UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE EDUCAÇÃO ... · de Cáritas da Diocese de Amargosa-BA...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO
PAULO RICARDO CONCEIÇÃO ALELUIA
DA PRÁTICA À PRÁXIS: uma análise do curso de extensão em Tecnologia em Gestão
de Organizações e Movimentos Populares de Base do Instituto de Fé e Política de
Cáritas da Diocese de Amargosa-BA
JOÃO PESSOA
2018
PAULO RICARDO CONCEIÇÃO ALELUIA
DA PRÁTICA À PRÁXIS: uma análise do curso de extensão em Tecnologia em Gestão
de Organizações e Movimentos Populares de Base do Instituto de Fé e Política de
Cáritas da Diocese de Amargosa-BA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade
Federal da Paraíba (PPGE/UFPB) como
requisito parcial para obtenção do título de
Mestre em Educação, vinculado à linha de
pesquisa Educação Popular, sob a orientação da
Prof.ª Dr.ª Aline Maria Batista Machado.
JOÃO PESSOA
2018
PAULO RICARDO CONCEIÇÃO ALELUIA
DA PRÁTICA À PRÁXIS: uma análise do curso de extensão em Tecnologia em
Gestão de Organizações e Movimentos Populares de Bases do Instituto de Fé e Política
de Cáritas da Diocese de Amargosa-BA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade
Federal da Paraíba (PPGE/UFPB) como
requisito parcial para obtenção do título de
Mestre em Educação.
Dissertação aprovada em 29 de março de 2018.
BANCA EXAMINADORA
Ao meu querido irmão Georgeton (in memoriam),
que nesta caminhada deixou de cuidar de si para cuidar de mim.
Eternamente grato, irmão!
AGRADECIMENTOS
Para além do fato concreto de ter ingressado numa pós-graduação, ser pobre, preto, filho de
uma merendeira e de um mecânico autônomo, sem dúvida alguma concluir esta etapa do curso
tem um significado muito importante para mim, como também para minha cidade, comunidade,
e para muitos pretos e pretas pobres que conseguem ingressar no ensino superior.
Neste momento quero deixar registrado o meu agradecimento ao melhor presidente da história
do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva. Pelos avanços sociais alcançados durante seu governo, por
todas as conquistas que a classe trabalhadora obteve, obrigado, presidente Lula, por nos ter
dado a Universidade Federal do Recôncavo da Bahia e permitir que negros e negras pobres
ingressem em cursos de pós-graduação nas diversas universidades brasileiras.
A caminhada percorrida até aqui não foi nada fácil, principalmente no primeiro ano do curso
onde eu estava longe da família e desprovido de recursos financeiros. A conclusão desta
dissertação de mestrado, de fato, não poderia ser efetivada sem o apoio significativo de várias
pessoas, em especial as duas pessoas substanciais em minha vida: meu pai Jurandir e minha
mãe Maria, amores de minha vida.
Agradeço aos meus colegas as boas amizades que estabeleci em João Pessoa, aos professores
da linha de pesquisa em Educação Popular, ao meu amigo Eduardo, uma pessoa que me ajudou
quando eu mais precisei nesta trajetória, e um agradecimento do meu coração ao meu amigo e
irmão, David Glasiel, grande pessoa e intelectual com quem convivi durante esses dois anos, a
quem admiro pela generosidade, companheirismo e humanidade.
Também um agradecimento especial ao meu “irmão branco” Lucas, por aturar minhas
madrugadas de estudos sob a lâmpada fluorescente em seu rosto, pelos almoços e jantas
compartilhadas e pelo companheirismo de sempre.
Agradeço à minha banca examinadora, professor Dr. Fernando Abath, professor Dr. Pedro
Cruz, por aceitarem contribuir com esta pesquisa e principalmente à minha querida orientadora
professora Dr.ª Aline Machado, pelas orientações, incentivos e pela amizade constituída.
Enfim, agradeço aos egressos e coordenadores do Instituto de Fé e Política de Amargosa, Pe.
Neivaldo Carvalho, que permitiram que este trabalho fosse realizado. Como também à
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pelo financiamento
a esta pesquisa. A todos os oprimidos, excluídos, cristãos, que lutam por uma sociedade mais
justa e humana, que denunciam as práticas impopulares das forças conservadoras e que se
comprometem com as causas dos mais necessitados.
Enfim, ao Deus de Jesus Cristo, o maior de todos os educadores, meu muito obrigado!
RESUMO
A presente pesquisa teve como objetivo central analisar o Curso de Extensão em Tecnologia
em Gestão de Organizações e Movimentos Populares de Bases do Instituto de Fé e Política de
Amargosa-BA. Assim sendo, buscamos analisar o contexto histórico do Instituto de Fé e
Política de Amargosa, analisar a Matriz Curricular do curso, como também relacionar a atuação
do egresso com a formação recebida no curso de Fé e Política, identificando as contribuições
do curso para a ação dos egressos em suas áreas de atuação. Para as discussões teóricas das
questões abordadas nesta pesquisa, utilizamos Guerrieri (1994), Freire (2016), Hurtado (1992),
Gutiérrez (1988), Gohn (2012), Preiswerk (1997), Kosik (1976), Konder (1992), dentre outros.
A abordagem utilizada na pesquisa fundamenta-se no Estudo de Caso com enfoque qualitativo,
tendo como referência o materialismo histórico dialético. Para as análises, as entrevistas foram
transcritas, categorizadas com o texto fiel à linguagem dos egressos na qual posteriormente foi
feita a análise de conteúdo. A pesquisa de campo revelou que os saberes adquiridos no curso
de Fé e Política dão suporte teórico-prático para uma atuação crítica dos sujeitos em suas
comunidades. Os sujeitos entrevistados afirmam que depois que fizeram o curso, suas práticas
sociais foram mais fundamentadas e refletidas, diferentemente da prática que tinham antes. No
entanto, os sujeitos afirmam que a experiência prática nos movimentos sociais ainda é o alicerce
de suas orientações. Além disso, percebemos que a formação do curso contribuiu para que
alguns egressos ingressassem no ensino superior, concretizando suas expectativas profissionais.
Palavras-chave: Instituto de Fé e Política. Teoria e Prática. Educação Popular.
RESUMEN
El presente estudio tiene como objetivo central analizar el Curso de Extensión en Tecnología
en Gestión de Organizaciones y Movimientos Populares de Base del Instituto de Fe y Política
de Amargosa– BA. Asimismo, busca analizar el contexto histórico de dicho Instituto, estudiar
la Matriz Curricular del curso y también relacionar la actuación del egresado con la formación
recibida en el curso de Fe y Política, identificando las contribuciones de este en la acción de los
egresados en sus áreas de actuación. Para las discusiones teóricas de las cuestiones abordadas
en este estudio, se ha recurrido a autores como Guerrieri (1994), Freire (2016), Hurtado (1992),
Gutiérrez (1988), Gohn (2012), Preiswerk (1997), Kosik (1976), Konder (1992), entre otros. El
abordaje utilizado en este estudio se fundamenta en el Estudio de Caso con enfoque cualitativo,
teniendo como referencia el materialismo histórico-dialéctico. Para los análisis, las entrevistas
fueron transcritas, categorizadas con el texto fiel al lenguaje de los egresados, sobres las cuales,
posteriormente, se hizo el análisis de contenido. El estudio de campo reveló que los saberes
adquiridos en el curso de Fe y Política dan soporte teórico-práctico para una actuación crítica
de los sujetos en sus comunidades. Los sujetos entrevistados afirman que tras participar en el
curso, sus prácticas sociales fueron más fundamentadas y reflexionadas, a diferencia de la
práctica que tenían antes. Sin embargo, los sujetos afirman que la experiencia práctica en los
movimientos sociales aún es la base de sus orientaciones. Además, el estudio percibe que la
formación del curso ha contribuido para que algunos egresados profundicen en la enseñanza
superior, concretizando sus expectativas profesionales.
Palabras-clave: Instituto de Fe y Política. Teoría y Práctica. Educación Popular.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Foto 1- Padres e Freiras na Estação de Trem de Amargosa construída em1892...................... 26
Foto 2 - Pavilhão de aulas da UFRB campus Amargosa .......................................................... 28
Foto 3 – Praça da Catedral; atualmente um dos cartões-postais mais bonitos de Amargosa ... 29
Diagrama 1- Caracterização dos sujeitos da pesquisa quanto aos dados pessoais e
profissionais .............................................................................................................................. 31
Quadro 1 - Matriz Curricular do Curso de Formação Leigo para os Cristãos do Centro Nacional
de Fé e Política Dom Helder Câmara- Brasília -DF ................................................................. 63
Foto 4- Alunos egressos do Instituto de Fé e Política de Amargosa ........................................ 66
Foto 5 – Participação dos alunos no 7º Congresso Nacional de Fé e Política -
Ipatinga - MG/2009 .................................................................................................................. 67
Foto 6 – Área interna do Seminário Menor de Amargosa ........................................................ 68
Foto 7 - Alunos em aula no curso de Fé e Política ................................................................ 69
Quadro 2 - Matriz Curricular do Curso de Extensão em Tecnologia em Gestão de
Organizações e Movimentos Populares de Bases .................................................................... 75
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO: PERCURSO TEÓRICO - METODOLÓGICO ................................. 10
1.1 Aproximações com a Educação Popular e o Instituto de Fé e Política da Diocese
de Amargosa .......................................................................................................................... 10
1.2 A escolha do método ....................................................................................................... 15
1.3 A caminhada: abordagens metodológicas e técnicas de pesquisa ................................ 19
1.4 Amargosa: a cidade jardim ........................................................................................... 24
1.5 Sujeitos da pesquisa .......................................................................................................... 29
2 UM OLHAR SOBRE A EDUCAÇÃO POPULAR E SUAS PRÁTICAS
EDUCATIVAS NOS MOVIMENTOS SOCIAIS.................................................................33
2.1 Educação Popular e a Teologia da Libertação .............................................................. 33
2.2 Movimentos Sociais .......................................................................................................... 42
2.3 Movimentos Sociais e Educação Popular: a educação que acontece fora do espaço
escolar ...................................................................................................................................... 48
2.4 Fé, utopia e transformação das estruturas: o início das bases ..................................... 52
3 O INSTITUTO DE FÉ E POLÍTICA: UMA INSTITUIÇÃO DE FÉ À PROCURA
DE UMA PRÁXIS .................................................................................................................. 59
3.1 O Centro Nacional de Fé e Política Dom Helder Câmara: um recorte de sua
historicidade ............................................................................................................................ 59
3.2 Situando o Instituto de Fé e Política de Cáritas da Diocese de Amargosa: uma
Escola de Fé e Vida ................................................................................................................. 64
3.3 Currículo em movimento: pensando a formação dos sujeitos sociais a partir de
uma Educação Popular ....................................................................................................... 72
4 PEDAGOGIA DA LIBERTAÇÃO E SUA PRÁXIS: QUANDO A FORMAÇÃO
TAMBÉM TRANSFORMA A AÇÃO...................................................................................81
4.1 Do contexto concreto ao contexto teórico: a busca da formação para se pensar a
prática ...................................................................................................................................... 81
4.2 Prática-Teoria-Prática, a mesma palavra, diferentes ações: mudança dos
educandos a partir da formação recebida ............................................................................ 85
CONSIDERAÇÕES NECESSÁRIAS .................................................................................. 95
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 100
APÊNDICES ........................................................................................................................ 106
10
1 INTRODUÇÃO: PERCURSO TEÓRICO-METODOLÓGICO
O presente estudo nasce a partir da nossa experiência nos movimentos pastorais
populares ligados à Igreja Católica, no grupo de jovens da Pastoral da Juventude da cidade de
Taperoá–BA, mas, sobretudo da nossa participação no Instituto de Fé e Política da Cáritas da
Diocese de Amargosa, onde estávamos na condição de aluno, na participação de congressos
regionais e nacionais de onde surgiu nossa proposta de investigação a fim de debater a questão
da Educação Popular.
Assim sendo, este capítulo abordará o contexto da pesquisa visando ao conhecimento
do objeto de estudo, o campo e os sujeitos investigados, as abordagens teórico-metodológicas
e os caminhos que levaram à elaboração do problema de pesquisa, bem como os instrumentos
de coleta e análise dos dados aqui utilizados. Desta forma, objetiva-se com este capítulo situar
o leitor sobre as bases iniciais as quais originaram a presente investigação e alguns
conhecimentos prévios sobre a realidade que pouco a pouco aprendemos a conhecer.
Acreditamos que a introdução sobre o percurso teórico-metodológico é um importante
fundamento para a compreensão de toda a elaboração do estudo e dos caminhos traçados pelo
pesquisador.
1.1 Aproximações com a Educação Popular e o Instituto de Fé e Política da Diocese de
Amargosa
O objeto de pesquisa, segundo Deslauriers (2008), geralmente, é definido como uma
lacuna que é preciso preencher, sendo ao mesmo tempo ponto de partida e de chegada. Os
autores ainda afirmam que o objeto escolhido deve ser fruto de preocupação ou curiosidade,
sendo importante que a questão epistemológica se insira na psicologia individual do
pesquisador e/ou em seu pertencimento a um grupo social. Sendo assim, o objeto de estudo é
construído a partir de uma rede de interesses que passa a orientar e direcionar as escolhas.
Considerei oportuno escrever os passos desse percurso por meio de uma escrita em
primeira pessoa, em que seja possível explicitar alguns fatos principais que se constituíram
dentro da Igreja Católica em que passei por todo o processo de iniciação cristã até conhecer o
Instituto de Fé e Política da Diocese do município de Amargosa, na Bahia.
Minha inserção no meio católico começa ainda quando criança aos dez anos de idade
fazendo parte do grupo de coroinhas da referida cidade, orientado pelo meu amigo de infância
Mailson Lopes, um garoto que nasceu numa família tradicionalmente católica, dotado de
11
especiais faculdades que autodidaticamente adquiriu muito cedo. Estudos em latim, estudos de
liturgia, da tradição católica, avaliações e outros conteúdos eram muito frequentes nas reuniões
dos coroinhas aos sábados.
Passados alguns anos, deixo de servir ao altar e sou convidado a participar do EJC
(Encontro de Jovens com Cristo), um movimento de jovens que tem sua gênese na Renovação
Carismática Católica (RCC) em que se sustenta em meio a um discurso capaz de sensibilizar os
jovens, mas não de mobilizá-los para as questões mais concretas da realidade. Foi um momento
de grande efervescência espiritual, no entanto, o grupo de jovens não demorou muito tempo e
acabou se extinguindo.
Antes mesmo do grupo EJC chegar ao fim, havia um movimento muito forte na paróquia
em que os jovens eram “despertados”, para assumir um compromisso de trabalho social em sua
localidade: a Pastoral da Juventude (PJ), porém nem todos os jovens viam esse movimento com
bons olhos, pois achavam que nada tinha de espiritualidade, pois os que participavam do grupo
eram levados a enxergar de forma crítica o mundo ao seu redor, algo que não era costume o
jovem fazer para o desenvolvimento de sua consciência.
Tinham as missas aos domingos na paróquia, mas também tinham cursos de
capacitação, catequese, encontros com as comunidades, romarias, na ocasião de refletir para
agir coletivamente como leigos e leigas dentro da própria comunidade. Lembro-me com
precisão do 1º Congresso de Fé e Política e 21ª manifestação dos trabalhadores dos municípios
da Diocese de Amargosa, na cidade de Santo Antônio de Jesus. Era dia 2 de maio de 2008, para
ser exato, quando militantes políticos, lideranças pastorais, religiosos, juntaram-se aos
profissionais de diversas áreas científicas e teólogos para refletir a relação de fé e vida.
Pandeiros, atabaques, violas, cirandas, numa encantada mística expressavam uma
teologia diferenciada, exigindo dos encontristas uma opção profética e solidária com a vida. Foi
o momento em que me lancei e me deparei em confronto entre a religião tradicional que havia
herdado quando criança, e os novos valores que estava adquirindo dentro do grupo pastoral e
da própria comunidade eclesial de base, ou seja, um explícito conteúdo de interpretação da
realidade, levando-me a dar um salto qualitativo no que se refere ao pensamento crítico.
Daí em diante comecei a participar efetivamente da Pastoral da Juventude (PJ)1, como
também junto a outros movimentos pastorais, na articulação do Grito dos Excluídos2 e no
1 A Pastoral da Juventude é um organismo de ação social composta por jovens da Igreja Católica que incorporam
um projeto de Evangelização libertadora no meio em que vivem. 2 O Grito dos Excluídos é uma manifestação popular aberta a grupos, movimentos sociais que são comprometidos
com as causas dos oprimidos. Uma manifestação criada por setores progressistas da Igreja Católica que acontece
simbolicamente todo ano no dia 7 de setembro em diversas partes do Brasil. Essa manifestação ocorre com o
12
Movimento Fé e Política3. A participação nesses movimentos me fez questionar sobre minha
maneira de pensar e agir como cristão numa sociedade injusta, principalmente na minha cidade
onde a cultura política é hegemonicamente constituída por uma elite que controla e define os
rumos da política local.
Passados alguns anos, mais especificamente em 2008, prestei vestibular para a
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) no campus de Amargosa e ingressei no
curso de Pedagogia. Toda essa trajetória e experiência pastoral me aproximou ainda mais ao
Instituto de Fé e Política de Cáritas de Amargosa. Só então a partir do oitavo semestre do curso,
faço a disciplina de Educação Popular em que se delinearam mais firmemente os contornos e
rumos da área de pesquisa que mais me atrairia e me faria desejar segui-la na pós-graduação.
Neste contexto as abordagens no âmbito das discussões envolvendo Educação Popular,
Teologia da Libertação, Movimentos Sociais e Práxis, são subsídios importantes para orientar
as reflexões desta pesquisa, como também servirão de ponto de partida para o desenvolvimento
do estudo em questão.
Ao longo da história, a Educação Popular tem assumido concepções diferentes no que
concerne à sua teoria educacional, apresentando acepções difusas em detrimento dos variados
conceitos do que vem a ser Educação Popular. Ela se configura pela história latino-americana
à medida que a filosofia de Paulo Freire se intercruza com o ideário da Teologia da Libertação4
e das lutas populares de todos os lugares em resistência aos sistemas opressivos e autoritários,
principalmente na América Latina onde emerge e se destaca com maior visibilidade.
Diante dos diversos conceitos que a Educação Popular apresenta no âmbito educacional,
geralmente é identificada como Educação de Jovens e Adultos (EJA), o que é um equívoco,
visto que nem toda EJA trabalha na perspectiva da Educação Popular. Entretanto, esse
pensamento é comum porque muitos entendem que a partir do momento em que há uma
iniciativa educacional voltada a essas pessoas desfavorecidas economicamente e socialmente,
se faz educação para o povo, e, portanto, entendida como popular. Mas a Educação Popular a
partir da perspectiva de Paulo Freire é a que surge no bojo dos movimentos educacionais
objetivo de aprofundar o tema da campanha da fraternidade. Em Taperoá, na minha cidade, a articulação é
liderada por representantes das pastorais sociais e da Frente Popular de Taperoá. 3 O Movimento Nacional Fé e Política foi criado em junho de 1989 por cristãos que são comprometidos com as
lutas populares, no intuito de fortalecer a dimensão ética e espiritual que dá vida às suas atividades políticas. A
cada dois anos o movimento promove encontros nacionais de Fé e Politica no intuito de partilhar e refletir as
experiências de grupos e movimentos sociais na sociedade. 4 De acordo com Galilea (1978), a Teologia da Libertação foi elaborada num contexto cristão de miséria, de
dependência e de exploração múltipla. Sua preocupação básica é a justiça, a libertação dos oprimidos como parte
do anúncio da vivência da fé. Nesse sentido, é uma teologia que parte do mundo dos pobres, da periferia, e
procura ser a “voz teológica deles”, onde tira da realidade latino-americana, que é elemento decisivo para seu
discurso teológico, a ação da Igreja e dos cristãos para “libertar” essa realidade.
13
críticos, também voltada para o povo, ou seja, a classe desfavorecida no sistema capitalista, mas
construída junto com ele.
Portanto, a Educação Popular de que tratamos aqui se refere àquela sistematizada por
Freire a partir dos anos de 1950 no nosso país, a qual busca a conscientização dos sujeitos
sociais de seu lugar na história e, consequentemente, a transformação da sociedade, que na
perspectiva de Melo Neto (1999) aborda como uma educação voltada à cultura do povo que
sempre esteve à margem do sistema educacional formal, dos processos escolares e da produção.
Outra questão importante da Educação Popular no âmbito pedagógico é o Ensino
Público, o qual, segundo Guerrieri (1996, p. 02), “deve deixar de ser um mero reprodutor do
saber dominante e ter sua formulação voltada para a formação do cidadão crítico com relação
às estruturas econômicas, políticas e sociais”. Nessa especificidade educacional, o autor chama
a atenção para o objetivo da ação educativa, apresentando uma educação oposta à da burguesia,
a qual é popular, crítica e, sobretudo, libertadora.
A especificidade de Educação Popular à qual darei ênfase nesta pesquisa tem como
peculiaridade um caráter político e está associada à luta transformadora dos movimentos
sociais, considerando o “popular” não como acepção de povo, mas, sobretudo, como
organização/movimento. Uma educação vista na perspectiva de transformação social e no
protagonismo dos educandos por meio de sua organização política. Dessa forma, concordamos
com Holliday (2006b) que a Educação Popular visa transformar o sujeito em agente político,
no sentido de ser participante ativo na transformação do mundo e de sua história.
Pautando-se nessa visão de que a Educação Popular tenciona modificar a relação dos
sujeitos com os outros e com o mundo, a Teologia da Libertação também participa dessa
transformação ao se configurar um referencial teórico do agir apresentando princípios e valores
aos homens, que faz engrenar o processo de libertação a partir dos oprimidos, almejando
soluções concretas para construção de uma sociedade justa (NÓBREGA, 1988).
É uma provocação considerável explicitar as interações entre a Educação Popular e a
Teologia da Libertação. Entretanto, as investigações no âmbito dessas duas correntes
possibilitam a constituição de um diálogo mostrando que “a Educação Popular é mais que a
mera reprodução do saber popular, assim como a Teologia da Libertação é mais que a
socialização de um saber religioso” (PREISWERK, 1997, p. 180).
O desenvolvimento acerca dessa reflexão teórica e prática da Educação Popular,
possibilitou a ampliação de seus horizontes sobretudo nos anos de 1960 a 1990. Esse paradigma
influenciou diferentes campos de conhecimento e vários espaços populares, porém, atualmente
14
vem sendo rechaçado dentro da própria educação, daí que o grande desafio da educação popular
hoje, mais do que ampliar-se é manter-se viva nos debates e nas ações educacionais.
Wanderley (2010) constata que a presença participativa de setores católicos como as
Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), as pastorais sociais, dentre outros movimentos
comprometidos com os direitos humanos e sociais, tem crescido bastante; suas experiências
fizeram brotar o Centro Nacional de Fé e Política Dom Helder Câmara5.
É nesta aspiração que o Instituto de Fé e Política da Diocese de Amargosa se faz um
campo de interpretação como nenhum outro referencial. Analisar e compreender as práticas
educativas do referido Instituto, dos agentes da diocese de Amargosa são importantes meios
para tentar desvendar marcas e rumos da Educação Popular presente nesse contexto. Dessa
forma, o Instituto corrobora sua importância tornando-se ainda mais bem justificado quando se
tem como postulado o compromisso com a libertação dos oprimidos por meio do
comprometimento da política e da educação.
É sob esse prisma que se delineia nesta dissertação um plano de investigação sobre o
Instituto de Fé e Política de Amargosa, lançando um olhar reflexivo sobre sua ação educativa e
a atuação dos egressos em seus movimentos de base, apresentando seus princípios, sua história
e objetivos na qual serão mais bem exploradas no próximo capítulo.
Dessa forma, a motivação por investigar o Instituto ocorreu desse entrelaçamento
teórico, bem como das dimensões práticas cotidianas do conhecimento sobre os movimentos
populares de base e a formação realizada pelo Instituto de Fé e Política de Cáritas da Diocese
de Amargosa.
Como foi exposto acima, minha aproximação com a perspectiva comunitária orientada
pela Educação Popular me forneceu subsídios importantes para a apreensão da prática com a
comunidade, pautada nos princípios de uma educação crítica, superando as práticas caritativas
que tradicionalmente eram desenvolvidas na paróquia.
Fundamentalmente é necessário ter diante do pensamento, o problema de pesquisa e os
objetivos gerais e específicos, bem como os sujeitos que serão encontrados no campo empírico
para que adequadamente toda a organização e o planejamento tenham coerência e sejam meios
de chegar ao fim almejado, ou seja, a elaboração do saber e entendimento das ações, percepções
5 É um Centro responsável pela formação de lideranças cristãs em diversos lugares do Brasil através de cursos
presenciais e a distância, cuja sede se encontra em Brasília. No próximo capítulo iremos aprofundar sobre esta
Instituição, bem como explanar o contexto histórico do campo empírico pesquisado - o Instituto de Fé e Política
do município de Amargosa-BA. Contudo, cabe adiantar que Dom Hélder Câmara foi um árduo defensor dos
direitos humanos no período da ditadura militar instalada no país em 1964.
15
e acontecimentos institucionais. De fato, “fazer pesquisa é um trabalho duro. Também é
divertido e excitante. Na verdade, nada se compara ao prazer da descoberta” (STRAUSS;
CORBIN, 2008, p. 26).
Diante disso, buscamos esboçar um plano de trabalho científico que ofereça
contribuições relevantes aos estudos da Educação Popular. Desse modo, o problema de pesquisa
se expressa da seguinte forma: “Como os princípios da Educação Popular do Instituto de Fé e
Política da diocese de Amargosa se realizam na prática dos egressos em suas comunidades de
atuação? Os saberes adquiridos na Escola de Fé e Política resultam em uma práxis
transformadora nos espaços de atuação dos egressos?”
O presente trabalho tem como objetivo geral analisar o curso de extensão em Tecnologia
em Gestão de Organizações e Movimentos Populares de Bases do Instituto de Fé e Política de
Cáritas da Diocese de Amargosa - BA, o qual toma por base os princípios da Educação Popular
e os da Teologia da Libertação.
Dentro dessa perspectiva, os objetivos específicos do trabalho são: Analisar o perfil
socioeconômico dos sujeitos da pesquisa; descrever e analisar o contexto histórico do Instituto
de Fé e Política da Diocese de Amargosa; analisar a matriz curricular do curso de Tecnologia
em Gestão de Organizações e Movimentos Populares de Base do Instituto de Fé e Política; e
relacionar a atuação do egresso com a formação recebida no curso de Fé e Política, identificando
as contribuições do curso para a ação dos egressos em suas áreas de atuação.
1.2 A escolha do método
A ciência possui um campo de estudo que tem como escopo produzir conhecimento,
para isto, os cientistas recorrem a métodos científicos. Nesse percurso, fundamentalmente, o
pesquisador deve ater-se a paradigmas epistemológicos que deem subsídios às suas práticas
científicas, ou seja, uma escolha teórico-metodológica propícia ao seu objeto de estudo.
Neste sentido, o método “envolve as técnicas, dando-lhes sua razão, perguntando-lhes
sobre as possibilidades e as limitações que trazem ou podem trazer às teorias a que servem no
trabalho sobre seu objeto” (LIMOEIRO, 1971, p. 3). Trata-se de um conjunto de procedimentos
que exigem um tratamento sistemático permitindo estruturar de forma coerente uma
investigação; no entanto, o método não é uma receita pronta para ser sobreposta ao problema,
mas um guia que ao observar os fatos, possamos saber por que tais fenômenos estão ocorrendo
de uma certa forma.
16
A partir das experiências no âmbito da Educação Popular, dos movimentos sociais de
base, a fundamentação metodológica deve dar conta de sustentar as ações pedagógicas desses
espaços vinculados à prática social. Desta forma, a pesquisa está orientada em conformidade
com uma pesquisa qualitativa e exploratória pautada no método dialético.
Ao buscar analisar a prática dos egressos do Instituto de Fé e Política de Cáritas da
Diocese de Amargosa, em seus movimentos específicos, adotamos a concepção metodológica
dialética por acreditarmos que a mesma nos ajudará melhor a interpretar o fenômeno
pesquisado. Mas o que vem a ser o método dialético? Tomando-se como base Holliday (2006a,
p. 46):
A Concepção Metodológica Dialética é uma maneira de conceber a
realidade, de aproximar-se dela para conhecê-la e de atuar sobre ela para
transformá-la (...). Nesse sentido concebe a realidade como uma criação dos
seres humanos que, com nossos pensamentos, sentimentos e ações,
transformamos o mundo da natureza e construímos a história outorgando-lhe
um sentido.
Segundo o autor, esse modelo teórico-metodológico constitui-se um modo de pensar o
homem concreto em sua totalidade encarando a realidade social, política e cultural como
processo histórico que não se encontra de forma estática, mas elástica. Em outros termos, a
acepção da dialética deve ser interpretada como algo dinâmico e que represente em sua essência
o ser do movimento, ou seja, um produto do homem que possibilite a transformação por vias
de intervenção na sociedade.
Partindo desse pressuposto, Kosik (1976, p. 37) traz três características elementares
deste método de investigação para o desenvolvimento do estudo:
a) Minuciosa apropriação da matéria, pleno domínio do material, nele incluídos todos os
detalhes históricos aplicáveis, disponíveis;
b) Análise de cada forma de desenvolvimento do próprio material;
c) Investigação da coerência interna, isto é, determinação da unidade das várias formas de
desenvolvimento.
A partir desta realidade concreta, em que os sujeitos populares egressos de uma
instituição educativa se encontram em suas comunidades, torna-se fundamental que os mesmos
assumam uma metodologia cujos princípios estejam divididos em três partes: tese- antítese-
síntese. Obedecendo a esse tríplice diagnóstico, este método obedece a uma interpretação da
realidade social e uma intenção frente a ela (RICHARDSON, 1999).
17
Fundamentado nesse princípio marxista, Kosik (1976) afirma que a compreensão da
estrutura das coisas não pode ser possível por meio apenas de meras reflexões, mas sim
mediante atividades em que o homem se aproprie do mundo para desvelá-lo e transformá-lo.
