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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE DIREITO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO ALINE SOLANO SOUZA CASALI BAHIA OS CONSELHOS DE CONTRIBUINTES E AS LEIS INCONSTITUCIONAIS: UM ESTUDO NO CONTEXTO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL Salvador 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

FACULDADE DE DIREITO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

ALINE SOLANO SOUZA CASALI BAHIA

OS CONSELHOS DE CONTRIBUINTES E AS LEIS INCONSTITUCIONAIS:

UM ESTUDO NO CONTEXTO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL

Salvador 2013

ALINE SOLANO SOUZA CASALI BAHIA

OS CONSELHOS DE CONTRIBUINTES E AS LEIS INCONSTITUCIONAIS:

UM ESTUDO NO CONTEXTO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia, sob orientação do Prof. Dr. Celso Castro, na área de concentração de Direito Público, Linha 1.1 (Constituição, Estado de Direito e Direitos Fundamentais), Grupo 4 (Nova Teoria do Direito Administrativo), como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre.

Salvador 2013

ALINE SOLANO SOUZA CASALI BAHIA

OS CONSELHOS DE CONTRIBUINTES E AS LEIS INCONSTITUCIONAIS:

UM ESTUDO NO CONTEXTO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia, sob orientação do Prof. Dr. Celso Castro, na área de concentração de Direito Público, Linha 1.1 (Constituição, Estado de Direito e Direitos Fundamentais), Grupo 4 (Nova Teoria do Direito Administrativo), como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre e aprovada pela seguinte banca examinadora:

_____________________________________________ Prof. Celso Luiz Braga de Castro (Orientador) Doutor em Direito – Universidade Federal de Pernambuco Universidade Federal da Bahia _____________________________________________ Prof. Dirley da Cunha Junior Doutor em Direito – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Universidade Federal da Bahia _____________________________________________ Prof. Francisco de Queiroz Bezerra Cavalcanti Doutor em Direito – Universidade de Lisboa Universidade Federal de Pernambuco

Salvador, ____ de ___________________ de 2013.

AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos aqueles que direta ou indiretamente concorreram para a

elaboração deste trabalho, especialmente aos professores Celso Luiz Braga de Castro, Dirley

da Cunha Júnior e Manoel Jorge e Silva Neto, com quem tanto aprendi, aos colegas da

Procuradoria Bárbara Camardeli Loi, Elder dos Santos Verçosa e Rui Moraes Cruz, pelo

incentivo, a meu marido Saulo e a meus pais Leda e José Antônio, pelo apoio incondicional,

a Miriam e Carolina Ouimet, pelo auxílio e a Saulo Solano, pela inspiração.

RESUMO

O presente estudo aborda o controle de legalidade e de constitucionalidade no âmbito do processo administrativo fiscal. Discute-se a possibilidade de apreciação, pela autoridade julgadora em processo administrativo fiscal, do argumento da inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo que determina a exigência do tributo. O trabalho sistematiza os diversos argumentos utilizados pela doutrina contra ou favor desta possibilidade, além de argumentos intermediários, e examina como a questão é tratada na legislação sobre o processo administrativo fiscal nas esferas federal e estadual. São destacadas as vedações legais destinadas ao julgador administrativo no tocante ao afastamento da aplicação de lei, ainda que reputada inconstitucional. Também é analisada a jurisprudência a respeito do problema da reserva de jurisdição. Por fim, é analisada a possibilidade de iniciativa da administração tributária para o ajuizamento de ação contra ato próprio, sob a alegação de ilegalidade ou de inconstitucionalidade da decisão administrativa, inclusive de conselhos de contribuintes, servindo-se dos conceitos de “administração judicante” e de “administração ativa”. Descritores: Processo Administrativo Fiscal. Controle de constitucionalidade pela Administração. Conselho de Contribuintes.

ABSTRACT

The present study addresses the control of legality and constitutionality under the tax administrative procedure. The text deals with the possibility of assessment by the judging authority on tax administrative proceedings, of the argument of kunconstitutionality of law or byelaws which determines the need for taxation. The study also includes a systematic analysis of the diverse doctrinal arguments for and against this possibility, and also analyses the intermediary arguments, and how the issue is performed by the federal and state legislation of tax administrative proceedings. It shows the legal reserves for the administrative judge when judg ing the unconstitutional law. The issue about the reservation of jurisdiction is also criticized. Finally, this study analyzes the possibility of an initiative of the Tax Administrative office of reviewing its own acts, on the grounds of illegality or unconstitutionality of the administrative decision, included when performed by the Taxpayers Board, by the consideration of the concepts of “judging administration” and “active administration”. Keywords: Tax Administrative Procedure. Control of constitutionality by the Administration. Taxpayers Board.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 08 2 CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE 12

2.1 NEOCONSTITUCIONALISMO E SEUS MARCOS HISTÓRICO, TEÓRICO

E FILOSÓFICO 12

2.2 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE 14 3 O CONTROLE ADMINISTRATIVO DE CONSTITUCIONALIDADE NA DOUTRINA 21 3.1 ARGUMENTOS DESFAVORÁVEIS 24

3.1.1 Princípio da separação de Poderes 24

3.1.2 Princípio da segurança jurídica 32 3.1.3 Princípio da legalidade formal 35 3.1.4 Princípio da hierarquia 36

3.1.5 Falta de interesse de agir em razão da (im)possibilidade de revisão dos atos administrativos pela própria Administração 38 3.1.6 Princípio da presunção de constitucionalidade das leis em vigor 43

3.1.7 Reserva de plenário 45

3.1.8 Falta de competência para declarar a inconstitucionalidade de lei 47 3.2 ARGUMENTOS FAVORÁVEIS 48 3.2.1 Estado de direito constitucional 48

3.2.2 Garantia de ampla defesa 52 3.2.3 Jurisdição administrativa 59

3.2.4 Princípio da eficiência 65

3.2.5 Princípio da moralidade administrativa 67

3.2.6 A supremacia da Constituição 69

3.2.7 Direito de petição 79

3.3 TESES INTERMEDIÁRIAS 81 3.3.1 Limitação à cúpula administrativa 81 3.3.2 Prévia atuação do Poder Judiciário 83 3.3.3 Limitação aos órgãos julgadores 86 3.3.4 Limitação aos órgãos julgadores de segundo grau 91 3.3.5 Prévia atuação do Poder Executivo 93 3.3.6 Requalificação dos órgãos de controle 94 3.3.7 Limitações em razão da boa fé, do direito adquirido

ou do ato jurídico perfeito 94 3.3.8 Evidência da inconstitucionalidade 95 4 O CONTROLE ADMINISTRATIVO DE CONSTITUCIONALIDADE NO PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL 100

4.1 SITUAÇÃO NA LEGISLAÇÃO 100 4.2 SITUAÇÃO NA JURISPRUDÊNCIA 105 4.3 O INTERESSE DE AGIR E A LEGITIMIDADE DA ADMINISTRAÇÃO NA INICIATIVA CONTRA ATO PRÓPRIO 109 5 CONCLUSÕES 144

REFERÊNCIAS 149 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 159

8

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho visou lançar ideias sobre três problemas principais:

a) pode a Administração Pública anular ato administrativo que concede benefício

fiscal, oferta consulta fiscal favorável ao contribuinte ou renúncia a crédito fiscal sob a

alegação de inconstitucionalidade ou de ilegalidade?

b) pode a Administração Pública realizar controle de constitucionalidade de atos

administrativos, como em julgamentos de Conselhos de Contribuintes?

c) pode órgão diverso dentro do Poder Executivo (Procuradoria Estadual ou

Auditoria Fiscal) questionar perante o Poder Judiciário ou no âmbito da própria

Administração decisão desfavorável ao Fisco adotada pelo Conselho de Contribuintes ou pelo

Secretário da Fazenda?

Tencionou-se, pois, demonstrar que a Administração Pública pode, sob certas

hipóteses e preservando situações ou efeitos de situações jurídicas constituídas de boa fé,

anular ato administrativo inconstitucional ou ilegal que concede benefício fiscal, oferta

consulta fiscal favorável ao contribuinte ou renúncia a crédito fiscal; bem ainda demonstrar

que a Procuradoria Estadual ou a Auditoria Fiscal podem, sob certas circunstâncias,

questionar perante o Poder Judiciário ou no âmbito da própria Administração decisão

desfavorável ao Fisco adotada pelo Conselho de Contribuintes ou pelo Secretário da Fazenda,

ou ainda por outros órgãos do próprio Executivo; além de demonstrar que a Administração

Pública pode, sob certas circunstâncias, deixar de aplicar lei inconstitucional ou ato

administrativo ilegal, uma vez que a Administração Pública deve ter compromisso firmado

com a Constituição Federal, de modo que os atos que dela decorrem devem espelhar as

escolhas do constituinte.

De acordo com a perspectiva kelseniana, as normas jurídicas que regem as

relações de uma sociedade podem ser visualizadas em formato piramidal, onde a Constituição

é a norma fundamental do sistema jurídico, ocupando o ápice da pirâmide normativa, da qual

todas as demais normas extraem o seu fundamento de validade1.

Em que pese a compreensão sumulada de que “a Administração pode anular seus

próprios atos quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam

direitos, respeitados os direitos adquiridos e ressalvada, em todos os casos, a apreciação

judicial” (STF, Súmula 473), não é matéria pacífica no direito administrativo a possibilidade

1 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 2.ed. Coimbra: Armênio Amado, 1962.

9

de anulação de ato administrativo inconstitucional ou ilegal, de acordo com a chamada

autotutela da Administração ou o controle administrativo interno.

Não obstante a existência do Princípio da Supremacia da Constituição sobre

todas as demais normas do ordenamento jurídico, parte da doutrina brasileira e diversos

exemplos da própria legislação do processo administrativo fiscal entendem descabida a

anulação de atos pela própria Administração, ainda que inconstitucionais e ilegais, sob o

entendimento de que tal iniciativa somente poderia caber ao Poder Judiciário, ou

exclusivamente à cúpula do Poder Executivo, sob pena de subversão aos princípios da ordem,

da separação de poderes, da segurança jurídica, da legalidade ou da hierarquia.

Somente para introduzir opiniões que serão revistas no corpo do trabalho,

VITTORIO CASSONE e MARIA CASSONE entendem que, por ser a atividade

desenvolvida no processo administrativo fiscal de índole infralegal, ter-se-ia a impossibilidade

de qualquer exercício do controle de constitucionalidade2. No mesmo sentido JUVENAL

TERCEIRO (com amparo em ZENO VELOSO), para quem descaberia a apreciação interna

de constitucionalidade ante o risco à democracia com a hipertrofia do órgão encarregado de

aplicar as leis de ofício, além de se desconhecer a presunção de constitucionalidade das leis3.

Os procuradores fazendários paulistas ANA MARIA MOLITERNO e CLAYTON

EDUARDO PRADO advogam a possibilidade de controle interno de constitucionalidade e de

legalidade apenas pelo chefe do Poder Executivo e nunca por tribunal administrativo, sob

pena de se deixar absolutamente desamparado o interesse público, pois o Estado, por qualquer

de seus órgãos, estaria impedido de buscar guarida judicial, a fim de desconstituir decisão

definitiva na esfera administrativa, em razão da força vinculante de observância obrigatória

pela Administração4.

Todavia, mesmo diante dos termos da legislação, a doutrina e a jurisprudência

vem admitindo a possibilidade de órgãos do Poder Executivo deixarem de aplicar uma lei que

entendam ser inconstitucional. Por apenas 35 votos contra 30 votos o Tribunal de Impostos e

Taxas do Estado de São Paulo (decisão SF 2713/95-TIT-SP) entendeu não ser vedada àquela

corte o exame de constitucionalidade do ato normativo estadual. 2 CASSONE, Vittorio; CASSONE, Maria Eugenia Teixeira. Processo Tributário: teoria e prática.

5.ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 61-2. 3 VIEIRA TERCEIRO, Juvenal. O conselho de contribuintes e as argüições de inconstitucionalidade

de lei. Jus Navigandi. Teresina, ano 8, n. 61. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/3666>. Acesso em: 19 jul. 2013.

4 MOLITERNO, Ana Maria; PRADO, Clayton Eduardo. Impossibilidade de declaração de inconstitucionalidade no âmbito do processo administrativo tributário. Tese. In: CONGRESSO NACIONAL DE PROCURADORES DE ESTADO, 28., Gramado, 2002. Disponível em: <http://www.pge.sp.gov.br/teses/Ana%20e%20Clayton.htm.>. Acesso em: 02 nov. 2011.

10

Por seu turno, LUIS BARROSO pensa que o estado de direito exige a atuação

corretiva da própria Administração contra a inconstitucionalidade ou a ilegalidade5. Ou, como

leciona FREDERICO MARQUES, a lei inconstitucional é inconstitucional para todos os

poderes, e não apenas para o Poder Judiciário6.

BOTALLO7 e MARTINEZ8 também encampam esta opinião. Para este último,

quando nomeado para exercer o cargo de julgador, o servidor deixa de se subordinar

funcionalmente ao seu superior, devendo obediência apenas à Lei, conforme ele a conceber.

O tema possui relevância atual e enorme repercussão na área jurídica, e a

apreciação de problemas jurídicos sob a ótica constitucional (filtragem constitucional) é algo

indissociavelmente ligado à atual ou nova teoria do direito administrativo, linha escolhida

para esta pesquisa.

A abordagem tomou em conta que o tema vem sendo objeto de tratamento na

doutrina brasileira já de algum tempo. Mesmo na esfera do processo administrativo fiscal a

problemática não é desconhecida. Realizou-se, assim, uma revisão abrangente da doutrina

existente, com a percepção e exposição dos argumentos favoráveis e contrários ao controle de

constitucionalidade e de legalidade no processo administrativo fiscal, o que permitiu um

posicionamento crítico quanto à questão, teorizando-se sobre as condições e circunstâncias

em que deve ocorrer dito controle.

A metodologia utilizada, assim, tomou do plano empírico a atividade dos

conselhos de contribuintes e o alcance de suas decisões, e do marco analítico-teórico a

doutrina que se formou em torno deste mesmo alcance. Não se pautou, todavia, por

demonstrações quantitativas, mas sim visou cuidar, no plano qualitativo-descritivo, de

estabelecer bases para uma dogmática do problema, na via indutiva advindo da experiência

concreta dos órgãos julgadores integrantes da Administração, mais especificamente a fiscal.

De modo mais minudente, cumpre apresentar o percurso adotado para o trabalho.

No capítulo 2, após a introdução, fez-se considerações iniciais sobre o princípio da legalidade,

não ignorando a necessidade de abordar, em item próprio, o neoconstitucionalismo e seus

marcos histórico, teórico e filosófico. O capítulo 3 visou tratar acerca do controle

administrativo de constitucionalidade na doutrina, analisando-se, um a um, os argumentos

5 BARROSO, Luis Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas. Rio de

Janeiro: Renovar, 1996. p. 388. 6 Citado no voto do Ministro Moreira Alves na Rep. 980-SP (RTJ 96/507). 7 BOTALLO, Eduardo Domingos. Procedimento Administrativo Tributário. São Paulo: RT, 1997. 8 MARTINEZ, Wladimir Novaes. Procedimento Fiscal Previdenciário. São Paulo: Dialética, 1998.

p. 259.

11

desfavoráveis a este controle, no item 3.1 (Princípio da separação de poderes, Princípio da

segurança jurídica, Princípio da legalidade formal, Princípio da hierarquia, Falta de interesse

de agir em razão da (im)possibilidade de revisão dos atos administrativos pela própria

administração, Princípio da presunção de constitucionalidade das leis em vigor, Reserva de

Plenário, e Falta de competência para declarar a inconstitucionalidade de lei), os argumentos

favoráveis a este mesmo controle, no item 3.2 (Estado de Direito Constitucional, Garantia de

ampla defesa, Jurisdição administrativa, Princípio da eficiência, Princípio da moralidade

administrativa, Supremacia da Constituição, e Direito de petição), sem esquecer, no item 3.3,

dos argumentos ou teses intermediárias (Limitação à cúpula administrativa, Prévia atuação do

Poder Judiciário, Limitação aos órgãos julgadores, Limitação aos órgãos julgadores de

segundo grau, Prévia atuação do Poder Executivo, Requalificação dos órgãos de controle,

Limitações em razão da boa fé, do direito adquirido ou do ato jurídico perfeito, e Evidência da

inconstitucionalidade). O capítulo 4, então, sucedendo à análise do controle administrativo de

constitucionalidade na doutrina, ocupou-se da questão da análise deste controle no processo

administrativo fiscal, com itens específicos para a situação na Legislação e para a situação na

Jurisprudência. Um item específico (item 4.3) foi ainda aberto para a grave questão

relacionada ao interesse de agir e a legitimidade da Administração na iniciativa contra ato

próprio. Por fim, foram apresentadas as Conclusões e indicadas as Referências para este

trabalho.

Este é o esforço acadêmico que se entrega ao leitor, neste momento.

12

2 CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

2.1 NEOCONSTITUCIONALISMO E SEUS MARCOS HISTÓRICO, TEÓRICO E

FILOSÓFICO

Cumpre inicialmente caracterizar o estado atual da doutrina constitucional, diante

da mudança paradigmática ocorrida em várias partes do mundo, inclusive no Brasil, no

tocante à dogmática.

Historicamente, todos os ordenamentos constitucionais passaram, após a segunda

guerra mundial, expirada em 1945, a incorporar de modo cada vez mais explícito direitos

prestacionais sociais, de segunda e de terceira gerações. As constituições clássicas,

preordenadas à organização do Estado e dos poderes e à definição dos limites negativos da

atuação destes Poderes em relação aos indivíduos, passaram a contar com a previsão,

grandemente ainda programática, dos chamados direitos sociais e econômicos. Regimes

ditatoriais conviveram com estas constituições já apinhadas de regras programáticas, com

baixa ou nenhuma efetividade, todavia.

Paulatinamente, passa a ocorrer a derrota ou superação dos governos autoritários e

a ascensão progressiva de governos democráticos. A programaticidade e a eficácia formal de

direitos veio a ser questionada pela população, que passou a reclamar uma participação ativa

na condução dos assuntos inerentes à vida em sociedade. A prática constitucional sem dúvida

viria a ser alterada.

A mudança verificada traz um novo marco ao direito constitucional, de via

filosófica. O positivismo vem a ser substituído pelo pós-positivismo, quando a crença no

respeito cego às normas de nível legal encontrou uma reação na incorporação da ética e da

moral como novos guias de ação.

Finalmente, no plano teórico, passou-se a falar em uma nova hermenêutica

constitucional, com novos paradigmas, concatenados na ideia do reconhecimento da força

normativa da Constituição, da expansão da jurisdição constitucional e do desenvolvimento de

uma nova dogmática para a hermenêutica constitucional9.

Todos estes aspectos interessam ao presente trabalho. A idéia do reconhecimento

da força normativa da Constituição toca na questão do controle de legalidade ganhar

9 Sobre estes novos marcos teóricos, veja-se BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e

Constitucionalização do Direito: o triunfo tardio do direito constitucional no Brasil. Revista PGE, Porto Alegre, v. 28, n. 60, p. 27-65, jul.-dez. 2004.

13

amplitude, levando a Administração a atuar não apenas segundo os estritos contornos da

legalidade estrita, mas sim de acordo com o arco da legalidade ampla, já que a Constituição

efetivamente passou a assumir o papel hierárquico devido, como filtro de todos os

subsistemas legais. A efetividade real das normas constitucionais tornou a Constituição a

verdadeira lente diante da qual todo o sistema ou ordenamento jurídico deveria ser visto e

compreendido. Os princípios constitucionais, antes pomposos reposteiros de

programaticidade, passaram a ser vistos então como orientadores reais de toda a interpretação.

Uma nova teoria dos princípios surge, neste novo momento. Discute-se a ligação

existente entre princípios e valores (sendo os princípios a dimensão deontológica dos valores),

a distinção entre princípios e regras (sendo os primeiros mandados de otimização e as

segundas normas imediatamente prescritivas de condutas) e as regras específicas para a

solução de conflitos entre princípios (no caso, com o emprego da proporcionalidade), além de

suas restrições. E, principalmente, concebe-se o valor hierárquico primordial e fundante dos

princípios, em relação à ordem jurídica total, sendo as regras uma expressão da ponderação ou

sopesamento entre princípios opostos10.

Operou-se, pois, “O processo extenso e profundo de constitucionalização do

direito”, nos dizeres de BARROSO11, onde ocorre um “[…] efeito expansivo das normas

constitucionais, cujo conteúdo material e axiológico se irradia, com força normativa, por

todo o sistema jurídico”12.

BARROSO ainda é expresso ao dizer que a constitucionalização do direito, no

tocante à Administração Pública, limita-lhe a discricionariedade, impõe-lhe deveres de

atuação e ainda fornece fundamento de validade para a prática de atos de aplicação direta e

imediata da Constituição, independentemente da interposição do legislador ordinário13.

CUNHA JUNIOR, por seu turno, definiu o neoconstitucionalismo como:

Um novo pensamento constitucional voltado a reconhecer a supremacia material e axiológica da Constituição, cujo conteúdo, dotado de força normativa e expansiva, passou a condicionar a validade e a compreensão de todo o Direito e a estabelecer deveres de atuação para os órgãos de direção política14.

10 Vide, a propósito, ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros,

2008. 11 Ibidem, p. 38. 12 Ibidem, p. 39. 13 Ibidem. Loc. cit. 14 CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 7.ed. Salvador: Juspodivm, 2013.

p.38.

14

CUNHA JUNIOR aponta - tal como BARROSO - para a transformação do

conceito de legalidade, que passa inexoravelmente a abranger a obediência sistêmica à

Constituição. É disto do que se falará no item seguinte.

2.2 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

Na época do chamado Estado absoluto radical, o detentor do Poder (príncipe) não

estava sujeito à observância de normas ou de seus limites. Após, com o surgimento do Estado

de Direito, a Administração Pública passou a atuar conforme os preceitos previstos em

normas jurídicas.

No Estado de Direito clássico, assim, não apenas os indivíduos estavam obrigados

a cumprir os ditames das Leis, mas também a Administração Pública passou a ter seus atos

vinculados a dispositivos legais.

O Princípio da legalidade constituiu, portanto, um dos traços característicos do

Estado de Direito clássico, de maneira que era necessária a existência de lei para que o Estado

pudesse interferir na esfera individual e para que houvesse o controle da Administração pelo

Poder Judiciário.

Em observância ao princípio da legalidade, o Estado passou historicamente a agir

somente e na medida em que determinada lei o autorizasse, no sentido de que tudo que não

estivesse juridicamente facultado estaria juridicamente proibido. Ao revés, para o cidadão o

princípio da legalidade tem outro significado (tudo o que não está juridicamente proibido está

juridicamente facultado), somente podendo ser coibido da prática de determinado ato quando

a lei o proíba.

A relação de legalidade, pois, era uma relação de conformidade no sentido formal

e material. No sentido formal, o ato deveria ocorrer em conformidade com o sistema

processual ou a forma fixada em lei. Já no sentido material, o conteúdo do ato deveria seguir o

conteúdo previsto em lei.

A visão tradicional da legalidade administrativa pressupõe a existência de uma

regulamentação modelo como condição necessária para cada ato, traduzindo-se, assim, na

concepção de que “Administrar é aplicar a lei de ofício”15, ou, segundo MEIRELLES:

15 FAGUNDES, Miguel Seabra. O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário.7.ed.

atualizada. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 3.

15

A eficácia de toda atividade administrativa está condicionada ao atendimento da lei.

Na Administração Pública não há liberdade, nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza.

É fato que o Princípio da legalidade representou um grande avanço como limite à

atuação da administração, auxiliando o controle dos Atos Administrativos e dos gastos

públicos. A lei passou a disciplinar e limitar os atos do administrador público, o que traduziu

a concepção de que os bens públicos não se confundiam mais com os bens pessoais do

administrador.

Todavia, com a constitucionalização do Direito Administrativo, está sendo

reinterpretada a ideia clássica defendida por diversos administrativistas, tais como

BANDEIRA DE MELLO, de que “O princípio da legalidade, no Brasil, significa que a

Administração nada pode fazer senão o que a lei determina”16.

Dentre os paradigmas clássicos do direito administrativo brasileiro que se

encontram atualmente em crise está o princípio da legalidade administrativa como vinculação

positiva à lei, consistente na ideia de completa submissão do agir administrativo à Lei17.

Defende-se, atualmente, que a atividade administrativa está vinculada à

Constituição ou à juridicidade, e não apenas à lei positiva em sentido estrito.

Como adverte BINENBOJM, “A superação do paradigma da legalidade

administrativa só pode dar-se com a substituição da lei pela Constituição como cerne de

vinculação administrativa à juridicidade”18.

Resta entao ultrapassada a ideia de que seria indispensável a existência da lei em

sentido estrito para reger a relação entre Constituição e Administração Pública, tornando-se a

Constituição o fundamento imediato do ato administrativo.

Ou como diz CANOTILHO: “A reserva vertical da lei foi substituída por uma

reserva vertical da Constituição”19.

A propósito, vale à pena realizar uma pequena digressão histórica.

16 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 15.ed. São Paulo:

Malheiros, 2003. p. 95. 17 BINENBOJM, Gustavo. Uma Teoria de Direito Administrativo: Direitos Fundamentais,

Democracia e Constitucionalização. 2.ed. Revista e Atualizada. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 23.

18 Ibidem. p. 36. 19 CANOTILHO, J. J. Gomes, Direito constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina,

2002. p. 836.

16

Na época do Império no Brasil, os atos Administrativos não sofriam pleno

controle pelo Poder Judiciário, considerando-se que, nesta fase, a própria Administração,

através do Poder Moderador (Constituição Imperial de 1824), realizava o controle de seus

atos através de uma espécie de contencioso administrativo, com função jurisdicional. Saliente-

se que nem todos os atos administrativos eram submetidos ao controle do Poder Moderador.

Este atuava como Conselho de Estado, sobretudo resolvendo conflitos oriundos das relações

entre contribuintes e a Administração Fazendária20. Os demais atos administrativos que não

estivessem relacionados com o fisco submetiam-se ao controle do Tribunal Comum.

O Poder Moderador foi extinto na primeira Constituição Republicana de 1891 e a

partir de então se passou a adotar o modelo de jurisdição una, praticamente inalterado até a

Constituição atual.

Hoje, os princípios da Administração Pública elencados na Constituição Federal

de 1988 viabilizam um maior controle pelo Poder Judiciário sobre os atos administrativos,

inclusive sobre os atos considerados discricionários.

Bem a propósito é a assertiva de FARIA:

A idéia de juridicidade administrativa, elaborada a partir da interpretação dos princípios e regras constitucionais, passa, destarte a englobar o campo da legalidade administrativa, como um de seus princípios internos, mas não mais altaneiro e soberano como outrora. Isso significa que a legalidade administrativa continua a realizar-se, via de regra, (i) segundo a lei, quando esta for constitucional (atividade secundum legem), (ii) mas pode encontrar fundamento direto na Constituição, independente ou para além da lei (atividade praeter legem), ou, eventualmente, (iii) legitimar-se.21

Em sentido amplo, a legalidade compreende a constitucionalidade

(compatibilidade vertical de norma jurídica infraconstitucional ou de ato do Poder Público ou

do particular em relação à Constituição) e a legalidade em sentido estrito (compatibilidade de

ato do Poder Público ou do particular em relação à norma jurídica infraconstitucional).

A exemplo, tem-se que o sistema tributário possui seu contorno maior expresso na

Constituição, tanto em seu capítulo próprio (arts. 145 a 156) quanto em dispositivos esparsos

(arts. 7º, III, 195, 212, § 5º, 239 §§ 1º e 4º, 240 etc.).

De acordo com MELO:

20 FARIA, Edimur Ferreira de. Controle do Mérito do Ato Administrativo pelo Poder Judiciário. Belo

Horizonte: Fórum, 2011. p. 212-3. 21 Ibidem. Loc. cit.

17

Depreende-se que o Direito Tributário possui uma efetiva dignidade constitucional devido ao significativo, peculiar e minucioso tratamento que lhe foi conferido pelo constituinte, o que tem o condão de revelar sua considerável importância no ordenamento jurídico, pela circunstância especial de, por um lado, representar fonte de receita para o Poder Público e, de outro, acarretar ingerência no patrimônio dos particulares.22

Para este autor, ainda, a apontada dignidade constitucional passa a gerar diversos

efeitos, já que:

A Constituição contém conceitos e diretrizes básicas que devem ser rigorosamente obedecidas por todos seus destinatários e perseguidas até suas últimas conseqüências, sendo inadmissível ao intérprete e aplicador do Direito tomar como ponto de partida norma inconstitucional (a lei, ou o regulamento), uma vez que esta deve sempre estar fundamentada em norma de escalão superior (como se categoriza a Constituição).

Assim, as entidades governamentais não podem instituir ou exigir tributos movidos por meros interesses pessoais, discricionários e arbitrários, segundo procedimento que lhes parecer mais conveniente e oportuno, uma vez que devem estrita obediência aos superiores postulados da Constituição Federal.23

A legislação, assim, e se trata de uma evidência, deve se submeter à Constituição

pela força da hierarquia deste último diploma. A ação legislativa fiscal do Poder Público, ao

instituir e exigir tributos, também deve o respeito a esta hierarquia.

Ou seja, a Administração Tributária deve obediência à Constituição, sobretudo,

além do respeito às leis infraconstitucionais, este último que se relaciona à legalidade em

sentido estrito. E considerando apenas a legalidade em sentido amplo (conformidade à

Constituição e às normas infraconstitucionais) é que vale o brocardo de que esta obediência se

dá de um modo diverso daquele vivenciado pelos particulares em geral, ou, como leciona

SILVA NETO, “[…] com efeito, enquanto os indivíduos podem praticar toda e qualquer

conduta não proibida por lei, o administrador só pode praticar os atos expressamente

permitidos pela norma”24.

O princípio amplo da legalidade impõe, assim, a observância, na ação

administrativa, do agir estritamente em consonância à previsão constitucional e legal, sob

pena de nulidade do ato praticado.

22 MELO, José Eduardo Soares de. Curso de Direito Tributário. 9.ed. São Paulo: Dialética, 2010. p.

10-1. 23 Ibidem. Loc. cit. 24 Ibidem. p. 233.

18

Deve-se evitar, inclusive, a falta de densidade das leis infraconstitucionais, o que

provoca o indevido preenchimento conteudístico por normas regulamentadoras que por falta

de fundamento passam a ser inconstitucionais25.

O princípio amplo da legalidade constitui uma das garantias do Estado de Direito,

diz MELO, para quem:

[…] desempenhando uma função de proteção dos direitos dos cidadãos, insculpido como autêntico dogma jurídico pela circunstância especial de a Constituição haver estabelecido, como direito e garantia individual, que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (art. 5º, II). Somente com a expedição de normas editadas pelos representantes do próprio povo (Poder Legislativo) é que tem nascimento, modificação ou extinção de direitos e obrigações, competindo à Administração Pública expressa obediência ao princípio da legalidade (art. 37 da Constituição Federal).26

O agir administrativo deve observar a reserva formal da lei (constitucional ou

infraconstitucional), formal (mediante a determinação do órgão titular competente para sua

expedição) e material (ordem abstrata, geral e impessoal).

O princípio da legalidade em sentido amplo imuniza os administrados contra as

próprias leis e coarta a discricionariedade do legislador, segundo FIGUEIREDO27.

Ou, como leciona DOLÁCIO DE OLIVEIRA:

[…] implica o princípio da tipicidade, que tem como caracteres a observância de números clausus (vedando a utilização de analogia e a criação de novas situações tributáveis), taxatividade (enumeração exaustiva dos elementos necessários à tributação), exclusivismo (elementos suficientes) e determinação (conteúdo da decisão rigorosamente prevista em lei). 28

Enfim, o princípio da legalidade continua a corresponder à conquista do Estado de

Direito, livrando os indivíduos de arbitrariedades. Por isso, “Ninguém será obrigado a fazer

25 Sobre a densificação normativa como garantia, vide: CAVALCANTI, Francisco Q. B.;

BRANDÃO, Cláudio Roberto Cintra Bezerra; ADEODATO, João Maurício Leitão. A Reserva de Densificação Normativa da Lei para Preservação do Princípio da Legalidade. In: CAVALCANTI, Francisco Q. B.; BRANDÃO, Cláudio Roberto Cintra Bezerra; ADEODATO, João Maurício Leitão. (Org.). Princípio da legalidade: da dogmática jurídica à Teoria do Direito. Vol. 1. 1.ed. Rio de Janeiro: Companhia Editora Forense, 2009, p. 221-234.

26 MELO, José Eduardo Soares de. Curso de Direito Tributário. 9.ed. São Paulo: Dialética, 2010. p. 19-20.

27 FIGUEIREDO, Lucia Valle. Princípios de proteção ao contribuinte: princípio da segurança jurídica. Revista de Direito Tributário, v. 13, n. 47. p. 56-61. jan.-mar. 1989.

28 OLIVEIRA, Dolácio de. A Tipicidade no Direito Tributário Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1980. p. 39-41.

19

ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei ”; mas lei, repita-se, em sentido

amplo, de modo que o princípio da legalidade não seja compreendido de modo acanhado ou

de maneira pobre.

E assim o seria ainda se o administrador, para prover ou para praticar determinado

ato administrativo tivesse sempre que encontrar arrimo expresso em norma específica que

dispusesse exatamente para o caso concreto.

E do mesmo modo, assim como o princípio da legalidade é bem mais amplo do

que a mera sujeição do administrador à lei infraconstitucional (pois aquele, necessariamente,

deve estar submetido também ao ordenamento jurídico como um todo, notadamente às

normas e princípios constitucionais), também há de se procurar solver a hipótese de a norma

ser omissa ou, eventualmente, faltante.

Sobre o assunto, já prelecionou MELO:

A tipicidade cerrada funda-se na premissa de que o legislador contempla todos os elementos da hipótese de incidência tributária relativos à obrigação principal (credor, devedor, materialidade, base de cálculo, alíquota, momento e local da ocorrência do denominado fato gerador), e aos deveres instrumentais (notas e livros fiscais, informações). Significa a completude do sistema jurídico, prestigiando-se os princípios da segurança e da certeza do direito. Na tipicidade aberta o legislador não esgota a previsão de todos os aspectos da tributação, utilizando conceitos vagos, e imprecisos, a serem completados por demais normas (leis e decretos). É o caso da legislação do ISS (LC 116/03) ao se referir a serviços “congêneres”, “auxiliares”, e “semelhantes”, conferindo margem de discricionariedade ao destinatário da norma face à ausência de determinação e exaustividade dos preceitos. Esta situação implica insegurança, incompatível nos lindes tributários, na medida em que haja intromissão no patrimônio das pessoas privadas. Entretanto, a Constituição Federal contém aparente exceção ao princípio da legalidade, ao facultar ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos de importação sobre produtos estrangeiros; exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados; produtos industrializados; e operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários (art. 150, §1º).29

Tem-se, assim, que há espaços para o agir administrativo não completamente

afetados a uma previsão legal, já que o princípio da legalidade está atrelado ao devido

processo legal, em sua faceta substancial, e não formal.

GIANNINI, ao abordar o princípio da legalidade, diz que a concepção doutrinária

do século passado era muito rigorosa. Nos provimentos administrativos as normas deveriam

29 MELO, José Eduardo Soares de. Curso de Direito Tributário. 9.ed. São Paulo: Dialética, 2010. p.

19-20.

20

regular cada um de seus elementos. Porém, “Hoje o princípio de legalidade atenuou-se,

requerendo-se que a norma discipline os tratamentos evidentes do provimento, admitindo-se

que possa fazê-lo ainda que de modo implícito”30.

Chega-se, então, ao conceito de legalidade como não restrita à lei

infraconstitucional e nem à tipicidade fechada. Fala-se, pois, da legalidade ampla.

30 GIANNINI, Massimo Severo. Instituzioni di Diritto Administrativo. Milano: Giuffre Editores,

1981. p. 262 citado por FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de Direito Administrativo. 9.ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 42-3.

21

3 O CONTROLE ADMINISTRATIVO DE CONSTITUCIONALIDADE NA

DOUTRINA

Sabe-se que o controle de constitucionalidade, no Brasil, possui inúmeras

espécies, dependendo do órgão que o promove, do momento de sua realização ou do tipo de

controle, dentre outras classificações.

Assim, tem-se inicialmente que o controle da constitucionalidade pode ser político

ou judicial. No primeiro caso, o controle é feito por órgão não integrante do Poder Judiciário,

de natureza política. Ou, como diz CUNHA JUNIOR:

Nesse modelo, o controle da constitucionalidade das leis é exercitado por um órgão político, estranho à estrutura do Poder Judiciário ou cuja atuação não tem natureza jurisdicional. Cuida-se do modelo francês de fiscalização da constitucionalidade. Historicamente, a França sempre adotou uma rígida separação dos poderes, razão por que não podia o Poder Judiciário interferir nas atividades do Executivo e Legislativo. Em que pese Sieyès ter sugerido na Constituição do ano VIII a criação de um “jury constitutionnaire”, a concepção rousseuaniano-jacobina da lei como instrumento da “vontade geral” manteve-se sempre fiel ao dogma da soberania da lei que só as próprias assembléias legislativas poderiam politicamente controlar (o Senado, na Constituição do ano VIII e na Constituição de 1852 e, de certo modo, o Comitê Constitucional da Constituição de 1946). Assim, desde o abade Sieyès, o sistema de controle de constitucionalidade, quando previsto, era atribuído a órgãos de natureza política. Atualmente, prevê a vigente Constituição da França, de 05 de outubro de 1958, um órgão político – o Conseil Constitutionnel – como o competente para exercer a fiscalização da constitucionalidade das leis naquele país. Convém advertir, contudo, que a fiscalização desempenhada por esse órgão político tem natureza essencialmente preventiva. Após a promulgação do ato normativo, não há mais espaço para o controle de constitucionalidade no Direito francês.31 (grifo do autor)

E continua o mesmo autor:

O fundamento principal da afetação do controle de constitucionalidade das leis a um órgão não pertencente ao Poder Judiciário prende-se ao argumento de que a Constituição deve ser interpretada por órgãos com sensibilidade política, porquanto, mais do que uma simples lei, a Constituição é um projeto dinâmico de vida, que não pode ser reduzida a uma mera apreciação hierárquica. Ademais, considera-se que o controle judicial daria aos juízes o poder de recusar as deliberações majoritárias do Legislativo e do Executivo, contrariando o dogma da separação de poderes. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, no entanto, garante que a experiência tem dado provas inequívocas de que esse controle político é ineficaz, conquanto os órgãos políticos, onde previstos, têm apreciado a constitucionalidade das

31 CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. Salvador: Podivm, 2008. p. 293-4.

22

leis antes pelo critério da conveniência do que pelo critério de sua conformidade com a Constituição. Esses órgãos, assim, “vêm a ser redundantes pois se tornam outro Legislativo, ou outro órgão governamental”.32

O controle de constitucionalidade judicial (ou jurisdicional) é desempenhado por

órgãos integrantes da estrutura do Poder Judiciário (ainda que não exclusivo, caso do Brasil e

dos EUA).

O controle de constitucionalidade, político ou judicial, é uma garantia, como já se

disse acima, do princípio da legalidade em sentido amplo.

Quanto ao momento de sua realização, o controle de constitucionalidade pode ser

preventivo ou repressivo. O primeiro caso é eminentemente associado ao controle político, e

se dá por meio dos pareceres, nos projetos de lei, das Comissões de Constituição e Justiça das

Casas Legislativas, e por meio do veto jurídico constitucional por reconhecida

inconstitucionalidade. Todavia, o controle político pode ainda vir a ser repressivo, bastando

lembrar a hipótese da sustação dos atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do

poder regulamentar ou dos limites da delegação legislativa (CF/88, art. 49, V) e no caso de

rejeição de medidas provisórias (CF/88, art. 62, §5º). O controle judicial, por sua vez, é

eminentemente repressivo.

O controle de constitucionalidade pode ainda ser concentrado e dirigido contra lei

em tese, a exemplo da competência atribuída aos tribunais constitucionais, ou difuso, se

permitido a qualquer órgão do Poder Judiciário diante de um caso concreto que lhe for

submetido, por exemplo.

O controle de constitucionalidade ocorre por vezes em casos de

inconstitucionalidade chapada, que nada mais é do que uma superlativa e evidente ofensa à

Constituição seja quanto ao conteúdo, seja quanto ao modo de produção legislativa33.

Sobre os efeitos do controle de constitucionalidade, tem-se que no Brasil se segue,

em princípio, a teoria da nulidade absoluta dos atos inconstitucionais. Todavia, a modulação

de efeitos, usualmente praticada pelo Poder Judiciário, visa eliminar a insegurança jurídica ou

proteger interesses que a declaração de nulidade ab initio poderia injustamente ocasionar. Ou,

como diz SILVA NETO:

32 CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. Salvador: Podivm, 2008. p. 293-4. 33 Vide ADIn-MC 1.802/DF.

23

Se, nesse passo, a declaração judicial da inconstitucionalidade é retroeficaz e fulmina a lei ou o ato normativo viciado desde o momento em que ingressou no sistema, seria estranho obrigar o Chefe do Poder Executivo à espera da conclusão judicial, pois isso poderia resultar inominável agravo ao patrimônio público. Todavia, guiado por razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o STF, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos da declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado (art. 2734 da Lei n. 9.868/99). Há hipóteses, portanto, nas quais a declaração de inconstitucionalidade produzirá tão só os efeitos ex nunc ou pro futuro. 35

Sobre o controle de legalidade (stricto sensu), este significa o exame da

compatibilidade do ato infralegal à legislação infraconstitucional, o que corresponde à

afirmação da validade da própria norma jurídica inferior à Constituição.

Este controle nunca foi negado pela jurisprudência e pela doutrina à

Administração, que o compartilha com o Poder Judiciário. Afinal de contas, e como já se

disse acima, a Administração está jungida à lei, somente realizando o que a mesma lhe

permitir.

Na França, como se sabe, há contrapesos jurisdicionais à ação administrativa,

sendo o controle jurisdicional exercido através da jurisdição administrativa e da jurisdição

judicial (Poder Judiciário). Há matérias reservadas por tradição à autoridade judiciária: a

proteção da propriedade privada e da liberdade individual. E o controle de legalidade, bastante

amplo, alcança não apenas a legalidade externa (incompetência, vício de procedimento e vício

de forma) como a legalidade interna (desvio de poder, irregularidades relacionadas ao

conteúdo do ato e irregularidades relacionadas aos motivos do ato)36. Naquele país, cabe

apontar que o controle de legalidade feito pela Administração alcança, quanto ao conteúdo do

ato, qualquer contradição ao ordenamento jurídico geral, inclusive alcançando a violação à

Constituição. Ou, como diz PIERRE-LAURENT FRIER,

34 Lei no 9.868, de 10 de novembro de 1999: “Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou

ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado”.

35 SILVA NETO, Manoel Jorge e. Curso de Direito Constitucional. 8.ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 289.

36 FRIER, Pierre-Laurent. Précis de Droit Administratif. Paris: Montchrestien, 2004, p. 389 e ss.

24

[…] é pois essencialmente desrespeito à hierarquia das normas que é sancionado, seja de normas exteriores à Administração – Constituição, tratados, leis etc. – seja de regulamentos administrativos, ou de um princípio geral de direito como o de irretroatividade dos atos administrativos37.

Contudo, ocorre também na França a problemática presente no Brasil, quando o

controle da legalidade ampla é realizado não pelos órgãos administrativos jurisdicionais, mas

apenas pela Administração em geral. Neste caso, como informa KALINE FERREIRA, que

comparou os sistemas francês e brasileiro em sua tese de doutorado, fala-se naquele país em

um procedimento administrativo não contencioso quando o caso não está sendo submetido a

um juiz administrativo38.

FRANCISCO CAVALCANTI explica a situação na França como de dualidade de

jurisdição (ao lado da Alemanha e diferentemente do modelo britânico, onde há unicidade)39,

sendo a existência da jurisdição administrativa consequência “[…] do pressuposto aceito de

que julgar a administração é também administrar”40.

O problema maior, de fato, envolve o controle de constitucionalidade pela própria

Administração, consistente na recusa à aplicação da lei ou ato normativo que viole a

Constituição. O exame da constitucionalidade possui, assim, diversos argumentos favoráveis

e desfavoráveis ao seu reconhecimento. Comecemos pelos últimos.

3.1 ARGUMENTOS DESFAVORÁVEIS

3.1.1 Princípio da separação de Poderes

Um dos primeiros argumentos que se levanta contra a possibilidade da

Administração controlar a constitucionalidade de normas infraconstitucionais corresponde à

ideia ou princípio da separação de Poderes. De acordo com este argumento, estaria reservada

ao Poder Judiciário qualquer competência para afastar a aplicação de norma inconstitucional. 37 No original: “C´est donc essentiellement le non-respect de la hiérarchie des normes qui est

sanctionné, qu´il s´agisse de normes extérieures à l´administration – constitution, traités, lois, etc – des règlements administratifs eux-mêmes, ou d´um príncipe general du droit tel que celui de non-rétroactivité des actes administratifs”. (FRIER, Pierre-Laurent. Précis de Droit Administratif. Paris: Montchrestien, 2004. p. 457).

38 FERREIRA, Kaline Santos. Le Contentieux Administratif en Dehors du Juge: étude comparée des droits français et brésilien. 2013. 379f. Tese (Doutorado em Direito) - École Doctorale de Droit (E.D. 41), Université Montesquieu - Bordeaux 4, Bordeaux, France.

39 CAVALCANTI, F. Q. B. Da necessidade de aperfeiçoamento do controle judicial sobre a atuação dos Tribunais de Contas visando a assegurar a efetividade do sistema. Revista do Tribunal de Contas da União, v. 1, p. 10, 2007.

40 Ibidem, p.11.

25

Defendem este argumento diversos juristas pátrios, e a fundamentação que lhe

emprestam dificilmente vai além da compreensão de que o Poder Judiciário ganhou, no

esquema constitucional brasileiro, uma competência não estendida aos demais Poderes, na

prática da aplicação das normas. Pode-se nominar este argumento, ainda, como princípio da

reserva ao Poder Judiciário ou princípio da reserva jurisdicional do controle de

constitucionalidade.

Ou seja, tornou-se comum o entendimento de que a consideração sobre a

inconstitucionalidade de lei seria tarefa restrita ao Poder Judiciário.

Adepto desta ideia, o Ministro CARLOS MEDEIROS, em voto vencido proferido

no MS 15886-DF, justificava-se dizendo que “No poder de interpretar a Constituição, não se

deve entender necessariamente ou implicitamente, o de repudiar lei por

inconstitucionalidade”41.

No voto proferido no MS 16003-DF, o Ministro OSCAR SARAIVA consignou

que:

Não existe, na realidade, a opção para o Presidente da República entre cumprir a lei e cumprir a Constituição. A lei já foi elaborada, já passou através de todos os processos constitucionais de sua elaboração, de sorte que ela, em si, obriga sem necessidade de opção e interpretação, que é reservada ao Poder Judiciário, e que deste é prerrogativa exclusiva pela maioria dos membros do Tribunal, segundo o art. 200 da Constituição, tal como vigente.42

Segundo ALFREDO BUZAID, no nosso país é do Judiciário a competência

privativa para decretar a inconstitucionalidade das leis:

O poder de decretar a inconstitucionalidade das leis, no Brasil, compete, privativamente ao Judiciário. Não o pode exercer o Legislativo, porque lhe é vedado ser juiz em causa própria; aliás, a sua função consiste em elaborar ou revogar leis, não em apreciar a sua validade. Também não o pode exercer o Executivo, pois isso o tornaria superior ao Congresso.43

CAMANHO DE ASSIS consigna, por sua vez que:

[…] editada a lei - exaurida a possibilidade do controle preventivo – a aferição da constitucionalidade passa a ser privativa do Poder Judiciário,

41 Julgamento em 26.5.66. In Revista Trimestral de Jurisprudência, 41, p .680. 42 Revista de Direito Público, 5, p. 242. 43 Citado pelo Ministro MOREIRA ALVES, em voto proferido na Rep. 980-SP, julgada em 21.11.79

(in Revista Trimestral de Jurisprudência, 96, p. 506).

26

único a quem o Poder Constituinte conferiu instrumentos para proceder com semelhante análise.44

Mesmo RUY BARBOSA, diferentemente do pensamento revelado em outras

ocasiões, e com forte acento populista, declarou, dentre os 18 (dezoito) compromissos de sua

campanha civilista de 1910, o seguinte:

[…] o que eu não farei, [...] Não recusarei execução de lei alguma, a

pretexto de inconstitucionalidade, visto como a respeito das leis, o conhecimento desse vício é da competência exclusiva Judicial. Toda Lei, pelo mero fato de ser lei, enquanto não havida por nulos em sentença irrevogável, obriga inelutavelmente o Poder Executivo.45

JOÃO MANGABEIRA, num parecer sobre a revogabilidade dos atos

administrativos, dizia que “Não deve o Poder Executivo deixar de cumprir uma lei somente

porque a considera inconstitucional, pois é da competência exclusiva do Judiciário declarar

essa inconstitucionalidade”46.

É esta também a opinião de LÚCIO BITTENCOURT, para quem “Uma vez

promulgada a lei a todos obriga, inclusive o Executivo; a lei, enquanto não declarada pelos

Tribunais incompatível com a constituição é lei – não se presume – é para todos os efeitos”47.

Em segunda instância, e em alguns casos, a tese foi vencedora, como no MS 1238,

julgado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro: “Ao poder público não é lícito

negar aplicação a uma lei, a pretexto de sua inconstitucionalidade, pois o conhecimento

desse vício é da competência exclusiva do Poder Judiciário”48.

Assim, o exercício da jurisdição administrativa envolvendo estes aspectos

representaria grave violação à separação de Poderes, como definida por MONTESQUIEU.

Ou, como diz CLENÍCIO DA SILVA DUARTE:

44 ASSIS, Alexandre Camanho. Inconstitucionalidade de Lei – Poder Executivo e Repúdio de Lei sob

a alegação de inconstitucionalidade. Revista de Direito Público, 91, p. 119. 45 BARBOSA, Rui. Excursão Eleitoral. Obras Completas de Rui Barbosa, vol. XXXVII. Rio de

Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa/MEC. p. 103 citado por MARINHO, Josaphat. Estudos Constitucionais: da Constituição de 1946 à de 1988. Salvador: Centro de Estudos Baianos da Universidade Federal da Bahia, 1989. p. 99.

