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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO PRISCILA SANTOS AMORIM SIGNIFICADOS DA ESCOLARIZAÇÃO PARA CRIANÇAS/ADOLESCENTES COM INSUFICIÊNCIA RENAL CRÔNICA NA VIVÊNCIA COM A HEMODIÁLISE Linha de Pesquisa: Educação e Diversidade Salvador 2014

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

PRISCILA SANTOS AMORIM

SIGNIFICADOS DA ESCOLARIZAÇÃO PARA

CRIANÇAS/ADOLESCENTES COM INSUFICIÊNCIA RENAL

CRÔNICA NA VIVÊNCIA COM A HEMODIÁLISE

Linha de Pesquisa: Educação e Diversidade

Salvador

2014

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PRISCILA SANTOS AMORIM

SIGNIFICADOS DA ESCOLARIZAÇÃO PARA

CRIANÇAS/ADOLESCENTES COM INSUFICIÊNCIA RENAL

CRÔNICA NA VIVÊNCIA COM A HEMODIÁLISE

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação

em Educação da Universidade Federal da Bahia como

requisito parcial para obtenção do título de Mestre em

Educação.

Orientadora: Profa. Dra. Alessandra Santana S. e Barros

Salvador

2014

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PRISCILA SANTOS AMORIM

SIGNIFICADOS DA ESCOLARIZAÇÃO PARA

CRIANÇAS/ADOLESCENTES COM INSUFICIÊNCIA RENAL

CRÔNICA NA VIVÊNCIA COM A HEMODIÁLISE

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em

Educação, pelo programa de pós-graduação em Educação da Universidade Federal da Bahia.

Data da aprovação: ____/____/____

_________________________________________________________

Alessandra Santana S. e Barros – Orientadora

Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia (UFBA)

Professorada Universidade Federal da Bahia (FACED/UFBA)

_________________________________________________________

Lúcia Vaz de Campos Moreira

Doutora em Psicologia pela Universidade de São Paulo (USP)

Professora da Universidade Católica do Salvador (UCSal)

_________________________________________________________

Sueli Ribeiro Mota Souza

Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia (UFBA)

Professora da Universidade Estadual da Bahia (UNEB)

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Dedico a todas as crianças e adolescentes com

doença renal crônica e, também, para as suas

mães e pais acompanhantes, especialmente aos

que contribuíram com este estudo e que com

garra enfrentam a maratona em busca da

sobrevivência, através das formas possíveis em

meio à dor e ao sofrimento, mas que aprendem a

viver com novas maneiras de significação.

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AGRADECIMENTOS

Sou muito grata a todos que me apoiaram, me deram força, me compreenderam, me

iluminaram...! Foram tantas pessoas que estiveram junto comigo, cada um ao seu modo,

demonstrando atenção e cuidado até que eu pudesse alcançar a desejada finalização desta

dissertação, e assim chegar a este momento de agradecer pelas inúmeras contribuições de

cada pessoa por ter me ajudado na realização desta etapa de minha trajetória pessoal e

profissional.

Serei sempre grata a Deus por tudo o que me possibilita realizar, me protegendo, me

iluminando e me encorajando na busca de todos os meus desejos.

Sou enormemente grata à minha família pelo apoio, compreensão e paciência nesta

fase da minha vida que exigiu esforços e dedicação. Em especial, agradeço à minha mãe

Vilma e ao meu pai Edizio que estiveram sempre do meu lado.

A todas as pessoas que participaram desta pesquisa e que com boa vontade, mesmo em

meio à correria das suas vidas, compartilharam comigo as suas experiências.

Ao meu querido Ferdinando, pelo companheirismo e atenção em todos os momentos.

E também às minhas grandes amigas de todas as horas, Marlene e Cláudia, pelo apoio e

cuidado.

À professora Alessandra, minha orientadora, que acolheu esta proposta de pesquisa e

assim me ajudou a torná-la possível, orientando e confiando em mim a todo o momento. Sou

grata também ao seu grupo de pesquisa, especialmente a Adriana, Ariane pela grande atenção

e ajuda, e também às demais colegas Denise, Cris, Rosane, Aline, Lívia, Thaís, Celeste,

Marian e Thaiana, que também fizeram parte deste percurso.

À todos os professores e colegas do mestrado que me auxiliaram na construção desta

pesquisa, para assim avançar nas contribuições teóricas e práticas deste estudo.

Às professoras Drª. Lúcia Vaz e Drª. Sueli Mota por gentilmente terem aceitado

participar da banca de qualificação e defesa.

À professora Sueli Mota e ao seu grupo de pesquisa na UNEB que me acolheu muito

bem, em especial às queridas: Rafaela, Detian e Érica que foram muito atenciosas e sempre

me deixavam à vontade nos ricos encontros de discussão.

Às minhas colegas professoras da classe hospitalar e domiciliar da SMED que

estiveram mais próximas a mim, e assim dedicaram o seu apoio, carinho e atenção. Em

especial de minha doce e sábia coordenadora Tainã, que acompanhou minhas angústias e

sempre esteve do meu lado. Meus sinceros e imensos agradecimentos!

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Que a força do medo que tenho

Não me impeça de ver o que anseio.

Que a morte de tudo em que acredito

Não me tape os ouvidos e a boca

Porque metade de mim é o que eu grito

Mas a outra metade é silêncio.

[...]

Que as palavras que eu falo

Não sejam ouvidas como prece e nem repetidas com fervor

Apenas respeitadas

Como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimentos

Porque metade de mim é o que ouço

Mas a outra metade é o que calo.

[...]

Que não seja preciso mais do que uma simples alegria

Pra me fazer aquietar o espírito

E que o teu silêncio me fale cada vez mais

Porque metade de mim é abrigo

Mas a outra metade é cansaço.

[...]

E que a minha loucura seja perdoada

Porque metade de mim é amor

E a outra metade também.

(METADE. Oswaldo Montenegro)

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RESUMO

Esta pesquisa trata da escolarização de crianças/adolescentes em hemodiálise e que por sua

vez, vivem a maior parte do seu tempo em função dos cuidados à saúde e à manutenção da

vida. A hemodiálise consiste em uma terapia substitutiva da função renal, após o diagnóstico

da insuficiência renal crônica (IRC) em estágio mais avançado. O objetivo da pesquisa foi

investigar os significados do processo de escolarização de crianças/adolescentes com

Insuficiência Renal Crônica, que realizam tratamento de Hemodiálise, em um hospital público

da cidade de Salvador-BA. O referencial teórico-metodológico que a orienta, situa-se no

campo da fenomenologia, a partir de uma abordagem socioantropológica para a realização de

leituras possíveis do fenômeno em estudo. Desenvolveu-se um trabalho de campo, utilizando-

se observações e entrevistas com quatorze participantes, sendo sete pacientes (três meninos e

quatro meninas) do serviço de nefrologia pediátrica de um hospital público de Salvador-BA e

suas respectivas mães acompanhantes. A partir daí, foi possível organizar o material empírico

para realizar a análise e assim, descrever e problematizar as questões relativas à escolarização

destas crianças/adolescentes na vivência com a doença e a hemodiálise. Tal estudo

possibilitou visualizar em meio às experiências apreendidas, as consequências da doença e sua

terapêutica nas questões que envolvem as rupturas na vida destas pessoas, a adoção de novos

estilos de vida, os cuidados, as alterações no próprio corpo, o medo da morte, o sofrimento, as

esperanças e expectativas que implicam nos seus percursos e no que significam para estas

pessoas o processo de escolarização. Como resultados, identificou-se que para estas pessoas a

escolarização no contexto da IRC e da hemodiálise pressupõe a adaptação à realidade da

forma como esta se apresenta, quer seja na escola comum ou na classe hospitalar, não sendo

possível falar da educação escolar destas pessoas, sem antes perceber o peso marcado pela

doença em suas vidas e as dificuldades e possibilidades encontradas em seus percursos

carregados de emoções em seus cuidados, privações e rearranjos que, por vezes, são

necessários nos inesperados de suas trajetórias existenciais. Entender as necessidades de

crianças e adolescentes com doença crônica renal para a partir daí, garantir a assistência plena

em saúde, educação e seu processo de inclusão, se faz importante no caminhar de todas as

ações que os envolvem.

Palavras-chave: Doença crônica na infância. Escolarização. Insuficiência Renal Crônica.

Hemodiálise. Inclusão escolar. Fenomenologia.

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ABSTRACT

This research deals with the children's and adolescents' education on hemodialysis which in

turn, live most of their time in terms of health care and the maintenance of life, being deprived

of their full cognitive, socio-affective and emotional development. Hemodialysis is a renal

replacement therapy after diagnosis of chronic renal failure (CRF) in a more advanced stage.

The objective was to investigate the meanings of the children's and adolescents' educational

process with Chronic Renal Failure who perform Hemodialysis treatment at a public hospital

in the city of Salvador-BA. The theoretical and methodological framework that guides this

research lies in the field of phenomenology from a socio-anthropological approach to the

realization of possible readings of the phenomenon under study. It was developed using

fieldwork observations and interviews with fourteen participants, seven of them were patients

(three boys and four girls) of pediatric nephrology service of a public hospital in Salvador -

BA and their seven accompanying mothers. From there, it was possible to organize the

empirical material to perform the analysis and so, describe and discuss issues related to these

children's and adolescents' education in living with the disease and hemodialysis. This study

enabled to view the experiences learned, the consequences of the disease and its treatment on

issues involving disruptions in the lives of these people, the adoption of new life-styles, care,

changes in the body itself , the fear of death , suffering , hopes and expectations involving in

their journeys and what these people mean to the educational process. As a result, it was

found that for these people, the education in the context of CRF and hemodialysis requires

adaptation to the reality of how it presents itself, either in regular schools or in the hospital

class, it is not possible to speak of these people's education without prior noticing the weight

marked by illness in their lives and the difficulties and opportunities found in their paths

carried with emotions in their care, deprivation and rearrangements which are sometimes

necessary in unexpected of its existential trajectories. Understanding the children's and

adolescents' needs with chronic kidney disease to thereafter ensure full assistance in health

and education and the process of inclusion, it becomes important in the journey of all actions

involving them.

Keywords: Chronic childhood disease. Education. Chronic Renal Failure. Hemodialysis.

School inclusion. Phenomenology.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

BPC Benefício de Prestação Continuada

BVS Biblioteca Virtual em Saúde

CAPD Diálise Peritoneal Ambulatorial Contínua

CONANDA Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente

DRC Doença Renal Crônica

DP Diálise Peritoneal

DPA Diálise Peritonial Automatizada

DPI Diálise Peritoneal Intermitente

ECA Estatuto da Criança e do Adolescente

FAV Fístula arteriovenosa

HD Hemodiálise

IRA Insuficiência Renal Aguda

IRC Insuficiência Renal Crônica

MEC Ministério da Educação

PTFE Prótese de politetrafluoretileno

TFD Tratamento fora do domicílio

SBN Sociedade Brasileira de Nefrologia

SEESP Secretaria de Educação Especial

SECADI Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão

SMED Secretaria Municipal de Educação

SUS Sistema Único de Saúde

UTI Unidade de Terapia Intensiva

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 12

2 OBJETO DE ESTUDO E SUAS ESPECIFICIDADES .................................................. 19

2.1 PATOLOGIA RENAL ....................................................................................................... 20

2.1.1 A insuficiência renal crônica e a hemodiálise ..................................................... 23

2.2 ESTUDOS SOBRE OS IMPACTOS DA DOENÇA CRÔNICA NAINFÂNCIA E IRC

EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES: uma revisão de literatura .......................................... 30

3 REFERENCIAL TEÓRICO ............................................................................................. 40

3.1 EXPERIÊNCIA, CUIDADO E SELF: implicações na escolarização da

criança/adolescente em hemodiálise ......................................................................................... 40

3.1.1 Experiência ............................................................................................................. 43

3.1.2 Cuidado .................................................................................................................. 46

3.1.3 Corpo ...................................................................................................................... 48

3.1.4 Self ........................................................................................................................... 52

4 PERCURSO DA PESQUISA: DESCRIÇÃO DO TRABALHO DE CAMPO ................... 55

4.1 MÉTODO FENOMENOLÓGICO NA PESQUISA DESCRITIVA ................................. 57

4.1 CAMPO DE ESTUDO ....................................................................................................... 61

4.3 PARTICIPANTES DO ESTUDO ...................................................................................... 66

4.3.1 Crianças/adolescentes com doença renal crônica e suas mães acompanhantes

.......................................................................................................................................... 68

4.4 A OBSERVAÇÃO SISTEMÁTICA .................................................................................. 77

4.4.1 Os encontros com os participantes ....................................................................... 81

4.5 ORGANIZAÇÃO E ANÁLISE DAS INFORMAÇÕES DO CAMPO EMPÍRICO ........ 91

4.6 ASPECTOS ÉTICOS ......................................................................................................... 93

5 ELUCIDAÇÃO E COMPREENSÃO DOS RELATOS .................................................. 95

5.1 VIVÊNCIAS COM A DOENÇA ....................................................................................... 96

5.1.1 Conviver com a doença e as formas de lidar com ela ......................................... 96

5.1.2 Abstendo-se e as formas de cuidado .................................................................. 109

5.1.3 As alterações no corpo ......................................................................................... 116

5.2 ESCOLARIZAÇÃO NO CONTEXTO DA DOENÇA ................................................... 120

5.2.1 Percursos escolares e a IRC ................................................................................ 120

5.2.2 Significados da escola .......................................................................................... 128

5.2.3 Relação escola X doença...................................................................................... 133

5.3 A CLASSE HOSPITALAR NA HEMODIÁLISE .......................................................... 138

5.3.1 Percepções sobre a Classe Hospitalar na Hemodiálise..................................... 140

5.3.2 Relação Classe Hospitalar X aluno/paciente X família X escola comum ....... 147

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6.1 ACESSANDO OS SENTIMENTOS ............................................................................... 152

6.2 PERSPECTIVAS DE FUTURO ...................................................................................... 158

7 COMPREENSÕES SOBRE O SIGNIFICADO DA ESCOLARIZAÇÃO PARA

CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM HEMODIÁLISE ................................................ 164

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 179

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 185

APÊNDICE A - ROTEIRO PARA ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA 01 .......... 192

APÊNDICE B - ROTEIRO PARA ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA 02 .......... 193

APÊNDICE C - TERMO DE CONSENTIMENTO INFORMADO LIVRE E

ESCLARECIDO ................................................................................................................... 195

ANEXO 1 - GRAVURAS UTILIZADAS NA 1ª PARTE DA PESQUISA COM AS

CRIANÇAS/ADOLESCENTES ......................................................................................... 197

ANEXO 2 - BARALHO DAS EMOÇÕES – Jogo utilizado na 3ª parte da pesquisa com

as crianças/adolescentes ....................................................................................................... 199

ANEXO 3 - FOLHA DE ROSTO DA PALTAFORMA BRASIL ................................... 201

ANEXO 4 - DECLARAÇÃO DO COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA ..................... 202

ANEXO 5 - DECLARAÇÃO DE CONCORDÂNCIA SETOR DE NEFROLOGIA DO

HOSPITAL ........................................................................................................................... 203

ANEXO 6 - DECLARAÇÃO DE CONCORDÂNCIA COORDENAÇÃO DA CLASSE

HOSPITAR ........................................................................................................................... 204

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1 INTRODUÇÃO

Conhecer o humano é, antes de mais nada, situá-lo no universo, e não separá-lo

dele. [...] Todo conhecimento deve contextualizar seu objeto, para ser pertinente.

“Quem somos?” é inseparável de “Onde estamos?”, “De onde vivemos?”, “Para

onde vamos?” (MORIN, 2007, p. 47).

O tema deste trabalho se reportou à escolarização de crianças/adolescentes, com

doença crônica, que são privadas do seu pleno desenvolvimento cognitivo, socioafetivo e

emocional, por vivenciarem situações que dificultam a sua inserção social por demandarem

maior parte do tempo em função dos cuidados à saúde e à manutenção da vida, sofrendo

consequente exclusão social e escolar.

Nesta parte inicial, considero relevante resgatar aspectos da minha trajetória

profissional, enquanto pedagoga que atua como professora na rede municipal de ensino de

Salvador–BA, mais especificamente da minha relação com o tema desta pesquisa, com vistas

a esclarecer de onde se originam minhas questões iniciais para o surgimento do projeto de

pesquisa e as opções até a definição do tema e do referencial teórico-metodológico utilizado

nesta dissertação.

Ainda no período da graduação no ano de 2004 ao participar de um congresso na área

da Educação, tive a curiosidade em conhecer um livro que estava exposto em uma das

livrarias no local do evento intitulado Pedagogia Hospitalar, das autoras Matos e Muggiati

(2001) e através desta obra, pude fazer a minha primeira leitura do que venha a ser algo que

sequer tinha ouvido falar no curso de graduação em Pedagogia e que desejava conhecer mais.

Ao concluir o curso de graduação, iniciei minha prática docente na rede pública de

ensino, atuando no município de Salvador na educação infantil e nas séries iniciais do ensino

fundamental. Além disso, continuei a formação em nível de pós-graduação, através de uma

especialização em Neuropsicologia. Através deste curso, busquei me aproximar mais das

questões que envolvem o processo de ensino e aprendizagem. Neste período, estive mais uma

vez diante da pedagogia hospitalar, quando dialogava com um colega que atuava numa

instituição de educação especial e que se referiu como alguém que estudava essas temáticas

relacionadas à educação inclusiva, e portanto, conhecia a importância da atuação do pedagogo

no espaço não escolar.

Após três anos de atuação na rede municipal de ensino, fui informada sobre um curso

de extensão em Atendimento Escolar Hospitalar e Domiciliar, que seria ofertado para os

professores da rede municipal, através da própria secretaria de educação. Tive a oportunidade

de ingressar no mesmo, com muita satisfação e imensa curiosidade em conhecer mais de perto

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e de forma estruturada sobre essa área da Pedagogia, que em alguns momentos havia

despertado em mim a curiosidade. As expectativas foram muitas e a medida em que as aulas

iam acontecendo, com a contribuição de vários profissionais da área de saúde e educação, eu

ia me dando conta de quanto esse ambiente em que os professores se inseriam exigia preparo

nos aspectos relacionados aos saberes em humanização da saúde, prevenção nosocomial1,

patologias comuns na infância, competências que esse profissional deve ter para exercer a sua

docência nesse contexto específico, dentre outros. No segundo momento do curso, me inseri

em uma das classes hospitalares, a fim de conhecer um pouco da dinâmica desse trabalho e

cumpri a carga horária restante do curso. No ano de 2008, fui introduzida ao grupo de

professores para ser docente de uma das unidades hospitalares que acolhem esse trabalho.

Em um período do dia continuava atuando na escola comum e no turno oposto exercia

a função docente com crianças internadas em um hospital do subúrbio ferroviário de

Salvador. Deparava-me com duas realidades bem distintas: uma com um grupo maior de

crianças que exigiam uma rotina específica e a outra com crianças em um ambiente que

representava dor e com dinâmica diferenciada, em que as práticas pedagógicas exercidas com

as mesmas, jamais poderiam acontecer da mesma forma como a da escola regular. Vivi,

inicialmente, muita angústia, pois a cada atendimento me dava conta da complexidade do

trabalho e, sobretudo, da responsabilidade que era estar ali para possibilitar a aprendizagem e

garantir o direito à educação ao escolar doente.

Após um ano atuando nesse hospital, tive a necessidade de ser removida para outra

unidade, a qual continuo vinculada junto ao grupo de professores que atendem no serviço de

nefrologia do Hospital Geral Roberto Santos em Salvador-BA. Este espaço tem características

bem diferentes do citado anteriormente, pois trata-se do atendimento à crianças e adolescentes

de faixa etária entre 2 a 14 anos com doença renal crônica. Estas pessoas recebem assistência

médica, social, psicológica, nutricional e escolar por meio da equipe que os atende

periodicamente por se tratar de uma patologia crônica que acomete os rins e as submete a

constantes procedimentos e consequente necessidade terapêutica ao longo da vida.

Tendo em vista a realidade observada durante os dois primeiros anos de minha atuação

docente na nefrologia pediátrica junto a pacientes em internação hospitalar e em terapia

substitutiva da função renal2, lancei alguns questionamentos que demonstraram a necessidade

de investigação científica para a compreensão dos aspectos que envolviam a realidade

1 Relativo ao os cuidados no controle às infecções hospitalares. 2 Abrange formas de realizar por meio de um trabalho artificial a função dos rins, que pode ser feito através de diálise

peritoneal ou de hemodiálise que serão abordados mais adiante.

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empírica deste contexto e que emergiam dos atendimentos pedagógicos à crianças e

adolescentes no ambiente hospitalar.

As inquietações surgiram da análise do cotidiano para a compreensão de como se

constitui a vida escolar destas pessoas com Insuficiência Renal Crônica (IRC), em um cenário

de dependência da função renal, através da realização de terapia renal substitutiva. Além

disso, observaram-se os esforços para realizar exames rotineiros, dificuldades para locomoção

até a unidade em que realizam tratamento dialítico, de problemas de saúde relacionados à

própria doença, dos cuidados no cumprimento de uma dieta rigorosa, do controle da ingestão

de líquido e de várias medicações ao dia, de restrições médicas necessárias, em função dos

casos específicos de cada paciente, da atenção ao acesso (cateter ou fístula) da diálise, da

dificuldade de manter-se matriculado em escola comum, bem como de estar frequentando e

das dificuldades encontradas dentro da escola por consequência da hemodiálise (sonolência,

dificuldade de concentração, mal estar, fadiga).

A justificativa partiu da necessidade de investigação da realidade concreta de

crianças/adolescentes com doença renal crônica, especificamente das que estão em

hemodiálise e que não têm as mesmas condições para se desenvolver, além da diminuição da

habilidade em realizar as atividades escolares com autonomia esperada para a idade, em

relação às crianças que não apresentam a doença. Neste sentido, tornou-se necessária a análise

da conjuntura dessa realidade, das questões que envolvem as vivências com a doença e as

demandas na vida destas crianças/adolescentes e suas famílias e, especialmente, em relação ao

processo de escolarização, suas possibilidades e dificuldades.

A partir da minha inserção no Programa de Pós-graduação em Educação da

Universidade Federal da Bahia (UFBA), através da Linha de Pesquisa L4 - Educação e

Diversidade, que estuda a produção de conhecimento no campo da Educação Especial e

Inclusiva, e mais especificamente no grupo que pesquisa sobre crianças e adolescentes

hospitalizados e/ou com doenças crônicas, foi possível engajar-me no estudo do tema

relacionado à compreensão das problemáticas que envolvem os aspectos do processo de

inclusão escolar destas pessoas que muitas vezes fica despercebido, o que fortalece a não

inserção plena desses indivíduos na sociedade.

Foi possível, neste processo formativo, ampliar as possibilidades para visualizar o

objeto que desejava investigar e assim redefini-lo tendo em vista os múltiplos caminhos que

esta pesquisa poderia seguir. As contribuições de cada disciplina cursada para o conhecimento

de estudos que poderiam compor a base teórica desta pesquisa, para a seleção do tipo de

pesquisa, dos métodos e técnicas, que seriam utilizadas para a abordagem no campo de

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pesquisa, deram corpo a este encontro inicial do tema trazido, a partir da realidade empírica

com o meio acadêmico. Assim também, os momentos de orientação foram essenciais para o

norteamento das questões que fariam parte deste estudo, bem como da definição da pergunta

de pesquisa, dos objetivos e da escolha do referencial fenomenológico para constituir a forma

de encontrar o que se desejava investigar.

A opção pela fenomenologia foi um grande desafio inicial para mim, mas de ampla

importância tanto na minha formação pessoal e acadêmica quanto no encontro da natureza

desta pesquisa. A primeira leitura que fiz para saber de que isto se tratava, se deu através do

livro Introdução à pesquisa em Ciências Sociais de Augusto Nibaldo Silva Triviños (2011).

Nesta obra, o autor lança ideias iniciais em relação à fenomenologia enquanto enfoque teórico

que embasa pesquisas acadêmicas e posturas frente às questões epistemológicas. Foi possível

também, através desta leitura, conhecer outros enfoques, perceber a inclinação teórica do

próprio autor, bem como de confrontá-los.

A grande investida na busca do entendimento da fenomenologia foi a minha inserção

em uma disciplina intitulada Educação e Fenomenologia ofertada pelo programa de pós-

graduação em Educação e Contemporaneidade da Universidade Estadual da Bahia no

primeiro semestre de 2013. A partir das indicações de autores que têm base em Edmund

Husserl3 e Martin Heidegger, tais como, Moreira (2002), Garnica (1997), Martins e Bicudo

(2006), Galeffi (2009), Bueno (2003), Silva Filho (2006), dentre outros, foi possível construir

minhas leituras, fundamentar o referencial teórico-metodológico deste trabalho e assim seguir

na realização da pesquisa empírica.

Considerando que a doença crônica nos sujeitos e, especificamente, em

crianças/adolescentes provoca rupturas, tanto em sua história de vida, quanto na sua

subjetividade; considerando a trajetória escolar de crianças/adolescentes com Insuficiência

Renal Crônica, as implicações nas necessidades em função da doença e o lugar que a escola

passa a ocupar tanto para a família quanto para a pessoa com a doença, suas dificuldades e

possibilidades de escolarização, buscou-se responder através desta pesquisa à seguinte

pergunta: Como as crianças/adolescentes com insuficiência renal crônica que fazem

hemodiálise atribuem significados ao seu processo de escolarização?

Para tanto, traçou-se como objetivo geral: investigar os significados do processo de

escolarização de crianças/adolescentes com Insuficiência Renal Crônica que realizam

tratamento de Hemodiálise em um hospital público da cidade de Salvador-BA.

3 Edmund Hesserl é referenciado pelos autores que trago e que tiveram base na fenomenologia descritiva.

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E como objetivos específicos, buscaram-se:

Identificar os “impactos” da doença renal crônica e da hemodiálise na vida destas

crianças/adolescentes, a partir dos sentidos de suas experiências e as implicações no

seu processo de escolarização;

Compreender a forma como as crianças/adolescentes que vivenciam a IRC e a

hemodiálise, atribuem sentido e significado à sua escolarização.

Para a elucidação da problemática fez-se necessário compreender as peculiaridades da

doença renal crônica na infância e, mais especificamente, as implicações no processo de

escolarização de crianças/adolescentes acometidas pela doença por necessidades inerentes à

própria hemodiálise.

As escolhas metodológicas possibilitaram a compreensão do que as

crianças/adolescentes e suas mães acompanhantes tinham a dizer de suas vivências com a

doença renal e a hemodiálise e de que forma isso contribuiu para a atribuição dos significados

do processo de escolarização destas pessoas que retrataram tais experiências. À luz do

referencial teórico utilizado é que foi possível entender o que emergiu do tema e consequente

análise empírica.

Após esta introdução, a organização desta dissertação se materializou seguindo com a

escrita do texto que aborda em relação ao objeto de estudo desta pesquisa. Neste capítulo, o

Segundo, apresento, em primeiro lugar, breves considerações da doença crônica na infância, a

partir das ideias de Canesqui (2007) e Silva (2001). Sigo abordando a respeito da doença renal

crônica, a insuficiência renal aguda e crônica, bem como das possibilidades médico-

terapêuticas. Procuro dar atenção especial à insuficiência renal crônica e à hemodiálise para

trazer conceitos, classificações e considerações importantes para entender a patologia e suas

implicações na vida das pessoas por ela acometidas.

Ainda neste mesmo capítulo, discorro a partir da análise de pesquisas encontradas e

que tratam das questões psicossocial, emocional e escolar de crianças e adolescentes com

doença renal crônica. Neste sentido, foi possível conhecer algumas questões relevantes nessas

pesquisas por se aproximarem do que se propõe o presente estudo, como também saber das

aproximações, das lacunas e dos achados nessas pesquisas existentes.

No Terceiro capítulo, apresento o referencial teórico sobre o qual esta pesquisa se

embasa quando busca o entendimento da escolarização de crianças/adolescentes em

hemodiálise. Os conceitos-chave que fazem parte da discussão emergiram do próprio tema,

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como também em razão do conjunto de conteúdos do campo empírico. Buscou-se, então, a

compreensão de experiência, cuidado, corpo e self como podemos observar no esquema

abaixo:

Quadro 1 – Referencial teórico-metodológico

Fonte: Própria autora

Neste capítulo, apresento a concepção de infância com base nos estudos de Corsaro

(2011) que defende a infância como uma categoria social. Tal opção foi feita por acreditar que

crianças e adolescentes têm muito a dizer da realidade por eles vivida e, portanto, suas

contribuições nos ajudaram a entender o fenômeno investigado. Os conceitos, que nesta parte

são discutidos, têm implicações nos processos que envolvem a escolarização de

crianças/adolescentes em hemodiálise. Ambos são pensados a partir do referencial de base

fenomenológica, buscando um olhar especial sobre as práticas, ou seja, o mundo das próprias

experiências para a compreensão do que aparece empiricamente.

Para o estudo do conceito de experiência, buscou-se inicialmente em Dewey (2011)

que fala da experiência e educação na perspectiva de que esta experiência prepara aquele que

a experienciou, seguindo da compreensão de Schutz (2012) que concebe a relação da vivência

para a experiência, além da perspectiva de Larrosa (2011, p. 5) quando nos apresenta que a

experiência é “isso que me passa”, ou seja, segundo o autor não há experiência sem a aparição

de alguém, de algo, de um acontecimento. O conceito de cuidado é também essencial neste

estudo, pois ele está relacionado, a todo o momento, à vida dessas pessoas, quer seja consigo

ou com o outro. Para tanto, buscaram-se os estudos de Ayres (2004), Copalbo (2011) e

Martins (2006) que tomaram como base a ideia de Heidegger (1986) de que o cuidado é o ser

do humano, em seus modos e reconstruções do ser, que está lançado no mundo.

No conceito de corpo, buscou-se a compreensão de uma unidade de sentido corporal

nas representações e práticas das pessoas. Para isto, foram utilizadas as referências de Ponty

Referencial teórico-metodológico

Abordagem teórico-metodológica

Fenomenológico

Estudos sobre doença crônica – infância - escola

Experiência / cuidado / corpo / self

Teoria

Conceitos

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(1999), LeBreton (2012) e Mauss (2003). Não dissociando da ideia de corpo, foi desenvolvida

a concepção de self fazendo um recorte deste tema, tendo em vista a sua amplitude, buscando

uma leitura mais próxima da temática da convivência com a doença crônica, a partir do que

abordam Giddens (2002) e Bury (2011) em relação à construção do eu em meio às

circunstâncias vividas no contexto das experiências e dos cuidados com a saúde.

No capítulo Quarto, procuro fazer uma descrição densa do trabalho de campo,

apresentando o seu percurso. Nesta abordagem, trago inicialmente a natureza do método

fenomenológico na pesquisa qualitativa e algumas considerações da teoria que embasa e

orienta a postura do pesquisador na utilização deste método. Sigo com a descrição do campo

de investigação e posterior apresentação dos participantes do estudo: as sete

crianças/adolescentes com a doença renal crônica e suas respectivas mães acompanhantes.

Ainda nesta parte, escrevo como foi realizada a análise sistemática, que se deu através

de observação e entrevistas, fazendo a descrição de aspectos relevantes nos encontros com

cada um dos participantes, apresento ainda a forma como foram estruturadas as informações

trazidas do campo, a partir da orientação metodológica proposta por Giorgi (2012), Moreira

(2002) e Martins e Bucudo (1994).

No Quinto capítulo, trago a elucidação dos relatos dos participantes na forma como

foram compreendidos. Por uma questão de organização metodológica, os mesmos foram

colocados partindo da vivência com a doença para a exposição dos aspectos da vida escolar, a

partir do contexto previamente dado, mesmo compreendendo que não tem como separá-los,

sendo um, parte do outro.

O Sexto capítulo se refere às contribuições das crianças/adolescentes quando também

apresento aspectos da vivência com a doença no que elas revelaram, a partir da utilização de

recursos pensados para acessá-los, que são: o jogo e os desenhos.

No Sétimo capítulo, proponho um pensar às questões que foram apresentadas do

fenômeno investigado através de uma discussão acerca dos conceitos trazidos e de referências

que possibilitassem, a partir da perspectiva adotada, explicar as implicações no processo

educacional e escolar dessas crianças/adolescentes em seu modo de ser no mundo, com vistas

a assisti-las em suas especificidades e integralidade.

Por fim, trago as considerações gerais em relação a este trabalho, que com certeza

deixa tantas outras possibilidades de investigação, que envolvem o processo de inclusão

destas pessoas que fazem parte de uma sociedade e de uma escola que não tem um modo de

ser voltado para uma cultura que os absorva na sua diversidade enquanto seres humanos, tanto

pelos seus direitos, quanto pela própria condição de serem humanos.

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2 OBJETO DE ESTUDO E SUAS ESPECIFICIDADES

[...] A cronicidade dimensionada no processo de adoecimento crônico não se

resume a um longo curso clínico, mas significa interligar o passado e o futuro em

uma narrativa sobre o presente. Essa narrativa constitui sentidos para os

cuidadores e para os cuidados cotidianos, moldando o corpo e o espírito, de

maneira atenta aos ditames da doença e à trajetória familiar. (CASTELLANOS,

2007, p. 385).

A doença crônica na infância é um tema bastante amplo e que expressa uma

problemática nas diversas áreas do conhecimento, dentro das ciências naturais, humanas e

sociais. Os diversos tipos de doenças crônicas na criança e no adolescente apresentam suas

especificidades em termos biológicos, porém, trazem para a vida destes sujeitos, muitas

restrições e particularidades que os afetam em todos os seus aspectos, seja na dor, na

dependência de medicação e de tratamento e em tantos outros da vida social, intelectual,

emocional e afetiva.

Desse modo, neste capítulo, inicialmente abordo a partir de alguns autores,

considerações que caracterizam de maneira bastante ampla a doença crônica nos indivíduos,

para compreender melhor a doença renal crônica que especificamente foi tratada aqui, bem

como uma breve apresentação dos tipos de terapia renal substitutiva, especialmente da

hemodiálise.

Seguem também algumas considerações de pesquisas já realizadas e encontradas sobre

a doença crônica e a Insuficiência Renal Crônica (IRC) nas crianças e adolescentes em algum

tipo de terapia renal substitutiva com foco nas questões psicossociais para buscar os aspectos

relacionados à escolarização destas crianças, que apresentam particular estilo de vida.

A partir de um olhar antropológico e sociológico da saúde, Canesqui (2007) faz

estudos sobre as condições de vida de pessoas com doenças crônicas e defende que a

cronicidade se refere às condições vividas por um sujeito acometido, que não tem condições

de se curar da doença, mas de conviver com ela, interferindo em várias dimensões da vida do

adoecido e dos que com ele convivem. A autora ainda destaca, com base nas ideias de Strauss

et al. apud Canesqui (2007), que as doenças crônicas requerem paliativos porque são

incuráveis, porém de longa duração, incertas, que podem deixar muitas sequelas e impor

restrições às funções dos indivíduos afetados e de seus familiares.

Um conceito bastante amplo de doença crônica que encontramos na literatura é o de

Silva (2001), que a define como uma desordem que tem uma base biológica, psicológica ou

cognitiva, tendo duração mínima de um ano e que produz algumas das seguintes situações:

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dependência de medicação, dieta especial, assistência e tecnologia médica, aparelhos

específicos, limitação de função ou atividade em nível físico, cognitivo, emocional e de

desenvolvimento geral, prejuízo das relações sociais, sendo necessário a adesão de cuidados

médicos, psicológicos ou educacionais especiais, ou ainda de acomodações diferenciadas em

casa e na escola.

2.1 PATOLOGIA RENAL

A quantidade de pessoas que sofrem de patologias renais em todo o mundo é

relativamente grande, elas podem ou não ser graves e quando não tratadas podem causar a

falência das importantes funções renais, sendo necessário fazer diálise ou se submeter a um

transplante renal. Para melhor compreensão das doenças renais é necessário conhecer as

características e o funcionamento dos rins.

Os rins fazem parte do aparelho urinário ou excretor. Eles são envolvidos por uma fina

membrana (cápsula renal) e são formados por unidades funcionais chamadas de néfrons, onde

encontram-se os glomérulos que fazem a filtração do sangue, “seguindo-se diversas etapas de

remoção ou de adição de água e de solutos.” (HELOU; ANDRADE, 2006, p. 17).

Imagem 1- Aparelho urinário

Fonte: http://www.sbn.org.br/leigos/index.php?aparelhoUrinario&menu=6

Os rins têm quatro funções muito importantes no nosso organismo, que de acordo com

a Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN) são:

Eliminação das toxinas do sangue por um sistema de filtração: o sangue chega aos

rins por uma artéria renal, é filtrado e volta através de veia renal.

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Regulação da formação do sangue, produção dos glóbulos vermelhos e formação dos

ossos: em sua plena função, os rins regularizam as concentrações de cálcio e de

fósforo no organismo, além da produção de vitamina D. São responsáveis também

pela liberação de um hormônio que auxilia na produção de glóbulos vermelhos que

em sua falta podem causar anemia.

Regulação da pressão sanguínea: os rins controlam a quantidade de líquido e a

concentração de sódio, a sua disfunção podem gerar inchaço e elevação da pressão

sanguínea. A hipertensão prolongada pode causar a falha na função dos rins.

Controle do balanço químico e de líquidos no organismo: o acúmulo de toxinas no

sangue pode causar uremia. As principais substâncias que causam os sintomas da

uremia são ureia e creatinina.

Segundo Thomé e Gonçalves (2006) a Doença Renal Crônica (DRC) pode ser definida

como a presença de dano renal ou diminuição da função renal por três ou mais meses, sendo

ela “[...] multicausal, tratável de várias maneiras, controlável, mas incurável, progressiva e

tem elevada morbidade e letalidade” (2006, p. 381). A DRC pode ser classificada em estágios

que variam a depender da capacidade da função renal e que evolui de um estágio para outro, a

partir da perda da função até chegar ao estágio terminal que necessita de terapia substitutiva

da função renal.

Sobre os sintomas e diagnóstico da DRC não há uma única forma de manifestação da

doença, até porque em alguns casos a DRC age de maneira silenciosa no indivíduo acometido.

Para compreender a este respeito, buscou-se em Gonçalves e Costa (2006) que:

As doenças renais podem manifestar-se sob diversas formas clínicas: alguns

pacientes têm sintomas e sinais relacionados diretamente ao trato urinário,

como hematúria4 macroscópica ou dissúria

5, enquanto outros podem ter

manifestações inespecíficas que ocorrem também em doenças extra-renais,

como edema ou hipertensão arterial. Adicionalmente, muitos pacientes são

assintomáticos, e a presença da patologia é observada em exames

complementares. O diagnóstico pode ser estabelecido em diversos níveis,

inicialmente busca-se agrupar os dados clínicos em síndromes e sinais

comuns a várias doenças (diagnóstico sindrômico); posteriormente,

aprofunda-se a investigação, procurando a doença responsável por aquele

quadro clínico (diagnóstico etiológico). Uma vez detectada a presença da

nefropatia primária ou secundária, é necessário estabelecer o grau de dano

anatômico ou funcional, a fim de elaborar um plano terapêutico adequado.

(GONÇALVES; COSTA, 2006, p. 32).

4 Perda de sangue na urina. No caso da hematúria macroscópica, esta alteração pode ser visível a olho nu,

deixando a urina avermelhada ou alaranjada, devendo sempre ser investigado pelo médico. 5 Dificuldade de urinar; dor e queimação ao urinar.

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De todos os fatores de risco possíveis para o desenvolvimento da DRC, o diabetes e a

hipertensão arterial são as duas principais causas da doença e necessitam de atenção especial.

E quando o diagnóstico da doença de base é feita no paciente, há a possibilidade de

intervenção médica no sentido de avaliar se a perda da função renal pode ser reversível ou

amenizada. Para Beker e Noronha (2006), além da hipertensão arterial e da diabetes, outras

doenças podem acometer os rins incluindo as glomerulonefrites primárias (doenças que

acometem os néfrons), a nefrite lúpica (inflamação no rim causada por lúpus6), as vasculites

(doenças que acometem os vasos sanguíneos), as infecções virais (HIV, hepatites B e C),

algumas substâncias tóxicas que podem causar danos aos rins, as alterações no trato urinário,

além de outras patologias genéticas ou adquiridas e de outras síndromes raras.

Em relação a DRC, o tempo de vida do rim é curto após o diagnóstico patológico

definitivo e o seu quadro segundo o saber biomédico, já é irreversível, exceto em alguns casos

quando busca-se realizar o rastreamento da doença para diagnosticá-la em fases mais iniciais,

através de exames específicos de sangue e urina - creatinina e proteinúria

(THOMÉ;GONÇALVES,2006). Mas a ciência ainda não dispõe de formas muito avançadas

para controlar a evolução da perda da função renal quando esta se manifesta através de seus

sintomas, apresentando-se de forma severa, sendo necessária a realização também de

mudanças rígidas de hábitos de vida, muitas restrições, rigorosidade no uso de medicações e

em alguns casos, terapêutica indicada.

A ingestão de água ajuda a diminuir os riscos de doença renal quando o

funcionamento dos rins ainda está preservado, porém quando há a doença renal crônica e de

acordo com a orientação médica, o controle na ingestão de líquido deve ser feito, pois a

produção da urina diminui ou pode até não existir no caso de perda total da função renal, o

que pode causar acúmulo de líquido nos pulmões. Este é um dos grandes problemas

enfrentados pelas pessoas que têm a doença, pois deixar de beber água e diminuir a ingestão

de alimentos que contenham muito líquido (tais como, leite, sopa, mingau, café, melancia,

laranjas, etc.) é um grande esforço e necessita de muita vigilância especialmente no caso de

crianças.

6 Segundo Alves (2006), o Lúpus é uma doença caracterizada pelo acometimento de vários órgãos em conjunto ou de forma

isolada. É um distúrbio multifatorial e envolve suscetibilidade genética, fatores hormonais, ambientais e

imunoneuroendócrinos. Os indivíduos que a desenvolvem têm em comum a produção de autoanticorpos e de

imunocomplexos patogênicos. O Lúpus é mais comum no sexo feminino e a maioria dos diagnósticos é registrado entre os

16 e os 55 anos (cerca de 65% dos casos), sendo os outros 20% abaixo dos 16 anos e 15% acima dos 55 anos. O

comprometimento renal é o marcador do pior prognóstico da doença, o comprometimento hematológico e no sistema

nervoso central também são marcadores de mau prognóstico.

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Além disso, a nutrição da pessoa com doença renal deve ser bem orientada pelos

profissionais que os acompanham, a partir da avaliação de exames periódicos feitos no

paciente. Mas em geral, a ingestão de alimentos com determinado teor de sódio deve ser

evitada. Desse modo, os pacientes e seus cuidadores são orientados a preparar alimentos com

o mínimo de sal, a ferventar determinados alimentos, mais de uma vez, a não ingerir alguns

alimentos ricos em fósforo e potássio e até de não consumir determinados alimentos, como é

o caso da carambola por ter uma substância tóxica que normalmente é eliminada pelos rins

quando estes mantêm o seu funcionamento.

2.1.1 A insuficiência renal crônica e a hemodiálise

A insuficiência renal é caracterizada pela perda da capacidade dos rins em realizar

suas funções. Ela pode ser aguda ou crônica. No caso da insuficiência renal aguda (IRA), a

doença é caracterizada pela sua rápida e temporária perda da função renal que pode ser

causada por algumas doenças graves, mas quando tratadas, podem levar à recuperação da

função renal. Segundo Manfro, Thomé, Veronose e Silva (2006, p. 347) “em

aproximadamente um quarto dos pacientes a IRA necessita de suporte dialítico” podendo o

rim retomar a sua função após algumas semanas.

Já a insuficiência renal crônica (IRC) é caracterizada pela perda lenta, progressiva e

irreversível da função renal, sendo necessária a realização de tratamento dialítico contínuo

para a manutenção da vida dos indivíduos afetados. Este tratamento dialítico tem um caráter

terapêutico (apenas realiza a função do órgão doente), não tendo papel curativo como outros

tratamentos a exemplo da quimioterapia.

Quando do diagnóstico da IRC em estágio terminal é necessário que o paciente realize

algum tipo de tratamento terapêutico dialítico. As terapêuticas substitutivas da função renal

mais comuns são a hemodiálise (HD), a diálise peritoneal (DP) – a diálise ambulatorial

contínua (CAPD), a diálise peritoneal automatizada (DPA) e a diálise peritoneal intermitente

(DPI)– e o Transplante renal. Todas elas aliviam os sintomas da doença, preservando a vida

do paciente, mas não têm caráter curativo. Pereira e Guedes (2009) afirmam que a adesão à

terapia renal substitutiva está também associada ao fato de o paciente assumir a sua condição

crônica no sentido de aceitá-lo como parte de sua própria pessoa, para conviver, cotidiana e

harmonicamente, com sua condição de saúde.

Pennafort, Queiroz e Jorge (2012), a partir da consulta do censo realizado pela

Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN) no ano de 2006, apresentam uma estimativa de que

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no Brasil há aproximadamente 70.872 pacientes com IRC, sendo que 90,7% destes, estão em

hemodiálise e 9,3% em diálise peritoneal. Destes, 1.153 são pacientes com idade inferior a 18

anos representando 1,5% do quantitativo total de pessoas com IRC em todas as idades que

sobrevivem sob tratamento dialítico. Esta incidência pode parecer baixa, mas esta população

demanda de requisitos extensivos cuidados e custos, devido à medicação e ao próprio

tratamento, mesmo após o transplante renal. De acordo com Góes Junior, Andreoli,

Sardenberg, Santos e Cendoroglo Neto(2006), estima-se que o custo decorrente da diálise ou

do transplante renal seja de 1,4 bilhões por ano no Brasil, sendo este uma questão de saúde

pública no mundo inteiro.O autor nos apresenta na Imagem 2, o gráfico que das pessoas no

Brasil que fazem algum tipo de terapia renal substitutiva, há a prevalência de pessoas em

hemodiálise, assim como também nos apresentou Pennafort, Queiroz e Jorge (2012).

Imagem 2: Distribuição de pacientes com IRC no Brasil que fazem algum tipo de diálise.

Fonte: SESSO (2006, p. 41)

A escolha de um dos tipos de diálise depende da avaliação médica, levando em

consideração a estatura do paciente, o acesso vascular e a integridade da membrana

peritoneal, dentre outros aspectos. Todos os tipos de terapia renal substitutivas apresentam

riscos ao paciente, especialmente em relação às infecções e dificuldades de acesso que podem

ocorrer. No transplante renal, a infecção e a falha no enxerto também podem apresentar

complicações que vão diminuindo com o passar do tempo. As opções de tratamento não se

excluem mutuamente, ou seja, um paciente que faz transplante renal pode voltar a fazer

hemodiálise ou diálise diante da rejeição do enxerto até o recebimento de outro. (SETZ;

PEREIRA; NAGANUMA, 2005).

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Os cuidados para quem tem a IRC inclui além da terapia renal substituitiva, a rigidez

na dieta, o controle de líquido e o constante uso de medicação a fim de promover a qualidade

de vida dos pacientes. Segundo Frota, Machado, Martins, Vasconcelos e Landin (2010), o

tripé sustentador para a vida do paciente com IRC é constituído por diálise, dieta e drogas

medicamentosas. A aderência a essa tríade terapêutica promove estado de controle

hidroeletrolítico (através da retirada do excesso de água, sais minerais e das substâncias

tóxicas ao organismo) essencial para a sobrevida desses pacientes.

De acordo com Góes Junior, Andreoli, Sardenberg, Santos e Cendoroglo Neto(2006),

a hemodiálise consiste no transporte de água e solutos através de uma membrana

semipermeável artificial por meio de um circuito extracorpóreo que inclui o dialisador

chamado de capilar – filtro que realiza a mesma função dos glomérulos dos rins – por onde

ocorre a eliminação da água e de solutos que saem do corpo pelo acesso vascular sendo

impulsionado para o capilar da máquina para ocorrer as trocas entre o sangue e o banho de

diálise. Estes processos não ocorrem em uma única passagem do sangue pelo capilar, sendo

necessário um fluxo constante de entrada e saída do sangue para que haja a devida purificação

em um período de, em média quatro horas, a cada uma das três sessões semanais. A

hemodiálise é realizada através de uma máquina em ambiente hospitalar ou em clínicas

especializadas, conforme observa-se na Imagem 3:

Imagem 3 – Máquina e circuito de Hemodiálise

Fonte: http://casosrenais.com/category/hemodialise/

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O capilar recebe o sangue repleto de substâncias prejudiciais que entram por um lado e

passam por dentro do feixe de fibras de celulose, bem finas do capilar até sair pelo outro lado,

contendo uma quantidade menor dessas substâncias e voltando em seguida para o corpo,

ocorrendo também a retirada do excesso de sal e água do corpo. A dinâmica de filtração do

sangue é feita através do capilar (Imagem 4) que diminui a concentração de toxina no sangue

através da entrada do líquido da diálise para a limpeza do sangue que acontece no feixe de

fibras do capilar.

Imagem 4 – Dialisador ou capilar

Fonte: http://grupochr.net.br/chr/pacientes/informacoes/hemodialise/

Para a realização da hemodiálise, o paciente necessita de um acesso vascular

permanente, para através dele, acontecer o fluxo de sangue. Os tipos de acessos mais comuns

podem ser um cateter venoso (mais usados em crianças ou pacientes adultos que são recentes

em hemodiálise) que pode ser colocado no tórax, pescoço e na virilha, ou uma fístula

arteriovenosa (FAV), através de uma cirurgia no braço, preferencialmente o de uso não

dominante pelo paciente, vide Imagens 5 e 6, respectivamente, a seguir.

Imagem 5 – Cateter colocado na veia jugular interna direita.

Fonte: http://casosrenais.com/2010/10/page/2/

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Imagem 6 – Fístula arteriovenosa (FAV)

Fonte:http://www.latinoamerica.baxter.com/brasil/pacientes/doencas/hemodialise-na-clinica.html

Todos os cuidados relacionados à hemodiálise fazem parte do tratamento terapêutico

que demanda cuidados e dedicação por parte do paciente e da família. Especialmente na

criança e no adolescente, a dedicação ao tratamento demanda esforços que podem

comprometer grande parte da vida do paciente e de seus cuidadores, pois um pouco mais que

a diálise peritoneal, a hemodiálise requer idas de, no mínimo três vezes ao centro de diálise

(hospital ou clínica), bem como a administração assídua e adequada da medicação, a

higienização e os cuidados adequados ao acesso vascular e a vigilante dieta alimentar e

hídrica.

Na hemodiálise há um controle intenso e cotidiano em relação ao peso do paciente,

pois cada um tem o seu “peso seco” que é o peso sem o acúmulo de líquido. Ao final de cada

sessão de hemodiálise, o paciente deve atingir o seu “peso seco” e ao retornar para a nova

sessão, deve se pesar para saber qual o peso que adquiriu entre uma sessão e outra de diálise e

assim perdê-lo durante àquela sessão. Para tanto, há de se ter um cuidado em relação à

retenção de líquido no corpo, pois com isto o peso tende a aumentar. Especialmente no caso

de crianças, os pais necessitam fazer esta vigilância e conscientizar o filho para a importância

deste controle.

Além destes cuidados, o paciente sofre com os efeitos da hemodiálise em seu

organismo, que por sua vez são bastante agressivos, causando-lhes fadiga, mal estar e baixa

na atividade funcional do paciente. Normalmente, as pessoas que se deslocam para realizar a

terapia renal substitutiva em outro município que não o seu de origem, apresentam maior

cansaço devido ao grande esforço que fazem para permanecer na terapia e com isso,

comprometendo a disposição em realizar atividades do seu dia a dia.

Outro tipo de terapia substitutiva da função renal é a diálise peritoneal que pode ser

realizada na residência do paciente. Sobre isso, Santos (2013) em seu trabalho de conclusão

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de graduação em Pedagogia sobre a IRC em crianças e seu processo de escolarização, explica

que:

A diálise peritoneal tem o mesmo princípio básico da hemodiálise, que

consiste na saída de substâncias do meio mais concentrado para o menos

concentrado até chegar a um equilíbrio entre os dois meios, no caso, o

sangue e o líquido de diálise. Contudo, funciona diferente, pois ao invés de

utilizar um filtro artificial para “limpar” o sangue, é utilizado o peritônio,

que consiste em uma membrana natural localizada dentro do abdômen e que

reveste os órgãos internos dessa região. Contudo, faz-se necessário colocar

cirurgicamente no abdômen um cateter flexível. O cateter de diálise

assemelha-se a uma pequena mangueira, onde uma ponta está dentro do

peritônio e a outra sai pelo furo feito na barriga. Através dele é feita a

infusão de um líquido semelhante a um soro (líquido de diálise). Este líquido

entrará em contato com o peritônio, e por ele será feita a retirada das

substâncias tóxicas do sangue. Após um período de permanência do líquido

na cavidade abdominal, este fica saturado de substâncias tóxicas, e é

retirado, sendo feita em seguida uma nova infusão. (SANTOS, 2013, p. 28).

Os tipos mais comuns de diálise peritoneal, são: CAPD (em que as infusões são feitas

manualmente) ou DPA (através da máquina cicladora automática). A escolha do tipo de

diálise é feita a partir da avaliação médica e ela só passa a acontecer na casa do paciente, após

o treinamento realizado pela equipe de enfermagem, junto ao próprio paciente (quando já

compreende o tratamento e demonstra responsabilidade) e aos seus familiares. Vide Imagens

7 e 8, respectivamente, a seguir:

Imagem 7 – Diálise Peritoneal Continua Ambulatorial – CAPD

Fonte:http://www.bibliomed.com.br/bibliomed/bmbooks/nefrolog/livro1/cap/fig14-1.htm

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Imagem 8 – Máquina cicladora da DPA

Fonte: http://renalsaude.blogspot.com.br/

A diálise peritoneal, por um lado, exige maior dedicação por parte do paciente e dos

familiares que administram os cuidados para adequada realização destes, a fim de evitar

também os processos infecciosos que podem gerar muito sofrimento e dor nos indivíduos,

principalmente nas crianças, mas por outro lado proporciona menor desgaste em relação à

hemodiálise por ser realizada em casa, podendo ser feita nos horários noturnos (DPA), ou

pelo próprio paciente durante três a quatro vezes por dia (CAPD). Os usuários e seus

familiares são capacitados para a devida utilização e manuseio, além da rigorosa avaliação

pela equipe de saúde para a liberação e concessão da máquina para fazer a diálise na

residência.

O transplante renal é a terapêutica mais desejada pelo paciente renal, sendo o que

oferece maior tranquilidade ao paciente e que tem se caracterizado por avanços e

modificações significativas nos últimos anos. Este consiste num enxerto de um rim

compatível, e a medida em que os cuidados devidos são tomados e o tempo do transplante vai

passando sem infecções e complicações, vai diminuindo o risco de rejeição.

A transplantação renal pode ser feita através do rim de um doador vivo ou de um

doador cadáver, devendo o órgão ser compatível. Para receber um rim de um doador cadáver,

o paciente deve estar inscrito em uma lista de espera (ou também em listas de outros estados

do país). Estas listas têm filas muito extensas de pacientes que aguardam um órgão

compatível, mas além da compatibilidade é necessário que haja condições deste paciente para

receber o órgão, pois para estar na fila, são feitos exames e avaliações médicas,

periodicamente, a fim de se verificarem as possibilidades no sucesso da cirurgia e na

aceitação e permanência do enxerto no paciente.

O paciente transplantado deve ser acompanhado constantemente pelo médico e

também fazer uso constante de medicações (drogas imunossupressoras) que inibem a rejeição

do “novo rim”. Apesar de muito almejado e por vezes entendido como sendo a cura da doença

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renal, o transplante gera muitas expectativas por parte do paciente e de seus familiares que

esperam por muito tempo até a cirurgia com o desejo de ter uma vida mais tranquila, com

menos idas ao hospital, com maiores opções na dieta e ingestão normal de líquido.

A rejeição do rim transplantado pode acontecer por diversos motivos, podendo o

paciente realizar outro transplante, necessitando retornar para a diálise até que faça novamente

outra cirurgia. Isso geralmente causa muita angústia ao paciente e seus familiares apesar de

terem sido alertados para tal possibilidade.

A pessoa com insuficiência renal crônica tem direito a receber o Benefício de

Prestação Continuada (BPC) que corresponde ao valor de um salário mínimo. Este direito é

garantido mediante a comprovação da doença e de renda familiar mensal per capta inferior a

um quarto do salário mínimo. No caso dos pacientes que não fazem hemodiálise em seu

município de origem, há o direito ao benefício específico para conceder ajuda de custo para o

Tratamento Fora do Domicílio (TFD).

Assim, por meio do TFD, o paciente cobre gastos com passagens de ida e volta, ajuda

de custo para alimentação e hospedagens para si e para o acompanhante durante o período em

que estiver fazendo tratamento de saúde. Estes benefícios são importantes, pois no caso da

criança e do adolescente, o seu acompanhante na maioria dos casos fica impossibilitado de

permanecer em trabalho remunerado para viver em função dos cuidados da pessoa que se

encontra doente. Portanto há um esforço por parte do paciente, seus familiares e do assistente

social do serviço de nefrologia do hospital para garantir estes direitos aos pacientes.

Contudo, conviver nessas condições, quer seja em diálise ou transplantado, implica em

adotar um estilo de vida com limites determinados pela doença que gere estresse, alterações

em sua rotina e muitos outros prejuízos que têm sido tema de muitas pesquisas, das quais

buscou-se aqui explicitar, a partir da consulta a bancos de dados de periódicos e que mais se

aproximavam da temática proposta neste estudo, trazendo inicialmente algumas considerações

importantes sobre a doença crônica na infância com interesse nos aspectos da educação

escolar, seguindo de estudos sobre as implicações da doença renal crônica na vida de crianças

e adolescentes.

2.2 ESTUDOS SOBRE OS IMPACTOS DA DOENÇA CRÔNICA NAINFÂNCIA E IRC

EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES: uma revisão de literatura

Para a sistematização dos conhecimentos produzidos acerca das condições vividas por

crianças e adolescentes com doenças crônicas e mais especificamente com doença renal

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31

crônica e com o objetivo de investigar os aspectos da vida escolar de tais crianças é que foram

realizados os estudos dos artigos encontrados sobre o tema, sendo estes, recortes de teses e

dissertações.

A maioria dos artigos consultados não trata de pesquisas sobre a escolarização de

crianças com doenças crônicas especificamente, mas abordam as experiências destes sujeitos

em desenvolvimento que expressam um estilo de vida que se adapta às condições impostas

pela doença. Para tanto, tentaremos aqui situar a doença crônica e a insuficiência renal

crônica, para trazer uma discussão sobre estes estudos pensando nos conhecimentos já

construídos acerca desta temática e as contribuições destes para a pesquisa que aqui se propõe

realizar.

Mesmo com todos os avanços da tecnologia dos últimos tempos, tanto da Saúde em

diagnóstico e tratamento, quanto na Educação em novos recursos e serviços, as doenças

crônicas provocam mudanças na vida dos sujeitos. Essas mudanças são de ordem emocional,

social e orgânica, o que muitas vezes gera exclusão social e escolar, pois exigem cuidados

constantes, restrições e readaptações por parte dos envolvidos.

De acordo com Vieira e Lima (2002), especialmente as crianças e os adolescentes com

doenças crônicas têm o seu cotidiano alterado, muitas vezes com limitações por conta dos

sinais e sintomas da doença e as frequentes hospitalizações, na medida em que tal condição

requer maior assistência.

Em grande parte, os estudos sobre crianças com doenças crônicas investigam as

experiências da criança com a doença, apresentando como as mesmas vivenciam essa situação

específica, quais são suas dificuldades e necessidades em relação à vida que tinham anterior

ao tratamento e buscando, assim, entender sobre esse momento singular da sua vida que é

conviver na infância com uma doença crônica.

Sobre isso, vale destacar as considerações de Vieira, Dupas e Ferreira (2009) quando

expõem que esses indivíduos sofrem mudanças em seus estilos e na qualidade de vida por

causa da patologia, do tratamento e das hospitalizações recorrentes, sendo que as implicações

da doença crônica na infância, afetam o seu desenvolvimento físico e emocional, além dos

desajustes psicológicos, gerando ônus para toda a sua família na alteração das suas rotinas,

dos sentimentos de aflição, tensão, insegurança e preocupação pelo medo de complicações e

morte. O autor ainda destaca que o número de crianças com doenças crônicas expressam uma

quantidade significativa, que os tratamentos específicos geram altos custos ao governo e ainda

que existem poucos estudos sobre o tema.