Segundo essa lógica dialética marxista, essas transformações estruturais ocorreriam a partir do
embate entre os aspectos fundamentais de um modo de produção.
Evidentemente, este embate aconteceria uma vez que as classes dominadas negassem o
que está posto pelo sistema capitalista criando uma aspiração para a transformação, desde que
tomassem consciência de seu envolvimento e desenvolvessem uma luta para a mudança das
estruturas opressoras.
Destarte, de acordo com Damke (1995), esta prática nos remete a pensar numa
interpretação de que o conhecimento e a transformação não são dualidades, mas a práxis
histórica do ser humano. Ou seja, como seres da práxis os homens são inseridos na história,
incitados pelo conhecimento alcançado ou produzido no contexto teórico a nos voltarmos para
o contexto real e melhorar a nossa atuação como sujeitos na busca de novos objetivos. Nesse
contexto, conforme o autor, essa mudança estrutural ocorreria mediante o processo de
destruição da pseudoconcreticidade, na qual os sujeitos diluem o pensamento aparente e o
submetem a um exame rígido para alcançar a sua concreticidade.
Sendo assim, no que se refere à destruição da pseudoconcreticidade, conforme Kosik
(1976, p. 23-24), está centralizado em três pontos básicos:
a) Critica revolucionária da práxis da humanidade, que coincide com o
devenir humano do homem, com o processo de “humanização do homem”
(A. Kolman), do qual as revoluções sociais constituem as etapas chaves.
b) Pensamento dialético, que dissolve o mundo feitichizado da aparência para
atingir a realidade e a “coisa em si”.
c) Realizações da verdade e criação da realidade humana em um processo
ontogenético, visto que para cada indivíduo humano o mundo da verdade
é, ao mesmo tempo, uma sua criação própria, espiritual, como indivíduo
social- histórico.
Por conseguinte, partindo desta ótica, o materialismo dialético se configura em seu
raciocínio como um método de compreensão da realidade partindo da atividade prática humana
resultante da relação homem-natureza em sua complexidade. É justamente do empírico que essa
teoria se aproxima do real e que tem como finalidade partir da ação das massas buscando
diagnósticos da realidade em que se encontra para desenvolver a conscientização e teorização
sobre esta ação e voltar à mesma com uma nova visão para transformá-la.
18
Uma outra e importante lógica de visão dialética se encontra em Hurtado (1992, p. 47-
48) ligada aos movimentos populares:
Para nós, só através de uma metodologia dialética se pode conseguir tal
relação, pois somente baseando-se na teoria dialética do conhecimento se pode
conseguir que o processo "ação-reflexão-ação" "prática-teoria-prática" dos
grupos populares – do movimento popular – conduza a apropriação consciente
de sua prática (...) Uma "metodologia dialética" é o caminho adequado que
nos permite ter como "ponto de partida" do processo a prática real da
organização transformando sua realidade; este partir da prática será levado
sistematicamente a novos níveis de compreensão, isto é, a processos de
abstração da mesma realidade que nos permita compreendê-la, de maneira
diferente, em sua complexidade histórica e estrutural, para então, projetar as
novas ações transformadoras de uma maneira mais consciente.
O papel de protagonista da classe trabalhadora é um elemento essencial na construção
de toda tarefa da Educação Popular. Uma contribuição mais detalhadamente ilustrada que gira
em torno da visão dialética é na perspectiva de Paulo Freire. O desvelamento da realidade, o
compromisso frente ao mundo, a necessidade de considerar o homem como sujeito histórico
social, faz-se constante no pensamento de Freire que adotando esta totalidade como categoria,
propôs práticas pedagógicas em que o diálogo, a consciência e a problematização fossem
priorizados:
No momento em que os indivíduos, atuando e refletindo, são capazes de
perceber o condicionamento de sua percepção pela estrutura em que se
encontram, sua percepção muda, embora isto não signifique, ainda, a mudança
da estrutura. Mas a mudança da percepção da realidade, que antes era vista
como algo imutável, significa para os indivíduos vê-la como realmente é: uma
realidade histórico-cultural, humana, criada pelos homens e que pode ser
transformada por eles (FREIRE, 1979d, p. 50).
Admite-se nesta concepção freireana que consciência e mundo estão altamente
interligados. Para Freire, uma das mais importantes condições para que o homem possa exercer
um ato comprometido é estando no mundo e saber-se nele, não sendo objeto em que se
submetem à não responsabilidade histórica. “A realidade social não é conhecida como
totalidade concreta se o homem no âmbito da totalidade é considerado apenas e, sobretudo
como objeto” (KOSIK, 1976, p. 52).
Paradoxalmente a isto, quando o ser social tem condições concretas de ser sujeito
histórico do processo, este sim consegue enxergar a realidade, interagir com ela para poder
transformá-la. Isso significa que esse movimento, produto da união da teoria e da prática, não
19
surge separadamente da existência da realidade, mas propicia prováveis caminhos de
intervenção na sociedade.
Nessa aspiração, ao analisar a prática dos egressos do Instituto de Fé e Política, ou seja,
o concreto, o contexto real dos sujeitos, refletimos sobre os fenômenos, as situações que estão
visíveis com a intencionalidade de entender o que não está tão visível a fim de contribuir com
a transformação desta realidade concreta que como tal deve ser tratada e abordada.
1.3 A caminhada: abordagens metodológicas e técnicas de pesquisa
O pesquisador, os sujeitos e a instituição investigada encontram-se numa dinâmica
crucial para o bom desempenho do estudo. Diante desses fatores, o pesquisador precisa ter
domínio suficiente das teorias que embasam o tema de estudo, das abordagens metodológicas
e atuação articulada com intencionalidade científica na interação com o campo e nas coletas
dos dados. Desenvolver uma pesquisa requer por parte de nós pesquisadores estarmos
familiarizados com as estratégias metodológicas e técnicas que em todo percurso de pesquisa
se exige.
De acordo com Ludke e André (1986, p. 01), “para se realizar uma pesquisa é preciso
promover o confronto entre os dados, as evidências, as informações coletadas sobre
determinado assunto e o conhecimento teórico acumulado a respeito dele”. Exige-se que o
pesquisador tenha uma formação inicial fundamentada em conhecimentos teórico-
metodológicos, para que seja feito o diálogo e/ou confronto com os dados coletados.
A pesquisa qualitativa foi escolhida de acordo com os objetivos do estudo, visto que a
mesma possibilita a compreensão aprofundada das narrativas e aproximação com os sujeitos no
estudo de campo. Segundo Bogdan e Biklen (1994, p. 49), “a abordagem qualitativa exige que
o mundo seja examinado com a ideia de que nada é trivial, que tudo tem potencial para construir
uma pista que nos permita estabelecer uma compreensão mais esclarecedora do nosso objeto
de estudo”.
Desta forma a própria escolha da abordagem de investigação é cuidadosamente pensada
para possibilitar o conhecimento adequado das dimensões reais, coletivas e sociais da
problemática que norteia o trabalho.
Ao escolher esse tipo de abordagem, o pesquisador terá como uma das finalidades saber
de que forma os diferentes sujeitos dão sentido às suas vidas. Os pesquisadores indagam os
sujeitos da pesquisa na perspectiva de saber como eles experienciam, interpretam e estruturam
20
suas experiências e o mundo em que vivem. Sendo assim, todo esse processo investigativo,
pauta-se em um tipo de diálogo que se dá entre o investigador e o sujeito.
Um dos objetos privilegiados da pesquisa qualitativa é o sentido da ação da sociedade
na vida, assim como o comportamento dos indivíduos, sem deixar de considerar o sentido da
ação individual quando envolve a ação coletiva. Nessa perspectiva, pode-se dizer que o objeto
essencial da pesquisa qualitativa é a ação interpretada. Dessa maneira, a linguagem e as
conceituações ganham importância para dar conta tanto do objeto “vivido”, como do objeto
“analisado” (DESLAURIERS; KÉRISIT, 2008).
De fato, mais que uma abordagem de pesquisa e menos que um novo paradigma de
análises e de interpretação, o procedimento qualitativo possibilita uma nova visão, permitindo
reconceituar as problemáticas sociais (POUPART, 2008). Há uma intensa articulação na
pesquisa qualitativa entre o pesquisador e o meio. Por isso, devemos considerar os informantes
como fonte de conhecimento e guardiões de informações indispensáveis para a teorização da
temática estudada e aprofundamento das questões.
A abordagem utilizada na pesquisa fundamenta-se no Estudo de Caso com abordagem
qualitativa, o qual é amplamente utilizado em pesquisas na contemporaneidade contribuindo
para a compreensão e reflexão crítica das realidades sociais. Segundo André (1995), o Estudo
de Caso enfatiza o conhecimento de uma dada realidade, visto que mesmo observando e
levando em consideração o todo, o objeto de estudo é tratado como único.
Conforme o autor, o Estudo de Caso possui uma aquisição analítica e interrogativa da
situação, podendo confrontar o caso com outros já conhecidos e com as teorias existentes.
Assim, haverá possibilidades de surgirem novas teorias e questões que possam ajudar em
inquirições posteriores.
Nessa aspiração, destacamos nos estudos de caso a importância da interpretação
contextual, ou seja, para se ter informações precisas de um problema e compreendê-la, deve-se
relacionar as ações, os comportamentos e as interações das pessoas envolvidas com a
problemática da situação a que estão ligadas (RODRIGO, 2008).
Algumas propostas de conteúdo e sequência para a condução de um bom Estudo de
Caso podem ser asseveradas por Creswell (2014, p. 88-89) no processo de investigação
qualitativa:
a) Primeiramente os pesquisadores determinam se uma abordagem de
Estudo de Caso é apropriada para o estudo do problema de pesquisa. Um
Estudo de Caso é uma boa abordagem quando o investigador possui casos
claramente identificáveis e delimitados e busca fornecer uma
21
compreensão em profundidade dos casos ou uma comparação de vários
casos.
b) A seguir, os pesquisadores precisam identificar seu caso ou casos. Esses
casos podem envolver um indivíduo, vários indivíduos, um programa, um
evento ou uma atividade. Na condução da pesquisa de Estudo de Caso,
recomendo que os investigadores primeiro considerem qual tipo de Estudo
de Caso é o mais promissor e útil.
c) A coleta de dados em uma pesquisa de Estudo de Caso é extensa,
baseando-se em múltiplas fontes de informação como observações,
entrevistas, documentos e materiais audiovisuais. Por exemplo, Yin
(2009) recomenda seis tipos de informações a ser coletadas: documentos,
registros de arquivo, entrevistas, observações diretas, observação
participante e artefatos físicos.
d) O tipo de análise destes dados pode ser uma análise holística de todo o
caso ou uma análise incorporada de um aspecto específico do caso (YIN,
2009). Por meio dessa coleta de dados, surge uma descrição detalhada do
caso (STAKE, 1995) na qual o pesquisador detalha aspectos tais como a
história, a cronologia dos eventos ou a realização rotineira das atividades
do caso.
e) Na fase interpretativa final, o pesquisador relata o significado do caso, se
aquele significado provém do aprendizado sobre a questão do caso (um
caso instrumental) ou o aprendizado sobre uma situação incomum (um
caso intrínseco). Como mencionaram Lincoln e Guba (1985), essa fase
constitui as lições aprendidas com o caso.
Fundamentalmente o conhecimento das abordagens de pesquisa, bem como dos
instrumentos de coleta de dados revela os caminhos possíveis a serem seguidos e os
descaminhos que poderão não permitir o saber acurado e a aproximação adequada do que
teoricamente foi estudado com pretensão de tocar os vértices, em que se concentra
concretamente o “desconhecido”.
Nesse contexto, o pesquisador deverá desenvolver fundamentos para analisar e
interpretar os fatos que mostrem os sentidos conferido a esses fatos pelos depoentes. Desta
forma nos deixa claro a pretensão e a função da pesquisa qualitativa em um estudo de caso:
“interpretar o sentido do evento a partir do significado que as pessoas atribuem ao que falam e
fazem” (CHIZZOTTI, 2008, p. 28).
O caminho da pesquisa é realizado na perspectiva da inter-relação entre as implicações
sociais, pessoais e empíricas, mas, acima de tudo, no comprometimento científico. Para tanto,
o pesquisador precisa estar atento ao caráter intelectual de implicação do saber produzido.
Durante a trajetória, pouco a pouco, descobre-se que no comum há informações preciosas. A
experiência, então, nos leva a afirmar que compreender o que é banal para alguns com um olhar
de curiosidade teórica é descobrir a amplitude do conhecimento.
Assim sendo, dentre as variadas técnicas de coleta de dados na pesquisa social, e,
consequentemente nos estudos de caso, a entrevista é uma das mais utilizadas em investigações
22
por profissionais de diversas áreas científicas. Fazer uma entrevista permite que o pesquisador
adquira uma quantidade significativa de informações por parte do entrevistado com técnicas
diversificadas que podem variar de acordo com seu objetivo.
A escolha dos instrumentos de coleta de dados foi pensada tendo em vista o objeto de
pesquisa e as possibilidades de estratégias para obter informações na busca das inquietudes
levantadas com o problema de pesquisa. Ao aproximar-se do campo, o pesquisador munido dos
instrumentos, suas ferramentas táticas, poderá desenvolver a pesquisa de forma planejada e
articulada.
Na coleta de dados o critério que subsidiou os instrumentos metodológicos situa-se no
fator da eficácia do contato com os sujeitos da pesquisa, além de ser a entrevista, segundo
Poupart (2008), um instrumento privilegiado de acesso à experiência dos atores. Marconi e
Lakatos (2005, p. 83) apontam algumas vantagens que a técnica de entrevista oferece:
a) Pode ser utilizada com todos os segmentos da população: analfabetos ou
alfabetizados.
b) Fornece uma amostragem muito melhor da população geral: o entrevistado
não precisa saber ler ou escrever.
c) Há maior flexibilidade, podendo o entrevistador repetir ou esclarecer
perguntas, formular de maneira diferente; especificar algum significado,
como garantia de estar sendo compreendido.
d) Oferece maior oportunidade para avaliar atitudes, condutas, podendo o
entrevistado ser observado naquilo que diz e como diz: registro de reações,
gestos etc.
e) Dá oportunidade para a obtenção de dados que não se encontram em fontes
documentais e que sejam relevantes e significativos.
f) Há possibilidade de conseguir informações mais precisas, podendo ser
comprovadas, de imediato, as discordâncias.
g) Permite que os dados sejam quantificados e submetidos a tratamento
estatístico.
O tipo de entrevista mais adequado para as pesquisas realizadas em educação sob a
abordagem qualitativa são os esquemas mais livres, menos estruturados; assim, as informações
são mais fáceis de serem abordadas através de um instrumento mais flexível. Um exemplo está
nas entrevistas semiestruturadas que:
combinam perguntas abertas e fechadas, onde o informante tem a
possibilidade de discorrer sobre o tema proposto. O pesquisador deve seguir
um conjunto de questões previamente definidas, mas ele o faz em um contexto
muito semelhante ao de uma conversa informal. O entrevistador deve ficar
atento para dirigir, no momento que achar oportuno, a discussão para o assunto
que o interessa fazendo perguntas adicionais para elucidar questões que não
ficaram claras ou ajudar a recompor o contexto da entrevista, caso o
informante tenha “fugido” ao tema ou tenha dificuldades com ele. Esse tipo
23
de entrevista é muito utilizado quando se deseja delimitar o volume das
informações, obtendo assim um direcionamento maior para o tema, intervindo
a fim de que os objetivos sejam alcançados (BONI; QUARESMA, 2005, p.
88).
Nesse tipo de entrevista, segundo a autora, o entrevistador pode implementar questões
que acredite serem importantes para a pesquisa, que não se encontram previstas na lista de
perguntas a serem feitas, ou seja, propicia que determinadas questões sejam abordadas em
profundidade, além de dar voz aos protagonistas da realidade cotidiana. Caracteriza-se,
portanto, por uma entrevista mais aberta onde o entrevistado fala livremente sobre o assunto.
Baseado nesses critérios utilizamos na pesquisa a entrevista semiestruturada, pois como
vimos, propicia que determinadas questões sejam abordadas em profundidade, além de dar voz
aos protagonistas da realidade cotidiana. Na aplicação desse instrumento alguns princípios são
primordiais: “[...] obter a melhor colaboração do entrevistado, colocá-lo o mais à vontade
possível na situação de entrevista, ganhar a sua confiança e, enfim, fazer com que ele fale
espontaneamente e aceite se envolver” (POUPART, 2008, p. 228).
Na entrevista o contato direto com o entrevistado estabelece pouco a pouco essa relação
de escuta sensível, aprendizagem e senso crítico, fatores cruciais para o bom desempenho do
estudo. Dessa forma,
A entrevista do tipo qualitativa seria necessária, uma vez que uma exploração
em profundidade da perspectiva dos atores sociais é considerada indispensável
para uma exata apreensão e compreensão das condutas sociais [...] a entrevista
do tipo qualitativo parece necessária, porque ela abriria a possibilidade de
compreender e conhecer internamente os dilemas e questões enfrentadas pelos
atores sociais (POUPART, 2008, p. 216).
Os roteiros de entrevista foram elaborados de acordo com os objetivos geral e
específicos da pesquisa, na busca de seguir a trilha impulsionada pelo problema de pesquisa.
Como as entrevistas foram semiestruturadas as perguntas se desenrolaram “[...] a partir de um
esquema básico, porém não aplicado rigidamente, permitindo que o entrevistador faça as
necessárias adaptações” (LUDKE; ANDRÉ, 1986, p. 45).
As entrevistas foram realizadas com o fundador do curso e com os egressos do Instituto
de Fé e Política, que fizeram parte da primeira turma do Instituto de Fé e Política do ano de
2006 sendo que do montante de 30 cursistas que participaram da formação, serão entrevistados
5 egressos obedecendo ao critério de acessibilidade, pois muitos dos sujeitos se encontram fora
do Estado e/ou moram muito longe da Diocese.
24
Outro critério de escolha dos egressos foi o fato de atuarem nas cidades mais próximas
que fazem parte da diocese de Amargosa na busca de conhecer de forma abrangente o campo e
as práticas desenvolvidas. Inicialmente entramos em contato com o fundador do Instituto de Fé
e Política apresentando a proposta de pesquisa e conversamos sobre o interesse em desenvolver
o estudo, bem como o comprometimento e responsabilidade nos passos a serem dados e na
aplicação dos instrumentos de coleta de dados e relevância científica da pesquisa.
A etapa de análise ocupa um lugar especial na pesquisa, assim como a revisão
bibliográfica auxilia na elaboração de explicações durante a coleta de dados e na própria análise,
permitindo o esclarecimento e entendimento dos dados, além de ajudar na categorização e
relação entre a teoria e o mundo real (DESLAURIERS; KÉRISIT, 2008).
Nesse contexto, utilizamos a técnica Análise de Conteúdo, que versa sobre um
“conjunto de técnicas de análise das comunicações que utiliza procedimentos sistemáticos e
objetivos de descrição do conteúdo das mensagens” (BARDIN, 2009, p. 40). Essa técnica
permite analisar diferentes conteúdos como jornais, documentos, livros, como também pode ser
aplicada a documentos pessoais como discursos, textos etc., pois todas essas formas de
documentação têm importância no processo de pesquisa, permitindo uma análise adequada.
Na análise de conteúdo o primeiro passo consiste em realizar uma pré-análise. Portanto,
inicialmente, foi feito o contato inicial com as entrevistas transcritas e com alguns documentos
do Instituto de Fé e Política. Num segundo momento, explorei os materiais selecionados
identificando categorias que são “expressões ou palavras significativas em função das quais o
conteúdo de uma fala será organizado” (MINAYO, 2014, p. 317). Como por exemplo: ação,
comunidade, militância, transformação, podem se configurar como uma codificação de
categoria “prática”.
Na terceira e última fase, concernente ao tratamento dos dados, realizaremos as
interpretações e inferências dialogando com o quadro teórico do objeto de estudo, o qual exigirá
constantes retomadas aos dados de campo e ao exercício da revisão bibliográfica, o que se torna
fundamental para a elaboração de todo o trabalho.
1.4 Amargosa: a cidade jardim
Em 21 de abril de 1877 a resolução provincial nº 1.726 cria a Vila de Nossa Senhora do
Bom Conselho de Amargosa e só em 19 de junho de 1891 é reconhecida como cidade,
outorgada na época pelo governador da Bahia, José Gonçalves da Silva. Amargosa é uma cidade
localizada na mesorregião do Centro-Sul Baiano, no Vale do Jiquiriçá, e é conhecida como
25
“Cidade Jardim” pela beleza de suas praças e jardins, um dos cartões-postais mais bonitos da
região com 34.351 habitantes.
Conforme Santos (2015), historicamente na cidade de Amargosa, contam que a primeira
ocupação em seu território ocorreu pelos índios Kariris de língua Karamuru, descendentes dos
Sabujas ou Payayas. Através de pesquisas feitas sobre o município, pesquisadores apontam
conflitos pela terra originando um campo de amplos movimentos de combate entre os
bandeirantes e os nativos das respectivas localidades, tendo sido os índios barbaramente
massacrados e dizimados pelos colonizadores portugueses.
A partir da década de 1850, houve um crescimento muito significativo na economia do
“município”, por meio da entrada da lavoura cafeeira. Com o surgimento desse produto,
conforme se apresenta, incidiu a vinda demasiada de colonizadores que acabavam se
beneficiando com as quantidades de áreas rurais da região. Mas foi no final do século XIX que
chegaram famílias de europeus portugueses atraídas pela economia do Recôncavo, onde
passaram a desenvolver atividades dentro do comércio, principalmente na venda de café e fumo,
produtos de grande valor econômico.
O município de Amargosa tornou-se o centro de uma região de economia
basicamente cafeeira e fumageira, aparecendo em menor escala o cacau, a
cana-de-açúcar. Dentre os produtos de subsistência a mandioca, feijão, milho
e banana propiciaram o surgimento da feira livre, que logo passou a ser um
local de referência de comercialização de toda a região (LOMANTO NETO,
2007, p. 155).
Nesse período histórico foi construída uma “estrada de ferro” que se constituiu uma das
mais importantes obras do município de Amargosa, devido ao escoamento da produção do café
em quase todo o estado e pela diversidade de indústrias, hotéis e outros estabelecimentos;
segundo o autor, as famílias italianas Bartilotti, Checucci, Contelli, Ferrari, Lomanto, Longo,
Maimone, Orrico, Scaldaferri, Tude, Vinhola, Vita; e os espanhóis D’ Ávila, ampliaram as
atividades no comércio com mercearias de secos e molhados, chegando Amargosa a ser
considerada por alguns historiadores de “pequena São Paulo”.
26
Foto 1 - Padres e freiras na Estação de trem de Amargosa construída em 1892
Fonte: https://www.ufrb.edu.br/cfp/galeria-de-fotos
Assim, com a criação da estrada de ferro em Amargosa, a economia local se destaca
nessa época promovendo exportações diretamente para outros centros de comércios no Brasil
e na Europa. Dessa maneira, toda essa inovação e avanço na produtividade originaram diversos
armazéns de compra de café e fumo em toda a região do Vale do Jequiriçá e também da região
do Recôncavo baiano (LOMANTO NETO, 2007).
Nesse contexto histórico, destaca-se também uma contribuição igualmente importante
no município: A criação da diocese de Amargosa. Mediante a posse do primeiro bispo
diocesano Dom Florêncio Sizínio Vieira, em 1941, é criada a diocese de Amargosa. Segundo
os estudiosos, o território que a diocese dominava, envolvia uma ampla extensão de terras, que
ia do Recôncavo Baiano ao norte de Minas Gerais. Todavia, em 1957, a diocese de Amargosa
perde esse território a partir do desmembramento com a região de Vitória da Conquista, que
passa a pertencer à diocese da cidade de Jequié.
A criação da diocese de Amargosa foi algo extraordinário para uma pequena população
da cidade, o que gerou significativas contribuições para a educação do município e região
através da implantação do Seminário Menor de Amargosa e o Ginásio Santa Bernadete, este
último dirigido pelas irmãs sacramentinas, em 1946.
Foi um momento de concretização inovadora que contou com a ajuda da elite local em
expandir a educação formal obviamente para beneficiar seus filhos, parentes e principalmente
as mulheres que viam na criação dessa instituição possibilidades de ampliar o acesso à educação
formal na região.
27
Além dessa conquista no âmbito da educação formal, deve-se mencionar um fato
histórico de grande importância nos anos 1960 na diocese: A criação do Movimento de
Educação de Base (MEB) em Amargosa e região, incorporando uma nova visão de ser Igreja,
brotado para firmar sua presença notoriamente social ao lado dos pobres e dos que eram
injustiçados, sob as “vozes” de um projeto educativo.
Segundo Fávero (2002), o MEB foi um movimento fruto da Igreja Católica, gestado no
ano de 1961 com o objetivo de desenvolver um projeto de educação de base através de escolas
radiofônicas sob os cuidados da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), junto aos
estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste do país.
Em Amargosa e região esse movimento contribui com o surgimento de novas lideranças
na cidade e a constituição de sindicatos e associações, proliferando e fortalecendo com isso os
Movimentos Sociais Rurais da época, como bem nos conta um depoente da cidade de Mutuípe
e também egresso do Instituto de Fé e Política, que participou desse processo:
Pra você ter ideia, Mutuípe ficou 74 anos na mão de apenas um grupo político,
ou seja, desde 1926 até 2000 o município ficava apenas com um grupo político
que dominou. Então não pense que era fácil pra ver um trabalhador, uma
trabalhadora da comunidade mesmo ligado à Igreja pra vim refletir conosco o
sofrimento, a vida e a fé ligada à vida. Então a Diocese de Amargosa... aí a
gente tem que realmente tirar o chapéu que já tinha um movimento antigo
chamado MEB que ficava direcionado aos municípios vizinhos de Amargosa.
Elísio Medrado, São Miguel e a própria Amargosa. Bebendo da experiência
do pessoal do MEB, nós construímos na época, a Pastoral Rural da Diocese
de Amargosa. Então o MEB foi importante naquele período. Ajudei em muitos
municípios: São Felipe, Rafael Jambeiro, Tancredo Neves, Laje. Nós
estávamos lá, ou brigando para tomar sindicatos ou fundando sindicato dos
trabalhadores, né?! Com aqueles padres mais ligados da Teologia da
Libertação. (ENTREVISTADO Nº 1)
Esse pronunciamento demonstra claramente que a diocese de Amargosa possibilitou,
através do MEB, uma prática política progressista que tinha como escopo trabalhar em
direcionamento de uma Educação Popular, constituindo-se de uma educação empenhada e
participativa, dirigida pela perspectiva de cumprimento dos direitos do povo, promovendo a
participação popular e comunitária da população pobre e excluída das regiões circunvizinhas.
Obviamente, esse movimento se tornou uma “pedra no sapato” dos poderosos da região
gerando tensão e incômodo nas elites e setores religiosos conservadores, justamente pelo fato
de o MEB propor uma ação pedagógica pautada numa formação moral, profissional e
principalmente agrícola, por se tratar em sua maioria de sujeitos advindos da zona rural, bem
como cuidar da espiritualidade da população, que por sinal era característico do movimento
28
estabelecer essa união entre a fé e a vida. Nesta mesma época instaura-se o golpe militar de
1964. Censuras, torturas e perseguições a freiras e padres que comungavam de um
posicionamento político libertador se tornaram recorrentes.
No final dos anos de 1980, Amargosa rompe com as oligarquias e o povo alcança eleger
a primeira mulher prefeita da cidade. Nesse período histórico, a prefeita Iraci Silva, com suas
ações políticas, ergue o município com investimentos feitos na parte de infraestrutura urbana,
com o propósito de fortalecer o turismo em sua gestão. Atualmente, os investimentos no
comércio e indústria juntamente com a festa de São João em Amargosa vêm sendo destaque no
cenário regional e nacional, atraindo multidões de todo canto (LOMANTO NETO, 2007).
Segundo o autor, mais recentemente em 2005, com o Partido dos Trabalhadores (PT)
no poder, Amargosa é contemplada com um campus da Universidade Federal do Recôncavo da
Bahia (UFRB), fruto de ações administrativas corroboradas também pelas mobilizações
populares do município no intuito de proporcionar uma “educação capaz de mobilizar a
sociedade em torno de projetos políticos coletivos, tornando-se assim sujeitos do próprio
desenvolvimento” (LOMANTO NETO, 2007, p. 159).
Em 2006 as aulas da universidade iniciam com apenas três cursos: Licenciatura em
Matemática, Física e Pedagogia, configurando um Centro de Formação de Professores, uma
conquista significativa para Amargosa e região.
Foto 2 - Pavilhão de aulas da UFRB campus Amargosa
Fonte: https://www.ufrb.edu.br/cfp/galeria-de-fotos
Atualmente o número de cursos aumentou para sete, fazendo parte os cursos de
Licenciatura em Química, Filosofia, Letras e Educação Física. Inclusive, cursos muito bem
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avaliados através do reconhecimento do Ministério da Educação (MEC) com o conceito 5
(cinco), o mais alto concedido a um curso de graduação em nível superior. Ainda hoje o Centro
de Formação de Professores vem recebendo estudantes de todo o Recôncavo baiano além de
outros estudantes de diversas partes do Brasil.
Foto 3 - Praça da Catedral, atualmente um dos cartões-postais mais bonitos de Amargosa
Fonte: https://www.ufrb.edu.br/cfp/galeria-de-fotos
1.5 Sujeitos da pesquisa
A escolha dos sujeitos para a realização desta pesquisa se deu através do contato com o
campo empírico dos movimentos pastorais da Igreja Católica da diocese de Amargosa.
Primeiramente, para que este estudo fosse realizado, buscou-se ir ao encontro de cinco sujeitos
atuantes espalhados pelos municípios da diocese de Amargosa, a fim de deixá-los cientes do
que é que se deseja deles e qual pode ser sua contribuição para o esclarecimento da situação
que lhes interessa.
Para tanto, estabelecemos os seguintes critérios para efetivar a escolha desses sujeitos:
a) Ser egresso do curso de Gestão em Organização e Movimentos Populares de Base, do
Instituto de Fé e Política de Amargosa (primeira turma do ano de 2010);
b) Pertencer à região que engloba a diocese de Amargosa;
c) Estar militando em seus espaços de atuação social.