46 MANGABEIRA, João. A Revogabilidade dos Atos Administrativos. Jornal A Tarde, 14 set. 1955 citado por MARINHO, Josaphat. Estudos Constitucionais: da Constituição de 1946 à de 1988. Salvador: Centro de Estudos Baianos da Universidade Federal da Bahia, 1989. p. 99.

47 BITTENCOURT, Lúcio. O Controle Jurisdicional da Constitucionalidade das Leis. In: DIAS, José de Aguiar. Rio de Janeiro: Forense, 1968 citado por MONTEIRO, Ruy Carlos de Barros. O argumento de inconstitucionalidade e o repúdio à lei pelo Poder Executivo. Revista Forense, v. 79, n. 284, out.-dez. 1983, p. 102.

48 Revista Forense, 131, p. 204-5.

27

O Poder Executivo, sendo, por definição, a quem incumbe precipuamente a execução das leis, não pode, sob alegação de inconstitucionalidade, negar-lhes cumprimento. Seria desenganada usurpação de competência, quando esta se situa na esfera privativa do Poder Judiciário.49

A participação do Poder Executivo no controle de constitucionalidade das leis

limitar-se-ia, pois, à capacidade de veto e de propor ações judiciais reclamando a declaração

de inconstitucionalidade de lei (inclusive em controle concentrado) e, com menor resultado

prático, de representar ao Poder Legislativo solicitando a revogação da norma indesejada. A

Constituição não teria assegurado à Administração, assim, qualquer outra possibilidade de

realizar dito controle50.

O veto, inserido no sistema de freios e de contrapesos envolvendo os Poderes da

República, seria o único modo de controle pelo Poder Executivo ocorrer de forma preventiva.

Após o mesmo, tenha ou não sido rejeitado, nenhuma possibilidade de irresignação restaria ao

Executivo. É a opinião de CAMANHO DE ASSIS:

[…] saindo (a lei), contudo, dos bastidores da confecção, e entrando em vigor, já não haverá modo de aqueles poderes reputarem-na inconstitucional – a vontade de sepultá-la, a partir de então, só se poderá efetuar por animo dos fenômenos da revogação e suas variantes, sem que a alegação de inconstitucionalidade apresente-se como hábil a retirar, da norma sua validade.51

E se nada pode o Executivo contra um veto rejeitado pelo Congresso, será

evidente, seguindo o raciocínio, que não poderá recusar aplicação por inconstitucionalidade à

lei à qual chegou a apor sua sanção, tácita ou expressa. É esta a opinião compartilhada pelos

Ministros GONÇALVES DE OLIVEIRA (no julgamento do MS 16003-DF)52, PRADO

49 DUARTE, Clenício da Silva. Inconstitucionalidade de lei – Representação do Procurador Geral da

República. Revista de Direito Público, 2, p. 154. 50 “A negativa de validade da lei ao argumento de inconstitucional não é, de início, faculdade que

conste na lista de possibilidades do executivo. Dependente de estrita previsão legal que embase seus atos, este Poder não encontra respaldo para tanto no ordenamento jurídico positivo”. (ASSIS, Alexandre Camanho de. Inconstitucionalidade de Lei: Poder Executivo e Repúdio de Lei sob a alegação de inconstitucionalidade. Revista de Direito Público, 91, p. 119).

51 ASSIS, Alexandre Camanho de. Op. cit. Loc. cit. 52 Revista de Direito Público, 5, p. 247. No MS 15886-DF, externou este Ministro a mesma opinião:

“Portanto, em princípio, a regra é que, sancionando o Presidente da República a lei, ele supre quaisquer deficiências no trânsito, nas normas legislativas. Teve o momento que a Constituição lhe consagrou para dizer se a proposição era constitucional ou inconstitucional. Se nesse momento não usou do seu poder, parece claro que se dá o consenso pelo Executivo de que a norma seja constitucional.” (Revista Trimestral de Jurisprudência, 41, p. 690-691).

28

KELLY53 e OSCAR SARAIVA (em votos proferidos no julgamento do MS 16003-DF). Para

este último, após sanção ou veto,

[…] cessa a função do Poder Executivo, notadamente quando sanciona a lei, porque a lei sancionada pelo poder executivo participa, no seu todo, da aprovação desse poder. Não seria, portanto, possível, embora o Poder executivo mude de pessoas, que se dissesse que o mesmo poder que sanciona a lei venha a dizer depois, que esta lei é inconstitucional.54

Lembram os adeptos do argumento a modalidade de controle corretivo exercida

pela Administração através de ações judiciais, notadamente, tratando-se de lei em tese, da

ação direta de inconstitucionalidade. Não faltou quem achasse que somente a inexistência da

previsão dessa via, para o Presidente da República, garantiria o direito de recusar aplicar lei

que reputasse inconstitucional. Ou seja, a partir do momento em que o chefe do Executivo

passou a contar com o referido instrumento, nenhuma razão haveria para que descumprisse,

segundo sua vontade, comandos legais de qualquer espécie. Formou-se, então, uma corrente

intermediária, a partir da dissensão vivida pelos adeptos da teoria da legalidade ampla. O

caudal formado pelos que não admitiam a recusa à aplicação de lei inconstitucional, com isto,

aumentou55.

Uma última alternativa para o Executivo, por fim, sancionada por equívoco uma

lei ou rejeitado o veto aposto (ou ainda, sem resultado, intentada ou não ação judicial), seria

propor ao Legislativo a revogação da lei tida por inconstitucional. Esta ideia é defendida,

53 Revista de Direito Público, 5, p .243. 54 Ibidem. p. 241. 55 Vide o Ministro Prado Kelly, que passou a ter essa opinião após o advento da EC 16 à CF de 1946,

que permitiu a representação ao Procurador Geral da República contra inconstitucionalidade de lei ou ato de natureza normativa federal ou estadual. Diz ele: “Já agora, a questão perdeu interesse, porque o executivo dispõe de meios aptos para fazer valer, se procedente o seu ponto de vista, a autoridade da Constituição sobre a lei impugnada e, ao mesmo tempo, ressalvar a sua responsabilidade, não precisando mais optar entre uma ou outra norma.” (in Revista de Direito Público, 5, p. 242). No mesmo julgamento, o argumento foi partilhado pelos Ministros Oscar Saraiva: “Portanto, o silogismo se põe muito claro: se a forma constitucional de o Presidente impugnar a constitucionalidade de lei é a representação, segue-se que não há outra; e a via de fato da recusa não será tolerável” (p.244) e Gonçalves Oliveira (p. 247). Também mudou de opinião, após o surgimento da EC 16, o Ministro Victor Nunes, como revelado em voto no MS 158886-DF: “Realmente, a ampla representação de inconstitucionalidade, que o nosso direito constitucional agora abriga, põe a questão sob uma nova luz, que me leva a não insistir nos votos proferidos anteriormente. A interpretação advogada pelos impetrantes tem uma sólida contextura lógica e contribui, notavelmente, para o aperfeiçoamento do nosso regime de poderes limitados e divididos, sob a vigilância do Judiciário, que é o fiel da Constituição.” (Revista Trimestral de Jurisprudência, 41, p. 677).

29

ainda que através de argumentos um tanto quanto pragmáticos, pelo Ministro CARLOS

MEDEIROS, no voto que proferiu no MS 15886-DF:

[…] o remédio para situações anômalas ou prejudiciais ao interesse está na promoção do Legislativo, mediante mensagem do executivo, solicitando a revogação do texto malsinado e demonstrando as razões do repúdio. E isto não oferece mais perplexidade ou risco de delongas ante o processo legislativo vigente, de prazos fixos e fatais, tanto para a votação de Emendas Constitucionais, como de textos de leis ordinárias.56

A falta de autorização constitucional explícita para a realização do controle de

constitucionalidade corretivo (sem apelo ao Judiciário) seria reforçada, ainda, com a

circunstância de que o Poder Executivo não disporia da inafastável imparcialidade exigida

para a tarefa. Para CAMANHO DE ASSIS,

Uma valoração imparcial da constitucionalidade, ou não, da lei só

pode ser feito idoneamente pelo Judiciário, que a par de constitucionalmente aparelhado para tanto (e esse o argumento mor em seu favor), não se encontra em antagonismo freqüente com os indivíduos – como ocorre com o Executivo – mas procura, antes, dirimir tais conflitos.57

Tem-se, de acordo com o argumento, que somente o apego à estrita legalidade

garantiria por parte dos agentes administrativos a submissão aos comandos oriundos do

Legislativo. Haveria, pois, uma presunção de constitucionalidade que somente poderia ser

desfeita pelo Poder Judiciário. Caso pudessem se furtar do cumprimento de uma disposição

legal sempre que a entendessem inconstitucional, ter-se-ia a anulação da capacidade

legislativa de traduzir a vontade popular e de deter a soberania do Estado quanto à edição de

normas prescritivas de condutas. Assim, o princípio da separação de Poderes seria violado. Na

expressão do Ministro VILAS BOAS:

O símbolo da ordem jurídica é a lei e não apenas a Constituição. É em nome da lei que mantemos a ordem jurídica da República, é em nome da lei que se faz o casamento, que se constitui a família. É muito sério aceitar que uma autoridade se avoque o direito de descumprir uma lei. É perigosíssimo para o nosso regime.58

56 Revista Trimestral de Jurisprudência, 41, p. 680. 57 ASSIS, Alexandre Camanho de. Inconstitucionalidade de lei: Poder Executivo e repúdio de lei sob

a alegação de inconstitucionalidade. RDP, 91, p. 120. 58 Voto vencido proferido no MS 15.886-DF (Revista Trimestral de Jurisprudência, 41, p. 691).

30

A este argumento é constantemente acrescido que o Poder Legislativo, graças à

especialização que detém, seria muito melhor capacitado para aquilatar a constitucionalidade

de qualquer dispositivo legal. É como diz o Ministro GONÇALVES DE OLIVEIRA em voto

proferido no julgamento do MS 16003-DF:

O projeto de lei não é transformado em lei sem maiores estudos. Há

nos corpos legislativos da Câmara e do Senado, Comissões de Justiça, compostas de jurisconsultos. Se o projeto vetado obtém 2/359 dos votos favoráveis no Congresso, então a lei tem uma presunção de constitucionalidade, que não pode ser afastada pelo Presidente da República, que nem sempre é um jurisconsulto, nem sempre é técnico jurídico e não pode examinar as filigranas da interpretação. Não pode deixar esta questão para ser submetida ao órgão consultivo da administração porque haveria, então restrição à grandeza da elaboração da norma legislativa.60

Haveria, ainda, o compromisso assumido pelo Presidente da República, no ato de

sua posse, de manter e defender a Constituição da República e de observar as suas leis. Não

poderia, assim, olvidar desse compromisso assumido, quanto às últimas (as leis), sendo o

sistema engendrado, assim, para deixar a aferição de incompatibilidade vertical das mesmas a

cargo unicamente do Poder Judiciário.

Cabe aqui antecipar uma crítica geral ao argumento. O fato de o Poder Judiciário

possuir competência para “expulsar” a lei do ordenamento, com a declaração de

inconstitucionalidade, não impossibilita que os tribunais administrativos efetuem a

interpretação das normas, e quando houver um conflito entre lei ou ato normativo e

Constituição apliquem esta ao invés da lei. Apesar de a função judicante não ser a função

típica do Poder Executivo e sim do Poder Judiciário, ela não é privativa deste, já que os

tribunais administrativos exercem a função judicante ao buscar solucionar os conflitos

surgidos no âmbito da administração e devem interpretar o direito, devendo considerar como

norma superior a Constituição.

FERNANDES reconhece que apesar de ter a CF/88 organizado o Estado, dentro

da lição deixada por Montesquieu, estabelecendo a tripartição dos Poderes, as funções típicas

desempenhadas por cada um dos Poderes não são exclusivas, mas preponderantes61.

59 O julgador referia-se à Constituição de 1946. A Constituição Federal de 1988 estabelece, para a

rejeição do veto, o quorum de maioria absoluta de Deputados e Senadores (art. 66, §4º ). 60 Revista de Direito Público, 5, p. 247-8. 61 FERNANDES, Edison Carlos. Processo Administrativo Tributário. In: MARTINS, Ives Gandra da

Silva (Coord.). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 494-6.

31

Tratando, ainda, da preponderância das funções de cada Poder, dentro da

atribuição de aplicar o direito a um fato concreto (denominada de “jurisdição”), o mesmo

autor vislumbra a existência da “jurisdição” administrativa, consistente na atividade dos

órgãos do Poder Executivos com atribuição de fazer atuar a vontade concreta da lei, com

vistas à consecução dos fins estatais que lhe são confiados, e a “jurisdição comum” ou

judicial, consistente na atividade dos juízes de direito.

Contudo, não pode concordar com a ideia defendida por FERNANDES de que, no

processo administrativo,

Não há que se falar na possibilidade de o órgão estatal, que decidirá a demanda levantada, cogitar o controle de constitucionalidade, pois, para a Administração, presume-se a concordância da norma com o sistema jurídico estabelecido, no princípio, pela Constituição, cabendo apenas sua execução, e não a análise de seu mérito ou validade. Quanto à atuação “jurisdicional” do Executivo, Greco Filho, lembrando ensinamento de Chiovenda, esclarece que “a administração é uma atividade primária, espontânea, que aplica o direito por iniciativa própria, tendo em vista os interesses da própria administração. O poder de avaliar a norma jurídica é exclusividade do magistrado, órgão do Estado, “imparcial e de fora do processo político partidário” (GRECO FILHO, p. 14) competente para interpretar e dizer o direito válido, conforme o que estabelece o ordenamento jurídico posto pela Constituição. O Poder Judiciário, no Brasil, por sua vez, controla a constitucionalidade através de dois sistemas: o concentrado, exercido por meio da ação direta de inconstitucionalidade e pela ação direta de constitucionalidade, dirigidas diretamente ao Supremo Tribunal Federal, instância máxima desse Poder do Estado; e o difuso, exercido por meio de ação declaratória incidental, dirigidas às instâncias inferiores do Judiciário, dentro de processo em andamento, para ser aplicada ao caso concreto, fazendo coisa julgada formal e somente entre as partes. Assim, a função de manter a unidade do ordenamento jurídico, como quer Norberto Bobbio, é exercida, exclusivamente, pelo Poder Judiciário, quer por seu ente supremo, o STF (controle concentrado), quer por cada um de seus membros, na atividade jurisdicional primária de aplicação da norma jurídica ao caso concreto (controle difuso). Em decorrência do que foi acima exposto, e considerando a unidade do Poder Executivo, acima referida, somos da posição de que a autoridade administrativa, no âmbito do procedimento administrativo tributário, não pode deixar de aplicar a lei por considerá-la inconstitucional. Por força dessas conclusões, não há o que se falar em dano causado por agente de pessoa jurídica de direito público, de acordo com o art. 37, §6º da Constituição Federal, simplesmente porque esse agente atua em conformidade com a lei, que, a priori, possui a presunção de validade e constitucionalidade.62

62 FERNANDES, Edison Carlos. Processo Administrativo Tributário. In: MARTINS, Ives Gandra da

Silva (Coord.). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. Atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 494-6.

32

Como se vê, o argumento desfavorável ao controle de constitucionalidade pela

Administração esgrima a ideia de que o sistema jurídico brasileiro conferiu certa

exclusividade ao Poder Judiciário para atuar no controle de constitucionalidade de atos

infraconstitucionais, competência afastada aos demais Poderes, por uma simples questão de

separação de Poderes ou de especialização funcional.

A crítica a este argumento, bem como aos demais argumentos desfavoráveis ao

controle de constitucionalidade pela Administração, será vista quando da exposição dos

argumentos favoráveis ao controle.

3.1.2 Princípio da segurança jurídica

Também se indica a ideia ou o valor de segurança jurídica para obstar a

intervenção da Administração no controle de constitucionalidade de normas

infraconstitucionais.

Segundo MELO, a segurança jurídica não passa, em verdade, de:

Uma exigência objetiva de regularidade estrutural e funcional do sistema jurídico, através de suas normas e instituições. Em sua face subjetiva, apresenta-se como certeza do Direito, isto é, como projeção das situações pessoais. Em decorrência de sua publicidade, o sujeito de um ordenamento jurídico pode saber com clareza, e previamente, aquilo que é mandado, permitido ou proibido. 63

A previsibilidade, assim, é o corifeu da segurança jurídica. Sem ela as

expectativas então legítimas se veriam frustradas, em prejuízo do princípio.

Daí, ao realizar o controle de constitucionalidade, a Administração poderá frustrar

expectativas que a lei infraconstitucional criou, atraindo insegurança que, para alguns, não

poderia nunca ocorrer em detrimento dos administrados.

É o que pensam NEDER e LOPES:

O princípio da segurança jurídica busca preservar as relações jurídicas já estabelecidas ante as alterações da conjuntura política de governo. É um dos pilares que sustentam o Estado Democrático de Direito e condicionam todo o sistema jurídico.64

63 MELO, José Eduardo Soares de. Curso de Direito Tributário. 9.ed. São Paulo: Dialética, 2010. p.

46-7. 64 NEDER, Marcos Vinicius; LOPES, Maria Tereza. Processo administrativo fiscal federal

comentado: Decreto nº 70.235/72 e Lei nº 9.784/99. 2.ed. São Paulo: Dialética, 2004. p. 70-2.

33

Segundo BOTALLO,

O princípio da tipicidade fechada contribui de modo decisivo para a segurança jurídica do contribuinte. [...] esse princípio, com seu corolário de proteção da confiança, leva, em matéria tributária, à rejeição da discricionariedade e, mesmo, da aceitação, no campo tributário, dos denominados conceitos abertos ou indeterminados.65

Ainda, segundo NEDER e LOPES, a noção de certeza e de previsibilidade,

conquanto seja essencial para concretizar o valor da segurança jurídica, não é suficiente para

defini-lo. Estes autores consideram essencial para a segurança do administrado a observância

pela Administração dos valores positivados pela Constituição e pela impossibilidade de o

Administrador aplicar nova interpretação das leis a fatos pretéritos, em prejuízo dos

administrados66.

Visando corrigir o problema da prática da retroatividade de novas interpretações a

fatos pretéritos, a Lei nº 9.784/99 adotou expressamente o princípio da segurança como

critério a ser seguido pela Administração Pública Federal, e vedou a aplicação retroativa de

nova interpretação67.

DI PIETRO apresenta as razões que levaram a inclusão de tal regra na Lei nº

9.784/99:

O principal objetivo da inclusão do princípio da segurança jurídica foi vedar a aplicação retroativa de nova interpretação uniforme em toda administração pública, o órgão jurídico dar um parecer, aquele parecer é aprovado em caráter normativo e começa-se a querer tirar aquilo que tinha

65 BOTALLO, Eduardo Domingos. Curso de Processo Administrativo Tributário. São Paulo:

Malheiros, 2006. p. 24. 66 NEDER, Marcos Vinicius; LOPES, Maria Tereza. Op. cit. Loc. cit. Dizem ainda os Autores: “o

valor da segurança jurídica não se resume na noção de certeza. A grande segurança do administrado consiste na observância dos valores positivados pelos comandos constitucionais, bem como dos princípios que se espraiam por todo ordenamento jurídico. É prática comum a Administração alterar, a cada passo, a interpretação da norma legal, sob o argumento de haver finalmente, percebido, após o transcurso de certo lapso de tempo, que ela era ilegal. O problema agrava-se quando a Administração pretende aplicar aos fatos pretéritos esta nova interpretação, estendendo seus efeitos às decisões tomadas sob a égide do posicionamento anterior para anular os atos já realizados em prejuízo dos destinatários da norma”.

67 Lei 9.784/99: “Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência. Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de: I - atuação conforme a lei e o Direito; [...]; XIII - interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação.”

34

sido dado às pessoas. Isso cria uma insegurança muito grande. Então o que se quis é vedar a aplicação retroativa de nova interpretação.68

Em obediência ao princípio da segurança jurídica, NEDER e LOPES69 defendem

o respeito à interpretação de uma determinada lei, quando essa interpretação assegurar direitos

aos administrados, sobretudo no processo administrativo fiscal.

Resta perguntar, ao menos, por qual razão do Poder Judiciário, ao firmar o

primado da Constituição, realizando o controle de constitucionalidade, pode contrariar

interesses de administrados, e a Administração Pública, ao tentar estabelecer o mesmo

primado, não pode produzir qualquer contrariedade. Acaso seria vedado à Administração

modular os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, sempre que seja necessário manter

ou preservar expectativas dantes legítimas e que não se afigure razoável desconstituir, tal

como o faz o Poder Judiciário?

Mais uma vez, a crítica ao argumento é remetida para o item 3.2 (argumentos

favoráveis ao controle de constitucionalidade pela Administração).

68 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Boletim de Direito Administrativo, NDJ, São Paulo, set. 2000.

p. 618. 69 NEDER, Marcos Vinicius; LOPES, Maria Tereza. Processo administrativo fiscal federal

comentado: Decreto n 70.235/72 e Lei nº 9.784/99. 2.ed. São Paulo: Dialética, 2004. p. 70-2. Dizem ainda os autores: “É expressa a garantia legal da irretroatividade da nova interpretação, restando precluso o direito de a Administração aplicá-la a fatos pretéritos. Esta proteção, aliás, já é assegurada nos processos administrativos relativos à exigência do crédito tributário. O lançamento, em razão de suas características e dos efeitos dele decorrentes, não pode ser revisto, modificado ou substituído por outro, por ato espontâneo da Administração, em prejuízo do contribuinte. A regra é a imutabilidade do lançamento, exceto nas hipóteses previstas no artigo 145 do Código Tributário Nacional. Só há possibilidade de modificação em virtude de: i) impugnação do sujeito passivo; ii) recurso de ofício; iii) iniciativa de ofício da autoridade administrativa, nas hipóteses previstas no artigo 149. De fato, ao estabelecer os limites para a ação revisora da Administração, a lei veda a revisão fora desses limites. [...]. Em outras situações, em razão da segurança jurídica, o direito estabelece limites temporais ao exercício da invalidação dos atos administrativos. É o caso do artigo 54 da Lei nº 9.784/99 que prescreve o prazo de cinco anos para a Administração invalidar os atos administrativos viciados de efeitos jurídicos favoráveis para os contribuintes por mecanismos internos. Introduz, portanto, nova regra de decadência, pois a Administração Pública não precisa recorrer às vias judiciais para invalidar o ato administrativo. (ZANCANER, Weida. Da consolidação e da invalidação dos atos administrativos. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 76-77). O dispositivo é inovador no âmbito do processo administrativo fiscal e tem aplicação imediata, haja vista o Decreto nº 70.235/72 não ter contemplado tal matéria”.

35

3.1.3 Princípio da legalidade formal

Relacionado ao princípio da segurança jurídica está o princípio da estrita

legalidade ou legalidade formal. A Constituição veda aos entes da federação a possibilidade

de exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça.70

O dogma de que o lançamento tributário é uma atividade estritamente vinculada

produziu sem dúvida um reforço à ideia de que a vinculação à lei não pudesse ser relativizada

pela afirmação da inconstitucionalidade de qualquer norma relacionada a este lançamento.

Veja-se, a propósito, BALERA, que assim descreve o argumento:

Quando cogito sobre o princípio da legalidade, que o Diploma Fundamental define como direito e como garantia (art. 5º, II), estou diante do comando que predomina como fundamento de toda tributação e de toda a administração tributária. Sem lei que defina a respectiva obrigação, estará a pessoa a salvo do dever de colaborar com o Estado para a satisfação das necessidades pessoais da população. E, ainda que haja tal lei, sem outra norma que delineie o procedimento de cobrança de seus créditos, estarão os Poderes Públicos desprovidos de legitimação formal para a constituição dos títulos hábeis a desencadear a cobrança da parcela dos bens que, pertencendo ao patrimônio privado, serão levados ao Estado para que este último possa dar cumprimento às finalidades públicas. Há, pois, uma reserva de lei, tanto para os aspectos materiais quanto para os aspectos formais que conformam a obrigação tributária. A divisão desses dois aspectos em diplomas normativos distintos configurava entre as preocupações e propósitos da Comissão de Reforma Tributária que teve em Rubens Gomes de Souza e Gilberto Ulhoa Canto os seus principais artífices. Escrevi, em outra oportunidade: “Podemos considerar a reserva de lei como o conteúdo mínimo do princípio da legalidade a significar que somente a Lei (ato emanado do Poder Legislativo) pode obrigar os cidadãos a cumprirem determinadas prestações que possam representar restrições à sua liberdade, à sua segurança e ao seu patrimônio”. A legalidade, atributo inerente ao moderno Estado de Direito, impondo o dever de prestação ao súdito, também fixa os limites processuais de que se pode valer o Fisco para obrigar a pessoa ao cumprimento de tal dever. A legalidade deve ser entendida assim na dimensão substancial quanto na formal. É definida, pela Lei Maior, como limitação ao poder de tributar (vide Seção II, do Título VI, da Constituição de 1988). É conceituada, no art. 37 da Norma Fundamental, como princípio da Administração Pública.

70 Art. 150 da CRFB 1988.

36

Tanto as regras de direito material – definidoras da hipótese de incidência do tributo – quanto as regras de direito processual – que configuram o procedimento de identificação e cobrança do tributo - devem ser estampadas na legislação tributária.71

Trata-se sem dúvida de um argumento de peso, e bastante ligado à ideia de

segurança jurídica. Os comentários serão feitos adiante (item 3.2.).

Cumpre fixar, de logo, que o princípio da legalidade formal ou da estrita

legalidade deve ser observado na atividade fim da administração tributária (cobrança de

tributos). Os auditores fiscais, quando da lavratura dos autos de infração deverão observar a

legalidade estrita, no sentido empregado por ALBERTO XAVIER72. O que não impede que a

administração tributária judicante atenue este princípio ao confrontá-lo com o princípio da

legalidade ampla.

3.1.4 Princípio da hierarquia

Poder-se-ia dizer que o princípio da hierarquia deriva diretamente da ideia de

separação de Poderes, da segurança jurídica ou da legalidade estrita, mas a elaboração feita

exclusivamente em seu entorno justifica a sua exposição isolada, como argumento.

O respeito ao princípio da hierarquia derivaria do interesse do próprio Poder

Executivo na adoção da legalidade estrita, da segurança e da reserva do controle ao Judiciário,

pois a indispensável hierarquia administrativa ver-se-ia seriamente comprometida sempre que

agentes inferiores pudessem se recusar a cumprir atos infralegais, aduzindo violação à

disposição legal, ou, ainda, a obedecer às leis por alegarem inconstitucionalidade. Perderia o

chefe do Executivo, assim, a capacidade de impor direção única à conduta administrativa,

realizando cada subordinado um autogoverno segundo concepções subjetivas, relacionadas à

livre interpretação que se desse às normas superiores, legais ou mesmo constitucionais.

Fugindo à fria objetividade da lei ou ato normativo infralegal, e movido por interesses cuja

aferição teria se tornado obscura, o agente administrativo perderia o indispensável laço face à

vontade do chefe da Administração, legítimo representante incumbido da tarefa

71 BALERA, Wagner. Processo Administrativo Tributário. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva

(Coord.). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. Atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 473-4.

72 “Por mera dedução da própria lei, limitando-se a órgão de aplicação a subsumir o fato à norma, independentemente de qualquer valoração pessoal.” (XAVIER, Alberto. Conceito e natureza do acto tributário. Coimbra: Almedina, 1972. Cf. BOTALLO, Eduardo Domingos. Curso de Processo Administrativo Tributário. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 24).

37

administrativa, depositário da confiança popular que o investiu do mandato público. A não

observância da legalidade estrita, assim, ocasionaria a inevitável desordem ou anarquia

administrativa, desordem essa assim prevista pelo Ministro OSCAR SARAIVA, em voto

proferido no MS 16003-DF:

Mas se descermos na escala do Poder Executivo, a todo membro integrante da Administração Pública, desde o Presidente da República, passando pelos Ministros de Estado e pelos funcionários, todos competentes para a interpretação da lei, teríamos instituída a desordem legislativa, numa hermenêutica semelhante ao liberalismo protestante, o da livre interpretação da Bíblia pelo crente. No caso, teríamos a livre interpretação da Constituição pelo seu aplicador, “in casu” com a preterição manifesta do Poder Judiciário, que é o único órgão constitucionalmente capaz de dizer se a lei é ou não inconstitucional.73

No mesmo sentido tem-se CASSONE, para quem:

A autoridade administrativa, por pertencer ao quadro dos servidores públicos, está sujeita ao dever funcional e hierárquico – estes pautados em lei. Como tal, se o decreto regulamentar ou outra espécie de norma infralegal não reconhecer a inconstitucionalidade, não cabe à autoridade administrativa – como tal entendido o servidor público de hierarquia inferior ao emitente da norma infralegal – emitir juízo de inconstitucionalidade da lei. Em sendo assim, se deu validade a lei que posteriormente veio a ser declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, mesmo que tal consideração veio a causar prejuízo ao contribuinte, a nenhuma responsabilidade está sujeito. A rigor, tais prejuízos devem ser suportados pelo contribuinte, já que fazem parte dos efeitos jurídicos, analogicamente ou comparativamente iguais aos prejuízos suportados pelo Poder Público, quando são apresentados pelo contribuinte recursos administrativos sob a alegação de exigência descabida ou com base em lei inconstitucional, e posteriormente confirmada a constitucionalidade. Respondo, pois, à 4ª questão: A autoridade administrativa, como julgadora no processo administrativo fiscal, não pode deixar de aplicar a lei por considerá-la inconstitucional, em face da obediência do dever funcional e hierárquico. Se aplicou norma posteriormente declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, não responde por eventuais prejuízos causados ao contribuinte, não caracterizando hipótese prevista no §6º do art. 37 da CF.74

73 Revista de Direito Público, 5, p. 243. 74 CASSONE, Vitório. Processo Administrativo Tributário. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva

(Coord.). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. Atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 381-2.

38

Ou seja, o controle de legalidade e de constitucionalidade faleceria à autoridade

administrativa pelo simples fato de, como autoridade dependente de órgãos políticos

superiores e constitucionalmente criados, jamais poderia contrariar a atividade destes mesmos

órgãos, a quem se vincularia cegamente, como acessório e instrumento.

3.1.5 Falta de interesse de agir em razão da (im)possibilidade de revisão dos atos

administrativos pela própria Administração

E o que dizer do argumento de que faltaria interesse de agir à Administração para

declarar a inconstitucionalidade de atos praticados tão apenas porque poderia deixar de agir

praticando atos inconstitucionais? O argumento, por vezes repetido em alguns julgamentos,

não resiste à menor análise, pois contém um sofisma evidente, ao mascarar que a não

aplicação da norma inconstitucional nada mais consiste em realizar, de qualquer modo, o

controle de constitucionalidade em relação ao qual se disse existir falta de interesse de agir.

Ou o que dizer do oposto, consistente no argumento de que faltaria interesse de

agir à Administração para declarar a inconstitucionalidade de atos por ela praticados

simplesmente porque os atos foram por ela própria praticados (no caso, através da ação do

Conselho de Contribuintes, órgão integrante de sua estrutura)?

É o que pensa MACHADO, que se posicionou sobre a questão ao tratar do tema

“A autoridade administrativa e a lei inconstitucional”:

Quando os órgãos do Contencioso Administrativo Fiscal julgam as questões entre o contribuinte e a Fazenda Pública praticam atividade substancialmente jurisdicional, desempenhada, aliás, em processo de certo modo idêntico àquele no qual se desenvolve a atividade peculiar, própria do Poder Judiciário. Poder-se-ia, assim, admitir, em tais situações, o exame de argüições de inconstitucionalidade pela autoridade administrativa. A competência da autoridade administrativa resultaria implícita na competência para o desempenho da atividade jurisdicional. Isto, porém, é inteiramente inaceitável, porque enseja situações verdadeiramente absurdas, posto que o controle da atividade administrativa pelo Judiciário não pode ser provocado pela própria Administração. Se um órgão do Contencioso Administrativo pudesse examinar a argüição de inconstitucionalidade de uma lei tributária, disso poderia resultar a prevalência de decisões divergentes sobre um mesmo dispositivo de uma lei, sem qualquer possibilidade de uniformização. Acolhida a argüição de inconstitucionalidade, a Fazenda não pode ir ao Judiciário contra a decisão de um órgão que integra a própria Administração. O contribuinte, por seu turno, não terá interesse processual, nem de fato, para fazê-lo. A decisão tornar-se-á, assim, definitiva sem que tenha sido a questão nela abordada levada à apreciação do Supremo Tribunal Federal, que é, em nosso ordenamento jurídico, o responsável maior pelo

39

deslinde de todas as questões de inconstitucionalidade vale dizer, “o guardião da Constituição ”. É certo que também uma decisão de um órgão do Poder Judiciário, dando pela inconstitucionalidade de uma lei, poderá tornar-se definitiva sem que tenha sido a questão nela abordada levada à apreciação do Supremo Tribunal Federal. Isto, porém, pode acontecer eventualmente, como resultado da falta de iniciativa de alguém, que deixou de interpor recurso cabível, mas não em virtude da ausência de mecanismo do sistema jurídico para viabilizar aquela apreciação. Diversamente, uma decisão do Contencioso Administrativo Fiscal, que diga ser inconstitucional uma lei, e por isto deixe de aplicá-la, tornar-se-á definitiva à míngua de mecanismo no sistema jurídico, que permita levá-la ao Supremo Tribunal Federal (grifos nossos).75

E continua, argumentando que o objetivo do princípio da supremacia da

Constituição seria de preservar a unicidade do ordenamento jurídico, o que entende que não

seria realizado, com a apreciação da constitucionalidade da norma pela autoridade

administrativa, já que o sistema não disporia de meios para que essa decisão administrativa

fosse submetida ao STF. A citação que bem revela os fundamentos de suas conclusões:

É sabido que o princípio da supremacia constitucional tem por fim garantir a unicidade do sistema jurídico. É sabido também que ao Supremo Tribunal Federal cabe a tarefa de garantir essa unidade, mediante o controle da constitucionalidade das leis. Não é razoável, portanto, admitir-se que uma autoridade administrativa possa decidir a respeito dessa constitucionalidade, posto que o sistema jurídico não oferece instrumentos para que essa decisão seja submetida à Corte Maior. A conclusão mais consentânea com o sistema jurídico brasileiro vigente, portanto, há de ser no sentido de que a autoridade administrativa não pode deixar de aplicar uma lei por considerá-la inconstitucional, ou mais exatamente, a de que a autoridade administrativa não tem competência para decidir se uma lei é ou não inconstitucional. Tal conclusão, que aparentemente contraria o princípio da supremacia constitucional, na verdade o realiza melhor do que a solução oposta, na medida em que preserva a unidade do sistema jurídico, que é o objetivo maior daquele princípio. Poder-se-ia sustentar, de lege ferenda, a solução de permitir o ingresso da Administração em Juízo, para suscitar a invalidade de suas próprias decisões. Com isto estaria removido o obstáculo por nós apontado. Ocorre que a finalidade do Contencioso Administrativo consiste precisamente em reduzir a presença da Administração Pública em ações judiciais. O Contencioso Administrativo funciona como um filtro. A Administração não deve ir a Juízo quando o seu próprio órgão entende que

75 MACHADO, Hugo de Brito. Algumas Questões do Processo Administrativo Tributário. In:

MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. Atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 152-3.

40

razão não lhe assiste. A não ser assim, a existência desses órgãos da Administração, com função jurisdicional, resultará inútil (grifos nossos).76

O autor faz uma ressalva expressa em relação à existência de jurisprudência do

STF, reconhecendo a possibilidade de descumprimento de lei reputada inconstitucional pela

autoridade administrativa. Aduz que este entendimento trata de casos pontuais em que a

autoridade administrativa é o Chefe do Poder Executivo e foi firmado na vigência de

constituições anteriores, quando não havia legitimidade para a propositura de ADIN pelos

governadores:

Não se pode deixar de registrar a existência de alguns julgados do Supremo Tribunal Federal admitindo o descumprimento, pela autoridade administrativa, de lei que entende ser inconstitucional. Há, igualmente, estudos doutrinários e pareceres neste sentido, entre os quais o de Judicael Sudário de Pinho, publicado na Revista PGE, 10 e de Luis Roberto Barroso, em apêndice na 2ª edição de sua excelente monografia sobre O direito constitucional e a efetividade de suas normas (Renovar, Rio de Janeiro, 1993, p. 321-339). A jurisprudência como a doutrina aqui referidas, porém, abordam situações específicas nas quais a autoridade administrativa é o Chefe do Poder Executivo. É importante notar que essa construção jurisprudencial deu-se na vigência de constituições anteriores, em face das quais os governadores não estavam legitimados a promover a declaratória de inconstitucionalidade. Hoje ainda é razoável admitir-se que um governador deixe de aplicar uma lei que repute inconstitucional, mas desde que ele próprio tome a iniciativa de submeter a questão ao Supremo Tribunal Federal. Assim, afasta-se a possibilidade de decisões sobre a constitucionalidade de leis fora do controle da Corte Maior. Nos casos em que esteja superada a questão de saber se a lei é inconstitucional, porque a inconstitucionalidade já tenha sido declarada pelo Supremo Tribunal Federal, aí sim, tem pertinência a tese segundo a qual a autoridade administrativa deve recusar aplicação à lei inconstitucional. Seja como for, a formulação da questão ora em exame sugere, ao que nos parece, haver nela referência à lei que ainda não foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.77

Por fim, MACHADO, se posiciona da seguinte forma:

Diante disto já podemos oferecer resposta à quarta questão (“4 A autoridade administrativa, como julgadora no processo administrativo fiscal, pode deixar de aplicar a lei por considerá-la inconstitucional? Se aplicou norma inconstitucional e causou prejuízo ao contribuinte, qual é a sua responsabilidade, à luz do art. 37, §6º, da Constituição Federal?”).

76 MACHADO, Hugo de Brito. Algumas Questões do Processo Administrativo Tributário. In:

MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. Atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 153-4

77 Ibidem. p. 154.

41

a) Não. Só o Poder Judiciário, em sede de atividade jurisdicional, pode deixar de aplicar uma lei por considerá-la inconstitucional.

b) A aplicação de uma norma inconstitucional, como tal já declarada pelo STF no controle direto, ou cuja vigência foi suspensa pelo Senado federal, gera a responsabilidade do Estado, e também da autoridade administrativa, pela prática de ato ilícito.

c) O art. 37, §6º, da vigente Constituição, autoriza a responsabilização do Estado pela aplicação de lei que, mesmo estando em vigor na data da aplicação, vem a ser depois declarada inconstitucional e extirpada do ordenamento jurídico.78

Para vários juristas, na hipótese de se admitir o controle administrativo de

constitucionalidade ou de legalidade, a possibilidade de recurso ao Judiciário pela

Administração para a revisão da decisão, ter-se-ia a jurisdição administrativa prevalecendo

sobre a judicial79.

Segundo PIMENTA:

Sobre a possibilidade de a Administração declarar a inconstitucionalidade de norma jurídica, em nosso sistema, é importante observar, inicialmente, que a atividade administrativa é infralegal, ou seja, atividade de subordinação à lei. No exercício da função administrativa, o Estado tem o dever de cumprir a lei, emitindo atos para concretizar o mandamento normativo, não lhe cabendo emitir qualquer juízo acerca da validade da lei objeto de aplicação.

78 MACHADO, Hugo de Brito. Algumas Questões do Processo Administrativo Tributário. In:

MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. Atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p.154.

79 É o pensamento de Hugo de Brito Machado: “A competência para dizer a respeito da conformidade da lei com a Constituição, ou resulta expressamente indicada na própria Constituição, ou encarta-se no desempenho à atividade jurisdicional. Nossa Constituição não alberga norma que atribua às autoridades da Administração competência para decidir sobre a inconstitucionalidade das leis. Assim, já é possível afirmar-se que no desempenho de atividades substancialmente administrativas, o exame da inconstitucionalidade é inadmissível. Resta, assim, saber se tal exame é possível nas situações em que a autoridade da Administração desempenha atividade substancialmente jurisdicional, desempenhada, aliás, em processo de um certo modo idêntico ao processo no qual se desenvolve a atividade peculiar, própria ao Poder Judiciário. Poder-se-ia, assim, admitir, em tais situações, o exame de argüições de inconstitucionalidade pela autoridade administrativa. A competência da autoridade administrativa resultaria implícita na competência para o desempenho da atividade jurisdicional. Isto é, porém, inteiramente inaceitável, porque enseja situações verdadeiramente absurdas, posto que o controle da atividade administrativa pelo Judiciário não pode ser provocado pela Própria Administração. Se um órgão do Contencioso Administrativo fiscal pudesse examinar a argüição de inconstitucionalidade de uma lei tributária, disso poderia resultar a prevalência de decisões divergentes sobre um mesmo dispositivo de uma lei, sem qualquer possibilidade de uniformização. Acolhida a argüição de inconstitucionalidade, a Fazenda não pode ir ao Judiciário contra a decisão de um órgão que integra a própria Administração”. (grifo nosso) (MACHADO, Hugo de Brito. O devido processo legal e o mandado de segurança. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). Processo Administrativo Fiscal. São Paulo: Dialética, 1995. p. 80-1).

42

Em verdade, no Brasil, o órgão habilitado a se pronunciar sobre a validade (constitucionalidade) da lei é o Judiciário. É ele, e só ele, quem tem competência, haurida do texto da Constituição, para qualificar a lei como inconstitucional, expulsando-a do sistema. Entre nós, a decisão de inconstitucionalidade é ato privativo do Poder Judiciário. Acresça-se, ainda, que o controle que o Executivo realiza acerca da constitucionalidade, consistente na possibilidade de vetar projetos que considerar inconstitucionais (CF, art. 66, § 1º ), antecedente à existência da lei. Se fosse admitido outro controle, a posteriori, o veto perderia o sentido. Por tais motivos, entendemos que o Executivo não pode negar aplicação à lei, sob o fundamento de inconstitucionalidade, por falta de competência constitucional. Como os “Tribunais Administrativos” são órgãos do Poder Executivo, são igualmente inabilitados para se pronunciarem acerca da inconstitucionalidade da norma jurídica tributária. Concordamos, nesse particular, com o abalizado escólio de Celso Antônio Bandeira de Mello, segundo o qual “num processo administrativo tributário não pode ser discutida a constitucionalidade da lei: porque este tribunal é um tribunal administrativo, e um tribunal administrativo se aloca no plano sublegal, ele não tem poderes para contender aquilo que resulta de lei”. E nem se diga que este posicionamento fere o princípio da ampla defesa. Esse princípio tem caráter procedimental (instrumental), significando que nos processos administrativos e jurisdicionais deve ser facultado às partes oportunidade para apresentar suas alegações, produzir os meios de prova legítimos, devendo, ademais, ser cientificadas de todos os atos do procedimento. As partes podem alegar o que quiserem em processos, porque o direito de defesa, em ambos os aspectos (ativo e passivo), é autônomo, ou seja, independe do direito material. Isso, contudo, não significa que o órgão julgador deve se manifestar sobre todas as alegações. Ele só poderá fazê-lo se tiver competência constitucional. Assim, por exemplo, num processo jurisdicional em que determinado sujeito postula a reparação de danos oriundos de um ilícito penal, se o desejar, poderá postular a condenação do réu nas sanções previstas no Código Penal, haja vista que o direito de ação é autônomo, geral e abstrato. Porém, como o juiz do feito não tem competência para julgar a matéria penal, sobre o mencionado pedido não poderá se manifestar. Isso comprova que a amplitude de defesa não significa amplitude de competência para examinar qualquer tipo de alegação. A competência constitucional nada tem a ver com a ampla defesa. Logo, no processo administrativo tributário a parte pode invocar a inconstitucionalidade da norma impositiva, mas, se o fizer, tal alegação será inútil, porque os “Tribunais Administrativos” não têm competência para apreciar a matéria, reafirme-se.80 (grifos nossos)

Deve-se registrar apenas a existência de posição intermediária, que admite o

controle administrativo, sem verificação da ausência de interesse de agir, quando o próprio

Judiciário (para uns, o STF) já houver admitido a inconstitucionalidade de lei

infraconstitucional ou de norma infralegal ilegal.

Discutiremos este ponto de vista no item 4.4 adiante.

80 PIMENTA, Paulo Roberto Lyrio. O Controle Difuso de Constitucionalidade das Leis: aspectos

Constitucionais e Processuais. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 44-6.

43

3.1.6 Princípio da presunção de constitucionalidade das leis em vigor

A presunção de constitucionalidade das leis em vigor, na medida em que possa ser

oposta à Administração, deveria, segundo alguns, inibir a sua atividade em contrário à

aplicação destas normas. É esta a opinião de PRAXEDES, para quem

A lei não pode deixar de ser cumprida por autoridade administrativa, em processo fiscal ou não, no entendimento de que ela é inconstitucional. É que impede sua insubmissão o princípio da presunção da constitucionalidade. De conseqüência, a inconstitucionalidade nunca se presume. Demais, a violação da Constituição há de ser direta, manifesta. Ressalte-se que o princípio da presunção de constitucionalidade de lei é corolário do princípio geral da separação de poderes.81

Apesar de o princípio da presunção de constitucionalidade das leis em vigor estar

implícito no ordenamento jurídico, PRAXEDES considera que este princípio foi reforçado

pela norma prevista na constituição que estabelece, no controle concentrado de

constitucionalidade pelo STF (Supremo Tribunal Federal), a obrigatoriedade de citação do

Advogado Geral da União (AGU), a quem caberá a defesa do ato ou texto da “norma legal ou

ato normativo” impugnado.82

JOSÉ AFONSO DA SILVA comunga deste entendimento, assegurando que existe

presunção de validade constitucional em favor de leis e atos normativos do Poder Público, que

só é ilidida quando opera o mecanismo de controle jurisdicional estabelecido na Constituição.

Refere que o AGU atua nas ADINs contra lei em tese como defensor da presunção de

constitucionalidade das Leis em vigor.83 Neste sentido é também a posição do STF, para

81 PRAXEDES, Francisco de Assis. Processo Administrativo Tributário. In: MARTINS, Ives Gandra

da Silva (Coord.). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. Atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 236-7.

82 CRFB 1988, art. 103: “Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) I - o Presidente da República; II - a Mesa do Senado Federal; III - a Mesa da Câmara dos Deputados; IV - a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) V - o Governador de Estado ou do Distrito Federal; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) VI - o Procurador-Geral da República; VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; VIII - partido político com representação no Congresso Nacional; IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional. […]. § 3º - Quando o Supremo Tribunal Federal apreciar a inconstitucionalidade, em tese, de norma legal ou ato normativo, citará, previamente, o Advogado-Geral da União, que defenderá o ato ou texto impugnado.”

83 “ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO COMO CURADOR DA PRESUNÇÃO DE CONSTITUCIONALIDADE. Releia-se o texto (§3º do art. 103) e logo se verá que apenas se o STF tiver que apreciar a inconstitucionalidade em tese de norma legal ou ato normativo é que

44

quem não cabe ao Advogado Geral da União admitir a invalidez da norma impugnada, no

processo de Ação Direta de Inconstitucionalidade, devendo este cumprir o papel de curador

da presunção de constitucionalidade da lei84.

Em relação à responsabilidade da autoridade administrativa, pela aplicação de

norma inconstitucional, em prejuízo ao contribuinte, assim se posiciona PRAXEDES:

Conquanto não possa a autoridade administrativa, no processo fiscal ou não, deixar de aplicar lei ou descumpri-la, no entendimento de que ela é inconstitucional, como assentado linhas atrás, mesmo assim, se vier ela a negar a aplicação de lei com esse pressuposto, sem dúvida que assume ela o risco dessa conduta, porquanto ainda não se pronunciou sobre o suposto vício o tribunal competente. Por isso mesmo, a posição adotada pela autoridade administrativa se sujeita às sanções prescritas no ordenamento jurídico, desde que, comprovadamente, tenha causado dano. É que, enquanto não houver julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, a respeito do vício da inconstitucionalidade, mesmo no controle difuso, a presunção de validade constitucional persiste. Assim decidiu o Pretório Excelso: “A decisão plenária do Supremo Tribunal, declaratória de inconstitucionalidade de norma, posto que incidente, sendo pressuposto necessário e suficiente a que o Senado lhe confira efeitos erga omnes, elide a presunção de sua constitucionalidade; a partir daí, podem os órgãos parciais dos outros tribunais acolhe-la para fundar a decisão de casos concretos ulteriores, prescindindo de submeter a questão de constitucionalidade ao seu próprio plenário”. Reafirma-se, pois, que antes de ser eliminada a presunção de validade constitucional em acórdão da Corte Maior, nenhum órgão administrativo pode recusar aplicação à lei. Pode o tributo ser indevido, quando instituído por lei inconstitucional. Mesmo inconstitucional a lei tributária, entende Hugo de Brito Machado que “a autoridade administrativa não tem, no Direito brasileiro, competência para decidir a respeito da constitucionalidade das leis. Assim, não comete crime de excesso de exação o funcionário que cobra tributo fundado em lei inconstitucional, se essa inconstitucionalidade ainda não foi afirmada pelo Supremo Tribunal Federal, definitivamente, seja no controle direto, ou no

deverá determinar a citação prévia do Advogado-Geral da União. A finalidade da citação é a de chamá-lo ao processo para a defesa do ato ou texto impugnado. Sua missão é, pois, diversa da do Procurador-Geral da República. Este tomará a posição que melhor lhe parecer, porque sua função é a de custos legis. Por outro lado, como dissemos, este último será ouvido em todas as ações de inconstitucionalidade e outras previstas em lei (§ 1º). Já o Advogado-Geral só tem que ser ouvido nas ações diretas de inconstitucionalidade de lei em tese, não nas ações de inconstitucionalidade por omissão” (SILVA, Jose Afonso da Silva. Comentário Contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 558.)

84 “Ação direta de inconstitucionalidade – Advogado-Geral da União – Indeclinabilidade da defesa de lei ou ato normativo impugnado (CF, Art.103, §3º). Erigido curador da presunção de constitucionalidade da lei, ao Advogado-Geral da União, ou quem lhe faça as vezes, não cabe admitir a invalidez da norma impugnada, incumbindo-lhe, sim, para satisfazer requisito de validade do processo da ação direta, promover-lhe a defesa, veiculando os argumentos disponíveis.” (STF, ADI/QO 72, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 22.3.1990, RDA 179-180/208).

