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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA MARCELO SANTOS A INTUIÇÃO ESTÉTICA COMO FUNDAMENTO DA SIGNIFICAÇÃO ÉTICA DAS CONDUTAS HUMANAS JOÃO PESSOA 2010

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA

MARCELO SANTOS

A INTUIÇÃO ESTÉTICA COMO FUNDAMENTO DA

SIGNIFICAÇÃO ÉTICA DAS CONDUTAS HUMANAS

JOÃO PESSOA

2010

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MARCELO SANTOS

A INTUIÇÃO ESTÉTICA COMO FUNDAMENTO DA

SIGNIFICAÇÃO ÉTICA DAS CONDUTAS HUMANAS

Dissertação apresentada ao programa de Pós-graduação do

departamento de filosofia da Universidade Federal da

Paraíba, em cumprimento à exigência final para obtenção do

grau de Mestre em Filosofia.

Orientador: Prof. Dr. Deyve Redyson.

CCHLA - UFPB

João Pessoa – PB - Brasil

2010

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Responsável pela catalogação: Maria de Fátima dos Santos Alves - CRB -15/149

S237i Santos, Marcelo. A Intuição Estética como Fundamento da Significação Ética das Condutas Humanas / Marcelo Santos.- João Pessoa,2009. 137f. :il.

Orientador: Deyve Redyson. Dissertação (Mestrado) – UFPb - CCHLA

1.Ética. 2. Conhecimento Objetivo. 3. Estética - Intuição.

UFPb/BC CDU: 17 (043)

.

UFPb/BC CDU: 65:316.46(043.2)

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Nome: SANTOS, Marcelo.

Título: A INTUIÇÃO ESTÉTICA COMO FUNDAMENTO DA SIGNIFICAÇÃO ÉTICA

DAS CONDUTAS HUMANAS.

Dissertação apresentada ao programa de Pós-graduação do

departamento de filosofia da Universidade Federal da

Paraíba, em cumprimento à exigência final para obtenção do

grau de Mestre em Filosofia.

Aprovada em ___ de _____ de _________.

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. Deyve Redyson (UFPB)

Orientador

Prof. Dr. Luizir de Oliveira (UFPI)

Membro externo

Prof. Dr. Heleno Cesarino (UFPB)

Membro

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AGRADECIMENTOS:

Eu sou mui grato a todos os que, de forma direta ou indireta, participaram de minha

vivência neste período de estudos introdutórios à filosofia. Se eu tentasse arrolar fielmente

seus nomes, acabaria por ser injusto com alguns, pois a minha memória não poderia remontar

a todos eles. Contudo, em especial, não devo deixar de citar os nomes de algumas pessoas que

tiveram uma participação mais direta na composição deste trabalho, a saber: Dr. Heleno

Cesarino, quem me inspirou a empreender os primeiros estudos da filosofia de Arthur

Schopenhauer; Dr. Deyve Redyson, quem assumiu a orientação da dissertação de um modo

desburocratizado e amigável; Carlos Hugo, agora Mestre em Filosofia e quem me inquietou

para empreender este mestrado num momento em que eu possuía pouquíssima motivação para

tanto; Nelson Expedito, Tradutor Juramentado, quem mui gentilmente revisou as versões em

língua inglesa e alemã do resumo, além de me apoiar durante a minha estada em Osasco para

pesquisas conclusivas na USP.

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DEDICATÓRIA:

Este trabalho é dedicado a todos aqueles que são capazes do engenho autêntico e da

criação, seja nas artes, nas teorias e ciências; na re-criação e na re-engenharia de si mesmos;

ainda que, num primeiro momento, isso implique em se expor a todos os riscos inerentes aos

que se sabem únicos e que não cedem ao apelo geral de culto à mesmice, muito comum nos

conformados com a momentânea configuração deste mundo e com o tradicional modo de ser

e de agir da maioria; mesmo que, posteriormente, possa ocorrer algum aumento de obstáculos

nessa caminhada rumo à intuição de novas perspectivas do existir humano neste mundo.

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“A partir da conduta dos outros em relação a

nós não devemos aprender a corrigir o que

somos, mas antes aprender quem eles são”.

(Schopenhauer, In A arte de conhecer a si

mesmo, p. 35).

A uma determinada altura tudo é um: tudo reúne

os pensamentos do filósofo, as obras do artista e

as boas ações. (Nietzsche, In O livro do

filósofo).

“Aquele que se liberta de desejos

Contempla a secreta perfeição.

Aquele que se enche de desejos

Contempla somente suas fronteiras”.

(Laozi, 604 a.C.).

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RESUMO

A INTUIÇÃO ESTÉTICA COMO FUNDAMENTO DA

SIGNIFICAÇÃO ÉTICA DAS CONDUTAS HUMANAS

O âmbito deste trabalho é o da teoria estética moderna e crítica ética da arte, numa proposta

de abordagem interpretativa da sustentação mútua e possível identificação entre estética e

ética, pelo viés do conhecimento objetivo da ação humana na obra de arte: o médium da

superação momentânea do sofrimento na obra O mundo como vontade e como representação,

do filósofo alemão, Arthur Schopenhauer (1788-1860). Independentemente das convenções

normativas tradicionais, o presente discurso consiste na possibilidade de a intuição estética

poder ser, enquanto conhecimento daquela idéia de sofrimento, na visão do gênio esteta, um

tipo de negação da Vontade consciente de si, portanto, idêntica à ascese do santo, isto é,

consiste na possibilidade de uma tensão aproximativa necessária e uma identificação teórica

pela noção de superação do principium individuationis, que perpassa toda a obra magna do

filósofo de Frankfurt mantendo o mesmo peso teórico, principalmente no que concerne às

duas últimas seções da mesma.

PALAVRAS-CHAVE: Obra de arte; Conhecimento objetivo; principium individuationis.

ZUSAMMENFASSUNG

DIE ÄSTHETISCHE ANSCHAUUNG ALS GRUNDLAGE DER

ETHISCHEN BEDEUTUNG DES MENSCHLICHEN

VERHALTENS

Diese Arbeit liegt im Gebiet der modernen ästhetischen Theorie und ethischen Kritik der

Kunst. Sie vorschlägt einen interpretativen Ansatz der gegenseitigen Unterstützung und

mögliche Identifikation zwischen Ästhetik und Ethik, aus der Perspektive der objektiven

Erkenntnis des menschlichen Benehmens im Kunstwerk: das Medium der momentanen

Überwindung des Leidens im Werk “Die Welt als Wille und Vorstellung” vom deutschen

Philosoph Arthur Schopenhauer (1788-1860). Unabhängig von den tradidionellen normativen

Konventionen, ist hier die Rede von der Möglichkleit, dass die ästhetischen Anschauung, als

Erkenntnis der Idee des Leidens, der Meinung des ästhetischen Genies nach, eine Art von

Verneinung des selbstbewussten Willes sein konnte, also identisch mit der Askese der

Heiligen, d. h., die Rede ist von der Möglichkeit einer notwendigen annähernden Spannung

und einer theoretischen Identifizierung durch den Begriff der Überwindung des principium

individuationis, der sich durch das ganze Meisterwerk des Frankfurter Philosophs fliesst mit

Beibehaltung der gleichen theoretischen Gewicht, vor allem im Hinblick auf die beiden

letzten Abschnitte.

KEYWORDS: Kunstwerk; Objektives Wissen; principium individuationis.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................................................................01

CAPÍTULO 1. O conceito Metafísica do Belo........................................................................09

1.1. A vontade desinteressada...................................................................................................14

1.2. Primado da bela arte sobre a alegoria e o conceito............................................................17

1.3. O correlato necessário da idéia..........................................................................................20

1.4. As duas vias do conhecimento...........................................................................................24

1.5. O gênio e a sua obra...........................................................................................................33

CAPÍTULO 2. Rompimento do principum individuationis....................................................42

2.1. Nunc stans: tempo do gênio esteta, tempo do gênio ético.................................................45

2.2. Libertação da vontade e „Olho Cósmico‟...........................................................................53

2.3. Uma breve consideração crítica sobre o imediato e a duração..........................................59

2.4. Ascese e auto-conhecimento..............................................................................................62

CAPÍTULO 3. O conceito Metafísica da Ética.......................................................................73

3.1. Articulações para uma abordagem objetiva das condutas humanas..................................83

3.1.1. Conhecimento objetivo das condutas humanas..............................................................94

3.1.2. Intuição estética, clarividência da razão e liberdade....................................................101

3.1.3. O Tao da Vontade: breve estudo comparativo entre a negação da vontade e a não-

ação.........................................................................................................................................108

3.1.4. Metafísica da Ética: superação da Metafísica do Belo?................................................118

CONCLUSÃO.......................................................................................................................123

REFERÊNCIAS....................................................................................................................128

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INTRODUÇÃO

Este trabalho tem por ponto de partida uma leitura mais cuidadosa de O mundo como

vontade e como representação (1819), principalmente de suas duas últimas seções.1

A filosofia de Arthur Schopenhauer (1788-1860) pode ser abordada a partir da

confluência do romantismo ainda imperante durante a sua vida; principalmente na Alemanha

marcada pelo formalismo da moral e idealismo transcendental de Immanuel Kant (1724-1804)

e do naturalismo2 que já despontava e que dominaria a continuação da segunda metade do

século XIX. Sua obra principal é uma proposta de resposta ao enigma do mundo, com uma

excelente crítica ao formalismo conceitual kantiano3 da impossibilidade de conhecimento da

coisa-em-si e ao linguajar prolixo e truncado, por vezes incompreensível, que marcou

significativamente a estilística filosófica do idealismo alemão de Fichte, Schelling e Hegel.4

Portanto, a base teórica geral desta dissertação repousa sobre o que se poderia

denominar como neoplatonismo e neokantismo schopenhauerianos, uma vez que, para

Schopenhauer, Platão e Kant são seus pensadores mais ilustres.

Na sua filosofia, a vontade do homem se fundamenta na Vontade cósmica de viver que

não pode ser conceituada, senão, negativamente, porque ela mesma jamais se positiva, isto é,

jamais se põe como fenômeno. Isto é tomado comumente como um claro dogmatismo

filosófico, por muitos críticos.

1 Contudo, é importante destacar outras obras importantes de onde poderemos utilizar citações ou alusões:

Suplementos ao mundo como vontade e como representação (1844); Sobre a Visão e as cores (1816); Sobre a

Raiz Quádrupla do Princípio de Razão suficiente (1813), Parerga e Paralipomena (1851), Os dois problemas

fundamentais da ética (1841), obra que consiste em: 1. Sobre a liberdade da vontade, 2. Sobre o fundamento da

moral; Sobre a vontade na natureza (1854). 2 Uma tradição literária e de pensamento, de radicalização do realismo, fundamentalmente empírica e que

entende o homem meramente de um ponto de vista das determinações ambientais e hereditárias. Dela derivou a

base da teoria de Charles Darwin (1809-1882) sobre a evolução das espécies. 3 Para Schopenhauer ―a coisa-em-si é completamente diferente da representação‖. In SCHOPENHAUER. A. O

Mundo como Vontade e como Representação. Tomo I. Tradução, apresentação, notas e índices de Jair Barboza.