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A partir do levantamento desses critérios, selecionamos 05 (cinco) egressos, sendo 01
do município de Taperoá, 01 do município de Mutuípe, 02 da cidade de Santo Antônio de Jesus
e 01 da cidade de Presidente Tancredo Neves.
Os sujeitos aderiram de forma voluntária participar do processo de pesquisa. Com o
intuito de preservar a identidade dos sujeitos da pesquisa, foram codificados com números de
01 a 05, certificando-se que a proposta investigativa assegura o consentimento informado e a
segurança dos envolvidos.
Mediante a realização das entrevistas, foi possível delinear o perfil dos egressos do
referido curso a partir de 08 (oito) variáveis: idade, gênero, estado civil, religião, local de
moradia, nível de formação, cargo que ocupa, renda salarial, conforme podemos visualizar no
diagrama 1.
Refletir sobre a presença e o agir dos entrevistados constitui sair das fronteiras visíveis
da igreja institucional, acolher todas as questões suscitadas por eles e estar atento às
transformações de seu contexto.
A partir dos dados apresentados, podemos perceber que os sujeitos entrevistados são
militantes de movimentos sociais, onde desenvolvem suas ações em suas organizações: A faixa
etária se dá entre 33 e 51 anos, sendo 3 casados, 1 viúva e 1 solteiro, 4 do gênero masculino e
1 do gênero feminino. Quanto à escolarização, dos 5 entrevistados, 3 possuem ensino superior
completo e apenas 2 com curso em andamento. Verifica-se também que todos os sujeitos
entrevistados permanecem católicos, visto que o critério do curso exigia uma aproximação com
a Igreja Católica, e oriundos das comunidades eclesiais de base, o que faz com que desenvolvam
também atividades junto aos movimentos pastorais da Igreja.
Inspirados na fé, esses trabalhadores sociais cristãos leigos e leigas se lançam em seus
espaços de atuação nas comunidades de base, sindicatos, pastorais e em outros movimentos em
defesa dos direitos humanos no campo e na cidade apresentando um cristianismo de espírito
crítico que se compromete com a realidade social.
Isso alude à precisão constante dos militantes de expandir cada vez mais seus
conhecimentos, não somente de forma metódica e técnica da ação, mas exigindo-se uma
reflexão crítica de seu quefazer6.
6 Termo utilizado para designar o trabalho e/ou atividade que se faz por hábito.
31
Diagrama 1 - Caracterização dos sujeitos da pesquisa quanto aos dados pessoais e
profissionais
Fonte: Elaboração própria, 2018.
SUJEITOS DA PESQUISA: Os
egressos dos instituto de fé e
política de Amargosa
Idade:
entre 33 e 51 anos
Gênero:
4 do gênero masculino e 1 do gênero feminino
Estado Civíl:
3 casados; 1 viúva; 1 solteiro
Nível de Formação:
4 superior completo;
1superior em andamento
Local de moradia:
Santo Antônio de Jesus
Taperoá
Tancredo Neves
Mutuípe
Religião:
Todos sãocatólicos
Cargo que ocupa:
1 Acessor politico
1 Vereador
4 Presidentes de sindicatos, sendo que
todos exercem atividades junto a Pastorais sociais.,
como tambem exercem duas
funções.
Remuneração:
de R$ 2.500 a R$ 5.000
ou seja, de 02 a 05 Salários Mínimos
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Apesar de os egressos do Instituto de Fé e Política serem oriundos da zona rural,
atualmente são moradores da zona urbana situados nas regiões do Recôncavo Baiano, Vale do
Jequiriçá e Baixo Sul da Bahia. No entanto, experienciam o processo de serem sujeitos rurais
com vivências urbanas, onde os sujeitos estabelecem suas relações sociais de diferentes
aspectos, seja pela convivência nos sindicatos de trabalhadores rurais, seja na escola, no seio
da Igreja, trabalho ou em outros movimentos.
O entrevistado n° 1 é morador do município de Mutuípe, atualmente é presidente do
Sindicato dos Trabalhadores Rurais e é representante dos movimentos sociais exercendo a
função de vereador há mais de 24 anos em seu oitavo mandato consecutivo. Além dessas
funções, desenvolve atividades junto às CEBs na comunidade do Pastinho.
O entrevistado n° 2 milita junto ao movimento “11 de Dezembro” na cidade de Santo
Antônio de Jesus que é constituído de famílias que perderam 64 pessoas numa explosão de
fogos em 1998. Além disso, é presidente da Dimensão Sociotransformadora da Diocese de
Amargosa.
O entrevistado n° 3, o qual é militante do movimento sindical, começou sua militância
na igreja, catequese, pastoral da juventude e atualmente é presidente do Sindicato dos
Comerciários na cidade de Santo Antônio de Jesus. Ainda é membro do movimento 11 de
Dezembro, que acompanha os processos trabalhistas, criminal e dos processos federais das
pessoas que morreram na fábrica de fogos, como também é filiado ao Partido dos
Trabalhadores.
Outro sujeito da pesquisa, nº 4, é docente da rede municipal, presidente do Sindicato
dos Servidores Públicos; atua junto aos movimentos pastorais da cidade como a Pastoral da
Criança e Pastoral do Batismo, atuante na Dimensão Sociotransformadora e membro da Frente
Popular em sua cidade.
O entrevistado nº 5 reside no município de Presidente Tancredo Neves, no qual atua no
sindicato dos trabalhadores da agricultura familiar da cidade há 17 anos, onde atualmente é
coordenador da parte de habitação rural. O sujeito também tem suas raízes dentro dos
movimentos pastorais católicos. Em sua comunidade já atuou como catequista e até hoje
desenvolve atividades junto à Igreja como integrante do grupo de homens de sua cidade.
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2 UM OLHAR SOBRE A EDUCAÇÃO POPULAR E SUAS PRÁTICAS EDUCATIVAS
NOS MOVIMENTOS SOCIAIS
Levando em consideração o objeto de estudo desta dissertação, este capítulo tem como
escopo discutir sobre movimentos sociais e estabelecer sua relação com a educação. Evidencia-
se também o debate sobre Educação Popular, a partir das ações práticas de movimentos e grupos
sociais, bem como refletir sobre a contribuição desse tipo de educação para os movimentos
sociais. Aborda-se também uma análise do contexto histórico da opção da diocese de Amargosa
e da própria região pela política, buscando situar o leitor sobre as primeiras organizações às
hodiernas ações que se configuram em suas práticas em inúmeros movimentos e pastorais,
inclusive no que impulsionou a criação do Instituto Educativo de Fé e Política de Cáritas da
Diocese de Amargosa-BA.
2.1 Educação Popular e a Teologia da Libertação
Ao longo da história a Educação Popular tem assumido concepções diferentes no que
concerne à sua teoria educacional. Ela tem sua gênese nos Movimentos Sociais Populares de
luta e resistência do povo na América Latina. A trajetória da Educação Popular pode ser
apresentada por Paludo (2012, p. 283) no trecho a seguir:
As raízes da educação popular são as experiências históricas de enfrentamento
do capital pelos trabalhadores na Europa, as experiências socialistas do Leste
Europeu, o pensamento pedagógico socialista, as lutas pela independência na
América Latina, a teoria de Paulo Freire, a teologia da libertação e as
elaborações do novo sindicalismo e dos Centros de Educação e Promoção
Popular. Enfim, são as múltiplas experiências concretas ocorridas no
continente latino-americano e o avanço obtido pelas ciências humanas e
sociais na formulação teórica para o entendimento da sociedade latino-
americana.
Para a autora, a Educação Popular vem de um acumulado histórico, destacando a
América Latina como um continente em que houve muitas experiências de educação ligadas
diretamente aos setores populares, desenvolvidas tanto pela classe trabalhadora quanto por
setores católicos e intelectuais comprometidos com a sociedade, apresentando um pensamento
libertário, radical, amoroso e revolucionário.
De acordo com Streck (2013), a América Latina se caracteriza no cenário mundial por
ter sido um lugar de experimento de políticas neoliberais ávidas pelas ditaduras opressoras. No
34
entanto, paradoxalmente a isto, foi também um lugar onde mais cedo se verificaram os
movimentos de resistência.
Nesse contexto, Mota Neto (2016) esclarece que a Educação Popular passa a se
caracterizar como um paradigma teórico-prático que assume uma opção preferencial pelo povo
que mais sofre, fazendo críticas contundentes ao colonialismo. Dessa forma, põe os oprimidos
como os principais responsáveis pela própria libertação, ou seja, fazendo a luta política
“descolonizada”, que se estabelece por uma política própria do povo em suas lutas. Frente a
essa discussão, o autor supracitado apresenta quatro características da Educação Popular latino-
americana como determinantes das lutas populares:
a) A Educação Popular propõe uma teoria renovadora de relações homem-
sociedade-cultura-educação e uma pedagogia que pretende fundar, a partir
das relações, uma educação libertadora.
b) A Educação Popular realiza-se inicialmente no domínio específico da
educação de adultos das classes populares, definindo-se, aos poucos, como
um trabalho político de libertação popular e de conscientização dos
movimentos populares.
c) A Educação Popular afasta-se de ser apenas uma atividade de
escolarização popular para ser toda e qualquer prática sistemática de
intercâmbio de saber, partindo das próprias práticas sociais populares.
d) A Educação Popular é um trabalho político de mediação a serviço de
projetos, sujeitos e movimentos populares de classe, visando à construção
de uma hegemonia no interior da sociedade capitalista dependente.
(MOTA NETO, 2016, p. 118).
Não cabe dúvidas que o impacto dessas experiências de pedagogia marca
profundamente a América Latina e coloca em destaque o aspecto comum do que chamamos de
Educação Popular, isto é, a participação, autonomia e o empoderamento das classes populares
para serem protagonistas de uma mudança societária.
Embora Paludo (2012) e outros autores entendam que as raízes da Educação Popular
são as experiências históricas de enfrentamento do capital pelos trabalhadores na Europa, a
perspectiva de Educação Popular de que se trata aqui, nasce no Brasil, e Paulo Freire, por
sistematizar as variadas experiências que vivenciava com outros educadores nos anos de 1950,
marca o momento desenvolvendo uma “pedagogia para a libertação”.
Este conceito de educação segundo Picon (2006) não se restringia a fórmulas e técnicas
de memória, mas a uma teoria do conhecimento de pedagogia popular que direcionava, através
de seus fundamentos, uma intervenção na realidade. Esse momento histórico pode ser descrito
por Freire em linhas abaixo:
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Vivia o Brasil, exatamente, a passagem de uma para outra época. Daí que não
fosse mais possível ao educador, então, mais do que antes, discutir seu tema.
Todos os temas e todas as tarefas características de uma “sociedade fechada”.
Sua alienação cultural, de que decorria sua posição de sociedade “reflexa” e a
que correspondia uma tarefa alienada e alienante de suas elites. Elites
distanciadas do povo. Superpostas à sua realidade. Povo “imerso” no
processo, inexistente enquanto capaz de decidir e a quem correspondia à tarefa
de quase não ter tarefa. De estar sempre sob. De seguir. De ser comandado
pelos apetites da “elite”, que estava sobre ele. Nenhuma vinculação dialogal
entre estas elites e estas massas, para quem ter tarefa seria somente seguir e
obedecer. Incapacidade de ver-se a sociedade a si mesma (FREIRE, 1979c, p.
46-47).
Para o autor, Educação Popular é a que:
Substantivamente democrática, jamais separa do ensino dos conteúdos o
desvelamento da realidade. É a que estimula a presença organizada das classes
sociais populares na luta em favor da transformação democrática da
sociedade, no sentido da superação das injustiças sociais. É a que respeita os
educandos, não importa qual seja sua posição e classe e, ao mesmo tempo,
leva em consideração, seriamente, o seu saber de experiência feito, a partir do
qual trabalha o conhecimento com rigor de aproximação aos objetos. [...] É a
que não considera suficiente mudar apenas as relações entre educadora e
educandos, amaciando essas relações, mas, ao criticar e tentar ir além das
tradições autoritárias [...] critica também a natureza autoritária e exploradora
do capitalismo (FREIRE, 2007, p. 103-105).
Partindo dessa pressuposição, Freire inova as formas de se pensar e trabalhar os
conteúdos na alfabetização das classes populares, constituindo uma relação dialética com a
cultura inserida na realidade dos sujeitos históricos, possibilitando com que eles captem o
mundo com um pensamento consciente e crítico.
Esse método, de acordo com Scocuglia (2003), permitia ao indivíduo passar de uma
consciência ingênua para a consciência crítica, constituindo o binômio alfabetização-
conscientização, que implicaria num compromisso histórico de libertação. Nesta clara relação
entre alfabetização e conscientização, Wanderley (2010, p. 36) apresenta as características da
consciência crítica asseveradas por Freire (1979d, p. 40-41) que engloba como uma das
categorias principais da Educação Popular:
a) Anseio de profundidade na análise de problemas. Não satisfaz com as
aparências.
b) Reconhece que a realidade é mutável.
c) Substitui situações ou explicações mágicas por princípios autênticos de
causalidade.
d) Procura verificar ou testar as descobertas. Está sempre disposta às revisões.
Ao se deparar com um fato, faz o possível para livrar-se de preconceitos.
36
e) Repele posições quietistas. Indaga, investiga, força, choca.
f) Ama o diálogo, nutre-se dele.
g) Face ao novo, não repele o velho por ser velho, nem aceita o novo por ser
novo, mas aceita-os na medida em que são válidos.
Através desse tencionamento, os movimentos de alfabetização de adultos começam a
utilizar as propostas metodológicas de Freire unindo a alfabetização ao processo de
conscientização. Nessa aspiração, constata-se que o “Método Paulo Freire” na medida em que
era ensinado às camadas populares também servia de estratégia política para a manutenção do
populismo no poder. Isto é, uma estreita relação entre ação educativa e a ação política
(SCOCUGLIA, 2003).
No final dos anos de 1970, o Brasil passa por um processo gradativo de
redemocratização, e, nesse processo, ocorre a organização de vários movimentos sociais
populares em resistência à ditadura militar, em especial, o surgimento das Comunidades
Eclesiais de Base (CEBs)7.
Com esse indubitável impacto e contribuição das CEBs ao trabalho popular, a Educação
Popular ganha um novo perfil. Já não bastava saber ler e escrever nos moldes da conscientização
como Freire desenvolveu nos anos de 1960. O que esperava agora era o engajamento do povo
como agente político, fruto desse processo de conscientização. É nesse sentido freireano de
educação que os sujeitos direcionavam seu olhar a um futuro melhor, sendo partícipes ativos
na transformação da realidade e de sua história (HOLLIDAY, 2006b).
Vale ressaltar que muitos padres e educadores religiosos que estavam engajados no
movimento da Teologia da Libertação, e, portanto, considerados mais progressistas e
democráticos dentro da Igreja Católica, comungavam dos mesmos princípios da Educação
Popular.
Ao longo de sua história, a Igreja Católica passou por intensas transformações nos
campos da ação e da sua produção teológica. Em certo contexto, mais precisamente a partir do
papado de Leão XIII (1891), a Igreja formou um conjunto de ensinamentos por meio de cartas
ou encíclicas configurando um pensamento católico para a questões sociais. Esse processo foi
engendrado nos contextos papais em diferentes épocas e diferentes papados, a saber: a Rerum
Novarum, no papado de Leão XIII; Quadragesimo Anno, do Papa Pio XI; a Mater et magistra
7 As pessoas que compunham as CEBs nesse período eram, geralmente, pessoas de remuneração salarial baixa,
moradores de periferias, pequenos sítios que forneciam mão de obra para o trabalho agrícola. Eram
semianalfabetas, sabiam ler, mas sem entender o que estava escrito. Importante destacar sua atuação no período,
pois suas mensagens “religiosas-políticas” conseguiam infiltrar lugares longínquos em que a esquerda
dificilmente penetraria.
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e Pacem in terris, de João XXIII; Populorum progressio, de Paulo VI e o Laborem exercens,
de João Paulo II.
Dentro desse princípio, podemos observar que as encíclicas são originadas
gradativamente em contextos históricos diferentes. Elas não foram elaboradas no mesmo
momento, o que nos permite dizer que a Doutrina Social da Igreja não é completa, acabada,
mas é adaptada com a evolução da história através desses documentos, voltando-se para a
centralidade e dignidade da pessoa humana.
É nesse contexto que a Igreja latino-americana abre as portas para a sociedade, num
momento de crítica ao sistema capitalista, na qual captam os graves problemas que surgiam
dentro da realidade do continente, motivada pelo Concílio Vaticano II e pela Conferência
Episcopal Latino-Americana de Medellin (1968), um ensinamento social que ajudava as
pessoas, em sua condição social, a buscar soluções para seus problemas. No entanto, “não basta
expor os preceitos sociais, mas é preciso aplicá-los de fato” (MATER ET MAGISTRA, 2009,
p. 80).
Após o Concilio Vaticano II (1962- 1965) a Igreja Católica, em especial, na
América Latina sofreu profundas alterações de ordem moral, cultural, social e
política. Na América Latina os novos ventos que sopravam fizeram com que
setores da Igreja se colocassem na contramão da história. Assim, a Instituição
eclesiástica que historicamente se aliava aos nobres e, posteriormente, com a
burguesia na sociedade liberal, colocava-se diante de novas tendências, ou
seja, setores da Igreja passaram a organizar o povo, os pobres, os camponeses,
entre outros. A chamada opção preferencial pelos pobres foi amplamente
discutida durante os anos 1968 a 1990 em toda realidade latino-americana
(NASCIMENTO, 2010, p. 92).
Dentro dessa perspectiva vê-se que a Igreja Católica Romana passou por mudanças
significativas no mundo, em especial na América Latina, um continente muito explorado, mas
paradoxalmente intrépido, utópico, apresentando uma Igreja rachada, visto que as correlações
de força se acentuam. Se de um lado tem-se a velha ala conservadora, aliada à elite dominante,
de outro tem-se uma corrente mais coesa com o povo, com o mundo secular, comprometida
com a promoção da justiça social.
Destarte, essa aproximação da Igreja com a sociedade deu um norte a novas medidas
elaboradas pela própria Igreja Católica através do Concílio Vaticano II, realizando a
Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano em Medellin sob o papado de João XXIII,
conforme foi dito anteriormente. Algumas dessas medidas apontam questões sobre a Educação,
alargando seu conceito direcionado à participação social do sujeito.
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Sendo assim, muitas dessas medidas tomadas pelo Concílio Vaticano II abriram espaços
para orientações políticas dentro da Igreja, na qual as pessoas se comprometiam na prática
passando a elaborar uma teologia política como uma necessária resposta aos sinais dos tempos”
(REGA, 2011, p. 48). Uma Igreja preocupada em preparar as pessoas para o diálogo, nas
pegadas de uma educação para a liberdade ou para uma Teologia da Libertação (TdL)8.
Na medida em que a Doutrina Social da Igreja apresenta orientações para a ação social
dos cristãos, a TdL tenta agregar essas orientações em sua síntese, buscando refletir a partir da
prática dos oprimidos contra sua pobreza e em favor de sua libertação integral. Por isso vale
sublinhar que o método da Teologia da Libertação vai de encontro com a prática concreta em
que se dá dialeticamente entre a teoria (fé) e práxis9 (ação).
Para Gustavo Gutiérrez (2000, p. 68), a Teologia da Libertação é, necessariamente,
“uma crítica da sociedade e da Igreja enquanto convocadas e interpeladas pela palavra de Deus;
uma teoria crítica a Luz da Palavra aceita na fé, animada por uma intenção prática”, fazendo
com que os teólogos acoplassem esse tipo de pensamento à perspectiva de transformação social.
Sung (1994, p. 82), em sua análise sobre a TdL, a caracteriza em cinco pontos fundamentais:
a) A práxis de libertação dos pobres e o compromisso evangélico de outros
setores sociais com eles. A consciência dessa práxis gera uma nova
linguagem religiosa e teológica, fruto da relação dialética entre práxis e
teoria presente na metodologia desse novo pensar teológico.
b) A necessidade de análise científica da realidade social com o recurso da
teoria da dependência e, posteriormente, com o que se denominou
mediações socioanalíticas.
c) A consciência do condicionamento socioeconômico da teologia e da Igreja
e a crítica de ambos a partir da ótica da libertação histórica dos pobres.
d) A perspectiva de a reflexão teológica estar a serviço da transformação da
sociedade, com indicações práticas e concretas de caminhos históricos de
libertação sociopolítica. Nesse sentido, a Teologia da Libertação não se
esgota no âmbito acadêmico.
e) O lugar central da economia na reflexão teológica para, entre outros
aspectos estabelecer uma crítica ao messianismo tecnologista, às relações
entre capital e trabalho, e vislumbrar alternativas de cunho socialista.
Esse fundamento da Teologia da Libertação, ao nosso ver, não se configura apenas como
uma expressão de uma corrente dentro da Igreja, mas vai além disso, nessas circunstâncias,
requer também de quem a pratica lutar contra o modelo econômico capitalista, que exclui e que
concentra suas riquezas para grupos minoritários.
8 A sigla TdL será utilizada referente à Teologia da Libertação. 9 Um termo marxista que significa uma ação refletida, o que diferencia de uma simples ação. A teologia da
libertação segue a logicidade de que o cristianismo significa em primeiro lugar, uma práxis e não uma teoria.
A práxis, portanto, tem em vista uma ação transformadora.
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Evidentemente, este jeito de ser e fazer Igreja, está ligado às possibilidades de alteração
no âmbito social e político na busca de uma sociedade igualitária e participativa. Algumas
dessas experiências foram evidentes no Brasil, a exemplo do Movimento de Educação de Base
(MEB) junto às Comunidades Eclesiais de Base (CEBs).
É nessa aspiração que grandes referenciais da área, a exemplo de Leonardo Boff (1982),
enfatizam a importância de combater a dicotomia existente entre a teoria e a prática dentro desse
processo teológico. Nas palavras de Freire, “a reflexão e ação se impõe, quando não se pretende,
erroneamente, dicotomizar o conteúdo da forma histórica do ser do homem” (FREIRE, 2016,
p. 96).
É possível identificar nos depoimentos de Frei Betto10 e Vidales (1978, p. 54-55),
respectivamente, conforme citado por Preiswerk (1997, p. 228), certa referência a essa ideia
freireana ao falar sobre a Teologia da Libertação:
A teologia da libertação nasce na prática dos cristãos, na base social para
transformar a realidade principalmente nas comunidades eclesiais de base. Ela
não nasce na cabeça dos teólogos. Ela é fruto dessa prática das comunidades,
das pastorais populares. Os teólogos captam toda a água que brota da vida... e
analisam, sistematizam pra devolver para as comunidades e para as igrejas em
geral.11
No mesmo processo metodológico, a teologia da libertação contém os
elementos que fazem com que, vindo ela da práxis, engendre por si mesma a
tendência de regressar ao mesmo povo como uma produção que lhe pertence.
Porém, isto não se pode conseguir senão através de um longo e paciente
exercício pedagógico, não concebido como uma tarefa escolar de transmissão
e aprendizagem, mas como um trabalho de autêntica produção teológica
pastoral no interior e como serviço eficaz ao processo de libertação.
No que diz respeito ao pensamento pedagógico, Paulo Freire em seus trabalhos possui
uma marca muito forte nesse aspecto dito por Frei Betto. Com a criação de uma pedagogia
advinda da cultura popular ele se distancia radicalmente da educação posta pela elite e se
compromete com a classe oprimida. Como vimos, Freire contribuiu para a solidificação da
democracia na sociedade, ao desenvolver um projeto de educação de adultos autenticamente
radical e voltado para libertação dos oprimidos no sistema capitalista.
Para ele, a superação da opressão se dava através do desenvolvimento da práxis social,
mas essa não se dava sem uma consciência crítica. “A educação como prática da liberdade, ao
contrário daquela que é prática de dominação, implica a negação do homem abstrato, isolado,
10 Frei Betto é um escritor e religioso dominicano, figura-chave na propagação da Teologia da Libertação no
Brasil, e militante de movimentos pastorais e sociais, influente em vários setores populares, tendo ocupado a
função de assessor especial do presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva entre 2003 e 2004. 11 Entrevista realizada no 9º Encontro Nacional de Fé e Política, em novembro de 2013, Brasília-DF.
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solto, desligado do mundo, assim como também a negação do mundo como uma realidade
ausente dos homens” (FREIRE, 2016, p. 123).
De forma não tão dicotômica com o ideário de Paulo Freire, seguidores da TdL
interpretam a realidade da pobreza e a exclusão evidenciando uma reflexão teológica pautada
na ação transformadora. “Estar no mundo sem ser do mundo significa, concreta e cada vez mais
claramente, estar no sistema sem ser do sistema” (GUTIÉRREZ, 2000, p. 191).
Tomando isto como base, os cristãos socialmente comprometidos são um dos artifícios
mais ativos e importantes do movimento teológico em estudo. As práticas das Comunidades
Eclesiais de Base, do Movimento de Educação de Base, mostram em sua essência o potencial
educativo que a Igreja Católica, especialmente a ala progressista, representou, colaborando para
uma pedagogia do oprimido, defendendo a educação como uma prática de liberdade. Nas
palavras de Freire.
A pedagogia do oprimido, como pedagogia humanista e libertadora, terá dois
momentos distintos. O primeiro, em que os oprimidos vão desvelando o
mundo da opressão e vão se comprometendo, na práxis, com a sua
transformação; segundo, em que, transformada a realidade opressora, esta
pedagogia deixa de ser do oprimido e passa a ser a pedagogia dos homens em
processo de permanente libertação (FREIRE, 2016, p. 79).
Nesse aspecto, os cristãos socialmente comprometidos com as causas populares
encaravam a realidade com outro olhar fazendo uma leitura “consciente” e histórica de seu
contexto, aspirando uma sociedade justa e igualitária, apresentando a consciência como alicerce
histórico do processo de transformação social.
Dentro desse princípio freireano de leitura consciente da realidade, vê-se claramente a
elaboração de uma teologia da libertação processada em três momentos fundamentais. Neste
ponto, refere-se a uma mediação socioanalítica na qual se procura entender por que o oprimido
é oprimido (ver); a mudança hermenêutica, na qual procuram identificar qual o plano divino
para o pobre (julgar); e a mediação prática voltando-se para o lado da ação, na aspiração de
superar a opressão com base no plano de Deus (agir) (BOFF, L.; BOFF, C., 2010).
A partir dessa relação com o pensamento de Paulo Freire, é notória a sua contribuição
no surgimento da TdL, na qual sua vida está fortemente marcada por esse fundamento teológico.
Costumo dizer que, independentemente da posição cristã na qual tratei de
sempre estar, Cristo será para mim, como o é, um exemplo de Pedagogo... O
que me fascina dos Evangelhos é a indivisibilidade entre seu conteúdo e o
método com que Cristo os comunicava... Esta palavra jamais poderia ser
aprendida se não fosse apreendida e não seria apreendida se não fosse
41
encarnada por nós... Daí que falam tanto de boa-nova, sem denunciar o
contexto mau que obstaculiza a realização efetiva da boa-nova; daí que
separamos Salvação e Libertação (FREIRE, 1977 apud PREISWERK, 1997,
p. 52).
Seu pensamento flexível representou uma fusão entre o pensamento católico humanista
com as correntes do marxismo, que, por sua exigência de reflexão teológica crítica pelos
oprimidos, ou seja, por adotar as ciências sociais como sua essência crítica, tornou necessário
fazer um diagnóstico da realidade com esse instrumento de análise, como aponta o autor:
A educação está tomada pela ideologia dominante. Frente a esta realidade, a
pedagogia dos oprimidos tem uma base utópica e um papel profético de
denúncia e de anúncio. Neste nível aparece em Freire a articulação entre a
fonte profético-teológica de seu pensamento e a análise marxista. A denúncia
tem que ser apoiada numa análise rigorosa da realidade (PREISWERK, 1997,
p. 53).
Entretanto, esta rigorosidade fez com que alguns teólogos da libertação assumissem
certo tipo de marxismo e excluíssem outros, principalmente os que são incompatíveis com os
fundamentos da fé cristã. Nessa aspiração Frei Betto expõe que,
Tudo o que desagrada aos opressores, os que oprimem tentam demonizar. Diz
que é marxismo, comunismo... que é isso e que é aquilo. Ne?! E no entanto os
verdadeiros negadores de Deus são eles que fala no amor a Deus, dizem que
tem fé e oprime o pobre, sonega o salário do trabalhador, discrimina os povos
indígenas, os negros... que fazem uma política favorável a seus interesses
privados e não ao bem comum. Paulo Freire como todos nós cristãos da
teologia da libertação, usamos sim o método marxista na arte da realidade,
porque não consideramos o marxismo uma religião e nem consideramos o
marxismo uma ideologia. Assim como São Tomás de Aquino, para fazer
teologia, utilizou a filosofia pagã de Aristóteles, foi muito acusado na época
também, no entanto, hoje é considerado o teólogo oficial da igreja.12
Fundamentalmente, os teólogos da libertação utilizam a ideologia marxista como
método de análise para explicar melhor a realidade social e não como uma “doutrina” ou um
dogma de fé a ser seguido. Um dos principais equívocos da TdL, segundo Frei Betto, é
considerá-la como uma teologia puramente política, ateia, uma teologia que por si mesma nega
os princípios da fé católica.
Desta forma, a TdL utiliza o marxismo de forma instrumental, ou seja, “a Teologia da
Libertação utiliza livremente do marxismo algumas indicações metodológicas que revelam
12Entrevista realizada no 9º Encontro Nacional de Fé e Política, em novembro de 2013, Brasília-DF.
42
fecundas para a compreensão do universo dos oprimidos”. Dentro dessa perspectiva analítica,
a atenção à luta de classes e o atentamento para os fatores econômicos são evidentemente
priorizados nesta corrente epistemológica (BOFF, L.; BOFF, C., 2010, p. 45).
Partindo desse pressuposto de metodologia marxista e de pedagogia freireana, essas
práticas trazem em comum conhecimentos como possibilidades de superar as realidades sociais
adversas, implantando propostas que levem o indivíduo a pensar na mudança de realidade, isto
é, numa práxis.
