UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA ESCOLA DE … · Aos colegas do Curso de Mestrado Profissional em...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIAESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO
NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO
Rosely Moraes Sampaio
Iniciativas e limites à modernização
da gestão administrativa na
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB
Salvador - Bahia2003
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ROSELY MORAES SAMPAIO
Iniciativas e limites à modernização
da gestão administrativa na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB
Dissertação submetida ao Núcleo de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal da Bahia como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre Profissional emAdministração.
Orientadora: Profa. Dra. Ruthy Nadia Laniado
Salvador - Bahia2003
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ROSELY MORAES SAMPAIO
Iniciativas e limites à modernização
da gestão administrativa na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB
Dissertação para obtenção do grau de Mestre Profissional em Administração.
Salvador, 22 de dezembro de 2003.
Banca Examinadora:
Profa. Dra. Ruthy Nadia LaniadoUniversidade Federal da Bahia – UFBA
Prof. Dr. Amilcar BaiardiUniversidade Federal da Bahia – UFBA
Profa. Dra. Tânia FischerUniversidade Federal da Bahia – UFBA
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Aos meus pais, Antonio Vaz Sampaio (in memoriam)
e Rosa Moraes Sampaio por me ensinarem a aprender.
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AGRADECIMENTOS
Ao Deus Eterno, em quem não há mudança e nem sombra de variação.
Aos meus pais, Antonio Vaz Sampaio (in memorian) e Rosa Moraes Sampaiopelo que representam na minha vida, e, meus irmãos, Robson Antonio Moraes Sampaio e Nádia Cristina Moraes Sampaio, pelo intenso amor que expressam por mim.
À profa. Ruthy Nadia Laniado pelos ensinamentos e os constantes desafios que a mim colocava. Agradeço pela confiança, pelas importantes contribuições ecorreções feitas a este trabalho e, sobretudo, pelo apoio na minha formação.
À Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB pelo incentivo a pós-graduação do corpo técnico-administrativo e pelo apoio institucional.
A todos os entrevistados que permitiram registrar as suas impressões sobre a experiência vivenciada.
À profa. Tânia Fischer por tornar o meu sonho de cursar o Mestrado umarealização possível.
Aos professores Francisco Teixeira, José Célio S. Andrade e José Antonio Gomes de Pinho pelo apoio e aprendizado durante o período em que trabalhei no Núcleo de Pós-Graduação em Administração – NPGA/EAUFBA.
A equipe do NPGA/EAUFBA, particularmente a Ernani, Dacy, Anaélia, Cilícia e Jade pela agradável convivência.
Aos colegas do Curso de Mestrado Profissional em Administração – Turma IIIpelo convívio ao longo do curso.
Aos professores do Curso de Mestrado Profissional em Administração,especialmente as profas. Maria do Carmo Lessa Guimarães e Sandra Maria Chaves Santos pela dedicação e brilhantismo em sala de aula.
À Liriam Castro por ter me acolhido na capital soteropolitana.
Correndo o risco de cometer omissões, agradeço a Elisabete Santos, Renata Rossi, Maria Ester Figueiredo, Tanya Andrade, Danielle Cavalcanti, Jaide Braga, Edilece Couto, Carmita Baltar, Ellen Melo Ribeiro, Maria Suely Ribeiro, LeilaFagundes, Alberto Marques, Profa. Elisabete Loiola, Roselita Menezes, Erbene Café, Magali Viana, Vanessa Melo, Denise Mayra Souza, Manuela Ramos,
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Débora Dourado, Marcelo Nolasco, Tereza Chenaud, Núbia Ramos e aosmembros do grupo de estudo bíblico. Todos sabem o porquê.
RESUMO
Esta dissertação analisa a gestão administrativa observando a relação entreiniciativas e efetivação de projetos de modernização, tomando como parâmetro de análise o padrão dos valores culturais que facilitam ou obstaculizam um processo de mudança na gestão. Para tanto, investiga duas iniciativas de modernização propostas pelo Reitorado da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia –UESB, para o período de 1999 a 2001. Os projetos - Implantação de um Novo Modelo de Desenvolvimento Gerencial na UESB e Orçamento Participativo na UESB: uma prática democrática – voltam-se para as áreas de recursos humanos e finanças, respectivamente. Esta investigação caracteriza-se como um estudo de caso, apoiado em fontes primárias e secundárias de coleta de dados. Ainterpretação das informações obtidas adota uma perspectiva sócio-cultural de análise e revela que fatores objetivos e subjetivos – valores culturais e padrões de conduta – dos envolvidos na proposição e implementação das referidas propostas implicaram, igualmente, nas condições de realização das mesmas,determinando os limites e o nível de consecução que obtiveram.
Palavras-chave: gestão administrativa – universidade – modernização – cultura
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ABSTRACT
This dissertation analyses the academic management in terms of the relationship between initiatives and the effective implementation of modernization projectstaking into account the cultural values pattern which support or hide changes in the process of management. In order to reach this goal, the research analyses two proposals of management modernization held by the Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia - UESB, for the 1999-2001 period. The projects -Implementation of a new model of management and Participatory Budget, were addressed to the human resources and finance areas, respectively. This research is led as a case study, supported on primary and secondary sources of data. It is adopted a socio-cultural approach for the data analysis. It was found that objective and subjective factors - cultural values and behaviour patterns - of thoseindividual in charge of the proposals were determinant to the proposals success and have fixed the their limits and level of implementation achieved by them.
Key words: academic management; university; modernization; culture.
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SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 12
1.1 A RELEVÂNCIA DA UNIVERSIDADE ..................................................................... 12
1.2 DELIMITAÇÃO DA PESQUISA ................................................................................ 15
1.3 ESTRUTURA DO TRABALHO .................................................................................. 18
2. TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO MODERNO
.......................................................
20
2.1 VELHOS HÁBITOS EM PRÁTICAS NOVAS: A MODERNIZAÇÃO CABOCLA E
A TRANSFORMAÇÃO SOCIAL ................................................................................. 25
2.2. DO “JEITINHO” BRASILEIRO AO ESTRANGEIRISMO: TRAÇOS DA
CULTURA BRASILEIRA NA VIDA ORGANIZACIONAL
...........................................................
32
3. UNIVERSIDADE COMO ORGANIZAÇÃO NA SOCIEDADE
...................................
42
3.1 UNIVERSIDADE COMO ORGANIZAÇÃO: O SINGULAR NO
COMUM .................
42
3.2 GESTÃO UNIVERSITÁRIA: A UNIVERSIDADE VISTA POR DENTRO ..................... 46
3.3 UNIVERSIDADE E GESTÃO: A COMPLEXA TRAMA DA PARTICIPAÇÃO E
AUTOGESTÃO ........................................................................................................ 51
3.3.1 As múltiplas faces da participação
...................................................................
51
3.3.2 O sentido da participação na gestão universitária
..........................................
55
3.2 ALGUNS TRAÇOS HISTÓRICOS DA UNIVERSIDADE PÚBLICA NO
BRASIL......
58
70
4.O OBJETO EM SEU CONTEXTO: A UNIVERSIDADE ESTADUAL DO
SUDOESTE DA BAHIA – UESB .............................................................................. 62
4.1 HISTÓRICO
..............................................................................................................
62
4.2 ESTRUTURA ORGANIZACIONAL E ATIVIDADESACADÊMICAS ........................
66
4.3 A COMUNIDADE UNIVERSITÁRIA: CORPO DOCENTE, TÉCNICO-
ADMINISTRATIVO E DISCENTE ........................................................................... 71
5. A DINÂMICA DE IMPLANTAÇÃO DOS PROJETOS DE MODERNIZAÇÃO DA
UESB: O PLANEJADO E O VIVIDO ........................................................................ 74
5.1 OS PROJETOS DE MODERNIZAÇÃO PARA A UESB: UMA ANÁLISE DOS
DOCUMENTOS ........................................................................................................ 74
5.2 A VISÃO DOS ATORES SOBRE OS PROJETOS DE
MODERNIZAÇÃO ..............
93
5.2.1 Construindo consensos: a mudança como foco
.............................................
93
5.2.2 Compreendendo a participação como princípio orientador da
gestão .........
98
5.2.3 Compreendendo os projetos como estratégias de renovação da gestão .... 103
5.2.4 “Remando contra a maré”: compreendendo os fatores que limitaram a implementação das propostas de modernização ............................................
108
5.2.5 Compreendendo a adesão dos atores às propostas de modernização ....... 121
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 124
7. REFERÊNCIAS .......................................................................................................... 129
8. APÊNDICE .. .............................................................................................................. 137
9. ANEXO ........................................................................................................................ 138
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LISTA DE FIGURAS
Quadro 01 - Tipologia simplificada de padrões culturais de comportamento 26
Quadro 02 - Traços brasileiros para uma análise organizacional ................. 37
Quadro 03 - Principais características da universidade pública brasileira .... 45
Mapa I - Região Sudoeste do Estado da Bahia ...................................... 64
Figura 01 - Macro Estrutura Organizacional da UESB ................................ 67
Quadro 04 - Quantitativo de servidores técnico-administrativos por nível de
qualificação ..............................................................................
72
Quadro 05 - Experiências voltadas para o Planejamento da UESB – 1993/1999
.................................................................................
77
Figura 02 - Ciclo proposto para elaboração do Orçamento Participativo na
UESB .........................................................................................
92
Quadro 06 - Eixos de convergência dos projetos de modernização ............. 96
Quadro 07 - A participação como ideal para a modernização na UESB ....... 100
Quadro 08 - Fatores que limitaram a implementação dos projetos de
modernização na UESB – Dimensão Institucional .................... 110
Quadro 09 - Fatores que limitaram a implementação dos projetos de
modernização na UESB – Dimensão Política ...........................
113
Quadro 10 - Fatores que limitaram a implementação dos projetos de
modernização na UESB – Dimensão Sócio-Cultural ................
117
LISTA DE TABELAS
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Tabela 01 - Orçamentos destinados a UESB no período de 1999 a 2002 88
LISTA DE SIGLAS
ANPEd Associação Nacional dos Profissionais da Educação
ASPLAN Assessoria de Finanças e Planejamento
CONSAD Conselho de Administração
CONSEPE Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão
CONSU Conselho Universitário
COP Comissão de Orçamento Participativo
CORH Conselho Orientador de Recursos Humanos
FMI Fundo Monetário Internacional
GRH Gerência de Recursos Humanos
IES Instituições de Ensino Superior
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação
MEC Ministério da Educação e Cultura
ONGs Organizações Não-Governamentais
OP Orçamento Participativo
PAR Plano de Aplicação de Recursos
PROEX Pró-Reitoria de Extensão
PRPPG Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação
RH Recursos Humanos
SIPLAN Sistema de Planejamento
SUCAB Superintendência de Construções Administrativas da Bahia
UEFS Universidade de Feira de Santana
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UESB Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia
UESC Universidade Estadual de Santa Cruz
UFBA Universidade Federal da Bahia
UNEB Universidade do Estado da Bahia
UNISANTA Universidade Santa Cecília
USCAL Universidade Católica do Salvador
USP Universidade de São Paulo
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I. INTRODUÇÃO
1.1 A RELEVÂNCIA DA UNIVERSIDADE
A modernização das universidades públicas brasileiras foi objeto central da Reforma
Universitária em 1968 e, desde então, tem se constituído na tônica das questões sociais prementes
relativas à educação, conhecimento e ciência, debate que se atualiza em função da proposta de uma
nova reforma para o sistema universitário brasileiro. Como será discutido ao longo deste estudo, o
momento atual apresenta diferenças substantivas daquele produzido na década de 60. De acordo
com Santos (1995), a universidade, em particular a pública, defronta-se com a necessidade de
romper com o atual modelo e, por esta razão, é duplamente desafiada pelo Estado e pela sociedade.
Mas, sugere o autor, parece não haver condições para defrontar este desafio, tanto mais que as
transformações necessárias são profundas e não podem caracterizar reformas parcelares. Tal limite,
mais do que conjuntural, parece ser estrutural, na medida em que a perenidade da instituição
universitária, sobretudo no mundo ocidental, está associada à rigidez funcional e organizacional, à
relativa impermeabilidade às pressões externas, enfim, à aversão a mudanças.
Santos (1995) discute os parâmetros da complexa situação em que se defronta a
universidade hoje e aponta algumas das dificuldades que são inerentes à própria definição de suas
funções sociais que, por serem múltiplas, geram, em muitos aspectos, antagonismos de difícil
compatibilização. Pela sua novidade e importância e pelas estratégias ao mesmo tempo de
ocultação e de compatibilização que suscitam, estes antagonismos formam os limites da capacidade
de mudança na universidade e são hoje o tema central de uma abordagem sociológica e gerencial
desta instituição. O autor analisa criticamente o modelo atual e afirma que é da natureza das
instituições universitárias não intervir no nível das causas profundas de suas contradições,
priorizando a gestão das tensões que tende a se tornar sistêmica e representa, sempre, a reprodução
controlada de uma crise orgânica.
Trigueiro (1999) corrobora as críticas de Santos (1995). Este autor desenvolve o
argumento de que a principal ameaça à instituição universitária não está fora dela, mas em seu
próprio interior: suas práticas obsoletas, sua dificuldade em adequar-se a um novo contexto de
relações sociais em um mundo economicamente complexo, seu conservadorismo e problemas
como o corporativismo e o individualismo exacerbado, que reduzem o potencial inovador e criativo
das universidades.
Como pode ser observado, os desafios da gestão universitária não se constituem em
preocupação apenas para os seus dirigentes. Catani, Dourado e Oliveira (2001) analisaram a
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produção científica sobre educação superior1, estabelecendo a relação entre a natureza e o caráter
das instituições (pública, privada, confessional e comunitária) e seus desdobramentos na gestão e
na reconfiguração dos modelos organizacionais. Concluíram que, entre o período que compreende
a reforma universitária de 1968 até o ano de 1995, a gestão universitária esteve no centro do debate
das análises realizadas por estudiosos do tema:
A gestão universitária esteve no centro da discussão do processo de
implementação da reforma universitária de 1968 e se manteve como
temática importante, especialmente nos diferentes contextos de crise das
universidades públicas no período 1968-1995. Em tal percurso começou a
entrar em cena a questão da identidade e do caráter distintivo da
universidade. Nessa perspectiva é que se discutiu, em grande parte, a
modernização-modelação institucionais e o aperfeiçoamento da gestão
(CATANI, DOURADO e OLIVEIRA, 2001:79).
A renovação de modelos administrativos continua no centro das
discussões da administração universitária até os dias atuais e situa-se em pólos
que se estendem desde as críticas ao modelo burocrático das universidades, a
fragmentação produzida pela departamentalização como forma de organização
do trabalho, os mecanismos de participação e decisão, a autonomia como
princípio acadêmico-administrativo até os discursos em prol da racionalidade
administrativa, do aumento da eficiência na alocação dos recursos, da
qualificação dos quadros de pessoal etc. Os autores citados levantam a hipótese
de que o interesse em estudos que tratem da organização acadêmica e gestão se
relacionam com a necessidade de modernização-modelação institucional
requerida pelos gestores, no sentido de formular sistemas de informação que
permitam um maior planejamento das atividades associados a políticas
acadêmicas que tornem mais ágeis e eficientes o trabalho, além de ações no
âmbito de cada instituição, de modo a tornar a gestão mais “profissional” e a
estrutura acadêmica cada vez mais “funcional”.
Assim, de algum modo, os compromissos dos diferentes segmentos
acadêmicos organizados com a gestão democrática nas universidades
1 O estudo analisa a produção científica sobre educação superior no período compreendido entre 1968 e 1995, presente nos periódicos catalogados no Banco de Dados Universitas/Br, organizado pelo GT Política de Educação Superior da Associação Nacional dos Profissionais da Educação –ANPEd.
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públicas parecem se ter vinculado à formulação de um modo de produzir que
fosse mais eficiente socialmente, mas que não eximia essas instituições de
uma reorganização interna do trabalho acadêmico (CATANI, DOURADO e
OLIVEIRA, 2001:72).
Os autores que se preocupam com a temática da modernização na universidade
brasileira, e que são referência para este estudo, são unânimes em afirmar que as questões
relacionadas à gestão universitária quase sempre são adjetivadas com os atributos da racionalidade
técnica, calcados nos princípios da eficiência e eficácia, aspectos particulares do modelo
produtivista de mercado. Esta lógica de orientação retira do centro do debate a função crítica que
concerne à universidade, ou seja, contribuir para a produção e sistematização de valores e
conhecimentos que se relacionam com o desenvolvimento e o fortalecimento da sociedade e da
cidadania ativa, evidenciando a participação e a cultura política e cívica sobre direitos e deveres. O
compromisso social da universidade busca produzir conhecimentos científico, tecnológico e
cultural que permitem ampliar o desenvolvimento e a integração social por meio da produção
acadêmica e da formação de recursos humanos competentes para as constantes demandas que
surgem. É assim que se torna possível pressupor uma sociedade civil participativa e uma cidadania
inclusiva que garantam a liberdade, a igualdade, a justiça e a boa vida, isto é, fomentando na
sociedade uma cultura política voltada para o bem comum e a solidariedade, bases da democracia
moderna e da cidadania na sociedade de classes. Para Sobrinho (1996) não é a eficiência
produtivista e a qualidade mercantilista, mas a eficácia democrática e a qualidade social e política
que explicam o papel social da universidade. Pode-se acrescentar que a democracia e a boa
condição de vida se beneficiam de uma universidade que se transforma e influencia a
transformação da própria democracia de modo mais substantivo.
1.2 DELIMITAÇÃO DA PESQUISA
Estas considerações sobre a universidade e o mundo no qual a insere, colocam no
centro do debate a gestão universitária como problemática de estudo. Esta temática evidencia -se
sob diferentes perspectivas, uma vez que a universidade é um complexo objeto presente na
realidade e que apresenta caráter e complexidade distintas, o que gera desafios analíticos e
concretos para estudar cada uma ou todas estas instituições. Não obstante, experiências
modernizadoras têm sido realizadas em algumas universidades brasileiras, a exemplo da construção
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de um modelo participativo de gestão adotado pela Universidade Santa Cecília – UNISANTA, o
que revela um esforço conjunto de superação dos desafios da administração universitária 2.
Com o objetivo de modernizar a gestão, particularmente nas áreas de finanças e
recursos humanos, a Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB propôs dois projetos de
modernização que conformam o objeto empírico desta pesquisa, quais sejam: a) Implantação de um
Novo Modelo de Desenvolvimento Gerencial da UESB e, b) Orçamento Participativo na UESB:
uma prática democrática. Para realizar este estudo, o trabalho guiou-se pela seguinte questão de
pesquisa: como e por que os projetos de modernização propostos pelo Reitorado da UESB no
período de 1999 a 2001 se efetivaram (ou não) enquanto ação propositiva no âmbito da Instituição?
Toma-se como pressuposto do problema que os projetos de modernização institucional
envolvem: a) as dificuldades que a Universidade enfrenta; b) as novas abordagens sobre mudanças
que permitem tornar a organização de ensino superior atualizada no seu tempo, e c) os impactos
das propostas sobre a realidade vivida pela organização, conforme o nível de amadurecimento das
mesmas e a vontade dos indivíduos envolvidos em torná-las bem sucedidas. No cerne destas
questões, que envolvem fatores objetivos e subjetivos, considera-se que os padrões culturais de
comportamento implicam, igualmente, em condições fundamentais de realização de projetos de
modernização, remetendo as características das diferentes iniciativas aos atributos do capital social,
como a cooperação e a participação dos envolvidos na consecução das propostas, além da
confiança e dos valores de cultura política que moldam as condutas.
O objetivo geral deste estudo é, portanto, analisar a gestão administrativa observando
a relação entre iniciativas e efetivação de projetos de modernização, tomando como parâmetro de
análise o padrão dos valores culturais que facilitam ou obstaculizam o processo de mudança na
gestão. Consequentemente, o presente estudo buscou entender o nível de consecução que
alcançaram os projetos propostos para a UESB, em termos do desenvolvimento das diferentes
etapas e implementação dos mesmos. Identificou-se, conforme cada projeto, os limites que
determinaram o alcance (resultados) das medidas propostas em termos de mudanças, modernização
e perspectivas futuras na gestão universitária. Para tanto, foi necessário analisar que padrões de
valores, critérios e entendimento dos princípios de mudança na gestão expressavam os dirigentes
envolvidos na produção e implementação dos planos em questão, levando em conta a tradição de
gestão e as normas que prevaleceram no ambiente social.
O caminho metodológico percorrido na investigação insere este estudo no
campo da pesquisa qualitativa. Reconhece-se que a escolha de uma abordagem para
análise de um dado fenômeno não é determinada por si só, “mas é a natureza do
problema ou seu nível de aprofundamento que, de fato, determina a escolha do
2 Ver PENTEADO (1998, 1991).
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método” (Richardson,1999:70). A definição por um método é influenciada pelo olhar
do pesquisador, portanto, o resultado da pesquisa se constitui num “imbricamento
entre a habilidade do produtor, sua experiência e seu rigor científico” (Minayo,
2000:23).
Embora haja diversidade entre os trabalhos denominados qualitativos,
Godoy (1995:62-63) caracteriza alguns aspectos essenciais que identificam os estudos
que se apoiam nesta abordagem: (a) possuem como preocupação fundamental o
estudo e a análise do mundo empírico em seu ambiente natural. Para os
pesquisadores que adotam esta abordagem um fenômeno pode observado no
contexto em que ocorre e do qual é parte; (b) a pesquisa qualitativa valoriza o caráter
descritivo da apreensão dos dados, preocupando-se com o processo e não
simplesmente com os resultados ou produto. “Não é possível compreender o
comportamento humano sem a compreensão do quadro referencial (estrutura) dentro
do qual os indivíduos interpretam seus pensamentos, sentimentos e ações”. (Godoy,
2000:62); (c) O significado que as pessoas dão aos processos/experiências que
participam são levados em conta pelo investigador que tenta entendê-los a partir da
perspectiva dos sujeitos; (d) a utilização do enfoque indutivo na análise dos dados.
Para realizar esta investigação, utilizou-se o método do estudo de caso, estratégia de
pesquisa recomendável quando se pretende analisar uma dada situação social, enfatizando as
múltiplas dimensões, o seu contexto, divergências e os conflitos que a caracterizam (Godoy, 1995).
Yin (1993) descreve algumas situações em que o estudo de caso é apropriado: quando se pretende
investigar um fenômeno contemporâneo em seu contexto de vida real; quando as fronteiras entre o
fenômeno investigado e o contexto não são claramente discerníveis, e quando é necessário fazer
uso de múltiplas fontes de evidência. Estes aspectos caracterizam o presente estudo, o que justifica
a escolha do método em questão.
A pesquisa ganha relevância no contexto atual da Reforma do Estado brasileiro que
anuncia mudanças no sistema universitário do país, particularmente por tentar elucidar questões de
fundo que, como será afirmado mais adiante, envolvem aspectos subjetivos dos modos de agir e
manifestações objetivas que se constituem em elementos facilitadores ou obstaculizadores aos
esforços modernizantes.
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1.3 ESTRUTURA DO TRABALHO
Para realizar a investigação sobre as experiências de modernização da gestão na
UESB, situou-se a análise a partir de uma perspectiva que contempla contribuições teóricas dos
seguintes campos do conhecimento: sociologia, antropologia e administração. O mapeamento
teórico inicial sobre o tema tomou como ponto de partida os conceitos-chave que o orientam, quais
sejam: universidade, cultura, modernização e gestão universitária. Paralelamente ao trabalho de
campo, foi-se aprofundando a bibliografia, instituindo um movimento pendular entre o aporte
teórico e a observação da realidade empírica. O trabalho monográfico é composto por seis
capítulos e obedece a seguinte ordem de estruturação:
Esta Introdução, que apresenta o tema e o problema da administração universitária,
contextualizando as experiências modernizadoras propostas pela administração central da UESB,
para o período de 1999 a 2001, e ainda, os pressupostos e os objetivos da pesquisa.
O Capítulo 02 discute os fundamentos teóricos que apoiaram a pesquisa. Problematiza
a questão da modernização na sociedade brasileira, trazendo para o centro da discussão a
interpretação que privilegia elementos históricos e sociais para explicar as dificuldades de
apropriação de novos valores e práticas que busquem romper com padrões de ação já estabelecidos.
A idéia central que perpassa todo o capítulo trata da preocupação expressa na teoria social quanto
às possibilidades concretas de constituição de novos valores e práticas num ambiente voltado para a
cultura, o conhecimento e a ciência, mas, que se constitui em óbice as mudanças.
O Capítulo 03 trata especificamente da universidade como uma organização na
sociedade. Apresenta suas características mais gerais, dando ênfase às suas particularidades, ou
seja, o que a diferencia entre as demais organizações presentes na sociedade. Em seguida, analisa a
gestão em instituições desta natureza e insere a noção de participação, temática que encerra um
debate muito diversificado e, para o presente objeto de estudo, implica em estratégias e políticas de
atuação definidas. Por fim, é apresentado um breve histórico da criação da universidade pública
brasileira.
O Capítulo 04 apresenta o objeto em seu contexto real - a Universidade Estadual do
Sudoeste da Bahia - UESB, cenário em que os projetos de modernização foram propostos.
O Capítulo 05 analisa os resultados dos dados coletados no estudo empírico. O
capítulo se subdivide em duas sessões: na primeira, descreve as experiências de modernização
realizadas na década de 90 na UESB e analisa o conteúdo das propostas de modernização, que
constituem o objeto deste estudo. Na segunda parte, a experiência modernizadora é investigada a
partir da visão dos envolvidos na elaboração/implementação das propostas e busca-se confrontar os
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referenciais teóricos com os dados colhidos em campo entre os entrevistados – a percepção sobre a
experiência de viabilizar a modernização na UESB.
Por fim, o Capítulo 06 reúne as conclusões da autora sobre o estudo realizado.
CAPÍTULO II – TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO MODERNO
Os modos de vida produzidos pela modernidade desvencilharam o homem dos tipos
tradicionais de ordem social. As transformações ocorridas foram mais profundas que a maioria das
mudanças dos períodos históricos precedentes, de acordo com Giddens (1991). Embora reconheça
que existem continuidades entre o tradicional e o moderno e nem um nem outro formam um todo à
parte, o autor afirma que transformações profundas ocorreram tanto no plano extensional dos
modos de vida quanto no modo de expressar a intencionalidade da ação do sujeito moderno. Sobre
o plano extensional, as transformações serviram para estabelecer formas de interconexão social que
recobrem o globo; em termos intencionais, elas provocaram alterações na forma de situar o
indivíduo em diferentes esferas do mundo social e também alterações em algumas das mais íntimas
e pessoais características de nossa existência cotidiana (GIDDENS, 1991).
Três características envolvem as descontinuidades que separam as instituições sociais
modernas das ordens sociais tradicionais. A primeira diz respeito ao ritmo da mudança. A rapidez
das mudanças em condições de modernidade é extrema, ainda que se conclua que as civilizações
tradicionais podem ter sido, consideravelmente, também dinâmicas. A segunda descontinuidade
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refere-se ao escopo da mudança, ou seja a amplitude dos novos processos engendrados pela
modernidade. E a terceira característica diz respeito à natureza intrínseca das instituições modernas
– racionais e burocráticas - que não são encontradas em períodos históricos precedentes
(GIDDENS, 1991).
Além destas características, a modernidade é definida temporalmente por um conjunto
de transformações que emergiram na Europa, a partir do século XVII, e que ulteriormente se
tornaram mais ou menos mundiais em sua influência. Configura, portanto, um conjunto de
transformações profundas que ocorreram no conhecimento, na sociedade e na cultura a partir deste
período e que trouxeram à tona o mundo tal como hoje o conhecemos e concebemos: um
conhecimento e uma ciência laicos e autônomos, uma ordem social complexa regida por normas
formais e contratos, e uma integração de culturas e territórios de forma intensificada. Estas
transformações se pautaram em novos princípios e novas percepções sobre o homem e a realidade
histórica, na formação de novas instituições sociais, novas visões sobre a política e personagens
sociais distintos dos que predominavam no mundo tradicional (BARBOSA, 2001).
As transformações exigidas pela modernidade requerem uma modernização contínua
das instituições para que estejam atualizadas em seu tempo. Consoante com Barbosa (2001),
modernizar é a face material da modernidade e implica na infra-estrutura que objetiva os
fundamentos da própria sociedade. No Dicionário de Política (Bobbio, Mateucci e Pasquino, 2000),
a noção de modernização destaca que o desenvolvimento das sociedades possibilitou tomar
consciência de que as transformações não são apenas o processo de difusão de instituições, valores
e técnicas originadas nas sociedades européias, mas é um processo aberto e contínuo de interação
entre sujeito, razão, instituições, culturas e técnicas que permitiram avanços integrados em todos os
níveis, ainda que assimétricos entre diversas sociedades, como atesta a experiência colonial nas
Américas. O aspecto mais relevante do processo se relaciona exatamente com o surgimento de
novas formas políticas, novas relações econômicas e sociais, distintas e diferenciadas.