São Paulo: Ed. Unesp, 2005; § 25, p. 189. Doravante a obra magna também poderá ser indicada pela sigla MVR

e, sempre que uma referência a traduções em língua espanhola for utilizada a tradução da mesma será de nossa

autoria. 4 Schopenhauer se contrapôs a todos os teóricos do idealismo. Para combatê-los, ele propunha uma volta aos

românticos - tão fortemente criticados, principalmente pela teoria estética que se desenvolveu a partir dos

ensinos de Hegel, por seus discípulos - para os quais a filosofia deveria se desenvolver a partir do poetizar e não

da conceituação das categorias poéticas. O romantismo desejava expressar um esbravejamento dos sentidos. Já o

hegelianismo intentava limitar o mundo ao plano do conceito, num idealismo teorizante e fruto de uma

organização sistemática da filosofia adaptada às exigências do cientificismo vigente de sua época. Cf. SANTOS

NETO, Artur Bispo dos. A filosofia do romantismo. Maceió: UFAL, 2005, p. 21-25.

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Em Schopenhauer, deveremos entender por metafísica o filosofar que visa à

explicação última dos fenômenos originários, enquanto tais, tomados da totalidade deles, ou

seja, do mundo.

Portanto, a Metafísica do Belo, seria o que o caracterizaria como filósofo de uma visão

romântica por excelência, pelo fato de, nela, haver uma exaltação da arte como modo

privilegiado de acesso à realidade, ou coisa-em-si, 5 e de superação do desejo que implica no

sofrimento do homem no mundo.

O seu pessimismo metafísico6 o conduzirá até um tipo de niilismo ou de aniquilação do

mundo fenomênico, como proposta de uma Metafísica da ética que parte da negação

consciente da Vontade no gênio ético ou santo.

Para delimitar os esta pesquisa, deveremos considerar, ainda, que filosofia7 é conteúdo,

o que se disse; e seu continente, o como se disse, é o que delineia o modo de pensar de cada

filósofo, ambos se inter-relacionam e, portanto, a filosofia estará sendo assumida como um

saber que se coaduna mais à arte que à ciência moderna.

Schopenhauer8 assume sua filosofia à semelhança de um organismo, consistindo num

pensamento único, como um edifício, onde ele conceituou a Razão como a faculdade

abstrativa dos conceitos, colocando-a no seu devido lugar, ou seja, como ponta do ‗iceberg‘

humano; dentre outros inúmeros e grandiosos entes que pululam o real. Portanto, ela é

incapaz de fazer convergir em si mesma in toto, a perfeita idéia do mundo, este fenômeno

universal e que culmina na coisa-em-si. O termo sistema é evitado pelo filósofo. Isto pode ser

entendido como uma necessidade de diferenciação entre a sua filosofia e a de Kant e Hegel,

por exemplos.

Dentre as idéias novas que Schopenhauer propôs, está a de iniciar o que

posteriormente se fixou pela noção de irracionalismo contemporâneo, um pensamento onde a

Vontade unitária a-racional desponta como essência do universo ou realidade. Sendo ele,

inclusive, um dos precursores do pensamento do absurdo e de certa filosofia que se pode

denominar de existencial.

5 Nos capítulos 19 e 21 do MVR, fica esclarecido que a coisa-em-si é a Vontade.

6 Neste ponto, duas teses centrais devem ser destacadas: 1. Este é o pior dos mundos possíveis; 2. Portanto, seria

melhor ao homem não ter nascido. A título de informação extra, vale lembrar que o livro do Eclesiastes também

alude diretamente a um tipo similar de pessimismo. Cf. Ecl. 6; 3-6. In Bíblia, A. TEB (Tradução Ecumênica).

Edições Loyola: São Paulo Brasil, 1995. 7 Tomando-se a filosofia dos livros, ela pode ser entendida como um mékane e também um medium, pelos quais

a essência inteira do mundo deveria ser exposta. Destarte, arte e filosofia partilhariam de uma mesma fronteira,

naquilo que concerne ao conhecimento e para os interessas da presente dissertação. 8 Cf. RÁBADE, Ana Isabel (Ed.). Schopenhauer. Barcelona: Edições Península,1989; p. 12.

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Revendo o papel do corpo, relegado a um segundo plano desde o idealismo platônico,

Schopenhauer tornou-se, também, um dos precursores da chamada filosofia da suspeita. Ele

demarcou o fim do antropocentrismo que imaginava deuses à sua imagem e semelhança e

uma natureza criada conforme a medida humana. Seu pessimismo9, longe de ser uma mera

‗pose de aristocratismo intelectual‘10 é, sobretudo, uma tomada de postura, onde a atitude

intelectual contraria qualquer ética de base metafísica tradicional e teísta; uma vez que, na

base deste mundo péssimo, repousam dor e sofrimento e não as graças de um deus

benevolente que houvesse obrado o melhor dos mundos possíveis.11

Retomando o que dissemos a pouco, sua proposta final culminará num tipo de ética

niilista, isto é, a realidade ruim da condição humana deve ser reduzida a nada; do contrário,

dever-se-á assumir o mundo, esse vale de lágrimas, tal como é, ou, melhor ainda, seria anulá-

lo, anular a Vontade de Viver; porque não há remédio definitivo para os males da vida

humana. O mundo é péssimo e melhor seria, ao homem, não haver nascido nele. Portanto,

querer não querer ou querer nada é um mal menor que qualquer outro desejo.

Na teoria de Schopenhauer, Representação e Vontade são níveis de consideração do

mundo, embora sua base una repouse na Vontade, a Realidade por excelência. Ambos os

aspectos a priori incomunicáveis ou inconciliáveis da Realidade são mediados, no limite de

cada um pelas Idéias - O mundo uno da Vontade e o mundo das múltiplas aparições ou

representações particulares - que derivam, em última análise, dessa Vontade.

Portanto, são dois os níveis da realidade12, ambos com características próprias,

intercambiáveis pelas idéias, em cuja base ôntica repousa a Vontade. Nesse sentido, o sujeito

9 Que remonta ao pensamento de homens como o do cientista e escritor alemão Georg Christoph Lichtenberg

(1742-1799) e do conde e erudito, poeta, filósofo e filólogo italiano do Romantismo, Giacomo Leopardi (1798 –

1837). 10 ―Seu ‗reacionarismo‘ se enlaça, assim, diretamente com seu pessimismo, com a negação de toda possibilidade

de evolução, de todo progresso. Neste sentido, Schopenhauer é o primeiro filósofo que rompe com a ilustração‖.

In RÁBADE, Ana Isabel (Ed.). Schopenhauer. Barcelona: Edições península, 1989, p. 11-12. RÁBADE cita

ainda a Philonenko, destacando que ele comparou a obra de Schopenhauer a uma espiral, entendendo a primeira

parte como momento de pura teoria; a segunda como momento de aparição da Vontade; a terceira parte como

momento da Representação superior e a última parte como momento em que a Vontade se compreende a si

mesma. Desse modo, podemos, também, desdobrar o acima mencionado em quatro partes: 1. o mundo como

representação, objeto da experiência e da ciência; 2. metafísica da natureza; 3. metafísica do belo; 4. metafísica

da ética ou fenomenologia da vida ética; respectivamente. Ou ainda, 1. Teoria gnosiológica, 2. Sobre a Vontade

como Em Si do mundo e de como isto afeta a realidade ou sentido mais restrito da metafísica schopenhaueriana.

3. Teoria estética, onde a representação não se submete ao princípio de razão, ou seja, as idéias como

representações sui generis para o conhecimento epistêmico do mundo. 4. Teoria ética onde o fim culmina na

negação consciente da Vontade. Não é uma ética prescritiva e sim a constatação de que a Vontade não pode ser

submetida, mas, tão somente afirmada ou negada pelo sábio que atingiu a clarividência da Razão. 11 Nisto há uma clara crítica à teoria do melhor dos mundos possíveis de seu compatriota, Gottfried Wilhelm von

Leibniz. (1646-1716). 12

―Se nos apresenta, pois, por um lado, um mundo de aparências múltiplas, inessencial, em que as raízes das

coisas permanecem ocultas, no qual tudo aparece como RELATIVO E CONDICIONADO, passageiro e

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humano só importa, neste ponto, naquilo que corresponde à sua relação com a Idéia, isto é,

enquanto Sujeito do Puro Conhecer, e, porque não adiantar, aclarando desde já a intenção do

presente discurso, um tipo de puro sujeito da ação desinteressada no mundo, como que

ensaiando, um conceito que, pela ação desinteressada, como veremos, teoricamente, poderia

transitar facilmente entre ambas as propostas metafísicas, a saber, a Metafísica do Belo e a

Metafísica da Ética. Isto, considerando o gênio ético ou santo como um fenômeno

contraditório em si mesmo, como verificaremos mais adiante.

Em Schopenhauer, o mundo como Representação é o do visível da percepção

ordinária donde surge o conhecimento empírico das coisas. Mundo das lutas e sofrimento

humanos na Realidade tediosa quotidiana, cujo lado oposto configura-se como Vontade ou

essência do Real, no sentido de realidade isenta de todo sofrimento e que não pode ser

acessada pela razão pura, isto é, que permanece imperceptível e invisível ao olho e ao

entendimento humano. Contudo, a Representação em voga na Metafísica do Belo assume um

caráter especial, isto é, constitui uma idéia ou imagem independente do princípio de razão.

O filósofo de Frankfurt assumiu, assim, – após acolher de Kant13 a famosa e genial

distinção entre o fenômeno e a coisa-em-si – uma postura contrária ao caráter absoluto da

ciência racional que vigorava em seu tempo. Reagindo, também, a todo e qualquer teísmo ou

dogmática, forjados na cultura ocidental pelo fogo da Idade Média.

Em Platão, ele havia lido que o mundo possui uma realidade ilusória na qual tudo o

que percebemos são sombras, imitação do mundo das Idéias ou essências. Schopenhauer,

então, inverteu o valor da abordagem fenomenal como pedra fundamental e segura do

conhecimento moderno, convertendo-a em mero ponto de partida para o estabelecimento de

um topos definitivo da existência que ultrapassa o mundo meramente aparente.

O sentido essencial do Real é conferido pelo mundo como Vontade ao mundo como

Representação ou perceptível. Portanto, a base é um Nonsense donde pendem a Metafísica do

Belo e Metafísica da Ética como proposta teórica de vias de possibilidade de libertação das

condições de absurdo e crueldade que a Vontade impõe ao mundo. Ela, como veremos,

constituído por um constante devir, um mundo que, para Platão, sempre devém, mas nunca é; um mundo de

realidade ilusória, definitivamente: o mundo como representação; por outro lado, um mundo essencial, cuja

realidade repousa sobre si mesma e que é, por isto, absolutamente incondicionado, que constitui o núcleo

permanente do ser na identidade eterna de sua essência; em uma palavra, o mundo da Verdadeira Realidade,

outorgador de ‗sentido‘ ao mundo da Realidade Ilusória, ao mundo como representação: o mundo como

Vontade‖. (In Rábade, 1989, p. 14.) 13

Rábade destaca que, para Schopenhauer, ―Kant não chegou ao reconhecimento da identificação e, sobretudo,

da ‗coisa-em-si‘ com a Vontade, se bem que para [ele] o caminho ficou já claramente indicado em Kant nessa

direção, concretamente através da Crítica da Razão Prática‖. In RÁBADE, 1989, p. 15.

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enquanto coisa-em-si, pode ser acessada por meio da intuição estética, ou seja, enquanto

experiência possível que, no entanto, não pertence a nenhum homem em particular.