Obviamente que sem querer cair no ecletismo teórico, os integrantes da Teologia da
Libertação estavam cientes que no materialismo histórico dialético Deus é uma invenção dos
homens, mas não era esse aspecto filosófico que estava em questão e sim as ações críticas contra
um sistema capitalista opressor e a consciência de que neste sistema os opressores naturalizam
os fatos sociais, fatos esses que não têm nada de natural, a exemplo da pobreza e desigualdade
social, que são, na verdade, consequências de um sistema de produção que aprofunda tal
desigualdade, visto que o lucro, e, consequentemente, a exploração da classe trabalhadora, é o
motor de seu desenvolvimento e manutenção.
Remetendo-se a Konder (1992), a práxis se configura como uma prática revolucionária,
questionadora e crítico-prática, que compreende que a tarefa do homem é transformar a
realidade opressora, através de sua imersão nas consciências entendida como uma reflexão do
homem sobre o mundo em que está circunstanciado. Segundo o autor, “a práxis é a atividade
concreta pela qual os sujeitos humanos se afirmam no mundo, modificando a realidade objetiva
e, para poderem alterá-la, transformam-se a si mesmos. É a ação que, para aprofundar de
maneira consequente, precisa da reflexão” (KONDER, 1992, p. 115).
A Teologia da Libertação surge dessa experiência dialética da fé, da práxis cristã,
fundamentalmente centrada no estudo da situação concreta, na análise desta situação à luz dos
princípios e, por fim, na determinação do que pode ser feito para transformar a realidade. De
acordo com seus princípios o tipo de relação educativa que dá base à Educação Popular
direciona a um novo estilo de fazer teologia no diálogo com os espaços populares, na qual
definitivamente, os teólogos da libertação reafirmam a importância da relação educativa na
elaboração da Teologia da Libertação latino-americana.
2.2 Movimentos Sociais
Certamente esta discussão se constitui como um dos temas mais discutidos e
vivenciados atualmente, cujas incidências no âmbito da Educação Popular são muito
43
contundentes. Um assunto bastante pertinente, que repercute não só no Brasil, mas em todo o
mundo e que, como tal, deve ser tratado e abordado em seus contextos sociais.
Ao estudar sobre os movimentos sociais encontramos autores como Gohn (2011), Streck
(2006), Garcés (2006), que propõem uma análise teórica dos movimentos sociais situando a
América Latina como o berço desses acontecimentos marcado por diversas experiências
neoliberais e que por isso mesmo passou a ser configurado como um lugar onde mais cedo
surgiram os movimentos de resistência.
Nos campos da Educação e das Ciências Sociais a discussão sobre movimentos sociais
aponta que a sua definição não é única, mas sim diversa, apresentando uma conotação mais
ampla do que em outras épocas na qual abarcam diferentes influências na sociedade. Dessa
maneira, podemos dizer que os movimentos sociais geralmente são entendidos sob duas óticas
principais: os “Velhos” Movimentos Sociais e os “Novos” Movimentos Sociais.
Segundo Damasceno (2016), os Velhos Movimentos Sociais surgem através da luta de
classes protagonizada entre operários e proprietários dos meios de produção do século XIX,
constituindo duas classes substanciais do sistema capitalista. Já os Novos Movimentos Sociais
se caracterizam pelo caráter inovador e pela diversificada forma de organização e de
experiências, quer seja no meio urbano, quer seja no meio rural. Movimentos ecológicos, de
homossexuais, de juventudes, movimento negro, por exemplo, fazem parte dessa nova
perspectiva de Movimentos Sociais, sobretudo, no que se relaciona às mudanças ético-culturais.
Mas o que são os Movimentos Sociais? Para início de discussão procuramos esclarecer
sua definição apoiada respectivamente em dois autores, Gohn (2011) e Streck (2010). Para a
primeira os movimentos sociais são:
Ações sociais coletivas de caráter sociopolítico e cultural que viabilizam
formas distintas de a população se organizar e expressar suas demandas. Na
ação concreta, essas formas adotam diferentes estratégias que variam de
simples denúncias, passando pela pressão direta (mobilizações, marchas,
concentrações, passeatas, distúrbios a ordem constituída, atos de
desobediência civil, negociação, etc.) até as pressões indiretas. [...] Os
movimentos realizam diagnósticos sobre a realidade social, constroem
propostas (GOHN, 2011, p. 335, 336).
Para o segundo autor, Streck (2010, p. 304):
Um movimento social é, por princípio, a busca de um outro lugar social. Ele
se dá a partir daqueles que rompem a inércia e se negam a continuar vivendo
no lugar que historicamente lhes estava designado. Partindo desse mover-se,
formam-se territórios que se orientam por uma lógica distinta da hegemônica.
44
Diante do exposto, a definição proposta por esses dois autores expressa uma ideia de
conflito que é desejado ardentemente por interesses antagônicos. Streck (2006, p. 104) assevera
que “os conflitos sinalizam rupturas com padrões ou processos sociais hegemônicos limitadores
de direitos de cidadania ou ameaças à própria vida”. Nesse sentido, os movimentos sociais estão
sempre na ação prática, resistindo às relações sociais adversas para garantirem e conquistarem
suas demandas.
Dentro desse princípio, os movimentos sociais se transformam em forças políticas na
aspiração de superar as realidades sociais. Nessa perspectiva é preciso ressaltar que através da
organização popular e vias práticas de pressão os movimentos sociais são responsáveis por
conquistas de políticas públicas na garantia dos direitos dos cidadãos.
Nessa acepção, Gohn (2011) chama atenção ao analisar o sucesso das lutas sociais
protagonizadas pelos “novos” movimentos sociais surgidos no Brasil no final do século XX, a
exemplo do movimento negro, que garantiu a política de cotas, o movimento feminista e o
LGBTT que têm garantido direitos e construção de identidades, o movimento ecologista, dentre
outros.
Com base nesta concepção de novos movimentos sociais destacam-se quatro
características que asseveram a natureza desses movimentos, que são essenciais para dar
validade em seu interior, assim aponta Garcés (2006, p. 81-84):
a) Os novos movimentos sociais expressam mudanças nos discursos e nas
práticas que organizam as relações sociais nas bases da sociedade.
b) O potencial transformador dos novos movimentos sociais não é político,
mas sociocultural.
c) A maior novidade dos movimentos sociais diz respeito ao desenvolvimento
de novas lógicas emancipatórias assim como a ampliação e reformulação
da política.
d) Os novos movimentos sociais representam uma guinada de muita coragem,
a crítica ao estadocentrismo e a afirmação de novas territorialidades.
Central neste fragmento de texto é a ideia de que os movimentos sociais perpassam de
uma questão mais socioestrutural caracterizada pela condição de classe e adquirem uma
acepção mais sociocultural, marcada pelas formas de expressão cultural e identidade. Se a
compreensão de movimentos sociais é diversa, a quantidade deles também é.
Quando pensamos em movimentos sociais, vem logo à mente algo relacionado às forças
de esquerda ou ligado a movimentos mais emancipatórios e radicais. No entanto nem todo
movimento social pode ser considerado progressista, pois também há os conservadores.
45
Retomando a memória histórica, um exemplo plausível disto é quando em março de
1964 inúmeros grupos sociais compostos por famílias, pelo clero, juntamente com setores
políticos conservadores, unem-se em marcha para derrubar o governo do presidente João
Goullart, conhecida como “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”. Circunstanciados
por uma época de grande efervescência política, de novas ideologias, de novos pensamentos, a
elite preocupada em perder seus privilégios, grande parte dela vai para as ruas empreender um
movimento social.
Passados 54 anos desse acontecimento histórico, o Brasil revive hoje um momento de
grande retrocesso político no campo dos direitos civis e da democracia. Em nome de Deus, da
família e da pátria, o país sofre um golpe político corroborado por uma forte participação de
grupos da classe média brasileira orientados pelo Movimento Brasil Livre (MBL) e outros
novos movimentos sociais conservadores orquestrados por partidos neoliberais, ou seja,
partidos que buscam cada vez mais a minimização do Estado no âmbito social, as privatizações
e o desmonte dos direitos trabalhistas.
Alguns movimentos a exemplo dos “Revoltados On-line”, “Vem Pra Rua”,
“#NasRuas”, “Movimento Contra Corrupção (MCC)”, financiados para sustentar o golpe,
destacaram-se nesta empreitada disseminando ódio ao Partido dos Trabalhadores e a outros
setores de esquerda, criminalizando os movimentos sociais populares.
A partir desta análise podemos afirmar que existem movimentos sociais conservadores,
conquanto, com outra configuração. Nem todos os movimentos sociais incorporam em si
mesmos perspectivas democráticas e pretensões para uma maior justiça social. Segundo Streck
(2006), esses novos movimentos sociais apresentam um redirecionamento do “popular”, ou
seja, configuram-se em movimentos transclassistas.
São considerados movimentos sociais porque agem coletivamente e como outros
movimentos “apresentam um conjunto de demandas via práticas de pressão/mobilização”
(GOHN 2011, p. 336); todavia, seus objetivos e direcionamentos vão de encontro a uma
perspectiva crítica e emancipatória configurando-se assim um movimento pseudopopular.
Outra tendência verificada entre os novos movimentos sociais é a habilidade de
funcionamento em redes, denominada por Gohn (2011) como “redes digitais”. Organizados
nacionalmente através de redes sociais, os movimentos supracitados apareceram na tentativa de
unir os diferentes movimentos das passeatas. Além do fato concreto desses movimentos sociais
se organizarem em redes digitais sociais, em grandes caminhadas, alguns deles elaboraram
propostas legislativas para o combate à corrupção. Como é o caso do movimento “#NasRuas”:
46
O NasRuas tem como objetivo criar e manter frentes representativas contra a
impunidade e a corrupção. Tentamos dentro de nossas limitações fiscalizar o
poder público em âmbito federal, estadual e municipal, bem como, pressionar
os políticos a votarem em projetos contra a corrupção e que tenham impacto
na melhoria do país.13
Referendando-se também aos objetivos14 do Movimento Contra Corrupção (MCC)
obtém-se:
a) Divulgar notícias referentes a casos de corrupção, informando a população.
b) Promover estudos a respeito do fenômeno da corrupção, formando
intelectuais aptos para a análise, a percepção, a sugestão de medidas
preventivas, punitivo-sancionatórias, reparatórias e inibitórias.
c) Contribuir para a formação de cidadãos conscientes, dotados de capacidade
intelectual, crítica e analítica no que concerne à sociedade, à política e à
economia.
Estes são alguns dos objetivos e propostas dos grupos disfarçados de movimentos
progressistas que, junto à mídia protagonizaram uma das mais vergonhosas e inautênticas
campanhas anticorrupção da história do Brasil. Milhares de brasileiros saíram às ruas desde o
ano de 2015 para protestar contra a corrupção e, consequentemente, a favor do impeachment da
presidenta Dilma. De rostos pintados, bandeiras do Brasil nas costas e panelas nas mãos não
foram apenas para as ruas denunciar a corrupção, mas serviram perfeitamente para legitimar
um golpe de Estado.
Atualmente estamos presenciando um escândalo atrás do outro, através das práticas
impopulares do governo Temer e nem por isso se veem pelas ruas manifestantes com caras
pintadas e muito menos grupos como “#NasRuas”, “MCC”, denunciando essas práticas
antidemocráticas, visto que não conseguem sustentar seus objetivos e propostas. Se estivessem
de fato contra a corrupção, hoje as ruas estariam tomadas de verde e amarelo novamente.
Isso deixa claro que, além das razões vindas de circunstâncias que são da própria
realidade brasileira, há sinais muito evidentes de influências e patrocínios para esses grupos,
provenientes de interesses internacionais, o que torna ainda mais latente o seu caráter capitalista
e impopular.
Paradoxalmente a esses grupos surgiram movimentos sociais que se pronunciavam
contra o impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Movimentos como “Frente Popular
Brasil”, “Povo Sem Medo”, são exemplos de grupos que atualmente compõem as manifestações
13 Conteúdo retirado da fonte https://www.brasilnasruas.com.br/quemsomos/ 14 Informações obtidas no site http://www.contracorrupcao.org/p/objetivos-do-movimento.html
47
e atuam em diversos espaços com muita força principalmente nas redes sociais na articulação
de suas ações.
Gohn (2011, p. 336) pontua que esses movimentos sociais populares, ao contrário dos
que observamos anteriormente, “apresentam um ideário civilizatório que coloca como
horizonte a construção de uma sociedade democrática”. Nessa visão as relações de poder se
estabelecem e entram em conflito com os interesses da classe dominante. A estes grupos se
acrescenta também os estudantes secundaristas que, de acordo com a autora, atuam mais como
grupos de pressão do que propriamente como movimento social estruturado.
É preciso reconhecer que foi um movimento muito forte, que inclusive surpreendeu a
todos nós pelo grande número de jovens atuando junto a outros movimentos, na luta pela
democracia e pelos avanços nos direitos sociais. Uma de suas pautas de reivindicação girou em
torno da proposta de reformulação do Ensino Médio que coloca em risco conquistas que se
traduzem em elementos indispensáveis à garantia do direito a uma educação pública de
qualidade.
Nesta esteira de mudanças, não poderíamos deixar de citar o movimento “Escola sem
Partido”, uma proposta da direita conservadora, que traz em sua proposta o silenciamento das
visões de mundo, em que ameaça a liberdade de expressão dos professores e dos próprios alunos
em sala de aula, como bem explicitam em sua página na web: “O Professor não se aproveitará
da audiência cativa dos alunos, para promover os seus próprios interesses, opiniões, concepções
ou preferências ideológicas, religiosas, morais, políticas e partidárias15”.
Destrói, portanto, a natureza diretiva da educação, na qual Freire (1987, p. 187) expõe
com veemência: “Temos que dizer aos alunos como pensamos e por quê. Meu papel não é ficar
em silêncio. Tenho que convencer os alunos do meu sonho, mas não conquistá-los para meus
planos pessoais”. Para o autor, toda atividade é um ato político, tendo em vista que não há
neutralidade na educação. Sendo assim, a proposta da Escola sem Partido não deixa de
expressar sua opção política, que é opressora, acrítica e alienante, na ideia de uma educação
perfilada aos interesses capitalistas.
Não há dúvidas de que estamos frente a novos atores sociais. Todavia, essa diversidade
de movimentos sociais não se dá de forma meramente espontânea. Uma vez que as políticas
neoliberais aumentam, mais movimentos de resistência surgem como respostas causando
conflito com os interesses das classes dominantes. Se por um lado a dominação hegemônica
cria formas de participação na sociedade, por outro lado os movimentos de resistência ampliam
15 Conteúdo referente aos deveres do professor em que orienta a proposta da Escola sem Partido; retirado na
página https://www.programaescolasempartido.org/
48
e diversificam seus espaços de ação. Desta forma, faz-se pertinente discutir suas lutas, suas
experiências e sobretudo sua dimensão educativa, como veremos no tópico a seguir.
2.3 Movimentos Sociais e Educação Popular: a educação que acontece fora do espaço
escolar
Como vínhamos discutindo no transcorrer deste estudo, a educação compreende uma
perspectiva que ultrapassa a instituição escolar formal. Sustentar esta afirmação implica ter
como hipótese uma concepção de educação que não se oriente somente nos processos formais
de ensino pautada na “transmissão” do conhecimento, mas sim numa forma intencional de fazer
educação a partir dos interesses dos meios populares, ou melhor, numa Educação Popular.
Nesse contexto a EP é concebida como um elemento essencial dos movimentos sociais que
[...] Tem por objeto a recriação das bases da sociabilidade numa dada
sociedade. É, portanto, parte de um grande movimento de transformação
histórica. Distingue-se claramente da política da educação cívica, na medida
em que não se preocupa com os problemas da razão instrumental, as assim
chamadas de procedimento, a engenharia política, o manejo e a manipulação
dos mecanismos de poder. A educação para os movimentos sociais é um
subsistema de educação programada e informal, orientado para complementar
o conjunto de atividades educativas e formativas existentes na sociedade
(PREISWERK, 1997, p. 73).
O termo “educação não formal” começa a aparecer relacionado ao campo pedagógico
concomitantemente às críticas ao sistema de ensino formal. Ele é um termo utilizado para
designar o processo de ensino-aprendizagem que funciona à margem do sistema educativo
formal. Sendo assim, essa educação informal que se realiza no conjunto da Educação Popular
se inscreve num horizonte político voltado para empoderamento dos setores com os quais são
realizados diferentes trabalhos (MARIÑO, 2006).
De acordo com os estudos de Góes (1980), nos anos 1960, em meio à efervescência
político-cultural do Nordeste brasileiro, por iniciativas de alguns intelectuais, estudantes e
representantes de setores progressistas da Igreja Católica, alguns movimentos direcionados para
a alfabetização e fomento da cultura popular, nascem, nesse período, na tentativa de incluir os
excluídos da sociedade a partir de um processo social, educacional, cultural e político.
Segundo o autor, esse procedimento incorporou uma metodologia baseada no método
Paulo Freire de ensino, tendo como escopo principal a conscientização. Nessa visão, Góes
(1980, p. 2) apresenta cronologicamente esses movimentos de educação popular que marcaram
profundamente este período:
49
a) O Movimento de Cultura Popular (MCP), criado em maio de 1960, sob o
patrocínio da Prefeitura do Recife, como sociedade civil autônoma;
b) A Campanha De Pé no Chão também se Aprende a Ler, deflagrada pela
Secretaria Municipal de Educação de Natal, em fevereiro de 1961;
c) O Movimento de Educação de Base (MEB), lançado pela Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil, em convênio com o governo federal, em março
de 1961;
d) O Centro Popular de Cultura (CPC), criado pela União Nacional dos
Estudantes (UNE), em abril de 1961.
Dentro desse princípio, a relação movimento social e Educação Popular existe por meio
das ações práticas de movimentos e grupos sociais. Dessa maneira, não consideramos neste
aspecto a concepção de EP como simplesmente uma educação do povo ou destinada para o
povo, mas sim uma acepção de educação que denota “movimento” cuja especificidade esteja
baseada numa perspectiva de transformação social e protagonismo dos sujeitos.
Em seu livro Educação Popular - outros caminhos, Melo Neto (1999, p. 68-69)
apresenta a Educação Popular como um sistema educativo importante para o avanço histórico
dos movimentos sociais populares.
Educação popular é um sistema educativo aberto, caracterizado por um
conjunto de elementos teóricos que fundamentam ações educativas
relacionados entre si, ordenados segundos princípios e experiências. Mas esse
sistema forma um todo, uma unidade alicerçada por uma filosofia com uma
teoria do conhecimento, metodologias da produção desse conhecimento, com
conteúdos e técnicas de avaliação sustentadas por uma base política. É,
portanto, um processo permanente de teorização sobre a prática que serve ao
avanço histórico dos movimentos sociais, particularmente os movimentos
sociais populares.
O autor ainda justifica essa ideia quando diz que “é a Educação Popular difundida pelos
movimentos sociais, como educação autenticamente popular, sendo constituída pelo conjunto
de práticas educativas desenvolvidas pelas próprias classes populares” (MELO NETO, 1999,
p. 48). Sendo assim, as práticas pautam como fundamento a participação nas decisões políticas
que cooperem para o coletivo da sociedade. Destarte, a Educação Popular cria um trabalho
pedagógico voltado para a transformação da sociedade cujas articulações estejam nas mãos do
próprio povo.
Obviamente, entendemos que essa concepção de educação atrelada aos movimentos
sociais, tenciona contribuir com diversos setores das classes populares explicitando fortemente
o seu caráter político na educação. De acordo com Carrillo (2010, p. 9) esse caráter traduz-se
em cinco aspectos que incorporam esta concepção:
50
a) Una lectura crítica del orden social vigente y un cuestionamiento al papel
integrador que ha jugado allí la educación formal.
b) Una intencionalidad política emancipadora frente al orden social
imperante.
c) Un propósito de contribuir al fortalecimiento de los sectores dominados
como sujeto histórico, capaz de protagonizar el cambio social.
d) Una convicción que desde la educación es posible contribuir al logro de
esa intencionalidad, actuando sobre la subjetividad popular.
e) Un afán por generar y emplear metodologías educativas dialógicas,
participativas y activas.
Neste prisma, o caráter educativo dos movimentos sociais populares se configura como
autoconstrutivo. Na prática, esta peculiaridade surge de várias fontes. Dentre elas, Gohn (2012,
p. 56-57) destaca:
a) Da aprendizagem gerada com experiência de contato com fontes de
exercício do poder.
b) Da aprendizagem gerada pelo exercício repetido de ações rotineiras que a
burocracia estatal impõe.
c) Da aprendizagem das diferenças existentes na realidade social a partir da
percepção das distinções nos tratamentos que os diferentes grupos sociais
recebem de suas demandas.
d) Da aprendizagem gerada pelo contato com as assessorias contratadas ou
que apoiam o movimento.
e) Da aprendizagem da desmistificação da autoridade como sinônimo de
competência, a qual seria sinônimo de conhecimento. O desconhecimento
de grande parte dos “doutores de gabinete” de questões elementares no
exercício cotidiano do poder revela os fundamentos desse poder: a defesa
de interesses de grupos e camadas.
Segundo a autora, todos esses tipos de aprendizagem que ocorrem no interior dos
movimentos populares se dão, sobretudo, por um envolvimento integral dos sujeitos, cujas
ações são conscientemente planejadas e orientadas coletivamente pondo em risco o poder
hegemônico vigente. Consequentemente, este caráter educativo dos movimentos sociais se
constitui uma ferramenta muito forte das classes populares em prol de uma sociedade mais
justa, solidária e igualitária.
Partindo do pressuposto de que a Educação Popular se entende enquanto uma educação
prática e política vivenciada nos movimentos sociais populares, as contribuições de Paulo Freire
foram muito importantes para apresentar uma educação que extrapolasse os espaços formais de
ensino. Nesse contexto a conscientização como processo de educação constituiu-se em um
elemento basilar para a organização dos movimentos sociais. Nesta visão Freire (1979a, p. 15),
aduz:
51
Ao ouvir pela primeira vez a palavra conscientização, percebi imediatamente
a profundidade de seu significado, porque estou absolutamente convencido de
que a educação como prática de liberdade é um ato de conhecimento, uma
aproximação crítica da realidade [...]. Ao nível espontâneo, o homem ao
aproximar-se da realidade faz simplesmente a experiência da realidade na qual
está e procura. Esta tomada de consciência não é ainda a conscientização,
porque esta consiste no desenvolvimento crítico da tomada de consciência.
Segundo Freire, enquanto uma classe social explorada, os oprimidos deveriam se
engajar na luta pela sua libertação, colocando-se numa postura dialética de reflexão crítica sobre
a realidade e pensar em relação a uma ação. Ao ter refletido sobre o contexto histórico das
décadas de 1950 e 1960, o legado de Paulo Freire permanece ainda vivo entre os processos de
formação dos movimentos sociais populares em que o mesmo diz que “o destino do homem
deve ser criar e transformar o mundo sendo o sujeito de sua ação” (FREIRE, 1979c, p. 38).
Essas contribuições em sua formulação tornam-se essenciais para o desempenho de
lideranças sociais que, não de forma individualizada, mas junto com os grupos populares,
procuram desvelar a realidade para poder transformá-la, pois na visão do educador “ninguém
educa ninguém, como tampouco ninguém se educa a si mesmo: os homens se educam em
comunhão, mediatizados pelo mundo” (FREIRE, 1979c, p. 38).
Fundamentalmente vê-se a comunhão como uma das características mais fortes dos
grupos populares. Salienta-se, nesse sentido, a grandeza educativa da participação nos
movimentos sociais, que se ajusta a várias experiências socioeducativas que compõem a
dimensão pedagógica do movimento, a partir de uma metodologia que faça parte de uma
pedagogia comunitária, que brota do ato dialógico dos sujeitos.
Esse processo dialético de reflexão-ação fundamentado por uma pedagogia libertadora
se fez outrora muito presente na vida cotidiana de trabalhadores rurais da região do Vale do
Jequiriçá na Bahia, onde desenvolveram suas percepções críticas da realidade por parte de uma
ação claramente educativa dentro dos sindicatos e das Comunidades Eclesiais de Base, espaços
concretos de profundas reflexões orientadas pela Teologia da Libertação.
Partindo dessa conjectura na qual se configura a concepção de relações sociais
alicerçadas pela comunhão, solidariedade, cooperação e muitas vezes medo, as primeiras
experiências de lutas dos movimentos sociais populares do Vale do Jequiriçá fizeram surgir,
além de novos sujeitos, novos espaços de política como fontes essenciais de transformação da
sociedade.
52
No tópico vindouro, a partir de dois entrevistados analisaremos e entenderemos como
se deu a constituição do Instituto de Fé e Política de Amargosa sob uma perspectiva histórica e
dialética.
2.4 Fé, utopia e transformações das estruturas: o início das bases
Abordaremos aqui o contexto histórico da opção política da diocese de Amargosa que
proporcionou a posteriori o surgimento do Instituto de Fé e Política. A raiz histórica desta
instituição se encontra no protagonismo da classe trabalhadora (em sua maioria da zona rural e
das CEBs), que desde os anos de 1980 luta em detrimento da transformação do sistema social
e político da época. Nesse contexto, a Igreja assume juntamente com leigos, padres, bispos,
religiosas, a sua missão social amparada pela Teologia da Libertação.
O contexto de classes sociais exploradas, povos dominados, grupos marginalizados,
pobreza e exclusão constituiu artefatos cruciais para se falar da situação dos pobres que viviam
na região do Vale do Jequiriçá.
Em 1980, no município de Mutuípe e toda região de Amargosa, o sofrimento do povo
era muito grande, oprimido pelo poder local. As pessoas mais afetadas não tinham direito à
saúde, educação e sequer condições que as levassem a uma vida digna. Tinha-se nas igrejas as
missas aos domingos, reuniões do Apostolado da Oração, Legião de Maria, mas não se tinha
nenhuma reunião das comunidades para refletir sobre seu sofrimento e suas realidades.
No entanto, havia algumas pessoas formadas por pequenos grupos que aos poucos iam
saindo da ingenuidade adquirindo consciência crítica. Desta vez esses grupos começam a ler
politicamente a realidade em que vivem (“leitura de mundo” nos termos de Paulo Freire) e
apostam em uma ação libertadora provocando resistências e medo também.
Você não contava com muita gente. Você só contava com seus
companheiros... Nem todos... Porque tinha aquelas pessoas que tinha medo.
Tinha vontade, mas tinha medo, morava numa fazenda, era funcionário de um
fazendeiro, aí pronto, as pessoas não podiam se manifestar. Então a gente
contava com as pessoas que tinham vontade de fazer e fazia e aquelas pessoas
que só ficavam por trás pra assinar um abaixo-assinado, pra poder ajudar numa
reflexão. Mas na hora de mostrar a cara as pessoas tinham medo. Então
quando a gente refletia, refletia. A gente ia pra caminhada e ia pra luta e
enfrentava muito desafio mesmo. Tinha uma comunidade que era obrigada a
fazer a reunião em baixo de um pé de uma árvore. O poder político do
município não deixava fazer no prédio. Aí a gente se reunia debaixo de um pé
de árvore ou na casa de uma pessoa da comunidade. Era muito bom fazer essas
reuniões no prédio. Era melhor. A gente tinha mais instrumentos para a
reflexão, sabe?! [...] Então a gente via tudo que acontecia e começava pensar
53
diferente e tomar consciência da nossa classe. Foram reflexões que definimos
a nossa classe. O que é que nós temos? Por que que eles têm? Por que eles não
querem que nós nos organize? E aí a gente continuou a luta graças a Deus.
(ENTREVISTADA nº 4).
Nesse agitado momento de organização popular, algumas lideranças passaram a
entender a realidade e a expressar sua indignação frente ao poder local. Afinal, como diria Freire
(2016, p. 65): “Quem, melhor que os oprimidos, se encontrará preparado para entender o
significado terrível de uma sociedade opressora? Quem sentirá, melhor que eles, os efeitos da
opressão?”
Como vimos no tópico anterior, nas máximas de Paulo Freire os fundamentos da
Educação Popular estão intrinsecamente ligados à mudança e o desvelamento da realidade
opressora, à valorização e emancipação dos sujeitos. Este período, segundo a entrevistada, foi
muito enriquecedor e de forte amadurecimento na fé e nas ideologias. Assim como ela, Paulo
Freire acreditava no poder transformador do homem.
Para ele, “quando o homem compreende a sua realidade, pode levantar hipóteses sobre
o desafio dessa realidade e procurar soluções. Assim, pode transformá-la e o seu trabalho pode
criar um mundo próprio, seu eu e as suas circunstâncias” (FREIRE, 1979d, p. 30). Daí então as
comunidades começam a pensar “diferente”, em outras palavras, conscientemente.
Em meio a esse momento de libertação e esperança, o povo contou com o apoio, na
época, do bispo diocesano dom Alair e, na paróquia de Mutuípe, com o padre Esmeraldo.
Também freiras espanholas, que vieram morar em Ubaíra (cidade vizinha) juntamente com os
padres, ajudavam na libertação política, social e existencial dos oprimidos, contribuindo assim
para seus projetos de vida. Foi nesse momento que nasceram as Comunidades Eclesiais de Base
(CEBs) na região.
E foi aí que começou nascer as primeiras lutas, da saúde, da educação, dos
direitos das pessoas. Foram muitas lutas que causaram, baixo assinado, a gente
ia reivindicar em Salvador, na câmara dos deputados, a gente tinha apenas um
sindicato aqui na nossa região que era o sindicato dos trabalhadores rurais do
vale do Jequiriçá, então eles representavam nossa luta. Aí a gente foi dando
passos e aí a gente percebia que somente a comunidade não resolvia o
problema. A gente tinha fé, tinha o apoio da Igreja, mas a gente precisava de
outros setores, entidades que desse suporte a toda caminhada dos
trabalhadores. E foi aí que nasceu no ano... Na década de 80, os trabalhadores
se organizaram, aí nasceu aqui o sindicato dos trabalhadores rurais de
Mutuípe, foi fundado também o sindicato de Ubaíra, foi fundado sindicato de
Laje, foi fundado o sindicato em quase toda região (ENTREVISTA nº 4).
54
Assim, o trabalho nas CEBs possibilitou a criação do sindicato dos trabalhadores rurais
de Mutuípe, em 1986. Partilhando com o poder político da Igreja Católica e abeberando-se à
fonte da Teologia da Libertação, as comunidades se organizam para instaurar uma outra
realidade possível. Sorrateiramente um processo de conscientização ocorria entre os cristãos.