45

controle difuso, sendo irrelevante, neste caso, que já tenha sido objeto de resolução do Senado Federal suspendendo-lhe a eficácia…”. Mas, por hipótese, se esse mesmo funcionário, sem embargos do pronunciamento da Corte Suprema que decidiu pela inconstitucionalidade da lei tributária antes focalizada, exigir, mesmo assim, o tributo, é incontestável que comete ele o crime de excesso de exação, como definido no § 1º do art. 316 do Código Penal, com a redação dada pelo art. 20 da Lei 8.137, de 27.12.1990.

Penso, pois, em resposta à indagação, que, aplicada norma inconstitucional, com prejuízo ao contribuinte, conforme seja este, cabe a incidência do art. 37, § 6º , ou a restituição do tributo, por ter sido indevida a exigência, na hipótese aventada. Além disso, ao funcionário é imputado o crime de excesso de exação.85

Cumpre ressalvar que a presunção de constitucionalidade das leis é uma

presunção relativa, como salientou PRAXEDES.

Cumpre referir que a presunção de constitucionalidade é juris tantum e objetiva a manutenção da imperatividade das normas jurídicas. Bem por isso, como já pressuposta, minha resposta é negativa. A autoridade administrativa, ainda que exercendo função julgadora, não pode deixar de aplicar a lei, por entendê-la inconstitucional.86

Para servir como argumento desfavorável ao controle de constitucionalidade pela

Administração, todavia, ou esta presunção deve ser absoluta (o que à evidência não se

sustenta), ou deve existir uma abertura, no sistema, para que o controle seja feito

exclusivamente por outro órgão ou Poder (e surge aqui novamente o argumento da separação

de Poderes). Se um ou outro destes dois últimos argumentos não prevalece ou não pode ser

reconhecido, a conclusão a que se chega é que o Princípio da Presunção de

Constitucionalidade das Leis em vigor também não se sustenta como impeditivo ao controle

de constitucionalidade pela Administração.

3.1.7 Reserva de plenário

Tem-se ainda como objeção à adoção da ideia da possibilidade do controle de

constitucionalidade pela Administração o princípio da reserva de plenário.

Este princípio é trazido pelo artigo 97 da Constituição Federal, que assim previu:

“Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do

85 PRAXEDES, Francisco de Assis. Processo Administrativo Tributário. In: MARTINS, Ives Gandra

da Silva (Coord.). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. Atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 236-7

86 Ibidem. Loc. cit.

46

respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato

normativo do Poder Público”.

Emitindo alargada opinião que utilizou o argumento da reserva de plenário (como

também os argumentos já expostos de separação de Poderes, hierarquia, presunção de

constitucionalidade, legalidade estrita e segurança jurídica), PRAXEDES assim justifica a

impossibilidade de controle administrativo de constitucionalidade:

2.5. Autoridade administrativa, julgadora no processo administrativo fiscal. Não aplicação da lei considerada inconstitucional. Questiona-se sobre a possibilidade de a autoridade julgadora, no processo administrativo fiscal, deixar de aplicar a lei por considerá-la inconstitucional. O Primeiro Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda, em vários julgados, tem se manifestado a respeito, mas sempre negando a possibilidade de deixar de aplicar a lei, por entendê-la inconstitucional. Contudo, a questão tem sido debatida na doutrina e nos tribunais, à luz da ordem constitucional estabelecida em 1988. Alguns pronunciamentos existem a favor e muitos contra. No Superior Tribunal de Justiça, sua Primeira Turma, em acórdão da lavra do Ministro Humberto Gomes de Barros, decidiu que o “Poder Executivo deve negar execução a ato normativo que lhe pareça inconstitucional”. Ao sustentar o Ministro Humberto Gomes de Barros que lei inconstitucional é nula e, assim, não obriga, escolheu a alternativa posta, a seu ver correta, de homenagear a Constituição, desconhecendo o preceito legal. Para análise da questão, convém lembrar o que dispõe o artigo 97 da Lei Maior, a dizer que “somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público”. Essa regra reflete o que o Supremo Tribunal Federal tem chamado de reserva de plenário da declaração de lei ou ato normativo, no sistema de controle de constitucionalidade difuso. Pois bem. O Pretório Excelso afirma que essa reserva de plenário funda-se na presunção de constitucionalidade que protege esses atos, “somado a razões de segurança jurídica”. Portanto, a lei não pode deixar de ser cumprida por autoridade administrativa, em processo fiscal ou não, no entendimento de que ela é inconstitucional. É que impede sua insubmissão o princípio da presunção da constitucionalidade.87

O argumento consiste basicamente em estender a limitação feita aos tribunais à

própria Administração pública, associando a ideia de uniformização judicial pretendida pelo

princípio de reserva do plenário à uniformização que se pretende também por parte ou no

interior da Administração pública. Todavia, o argumento ignora que a competência para 87 PRAXEDES, Francisco de Assis. Processo Administrativo Tributário. In: MARTINS, Ives Gandra

da Silva (Coord.). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. Atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 236.

47

declarar a norma constitucional possui reserva de plenário apenas em tribunais, e não em

primeiro grau (perante juízes de piso, que continuam podendo agir de modo não uniforme), e

se fosse o caso de resgatá-la para a Administração, competiria fazê-lo para os tribunais

administrativos, apenas, o que confirmaria a ideia de que o controle de constitucionalidade

pela Administração seria possível.

3.1.8 Falta de competência para declarar a inconstitucionalidade de lei

Relacionado ao Princípio da Separação de Poderes está o argumento defendido

por PIMENTA e MACHADO de que a autoridade administrativa não pode afastar a aplicação

de lei inconstitucional, já que simplesmente não teria competência constitucional para

declarar a sua inconstitucionalidade. A despeito de nossa posição, reconhecemos que

MACHADO trata deste argumento de forma bastante coerente:

Já ouvi de juristas de notório saber a assertiva segundo a qual negar à autoridade administrativa o poder de recusar aplicação a uma lei inconstitucional seria negar a própria supremacia da Constituição. Ocorre que a verdadeira questão não reside em saber se uma autoridade administrativa pode recusar aplicação de uma lei inconstitucional, mas em saber se ela tem competência para dizer se a lei é inconstitucional. A competência para dizer a respeito da conformidade da lei com a Constituição, ou resulta expressamente indicada na própria Constituição, ou encarta-se no desempenho da atividade jurisdicional. Em qualquer caso, pressupõe a possibilidade de uniformização das decisões, de sorte que uma lei não venha a ser considerada inconstitucional, em um caso, e considerada constitucional em outros, sem que exista a possibilidade de superação dessas diferenças de entendimento, lesivas ao princípio da isonomia. Nossa Constituição não alberga norma que atribua às autoridades da Administração competência para decidir sobre a inconstitucionalidade de leis. Assim, já é possível afirmar-se que no desempenho de atividades substancialmente administrativas o exame da inconstitucionalidade é inadmissível. Resta, assim, saber se tal exame é possível nas situações em que a autoridade da Administração desempenha atividade substancialmente jurisdicional, como, por exemplo, quando aprecia questão fiscal. Nos conselhos de contribuintes do Ministério da Fazenda a tese segundo a qual não lhes compete apreciar a argüição de inconstitucionalidade de lei sempre foi aceita tranquilamente. No âmbito dos Estados essa tese também tem prevalecido, mas existem manifestações discrepantes, daí o interesse em exame.88

88 MACHADO, Hugo de Brito. Algumas Questões do Processo Administrativo Tributário. In:

MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. Atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 152.

48

Assim, a falta de expressa previsão constitucional de competência seria

argumento suficiente e inibidor para a atuação administrativa controladora de

constitucionalidade.

Sobre este e os demais argumentos para a defesa do controle de

constitucionalidade pela Administração, veja-se a seguir.

3.2 ARGUMENTOS FAVORÁVEIS

3.2.1 Estado de direito constitucional

Desafeitos aos argumentos desfavoráveis (itens 3.1.1 a 3.1.7 acima) encontram-se

todos aqueles para quem pode (e mesmo deve) a Administração recusar obediência a lei

inconstitucional ou a ato infralegal que padeça do mesmo vício ou de ilegalidade. Preferem,

assim, à legalidade estrita, a adoção, pela Administração, da ideia de legalidade ampla89.

Um dos primeiros argumentos que se põe diante do tema do controle de

constitucionalidade das normas jurídicas pela Administração é a necessidade de manutenção

do Estado de Direito Constitucional, que jamais seria mantido na hipótese de se recusar à

Administração a capacidade de afastar a aplicação de norma inconstitucional, ou de forçá-la a

aguardar a atuação corretiva do Poder Judiciário para então salvaguardar o restabelecimento

da ordem constitucional.

Deve-se recusar, também, o argumento de que o Judiciário, graças à

especialização que detém, seria muito melhor capacitado para aquilatar a constitucionalidade

de qualquer dispositivo legal. Nenhuma “especialização” garante o direito de violar a

Constituição.

Não se pode deixar de trazer à baila o esforço acadêmico representado pela

consulta formulada (“A autoridade administrativa, como julgadora no processo administrativo

fiscal, pode deixar de aplicar a lei por considerá-la inconstitucional? Se aplicou norma

89 É o caso de Valdir de Oliveira Rocha, para quem “O órgão decididor administrativo singular pode

e deve – conclui-se – conhecer de defesa baseada em inconstitucionalidade e dela decidir” (ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). Processo Administrativo Fiscal. São Paulo, Dialética, 1995. p. 58 citado por BRITO, Edvaldo. Ampla defesa e competência dos órgãos julgadores administrativos para conhecer de argumentos de inconstitucionalidade e/ou ilegalidade de atos em que se fundamentam autuações. [s.l.:s.n.,s.d.]), ou ainda de Adriano Pinto, para quem “[…] negar à Administração o poder de recusar aplicação seria negar a própria supremacia da Constituição” (citado por MACHADO, Hugo de Brito. O devido processo legal e o mandado de segurança. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). Processo Administrativo Fiscal. São Paulo, Dialética, 1995. p. 79).

49

inconstitucional e causou prejuízo ao contribuinte, qual é a sua responsabilidade, à luz do art.

37, §6º, da Constituição Federal?”) a diversos doutrinadores, sendo as respostas publicadas

em obra coletiva90, coordenada por GANDRA MARTINS.

Embora longa a reprodução, merece ser feita pela acuidade da análise. Assim

respondeu GANDRA MARTINS à própria consulta que coordenou, aplicando os argumentos

do Estado de Direito e da ampla defesa (este que será visto ainda no item 3.2.2 abaixo):

Entendo que não. Se a ampla defesa é assegurada no processo administrativo, não pode a autoridade administrativa negar-se a discutir matéria constitucional, visto que reduziria a defesa do contribuinte, que deixaria de ser “ampla” no processo administrativo. Mais do que isto, se a autoridade administrativa tem convicção de que a norma é inconstitucional, é sua obrigação, como servidora da lei, fazer prevalecer a norma constitucional e não a lei inconstitucional. O conveniente entendimento de alguns julgadores administrativos de que não devem examinar questões constitucionais, desclassifica-os como agentes administrativos e como julgadores. Todos os cidadãos, sem exceção, devem respeitar a Constituição Federal. E os servidores públicos, principalmente, visto que são aqueles que devem preservar o Estado de Direito, que é plasmado na lei maior. Pretender servir ao Estado e à sociedade, negando-se a cumprir a constituição, sob a alegação de que questões constitucionais devem ser examinadas pelo Poder Judiciário, é desrespeitar a ordem, é descumprir a lei e é violentar o Estado de Direito, visto que toda a ordem jurídica tem o seu perfil definido pela Constituição.91

Para GANDRA MARTINS tão grave é a conduta da autoridade administrativa

que aplica norma inconstitucional que esta se submete aos riscos de ser obrigada a ressarcir o

erário pelo prejuízo causado ao contribuinte e que este venha a demandar, requerendo

ressarcimento ao Estado.92

No mesmo sentido, tem-se DELGADO, que pontuou:

90 MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Processo Administrativo Tributário. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2002. 91 Ibidem. p. 74-6. 92 “A meu ver, sujeita-se a autoridade julgadora que afasta argumentos de inconstitucionalidade, sob

a mera alegação de que não lhe compete decidir sobre estas matérias, a ser enquadrada – desde que se revele efetivamente inconstitucional a norma aplicada – no direito de regresso do Estado, pelos prejuízos que causar ao erário, se for este acionado pelo contribuinte prejudicado. E, à evidência, o próprio contribuinte poderá pedir seu afastamento, em ação popular, por ter-lhe aplicado norma inconstitucional, negando-se a examinar a questão suscitada. Respondo, pois, à quarta questão no sentido de que a autoridade julgadora, no processo administrativo fiscal, pode deixar de aplicar a lei, por considerá-la inconstitucional, devendo, sempre que solicitado examinar questões de constitucionalidade. E se não o fizer, estará sujeita às sanções do art. 37, § 6º, da CF, em direito de regresso, e a responder por ação popular, nos termos do art. 5º, LXXIII, da Lei Suprema”. (MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 76-8).

50

Entendo que a lei não amoldada, de modo indiscutível, à Constituição Federal, aos seus princípios de qualquer hierarquia, não deve ser cumprida por qualquer um dos Poderes. Estes têm um compromisso, quando são chamados a garantir um regime democrático, com a legalidade. Isso não afasta, como é rigorosamente lógico, a abertura do fenômeno da declaração de inconstitucionalidade pelo Poder Judiciário. Deixar de cumprir a lei, por eivada de tão grave defeito, constitui compromisso assumido por todos os agentes políticos e administrativos quando assumem seus cargos. Amesquinhar a Constituição sob argumentos de natureza política e sem apoio dela própria não é conduta que contribua para o aperfeiçoamento das entidades jurídicas. A guarda da Constituição constitui um dever de todos os cidadãos, independentemente de se encontrarem ou não no exercício de função pública. Estando nesta situação, a responsabilidade apresenta-se com uma carga muito mais pesada, em face da ausência de vontade no agir, por ter que acompanhar a vontade posta na Lei Maior. Se o agente público cumprir norma evidentemente, inconstitucional, que mais tarde venha ter tal vício reconhecido pelo Colendo Supremo Tribunal Federal, em caráter definitivo, e de tal proceder resulte prejuízo a terceiro, surge o direito subjetivo constitucional do prejudicado de ser indenizado pelos danos que lhe forem causados. Se a ação do agente público revelar-se dolosa surge contra si o direito de regresso. A leitura do art. 37, § 6º, da CF, autoriza a interpretação acima.93

Em seguida, MALERBI respondeu à mesma consulta:

Por força do art. 5º, inc. LV, da Constituição Federal, o processo administrativo foi equiparado ao processo judicial, estando assegurados o devido processo legal, com obediência ao contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. Ainda, no art. 37, a Constituição Federal prevê que a Administração deve obediência aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade. O controle da legalidade do ato administrativo efetuado pela autoridade administrativa, como julgadora no processo administrativo fiscal, se dá através do exame da validade e aplicação da norma ao caso concreto. Neste exame, quando ocorrente o conflito de normas, a legalidade deve ser analisada também em face das normas constitucionais. Nesse sentido, cabe ao órgão administrativo julgador examinar as questões constitucionais suscitadas pelas partes, deixando de aplicar lei inconstitucional ou ilegal no caso concreto. Esta questão, aliás, foi amplamente debatida pelo Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo em julgamento realizado em Sessão de 30.05.1995, onde foi realizado em Sessão de competência do Tribunal de Impostos e Taxas, por qualquer de suas Câmaras, para deixar de aplicar lei inconstitucional ou decreto ilegal em casos concretos. Porém, cabe assinalar que o controle de constitucionalidade da norma, difuso ou concentrado, é de competência do Poder Judiciário. De outra parte, a responsabilidade estatal é um princípio que no nosso sistema constitucional decorre de outro, o democrático. Também, a

93 DELGADO, José Augusto. Reflexões sobre o Processo Administrativo Tributário. In: MARTINS,

Ives Gandra da Silva (Coord.). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. Atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 111-14.

51

responsabilidade estatal atua ao lado do princípio da legalidade administrativa, complementando-o na tarefa da realização da justiça material. 94

Em seguida, MALERBI tratou da responsabilidade da autoridade administrativa,

por danos causados ao contribuinte, em razão de decisão administrativa que aplicou lei

inconstitucional:

A Constituição Federal tratou do princípio da responsabilidade estatal no capítulo da Administração Pública para indicá-lo como elemento garantidor da invulnerabilidade dos direitos fundamentais diante das autuações de poder público. Em mais de uma disposição a Constituição Federal dota hoje a responsabilidade do Estado de natureza objetiva. Não se questiona o elemento subjetivo da culpa havida na conduta estatal, mas tão somente a relação causal entre o dano e o comportamento que o provocou, o qual é imputado à entidade. Também, estabelece que, qualquer que seja o comportamento - público ou em seu nome praticado – haverá responsabilização, desde que dele decorra dano a alguém e se comprove o elo causal entre aquele e a violação de direito; portanto, enseja a responsabilidade seja o ato estatal de natureza administrativa, legislativa ou jurisdicional. Assim, quanto à possibilidade de responsabilização da autoridade administrativa pelos danos causados ao contribuinte por decisão que aplicou norma inconstitucional”, devemos fazer duas distinções. Se, quando da decisão do órgão julgador administrativo, já houver pronunciamento do Supremo Tribunal Federal sobre a inconstitucionalidade da lei, a aplicação da norma inconstitucional pela autoridade administrativa fere frontalmente os princípios delineados no art. 37 da Constituição Federal, pelos quais a Administração Pública deve-se pautar, pelo que cabível plenamente a possibilidade de sua responsabilização pelos danos causados ao contribuinte. Por outro lado, desde que observadas no procedimento administrativo fiscal as garantias do contraditório e da ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, incabível se afigura a responsabilização do órgão administrativo julgador sob o fundamento de posterior declaração de inconstitucionalidade de lei. Posto que obedecidas aquelas garantias, cabe à autoridade administrativa a aplicação objetiva da lei, não podendo ser violadora de direito, um dos elementos imprescindíveis à responsabilização.95

Todos estes autores se referem à necessidade de preservação do Estado de Direito,

inviável diante da mantença, pela Administração, de norma inconstitucional, a quem caberia

por sua própria iniciativa afastar.

94 MALERBI, Diva. Processo Administrativo Tributario. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva

(Coord.). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. Atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 130-1.

95 Ibidem. p. 131-2.

52

Bastante útil ao argumento é a construção empreendida por HABERLE, no

sentido de que a interpretação da Constituição não é tarefa restrita a uma sociedade fechada de

intérpretes, mas a uma sociedade aberta de aplicadores, na qual se insere sem sombra de

dúvida a Administração. O poder público é expressamente mencionado pelo autor entre os

agentes da interpretação, sendo o destinatário da norma um participante, muito mais ativo do

que se poderia supor tradicionalmente, do processo hermenêutico96.

3.2.2 Garantia de ampla defesa

Também o princípio constitucional da ampla defesa justifica a competência

controladora, pela Administração.

Sempre partem da Constituição Federal os autores que fundamentam o dever da

administração judicante de apreciar questões relativas à constitucionalidade de leis e atos

normativos na garantia de ampla defesa do contribuinte no processo administrativo fiscal.

A Constituição elevou o status do processo administrativo ao nível de proteção

constitucional, quando assegurou o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a

ela inerentes, aos litigantes, em processo judicial ou administrativo e aos acusados em geral97.

Ao processo administrativo passaram a ser aplicados os mesmos princípios e normas que já

eram adotados no processo civil e no processo penal.

Nessa direção posicionam-se JUSTEN FILHO98 e BALERA99.

96 HABERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional: a sociedade aberta dos intérpretes da

Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da Constituição. Porto Alegre: SAF, 1997. p. 14-20.

97 Cf. Artigo, 5º, LIV, da Constituição da República Federativa do Brasil de outubro de 1988. 98 JUSTEN FILHO, Marçal. Ampla defesa e conhecimento de argüições de inconstitucionalidade e

ilegalidade no processo administrativo. Revista Dialética de Direito Tributário, 25/76. 99 “O Texto Máximo utiliza-se do preceito que veicula a diretriz do contraditório e da ampla defesa

para elevar à dignidade constitucional a figura jurídica do processo administrativo, que nossa pobre cultura, bem salientou Cirne Lima, teimava em colocar no segundo plano. Tanto que promulgada a Carta Magna, o processo que tramita perante a Administração Pública passa a integrar o ambiente do processo em geral (da legislação processual, objeto da teoria geral do processo, tão reclamada por Francesco Carnelutti). A essa luz, pode-se afirmar que ao processo administrativo, foram adjudicados os mesmos princípios e normas que, até então, eram reconhecidos como categorias específicas do processo civil e/ou do processo penal. Todas essas considerações defluem da seguinte estipulação constitucional, já antes mencionada, que integra o catálogo expresso das garantias fundamentais: ‘Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes’ (Art. 5º, LIV, da Constituição de outubro de 1988). O versículo em foco admite a existência, assim, no âmbito judiciário como órbita administrativa, de litígios. E, nas duas esferas a res litigiosa será solucionada por intermédio do processo. Tomada nos estreitos limites deste estudo, a expressão litígio quer significar aquela controvérsia que acaba por colocar

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Deste último autor é a irrepreensível construção abaixo, que embora longa, pelas

suas diversas referências doutrinárias, deve ser reproduzida em sua íntegra:

Havendo controvérsia sobre o tributo – e por que não poderia versar essa controvérsia sobre a inconstitucionalidade da lei que instituiu o tributo? – se instaura o processo que respeitará as normas de direito material e de direito formal, insculpidas em conformidade com a legalidade, ritualizadas em estrita observância do devido processo legal e dinamizadas, a partir desse instante, pelas diretrizes superiores do contraditório e da ampla defesa, deverá dirimir a quaestio litigiosa. Na perspectiva jurídica, aliás, quando tratarmos do fenômeno processual do contraditório, estamos diante de mais um dos atributos da isonomia. Assim, assinala, com a clarividência de sempre, Ada Pellegrini Grinover. (Nesse sentido, Ada Pellegrini Grinover, Os princípios constitucionais..., cit., p. 91, afirma que a isonomia é o fundamento político do princípio do contraditório.) Para que se atinja a verdade é necessário que fique assegurado igual tratamento processual às partes. Todos os aspectos jurídicos que envolvem a questão merecem ser considerados. Ora, como excluir dentre os aspectos a serem apreciados no processo administrativo aquele que ressalta à evidência como o mais importante: o que envolve a constitucionalidade do tributo? Se ignorasse o tema, estaria o julgador cerceando a imprescindível aproximação dialética que se deve estabelecer entre as partes no processo. O contraditório é aquele atributo processual que habilita o sujeito da relação processual a invocar perante a autoridade judicante todas as razões de mérito – inclusive, obviamente, as de índole constitucional – que a controvérsia põe de manifesto. [...]. Como pode alguém ser condenado a pagar tributo – e a decisão administrativa , encerrando a contenda e preparando a expedição do título executivo extrajudicial vale como condenação – sem que se aprecie a certeza do direito material, só existente se a tributação vier a ser revestida da constitucionalidade que, no particular, é expressão suprema de legalidade?

100

em campos opostos os contribuintes ou responsáveis e o Fisco. O Objeto da disputa jurídica será, quando se cogita da lide tributária, o tributo ou a penalidade pecuniária. O ordenamento jurídico se prepara para exalçar a relação jurídica à sua plena eficácia quando aparelha o sujeito de direitos com os meios e instrumentos aptos a impor a satisfação coativa da obrigação. É bom que se diga que o Estatuto Supremo retira da palavra processo o respectivo conteúdo jurídico, estabelecendo – no âmbito tributário – certa conexão entre a via administrativa e a via judiciária que, a seu modo, exercem a jurisdição. É que, vislumbrou com propriedade Ministro Castro Nunes, o conceito de jurisdição é de direito público e não se pode limitar ‘nas estreitezas do direito judiciário’ (CASTRO NUNES. Teoria e prática do Poder Judiciário. Rio de Janeiro, n. 1, 1943). A atividade de lançamento culmina, convém recordar, com a inscrição na dívida ativa do crédito tributário cuja certidão é título executivo líquido certo e exigível, constituído pelo próprio Estado-credor.” (BALERA, Wagner. Do controle de constitucionalidade pelo tribunal fiscal. Revista dos Tribunais,, 71, p.64-65).

100 BALERA, Wagner. Processo Administrativo Tributário. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. Atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 477-83.

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BALERA afirma ainda que o conflito intersubjetivo de interesses existente no

processo administrativo tem por essência o contraditório, que contém a ideia de busca da

verdade, possuindo, portanto, feição dialética e que a ampla defesa seria um consectário desta

dialética101:

O desconhecimento da questão jurídica, sobretudo a constitucional, que justifica a resistência do contribuinte, viola, além do mais, a segunda parte da ampla fórmula constitucional consubstanciada no transcrito inciso LV, do art. 5º, do Código Supremo. Forçoso consectário da dialética processual é de ser observado o requisito da ampla defesa. Essa garantia é apta a por em ordem ao processo, a fim de que todos os aspectos do litígio possam merecer a devida (due processo of law) apreciação, na defesa do direito de quem está questionando a tributação. [...] A solução técnica habilita o julgador a conhecer em termos integrais da defesa daquele que resiste à cobrança do tributo.

101 “A controvérsia existente, pois, só se encerra na esfera procedimental administrativa, que ‘tem por

substrato o contraditório’ e se reveste ‘de feição nitidamente dialética’, como notou Frederico Marques (FREDERICO MARQUES, José. Instituições de direito processual civil. v. III, Rio de Janeiro: Forense, 1972, 4. Ed., 1972, p. 113.) quando todos os pontos controvertidos merecem deslinde. Por força da dialética, regra inerente à lógica do processo, pode-se dizer que o contraditório carrega implícita consigo a idéia da busca da verdade. O constante vir a ser, dizia Hegel, obedece à dialética e é mediante o confronto entre opostos que se chega à verdade. Mediante o contraditório se chega à versão processual da verdade que, no feito, é a reconstrução dos fatos efetivamente acontecidos segundo o modo de ver das partes e a prudente avaliação do julgador. Para alguns pareceu que seria conveniente a qualificação da busca da verdade como princípio do processo administrativo – o princípio da verdade material. Essa é a posição que, com o brilho costumeiro, sustenta nosso mestre Celso Antônio Bandeira de Mello. (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Procedimento administrativo. Direito Administrativo na Constituição de 1988. São Paulo, RT, 1991, p. 31). De todo modo, faltando consideração do julgador a respeito de qualquer dos aspectos que a dialética processual desvela, já não se pode sustentar que a verdade será encontrada e que o instrumento instituído pela Superlei se conforme com ela, na medida em que se coloca como guardião formal de seus superiores preceitos. Aliás, deve a administração pública obrar com verdade e o procedimento administrativo só pode existir como expressão formal da verdade.Há quem afirme, com segurança e propriedade que: ‘o núcleo de todas as teorias clássicas do procedimento é a relação com a verdade....’. (LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo procedimento. Brasília. Ed. Universidade de Brasília, 1980, tradução de Maria Conceição Corte-Real, p. 21). De que adiantaria o contraditório se somente os aspectos legais que nem podem ser os que mais ofendem ao direito da parte, pudessem ser suscitados pela parte. Temos, os brasileiros, direito ao processo administrativo, instrumento formal que integra o nosso Estatuto Processual do Contribuinte. Sendo assim, meu inconformismo – quanto ao conteúdo e à medida constitucional do tributo que se me quer impor – não pode deixar de ser apreciado pelos integrantes do Tribunal Administrativo. É que, no Estado Democrático de Direito, a dialética processual é parte integrante do jogo democrático, bem o percebeu certo autor. (FAZZALARI, Elio. Processo (teoria generale), verbete Novissimo Digesto Italiano, Turim, v. 13, 1966, p. 1.074). Considerando que a finalidade do processo será, no plano formal, a de manter íntegro o direito material, não se pode denegar exame da substância constitucional que, eventualmente, envolva a lide”. (BALERA, Wagner. Processo Administrativo Tributário. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. Atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 479-80.)

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Se a Constituição, cuidadosamente, utilizou-se da expressão ampla defesa é manifesto que não delimitou o teor normativo da controvérsia ao nível das normas que se situam nos escalões inferiores da pirâmide normativa. Defesa, em sentido amplo, é o poder jurídico em que se acha investido o litigante para arrazoar, com o armamento que o sistema jurídico lhe confere, todos os argumentos aptos a evidenciarem seu ponto de vista. Dado que “um órgano administrativo no pues violar sus próprias regulamentaciones”, bem como assinala Gordillo (GORDILLO, Augustin. Tratado de derecho administrativo. Citado, t. I, p. V-51.), é a estrita legalidade que exige o exame pelo Tribunal Administrativo, do tema constitucional eventualmente invocado pela parte. O relator do processo administrativo, investido pela lei de função administrativa judicante, deve examinar os argumentos de inconstitucionalidade invocados pela parte e, mediante voto fundamentado, decidir a respeito da matéria.102

BALERA explica que o fato de ser dever da autoridade condutora do processo

administrativo o conhecimento de questão constitucional que envolva a lide não impede, nem

retira do Poder Judiciário a competência para decidir definitivamente sobre a questão, em face

do princípio da inafastabilidade do controle judicial dos atos administrativos:

Aliás, a condução do processo administrativo está sempre nas mãos da autoridade controladora, que conta com poderes suficientes, sim, para conhecer da questão constitucional que envolva a lide. A principal preocupação do julgador não será a de, por economia processual, afastar a apreciação do tema, alegando que a última palavra caberá, nesta matéria, ao Poder Judiciário. Ninguém contesta que a guarda da Lei Suprema é mister do Poder Judiciário. Entretanto, quem integra Colégio Julgador e, no julgamento de um feito acaba reconhecendo existir vício de inconstitucionalidade em determinada norma que institui obrigação tributária, adstrito se acha, pelas prerrogativas inerentes à função administrativa de controle, a desde logo agir em conseqüência. Atitude que se lhe impõe não apenas pela tutela institucional do sistema tributário de que se acha investida, mas como corolário natural da função de garante do direito de defesa do administrado cujo pleito detém entre mãos. Jaz a administração sob a legislação, dizia Cirne Lima. Não pode ela deixar de reconhecer a hierarquia normativa nem a discrepância entre a lei e a Constituição, sob pena de estar provocando desordem no sistema jurídico que lhe cumpre defender. Aliás, Themístocles Brandão Cavalcanti focalizou magistralmente a questão, em ensinança que não merece qualquer reparo: “O que se tem admitido é permitir aos responsáveis pela política administrativa a não aplicação de leis inconstitucionais, usando do processo usual de interpretação, que consiste na aplicação da lei hierarquicamente

102 BALERA, Wagner. Processo Administrativo Tributário. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva

(Coord.). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. Atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 479-80.

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superior, que exclui, desde logo, a aplicação da lei menor que com ela vem colidir”. (BRANDÃO CAVALCANTI, Themístocles. Do controle de constitucionalidade. Rio de Janeiro: Forense, 1966, p. 180). Assim, cabe ao julgador administrativo interpretar e fundamentar sua decisão na Lei Magna, sempre que a norma tributária se encontre em manifesta rebelião contra o Texto Fundamental. Só quem não percebe a eminência constitucional a que foi exalçado o processo administrativo, já sublinhada nestas linhas, e que não logra carregar conseqüências a esse desiderato do constituinte, segue restringindo e discriminando o agir de quem exercita as funções de julgamento nos Tribunais Administrativos. Firmando entendimento, deliberando sobre o tema constitucional, o tribunal administrativo estará proferindo ato decisório, mediante o qual demonstrará, na fundamentação, que dispositivo constitucional foi violado pela lei de tributação. Conclui Themístocles Cavalcanti, no estudo há pouco citado: “Nenhum Tribunal poderia considerar o ato do Executivo inconstitucional, de momento em que o responsável pelo cumprimento da lei venha a justificar o seu procedimento, pelo manifesto atrito entre a lei ou leis que (sic) questão e as normas constitucionais vigentes.” Note-se, por fim, que ao concluir, motivado pela legalidade, que exige adequação da norma legal ao fundamento que lhe dá sustentação, amparado no devido processo legal, que exige tratamento cuidadoso da matéria processual posta sob seu controle, e na estrita aplicação do princípio do contraditório e da ampla defesa, o Tribunal Administrativo estará bem e fielmente cumprindo a missão institucional que lhe confere a ordem jurídica e prestigiando o Estatuto Processual do Contribuinte. Anulando o lançamento ou declarando, em processo de consulta, que o confronto com a Constituição torna inviável a incidência tributária, os julgadores do Tribunal Administrativo não invadem as funções nem as prerrogativas do Poder Judiciário que, uma vez acionado, irá dirimir a controvérsia em definitivo.103

Cabe indagar: a Constituição de 1988 assegura ao contribuinte o processo

administrativo fiscal como instrumento de acertamento da relação jurídica tributária?

O art. 5º, inc. LV, da CF assegura aos litigantes em processo judicial ou

administrativo o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. E por

isto mesmo GANDRA MARTINS já concluiu que:

Em face do atrás exposto, entendo que a Constituição Federal assegura ao contribuinte o processo administrativo fiscal, com ampla defesa e contraditório garantidos, não podendo haver limitação a recursos nem aos meios necessários para que tal ampla defesa se processe. Não há possibilidade no direito brasileiro, de restrições ao processo administrativo

103 BALERA, Wagner. Processo Administrativo Tributário. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva

(Coord.). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. Atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 477-83.

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ou à defesa do contribuinte, como instrumento de acertamento da relação tributária.104

Lembra MARTINS RODRIGUES que se a Constituição assegura a ampla defesa

em processo administrativo, o contribuinte pode alegar tudo aquilo que lhe seja útil em defesa

do seu direito, inclusive matéria constitucional, estando os órgãos julgadores no dever de

examinar todas as questões relacionadas com o ordenamento jurídico.

E destaca que:

É preciso, contudo, distinguir a atuação de um funcionário público em geral, que está subordinado ao superior hierárquico, sob pena de ser responsabilizado, da atuação do órgão julgador administrativo. Este deve atuar não como mero órgão homologador do trabalho fiscal, mas sua função é apreciar a legalidade do ato administrativo em função da Constituição, para que seja prestante. Os componentes do órgão julgador devem examinar as questões levadas pelo contribuinte, como verdadeiros juízes administrativos, dando razão a quem tem.

Em outras palavras, o órgão julgador administrativo não deve julgar a favor do Fisco nem a favor do contribuinte, mas a favor do direito.

O contribuinte, ao alegar matéria constitucional em sua defesa administrativa, não pede ao órgão julgador administrativo a declaração de inconstitucionalidade de lei, competência que em nosso ordenamento jurídico é reservada ao Poder Judicário, mas tão-somente que seja cumprida a Constituição. Pede, isto sim, que a lei não seja aplicada em caso concreto por ser inconstitucional. Principalmente se a questão já foi objeto de exame perante o Supremo Tribunal Federal, órgão encarregado de dizer o direito em última instância.105

No mesmo sentido se encontra CABRAL, para quem:

Há que se distinguir a atitude de um funcionário público em geral da atitude do funcionário encarregado de julgar os atos administrativos. No primeiro caso, um funcionário não pode deixar de cumprir uma portaria, uma instrução normativa ou até um parecer normativo, pois está subordinado hierarquicamente ao DRF e ao Ministro da Economia, e sua missão é executar o que é determinado por essas autoridades.

O julgador, ao contrário, tem por função apreciar a legalidade dos atos administrativos. O princípio da legalidade exige que se cumpra a lei, sobretudo a lei máxima que é a Constituição. Logo, se o Conselho de Contribuintes depara com lei abertamente contrária à Constituição, há que se prestar obediência à Lei Maior. Parodiando o que disse Rui, o julgador

104 MARTINS, Ives Gandra da Silva. Processo Administrativo Tributário. In: MARTINS, Ives Gandra

da Silva (Coord.). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. Atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 60.

105 RODRIGUES, Marilena Talarico Martins. O Processo Administrativo Tributário. In: MARTINS, Ives Gandra. Processo Administrativo Tributário. 2.ed. Atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 333.

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singular ou o Conselho de Contribuintes não revogam leis inconstitucionais: desconhecem-nas.

Quando os contribuintes alegam a inconstitucionalidade de uma lei, não pedem aos tribunais administrativos que declarem “a inconstitucionalidade da lei”, mas que façam cumprir a Constituição. Pedem, na realidade que determinado dispositivo de lei não seja aplicado àquele caso concreto, por ser inconstitucional.106

E tornemos mais uma vez à precisa lição de MARTINS RODRIGUES:

[...] no Estado Democrático de Direito como o nosso, o processo administrativo deve assegurar os direitos individuais, a segurança, o bem-estar e a justiça, como valores supremos da sociedade brasileira (preâmbulo da Constituição).

A propósito, o Egrégio Tribunal de Impostos e Taxas da Secretaria de São Paulo apreciou a questão da competência dos Tribunais administrativos, para examinar matéria constitucional, através de Câmaras Reunidas, e houve por bem assim decidir:

“O Tribunal de impostos e Taxas, por qualquer de suas Câmaras, é competente para deixar de aplicar lei inconstitucional ou decreto ilegal em casos concretos (processo SF 2713/95, decisão publicada no DOE de 25.07.1995)”.

Penso que não poderá deixar de ser examinada matéria constitucional alegada pelo contribuinte em sua defesa, sob pena de restar violado o direito de ampla defesa assegurado na Constituição. E em ampla defesa compreende-se toda a matéria argüida juridicamente válida, não podendo o órgão julgador dizer o que pode julgar e o que não pode julgar no processo administrativo.

A sua função no processo administrativo é examinar tudo aquilo que foi alegado, validando ou invalidando o trabalho fiscal, motivando as decisões, porém em face da matéria alegada pelo contribuinte, não podendo reduzir a ampla defesa em defesa apenas parcial (pela metade), examinando algumas matérias e outras não, tendo em vista o pretenso interesse da Administração, de forma simplesmente a homologar os atos da fiscalização, sob pena de responsabilidade, nos termos do §6º do art. 37 da CF, em face da obediência pela Administração dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade de seus atos.

[...] Como visto, não pode haver dúvida de que é impossível fazer justiça administrativa sem obediência à Lei Maior. 107

MARTINS RODRIGUES, contudo, faz importante distinção técnica, entre a

competência dos órgãos julgadores administrativos para afastar a aplicação de leis ou atos

normativos reputados inconstitucionais e a competência do Poder Judiciário para declarar a

inconstitucionalidade de lei:

106 CABRAL, Antonio da Silva. Processo Administrativo Fiscal. São Paulo: Saraiva, 1993. p. 544-5. 107 RODRIGUES, Marilene Talarico Martins. Processo Administrativo Tributário. In: MARTINS, Ives

Gandra da Silva (Coord.). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. Atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 336-9.

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O que os órgãos julgadores administrativos não podem, repita-se, é declarar a inconstitucionalidade de determinada lei. Essa competência é do Supremo Tribunal Federal, através do controle concentrado da constitucionalidade. Porém, são competentes para deixar de aplicar as normas legais ou regulamentares, quando em confronto com a Constituição, norma superior que estrutura o próprio Estado.

De observar que a nossa Suprema Corte reiteradas vezes tem decido que a Constituição está acima de programas de governo, como acentuou o Min. Sepúlveda Pertence (ADIn 447-DF, RTJ 145/15), citado pelo Min. Neri da Silveira em seu voto:

“Nossa preocupação primeira há de ser com a guarda da Constituição. Nenhum fato da vida econômica ou da vida social, no instante em que somos chamados a dizer se um determinado ato normativo ou uma certa lei está de acordo com a Constituição, pode colocar-se com prioridade em relação ao cumprimento da Constituição. Por encontrar essa dificuldade de natureza constitucional, sou levado, com pesar a julgar procedente a ação, acompanhando o eminente Ministro Relator”.

Caberá ao julgador, examinando os princípios constitucionais e as normas que lhe são inferiores, em cada caso, ao enfrentar temas polêmicos, decidir e pleitear na exata medida em que pretenda ver atendido o inc. LV do art. 5º da CF.

Resposta: O respeito à Constituição é fundamental para o devido processo legal administrativo. Não poderá deixar de ser examinada matéria constitucional alegada pelo contribuinte em sua defesa, sob pena de restar violado o direito de ampla defesa assegurado pela Constituição. E ampla defesa compreende toda a matéria argüida, juridicamente válida, sob pena de responsabilidade pelos danos causados, a teor do §6º do art. 37 da CF. 108

Ou seja, o processo, judicial ou administrativo, é o instrumento da ampla defesa, e

esta não se faria caso se recusasse a apreciação de questão referente à constitucionalidade de

norma, ou o afastamento do comando normativo impróprio (inconstitucional).

3.2.3 Jurisdição administrativa

Bastante vinculada ao argumento anterior é a ideia de que a jurisdição

administrativa adquire contornos semelhantes (embora não necessariamente idênticos) à

jurisdição judicial, e possui, assim, uma diferenciação em face dos órgãos administrativos em

geral, diferenciação esta já suficiente para suportar a atividade de controle de

constitucionalidade.

Não se pode concordar com a ideia de que a atividade julgadora administrativa

não é jurisdicional porque a jurisdição exige a imutabilidade das decisões.

108 RODRIGUES, Marilene Talarico Martins. Processo Administrativo Tributário. In: MARTINS, Ives

Gandra da Silva (Coord.). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. Atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 339-40.

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Ora, a jurisdição administrativa distingue-se da jurisdição judicial justamente por

não proporcionar o caráter de irretratabilidade próprio da última. E ambas seriam jurisdições,

na medida em que ambas dizem o direito, na esfera de suas competências. É o que afirma, por

exemplo, HELY LOPES MEIRELLES:

Não se confunda ato jurisdicional com ato judicial. Jurisdição é atividade de dizer o direito, de decidir na esfera de sua competência. E tanto decide o Judiciário como o Executivo e até o Legislativo, quando interpretam e aplicam a lei. Portanto, todos os poderes e órgãos exercem jurisdição, mas somente o Poder Judiciário tem o monopólio da jurisdição judicial, isto é, de decidir com força de coisa julgada, definitiva e irreformável por via recursal ou por lei subseqüente (CF, art. 5º, XXXVI). Há, portanto, coisa julgada administrativa e coisa julgada judicial, inconfundíveis, entre si, porque resultam de jurisdições diferentes.109

Para BIELSA, o Executivo exerce função jurisdicional na medida em que é ela

um complemento natural da função administrativa110. E, segundo FREDERICO MARQUES:

Não é só o Judiciário que possui o poder de controlar a constitucionalidade de ato emanado de órgão do Poder Público. Se a última palavra sobre a questão está com os juízes e os tribunais, nada impede, porém, que os outros poderes também as resolvam, na esfera de suas atribuições. A diferença entre o controle judiciário e a verificação de inconstitucionalidade de outros poderes reside em que o primeiro é definitivo hic et nunc, enquanto a segunda está sujeita a exame posterior pelas Cortes de Justiça.111

Daí ser desnecessário o recurso ao argumento, utilizado em algumas

oportunidades, de que a recusa à aplicação de lei inconstitucional poderia ser feita por não

estar o Executivo realizando atividade jurisdicional.

As decisões administrativas que afastam norma inconstitucional, ora

frequentemente se ligam à ideia de autotutela, ora sofreriam inegável prejuízo se sempre

tivessem que aguardar pela prévia manifestação do Poder Judiciário. Donde, para

FRANCISCO CAMPOS:

109 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993. p. 582,

nota 17. 110 BIELSA, Rafael. Derecho Administrativo. Buenos Aires: La Ley, 1966. p. 122. 111 Citado pelo Ministro Moreira Alves em voto na R. 980-SP (Revista Trimestral de Jurisprudência,

96, p. 507).

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Os Tribunais só opinam sobre a inconstitucionalidade das leis por ocasião de aplicá-las aos casos concretos; cada poder, assim, tem a contar consigo mesmo para dirimir as questões relativas à sua competência; recusar, por conseguinte, ao Poder Legislativo ou Executivo a faculdade de interpretar a Constituição e em virtude de sua interpretação tomar decisões seria instalar nos dois grandes motores da vida política do país ou do Estado, o princípio da inércia e da irresponsabilidade, paralisando o seu funcionamento, por um sistema de frenação e obstrução permanentes.112

A interpretação das normas pelo ângulo de sua constitucionalidade constitui uma

necessidade do dia a dia da Administração. A jurisdição, embora não seja uma atividade típica

do Poder Executivo, é por ele exercida. É do que fala BARROS CASTRO:

A Administração tem um único escopo: buscar, com base na lei, fatores e razões de interesse ou utilidade pública. Essa é, em última análise sua finalidade maior. Ocorre, no entanto, que a doutrina vem apontando outra função que não aquela, qual seja, a de solucionar conflitos surgidos entre administração e seus administrados, em decorrência de sua própria atuação, enquanto convergente dos interesses coletivos. A essa função Rubens Gomes de Sousa denominou “judicante”, em contraste com a que ele qualificou como “ativa”.113

A Administração ativa, para o mesmo autor, com apoio em GOMES DE SOUSA,

tem por objeto a atuação concreta da vontade do Estado declarada abstratamente na lei. Trata-

se de uma atividade essencialmente funcional, visando à aplicação da lei aos casos concretos,

atuando e produzindo os resultados de ordem prática visados pelo legislador. Visa-se apenas

efetivar coativamente a realização de uma função administrativamente regrada ou

discricionária, respectivamente nos termos e nos limites previstos em lei. A Administração

ativa funciona de ofício, buscando o interesse do ente público previsto na lei.

A Administração judicante, ao revés, visa solucionar as controvérsias surgidas

entre a Administração e os administrados, em consequência do funcionamento da

Administração ativa. A Administração judicante somente funciona por iniciativa da parte,

buscando o interesse da manutenção da ordem jurídica, restaurando as situações em que essa

ordem tenha sido lesada por um ato da Administração ativa que seja contrário ao direito.

Assim, a Administração judicante se confunde, em sua função, com o Poder

Judiciário, pois ambos buscam a plenitude da ordem jurídica, mediante a solução da

controvérsia originada entre as partes114.

112 Citado pelo Ministro Luís Gallotti em voto proferido no RMS 7.243 (RDA 59/351-352). 113 CASTRO, Alexandre Barros. Procedimento Administrativo Tributário: teoria e prática. São Paulo:

Saraiva, 2008. p. 24.

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BARROS DE CASTRO, ainda sobre o tema, faz uma diferenciação da função

judicante exercida pela Administração, da função jurisdicional exercida pelo Poder Judiciário,

dizendo que a primeira:

A despeito de possuir algumas características da atividade jurisdicional do Estado, sobretudo quando falamos na obrigatoriedade do direito à prévia e ampla defesa, por ocasião do contencioso administrativo, não pode e não deve ser confundido com aquela, na medida em que, apesar da presença de tal similitude, outras características lhe faltam, como por exemplo: - a função jurisdicional acarreta a solução definitiva do litígio, não mais cabendo discussão sobre a matéria objeto da controvérsia. Já na órbita judicante em face de preceito constitucional (art. 5º, XXXV ) sempre restará a via judicial para solucionar em definitivo a lide; - na função jurisdicional, a atuação se dá através de um órgão imparcial ao conflito, ao passo que, no exercício da função judicante, o Estado atua como parte e como julgador, simultaneamente. Em resumo, não nos parece solução para o problema denominar essa atividade estatal como “judicante” , na medida em que se verifica que a mesma, enfocada sob uma perspectiva orgânica, não deixa de ser, em última análise, uma “função administrativa”.115

E ao tratar da função jurisdicional exercida pelo Estado dentro do contencioso

administrativo tributário, diz BARROS DE CASTRO que:

A Constituição identifica claramente as funções estatais. Estas são bem delimitadas e precisas: julgar não é administrar. Assim, como há órgãos específicos para administrar, há para julgar, que são os do Poder Judiciário. A conseqüência desta indiscutível assertiva é que a função de julgar cabe exclusivamente a órgãos do Poder Judiciário, e não do Poder Executivo. Entender contrariamente é violar o princípio constitucional da divisão do exercício dos poderes públicos. Passemos, então, a uma breve sistematização do processo formativo da obrigação tributária, para que possamos em seguida analisar de que forma se dá a atuação estatal dentro do “contencioso administrativo tributário”. Numa primeira fase de pura soberania estatal, temos uma situação abstrata decorrente de leis instituidoras de tributos sobre determinada situação fática. Claro está que o Estado, aqui, se situa como mero titular de uma situação potencialmente prevista, possui ele uma expectativa de direito, que aqui ainda não se encontra individualizada, apresentando-se erga omnes. Num segundo momento, verificada em concreto a situação que se encontrava abstratamente prevista na norma (fato gerador), o Estado passa a ser titular não de um direito hipotético, mas sim concreto, que não é mais oponível erga omnes, uma vez que sua exigibilidade só poderá ocorrer

114 CASTRO, Alexandre Barros. Procedimento Administrativo Tributário: teoria e prática. São Paulo:

Saraiva, 2008. p. 24. 115 Ibidem. p. 26.

63

perante aqueles que se encontrem na previsão legal (contribuinte em sentido amplo). Falta, ainda, individualizar aquele direito. Eis a terceira fase. Aquela individualização nada mais é do que a constituição de um título jurídico que defina e delimite materialmente o direito estatal em face do tributo. Ou seja, mister se faz apurar oficialmente a ocorrência do fato gerador e quantificá-lo financeiramente, para que a exação possa efetivar-se. Surgindo, por fim, o título formal constitutivo do direito do Estado ao tributo na medida e na individualização pessoal decorrentes da apreciação do fato gerador. Será mediante um ato administrativo, o lançamento, que o Estado afirmará seu próprio direito ao tributo. Da expedição do lançamento, três atitudes poderão ser tomadas do contribuinte, ao qual se impõe a exação:

1ª) o contribuinte recolhe o montante previsto, sem nada contestar; 2ª ) mantém-se inerte, não pagando, nem contestando; 3ª) contesta o lançamento efetuado, visando à instauração de

“processo” administrativo, não no sentido jurisdicional, pois este só é possível na esfera judicial, mas como simples provocação da atividade de controle jurídico da própria Administração. A primeira situação configura-se numa conformidade do contribuinte para com o Fisco, no que tange à pretensão formulada por este. Nessa hipótese encerra-se a fase oficiosa, assim chamada para distingui-la da outra, onde há oposição entre um e outro. O contribuinte paga o tributo e extingue a obrigação contra ele constituída pelo fato gerador e declarada pelo lançamento. A segunda e a terceira hipóteses configuram-se numa total desconformidade do contribuinte para com a exação que lhe está sendo imposta.116

É enriquecedor o debate sintetizado por BARROS DE CASTRO sobre as teorias

da natureza da jurisdição administrativa. Assim ele analisa a tese de ENRICO ALLORIO:

Entende o célebre jurista que a distinção entre a função administrativa e a jurisdicional baseia-se no critério formal, ou seja, será pela forma adotada numa e noutra que as diferenciaremos. Ato jurisdicional é aquele que tem força de coisa julgada, e como a eficácia dos atos advém da forma e da atividade que a eles conduz, os atos jurisdicionais, dotados de imutabilidade e irrevogabilidade, são os que resultam de um processo idôneo para a produção de tal efeito, ou seja, de um processo declaratório ordinário. Por outro lado, entende, ainda, Allorio que, uma vez que a jurisdição voluntária não se traduz em atos com força de coisa julgada, nem tampouco se processa mediante um rito semelhante ao do processo ordinário, deva ser inserida na função administrativa.117

116 CASTRO, Alexandre Barros. Procedimento Administrativo Tributário: teoria e prática. São Paulo:

Saraiva, 2008. p. 30-1. 117 Ibidem. p 39.