Entenderemos que o mundo como Vontade é a realidade em seu sentido mais

essencial, aquele sem-sentido ou razão e donde deriva toda possibilidade de sentido do mundo

como representação. E, as condições de liberdade do despotismo da Vontade que se impõe

sobre a humanidade em existência de subserviência e sofrimento estão delineadas,

principalmente nas duas últimas sessões de O mundo como vontade e como representação,

onde a contemplação da essência objetiva das coisas, pressupõe um sair ou uma conversão da

condição de realidade e da consciência do indivíduo, implicando numa libertação

momentânea do sofrimento14 do mundo que, na Metafísica da ética, se dará pela negação da

Vontade ou pela afirmação humana desta na negação consciente do querer corpóreo. E, como

veremos, na Metafísica do Belo, o que se faz ou se nega fazer num mero instante e aquilo que

se faz durante toda uma vida de negação ou de afirmação, ambos se diluem sem qualquer

distinção, por se tratar de uma filosofia de superação do princípio de razão.

A filosofia de Schopenhauer, então, transitaria da consideração do mundo como

Representação e Vontade até a possibilidade de este mundo de sofrimento ser tomado pelo

santo como NADA, culminando numa ética da compaixão e da negação de todo desejo,

superando as prescrições imperativas da ética tradicional que vigorou, na base, de Sócrates até

Kant, e que, contudo, não destoa tanto da estética, isto é, não apresenta um elemento teórico

suficientemente forte para superar as vias de libertação já delineadas na Metafísica do belo

onde, num instante genial, o artista é capaz de subjugar inúmeras gerações futuras no tempo e

no espaço, pela força atemporal da idéia a ser apresentada em uma obra de arte que perpetuará

aquele instante de superação de todo o sofrimento.

Ora, a noção de superação do principium individiationis será o indispensável à

configuração conceitual tanto do gênio esteta como do gênio ético. Neste ponto, impõe-se

considerar que: se o artista afirma o seu corpo pela matéria de sua obra, e, por conseqüente a

Vontade, visando uma conservação de si e da espécie; que dizer, pois, do santo que, em

14

A metafísica do pessimismo de A. Schopenhauer e a antropologização de toda teologia de L. Feuerbach,

ambas possuem pouquíssimos pontos diretos de convergência teórica. Contudo, a idéia de homem ou do humano

é indispensável à crítica do teísmo que ambos os pensadores empreenderam na modernidade. Feuerbach

entendeu que a Metafísica da Ética de Schopenhauer não era prescritiva ou normativa e que ela não apelava para

imperativos categóricos religiosos ou filosóficos. Schopenhauer foi, também, identificado por Nietzsche - quem

se despertou para a filosofia ao se fascinar pelo seu ateísmo - como o primeiro ateísta da Europa. Ele assim se

exprimiu sobre seu mestre: ―Schopenhauer foi, como filósofo, o primeiro ateísta confesso e inflexível que nós

alemães tivemos‖. E, na linha de Schopenhauer escreveu: ―Que nos importa em nossos dias Deus, a crença em

Deus? Deus não é hoje senão uma palavra sem sentido, nem mesmo um conceito‖. F. Nietzsche, A Gaia Ciência

in Nietzsche, Coleção Os Pensadores, Editor Victor Civita, 1978. p. 219.

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negando um querer do corpo não morre, antes, se mantém para propor, como que

desinteressadamente, o seu exemplo de negação da vontade de vida aos demais? 15

Na beleza e no nada, a redenção. Com base nesta fórmula que pode sintetizar o núcleo

dos dois discursos metafísicos que encerram a obra magna, perguntamos desde agora: o que é

a vida, a ética ou a conduta humana diante da intuição estética ou conhecimento objetivo,

senão uma mera idéia? Ou, de outro modo, o que são a ética e a moral para o conhecimento

objetivo do gênio esteta? Tal questão ajudará a delinear o nosso percurso. Sua resposta

aparecerá tacitamente, embora de forma precisa, ao longo de toda a dissertação até a sua

conclusão. Adiantamos tão somente que, a fórmula citada não parece apontar para nenhuma

preocupação do filósofo com a salvação propriamente dita aos moldes das religiões e crenças,

mas, antes, ser uma contribuição para o pessimismo e o niilismo metafísicos como resposta

crítica ao racionalismo moderno.

Partindo desse questionamento, nossa hipótese central assim se define: se há

possibilidade de identificação ou aproximação teórica-conceitual, pelos elementos

conhecimento objetivo e principium individuationis, da Metafísica do Belo com a Metafísica

da Ética, na obra máxima do autor, tendo em vista que, em ambos os casos, o principium

individuationis necessariamente deve ser superado.

Neste ensaio teórico, a Metafísica da ética poderá ser equiparada à Metafísica do belo,

mesmo porque, para produzir sua arte, o gênio esteta, como confirmaremos adiante, assume

uma postura ou conduta desinteressada diante do mundo. Além do mais, que dizer da pintura

de auto-retratos, onde a idéia de homem aparece límpida; a do artista que atingiu o

conhecimento de si mesmo e o expressou na arte e que, a partir disto pode afirmar ou negar a

vontade de viver.

Portanto, trataremos de uma interpretação da teoria schopenhaueriana da Vontade

como coisa-em-si e da representação, partindo da abordagem metafísica do conhecimento na

estética e na ética, uma vez que Schopenhauer se afasta de qualquer possibilidade de

conhecimento objetivo ou de uma ética pautada em imperativos da razão. Assim, será

destacada a possibilidade de um conhecimento em nós que não se limita ao meramente

aparente e que se dá mediante a contemplação desinteressada do mundo, ou seja, pela intuição

estética imediata da natureza universal, mas, que também é eficaz quanto ao conhecimento da

natureza do sofrimento humano em particular.

15

―(...) É sempre uma exceção quando um curso tal da vida sofre uma perturbação devido a que um conhecer

independente do serviço à vontade e dirigido à essência do mundo em geral produz ou bem a invitação estética à

contemplação, ou bem a ética à abnegação‖. In RÁBADE, 1989, pp. 234-235.

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7

Feitas as apreciações introdutórias mais gerais, passemos agora para considerações de

cunho mais sumário e estrutural: Na primeira parte deste discurso cuidaremos de destacar e

esclarecer o conceito: Metafísica do Belo e como por meio dele podemos compreender que o

conhecimento estético é o mais profundo e verdadeiro da essência propriamente dita do

mundo.16 Isto envolverá a conduta humana. Partiremos desta proposição fundamental para

demonstrar, principalmente nas seções seguintes, que este conhecimento pode ser aplicado ao

conhecimento da significação não somente estética, mas, também, ética da conduta humana

quando, por exemplo, o gênio, ao intuir a natureza essencial do sofrimento e do agir do

homem no mundo, propõe tal Idéia na sua arte. Ele também sofre, contudo, o resultado do seu

trabalho propõe um empréstimo do que os seus olhos viram e suas mãos obraram a todos

quantos queiram vislumbrar uma ou outra possibilidade de superação do sofrimento universal.

Nesse sentido, veremos que a abordagem estética da conduta humana pode ser, portanto, o

estatuto mais apropriado para fundamentar o conhecimento da significação ética da conduta

humana, isto será esclarecido na terceira parte.

Na segunda parte apresentaremos a possibilidade - a partir da noção de rompimento

do principium individuatinis - de uma abordagem de todo fundamento moral pelo viés do

conhecimento objetivo ou apreciação estética do mundo, e deverá desembocar numa visão

onde nenhum aspecto da conduta humana esteja sujeito a qualquer tipo de normatização

restritiva e supressora da liberdade17 da Vontade, abrindo espaço para uma noção de conduta

pautada na apreciação estética da idéia tanto do gozo como do sofrimento humanos, o que se

sustenta perfeitamente na Metafísica da ética do filósofo alemão, como ficará demonstrado.

Mesmo porque, Schopenhauer jamais pretendeu apresentar regras morais, entendendo, já em

sua época, que a criação de normas éticas é uma atitude inócua, visto que ninguém se faz mais

ético por estudar os compêndios normativos, da mesma forma que, ninguém se torna mais

esteta por estudar as regras da arte já que toda ordenação conceitual, por mais perfeita que se

nos apresente nada pode impor sobre o mundo real.

Na terceira parte veremos como, em Schopenhauer, se define o conceito Metafísica

da ética e que, na base das motivações do santo está, semelhantemente ao que ocorre com o

artista, um olhar desinteressado sobre o mundo e que não há nisto qualquer egoísmo ou

malevolência, mas, antes, há um tipo de sacerdócio ou ascese, no sentido de que o

16

In SCHOPENHAUER, A. Metafísica do Belo. Tradução, apresentação e notas de Jair Barboza. São Paulo: Ed.

Unesp, 2003, p. 26. 17

Podemos entender, de antemão, que a liberdade em Schopenhauer é apresentada como um conceito negativo,

isto é, sendo a Vontade ou coisa-em-si a única instância universal onde a liberdade ocorre de forma plena, cabe

ao indivíduo negá-la, numa abnegação ou espécie de contradição do fenômeno consigo mesmo. Cf. § 55 p. 389 e

§ 68, p. 485.

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8

comportamento do santo encerra um meio de redenção aparentemente mais perdurável no

tempo cuja motivação é, contudo, desinteressada. Portanto, articularemos teoricamente a

possibilidade da correlação da arte com a beatitude e do gênio com o santo, indicando que a

ética não deve ser tomada definitivamente como uma superação da estética.

Finalmente, importará destacar, ainda na terceira parte, que o tema em questão se

impõe por força dos elementos teóricos antecipados na Metafísica do Belo. Trataremos, por

exemplo, de entender se o tempo fugaz da intuição estética pode ser diferenciado do tempo da

clarividência do santo que age no mundo, sobretudo, porque, como será devidamente

demonstrado, na Metafísica da Ética, enquanto coisa-em-si, somente a Vontade é livre,

portanto, não submissa a qualquer imperativo ético convencional, e o tempo a ela

correspondente é um tipo de tempo presente que não pode ser mensurado, nisto em nada

diferindo do tempo da intuição estética.

CAPÍTULO 1

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9

O CONCEITO METAFÍSICA DO BELO 18

―A estética ensina o caminho pelo qual o efeito do belo é atingido, dá regras às

artes, segundo as quais elas devem criar o belo. A metafísica do belo,

entretanto, investiga a essência íntima da beleza, tanto no que diz respeito ao

sujeito que possui a sensação do belo quanto ao objeto que a ocasiona‖.

Schopenhauer, In Metafísica do Belo, p.24.

Na filosofia de Schopenhauer, o conhecimento objetivo é apresentado como um modo

excepcional de conhecer, cujo melhor representante é o gênio esteta. Ele destacou a questão

do conhecimento da Idéia, onde a arte é apresentada como um modo especial de

conhecimento em nós, um modo muito peculiar de apreciação do mundo. Para isto, partiu de

uma interpretação própria de escritos platônicos como: Parmênides 132, a-d e República. X,

597b, entendendo as Idéias como representações independentes do princípio de razão no

objeto da arte, a verdade daquela intuição do belo ou ato originário da Vontade como coisa

em si, aquilo que o puro sujeito do conhecimento destituído de vontade e sofrimento apreende

e que difere, in toto, do mundo fenomênico. Em suma, a essência das coisas do mundo

fenomênico. Após o que, para ele, a obra do gênio esteta assumiria um caráter de

superioridade em relação ao conceito da filosofia; o mesmo ocorrendo com a intuição estética

do mundo em relação ao modo empírico de conhecimento. A diferença entre fenômeno e

idéia, embora ambos sejam representações, passou a ser neste último caso, a independência do

princípio de razão.