A população de Mutuípe, especialmente a zona rural era profundamente cristã, o que
favorecia ainda mais a organização do povo. Um protagonismo libertador e popular que a partir
de então ganhou força, esperança e confiança, sobretudo, em que suas ações se sustentavam a
partir da bíblia com reflexões teológicas libertadoras, como bem nos conta o entrevistado nº 1:
Assim, tudo isso que nós construímos que nós lutamos, foi à luz do Evangelho
de Nosso Senhor Jesus Cristo refletido na comunidade eclesial de base. Então,
assim, nada de cima para baixo, mas sempre construído com a participação de
alguns trabalhadores da comunidade que pingavam de cada comunidade ou de
cada município (ENTREVISTADO nº 1).
Estas reflexões também são bem fundamentadas por Gustavo Gutiérrez (2000, p. 68)
quando diz:
A reflexão teológica seria, então, necessariamente, uma crítica da sociedade e
da Igreja enquanto convocadas e interpeladas pela palavra de Deus; uma teoria
crítica à Luz da Palavra aceita na fé, animada por uma intenção prática e,
portanto, indissoluvelmente unida à práxis histórica.
Nessa perspectiva, a prática da leitura bíblica nessas comunidades era extremamente
importante para os cristãos no processo de compreensão da realidade em que viviam, o que
possibilitou uma capacidade crítica de analisar e contextualizar os fatos. De acordo com Boff
(2010), essa estrutura se debruça na visão analítica da realidade, no julgamento da realidade
pelos princípios da fé e, finalmente, no agir conforme os critérios e princípios pastorais para
transformar a realidade. Assim, essas pessoas, em suas comunidades, denunciavam qualquer
tipo de injustiças. E anunciavam também.
Nós construímos também na época já com os sindicatos todos organizados a
chamada Pastoral Rural da Diocese de Amargosa que foi o grande instrumento
da igreja participando na vida dos trabalhadores. Inclusive nós, né,
participávamos da coordenação da Pastoral da diocese de Amargosa. Hoje
chama-se a Pastoral da Dimensão Sociotransformadora. Hoje já tem outro
nome, mas na época era chamada pastoral rural (ENTREVISTADO nº 1).
55
O surgimento da Pastoral Rural no município de Mutuípe foi, sem sombra de dúvidas,
um grande passo para sua solidificação e disseminação. Com o apoio de alguns setores da
Igreja, os sujeitos das CEBs ajudaram na fundação de sindicatos em vários municípios da
diocese de Amargosa, do Litoral ao Sertão ao Vale do Jequiriçá.
Nessa perspectiva, em menor proporção, religiosos e sacerdotes também participaram
ativamente dessas iniciativas. Na época os sacerdotes mais ligados ao movimento eram Pe. João
Antônio (in memoriam) que trabalhava em Iaçu, Pe. Neivaldo, sendo pároco de Mutuípe, e Pe.
Esmeraldo que ficava mais nos arredores do Vale de Mutuípe - Jequiriçá, que davam sentido
ao compromisso de suas lutas pela “libertação” do povo oprimido.
Os sindicalistas e todos os leigos comprometidos com a causa social puderam, dessa
maneira, organizar-se e instaurar suas práticas transformadoras no município. Já com os
sindicatos formados vieram as primeiras lutas. Uma delas foi a luta da Constituição Estadual,
que em assembleia a diocese de Amargosa juntamente com as dioceses vizinhas, como a de
Jequié, Alagoinhas e Paulo Afonso, conseguiram colocar duzentos e quarenta mil assinaturas
contendo as propostas do movimento popular ligado à Igreja, sindicatos e associações.
Nessa mesma ocasião, era a lei do município de Mutuípe que estava sendo reformulada
e criada. Mais uma vez o povo se insurge e participa decisivamente, juntamente com a Igreja,
da elaboração da Lei Orgânica do Município. Aí também, segundo o entrevistado, já se deve
acrescentar o empenho e determinação do bispo diocesano que apoiou incondicionalmente os
trabalhadores.
Vê-se claramente o efeito do compromisso que possibilitou essas autênticas
experiências do povo, que a partir de então começaram a se afirmar como principais sujeitos do
próprio destino. Organizando-se, anunciando e denunciando qualquer tipo de injustiça, mesmo
tendo que lidar com certas realidades que tristemente vinham sob uma forma opressora e
desprezível, como expõe o sujeito entrevistado:
Mas, a gente era muito bom. Mobilizava, botava um ônibus de gente em
Salvador para Estadual, botava gente em Brasília para os grandes gritos dos
excluídos, nos gritos da terra Brasil, do encontro da CONTAG, mas na hora
da decisão, meu amigo, a gente rezava, mobilizava, refletia, via o sofrimento,
mas na hora da decisão, numa certa época o deputado disse: “que nada, rapaz,
vocês é um pinguinho (sic) de gente de lá de Mutuípe, meus votos lá eu sei
como ganho!” Um determinado deputado me disse isso. Eu disse: pois é,
deputado, mas os trabalhadores de Mutuípe começam a se mobilizar pra ter
seus direitos garantidos ou buscar ou colocar na lei os seus direitos e depois
garanti-los. Mas não tem problema não, eu voto contra vocês e pronto
(ENTREVISTADO nº 1).
56
Diante da pressão das elites, mesmo dentro de um contexto desfavorável onde as
ameaças muitas vezes eram constantes, urge a necessidade de superar as situações opressoras.
Nesse momento em que se expõe o ocorrido, reportamos a Freire (2016, p. 69) que dizia que o
medo da liberdade impedia a busca dos oprimidos em “ser mais”.
Os oprimidos, contudo, acomodados e adaptados, “imersos” na própria
engrenagem da estrutura dominadora, temem a liberdade, enquanto não se
sentem capazes de correr o risco de assumi-la. E a temem, também, na medida
em que lutar por ela significa uma ameaça, não só aos que a usam para oprimir
como seus “proprietários” exclusivos, mas aos companheiros oprimidos, que
se assustam com maiores repressões (FREIRE, 2016, p. 69).
Nesse sentido, diante da deplorável realidade da violência política que o Vale do
Jequiriçá, especificamente em Mutuípe, vivia, como foi explicitado acima, a partir das reflexões
dos cristãos, entenderam que era necessário a própria Igreja, o próprio movimento ter
representantes tanto nas esferas municipais quanto nos setores estaduais. Então, os sindicalistas,
depois de diálogos amplos com a Igreja, com o próprio movimento, em 1992 lançam candidatos
para ocupar um cargo político na cidade de Mutuípe.
Apesar de ter o apoio massivo dos trabalhadores, muitos deles não tinham consciência
de que deveriam estar de fato dentro do espaço político.
Algumas pessoas, inclusive minha mãe dizia quando tava viva há muito
tempo, talvez essa fosse a grande dificuldade, não mais do poder político
constituído, mas a própria cabeça nossa dos trabalhadores. E aí dizia assim:
“tu já viu ovo brigar com pedra?” Era uma expressão muito assim... que nós
sequer tínhamos o direito de estar no espaço político, no espaço sindical, mas
aí veio aquela música: “Não é preciso ser filho de doutor, mas jovem da roça
também tem valor”. Então em cima da dificuldade a gente criava uma
perspectiva de também estar nesse lugar, né?! A gente gritava: “Eu não sou
sapo para entrar debaixo de pé de vaca ou de boi”. Então a gente tinha que
levantar a voz e gritar que a gente queria socorro e queria de fato que os
trabalhadores pudessem ter vez e voz. Então, em 92, com a ousadia da gente,
né (sic). A gente disputa a primeira eleição do movimento popular em toda
região e fomos eleito vereador na época, o 4º mais votado (...) E aí, nós
começamos a entender o que era espaço político. Que nem tudo que a gente
imaginava que lá era fácil, não era. Mas nós tínhamos a voz, tínhamos o direito
de defender aquelas propostas dos trabalhadores que apresentavam pra nós
coletivamente, refletido pela comunidade e não uma proposta que nascesse
apenas de minha cabeça (ENTREVISTADO nº 1).
Para Freire (2016), a autodesvalia se constitui uma das fortes características dos
oprimidos. De tanto ouvirem que não são capazes de nada, acabam introjetando mitos das
57
consciências opressoras, e nesse tipo de relação a conscientização se torna inviável. Nas
palavras do autor:
De tanto ouvirem de si mesmos que são incapazes, que não sabem nada, que
não podem saber, que são enfermos, indolentes, que não produzem em virtude
de tudo isso, terminam por se convencer de sua “incapacidade”. Falam de si
como os que não sabem e do “doutor” como o que sabe e a quem deve escutar
(FREIRE, 2016, p. 92).
Dessa forma, a Igreja no seu sentido mais humano contribuiu de forma significativa para
o surgimento de valores que inspiravam politicamente os trabalhadores. “A conscientização é
um parto doloroso”, nos lembra o autor. E ainda exige dos oprimidos que sejam utópicos. Pois
na sua visão a conscientização está vinculada à utopia, na qual se configura como “a
dialetização nos atos de denunciar e anunciar” (FREIRE, 1971 apud TORRES, 2014, p. 76).
A partir daí os trabalhadores começam a não aceitar aquela candidatura imposta pelos
“grandes”. O entrevistado nº 1 afirma que hoje em Mutuípe e em toda região de Amargosa, a
grande maioria dos trabalhadores possui “outra mentalidade”, já não se deixam ser enrolados
pelo poder dominante. Através da práxis dos trabalhadores surge a consciência crítica e um tipo
de cultura popular.
Este fenômeno de ações coletivas, que não perpassa por atitudes isoladas, deverá
promover e elaborar a cultura do povo com o próprio povo, e não criar uma cultura para o povo.
A partir da tétrica realidade que os trabalhadores de Mutuípe viviam, foi necessário utilizar
instrumentos pedagógicos para que propusessem uma mobilização popular através da
politização e organização do povo, elaborados a partir dos valores fundamentais da vida cristã
dos trabalhadores.
Com isso, a vitalidade das comunidades cristãs junto aos trabalhadores começa a dar
frutos. Foi aí que garantiram transporte escolar, direitos na saúde pública, que até então eram
desprivilegiados, e conseguiram garantir também outras políticas de participação dos
trabalhadores nos conselhos municipais, por exemplo, quebrando todo o paradigma de que só
os ricos e filhos de doutores deveriam estar no espaço político. Consequentemente a isso, o
Sindicato de Mutuípe, juntamente com a população, continua dando frutos, gerando projetos e
políticas de promoção social, cultural e humana.
Atualmente, segundo o entrevistado, o sindicato executa o segundo maior projeto do
governo do estado em habitação na zona rural, construindo cento e trinta unidades habitacionais
na zona rural coordenado pelo governo federal e governo estadual, executando também projetos
58
ligados à agricultura familiar, não esquecendo, sobretudo, do seu objetivo maior, que é a
conscientização, na perspectiva de que não se perca do compromisso de lutar pelos seus direitos.
Toda essa luta dos trabalhadores da região do Vale do Jequiriçá fez brotar o Instituto de
Fé e Política de Cáritas da Diocese de Amargosa. “A gente tinha fé, tinha o apoio da Igreja,
mas a gente precisava de outros setores, entidades, que dessem suporte a toda caminhada dos
trabalhadores” (Entrevistado nº 4). A partir da informação obtida, a fala desse sujeito surge em
forma de súplica por um espaço que incorpore uma proposta de educação que dialogue com as
relações sociais que se estabelecem na sociedade.
Referendando-se a esse momento histórico,
O Instituto de Fé e Política ele vem exatamente aí na década de... a partir do
ano de 2006. E aí foi que nós fundamos o Instituto de Fé e Política que eu
participei e gostei muito dos primeiros módulos, né? Tenho ajudado na
reflexão quando a gente é procurado, mas assim, eu acho que isso é uma coisa
grandiosa para a diocese. É ter em cada paróquia, cada município, alguém que
mesmo não estando no espaço político, mas estudando a relação da fé e da
vida e como daqui pra frente nós continuamos essa luta. Então o Instituto de
Fé e Política da diocese de Amargosa que nos levou até em encontros no Rio
de Janeiro, ele tem dado resultado. Bom você ver a atuação de vereador no
município de Laje, vereador no município de Ubaíra, vereadores de outros
municípios que a gente tem assumido cadeira legislativa e até a forma como
os presidentes de sindicatos, de associações tem agido dentro de sua entidade
de uma forma muito mais qualitativa (ENTREVISTADO Nº 1).
Em meados do ano de 2000, o padre Neivaldo Carvalho Santos começa a pensar em
uma proposta de uma educação crítica intencionada a partir dos interesses dos meios populares
criando o Instituto de Fé e Política de Cáritas da Diocese de Amargosa, composto por homens
e mulheres que atuam em diversos ramos dos movimentos sociais, nas associações,
comunidades de base, ou seja, pessoas comprometidas com as causas sociais, estudando e
refletindo a relação da fé com a vida a fim de ter uma formação pautada numa Educação Popular
para atuarem em suas comunidades.
59
3 O INSTITUTO DE FÉ E POLÍTICA: UMA INSTITUIÇÃO DE FÉ À PROCURA DE
UMA PRÁXIS
Neste capítulo abordaremos o contexto histórico do Instituto de Fé e Política de Cáritas
da Diocese de Amargosa-BA, buscando, primeiramente, situar o leitor sobre as bases iniciais
as quais originaram o nosso campo de investigação e alguns conhecimentos prévios sobre a
realidade que pouco a pouco pretendemos abordar. Neste ínterim, falaremos de suas bases
teórico-metodológicas e ético-políticas em um currículo pensando a formação dos sujeitos
sociais a partir de uma Educação Popular crítica. Para melhor entender a criação do referido
Instituto faz-se necessário compreendermos sua articulação ao Centro Nacional de Fé e Política
Dom Helder Câmara.
3.1 O Centro Nacional de Fé e Política Dom Helder Câmara: um recorte de sua
historicidade
O Centro Nacional de Fé e Política Dom Helder Câmara (CEFEP)16 é caracterizado,
sobretudo, como uma organização de cunho essencialmente político. A proposta do CEFEP foi
uma iniciativa motivada por frutuosas reflexões fomentadas pela Comissão Episcopal para o
Laicato juntamente com os movimentos eclesiais. Todo esse processo de reflexão pôde
engendrar o “Seminário de Fé e Política”, realizado nos dias 19 a 20 de junho de 2004 no
Distrito Federal contando com uma significativa participação de escolas locais de formação
política dos cristãos em nível diocesano e regional.
Esta ávida proposta de implementação do Centro justificou-se pelo momento de
desesperança, de enfraquecimento da política, da difusão do individualismo e do esvaziamento
da democracia que o Brasil atravessava. Vivia-se ali uma despolitização da vida social. Por esse
motivo, os participantes do Seminário propuseram ampliar a reflexão em torno da “fé e política”
na aspiração de contribuir com a consolidação de um pensamento social cristão no Brasil. Em
função do que foi dito, a proposta do Centro Nacional de Fé e Política “Dom Helder Câmara”
contemplaria as seguintes atividades:
a) Um curso Nacional de Formação Política para os cristãos leigos.
b) Uma rede de assessoria baseada nas áreas temáticas das Ciências Sociais e Política;
Filosofia e Ética; Teologia e Pastoral; Educação.
16 Na pretensão de apresentar a história do Centro Nacional de Fé e Política Dom Helder Câmara, foi necessário
recorrer a um documento publicado pelo referido Centro tendo como organizador o Pe. José Ernanne Pinheiro.
Neste caso, não tive a participação direta na obtenção dos dados, no entanto, nos servirá para contar a história
da criação do CEFEP.
60
c) Articulação das Escolas locais de Formação Política num contínuo intercâmbio entre
elas.
Nessa aspiração, no dia 21de fevereiro de 2005, sob os auspícios da Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o Centro Nacional de Fé e Política Dom Helder Câmara
é fundado em Brasília-DF, reunindo desde o presidente da CNBB, Dom Geraldo Majella
Agnelo, e outras autoridades eclesiásticas, a membros do parlamento civil.
Uma organização católica que formou sua espinha dorsal com um estilo de Igreja
adaptado aos documentos do Concílio Vaticano II (1962- 1965), na qual defendem veemente a
participação de leigos nas ações da Igreja. Uma proposta que veio ajudar os cristãos na relação
da fé com a política. O Pe. Pinheiro (2006, p. 141) aponta os objetivos gerais que expressam a
finalidade do CEFEP:
a) Contribuir com a formação de lideranças inseridas na política, em suas
diferentes formas e níveis, a partir de uma reflexão bíblica, teológica, das
ciências sociais e da filosofia - para a construção de uma sociedade justa,
solidária, democrática, pluricultural e pluriétnica.
b) Fomentar em nosso país um pensamento social cristão à luz do Ensino
Social da Igreja e dos valores evangélicos.
c) Incentivar, apoiar e articular os Grupos e Escolas de Fé e Política existentes
no País e estimular a constituição de novas iniciativas;
d) Criar espaços de reflexão e troca de experiências;
e) Formar assessores para nossas comunidades, entidades e organizações
sociais;
f) Fortalecer as pastorais sociais, movimentos eclesiais e outros organismos
da Igreja cuja ação tenha incidência no político-social;
g) Despertar para a importância da organização do trabalho em Redes como
espaço de difusão de textos, subsídios e troca de experiências.
Na ocasião, o ato de fundação contou com depoimentos de cristãos leigos sobre sua
participação política na sociedade. Um dos exemplos com que podemos ilustrar esse feito
histórico de criação do CEFEP é o do senador Pedro Simon:
Vivemos hoje num mundo assolado pelo materialismo vulgar, pela pobreza
espiritual, pelo individualismo, pela indiferença em relação aos mais pobres,
pelo consumismo desenfreado e pela ganância. A situação é dramática. Mas
eu acho que os intelectuais e os militantes cristãos podem e devem trabalhar
duramente para mudar esse quadro. Já os políticos cristãos, creio eu, devem
colocar sobre os ombros esse encargo e assumir um papel de liderança nesta
batalha. O Centro Nacional de Fé e Política Dom Helder Câmara será o espaço
privilegiado em que nós, que temos vivência política, poderemos refletir e
trocar experiências como nossos irmãos.
61
Nessas circunstâncias, acreditou-se que uma ação educacional promoveria especiais
faculdades e abrangeria a consciência crítica de cristãos e a sua articulação com as comunidades
e movimentos sociais. Para isso, criou-se dentro deste Centro um espaço de formação política
dos cristãos leigos, denominada “Escola de Fé e Política”, que tem como objetivo geral formar
cristãos leigos para a vida política, favorecendo-lhes a aquisição de competências e habilitação
para agir no complexo campo da política em prol de uma sociedade justa e solidária.
Através do documento publicado pelo Centro Nacional de Fé e Política, Pinheiro (2006)
aduz as especificidades basilares da proposta do Curso de Formação Política para os Cristãos
Leigos:
a) Contribuir com a formação de lideranças cristãs para as funções públicas
efetivas ou não, no campo da política e das organizações comunitárias;
b) Aprimorar a prática política dos Cristãos no exercício da cidadania e do
bem comum;
c) Investir na formação do sujeito evangelizador para torná-lo apto a
influenciar na construção de uma nova cultura política.
Indubitavelmente, essa proposta supõe uma educação para as situações concretas da
vida, ou seja, uma educação para a participação política. Ora, e se a Igreja assume esse papel
político, esse preparo estende-se também a processos educativos. Dessa forma, a formação
proposta é constituída por módulos divididos em duas etapas, cada uma com 90 horas,
totalizando 180 horas, contendo temáticas que serão estudadas durante o mês cursado
presencialmente.
O curso de Formação Política das Escolas de Fé e Política destina-se exclusivamente
para as pastorais sociais, lideranças de comunidades, movimentos eclesiais, pessoas com
envolvimento em organizações e movimentos sociais, como também pessoas que estão
engajadas na política ou que pretendem assumir cargos partidários. Como critério de
participação do curso, o candidato deve ser cristão, ter tempo disponível para participar das
etapas previstas para realizar os trabalhos; preferencialmente ter o ensino médio (caso não
tenha, em alguns casos serão analisados); como também ser possuidor de alguma militância
política, seja ela sindical, popular, partidária ou de outras áreas.
Do ponto de vista metodológico, o curso de Formação Política para os Cristãos Leigos
apresenta uma prática educativa coesa permanentemente ao quefazer do povo numa perspectiva
lógica entre os seus conteúdos e objetivos orientando os sujeitos populares para serem
protagonistas de uma mudança na sociedade, fortalecendo as organizações e movimentos
sociais. De acordo com Pinheiro (2006, p. 128), o curso tem como processo metodológico:
62
a) A formação política dos cristãos nas múltiplas dimensões, relacionadas
entre si - ética espiritual e intelectual, respeitando o pluralismo político, a
partir da opção pelos pobres, em comunhão com as diretrizes da Igreja no
Brasil;
b) A participação do cursista como sujeito do processo de formação e da
construção do saber em todos os níveis. Neste sentido, o CEFEP
privilegiará a construção coletiva, articulando as diferentes ciências e
saberes com a prática dos participantes;
c) A leitura da realidade sócio-histórica e eclesial dos cursistas, contribuindo
com a construção de uma espiritualidade na ação;
d) A busca de uma pedagogia libertadora: através de técnicas e instrumentos
vivenciados na Educação Popular e na pedagogia dos grupos da Igreja.
Aí nos chama atenção a perspectiva da Educação Popular, visto que há variadas
interpretações acerca desse tipo de educação e, muitas vezes, equivocadas. Para um melhor
entendimento da Educação Popular que propõe, destacamos a matriz curricular do Curso de
Formação para Leigos Cristãos do Centro Nacional de Fé e Política “Dom Helder Câmara” –
DF a fim de conhecermos as temáticas desenvolvidas, bem como, se eles seguem numa
perspectiva crítica ou não.
Os fundadores do CEFEP puderam, dessa maneira, formar um campo de conhecimento
originalmente orgânico e bem elaborado através de fundamentos filosóficos, pedagógicos e
políticos que orientem os sujeitos para a sua formação chamando atenção para o compromisso
dos cristãos por meio do comprometimento político e da educação na perspectiva de capacitá-
los para que eles próprios sejam autores de seu progresso, ou seja, uma educação libertadora.
O intuito do curso de formação do CEFEP não se restringe a dissertar, copiar, produzir,
mas sim problematizar a realidade dos cursistas. Em outras palavras, uma educação à luz de
uma visão humanista de caráter crítico. Visão que reconhece a realidade concreta e se orienta
para transformá-la.
Neste contexto, a Educação Popular encontra um campo muito fecundo para se fazer
teoria pedagógica, tendo as bases de uma pedagogia essencialmente latino-americana, em
especial a de Paulo Freire, como aporte fundamental para a metodização de tal concepção.
63
Quadro 1 - Matriz Curricular do Curso de Formação Leigo para os Cristãos do Centro Nacional de Fé
e Política Dom Helder Câmara- Brasília - DF
Fonte: Informações contidas do Centro Nacional de Fé e Política Dom Helder. Elaboração própria. 2017.
Tomando-se como base Preiswerk (1997, p. 29), a Educação Popular é entendida como
“um conjunto de práticas educativas realizadas por e com os setores populares, dentro de uma
perspectiva política de mudança social”. Isso implica dizer que a Educação Popular possui uma
intencionalidade crítica, apresentando a conscientização e a práxis como bases históricas do
processo de transformação social.
TEMÁTICAS DESENVOLVIDAS EM 180 HORAS PRESENCIAIS ATRAVÉS DE MÓDULOS –
EM DUAS ETAPAS:
PRIMEIRA
ETAPA:
15 DIAS
(90 HORAS)
− Desafios contemporâneos da relação “Ética, Fé e Política”
− História da política e da economia com seus conceitos básicos
− As grandes etapas do capitalismo e suas implicações, através da globalização, na lógica
do mercado
− História da formação social, econômica, política e cultural do Brasil
− A legislação eleitoral do Brasil
− Análise da conjuntura política nacional e internacional; elementos do processo
metodológico
− Os fundamentos da bioética e sua atualização
− O Ensino Social da Igreja: sua teologia, suas raízes e os princípios básicos para os temas
estudados
− A caminhada das conquistas da cidadania e dos direitos humanos, nos últimos 50 anos, e
a luta dos movimentos populares; a contribuição da Igreja nesse processo
− Alternativas e protagonistas – experiências educativas:
o Orçamento participativo
o Conselhos Municipais de Direitos ou paritários;
o O trabalho e a economia solidária
o Agroecologia e a economia sustentável;
o Agricultura Familiar;
o Cultura de paz contra a violência
− Projetos para o Brasil: os projetos dos partidos políticos e os projetos populares
democráticos dos movimentos sociais
− Leitura da relação Fé e Política: na Bíblia, na Patrística, no Vaticano II e nos documentos
da Igreja na América Latina e no Brasil
− Relatos e análise de experiências de Escolas locais de Fé e Política.
SEGUNDA
EETAPA:
15 DIAS
(90 HORAS)
Temas desenvolvidos através do “estudo de Educação à distância” (180 horas) entre as
duas etapas do curso presencial:
Aprofundamento dos temas trabalhados na primeira etapa e preparação para a segunda etapa
com orientação de leituras para os respectivos temas a serem estudados:
− Ética, Fé/ espiritualidade e Política;
− História das Instituições Políticas no Brasil;
− História da Formação Social, Econômica, Política e Cultural do Brasil;
− A Constituição de 1988 e os Direitos Humanos;
− Questões de Bioética: implicações éticas, teológicas e políticas;
− Temas do Ensino Social da Igreja.
64
A conscientização é, em primeiro lugar, um ato de conhecimento. Implica um
desvelamento da realidade com o qual vou me aprofundando, pouco a pouco,
na própria essência dos fatos que tenho diante de mim como objetos
cognoscíveis para desvelar a sua razão de ser [...] não se pode basear na crença
de que é dentro da consciência que se opera a transformação do mundo, a
criação do mundo. É dentro do próprio mundo, na história, através da práxis
que se dá o processo de transformação (FREIRE, 1979b, p. 114-115).
Nesse contexto, conforme Mejia (2010), essa concepção de educação trabalha com os
grupos populares numa aspiração de transformação social, priorizando os saberes populares que
dão base para a luta transformadora dos movimentos sociais na qual o povo se organiza,
mobiliza e constrói propostas de transformação. Será esta a concepção de Educação Popular a
qual estaremos a considerar nesta pesquisa, o que nos permitirá, mais adiante, compreender
melhor a constituição e luta dos egressos do Instituto de Fé e Política de Amargosa tomando
como base os princípios desta concepção de educação, como também da Teologia da
Libertação.
3.2 Situando o Instituto de Fé e Política de Cáritas da Diocese de Amargosa: uma Escola
de Fé e Vida
O Instituto de Fé e Política de Cáritas Diocesana de Amargosa foi fundado no ano de
2006, uma entidade civil filantrópica vinculada à Cáritas brasileira17 e atende atualmente 27
municípios localizados no Recôncavo e Vale do Jequiriçá, assim como na Costa do Dendê. A
Cáritas se configura numa entidade civil filantrópica, beneficente e sem fins lucrativos que
trabalha em prol dos direitos humanos, da segurança alimentar e do desenvolvimento
sustentável solidário. Dessa forma, este órgão atua junto aos excluídos e excluídas que são
vinculados (as) à outras instituições e até mesmo aos movimentos sociais.
Conforme o projeto de implantação do curso de tecnologia em gestão de movimentos
populares de base (2006), eles atuam a partir de processos organizativos e coletivos gerando o
protagonismo das comunidades. Ao mesmo tempo, a Cáritas busca fortalecer, junto aos
desfavorecidos, a construção de espaços de democracia participativa e de transformação social,
buscando prioritariamente anunciar os ensinamentos do Evangelho, na perspectiva de
17 Configura-se um organismo da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) que está organizada em
uma rede com 178 entidades-membro, 12 regionais – Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo,
Minas Gerais, Espírito Santo, Norte II (Amapá e Pará), Maranhão, Piauí, Ceará, Nordeste II (Alagoas, Paraíba,
Pernambuco e Rio Grande do Norte) e Nordeste III (Bahia e Sergipe) – e uma sede nacional. sendo presença
solidária junto às pessoas mais empobrecidas.
65
promoção da solidariedade libertadora, optando pela vida cujas ações alimentam um objetivo:
transformar.
Sendo assim, a Cáritas de Amargosa, segundo o projeto do Instituto, em consonância
com a Cáritas brasileira busca atuar em meio às comunidades e pessoas que se encontram em
situação de exclusão, na defesa dos direitos humanos e do desenvolvimento sustentável
solidário, muitas vezes trabalha em parceria com instituições e movimentos sociais como em
projetos pastorais, sindicatos, associações de bairro, partidos políticos etc.
Algumas das ações que a Cáritas desenvolveu foram a organização do Fórum de
Economia Solidária da Região de Amargosa; Experiência de construção de 20 cisternas no
município de Iaçu-BA; e junto às comunidades o incentivo para a implantação da Pastoral
Carcerária e dos Conselhos de Segurança nos municípios da diocese de Amargosa.
Um anseio intenso de justiça, por direitos e cidadania, contribuiu para a construção de
um centro de formação política para os cristãos da diocese. As avaliações desse processo foram
tão positivas que se traçou como meta a possibilidade de certificação ou um curso com o
qualificante de extensão universitária.
A implantação do Curso de Tecnologia em Gestão de Movimentos Populares de Base
teve a diocese de Amargosa como palco principal, seguindo como fonte inspiradora um
movimento católico de intensas consequências sociais: a Teologia da Libertação. No entanto,
para que fosse garantida a qualidade da atuação de novos profissionais nos movimentos
populares de base, a Cáritas diocesana, por meio de um oficio nº 001/2008, solicita ao Conselho
Gestor do Fundo Nacional de Solidariedade, financiamento para os gastos do centro e da
formação, sob a coordenação do padre Neivaldo Carvalho Santos, coordenador da Cáritas
diocesana e fundador do Instituto de Fé e Política de Amargosa.