64

A tese de FRANCESCO CARNELUTTI, por sua vez, é assim criticada:

Em sua tese, assevera Carnelutti ser a característica principal da jurisdição voluntária a atuação do juiz não com o propósito de compor o conflito de interesses, como ocorre na jurisdição contenciosa, mas sim para tutelar um interesse determinado, representado pelo exercício de um direito subjetivo pertencente a um particular. Não está a afirmar o eminente processualista a irrelevância do conflito de interesse nos processos ditos graciosos; está, isto sim, explicitando não serem aqueles o fim da intervenção judicial. Partindo desse raciocínio, conclui, então, Carnelutti, integrar-se a jurisdição administrativa, uma vez que esta, como sabemos, define-se por tender à realização de um interesse em conflito através de órgãos que atuam como partes e não sobre a partes ou em contraposição a estas.118

E a crítica que faz BARROS DE CASTRO é a seguinte:

Parece-nos não assistir razão ao ilustre tratadista italiano Enrico Allorio. Se não vejamos. Ao afirmar que a eficácia dos atos advém da forma de atividade que a eles conduz, inverte-se a ordem natural dos fatos, pois a natureza e a solenidade das formas visa única e exclusivamente garantir e proporcionar um maior rigor ao fim que se destinam, e não o inverso; não é o fim que orienta a forma, e sim esta que se cria e se materializa no escopo de àquele atender. Padece, ainda, a tese de Allorio de coerência lógica. Recusar-se a qualidade jurisdicional à jurisdição voluntária não implica sem mais atribuir-lhe natureza administrativa, nada havendo, portanto, a autorizar que se defina aquela jurisdição como uma “administração judicial do direito privado”. A despeito do rigor da análise de Carnelutti, sua teoria tampouco consegue resolver o problema em tela. E isto se evidencia fundamentalmente quando constatamos a existência de uma infinidade de processos voluntários em que há um conflito de interesses, e por outro lado processos contenciosos em que ela não se verifica. Como bem evidencia Alberto Xavier: Exemplo, do primeiro caso, é a hipótese da alienação judicial de coisa comum indivisível, verificada previamente a existência de desacordo quanto à adjudicação a um dos condôminos [...], neste como em outros casos, verifica-se ou uma recusa ou uma resistência a uma pretensão legítima, e portanto verdadeiros e próprios litígios. Em contrapartida, há processos contenciosos em que não existe qualquer lide, como acontece no caso do processo de condenação.

Ou seja, a jurisdição administrativa é, inegavelmente, uma espécie de jurisdição, e

como tal jurisdiciona, julga ou decide conflitos particulares (entre a Administração e

terceiros). 118 CASTRO, Alexandre Barros. Procedimento Administrativo Tributário: teoria e prática. São Paulo:

Saraiva, 2008. p. 39-40.

65

3.2.4 Princípio da eficiência

A Emenda Constitucional nº 19/98 acrescentou ao caput do art. 37 da

Constituição Federal o Princípio da Eficiência. Também este princípio reclama, por sua vez,

o acolhimento da competência controladora pela Administração, pois por evidente não seria

eficiente produzir resultados impróprios (com a aplicação da norma inconstitucional) para

somente após aguardar a correção por parte do Poder Judiciário.

Desta feita, é SILVA NETO quem socorre a possibilidade de reconhecimento da

competência controladora (e ressalta, ainda, a relação entre o princípio da eficiência e o da

economicidade), com os argumentos abaixo:

Ainda que inserido em momento posterior à promulgação do texto Constitucional de 1988, deve ser enfatizado que, mesmo antes da inovação, já se exigia Administração eficiente, uma vez que a concretização das atribuições previstas no art. 23 (de natureza administrativa) somente se daria se houvesse, por parte da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, a opção por modelo de Administração Pública atrelada à eficiência. E não é só. A redação originária do §3º do art. 37 estabelecia que “as reclamações relativas à prestação de serviços públicos serão disciplinadas em lei”, agregando-se ao sistema constitucional, por conseguinte, o valor da eficiência, na medida em que, malgrado propusesse disciplina em nível legal, ressalva a busca de serviços públicos mais eficientes, ainda que fosse por meio de reclamação de parte dos usuários. O que se pretende com a inscrição constitucional do princípio da eficiência não é promover suposta identificação do atuar administrativo com o comportamento dos demais entes privados, mas concitar os agentes públicos a atuarem de modo a prestar o serviço da forma mais expedita e competente. O Estado é instruído por propósitos completamente diferenciados das empresas privadas. Estas têm na prevalência do objetivo empresarial e do proveito econômico seus apanágios mais genuínos, ao passo que o ente estatal tem na consecução do interesse público a sua razão de ser e de existir. Só isso já seria mais do que bastante para evidenciar a diversidade de propósitos de um e outro, distinguindo radicalmente a eficiência na Administração daquela outra perseguida pelas empresas. 119

HELY LOPES MEIRELLES caracteriza a eficiência como um dos deveres da

Administração Pública:

119 SILVA NETO, Manoel Jorge e. Curso de direito constitucional. 8.ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p.

504-5.

66

O dever de eficiência, ora erigido à categoria de princípio norteador da atividade administrativa, com a nova redação dada ao caput do art. 37 da CF pela EC 19, [...] corresponde ao dever de boa administração [...]. Objetivando o cumprimento deste dever, as alterações introduzidas no art. 41 da CF pela EC e procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma da lei complementar, assim como estabelecem, como condição para aquisição da estabilidade a avaliação especial de desempenho por comissão instituída para essa finalidade. [...]. É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros. [...]. Eficiência funcional é, pois, considerada em sentido amplo, abrangendo não só a produtividade do exercente do cargo ou da função, como a perfeição do trabalho e a sua adequação técnica aos fins visados pela Administração, para o que se avaliam os resultados, confrontam-se os desempenhos, e aperfeiçoa-se o pessoal através de seleção e treinamento. Assim, a verificação da eficiência atinge os aspectos quantitativo e qualitativo do serviço, para aquilatar do seu rendimento efetivo, do seu custo operacional, e da sua real utilidade para os administrados e para a Administração. Tal controle, desenvolve-se, portanto, na tríplice linha administrativa, econômica e técnica.120

O princípio da eficiência, pois, deve ser observado na prática de Atos

Administrativos pelos três Poderes da República.

Questiona-se qual dos dois princípios deve prevalecer, na hipótese de conflito

entre os princípios da eficiência e da legalidade.

Por certo deverá ser feito um juízo de ponderação, devendo, de início prevalecer a

legalidade, a menos que a lei, em seu caráter hipotético seja completamente desarrazoada, por

ser ineficiente, quando se estaria autorizado, num exame de razoabilidade e

proporcionalidade, a reconhecer a prevalência no caso concreto de outros princípios da

Administração Pública121.

Diz a propósito SARAIVA FILHO que:

Quanto à valorização dos motivos ou escolha do objeto do ato, se podemos enquadrar o agir da autoridade administrativa, de algum modo, dentro da eficiência imaginada pelo legislador, de modo que se possa encontrar uma razoabilidade dentro do senso de eficiência, mesmo que, eventualmente, possa existir uma divergência de opinião a respeito, o ato deve ser mantido, em respeito, também à democracia e ao princípio da

120 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 1999.

p. 91-2. 121 Sobre a ponderação de princípios, segue-se neste trabalho a teoria trifásica de Robert Alexy (In:

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008).

67

Separação de Poderes, de modo que o juízo de eficiência do magistrado não deve substituir o tino de eficiência do legislador, mesmo porque não quer a Constituição transformar o juiz em administrador de segundo grau quanto ao exame do mérito administrativo.122

Ou, para DI PIETRO:

O princípio da legalidade deve ficar resguardado porque a eficácia que a Constituição propõe é sempre suscetível de ser alcançada conforme o ordenamento jurídico, e em nenhum caso ludibriando este último, que haverá de ser modificado quando sua inadequação às necessidades presentes constitua um obstáculo para a gestão eficaz dos interesses gerais, porém, nunca poderá se justificar a atuação administrativa contrária ao direito, por mais que possa ser elogiado em termos de pura eficiência. Vale dizer que a eficiência é princípio que se soma aos demais princípios impostos à Administração, não podendo sobrepor-se a nenhum deles, especialmente ao da legalidade, sob pena de sérios riscos à segurança jurídica e ao próprio Estado de Direito.123

A construção é lógica e se harmoniza com o princípio da ampla defesa, já visto no

item 3.2.2. acima.

3.2.5 Princípio da moralidade administrativa

Corolário então da adoção dos princípios constitucionais da ampla defesa, da

legalidade (Estado de Direito) e da eficiência, tem-se o recurso ao argumento da necessidade

de reconhecimento e aplicação do princípio da moralidade administrativa.

Ainda de SILVA NETO se extrai a construção argumentativa a respeito:

Constitui princípio alçado à estatura constitucional (art. 37), como um dos fundamentos basilares dos atos dos representantes das pessoas jurídicas de Direito Público, evidenciando-se que não basta o ato administrativo conter seus elementos normais (competência, motivo, objeto, finalidade e forma), para projetar seus efeitos jurídicos, tornando-se imprescindível o comportamento moral, ético, honesto e justo. Embora se trate de um conceito indeterminado, vago, impreciso, flutuante ao sabor do tempo e dos costumes, sendo dosado de certa flexibilidade, compete ao hermeneuta precisar um critério – ainda que pautado por margem de tolerância – para que esse princípio não seja espezinhado, ignorado, ou até mesmo vilipendiado.

122 SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes. Reflexos do princípio da eficiência administrativa

no âmbito tributário. Revista Fórum de Direito Tributário, Belo Horizonte, ano 4, n. 21, maio-jun. 2006. p. 18.

123 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 17.ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 84.

68

Partindo-se do pressuposto de que o administrador público gera bens e direitos dos quais não é titular, deve perseguir os interesse coletivos até suas ultimas conseqüências, mantendo um procedimento reto e legítimo no que for pertinente às finalidades que o ato objetiva. A moralidade administrativa – nem sempre fácil de captar e precisar – encontra-se adstrita aos lindes do desvio de poder, ou seja, a utilização de meios ilícitos para atingir objetivos da Administração, mesmo que todos os elementos componentes do ato público guardem consonância (ainda que formal) com a norma. É possível vislumbrar a configuração da imoralidade do ato administrativo nas práticas atentatórias aos bons costumes, na ofensa às regras da boa administração (falta de espírito público e de presteza ao servir à comunidade), na deslealdade e na surpresa, que constituem elementos nocivos à relação administrador (Fisco) e administrado (contribuinte). O propalado princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse individual outorgando prerrogativas e privilégios para a Administração – identificável no exercício do poder de polícia e na prestação de serviços públicos - , não pode, em absoluto, representar um cheque em branco ao governo, de forma a ocasionar desrespeito aos administrados no que tange aos seus direitos e garantias individuais. A imoralidade é mais facilmente configurada nos atos discricionários, em que se comete a faculdade ao administrador para agir segundo critérios de conveniência e oportunidade; enquanto na bitola dos atos vinculados, praticamente inexiste margem de liberdade no exercício dos direitos e deveres administrativos. Considerando que a atividade administrativa é plenamente vinculada, defluindo a obrigatoriedade do servidor público de cobrar tributos, é compreensível a dificuldade de tipificar a imoralidade num ato da Administração que esteja consubstanciado por seus legítimos elementos. Creio que nas matérias em que o Judiciário já tem decretado a inconstitucionalidade de normas, ou mesmo quando assenta sólidas posições a respeito de questões tributárias, o Fisco deve modificar seus procedimentos usuais, para observar as diretrizes jurisprudenciais, uma vez que aqueles se revelam ineficazes. Reclama-se idêntico comportamento fiscal no caso de os próprios órgãos colegiados administrativos fixarem jurisprudência acerca das intributabilidades relativas a determinadas operações; ou mesmo quando estabelecerem diretrizes, orientações e entendimentos firmes sobre específicas práticas tributárias.124

E diz, a propósito, MARTINS RODRIGUES:

A Constituição Federal de 1988 trouxe, como princípio expresso, o da moralidade administrativa, inexistente na Constituição pretérita.

[...]. Com isto, a discussão em torno do tema, em nível doutrinário, deixou de existir, pois a própria Constituição abriu a possibilidade, pela primeira vez, para controle do princípio da moralidade no exercício da função administrativa.

O princípio da moralidade corresponde ao conjunto de regras de conduta da Administração, que em determinado ordenamento jurídico, são consideradas como padrões de comportamento que a sociedade deseja e

124 MELO, José Eduardo Soares de. Curso de Direito Tributário. 9.ed. São Paulo: Dialética, 2010. p.

40-1.

69

espera. Diz respeito à atuação da Administração e seus agentes em conformidade com os princípios éticos. A sua violação implica em violação ao próprio direito, configurando ilicitude. Ora, no caso em comento, o respeito à Constituição é fundamental para o devido processo legal administrativo. Se deixar de ser examinada questão constitucional argüida pelo contribuinte em sua defesa, esse procedimento poderá resultar em dano, tais como dificuldades financeiras à empresa no Cadin, impossibilitando ou dificultando a participação em concorrências públicas e expedição de certidões negativas, penhora de bens em agressão a seu patrimônio, enfim, prejudicará suas atividades normais, com a exigência de tributos indevidos e inconstitucionais.125

Como se vê apenas não se tratou dos princípios constitucionais da publicidade e

da impessoalidade, ainda previstos no artigo 37, caput, da Constituição Federal, na medida em

que a competência controladora não presume ofensa aos mesmos, e nem a ideia contrária

possui relação com estes últimos princípios.

3.2.6 A supremacia da Constituição

Sobre o argumento de supremacia da Constituição, pouco este destoa do

argumento da necessidade de preservação do Estado de Direito constitucional. Todavia,

alguns autores preferem individuá-lo expressamente. É o caso de MELO, para quem:

A supremacia da Constituição tem como corolário o Estado de direito, onde a Administração Pública deve obedecer tanto aos princípios da impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, como à legalidade (art. 37), que se traduz na fonte inaugural da produção jurídica do País. É induvidoso que a legalidade “é o marco a partir do qual se erige a ordem jurídica. Seria um contra-senso admitir-se que o que lhe vem abaixo – devendo portanto sofrer o seu influxo – viesse de repente a insurgir-se contra esta ordem lógica, fornecendo critérios para a inteligência do próprio preceito que lhe serve de fundamento de validade” (Celso Bastos, Curso de Direito Constitucional, São paulo, Saraiva, 1996, p. 100). Cristalinamente, enfatiza ser lógico que a regra é a que Constituição não pode ser interpretada a partir da legislação infraconstitucional, devendo, ademais, considerar o sistema jurídico como um todo harmônico, coerente, cabendo ao intérprete analisar as normas neste contexto múltiplo de preceitos inseridos num conjunto orgânico. A estrutura jurídico-tributária deve assentar-se nos postulados da Constituição, razão pela qual esta premissa conduz à inexorável conclusão de que o conceito de tributo é constitucional. Nenhuma lei pode alargá-lo, reluzi-lo ou modificá-lo. É que ele é conceito-chave para demarcação das competências legislativas e balizador do “regime tributário”, conjunto de

125 RODRIGUES, Marilena Talarico Martins. O Processo Administrativo Tributário. In: MARTINS,

Ives Gandra da Silva (Coord.). O Processo Administrativo Tributário. 2.ed. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 333.

70

princípios e regras constitucionais de proteção do contribuinte contra o chamado “poder tributário”.126

Pode-se também recorrer a SILVA NETO, no mesmo sentido:

A constituição é a norma organizativa da sociedade política estatal. Nela estão disciplinados a forma de aquisição e o modo de exercício do poder político, a tripartição das funções do Estado, os direitos e garantias fundamentais. Sendo, como é, o conjunto de disposições básicas reguladoras da vida do Estado, torna-se clara a posição hierárquica proeminente das normas constitucionais diante das demais leis do ordenamento jurídico. A supremacia da constituição resulta, conseqüentemente, do seu caráter inicial e fundante do sistema jurídico. Essa supremacia assume, contudo, duas feições:

a) Material; b) Formal.

Dizer que a constituição é portadora de supremacia material é o mesmo que afirmar a submissão ao conteúdo de tudo quanto nela está contido. Por outro lado, defender a sua supremacia formal é admitir a existência de processo administrativo mais solene e demorado para a mudança da constituição. Por conseguinte, todas as funções estatais devem reverência incondicionada aos comandos constitucionais à vista da indigitada supremacia formal. Nem sempre foi assim, no entanto. Com efeito, durante muito tempo se pensou que a simples conformação da atividade do Poder executivo ao princípio da legalidade seria suficiente para, per se, determinar a ampla proteção dos indivíduos; todavia, ao protegê-los da arbitrariedade desse Poder, os sistemas constitucionais deixam o cidadão sem defesa diante da arbitrariedade do legislador, capaz de promulgar uma lei contrária ao princípio da liberdade individual proclamado pela constituição, razão por que o controle de constitucionalidade é garantia instrumental das liberdades individuais e consolida, de fato, o fenômeno da racionalização do poder, aqui materializado na jurisdição constitucional.127

Quanto ao controle de constitucionalidade pela Administração, se afronta não há

ao Poder Judiciário, é de se concluir, com teóricos da legalidade ampla, que afronta indevida

também não se dá face ao Poder Legislativo. A possibilidade de afastar comandos

inconstitucionais não significa de modo algum contrariar a expressão legislativa da vontade

popular, mas, antes, obedecê-la, pois estar-se-á a afirmar um princípio ou comando superior

desta vontade, posto justamente no texto constitucional. Se o Legislativo, ao editar lei, ato

126 MELO, José Eduardo Soares de. Curso de Direito Tributário. 9.ed. São Paulo: Dialética, 2010. p.

52. 127 SILVA NETO, Manoel Jorge. Curso de Direito Constitucional. 8.ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p.

225.

71

infraconstitucional, violou esta vontade, a não aplicação da norma, pela Administração,

corresponderia ao exercício de um controle sobre as práticas daquele Poder, dentro da tão

valorizada concepção de “checks and balances”. O que importa, assim, não será atender ao

último desígnio do Legislativo, mas respeitar a expressão da vontade popular em sua mais

elevada forma, afastando equívocos cometidos pelo Legislativo que teria deixado, ele próprio,

de atentar para comandos superiores que devem conformar à sua própria ação. A soberania

não seria nem um pouco arranhada. Ao revés, a expressão do Poder Constituinte é fielmente

mantida com a ação da Administração que recuse a aplicação de um comando contrastante

com a sua obra128. Trata-se de compreender a ordem jurídica como uma totalidade129.

Vale citar a irretocável argumentação desenvolvida por MIRANDA LIMA:

[...] a nosso ver, menos como direito do que como dever, prevê a Lex Legum a recusa de aplicação da lei inconstitucional pelo Poder executivo. Deflui esse dever do juramento que ela impõe ao Presidente da República, a quem incumbe exercer o Poder Executivo (art. 78)130 de “manter, defender e

128 A doutrina empresta valioso apoio a este argumento. Para Themistocles Brandão Cavalcanti “[…] é também verdade que uma lei regularmente votada pelo Poder Legislativo deve ser presumidamente considerada constitucional, mas não é menos certo que nenhum dos Poderes exerce as suas funções como simples autônomo, mas será sempre responsável pelos seus atos e será, solidariamente, no erro, toda vez que, conscientemente, der aplicação a um preceito manifestamente inconstitucional, ou contrário ao interesse público” (CAVALCANTI, Themistocles Brandão. Lei – Declaração de Inconstitucionalidade pelo Poder Executivo. Revista de Direito Administrativo, 82, p. 376). E continua, dizendo que a competência do legislativo se esgota, “[…] na esfera legislativa, com a promulgação da lei. O mais pertence ao Executivo, que tem o dever de velar também pelo cumprimento da Constituição, pela regularidade dos serviços públicos, pela boa ordem financeira, etc.” (Ibidem p. 380). Mario Masagão considera que todos os poderes têm a missão de guardiões da Constituição (citado por MONTEIRO, Ruy Carlos de Barros. O argumento de inconstitucionalidade e o repúdio da lei pelo Poder Executivo. Revista Forense, v. 79, n. 284, p. 102). Vicente Rao (Ibidem, p. 107) e Dalmo Dallari (idem p. 108) possuem o mesmo entendimento. Nos Tribunais, a questão já foi assim decidida: “Portanto, quando a autoridade administrativa entende que a lei que lhe incumbe executar é inconstitucional, o remédio imediato está em não executá-la por esse motivo, declarando-o expressamente; o Executivo é o órgão de execução, incumbido de movimentar a máquina administrativa do Estado; cabe-lhe o direito de administrar com os olhos voltados para a Constituição e para as leis que não tenham o vício da inconstitucionalidade; assim como o magistrado deixa de aplicar a lei inconstitucional e o legislativo deixa de votar as proposições do executivo que entenda serem ofensivas do texto constitucional, também o executivo tem o direito e a obrigação de não dar cumprimento a leis que entenda estarem viciadas de inconstitucionalidade. ” (Ac. Unânime da 6ª Câmara Civil, no Ag. de Petição em Mandado de Segurança nº 110.031, in RT323/340-345 e RDA 720221-225).

129 Segundo José Roberto Dromi, “La totalidade del ordenamento jurídico vige para cada caso administrativo. No obstante que um heco se encuadre em uma norma específica que Le há sido destinada, siempre es aplicable la totalidad del ordenamiento jurídico positivo. Ninguna norma o acto emana de um órgano inferior podrá dejar sin efecto lo dispuesto por outra de rango superior.” (DROMI, Jose Roberto. Instituciones de Derecho Administrativo. Buenos Aires: Astra, 1973. p. 464).

130 Atual artigo 76.

72

cumprir a Constituição da República, observar as suas leis, promover o bem geral do Brasil, sustentar-lhe a união, a integridade e a independência” (art. 83, parágrafo único).131 O dever de “observar as suas leis” vem após, como subordinado, que é, ao guardar e defender a Constituição. Se impõe tal dever ao Chefe do Executivo, por implicação lógica, reconhece-lhe os meios adequados para cumprir, pois, como assinalou Black, “where a constitution confers a Power or enjoins a duty, it confers by implication all powers necessary for the exercise of the Power or perfomance of the duty injoined.” (Handbook of American Constitutional Law, West Publishing Co. São Paulo, Minesota, 4ª Ed., pág. 84, cap. 4, §61).

Como pode o Presidente da República responder fielmente ao juramento de “manter, defender e cumprir a Constituição da República”, quando descubra conflito manifesto entre ela e lei votada pelo Legislativo, senão recusando aplicação a esta? Consciente de que a lei se não conforma a Constituição de que o Poder Legislativo, ao votá-la, exorbitou de sua competência constitucional, se o Presidente da República der aplicação a tal lei, estará violando o seu dever de defender a Constituição, emprestando sua solidariedade ao desprezo em que a teve o Poder Legislativo. Se respeitar a pretensa lei, estará desacatando a Constituição, numa indisfarçável traição ao que jurou. Esse perjúrio segundo a própria Lex Fundamentalis, valer-lhe-á incorrer em crime de responsabilidade (art. 89, caput)132.

Desarrazoado, parece-nos, é pretender-se que o Poder executivo diante dos atos legislativos que lhe cumpra executar, atue como títere, sem voz ou vontade, a quanto equipole o se lhe negar que, interpretando-os, os tenha por contrários à Carta Magna, e, havendo-se como tais, lhes recuse aplicação, em defesa de norma de hierarquia superior, que às mais senhoreia, e do interesse público, norma e interesse que hão de informar, lastrear todos os atos dos três Poderes constitucionais. 133

MIRANDA LIMA critica os doutrinadores que não reconhecem ao Poder

Executivo o direito de afastar a aplicação de lei claramente inconstitucional:

Os que desconhecem ao Poder Executivo o direito dever de rebeldia em face de lei manifestamente inconstitucional, sobre lhe recusarem a independência ante o Legislativo, do qual o querem inferior, e não igual, não atentam nos absurdos a que poder levar a tese que advogam. Segundo eles, o Presidente da República deveria prestar vassalagem às leis que lhe ordenassem, expressamente, fazer o que a Constituição claramente proíbe, como, por exemplo: recusar fé aos documentos públicos; estabelecer ou subvencionar cultos religiosos, ou embaraçar-lhes o exercício; lançar imposto sobre bens, rendas e serviços dos Estados e Municípios; fazer guerra de conquista, etc., etc.

Na recusa de aplicação, pelo Executivo, de lei que lhe pareça claramente inconstitucional, não há desapreço ao Poder Legislativo, que se não pode pretender imune ao erro, mas cumprimento do dever, que o é dos três Poderes, de obedecer à Carta Magna, que aos três banaliza (sic) as respectivas competências. Quando deixa de executar lei que tem por

131 Atual artigo 78. 132 Atual artigo 85, caput. 133 MIRANDA LIMA. Funcionário Público – Aposentadoria – Lei Inconstitucional – Poder Executivo.

Revista de Direito Administrativo, 81, Parecer, p. 468-9.

73

contrária à Constituição, mais não faz o Poder Executivo que cumprir o dever de respeitar a norma hierarquicamente superior, em face da qual afere da validade e eficácia da de categoria inferior. 134

Ou seja, entre a constituição e a lei infraconstitucional, havendo conflito, deve o

administrador preferir a Constituição. Ou, na dicção lapidar de Ruy Barbosa, “Descumpre-se

a lei para cumprir a Constituição”135.

FRANCISCO CAVALCANTI narra a situação da recusa ao pagamento de

precatórios relacionados a títulos judiciais inconstitucionais, para concluir que, “Em verdade,

ainda que no exercício de funções meramente administrativas o Presidente do Tribunal está

obrigado ao cumprimento das normas constitucionais, que deve fazer valer em todos os

momentos em que agir e em qualquer tipo de procedimento”136 E acertadamente usa o

argumento de que a inconstitucionalidade declarada ou decorrente de interpretação dada pelo

STF

[…] enquadra-se na categoria de ordem pública, de modo que deve ser conhecida de ofício pelo Magistrado, em qualquer momento ou grau de jurisdição ou atuação (inclusive em desse (sic) administrativa, como a que se instala em se tratando de precatório, consoante posicionamento adotado pelo Pretório Excelso), sob pena de desintegração do ordenamento jurídico, do qual se exige unidade e coerência137.

Por outro lado, fornece combustível ao entendimento de que seria possível a

recusa de cumprimento à lei inconstitucional a concepção de que a lei inconstitucional seria

nula ab initio. Na lição de THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI,

Um ato ou uma lei inconstitucional é um ato ou uma lei inexistente; uma lei inconstitucional é apenas aparentemente, pois que, de fato ou na realidade, não o é. O ato ou lei inconstitucional nenhum efeito produz, pois que inexiste de direito ou o é para o direito como se nunca tivesse existido.138

134 MIRANDA LIMA. MIRANDA LIMA. Funcionário Público – Aposentadoria – Lei

Inconstitucional – Poder Executivo. Revista de Direito Administrativo, 81, Parece, p. 468-9. 135 BARBOSA, Ruy. Os Atos Inconstitucionais do Congresso e do Executivo ante a Justiça Federal.

Rio de Janeiro: Cia Impressora, 1896. Segundo Hely Lopes Meirelles, “Quem descumpre lei inconstitucional não comete ilegalidade porque está cumprindo a Constituição” (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. São Paulo: ERT, [s.d.]. p. 848).

136 CAVALCANTI, F. Q. B.; SANTOS, Roberta Lúcia Costa Ferreira Dias dos. Da competência dos Presidentes dos Tribunais em sede de precatórios judiciais fundados em títulos inconstitucionais para preservação da autoridade do STF: a flexibilidade da coisa julgada. Revista Dialética de Direito Processual, São Paulo, Editora Dialética, v. 1, n.41, p. 47, 2006.

137 Ibidem. p. 52-3. 138 Citado pelo Ministro Prado Kelly em voto publicado na RTJ 41, p. 687. No RMS 15.015-SP, o

Ministro Candido Mota Filho assim assevera: “A lei, em tais condições, não é lei, até antes de

74

Para MIRANDA LIMA, os atos inconstitucionais “[…] valem tanto quanto se

produzidos não foram, são nenhuns para o mundo do direito”139.

Já anotou ADALÍCIO NOGUEIRA no julgamento do MS 16003-DF que o

Presidente da República pode recusar-se a cumprir uma lei, sob justificativa da sua

inconstitucionalidade; não declará-la, mas descumpri-la140. PONTES DE MIRANDA

preleciona que “A decisão administrativa sobre a inconstitucionalidade ou ilegalidade não

desconstitui (só a sentença judiciária o faz) mas dá ensejo à abstenção, se e enquanto não

sobrevém a sentença judiciária.”141

MIRANDA LIMA diz que

[…] desconhecendo a lei desconforme à Constituição, que lhe corre o dever de manter, defender e cumprir, o Poder executivo não faz mais, no campo em que se move e com a força que lhe é própria, do que o Poder Judiciário na sua esfera de ação e com a força de árbitro que põe remate à controvérsia: não dá à lei aplicação, por exorbitante, no todo ou em parte, das faculdades constitucionais do Poder Legislativo. Não a revoga ou derroga. Não a revê sequer. Decretasse, ele, o cancelamento do ato do Congresso, e, então, sim, exorbitando, de seu turno, provocaria conflito de Poderes, pela usurpação de competência a outro deferida pela Lei Máxima. Mas tal não faz, porque apenas lhe nega aplicação, para bem observar o seu dever constitucional de manter, defender e cumprir a Constituição, que entende, no caso, desrespeitada pela legislatura. Esse proceder, tradutor de dever que lhe impõe a Lei Fundamental, não caracteriza, pois, invasão de competência do Legislativo, nem daquela inerente ao Judiciário, o qual, se provocado por qualquer interessado, poderá julgá-lo, emitindo, como lhe cabe, a última palavra sobre a questão constitucional por ele suscitada.142

assim declarada pelo Poder Judiciário”. A opinião de que a lei inconstitucional é nula possui prosélitos como Luiz Eulálio de Bueno Vidigal, Francisco Campos, Alfredo Buzaid (como citado pelo Ministro Carlos Medeiros no voto publicado na RTJ 41/678), Manoel Gonçalves Ferreira Filho (citado por MONTEIRO, Ruy Carlos de Barros. O argumento de inconstitucionalidade e o repúdio da lei pelo Poder Executivo. Revista Forense, v. 79, n. 284, p. 109), Ruy Barbosa (Ibidem, p. 117), Bouvier, Cooley, Baker e Ordronnaux (ibidem, p. 118). Ruy Castro de Barros Monteiro objeta, todavia, que o argumento acaba provando demais, uma vez que a lei inconstitucional é, efetivamente, inexistente – e não obriga ninguém – somente após a competente manifestação do Poder Judiciário, único órgão constitucionalmente capaz de dizê-lo (MONTEIRO, Ruy Carlos de Barros. O argumento de inconstitucionalidade e o repúdio da lei pelo Poder Executivo. Revista Forense, v. 79, n. 284, p. 117). A objeção, contudo, esvanece-se diante da argumentação da corrente de legalidade ampla já trazida à baila.

139 MIRANDA LIMA. Funcionário Público – Aposentadoria – Lei Inconstitucional – Poder Executivo. Revista de Direito Administrativo, 81, Parecer, p. 469.

140 Revista de Direito Público, 5, p. 245. 141 Vide voto do Ministro Moreira Alves publicado na Revista Trimestral de Jurisprudência, 96, p.

500. 142 Citado pelo Ministro Moreira Alves em voto publicado na Revista Trimestral de Jurisprudência, 96,

p. 500.

75

Ou seja, entre a ausência de poder para declarar a inconstitucionalidade e o poder

de recusar a aplicação de uma lei inconstitucional, existe, como frequentemente ressaltado,

“uma diferença fundamental”. O Conselho de Contribuintes, mesmo sem declarar a

inconstitucionalidade, pode recusar a aplicação de uma lei inconstitucional.

Analisando-se outro argumento, deve-se recordar que os adeptos da legalidade

estrita, como já visto, esgrimem a ideia de que também ao próprio Poder Executivo

interessaria a vedação do controle de constitucionalidade e de legalidade por parte de agentes

inferiores, diante da necessidade de preservar a hierarquia e controlar os limites da atividade

interna, que sempre teria de observar ditames superiores. Este argumento não sobrevive,

todavia, ante a percepção de que a violação da Constituição é uma violação dos princípios

fundamentais da Nação, e “violar um princípio”, como diz LÚCIA DO VALLE

FIGUEIREDO, lembrando os publicistas, “[…] é muito mais sério do que violar toda a

lei”143. Ao interesse público, pois, muito mais do que preservar a violação em nome da

organização e da ordem, impede fugir à ordem desarrazoada para evitar a desordem, ao

desarranjo diante da Constituição, ao olvido de princípios e fundamentos.

Com muito acerto leciona a Ministra CARMEN LÚCIA ANTUNES ROCHA

que:

[…] sendo notória a invalidade do ato da Administração Pública, não se há de ponderar sobre a subsistência daquela presunção. Seria desarrazoado, estéril e até mesmo danoso ao interesse público, ultrapassar fronteiras do entendimento e da lógica para, por amor à forma, permitir-se a produção de efeitos a um ato sabidamente, porque manifestamente nulo. Como se presumir válido ato da Administração Pública que atente, acintosamente, contra direitos fundamentais dos indivíduos? Como se assegurar a eficácia de um ato cuja matéria, ou cuja forma, se desvie de parâmetro constitucional expresso?

E continua:

A presunção de validade jurídica não obsta ou dificulta o reconhecimento da antijuridicidade havido no ato e o seu conseqüente e necessário desfazimento pela própria Administração pública (o que é sua obrigação jurídica quando tal circunstância vier ela a conhecer) ou pelo Poder Judiciário, dependendo este, contudo, de ser provocado para o exercício de sua função.144

143 FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 45. 144 ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. Princípios Constitucionais da Administração Pública. Belo

Horizonte: Del Rey, 1994. p. 124-5.

76

A recusa ao controle de constitucionalidade por parte da Administração pode

também fazer surgir uma situação no mínimo paradoxal. É que se a Administração recusa a

aplicação de norma reputada inconstitucional, quem se julgar prejudicado em seu direito

deverá levar a situação ao Judiciário que, entre a norma constitucional e outra de patamar

inferior, fatalmente irá reconhecer predomínio à primeira. Daí ser inócua a recusa desta

possibilidade à Administração, já que o detentor do único meio efetivo de controle (Poder

Judiciário) nada fará (desde que tenha a Administração agido com acerto e não tenham sido

geradas situações subjetivas de vantagem) para desassistir à pretensão da Administração.

Deixando de reconhecer aplicação a uma lei que repute inconstitucional, a

Administração simplesmente deixa ao prejudicado o dever de provar que nenhuma

inconstitucionalidade ocorreu. Ocorre, assim, uma inversão do ônus da prova, como já foi

reconhecido pelo Ministro ALIOMAR BALEEIRO, em voto proferido no MS 16003-DF:

“Quanto ele (o executivo) não cumpre a lei, o que ele quer é inverter o ônus da ação. Ao

invés de ele tomar a iniciativa, ele não cumpre a lei e o particular procura o Poder Judiciário

usando das medidas que as Constituições e as leis lhe asseguram”.145 Magnífico, ainda, é o

seguinte trecho da lavra do Ministro THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI:

Nada justifica a aplicação de uma lei inconstitucional. Mesmo em caso de dúvida fundada, esta deve ser afastada por um exame judicial da controvérsia, desde que os interessados se insurjam contra a recusa do Executivo. Esta posição é muito mais lógica que um compromisso que importe, afinal, na incorporação ao sistema legislativo de leis manifestamente inconstitucionais.146

Outro argumento bastante lembrado é o de que se qualquer particular pode recusar

obediência a um comando legal inconstitucional ou a um comando infralegal ilegal, nenhuma

razão haveria para não reconhecer este direito também à Administração, que cuida de

interesses públicos e, como visto, também detém a posição de guardião da Constituição. É de

MIGUEL REALE a alocução de que:

Se o próprio particular pode recusar cumprimento a uma determinação legal eivada de inconstitucionalidade, sujeitando-se às conseqüências desse seu entendimento, afigura-se-me incompreensível que se persevere em recusar-se ao Governo igual prerrogativa, máxime em se tratando do exercício de um dos Três Poderes do Estado. A recusa na execução de um

145 Revista de Direito Público, 5, p. 245. 146 Citado por ARAGÃO, Orlando Miranda. Inconstitucionalidade de Lei – não aplicação, por esse

motivo, pelo Poder Executivo. Revista de Direito Público, 26, p. 71.

77

preceito legal, que conflite com dispositivos constitucionais, entra no quadro geral da tutela da legalidade.147

A afirmação da tese da legalidade ampla não para por aí. A formação da corrente

intermediária, com a edição da Emenda nº 16 à Constituição de 1946, não mereceu, após uma

perplexidade inicial, qualquer reconhecimento pela jurisprudência, que seguiu o mesmo rumo

de antes, considerando, inclusive, que a inovação, à época, nem era tão significativa, pois o

STF já reconhecia o direito dos Governadores de Estado de deixarem de aplicar lei estadual

inconstitucional, ainda que prevista a representação de inconstitucionalidade por meio de

Procurador Geral do Estado148.

Diz LOBO:

No contexto da moderna tendência da “jurisdicionalização” do processo administrativo, importa distinguir as funções que competem aos órgãos de julgamento, aqui com a participação dos contribuintes e o fortalecimento das garantias de imparcialidade da Administração.

Hoje, sem dúvida, o processo administrativo fiscal tem por finalidade precípua a busca da verdade material que conforma o fato gerador da obrigação tributária e o correspondente crédito tributário, sendo conduzido pela Administração fiscal no exercício de um específico poder judicante assente no contraditório e na garantia da mais ampla defesa e culminando com um ato decisório subsumido aos ditames da lei, cuja aplicação tem de ser feita em termos da mais estrita legalidade, “em muitos pontos semelhantes à sentença de um tribunal”.

Nesta conformidade, a Administração fiscal, como órgão de julgamento, deve poder deixar de aplicar a lei se considerar inconstitucional, fundamentando, obviamente, a não aplicação do texto legal sob a ótica da sua colisão com a Lei Maior. 149

Sob outra ótica, o princípio da legalidade tributária constitui uma das garantias do

Estado de Direito. Diz a Constituição Federal que “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar

de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (art. 5º, II, da CF), devendo a Administração

Pública expressa obediência ao princípio da legalidade (art. 37).

147 Citado por MONTEIRO, Ruy Castro de Barros. O argumento de inconstitucionalidade e o repúdio

da lei pelo Poder Executivo. Revista Forense, v. 49, n. 284, p. 101-3. 148 Tal situação foi lembrada pelo Ministro Aliomar Baleeiro no voto proferido no MS 15886-DF,

definido como inconsistentes todas as alegações que tomavam por base uma suposta inovação constitucional (In: Revista Trimestral de Jurisprudência, 41/685).

149 LOBO, Maria Teresa de Cárcomo. Processo Administrativo Tributário. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. Atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 250-1.

78

Fala-se tanto da reserva formal da lei (mediante a fixação precisa e determinada

do órgão singular competente para sua expedição) quanto da reserva material da lei (ordem

abstrata, geral e impessoal).

No campo tributário, a instituição, majoração e extinção dos tributos, ou criação

ou modificação de subsídio, isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito

presumido, anistia ou remissão, devem ser sempre previstos em lei, neste conceito incluída a

Constituição, e assegurando-se, assim, os valores de certeza e segurança jurídicas.

É impossível falar no princípio da legalidade tributária sem o reconhecimento de

que todos os órgãos julgadores administrativos devem decidir as questões submetidas à sua

apreciação com observância dos superiores princípios jurídicos, examinando o vigente

ordenamento como um todo.

Já se disse que não podem os julgadores ficar adstritos a determinados campos

legislativos, obedecendo cegamente às orientações internas das fazendas de que façam parte,

aplicando cega e ilegitimamente leis inconstitucionais, fazendo pouco caso da regra de ouro

de que a interpretação obedece ao critério sistemático ou ignorando a distinção entre a

administração ativa e a administração judicante, distinção esta já exposta acima.

Sempre é lembrada a decisão das Câmaras Reunidas do Tribunal de Impostos e

Taxas da Secretaria da Fazenda de São Paulo (TIT), onde se concluiu que: “O Egrégio

Tribunal de Impostos e Taxas, por qualquer de suas Câmaras, é competente para deixar de

aplicar lei inconstitucional ou decreto ilegal em casos concretos”.150

Neste julgamento, foi destacado que a intangibilidade do regime é tarefa de todos

os órgãos e poderes, todos que são guardas da Constituição, e mencionou-se os precedentes

do STF que reiteradamente reconheceram ao Poder executivo o direito de deixar de cumprir

leis que entendesse inconstitucionais.

Outro julgamento lembrado ocorreu no STJ cinco anos após a vigência da atual

Constituição: “LEI INCONSTITUCIONAL – PODER EXECUTIVO – NEGATIVA DE

EFICÁCIA. O Poder Executivo deve negar a ato normativo que lhe pareça

inconstitucional”.151

No voto do relator GOMES DE BARROS encontra-se o seguinte:

Discute-se a possibilidade de o Poder Executivo negar eficácia à execução de lei estadual que considera incompatível com a Constituição

150 Processo SF -2713/95, relator Juiz Ademir Ramos da Silva, decisão publicada no Diário Oficial do

Estado de São Paulo de 25.07.1995, p. 10. 151 STJ, REsp 23.121-GO, 1ª Turma, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, AC. de 06.10.1993.

79

Federal. Tenho comigo a convicção de que é lícito ao Executivo negar execução a lei que, a seu ver, não se coaduna com o sistema constitucional. Com efeito, o ordenamento jurídico tem como ápice a Constituição Federal. Qualquer preceito, de qualquer origem hierárquica, há que se ajustar ao sistema constitucional. Lei inconstitucional é nula. Não pode obrigar. Diante de ato legislativo em que percebe a ilegalidade, a Administração homenageia a Constituição, desconhecendo o preceito legal. Parece-me que esta última opção é a correta.

Não se pode deixar de aplicar a Constituição em detrimento da lei, ante a

superioridade desta, e pelo caráter intrínseco do processo administrativo como um sistema de

controle interno da atividade administrativa tributária, que necessariamente implica em

garantir os direitos individuais do contribuinte contra abusos e arbitrariedades da

Administração.

MARTINS RODRIGUES insiste, no mesmo sentido, que

Para tender ao princípio da legalidade não é suficiente a existência de lei, mas é necessário que a lei esteja em conformidade com as normas constitucionais que integram o ordenamento jurídico, respeitados os princípios e garantias constitucionais, tal como descritos na Constituição Federal.152

Para defender o Estado de Direito ou a supremacia da Constituição, é inequívoco

que se exige a ausência de prática contrária à Carta Magna pela Administração Pública.

3.2.7 Direito de petição

Finalmente, e como o reverso da medalha do princípio da ampla defesa, tem-se,

para alguns, a necessidade do controle administrativo de constitucionalidade para a

preservação do direito constitucional de petição.

O artigo 5º, XXXIV, “a”, da Constituição Federal, assegura a todos,

independentemente do pagamento de taxas, o direito de petição aos Poderes Públicos, em

defesa de direito ou contra ilegalidade ou abuso de poder.

O direito de petição consiste no direito de invocar a atenção dos poderes públicos

sobre uma questão ou situação, obtendo assim manifestação fundamentada sobre o que lhe foi

solicitado, não podendo a Administração se recusar a se pronunciar a respeito.

152 RODRIGUES, Marilena Talarico Martins. O Processo Administrativo Tributário. In: MARTINS,

Ives Gandra da Silva (Coord.). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. Atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 333.

80

O direito de petição não pode ser destituído de eficácia, e esta eficácia consiste

justamente na exigência de resposta por parte do poder público153, ainda que a resposta não

contemple ou atenda a providência reclamada pelo administrado154.

No mesmo sentido, veja-se ROCHA:

No direito de petição, constitucionalmente previsto, se assenta o direito ao processo administrativo. O processo administrativo é gênero de que o processo administrativo fiscal é espécie. Compondo o processo administrativo, a consulta fiscal – que consubstancia pedido de decisão da Administração, anterior a qualquer atitude desta em relação ao administrado – peticionário – é direito (garantia ou faculdade) constitucionalmente assegurado. A decisão (objetiva, sem evasivas) se impõe, como obrigação da Administração.155

Este raciocínio é completado por NEDER e LOPEZ, novamente:

Com efeito, tendo o artigo 3º da Lei nº 9.784/99, em seu inciso I, assegurado ao administrado o direito a “ser tratado com respeito pelas autoridades e servidores, que deverão facilitar o exercício de seus direitos e cumprimento de suas obrigações”, não faz sentido o Estado conceder o direito apenas para a petição e não para a apreciação do que nela se contém. Na verdade, os direitos de petição aos Poderes Públicos e de interposição de recursos foram concebidos como proteção contra qualquer atitude arbitrária do Estado. Não apenas a Carta magna, mas também, o Código Tributário Nacional é pleno de recomendações no sentido de prestigiar a dupla instância de julgamento no âmbito do processo administrativo fiscal encontra-se arquitetada de modo a conferir tal segurança, assegurando ao contribuinte insatisfeito com a manifestação da Administração a possibilidade de requerer uma segunda opinião.156

E, finalmente, conclui ICHIHARA:

O sistema da vigente Constituição Federal de 1988, quando coloca o direito de petição como garantia fundamental do indivíduo e da coletividade (art. 5º, XXXIV, a, da CF), assegurando o contraditório e a ampla defesa (art. 5º, LV, da CF), a conseqüência lógica e jurídica, é a formação do processo administrativo como forma e sede para a discussão.157

153 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 33.ed. São Paulo: Malheiros,

2011. p.144. 154 NEDER, Marcus Vinicius; LOPEZ. Maria Teresa Martínez. Processo Administrativo fiscal federal

comentado: Decreto nº 70.235/72 e Lei nº 9.784/99. 2.ed. São Paulo: Dialética, 2004. p. 49. 155 ROCHA, Valdir de Oliveira. A Consulta Fiscal. São Paulo: Dialética, 1996. p. 117. 156 NEDER, Marcus Vinicius; LOPEZ. Maria Teresa Martínez. Op. cit. p. 50. 157 ICHIHARA, Yoshiaki. Processo Administrativo Tributário. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva

(Coord.). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. Atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 215-6.

81

De qualquer modo, como já visto, o princípio da ampla defesa e a proteção do

direito de petição se confundem, correspondendo a duas faces da mesma moeda.

3.3 TESES INTERMEDIÁRIAS

Diversas correntes intermediárias emergem da prática administrativa ou da

doutrina, sempre reduzindo o grau de possibilidade de reconhecimento da ilegalidade ou da

inconstitucionalidade, mas sem chegar nunca ao exagero de impedir referido reconhecimento,

de modo absoluto, por parte dos agentes administrativos.

3.3.1 Limitação à cúpula administrativa

A primeira delas pode ser descrita como limitadora do citado reconhecimento ao

chefe do Poder Executivo.

É o que pensa THEMÍSTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI:

Uma das questões freqüentemente suscitadas na aplicação de leis inconstitucionais é a competência da autoridade administrativa para apreciá-la ao dar cumprimento e execução aos seus preceitos. O princípio geralmente aceito é de que não pode qualquer funcionário deixar de cumprir uma lei sob a alegação de que a mesma é inconstitucional, transformando-se em juiz de sua constitucionalidade. O que tem sido, entretanto, admitido é que a autoridade superior, o Poder Executivo, na orientação da política administrativa, pode verificar a constitucionalidade de uma lei e deixar de aplicá-la, usando do processo usual de interpretação que consiste na aplicação da lei hierarquicamente superior, que exclui, desde logo, a aplicação da lei menor que com ela vem colidir.158

É expressão desse pensamento, ainda, a opinião externada por LÚCIO

BITTENCOURT, que nega aos funcionários administrativos tal faculdade por não contarem

com o exercício do Poder Executivo159.

Dentre os defensores do argumento em prol da competência controladora

centralizada da Administração, tem-se SILVA NETO, para quem:

158 CAVALCANTI, Themistocles Brandão. Lei – Declaração de Inconstitucionalidade pelo Poder

Executivo. Parecer, RDA, 82, p. 377. 159 Cf. MONTEIRO, Ruy Castro de Barros. O argumento de inconstitucionalidade e o repúdio da lei

pelo Poder Executivo. Revista Forense, v. 49, n. 284, p. 109.