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Vieira e Lima (2002), em sua pesquisa sobre como as crianças e os adolescentes,

apreendem a experiência da doença crônica e mostram que as mesmas têm o seu cotidiano

modificado pelas frequentes hospitalizações, gerando mudanças especialmente no seu

processo de escolarização. A impossibilidade da criança e do adolescente frequentarem as

aulas resulta no abandono escolar, pois os pais se preocupam bastante com as questões

orgânicas e com as hospitalizações recorrentes. Os autores destacam sobre a Classe

Hospitalar, seus objetivos de acompanhamento e reintegração previstos na Política Nacional

de Educação Especial, do Ministério da Educação, de 1994. Os mesmos consideram que:

A escolarização e os relacionamentos sociais são também fatores

importantes na etapa do desenvolvimento em que se encontram as crianças e

os adolescentes do nosso estudo. A doença, a terapêutica e os efeitos

colaterais dos medicamentos interferem na frequência às aulas,

desmotivando-os e dificultando sua adaptação escolar. Eles sofrem

discriminação dos colegas, seja pela dificuldade de desenvolverem

determinada atividade coletiva, sendo excluídos de algumas delas, pelos

próprios colegas. Sentem-se diferentes, seu convívio social é limitado, tudo

isso interferindo em sua auto-estima. Nesse sentido, família, escola e

hospital devem estabelecer diálogos e dar condições para que a continuidade

da escolarização seja preservada. Algumas intervenções têm sido

desenvolvidas, como as classes hospitalares, favorecendo a aceitação e

reintegração do aluno, facilitando seu retorno à escola, sem prejuízos nas

atividades escolares. (VIEIRA; LIMA, 2002, p. 559).

Em relação à escolarização de crianças com IRC, buscou-se na literatura, as principais

considerações sobre este tema passando a considerar que os aspectos psicossociais da doença

em criança não estão dissociados de sua vida escolar por entender que as muitas questões

vividas pela criança com a doença renal influenciam em sua escolarização.

A este respeito, Pennafort, Queiroz e Jorge (2012, p. 1058) escrevem que “a doença

renal crônica possui uma dimensão permeada de significados na vida da criança e do

adolescente que se manifestam no decorrer da hospitalização e outras etapas do tratamento”

desde o diagnóstico da doença, das situações desgastantes, por vezes incompreensíveis e

inaceitáveis que transformam profundamente a sua vida cotidiana e que requer cuidados

especiais.

Com o objetivo de desenvolver uma pesquisa sobre como as crianças e os adolescentes

com doença renal crônica vivenciam o adoecimento e os cuidados educativo-terapêutico na

enfermagem, é que Pennafort, Queiroz e Jorge (2012) discutem sobre os seguintes aspectos:

convivência com a IRC e as mudanças no cotidiano e o ambiente hospitalar como promotor

da saúde. Nesse estudo, as autoras tratam sobre os seguintes pontos: as marcas que ficam no

corpo do paciente por causa dos procedimentos invasivos e dos acessos (fístulas e cateter); as

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mudanças de hábitos devido às restrições alimentares; a importância do apoio familiar e as

dificuldades no contato social e necessidades socioeducativas, sendo importante aqui trazer as

considerações sobre os aspectos da escolarização que encontramos neste estudo:

O distanciamento da rotina escolar foi evidenciado por todos os sujeitos que

consideram este como uma perda que ultrapassava a formação escolar e

ocasionava redução de outras oportunidades de aprendizagens, como ter

amizades e momentos de distrações. [...] A respeito das atividades lúdico-

pedagógicas e recreativas, os sujeitos relataram a participação nas atividades

desenvolvidas pelo projeto Educação e Saúde na descoberta pelo aprender,

as quais ocorriam durante as sessões de diálise e na sala de espera enquanto

aguardavam a consulta ou o treinamento da diálise peritoneal realizado pela

enfermeira. [...] Entre as atividades diárias de crianças com insuficiência

renal crônica, a escola tem destaque nesta faixa etária, fazendo com que as

modificações sejam sentidas mais intensamente. As relações sociais ocorrem

neste espaço e os sujeitos sentem ausência delas. Nesta pesquisa, os sujeitos

mostraram o desejo de continuar estudando e as dificuldades que

enfrentavam para acompanhar as aulas em razão da terapêutica.

(PENNAFORT; QUEIROZ; JORGE, 2012, p. 1060).

Neste sentido, observa-se que há um destaque na necessidade de um olhar atento às

dificuldades de escolarização encontradas pelos sujeitos com IRC, mas o foco encontra-se nas

interferências causadas pela doença e seu tratamento em sua rotina como um todo, bem como

os aspectos psicossociais, sendo que as atividades educativas dentro do hospital não estão

entendidas como sendo Classe Hospitalar, mas como projeto com iniciativa de estudantes de

pedagogia e psicologia, com caráter lúdico-pedagógico como “momentos de distração e

grande interação entre os pacientes, profissionais e alunos, os quais trazem repercussões

positivas no projeto terapêutico.” (PENNAFORT; QUEIROZ; JORGE, 2012, p. 1063).

Em uma pesquisa sobre a qualidade de vida da criança com IRC, os autores Frota,

Machado, Martins, Vasconcelos e Landin (2010) apresentam a doença crônica na infância,

sendo que a criança passa a requerer adaptação individual e familiar em meio às várias facetas

do sofrimento de quem convive com a dor e o mal-estar, as restrições e a exposição do

próprio corpo aos procedimentos dolorosos, invasivos e desconhecidos. Sobre a escola, em

uma das categorias intitulada “Limitações da Doença e Tratamento”, os autores trazem

considerações a respeito da relevância desta como importante espaço de interação, em que a

criança mantém vínculos com a ampliação da possibilidade de brincar, aprender e incluir-se

nos grupos, mas que em razão do tratamento, muitas vezes necessitam faltar a escola,

acarretando atrasos e prejuízos na aprendizagem. Nas conclusões, os autores consideram que

a qualidade de vida de crianças com IRC é satisfatória apesar das limitações e das muitas

complicações em que está sujeita.

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Em contrapartida às considerações de que apesar das alterações causadas pela doença

renal estes sujeitos possuem qualidade de vida, Bizarro (2001) apresentou os resultados de

uma pesquisa realizada com um grupo de adolescentes com IRC que faziam hemodiálise e

outro grupo de adolescentes que não tinham a doença e constatou que o primeiro grupo

demonstra uma diferença relacionada a sua condição psíquica, apresentando significativo mal-

estar psicológico em relação ao grupo sem a doença.

Nesta pesquisa, a autora não aborda exclusivamente os aspectos da vida escolar, mas

constatou que as condições vividas por estes sujeitos com IRC são a causa de seu insucesso

escolar e de problemas comportamentais e emocionais por ser especialmente complexa na

fase da adolescência. (BIZARRO, 2001).

Vieira, Dupas e Ferreira (2009) realizaram um estudo, a partir da experiência das

crianças com doença renal crônica, afim de compreenderem a vivência delas e analisarem o

significado que elas atribuem a estas vivências, apoiando-se nos referenciais do

Interacionismo Simbólico. Os autores consideraram que a experiência da criança com a

doença é percebida como uma trajetória composta por fases que vão desde a descoberta da

doença, passando pelas vivências com o tratamento até a expectativa destas crianças em

relação ao seu futuro.

Os autores destacam algumas problemáticas vividas pela criança na escola que são a

convivência com a zombaria, o desrespeito e a exclusão social devido às suas deficiências;

sobre a necessidade de explicar quais as suas limitações para os colegas e os professores, que

podem ser solidários e ajudá-los quando passam mal e o que fazer em caso de necessidades; e

sobre a maneira como as crianças fazem para minimizar os efeitos que o tratamento tem sobre

o seu rendimento escolar, que são: estudando em casa, pedindo o caderno emprestado ao

colega, sentando-se na frente e levando o caderno para estudar no hospital, mesmo que estas

alternativas não substituam a explicação da professora na escola. Estes autores corroboram

que a instabilidade física, emocional, social e familiar da criança com IRC a torna vulnerável

ao mau desempenho escolar.

Outra pesquisa que trata sobre as experiências com a doença renal foi realizada com

adolescentes utilizando como referencial a Teoria das Representações Sociais para apreender

o que eles pensam da sua condição de doente renal crônico e do seu contexto de cuidado

familiar e profissional. Ramos, Queiroz e Jorge (2008) realizaram esta pesquisa com setenta

adolescentes, sendo que destes, cinquenta faziam diálise (HD, DPA e CAPD) e vinte em

processo de adoecimento, mas que não eram a doença renal. A pesquisa demonstrou que os

adolescentes com IRC convivem com “diversas significações da doença, do tratamento e do

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cuidado, sendo apreendido, principalmente como algo difícil que provoca mudança no estilo

de vida e que exige muita dedicação da pessoa doente e de sua família”. (RAMOS;

QUEIROZ; JORGE, 2008, p. 199).

Nesse estudo, não foi mencionado nenhum aspecto sobre a vida escolar destes

adolescentes, mantendo o foco na importância da atenção e do cuidado dos profissionais de

saúde e no bom tratamento da doença. O estudo segue com indicações relevantes sobre a

compreensão dos aspectos psicosociológicos, a fim de orientar as ações dos adolescentes com

IRC no seu cuidado e na promoção da sua autonomia.

Todas estas pesquisas já mencionadas tiveram como objeto as experiências de vida de

crianças e adolescentes com IRC independente do tratamento que realizam (diálise ou

hemodiálise). Os mesmos apresentam que estes sujeitos vivenciam uma vida priorizando o

tratamento dialítico, a rigorosidade na dieta e o uso das medicações, mas com prejuízos

físicos, emocionais e cognitivos.

A hemodiálise é o tratamento dialítico de significativa maior aderência no mundo

inteiro, apesar do transplante ser o mais indicado. No Brasil, este processo é muito demorado

para os pacientes que possuem doador e mais ainda para aqueles que estão em filas de espera

de rim de doadores cadáveres, principalmente quando este depende do Sistema Único de

Saúde (SUS). Dos trabalhos pesquisados, dois destes se reportam exclusivamente à

adolescentes que fazem hemodiálise e dois tratam de pesquisas sobre o transplante em

crianças e adolescentes. Ambos abordam as experiências destes sujeitos com relação à doença

e com foco na questão biopsicossocial trazendo aspectos da escolarização, em maior medida

em uns do que em outros.

Silva e Silva (2011) realizaram uma pesquisa sobre adolescentes em hemodiálise com

a intenção de compreender o impacto deste tratamento na vida de adolescentes acometidos

pela IRC. Neste estudo, foram entrevistados quatro sujeitos do sexo masculino e feminino

com idade entre 12 e 18 anos, evidenciando-se que a hemodiálise provoca mudanças na vida

do Ser adolescente. Este processo gera isolamento social devido ao tratamento que demanda

disponibilidade de tempo para dedicação à diálise, sendo dessa maneira, mais provável que os

vínculos sejam estabelecidos entre os seus pares.

Os adolescentes que faziam hemodiálise demonstraram dificuldades em realizar as

atividades cotidianas devido ao seu estado clínico, às doenças que podem estar associadas à

IRC, à falta de disponibilidade em função da demanda do tratamento. Silva e Silva (2011)

consideram que a continuidade dos estudos destes jovens fica prejudicada, pois os mesmos

encontram-se fadados à condição de conviverem com a situação de cronicidade, e

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consequentemente, ao “déficit educacional ao que estes jovens podem estar submetidos pela

quebra sequencial do processo de aprendizagem”. (SILVA; SILVA, 2011, p. 48).

Bizarro (2001) também pesquisou sobre a IRC com adolescentes que fazem

hemodiálise e assim como Silva e Silva (2011), apresentam os aspectos que interferem na

condição de vida destes sujeitos, dos impactos em sua condição física, psíquica, social e

emocional, mas não aprofundam nas questões da escolarização, o que aponta para a

necessidade de investir sobre essa temática em estudos que abordam a realidade expressa

desses indivíduos.

Um estudo realizado por Santos (2000) sobre o contexto escolar de crianças com

Síndrome Nefrótica e com Doença Celíaca buscou investigar sobre a percepção dos

professores em áreas específicas do contexto escolar e do seu comportamento na escola. De

maneira geral, este estudo abordou as dificuldades de crianças com doenças crônicas em

estarem na escola, pois convivem com o estresse psicológico e com o absentismo que

repercutem no seu desempenho escolar. Estas crianças têm maiores dificuldades de adaptação

devido aos episódios frequentes da doença, das restrições funcionais e das reações de seus

pares e pais, tornando-se desmotivadas e com possíveis dificuldades na aprendizagem. Nesta

pesquisa, evidenciou-se que as crianças com Síndrome Nefrótica apresentam maiores

problemas em relação a sua vida escolar do que as com doença celíaca.

Esta pesquisa foi feita com três grupos: um com Doença Celíaca, um com Síndrome

Nefrótica e outro grupo sem doença (grupo controle). Em cada grupo participaram crianças,

mães e professores divididos igualmente. As crianças participantes da pesquisa tinham entre

seis a dez anos, eram de ambos os sexos, estudavam em séries variadas até o 6º ano e tinham

o diagnóstico de doença crônica há mais de um ano. Dos resultados, é importante destacar que

no caso do grupo de crianças com a Síndrome Nefrótica há um maior absentismo e menor

disponibilidade da criança para aprendizagem e para o convívio com as outras, esta condição

ocorre devido à natureza recorrente e às exigências do seu controle e tratamento que estão por

vezes associados a hospitalizações frequentes. (SANTOS, 2000).

Esta pesquisa também destaca o papel do professor no processo de escolarização de

crianças com doença renal crônica, tanto na aceitação da criança com a doença pelos seus

pares, quanto pela “gestão de eventuais dificuldades mútuas decorrentes da presença da

doença” (SANTOS, 2000, p. 97), além das contribuições no rendimento escolar, na

aprendizagem e na relação do professor com a criança.

As pesquisas encontradas sobre as crianças com transplante renal apresentam

significativa contribuição para entender as dificuldades educacionais vividas por estas

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crianças. Estas se referem a duas pesquisas realizadas por Poursanidou, Garner, Stepenson e

Watson (2003, 2005), na Inglaterra utilizando diferentes sujeitos, sendo que uma procura

investigar as perspectivas dos alunos, pais e professores e a outra sobre a visão dos

profissionais de saúde a respeito das dificuldades e suportes educacionais de crianças com

transplante renal.

É comum na Inglaterra as crianças com diagnóstico de IRC se submeterem ao

transplante renal passando pouco tempo em diálise. O transplante renal em crianças se

diferencia em relação aos adultos, pois as mesmas estão se desenvolvendo e crescendo e os

“fatores técnicos, imunológicos e psicológicos fazem com que este procedimento em crianças

e adolescentes tenham suas peculiaridades”. (SETZ; PEREIRA; NAGANUMA, 2005, p.

295).

Estas duas pesquisas, com o mesmo tema realizadas por Poursanidou, Garner,

Stepenson e Watson (2003, 2005), tiveram o mesmo enfoque, e como foi dito, diferenciaram-

se especialmente nos sujeitos participantes. Ambas obtiveram resultados que se

complementaram no sentido de entender, a partir das perspectivas de todos os envolvidos

(crianças e adolescentes, pais, profissionais da saúde e professores) das dificuldades

educacionais de crianças com transplante renal.

A primeira delas, foi uma pesquisa qualitativa e quantitativa (através de informações

estatísticas sobre a frequência e desempenho escolar) que procurou compreender o que as

crianças, seus pais e professores tinham a dizer sobre o assunto, identificando as dificuldades

e problema na escola das crianças após o transplante, avaliando de que forma a escola se

organiza para atendê-los e quais as necessidades destas crianças e o apoio recebido em relação

à escola. Esta pesquisa também investigou questões relacionadas à comunicação entre saúde e

educação e sobre o suporte educacional e social para os pais destas crianças.

A segunda pesquisa publicada dois anos depois, investigou os pontos de vista dos

profissionais de saúde (médicos e enfermeiros) com o objetivo de entender quais as

dificuldades da criança com IRC em relação à escola; investigar os recursos educativos

oferecidos às crianças por estes profissionais; identificar o apoio necessário para promover a

educação e a inclusão social destes sujeitos; e explorar as questões de comunicação entre os

profissionais de saúde e de educação.

Nas duas pesquisas, Poursanidou, Garner, Stepenson e Watson (2003, 2005)

identificaram quatro grandes áreas de preocupação na vida escolar de crianças com doenças

crônicas. A primeira envolve problemas acadêmicos relacionados com as longas e frequentes

ausências que geram dificuldades e atrasos no desenvolvimento da aprendizagem e a

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consequente dificuldade em recuperar o que foi perdido após as ausências, gerando

reprovações e insucesso escolar. A segunda está relacionada aos aspectos da integração e

inclusão social e escolar, exemplificadas pela exclusão das atividades extracurriculares da

escola, das dificuldades de relacionamento e do Bullying, bem como da falta de compreensão

dos funcionários da escola das implicações psicoeducacionais na criança com doença crônica.

A terceira área relaciona-se aos problemas emocionais e psicológicos que podem

colocar a educação dessas crianças em risco, incluindo: baixa motivação dos trabalhos

escolares e as preocupações e ansiedades relacionadas às dificuldades acadêmicas e sociais

para a reintegração após as ausências escolares. E a quarta e última área envolve a gestão de

suas necessidades médica no dia a dia da escola.

O estudo de Poursanidou, Garner, Stepenson e Watson (2003) procurou compreender

as dificuldades encontradas por crianças com doença renal crônica nos aspectos da sua

escolarização. Tal pesquisa, teve como principais objetivos: identificar quais as dificuldades e

problemas na vida escolar das crianças após o transplante renal; investigar e avaliar a oferta

educativa para estas; e explorar as suas necessidades de apoio em relação a escola, tendo em

vista a promoção e a sua inclusão educacional e eficaz.

As análises qualitativas desta pesquisa foram divididas em temas para facilitar a

compreensão dos aspectos que emergiram da pesquisa e que versaram sobre as dificuldades

encontradas pela criança ao reingressar à escola após o transplante renal, tais como: a falta de

motivação; problemas de relacionamentos com os colegas; falta de consciência e

conhecimento dos professores a respeito da doença dos alunos; dificuldade de equilíbrio dos

pais em relação a educação dos filhos através do envolvimento excessivo; e por fim a

importância da comunicação entre a equipe de saúde e a escola a respeito das demandas e

necessidades destas crianças com transplante renal.Fizeram parte dos resultados quantitativos,

as análises da frequência e do aproveitamento escolar. Em relação à frequência das crianças

pós-transplante, a pesquisa mostrou que embora a frequência seja satisfatória, ela se apresenta

menor do que a frequência dos seus colegas de classe. Nos estudos sobre o desempenho

escolar, as crianças com transplante, em média, não apresentaram diferenças significativas em

relação aos outros colegas.

Estes estudos (qualitativos e quantitativos) apresentaram muitos aspectos relevantes a

respeito das vivências e sentimentos destes sujeitos, das suas dificuldades e desejos em

relação ao processo de escolarização, o que aponta para algumas considerações e implicações

relevantes para a prática que envolve a reflexão por parte das condutas dos professores,

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alunos, pais e equipe de saúde buscando minimizar as barreiras encontradas pela criança pós-

transplante e possibilitar a eficaz inclusão educacional e social.

Em relação a outra pesquisa realizada pelos mesmos autores no ano de 2005 que

buscaram a visão dos profissionais de saúde para saber as dificuldades de apoio às crianças

com transplante renal na escola, as falas dos sujeitos evidenciaram as dificuldades

encontradas pelas crianças com transplante renal no acompanhamento das atividades

escolares, destacando que não há dúvidas de que as crianças que estiverem em qualquer forma

de diálise apresentam muitas necessidades educacionais não atendidas e que isso irá refletir no

sucesso profissional, influenciando no alcance da profissão e mais ainda sobre as incertezas

da criança permanecer na escola por causa das rejeições e problemas do transplante.

Ficaram fortemente marcadas as percepções destes profissionais especialmente no que

se refere à comunicação entre professores e a equipe médica, sugerindo que “a colaboração

entre a saúde e a educação está longe de ser um fenômeno homogêneo” (POURSANIDOU;

GARNER; STEPENSON; WATSON, 2005, p. 09) e que a falta de comunicação é justificada

pela falta de tempo dos professores e da equipe médica. Ficou evidente também que as

diferenças culturais entre os professores e os profissionais de saúde se torna um fator

preponderante para inibir a eficácia da parceria entre estes profissionais.

No conjunto, os resultados destes estudos sugerem problemas em vários aspectos

relacionados à escola para a criança com Insuficiência Renal Crônica. A literatura aponta para

a necessidade de mais pesquisas sobre a escolarização de crianças e adolescentes com doença

renal crônica, tendo em vista a falta de pesquisas sobre as especificidades que demandam

dessa realidade, quer seja de crianças que fazem diálise (CAPD ou DPA), hemodiálise ou que

realizaram transplante renal, uma vez que a maioria destes estudos versam sobre as questões

de cuidado em enfermagem e dos fatores psíquicos e comportamentais relacionados ao estilo

de vida e as necessidade destes sujeitos.

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3 REFERENCIAL TEÓRICO

A fim de que seja possível pensar-se a Educação na sua plenitude contextual é

preciso incluir-se uma reflexão do ser humano sobre sua ação de experienciar a

experiência. Nesse caso, é importante ter em vista o ser humano em suas

possibilidades e perspectivas. (MARTINS, 2006, p. 56).

Para a sustentação teórica desta pesquisa, foi necessário buscar uma aproximação de

alguns referenciais no entendimento dos aspectos relacionados à convivência com a doença

crônica na infância para pensar sobre alguns conceitos que serão resgatados mais à frente na

discussão a respeito do que elucidou dos depoimentos do campo na busca dos significados da

escolarização, atribuídos pelas crianças e adolescentes em meio às limitações impostas pela

doença renal crônica e seu tratamento.

Para construir esta parte da dissertação que busca tratar dos campos teóricos na

relação, análise e organização do objeto estudado, apoiei-me em estudos que se inserem no

campo da Educação e Saúde, tendo como base alguns conceitos da Filosofia, Sociologia e

Antropologia para a compreensão de conceitos como experiência, cuidado, corpo e self a fim

de estruturar possíveis caminhos de reflexão e discussão, a partir do olhar sobre o objeto aqui

investigado.

Levando em consideração as muitas abordagens e autores que discutem os conceitos

que busquei utilizar neste trabalho, fiz a opção pela utilização de alguns autores que me

pareceram mais adequados, tendo em vista a relação destes com o referencial metodológico

de base fenomenológica para a análise do conteúdo empírico desta pesquisa.

3.1 EXPERIÊNCIA, CUIDADO E SELF: implicações na escolarização da

criança/adolescente em hemodiálise

Antes de trazer a discussão dos conceitos-chave desta parte da dissertação, é

importante destacar a compreensão das concepções aqui defendidas sobre a infância e apesar

de ter feito a abordagem, tanto em crianças, quanto em adolescentes, partimos do princípio de

que se pretendeu, a partir das circunstâncias vividas em meio a doença, compreender não só

as condições atuais na vida escolar destas crianças e adolescentes, mas também da sua

trajetória escolar, especialmente para aqueles que conviveram com a doença renal desde a

infância.

Pode-se dizer que a infância é o período da vida que vai desde o nascimento até a

puberdade e tendo como base os direitos previstos no Artigo 2º do Estatuto da Criança e do

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Adolescente, “considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade

incompletos” (BRASIL, 1990). Os diversos estudos relacionados a esta temática apresentam

algumas visões com foco em um ou outro aspecto. Para tanto, a adesão a um conceito amplo

de infância procura entender os processos evolutivos da criança em sua totalidade e

multideterminação e possibilita a não separação dos indivíduos de todo o seu contexto em que

se desenvolvem, sendo um integrador dos fenômenos históricos, sociais, culturais, biológicos

e psicológicos.

É neste sentido que as contribuições dos estudos da Sociologia da Infância sobre a

complexidade que envolve a infância e a educação são um importante referencial para

entender as várias questões que fazem parte da vida da criança e do adolescente com doença

renal crônica, e de como se dão as relações em seu processo de escolarização, a partir dos seus

estilos de vida em um contexto específico, em que tais sujeitos vivenciam na infância,

particularidades em decorrência das exigências da doença e de sua terapia para a manutenção

da vida.

No campo das ciências humanas e sociais, os estudos sobre a infância tiveram

destaque ao longo dos anos como objeto de estudo da medicina e da psicologia sobre o

desenvolvimento da criança, que a partir de teorias especialmente dos clássicos como Jean

Piaget, Lev Vigotski e Henri Wallon, destacaram os aspectos que seus estudos mostraram

fazer parte do desenvolvimento infantil para entender os fatores maturacionais do cérebro e

das interações dos indivíduos entre si e com o meio no desenvolvimento psíquico, da

linguagem, cognitivo e emocional.

A partir do legado deixado por estes teóricos sobre o desenvolvimento infantil,

podemos entender que as teorias genético-cognitiva e genético-dialética destacam o papel

ativo da criança no seu desenvolvimento como resultado de suas ações coletivas na interação

social em que as crianças apropriam-se gradativamente do mundo adulto, ou seja, “da

imaturidade à competência adulta”. (CORSARO, 2011, p. 36).

Pesquisas que abordam a temática da infância têm sido cada vez mais encontradas nos

estudos do campo das Ciências Sociais e Humanas. Em Educação, realizar pesquisas com

crianças do ensino fundamental e especialmente da educação infantil, apesar de não ser tarefa

fácil por exigir muitas estratégias, está ganhando espaço, pois através do que as crianças

expressam, é possível conhecer a realidade empírica que é experienciada pelos sujeitos

participantes dos processos investigados e que muito têm a dizer.

Neste contexto, as problemáticas expressas e que demandam investigações são

baseadas em experiências reais com crianças e adolescentes que vivenciam determinadas

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situações e a partir daí, estes sujeitos passam também, assim como os adultos, a serem

empoderadas para a representação do seu mundo social. Isto está cada vez mais sendo

possível a partir da atenção aos campos científicos que abordam e defendem de maneira

menos redutível a atuação da criança no cenário em que estas estão inseridas.

A literatura aponta para a obra “História Social da Criança e da Família” de Philippe

Ariès (1986) como sendo um trabalho pioneiro na análise sobre as concepções da infância,

que segundo Sarmento (2009, p. 22), “estabeleceu a gênese do sentimento de infância no

processo de constituição do sujeito moderno no sentido da construção histórica desta

categoria social”. Mais tarde, De Mause apud Nascimento, Vanloir e Oliveira (2008) publica

um texto intitulado “A evolução da infância” que contribuiu também para o estudo sobre a

história da infância e que de acordo com Nascimento, Vanloir e Oliveira (2008, p. 02),

“ambos os autores supracitados enfatizaram a simultaneidade no tempo do descobrimento ou

reconhecimento da infância moderna”.

O sociólogo norte-americano William Corsaro desenvolve estudos há mais de 30 anos

sobre culturas infantis e em um dos seus livros chamado Sociologia da Infância (2011),

apresenta uma abordagem teórica ao estudo da infância, que dá lugar às crianças na estrutura

da sociedade com destaque às contribuições no seu próprio desenvolvimento e socialização

(CORSARO, 2011). Sua teoria nos fala da infância como uma categoria social e das crianças

como atores sociais, no sentido de buscar uma melhor compreensão na totalidade dos

fenômenos observados na realidade empírica.

Nestes estudos, o autor faz a classificação da perspectiva sociológica da infância que

tem como objeto a totalidade da realidade social, sendo as crianças o interesse de estudo para

a compreensão desta realidade.

No resgate às considerações das crianças enquanto “atores sociais, portadores e

produtores de cultura” (SARMENTO; GOUVEIA, 2009, p. 7), a infância a partir do século

XX, passa a ser estudada e entendida como categoria social apesar de inicialmente

permanecer sem maior aprofundamento, ganhando corpo, a partir de pesquisas que deram voz

às próprias crianças e não através de experimentos que as submetem para analisar suas

reações e fazer classificações a respeito de habilidades que possuem ou que se espera que se

tenha em determinada etapa da vida.

Os estudos da Sociologia da Infância interessam-me, pois é possível ver de maneira

muito significativa as mudanças no comportamento e na forma de interação das crianças na

atualidade. Fico pensando nas condições em que eu vivi a minha infância, tanto na minha

trajetória escolar, quanto nas relações sociais que eu estabelecia na família, com os amigos em

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geral, principalmente através das brincadeiras e a partir daí, observando as crianças de hoje

nas suas brincadeiras, preferências e necessidades.

O documentário “A Invenção da Infância” (2000) produzido no Brasil e que apesar de

ter sido lançado há quatorze anos, nos apresenta de maneira muito forte e atual, a partir de

duas diferentes realidades, que as crianças cada vez mais se ocupam de atividades que, ao

meu modo de ver, não só retiram o seu direito de serem crianças, mas inserem-nas em um

contexto que está cada vez mais próximo do que se espera de um adulto, atribuindo-lhes cada

vez mais afazeres e responsabilidades na vida contemporânea.

A discussão, aqui apresentada, evidencia que as diversas áreas do conhecimento

apresentam orientações na compreensão sobre aspectos relacionados à criança e ao

adolescente no contexto em que se apresentam e isso nos dá condições para perceber como

tais aspectos discutidos são expressos consciente ou inconscientemente nas falas, nos estilos

de vida e nos comportamentos dos sujeitos acometidos pela doença renal crônica e da sua

inter-relação, a partir do que constitui a nossa existência. Para tanto, faz-se necessário

compreendê-las, de maneira mais específica, adentrando nos campos de investigação das

ciências sociais, cujos conceitos sobre experiência, cuidado, corpo e self foram aproveitados

por mim; para, a partir daí, pensarmos e problematizarmos sobre as questões aqui estudadas.

3.1.1 Experiência

O que os participantes desta pesquisa trouxeram em suas narrativas e respostas às

perguntas sobre que vivenciam, só foram possíveis, a partir de suas experiências no contexto

da doença renal sendo construídas em seus percursos, possibilitando-lhes elaborações acerca

do vivido em seus sentimentos e na forma como veem o mundo e as coisas. Não basta apenas

apreender o que quer dizer determinado aspecto que envolve a doença em seus procedimentos

e conceitos, que cientificamente foram embasados e organizados, pois para as pessoas que

convivem com a doença renal, todas as circunstâncias que fazem parte do seu contexto,

colaboram no que elas passam a pensar e a sentir sobre a sua vida.

John Dewey, filósofo da Educação da era moderna em sua obra: Experiência e

Educação (2011) nos escreve sobre a importância da qualidade da experiência e da sua

relação com a educação na vida das pessoas. A experiência para Dewey está relacionada a

todas as ações humanas em suas transações entre o físico e o humano. Ele nos alerta da

necessidade de uma teoria da experiência e antes de avançar no entendimento da educação

que deve ter como base uma teoria da experiência “a fim de que a educação possa ser

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conduzida de forma inteligente com base nela” (DEWEY, 2011, p. 33) é importante entender

os princípios desta teoria.

Partiremos da ideia do “princípio da continuidade da experiência como um critério de

discriminação” (DEWEY, 2011, p. 33), pois para decidirmos sobre algo, consultamos sempre

as nossas experiências sobre o que se deve ser ou não preservado para, então, avançar na

tomada de novas decisões que dependem da qualidade da experiência que se tem. Dewey

(2011) considera dois aspectos da experiência, sendo o primeiro “o aspecto imediato de ser

agradável e desagradável e o segundo o aspecto que diz respeito a sua influência sobre

experiências posteriores.” (DEWEY, 2011, p. 28).

Tendo em vista esta teoria da experiência, vimos em Dewey a ideia de que a

experiência prepara aquele que a experienciou e sendo elas consideradas, aperfeiçoa-se para

novas experiências superiores com novas formas de ver e viver as situações que se

apresentam, pois a experiência é histórica, garantindo ao sujeito um acúmulo de

conhecimentos vividos.

Schutz (2012) nos traz a ideia da experiência significativa. Segundo ele, as fases da

experiência iniciam-se, a partir da passagem de situações vividas para depois serem

“apreendidas, distinguidas, colocadas em relevo, diferenciadas umas das outras” (2012, p.75)

para que passem a ser experiências constituídas e que ao final sejam consideradas pelo sujeito

de maneira apreendida ou refletida, a partir do que se pensou na situação vivida mediante a

sua reflexão. Nessa relação de vivência para experiência, o autor considera que:

Somente do ponto de vista do olhar retrospectivo é que existem experiências

bem distintas. Apenas o que foi experienciado é que é significativo, e não

aquilo que o está sendo. Isso porque o significado é meramente uma

operação de intencionalidade que, no entanto, só se torna visível a partir de

um olhar reflexivo. Do ponto de vista da experiência que está acontecendo, a

predicação do significado é algo necessariamente trivial, dado que o

significado pode ser entendido apenas como foco de atenção direcionado

para uma experiência passada, e não para uma experiência em curso.

(SCHUTZ, 2012, p. 76).

Portanto, mesmo que a pessoa esteja vivendo uma determinada situação como é o caso

da doença crônica, ela em seus relatos nos apresenta considerações do que apreende na

vivência com a doença crônica a partir do que vivenciou, resgatando seus primeiros

sentimentos do contato inicial com a doença e seus percursos na elaboração do que realmente

pensa daquela situação que o acompanha, pois “cada fase da experiência se funde com a

seguinte sem limites bem definidos enquanto ela está sendo vivida.” (SCHUTZ, 2012, p. 75).

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Jorge Larrosa (2011) conceitua a experiência como sendo “isso que me passa” e não

isso que passa. Esta forma de colocação das palavras denotam circunstâncias diferenciadas e

que corroboram com o que aqui foi trazido a partir das ideias de Dewey e Schutz, em que

ambos falam da preparação na experiência vivida para marcar o significado apreendido. Neste

sentido, Larrosa formula alguns princípios para o conceito de experiência ao explicar cada

termo de “isso que me passa” em suas várias dimensões, que segundo Larrosa (2011, p. 8):

Temos, então, até aqui, várias dimensões da experiência.

- Exterioridade, alteridade e alienação têm a ver com o acontecimento, com

o que é da experiência, com o isso do “isso que me passa”.

- Reflexividade, subjetividade e transformação têm a ver com o sujeito da

experiência, com o quem da experiência, com o me de “isso que me passa”.

- Passagem e paixão têm a ver com o movimento mesmo da experiência,

com o passar do “isso que me passa”. (LARROSA, 2011, p. 8).

Estes princípios nos fazem entender que a experiência é algo reflexivo, não nos passa

sem ser refletido de maneira que nos afete pelo que é vivido sem ser marcado por ela. Para

Larrosa (2011), todo conhecimento produz efeitos em quem o vivenciou, não sendo possível

os outros sentirem o que não lhes aconteceu apesar de cada ser sentir a sua maneira com o que

mais lhe toca mesmo que determinadas coisas não tenham significado. Com isto, pode-se

trazer o exemplo de crianças e adolescentes em hemodiálise, que vivem a mesma situação,

mas com significados e percepções que em alguns momentos não são singulares em suas

experiências. Neste sentido, Larossa (2011, p. 7) considera que “a experiência é, para cada

um, a sua, que cada um faz ou padece sua própria experiência, e isso de um modo único,

singular, particular, próprio.”

Duas considerações sobre a experiência a partir de Dewey (2011) merecem destaque.

Uma é a de que ele considera que as condições temporárias vividas por uma pessoa podem

modificar e se fixar por todo o seu processo educacional, e a outra é a ideia de que pais

responsáveis proporcionam ordem para as necessidades na vida de seus filhos. Ambas as

considerações aparecem no contexto de vida da pessoa que, desde a sua infância, foi

acometida por doença crônica, por considerar que os pais precisam estar atentos ao processo

educacional, pois suas decisões podem advir sobre a escolarização dos filhos, de forma mais

ou menos desenvolvida, tendo em vista os seus percursos e escolhas.

Giddens (2002) aborda a questão do que ele chama de segregação da experiência

relacionada à situação de doença como sendo a separação do indivíduo de suas condições de

vida cotidiana e que podem gerar questões existenciais perturbadoras tais como, dúvidas em

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relação à vida, ao mundo material e ao sentido de tudo isto para aqueles que lutam no

contexto da doença.

3.1.2 Cuidado

O cuidar é uma ação que não foge à natureza humana. O cuidado consigo mesmo, com

os outros e com o ambiente são essencialmente os modos de ser (do) humano (AYRES,

2004), pois o homem é um ser que estabelece relações que envolvem os cuidado sem sua

existência desde quando nasce, necessitando destes para a sobrevivência, no seu

desenvolvimento e no percurso em busca da realização de seus projetos de vida, inicialmente,

objetivados por quem cuida e construído em si mediado pelo outro.

Este cuidar de si e do outro, implica no cuidado da totalidade humana, que é “cuidar

de sua saúde física e mental; é responsabilizar-se pelo bem estar de si e do outro; é prevenir-se

do ponto de vista material, cultural e intelectual” (COPALBO, 2011, p. 39). Esta relação de

cuidado entre um eu (quem cuida) e um outro (quem é cuidado) demanda dedicação de quem

cuida ao que o outro necessita na sua fragilidade, bem como na responsabilidade perante o

outro que requer tal cuidado.

Martin Heidegger em sua obra Ser e Tempo (1986) nos apresenta o estado básico de

cuidado, o Dasein (ser aí) que corresponde ao ser-no-mundo e que é definido como o “próprio

ser do ser do humano” (AYRES, 2004, p. 21). Esta unidade original que, por Heidegger, é

chamada de ser-no-mundo é constituída pelos níveis de experiência e pelo estado de cuidado

que são indissociáveis, sendo o relacionamento consigo mesmo, uma característica

particularmente humana (MARTINS, 2006).

Dessa forma, a situação de doença renal crônica na infância e o contexto da

hemodiálise exigem que a pessoa com a doença se relacione de diversas formas no cuidado de

si, necessitando também do cuidado do outro, quer seja da família ou da equipe de saúde que

o acompanha. No enfretamento com a doença, tanto a criança/adolescente com IRC, quanto

seus cuidadores, apreendem e agregam em si novas formas de cuidados: o do doente que

ocupa-se de si, e o de seus cuidadores que ocupam-se especialmente de cuidar do outro, mas

que também por vezes necessitam de cuidado.

Neste sentido, podemos pensar como Bicudo (2011) quando se remete à obra Ser e

Tempo, mais precisamente na parte em que Heidegger intitula “A cura como ser de pré-

sença”, assim o autor concebe que somos cura enquanto vivemos. Para ele, a presença como

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cura é caracterizada pelo movimento de ocupação e preocupação, sendo esta cura,

estabelecida como cuidado.

Ayres (2004) que tem como base a perspectiva heideggeriana, nos ajuda a entender o

cuidado, a partir da ideia de projeto. Neste sentido, o indivíduo, na intenção de alcançar

determinados projetos pensados para a vida, assume e mantém cuidados que o levarão à

realização dos projetos idealizados, mas o rompimento de determinados projetos em

detrimento de uma doença implica em buscar um novo modo de ser para a realização de um

projeto com um “horizonte normativo que enraíza na vida efetivamente vivida” (AYRES,

2004, p. 21)no sentido mesmo de uma reconstrução que demanda novas formas de cuidado,

atribuindo significado ao sentido que as coisas passam aos poucos a fazer para ele.

A ideia do cuidado no sofrimento deve ter como postulado a relação entre o eu (quem

cuida) e o outro (quem precisa de cuidado) concretos (REIS; OLIVEIRA, 2011). Neste

sentido, o cuidado deve estar baseado em uma conduta ética, ou seja, uma relação

desinteressada com o outro, em uma via de afeto, de sentido e de sensibilidades.

O cuidar é um encontro com o outro que exige, portanto, respeito e afeto. Na relação

entre o doente que necessita de cuidado e seu acompanhante, o cuidado não pode limitar-se à

assistência e ao tratamento apenas, pois essa escuta perpassa pela atenção para com o outro,

permitindo assim ouvir o outro em seu sofrimento e singularidade, buscando nessa relação de

cuidado, aproximar-se dele para não anulá-lo ou diminuí-lo, mas sim, atender ao que este

necessita em sua integralidade.

A experiência do acompanhamento para mães que estão lado a lado com o filho no

enfrentamento da doença renal é uma responsabilidade junto ao doente pela manutenção da

vida sem esperar reciprocidade na atenção e cuidados dispensados ao mesmo. Assim, assumir

o compromisso com as idas às sessões de hemodiálise em meio às dificuldades que cada um

enfrenta, bem como a atenção constante ao que o paciente com a doença renal necessita numa

relação de ocupação e preocupação que se dá também da própria pessoa consigo mesma.

Vale destacar a definição de Foucault (2006) sobre o cuidado de si que está

relacionado a ocupar-se consigo mesmo, preocupar-se consigo mesmo. Pois para ele, “o

cuidado de si implica uma certa maneira de estar atento ao que se pensa e ao que se passa no

pensamento.” (FOUCAULT, 2006, p. 14). Ambos tratam do cuidado, a partir da própria

condição do indivíduo relacionada ao mundo e à cultura de si em suas relações. A partir dessa

perspectiva, a terminologia cuidar de si refere-se “a qualquer ser humano que se conscientize

de suas necessidades para viver e busque formas adequadas para tal.” (AYRES apud

THOMÉ, 2011, p. 50).

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Com isso, pode-se pensar, também, na ideia do cuidado de si por parte das mães que

cuidam de seus filhos, pois a forma como elas são vistas ao cuidarem de seus filhos importam

uma imagem que as deixam tranquilas pela crença do papel que exercem (GOFFMAN,

2011).Ou seja, do cuidado presente sempre na vida destas mães e de seus filhos com a doença,

quer seja no hospital, em casa, na rua, na escola, pois o cuidado de si e do outro são para estas

pessoas essenciais nos modos de ser e de conviver.

Corpo e cuidado mantém uma relação indissociável. Os cuidados em relação ao

controle da fisiologia do corpo para mantê-lo em funcionamento e contornar os perigos ao

qual este está sujeito, são as condições essenciais na vida de uma pessoa com IRC. Condutas e

hábitos rotineiros na vida destas pessoas é uma forma de vida que ocupa a existência na

condição da doença desde quando ela passa a fazer parte da vida destas pessoas.

Em relação aos cuidados que fazem parte da vida da pessoa com IRC que realiza

hemodiálise, pode-se destacar a fidelidade na realização da diálise periodicamente, o

constante uso de medicações nos seus horários e dosagens ideais, a realização de exames bem

como do seu acompanhamento, o controle na ingestão de líquido, a atenção em relação à

dieta, o repouso necessário no sentido de poupar esforços não recomendados, a atenção aos

sinais apresentado pelo próprio corpo, dentre outros.

3.1.3 Corpo

Nesta parte do texto, foi possível revisitar a noção de corpo, enquanto mediador do ser

no mundo e a partir de alguns pensadores, buscou-se o conceito de corpo na intenção de

mostrar que essa noção depende de contextos e de compreensões, tendo vista os diferentes

conceitos de corpo que se estabeleceram durante a história da humanidade e que tentou criar o

homem sem imperfeições por meio de um corpo perfeito, não consolidando o corpo dentro de

uma definição única.

Sendo a espécie humana a única na natureza capaz de objetivar sua vontade, sua

intencionalidade, o culto ao corpo, hoje difundido pela via midiática de consumo, vende

exatamente a mesma ideia do mito narcísico às pessoas: o esguio, o magro, o forte, o robusto,

o alto, o belo e o perfeito são conceitos que atravessam o imaginário humano e que não levam

em consideração a deterioração na qual os corpos se submetem ao tentar entrar neste

“padrão”. Tendo em vista esta realidade, o corpo deixa o seu pertencimento do campo

objetivo e passa a residir também na subjetividade. Ele passa a ser essencial para o controle

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sobre os indivíduos, sendo o objetivo da vida na sociedade contemporânea a busca pelo belo e

pelo perfeito, o medo da velhice e da morte e o sonho da vida eterna.

As definições e as representações do corpo são construídas cultural e historicamente

pelo próprio homem e as sociedades diversas lançam seus olhares culturais para uma

construção simbólica sobre o corpo (LE BRETON, 2012). Sobre isto também, Mauss (2003)

nos apresenta considerações sobre o corpo como sendo o primeiro e mais natural instrumento

do homem, para que no decorrer do seu desenvolvimento, os homens, em cada sociedade em

que vivem, apreendam seus próprios hábitos, que são definidos pelo autor como sendo as

técnicas do corpo.

Todos os modos de agir são considerados por Mauss (2003) como técnicas do corpo

que para ele é o ato tradicional e eficaz indissociado do seu instrumento (corpo). O adulto não

tem maneira natural, pois é na infância que se inicia a apreensão destas técnicas, sendo a

adolescência o momento decisivo, pois “é nesse momento que eles apreendem

definitivamente as técnicas do corpo que conservarão durante toda a sua idade adulta”

(MAUSS, 2003, p. 214).

Temos a partir do objeto estudado, dois amplos e complexos caminhos sobre o estudo

do corpo. Um deles se refere à ideia de como o corpo funciona em sua anatomia e fisiologia,

sendo este aspecto, construído a partir das representações dos sujeitos naquilo que ele busca

conhecer e que é constituído em suas experiências. O outro caminho se refere às construções

subjetivas sobre o corpo envolvendo seus cuidados, suas angústias e também seu próprio self.

Sobre o saber biomédico do corpo, Le Breton (2012, p. 128) em seu estudo

antropológico do corpo na modernidade, destaca que:

Cada um recebeu uma aparência de saber anatômico e fisiológico nos bancos

da escola ou do liceu, observando o esqueleto das salas de aula, as

ilustrações dos dicionários ou assimilando os conhecimentos vulgarizados

que se trocam cotidianamente entre vizinhos e amigos e que provêm da

experiência vivida e do contato com a instituição médica, a influência das

mídias etc. mas esse saber permanece confuso. Raros são aqueles que

conhecem realmente a localização dos órgãos e que compreendem os

princípios fisiológicos estruturando as diversas funções corporais. Estes são

conhecimentos mais do que rudimentares para a maioria dos atores. Eles não

aderem a eles, de fato, a não ser de maneira superficial. Na consciência que

ele tem daquilo que o funda fisicamente. Daquilo que constitui o interior

secreto do seu corpo, o ator recorre paralelamente a muitas outras

referências. (LE BRETON, 2012, p. 128).

Quando nesta pesquisa conversamos sobre o que cada um pensa a respeito da doença

renal crônica, as explicações além de serem baseadas num conhecimento dentro da

perspectiva do saber biomédico, também nos apresentam muito do que se discute

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teoricamente no campo sócio-antropológico, não sendo possível vê-los nos discursos de

maneira dissociados no que cada um organiza psicologicamente, e que fazendo a relação com

o que se falou anteriormente sobre as técnicas do corpo “o que sobressai nitidamente delas é

que em toda parte nos encontramos diante de montagens fisio psicossociológicas” (MAUSS,

2003, p. 420).

Em vista desta perspectiva que é marcada culturalmente de maneira muito forte, a

primeira ideia de corpo é a ideia do corpo anatômico e quando se procura entender o que a

pessoa que tem e convive com a doença renal, ela procura materializar tendo como base o que

sabe da estrutura e funcionamento do sistema urinário, iniciando nesta explicação e aos

poucos se situando num contexto mais amplo a partir das suas representações, experiências e

sentimentos.

A concepção de corpo que nos apoia teoricamente é de base fenomenológica por

acreditar que este estudo filosófico nos baseia de forma holística, contemplando o que aparece

nas falas trazidas neste trabalho. De maneira bastante geral, o pensamento de Ponty (1999) em

Fenomenologia da Percepção nos capítulos que tratam do corpo, elucidam as complexidades

nas várias facetas em que o corpo se apresenta.

Para o filósofo Ponty (1999), fenomenólogo que analisa o mundo enquanto fenômeno

e como esses ocorrem na consciência, a ideia que se tem de corpo é profunda e complexa,

transcendeos âmbitos do físico, do psíquico e do intelectual. Para ele, o corpo, enquanto

fenômeno, não existe apenas como um objeto instituído, mas que carrega em si valores

inerentes que o constituem, que o determinam, que o identificam e o validam, sendo o corpo o

lugar de apropriação do espaço e objeto, o mediador de todas as experiências, o ponto de vista

sobre o mundo e o veículo do ser no mundo em que o ser tem consciência do mundo por meio

do corpo (PONTY, 1999).

A ideia de corpo no sentido da totalidade nos é apresentada por Copalbo (2011), a

partir dos seus estudos da obra Fenomenologia da percepção (1999) de Ponty que fala do

“corpo vivido” como sendo constituído do “corpo objetivo” e do “corpo fenomenal” ou

“corpo próprio”. Para isto, iremos destacar que:

[...] este corpo vivido é ao mesmo tempo corpo objetivo e corpo fenomenal

que se cruzam e se unem um no outro. Diz ele: “meu corpo é de uma só vez

corpo fenomenal e corpo objetivo” (Merleau –Ponty, 1964ª, p. 179). Ele

traz, desta forma o foco para o estudo da corporeidade, do corpo fenomenal

ou vivido, corpo que se apresenta como o de uma subjetividade, corpo

próprio possuidor de um esquema corporal dinâmico. (COPALBO, 2011, p.

34).

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O corpo objetivo é a forma de ser no mundo e que dá, através do corpo fenomenal, a

consciência do ser na esfera subjetiva. O corpo é completo e inacabado e apesar de cada um

ter a mesma constituição e de cada um apresentar suas singularidades a partir das experiências

individuais e com o outro. Sobre isto, vimos que:

Não basta que um dos sujeitos conscientes tenham os mesmos órgãos e o

mesmo sistema nervoso para que em ambos as mesmas emoções se

representem pelos mesmos signos. O que importa é a maneira pela qual eles

fazem uso de seu corpo, é a informação simultânea do seu corpo e de seu

mundo da emoção. O equipamento psicofisiológico deixa abertas múltiplas

possibilidades e aqui não há mais, como no domínio dos instintos, uma

natureza humana dada de uma vez por todas. O uso que um homem fará de

seu corpo é transcendente em relação a esse corpo enquanto ser

simplesmente biológico. (PONTY, 1999, p. 256).

Estas complexas e profundas ideias de Ponty (1999) nos apresenta o corpo como um

espaço expressivo que garante a sua existência; o corpo enquanto fenômeno na sua

capacidade singular de apreender o sentido; o corpo expressivo e reflexivo que é resultado de

suas ações; e o corpo sexuado no movimento da existência em direção ao outro, ao futuro.

Nesta perspectiva, Le Breton (2012) em sua análise antropológica se reporta à ideia de

corpo no campo da fenomenologia e que, de um certo modo, nos ajuda a compreender e a

ilustrar as ideias de Ponty sobre o corpo.

Fenomenologicamente, conforme dissemos, o homem é indiscernível de sua

carne. Esta não pode ser mantida por uma posse circunstancial; ela encarna

seu ser-no-mundo, aquilo sem o que ele não seria. O homem é esse não-sei-

o-que e esse quase-nada que transborda seu enraizamento físico, mas não

poderia ser dissociado dele. O corpo é a morada do homem, seu rosto.

Momentos de dualidade em uma vertente desagradável (doença,

precariedade, deficiência, fadiga etc.), ou em uma vertente agradável (prazer,

ternura, sensualidade etc.), dão ao ator o sentimento de que seu corpo lhe

escapa, de que excede aquilo que ele é. [...] faz do homem uma realidade

contraditória, onde a parte do corpo está isolada e afetada por um sentido

positivo ou negativo, segundo as circunstâncias. (LE BRETON, 2012, p.

240).

O estudo da corporeidade é de grande importância nesta pesquisa, pois como

considera Nettleton apud Canesqui (2010, p. 321), “a enfermidade limita o funcionamento

“normal” do corpo, com profundas consequências (sic) sociais, políticas, econômicas e

psicológicas”. Neste sentido, as questões do corpo, por um lado aparecem explícitas nos

relatos sobre as dificuldades enfrentadas pelas crianças em frequentar a escola, nas relações

que estabelecem com os membros da escola, em suas aparências corporais, nos estigmas, bem

como em seus imaginários sobre as mudanças que são visíveis através do corpo. E por outro

lado, a ideia do controle do corpo sobre as emoções provocadas pelos sofrimentos

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vivenciados pelas mães que necessitam conter-se para encorajar o filho no enfrentamento de

suas experiências com a doença.

3.1.4 Self

As discussões relacionadas a identidade (biográfica e social) são bastante amplas e

proporcionam uma nova forma de enxergar no mundo e perceber os valores que emergem na

sociedade contemporânea. Diferentes autores abordam questões, sendo que algumas destas,

apresentam-se mais próximas a este estudo. O conceito de identidade para Hall (2006) se

estrutura na concepção de uma construção social estabelecida e faz os sujeitos se sentirem

mais próximos e semelhantes. Bauman (2005) desenvolve a ideia da identidade como algo

criado, discursivamente elaborado, flexibilizando os parâmetros de identificação e

pertencimento. Giddens (2002) defende que a identidade é construída através do paralelo

entre o modo de funcionamento das instituições na sociedade moderna e a vida dos indivíduos

inseridos na atual sociedade.

A partir dessas considerações que dialogam sobre a temática da identidade,

compreende-se que há duas vertentes: uma diz respeito à identidade coletiva ou uma

identificação social de um determinado grupo, ou seja, o indivíduo definido socialmente; e a

outra refere-se a um processo identitário biográfico, estando relacionado à forma como os

sujeitos constroem a sua trajetória nos seus diversos aspectos para uma construção subjetiva

de sua própria identidade – seu self - no contexto atual, sendo esta última, a que nos

deteremos aqui.

Em Identidade e Modernidade, Giddens (2002) discute a identidade do eu (self) com

ênfase principal no surgimento dos mecanismos de autoidentidade. A dialética do local e do

global nas condições de vida contemporânea são os dois pólos das transformações ocorridas

na formação da autoidentidade no contexto atual, ou seja, as mudanças nos aspectos pessoais

estão intimamente relacionados às conexões sociais (a relação entre o eu a sociedade)mais

amplas.

Como exemplo, o autor demonstra que as influências de acontecimentos distantes a

eventos próximos tornam-se cada vez mais comuns na alta modernidade através da mídia

(impressa e eletrônica) e dos meios de comunicação que têm influenciado tanto a

autoidentidade, quanto a organização das relações sociais. A identidade (self) para este autor

seria construída nos tipos de relações características das sociedades modernas e a vida dos

indivíduos.

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A criança que faz hemodiálise constantemente é tratada como sendo uma criança com

uma condição específica intrínseca a ela na condição de ser renal, ou seja, comumente ela é

tratada como “a renal” ou “o renal”, essa forma também influencia na maneira como ele

constrói seu self, na relação com a doença crônica, parte do princípio de que é renal e todas as

suas vivências e escolhas sofrem influências sobre isso, ao invés de conceber que está com a

doença que requer cuidados especiais. Para tanto, os sentidos e significados que a pessoa com

a doença renal atribui à vida, pode sofrer influência dessa maneira de se ver e de se

compreender inserida na sociedade, e por este motivo, a discussão sobre o self se faz

importante neste trabalho, tendo em vista as muitas contribuições de autores que tratam desta

temática.

Alguns estudos dessa natureza mostram que a vida da pessoa com doença crônica

passa a ser vista como uma bifurcação, como se vivesse o antes e o depois da doença, como

uma espécie de reinvenção ou como uma disrupção. Bury (2011) chama esta condição de

ruptura biográfica, a partir das ideias de Giddens (2002) ao discutir sobre o risco e os estilos

de vida, ambos estão relacionados à construção da(s) identidade(s) desses indivíduos (crianças

e adultos).

Giddens (2002) traz uma discussão em relação às experiências disruptivas de uma

maneira mais ampla, ao tratar de uma “situação crítica”, defende que as rupturas são

provocadas por eventos importantes localizados biograficamente, a partir de situações

cotidianas e rotineiras em situações perturbadoras e não especificamente relacionada a doença

como enfatiza Bury.

A doença crônica é conceituada como um tipo particular de evento disruptivo, sendo

um “tipo de experiência em que as estruturas da vida cotidiana e as formas de conhecimento

que as sustentam se rompem” (BURY, 2011, p. 43). Ela envolve um reconhecimento dos

mundos da dor e do sofrimento, e as possibilidades de conviver com a doença requer desse

indivíduo uma reconstrução biográfica que implica em uma nova forma de viver e conviver

diante das circunstâncias vivenciadas, sendo ele levado também a rearranjar seus recursos

cognitivos e de relações sociais, bem como da sua autoidentidade:

Essa ruptura realça os recursos cognitivos e materiais disponíveis aos

indivíduos. Exibe as principais formas que as explicações para a dor e o

sofrimento vivenciados na doença assumem na sociedade moderna, a

continuidade e descontinuidade dos modos de pensamento profissional e

leigo e as fontes de variabilidade da experiência originada da influência das

restrições estruturais sobre a habilidade de adaptação. (BURY, 2011, p.52).

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Para o autor, a doença crônica provoca uma ruptura na vida dos indivíduos e um

processo de reformulação de significados em função das consequências da doença na vida dos

acometidos por ela e na ressignificação da autoimagem. Canesqui (2007) nos chama a atenção

para as peculiaridades dessa discussão trazida por Bury (2011) em relação à doença crônica

na infância, pois para esta situação, o que acontece é a ideia de continuidade e de confirmação

ou reforço biográfico, ao invés de ruptura que pode estar presente na vida dos pais que

acompanham estas crianças/adolescentes com IRC, tendo que rearranjar as suas trajetórias de

vida. Sobre isto, é importante considerar que:

[...] A criança é tomada como um ser em desenvolvimento, ou seja, em

transformação. Isso introduz novos elementos no processo de adoecimento

crônico, inclusive, quando este é abordado a partir da perspectiva biomédica,

uma vez que o tratamento e o curso clínico da doença sofrem a influência do

processo de crescimento e desenvolvimento infantil. Porém, para além da

perspectiva biomédica, na medida em que a criança é dimensionada

temporalmente em seu devir, projeta-se sobre ela todo um conjunto de

possibilidades futuras e expectativas presentes relacionadas às trajetórias de

vida de seus pais, familiares, etc. Assim, por exemplo, a maneira como essas

pessoas reagem ao diagnóstico está diretamente relacionada não só à

definição biomédica da gravidade da doença, mas também ao conjunto de

eventos biográficos e projetos de vida familiares relacionados àquela

criança. Descobrir que seu filho está gravemente doente põe em causa o

sentido da própria vida e da sua trajetória biográfica. (CASTELLANOS,

2007, p. 383).

A criança, com doença crônica, encontra-se inserida em realidades diversas, mas

diretamente relacionada ao mundo da dor, das limitações, do cuidado, dentre outros, o que a

faz apreender valores e estilos de vida para compreender e conviver de modo a constituir-se

para dar continuidade em sua identidade pessoal e coletiva, a medida em que interage com

seus pares, “reproduzindo e reinventando o mundo” (VASCONCELLOS, 2007, p. 8). A

compreensão teórica destes aspectos, nos ajuda no entendimento a respeito do que há de

específico e do que emerge da análise empírica desta pesquisa.

Para prosseguir no que está aqui proposto, sigo descrevendo a forma como a pesquisa

de campo foi realizada, e assim, apresentar os relatos e o conteúdo do que emergiu no campo,

para posteriormente desenvolver uma discussão da compreensão a respeito dos significados

da escolarização destas crianças/adolescentes, a partir das experiências e do que pensam os

participantes deste estudo, tendo como base os conceitos e o referencial teórico aqui

defendido.

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4 PERCURSO DA PESQUISA: DESCRIÇÃO DO TRABALHO DE CAMPO

O trabalho de campo é, portanto, uma porta de entrada para o novo, sem, contudo,

apresentar-nos esta novidade claramente. São as perguntas que fazemos para a

realidade, a partir da teoria que apresentamos e dos conceitos transformados em

tópicos de pesquisa que nos fornecerão a grade ou a perspectiva de observação e de

compreensão. Por tudo isto, o trabalho de campo, além de ser uma etapa

importantíssima da pesquisa, é o contraponto didático da teoria social. (MINAYO,

2012, p. 76).

