costa norte brasileira e que eram conhecidos por viverem

próximos e se esconderem nos manguezais, nas áreas de pântanos. Antes

de receberem a denominação Tremembé este povo era classificado como Tapuia (grifo da autora).

Este povo era considerado feroz e hostil ante a presença do branco

colonizador, também eram excelentes caçadores e exímios nadadores, conhecidos

por atacar tubarões com instrumentos pontiagudos e em seguida trazê-los a terra

para retirar-lhes os dentes e colocarem em suas flechas.

No início do século XVII, os Tremembé habitantes dos Lençóis Maranhenses

e de Camocim no Ceará, protagonizaram um levante contra os índios Tupinambá,

segundo Borges (2010, p. 199) os Tupinambá apoiaram as investidas de

colonização dos franceses. Situações como essa levou os Tremembé a se

envolverem em constantes confrontos contra os conquistadores no início da

colonização, ficando conhecidos como “índios inimigos e indignos de confiança”

segundo relata Messender (1995, p. 27).

Ainda de acordo com os estudos de Borges (2010), portugueses e

Tremembé jamais efetuaram alianças. A autora relata que no ano de 1614 Jerônimo

de Albuquerque e Diogo de Campos Moreno, a frente de uma expedição para

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expulsar os franceses do Maranhão almejavam reunir “[...] os índios da Serra da

Ibiapaba e da foz do rio Pará (Parnaíba), Tabajaras e Tremembé [...]” (p. 230). A

empreitada não deu certo, uma vez que os Tremembé se recusaram a participar de

forma direta desse levante. Desse modo, entendemos que a aliança pretendida por

Jerônimo de Albuquerque e Diogo de Campos Moreno ficou apenas no plano da

imaginação dos colonos.

Para ratificar nosso entendimento acerca da ausência de aliança entre

portugueses e Tremembé, mais uma vez fundamentamos nosso pensamento em

Borges (2010), pois a autora assinala que “[...], verificou-se que os esforços das

tropas para derrotar definitivamente os franceses no Maranhão, tiveram que contar

com a participação de indígenas vindos de Pernambuco [...]” (p. 231). Significa,

portanto, que no século XVII os colonizadores não conseguiram fixar os projetos da

colônia em território habitado pelos Tremembé.

A relação conflituosa entre os portugueses e os Tremembé levou estes

últimos a viverem organizados em pequenos grupos dispersos pela costa litorânea,

migrando pelo território “[...] ora em pazes, ora em conflito, com portugueses,

franceses e holandeses, com os quais realizavam comércio, mas não alianças [...]”,

(BORGES, 2010, p. 234), dentre os produtos comercializados com os estrangeiros

estavam a tatajuba, o âmbar e o algodão doce. Salientamos que nos séculos XV e

XVII os Tremembé responderam as investidas de fixação de colonizadores em seus

territórios, de forma intensa, guerreando para manter a autonomia territorial

Tremembé.

Interessava ao colonizador incorporar as terras e a força de trabalho

indígena. Para alcançar este objetivo instalaram os aldeamentos, destituindo as

referências culturais do homem originário. No contexto dos movimentos

protagonizados pelos índios, os Tremembé resistiram bravamente com sua força e

coragem, lutaram no passado e continuam lutando no presente contra a invasão, no

primeiro momento, a invasão do colonizador europeu que veio para aculturá-los e

exterminá-los da história, hoje, este povo luta contra a presença dos grandes

empreendimentos que chegam em seus territórios para usurpar suas terras.

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Assim, percebemos que não havia cordialidade entre os Tremembé e os

portugueses. Confirmando nosso pensamento, Messender (1995) continua relatando

que “[...] desde o litoral do Ceará até o Maranhão os Tremembé fizeram seguidos

ataques às fortificações que os portugueses erigiram ao longo dessa costa” p. 27).

Os portugueses tiveram suas concepções imaginárias e ideológicas de

dominação do homem originário frustradas, uma vez, que este não aceitou a

dominação de maneira fácil, não sendo possível, portanto, ao colonizador confirmar

sua superioridade diante do indígena, que tratado como o outro, como o estranho

tiveram seu extermínio facilmente justificado pelos colonizadores.

2.2. O aldeamento de Almofala

Desde os seus primórdios a política dos aldeamentos tinha a intenção de

submeter os índios aos interesses dos colonizadores. Para incentivar o contato entre

o índio e o colonizador, os aldeamentos foram instalados próximos às povoações

coloniais.

Os Tremembé de Almofala têm uma longa história, segundo Nascimento

(2001) é o povo mais antigo do Ceará e também o mais conhecido pelos

pesquisadores e pela imprensa cearense. Dentre os motivos considerados para que

pesquisadores de distintas áreas se interessem em estudar a cultura desse povo,

está o fato de que, segundo a Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, Volume XVI,

habitar ou ter habitado em pelo menos cinco municípios cearenses, conforme se

observa nas passagens a seguir.

Acaraú-CE: Almofala constituiu o primeiro aldeamento do município de Acaraú. Refere o Des. Álvaro Gurgel de Alencar que Almofala era sede da antiga missão dos índios Tremembés, datando de 1608, época em que os Jesuítas os aldearam nas praias dos Lençóis. [...]

O fato é que a Provisão de 12 de setembro de 1766 criou na antiga Missão dos Tremembés a freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Almofala, transferindo-a para a povoação de Barra do Acaracu [...] (IBGE, 1959, p. 20).

Camucim-CE: Em 1792, procedente de Tutóia, chegou Gabriel Rodrigues da Rocha com sua família, composta de mulher e dois filhos de nomes Joaquim Gabriel da Rocha (casado) e José Gabriel da Rocha (solteiro). O chefe da família Gabriel visava o exercício da profissão de prático da barra e teve como mestre no conhecimento da nova função o velho Tremembé,

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índio que pouco falava o português e que, juntamente com outros aborígenes, eram os únicos moradores do lugar (IBGE, 1959, p.110).

Chaval-CE: A região que compreende o atual município de Chaval, foi, primitivamente, ocupada por Tremembés, índios Tapuias da tribo dos Cariris, plantadores de cajueiros, que viviam da caça e pesca e dominavam a extensa faixa litorânea que vai de Camocim até além da Parnaíba (IBGE, 1959, p.110).

Granja-CE: Várias tribos habitavam a vasta região beneficiada pelas ribeiras férteis do rio Coreaú, destacando-se, entre outras, a dos índios Tabajaras, Tapuias, Coansues e Tremembés. [...] Às voltas com indígenas andavam colonizadores baianos e portugueses [...]. Com a expulsão dêstes, os índios pouco a pouco deixaram a aldeia onde já existia um nicho de oração, e passaram-se para o povoado à margem do rio, no qual havia mais comércio e movimento, e que já era conhecido por Santa Cruz (IBGE, 1959, p.235).

Marco-CE: As terras, onde, atualmente, se encontra o município, pertenciam a Santana do Acaraú, eram provavelmente habitadas por índios tremembés – exímios nadadores (...) – que estendiam seus domínios desde a ribeira do Acaraú até a Serra Grande. Esses mesmos índios foram aldeados nas proximidades de Camocim, pelos Jesuítas e, depois, se passaram, em 1702, para as praias do Acaraú (IBGE, 1959, p.364).

Almofala, distrito do município de Itarema, está a 270 km de distância da

capital cearense. A Terra do Aldeamento, da Santa ou ainda dos Índios como é

historicamente conhecida, guarda em suas feições territoriais uma história de vida e

de luta dos índios Tremembé no Ceará e atualmente assiste um crescimento

populacional que pode ser facilmente observado em sua paisagem. Almofala possui

importância histórica para os índios Tremembé, pois é neste lugar que tem origem o

mito da história de vida desse povo.

Em 1702, os índios Tremembé foram alocados, por força dos missionários

no aldeamento Aracati-Mirim, assistidos pelo padre José Soares de Moraes (Aragão,

1994, p. 103), mais tarde no ano de 1766 foram realdeados em Almofala.

O aldeamento dos Tremembé toda vida foi em Almofala. Almofala é o tronco linguístico do povo Tremembé. Mais os Tremembé migravam, eles viviam nesse litoral cearense do rio Gurupi do Maranhão que extrema com o Pará, com aquela região lá onde fica os Canela, fica os Carajás, pra lá eles mandavam pra cá é Tremembé. Todo aquele litoral do maranhão e vem de lá pra cá. Do rio Gurupi do Maranhão ao Rio Grande do Norte, (conforme observamos no mapa 03) esse litoral cearense todo era Tremembé, quem nasceu e criou-se nesse litoral é Tremembé. Este litoral cearense 70 légua da praia pra dentro que vai a Ibiapaba era os Tremembé que mandavam, eles brigavam com os Tupi-Guarani em cima da Serra Grande, na serra da Ibiapaba os Tupis mandavam do outro lado e os Tremembé chegavam lá em grupinhos pequenos. Toda vida o povo Tremembé viveu da caça e da pesca e do mel silvestre, eles migravam, era época da goiaba aqui, eles sabiam aonde vinham comer a goiaba, era época da guabiraba eles vinham comer a guabiraba, era época de pesca, abundancia aqui na barra do Aracati- Mirim, ou do Aracati - Açu , eles vinham pra fazer as pesca, fazer as

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jangarelas, isso era os tipos de pescaria que agente conhece, que não usa mais, porque a evolução cresceu, mas agente conhece todas elas. E era o caju que tem o mocororó, todo cajueiro do mundo saiu desse litoral cearense,[...]. (Entrevista realizada com o Pajé dos Tremembé, em Fevereiro de 2014. Grifo da autora).