Este processo envolve todas as esferas do sistema social de forma
freqüentemente conjunta, se desenvolve segundo modelos alternativos que
apresentam características semelhantes e peculiares, modelos que permitem,
porém, identificar, no transcorrer da história, sistemas políticos, econômicos
e sociais mais ou menos modernos do que outros, com base em categorias
comparadas (PASQUINO, 2000:768).
A principal contribuição da dimensão modernizadora para o presente
estudo é a de que nenhuma reflexão sobre a mesma pode fugir de uma análise
dos valores, das tendências, das atitudes e das motivações de indivíduos e
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grupos que podem influir, positiva ou negativamente, na aceitação e na produção
de novas formas de agir social. A dinâmica deste campo de formação da ação
social, no que ela contempla a objetividade de condutas e parâmetros de
convivência social, ainda que mantendo vários elementos da tradição (família,
comunidade, carisma etc), é assim descrita por Pasquino:
Da descoberta da existência de valores correlatos à Modernização ou em relação de causa e efeito com ela, se passou ao estudo dos modos como esses valores são criados, transmitidos e modificados e, portanto, a uma investigação cada vez mais complexa e sofisticada dos processos de socialização primária que não excluem a priori o peso das estruturas políticas e sociais (PASQUINO, 2000:775).
Na formação da cultura política moderna, que engloba liberdade,
autonomia e democracia, observa-se um conjunto de normas, valores e crenças
que se dissemina entre os indivíduos de um determinado grupo social e nação.
Esta constatação possibilita compreender como experiências de transformação
social operam em cada sociedade com um arcabouço cultural e político distintos,
gerando processos diferenciados em seu interior, a partir da lógica subjacente aos
atores que nela estão inseridos e que orientam as suas condutas. Barbosa (1999)
explicita esta análise quando afirma que torna-se cada vez mais claro que a
modernização não constitui um processo demográfico, social, econômico e
político unilinear que conduz todas as nações numa determinada direção. Sabe-
se, também, que seus contornos fundamentais não aparecem de forma idêntica
em todos os lugares, quaisquer que sejam as diferenças ou especificidades. A
modernização que transforma é vista como uma série de processos em que um
núcleo comum engendra problemas e/ou acirramento ou abrandamento de
aspectos tradicionais nas formações sociais envolvidas. Ou seja, ela não é uma
simples substituição de um sistema tradicional por outro moderno, mas na
realidade engendra composições, sincretismos e o novo.
Se por um lado, a modernização combina a modificação de estruturas
organizacionais, valores e estratégias de ação, por outro, reposiciona o ator que
atua na sociedade através das organizações, por exigir mudança de
comportamento, novas percepções e valores. Barbosa (2001) amplia a questão
observando os indivíduos nas organizações e enfoca a gestão, ressaltando que a
dimensão gerencial da administração não é constituída em si por nenhum tipo de
83
conhecimento técnico ou especificamente administrativo, mas pelas instituições,
mecanismos sociais e políticas de significados que constituem a sociedade
contemporânea. Adverte que se já está claro que os sistemas técnicos não são
implantados em vácuos sócio-culturais, menos ainda as tecnologias gerenciais,
cuja “matéria-prima” são os próprios indivíduos.
As organizações não são formadas pelo “Schmidt” de Taylor que operam categorias do tipo criatividade, intuição, empregabilidade, aprendizagem, organização por processos, serviços etc comodefinidas pelos seus formuladores. São constituídas por sujeitos que interpretam e ressignificam toda e qualquer tecnologia gerencial. São constituídas por sujeitos, como dizia Marx, amarrados a teias de significados. [...] Entender essas teias de significado e as instituições que as materializam na vida cotidiana é o mínimo que devemos buscar, se quisermos pensar estrategicamente as organizações no que toca ao seu desenvolvimento interno, o seu papel e as suas relações com a sociedade contemporânea” (BARBOSA, 2001:20-21).
Pensar a modernização em relação às instituições brasileiras requer indagar como os
princípios normativos e institucionais que definem o mundo moderno operam no interior de uma
sociedade ancorada numa lógica relacional, ou seja, como adquirem significação própria e distinta
na prática social. Acredita-se que uma reflexão que privilegie este ângulo de análise não condiciona
os esforços modernizantes ao determinismo cultural, mas, reconhece que os elementos de uma
cultura formam uma variável estruturante da sociedade e as organizações e os indivíduos que a
compõem são influenciados e a influenciam permanentemente, dando-lhe até mesmo uma
conformação política.
Sabe-se que cultura é um conceito dominante na
Antropologia e que após a década de 80 vem sendo usado com
freqüência no campo da administração através do derivativo de cultura
organizacional. Motta (1995), Barbosa (1999) e Freitas (2000) chamam
atenção para a imprecisão conceitual advinda do uso do termo com a
marca de um apelo pragmático da cultura de negócio. Freitas (2000)
situa esta crítica:
O corpo teórico da cultura organizacional permanece fragmentado, difícil de ser apreendido integral e consensualmente por acadêmicos e práticos dessa área. Sua fragilidade conceitual e metodológica ainda é alvo de duras críticas. Em boa medida, essas críticas se referem à “apropriação indébita” de alguns conceitos tirados da etnologia e da antropologia cultural, bem como ao fato de os pesquisadores tenderem a reduzir o significado das produções culturais de um povo àquilo que é produzido numa convivência parcial, como a que se dá no seio das organizações (FREITAS, 2000:95).
84
Nas organizações, a dimensão cultural e simbólica ingressa não
apenas sob o rótulo de cultura organizacional, mas de diferença, discurso
entronizado pela globalização e que se reflete, fundamentalmente, na noção de
vantagem competitiva. A globalização, portanto, tirou a questão da cultura do
âmbito exclusivo das discussões sobre culturas organizacionais e imbricou-a no
tecido organizacional como parte do negócio, embora esta diferença seja
“domesticada” pelo pragmatismo da cultura de negócios (BARBOSA, 1999;2002).
Mesmo reconhecendo estas implicações, a autora afirma que o conceito de
cultura abre caminho para uma discussão mais aprofundada sobre o peso da
dimensão simbólica nas organizações e nas diferentes formas e teorias de
gestão. Propõe o conceito de cultura administrativa, entendido como o conjunto
de lógicas e valores contextualizados de forma recorrente na maneira de
administrar de diferentes sociedades. E destaca que “a cultura, no sentido
antropológico do termo, é um conjunto de mecanismos simbólicos que utilizamos
para organizar a realidade” (BARBOSA, 1999:141).
Segundo Motta (1995), a cultura é um contexto de significados, um
sistema de relações. As organizações baseiam-se em pressupostos básicos
compartilhados sobre as relações com o ambiente, a natureza da realidade e dos
relacionamentos humanos, do tempo e do espaço. Ressalta o autor que a cultura
não pode ser nada diferente da realidade vivida, espontânea e subjetiva dos
indivíduos. A cultura é e só pode ser a relação desses indivíduos com suas
condições de existência.
85
2.1 VELHOS HÁBITOS EM PRÁTICAS NOVAS: A MODERNIZAÇÃO CABOCLA E A
TRANSFORMAÇÃO SOCIAL
A interpretação dominante nas análises sobre modernização no Brasil a define como
complexa, ambígua e cheia de paradoxos. A referência que orienta as indagações sobre o perfil das
transformações da sociedade brasileira é de uma formação histórica, caracterizada por diversos
pensadores como dual, criada na tensão contínua entre tradição e mudanças. Como conseqüência,
emerge, ao longo do século XIX e XX, um país de cultura personalista, pré-moderno e
patrimonialista.
Historicamente, as formas, atenuadas ou explícitas, de um mundo pré-moderno
convivem com experiências modernizadoras, como se fossem dotadas de uma certa plasticidade
capaz de revestir velhos hábitos em práticas novas. Baiardi (1995) chama atenção para as
conseqüências destes traços no Brasil contemporâneo.
Esses fatores, atuando junto ou isoladamente, têm impedido a formação de
um verdadeiro tecido social que funcione como atenuador da exclusão e que
sirva, também, para ampliar as manifestações de solidariedade, além de ser
um meio propagador de atitudes progressistas e racionais (Baiardi,
1995:101).
O autor revisita a formação histórica brasileira e sugere que traços
presentes na sociedade, que deveriam pertencer ao passado e se situam no
âmbito da ideologia, sobreviveram à infra-estrutura econômico-social que as
gerou, deslocando-se desta e adquirindo formas e temporalidade próprias. O
elemento explicativo deste processo é a prolongada influência, em termos de
visões de mundo e valores, exercida por uma mentalidade com raízes no
pensamento aristocrático, senhorial e mercantil, de extração colonial e
escravocrata, sobre o conjunto dos grupos sociais. A difusão incompleta de uma
cultura liberal-burguesa no Brasil e as especificidades da transformação
capitalista restringida produziram uma espécime de bloqueamento cultural que
impõe a convivência com dois padrões culturais de comportamento em relação às
mudanças necessárias para que a sociedade brasileira transitasse do estágio de
modernidade insuficiente ou limitada ao estágio de moderna sem adjetivações
(BAIARDI, 1995).
86
Em uma análise comparativa, Baiardi (1995) sugere uma tipologia de padrões
culturais de comportamento, que foi sistematizada conforme apresentado no quadro-síntese a
seguir:
Quadro 01
Tipologia simplificada de padrões culturais de comportamento
Tipo de
civilização
Modelo de
colonização
Origem Natureza Características do padrão
cultural de comportamento
“Civilização
moderna nos
trópicos”
(Gilberto
Freyre
Colônia de
exploração
Portuguesa –
influenciada pela
“civilização dos
trópicos” e pela
imigração ibero-
mediterrânea
Exploratória:
terra como
concessão,
sujeição à
coroa
portuguesa
Neste tipo de padrão, desenvolveu-se a prática
do descompromisso com a disciplina e com a
racionalidade, a ética do ganho fácil, do
protecionismo estatal sem limites, do direito a
uma sinecura ou outras formas de segurança e de
garantia, da esperteza e da malandragem
“Civilização
subtropical”
“meridional”
Colônia de
povoamento
Imigrante não ibérico
– influenciado pela
ética protestante e
pelos valores não
necessariamente
religiosos presentes
nas sociedades de
base camponesa
européia e oriental –
aponta na direção da
valorização do
trabalho manual e na
fixação no território
Fixar-se na
terra/ colono
Devido à tradição ligada ao estilo de vida das
sociedades camponesas, os descendentes desses
grupos apresentam uma propensão para a
agricultura de base familiar, para o artesanato
em suas diversas formas, para a formação de
cooperativas e outros tipos de organizações
comunitárias, como círculos sociais, para a
implantação de pequenas indústrias de base
familiar. Enfim, para assumir o risco capitalista e
valorizar o trabalho – inclusive o manual- , a
disciplina e o ambiente em que vivem. Neste
grupo, desenvolveu-se a ética da
responsabilidade, do ascetismo, da frugalidade e
da acumulação, que é própria das sociedades
camponesas da Europa ocidental
Fonte: elaborada pela autora com base em BAIARDI (1995)
87
Esta tipologia encontra sustentação em Holanda (1995) para quem a cordialidade,
como característica da cultura política brasileira, representa o modo de ser que se move entre estas
duas dimensões, concomitantes, do processo de modernização brasileira: um obstáculo à
impessoalidade da ordem moderna, opondo-se à civilidade. Em seu trabalho seminal – Raízes do
Brasil – Holanda avalia que, no limite, esta seria a contribuição que a sociedade brasileira daria à
modernidade.
Já se disse, numa expressão feliz, que a contribuição brasileira para a
civilização será de cordialidade - daremos ao mundo o “homem cordial”. A
lhaneza no trato, a hospitalidade, a generosidade, virtudes tão gabadas por
estrangeiros que nos visitam, representam, com efeito, um traço definido do
caráter brasileiro, na medida, ao menos, em que permanece ativa e fecunda a
influência ancestral dos padrões de convívio humano, informados no meio
rural e patriarcal (HOLANDA, 1995: 146-147).
Holanda (1995) destaca que a existência de um sistema administrativo e um corpo de
funcionários puramente dedicados a interesses objetivos é uma excepcionalidade no Brasil. Ao
longo da história, as vontades particulares, assentadas em círculos fechados e pouco acessíveis a
uma ordem impessoal, foram predominantes, resultando no particularismo e no patrimonialismo,
expressos pela invasão do público pelo privado e do Estado pela família. Destaca, ainda, que
dentro deste círculo, o familiar foi aquele que se exprimiu com mais desenvoltura e força em nossa
sociedade.
E um dos efeitos decisivos da supremacia incontestável, absorvente, do
núcleo familiar – a esfera dos chamados “contatos primários”, dos laços de
sangue e de coração - está em que as relações que se criam na vida doméstica
sempre forneceram o modelo obrigatório de qualquer composição social
entre nós. Isso ocorre mesmo onde as instituições democráticas, fundadas em
princípios neutros e abstratos, pretendem assentar a sociedade em normas
antiparticularistas (HOLANDA, 1995:146).
Para Fedozzi (1997), o dilema original proposto por Holanda advém do fato de que o
homem cordial representa a impossibilidade de atingir uma ordenação impessoal que permita a
ruptura com os padrões privatistas, particularistas e oligárquico-patrimonialistas dominantes na
sociedade brasileira.
88
Num estudo comparativo entre a cordialidade em Holanda e o familismo amoral em
Banfield3 como dilemas à modernização, Esteves (1998) considera que ambos os autores operam
em um mesmo movimento: a duplicação de suas narrativas. De um lado, produzem uma etnografia
de sociedades atrasadas; de outro, constroem modelos de desenvolvimento cujos elementos não
encontram correspondência naquelas sociedades observadas. No caso brasileiro, esta duplicação
aparece em pares antagônicos, tais como: igualdade/hierarquia, racionalização/afetividade,
civilidade/cordialidade. Já a simulação do modelo tocqueviliano na comunidade Montegranesi,
estudada por Banfield, indica a existência de condições culturais que obstaculizam o
desenvolvimento político, econômico e social na direção do moderno, por serem avessas a qualquer
tipo de organização. “Com efeito, o familismo amoral é um ethos que se revela absolutamente
inconsistente com as condições necessárias à passagem ao moderno” (ESTEVES, 1998:05). Com
base nesta conclusão, o autor questiona: como proceder à modernização se o background cultural
destas sociedades constitui-se, ele próprio, em óbice ao moderno? Ou, mais especificamente, como
proceder à modernização nos quadros das tradições cordial e familista? Esteves (1998), baseando-
se na preocupação expressa por Holanda em toda a sua obra, afirma que “qualquer que seja o
caminho da modernização, este, para ter sucesso, deve levar em conta os aspectos particulares da
tradição” (ESTEVES,1998:105).
O desconhecimento de qualquer forma de convívio que não seja ditada por uma ética
de fundo emotivo, típica da tradição, corrobora a análise de DaMatta (1997a;1997b,1999) para
quem a sociedade brasileira é relacional, pois nela, mais importante do que os elementos em
posição, é a sua conexão, os elos que conjugam os seus elementos (DaMatta, 1997a). Ao enfatizar
conceitos como “casa” e “rua”, enquanto categorias sociológicas que permitem espelhar como as
relações sociais são estruturadas, sobrepostas, entrecruzadas ou antagônicas, conclui que uma seja
capaz de englobar a outra em certas situações específicas.
Leituras pelo ângulo da casa ressaltam a pessoa. São discursos arrematadores
de processos ou situações. (...) Aqui a emoção é englobadora, confundindo-
se com o espaço social que está de acordo com ela. (...) Leituras pelo ângulo
da rua são discursos muito mais rígidos e instauradores de novos processos
sociais. É o idioma do decreto, da letra dura da lei, da emoção disciplinada
que, por isso mesmo, permite a exclusão, a cassação, o banimento, a
condenação (DaMatta, 1997a:19).
3 Durante a década de 50, Edward Banfield levou a cabo uma pesquisa em uma cidade no Sul da Itália, Montegrano, com o objetivo de encontrar as raízes da pobreza e do atraso característicos da cidade. Identificou um ethos familista, responsável pela inabilidade dos cidadãos de agir em
89
Temos que nos dar conta, adverte DaMatta (1999), de que vivemos numa sociedade
onde casa e rua são mais que meros espaços geográficos. “São modos de ler, explicar e falar do
mundo (...). São também espaços de onde se pode julgar, classificar, medir, avaliar e decidir sobre
ações, pessoas, relações e moralidades” (DaMatta, 1999:29,33). É neste cenário que as relações
sociais operam. Uma lógica que exclui pela letra dura da norma e outra que inclui pela emotividade
da casa. Estas lógicas não se colocam como excludentes entre si ou mesmo contraditórias, mas
encontram a complementaridade na própria dualidade em que se expressam, formando um campo
híbrido de valores intercalados em que se realizam a ação social. Motta (1990) descreve esta lógica
de integração:
Em casa, junto aos familiares, padrinhos e amigos, vivo no conforto das
relações pessoais, num mundo em que devo e recebo favores, no qual devo e
me devem respeito, afeto, distinção. Na rua, ninguém me deve nada, eu e os
demais cooperamos e competimos por recursos escassos sob o primado das
regras, das leis e das normas das instituições da vida econômica e
profissional (Motta, 1990:91).
concerto para a realização do bem comum ou, de fato, para a realização de qualquer objetivo que transcenda o interesse imediato da família nuclear (ESTEVES, 1998).
90
Numa sociedade em que as relações pessoais formam a rede central de convivências,
elas terão um peso significativo na esfera das trocas, à medida que um sistema fundado no “favor”,
na “consideração”, na “amizade” se vê, constantemente, ameaçado pelos domínios da racionalidade
moderna. Enriquece esta abordagem a análise realizada por Santos (1993), para quem os valores
políticos da sociedade brasileira e os modos sociais de relacionamentos resultam, do ponto de vista
do Estado e das instituições, em um híbrido institucional. Para o autor, o livre trânsito entre o
conjunto das instituições poliárquicas e não-poliárquicas repercute diretamente na cultura cívica,
com impactos na eficácia das políticas governamentais. Por exemplo, há no Brasil uma cultura da
dissimulação de conflitos e baixa adesão à legislação e aos códigos formais, o que resulta em um
descaso pelas instituições poliárquicas4 e um esvaziamento da cultura cívica.
Seguindo esta linha crítica à cultura política e sua influência na ação social, Martins
(1994) e Oliveira (1996) refletem sobre a apropriação do público pelo privado. O primeiro é
enfático em dizer que mesmo nos setores do Estado voltados para os serviços públicos, onde se
situam os focos mais consistentes de crítica à corrupção e de elaboração de um discurso abstrato da
cidadania (a universidade, por exemplo), encontram-se também práticas cotidianas de troca de
favores e rupturas das normas, sociais ou organizacionais. Oliveira (1996) chama a atenção para a
utilização da lógica da distinção e da relação para substantivar uma condição especial –
diferenciada - construindo um cenário em que alguns têm direitos (e deveres) e outros têm
privilégios. O autor exemplifica discutindo a demanda em prol da estrutura de representação
paritária na universidade. Para ele, a defesa desta estrutura se apresenta como um exemplo da
condição híbrida de relação entre ator e instituição, provocando dificuldades de superação dos
efeitos perversos da lógica da relação personalizada (ou apelo da distinção em relação à norma), na
medida em que tem lugar no âmbito de grupos sociais cuja identidade e projeto político declarados
se definem em torno da bandeira da justiça social. Um princípio diametralmente oposto aos
princípios sintonizados com as consequências “privatistas” com que atua na universidade,
influenciando a gestão, caracterizando a apropriação do público pelo privado.
Barbosa (1992), discutindo a questão dos valores e da tradição na formação do jeitinho
brasileiro, argumenta que o critério de não-diferenciação interna que orienta as relações dentro do
sistema organizacional universitário brasileiro encarna com perfeição o que ela define como
ideologia da igualdade radical. Pois, tais relações só podem ser compreendidas se forem analisadas
sob a ótica de uma ideologia igualitária que se coloca como moldura básica através da qual se
orientam, contraditoriamente, as relações no âmbito universitário. Conclui afirmando que:
4 Segundo Santos (1993), uma definição sucinta do conceito poliarquia compreende um elevado grau de institucionalização da competição pelo poder (existência de regras claras, públicas eobedecidas) associado à extensa participação política, só limitada por razoável requisito de idade. Funções básicas: provisão de segurança, proteção, previsibilidade e administração da justiça.
91
Teoricamente, decretos universalizantes não combinam com tratamentos
pessoais, mas é justamente isso que na sociedade brasileira tentamos
compatibilizar, através de uma prática social que incorpora uma noção de
indivíduo que tem suas raízes em duas totalidades distintas: uma legal e outra
moral, que permite, conforme o plano (nível ou domínio) em que se estiver
referindo, que ele seja o sujeito normativo das instituições e das situações
(BARBOSA, 1992:123).
Diante destas interpretações, algumas indagações permanecem: como pensar as
possibilidades de modernização num quadro em que os condicionantes de comportamento estão
assentados sob padrões culturais que favorecem um ranço construído historicamente? Ou ainda,
como tornar a atuação do Estado ou de suas instituições pautada em princípios gerais de cidadania
político-cívica e valores democrático-participativos que realmente influenciem a conduta dos
indivíduos de forma mais integrada entre o público e o privado, sem dicotomizar a conduta social
em a “casa” e a “rua”?
Estas questões continuam instigantes e remetem à noção putniana de capital social em
que o engajamento cívico dos atores é central para a concretização de mudanças, portanto, da
modernização, inclusive de valores. Por engajamento cívico deve-se entender “o nível de
participação e, também, de eficiência nas decisões e gestão em instituições públicas ou privadas
envolvidas nos mais diferentes tipos de atividades” (LANIADO e BAIARDI, 1998:114). De
acordo com Putnam (2000), a ação social dos indivíduos nas organizações – fundamentada numa
vida cívica dinâmica - determina o padrão de evolução das instituições. Se uma comunidade se
caracteriza por cidadãos atuantes e imbuídos de espírito público, pela consolidação de relações
igualitárias, por uma estrutura social firmada na confiança e na colaboração, ela tem fortes chances
de ter instituições sólidas que refletem o grau de coesão cívica dos seus membros (Putnam, 2000).
Centrado num enfoque institucionalista, Putnam (2000) vê a confiança como o valor
central para gerar outras ações potencializadoras do capital social, a exemplo da cooperação e do
associativismo. Quanto mais elevado o grau de confiança existente numa comunidade, maior será a
disposição de seus agentes em cooperar. Laniado e Baiardi (1998:106), estudando a classe
empresarial baiana, inferem que o grau de difusão de valores modernizantes nas organizações em
geral – inclusive nas empresas – deve-se não somente aos determinantes econômicos de ordem
estrutural ou conjuntural, mas, também, a maneira como atuam os atores em posições de poder nas
instituições.
Visão de mundo e mentalidade recobrem de forma incisiva o desempenho do
indivíduo – tanto nas escalas mais baixas como nas mais altas das hierarquias
92
sociais – fazendo-o posicionar-se em relação aos determinantes macro-
estruturais, retirando das trajetórias históricas a dimensão meramente
teleológica que as análises reducionistas e simplificadoras sugerem
(LANIADO e BAIARDI, 1998:107).
Visão de mundo e de mentalidade também orientam as condutas dos indivíduos na
vida organizacional. A ruptura com modelos existentes mediante a adoção de novos valores na
condução da gestão, tanto do Estado quanto de suas agências, requer alterações nos padrões
culturais e de conduta dos indivíduos que nelas atuam. Pois são os próprios indivíduos que,
principalmente, têm um papel que pese em relação aos obstáculos à modernização no interior das
próprias organizações. Outros tantos fazem parte da própria cultura como um todo e exigem
esforços prolongados de mudança, que se move por gerações. Isto é, enfrentar os obstáculos às
transformações orienta a ação para a produção de um capital social mais desenvolvido, pois reforça
as instituições ao modificar, nos micro espaços e nas múltiplas esferas do social, a cultura política.
Uma instituição como a universidade, que tem o papel de produzir e disseminar saber e
conhecimento, exerce exatamente um papel relevante neste circuito – atores, cultura política,
mentalidade, instituições e capital social – contribuindo, portanto, para uma democracia mais
consolidada e inclusiva.
2.2. DO “JEITINHO” BRASILEIRO AO ESTRANGEIRISMO: TRAÇOS5 DACULTURA BRASILEIRA NA VIDA ORGANIZACIONAL
As análises sobre a influência da cultura brasileira sobre a vida
organizacional tomam como ponto de partida os estudos clássicos produzidos por
historiadores, antropólogos e sociólogos brasileiros, alguns já citados. A
permanente questão levantada pelos interessados em identificar os vínculos entre
comportamento individual e o ambiente organizacional constitui o foco dos
estudos organizacionais que analisam a cultura da empresa à luz da formação
histórica da sociedade brasileira. Na esfera micro-social, o debate parte do
5 “Traços” é aqui entendido como características gerais que são comuns ou freqüentes na maioria dos brasileiros. Neste sentido, representam aqueles pressupostos básicos que cada indivíduo usa para enxergar a si mesmo como brasileiro (Freitas,1997:39).
93
pressuposto de que a cultura de uma organização traz, em maior ou menor grau,
a marca de seus correspondentes na cultura nacional6.
A contribuição de Hofstede (1994) é considerada um marco central
para os pesquisadores brasileiros. A partir de dados coletados numa multinacional
norte-americana,7 ele apresenta quatro diferentes padrões culturais de
comportamento: distância hierárquica ou distância de poder, individualismo/
coletivismo, masculinidade/feminilidade e nível em que se evita a incerteza.
Posteriormente, o autor complementou o trabalho adotando um quinto parâmetro
denominado de orientação a longo prazo. Os parâmetros definidos por Hofstede
(1994:09-10) podem ser descritos, sucintamente, como segue:
• A distância hierárquica ou nível de desigualdade aceito como normal em
determinado país: desde o relativamente igual até o extremamente
desigual;
• O individualismo ou a propensão dos membros de uma dada sociedade a
agirem e reagirem de forma individualizada (oposição entre individualismo
e coletivismo);
• A masculinidade ou nível de preeminência dos valores “masculinos”
(agressividade, desempenho, sucesso e competitividade) sobre os
valores “femininos” (qualidade de vida, relações humanas, dedicação,
solidariedade), ou seja, valores que variam da dureza extrema à maior
benevolência;
• O repúdio à insegurança que corresponde a preferência por situações mais
ou menos rígidas (estruturadas) ou abertas e que vai de uma relativa
flexibilidade a uma grande rigidez para adaptar-se a imprevistos;
• A orientação a longo prazo opõe-se às tendências de curto prazo. Neste
parâmetro, os valores positivos são austeridade e tenacidade e os
6 Motta, Alcapadini e Bresler (2001), Barbosa (1999), Fischer e Mac-Allister (2001) são unânimes em advertir que a análise de traços culturais de um dado país é uma tarefa extremamente difícil de ser realizada e ganha complexidade em virtude do pesquisador estar inserido nesta realidade. 7 Inicialmente, Hofstede pesquisou 40 (quarenta) subsidiárias da IBM em todo o mundo.Posteriormente, o objeto do estudo ampliou-se para 60 (sessenta), dando conta de culturas ocidentais e orientais. Os parâmetros definidos pelo pesquisador tomaram como base os valores de 160 mil (cento e sessenta) funcionários e executivos da referida empresa, em diferentespaíses.
94
negativos são respeito pelas tradições e conformismo social (o medo do
que “os outros dirão”).
As conclusões de Hofstede em relação ao Brasil são analisadas por
Motta (1995;1997;2000a): um país caracterizado por uma sociedade coletivista,
com um elevado nível de evitar a incerteza e uma enorme distância de poder
entre seus membros. O nível de preeminência da dimensão feminina encontra-se
muito próxima da masculina, sendo quase impossível situá-lo com precisão. Motta
(1997) exemplifica estas dimensões e as compara com a formação social
brasileira:
As organizações brasileiras geralmente apresentam uma distância de poder tão grande que parecem lembrar a distribuição de rendanacional e o passado escravocrata. A forma como trabalhadores e executivos são tratados parece, de um lado, basear-se em controles do tipo masculino, o uso da autoridade, e, de outro, em controles de tipo feminino, o uso da sedução (Motta, 1997:31).
Entre as características da sociedade brasileira analisadas por
Hofstede, duas – distância de poder e aversão à incerteza – são comparadas por
Motta (2000a) com o mundo organizacional. Segundo o autor, as organizações
no Brasil são muito burocratizadas e hierarquizadas, ou seja, “distância de poder
e procura de evitar a incerteza são características das organizações brasileiras,
como são características da sociedade brasileira” (Motta, 2000a:13).
O autor ainda aduz ao debate no âmbito organizacional duas
características também analisadas pelos cientistas sociais brasileiros: a primeira
diz respeito à busca pelo estabelecimento de redes sociais pessoais no mundo do
trabalho, numa tentativa de levar para o âmbito da racionalidade instrumental um
pouco da afetividade do mundo da casa, do terreno das pessoas. A segunda
dimensão relaciona-se com a primeira e diz respeito à ambigüidade como face da
heterogeneidade brasileira. Com base nesta característica, exemplifica a pouca
presença de valores democráticos no âmbito das organizações, mas,
complementa o autor, não se caracteriza como uma autocracia, trata-se de algo
intermediário, ambíguo, como muitos traços da cultura brasileira.