A finalidade aqui é descrever o delineamento desta pesquisa que buscou a resposta

para a pergunta sobre como as crianças/adolescentes com insuficiência renal crônica que

fazem hemodiálise atribuem significados ao seu processo de escolarização, cujo objetivo

foi investigar o significado do processo de escolarização de crianças e adolescentes com

Insuficiência Renal Crônica que realizam tratamento de hemodiálise em um hospital público

da cidade de Salvador-BA.

Nesta busca, tendo como base o seu referencial teórico-metodológico para a atuação

no campo da pesquisa, os procedimentos para a observação sistemática junto aos seus

participantes, a organização e a forma de análise dos dados do campo, foram aqui descritas a

fim de apresentar a realidade estudada e suas múltiplas percepções, os caminhos e desafios

deste percurso e as leituras possíveis do objeto de investigação.

Por ser professora da Secretaria Municipal de Educação (SMED) de Salvador-Ba e

atuar como docente da Classe Hospitalar no setor da Nefrologia pediátrica desde o ano de

2009, em um hospital público juntamente com crianças que realizam tratamento de

hemodiálise, periodicamente três vezes por semana, é que passei a conhecer uma realidade

com especificidades que expressam um estilo de vida em função da doença, seu tratamento e

tantos outros cuidados para a manutenção da vida. Neste trabalho, desenvolvo atividades

pedagógicas com os alunos-pacientes que ali estão, de maneira assídua e processual dentro de

uma dinâmica que não assegura uma rotina permanente, mas possibilita na medida do

possível, mediar os processos de aprendizagem dos alunos em suas demandas e

possibilidades.

Para tanto, há cerca de cinco anos, mantenho uma relação muito próxima com todos os

que fazem parte desse processo: pacientes, acompanhantes e profissionais da saúde. Alguns

dos pacientes ainda neste espaço apresentam este mesmo tempo de tratamento, sendo o tempo

de permanência destes, determinado por questões como saídas para realização de outras

terapias substitutivas da função renal (como a diálise peritoneal e o transplante renal),

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transferências para outras unidades de hemodiálise, como também por causa dos óbitos. Com

isto, quero dizer que o campo desta pesquisa compreende também o mesmo espaço de atuação

profissional e a inserção no trabalho de campo para a coleta de informações, junto aos

participantes da pesquisa, foi um grande desafio para mim como pesquisadora, sendo

necessário marcar em alguns momentos, certo distanciamento do que diariamente observava e

assumir uma postura atenta ao que não costumo “ver”, deixando clara a necessidade de

estabelecer entre eles uma relação diferente da que se tem estabelecido e assim conseguir, com

neutralidade (na medida do possível) e rigor, galgar os passos na construção desta pesquisa.

Vale trazer aqui que a natureza da pesquisa qualitativa permite a interação do

pesquisador com o seu objeto de estudo, em uma relação na qual não pode dissociar-se, como

defende Garnica (1997, p. 111): “Assim, não existirá neutralidade do pesquisador em relação

à pesquisa - forma de descortinar o mundo -, pois ele atribui significados, seleciona o que do

mundo quer conhecer, interage com o desconhecido e se dispõe a comunicá-lo”.

A partir disso, trago aqui que o envolvimento no campo causou-me muitas emoções.

Cada conversa com as crianças e principalmente com suas acompanhantes (que na sua

totalidade eram mães, sendo apenas uma adotiva) me tocaram bastante, por passar a conhecer

um pouco mais do sofrimento no cotidiano destas pessoas para além do que costumava

presenciar nos momentos da hemodiálise. Suas histórias de vida e as rupturas vividas por

causa da doença foram expressas por cada uma delas e em alguns momentos eu não consegui

me conter em lágrimas que discretamente expressavam o quanto tais experiências eram fortes

e sofridas. Pude notar que cada um conversava no momento das entrevistas ao seu jeito,

começando às vezes tímida, mas aos poucos se abrindo e elaborando suas ideias no sentido de

falar sobre o que conversávamos.

Alguns dos relatos nas entrevistas aconteciam em forma de narrativas em que as

informações que eu desejava saber iam sendo ditas sem que precisasse fazer determinadas

perguntas, enquanto que outras conversas ocorriam de modo que as informações eram dadas a

medida em que iam sendo perguntadas. Sobre isto, é importante destacar que:

Os dados podem provir de uma simples descrição ou de uma entrevista, ou

de uma combinação das duas. Em cada um dos casos, as questões são,

geralmente, amplas e abertas, a fim de deixar o sujeito exprimir

abundantemente seu ponto de vista. O que se pretende obter é uma descrição

concreta e detalhada da experiência e dos atos dos sujeitos, que seja tão fiel

quanto possível ao que ocorreu, tal como ele o viveu. (GIORGI, 2012, p.

398).

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Trabalhar com aspectos subjetivos exige do pesquisador sensibilidade para

compreender a vida social e o mundo das coisas nos objetos estudados. Esta pesquisa é

caracterizada pela descrição de fenômenos, bem como pela sua compreensão e interpretação.

Para tanto, optou-se pela utilização da abordagem qualitativa e de acordo com os objetivos

aqui pretendidos, foram utilizadas as estratégias para que este estudo pudesse ser descritivo,

que de acordo com Gil (2009):

Estudos de caso descritivos são desenvolvidos com o propósito de

proporcionar a ampla descrição de um fenômeno em seu contexto. Procuram

fornecer resposta a problemas do tipo “o que”? e “como”? [...] Antes,

procuram identificar as múltiplas manifestações do fenômeno e descrevê-lo

de formas diversas e sob pontos de vista diferentes. (GIL, 2009, p. 50).

No dia a dia, observa-se e lança-se um olhar sistematizado do mundo e, sem perceber,

são feitas leituras dos ambientes, mesmo que de maneira superficial. O estudo de caso lança

luz ao fenômeno estudado apresentando possibilidades de reflexões quanto ao significado,

compreensão, sentidos atribuídos pelo leitor aos significados, compreensões e sentidos

retratados pelos participantes. Nesta teia, dialogam participantes e são feitas leituras sobre o

mesmo fenômeno.

4.1 MÉTODO FENOMENOLÓGICO NA PESQUISA DESCRITIVA

Esta pesquisa apresentou-se como sendo de natureza qualitativa ao definir o tema, a

sua problemática, as questões orientadoras, os objetivos precisos e as proposições teóricas

preliminares, pois neles estão expressas as características de uma pesquisa qualitativa que visa

à investigação do “[...] conhecimento humano em sua dinâmica gerativa e em sua organização

vital, em sua natureza histórica e existencial, e em seu modo de comportamento conjuntural e

complexo.” (GALEFFI, 2009, p. 13). Esta escolha também se dá por ser esta uma abordagem

que apresenta muitas vantagens quando se pretende conhecer os fenômenos da vida social

concernente a cultura e a experiência vivida pelos sujeitos, o permitem a abertura ao mundo

empírico assim como ele se apresenta.

Pode-se considerar, dentre outros aspectos, que segundo Pires (2012, p. 90), a pesquisa

qualitativa é caracterizada pela sua flexibilidade de adaptação durante o desenvolvimento na

construção do próprio objeto de investigação, por sua capacidade de englobar dados

heterogêneos e de descrever em profundidade os vários aspectos que podem aparecer na

pesquisa. Esta abordagem permite a valorização da investigação do campo empírico em que o

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pesquisador tem a abertura para utilizar de maneira criativa e com o rigor necessário os

variados métodos para melhor atingir os objetivos da pesquisa.

Os aspectos teórico-metodológicos da pesquisa qualitativa apresentam possibilidades

diversas quanto aos seus variados enfoques com suporte teórico que sustenta a adesão à

concepção de vida, de homem e de mundo do pesquisador. Isto implica em uma orientação

segura nos âmbitos teóricos e práticos da pesquisa para a escolha de seus métodos e na

aplicabilidade destes, bem como na análise, discussão e considerações das investidas do

pesquisador em seu campo de estudo para a melhor compreensão dos dados apreendidos em

meio às possíveis dificuldades de diferentes naturezas que podem surgir no decorrer da

pesquisa até chegar ao alcance dos objetivos pretendidos.

Este estudo, compreendido a partir dos seus objetivos mais gerais como sendo de

abordagem descritiva (GIL, 2010), buscou referências no método fenomenológico para a

compreensão dos fenômenos7 observados em seu contexto, enfatizando as experiências

vividas pelos sujeitos, na busca dos aspectos circunstanciais até a essência das relações sobre

o que aparece, o que se manifesta ou se revela ao que se deseja investigar cientificamente.

Martins e Bicudo apud Garnica (1997) nos orienta que o pesquisador que utiliza o

método fenomenológico deve perceber a si e a realidade em termos de possibilidade do que se

pretende investigar, a partir do que aparece a ele ao dirigir-se a fenômenos e não aos fatos

(observáveis e mensuráveis, tais como eventos, realidades objetivas, dados empíricos, etc.).

O método fenomenológico na pesquisa constitui-se em uma abordagem descritiva,

partindo do princípio de que se pode deixar o fenômeno falar por si, para o alcance do sentido

da experiência, ou seja, do que a experiência significa para as pessoas que passaram ou estão

passando por ela, estando, portanto aptas a dar uma descrição compreensiva da experiência

vivida através das descrições individuais, de onde são derivadas as “essências” ou estruturas

das experiências. Edmund Husserl (1989) lançou as bases da fenomenologia enquanto método

filosófico, sendo esta a “ciência dos fenômenos”. Devendo portanto, ser estudado e aplicado

de maneira apegada às suas raízes filosóficas e científicas de modo a evitar que se caia num

vazio conceitual de pesquisa empírica e garanta a sua validade interna e externa. (MOREIRA,

2002).

Garnica (1997) a partir da teoria husserliana, dá ênfase ao rigor na pesquisa

fenomenológica, que implica em não recorrer a nenhum dado científico como fundamento

7 Um fenômeno no contexto fenomenológico significa sempre que o que é dado ou se apresenta dele próprio não se

compreende senão em sua relação com a consciência, porém todo o dado deve ser compreendido como fenômeno e não

como existente real.

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teórico abandonando as referências prévias a princípio e por abrir mão do modelo positivista

de ciência. Assim, o pesquisador precisa ser rigoroso ao procurar fundamentar e justificar

devidamente todas as afirmações que se fizer sobre o objeto, utilizando as exigências de uma

boa pesquisa descritiva do fenômeno investigado.

Giorgi (2012) caracteriza a pesquisa fenomenológica como sendo o tipo de pesquisa

que busca o entendimento sobre os fenômenos humanos através da descrição das experiências

dos sujeitos que viveram ou vivem o fenômeno em estudo, dá ênfase aos fenômenos

subjetivos que são baseados no que as pessoas vivenciam no seu dia a dia, sendo importante a

experiência tal como se apresenta e não o que se lê ou se pensa sobre ela para a descoberta das

essências dos fenômenos que se investiga.

A escolha pelo método fenomenológico nesta pesquisa se deu, dentre outros motivos,

por existir uma necessidade de maior clareza na investigação do objeto aqui estudado; por ser

a experiência vivida e compartilhada a melhor fonte dos dados para entender o fenômeno em

estudo; e especialmente por entender que este método seja o mais indicado para responder a

perguntas do tipo: o que significa ter tal experiência ou como ela se apresenta?Em vista destes

aspectos, buscou-se compreender em Husserl (1989) as bases deste método, algumas das

variantes que se deram a partir desta base e que pudessem também estar mais próximas do

objeto desta pesquisa.

As circunstâncias empíricas que estão descritas mais adiante foram apreendidas

através dos relatos dos sujeitos envolvidos com o objetivo de saber como alguém

experienciou ou experiencia o fenômeno e atribuiu significados a elas. O pesquisador ao

interrogar os sujeitos da pesquisa, caminha em direção “ao que se manifesta por si através do

sujeito que experiencia a situação”. (MOREIRA, 2002, p. 111). Ao investigar o que

significam as experiências para os sujeitos que as vivem, buscou-se nesta pesquisa, saber

como foco de maior interesse, a relação entre as vivências com a doença renal crônica em

crianças e adolescentes e o seu processo de escolarização, não apenas para saber se a criança

estuda, ou por que não estuda, ou em quais condições ela estuda, mas também para saber qual

o sentido que a escolarização passa a ter na vida destes sujeitos marcados por rupturas em

decorrência da doença.

Desse modo, é importante destacar que estudar aqui se refere a todas as questões

relacionadas aos modos formais de escolarização: Estar matriculada e frequentar a escola, ser

e compreender-se como aluno da classe hospitalar nos momentos do tratamento de

hemodiálise, ou outras formas em que se considera como sendo a continuidade da

escolarização.

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Giorgi (2012, p. 398) destaca que “é importante que a pesquisa fenomenológica seja

tão precisa e detalhada quanto possível e que o número de generalidades ou de abstrações seja

reduzido ao mínimo”. Especificamente nesta pesquisa que pretendeu tratar da educação

escolar da criança e adolescentes com doença renal crônica em hemodiálise, houve um

esforço para permanecer bastante consciente desta perspectiva, bem como do fenômeno que

se desejava compreender, pois vários caminhos foram aparecendo, a partir do que buscou-se

saber, sendo estes, outros temas que necessitam ser investigados cientificamente.

Vale aqui, trazer uma caracterização importante sobre a fenomenologia utilizando as

ideias de Husserl como fundamento. A esse respeito diz Bueno (2003):

Ao tomarmos a fenomenologia como ciência ou o estudo daquilo que

aparece, das coisas como elas se manifestam em sua pureza original, ela se

torna um meio que revela o que, na maior parte dos casos, não se manifesta.

A fenomenologia busca, então, a revelação dos fenômenos, que nos são

dados através da experiência. O seu papel é o de distinguir e revelar o que há

de essencial na percepção do fenômeno, o que requer a suspensão dos juízos

sobre a realidade que nos cerca. É como se o indivíduo adotasse uma espécie

de abandono provisório do mundo para melhor captá-lo. Husserl denominou

esse processo de “redução fenomenológica” ou epoché. A preocupação

básica da fenomenologia é a de contribuir para a superação do senso comum

(atitude natural), para que os indivíduos possam assumir uma postura

fundamentada e crítica (atitude fenomenológica). (BUENO, 2003, p. 19).

Para tanto, prosseguindo a pesquisa em busca do entendimento sobre o que se desejou

investigar, foi imprescindível adquirir a compreensão sobre as categorias apresentadas por

Husserl, que são a redução fenomenológica (ou epoché), a redução eidética e a

intencionalidade. Estes foram fundamentais na condução desta pesquisa que buscou iniciar a

investigação sem pressupostos na sua descrição e orientada pela intencionalidade do

pesquisador para a superação do que Husserl chama de atitude natural (senso comum).

Estes e outros “procedimentos” que o pesquisador deve adotar são importantes em

fenomenologia para buscar o rigor do método que implica em garantir a sua validade

científica e a natureza deste tipo de estudo de campo com a máxima exatidão possível dos

fenômenos encontrados, sem que se imponha ou se conclua algo sobre ele para compreender a

sua realidade (MOREIRA, 2002).

No âmbito da Educação que visa a emancipação humana, as ciências precisam investir

na busca das explicações da realidade social em uma perspectiva de superação da realidade

que muitas vezes exclui os indivíduos de sua participação integral nos seus processos, o

conhecimento produzido nesta área possui uma tentativa de análise das questões

circunstanciais. Em síntese, as referências teóricas e metodológicas tratam do que são

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produzidos pela comunidade científica e, ao mesmo tempo, possibilitam delinear

particularidades que serão materializadas com a investigação de campo.

As informações e os recursos (desenhos, jogos e imagens) que foram utilizados na

pesquisa de campo com as crianças/adolescentes e que estão aqui expostas retratam um

cenário e uma problemática muito pouco conhecida e como já foi explicitado na revisão de

literatura, de pouca abordagem especialmente na Educação. Espera-se, assim, que nesta

pesquisa, tenha sido possível registrar, organizar e sistematizar os achados para compor este

trabalho.

Nesse sentido é que na descrição foram traçados os caminhos possíveis e os

instrumentos que foram utilizados no sentido de se adequarem para conseguir atender aos

objetivos propostos nesta pesquisa na obtenção das respostas aqui buscadas.

4.1 CAMPO DE ESTUDO

O campo de investigação compreende o setor de Nefrologia, mais especificamente a

hemodiálise pediátrica de um hospital público de Salvador-BA que atende exclusivamente

através do convênio com o SUS. Vale ressaltar que na busca dos participantes da pesquisa, foi

necessário também, realizar as atividades de campo em outros dois hospitais públicos da

cidade que não haviam sido previstos anteriormente, pois algumas das pessoas que também

participaram da pesquisa (crianças/adolescentes e suas mães) eram pacientes do mesmo

hospital, mas pouco tempo antes da minha inserção no campo e também durante o período da

realização da pesquisa, foram transferidas para outras unidades hospitalares por motivos

relacionados ao que cada um demandava8.

Como havia relatado, como cenário principal, o lócus desta pesquisa compreendeu o

espaço de minha inserção profissional enquanto docente da classe hospitalar na atuação junto

a estas crianças e adolescentes pelos quais desejava conhecer mais a fundo as questões

relacionadas a sua trajetória escolar e o que isto para eles significam em meio ao sofrimento e

a vivência com a doença. Neste sentido, refiro-me ao local em que poderia encontrar os

participantes e ter referências sobre eles, mas a realização das entrevistas também aconteceu

8 Duas das meninas passaram a fazer hemodiálise em outro hospital, pois uma delas recebeu alta médica para o transplante

que infelizmente não se sucedeu bem e a outra menina foi transferida da unidade após solicitação da mãe justificando que

no outro hospital poderia contar outras especialidades médicas para atender à filha. Além delas, um menino foi transferido

para outra unidade hospitalar, pois passou a fazer diálise peritoneal. Estas mudanças fazem parte da rotina de pessoas que

necessitam de terapia renal substitutiva e que almejam um transplante renal.

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em outros espaços tendo em vista as questões estruturais e especialmente as necessidades

específicas de cada um deles.

Com algumas das crianças e adolescentes que participaram da pesquisa, foi possível

fazer uma parte da entrevista no momento em que os mesmos estavam na hemodiálise, pois as

intervenções pensadas para estes sujeitos eram compostas de algumas outras estratégias tais

como, jogos e desenhos, que demandaram de maneira geral, ter mais de um encontro com

cada um deles, deixando a conversa para ser feita em espaços que pudéssemos ter mais

tranquilidade tanto para ouvi-los, quanto para que os participantes se sentissem a vontade para

falar sobre o que quisessem, sem muito barulho e necessidade de intervenções que são típicas

do ambiente da diálise.

Esta forma de organização foi possível por conhecer um pouco da dinâmica que se dá

neste espaço, quais os sujeitos que faziam parte deste processo e que participaram da

pesquisa, como também das dificuldades que poderia enfrentar na execução das entrevistas

por considerar todas as questões estruturais do ambiente e da necessidade de buscar uma

forma que também garantisse o rigor de uma pesquisa e sem muitas interferências que

pudessem “contaminar” o conteúdo das mesmas.

A esse respeito, vale aqui trazer algumas considerações sobre a interferência do

espaço, no caso aqui, do hospital, apresentados no artigo de Perosa e Gabarra (2004) sobre as

explicações das crianças a respeito da causalidade das doenças. Os autores pressupõem que a

hospitalização interfere nos resultados pelo “stress” que acarreta, mas por outro lado, a

internação é o momento em que a criança recebe mais informações e questionamentos sobre a

doença, para tanto, deve-se considerar que as explicações elaboradas durante a internação,

podem apontar singularidades que merecem ser consideradas. Sendo esta, uma situação muito

próxima da que faz parte do dia a dia dos pacientes da hemodiálise.

No contexto desta pesquisa, o espaço em que as crianças/adolescentes realizam

hemodiálise periodicamente três vezes por semana, atualmente está organizado em uma sala

relativamente pequena e que comporta quatro pontos de diálise9, tendo também outra sala

(sala 3) em que às vezes é utilizada para que os pacientes possam realizar a hemodiálise neste

espaço, quando necessário. Dessa forma, procura-se dividir igualmente o quantitativo de

crianças em dois grupos, sendo um grupo que realiza o tratamento nos dias de segunda-feira,

quarta-feira e sexta-feira e o outro grupo que está presente nos dias de terça-feira, quinta-feira

9 Pontos de diálise é uma forma comumente usada para identificar a unidade formada pelo conjunto de poltrona e máquina

em que permanece o paciente para realizar a hemodiálise.

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e sábado, ambos no turno matutino, das 7 horas até aproximadamente às 11 horas, sendo deste

modo, uma média de 4 horas de diálise a cada sessão por paciente.

Nesta sala, após a porta de entrada, encontra-se do lado esquerdo um balcão que é

utilizado pelos enfermeiros e técnicos e logo após, outra porta que dá acesso a outra sala

relativamente pequena onde ficam as médicas nefrologistas pediatras que estão de plantão

para dar assistência aos pacientes em diálise e aos demais que podem estar em internamento

ou que veem para consultas médicas. Do lado direito da sala, estão distribuídos os três pontos

de diálise e ao fundo da sala encontra-se mais um. Nesta sala, há também uma televisão que

geralmente fica ligada para as crianças e seus acompanhantes assistirem enquanto passam

pelo processo hemodialítico, além de duas pias para fazer a higienização e alguns bancos

distribuídos ao lado de cada paciente para serem utilizado geralmente pelos seus

acompanhantes.

Imagem 9 – Sala de hemodiálise

Fonte: Própria autora

Tendo em vista esta organização, faz-se necessário apresentar aqui quais são algumas

das ocorrências comuns neste espaço, para que assim, possamos visualizar os motivos pelos

quais em determinados momentos foram tomadas alguma decisões em relação à forma como,

quando e onde foram realizadas algumas das entrevistas. No momento em que os pacientes

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estão se submetendo ao tratamento de hemodiálise, eles encontram-se em um leito, ligados a

uma máquina que exerce a função que o rim deveria fazer ao remover do sangue a água, sal,

ureia, potássio dentre outras substâncias e que consiste na circulação do sangue que é

transportado para a máquina e devolvido ao organismo após ser filtrado para a sua

purificação. Isto requer um esforço muito grande por parte do paciente, especialmente na

criança, o que geralmente causa hipotensão, fadiga, mal estar, sonolência, etc.

Além disso, alguns procedimentos são muito invasivos e as crianças e adolescentes,

geralmente sofrem muito com a perda de acesso e com os processos infecciosos no cateter.

Essas são algumas das problemáticas vividas por estas crianças e consequentemente por seus

pais que acompanham diariamente o sofrimento dos filhos e que lançam mão de muitos

aspectos da sua vida para garantir a sobrevivência dos mesmos.

Os profissionais que compõem a equipe multiprofissional do serviço da hemodiálise

geralmente são compostos por médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, nutricionistas,

psicólogos e assistentes sociais, além dos auxiliares da higienização, da administração e da

equipe de professores da classe hospitalar (todavia, o atendimento pedagógico aos alunos

pacientes não é geral, sendo que algumas unidades de hemodiálise não dispõem deste

serviço). O trabalho de todos estes profissionais em um mesmo ambiente para prestar

assistência aos pacientes é bastante intenso, sem contar que diariamente os estudantes dos

cursos de graduação e os residentes (geralmente médicos, enfermeiros, nutricionistas e etc.)

participam de atividades práticas neste espaço, o que de maneira geral, é marcado pela grande

movimentação destas pessoas no mesmo ambiente.

Cada paciente tem um acompanhante, que no caso das crianças, permanecem junto a

elas ou circulam no espaço durante as quatro horas da hemodiálise. Na maioria dos casos,

esses acompanhantes são as mães destas crianças. Estas mães estabelecem entre si uma

relação muito próxima, isto por causa da convivência diária, pela necessidade de compartilhar

angústias comuns em decorrência das experiências com a doença dos filhos, pela cooperação

e relação de troca de favores no que se refere à busca de medicação e de resultados de exames

em outras unidades hospitalares e clínicas, onde umas pegam para as outras, ou servem de

companhia para irem juntos enquanto as crianças estão no tratamento e pela ligação que

estabelecem, através da religião e da fé que as mesmas mantêm em comum, realizando

orações e discursos religiosos naquele espaço, como forma de expressar a fé e o conforto que

sentem ao se apegar ao que creem.

Tanto o movimento dos profissionais (de saúde, da administração e da higienização),

dos residentes e dos estudantes de graduação na área da saúde, quanto dos acompanhantes que

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circulam e conversam neste espaço, foram aspectos que não puderam ser desconsiderados ao

se pensar na forma de como seria realizada a pesquisa de campo, sendo este movimento, parte

do processo que constitue a rotina da sala de hemodiálise pediátrica do hospital. Esta situação

retrata um pouco do que me levou a pensar que para a realização do contato individual na

pesquisa com os participantes, especialmente com as crianças/adolescentes, seria necessário

que houvesse disponibilidade do pesquisado para que as entrevistas acontecessem em horários

e locais outros que não o da hemodiálise.

Tempo e espaço foram especialmente algumas das questões que tivemos um pouco

mais de dificuldade em ajustar apesar da colaboração e boa vontade de todos em participar e

da facilidade em transitar tanto no hospital, quanto nos outros espaços em que se encontravam

alguns dos pacientes que participariam da pesquisa, mas que foram transferidos para outras

unidades.

Em relação ao tempo, houve situações específicas daqueles que moram em cidades do

interior e que precisavam após a diálise fazem várias coisas até o momento da sua viagem de

retorno junto ao carro da secretaria da saúde que os transportavam. A exemplo desta situação

tivemos dois casos, um de uma entrevista em que a criança que estava sendo entrevistada

demonstrava um pouco de ansiedade por saber que o carro o aguardava para retorno após a

diálise em um dia de sábado e outro em que ambos os participantes – criança e mãe – tiveram

que sair do local em que realizavam, juntamente comigo, a entrevista e retornar rapidamente

para o hospital, pois o motorista do ônibus e outros passageiros (pessoas que são da mesma

cidade e que também utilizavam o transporte da secretaria da saúde para vir à capital afim de

realizar tratamentos, fazer consultas, etc.) os aguardavam para retorno a sua cidade.

Com estes casos, quero dizer que o fato das pessoas morarem em outras cidades e só

virem para a capital nos dias da hemodiálise e retornarem após o término, também deve ser

considerado, pois esta prática comum a eles faz parte do contexto vivido na realidade expressa

pelos mesmos e de alguma maneira causou certo desconforto aos participantes que sabiam do

compromisso com o horário, tanto para não fazer os outros passageiros aguardar, quanto pela

própria ansiedade em retornar a sua residência. Tendo em vista que o conteúdo das

informações poderia ser afetado por conta deste fator, procurei deixá-los bem a vontade para

que acertássemos um melhor horário e para fazermos a entrevista em mais de um momento

quando necessário.

Em relação ao espaço, também foi preciso que ajustássemos o melhor local para a

realização da entrevista que aconteceu em vários lugares que fossem mais bem adequados e

que proporcionasse mais tranquilidade ao acessá-los. Em vista disso, nossas entrevistas

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aconteceram em enfermarias desocupadas e cedidas pela enfermagem, sala em que guardamos

os materiais da Classe Hospitalar dentro do próprio hospital, residência de uma das crianças

na própria cidade, residência do pesquisador, leito da hemodiálise, corredor do hospital, copa

do setor de nefrologia do hospital e outros lugares dos outros dois hospitais em que se

encontravam três das crianças e adolescentes em que haviam sido transferidos para outras

unidades de tratamento.

Todo este trabalho de entrevista e observação só foi possível após o consentimento e

posse do documento de autorização do Comitê de Ética do Hospital. A aquisição deste,

demandou tempo e esforço para reunir vários documentos de anuência, tanto da coordenação

da Classe Hospitalar, junto à Secretaria de Educação do município, quanto da gestão

responsável pelo setor de nefrologia, que não é a mesma das outras especialidades de

atendimento do hospital que são feitos diretamente com a Secretaria de Saúde do estado da

Bahia, sendo apenas o serviço de nefrologia realizado por uma empresa privada que contrata

pessoal e administra o serviço.

Este trabalho de campo acontecia em momentos destinados à pesquisa que, por sua

vez, eram previamente combinados com os participantes sem que comprometêssemos os

atendimentos pedagógicos que eu ainda fazia com uma aluna/paciente permanentemente e

com os demais apenas em situações que fossem necessárias, pois concomitante ao período da

pesquisa de campo, combinei com a coordenação do trabalho da Classe Hospitalar para que

minhas atividades fossem reduzidas neste espaço e, a partir daí então, as crianças e

adolescentes que eram atendidas apenas por mim, passaram a receber atendimentos de outra

professora.

Isto foi muito importante neste momento da pesquisa, pois tive a oportunidade de

lançar um olhar específico, buscando conhecer mais profundamente as vivências e percepções

das crianças e adolescentes com IRC, a partir de um embasamento teórico e ético no sentido

de responder meus questionamentos para compor este trabalho, considerando-se o que havia

sido proposto no projeto inicial de pesquisa e das questões importantes que foram surgindo no

campo.

4.3 PARTICIPANTES DO ESTUDO

Os participantes deste estudo foram sete crianças/adolescentes, sendo que seis faziam

hemodiálise e uma, no momento da pesquisa, estava fazendo diálise peritoneal, mas que

pouco antes da entrevista havia passado longo período realizando hemodiálise. Os mesmos

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eram: quatro do sexo feminino e três do sexo masculino, além de sete mães das crianças

entrevistadas. As crianças/adolescentes doentes renais crônicos tinham entre oito e quatorze

anos, sendo escolhidos especialmente por ter certa vivência com a doença para assim, expor

suas experiências e a forma como percebem e dão significados ao que vivem, e também por

conseguirem expressar, cada um ao seu modo, os cuidados e mudanças em decorrência da

doença. Todos os pacientes do serviço de Nefrologia Pediátrica que haviam sido previamente

selecionados a partir dos requisitos mencionados aceitaram o convite para participar da

pesquisa. Compreende-se também que para a realização das entrevistas com crianças, fez-se

necessária uma boa elaboração das perguntas mais detalhadas por parte do pesquisador a cada

criança/adolescente em particular, utilizando recursos que pudessem auxiliar na mediação

para a construção do que se desejava conhecer de cada um deles.

Com as crianças/adolescentes, pretendeu-se: Investigar de que maneira elas

compreendem e atribuem significados às situações vividas em relação à sua vida escolar;

identificar os “impactos” da doença renal crônica e seu tratamento de hemodiálise na vida

destas crianças, tanto nas suas construções subjetivas (self), quanto em suas relações sociais e

as implicações destes no seu processo de escolarização.

Com as mães entrevistadas, buscaram-se complementar as informações das crianças

especialmente pela importância e influência que elas exercem na formação destes sujeitos, em

suas escolhas e atitudes. No percurso desta entrevista, pretendeu-se também, a partir do

pensamento dos pais, investigar sobre os significados da escolarização atribuídos pela criança,

e assim procurar entender sobre os fatores que poderiam constituir as formas e os significados

dessa escolarização.

Os nomes de identificação de todos os informantes não são verdadeiros e foram

atribuídos pela pesquisadora para preservar a identidade dos participantes. Uma experiência

bastante interessante que tive ao final do ano de 2012 e início de 2013, enquanto professora

com os alunos/pacientes da Classe Hospitalar na Hemodiálise pediátrica, foi o motivo pelo

qual atribui determinados nomes nas crianças e adolescentes participantes desta pesquisa,

sendo estes, relacionados aos nomes de alguns personagens de um programa infantil que os

mesmos assistiam. Para as mães, não foi atribuído nenhum nome, sendo chamadas de forma

relacionada ao nome dos seus respectivos filhos, como por exemplo: Mãe de Davi, mãe de

Valéria, etc.

Neste período (2012/2013), alguns dos alunos/pacientes tinham o hábito de assistir

uma novela chamada Carrossel, que era exibida no turno da noite no SBT (Sistema Brasileiro

de Televisão) e por este motivo, todos eles permaneceram por um tempo me chamando de

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professora Helena (personagem da novela que era uma professora primária de uma classe de

crianças numa escola comum), especialmente um dos grupos que eu atendia composto por

quatro meninas, cada uma em um ponto de diálise, geralmente me recebia nas manhãs dos

atendimentos dizendo todas juntas: Bom dia, professora Helena! E em alguns momentos

imitavam a forma como os alunos se referiam a professora ao dizer: Professora Helena, você é

tão sentimental! Este é um fato engraçado e até significativo, pois aquela situação atípica de

estar em um ambiente hospitalar era associada por eles a um espaço como o da escola que

despertava determinados sentimentos a estes meninos e meninas que assistiam aos capítulos

da novela.

4.3.1 Crianças/adolescentes com doença renal crônica e suas mães acompanhantes

De maneira específica, descreverei aqui, alguns aspectos importantes, sobre cada

participante desta pesquisa. Vale destacar que as informações que apresento das

crianças/adolescentes foram cedidas pelos próprios participantes, não sendo feita nenhuma

outra consulta aos profissionais que os acompanhavam e nem no prontuário do paciente. Para

tanto, justifica-se que nesta parte do texto, aparece, em alguns momentos, mais informações a

respeito de um do que de outro participante, pois descrevi aqui apenas o que cada um me

trouxe em seus relatos mediados por mim.

Carmen

Era uma menina cega, tinha oito anos e completara um ano de tratamento dialítico,

sendo dois meses de diálise peritoneal e o restante de hemodiálise. No período em que eu a

acompanhei, enquanto professora, e também no período da pesquisa, pude notar que Carmen

era muito inteligente, alegre e atenta, gostava muito de ouvir histórias infantis, gibis e

romances que a mãe costuma ler para ela ouvir. Conversava e interagia bastante com as

pessoas que se aproximam dela. Gostava de assistir aos documentários de TV sobre os

animais e demonstrava muita curiosidade sobre eles. Em relação à doença, sofria muito com

alguns procedimentos feitos no cateter que naquele período ficava no pescoço, por se sentir

insegura e há algum tempo, passava o período da hemodiálise segurando o cateter com uma

das mãos. Sabia administrar a dieta e o controle do líquido, demonstrando não ter muitos

problemas em relação a isto. Aguardava um transplante em que havia a possibilidade de ter

sua mãe como doadora do rim, mas esperava muito que o seu rim voltasse a funcionar.

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Além dela, a sua mãe tinha outro filho mais velho que não morava com ela. Sua

atividade principal era cuidar da filha, procurava entender sobre a doença para mediar os

cuidados em relação à terapia, medicação e dieta. Demonstrava muita expectativa na melhora

da condição da saúde da filha, quer seja através de um transplante bem sucedido ou do retorno

da função renal. Em algumas de nossas conversas sobre o que pensava da doença, a mesma

falava muito da força que buscava através da fé que tem em Deus para lidar com as questões

que vivenciava.

Carmen estudou em uma escola comum antes de ter que se mudar para Salvador e a

partir de seus relatos e da mãe, gostavam muito da escola e, especialmente, da professora que

havia estabelecido com a menina uma relação muito próxima, com cuidados especiais em

relação à doença e à deficiência visual. Nesta escola, aprendeu dentre outras coisas, o formato

e o som das letras do alfabeto e a sua atividade e brincadeira preferidas era catar sementes no

parque da escola. Ainda em Ilhéus-BA, chegou a visitar uma instituição especializada para

pessoas cegas, mas não continuou o atendimento por conta da necessidade da mudança de

cidade.

A menina foi a primeira pessoa a realizar a entrevista e logo no primeiro convite feito

a ela, aceitou em participar da pesquisa demonstrando estar bastante a vontade em nossa

conversa inicial. Além deste primeiro encontro, tivemos mais outro momento, para que

pudéssemos realizar algumas propostas que não foram possíveis no contato inicial.

Marcelina

Marcelina era uma menina de oito anos, muito calada e observadora, residente em

Feira de Santana-BA, morava com a sua mãe adotiva desde os dois meses de idade. Sua mãe

biológica era filha do irmão do cunhado da mãe adotiva, e segundo a mesma, a mãe biológica

dela é como se fosse da família e como na época ela era muito jovem (tinha 16 ou 17 anos) e

não queria criar ninguém, ela entregou a criança e a mãe adotiva a registrou. Marcelina sabia

desta situação e a mãe sempre ia visitá-la na sua casa.

Fazia hemodiálise desde 14 de dezembro de 2012, iniciando a terapia após o

diagnóstico da doença renal que segundo a mãe, foi descoberto depois de muitos exames e

investigações apontando como causa o Lúpus que afetou bastante o rim esquerdo e menos o

rim direito da criança, sendo necessário passar por longos e dolorosos períodos de

internamentos entre UTI (Unidade de Terapia Intensiva), Unidades Semi-Intensiva e

enfermarias. A mãe relatara sobre as dificuldades que passou neste processo inicial da doença

e de ter ficado as festas de final de ano (natal e réveillon) dentro de um hospital. A partir desta

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experiência, ela contou que agora não é tão ruim quanto no tempo em que ficaram muitos dias

no hospital, pois vinha para as sessões de hemodiálise e retornava para casa, sem precisar

ficar internada.

Não precisou mudar-se para Salvador, pois reside a 117 Km da capital e o carro que

ficava a serviço da Secretaria de Saúde de seu município realizava o transporte nos dias da

hemodiálise, saindo cedo de casa e retornando ao final da terapia. Em conversa com a menina,

ela fez questão de enfatizar que não era renal, mas que tinha Lúpus. Inicialmente, foi

informado a elas, que seriam apenas quatro sessões de hemodiálise, mas acabaram

permanecendo no tratamento e passados quase onze meses, após novos exames foi

diagnosticado que seu rim havia voltado a funcionar, não sendo mais necessário permanecer

em hemodiálise, estando atualmente acompanhada pela equipe de nefrologia pediátrica e

outras especialidades por causa do Lúpus também. A mãe adotiva disse que a menina foi

entregue a ela sem ter esta informação e que a mãe biológica sabia que o bebê tinha Lúpus,

mas que nega ter omitido esta informação.

Um grande problema em relação à doença é que Marcelina sabia dos cuidados, mas

não tem disciplina e por isso sofre muito com hipertensão e acúmulo de líquido e esta era a

maior queixa da mãe que culpava a menina por alguns destes sofrimentos, dizendo que a

menina comia e bebia muito, não sabia se cuidar no sentido de controlar as suas vontades e

destacava que a criança fazia uso regular de seis medicações diariamente. Geralmente

queixava-se muito de cãibra nos momentos finais da hemodiálise e, por vezes, desesperava-se

com o incômodo, gritando, dizendo que queria morrer e assim assustando as outras crianças

da sala e mobilizando toda a equipe de saúde.

A mãe não escondia da menina a realidade da doença, as circunstâncias vividas e suas

angústias, dizia que contava absolutamente tudo o que ocorria e quando havia alguma

situação dolorosa e sofrida por causa de algo que a menina comia indevidamente, ela fazia

questão de culpar a menina para que ela se responsabilizasse e percebesse as consequências

do mal que causara a si própria, evidenciando a ela que se continuasse a fazer determinadas

coisas, poderia morrer.

Mesmo tendo que viajar três vezes por semana para fazer hemodiálise, a menina

permanecia na escola, organizando seus turnos para não perder as aulas, sendo que nos dias

do tratamento ia para a escola à tarde (mesmo chegando atrasada) e nos dias de terça-feira e

quinta-feira, frequentava as aulas em outra turma no turno matutino, pois a professora era a

mesma nos dois turnos. Estudava no terceiro ano do ensino fundamental, já lia e escrevia bem

para a sua série, gostava muito de ir para a escola e como era muito calada, conversava

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especialmente com três colegas da sala, uma delas também tinha uma doença no sangue e que

exigia cuidados em relação à alimentação, mas que a mãe não sabia o nome da doença.

As atividades da escola eram acompanhadas em casa pela própria mãe que tinha

tempo de dedicar-se a ela, dizendo que ensinou à menina e que havia ensinado a criança a ler

e a escrever. Fez questão de destacar que pagava a escola e que cobrava o ensino da filha.

Marcelina sempre escreveu cartas para a mãe e gostava muito de atividades que envolviam

pinturas, tanto que no momento da entrevista com a mãe, ela ouvia tudo atentamente e nos

aguardava ao lado colorindo uma gravura.

Laura

De todos os participantes, era a menina do grupo que tinha mais tempo em

hemodiálise. Teve o diagnóstico da doença no final de 2007, em 2008 passou a fazer diálise

peritoneal em Canarana-BA, sua cidade de origem e, em 2009, mudou-se para Salvador,

inicialmente, apenas com a sua mãe que deixou mais duas filhas com as irmãs em sua cidade

a cerca de 486 Km da capital baiana. Laura tinha 14 anos, sabia muito sobre a sua doença e a

hemodiálise, dizia sentir muito por não poder viajar para ver a família, pois a viagem era

muito longa e requeria muito tempo. No ano de 2013 a mãe trouxe as outras filhas para a

capital depois de ter passado por muitos problemas com elas residindo longe e apesar de

enfrentar muitas dificuldades com as três filhas aqui, ela dizia que estava melhor assim, pois

acompanhava o que acontecia com as mesmas e mantinha a família reunida.

Laura era muito querida por todos, gostava de se maquiar e vestir-se de modo a se

sentir bem e arrumada. Gostava muito quando as pessoas conversavam com ela e apesar de

não falar muito, mantinha relação de amizade com todos os pacientes e funcionários da

hemodiálise pediátrica, apresentando-se solidária a todas as situações vivenciadas pelos seus

pares. Já apresentou vários problemas em relação às restrições que precisava ter na dieta e no

controle do líquido, mas tinha aprendido que era responsável por algo que pudesse acontecer

diante do que vinha a fazer a ela mesma se não mantivesse a disciplina. Ela e a mãe relataram

que várias vezes pensaram em abandonar o tratamento e retornar para a sua cidade de origem.

Usava um cateter no pescoço e tinha muito medo de ficar sem acesso para a diálise, foi

alertada da possibilidade da falência de acesso, pois já teve outros cateteres que causaram

nunca havia feito hemodiálise por meio da fístula arteriovenosa (FAV).Esperava por um rim

compatível de um doador cadáver e já aguardava na fila do transplante há algum tempo, sendo

chamada, algumas vezes, quando surgia algum órgão que pudesse ser transplantado, mas

nunca foi possível. Passou um tempo sem ter condições de andar, necessitando de uma

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cadeira de rodas para se locomover, além de um histórico de momentos de risco na sua vida e

de algumas passagens pela UTI.

Enquanto fazia diálise peritoneal, Laura frequentava a escola em sua cidade de origem

no início da doença, mas depois que se mudou para Salvador, não mais se matriculou em

escola comum e ainda estava aprendendo a ler e a escrever. Quando lhe foi perguntado sobre

a escola, ela negou estar sem estudar e disse que era aluna da Classe Hospitalar e que

estudava com a professora do hospital. Gostava muito de fazer desenhos e de colorir,

especialmente de desenhar a sua família, sabia escrever o nome da mãe e das irmãs além do

seu.Estudou na escola da sua cidade até o segundo ano do ensino fundamental quando tinha

oito anos.

Valéria

Tinha doze anos e fazia hemodiálise há três. Era uma menina alegre que gostava de

cantar, ler, escrever e desenhar. Entendia sobre a doença renal e sabia dos cuidados em

relação ao que podia ou não comer, queixava-se muito da sede que sentia e de não poder

beber água como antes. Quando lhe foi perguntado sobre a doença, ela disse que um dos seus

rins era do tamanho do caroço de umbu e o outro era maior um pouco, mas estavam sem

funcionar. No dia da nossa primeira conversa estava muito triste, pois recentemente havia

passado por um transplante renal que não deu certo, fazendo-a voltar para a hemodiálise.

Residia na cidade de Nova Soure-BA a 233 km de Salvador viajando em média três

horas para chegar e mais três para retornar. A menina e sua mãe vinham no ônibus da

Secretaria de Saúde do seu município, juntamente com outros pacientes, que as faziam esperar

o restante do dia para só retornar à sua cidade depois que todos os outros passageiros

estivessem no transporte, chegando em casa bastante tarde. Esta rotina lhe deixava bastante

cansada e a menina sofria muito com isto, pois no dia anterior a diálise, Valéria e sua mãe iam

dormir cedo para acordara noite e pegar o carro por volta de uma hora da madrugada,

chegavam na capital às quatro ou cinco horas para iniciar a hemodiálise às sete horas e só

chegar em casa às vinte duas horas, descansavam no outro dia e a noite se preparavam para a

mesma rotina no dia seguinte, repetindo isto três vezes por semana.

Valéria morava com seu pai, sua mãe e seus três irmãos. Sua mãe geralmente a

acompanhava na diálise e seu pai ficava com as outras crianças, às vezes o pai a acompanhava

no lugar da mãe. Por causa da doença de Valéria, os seus pais não trabalhavam mais e

precisaram mudar-se da zona rural onde moravam para residir na cidade. A mãe disse que a

filha mudou muito por causa da doença e, principalmente, depois das expectativas em relação

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ao transplante e da medicação que a deixava um pouco sonolenta, sempre ficava dispersa e

muito calada em casa e em todos os lugares que ia.

Antes de ter passado pelo transplante, a menina estudava em uma escola de sua cidade

e frequentava as aulas nos dias de terça e quinta, sentia muita dificuldade em acompanhar os

conteúdos escolares, pois nos anos anteriores cursava o Ensino Fundamental I e tinha apenas

uma professora que a acompanhava e tentava ajudá-la para compensar os dias que faltava,

mas no ensino fundamental II ficou mais difícil e ela queixava-se de não conseguir

acompanhar os conteúdos e as disciplinas que não tinha como assistir as aulas, em função dos

dias da hemodiálise e por isso não conseguia recuperar o que havia perdido.

Davi

Era um menino de 12 anos que sorria com facilidade, sempre meigo e amoroso com

todos. Por causa de sua baixa estatura, parecia ter entre sete ou oito anos de idade. Morava em

Camaçari-BA, uma cidade da região metropolitana de Salvador, há 43 km. Era acompanhado

na hemodiálise, tanto pela mãe, quanto pelo pai. Ambos cuidavam do menino, mas o mesmo

residia com a avó paterna.

Sua história em relação à doença começou desde muito pequeno e quando tinha quatro

anos de idade, recebeu o diagnóstico do problema renal. A mãe relatara que logo neste

período, iniciou com a hemodiálise, pois estava bastante inchado e não ficou muito tempo

nesta terapia, sendo necessário apenas fazer uso de medicação e ser acompanhado pelo

nefrologista. Após algum tempo, precisou retornar para a hemodiálise, pois apresentou piora

na função renal e tempos depois, passou a fazer diálise peritoneal, depois voltou para a

hemodiálise e, atualmente, realiza diálise peritoneal novamente em outro hospital até que

consiga fazer o tratamento em casa. Nesta história, passaram-se oito anos da sua vida

convivendo com a doença.

Davi expressava o quanto sente com determinados procedimentos e sofre muito com

problemas relacionados ao cateter. Demonstrou saber o que podia comer e o que precisava

fazer para manter-se bem e não ganhar muito peso entre uma sessão e outra de hemodiálise,

mas descuida-se em alguns momentos, sofrendo as consequências do excesso de peso e

líquido quando estava ligado à máquina de hemodiálise. Nossas conversas aconteceram no

momento em que realizava diálise peritoneal e ao me receber, pela primeira vez, demonstrou

muita alegria e confessou que sentia falta das aulas da Classe Hospitalar e, especialmente, de

seus dois amigos que dializavam juntamente com ele no outro hospital.

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No seu dia a dia, o menino disse conviver mais com a avó paterna com quem reside e

segundo a mãe, a avó fazia todas as vontades do menino, deixando-o fazer o que queria sem

nenhuma disciplina. Davi estava matriculado no 3º ano do ensino fundamental em uma escola

particular no bairro onde mora, mas quase não frequentava as aulas. Estava aprendendo as

letras e o som de algumas sílabas, escrevia o seu nome e reconhece alguns números. A dona e

diretora da escola era sua tia que conhecia toda a sua história e mantinha a conduta de deixá-

lo bem a vontade para frequentar a escola no dia em que deseja e segundo a mãe, o menino ia

para a escola especialmente em dias de datas comemorativas para participar das festinhas,

junto aos colegas.

Davi gostava muito de ouvir histórias infantis e ficava bastante atento ao que lhe está

sendo contado. Apresentava interesse em músicas infantis, desenhos animados, jogos

pedagógicos e eletrônicos. Também gostava muito de desenhar e pintar, apreciando suas

próprias produções. Também, assim como os demais, Davi aguardava um transplante renal

estando na fila à espera de um órgão compatível com o seu.

Adriano

Era um adolescente de 14 anos com Síndrome de Down10

, muito amoroso e receptivo.

Todos gostavam de estar com ele. Adriano demonstrava ser muito bem assistido pela família,

especialmente pela sua mãe, que se dedicava exclusivamente a cuidar dele. Fazia hemodiálise

há um ano e meio, entendia sobre os cuidados que deveria ter por conta da doença, sendo

muito cuidadoso em relação ao cateter, ao uso da medicação e a especialmente a alimentação.

É muito solidário aos pacientes da hemodiálise e relaciona-se amigavelmente com todos.

Nasceu em Santo Antônio de Jesus-BA e precisou mudar-se para Salvador em

decorrência do tratamento. A mãe preferiu residir aqui, juntamente com ele, para que tivesse

melhor acompanhamento e proporcionar maior qualidade no tratamento do filho sem os riscos

das viagens que se submeteriam se optassem por continuar em sua cidade de origem. Adriano

falou muito do pai e da irmã, sempre demonstrando carinho a eles e parecia sentir muito por

estar longe deles e da sua cidade pela qual sempre se referia.

Realizava leitura e escrita no seu ritmo próprio e quando acompanhado, conseguia

compreender bem o que fazia, quer seja na leitura, nos números, nos jogos ou nos desenhos.

Estudou desde muito pequeno, a mãe relatara que antes de cursar a alfabetização na escola, o

10 Apesar de pouco ter expressado verbalmente nos momentos de nossos encontros, Adriano participou do jogo proposto e

fez o desenho com bastante dedicação. Foi escolhido a participar da pesquisa, pois demonstra compreensão das

circunstâncias vividas em decorrência da doença, expressa seus sentimentos, em relação ao que observa em dia a dia do

hospital e administra com responsabilidade os cuidados necessários.

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menino já fazia reforço escolar e continuou no reforço por muito tempo com a mesma

professora da escola que o acompanhava praticamente o dia inteiro, enquanto a mãe

trabalhava e só o pegava para retornar para casa à noite. Adriano tinha uma boa relação com

todos os colegas e com a professora, gostava muito de ficar na escola e pedia para ficar um

pouco mais quando a mãe ia buscá-lo. Precisou sair definitivamente da escola quando iniciou

o tratamento terapêutico hemodialítico, cursando até o 4º ano do ensino fundamental.

Em Salvador, continuou seus estudos, inicialmente, apenas com os atendimentos da

Classe Hospitalar e no ano letivo de 2013, foi matriculado em uma escola municipal em uma

turma de 4º ano, com crianças que repetiam a série e faziam reforço escolar. Ia nos dias de

segunda-feira, quarta-feira e sexta-feira, quando se sentia bem e quando não tinha nenhum

exame ou consulta médica para realizar. A mãe contou que resolveu não levar o menino mais

à escola, pois as condições que presenciava neste espaço não eram muito boas, achava que a

professora não dava assistência aos alunos, principalmente ao filho dela que precisava de

acompanhamento especial, que gritava muito na sala e que os colegas eram muito agitados.

A mãe ainda relatou que ficou decepcionada por não ver nenhuma atenção voltada

para as necessidades educativas do seu filho, tanto diante da atenção especial que demandava

por causa do seu ritmo próprio em decorrência da Síndrome de Down, quanto diante da

doença renal que exigia uma atenção especial em relação ao horário do lanche, uma vez que

passava da hora de alimentar-se e de ficar atento ao que ele poderia sentir, pois em alguns

momentos chegou a sentir-se mal na escola. A mãe de Adriano disse sentir muito por isso,

pois mesmo o filho fazendo hemodiálise, ela gostaria que ele continuasse estudando, mas a

escola municipal que ele estudava não estava preparada para a inclusão e ela não tinha

condições de pagar uma escola particular, pois tinha muitas despesas por manter uma casa que

alugaram na cidade para morar.

Adriano demonstrou familiaridade com o uso de recursos tecnológicos (tablet, celular

e notebook) e apresentou possibilidades de desenvolver suas potencialidades em todas as

áreas do conhecimento, respeitando seu ritmo e tempo de aprendizagem. Assim como os

outros meninos e meninas, encontrava-sena fila do transplante à espera de um rim compatível,

de um doador cadáver em Salvador e em São Paulo, de onde também estava inscrito e

realizava exames e consultas na esperança de ser chamado a qualquer hora para a cirurgia.

Daniel

Tinha uma longa história com a doença, iniciou a hemodiálise no serviço de nefrologia

do hospital no mesmo período de Laura. Desde bebê recebeu o diagnóstico da doença e com

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treze anos de idade, já convivia com a hemodiálise há mais de quatro anos, entende muito

sobre a doença que tem, sobre a sua dieta e pelo fato de fazer xixi, não precisa fazer muito

controle de líquido. Com um mês e quinze dias de nascido, apresentou os primeiros sinais da

doença, a partir de uma infecção urinária diagnosticada e após internação em um hospital em

Brasília – cidade em que nasceu – ficou um tempo na UTI por apresentar uma convulsão e

inchaço no corpo, descobrindo naquele momento que não tinha o rim direito e com problemas

relacionados ao rim esquerdo, causando uma lesão na função deste único rim que tinha.

Desde este período de vida permaneceu sendo acompanhado por nefrologista pediatra,

ficando por muitos anos realizando tratamento conservador da função do único rim que tem,

mas apresentou perda significativa de sua função aos nove anos de idade e a partir daí, passou

a realizar hemodiálise. Mudou-se para a Bahia em 2009 onde iniciou o tratamento

hemodialítico, residiu na capital por um ano e no ano seguinte mudou-se para Feira de

Santana com sua família onde passou dois anos arcando com as despesas de viagem três vezes

por semana para deslocar-se a Salvador nos dias da hemodiálise. Após este período, enfrentou

muitos problemas até conseguir um carro da Secretaria Municipal de Saúde de Feira de

Santana para que os trouxessem à capital baiana juntamente com outro paciente e seu

acompanhante que também viviam a mesma situação.

A história de vida de Daniel foi marcada por superações desde os primeiros meses de

vida. No ano de 2012 fez um transplante de um doador cadáver que, infelizmente não foi bem

sucedido e, segundo a mãe, o órgão foi rejeitado e por ter ficado muito tempo até a retirada, o

enxerto estava apodrecido dentro do seu organismo sem causar problemas à saúde apesar dos

grandes riscos de infecção ao qual estava submetido. Após o retorno à hemodiálise, Daniel

surpreendeu as pessoas com a tranquilidade que transmitia a todos que sentiam muito pelo

acontecido. O depoimento da mãe é muito forte e me causou emoção em alguns momentos da

sua fala. A mãe fala do medo que sente em relação ao acesso da diálise, das trocas de catéter e

da possível falta de acesso.

O menino morava com a mãe, o pai e o irmão mais novo e levara uma vida sem muitas

queixas por causa da doença. Interagia bem com as outras pessoas e sendo muito solidário

com todos, especialmente no acolhimento a novas crianças que passavam a fazer tratamento

hemodialítico. Seus pais eram muito religiosos e a forma como encaravam as adversidades

refletia o apoio e a segurança que senti, em função da sua fé e de seus familiares que sempre

os apoiam.

Iniciou seu processo de escolarização em uma escola em Brasília e mesmo com a

doença renal necessitava de cuidados especiais em relação ao trato na escola, tem boas

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referências deste período em que as professoras e os colegas mantinham boa relação com ele.

Mas ao mudar-se para Salvador e precisar fazer hemodiálise encontrou algumas dificuldades e

passou por experiências que o levaram a desistir de estudar e a pensar em só ir para a escola

após o transplante. Conseguiu concluir o ensino fundamental I (1º ao 5º ano de escolarização)

e cursou alguns meses do 6º ano, mas não mais retornou a escola. Daniel aprendeu a ler e a

escrever, gostava de Matemática e Ciências, demonstrava interesse e afinidade na utilização

de recursos tecnológicos (notebook, tablet e celulares) e gostava muito de música, cursando

aulas de canto.

Apesar de ter vivenciado a experiência de insucesso do primeiro transplante renal,

Daniel aguardava por outro órgão compatível e tinha muita fé em não precisar mais fazer

hemodiálise. Assim como Adriano, está também na fila do transplante em Salvador e em São

Paulo na expectativa deque fossem chamados para a cirurgia, com expectativa de sucesso e

não rejeição do enxerto em seu organismo.

Após a escolha dos participantes da pesquisa, outros pacientes do serviço de

nefrologia pediátrica do hospital também poderiam ter participado deste estudo por ter

experiências com a doença, mas dois destes possíveis participantes que muito teriam a dizer

seriam apenas os acompanhantes, pois uma das crianças que tinha a doença apesar de ter oito

anos de idade e muito tempo de hemodiálise, nunca havia frequentado a escola e ainda estava

aprendendo a falar, pronunciando apenas poucas palavras e a outra criança de menos tempo

com a doença, também se expressava muito pouco em relação a oralidade. Por este motivo e

por já possuir uma quantidade significativa de participantes, optou-se por não incluí-los na

pesquisa.

4.4 A OBSERVAÇÃO SISTEMÁTICA

No caminho metodológico desta pesquisa de campo buscou-se a interação entre a

abordagem, o método e as técnicas/procedimentos que foram utilizados, articulando-os no

decorrer desta pesquisa, a partir da devida orientação do referencial metodológico aqui

defendido, cujo objetivo consistiu em conhecer profundamente o objeto de estudo de maneira

analítica e reflexiva para desenvolver a crítica, trazer contribuições no campo da pesquisa em

Educação e Saúde.

Para Gil (2009) o estudo de caso “é um estudo em profundidade” (GIL, 2009, p.7) e

que, ao utilizar os instrumentos de coleta de dados, o pesquisador deve procurar formas de

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possibilitar e ampliar a oferta de informações sobre o fenômeno. Isto “requer a utilização de

múltiplos procedimentos de coleta” (GIL, 2009, p.7) representando uma das formas de

garantir a qualidade das informações que é possível por meio da confrontação dos conteúdos

obtidos com a utilização dos variados instrumentos.

Alguns autores tais como Gil (2009) e Yin (2010) defendem que a utilização de mais

de uma técnica de coleta de dados possibilita confrontar e complementar os fatos, ações,

objetos e fenômenos do contexto empírico. Desse modo, faz-se necessário avaliar a

possibilidade do uso de um ou mais instrumentos, que são a entrevista e a observação, afim de

que atendam à necessidade deste estudo e que sejam necessários ao desenvolvimento e

conclusões da pesquisa.

No sentido de elaborar um conjunto de procedimentos e técnicas para atingir os

objetivos propostos nesta pesquisa de forma coerente e articulada é que houve um esforço

para que as fontes fossem oriundas de entrevistas e de observações; que os recursos para a

observação sistemática fossem: diários de campo, gravador (mp4), vídeo; o lócus da pesquisa

fosse a Nefrologia Pediátrica de um Hospital público de Salvador-Ba e outros hospitais onde

os participantes estivessem; as técnicas de análise de informações fossem qualitativas para a

organização e sistematização de resultados através de descrições, esquemas e argumentações.

A utilização dos instrumentos de coleta de dados fez-se de forma a possibilitar e

ampliar a oferta de informações sobre o fenômeno estudado, representando uma das maneiras

de garantir a qualidade das informações que é possível por meio da confrontação dos

conteúdos (GIL, 2009) obtidos através da entrevista que possibilita e propicia este

aprofundamento e da observação como um instrumento metodológico mediante o

planejamento para se ter claro o que deve ser observado afim de “evitar irrelevâncias ou de

identificar aspectos que, embora não previstos, deveriam ser considerados.” (MOROZ;

GIANFALDONI, 2006, p. 78).