Superando a relação sujeito e objeto19, característica do princípio de razão e do modo

empírico ou modo subjetivo de conhecer, o gênio esteta conhece objetivamente porque

18

Em 1820, na universidade de Berlim, Schopenhauer proferiu uma série de conferências intituladas Teoria de

toda representação, pensamento e conhecimento; Metafísica da natureza, Metafísica da ética e Metafísica do

Belo. Por mera praticidade utilizaremos, na base da primeira parte deste discurso, o texto SCHOPENHAUER,

Arthur. Metafísica do Belo. Tradução, apresentação e notas de Jair Barboza. São Paulo: Ed. Unesp, 2003. E que

corresponde a uma daquelas preleções, uma vez que esta possui um caráter mais didático. Contudo, a terceira

seção de O mundo como vontade e como representação, assim como, também, passagens importantes de outras

seções da mesma obra e seus suplementos não serão desprezadas, tampouco, outras traduções, principalmente

em língua espanhola, que possam oferecer maior clareza de entendimento em algum momento. A expressão

alemã Metaphysik des Schönen implica na possibilidade de a realidade das coisas que se baseiam no fenômeno

poder ser acessada por intuição pura ou estética onde o belo natural se expressa como conhecimento objetivo da

Idéia platônica nos objetos do mundo. Cf. BARBOZA, Jair. A Metafísica do Belo de Arthur Schopenhauer. São

Paulo: Humanitas/ FFLCH/ USP, 2001, p. 9. 19

A total superação da aparente oposição entre o sujeito cognoscente e seus objetos só seria possível nas ciências

históricas, embora de forma limitada. A objetividade do conhecimento é entendida aqui como despersonalização

do conhecimento, no sentido de um conhecimento da coletividade que se despersonaliza enquanto olhar humano

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10

contempla o mundo com um olhar desinteressado capaz de atingir a sua Idéia. Tal

conhecimento dá-se como correlato necessário dela, ou seja, como puro sujeito do

conhecimento destituído de vontade. Tal conhecimento é eficaz quando se trata de uma

abordagem filosófica da essência da natureza da conduta humana em qualquer época.

Em Schopenhauer, a Idéia do mundo é a manifestação essencial do fenômeno;

contudo, acessamos seu conhecimento de modo fragmentado, como que montando partes

desconexas de um quebra-cabeça. A essência das coisas só pode ser conhecida no instante em

que apreendemos o todo da Idéia. Portanto, a essência do mundo só pode ser compreendida no

momento em que se distingue a Vontade como coisa em si, de sua adequada objetivação nos

diversos graus das coisas no mundo. Portanto, as idéias devem ser distinguidas de suas meras

manifestações pela forma do princípio de razão que propõe, nada mais, que um modo

condicionado de conhecimento não essencial. ―A Idéia (...) fala a cada um de acordo com a

medida de sua própria faculdade pura de conhecimento, e também quando está expressa na

obra de arte‖.20

Desse modo, a Idéia platônica é a representação separada da doutrina do

entendimento, é ―o arquétipo eterno das coisas fenomênicas, às quais se tem acesso por

contemplação estética e a Metafísica do belo se ocupará com o conteúdo arquetípico e

imorredouro das coisas transitórias‖;21 e onde as considerações acerca do Belo, representam

uma parte necessária do todo da filosofia, como membro intermediário entre a metafísica da

natureza e a metafísica da ética, uma complementa e esclarece a outra.

Portanto, o belo, para os limites desta dissertação, deve ser tido:

(...) como um conhecimento em nós, um modo todo especial de conhecer, e nos

perguntamos que esclarecimentos esse modo de conhecer nos fornece acerca do todo

de nossa concepção de mundo‖. ―Com um nome universalmente compreensível,

metafísica do belo significa, propriamente dizendo, a doutrina da representação na

medida em que esta não segue o princípio de razão, é independente dele, ou seja, a

doutrina da apreensão das Idéias, que são justamente o objeto da arte.22

universal para o passado que, em certo sentido, nos constitui e nos faz vislumbrar a possibilidade do novo tempo.

Desse modo, o ser deve ser pensado como o tempo, e, as concepções idealistas de mundo devem ser

confrontadas por uma leitura factual deste. Cf. GADAMER, Hans-Georg. A Razão na Época da Ciência. Trad.

De Ângela Dias. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1983. 20

SCHOPENHAUER, A. Metafísica do Belo. Tradução, apresentação e notas de Jair Barboza. São Paulo: Ed.

UNESP, 2003. p. 177. 21

SCHOPENHAUER, 2003, p. 23. 22

Idem, p. 23 e 25.

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11

Na Metafísica do Belo, a intuição estética atinge algo no fenômeno que é uma

manifestação maior, e o que torna o próprio mundo fenomênico possível. A obra de arte

manifesta a essência daquilo que é belo. Assim, é uma atitude tola contemplar o aparente do

mundo. Segundo Schopenhauer se deve buscar o que é essencial no mundo e não o

meramente formal, uma vez que, para além do meramente fenomênico, podemos conhecer

objetivamente a Idéia, embora isto ocorra de forma fugaz, como que num arroubo. A idéia se

mostra como todo; o fenômeno, em partes, dispersado conforme a noção de espaço, de tempo

e de causalidade.

Sendo a vontade o que nos impele ao conhecimento dos objetos, ao torná-la

desinteressada, elevamo-nos ao nível do conhecimento que apresenta a Idéia como ela é, ou

seja, a coisa em si do mundo encontraria nesse ‗desinteresse‘ uma forma de se fazer conhecer

independentemente da razão.

Para Platão, a idéia não se manifesta no mundo fenomênico. Neste ponto,

Schopenhauer alega que ela quer se manifestar através do fenômeno, ou seja, é Idéia do

fenômeno e causa final do mundo fenomênico. A coisa em si é a própria Vontade na Idéia e

conhecimento objetivo dela mesma. Como disse, ―somente a Vontade é a coisa em si, só ela é

a fonte de todos os fenômenos. Seu acontecimento, e daí a decisão pela afirmação ou negação

de si, são o único acontecimento‖.23

Na filosofia de Schopenhauer, a Idéia é apresentada como a manifestação mais

completa da Vontade, e onde sua objetidade mais adequada reside. Ela é constituída pelo

essencial dos graus de objetivação da Vontade, isto é, o essencial dos fenômenos.

Embora os animais, em geral, sejam capazes de representação, somente no homem

ocorre a intuição da Vontade como coisa em si; isto não pode ocorrer noutros graus que lhe

são inferiores: o mineral e o vegetal. A Idéia é a primeira objetidade da Vontade como coisa

em si, e, esta Vontade é o único real. Assim sendo, a verdade essencial da Idéia está oculta no

fenômeno e se manifesta de forma não causal, porque é atemporal. A multiplicidade dos

fenômenos no mundo distrai as mentes menos argutas, que se atêm apenas aos encadeamentos

causais que se impõem por força do princípio de razão. No entanto, a suma objetiva daquilo

que se deve saber, isto é, o discurso da Idéia ou o essencial do fenômeno, torna-se ofuscado

pelo festival do fluxo intermitente de objetos na efetividade, o que Schopenhauer denomina

Véu de Maia 24, recorrendo a uma figura da tradição mitológica hindu.

23

SCHOPENHAUER, 2003, p. 55. 24

Aquilo que antes de nascer já é. No segundo capítulo do Bhagavad Gita, ou ―o som ou a canção do senhor‖, o

espetacular livro de conhecimento védico da Índia, o guerreiro Arjuna, literalmente ―o homem em

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12

Portanto, a Idéia ou objetidade imediata e adequada da coisa em si é o conteúdo e o

objeto próprio da arte que, por sua vez, possui como único fim, a comunicação desse

conhecimento.25 Contudo, há dois fatores determinantes de que um objeto seja considerado

esteticamente, segundo Schopenhauer:

O objeto do Belo em questão deve ser o conhecimento de um objeto não somente

como coisa isolada, mas como Idéia (...) a ser considerado independentemente de

todas as relações, arrancado de seu nexo causal, concebido meramente em seu íntimo

e em suas determinações essenciais, não em seu exterior‖.

―Quem assim considera um objeto deixa de estar consciente de si mesmo enquanto

indivíduo, tornando-se meramente a consciência de si daquele que conhece não como

indivíduo, mas como puro sujeito do conhecimento destituído de vontade. 26

Como vemos, somente a Idéia é capaz de exprimir a realidade verdadeira, e a

multiplicidade dos fenômenos no mundo efetivo não passa de graus de objetivação da

Vontade. Isto evidencia que o acontecimento capital para qualquer indivíduo é a concepção da

Idéia; de modo que, o que quer que ocorra na vida de qualquer um, a sorte, a fortuna ou a

desgraça em nada se podem comparar a isso. Aquilo que ocorre no mundo dos fenômenos

pode representar para alguém o desperdício, a perda ou o ganho, contudo, a Vontade que se

objetiva na efetividade não pode ser esgotada, ou seja, sendo Ela qualidade infinita, não se

desenvolvimento‖, pergunta ao deus Krishna, o ―Eu Superior‖ do homem, como diferenciar as pessoas em

estado evolutivo avançado das de estado evolutivo atrasado. Krishna responde: ―Aquilo que parece ser claridade

de dia à massa do povo é, para o homem evoluído, escuridão e ignorância; e aquilo que é noite para a multidão, o

sábio reconhece como luz meridiana. Isto quer dizer que aquilo que à gente do mundo sensorial parece ser

verdadeiro, para o sábio é ilusão; e aquilo que a maior parte dos homens julga ser irreal e não existente, o sábio

reconhece como o único real e existente‖. Segundo o budismo, o disparate entre sábios e ignorantes é produto do

Véu de Maia ou da ilusão causada pela matéria e incapacidade de enxergar além dela, que nos mantem

adormecidos à medida que limita nossas visões àquilo que entendemos como realidade: valorizamos somente o

que é concreto, devemos obediência ao que o senso comum aprove e reconhecemos apenas os fenômenos

empíricos, ignorando a legitimidade das experiências místicas onde o essencial é invisível. Mas, ilusão é

justamente o mundo concreto que o Véu de Maia sustenta. Em outras palavras, se a realidade acaba quando

morremos, ela é tão ilusória e finita quanto um sonho. O que realmente importa é o que levamos conosco, e o

que levamos conosco não pertence aos domínios de Maia. O sábio, em algum momento de sua trajetória,

conseguiu fazer um rasgo no tecido ilusório do Véu de Maia e reconheceu qual a verdadeira natureza da

existência. Despertou do estado de coma. Ele compreende que sua encarnação é uma sagrada oportunidade

evolutiva, e que precisa de atenção para que seja completamente usufruída. O sábio cuida de sua saúde para

prolongar seu tempo; ele participa da vida social para poder desfazer karmas, ajudar a quem precisa e modificar

o que é incerto; ele trabalha, é produtivo, porque precisa devolver ao planeta o ar, a água e o alimento que

consome. Mas o sábio também vê que, muitas vezes as regras, as instituições e as culturas inundam a vida de

costumes que afasta os homens de seu Eu Superior através de detalhes que simplesmente não fazem a menor

diferença para sua galgada espiritual. Na sabedoria védica, descobrir-se do Véu de Maia é descobrir-se a si

mesmo e, conseqüentemente, descobrir o Deus a-religioso dentro de cada ser humano através do Eu Superior. O

desconforto da solidão provém de nossos condicionamentos Maia em acreditar que, sozinhos, somos frágeis,

incompletos e incapazes. Contudo, o que se precisa saber para alcançar a plenitude desde sempre já está em nós.