Na verdade, ainda segundo o projeto do Instituto, a finalidade fundamental era que o
Instituto de Fé e Política fosse um espaço diferenciado de empoderamento de agentes e
lideranças que se comprometam na construção de uma sociedade justa, solidária e fraterna. A
região onde ocorre este projeto se localiza na Região Recôncavo Sul, aproximadamente um
território de 13.972 km², dividido em 27 municípios com 24 paróquias, em três áreas geográfica
e culturalmente bem distintas: a zona da mata (recôncavo e Vale do Jequiriçá), a região da
caatinga e a região litorânea (a Costa do Dendê). A primeira turma do Instituto de Fé e Política
não foi composta por representantes das 24 paroquias da diocese de Amargosa. Apenas
algumas, as mais atuantes, fizeram parte do curso, como pode ser representado pela fotografia
abaixo.
66
Foto 4 - Alunos egressos do Instituto de Fé e Politica
Fonte: Arquivo Pessoal, Amargosa-Ba, 2018.
De acordo com um fôlder do Instituto, publicado em 2009, o curso de extensão oferecido
pela Escola de Fé e Política de Cáritas Diocesana de Amargosa tem duração de 18 meses, sendo
que em cada semestre se estuda um módulo totalizando quatro deles. As aulas acontecem
presencialmente uma vez por mês e durante todo o mês os alunos realizam atividades dirigidas
nos dias de sexta, sábado e domingo. O público-alvo são pessoas ligadas a partidos políticos,
ONGs, sindicatos, pastorais sociais e associações.
O cursista também precisa ter o Ensino Médio completo para ingressar no Instituto;
entretanto, a forma de seleção ocorre mediante uma carta de indicação enviada pela comunidade
ou dirigente do órgão a que o candidato esteja vinculado. Dentro do curso não há avaliação por
matérias, no entanto, é obrigatória a participação assídua nos encontros, como também em
Congressos e Assembleias Populares para o processo de formação.
De acordo com as informações obtidas pelo Instituto, o objetivo central do curso é
graduar tecnólogos em Gestão de Movimentos Populares de Base, a partir de princípios éticos
e da doutrina social da Igreja, na perspectiva da construção de uma sociedade economicamente
justa, ecologicamente sustentável, politicamente democrática, socialmente solidária e
culturalmente plural, qualificando-os para atuação em partidos políticos, movimentos populares
e organizações sociais, de forma crítico-participativa, fomentando o protagonismo popular.
Além deste, objetivos específicos orientam o curso supracitado:
a) Alimentar, renovar e aprofundar a mística, a espiritualidade e o
compromisso social;
67
b) Empoderar os agentes e lideranças para uma maior e qualificada
participação nas políticas públicas;
c) Capacitar os participantes em metodologias e instrumentos para
elaboração, monitoramento e avaliação de práticas sociais e políticas
públicas;
d) Fortalecer a vivência cristã na dinâmica da sociedade atual (PROJETO
DE IMPLANTAÇÃO DO CURSO DE TECNOLOGIA EM GESTÃO
DE MOVIMENTOS POPULARES DE BASE, 2007).
Foto 5 - Participação dos alunos no 7º Congresso Nacional de Fé e Política - Ipatinga-MG/ 2009
Fonte: Arquivo Pessoal, Amargosa-Ba, 2018.
Ao conceber esta proposta, o Instituto de Fé e Política da Diocese de Amargosa tem seu
discurso acoplado a uma prática que transcorre pela dedicação profissional e pelo compromisso
em acatar as questões da sociedade moderna. Nessa aspiração, busca auxiliar uma ação mais
crítica e consciente, evidenciando o anseio em colaborar significativamente na edificação de
uma sociedade economicamente justa, politicamente democrática, socialmente solidária através
do seu protagonismo popular.
No que concerne à metodologia do curso, todas as atividades presenciais são
desenvolvidas na cidade onde está localizado o Instituto de Fé e Política. O curso oferecido
contempla a mediação pedagógica por meio de monitoramento remoto por assistentes, através
do uso da plataforma de aprendizagem e da internet, nas Salas de Atividades on-line,
favorecendo a aquisição de autonomia gradativa dos estudantes no processo de construção do
conhecimento.
Já o material impresso, produzido pelos docentes do curso, é estudado nos encontros
presenciais e trabalhado pelo estudante com autonomia e flexibilidade de horário e local. Como
68
também uma Biblioteca Virtual, acessada on-line, onde são disponibilizados resultados de
pesquisas e textos complementares, especialmente criados para o curso. Além disso, é tarefa do
professor indicar sites que o estudante poderá visitar para ampliar seus conhecimentos e
habilidades.
O Instituto de Fé e Política da Diocese de Amargosa-BA disponibiliza para os alunos
toda uma infraestrutura de apoio, de maneira que sejam sanadas as possíveis dúvidas ou lacunas
durante o curso oferecido. A estrutura física do Instituto é constituída por um salão com
capacidade para 120 pessoas, 22 banheiros, seis salas de aula, uma secretaria, uma cozinha, um
refeitório, dormitório para 120 pessoas, uma sala administrativa, uma minibiblioteca. O
ambiente é arejado e com plantações ao seu redor, situado no Seminário Menor da Diocese.
Foto 6 - Área interna do Seminário Menor de Amargosa
Fonte: Facebook do Seminário Menor de Amargosa.
Além do aspecto físico, a Escola de Fé e Política é formada por uma equipe
multidisciplinar composta pela Coordenação Pedagógica que é responsável pelos
procedimentos acadêmicos, orientação e capacitação dos docentes, bem como pela elaboração
dos materiais didáticos dialógicos e atividades pedagógicas; pela Coordenação Tecnológica, na
qual é responsável pela gestão da tecnologia aplicada à educação a distância; Secretaria
Executiva responsável pela administração financeira, bem como a organização de toda a
documentação do curso e da infraestrutura do Instituto e o professor que é o docente com, no
69
mínimo, graduação e experiência em educação superior na área específica da disciplina que vai
ministrar.
Geralmente também é o professor o responsável pela elaboração do material didático
para a disciplina. Cabe a este profissional, ainda, a orientação permanente aos docentes durante
o período que integra a carga horária da disciplina ministrada por ele.
Foto 7 - Alunos em aula no curso de Fé e Política
Fonte: Arquivo Pessoal, Amargosa-Ba, 2018.
Além dos fundamentos éticos, dos referenciais da Doutrina Social da Igreja Católica,
para a ação política dos militantes cristãos, é fundamental o conhecimento prático do militante,
o contato visceral com as comunidades e um exímio conhecimento teórico que dê ferramentas
necessárias às suas ações, principalmente nesse contexto de mudanças, no qual a América
Latina hoje vive principalmente no Brasil, onde vivenciamos um golpe parlamentar, jurídico e
midiático no ano de 2016.
A compreensão da educação como modo de propiciar a participação social surgiu
quando os militantes dos movimentos sociais e partidos políticos oriundos das Comunidades
Eclesiais de Base, no ano de 2005, estavam construindo uma nova visão concernente às
questões sociais. Desta forma, essas compreensões vieram em forma de súplicas, motivadas por
muitos cristãos da diocese de Amargosa conforme o fundador da Escola, padre Neivaldo, nos
informou:
70
Nós estamos nos movendo nestes mundos em nome de Jesus Cristo e da Igreja,
sem nenhum acompanhamento, sem nenhuma formação, sem nenhum espaço
onde se possa discutir, refletir, é... confrontar nossos princípios e valores com
os princípios e os valores dos movimentos e dos partidos políticos. Queremos,
nesta instância deliberativa da nossa Diocese, pedir aos padres e ao bispo
diocesano que nos escutem e que nos atendam! (Pe. NEIVALDO, entrevista
realizada em 2017).
Entendendo a educação libertadora como um processo de conscientização e ação em
que as pessoas tomam conhecimento de sua realidade, e a partir dela adquirem condições de
lutar para transformá-la, percebemos que os militantes cristãos da diocese de Amargosa
destacam a educação como um dos principais meios que possibilite a construção de uma outra
sociedade. Motivados por essa perspectiva, sem mesmo ter o apoio das autoridades eclesiásticas
superiores, no ano de 2006, iniciou-se uma experiência de formação com os ativistas de vários
municípios que compõem a diocese de Amargosa.
Segundo o coordenador, o número de militantes que compunham a Escola de Fé e
Política era muito grande, sua maioria provinha dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais, o que
levava as pessoas que vinham de fora e da própria Igreja a desdenharem e, pejorativamente,
acusar o processo de formação de “politiqueiros”, “petistas” e “partidaristas”. Que nada de
Igreja se tinha ou se era. A participação dos militantes na luta pelos direitos humanos, na
política, na militância partidária sempre foi um aspecto que gerava tabus na diocese e
principalmente nas paróquias.
Padre Neivaldo foi a principal liderança e mentor na tentativa de que todo o clero
diocesano aceitasse essa iniciativa para a Igreja Católica. O fundador do Instituto sempre teve
preocupação com a situação de exploração e desigualdades da região. O que ele queria era
possibilitar aos militantes a oportunidade de adquirir a capacidade de gerenciar sua produção,
sua prática em seus espaços de atuação.
Nesse esforço de criação, o fundador incorpora à Escola de Fé e Política um caráter de
Igreja respaldado nos documentos do Concílio Vaticano II. Diante desse fator, é importante
salientar que, perante uma Igreja historicamente conservadora como a diocese de Amargosa, a
criação do Instituto de Fé e Política foi um episódio surpreendente, que ocasionou
transformações expressivas dentro do episcopado.
A Diocese como um todo também assistiu como novidade o que estava
nascendo no seu interior e naqueles “entonces”, né?! Perplexa e desconfiada
não se lançou nem a apoiar e muito menos a conspirar contra. Que no meu
avaliar é uma “faca de dois gumes”. Há sempre quem seja contra, quem critica
quem não quer o processo se desenvolvendo. E, muitas vezes, as forças
71
internas que gerenciam a instituição têm mais poder de fogo do que as forças
externas que se veem ameaçadas pela consciência e pela capacidade de
organização e de articulação que os formandos vão desenvolvendo. E você
sabe disso, filho! Isso é muito ruim para quem tem que coordenar, articular,
organizar processos sociais e políticos que requerem o parecer e a posição da
Instituição. (Pe. NEIVALDO, entrevista realizada em 2017)
A fala do padre Neivaldo revela a imparcialidade da Igreja e das principais autoridades
eclesiásticas em relação às discussões em torno do Instituto Fé e Política. O fundador do
Instituto acreditava que seria mais fácil lidar com a comunidade externa do que com a Igreja
teocêntrica e hierarquicamente constituída.
Esse era um dos aspectos que impossibilitava a organização dos processos sociais e
políticos dentro da Igreja. “Ainda para muitos católicos, a missão da Igreja é só pregar o
Evangelho, né?! E não eleger políticos que representem o povo [...]” diz o fundador do Instituto.
Daí acrescenta-se a exigência da ação pastoral conforme orienta a encíclica Gaudium et Spes
nº 44:
É dever de todo o Povo de Deus e sobretudo dos pastores e teólogos, com a
ajuda do Espírito Santo, saber ouvir, discernir e interpretar as várias
linguagens do nosso tempo, e julgá-las à luz da palavra de Deus, de modo que
a verdade revelada possa ser cada vez mais intimamente percebida, melhor
compreendida e apresentada de um modo conveniente.
A pertinência dessa função que as encíclicas encarregam às autoridades eclesiásticas
enfatiza, nessa instância, o convite ao compromisso social implicado numa realidade
conflituosa e mutante como da América Latina. Coesa a esse aspecto, o papel dos teólogos será
de colaborar para maior entendimento nesse compromisso, teoricamente e teologicamente.
Infelizmente, a participação dos militantes na luta pelos direitos humanos, na política, na
militância partidária sempre foi um aspecto que gerava tabus na diocese e principalmente nas
paróquias.
A Igreja orientada pela Teologia da Libertação segue com sua tarefa, de consolidar a
perspectiva da fé, mas sem perder de vista seu papel político dentro da sociedade capitalista.
Para o Instituto de Fé e Política, uma forma de materializar essa missão é no compromisso, no
trabalho ativo dos militantes cristãos na sociedade.
Neste mesmo sentido, a Cáritas brasileira, por meio da Cáritas diocesana de Amargosa,
segue com a proposta de um curso de extensão aos militantes cristãos, no qual houve um
repensar dos objetivos e da matriz curricular por meio das lideranças (professores e militantes),
como veremos no tópico seguinte.
72
3.3 Currículo em movimento: pensando a formação dos sujeitos sociais a partir da
Educação Popular
Neste tópico apresentaremos a matriz curricular do curso de Tecnologia em Gestão de
Organização e Movimentos Populares de Base do Instituto de Fé e Política em que difere de
algumas concepções tradicionais de currículo. O currículo como conhecemos é um recurso
usado pela escola para se organizar e construir caminhos que nortearão sua prática a partir de
seu contexto histórico, social e principalmente a partir da realidade do educando, para que assim
haja uma educação de qualidade (CONDINI, 2014).
Sendo assim, para corroborar com a discussão, fez-se necessário recorrer a Silva (2010),
que discursa sobre as diferentes teorias do currículo sendo que uma delas exerce significativa
influência nas práticas pedagógicas em Educação Popular: a teoria crítica. Junto a essas teorias
trazidas pelo autor estão as concepções tradicionais e as pós-críticas.
As teorias tradicionais pretendem ser apenas isso: neutras, científicas
desinteressadas. As teorias críticas e pós-críticas, em contraste, argumentam
que nenhuma teoria é neutra, científica ou desinteressada, mas que está,
inevitavelmente, implicada em relações de poder. As teorias tradicionais, ao
aceitar mais facilmente o status quo, os conhecimentos e os saberes
dominantes acabam por si concentrar em questões técnicas. [...] As teorias
tradicionais se preocupam com questões de organização. As teorias críticas e
pós-críticas, não se limitam a perguntar “o que”, mas submetem este “que”, a
um constante questionamento. Sua questão central seria, pois, não tanto “o
que?”, mas “por que?” [...] As teorias críticas e pós-críticas do currículo estão
preocupadas com as conexões entre saber, identidade e poder (SILVA, 2010,
p. 16-17).
De acordo com o autor, as teorias tradicionais se configuram em teorias de aceitação,
organização, ajustes e de caráter puramente técnico. Paradoxalmente, as teorias críticas são
teorias de problematização, questionamento, transformação radical.
Hoje, mais do que nunca, como aponta Holliday (2006b), na Educação Popular, há uma
necessidade de se pensar as práticas pedagógicas e aprofundar nesses requisitos no intuito de
construir propostas educacionais alternativas, fazer uma opção epistemológica, refletir em torno
dos fundamentos filosóficos, políticos e pedagógicos que nos orientem para transformar a
sociedade.
Hurtado (2006, p. 150-154) ratifica que essas propostas educacionais da Educação
Popular perpassam por quatro pilares fundadores e que seguem vigentes até hoje apresentando
uma proposta teórico-prática na qual se entende que o ser popular se configura no posicionar-
73
se na ótica social em movimento. A saber: o marco ético, o marco epistemológico, uma proposta
pedagógica subsequente e o sociopolítico.
De acordo com a leitura do autor, o Marco Ético procede dos problemas e desafios
complexos do mundo globalizado ávido pelas políticas neoliberais, que geram a exclusão,
desigualdades e injustiças. Neste sentido, exige-se um posicionamento ético que conduza e
interprete esses fenômenos para refletir sobre o agir do indivíduo na sociedade. Portanto, essa
dimensão ética põe em vista a construção de uma sociedade justa através de sujeitos críticos e
conscientes.
Outro elemento de proposta vigente da Educação Popular é a de que se deve assumir
uma visão epistemológica. Entendendo que a Educação Popular se configura como um conjunto
de práticas educativas que lutam pela libertação da classe oprimida, o conhecimento nunca será
visto como um instrumento de dominação. Isto implica dizer que de forma dicotômica ao
ideário positivista, adota-se uma base epistemológica de caráter dialético. E para que a educação
aconteça como prática de liberdade e direcione a uma práxis, é somente através da dialogicidade
que isso acontece.
O terceiro pilar vigente em questão é de uma proposta pedagógica consequente, que
amplia as propostas metodológicas libertárias para o âmbito formal. Como ele mesmo
apresenta, apresenta-se na compreensão pedagógico-democrática do ato de propor conteúdos,
métodos etc. Sua proposta está baseada na pedagogia do diálogo e na participação. Nesse
sentido, aspira-se romper com a ideia de que o processo de ensino é mera “transmissão de
conhecimento”. Nesta relação, portanto, o educador está aberto para aprender também com o
educando. O que existe é uma relação recíproca, imbricada entre o ensinar e o aprender.
E o quarto e último pilar apresentado por Hurtado na Educação Popular é o
Sociopolítico, em que destaca a articulação entre o pedagógico e o caráter político. A esse
respeito Guevara (2006) corrobora com essa afirmação ratificando que o entrelace permitiu
descobrir que o ato educacional nunca é neutro. Sendo assim, para se estabelecer uma pedagogia
crítica, emancipatória ligada à prática de Educação Popular, alude ter intencionalidade política
e pedagógica.
Percebe-se que mediante as teorias do currículo, pode-se afirmar que o currículo não é
algo neutro, ou seja, ele desempenha um papel político. Novas interpretações aparecem em
Freire (2016) em sua Pedagogia do Oprimido, que se fundamenta em uma teoria educacional
crítica e libertadora. Freire vem fazendo uma crítica à educação tradicional justificando como
“[...] um ato de depositar, em que os educandos são os depositários e o educador, o depositante”
(FREIRE, 2016, p. 104).
74
Para ele, essa visão bancária18 anula a criatividade dos alunos, estimulando sua
ingenuidade e não sua criticidade. “Na visão ‘bancária’ da educação, o saber é uma doação dos
que se julgam sábios aos que julgam nada saber. Doação que se funda numa das manifestações
instrumentais da ideologia da opressão. [...]” (FREIRE, 2016, p. 105).
Freire nos apresenta um outro jeito de fazer educação, uma educação para a liberdade
como um processo histórico de humanização que deve garantir uma práxis transformadora para
libertar todo homem e mulher circunstanciados por qualquer tipo de opressão ávida pelo sistema
de produção capitalista.
Foi pensando nessa perspectiva que o fundador da Escola de Fé e Política pensou um
currículo baseando-se numa aspiração crítica de ensino (MOTA NETO, 2016), cuja base
incorpora uma pedagogia dialógica e problematizadora.
Três bases determinaram a elaboração mais permanente do Currículo do curso
em tecnólogo em movimentos sociais de base do Instituto de Fé e Política. O
primeiro deles foi a necessidade imperiosa de refletir a prática. Assim...
pressupostos teóricos para pensar, aprofundar e melhor acompanhar os
processos que dentro do movimento popular se impõem. Um segundo
elemento foi o diálogo com a Fé, como os ritos celebrados, a palavra imediata
iluminam a vida politicamente vivida, economicamente determinada,
socialmente relacionada. Já o terceiro elemento, né?! foi a necessidade mesma
de se ter a sistematização de um Projeto Político com as cores e o sangue do
Movimento Popular (Pe. NEIVALDO, entrevista realizada em 2017).
A partir do depoimento do fundador do Instituto de Fé e Política, vê-se claramente que
o currículo do curso de Gestão em movimentos sociais de base, foi elaborado para assumir uma
metodologia de educação contrária à bancária, um modelo crítico, libertador, conscientizador.
Nessa lógica, o currículo foi construído na perspectiva dos movimentos sociais,
apresentando o diálogo, a problematização, o conflito, como processo metodológico constante,
que permite a vinculação dos conteúdos com a história de vida dos sujeitos.
O papel do indivíduo que trabalha com os movimentos sociais, com as classes populares,
é o de escutar, refletir junto com o povo sobre a sua experiência a partir de pressupostos teóricos,
ou seja, a partir do momento em que o sujeito histórico passa por situações adversas do
cotidiano; estas mesmas situações deverão ser problematizadas e apresentadas como um
obstáculo a ser suplantado pela reflexão e ação dos próprios sujeitos.
18 Esse termo metafórico se refere, segundo Paulo Freire, à prática tradicional de ensino justificada pelo ato de
“depositar”, em que o educador é o depositante e o educando é o depositário.
75
Os conteúdos curriculares estudados no Instituto no curso em questão são divididos em
quatro núcleos curriculares: Formação Específica tendo como objetivo propiciar um
conhecimento mais sistemático e reflexões sobre sociedade e Estado. São vistos fundamentos
de política e direitos humanos, direito trabalhista, história das organizações, ética pessoal e
profissional, história da economia e da política, abordagem sociopolítica da sociedade
contemporânea, legislação eleitoral e reforma política, gestão social e desenvolvimento
sustentável, modelos de gestão, cooperativismo e associativismo e Educação Popular.
O núcleo de conteúdos sobre Formação Geral engloba Língua Portuguesa, oratória,
gestão estratégica de pessoas, antropologia cultural, fenomenologia da religião e história da
teologia, fundamentos da bioética, informática aplicada à gestão, empreendedorismo e
marketing social, pluralidade cultural, matemática financeira e negociação.
Núcleo das Dimensões Teórico-práticas, no qual os cursistas aprendem metodologia
da pesquisa, realizam estágio supervisionado, trabalho de conclusão de curso e seminários
temáticos. Outro núcleo é o referente a Fundamentos de Formação Teológica pautados em
conteúdos referentes à cristologia, História da teologia, bíblia sagrada e doutrina social.
Esses conteúdos foram articulados na perspectiva da formação profissional e tendo em
vista as demandas da sociedade contemporânea e não outra. Os conteúdos desses núcleos são
distribuídos durante todo o curso, como pode ser visto na matriz curricular a seguir:
Quadro 2 - Matriz Curricular do Curso de Extensão em Tecnologia em Gestão de Organizações e
Movimentos Populares de Base
1º PERÍODO
Disciplina
T
E
P
R T CH
Metodologia Científica 3 1 4 72
Modelos de Gestão I 3 1 4 72
Língua Portuguesa I 3 1 4 72
Cristologia 3 1 4 72
História das Organizações e Movimentos Populares 3 1 4 72
Seminário Temático I 1 1 2 30
TOTAL 16 6 22 390
2º PERÍODO
Disciplina
T
E
P
R T CH
Antropologia Cultural 3 1 4 72
Informática Aplicada à Gestão 3 1 4 72
Direitos Humanos 3 1 4 72
Bíblia Sagrada 3 1 4 72
História da Economia e da Política 3 1 4 72
Seminários Temáticos II 1 1 2 30
TOTAL 16 6 22 390
76
3º PERÍODO
Disciplina
T
E
P
R T CH
Fundamentos de Política e Direito 3 1 4 72
Abordagem Sociopolítica da Sociedade Contemporânea 3 1 4 72
Modelos de Gestão II 3 1 4 72
Língua Portuguesa II 3 1 4 72
Pluralidade Cultural 3 1 4 72
Seminários Temáticos III 1 1 2 30
TOTAL 16 6 22 390
4º PERÍODO
Disciplina
T
E
P
R T CH
Direito Trabalhista e da Seguridade Social 3 1 4 72
Oratória 3 1 4 72
Fenomenologia da Religião e História da Teologia 3 1 4 72
Gestão Social e Desenvolvimento Sustentável 3 1 4 72
Associativismo e Cooperativismo 3 1 4 72
Seminários Temáticos IV 1 1 2 30
TOTAL 16 6 22 390
5º PERÍODO
Disciplina
T
E
P
R T CH
Matemática Financeira e Negociação 3 1 4 72
Gestão Estratégica de Pessoas 3 1 4 72
Doutrina Social 3 1 4 72
Fundamentos da Bioética 3 1 4 72
Legislação Eleitoral e Reforma Política 3 1 4 72
Seminários Temáticos V 1 1 2 30
TOTAL 16 6 22 390
6º PERÍODO
Disciplina
T
E
P
R T CH
Empreendedorismo e Marketing Social 3 1 4 72
Estágio Supervisionado 3 1 4 72
Ética Pessoal e Profissional 3 1 4 72
Educação Popular 3 1 4 72
Trabalho de Conclusão de Curso – TCC 3 1 4 72
TOTAL 15 5 20 360
TOTAL GERAL 95 35
13
0
231
0
Fonte: Instituto de Fé e Política de Cáritas da Diocese de Amargosa/BA. Projeto de solicitação do curso de
extensão em tecnologia em gestão de organizações e movimentos populares de base. 2008.
O currículo tem um eixo que é fundamental em favor da acolhida e dos anseios para a
consciência, a luta e a organização dos trabalhadores e trabalhadoras; e por outro lado algo mais
flexível, adaptável às diversas circunstâncias da atualidade da agenda política, cultural,
econômica, jurídica, trabalhista e das adversidades dos distintos contextos da complexidade
humana.
77
Dessa maneira, quando se trata desse sentido cristão e humanista da educação, o
documento de Medellin (1968, p. 28-29) propõe uma educação libertadora dentro desse
processo histórico de Educação Popular.
Nuestra reflexión sobre este panorama nos conduce a proponer una visión de
la educación más conforme com el desarrollo integral que propugnamos para
nuestro continente; la llamaríamos la "educación liberadora"; esto es, la que
convierte al educando ensujeto de su próprio desarrollo. La educación es
efetivamente el medio clave para liberar a los pueblos de toda servidumbre y
para hacerlos ascender "de condiciones de vida menos humanas a condiciones
más humanas" [PP 20], teniendo em cuenta que el hombre es el responsable y
el "artífice principal de su éxito o su fracaso". [...] Para ello, la educación en
todos sus niveles debe llegar a ser creadora, pues ha de antecipar el nuevo tipo
de sociedad que buscamos en América Latina; debe basar sus esfuerzos em la
personalización de las nuevas generaciones, profundizando la conciencia de
sudignidad humana, favorecendo su libre autodeterminación y promovendo
su sentido comunitario. [...] Debe, finalmente, capacitar a las nuevas
generaciones para el cambio permanente y orgánico que implica el desarrollo.
Esta es la educación liberadora que América Latina necesita para redimirse de
las servidumbres injustas y, antes que nada, de nuestro propio egoísmo. Esta
es la educación que reclama nuestro desarrollo integral.
Nessa conjuntura, desenvolvendo essas propostas teórico-metodológicas, o Instituto de
Fé e Política de Amargosa acaba promovendo uma educação crítica. Uma educação que gere o
desenvolvimento de aprendizagens para a apreensão da realidade. “Hoje mesmo, já sentimos a
necessidade de repensar este currículo, pois muitos elementos que ontem eram pertinentes hoje
já são outros. Agora mesmo, todo o trabalho no Instituto será para a adequação da urgência de
um Projeto Popular para a Reforma Política”, diz o fundador do Instituto.
Em relação aos professores que ministram os módulos, no Instituto de Fé e Política da
Cáritas Diocesana de Amargosa, Pe. Neivaldo esclarece que são as comunidades, os sindicatos,
os partidos que indicam, apresentam e mantêm os indicados mediante alguns critérios que o
Instituto apresenta. Normalmente são candidatos de uma experiência na militância que já
tenham concluído no mínimo o 2º Grau. Alguém disposto a manter uma regularidade na
participação. Assim nos conta:
Quanto aos professores, são pessoas que ademais de dominarem um
conhecimento específico estão quase sempre em comunhão com os
movimentos sociais, com um pensar de uma sociedade onde o mercado não
seja ditador das normas das relações sociais, culturais, políticas e humanas a
ponto de escravizá-las. São pessoas que têm história de militância ou
proximidade com as grandes questões sociais e almejam a participação
popular nas decisões políticas, econômicas, sociais. E... homens e mulheres
que também se dispõem para o trabalho voluntário, pois não há nenhum tipo
78
de remuneração para os que lidam neste espaço de formação teológica e
política (Pe. NEIVALDO, entrevista realizada em 2017).
Partindo desse pressuposto, se isto se faz sem relação com um processo organizativo,
toda a metodologia torna a ser do tipo “bancária”, opressora, alienante. Por mais que seu
conteúdo seja de cunho libertador, não se pode conseguir o objetivo que os militantes cristãos
criem seus próprios meios caracterizados por suas experiências de pedagogia popular crítica.
Nesta clara relação entre professores e alunos do Instituto de Fé e Política, exige-se que
a educação deixe de ser um trabalho de educador sobre os educandos numa aspiração
gnosiológica tendo como finalidade uma educação dialógica, crítica e libertadora, como
assevera Paulo Freire (2016, p. 118) em sua Pedagogia do Oprimido.
A educação que se impõe aos que verdadeiramente se comprometem com a
libertação não pode fundar-se numa compreensão dos homens como seres
vazios a quem o mundo “encha” de conteúdos, não pode basear-se numa
consciência especializada, mecanicistamente compartimentada, mas nos
homens como “corpos conscientes” e na consciência como consciência
intencionada ao mundo.
Após Freire afirmar que a educação bancária não se configura dentro de uma perspectiva
de educação crítica e libertadora, o autor explicita a importância da problematização dos
homens frente ao mundo, ao afirmar que “é a práxis, que implica ação e reflexão dos homens
sobre o mundo para transformá-lo” (FREIRE 2016, p. 118).
Aí se define o papel fundamental da problematização: oferecer aos educandos a
perspectiva de irem se exercitando na prática diária de pensar criticamente para que possam
tirar suas próprias explicações e interpretações dos fatos. Sendo assim, a função do professor
se torna importante nesta compreensão de educação, problematizando e desenvolvendo uma
inclinação para a leitura crítica do mundo.
Uma experiência assim só torna evidente a apreensão de que a fé e a ação política
somente entram em relação correta e fecunda através da ideação de um novo tipo de sujeito
histórico em uma sociedade. O Instituto é um espaço em que há um compromisso em juntar-se
para partilhar as distintas experiências, os diversos conteúdos, e também de partilhar suas
dificuldades e desafios.
Num processo educativo sério está implícito um monte de obstáculos quando
se refere à formação onde os que são capacitados... são por vocação,
ideologia... e... convicção, e também reconhecedores da necessidade para
melhor ser sal, ser luz dentro de uma sociedade que mais se direciona para
79
obscurecer os mais fracos. Quando se tem um governo como o nosso, filho,
golpista... impopular e destruidor das políticas sociais, isso é grave e é o que
dificulta nossa luta, mas para nós, os empecilhos se convertem e são esses
desafios que dão sabor à luta e às vitórias que seguramente advirão. Aí está
verdadeiramente, como te disse, a importância da política na educação (Pe.