Após a inserção do pesquisador em campo, a partir da aprovação do projeto no Comitê

de Ética em Pesquisa, os participantes da pesquisa foram convidados mediante a apresentação

da proposta, das contribuições e da leitura cuidadosa do termo de consentimento livre e

esclarecido para posterior aceitação e assinatura de modo a registrar a sua anuência. Foi

combinado, previamente com os respectivos participantes, o melhor momento e local para a

realização das entrevistas.

Para a realização da entrevista semiestruturada, foi feita a gravação das falas do

entrevistador e dos entrevistados para a transcrição na íntegra. Pretendeu-se que a entrevista

fosse conduzida de maneira a deixar os entrevistados a vontade para elaborar seu pensamento

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e suas falas, de modo que na completude dos discursos, os sujeitos expressassem as situações

vividas, a partir do que se desejou saber e do que apareceu no decorrer das entrevistas.

Para a realização das entrevistas com as crianças e adolescentes, foi necessária a

utilização de recursos, tais como jogos e ilustrações de modo que houvesse melhor mediação

para que as mesmas expusessem suas experiências. Na realização dos momentos com os

meninos e meninas participantes da pesquisa foram utilizadas algumas estratégias que

auxiliaram na mediação das entrevistas, como gravuras (ANEXO1) para introduzir

determinados temas, propostas de construções orais de histórias, do desenho deles no futuro

(pensando em como eles estariam daqui a 10 anos e qual seria a sua profissão), bem como a

utilização de um jogo chamado Baralho das Emoções11

(ANEXO2) que possibilitou a

expressão dos sentimentos em relação ao que experienciam. A relação entre

pesquisador/sujeito foi favorável de modo a facilitar maior envolvimento e esclarecimento das

informações importantes para responder ao problema.

Com os diferentes sujeitos da pesquisa, a partir de um roteiro preestabelecido

(APÊNDICES A e B), a entrevista buscou, inicialmente, um diálogo sobre a vivência com a

doença renal e a hemodiálise, os percursos e as perspectivas de escolarização na condição

específica destes sujeitos e por fim, as experiências com a Classe Hospitalar.

Vale ressaltar que o roteiro de entrevista proposto para as crianças/adolescentes

precisou ser adequado a uma criança com deficiência visual adaptando as propostas da

entrevista que previa a utilização de gravuras e realização de desenhos na tentativa de atingir

os objetivos propostos nessas intervenções através da oralidade. E com o menino com

Síndrome de Down, também foi necessário mediar as conversas no sentido de desenvolver

bastante a linguagem para o bom entendimento do que se pretendia com determinados

recursos.

Além das entrevistas, foi possível realizar, também, a observação de alguns períodos

das crianças e adolescentes nas sessões de hemodiálise, especialmente no momento das

propostas de construções dos desenhos e das interações com o Baralho das Emoções. A

observação foi feita mediante o registro dos aspectos relevantes à pesquisa na clareza do que

11“O Baralho das Emoções é um instrumento facilitador de acesso às emoções das crianças na clínica psicológica. Ele possui

21 cartas com características gráficas para meninos e também 21 cartas com características gráficas para meninas. Cada

uma das cartas descreve – em desenho – uma emoção específica. O instrumento visa acessar, com mais propriedade, as

emoções infantis durante o período de avaliação, assim como também durante todo o processo de tratamento. Mesmo que

tenha sido idealizado e desenvolvido por Terapeutas Cognitivo-Comportamentais, o Baralho pode ser utilizado de acordo

com a criatividade e a necessidade de cada Terapeuta, não importando a orientação teórica que fundamente seu trabalho”.

(SINOPSYS Editora. Disponível em: <http://www.sinopsyseditora.com.br/baralhos/baralho-das-emocoes-3a-edicao/.

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era observado. Nesse sentido, as informações foram aqui utilizadas para complementar as

falas dos participantes nas entrevistas para evidenciar o que apareceu do fenômeno em estudo.

Segundo Giorgi (2012), nas pesquisas que utilizam o método fenomenológico quando

são feitas observações e entrevistas, ao mesmo tempo, a descrição da observação deve ser

feita, em primeiro lugar, para servir de base para a descrição e análise posterior das

entrevistas. Para que possa ser considerado como um instrumento metodológico, é necessário

que a observação seja “planejada, registrada adequadamente e submetida a controles de

precisão”. (MOROZ; GIANFALDONI, 2006, p. 77). O planejamento de tais instrumentos

foi essencial, para se ter previamente a clareza do que se desejava observar e, assim, evitar a

elucidação dos aspectos irrelevantes e obter a precisão do que se pretendia e do que deveria

ser considerado.

Todo o período de observação sistemática aconteceu em minhas idas ao campo de

pesquisa, além dos momentos das entrevistas em outros espaços escolhidos pelos

participantes. Esta que antecedeu a minha inserção de fato no campo da pesquisa, durou de

agosto a setembro de 2013, neste período busquei, inicialmente, saber sobre a disponibilidade

das crianças, adolescentes e seus acompanhantes em participar e a melhor forma de abordá-

los, depois fui à procura de informações que seriam relevantes e necessárias para constar neste

trabalho, até efetivamente acessá-los um a um, por meio das entrevistas e realizar as

observações pretendidas. Esta trajetória não seguiu certa linearidade, sendo constituída de idas

e vindas neste percurso mediante as necessidades e oportunidades que surgiram no campo.

É importante trazer aqui que, há cerca de cinco meses antes do início do trabalho de

campo, eu havia sido parcialmente afastada das funções que exercia enquanto professora da

Classe Hospitalar na Hemodiálise Pediátrica. Mas, ao contrário do que eu pensava

anteriormente, durante a pesquisa eu vi que sabia muito pouco sobre o tema estudado e

também sobre as problemáticas enfrentadas pelos pacientes renais e seus familiares. A

pesquisa me possibilitou ver o que jamais poderia ser visto sem o olhar curioso e cuidadoso

que o pesquisador deve ter, pois apenas enquanto profissional, eu não me dava conta da

complexidade expressa nestas experiências apreendidas por meio da pesquisa empírica.

Foi interessante para mim esta troca de “papel” e em minhas passagens pelo espaço da

hemodiálise pediátrica (especialmente nos dias em que eu não costumava estar como

professora da aluna que ainda atendia), as pessoas sabiam da minha tarefa e não ficavam

inibidas com a minha presença, mas sempre receptivas ao que eu lhes solicitava, estando eu

também bastante a vontade para realizar em todos os momentos os registros no diário de

campo e a gravação de todas as entrevistas e interações no jogo do Baralho das Emoções.

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Apenas nas conversas iniciais em que eu convidava as pessoas a participarem da pesquisa não

foi feito registro, pois esta etapa se deu através de conversas informais, em que eu falava

sobre a pesquisa que iria realizar e lançava o convite mediante as condições impostas nas

circunstâncias vividas pelos mesmos.

Como disse anteriormente, as entrevistas não só aconteceram no hospital lócus da

pesquisa, mas também em outros hospitais em que alguns pacientes haviam sido recentemente

transferidos, na casa do paciente e também em minha residência. Este foi um dos grandes

desafios e eu fazia o possível para este aspecto não gerar neles nenhum desconforto e por isso

conversávamos anteriormente. Um dos participantes chegou a me dizer que só conversaria

comigo na sua cidade, mas ao ouvir isto, a sua mãe logo disse que daríamos um jeito para que

eu não precisasse viajar até a sua cidade.

4.4.1 Os encontros com os participantes

Tentarei aqui descrever os aspectos relevantes nos encontros e abordagens com os

participantes desta pesquisa na forma e ordem em que aconteceram.

Carmen e sua mãe

Esta foi a primeira entrevista que realizei com a criança e posteriormente com a sua

mãe. Combinamos anteriormente que ao final da diálise em um dia de quarta-feira, faríamos a

nossa conversa e a convite de Carmen fomos para a residência das mesmas, e chegando lá a

mãe fez questão de apresentar a casa, destacando que deixou as coisas dela no interior e que o

apartamento em que estava morando era muito pequeno para os três morarem (ela, o esposo e

a filha), além de ser muito caro e que ainda estavam se ajeitando por aqui. Enquanto a menina

se organizava, a mãe falava da sua vida diária, da independência e hábitos da filha cega em

casa. A menina me mostrou seu kit de maquiagem, as coisas que gostava de usar, seu perfume

e acessórios. Eu e a mãe sentamos à mesa para conversar sobre a pesquisa e assinar a

anuência. Explicamos também para a criança um pouco sobre a pesquisa.

Após alguns minutos, eu e a menina, nos organizamos no sofá da sala para iniciar a

conversa. Mais uma vez, expliquei como seria a nossa conversa e a menina com bastante

tranquilidade participou da entrevista. Enquanto isso, a mãe havia ido tomar banho, o que

parecia deixar a criança bem mais a vontade para falar. A entrevista aconteceu

tranquilamente, e algumas das questões do roteiro de entrevistas semiestruturada foram

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adaptadas pelo fato dela ser cega. Não utilizamos as imagens previstas, mas a mesma falou

bastante e o que seria para ela escrever tentou construir na fala da mesma. A mãe se

aproximou de nós ao finalzinho da nossa entrevista que durou em média 20 minutos. Ao

encerrar a conversa, a menina parecia estar ansiosa para me mostrar as coisas que gostava,

iniciou me mostrando os livros que a mãe lia para ela, destacando como muita facilidade o

que mais gostava (50 tons de cinza), eram livros de ficção e de romance. Eu perguntei a mãe:

você lê tudinho pra ela? A mãe me respondeu: leio sim, algumas partes eu pulo. Enquanto a

mãe adiantava o almoço que havia dito que iria fazer, a menina me levou para o quarto para

me mostrar seus brinquedos que estavam guardados no único guarda-roupas da casa.

Fiquei muito surpresa com a descrição que a mesma fazia dos brinquedos, me

mostrando um a um. Eram pequenos objetos: utensílios, mantimentos, frutas, verduras... tudo

em miniaturas de plásticos que a mesma conhecia perfeitamente. Me mostrou outros

brinquedos, como funcionavam e como brincava com eles. Eu perguntei com quem ela

brincava e ela me disse que era sozinha, mas que os brinquedos que ela mais gostava não

eram aqueles, e foi à sala trazendo uma sacola de plástico cheia de objetos que são utilizados

para procedimentos em hospitais e descreveu corretamente cada um deles, as seringas eram

perfeitamente discriminadas umas das outras pelo tamanho (essa é de 1 ml, essa é de 3ml,

essa é de 5 ml, essa é de 10ml...), disse que gostava mais de brincar com os objetos de

verdade do que com os de brinquedo que estavam dentro da sacola. Disse que não gosta de

bonecas, que ela é a médica e o paciente ao mesmo tempo.

Ao sairmos do quarto, comentei com a mãe sobre o que vi e a mãe disse que realmente

ela gostava mais de brincar com aqueles objetos. A menina disse que iria assistir aos

programas de TV que gostava e que havia gravado, então e eu e mãe fomos fazer nossa

entrevista no quarto. Sentamos na cama, a menina ficou na sala ouvindo a TV e a mãe

também parecia estar bem à vontade. Durante a conversa, a mãe respondia as pergunta

expondo seus sentimentos, seu pensamento e trazendo exemplos sempre que possível de suas

experiências com a criança e o processo da doença. Ao final, quando perguntei a ela se queria

dizer mais alguma coisa sobre o que conversamos, a mesma trouxe algo extremamente

importante sobre a Classe Hospitalar.

Em uma conversa posterior e que não foi gravada, a mãe relatou algo interessante

sobre a relação da menina na escola quando iniciou a hemodiálise, disse que a professora

gostava muito da menina, que era uma pessoa a quem ela confiava de deixar a filha e que a

apoiava no momento inicial do tratamento. Achei interessante ela dizer: “a professora fazia

questão de ficar com ela, tinha dias que a pró ligava pra mim, para eu levar a Carmen depois

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da diálise para a escola e íamos da clínica direta pra escola.” Fiquei muito surpresa, pois

algumas dúvidas que foram deixadas pela menina na entrevista, foram confirmadas na fala da

mãe a partir das informações trazidas em seu relato.

Além desta ocasião em sua residência, tive outro encontro com Carmen no momento

da hemodiálise para realizarmos o jogo do Baralho das Emoções. Este também foi

devidamente gravado com a autorização dela e da mãe e a menina, mais uma vez, me

surpreendeu com suas falas. Com a mãe da menina, apenas tivemos momentos em que eu ia

tirando algumas dúvidas em relação ao que necessitava saber e que não foi possível na nossa

conversa inicial.

A menina foi a única criança que continuei mantendo contato enquanto professora na

Classe Hospitalar e por este motivo, eu tinha com ela, maior acesso do que com as outras

crianças, pois a mesma estava aprendendo nas aulas da Classe a ler e a escrever utilizando o

Sistema Braille e neste processo, tive o máximo de cuidado para definir os momentos em que

eu estava com ela apenas enquanto pesquisadora.

Marcelina e sua mãe

Havíamos combinado em uma segunda-feira para fazermos a entrevista na quarta, pois

neste dia, elas viriam para ficar internada e após a diálise e o almoço da menina começamos a

conversar enquanto a mãe providenciava as questões do internamento. Ficamos na sala apenas

eu e Marcelina. Conversei afetuosamente com ela para que ficasse bem a vontade, mas de

forma agitada, ela me dizia, a medida em que eu ia lendo e explicando sobre a pesquisa que

não ela não tinha doença renal e insistia nesta fala a medida em que a leitura ia sendo feita,

mais ou menos no 3º parágrafo do termo de consentimento que estava lendo, a mesma disse

firmemente: eu não sou renal, eu tenho Lúpus! O lúpus é que fez meu rim parar! Nesse

momento, passei a ter mais cuidados na leitura e nas perguntas que iria fazer, mas não havia

compreendido bem o que ela realmente estava me dizendo, sendo possível apenas só depois

da conversa com mãe.

No momento da entrevista, tive um pouco de dificuldade em mediar a conversa, pois a

menina falava muito pouco, tentava de várias maneiras, mas a mesma quase não conversava.

No momento em que mostrei a gravura de crianças em hemodiálise, a menina recusou vê-la,

demonstrado estar amedrontada, recusando observá-la. Com mais cuidados, continuamos a

conversa e ao final, a menina disse: quero mais não! Pedindo para parar e recusando a

proposta de fazer um desenho de sua vida daqui para frente.

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Ao final da entrevista com Marcelina e na tentativa de iniciar a conversa com a mãe,

fomos a procura de um espaço dentro do hospital que pudéssemos ficar, pois a sala que

estávamos não caberiam as três juntas e era muito isolada da ala em que a menina iria ficar

internada. Procurei a enfermeira da pediatria, explique a situação e ela me concedeu uma

enfermaria desocupada para que pudéssemos ocupar por um tempo. A menina ficou sentada

em uma cadeira no cantinho da sala com lápis de cor e desenhos para colorir enquanto eu e a

mãe conversávamos. Iniciamos com explicação sobre a pesquisa, a leitura do termo e a

assinatura do mesmo. A mãe me surpreendeu, pois demonstrava ser muito calada, mas ela

parecia entender o que eu explicava e antes de iniciar a gravação, me disse que não era a mãe

biológica da menina.

Durante a conversa já sendo gravada, ela me surpreendeu, pois narrou a sua história

com a doença, iniciou contando detalhes de suas experiências. Havia perguntas que ela

respondia através de sua narrativa e que nem precisaram ser feitas a partir do roteiro

preestabelecido. Seu relato durou em média 40 minutos, quase não falei durante este tempo. A

doença é algo que está muito marcado em seu relato. Percebi, em vários momentos, que a mãe

utilizava a conversa para destacar algo que a incomodava muito em relação a postura da

menina, de modo que a mesma ouvisse e soubesse que aquilo que ela fazia, a mãe sabia e

sentia muito, desejando que ela mudasse estas condutas.

Encerramos nossa conversa, agradeci e nos despedimos, deixando-as no corredor do

hospital no aguardo do leito que estaria sendo desocupado por outro paciente para que a

menina pudesse então ocupá-lo. Apesar de ter sido necessário, não foi possível ter outro

encontro com a menina, pois depois deste momento, Marcelina teve apenas algumas sessões

de hemodiálise e não mais precisou continuar este tratamento pelos motivos que expus

anteriormente.

Laura, Valéria e suas respectivas mães12

Após algumas ligações e tentativas que não deram certo devido às questões vividas

pelas mesmas, nos encontramos em um dia de quarta-feira após a diálise de Laura e de

Valéria no outro hospital em que as mesmas haviam sido recentemente transferidas. Neste dia

estava acontecendo uma palestra sobre transplante que foi organizado pela equipe

multiprofissional do setor de nefrologia do hospital, pois aquela era a semana de doação de

12

As duas estavam juntas. A entrevista foi feita, inicialmente, ao mesmo tempo com as duas: eu conversava e ouvia o que as

duas tinham a dizer, mas a partir de um certo ponto, especificamente nas questões sobre a escola, eu passei a conversar com

uma de cada vez.

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órgãos. As mesmas estavam assistindo a palestra e eu as aguardava no lado de fora da sala,

providenciando também algum espaço em que pudesse depois me reunir com elas. Após o

término da palestra, as mesmas foram para a copa para almoçar e, neste momento, percebi que

as meninas estavam muito lentas, fiquei preocupada com isto e perguntei para a mãe como

elas estavam. A mãe de Laura disse que haviam administrado uma medicação na filha que a

deixava sonolenta. Percebi também fortemente que Valéria estava debilitada, pois havia

passado recentemente por um transplante de rim que não deu certo e que a deixou entre a vida

e a morte, pois ela teve hemorragia e necessitou retirar o enxerto, voltando à máquina de

hemodiálise também sob o efeito de muita medicação.

Estavam as duas muito caladas e lentas, perguntei se queriam participar da conversa,

expliquei cuidadosamente o que iríamos fazer e me ocorreu a ideia de sairmos daquele espaço

na tentativa de desligarem-se um pouco daquele “clima”. Então, fiz a seguinte proposta: ou

fazemos a entrevista aqui, em uma sala que a assistente social disponibilizou para nós, ou

vamos para outro espaço fora do ambiente hospitalar. A resposta veio de imediato, desejando

todas sair dali. Então, combinamos tudo e retornei para pegá-las na porta do hospital, numa

rampa que fica logo na saída, tivemos o enorme trabalho em colocar a cadeira de rodas usada

por Laura dentro do carro e por alguns momentos pensamos que não seria possível a nossa

saída. Mas com a ajuda do segurança do hospital conseguimos nos organizar. Resolvemos ir

para a minha residência que era próximo ao hospital. Neste espaço, as meninas pareciam estar

com um aspecto melhor e mais dispostas do que antes. Então, sentamos todas juntas e

conversamos sobre a pesquisa. Li o termo de consentimento, perguntei se tinham dúvidas, se

queriam participar e pedi que cada uma assinasse o termo.

Depois propus que as duas iniciassem a conversa comigo levando-as para outro

ambiente, lá sentaram as duas juntas em um sofá e eu de frente para elas, perguntei se podia

iniciar a gravação, e as mesmas aceitaram. A mãe de Laura parecia muito preocupada com a

nossa conversa, pois veio até onde estávamos e tentou orientar a filha no que iria falar, aí eu

tentei tranquilizá-la dizendo que não se preocupasse com o que a filha poderia me dizer.

Depois disso, nos acomodamos e iniciamos a conversa, no começo tive dificuldades em fazê-

las falar. As mesmas falaram muito baixo, eu tentei fazer uma dinâmica de modo que as duas

se sentissem mais a vontade, percebi que a entrevista poderia ter sido melhor se elas não

tivessem naquela condição – uma sob efeito de muita medicação que a deixava sonolenta e a

outra com os prejuízos após o transplante mal sucedido.

No momento em que mostrei a gravura de crianças em hemodiálise, fui surpreendida

com uma fala de Laura que observou um detalhe que não havia me dado conta: a criança

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estava usando fístula, ao invés do cateter, sendo que, de maneira geral, as crianças e

adolescentes da hemodiálise pediátrica do hospital em que elas eram pacientes, não usavam

fístula arteriovenosa.

Na parte da pesquisa que trata especificamente sobre a escolarização, conversei

individualmente por se tratar da história de cada uma, as mesmas relataram muito

resumidamente sobre tais aspectos, iniciei conversando com Valéria enquanto Laura

aguardava ainda ao lado, logo após, perguntei se ela queria ir para a sala e aceitando,

continuei a conversa com Laura que estava cada vez mais sonolenta. Respeitei esta condição e

encerramos nossa conversa após alguns minutos. Ao todo, nossa conversa durou 30 minutos.

Chamei uma das mães para conversar e a mãe de Laura logo se disponibilizou a

participar. Percebi que no começo ela estava um pouco apreensiva, mas aos poucos foi

falando de suas experiências, seus sentimentos e pensamentos em relação ao que

conversávamos. Nossa entrevista durou em média 23 minutos. Ao final, quando perguntei a

ela se queria dizer mais alguma coisa sobre o que conversamos, a mesma disse algo que me

chamou a atenção e que demonstrou talvez que eu também queria que ela avaliasse o meu

trabalho com a filha dela. A partir disso, percebi que talvez a nossa relação interferisse um

pouco em seu depoimento, senti que ela queria me agradar, destacar a satisfação que tinha em

relação ao meu trabalho enquanto professora da filha dela e deixar talvez de lado alguns

aspectos que seriam relevantes que ela trouxesse na sua fala.

Chamei a mãe de Valéria para conversar e perguntei se ela queria ficar sozinha ou se

queria que a mãe de Laura permanecesse no quarto, pois as duas têm uma relação muito

próxima e na maioria das ocasiões estão juntas. A mãe de Valéria é uma mulher da zona rural,

não tão expressiva oralmente e por isso no início de nossa conversa, ela teve muita

dificuldade em se expressar, pareceu estar muito nervosa com a situação, mas depois foi se

tranquilizando e falou muita coisa relacionada às suas experiências de vida e com a doença. A

nossa conversa durou um pouco mais que 30 minutos. Em alguns momentos, a mãe de Laura

participava e isso foi bastante interessante.

No retorno, carro já estava a aguardando Valéria e sua mãe junto com outros pacientes

em um carro da Secretaria da Saúde que seguiria para outra cidade.

Quase dois meses depois deste primeiro encontro, marquei com a mãe de Laura para

novamente conversar com as meninas no hospital em que faziam hemodiálise para fazermos o

desenho e o Baralho das Emoções. No dia marcado, a mãe me informou que as mesmas que

estavam na hemodiálise ansiosas ao meu aguardo. Ao chegar, Laura estava dormindo e

Valéria aguardava com expectativa, ela estava com o rosto inchado e cheio de pontinhos

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avermelhados devido ao tratamento de medicação após o transplante. Iniciamos a conversa

fazendo o Baralho das Emoções e a mesma demonstrou gostar de participar desta interação.

Foi muito interessante fazer a pesquisa no ambiente da hemodiálise, apesar da intervenção dos

técnicos de enfermagem e naquele momento passei a repensar a ideia de que o ambiente

influencia na qualidade da entrevistas, percebendo que o que influencia são as condições do

paciente. Ao final do jogo, propus o desenho: eu no futuro, expliquei como deveria ser e a

deixei fazendo enquanto estava com Laura.

Com Laura, fiquei muito surpresa ao tê-la ouvido falar bastante e demonstrado

empolgação para participar do jogo e por saber que a mesma havia voltado a andar e não mais

precisava de cadeira de rodas. Ao final da sessão de hemodiálise, aguardei as meninas saírem

da sala para continuarmos a entrevista com as poucas coisas que ainda faltavam e na sala de

espera, as meninas continuaram o desenho. Minutos depois, o almoço chegou, tendo que ir

para a copa levando todos os recursos que estávamos utilizando mas, mesmo neste momento,

as meninas fizeram o desenho e coloriram. Após a entrega das produções precisaram sair

logo, pois os carros que as levariam para as suas casas já estavam esperando do lado de fora

do hospital. Valéria iria retornar para a sua cidade, mas relatou que não sabia que hora iria

chegar em casa porque no ônibus que a trouxe, veio uma pessoa que “toma” sangue e por isto

o ônibus demora para retornar.

Mãe de Daniel

Este foi um dos depoimentos mais ricos em detalhes e informações. Durou mais tempo

que os outros. Combinamos por telefone de nos encontrarmos no hospital no sábado logo pela

manhã e antes de conversar com a mãe de Daniel, eu fui à sala da hemodiálise e em conversa

com Daniel, perguntei a ele se gostaria de participar da pesquisa e ele disse que sim, mas só se

eu fosse à sua cidade para entrevistá-lo, pois assim que acaba a diálise, o carro os leva de

volta, sendo difícil encontrar um tempo que não seja na hora do tratamento. Após algum

tempo, a mãe dele que não estava presente entrou na sala e eu a chamei para irmos a uma

salinha onde ficam os materiais da Classe Hospitalar e expliquei a ela tudo sobre a pesquisa, li

o termo de consentimento, ela assinou dando a sua anuência e iniciamos a entrevista com a

gravação do seu depoimento.

Este momento foi muito forte, pois ela relatava sua história e no momento em que

narrou sobre a volta da criança para a máquina de hemodiálise após um transplante mal

sucedido, nos emocionamos e eu não consegui conter as lágrimas. Continuamos a conversa e

a mesma continua fazendo uma narrativa de suas experiências, sendo muito pouco

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interrompida por mim, pois a sua fala contemplava muitas perguntas que eu iria fazer. Mais

uma vez, a mãe chora ao falar sobre uma experiência que o filho teve na escola, em que se

sentia discriminado pelos colegas e pela professora, seu relato avança trazendo alguns

aspectos que mostram a dificuldade em relação a escolarização.

Em outro momento da sua fala, nos emocionamos mais uma vez, quando a mesma

relatou sobre a vida e a escola, contive as lágrimas e procurei disfarçar para prosseguirmos a

conversa. A mãe falava de assuntos bem interessantes, a mesma deixou bastante evidente em

seu depoimento a sua fé e a religião. Usa os termos experiência, inclusão e Bullying. Fala

muito sobre a relação entre professor e aluno (afetividade).Ao final do depoimento, se

emociona e chora pela quarta vez. Nossa conversa durou 1h e 8min. Ao final, nos abraçamos,

agradeci a ela e retornamos à sala de hemodiálise. Combinamos de fazer a entrevista com seu

filho assim que possível.

Davi e sua mãe

Encontrei com eles uma semana antes da entrevista, combinamos de conversar na

semana seguinte e os mesmos concordaram em participar. No dia da entrevista, a conversa

aconteceu primeiramente com a mãe, pois a professora da Classe Hospitalar do hospital, o

atendia no leito e, então, descemos para a sala da Classe na pediatria e realizamos a nossa

conversa neste espaço. Iniciamos com a leitura do termo de consentimento e explicações

sobre a pesquisa. A conversa durou 21 minutos, a mãe parecia não saber muita coisa sobre a

doença, pois compartilha esta vivência com pai do menino e com a avó paterna, que é com

quem Davi reside.

Faz seu relato expondo suas angústias, sentimentos e pensamentos a respeito de suas

experiências. Finalizamos nossa conversa, subimos para a enfermaria em que estava a criança

com a professora que depois de alguns minutos encerrou a aula e se despediu da criança. Após

algum tempo, iniciamos anossa conversa, fechamos a porta da enfermaria e a mãe ficou

presente, li e expliquei a ele como seria a entrevista que durou 24 minutos. Assim como com

as outras crianças, Davi também falou muito pouco sobre o que pensa sobre suas vivências e

também teve dificuldades em expressar seus sentimentos.

Com ele não foi possível fazer o desenho e o Baralho das Emoções, pois para isto

precisaríamos de mais um encontro que não foi possível devido ao fato do menino passar a

realizar diálise peritoneal em casa e o número telefone de contato que a sua mãe havia me

concedido não estava correto, pois a ligação nunca era completada.

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Adriano e sua mãe

Marcamos dois dias antes por telefone para fazer a entrevista no hospital em um dia de

sábado, no turno matutino. Após alguns minutos esperando as mães tomarem o café coletivo

que haviam feito na sala da hemodiálise, em conversava com Adriano e Daniel sobre algumas

perguntas relacionadas à pesquisa. Assim que possível, fomos, eu e a mãe de Adriano, para a

salinha da Classe Hospitalar. Durante a entrevista que durou em média 40 minutos, a mesma,

inicialmente, parecia não ter muito a dizer, mas aos poucos foi perdendo o receio e

conversando sobre o que ia sendo perguntado, por vezes retomava algumas questões que ia se

lembrando, a medida em que foram sendo feitas outras perguntas.

Ao final da gravação, continuamos a conversa e a mesma retomou algumas questões

do que havia sido falado e eu a convidei a falar novamente para que fosse gravado por ser

uma informação muito relevante, encerramos e ela reforçou que eu deveria fazer a entrevista

com Adriano.

Ao retornar à sala de hemodiálise, Adriano já havia sido desligado da máquina e

Daniel ainda estava em procedimento, o mesmo pediu para marcarmos outro dia e a própria

mãe de Adriano disse que eu poderia conversar com ele naquele momento, então fomos para

sala e a entrevista como menino foi bem diferente da que foi realizada com as outras crianças

e adolescentes, utilizamos logo na primeira conversa o Baralho das Emoções para mediar a

conversa e ele falou o que sentia e pensava, mesmo que de maneira bastante sucinta e sem

muitas elaborações.

Deixou bem marcado o que é bem característico dele que é a afetividade, demonstrou

não entender muito sobre a doença, mas sabe que precisa ter cuidados severos em relação ao

cateter, alimentação e higienização. A entrevista durou em média 26 minutos e ao final,

expressou através do sorriso e respondendo que sim à pergunta sobre se havia gostado da

conversa. Tivemos outro momento uma semana depois na hora da hemodiálise, para que fosse

feito o desenho.

Daniel

Antes de ir ao hospital, liguei para Daniel e ele estava bem disposto e motivado a fazer

a entrevista, e ainda falou ao telefone: Vem logo! Às 9:30h de um dia de sábado, cheguei no

hospital e encontrei as mães das crianças conversando na cantina que fica no térreo, do lado

externo do hospital e elas estavam bastante abatidas com a situação de uma criança de 8 anos

que já faz tratamento (diálise e hemodiálise) há mais de quatro anos e relatara que em relação

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ao mesmo, os médicos disseram haver falência de acesso e que a criança encontrava-se toda

inchada e sem condições de dialisar por problemas com o cateter.

As mães estavam tristes e inconformadas com a situação, pois os médicos haviam

pedido para o pai que estava com a criança informasse a situação à família e solicitasse a

presença da mãe, pois ele estava sem perspectivas de reverter a situação e aguardando a hora

de vir a óbito. Elas disseram que os meninos que estavam na sala da hemodiálise dialisando

com esta criança, estavam muito tristes e apreensivos diante desta situação tensa e dolorosa.

Subi e ao entrar na sala da hemodiálise, dei bom dia a todos e fui diretamente ao pai da

criança, a fim de tentar entender o que estava acontecendo e de confortá-lo. Perguntei à

técnica que estava com ele e ela disse que estava tentando dialisar aos poucos, na medida do

possível, e pressionando o cateter sobre o pescoço do menino para tentar fazê-lo funcionar. O

menino estava parado e ao falar que ficasse tranquilo, ele fez um gesto de legal e continuou a

demonstrar com expressões no rosto e no corpo o quanto estava sofrendo.

Fui conversar com Adriano e Daniel que estavam ligados à máquina de hemodiálise

um do lado do outro e ambos demonstraram gostar da minha presença e estarem dispostos a

fazer alguma coisa, pois além de conviverem naquele momento com a dor do amigo, estavam

ociosos e desejando que o tempo passasse logo.

Organizei todo o material que iria utilizar com eles, fiz a proposta do desenho de qual

seria a profissão que eles pensavam em ter no futuro, e a partir daí, eles aceitaram. Iniciei

retomando com Adriano a entrevista da semana anterior e enquanto o mesmo desenhava, eu

conversava com Daniel sobre a pesquisa e lia pra ele o termo de consentimento de maneira

bastante explicativa e com pausas, pois os movimentos e o barulho da sala de hemodiálise o

deixavam bem distraído. O mesmo assinou com bastante satisfação e me devolveu o

documento.

Fiz a proposta do desenho a ele, e ele fazia sozinho enquanto eu retomava com

Adriano, que depois de algum tempo me entregou o desenho e explicou o que havia feito e

quase no final da diálise, recebi o desenho de Daniel. Enquanto os meninos eram desligados

da máquina, Daniel se pesou e fomos pra salinha, lá Marcelina também pediu para entrar na

sala, pois iria aguardá-lo para irem no mesmo carro para casa, e iniciamos a nossa conversa.

No começo, a menina estava filmando com o Tablet, mas após alguns minutos pediu para sair

da sala.

Daniel demonstrou muita tranquilidade durante a conversa que durou em média 30

minutos, inserimos na nossa conversa as gravuras que foram utilizadas com as outras crianças

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e ao final usamos o Baralho das Emoções, foi bastante interessante, pois ele falou muito sobre

os sentimentos que tinha.

Percebi que depois de um tempo, ele ficou querendo que a conversa acabasse logo,

pois queria muito ir embora e sabia que as pessoas só estavam o aguardando, assistiu um

pouco da nossa filmagem e eu perguntei se ele queria ver depois e ele disse que sim saindo

logo em seguida.

As descrições e informações trazidas até aqui, foram resultado das anotações feitas nas

observações do campo e das conversas anteriores ou posteriores às entrevistas, bem como das

consultas nas falas gravadas dos entrevistados, por isso, é importante informar que para esta

pesquisa, não foi realizada nenhuma consulta aos prontuários dos pacientes, como também

não foi transmitida nenhuma informação dos profissionais do serviço de nefrologia que atende

aos pacientes no lócus da pesquisa.

4.5 ORGANIZAÇÃO E ANÁLISE DAS INFORMAÇÕES DO CAMPO EMPÍRICO

Os escritos produzidos, a partir dos conteúdos trazidos do campo, foram analisados

tendo como base as etapas concretas do método fenomenológico científico que nos apresenta

um “caminho do pensamento” (MINAYO, 1999, p. 218). A realização de uma análise

fenomenológica para a exposição dos aspectos trazidos nesta pesquisa descritiva, implica na

produção de uma investigação qualitativa, em que apoiada em uma postura filosófica e

rigorosa em seus procedimentos, volta-se ao fenômeno com o objetivo de compreendê-lo

atentamente, interrogando-o na busca do entendimento de sua essência, a partir de sua

descrição.

Neste sentido, analisar o que foi descrito na busca dos pontos de convergência entre

sentido e significado é interpretá-los, a partir das experiências vividas na pesquisa, dos

diálogos com os participantes, bem como de seus relatos e dos referenciais teóricos estudados

para a compreensão de tal temática, considerando a possibilidade de dialogar com o que

propõe as bases da análise fenomenológica e relacioná-los com as implicações dos

referenciais teóricos para proporcionar uma discussão com o conteúdo empírico. Para isto,

buscou-se apoio teórico-metodológico da fenomenologia existencial-hermenêutica, que de

acordo com Silva Filho (2006) tem como característica a interpretação sobre o que foi

descrito do sentido da experiência vivida pelos sujeitos, de maneira reflexivo-crítica para

permitir a compreensão da fala do outro, através da mediação pela linguagem.

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Garnica (1997) aborda a respeito da importância da mediação pela linguagem, que

permite a compreensão e interpretação de um discurso que ocorre temporal (histórico) e

contextualizadamente (social). Para tanto, tentaremos nos atentar aos aspectos que podem ter

algum tipo de influência no que os sujeitos expressam das situações vividas, em suas tomadas

de decisões, considerando que as ideias e elaborações sobre o vivido não estão dissociadas das

condições pelas quais estes sujeitos se encontram e estão enraizados, pois cada fenômeno em

si é percebido de forma diferente pelos diversos sujeitos em suas perspectivas, crenças e

conhecimentos.

As discussões e análises tiveram foco principal no que as experiências vividas, pelo

que as pessoas puderam nos mostrar, são para a compreensão dos significados da

escolarização para estas crianças e adolescentes. Optou-se por definir a perspectiva de análise

e se apoiar em um discurso próprio que se insere, especialmente, no campo da sociologia e da

antropologia sobre os conceitos que foram trabalhados juntos ao que emergiu no conteúdo

empírico.

Após a coleta e transcrição das entrevistas, buscou-se orientação para análise

sistemática dos depoimentos, a partir de algumas etapas exaustivas, mas que conduziram às

proposições sobre o fenômeno estudado e às interpretações compreensivas das experiências

dos participantes na busca dos significados ao que se desejou investigar. Para a obtenção dos

temas ou das unidades de significado13

que foram encontradas nas descrições e que puderam

revelar a estrutura do fenômeno investigado, fez-se necessário dedicar-se a alguns momentos

de análise orientados por Giorgi (2012), Moreira (2002) e Martins e Bicudo (1994) e que

podem ser explicitados da seguinte maneira:

O primeiro momento foi o da investigação global que consiste na leitura geral dos

dados das transcrições, pois ela permite a familiarização dos conteúdos sem a

interpretação.

O segundo momento constituiu-se, a partir da releitura do texto, tantas vezes quanto

preciso, na busca das unidades de significado com foco no que se desejou investigar

e a partir da perspectiva teórica que nesta pesquisa foi de base sociológica. Este

momento foi bastante minucioso, a medida em que foram selecionadas, agrupadas e

reagrupadas para permitir maior aproximação aos dados.

13 As unidades de significado são discriminações espontaneamente percebidas dentro da descrição do sujeito, tendo o

pesquisador a postura adequada (psicológica, sociológica) em relação a essa descrição e considerando-a como um exemplo

do fenômeno em questão. (MOREIRA, 2002, p. 124).

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O terceiro momento consistiu na identificação do conteúdo expresso e da

enunciação dos dados, a partir da perspectiva teórica partindo da análise das

unidades de significado já organizadas no momento anterior.

O quarto e último momento da análise foi dedicado à síntese de todas as unidades

de significado, a partir de suas convergências e divergências, da análise dos temas

repetidos na busca da essência das estruturas para que pudessem ser transformadas

em proposições sobre o fenômeno estudado, a medida em que iam sendo feitas as

interpretações compreensivas das experiências.

As informações trazidas do campo da pesquisa foram reunidas em três blocos no

sentido de organizar a análise a partir da sequência que inicialmente pensamos e que foi

consequentemente trazida pelos participantes (tanto pelas crianças e adolescentes quanto pelas

mães) como veremos no capítulo posterior.

4.6 ASPECTOS ÉTICOS

Realizar uma pesquisa que trabalha com as opiniões, vivências e ideias de outras

pessoas, exige do pesquisador alguns esforços para manter a imparcialidade e o rigor na

postura ética, mesmo sabendo que os problemas éticos podem ocorrer mesmo com a máxima

atenção aos cuidados em pesquisar com seres humanos. Portanto, é importante ter clareza das

questões éticas que envolvem especialmente uma pesquisa qualitativa desde o momento da

elaboração do projeto de pesquisa até a sua análise e considerações finais.

Para tanto, em observância à Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde que

regulamenta, através de diretrizes e normas as pesquisas envolvendo seres humanos, este

projeto de pesquisa cadastrado na Plataforma Brasil (Folha de rosto, ANEXO 3) foi

adequadamente encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Geral Roberto

Santos, em Salvador-BA para análise, considerações, aprovação e mediante as devidas

autorizações (ANEXOS4, 5 e 6) do Comitê de Ética em Pesquisa, do setor de nefrologia do

hospital e também da coordenação da classe hospitalar da SMED no setor de nefrologia, para

que as atividades de pesquisa pudessem ser iniciadas em campo junto aos participantes, a

partir da aprovação final no dia 19 de julho de 2013, do Comitê de Ética.

Na execução da pesquisa de campo e antes de iniciar as conversas, foi feita a leitura do

Termo de Consentimento Informado Livre e Esclarecido (APÊNDICE C), que explicou sobre

a pesquisa e garantia da liberdade e o anonimato dos participantes para a anuência dos

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mesmos. O termo foi assinado em duas vias de igual conteúdo, ficando uma comigo e outra

com o participante. Quando na realização das pesquisas com as crianças, os pais participaram

de todo o processo, dando também a anuência para a participação das crianças na pesquisa.

A esse respeito, Kramer (2002) em um artigo sobre questões éticas na pesquisa com

crianças, nos chama a atenção para alguns cuidados que devemos ter ao realizar entrevistas

com crianças, tais como o anonimato ao nome das mesmas, a divulgação de fotos em que

aparecem os rostos das crianças e o cuidado e compromisso do pesquisador na cumplicidade

da devolução dos achados da pesquisa.

Sobre os riscos e benefícios, é possível dizer que não existiram riscos biológicos aos

participantes e nem comprometimentos clínicos, podendo com cuidado e atenção descrever

sobre as vivências, pensamentos e ideias dos participantes. Ainda sobre os riscos, todos os

cuidados foram tomados para não criar expectativas diante das situações dos pacientes,

clarificando o objetivo desta pesquisa durante todo o processo e especialmente antes da

anuência dos mesmos. Por outro lado, não houve benefícios para os pacientes, pretendendo

que os tenha para as futuras pessoas com a doença renal crônica, na medida em que o produto

desta pesquisa sensibilize os profissionais através do conhecimento produzido.

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5 ELUCIDAÇÃO E COMPREENSÃO DOS RELATOS

Se todos nós lemos um poema, o poema é sem dúvida, o mesmo, porém a leitura em

cada caso é diferente, singular para cada um. Por isso poderíamos dizer que todos

lemos e não lemos o mesmo poema. É o mesmo desde o ponto de vista do texto, mas

é diferente desde o ponto de vista da leitura. (LARROSA, 2011, p. 16).

Nesta parte da dissertação, trago o material empírico que foi resultado do trabalho de

campo no sentido de estabelecer um diálogo, com o que aparece e o que dá sentido ao que se

desejou investigar. Com isto, pretendo tornar visível o conjunto de aspectos que constituem o

retrato da vivência com a doença renal crônica e seu tratamento de hemodiálise nos seus

estilos de vida, nas suas rupturas e reconstruções, nos seus cuidados e nos sentimentos que

fazem parte destas experiências.

As formas e os significados impressos em cada pessoa que convive com uma doença

são determinados, tanto culturalmente por uma dada sociedade, quanto pela sua própria

história de vida nos seus percursos. Foi possível visualizar através das narrativas dos

participantes deste estudo que, apesar de haver sentimentos comuns em relação à doença, que

culminam em seus estilos de vida, há também trajetórias diversas e formas de lidar com as

particularidades que as envolvem. Com isto, quero dizer que apesar de haver a necessidade de

um esforço comum em relação ao cuidado por exemplo, há também divergências na maneira

como determinadas situações são conduzidas por cada pessoa.

Para tanto, fez-se necessário compreender o universo de atitudes e sentimentos

comuns que envolvem as situações vivenciadas pelos pacientes e suas mães acompanhantes

no contexto da doença renal e seu tratamento para o entendimento de questões relativas às

decisões em relação à vida escolar das crianças e adolescentes em hemodiálise, pois o

pesquisador está no mundo de fora e para conseguir algo, é necessário adentrar no universo da

pesquisa, observando os vários aspectos, a partir das diversas pessoas que participam do

processo.

A partir do estudo dos depoimentos obtidos no trabalho de campo foi possível

perceber a evidência do conviver com a doença renal nas escolhas e opções em relação ao que

normalmente se prevê para a vida de uma criança e adolescente, pois no cenário em que a

manutenção da vida diante da Insuficiência Renal Crônica e suas exigências, conciliarem tais

escolhas implica em adaptarem-se à realidade em que ela se apresenta, ou seja, não é possível

falar da educação escolar destas pessoas, sem antes perceber o peso marcado pela doença em

suas vidas e as dificuldades e possibilidades encontradas nos seus percursos carregados de

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emoções nos seus cuidados, privações e rearranjos que por vezes são necessários nos

inesperados de suas trajetórias existenciais.

Assim sendo, partindo destas evidências, dos objetivos desta pesquisa e de minha

perspectiva enquanto pesquisadora, a partir dos referenciais teórico e metodológico aqui

adotados, o fenômeno “escolarização de crianças/adolescentes em hemodiálise” foi revelado

em três unidades/temas:

1. Vivência com a doença: Seus percursos com a doença em suas particularidades e

demandas; seus sentimentos e pensamentos sobre a doença e a hemodiálise; quais os

cuidados, privações e aflições na vivência com a doença.

2. A Escola no contexto da doença e da Hemodiálise: Sobre a influência da doença na vida

escolar da pessoa doente renal crônica; sobre a permanência ou não na escola, a partir

das circunstâncias vividas, junto ao tratamento de hemodiálise; das formas de

“compensar” as perdas nas atividades escolares e como concilia a vida escolar neste

cenário; sobre os cuidados e as relações estabelecidas pela criança/adolescente com

todos da escola; das contribuições da escola diante das necessidades destes alunos; o que

estas pessoas pensam da importância da escola neste contexto.

3. A Classe Hospitalar na Hemodiálise: Sobre o que pensam e sentem as

crianças/adolescentes e suas mães em relação a classe hospitalar; quais aspectos

criticam, tem dúvidas ou apreciam em relação a estrutura da classe hospitalar na

Hemodiálise; o que sabem sobre os direitos da criança hospitalizada, acerca da

escolarização; sobre a relação da classe hospitalar com a família e com a escola comum.

O que ficou fortemente marcado nas condições vividas por estas pessoas (doentes e mães

acompanhantes) foram o sofrimento e a dedicação aos cuidados necessários com a vida

diante das demandas da doença. Neste sentido, ficou evidente que a busca da compreensão

do que significa o processo de escolarização na vida destas crianças e adolescentes, parte da

elucidação da totalidade existencial que compõem as formas de pensar e agir, constituindo

assim, as suas trajetórias biográficas.

5.1 VIVÊNCIAS COM A DOENÇA

5.1.1 Conviver com a doença e as formas de lidar com ela

A conversa com todos os participantes teve como pontapé inicial a experiência na

vivência com a doença desde o seu surgimento que, para cada um, se deu de maneira

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particular nas suas formas e maneiras de contextualizá-las. Neste sentido, ver o que se mostra

essencial no conviver com a doença e seu tratamento nos aponta que os modos de vida destas

pessoas são pensados em função da doença que, por sua vez, são marcadas por mudanças,

cuidados, dedicações, aflições e privações que são expressas nos conteúdos das falas:

Na verdade assim, eu fico única e exclusivamente pra ela. Então, trabalho,

eu não trabalho, o que eu tinha... então eu tive que deixar de trabalhar e

estudar não dá. Então é só em casa mesmo pra cuidar dela. (mãe de

Carmen)

Tudo muda, a começar dos hábitos, horários, responsabilidades com o

tratamento então, três vezes por semana tem que vir para Salvador, fazer o

tratamento, inclui na viagem, inclui nos horários, então modificou tudo.

Diante de todo sofrimento que ainda continua, porque você desloca muito

cedo, acorda muito cedo, têm as estradas, os riscos que a gente passa. [...] E

você ficar a mercê de um serviço de saúde inadequado para seu filho, você

às vezes opta é enfrentar as estradas e vim para a capital para fazer o

tratamento. (mãe de Daniel)

Mudou muitas coisa, porque assim, no começo acaba prejudicando a gente,

e você num vive mais a vida que você era antes, e a sua vida normal, é uma

vida assim, pra mim mesmo eu acho que é uma vida muito sofrida, é um

tratamento difícil, assim, uma coisa que é muito difícil, muito difícil mesmo,

só a gente passando pra a gente entender porque quando a gente não passa

por aquele problema, a gente nunca acha como “as coisa” é difícil, como é

difícil esse problema de Laura né! [...] Impede de trabalhar, às vezes tenho

vontade de ir em algum lugar, não posso por causa dela. (mãe de Laura)

Então eu não tenho muito tempo de trabalhar porque é o hospital, quando

está internado é mais é eu que fico, o pai fica bem pouco. E não posso

trabalhar. (mãe de Davi)

Nós acorda 1h da manhã no caso assim, nós chega, nós sai de lá uma hora,

nós acorda 12:30h da noite de domingo, 12:30, aí 1h nós vem o carro pega

em casa, chega aqui umas 4 horas, tem vez que chega 5, aí quando pega a

gente aí na volta, quando chega lá é umas 9 horas. Dorme na terça, aí

quando for, meia noite de novo, 12 e meia a gente acorda de novo, pega o

carro 1 hora da manhã e volta pra Salvador de novo na quarta. Aí na quarta

de noite chega em casa, aí dorme na quinta-feira de noite torna pegar o

carro pra tá aqui sexta. E isso já tem 2 ano e 9 meses. Eu viajo sozinha

assim com ela, quando o pai vem, o pai só vem uma vez na semana que tem

pressão alta, aí num pode tá andando com ela, perdendo noite, aí segunda

vez num pode, só pode vim uma vez por semana. O restante eu venho com

ela, aí ele fica em casa com os três meninos. [...] três vezes na semana, às

vezes nós vem 4 vezes na semana. (mãe de Valéria)

Para começar tem que mudar de cidade, ficar aqui, residir aqui. Isso já foi

uma mudança totalmente inesperada. Tive que deixar tudo e ficar aqui,

morando aqui em função só de tratamento. Então, isso já é além do

problema da saúde, o que mais pesa é isso aí, porque é como se a gente não

tivesse um lugar certo. Porque a casa onde a gente morava já não sente...

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com um ano e pouco você não sente mais a sua casa. Sai tudo do lugar,

tiram tudo do lugar, deixam tudo do jeito deles. (mãe de Adriano)

Nos momentos das entrevistas, após relatar um pouco sobre a história da doença renal,

desde quando surgiu na vida de cada um, assim como foi apresentado no capítulo anterior, as

mães das crianças e adolescentes relataram de maneira expressiva as rupturas em seus modos

de viver e em suas rotinas, sendo necessário deixar de trabalhar, de cuidar da casa, de dar

pouca atenção aos outros filhos e ao marido, de não mais ter possibilidades de estudar e etc.,

para viver a serviço do que se faz necessário no cenário em que cada um se insere diante da

doença crônica, pois “trata-se de dar atenção aos aspectos privados, à vida cotidiana, às

rupturas das rotinas, ao gerenciamento da doença e à própria vida dos adoecidos.”

(CANESQUI, 2007, p. 20).

É possível trazer da compreensão destes depoimentos que a dedicação ao filho toma o

tempo destas mães e de suas famílias. Além disso, fica bastante evidente a necessidade de

deixar de trabalhar em função desta dedicação. O cuidado com o outro, especialmente, em

relação às idas para as sessões de hemodiálise é mais que uma ocupação, representa para estas

pessoas, a impossibilidade de trabalhar para ganhar um salário. O cuidado aqui expresso

também pode ser considerado como um tipo de trabalho, exige ocupação, preocupação e

responsabilidade entre um eu (quem cuida) e um outro (quem necessita de cuidado).

Vale destacar que o cuidado ao filho doente consome todo o tempo destas mães, sendo

esta uma nova forma de ocupar-se, mas que as mães não reconhecem como uma forma de

trabalho, pois o trabalho que antes era fora de casa e que rendia alguma remuneração não mais

é possível, mesmo que esta família passe a receber algum benefício oriundo do BPC ou do

TFD como está expresso na fala da mãe de Laura:

A coisa assim que mais eu me sinto triste, assim porque eu tenho muita

saudade da minha casa, tenho saudade da minha família, tenho vontade de

trabalhar, porque às vezes assim só dependendo do benefício dela e, às

vezes, a gente passa muita dificuldade das coisa, é tenho vontade de

comprar as coisa melhor pra elas, até mesmo assim algumas coisa pra elas

melhor, porque às vezes assim eu fico, eu não posso. Além da Laura tenho

Ane e Vivi. Ane - especial e tenho Vivi e tá morando aqui de aluguel as

quatro (a mãe e as três filhas) (mãe de Laura).

Situação muito parecida é expressa pela mãe de Valéria que junto ao seu esposo

tiveram que parar de trabalhar para dedicar-se aos cuidados da filha:

O pai dela trabalhava, hoje ninguém trabalha, só tomando conta das outras

crianças, ninguém trabalha, só vive só dessa tratamento dessa menina,

ninguém trabalha, porque a vida é só Valéria, porque a correria é demais,

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ele bota os três meninos na escola, quando é meio dia, pega os meninos,

num tem como trabalhar, há dois anos e nove mês sem trabalhar em nada,

aí tem que cuidar só desse tratamento dela... eu antes ia pra roça ajudava

ele na roça e hoje ninguém trabalha. (mãe de Valéria).

E não é só mudar de casa, de cidade, de rotinas e hábitos que marcam a vida destas

pessoas, elas convivem com muitas situações de incertezas, expectativas, aflições e privações

que no percurso de suas experiências, desenvolvem sentimentos e formas de pensar e

conhecer uma vida que como uma das mães destacou “só sabe mesmo quem passa” ao

expressar seus sentimentos e o que sabe em relação à doença e ao tratamento tanto nas falas

das crianças e adolescentes, quanto nos depoimentos das mães, como veremos mais abaixo:

Ó, o que eu sei é que é uma doença renal, é uma doença que dá nos rins e o

que eu sei é que essa doença tem que fazer hemodiálise, tem que fazer

transplante e...eu sei que dá nos rins e eu sei que a doença renal é um pouco

difícil. (Carmen)

Problema no rim e fez o exame e deu que tem um que tá do tamanho de um

caroço de umbu. O outro tá maior um pouquinho, mas tá parado (Valéria)

Foi... foi quando eu nasci. Que eu tinha infecção no... de urina quando eu

era bebê, aí lesionou o rim. Aí lesionou o rim. Eu fiquei nove anos no... no

tratamento de preservação. Tinha que ir para a consulta tirar sangue... e

tomar remédio lá em Brasília quando eu morava. Aí eu voltei para cá, para

a Bahia, fiquei um tempo na casa da minha avó, aí inchou, eu inchei. A

gente veio para cá, para o hospital. Aí fiz exames lá. Aí me levaram para o

centro cirúrgico. Aí botou o cateter... Aí eu fiz hemodiálise. (Daniel)

Tá ruim... que o rim tá... que um pouquinho, tá mucho. O outro funciona! Se

tá cheio! (Davi)

As mães ao procurarem explicar a doença dos filhos, misturam seus sentimentos e

angústias ao que sabem, como está expresso nos depoimentos:

Eu sei que ele teve problema no rim, que é crônico, que os médicos falam

que não tem cura. É isso que eles falam para mim. Não chega de dizer

assim, totalmente o que é mesmo a doença dele. (mãe de Davi)

Ah é tão difícil! Na verdade eu ainda tô assim... tem muitas mães que falam

que ah... 3, 4 meses, só depois que eu cair na real e eu ainda não caí na

real. Então assim, é uma coisa que se eu parar pra ficar pensando o que é e

como é, né tudo o que a gente vê... eu piro. Então assim, eu sei que... Aliás,

eu não sei nem como dizer assim, eu sei que é algo assim que pegou a gente

de surpresa, né, é difícil, muito difícil, por mais que eu vô dizer pra você é

difícil é uma coisa que a gente não consegue nem dizer em palavras. E o

sentimento que eu tenho é como se minha alma tivesse toda rasgada, esse é

o sentimento que eu tenho. Realmente é muito difícil! Eu tento passar pra

ela de uma forma assim, não tão cruel como é, mas a realidade pra mim

ainda é muito difícil. Eu não consegui acostumar. Aí falar, ah, amanhã tem

hemodiálise então, tipo: tem uma doença renal, ela precisa fazer

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transplante, como se isso fosse... pra mim ainda não é simples. (mãe de

Carmen)

Eu quando eu não conhecia a doença, eu nunca tinha nem tinha ouvido falar

o que era uma doença renal, hoje se alguém me perguntar eu já sei explicar

um monte de coisa, mas antes eu nem entendia o que era essa doença, hoje

porque eu to passando por isso, eu aprendi muitas coisas também porque

quando você não passa por um problema difícil você acha que é tão bom

aquelas coisa, é tão bom aqueles momento que você vive né, mas depois

quando você se torna, você aprende muitas coisa, muitas coisa mesmo. [...]

A doença pra mim, eu acho uma doença muito difícil, porque assim: é uma

doença que empata ela de estudar, empata ele de viver com as irmã, com as

outras criança, é nem tudo ela pode comer, então eu acho muito difícil essa

doença de hemodiálise, assim quando começa a fazer hemodiálise é muito

difícil mesmo. (mãe de Laura)

Um problema muito difícil pra a gente ficar assim com ela, correndo atrás

desse problema dela, correndo com ela de dia, de noite, assim a gente não

pode sair de casa, eu não consigo deixar ela sozinha, fico com medo dela

arrancar aquele aparelho, a gente fica sempre junto com ela, quando é pra

sair assim eu deixo com o pai rapidinho, vou na rua rapidinho e volto, com

medo, ela fica só me ligando com medo, parecendo que ela tá mal, sei lá,

não consigo deixar Valéria com ninguém assim, nem dois minutos, que pra

mim ali, tá acontecendo alguma coisa. (mãe de Valéria)

Cada um lida ao seu modo com as suas aflições, diante das incertezas e das situações

difíceis, uns mais otimistas que outros, tentando minimizar o estresse na criança/adolescente,

além do que vivencia nas circunstâncias inerentes ao convívio com a doença renal. A

esperança em superar as dificuldades e a fé em Deus são as duas grandes formas de buscar

apoio para gerenciar e reelaborar o que vivem e pensam ressignificando-os:

Eu fico com medo, eu tô de cadeira de rodas e de não andar mais e depois

que ela (se referindo a Valéria) fez o transplante eu fiquei com medo. Sei

lá... de fazer o meu e dar problema. [...] eu oro. Começo orar. (Laura)

Eu fico com medo, eu fiquei com medo quando tava na UTI (após o

transplante recente que não deu certo). [...] pra passar o medo, eu confio em

Deus, eu rezo o pai nosso, a Ave Maria. [...] Eu queria que o rim tivesse

funcionando. (Valéria)

São altos e baixos. Um dia você fica meio desanimado, outro dia você

procura nem pensar, nem lembrar... levar... cuidar da vida, do que tem que

ser feito, cuidar das coisas dele e nem parar para pensar que está nessa

situação. Porque se todo dia você ficar parando para pensar... e outro bom

remédio é pensar que os outros estão piores do que você e você puder fazer

alguma coisa para ajudar. Igual a gente vê a mãe de Luna mesmo, é uma

situação bem mais difícil, uma pessoa que sai da distância que é, toda

dificuldade para chegar até aqui, a dificuldade financeira. A criança que

não entende muito, ou não foi direcionada a entender e traz transtorno, quer

que sai de perto, aquela coisa. Então a gente fica procurando dar uma

palavra e acaba se esquecendo muito de você, porque a gente não pode

prender na gente, ficar dizendo que está péssimo. Então tem hora que eu

falo com Adriana (filha), eu falo: “Olha, de todos, a gente aqui ainda está

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melhor. Toda a dificuldade, mas a gente ainda está na benção”, porque

Deus tem poupado Adriano dessas trocas de cateter, de internamento,

quando ele saiu graças a Deus não precisou voltar, ficar internado. Deus

tem suprido de ter como pagar um aluguel para ficar aqui, não ficar

pegando essas estradas direto, machucando dentro de carro. Então a gente

olhando assim, Deus ainda tem sido misericordioso, então não tem porque

se queixar. Mesmo a gente querendo, é proibido. (mãe de Adriano)

Espero assim que esse problema dela ela vai melhorar, ela foi

transplantada, eu pensava que já tava ótima e depois teve que tirar o órgão

de novo, tava... Eu espero assim, que um dia ela vai recuperar que assim:

enquanto vida, esperança, do tratamento dela, a gente cuidando do

tratamento dela 3 vezes por semana e espero que um dia ela recupere....