95
Martins (1997) analisa a trajetória modernizante da administração
pública brasileira e o ethos patrimonialista que subjaz no contexto social em que
se desenrola a apropriação do público pelo privado. Observa que esta trajetória
apresenta os esforços de implementação de formas institucionais
antipatrimonialistas, a exemplo do padrão burocrático de administração pública
iniciado por Vargas no Estado Novo e valorizado pelos militares no período
autoritário. Mas, reconhece o próprio autor, que esse processo tem sido marcado
pelas descontinuidades e contradições político-administrativas que impuseram um
caráter dissociativo entre este padrão e o desenvolvimento de uma burocracia
pública imbuída do seu papel no país.
A trajetória da modernização da administração pública brasileirarevela, na perspectiva do Estado, uma difícil compatibilização e uma relação de disfuncionalidade recíproca entre política e administração, entre burocracia e democracia. Ora tentou-se consolidar umaburocracia, racionalizando-se funcionalmente a administração, àrevelia da política e à custa da democracia, ora tentou-sedescaracterizar o caráter funcional da burocracia públicapretensamente até em nome da democracia; ora obstaculizada, ora estimulada pelos agentes do Estado e da política nacional (MARTINS, 1997:175).
Em toda a sua argumentação, o autor reforça as dificuldades de
modernizar a administração pública em virtude do conjunto de valores
qualificados como patrimonialistas, que tem subsistido às iniciativas de
transformação do Estado brasileiro. Embora reforce a idéia de que esta
modernização é dissociativa, isto é, a construção burocrática é tendencialmente
obstaculizada pela política, conclui afirmando que os traços marcantes da
trajetória modernizante indicam a persistência de um ethos com forte caráter
patrimonialista exercendo uma força (social) neste processo.
Vasconcelos (1995) corrobora as preocupações apresentadas por
Martins (1997) e argumenta que, no caso brasileiro, existem estruturas históricas
que funcionam como obstáculos reais aos esforços modernizantes e que
influenciam o trabalho, sua produtividade e as formas de gerência.
Nosso ingresso entre as nações desenvolvidas, dotadas de umsistema produtivo moderno tem problemas relacionados com nossos padrões de comportamento cultural de uma forma geral e às questões
96
ligadas a nossa baixa capacidade gerencial, mais especificamente. Isto fica mais claro quando nos lembramos que os valores que osindivíduos já têm ao ingressar no mundo do trabalho acabam por influenciar definitivamente suas ações, com resultados no nível geral de produtividade (VASCONCELOS, 1995:222).
Analisando a gênese da gerência no Brasil, o autor destaca que
padrões de comportamento característicos do mundo fabril geraram o que ele
denominou de coronelismo empresarial. Comportamentos que foram se
amoldando à forma com que as fábricas – maiores responsáveis pela
modernização no mundo do trabalho – foram se instalando no Brasil. Em
decorrência desse curso de transformação, “nosso processo de industrialização
deu-se de tal forma que foram mantidas velhas formas de ação ao lado de novos
padrões de comportamento” (VASCONCELOS, 1995:223). Mesmo reconhecendo
que no pós-guerra este cenário se modifica com a introdução do paradigma
modernizante americano na gerência brasileira, o autor chama a atenção para
uma espécie de descolamento dos valores da sociedade em relação aos
princípios e diretrizes implantados na administração e gerência da realidade
brasileira. E argumenta que este hiato se formou por não absorver e nem interagir
com os valores culturais mais profundos do ambiente social onde se deu a
industrialização modernizante, resultando em ilhas de racionalidade que convivem
com modos coronelistas clássicos.
Freitas (1997) e Prates e Barros (1997) propõem um suporte
instrumental para a análise da cultura organizacional sob o prisma da cultura
brasileira. Reconhecendo que as transformações não se situam apenas no plano
objetivo (estrutura, padrão de autoridade, divisão do trabalho, métodos de
controle, comunicação interna), argumentam que elas se dão, fundamentalmente,
devido a mudanças de atitudes e percepções dos indivíduos, porque são
estimulados e condicionados pelas representações sociais e seus valores
culturais correlatos, mesmo na organização. Freitas (1997) propõe um sumário
dos principais traços brasileiros, aqueles nitidamente influentes no âmbito
organizacional, conforme exposto no quadro a seguir:
Quadro 02Traços brasileiros para uma análise organizacional
97
Traço Características-chave
Hierarquia Tendência à centralização do poder dentro dos
grupos sociais
Distanciamento nas relações entre diferentes grupos sociais
Passividade e aceitação dos grupos inferiores
Personalismo Sociedade baseada em relações pessoais
Busca de proximidade e afeto nas relações
Paternalismo: domínio moral e econômico
Malandragem Flexibilidade e adaptabilidade como meio de navegação social
“Jeitinho”
Sensualismo Gosto pelo sensual e pelo exótico nas relações sociais
Aventureiro Mais sonhador do que disciplinado
Tendência à aversão ao trabalho manual ou metódico Fonte: Freitas (1997:44)
Freitas (1997) recorre à formação histórica brasileira de modo a
integrar as raízes destes traços com as suas formas mais atuais. Chama atenção
para um dilema existente nas organizações: de um lado, práticas gerenciais
herdadas do passado parecem perder espaço num cenário que exige padrões
globais de eficiência; por outro, modelos importados podem esbarrar em alguns
traços de nossa cultura. Argumenta a necessidade de mudanças e que estas
pressupõem auto-análise. “Se as organizações ambicionam mudanças, é
necessário que conheçam os traços de nossa cultura que irão impor restrições e
aqueles que fortalecerão o processo de transformação” (FREITAS, 1997:53).
Prates e Barros (1997) avançam na identificação de características da
cultura brasileira no âmbito organizacional por considerar não apenas o traço
típico de forma isolada, mas a sua interação. A articulação entre os traços
identificados forma uma rede de causas e efeitos que se reforçam e se
realimentam. Existem diferenças na forma de agir daqueles que lideram e dos que
são liderados, mas ainda que tenham características próprias, elas geram uma
ação simbiótica e, consequentemente, pode-se agregar traços novos que surgem
como resultado da própria interação. O modelo proposto pelos autores é
composto de quatro susbsistemas: o institucional (ou formal), o pessoal, o dos
líderes e o dos liderados. Os elementos culturais da cada um fazem a interseção
98
entre eles: concentração de poder, personalismo, postura de espectador e a
busca de evitar conflito. Os subsistemas são, também, articulados por meio de
traços denominados especiais que, em última análise, são os responsáveis pela
não-ruptura de todo o sistema e, para produzirem uma mudança efetiva, deveriam
alterar-se em grau ou natureza. Esses traços são os seguintes: paternalismo,
lealdade às pessoas, formalismo e flexibilidade.
Analisando a questão sob outro ângulo, Wood e Caldas (1997)
advertem que a transposição de tecnologias de gestão e metodologias de
transformação organizacional para contextos sócio-culturais, diferentes daqueles
em que foram criados, podem gerar resultados inesperados. Afirmam que “o
discurso é tipicamente monoteísta, bebe em fontes neoliberais e utiliza a retórica
gerencialista americana. Já a prática é politeísta e remete ao país real, com suas
ambigüidades, paradoxos e arcaísmos” (Wood e Caldas, 1997:13). Os autores
concluem que a manifestação de traços culturais em organizações locais
produzem uma reação à importação e implementação de tecnologias exógenas,
resultando numa cisão entre discurso e prática organizacional. É neste sentido
que a expressão “para inglês ver” mostra uma faceta do caráter brasileiro, em que
a mudança se dá apenas superficialmente, sem provocar alterações substanciais.
Vê-se, freqüentemente, técnicas e modelos gerenciais sendo adotados,
baseados numa permanente valorização do estrangeiro, sem observar as
diferenças transculturais; muitas vezes isso mascara pretensa busca pela
modernidade (MOTTA, ALCAPADINI e BRESLER,2001).
Thiry-Cherques (1995) corrobora a proposição de Wood e Caldas (1997). Considera que há
uma incoerência na raiz do perfil contraditório – modernizante e conservador – das organizações
brasileiras entre os valores culturais autóctones e os que orientam as técnicas gerenciais da
atualidade. Neste sentido, as dificuldades de implantação de sistemas administrativos, operacionais
e a gestão do tipo “para inglês ver” são mais do que um discurso desconectado da prática.
Denunciam um tipo de comportamento que muitos crêem somente existir na literatura: o duplo
pensar (doublethinking). Não se trata, somente, de disfarçar os verdadeiros sentimentos, nem de
pensar de uma forma e agir de outra, mas de crer em duas coisas antagônicas ao mesmo tempo.
Aceita-se a lógica e reproduz-se o discurso modernizante, resiste-se à sua implantação, afirma o
autor. Estabelecendo uma comparação com a idéia de sociedade relacional proposta por DaMatta
(1997a), é possível observar que tanto no mundo social quanto no organizacional a cultura
hegemônica é a complementaridade entre as duas lógicas antagônicas: modernização e resistência.
99
Traçando um paralelo entre as análises de Motta (1997), Freitas
(1997), Martins (1997), Prates e Barros (1997), Vasconcelos (1995), Wood e
Caldas (1997) e Thiry-Cherques (1995), observa-se que as interpretações destes
autores se apoiam e, também, corroboram aquelas realizadas sobre a sociedade
brasileira por DaMatta (1997a, 1997b), Barbosa (1992), Martins (1994), Santos
(1993) e Holanda (1995), entre outros. Assim, pode-se inferir que, tal como a
sociedade brasileira, as organizações também podem ser pensadas a partir de
um universo relacional em que se combinam e recombinam características
ambíguas e antagônicas, mas que logram estabelecer interconexões que as
tornam complementares, porque conseguem vigir em um mesmo campo de ação
social. Evitar conflitos ou respostas negativas, preservar relacionamentos, manter
a cordialidade através de uma convivência agradável, mesmo que ineficiente ou
fugindo aos objetivos, são elementos que operam numa lógica relacional que
contraria a competição e a valorização do desempenho presentes em muitas
sociedades modernas. No mundo organizacional, como parte de um sistema mais
amplo, o “jeitinho” brasileiro, a preferência por relacionamentos cordiais, a
aversão ao rito, a reprodução de traços coronelistas na lógica gerencial
(autoritarismo, nepotismo, clientelismo, ausência de critérios internos), entre
outros, também encontram espaços para a sua reprodução. O argumento de
fundo é o de que a gestão não ocorre num vácuo sócio-cultural, isto porque o
sujeito não se dicotomiza em sujeito social e organizacional - ele tanto influencia
quanto é influenciado pelas estruturas sociais que o circundam.
Neste sentido, transformar para modernizar requer pensar sobre os
traços que conformam uma determinada sociedade e os valores e crenças que
estão imbuídos nas diferentes formas de representações sociais dos indivíduos
que a compõem. Exigem, portanto, considerar as condições mais gerais da
sociedade para que avanços respondam aos desafios impostos às organizações
e ao Estado brasileiro. Do “jeitinho” brasileiro ao estrangeirismo, as exigências da
modernização instigam, sobretudo, aprofundar a reflexão sobre as dicotomias
modernizante/conservador, velho/novo, moderno/tradição que formam paradoxos,
pois sempre se refazem quando são evidados esforços de mudança. No entanto,
a constatação de que existem variáveis de ordem cultural que obstaculizam estes
esforços não restringe a análise crítica da realidade. Ainda que complexa e não
100
linear, a análise sobre mudanças nas organizações evidencia a importância do
papel dos atores, pois é por meio deles que as ações e condutas adquirem
significados, a partir dos padrões de valores incorporados na vida em sociedade.
Vasconcelos (1995) afirma que modernizar as empresas e o Estado
brasileiro implica em reconhecer estes obstáculos e trabalhar os seus limites, de
forma que as empresas sejam mais produtivas e os governos tenham capacidade
para gerir relações sociais complexas. É neste sentido que o interesse do
presente trabalho, em estudar a modernização numa organização tão complexa
como a universidade pública brasileira, toma como ponto de partida a perspectiva
da cultura política e seus condicionantes sociais; a modernização transcende
uma perspectiva determinista de análise e se afirma na preocupação proposta por
Spink (1997) de que a inovação das práticas organizacionais exige a
compreensão da dinâmica das práticas sociais existentes, se o que se deseja é
gerar mudança socialmente apropriada e capaz de criar raízes historicamente
abrangentes.
CAPÍTULO III - UNIVERSIDADE COMO ORGANIZAÇÃO NA
SOCIEDADE
Este capítulo analisa as peculiaridades da instituição universitária
enquanto uma organização na sociedade. Para tanto, descreve as suas principais
101
características e discute a complexidade da gestão em instituições de ensino
superior, a partir da participação dos seus membros. Por último, apresenta uma
breve trajetória histórica da universidade pública brasileira.
3.1 UNIVERSIDADE COMO ORGANIZAÇÃO: O SINGULAR NO COMUM
O caráter distintivo da instituição universitária requer compreendê-la
como sendo uma organização que possui lógica distinta daquelas de natureza
econômica ou burocrática, sendo amplamente caracterizada na literatura como
organização complexa8. A universidade é assim considerada não apenas pelo
seu grau de especialização, mas, também, pelo fato de ser o espaço onde são
executadas tarefas múltiplas que viabilizam as suas atividades principais (meios e
fins), relacionando o seu ambiente interno e o externo: o ensino, a pesquisa e a
extensão (clientela e sociedade). Embora tais atividades sejam interdependentes,
há uma dinâmica própria para cada uma delas e para a organização como um
todo. Para Perkins (1973, apud LEITÃO, 1987), do ponto de vista organizacional,
a universidade se caracteriza como a instituição de estrutura mais complexa da
sociedade moderna.
A singularidade da organização é consenso entre autores como Lopes
(2001), Baldrige (1971, apud Lopes, 2001), Leitão (1987), Rodrigues (1985),
Hardy e Fachin (2000), Cunha (1999a), Buarque (1994), Wanderley (1999),
Trigueiro (1999) e outros. O pouco conhecimento das suas peculiaridades
possibilita prognósticos precipitados e, muitas vezes, superficiais. Isto produz uma
crença generalizada e acrítica na transposição de métodos e técnicas advindas
das atividades do setor privado voltado para o mercado na gestão de instituições
desta natureza. Baldrige (1971, apud ANDRADE, 2002) afirma que as
características organizacionais das instituições acadêmicas são tão diferentes das
demais, que as teorias tradicionais da administração não podem ser aplicadas a
elas sem se considerar, cuidadosamente, se funcionam neste ambiente único de
atividades humanas.
8 Além do conceito de organização complexa, freqüentemente, a literatura mostra outrasdefinições, tais como: multidiversidades, organizações especializadas, anarquias organizadas,federações profissionais fragmentadas, sistemas políticos, “latas de lixo”. As definições aparecem como sinônimos dos modelos utilizados na análise da instituição (LEITÃO, 1987).
102
Do mesmo modo, Sander (1984, apud LOPES, 2001) descreve quatro
paradigmas que norteiam as práticas de gestão educacional e que resultam da
transposição das teorias organizacionais para as escolas. O autor faz referência
a: eficiência (critério econômico), eficácia (critério pedagógico), efetividade
(critério político) e relevância (critério antropológico). Conclui que a
predominância de critérios de natureza política e antropológica na ação
organizacional em universidades faz com que as teorias que tomam como
referência a escolha racional e os fundamentos econômicos da ação tenham
menor poder explicativo nesse tipo de organização.
Mesmo reconhecendo a ausência de estudos relevantes sobre
universidades como organizações (HARDY e FACHIN, 2000; ANDRADE, 2002,
ALMEIDA, 2001), a literatura sobre administração universitária enumera algumas
características essenciais deste tipo de instituição e que a singulariza entre as
demais. O elemento distintivo de maior importância é ser a administração um
meio, quando se considera o ensino, a pesquisa e a extensão os fins próprios do
mundo acadêmico. Porém, a administração pode ser, ela mesma, um fim no que
diz respeito ao caráter formativo das relações entre estudantes, professores e
funcionários. Vale dizer, a administração, tanto quanto um meio, é um fim, no que
diz respeito ao currículo oculto da universidade, conforme Cunha (1999a), pois
traz em seu conteúdo a complexidade da administração enquanto meio e fim e,
embora se apresentem como pólos aparentemente opostos, devem pressupor
complementaridade na consecução das atividades fundamentais da universidade.
Entre a diversidade e ambivalência de objetivos, encontram-se os
seguintes elementos nos sistemas das universidades: relação ambígua entre
tecnologia, estrutura e desempenho, vulnerabilidade ambiental, sistema pluralista
fraturado por conflitos em linhas de disciplinas, subgrupos de professores,
subculturas de estudantes e de técnicos-administrativos, divisões entre
administradores e docentes, baixo grau de tomada de decisão, participação fluída
e descontínua. Estas são algumas das particularidades das universidades
apontadas na literatura. De acordo com Leitão (1987), subjaz a estas
peculiaridades a questão fundamental dos objetivos da universidade.
Para estes não faltam adjetivações para defini-los como múltiplos, ambíguos, ambivalentes, abstratos, conflitivos, desconhecidos, adjetivos esses associados
103
às definições das universidades que as qualificam como organizações complexas, multidiversidades, anarquias organizadas, federações profissionais fragmentadas, sistemas políticos, latas de lixo e outras expressões que denotam as diferentes abordagens utilizadas na análise da instituição (LEITÃO,1987:61-62).
Estas distinções permitem concluir que qualquer análise acerca da
universidade, ou de fenômenos a ela inerentes, não pode deixar de considerar
estas dimensões próprias, sob pena de gerar conclusões reducionistas e
simplistas da realidade que a forma. Em contraponto, o caráter diferencial deste
tipo de organização a coloca diante de uma dupla noção: a de uma instituição da
sociedade e de uma organização na sociedade. Trigueiro (1999) reconhece,
portanto, que são também instituições específicas da realidade social. A noção de
instituição refere-se a uma programação da conduta humana e às atitudes
concernentes. A noção de organização refere-se a coletividades que possuem
objetivos ou finalidades preestabelecidas e sistemas formais e normativos de
conduta, além de outras características, com uma fronteira relativamente
identificável, divisões de tarefas e sistemas de comunicação bem definidos.
Nesse sentido, todas as organizações se fundamentam em instituições, embora o
reverso não seja verdadeiro. A universidade não está sujeita à esfera das regras
econômicas, ainda que possua características próprias de uma organização. No
caso da universidade pública, Trigueiro (1999) ressalta que a sua especificidade
“não reside no fato de ser uma instituição da sociedade, mas na natureza de suas
atividades, em sua cultura e história, em seus processos internos e no papel que
desempenha na realidade global” (TRIGUEIRO, 1999:77).
O quadro-síntese a seguir, adaptado de Leitão (1987), sumariza as
principais características e distinções da universidade pública brasileira. Mesmo
ciente que há dificuldades em estabelecer as diferenciações entre o formal e o
real decorrentes da simplificação que requer este tipo de análise, as
características descritas configuram as suas principais dimensões.
Quadro 03
Principais características da universidade pública brasileira
Dimensão Principais características
Objetivos institucionais Amplamente considerados na literatura como ambíguos,
difusos, múltiplos, imprecisos, ambivalentes, abstratos,
104
difusos, múltiplos, imprecisos, ambivalentes, abstratos,
conflitivos ou mesmo desconhecidos.
Governo Poder executivo federal, estadual ou municipal, reitoria e
colegiados
Autonomia administrativa Dependência administrativa e financeira da autoridade pública
Estrutura de autoridade Fragmentada (descentralizada). Dualidade entre autoridade
burocrática e de especialista. Formalmente pluralista, embora
se identifique, no processo de representação, distorções que
a direcionam no sentido de uma estrutura monolítica, no caso
brasileiro.
Estrutura organizacional Do tipo burocrático, conjugado a uma estrutura do tipo
especialista. Ênfase nos colegiados. Pirâmide achatada na
base.
Cultura organizacional Orientação diversificada. Responsabilidade compartilhada em
diversos níveis. Valorização da liberdade individual, da
habilidade para gerar e transmitir conhecimento, da
competência de especialistas, da competitividade apenas
entre especialistas e de critérios políticos na escolha das
chefias. Elevado formalismo. Não valorização da habilidade
para administrar (administração “amadorística”).
Gerência Gestão do tipo facilitador, alguns reitores assumem o papel
de catalisadores, analistas, planejadores.
Fonte: Adaptado de LEITÃO,1987
3.2 GESTÃO UNIVERSITÁRIA: A UNIVERSIDADE VISTA POR DENTRO
A noção de gestão é aqui empregada por considerá-la como a mais
adequada, embora, no rigor vernacular, administração, gerência e gestão sejam
sinônimos. No entanto, gestão é um termo abrangente que sugere, tanto quanto
seus sinônimos, a idéia de dirigir e decidir, mas ainda não revela os preconceitos
dos termos anteriores. Os qualificativos do termo gestão, como co-gestão e
autogestão, relacionam-se às formas mais participativas que deram origem ao
termo (MOTTA, 2000b). De acordo com Chaves (2003), o conceito de gestão é
amplo, diversificado e por isto mesmo controverso. Fundamenta-se em campos
105
teóricos diversos e a polarização qualitativa encontra-se entre o campo da
administração e o da ciência política. Para a administração, o conceito se
aproxima da idéia de gerência e desta forma toma um caráter mais operacional e
instrumental. Para a ciência política, da qual também se aproxima a
administração pública, o conceito de gestão se traduz em aspectos menos
procedimentais, privilegiando a discussão sobre o poder e sua legitimidade,
politizando, assim, os conflitos presentes no processo de decisão no âmbito das
organizações, inclusive, e sobretudo, nas organizações públicas. A autora
constata que os pólos conceituais não são antagônicos e/ou excludentes entre si;
em certa medida eles se complementam na discussão sobre o próprio conceito de
gestão.
O debate em torno da gestão das instituições universitárias,
particularmente as públicas, tem sido recorrente. É pautado em críticas que
questionam o efetivo cumprimento do papel que exercem (enquanto produtoras e
difusoras da cultura e do saber na sociedade), as relações internas e externas de
poder, os processos de decisão, a autonomia em suas diferentes dimensões e
até a responsabilização dos agentes em relação à aplicação dos recursos
públicos, práticas administrativas e acadêmicas e outros aspectos concernentes à
gestão. Embora seja necessário estar atento às diversas significações que as
críticas remetem, é preciso abrir os debates e as políticas que restringem a
universidade. No seio das discussões, a universidade encontra-se frente a um
duplo desafio, que combina exigências cada vez maiores por parte da sociedade,
ao mesmo tempo que se tornam cada vez mais restritivas as políticas de
financiamento público das suas atividades.
Para compreender como as universidades são geridas, modelos
teóricos têm sido elaborados, relacionando claros vínculos entre estrutura, cultura,
formas de organização dos seus profissionais, natureza dos processos decisórios
que, em última instância, revelam dimensões institucionais, políticas, sociais e
culturais que se entrecruzam e dão vida à dinâmica da gestão. É evidente que
um olhar sobre qualquer organização não deve ocorrer separado dos processos
histórico e social em que está imersa. Portanto, variáveis estruturais e contextuais
são relevantes e reveladoras da realidade de uma instituição.
106
As pesquisas no campo da administração do ensino superior têm se
utilizado de modelos explicativos acerca do governo9 nas instituições
universitárias. De acordo com Hardy e Fachin (2000), desde os anos 70, as
pesquisas sobre o tema têm se baseado em quatro modelos: o burocrático, o
colegiado, o político e o da anarquia organizada.
O primeiro modelo – o burocrático – tem seus fundamentos em Weber
(1997) e expressa o tipo ideal de poder racional-legal. Observa-se que
características da burocracia weberiana estão presentes nas universidades, como
a coordenação oriunda da divisão do trabalho, a padronização das atividades, a
hierarquia administrativa visível, a adoção de regras, os regulamentos formais e
critérios impessoais. Embora este modelo seja manifesto, a descentralização, o
alto grau de autonomia, a difusão do processo de tomada de decisões em
diferentes unidades (departamentos, colegiados, conselhos) são evidentes na
universidade. Mas, diante do limitado poder explicativo do modelo burocrático, o
aporte teórico desenvolvido por Mintzberg (1995) – o da burocracia profissional –
tem sido muito utilizado para ampliar a lente de entendimento desta realidade.
Corresponde a um tipo de configuração comum a organizações que podem reunir
características burocráticas sem que sejam centralizadas, mas apoiadas em
habilidades e conhecimentos de operadores profissionais. Uma análise
comparativa elaborada pelo autor estabelece que a diferenciação essencial entre
a burocracia mecanizada (tipo weberiano) e a burocracia profissional encontra-se
na natureza da autoridade. Enquanto a primeira enfatiza o poder do cargo, a
segunda privilegia o poder da perícia. Na universidade, embora as características
de uma estrutura burocrática sejam visíveis, o modelo burocrático tomado
isoladamente não representa a totalidade da organização; entrecruza-se com o
acadêmico (perito). Isto é, as atividades acadêmicas são caracterizadas por
autonomia e liberdade de criação e produção (atividade-fim), ao mesmo tempo
que o apoio administrativo (atividade-meio) é estruturado burocraticamente,
levando a uma dualidade de autoridade que envolve tensões, por serem dois tipos
antagônicos, favorecendo um fluxo descontínuo ou atribulado das atividades
9 Embora não seja recorrente na literatura utilizada neste estudo, Hardy e Fachin (2000) adotam o termo governança universitária. Segundo os autores, o termo “governança” propicia analisar ofuncionamento das universidades descrevendo-se a realidade do processo decisório acadêmico, e não simplesmente a distribuição formal de autoridade em formulação de políticas.
107
acadêmicas com as de natureza administrativa. Chauí (1995) e Buarque (1994)
criticam o modelo burocrático de administração das universidades brasileiras.
Para Chauí (1995), os fundamentos do modelo são claramente antidemocráticos,
uma vez que a democracia recusa a hierarquia, pelo princípio da igualdade e do
mérito, recusa o segredo, pelo direito à informação e recusa a rotina, em nome da
invenção e criação de direitos. Para Buarque (1994), a falta de confiança,
princípio do entrave administrativo-burocrático, impede a administração de livrar-
se do emaranhado de normas, regulamentos, papéis e assinaturas que continuam
impedindo a flexibilidade, emperrando o seu funcionamento e grande parte do
poder de criação das universidades.
O segundo modelo de análise – o colegiado - privilegia o consenso e
os acordos no processo de decisão. A colegialidade nas universidades é oriunda
de duas fontes: comunidade de letrados (community of scholars) e a autoridade
profissional baseada na competência e não na posição, o que possibilita um tipo
de hierarquia mais achatada (HARDY e FACHIN, 2000). Embora as universidades
sejam consideradas as organizações que mais utilizam as formas colegiadas de
decisão (LEITÃO, 1987; HARDY e FACHIN, 2000), a suposição de que a
dinâmica do consenso existente entre grupos e indivíduos conduz a um processo
coerente na relação entre os objetivos e as metas organizacionais abre um flanco
para um confrontamento da consensualidade. Pois, esta convive com outros
aspectos de peso que afetam a gestão colegiada: a ambigüidade, a
multiplicidade, o pluralismo, sistemas difusos e outras características que se
integram aos objetivos e metas da universidade. Andrade (2002), por exemplo,
critica a ênfase exagerada dada à harmonia e ao consenso neste modelo.
O outro modelo descrito na literatura é denominado de político. Para
Baldrige (1971, apud ANDRADE, 2002), as universidades são organizações
complexas que podem ser estudadas como sistemas políticos em miniatura, com
dinâmicas de grupos de interesse e conflitos similares aos que existem na cidade,
no Estado e em outros ambientes políticos. Enfatiza, portanto, o dissenso, o
conflito e a negociação entre grupos de interesses no seio da organização
acadêmica.
108
Em estudo comparado realizado por Rodrigues10 (1985), dois aspectos
se evidenciaram no que dizem respeito ao processo decisório em universidades:
nos casos em que se dá primazia aos critérios econômicos em detrimento dos
aspectos políticos, a decisão toma rumos imprevistos, caracterizando-se por
posturas políticas e conflito. Outro aspecto é que o sucesso decisório depende
das características do processo, porque relaciona-se com a participação e o
acordo, de um lado, e com a centralização e o conflito, de outro. Conclui que
“onde os objetivos são mais abstratos e onde não existe um denominador comum
para se avaliar as atividades, a atenção é transferida para o clima político,
supervalorizando o consenso e o acordo no âmbito político” (RODRIGUES,
1985:72). Esta afirmação garante ao sucesso uma dimensão política que envolve
um certo grau de consenso sobre como devem se formar as prioridades da
organização. No caso das universidades, a autora sugere que as prioridades
sejam relacionadas com a negociação e a participação.