Um símbolo que caracteriza fortemente o antigo aldeamento de Almofala é a

Igreja de Nossa Senhora da Conceição , que segundo os Tremembé foi concedida

aos índios no passado. Geograficamente Almofala está situada nas proximidades

litorâneas, mantendo fortes ligações com todas as comunidades indígenas do

município de Itarema. Por ser uma região litorânea, a maioria da população de

Almofala constitui-se de pescadores e pequenos agricultores, essas duas atividades

conjugadas constituem a economia desta região, destacamos ainda que o povo

Tremembé são exímios pescadores de tubarões.

Figura 02: Igreja de Nossa Senhora da Conceição – Distrito de Almofala

Foto: Valle, Carlos Guilherme do, 1991.

A história da Igreja de Nossa Senhora da Conceição está ligada ao mito

indígena da Santa de Ouro. De acordo com que nos contam os índios Tremembé,

quando os primeiros índios chegaram a Almofala, cavaram uma cacimba para retirar

água e ali encontraram um objeto de ouro, que segundo as narrativas indígenas

tratava-se de uma santa de ouro. Ali, os índios construíram uma simples “[...] cabana

coberta de palha [...]” (NASCIMENTO, 2001, p. 119) para adorá-la e dançarem o

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Torém. De acordo com as narrativas indígenas, ao saber que os índios haviam

encontrado algo de tamanho valor, como preconiza a atual cultura oral dos

Tremembé, a Princesa Isabel propôs trocar a santa de ouro por Nossa Senhora da

Conceição e também uma igreja de alvenaria para abriga-la, no início houve

resistência, mas a troca acabou acontecendo. Para Nascimento (2001, p. 136)

[...] o encontro entre os Tremembé e os portugueses no aldeamento de Almofala [...] é mediado pela santa, [...] nesse contexto uma nova realidade surge com o estabelecimento de um contato continuado com o outro a partir da origem do aldeamento de Almofala em torno da Igreja. Nesse momento, o universo cultural dos Tremembé é redefinido através da reelaboração da experiência religiosa ao acolherem Nossa Senhora da Conceição como substituta da santa de ouro, vivenciada em um espaço que passa a ser definido em torno da Igreja (Grifos da autora).

No contexto desse novo abrochar cultural dos índios, salientamos as

mudanças que esse povo foi forçado, um povo que nos primeiros encontros com os

colonizadores se mostraram hostis e autônomos, que não acreditavam em deus

celestiais, mas viam na terra a mãe natureza. Após terem muitos de seus parentes

mortos em confrontos e serem aldeados, se rendem à religiosidade e adoração a

uma simples imagem, deixando para trás sua cultura originária.

No contexto histórico brasileiro os Tremembé estão ligado à formação dos

povos que deram origem ao território brasileiro, portanto, esse povo possui ligação

direta com a formação socioespacial do Ceará. De acordo com Pompeu Sobrinho

(1951, p. 265), existem prováveis chances de que os Tremembé de Almofala seja

remanescentes da corrente migratória mesolítica e teriam alcançado as terras

brasileiras através do estreito de Bering. Essa hipótese reafirma nosso pensamento

a cerca da contribuição indígena do povo Tremembé na formação socioespacial

cearense.

O aldeamento de Almofala foi erguido para servir de reserva aos índios

Tremembé, em terras cearenses. É importante salientar que os aldeamentos

funcionavam como espaços de treinamento de mão-de-obra para sustentação e

enriquecimento da colônia e sustentáculo para o surgimento de uma nova raça, uma

vez que com a instauração dos aldeamentos, indígenas e colonizadores passam a

ter uma relação de proximidade maior com os indígenas trabalhando em regime de

escravidão para a coroa e as índias deleitando aos prazeres sexuais com o homem

branco. De acordo com Freyre (2003, p. 161),

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O europeu saltava em terra escorregando em índia nua [...]. As mulheres eram as primeiras a se entregarem aos brancos, as mais ardentes indo esfregar-se nas pernas desses que supunham deuses. Davam-se ao europeu por um pente ou um caco de espelho.

Tais práticas contribuíram para que com o passar do tempo o sangue

indígena fosse extinto da história da formação socioespacial de nosso país, e,

portanto, de nosso Ceará. Mas, diante da opressão do colonizador, esses espaços

se destacaram, assumindo também a função de ser um lócus de resistência e

subsistência indígenas. Os índios não desistiram de seu modo de vida e, mesmo

nos aldeamentos continuaram manifestando suas práticas e costumes.

2.3. Organização territorial dos índios Tremembé em Itarema

Na lógica da política colonial para expandir o território conquistado era

necessário dominar homens e espaços. “Para os colonos, os índios eram um gado

humano [...]” (RIBEIRO, 1995, p. 53), e, portanto, os trabalhos que os colonizadores

realizaram com os índios foram treinamentos que os tornassem aptos para a

construção do modelo de vida europeu nas novas terras. Desse modo, mortificar-se-

ia a cultura e o modo indígena de viver e implantar a cultura do colonizador

usurpador.

O etnocídio indígena no Ceará tem seus primórdios com a atuação dos

padres jesuítas que traziam consigo a missão de educar, pregar o cristianismo e

aldear os índios. Obrigados a se juntar com um povo desconhecido, estes tiveram

que refazer seus costumes e cultura.

Até a segunda metade do século XVII, os índios Tremembé eram um povo

nômade, sem raízes fixas, tendo na natureza suas casas e seus santuários, quando

foram aldeados pelos jesuítas. Estes povos enfrentaram muitas batalhas para

permanecerem vivos, houve um tempo em que estes foram obrigados pelas

circunstâncias a ficarem calados, hoje eles seguem resistindo e lutando para terem

seus direitos garantidos, principalmente o da terra. Em conversa com o Pajé dos

Tremembé Luiz Caboclo ao falar das lutas enfrentadas pelos Tremembé ele diz a

seguinte frase: “o povo Tremembé teve um tempo que pra viver teve que se calar,

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hoje pra viver tem que falar”10. Atualmente estes povos vivem em comunidades

indígenas distribuídas em todo o município de Itarema, no sertão de Acaraú e

Itapipoca, conforme observamos no gráfico 02. Sobrevivem da pesca, caça,

agricultura (pequenos roçados) e de programas assistenciais do Governo Federal.

Também criam aves e produzem artesanato para complementarem sua renda.

Gráfico 02: População Indígena Tremembé

Fonte: Pesquisa de Campo, 2014

Nesse sentido, o índio Tremembé necessita da terra para que possa dela

extrair seu sustento e de sua família e também cultuar seus antepassados

denominados de encantados e preservar a presença desses espíritos nos objetos da

natureza, rios, açudes, rochas e matas. Assim, corroboramos com o pensamento de

José de Souza Martins, onde o autor aponta que a terra é o “[...] lugar de trabalho

agrícola ou o solo, onde estão alocados os recursos animais e de coleta [...]”

(MARTINS, 1988, p. 36). Também Baniwa (2006) alerta que a terra é um fator de

união e resistência dos povos indígenas. Para o autor ela “[...] é o tema que unifica,

articula e mobiliza todos, as aldeias, os povos e as organizações indígenas, em

torno de uma bandeira de luta comum que é a defesa de seus territórios [...]”

(BANIWA, 2006, p. 101). A terra indígena é uma referência para o modo indígena de

10

Entrevista realizada em 27/02/2014.

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viver, onde as lutas acontecem e a cultura se perpetua, é na terra onde se

encontram presentes os heróis indígenas que já partiram e os que vivem e

batalham, resistindo dia após dia, colocando-se como protagonistas de sua própria

história.

Entendemos, assim, que para os povos indígenas, a terra é uma condição

de vida, é a fonte de subsistência dos índios Tremembé, de onde eles retiram os

alimentos necessários para sua alimentação, através da coleta de frutos naturais e

também cultivados pelos próprios índios, da caça, da pesca, do cultivo de pequenas

roças e também do caju, fruto natural, do qual é feito a bebida sagrada dos

Tremembé: o mocororó. No período do caju, festeja-se muito com a dança da cultura

indígena: o Torém.

Figura 03: Comunidade de Telhas dançando Torém Foto: Nascimento, 2015.

O Torém é uma [...] dança mímica [...]”11, liderada por um mestre e

conduzida ao som de instrumento indígena denominado de maracá. É uma tradição

indígena que tem caráter de entretenimento e suscita aspectos sociais e culturais

dos Tremembé, e é uma das principais atividades que reúne todos os Tremembé

11

Entrevista realizada com Tremembé de Capim-açu em 05 de Setembro de 2013.

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para se confraternizarem e comemorarem suas conquistas. “[...] as primeiras

manifestações dessa dança remota ao século XIX [...]” (VALLE, 2005, p. 195-196).

Apesar das dificuldades, os Tremembé mantém vivos seus traços culturais,

sobretudo dançando o Torém, uma característica nata do povo Tremembé.

Outra característica do povo Tremembé é que estes são excelentes

nadadores e, portanto, amantes dos mares. No exercício da pesca, precisam de

conhecimentos sobre os perigos do mar, por isso, são observadores dos ciclos

marinhos.