82

Logo, impedir que o Chefe do Poder Executivo afaste, no âmbito da Administração Pública por ele chefiada – e só com relação a ela, é claro! -, a aplicação de norma suspeita de inconstitucionalidade significa admitir o desencadeamento de efeitos nocivos ao interesse público até que, por definitivo, o Poder Judiciário declare a existência do vício. Conseqüentemente, a própria redação atribuída ao art. 27 da Lei n. 9.868/99 serve de perfeito fundamento para a recusa de aplicação de lei ou ato normativo fundamentalmente inconstitucional, porquanto há situações em que se não presencia retroeficácia na declaração, advindo daí possível efeito danoso ao patrimônio público, cumprindo ao Chefe do Poder Executivo atuar preventivamente de molde a obstar se consolide essa situação. Anote-se, no entanto, que vimos cogitando de prerrogativa do Chefe do Poder, razão pela qual não é deferida a outras autoridades administrativas, por mais autonomia que tenha ou possam crer que a possuam. É que o Chefe do Poder executivo detém a prerrogativa; porém pode ser responsabilizado por descumprimento da Constituição (art. 85, caput, e.g160.). Advirta-se ainda que não se trata, de jeito algum, de usurpação de competência judicial pela função executiva, porque, de resto, eventual ofensa a interesse dos indivíduos ocasionada pela recusa quanto à aplicação de lei considerada inconstitucional pelo Presidente da República, Governadores e Prefeitos, poderá ser conduzida ao Poder Judiciário, que dará a palavra final sobre a adequação ou não da norma ou ato normativo à Constituição. Por fim, é na linha da admissibilidade da tese de recusa legítima de lei inconstitucional pelo Poder Executivo que se pronunciam o STF e o STJ.161

O posicionamento indicado acima concebe a competência controladora,

entretanto, como prerrogativa do Chefe do Poder, e não dos demais agentes inferiores, com o

que não se pode concordar, já que deve se admitir esta competência para a Administração

judicante (embora, com efeito, se possa recusá-la à Administração ativa). Sobre a

competência controladora da constitucionalidade pela Administração judicante, veja-se os

itens 3.2.3. supra e 3.3.3. infra.

160 BRASIL. Constituição Federal, 1988: “Art. 85: São crimes de responsabilidade os atos do

Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: I - a existência da União; II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação; III - o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; IV - a segurança interna do País; V - a probidade na administração; VI - a lei orçamentária; VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais”.

161 SILVA NETO, Manoel Jorge. Curso de Direito Constitucional. 8.ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 289-90.

83

3.3.2 Prévia atuação do Poder Judiciário

Outra limitação é aquela de que fala COELHO, que apenas admite o controle

administrativo quando já há precedente pela inconstitucionalidade declarado pelo Poder

Judiciário:

Uma coisa é ter competência para declarar a inconstitucionalidade da lei no Brasil. No Brasil, somente o Poder Judiciário a tem (métodos difuso e concentrado). Outra coisa é poder introjetar na decisão administrativa as conclusões do Poder Judiciário. Caso o administrador, aplique norma já declarada inconstitucional, causando prejuízo ao contribuinte, atrai contra a Administração a responsabilidade civil do Estado pelos atos do seus funcionários, lesivos a direitos de terceiros.162

Todavia, TORRES responde em sentido positivo a questão sobre se “A autoridade

administrativa, como julgadora no processo administrativo fiscal, pode deixar de aplicar a

lei por considerá-la inconstitucional? Se aplicou norma inconstitucional e causou prejuízo ao

contribuinte, qual é a sua responsabilidade, à luz do art. 37, §6º, da Constituição Federal?”,

salientando que os recursos existentes no processo administrativo e a inafastabilidade do

controle judicial (desde que provocado) minimizam o risco da decisão sobre

inconstitucionalidade de norma:

A declaração de inconstitucionalidade pela Administração Judicante. Parece-nos que a resposta deve ser afirmativa, desde que o processo administrativo se organize sob forma semelhante à do processo judicial, com instâncias julgadoras e recursos previstos em lei. O argumento central em favor da competência dos órgãos da Administração Judicante é o mesmo que justifica a competência genérica para o Executivo recusar-se a aplicar a lei: a inexistência do monopólio do Judiciário quanto ao controle de constitucionalidade. Só que, no que concerne à declaração administrativa de inconstitucionalidade in casu, ficam-se com solidez as balizas para a conduta do Executivo, que poderá agir através de órgãos categorizados e com a exata noção do risco do controle de constitucionalidade. Os argumentos se desenvolvem em torno desses dois vetores principais – posição hierárquica do agente e natureza do ato administrativo. O risco do erro fica bem minimizado quando se trata de processo formal administrativo. Sendo a declaração administrativa de inconstitucionalidade uma verdadeira anulação ou invalidação do ato, e não mera suspensão, o perigo maior que a ronda é o do informalismo, que não

162 COELHO, Sacha Calmon. Processo Administrativo Tributário. In: MARTINS, Ives Gandra da

Silva (Coord.). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. Atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 192.

84

propiciaria aos órgãos superiores o controle hierárquico posterior. Quando se tratar, porém, de processo submetido aos órgãos julgadores, em que a declaração de inconstitucionalidade será formal, o risco fica sensivelmente reduzido. Esse formalismo da decisão, que minimiza os riscos, permite os recursos por parte dos próprios representantes da Fazenda e a ida do interessado em busca da revisão judicial. A declaração genérica de inconstitucionalidade da lei tributária pelo Executivo, da qual possa resultar um pleito de repetição de indébito, deve ser rejeitada porque o dano porventura causado ao Fisco será irreparável, pois a Administração não poderá anular o seu ato se outro for o entendimento da Justiça; quando, porém, a inconstitucionalidade se afirmar em processo submetido a órgãos administrativos com competência para julgar, que se desenrole segundo rito previsto em lei, inexiste aquele risco, pois há o controle posterior pela via dos recursos. Em suma, a inconstitucionalidade da lei pode ser declarada incidentalmente pela Administração em processos administrativos tributários, já que os aspectos formais do procedimento e a competência dos órgãos que nele funcionam neutralizam os riscos da medida. 163

TORRES faz interessante menção à vinculatividade da decisão judicial:

A resistência à recepção do julgados. Outra coisa é a obrigatoriedade de adesão à jurisprudência que tenha declarado incidentalmente a inconstitucionalidade. A autoridade julgadora não está obrigada a recepcionar as decisões judiciais que valem inter partes, embora possa fazê-lo espontaneamente, como se viu. A não ser que a Administração tenha, por ato formal e genérico, aderido à jurisprudência firmada. Com efeito, intricada é a questão da resistência à recepção dos julgados dos tribunais. Cuida-se de tensão entre dois princípios gerais de direito tributário: o da vinculação do lançamento à lei formal e o da proteção da confiança do contribuinte na unidade do ordenamento tributário. A Administração Fiscal não pode deixar de aplicar a lei e realizar o lançamento se inexiste declaração de inconstitucionalidade na via da ação direta. Por outro lado, as decisões judiciais, inclusive as do Supremo Tribunal Federal, nem mesmo quando incluídas na Súmula da Jurisprudência Predominante, têm efeito vinculante com referência às autoridades administrativas; é grande o número de reformulações dos verbetes das súmulas; ademais, não se sabe, exatamente, quando a jurisprudência se torna pacífica. Acrescente-se, ainda, que não é atividade plenamente vinculada nos termos do art. 142 do CTN. Conclui-se, portanto, que a solução depende da análise de cada caso, para que a Administração, em nome da moralidade, recepcione o julgado quando entender que há expressiva convicção de que a jurisprudência já se tornou mansa e pacífica. Necessita-se da prévia ponderação de valores para que se possa afastar princípio de natureza constitucional diante do outro, da mesma hierarquia, que no caso específico se tenha tornado mais importante. A Lei 9.430, de 27.12.1996, supriu o déficit de legalidade que havia na incorporação dos julgados pela própria Administração, autorizando o

163 TORRES, Ricardo Lobo. Algumas Questões do Processo Administrativo Tributário. In:

MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. Atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p.167-70.

85

Executivo a disciplinar a abstenção de lançamento, a declaração de extinção do crédito e a desistência das ações. O Decreto 2.346, de 10.10.1997, regulamentou o assunto, estendendo a recepção ao processo administrativo tributário administrativo fiscal. Concluindo, parece-nos que a autoridade julgadora no processo administrativo fiscal pode deixar de aplicar a lei por considerá-la inconstitucional. Mas a tanto não se obriga, salvo se a Administração Superior, por ato formal e genérico, houver recepcionado os julgados do Supremo Tribunal Federal. 164

Mas, de qualquer modo, foi para assegurar um certo objetivismo por parte da

Administração que surgiu a ideia de admitir o reconhecimento administrativo da

inconstitucionalidade ou da ilegalidade somente após esse reconhecimento haver sido

praticado por órgãos do Poder Judiciário165.

Na opinião de JOSÉ LUIZ DE ANHAIA MELO166, o reconhecimento

administrativo da inconstitucionalidade ou da ilegalidade somente poderia ocorrer após a

prévia ou concomitante submissão do caso ao Poder Judiciário, embora a decisão oriunda do

mesmo não precisasse ser aguardada para que a ação ou omissão administrativa se

processasse.

Representativa do pensamento intermediário é a opinião de HARADA, para

quem:

4) A autoridade administrativa, como julgadora no processo administrativo fiscal, pode deixar de aplicar a lei por considera-la inconstitucional? Se aplicou norma inconstitucional e causou prejuízo ao contribuinte, qual é a sua responsabilidade, à luz do art. 37,§ 6º, da Constituição Federal?

Sim, a autoridade administrativa, enquanto julgadora no processo administrativo fiscal, pode deixar de aplicar a lei por considerá-la inconstitucional. Entretanto, é sempre aconselhável que se aguarde o pronunciamento definitivo do Poder Judiciário acerca da matéria, em razão do princípio de presunção de constitucionalidade das leis em vigor.

164 TORRES, Ricardo Lobo. Algumas Questões do Processo Administrativo Tributário. In:

MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. Atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p.167-70.

165 Parece ser este o pensamento de Edvaldo Brito, ao noticiar em seus votos emitidos na 3ª Câmara do 1º Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda, que em toda vez que se deparou com hipóteses como a redução da alíquota do FINSOCIAL/faturamento, ou com a impossibilidade de utilização da TR como indexador ou taxa de juros, tem decidido administrativamente pela inconstitucionalidade das citadas normas, com fulcro em jurisprudência iterativa do Supremo Tribunal Federal, ainda que não relativa a ADINs (BRITO, Edvaldo. Ampla defesa e competência dos órgãos julgadores administrativos para conhecer de argumentos de inconstitucionalidade e/ou ilegalidade de atos em que se fundamentam autuações. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). Processo Administrativo Fiscal. São Paulo, Dialética, 1995. p. 60).

166 Citado por MONTEIRO, Ruy Carlos de Barros. O argumento de inconstitucionalidade e o repúdio à lei pelo Poder Executivo. Revista Forense, v. 79, n. 284, out./dez. 1983. p. 108.

86

À luz do art. 37, §6º, da CF nenhuma responsabilidade poderá ser carreada ao servidor público, que aplicou determinada norma inconstitucional, salvo se agiu com dolo ou culpa, hipótese em que responderá regressivamente perante o Estado.167

Como crítica, pode-se dizer que o argumento não é aceitável. Aguardar a prévia

manifestação do Poder Judiciário esbarra na ideia de preservação do Estado de Direito por

todos os poderes e de supremacia da Constituição.

3.3.3 Limitação aos órgãos julgadores

Já manifestamos acima a concordância com a tese de que a Administração

julgadora possui competência para o controle de constitucionalidade.

Ao se restringir o controle apenas à Administração julgadora (retirando-o da

chamada Administração ativa), chega-se de fato a uma espécie de tese intermediária.

Nesse sentido, ROCHA entende que o controle administrativo de

constitucionalidade, de todo factível, não deveria ficar limitado à cúpula administrativa,

embora devesse ficar restrito a todo agente quando possuísse atividade julgadora:

Não tenho dúvida em afirmar que a autoridade administrativa pode e deve deixar de aplicar lei por considerá-la inconstitucional. Não se trata simplesmente de declarar a inconstitucionalidade da lei, mas de decidir no caso concreto. Logo se vê que não generalizo essa possibilidade de deixar de aplicar a lei inconstitucional a qualquer autoridade administrativa, pois que restrinjo essa possibilidade à autoridade administrativa investida da função de julgadora. Não desconheço que, com freqüência, a autoridade administrativa julgadora revela - até ingenuamente – aquilo que entende ser sua limitação e não decide sobre a matéria de defesa que diz com argumentos de inconstitucionalidade ou ilegalidade dos dispositivos legais em que se fundaria a exigência. E o faz porque supõe que essa seria uma limitação de sua função. Toda vez que isso se dá, no processo administrativo, ignora-se flagrantemente não só a ampla defesa como qualquer defesa, pois o dizer ampla é mero apoio e reforço que, de rigor, nem seria necessário, mas que afinal revela sua utilidade. Se o julgador administrativo entender que sua função tem a limitação de não admitir que declare a inconstitucionalidade (ou ilegalidade) de dispositivo no caso concreto, há que se ter presentes duas possíveis atitudes a tomar: pela primeira, diante da limitação, declara sua impossibilidade de decidir e, com isso, não dá margem a que se inscreva o débito na dívida ativa

167 HARADA, Kiyoshi. Processo Administrativo Tributário. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva

(coord). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. Atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 373.

87

que aparelhe qualquer título executivo judicial, com que se habilitará a execução com título judicial; pela segunda, apesar de restringir indevidamente a defesa (que deixa de ser ampla para ser apequenada ao tamanho de nenhuma), declara a sua impossibilidade de decidir pelo argumento de inconstitucionalidade apresentado pelo contribuinte, mas nega provimento ao seu recurso e decide contra o sujeito passivo, possibilitando ao Fisco a inscrição do débito na dívida ativa, munindo-o com título executivo extrajudicial, indevidamente formalizado, que seria habilitador da execução fiscal. No caso da primeira atitude adotada pelo julgador administrativo não há que se falar em responsabilidade. No caso da segunda atitude, não tenho dúvida em afirmar que o julgador administrativo causa dano a terceiro (o sujeito passivo), e, como tal, pode ser responsabilizado mediante ação de regresso. Mais do que isso, o julgador administrativo poderá ser alvo de ação popular movida por qualquer cidadão com o intuito de anular o ato atentatório à moralidade administrativa (art. 5º, inc. LXXIII, da Constituição federal de 1988). Obtempero, entretanto, com a situação em que a lei própria do ente competente vede que o julgador administrativo conheça de argumentos de inconstitucionalidade. Quando tal ocorre e o julgador administrativo deixa em conseqüência, de conhecer da argumentação, entendo que não poderá o Estado dirigir-lhe ação de regresso, uma vez responsabilizado.168

No mesmo sentido do entendimento de ROCHA tem-se COSTA, para quem

qualquer órgão julgador possui atribuição de controlar a aplicação da norma inconstitucional:

A formação do processo administrativo, como forma e sede para a discussão, encontra supedâneo no sistema constitucional vigente agasalhado pelo direito de petição como garantia fundamental do indivíduo e da coletividade (art. 5º, XXXV, a da CF), assegurando o contraditório e a ampla defesa (art. 5º, LV, da CF). Cabe à Administração Pública criar a estrutura ativada por agentes públicos competentes para dar andamento e julgadores administrativos para decidir através do exercício da função administrativa, sem, todavia, exercer função jurisdicional, exclusiva do Poder Judiciário. Isto significa dizer que os agentes administrativos com funções de decidir e julgar as controvérsias instauradas no processo administrativo, apesar de não dotados das garantias do magistrado, não têm suas decisões coberta pelo manto da coisa julgada, exigindo-se, como decorrência do devido processo legal, que sejam imparciais e, apesar de agentes públicos, sejam independentes e decidam interpretando os fatos e tendo como parâmetro a lei, e, sobretudo, a Constituição. Essas decisões devem ser secundum lege, mesmo tendo sido proferidas por um julgador administrativo. Na hipótese de uma lei inconstitucional, sem dúvida alguma, o julgador administrativo deve e pode deixar de aplicar a lei ao caso concreto, mesmo que não tenha a liberdade que o magistrado tem, pois este exerce a

168 ROCHA, Valdir de Oliveira. Processo Administrativo Tributário. In: MARTINS, Ives Gandra da

Silva (Coord.). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. Atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 257-8.

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sua função típica de julgar e possui, em decorrência, todas as garantias expressas pela Constituição Federal. Sobre essa questão escreve Carlos Maximiliano: “Presumem-se constitucionais todos os atos do Congresso e do Executivo. Só se proclama, em sentença, a inconstitucionalidade, quando esta é evidente, fora de toda dúvida razoável”.169

COSTA tratou ainda da questão da responsabilização da autoridade administrativa

julgadora:

Na interpretação do supra-referido texto, entende-se que, se as pessoas jurídicas de direito público causarem danos a terceiros, responderão objetivamente, vale dizer, desde que se comprove o nexo causal. Cabe, ainda, trazer a lume lição de Hely Lopes Meirelles: “Observe-se que o art. 37, § 6º, só atribui responsabilidade objetiva à Administração pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causem a terceiros”. Com referência à responsabilidade regressiva contra o agente, esta responsabilidade é subjetiva, somente cabendo em caso de comprovada culpa ou dolo. Sem a referida prova, cujo ônus cabe a quem alega, não há que se falar em responsabilização do agente público, mesmo no caso do julgador administrativo. Conclui-se, diante do exposto, que a autoridade administrativa, no exercício da função de julgar, no caso de evidente ou manifesta inconstitucionalidade, sem qualquer dúvida, pode e deve deixar de aplicar a lei. Na hipótese de ocorrerem erro no julgamento como decorrência da decisão administrativa, na hipótese de ocorrer prejuízos a terceiros, o Estado responde objetivamente, na forma do art. 37, § 6º, da CF. Entretanto, é bom assinalar, a responsabilidade subjetiva do agente somente ocorre no caso de comprovada a culpa ou o dolo.170

Não destoou deste entendimento ALVES, que diferenciou a atividade

administrativa de lançamento - plenamente vinculada à lei171 - da atividade exercida pela

autoridade administrativa julgadora:

Nas exposições de antes, vimos que a atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória (art. 14, parágrafo único, do CTN). É vinculada porque a Administração ao efetuar o lançamento deve conformar-se estritamente às determinações legais. É obrigatória porque a autoridade administrativa não pode eximir-se de realizá-la, sob pena de responsabilidade funcional. Em outras palavras, tendo o conhecimento da

169 COSTA, Antônio José da. Processo Administrativo Tributário. In: MARTINS, Ives Gandra da

Silva (Coord.). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. Atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 268-9.

170 Ibidem. p. 269-70. 171 Art. 3º do CTN: “Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela

se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”.

89

ocorrência de um fato tributável, não pode a autoridade fiscal deixar de fazer o lançamento. É diferente, entretanto, quando a autoridade administrativa, no processo administrativo fiscal, exerce função julgadora. Nesse caso, prevalece o princípio do livre convencimento do julgador. Se, ao apreciar provas, que no âmbito desse processo são principalmente a documental e a pericial, a autoridade administrativa se convencia de que a lei em que baseou o lançamento é inconstitucional, mais do que a faculdade, tem o dever de não aplicá-la. A não aplicação dessa lei implica anulação ou invalidação do referido lançamento. A Administração pode anular por seus próprios meios os atos ilegais que praticou. Este princípio está codificado na Súmula 473 do STF com este teor: “A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada em todos os casos a apreciação judicial”. A anulação pode ser de ofício, pelo mesmo agente que praticou o ato ilegal, ou por autoridade superior que venha conhecer da ilegalidade através do recurso interno. A propósito, escreveu Hely Lopes Meirelles: “A anulação dos atos administrativos pela própria Administração constitui a forma normal de invalidação da atividade ilegítima do Poder Público. Essa faculdade assenta no poder de autotutela do Estado. É uma justiça interna, exercida pelas autoridades administrativas em defesa da instituição e da legalidade de seus atos. A autoridade administrativa como julgadora no processo administrativo fiscal pode deixar de aplicar uma lei por considerá-la inconstitucional. Essa decisão terá respaldo no princípio do livre convencimento do julgador. Não faria nenhum sentido que a autoridade administrativa, mesmo convencida da inconstitucionalidade de uma lei, fosse obrigada a aplicá-la.172

Sem esquecer ICHIHARA, para quem, respondendo à mesma questão, entendeu

que:

O sistema da vigente Constituição Federal de 1988, quando coloca o direito de petição como garantia fundamental do indivíduo e da coletividade (art. 5º, XXXIV, a, da CF), assegurando o contraditório e a ampla defesa (art. 5º, LV, da CF), a conseqüência lógica e jurídica, é a formação do processo administrativo como forma e sede para a discussão. Evidentemente, é preciso que a administração crie a estrutura, bem como agentes públicos competentes para dar andamento e julgadores administrativos para decidir. As decisões dos agentes administrativos com funções de decidir e julgar as controvérsias instauradas no processo administrativo, apesar de não dotados das garantias do Magistrado, não são cobertas pelo manto da coisa julgada, exigindo-se como decorrência do devido processo legal que sejam

172 ALVES, Francisco de Assis. Processo Administrativo Tributário. In: MARTINS, Ives Gandra da

Silva (Coord.). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 459-61.

90

imparciais e, apesar de agentes públicos, sejam independentes e decidam interpretando os fatos e tendo como parâmetro a lei. A decisão secundum legem é o elementar que se exige, mesmo sendo emanada de um julgador administrativo. Para tanto, deve-se utilizar-se dos métodos de interpretação admitidos pela lei e consagrados pela doutrina e pela ciência do direito. Uma lei sendo inconstitucional, ou seja, sendo a lei contrária ao preceito constitucional, sem dúvida alguma, o julgador administrativo deve e pode deixar de aplicar a lei ao caso concreto. Todavia, sendo o agente público revestido da função de julgador, evidente que não possui a liberdade que o magistrado detém, pois este exerce sua função típica de julgar e possui os predicamentos e as garantias constitucionais expressas. Entretanto, se a liberdade é relativamente tolhida, especialmente pelas molduras colocadas pelo próprio agente, não chega ao ponto de prevalecer aquela máxima entre os agentes públicos em geral, isto é, que as normas e determinações superiores só podem ser descumpridas se manifestamente ilegais. Sobre a questão dos limites da constitucionalidade e da inconstitucionalidade, escreve Carlos Maximiliano: “Presumem-se constitucionais todos os atos do Congresso e do Executivo. Só se proclama, em sentença, a inconstitucionalidade, quando esta é evidente, fora de toda dúvida razoável”. Portanto, pode o julgador administrativo deixar de aplicar a lei por considerá-la inconstitucional, quando esta é manifesta.173

Como se viu, estes entendimentos ampliam a possibilidade de aplicação do exame

de constitucionalidade para qualquer agente julgador administrativo, e convenientemente

afastam a ideia de uma competência exclusiva do Poder Judiciário para preservar a

Constituição.

A liberdade de julgar do julgador administrativo é menor do que a do magistrado,

contudo é mais ampla do que a dos agentes públicos em geral (Administração ativa), já que

estes se submetem à hierarquia, diferentemente dos julgadores administrativos

(Administração judicante).

Cumpre anotar que os órgãos administrativos julgadores são especializados na

matéria altamente complexa que lhes é submetida, apreciando um número infinitamente maior

de casos do que o número submetido ao Judiciário, onde a análise nem sempre é tão técnica e

detalhada. Este argumento serve a reforçar a ideia de que o julgamento, pelo Poder Judiciário,

deveria ocorrer de modo excepcional apenas. Hoje, sequer as provas produzidas na instância

administrativa (a exemplo de perícias) são aproveitadas na fase judicial, o que produz um

inegável aumento de despesas e de demora na solução das controvérsias.

173 ICHIHARA, Yoshiaki. Processo Administrativo Tributário. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva

(Coord.). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. Atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 215-6.

91

3.3.4 Limitação aos órgãos julgadores de segundo grau

Deriva da tese anterior a tese de que, embora factível o controle de

constitucionalidade por órgãos julgadores (Administração julgadora), este controle seria

restrito aos órgãos administrativos julgadores de segundo grau (com composição paritária de

julgadores classistas e fazendários), em razão da necessidade de conferir maior segurança e

imparcialidade às decisões administrativas.

É MARIZ DE OLIVEIRA, respondendo à questão já mencionada e diferenciando

a atividade julgadora de primeira instância (onde a composição é exclusivamente fazendária)

da atividade realizada pela segunda instância (onde passa a existir a composição paritária

entre fazendários e membros classistas), quem pensa que:

Esta é uma matéria extremamente complexa e controvertida. Se se entender autoridade administrativa como sendo julgadora de primeira instância, dificilmente se poderá falar em ela deixar de aplicar uma lei por entendê-la inconstitucional, já que essa autoridade está jungida a cumprir até mesmo os atos normativos expedidos pelas repartições fazendárias. Já na segunda instância, que não deve subordinação na sua tarefa decisória, em tese é possível que o órgão julgador deixe de aplicar uma lei por considerá-la contrária à Constituição, por que a aplicação do direito, necessariamente contida em qualquer manifestação judicante, começa pela aplicação das próprias normas constitucionais. Não fossem por outras razões, basta lembrar que a obrigação tributária está regida pelo princípio da estrita legalidade, e estrita legalidade também significa estrita compatibilidade entre norma infra-constitucional e as superiores prescrições contidas na Constituição Republicana. No seio dos Conselhos de Contribuintes e da Câmara Superior de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda vem sendo mantido o entendimento de que não cabe aos tribunais administrativos apreciar questões constitucionais, mas vem ocorrendo a aplicação da Constituição, em detrimento da aplicação de leis ordinárias, sob duas formas: por adoção pura e simples de jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que já tenha declarado determinado dispositivo legal como inconstitucional, ou por não aplicação de determinado dispositivo legal, sem declarar a sua inconstitucionalidade, quando num caso concreto ele colida com alguma norma constitucional (como, por exemplo, quando preveja aplicação imediata e sem guarda da exigência do princípio da anterioridade). 174

Em relação à responsabilidade do Estado e do julgador administrativo, MARIZ

DE OLIVEIRA leciona:

174 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Processo Administrativo Tributário. In: MARTINS, Ives Gandra

da Silva (Coord.). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. Atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 215-6.

92

Quanto ao § 6º do art. 37 da Constituição Federal, prevê a responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas de direito público pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, e assegura o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. Sendo objetiva a responsabilidade, o ente público que, através de indevido lançamento tributário procedido por um de seus agentes causando prejuízo ao contribuinte, tiver causado prejuízo ao contribuinte, deve responder pela completa recomposição patrimonial do mesmo. O mesmo pode-se dizer dos prejuízos derivados da manutenção desse lançamento através do julgamento administrativo, em qualquer de suas instâncias. Observe-se que estas assertivas valem quer a razão invalidante do lançamento seja constitucional, quer não. Todavia, estender a responsabilidade em caráter regressivo ou não, ao funcionário ou ao julgador administrativo, pressupõe a ocorrência de dolo ou culpa pessoal deste. Ora, dificilmente se poderá dizer existir dolo ou ao menos culpa nas circunstâncias da pergunta, seja pelo entendimento geralmente admitido de que os agentes públicos devem aplicar as leis e atos normativos advindos de seus superiores, seja pelo princípio, também geralmente reconhecido de que as leis têm presunção de validade constitucional até ocorrer a suspensão da vigência de uma delas por decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado válido erga omnes. Destarte, somente se pode admitir responsabilidade pessoal da autoridade julgadora175 a partir da suspensão de vigência de dispositivo legal pelo Senado Federal ou pelo Supremo Tribunal Federal. 176

O fato da primeira instância ser composta exclusivamente de servidores do fisco

retiraria da mesma a imparcialidade necessária ao julgamento. O melhor juiz não poderia ser

juiz de si mesmo, como se diz. “Nem ao homem mais imparcial do mundo é permitido que se

torne juiz em seu próprio caso”, já lecionava PASCAL em 1662177.

Mas se a Administração logra, com a centralização e com a dependência do

Judiciário, afastar-se dos riscos do subjetivismo do servidor e de certa desordem

administrativa, perde em agilidade e na proteção dos interesses dos administrados, pois

poderá agir a Administração de modo monstruoso (constitucionalmente falando).

O problema, registre-se, não se apresenta apenas na esfera administrativa. Pode-se

perceber que a competência para decidir pela constitucionalidade de normas legais vem sendo

questionada face aos órgãos julgadores, integrantes da estrutura do Poder Judiciário,

informadores do chamado primeiro grau de jurisdição. A atividade jurisdicional realizada

pelos mesmos, onde diferentes entendimentos são firmados, contra e a favor do Executivo

federal, vem sendo apontada como motivo de risco às políticas federais e mesmo de

175 E do próprio Estado, sem dúvida. 176 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Processo Administrativo Tributário. In: MARTINS, Ives Gandra

da Silva (Coord.). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. Atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 216.

177 GIANETTI, Eduardo. O Livro das Citações. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

93

descrédito da justiça. Pretende-se, para abreviar estes “males”, cometidos por membros do

Poder Judiciário, concentrar competências em esferas superiores do Poder.

Vários argumentos são alinhados para justificar a concentração decisória em

instâncias superiores, e um deles é revelado a partir da discussão travada entre o Ministro

GONÇALVES DE OLIVEIRA e o Ministro CÂNDIDO MOTTA FILHO, no julgamento do

RMS 15.015-SP.

Para o primeiro, “As leis votadas regularmente pelas Assembléias devem ser

cumpridas. Não podemos permitir que o Poder Executivo descumpra as leis, na base de

interpretação. Nem todo o Governador é um Ruy Barbosa, jurisconsulto de porte, para

descumprir as leis, na base das interpretações”. Redarguiu o segundo que o “Ruy Barbosa é

o Poder Executivo, com a sua máquina, sua existência jurídica, com a consciência de sua

competência, guarda que também é da Constituição”.178

Ficamos com a segunda opinião, até mesmo porque a existência de um segundo

grau administrativo significa a inocorrênia de previsão de julgamento definitivo por parte da

primeira instância, que deve preservar, por esta razão, a sua competência controladora.

3.3.5 Prévia atuação do Poder Executivo

Tese intermediária também é exposta pelo Ministro GONÇALVES DE

OLIVEIRA no RMS 15015-SP, para quem apenas se o veto fosse rejeitado é que o Executivo

poderia agir em desconformidade com a norma legal tida como inconstitucional: “Então,

minha opinião a respeito é esta: quando o Congresso veta uma lei baseado na conveniência

política, não cabe ao Presidente da República, ele deve ter um meio de fazer prevalecer as

suas prerrogativas constitucionais”179.

Trata-se de uma subespécie do argumento de que o controle deve caber apenas à

cúpula do Poder Executivo, e pelas mesmas razões expostas no item 3.3.1, o argumento deve

ser afastado. Ademais, a necessidade de preservação do Estado de Direito e a supremacia da

Constituição evidentemente afastam qualquer conclusão de que a eventual ausência de veto

possa prevalecer para as consequências pretendidas.

178 Revista Trimestral de Jurisprudência, 36, p. 385-386. 179 Ibidem. p. 386.

94

3.3.6 Requalificação dos órgãos de controle

Ao lado dos que entendem dever ser reservada ao chefe do Poder a condição de

resolver sobre a compatibilidade vertical das normas, dever aguardar-se a solução judiciária,

ou caber o controle unicamente a órgãos julgadores, põem-se outros, que admitem uma maior

descentralização, tomando-se, todavia, alguns cuidados quanto ao mal do subjetivismo.

Este poderia ser atenuado, assim, pela obrigatoriedade de consultas a órgãos

técnicos (notadamente as procuradorias jurídicas), pelo estabelecimento de duplo grau

necessário ou pela instituição da necessidade de homologação180.

Outra variante exige que as decisões administrativas proveniente de órgãos

colegiados observem o quorum especial (maioria absoluta) fixado no artigo 97 da

Constituição Federal para a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do

Poder Público.

3.3.7 Limitações em razão da boa fé, do direito adquirido ou do ato jurídico perfeito

Duas atenuações, contudo, propostas por teses intermediárias, devem ser

irrecusavelmente admitidas, ao lado da já admitida competência controladora aos órgãos

julgadores. Uma delas é a evidência da inconstitucionalidade (que será vista no item 3.3.8).

Outra delas cuida do caso de haverem sido produzidos efeitos face a terceiros a

partir de atos fundados em norma desfundamentada. Foi o que decidiu o Supremo Tribunal

Federal no RE 85787/SP, sendo relator o Ministro SOARES MUNOZ:

A Administração Pública pode negar-se a dar cumprimento à lei inconstitucional. Defeso lhe é, porém, depois de tê-la aplicado, anular os respectivos atos, mormente se produziram efeitos em relação a terceiros fundada na inconstitucionalidade da lei. Recurso extraordinário não conhecido.181

Torna-se fácil, neste ponto, concluir acerca da possibilidade de controle de

constitucionalidade ou de legalidade após a criação de benefício, respondida consulta, ou

ocorrida renúncia de créditos fiscais por parte da Administração. Em todos estes casos, o

limite à atuação da Administração judicante consistirá justamente na necessidade de

180 Trata-se de sugestões que podem ser feitas de lege ferenda, inclusive em relação à legislação

baiana. 181 Ementário, 110, p. 1372.

95

preservação da boa fé do contribuinte, do direito adquirido e do ato jurídico perfeito,

corolários da segurança jurídica.

Trata-se de situação inteiramente diversa daquela em que a Administração se

coloca como órgão julgador primário em conflito que envolve o contribuinte e onde nenhuma

expectativa legítima foi criada, exceto pela presunção de constitucionalidade da lei ou de

legalidade do ato, presunção esta ainda não consolidada por um benefício, consulta ou

renúncia da Administração.

Este tema é imbricado com a legitimidade da Administração para agir contra ato

próprio, e com o mesmo será apreciado no item 4.3 abaixo.

3.3.8 Evidência da inconstitucionalidade

Outra limitação inconteste reside em que a inconstitucionalidade deve ser evidente

ou manifesta. O Ministro CÂNDIDO MOTA FILHO, ao julgar o RMS 15.015-SP, assim

assinalou:

É verdade que, como regra, não pode o executivo recusar cumprimento a uma lei, a pretexto de achá-la inconstitucional. Porém, o Executivo é também guarda da Constituição e quando essa violação é berrante, notória, incontroversa, ele, como diz Rui Barbosa, descumpre a lei para cumprir a Constituição.182

Ou seja, a inconstitucionalidade deve estar acima de qualquer dúvida razoável

(“beyond all resonable doubt”) e devem haver fortes razões para sua decretação (“clear and

strong conviction”)183.

Para João Barbalho, devem haver razões peremptórias, e Willoughby leciona que

o direito de um funcionário, a quem cabe a execução de uma lei, de recusar o seu

cumprimento sob o fundamento de inconstitucionalidade, não é tão claro quanto o do

particular obrigado a cumprir a lei. Como orientação geral, parece que um funcionário

público, mesmo quando assumir o risco de um processo, ou punição, civil ou criminal, não

deveria deixar de cumprir uma lei, mesmo inconstitucional, exceto quando as consequências

182 Revista Trimestral de Jurisprudência, 36, p. 384. 183 CAVALCANTI, Themistocles Brandão. Lei – Declaração de Inconstitucionalidade pelo Poder

Executivo. Revista de Direito Administrativo, 82, p. 377.

96

forem graves e irremediáveis, ou, muito especialmente, quando o único meio que pode levar o

caso à apreciação judicial para verificação de sua validade é a recusa de sua aplicação184.

Na jurisprudência, existe precedente do Supremo Tribunal Federal, no sentido de

que a recusa pela autoridade administrativa ao cumprimento de lei por ela reputada

inconstitucional só é possível em caso de inconstitucionalidade manifesta185.

A evidência da inconstitucionalidade combina com o princípio da presunção de

constitucionalidade dos atos normativos do Poder Público, na extensão que o mesmo pode

assumir. Trata-se de um princípio formal, ressalte-se, que não pode, diante da lei da

184 Citados por CAVALCANTI, Themistocles Brandão. Lei – Declaração de Inconstitucionalidade

pelo Poder Executivo. Revista de Direito Administrativo, 82, p. 377. 185 RMS-14557/SP. Recurso de mandado de segurança. Relator Ministro Cândido Motta:

“ANULAÇÃO DE TÍTULOS DE EFETIVAÇÃO DE FUNCIONÁRIOS COM BASE EM LEI INCONSTITUCIONAL. A RECUSA DO CUMPRIMENTO DA LEI, POR INCONSTITUCIONALIDADE, SÓ É POSSÍVEL QUANDO EVIDENTE. PECULIARIDADE DO CASO. Em matéria de processo administrativo fiscal, em virtude do princípio constitucional da ampla defesa, cabe ao contribuinte alegar as eventuais ilegalidades e inconstitucionalidades. Logo, em princípio, deve a autoridade administrativa julgadora conhecer dessas alegações. Outrossim, existe, entre nós, o chamado controle interno da Administração Pública, que objetiva verificar a conformação do ato ou procedimento administrativo com as normas legais que o regem. É o chamado controle da legalidade que, em sentido amplo, abarca desde as normas constitucionais até as instruções normativas editadas pelos órgãos da Administração. Por isso, em tese, o servidor pode deixar de aplicar uma determinada lei que, no seu entender, seria inconstitucional. Ocorre que a questão de saber se uma determinada lei é inconstitucional ou não é matéria bastante complexa e difícil, tornando impraticável o pronunciamento de inconstitucionalidade, caso a caso, pelo órgão administrativo. Mesmo na esfera judicial a declaração de inconstitucionalidade de determinada lei não tem encontrado unanimidade dos juízes e dos tribunais. Leva-se um tempo considerável, às vezes, mais de um lustro, até que a Corte Suprema a declare em definitivo. Ademais, o agente público deve sempre nortear a sua ação, presumindo a constitucionalidade das normas em vigor. Todas as leis são presumivelmente constitucionais até final pronunciamento, em contrário, do Poder Judiciário. Por isso soa estranho a figura da ação declaratória de constitucionalidade, introduzida pela emenda 3, de 17.03.1993. Aliás, de ação só tem o nome, pois ela tem natureza legislativa, por produzir efeito vinculante aos demais órgãos do Poder Judiciário e do Poder Executivo. Finalmente, é impossível ao servidor público praticar atos de ofício, diariamente, sem que se presuma a constitucionalidade das normas em vigor. Se milhares de servidores fossem aplicar ou deixar de aplicar determinadas normas, por entender (sic) inconstitucionais, geraria um verdadeiro caos no seio da Administração, em razão da natural divergência de entendimento acerca da matéria. Por isso é conveniente que o agente público deixe de aplicar a lei somente após a sua declaração de inconstitucionalidade, em definitivo, pelo Judiciário. Diante do exposto, nenhuma responsabilidade deve acarretar ao servidor pela eventual disposição de norma que venha a ser declarada inconstitucional pelo Judiciário. Nem mesmo os membros do Poder Judiciário, que têm por missão específica a aplicação do direito ao caso concreto, respondem por danos causados à parte por erro na interpretação jurídica. Apenas no caso de erro grosseiro, revelador de ação negligente, é que caberá a responsabilização objetiva do Estado. Neste caso, o Estado terá o direito de regresso contra o agente público responsável. Esclareça-se, contudo, que, inexistindo dolo ou culpa do agente público, descabe a ação regressiva do Estado, conforme prescrição expressa do §6º do art. 37 da CF”. (grifos nossos)

97

conexão186, prevalecer sobre uma inconstitucinalidade de fundo material que se relacione a

valores de importância superior.

Logo, a aplicação, pelo servidor público, de determinada norma de discutível

constitucionalidade e que, posteriormente, venha a ser considerada inconstitucional pelo

Judiciário não lhe acarreta qualquer responsabilidade187.

Sobre a questão da responsabilidade do julgador administrativo, entendemos que

deveria esta ficar restrita às hipóteses em que o magistrado também possa ser

responsabilizado.

A propósito, prevê a Lei 12.833/2013, ao alterar o art. 48 da Lei no 11.941, de 27

de maio de 2009, que é prerrogativa do conselheiro integrante do Conselho Administrativo de

Recursos Fiscais – CARF somente ser responsabilizado civilmente, em processo judicial ou

administrativo, em razão de decisões proferidas em julgamento de processo no âmbito do

CARF, quando proceder comprovadamente com dolo ou fraude no exercício de suas funções.

Andou bem o legislador federal, uma vez que a inovação legislativa amplia a

margem de cognição ou de liberdade do julgador administrativo e ao mesmo tempo prestigia

os Conselhos de Contribuintes.188

Esta norma legal apenas consagrou o entendimento que já vinha sendo adotado no

âmbito do Poder Judiciário, a exemplo dos julgamentos produzidos em ações populares,

quando se exigiu o dolo ou fraude para a responsabilização de membros de conselhos de

contribuintes.189

186 Expressão cunhada por Robert Alexy (ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São

Paulo: Malheiros, 2008). 187 HARADA, Kiyoshi. Processo Administrativo Tributário. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva

(Coord.). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais. p. 369-71.

188 Cabe a sugestão, de lege ferenda, da introdução de norma similar na esfera estadual baiana. 189 Veja-se, a propósito, a notícia recentemente divulgada: “Notícias/21.junho.2013/Nova prerrogativa

- Processo contra membro do Carf deve provar dolo - Por Alessandro Cristo. Os membros do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, órgão que julga contestações de contribuintes contra autuações do Fisco federal, não podem ser responsabilizados civil ou criminalmente por suas decisões, salvo se ficar comprovado dolo ou fraude no exercício da função. A previsão está na Lei 12.833, publicada nesta sexta-feira (21/6) no Diário Oficial da União. A norma garante o sono de julgadores que vinham sendo acionados na Justiça por votos em favor de contribuintes. Recentemente, 59 ações populares foram ajuizadas em Brasília, com o aval do Ministério Público, contra o Carf e seus membros, sob a alegação de que teriam lesado o erário. Do total, 29 já foram derrubadas. Em nenhuma houve condenação. O texto acrescenta parágrafo único ao artigo 48 da Lei 11.941/2009, que cita como prerrogativa dos conselheiros a necessidade de comprovação de dolo para sofrerem sanções administrativas ou judiciais. A Presidência da República apenas vetou o inciso II do parágrafo que previa que os julgadores poderiam apreciar a legalidade de atos infralegais do Fisco, mas a previsão já consta do Regimento Interno do órgão. ‘A vedação ao inciso II decorre de um equívoco evidente de compreensão do texto pelo governo federal, pois o que os

98

conselheiros do Carf fazem todos os dias é o controle de legalidade dos atos administrativos de lançamento e esse controle de legalidade deve ser exercido em sua plenitude, sem limitações. Assim, se o que motivou o lançamento tributário foi um ato infralegal que contraria uma lei, por óbvio que esse ato vicia o lançamento e os conselheiros deverão julgá-lo nulo, sob pena de não estarem exercendo adequadamente a sua função’, esclarece o tributarista Igor Nascimento de Souza, do escritório Souza, Schneider, Pugliese e Sztokfisz Advogados. ‘Na prática, o veto não mudará em nada o dia a dia dos julgamentos’. A norma é a conversão em lei a Medida Provisória 600/2012. Das inclusões no texto original da MP, a previsão sobre o Carf foi a única que resistiu à caneta da Presidência da República. Sete outros artigos foram vetados. Às vésperas da sanção, conselheiros temiam o veto integral da proposta pelo Executivo. Embora um parecer da Advocacia-Geral da União não tenha apontado inconstitucionalidades no texto, a Receita Federal insistiu que ele feriria o Estatuto do Servidor Público (Lei 8.112/1990), por dar a conselheiros não concursados — por ser um órgão paritário, o Conselho é formado por representantes dos contribuintes, geralmente advogados tributaristas — prerrogativas de servidores. O Carf defendeu, no entanto, que seus membros teriam a proteção apenas no exercício de seu dever como julgadores. Antes da novidade, especialistas se queixavam que o Regimento Interno do Carf é preciso nas obrigações dos conselheiros, mas não sobre suas prerrogativas. São 33 dispositivos — seis artigos e 27 incisos — sobre os deveres e nenhum que trate dos direitos. O Superior Tribunal de Justiça já reconheceu que o Carf é a última instância administrativa para resolver litígios de matéria tributária. No caso de decisão contrária ao Fisco, a discussão acaba, já que a Fazenda não pode recorrer judicialmente de uma decisão dela própria — o Carf faz parte da estrutura do Ministério da Fazenda. Para o vice-presidente da Comissão de Assuntos Tributários da seccional fluminense da OAB, Gilberto Fraga, ‘a aprovação, na parte em que protege os conselheiros no exercício judicante da função, garante o regular funcionamento do processo administrativo brasileiro e fortalece o Estado Democrático de Direito’. ‘A decisão foi muito acertada, pois oferece muito mais garantias aos conselheiros para o exercício de sua atividade julgadora, evitando-se contratempos como os que ocorreram recentemente’, lembra Igor Nascimento de Souza. Embora comemore a sanção da lei, a vice-presidente do Carf, Susy Gomes Hoffmann, lembra que ela não poderá ser aplicada no julgamento das ações populares já em andamento na Justiça. No entanto, ela lembra que o Judiciário não aceitou citar pessoalmente os julgadores nas ações, restringindo ao Conselho aquelas que ainda tramitam. ‘Temos trabalhado para esclarecer a situação aos juízes. As vitórias se devem principalmente ao emprenho do presidente do Carf, Otacílio Cartaxo’, conta Susy. Para a conselheira Karen Juneidini Dias, julgadora do Carf e sócia do escritório Rivitti Dias Advogados, a lei trouxe ‘conforto’ aos conselheiros, que segundo ela não precisarão temer coações para julgar. A advogada chama de ‘ataques’ ações judiciais que colocaram os conselheiros no polo passivo de cobranças por decisões que anularam autos de infração do Fisco. ‘Os tribunais administrativos, e aí se incluem os estaduais e municipais, são o único meio de proteger tanto a Fazenda quanto os contribuintes’, diz Karen. ‘A Fazenda, porque impede que se leve ao Judiciário discussões em que o Fisco fatalmente irá sucumbir e que o poder público gaste dinheiro com o Judiciário. Para o contribuinte, é a única forma que ele tem de participar da constituição do crédito tributário, ao contestar autuações que, se não passassem por julgamento administrativo, se tornariam certidões de dívida ativa, com presunção de liquidez e certeza’. Cascata processual: A necessidade de proteger integrantes do Carf surgiu no começo de 2012, após um ex-procurador da Fazenda ajuizar 59 ações populares que contestavam as decisões do Conselho. O argumento central era de que a União foi omissa como arrecadadora, pois empresas em dívida com obrigações tributárias foram absolvidas em julgamentos. Entre elas estão grandes companhias como Petrobras, Bradesco, Itaú, Light, Gerdau, Usiminas, Positivo Informática, Telemar e Marcopolo. A União figurava em todos como litisconsorte nas ações. A avalanche teve vários alvos, mas somente uma autora: Fernanda Soratto Uliano Rangel. Ela é representada pelo marido, Renato Chagas Rangel, apontado por conselheiros do Carf como o real interessado. Ex-procurador da Fazenda Nacional, ele foi demitido e depois condenado em dois processos por improbidade administrativa. Das 59 ações, 29 já foram derrubadas. Os três principais entendimentos usados pelos juízes para não prosseguir com os casos foram a revisão do acórdão contestado via recurso, falta de interesse processual e ausência de ilicitude de ato administrativo, pré-requisito para ingressar com uma Ação Popular. Para retirar os

99

Cabe, neste passo, analisar como a polêmica doutrinária teve reflexos na

legislação e na jurisprudência pátrias.

conselheiros do polo passivo, a justificativa foi de falta de provas de dolo ou fraude. Na 16ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal, a juíza Cristiane Pederzolli Rentzsch negou a inicial e extinguiu um desses processos sem resolução de mérito. A empresa envolvida na ação, porém, resolveu ingressar com Embargos Declaratórios. O objetivo é condenar Fernanda Rangel por litigância de má-fé e por ‘alterar a verdade dos fatos’. A companhia recorrente alega que a aplicação de multa por uso indevido do Judiciário é o único instrumento possível para ‘reprimir práticas desleais e atuação desconexa com valores éticos que norteiam o Direito’. Segundo a embargante, a autora das ações questionou decisões sem status de definitividade, baseada em argumentos infundados, em clara tentativa de manipular o julgador. No mesmo recurso, a empresa também pede o sigilo jurisdicional dos autos”. (Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2013-jun-21/membros-carf-podem-processados-agirem-dolo-lei>. Acesso em: 01 jul. 2013).

100

4 O CONTROLE ADMINISTRATIVO DE CONSTITUCIONALIDADE NO

PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL

4.1 SITUAÇÃO NA LEGISLAÇÃO

Há uma tendência na legislação que regula o processo administrativo fiscal (tanto

na esfera federal quanto nas estadual e municipal) em limitar a atividade judicante dos

Conselhos de Contribuintes, excluindo ou ao menos limitando a apreciação de matéria

referente à constitucionalidade de lei ou ato normativo.190

No plano normativo federal, o Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972 dispõe

sobre o processo administrativo fiscal. Este decreto foi recepcionado pela Constituição

Federal com nível de lei ordinária, e somente pode ser alterado por lei de mesma hierarquia191,

o que ocorreu por diversas vezes, inclusive pela Lei 11.941, de 2009. Esta lei192 estabeleceu

como regra geral a proibição de órgãos de julgamento afastarem a aplicação ou deixarem de

observar tratado, acordo internacional, lei ou decreto, sob fundamento de

inconstitucionalidade. Adotou a referida lei uma posição intermediária, uma vez que

estabeleceu como exceção a possibilidade de se deixar de aplicar lei ou ato normativo, nas

hipóteses que elenca193. As hipóteses admitidas pela norma federal para afastamento no

190 “É de se reconhecer que a tendência na legislação processual administrativa de todas as esferas de

poder é a de limitação da atividade judicante, excluindo a apreciação de matéria constitucional, ao menos em relação ao afastamento expresso de lei em face do reconhecimento de sua incompatibilidade vertical com a Constituição”. (FERNÁNDEZ, German Alejandro San Martín. A Nova Lei Processual Administrativa Tributária Paulista e a influência dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade de Lei ou Ato Normativo pelo STF nos processos administrativos em curso. In: ROSTAGNO, Alessandro (Coord.). Questões Polêmicas. São Paulo: Noeses, 2011. p. 364).

191 “O Decreto nº 70.235/72 tem força de lei ordinária e somente pode ser alterado por lei ordinária. Os atos Institucionais nºs 5 e 12 legitimaram a edição do DL nº 822/69, que delegou ao Poder Executivo, em pleno regime militar, competência para regrar o processo administrativo fiscal. Passou-se a discutir a posição hierárquica do Decreto nº 70.235/72 dentro do ordenamento jurídico pátrio. Em síntese, os tribunais têm decidido que, na época, a delegação era constitucional, mas que as Constituições subseqüentes não recepcionaram a possibilidade de delegação, reservando a matéria à lei ordinária. Para compreender o histórico é essencial a leitura da MAS 106.747/DF, julgada pelo extinto Tribunal Federal de Recursos”. (PAULSEN, Leandro et alli. Direito Processual Tributário: processo administrativo fiscal e execução fiscal à luz da Doutrina e da Jurisprudência. 4.ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 11).