NEIVALDO, entrevista realizada em 2017).
Para o fundador, um dos principais obstáculos que travam os avanços do Instituto de Fé
e Política são as medidas do atual governo Michel Temer, no qual a Instituição está fortemente
ameaçada devido à falta de recursos que sustentam o projeto. Atualmente, a queda do presidente
Temer, antes mesmo que chegasse às próximas eleições, é um desejo unânime da maioria dos
brasileiros que estão nas ruas na superação das políticas neoliberais que o governo impõe.
As inúmeras denúncias de corrupção só reforçam a ilegitimidade desse governo. Um
governo que não foi eleito democraticamente e está gerando a maior retirada de direitos da
história do país. De qualquer forma, diante dos atuais retrocessos deste governo, uma série de
ações pela democratização e fortalecimento dos movimentos sociais continua intrépida.
A partir desta análise, vê-se claramente que o momento histórico por que muitos
brasileiros estão passando, principalmente os setores populares, exige-se de suas lideranças
reflexões profundas sobre esta realidade a fim de que a consciência resulte numa inserção sobre
ela. Uma inserção, como dizia Freire, crítica, comprometida com o povo, com o homem
concreto.
Neste ponto, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), representante
principal da Igreja Católica no país, vem repudiando os esquemas neoliberais do governo de
Michel Temer desempenhando um papel importante na articulação da sociedade civil, com
ONGs, Igrejas, movimentos pastorais e demais instituições sociais.
O pensamento político da Igreja é refletido, também, em textos-base da Campanha da
Fraternidade orientada todo ano pela CNBB, que é aplicada ao contexto hodierno do Brasil sob
a dimensão da fé e política, que neste ano de 2018 tratou sobre: Fraternidade e superação da
violência, tendo como lema “Em Cristo somos todos irmãos (Mt 23,8)”, configurando-se
como uma proposta de crítica social para promoção do bem comum.
Essa intencionalidade conscientizadora da CNBB só será garantida a partir da prática,
na qual o conhecimento aparece numa perspectiva transformadora, substituindo uma visão
fetichizada e ingênua da realidade por uma visão crítica.
Considerando a situação tétrica em que o Brasil está vivendo, não é motivo para
comemorarmos. Mas, pelo contrário, exige-se muita luta e múltiplas estratégias para enfrentar
80
esses desmontes, uma vez que essas perdas já fazem parte da realidade de muitos trabalhadores,
quer seja na educação e/ou nos direitos trabalhistas.
Nesses tempos de práticas capitalistas e impopulares do governo Temer, um dos maiores
desafios é ir de encontro a essas forças políticas neoliberais e desumanizadoras que o país vive.
Com todo esse desmonte dos direitos sociais, o fundador do Instituto nos leva à compreensão
de que é extremamente importante a participação do povo e sua presença diretiva nos processos
sociais.
No entanto, como “não há bônus sem ônus”, todos se articulam, pois, os desejos de
mudanças sociais são muito vivos e continuam presentes na vida dos cristãos. E quando alguém
é ameaçado a ficar fora por não reunir forças suficientes, a solidariedade é o compromisso e
marca da maioria dos que fazem parte desse Instituto de Fé e Política.
Contudo, também não podemos negar que ao falarmos de cristãos, não podemos
generalizar, já que atualmente uma onda neoconservadora toma conta de uma grande parte
deles. Daí a importância de processos educativos que acolham a perspectiva crítica dessa
realidade, como a Educação Popular. É sobre ela e a força dos movimentos sociais que nos
debruçaremos no capítulo a seguir.
81
4 PEDAGOGIA DA LIBERTAÇÃO E SUA PRÁXIS: QUANDO A FORMAÇÃO
TAMBÉM TRANSFORMA A AÇÃO
O presente capítulo tem como escopo analisar a prática dos egressos do Instituto de Fé
e Política de Amargosa, problematizando os dados coletados através das entrevistas realizadas
com os mesmos concomitantemente estabelecendo relações com as referências bibliográficas
apresentadas neste estudo. Dentro deste capítulo, discutiremos algumas categorias básicas da
Educação Popular como práxis, conscientização e relação teoria e prática, que direcionam seus
fundamentos a uma educação crítica e transformadora. Seguimos abordando a partir do método
dialético, tendo em vista a importância de compreender o fenômeno em estudo não só
historicamente, mas também, buscando entender suas contradições. Neste prisma, lançamos um
olhar reflexivo sobre a atuação do egresso com a formação recebida no curso de fé e política,
identificando as possíveis contribuições do curso para a ação dos mesmos em suas áreas de
atuação.
4.1 Do contexto prático ao contexto teórico: a busca da formação para se pensar a prática
Como vimos nos capítulos anteriores, a Instituição educativa de Fé e Política, que se
formou em Amargosa, fez-se extremamente importante por integrar uma diversidade de pessoas
que atuam em sindicatos, pastorais sociais e demais espaços políticos, uma vez que esta
instituição busca fortalecer junto a esses sujeitos sociais a construção de espaços de participação
democrática e transformação social.
Uma das finalidades fundamentais deste centro educativo era que fosse um espaço
diferenciado para a contribuição na qualidade da atuação dos profissionais nos diversos
movimentos populares de base, empoderando-os para a construção de uma sociedade mais justa
e igualitária.
Como já mencionamos, os sujeitos da pesquisa, antes de participarem do curso
formativo, já exerciam suas práticas nas comunidades, até porque muitos desses ativistas
procuram capacitações metodológicas e pedagógicas capazes de fortalecer o seu processo
organizativo na intenção de compreender a sua realidade a fim de melhorar sua prática. Apesar
desses sujeitos terem adquirido conhecimentos teórico-práticos no interior de movimentos
pastorais da Igreja Católica, eles nos contaram quais foram seus interesses e expectativas em
participar de um curso voltado para a organização de movimentos populares de base. Vejamos
seus depoimentos:
82
Voltar a participar do Instituto era uma forma de trocar experiências, ganhar
formação e ganhar ânimo para continuar militando. Então, meu objetivo era
esse. Sabendo que o Instituto dava a formação para você e cobrava
perseverança, diálogo, capacidade, honestidade. E como eu já estava
militando na política também nesse período, Padre Neivaldo já cansou de dizer
que aquilo era o centro de formação para você perceber que ao você militar
no movimento social, nas instituições, na organização do povo e na política
tem muitos laços e você tem que estar preparado, uma delas é a questão da
corrupção. Então você precisava estar preparado para isso porque volta e meia
iria aparecer para lhe corromper, lhe tirar do caminho e o Instituto dava essa
formação. Te preparava para vencer isso. (ENTREVISTADO Nº 3)
Olha, na realidade foi pelo fato de toda minha formação teológica. Ela ter sido
voltada para os movimentos sociais, então desde minha infância, de meus 12
anos lá no sertão da Bahia, a gente já tinha uma vida voltada para o sindicato,
às associações e movimentos, sobretudo em minha região, que tinha muita
questão de “fundo de pasto”, então existia muitos conflitos agrários.
(ENTREVISTADO Nº 2)
As minhas expectativas e interesses de participar de uma formação voltada
para organização e movimentos populares da base se dá no momento
exatamente que a gente precisa trocar experiências com outros companheiros
de organização de toda a região, uma expectativa muito boa de passarmos
também as nossas experiências e nos capacitarmos para estarmos à frente de
uma gestão por exemplo de uma presidência da câmara. (ENTREVISTADO
Nº 1)
Então! Eu já tinha este espírito dentro mesmo do movimento, mas o que a
gente precisa é de uma base, base teórica, foi o que estava faltando, então o
Instituto ele veio a calhar, então veio respaldar todo esse movimento com a
base... para não ficar solto, porque, né? Pega daqui você só na prática, então
no caso... que o Instituto veio favorecer para mim e para os outros alunos, foi
a base teórica, que viu a teoria e também fomos para a prática, sendo que a
gente sabe que a teoria não se separa da prática. (ENTREVISTADO Nº 4)
A diferença é sempre buscar a capacitação, né? Quanto mais você participa de
curso, você adquire conhecimentos para que você possa tá melhorando sua
atuação nos espaços onde você ocupa. O interesse é o de você se aprimorar
para contribuir no espaço em que você atua. [...] O Instituto foi uma porta que
nos abriu muita coisa, o estudo, a troca de experiência, mas que também
tivemos outros momentos de formação que isso tudo vai nos enriquecendo
para atuação, né? Como eu participo de sindicato, a gente tá sempre
participando de formações, também veio a questão do curso de serviço social
que tô fazendo... isso vai lhe aprimorando. Mas como eu vim do sindicato,
acho que a base maior de minha iniciação política é o sindicato
(ENTREVISTADO Nº 5).
De modo geral, as falas desses entrevistados indicam que todos já tinham uma atuação
política antes do curso do Instituto, mas que estavam buscando conhecimentos para estarem
qualificados e atualizados no aprimoramento de suas atividades práticas, fortificando sua
militância e clareando suas vicissitudes da organização social. Pois através dessas atividades
83
eles aprofundam os conhecimentos adquiridos na prática que são requisitos para o bom
desempenho em seus processos de organização e militância. Outra observação que podemos
destacar é o fato deles reconhecerem que a relação teoria e prática caminham juntas,
demonstrando amadurecimento intelectual e político.
Vários movimentos católicos, de comunidades, sindicatos e associações, em especial as
áreas de atuação dos egressos pesquisados, são lugares que aplicam técnicas e desenvolvem
especiais metodologias no âmbito da educação popular. Nesse processo, os sujeitos
entrevistados acham fundamental sua inserção participativa na sociedade. Ancorados nessa
perspectiva, percebem na educação um instrumento essencial para contribuir com o processo
de transformação da realidade concreta.
Para os entrevistados nº 1, 2 e 3, fazer o curso no Instituto de Fé e Política significava a
busca de uma melhor capacitação para dar subsídios às suas práticas sociais. A vivência e o
contato com questões relacionadas à corrupção e a outros conflitos no interior dos seus
movimentos, levaram-nos a buscar uma educação que possibilitasse uma nova postura frente
aos problemas de seu tempo e de seus espaços de atuação.
Esse tipo de educação que possibilite o homem adquirir um discurso problematizador
perante as adversidades é também apresentado por Freire (1979c) em Educação como Prática
de Liberdade, que defendia que a transformação da sociedade também passa por uma reforma
subjetiva do homem, nesse sentido, apresentando-lhes uma educação que “o advertisse dos
perigos de seu tempo para que conscientes deles, ganhasse a força e a coragem de lutar (...).
Educação que o colocasse em diálogo constante com o outro. Que o predispusesse a constantes
revisões” (FREIRE, 1979c, p. 89-90).
A partir dos depoimentos dos entrevistados, participar de um processo educacional que
priorize a realidade foi sem dúvida um fator motivacional, pois enxergaram no Instituto, um
tipo de educação que dialoga com a realidade concreta, que imprime um processo dialético
entre a consciência humana e a estrutura da sociedade, direcionando a formação do curso como
um fator elementar para a mudança das estruturas, como ficou explícito no desejo de um dos
entrevistados. “Uma expectativa muito boa de passarmos também as nossas experiências e nos
capacitarmos para estarmos a frente de uma gestão, por exemplo, de uma presidência da
câmara”. Não só nessa fala como em outras é possível enxergarmos que além de aprender eles
também queriam contribuir com o curso expondo suas experiências, refletindo, assim, a visão
dialógica e conscientizadora da Educação Popular.
Para Francisco Gutierrez (1988), o homem que se conscientiza no envolvimento com
sua realidade é sempre um sujeito em movimento. O autor afirma que esse trabalho organizativo
84
orientado por um pensamento crítico “não mais se trata, portanto, de um método pedagógico,
mas de um projeto histórico onde a educação deixa de ser abstração” (GUTIERREZ, F., 1988,
p. 54).
Abordagens sobre a relação da teoria e prática também foram relatadas pelos sujeitos
nas entrevistas. O entrevistado nº 4 acha que dentro desse processo pedagógico, a teoria é muito
importante para respaldar as ações que desenvolve no movimento social. Pois é “no contexto
teórico, tomando distância do real, que assumimos a posição de sujeitos cognoscentes e
chegamos ao conhecimento verdadeiro” (DAMKE, 1995, p. 91).
De forma paradoxal ao pensamento do autor, muitos grupos, movimentos de base,
partem da ação e permanecem na ação. Preocupam-se em desenvolver atividades e ações, mas
não param para refletir sobre sua própria prática, e por não refletirem acabam caindo num
ativismo, o que faz com que muito movimentos se desestabilizem.
Nesse contexto, Freire (2016) já nos adverte, partindo do pressuposto de que a educação
não se dá de forma verbalista ou ativista, mas sim pautada na perspectiva dialógica de reflexão
e ação. Fundamentalmente, essa proposta freireana se caracteriza pela busca de um
conhecimento mais científico para explicar os fatos da realidade como um todo para poder
transformá-la, sendo o homem um ser da práxis.
Como dissemos antes, a partir dos depoimentos dos entrevistados, podemos afirmar que
todos, a priori, adquiriram saberes para sua militância, antes mesmo de ingressarem no Instituto
de Fé e Política pelo contexto do seu trabalho. Porém, o que deixou claro nos depoimentos a
seguir foi que esses saberes não asseguravam uma melhor atuação prática. Assim, os
entrevistados compreendem que o saber é limitado, o que fez com que alguns recorressem a
outros cursos e formações em busca da teoria.
Para nós é importante ter essa formação teórica. Então essa capacidade das
pessoas ter uma avaliação crítica de passar isso de forma teórica e a gente
perceber no dia a dia (...), a nossa caminhada ela só vai ter sabor quando a
gente juntar a fé e vida, então a gente precisava ter esta parte teórica, mas a
gente precisava perceber isso no dia a dia nosso, aonde está ligado uma coisa
à outra? Então a teoria com a prática que a gente tinha, a gente conseguia
juntar para a gente perceber qual era nossa tarefa no dia a dia.
(ENTREVISTADO Nº 3)
Eu acho a teoria muito importante. Porque no momento que você está na
teoria, você adquire conhecimento no qual você ainda não era portador e só se
torna relevante quando você pega isso aí e põe na prática né, na sua trajetória,
na sua caminhada. (ENTREVISTADO Nº 5)
A prática é importantíssima, mas a teoria também, porque isso ali dá base, dá
sustentação, conhecimento, cada vez que você se aprofunda que você vai
85
buscar teóricos, teorias que trata daquele assunto, você parte para o campo
com mais segurança, com mais firmeza. (ENTREVISTADO Nº 1)
Para mim tem sido muito importante. Porque se você não tem conhecimentos
teóricos, dificilmente você desenvolverá prática de qualidade, entendeu?
Então uma coisa sempre depende da outra, eu acho que foi. Foi não, tem sido
fundamental para os meus trabalhos para as minhas seções, junto ao
movimento, junto a cada dia que passa graças à oportunidade que tive de ter
esse conhecimento teórico dentro do Instituto. (ENTREVISTADO Nº 2)
A partir do momento em que o movimento ou grupo se engaja e reflete sobre sua ação,
vai percebendo a necessidade de formação mais teórica e planejada. Pois, “na Educação
Popular, a prática não fala por si mesma. Assim, qualquer fato prático carece de análise e
interpretação. (...) O critério de verdade está na prática, mas só após uma interação da abstração
ou da teoria sobre essa prática mesma” (MELO NETO, 1999, p. 57).
Enfim, diante das expectativas e interesses que levaram os mesmos a ingressarem no
Instituto de Fé e Política de Amargosa, podemos dizer que todos os entrevistados acreditavam
que o ingresso na Instituição possibilitaria o avanço significativo nas lutas dos movimentos de
que participavam através da fundamentação teórica que não tinham. Mas não uma simples
teoria. Eles acreditavam que o Instituto como um espaço de conhecimento os capacitaria
teoricamente para a elaboração de práticas sociais mais críticas e conscientes, daí o próximo
tópico abordar acerca das práticas dos egressos após o curso.
4.2 Prática-Teoria-Prática, a mesma palavra, diferentes ações: mudanças dos educandos
a partir da formação recebida
Atualmente, os processos pedagógicos que promovem uma formação na ação não são
elaborados de qualquer forma. Isto porque se pressupõe uma proposta que una a teoria com a
ação. Os cursos que utilizam estes modelos de formação na ação sempre partem da realidade
concreta. Ao contrário de uma “educação bancária”, estimulam maior participação dos
cursistas, ou seja, uma educação libertadora. Tomando-se como base Freire (2016, p. 127):
Enquanto a educação “bancária” dá ênfase à permanência, a concepção
problematizadora reforça a mudança. Deste modo a prática “bancária”,
implicando o imobilismo a que fizemos referência, se faz reacionária,
enquanto a concepção problematizadora, que, não aceitando um presente
“bem-comportado”, não aceita igualmente um futuro pré-dado.
86
Em outras palavras, Freire considera esse tipo de educação como um ato de “depositar”,
em que as informações e conteúdos são transferidos do professor para o aluno que é desprovido
de conhecimento. Ao contrário desta concepção de educação, o autor propõe uma educação
como prática de liberdade em que “ao contrário daquela que é prática de dominação, implica a
negação do homem abstrato, isolado, solto, desligado do mundo, assim como também a negação
do mundo como uma realidade ausente dos homens” (FREIRE, 2016, p. 123).
Ao abordar como se dá esse processo educativo libertador, Damke (1995, p. 84) não
desconsidera a educação humanista pautada num caráter científico. Em suas palavras,
É preciso deixar claro que a pedagogia libertadora não dispensa os conteúdos
escolares, nem o rigor científico, tampouco a autoridade do educador o a
diretividade do processo. Ao contrário, esses são elementos considerados
fundamentais, necessários ao processo educativo como ato de conhecimento
e como processo libertador.
A perspectiva freireana de Educação Popular também não exclui os saberes científicos,
na verdade os soma com os saberes populares, sendo exatamente essa articulação que permite
uma educação mais humanizada, crítica e dialógica.
Ao observarmos a Matriz Curricular do Curso de Extensão em Tecnologia em Gestão
de Organizações e Movimentos Populares de Bases do Instituto de Fé e Política de Amargosa
(Quadro 3 do Capítulo terceiro), notamos que ela imprime bem esta perspectiva de educação
libertadora apresentada pelos supracitados autores. Antropologia Cultural, História da
Economia e da Política, Direito Trabalhista e da Seguridade Social, Meio Ambiente, são
sugestões que direcionam a possibilidade de se estabelecer uma sociedade na qual os sujeitos
se tornem agentes de sua própria história. Assim, podemos perceber esta relação da teoria
estudada no Instituto com a vida na comunidade sobretudo nas falas dos entrevistados nº 1 e nº
2, respectivamente:
Então, a nossa percepção em relação a teoria estudada no Instituto com a vida
na comunidade ela ficou muito clara para nós, principalmente no que se refere
à questão dos projetos que estavam sendo colocados no Brasil e que há cerca
de 500 anos eles já existem. É um projeto que inclui as pessoas, que garante a
distribuição de renda, que garante a emancipação do cidadão e o outro projeto
que só pensa na questão do econômico, a economia está em primeiro lugar;
então quando a gente vai para a comunidade que vê um depoimento das
pessoas dizerem que com as conquistas que tiveram mudou de vida, melhorou
de vida, para a gente estava um pouco sendo colocado em prática tudo aquilo
que nos vivenciamos. (...) Ou seja, o que nós aprendemos na teoria no instituto
fé e política passava a acontecer na prática da vida das pessoas e mudava para
melhor a vida das pessoas, esse é o grande legado dessa nossa história de
87
formação política sindical associativista, mas sobretudo uma formação das
comunidades eclesiais de base.
São duas coisas interessantes para mim: a teoria e a prática, duas coisas
necessárias, porque você não precisa ter só a questão da prática, você tem que
ter o conhecimento também, né? Lhe dá muita segurança naquilo que você
está fazendo (...) Na medida que você vai estudando, você está inserido na
vida da comunidade, junto do movimento, muitas vezes você se depara com
situações que você não consegue decifrar, não fica muito claro, você meio
como sem saída, quando você tem um conhecimento, digamos assim, o
conhecimento mesmo, através dos livros, dos estudos, conhecimentos
técnicos, teóricos, você consegue enxergar isso com mais nitidez e consegue
também buscar saídas. Agora mesmo eu estava numa reunião com mais de 80
mães lá da creche aonde eu estava, donde a gente coordena mais de 18 anos e
eu estava justamente dando uma palestra, então se você não tiver um
conhecimento teórico dificilmente você vai transferir aquilo para uma prática
junto de um pessoal; agora mesmo fui convidado a participar com o pessoal
da UFRB, alunos da UFRB, para vir dar uma palestra sobre a questão do meio
ambiente aqui no bairro aonde a gente está. Então se a gente não tivesse
habilidades e conhecimentos teóricos dificilmente você passaria isso na
prática.
A partir das falas dos entrevistados, percebemos que na medida em que eles vão
compreendendo os fenômenos reais de sua localidade, os temas são aprofundados. Nessa
aspiração, é no contexto teórico, por meio do diálogo e das reflexões junto à comunidade que
conseguem estabelecer um pensamento para poderem desvelar a realidade. Fica evidente nas
entrevistas o papel de quem está vinculado aos movimentos populares, que nada mais é do que
refletir junto com a comunidade sobre suas experiências no intuito de sistematizá-las para que
o povo, aberto a novas formas de captação da realidade, desperte o senso crítico e a consciência
de serem sujeitos capazes de transformar o seu meio.
Dentro desse princípio, Freire (2016, p. 75) ainda traz o conceito de práxis e considera
a educação como conhecimento crítico. Pois somente através dessa consciência crítica é que as
classes populares se apropriarão da política e se organizarão para instaurar a práxis
transformadora. Nesse sentido, “a práxis, porém é reflexão e ação dos homens sobre o mundo
para transformá-lo. Sem ele é impossível a superação da contradição opressor-oprimidos”.
A partir dessas reflexões, fica evidente que os egressos do Instituto de Fé e Política de
Amargosa adotam a totalidade como categoria para interpretar seu contexto real. Sendo assim,
de acordo com Hurtado (1992, p. 48),
Assim, pois, uma “metodologia dialética” é o caminho adequado que nos
permite ter como “ponto de partida” do processo a prática real da organização
transformando sua realidade; este partir da prática será levado
sistematicamente a novos níveis de compreensão, isto é, a processos de
88
abstração da mesma realidade que nos permita compreendê-la, de maneira
diferente, em sua complexidade histórica e estrutural, para então projetar as
novas ações transformadoras de uma maneira mais consciente e sobretudo, de
acordo com uma teoria que nos ajude a conhecer as leis históricas, permitindo-
nos avançar mais adequadamente dentro de uma visão estratégica, que situa e
supera um mero ativismo [...].
Nos movimentos sociais, sindicatos, organizações, os egressos pesquisados apontam a
importância de haver uma reciprocidade entre a teoria e a realidade, na intenção de descobrirem
os fatos sociais de seu meio através do contato com a prática. Nessa compreensão, na condição
de militantes passariam de uma ação crua e simples para uma ação fundamentada, refletida e
inovadora, conforme percebemos claramente na fala do entrevistado nº 1 que diz:
A formação que recebi no Instituto me ofereceu subsídios para atuar na
comunidade em que atuo. Então isso foi muito importante. Claro que foi
importante! Porque quando você atua de uma forma qualificada com ideias
novas, com pensamentos voltados ao interesse comum, você termina sendo o
contraponto daquelas discussões [...] O estudo dos movimentos que
aconteceram antes e depois do descobrimento do Brasil, exemplo das ligas
camponesas, a luta daquele povo, daquela época e nos nossos grandes
guerreiros da história e muitos ligados à igreja, muitos ligados à questão dos
negros, a exemplo de Zumbi de Palmares, então tudo isso nos possibilita a
termos uma atuação na vida comunitária na vida política. [...] Em tudo que
nós recebemos essas formações, essas orientações numa visão macro que a
escola não ensina, colocando os fatos de uma forma real da história do nosso
país e dos movimentos da própria igreja. Isso possibilitou o diferencial nos
lugares onde a gente atua, inclusive valorizando a teoria para colocar em
prática aquilo que a vida em comunidade nos orienta. Então eu consegui ver
em mim mesmo essa percepção de diferença, mas também quando a gente
chegar na comunidade, a percepção da comunidade também era diferente [...].
O entrevistado, nesta ocasião, chama a atenção para a importância da teoria estudada na
Instituição. O debate de assuntos históricos é marcante, pois ao se encontrar em um processo
de construção de conhecimento, e ao se deparar com as contradições de sua localidade, encontra
na formação teórica orientações para superar as aparências da comunidade, assumindo, assim,
uma concepção dialética como metodologia cuja esquematização seja: “1) Partir da prática dos
educandos; 2) Teorizar sobre esta prática a fim de romper com as aparências; 3) Voltar a esta
prática com uma nova visão para transformá-la” (GUERRIERI, 1994, p. 60).
Para melhor entendimento, Hurtado (1992) apresenta esse esquema de forma mais
detalhada a partir da formulação “prática-teoria-prática”. Segundo o autor, a primeira fase
apresenta como ponto de partida um esforço de analisar as ações que os grupos realizam
procurando fazer um autodiagnóstico das práticas sociais. A segunda fase é caracterizada pelo
avanço dos níveis de compreensão da realidade sem se distanciar dela.
89
É importante fazermos uma pausa aqui para observarmos na fala do entrevistado nº 1
quando diz: “isso possibilitou o diferencial nos lugares onde a gente atua, inclusive valorizando
a teoria para colocar em prática aquilo que a vida em comunidade nos orienta, [...] mas também
a gente chega na comunidade, a percepção da comunidade também era diferente”.
O egresso do Instituto de Fé e Política entende que a teorização não se dá de forma tão
simples. Em relação a esta teorização a partir da prática, para Hurtado (1992), é um avanço
significativo no conhecimento da realidade. O autor afirma que “deixa de ser uma mera
“compreensão” do que acontece, para converter-se em um instrumento ativo de crítica nas mãos
das classes populares que permitirá dirigir a história para o que deve acontecer” (HURTADO,
1992, p. 54).
Assim, a terceira fase da teoria dialética, a volta à prática para melhorar de forma
coletiva a prática social, ou seja, através do embate da teoria com o contexto concreto, criam
uma nova prática. Assim, os egressos estabelecem essa concretude da teoria nas suas ações. A
partir das lições teóricas dos módulos reconhecem que puderam melhorar sua ação junto às
organizações.
Acompanhando os discursos desses entrevistados, observamos, também, que noções de
“consciência crítica”, “conscientização”, que são categorias da Educação Popular, aparecem
muito nas práticas dos mesmos. Os egressos ainda afirmam que a experiência que tiveram no
Instituto de Fé e Política, tem contribuído para o desenvolvimento das suas atividades junto ao
povo, embora um dos egressos tenha ressaltado que a formação do curso contribuiu para que
ingressasse no ensino superior. Observemos o que dizem alguns entrevistados:
Eu estava frisando neste instante a gente que trabalha junto aos movimentos
sociais quanto mais as pessoas são fracas, quando digo assim, sem poderes
aquisitivos, educacionais, a dificuldade de despertar para sua autonomia, para
a sua digamos assim, para construir a sua história é muito difícil, a minha vida
tem sido muito dedicada às comunidades mais ligadas à periferia, aos bairros
populares e para mim os subsídios, o conhecimento adquirido no instituto de
fé e política ele me deu a certeza, a convicção de que a gente precisa enquanto
cidadão consciente estar com os pés no chão inseridos, junto à comunidade.
(ENTREVISTADO Nº 2)
O curso de fé e política, ele teve uma relevância muito grande né, por que
mostra que a gente enquanto líder comunitário, militante da igreja, que a gente
tem a missão de não apenas ficar na oração, mas também ter a ação enquanto
militante de movimentos sociais, da igreja, e aprimorar nossos conhecimentos
a partir do curso, para que a gente possa ter uma ação mais clara, mais objetiva
dentro dos espaços que a gente ocupa na igreja, nossas funções nos sindicatos.
Então, o curso ele dá esses subsídios muito bons para que você tivesse uma
atuação mais qualificada, pra conscientizar as pessoas como um crescimento
pessoal também. (ENTREVISTADO N°5)
90
Primeiro eu digo assim, eu entrei no instituto e tinha muita vontade mesmo,
vontade, vontade não, necessidade de que eu tinha que fazer um curso
superior, eu adquiri essa consciência no Instituto. Então a gente fez uma
seleção e eu já estava no instituto, o instituto me deu a base que eu fui a
primeira colocada, deixando para trás pessoas que já tinham pós-graduado e
tudo, então em Taperoá eu fui a primeira colocada nos cursos, eu passei para
história [...] então o instituto, quer dizer a base que ele me deu das, dos teóricos
fez com que eu desempenhasse muito bem a minha na avaliação da seleção na
qual eu participei, então isso deu base, sustentação como docente de história
para ajudar na consciência das pessoas. (ENTREVISTADO Nº 4)
A pedagogia da libertação de Freire se estabelece como um dos elementos centrais da
teoria da conscientização. Para ele só será possível a mudança da sociedade se o homem
começasse mudando a si mesmo, libertando-se, assumindo uma posição histórico-crítica no
processo de transformação da sociedade. Ademais, cabe ressaltar que para Freire, a
conscientização
Não pode existir fora da “práxis”, ou melhor, sem o ato ação-reflexão. Essa
unidade dialética constitui, de maneira permanente, o modo de ser ou de
transformar o mundo que caracteriza os homens. Por isso mesmo, a
conscientização é um compromisso histórico. É também consciência histórica;
é inserção crítica na história, implica que os homens assumam o papel de
sujeitos que fazem e refazem o mundo. Exige que os homens criem sua
existência com um material que a vida lhes oferece (FREIRE, 1979a, p. 26).
Observamos que um dos objetivos dos militantes egressos é contribuir com o processo
de conscientização de membros de seus grupos por meio de ações concretas. Ações estas que
devem assumir como um compromisso histórico.
A conscientização implica, portanto, que, ao perceber-me oprimido, e saiba
que só me libertarei se transformar essa situação concreta em que me encontro
oprimido, e que não posso transformar essa situação em minha cabeça, porque
isso será idealismo no sentido filosófico da palavra [...] então a
conscientização implica o compromisso histórico de transformação (FREIRE,
1971)19.