Cf. BHAGAVAD-GITA (O). O som de Deus. Tradução para o português de Ramananda Prasad e Swami

Krisnapriyanada Saraswati. (American/ International Gita Society) e TINÔCO, Carlos Alberto. O pensamento

Védico: uma introdução. São Paulo, SP: IBRASA, 1992, p. 119-120. 25

Cf. SCHOPENHAUER, 2003, p. 58. 26

Idem, p. 89 e 120.

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esgota no plano quantitativo da finitude. Portanto, o inesgotável da infinitude retorna

continuamente do ciclo do mundo, como Vontade gradativamente determinada e de onde

pende a Idéia.

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14

1.1. A VONTADE DESINTERESSADA

―Como todo querer é um extravio, a obra última da inteligência consiste na

superação da vontade‖.

(Schopenhauer, In MVR T. II, § 48).

Schopenhauer destaca que a satisfação ocorre mui dificilmente, ao passo que o desejo

facilmente retorna ao foco da nossa subjetividade, numa proporção de dez para um, ou seja, é

dez vezes mais fácil a nós produzirmos um desejo do que satisfazê-lo. O mesmo também se

verifica claramente no campo do conhecimento. Daí que a satisfação ocorre sempre de

maneira fugaz na tempestade contínua das exigências da Vontade. Então, podemos entender

que não pode haver uma satisfação cabal para o desejo e podemos concluir facilmente que

existe um abismo crucial entre o sujeito do querer e o puro sujeito do conhecimento27.

O desejo e a sua conseqüente satisfação, ambos se encontram dispostos de maneira

inversamente proporcional, isto é, na medida em que aumenta o querer, diminui a

possibilidade de satisfação. Isto encerra o sujeito do querer na clausura do sofrimento, de

onde jamais escapará; a menos que seja arrebatado à plena satisfação, pela intuição estética do

conhecimento objetivo da Idéia. Mas, isto, conforme o autor, só ocorre de maneira fugaz,

como num piscar de olhos, pela vontade desinteressada ou negação momentânea de todo

querer.

Esse é o modo de abordagem estética do mundo, capaz de gerar repouso e

tranqüilidade momentâneos no incessante balanço do pêndulo entre o desejo e o sofrimento,

aquilo que Schopenhauer descreve como ―a condição subjetiva do conhecimento da Idéia‖.28

Por sua vez, o conhecimento da idéia é um conhecimento não subjetivo, de quem se entrega

ao objeto tão diretamente quanto desinteressadamente, e onde há possibilidade do

conhecimento da realidade em si ocorrer na transição do indivíduo para o puro sujeito do

conhecer, pelo primado do conhecimento objetivo sobre o empírico. ―Trata-se do domínio do

conhecimento puramente objetivo, onde somos por inteiro estranhos à miséria. Tal domínio

27

Cf. SCHOPENHAUER, 2003, p. 15, linhas 14-22. Sobre a verdade da intuição estética ou conhecimento

objetivo. 28

SCHOPENHAUER, 2003, p. 90. Veja também o § 57 do MVR.

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sempre está nas proximidades, apenas, na maioria das vezes nos falta aquela faculdade de

espírito para nos manter nele por bastante tempo‖.29

O gênio artístico atinge esse estado de satisfação, capturando de modo duradouro em

sua obra, a Idéia; intuindo, assim, o saber apaziguador de todo sofrimento; e que haure, num

lampejo, o conhecimento objetivo.30 Somente ele é capaz desse tipo de intuição objetiva que

isenta o conhecimento do serviço da vontade, possibilitando encontrá-lo sem mediação na

natureza e ser exposto pela obra de arte.

Schopenhauer acredita que o puro conhecer é seguido da liberdade e da tranqüilidade

de espírito, e que a desgraça do ser humano provém da individualidade e do querer incessante,

que só é traspassada pelo olhar desinteressado, ―índole estética ou genial de espírito‖ 31 quase

sempre incomum à grande maioria dos homens. Não obstante, para ele, todos possuem

genialidade, em menor ou maior grau. Contudo, somente o gênio artístico propriamente dito é

capaz de conceber tal objetidade, intuindo, por meio do puro conhecer, a Idéia a partir da

natureza.

A beleza estética da natureza nos instiga a lançar um olhar objetivo sobre o mundo, o

que caracteriza o estado do puro conhecer e proporciona a superação imediata da angústia

oriunda da Vontade. A individualidade é anulada nessa contemplação intuitiva do belo. No

instante em que se entrega à pura contemplação estética da verdade que permanecia envolta

pelo véu do fenômeno, o indivíduo desaparece. Neste ponto a consciência se equipara ao

verdadeiro e único saber dado pela dissolução da diferenciação entre sujeito e objeto.

Há, para Schopenhauer, um estado ideal, no qual o espírito humano torna-se pleno de

satisfação pela anulação da vontade que propicia o conhecimento mais objetivo do real.

Portanto, o conhecimento objetivo da intuição estética proporciona adentrarmos ao domínio

da plena liberdade; momento ‗divino‘, ainda que fugaz, porque: uma vez recobrada a

consciência da vontade de si, esfuma-se a satisfação que volta a ser anulada pelo desejo.32

Desse modo, o sofrimento humano é fomentado pelo querer e pela individualidade

que, por sua vez, em desaparecendo da consciência pela intuição estética, proporcionam a

29

SCHOPENHAUER, 2003, p. 94. 30

Trataremos disto mais detidamente na seção 1.5. Sobre o gênio e sua obra. 31

SCHOPENHAUER, 2003, p. 95. 32

Originalmente, estamos a serviço da Vontade no que concerne ao conhecimento empírico em geral. A fugaz

satisfação de um determinado saber não pode calar a Vontade cósmica. Desse modo, na medida em que avança o

hábito, pela repetição contínua do desejo, decresce o contentamento. Todo desejo de contentamento é poço sem

fundo, é depressivo. O sujeito do querer é o principal adversário do sujeito do puro saber, e, o sofrimento é

perpetuado no mundo pelos sujeitos da Vontade. Veremos nos itens 2.1 e 2.3 que a diferenciação da liberdade

fugaz do artista e a duração da clarividência do santo fica seriamente comprometida mediante a noção de Nunc

stans.

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satisfação e a alegria advindas da contemplação do Belo. É o que, na Metafísica do Belo, o

filósofo entende como sendo:

(...) a bem-aventurança que o intuir livre de vontade traz consigo ‗e que‘ explica (...)

porque a recordação de tempos pretéritos e lugares distantes permite que estes sejam

vistos numa luz tão bela; e, enquanto o presente atual raramente nos satisfaz, o que se

encontra longínquo no tempo e no espaço sempre é envolto por um encanto

maravilhoso, devido a uma auto-ilusão.33

Por meio de um estudo sobre a fantasia e a auto-ilusão; em relação às lembranças do

passado, Schopenhauer demonstra que a consciência objetiva possui primazia sobre a

consciência individual-subjetiva, pois somente a primeira não se relaciona com a Vontade,

permitindo a unificação do puro sujeito do conhecer com a idéia haurida de um objeto

arrancado do fluxo temporal das relações, por vontade desinteressada. Tal sujeito, deixando

de ser na sua vontade e passando a ser na representação independente do princípio de razão,

torna todo o sofrimento suspenso podendo atingir gradualmente, o conhecimento da coisa em

si.

33

SCHOPENHAUER, 2003, p. 96.

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17

1.2. PRIMADO DA BELA ARTE SOBRE A ALEGORIA E O CONCEITO

O prazer do pensamento puro não é estético. Ele nos desvia da ocupação com

nossos objetivos individuais, mas não nos arranca por completo e de uma vez

de nossa personalidade, como é o caso da intuição pura.

(Schopenhauer, In Metafísica do Belo, p. 100).

Schopenhauer argumenta que a obra de arte não é produzida pelo artista com o fito de

expressar algum conceito; como o que ocorre propriamente na alegoria, que é uma obra de

arte com significado diverso ao exposto nela. Daí, se a obra possui tal intenção, dever-se-á

caracterizá-la como obra de alegoria, ou, que diz algo visando expressar justamente outra

coisa.

O que ocorre com a Idéia, a partir da autêntica obra de arte, é que ela manifesta-se de

forma direta, pela intuição pura, expressando exatamente aquilo que é. Cabe ao conceito, o

papel de mediador do conhecimento subjetivo, e, todo ele acaba assumindo um papel

meramente alegórico, indicando sempre uma coisa diferente do que diz e, assim, jamais

poderá dar conta da Idéia como o faz a obra de arte genuína. Desse modo, ―(...) temos de usar

as palavras em conformidade com seu sentido etimológico originário (...) nesse contexto a

alegoria e o símbolo diferenciam-se no objeto e na expressão‖.34

Assim como na arte plástica, também na poesia a alegoria se transforma em símbolo

se entre o que é exposto e o que é indicado abstratamente existir apenas uma relação

arbitrária. Desvantagem do símbolo cujo sentido é completamente esquecido com o

tempo e não diz mais nada. Assim, a revelação de João (O Apocalipse), como alegoria

poética, é aquilo que são, como exposição plástica, os hieróglifos do Egito.35

Quanto a isto, Schopenhauer estabelece, ainda, algumas diferenciações bastante significativas

e indispensáveis:

1. ―(...) Mediante a alegoria um conceito deve sempre ser indicado e, assim, o espírito do

espectador é desviado da representação intuitiva (...)‖. O não intuitivo é abstrato, portanto

34

SCHOPENHAUER, 2003, p. 185. 35

Idem, p. 192.

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18

subjetivo e impotente para o conhecimento da Idéia. Pelo conceito ―mediante a alegoria‖ não

ocorre ao ―espírito do espectador‖ aquela experiência ―da representação intuitiva‖.36

2. Diferenciação entre sentido real e sentido nominal de uma imagem - este último está

relacionado ao ―elemento alegórico conceitual‖ ao passo que, o primeiro, dá-se ao imediato

exposto, isto é, a objetidade da Idéia que se exprime por inteiro.

Esse sentido real, a exposição intuitiva, exprime Idéias: a Idéia do ser humano como

mulher jovem, como ancião e assim por diante; porém, esse sentido real faz efeito

sobre o expectador apenas na medida em ele não pensa no sentido nominal, alegórico:

basta que dirija sua atenção para este, e a intuição é abandonada, ocupando-o agora

conceitos in abstracto. Contudo, a transição da Idéia para o conceito é sempre uma

queda.37

O objetivo anteposto da alegoria, diz Schopenhauer, é conduzir o espírito do

espectador a um conceito abstrato, pelo que se entende, conforme ele, que:

Uma obra alegórica serve concomitantemente a dois fins, vale dizer, a expressão de

um conceito e de uma Idéia. A obra de arte só pode ser a expressão de uma Idéia. A

expressão de um conceito é um fim estranho à arte, um divertimento prazenteiro, uma

imagem que ao mesmo tempo serve para realizar o que uma inscrição, como um

hieróglifo, faz‖.