Assim, eu penso que a hemodiálise assim eu, sei lá, pra mim... eu num sei

nem explicar. É um monte de coisa é o tratamento dela (da doença) é muito

ruim, eu acho muito ruim. [...] Valéria nunca reclamou desse problema dela

não. Ela só achava pesado na hora de levantar, pra vim pra cá meia noite

assim de 12 e meia, levantar pra vir pra cá pro tratamento, aí fica pesado

sair, mas nunca falou desse tratamento dela, mas várias vezes assim de

noite, ela já teve assim vontade assim de rancar o aparelho, ela diz: eu vou

rançar, vou rançar, por isso que eu só durmo com ela. (mãe de Valéria)

Eu disse assim ó Marcelina, vamos fazer a diálise, por mais que seje

cansativo, eu levantar dividir a noite mais você, madrugada, ficar em pé,

sair de lá (Feira de Santana), pegar o motorista... Eu levanto 3:30h, aqui a

gente chega umas 7 horas é porque ele... se ele chega, (a menina interrompe

de longe e corrige: 7 ou 6 horas), não a gente tá dentro de Salvador 6, 6

hora, 6 e meia a gente já tá aqui perto. Aí eu disse a ela que, vamos, é... vou

lutar pra você fazer diálise e quem sabe que você na hora que entrar na fila

do transplante, você num tem a sorte de não demorar muito na fila porque

eu sinto assim que ela num aguenta muito puxar dela da hemodiálise,

porque tem vez que ela sente umas cãibra, essas manchas ali no corpo dela

é cãibra. (mãe de Marcelina)

Muito também do que eu pego com ela é em questão é a fé. Então eu achei

bonitinho que no dia da gente ir lá pra consulta no Ana Nery, foi na quinta,

a gente ia internar no domingo, aí na noite ela orou e começou a falar:

Deus, se você quiser que minha cirurgia seja amanhã, amém! Se for daqui

há um ano, eu vou esperar também Deus, por que tem que ser na sua

vontade. Então sempre costumo colocar assim: Deus acima da... a frente das

coisas, pra saber que tudo é no tempo de Deus, por mais que a gente queria

agora, pode não ser, porque o tempo melhor é o de Deus. Então, eu coloco

muito isso assim, pra ela não se frustrar né, criança eu acho muito

complicado você.... (mãe de Carmen)

É como os médicos falam - né! - que ele pode ficar hoje aqui, amanhã pode

não estar. É igual aos amigos dele, né? Ele mesmo fala que fica triste,

porque a maioria... Deus já levou todos - né! - e aí ele fica triste... É, eu

tento esquecer, fico... imagino, assim.... mas de vez em quando eu vou

esquecendo. Aí, eu tento esquecer, fico... imagino assim.... mas de vez em

quando eu vou esquecendo. (mãe de Davi)

Às vezes assim eu converso com ela, explico a ela que a gente tem que pedir

a Deus, todo dia ela como criança ela tem que pedir a Deus pra Deus

abençoar a vida dela, que às vezes a gente pensa que a vida da gente é de

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um jeito e Deus permite de outro, então assim, eu sempre peço a ela pra ter

fé né. Um dia tudo vai dar certo na vida da gente, ela vai voltar à vida, num

vai voltar à vida normal, que ela ainda vai continuar no tratamento é, ainda

vai continuar com medicação, assim explico muitas coisa, sempre nós duas

senta e conversa. [...] É difícil, a gente sabe mais das coisa é a gente

passando né, a gente convivendo. Eu vou levando assim: entrego nas mãos

de Deus. Eu assim, eu fico mais assim, naquela fé em Deus. Eu olho assim:

se Deus me deu é porque ele viu que eu ia superar, assim: permanecer até o

fim com esse problema de Laura, que eu acho assim: a gente só passa aquilo

que a gente merece, porque se Deus visse que eu não ia suportar esse

problema dela, eu tenho certeza que eu já tinha desistido, já tinha

abandonado o tratamento dela, em momento nenhum por mais que às vezes

alguns médico chegam pra mim e diz que ela não ia viver, que o problema

dela tava se agravando cada vez mais, mas eu nunca baixei minha cabeça,

nunca pensei em desistir do tratamento dela não. Às vezes, a gente passa

muito, muito sofrimento, se preocupa com essa doença, porque é uma

doença ruim, não é uma doença boa, mas em momento nenhum nunca

pensei de deixar o tratamento dela não. Sempre eu já falei que até o último

momento de vida que ela tiver, eu vou tá junto, o que puder fazer por ela, eu

vou tá com ela. Mas a doença dela não me abate não, o que eu mais queria

assim, era assim que ela andasse, que o que mais me deixou muito oprimida,

que o que mais me deixou ela triste foi assim que ela entrou no Roberto

Santos andando e hoje eu vejo ela numa cadeira de roda, então pra mim isso

eu me sinto ruim, isso aí eu sinto, sinto muito triste, às vezes assim: tem

lugar que eu vou com ela que eu vejo que é difícil pra mim subir ou descer

com a cadeira, às vezes aquilo ali me dá uma angústia, me dá uma tristeza,

aí ás vezes eu vou assim, muito triste, mas num tenho do que reclamar

não.(mãe de Laura)

O amparo de seus pares quer seja de seus familiares ou mais ainda das relações de

aproximação dos familiares da criança/adolescente, que faz hemodiálise no serviço de

nefrologia e a atenção da própria equipe de saúde é também outra forma de apoio que estas

pessoas estabelecem entre si na busca de suporte aos momentos difíceis e às angústias:

Assim às vezes a mãe de Valéria vem pra cá para casa né, às vezes a gente

leva o tempo assim, a gente conversa, a gente se abre muito uma pra outra,

a gente começa a conversar na vida, como é difícil, aí eu me desabafo

melhor com ela, eu me sinto mais aliviada um pouco, mas como ela num tá

eu fico triste, eu fico só chorando.[..] É, eu e Deus, e as pessoas, e as amiga

pra dar apoio, porque minha família... minha mãe é doente, não tem

condições de me ajudar, o pai de Laura não liga pra ela, abandonou desde

novinha, então eu nem conto com ele. (mãe de Laura)

Um apoiando o outro, um ajudando o outro. E aí a gente vê que os médicos

e as meninas que cuidam dele são especiais, nesse sentido de acolher, de

amparar. Você vê que tem um vínculo de amizade, de gostar de estar ali com

eles, de fazer de tudo... porque a gente viu… de fazer mil correrias para

ficar ali na sala com eles. Porque se ela não quisesse, ela está aqui para

fazer um trabalho, né. Não importa onde. É, tem sempre os adultos que dão

aquela atenção especial, como Cristina mesmo que é uma benção na vida

das crianças. Com Adriano mesmo ela é um amor. Traz presentinho e todo

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dia, quando chega, tem que ver, perguntar se está bem. E tudo isso é

importante, não é? Um para o outro. (mãe de Adriano)

Na fala de alguns, ficou evidente o esforço em manter uma relação o quanto menos

dolorosa, proporcionando uma relação afetiva baseada na conversa, mas em outros, a relação

é de pouco diálogo e também sem esforços para poupar a criança ou o adolescente doente da

realidade dolorosa, culpabilizando-o por algo que lhe acarrete mais dor e sofrimento. Estas

condutas fazem a diferença na maneira como este paciente encara os problemas que por vezes

enfrenta nos momentos mais dolorosos como trocas de cateter, dificuldades de acesso, mal

estar decorrentes do processo dialítico, doenças associadas a doença renal, transplantes que

não deram certo dentre outros.

Mesmo havendo um esforço por parte da equipe multidisciplinar de saúde em acolher,

orientar e ser solidário a todas as questões que envolvem a vida do paciente com a doença

especialmente do trabalho da psicologia, a maneira como a família da criança/adolescente lida

e a faz compreender este processo é muito expresso na forma como a própria pessoa com a

doença reage diante das situações cotidianamente vividas por elas.

Assim, quando ela começou que eu acho que como eu, como ela não

entendia a doença ela achava assim, que como ela podia fazer hemodiálise,

fosse uma coisa que o rim dela podia voltar a funcionar logo, então eu acho

que pra ela, depois que ela foi conhecendo mais a doença, foi vendo como

era a doença então, eu acho que hoje ela mudou muito. (Mãe de Laura)

Nesta fala, fica expressa claramente a ideia de que a hemodiálise é um tratamento que

pode possibilitar o retorno da função renal. Em outros depoimentos, a palavra tratamento

usada por algumas mães também carregam em si o sentido de que na hemodiálise, as crianças

são “tratadas” da doença, quando na verdade a hemodiálise é um “adiamento” para se

alcançar o dia que se vai passar pelo transplante ou o dia em que se vai morrer.

A mãe de Daniel compreende que a hemodiálise e o transplante são um paliativo para

a doença que não tem cura. Ela traz em sua fala a concepção da medicina em relação à IRC e

em contrapartida ela rebate com a sua crença no milagre de que o projeto de vida do seu filho

não será interrompido, através da fé que carrega consigo na ideia de que Deus tem algum

plano ao que ela está vivendo junto com o filho:

Eu sei que é uma doença em que a medicina trata como 'sem cura', o

transplante é um paliativo, que isso fique bem claro, a medicina trabalha até

com data de validade, há validade, a gente, que tem fé, como eu falo que as

famílias que tem uma visão, a cabeça e nela há uma fé, há algo que ela tira

que não sabe de onde vem, que nós sabemos qual que é a fonte, que é a

'palavra do Senhor', que é você exercer a fé, mesmo mediante algumas vezes

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você está lá embaixo, às vezes se depara com perdas grandes, que não

foram nem uma e nem duas, infelizmente houve perdas, mas você sabe que

há um objetivo maior, então você encara de uma maneira diferente. (mãe de

Daniel)

A possibilidade de receber um órgão e sair da hemodiálise gera nas pessoas envolvidas

um amontoado de sentimentos que são contraditoriamente marcados por esperanças e

angústias. Permanecer por longos períodos na fila de espera, ou em mais de uma fila, contar

com a incerteza de não ter sucesso no transplante e não saber se vai ser possível, são

condições vivenciadas por estas pessoas que dependem e aguardam por estes serviços. Em sua

fala, a mãe de Adriano, expressa seus sentimentos comparando-os com o que tinha

anteriormente:

É, muita coisa e tem hora que a gente fica pensando que não sabe nada.

Porque cada hora aparece coisa nova. Há esperança de transplante, mas

isso fica sem saber quando. Aí eu digo que, antes quando não estava na fila,

a gente estava se sentindo de uma forma. Depois de estar ativo ali - porque

agora ele está ativo lá em São Paulo também -, parece que a angústia

aumenta, porque você não sabe o dia... ainda ontem mesmo eu estava

comentando com Adriana, quando você tem uma cirurgia, algum problema

igual eu já tive, marcou a cirurgia está agendada para o dia, tal hora, tal

médico, você sabe quem é o médico, você acertou tudo, né, programou tudo

e vai lá fazer a sua cirurgia. Nesse caso não. Você não sabe dia, você não

sabe hora; não sabe como vai chegar, se vai dar tempo de chegar; as

condições que está no dia da criança; quem vai ser os médicos que vai estar

ali fazendo aquela cirurgia... é muito... como é que dá o nome? Incerteza.

Você espera uma coisa para resolver, mas tudo no incerto. Pode acontecer

assim, pode ser assim. (mãe de Adriano)

O cuidado no acolhimento por parte da mãe através da relação que a mesma procura

estabelecer por meio das explicações sobre o que a criança vivencia, da forma de apegar-se

nos momentos difíceis ao que creem e no que os conforta, são expressos nos relatos de

algumas mães:

Mas eu sempre faço com que ele encare da seguinte forma: que ainda há

possibilidade de um milagre, e se esse milagre não vier de uma cura total,

vai vir um outro transplante que vai dar tudo certo, e é isso que a gente

começa a fazer com que ele venha a absorver para encarar diferente. Eu

acho que é isso, porque se eles se encararem como doentes limitados, eu

acho que a frustração se torna maior, a questão emocional, acho que fica

uma barreira maior. (mãe de Daniel)

Então eu acho que não afetou tanto (no psicológico), porque eu tento passar

pra ela assim, da melhor forma possível né, assim: até em relação a

algumas coisas que acontecem eu não conto pra ela, pra ela continuar no

mundinho de criança né. Então assim, eu tento passar pra ela que o

tratamento é uma coisa boa. Que não é ruim, que ela vai pra lá (o hospital)

pra fazer algo bom pra ela. Então assim, são 4 horas que não são ruins, mas

eu tento levar livro, gibi, lá eu brinco, eu tento fazer de uma forma que

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aquilo lá não seja ruim. E essas coisa que acontecem assim de óbito de uma

criança, eu não falo pra ela. Ah tipo: tem criança que não tá boazinha...

então eu tento passar pra ela não exatamente o que é e o que ás vezes

acontece. (mãe de Carmen)

A gente vai animando, vai levando assim... não deixando ele alimentar... Ele

conversa muito com a irmã. Conversa, envolve, procura uma brincadeira,

bota pra ele brincar, fazer alguma coisa no computador se ver que ele está

ali meio triste. Essa semana mesmo que ele ficou com febre, a primeira

coisa, a febre deixa um pouco desanimado, aí ele fica: “Me anima, me

anima”. Quer dizer “não me deixa ficar assim não”. Então, ele solicita se

ele sentir que ele está desanimado, que está um pouco abatido. Então ele

não aceita. É um sinal dele não aceitar. Fica pedindo para animar ele, aí a

irmã: “Você quer que eu lhe anime como? Quer brincar do quê?” [...] Ele

expressa o que ele sente. Ele faz pedido de oração quando vai para a igreja,

bota um papelzinho e entrega lá na frente. Com o Cirilo, se ele sabe que

Cirilo vai trocar cateter, ele diz que vai ficar em jejum, que não quer comer

porque Cirilo está trocando cateter. Essa semana mesmo ficou. Agora,

depois que almoçou, não é? “Aí agora vou entrar em jejum porque Cirilo

vai trocar o cateter”. Quer dizer, ele tem um entendimento do que é jejum,

mas depois da barriga cheia. Eu não aguento! Mas ele tem muita

preocupação com Cirilo, com o Adriano. Quando diz que vai internar, ele

fica lembrando o tempo inteiro em casa e fica comentando. (mãe de

Adriano)

Foi possível presenciar no campo da pesquisa uma reação negativa de Marcelina, em

uma situação de sofrimento vivida por ela no momento da hemodiálise em que ela dizia em

voz alta e repetidas vezes que queria morrer e perceber, que esta fala também parte de sua

mãe quando em seu depoimento expressa que:

Eu digo: você tem que aceitar Marcelina, porque se você não aceitar nada

disso, fazer coisa errada, pra vim a... Você vai morrer, porque ela num pode

fazer nada de errado sobre isso aí, porque é o rim! Seu rim não tá filtrando

nada, é doente, então você tem que aceitar isso tudo e esquecer, e um dia

quem sabe que assim que você entrar na fila do transplante seu doador não

esteja lá e você vai pra, vai fazer as coisa certinha, vai sorrir de novo e

depois que o médico liberar tudo que você pode comer e o que não pode, aí

você vai viver sua vida normal que você vivia, que você se sentia feliz. [...]se

ela comer uma coisa, aí ela fica inchada se ela comer coisa que ela num

deve comer, mas ela já fez isso umas 4, umas 2 ou foi 3 vez. Mas só que

depois disso, ela sofreu na máquina, eu disse quem vai sofrer é você, porque

quem tá doente é você, eu tô aceitando tudo porque eu num tenho problema

nenhum, quem tem é você, então quem tem que aceitar, às vezes ela diz que

não quer viver, ah, pra que eu viver com uma doença dessa? Todo mundo

feliz e eu triste e com essa doença eu não posso comer, não posso correr,

não posso fazer nada, só, vivendo, só pra essa máquina! Ela fala aqui e em

casa, e a médica disse: que é isso Marcelina, não fale isso não. Eu disse,

porque a máquina... Porque quem tá sofrendo aqui sou eu, com essa

máquina, puxando, eu sentindo dor, a pressão fica baixa, à vezes fica alta,

mas a tendência abaixar mesmo. (mãe de Marcelina)

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Há mães que expressam a dificuldade em estabelecer um diálogo com o filho,

preferem não conversar muito ou não conseguem criar este tipo de relação e neste contexto a

criança/adolescente mantém uma relação mais próxima com outra pessoa ou passa a conviver

com a doença, tendo que aceitá-la sem muitos questionamentos e sem expressar muito dos

seus sentimentos como podemos ver nas falas:

Porque ele vem não conversa comigo. Eu sou a mãe, ele conversa com a

avó. (mãe de Davi)

Eu converso com ela, mas ela é uma pessoa mais calada, assim, ela num

senta pra conversar mais eu, assim: conversar, conversar, é bem pouco

mesmo. [...] É uma vida muito difícil pra a gente ficar frequentando com ela,

mas eu digo assim sempre a ela: é Valéria, é difícil, porque hoje em dia é

até difícil pra eu acordar ela pra vir pra cá, ela num quer acordar, acorda

chorando pra vim, aí eu digo: mas tem que ir Valéria, de todo jeito a gente

tem que ir, você não pode ficar sem esse tratamento, você não vive sem este

tratamento, tem que cuidar desse tratamento. Aí ás vezes ela vinha

chorando, chorando dentro dos carros. Aí eu é Valéria, mas se conforma

que é assim mesmo, a gente tem que vim, de todo jeito a gente tem que

frequentar seu tratamento, num pode ficar fora dele, pois se ficar sem esse

tratamento você morre. Aí tem dia que ela tá assim dormindo que acorda já

chorando pra num vim. (mãe de Valéria)

Um depoimento que me emocionou muito em uma de nossas conversas foi o da mãe

de Daniel, que como eu falei no capítulo anterior, convive com a doença desde quando era

bebê, fez tratamento conservador durante nove anos em Brasília, veio para a Bahia, iniciou a

hemodiálise e no ano de 2012 fez transplante de um doador cadáver, mas retornou para a

hemodiálise após momentos difíceis e que colocaram a sua vida em risco como relata a mãe:

Quando eu saí do Ana Neri (Hospital) eu posso dizer que o meu filho é um

milagre e que quando eu saí do Ana Neri que até as psicólogas vão ter muito

o que falar que eu falava da maneira que o pessoal daqui ficou muito

receosos como receber Daniel, com medo de Daniel chegar com depressão,

com medo de Daniel chegar de uma maneira e não soubesse mais que

encarar a máquina já que tinha passado por um transplante. Já que a gente

trabalha a mente dos profissionais de saúde, até a gente mesmo em casa, a

gente sempre trabalha a possibilidade de vir um transplante como uma

benção e sair de uma máquina e você passar e a realidade ser outra e você

ter que voltar. Então eu saí com meu filho do Ana Neri dizendo assim

"Sorria para a vida porque você está saindo com vida e está andando com

suas pernas", então ele já saiu encarando que passou uma página, uma fase

da vida dele e está começando uma outra. Então ele chegou aqui sorrindo,

brincando e todo mundo ficou chocado com o que encontrou, porque não

encontrou uma criança depressiva não, encontrou uma criança bem, acho

que ele parou até para consolar algumas pessoas. As pessoas diziam "Poxa

Daniel", "Não, eu estou bem!", como ele mesmo... ele sentiu medo quando

foi para a retirada do enxerto. [...] Quando ele lançou aquele olhar para

mim, olhei para ele e disse assim "Você está questionando o que, pai? O seu

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amiguinho fez transplante está bem, o seu outro amiguinho transplantou

está ótimo, e com você deu errado. Não pense que Jesus ama menos você

porque não é essa a verdade", houve um trombo arterial, onde uma das

artérias renal teve esse trombo, e no comum pelo qual já pesquisei, fui para

a internet saber os resultados, tem pacientes que em menos de vinte e quatro

horas vem a óbito, porque complica todo um quadro do paciente. Então

assim quando eu olhei para ele falei "Filho, você está sentindo alguma

dor?", ele "Não", eu "Você teve febre?", "Não", "Sua pressão está normal?",

"Está", "Então Deus está cuidando de você", porque quatro dias com um

trombo e um rim apodrecendo dentro dele e essa criança não teve nada,

então eu encarei... eu fiz com que ele encarasse aquele processo todo como

experiência e como um milagre.[...] Quando as pessoas(do serviço de

hemodiálise) receberam o Daniel todo mundo se preparando, todo mundo

meio que tentando se organizar e treinar como fazer, até as crianças, "Olha,

vamos fazer assim com o Daniel, ninguém vai falar isso", quando o Daniel

abre a porta " 'Pam'! estou aqui de volta" e disse assim "Fafá (a técnica) vai

ter que me engolir de novo", então com outra cabeça, enxergando além do

horizonte. É duro porque você busca a força de onde você não sabe da onde

está saindo. (mãe de Daniel)

Por meio destas experiências, são feitas pelas próprias pessoas envolvidas as suas

reconstruções mediadas por crenças, valores e formas de pensar. Assim, de maneira não tão

fácil, seus projetos são reelaborados tendo em vista o que se esperava do transplante e o que

indesejavelmente aconteceu.

Mesmo tendo a vida marcada pelo sofrimento da doença, procura estabelecer uma

relação otimista com o filho no sentido de buscar o seu empoderamento e superação das

dificuldades também baseada na fé em Deus como traz fortemente no seu depoimento:

Eu não sei também se a estrutura de casa reforça isso, então assim, desde

que eu tive Daniel e toda história começou com um mês e quinze dias, eu

nunca permiti que ninguém tratasse ele como um coitadinho para ele não se

tornar vítima da própria doença, ele se tornar vítima dele mesmo. Lá em

casa eu não aceito tratar ele do doente, "ô, coitadinho", não. Eu trato ele

como eu trato meu outro filho, exigo, cobro, delego responsabilidades, claro

que tem suas limitações, não pode ser também considerado, senão eu vou

tratar ele como um perfeito saudável, mas da maneira do possível, eu cobro

de todos que não cuide dele ou acabe tratando ele como um coitadinho

doente. Então na cabeça dele não se olha assim, "Ah eu sou um doente",

não. Está em tratamento, há possibilidade de fazer, sim, um novo

transplante, eu digo assim, acho minha caminhada, eu digo assim a

diferença entre um paciente e outro, eu creio que é a maneira de visão dos

pais em levar e principalmente da fé. (mãe de Daniel)

Nos relatos, também, ficou muito evidente a mudança de comportamento por parte da

criança/adolescente depois que iniciou a hemodiálise, pois antes da doença elas agiam de

forma mais ativa e participativa nas interações quer seja em casa, na rua ou na escola e depois

que iniciou o tratamento, passou a ficar mais calada e menos ativa. Algumas crianças me

relataram que ficam cansadas por causa da própria hemodiálise e do esforço que fazem

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diariamente no deslocamento até o hospital e no retorno para casa, então este, também, é um

dos motivos que os deixa da forma como mostram os depoimentos:

Ela num saí, fica em casa quietinha, num sai assim pra brincar com

ninguém, num brinca com os meninos, num corre nem nada. Só sentada no

pé da televisão, ou então sentada em cima da cama no quarto dela. [...]

Antes ela corria, brincava, era bem mais ativa ela brincava com os

irmãos.[...] Antes eu lavava roupa, ela ficava do lado lavando as calcinhas

dela, hoje ela num faz nada, nada, nada, nada, só sentada, no dela, do

quarto dela pra o pé da televisão sentada na cadeira, não faz nada.[...]

Valéria anda triste, muito triste, muito triste, anda triste depois que teve esse

problema pra ser transplantada que não conseguiu ser transplantada, ela tá

muito triste, muito calada, ela era uma menina calada, mas não era tanto, e

hoje ela ta uma menina muito calada, pensativa assim muito. (mãe de

Valéria)

Eu acho que fica assim triste, às vezes, eu pergunto o que é, e ele só faz

dizer que não, também ele não fala - né! - o que ele é. Ele não gosta de

falar. (mãe de Davi)

Eu brinco, passeio, eu ia pra escola mas não estou indo mais. (Valéria)... eu

também... eu não vou pra escola. (Laura)

No começo (quando iniciou a hemodiálise) eu tinha tontura, ânsia de

vômito. Na hora de desligar não sentia nada e depois eu ia pra casa dormir.

Chegava em casa DEBILITADO, todo mole, aí eu chegava e ia dormir.

(Davi)

Muitas coisa Laura mudou, é assim, ela vive mais triste, ela num é mais

aquela criança é, quando ela não fazia hemodiálise eu achava ela uma

criança mais alegre, mas depois que ela começou a fazer hemodiálise, por

mais que a agente conversa, a gente tenta sair com em algum lugar pra ver

se ela anima, mas ela num é nunca igual aquela criança que era, então eu

acho que essa hemodiálise, assim eu acho que pra ela, ela fica muito sofrida

com essa doença, eu acho que ela fica muito deprimida. [...] Ela num queria

fazer nada da vida, ela num queria fazer hemodiálise, ela num queria fazer

nada.. num sei... ela queria morrer, ela ficava dizendo que preferia morrer

do que ficar fazendo hemodiálise. Quando ficava internada mesmo, ela

falava em pular aquela janela lá do Roberto Santos (Hospital). A psicóloga

conversava com ela, depois foi que ela foi melhorando, depois que passou

na psiquiatra também, a psiquiatra passou remédio. (mãe de Laura)

Apareceram por entre as falas as questões relativas aos óbitos decorrentes da doença e

nestas falas ficaram expressas a dor da perda de um amigo, o medo de morrer e a dificuldade

da mãe tanto em tratar desta questão com o filho quanto em conviver com esta realidade que

faz parte deste contexto.

Quando um dos amiguinho dela morre, ela fica muito triste. Quando foi o de

Bibi que foi amiguinha dela, ela ficou muito tempo, de Kau também, ela

ficou muito sentida. Ela tinha foto de Kau no celular dela, ela teve que

apagar que ela tava lembrando e ela chorava, chorava por muito tempo,

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precisava ir lá e pegar o celular da mão dela e ia direto lá nas foto dos

coleguinha dela, dos coleguinha dela que já foi a óbito, então, pra ela,

porque é muito sofrido né, porque assim é muito difícil Pri, porque ela

convivendo com os amiguinho dela, então se torna uma família, então vai

passando os dias, todo dia da hemodiálise dela, eles se encontra então eles

se é mesmo que encontrar a família né, então chega o dia em que ela vai

dialisar e chega lá e não vê nenhum dos amiguinho dela ela fica sentida né,

que com certeza alguma coisa aconteceu. (mãe de Laura)

Eu não falo, nada quando eu vejo ele triste. Porque se eu for falar, eu acho

que fica pior. Acho que se for, às vezes, mas para mim eu vejo que ele não

está bem. É, porque não adianta esconder porque se esconder, ele dos

outros fica sabendo, aí eu conto, mas aí ele se recupera. Fica só um

minutinho deprimido, mas depois ele fica normal, ele conversa, ele

pergunta. É, ele quer saber o que é direito, como foi, aquele negócio. (mãe

de Davi)

Sobre os óbitos, ele não sabe até hoje de Lia, ele pensa que Lia está em

casa. Ele não percebeu de Tata, mas ele não percebeu que parou, ele não

liga essas coisas (se é no dia dele) por exemplo, não veio mais pra

hemodiálise... Ele sabe de Davi que está lá fazendo peritônio, mas porque

Davi deu “tchau”, tal, tal... mas desses outros casos ele pensa que... mas ele

não sabe de nenhuma morte não contei não. (mãe de Adriano)

Eu conto tudo, porque aqui mesmo ela soube assim que a gente saltou do

carro, subiu o elevador, tava uma tristeza na sala, todo mundo assim com

aquela tristeza, tristeza, aí a moça foi, a enfermeira foi e falou que foi a

morte da menina de, de Bibi, que ficava ali e depois quando a gente passou,

foi a do menino de, aquele... o pequenininho... Kau. Ela sabe tudo! (mãe de

Marcelina)

Curiosamente destaca-se ainda aqui neste tópico que trata das formas de lidar com a

doença, o fato de mães pouco escolarizadas se referirem em seus relatos aos casos de morte de

crianças e adolescentes com a doença renal, utilizado a palavra óbito, ao invés de morte,

sendo esta, uma terminologia utilizada numa linguagem técnica, cotidianamente dita pelos

profissionais de saúde. Neste sentido, mesmo convivendo neste contexto de dor, sofrimento,

incerteza e riscos, o conhecimento da morte por parte dos pacientes em alguns casos é evitado

pela mãe, por ser este tema, mais um problema que estas pessoas enfrentam, ou como escreve

Elias, é uma forma “de comportamento que podem tornar mais fácil enfrentar as demandas

emocionais de tal situação”. (ELIAS, 2001, p. 32).

5.1.2 Abstendo-se e as formas de cuidado

A doença renal crônica exige muitos cuidados por parte do paciente e de seus

familiares. Como já foi dito, os cuidados necessários envolvem a terapia substitutiva da

função renal, o uso correto da medicação prescrita pelo médico e os cuidados em relação

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especialmente a dieta alimentar e hídrica. No caso particular de crianças, há um cuidado

especial em relação a certas atividades tais como correr, jogar bola, usar piscina, ir à praia e

etc., pois exige cuidados em relação ao cateter tanto para evitar acidentes, quanto para evitar

infecções.

Tenho cuidado com o cateter, eu tampo assim no banho e pra brincar,

correr, senão sua. (Adriano)

Há também muitas restrições com relação ao deslocamento para certos lugares para

manter a assiduidade no tratamento, pois quando não podem ir à determinados lugares para

visitar familiares por causa da distância, enfrentam as dificuldades em relação à falta de

transporte que dê condição de deslocar-se em tempo e com segurança. Neste sentido, a

criança ou o adolescente convive com a impossibilidade de manter um contato mais frequente

e próximo com seus pares.

Sinto falta de meus colegas, meus amigos, minha prima, minha família,

minha madrinha, meu tio, minha avó e meu avô, sinto muita falta. Eu não

posso ver eles porque eu tô aqui fazendo tratamento, aí às vezes eu fico

triste, chorando, que eu não posso ir pra lá e quando minha mãe vai pra

resolver alguma coisa, eu fico com vontade de ir, mas eu não posso. No

natal mesmo, eu vou ficar aqui porque eu não posso ir pro interior por

causa do meu tratamento. Minha mãe vai e eu fico mais a vizinha. (Laura)

A vida da gente mudou, porque ficou longe da família, longe de casa, longe

de tudo né, praticamente a gente tá vivendo aqui ultimamente né. Então é

diferente né! Eu acho que se meu interior fosse mais perto assim que nem o

dela (se referindo à mãe de Valéria) eu achava melhor viajar todos os dia,

porque, por mais que você tinha que viajar, tinha que levantar a noite e

tudo, mas pelo menos você final de semana tava em casa, você tinha como

cuidar de suas coisa, eu não, minhas coisa já... a minha vida é diferente

porque minhas coisa tá lá tudo jogada, eu reformei minha casa, fiz um

quarto pra Laura fazer diálise peritoneal, ultimamente quase num participei

e não to participando, então o quê, minhas coisa tá tudo lá parada. Então

pra mim, eu acho mais difícil. (mãe de Laura)

Há ela pede assim, sempre pra ir na casa da vó, ficar lá um dia, pra de lá

vim pegar carro de ir pra hemodiálise dela na segunda, eu digo: Valéria

num pode. Lá no caso, nós vai no sábado, aí no domingo de noite a gente

tem que vim pra cá (Salvador), é o carro ao contrário, eu num posso marcar

um carro pra me pegar lá, aí fica difícil, ela quer ir, ela tem vontade, mas eu

acho que num dá assim pra sair, voltar a noite. Na cidade da gente só uma

pracinha mesmo que a gente sai a noite mais o pai dela e os meninos. Isso

faz bem a ela, muito mais do que quando a gente vai no mercadão, tem

lanchinho, essas coisa, aí ela gosta de ir, vou sempre, ai eu levo ela lá, aí

ela gosta, aí ela gosta de sair comigo. (mãe de Valéria)

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A dificuldade em permanecer com disciplina na dieta e no controle de líquido é a

privação mais expressa na fala das crianças e dos adolescentes com a doença renal, pois às

vezes aceita esta condição, mas por vezes não consegue conter-se como relata a mãe da

criança:

Tem uma menina lá que tem um problema de saúde que é no sangue e hoje

essa menina num pode comer, é igual a ela num pode comer quase nada e a

menina aceitou isso tudo. E é da mesma idade dela, é por isso que eu digo a

ela: olhe a sua colega tem o mesmo problema assim, porque a sua colega é

no sangue e o seu é no sangue (lúpus) que atingiu os seu rim e ela num come

nada, nada que venha prejudicar a ela, ela num come, ela disse que vai pra

festa e não bota nada na boca, eu conversando com ela que ela mesmo disse

e ela vai pra festa, aceita tudo e ela quer, ela disse que quer ficar viva, ela

quer tratar do problema dela, que ela num liga se ela num comer aquilo que

ela num pode não. E porque você num aceita isso também? Ela quieta!

Porque sua colega num tem a boca, ela num é uma menina que é comilona e

você é. Tem esse problema, porque o problema dela todo num é nada assim

de: porque vai pra escola, não ela gosta de ler e escrever ela gosta de riscar

papel, ela sempre foi assim, ela sempre fez carta pra mim, fazia carta,

bilhete e me dava, ela sempre foi uma ótima aluna. [...] Antes ela comia

todos tipo de merenda , ela gosta de comer. Ela bebia muita água, ela

corria, com as amigas, que tem umas meninas lá que gosta de correr, ela

corria, corria, quando vinha, ela tomava aquela água toda, aquela

garrafinha assim de água todinha e sempre fazia, urinava, não tinha

problema nenhum, nenhum problema. E agora ela num pode fazer nada

disso, aí ela fica se queixando, às vez aceita, às vez não! Tem hora que ela

aceita tudo, fica aceitando, tem hora que dá uma revolta que não quer

aceitar nada, fica toda assim. (mãe de Marcelina)

As crianças/adolescentes são orientadas e sabem de suas restrições, umas conseguem

administrar a dieta com mais tranquilidade, com a ajuda da família que se organiza para

cuidar no preparo da alimentação, ferventando alguns alimentos, por mais de uma vez,

evitando o uso do sal e substituindo alguns alimentos por outros para amenizar as abstinências

da criança com relação ao consumo de chocolates, por exemplo, dando-lhes outros doces que

não são proibidos por conterem menos potássio e fósforo.

Antes, a mesma coisa que agora, só impede de comer comida com sal, que

não me faz falta, antes eu não gostava de sal também, eu não comia nada de

sal também antes.. já estava acostumada a comer sem sal, as coisa que eu

comia era às vezes, às vezes... eu ia na praia comer um peixe frito, só que

não, não comi nada com sal esses tempos todos que eu tava... desde que eu

nasci, eu não como nada, nada, nada exagerado a sal. Tudo... Lasanha,

feijoada... Tudo isso que comia não é sal, é sal, mas não é tanto sal não.

Mas eu não comia sal não... então não faz falta sal pra mim. Então, só me

dá vontade de comer às vezes, mas às vezes, também pode comer, há mas

não falta pra mim, faz um ano que eu não como salsicha e não tá me fazendo

falta nenhuma. (Carmen)

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De uma maneira geral, lidar com as restrições alimentares é muito difícil, exige

disciplina e muitos esforços por parte do paciente que precisa se organizar e, muitas vezes,

abrir mão do que gosta, no sentido de evitar situações de mal estar por excesso de líquido no

organismo ou pela ingestão inadequada de calorias e proteínas que prejudicam a saúde do

paciente podendo-o levá-lo à óbito.

Em relação a estes cuidados alimentares e ao controle de líquido, as

crianças/adolescentes e suas mães trouxeram relatos de suas angústias em ter que privar-se da

ingestão especialmente de líquidos, como sendo um problema que enfrenta e que dificulta

muitos aspectos da vida social da criança, sendo necessário, em alguns casos, as mães ficarem

bastante atentas para evitar mais riscos à vida de seus filhos nas situações do cotidiano

narradas:

O problema dela, num é nada assim de dizer, ah porque eu, eu quero

alguma coisa assim não... o problema dela é o que ela quer comer, se ela

disser que quer comer aquilo ali, ela fica rodeando você, fica rodeando até

querer que você dê aquilo que ela não pode, que às vez só pode na diálise e

ela quer comer fora de diálise. É chocolate que ela gosta, gosta desse

chocolate assim grande, gosta de comer pizza, gosta de comer coisa assim,

uma coxinha, uma peça, ela quer comer fora de diálise e ela não pode. E

você sente logo assim que, que se fazer coisa errada, comer fora da diálise e

escondido de você, você sente logo que já mostra, começa a fica inchado o

rosto, já começa a sentir cansaço, começa cansando, cansando, cansando,

porque a semana retrasada ou a semana passada, eu viajei, fui na minha

cidade de Nazaré das Farinha pegar meus documento e deixei ela com

minha irmã, aí ela foi pra casa da irmã dela por parte de pai e comeu

salsicha, que a irmã dela tem pressão baixa, aí ela foi e comeu, ôxi! Quando

eu cheguei que avistei assim, que saltei do carro na avenida lá de onde eu

moro, eu tô vendo ela assim mais forte do que ela é, o peso dela, eu senti ela

assim que o peso dela estava mais, que Marcelina tá cansando, ela: eu num

estou cansando não! Você fez coisa errada Marcelina, ah num fiz não, num

fiz não! Você fez sim! Você comeu coisa que não devia. Você vai morrer e se

uma hora num der tempo, levar as pressas, você tem plano de saúde, tem

tudo. Mas só que numa hora, tudo para, você num encontra nenhum táxi,

nenhum carro pra levar você num lugar. Ela: ah num comi não, quando

chegou aqui na quarta-feira, na segunda, foi. Drª Marina mandou pesar,

quando foi pesar tava com 29 e 800. O peso seco dela é 23 e meio. (mãe de

Marcelina)

A preocupação com ganho rápido de peso está relacionada ao excesso de peso que esta

criança terá que perder na sessão de hemodiálise e o risco de passarem mal em decorrência da

falta de cuidado em relação à dieta e ao controle do líquido. Em alguns depoimentos é

evidente a dificuldade em manter-se vigilante a estes cuidados.

Ela tem vontade de comer muita coisa e não pode, é na rua, ela quer comer

alguma coisa assim na rua que nem ontem a gente saiu pra comer uma

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coxinha, ela quis comer uma coxinha eu tive que dar a cozinha a ela, tomou

um suco de maracujá, quando chegou em casa ela dormiu logo por causa do

suco de maracujá que ela tomou. (mãe de Valéria)

As restrições alimentares dependem também do resultado dos exames de cada

paciente, o serviço de nutrição acompanha estes resultados junto ao médico e orienta ao

paciente quanto ao cuidado na rotina alimentar, os alimentos que, de uma maneira geral, é

prejudicial a todo paciente com doença renal por serem muito ricos em potássio e em fósforo,

além do controle do líquido no organismo é também regulado por cada paciente, pois alguns

fazem xixi, mas outros, infelizmente, não fazem e necessitam restringir ao máximo o controle

de líquido, o que também apareceu como fator de obstáculo da criança de ir para a escola por

não poder beber água, correr e comer certos alimentos como foi expresso na fala de Valéria:

Tem crianças que faz hemodiálise não pode ir pra escola, não pode beber

muito líquido, pular. Não pode correr, beber muito líquido, comer abacaxi,

cajá, tangerina. (Valéria)

No relato a seguir, a mãe de Daniel fala das privações da pessoa com doença renal e

explicita a situação particular do seu filho e o alívio em relação à diurese (produção de urina

pelos rins) do seu filho que é considerada boa como ele traz:

Antes ele jogava bola, antes ele brincava, a atividade era maior, mas o que

melhorou, que piorou foi a questão das restrições alimentares porque é uma

restrição muito severa. Antes do paciente realmente entrar na hemo a

restrição alimentar se torna pior. Como não tem a máquina para limpar,

então você tem que realmente, em toda alimentação, você começa a eliminar

e reduzir o potássio, o fósforo, então você tem uma criança que você vai dar

um lanchinho com frutas aferventadas e para dar sabor a essa fruta você

coloca ou geleia ou um mel. Então um ovo que é sempre um ovo, "Ah, não,

vou comer um ovinho", para eles não era, era só uma clara que, entre aspas,

frito em água fervente. Então na questão alimentar eu achava pior, porque

quando você vai para a máquina, você continua com restrições, mas abre

um leque, porque você tem o outro dia da diálise. Os piores dias para o

próprio paciente renal que faz hemo, no caso dele que é terça, quinta e

sábado, é de sábado para terça porque ainda tem que ter um controle maior

por conta que a diálise só vai ser feita na terça-feira. Então você tem três

dias, então você controla muito o potássio, que é um dos vilões, quando está

em excesso no organismo, que afeta outros órgãos importantes. Mas o

líquido em caso de Danielzinho já não é porque Danielzinho, graças a Deus,

eu já vejo um outro milagre, em questão diurese muito boa então ele quase

não tem restrição líquida, ao contrário, infelizmente, de outros pacientes

que não é essa realidade. Ele bebe água, ele toma suco, toma iogurte, eu

não tenho muito o controle dessas coisas, porque assim ele tem diurese de

dois litros, um litro e meio por dia, então eu não tenho muita restrição

líquida com ele, mas em outros pacientes é muito mais sofrido. Aí você vê

crianças que tem restrição líquida e assim, acho que tem que trabalhar

muito o psicológico porque você poder beber água, e depois você ser tirado

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esse direito de necessidade do organismo, principalmente a região

nordestina, que é onde nós vivemos que é muito calor. (mãe de Daniel)

Ficou bastante manifesto a atenção maior em relação à alimentação para evitar que a

criança se prejudique, pois há casos em que, a atenção constante, é a forma encontrada para

evitar que a criança coma escondido como relata a mãe de Davi:

Cuidado que eu tenho para ele é para ele não comer as “porcarias,” que se

deixar come, para não adoecer. Para ele não comer, porque se deixar, come

né! Depender dele come tudo, se deixar. Aí, vou lá para a minha casa, tenho

o maior cuidado. A comida dele eu faço separado, dou um banho nele, tudo

direitinho para ele não ter que se queixar de mim, porque eu sempre estou

pegando ele, que fica comendo. (mãe de Davi)

Quando foi perguntado às mães, especialmente, em relação aos cuidados que têm

diante das restrições do dia a dia da criança, também apareceram as questões relacionadas aos

cuidados como a preservação do cateter para evitar infecções e acidentes. Em situações

particulares com no caso da criança cega, a mãe relata que:

Em relação às outras coisas nem tanto, porque como ela tem o problema da

deficiência visual, então tem coisa que assim ela não... sai correndo, essas

coisas: pular, fazer cambalhota, então essas coisa ela já não fazia, então

acho que isso não mudou muito. Claro que o cuidado é maior. Mas eu

procuro colocar ela em atividades que ela possa fazer como ela fazia antes:

ir no parquinho, escorregar, brincar, uma coisa assim de areia, de praia,

então tem coisas que não podem, mas tipo uma piscina: eu sempre coloco

ela da cintura pra baixo, eu tento fazer assim, de uma forma que não mude,

que não altere muito do que ela tinha, então pra ela já não gosta, então já

não tem este problema, então a piscina. Se a gente vai na piscina eu coloco

ela assim sentadinha, ela bate as pernas, a gente pega ela no colo, tenta

fazer deu uma foram que não mude muito, mas correr, essas coisa que

criança, menino, bola, ela já não gosta muito, já não fazia, então já não fez

muita diferença. (mãe de Carmen)

O cateter está muito relacionado ao cuidado, pois ao serem perguntados sobre os

cuidados que costumam ter em relação à doença, as mães falaram da atenção especial que é

dada a este aspecto para poupar trocas de cateter, perda de acessos e infecções que são as

causas de muita dor, tanto por parte da criança/adolescente, quanto por parte de suas mães:

Cuidado é assim, não gosto muito, ele não gosta muito de estar brincando

porque o medo de cair, não gosto de deixar ele de bicicleta, e também ele

não gosta muito de ficar no meio de menino. Pois acho que é coisa dele

mesmo, porque esses dias eu foi cortar cabelo, disse em que os meninos

ficam olhando de cara feia para ele, fica falando coisas, soltando piadas por

causa do problema dele, e aí ele não gosta, já pegou a coisa de assim... ele

não gosta muito de ficar com os menino. (mãe de Davi)

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Laura se preocupa assim (com o cateter), ela tem medo de não molhar, ela

tem, às vezes tem roupa que ela não gosta de mostrar, porque é roupa que

fica mostrando o cateter, ela acha que ali vai pegar alguma infecção, assim,

tem muito cuidado porque ela também já é velha de hemodiálise, e se

preocupa com falência de acesso né, como ela já ouviu muitas coisas dos

médicos aí ela se preocupa.(mãe Laura)

É só ter “cudiado”, o “cudiado” que ela tem, que quando tá um pouco

descoberto ela manda botar esparadrapo, é só isso que ela se preocupa, se

tiver um pouquinho aberto ela diz: mamãe, bota um esparadrapo, aí eu pego

e coloco pra não ficar aberto.(mãe de Valéria)

Para a mãe de Adriano, tanto a preocupação com o cateter, quanto o acompanhamento

constante no uso da medicação e a avaliação médica de outros especialistas que não sejam só

da nefrologia é uma prática que ela tem constantemente, pois o cuidado não está relacionado

apenas a um aspecto ou outro da doença, mas a todo o corpo:

Eu tenho muito cuidado, muita preocupação de deixar fazer, de deixar

correr, para não prejudicar. Tem também a medicação... nem comparação!

E a alimentação eu tenho bastante preocupação. Esses dias mesmo a Dra.

Roberta estava falando, porque agora ele já não toma remédio de pressão,

ele não toma nenhum faz pouco tempo. [...] Porque além das médicas aqui

que cuidam, eu frequento... ele vai... eu por conta própria, eu levava para

otorrino - otorrino não -, endocrinologista, a de osso, oftalmologista,

inclusive ele está fazendo uma avaliação porque diz que todo renal corre

risco, da córnea, alguma coisa. A cada seis meses eu tenho levado. [...]

Então esses cuidados que eu posso ter, eu tenho feito a minha parte. Eu não

fico só esperando elas dizerem: “Está precisando fazer, está dando isso, tem

que marcar”. E quando elas não pedem, eu peço. Pergunto se pode fazer, se

pode liberar tal exame e vou lá e faço. (mãe de Adriano)

Todas estas falas tratam do cuidado ao que não pode acontecer por colocar mais em

risco a vida do paciente, mas desde o início do capítulo, o cuidado está presente nos relatos

em relação às formas de enfrentar os processos vivenciados por estas pessoas, tanto em

relação a si próprio, quanto em relação ao outro, quer seja de mãe para filho(a), ou de filho(a)

para mãe, de paciente para outro paciente, de uma mãe para outra, de uma mãe para um

paciente e etc.

Este cuidado faz parte dos sentimentos comuns que envolvem as pessoas no ambiente

da hemodiálise, desejando que tudo caminhe de maneira favorável sempre e sofrendo junto ao

outro quando acontece algo de ruim com alguém. Pude observar algumas vezes, como todos

demonstram preocupação e solidariedade, quando alguma criança ou adolescente passa por

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116

alguma intercorrência14

no momento da hemodiálise procurando ajudar no que é possível e até

apegando-se ao que acreditam para que o momento de incerteza e dor sejam logo amenizadas.

5.1.3 As alterações no corpo

As alterações no corpo da pessoa com doença renal, na maioria dos casos, é muito

evidente, quer seja por causa dos inchaços normais, especialmente no rosto, que imprime a

marca de há algo “diferente” aos olhos de todos, ou também através das marcas que ficam por

causa dos cateteres e das fístulas que são colocadas para acesso à diálise. Quando o paciente

faz uso do cateter, o que é de uso comum no caso das crianças e dos adolescentes que

participaram desta pesquisa, estes ainda contam com os curativos expostos no pescoço ou nos

mais discretos dos casos, no peito ou na perna que podem ser cobertos pela roupa:

Ficam cicatrizes. A cada troca de cateter, a cada manipulação, a cada ponto

que se perde, vai colocando aquilo e vai deixando marcas. Eu acho que

essas marcas de catéter, às vezes não é tão... tão traumático, eu acho que

ainda é pior para as meninas porque ela vê os corpinhos porque a moda e o

mundo indica uma forma, e quando você se depara completamente fora

desse padrão, em que as pessoas tendem a visualizar lá fora, ou tente ter um

biotipo correto, ideal de ser, isso frustra demais. (mãe de Daniel)

Ela não tem vergonha de mostrar não. Às vezes as pessoas ficam

perguntando, eu não gosto é das perguntas. Pessoal é muito curioso, elas

não, pelo menos Laura não gosta não. Mas todo lugar que eu vou com ela, o

povo fica: ô como é isso? Que é isso? (mãe de Laura)

Valéria é uma coisa assim, um dia ela saiu comigo, o povo perguntando, ah

que pergunta é aquela, aí eu tento explicar ao povo, mas tem gente que não

entende o significado, mas aí Valéria num gosta muito não, mas eu digo ah

Valéria, não importa, deixa pra lá, ah mãe que pergunta! Tem nada não,

deixa pra lá, aí ela deixa, se preocupe não, deixa pra lá, deixa quieto

Valéria, tem nada a ver com isso. (mãe de Valéria)

Mas as alterações externas ao corpo não param por aí, em relação à criança, há

comprometimento em sua formação óssea e no crescimento, pois na criança e no adolescente

em desenvolvimento, a doença renal modifica a absorção de cálcio e fósforo no organismo,

sendo necessário fazer uso de medicações prescritas pelo médico para amenizar os prejuízos

14 Quando algum paciente no momento da hemodiálise tem alguma convulsão, parada respiratória, problemas relacionados ao

acesso da diálise, cateter sangrando, ou algum desconforto que o paciente venha sentir como queda da pressão artéria,

cãibras ou dor de cabeça que podem acontecer quando o paciente tem muito líquido a ser removido de seu corpo na sessão

da hemodiálise.

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destas perdas no organismo, pois algumas crianças chegam também a ficar com as perninhas

tortas15

, modificando desta forma a maneira de andar:

Porque infelizmente quando a doença se pronuncia muito cedo, ela começa

a mexer muito com a estrutura óssea do paciente, com o passar do tempo ele

começa a perder muito o cálcio e começa a prejudicar, a comprometer. Os

ossos começam a ficar mais fragilizados, começam a ter visivelmente

deformação, então você começa a ver as perninhas começam a deformar,

mas intelecto não mexe, pelo menos com ele não. (mãe de Daniel)

O corpo dela num é mais como era antes, ela andava, depois que ela

começou a fazer hemodiálise ela prejudicou bastante, ficou com aquele é,

perdendo cálcio, muito tempo na máquina, ela num é mais a criança que ela

era antes dela entrar na máquina pra fazer hemodiálise. (mãe de Laura)

Também outro aspecto trazido aqui foi em relação à altura, pois alguns deles

permanecem com baixas estaturas, o que os incomoda muito, principalmente, quando a

criança se relaciona com outras da mesma idade e as consequências da doença aparecem

muito visíveis:

Você vê comprometimento no crescimento, a idade não condiz com a altura,

você vê um filho querendo já se desenvolver para adolescente, querendo

namorar, mas tudo isso começa a ser prejudicado. É como se eles ficassem

presos a um corpo que não pertence a eles, é assim que você começa a

analisar. (mãe de Daniel)

Assim eu acho que ela desenvolve normal muito, muito na, porque ela fica...

num sei não, acho que num desenvolve muito normal não. O corpo dela é o

mesmo. O corpo dela num aumentou quase nada, assim nada. Ela veio

aumentar um quilo agora. (mãe de Valéria)

Além das marcas dos cateteres que são retirados quando da perda do acesso e que

parecem, especialmente, no pescoço e no peito, há também alterações visíveis na pele de

alguns que apresentam “estrias” na perna e no braço. Nesse sentido, ainda quando criança

estas alterações não são muito percebidas por elas, mas quando chegam à puberdade, tais

15Os rins têm um papel fundamental no metabolismo dos ossos, pois ativam a vitamina D que é a responsável pela absorção

do cálcio presente nos alimentos que comemos e que deve ser incorporado aos ossos para mantê-los íntegros e fortes. Os rins

são também responsáveis pela eliminação do excesso de fósforo. O ideal é o equilíbrio das quantidades de cálcio e fósforo no

sangue. Porém, com a perda da função renal, a absorção do cálcio nos intestinos é reduzida, diminuindo seu teor no sangue.

Ocorre também menor eliminação de fósforo, o que faz com que esse elemento aumente no sangue, havendo um

desequilíbrio que resulta na fraqueza dos ossos, manifestadas por dores e fraturas. (ASSOCIAÇÃO DE PACIENTES TRANSPLANTADOS DA UNIFESP. Disponível em: <http://www.unifesp.br/assoc/atx/dossie.htm>).

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alterações veem à tona, sendo um fator de incômodo por parte destes e estas preocupações

aparecem de maneira bastante problematizadora na fala da mãe de Daniel:

O corpo chama a atenção porque assim, se você for pegar crianças

amiguinhos dele, que tem um processo de ter crescido, de convivência, então

esses amiguinhos estão crescendo e estão se desenvolvendo, e ele não. E

hoje quando ele abre o face e vê esse amiguinho ele vê o amiguinho já um

homenzinho com namoradas. [...] Então isso mexe muito com a cabeça

deles, eu me lembro de uma outra mãe comentar de uma outra paciente que

ela olhava no espelho e dizia assim "Mãe, meu rosto é lindo, mas meu corpo

é horrível". Então quando às vezes a mãe comentava comigo. [...] E na

questão dos meninos ainda mais, é a altura, porque você vê a questão de

meninos, como já esteve aqui o Naldo, meninos de dezoito, dezenove anos

com um metro e trinta, com um metro e quarenta, então eu acho que para os

meninos o pior é a altura e as meninas realmente é a deformação que fica

do corpo e as marcas que deixa. (mãe de Daniel)

Estas situações são vivenciadas da maneira mais marcante para a criança ou

adolescente que apresentaram a doença muito cedo e que convive no ambiente escolar, por

perceber diante dos seus colegas que tenham a mesma idade, pois para àqueles que não têm

um convívio cotidiano com outras pessoas sem a doença, geralmente a relação com seus pares

é bastante familiar e a forma como a mãe ou o pai lida com estas questões, podem não

contribuir para uma auto estima favorável, em relação ao que porventura possa incomodar à

pessoa que apresenta determinada “diferença”.

Goffman (2012) utiliza o termo estigma para se referir às questões relacionadas à

identidade social. Para ele, o estigma também pode estar relacionado às abominações do

corpo, ou seja, o que se destaca no indivíduo que traz consigo algo de diferente, desviando a

atenção ao que não é tido como “normal”. Nestes últimos depoimentos é possível perceber

que a lista de características impressas no corpo das crianças/adolescentes aqui expressas

causa-lhes certa dificuldade em lidar com elas por fugirem do “padrão” e assim sofrerem com

os estigmas depositados às pessoas com doença renal.

Por outro lado também, se a criança convive no ambiente escolar, o papel do professor

é muito importante na maneira como enfrenta determinadas situações e como conduz a forma

como os alunos percebem e expõem certos conflitos. A experiência trazida pela mãe de

Daniel em duas diferentes situações vivenciadas por ele na escola mostra como a postura do

professor traz consequências na vida de uma criança ou adolescente:

Eu me deparei, assim, com uma professora muito sábia e muito

participativa. E, quando a professora, num episódio na sala, ela... ela se

debateu com essa situação, aí ela pegou todas as crianças diferentes e

colocou à frente da turma. Então, a mais alta, a mais baixa, que era ele, a

mais gorda e a mais magra, o mais branquinho ver o mais escurinho,

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colocou todas as diferenças para a turma visualizar. E ali ela passou entre

todo mundo que era diferente, porém iguais, porque todo mundo tinha

sentimentos, e ali ele chegou em casa “se achando”. E quando a gente veio

de mudança para cá para Salvador, eu não sabia. Eu fiquei sabendo aqui

dentro, no internamento dele, quando ele começou a fazer a hemo, quando

ele fez [falou]: “Mamãe, eu vou te pedir uma coisa, eu não quero mais

voltar para aquela escola”, e aí eu: Por quê?E ele sempre insistindo em

dizer que ele não gostaria mais de voltar à escola, foi quando ele se abriu

em dizer que ele estava sendo... né! Assim, torturado, porque até a própria

professora fazia piadinhas, porque a professora dizia assim: “Olha, se você

não fizer isso eu vou te dar um zero! E aí, a professora dizia assim: “ai, eu

vou te dar um “zero do teu tamanho, que vai te caber dentro”. [...] Mas tem

algumas profissionais que ainda não estão preparados para receber em sala

de aula e lidar com cada um, que você vai ter um síndrome de down, você

vai ter um com paralisia cerebral que às vezes, vão para a sala de aula, é e

com uma ou outra deficiência. E às vezes, como é que esse profissional vai

receber, para encarar os problemas de compartilhar com os outros? Porque

o contrário aconteceu em Brasília, que foi a primeira experiência, e se ele

tivesse passado ao contrário? Se a primeira experiência tivesse sido em

Salvador com a professora despreparada? E depois se ele tivesse passado

pela outra, que isso foi em Brasília, de é uma diferença de... de profissional,

talvez, na cabecinha dele tivesse arrumado melhorzinho, do que você passar

por uma e ter se decepcionado por... com a própria pedagoga, com a

própria professora na sala de aula. (mãe de Daniel)

A mãe de Daniel entende que além de ter que conviver com todas as dificuldades

enfrentadas pela doença em seus sofrimentos, em relação à luta pela manutenção da vida em

meio ao tratamento e seus danos, a pessoa com a doença renal, especialmente a criança e o

adolescente ainda tem que conviver com situações de preconceitos e estigmas que lhes

acrescentam mais prejuízos emocionais e psíquicos. Ela ainda traz outra situação

experienciada com o filho e o seu modo de olhar:

Essa semana mesmo estava brincando com a questão dele dizer que ia ficar

com dois metros de altura, então assim querendo ou não, Daniel sofre com

essa história da altura muito antes da hemo. Então sempre ele foi o menor

da turma. E em Brasília me emociona, porque assim, sempre as crianças,

querendo ou não, é real o bullying. E isso destrói muito com as cabeças das

crianças e isso trabalha, e atrapalha mais tarde na vida adulta, acaba sendo

um grande sinônimo de barreira. Acho que deve ter ainda muitas pessoas

ainda em divãs tentando se tratar por conta desses “bullyings”, que

sofreram na infância. Então não quis, uns chamavam de pequinês. [...]

Então quando isso aconteceu que ela percebeu, e eu sinalizei, apesar dele

nunca ter se queixado em se achar, então ele sempre tem respostas para

tudo, "Ah, você é muito pequenininho", aí tem aquela resposta "As melhores

fragrâncias estão nos menores frascos"... Ele sempre se defende. Ele não

precisa de mim para se defender. (mãe de Daniel)

Apesar dos embaraços experimentados pelas crianças/adolescentes e suas mães no

curso de suas vivências com a doença, há uma caminhada nos enfrentamentos e na forma de

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entender e viver a realidade e por vezes de lidar com ela de forma favorável, pois a cada

experiência as vivências são reinterpretadas.

5.2 ESCOLARIZAÇÃO NO CONTEXTO DA DOENÇA

Apresentarei nesta parte do texto os aspectos relacionados ao que se desejou investigar

como objetivo maior desta pesquisa que foi sobre o significado do processo de escolarização

para sete crianças/adolescentes e suas mães nos seus percursos em meio à convivência com a

doença renal e a hemodiálise. Os aspectos da vida escolar apareceram nas falas dos

participantes, em meio às demandas da doença que passa a ter na vida destas pessoas o papel

de protagonista nas suas rotinas e escolhas.

Das sete crianças e adolescentes que participaram deste trabalho as questões

relacionadas à frequência na escola comum, fazem parte da história da maioria deles e é

resultado de suas demandas e mudanças, de como estão apresentados nos relatos expostos ao

longo deste tópico do texto. Temos então, apenas uma menina que permanece assídua à escola

e esforça-se para frequentar sempre que possível; dois meninos que declararam estar

matriculados, mas que quase não frequentam às aulas, por motivos não só relacionados à

doença, mas também pela forma como a escola os acolhem; e outras quatro

crianças/adolescentes que não mais frequentam a escola comum, sendo que destes, três (duas

meninas e um menino) não se matricularam no ano letivo de 2013 e uma menina que desistiu

de frequentar a escola por motivos relacionados às dificuldades no seu contexto particular da

doença.

5.2.1 Percursos escolares e a IRC

Cada participante desta pesquisa apresentou suas condições de vida particulares, mas

que em comum tinham as dificuldades em decorrência das exigências da doença e seu

tratamento. Em conversa com as crianças/adolescentes e suas mães, foi possível perceber

como cada um apresentou suas trajetórias escolares, a partir de quando a doença chegou em

suas vidas, marcadas por rupturas e rearranjos para não abrir mão do desenvolvimento

intelectual da criança e de sua inserção em outros ambientes que não fossem apenas os

hospitalares.