O quarto e último modelo apontado na literatura - anarquia
organizada11 – privilegia a ausência de propósitos pré-definidos do
comportamento humano na tomada de decisão. Deste modo, os eventos
ocorridos na situação de anarquia organizada não podem ser deduzidos, pura e
simplesmente, das intenções e dos interesses individuais, mas pressupõe-se um
comportamento administrativo do tipo não-proposital, em virtude de ambigüidades
nas preferências, na tecnologia e na participação (COHEN e MARCH, 1974 apud
HARDY e FACHIN, 2000). Embora se reconheça a existência de tal modelo em
determinados eventos, particularmente em decisões mais periféricas, ele tem sido
contestado por alguns autores como Hardy e Fachin (2000) e Rodrigues (1985),
devido à excessiva fluidez na tomada de decisão advinda desse modelo de
anarquia organizada.
Diante do delineamento teórico das diferentes perspectivas aqui apresentadas, postula -
se que, se analisadas separadamente, podem evidenciar muitos aspectos do real e também negar
outros. Ainda que modelos explicativos permitam destacar questões centrais da gestão
universitária, a exemplo da relação entre estrutura e poder na compreensão do processo decisório,
parece muito relevante observar que só é possível pensar a gestão de modo contextualizado,
10 Este estudo compara 34 decisões empresariais com 18 decisões em universidades britânicas.11 O modelo anarquia organizada é também tratado na literatura como “lata de lixo”.
109
levando em conta os processos históricos e sociais que lhe dão configuração. Fávero (1983) assim
explicita este argumento:
(...) da mesma forma que não posso falar da realidade sem indagar o que ela é
e como é criada, quando falo em universidade, tenho também de saber não
somente o que ela é, mas sobretudo como é produzida, ou como ela se faz. É a
resposta a este questionamento que me dará elementos para captar a
universidade em sua verdadeira concreticidade e não como algo abstrato,
constituído em si e por si (FÁVERO, 1983 :43).
Compreender a dinâmica de funcionamento, os dilemas e as
contradições existentes no interior da organização universitária, requer entender
os condicionantes que determinaram a sua criação. A análise da instituição
universitária (do todo) ou de qualquer fenômeno presente em seu interior (das
partes), diz respeito a um conjunto de práticas sociais que adquirem significação
quando referidas ao ambiente no qual foram produzidas. Estas práticas não estão
centradas apenas em um indivíduo ou na presença da pessoa, mas na práxis
que caracteriza a interação entre indivíduos por meio da ação, destaca Dupuis
(1996). As práticas sociais, evidentemente, concernem aos atores que agem no
interior de sistemas já estruturados e, também, em constante estruturação, isto é,
que são transformados pelas próprias práticas contínuas dos atores. Deste modo,
pode-se dizer que a prática no seio das organizações concilia condutas e
objetivos/interesses dos atores sem desconsiderar as estruturas sociais que os
referenciam nos processos de interação social (Goffman, 1983 apud
Junquilho,2001).
Na gestão universitária fica a permanente questão de como as
relações dos sistemas sociais mais amplos são recriadas no micro-espaço do
cotidiano da instituição (interesses, poder, valores, atitudes etc). As respostas
parecem emergir quando se observa a estrutura e as relações de poder no
interior da universidade como reprodutoras das estruturas e relações de poder da
sociedade como um todo. Por exemplo, a cultura do serviço público no Brasil:
conquanto a modernização perseguida nas últimas décadas visando a
reestruturar o Estado, o setor público e as redes de intermediação entre Estado e
110
sociedade civil ainda expõem práticas muitas vezes clientelistas. Este fenômeno
faz perdurar um jogo velado entre atores, reforçando um poder burocrático
exagerado e desconsiderando, na maioria das vezes, o processo democrático e a
transparência como elementos de poder e controle. Pode-se até mesmo observar
a presença de relações autoritárias na universidade intervindo na gestão12,
afetando outros aspectos concernentes para os quais confluem processos de vida
acadêmica, recursos administrativos, políticas científicas e de gestão.
Outro aspecto relevante da gestão nas universidades trata da autonomia como
princípio de organização interna, definindo o perfil das finalidades e a estruturação das funções,
tais como dimensão didático-científica, administrativa, política, financeira e patrimonial. Embora
no conjunto das definições de cada dimensão o princípio seja associado ao da liberdade da
instituição, não significa que a autonomia está excluída do controle social e do acompanhamento
público de suas práticas (FÁVERO, 1997).
A autonomia como um dado do mundo acadêmico mostra que se pode pensar a
universidade a partir dela própria, não em si mesma, mas a partir das suas funções e da relação
com a sociedade. Deste modo, a autonomia se justifica como um aspecto estruturante do
compromisso entre a instituição e a expectativa social que se tem dela. Penteado (1998) explicita a
relação entre autonomia e a participação como princípios de gestão:
Se a autonomia como uma conquista possibilita à universidade governar-se a si
própria, nos princípios do direito público, cabe-lhe estabelecer a
democratização em todos os seus níveis de gestão como fruto de participação.
A participação tem como pressuposto modos organizacionais compartilhados,
fundamentados na equidade e nos contornos de uma cultura do coletivo na
universidade, concebendo as dimensões de poder no adequado enfrentamento
do conflito organizacional (PENTEADO, 1998:40).
As questões aqui descritas resumem alguns aspectos relevantes do debate sobre a
gestão da universidade pública. Primeiro, fomentam a reflexão para romper com o imobilismo
gerado pelas estruturas centralizadas e formas autoritárias de gestão herdadas da reforma
universitária, implementada sob o regime militar a partir dos anos sessenta. Segundo, buscam um
rumo para o aprofundamento de uma gestão pautada em princípios democráticos. No entanto,
acredita-se que a possibilidade de êxito de qualquer proposta de mudança da universidade brasileira
debruça-se sobre uma reflexão crítica de mão dupla: a universidade vista de dentro (autocrítica) e
vista por fora (a crítica da sociedade). A natureza dialógica desta reflexão abre as portas da
12 Importante contribuição ao debate sobre o tema é feita por LEITÃO (1985 e 1987).
111
percepção da organização do saber (conhecimento, ciência e cultura) para uma realidade que
necessita ser reformada e reconstituída a partir da contribuição do coletivo (princípio de
comunidade) e, também, do conhecimento como esfera de democratização da própria sociedade.
3.3 UNIVERSIDADE E GESTÃO: A COMPLEXA TRAMA DA PARTICIPAÇÃO E
AUTOGESTÃO
3.3.1 As múltiplas faces da participação
Com a ampliação da democracia como resultado das lutas e
conquistas dos movimentos sociais, a sociedade civil brasileira vem
ganhando espaços participativos, institucionalizados ou não, na gestão
da coisa pública. A diversidade analítica atribuída à participação sugere
ela mesma uma competição de significados oriundos de paradigmas
que apresentam interpretações distintas (GOHN,
2001;CARVALHO,1998). A noção de participação é apropriada tanto
pelos movimentos sociais quanto por governos neoliberais e implica em
práticas fundadas em princípios e valores diferentes, portanto, que se
fundam em relações também diferentes.
O Dicionário de Política (BOBBIO, MATEUCCI e PASQUINO,
2000) chama a atenção para as diferentes interpretações que o termo
acomoda, “já que se pode participar ou tomar parte nalguma coisa, de
modo bem diferente, desde a condição de simples espectador a de
protagonista de destaque”. Destaca, pelo menos, três formas ou níveis
de participação política. A primeira delas é designada pelo termo
presença – é a forma mais intensa e mais marginal. A segunda é
designada pelo termo ativação e, por último, pelo termo participação
que, tomado em sentido estrito, “poderia ser reservado, finalmente, para
situações em que o indivíduo contribui direta ou indiretamente para uma
decisão política” (SANI, In: BOBBIO, MATEUCCI e PASQUINO,
2000:888). Elementos de cultura política dominantes incentivam ou não
112
a participação, mas, os sistemas de participação, por si só, não são
suficientes onde a motivação é baixa ou limitada a um círculo restrito.
No campo da ciência política e das ciências sociais, o
conceito de participação é central. Sani (In: BOBBIO, MATEUCCI e
PASQUINO, 2000) descreve desde comparecer a reuniões de partidos,
comícios, grupos de difusão de informações até o inscrever-se em
associações culturais, recreativas, religiosas ou, ainda, realizar
protestos, marchas e ocupações de prédios. Na Sociologia o termo
ganhou, nas últimas décadas, o estatuto de uma medida de cidadania e
está associado, muitas vezes, à definição ou fator de integração em
oposição à exclusão, como afirma Gohn (2001). Ambas as abordagens
convergem para a relação do sujeito (individual ou coletivo) com a
democracia em sua forma direta ou indireta.
Sob a perspectiva organizacional, a participação compreende
todas as formas e meios pelos quais os membros de uma organização,
como indivíduos ou coletividade, podem influenciar os destinos da
organização. Tomando um sentido pragmático, restrito e contextual,
considerando a hierarquia como elemento presente, pode-se definir
esta participação como uma influência ou assunção por parte dos
indivíduos que se encontram em posições hierárquicas inferiores, de
funções ou decisões usualmente privativas da gerência (MOTTA,
2000b). A forma direta ou indireta como ela ocorre concentra-se em
domínios diferentes e varia de acordo com o modelo de gestão adotado
na organização.
Privilegiando as práticas sociais, o conceito de participação
cidadã tem sido largamente associado ao de governança,
principalmente na esfera do poder local, considerado como “espaço
privilegiado de iniciativas inovadoras, tanto nos métodos de gestão
como na organização da sociedade civil” (TEIXEIRA, 2001:162). Tais
formas de participação podem se dar de modo institucionalizado, como
fóruns de consulta popular ou orçamento participativo, ou não-
institucionalizado, a exemplo de movimentos organizados de minorias e
grupos excluídos da sociedade. Independente do nível de
113
institucionalização de canais participativos, os atores reclamam que
haja permeabilidade para um diálogo contínuo entre o Estado e a
sociedade civil.
Olhando a questão por outro ângulo, Demo (1999) e Fávero
(1983) chamam a atenção para dois aspectos centrais da participação:
a natureza concreta do processo contínuo que envolve a negação da
idéia de ausência de poder. Asseveram que na democracia esta
constitui uma conquista que resulta das formas históricas de ampliação
da cidadania, afastando-se de uma concepção assistencialista, o que
significa que participar é um processo, no sentido legítimo do termo
(DEMO, 1999).
O segundo aspecto que caracteriza a participação é a sua
capacidade de confrontamento com o poder. Assim, participar é
encarar o poder de frente e, então, abrir os espaços para a ação. Demo
(1999:20) conclui afirmando que “a participação, por conseguinte, não é
ausência, superação, eliminação do poder, mas outra forma de poder.”
A concepção de que a participação é garantida pela socialização do
exercício do poder também é compartilhada por Wittmann (1988, apud
PENTEADO, 1991), pois é instituída na cooperação, co-
responsabilidade e na solidariedade.
3.3.2 O sentido da participação na gestão universitária
Trazendo estes enfoques da questão para o campo da
administração universitária, as indagações levantadas por Penteado
(1991:53) parecem instigantes. Como transferir a problemática da
participação para a universidade? Como recriar, em bases
participativas, a própria estrutura de poder da instituição?
114
A resposta pode ser, inicialmente, argumentada pelas
análises de Fávero (1983) e é defendida neste estudo. A participação
não se reduz a um processo eleitoral ou de escolha dos representantes,
nem se limita a tomar parte nos órgãos constituídos, com estruturas e
funções definidas. A democracia participativa reclama a eliminação de
toda e qualquer forma de dominação na qual o detentor de cargos e
funções se identifica com o próprio poder (Chauí, 1982 apud Fávero,
1983). Aproximando esta dimensão democrática da gestão universitária
para explicitar o significado da participação, Horta afirma:
Participação é mais que isto: é a presença ativa de todos os
interessados, representantes dos diferentes segmentos que constituem
a comunidade universitária no processo de tomada de decisão,
execução e avaliação de todas as atividades relacionadas com a
definição dos objetivos, organização e funcionamento da vida
universitária, nos diferentes setores e níveis (HORTA 1978, apud
FÁVERO, 1983:57).
Isto introduz a idéia de co-governo, um dos desafios mais
complexos no campo da administração universitária. Tem suas origens
nos reclames da reforma universitária e pauta-se no argumento de que
aqueles afetados pelas decisões devem participar das escolhas a
serem feitas. No entanto, participar não se circunscreve ao discurso;
implica, sim, em uma política que, na prática, exige estratégias, canais
de interação e diálogo, envolvendo decisões que incorporem criticidade
e (co)responsabilidade.
Neste sentido, duas considerações feitas por Penteado
(1991) são elucidativas para compreender o significado da
institucionalização de canais de participação na universidade. A
primeira diz respeito à perspectiva crítica que o próprio conceito deve
conter, para não ser um mero mecanismo de cooptação. “Constitui-se
115
antes de tudo, num processo político, um propósito coletivo, cuja meta é
solidificar regras democráticas de jogo, estabelecidas de comum
acordo, que possam reger tanto o consenso quanto o conflito”
(PENTEADO, 1991:49).
A segunda trata do desafio que se concretiza na emergência
de uma atitude política, de consciência histórica e de confiança,
características de um aprendizado democrático. Esta transformação de
atitude em uma administração renovada, busca superar o risco de
esvaziar-se no seu próprio discurso, lutar pela superação dos dilemas
de manutenção de um status que, de um lado, proclama a nova
configuração, mas de outro, pode cair nas mãos do democratismo.
Processos participativos são, às vezes, compreendidos como forma de
garantir que a vontade da maioria seja respeitada e seus interesses
atendidos. Todavia, é precário tentar classificar como democrática ou
não a gestão da universidade somente por este critério um tanto
impreciso, como adverte Penteado (1991).
Poder decidir é poder conhecer que está na razão direta do poder
social e político. Assim, a democratização do poder interno é
conseqüência das atividades desenvolvidas pela instituição, apesar de,
aparentemente, só favorecer direta e estreitamente os participantes.
Em outras palavras, não só está ligada à relevância do processo de
trabalho, através do qual se realiza, mas ao atendimento das
necessidades da realidade social. A concretização de processos
democráticos internos deve resultar na distribuição significativa de
poder àqueles que têm competência, conhecimento e consciência
política (PENTEADO, 1991:118).
No outro pólo do debate, encontram-se os desafios para
operacionalizar a participação. Os questionamentos vão desde quem e como
deve participar até a legitimidade dos órgãos como expressão efetiva e contínua
da comunidade acadêmica. Considerando que este debate é amplo e
controverso, afirma-se que quaisquer que sejam os canais ou as formas de
participação, os critérios exigem uma política amplamente discutida e consentida.
116
Fazendo um paralelo com a análise de Teixeira (2001) quanto à importância de
mecanismos que combinem participação e representação, em um plano micro
como a universidade, a abertura de canais e instâncias ampliadas de decisão
devem ser acompanhadas dos meios para realizar as decisões, sem maximizar a
participação no processo decisório e minimizar a responsabilização dos agentes.
Não se pode negar o papel da participação dos diferentes atores no conjunto do processo decisório, mas não se pode substituir o papel que cabe àqueles que recebem um mandato para implementar as ações dele decorrentes (TEIXEIRA, 2001:36).
Fávero (1983) reconhece que é fundamental avançar no debate
representação versus não-representação, propor questões práticas de natureza
institucional que digam respeito à qualidade dos processos de representação. A
autora recorre a Lamounier para fundamentar a sua argumentação:
Penso que a luta a ser levada à frente deve ter presente duas coisas:
primeiro, o que se quer não é uma representação entendida como
participação meramente formal e, segundo, não se pode deixar de ter
presente a existência de interesses e de conflitos a compor e de que
as correções necessárias não serão feitas se os interessados não se
fizerem de alguma forma presentes ou representados. Nessa
perspectiva, torna-se fundamental repensar a democratização da
universidade como algo associado a formas mais densas, ágeis e
diferenciadas de participação (LAMOUNIER, 1981, apud FÁVERO,
1983:57).
Mas, o que ensinam os registros de experiências
participativas vivenciadas por algumas universidades? Parece que o
processo é lento, embora rico e associa-se ao aprofundamento de uma
cultura política democrática no país. Fávero (1983) entende que é
possível tirar uma lição destas experiências, proposta que ainda
continua relevante vinte anos após a publicação do seu artigo. A
mudança da gestão da universidade para a direção coletiva de uma
agência de ensino superior é um processo longo que lida com as
diferenças e com os conflitos que permeiam uma organização de
117
função social tão complexa. E, se a gestão participativa e a autonomia
são vetores, então, exigem complexas transformações de valores e
condutas para se tornarem práticas cotidianas.
3.4 ALGUNS TRAÇOS HISTÓRICOS DA UNIVERSIDADE PÚBLICA NO BRASIL
Ainda que as primeiras faculdades de Medicina, Engenharia e Direito
remontem ao século XIX, é no século XX que se encontra a criação do ensino
superior ao nível de estrutura universitária. Até o início do século passado
inexistiam universidades no país e a oferta de ensino superior restringia-se aos
cursos profissionalizantes. A ausência de universidades explica-se pela ação do
reino português para manter a Colônia em dependência à Metrópole, conforme
descreve Cunha:
Portugal não se propunha a criar nenhuma universidade na Colônia: os jesuítas eram eficientes no processo de domesticação dos índios e de colonização. Assim, a Colônia já dispunha de um pequeno quadro universitário e a criação de uma universidade no Brasil significaria disputa e empobrecimento da Universidade de Portugal. Além disso, a continuidade do envio de estudantes àquele País, mantinha adependência da Colônia à Metrópole (CUNHA, 1999c:97).
No período colonial, contrariamente ao que ocorreu nas colônias espanholas,
não foram criadas universidades no Brasil. O ensino superior era restrito aos cursos de
Filosofia e Teologia, ministrados por jesuítas. Com a expulsão desta ordem religiosa do
reino português, em 1759, passou a ser ministrado pelos conventos franciscanos. Por
exemplo, o Lyceu Provincial (atual Colégio da Bahia), criado em 1837, tinha objetivos
fundamentalmente eclesiásticos, servindo ao poder da Igreja. “A Igreja Católica era, então,
118
uma instituição privada que se mesclava ao Estado pelo regime do padroado” (CUNHA,
1999b:39).
As razões para a não implantação de uma universidade no Brasil
podem ser encontradas no “sentimento de passagem, desenraizamento” dos
colonizadores. Outro motivo é a política de dependência econômica, inicialmente
comercial e depois industrial, com que Portugal administrava a sua colônia. “Para
assegurar a dependência econômica, era fundamental a dependência política. E
para manutenção desta última era também fundamental a dependência da
inteligência e da cultura” (PAVIANI e POZENATO, 1984:66).
O ensino superior no Brasil iniciou-se com a transferência da sede do
reino português para a Colônia, em 1808, quando foram criadas as primeiras
instituições para atender às necessidades da Coroa Portuguesa. Segundo Cunha
(1999b:39), estas instituições constituíram “os germes das atualmente existentes
Universidades Federais do Rio de Janeiro e da Bahia, ao mesmo tempo em que
se reduziram os cursos dos conventos aos limites da formação clerical” (CUNHA,
1999b:39). O modelo de ensino superior e a formação profissional possuíam duas
características essenciais: o pragmatismo e o modelo napoleônico, referência
orientadora do projeto de modernização de Portugal. Era caracterizado pela
separação entre o ensino e a pesquisa científica (SAMPAIO, 1991, apud CUNHA,
1999c: 98). É nestes moldes que foram criadas as escolas de Medicina,
Engenharia e, posteriormente, de Direito. Entre 1808 a 1889, ano da Proclamação
da República, pode-se dizer que esse ensino se desenvolvia lentamente, voltado
para uma pequena elite que monopolizava as posições profissionais privilegiadas
e o prestígio social. O período pós-independência reforçou este modelo em que
todo o ensino superior no país era provido pelo Estado, com controle de
distribuição das cátedras, conforme critérios mais políticos.
Sampaio (1991, apud CUNHA,1999c) ressalta, ainda, que algumas das
modificações produzidas na legislação educacional com o advento da República,
como o incentivo à criação de faculdades isoladas, a descentralização do ensino
superior para os Estados e a criação de instituições particulares, são fatores que
permitiram o início da ampliação e diversificação do sistema. Influenciados pelo
Liberalismo e pelo Positivismo que marcaram a política da época, os governos
não pretendiam manter a exclusividade do Estado no ensino superior. O quadro
119
institucional republicano que favoreceu o crescimento do ensino superior por meio
de três vetores pode ser explicado como segue:
a) a presença do governo federal nos Estados (em geral nas capitais) pela criação e manutenção de faculdades; b) a projeção das elites locais e regionais no ensino superior na reprodução de quadros intelectuais, pela criação e manutenção de faculdades estaduais nas capitais e nas cidades politicamente mais importantes do interior e, c) a criação de faculdades por agentes privados, confessionais e/ou empresariais, conforme a demanda não atendida pelo setor público e de acordo com projetos hegemônicos (CUNHA, 1999b:39).
O modelo de universidade sem um caráter essencialmente de
formação profissional e mais humanista começou a ser esboçado na década de
30, voltada para o debate livre e a construção de um saber crítico. Foram
implementados dois projetos: a Universidade de São Paulo - USP, sob o comando
de Fernando Azevedo, em 1934, criada dentro das normas gerais da legislação
de Francisco de Campos13, com uma Faculdade de Ciências e Letras,
representava a reconciliação entre as elites paulistas e o Governo Getúlio Vargas.
Ainda neste período foi criada a Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro, que
não conseguiu desenvolver o ambiente de efervescência intelectual e de
pesquisa científica da USP. Outro projeto - a Universidade de Brasília sob a
direção de Anísio Teixeira - foi impedido de avançar em virtude da política do
Estado Novo de Vargas, a partir de 1937 (CUNHA, 1999c). As novas
universidades não nasceram da demanda de amplos setores da sociedade, nem
de reivindicações das próprias instituições de ensino superior existentes. Pode-se
dizer que:
Resultam de iniciativas de grupos políticos, intelectuais e educadores nem sempre ligados ao ensino superior e, ao incorporar os interesses dos integrantes do sistema anterior, tiveram que confrontar cominteresses estabelecidos e a continuar prestigiando o modelo antigo de faculdades orientadas para a formação de profissionais liberais, razão porque se tornou difícil a implantação da pesquisa nas universidades récem-criadas (SAMPAIO, 1991, apud CUNHA, 1999c:100).
Dos anos 30 até o início dos anos 60, nenhuma mudança significativa
acontece no modelo das instituições universitárias. No entanto, este foi o período
13 Após a Revolução de 1930, houve a criação do Ministério da Educação e Saúde Pública, tendo como ministro Francisco de Campos. Através de uma reforma, ele estabeleceu o Estatuto das
120
em que se iniciou uma grande ampliação do sistema de ensino superior brasileiro,
graças ao desenvolvimento da rede de universidades federais e ao aparecimento
de universidades católicas e, posteriormente, das instituições particulares.
(CUNHA,1999c). O cenário destas mudanças é descrito a seguir:
Inicia-se aí um processo de diversificação desse sistema de ensino, através da sobreposição de modelos – o da formação para as profissões tradicionais e o da pesquisa – e a multiplicidade de instituições de ensino, formando várias redes (as públicas – federal e estadual e as privadas – laicas e religiosas) que estavam sendo criadas. [...] Neste contexto de mudanças e pressões, entra em cena um novo debate em fins da década de 50, de certo modo, retomando os ideais do movimento da década de 20, colocando em questão a reforma da universidade (CUNHA, 1999c:101).
O período militar marcou a época de maior crescimento das
universidades públicas brasileiras. Hardy e Fachin (2000) ressaltam que no
regime autoritário buscava-se integrar a universidade ao processo de
desenvolvimento, modernizando-a e criando a pós-graduação, incentivando a
titulação e a pesquisa avançada, além da descentralização regional do ensino
superior, incluindo a política de construção de campi universitários14. Cunha
(1999b) lembra que instituiu-se o trabalho docente em tempo integral e o
provimento de linhas de financiamento à pesquisa científica e tecnológica.
O modelo de universidade criado na década de 30 persistiu
até a reforma do ensino empreendida no final da década de 60
mediante a Lei 5.540 que estabeleceu a Reforma Universitária e o
Estatuto do Magistério Superior (Lei 5.539), em 1968. As principais
críticas feitas a este modelo adotado durante o regime militar são assim
resumidas:
[...] a estrutura universitária vigente baseada na instituição da cátedra;
a fragmentação causada pelas escolas profissionais, que isolavam
professores e alunos em cursos especializados em escolas diferentes
e o aspecto elitista do sistema que continuava atender a uma pequena
parcela da população (CUNHA, 1999c:101).
Universidades Brasileiras, de acordo com as idéias gestadas no período de liberdade política, antes mesmo de ser criada qualquer universidade no país (JEZINE apud CUNHA, 1999c).14 Este período foi marcado pela criação de campus suburbanos visando a eliminar ou atenuar o que se julgava ser a excessiva politização dos estudantes das universidades brasileiras. Estemodelo era apoiado por financiamento internacional (CUNHA, 1999c).
121
A reforma do ensino superior de 68 estabelecia um modelo organizacional que
privilegiava a estrutura departamental e os colegiados de cursos, as normas de
funcionamento e os regimentos gerais, entre outros aspectos relevantes a mencionar.
Embora tenha sido dirigida às universidades públicas federais, observa-se que a estrutura
foi adotada pelas demais instituições de ensino superior (estaduais e privadas), institutos e
faculdades, constituindo-se em um modelo que persiste até os dias atuais, ainda que se
considere as mudanças advindas da recente Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB.
Sabe-se que o contexto atual é bem diverso daquele apresentado no final dos
anos 60. A crise do Estado brasileiro hoje se reflete diretamente nas universidades
públicas. As políticas de ensino superior adotadas têm impactado no financiamento da
pesquisa, na carreira docente, no acesso ao ensino, na manutenção da infra-estrutura e
outros aspectos. A trajetória da universidade brasileira é resumida por Braga (1989, apud
CUNHA, 1999c), que a caracteriza em três momentos: o primeiro, se estende até a década
de 60 e mostra um ensino superior calcado na universidade elitista européia, atendendo aos
jovens de elite tradicional ou burguesa em três áreas básicas: medicina, engenharia e
direito. O segundo momento, a partir de 60, se caracteriza pela iniciativa de modernização
e expansão do ensino superior. O terceiro momento é caracterizado pela crise que se
iniciou na década de oitenta, impulsionada pelas crises econômicas nacional e
internacional que se prolonga e a conseqüente crise de credibilidade desta instituição.
122
CAPÍTULO IV – O OBJETO EM SEU CONTEXTO: A UNIVERSIDADEESTADUAL DO SUDOESTE DA BAHIA – UESB
Este capítulo descreve o contexto institucional em que o recorte
empírico deste estudo – a Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia - se
insere, desde a sua criação até os dias atuais.
4.1 HISTÓRICO
Até o início dos anos 70, a oferta de ensino superior na Bahia limitava-se a
duas universidades: a Universidade Federal da Bahia – UFBA e a Universidade
Católica do Salvador - UCSAL. Havia a centralização do ensino superior na cidade de
Salvador, capital do Estado, acumulando-se uma demanda crescente por vagas e por
um maior alcance da população, tanto da capital como das cidades interioranas, por
educação superior. De acordo com Costa (1991), na década de 80, a rede de ensino
superior na Bahia contava com algumas escolas isoladas mantidas pelo Estado e por
entidades particulares, onde, existiam apenas 4,1 alunos para cada 1.000 habitantes.
123
Este contexto, associado ao fato de que na Bahia só existia uma
universidade pública federal, impulsionou o governo estadual a implementar uma
política de ensino superior expansiva, até hoje, no território baiano, conforme
descreve Tomasoni (2002):
A expansão do ensino superior se deu timidamente a partir da década de 70 com a intervenção do Estado, o qual assumiu a educação superior neste território, fato que não ocorreu com outras unidades federativas,que contaram com a iniciativa e ação do sistema federal e de empresas privadas. A partir da década de 80, as ações de implementação doensino superior intensificaram-se, caracterizando-se numa interiorização. (TOMASONI, 2002 :23)
A centralização do ensino superior e a crescente demanda por vagas
em virtude do crescimento populacional, foram dados que motivaram a ampliação
da oferta de vagas. A base da política de descentralização do ensino superior foi
inspirada em uma das diretrizes do Programa de Ação Governamental, que
definia como meta a interiorização do desenvolvimento, pelo crescimento das
regiões e pelo fortalecimento das políticas e programas. No entanto, o processo
de descentralização se deu de forma desorganizada e dispersa sem obedecer
aos princípios de regionalização ou a uma hierarquia urbana, como afirma
Tomasoni (2002).
É neste contexto de expansão do ensino superior no estado baiano que
foi criada a Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB. É uma
instituição pública de ensino superior, de natureza autárquica, regida pelos
princípios do direito público e vinculada à Secretaria de Educação do Estado da
Bahia. Localizada na região Sudoeste do Estado, possui uma estrutura
multicampi, com três campi situados nas cidades de Vitória da Conquista,
(campus sede), Jequié e Itapetinga15, como pode ser visualizado no Mapa I, a
seguir.