Os Tremembé contribuíram de forma significativa para a formação

socioespacial do nosso Ceará, na força física, na bravura, no hábito de deitar em

redes, no artesanato, na bebida, na alegria de viver, nas práticas de pesca e na

gastronomia (tapioca, beiju e pirão estão entre os pratos mais conhecidos e

apreciados). Também contribuíram para o enriquecimento de muitos fazendeiros

que usurparam as terras indígenas. Hoje os Tremembé são protagonistas de suas

histórias de vida e lutam para que os seus direitos sejam garantidos perante a

perversa sociedade capitalista.

Mesmo vivendo em uma sociedade que apregoa o discurso da modernidade,

muitos setores da sociedade fazem uso de um discurso preconceituoso, alegando

que no Ceará não existem mais índios, que os descendentes indígenas se tornaram

pessoas comuns com acesso à tecnologia da informática, que andam vestidos e que

bebem refrigerante e cachaça. Existem setores da sociedade que parecem que não

absorveram que vivemos numa sociedade que é global e que a tecnologia existe

para melhorar a vida das pessoas e que isso independe de etnia. Os índios são

vistos de forma preconceituosa, situação esta que é reflexo da sociedade capitalista

que muitas vezes não aceita as diferenças sociais e se torna perseguidora dos

ideais indígenas de viver.

“[...] por isso, muitos tremembés são tachados como “ladrões”, traiçoeiros”, “preguiçosos” e “beberrões”, adjetivos que buscam desqualifica-los. “Procuram justificar, dessa forma, as ações contra os índios e a invasão a seus territórios” (SANTOS e OLIVEIRA, 2012, p. 33).

Assim, como outrora os Tremembé resistiram a invasão do colonizador, nos

dias atuais este povo continua lutando para não perder a posse de seus territórios

para os posseiros, latifundiários e as grandes corporações que tem investido em

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obras faraônicas, como por exemplo na construção de grandes risorts e hotéis

luxuosos visando a atração de um público internacional nas proximidades das terras

indígenas, de modo que as comunidades fiquem encurraladas e sejam obrigadas a

abandonar seus territórios.

A história do povo Tremembé está diretamente vinculada com a luta pela

terra. Em 1850, com a lei de terras, todos os índios perderam suas terras, uma vez

que não tinham condições financeiras para cadastrá-las em cartório. No Ceará, a

situação ainda se agravou mais, quando em 1863, o então governador da Província

declarou que não existia mais índios no território cearense. Só na década de 1980 é

que os Tremembé reemergem na história cearense e nos anos de 1990 são

oficialmente reconhecidos pelo órgão indigenista, Fundação Nacional do índio.

Fortalecem-se e se organizam na luta pela terra, que para eles é a vida.

Hoje os Tremembé de Itarema habitam diferentes territórios, destacando-se

os Tremembé da Tapera e Varjota, os Tremembé de Almofala e os Tremembé do

Córrego João Pereira.

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CAPÍTULO 3: DEMARCAÇÃO DA TERRA INDÍGENA: CONFLITOS E DISPUTAS

PELO TERRITÓRIO

3.1. Córrego João Pereira

O Córrego João Pereira é uma porção de território que outrora pertencia a

União e com a chegada da comunidade indígena e os conflitos que aconteceram ali,

esta área foi desapropriada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma

Agrária (INCRA), transformando-a em um assentamento e posteriormente teve a sua

condição de terra indígena reconhecida e demarcada pela Fundação Nacional do

Índio (FUNAI). Atualmente a Terra Indígena Córrego João Pereira é composta por

quatro comunidades, São José, Capim-açu, Cajazeiras que estão localizadas no

município de Itarema e Telhas que se localiza nos extremos de Itarema e Acaraú,

como veremos no próximo tópico.

De acordo com as narrativas orais, feitas em campo com os Tremembé, a

ocupação inicial do Córrego João Pereira ocorreu no final do século XIX por causa

da grande seca que aconteceu em 1888, conhecida na história como a seca dos três

oito. Os primeiros habitantes foram às famílias Suzano, Santos e Nascimento, vindos

de Almofala e desbravando as matas em busca de sobrevivência e principalmente

da abundante água encontrada no Córrego.

Figura 04: Estrada que dá acesso a comunidade indígena do Córrego João Pereira

Foto: Souza Neto, 2014.

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Essas famílias viveram tranquilas nessa região até o início do século XX. No

entanto, mais precisamente na década de 1920, com a chegada de um fazendeiro

oriundo da Itália, Moacir Sales Moura, um criador de gado que, se aproveitando da

inocência e falta de conhecimento do povo indígena, se infiltrou naquela área até se

apropriar da terra.

A ocupação do Córrego afirma a identidade indígena dos Tremembé. Quando

estes chegaram nesta região não havia habitantes, era apenas uma mata onde

viviam animais ferozes como a onça e peçonhentos como a cobra e caça, conforme

se observa no depoimento a seguir:

... Sobre os índios, quando os mais velhos foram achados. Quer dizer que aqueles que foram, correram pra mais longe, pruma légua, duas ou três de distância. Eles ficaram ali... Quando eles chegaram aqui só tinha onça, cobra e caça. Não tinha outros habitantes, quando esses índios chegaram aqui. Esses primeiros chegaram foi em 1888. Não era nem em 1900. Já foi na era dos três oito chamados né. Aí meu pai chegou mesmo depois, depois de Raimundo Suzano e José Suzano. Mas meu pai quando chegou era os dois habitantes que tinha. E mais pessoas, a não ser índio não tinha, não tinha né. (Patriarca, Capim-açu, Julho/1991)

12.

O depoimento de Patriarca nos revela que os caminhos do Córrego foram

abertos pelos índios que num ato de desbravamento e valentia se estabeleceram

naquele lugar e ali criaram uma identidade afetivo-social e política, passando a

pertencer àquela porção de território, de modo que este se interiorizava em cada

habitante através da manifestação da cultura e do modo de viver daquelas pessoas.

As famílias Suzano, Santos e Nascimento são reconhecidas pelos indígenas

mais novos como os moradores mais antigos do Córrego João Pereira, vivendo mais

precisamente na comunidade de São José/Capim-açu. Esta terra sempre foi

considerada indígena, pois fora encontrada pelos índios, como observamos no

depoimento de Patriarca, quando os índios chegaram nessa região “só tinha onça,

cobra e a caça”.

Com a chegada do fazendeiro Moacir Sales Moura no início do século XX,

tem início os conflitos fundiários, a espoliação da terra e a cobrança de renda sobre

as atividades agrícolas, Moacir criava muitos gados e tinha capangas encarregados

12

Depoimento disponível no acervo de documentos indígenas da ASSOCIAÇÃO MISSÃO TREMEMBÉ (AMIT). Processo nº 0072/87, fls 114.

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de cuidar destes animais. O fazendeiro chegou naquela região com o objetivo de

escapar seu gado com água do córrego, mas percebendo que os habitantes daquele

lugar não era um povo detentor de conhecimentos sobre os seus direitos, logo, se

aproveitou da inocência dos mesmos e tomou posse daquela porção territorial.

Moacir Sales Moura passou a cobrar a renda sobre as roças. As famílias Suzano e

Santos foram as mais prejudicadas nesse sistema, com o pagamento de renda de

suas roças “[...] tinha que pagar renda, que nós não era dono, por exemplo, aqui a

gente tinha muito cajueiro. Dá pra perceber né? A gente num era dono das

castanhas da gente e nem muito menos podia criar um animal, [...]” como diz um

índio Tremembé da comunidade de São José. A economia passou a ser de controle

do fazendeiro, toda a produção de farinha, atividade econômica de destaque

naquele período era dividida com o fazendeiro e o que restava só podia ser

comercializado com quem o fazendeiro permitisse.

Na década de 1980, os indígenas começaram a reagir contra os abusos

cometidos pelo fazendeiro, deixando de pagar renda, pois achavam injusto pagar

para trabalhar e morar em suas próprias terras. Assim tem início um período de

fortes represálias do fazendeiro contra a população originária, que tiveram suas

roças queimadas, casas derrubadas e cacimbas entupidas. A partir de 1980, os

índios expulsos nos conflitos dos anos de 1920 retornam às terras do Córrego João

Pereira e uma nova onda de novos conflitos entre o fazendeiro e os originários

voltam a se intensificar.

O primeiro conflito foi em 1910, depois teve um conflito em 1940 [...] ... Aí num tem conflito, o povo já tá meio que dominado, aí no Capim-açu tem um conflito na década de 60, nas Telhas tem conflito também na década de 40 e também na década de 80. Aí em Capim-Açu não vai ter mais conflitos porque os resistentes saíram, ficaram dominados. Aqui no São José vai ter um conflito também na década de 80 O entrevistado fala em 1910, porém os registros documentais encontrados no acervo da Associação Missão Tremembé nos mostram que os conflitos entre fazendeiro e naturais se acentuam na década de 1920). (Entrevista realizada com

Tremembé de São José em 05 de Setembro de 2013; grifos da autora).

Em 1937, após praticar muitos abusos contra os índios, Moacir Sales Moura,

mais uma vez se aproveita da inocência dos índios que não conheciam a lei e nem

tinham condições de contestar seus direitos perante a justiça, registra a terra em seu

nome, no 2º Cartório da Comarca de Acaraú.

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O Cartório do Acaraú foi fundando em 1934 e essa terra é cartorizada por ele, por esse camarada em 37, três anos depois que é fundado. Aí nós não tínhamos noção do que era registro, do que era nada, então ele colocou uns mapas e foi lá né e era muito influente na época, o pessoal que vinham de fora ficava muito influente só porque eram de fora aí registrou a terra. (Entrevista realizada com Tremembé de São José em 05 de Setembro de 2013).