O supracitado autor destaca, ainda, que “o processo de conscientização não deixa
ninguém de braços cruzados. É um processo que leva alguns a descruzar os braços” (FREIRE,
1971). Foi o que aconteceu com o entrevistado nº 4. Para além do fato de o egresso ter
ingressado no curso de Fé e Política, ele achava que fazendo um curso de nível superior em
história daria mais subsídios para atuar em sua comunidade. A fala do entrevistado revela
19 Fala de Paulo Freire na Conferência em Cuernavaca Morelos (México), no Centro Intercultural de
Documentação, em 1971 apud Torres (2014, 76).
91
também uma significativa contribuição do curso em sua vida, uma vez que a imersão no
conhecimento teórico fez com que tomasse uma posição frente às suas expectativas individuais.
Após o curso, os egressos entrevistados do Instituto de Fé e Política enfrentam o desafio,
juntamente com a classe trabalhadora, de fortalecer seu compromisso a favor das lutas pela
justiça e igualdade social. Nesse contexto, os trabalhadores vão analisando a realidade em que
se encontram. E para isso se exige um aprofundamento de sua consciência e, consequentemente,
de sua práxis. Assim sendo, “o trabalhador social não pode ser um homem neutro frente ao
mundo, um homem neutro frente à desumanização” (FREIRE, 1979d, p. 49). A neutralidade
não existe nem para os que se dizem ou acreditam neutros.
Como foi explanado nos capítulos anteriores, os sujeitos egressos do Instituto de Fé e
Política atuam em diversas organizações. Um misto de espaços que vão desde as pastorais
sociais a sindicatos urbanos e rurais, na aspiração concreta de atuar de forma refletida e
interiorizada com os sujeitos com quem trabalham. Na ocasião, foram questionados se
atualmente sua atuação nos movimentos de que participam é embasada pelo curso.
No Instituto, na questão política de movimento de entidade, o instituto ele veio
da uma base muito boa e quando a gente começa a falar da política para tratar
o que é a política e aí eu digo é... quando entrar com o mandato popular, frente
popular, né? E a gente está lá nos bairros periféricos com aquelas crianças
pesando, visitando que é a pastoral da criança, a gente está no sindicato
organizando, atualizar estatuto, fazer plano de carreira para o servidor, tudo
está embasado nos assuntos que vimos no Instituto; a gente consegue perceber
o que é a nossa fala, o nosso tratado não é igual de quem não teve uma base
dessa. [...] Tanto era que eu me despontei em todo o decorrer do curso de
história que foram 4 anos também. Dentro da universidade tinha essas
discussões também, política, social, né? Econômica. A gente sabia tratar, aí o
pessoal dizia: “Ah, mas você já tem prática”. Nem todo mundo sabia que eu
já tinha feito Instituto e eu ainda estava fazendo o Instituto também. Não tinha
concluído, mas isso me ajudou bastante. Me ajudou bastante o conhecimento
que veio de lá. (ENTREVISTADO Nº 4)
O depoimento do egresso nº 4 deixa claro que sua atuação no âmbito dos movimentos
sociais é embasada na formação do curso de Fé e Política. Essa afirmação se torna ainda mais
bem justificada ao falar das ações que desenvolve no interior dos espaços em que trabalha. Estar
fazendo “plano de carreira para o servidor”, “atualizar estatuto”, são práticas pedagógicas que
adquiriu na formação, que fazia com que, segundo o egresso, ficasse à frente dos que não
receberam a formação do curso.
Nesse depoimento, outro ponto relevante é que além de a formação do Instituto servir
para subsidiar sua prática social, o entrevistado diz que não teve dificuldades em alguns
92
conteúdos no momento em que fazia o curso de nível superior em História, pois o mesmo afirma
que as discussões envolviam política e economia, disciplinas vistas no curso de Fé e Política.
Assim como o entrevistado nº 4, o egresso nº 3 afirma que a formação foi muito
importante para estar atuando em sua comunidade, como também contribuiu para seu ingresso
no ensino superior. Notamos na fala dele que o diálogo é um dos principais elementos que
utiliza em sua prática. De acordo com Freire (2016, p. 135), “o diálogo é este encontro dos
homens, mediatizados pelo mundo, para pronunciá-lo, não esgotando, portanto, na relação EU-
TU”.
Se não fosse essa formação eu acho que não só eu, mas os outros já tinham
desistido da militância, se não fosse essa formação, essa caminhada. No dia a
dia nosso, para ter ideia eu voltei agora também a estudar, estou concluindo o
curso de direito, estou desenvolvendo um trabalho na secretaria de assistência
social e lá eu trabalho com muita gente pobre, porque eu trabalho na
coordenação de proteção especial, proteção básica e especial, então vou
descobrindo essas coisas e isso me dá condição e todo momento que eu chego
junto em grupo de jovens, mulheres, de negros... falar para eles que é
necessário que se organizem na associação [...] voltar a reorganizar a
associação de moradores do meu bairro, montar várias atividades.
(ENTREVISTADO Nº 3)
De fato, para Freire (1979d) e o egresso, o diálogo é uma exigência que se deve fazer
para a transformação, e que não deve se restringir somente a duas pessoas. Nas palavras do
autor, “a mudança não é trabalho exclusivo de alguns homens, mas dos homens que a acolhem.
O trabalhador social tem que lembrar a estes homens que são tão sujeitos como ele no processo
de transformação” (FREIRE, 1979d, p. 52).
Nessa aspiração o egresso declara:
[...] Eu tenho grupo de jovens organizado, eu tenho um grupo de mulheres
organizado, grupo de pessoas com deficiência organizado, grupo de idosos
fazendo atividades dentro da associação, estou com diversas atividades na
associação, de balé, de capoeira, hip hop. Música, chorinho; então a sede da
associação é efervescência a semana inteira, de dia e de noite, todo mês a gente
faz uma atividade de formação para as pessoas perceberem como é importante
está organizado. [...] (ENTREVISTADO Nº 3)
Diante de suas práticas sociais, os entrevistados nº 1, 2 e 5 consideram que atualmente
suas atuações nos espaços de militância são embasadas pela formação do curso de Fé e Política;
no entanto, acham que grande parte de suas formações vem da experiência concreta e
organicamente constituída, sobretudo, nas Comunidades Eclesiais de Base, conforme os
egressos nos contam:
93
Eu considero que atualmente a nossa função naquilo que nós fazemos,
devemos muito à formação que nós tivemos, no instituto fé e política, mas
como disse anteriormente, mas a própria história da gente nos ensina como
atuarmos e a forma na qual devemos atuar quando estamos na política, como
é meu caso no mandato de vereador, quando estamos no sindicato, nas
associações, nas comunidades [...] Então tem que ter a participação, tem que
ter as discussões, tem que ter as reflexões e partilha entre todos para tomar a
decisão conjunta, então acho que é extraordinário essa formação que nós
tivemos ainda como leigos na comunidade eclesial de base desde da década
de 80, isso nos ajudou muito a estarmos hoje atuando. O Instituto veio dar um
suporte, é... um embasamento a mais para atuarmos de forma qualificada, de
forma inovadora. (ENTREVISTADO Nº 1)
Bom, na realidade a gente tem vindo já de uma caminhada, hoje eu estou com
meus 45 anos, desde dos 18 anos que a gente está envolvido, tanto nos estudos,
tanto no Instituto de fé e política e outras oportunidades que a gente tem de
estar buscando conhecimento, mas especificamente falando do Instituto de fé
e política, aonde nós passamos 4 anos inseridos e estudando, isto tem me
ajudado bastante, bastante sobretudo junto aos movimentos dos quais eu
participo, como a creche escola 11 de Dezembro, o movimento, a própria
igreja, a comunidade aonde eu participo, por quê? Porque sempre, sempre a
gente está buscando aquele subsídio naquelas apostilas, coisas que são muito
atuais, entendeu? A questão de como você organizar a comunidade, de como
você ajudar a solucionar aqueles problemas que as comunidades enfrentam e
tudo pela luz daquilo que a gente teve nos nossos estudos junto ao instituto de
fé e política. (ENTREVISTADO Nº 2)
Sim.[...] de certa forma o Instituto foi uma porta que a gente teve de estudo,
de troca de experiências e que também tivemos outros momentos, né? De
formação, continuidade de formação, que isso tudo vai nos enriquecendo
atuação, né? [...] E como eu participo do sindicato, a gente tá sempre
participando de formações também [...] Mas como eu tive, como eu já venho
do sindicato, acho que a base maior na minha inserção política vem do
movimento sindical, a relação que a gente tem com o município ela é bastante
vasta e isso na política conta. Então, os cursos através do Instituto de fé e
política te dá uma formação, né? Uma preparação para que você possa ter um
suporte maior na atuação na política e no dia a dia. (ENTREVISTADO Nº 5)
As falas desses egressos traem significativas contribuições para entender as marcas do
processo formativo do Instituto de Fe e Política. Todos os três afirmam que os conhecimentos
teóricos foram substanciais para suas atuações práticas, todavia, enfatizam que a base de sua
militância está no movimento sindical, na própria caminhada junto à Igreja, na comunidade
eclesial e nos demais movimentos sociais populares.
O entrevistado nº 1 novamente faz uma declaração significativa que nos remete à
concepção dialética marxista em que a “teorização é um processo de aprofundamento
ascendente, é um processo de acumulação e avanço quantitativo e qualitativo no conhecimento
da realidade a partir da mesma realidade” (HURTADO, 1992, p. 52).
94
Assim o entrevistado nº 1 destaca: “devemos muito a formação que tivemos [...] mas a
própria história da gente nos ensina como devemos e a forma como atuamos e a forma da qual
devemos atuar”. Nessa perspectiva, tanto o autor quanto o entrevistado acreditam que a teoria
é utilizada para melhor compreensão dos fenômenos sociais sem que os sujeitos precisem se
afastar da sua realidade. Nesta mesma linha, o entrevistado nº 5 destaca: “como eu já venho do
sindicato, acho que a base maior na minha inserção política, vem do movimento sindical”.
Do ponto de vista gramsciano, podemos inferir que esses sujeitos são identificados como
“intelectuais orgânicos”, constituem “a pessoa (ou grupo) de extrato popular que adquiriu uma
formação intelectual e a coloca a serviço dos seus” (PREISWERK, 1997, p. 197). De maneira
singular, o conhecimento popular é valorizado e a socialização desse saber é orientado por esses
intelectuais que junto aos oprimidos, lançam-se à luta política.
São orgânicos os intelectuais que, além de especialistas na sua profissão que
os vincula profundamente ao modo de produção do seu tempo, elaboram uma
concepção ético-política que os habilita a exercer funções culturais,
educativas e organizativas para assegurar a hegemonia social e o domínio
estatal da classe que representam. [...] No trabalho como técnicos e
especialistas dos conhecimentos mais avançados, no interior da sociedade
civil para construir o consenso em torno do projeto de classe que defendem,
na sociedade política para garantir as funções jurídico-administrativas e a
manutenção do poder do seu grupo social. (SEMERARO, 2006, p. 135).
Sendo assim, a organização desses intelectuais orgânicos, constitui-se uma autentica
conexão com o mundo do trabalho, com as organizações sociais, culturais em que todos estejam
comprometidos com o desenvolvimento da sociedade.
Por fim, podemos dizer que o Instituto de Fé e Política contribuiu para que os sujeitos
pudessem atuar em suas comunidades, subsidiados pela formação do curso de Organização e
movimentos populares de base. Os egressos do Instituto reconhecem que ao sair do curso, suas
ações junto à classe trabalhadora tornaram-se mais qualificadas e refletidas. Ao mesmo tempo
afirmam que a base do Instituto contribuiu para que desenvolvessem suas perspectivas
individuais, como o ingresso no ensino superior, por exemplo.
95
5 CONSIDERAÇÕES NECESSÁRIAS
Ao concluirmos este estudo, faz-se necessário retomarmos brevemente a questão
norteadora de nossa investigação a fim de refletirmos se alcançamos ou não os objetivos aqui
propostos. A questão era descobrir se os princípios da Educação Popular do Instituto de Fé e
Política da Diocese de Amargosa se concretizam na prática dos egressos em suas comunidades
de atuação. Em outras palavras, se os saberes adquiridos na Escola de Fé e Política resultam em
uma práxis transformadora nos espaços de atuação dos egressos.
Para tanto, analisamos a proposta de formação do curso de Extensão em Tecnologia em
Gestão de Organizações e Movimentos Populares de Base do Instituto de Fé e Política de
Amargosa-BA, desde seu histórico e matriz curricular, às práticas anunciadas pelos egressos do
referido curso.
Neste trabalho, buscamos como instrumento de coleta de dados a entrevista
semiestruturada e observação participante, sob a abordagem qualitativa. Em outras palavras, a
entrevista semiestruturada, nesse contexto, foi necessária para que os egressos pudessem se
expressar, a partir de um roteiro de perguntas abertas e fechadas.
A pesquisa foi realizada com o fundador do Instituto de Fé e política de Amargosa e
com os militantes de movimentos sociais e pastorais, egressos desta referida Instituição. Esses
sujeitos contribuíram muito para as reflexões provenientes do problema de pesquisa, em que
foi possível relacionar a atuação dos egressos com a formação recebida no curso de
Organizações e Movimentos Populares de Base, identificando, assim, as contribuições do curso
para a ação dos egressos em suas comunidades.
Tivemos algumas dificuldades ao encontrar os egressos da primeira turma do curso,
visto que muitos deles estavam morando em outras cidades e/ou não tinham o contato telefônico
atualizado. Alguns endereços de e-mails foram oferecidos pelos próprios colegas de turma, a
fim de estabelecer um contato, mas não obtivemos respostas. Conseguimos realizar as
entrevistas com os que estavam mais próximos da diocese de Amargosa e aproveitamos a
disponibilidade dos que moravam nas regiões do Vale do Jequiriçá, Recôncavo e Baixo Sul da
Bahia. Esse contexto contribuiu para que a pesquisa fosse desenvolvida.
As conclusões a que chegamos nesta pesquisa enfatizam que os saberes que os egressos
adquiriram da formação do curso de Fé e Política resultaram numa práxis autêntica. Assim
sendo, os resultados da pesquisa dialogam bastante com os estudos realizados por outros
pesquisadores que escrevem sobre nosso objeto de estudo. Nessa aspiração, essa confirmação
96
pode ser mais bem justificada pelas concepções de práxis outorgadas por Freire, Gutiérrez e
Konder, respectivamente:
A práxis porém, é reflexão e ação dos homens sobre o mundo para transformá-
lo. [...] desta forma, esta superação exige a inserção crítica dos oprimidos na
realidade opressora, com que, objetivando-a, simultaneamente atuam sobre
ela. Por isso, inserção crítica e ação são a mesma coisa. (FREIRE, 2016, p.
75)
Na educação a práxis é, portanto, uma “ação transformadora consciente” que
supõe dois momentos inseparáveis, o da ação e o da reflexão, sendo o primeiro
o ponto inicial, na medida em que a ação parte de uma certa consciência e
conduz até uma nova forma de consciência, mais esclarecida, mais plena.
(GUTIÉRREZ, 1988, p. 107)
É a ação que, para se aprofundar de maneira mais consequente, precisa da
reflexão, do autoquestionamento, da teoria; e é a teoria que remete à ação, que
enfrenta o desafio de verificar seus acertos e desacertos, cortejando-os com a
prática. (KONDER, 1992, p. 115)
Portanto, a práxis fundamentalmente se mostra como uma aspiração à democracia
popular por se apresentar como uma ferramenta das massas oprimidas a se engajar num
compromisso histórico, assumindo uma postura crítico-prática que se nutre da consciência para
confrontar os problemas que o mundo oferece, ou seja, não seria apenas uma prática qualquer,
mas sim uma conjunção entre a teoria e a própria prática.
Analisando a percepção dos egressos com relação à base teórica estudada no curso,
averiguou-se que todos os entrevistados afirmam que a teoria foi fundamental para que desse
suporte teórico-crítico à prática dentro das suas organizações. Os egressos sinalizaram que a
prática sozinha não caminha, mas que o conhecimento teórico ajuda nas ações que promovem
dando mais segurança sobre o que fazem. Afirmaram que muitas vezes se deparam com
situações embaraçosas na comunidade, e quando a prática não dá jeito, encontram na teoria,
nos estudos que fizeram no Instituto, meios para superar as situações adversas, ou seja, quando
a prática é refletida à luz da teoria, os egressos geram outra prática.
Dessa forma, identificamos nas falas dos egressos do curso de Fé e Política, que ao
ingressarem na Instituição, obtiveram instrumentos teóricos-metodológicos essenciais para
fundamentar suas práticas nos movimentos de que participam. Para eles, após o término do
curso, suas práticas sociais foram mais conscientemente refletidas e interiorizadas por meio do
embasamento teórico que receberam.
Nesse sentido, um dos pontos relevantes a ser considerado também foi a Matriz
Fé e Política. Verificou-se que o currículo é pautado nas aspirações dos movimentos sociais,
97
configurando um modelo crítico libertador apresentado por Freire, que é a construção de um
currículo pautado em metodologias, conteúdos programáticos e fundamentos epistemológicos
para serem contextualizados pelas experiências de vida dos sujeitos (SCOCUGLIA, 2013, p.
104).
Não há quaisquer notícias de que Freire produziu estudos relacionados ao currículo, mas
sua obra, como Pedagogia do Oprimido chama a atenção para o desenvolvimento de uma
educação que ofereça a emancipação social e cultural por meio do compromisso político de
transformação. Neste sentido, como foi visto, os conteúdos do currículo do Instituto de Fé e
Política foram pensados no intuito de formar profissionais para prepará-los para suprir as
demandas de suas circunstâncias sociais.
Na obra de Freire (2016), as discussões que envolvem o currículo se apresentam como
uma crítica à educação bancária partindo do pressuposto de que o professor é o detentor do
saber e que os alunos são ingênuos, criando uma visão verticalizada entre eles. Nesta obra,
Freire nos propõe, diferentemente desta educação, outro modelo. Uma educação pautada no
diálogo, na problematização dos fatos, partindo de um método concreto e libertador que “não
pode ser o do depósito de conteúdos”, mas o de uma educação que promova a práxis (FREIRE,
2016, p. 118).
Dessa forma, um currículo que seja pautado nessa perspectiva que traz o Instituto de Fé
e Política, que entende o homem em sua existência como um ser histórico, problematizador,
educar nessa relação dialética de teoria e prática estimularia aquilo que Freire explicita em sua
obra Educação e Mudança, que é a transitividade da educação ingênua para uma educação
crítica e libertadora (FREIRE, 1979d).
Do ponto de vista da atuação prática dos egressos vinculados à formação do curso, outro
fator analisado foi que os entrevistados declaram que devem muito à formação que obtiveram
durante os anos de curso. Questões como: organizar a comunidade, atualizar estatutos, fazer
plano de carreira para servidor, a própria oratória necessária para o diálogo com os movimentos,
foi sinalizado pelos egressos como exigências de suas práticas. Dessa maneira, eles afirmam
que o Instituto ofereceu um embasamento significativo. Todos asseveram que, além do curso
ter contribuído com a suas formações, eles veem ainda sua inserção política dentro do
movimento social como essencial para orientar suas práticas.
Conquistas profissionais como conseguir ingressar no ensino superior foi algo que
também encontramos em duas narrativas dos entrevistados. Eles contam que quando o Instituto
iniciou a formação, eles tiveram vontade de fazer uma faculdade. Dentro desse contexto, o
Instituto de Fé e Política os ajudou a ingressar no ensino superior, de uma certa forma também
98
os manteve na faculdade, visto que muitas das discussões que eles tinham na faculdade já eram
parte das discussões que faziam no curso, o que fazia com que eles se destacassem. Nesse
sentido as especificidades da formação do curso de Fé e Política podem ser consideradas para
além das propostas da Instituição.
Foi possível também verificar que as ocupações atuais que esses sujeitos exercem são
em sua maioria diversas. Neste caso, os egressos, além de atuarem em seus respectivos
movimentos sociais, todos são católicos e exercem funções de lideranças pastorais dentro da
Igreja Católica. Uma das poucas exigências do Instituto em participar da formação era ser
cristão. De acordo com o coordenador do curso, há um encontro em nível regional onde as
experiências de cada militante, de cada organização, são partilhadas para que haja um balanço
qualitativo de suas práticas e um partilhar de utopias.
Assim o militante estabelece essa concretude da teoria na sua prática. O fato de ele estar
militando em um ambiente não formal junto ao movimento popular não significa que ele deva
estar desprovido de conhecimentos teóricos para subsidiar suas ações. A partir das lições
teóricas dos módulos, eles puderam melhorar suas ações junto à população. Através da
formação do Instituto, os egressos passaram a compreender a realidade melhor e de outra forma,
embora já apresentassem formação crítica a partir de suas experiências nos movimentos sociais.
Despertaram uma consciência de transformação eficaz através de questionamentos teóricos, que
direcionassem para a organização e fundamentação de suas ações.
Atualmente o Instituto de Fé e Política se encontra parado e com outra coordenação.
Uma segunda turma deu início ao processo de formação, mas foi interrompida. Segundo
informações, investimentos que eram destinados à Cáritas foram cortados, o que fez com que
desestabilizasse sua organização. Além do mais, atualmente essa desestabilização é ainda mais
provocada pela falta de interesse das forças políticas neoliberais, que atualmente incorporam
uma lógica capitalista de competitividade e exclusão, que vai de encontro a uma perspectiva de
transformação social.
Esperamos, portanto, que esta pesquisa represente uma contribuição significativa para
os estudos da Educação Popular, tendo em mente também colaborar com a sociedade e os
setores populares numa perspectiva de formação humana e libertadora. Sabemos que todo
trabalho acadêmico é inconcluso, e esta dissertação não seria diferente. Pesquisar esse diálogo
entre o Instituto de Fé e Política e a prática dos egressos, apresenta-se como um dos novos
caminhos em que a educação vem mostrando sua potencialidade nos espaços não formais.
A partir desta pesquisa, segue a continuidade do exemplo da necessidade de
reconhecimento de que o Instituto de Fé e Política é um espaço também de educação e que os
99
processos educativos neste âmbito merecem ser priorizados, visto que efetivamente contribuem
com a disseminação dos princípios da educação popular, tais como diálogo, participação,
mobilização, conscientização, e, portanto, com os caminhos que nos levam a tramitar da prática
à práxis.
100
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APÊNDICE A - Carta de anuência / TCLE
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE EDUCAÇÃO
Programa de Pós-Graduação em Educação – PPGE/UFPB
SOLICITAÇÃO DE CARTA DE ANUÊNCIA
À coordenação do Instituto de Fé e Política de Cáritas da Diocese de Amargosa-Ba.
Pretende-se realizar uma pesquisa intitulada DA PRÁTICA À PRÁXIS: UMA ANÁLISE
DA ATUAÇÃO COMUNITÁRIA DOS EGRESSOS DO INSTITUTO EDUCATIVO DE
FÉ E POLÍTICA DE CÁRITAS DA DIOCESE DE AMARGOSA-BA, que será
desenvolvida pelo pesquisador PAULO RICARDO CONCEIÇÃO ALELUIA, estudante do
Programa de Pós-Graduação em Educação/PPGE da Universidade Federal da Paraíba/UFPB.
O estudo tem por finalidade a elaboração de dissertação de mestrado e será orientada pela
professora ALINE MARIA BATISTA MACHADO, tendo como objetivo analisar a prática dos
egressos do curso de Gestão e Organização de Movimentos Populares de Base do Instituto de
Fé e Política de Cáritas da diocese de Amargosa-Ba com base nos princípios da Educação
Popular e Teologia da Libertação. Nesse sentido, venho solicitar seu consentimento como
diretor da Instituição para o desenvolvimento da pesquisa de campo, a qual será realizada
através de entrevistas com egressos do curso em questão, como também análise de documentos
da Escola de Fé e Política. Esclarecemos que a participação nesse estudo é voluntária e que
cada participante será consultado e assinará Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
João Pessoa,
__________________________________________________________
Paulo Ricardo Conceição Aleluia
107
PARECER DO RESPONSÁVEL (ANUÊNCIA)
Coordenador do Instituto de Fé e Política
Parecer/anuência: [ ] AUTORIZO A PESQUISA [ ] NÃO AUTORIZO A PESQUISA
Justificativa:
__________________________________________________________
Coordenador do curso
108
APÊNDICE B – Termo de consentimento livre e esclarecido
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA - UFPB
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO/PPGE
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
(Resolução no. 466/2012)
Prezado Senhor (a),
Pretende-se realizar uma pesquisa sobre DA PRÁTICA À PRÁXIS: UMA ANÁLISE
DA ATUAÇÃO COMUNITÁRIA DOS EGRESSOS DO INSTITUTO EDUCATIVO DE
FÉ E POLÍTICA DE CÁRITAS DA DIOCESE DE AMARGOSA-BA, que será
desenvolvida pelo pesquisador PAULO RICARDO CONCEIÇÃO ALELUIA, estudante do
Programa de Pós-Graduação em Educação/PPGE da Universidade Federal da Paraíba/UFPB.
O estudo tem por finalidade a elaboração de dissertação de mestrado e será orientada pela
professora ALINE MARIA BATISTA MACHADO. O objetivo do estudo é analisar a prática
dos egressos do curso de Gestão e Organização de Movimentos Populares de Base do Instituto
de Fé e Política de Cáritas da diocese de Amargosa-BA com base nos princípios da Educação
Popular e Teologia da Libertação. Sua participação envolve uma entrevista, que será gravada,
se assim você permitir. A participação nesse estudo é voluntária e se você decidir não participar
ou quiser desistir ou continuar em qualquer momento, tem absoluta liberdade de fazê-lo. Na
publicação dos resultados desta pesquisa, sua identidade será mantida no mais rigoroso sigilo.
Serão omitidas todas as informações que permitam identificá-lo(a). Mesmo não tendo
benefícios diretos em participar, indiretamente você estará contribuindo para a compreensão do
fenômeno estudado e para a produção de conhecimento científico. Quaisquer dúvidas relativas
à pesquisa poderão ser esclarecidas pelo pesquisador PAULO RICARDO CONCEIÇÃO
ALELUIA ou pela entidade responsável – Comitê de Ética em Pesquisa da UFPB.
Esperamos contar com o seu apoio, desde já agradecemos a sua colaboração.
AUTORIZAÇÃO
Eu, _______________________________________________________________, portador
do RG ______________________, declaro que fui devidamente esclarecido (a) e dou o meu
consentimento para participar da pesquisa e para publicação dos resultados.
_______________________________________________________
Assinatura do participante da pesquisa
_______________________________________________________
Assinatura do(s) Pesquisador (a) Responsável(eis)
109
Contatos dos pesquisadores:
Paulo Ricardo Conceição Aleluia. E-mail:
[email protected]/[email protected]. Cel.: (75) 991832456
Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Educação/PPGE/UFPB
Aline Maria Batista Machado. E-mail: [email protected] Cel.: (83)
987181428
Professora do Curso de Graduação em Serviço Social da UFPB, do Programa de Pós-
Graduação em Serviço Social da UFPB e do Programa de Pós-Graduação em Educação da
UFPB. Possui graduação (2000) e mestrado (2003) em Serviço Social pela UFPB e doutorado
em Educação (2009) pela mesma universidade.
110
APÊNDICE C - ROTEIROS DE ENTREVISTA
ROTEIRO DE ENTREVISTA DO FUNDADOR
1- O que o levou a fundar o Instituto de Fé e Política aqui na diocese de Amargosa? Fale-me
um pouco da história do curso de Fé e Política.
2- Como é feita a seleção dos professores da Escola de Fé e Política? A partir de que
fundamentos, autores, foi pensado o currículo do curso de Fé e Política?
3- Diante realidade da diocese de Amargosa, quais são os atuais desafios do curso do Instituto
de Fé e Política?
4- Pra você, qual a importância da política na educação?
ROTEIRO DE ENTREVISTA DOS EGRESSOS
1- Conte-me um pouco da sua trajetória dentro do movimento do qual participa.
2- Quais suas expectativas e interesses ao participar de uma formação voltada para a gestão de
organização e movimentos populares de base?
3- A formação que você recebeu no instituto lhe ofereceu subsídios para atuar na comunidade
em que você está inserido? Se sim, de que forma?
4- Você conseguia perceber a relação da teoria estudada no Instituto com a vida da comunidade?
5- Sobre o que você estudou no Instituto, você acha que a teoria é importante para subsidiar a
prática no movimento em que você participa? Por quê?
6- Atualmente a sua atuação na comunidade ou órgão/ instituição ao qual está vinculado é
embasada pela formação no curso? Se sim, de que forma você percebe isso?
111
APÊNDICE D - Formulário sobre o perfil socioeconômico do entrevistado
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA- UFPB
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO - PPGE
CENTRO DE EDUCAÇÃO - CE
FORMULÁRIO SOBRE O PERFIL SOCIOECONÔMICO DO ENTREVISTADO
ENTREVISTADO _________________________________________
GÊNERO ( ) FEMININO ( ) MASCULINO
COR _____________
IDADE___________
ESTADO CIVIL _____________
RELIGIÃO ________________
NIVEL DE FORMAÇÃO_______________________________
EM QUAL CIDADE MORA ____________________________
CARGO ____________________________________________
TEMPO DE ATUAÇÃO ______________________________
COM RELAÇÃO À SUA ATIVIDADE REMUNERADA MENSAL:
1- ( ) NÃO POSSUO ATIVIDADE REMUNERADA MENSAL
2- ( ) RECEBO ATÉ R$ 260,00
3- ( ) RECEBO DE R$ 261,00 ATÉ R$ 780,00
4- ( ) RECEBO DE R$ 781,00 ATÉ R$ 1.300,00
5- ( ) RECEBO DE R$1.301,00 ATÉ R$ 1.820,00
6- ( ) RECEBO DE R$ 1.821,00 ATÉ R$ 2.600,00
7- ( ) RECEBO DE R$ 2.601,00 ATÉ R$ 3.900,00
8- ( ) RECEBO DE R$ 3.901,00 ATÉ R$ 5.500,00
9- ( ) RECEBO DE R$ 5.501,00 ATÉ R$ 6.500,00
10-( ) RECEBO MAIS DE R$ 6.500,00