15 Vitória da Conquista fica a aproximadamente 510 km de Salvador. O campus de Jequié dista 153 km de Vitória da Conquista e o de Itapetinga 105 km.
124
Mapa I
Região Sudoeste do Estado da Bahia
125
O processo de institucionalização da UESB remonta a três importantes
etapas: sua criação, a autorização de funcionamento e o processo de
reconhecimento, como prevê a Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB. A
UESB teve sua origem nas Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras, criadas em
1962, nos municípios de Vitória da Conquista e Jequié, mas que só entraram em
funcionamento com a implementação do Plano Integral de Educação do Governo
do Estado da Bahia, iniciado em 1969. O plano ganhou maiores contornos na
década de 80 com a expansão do ensino superior no Estado, conforme
mencionado anteriormente.
Em agosto de 1980, foi instituída a Fundação Educacional do Sudoeste
com o objetivo de criar e manter uma universidade na região sudoeste do Estado.
Posteriormente, a Fundação foi extinta e substituída pela Autarquia Universidade
do Sudoeste, que incorporou as Faculdades de Formação de Professores e
outras escolas isoladas existentes à época. Na segunda metade da década foi
concedida a autorização de funcionamento da Universidade Estadual do
Sudoeste da Bahia e, no final dos anos 90, houve o seu credenciamento através
do Decreto nº 7.344, de 27 de maio de 1998, em atendimento às exigências da
nova LDB que dispõe sobre o credenciamento e recredenciamento das
universidades públicas.
A missão da UESB foi estabelecida quando da elaboração do
Planejamento Estratégico Institucional (1996), realizado em conjunto com os
segmentos da comunidade acadêmica, que assim a definiu: “produzir,
sistematizar e socializar conhecimento para a formação de profissionais e
cidadãos, visando a promoção do desenvolvimento e a melhoria da qualidade de
vida” (PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO, UESB, 1996:04).
As diretrizes gerais que orientam as suas atividades estão relacionadas
com a produção de conhecimento científico-tecnológico e humanístico, ensino de
qualidade, atendimento às demandas da sociedade, particularmente à comunidade
Fonte: Adaptado da SEI
126
regional. Elas conformam com o caráter autônomo da instituição e a realização do
seu papel crítico como fórum privilegiado de produção do conhecimento.
Atualmente, o sistema educacional superior baiano conta com cinco
universidades públicas, sendo uma universidade federal e as demais mantidas
pelo poder público estadual. As quatro estaduais – Universidade do Estado da
Bahia - UNEB, Universidade Estadual Santa Cruz - UESC, Universidade Estadual
do Sudoeste da Bahia - UESB e Universidade Estadual de Feira de Santana -
UEFS – abrangem todas as regiões econômicas do Estado. Mello e Silva (s/d)
considera que elas contribuem para potencializar o desenvolvimento econômico
do estado ao se envolverem prioritariamente com os mecanismos de
planejamento e ação, global e setorial, assumindo um grande papel com relação
ao desenvolvimento urbano e regional da Bahia.
4.2 ESTRUTURA ORGANIZACIONAL E ATIVIDADES ACADÊMICAS
A estrutura organizacional das universidades públicas estaduais
assemelha-se ao modelo adotado pelas federais, que seguem as orientações da
Reforma Universitária de 1968. O atual modelo de estrutura da UESB foi
aprovado pelo Decreto Estadual nº 7.329, de 07 de maio de 1998, que define a
seguinte composição: a) órgãos superiores de deliberação: Conselho
Universitário – CONSU; Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão –
CONSEPE e o Conselho de Administração – CONSAD; b) órgão executivo da
administração superior: Reitoria; c) órgãos auxiliares de direção superior: vice-
reitoria, procuradoria jurídica, pró-reitorias e assessorias especiais; d) órgãos
suplementares: de apoio às atividades de ensino, pesquisa, extensão e execução
de programas aprovados pela Reitoria ou pelos Departamentos para toda a
Universidade; e) órgãos da administração setorial: departamentos e colegiados
de cursos. A figura I, a seguir, apresenta a macro estrutura organizacional da
UESB.
127
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74
A segunda metade da década de 90 registra um expressivo aumento
do número de cursos de graduação e pós-graduação oferecidos pela Instituição.
Atualmente, existem 26 cursos de graduação distribuídos nos três campi: 14
cursos em Vitória da Conquista, 09 no campus de Jequié e 03 em Itapetinga. Do
quantitativo de cursos ofertados, 16 foram implementados no período de 1995-
2001, o que representou um crescimento de 160% comparativamente ao número
de cursos existentes no início da década. Até 1994, a política de pós-graduação
da Instituição restringia-se ao programa de capacitação de docentes do quadro
interno. A partir do ano de 1995, essa política passou a ser orientada por duas
outras vertentes, conforme descrito no Programa de Gestão –1999/2003.
A partir de 1995, a política de pós-graduação foi repensada, e estabeleceram-se novas prioridades, resumidas em duas grandes vertentes. Uma delas constitui-se na decisão de intensificar oprograma de capacitação de docentes e dar um grande salto no percentual de mestres e doutores. A meta era, além de atingir o percentual mínimo exigido pela LDB, formar uma grande base de docentes qualificados, principalmente para a pesquisa, além doensino e da extensão (PROGRAMA DE GESTÃO, UESB, 1999:37).
Como fruto dos esforços empreendidos no período, estão sendo
oferecidos 19 cursos de pós-graduação em 2003, sendo 16 lato sensu e 03 stricto
sensu, em nível de mestrado. Os de lato sensu, em sua maioria, são oferecidos
por docentes da própria Instituição e 50% destinam-se a profissionais da área de
Educação, confirmando o importante papel que a UESB vem desempenhando na
formação de quadros qualificados para o ensino de 1º e 2º graus na região. Os
demais cursos concentram-se nas áreas de ciências agrárias, humanas e sociais
e da saúde.
O nível de mestrado tem sido viabilizado através de convênios de
cooperação com instituições de ensino superior brasileiras ou oferecidos pela
própria Instituição. São mestrados interinstitucionais que têm possibilitado a
qualificação do quadro de servidores, sem exigir o afastamento das atividades
acadêmicas e/ou administrativas. A partir de 2002, iniciou-se a oferta de cursos
de mestrado com docentes pertencentes ao próprio quadro da Instituição:
Mestrado em Agronomia, com concentração em Fitotecnia e Mestrado em
Zootecnia, com concentração em Produção de Ruminantes. A qualificação do
75
corpo docente na área de ciências agrárias e animal foi uma das determinantes
que possibilitou viabilizar tal iniciativa.
A pós-graduação destina-se a um público-alvo composto de docentes,
técnicos-administrativos da própria Instituição, membros da comunidade regional
e quadros de órgãos públicos da região. É importante mencionar que além da
concessão de auxílio financeiro, através das agências governamentais, a UESB
destina parte de seu orçamento para o financiamento de bolsas para docentes e
técnicos-administrativos que estiverem matriculados em cursos de pós-graduação
stricto sensu, fora da UESB. Até o ano de 2002, não havia sido implementado
cursos de Doutorado em nenhuma das áreas de conhecimento.
Aliado ao ensino, a pesquisa compreende uma das vertentes do fazer
acadêmico. Embora o número de instituições de ensino superior seja crescente
no Brasil, poucas são aquelas que se dedicam à pesquisa científica e tecnológica,
realizada, em sua maioria, pelas universidades públicas. Entre elas, destacam-se
as universidades paulistas e as federais, que possuem um elevado número de
pesquisadores qualificados e concentra a maior parte da produção acadêmica e
científica, de forma contínua.
Considerando que há uma estreita relação entre pesquisador/nível de
qualificação, o incremento de docentes qualificados para a pesquisa na UESB
acompanha o crescente número de pesquisas em desenvolvimento sob
coordenação de docentes-pesquisadores. Dados publicados no Relatório UESB
em Dados (1995-2002) mostram que em 2002 foram realizados 208 projetos de
pesquisa que envolveram pesquisadores e discentes nas seguintes áreas:
Ciências Agrárias, Ciências Biológicas e da Saúde, Ciências Humanas e Letras,
Ciências Ambientais e Ciências Exatas e da Terra. O financiamento é feito com
recursos oriundos da Fonte do Tesouro Estadual e com verbas das agências
governamentais de fomento à pesquisa científica. O quantitativo de projetos
desenvolvidos em 2002 representa um salto de quase 100%, comparativamente
ao número de projetos desenvolvidos em 1995.
O desenvolvimento da pesquisa na UESB tem sido explicado por dois
fatores essenciais: “de um lado, o forte investimento no programa de capacitação
de docentes e técnicos em nível de pós-graduação stricto sensu (mestrado e
doutorado), qualificando-os para a função de pesquisador. Por outro lado, a
76
manutenção de um programa permanente de fomento a projetos de pesquisa com
recursos da UESB” (JORNAL DA UESB – EDIÇÃO ESPECIAL RECEPÇÃO DOS
CALOUROS, 2001:03).
Os indicadores levantados junto à Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-
Graduação - PRPPG mostram que grande parte das pesquisas se concentram na
área de ciências agrárias. “São projetos, em sua maioria, de ciências aplicadas,
visando resolver limitações presentes no campo, problemas que foram apontados
há cinco, seis anos e que até então não tinham sido solucionados” (JORNAL DA
UESB – EDIÇÃO ESPECIAL UESB 20 ANOS, 2000:12). Esta concentração é
explicada, em parte, pela quantidade de docentes-pesquisadores existentes
nesta área e pela demanda regional por estudos desta natureza. Exemplo disso,
são os estudos sobre cafeicultura e bovinocultura, culturas próprias da região.
O ensino e a pesquisa se complementam com a extensão. A extensão
universitária pressupõe que o cumprimento da função social da universidade
requer que ela extrapole seus muros e reconheça que há um mundo além
campus, rico de saberes e possibilidades de trocas. Esta compreensão,
associada ao fato de ter uma forte inserção regional e dotada de uma vocação
extensionista, tem possibilitado o estreitamento dos laços com a comunidade,
como explicita o programa de avaliação.
A extensão na UESB tem se evidenciado como caminho de integração entre a Universidade e a Comunidade Regional, consolidando-se como instrumento capaz de operacionalizar a relação teoria/prática, tornando a Universidade uma tradutora e difusora do conhecimento(PROGRAMA DE AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL, UESB, 2000:115).
A prática extensionista permite aos professores, técnico-administrativos
e alunos a convivência extra instituição acadêmica. Exemplo paradigmático da
relação teória-prática foi a institucionalização do Programa de Bolsas de Extensão
que estimula discentes a participarem de projetos de forma continuada, o que
contribui para sua formação acadêmica e profissional.
Das atividades de extensão constam: projetos contínuos e esporádicos,
oferta de cursos, palestras, seminários, eventos itinerantes, oficinas, prestação de
serviços e outros recursos. As ações inserem-se nas seguintes áreas temáticas:
Educação Básica, Preservação e Sustentabilidade do Meio Ambiente, Promoção
77
à Saúde e Qualidade de Vida, Desenvolvimento da Cultura, Transferência de
Tecnologia em Agropecuária, Atenção Integral ao Adolescente e ao Idoso,
Capacitação e Qualificação de Recursos Humanos e Gestão Pública, Reforma
Agrária e Trabalho Rural. As atividades realizadas no ano de 2002 alcançaram
um público de cerca de 112.930 mil pessoas, em, aproximadamente, 09
municípios da região, de acordo com os dados da Pró-Reitoria de Extensão -
PROEX.
4.3 A COMUNIDADE UNIVERSITÁRIA: CORPO DOCENTE,
TÉCNICO-ADMINISTRATIVO E DISCENTE
Os segmentos docente, discente e técnico-administrativo são atores
que ocupam diferentes papéis, orientados por objetivos diferentes, compondo um
verdadeiro mosaico em função das peculiaridades inerentes a cada segmento,
mas em concerto com o objetivo maior da universidade. No caso da UESB, os
estudantes são, em sua maioria, oriundos da região sudoeste e do norte de Minas
Gerais, o estado brasileiro mais próximo da região. Esta migração repercute
diretamente na economia dos municípios-sede da UESB, que “além de receberem
um grande número de candidatos de outras cidades, inibe o êxodo de estudantes
da região, ao se constituir numa alternativa concreta de acesso ao ensino
superior” (JORNAL DA UESB – EDIÇÃO ESPECIAL UESB 20 ANOS, 2000:12).
Dados da Secretaria Geral de Cursos – SGC mostram que, no segundo semestre
de 2002, foram matriculados 5.886 alunos nos 26 cursos de graduação
oferecidos. No mesmo período, 150 alunos encontravam-se matriculados nos
cursos de pós-graduação. Quanto aos docentes, integram o seu corpo 541
professores, 453 do quadro efetivo e 88 do quadro de docentes temporários16.
Deste total, 46% são mestres e 12% possuem o título de doutor, conforme dados
disponibilizados pela Gerência de Recursos Humanos - GRH.
16São os professores integrantes da carreira do magistério superior – permanente e temporários(visitantes e substitutos), orientados pelo Estatuto do Magistério Superior (Lei 8352/02) e oEstatuto dos Servidores Públicos Civis do Estado da Bahia (Lei 6677/94). A esta última legislação, também estão subordinados os servidores técnicos-administrativos.
78
Para realizar as atividades-meio, a Instituição tem um quadro de 340
técnicos-administrativos permanentes, distribuídos nos níveis de apoio, médio e
superior. Quanto à qualificação, 159 são graduados, 92 têm cursos de pós-
graduação lato sensu e 06 possuem o título de mestre. Estão em doutoramento
03 servidores.
Embora a ampliação do quadro de servidores técnico-administrativos
constitua pauta de reivindicação do segmento, Hansen (2001) argumenta que a
estrutura de pessoal existente para administrar as instituições universitárias
brasileiras é excessiva. Segundo o autor, em outros países, em universidades de
expressão mundial, a relação média funcionários/alunos gira em torno de 1 para
15. No caso do Brasil, estas proporções são bem superiores. Tomando este
parâmetro para análise, a proporcionalidade apresentada na UESB para a relação
funcionário/aluno é de aproximadamente 1 para cada 06 discentes.
O quadro a seguir descreve o quantitativo de servidores por nível de
qualificação.
Quadro 04 –Quantitativo de servidores técnicos-administrativos
por nível de qualificação
Nível de qualificação Quantitativo
Nível médio completo 72
Nível superior completo 159
Pós-graduação completo – nível especialização 92
Pós-graduação completo – nível mestrado 06
Pós-graduação incompleto – nível especialização 17
Pós-graduação incompleto – nível mestrado 09
Pós-graduação incompleto – nível doutorado 03 Fonte: GRH/UESB, 2002.
Os dados acima mostram o esforço com a qualificação destes
profissionais, dado que tem sido considerado como muito baixo em grande parte
das universidades públicas brasileiras. A estratégia para mudar esta situação tem
sido realizar investimentos substantivos na qualificação. O quantitativo de
servidores que concluíram ou estão matriculados em cursos de pós-graduação
79
revela o investimento que tem sido realizado na formação do quadro técnico, quer
seja através da oferta de cursos, quer seja através do financiamento de bolsas de
auxílio ou outros tipos de ajuda de custo. Embora isto seja um dado relevante,
não é possível estabelecer uma correlação entre a qualificação profissional e
desempenho na função exercida pelo servidor, pois não há estudos eficazes e
sistemáticos a respeito.
CAPÍTULO V. A DINÂMICA DE IMPLANTAÇÃO DOS PROJETOS DE
MODERNIZAÇÃO DA UESB: O PLANEJADO E O VIVIDO
Este capítulo apresenta os dados empíricos deste estudo de caso. O
primeiro item descreve a trajetória dos esforços modernizantes realizados na
UESB, no período de 1993 a 1999. Em seguida, descreve-se, de modo
detalhado, as propostas formais de modernização que conformam o objeto
empírico deste trabalho e, por último, analisa-se a visão dos entrevistados sobre a
implementação das mesmas. A construção deste capítulo se orientou pelo esforço
em empreender uma análise sobre como os projetos de modernização, propostos
pela administração central da UESB, lograram se efetivar (ou não) enquanto ação
propositiva no âmbito da Instituição.
5.1 OS PROJETOS DE MODERNIZAÇÃO PARA A UESB: UMA ANÁLISE DOSDOCUMENTOS
No contexto sócio-institucional de implementação dos projetos, observa-se que
a pauta de exigências imposta às universidades de grande porte possui similitude com as
preocupações das universidades de médio e pequeno porte existentes no Brasil. As
dificuldades enumeradas ao longo deste estudo caracterizam o problema tanto para as
universidades públicas quanto para as privadas, comunitárias, isoladas ou confessionais.
Embora sejam de tamanho e complexidade diversas, os desafios enfrentados pelos gestores
80
se assemelham, quer sejam decorrentes da estrutura organizacional, das modalidades de
gestão ou das políticas de ensino superior adotadas. O mesmo pressuposto é válido para a
UESB, universidade pública estadual de médio porte com caráter regional.
Experiências de algumas universidades brasileiras permitem afirmar que
esforços modernizantes têm sido feitos no sentido de aprofundar práticas de gestão
participativa em torno de agilizar o processo decisório, eliminar opacidades e o excesso de
formalismo burocrático. Há esforços para estabelecer relações de poder capazes de reduzir
as formas veladas ou manifestas de autoritarismo e outros aspectos que impactam
diretamente na gestão de uma organização com complexidade e peculiaridades de uma
instituição desta natureza.
Os dados apresentados no tópico 4.1 Histórico revelam o exponencial
crescimento da UESB nesta última década, tanto na dimensão acadêmica, que impacta nas
atividades fins da universidade (ensino, pesquisa e extensão) quanto na dimensão técnica-
gerencial, com o suporte de novas técnicas de trabalho, sistemas de informatização de
processos, ampliação da infra-estrutura física e outros aspectos. Neste cenário, a
administração eleita para o período de 1999-2003 propôs a implementação dos projetos de
modernização da gestão que formam o objeto empírico deste estudo, quais sejam: a)
Projeto de Implantação de um Novo Modelo de Desenvolvimento Gerencial na UESB, e b)
Orçamento Participativo na UESB: Uma Prática Democrática. A elaboração destas
propostas foi uma iniciativa do Reitorado do período com o intento de responder ao anseio
por novas práticas de gestão, conforme apresentado no Plano de Gestão 1999-2003. Esta
necessidade de mudança é expressa também em depoimentos recolhidos em entrevistas17,
como segue:
“Era a necessidade de que houvesse um diferencial na gestão da UESB [...] a
necessidade de que a gestão da administração tivesse um novo rumo, um novo
direcionamento” (Entrevistado nº 08).
“Eu reconheço que há uma concordância em torno da necessidade de se criar
espaços de participação que permitam o rompimento com a estrutura formal
da Universidade, com as instâncias deliberativas formais” (Entrevistado nº
07).
17 Ressalta-se que os depoimentos sofreram correção ortográfica e gramatical para possibilitar uma maior fluidez na leitura.
81
Aliado ao anseio de mudança, a possibilidade de se estabelecer uma gestão
participativa é um argumento compartilhado por todos, extraído dos documentos formais,
entrevistas e depoimentos informais colhidos sobre os projetos mencionados. A expressão
“gestão compartilhada” é referência em quase a totalidade dos documentos produzidos na
UESB no período de 1999-2001. Tomou-se como referência a experiência da Universidade
Santa Cecília – UNISANTA, descrita por Penteado (1998) em seu livro Identidade e Poder
na Universidade. Para a autora, os modos organizacionais compartilhados ocorrem pelo
entrelaçamento da vontade dos indivíduos que se corporifica na ação coletiva e se qualifica
em parcerias. Aqui, a idéia de participação apresenta-se como um campo de interação no
qual convergem vontade, valores e objetivos compartilhando a ação:
Tornar compartilhada a gestão da universidade pode garantir a competência e
o comprometimento políticos dos sujeitos que nela atuam, com objetivos
comuns no sentido de colocar seus conhecimentos, habilidades e emoções a
serviço de uma causa, de um alvo também compartilhado, de modo livre, por
convicção (PENTEADO, 1998:56).
A UESB apresentou em seu programa de gestão, para o período 1999-2003, as
diretrizes para a implementação de uma experiência de gestão compartilhada. No plano
interno, destacam-se os princípios de adesão voluntária, democracia, autonomia
universitária, identidade institucional além da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e
extensão. No plano externo, destaca-se o princípio de articulação com os diversos
segmentos da sociedade civil. A avaliação contínua é uma diretriz que compõe os níveis
interno e externo. O documento destaca ainda que:
A participação da comunidade é condição necessária à sustentação do próprio
desenvolvimento da Universidade e, consequentemente, do desenvolvimento
regional. Os graus de participação e envolvimento da comunidade externa
respaldam os princípios democráticos e referendam a ação social do fazer
universitário, mediando o processo educativo (PROGRAMA DE GESTÃO
1999-2003, UESB, 1999:19).
82
Os dados levantados na pesquisa permitiram identificar algumas experiências
anteriores de planejamento realizadas na UESB, no período de 1993 a 1999, que
possibilitaram traçar uma dinâmica de esforço de modernização da gestão na UESB. Eles
tanto dizem respeito à gestão e administração universitárias em si, quanto à modernização
dos recursos humanos e da área de finanças, focos dos projetos do período em estudo nesta
pesquisa. As principais experiências voltadas para um esforço conjugado de modernização
estão resumidas no quadro seguinte, elaborado a partir das informações constantes nos
documentos disponíveis.
Quadro 05
Experiências voltadas para o Planejamento da UESB
1993/1999
Ano Plano/Atividade Descrição
1993 Plano Geral de Atividades Plano de ações para o ano de 1993, o qual define seis diretrizes: melhoria
da qualidade de ensino, reconhecimento da Universidade na elaboração de
projetos para a criação de novos cursos, ampliação do espaço físico,
integração universidade versus comunidade, elaboração de uma política de
recursos humanos e modernização administrativa.
1993 Plano de aplicação de Recursos –
PAR
Programa implantado em 1993 com a finalidade de acompanhar e dar
visibilidade aos gastos públicos realizados e servir de instrumento de
suporte para a tomada de decisão, melhorar a racionalização e distribuição
dos recursos financeiros.
1995 Programa de Gestão 1995-1999 Plano elaborado com a participação das instâncias deliberativas e
representativas da comunidade universitária. Objetivos: propor um plano
global para cinco anos, institucionalização de uma política de recursos
humanos, modernização administrativa.
1996 Seminário de Planejamento
Estratégico
Sistematização do planejamento realizado com a participação de
representantes das instâncias administrativas e acadêmicas. Objetivou a
elaboração, implantação, acompanhamento e controle do Planejamento
Estratégico.
83
1998 Conferência: “Busca de Futuro –
UESB e Comunidade construindo a
Universidade do 3º milênio”
Objetivo: avaliar o papel da UESB e projetar os rumos da instituição para
os próximos 22 anos. O evento foi realizado com membros dos três
segmentos da comunidade universitária, lideranças políticas e regionais,
empresários, representantes do poder público, de ONG´s e outros
segmentos da sociedade.
1998 Conferência: “Busca de Prioridades
– Valorização dos seus Talentos
Humanos”
Objetivo: discutir a elaboração de uma política de RH. Os participantes
eram representantes dos segmentos docente e técnico-administrativo, do
poder público estadual, profissionais da área de RH e de outras
instituições. Prioridade: elaboração de um programa de modernização para
cinco anos (1998-2003).
1998 Plano de Desenvolvimento
Institucional – Campi de Itapetinga e
Jequié
Documento orientador das políticas acadêmico-administrativas para o
período de 1998-2002.
1999 Plano de Gestão e Plano de
Atividades – 1999/2003
Define treze objetivos gerais da gestão para o período de 1999-2003:
Destaca-se no objetivo IV – Política de Recursos Humanos - a justificativa
para implementação de um programa de modernização administrativa para
a área de RH. Os itens V – reestruturação organizacional e VI –
modernização administrativa e acadêmica tratam especificamente dos
esforços modernizantes a serem propostos para o período de 1999-2003.
Fonte: Pesquisa documental
Como pode ser observado, foram inúmeras as iniciativas para decidir e
implementar uma modernização na UESB, prolongando-se por quase uma década. Foram
muitas as dificuldades para que isto se tornasse uma medida de modernização de gestão
aplicada e que demonstrasse resultados minimamente perceptíveis. De acordo com Pereira
Filho et alli (2002), as experiências enumeradas não conseguiram extrapolar a intenção de
modernizar a Universidade. A elaboração de diversos planos técnicos e de atividades para
traçar estratégias integradoras de objetivos de mudança voltados para uma reestruturação
da gestão exigiu, portanto, um maior compromisso por parte desses gestores públicos.
Essas iniciativas apontaram para a necessidade de modelos aperfeiçoados que
incorporassem, mais adequadamente, elementos de práticas de implementação geradas em
torno de consenso e participação. Os dois projetos mencionados, que formam o objeto
empírico desta pesquisa retratam, justamente, duas iniciativas estruturadas de modernizar a
gestão da UESB e serão apresentados a seguir.
84
Como informado anteriormente, os projetos em estudo são: a) Implantação de
Um Novo Modelo de Desenvolvimento Gerencial na UESB (1999), e b) Projeto
Orçamento Participativo na UESB: Uma Prática Democrática (2001). A descrição e análise
dos mesmos está sistematizada em torno de cinco itens principais que constituem o corpo
das propostas: 1) contexto de implementação dos projetos; 2) principais objetivos; 3)
ações e prioridades definidas; 4) operacionalidade das ações, e 5) resultados esperados. O
estudo deste material, uma das duas fontes principais de pesquisa, foi feito à luz das
informações e dados obtidos pelas entrevistas com os participantes18 nos projetos e em
fontes secundárias diversas.
a) Implantação de Um Novo Modelo de Desenvolvimento Gerencial da UESB
A proposta que este projeto contempla para a implantação de um
novo modelo gerencial (chamado agora de Modelo Gerencial) foi elaborada a
partir do diagnóstico produzido nos seminários de planejamento institucional e
de recursos humanos (1996 e 1998), referidos anteriormente. Apontaram para a
necessidade de modernizar a gestão da Universidade, particularmente na área
de recursos humanos. Em 1999, teve início a elaboração deste projeto,
estimulado pelo lançamento do Edital 001/99 do Ministério da Educação e
Cultura - MEC, por meio do Programa Especial de Projetos Destinados à
Modernização e Qualificação Institucional do Ensino Superior. E, a despeito do
referido programa do MEC não ter disponibilizado recursos para a UESB, esta
deu continuidade à implementação do projeto de modernização.
18 Ressalta-se que os entrevistados estavam envolvidos diretamente na concepção, elaboração,
coordenação e/ou responsáveis pela execução de alguma ação específica relacionada com a
implementação dos projetos de modernização (Ver apêndice A).
85
O objetivo básico que orientou o projeto foi delinear um novo
modelo gerencial centrado no desenvolvimento e na qualificação dos recursos
humanos da Universidade, como observado a seguir:
Um modelo de gestão universitária deve levar em consideração que para se
conseguir excelência gerencial deve, necessariamente, reinventar os seus
processos gerenciais, principalmente através do desenvolvimento e
qualificação do seu capital humano, que é o bem mais precioso de qualquer
organização, num cenário que exige pessoas inovadoras, criativas e com alta
competência técnica, humana e conceitual. Em última análise, as
características, competências e habilidades dos gestores vão influenciar
decisivamente na qualidade de gestão e nos serviços prestados pela Instituição
(PROJETO DE IMPLANTAÇÃO DE UM NOVO MODELO DE
DESENVOLVIMENTO GERENCIAL, UESB, 1999:01).
Permeando o foco principal do projeto, encontra-se um objetivo
paralelo, de mais longo prazo, que é o de desenvolver uma nova cultura de
administração de recursos humanos, o que pressupõe uma mudança de
mentalidade e o rompimento com as práticas de gestão ultrapassadas. Este fato
é expresso pela seguinte idéia:
[...]é necessário a introjeção de uma consciência coletiva de comunidade
universitária entre professores e técnicos, que leve à compreensão de que a
administração de pessoal é uma função de caráter difuso, uma vez que ela se
distribui por todos os setores da organização” (PROJETO DE
IMPLANTAÇÃO DE UM NOVO MODELO DE DESENVOLVIMENTO
GERENCIAL, UESB, 1999:01).
Outro dado de análise que transparece é o de uma compreensão
descentralizada da gestão de RH que se opõe a uma perspectiva restrita de
administração, que acaba por privilegiar uma visão cartorial de conduta em
detrimento ao atendimento dos aspectos normativos e regimentais. O projeto
visou implantar um modelo de gestão que possibilitasse integrar a melhoria do
desempenho dos níveis gerenciais com aperfeiçoamento dos serviços prestados
86
à sociedade - ensino, pesquisa e extensão. Portanto, um modelo que não se
circunscreva à área de administração de pessoal, mas que se estenda a uma
concepção ampliada de gestão universitária.