Moacir Sales Moura e família se estabeleceram na fazenda São José

acentuando-se os conflitos nas décadas de 1960, 1970 e 1980. Em 1960, a família

Teixeira que habitava a região do Capim-açu contrapôs-se ao regime de escravidão

da forma como o trabalho estava sendo realizado e por isso foi expulsa dali. Os

Teixeira foram perseguidos por “policiais e pistoleiros”13, tiveram suas casas

derrubadas, suas plantações foram queimadas, restando um cenário de destruição e

desespero daquele povo que perdera todos os seus bens e ficaram sem ter para

onde ir. Esse foi o conflito mais tenso e mais violento que marcou a história de

ocupação da terra indígena Córrego João Pereira, confirmando a periculosidade e

maldade de Moacir Sales Moura contra os indígenas.

Os Teixeiras acreditavam que a Reforma Agrária seria a solução dos seus

problemas. Em 1980 eles retornam as terras do Capim-açu e buscam ajuda dos

movimentos sociais, Comissão Pastoral da Terra (CPT) e o Sindicato dos

Trabalhadores Rurais, contribuindo para a desapropriação da fazenda São José e

criação do assentamento. Nesse período, tem início as viagens protagonizadas pelo

Patriarca que pertencia à família Santos para o Ministério Público, que ao contrário

dos Teixeiras, era contra a terra desapropriada e a favor da demarcação.

[...] o Patriarca foi o primeiro Tremembé que foi no Ministério Público e disse que queria a terra não desapropriada, queria era demarcada e que ele era Tremembé. Mais foi só no comecinho da década de 90 que a gente começou. Com a visita do pessoal de Almofala, [...]. Eles citam a gente como Tremembé, pessoas que vieram de lá pra essa terra nesse tempo passado. (Entrevista realizada com Tremembé de São José em 05 de Setembro de 2013).

A partir de 1990, os Tremembé do São José Capim-açu, como eram

conhecidos naquele período, representados por lideranças da família Teixeira

começaram a escrever cartas para o órgão indigenista, a FUNAI e só por volta de

1997 obtiveram as primeiras respostas para seus pedidos de reconhecimento da

13

ASSOCIAÇÃO MISSÃO TREMEMBÉ (AMIT). Os Tremembé do São José e Capim-açu. Processo

nº 0072/87, fls 115.

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terra indígena, como podemos observar em uma das cartas enviadas pelos

Tremembé à instituição da FUNAI em Agosto de 1997.

Senhor presidente

Nós somos Tremembé do São José/Capim-Açu, município de Itarema, no Ceará. Nossa terra é indígena, nós conseguimos através do INCRA no Ceará, a desapropriação, num momento de muita perseguição e sofrimento. Foi no ano de 1988, e nós éramos nesse tempo 16 famílias indígenas, 1430 hectares.

Enfrentamos muitas dificuldades e por isso até hoje nossa terra nem ao menos foi oficializada pela Fundação Nacional do índio. Nossa dificuldade também é entre nós com muitas divergências que nascem das influências políticas e interesses econômicos contra nós e essas famílias ficam enfraquecidas e desorganizadas. E nós acabamos perdendo nossos direitos.

Nós precisamos com urgência da presença de representantes da FUNAI, para clarear nossos direitos, e acabar com a presença de pessoas estranhas que se dizem até do INCRA, do movimento dos sem terra e políticos da região que se juntam para tomar nossas terras, [...]. Trecho de uma carta enviada a FUNAI pelos Tremembé do São José/Capim-Açu em Agosto de 1997

14 (Grifos da autora).

Em resposta às primeiras correspondências o órgão indigenista pedia ao povo

Tremembé elementos que comprovasse que aquela área era de fato habitada por

índios Tremembé. No ano de 1999, a FUNAI veio conhecer a região em pauta e

também fez um estudo onde definiu São José/Capim-açu e Cajazeiras

denominando-as de gleba I e só posteriormente vieram fazer a identificação da

comunidade indígena de Telhas que recebeu a denominação de gleba II. E em 2002

aconteceu a demarcação jurídica e a desintrusão da área.

De acordo com informações obtidas em campo, as duas glebas mantém

relações políticas, comerciais e outras diversas com os municípios de Itarema e

Acaraú, salvando-se quando se trata de resolver questões que dizem respeito direto

às comunidades indígenas, a mobilidade se volta para o município de Itarema, uma

vez que a Coordenação Técnica Local – FUNAI está sediada neste município. Essa

relação da mobilidade indígena pode ser observada no mapa 04.

Politicamente, foi possível observar nas entrevistas realizadas com lideranças

indígenas do Córrego João Pereira que existe uma autonomia e um distanciamento

político em relação à liderança do Cacique do povo Tremembé, no entanto, sua

14

Arquivo disponível na Associação Missão Tremembé (AMIT).

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Mapa 04: Mobilidade indígena dos Tremembé do Córrego João Pereira/Telhas e Queimada

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sua presença na comunidade indígena Córrego João Pereira ocorre quase sempre

quando há algum evento organizado pela comunidade supracitada.

No contexto das relações entre as várias comunidades indígenas Tremembé

foi possível perceber que há um distanciamento em relação à comunidade de

Almofala. Durante as entrevistas, ainda que de forma discreta, percebemos esta

situação nas entrelinhas das falas. Consideramos que isto ocorre em decorrência,

principalmente, da localização geográfica de Almofala. Situada na praia, esta

comunidade desperta o interesse de turistas, de estudantes da educação básica e

de universitários que, curiosos para conhecer a história e o modo de viver dos

Tremembé se dirigem na maioria das vezes à Almofala, e, finalmente, temos o ponto

crucial desse distanciamento, uma vez que muitos dos projetos para comunidades

indígenas Tremembé são realizados também em Almofala, um exemplo dessa

realidade é a construção do Museu Tremembé que está sendo feito em Almofala. É

importante ressaltar que a influência de Almofala pode está ligada ao fato da

formação do povo Tremembé no Ceará ser originária desta região.

A terra indígena Córrego João Pereira foi homologada em 2003, e até o

presente momento segue como a única terra indígena no estado do Ceará.

Salientamos ainda que a homologação de Telhas, que territorialmente se encontra

localizada no Córrego, só ocorreu anos mais tarde, dadas, as diferenças existentes

entre os processos fundiários que culminaram com a desapropriação e demarcação

destas terras hoje de domínio do povo Tremembé. Nessa nova configuração que as

comunidades passam a viver pós-demarcação da terra, é interessante notarmos e

colocarmos em pauta a discussão das escolas de ensino diferenciadas, cada

comunidade possui a sua própria escola e seus professores são de dentro da

própria comunidade.

A escola indígena diferenciada busca ofertar para seu público um ensino que

mantenha as características do povo indígena, que seja apropriada para os povos

indígenas. De acordo com Fonteles Filho (2003,) a educação indígena no Ceará tem

sua ascensão no ano de 1997, sem “[...] qualquer apoio e reconhecimento por parte

dos órgãos governamentais, como a Secretaria de Educação Básica do Estado –

SEDUC [...]” (FONTELES FILHO, 2003, p.12). A escola indígena diferenciada é uma

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escola plural, projetada de acordo com a experiência do corpo de professores e as

perspectivas almejadas por cada etnia ou comunidade indígena.

A escola indígena caracteriza-se por sua pluralidade, diversidade e

dinamicidade, os educadores indígenas preocupam-se em buscar meios para que a

escola indígena seja transformada e possa ser verdadeiramente diferenciada, com

um ensino de qualidade e que contribua para manter vivos o modo de vida e a

cultura indígena, a educação indígena é trabalhada dentro da comunidade desde o

nascimento da criança até alcançar a vida madura, objetivando que o índio cresça e

madureça tendo consciência da importância de suas ações para o bem coletivo.

Figura 05: Escola indígena diferenciada Rosa Suzana da Rocha

Foto: Souza Neto, 2014.

A escola indígena organiza seu currículo de modo que permita ofertar um

conhecimento direcionado para o ensino de disciplinas regulares, como por

exemplo, Língua Portuguesa, História, Geografia e a Informática, uma vez, que

esses conhecimentos contribuem para a defesa dos direitos dos povos indígenas,

mas isso não significa que também não seja ensinada a língua materna, que permita

revitalizar e valorizar a cultura e a identidade indígena.

Para os índios, a escola diferenciada tem-se tornado fundamental por „justamente ter resgatado a concepção de educação: de ligar a prática educacional a prática de luta [...]. Deste modo, a escola está profundamente inserida dentro do cotidiano do movimento indígena atual, „sendo inclusive uma de suas preocupações em assembleias e encontros, ligada sempre á luta mais ampla, como o direito e garantia das terras [...]

[...]

[...] Os Tremembé foram os primeiros a implantarem uma escola indígena na comunidade da Praia em 1991, sem qualquer apoio por parte da SEDUC

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ou da Secretaria de Educação do Município de Itarema, onde estão localizados, tendo conquistado somente em 1997 o reconhecimento e apoio oficial às lutas pela escola diferenciada (FONTELES FILHO, 2003, p. 16 e 17).