―(...) relação entre o que é exposto e o que é indicado (...) conexão baseada na

subsunção sob um conceito amplo ou sob uma associação objetiva de representações:

tudo isso (...) se deve nomear alegoria. (...) A palavra Symbolon, de Symballein

significa convenção, acordo.38

Como se vê, a característica da alegoria é despertar uma viva expressão no espectador,

contudo, isto também pode ser realizado por uma inscrição. No âmbito da alegoria se destaca

sempre o pensamento abstrato, o que deixa de fora o elemento intuitivo. Portanto, o racional

da alegoria, que é uma maneira imprópria de se indicar um conceito, sempre estará rebaixado

qualitativamente pelo intuitivo da obra de arte autêntica. Ocorrendo o mesmo com o símbolo

que, por meio de uma coisa totalmente diferente indica outra, apelando, por vezes, a uma

convenção necessária predeterminada, como ocorre na matemática e na lógica, por exemplo.

(...) então denomino SÍMBOLO esse tipo bastardo de alegoria. Assim, a rosa é o

símbolo da discrição; o louro, da glória; a palma, da vitória; a concha da peregrinação;

a cruz da religião cristã. Todas as alusões imediatas das simples cores também

pertencem ao símbolo: o amarelo, cor da falsidade; o azul da fidelidade. Tais símbolos

36

Ibidem, p. 180. 37 SCHOPENHAUER, 2003 p. 181. 38

Idem, p. 183 e 185.

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possuem com freqüência sua utilidade na vida, mas para a arte o seu valor é

estranho‖.39

Toda conexão entre coisa e conceito, é estabelecida de maneira fortuita, por meio de

uma convenção cultural, por exemplo. Símbolos ou sinais indicam algo diferente daquilo que

são e que, por ser convencionado, um mesmo símbolo pode indicar coisas diferentes em

lugares diferentes, culturas, ou ainda em religiões diferentes. O senso comum, a partir daí,

passa a estabelecer conexão entre conceitos e coisas que são completamente distintas.

Finalmente, fica caracterizado, até aqui, no pensamento do autor, o primado da

intuição estética sobre a racionalidade, da Idéia sobre o conceito, da bela arte sobre a alegoria.

39

SCHOPENHAUER, 2005, § 50, p. 316.

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1.3. O CORRELATO NECESSÁRIO DA IDÉIA

―... O ser de todas as artes consiste na idéia platônica de que o genérico está

contido no individual e de que cada objeto é representante de sua espécie‖.

(Arthur Schopenhauer).

Para Schopenhauer, o mundo da representação, ou seja, da imagem, objeto da arte, é o

mundo da Idéia ou da verdadeira realidade, o mundo da visão. Nenhum sentido humano

possui maior objetividade que a visão. Os demais sentidos, principalmente: o olfato e o

paladar são apresentados na Metafísica do Belo como os sentidos subjetivos por excelência.

Mas, ―O olho (...) é o único sentido puramente objetivo, que serve exclusivamente ao

conhecimento, sem que a sua sensação estimule de imediato à vontade. Destarte, ocorre que a

visão da luz, ou seja, o estímulo da atividade sensória do olho, já nos alegra espiritualmente

de imediato e por si mesma.‖ 40

Portanto, no plano da visão, da representação e das imagens se desvela a Idéia a partir

da intuição estética que é: a visão desvinculada de todo e qualquer apelo do mundo da

Vontade. A visão é o único sentido puramente objetivo, ela é o modo de conhecimento

intuitivo mais perfeito, o modo da satisfação que é dado aos sentidos como parte da fruição

estética. Nesse sentido, o filósofo destaca que a luz torna possível a visão e possui ―beleza

própria [ela] faz efeito, esteticamente, por si mesma (...) sendo o correlato e a condição do

modo de conhecimento mais perfeito, o único que não afeta de imediato à vontade, ou seja, a

visão‖.41Ele alega ainda que, decorre disto, o sentimento de satisfação pelo puro conhecimento

intermediado pela visão na base dos processos subjetivos daquele que vê e que isto é a alegria

do belo que caracteriza o mero subjetivo na satisfação estética. Acrescendo ainda que, ―com

esse lado subjetivo da contemplação estética sempre entra em cena simultaneamente, como

correlato necessário, o lado objetivo, o conhecimento intuitivo da Idéia‖.42 Portanto, na Metafísica do belo, por meio do puro sujeito do conhecer, o homem,

superando os mais ameaçadores transtornos da efetividade mundana contra a sua vontade,

traspassa-a pelo olhar, atingindo a superação dos objetos que o ameaçam e a serena intuição

desinteressada da Idéia; sendo, a obra de arte, o medium que conduz à Idéia e ―o

40

SCHOPENHAUER, 2003, p. 99. 41

Idem p. 98. Este é o nível de total ausência da consciência cognitiva. Esta é a dimensão a ser explorada, a da

intuição estética. Nela, a própria essência da imanência daquilo que somos é revelada no sujeito do puro

conhecer. 42

Ibidem p. 98.

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conhecimento do Belo supõe sempre, inseparável e simultaneamente, o puro sujeito que

conhece e a Idéia conhecida como objeto (...) a idéia e o puro sujeito do conhecer sempre

entram em cena na consciência ao mesmo tempo como correlatos necessários (...)‖.43

Vemos assim, que a Idéia e seu correlato necessário, o puro sujeito do conhecimento, é

o que atua simultaneamente na consciência. Neste ponto, as considerações relacionadas ao

tempo e ao princípio de razão se esfumam, pois se trata de considerar duas instâncias que não

podem ser abarcadas por ou relacionadas a tais esferas. Schopenhauer ilustra isso com o

exemplo do arco-íris e do sol; ambos não possuem qualquer participação na sucessão

incessante de gotículas caindo. Por mais maciço e imenso que seja este mundo, sua existência

depende, em qualquer momento, apenas de um fio único e delgadíssimo: a consciência em

que aparece.44

―Toda coisa é bela‖.45 Evidencia-se disto, o fato de que tudo que há no mundo

manifesta uma Idéia própria. A coisa isolada pelo artista funciona como um tipo de portal

visual pelo qual o observador se projeta na Idéia, por meio da intuição estética ou estado da

intuição pura. Cada objeto manifesta uma beleza particular que é a Idéia a exprimir-se desde

a natureza orgânica, passando pela inorgânica até as obras sublimes da arquitetura ou das artes

plásticas, até a poesia e a música, que é o que de mais metafísico pode haver no mundo físico,

pois não demanda qualquer mediação do intelecto.

Tudo que é belo clama por consideração estética, quanto mais bela a coisa, mais fácil

se torna, por meio dela, intuir a verdade da Idéia. Schopenhauer observou ainda que um

artefato como uma mesa ou uma cadeira, não expressam propriamente uma Idéia, mas sim um

conceito. Nisto visou corrigir Platão. 46

A satisfação estética ou sentimento de beleza assume um aspecto duplo e, assim

também, o correlato da idéia: a beleza se nos apresenta subjetivamente e objetivamente.

Juntos, estes dois aspectos fundamentais elucidam o belo. ―A imagem artística nos facilita a

disposição puramente objetiva, já pelo fato de ser uma mera imagem‖.47

A diferença entre o conhecimento do indivíduo e o do puro sujeito do conhecimento

reside no fato de que: o primeiro conhece apenas as coisas particulares em suas relações, já o

segundo, atinge o conhecimento das idéias, conhecimento relacionado ao fenômeno enquanto

43

SCHOPENHAUER, 2003, p. 120 e 125. 44

Cf. SCHOPENHAUER, 1988, p. 8. 45

Idem, p. 121. 46

Cf. República X, V, IX, VI b; Parmênides, 130, b-d. 47

In SCHOPENHAUER, 2003, p. 85.

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objetivação da Vontade e que permanece subserviente a esta pela vontade própria do

indivíduo. Portanto, todo fenômeno particular da Vontade depende do princípio de razão em

todas as suas formas. Por isso, e por meio do mesmo princípio, adquire-se conhecimento

apenas acerca do fenômeno, e, o objeto deste tipo de conhecimento são as relações entre

coisas, disto resultando o caráter utilitarista da ciência empírica em geral.

Como vimos, o puro sujeito do conhecimento possui um correlato necessário: a Idéia,

e, ambos se encontram independentes do princípio de razão onde sujeito e objeto do

conhecimento, relações e coisas afins nada significam.

Ora, na Metafísica do belo, o mundo como representação só se torna possível pela

elevação do indivíduo ao puro sujeito do conhecimento. Com ele, o objeto de sua

contemplação se eleva à pura Idéia, perfeita objetivação da Vontade, e, nesse ponto, o objeto

passa a ser a própria representação do sujeito que se perdeu (esvaziou-se de sua

individualidade) na contemplação pura do objeto intuído. Um se identifica no outro, e a

consciência como um todo, torna-se a tela onde esta imagem nítida é projetada; o espelho que

a reflete.

Aquela essência do mundo como representação, se dá na consciência genial,

porquanto é nela que transitam todos os graus de objetivação da Vontade, isto é, as Idéias das

coisas. Tudo que existe no mundo atual ou que já existiu, ou que haverá de existir, nada mais

é do que a multiplicação das idéias em graus determinados, e, o princípio de razão é o que

proporciona tudo aquilo que o indivíduo propriamente conhece, ou seja, a forma das coisas e

suas relações conforme se lhes apresentam. Contudo, na Idéia, sujeito e objeto não podem ser

distinguidos, porquanto, nela, o mundo se dá como uma objetivação pura da Vontade.

A Vontade é o em si da Idéia e se dá fora da representação sensível como uma só e

mesma coisa, sendo também o em si das coisas individuais e do indivíduo que as conhece e

que sempre as objetiva de maneira imperfeita.

Na Metafísica do Belo, o conhecimento resultante da operação da fórmula sujeito e

objeto é o das formas mais rudimentares, já que nela não há mais aquela distinção e não se

poderia falar de indivíduo que conhece e de coisa conhecida.

Para Schopenhauer, o conhecimento empírico deriva do próprio mundo como

representação e, fora deste, tudo que resta é a mera compreensão da Vontade enquanto

impulso cego. Já o conhecimento objetivo não pode ser apreendido na memória48 pelo

48

Diz o senso comum: ‗recordar é viver‘. A auto-ilusão do passado é a purificação de todo sofrimento e cuidado.

O cuidado e o sofrimento turvam as imagens do presente. A fantasia do passado trás algo de objetivo. O passado,

desse modo, estaria isento do princípio de razão e isento da vontade pela ilusão do rememorar tempos e

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entendimento, visto que o mais objetivo ou a Idéia não pode ser compreendida pela

subjetividade. São ambos, mundos incomunicáveis, embora se possa pensar acerca deles.

Assim, para que o mundo objetivo da Idéia se apresente é necessário que o mundo subjetivo

do indivíduo desapareça e vice-versa. Portanto, somente o puro sujeito do conhecer destituído

de vontade pode elevar-se à Idéia, sendo ele o correlato necessário daquela.

Como vemos, a consciência objetiva e a satisfação estética no indivíduo ocorrem

como uma suspensão fugaz de todo sofrimento e pela suspensão cabal, ainda que

momentânea, do desejo culminando na tranqüilidade ou libertação de todo querer, isto é, o

sujeito, entregue à contemplação da natureza, nela se perde, absorvendo-se até o ponto de

tornar-se o próprio correlato desta idéia.