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O caso de Marcelina, que convivia há aproximadamente um ano com a doença é de

todos os outros seis, o único que se apresentou menos prejudicado diante do seu contexto,

pois apesar da menina precisar viajar em média 117 Km a cada sessão de hemodiálise, nota-

se um esforço e interesse em permanecer na escola por parte de Marcelina, de sua mãe e,

principalmente, por parte da escola que se adequa às necessidades da aluna como está

explicitado no relato:

Eu venho dia de segunda-feira, ela faz a diálise e ela vai embora pra casa,

passa o resto da tarde, ela vai pra escola e a dona da escola disse que ela

podia chegar, ela saísse daqui, chegasse em feira 1:30 (horas), 15 pras 2

(horas), num era pra importar, era pra eu levar ela, porque a professora

dela de de manhã era a mesma de de tarde, aí passa os assunto dela que ela

é 3º ano, aí ela fez prova, ela foi bem nas prova apesar dela passar 4 mês e

3 dias num hospital de Feira de Santana, sem ver nada, só viu os livro

assim, as professora de lá incentivando pra num perder o gosto pela escola

mas, os assunto, ela pegou os assunto assim no ar e fez as provas da 2ª

unidade que elas botou pra valar pela 1ª e pela 2ª, e agora que ela tá de

teste, ela já fez 2 teste e vai, quando ela voltar sábado, num tem aula,

quando for segunda que ela voltar pra fazer diálise, ela vai e faz os outros

teste que é segunda de tarde e terça de manhã ela faz o restante. Ela disse

que num importava não, que é pra cuidar da saúde dela que ela tá direitinha

na escola. [...] Eu acho que ela deve estudar assim como tá indo que eu tô

gostando.(mãe de Marcelina)

Além de Marcelina, Davi foi a única criança entrevistada que permaneceu matriculada

em escola comum, mas a sua mãe que relata, informa que não há um compromisso por parte

da avó paterna (com quem ele mora) e dos profissionais da escola em possibilitar a frequência

do aluno e, consequentemente, na aprendizagem, tendo em vista que Davi ainda não havia se

alfabetizado. Em seu relato, a mãe de Davi informa que a avó tenta a todo o momento agradar

a Davi que apresentava o interesse em ir para a escola em situações pontuais:

Ele tem a tia dele, por parte do avô, tem um colégio particular lá. Fica

próximo da casa - né! - e aí ele é matriculado lá. Como falei, a avó faz as

vontades. Então, quando ele não quer ir para o colégio, ela não deixa.

Então isso aí, ele não quer mais ir para a escola. Aí se disser assim,

"amanhã vai ter uma festa tal", e tal, aí ele quer ir. Mas se não for no

momento de ter festa, ele não quer ir para o colégio. Ele passa meses sem ir.

Só vai mesmo quando tem festa. Se não tiver festa ele não vai. (mãe de Davi)

Este não é o cenário encontrado por todas as crianças e adolescentes da hemodiálise.

Há os que convivem com os desgastes da própria terapia e a disposição e interesse em

frequentar a escola é consumida pelo stress acarretado no decorrer do convívio com a doença,

como vimos no relato da mãe de Laura, que desde o ano de 2007 recebeu o diagnóstico da

IRC, precisando mudar-se para Salvador para garantir o acompanhamento da equipe de

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médicos nefrologistas e pediatras. Laura e sua mãe relatam sobre suas vivências em relação à

escola:

Eu estudava antes de ter a doença e depois quando eu comecei a fazer na

barriga (diálise peritoneal), eu estudava lá no interior, lá em Irecê. Porque

meu cateter deu problema, aí eu vim pra cá, aí eu fiquei aqui mesmo fazendo

hemodiálise, aí por isso eu parei de estudar. Aí não dava pra estudar porque

eu estava aqui em Salvador ainda. (Laura)

Ela estudava normal, depois que, quando ela fazia diálise peritoneal ela

estudava ainda, aí depois que ela voltou pra hemodiálise ficou mais difícil

pra ela estudar, ela fazia diálise peritoneal a noite e aí ela ia pra escola a

tarde. Dava pra ir todo dia, não perdia aula não. Aí depois que ela voltou

pra fazer hemodiálise ela ficou naquela situação, começou a ficar piorando,

sentindo muita dor no corpo, começando a sentir aquelas dores, várias

dores quando começou a ficar difícil pra andar, ela sentia muita dor, aí foi

ficando difícil, difícil até... eu fui conversando com as médicas como é que

eu fazia com ela pra deixar Laura na escola e ela foi me aconselhando a

deixar Laura fazer o tratamento primeira para depois ver como é que ia

ficar pra poder estudar. Mas para o ano eu tô esperando ainda o que é que

vai acontecer, vê se Laura vai fazer algum transplante, se eu vou ficar aqui

mais algum tempo, aí quem vai dizer é o tratamento dela. [...] Assim é antes

ela tinha é vontade de estuda mais e hoje assim eu sinto que ela num.. é

assim, ela faz as coisa porque às vezes a gente vai conversando com ela, vai

explicando com ela, mas ela num é a mesma coisa que era antes, entes ela

tinha mais influência pra ir pra escola, ela já amanhecia o dia, ou então se

ela estudasse pela manhã ela queria que o dia amanhecesse logo pra ela ir

pra escola ela ficava, se preocupava com as irmã pra ir pra escola, hoje

não, por ela, ela não fazia nada, ficava só dormindo, tem dia que ela

amanhece chorando, sei lá, ela disse que fica triste, que ela num pode sair,

diz que tem vontade de sair, que tem lugar que não pode ir, às vezes eu levo

ela, mas nem todo lugar eu posso levar, de cadeira de rodas é muito difícil

porque nem todo lugar a cadeira passa. (mãe de Laura)

Ao inaugurar o existir com a doença e o tratamento da filha, a mãe de Carmen também

modificou toda a sua vida, deixando a organizada vida escolar da filha, na cidade em que

morava e passando a residir em Salvador, convivendo também com a incerteza do que pode

lhes acontecer e as possibilidades de transplante, que há diante da compatibilidade do seu rim

para doar a sua filha. Nesse contexto, a vida escolar da menina que estava caminhando bem,

passa por uma ruptura expressa na fala da mãe:

Até o ano passado ela tava estudando. Foi, foi para a escola o ano passado,

porque a doença foi diagnosticada em junho do ano passado (2012), então

em junho até dezembro ela foi assim: “mari, mari” né, porque a gente

descobriu em junho e de fevereiro a junho ela foi frequente à escola, de

junho há..., junho, julho, a gente voltou em julho, aí de julho ela foi até

agosto, aí agosto ela teve que internar de novo, aí então assim, teve pausas,

no 2º semestre em diante ficou mais perdido. Foi, porque a gente voltou em

setembro, aí ela foi de setembro até dezembro pra escola, mesmo fazendo

hemodiálise ela continuou indo pra escola. [...] Porque assim, como acaba

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alterando, como a doença acaba, às vezes tem dia que ela tá boazinha, tem

dia que não tá, então, tipo em questão de estudo, ela não tá estudando agora

por conta do problema renal, claro que poderia tá numa escola, mas como

ela entrou nesta fase de transplante, então vamos esperar, vai fazer agora,

não vai, então eu achei que assim, vai acabar atrapalhando se eu colocasse

ela na escola né. Mas atrapalhou porque assim, os dias que ela teria que

estar na escola, são 3 ou 2 dias na semana tem que ser cortados, porque ela

teria que estar no tratamento, então assim, acaba de uma certa forma

atrapalhando. [...] É assim, na verdade quando eu cheguei aqui esse ano, eu

não coloquei ela na escola porque eu ia ficar aqui, não ia, ia mudar, não

ia...aí eu falei assim: eu coloco ela aqui, daqui eu mudo e tenho que tirar,

colocar ela na escola e ir se adaptando, então como eu estou neste período

de adaptação ainda né, eu não sei bem ainda aonde é que eu vou ficar,

então aí colocar ela na escola e daqui a pouco ter que tirar, porque tem que

ficar alguns meses afastado, aí achou melhor esperar já para o próximo

ano, mas eu faço questão de colocar ela na escola. (mãe de Carmen)

A mudança na vida escolar de Adriano é lamentável, pois mesmo antes da doença

renal apesar das dificuldades em decorrência da Síndrome de Down, o menino lê e escreve e

sua mãe relata como a sua infância foi marcada pelo desejo em frequentar a escola, mas

depois da doença não mais pode retornar a sua rotina escolar:

Ele ia para a escola e ia para a banca. Não tinha um dia em que ele dizia:

“Ah, eu estou cansado, não quero ir para o reforço não”. Ele ia com sol

quente, chovendo; ele já estava ali disposto. É, ele foi para a escola com

dois anos e pouco. Não tinha três anos completos. Até quando estava com

febre ele não aceitava ficar em casa. E aí o que ele mais sente de tudo isso é

porque ele não vai para a escola. Ele não tem uma rotina de escola. [...]

Enquanto isso está aí, todo... três dias por semana, não tem como marcar

outro compromisso, porque o compromisso maior é vir para cá. Igual outro

dia que ele falou: “Prioridade para criança é ir para a escola, mamãe. Você

não está deixando eu ir para a escola”. Chegou um dia que ele falou que

queria ir para a escola e tinha exame na (APAE) para colher. Aí tinha

depois o outro dia, ele falou assim... ele acordou chateado. Eu falei “O que

foi Adriano”? Ele: “Eu tô bravo, tô bravo”. Aí eu falei: “Porque você está

bravo”? Ele falou: “Porque você não está deixando eu ir para a escola”.

Eu falei “Não é meu filho, é porque tem isso, tem isso, tem isso e os outros

dias tem que ir para o hospital”. Ele: “Mas prioridade para criança é a

escola, não é hospital – clínica, clínica – hospital. Eu estou cansado de

hospital – clínica, hospital – clínica vai no dia que der certo.” (mãe de

Adriano)

Apesar do interesse em frequentar a escola e do esforço em matriculá-lo em uma

escola municipal, próxima da casa em que atualmente reside, Adriano encontrou muitas

dificuldades dentro da escola e a indignação da mãe por não ter o apoio e o acompanhamento

da escola fez com que ela não deixasse mais o filho frequentar o ambiente escolar:

Ele foi, mas desistiu. Aliás, eu desisti de mandar. Por conta que eu não

estava achando que iria contribuir em nada. Porque a sala mista, sem

material, só um reforço. E muito barulho, muita gritaria, coisa que ele não

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era acostumado, porque escola particular tem um outro ritmo - apesar de as

crianças serem terríveis também. Senti a diferença, pois desde pequenininho

estudou em escola particular. Aí quando eu vi aqueles microfones no ouvido

para as professoras gritarem porque as crianças não param quietas e nem

param de falar, elas têm que gritar para poder ser ouvidas, aí acabou

trazendo dor de cabeça, porque ele não gosta muito de barulho... E teve

duas vezes que se sentiu mal, vomitou e as crianças começaram a rir e ele

ficou constrangido. E ainda o deixaram só no pátio para ir me chamar em

casa. Então aquilo eu fiquei assustada, porque algumas vezes ele tinha

desmaiado... e se ele tivesse desmaiado quando a gente chegasse lá? Podia

ter se machucado, né. Aí eu vi que não ia render muita coisa... Aí eu peguei

e vi que não ia contribuir, aí eu peguei e não deixei mais. (mãe de Adriano)

Assim como Adriano, Valéria também desistiu de frequentar a escola. As

circunstâncias vividas nesta trajetória desde o diagnóstico da escola foram com o passar do

tempo contribuindo com o abandono escolar, pois no período inicial da doença, Valéria

cursava o 5º ano do Ensino Fundamental I e não apresentava muitas dificuldades aos

conteúdos escolares, uma vez que a única professora que tinha, sabia de sua situação e

contribuía muito para minimizar as perdas da aluna, mas ao ingressar no 6º ano (Ensino

Fundamental II), sentiu as perdas dos dias em que faltava, pois as disciplinas eram divididas

em horários e seus respectivos professores, assim sendo, nos dias em que não frequentava a

escola (segunda, quarta e sexta) mantinha-se cada vez mais distante dos compromissos e

conteúdos escolares e, neste contexto, as dificuldades só aumentavam, sendo também um dos

motivos que a fez desistir.

O outro motivo da desistência da Valéria foi a falta de motivação, também, em função

do calor que sentia na escola por ser muito quente e como não podia beber água pelo controle

do líquido no organismo, queixava-se muito com a mãe das dificuldades que sentia:

Eu comecei o ano estudando, parei na 5ª D, acho que tem uns 7 meses. Eu

parei na 5ª série (6º ano) A escola é perto, mas eu vou de Kombis. Tinha vez

que eu gostava de ir, tinha vez que não, porque lá é cheio de gente e eu

tenho medo de me bater no cateter. Fazia calor, me dava sede, porque lá

fazia muito calor, e aí não podia beber água toda hora. Eu ia pra escola

terça e quinta, mas tinha dia em que eu não podia ir quinta porque eu ia pro

outro hospital: no Ana Nery. E aí eu chegava cansada no outro dia, só

levantava dez horas e aí não dava pra ir, porque eu estudava de tarde. Eu

não ia nos dias da hemodiálise que é segunda, quarta e sexta. (Valéria)

Ah, ela tava estudando lá no Ferreira mesmo, mas de uns 6 meses pra cá

ela disse que não queria mais estudar, aí as professora disse assim: adianta

você ficar fazendo ela estudar a pulso, se ela num quer estudar, a gente

entendo o lado dela. Ela chega cansada do tratamento dela, vai três vezes

por semana, pra quando chegar de manhã, dormir levantar 10h que nem ela

levantava, pra tomar banho pra ir pra escola 12h, é muito cansaço pra ela.

Então ela não quer, porque ela tá vendo que o corpo dela não dá, então ela

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não fica assim pra a gente é forçar ela pra ir pra escola não. Ela ia na

escola duas vezes por semana, era terça e quinta. Ela pegava um carro, uma

perua, mas assim, dava pra a gente levar ela a pé, mas era muito quente, aí

a gente botava ela num carro. [...] Hoje ela tem medo, ela ia pra escola lá,

mas ela não brincava, ficava sentadinha lá, ficava com medo ela tinha um

tipo de medo da escola, porque eu pelejei pra ela ficar na escola e ela não

ficou, dizendo que sentia um calor, sentia... ficava sozinha, os meninos

ficava de lá, mas ela cá sentada mais a professoras tomando conta, ela tinha

medo, aí num quis estudar mais, saiu da escola. (mãe de Valéria)

Pouco tempo depois de deixar a escola, Valéria passou por momentos difíceis, pois foi

chamada para receber um rim no transplante, mas, infelizmente, retornou para a hemodiálise

após a rejeição do órgão no organismo. Situação semelhante a esta foi vivenciada por Daniel,

pois antes da experiência do transplante que também não deu certo, ele também teve

dificuldades quando ingressou no Ensino Fundamental II (6º ao 9º ano).

A inclusão escolar para a pessoa com doença crônica é uma questão que a escola ainda

precisa estar atenta, pois muitos conflitos existentes nos relatos de algumas mães perpassam

pela não atenção às necessidades específicas deste público que precisa de um atendimento

escolar ajustado às suas demandas. Neste sentido, a mãe de Daniel faz este relato de maneira

detalhada e emocionante ao descrever situações vivenciadas e as dificuldades encontradas que

a fizeram repensar o processo de escolarização de seu filho:

Até antes do transplante ele estava estudando, só que assim, a gente

encontrou uma escola maravilhosa em Feira (Feira de Santana). Que a

princípio, quando eu vim de Brasília para cá, ele pediu para ficar na casa

da minha mãe. Então a gente chegou no finalzinho de março, quando foi em

junho, que foi que aconteceu: teve que começar a fazer a hemodiálise e ele

ficou sem estudar, porque até se acostumar com o cateter, porque ainda tem

isso, que ainda quando tem um permcath16

ou algum cateter que é

escondidozinho debaixo da camisa é uma coisa, mas quando você tem um

cateter exposto, que eu chamo de “anteninha”, é meio complicado, porque

se você não tiver uma equipe preparada para receber e expor isso para os

alunos, para os coleguinhas, de uma forma positiva, ele vai ser mais... eh...

martirizado na escola. Porque antes de ter, já havia uma situação, imagine

ainda com alguma coisa para fora que todo mundo estivesse vendo,

sinalizando que não tava normal, que tinha um problema? E quando ele se

viu nessa situação, ele pediu, "Mamãe, eu não quero estudar este ano". Eu

respeitei e esperei seis meses e aí em 2010 ele retornou aos estudos. (mãe de

Daniel)

Logo no início de seu depoimento, a mãe de Daniel apresenta a grande dificuldade do

filho em relação ao que ele sofre por utilizar um cateter exposto no pescoço. O tipo de cateter

16Acesso venoso de longa permanência, onde um catéter é implantado em uma veia central. É mais resistente às

infecções em relação ao cateter e é colocado através de procedimento cirúrgico com anestesia local.

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ao que ela se refere, não dá para ficar escondido, e deste e modo, desperta a curiosidade dos

outros, a fim de saber o que ele tem de diferente, e não podendo de certa forma “esconder” a

doença. A mãe continua contando a trajetória escolar do filho e destaca as suas atitudes na

tentativa de “amenizar” os impactos que a diferença impressa pela doença acarreta ao seu

filho:

E, ao retornar, na escolinha lá em Feira, eu conversei com a coordenadora,

com a diretora. E, no primeiro dia de aula, ele teve assim, ele ficou

encantado, tanto que a paixão dele até hoje é por essa escola. Então a

coordenadora subiu com ele. E quando ela recebeu ele, que foi até a sala,

em tudo ela acompanhou ele, contou a historinha dele, explicou o que era

aquele cateter, a professora também já estava a par de tudo. Então a

receptividade daquelas crianças foi maravilhosa, então o meu filho estudava

no primeiro andar, ele não carregava mochila porque os amigos

carregavam. Os amigos davam prioridade a ele na fila, os amigos davam a

ele sentar na frente onde ele escolhesse, os amiguinhos defendiam dos

maiores, que ninguém poderia dizer nem que era feio, e ao descer das

escadas, a mesma forma, ele não podia carregar a mochilinha, então eram

os amigos que carregavam. Então se criou um laço muito, muito afetivo,

muito familiar. Ficou lá dois anos e as professoras, como na série era uma

única professora, então até a maneira delas recuperar - porque eu passei

para terça, quinta e sábado para Daniel ter aula três vezes por semana,

porque se ele fosse ao contrária, a segunda, quarta e sexta, ele só teria dois

dias na semana para poder estudar, então ficava inviável prosseguir com os

estudos. Então, quando a gente trocou (os dias) foi pensando nesse lado da

escola. Então, quando ele eh... voltou para a atividade, voltou para a escola,

como ele dizia para mim, "Mamãe, eu, na minha escola, eu não me sinto

diferente de nenhum", como ele nunca se sentiu, e lá muito menos. Então

criou-se um laço muito grande. E as professoras na terça-feira que ele não

via, e na quinta-feira que ele não ia, enquanto ela passava a atividade para

a turma, enquanto eles estavam copiando, ela estava com ele do ladinho

repassando a aula do dia anterior. Então, isso fazia com que ele estivesse

atualizado sempre, né? Não teve prejuízo, tanto que Daniel não fez

recuperação, e sempre teve excelentes notas. (mãe de Daniel)

Até o ensino fundamental I, foi possível contornar as situações em meio às demandas

da hemodiálise e assim garantir avanço na escolarização do aluno, mas as dificuldades

aumentaram quando Daniel ingressou no 6º ano, ou seja, no Ensino Fundamental II. A mãe

descreve a sua condição que não se adequa às estruturas de funcionamento das escolas e às

grandes perdas de seu filho que não teve possibilidades de continuar matriculado enquanto

permanece em hemodiálise.

Então, quando o Danielzinho foi para o sexto ano, aí começou de novo o

meu sofrimento, porque na escola que ele estudava, só ia até o primário,

terminava a quarta série. E quando eu tive que ir atrás de escolas, é muito

triste dizer isso! Já que é uma pesquisa para a educação, que fique esse

relato: Que, infelizmente, tem escola que não está preparado para receber

um 'diferente', como lidar com isso. [...] A minha dificuldade foi de

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encontrar uma escola, que já que cada matéria é um professor, isso

prejudica ao paciente renal que faz hemodiálise. Então na maioria das

escolas escutei o seguinte, "pague um excelente reforço". Só que quando eu

chegava para a diretoria, eu dizia, "o problema não é o reforço", porque

querendo ou não eu vou colocar, ele vai ter que ter uma outra forma de

estar atualizado, quer dizer, estar atualizado não, de estar compensando.

Mas atualizado dentro das matérias que seria um problema. Por exemplo, se

ele tivesse aula um dia da semana, em dois horários, uma aula, por exemplo,

se tivesse em inglês, normalmente o inglês é uma vez por semana, em dois

horários. Se caísse num dia de hemodiálise, ele ia passar o ano todinho sem

assistir uma aula. Uma aula, ele não ia assistir. E assim o que aconteceria

numa matéria que é mais de peso, Matemática e Português, se caísse em

duas ou três, que às vezes, são duas ou três dias na semana que se tem aula,

se caísse num nesses dias de aula no dia de hemodiálise, ele ia ser muito

prejudicado para acompanhar tudo, e também a dificuldade de chegar para

a diretoria era dizer, "fulano, como é que vai ficar a reposição dessas

aulas?" Porque vai ter aulas que infinitamente ele não vai ter como se

recuperar, porque ele não vai assistir. E como é que a escola vai estar

preparada para recuperar? Para colocar ele atualizado, junto com a turma?

Porque eu não vou pagar uma mensalidade para a escola, para fazer de

conta que o meu filho está aprendendo. [...] Porque você encontra essa

barreira no ensino, de como repor essas aulas, e nenhuma escola me

respondeu, porque tem professores que ainda saem da escola para dar aula

em outra escola. Então talvez o meu filho nem conhecesse o professor,

vamos dizer, entre aspas, o de inglês, se a aula caísse num dia de quinta-

feira, ou dia de terça, nem o professor ele ia conhecer. [...] Então, assim, eu

precisava de uma escola que atendesse esse tipo de necessidade, que até

então eu não consegui encontrar e por isso ele não está matriculado na

escola. (mãe de Daniel)

Para a mãe de Daniel, a escola também alimenta a expectativa de futuro que ela prevê

para o filho, na medida em que retoma a ideia de projeto pensado, a partir do que a

escolarização pode proporcionar-lhe futuramente além da garantia da aprendizagem dos

conteúdos escolares. Estas reflexões são trazidas por ela na continuidade de seu depoimento a

seguir:

Foi uma coisa que eu sempre digo, eu digo isso para as professoras: o meu

filho não pode passar de ano por nota, o meu filho não pode fazer de conta

que está aprendendo, porque eu não estou criando o meu filho para a morte,

eu estou criando o meu filho para a vida. E é essa a grande dificuldade, que

as pessoas acham que você para numa máquina, numa hemodiálise às vezes,

é a morte. Não tem uma sobrevida, tem uma “sobremorte”. Você está

morrendo a cada dia, até o dia de chegar à sepultura, que é assim as

pessoas encaram isso, e, na questão de Daniel, eu me preocupo, eu sempre

me preocupei com isso. Porque assim, você prepara o seu filho para a vida

em todo o sistema, é o emocional, é o intelectual, então eu não posso

agilizar um processo de um lado e deixando o outro para trás, como eu digo

para ele, "não me interessa o curso que você vai escolher, mas você vai

fazer faculdade". Aí, ele olha para mim, ele ri, porque acha graça de eu

exigir uma coisa dessas dele, digo "eu não quero saber, faça como você

quiser, o curso que você quiser, mas você vai fazer". (mãe de Daniel)

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As narrativas apresentadas, a partir das experiências de Daniel e sua mãe,em relação à

vida escolar, nos remetem aos conceitos já elucidados no Capítulo 3 deste trabalho, e suas

vivências aqui expressas podem ser utilizadas para pensar as implicações do corpo neste

contexto, as experiências que servem para orientar determinadas decisões posteriores, as

questões que contribuem na construção biográfica (self) e na relação de cuidado necessário e

constante diante do conviver com IRC e a hemodiálise.

5.2.2 Significados da escola

Quando conversamos a respeito da importância da escola diante da existência com a

doença, foi possível perceber momentos de reflexão por parte das mães que procuram

conduzir cada dia de vida junto ao seu filho na busca do que cada um necessita e nas

condições impostas diante do que lhes é possível e assegurado. As crianças/adolescentes

também expressaram seus desejos e sentimentos em relação à visão que tem sobre a escola em

suas vidas.

As impressões dadas pelos meninos e meninas são compostas de exemplos de suas

situações vividas e de seu ponto de vista construído, a partir do que a mãe ensina ou do que

aprendem com suas experiências como trazem nos relatos:

É importante estudar pela nossa inteligência. Quando a gente for adulto a

gente não vai poder se formar né, não vai poder se formar em nada. Vai

ficar em casa, porque não estudou, não vai poder ser! Antes quando eu

estudava, eu gostava, além de levantar cedo... é, mais eu gostava. Eu

chegava lá, tinha uma professora. Eu nem ficava dentro da sala às vezes e

mesmo assim a gente estudava também. (Carmen)

Acho importante estudar, tanto faz na escola quanto lá, lá na hemodiálise...

Porque ensina mais pouco... lá ensina mais, lá no colégio. (Valéria)

Acho importante estudar, porque lá... lá aprende um bocado de coisa... A

ler, a escrever, fazer contas... a gente faz tudo.Eu estudei, eu ia duas…

três… quatro vezes na semana, segunda, quarta, tinha vezes que eu ia na

quinta e na sexta de tarde eu ia para a escola em Feira (de

Santana).(Daniel)

Acho (importante estudar). Pra aprender a ler e a escrever... Brincar.

(Davi)

As crianças/adolescentes que falaram da importância que atribuem à escola estão

relacionadas a aprender, especialmente, a aprender a ler, escrever e fazer contas. Como se

para elas, mesmo em meio à doença renal, é possível aprender, ser “inteligente” e

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consequentemente, não se sentir tão distante das outras pessoas que não têm a doença. Na fala

destes, fica expresso o quanto é necessário e importante estudar, mesmo que seja apenas

durante as sessões de hemodiálise para aprender pelo menos um pouco.

Interessante o esforço coletivo vivenciado por Marcelina, em não faltar às aulas,

mesmo no dia da hemodiálise, pois a escola adequou-se às necessidades da menina, que

mesmo chegando atrasada por viajar até a capital, não desanima junto à sua mãe em ir aos

dias de segunda, quarta e sexta no turno vespertino e nos outros dias, no seu turno normal:

Que ela num perde assim, num perdeu aquele vontade, que quando ela

chega, ela... à vez o motorista, ele vai levar algumas pessoas que vai em

hospital, quando chega em Feira (Feira de Santana), por mais que ele vai

ligeiro pra ela chegar lá, assim quando chego em casa, que eu entro, que

arrumo ela, faço tudo, penteio o cabelo, que faço, que pego o lanche dela,

alguma coisa que compro, que dou a ela que possa comer, ela chega lá é

duas hora, mas mesmo assim ela entra porque a dona da escola disse que

ela pode entrar, a professora vai tá lá pra dar aula a ela, dar os dever, tudo,

passar tudo o que foi de de manhã pra ele num.. (a menina diz: mas de tarde

eu só brinco). Ela gosta de ir, tem dia que eu digo: Marcelina tu vai? Vou

sim que eu gosto de minha escola, o que é que eu vou ficar fazendo dentro

de casa? Vou pra minha escola sim... aí eu levo, os vizinho, as vizinha diz: ô

Mãe, você é malvada! Eu digo: Malvada por quê? Se ela tá indo pra escola!

Eu digo assim: você quer ir Marcelina, já é 2 horas? Não, vou sim, que tu

sabe que tá fazendo prova, revisão, aí eu vou! (mãe de Marcelina)

A mãe de Carmen avalia a perda que a filha teve no ano em que não frequentou a

escola, tanto pela aprendizagem, quanto pela socialização para ter contato com outras crianças

e conviver em outro ambiente, pois a escola representa para ela um lugar de aprender e

interagir:

Eu acho assim que ela tem que estudar. Tanto que eu acho que esse ano

assim, é o ano mais perdido pra ela né, a ainda mais por conta da

deficiência visual, então acaba sendo um pouquinho mais difícil do que se

fosse com uma criança que enxerga, então eu quero assim: fez o transplante

e a médica vai dizer: não, tem que ficar tantos meses em casa e a gente vai

obedecer isso né. Mas tando tudo direitinho, eu faço questão que ela vá pra

escola, mesmo se ela tiver fazendo hemodiálise, que eu peça a Deus que

não, que ano que vem ela já esteja livre, mas vai a tarde pra escola e no dia

em que ela não esteja bem, faz em casa, vai no outro dia, eu acho muito

importante, mesmo porque não tem nem só a questão do estudo, mas do

relacionamento dela com outras crianças, de tá numa escola, de tá com

outras crianças. Que aqui é só eu e ela, então ela tem que ter a vivência com

outras crianças. (mãe de Carmen)

Duas mães que convivem com o abandono escolar do filho lamentam pela situação por

trazer prejuízos à aprendizagem dos filhos e defendem que, nesta situação, é melhor continuar

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estudando mesmo durante a hemodiálise, ou seja, ver uma forma de possibilitar a inclusão do

filho na escola:

Eu acharia melhor ele estudar - né! - porque tem vez que ele fica mandando

as pessoas ler as coisas. Falei, "tá vendo? Por isso que é ruim você não ir

para o colégio, porque você tem que ir no colégio para você aprender, para

poder não estar perguntando às pessoas". É o que eu falo a ele, né! E depois

que ele transplantar, ele vai ter dificuldade de seguir tudo direitinho. Tem

que pegar no pé dele. (mãe de Davi)

Ô eu queria tanto que ela estudasse, que Valéria fosse pra escola, até o dia

que eu disse: você vai pra escola hoje Valéria, aí ela começo a chorar,

começou a ficar se acabando de chorar, aí eu disse: ah então eu não vou

levar você chorando não. Eu queria, queria sempre que Valéria estudasse

que nem eu cansava de dizer: Valéria vai pra escola, Valéria tem que ir pra

escola, mas ela num quer ir, mas eu queria que ela “isse” pra escola agora

fazendo o tratamento dela, pelo menos uma vez, mas eu queria tanto que ela

estudasse agora![...] Eu sempre eu converso com ela, às vez que ela tem

realmente que estudar assim, mas ela me disse assim: mãe, mas eu tô

estudando com a professora na hemodiálise, eu tenho as professora lá da

hemodiálise do hospital, pra que eu vou estudar aqui? Mas Valéria! Eu num

dizia a ela, é importante a escola daqui primeiro que lá elas lhe ajuda.

Porque a escola daqui é mais importante, passar os dever e as outras de lá

lhe ajudar. Aí ela disse que não queria, aí como as outras tão ajudando a

ela na hemodiálise, aí tá bom pra ela, pelo menos não perdeu a escola, não

tá sem estudar, fora, fora. Tá estudando um pouquinho, mas tá na hora da

hemodiálise. (mãe de Valéria)

O diálogo apresentado entre Valéria e sua mãe, além de demonstrar o que elas pensam

da importância da escola, nos apresenta os valores que ambas atribuem à classe hospitalar,

quer seja como na visão de Valéria para substituir a escola comum, ou também como a de

coadjuvante no processo de escolarização no contexto do hospital como pensa a mãe. A classe

hospitalar para elas vem para resgatar o que não está totalmente perdido, trazendo para

próximo de Valéria o contexto da escola que poderia ter ficado totalmente para trás.

Em contrapartida, mesmo angustiada diante das circunstâncias vividas, a mãe de

Adriano compreende que é melhor que o filho só retorne para a escola depois do transplante

para garantir a dedicação plena sem tanta correria como na hemodiálise, mesmo que o tempo

passe e acumule muitos prejuízos e lança alguns questionamentos:

Eu acho que ele só vai valer a pena depois de transplantado, para ele ir no

horário certinho todos os dias. Porque ir apenas três vezes por semana, no

dia que puder, não vai ajudar muita coisa. Porque ele vai aproveitar

totalmente, vai estar bem. Agora, vejo que vai atrasar muito, porque no caso

dele mesmo que já está grande, como ele vai para uma sala de quarto ano?

Às vezes isso me angustia, porque às vezes eu falo assim: vai ser quarto ano,

as crianças são pequenas e ele deste tamanho; ele vai para uma sala assim?

Que turma ele vai ficar? Que turma?(mãe de Adriano)

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Também com este mesmo pensamento, Daniel considera que só depois do transplante

pretende retornar ao convívio escolar e avalia as dificuldades que enfrenta em conseguir dar

continuidade aos estudos no contexto da hemodiálise:

Pra continuar estudando, só quando eu transplantar. Porque é melhor.

Não... não fica na correria. Só depois do transplante. É por causa que fica

complicado, porque você passa mal no outro dia, aí não vai no outro. [...]

Fazendo o transplante, aí crescer, eu vou poder ir para a escola normal,

todo dia, vou poder acordar a hora que eu quiser. (Daniel)

A reflexão da mãe de Daniel sobre o que observa na sua convivência com outras mães

no hospital contribui no que ela expressa da importância da escolarização na vida da pessoa

com doença renal, quer seja antes ou depois do transplante, pois em sua forma de pensar, o

papel da família e o modo como concebe a doença e seu tratamento pode contribuir ou

retardar o desenvolvimento das habilidades que as crianças e adolescentes em hemodiálise

poderiam adquirir com os conhecimentos escolares:

Porque assim, a gente acaba tentando compensar - a verdade é essa - de

alguma forma, para não deixar... que eu fico triste quando eu vejo crianças

aqui que ainda não sabem ler né! Porque o pai e a mãe ainda acham assim,

porque eu acho que na visão, por dentro, por dentro, eu acho que às vezes,

acham que não vale muito à pena. E é isso que até o próprio pai, o próprio

responsável, tem que mudar, que eles são capazes. Eles podem ultrapassar

todas as perspectivas que são dadas a eles. Porque assim, eu conheço gente

transplantada que hoje são jornalistas, são advogados. Quer dizer, passou

pela hemodiálise, passou por todo esse processo, veio no transplante, mas

continuou estudando, e foi até um curso superior. Então, há sim condição.

Então eu acho que o pai e a mãe, eu acho que isso modifica muito na vida

do paciente, porque se ele tiver a mesma visão de "para que estudar?",

"para que eu pegar no pé?", "para que aprender a ler, se vai morrer?", "vai

levar para o túmulo?"... eu acho que tem que mudar a visão...Eu já ouvi

isso, não diretamente com essas palavras, assim, mas, assim, "ah, fazer o

bichinho ficar..." eh... "acordar cedo? Ah, para quê?", "ah, não quer ir para

a escola, não vai". Se a criança acordar com vontade de ir para a escola,

vai. Também, no dia que ele não quiser mais, acabou. Quem não quer, não

quer, e eu já não ajo dessa maneira. Eu digo assim, como eu já falei, eu crio

o meu filho para a vida, não é para a morte. Vejo o meu filho se formando,

assim, Deus permitindo, o meu filho se casando, construindo família. Então,

eu vejo dessa forma. (mãe de Daniel)

É possível a partir deste relato, pensar no que a permanência na escola pode

representar na vida destas mães, em relação ao projeto de vida que desejam para os seus

filhos. Essa permanência, além de marcar que o filho por um lado não difere muito das outras

crianças, por outro, ajuda às mães a continuarem acreditando na “cura” da doença do filho,

perspectivando um futuro profissional, com trabalho e família para o filho, sempre pensando

na possibilidade de ter uma vida “normal” diante da doença renal.

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Com estas formas de pensar, as mães buscam maneiras de compensar as perdas

escolares dos filhos em casa ou fora da escola, quer seja no auxílio à aquisição de leitura e

escrita, no estímulo à leitura e incentivo ao interesse da criança em determinados assuntos ou

também no apoio ao trabalho da classe hospitalar junto ao que a criança estuda no hospital

com a professora.

Cada uma ao seu modo, procura observar as necessidades da criança, comparando

como era a situação antes da hemodiálise, no sentido de tentar suprir ao seu modo o que cada

um deseja e necessita como surgem nos relatos:

Assim, até o transplante e o pós operatório dele, até um período, eu ainda

pagava um reforço, aonde pedi à menina que trabalhasse muito redação,

leitura e matemática. E aí ele foi para a aula de canto. (mãe de Daniel)

Em casa a gente coloca para fazer leitura, para escrever, fazer cópia... É.

Antes, como eu trabalhava, eu botava mais no reforço. [...] Aí eu sempre

botei em reforço desde a alfabetização. Ele só não foi para reforço antes da

alfabetização. Mas da alfabetização ele fazia reforço com a mesma

professora. Era de manhã e de tarde ele fazia com a mesma professora. [...]

Tem a outra irmã dele, a irmã dele, mais velha, sempre quando precisa de

alguma coisa, ela quem ensina. (mãe de Adriano)

Então a gente vê que em questão de entender aparelhos, coisa eletrônica,

ele vai, ele conversa com as pessoas normal, a única coisa mesmo é a rotina

de escola para ter conteúdo e passar de ano. Isso aí ele não está tendo. Mas

apesar de não ter muito convívio, porque eu procuro também, na medida do

possível, quando pode, quando ele está em condições, de sair, de levar, de

ele ter contato, eu não fico com ele só dentro de casa. Vai no cinema, se ele

escolhe o filme que gosta, a irmã vai, leva, se tem um circo que ele gosta,

leva para ele não ficar uma criança isolada. Leva no play que ele gosta

muito. (mãe de Davi)

A atenção da mãe ao que é despertado na criança, através do trabalho da classe

hospitalar é evidenciado nas falas da mãe de Carmen e Laura que se importam com a

alfabetização das filhas e contribuem com a alternativa de escolarização ao qual as mesmas

têm acesso. Cada uma expondo as formas encontradas nas necessidades e possibilidades que

possuem:

Então, eu tento ajudar ao máximo dentro do que eu posso, naquilo que é

passado pela professora lá no hospital e dar continuidade, incentivar ela

nessa questão de aprender o Braille, então, as caixinhas que vêm com

Braille a gente vai vendo, a questão até de escrever no computador, a gente

baixou o programa, então ela já escreve tudo no programa, tudo que às

vezes, palavras que ela acha mais difíceis, eu vou pedindo pra ela soletrar,

pra ver se ela tá fazendo direitinho, então assim, o tempo todo a gente tá

interagindo pra poder dar continuidade né!(mãe de Carmen)

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Ah, em casa eu ensino. A pró da hemodiálise passa as tarefas para casa, eu

sento com ela, é ensino ela a fazer as tarefa, eu ensino ela a ler, então ela

tem uma irmãzinha que ajuda muito, aí na escolinha da hemodiálise eu acho

que ela tá desenvolvendo um pouco, porque antes ela era uma criança que

não queria fazer nada, mas agora ela já tá começando a fazer. (mãe de

Laura)

Mesmo sem apresentar muitas dificuldades e esforçar-se para não deixar de frequentar

a escola, a mãe de Marcelina expõe como ao seu modo contribui com a aprendizagem da filha

e como a professora da escola avalia o desempenho da aluna diante de suas faltas por conta

dos internamentos em decorrência da doença:

Eu ensino, eu que sou a professora da banca dela, sempre fui. Gritando, por

isso que hoje sabe ler e escrever. Eu que digo que sou a professora da banca

porque a banca você paga e o menino faz o dever se quiser que tem banca

assim, então eu que ensino os dever a ela desde quando ela foi pro infantil,

entrou nos colégio, eu que ensino os deveres dela. E ela sempre foi muito

bem na escola, quando tem reunião, aí elas me chama, sempre falava dela,

disse que ela era uma aluna boa, pegava tudo no ar. Aí a professora dela

disse: como agora mesmo que a senhora tá vendo mãe, que ela tá fazendo o

tratamento e passou quatro mês e três dias presa, morando dentro do

hospital e ela veio e fez prova que menino que tá vindo a semana toda

perdeu nas prova e ela não. Então ela disse que ela é inteligente, uma boa

aluna. (mãe de Marcelina)

5.2.3 Relação escola X doença

Entender as necessidades de crianças e adolescentes com doença crônica para, a partir

daí, garantir a assistência plena em saúde e educação é importante para o caminhar de todos

os processos que os envolvem, pois nem sempre o que pode ser realizado com todos é

possível acontecer da mesma forma com a criança ou adolescente que tenha determinados tipo

de doença, exigindo-lhes cuidados que se não acontecem podem colocar a vida destes

acometidos em risco. Assim acontece com quem possui a Insuficiência Renal Crônica,

especialmente com o trato na escola junto aos colegas e aos demais integrantes deste espaço.

A relação de diálogo entre a escola e a família da criança é de grande importância, pois

faz-se necessário haver um entendimento do que é a doença, dos cuidados, por causa da

hemodiálise, explicando como funcionam, qual a medicação que a criança usa diariamente e

que pode ocorrer em horário da aula, os cuidados em relação ao acesso da diálise e à

alimentação. Este diálogo, às vezes, ocorre de forma tranquila ou ainda de maneira muito

tímida, mas também pode não acontecer da maneira como desejada.

Na descrição feita pela mãe de Marcelina, a escola além de acolher e ajustar-se aos

horários da aluna, mantém um cuidado especial em relação ao controle da ingestão de líquido

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por entender que este cuidado é necessário no caso da pessoa com doença renal e ao que é

permitido comer, demonstrando também uma preocupação em relação à alimentação

saudável. De acordo com as informações da mãe, a escola não possui espaço disponível para

as crianças correrem, sendo assim, a possibilidade de acontecer um acidente que ofereça

riscos em relação ao cateter é bem menor do que se houvessem brincadeiras com muitos

movimentos. A menina interrompe, em alguns momentos, a fala da mãe para acrescentar ou

corrigir alguns aspectos que são ditos sobre a escola ao longo do relato:

A escola já sabe de tudo. Que a dona da escola tem a apostila que eu dei.

Ela não bebe água na escola, se ela levar uma garrafinha assim, porque

elas (se referindo a equipe médica ou a nutrição) disse que ela podia tomar

guaraná branco, se ela levar a garrafinha, aí a professora dela vai e toma

da mão dela e só dá 30 ou 50 ml, porque ela urina, então ela, esses 50 ml sai

no suor e na urina, então ela num pesa muito sobre água. E a escola toda já

sabe que ela é assim, e às vezes tem uns colega que fica brincando, pulando,

eu disse a ela: não fique no meio que você... porque ela fica no meio, a gente

sabe que menino gosta de brincar e dá tombo um no outro e pode dá tombo

nela. [...] É natural. Ela vai chegando, bota a mochila dela, eles: senta aqui

Lina, os colegas: sente aqui! Aí ela senta na cadeira dela. Na hora do

recreio não tem porque a escola é, a escola não tem área pra correr, (a

menina grita de longe: tem sim!) é assim, só tem uma área pequeninha, um

corredor que é isso aqui ó (mostrando o tamanho, tendo como base o espaço

em que estávamos), dessa largura o corredor da escola, num tem como

correr porque as mochila fica tudo numa pilha nos corredor, cada um com

suas mochila, aí não tem como correr, tem uma área logo que é a saída da

rua que fica um lugarzinho, um negócio de escola, aí ela.. e a sala dela é

uma sala pequena, não dá pra ninguém pra se é, correr dentro de sala,

merenda todo mundo sentado ali com suas merenda, ninguém troca

merenda, porque tem colega que num pode comer salgadinho, num pode

comer, tomar guaraná, num pode comer o que não deve. Tem o dia da fruta,

cada um tem que levar fruta, a fruta que você come é pra trazer, que é dia

de terça-feira, (a menina interrompe e diz: mas ninguém leva), mas ninguém

leva, que eu dei a fruta, aí alguns que leva, alguns não, ai fica todo mundo

sentado, falando um com outro ali, quando tem uma briga, a professora dá

pra ver todo mundo, porque a carteira da professora é aqui e o aluno ta

aqui, é bem pequeno, em cada sala tem... acho que na sala dela tem 12 (a

menina interrompe novamente e diz: 12 nada é 24), 24 na sala dela, na sala

do primo dela tem 12, de tarde que tem mais que é alfabetização. (a menina

diz: mas não vai quase ninguém na minha sala porque é toda apertada!).

(mãe de Marcelina)

A partir do destaque trazido pela mãe de Marcelina em relação a merenda escolar, é

possível compreender o quanto este aspecto tem considerável importância e que, muitas

vezes, não é muito discutido em educação. O momento da merenda na escola, algumas vezes,

é um dos mais aguardados, pois depois dele, vem o descanso, a recreação e o lazer, sendo

estes, marcados pela interação e socialização entre os alunos, sem entrar na questão dos casos

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que existem de crianças que vão para a escola em busca da refeição que, muitas vezes, não

têm em casa.

Com isto, quero dizer que não se pode ignorar que a criança/adolescente com IRC e

demais alunos que têm outras doenças crônicas tais como, diabetes, hipertensão, obesidade

infantil, doença celíaca, dentre outras, convivem com as restrições alimentares e quando

chegam ao âmbito da escola, muitas vezes não contam com o acompanhamento necessário,

especialmente, pensando nos casos de escolas públicas que oferecem a merenda que tem

disponível e que geralmente é a mesma para todos os alunos. Em alguns depoimentos que

seguem, as questões relativas à alimentação e ao controle da ingestão do líquido, foram

elucidadas nas falas, não da maneira adequada como aconteceu com Marcelina, mas de forma

não tão esperada como informa a mãe de Adriano:

Mas o lanche... ele não vai participar do lanche da escola, porque eu não

sei se é rico em quê; a verdura dele tem que ser fervida, mesmo sendo uma

sopa ela vai estar muito rica em potássio e não pode. “Então, eu trago o

lanche dele, vai estar na mochila. (mãe de Adriano)

Falando das experiências de quando ainda permaneciam na escola, mesmo estando

com a doença, Daniel e Valéria, e suas respectivas mães, além das mães de Carmen e Laura

que expressam o que necessitava de cuidados, quer seja quando ainda fazia diálise peritoneal

como no caso de Laura, ou quando ainda não havia mudado de cidade como no caso de

Carmen. Estes cuidados aconteciam, tanto por parte da professora e dos colegas, quanto por

parte da própria criança, que necessitava ficar atenta ao que deveria fazer ou não, em

situações tais como: atividades que o aluno não havia feito, brincadeiras que poderiam

oferecer algum risco de acidente com o cateter, ajustes em relação à alimentação e atenção à

possibilidade de acontecer algum mal estar por parte da criança com a doença. É o que

revelam as falas:

A "pró" passava no caderno para mim e eu fazia. Eu fazia as duas (a que

faltou e a atual). Porque no outro dia eu não ia, aí estava no outro dia, eu

fazia a do dia anterior. (Daniel)

A professora sabe da minha doença, ela trata diferente, ela traz água pra

mim, ela explica os alunos que não podia me bater, que não podia passar

correndo por causa do cateter, ela explicou tudo. Os colegas perguntam,

perguntam sim (sobre o cateter), fica perguntando pra mim, aí eu falo! Eu

fico só com duas pessoas. Mas eu não fico mais não. Elas só ficam correndo,

aí eu parei. (Valéria)

Eles cuidava dela lá. Eles sempre passavam um deverzinho trazia pra ela

fazer em casa, ela trazia pras professora que acompanha ela na hemodiálise

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pra mó de ajudar ela a fazer. Que nem, lá mesmo no Roberto Santos, a

professora dava aula a ela, ela trazia o dever pra se ajudar a ela, ela

sempre trazia atividade. (mãe de Valéria)

Todo mundo tava sabendo da doença dela, então assim, é... a cooperação foi

de todo mundo assim, foi legal porque todo mundo se mobilizou pra tá

cuidando dela, a preocupação deles era em relação ao cuidado com ela,

assim: tinha um cateter, num sei o que lá... o cuidado, mas a única

dificuldade que eu tive assim no início com ela na escola, foi em relação a

alimentação, porque antes ela podia comer as coisas de escola e tudo mais,

e depois que voltou, já não podia mais, e aí assim, eu comecei a usar de

outros meios. Então assim, ela me disse assim: mãe, eu não quero ir pra

escola, porque meus amigos podem comer tudo e eu não posso, aí eu

comecei eu mesmo a fazer as coxinhas, as esfilhas, as coisas que eu sabia

que ela comia da escola e que da escola ela não poderia, aí depois eu

mandava o almoço, foi só nos primeiros dias que ela começou a sentir falta,

mas aos amigos, as coleguinhas e a professora não teve... foi bem

tranquilo.[...] Antes de terminar a diálise a professora me ligava e dizia

assim: Mãe, Carmen vai vir? Então tô esperando ela. Então assim: Todo dia

eles tinham esse cuidado, esperar ela, a comida dela, até a professora

mesmo, ela começou a levar a comida dela sem o sal, porque se eu não

mandasse alguma coisa, se Carmen quisesse mais, ela dava dela pra

Carmen. (mãe de Carmen)

Tratava igual os outros, mas assim, tratava ela com mais cuidado, ela ficava

sentada perto da professora, não deixava ela brincar com nenhuma outras

crianças, por causa do cateter da barriga. Tinha o máximo de cuidado com

ela. (mãe de Laura)

Então, na cabeça dele, ele já não é tão diferente, que quando ele está no

meio, então ele quer jogar bola. Tem uns amiguinhos que ficam com

cuidado, “Oh, Daniel, você não pode jogar, não!”, ou senão “Daniel, você

vai jogar na posição X para ninguém bater em você”. Então, na última

escola os amiguinhos tinham esse cuidado com ele. “E eu vou ficar parado,

professora!”, “Mas, Daniel, você tem um cateter...”, “Pró! Mas eu quero

jogar!”, e aí os amigos se organizavam e iam deixar ele para ficar um

pouco mais protegido.[...] Então amadurece, querendo ou não, vem a

doença, vem todo um tratamento, problema, uma conscientização, que é

desde menor, então tem que se conscientizar em relação à alimentação, às

limitações e aquele negócio todo. Aí cai na questão da escola, porque ele,

no meio dos meninos, ele quer ser igual. (Mãe de Daniel)

Davi continua matriculado e mesmo com pouca frequência à escola, a situação dele

não parece estranha a todos da escola, pois pelo fato da diretora ser tia dele, há o

conhecimento e uma atenção maior quanto aos seus cuidados:

A diretora já é tudo na escola. Então ela já sabe do problema dele já. Às

vezes, ele vai, ai sente uma dor de cabeça, aí ele já manda a ele vir para

casa, que pode ser que senta mal, então, tem que ir para casa. (mãe de

Davi)

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Daniel, em seu depoimento, confirma a informação da mãe quando relata suas

experiências positivas sobre a escola ao destacar a relação de amizade que mantinha com a

professora e os colegas, o que gostava de fazer na escola e os cuidados com a alimentação, o

cateter e a forma como reagia ele diante das perguntas dos colegas em relação ao pescoço que

era enfaixado para proteger o acesso da hemodiálise:

Eu gostava muito (de ir para a escola), gostava mais da "pró", gostava de

conversar. Conversar… às vezes, eu conversava na aula e de estudar

também. Era igual (se referindo ao tratamento que a professora dava a ele

em relação ao dos colegas). Só, só para ninguém bater em mim. Mas o resto

era tudo normal. Só pra comer, às vezes, eu trazia um lanchinho de casa. Só

às vezes que falavam do cateter, isso chamava a atenção (dos colegas).

Perguntavam se eu tinha machucado o pescoço. E eu dizia que eu fiz uma

cirurgia (riso), não falava a verdade não, eu falava que eu tinha feito uma

cirurgia. (Daniel)

Esta relação de diálogo, nem sempre acontece com todas as crianças e adolescentes,

alguns são mais tímidos que outros e optam por calar-se quando não conseguem estabelecer

uma aproximação maior com alguém em que se sente mais à vontade ou lhe possibilita

abertura como nas situações relatadas por Valéria e sua mãe:

Só a diretora conversa sobre a hemodiálise. Ela pergunta o que é isso aqui

(apontando para o pescoço), aí eu falo que é o cateter... ela disse também

que quando eu não quisesse ir, que não era forçar ir não. Eu faço

atividades, tem vez que eu leva provas pra lá pra casa aí eu faço em casa.

Só tem vez que é muito aí eu peço a ela pra fazer um pouco e o outro fazer

em casa. (Valéria)

Não, ela nunca falou sobre o problema dela na hemodiálise, muito calada

assim. Não ela nunca falou assim, eu é que expliquei tudo, ela nunca disse

não, ela é calada. Ela era distante, ela não acostumava muito não. (mãe de

Valéria)

Situação semelhante é expressa pela mãe de Davi em relação ao filho:

Ele não é muito para colega não, porque os colegas dele, os meninos lá,

como eu falei, fica zoando ele. E ele não gosta. (mãe de Davi)

Partindo do que cada uma experiência, as mães de Adriano e Daniel avaliam a atenção

que deveria ser dada pela escola às especificidades dos seus filhos e falam da inclusão à

pessoa com necessidades especiais, como é o caso de quem tem a doença renal em seus

horários e cuidados:

Uma coisa que ele gosta (se referindo a escola). E preenchia também,

porque hoje... ele, ele cobra. Fala “mãe, eu sinto falta da escola. No

próximo ano eu vou estudar?” - sabe? - e aí você não encontra a escola,

qual que vai tentar se adequar à realidade de um “renal”, onde está o poder

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público para realmente interferir, mostrar um interesse maior? (mãe de

Daniel)

Fora se tivessem as escolas preocupação com essas crianças. De ter de

acordo com as condições deles, com o horário deles. Mas a gente acha que

é mais complicado, não é? incluir, porque é uma inclusão a essas crianças.

Porque eles têm limitação de horário, às vezes não tem como. Outra

dificuldade que ele teve foi em questão a alimentação, ele não se alimenta

cedinho. Se forçar, ele fica enjoado. Aí eu pegava o lanche... aí eu expliquei

para ela: “Olha ele consegue se alimentar a partir de 08:00h. Eu perguntei

na escola: É possível ele se alimentar, parar um pouquinho e fazer o lanche

dele?” – “Ah não, o lanche é 10:00h!”. Mas não houve abertura. [...] Se ele

der fome 08:00 ele pode?” - ela tornou a repetir e eu aí não insisti. Então eu

acho que o dia que ele passou mal, foi porque ele estava com fome e teve

que esperar muito. Aí tinha isso também tem prejuízo, porque ele tomava

remédio cedo, na época ele ainda tomava alguns cedo, e depois ficava com

fome até 10:00h. A questão é que a necessidade dele é diferente da dos

outros. [...] Porque na escola que ele estudava antes, mesmo ele sem ter

nada, quando eu mudei ele de escola que era 08:00h perto de casa, que ele

ia com o pai, para a escola que pegava às 06:00h com a Kombi, ele levava o

lanche. E a professora deu abertura para ele comer, na hora que ele desse a

fome porque ele não tomava café cedo. Ela explicava: “Olha, o coleguinha

vai fazer o lanchinho, vai comer o biscoitinho, porque ele não toma café

cedo”. Aí ele sentado ali mesmo ele comia o biscoitinho, aí na hora do

lanche ele parava e lanchava, ía na cantina e comprava um suco ou o que

fosse, se fosse pra comprar lanche; Então dá essas condições, já aí (na

escola municipal em que foi matriculado para frequentar às segundas,

quartas e sextas) eu não encontrei essa facilidade. Com as necessidades

diferentes dos outros, porque a alimentação, poder fazer, ou o horário de

poder chegar ou sair dependendo do que tenha para fazer depois. Agora,

não sei se for numa particular se consegue fazer, mas eu já acho que é muito

gasto para pouco tempo de frequência. (mãe de Adriano)

Essa comparação feita pela mãe de Adriano entre as experiências que ele obteve na

escola privada em que permitia essa abertura às necessidades do aluno e a escola pública que

não permitia chegando a prejudicá-lo, foi um dos motivos pelo qual ela preferiu também que

o filho abandonasse a escola e infelizmente passasse a pensar que há uma qualidade no

trabalho da escola privada que não acontece na escola pública.

5.3 A CLASSE HOSPITALAR NA HEMODIÁLISE

Neste tópico estão descritas as compreensões que os participantes deste estudo têm da

classe hospitalar quando tratamos mais especificamente dos aspectos da vida escolar destes

meninos e meninas com Insuficiência Renal Crônica em Hemodiálise, pois se estes fizessem

outro tipo de terapia substitutiva da função renal como a diálise peritoneal ou se já tivessem

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sido transplantados, estariam “isentos” do atendimento da classe hospitalar por não estarem

no hospital e, portanto, não teriam muito o que falar, exceto se no caso do transplante, o

paciente precisasse permanecer em internamento ou no caso da diálise peritoneal, o paciente

estivesse ainda em treinamento ou em avaliação.

O trabalho da classe hospitalar no contexto da hemodiálise é comparado a uma classe

multisseriada de escola comum, pois os alunos que compõem as turmas estão no mesmo

espaço com níveis de ensino diferenciados, uns matriculados em escolas próximas a sua

residência e cursando as aulas nos dias possíveis e outros que não frequentam aulas em outros

espaços, além das aulas do hospital. Este trabalho, por vezes, se configura também em

formato de reforço escolar, uma vez que para os alunos que estão matriculados em escola

comum, há uma aproximação do que este aluno está estudando, em relação aos conteúdos

escolares, especialmente em dias de avaliação na sua escola de origem.

Estas crianças e adolescentes que participaram deste estudo têm ou tiveram contato

com a classe hospitalar em, pelo menos, duas vezes por semana nas sessões de hemodiálise.

Então, nas falas destes e das mães, a classe hospitalar aparece, em alguns momentos das

conversas e de várias maneiras, sendo denominados de algumas formas, tais como: escolinha

do hospital, escola da hemodiálise, classe de doentes, estudo com o professor da hemodiálise,

mas em raros casos como classe hospitalar.

A classe hospitalar é regida por legislações que garantem o direito à escola para

crianças e adolescentes e, mais especificamente, à criança hospitalizada para não ter a

educação escolar interrompida como preconizam as leis da educação que tratam deste assunto

e que estão dispostas no capítulo 7 deste trabalho. Neste sentido, foi perguntado às mães sobre

o conhecimento delas a respeito destas leis e das sete mães ouvidas, cinco não sabiam destes

direitos, uma estava um pouco confusa, mas disse ter ouvido algo parecido e a outra, disse que

havia sido informada por meio de uma professora da classe hospitalar.

Não sabia que era direito não, eu achava que era coisa do prefeito mesmo

que às vezes fazia isso pra ajudar a gente. (mãe de Laura)

Elas (as professoras da escola em que a filha estudava) me falaram lá, elas

me falava que ela tem direitos na escola dela, assim sobre assim de ir uma

professora em casa, ensinar a ela e tudo, aí... mas lá é um lugar muito...

sempre as professora fica falando pra mim, assim, alguma que entendia

também mais sem ser a professora lá, ela dizia: ó ela tem direito de ter uma

professora na casa dela pra ensinar a ela. [...] Eu acho assim que é um

direito né, porque pro mó de ensinar elas a ler, pro mó de ir, adiantando né.

(mãe de Valéria)

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É, quando ele estava internado lá no Santa Rosa (hospital) a professora

falou que até para fazer uma avaliação, uma aprovação e dar continuidade

depois que saísse do problema. Agora não sei se isso vale para no caso

deles que é um tempo curto. No caso, a criança que fica internada, está com

problema cardíaco, fez a cirurgia, mas são meses que vão para a vida

normal. Mas no caso deles, ele já está criando para dois anos, tem

condições de fazer isso aí e ele voltar e acompanhar? Mesmo tendo esse

direito? Isso, mas se isso vai ajudar... Isso, pode até valer na prática, mas

depois vai ajudar em quê? Porque, por exemplo, ele sai, “não, ele tem

direito a ir para o quinto ano”, mas ele chega no quinto ano sem ele ter

passado realmente, por todos, ele vai acompanhar? Isso vai ajudar a ele ou

atrapalhou? (mãe de Adriano)

A mãe de Adriano que diz ter conhecimento da lei que garante a continuidade dos

estudos nos casos de afastamento da escola, por motivos de saúde, lança alguns

questionamentos sobre como na prática isso acontece, pois ela não compreende como seria a

reinserção do filho no contexto escolar após o tratamento, tendo em vista que já são quase

dois anos que Adriano interrompeu os estudos no 5º ano do Ensino Fundamental e se encontra

afastado da escola comum.