Essa preocupação com o ensino indígena diferenciado ficou evidente na VI

Assembleia do Movimento Indígena Tremembé, que ocorreu na comunidade

indígena Córrego João Pereira. Na ocasião do evento, todas as comunidades

indígenas Tremembé de Itarema se fizeram presente para contribuir com as

discussões referentes às questões da terra, saúde e educação e a partir da

assembleia, elaborar um relatório com as principais reivindicações do povo

Tremembé.

Figura 06: VI Assembleia do Movimento Indígena Tremembé Foto: Araújo, 2015.

No que consiste a questão da educação indígena, os professores trouxeram

para debate na assembleia, a situação da desvalorização em que estes se

encontram, onde foi possível constatar que os mesmos exercem suas atividades na

condição de professores contratados e não tem uma categoria ou um sindicato de

professores indígenas que os representem perante o Estado.

A categoria de professor indígena, infelizmente é algo que não foi criado ainda, mesmo que a educação indígena no estado do Ceará tenha sido implementada por nós há muito tempo, mais infelizmente ainda não foi

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criada essa categoria. [....] se a gente for olhar a questão do sistema do Estado a gente é um professor comum, um professor convencional, ou seja, a gente não é reconhecido como professor indígena. Quando é que nós vamos ser reconhecido como professor indígena? Né? Quando for criada a categoria. [...] E em consequência disso vem a questão da efetivação, que o jeito mais viável, que me parece que tem é a questão de concurso público

15.

Figura 07: Professores Tremembé discutindo a educação indígena na VI Assembleia do Movimento Indígena Tremembé

Foto: Araújo, 2015.

Uma das principais questões salientadas pelo grupo de professores é a falta

de atenção e de apoio que os órgãos educacionais, a exemplo da Secretaria de

Educação do Estado – SEDUC tem dado aos professores indígenas. Houve

conquistas positivas para uma melhor qualificação desses professores, hoje todos

os professores indígenas têm a oportunidade de concluírem um curso superior,

através da oferta de curso de graduação na Universidade Federal do Ceará (UFC),

por meio do Magistério Indígena Tremembé.

15

Fala proferida por um professor Tremembé na VI Assembleia do Movimento Indígena Tremembé em Janeiro de 2015.

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De acordo com o estudo realizado por Fonteles Filho (2003) com a ascensão

da escola indígena diferenciada os professores sentiram a necessidade de buscar

qualificação profissional, foi então que partindo do interesse dos professores e com

ajuda de profissionais como o próprio Fonteles Filho, o Magistério Indígena

Tremembé foi sistematizado e organizado.

A escola indígena que de fato seja diferenciada faz parte das discussões

cotidianas dos povos indígenas, tendo se tornado umas das principais preocupações

colocadas pelas comunidades indígenas em suas assembleias e nos encontros

ligados a questão da terra, tem sempre um momento em que a educação

diferenciada se faz presente.

3.2. Telhas

A Terra Indígena de Telhas está geograficamente localizada entre os limites

que separam os municípios de Itarema e Acaraú e compõe a quarta comunidade

que forma a Terra Indígena Córrego do João Pereira. Esta divisão geográfica deve-

se ao fato de que os Tremembé de Telhas, embora mantenham relações sociais e

culturais com os Tremembé do Córrego, acreditam que vivem numa unidade

territorial distinta.

Figura 08: Estrada que dá acesso a comunidade de Telhas Foto: Araújo, 2014.

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De acordo com moradores mais velhos da comunidade, a primeira família a

se instalar em Telhas foi a família do senhor Manoel Rufino dos Reis, posteriormente

teria vindo o senhor Luís Paulo do Nascimento que se casou com uma filha do

senhor Manoel Rufino. Ainda de com acordo as entrevistas colhidas durante o

trabalho de campo, esses primeiros habitantes são originários de Almofala.

Chegaram ao território onde hoje está localizada a comunidade indígena de Telhas

no início do século XX, já cansados de um longo processo migratório causado pela

famosa seca de 1888 que assolou e desabrigou muitas comunidades e também

pessoas isoladas no Estado do Ceará.

Os nossos mais velhos, bisavós, tataravós, eram de Almofala, ai migraram pra cá, porque sempre tinha essas imigração (a entrevistada quis dizer migração), de quando lá estava tendo tempo ruim, procurava melhora, vinha procurar as matas, que aqui era mais fácil ter mata pra trabalhar, pra caçar né, e ai a família se separava, ai depois eles foram construindo família aqui, meu bisavô, e ai foram ficando aqui morando sempre aqui, nossa família mesmo é de Almofala, descendente de Almofala. (Entrevista realizada com Tremembé de Telhas em 26 de Fevereiro de 2014).

O meu bisavô foi um dos primeiro habitante daqui. Fala muito nos três oito, que eu não compreendo esses três oito. [...] (Quando perguntei sobre o ano de formação da comunidade, a resposta foi vaga, o entrevistado fala dos três oito, o que nos levas a crer que esta comunidade teria se formado no ano da seca de 1888 quando as pessoas em busca principalmente de água migravam de seus lugares de origem. Como as terras onde hoje fica a comunidade indígena de Telhas na época tinha o córrego muitas pessoas iam para aquela região em busca da água). (Entrevista realizada com Tremembé de Telhas em 26 de Fevereiro de 2014; grifos da autora).

Segundo Lopes (2014, p. 79) a família Rufino se uniu à família Nascimento

para que pudessem governar a Terra em Telhas. “[...] Desta união, constitui-se a

linhagem das famílias que até hoje ocupam o local, os Nascimento [...]” (p. 79). Mais

tarde Francisco Chicute também migra para Telhas, casando-se com outra filha do

senhor Manoel Rufino e contribuindo para a constituição de um emaranhado de

parentesco que formaram a comunidade indígena de Telhas. Salientamos que o

nome Telhas surgiu quando o índio Manoel Rufino ergueu sua casa naquela área e

trouxe nas costas as telhas para cobrir sua casa do município de Marco. Portanto, o

trabalho indígena contribuiu para legitimar a posse da terra antes habitada apenas

por animais ferozes.

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Os Tremembé viveram ali sossegados até a década de 1920, trabalhando na

terra, fazendo roçados, caçando nas matas e também criando animais de pequeno

porte e assim, garantiam a subsistência de suas famílias. A partir de 1920 surgem os

primeiros conflitos fundiários, que alcançarão o ápice apenas na década de 1980.

Os posseiros chegaram e se disseram donos das terras que os índios viviam. De

acordo com um Tremembé, os conflitos ascenderam quando o senhor Francisco

Felipe da Rocha, antigo comerciante e tabelião de Acaraú, o velho Sassico, tenta

expulsar as famílias indígenas de suas terras, afirmando que aquelas terras lhe

pertenciam e erguendo ali uma fazenda para criação de gado, dada a fartura de

água que brotava do córrego. A partir daí, se apossou das terras indígenas, como

observamos no depoimento que se segue.

parece que eles tinha umas vacas e pediram pra dá agua ao gado por algum tempo. Aí se apossaram da terra, achavam o córrego com água fácil e achavam que nós era uns pobre coitado que não sabia de nada e aí começaram a se apossar e aí diziam que era deles (o entrevistado está se referindo a terra) e aí nós ficávamos reprimido porque nós não tinha comprado a terra, era posseiro. (Entrevista realizada com Tremembé de Telhas em 26 de Fevereiro de 2014; grifos da autora).

Os índios insatisfeitos com a situação foram até o comércio do Sassico para

cobrar satisfações e lá chegando foram notificados de que as terras onde eles

habitavam agora pertenciam ao comerciante. Inconformados com a situação os

Tremembé recorrem à justiça, como observamos no relato de um Tremembé de

Telhas.

Eu fui lá no armazém dele [do Francisco Felipe da Rocha] e perguntei: "Seu Chico você comprou aquela área de terra? Nós temos o papel dela!" Ele foi e disse: "Mas seu [nome do índio] eu comprei". Mas eu digo: "Seu Chico você ficou no lugar do receptador", que o receptador é aquele que compra o que não é seu. Aí eu disse: "Seu Chico aquela terra é nossa eu vou lhe chamar a apresentação do Juiz", com o Juiz de Acaraú.

[...] Eu tô dando essa explicação pra você entender qual é o erro aqui. Então ele comprou a terra, veio negociando e eu fui lá com ele. "Seu Francisco você comprou essa terra e essa terra não é sua nós temos o papel dela." Ele disse: "Ah não, eu fiz outro papel dela". Aí nós fomos na presença do promotor. Aí fui lá no promotor de Acaraú, dei parte dele. [...] Segunda ele foi, meteu uma "coisinha molhada" na mão do promotor (suborno), e hoje é pouca a justiça do direito, mas com o dinheiro tem muita (justiça). Aí ele meteu na mão do promotor e quando eu cheguei lá que eu dei parte dele, o promotor foi e disse: "Seu Chico entre pra dentro", o promotor já conhecia ele, e eu que fui dar parte ele não me conhecia. [...].

Aí eu fui lá e contei tudinho. O promotor puxou uma relação de papel, que o papel da terra dele é do segundo tabelião, Otávio [...] sobrinho desse Sassico, que eu tô dizendo, o Francisco Felipe é o Sassico. E este agora, que estava comandando o cartório é o Otávio, sobrinho dele. Então esse

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papel do Chico foi feito lá e os meus são no federal, no cartório da Honorata.