A Vontade é a coisa em si, determina o modo condicionado do conhecimento

individual; ao passo que, a sua objetivação adequada - nos diferentes graus em que ela

aparece cada vez mais distinta e perfeita - manifesta as idéias a partir das formas do princípio

de razão. Neste ponto, não há acordo com a noção platônica de que as coisas existentes no

tempo e no espaço não são mais autênticas que as do Mundo das Idéias. Aquilo que compõe

para o indivíduo o mundo real, para Platão possui, meramente, uma existência aparente e

ilusória; aquilo que constitui uma idéia é unicamente pura essência.49

Do deslocamento da Idéia ao princípio de razão, se determinam os múltiplos e

variados aspectos das coisas, e, todos eles são inessenciais, constituem a forma de

conhecimento do indivíduo: O fenômeno ou aquilo que é estranho ao conhecimento da idéia

propriamente dita.

Segundo Schopenhauer, quem chega a esta compreensão de mundo, é capaz de

diferenciar a Vontade da Idéia50, e esta de seu fenômeno; e poderá ver nas vicissitudes da

História, por exemplo, nada mais que um alfabeto pelo qual se pode ler a idéia do fenômeno

humano.

vivências que se perderam no tempo. Freud, posteriormente a Schopenhauer, estudou a relação da auto-ilusão

com a memória e a fantasia. Cf. SCHOPENHAUER 2003, p. 96 e FREUD, Sigmund. O futuro de uma ilusão

(Coleção ―Os Pensadores‖- vol. Freud). Tradução de José Otávio de Aguiar Abreu. 2ª ed. São Paulo: Abril

Cultural, São Paulo, 1978. 49

Cf. SCHOPENHAUER, 2005 § 30 e § 31, p. 235 e 236. 50

O núcleo da Metafísica do belo é a temática: conhecimento da Idéia.

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1.4. AS DUAS VIAS DO CONHECIMENTO

A música nunca expressa ou copia o fenômeno, mas unicamente a essência

íntima, o Em-si de todos eles, a Vontade mesma.

(Schopenhauer, In Metafísica do Belo, p. 234).

Para abordar os modos de conhecer indispensáveis ao interesse deste trabalho,

permaneceremos no âmbito do O mundo como vontade e como representação e em linha com

a Metafísica do Belo, tanto a de que trata a terceira parte da obra magna de Schopenhauer

como a da tradução para o português da preleção proferida na universidade de Berlim em

1820. Delas observamos que o princípio e fim só existem para o indivíduo condicionado pelas

formas a priori do entendimento e que toda afirmação da Vontade faz parecer que o fugaz não

é essencial como tudo aquilo que é duradouro e enfatizado pelo tempo. O filósofo mesmo

considerou que: ―Exterior ao tempo se encontra só a Vontade, a coisa em si de Kant, e sua

objetidade adequada, as Idéias de Platão‖.51

Vimos que uma descrição conceitual do belo da natureza e da arte, por exemplo, é

propriamente filosófica no sentido de que, em Schopenhauer, a filosofia expõe in abstracto a

significação essencial das coisas. A significação de uma coisa ou sua abstração, não é

propriamente o que na Metafísica do belo se entende por idéia ou coisa em si; uma vez que

ela deve ser entendida por si mesma e que o conceito ―... é indicado e representado por algo

inteiramente outro, visto que não pode por si mesmo ser trazido à intuição (...)‖. 52

Toda representação não intuitiva é propriamente abstrata, portanto, é imprópria para a

contemplação de uma idéia. Já o intuitivo estético é o que se atém a um objeto arrancando-o

da sucessão temporal, de tal maneira e com uma vívida intensidade, tão grandiosa que todo o

restante torna-se dispensável, sem relação com o querer, mas, antes, somente com a Vontade

que determina as idéias e permanece una em toda a extensão do universo como é coisa em si,

anterior e posterior a toda e qualquer relação temporal. Senão, vejamos uma observação

indispensável, conforme destaca o filósofo alemão:

O traço fundamental da minha doutrina, que a opõe a todas aquelas que a precederam

é a total separação entre vontade e conhecimento (...) esta separação, esta análise do

eu e da alma, por tanto tempo considerada um elemento simples, em dois

51

In SCHOPENHAUER, 2005 § 65, p. 467. 52

SCHOPENHAUER, 2003, p. 180.

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componentes heterogêneos, é para a filosofia aquilo que foi para a química a análise

da água, mesmo que isto só venha a ser reconhecido mais tarde.53

Para Schopenhauer, o conhecimento intuitivo e objetivo não pode ser acessado por

uma mera abstração do conteúdo da matéria54. Ele é o legítimo correlato do sujeito puro do

conhecer. Logo, não há relação entre intelecto e Vontade. A alma radica na Vontade como

resultante da síntese vontade/nôus, donde podermos entender a primazia da Vontade e a

incapacidade de todo ser cognoscente em atingi-la. Portanto, o conhecimento puro ou objetivo

exigirá a superação cabal do pensamento causal. Depreendemos, assim, que o ser do homem55

não se determina do cogito ou conhecimento consciente, mas, unicamente da Vontade.

Dessa descentralização da consciência56 segue-se que a Vontade não é a faculdade de

uma substância nem seu nome. Ela é o núcleo do ser do homem. É ―Algo simplesmente dado,

sempre presente, intransponível‖.57

O mundo como representação é o que só existe enquanto entendimento de um

determinado sujeito que o percebe. O gênio esteta é quem supera o princípio de individuação

e o modo comum de se aperceber no mundo. Eis, portanto, a única verdade a priori segundo

Schopenhauer: Tudo que se pode conhecer empiricamente58 no universo não passa de mera

representação e o sujeito é a condição de existência do mundo como representação.

Sobre a má interpretação da noção kantiana de coisa em si – pois Kant não entendeu

que a coisa em si coincide com a Vontade - Schopenhauer exorta que: ―Uma realidade que

53

In Sobre a Vontade na Natureza, Fisiologia e Patologia; Cf. LEFRANC, 2005, p. 91. 54

Neste ponto o conteúdo da noção de substância não é outro senão a matéria inalterável, não obstante a

modificação da qualidade da forma, o que caracteriza toda mudança. A volição é tomada aqui como sendo

posterior à capacidade inata da alma de acessar o conhecimento do mundo. Nisto há também elementos da

chamada psicologia racional de Kant. Cf. MVR § 4 p. 52. 55

Segundo o Dr. Ramananda Prasad, ao intoduzir a sua tradução do Bhagavad-Gita: O Ser do homem ou Atma é

também chamado alma ou consciência, e é a origem da vida e o poder cósmico por detrás do complexo corpo-

mente. Do mesmo modo como um corpo existe no espaço, similarmente, nossos pensamentos, intelecto,

emoções, e psique, existem no Ser, o espaço da consciência. O Ser não pode ser percebido por nossos sentidos

físicos porque está além do domínio dos sentidos que foram desenvolvidos para a compreensão dos objetos

físicos. A palavra Atma foi usada também no Gita para, o ser inferior (corpo, mente e sentidos), psique, intelecto,

alma, espírito, sentidos sutis, si mesmo, ego, coração, seres humanos, Ser Eterno Brahman, Verdade Absoluta,

alma individual, e superalma, ou o Supremo Ser, dependendo do contexto. Cf. Introdução, in BHAGAVAD-

GITA (O). O som de Deus. Tradução para o português de Ramananda Prasad e Swami Krisnapriyananda

Saraswati. (American/ International Gita Society). 56

A consciência, embora ligada ao mundo sensível, não pode ser experienciada, isto é, não é, propriamente

falando, objeto da ciência. 57

LEFRANC, 2005, p. 93. 58

De conformidade com pensadores como Vyasa, da antiga Escola Vedanta indiana, e diferentemente do que

diria Kant, Schopenhauer destaca que a matéria coexiste com a percepção, da qual depende sua existência,

idealidade transcendental e realidade empírica. O mundo como representação é o que consideramos a partir da

nossa percepção, é uma síntese entre a realidade exterior e a consciência humana.

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constituísse um objeto em si que não fosse uma representação nem vontade seria um monstro

(...) admiti-la em filosofia seria deixar-se deslumbrar por um fogo fátuo‖.59

A condição a priori do objeto perceptível é o sujeito, e, tudo que existe, existe para um

sujeito cujas formas geradoras da multiplicidade são o tempo e o espaço.

Em Schopenhauer, o sujeito conhece e nunca é conhecido, não estando propriamente,

também, compreendido pelo tempo e pelo espaço. Desse modo, o mundo como representação

se divide em duas metades necessárias, essenciais e inseparáveis: o sujeito e o objeto. Tempo

e espaço são as formas essenciais e gerais de todo objeto, são formas gerais da intuição,

intuídos por si e independente de toda experiência; representam ainda, a base da matemática

em sua indefectibilidade quantitativa. Entretanto, o sujeito mesmo, isto é, sujeito completo e

indivisível, cada ser capaz de representação, só se encontra fora de ambos. Pelo que se conclui

aqui que o mundo como representação desapareceria se desaparecessem todos os sujeitos,

porquanto essas duas metades possuem sentido única e exclusivamente uma para a outra.

Como assevera o filósofo: ―Onde o objeto começa termina o sujeito‖.60 Isto, conforme o

princípio de razão seja a expressão comum das formas a priori do entendimento, e, tudo que

podemos saber de puramente a priori, é o conteúdo não dado ao entendimento deste princípio;

senão pela intuição estética, na qual se expressa todo conhecimento imorredouro e objetivo.

As representações podem ser intuitivas ou abstratas. Nesta última classe incluem-se os

conceitos que são formulados pela capacidade racional. Enquanto que, no caso das

representações intuitivas, elas são as que abarcam todo o mundo da experiência e sua

condição de possibilidade.

Para Kant, as formas gerais do entendimento podem ser descritas tanto pelos conceitos

como podem, também, ser intuídas a priori da sensibilidade. Suas propriedades podem ser

abstraídas e também intuídas em seu conteúdo. Espaço e tempo são, portanto, as formas mais

gerais da percepção e, conseqüentemente, da experiência e as suas propriedades são

conhecidas a priori pela intuição. Ambas as formas possuem valor de leis de toda experiência

possível. ―... O tempo e o espaço, contudo podem ser considerados como formas puras e

vazias de conteúdo como uma classe especial de representações com existência própria‖.61

Agora, partindo para uma exposição mais direta das duas vias de conhecimento em

questão, consideremos inicialmente que o princípio de razão condiciona a experiência como

59

In SCHOPENHAUER, 2005 § I, p, 45. Aqui, foi adaptada uma versão desta passagem, por motivo meramente

didático. Conforme ao similar espanhol: SCHOPENHAUER, Arturo. El Mundo Como Voluntad y

Representacion. Cuidad de México: Editorial Porrúa, S.A., 1992. 60 Ibid. 61

Ibid. p. 21.

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lei de causalidade e motivação, e o pensamento como lei de fundamentação dos juízos no

tempo, a linha sem extensão e sem conteúdo que limita passado e futuro. Por outro lado, a

objetivação adequada da Vontade pelo conhecimento intuitivo estético pressupõe que o objeto

expressa sua idéia, livre das formas do princípio de razão; e que o sujeito seja puro sujeito do

conhecer, emancipado de toda individualidade e subserviência à Vontade.