A idéia do caráter difuso da gestão é mencionada sistematicamente
ao longo do projeto. Isto pode ser exemplificado pelo enunciado a seguir que
expõe o entendimento sobre descentralização com clareza:
Hoje, compreendemos que é também responsabilidade de todos os
dirigentes/colaboradores executar algumas funções da área de pessoal,
deixando sob incumbência do setor de pessoal a elaboração e execução de
planos, diretrizes e políticas que promovam o desenvolvimento tanto do
homem como do trabalho, mediante ações eficazes desde o recrutamento e
seleção de pessoal, acompanhamento e aconselhamento, movimentação e
registro de documentos, treinamentos, políticas de cargos, salários e benefícios
concedidos ao corpo funcional (PROJETO DE IMPLANTAÇÃO DE UM
NOVO MODELO DE DESENVOLVIMENTO GERENCIAL, UESB,
1999:07).
Mas, ao mesmo tempo, ao longo do texto do projeto, reafirma-se o
papel da administração de recursos humanos nas suas políticas básicas, como
suprimento, aplicação de RH, manutenção, desenvolvimento e controle, o que,
de fato, são as atividades de RH nos próprios moldes atuais. Isto evidencia, do
ponto de vista da formulação do texto da proposta, uma certa imprecisão sobre
a relação entre descentralização e implementação das novas políticas de gestão.
O modelo descentralizado da gestão de RH opõe-se à tradicional
política adotada em quase todas as esferas do setor público. Esta constatação se
reflete na administração de recursos humanos das universidades públicas, que
atua, basicamente, dentro do caráter legal das normas. Tomando como
referência as políticas básicas necessárias à gestão de pessoas citadas acima,
Olivier (2001) apresenta algumas restrições impostas pela própria estrutura
universitária. Para a autora, observa-se que as unidades de pessoal convivem
com situações impeditivas da aplicação dos princípios mais elementares de uma
gestão de RH. Ressalta que o descaso pela área por parte dos reitores,
combinado com o volume de leis, portarias e demais instrumentos legais, revela
87
uma incoerência entre o discurso que versa sobre a inserção da área no nível
estratégico de decisões e a prática com ações tímidas, tanto do governo quanto
daqueles que possuem o poder de decisão.
No geral, os temas abordados pelo projeto Modelo Gerencial
procuraram cobrir, extensivamente, todos os aspectos da vida da organização
universitária, reestruturando não somente os espaços, as esferas e os
ordenamentos organizacionais, mas, também, a capacidade de participação
ativa dos membros da comunidade em cada etapa das atividades e dos
trabalhos. São estes os objetivos específicos delineados na proposta:
a) Diagnosticar o perfil dos gestores e das funções que compõem a estrutura
organizacional da UESB;
b) Promover pesquisa de clima organizacional da Instituição;
c) Identificar a necessidade anual de qualificação profissional;
d) Criar o Núcleo Avançado de Qualificação e Aperfeiçoamento do quadro de
pessoal para implementação do programa de avaliação de desempenho,
gestão de competências e plano de sucessão de funções;
e) Implantar instância reguladora e orientadora da nova política de recursos
humanos da Universidade;
f) Preparar as chefias/dirigentes da UESB para empreenderem uma nova
dinâmica gerencial, melhorando o desenvolvimento institucional;
g) Preparar os servidores da UESB para se adequarem à nova dinâmica
gerencial.
Como já dito, abraçando o objetivo principal e os específicos acima
mencionados, o Modelo Gerencial previa que a realização dos mesmos
conduziria, gradualmente, a uma mudança de cultura da prática administrativa.
Isto dependeria do surgimento de novos valores de gestão e trabalho, da
redefinição da ação administrativa e do planejamento dos recursos humanos,
conforme descrito nas variáveis definidas para elaboração do plano de trabalho
do referido projeto.
88
Variáveis para a elaboração do plano de trabalho descritos no projeto:
a) Fortalecimento da cultura de desempenho;
b) Ênfase no treinamento para liderança, (re)qualificação profissional e
desenvolvimento gerencial;
c) Ênfase nas questões éticas do mundo moderno, como: relações de gênero,
ética pública, habilidades específicas de gestão, cidadania e justiça social;
d) Ênfase na construção de um novo modelo de desenvolvimento gerencial;
e) Ênfase na capacidade de auto-gestão e mobilização do potencial humano;
f) Flexibilidade administrativa.
Como pode ser observado, elenca-se como variáveis elementos de natureza mais geral que se sobrepõem aos próprios objetivos. Conceitos como ênfase, flexibilidade, fortalecimento introduzem proposições abrangentes que não descriminam minuciosamente os dados que formarão parte da estratégia da ação prática para implementar cada um destes fatores. Por exemplo, como e com que procedimentos é possível fortalecer a cultura do desempenho? Ou ainda mais, como dimensionar e implementar medidas que configurem um cuidado com a dimensão ética do trabalho na organização universitária? Ou mesmo, o que é e como se faz para se construir um novo modelo de desenvolvimento gerencial? O próprio texto do projeto não orienta suficientemente sobre o aspecto prático e de intervenção de suas proposições originais, isto é, dos próprios objetivos.Mas, ao descrever as atividades que devem ser implementadas para a viabilização da proposta, o Modelo Gerencial indica as seguintes ações:
a) Levantamento do perfil dos gestores e das funções que compõem a estrutura organizacional da UESB;
b) Realização da pesquisa de clima organizacional; c) Implementação do programa de avaliação de desempenho; d) Criação do Núcleo Avançado de Aperfeiçoamento e Qualificação de Recursos
Humanos;e) Implantação da Câmara Orientadora de Recursos Humanos;f) Execução do programa de capacitação direcionada.
89
As ações propostas foram projetadas para serem realizadas no período de quatorze meses, com início em junho de 2000 e término em agosto de 2001. Observando a descrição destasações, pode-se claramente identificar uma sobreposição entre objetivos e ações, havendo, em alguns casos, uma verdadeira repetição do conteúdo sugerido, como por exemplo as ações (a), (b) e (c) duplicam o enunciado dos objetivos (a), (b) e (c). O mesmo poderia ser observado em relação à sobreposição dos itens que foram qualificados como objetivos pelo projeto e os que foram qualificados como ações de intervenção.
Em uma perspectiva menos problemática, os resultados esperados também enunciam situações bastantegerais, não as vinculando às variáveis e aos indicadores de controle da própria ação de gestão do novo modelo de desenvolvimento gerencial sugerido.Veja-se a seguir:
Resultados esperados:
a) Mudança de cultura organizacional e maior diversidade de práticas de
gestão entre os departamentos administrativos e acadêmicos;
b) Maior eficiência na alocação e direção do corpo técnico-administrativo
pelos gestores;
c) Contribuir para eficiência/eficácia dos serviços prestados pela Instituição;
d) Fortalecer a ponte existente entre os objetivos gerais da Instituição e a
execução das atividades;
e) Descentralização da responsabilidade pela gestão de recursos humanos.
Percebe-se um considerável grau de generalidade nos resultados
esperados de modernização gerencial. Na realidade, a sobreposição entre os
diversos fatores relevantes de elaboração do projeto - objetivos, ações, variáveis
– sugere que a motivação por um projeto de modernização de gestão deparou-se
com duas situações paralelas: a dificuldade política de definir e decidir objetivos e
as medidas correlatas demandadas, porque isto exigiria assumir posição e
compromisso definidos mediante a proposta a ser aprovada em plenárias
90
representativas. O segundo aspecto a ser citado, diz respeito ao fato que decidir-
se por políticas e medidas (procedimentos) bem delineadas expõe com clareza
posições político-administrativas na esfera da gestão que abarcam os conflitos e
tensões que temas e necessidades desta natureza envolvem. Isto é, pela análise
geral do texto sobre Modelo Gerencial, pode-se inferir que a sua virtude foi
introduzir a idéia da necessidade de mudança e organizar um consenso bem
amplo, e ao mesmo tempo genérico, sobre esta idéia de modernização da gestão,
sem, no entanto, produzir um campo de negociação interno capaz de transformar
o ideário geral em uma proposta efetiva para a sua implementação.
Como se pode observar, a proposta de modernização esbarra nas
dificuldades de assumir, de antemão, os compromissos que implicavam em
mudanças, tanto quanto em delinear as ações que possibilitariam a
transformação. Estas dificuldades, de um lado, ressaltam os entraves existentes
na estrutura universitária, mas por outro, expressam a insistência na manutenção
de antigos padrões de relacionamento e de funcionamento das universidades e
dão o tom dos debates sobre mudanças, como destaca Trigueiro (1999).
Associando-se esta análise ao elenco de projetos e atividades que
precederam o Modelo Gerencial por quase uma década (Quadro 05), pode-se
inferir que, conquanto o projeto tenha um caráter estruturado em relação aos seus
antecessores, continua defrontando-se com o dilema entre gestão participativa
(muitas idéias, posições e modos de implementação), processo decisório
(seletividade das proposições conforme diálogos e debates) e implementação
das decisões (realização e ação prática como afirmação definitiva das motivações
e iniciativas).
b) Orçamento Participativo na UESB: uma prática democrática
91
O segundo projeto (agora chamado de Proposta de OP) objeto empírico desta
pesquisa, volta-se para uma proposição que enfoca não a questão da gestão administrativa
ou dos recursos humanos, mas, sim, a questão orçamentária e suas implicações na gestão.
No Brasil, a prática de elaboração do orçamento público com a participação direta da
sociedade nas suas diversas fases é recente. A experiência paradigmática foi instituída pelo
governo do Partido do Trabalhadores na cidade de Porto Alegre, em 1989, tornando-se em
um modelo de gestão participativa de referência nacional e internacional. Esta prática,
conhecida como Orçamento Participativo, tem como aspectos principais a capacidade de
intervenção da população na identificação de necessidades, na escolha de prioridades e na
decisão quanto à aplicação dos recursos municipais (Fadul, 2000). Opõe-se ao método
incrementalista formalista19, em que o orçamento para o ano seguinte é elaborado a partir
do orçamento do ano anterior, adicionadas as variáveis de ordem econômica e financeira.
Angélico (1994) destaca a quase inexistente relação entre planejamento e orçamento
público neste modelo, resultando, basicamente, numa peça de receitas e despesas.
O orçamento ortodoxo nada mais era do que um extenso rol, profundamente
analítico, das receitas e das despesas do exercício. Não tinha o cunho de
planejamento. Os melhoramentos dos serviços públicos ocorriam somente em
razão do superávit e os graus de prioridade eram sujeitos às injuções políticas e
aos interesses dos governantes (ANGÉLICO, 1994:22).
A elaboração do orçamento público no Brasil tem sido de domínio exclusivo de
técnicos da área orçamentária. Graças a uma linguagem peculiar da tecnoburocracia, torna-
se comum designá-lo de “caixa-preta” das administrações públicas, numa analogia que
denota a ausência de transparência e a impossibilidade de acesso a esse instrumento de
gestão por parte daqueles que não têm o privilégio da intimidade com o poder e/ou não são
especialistas no assunto, como destaca Fedozzi (1997).
O oposto do orçamento ortodoxo, o orçamento participativo, tem sido
considerado como uma inovação na gestão pública por possibilitar novos arranjos entre o
Estado e a sociedade, através da participação direta da população na definição de
prioridades, além de permitir o acompanhamento e a execução dos gastos públicos.
Ademais, favorece a articulação entre os interesses sociais organizados e o Estado, o que
19 Também denominado, por alguns autores, como orçamento tradicional ou ortodoxo(Angélico,1994).
92
para Fadul (2000) permite vislumbrar as condições de governabilidade e de governance
local, promovidas pelos elementos de inovação, democratização e maior eqüidade social na
definição de prioridades. Apesar da prática do OP ser considerada como potencializadora
de uma nova relação entre o Estado e a sociedade, a sua adoção tem sido restrita à gestão
das cidades, não sendo ainda testado o modelo em nível microrganizacional.
No contexto organizacional da UESB, o projeto de OP foi uma iniciativa do
Reitorado do período 1999-2003. Objetivava responder a uma reivindicação da
comunidade acadêmica por um maior envolvimento na formulação de políticas
institucionais, inclusive do processo decisório, da definição de prioridades e da ampliação
das próprias instâncias de decisão. O projeto foi apresentado em 2001, com o propósito de
ser a base de condução para a elaboração do orçamento de 2002, e já supondo a
participação de diversas instâncias e uma maior intervenção nas plenárias de tomada de
decisão. Seu papel agregaria um processo formativo e político que transcenderia o
elemento técnico do orçamento, olhando o planejamento como um todo, para repensar o
próprio modelo de gestão universitária.
Atualmente, as universidades públicas baianas elaboram as suas propostas
orçamentárias a partir de dotações, fixadas pela Secretaria de Educação do Estado. Desde o
ano de 2000, o Estado da Bahia destina um percentual de 3,82%20 da receita tributária
líquida para o ensino superior. O Fórum de Reitores das IES baianas estabelece o
percentual que será destinado a cada uma das quatro universidades estaduais. Para o ano de
2002, foi determinado para a UESB o percentual de 16,25% dos recursos destinados às
universidades do Estado.
A elaboração da peça orçamentária orienta-se por procedimentos internos a
cada IES. No caso da UESB, ela é elaborada a partir das informações prestadas pelas pró-
reitorias, assessorias especiais, prefeituras de campi e outras unidades, que descrevem os
projetos e as atividades previstas para o exercício do ano seguinte, tomando como base os
gastos do exercício anterior. Posteriormente, os projetos e atividades são agregados em
20 Este percentual foi resultado de um acordo entre o Governo Estadual e o Fórum de Reitores das IES baianas no ano de 1999. O percentual para cada IES foi estabelecido com base numa série histórica que considerou as seguintes variáveis: orçamentos dos últimos 05 anos (1995-1999),execução orçamentária dos últimos anos, o orçamento para o ano de 1998 (ano de maiordestinação de recursos para as IES baianas nos últimos 05 anos), execução orçamentária dos últimos três anos (1997-1999). A definição dos percentuais considerou a média aritmética dessas quatro variáveis. De acordo com o presidente do Fórum de Reitores à época, o percentual de3,82% deveria ser gradativamente aumentado até chegar a 5% ao ano. No entanto, para oorçamento de 2003, a percentagem continua a mesma.
93
macro fontes: pessoal, custeio, projetos e obras21. Como ocorre no orçamento do
município, os itens de investimento (obras e projetos) não exigem explicitação das obras e
serviços a serem realizados22, conferindo uma relativa autonomia aos gestores na alocação
das despesas, o que não ocorre com os itens de custeio e despesas de pessoal.
Fedozzi (1997), tratando da elaboração do orçamento municipal de Porto
Alegre, ressalta que, em virtude da relativa autonomia sobre o item investimento, o
Executivo possui uma razoável margem de flexibilidade em função da não explicitação dos
gastos a serem realizados. Chama a atenção que:
[...]a fase de execução orçamentária é o principal momento onde ocorrem as
disputas e pressões políticas sobre o Executivo, a fim de direcionar as suas
decisões reais para a execução de atividades que exigem a aplicação de verbas
públicas (FEDOZZI, 1997:109).
Embora se considere que essa margem de flexibilidade referida pelo autor
também esteja presente no âmbito do orçamento universitário, ela não é tão abrangente por
conta de dois aspectos: os recursos são menores, comparativamente às receitas dos
municípios de grande e médio porte, e são oriundos, em sua quase totalidade, do Tesouro
Estadual, de acordo com a dependência administrativa de cada universidade. A tabela
seguinte mostra os orçamentos aprovados para a UESB nos anos de 1999 a 2002, com
fonte de recursos do Tesouro Estadual:
Tabela 01
Orçamentos destinados a UESB no período de 1999 a 2002
Ano 1999 2000 2001 200223
Custeio 5.065.000,00 8.672.000,00 6.000.000,00 9.315.442,00
21 A Assessoria Técnica de Planejamento e Finanças-ASPLAN presta as informações de alocação dos recursos através do Sistema de Planejamento-SIPLAN, em que é compatibilizado com oorçamento da Secretaria de Educação para apreciação e posterior aprovação na AssembléiaLegislativa do Estado. 22 Este pressuposto não é válido para obras de grande porte que necessitam de levantamento de custos, em geral através de licitação pública e indicação das fontes de recursos. 23 Para o orçamento de 2002, além dos valores informados na tabela acima, foram alocadosR$ 81.900,00 para o item obras e R$ 2.233.000,00 no orçamento da Superintendência deConstruções Administrativas da Bahia- SUCAB para despesas de construção nos campi daInstituição. Para aquisição de imóveis, foram destinados R$ 25.000,00, de acordo com asinformações prestadas pela Gerência Financeira da UESB.
94
Pessoal 13.093.000,00 16.101.000,00 21.160.000,00 30.371.577,00
Obras 2.000.000,00 1.950.000,00 2.100.000,00 532.525,00
Projeto 4.272.000,00 2.400.000,00 3.294.000,00 4.004.828,00
Total 24.430.000,00 29.123.000,00 32.555.000,00 44.331.272,00
Fonte: Proposta de Orçamento Participativo para a UESB e Gerência Financeira – GEFIN/UESB.
O orçamento a ser discutido por meio do Projeto de OP contempla o item
investimento, que integra o conjunto de despesas relativas a obras e projetos, em destaque
na tabela acima. O modelo de OP proposto pela UESB encontra aqui duas grandes
diretrizes: a) compatibilizar as formas de participação dos diferentes segmentos
universitários com o modelo orçamentário definido pela Secretaria do Estado; b) articular
os objetivos institucionais24 propostos pelo Reitorado do período com as prioridades
definidas pela comunidade universitária. Considera-se que a última diretriz seja mais
complexa porque trata do item Projeto, em que são agregadas as despesas diretamente
relacionadas com a realização das atividades-fins da Instituição25. Estas diretrizes apontam
para desafios de ordem técnica-operacional e de ordem política. Esta última, conjuga os
anseios e interesses da comunidade universitária na definição das prioridades.
O Projeto de OP é considerado, por aqueles que estiveram diretamente
envolvidos com o mesmo, como uma iniciativa pioneira entre as universidades brasileiras.
O grupo de trabalho responsável pela proposta afirma que nenhuma universidade no Brasil
havia, até então, recorrido a tal metodologia para a elaboração do seu orçamento. Em
algumas delas, é realizado um processo de consulta entre os pares para a definição de
prioridades de gastos de verbas departamentais, procedimento que tem sido denominado de
orçamento participativo.
No caso da UESB, o orçamento participativo é compreendido como um fórum
privilegiado de tomada de decisão e constitui-se num processo de educação política que
95
influencia uma consciência de responsabilidade e compromisso, valores que fortalecem a
participação na organização, ou o que pode ser chamado de democracia institucional. A
esta compreensão, associam-se os princípios da gestão compartilhada, quais sejam:
legitimidade política, transparência e austeridade orçamentária, democracia e autonomia
universitária, indissociabilidade do ensino, pesquisa e extensão, avaliação interna e
externa, articulação e cooperação interinstitucional e estrutura colegiada de decisão.
Os objetivos básicos de orientação da proposta convergem para o
estabelecimento de novas relações na elaboração do orçamento e a constituição do Fórum
do Orçamento Participativo como instância de controle, acompanhamento e fiscalização da
aplicação dos recursos. Sendo assim, os objetivos gerais são os seguintes:
a) Definir prioridades com base na readequação dos objetivos às demandas e
necessidades da comunidade universitária;
b) Elaborar, com ampla participação e debate, o orçamento institucional, definindo
valores de receita e quais as prioridades a serem desenvolvidas;
c) Constituir relações democráticas e participativas de tomada de decisão;
d) Constituir o Fórum do Orçamento Participativo.
(ORÇAMENTO PARTICIPATIVO NA UESB: UMA PRÁTICA DEMOCRÁTICA.
UESB, 2001:06).
O cumprimento dos objetivos gerais da proposta de OP está relacionado com as
etapas e procedimentos para a elaboração do orçamento. Os atores relevantes do processo
são os segmentos docente, técnico-administrativo, discente e a comunidade externa. A
comunidade acadêmica tem igual peso na definição de demandas e prioridades, enquanto
que a regional faz parte do Fórum organizado para discutir e elaborar o orçamento. O
projeto propõe que o Fórum tenha a seguinte composição: Reitor, Vice-reitor e 15
(quinze) representantes das categorias docente, discente, técnico-administrativo, dos
24 Os objetivos institucionais definidos eram: melhoria da qualidade de ensino, política de pesquisa e pós-graduação, plano de extensão, política de recursos humanos, reestruturação organizacional, modernização administrativa e acadêmica, infra-estrutura física, política de comunicação,programa de apoio ao discente, recredenciamento da UESB, avaliação institucional, política derecrutamento e fixação de doutores e programa de desenvolvimento regional sustentável.25 O item projeto diz respeito a despesas com implantação, expansão e desenvolvimento deprogramas e atividades de ensino, pesquisa e extensão. O item obras agrupa as despesas com reformas, ampliação e aquisição de equipamentos e material permanente.
96
diretores de departamento (ou suplentes) eleitos para o cargo, de representantes da
administração central indicados pela Reitoria e membros da comunidade externa, indicados
pelos órgãos educacionais dos municípios de Itapetinga, Jequié e Vitória da Conquista,
municípios-sede dos campi da UESB. Os representantes da comunidade acadêmica
(docente, técnico-administrativos e discente) são eleitos em assembléia das categorias.
O processo de operacionalização da participação dos segmentos é dividido em
três momentos26: o primeiro, através da identificação de prioridades, definidas nas
assembléias das categorias docente, discente e de técnico-administrativo. O segundo,
requer a sistematização e definição final das prioridades em plenária geral. No terceiro
momento, é constituída a assembléia geral do Fórum do Orçamento Participativo para a
compatibilização das prioridades, através da Comissão do Orçamento Participativo – COP.
Concluídas estas etapas, o documento final, com as prioridades estabelecidas para o
exercício seguinte, é encaminhado para o Conselho Universitário – CONSU, que deve
referendar as decisões tomadas nas instâncias anteriores, uma vez que este Conselho é o
órgão superior de deliberação da Universidade.
Como pode ser observado, além de estabelecer o ciclo para elaboração do
orçamento, o projeto define os atores, a estrutura e o processo de participação na
identificação de demandas, definição e compatibilização das prioridades estabelecidas.
Este ciclo se complementa com a criação de uma comissão de organização e
acompanhamento do orçamento para cada exercício, composta por representantes da
comunidade acadêmica, eleitos em assembléia por categoria, e representantes da
administração central, sendo técnicos ligados às áreas de planejamento e finanças. O
projeto define como atribuições da Comissão de Orçamento Participativo - COP:
acompanhar o processo de discussão e elaboração do orçamento da Instituição; realizar
reuniões periódicas com os segmentos envolvidos na proposta; subsidiar o Fórum do OP
com informações necessárias para a avaliação da aplicação dos recursos e sistematizar e
encaminhar para o CONSU a proposta final de orçamento aprovada pelo Fórum.
A expectativa de resultados com a adoção de uma prática de elaboração de
orçamento, que privilegia a intensa participação de vários atores na definição de
prioridades, relaciona-se com a mudança do padrão de planejamento orçamentário e de
aplicação dos recursos. Indica que alterações na gestão e mudanças na estrutura
administrativa repercutem nas atividades fins da Instituição. Soma-se a essas finalidades, a
26 Ver o organograma da tomada de decisões (Anexo A).
97
democratização da gestão técnica e administrativa que articula e estabelece novas
prioridades de trabalho.
A figura seguinte sumariza o ciclo proposto para a elaboração do orçamento
participativo na UESB.
98
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99
5.2 A VISÃO DOS ATORES SOBRE OS PROJETOS DE MODERNIZAÇÃO
5.2.1 Construindo consensos: a mudança como foco
A necessidade por mudanças no atual modelo de gestão
universitária,tem sido pauta de reitores e objeto de análise de pesquisadores
preocupados com o problema da administração universitária. Trigueiro (1999)
afirma que a mudança nas organizações complexas é um dos temas mais
instigantes na atualidade. Destaca o autor que a grande complexidade das
universidades públicas aliada à necessidade de maior adaptação ao ambiente
externo e à realidade mundial, especialmente no que concerne ao
desenvolvimento científico-tecnológico contemporâneo, torna o tema merecedor
de extensa reflexão e estudo.
A constatação da necessidade de mudança associada ao fato da
universidade ter grande dificuldade de se adaptar às transformações que exigem
amplas alterações em seu modo tradicional de gerir, em sua estrutura e
funcionamento, situa-se também no cotidiano dos gestores que buscam soluções,
melhorar a dinâmica e dirimir conflitos existentes no interior das instituições
universitárias. Retomo Trigueiro (1999) para quem a realidade universitária
evidencia um grande hiato, um descompasso, entre novas e contínuas demandas,
por parte da sociedade, e as respostas, os resultados.
Os depoimentos recolhidos nas entrevistas e na observação direta27
expressam que há a preocupação em relação a mudanças na condução da
gestão, um elemento central que pautou o consenso acerca da proposição dos
planos de modernização para a UESB. Estes resultaram da concordância sobre a
necessidade de se estabelecer rupturas com o modelo de gestão vigente e
instituir uma gestão que privilegiasse a institucionalização de canais decisórios
mais amplos e que fosse pautada em valores e cultura democráticos.
Os depoimentos a seguir exemplificam a preocupação com a
necessidade de mudanças na gestão:
27 A autora informa que é servidora da UESB e que, portanto, pode participar de eventos (estudos, palestras, reuniões da administração central, discussões em grupo etc), relacionados com as discussões de proposição dos projetos em estudo.
100
“A justificativa de implantação do OP na Universidade vai ao encontro de uma reivindicação procedente da comunidade, uma vez que a estrutura formal de representação nos conselhos superiores nãoatende aos anseios e à própria, vamos dizer assim, possibilidade de uma boa administração da instituição universitária. Então, há este consenso de que o OP pode viabilizar esta possibilidade” (Entrevistado 03).
“[...] era consenso na administração que deveria ter algum programa ou algum projeto que fizesse com que se repensasse a Universidade na sua totalidade [...] A mudança na gestão, a necessidade de que a gestão da administração deveria ter um novo rumo, um novodirecionamento, considerando, inclusive, que era uma gestão reeleita” (Entrevistado 04).
“[...]a necessidade de se criar um programa de modernização da gestão” (Entrevistados 05 e 06).
“maior carência, uma maior efetividade das decisões na Universidade. [...] Havia um reclame geral de mudanças, de alterações na forma de administrar e então uma cobrança maior de efetividade” (Entrevistado 02).
O projeto Modelo Gerencial propõe em seu texto romper com o modelo
de gestão de RH, caracterizado pelos entrevistados como centralizador e
burocrático, e instituir um modelo centrado no desenvolvimento e qualificação
dos recursos humanos. A abrangência e natureza da proposta é descrita por um
dos responsáveis pela implementação do modelo numa edição do jornal da
Instituição.
O projeto propõe uma verdadeira revolução na mentalidade gestora da Universidade e vem atender à demanda de uma política pública cada vez mais dinâmica.[...] Há a pretensão de mudar a forma de gestão administrativa. Esta iniciativa deve tornar o indivíduo umagente hábil nas técnicas básicas de sua atividade de trabalho. Essa discussão acerca do fazer profissional afeta todos os setores eprofissionais da UESB. Um dos objetivos é qualificar e aperfeiçoar os recursos humanos da UESB (professores e técnicos-administrativos),tendo em vista a inovação gerencial, observando-se, inclusive, as mudanças que afetam as técnicas de administração da coisa pública, onde a descentralização de responsabilidades e a eficiência noatendimento e prestação de serviços são as palavras de ordem. Técnicas de motivação e qualificação profissional prometemtransformar a vida entre as paredes dos setores da UESB e fora delas (PROJETO DE CAPACITAÇÃO RECEBE FINANCIAMENTODO MEC. JORNAL DA UESB, 2000:02).
101
Com natureza e conteúdo diferentes, o texto do projeto de OP é voltado
para o estabelecimento e a consolidação de novas regras do jogo decisório, para
privilegiar a participação direta da comunidade acadêmica e segmentos da sociedade
na definição das políticas gerais da Instituição e aplicação dos recursos financeiros. A
principal crítica ao atual modelo de gestão das finanças feita pelos entrevistados está
relacionada com a elevada centralização decisória entre técnicos e dirigentes, com
predomínio de critérios históricos de distribuição orçamentária, baixa participação
dos segmentos da comunidade acadêmica na definição de prioridades e ausência de
planejamento no gasto dos recursos. De modo semelhante, estes fatores também são
evidenciados por Fedozzi (1997) quando trata do processo de elaboração e execução
do orçamento municipal de Porto Alegre, “caracterizado pelo controle quase absoluto
dos seus procedimentos pela tecnoburocracia e pela verticalização na forma de
organização e administração do Estado” (FEDOZZI, 1997:110).
Como proposta de ação, o projeto de OP, embora caracterizado pelo foco
na questão orçamentária, objetivava a concretização de um modelo de gestão que
ecoasse em todas as áreas da administração universitária. Argumenta-se que os
propósitos do projeto privilegiavam a participação de atores diversos nas negociações
e decisões e baseava-se em critérios objetivos e impessoais para definir a demanda
por investimentos.