[...] Eu sei que o promotor disse: "moço, cadê o rapaz que veio dar parte de você?" Eu tinha ido na Dona Maria Honorata e eu disse: "que nós tem o papel lá, mas é papel antigo." [Lá no cartório um funcionário] foi e disse: "você pega esse cartãozinho aqui, entrega ao promotor pra comprovar que você tem o papel da terra aqui." Quando eu mostrei o papel ao promotor ele disse: "eu não atendo bilhete aqui não." Aí o Chico mostrou e foi quando ele [o promotor] disse: "É Seu Chico a terra é sua." [...]

E aí ele levantou a fazenda acolá e entramos em ação. Foram três ações que ele [o fazendeiro “Sassico”] promoveu. [...] Isso foi em 1986. [...] E então ele concordou com o juiz, porque tem juiz de dinheiro, mas não tem juiz de direito. O Benevides, que era juiz de Acaraú. Cheguei lá e ele [o juiz] disse: "Seu [nome do índio] o senhor perdeu a questão." Eu digo: "Qual o motivo doutor?" [...]. “Vocês perderam porque teve uma ação que vocês não atenderam” [...] (Silva, 1999, p. 48).

[...] os conflitos decorrentes dessa disputa se configuram como os mais trágicos e dolorosos da historia dos Tremembé de Telhas, resultando na morte da esposa desta mesma liderança que tenta na justiça reaver a posse da terra (LOPES, 2014, p. 84).

Nessa passagem observamos que o poder econômico e a influência política

de Francisco Felipe da Rocha se sobressaíram, levando-o a ganhar na “justiça” a

terra indígena que já havia sido documentada no ano de 1955 pelo índio Tremembé

Luis Sabino. Outro personagem que também se apossou de terras indígenas em

Telhas, foi Padre Odécio de Loiola, pároco do município de Bela Cruz. Ao se

apossar das terras indígenas, padre Odécio implanta um verdadeiro regime de

servidão aos indígenas que são obrigados a pagar renda de tudo que produzissem

para garantirem sua subsistência, conforme observamos no depoimento a seguir:

Aí eles cercaram e ficaram com 100 braças, essas braças já venderam, já passaram de herança. Até essa questão chegou em nós povo mais novo, na era do Sassico, (Francisco Felipe da Rocha), que era o tabelião de Acaraú, ele dizia ser dono daqui, era ele e o Padre Odécio de Bela Cruz. Aí ficou nós de um lado (referindo-se ao povo mais velho, as primeiras pessoas que chegaram nas terras onde hoje fica a comunidade de Telhas), Sassico e o Padre Odécio de outro. Meu avô ficou só com 100 braças e aí depois de muito tempo o Sassico começou fazer questão pra tomar essas 100 braças, essa questão rolou por muitos anos até que quando meu avô morreu o Sassico mandou fazer a derrubada das casas, derrubou a casa de todo mundo, até morreu uma mulher aqui. Depois desses acontecido nós começamos a procurar o sindicato, porque a gente sabia que era índio mais a gente não podia dizer. A gente ia se declarar, a gente sem dizer que era índio eles chegavam na nossa casa e derrubavam, nós passamo foi tempo morando debaixo de um cajueiro, e aí se fosse dizer que nós era índio eles fazia era matar a gente. Todo mundo vivia amedrontado. E então começou, veio o sindicato e deu apoio a gente, aí começou o povo de Almofala a dá comida a nós, trouxe um antropólogo, o pessoal da Funai (aqui a entrevistada está se referindo ao processo que deu início a demarcação da terra indígena). (Entrevista realizada com

Tremembé de Telhas em 26 de Fevereiro de 2014; grifos da autora).

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O padre Odécio recebeu muita renda das pessoas daqui. Nós brocava na terra dele porque nós precisava trabalhar, 100 braças não dava pra todo mundo brocar. Aí precisava por exemplo brocar na terra do seu Rogério Aguiar aí ele arrendava um quadro por tantos alqueiros de milho ou de farinha, aí a pessoa trabalhava lá, plantava, cuidava e aí no tempo de fazer a colheita tinha que pagar a renda. No ano que o inverno era fraco e não desse pra pagar a renda, no outro ano não podia brocar. Hoje não, a pessoa broca o roçado, graças a Deus, hoje como realmente a gente pode dizer a terra realmente é nossa, só não pra vender, mas pra morar, pro filho, pro neto. Hoje nós broca um pedaço de chão e não somos obrigado a trabalhar pra ninguém, porque isso aconteceu com nós todos, quando era pra arrendar o mato aí chegava lá se não tivesse terminado de bater o cajueiro dele, ele fazia nós voltar pra não acerar o roçado, enquanto não fizesse o serviço dele ele não aceitava acerar o roçado, e hoje não, pode chegar lá tira o aceiro do roçado, eu broco o roçado, cerco, colho e faço o que eu quiser, boto dentro de casa pro meus filhos comer, hoje eu possuo uma vaquinha, quase todo mundo possui, vai lá tirar a forragem, traz a lenha pra queimar e naquela época nem a lenha pra queimar a gente podia trazer (Entrevista realizada com Tremembé de Telhas em 26 de Fevereiro de 2014.

Quando em sua fala a entrevistada fala que o “[...] Sassico mandou fazer a

derrubada das casas [...]”, ela está se referindo a uma ação promovida por policiais

e capangas do comerciante, cujo objetivo era amedrontar e expulsar os indígenas de

suas terras. Observamos o terror moral e psicológico que esses povos foram

submetidos, mesmo diante da violência, as famílias se recusaram abandonar suas

terras, essa situação fica clara quando a entrevistada afirma que “[...] nós passamo

foi tempo morando debaixo de um cajueiro [...]”. As famílias indígenas se recusaram

a abandonar suas terras, pois a veem como um filho ver sua mãe. Estar em sua

terra, significava ter liberdade e autonomia.

Para legitimar o discurso de pertencimento e posse destas terras, os índios

se fundamentam na história de desbravamento, contam que estas terras antes da

chegada dos indígenas eram terras desabitadas, abandonadas e que não havia

suscitado o interesse de ninguém. Amparados por esse discurso, os Tremembé de

Telhas no início de 1999 começaram a enviar os primeiros pedidos a FUNAI

reivindicando a demarcação da Terra Indígena de Telhas, conquistada pós-

demarcação da terra indígena Córrego João Pereira (Gleba I).Salientamos que a

demarcação da terra indígena de Telhas ocorre em momentos distintos, pois os

processos fundiários que culminaram com a demarcação são de ordens distintas

conforme tratamos no início deste tópico.

No presente momento, os Tremembé de Telhas gozam sossego, após todos

os conflitos e violências que sofreram, de posse de suas terras vivem livremente,

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podendo viver a sua cultura de índio. Quando perguntada sobre o significado da

terra, a entrevistada imediatamente responde.

Eu acho de liberdade, de autonomia, de dizer que estamos na nossa terra, estamos liberto pra trabalhar, pra criar, pra viver nela, que isso era o sonho de todos que vivia oprimido pelos posseiros, pra brocar um pedaço de chão tinha que pagar tantos e tantos de renda, hoje não, isso daqui é tudo nosso, aonde quiser brocar pode brocar, sabe, pode criar, é liberdade mesmo (Entrevista realizada com Tremembé de Telhas em 26 de Fevereiro de 2014.

Percebemos no trecho acima, que hoje os Tremembé de Telhas vivem um

sentimento de liberdade, que o tempo da violência e opressão ficou para trás. Donos

das terras em que vivem, este povo planta, cria, colhe suas castanhas e o excedente

pode ser comercializado com quem eles desejam. A mais nova fonte de renda dessa

comunidade é o artesanato confeccionado pelas mulheres indígenas de Telhas, que

confeccionam belíssimos objetos e enfeites para homens e mulheres, destacando-se

os brincos, colares, pulseiras e anéis e também utensílios domésticos feitos de barro

com pinturas que expressam a originalidade do povo Tremembé. A comunidade vive

em comunhão e também partilha de uma escola indígena diferenciada.

Figura 09: Sede da Escola indígena diferenciada Francisco Sales Nascimento e

Conselho dos índios Tremembé do Córrego de Telhas

Foto: Nascimento, 2015.

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Hoje a luta dos Tremembé de Telhas é por uma vida digna, por escola

diferenciada de qualidade, melhorias na saúde e também nas condições de trabalho,

porque segundo os mesmos, não se depende apenas da terra para trabalhar, outros

instrumentos, tais como ferramentas e máquinas são necessárias para melhorar as

condições de trabalho e subsistência da comunidade.

Nós queremos uma vida digna, por exemplo, uma boa escola pro nossos filhos, [....] poder trabalhar na terra, nós tem a terra, mas nós depende de muita coisa, só com os nossos braços sem ter nada, ninguém faz nada, por isso é que eu digo, nós precisa das instituição que nos ajuda, nós precisamos de uma boa escola, nós precisamos de uma boa saúde, que a água é um ponto muito crítico, é então isso dai que nós precisamos pra ter uma vida digna, hoje existe a lei, o governo tenta proibir trabalhar na mata, que não é correto, isso dai, mas também precisa dele fazer uma pesquisa, e reparar, que a gente sabe que tem área aqui, que se ele fizesse pra deixar de queimar a mata, que nós tem muita mata, nós tem mata desde que a terra passou pra nós, tem mata ai que nunca foi retirado nada, só tira um pezinho se precisar pra alguma casa, mais se pegasse e ligasse água pra cá, era outra melhorada pra nós, que realmente nós não ia brocar 5 hectare de terra, e se o inverno chegar, e não for um inverno bom, ai nós destruímos ela, ai pronto, quando for no outro ano, não teve o que aproveitar, mas se teve água ligada, nós vamos ficar naquelas 5 hectare anos e anos, pois é ai que eu digo que nós precisamos das instituições, por que nossa comunidade tem condição de fazer um projeto de irrigação, porque se não tivesse um projeto de irrigação, nós aqui na seca verde, o feijão o milho, nós não precisaria comprar lá fora, [...] nós dependemos do inverno das graças de deus quando ele mandar, ai a gente faz, mas só que nós tem um verão e ai se não vier o próximo inverno, a se nós tivesse um projeto de irrigação, nós tivesse água em abundância, com certeza nós tinha fartura em nossa casa, a vida digna que eu digo é assim, é ter oportunidade de fazer alguma coisa, nós não queremos prato feito, nós queremos ajuda pra fazer (Entrevista realizada com Tremembé de Telhas em 26 de Fevereiro de 2014.