192 “Art. 26-A. No âmbito do processo administrativo fiscal, fica vedado aos órgãos de julgamento afastar a aplicação ou deixar de observar tratado, acordo internacional, lei ou decreto, sob fundamento de inconstitucionalidade”. (Redação dada pela Lei nº 11.941, de 2009).

193 § 6o O disposto no caput deste artigo não se aplica aos casos de tratado, acordo internacional, lei ou ato normativo: (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009) I – que já tenha sido declarado inconstitucional por decisão definitiva plenária do Supremo Tribunal Federal; (Incluído pela Lei nº

101

processo administrativo da aplicação de lei ou ato normativo inconstitucional são as

seguintes: 1. Quando já houver declaração de inconstitucionalidade da lei ou ato normativo

por decisão definitiva plenária do STF194; 2. Quando a lei ou ato normativo fundamentar

crédito tributário objeto de dispensa legal de constituição ou de ato declaratório do PGFN, na

forma da lei195; 3. Quando houver súmula da AGU na forma da lei196; ou 4. Quando houver

parecer do AGU aprovado pelo Presidente da República na forma da lei.

Ainda no âmbito federal, a Portaria n. 103/2002 do Ministério da Fazenda não

permite a aferição de arguição de inconstitucionalidade no processo administrativo tributário

(apesar da prática diversa do seu Conselho de Contribuintes).

A Portaria n. 520/2004 do Ministério da Previdência Social, ao regular o processo

administrativo tributário no âmbito do INSS, diz ser vedado ao instituto afastar a aplicação,

por inconstitucionalidade ou ilegalidade, de tratado, acordo internacional, lei, decreto ou ato

normativo em vigor (salvo quando houver declaração em controle concentrado pelo STF,

atuação do Senado Federal após controle difuso ou extensão de efeitos de decisão individual

pelo Presidente da República)197.

JAIME MARINS198 tece considerações sobre o Anteprojeto de Código de

Processo Administrativo Brasileiro, aduzindo que este retirou do Tribunal Administrativo

Tributário (TAT) a possibilidade de, em várias de suas instâncias, pronunciar-se sobre

inconstitucionalidade e ilegalidade de norma tributária, considerando esta exclusão

competencial como injustificável e inconstitucional limitação à atividade jurisdicional

desenvolvida por tal órgão.

Desde 2013, através de parecer aprovado pelo Ministério da Fazenda, todos os

órgãos da Fazenda Nacional estão obrigados a não cobrar créditos fiscais nem fazer autos de

11.941, de 2009) II – que fundamente crédito tributário objeto de: (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009) a) dispensa legal de constituição ou de ato declaratório do Procurador-Geral da Fazenda Nacional, na forma dos arts. 18 e 19 da Lei no 10.522, de 19 de julho de 2002; (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009) b) súmula da Advocacia-Geral da União, na forma do art. 43 da Lei Complementar no 73, de 10 de fevereiro de 1993; ou (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009) c) pareceres do Advogado-Geral da União aprovados pelo Presidente da República, na forma do art. 40 da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993. (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009).

194 Desnecessária, em parte, é esta previsão já que nos casos de decisão em sede de controle concentrado já haveria a vinculação da decisão do STF a todos os órgãos administrativos. Contudo, há que se reconhecer que esta previsão normativa é válida, pois nos casos de decisão plenária em controle difuso esta vinculação em regra não existiria.

195 Arts. 18 e 19 da Lei no 10.522, de 19 de julho de 2002. 196 Art. 43 da Lei Complementar no 73, de 10 de fevereiro de 1993. 197 Art. 20. 198 MARINS, Jaime. Direito Processual Tributário Brasileiro: administrativo e judicial. 5.ed. São

Paulo: Dialética, 2010. p. 365-83.

102

infração referentes a teses já decididas pelo sistema da repercussão geral ou dos recursos

repetitivos. Com a aprovação do parecer, além de a Procuradoria da Fazenda não poder mais

ajuizar execuções fiscais nem recorrer das questões já definidas pelo Superior Tribunal de

Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal, a Fazenda também não vai mais cobrar os créditos.

Isso quer dizer que a Receita vai se abster de autuar e que está proibida a inscrição dos casos

em questão no Cadastro da Dívida Ativa (CDA) e no Cadastro Informativo de Créditos não

Quitados do Setor Público Federal (Cadin).

De acordo com o Ministro da Fazenda GUIDO MANTEGA,

O acolhimento da orientação jurisprudencial pacificada na forma dos artigos 543-B e 543-C do Código de Processo Civil constitui verdadeira tendência, diante da necessidade de se prestigiar a missão constitucional do STF e do STJ. A manutenção de interpretação divergente assume caráter excepcional, cuja pertinência deve ser identificada à luz de cada precedente específico.199

Buscou-se, assim, evitar a litigiosidade em relação à matéria sobre a qual o fisco

tem reiteradamente sucumbido. Desafoga-se o Judiciário, com ganhos de eficiência e de

celeridade com a diminuição de demandas, passando a Administração a evitar a prática de

atos administrativos já reconhecidamente inconstitucionais ou ilegais, bem como ganham os

contribuintes que deixam de ver contra si dirigidas autuações indevidas. Contudo, trata-se de

medida que cria o risco de imobilismo e de inércia, notadamente diante da possibilidade de

existência ou possibilidade da alteração da jurisprudência.

No plano estadual baiano, o Regulamento do Processo Administrativo Fiscal

(RPAF)200 estabeleceu expressamente que não se inclui na competência dos órgãos julgadores

do CONSEF a declaração de inconstitucionalidade, nem a negativa de aplicação de ato

normativo emanado de autoridade superior.201

199 Citado por CANÁRIO, Pedro. Coerência Administrativa: Fazenda não impugnará teses defendidas

pelo STF e STJ. Revista Consultor Jurídico, 6 jul. 2013. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2013-jul-06/fazenda-nacional-nao-impugnara-teses-definidas-stj-supremo>. Acesso em: 10 jul. 2013.

200 BAHIA. Decreto nº 7.629 de 09 de julho de 1999. 201 BAHIA. Decreto nº 7.629 de 09 de julho de 1999. “Art. 167. Não se incluem na competência dos

órgãos julgadores: I - a declaração de inconstitucionalidade; II - questão sob a apreciação do Poder Judiciário ou por este já decidida; III - a negativa de aplicação de ato normativo emanado de autoridade superior. Nota: O inciso III foi acrescentado ao art. 167 pelo Decreto nº 10.840, de 18/01/08, DOE de 19 e 20/01/08, efeitos a partir de 19/01/08.”

103

Este mesmo regulamento, por seu turno, prevê202 que sempre que se encontrar em

votação matéria contida em lei ou em ato normativo considerado ilegal, ou se já decidida em

última instância pelo Poder Judiciário, a autoridade julgadora, ao invés de afastar a aplicação,

deverá sobrestar o processo e submeter ao colegiado a que pertence (Junta ou Câmara de

Julgamento) proposta à Câmara Superior no sentido de que represente ao Secretário da

Fazenda, visando à decisão. Caso a Câmara Superior decida por representar ao Secretário da

Fazenda, a este caberá, após ouvir a Procuradoria Geral do Estado, a decisão quanto à

conveniência ou não da revogação da lei ou ato considerado ilegal.

O RPAF baiano filiou-se à corrente da legalidade estrita. Não obstante isto,

conforme será demonstrado no tópico 4.2, os julgadores do CONSEF, em certas situações,

numa postura intermediária, têm afastado a aplicação de lei estadual, sob fundamento de

inconstitucionalidade.

O Estado de São Paulo em sua legislação sobre processo administrativo fiscal 203

adotou a posição intermediária, proibindo, no seu artigo 28204, a possibilidade de afastamento

de lei sob alegação de inconstitucionalidade, excepcionando as hipóteses em que a

inconstitucionalidade tenha sido proclamada em ADIN ou por decisão definitiva do STF, em

via incidental, desde que o Senado Federal tenha suspendido a execução do ato normativo.

Contudo, segundo SAN MARTÍN FERNÁNDEZ205, essa limitação à atividade

judicante dos órgãos julgadores administrativos no contencioso administrativo tributário

paulista, introduzida pelo art. 28 da referida lei estadual, rompe com a tradição do Tribunal de

Impostos e Taxas, documentada pela Questão de Ordem n. 9, e objetiva reduzir a amplitude

cognitiva em relevantes matérias postas à apreciação. O mesmo autor afirma que:

202 Art. 168 do Decreto nº 7.629, de 09 de julho de 1999: I - a autoridade julgadora deverá submeter à

Junta ou à Câmara proposta à Câmara Superior do CONSEF no sentido de que represente ao Secretário da Fazenda, visando à decisão; II - caberá à Câmara Superior do CONSEF decidir quanto a representar ou não ao Secretário da Fazenda; III - o Secretário da Fazenda, ouvida a Procuradoria Geral do Estado, decidirá quanto à conveniência ou não de propositura de modificação ou revogação da lei ou ato considerado ilegal; IV - o processo administrativo ficará sobrestado até que ocorra a modificação ou revogação da lei ou do ato normativo em exame ou o despacho denegatório da representação ou proposição.

203 SÃO PAULO. Lei Estadual n º 13.457/2009. 204 SÃO PAULO, Lei Estadual nº 13.457/2009, “Artigo 28 - No julgamento é vedado afastar a

aplicação de lei sob alegação de inconstitucionalidade, ressalvadas as hipóteses em que a inconstitucionalidade tenha sido proclamada: I - em ação direta de inconstitucionalidade; II - por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal, em via incidental, desde que o Senado Federal tenha suspendido a execução do ato normativo”.

205 FERNÁNDEZ, German Alejandro San Martín. A Nova Lei Processual Administrativa Tributária Paulista e a influência dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade de Lei ou Ato Normativo pelo STF nos processos administrativos em curso. In: ROSTAGNO, Alessandro (Coord.). Contencioso Administrativo Tributário: questões polêmicas. São Paulo: Noeses, 2011. p. 131-2.

104

Historicamente, o TIT havia formado entendimento no sentido de que apreciação de matéria constitucional era possível. Esse entendimento se faz presente em inúmeros acórdãos, tendo sido estabilizado na Questão de Ordem n. 9, assim anunciada: “O Egrégio Tribunal de Impostos e Taxas por qualquer de suas Câmaras é competente para deixar de aplicar lei inconstitucional ou decreto ilegal em casos concretos”.

[...]. Ademais, a restrição imposta para que se afaste lei inconstitucional

apenas quando existir uma Ação Direta de Inconstitucionalidade ou Resolução do Senado Federal a respeito, editada com fulcro no inciso X, do artigo 52 da CF/88, já nasce envelhecida, por força da atual e irreversível tendência do Supremo Tribunal Federal em expandir os efeitos da declaração de constitucionalidade, inclusive quando esta se dá em sede de controle difuso de constitucionalidade.206

Também a Legislação do Estado de Pernambuco207 estabeleceu a proibição de

exame da ilegalidade ou da inconstitucionalidade de qualquer ato normativo pela autoridade

julgadora no processo administrativo fiscal.

E ainda a legislação do Estado do Espírito Santo estabeleceu que as autoridades

administrativas são incompetentes para declarar a inconstitucionalidade ou ilegalidade de lei,

decreto ou portaria do Secretário de Estado208.

Noticia MACHADO209 que a tese da competência controladora sempre foi aceita

tranquilamente nos Conselhos de Contribuintes do Ministério da Fazenda 210, bem como

estaria prevalecendo nos conselhos estaduais211.

206 FERNÁNDEZ, German Alejandro San Martín. A Nova Lei Processual Administrativa Tributária

Paulista e a influência dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade de Lei ou Ato Normativo pelo STF nos processos administrativos em curso. In: ROSTAGNO, Alessandro (Coord.). Contencioso Administrativo Tributário: questões polêmicas. São Paulo: Noeses, 2011. p. 99.

207“§10. A autoridade julgadora não poderá deixar de aplicar ato normativo, ainda que sob a alegação de ilegalidade ou inconstitucionalidade. (Lei n° 11.903/2000)”. (PERNAMBUCO. Lei Estadual nº 10.654 de 27 de novembro de 1991 (art. 5º, §10). Disponível em: <http://www.sefaz.pe.gov.br/flexpub/versao1/filesdirectory/categs456.pdf>. Acesso em: 02 ago. 2013).

208 ESPIRITO SANTO. Regulamento ao Código Tributário Estadual (Lei 2.964/74), Artigo 506. 209 MACHADO, Hugo de Brito. O devido processo legal e o mandado de segurança. In: ROCHA,

Valdir de Oliveira (Coord.). Processo Administrativo Fiscal. São Paulo, Dialética, 1995. p. 80-1. 210 Cf. MARTINS, Natanael. A Questão do Ônus da Prova e do Contraditório no Contencioso

Administrativo Federal. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). Processo Administrativo Fiscal. São Paulo, Dialética, 1995. p. 117. Tome-se, como exemplo, o seguinte julgado, citado por FEITOSA, Celso Alves. Da possibilidade dos Tribunais Administrativos, que julgam matéria fiscal, decidirem sobre exação com fundamento em norma considerada ilegítima em oposição à Constituição Federal. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). Processo Administrativo Fiscal. São Paulo, Dialética, 1995. p. 18: “Inconstitucionalidade da Contribuição sobre o Lucro – Não cabe a esse colegiado julgar enquanto mérito a constitucionalidade das leis tributárias” (Segunda Câmara do Primeiro Conselho de Contribuintes, Recurso nº 66.836, j. em 8.7.92, Rel. Cons. Francisco de P.C.C. Giffoni, DOU de 20.9.93, p. 13977). E, como já informado, Edvaldo Brito, todavia, noticia que em seus votos emitidos na 3ª Câmara do 1º Conselho de Contribuintes do

105

Como se vê, a situação na legislação impõe soluções de lege ferenda caso se

pretenda fazer prevalecer o entendimento no sentido da possibilidade de mais amplo controle

de constitucionalidade pela Administração tributária.

4.2 SITUAÇÃO NA JURISPRUDÊNCIA

Como já se disse, no plano da jurisprudência tem-se admitido maior espaço para o

controle administrativo de constitucionalidade, abrigando-se muitos dos argumentos

favoráveis elencados pela doutrina, notadamente em razão da necessidade de garantia do

Estado de Direito Constitucional.

No plano estadual baiano, não obstante ter o regulamento do processo

administrativo fiscal excluído da competência dos órgãos julgadores do CONSEF a

declaração de inconstitucionalidade e a negativa de aplicação de ato normativo emanado de

Ministério da Fazenda, toda vez que se depara com hipóteses como a da redução da alíquota do Finsocial/Faturamento, ou com a impossibilidade de utilização da TR como indexador ou taxa de juros, tem decidido administrativamente pela inconstitucionalidade das citadas normas, com fulcro em jurisprudência iterativa do Supremo Tribunal Federal, ainda que não relativa a ADINs (Ampla Defesa e Competência dos Órgãos Julgadores Administrativos para Conhecer de Argumentos de Inconstitucionalidade e/ou Ilegalidade de Atos em que se Fundamentam Autuações. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). Processo Administrativo Fiscal. São Paulo, Dialética, 1995. p. 60).

211 Celso Antes Feitosa, todavia, informa que no processo SF nº 2.713/95 foi levantada questão de ordem, onde houve mais de trinta votos favoráveis à tese de que não é vedado ao TIT (Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo) julgar, por Câmaras, ilegitimidade de norma inferior em relação ao texto constitucional, contra três votos pela vedação total, um voto no sentido de que apenas a inconstitucionalidade material poderia ser reconhecida (dando-se a possibilidade à Fazenda Pública de ainda recorrer ao Judiciário) e um voto no sentido de que a matéria não poderia ter sido colocada nos termos propostos (Da possibilidade dos Tribunais Administrativos, que julgam matéria fiscal, decidirem sobre exação com fundamento em norma considerada ilegítima em oposição à Constituição Federal. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). Processo Administrativo Fiscal. São Paulo, Dialética, 1995. p. 20). De qualquer modo, a tese da legalidade estrita é constantemente referida como minoritária pela doutrina, como se depreende de Alexandre Camanho de Assis (ASSIS, Alexandre Camanho de. Inconstitucionalidade de Lei – Poder Executivo e Repúdio de Lei sob a alegação de Inconstitucionalidade. Revista de Direito Público, 91, p. 117) e de Ruy Carlos de Barros Monteiro, para quem a questão estaria já “[…] um tanto olvidada pelo grau de pacificação em que se encontram a doutrina e a jurisprudência, que admitem a recusa do Poder Executivo em aplicar lei que entenda manifestamente inconstitucional” (MONTEIRO, Ruy Carlos de Barros. O argumento de Inconstitucionalidade e o repúdio da lei pelo Poder executivo. Revista Forense, 284, p. 101). Veja-se, também, Caio Tácito, para quem “é pacífica a tese de que o Poder Executivo pode anular, ex oficio, os seus próprios atos ilegais ou inconstitucionais, conforme iterativa jurisprudência dos Tribunais” (TÁCITO, Caio. Comentário ao RMS 7.243. Revista de Direito Administrativo, 59, p. 343). Na jurisprudência, é tese também minoritária, sendo exemplo o julgamento do Resp 23.121-1/GO, pela 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça: “O poder executivo deve negar aplicação a um ato normativo que lhe pareça inconstitucional” (Ac un., Rel. Ministro Humberto Gomes de Barros, j. em 6.10.93, DJU 8.11.93, p. 23.521).

106

autoridade superior, as Câmaras de Julgamento Fiscal têm desconsiderado, em certas

circunstâncias, esta proibição, e têm afastado a aplicação de lei estadual inconstitucional.

Veja-se a propósito o acórdão212 citado no rodapé, em que o CONSEF afasta

aplicação de lei estadual (do artigo do 107-A213 do COTEB), por considerá-lo

212 BAHIA, CONSEF, 2ª Câmara de Julgamento Fiscal, Acórdão CJF Nº 0329-12/12, Processo AI nº

299326.0401/08-9 Disponível em: <http://mbusca.sefaz.ba.gov.br/consef/2012%20ac%C3% B3rd%C3%A3os%20c%C3%A2maras/A-0329-12.12.pdf#search=%22decad%C3%AAncia valtercio%22>. Acesso em: 28 maio 2013: “VOTO [...] Compulsando a matéria em tela através de apurada pesquisa jurídica, chego ao entendimento que o lançamento de ofício de crédito de ICMS atinente aos fatos geradores estão atingidos pela decadência à luz da Súmula Vinculante nº 08 do Supremo Tribunal Federal. Por conseguinte, entendo que é insubsistente o lançamento acima citado. Por sua vez, para decidir sobre essa questão, é necessário fazer uma reflexão sobre a edição da Súmula Vinculante nº 08 e o Parecer exarado pelo ilustre Procurador Geral do Estado da Bahia, em decorrência da diligência suscitada por esta 2ª CJF. Pois bem, diz a Súmula Vinculante nº 08, editada pelo STF ‘São inconstitucionais o parágrafo único do artigo 5º do Decreto-Lei 1.569/77 e os artigos 45 e 46 da Lei 8.212/91, que tratam de prescrição e decadência de credito tributário’. Primeiramente ressalto que a redação dada ao verbete sumular não ajuda o intérprete a reconhecer o extraordinário alcance e dimensão dessa nova norma jurídica inserida no sistema legal brasileiro. A princípio, a referida manifestação do STF unicamente expurga do ordenamento jurídico, por vício de inconstitucionalidade, os citados artigos de matéria previdenciária.Entretanto, somente após uma leitura atenta e diante de uma reflexão profunda dos fundamentos que levaram à edição desta posição jurisprudencial importante, é que podemos entender como todo o sistema tributário nacional foi alterado de forma indelével. Após uma análise mais apurada dos seus fundamentos, entendo que a verdadeira questão de fundo neste posicionamento do Supremo Tribunal Federal é o estabelecimento da competência legislativa e o tipo de norma legal adequada para prever a aplicação dos institutos da decadência e prescrição. Da leitura dos votos dos Recursos Extraordinários que embasaram o entendimento sumular vinculante nº 8 (RE´s 556664-1, 560626-1, 559943-4, dentre outros), fica constatado com plena nitidez que o STF conclui que a prescrição e a decadência só podem ser disciplinadas por Lei Complementar de âmbito nacional, vez que são institutos gerais do direito tributário. A ementa do Recurso Extraordinário nº 556.664/RS é lapidar e resume toda a essência da debatida Súmula, por isso, vale transcrevê-la, in litteris: ‘EMENTA: PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA TRIBUTÁRIAS. MATÉRIAS RESERVADAS A LEI COMPLEMENTAR. DISCIPLINA NO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. NATUREZA TRIBUTÁRIA DAS CONTRIBUIÇÕES PARA A SEGURIDADE SOCIAL. INCONSTITUCIONALIDADE DOS ARTS. 45 E 46 DA LEI 8.212/91 E DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 5º DO DECRETO-LEI 1.569/77. RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO PROVIDO. MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA DECLARAÇÃO DEINCONSTITUCIONALIDADE. I. PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA TRIBUTÁRIAS. RESERVA DE LEI COMPLEMENTAR. As normas relativas à prescrição e à decadência tributárias têm natureza de normas gerais de direito tributário, cuja disciplina é reservada a lei complementar, tanto sob a Constituição pretérita (art. 18, § 1º, da CF de 1967/69) quanto sob a Constituição atual (art. 146, b, III, da CF de 1988). Interpretação que preserva a força normativa da Constituição, que prevê disciplina homogênea, em âmbito nacional, da prescrição, decadência, obrigação e crédito tributários. Permitir regulação distinta sobre esses temas, pelos diversos entes da federação, implicaria prejuízo à vedação de tratamento desigual entre contribuintes em situação equivalente e à segurança jurídica. II. DISCIPLINA PREVISTA NO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. O Código Tributário Nacional (Lei 5.172/1966), promulgado como lei ordinária e recebido como lei complementar pelas Constituições de 1967/69 e 1988, disciplina a prescrição e a decadência tributárias. III. NATUREZA TRIBUTÁRIA DAS CONTRIBUIÇÕES. As contribuições, inclusive as previdenciárias, têm natureza tributária e se submetem ao regime jurídico-tributário previsto na Constituição. Interpretação do art. 149 da CF de 1988.

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Precedentes. IV. RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO PROVIDO. Inconstitucionalidade dos arts. 45 e 46 da Lei 8.212/91, por violação do art. 146, III, b, da Constituição de 1988, e do parágrafo único do art. 5º do Decreto-lei 1.569/77, em face do § 1º do art. 18 da Constituição de 1967/69. V. MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA DECISÃO. SEGURANÇA JURÍDICA. São legítimos os recolhimentos efetuados nos prazos previstos nos arts. 45 e 46 da Lei 8.212/91 e não impugnados antes da data de conclusão deste julgamento. (RE 556664 / RS-RIO GRANDE DO SUL / RECURSO EXTRAORDINÁRIO / Relator(a): Min. GILMAR MENDES / Julgamento: 12/06/2008 / Órgão Julgador:Tribunal Pleno) ‘Diante deste inconteste e claro pronunciamento, resta claro e

justo que, em nome da equidade e da segurança jurídica, a determinação do Supremo Tribunal Federal, via Súmula Vinculante nº 08, é no sentido de que somente o CTN pode prever prazos

prescricionais e decadenciais em torno de matéria tributária, e, deste modo, não poderia o COTEB versar sobre esses assuntos, por se tratar de matérias reservadas à Lei Complementar, segundo mandamento constitucional e interpretação do Supremo’. Na inteligência dessa jurisprudência vinculante, permitir regulação distinta por parte de cada ente da federação implicaria um verdadeiro ataque aos princípios da isonomia e da segurança jurídica. Portanto, se faz necessária que a regulação desses temas tributários tenha âmbito nacional, sob a égide de uma única norma, o CTN. Deste modo, tecidas as considerações acerca dos reflexos advindos da Decisão do STF, entendo que a aplicação do COTEB para fins de estabelecimento do início da contagem do prazo decadencial não se coaduna com o quanto disposto na própria Constituição Federal e no quanto estabelecido nos fundamentos da Súmula Vinculante nº 08 do STF. Entendo que para esclarecer essa discussão, é fundamental se proceder uma interpretação jurídica com referência a dois aspectos relevantes na análise desta questão: a) a de que o CTN é anterior à promulgação da Constituição Federal de 1988, ou seja, aquele Código deve se adequar aos mandamentos constitucionais e, b) a de que o entendimento esposado pelo STF, com a edição desta Súmula Vinculante, não permite o regramento de institutos gerais de direito tributário por outras normas, a não ser a Lei Complementar prevista na própria Constituição Federal, afastando automaticamente a ressalva disposta no texto original do Código Tributário, parte, que eu entendo, não fora recepcionada pela Carta Magna; ou seja, não podemos nos ater a uma interpretação literal do disposto no §4º e conceder uma permissão aos legisladores infraconstitucionais, pois, tal atitude está em flagrante desacordo com a exegese do texto da Carta Magna e a interpretação do STF quando da expedição deste juízo Sumular. Caso contrário, não poderíamos falar em preservação da equidade e da segurança jurídica, princípios centrais e sustentadores da Decisão vinculante do Tribunal Superior. Ora, como a Súmula Vinculante declarou a inconstitucionalidade dos artigos de uma lei de natureza tributária, no caso, os arts. 45 e 46 da Lei nº 8.212/91, que tinham como fundamento de existência legal o mesmo mandamento do art. 150, §4º, primeira parte do CTN, então, mutatis mutandis, verificada a inconstitucionalidade dos referidos artigos por falta competência material, fica afastada a aplicação da mesma permissão legal do §4º para as outras normas de natureza tributária de todos os entes da federação, instituidora de qualquer tributo. Isso nada mais é do que uma consequência lógica/jurídica inegável e inexorável, com aplicação e abrangência em relação à lei criadora de qualquer tributo, seja a lei do ICMS, ISS, IPI, etc. Dessa forma, fica evidente que para o STF não cabe a nenhuma norma, de nenhum ente federativo, instituidora de qualquer tributo, regulamentar os institutos gerais de direito tributário, reservados pela Constituição Federal ao alvitre exclusivo de Lei Complementar, de âmbito nacional.[...] Nessa seara, cumpre-me assinalar que uma Súmula Vinculante tem poder impositivo, tudo em razão do seu caráter e efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração Pública direta e indireta, em todas as esferas de poder. Ou seja, me parece inapropriada, quiçá impossível, a utilização do COTEB

como ferramenta de condução da questão de definição do marco inicial do prazo decadencial, uma vez que as questões gerais de matéria tributária só podem ser dispostas em lei específica, ditada pela Constituição Federal. Por fim, com a patente alteração de paradigma ocorrida, tenho como certa a assertiva de que não podemos mais seguir a ‘antiga’ jurisprudência desse Conselho, que abraçava entendimento diferente sobre a possibilidade do regramento da decadência e da prescrição. A agora, após a edição da Súmula em debate, com a legislação sob novo enfoque, devemos repensar nosso entendimento para adequá-lo à nova realidade jurídica, imposta pelo

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inconstitucional, à luz dos motivos determinantes do acórdão do Pleno do STF, que

fundamentaram a edição da Súmula vinculante n. 8. O STF entendeu que a matéria

decadência é matéria que deve necessariamente ser tratada por Lei Complementar.214

Neste acórdão e em diversos outros no mesmo sentido, alguns julgadores do

CONSEF vêm afastando a aplicação do artigo 107-A do Código Tributário do Estado da

Bahia (COTEB), que trata da decadência, e têm aplicado o Código Tributário Nacional

(norma com status de lei complementar). E, como se viu, não se tratou da aplicação, pela

Administração, do efeito obrigatório de súmula vinculante, a não ser que se adote a teoria do

Efeito vinculante e a Teoria da Transcendência dos Motivos Determinantes, de que fala

SILVA NETO:

Também é preciso informar que o efeito vinculante detém a propriedade de impor a exegese adotada pelo STF para o exame de constitucionalidade da norma ou ato do Poder Público.

Sendo assim, quando o STF sufraga determinada tese na motivação do decisum, tal fundamentação escapa à incidência do art. 469, I do CPC (Não fazem coisa julgada: I – os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença) para impor efeito vinculante no que concerne aos motivos determinantes da decisão.215

STF, mas de forma alguma aplicá-la como anteriormente se fazia (com base no COTEB ao invés do CTN), [...] sob pena de prejudicar o próprio erário estadual, ante a flagrante inconstitucionalidade do regramento estadual e de se afastar do princípio da eficiência (art. 37, caput da CF), pois, nos tempos atuais, em plena era digital, cinco anos é tempo mais que suficiente para que o Fisco lance ou perquira qualquer soma a título de tributo” (grifos nossos).

213 BAHIA, Código Tributário do Estado da Bahia: “Art. 107-A. (acrescentado pela Lei nº 8.534, de 13/12/02, DOE de 14 e 15/12/02, efeitos a partir de 14/12/02) O direito de a fazenda pública constituir o crédito tributário extingue-se no prazo de 5 anos, contado: I - do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado; II - da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado. Parágrafo único. O direito a que se refere este artigo extingue-se definitivamente com o decurso do prazo nele previsto, contado da data em que tenha sido iniciada a constituição do crédito tributário pela notificação, ao sujeito passivo, de qualquer medida preparatória indispensável ao lançamento.” Disponível em: <http://mbusca.sefaz.ba.gov.br/DITRI/leis/ leis_estaduais/legest_1981_3956_codtribbahia_texto.pdf>. Acesso em: 28 maio 2013.

214 BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. “Art. 146. Cabe à lei complementar: [...] III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários; […]”.

215 SILVA NETO, Manoel Jorge e. Curso de Direito Constitucional. 8.ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 276.

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A Teoria da Transcendência dos Motivos Determinantes chegou a ser tratada em

decisões do STF com tal sentido, muito embora em julgamento mais recente tenha a corte

recusado a tese.216

4.3 O INTERESSE DE AGIR E A LEGITIMIDADE DA ADMINISTRAÇÃO NA

INICIATIVA CONTRA ATO PRÓPRIO

Na obra coletiva já mencionada neste trabalho (Processo Administrativo

Tributário217), coordenada por GANDRA MARTINS, é trazido rico debate de ideias em torno

da questão sobre se a Fazenda Pública pode ir a juízo pedir anulação de decisão administrativa

a ela contrária. O debate possuiu respostas quase sempre negativas, e uma destas opiniões já

foi exposta no item 3.1.5 supra como um dos argumentos desfavoráveis à admissão do

controle de constitucionalidade pela Administração (pois na medida em que há

impossibilidade da Fazenda Pública ir a juízo pedir anulação de decisão administrativa a ela

contrária, com mais razão não poderia realizar o controle próprio). Cabe então rememorar

outras opiniões que enriqueceram aquele debate:

É do próprio GANDRA MARTINS a seguinte assertiva:

5) A Fazenda Pública pode ir a juízo pedir anulação de decisão administrativa a ela contrária? Entendo que não. O processo administrativo é conclusivo contra o Estado. No processo administrativo, seu condutor é o Estado. Na primeira instância, são funcionários que julgam. Na segunda, o colegiado paritário está submetido, conforme a esfera do governo, a uma confirmação ou não da decisão por parte da autoridade fazendária máxima, não fazendo jurisprudência se a autoridade discordar com a decisão última do órgão colegiado administrativo. A Fazenda é quase sempre parte e juiz, no processo administrativo, sendo certamente parte e juiz nas decisões de 1ª instância. O Brasil não tem um verdadeiro contencioso administrativo porque não há autoridade e independência necessárias a que isso se configure, no procedimento de revisão de lançamento, que é o processo administrativo. Não é o Poder Judiciário, nem é um “contencioso administrativo independente” como ocorre na França. E a própria terminologia é inadequada no direito pátrio. Não há como permitir que depois de todos os privilégios que possui na condução do processo administrativo, tenha, ainda, o direito de ingressar em juízo para desconstituir a decisão administrativa favorável ao contribuinte.

216 SILVA NETO, Manoel Jorge e. Curso de Direito Constitucional. 8.ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p.

277. No caso, o Agravo Regimental interposto nos autos da RCl. 2.475, j. em 2-8-2007. 217 MARTINS, Ives Gandra (Coord.). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2002.

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Entendo, inclusive, que o art. 145 do CTN não permite tal faculdade, pois só admite a revisão do lançamento, que, uma vez desconstituído por decisão administrativa, é de impossível reconstituição judicial. Mais do que isto, o art. 142 não admite o “lançamento judicial”, ou seja, reconstituição do crédito por “lançador judicial”, que seria o juiz. Entendo que os caminhos que são abertos, processualmente, à Fazenda, são os da execução fiscal, desde que respeitados os prazos do art. 174 do CTN, ou das interpelações judiciais para interromper a prescrição, não podendo reabrir em juízo, discussão encerrada em sede administrativa que lhe foi adversa. Parece-me que até por força do “princípio-fundamento” da Constituição, que é o da “segurança jurídica”, tal pretensão é inaceitável, visto que se instauraria em relação ao contribuinte que discutiu com sucesso administrativo, mas sem direito à sucumbência, a insegurança absoluta, pois todo processo em que a Fazenda desempenhou essencialmente os papéis de “parte e juiz”, poderia ser reaberto, a qualquer momento, reiniciando-se discussão interminável. Nem serve o inc. XXXV do art. 5º, como justificativa, pois a lesão ao direito foi sanada pela própria Fazenda, e não pode a Fazenda entender que tem o direito de se “autocontestar”, discordando de decisão que proferiu, por pretensa lesão a um direito que teria e que ela própria reconheceu que não tem. Parece-me que a resposta só pode ser negativa, lembrando-se, como homenagem aos agentes administrativos, que a Fazenda das três esferas de imposição não tem contestado, em geral, as decisões que proferem a favor do contribuinte, por seu órgão colegiado.218

A posição de GANDRA MARTINS e dos demais autores abaixo citados tende a

considerar que a Administração está vinculada às decisões administrativas de seu órgão

administrativo judicante.

Neste sentido é o pensamento de MALERBI219, para quem as decisões

administrativas, apesar de não possuírem o status de imutabilidade da coisa julgada, “[…]

produzem efeitos vinculativos à Administração Pública.”

218 MARTINS, Ives Gandra da Silva. Processo Administrativo Tributário. In: MARTINS, Ives Gandra

da Silva (Coord.). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. Atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 78-80.

219 “5) A Fazenda Pública pode ir a juízo pedir anulação de decisão administrativa a ela contrária? A doutrina tradicionalmente tem entendido que a característica essencial da jurisdição e do ato jurisdicional reside na formação da coisa julgada. Como os atos administrativos em geral são sempre suscetíveis de controle jurisdicional (CF, 5º, XXXV), tais atos, à míngua do atributo da coisa julgada, só podem revestir natureza administrativa. E como ninguém pode ter seu acesso ao Judiciário obstado, a garantia também se aplicaria ao poder público, podendo a Fazenda Pública ir a juízo pedir a anulação de decisão administrativa a ela contrária, desde que se trate de violação da legalidade. Não se pode concluir que o texto constitucional de 1988 inovou ao equiparar o processo administrativo ao processo judicial, sem nada alterar. É preciso sublinhar que tanto na atividade de lançamento, quanto na de controle da legalidade dos atos administrativos praticados, a Administração Pública age como órgão de justiça. Isto porque numa e noutra atividade, a finalidade perseguida pela Administração Pública é a mesma: a aplicação objetiva da lei. Disto decorre que o objeto mesmo da função administrativa é o trabalho de

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MALERBI sustenta que o princípio da inafastabilidade de jurisdição não pode

servir de pretexto para que o Estado questione judicialmente as decisões dos conselhos de

contribuintes. Não obstante reconhecer o fato de que as decisões administrativas estão sujeitas

à revisão do Poder Judiciário, considera que esta regra tem a natureza de direito e garantia

fundamental, o que significaria que se destina a proteger apenas o cidadão e não o Estado.

Esta opinião é também defendida por OLIVEIRA220, para quem a decisão

administrativa, ainda que proferida por órgão paritário, elimina o interesse de agir da Fazenda

Pública na sua anulação:

individualização da generalidade do comando legal, trabalho este que faz a lei ganhar eficácia, alcançando as situações jurídicas particulares compreendidas em seus preceitos. E ao conduzir esta atividade, a Administração Pública está inteiramente submetida aos princípios inscritos no art. 37 da Constituição Federal. Dentre as garantias constitucionais, que cercam os atos de aplicação objetiva da lei, estão a revisibilidade dos atos administrativos no âmbito do Poder Judiciário (CF, 5º, inc. XXXV) e a revisibilidade dos atos administrativos no âmbito da própria Administração (CF, 5º, XXXIV e LV). Estas garantias não podem ser contrapostas uma a outra como sua arma letal. A impugnação administrativa não é, tecnicamente, ação. É meio ou instrumento porque se destina a tutela de direitos, alegadamente ameaçados ou lesados, que se fará valer no âmbito do mesmo Poder que praticou o ato administrativo. A revisibilidade administrativa dos atos administrativos em geral é articulada no art. 5º, inc. XXXIV, da Constituição, como instrumento de defesa de direito ou contra ilegalidade ou abuso de poder. Já a decisão administrativa é articulada no art. 5º, inc. LV da Constituição, como ato de conteúdo vinculado ao que na lei se contém, a ser proferida por órgão judicante. Também, somente poderá ser formada num procedimento regido pelo contraditório e ampla defesa. É isto que atribui ao processo administrativo conteúdo e extensão jamais vistos. Assim, se não fazem coisa julgada, as decisões administrativas, no entanto, produzem efeitos vinculativos à Administração Pública. E, ao menos nestes pontos, não se pode recusar ao processo tributário a equiparação de suas decisões aos atos jurisdicionais. Quanto à possibilidade de vinculação da Administração Pública às suas próprias decisões, concorre ainda o princípio da segurança jurídica, desdobrando no princípio da irretroatividade a exigir proteção da confiança que o cidadão depositou na lei suprema ao buscar o processo administrativo para dirimir controvérsias com o Fisco. Isto porque, se de um lado o princípio da legalidade é exigente da eliminação de sua violação, por outro, o princípio da irretroatividade impede que o cidadão, somente porque confiou no instrumento do processo na via administrativa, tenha que sofrer novas definições da mesma situação jurídica, por ato da mesma ou de autoridade pública distinta, num exercício ilimitado de poder de dizer o direito aplicável ao caso. A Constituição Federal contempla o princípio da irretroatividade como direito fundamental do cidadão (CF, 5º, XXXVI) e como direito específico do contribuinte (CF, 150, III, a). Tal garantia não é exclusividade das leis, mas produz os seus efeitos ao direito definido nos atos jurídicos pretéritos em geral, revelados pelos fatos imponíveis (ato jurídico perfeito), atos administrativos (direito adquirido) e atos jurisdicionais (coisa julgada). Deste modo, as decisões administrativas são vinculadas à Administração Pública sempre que se lhes deva imputar tal atributo em benefício e para o respeito das situações jurídicas delas oriundas ao particular. Não pode, portanto, a Fazenda Pública ir a juízo pedir a anulação de decisão administrativa a ela contrária, se coberta pelo manto do princípio da irretroatividade”. (MALERBI, Diva. Processo Administrativo Tributário. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 132-3).

220 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Processo Administrativo Tributário. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. Atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 217-21.

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Não faz qualquer sentido lógico afirmar que a Fazenda Pública deve ou possa ir ao Judiciário para pedir a anulação de uma decisão administrativa contrária a ela, e não há qualquer direito neste sentido. Em primeiro lugar, a decisão administrativa é proferida no seio do próprio Poder Executivo, como parte do procedimento complexo para constituição definitiva do crédito tributário. Destarte, a decisão administrativa, ainda que proferida por órgão paritário, é decisão que exclui o interesse de agir da Fazenda Pública, no que diz respeito a anulá-la. Em segundo lugar, a impossibilidade de excluir a apreciação do Poder Judiciário sobre qualquer lesão ou ameaça a direito é direito inserido no elenco das garantias individuais (inc. XXXV do art. 5º da Constituição de 1988). Ora, segundo o caput do art. 5º, essas garantias são outorgadas pela Constituição da República aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Brasil, não se podendo dizer que elas beneficiam a União Federal ou qualquer ramificação do Poder Público. Ademais, não há qualquer senso em a pessoa jurídica de direito público declarar uma situação de direito e pretender desconstituir judicialmente a sua própria declaração. Também não socorre a pretensão de ingresso em juízo o pretexto de que há múltiplos órgãos dentro do mesmo Poder Público, o que poderia ensejar que um deles, discordando do outro, invocasse um direito de ver dirimida a discordância pela via judicial. Os atos administrativos são, por sua própria natureza, passíveis de revisão, mas a revisão não é uma possibilidade permanentemente aberta e ao alcance de qualquer um. Na verdade, ela deve ser exercida segundo as normas legais aplicáveis e no tempo legal. Em matéria tributária o lançamento compete exclusivamente à autoridade administrativa (CTN, art. 142), e sua revisão está disciplinada pelo art. 149 do CTN, que comete a respectiva incumbência à autoridade administrativa, além de relacionar numerus clausus as hipóteses em que ela deve ser feita. Outrossim, tanto para o lançamento quanto para sua revisão há prazo fixado no CTN, conforme seus art.s 150, §4º e 173, além do parágrafo único do art. 149. Por outro lado, quando as normas legais prevêem recursos voluntários e recursos de ofício, como meios para revisão de pronunciamentos anteriores, e atribui o seu julgamento à competência deste ou daquele órgão, esgota o elenco de medidas administrativas que são necessárias para a obtenção do definitivo ato da Administração Pública em torno do assunto, após o que ocorre, para a Administração a definitiva preclusão da possibilidade de reabrir a questão por qualquer meio. Portanto, a Fazenda Pública não pode ir a juízo para pedir anulação de decisão administrativa que lhe seja contrária.

OLIVEIRA221 defende ainda o não cabimento de ação civil pública pelo

Ministério Público para a anulação de acórdão proferido no processo administrativo.

221 “Nem é possível a propositura de ação civil pública pelo Ministério Público para anulação de

acórdão proferido no processo administrativo, não apenas por todas as razões acima alinhadas, mas também, pelos motivos abaixo. Com efeito, a referida ação é prevista no art. 129, inc. III, da Constituição Federal, ‘para proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos’. Convém dizer, inicialmente, que a ação civil pública é regida pela Lei 7.347, de 24.07.1985, cujo art. 1º relaciona numerus clausus todas as hipóteses em que cabe essa ação. Assim, nos termos do art. 1º da Lei 7.347, de 24.07.1985, com as alterações que lhe deram o art. 110 da Lei 8.078, de 11.09.1990, e o art. 88 da Lei 8.884, de 11.06.1994, a ação civil pública cabe para os casos de ‘responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: I – ao meio ambiente; II – ao consumidor; III – a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; IV- a qualquer outro interesse difuso ou coletivo; V – por infrações da ordem econômica’. A Lei Orgânica do Ministério Público também relaciona em seu art. 25, inc. IV,

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os casos de cabimento de ação civil pública, mantendo a coerência com a Lei 7.347, e acrescentando apenas a hipótese de anulação ou declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio público ou à moralidade administrativa dos Estados ou Municípios e entidades a eles ligadas. Portanto, o tipo de interesse público protegido pela ação civil pública prevista pela Constituição, vale dizer, o tipo de interesse público e social de interesses difusos e coletivos por ela previstos, está explicitado nas Leis 7.347 e 8.625, e somente nos casos arrolados pelas mesmas é cabível essa ação. Não é preciso dizer, para fundamentar esta afirmação, que o Ministério Público também está ligado ao princípio da legalidade, o que lhe impõe somente poder agir nos casos em que a lei o autorize. Ora, uma decisão em processo administrativo tributário regular, seja qual for a conclusão de mérito que tenha acolhido, em hipótese alguma pode ser enquadrada em qualquer dos casos em que a lei admite a ação civil pública, o que, por si só, já afasta a possibilidade aqui enfocada. Todavia, admita-se que às hipóteses da lei ordinária possa ser acrescentada uma outra de amplo alcance genérica, indefinida e ilimitada, derivada da expressão ‘proteção do patrimônio público e social’, após a Constituição de 1988, nenhuma lei tenha alterado a de 7.347 para acrescer-lhe uma hipótese assim, tão ampla, e a despeito ainda de que houve oportunidade para isso, eis que as alterações feitas pelas Leis 8.078, 8.625 e 8.884 são posteriores à Carta vigente, o que torna a admissão extremamente discutível. Também é extremamente discutível pretender que o inc. IV do art. 1º da Lei 7.374, acrescentado pela Lei 8.078, tenha abrangência suficiente para abarcar a pretensão de anulação de uma decisão tomada em processo administrativo sobre tributos, especialmente porque neste não há interesses difusos e coletivos, os quais pertencem sempre a pessoas indeterminadas, ao passo que no referido processo há interesses certos e pertencentes a partes individualizadas. Mas, para esgotar o assunto, admita-se ambas as possibilidades. Mesmo assim, ou seja, mesmo admitindo-se uma hipótese ampla, genérica, indefinida e ilimitada, forçoso será admitir que ela somente poderia ser aplicada em situações nas quais tivesse havido dano para o patrimônio público e social derivado de ato ilícito, ou em que interesses difusos e coletivos tivessem sofrido prejuízo em decorrência de ato ilícito. Ao contrário, jamais se pode imaginar essa ação para cobrar responsabilidade por ato ilícito. Ora, não é possível confundir: - com ato ilícito, a regular prolação de uma decisão que aprecie impugnação ou recurso em processo administrativo sobre tributos; - com dano para o patrimônio público e social, ou a interesses difusos e coletivos, o resultado de uma decisão que considere improcedente uma exação tributária lançada pelo Fisco, até porque, no fundo, tal decisão cancela o lançamento exatamente porque o aborda, seja quanto à respectiva matéria de direito. Ainda que o Ministério Público discorde da decisão proferida, seja pelo fato, seja pelo direito, não há nisso ato ilícito, porque a livre convicção do julgador e a possibilidade de interpretações conflitantes são inerentes ao processo, até como se constata pelas divergências jurisprudenciais e pela revisão legal dos recursos para dirimi-las. Se não fosse assim, e levada essa hipótese de ação a extremo, qualquer decisão administrativa ou judicial, proferida por qualquer autoridade, órgão ou tribunal, reconhecedora de um direito do cidadão contra o Estado, em qualquer matéria, seria passível de ação civil pública ao pálido pretexto de estar protegendo o patrimônio público e social, ou interesses difusos e coletivos. E a ação civil pública poderia ser utilizada para reabrir matérias e casos atingidos pela preclusão ou pela coisa julgada, assim como para substituir recursos de divergência não interpostos em tempo, ou, ainda, para repetir recursos de divergência apresentados e já julgados, eternizando lides. Ademais, o assunto é objeto de regulação procedimental específica, com atribuição de incumbências e competências para a defesa do erário a órgãos próprios, sendo que as hipóteses de revisão e recurso estão minudentemente regidas em legislação específica, conforme já citado. Destarte, fica impossível que o Ministério Público federal justifique sua interveniência em seara na qual, segundo a lei, outros órgãos do Poder Público detêm competência específica para agir e para julgar e na qual o elenco de recursos cabíveis também está exaustivamente previsto em lei. Finalmente, deve-se considerar que o patrimônio público e social não é formado apenas por valores pecuniários ou materiais de qualquer ordem, mas também por valores éticos e jurídicos de interesse coletivo. E bem se insere nesse patrimônio de todo o povo o resguardo da segurança jurídica, a qual deve emanar do regular procedimento administrativo de constituição do crédito tributário ou de desconstituição do lançamento tributário, tudo segundo o devido processo legal administrativo. Mesmo que ocorra alguma irregularidade no andamento do processo administrativo, que justifique uma correção, esta

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MACHADO 222 considera um contrassenso, tanto no âmbito doutrinário quanto no

terreno prático, permitir que a Fazenda Pública exercite o direito à jurisdição contra atos dela

própria:

O órgão de julgamento administrativo integra a Administração Pública. Admitir que esta ingresse em juízo para pedir a desconstituição de atos seus levaria a admitir a inutilidade do princípio segundo o qual a Fazenda Pública está autorizada a desfazer seus próprios atos, quando ilegais. A verdadeira questão está em saber quem, na Administração Pública tem competência para dizer a última palavra a respeito da legalidade. Se o sistema jurídico alberga normas que conferem a determinados órgãos o poder de julgar os conflitos entre a Administração Tributária e o contribuinte, cabe a estes órgãos manifestarem a vontade da própria administração, naquilo que julgam. É incongruente, portanto, admitir que essa mesma Administração, presentada por outro órgão seu, peça ao juiz para desconstituir seus atos.

MACHADO223 assim critica os argumentos a favor da possibilidade de

questionamento judicial de ato administrativo pela própria Fazenda Pública:

Os que sustentam tese contrária partem de equívocos que se domam, gerando uma postura que termina sendo, a rigor teratológica. O primeiro e mais grave desses equívocos consiste na visão que têm do Direito, da qual decorre a suposição de que a Fazenda pode sempre equiparar-se ao cidadão, para desfrutar de todas as garantias que a ordem jurídica a este oferece. O segundo desses equívocos consiste em esquecer que o Direito é instrumento, o melhor senão o único, capaz de preservar a harmonia entre os homens, mas a teorização deste não pode divorciar-se de suas conseqüências de ordem prática. Vamos demonstrar estas afirmações.

Entende MACHADO224, que a finalidade essencial do Direito é servir de

instrumento limitador de poder e de tutelar quem tem menos poder (o cidadão):

deve se ater às sanções legais que forem cabíveis conforme as circunstâncias e, quando muito, dependendo da irregularidade que tenha maculado a decisão proferida, cabe uma nova decisão pelo mesmo órgão julgador detentor da respectiva competência legal. Mas não é possível que uma outra decisão de mérito seja proferida através de ação civil pública ou de qualquer outro procedimento, em substituição à pronunciada pelo órgão competente. Nada justifica, portanto, qualquer ação judicial promovida pela Procuradoria da Fazenda, pelo Ministério Público ou por qualquer órgão do Poder Público, para anular uma decisão administrativa definitiva que regularmente tenha declarado indevida qualquer pretensão fiscal”. (OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Processo Administrativo Tributário. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. Atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 217-21).