Mesmo considerando as distinções de conteúdo e natureza
apresentadas, a análise das propostas formais de modernização e as entrevistas
possibilitaram identificar uma convergência em torno de quatro eixos básicos que
denotam as diretrizes e os princípios propostos para ações em modelos de
gestão. O quadro-síntese, a seguir, estabelece a relação comum identificada
entre os projetos de modernização em estudo.
Quadro 06Eixos de convergência dos projetos de modernização
102
Eixos de convergência dos projetos
Modelo Gerencial Proposta de OP
Redefinição da ação administrativa
(re)Qualificação dos gestores, desenvolvimento de uma nova cultura de administração de RH, gestão descentralizada de RH
Constituição de relações democráticas e participativas na tomada de decisão, estrutura colegiada de decisão
Surgimento de novos valores
Fortalecimento de uma cultura de desempenho, ênfase nas habilidades específicas e de gestão, na capacidade de auto-gestão e mobilização do potencial humano
Construção de um modelo de gestão participativa, compartilhada
Fortalecimento de valores sociais múltiplos
Cooperação, participação, consciência institucional, práticas colaborativas, flexibilidade administrativa
Ética pública, transparência, austeridade administrativa, democracia interna, cidadania
Ampliação das instâncias decisórias
Criação do Conselho Orientador de Recursos Humanos – CORH e Núcleo Avançado de Aperfeiçoamento e Qualificação
Criação do Fórum e da Comissão do Orçamento Participativo – COP
Fonte: Pesquisa de campo
No primeiro eixo, observa-se que no Modelo Gerencial a redefinição da
ação administrativa é proposta através de uma gestão descentralizada de
recursos humanos. O modelo seria fortalecido com o desenvolvimento de uma
cultura de administração de RH com ênfase em: aperfeiçoamento das atividades-
meio, desenvolvimento de habilidades gerenciais, fortalecimento de uma cultura
de desempenho e implementação de um programa de qualificação para os
servidores. No caso do projeto de OP, o modelo propõe estabelecer relações
regidas por princípios participativos no processo de tomada de decisão. A esfera
de constituição destas relações seria a estrutura colegiada de decisão.
Dois outros eixos - surgimento e fortalecimento de valores sociais – se
entrecruzam nos projetos propostos. Afirmam que podem implantar uma gestão
com ênfase em valores pouco cultivados na administração das universidades
públicas brasileiras. Estas se mantêm totalmente ligadas aos órgãos da
administração pública direta, Ministérios e Secretarias de governo, “garantindo
103
assim a realimentação constante de toda carga cultural e normativa do serviço
público”, conforme destaca Mattos (1991:33). Valores como cooperação,
participação, transparência, ética pública, austeridade administrativa, democracia
interna e cidadania requalificam a temática da gestão universitária e as práticas
nela presentes. Vale ressaltar que, nas entrevistas realizadas, as adjetivações
aos atributos da racionalidade técnica (SOBRINHO,1999), como requisitos da
gestão universitária, aparecem com pouca recorrência entre os entrevistados.
Esta observação é pertinente diante do controverso debate sobre a prevalência
dos princípios da lógica produtivista de mercado na gestão universitária existente
no interior de setores do Estado, nas próprias instituições acadêmicas, na
sociedade e, particularmente, entre os organismos multilaterais que financiam
políticas públicas educacionais e o governo (FMI e Banco Mundial).
O último eixo - ampliação das instâncias decisórias – articula-se com a
criação de estruturas colegiadas de decisão, cuja função está explicitada no
primeiro eixo desta análise. O Fórum e a Comissão do OP são definidos como os
espaços para compatibilização das prioridades estabelecidas nas plenárias de
discussão do orçamento e de acompanhamento da aplicação dos recursos. A
criação do Conselho Orientador de Recursos Humanos – CORH e o Núcleo
Avançado de Aperfeiçoamento e Qualificação são caracterizados como o
laboratório de discussão, definição de políticas, cursos e pesquisas na área de
gestão em RH.
Considerando que no ano de 2000 os projetos de modernização em
estudo encontravam-se em fase inicial de implantação, observa-se que alguns
depoimentos indicam uma relação de complementaridade entre eles. Para alguns
entrevistados, as propostas reuniam esforços, embora em áreas específicas, de
construção de um modelo de gestão para a UESB. Para outros, esta relação
não se evidencia, reforçando a idéia de uma diferenciação entre os projetos. Esta
constatação indica uma ambigüidade, uma vez que ora os projetos de
modernização são tratados como planos para modernizar uma área da
administração (finanças ou recursos humanos), ora são tratados como projetos de
ampla modernização de gestão. O título do projeto Modelo Gerencial explicita
esta ambigüidade ao propor desenvolver um modelo gerencial para a UESB e, no
entanto, enfatizar, sistematicamente, a modernização na área de recursos
104
humanos. Embora não se saiba ao certo o quanto um modelo proposto para uma
área específica (neste caso, recursos humanos) possa se constituir num modelo
que abranja a complexidade e amplitude da gestão na Universidade, esse projeto
traz para o debate a importância e a necessidade de romper com o modelo de
gestão de recursos humanos adotado na UESB.
Em resumo, as idéias-força presentes nos projetos de modernização
analisados se inscrevem nas preocupações e aspirações da comunidade
universitária, num esforço de superação dos limites impostos pelo continuísmo
conservador-burocrático que, em geral, constitui obstáculos para a adoção de um
modelo modernizador, isto é, participativo e renovador de valores.
5.2.2 Compreendendo a participação como princípio orientador da gestão
Instigados a responder acerca dos ideais que guiaram as propostas de
modernização, a participação surge como o princípio orientador mais forte e
aparece tanto nos depoimentos dos entrevistados quanto nos relatos obtidos
através da observação direta em alguns eventos. Dois aspectos merecem
destaque nesta análise: o primeiro, diz respeito à articulação com o modelo de
“gestão compartilhada”; e o segundo, à centralidade do princípio da participação
e as diferentes acepções que o termo comporta entre os entrevistados.
O primeiro aspecto identificado trata de uma relação entre o ideal de
participação e o argumento da administração central da UESB para consolidar um
modelo de “gestão compartilhada”.28 Observa-se que participação, transparência,
descentralização, co-responsabilidade e construção conjunta de um modelo de
gestão expressam um discurso comum à idéia de gestão compartilhada que
propunha o Reitorado da UESB à época. Aqui, a participação aparece como o
princípio orientador do modelo.
O segundo aspecto, diz respeito à demanda, por parte da comunidade
acadêmica, por espaços participativos de representação e decisão sobre os
diversos interesses expressos pelos seus atores. Esta demanda por maior
participação na gestão universitária aparece até mesmo no interior dos
28 As principais características deste modelo estão descritos no item 5.1 deste Capítulo.
105
movimentos estudantil e sindicais de docentes e técnicos-administrativos, no
sentido de reestruturar as instâncias decisórias da Universidade. É oportuno
ressaltar que o momento que marcou o início das discussões da proposta de OP
para a UESB coincidiu com uma greve da categoria docente das universidades
estaduais baianas em 2001, período em que se intensificou o debate sobre a
participação nos conselhos universitários. O centro das discussões era de que a
participação não se limitava à representação das categorias nos órgãos, mas a
própria redefinição dos espaços, de uma política de integração e de canais de
ação/decisão. Este é um aspecto bem discutido na literatura sobre administração
universitária, sendo um ponto fulcral na definição de um modelo de gestão para
as universidades, particularmente para as públicas no Brasil.
O quadro seguinte destaca de que modo a participação surge como
idéia central nos discursos dos entrevistados:
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107
Embora os projetos guardem um núcleo comum quanto ao ideal de
uma gestão permeável ao diálogo, nota-se que o termo comporta diferentes
acepções entre os entrevistados. Para aqueles que fizeram parte do grupo de
elaboração do projeto Modelo Gerencial, a participação se caracteriza pela
diluição de responsabilidades das atividades relacionadas com a área de recursos
humanos para os setores administrativos. O propósito de institucionalizar uma
cultura de recursos humanos para a UESB, que seja difusa entre os demais
setores da Instituição, reforça-se no princípio da participação e assume o
significado de descentralização de funções. A participação na gestão também
emerge em uma das entrevistas como mecanismo para aumentar a satisfação do
servidor, em resposta à pressão interna dos segmentos, como explicita o seguinte
depoimento:
“[...] de uma forma bem resumida, aumentar a participação por força das cobranças internas, para dar respostas e também para dar uma satisfação melhor ao funcionário, desenvolver programas para umnúmero maior de pessoas” (Entrevistado 05).
Apesar da participação ser mencionada por todos os entrevistados, em
nenhum dos depoimentos se explicita, com a mesma intensidade, as estratégias e
políticas para a sua concretização. O mesmo pode ser observado no projeto de
modernização analisado, que não detalha as formas de participação dos atores
envolvidos na implementação do modelo de gestão. Esta constatação aponta
para as dificuldades que envolveram a definição de ações próprias para a
concretização do projeto. E, também, para uma noção fluída de participação, já
que não se explicita os modos como a mesma se efetivaria, o que, em última
instância, significa não conseguir avançar para além do enunciado geral do
princípio.
No projeto de OP, o ideal da participação relaciona-se com a
democracia interna na Universidade, definida como estatuto de cidadania; pauta-
se no argumento de que as decisões devem ser tomadas pelos indivíduos
afetados por elas. O conteúdo da proposta para a UESB exprime alguns dos
princípios orientadores do orçamento participativo na esfera municipal. Entre eles
destacam-se: transparência, descentralização, otimização, austeridade e
participação direta na definição e aplicação dos recursos públicos. Diferentemente
108
dos entrevistados do projeto Modelo Gerencial, os depoentes que atuaram na
formulação do projeto de OP são unânimes em afirmar que a participação é
necessária para romper com o atual modelo de gestão e deveria ser instituída
através de uma política que associasse fóruns ampliados de decisão com canais
de participação dos segmentos. Observa-se nos depoimentos que o sentido mais
forte atribuído ao princípio é o de co-responsabilidade, co-gestão, “cumplicidade”
entre quem decide e quem executa.
Estas distintas acepções revelam que, entre os gestores entrevistados,
o princípio comum apresenta um continuum com diferentes gradações. Uma
avaliação possível para estes significados diferenciados é que eles são coerentes
com as formas como a participação é entendida pelos entrevistados, que
engendram comportamentos e práticas distintas na condução da gestão e se
inscrevem nas variadas interpretações que a noção acomoda, conforme discutido
por Sani (In: BOBBIO, MATEUCCI e PASQUINO, 2000) e Carvalho (1998). Os
autores são unânimes em reconhecer que os níveis de participação dos
indivíduos ou grupos se dão sob forma e condições diferenciadas de acordo com
o contexto. Embora analisem a participação sob a perspectiva das relações entre
o estado e a sociedade civil, Sani (In: BOBBIO, MATEUCCI e PASQUINO, 2000)
considera que ela se insere em um plano que se estende desde a presença até a
participação no sentido estrito. Já Carvalho (1998) adverte para a generalização
do discurso da participação, cujo conteúdo explicita significados e projetos
distintos. Ressalta que a abrangência dessa participação (quem deve participar e
em que amplitude esta participação é desejável) constitui um divisor de águas que
passa a explicitar projetos, mantidos sempre um tanto obscuros numa
permanente disputa de significados.
109
5.2.3 Compreendendo os projetos como estratégias de renovação da gestão
Com a finalidade de identificar os principais aspectos dos planos de
modernização propostos para a UESB, foi solicitado aos entrevistados que
discorressem sobre a relevância do projeto enquanto estratégia de renovação.
Para o projeto Modelo Gerencial, elegeram quatro aspectos centrais:
descentralização da gestão, qualificação profissional, elaboração conjunta da
proposta de modernização e reestruturação organizacional. O primeiro aspecto –
descentralização da gestão - relaciona-se com o caráter difuso de gestão de RH.
Observa-se nos depoimentos uma ênfase no modelo descentralizado em
oposição ao adotado na UESB, que concentra todas as funções da administração
de pessoal na Gerência de Recursos Humanos, desde recrutamento, seleção até
as atribuições de desenvolvimento e acompanhamento de pessoal.
O aspecto que aparece com maior recorrência nas entrevistas é a
necessidade de inculcar, entre os gestores, uma compreensão de que seu papel
na Instituição exige que estejam qualificados para realizar bem as atividades
inerentes às próprias funções. Observa-se nos depoimentos que esta relação
(papel do gestor – qualificação) é entendida como uma relação “causa-efeito”,
como expressa o depoimento a seguir.
“[...]o programa de modernização da gestão tinha a intenção de fazer com que as pessoas entendessem seu papel como gestor e daí entender que precisavam se qualificar para isso. Então, o programa de modernização se refere a várias vertentes de atuação; como relevante pode-se definir três: a questão da capacitação voltada para a realidade da Instituição, a questão dos gestores compreenderem o seu papel efetivamente como gestor e se qualificar para isso e, também, acompreensão do papel da Instituição (e do papel de cada um) para com a sociedade” (Entrevistado 05).
O argumento de que a qualificação é a base de sustentação para a
constituição de um novo modelo de desenvolvimento gerencial para a UESB
encontra ressonância na crítica constante na literatura quanto à gestão
amadorística existente nas universidades. Para alguns entrevistados sobre o
projeto Modelo Gerencial, esta crítica também é reforçada pelo fato de que os
gestores acadêmicos (docentes) não utilizam ferramentas de gestão quando
110
assumem funções administrativas. Na literatura, esta preocupação está presente
e resulta do que Buarque (1994) denomina de divórcio administração-professores.
Outro aspecto destacado nos depoimentos é o consenso estabelecido
de que uma proposta de modernização deveria ser elaborada apoiada em uma
conformidade de idéias e opiniões entre os próprios gestores da Instituição. O
marco partiria da análise das práticas existentes, revistas à luz do princípio da
participação e se oporia à mera adaptação ou aplicação de modelos
estabelecidos. O Relatório do II Encontro de Gestores descreve o cenário de
produção das idéias para este modelo de gestão.
Os resultados obtidos neste Encontro poderão não mudar, em curto prazo, as práticas desenvolvidas hoje pelos gestores, mas pretendeu-se, dentre outras finalidades, conscientizar os agentes com poder de decisão, no sentido de avaliarem o seu papel e o da UESB,contribuindo para o rompimento de padrões e experimentandocoletivamente propostas sugeridas por todos, visando odesenvolvimento de uma gestão democrática (Relatório do II Encontro de Gestores, Vitória da Conquista, 2001).
O quarto e último aspecto destacado relaciona-se com a alteração da
estrutura formal, através da criação de órgãos como o Conselho Orientador de
Recursos Humanos e o Núcleo Avançado de Aperfeiçoamento e Qualificação.
Chama atenção a ênfase que os entrevistados dão à criação destes órgãos,
qualificando-os como espaços participativos de gestão. A proposta de
modernização define que o núcleo acima referido seria o espaço “para
implementação do programa de avaliação de desempenho, gestão de
competências e plano de sucessão de funções” (PROJETO DE IMPLANTAÇÃO
DE UM NOVO MODELO DE DESENVOLVIMENTO GERENCIAL NA UESB.
UESB, 1999:06) e, no entanto, estas ações, consideradas como o tripé que iria
fundamentar a constituição de uma gestão pautada numa cultura do desempenho,
não são mencionadas entre os depoentes. Em relação à criação do CORH,
observa-se que ele representa uma expectativa quanto às atribuições do órgão,
uma vez que foi pensado para ser o espaço de definição da nova política de
recursos humanos.
111
Nota-se que os entrevistados não associam os aspectos relevantes da
proposta às possibilidades concretas de institucionalização de um novo modelo
de desenvolvimento gerencial, como pretendia o projeto. Embora os aspectos
mencionados compuseram o conjunto dos objetivos descritos na proposta, para
os entrevistados a concretização do modelo se daria pari passu à definição das
estratégias de implementação.
A referência a um método para alocação de recursos, que privilegie a
transparência, otimização, austeridade no gasto dos recursos públicos e
democratização da gestão, está entre os aspectos relevantes do projeto de OP
para a UESB. A democratização da gestão, da qual decorre a participação e a
constituição de novas relações entre seus membros, firmou o objetivo principal do
projeto de OP. Fávero (1983) chama atenção para o quanto este aspecto é
complexo e, ao mesmo tempo, desafiador para a gestão na Universidade. Pela
sua própria natureza, a instituição comporta diferentes grupos de autoridades e
grupos de influências que reivindicam participação no processo decisório. Sob
esta perspectiva, as relações de poder não assumem um caráter meramente
administrativo ou acadêmico; definem-se, sobretudo, como uma questão de
política interna. A pergunta “quem decide?” apresenta variadas respostas e nem
sempre estão explícitas ou são visíveis no jogo decisório (FÁVERO, 1983).
Mas, a adoção do princípio participativo da gestão democrática aponta
para possibilidades de alterações significativas, conforme destaca um
entrevistado.
“Do ponto de vista da gestão, teríamos maior descentralização, maior eficiência na aplicação dos recursos, maior austeridade, maiortransparência administrativa, decisões compartilhadas. Então a gente viabilizaria na Universidade a adoção de princípios administrativos que teriam uma eficiência naturalmente administrativa, como um resultado da adoção de princípios extremamente democráticos e transparentes” (Entrevistado 03).
Outro aspecto mencionado é que democratizar a gestão implica em
novas formas de interação, que possibilitariam relações mais compartilhadas,
conforme explicita o depoimento a seguir:
112
“[...]uma maior cumplicidade da comunidade universitária com aadministração, portanto a responsabilidade dos erros e dos acertos seria também coletiva e não de um grupo que temporariamenteestivesse à frente da administração da universidade” (Entrevistado 03).
Comparativamente ao Modelo Gerencial, a proposta de OP avançou no
sentido de detalhar as estratégias e canais de participação da comunidade
universitária, revelando, nos depoimentos, como as práticas a serem adotadas se
conformariam nesse modelo de gestão. O conjunto das principais características
apresentadas neste item permitiu avaliar os pontos de ruptura necessários à
modernização na UESB. Para organizar a análise, as respostas obtidas foram
classificadas em duas vertentes: na primeira estão incluídas as propostas de
alterações na estrutura formal com a criação de conselhos e fóruns, as
proposições de ações de qualificação para RH, o programa de avaliação de
desempenho e de competências e o plano de sucessão de funções29. Na
segunda vertente, foram classificados os depoimentos que informaram que a
pauta de modernização não se circunscrevia a um plano bem elaborado ou ações
bem definidas. Para estes entrevistados, a modernização não se restringia à
adoção de tecnologias modernas, novos procedimentos de trabalho ou
modificações na estrutura organizacional, mas requeria a possibilidade de alterar
condições concretas sob as quais assentam valores e condutas.
Para possibilitar uma diferenciação entre as vertentes, denominou-se a
segunda de subjetiva, por estar vinculada a aspectos que dizem respeito aos
indivíduos, aos grupos ou a interação entre eles. O interesse em conhecer quais
os elementos necessários à modernização, parte do pressuposto de que as
transformações não ocorrem num vácuo histórico e cultural. As mudanças
requerem rupturas com práticas cotidianas, como afirmam Trigueiro (1999),
Vasconcelos (1995) e Barbosa (1999). De acordo com os autores, estas práticas
são plasmadas em um ambiente de valores, rituais, crenças, espaços e tempos
sociais determinados, que tanto dão sentido à estrutura organizacional quanto às
relações interpessoais.
29 O plano de sucessão de funções consiste em uma ação do Modelo Gerencial e refere-se a definição de perfis exigidos no exercício das funções existentes na estrutura da Universidade.
113
As unidades de texto que se referiam ao tema no decorrer das
entrevistas revelam ser preciso romper com o sentimento de imobilismo. Seria
necessário, portanto, o envolvimento e a crença da comunidade universitária nas
propostas de modernização, como pode ser percebido a seguir: “a participação da
comunidade universitária”, “a vontade de implementar um projeto arrojado de
gestão do recurso público”, “vontade e disposição das pessoas de participarem da
construção de um modelo novo de gestão”. Como se pode notar nas expressões
selecionadas, a modernização envolve a vontade dos indivíduos para torná-la
bem sucedida. A este respeito, Vasconcelos (1995) afirma que é condição sine
qua non para o êxito de um plano que os envolvidos em sua execução tenham
condições de compreendê-lo, julgá-lo importante, que creiam na proposta e
passem a operacionalizá-la, convictos das possibilidades de produzir mudanças.
Outro grupo de entrevistados destaca que a modernização requer uma
mudança de mentalidade. Como descrito anteriormente, a modernização não
implica apenas em dimensões técnica e material, mas, sobretudo, valores,
crenças e o aspecto institucional. Referem-se aos indivíduos e à maneira como
incorporam os valores contidos nos projetos modernizantes, além do contexto ao
qual estão vinculados. Esta argumentação reconhece a complexidade da
mudança, afastando-se da idéia de um processo unilinear e homogêneo,
orientado por uma lógica unicamente pragmática que concebe a organização
como um universo fechado e separado do seu contexto social, como ressalta
Barbosa (1999).
Neste sentido, dois aspectos são centrais neste diálogo: o rompimento
com as práticas internalizadas e reproduzidas no cotidiano e a adoção de novas
práticas que se conformam com os propósitos da modernização almejada.
Portanto, exigem alterações profundas, tanto na estrutura quanto nos padrões de
atitude e de comportamento dos indivíduos. Implica reconhecer que:
Nenhuma empresa, nem qualquer outro tipo de instituição ou mesmo ação ocorre num vácuo. Embora a administração seja uma tarefaapresentada como essencialmente objetiva, ela é culturalmentecondicionada, estando sujeita aos valores, princípios e tradições de determinada sociedade, os quais são atualizados também em suas práticas e políticas administrativas. Portanto, qualquer produçãoespecífica de uma empresa se dá a partir do contexto significacional em que ela se insere. [...] Nenhum significado se estabelece no
114
absoluto, mas sempre a partir das relações internas do sistemaenglobante (BARBOSA, 1999:141).
Trazendo a discussão para o âmbito da universidade, Trigueiro (1999)
reconhece que os processos de inovação requerem abrir ao debate e à reflexão
os mais diferentes aspectos que dizem respeito a elementos de cultura, estrutura,
funcionamento, normas e valores que orientam os padrões de conduta dos
membros da universidade e verificar quais desses valores e princípios
reguladores estão ancorados no contexto contemporâneo e voltados para a
defesa da instituição.
5.2.4 “Remando contra a maré”: compreendendo os fatores que limitaram a
implementação das propostas de modernização
A análise de conteúdo das entrevistas deste estudo de caso permitiu
identificar alguns fatores que limitaram o encaminhamento das propostas de
modernização. Considerando que os entrevistados apontaram para uma
multiplicidade de aspectos que obstaculizaram o processo de modernização, o
conteúdo dos depoimentos sobre esta questão foram classificados em três
dimensões: institucional, sócio-cultural e política. Esta tipologia toma por
referência as observações feitas por Leitão (1990), Hardy e Fachin (2000),
Trigueiro (1999) e Rodrigues (1985) sobre a perspectiva de análise das
organizações universitárias que integra o funcionamento do sistema
organizacional com as relações entre os atores e a visão dos mesmos sobre
como agir em relação ao seu papel na organização.
Para fins deste estudo, faz-se necessário conceituar as dimensões
estabelecidas. A dimensão institucional inclui aspectos que se situam dentro da
própria organização ou, ainda, que estejam fora dela; se referem às condições
institucionais, tais como: aspectos legais, financeiros, comunicação interna,
estrutura organizacional e outros aspectos correlatos. A dimensão política se
refere aos limites identificados nas relações entre indivíduos e grupos e as
tensões que se estabeleceram, a fragmentação e os conflitos entre os membros
da administração central e grupos presentes na organização universitária.
115
Na dimensão sócio-cultural estão agrupados os discursos que remetem
à existência de hábitos, valores e crenças que estão presentes no ambiente
organizacional, mas que se reportam à sociedade como um todo, se reproduzem
no cotidiano da UESB e condicionam as práticas de gestão de seus membros que
obstaculizaram a modernização. Nesta dimensão, busca-se compreender os
limites ao processo de modernização, que envolvem aspectos subjetivos que se
manifestam de forma objetiva, como resultado dos diferentes significados que os
indivíduos dão à mudança. Esta argumentação se apoia em Barbosa (1999) , que
entende que as organizações podem ser pensadas como uma rede de
significados cujas tramas se combinam e recombinam, gerando sempre novos
padrões que formam o contexto no qual se desenrola a ação social.
E essa “rede”, num sentido figurado, é como um artifício teórico que subjaz às práticas cotidianas, ao modelo de relações sociais entre os vários segmentos, às lógicas contidas nas formas de fazer negócio, às hierarquias formais e informais, às múltiplas políticas administrativas, à aplicação e contextualização das regras, às relações de poder, às estratégias políticas, às concepções de carreira, dando sentido e significado a tudo e a todos (BARBOSA, 1999:142).
É importante destacar que o ordenamento dos dados foi utilizado como
um recurso para organizar a análise, embora reconheça-se que estas dimensões
se entrecruzam, tanto no discurso quanto na prática das relações entre atores.
Nos quadros 08,09 e 10 estão reunidos os excertos das entrevistas que relatam
os fatores que dificultaram a implementação das propostas. Para evitar a
repetição e/ou descaracterização dos depoimentos, que se agrupariam em mais
de uma dimensão, privilegiou-se o aspecto que aparece com maior recorrência ao
longo do discurso do depoente.
116
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117
Observando o quadro 08, nota-se que o fator institucional limitante que
aparece com maior recorrência é a atual estrutura da Universidade. Para os
entrevistados, a estrutura organizacional burocrática e centralizadora obstaculiza
as inovações que pretendem que as decisões sejam socializadas entre seus
membros. Trigueiro (1999) destaca que embora as universidades sejam um
ambiente onde se desenvolve inovações que se relacionam com as atividades-fim
da Instituição, graças à dinâmica constante da produção de conhecimento, o
mesmo não pode ser dito em relação aos processos decisórios e administrativos
e à estrutura interna das universidades. As transformações encontram, em geral,
imensas resistências e conclui afirmando que “as universidades são, neste
sentido, organizações extremamente conservadoras e infensas a mudanças”
(TRIGUEIRO, 1999:42).
Como decorrência do atual modelo de gestão da UESB, outro fator
destacado foi a falta de tempo para a implementação das propostas, o que
permite concluir que as atividades demandadas pela burocracia sufocaram a
iniciativa de inovação. O depoimento de um entrevistado explicita esta avaliação:
“Faltou tempo porque outras demandas da Universidade roubaramtempo para isso. O grupo que ficou responsável, aquele grupopioneiro, estava envolvido também com várias outras questões,principalmente o dia-a-dia burocrático da Universidade” (Entrevistado 07).
Outros dois aspectos que merecem consideração sobre os obstáculos
à implantação dos projetos são: a restrição financeira e as estratégias de
comunicação que foram consideradas deficientes. Trigueiro (1999) observa que
para entender a comunicação interna na universidade é preciso ir além do uso de
modernas tecnologias. Requer considerar toda a gama de aspectos que envolvem
relações mais amplas, reforçam vieses ideológicos, reações contrárias a inovação
e à existência de trocas. Há desse modo, várias dimensões do fenômeno que se
condicionam, reciprocamente, em complexas redes de relações.
No quadro seguinte – dimensão política – serão apresentados os
obstáculos presentes nas relações entre os grupos, tanto aqueles que se
expressaram em conflitos entre membros da administração central e demais
grupos da universidade, quanto as tensões observadas entre os participantes da
118
equipe de elaboração e/ou implementação das propostas. O quadro 09 apresenta
os fragmentos das falas que explicitam estes obstáculos.
119
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Esses dados apontam para as tensões entre indivíduos e grupos de
indivíduos como uma resistência a uma mudança ou a uma maior democratização
do poder. Um dos fatores que aparece com maior recorrência entre os
entrevistados da proposta de OP é decorrente de um conflito estabelecido entre o
grupo da administração central e grupos de oposição à Reitoria. Como resultado
deste ambiente, os planos propostos pelo reitorado à época eram vistos de modo
reticente pela oposição, como revela o depoimento a seguir:
“Nós também sofremos uma resistência grande do grupo políticoantagônico à administração. Então, como a minuta do projeto foielaborada por membros da administração da Universidade, euconsidero este fato um limite, uma barreira, uma dificuldade para uma maior discussão interna. Se o projeto fosse elaborado de formaconjunta, com representações de diferentes grupos antagônicos, talvez conseguíssemos uma maior participação da comunidade, mas como a iniciativa era da administração... Os grupos antagônicos àadministração, ainda que reconhecendo o mérito, a importância do projeto, não se esforçaram para que ele fosse implementado. [...] Mas a comunidade universitária não foi capaz ainda assim de apresentar um projeto diferente, uma contraproposta vamos dizer assim, não foi capaz de apresentar críticas a respeito do projeto apresentado e anterior à própria iniciativa da administração, nenhum departamento ou grupo de professores, servidores ou estudantes teve a iniciativa de apresentar uma proposição” (Entrevistado 03 )
Outro aspecto mencionado entre os entrevistados é a resistência à
democratização do poder. Faria (2001), analisando a questão sobre poder e
participação na instituição universitária destaca que, de fato, a universidade
desenvolve algumas práticas acadêmicas e administrativas que, muitas vezes,
escondem movimentos contraditórios. O autor apoia-se na crítica feita por
Tragtemberg para afirmar que:
[...] pode-se deduzir um entendimento de que a prática autoritária é assumida sem crítica, de que na democracia o processo formal supera o conteúdo, de que o coletivo é um agregado de muitos singulares e não uma unidade substancial. É nesse prisma que circulam livremente, especialmente no interior das instituições acadêmicas, ao sabor dos contextos, textos e discursos sobre democracia, participação eautoritarismo, muitos deles defendendo a idéia de que a própriauniversidade é um locus privilegiado da prática democrática, uma salvaguarda da neutralidade e da defesa do conhecimento científico –tudo se dá como se a universidade fosse uma instituição homogênea,
121
coesa, sem contradições e absolutamente desenvolvida e democrática (FARIA, 2001:73).