Nesse trecho fica evidente que a comunidade necessita de melhorias, os

Tremembé clamam por melhores condições de subsistência, que, portanto, a nova

luta que se configura para esse povo é por garantia de seus direitos de cidadãos

brasileiros e cearenses, de seres humanos que buscam ter as suas necessidades

básicas atendidas e sua voz ouvida pela sociedade e pelas instituições públicas

responsáveis para atender às demandas dos povos indígenas.

3.3. Queimadas

Da mesma forma que as comunidades indígenas Córrego João Pereira e

Telhas têm suas formações por meio de um processo migratório, Queimadas tem

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sua formação semelhante a essas comunidades, os habitantes dessa comunidade

vieram da Lagoa dos Negros.

Nós morava na Lagoa dos Nego, porque lá foi onde nós achemos a Lagoa. Ela foi achada pelo velho Cosmo, João Cosmo, um velho que era nosso pajé, ele desencantava lagoa. Aí voltaram para Almofala e convida os amigos deles para morar lá na Lagoa dos Negos. Quer dizer que eu posso comentar do achamento da Lagoa em diante (....) Porque do achamento da Lagoa pra cá é que foi o terror. Ai vamos sofrer. Pois bem nós achemos a Lagoa depois dos homens, [refere-se a família de Doca Sales do Acaraú e demais] os mais velhos: Félix, Chico Condorosa, José Mariano, João Carneiro, Zé Maria e o meu pai Manuel Ferreira do Nascimento. Então, meu avô, finado Chico Barba brocaram roçado e ficaram (...) chamamo Lagoa dos Negos porque os negos que encontraram, os negos era nós. (...) ficamos até que ele chegou [refere-se a Doca Sales] dizendo que a terra era dele e queria solto aquele terreno, não queria ninguém dentro. Ai ficaram por ali afora quando vimo a polícia chegando dois soldados, um sargento e ele Doca Sales , veio, chegou, nesse tempo quem sabia o que era polícia, ninguém sabia. Aí o que ele faz, os outros quando viram a polícia correu gente pra tudo quanto é lado. Eram muitos tudo tinha filhos, já filho grande, espirrô todo mundo e o papai com onze filhos como é que iam me carregar, eu ainda estava nos cueiros e minha mãe contava tudo pra gente. Tínhamos uma roça grande, o milho já bonecando, contando o que ele faz, o meu pai suspendeu a cabeça e foi e disse: é seu Doca Sales, uma andorinha só não faz verão, os outros tudo correram e eu não posso correr, porque se eles tivessem tudo aqui cada qual tinha dado uma opinião e todo mundo podia ter ficado. Mas ele ficou sozinho com onze filhos ia fazer o quê? Se cobrindo com um cesto? E disse ainda meu pai: só tenho uma palavra pro senhor, o senhor é rico e pode pagar a polícia pra por nós pra fora, mas saiba disso a terra não é sua, se fosse sua o senhor tinha executado nela, como nós achamos esse rio, a lagoa que bota os bichos pra dentro, o suor que derramei pra dar de comer pros meus filhos, se o bicho comeu o que é meu, ele lhe come também, aí ele baixou a cabeça e foi embora. Com um mês começou a chegar gente e aí finquemos o primeiro arame do mundo, foi um boi chamado rozetona grande que cercou o terreno do meu pai, deixou tudo aberto e jogou gado lá dentro [refere-se a Doca Sales] ai acabou-se tudo agora meu pai saiu de lá no outro ano porque a mandioca não tava boa arrancou e fez a farinha e tocou-se da Lagoa dos Negros, saiu fazendo variante com o facão, saiu na Gameleira, saiu nas Pedrinhas e depois saiu dentro desse lugar [refere-se as Queimadas]. [...] (LOPES, 2014, p. 104).

Nossa descendência de índio vem de Almofala [...] o meu avô por parte da minha mãe era de lá [...], Manoel Antonio Coco, era o chefe de Almofala. O meu avô por parte da minha mãe. Quando eles vieram de Almofala, meu pai, aí ficaram na Lagoa dos Negos. A Lagoa dos Negos é uma terra que nunca teve papel. Aí seu Doca Sales que morava no Acaraú chegou, aí os negos trabaiano, a lagoa muito boa, tinha até muito peixe dentro. Ele andou passeano por aí, vendo o pessoal e aí pediu pro mode botar um gadinho, que gadinho foi esse. Quando ele se apanhou com o gado aí, aí soltou os caboco véi. A gente tinha medo nesse tempo, na hora que dissesse olha a polícia tinha nego que corria (Entrevista realizada com Tremembé de Queimadas Maio de 2014).

No relato acima percebemos a falta de índole de Doca Sales, e mais uma

vez vemos o poder e a influência daquele que era um cidadão da cidade se

sobressair sobre a falta de conhecimento e a injustiça que se praticara contra os

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povos indígenas desde os primórdios da colonização. Também é possível observar

nos relatos a referência aos índios de Almofala “[...] Aí voltaram para Almofala e

convida os amigos deles para morar lá na Lagoa dos Negos [...]” Em outro momento

outro entrevistado reafirma a sua descendência “Nossa descendência de índio vem

de Almofala [...] o meu avô por parte da minha mãe era de lá [...], Manoel Antonio

Coco, era o chefe de Almofala.[...]”.

Em 1927, sete famílias chegam às terras que atualmente compreende a

comunidade de Queimadas, um lugar desabitado e por isso os índios decidiram

habitar, criando um legítimo discurso de donos da terra, uma vez que a mesma

havia sido ocupada primeiramente por eles.

Quando nós cheguemo aqui não existia nada, nada. Só essa queimada (Queimadas havia sofrido um incêndio e havia sido queimada de uma ponta a outra, daí o nome). Os mais velhos chegaram aqui em 27, agora no dia 24 desse mês eu vou fazer 84 anos, nasci e me criei aqui e a chegada é assim como eu tava contano pra senhora. Quando eu me intindi no mundo eles já tavam tudo aqui, os mais velhos [...] (Entrevista realizada com Tremembé de Queimadas Maio de 2014, Grifos da autora).

Segundo o entrevistado nos relatou Queimadas era uma terra sem dono, em

suas palavras ele diz “[...] aqui não tinha dono, os dono era nóis [...]” para reafirmar o

discurso de que eles foram os primeiros habitantes desta terra. E diante daquela

queimada, os primeiros moradores começaram a se organizar e fazer as primeiras

instalações para abrigo das famílias, ali viviam e, dentro das possibilidades, foram

trabalhando a difícil terra. Ali viveram de forma tranquila até o início dos anos 80,

com a chegada de técnicos do DNOCS para trabalhar na construção do Perímetro

Irrigado do Baixo Acaraú. As terras já eram de posse dos Tremembé, os mesmos

em 1957 haviam conseguido uma escritura pública de posse da terra.

Na década de 1970 tem início os amplos investimentos do Governo Federal

na implantação de Perímetros Irrigados na região Nordeste, nesse contexto, o Ceará

se destaca na recepção desses aparelhos, culminando com a construção do

Perímetro Irrigado do Baixo Acaraú e adentrando na Terra indígena de Queimadas.

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Figura 10: Perímetro Irrigado Baixo Acaraú

Foto: Araújo, 2014.

Os perímetros irrigados são grandes áreas públicas de terras destinadas para a produção agrícola a partir de toda uma infraestrutura hídrica, elétrica e de escoamento que possibilita a estabilidade da produção independente das chuvas. Sua estrutura se divide em lotes de dimensões e públicos variados que contam com uma moderna estrutura composta por canais de irrigação que recebem água de rios e grandes reservatórios, armazenam e transportam essa água para os lotes. No caso do PI. Baixo Acaraú, as águas que abastecem os canais tem origem na perenização do rio Acaraú na altura do município de Marco. No entanto, a sustentação hídrica vem das águas do açude Jaibaras em Sobral (LOPES, 2014, p.120).

Com a entrada desse órgão federal nas terras de Queimadas, tem início

também a emergência étnica dos Tremembé dali, que passaram a enfrentar uma

nova luta pelo território, lutando por uma área de 912 hectares. Os perímetros

irrigados são projetos aos interesses sociais das populações que vivem as margens

dessas construções, dentre as implicações destes projetos destacam-se o

reassentamento das famílias desapropriadas para construção dos loteamentos

durante as obras, na condição de pequenos produtores. Observa-se ainda que os

maiores beneficiados com a construção de perímetros irrigados são as grandes

corporações, empresas com alto poder aquisitivo, que dispõem de capital para

investir em instrumentos e maquinários que possibilitam grandes produções que são

escoadas para o exterior. É o que ocorre, por exemplo, com a produção final do

Baixo Acaraú.