222 MACHADO, Hugo de Brito. Algumas Questões do Processo Administrativo Tributário. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. Atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 156-9.

223 Ibidem. Loc. cit. 224 Idem.

115

O Direito é instrumento de limitação do poder. Sua finalidade essencial consiste em proteger contra quem não tem, aquele que não tem, ou tem menos poder. Por isto mesmo o Estado, o maior centro de poder institucional do planeta, não pode invocar a seu favor as garantias que a ordem jurídica institui para proteger o cidadão, entre as quais se destaca o direito à jurisdição. As garantias constitucionais são destinadas ao cidadão, e não ao próprio Estado, salvo, é claro, aquelas a este expressa e explicitamente destinadas, que funcionam como instrumento de preservação da ordem institucional. Imaginemos como exemplo versando matéria tributária. Se a garantia constitucional da irretroatividade das leis pudesse servir ao Estado, contra o cidadão, seriam absolutamente impossíveis institutos jurídicos como a anistia e a remissão. Diante da lei que os estabelecesse o Estado argüiria a irretroatividade, e impediria a aplicação da lei respectiva. Outra não foi a razão pela qual o Supremo Tribunal Federal rejeitou a argüição de inconstitucionalidade da Lei 8.200, formulada em ação direta de inconstitucionalidade promovida por Estado-membro. Inúmeros exemplos podem ser citados, para demonstrar que as garantias constitucionais são destinadas à proteção do cidadão, contra o arbítrio de quem exerce o Poder estatal, e não para proteção do Estado, contra o cidadão. Dúvida não pode haver, portanto, de que a garantia constitucional de que as leis devem ser de acordo com a Constituição constitui garantias do cidadão, e não do Estado.

MACHADO 225 defende que a unicidade da Administração Pública seria um fator

impeditivo do ajuizamento de ação anulatória pela Fazenda Pública contra ato de órgão

administrativo:

Admitir que a Administração Pública ingresse em juízo para questionar os atos do órgão de julgamento que a integra é admitir – um redobrado absurdo – que esse órgão de julgamento seja uma pessoa distinta daquela. O Estado, enquanto titular de direitos, é corporificado pela Administração Pública, conceito no qual se encartam inclusive os órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário, que não estejam no exercício das respectivas funções, legislativa e jurisdicional. É essa Administração, que é o próprio Estado como sujeito de relações jurídicas, que se coloca como sujeito das relações jurídicas. O Estado-Administração, por seu turno, pratica funções de controle de legalidade, por meio dos órgãos de julgamento administrativo. Não está, porém, exercitando função jurisdicional, no sentido da garantia constitucional segundo a qual nenhuma lesão ou ameaça a direito pode ser subtraída da apreciação do Judiciário. Só o Estado-jurisdição, corporificado pelos órgãos do Poder Judiciário, presta essa importante garantia. Assim, quando um órgão de julgamento administrativo decide um conflito entre o particular e o Estado-administração, é o próprio Estado titular de relações jurídicas, que está manifestando sua vontade. Não se compreende possa, portanto, pedir proteção ao Estado–jurisdição, que por ficção jurídica foi criado tão-só para proteger aqueles que não são dotados de poder, contra aqueles que, corporificando o Estado-administração,

225 MACHADO, Hugo de Brito. Algumas Questões do Processo Administrativo Tributário. In:

MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. Atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 156-9.

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eventualmente descumprem os seus deveres e praticam atos contrários à ordem jurídica estabelecida. É, portanto, um grave equívoco imaginar-se que a Administração pode ir a juízo defender-se contra seus próprios atos.

Por fim, MACHADO 226 pondera que os órgãos de julgamento que integram a

administração tornar-se-iam inúteis caso fosse admitida à Administração questionar suas

decisões em juízo:

A prática do Direito. Finalmente tem-se de considerar que o Direito é instrumento, o melhor senão o único, capaz de preservar a harmonia entre os homens, mas a teorização deste não pode divorciar-se de suas conseqüências de ordem prática. Se a Administração pudesse ir a juízo contra os atos dos órgãos de julgamento que a integram, ter-se-ia decretada a absoluta inutilidade desses órgãos. Na prática, por razões óbvias, todas as suas decisões seriam levadas ao crivo do Judiciário. As contrárias ao contribuinte seriam discutidas em ações por estes movidas para obter o respectivo anulamento, e as contrárias à Fazenda também seriam levadas a juízo pelos que titularizam o interesse secundário do Estado, na busca de maiores recursos financeiros. Menos inconveniente para o cidadão, portanto, seria a extinção dos órgãos de julgamento administrativo. Essa extinção evidentemente não é desejável, mas a persistência dos órgãos de julgamento sem que as suas decisões contra a Fazenda a obriguem definitivamente, vale dizer, com a possibilidade desta as levar ao Judiciário, é muito pior, porque faz a coletividade pagar o custo do funcionamento de órgãos absolutamente inúteis. Em síntese, os órgãos de julgamento administrativo não exercem poder jurisdicional. Resultam da simples especialização de funções dentro do Poder executivo. Nada mais são do que departamentos do Executivo, aos quais o ordenamento jurídico atribui função de dizer à Administração dos seus limites jurídicos. Por isto, não pode a Administração ir a Juízo questionar as decisões desses órgãos, que são decisões dela própria. Com estas considerações, oferecemos resposta para a quinta questão. Evidentemente não.

Extremamente rica, inclusive pelas referências formuladas, foi a resposta

oferecida por TORRES227, que ainda discorre sobre as tentativas de extinção do recurso

226 MACHADO, Hugo de Brito. Algumas Questões do Processo Administrativo Tributário. In:

MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. Atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 156-9.

227 “A questão da possibilidade de a Fazenda Pública ir ao Judiciário para anular a decisão administrativa a ela desfavorável sempre esteve ligada ao problema da extinção do recurso hierárquico para a autoridade fazendária singular. Recorde-se que as decisões dos órgãos colegiados favoráveis à Fazenda, encerram a discussão na esfera administrativa, podendo o contribuinte valer-se da via judicial para prosseguir com a controvérsia. Também definitivas na esfera administrativa são as decisões unânimes contrárias à Fazenda. Mas da decisão não unânime desfavorável à Fazenda, quando contrária à lei ou à evidência da prova, cabe recurso, em alguns dos Estados e Municípios, aos Secretários de Fazenda. Na esfera da União admitia-se também o recurso ao Ministério da Fazenda, com apoio no art. 37, § 1º do Dec. 70.235/72, já revogado.

É em virtude da natureza administrativa do procedimento que aparece o recurso ao Ministério da Fazenda, com apoio no art. 37§ 1º do Dec. 70.235/72, já revogado.

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hierárquico pela unificação do processo tributário e sobre as propostas legislativas que

previam a possibilidade de a Fazenda Pública propor ação de revisão judicial de decisões do

Conselho de Contribuintes. Embora longa, a citação se justifica pela sua riqueza de análise

histórica:

A antinomia entre o recurso hierárquico e a segurança que deve presidir as relações processuais e a necessidade de se proteger a confiança do contribuinte levou diversos reformadores a propor a instituição de um sistema hibrido, que nem é o do contencioso administrativo nem o da unidade de jurisdição. As propostas de reforma se resumem na abolição do recurso hierárquico e na possibilidade de a Fazenda Pública propor ação de revisão do julgamento do Conselho de Contribuintes. Algumas tentativas foram feitas, também, através de textos legais, posteriormente revogados. 9.1. As propostas de Rubens Gomes de Souza.

É em virtude da natureza administrativa do procedimento que aparece o recurso hierárquico à autoridade singular.

Themístocles Brandão Cavalcanti caracterizava assim a interveniência do Ministro da Fazenda em processos fiscais:

‘É preciso considerar que a possibilidade da reforma das decisões coletivas pelo Ministro da Fazenda (embora essa intervenção esteja restrita aos processos em que a Fazenda é vencida) reintegra a decisão em sua verdadeira natureza, transformando um recurso aparentemente jurisdicional em recurso hierárquico, perfeitamente identificado com a estrutura jurídica dos processos administrativos’.

De feito, o recurso hierárquico encontra a sua grande justificativa no fato de ser necessário garantir a igualdade entre os sujeitos ativo e passivo da relação tributária, que estaria comprometida se não se assegurasse à Fazenda a possibilidade de anular na esfera administrativa a decisão do Conselho de Contribuintes, tendo em vista que ao sujeito passivo abre-se permanentemente a possibilidade de recorrer ao Judiciário para desconstituir a decisão final do órgão paritário. A Fazenda ficaria inteiramente desprotegida se o Conselho de Contribuintes viesse a julgar contra a evidência da prova ou a literal disposição de lei. Recorde-se que os acórdãos contrários à literalidade da norma não são raros e baseiam-se principalmente no argumento da inconstitucionalidade.

De outra parte é forçoso reconhecer a inconveniência do recurso hierárquico. Introduz a insegurança nas relações processuais e abala o princípio da proteção da confiança do contribuinte. Após o contraditório administrativo e o julgamento pelo órgão paritário, projeta a solução definitiva para a competência da autoridade singular, que quase sempre se vale do parecer de funcionário fazendário, proferido à margem do debate processual e sem defesa oral.

Diversas têm sido as propostas para superar estas contradições ínsitas no conceito de recurso hierárquico, seja extinguindo-o, seja transferindo para outro Poder o reexame da decisão pelo Conselho de Contribuintes, seja corrigindo as antinomias pela unificação dos processos tributários administrativo e judicial. Mas a melhor solução é conservar a reapreciação do caso na própria esfera administrativa, transmudando a natureza do recurso hierárquico, como fez o Governo Federal pelo Dec. 83.304, de 28.03.1979, que instituiu a Câmara de Recursos Fiscais e estabeleceu que caberá privativamente ao Procurador da Fazenda Nacional o recurso especial à Câmara Superior de decisão não-unânime de câmara, quando for contrária à lei ou à evidência da prova”. (TORRES, Ricardo Lobo. Algumas Questões do Processo Administrativo Tributário. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. Atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 170-80).

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Quem se dedicou com maior proficiência ao assunto foi Rubens Gomes de Souza. Em tese apresentada ao congresso Jurídico Nacional, reunido no Rio de Janeiro em 1943, propôs que o recurso hierárquico fosse deslocado da competência do Ministro da Fazenda para a do Presidente da República. Das decisões do Conselho de Contribuintes, favoráveis à Fazenda, poderia o sujeito passivo interpor “ação de revisão fiscal” , que se desenvolveria, em instância única, perante o Tribunal de Apelação do Estado. Mas a Fazenda não poderia se valer de “ação de revisão”, pois teria direito ao recurso hierárquico: “Por outras palavras, se a decisão do tribunal administrativo fosse inapelável administrativamente pelo Fisco, a única solução possível para este seria o recurso ao Judiciário: é evidentemente ilógico que a Administração tenha de recorrer aos tribunais para cassar um ato que, afinal de contas, é da própria administração. O Fisco só pleiteia em Juízo para executar seus créditos: nunca para pedir o reconhecimento deles”. Posteriormente o saudoso jurista modificou radicalmente as suas idéias. Em conferência realizada no Rio de Janeiro em 1953 sugeriu a eliminação do recurso hierárquico e passou a admitir a propositura de ação pela Fazenda: “Caso o pronunciamento da autoridade administrativa fosse revogatório ou modificativo de lançamento em prejuízo da Fazenda, a iniciativa processual ficaria neste ponto, invertida, cabendo à própria Fazenda recorrer ao Judiciário, não para pleitear a declaração de direito subjetivo, mas para solicitar uma revisão do controle jurídico do ato primitivo”. Em resumo, a nova sugestão de Rubens Gomes de Souza consistia em substituir o recurso hierárquico pela ação judicial. Em suas próprias palavras: “Fiz questão de manter a posição assegurada hoje à fazenda pelo recurso ao Ministro, embora transportando o procedimento para outra jurisdição”. 9.2 O Anteprojeto do Código Tributário Nacional. O anteprojeto do Código Tributário Nacional, elaborado por Rubens Gomes de Souza, adotava, como não podia deixar de ser, as idéias do seu autor: Eliminava o recurso hierárquico ao Ministro da Fazenda. Autorizava a Fazenda Pública a propor:

a) Ação anulatória das decisões finais e definitivas dos Conselhos Administrativos;

b) Ação declaratória, para pleitear a declaração judicial do direito aplicável à hipótese concreta do fato de seu interesse. O anteprojeto nada esclarecia a respeito dos efeitos da ação anulatória. 9.3. O Código Tributário Nacional. O Código Tributário Nacional não incorporou os capítulos relativos ao processo. Segundo o relatório da Comissão, não se justificava a regulamentação do processo administrativo, porquanto não seria possível considerá-lo incluído na competência legislativa federal sobre normas gerais de direito financeiro. Quanto ao processo judicial, a União já dispunha de competência legislativa plena e não circunscrita às normas gerais. Assim, incluíram-se apenas os dispositivos relativos à extinção das relações entre a Fazenda Pública e o contribuinte, que não constavam do Anteprojeto mas que lhe seguiram a inspiração e lhe substituíram os artigos expurgados. Entre eles, o seguinte:

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“Art. 156. Extinguem o crédito tributário; IX – a decisão administrativa irreformável, assim entendida a definitiva na órbita administrativa, que não mais possa ser objeto da ação anulatória”. Ação anulatória, aí, é a que seria proposta pela Fazenda, de acordo com as idéias constantes do Anteprojeto, como se viu acima. 9.4 O Anteprojeto de Lei Orgânica do Processo Tributário – Ulhoa Canto. Por incumbência da Comissão de Reforma do Ministério da Fazenda, elaborou Gilberto Ulhoa Canto o Anteprojeto de Lei Orgânica do Processo Tributário. Sugeria, inicialmente, emenda constitucional que atribuísse ao Tribunal Federal de Recursos competência para julgar originariamente “as ações de revisão tributária, na forma e nos casos previstos em lei”. As características da ação de revisão tributária eram as seguintes:

a) poderia ser promovida pela Fazenda Pública (art. 90); b) deveria ser proposta no prazo de 30 dias, contados da ciência da

decisão pelo contribuinte, ou do recebimento do processo pela representante judicial da Fazenda Pública junto ao Tribunal de Recurso, se a autora fosse a fazenda Pública (art. 91, §2º);

c) caberia ao Representante da fazenda junto ao respectivo Conselho de Recursos Fiscais, dentro de dez dias da aposição de seu visto ao acórdão, solicitar remessa do processo ao representante judicial da Fazenda Pública junto ao Tribunal Federal de Recursos, para a propositura da ação (art. 91, §3º )

d) constituiria título executivo, processando-se como execução de sentença, a decisão que reconhece à Fazenda Pública direito de crédito contra o contribuinte, proferida em ação de revisão fiscal proposta por qualquer das partes.

Para que a ação de revisão tributária fosse adotada nos Estados membros, seria necessário:

1 – procedimento administrativo contraditório, regulado por lei estadual, sem recurso hierárquico para órgão do Poder Executivo;

2 – competência originária, atribuída pela Constituição ou lei de organização judiciária do Estado, ao Tribunal de Justiça ou ao Tribunal de alçada, para tais feitos. 9.5. A tese de Carlos da Rocha Guimarães. Outro jurista que se manifestou a favor da eliminação do recurso hierárquico e da possibilidade de a Fazenda ingressar em Juízo foi Carlos da Rocha Guimarães. Em tese apresentada ao II Congresso Brasileiro de Direito Administrativo, reunido no Rio de Janeiro em 1976, sob o título “Contencioso Administrativo”, desenvolveu a idéia da propositura de ação pela Fazenda. Mas nada esclareceu sobre a natureza da decisão judicial. Ora falava em “cassação” das decisões dos Conselhos, ora se referia à “reforma”. 9.6. A Emenda Constitucional 1, de 1969. A Emenda Constitucional 1, de 1969, admitiu, no art. 111, a criação de contencioso administrativo para o julgamento dos litígios decorrentes das relações de trabalho dos servidores com a União. E ao traçar a competência do Tribunal Federal de Recursos, dispõe no parágrafo único do art. 122: “A Lei poderá estabelecer a competência dos Tribunais Federais de Recursos para anulação de atos administrativos de natureza tributária”. As inovações trazidas pela Emenda Constitucional 1 causaram grande perplexidade nos meios jurídicos brasileiros.

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Quanto ao art.111, anotou Cretella Júnior, na qualidade de Presidente da Comissão de Estudos do Contencioso Administrativo, nomeado pelo Ministro da Justiça, que os comentadores da Constituição de 1969 não souberam resolver o problema e se limitaram a repetir as palavras da lei em outra ordem e a substituir os vocábulos por seus sinônimos. No que concerne ao art. 122, parágrafo único, a competência originária do Tribunal Federal de Recursos para a anulação dos atos na natureza tributária, apesar da semelhança com as propostas de Ulhoa Canto, não foi nunca entendida como competência para a reforma de decisões administrativas a pedido da Fazenda. E explicava Pontes de Miranda que se tratava apenas de transferir para o Tribunal Federal de Recursos a competência até então outorgada aos juízes federais para julgar as ações de invalidade de atos de natureza tributária, ou seja, as ações declarativas de inexistência e as desconstitutivas por nulidade ou por anulação. 9.7 A legislação do Estado do Rio de Janeiro. A lei do processo administrativo fiscal do antigo Estado da Guanabara, embora não tivesse abolido o recurso hierárquico das decisões não unânimes do Conselho de Contribuintes, admitia a ação judicial por iniciativa da Fazenda. Rezava o seguinte; Dec.–lei 426, de 03.07.1970; “Art. 9º. Decidido o litígio fiscal na esfera administrativa, e no caso de a Fazenda pretender promover a anulação da decisão perante o Poder Judiciário, deverá o pedido de anulação ser previamente autorizado pelo Governador. Parágrafo único. A petição inicial da ação de anulação deverá ser distribuída dentro do prazo de um ano, contado da ciência da decisão pela repartição que tiver apreciado o litígio em primeira instância”. Não tenho notícia de que tal ação de anulação tenha sido proposta alguma vez. Também no antigo Estado do Rio de Janeiro havia regra semelhante. A Lei 3.870, de 27.02.1959, dizia: “Art. 15. Das decisões finais proferidas em litígios fiscais poderá o Procurador Fiscal, que houver funcionado no feito, recorrer ao Poder Judiciário, mediante ação própria, que será proposta dentro dos prazos comuns em direito”. Após a fusão o Dec.- lei, de 15.03.1975, dispôs: “Art. 269. As decisões irrecorríveis ou irrecorridas, referidas nos artigos anteriores, poderão ser impugnadas judicialmente tanto pelo Estado como pelo interessado, quer em processo de iniciativa do vencido, quer em defesa, em processo de iniciativa do vencedor”. Mas, contraditoriamente, manteve-se o recurso hierárquico ao Secretário da Fazenda (art. 266, II). 9.8 A Emenda Constitucional 7/77 instituiu o contencioso administrativo “sem poder jurisdicional”. Adotou-se, assim, a mesma solução híbrida proposta por inúmeros juristas, anteriormente examinada. Faltou, todavia, a legislação complementar, com os detalhes sobre a natureza e os efeitos da sentença judicial, que pudesse viabilizar a aplicação do instrumento processual, que foi revogado pela Constituição Federal sem ter sido utilizado na prática.228

228 TORRES, Ricardo Lobo. Algumas Questões do Processo Administrativo Tributário. In:

MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. Atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 170-80.

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Por fim, constatado que não tiveram sucesso as propostas doutrinárias e

normativas destinadas a superar as contradições criadas pelo recurso hierárquico, TORRES

conclui pela impossibilidade de a Fazenda ir a juízo pedir a anulação de decisão

administrativa, aduzindo que o início do processo judicial dependeria invariavelmente da

vontade do contribuinte, a quem caberia opor resistência ao ato administrativo229.

229 “10. A impossibilidade de a Fazenda ir a Juízo pedir a anulação de decisão administrativa. As

propostas teóricas e as tentativas legais e constitucionais destinadas a superar, mediante a unificação das instâncias, as contradições criadas pelo recurso hierárquico mostraram-se inconsistentes e jamais foram levadas à prática. Primeiro, porque a característica mais importante do processo judicial é que o seu início depende sempre da vontade do contribuinte. A este incumbe opor-se ao ato administrativo, pedindo o reconhecimento do seu direito. Assim, ocorre com a ação declaratória e com o mandado de segurança. O mesmo acontece na execução fiscal: o Estado exibe o seu crédito, dotado de executoriedade, para que o Juiz determine a execução do patrimônio do devedor; qualquer exame da legitimidade do crédito há de ser precedida de iniciativa do devedor; só com os embargos opostos pelo contribuinte é que se inaugura o Juízo de cognição. A Fazenda, por conseguinte, não dá início jamais ao processo judicial, eis que prescinde do Poder Judiciário para a constituição dos seus créditos. Como explica José Francisco Marques: “A administração está armada do poder de autotutela do interesse público, do poder de ‘contrainte publique’ e daquela ‘execution d’office’, graças ao denominado ‘privilege du préable’, e isto significa ser prescindível e desnecessário o controle a priori do Judiciário, para a prática desses atos executórios ou de autotutela”. Segundo, porque a ação de invalidade dos atos administrativos, proposto pela Fazenda, não está compreendida no direito genérico de ação, garantido a qualquer titular de bem jurídico. O emprego de ação ordinária pela Administração é quase irrestrito, como diz Seabra Fagundes, mas para forçar o indivíduo ao cumprimento de suas obrigações. Quando se quer, todavia, excepcionar o princípio da autotutela da legalidade deferida à Administração, torna-se indispensável que seja prevista em lei a necessidade de recorrer ao Judiciário. Terceiro, porque, ao que tudo indica, o efeito da sentença proferida em tal ação seria, na hipótese de a Fazenda sair vitoriosa, constitutivo. O Judiciário exerceria o poder de reforma da decisão administrativa, como previa o anteprojeto Ulhoa Canto, ou o poder de revisão, como ficou dito na Emenda Constitucional 7/77. Reformada a decisão administrativa, criaria o próprio Judiciário o título executivo. Estaria instaurada, sem a menor contradição com a lei federal. Quarto, porque a eficácia constitutiva positiva da sentença que acolhesse a ação anulatória proposta pela Fazenda contrasta com o nosso sistema constitucional de separação de poderes. Até hoje se discute se a ação anulatória proposta pelo contribuinte anula o ato administrativo ou apenas lhe retira a executoriedade. Na ação intentada pela Fazenda, a decisão judicial, entretanto, teria não só que anular a do Conselho de Contribuintes como também constituir o crédito pelo lançamento, que é atividade tipicamente administrativa (art. 142, CTN). Quinto, porque, no que concerne às tentativas feitas pelo legislador estadual, haveria conflito com a União, a quem compete com exclusividade elaborar normas de processo civil (art. 22, I, da Constituição Federal de 1988). Os Estados-membros limitam-se a complementar normas de direito financeiro, entre as quais se incluem as com o processo tributário. Sexto, porque, com referência à revisão proposta diretamente perante o Tribunal da União ou do Estado, haveria a supressão da 1ª instância judicial, que é justamente a da prova (um dos pontos fracos do processo administrativo), o que prejudicaria a garantia constitucional do duplo grau de jurisdição. Assim sendo, respondo negativamente à questão formulada: não pode a Fazenda Pública ir a juízo pedir a anulação de decisão administrativa a ela contrária”. (TORRES, Ricardo Lobo. Algumas Questões do Processo Administrativo Tributário. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. Atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 170-80).

122

No mesmo sentido, assevera CALMON230, argumentando que a Fazenda Pública

não poderia ir a juízo contra ato próprio, por falta de interesse de agir e porque a decisão

administrativa irrecorrível (disposta no art. 156, IX do CTN), favorável ao contribuinte,

extingue a obrigação tributária. Além disso, argumenta que não existe a previsão legal desta

ação.

Ou como disse ROCHA, respondendo à questão já enunciada:

A resposta é negativa. A decisão administrativa contrária à Fazenda Pública não o é, só por isso, contrária aos interesses do Estado. Quando a Administração decide, o faz pelo Estado. A Fazenda Pública – a rigor – tem no processo administrativo a possibilidade de formalizar seu próprio título executivo (que, por isso, é extrajudicial). Isso não está a significar, entretanto, que poderia renunciar ao processo administrativo fiscal que o próprio Estado instituiu (só o contribuinte pode fazê-lo, porque “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”). Seria absolutamente contraditório admitir-se que a Fazenda Pública, diante de decisão que aparentemente lhe seria adversa, se dirigisse ao Poder Judiciário, que não é senão outra parcela do mesmo poder estatal. Admitir que a Fazenda Pública se valha do Poder Judiciário para obter anulação de decisão administrativa “a ela contrária” é ignorar a natureza jurídica do processo administrativo, que é a de validador do ato administrativo questionado pelo contribuinte. Para me pôr de acordo com o que afirmei na questão anterior, afirmo que, quando o julgador administrativo declara a sua impossibilidade de decidir a Fazenda Pública pode ir a juízo, não para pedir a anulação de decisão administrativa a ela contrária (pois que decisão não houve), mas, sim, para buscar condenação do contribuinte, com que se habilitará à execução.231

Pode-se colher ainda a opinião de MARAFON, para quem:

Preliminarmente, há que ponderar que o processo administrativo brasileiro é fazendário, ou seja, é controlado e submetido ao Poder Executivo, coincidentemente o credor do tributo. Logo, é um processo desigual, parcial e sujeito a ponderáveis influências contra o contribuinte.

230 “5) A Fazenda Pública pode ir a juízo pedir anulação de decisão administrativa a ela contrária?

Não, porque ninguém pode ir a juízo contra ato próprio, por falta de interesse de agir. De outra parte, a decisão administrativa definitiva, contra a Fazenda Pública, certa ou errada, constitucional ou não, extingue a obrigação tributária. Inexiste no Direito brasileiro ação anulatória de ato administrativo formalmente válido praticado pela Administração”. (COELHO, Sacha Calmon. Processo Administrativo Tributario. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. Atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 192-3.

231 ROCHA, Valdir de Oliveira. Processo Administrativo Tributário. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. Atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 258.

123

A discussão no processo administrativo visa apenas confirmar ou não a validade do lançamento praticado pelo Fisco, em função de argumentos trazidos pelo contribuinte. Essa esfera de julgamento é administrativa ainda que paritária, como ocorre em alguns tribunais. O resultado desse julgado, se favorável ao contribuinte, equivale a uma confissão do credor de que houve erro no lançamento, pela autoridade fiscal. Ora, se houve erro, como admitir que a Fazenda Pública possa pedir a anulação desse julgado? Se isso fosse possível, estar-se-ia atribuindo ao Judiciário o poder de lançar o tributo, porquanto a Administração fiscal já cancelou o lançamento original. E isso é inconstitucional, porque compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento (CTN, art. 142). Ao Judiciário não é lícito restaurar um lançamento que o próprio credor reputou ilegal, cancelando-o. Tivesse sido o lançamento cancelado por outro que não o credor (um árbitro, por exemplo), seria aceitável o pleito fazendário, com base no art. 5º, XXXV, da CF. Contudo, enquanto o processo administrativo estiver jungido ao Fisco, quando a decisão definitiva for favorável ao contribuinte, ela será insuscetível de anulação judicial pela Fazenda.232

A propósito, é o mesmo MARAFON quem advogou a tese de que:

A autoridade administrativa, ao julgar um processo administrativo, pode deixar de aplicar a lei ao caso concreto, por considerá-la inconstitucional. Aliás, há inúmero julgados administrativos do Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda e de outros tribunais estaduais onde foi cancelada a cobrança de tributo porque a legislação aplicável contrariou norma da CF ou do CTN (que é lei complementar à CF). Não há nenhuma impropriedade nesse comportamento. Quando a CF atribui ao Judiciário, e especificamente ao STF, a missão de declarar uma lei inconstitucional, está afirmando que essa exclusividade só se refere ao poder de suspender a vigência dessa lei no mundo jurídico, com efeito erga omnes (e assim mesmo há situações que dependem de um referendo do Senado). Em nível de relação jurídica tributária, pode perfeitamente o julgador administrativo entender que certa lei ofendeu a CF ou o CTN e deixar de aplicá-la naquele caso concreto, sem efeitos gerais. Nada há na CF que o impeça, essa atitude não seria inconstitucional só porque ele é funcionário público investido de função administrativa vinculada. Na verdade, a resistência governamental em permitir esse comportamento não decorre de legalidade, mas de conveniência. É que a cultura arrecadatória brasileira resiste à abertura democrática e haveria sérios riscos de decisões administrativas monocráticas ou colegiadas contrárias aos interesses públicos, sem que o Governo pudesse estabelecer um controle mais seguro. Não é incomum haver julgadores fiscais com consciência constitucional, que se sentem constrangidos em manter cobranças tributárias claramente inconstitucionais. Para evitar que esses profissionais

232 MARAFON, Plínio José. Processo Administrativo Tributário. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva

(Coord.). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. Atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 282-3.

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independentes prejudiquem a arrecadação, os governos têm obrigado a manter tributos contrários à CF ou ao CTN, forçando o contribuinte a buscar no Judiciário a proteção desejada e assoberbando este Poder de mais processos que poderiam ser evitados. Note-se que os vários julgados administrativos que se escusam de julgar questões constitucionais geralmente se fundam em proibições criadas por leis ordinárias ou atos normativos subalternos, justamente porque a CF não veda esse procedimento. Quanto à segunda parte da pergunta, há que se distinguir se o julgador aplicou norma que já foi considerada inconstitucional pelo STF – inválida, portanto – ou ainda não julgada pelo STF, e plenamente em vigor. No primeiro caso, trata-se de desobediência ao Judiciário, passível de indenização pelos prejuízos causados, não pelo art. 37, § 6º, da CF, que trata apenas de prestação de serviços, mas pelo princípio de Direito de que aquele que causa dano a outrem tem que repará-lo. Na segunda hipótese, nada há a indenizar, porque a lei se presume constitucional, até que seja julgada em contrário, pelo STF.233

Assim também CASSONE se posicionou sobre o problema:

Praticamente a única disposição que encontramos na Constituição Federal é a do inc. XXXV do art. 5º, a qual estabelece que “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. À primeira vista, parece pouco para fundamentar uma resposta mais sólida. Contudo, é costumeiro que o Poder Público, perdedor na esfera administrativa, se conforma com a decisão de um órgão que faz parte de sua própria estrutura administrativa, e onde o voto de minerva lhe pertence, ou cuja decisão contrária pode não ser homologada – como acontece na atual legislação tributária do Estado de São Paulo. E não se tem notícia que o Poder Público tenha, sequer uma única vez, recorrido ao Judiciário. Ademais, a lei tem disposto que o contribuinte pode abandonar a esfera administrativa e recorrer ao Judiciário, ficando sobrestado o processo administrativo fiscal, mas se omite em relação à procura do Judiciário pela pessoa política pública. Com base nesse contexto, fica um pouco mais facial dar a exata exegese ao referido inc. XXXV, já que a “lesão ou ameaça a direito” são suportadas pelo contribuinte, em vista da sistemática da imposição tributária. Respondo, pois, à 5ª questão: Considerando a sistemática da imposição tributária, que leva ao entendimento de que a “lesão ou ameaça a direito” inscritas no inc. XXXV do art. 5º da CF são suportadas somente pelo contribuinte, fica a Fazenda Pública impossibilitada de ir a juízo pedir anulação de decisão administrativa a ela contrária.234

233 MARAFON, Plínio José. Processo Administrativo Tributário. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva

(Coord.). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. Atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 281-2.

234 CASSONE, Vitorio. Processo Administrativo Tributário. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. Atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 382.

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PRAXEDES235 defende que a extinção do crédito tributário pela decisão

administrativa irrecorrível, disposta no art. 156, IX do CTN, constitui garantia individual do

contribuinte, uma vez que constitui coisa julgada a favor deste. Além disso, haveria uma

grave insegurança jurídica, para os contribuintes que tivessem eleito a via administrativa

(menos onerosa) para questionamento de seus direitos, e posteriormente fossem surpreendidos

e compelidos a ingressar em oneroso e longo processo judicial.

E ainda, para LOBO, seria proibido à Fazenda Pública ir a juízo pedir a anulação

de decisão que, na esfera administrativa de julgamento, lhe foi contrária:

A insuscetibilidade da revisão judicial decorre em linha reta da estrutura organizativa da Administração, da obrigação funcional que lhe incumbe respeitar e executar as decisões definitivas tomadas no âmbito da sua esfera judicante. A decisão definitiva da Administração judicante, se não constitui coisa julgada material, dada a possibilidade de sua revisão judicial, garantia constitucional conferida ao contribuinte, configura, todavia, coisa julgada formal, no sentido de sua imutabilidade para a Administração dado o caráter vinculante da decisão administrativa.236

Não é diferente a opinião de MELO237, que considera uma “[…] manifesta

imoralidade, e deslealdade do Poder Público”, a propositura por este de ação judicial, com o

235 “2.7. A Fazenda Pública em juízo pedindo anulação de decisão administrativa a ela contrária.

Essa providência da Fazenda Pública é admissível no ordenamento jurídico brasileiro? No art. 156, inc. IX, do CTN está dito que extinguem o crédito tributário, além de outras hipóteses, a decisão administrativa irreformável, assim entendida a definitiva na órbita administrativa, que não mais possa ser objeto de ação anulatória. Define, pois, o mencionado inciso que a decisão administrativa em sede administrativa é a insuscetível de reforma, evidentemente, dentro da Administração. Mas o crédito tributário só se extingue se essa decisão não puder ser objeto de ação anulatória. Em razão dessa definição, mostrei o trabalho anterior em que a decisão proferida na impugnação é constitutiva da invalidade do lançamento. Isso porque a decisão, ato diferente do lançamento, elimina este do mundo jurídico, em face de sua anulação. A questão está, pois, em saber se existe ou não, no Direito Positivo brasileiro, a ação anulatória a ser proposta pela Fazenda Pública, postulando o desfazimento da decisão administrativa definitiva. Se a ação existe, qual o prazo que a Fazenda Pública tem para ajuizá-la? Duas posições apresentam-se: a) existe a ação, mas ela não é proposta; b) inexistente é a ação. De conseqüência, ante a dúvida, em qualquer circunstância os pressupostos da extinção do crédito tributário estão satisfeitos. Configurada está a preclusão administrativa”. (PRAXEDES, Francisco de Assis. Processo Administrativo Tributário. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. Atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 239).

236 LOBO, Maria Teresa de Cárcomo. Processo Administrativo Tributário. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. Atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p.252.

237 “Examina-se situação relativa ao término de processo administrativo fiscal, em que o órgão julgador (singular ou colegiado) decide pela insubsistência (parcial ou total) de exigência de crédito tributário, mas sem a anuência posterior do Chefe do Executivo, que entende propor medida judicial objetivando desconstituir os efeitos dessa decisão, com a finalidade de ser restaurado o original lançamento. Entendo que as decisões finais definitivas devem ser obedecidas

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pela respectiva Administração Pública, a fim de prestigiar a postura adotada por seus órgãos julgadores, principalmente aqueles de composição paritária, uma vez que suas manifestações consubstanciam prudente e equilibrada atuação, após debates dos diversos ângulos processuais, mantendo perfeita integração entre fisco e contribuinte. Nos processos concorrentes a lançamentos tributários, não pode ser outorgada competência a quaisquer autoridades para, unilateralmente, alterarem o conteúdo dessas decisões e nem mesmo valerem-se o questionável princípio da hierarquia, que normalmente rege os atos administrativos. A correção de situações eivadas de vícios ou defeitos jurídicos, para o fim precípuo de revestir o lançamento da mais completa legitimidade, deve competir, em última instância, aos órgãos julgadores. Esta espécie de processo corresponde a um autêntico aperfeiçoamento do lançamento, que não pode sofrer mutações movidas por meros critérios subjetivos, ou meramente arrecadatórios, da Administração fazendária. A hierarquia só é válida, e só pode ser utilizada criteriosamente, em questões ligadas a aspectos de conveniência e oportunidade (discricionariedade), que, efetivamente, não tem cabimento nos rígidos processos de lançamento (vinculabilidade). Não teria o mais mínimo sentido desprezarem-se os atos decisórios (mormente nos casos de órgãos colegiados, integrados por inúmeros juízes votantes), mediante manifestação isolada, para, simplesmente, alterar a substância e o conteúdo. Acresce ressaltar que o recurso hierárquico – inconstitucional devido à inexistência do contraditório – implica em total desprestígio aos órgãos julgadores, que, além de estarem dotados de competência específica para decidirem as controvérsias tributárias e encontrarem-se tecnicamente aparelhados para a prática de atos dessa natureza, ficariam desprovidos de autoridade, e sujeitos a total obediência. É certo que a subordinação só deve ocorrer nas questões de índole administrativa-funcional, mas nunca no tocante ao mérito das decisões colegiadas; mesmo porque é inaplicável à espécie o invocado princípio da autotutela, que permite à Administração anular seus próprios atos quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los por motivos de conveniência e oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada a apreciação judicial (Súmulas 346 e 473 do STF). Os tribunais administrativos serão vistos com respeito pela comunidade jurídica, e com especial atenção do Judiciário, na medida em que possuírem independência de pensamento, não ficando atrelados a prévias orientações ou determinações das autoridades fiscais. Devem necessariamente constituir a última instância administrativa em matéria tributária, razão pela qual as suas decisões não podem ser reexaminadas (sequer modificadas) por nenhuma autoridade, a quem não se confere a faculdade de proceder, ou não, à sua homologação. Nesta mesma seara situa-se a avocatória, consistente no reexame dos atos administrativos por parte de autoridade superior, suprimindo os graus hierárquicos de jurisdição administrativa, de considerável utilização no âmbito previdenciário pelo Ministro de Estado. Esta lamentável prática administrativa caracteriza medida arbitrária (inconstitucional) porque, além de simplesmente desconsiderar o órgão julgador de instância inferior (no caso, a Junta de recursos e/ou o Conselho de Recursos da Previdência Social), desorganiza o normal funcionamento do serviço público, e ainda ofende preceito constitucional (art. 5º, LV). Imperioso ressaltar que, na medida em que as autoridades fazendárias venham modificar as decisões administrativas dos órgãos julgadores, positivando uma postura unilateral, a sociedade deixará de vislumbrar a garantia da imparcialidade, preferindo litigar diretamente na esfera judicial. Essas considerações e premissas aplicam-se, como luva, ao eventual interesse da Fazenda Pública em postular judicialmente a anulação de julgamentos proferidos no seio da própria Administração. Além da ação anulatória de decisão administrativa por parte da Fazenda não estar prevista na legislação, tal pretensão ofende o princípio da moralidade (art. 37, CF), que constitui um ‘plus’ constitucional, realçando o comportamento ético, justo e honesto da Administração Pública. Embora a imoralidade administrativa nem sempre seja facilmente captada e determinada, e esteja mais afeita aos lindes do desvio de poder (utilização de meios ilícitos para atingir os objetivos da Administração), é possível vislumbrá-la na situação em tela. O propalado princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse individual, outorgando prerrogativas e privilégios para a Administração – na busca de arrecadação de valores tributários, mediante a anulação de decisões administrativas – não pode, em absoluto, representar um cheque em branco ao Executivo, de forma a ocasionar desrespeito aos administrados. Nos casos em que o Judiciário já tem decretada a inconstitucionalidade de normas,

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objetivo de anular decisão administrativa, em que seus órgãos internos manifestaram a própria

vontade do Estado e entenderam como jurídicas as exigências, tipificando coisa julgada

administrativa. Ademais, chama a atenção para o fato de que a medida judicial “representaria

a falência do processo administrativo”.

Tome-se ainda a opinião de RODRIGUES:

A finalidade do processo administrativo não é somente um meio de observar os requisitos de validade do ato administrativo e a garantia de respeito aos direitos individuais. Seus objetivos são mais amplos na medida em que se constata a ampliação das funções do Estado e da Administração, as relações entre o Estado e sociedade e as próprias concepções do Direito Administrativo. Desta forma, o processo administrativo não está somente ligado ao ato administrativo, mas também à legitimação do poder de império, ou seja, exigir tributos. As várias finalidades se apresentam ligadas e formam um conjunto de requisitos a serem observados, tais como contraditório e ampla defesa, com os meios necessários a comprovar os fatos, não só vistos do lado do contribuinte, mas também para propiciar o exame dos vários interesses que envolvem uma determinada situação tributária em favor da Administração, oferecendo, assim, a possibilidade de atuação administrativa com justiça. Embora não tenhamos, formalmente, um contencioso administrativo, o novo perfil do processo administrativo, com a garantia constitucional de ampla defesa (art. 5º, inc. LV), ao assegurar aos litigantes e aos acusados o contraditório com os meios e recursos a eles inerentes, está formulando exigência expressa de que o ato administrativo se efetue mediante relação jurídica processual, no qual posições jurídicas correspondentes a direitos,

ou mesmo quando assenta sólidas posições a respeito de matérias tributárias, o Fisco deve modificar seus procedimentos para observar diretrizes jurisprudenciais, uma vez que tais normas revelam-se ineficazes. Reclama-se idêntico comportamento fiscal no caso de os próprios órgãos administrativos fixarem jurisprudência acerca de intributabilidades sobre determinadas práticas tributária. Em suma, constitui manifesta imoralidade, e deslealdade do Poder Público, a propositura de medida judicial, com o objetivo de anular decisão administrativa, em que seus órgãos internos manifestaram a própria vontade do Estado e entenderam jurídicas as exigências, tipificando coisa julgada administrativa. A ação judicial representaria a falência do processo administrativo, que passaria a constituir uma mera fantasia de garantia constitucional do contribuinte, na medida em que por razões de mera conveniência financeira, a Fazenda viria a ignorá-lo se e quando entendesse oportuno. Merece ser lembrada a lição de Ruy Barbosa, tantas vezes repetidas por Geraldo Ataliba: ‘O que a Constituição dá com a mão direita, não a retira com a esquerda’. De que adianta o direito à utilização do processo administrativo, e as diversas garantias constitucionais, se a Administração ignora suas próprias decisões definitivas, passando a promover medida judicial anulatória, com intuito de fazer prevalecer um interesse financeiro? Resposta: A Fazenda não pode ir a juízo pedir a anulação de decisão administrativa a ela contrária, uma vez que se trata de matéria vinculada que não pode ficar adstrita a mera conveniência do Executivo, constituindo violação ao princípio da moralidade (art. 37, CF), pelo fato de que desprestigiaria a legitimidade do processo administrativo (art. 5º, LV)”. (MELO, José Eduardo. Processo Administrativo Tributário. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. Atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 300-305).

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faculdades, ônus existem tanto para a Administração como para os administrados. A Constituição garante também a segurança jurídica das decisões administrativas. [...]. A segurança, a que faz menção o caput do art. 5º da CF, é a “segurança jurídica”, ou seja, a segurança da estabilidade das relações jurídicas, econômicas, políticas, sociais, e no aspecto patrimonial, a garantia da propriedade, como alicerces da ordem econômica. Ives Gandra Martins, em parecer sobre a questão da segurança jurídica, escreve: “Nenhuma nação é estável democraticamente se seus cidadãos não ficarem assegurados em seus direitos fundamentais e não tiverem do Estado a garantia de que sua vida, em suas variadas facetas, possui na ordem legal a plataforma de seu crescimento. A tranqüilidade originada pela certeza de que as instituições funcionam e de que a lei assegura a estabilidade de todas as espécies de relações conformadas no ordenamento vigente faz do Estado que garante a segurança jurídica, um Estado de Direito. A vis inquietativa, que inibe o desenvolvimento de cada ser humano, assim como descompassa a economia e não permite o cumprimento das obrigações pela incerteza de seus fundamentos legais, de rigor, é o que a ‘segurança jurídica’ plasmada na Constituição objetiva fulminar. [...]. Ora, a expressão ‘direito à segurança’ não oferece qualquer limitação a não ser aquelas expressamente indicadas na Constituição, principalmente no Título V. É um direito pleno, sem restrições exegéticas, sem riscos de instabilidade, sendo que até mesmo as ‘instabilidades’ de empréstimos compulsórios para redução do poder aquisitivo do povo, que constavam da legislação infraconstitucional anterior, foram afastadas.” Ora, no Estado Democrático, o direito à segurança jurídica é um direito pleno, que não comporta interpretações restritivas, devendo ser afastada a possibilidade de anulação de decisão administrativa contrária à Fazenda Pública, a seu pedido, perante o Judiciário. Com efeito, o art. 145 do CTN estabelece: “Art. 145. O lançamento regularmente notificado ao sujeito passivo só pode ser alterado em virtude de :

I – impugnação do sujeito passivo; II – recurso de ofício; III – iniciativa de ofício da autoridade administrativa, nos casos

previstos no art. 149”. E o art. 142 do CTN estabelece competência privativa da autoridade administrativa para constituir o crédito tributário, sendo a atividade administrativa de lançamento vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional. Essa vinculação a que faz menção o dispositivo do CTN é vinculação à lei, com estrita observância da Constituição. Trata-se de uma relação de poder de autoridade que o contribuinte não possui e, portanto, quando a decisão administrativa é favorável ao contribuinte, representa um reconhecimento da autoridade de que o ato administrativo lançado contra o contribuinte Por esta razão, o inc. XXXV do art. 5º da Constituição Federal, que estabelece que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, é aplicável somente como garantia do contribuinte, não podendo ser invocado pelo Poder Judiciário, perdedor na esfera administrativa, quanto à decisão de um órgão julgador que faz parte de sua própria estrutura administrativa, e após o exame da questão por duas

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instâncias administrativas, com possibilidade de recurso especial para revisão do julgado quando a decisão não lhe for favorável. Os limites de poder de reexame ou reapreciação da situação tributária das decisões administrativas por parte da Fazenda Pública, em relação ao procedimento do lançamento têm a natureza de preclusões processuais: preclusões processuais internas, se respeitam aos poderes de reapreciação do ato no próprio procedimento em que foi praticado; preclusões processuais externas, se respeitam aos poderes de reapreciação em processo ulterior e distinto, administrativo e judicial. Assim, ainda que não proferidas por contencioso administrativo, as decisões administrativas são irrevogáveis sempre que conferirem benefício em favor de situações jurídicas individuais, ou seja, em favor do contribuinte. Aliás, o art. 146 do CTN é expresso em resguardar os direitos subjetivos nascidos de decisões administrativas em matéria tributária, sempre que houver alteração da valorização jurídica, ao dispor: “A modificação introduzida de ofício ou em conseqüência de decisão administrativa ou judicial nos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa, no exercício do lançamento, somente pode ser efetivada em relação a um mesmo sujeito passivo quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à sua introdução”. Desta forma, os fatos anteriores à mudança de interpretação, ou aplicação, da lei ficarão resguardados, a teor do art. 146 do CTN. As decisões administrativas em matéria tributária se apresentam, portanto, em relação aos contribuintes, de forma distinta daquela de que se revestem perante a própria Administração: no que diz respeito ao contribuinte, tais decisões são sempre passíveis de revisão pelo Judiciário; já que em respeito à segurança jurídica das relações entre Fisco e contribuinte, a Fazenda Pública fica impossibilitada de ir a juízo pedir a anulação de decisão administrativa a ela contrária. Tal decisão é definitiva na medida em que gera direitos, em benefício do contribuinte.238

E é de FERNANDES a opinião de que:

A autoridade competente, ao decidir no procedimento administrativo, conclui pela não verificação da obrigação tributária e, dessa forma, não dando seguimento à constituição do crédito tributário (lançamento), essa decisão será a palavra final da Administração Pública. Não cabe à Fazenda Pública recorrer ao Poder Judiciário pleiteando a reforma dessa decisão, pois se trata de um órgão do mesmo Poder Estatal daquele que pronunciou a referida decisão. Nos termos da doutrina processualista, faltará à Fazenda Pública interesse de agir, uma das condições da ação.239

238 RODRIGUES, Marilene Talarico Rodrigues. Processo Administrativo Tributário. In: MARTINS,

Ives Gandra da Silva (Coord.). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. Atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 340-4.

239 FERNANDES, Edison Carlos. Processo Administrativo Tributário. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. Atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 496.

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Pode-se de logo dirigir uma crítica a estas opiniões. A primeira argumentação

invoca como fundamento os artigos 142240 e 145241 do CTN. Ora, estes artigos não impedem

que a Fazenda Pública vá a juízo questionar ato do conselho de contribuintes.

A argumentação estaria válida se fosse formulada para o direito privado, mas não

se aplica no ramo do Direito Público, onde os agentes públicos não podem pautar seus atos

senão na lei, em sentido lato. Não podem renunciar receitas, etc.

Os autores da tese de impossibilidade de recurso ao Judiciário, pela

Administração, tendem a equiparar os efeitos da decisão administrativa favorável ao

contribuinte a uma renúncia pelo Estado ao direito sobre a ação.

Mas, efetivamente, poderia o Estado renunciar ao direito a que se funda a ação?

Ora, os agentes públicos não podem transigir, nem renunciar receitas públicas a

não ser nas hipóteses permitidas pelo ordenamento jurídico. Como bem lecionou CASTRO:

“Se o administrador ‘ad-ministra’, vale dizer, ministra para outrem, a sua vontade não é

relevante, mas o que importa é a satisfação as necessidades desse outrem, qual seja a

coletividade”242. Assim, mesmo que o órgão colegiado administrativo decida favoravelmente

ao contribuinte, só pode fazer isto com base na lei (em sentido amplo). Se a decisão

administrativa, ainda que favorável ao contribuinte, for, por exemplo, decorrente de

ilegalidade manifesta, erro grosseiro, fraude, dolo ou má fé, não pode ser excluída da

apreciação e do controle pelo Poder Judiciário.

Já existe Parecer da Procuradoria da Fazenda Nacional (PGFN)243 que admite a

possibilidade de o Estado questionar judicialmente as decisões administrativas, na área

tributária, em caso de lesão ao patrimônio público. Os fundamentos utilizados no mencionado

parecer inicialmente correspondem à afirmação de que cabe ao Poder Judiciário, quando 240 BRASIL. Código Tributário Nacional. “Art. 142. Compete privativamente à autoridade

administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.

Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional”.

241 BRASIL. Código Tributário Nacional. “Art. 145. O lançamento regularmente notificado ao sujeito passivo só pode ser alterado em virtude de:

I - impugnação do sujeito passivo; II - recurso de ofício; III - iniciativa de ofício da autoridade administrativa, nos casos previstos no artigo 149”.