5.3.1 Percepções sobre a Classe Hospitalar na Hemodiálise

No conjunto de pensamentos sobre o atendimento da classe hospitalar foi possível

organizar as falas, de acordo às concepções que se tem sobre este assunto quando os

participantes do estudo responderam, se consideram importante ter aulas com a professora da

classe hospitalar, durante a hemodiálise e se há alguma contribuição para a vida destas

crianças e adolescentes que participam destes momentos. Assim, apareceram, de maneira

geral, que a classe hospitalar é importante para a criança aprender, para passar o tempo e

distrair, para conversar com o aluno/paciente sobre vários assuntos e para contribuir com a

atenção integral ao paciente que está recebendo assistência na saúde.

Um depoimento que me chamou muito a atenção foi o da mãe de Carmen quando no

final de nossa conversa ao perguntar se ela gostaria de dizer mais alguma coisa sobre o que

conversamos, ela disse que sim e relatou:

Eu no começo quando Carmen começou isso tudo, principalmente quando

ela ficou internada no São Rafael (hospital), foi muito difícil pra mim, ver a

professora na sala, ver o fisioterapeuta na sala, pra mim aquilo lá, tipo: não

podia acontecer com a minha filha. Tipo: Eu vi, a professora foi lá, mas eu

não vi aquilo com bons olhos, pra mim, não me agradava aquilo, eu não

queria ela estudando ali, eu queria ela estudando na escola normal com as

outras crianças! Mas o tempo vai passando, e vai mostrando assim que

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aquilo realmente é importante! A gente precisa daquilo, a gente realmente

vê os avanços né! Então é necessário estudar, principalmente pra ela que

não pode tá em casa, mas no começo tudo é muito mais difícil né! Então eu

sinceramente, eu não aceitava. A professora ia lá, eu achava até bonitinho,

engraçadinho, mas meu coração tipo: eu não quero isso! Eu quero que ela

vá pra escola, não quero professora de, de, de hospital, mas eu acho bem

legal o trabalho assim até de, de... não só de ensinar, mas você acaba

focando pra uma outra direção quando eles tão ali né, esquece! Acho que

quando você tá estudando, esquece um pouquinho que tá na máquina, que tá

dialisando, que vai passar mal, né! você foca no estudo, na historinha, na

conversa.., eu acho que não só pra alfabetização mas, pra ter um outro foco,

tirar um pouquinho daquilo ali do que tá vivendo, da dor né... basta eu

sentir, ela não precisa não! (mãe de Carmen)

Este depoimento me surpreendeu por trazer a reflexão da mãe de Carmen sobre os

sentimentos iniciais quando conheceu o trabalho da classe hospitalar, no momento em que

inaugurou a doença renal na vida da filha. Ela nos apresenta que o professor no contexto

hospitalar é algo que lhe causou rejeição no primeiro momento, por não desejar aquilo para a

filha, mas com o tempo ela percebeu que a vida escolar da filha não podia parar e que, ao

contrário do que pensava, o professor tem um papel importante no ambiente hospitalar, tanto

para possibilitar a aprendizagem, quanto para minimizar o sofrimento e a dor que o hospital

representa, enquanto instituição destinada ao atendimento de doentes.

A atenção integral à pessoa com doença renal crônica, que passa parte do tempo de sua

vida dentro de um hospital, dedicando-se aos cuidados na saúde, é uma contribuição

importante no cuidado a estes pacientes. A partir desta perspectiva, a mãe de Daniel faz uma

reflexão profunda sobre este aspecto trazendo uma abordagem na perspectiva da humanização

hospitalar, de uma maneira geral, e falando também da importância de não deixar para trás a

vida escolar de pessoas que estão em hemodiálise como vimos em seu relato:

Eh... eu agradeço a Deus por ter inspirado alguém a pensar nesses

pacientes no hospital. Eu acho assim, que quando eu assisti a um filme há

alguns anos atrás, era um palhaço (Filme: Patch Adams, 199). Ele era

médico, mas uma vocação incrível para ser palhaço. Tanto que no horário

dele, vago, ele se vestia de palhaço para alegrar as crianças, e levava,

levava isso de uma maneira diferente, de um tratamento diferente, que às

vezes, o poder público não enxerga. Então agradeço a Deus por quem

lembrou dessas crianças, que há uma necessidade de estudar, não só as

crianças como os adultos. É que quando eu vejo uma senhorinha, que vocês

estão alfabetizando, isso me emociona. Está ali na máquina, mas tem hora

que eles esquecem, eles se esquecem que estão naquela máquina, porque se

sente vivo, se sente com a perspectiva, querendo ou não abre uma

perspectiva. Perspectiva de vida, e isso, assim, fico alegre quando eu vejo. E

trazer a escola é uma forma de dizer a eles, "olha, alguém lembra, e alguém

trata vocês como gente, como pessoas", essa é a realidade. [...] E você tem

que viver dentro do hospital, três vezes periodicamente naquele tratamento,

e fora os internamentos que há, e você chegar aqui e vê que, de alguma

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forma, alguém lembrou que há essa necessidade, né! Não só de um

tratamento, mas ele pensou em todas as outras partes que um ser humano

necessita, porque aqui garante educação, aqui garante tratamento, e até

mesmo a saúde mental - né! - psicológico, porque também há psicólogos.

Então assim, mediante as dificuldades e as necessidades, certo? Porque

assim, Isso está se espalhando nas clínicas, isso está... o “renal” está sendo

assistido, e assim, você sentir que ali não é o fim, né! Não é o fim. “Chegar

a isso aqui é o fim”, não! Há possibilidades, há chances. Eh... enquanto há

vida, há esperança e aprendizado para o resto da vida. [...] Em dizer assim,

“puxa, tem uma classe eh... de doentes, de uma doença, mas que necessita

de uma parte, de um apoio”. Eu sei que a escola no hospital, hoje, para

mim, é fundamental. E dizer assim, "Daniel, pisa aqui na terra, que você é

um aluno, ainda". (mãe de Daniel)

A partir disso, compreendo que, tanto o que as mães de Carmen e de Daniel trouxeram

através destes depoimentos, quanto o que foi emitido pelas crianças, adolescentes e as outras

mães, partiram das construções cotidianas do trabalho do professor da classe hospitalar, junto

a estes alunos/pacientes, contribuindo na forma de pensar, a partir do que observavam ao que

acrescentava na vida de cada um, quer seja em relação apenas aos aspectos escolares, ou das

questões psíquicas e emocionais, além da afirmação de que apesar da doença, seus filhos não

estão distantes da sua função de aluno uma vez que a escola faz parte da infância.

O ensino e a aprendizagem necessários à vida das crianças e adolescentes que se

afastaram do cotidiano escolar ou que tiveram que conciliar o tratamento com a frequência

escolar não se perde no conteúdo das falas quando os participantes desta pesquisa falam da

importância da classe hospitalar que atende às crianças e adolescentes no momento da

hemodiálise. Pode-se perceber, a partir destes relatos, que mesmo que não seja na mesma

proporção que em uma escola comum, o que o aluno/paciente aprende nos atendimentos da

professora no hospital pode ser percebido das seguintes formas:

Eu acho que assim, incentiva ela mais né a estudar, eu acho que ajuda a ela

nessa parte né. [...] Assim, ela lê, que ela tem mais ou menos três anos sem

conseguir ir na escola normal, tem algumas coisa que ela não entendia e ela

tá começando a aprender de volta. Assim, ela aprendeu na escola, parou, aí

esqueceu tudo e aí agora na escola da hemodiálise, agora ela tá voltando a

fazer tudo de volta... Enquanto ela tiver fazendo hemodiálise eu acho muito

importante pra ela. Ajuda ela bastante, incentiva ela, é muito legal a escola

do hospital. [...] Ah, é bem melhor, bem melhor estudar, porque ela não tá

mais frequentando a outra, aí, já tava cá na hemodiálise, e ficava muito bem

pra ela, acompanhar ela ali. Assim, eu vejo que assim a hemodiálise, o

professor sempre acompanha ela assim, pra ensinar, ensinar ela muito

Matemática que ela não sabe, ela sabe mais as outras matérias, mas

Matemática ela é muito atrasada em Matemática. [...] Eu acho assim, se por

acaso enquanto ela tiver fazendo hemodiálise eu acho ótimo ela ficar

estudando na escola da hemodiálise né! Porque assim, como ela tá de difícil

andar, depois do transplante pra ela tá melhor. Aí eu vou observar como é

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que ela vai viver, se ela vai voltar a andar, como é que vai ser ela. (mãe de

Laura)

Muito importante! Muito, muito, muito, mesmo. Muito. Porque ali, além de

interagir, além da informação, eles se sentem alunos. A verdade é essa - né!

- porque até então não está sendo, está sendo uma criança, está sendo um

paciente. Mas a vida escolar, o aluno fica para trás. (mãe de Daniel)

É muito importante sim! Tanto que esse ano agora, Carmen, ela se

desenvolveu muito mais no Braille do que o ano passado, no 1º semestre e

nos picados que foi no 2º semestre. Esse 1º ano aqui na escola (se referindo

a classe hospitalar), ela se desenvolveu muito mais no Braille do que o ano

passado, que ela ficou praticamente o ano todo. Então, eu acho bem

importante, principalmente porque ela não tá na escola. Então o único meio

dela estudar, dela saber das técnicas, porque eu posso até ensinar, mas eu

não sei as técnicas, eu mesmo não sei as técnicas, então pra mim é

complicado, então achei muito importante. Tanto que eu pego no pé, quando

ela quer dormir (na hemodiálise) eu já nem tenho deixado, pra ela aprender

realmente. [...] Porque a questão do aprendizado dela, do Braille, de

qualquer outra coisa que ela vê na escola, é uma coisa que ela vai levar pra

vida toda né, então... é mais do que uma contribuição né! (mãe de Carmen)

É bom né! - porque ele aprende, está aprendendo mais, que é melhor do que

não ir para o colégio. (mãe de Davi)

Contribui porque você vê que ele gosta de participar e ele se interessa em

participar. Só se ele estiver se sentindo mal para ele não querer fazer as

atividades. Acho muito importante, porque é uma forma de ele estar vivendo

essa parte da vida deles que está parada. Então, mesmo com conteúdo

reduzido, mesmo com poucos dias, é importante para a criança que tem

interesse, porque tem criança que não gosta de estudar. Então chega aqui, o

pouco tempo ele já se encosta, mas ele não. Ele sempre mostrou interesse

em participar, em fazer, então eu acho importante. [...] Mas o que tem

passado aqui na hemodiálise, o dia que tem, ele tem aproveitado. Porque a

leitura dele está... tem fluído direitinho. Agora a escrita é que por não estar

praticando, está bem deficiente. [...] Sim, porque traz bastante informação.

Bastante coisa, por exemplo: cultura, as datas... eles estão sempre ligados.

Coisa que se não tivesse a professora, a gente como família, ou até o

próprio sistema de saúde não ia estar preocupado com isso aí. Enquanto

que eles estão atentos a todas as datas comemorativas, então tudo isso é um

conjunto de informação que traz. (mãe de Adriano)

Sim, acho importante. E... ela ensina quase a mesma coisa que a gente

aprende na escola normal. Ela chega, dá bom-dia e depois fala que vai fazer

atividade. Ela faz (aula) de um em um. (Daniel)

Você, chegar num hospital, onde há necessidade diferente, atendimento

diferenciado. Por exemplo: Cirilo quando fala uma cor, fala uma letra, você

sabe a evolução. Porque quem estava aqui no início, e via que Cirilo quase

nem abria a boca para falar direito, e hoje ele tem uma sequência, a gente

vê como evolui e como é necessário, porque em casa ele não teria essa

chance. É onde ele mora, ele não tem essa chance de estudo. Então, isso

aqui é diferente, faz a diferença sim, na vida do paciente né! (mãe de

Daniel)

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Às vezes, eh... por exemplo, tem pacientes que estudam e tem uma

dificuldade, né! Eu acho importante quando elas param para dar um reforço

melhor, dar atenção maior a aquele assunto, e até mesmo porque as

crianças começam a se identificar com essas professoras. [...] Só que ali a

gente tem ali várias classes de nível né! - tem um que não sabe ler de nada,

tem um que já sabe ler mais um pouquinho, tem um que se identifica com

uma atividade e outro já quer de outra. (mãe de Daniel)

Quando as mães expressam suas percepções dos atendimentos pedagógicos prestados

aos seus filhos nos momentos da hemodiálise, as suas falas transcendem os aspectos

relacionados à aprendizagem da leitura, escrita e conteúdos escolares por trazer consigo os

benefícios do trabalho da classe hospitalar, também relacionados ao desligamento das

crianças e adolescentes do que o tratamento hemodialítico lhes causa ao “desligarem-se da

máquina” e, principalmente, pela distração nas quatro horas a cada sessão. Estas ideias estão

representadas nas falas de Carmen e das mães de Adriano e Marcelina:

Acho, acho muito importante! Mais importante do que você pensa, porque

assim, as quatro horas e quando você tá estudando e quando você olha pra

máquina já faltam 10 minutos. Aí passa rápido e é muito importante

estudar... Então, é melhor que a gente estude na hora. [...] A aula no

hospital é legal assim...todas as aulas são legais, na escola no hospital, mas

também é legal lá no hospital. [...] Eu gosto muito das aulas da hemodiálise

e aí eu fico lá, esperar passar o tempo, eu esqueço tudo... e é bom por que

você estuda né! (Carmen)

Acho que eles ali ficam envolvidos, eles veem que ele está fazendo alguma

coisa e não ficam ali só presos à máquina no período de tratamento para ir

embora. É como se ele não estivesse participando de um momento da saúde.

Ele está participando de um momento escolar na vida dele, pelo menos

Adriano. Eu avalio Adriano! Nesse momento ele se esquece do lado que ele

está ali por causa de saúde e ele se prende à aulinha dele ali, e à

participação, ao conhecimento... Ele se desliga, enquanto no sábado que

não tem ele já reclama que está chato, que demorou, porque não teve esse

momento, esse período de aula. (mãe de Adriano)

Pra distrair. Que eu digo a ela: Marcelina, você faça, esqueça essa

máquina, não fique só pensando na máquina, você vai fazendo o dever, a

professora vai explicando, às vezes ler uma história, dá um deverzinho que é

que... É igual o seu da escola de lá, às vez aqui tá mais adiantado, que aqui

ela falou sobre Sete de setembro, falou sobre a páscoa, falou... E lá veio

falar depois, então você, quando você tá ouvindo aqui, quando chega lá,

você já sabe, então esqueça a máquina, porque eles só fica ligado na

máquina, só me pergunta: quantos minuto falta? E fica, só fica concentrado

só na máquina, já deita dizendo olha a hora aí, pra acabar logo, que assim

que sai é uma felicidade. (mãe de Marcelina)

A ideia máquina de hemodiálise representada nas falas das mães quando dizem

“esquecer da máquina” ou algo similar, apresenta uma dimensão subjetiva que parece estar

além da função que ela efetivamente exerce. Neste sentido, a máquina tem um caráter de

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dualidade, por um lado ela representa a manutenção da vida no atrelamento à sobrevivência,

por outro, a máquina é algo que representa prisão, dependência, e sofrimento, ou seja, ela

representa a vida e a morte ao mesmo tempo.

A concepção em relação à máquina parece materializar a doença em um ente – a

máquina, daí o confronto entre o corpo da pessoa e a máquina enquanto “corpo”, da relação

entre a pessoa e a máquina de hemodiálise expressos nos conteúdos das falas quando as mães

e seus filhos dizem que querem se arrancar da máquina, que ficam presos à máquina, que

querem esquecer a máquina e etc.

Daí a associação das ocupações das crianças/adolescentes com as atividades da classe

hospitalar no momento da hemodiálise para “se desligarem da máquina”, que por sua vez,

quer dizer: não ficar ansioso para que às quatro horas de cada sessão passe logo e assim

efetivamente desconectarem-se da máquina após a finalização da sessão.

O envolvimento, a escuta ao que o aluno/paciente demanda a cada dia e a inserção do

professor no contexto da vivência com a doença que não se dissocia da sua prática

profissional por acompanhar periodicamente cada um a que atende, faz com que este

profissional também partilhe das condições vividas cotidianamente pelas crianças e

adolescentes estabelecendo uma relação mais próxima baseada no diálogo e na confiança a ele

depositados. Esta relação de abertura entre professor e aluno da classe hospitalar é observada

pelas mães de Laura e Marcelina que demonstram ver das seguintes formas:

Ajuda a conversar com ela né, conversar com ela, explicar a ela algumas

coisas. [...] E ela se abre mais com as professora do que comigo, assim

quando as professora conversa com ela, ela conversa melhor do que

comigo... assim, várias coisas assim elas ensina. [...] Então assim: a gente

tem igual se fosse uma família, a gente se apegou muito assim, então eu não

tenho o que reclamar não, só tenho que agradecer. (mãe de Laura)

Eu acho bom, ela conversa com ela, e ela fica ali escutando e mesmo que ela

só fique balançando a cabeça, não queira falar, que é, que ela num gosta de

conversar, tem vez que ela num gosta de conversar, tem vez que ela fica

calada, mas é bom, ela conhecer, ficar com outras pessoas assim, a

professora falar com ela, eu acho bom. Que aí ele fica ligada ali no que ela

ta falando e esquece um pouco aquela máquina que tá do lado direito, ela,

só concentrada ali, e saí um pouco da doença e vai entrar em outro assunto.

(mãe de Marcelina)

A classe hospitalar na mediação de situações que possibilitam a socialização, através

da interação do professor com os alunos/pacientes, também faz parte da percepção das mães

sobre este trabalho realizado no momento da hemodiálise:

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A socialização deles, entendeu? O 'aprender a compartilhar', porque a

criança depara num momento desses em que a família não sabe lidar, então

tendem a ser crianças egoístas. Às vezes, não... eles chegam a ser meio que

travados, pelo menos o que a gente percebe. Eu tenho quatro anos aqui

dentro, então eu posso falar um pouquinho disso. Então quando chega a

aula que a professora ali, lida com todos de igual, compartilhando, então

são brincadeiras educativas. Por exemplo, a professora fazia muito aqueles

bingos com matemática, então havia uma equação (conta), em que deveriam

ser respondidos, e ali eles marcavam o “ponto”. Então é uma forma de

brincar jogando e compartilhando. Então assim, "fulano foi chamado para

transplante", na turma dos meninos, os meninos falam "puxa, que legal,

tomara que transplante", e já nas outras turmas falam assim, “por que não

eu?”, “Por que não eu?” Então a escola ajuda muito isso. E tem as

psicólogas? Tem. Mas eu acho que a professora, ela é até mais próxima do

que as psicólogas aqui dentro. Eu acho que a função não é só pedagógica

aqui dentro - né! - passa. Passa disso, porque as professoras escutam,

ouvem, querendo ou não, há uma maneira de envolvimento, não só

profissional, mas em todos os aspectos. Há sim um envolvimento muito

grande. E isso leva para casa, porque uma forma de compartilhar, já que

nesse momento eles se sentem mais fragilizados, mais carente. Então, não é

só na parte intelectual, é em todas as partes. Então vem o emocional, como

se lidar, o dividir, compartilhar, as questões que são levantadas, eu vejo

dessa forma, né! Eu creio que também vai por esse caminho. (mãe de

Daniel)

E tem a questão social também de né assim, de interagir também, como eu

falei, é só eu e ela aqui dentro de casa, o meu marido só chega de noite,

então assim o mundo pra ela, aí eu me preocupo muito com isso, porque o

mundo pra ela, sou eu! E quando eu morava em Itapetinga, tinha minhas

irmãs, tinha a prima, então eu não gosto assim, não quero que seja só eu,

entendeu? Porque ela vai crescer, ela vai ter que tá... se socializar com todo

mundo, ainda mais que ela vai por conta do problema visual dela. Então é

importante que ela tenha esse contato (com a classe hospitalar). (mãe de

Carmen)

Para as crianças, os adolescentes e as suas mães, a classe hospitalar tem como

referência a escola comum, pois a ideia de que a escola é trazida para dentro do ambiente

hospitalar é expressa nas falas de alguns deles pelas comparações que estabelecem,

reconhecendo suas diferenças ou semelhanças, mas sempre partindo do que cada um

experiencia ou experienciou em seus momentos escolares:

Acho importante estudar, tanto faz na escola quanto lá, lá na hemodiálise.

Porque ensina mais pouco, lá ensina mais, lá no colégio. (Valéria)

As aulas aqui são muito diferentes, porque no Piedade (escola que estudava

antes) a gente tava ainda no começo. A gente já passou disso já faz tempo e

ainda não aprendia os números, nem o Braille. Eu só tava nas letras, no

formato das letras e não saia mais dali. E a pró Michele também, a minha

professora, ela me ensinava alguns pontos, mas não era todo dia. (Carmen)

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A mãe de Daniel traz situações vividas pelo seu filho e observadas por ela do trabalho

da professora com os alunos/pacientes neste contexto partindo da referência que tem na escola

comum:

Eu acho que a relação do paciente-aluno com a professora na... na classe

daqui, do hospital, é diferente do que da sala de aula numa escola normal,

comum. Eu acho assim, que até mesmo... porque lá, eles... eles estão

acostumadas a repartir uma professora com mais alunos. Eles repartem

uma professora com vinte, vinte e cinco alunos numa sala. Já no hospital, é

uma professora com menos pacientes-alunos, mas que eles, eu acho que eles

cobram demais a atenção né, a dizer pelo meu (filho) também que até se

enciúma da questão, eu acho que ele fica contando até os minutos de quem

dá atenção mais a cada um. Eu não tenho o que falar, dizer assim, “ah,

escolheu mais para um paciente-aluno do que para o outro”, não existe isso.

Eu acho que sempre a atenção, tudo, sempre foi voltado de igual para igual.

[...] E eu sei que eles também ficam mais exigentes, eles exigem muito mais

do que em uma aula normal, que ele sabe ali que ele tem aquele tempo, está

contado, que a professora é de todos, a atenção para todos, é uma maneira,

é uma visão diferente. É uma visão diferente, e eles quando não conseguem

realmente pegar no ponto fraco, eles são terríveis, não são coitadinhos! [...]

Então ele (se referindo a Daniel) gosta de aulas no hospital, somente aulas

informatizadas, tipo tablet, tipo notebook. Então isso para ele é o máximo de

atividade, porque ele, na escola, é uma tradição, ele tem que encarar com o

que é habitual. (mãe de Daniel)

5.3.2 Relação Classe Hospitalar X aluno/paciente X família X escola comum

O trabalho da classe hospitalar envolve não somente os alunos, mas também a família

e a escola como mostram os depoimentos das crianças, adolescentes e suas mães nas falas que

apresentam a continuidade em casa e o compromisso do aluno/paciente com o que estuda no

hospital, coma professora, através da ajuda e incentivo da família, e também no que a escola

comum entende, espera e articula junto ao trabalho da classe hospitalar.

A continuidade do trabalho da classe hospitalar em casa foi demonstrado nas falas das

mães quando trouxeram que em casa os filhos comentam sobre alguma coisa que lhes chamou

a atenção na aula que teve no momento da hemodiálise, quando sentem curiosidade, em

algum assunto estudado e pesquisam mais em casa sobre o tema e quando levam atividades

para fazer em casa, demonstrando o interesse e o compromisso, enquanto aluno da classe

hospitalar como podemos perceber a seguir:

Às vezes conversa sobre as aulas, por exemplo, quando é algum assunto que

ele gosta, ele vai lá e procura um livro que ele tem e fala: “Olha, a

professora falou disso aqui, de ciências”, porque ele sempre gostou de

ciências. Aquelas coisas de experiências, de germinação ou alguma coisa,

então ele vai lá no livro e vai lá olhar o que ela comentou aqui e o que está

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lá no livro. Ele tem essa curiosidade. Às vezes ele leva alguma pesquisa de

alguma coisa pra fazer em casa. (mãe de Adriano)

Mas elas (as professoras da classe hospitalar) passam atividade a ela pra

fazer em casa e ela faz direitinho, traz e amostra. Ela tem responsabilidade,

ainda ontem mesmo ela levou uma, fez, tá lá, aí, vai levando outra hoje, pra

fazer, trazer quinta e entregar. Ela faz direitinho, traz e entrega. Aí ela

levou, fez, faz tudo direitinho e traz, o que ela não sabe às vez ela chega aí e

pergunta, mas ela traz. (mãe de Valéria)

Conversa, não só conversa como ela pratica o que é dado lá. É, porque ela

chega mesmo e tem dia que eu nem falo nada, aí ela vai lá, ela pega lá

sozinha, aí tem dia que ela fala: mãe, que letra é essa? Aí eu ajudo, ou então

ela pega o alfabeto e vai pro quarto, ou então ela fala: mãe, eu vou no

Dosvox, ela já vai logo pro texto, pra escrever, pra procurar as palavras, aí

tem coisas que ela... ontem o que foi que ela me disse... aí, foi uma palavra

que ela disse que começava com cidade, ela: Mãe, soletra pra mim, cidade!

Eu falei i! Você não sabe? Eu sei, mas soletra você, aí eu: C I, aí ela: não

mãe! É S I. Então assim, essas coisas ela vai me falando, então assim, essas

coisas a gente vai dando sempre continuidade ao que ela vê na escola (se

referindo a classe hospitalar). (mãe de Carmen)

Ela fala, ô mainha, a professora passou tal tarefa pra mim. Ela se preocupa

com as tarefa! Agora mesmo, tá levando pra casa, ela tá trazendo tudo

respondido. E quando chega em casa, ela toma banho, almoça, aí antes ela

ia dormir, aí agora ela vai direto fazendo a tarefa, tem hora que ela quer

que eu faço, eu peço a ela que é pra fazer, mas quer que eu faça a tarefa

naquela hora. Às vezes eu aproveito, quando é uma tarefa fácil. (mãe de

Laura)

Por exemplo, quando faz atividade para casa, que você tende a cobrar,

"Fulano, você já fez?" ou ele tem interesse daquele assunto... Se ele tem

interesse daquilo ali, ele rapidinho responde, ele busca lá, ele faz a

pesquisa. Ele faz. Se for uma coisa que ele ache, porque, na cabecinha dele

ele acha assim, "esse assunto é para pequenininho", "esse aqui eu já

passei", "esse aqui eu já sei". (mãe de Daniel)

Estes podem ser também momentos possíveis destas pessoas desligarem-se um pouco

das questões relacionadas à doença e, no caso das crianças e adolescentes, de se ocuparem um

pouco com estes tipos de atividades, pois estes relatos se referem àqueles que não frequentam

escola comum.

Remetendo-se novamente ao que experimentam ou experimentaram da escola comum,

algumas mães entrevistadas, falaram da relação entre a classe hospitalar e a escola comum, no

que sabem e esperam do trabalho da classe, sendo possível ouvir vários tipos de situações

vividas por cada um no seu contexto específico, como se pode observar nas falas das mães de

Marcelina, Daniel e Valéria:

Eu disse a ela. Ela disse, é bom Mãe, que assim ela num esquece, e ela,

como ela gosta de ler e escrever, ela é uma menina inteligente, ela gosta de

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ler e escrever e gosta dos livro, aí então é bom, ela num tá só pensando ali,

entrar dentro do hospital, fazer o tratamento, ficar só ligado ali no

tratamento, só ali, falando na doença, na doença, é bom conhecer outras, é

ouvir outras palavras, ouvir uma conversa, ouvir uma história, um assunto

de escola, falar de, da escola, de outras coisa, que não venha falar da

doença ali. (mãe de Marcelina)

Era informado. A gente sempre fala, fala assim, quando você vai matricular,

você fala... “tem uma professora que passa...”, tanto que às vezes... eh... em

alguma dificuldade que tem lá, pelo tempo ser curto, porque ele começou

estudando à tarde. Então ele ia segunda-feira à tarde, terça-feira de manhã

é a hemodiálise. E, conforme ele viesse o tratamento, como respondesse,

então à tarde ele ia para a aula. Então, muitas das vezes, a pró do hospital

auxiliava aquele assunto de segunda-feira. Às vezes, até mesmo dava um

reforço numa questão de prova, mas a outra estava ciente. Às vezes, até a

professora falava assim, “ó, vê se a professora do hospital dá para

trabalhar um pouquinho também, disso daqui.” (mãe de Daniel)

A gente diz isso a ela. Eu até que levei é a atividade dela lá (na escola

comum). Ela disse: você pega a atividade dela se ela não fazer, aí você leva

pra professora de lá do tratamento dela, aí manda ensinar ela a fazer que dá

pra ela fazer e traz de volta que eu olho. Ai sempre ela dá as atividades

dela, mandar daqui ensinar a ela. (mãe de Valéria)

Os casos de Davi e Adriano se mostraram de maneira complexas, a partir do que as

mães apresentaram nestes dois relatos:

Não, nunca comentaram nada. (mãe de Davi)

Não sei se a professora sabe da escola daqui da hemodiálise, porque não dá

tempo de perguntar nada, nem comentar nada. Nada. Só levava, porque eu

levava até a sala, aí depois, antes de terminar, dez minutos antes do sinal

bater eu ia pegar, por conta da correria dos meninos para não bater, para

não... então eu pegava ele um pouquinho antes. Já tinha sido liberado pela

diretora de eu chegar e entrar. As mães ficavam lá fora esperando os

meninos e eu chegava e ia lá buscar. O sinal bateu, eu já estava lá na

esquina. Então não dava tempo porque ela estava sempre ali na correria,

na gritaria. (mãe de Adriano)

As trajetórias escolares de Davi e Adriano foram apresentadas pelas suas respectivas

mães e de, maneira geral, pode-se dizer que no caso de Davi, há um convívio desde muito

cedo com a doença, e a escolarização do menino nunca foi concebida de maneira muito séria

pela família dele, já no caso de Adriano, apesar da Síndrome de Down, o menino desde muito

pequeno teve um bom acompanhamento escolar, mas quando a doença apareceu em sua vida,

houve uma mudança significativa no seu processo de escolarização, pois a escola em que o

mesmo teve a oportunidade de matricular-se, não atendeu a nenhuma das expectativas da mãe

e das necessidades do aluno.

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No caso de ambos, é possível notar que a partir destes dois últimos relatos

apresentados, que a escola não demonstra interesse em partilhar da vida escolar dos alunos e a

complexidade destas falas nos aponta para muitas problemáticas que, infelizmente,

contribuem na ruptura e fragmentação do que estes alunos poderiam aprender e construir se a

realidade não fosse de tal forma.

Carmen sua mãe e a mãe de Daniel avaliam o trabalho da classe hospitalar, a partir do

que conhecem no contexto em que estão inseridas. Ambas, falam das possibilidades e de

como poderia ser para melhorar o atendimento da classe hospitalar no momento em que os

meninos e meninas estão realizando hemodiálise:

Eu acho que sim, eu acho, falta de um... do governo realmente manter da

maneira mais adequada o atendimento, a assistência, com o material, de

outras coisas. É porque material, porque é dar mais atividades. Porque não

é uma aula normal - né! - e uma professora, dividindo a atenção com quatro

ou cinco numa máquina, ou com todo o resto do hospital, porque tem

crianças internadas que têm que ter assistência nas enfermarias. (mãe de

Daniel)

Carmem e sua mãe avaliam a impossibilidade de mudanças na estrutura dos

atendimentos da classe hospitalar em adequar as aulas ao tempo dispensado em meio às

demandas do próprio processo hemodialítico:

A gente não pode fazer nada. Porque a hemodiálise só são quatro horas e se

a gente quisesse melhorar, a diálise tinha que ser mais tempo. Então a gente

não dá pra melhorar nada. (Carmen)

Assim, eu acho que não dá pra fazer muito mais do que já é feito, porque

tem as horas que são poucas e os dias que também são poucos, né... e tem

dia que ela tá bem, e tem dia que ela num tá. Então assim, em relação ao

sono eu posso pegar no pé, porque o sono é uma coisa que a gente não

pode... é dizer: eu não vou estudar porque eu tô com sono. E às vezes tem

aquela questão de não tá passando bem e você acaba perdendo mais tempo

com isso. Então eu não sei assim, acho que o tempo que é dado, é pouco,

mas que em virtude é isso né.. só são 4 horas, são só 3 vezes na semana né...

acho que não dá pra ir muito além do que isso né.. então que o que tá dando

tá sendo suficiente, mas assim eu tô vendo muitos avanços com ela em

relação ao Braille, apesar do tempo pouco que na escola fica o quê... são 6

horas? (fala minha: são 4 horas) Mas são todos os dias! São 4? São todos

os dias né! E lá não pode ser as quatro inteiras né, tem que ligar, tem que

desligar, tem o curativo, tem o café né, tem hora que não tá legal que a

pressão baixa, você para e muitas vezes a criança não tá disposta e já

naquela situação você né! Diferente de “cê” tá numa escola, você falar

assim: não tem que estudar, você tá aqui né, diferente! (mãe de Carmen)

Neste capítulo foi apresentado o conteúdo de nossas conversas, tanto com as falas dos

meninos e meninas que têm a doença renal e que trouxeram as experiências com a doença e a

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hemodiálise, quanto com suas mães por estarem vivenciando juntamente com eles este

processo que como foi descrito aqui, marcado pelo sofrimento e por reconstruções de suas

trajetórias existenciais. No próximo capítulo, estão apresentados apenas o que as crianças e

adolescentes expressaram, a partir de recursos usados para acessá-los a fim de investigar o

que se pretendia, mas que também carrega consigo os sentimentos e as experiências da

convivência com a doença renal e a hemodiálise.

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6 APRESENTAÇÃO DAS DINÂMICAS COM AS CRIANÇAS/ADOLESCENTES

É que ninguém caminha sem aprender a caminhar, sem aprender a fazer o caminho

caminhando, sem aprender a refazer, a retocar o sonho por causa do qual a gente

se pôs a caminhar. (FREIRE, 1992, p. 79)

Na conversa com as crianças e adolescentes que colaboraram com este estudo,

utilizamos algumas dinâmicas que possibilitaram maior participação na interação que foi

possível, a partir desta mediação ao que cada um pode expressar das circunstâncias vividas no

contexto da IRC e da hemodiálise buscando pensar no que puderam trazer dos temas doença

crônica e escolarização.

Nossas entrevistas foram divididas em duas partes: A primeira parte foi mediada,

através de quatro gravuras (ANEXO 1) que foram colocadas com o objetivo de ilustrar o que

se pretendia saber sobre determinado aspecto; a segunda parte aconteceu na utilização do

jogo: Baralho das Emoções e da proposta do desenho.

Nem todas estas estratégias foram usadas com todos os participantes. Com Carmen,

por causa da deficiência visual não fizemos o desenho, substituindo-o pelo seu depoimento, a

partir da sua perspectiva de futuro e de como seria se ela fosse escrever um livro contando

sobre a sua vida, com Marcelina não foi possível fazer o Baralho das Emoções, porque ela

não mais precisou fazer hemodiálise, pois o rim retomou a sua função e perdemos o contato

no hospital, e com Davi, também não foi possível fazer o desenho e nem o jogo, porque ele

passou a fazer diálise peritoneal em sua residência e não conseguimos nos contactar para

marcarmos outro encontro além dos que tivemos.

Do que foi possível utilizar nos relatos das crianças e adolescentes na primeira parte da

entrevista, através da mediação com as gravuras inserimos no capítulo anterior juntamente

com as falas das mães, pois o que se pretendia saber foi perguntado tanto para as crianças e

adolescentes quanto para as mães, com o objetivo de entender, de maneira geral, o que

pensam a respeito do que se pretendeu investigar. Neste sentido, o que ficou bastante evidente

foi o fato de que a doença aparece de maneira bem mais forte na fala das mães do que nas

expressões das crianças e adolescentes.

6.1 ACESSANDO OS SENTIMENTOS

Com a utilização do Baralho das Emoções para possibilitar a abertura ao que as

crianças/adolescentes tinham a dizer, foram mostradas, primeiro, as cartas referentes aos

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sentimentos para cada sexo, ou seja, se a entrevista estava sendo realizada com menino,

usávamos as cartas com os bonequinhos, se com as meninas, usávamos as cartas com as

bonequinhas. Das vinte cartas com os sentimentos, os participantes podiam selecionar quantas

quisessem. No geral, os dois meninos selecionaram menos cartas do que as meninas, sendo

sete de Adriano e nove de Daniel. Com as meninas, Carmen selecionou 19 cartas e Laura e

Valéria selecionaram 11 cartas cada uma delas. Após a escolha das cartas pelo participante,

eu recolhia todas, retirava as que ele/ela não selecionou e a partir das cartas selecionadas,

íamos conversando para que ele/ela dissesse o motivo pelo qual escolheu determinada carta.

No momento das conversas, inicialmente, as crianças falavam sem serem muito

interrogadas e sempre dentro de um contexto, eram inseridas as perguntas sobre a doença e

sobre a escola. Interessante notar que nem todos os sentimentos ruins (medo, tristeza,

angústia, etc.) estavam sempre associados à doença como veremos adiante. Esta foi uma

grande surpresa, pois, como disse, a doença ganhou destaque nas conversas com as mães e já

com as crianças/adolescentes. Houve espaço para falar de sentimentos relacionados a outros

assuntos, tais como: medo do escuro e de barata, briga com o colega, decepção quando um

desenho preferido e esperado não passa na televisão, dentre outros sentimentos que parecem

ser normais às crianças.

O Baralho das Emoções é composto por vinte sentimentos, além de uma carta com o

desenho de um termômetro, sendo todos representados tanto por desenhos de bonequinhos de

meninas, quanto de meninos, no total, somam-se quarenta cartas. Os sentimentos são: feliz,

amoroso, esperançoso, tranquilo, orgulhoso, amedrontado, decepcionado, desesperado,

confuso, saudoso, solitário, preocupado, cansado, ansioso, triste, culpado, desconfiado,

envergonhado, estressado e irritado. Em um panorama geral, temos: a única carta não

selecionada por nenhum dos participantes foi solitário(a) e as cartas selecionadas por

todos(as) participantes foram quatro (amoroso(a), tranquilo(a), esperançoso(a) e feliz).

Para a elucidação do que emergiu dos sentimentos expressos pelas crianças e

adolescentes, foi feito o agrupamento das emoções que se aproximavam no sentido de

possibilitar uma melhor organização no que está aqui apresentado, além de facilitar a

compreensão destes sentimentos trazidos pelas crianças e adolescentes.

Feliz, tranquilo, esperançoso, amoroso

Todos os cinco meninos e meninas selecionaram estas cartas que, apesar do

sofrimento que os mesmos vivenciam por causa da doença, nenhuma carta que represente

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sentimentos negativos foi selecionada por todos, apenas por uns ou por outros participantes.

Quando lhes foi perguntado o motivo por ter selecionado estas cartas, eles responderam:

Eu sou feliz porque sim! Não tenho motivo assim pra “mim” ser triste, não

tem nenhum não! (Carmen)

O que me deixa feliz é porque eu tô bem. Por ter meus irmãos e meus pais.

Eu gosto de desenhar, estudar de brincar. Eu gosto de ir pro mercadão,

comer bolo. (Valéria)

Quando eu tô passando por alguma coisa, aí eu oro e fico bom. Aí eu fico

feliz. (Daniel)

(Tranquilo) Com tudo. (Daniel)

Com minhas irmãs eu fico tranquila, com minha mãe... (Laura)

Eu sou tranquila porque sim! Não tem nada pra acontecer. Em relação a

tudo eu sou tranquila. É tudo assim, eu fico tranquila em casa, tranquila na

rua, em tudo. Aqui no hospital, um pouco. (Carmem)

(Tranquila) De vez em quando eu fico assim. Quando eu tô mais meus

irmãos, brincando, desenhando. Ontem professora, nós fizemos... meu irmão

desenhou, ele vai ser desenhista, ele tem os “zói” meio correndo assim. Aí,

ele fez.. ele também é estressado que só! Se ele não conseguir fazer uma

coisa, ele se reta. Ele fez uma bandeira do Brasil, não sei porque ele fez. Aí

eu disse, menino, como é grande, vamos pintar nós tudo. Aí nós pintemos.

Ficou linda, aí ele colou lá no quarto dele. Um bocado de desenho lá. É

quando eu tô brincando eu fico tranquila, aí eu esqueço. (Valéria)

Tenho esperança! Milagre... Acho que você sabe! Chuta! Milagre de voltar

o rim. (Carmen)

Ao transplante. Muito esperançoso. (Daniel)

Eu tenho fé que eu vou transplantar. Só! (Laura)

Esperança! Eu tenho esperança que eu vou ter a minha saúde de volta. E

ficar bem, poder brincar, retirar o cateter, sair da hemodiálise. (Valéria)

Em relação à carta “amoroso”, todos selecionaram e disseram que são amorosos,

especialmente, com a família e com os que mantém uma relação próxima no hospital:

Eu amo meu pai, minha mãe, meu irmão. (Daniel)

Com você, as meninas (as técnicas de enfermagem), Valéria. Algumas

pessoas que eu não gosto. Porque tem umas que é metida e não fala.

Mamãe, mesmo ela nervosa eu sou também. (Laura)

Com as pessoas, com algumas pessoas: com meus irmãos, com meus pais,

com meus avós e só. (Valéria)

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Com todo mundo (Adriano)

Com a minha família. (Carmen)

Orgulhoso e saudoso

Carmen selecionou a carta “orgulhosa” e justificou a escolha incluindo a professora da

classe hospitalar por estar próxima dela e pelo que tem ensinado nos momentos da

hemodiálise:

De tudo! Ah, tem uma coisa, posso falar também da professora, porque

assim, me ensina tudo, tô há um ano nessa pra estudar, pra aprender tudo,

porque me ensina também. Tenho orgulho de outras pessoas, mas vai

demorar! (Carmen)

Em relação à carta “saudoso”, Laura e Valéria foram as únicas que se referiram a elas,

apesar de não entender, a princípio o que significava a expressão “saudoso”, sendo necessário

explicar e exemplificar para que elas se identificassem e falassem da época que não tinham

que conviver com a doença renal:

Antes eu brincava. Antes eu brincava de correr, estudava, bebia muita água,

comia tudo e agora eu não posso mais. (Laura)

Eu fico mesmo! Da época que eu era bebezinha. Lembro como era antes:

era bom, podia beber água, podia correr. Eu sinto mais falta de quando eu

era saudável. Eu só tomava remédio de verme e vitamina. (Valéria)

Estressado, irritado, preocupado, ansioso

As situações do dia a dia vividas são trazidas nas falas das crianças/adolescentes para

justificar a escolha das cartas “estressado” e irritado”:

Alguma coisa que me irrita... Faz tempo, lá em Barramares, onde eu

morava, tinha um homem, ele sabia que eu tinha medo de cachorro e ficava

me irritando. Teve um dia, que eu falei, ó, eu não aguento mais não. Eu vou

pegar a sandália e vou te bater. (Carmen)

O trânsito me deixa estressado. Quando está engarrafamento da BR pra

poder chegar aqui. (Daniel)

Quando eu tô assistindo, aí meus irmãos ficam fazendo zuada, aí isso me

deixa estressada. É quando eu quero fazer alguma coisa e não consigo.

Como eu quero fazer um desenho e não consigo, aí eu fico estressada. Eu

fico estressada quando é pra acordar 1 hora da manhã, aí tem vez que eu

acordo chorando, aí tem vez que eu acordo com uma cara ruim pra ir pro

banheiro escovar os dentes. Ontem, hoje mesmo, hoje mesmo eu levante com

uma cara ruim. Mamãe também tem vez que levanta com uma cara ruim.

Também quando eu vou fazer um dever que não consigo fazer em casa, aí eu

fico estressada. Em Janeiro eu vou voltar a estudar! (fala com alegria).

(Valéria)

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Quando alguém fica fazendo, fica falando coisa de baboseira eu fico

irritado! A pessoa falar, ó teve um amigo meu que falou assim: fica falando

coisa que não existe, aí fica atestando coisa que não existe. (Daniel)

Às vezes eu fico nervosa, porque eu tenho raiva, porque eu não gosto de

ficar internada. Aí eu fico nervosa e estressada. A semana passada, eu quase

fico internada porque não funcionou, aí no outro dia, a médica mandou vim

no outro dia, aí concertou e internou. (Laura)

Carmen e Laura escolheram a carta “Ansiosa” para expressar o desejo que sentem e

relação a:

Tudo. Um dia quando minha mãe vai comprar uma coisa, uma casa, uma

coisa... me deixa ansiosa. E sobre tratamento sim e não. Nada, nada... Eu já

falei, que é no tempo de Deus. Eu não tenho que ficar! Se ele quiser.

(Carmen)

Transplantar. Transplantar, ficar livre, ficar feliz com as minhas irmãs, mãe

e pronto. (Laura)

Amedrontado, desesperado e triste

Estas cartas foram selecionadas apenas pelas meninas que trouxeram seus sentimentos

negativos em relação, especialmente, à doença apesar de expressarem situações do dia a dia

que lhes causam medo, tristeza ou desespero:

Medo de tudo, de tudo assim, de tudo que dá medo. Medo de negativar17

,

ah... Medo de tudo. (Carmen)

Eu vejo todo mundo morrendo, aí eu fico com medo. Valéria mesmo

transplantou aí não deu certo. Eu fico com medo de transplantar e não dar

certo. [...] O meu pai tá vindo. Aí minha mãe vai ficar uns dias lá no

interior, aí vai ficar eu e minha irmã. Ela só vai levar a minha outra irmã.

Me dá vontade de viajar e eu não posso. Aí eu fico triste. (Laura)

Medo de noite, medo de noite quando eu durmo, aí eu fico imaginando

coisa. Quando eu vejo umas pisada, eu me embrulho todinha. Quando meus

irmãos levanta para ir no banheiro, ‘ôxi’, eu tomo choque, me embrulho

todinha. E de fazer o transplante. De tomar furada. (Valéria)

As baratas me deixam desesperadas. Teve um dia que eu e minha mãe viu

uma barata e a gente pulou pra dentro do quarto.(Carmen)

Às vezes eu venho pra cá aí eu fico triste porque eu fico com medo do meu

cateter não funcionar, aí eu fico triste, aí eu fico preocupada. Quando eu

ligo, eu fico nervosa de não funcionar, aí eu fico nervosa. Se não fazer

17 Negativar na máquina de hemodiálise é quando a fístula ou o cateter está dando fluxo sanguíneo menor ou maior do que o

considerado adequado para realizar a filtração na diálise do paciente. No caso do cateter (comum em crianças), quando fica

negativando o paciente se sente muito incomodado porque o profissional de saúde (enfermagem ou equipe médica) além de

tentar reposicionar o cateter para normalizar, pode pedir ao paciente que se movimente o mínimo possível para manter este

cateter na posição colocada. Quando há problemas em relação a isto, a hemodiálise pode ser prejudicada e o médico orienta

que o paciente retorne no dia seguinte para fazer uma sessão a mais de hemodiálise naquela semana.

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hemodiálise aí morre, porque o pulmão incha e não aguenta aí eu fico

preocupada. (Laura)

Com o transplante. Que esse daí não deu certo e eu fico preocupada de fazer

outro. Eu fico com medo, mas eu quero fazer outro. Eu fico com medo

porque eu fiquei entubada. [...] Pra sair logo da hemodiálise, poder beber

água, brincar estudar. (Valéria)

Culpado, confuso, decepcionado

Todos estes sentimentos estão relacionados a situações cotidianas vividas por estas

crianças/adolescentes, nenhum deles trouxe sentimento de culpa (quando, por exemplo, come

alguma coisa que não pode e passa mal), confusão ou decepção em relação à doença:

(decepcionada) Às vezes alguém me dá uma notícia boa ou uma notícia ruim

em relação a tudo. (Carmen)

(decepcionada) Quando eu penso que vai passar um desenho, quando não

passa. Aqui, é quando o almoço demora. (Valéria)

Às vezes tô com a cabeça em outro lugar e tô fazendo outra coisa! Minha

mãe às vezes fica confusa, então eu também sou confusa. Eu tô andando, tô

com a cabeça em outro mundo, aí eu tropeço. (Carmen)

(Culpado) Quando eu bato numa pessoa. Só isso! (Daniel)

Eu me sinto culpada por uma coisa que eu fiz sem querer. Hoje mesmo, de

manhã, eu e minha mãe tava jogando o joguinho, aí eu peguei, não era pra

comprar o terreno naquele lado, aí eu fui lá e comprei, aí ela falou assim:

ah, não era pra comprar desse lado, aí eu falei desculpa! (Carmen)

Desconfiado, envergonhado

Carmen e Daniel exemplificam, a partir do que pensam ou experienciaram quando se

sentem desconfiados e envergonhados:

Eu fico observando tudo. Eu não aceito nada de ninguém da rua. Eu sou

desconfiada, isso aí eu sou mais, eu sou muito desconfiada. Aí né, quando eu

dialisava lá em Ilhéus, a doutora da clínica disse assim: toma aqui um

sonho de valsa. Aí eu não posso que tem amendoim. Aí eu, mas aí eu não

posso! Aí ela disse: ah Carmen, eu sou sua médica! Mas eu sei muito mais

que você tá! Ela ficou impressionada, a médica. (Carmen)

(desconfiado) Risos... Quando alguém chega estranha aqui e fala com outra

pessoa... tem alguma coisa lá! (Daniel)

Por causa que eu tenho vergonha de falar em público. Na igreja é um

pouquinho só. (Daniel)

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Cansado

A carta que ilustra e remete a situação de cansaço foi selecionada por um dos meninos

e por todas as meninas:

Um pouquinho, às vezes. Uma vez por dia. Umas 3 horas. (Adriano)

Depois da diálise. A diálise e os dois (fazer hemodiálise, acordar cedo e me

transportar de casa para o hospital). Quando chego cansada eu deito. Tem

vez que eu nem deito, de tarde eu não deito e tem vez que eu deito meia

noite. Eu não tenho sono e também fico assistindo, aí não dá sono. (Carmen)

Quando eu saio daqui da hemodiálise eu fico cansada. Chego com vontade

de dormir. às vezes eu chego 1 hora, aí lá em casa eu vou de ônibus.

Quando eu subo a ladeira eu fico cansada, quando eu desço eu fico

cansada, aí eu não tô com a cadeira mais não. Saio daqui, vou pro ponto, às

vezes eu sento, ás vezes não. Ônibus cheio, às vezes vou em pé, aí eu fico

cansada. O ponto fica um pouquinho longe, aí eu vou andando, aí eu subo

escada. E quando eu chego em casa eu deito, almoço e vou dormir. (Laura)

Quando eu chego em casa daqui da hemodiálise eu chego cansada

estressada. Quando eu chego, aí eu tomo banho, tomo café e aí eu vou

dormir. Eu acordo cedo por causa dos meus irmãos quando vai pra escola

Alisson Vitor, Aladim e Graciano quando vai pra escola acorda na pior

zuada. 6:20h eles vai pra escola na maior zuada, aí não deixa ninguém

dormir. Por causa da viagem eu canso. Hoje mesmo nós não sabe que horas

vai chegar em casa, porque tem uma mulher que traz um menino pra tomar

sangue e sai 6 horas, que sangue demora, aí gasta 4 horas e a gente vai

chegar umas 10 horas lá, aí mamãe tá brigando lá pra dar o carro pequeno.

Mamãe disse se não dar o carro pequeno ela vai botar na justiça. O carro

pequeno sai cedo, só pega nós e outra pessoa, mas a pessoa sai cedo, aí nós

chega em casa 3 horas. (Valéria)

Essas situações expressas se dão pelo esforço diário de cada um, em manter-se no

tratamento, pois como foram colocadas várias vezes nas falas apresentadas no capítulo

anterior, o deslocamento até o hospital durante três vezes por semana, além do desgaste do

próprio processo hemodialítico, causam muito cansaço no paciente e consequentemente no

acompanhante que acorda muito cedo também.

6.2 PERSPECTIVAS DE FUTURO

Ouvindo os meninos e meninas em nossas conversas, foi perguntado a eles em relação

as suas perspectivas de futuro, o que desejam ser e como pretendiam alcançar tal objetivo. A

partir disto, cada um fez o seu desenho que pudesse representá-los no futuro, escrevendo a

profissão que pretendiam ter quando fossem adultos.

Foi possível produzir junto aos participantes, cinco desenhos que eles fizeram

atendendo ao pedido de que pensassem neles no futuro e escrevessem o nome da profissão

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que teriam. Com Davi, não tivemos outro encontro e por isso não fizemos o desenho, trazendo

aqui nesta parte do texto apenas o seu relato em que diz como seria e o que teria no livro da

história da sua vida, e com Carmen, em função de sua deficiência visual, também não foi feito

o desenho, mas a mesma diz qual a profissão escolhida e como será no futuro, além de trazer

o relato de como será o livro da história de sua vida.

É interessante destacar que com este recurso foi possível não só perceber que todas as

crianças/adolescentes desejam ter uma profissão no futuro, mas também de destacar um dado

importante que, três dos participantes expressaram que pretendiam ser médicos no futuro,

enquanto que as outras profissões como cantor, artista, professor e jogador de futebol não se

repetiram. É muito do que eles vivem e do que percebem da importância do médico para a

vida deles, sendo este um dos motivos pelos quais esta profissão se destacou.

Carmen e Davi

Com oito e doze anos, ambos gostam muito de ouvir e recontar histórias infantis. A

proposta de pensar e elaborar uma história sobre sua vida foi feita por eles tendo como

referência seus sentimentos e preferências. No caso de Carmen, que diz não pretender colocar

desenhos, a sua história será escrita a partir do que viveu e por não saber o que vai acontecer

no futuro com ela, incluirá vários personagens pelos quais têm gratidão, já no caso de Davi,

sua história será iniciada com um desenho e marcada por sua trajetória desde quando

descobriu a doença e vivenciou a hemodiálise marcada pelas amizades construídas neste

período, pois atualmente realiza diálise peritoneal:

O título seria: A história da minha vida. Porque é uma história da minha

vida. Então eu colocaria vários personagens... eu colocaria a minha tia que

me ajudou, a minha mãe, todos que estão perto de mim né: minha tia, meu

pai, meu padrasto, todo mundo eu colocaria, até né... e eu faria uma

história, uma história com um livro bem grande, é... com um livro da vida,

que vai ser o título: Livro da vida e fazer tudo, assim, colocar tudo o que eu

passei desde que eu nasci pra cá na história...Não pretendo pôr desenho, só

escrever. [...] Não, do que aconteceu assim, se eu fazer uma história do meu

futuro, e se não acontecer? Aí, porque eu não sei o dia de amanhã. Ficaria

sim, mas eu não sei. (Carmen)

Eu colocaria um desenho com um rim, um boneco com um rim e as pessoas

fazendo cirurgia pra ver como é que o rim age, umas pessoas fazendo

hemodiálise, eu ia botar... Eu sou Davi, eu nasci, veio descobrir com 5

anos... com 3 anos, aí a doutora internou pra fazer cirurgia para botar um

cateter na hemodinâmica, aí botou o cateter e foi pra hemodiálise. Lá na

hemodiálise ele fez uns amigos, aí, eles brincaram, brincaram muito. E,

quando saiu da hemodiálise ele foi pra casa dormir, porque tava bem

debilitado, aí ele foi pra casa dormiu, descansou, aí acordou e foi ver, foi lá

ficar com mãe dele e viveram felizes para sempre. E acabou! (Davi)

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Apesar de ter afirmado que não sabe o que acontecerá no seu futuro, Carmen diz que a

sua profissão será médica para continuar sendo feliz:

Oh, daqui há 10 anos, eu pretendo ser médica, eu pretendo me forma em

faculdade médica e pretendo ser como agora, como agora. Agora, eu

pretendo ser como agora... feliz ... Se formando, ganhando dinheiro e só.. e

sendo feliz né. (Carmen)

Marcelina

Assim como Laura, pretende ser médica e também não falou como fará para conseguir

realizar o desejo da profissão que escolheu. A menina se expressou, oralmente, muito pouco

durante a única conversa que tivemos e em outro encontro apenas fez o desenho enquanto

aguardava no hospital para realizar um exame.

Imagem 11 – Marcelina quando for médica atendendo um paciente.

Fonte: Marcelina

Daniel

O seu relato expressa seus sentimentos ao momento em que vive e traz a perspectiva

de futuro que para ele só será possível depois de um transplante renal. A partir daí, o que,

atualmente, o incomoda será resolvido, podendo, então, ir em busca de sua formação

enquanto cantor da forma como ele expressa em seu relato:

Não fico triste porque não estou na escola, não. Eu quero ficar bom logo.

Fazendo o transplante... Aí crescer, ficar normal, aí eu vou poder ir para a

escola normal, todo dia, vou poder acordar a hora que eu quiser não viajar

mais. [...] Vou ser cantor, eu vou para a faculdade de música. Eu gosto... eu

quero ir lá para São Paulo. Vou me especializar lá nos negócios, tocar

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violão. Hoje eu faço aula de canto. Eu vou entrar na faculdade e me

especializar onde eu quero. (Daniel)

Imagem 8 – Desenho de Daniel que pretende estudar em São Paulo para ser um cantor.

Fonte: Daniel

Adriano

Ficou muito feliz com o desenho que fez, mas antes deste, ele fez outro que não o

havia deixado satisfeito. Disse que pretende ser jogador de futebol e que torce para o time do

Vitória, mas não explicou como fará para realizar o seu desejo e nem fez associação da

profissão escolhida à sua formação escolar.

Imagem 12 - Desenho de Adriano que será jogador de futebol.

Fonte: Adriano

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Laura

Pretende ter duas profissões, diz que pretende realizar seu desejo estudando para

professora e para médica, mas não conta com detalhes como fará para conseguir chegar até

onde deseja. Seu desenho foi feito no nosso segundo encontro após a sessão de hemodiálise e

enquanto aguardava o almoço.

Imagem 10 – As profissões que Laura deseja: médica e professora.

Fonte: Laura

Valéria

Sempre gostou muito de desenhar e realizar atividades de artes, em um de seus relatos,

fala da tranquilidade que sente quando está em casa desenhando com seus irmãos.

Imagem 9 – Desenho de Valéria que pretende ser artista no futuro

Fonte: Valéria

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No capítulo seguinte será feita uma síntese compreensiva em relação aos aspectos que

foram elucidados nesta pesquisa e que apontam para os significados atribuídos ao processo de

escolarização para estas crianças/adolescentes e suas mães. Serão destacados alguns dos

aspectos revelados pelos participantes, relacionando-os aos conteúdos teóricos que embasam

este estudo.

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7 COMPREENSÕES SOBRE O SIGNIFICADO DA ESCOLARIZAÇÃO PARA

CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM HEMODIÁLISE

Colocar a atenção integral como sendo escuta à vida é redimensioná-la segundo o

reconhecimento de que, individualmente, a doença e/ou o sintoma são experiências

vividas, relatam uma forma de encontro com o mundo. Pode-se dizer que qualquer

fator patológico pode tornar-se fator de existência, porque as experiências vividas

ensinam/inscrevem fatores culturais e sociais no corpo e pensamento sobre

maneiras de viver, de ensinar, de cuidar, de produzir, de relacionar-se. (CECCIM,

1997, p. 28)

É começando a partir desse olhar que proponho, nesta parte da dissertação, um

“rediálogo” dos conceitos discutidos no terceiro capítulo com algumas questões que foram

elucidadas nesta pesquisa, mas tomando como foco principal a proposta de pensar em relação

à escolarização no existir com a IRC, como parte da perspectiva da atenção integral destas

crianças e adolescentes em seu estar no mundo.

A existência para Heidegger (apud MARTINS, 2006) é o que ele chama de ser-no-

mundo. Isto não se refere, simplesmente, a estar no mundo assim como estão os outros seres

vivos que não pertencem à espécie humana, pois a existência humana pressupõe a experiência

na forma como o homem “se encontra com as coisas, manipula, efetua transições, e preocupa-

se com as pessoas e coisas num mundo em que lhe é familiar” (HEIDEGGER apud

MARTINS, 2006, p. 51). Portanto, a maneira pré-reflexiva de compreender a realidade, parte

da experiência imediata e envolve posteriormente um estado de cuidado.