Nesse contexto de uma política de modernização da agricultura, as terras

indígenas de Queimadas foram alcançadas por intermédio do DNOCS , seus

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habitantes sofreram intensos conflitos psicológicos, como o medo de perderem suas

terras e suas moradias novamente.

O DNOCS chegou aqui em 1988, mediu tudo. Em 1999 começaram os loteamentos né. Aí aguentamos por aqui e tal, justamente na promessa do DNOCS, que eles aqui prometeram aos mais velhos, 12 famílias que o DNOCS encontrou aqui né, dizendo que era bom pra eles, num sei o que eles concordaram né. Quem num quer coisa boa né? Pelo contrário, enganaram os mais velhos e aí quando foi de 99 a 2000 eles começaram a lotear, aí quando foi em 2003 nós entremos na justiça por reconhecimento indígena né, e conseguimos e hoje tamo aqui ainda (Entrevista realizada com Tremembé de Queimadas Maio de 2014).

O período de conflitos em Queimadas tem início entre 1988 e 1992, quando

os primeiros técnicos do DNOCS chegaram à comunidade para fazer os primeiros

levantamentos fundiários e também os estudos de topografia. De acordo com as

narrativas orais o DNOCS pagou 500 cruzeiros novos para cada uma das 12

famílias que moravam ali, prometendo aos índios que eles não teriam que sair de

suas terras, enganando-os dessa forma, pois segundo os moradores, no documento

protocolado pelo DNOCS, dizia que os índios estavam sendo indenizados e que,

portanto, teriam que deixar aquelas terras.

Diante dessa informação os indígenas busca apoio na Justiça e com ajuda da

Funai, conseguem a portaria da terra indígena de Queimadas. Atualmente vivem na

comunidade e as terras são de domínio dos Tremembé, faltando ainda a

demarcação e homologação definitiva da terra.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Desde o momento inicial da pesquisa, quando iniciamos o levantamento de

literatura, para que pudéssemos nos apropriar da questão indígena já tínhamos a

consciência de que os índios, primeiros povos a desbravar as terras cearenses,

continuam vivendo aqui. Estes povos vivem sua memória histórica e por meio da luta

cotidiana buscam resgatar e dar continuidade seus projetos de vida. Identificamos

conhecimentos e valores herdados dos „índios velhos‟, dos antepassados, no modo

de viver das comunidades indígenas contemporâneas que são expressos nos rituais

e crenças praticados por esses povos.

Esses povos resistiram ao longo processo histórico de opressão e violência,

muitos indígenas, ainda quando crianças viram seus familiares seres mortos por

capangas de fazendeiros, tiveram suas casas derrubadas, roças e plantações

queimadas. Viram os seus sonhos serem enterrados pelo homem branco, que com

sua ardente crueldade não poupou os índios de sua maldade e astuta ganância.

No Estado do Ceará, hoje temos 12 etnias reunidas, conforme podemos

observar no mapa 02, que lutam tencionando um futuro melhor do que tiveram seus

antepassados. Lutam para que possam através das riquezas naturais, dos valores e

conhecimentos herdados de seus antepassados e também das experiências que

trazem consigo e das que têm adquirido na luta possam viver em suas terras e viver

dignamente como índio. O viver dignamente para os indígenas é poder ter

garantidos o respeito às diferenças, a conservação de seus modos de viver, apoio

das instituições para que possam trabalhar, educar os „índios novos‟, praticar seus

rituais e tomar as decisões sobre suas próprias vidas e também sobre a vida em

comunidade.

No decorrer do desenvolvimento da pesquisa, foi possível constatar que os

povos indígenas representam uma parcela significativa da população cearense e

não podemos negar que a diversidade cultural desses povos, a constituição dos

distintos territórios que desbravaram, que seus conhecimentos e valores foram

elementos de significativa importância na constituição da formação socioespacial do

Ceará. A força física do homem originário contribuiu para a acumulação primitiva do

capital, nos deixaram importantes contribuições na gastronomia, na cultura, na

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confecção e utilização de utensílios domésticos, feitos de barro e nas crenças

praticadas por diferentes grupos sociais, a exemplo, do espiritismo.

Desde nosso primeiro encontro com os Tremembé do Córrego João Pereira

em setembro de 2013, quando conversamos com lideranças dessa comunidade, ali

nasceu o desejo de conhecer mais sobre o modo de vida desses povos. Durante a

conversa observamos o posicionamento político, o desejo de lutar para manter vivos

os direitos dos Tremembé, constatamos a demarcação da Terra indígena dessa

comunidade e decidimos agregar ao nosso estudo um conhecimento sobre as

comunidade indígenas de Telhas e Queimadas.

Salientamos que a demarcação da Terra indígena dessas três comunidades,

embora estejam à margem dos estudos de muitos pesquisadores, é algo que

significa uma revitalização da vida dos índios que habitam nestas comunidades. Eles

foram pioneiros ao desbravar as matas e fundar estas comunidades, como eles

mesmos disseram durante os trabalhos de campo, quando eles chegaram naquelas

terras, não havia ninguém a não serem as matas, os animais ferozes e os índios,

reafirmando, portanto, a efetiva participação do povo Tremembé na nossa formação

socioespacial cearense.

As narrativas em torno da demarcação da Terra Indígena Córrego João

Pereira assumiu grande importância para que pudéssemos alcançar os objetivos os

quais propúnhamos alcançar com essa pesquisa. As histórias de formação dessas

comunidades nos mostraram tão grande foi a contribuição desse povo na formação

de nosso território, situação que não foi diferente nos diálogos travados nas

comunidades de Telhas e Queimadas.

Creio que a demarcação das Terras Indígenas citadas acima contribui de

maneira significativa para que as instituições possam reconhecer que o território

cearense compõe-se de grupos indígenas que precederam a atual configuração,

abrindo margem para que as lutas e bandeiras defendidas pelos povos indígenas

sejam vistas como necessárias e que o bem-estar desses povos venham ser

garantidos. Que as terras indígenas venham ser vistas pela sociedade com o

mesmo sentido que tem para os índios, não apenas como um bem material, mas

como um lugar onde as formas de vida acontecem, como um elemento de

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resistência, mas também que unifica, reunindo os povos indígenas num contexto

geral em prol da luta de uma única bandeira, a demarcação da terra e a garantia de

seus direitos de serem diferentes no cerne da sociedade capitalista atual.

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APÊNDICE

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APÊNDICE A – MATRIZ DE PERIODIZAÇÃO ELABORADA PARA

COMPREENDER A CONTRIBUIÇÃO INDÍGENA DENTRO DA FORMAÇÃO

SOCIOESPACIAL CEARENSE NO CONTEXTO BRASILEIRO

Século XV

(1401-1500)

1500 - Vicente Yañez Pinzón alcança as terras brasileiras.

O provável local do desembarque foi no Ceará, em um

cabo que Pinzón denominou de Santa Maria de La

Consolacion16.

Século XVI

(1501-1600)

1534 – tem início a escravização dos indígenas brasileiros.

1549 – ascende a política dos aldeamentos que consistia

em educar os índios para viver a cristandade, os

aldeamentos funcionavam como centros de treinamento,

onde os índios eram preparados para atender a demanda

do colonizador. Tinha como máxima servir a Deus e ao

Estado Português.

Século XVII

(1601-1700)

1687 – ocorre o maior e mais violento levante praticado

contra os povos indígenas, a Guerra dos Bárbaros no

Nordeste brasileiro. Esse movimento foi protagonizado por

diversas etnias e teve seu trágico fim com o extermínio de

quase todos os índios que habitavam a região Nordeste.

Século XVIII

(1701-1800)

1713 – fim da Guerra dos Bárbaros.

1758 - é instituído o Diretório Pombalino no Brasil, dando

início a um regime de controle e poder sobre os índios,

estes foram forçados a viverem um processo de

miscigenação, criando no imaginário das pessoas a ideia

que os índios do Ceará haviam sido extintos. O trabalho

dos índios passou a ser rigorosamente controlado, o povo

que antes fazia suas próprias regras, foram obrigados a

obedecer a regras alheias. Com intuito de aculturar ainda

mais esses povos tiveram a sua língua mãe substituída

pelo ensino obrigatório da língua portuguesa.

16

Para saber mais acerca deste acontecimento ler POMPEU SOBRINHO, Thomaz. ProtoHistória Cearense. 2. Ed. Fortaleza, Edições UFC, 1980.

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1759 – foram erguidas as primeiras vilas de índios no

Ceará.

1798 – o Diretório Pombalino é extinto no Brasil, mas

continuou sendo referência nas tomadas de decisões

político-administrativas sobre os índios, perdurando essa

situação até o ano de 1824 quando foi promulgada a

Constituição.

Século XIX

(1801-1900)

1850 - é sancionada a Lei de Terras que instaurou a

propriedade capitalista da Terra no Brasil, fazendo que os

índios fossem destituídos de suas terras.

1863 - o presidente da província cearense apresentou um

relatório que afirmava que já não havia mais índios

vivendo no Estado do Ceará, o objetivo era violentar e

expropriar os povos indígenas de suas terras para

entrega-las ao homem branco, que desde 1850 eram o

único que tinha direito de adquirir terras e registrá-las em

cartório.

Século XX

(1901-2000)

1980 – emergência do movimento indígena no estado do

Ceará.