242 CASTRO, Celso Luiz Braga de. Da alteração dos contratos em direito público e seu controle judicial à luz da teoria dos conceitos indeterminados.Revista do Magistrado, Salvador, v. 2, p. 16, 2005.

243 Parecer PGFN 1087/04, aprovado pelo Procurador Geral da Fazenda e pelo Ministro de Estado da Fazenda e publicado do Diário oficial da União, em anexo.

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provocado, o controle dos atos administrativos, incluída neste controle a possibilidade de

invalidação judicial das decisões do Conselho de Contribuintes, seja pelo controle de

legalidade, seja pelo controle de juridicidade (mérito, que não se confunde com

discricionariedade: juízo de conveniência e oportunidade)244.

244 “IV CONTROLE JUDICIAL DOS ATOS ADMINISTRATIVOS.

22. Segundo a doutrina de Hely Lopes Meirelles, o controle judicial dos atos administrativos é unicamente de legalidade. Todavia, em face dos preceitos constitucionais inseridos nos incisos XXXV e LXXIII do artigo 5º da Constituição da República, a lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito, e qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe. Vale dizer, diante desses mandamentos constitucionais, nenhum ato do Poder público poderá ser subtraído do exame judicial (de legalidade ou da lesividade ao patrimônio público), seja de que categoria for (vinculado ou discricionário) e provenha de qualquer agente, órgão ou poder.

23. Discorrendo sobre o controle jurisdicional da atividade administrativa não vinculada (discricionária), Germana de Oliveira Moraes assevera que atualmente, à luz da moderna compreensão do Direito, todo e qualquer ato administrativo, inclusive o discricionário e o resultante da valoração de prognose, é suscetível de revisão judicial, muito embora nem sempre plena, por meio do qual o Poder Judiciário examinará a compatibilidade de seu conteúdo com os princípios gerais de Direito, para além da verificação dos aspectos vinculados do ato.

24. Vale lembrar que durante muito tempo sustentou-se na doutrina e na jurisprudência brasileiras que o Poder Judiciário deveria limitar-se ao exame da legalidade do ato administrativo, circunscrevendo-se à verificação das formalidades extrínsecas, sendo-lhes destarte vedado o ingresso no exame do mérito administrativo. Hoje, ao contrário, o controle jurisdicional dos atos administrativos, estribado no inciso XXXV do artigo 5º da Constituição da República, há de ser amplo e irrestrito, sempre que haja lesão ou ameaça a direito. Essa a opinião da professora Lúcia Valle Figueiredo, no sentido de que o exame judicial terá de levar em conta não apenas a lei, a Constituição, mas também os valores principiológicos do texto constitucional, os standards da coletividade.

25. Daí, na lição de Castro Nunes, em voto proferido em acórdão mencionado por Paulo Magalhães, ‘... a apreciação de mérito interdita ao judiciário é a que se relacione com a 'conveniência' e 'oportunidade' da medida, não o merecimento por outros aspectos que possam configurar uma aplicação falsa, viciosa ou errônea da lei ou regulamento, hipóteses que se enquadram, de modo geral, na ilegalidade por ‘indevida aplicação do direito vigente'’. Logo, só os aspectos do mérito, relacionados quase sempre com a questão da conveniência ou oportunidade, é que se tornam exorbitantes da noção de legalidade.

26. Na magistral lição de Germana de Oliveira Moraes, acerca da 'substituição da idéia nuclear de legalidade administrativa pelo princípio da juridicidade da Administração Pública', a constitucionalização dos princípios gerais de Direito ocasionou o declínio da hegemonia do princípio da legalidade, que durante muito tempo reinou sozinho e absoluto, ao passo em que propiciou a ascensão do princípio da juridicidade da Administração, o que conduziu à substituição da idéia do Direito reduzido à legalidade pela noção de juridicidade, não sendo mais possível solucionar os conflitos com a Administração Pública apenas à luz da legalidade estrita.

27. De acordo com a ilustrada autora, distinguem-se as esferas da juridicidade - o domínio amplo do Direito, composto de princípios e de regras jurídicas, ou seja, de normas jurídicas, e da legalidade circunscrita às regras jurídicas. Na sua visão, a noção de legalidade reduz-se ao sentido estrito de conformidade dos atos com as leis, ou seja, com as regras - normas em sentido estrito. Já a noção de juridicidade, diz ela, além de abranger a conformidade dos atos com as regras jurídicas, exige que sua produção (a desses atos) observe - não contrarie - os princípios gerais de Direito previstos explícita ou implicitamente na Constituição.

28. No Brasil, para o Professor Paulo Bonavides, citado por Germana de Oliveira Moraes, ‘não há distinção entre princípios e normas, os princípios são dotados de normatividade, as normas

132

Quanto aos meios de invalidação judicial do ato administrativo, o parecer

referido, partindo da premissa de que nenhuma lesão ou ameaça a direito pode escapar da

apreciação do Judiciário, defende que

A juridicidade do ato administrativo pode ser aferida por todos os

meios processuais previstos nos sistema jurídico pátrio (e.g., ação de rito ordinário ou mandado de segurança). Vale realçar, também, a ação civil pública, a ação popular e os instrumentos do controle direto por outro órgão competente.

34. Entretanto, de acordo com a norma do inciso XXXV do artigo 5º da Constituição da República, a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito; sendo assegurado aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, o contraditório e a ampla defesa, com os meios a ela inerentes (no último caso, CR, art. 5º, LV).

35. Diante desse inderrogável postulado constitucional, pode-se afirmar que a norma do artigo 45 do Decreto nº 70.235, de 1972 (recepcionado, este, com status de lei em sentido material), deve ser

compreendem regras e princípios (a distinção relevante não é, como nos primórdios da doutrina, entre princípios e normas, mas entre regras e princípios), sendo as normas o gênero e as regras e os princípios a espécie’. De fato, nas palavras de Germana de Oliveira Moraes, para esse eminente constitucionalista, os princípios são, na ordem constitucional dos ordenamentos jurídicos, a expressão mais alta da normatividade que fundamenta a organização do poder, e são compreendidos, equiparados e até confundidos com os valores.

29. Consubstanciada nesses fundamentos, Germana de Oliveira Moraes sintetiza sua abalizada e escorreita lição no sentido de que:

‘Cabe ao Poder Judiciário, além da aferição da legalidade dos atos administrativos - de sua conformidade com as regras jurídicas, o controle de juridicidade - a verificação de sua compatibilidade com os demais princípios da Administração Pública, para além da legalidade, a qual se reveste do caráter de controle de constitucionalidade dos atos normativos, pois aqueles princípios se encontram positivados na Lei Fundamental. A lei fornece os parâmetros de aferição da legalidade dos elementos predominantemente vinculados dos atos administrativos, enquanto a Constituição enuncia os princípios da Administração Pública que consubstanciam os parâmetros de aferição pelo Poder Judiciário da juridicidade dos elementos predominantemente discricionários dos atos administrativos’.

30. Se assim o é - e parece ser - não remanesce dúvida quanto à possibilidade de invalidação judicial das decisões do Conselho de Contribuintes; seja pelo controle de legalidade, seja pelo controle de juridicidade (mérito, que não se confunde com discricionariedade: juízo de conveniência e oportunidade).

31. O mérito, segundo leciona Germana de Oliveira Moraes, pressupõe o exercício da discricionariedade, sem, no entanto, com ela confundir-se, [...]. ‘Hoje em dia - prossegue a nomeada autora - não mais faz sentido a antítese entre controle de legalidade e de mérito, pois o Direito fornece outros parâmetros de correção do ato administrativo, além da legalidade estrita, a saber, aqueles extraíveis dos princípios, o que reduziu a esfera do mérito, sem, no entanto, eliminá-lo, porque as considerações de ordem não positiva permanecem imunes à revisão judicial’. Parecer PGFN 1087/04 e Portaria 820/04.

32. No escólio da eminente doutrinadora, há de falar-se, atualmente, em oposição ao controle de mérito, em controle de juridicidade dos atos administrativos, o qual se divide em controle de legalidade e controle de juridicidade ‘stricto sensu’. O controle jurisdicional da juridicidade dos atos administrativos abrange o exame da conformidade dos elementos vinculados dos atos administrativos com a lei (controle de legalidade) e da compatibilidade dos elementos discricionários com os princípios (controle da juridicidade ‘stricto sensu’)”.

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interpretada conforme a Constituição, no sentido de que não visou a impedir o acesso da Administração Pública ao Poder Judiciário, porque, se assim não for, seria ela (norma do artigo 45) incompatível com o princípio do monopólio da jurisdição pelo Poder Judiciário.

36. Em outras palavras, a decisão final proferida pelo Conselho de Contribuintes, desfavorável a qualquer dos sujeitos da relação jurídico-tributária, pode ser submetida ao crivo do Poder Judiciário, seja para controle de legalidade, seja para controle de juridicidade, ou em razão de erro de fato ocorrido no julgamento administrativo.

37. De fato, no processo administrativo fiscal PAF, a decisão final proferida pelo Conselho de Contribuintes, contrária ao Fisco, não impede a União (Fazenda Nacional) de recorrer ao Poder Judiciário, em face da inexistência, no direito positivo, de norma proibitiva. A propósito, vem a calhar o entendimento esposado no III Curso de Especialização em Direito Tributário, realizado na PUC/SP em 1972, sob coordenação de Geraldo Ataliba, mesmo em face da CF/67, com as alterações da EC 1/69, in verbis: "Decisão regular e final da Administração é para ela vinculante, salvo erro de fato. Isto, entretanto, não impede que ela possa pedir ao Judiciário revisão de decisões benéficas ao contribuinte". (Elementos de direito tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978. p. 409).

Cita-se excertos do voto proferido pelo eminente Desembargador Federal do TRF-

1ª Região, Antonio de Souza Prudente, na relatoria da Apelação Cível nº 95.01.05547-7/PA,

in verbis:

Ao que penso, os atos administrativos definitivamente julgados pela Administração, porque exauridos os meios regulares previstos no ordenamento processual respectivo, têm força característica dos atos preclusos, para si própria, tornando-se irretratável, no plano administrativo. Tal conclusão não conduz à inatacabilidade do ato em via contenciosa, quer pelo administrado, quer pela própria Administração, através de seu representante judicial, porque a anulação no direito administrativo é instituto regido pelo direito público, balizado pelos princípios da legalidade, da moralidade, com vistas à satisfação da finalidade pública. Sendo o ato defectivo de quaisquer elementos seus constitutivos (sic), não se conformando à lei, portando defeito de legalidade, de competência, finalidade, forma e objeto, sujeita-se ao desfazimento, quer pela Administração, quer pelo Judiciário. E se só o Judiciário comporta o monopólio da jurisdição judicial, de decidir com força de coisa julgada, não é possível interditar-se à própria Administração fazê-lo em nível judicial.

Por fim, conclui a PGFN no sentido de que as decisões do Conselho de

Contribuintes do Ministério da Fazenda, desfavoráveis a qualquer um dos sujeitos da relação

jurídico-tributária, sujeitam-se ao crivo do Poder Judiciário para controle de sua legalidade ou

de sua juridicidade, ou em decorrência de erro de fato ocorrido no julgamento administrativo,

mormente se e quando houver ofensa aos princípios administrativos e constitucionais

(explícitos ou implícitos) que regem e informam a Administração Pública (v.g. da finalidade,

134

da impessoalidade, da legalidade, da proporcionalidade, da igualdade, da supremacia do

interesse público, da moralidade, da eficiência, da probidade, da boa fé, da motivação, da

razoabilidade, entre outros):

40. Assim posta a questão, em síntese, respondendo de modo objetivo,

os itens 1, 2 e 3, respectivamente, da consulta, pode-se concluir que: 1) existe, sim, a possibilidade jurídica de as decisões do Conselho de

Contribuintes do Ministério da Fazenda, que lesarem o patrimônio público, serem submetidas ao crivo do Poder Judiciário, pela Administração Pública, quanto à sua legalidade, juridicidade, ou diante de erro de fato.

2) podem ser intentadas: ação de conhecimento, mandado de segurança, ação civil pública ou ação popular.

3) a ação de rito ordinário e o mandado de segurança podem ser propostos pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, por meio de sua Unidade do foro da ação; a ação civil pública pode ser proposta pelo órgão competente; já a ação popular somente pode ser proposta por cidadão, nos termos da Constituição Federal.245

Não se quer com isto entender que todas as decisões administrativas desfavoráveis

ao fisco devam ser questionadas pelo Estado no Judiciário. O Estado somente deve procurar o

Judiciário para a invalidação da decisão em situações em que não seja possível a revisão do

ato administrativamente. A via ao Judiciário, nestes casos, deve ser estreitada. A questão é

saber em quais situações efetivamente pode se entender presente o interesse de agir da

Administração e em que situações este interesse deve ser tido por inocorrente.

Deve-se concordar, assim, com a contraopinião de DELGADO:

5) A Fazenda Pública pode ir a juízo pedir anulação de decisão administrativa a ela contrária? Adoto, para responder ao quesito acima identificado, o mesmo sistema que segui para expor as minhas convicções sobre o conteúdo da questão anterior. Resumo o meu pensamento a enunciados que passo a emitir. Ei-los: a) A decisão administrativa contrária à Fazenda Pública não pode receber os efeitos da imutabilidade, privilégio que só tem a sentença judicial transita em julgado. b) Rubens Gomes de Souza (Justiça e processo fiscal. P. 57) e Gilberto Ulhoa Canto (O processo tributário, p. 66), conforme citação de Aurélio Pitanga Seixas Filho, p. 27, em artigo presente na obra Processo administrativo fiscal, Dialética, já referida, defendem a possibilidade de a

245 Parecer. PROCURADOR-GERAL DA FAZENDA NACIONAL - PGFN nº 1.087 de 19.07.2004

D.O.U.: 23.08.2004. Possibilidade jurídica de anulação, mediante ação judicial, de decisão de mérito proferida pelo Conselho de Contribuintes.

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Fazenda Pública promover, em juízo, ação para anular a decisão do Conselho de Contribuintes que lhe for contrária. c) A irretratabilidade da decisão só produz efeitos na área administrativa se todos os graus hierárquicos a que ela está submetida foram atingidos. d) Se a Fazenda Pública constatar que a decisão contra seus interesses violentou os princípios tributários, especialmente, o da legalidade, não há como se afastar da possibilidade de acertá-la em juízo. e) Outra situação que abre caminho para ser agitada, em Juízo, entrega de prestação jurisdicional pela Fazenda Pública, é quando tem conhecimento que a decisão administrativa que lhe foi contrária está viciada por dolo, fraude, erro, simulação e coação, tudo a demonstrar a frágil atuação dos agentes públicos nela envolvidos. f) Os agentes públicos, embora atuem em nome do Estado, não são o próprio Estado. Eles, quando decidem administrativamente, quer isoladamente, quer em colegiado, estão, também, sujeitos a prática de atos decisórios que violam o sistema tributário, pelo que não está o Estado obrigado a aceitá-los. g) É dever do Poder Tributante adequar a decisão administrativa aos caminhos da legalidade, para que, em nenhuma hipótese, surja a possibilidade de favorecimento pessoal. h) A competência atribuída aos órgãos julgadores da administração é de natureza relativa e sujeita ao controle do Poder Judiciário, pouco importando que a decisão seja a favor ou contra o Estado. i) Os instrumentos jurisdicionais postos para o controle da legalidade, da moralidade, da igualdade, do justo pagamento do tributo tanto servem ao cidadão contribuinte como ao Estado. j) Não se pode deixar sem reconhecimento o fato de que os agentes públicos, não obstante os compromissos assumidos com a retidão na prática dos atos administrativos, quando proferem decisões não o fazem de modo definitivo. Eles podem, também, praticar desvios de finalidade, abuso de poder, atos imotivados e sem a guarda da competência, pelo que cabe ao Estado tentar corrigi-los, ou por ação própria, quando possível, ou pela via do Poder Judiciário. k) Esgotadas as vias administrativas, com base em regulamento imposto pelo próprio Estado, fica vedada a revisão do ato. Abre-se, tão somente, em seu favor o caminho de discuti-lo no âmbito do Poder Judiciário.246

Em apoio ao interesse de agir da Administração, diz ICHIHARA, também

defendendo a posição minoritária:

A decisão administrativa, quando favorável ao contribuinte, segundo preceitua expressamente o art. 156, IV, do CTN, aparece como uma das formas de extinção do crédito tributário. Por outro lado, os atos da administração, além das suas formas, prazos etc., que são previstos em lei, como decorrência direta do princípio do devido processo legal, são vinculados.

246 DELGADO, José Augusto. Reflexões sobre o Processo Administrativo Tributário. In: MARTINS,

Ives Gandra da Silva. Processo Administrativo Tributário. 2.ed. Atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 111-4.

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O princípio da segurança jurídica não permite a revogação ou a anulação de qualquer ato administrativo, se inexistentes os pressupostos legais. Assim sendo, mesmo no caso de revisão do lançamento, a liberdade do agente de rever o ato só é possível nos casos expressamente previstos em lei e taxativamente relacionados com faz o art. 149 do CTN. Comentando este dispositivo, escreve Aliomar Baleeiro: “Embora o art. 149 não se refira à cláusula final do art. 148 – ressalvada, em caso de contestação, avaliação contraditória – administrativa ou judicial, ela a nosso ver, está implícita. Dentro da hierarquia funcional, os atos dos funcionários comportam recursos ou reclamações para seus superiores. Isso se integra nos direitos e garantias individuais da CF, art. 153, §30. Por outro lado, a revisão dos atos administrativos da autoridade pelo Poder Judiciário insere-se logicamente no art. 153§ 4º, também da CF, como outro direito ou garantia individual, dentre os assegurados aos brasileiros e estrangeiros residentes no país”. Como já dito anteriormente, se o direito à prestação jurisdicional é colocado com garantia fundamental, se o Estado se submete às leis que edita e às decisões judiciais, como decorrência do princípio do Estado de Direito, não se pode negar o direito à jurisdição, se existentes a ameaça ou a lesão de direito a que se refere o art. 5º, XXXV, da CF. Todavia, se o exercício do direito de ação deve conformar-se aos pressupostos de admissibilidade, o Estado, além da existência de tais pressupostos, deve, sem dúvida alguma, obedecer o requisito específico da autorização legislativa, isto é, nos casos em que a lei permite, como é o caso do art. 149 do CTN. Respondemos à quinta e última questão: A Fazenda Pública pode ir a juízo pedir a anulação da decisão administrativa desfavorável, isto é, quando favorável ao contribuinte, somente nos casos em que a lei autorizar, como ocorre nas hipóteses do art. 149 do CTN.247

Pode-se considerar como defensor da tese minoritária também HARADA, ao

menos quando defende, como exceção, a iniciativa do Fisco:

Processo administrativo nada mais é do que o conjunto de atos coordenados, voltados à obtenção de uma decisão sobre uma determinada controvérsia. Difere do procedimento que é o modo de realização do processo, ou seja, o rito processual. O processo administrativo comporta várias espécies, dentre as quais avultam o processo disciplinar e o processo administrativo tributário ou fiscal. O processo administrativo fiscal, como espécie de gênero processo administrativo, está sujeito à observância dos princípios aplicáveis a este último, quais sejam, os princípios da legalidade objetiva, da oficialidade, do informalismo, da verdade material e da garantia de defesa. Outros princípios concernentes à Administração Pública devem, também, ser observados tais como o da impessoalidade, o da moralidade e o da publicidade (art. 37 da

247 ICHIHARA, Yoshiaki. Processo Administrativo Tributário. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva

(Coord.). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. Atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 358-9.

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CF). Daí por que o processo administrativo fiscal constitui-se em verdadeiro requisito para a validade do próprio ato administrativo de natureza tributária. A exemplo de decisão judicial, a decisão administrativa fiscal de que não mais caiba recurso faz coisa julgada, vinculando a Administração Pública aos seus termos. Entretanto, se contrária aos interesses do contribuinte, este poderá recorrer ao Poder Judiciário em virtude do princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, inc. XXXV, da CF). Não é dado à Administração Pública recorrer ao Judiciário para invalidar a sua própria decisão proferida, regularmente, em processo administrativo fiscal. No processo administrativo fiscal a Fazenda Pública é juiz e parte ao mesmo tempo, com a finalidade precípua de dirimir a controvérsia de natureza tributária. Assim, atentaria contra o princípio da moralidade administrativa o fato de a Administração não querer se sujeitar à decisão que ela própria proferiu, no exercício regular de suas atribuições. Seria o mesmo que autodestruir o poder legalmente exercitado pela Administração, só porque resultou em uma decisão que é contrária aos seus interesses privados. Seria tornar inútil e desnecessário, com desperdício de tempo e de dinheiro, se pudesse a Administração Pública pleitear a anulação judicial de decisões administrativa que lhes forem contrárias, já que, quando contrárias aos particulares, estes poderão, sempre, ingressar em juízo na defesa de seus interesses. A coisa julgada administrativa obriga a Administração em todos os seus termos, sendo absolutamente impossível a ela pretender sua revisão judicial. Ressalva-se, contudo, casos de vícios do processo administrativo, hipóteses em que, dependendo da gravidade desses vícios, a decisão administrativa poderá ser anulada pela própria Administração, no exercício de seu controle interno. Uma decisão em que falte motivação é nula. Da mesma forma será nula a decisão proferida no bojo do processo administrativo em que não tenha propiciado ao contribuinte o direito à ampla defesa. Mesmo nessas hipóteses a nulidade há de ser proclamada na esfera administrativa, a menos, evidentemente, que o próprio contribuinte tenha tomado a iniciativa de ação judicial.248

É de AKSELRAD a opinião de que:

Se é certo que os atos da Administração devem reger-se em obediência aos princípios da estrita legalidade e legitimidade, e que o lançamento tributário é um procedimento administrativo, não menos certo é, no nosso entendimento, que a autoridade administrativa no julgamento do processo fiscal não somente pode, como deve, subordinar-se à aplicação de normas que obedeçam rigorosamente à Constituição em vigor, que é a Lei das leis. Isto é, os princípios da estrita legalidade e legitimidade dos atos administrativos, da vinculação e da obrigatoriedade do lançamento, cedem ao princípio maior da obediência aos Cânones constitucionais. Parece-nos que as discrepâncias de opiniões na vigência das Constituições anteriores não mais encontram suporte nas normas da Carta vigente. Com efeito, as cláusulas pétreas, já antes analisadas, da garantia do contraditório, inclusive no processo administrativo, com todas as defesas

248 HARADA, Kiyoshi. Processo Administrativo Tributário. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva

(Coord.). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. Atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 371-2.

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meios e recursos cabíveis (art. CF, art. 5º, inc. LV), implicam em permitir que sejam suscitadas, também no procedimento administrativo, questões ligadas à constitucionalidade das normas que embasaram a exigência tributária em discussão. E se podem ser suscitadas como matéria de defesa ou recurso ante o princípio da liberdade e garantia do contraditório, por óbvio, que devem ser analisadas e julgadas, podendo a autoridade administrativa, por dever, deixar de aplicar norma de cunho flagrantemente inconstitucional. Essa negativa de aplicação da norma reputada inconstitucional, embora atenda ao próprio dever do exame da legitimidade dos atos administrativos pelos órgãos da Administração, todavia, não implica em declaração da inconstitucionalidade, o que é privativo do Poder Judiciário. Contudo, respeitando o prazo prescricional do próprio crédito tributário, e desde que ainda não haja pronunciamento do Supremo Tribunal Federal quanto a tal inconstitucionalidade, poderá o Poder Público ingressar com ação visando a anulação, pelo Poder Judiciário, dessa decisão no procedimento administrativo, sob o enfoque da própria verificação de sua legitimidade. Se é dever da Administração o controle da legalidade de seus próprios atos, eventual exigência de tributo sem o adequado exame de sua constitucionalidade, quando isso constituir matéria de defesa ou recurso no procedimento administrativo, implica em malferir a cláusula do art. 5º, inc. LV da Constituição, razão pela qual poderá vir a ser exigida, pelo prejudicado, a reparação dos danos (CF, art. 37, §6º), se e quando a norma em causa vier a ser declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.249

Continua, ainda, favoravelmente ao controle, AKSELRAD:

A Constituição Federal, além de garantir o pleno exercício do contraditório, no sentido de igualdade tendencial das partes, através de uma ampla e irrestrita defesa, por todos os meios e recursos a ele inerentes, especifica em outra cláusula pétrea o direito ao livre acesso ao Judiciário (art. 5º, inc. XXXV), e essa ampla defesa de direitos ou contra ilegalidades ou abuso de poder, cometidos no procedimento tributário de lançamento, devem ser feitos de forma livre, igualitária e independentemente do pagamento de taxas. E essas cláusulas pétreas da igualdade tendencial das partes no processo, tanto quanto do livre acesso ao Judiciário e pleno exercício do contraditório, tal como postas na vigente Carta Constitucional, levam-nos a anulação de decisão final irrecorrível na esfera administrativa, proferida por órgãos colegiados, no exame do procedimento administrativo, e que lhe tenha sido contrária. Todavia, essa possibilidade, ante o princípio da moralidade, deve ficar restrita às hipóteses em que a decisão administrativa esteja eivada de vícios de ilegitimidade ou nulidade ou em flagrante desacordo com as normas constitucionais e/ou legais e, ainda assim, obedecido o prazo prescricional do próprio crédito tributário envolvido.250

249 AKSELRAD, Moisé. Processo Administrativo Tributário. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva

(Coord.). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. Atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 422-3.

250 Ibidem. p. 423.

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ALVES251 não pensa diferentemente, entendendo que o artigo 156 do CTN alista

como causa de extinção do crédito tributário “[…] a decisão administrativa irreformável,

assim entendida a definitiva na órbita administrativa, que não mais possa ser objeto de ação

anulatória”:

O artigo 156, inc. IX, do CTN, atribui efeito de definitividade à decisão administrativa, da qual já não caiba mais qualquer recurso na órbita administrativa, quando esta for favorável ao sujeito passivo. Tal decisão põe fim ao crédito tributário. Inibe, dessa forma, a Fazenda Pública de se socorrer do Poder Judiciário, intentando ação anulatória de decisão que lhe seja desfavorável. Igual efeito não se verifica se a decisão for favorável à Fazenda Pública, podendo o sujeito passivo valer-se da via judicial para, do Judiciário obteve a palavra final (sic).

251 “O art. 156 do CTN alista no seu inc. IX como causa extintiva do crédito tributário, ‘a decisão

administrativa irreformável, assim entendida a definitiva na órbita administrativa, que não mais possa ser objeto de ação anulatória’. O preceito em tela admite a definitividade da decisão administrativa de primeira ou de segunda instância, da qual não caiba mais qualquer recurso administrativo, atribuindo-lhe efeito de ‘coisa julgada’, quando favorável ao sujeito passivo, extinguindo o crédito tributário. A mesma definitividade não ocorre se a decisão for favorável à Fazenda Pública, podendo o contribuinte, nesse caso buscar socorro no Judiciário. A propósito, na lição de Hugo de Brito de Machado, lê-se o seguinte: ‘A referência feita pelo art. 156, inc. IX, do CTN à ação anulatória reflete o pensamento dos que entendem poder a Fazenda Pública ingressar em juízo pleiteando o anulamento de seus próprios atos’, entendimento que para esse autor ‘é indamissível’. Estamos em que a matéria comporta sérias discussões. Sobre isso bom lembrar, com Celso Bastos, que o princípio da acessibilidade ampla ao Poder Judiciário é um dos sustentáculos do Estado de Direito. Desde a implantação do nosso sistema constitucional, o Poder Judiciário exerce importante papel de recurso último para todas as lesões de direito, provenham elas de onde provierem. Isto significa que toda decisão definitiva sobre uma controvérsia só pode ser exercida pelo Poder Judiciário. Esse princípio está consagrado na Constituição Federal que, enfaticamente, determina que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (art. 5º, XXXV). Com a impugnação da exigência tributária instaura-se a fase litigiosa, bilateral, do processo administrativo fiscal. Assim sendo, no nosso entender, se a decisão administrativa for contrária à fazenda Pública, será perfeitamente admissível a esta socorrer-se do Judiciário para, desse Poder, obter a palavra final sobre o caso decidido em via administrativa. Assim permite a Lei Maior. Todas as garantias constitucionais de acesso ao Judiciário, da ampla defesa e do devido processo legal, estão à disposição do contribuinte. Em homenagem ao princípio da igualdade, também, a Fazenda Pública Poderá valer-se dessas garantias, quando lhe aprouver. Não há na Constituição qualquer ressalva a esse respeito. Essas garantias são conferidas a ambas as partes no processo. Negar, à Fazenda Pública, o direito de se socorrer do Judiciário, como último reduto para defesa de seu direito, caso o entenda lesado pela decisão proferida no âmbito administrativo, além de ofensa aos incs. XXXV, LIV e LV do art. 5º da CF, constituir-se-á em grave ofensa ao princípio da isonomia consagrado na cabeça desse mesmo preceito da Lei Maior. Não há, repita-se, na Constituição qualquer impedimento para a Fazenda Pública recorrer ao Judiciário para pedir a anulação de decisão administrativa a ela contrária. Entretanto, conforme acentua José Eduardo Soares Melo, o ajuizamento de ação pela própria Fazenda, com o objetivo de anular seus próprios atos, ‘desprestigiaria completamente seus órgãos julgadores’. De fato. Tal iniciativa se traduziria num gesto de extrema coragem por parte do agente fazendário e, pelo que se sabe, essa atitude heróica dificilmente virá acontecer”. (ALVES, Francisco de Assis. Processo Administrativo Tributário. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. Atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 462-4.)

140

De acordo com a Constituição, toda decisão só se torna definitiva sobre uma dada controvérsia quando ditada pelo Poder Judiciário. As garantias constitucionais de acesso ao Judiciário, de ampla defesa e do devido processo legal são asseguradas tanto ao contribuinte quanto à Fazenda Pública. Não há no Texto Maior qualquer ressalva nesse sentido. Portanto, do aspecto legal nada impede que a Fazenda Pública intente ação anulatória contra decisão administrativa a ela contrária.252

Comentando o inc. IX do art. 156 do CTN, diz JOSÉ JAYME DE MACÊDO

OLIVEIRA:

Uma vez expedido o pronunciamento da autoridade administrativa, ainda caberá ao contribuinte a iniciativa de propiciar a fase contenciosa do processo fiscal, atacando o pronunciamento oficioso da Fazenda, perante o Poder Judiciário. E mais: caso a manifestação acarrete prejuízo ao Fisco, a iniciativa processual ficará invertida, na medida em que caberá a este recorrer ao Judiciário, a fim de pleitear uma revisão do controle jurídico do ato original.253

E argumenta RUBENS GOMES DE SOUSA:

Esta concepção da iniciativa processual atribuída à Fazenda não nos parece incompatível, quer com a própria personalidade jurídica da Fazenda, entendida, já agora, como parte no processo fiscal. Já desenvolvemos este ponto em outros trabalhos, bastando recordar que o fundamento dessa iniciativa processual da Fazenda seria a promoção do controle da legalidade, o que é suficiente, a nosso ver, para demonstrar que tal iniciativa não poderia ser afastada. [...] finalmente, instaurada a fase contenciosa do processo, com ou sem a suspensão liminar da executoriedade, teria ela o seu prosseguimento normal, por um ordenamento semelhante ao atual, e culminaria na execução, que por sua vez traduziria pela simples conversão da garantia da instância em renda ordinária, ou pela penhora na hipótese em que a fase contenciosa tivesse sido processada com suspensão liminar da executoriedade, em qualquer caso, porém, a fase executiva não comportaria nova discussão do mérito, em face da coisa julgada decorrente da decisão final proferida na fase contenciosa.254

Com relação à possibilidade de ajuizamento de ação popular para possibilitar o

controle judicial de decisão administrativa, a 8ª Turma do Tribunal Regional Federal (TRF)

252 ALVES, Francisco de Assis. Processo Administrativo Tributário. In: MARTINS, Ives Gandra da

Silva (Coord.). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. Atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 462-4.

253 CASTRO, Alexandre Barros. Procedimento Administrativo Tributário. Teoria e Prática. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 30-1.

254 SOUSA, Rubens Gomes de. Idéias gerais para uma concepção unitária e orgânica do processo fiscal. Revista de Direito Administrativo, 34, p. 16.

141

da 1ª Região, entendeu que o mesmo é cabível, desde que demonstrada a ocorrência da

ilegalidade255.

No caso do Estado da Bahia, o Decreto nº 7.629/99, que regulamenta o processo

Administrativo Fiscal, estabelece a possibilidade da PGE, se constatar ilegalidade, formular

representação ao Conselho de Contribuintes para controle da legalidade.

Com efeito, a Lei Orgânica da Procuradoria Geral do Estado da Bahia256,

efetivamente prevê a competência da Procuradoria Geral do Estado para opinar no processo

255 Veja-se, a propósito, notícia a respeito, divulgada no site do TRF da 1ª Região em 01/08/13: “O controle judicial de decisão administrativa é passível de ação popular desde

que demonstrada a ocorrência de ilegalidade. A 8.ª Turma do TRF/1ª Região manteve entendimento de primeira instância que indeferiu a petição inicial de ação popular com o objetivo de anular o acórdão administrativo proferido pela Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF). Na sentença, o magistrado a quo assentou que a simples discordância de interpretação quanto ao alcance de determinada norma jurídica não configura ilegalidade a ser sanada na via da ação popular. A autora da ação popular e o Ministério Público Federal (MPF) recorreram contra a sentença. A primeira alega ser cabível a ação popular contra atos ilegais quanto ao respectivo objeto, como ocorre no caso concreto, bem como ser possível a revisão judicial de decisões administrativas ilegais. ‘Por força da regra contida no art. 26-A do Decreto 70.235/1972, na redação dada pela Lei 11.941/2009, fica vedado aos órgãos de julgamento, no âmbito do processo administrativo fiscal, afastar a aplicação ou deixar de observar a lei, sob o fundamento de inconstitucionalidade’, sustentou a recorrente. O MPF, por sua vez, argumenta que a ação popular seria um instrumento legítimo para controle da legalidade de tais decisões administrativas e que, no caso em apreço, houve comprovação de que a decisão da CSRF, ao afastar a cumulação das multas isolada e de ofício, transbordou os limites da legalidade, fato que ensejaria a reforma da sentença e o processamento da ação popular. A desembargadora federal Maria do Carmo Cardoso acolheu a tese defendida pelo Ministério Público relativamente ao cabimento da ação popular como instrumento de controle da legalidade das decisões administrativas, porém, afastou esse cabimento no caso concreto, porque não foi demonstrada a ocorrência de nenhuma ilegalidade ou vício de forma. Segundo ela, ‘No caso em questão, diversamente do que sustentado na petição inicial, a matéria de fundo tratada no referido acórdão administrativo relativo às multas estabelecidas não deriva de disposição literal, mas, ao contrário, admite margem para interpretações divergentes, favoráveis, ou não, ao contribuinte’. Ainda de acordo com a desembargadora Maria do Carmo Cardoso, como bem destacado pelo magistrado de primeiro grau, ‘o eventual desacerto do pronunciamento ora atacado é, no máximo, resultado de prevalência de uma tese jurídica sobre outra, mas não de uma ilegalidade’. A decisão foi unânime”.

256 BAHIA. Lei Complementar 34, de 06 de fevereiro de 2009: “Art. 2º - A Procuradoria Geral do Estado, órgão diretamente subordinado ao Governador,

tem por finalidade a representação judicial e extrajudicial, a consultoria e o assessoramento jurídico do Estado, competindo-lhe:

[…]; XI - propor aos órgãos e entidades constitucionalmente legitimados, o ajuizamento, conforme

o caso, de ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal;

[…]; XXIII - elaborar petições iniciais de ações diretas de inconstitucionalidade e declaratórias de

constitucionalidade de leis ou de atos normativos, a serem propostas pelo Governador do Estado, assim como as manifestações e informações em ações dessa natureza, propostas em face de lei ou ato normativo estadual, e acompanhar o respectivo processo até decisão final;

[…];

142

administrativo fiscal, efetuando o controle de legalidade, inclusive com vistas à inscrição na

dívida ativa. A mesma lei257 estabelece a competência da Procuradoria Judicial para sugerir ao

Procurador Geral as providências para a propositura de ação para a declaração de nulidade de

atos administrativos.

Contudo, deve-se entender que o controle da legalidade poderá ser arguido,

independentemente de ser contra ou favor do contribuinte.

No Estado da Bahia houve o julgamento de Representação formulada pela

Procuradoria do Estado para controle de legalidade em processo administrativo fiscal, e em

face de decisão favorável ao contribuinte (Acórdão CJF nº0260-11/10258). O Conselho

Estadual da Fazenda, através do acórdão CJF 0453-12/10259, reformou uma decisão anterior

CJF nº0260-11/10, e restabeleceu o auto de infração. O contribuinte se sentiu prejudicado e

foi a juízo arguindo a coisa julgada administrativa. E obteve provimento judicial no mandado

de segurança em seu favor, restabelecendo a decisão do CONSEF que determinou a extinção

do crédito. O magistrado entendeu que o Estado da Bahia, em face da coisa julgada

administrativa, não poderia na via administrativa anular a decisão. Contudo, entendeu cabível

a propositura de ação judicial pelo Estado da Bahia visando à declaração de nulidade do

acórdão CJF nº0260-11/10. Este foi o dispositivo da sentença, proferida pelo Juízo da 4ª Vara

da Fazenda Pública de Salvador (BA):

Em face do exposto, considero o mandado de segurança é ação própria para corrigir o curso do processo administrativo ou o respeito ao que ficou legitimamente decidido pela administração, a tudo aliado o trânsito em julgado dos acórdãos, verificando que a representação não era o mecanismo

XXVI - opinar no processo administrativo fiscal, efetuando o controle de legalidade, inclusive com vistas à inscrição na dívida ativa; […]”.

257 “Art. 18 - Compete à Procuradoria Judicial exercer a representação judicial do Estado, exceto em matéria fiscal, cabendo-lhe especialmente:

[…]; VI - sugerir ao Procurador Geral do Estado as providências para a propositura de ação

direta de inconstitucionalidade, ou declaratória de constitucionalidade, de lei ou ato normativo e para a declaração de nulidade de atos administrativos;

VII - elaborar petições iniciais de ações diretas de inconstitucionalidade e declaratórias de constitucionalidade de leis ou atos normativos e as de argüição de descumprimento de preceito fundamental, a serem ajuizadas pelo Governador do Estado, assim como as manifestações e informações em ações dessa natureza, acompanhando o respectivo processo até final decisão”. (grifo nosso)

258Disponível em: <http://mbusca.sefaz.ba.gov.br/consef/2010%20ac%C3%B3rd%C3%A3os%20c%C3%A2maras/A-0260-11.10.pdf#search=%22vicunha textil 0260-11/10%22>. Acesso em: 05 ago. 2013.

259Disponível em: <http://mbusca.sefaz.ba.gov.br/consef/2010%20ac%C3%B3rd%C3%A3os%20c%C3%A2maras/A-0453-12.10.pdf#search=%22vicunha textil 0260-11/10%22>. Acesso em: 05 ago. 2013.

143

competente para atacar os atos definitivos, entendo que já há direito liquido e certo do impetrante, daí porque julgo procedente a ação do mandado de segurança, concedendo a ordem para restabelecer o império do que ficou decidido no acórdão CJF nº0260-11/10, sem prejuízo de eventual propositura de demanda pelo Estado da Bahia visando a declaração de nulidade do referido ato e em conseqüência tornar nulo o acórdão CJF 0453-12/10 proferido. Processo isento de custas e honorários. Em razão do duplo grau de jurisdição recorro de oficio à segunda instância independentemente de recurso voluntário. P.R.I.260 (grifo nosso).

Deste julgamento ressai o reconhecimento da iniciativa da Administração

tributária para agir, ainda que em detrimento do contribuinte, visando ao restabelecimento da

ordem constitucional. A ação anulatória neste caso não chegou a ser proposta pelo Estado da

Bahia, considerando que a sentença citada teve seus efeitos suspensos através da decisão do

Presidente do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia nos autos da Suspensão de Execução de

Sentença n.º 0013092-79.2013.8.05.0000.

260 MS 0005905-85.2011.805.0001, 4ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Salvador, j.

05/09/2011.

144

5 CONCLUSÕES

Os problemas que motivaram o presente estudo, como já acentuado, não admitem

soluções ortodoxas. Se a tese da legalidade estrita não convence senão pelo apelo no sentido

de que o controle da legalidade ampla deva sofrer algumas atenuações, a dimensão destas

limitações é que parece consistir na verdadeira questão a ser enfrentada.

Não deve haver dúvida quanto ao agir administrativo dever conformidade à

Constituição e às normas infraconstitucionais. O princípio da legalidade é bem mais amplo

do que a mera sujeição do administrador à lei infraconstitucional (pois o agente público

necessariamente deve estar submetido também ao ordenamento jurídico como um todo,

notadamente às normas e aos princípios constitucionais).

A necessidade de conformidade à Constituição, por sua vez, reclama saber se a

Administração, especialmente a Administração tributária, pode realizar o controle de modo

autônomo e próprio.

Os adversários da ideia de que a Administração possa realizar o controle de

constitucionalidade de seus atos (afastando regra legal inconstitucional) invocam uma série de

argumentos, que foram reduzidos neste trabalho a sete. Trata-se dos princípios da separação

de poderes, da segurança jurídica, da legalidade formal, da hierarquia, da presunção de

constitucionalidade das leis em vigor e da reserva de plenário, além da questão de falta de

interesse de agir em razão da (im)possibilidade de revisão dos atos administrativos pela

própria administração.

Um a um, estes argumentos foram afastados no curso deste trabalho.

A separação de poderes não pode eliminar a concorrente atividade do Poder

Executivo com o fim de preservar a ordem constitucional, inexistindo qualquer previsão de

exclusividade ao Poder Judiciário para atuar no controle de constitucionalidade de normas

inconstitucionais, ou mesmo de controlar a legalidade de normas infralegais. A segurança

jurídica não é garantida pela mantença no sistema de norma contrária ao direito, enquanto o

Poder Judiciário não a afaste. A nenhum órgão ou Poder é dado atuar em desconformidade

com a Constituição.

Deve-se distinguir sempre entre a Administração julgadora (que visa solucionar

as controvérsias surgidas entre a Administração e os administrados, em consequência do

funcionamento da Administração ativa) e a Administração ativa (que tem por objeto a atuação

concreta da vontade do Estado declarada abstratamente na lei). Com isto, o exercício da

145

competência controladora pela Administração julgadora em nada afeta ou ameaça a

hierarquia administrativa ou traz desordem e anarquia à atividade pública.

Por seu turno, a presunção de constitucionalidade das leis em vigor não é

absoluta. Caso contrário, não seria uma presunção, mas uma verdade que não poderia ser

posta em dúvida. E a reserva de plenário, por fim, não foi prevista constitucionalmente para a

Administração judicante.

A competência controladora deve inegavelmente ser reconhecida à

Administração, e os argumentos em favor deste reconhecimento foram agrupados também em

número de sete (estado de Direito, garantia de ampla defesa, jurisdição administrativa,

princípio da eficiência, princípio da moralidade administrativa, supremacia da Constituição e

direito de petição).

O Estado de Direito Constitucional, como se disse, jamais seria mantido na

hipótese de se recusar à Administração a capacidade de afastar a aplicação de norma

inconstitucional, ou de forçá-la a aguardar a atuação corretiva do Poder Judiciário para apenas

então ver restabelecida a ordem constitucional.

O processo, judicial ou administrativo, é o instrumento da ampla defesa e

corolário do direito de petição, e aquela não se faria caso se recusasse a apreciação de questão

referente à constitucionalidade de norma, ou o afastamento do comando normativo impróprio

(inconstitucional).

A jurisdição administrativa é uma realidade incontestável, e sua diferença

principal da jurisdição judicial reside basicamente na irretratabilidade da segunda, que não

pode ser confrontada, salvo casos excepcionais, perante o mesmo Poder.

O controle de constitucionalidade, por seu turno, aproxima a conduta da

Administração de uma maior eficiência e da observância da moralidade administrativa,

evitando-se a produção de resultados impróprios (inconstitucionais).

Afinal de contas, a ideia do controle de constitucionalidade deriva da supremacia

da Constituição. É impossível falar no princípio da legalidade tributária sem o

reconhecimento de que todos os órgãos julgadores administrativos devem decidir as questões

submetidas à sua apreciação com observância dos superiores princípios jurídicos, examinando

o vigente ordenamento como um todo.

Mas, como se disse, nem todos os limites sugeridos ou esgrimidos para sustentar o

cabimento do exercício da competência controladora pela Administração podem ser

sustentados. As teses intermediárias foram agrupadas em oito (limitação da competência à

cúpula administrativa ou à prévia manifestação do Poder Judiciário, limitação aos órgãos

146

julgadores, limitação aos órgãos julgadores de segundo grau, prévia atuação do Poder

Executivo, requalificação dos órgãos de controle, limitações em razão da boa fé, do direito

adquirido ou do ato jurídico perfeito, e evidência da inconstitucionalidade).

Os inconvenientes da limitação da competência controladora à cúpula

administrativa ignoram a distinção aceita entre a Administração judicante e a Administração

ativa. Neste trabalho foi defendida a tese de que a Administração julgadora, em qualquer

instância, possui a necessidade de deter a prefalada competência, sob pena de subversão e

contrariedade a cada um dos argumentos que fundamentam e justificam o exercício do

controle. E não se faz necessário aguardar a prévia manifestação do Poder Judiciário para que

esta competência se exerça por parte do Executivo, na medida em que incumbe a este Poder

manter por sua iniciativa o estado de direito constitucional. A existência do recurso

hierárquico, por seu turno, desfaz a ideia de que o controle ocorra apenas no segundo grau

administrativo.

Rejeita-se a ideia de que o Poder Executivo apenas possa atuar corrigindo

inconstitucionalidades de modo preventivo (v.g. veto) ou indireto (v.g. por ajuizamento de

ação direta de inconstitucionalidade ou por requerimento ao Legislativo para que este revogue

a norma inconstitucional). A preservação da ordem constitucional reclama para o Executivo

uma posição repressiva e direta, ainda que circunscrita ao seu âmbito, sujeita à revisão do

Poder Judiciário, respeitando direitos legítimos surgidos para terceiros, e ainda limitada à

atuação dos seus órgãos julgadores.

Esta concepção não desfaz, todavia, a possibilidade, já existente, do controle

ocorrer de modo próprio nos casos da cúpula do Poder Executivo adotar prévia manifestação

reiterada do Poder Judiciário acerca da inconstitucionalidade de norma infraconstitucional.

E a competência controladora se manifesta, sem dúvida, apenas em casos de

evidente inconstitucionalidade, até mesmo diante da presunção (relativa) de

constitucionalidade das leis em geral.

Em que pesem estas conclusões, a legislação em todas as suas esferas (federal,

estadual e municipal) ainda é pouco receptiva à ideia do exercício administrativo da

competência controladora. Há vedações expressas a este exercicio, preferindo a legislação

admitir a iniciativa de modo centralizado (a partir dos órgãos administrativos de cúpula) e

limitado à prévia análise pelo Poder Judiciário.

A jurisprudência administrativa e mesmo aquela formada nos juízos e tribunais

judiciais, no entanto, destoa da vedação quase total ao exercício da competência pela

Administração, e vem admitindo que este controle se dê, em nome dos já mencionados

147

argumentos da necessidade de preservação do Estado de Direito, da ampla defesa, da

supremacia da Constituição, da eficiência e da moralidade etc.

Ou seja, não se pode recusar à Administração judicante ou julgadora o exercício

desta competência, e esta é a tese central deste trabalho.

Relaciona-se a esta tese a possibilidade de reconhecimento do interesse de agir de

órgãos administrativos para reclamar perante o Poder Judiciário contra atos próprios que

contrariem a Constituição. A conclusão possível é no sentido de que há legitimidade da

Administração para buscar a anulação judiciária de ato próprio, em certas circunstâncias.

Basicamente desde que ocorra respeito ao ato juridico perfeito e ao direito adquirido de

terceiros, que tenham agido de boa fé. Apenas a coisa julgada judicial é irreversível, a

princípio, cabendo à Administração, mais do que ter contra si imposta a ideia da estabilização

de situações impróprias (inconstitucionais) sob o argumento ou valor da segurança jurídica

(através da formação da coisa julgada administrativa), ver prevalecer a ordem constitucional e

a preservação de todos os demais valores (igualdade, interesse público etc.) que poderiam, em

caso concreto, possuir maior peso ou importância. Não se pode recusar à Administração a

realização de uma ponderação entre valores colidentes, que também ao Judiciário não é hoje

negada. Se a coisa julgada judicial já foi relativizada, que dizer da coisa julgada

administrativa, que bem menor força possui?

Assim, respondendo às perguntas indicadas na introdução deste trabalho, adota-se

a posição intermediária que admite a competência controladora da Administração:

a) para anular ato administrativo que concede benefício fiscal, oferta consulta

fiscal favorável ao contribuinte ou renuncia a crédito fiscal sob a alegação de

inconstitucionalidade ou de ilegalidade, desde que respeitado o direito adquirido e o ato

jurídico perfeito, em juízo de ponderação entre a segurança jurídica e os valores colidentes, à

maneira da relativização da coisa julgada já reconhecida na esfera judicial;

b) para realizar controle de constitucionalidade de atos administrativos por seus

órgãos julgadores de qualquer grau (integrantes da chamada Administração judicante ou

julgadora), como em julgamentos de Conselhos de Contribuintes;

c) para admitir que órgão diverso dentro do Poder Executivo (Procuradoria

Estadual ou Auditoria Fiscal) questione perante o Poder Judiciário ou no âmbito da própria

Administração decisão desfavorável ao Fisco adotada pelo Conselho de Contribuintes ou pelo

Secretário da Fazenda.

A objeção a ser levantada à tese da legalidade estrita deve residir em que toda

centralização ou limitação de tipo geral implicam em uma concentração de poder, fazendo-se

148

pouco, assim, da possibilidade de, exercendo competências, participarem ativamente as

esferas inferiores da Administração no cumprimento da Constituição e das leis e na

construção de um Estado Democrático de Direito.

Não se pode realizar justiça administrativa sem obediência à Lei Maior, ou seja, à

Constituição.

Assim, a jurisdição administrativa, por seus órgãos julgadores, possui plena

competência para deixar de aplicar normas legais ou regulamentares quando em confronto

com a Constituição, norma superior que estrutura o próprio Estado.

149

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