Além dessas tensões políticas, foi possível identificar algumas
divergências que também contribuíram para limitar o alcance das propostas. A
primeira tensão observada diz respeito às dificuldades de se estabelecer um
consenso acerca de uma definição de estratégia para o Modelo Gerencial. Como
mencionado anteriormente, o próprio projeto não informa com clareza o aspecto
prático da intervenção, o que resultou em tensões entre membros do grupo
responsável pela definição das ações a serem implementadas. Chama atenção a
fala recorrente quanto à falta de entendimento sobre a proposta do Modelo
Gerencial e, em contraponto, as dificuldades de discuti-la. Uma das razões que
justificava o desinteresse por debater o assunto eram as adjetivações que a
proposta tinha recebido ao longo do tempo: “modelo de iniciativa privada”,
“qualidade total na universidade”.
Outro elemento de tensão – o de competência - se relaciona com as
divergências provocadas pelas diferentes concepções de participação existentes
entre os envolvidos. Isto remete à preocupação apresentada por Teixeira (2001)
quanto à relação entre participar e realizar as decisões por parte dos agentes que
recebem um mandato. E, por último, há uma tensão que se denominou de conflito
de concepção. Observa-se que, apesar da participação ser o ideal que orientou
as propostas, um dos entrevistados sobre o Modelo Gerencial apontou como
obstáculo à implementação do projeto a própria democratização do processo.
Este paradoxo é explicitado pelo depoimento a seguir:
“[...] é uma questão até antagônica: quanto mais você democratiza, o processo demora mais. Nós queríamos dar respostas e nãoconseguimos... se tivéssemos feito de outra forma, nãodemocratizando mas agindo, uma, duas, três pessoas na decisão talvez poderia ser viabilizado. [...] Então, a maior dificuldade que nós tivemos não foi por falta de empenho nosso, da vice-reitoria e da própria Reitoria, mas esta questão de democratizar ...” (Entrevistado 05)
O quadro seguinte reúne os excertos das entrevistas que informam a
dimensão sócio-cultural. Revela que as resistências a mudanças são também
produzidas no interior da Universidade e encontram seus correspondentes na
122
cultura da sociedade como um todo, obstaculizando esforços de modernização
organizacional.
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138
Na perspectiva da dimensão sócio-cultural é unânime, entre os
entrevistados, a resistência à modernização, herança de uma cultura
conservadora que concebe o novo revestido do velho. Este elemento aparece
como o principal obstáculo para o rompimento com as práticas de gestão
cristalizadas entre os membros da UESB. As afirmações presentes nos discursos
explicitam este entendimento: “resistência a mudança”, “resistência a uma
metodologia de participação”, “a comunidade universitária, como a comunidade de
uma forma geral, é extremamente conservadora e resistente a mudanças”. Esta
constatação reforça o argumento de DaMatta (apud Vasconcelos, 1995:220),
quando afirma que “as organizações não são apenas implantadas num
determinado espaço. Elas, antes, nascem dele e estão imbricadas com ele”. Por
esta razão, Vasconcelos (1995) considera que, no caso brasileiro, existem
estruturas históricas paralelas que funcionam como elementos obstaculizadores
aos esforços de modernização.
Vasconcelos (1995) em seu ensaio afirma que, entre outros obstáculos
analisados por pesquisadores que buscam estabelecer uma relação entre cultura
nacional e cultura organizacional, a gerência paternalista e autoritária é um
obstáculo cultural ao desenvolvimento das organizações. Neste contexto, afirma o
autor que “variáveis de comportamento cultural são extremamente importantes na
explicação do nosso atraso cultural, mas igualmente importantes na busca de sua
superação” (VASCONCELOS, 1995:223).
Intrinsecamente relacionado ao comportamento reticente a uma
democratização do poder decisório é a resistência que a burocracia confere a
mudanças no desenho do cargo, porque hierarquiza no plano funcional e iguala,
quando necessário, nas relações pessoais. Retoma-se DaMatta (1997b) para
explicar que tal resistência promove uma “tremenda complexidade classificatória,
um enorme sentimento de compensação e complementaridade, impedindo
certamente a tomada de consciência social horizontal” (DaMatta, 1997b:193). De
acordo com Wanderley (1999), com raras exceções, os processos dominantes de
hierarquização e de burocratização enrijecem a estrutura organizacional. Além
139
disso, formas implícitas ou manifestas de um poder centralizador e autoritário têm
tornado as relações entre os membros da universidade opacas e desconfiadas.
Como reconhece Fávero (1983), democratizar o poder é uma tarefa
desafiadora, porque “no caso das universidades, o poder é disperso, não se situa
num lugar exclusivo e se faz presente em todos os setores, através de diferentes
órgãos, instâncias e atividades” (FÁVERO,1983:48). Esta complexidade aponta
para as dificuldades na consolidação de uma gestão democrático-participativa,
pois a universidade é também um espaço de reprodução das próprias condições
de poder na sociedade, quer seja nas salas de aula, quer seja nas práticas de
gestão ou nas relações entre agentes.
Retomando velhas questões, quando se analisa esforços
modernizantes, ainda Vasconcelos (1995) ajuda a explicar como as variáveis de
comportamento cultural influenciam o trabalho, sua produtividade e as formas de
gestão. Para o autor, existe uma certa produção social dos indivíduos30 e nela
estão presentes as grandes variáveis que compõem a sociedade. São os
indivíduos, socialmente produzidos, que vão animar a vida nas organizações,
conferindo-lhes dimensões verdadeiramente humanas e dando ao comportamento
no trabalho suas definições culturais.
No âmbito universitário, observa-se a contribuição de Trigueiro (1999), para
quem as condições da resistência a mudanças se produzem sob a existência de
uma certa cumplicidade tácita, um pacto implícito entre inúmeras redes de micro
poder e interesses que acabam por funcionar como trincheiras de resistência a
inovações. Afirma o autor:
As resistências às mudanças são, assim, construídas; mais queespontâneas, são resultados de inúmeras ações e decisões entre os níveis dirigentes e as bases acadêmicas, perpassando o segmento docente e o dos técnicos-administrativos, em cumplicidade anônima, resistência velada, que consome as energias criativas e as iniciativas em prol de uma discussão mais conseqüente sobre o futuro dainstituição. Nesse sentido, a universidade pública no País tem grande dificuldade para olhar-se e perceber-se no conjunto das transformações sociais mais abrangentes (TRIGUEIRO, 1999:50).
30 Grifo do autor
140
Traçando um paralelo entre as três dimensões analisadas, observa-se
que a dimensão política associa-se à cultural no que diz respeito à explicitação
dos conflitos. É importante registrar que houve entre os depoentes uma
concordância em falar sobre os elementos consensuais das propostas, no entanto,
durante as entrevistas os conflitos não foram tratados com a mesma
espontaneidade ou intensidade. Inicialmente, observou-se uma tendência a
obscurecer as divergências, através de afirmações do tipo: “neste grupo menor
não havia discordância, porque foi mesmo uma construção coletiva, se pensava
mais ou menos parecido...”; “nós não tivemos nenhum problema de falta de
consenso não. A gente sempre discutia e chegava a um ponto comum.” Este
comportamento reticente em tratar o tema encontra apoio para a análise em
DaMatta (1997b) e Santos (1993) que afirmam que a sociedade brasileira
encontra dificuldades em expressar relações que não sejam apoiadas num cunho
afetivo e, consequentemente, há uma forte propensão a dissimular conflitos. No
entanto, reconhece-se que todo processo de mudança gera instabilidade no
grupo; implica em choques de interesses e envolve tensões, produzindo impasses
como resultado da interação.
Outro aspecto desta associação entre as três dimensões apresentadas
e que se constituiu em um aspecto limitante é o baixo grau de participação dos
membros da Universidade na implementação dos projetos de modernização. Para
os entrevistados sobre Projeto de OP, este fator se explica pela divergência entre
os grupos quanto à própria consecução da proposta. Outra explicação dada pelos
participantes do Modelo Gerencial é que o imobilismo resistiu às mudanças. Todas
estas explicações são acompanhadas das expressões: “isto é cultural”,
“resistência conservadora”, “a dificuldade foi mesmo de natureza cultural”,
“participar quer dizer eu me anular, porque se eu estou dentro do processo eu não
posso falar mais nada, não posso reagir, não posso me opor porque eu
participei...”
Como se pode concluir, o grau de engajamento dos indivíduos da
administração da UESB determinou os avanços e, em última instância, recuos na
implementação das propostas. Os obstáculos a iniciativas de modernização
141
parecem estar presentes nas pessoas, na mentalidade dos que expressam
diferentes modos de gerir e entender a Instituição. Mas, encontram-se, também,
presentes na estrutura verticalizada de poder, na tradição burocrática estanque e,
sem dúvida, na pouca experiência de gestão participativa que ainda se constitui
em um desafio na administração de uma organização voltada para o ensino
superior.
5.2.5 Compreendendo a adesão dos atores às propostas de modernização
Além da análise sobre os fatores limitadores das propostas, chamou a
atenção algumas informações relativas à implementação do Projeto de Orçamento
Participativo31, que expressam um comportamento reticente, além de um
sentimento de desencanto em relação a este projeto de modernização: “só vale a
pena participar se for para mudar o que aí se encontra”, “só se participa se o
sentimento de confiança e mudança se instaurar na administração”.
Percepções deste tipo motivaram indagar o aspecto referente ao
compromisso dos indivíduos nas organizações, a saber, a sua percepção sobre o
grau de adesão dos membros da UESB às próprias propostas. Isto foi observado
a partir dos atributos relativos à cultura política e que formam o capital social,
quais sejam: o senso de confiança, de cooperação e de participação. Como
argumenta Putnam (2000), estes elementos estão intrinsecamente relacionados e
são fundamentais nos processos de mudança:
A confiança promo ve a cooperação. Quanto mais elevado o nível de confiança numa comunidade, maior a probabilidade de havercooperação. E a própria cooperação gera confiança. [...] A confiança implica uma previsão do comportamento de um ator independente. (PUTNAM, 2000:180)
Ainda nesta linha de argumentação, Rothstein (2000, apud Baquero,
2001) argumenta que não são as instituições formais que podem resolver o
problema de compromisso com a credibilidade, mas, ao contrário, são os “mapas
31 Estas informações dizem respeito a depoimentos recolhidos por um dos responsáveis pelaelaboração e implementação da proposta de OP, em reunião de apresentação do projeto nocampus de Vitória da Conquista, em julho de 2001.
142
cognitivos” dos atores em relação à confiança que podem depositar nos demais
atores que operam nessas instituições.
A análise a seguir pressupõe que o maior ou menor grau de adesão por
parte dos atores, nas duas experiências analisadas da UESB, resultaram em
diferentes níveis de compromisso em relação à implementação das propostas de
modernização. As entrevistas indicam que a participação-cooperação se expressa
de modo distinto entre os grupos e decresce à medida que o indivíduo ocupa uma
posição mais afastada do grupo envolvido na implementação dos planos. O termo
engajamento é usado com recorrência pelos entrevistados para qualificar o
envolvimento dos responsáveis pela proposição dos planos. Quanto aos membros
da administração central, que não estiveram diretamente envolvidos, os
depoimentos relatam um engajamento reticente, fluído ou mesmo passivo nas
discussões para a implementação tanto do Modelo Gerencial quanto do OP. No
caso deste último, que requeria um maior compromisso dos três segmentos, a
participação foi considerada como retraída, ainda que conflituosa, conforme
demonstrado na análise realizada no item anterior. Os excertos, a seguir,
exemplificam o grau de envolvimento dos membros da administração central da
UESB com o esforço de implementação das propostas.
“Com a implementação nós tivemos muitas dificuldades... Primeiro, porque nós não avançamos muito em alguns setores e também na administração central (...) e nós ainda não tínhamos conseguido a adesão generalizada de todos os membros ao programa, não tinha ainda a compreensão de que aquele programa devia ser implementado por todo o conjunto da administração” (Entrevistado 06).
“o grupo pioneiro foi um grupo muito motivado, muito interesse, muito empenho de que a coisa realmente acontecesse, isso aí eu percebi (...)Então tinha um grupo que mesmo fazendo parte da administração não estava motivado. É complicado falar isso...” (Entrevistado 07).
“Eu acho que o grupo que mais se envolveu com a proposta do OP foi o grupo que a elaborou. As pessoas, os pró-reitores, enxergavam como uma proposta inovadora, mas eu não consigo enxergar umaparticipação maior das outras pessoas que compunham aadministração, uma participação mais efetiva, a não ser daquelas que estavam realmente envolvidas. (...)Então uma das coisas que limitou a proposta foi o grau de participação que a própria administraçãoapresentou” (Entrevistado 01).
143
Como pode ser observado, a participação não foi suficiente para
produzir a cooperação e comprometer os envolvidos em direção à mudança.
Estes diferentes prismas da participação podem ser explicados a partir dos
argumentos de Gadotti (apud Penteado, 1998). Para o autor, só vale a pena
participar naquilo que nos diz respeito diretamente, naquilo que nos pertence. O
sentimento de pertencimento na participação é decisivo. Ninguém participa
efetivamente se não se sente envolvido e co-responsável pelo processo em que
está inserido.
Quanto ao elemento da confiança, o grau de sua expressão é
explicado a partir da crença imputada sobre a possibilidade concreta de
mudança. Os entrevistados sobre o OP reconhecem que havia confiança na
proposta, mas esta não produziu o engajamento necessário para direcionar a
ação administrativa e política para a mudança na UESB, conforme demonstra o
depoimento a seguir:
“A comunidade acreditava na proposta e tinha confiança na implementação,
mas não se sentia competente e nem implicada na proposta. Era como se os
estudantes, os técnicos fossem apenas personagens dentro da proposta e não
realmente os atores da proposta como a gente pensou. Eu acho que se sentiam
incompetentes para desenvolver a proposta devido ao grau de
responsabilidade que ela exigia para ser implementada.” (Entrevistado 03).
Fazendo um paralelo com o círculo virtuoso descrito por Putnam
(2000), o envolvimento reticente da organização acadêmica impediu que a
confiança se consolidasse e produzisse a cooperação, prejudicando a
participação dos envolvidos na implementação das propostas de modernização.
Como se pode concluir, os diferentes níveis de envolvimento demonstrados não
foram suficientes para implicar uma estratégia modernizadora, impedindo a
complementação do ciclo de ação que resultasse em mudanças efetivas na
gestão da UESB.
144
A análise produzida neste estudo de caso, permite inferir que a
bagagem cultural, técnica, política e social da qual o indivíduo é portador, fruto da
sua experiência na vida cotidiana quanto na organizacional, resulta em atitudes
facilitadoras ou obstaculizadoras diante de experiências de modernização. Os
depoimentos revelam que os obstáculos à modernização engendram um conjunto
de significados diferentes para os atores, e como pode ser observado nesta
pesquisa, eles compõem um mosaico, em que as mudanças de fundo são as que
sofrem fortes resistências, permanecendo a ação organizacional limitada a
intervenções tópicas, que não se defrontam com as tensões e os conflitos mais
significativos desta complexa estrutura organizacional – a universidade pública.
145
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O ponto de partida para realização deste estudo teve por objetivo analisar a gestão
administrativa observando a relação entre iniciativas e efetivação de projetos de
modernização, tomando como parâmetro de análise o padrão dos valores
culturais que facilitam ou obstaculizam a sua implementação. Para tal, foi
tomado como estudo de caso a experiência da Universidade Estadual do
Sudoeste da Bahia – UESB, no período de 1999 a 2001, recorte temporal em
que esta pesquisa se insere. Os planos estudados foram: a) Projeto de
Implantação de um Novo Modelo de Desenvolvimento Gerencial da UESB e, b)
Proposta de Orçamento Participativo na UESB: uma prática democrática.
A perspectiva que privilegia os elementos sócio-culturais tem sido
amplamente utilizada em estudos desta natureza. Este viés analítico busca
compreender os nexos existentes entre tradição cultural, valores de cultura política
contemporâneos e a influência dos mesmos na produção de fatos e atitudes. São
elementos novos capazes de modificar sistemas sociais que caracterizam modos
de agir e procedimentos, que, muitas vezes, impedem mudanças, avanços e, até
mesmo, a criatividade na gestão administrativa de uma organização tão especial –
diferenciada – como é a universidade pública no Brasil. O argumento de fundo
que orientou esta investigação parte do pressuposto de que a gestão não ocorre
em um vácuo sócio-cultural. Deste modo, reafirmando as posições teórico-
metodológicas desta pesquisa, pode-se dizer que a ação dos diferentes sujeitos é
influenciada pelo contexto em que vivem, ainda que se considere que esta relação
ocorra num movimento pendular, ou seja, indivíduos são influenciados pela cultura
e valores que os circundam, bem como influenciam, eles próprios, seu ambiente.
146
Esta argumentação encontra apoio em Barbosa (1999), Trigueiro (1999), DaMatta
(1997a,1997b) e Vasconcelos (1995).
As transformações exigidas por qualquer esforço de modernização não
requerem, apenas, impactar o plano objetivo dos fenômenos sociais, ou seja, não
se limitam a mudanças nos sistemas que estruturam a vida em sociedade ou o
padrão de autoridade, a reorientação da divisão do trabalho, a incorporação de
novos métodos de controle ou de novos atores no processo de decisão. Requer,
sim, mudanças de crenças, percepções e atitudes por parte dos indivíduos e
grupos, que podem influir, negativa ou positivamente, na produção e aceitação de
novas formas de agir. Reconhecendo que um processo de modernização é
complexo e não-linear, torna-se evidente a relevância do papel que os diferentes
atores ocupam em relação a inovações. É através destes agentes que as ações
assumem significados distintos, e, como revela este estudo, tomam como
referência os valores e padrões de conduta presentes na própria sociedade e os
reproduzem no âmbito das organizações. Portanto, para modernizar estas últimas,
é necessário transformar o próprio modo de pensar e agir nos ambientes sociais
da vida cotidiana e cívica.
O estudo das iniciativas de modernização propostas pelo Reitorado da
UESB, para o período 1999 a 2001, permite inferir conclusões quanto às
dificuldades de consecução que enfrentaram e os fatores que mais limitaram a sua
realização. A dinâmica relativa a estas iniciativas demonstra que o nível de
implementação das propostas foi tímido, marcado por ações tópicas que não
atingiram o núcleo dos problemas para modernizar a gestão. No caso do Projeto
de OP, a proposta foi apresentada e discutida nos três campi, inclusive nos
departamentos acadêmicos; tendo sido organizada uma mesa redonda sobre
orçamento para o ensino superior baiano no campus de Vitória da Conquista.
Considerando que não se alcançou o consenso esperado, a elaboração da peça
orçamentária para o ano de 2002 foi realizada sem adotar as recomendações
sugeridas pelo projeto, portanto, sem incorporar novos métodos, novos recursos e
novos valores de ação na gestão orçamentária.
147
No caso do Modelo Gerencial, algumas das ações realizadas, tais como
a pesquisa de clima organizacional, o levantamento das funções existentes na
estrutura organizacional e o perfil dos gestores, caracterizaram-se como ações de
diagnóstico. Isto porque não foi possível depreender dos depoimentos ou mesmo
do texto das propostas formais uma contribuição efetiva para o cumprimento do
objetivo de institucionalizar uma cultura modificada e mais participativa de gestão.
Embora a proposta elencasse um rol de ações a serem introduzidas, o modo e os
passos para a sua concretização não foram apresentados no projeto. Esta
indefinição provocou tensões entre os membros participantes da
elaboração/execução do plano, já que os debates realizados para definir a
estratégia a ser adotada não produziram acordo eficaz para implementação de
uma agenda de ação.
Uma análise comparativa entre os projetos permite apontar algumas
limitações diferenciadas entre os dois. Quanto à própria elaboração dos projetos
para modernização da gestão, o Modelo Gerencial mostra a intenção de
conformar um novo modelo pari passu à definição de uma estratégia de ação.
Esta indefinição quanto ao modelo pretendido comprometeu a produção de um
consenso em torno do projeto, resultando em divergências quanto à escolha e
definição de políticas que conformassem um modelo de gestão de recursos
humanos para a Instituição. O mesmo não pode ser dito em relação ao Projeto de
OP, que detalha o ciclo para a elaboração da peça orçamentária, indica os atores
relevantes, a estrutura e o processo de acompanhamento e o controle dos gastos
durante o exercício financeiro. Não obstante, este projeto também não logrou uma
implementação de fato. A explicação pode ser observada como segue. Por ter
sido largamente inspirado no modelo de gestão participativa de prefeituras de
governos petistas, foi ressaltado pelos entrevistados que havia uma incerteza
quanto a adequação de uma proposta de modernização organizacional, inspirada
em modelos governamentais, como instrumento de planejamento para uma
instituição complexa, como a universidade.
Além do nível pouco objetivo na formulação das duas propostas, o
presente estudo possibilitou elucidar alguns fatores que limitaram a execução das
148
mesmas. Os obstáculos identificados são aqui caracterizados como limites de
natureza objetiva e subjetiva. Do ponto de vista objetivo, o fator recorrente
declarado nas entrevistas é a atual estrutura organizacional de gestão,
caracterizada como hierarquizada e centralizada, impedindo o estabelecimento de
relações horizontalizadas, portanto, criando resistências à participação dos
segmentos da comunidade universitária no processo decisório. Outros aspectos
como a comunicação interna, os limitados recursos financeiros disponíveis, o
excesso de burocracia e a frágil articulação institucional entre iniciativas e projetos
completa os principais obstáculos de ordem objetiva identificados na análise. Vale
destacar que a análise dos procedimentos ocorridos sobre o andamento das
propostas mostra uma interrupção em função da descontinuidade administrativa
causada pela mudança de Reitorado no ano de 2002, repetindo um modelo bem
comum na gestão da coisa pública no Brasil: a personalização (de indivíduos e
grupos políticos) dos feitos dos atores que atuam na esfera pública estatal, que
não dão continuidade às iniciativas e obras dos seus antecessores, ainda que
estas sejam legalmente regulamentadas e aprovadas em fóruns legítimos
(assembléia legislativa, congresso, colegiados diversos etc).
Os limites de caráter mais subjetivo dizem respeito às dificuldades
encontradas nos indivíduos ou nos grupos envolvidos para romper com práticas,
como individualização, confiança reticente e pouco engajamento com os
pressupostos organizacionais, já consolidadas na UESB. Esses fatores se
interrelacionam e realimentam a resistência em direção à mudança. Os princípios
da participação e democratização da gestão formaram o binômio que justificou a
proposição dos planos de modernização. No entanto, a participação parece
assumir diferentes significados entre os depoentes. Em relação ao Projeto Modelo
Gerencial, os diferentes entendimentos resultaram em tensões entre alguns
membros, dificultando a definição da estratégia a ser adotada e que contemplasse
a participação para a democratização da gestão. A participação tende a se
apresentar como um discurso abstrato, com diferentes acepções, até mesmo
contraditórias, como se observa na análise do Capítulo V. Os diferentes
significados geraram divergências quanto a centralidade do princípio da
149
participação para o novo modelo de gestão de recursos humanos, prolongando
decisões sobre as políticas de ação para implementação da iniciativa. Em relação
ao projeto de OP, embora existisse, entre os membros do grupo encarregado da
elaboração da proposta, um consenso quanto a uma idéia mais homogênea do
princípio da participação na gestão, o mesmo não pode ser dito dos demais
membros da administração central da UESB e dos segmentos da comunidade
universitária. Estas divergências culminaram com a interrupção das discussões
sobre a metodologia proposta, deslocando o debate para uma agenda secundária.
Como pode ser concluído, a resistência a uma política de modernização
de gestão se reflete nas etapas de sua viabilização, pois sofre resistências dos
diferentes segmentos que representam a comunidade acadêmica e administrativa
da UESB. Esta resistência assume as feições de valores culturais que reproduzem
a pouca tradição de lidar com os processos decisórios de uma prática
democrática, que é saber escolher (portanto, excluir/incluir) sobre o que diz
respeito a objetivos traçados (modernizar a gestão). Consequentemente, ocorre o
paradoxo da manutenção de uma estrutura rígida, hierarquizada e centralizada do
atual modelo de gestão das universidades públicas brasileiras, produzindo uma
situação de imobilidade.
Outro aspecto relevante que contribuiu para limitar o alcance dos
projetos em estudo, foi os diferentes graus de compromisso com as propostas
formuladas. As mudanças sugeridas envolviam habilidades políticas, decisões e a
construção de consenso, a fim de incorporar a comunidade universitária em um
movimento em direção à modernização. Requeriam um sentimento de
compromisso, apoiado em cooperação e confiança, atributos da cultura política
participativa moderna. Porém, estes não se manifestaram em grau suficiente para
produzir um envolvimento capaz de possibilitar a mudança pretendida.
A pesquisa revela que a ação voltada para a institucionalização de uma
prática modernizadora requer considerar o grande peso do fator humano: cultura e
mentalidade, que podem se tornar óbices a mudanças. Revela, também, que dois
aspectos centrais devem ser levados em conta quando são evidados esforços de
modernização: a mudança de mentalidade dos envolvidos e a capacidade de
150
participar na construção de consenso. É claro, estes dois elementos exigem tempo
e habilidade política, envolvem esforços prolongados para o rompimento com
práticas instituídas; requerem, também, um compromisso de longo prazo com o
aprofundamento de uma cultura democrática, pautada em valores de cultura
política renovados, influenciando as condutas dos sujeitos que atuam nas mais
diversas instituições. Estas considerações tornam-se particularmente relevantes
para uma instituição universitária pública que tem o papel de gerar saber e
conhecimento que contribuam para provocar transformações na própria sociedade
em que está inserida.
APÊNDICE A
Perfil dos entrevistados
Vinculação à proposta de
modernização
Características
da participação
na proposta
151
Proposta 02 - Orçamento
Participativo na UESB: uma
proposta democrática
Elaboração
Proposta 02 - Orçamento
Participativo na UESB: uma
proposta democrática
Elaboração
152
Proposta 02 - Orçamento
Participativo na UESB: uma
proposta democrática
Concepção,
elaboração e
coordenação da
implementação
Proposta 02 - Orçamento
Participativo na UESB: uma
proposta democrática
Elaboração e
coordenação da
implementação da
proposta
Proposta 01 - Implantação de um
novo modelo de desenvolvimento
gerencial na UESB
Elaboração e
coordenação da
implementação da
proposta
Proposta 01 - Implantação de um
novo modelo de desenvolvimento
gerencial na UESB
Concepção,
elaboração e
coordenação da
implementação da
proposta
153
Proposta 01 - Implantação de um
novo modelo de desenvolvimento
gerencial na UESB
Elaboração e
responsável pela
execução de uma
ação da proposta
Proposta 01 - Implantação de um
novo modelo de desenvolvimento
gerencial na UESB
Coordenação da
implementação da
proposta
154
ANEXO A
Organograma da tomada de decisão – Projeto de OP
AdministraçãoCentral
Departamentos
CategoriaDocente
CategoriaDiscente
Categoria dos
Técnicos
Comunidade
Externa
CONSU
Fórum
COP
Fonte: Proposta de Orçamento Participativo, UESB, 2001.
155
CICLO PROPOSTO PARA ELABORAÇÃO DO OP NA UESB
Fonte: Elaborado pela autora a partir da proposta formal de implantação do OP na UESB.
Assessoria de Planejamento e
Finanças - ASPLAN
§ Compatibilizar no sistemade Planejamento do Estado da Bahia – SIPLAN a peçaorçamentária.
Assembléias porCategoria
§ Identificação de prioridades
§ Escolha dos 15(quinze)representantes para compor o Fórum
§ Escolha do representante para integrar a comissão de organização e acompanhamento do OP.
Fórum do OP
§ Instalação do Fórum
§ Constituição da comissão de Organização e Acompanhamento
§ Apresentação das demandas priorizadas por categoria
Assembléia Geral do Fórum de
OP
§ Votação por demanda identificada
§ Discussão das propostasapresentadas por categoria
§ Aprovação da propostado OP.
§ Acompanhar o processo de discussãoe elaboração do OP.
§ Realizar reuniões periõdicas com seguintes envolvidos
§ Assessorar o Fórum de OP
Comissão do Orçamento
Participativo
156
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