Ainda para Heidegger, a existência consiste nas possibilidades em que o ser humano

vive, a fim de estabelecer a sua condição humana e esta condição resulta em um estado de

abertura para a experiência vivida, condição esta que permite ver o mundo por ele vivido em

sua forma autêntica e assim “atribuir significado ao sentido que as coisas fazem para ele,

desvelando o ser” (MARTINS, 2006, p. 48). A descrição da experiência vivida deve, portanto,

considerar, também, a presença do mundo externo e não apenas a experiência subjetiva, pois a

própria experiência humana é estar no mundo, a partir da sua dimensão social, ou seja, o ser-

com. Essa compreensão pressupõe o que cada um atribui ao que significam as coisas para

quem vive.

Nesta parte da dissertação, busquei desenvolver uma súmula das compreensões em

relação ao processo de escolarização de crianças/adolescentes, partindo da escuta de suas

experiências em meio à hemodiálise, tendo em vista a apreensão de como estes meninos e

meninas vivenciam juntamente com suas mães o fenômeno da existência com a doença, a

hemodiálise, seus cuidados e o processo de escolarização.

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Esta pesquisa que teve como objetivo a investigação do processo de escolarização de

crianças/adolescentes em hemodiálise mostrou-se carregada pelo “peso” da doença, tanto na

vida destas pessoas, quanto na de suas mães acompanhantes. Todavia, a busca ao que se

desejava saber, apareceu da maneira como foi apresentada nos capítulos anteriores no que

para eles significava a escolarização, neste cenário carregado de rupturas, cuidados, dores,

medos e esperanças.

Em vista disto, vale destacar, aqui, que o modo como foram organizados os tópicos

apresentados nos capítulos (5 e 6) que trazem os relatos dos participantes, em verdade foram

classificações meramente didáticas que buscaram apresentar ao leitor o fenômeno investigado

de forma distinta, em tópicos organizados, porém, na vida prática, as coisas não são assim. Na

escola, há a vivência com o que sente e o que passa também fora da escola, ela se molda em

torno das próprias condições vividas, pois são estreitamente ligados ou relacionados. A escola

está tão imbricada na vida e a vida como um todo perpassa tanto na escola, que uma coisa e

outra se misturam.

Na vivência com a doença renal, todos os participantes desta pesquisa evidenciaram

que as decisões, em relação aos aspectos da suas vidas, foram modificadas em função das

necessidades que emergiram em suas trajetórias, a partir do momento em que receberam o

diagnóstico da IRC e adentraram no universo irreversível dos doentes crônicos. Com isto, a

existência destas crianças/adolescentes e suas mães ficaram inerentemente marcadas pelas

condições em que se encontravam, incidindo nos significados de seus sentimentos, relações,

decisões e atitudes que reverberavam em suas relações familiares e sociais.

Os meninos e meninas expressaram em seus relatos o impacto da doença e sua

terapêutica, os seus sentimentos em relação à rotina incessante da hemodiálise e seus

sacrifícios para manter-se no que eles chamam de “tratamento” como se fosse uma “cruz” que

teriam que carregar até a realização do tão esperado transplante bem sucedido. Isto poderia

marcar a libertação desta prisão à “máquina”, trazendo consigo a possibilidade de retomar ao

que tanto desejavam: não usar mais o cateter, poder beber água, urinar, comer sem tantas

restrições, ganhar peso e altura, não acordar de madrugada para fazer viagens quase que

diariamente, voltar para a cidade de origem, voltar a morar com a família, voltar a frequentar

a escola, ir à escola todos os dias, enfim, modificar as formas de viver e de cuidar em meio às

impossibilidades da cura da doença.

As mães destas crianças e adolescentes, por sua vez, carregam a necessidade e

expectativa de assim como seus filhos, libertarem-se destes sofrimentos que as consomem a

cada dia, umas mais desgastadas do que outras, pois como foi dito, há mães que pareciam não

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acreditar no que estavam vivenciando, enquanto outras já conviviam com a doença há mais

tempo e sabiam o quanto a cada dia se sentiam mais esgotadas e sedentas de novos horizontes.

Um dado muito importante que ficou demonstrado no conjunto de falas dos meninos e

meninas e de suas mães, é que a fé em Deus e a esperança de ficarem livres do sofrimento

com a doença é bem mais evidente do que o próprio conhecimento de que a IRC trata-se de

uma doença incurável e que requer cuidados para o restante da vida mesmo em meio aos

riscos pelos quais estas pessoas se submetem dia após dia no convívio com a doença. Com

isso, vale destacar que:

Normalmente, quando existe gravidade, agravamento da doença ou pelo

caráter crônico, a grande maioria dos familiares, bem como os próprios

enfermos, diante da incapacidade de solucionar o problema procura agências

religiosas que possam dar explicações e ensinar e/ou indicar possíveis

tratamentos para o doente. (SOUZA, 2011, p. 115)

As crianças/adolescentes e suas famílias, cada um ao seu modo, disseram que

recorrem a algum tipo de religião para se sentirem fortalecidas em meio ao que as fragilizam,

como também para buscar cura, proteção e explicação ao que vivenciam. E para Kleinman

apud Souza (2011), os cuidados na saúde estão ligados com outros sistemas simbólicos de

significados, valores, normas de comportamento e de vida.

Este conjunto de fatores em meio às experiências destas pessoas com doença renal

constitui também o seu self, pois colocar-se a partir de ser ou não um “renal” é um modo

muito demarcado de self da pessoa com IRC. Todos os aspectos particulares destas pessoas,

tais como: crenças, valores, sentimentos, cuidados, gravidade da doença, marcas de cateter ou

fístulas no corpo, alterações corporais, dentre outros elementos que vão constituindo o ser

destas crianças/adolescentes em hemodiálise, que muitas vezes carregam a marca de ser renal,

demarcando limites entre o Eu e o Outro.

O self esteve muito presente especialmente quando nas falas, as mães e seus filhos se

despersonalizam quando se referem ao uso do termo o renal ou o transplantado, ou então de

nem se intitularem como aconteceu com Marcelina quando disse “eu não sou renal, eu tenho

lúpus”, colocando-se como não renal e consequentemente demonstrando um tipo de estigma.

Como pensar na escola no contexto da doença e da morte? O existir com a doença

renal crônica pressupõe por um lado, fazer o transplante e estabelecer uma vida mais

independente, e por outro, o aguardo ao dia em que vai morrer. Em virtude destas duas

facetas, não se pode desconsiderar que os sentidos atribuídos pelas crianças/adolescentes e

suas mães ao processo de escolarização também perpassam por estas duas condições.

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Como foi elucidado nos relatos apresentados, os pacientes e suas famílias

presenciavam os óbitos sobre os quais eles também estavam sujeitos a qualquer momento,

pois pôde-se notar que em uma das falas da mãe de Laura, no período recente à pesquisa de

campo haviam ocorrido três óbitos de crianças no mesmo serviço de nefrologia do hospital,

além de mais uma criança que havia recebido o diagnóstico de falência de acesso, para a

realização de algum tipo de terapia renal substitutiva e também da impossibilidade de

transplante pelo mesmo motivo, ou seja, de uma criança que estava à espera do momento de

morrer.

Neste sentido, fica evidente que apesar de nenhum participante trazer explicitamente

que porventura não estuda porque vai morrer a qualquer momento, é importante considerar

que a mãe de Daniel, em seu depoimento na defesa da vida, traz em algum momento a crítica

do que ela ouve quando dizem “para quê estudar se vai morrer?” ou ainda quando as

crianças/adolescentes e suas mães enfatizam os casos de óbito quando falam do que pensam

em relação à doença.

Por outro lado, o transplante renal alimenta a ideia de que faz sentido estudar,

frequentar a escola, aprender nas aulas da classe hospitalar, pois este ideia pode se justificar,

ou em decorrência da perspectiva de não mais depender de algum tipo de diálise e assim

continuarem a vida sem tantas perdas no período em que ficou em hemodiálise, ou por

pensarem que o transplante renal representaria uma nova fase da vida e junto com ela a

retomada ou o início do processo de escolarização, como fortemente evidencia a mãe de

Daniel ao dizer que conhece jornalistas e advogados que são transplantados, ou seja, a

afirmação de que a vida mesmo nesta condição pode ser de planos e perspectivas.

O conceito de experiência em Dewey (2011) como sendo importante na educação,

considera que a experiência e a educação são equivalentes, uma vez que deve-se buscar a

qualidade nesta relação, pois há experiências que podem ser deseducativas. Neste sentido,

Dewey nos faz entender que os percursos escolares depois do diagnóstico da IRC para a

maioria destas crianças/adolescentes não foram marcados por experiências, tanto quanto

qualitativas e fáceis de serem levadas adiante, daí a necessidade da maioria destes

crianças/adolescentes em abandonarem a escola.

Dois exemplos distintos que merecem ser retomados são os de Adriano e o de

Marcelina. Em linhas gerais, pode-se considerar que antes da doença, ambos tiveram bom

acompanhamento escolar, o que pode ser confirmado quando se observa que Adriano mesmo

com Síndrome de Down é uma criança que lê e escreve e apresentou nos relatos da mãe, boas

experiências na escola em que passou e também no reforço escolar que cursava no turno

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oposto. Com Marcelina, as narrativas da mãe também apontavam para a qualidade em suas

experiências com a escola, onde a mãe era quem ensinava e acompanhava ela em casa,

ensinando-a a ler, a escrever e a realizar as atividades da escola.

Mas com o advento da doença e consequente necessidade de hemodiálise na vida

destes, as condições foram modificadas e os resultados foram totalmente opostos. Para

Adriano, a experiência da continuidade e muma escola pública em que foi matriculado

próximo de sua nova residência para frequência nos dias de segunda, quarta e sexta, não foi

uma tentativa propícia e motivadora. Já para Marcelina, sempre houve o esforço de todas as

partes (dela, da mãe e de todos da escola) em possibilitar a continuidade às aulas, mesmo

viajando e tendo que chegar uma hora depois do início nos dias de segunda, quarta e sexta,

pois para ela, houve a atenção as suas necessidades.

Conhecendo os percursos escolares destas crianças/adolescentes, foi possível verificar

que unicamente não são as dificuldades em manter-se frequentando a escola que definem a

sua permanência ou desistência, mas além das condições físicas e da saúde de cada um, as

decisões das mães e o apoio da família são um dos principais aspectos importantes neste

processo. O caso de Davi nos leva a compreender que não há esforço da família em considerar

a importância da escola para esta criança, mesmo com as condições favoráveis para a sua

permanência, que são: estar matriculado em escola onde as pessoas sabem de sua condição,

não precisar fazer longas viagens para fazer a hemodiálise, além de ter a tia como dona da

escola.

Há concepções diferentes por parte das mães em relação à vida escolar dos filhos em

permanecerem ou não na escola. Nota-se que, em linhas gerais, há mães que preferem que o

filho não permaneça na escola para que não fique entrando e saindo sempre, enquanto outras

defendem que preferem que o filho frequente a escola mesmo que necessite sair e retomar, ou

seja, querem que fique demarcado o lugar do filho na escola. Esses modos como estas mães

pensam, podem ser compreendidos como possibilidades múltiplas do enfrentamento da

doença por meio da ideia de que mesmo com a doença, as coisas não mudaram tanto, porque

o filho continua estudando, ou também o contrário, parar de estudar porque as coisas não

estão indo bem.

Outro exemplo que nos ilustra a ideia de que a escola é um demarcador de significados

simbólicos e de que esta criança/adolescente apesar da doença crônica tem algum valor,

enquanto pessoa é trazida quando em uma das falas, há a referência de que é importante

estudar pela nossa inteligência. Esta expressão pode ser entendida das seguintes formas: ou

seria para ficar mais inteligente, tendo em vista que estando na escola se aprende mais, ou

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seria para supor que apesar da doença, exista alguma inteligência naquela pessoa, pois quando

comumente se fala em inteligência é como se alguém tenha o mínimo de inteligência para que

seja estimulado.

No caso da pessoa com IRC, é possível ver que os mesmos estão tão estigmatizados

que deixam de ser pessoas comuns por viver com um estilo de vida específico e por

carregarem impresso no corpo o sinal de que são pessoas doentes renais crônicas.E com isso,

estar na escola passa a ser uma marca que os qualifiquem e que deixa a ideia de que a pessoa

tem a inteligência em si ou em potencial, pois afinal, ela está na escola. Neste sentido, é que

nos resta pensar que quando se está na escola, há a garantia de que alguém tenha algum valor,

enquanto ser humano.

Estar matriculado e frequentar a escola comum é o que comumente se espera de todas

as pessoas, especialmente na infância e na adolescência, por ser a escola o espaço pensado e

destinado a esta clientela. Em relação a crianças e adolescentes, em condições especiais de

saúde, como por exemplo, o caso da IRC e sua terapêutica, estes meninos e meninas

necessitam passar boa parte do seu tempo no ambiente hospitalar, para tanto neste espaço,

elas contam com a possibilidade de terem contato com o mundo da escola, através dos

atendimentos da classe hospitalar. Não muito comum, é o fato de se referirem a escola

pensando na escola de fora e na escola de dentro do hospital, como fazendo parte de suas

experiências escolares expressas quando lhes foram perguntados se estudam, e alguns deles

responderem que estudam na escolinha do hospital.

Apenas a decisão de ingressar na escola e manter um esforço em frequentar as aulas

não são suficientes para garantir a permanência e o avanço na aprendizagem. O aluno, com

doença renal em hemodiálise, necessita de qualidades que assegurem o seu bom desempenho,

bem como de condições favoráveis na caminhada do seu percurso escolar. Alguns assuntos

relacionados a isto foram encontrados nesta pesquisa e necessitam de destaque especial, pois

tratam-se de questões que constituem também, a maneira como estas pessoas dão significado

aos aspectos da vida escolar.

Para começar, não se deve ignorar as condições físicas e suas limitações que

dificultam e os impedem tanto em ir para a escola e permanecer nela, quanto em participar de

algumas aulas na classe hospitalar. Ficou pontuado nos relatos, especialmente das

crianças/adolescentes, a condição de cansaço em meio às circunstâncias vividas. Davi se

refere à condição de “debilitado”, no jogo Baralhos das Emoções, todas as meninas e um dos

meninos selecionaram a carta cansada/cansado. Isto se refere às condições em que o corpo se

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encontra, e consequentemente ao fato de não estarem dispostos a frequentar às aulas nos dias

que lhes sobram na semana.

Passar mal, ter problemas em relação ao cateter, sentir-se indisposto e outras

condições anormais, são fatores que também os impossibilitam de encaminharem a sua vida-

escola, quer seja através da escola ou da classe hospitalar, sendo esta uma das questões que

envolvem a aprendizagem que se dá através do corpo e que depende de seu estado ou

condição para acontecer. Copalbo (2011) na perspectiva de Merleau-Ponty, nos diz que o

corpo é um meio pelo qual utilizamos para nos relacionar com o mundo, com os outros e com

as coisas, e para que haja esta relação é necessário ter reciprocidade e a partir daí, produzir

significados e emoções.

Assim, o que para nós não seria problema, para Valéria o fato de estar em uma escola

que faz muito calor e a sua impossibilidade de beber água, foi o motivo que ela evidenciou ao

dizer que desistiu de ir para a escola por este motivo. Este aspecto para além da ênfase de que

o corpo é importante neste aspecto, nos aponta para “uma escuta pedagógica necessária

quando se fala em atenção integral” (CECCIM, 1997) para estas pessoas que dependem de

uma estrutura escolar que as acolha em suas demandas e necessidades, pois nas falas, além do

calor e da sede, há também expresso alguns aspectos em relação ao cateter, a merenda, aos

horários, enfim, de questões que não são pensadas para atender a estas demandas e que, por

vezes, influenciam na decisão de não mais ir à escola.

Além destas questões que envolvem o cuidado entre o aluno doente crônico e todos da

escola (professores, colegas, coordenadores, diretores, pessoal de apoio), as dificuldades em

acompanhar os conteúdos escolares na medida em que eles avançam, ou em nunca poder

assistir as aulas do professor no dia em que necessitam faltar para fazer hemodiálise,

representam para estas pessoas mais alguns obstáculos no enfrentamento do seu processo

escolarização no contexto da doença. Nesta situação, foi possível pensar na ideia do

rompimento de um projeto de continuar estudando, ou talvez na ressignificação deste projeto

para a sua vida.

Em vista disso, retomamos ao que aconteceu igualmente com Daniel e Valéria que ao

iniciarem o Ensino Fundamental II, mais especificamente no 6º ano, se depararam com estas

dificuldades ditas anteriormente. Ambos tiveram que abandonar a escola para realização do

transplante, passando por duas condições. A primeira se refere à esperança de vencer estes

obstáculos, a partir da retomada à escola mediante a “libertação da máquina” por meio do

transplante, ou seja, do resgate ao seu projeto uma vez abortado pela falta de possibilidades

em prosseguir, e a segunda, se deu em decorrência da frustração causada pelo insucesso do

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transplante e da tão desejada saída da hemodiálise e assim, da frustração em não poder levar à

diante o seu projeto, como considera Ayres (2004, p. 21) ao dizer que “é como se aquele

projeto, revalorizado, reconhecido, pudesse ser retomado em um novo plano, ressignificando

tudo à sua volta, inclusive e especialmente o cuidado de si”.

Tendo em vistas todos estes esforços para continuar o processo de escolarização em

meio a estas condições vividas por estas pessoas, faz-se importante resgatar o que estas

crianças, adolescentes e suas mães pensam do valor e do motivo de exercer tais empenhos

para manterem-se estudando. Percebeu-se então que a visão da educação escolar perpassa pela

concepção, tanto quanto pragmática e utilitária, quando expressam de maneira geral que é

importante estudar por alguns motivos, tais como: para estar em uma escola; para aprender a

ler e não ficar perguntando aos outros; para aprender a escrever e para estudar matemática;

pela nossa inteligência; para passar de série; para ter conteúdo; para ter uma profissão no

futuro; e para estar com as outras crianças.

No texto Educação: Da formação humana à construção de um sujeito ético, Rodrigues

(2001) nos ajuda a entender em relação ao papel conferido à educação escolar e a concepção

construída ao longo dos anos de que a educação prepara as pessoas para o que é próprio da

vida coletiva. O autor começa com a crítica à ideia de que a finalidade da ação educativa é a

de preparar os indivíduos para a vida social, sendo a educação o caminho necessário à

formação do sujeito cidadão.

Partindo desta proposição de que a educação é uma preparação para a vida pública e

para dar conta do que é próprio da vida coletiva, é que podemos pensar que em contrapartida,

estas pessoas com a doença renal e suas cuidadoras, mais do que as outras pessoas sem a

doença, vivem com a necessidade primeira da busca diária do que para elas se faz necessário

na relação intensa que envolve o cuidado. Para tanto, ao buscar entender, a partir do que elas

tinham a dizer da vida escolar, foi possível apreender que estas pessoas expressam suas

angústias à necessidade de se voltarem ao que seria adquirido por meio do que cabe à

educação escolar no caminho da formação do sujeito cidadão que vai se apropriando dos

conteúdos escolares para a aquisição de habilidades necessárias à vida social e coletiva.

Ao que parece, a educação escolar, a partir desta concepção, está dissociada da vida

fora da escola. Ela não abarca a ideia da educação em sua totalidade, ou seja, na e para a

formação humana. Rodrigues nos lança para um pensar por sobre uma educação que envolve

um “complexo de experiências com o mundo da vida” (RODRIGUES, 2001, p. 243), pois

diante das demandas da vida cotidiana, das responsabilidades atribuídas aos educadores em

sua formação e fazer pedagógico, bem como do contexto da sociedade contemporânea, se faz

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“necessária uma outra visão de Escola, dos conteúdos escolares, do papel dos educadores e da

relação da Escola com a sociedade.” (RODRIGUES, 2001, p. 254).Portanto, como entende o

grande pensador Paulo Freire (1996, p. 45):

É preciso que saibamos que, sem certas qualidades ou virtudes como

amorosidade, respeito aos outros, tolerância, humildade, gosto pela alegria,

gosto pela vida, abertura ao novo, disponibilidade à mudança, persistência na

luta, recusa ao fatalismo, identificação com a esperança, abertura à justiça,

não é possível a prática pedagógico-progressista, que não se faz apenas com

ciência e técnica. (FREIRE, 1996, p. 45).

Neste sentido, a consideração da importância dos atendimentos recebidos na classe

hospitalar, no momento da hemodiálise, é também a expressão de um estabelecimento de um

novo significado a este processo mediante as suas experiências. Foi possível compreender

através da pesquisa que estudar no momento da hemodiálise passa a fazer parte de sua rotina,

expectativas e necessidades, pois além de passar o tempo ocioso das quatro horas de cada

sessão, as aulas da classe hospitalar representam para estes meninos e meninas e suas mães,

uma forma de cuidado necessário na educação para a possibilidade de atenção às necessidades

educacionais específicas destes sujeitos.

As mães e as crianças de um modo geral evidenciaram várias considerações do que

para elas representavam os atendimentos da classe hospitalar, ao pronunciarem que tais

atendimentos possibilitavam aos seus filhos o contato com o que comumente teriam se

estivessem em uma escola comum, relacionando-se com outras crianças, em seus momentos

de socialização, interação em que aprendiam a compartilhar, a não competir, a ser solidário,

além de “possibilitar que os mesmo se sintam alunos” (mãe de Daniel) e possam “viver esta

parte da vida que está parada” (mãe de Adriano). A partir destas considerações, vale trazer um

conceito de classe hospitalar definido por Barros para que seja possível visualizá-lo a partir do

que foi aqui apresentado.

A classe hospitalar surge, então, como uma modalidade de atendimento

prestado a crianças e adolescentes internados em hospitais e parte do

reconhecimento de que esses jovens pacientes, uma vez afastados da rotina

acadêmica e privados da convivência em comunidade, vivem sob risco de

fracasso escolar e de possíveis transtornos ao desenvolvimento. (BARROS,

2007, p. 259).

Este atendimento, atualmente, é reconhecido legalmente, quando da garantia de todas

as pessoas à educação, assim como preconizam de maneira geral a Constituição Federal de

1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) de 1990 e a Lei de Diretrizes e Bases da

Educação (Lei 9.394 de 1996), e mais especificamente como prevê a Resolução nº 41 de 13

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de outubro de 1995 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente

(CONANDA), quando dispõe sobre os amplos direitos de crianças e adolescentes

hospitalizados, dando a elas o seu direito de “desfrutar de alguma forma de recreação,

programas de educação para a saúde e acompanhamento do currículo escolar durante sua

permanência no hospital”. (BRASIL, 1995).

Além desta Resolução, as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação

Básica, em seu Art. 13º ressalta que:

[...]os sistemas de ensino, mediante ação integrada com os sistemas de

saúde, devem organizar o atendimento educacional especializado a alunos

impossibilitados de frequentar as aulas em razão de tratamento de saúde que

implique internação hospitalar, atendimento ambulatorial ou permanência

prolongada em domicílio. (BRASIL, 2001)

Tendo em vista esta normatização, no ano de 2002 o Ministério da Educação (MEC)

por meio da Secretaria de Educação Especial (SEESP), organizou junto a uma comissão, um

documento específico para este atendimento intitulado: Classe hospitalar e atendimento

pedagógico domiciliar: estratégias e orientações. Neste documento constam os princípios,

fundamentos, objetivos, modos de organização e funcionamento para esta modalidade de

atendimento.

Mais tarde, nesta trajetória de ajustes e definições, no então Decreto de nº 7.611 do

ano de 2011, fica definido o público alvo da educação especial18

e deixa de fora as pessoas

com doenças crônicas e demais enfermidades. Desse modo, a classe hospitalar passou a

pertencer ao grupo de pessoas assistidas pela Secretaria de Educação Continuada,

Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI), sendo essa, a secretaria do MEC que

substitui a antiga SEESP.

De lá para cá, ainda há a tentativa de, também por meio de eventos acadêmicos

específicos sobre a Educação Especial, investirem-se em discussões a respeito do atendimento

educacional à crianças/adolescentes hospitalizados e/ou com doenças crônicas, por

compreender que estas pessoas demandam de atenção especial em suas “deficiências” e por

sofrerem consequente exclusão escolar.

Apesar de existirem há mais de 46 anos no Brasil, algumas leis que se reportam ao

atendimento educacional a estas pessoas (tendo em vista o Decreto lei nº 1.044, de 1969 e a

18Para fins deste Decreto, considera-se público-alvo da educação especial as pessoas com deficiência, com transtornos

globais do desenvolvimento e com altas habilidades ou superdotação. (BRASIL, 2011).

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lei nº 7.853, de 1989)19

, estes direitos são pouco conhecidos pelas pessoas de um modo geral,

e assim também se mostrou nesta pesquisa, quando procurou investigar das mães o

conhecimento que elas tinham, em relação aos direitos de escolarização dos filhos.

Neste sentido, das sete mães entrevistadas, seis delas disseram que desconheciam estas

leis, sendo que apenas a mãe de Adriano disse que no período inicial da doença, quando ainda

estava juntamente com o seu filho em internação hospitalar, ouviu de uma professora da

classe hospitalar sobre este direito de alunos hospitalizados. Além deste relato, outro fato

curioso, foi ouvir da mãe de Valéria que a professora da escola da filha havia lhe dito que a

menina teria o direito de receber em casa uma professora, tendo em vista a impossibilidade de

a aluna estar na escola em decorrência dos cuidados necessários à doença.

Vale destacar que a mãe de Adriano, ao tomar conhecimento deste direito e pensar a

partir dele, interrogou sobre como se daria esta lei na prática, pois Adriano estudou em escola

comum até o 3º ano do ensino fundamental, sendo que se continuasse frequentando a escola,

estaria no 5º ano. Assim sendo, ela interrogou como esse tempo de atendimento da classe

hospitalar poderia ser considerado para que em seu retorno à escola ele pudesse, ao invés de

retomar de onde parou, dar prosseguimento como se estivesse estudando, normalmente, e

assim avançado para as séries seguintes, ou seja, como a classe hospitalar validaria

efetivamente estes atendimentos? Ao final, ela lança outra pergunta: ou ele teria que retomar

de onde parou, juntamente com crianças bem menores que ele?

O atendimento pedagógico da classe hospitalar no contexto de hemodiálise é feito de

maneira processual, durante o tempo de permanência do paciente no referido serviço de

nefrologia do hospital. O professor da classe hospitalar acompanha, semanalmente, os

alunos/pacientes em duas das três sessões semanais de hemodiálise, no período da realização

da diálise, de três a quatro horas em média. Na dinâmica deste trabalho, há a possibilidade de

conhecer cada um dos alunos (do seu nível de leitura e escrita, bem como de seus

conhecimentos matemáticos), para a partir daí, saber das suas necessidades educativas e de

estar atento para “perceber e escutar quando as crianças expressam suas angústias, dúvidas,

seus medos” (CECCIM, 1997, p. 79).

19

No Decreto lei nº 1.044, de 21 de outubro de 1969, que em seu art. 1º dispõe sobre o direito ao atendimento

excepcional aos alunos de qualquer nível de ensino a portadores de afecções congênitas ou adquiridas, infecções,

traumatismo ou outras condições mórbidas, determinando distúrbios agudos ou agudizados. E na lei nº 7.853, de

24 de outubro de 1989, que em seu art. 1º, parágrafo único, inciso I, alínea d, trata do oferecimento obrigatório

de programas de Educação Especial a nível pré-escolar, em unidades hospitalares e congêneres nas quais estejam

internados, por prazo igual ou superior a 1 (um) ano, educandos portadores de deficiência. (BRASIL, 1969);

(BRASIL, 1989).

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As intervenções do professor têm como ferramenta principal a qualidade na mediação

dos seus processos de ensino e aprendizagem. A organização do espaço da sala da

hemodiálise pediátrica permite que o professor realize, também,atividades coletivas, pois nos

quatro pontos de diálise, os alunos/pacientes ficam voltados para a mesma direção, dando ao

professor a possibilidade de visualizá-los e, ao mesmo tempo,de ser visualizado por todos.

Estes momentos de interação são bastante ricos por requerer a participação e a colaboração de

todos os presentes. Além disto, podem ser feitos os acompanhamentos individuais ou em

dupla quando os leitos estão próximos um do outro. Vale destacar que a mediação é

importante para alcançar os avanços pretendidos e possibilitar o desenvolvimento das

habilidades e competências pensadas para cada aluno.

O planejamento das aulas requer grande dedicação por parte do professor, pois ele

precisa estar alcançando as demandas específicas de cada aluno. Podemos aqui nos utilizar

dos casos de Carmen e de Valéria. As duas meninas não frequentavam a escola e a classe

hospitalar era a alternativa oferecida a elas para possibilitar a educação escolar. Para ambas

era possível pensar em um mesmo tema de aula, mas com diferentes níveis de complexidade

que necessitariam ser planejados e assim explorados. Utilizando a mesma temática, a

depender da área de conhecimento, Carmen poderia se valer do conteúdo do tema, da

construção oral das palavras, da escrita e da leitura em Braille. Já para Valéria seria possível

utilizar também os conhecimentos oriundas da temática em estudo e, assim, desenvolver

atividades com produções de textos ou organização de informações. Enfim, partir do que cada

aluno sabe e necessita, tendo sempre a mediação como forte aliado do trabalho educativo e

pedagógico neste espaço é que o professor planeja as atividades que serão desenvolvidas nas

aulas.

Para os alunos/pacientes que frequentam a escola, há a possibilidade dos professores

da escola comum e da classe hospitalar manterem-se em contato e assim desenvolverem um

trabalho em parceria. Mas nem sempre este trabalho ideal acontece. Como exemplo, pode-se

citar os casos de Marcelina e Davi (apesar de quase não irem à escola). Marcelina exercia um

esforço em ir para a escola todos os dias, a partir dos ajustes feitos para possibilitar a sua

frequência. Dessa maneira, a professora da escola sabia dos atendimentos da classe hospitalar

e a professora no hospital sabia da situação escolar da menina, mas não havia nenhuma

parceria entre a escola e a classe hospitalar. Com Davi a situação era a mesma apesar da

necessária intervenção. O contato da escola com a classe hospitalar pode se iniciar e se

fortalecer quando o responsável pela criança/adolescente entende a necessidade desta

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parceria, pois mesmo se o professor da classe hospitalar ou da escola comum estabelecerem

esforços para que isto ocorra, sem o apoio da família este tentativa não vai adiante.

Voltando ao questionamento da mãe de Adriano anteriormente mencionado, pode-se

pensar na resposta positiva ao que ela questiona quando há uma articulação de todas as partes

em prol do aluno. A classe hospitalar por si só não garante a efetivação na continuidade do

processo de escolarização, é necessário que a família realize esforços para isto acontecer na

medida em que ela acompanha e cobra dos professores da escola e da classe hospitalar o que

lhe é assegurado por lei. Cada um fazendo a sua parte pelo objetivo comum da formação e

atenção integral às necessidades destas pessoas em condições especiais e assim, poder evitar

e/ou minimizar os grandes problemas existentes que foram identificados neste estudo em

relação à escolarização de crianças/adolescentes em hemodiálise.

A escuta pedagógica aos interesses e necessidades da criança/adolescentes no sentido

de atendê-la o mais adequadamente possível pode ser a base norteadora para o trabalho

educacional, em parceria entre todos os sujeitos envolvidos: aluno, professor, família e

profissionais de saúde do hospital para o estabelecimento de todos os aspectos relevantes no

que diz respeito aos cuidados, ajustes de rotinas, horários, atenção às demandas, apoio

necessário à continuidade do processo escolar, etc. Paulo Freire em Pedagogia da Autonomia

nos afirma que ensinar exige especificidade humana, sendo uma das qualidades do educador a

de saber escutar, como ele cita:

Escutar é obviamente algo que vai mais além da capacidade auditiva de cada um.

Escutar, no sentido aqui discutido, significa a disponibilidade permanente por parte

do sujeito que escuta para a abertura a fala do outro, ao gesto do outro, às diferenças

do outro. [...] É neste sentido que se impõe a mim escutar o educando em suas

dúvidas, em seus receios, em sua incompetência provisória. E ao escutá-lo, aprendo

a falar com ele. (FREIRE, 1996, p. 45).

No mesmo sentido de Freire, podemos trazer a abordagem proposta por Ceccim na

“apreensão/compreensão de expectativas de sentidos” (CECCIM, 1997, p. 31), quando se

refere à escuta em saúde para a atenção integral às pessoas. Para ele, é possível, também,

ouvir no silêncio, nas expressões, nos gestos nas condutas e nas posturas. Estes ensinamentos

nos mostram como é importante saber escutar, dar voz e ouvido aos alunos, saber para quê e

por que escutar. Não é possível manter nenhum tipo de relação sem esta base dialógica que

norteia a ação educativa.

Dar continuidade à vida. Este é o desafio destas pessoas que convivem com a IRC e a

hemodiálise. A ideia das mães e seus filhos acreditarem na possibilidade de continuarem a

vida sem sentir o peso que carregam ao conviver com a doença renal parece possível a partir

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da ideia das crianças/adolescentes continuarem na escola, assim como destas mães voltarem a

trabalhar (como antes da doença) e de tantos outros ajustes por desordem da assistência à

doença.

As dificuldades encontradas por estas pessoas em seus percursos escolares (escola

comum e classe hospitalar) a partir de suas experiências nos colocam no lugar de pensar que

as investidas não têm dado conta da complexidade que é receber na escola um aluno que faz

hemodiálise, ou de atendê-lo na classe hospitalar. Isto porque, conforme a minha forma de

compreender, o conjunto de fatores que poderiam promover a inclusão escolar e educacional

destas pessoas depende de questões específicas, ou seja, voltadas para cada caso, e até de

questões mais gerais, tais como, políticas públicas mais pontuais e voltadas para estas pessoas

que necessitam de assistência integral.

Daí a necessidade de se pensar como propõe Bicudo, quando nos escreve sobre a

fenomenologia do cuidar na educação:

Educação, então, é assumida como cuidar, no sentido de ajuda, de estar com

o outro, de solicitude, para que a pré-sença seja liberada na direção a tornar-

se sua cura, isto é, para que seja também na dimensão ontológica. É um

estar-com de maneira atenta, não nos deixando banalizar pelo cotidiano em

sua mesmice e nos afazeres das exigências públicas, quando se é todos e não

se é ninguém, ao mesmo tempo. Esse com o aluno significa vê-lo, senti-lo,

pensar e com-viver no mundo onde se é com o outro. É viver na abertura das

possibilidades do ser-aí-no-mundo-com, de modo preocupado e ocupado.

Mas jamais apenas encoberto pela uniformidade e mediocridade do que está

com todos. (BICUDO, 2011. p. 91).

A educação centrada no aluno consiste em perceber a dimensão em que as pessoas

vivenciam as suas experiências em suas relações na construção do self junto com o outro no

seu processo de vir-a-ser, ou seja, conceber uma educação que parte do “princípio da

singularidade” na medida em que as experiências são singulares e plurais ao mesmo tempo.

Um acontecimento é para todos nós um fato, mas a forma como cada ser experiencia, sente,

olha e deseja este acontecimento é singular, ele passam por cada pessoa de maneira diferente,

única e se desdobra em sua pluralidade (LARROSA, 2011).

Neste contexto, não tem como não nos remetermos ao grande mestre Paulo Freire que

com a sua pedagogia nos possibilitou um imenso e rico legado que parte do ideal de que a

educação deve ser uma experiência de libertação e de humanização dos homens. É possível

pensar que estas realidades descritas neste trabalho expressam não só o sofrimento vivido por

estas pessoas, mas também uma forma de ver o mundo condicionado pela realidade concreta,

que em parte explica as compreensões destas pessoas.

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Freire (1992) nos alerta que, compreender o mundo em que os educandos estão

inseridos é fundamental na prática do educador, para tanto não devemos ignorar que algumas

situações ainda denunciam a falta de sensibilidade evidenciada, em alguns casos, que foram

aqui expressos e de tantos outros da mesma natureza. É necessário estabelecer o respeito à

diversidade, às singularidades para a inclusão de todos na educação que deve ter como

finalidade a formação humana.

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8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Redescobrir o significado da compreensão educacional, o tipo de sociedade em que

esta está inserida, segundo a esfera vivencial dos sujeitos que a ela se remetem,

impõe a todos os educadores vários desafios.” (SILVA FILHO, 2006, p. 2).

Com este estudo foi possível conhecer a realidade vivida pelas crianças/adolescentes e

suas mães acompanhantes para compreender em relação ao processo de escolarização em

meio a IRC e a hemodiálise. Com isso, reafirmo que a doença e sua terapêutica reverberam na

vida dessas pessoas que necessitam reconstruir-se em torno das questões que envolvem a sua

condição de ser e de estar no mundo.

Com as mães foi possível notar de maneira evidente o quanto o impacto da doença na

sua vida está presente nas falas de cada uma delas, em suas histórias, rupturas sofridas desde o

diagnóstico da doença, nas condições vividas, quer seja pelas mudanças de casa, de cidade,

das viagens ou do distanciamento da família, bem como das experiências na lida com a

doença dos filhos, nas dores, nas perdas, nas expectativas e sentimentos. Para elas, a fé em

Deus é uma possibilidade de conviver sem tanto sofrimento diante da doença incurável do

filho.

Com as crianças/adolescentes também foi possível apreender delas os obstáculos que

enfrentam a cada situação em meio às privações de horários, dietas, movimentos do corpo que

coloquem riscos ao cateter, dedicação a hemodiálise, dentre tantos outros esforços que não

são comuns na infância e adolescência de quem não tem a doença crônica. Porém, estes

aspectos apareceram em meio às fantasias e imaginações típicos do mundo infanto-juvenil. É

possível perceber que o peso da doença é mais evidente nos relatos das mães do que nos

conteúdos fornecidos pelas crianças que sentem a dor da doença que ocupam os seus corpos.

Tendo em vista o convívio constante destes jovens pacientes junto a suas mães

acompanhantes, é possível dizer que os significados atribuídos pelas crianças/adolescentes ao

seu processo de escolarização, são construídos a partir das trocas nas vivências cotidianas, no

que as mães compreendem e acompanham da educação escolar, das condições socioculturais

em que estes se inserem, bem como do acometimento de outras doenças que por vezes

limitam as possibilidades destes no contexto da escola comum.

Para tanto, em meio a esta relação construída a partir da lida diária, estas mães e seus

filhos, na maioria dos casos, vivem uma relação intensa sendo possível dizer que as

crianças/adolescentes também falam através das mães e esta simbiose muito intrincada torna

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difícil de saber aonde termina a fala da mãe e começa a dos filhos, ou seja, as falas das mães

vêm através da fala das crianças/adolescentes e vice-versa.

Neste sentido, ao pesquisar sobre os significados da escolarização para estes meninos

e meninas em hemodiálise, pude constatar que as formas e o sentido que atribuem aos

aspectos da vida são elaborados, a partir do que a doença e sua terapêutica representam na

vida prática do dia a dia destas pessoas em suas rotinas e ações, além da forma como a família

encara a necessidade da criança/adolescente alfabetizar-se e letrar-se para assim dar

continuidade à escolarização, mesmo que em alguns momentos não seja possível a

permanência na escola comum.

Considero que na busca do entendimento dos aspectos específicos da vida escolar,

apenas foi possível apreendê-lo de forma que as circunstâncias vividas por estas pessoas em

meio à doença ganhassem o destaque que tiveram neste trabalho, ou seja, os aspectos da

vivência com a doença destacaram-se consideravelmente nos depoimentos de todos os

participantes. Isto pode ter se dado pela necessidade destas pessoas, especialmente das mães

em exporem suas angústias a mim, talvez por me conceberem como alguém que poderia

compreendê-las por conviver com seus filhos mais de perto enquanto professora, e também

por deixá-las à vontade para falar de algo pelo qual eu não desconhecia totalmente.

Considero também que por mais que eu orientasse e reforçasse a todo o momento que

a pesquisa era sobre educação, a maioria das mães entrevistadas queira falar da vivência com

a doença e do sofrimento. Isto pode ter acontecido também, porque assim como já foi dito, a

escola e a vida estão inter-relacionadas entre si que fica difícil até mesmo para as mães

entenderem e discorrerem especificamente dos aspectos da vida escolar.

Ao propor este estudo, parti dos meus conhecimentos construídos cotidianamente. a

partir do que observava enquanto professora da classe hospitalar. Os momentos de leituras, de

pesquisa de campo, de organização, análise e discussão dos conteúdos do campo, me

possibilitaram alguns exercícios que ampliaram e mudaram a minha forma de olhar esta

realidade, como também de pensar sobre ela. Para tanto, irei fazer uma breve (re)apresentação

bastante substancial de algumas questões essenciais que foram mostradas nesta pesquisa e que

podem servir para um novo pensar especialmente para a escola comum e a classe hospitalar.

Para cada uma das sete crianças/adolescentes, foi possível conhecer sua trajetória

escolar e estas histórias nos apontam para um pensar sobre as questões que demandam uma

olhar especial e que no seu conjunto, é possível fazer algumas considerações pertinentes, a

partir do que aqui foi investigada em suas experiências em meio à IRC, nas problemáticas

enfrentadas no dia a dia da escola, nos esforços para manterem-se frequentando, nas questões

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relacionadas ao ensino e aprendizagem, nos atendimentos da classe hospitalar, na relação

escola – família – classe hospitalar para atenção educacional ao aluno, dentre outros aspectos

relevantes que envolvem o tema.

O que aparece em relação à permanência escolar nos mostra um processo marcado por

rupturas na vida destes meninos e meninas, desde que receberam o diagnóstico da IRC e que

se assemelham entre si em alguns aspectos. Isto, de maneira geral, para não entrar nas

questões de histórias de vida, de gravidade da doença, de estrutura familiar, de sistemas

públicos de ensino, negligências, condição socioeconômica e cultural, dentre outros que

refletem nos significados atribuídos à escolarização para estas pessoas. Porém, cada uma das

histórias apresentadas marca um ou outro aspecto relevante e passível de maior reflexão.

Para iniciar, poderíamos tomar o caso da vida escolar de Marcelina para trazer como

modelo de esforço coletivo que por sua vez, fez uma grande diferença no impedimento desta

ruptura do processo de escolarização, em meio à hemodiálise ao comparar com a situação dela

com a dos outros participantes deste estudo. Mesmo passando por longo período em

internação escolar no início da doença e, posteriormente, necessitando viajar diariamente para

fazer as sessões de hemodiálise, Marcelina não sofreu muitas alterações na vida escolar,

apesar de não ter sido fácil sustentar tal situação.

No caso de Davi, a educação escolar não é levada a sério, tanto por parte da família

quanto pela escola (privada, próxima de casa em que a tia de Davi é a dona). Tinha 12 anos e

não era alfabetizado. Com os atendimentos da classe hospitalar, o menino não obteve

significativos avanços, pois apenas participava das aulas e geralmente quando levava alguma

atividade proposta pela professora, não dava o retorno necessário. Não havia diálogo entre a

escola e a classe hospitalar, e a mãe se justificava por não morar com o filho.

Vimos na história de Laura que ela teve o diagnóstico da IRC com oito anos e no

período da pesquisa estava com 14. Neste processo, a menina ainda não havia sido

alfabetizada, desde que mudou de cidade nunca mais pode frequentar a escola comum. A

menina e a mãe reconhecem que a sua vida escolar tem como referência os atendimentos da

classe hospitalar que recebe desde 2009. Existia o interesse, por parte da mãe e da menina em

aprender a ler e a escrever, mas por outro lado, apenas os dois possíveis atendimentos

semanais não davam conta de garantir esta aprendizagem, tendo em vista as dificuldades que

Laura tinha em aprender. A análise de toda a conjuntura da realidade por ela vivida nos

impulsiona a lançar algumas perguntas relacionadas às formas de como poderia ser garantida

à Laura o seu direito à educação e à atenção integral.

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Em meio a sua trajetória escolar, Adriano sofreu também uma grande ruptura. Por ser

um menino com Síndrome de Down que lê, escreve e entende bem as questões relacionadas à

doença e seus cuidados, pode-se dizer que suas experiências escolares antes da IRC foram

positivas no sentido de assisti-lo e estimulá-lo para possibilitar o desenvolvimento de suas

potencialidades. Com o advento da doença, ficou um tempo sem frequentar a escola, mas

quando se matriculou em outra escola, não recebeu o devido atendimento, não havendo a

inclusão necessária, causando-lhe alguns problemas que geraram na mãe a decisão de não

mais levá-lo para a escola. Adriano passou a contar apenas com a escola do hospital durante 2

das 3 sessões de hemodiálise. Neste contexto, a mãe lançou seus questionamentos que

merecem atenção quanto à validade e utilidade da classe hospitalar para além das questões de

aprendizagem e ludicidade.

Valéria também sofreu rupturas e contou com o grande inesperado que foi o insucesso

do transplante. Mesmo em hemodiálise, sempre que possível ia para a escola em sua cidade,

duas vezes por semana, e parou de frequentar pouco antes da realização do transplante, pois

sofria na escola com o calor gerava sede e não podendo beber água, preferia ficar em casa,

também, para poupar esforços já que a sua maratona de viagens e espera causava-lhe muito

cansaço. Valéria sentiu grandes perdas na transição do Ensino Fundamental I para o II, na

medida em que a estrutura e funcionamento da escola não lhe davam muitas possibilidades de

acompanhamento. Ela e a mãe reconhecem os atendimentos da classe hospitalar como um

momento que proporciona escuta, aprendizagem e terapia para passar o tempo e esquecer um

pouco da doença.

Nos depoimentos da mãe de Daniel foi possível problematizar muitas questões

apresentadas neste estudo. Até os seus nove anos de idade, sua trajetória escolar ia bem

mesmo com a doença renal que em Daniel foi diagnosticada ainda quando ele era bebê. Mas,

a partir da sua inserção na hemodiálise, as experiências na escola comum foram descritas pela

mãe, marcando, especialmente, as questões que envolviam o estigma na relação com o corpo

e seus cuidados. Assim como Valéria, Daniel sentiu a transição do Ensino Fundamental I para

o II e acabou desistindo de estudar.

Daniel também contou com um transplante mal sucedido que poderia ressignificar a

sua vida e consequentemente retomar a desejada inserção escolar. Em relação à classe

hospitalar, ele era atendido desde 2009 e chegou a dizer que os atendimentos da escola no

hospital não o levariam para lugar algum. Tal afirmação20

é também um aspecto relevante

20 Esta informação foi transmitida a mim no contexto da minha atuação, enquanto professora, após a realização da pesquisa

de campo, porém de grande relevância que não poderia deixá-la de acrescentar a esta pesquisa.

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para a reflexão. Suas experiências foram em escola privada e as problemáticas enfrentadas

nos mostram que a escola particular, assim como a escola pública não estão preparadas para a

inclusão escolar e educacional de pessoas com IRC.

Para Carmen e sua mãe, as experiências foram parecidas com a de Laura, que mesmo

com o diagnóstico da doença, quando moravam em sua cidade de origem não abriram mão da

escola. Mas ao mudar-se, não mais frequentou a escola por vários motivos, sobretudo pela

esperança em fazer transplante e poder efetivamente retornar ao ambiente escolar. A classe

hospitalar para ela, então, passou a ser a única forma de escolarização, e tanto a mãe quanto a

menina reconheceram a importância de aprender enquanto dialisava. Carmen iniciou o

processo de aprendizagem da leitura e escrita em Braille nas aulas da classe hospitalar,

juntamente com os esforços da mãe em dar continuidade aos estudos em casa junto à menina.

Nesta experiência, em meio às circunstâncias vividas por elas, foi possível perceber a forma

como Carmen e sua mãe ressignificaram a importância da escolarização dentro das formas de

viver com a doença e suas possibilidades.

A partir destas histórias, o olhar a todas estas problemáticas necessitam ser ampliados

para garantir-lhes mais acesso à escola e principalmente a chance de viver dignamente diante

das novas formas de estar no mundo com a IRC enquanto houver vida. Considera-se também

que este estudo possibilitou através de um pensar empírico-analítico um conjunto de

informações e conhecimentos para melhor dimensionar a relação do ensino e aprendizagem e

da formação docente para a prática em Educação aos sujeitos que necessitam de um

atendimento educacional atento as suas demandas, pelas necessidades e especificidades de

alunos doentes crônicos.

Entender as necessidades de crianças e adolescentes com doença crônica para, a partir

daí, garantir a assistência plena em saúde e educação, é importante para o caminhar de todos

os processos que os envolvem, pois nem sempre o que pode ser realizado com todos é

possível acontecer da mesma forma com a criança ou adolescente que tenha determinados tipo

de doença, exigindo-lhes cuidados que se não acontecem, podem colocar sua vida, destes

acometidos, em risco. Assim acontece com quem possui a IRC, especialmente, com o trato na

escola junto aos colegas e aos demais integrantes deste espaço.

A relação de diálogo entre a família e a escola da criança/adolescente é de grande

importância, pois se faz necessário haver um entendimento do que é a doença, dos cuidados

por causa da hemodiálise, explicando como funciona, quais as medicações que o aluno usa

cotidianamente e quem pode ocorrer no horário da aula, os cuidados em relação ao acesso da

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diálise e à alimentação. Este diálogo, às vezes, ocorre de forma tranquila ou ainda de maneira

muito tímida, mas também pode não acontecer da maneira como desejada.

Assim, as situações vividas pelas crianças e adolescentes com doenças crônicas são

passíveis de intervenções de modo que estes sujeitos não continuem vivenciando a exclusão

social e escolar, na medida em que a classe hospitalar se fortaleça para atender efetivamente a

esta demanda, que os pais se conscientizem de que o processo de escolarização não deve ser

deixado à margem por conta da excessiva preocupação com a doença e que também os

professores das escolas em que estes alunos estudam devam participar desse processo, sendo

informados da necessidade de repensar a educação deste sujeito com doença crônica.

Deixo a possibilidade de ampliar não só o olhar da escola comum, da classe hospitalar

e do poder público para com estas pessoas, mas também do universo acadêmico por meio de

outras pesquisas relacionadas ao tema, trazendo à tona tantas outras questões que envolvem a

inclusão escolar e social destas pessoas com IRC, quer seja conhecendo o que os profissionais

de saúde têm a dizer dos aspectos que envolvem a vida escolar, além do ponto de vista dos

profissionais de educação da escola comum e da classe hospitalar que acolhem estas crianças

e adolescentes. Chamo a atenção, também, para a realização de novas pesquisas acadêmicas

para investigar em relação à escolarização de crianças e adolescentes que passaram pela

hemodiálise e transplantaram, a fim de saber de suas experiências escolares nesta nova

condição vivida por eles.

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APÊNDICE A - ROTEIRO PARA ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA 01

Participantes: Mães/pais das crianças com insuficiência renal crônica que fazem

hemodiálise

Me fale sobre suas experiências, enquanto mãe de uma criança que tem doença renal crônica e

que faz hemodiálise, a partir do seguinte roteiro de entrevista:

1. Há quanto tempo o seu filho(a) realiza tratamento de hemodiálise? O que mudou em

sua vida depois que seu filho começou a fazer hemodiálise?

2. O que você pensa sobre a doença renal em seu filho(a), ou seja o que você tem a dizer

sobre essa doença que afeta seu filho(a)?

3. Você considera que o tratamento de hemodiálise interfere no desenvolvimento motor,

físico, social ou cognitivo do seu filho(a)? Se sim, quais aspectos você tem a dizer

sobre isso?

4. O que seu filho(a) fazia antes e o que ele não pode fazer por causa da doença?

5. De que maneira você contribui com as questões emocionais do seu filho como o

medo, as angústias, ansiedades, tristezas ocasionados pela doença?

6. Quais são as suas aflições e como você lida com elas?

7. Sobre a escolarização do seu filho: Ele estuda em alguma escola próximo de casa? Se

não, por quê?

8. Você acha importante que seu filho continue estudando mesmo com todas as

dificuldades em decorrência do tratamento de hemodiálise ou você acha melhor que

ele estude só depois da permissão médica após transplante renal? Por quê?

9. De que forma você contribui com a vida escolar do seu filho?

10. Como é (ou era) a relação do seu filho na escola com os colegas, com a professora e

com os outros profissionais da escola (coordenador, diretor, merendeira, porteiro,

auxiliar de serviços)? Eles sabem e compreendem sobre a doença renal? E como lidam

com seu filho diante disso?

11. A classe hospitalar contribui na vida escolar do seu filho? Como?

12. Você considera importante o atendimento da classe hospitalar ao seu filho? Por quê?

13. Para você, como seria o atendimento ideal da classe hospitalar para o seu filho?

14. Você sabe que existem direitos sobre a escolarização à pessoas em situações como as

do seu filho? Qual(is) você sabe?

15. Seu filho conversa com você alguma coisa sobre as aulas que tem no hospital? O que

por exemplo?

16. A professora da classe hospitalar contribui de alguma maneira em outros aspectos na

vida do seu filho além dos relacionados a aprendizagem escolar? Qual(is)?

17. A professora da escola que seu filho estuda sabe que ele tem atendimento da classe

hospitalar enquanto faz hemodiálise?

18. Você gostaria de falar mais alguma coisa sobre o que conversamos?

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APÊNDICE B - ROTEIRO PARA ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA 02

Participantes: Crianças com insuficiência renal crônica que fazem hemodiálise

A entrevista será dividida em 3 partes:

Parte1:

Mostrar gravuras relacionadas as perguntas abaixo e pedir que uma a uma a criança, descreva-

as e converse sobre o assunto a partir das perguntas que forem sendo feitas a ela.

1. Mostrar uma figura do corpo humano.

Perguntas:

Me fale um pouco do que você sabe sobre a doença que você tem:

O que a doença impede a você de fazer?

2. Mostrar gravura de um criança (pode ser uma criança sozinha sentada ou em pé)

Perguntas:

Das coisas que criança fazia, o que você tem vontade de fazer que você não

pode por causa da doença?

3. Mostrar uma máquina de hemodiálise:

Perguntas:

O que você sente antes de ser ligado à máquina de hemodiálise? E depois que

você termina uma sessão de hemodiálise?

Você gosta das pessoas que trabalham no hospital em que você faz

hemodiálise? E das crianças que fazem hemodiálise?

4. Mostrar uma escola (uma figura bem clássica de escola)

Perguntas:

Você acha importante estudar? Por quê?

Você estuda em escola próxima da sua casa? Qual a sua série?

Você gosta de ir para a escola?

O que você mais gosta de fazer na sua escola?

Pensando que você é uma criança especial por causa da sua saúde, como sua

professora da escola trata você?

E os colegas da sua escola sabem sobre sua doença? O que eles te perguntam

sobre isso, como eles te tratam?

Tem alguém na escola em quem você conversa mais sobre sua doença? Quem?

O que vocês conversam?

Você tem dificuldades em acompanhar os assuntos da escola? Por quê?

Você acha que é importante ter aulas com a professora durante a hemodiálise?

Como são suas aulas no hospital? São muito diferentes das aulas na sua

escola?

Você gosta da aula com a professora durante o momento da hemodiálise? O

que você mais gosta de estudar?

O que poderia ser feito para melhorar as aulas que você tem durante a

hemodiálise?

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Observação: As perguntas em azul só serão feitas para as crianças que estão

matriculadas na escola

Você gostaria de falar mais alguma coisa sobre o que conversamos?

Parte 2: Se você fosse fazer um livro com uma história sobre o dia a dia na sala de

hemodiálise, como seria mais ou menos essa história, quais seriam os personagens dessa

história, como seriam os desenhos e as cores para ilustrar essa história e qual o título que você

daria a ela?

Parte 3: Realizar com os participantes o jogo: Baralho das Emoções (Vide Anexos)

Parte 4: Propor um desenho para a criança: Tente desenhar você daqui há 10 anos. Qual a

profissão que você deseja ter? E no final a gente escreve como você pretende realizar este

desejo?

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APÊNDICE C - TERMO DE CONSENTIMENTO INFORMADO LIVRE E

ESCLARECIDO

Você está sendo convidado(a) à participar da pesquisa, cujo o título é: Crianças em

idade escolar com insuficiência renal crônica: significados da escolarização na vivência

com o tratamento de hemodiálise. Esta entrevista será realizada por mim, Priscila Santos

Amorim, aluna do Mestrado em Educação da Universidade Federal da Bahia, sob a orientação

da Profª. Drª. Alessandra Santana Soares e Barros. Meus contatos são: e-mail

([email protected]) e telefones (71 8753 6086/ 71 9130 2212).

Este documento é feito para dar informações sobre esta pesquisa e somente se você

concordar em participar e assinar, dará a sua permissão para realizar este estudo, que tem o

objetivo de investigar, sobre a escolarização de crianças com doença renal crônica que

realizam hemodiálise. Caso aceite participar da pesquisa, poderá desistir também a qualquer

momento, sem precisar justificar.

Você foi escolhido para participar desta pesquisa por conviver, conhecer e possibilitar

muitas informações sobre as especificidades no processo de escolarização de crianças com

Insuficiência Renal Crônica, que realizam tratamento de hemodiálise. Realizaremos uma

entrevista e suas informações serão muito importantes para esta pesquisa.

Nesta entrevista nós conversaremos sobre alguns aspectos relacionados à escolarização

na vida da criança que tem uma doença renal crônica que faz hemodiálise. Toda a nossa

entrevista será relacionada às condições vividas, por uma criança renal, seu desenvolvimento,

aprendizagem e vida escolar.

Acertaremos um melhor horário e local para a realização desta entrevista que terá em

média quarenta a cinquenta minutos. Ela será gravada e ao final se você quiser, poderá ouvi-la

e solicitar a retirada de qualquer trecho que desejar. Caso deseje também, poderemos realizá-

la em mais de um momento a depender de sua disponibilidade, estando eu disposta a remarcar

com você no momento mais adequado dentro das suas condições.

Não haverá riscos ou desvantagens em você participar desta pesquisa, pois serão

mantidas em sigilo as informações quanto a sua identificação. Por isso fique bem a vontade

em divulgar qualquer informação, sem medo de se comprometer. Na redação do relatório final

desta pesquisa, caso seja utilizado qualquer fala sua, teremos muito cuidado em utilizar nomes

fictícios para não divulgar o seu nome verdadeiro.

O benefício que esperamos conseguir com esta pesquisa será relevante para o campo do

conhecimento em Educação e Saúde, especialmente na formação de professores e de outros

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profissionais da área de interesse e contribuindo no campo do conhecimento científico e

educacional.

O parágrafo, abaixo, resume a sua concordância em termos presumidamente enunciados

por você:

“Antes de assinar este documento eu fui informado(a) sobre essa pesquisa, seus

objetivos, o modo como será realizada, algumas eventualidades e a contribuições que poderei

trazer para a realização de uma pesquisa que pretende agregar conhecimentos na área de

Educação e Saúde. Assim sendo, aceito participar, voluntariamente, permitindo que os dados

sejam divulgados em âmbito acadêmico, de maneira ética e responsável”.

Nome do participante: ____________________________________________________

Assinatura: _______________________________________ Data: _____/_____/_____

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ANEXO 1 - GRAVURAS UTILIZADAS NA 1ª PARTE DA PESQUISA COM AS

CRIANÇAS/ADOLESCENTES

Gravura 1:

Fonte: http://omamifero.blogspot.com.br/.Acesso em: 20 jul. 2013

Gravura 2:

Fonte: http://educacaoeculturahpp.blogspot.com.br/2011_05_01_archive.html. Acesso em: 20 jul. 2013.

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Gravura 3:

Fonte: http://www.webquestfacil.com.br/webquest.php?pg=conclusao&wq=5989. Acesso em: 20 jul. 2013.

Gravura 4

e:

Fonte: http://pinguinhodetinta.com.br/?p=624. Acesso em: 20 jul. 2013.

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ANEXO 2 - BARALHO DAS EMOÇÕES – Jogo utilizado na 3ª parte da pesquisa com

as crianças/adolescentes

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ANEXO 3 - FOLHA DE ROSTO DA PALTAFORMA BRASIL

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ANEXO 4 - DECLARAÇÃO DO COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

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ANEXO 5 - DECLARAÇÃO DE CONCORDÂNCIA SETOR DE NEFROLOGIA DO

HOSPITAL

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ANEXO 6 - DECLARAÇÃO DE CONCORDÂNCIA COORDENAÇÃO DA CLASSE

HOSPITAR