Como o tempo é a forma do princípio de razão cuja propriedade única ou a sua

essência própria é a sucessão, então, o princípio de razão é o domínio do conteúdo das formas

no espaço e no tempo, e, a perceptibilidade delas é dada pela matéria que fundamenta a lei de

causalidade. Para Schopenhauer, esta lei nada mais é do que a essência própria da matéria

cujo ser é força, no sentido de atividade, movimento e ação.62

A variação segundo as regras de atuação de um objeto sobre outro, determinando a

atualidade de um dado arranjo de objetos no tempo e no espaço, tudo isso se constitui a partir

da matéria. A isto, em conformidade ao princípio de razão, denominamos variação ocorrida

nos domínios do espaço e do tempo: princípio de razão do devir ou lei de causalidade. Como

disse o filósofo, ―(...) a ciência considera os fenômenos do mundo seguindo o fio condutor do

princípio de razão, ao passo que a arte coloca totalmente de lado o princípio de razão,

independe dele, para que assim a idéia entre em cena‖.63Portanto, nossa representação

intuitiva do espaço e do tempo depende necessariamente da matéria, sua forma pressupõe uma

ação própria no espaço e o próprio espaço, referindo-se sempre a uma mudança e a uma nova

representação temporal. Portanto, não se pode supor o tempo e o espaço separadamente da

matéria cuja essência constitui a união do tempo e do espaço na causalidade e no agir. De

onde se deriva a sua essência ou energia dinâmica.

Na Crítica da filosofia de Kant, podemos entender que a intuição estética

schopenhaueriana não é utilitarista, e, o conhecimento objetivo não é conhecimento

instrumental. Para Kant, o sujeito en-forma o objeto64, mas não na sua essencialidade, desse

modo, a coisa em si poderia ser pensada, mas, não poderia ser conhecida.

62

Cf. § 4 p. 23, In SCHOPENHAUER, 1992. 63

SCHOPENHAUER, 2003 p. 57. 64

Kant afirma no prefácio da segunda edição da Crítica da Razão Pura: "Até agora se supôs que todo nosso

conhecimento tinha que se regular pelos objetos; porém todas as tentativas de mediante conceitos estabelecer

algo a priori sobre os mesmos, através do que ampliaria o nosso conhecimento, fracassaram sob esta

pressuposição. Por isso, tente-se ver uma vez se não progredimos melhor nas tarefas da Metafísica admitindo

que os objetos têm que se regular pelo nosso conhecimento, o que concorda melhor com a requerida

possibilidade de um conhecimento a priori dos objetos que deve estabelecer algo sobre os mesmos antes de nos

serem dados". In KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Tradução de Manuela Pinto e Alexandre Fradique

Moraujão. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1994.

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Portanto, em Schopenhauer, duas65 são as maneiras de ver o mundo, uma regida pelo

princípio de razão, a teleológica; que conduz ao conhecimento como opinião (doxa) 66 que é

subjetivo e incapaz, pela vontade, de conhecer um objeto, e, onde o espírito atua sobre o

objeto. Ao invés, pela contemplação transcendental ou estética, ocorre o conhecimento como

(epistême)67, isto é, ciência que conhece sem necessitar de mediação.

Na Metafísica do belo, o espírito se abre à natureza que, juntamente com o mundo, é

contemplada de modo não-relacional, puramente esvaziado de causalidade. Tal conhecimento

objetivo apela sempre para o qualitativo e essencial das coisas, sem jamais considerar seu

aspecto quantitativo. A noção de quantidade caracteriza a multiplicidade dos objetos

fenomênicos, portanto, não atinge a idéia, dada a sua dependência da lei de causalidade que

rege o princípio de razão.

Segundo Schopenhauer, a ciência causal não pode nos dar o conhecimento do todo

porque a Idéia é objeto da arte, e, as obras de arte são as únicas objetivações capazes de nos

elevar mais facilmente a ela. Nesse sentido, a música, por exemplo, é a arte sem mediação

porque não possui representação externa, sendo o que há de mais metafísico no mundo

físico.68

Como vimos: o conhecimento quantitativo do modo de pensar aristotélico se

contrapõe ao do modo platônico, representante do conhecimento qualitativo, e, as artes

repetem o mesmo de forma diferente, sempre com o fim de comunicar a Idéia que,

principalmente, no caso da música, é apreendida de forma direta pelo sujeito puro do

conhecimento.

É possível conhecer objetivamente por meio da arte. Isto difere do que ocorre na

estética69 kantiana, onde a arte não é aceita como conhecimento objetivo e o conhecimento

abstrato provém de uma dimensão espaço-temporal, diferindo, por isso, do conhecimento

65

Lembremos que em Platão, a Idéia ou Sumo Bem, só poderia ser contemplada transcendentalmente, e que,

para Aristóteles, ela seria teleológica. Em Schopenhauer o conceito mais puro difere de uma idéia por ser ele

uma representação de representação e, portanto assumir um caráter secundário em relação à idéia. 66 Termo grego que significa "crença", "opinião", ou ainda "o que se diz". Platão foi um dos primeiros filósofos a

colocar, no diálogo Teeteto, o problema da distinção entre a doxa e a epistême, isto é, entre opinião ou crença e

conhecimento imorredouro. 67 Termo grego que significa conhecimento, de onde deriva a palavra epistemologia. Aristóteles usava o termo

no sentido de conhecimento sistemático racional, a que hoje chamamos ciência, mas que para ele implicava a

filosofia primeira na sua Metafísica. 68

Cf. SCHOPENHAUER, 2005 § 52 p. 338. 69

Viva a diferença! Mesmo na Vontade, a individualidade é única. A ‗estética‘ de Schopenhauer se filia à

tradição neoplatônica, onde a arte visa ao originário, remonta aos princípios. O fim supremo da arte é a

manifestação da essência da humanidade na unidade deste particular que expressaria a sua beleza própria ou

Idéia. Contudo, tentar transcender a sensibilidade do mundo material por força da pura idealidade da Idéia,

parece ter sido o erro do platonismo. A poesia e a arte em geral, ambas estão ligadas ao sensível visando à Idéia.

Cf. SCHOPENHAUER, 2003, p. 124 (N.T).

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intuitivo de que trata Schopenhauer, para quem relacionar representações é abstrair e isto não

pode ocorrer à parte do princípio de razão, tampouco pode propor a realidade, ou o em si

objetivamente; a não ser por meio da intuição estética que, num lampejo fugaz, discerne o

discurso da Idéia a partir das coisas, por meio de uma contemplação objetiva desinteressada.

Desse modo, não deve haver relação no conhecimento da Vontade.

Como vemos, ao contrário da ciência, a arte ―encontra em toda parte seu fim‖. Nela, o

particular contemplado à parte do tempo, representa conhecimento universal. O que implica

dizer que: a arte se detém no objeto de sua contemplação fora do curso racional das conexões

causais, tornando-o de uma mera parte a um representante do todo e, conforme o filósofo,

―um equivalente no espaço e no tempo do muito infinito. A arte se detém nesse particular, a

roda do tempo70 pára; as relações desaparecem para ela. Apenas o essencial, a Idéia, é seu

objeto‖.71Portanto, para Schopenhauer, o modo próprio de consideração alinhado com o

princípio de razão é o peripatético ou racional. Este modo determina o desenvolvimento da

ciência e é fundamental para a vida prática. De forma contrária, o modo de consideração das

coisas relacionado ao platonismo, ele denomina de genial, este é o que fundamenta o

desenvolvimento da arte.

Assim sendo, o curso do mundo é objeto da ciência, como ocorre na História72, por

exemplo, e o objeto da arte, é a própria Idéia. A história se repete e os seus personagens são

sempre os mesmos, porque a Idéia é um todo indissolúvel que, naquela, se apresenta de forma

fragmentada, portanto, não essencial.

Na Metafísica do belo não há como aceitar a noção de um télos histórico; pois a

história, como o tempo, faz subsistir apenas o eterno retorno do mesmo, como manifestação

fenomênica da Idéia no fluxo intermitente da vida. Logo, uma filosofia da história deve

também ser descartada, pois, a Idéia expressa no fenômeno a Vontade, isto é, aquilo que é uno

e indivisível. Diante disso, a própria expectativa de progresso da consciência e da história

caduca, bem como o conceito de história. Até mesmo uma noção de libertação do homem só

se fará viável pela contemplação estética. Portanto, nesse sentido, o que subsiste para

Schopenhauer é a disciplina ou a ciência histórica, e, ela importa, apenas, enquanto auxiliar

no conhecimento da idéia de humanidade.

70

O tempo presente da vida, enquanto representação, só deixa de ser vazio e sem sentido mediante a Vontade ou

coisa em si que é o único real, entendido em Schopenhauer como manifestação diversa da Vontade una que se

mostra como que pulverizada na diversidade dos fenômenos. No capítulo dois teceremos algumas considerações

sobre o tempo da Vontade. 71 SCHOPENHAUER, 2003, p. 59. 72

Cf. SCHOPENHAUER, 2003, p. 55 (N.T).

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30

Decorrem ainda do modo científico de conhecer leis, conexões e relações resultantes

da análise dos fenômenos. Mas, o modo de conhecimento estético compõe-se do

conhecimento do objeto da Idéia e da consciência daquele que conhece como puro sujeito do

conhecimento destituído de vontade. Tal conhecimento, contudo, não pode ocorrer no âmbito

de influência do princípio de razão porque não se caracteriza como conhecimento empírico.

Aquele que atinge tal modo de conhecimento perde, momentaneamente, a própria consciência

individual de si, para assegurar objetivamente o conhecer da Idéia de um modo

desinteressado.

É sabido que, enquanto indivíduos, todos nós dispomos apenas do conhecimento

regido pelo princípio de razão. Por meio desta categoria de conhecimento não podemos

conhecer as Idéias. Para tanto, teremos de nos elevar do conhecimento das coisas particulares

à intuição estética do mundo e deverá ocorrer em nós uma mudança similar e correspondente

àquela grande mudança que ocorre na natureza total do objeto mediante a qual, o sujeito

enquanto conhecedor de uma idéia, já não mais é indivíduo, mas, tão somente, sujeito puro do

conhecer.

No pensamento de Schopenhauer, o conhecimento em geral da objetivação da Vontade

em seus graus inferiores e superiores, e todo o sistema correspondente à sensibilidade do

corpo, são expressões dela mesma nesses graus. As representações engendradas pela

sensibilidade também estão a serviço da dela como um meio [Mékané] para a realização de

seus complexos fins posteriores [polutelestera] e para a conservação de um ser de múltiplas

necessidades.73

Vimos que o conhecimento a serviço da Vontade não conhece os objetos mais que em

suas relações, isto é, os conhece enquanto se dão no tempo e no espaço, e em lugar

determinado; sob certas circunstâncias e enquanto produtos de causas. Uma vez suprimidas as

relações in toto, desaparecem também os objetos efetivos, porquanto o entendimento não

pode reconhecer alguma coisa nos objetos sem estabelecer relações de causalidade no tempo

que é a forma mais geral de todos os objetos do conhecimento a serviço da Vontade e o

protótipo de todas as demais formas. Portanto, aquilo que a ciência estuda, são as relações das

coisas sob as circunstâncias do tempo e do espaço; as causas de suas variações naturais, as

diferenças formais das coisas, a razão dos fenômenos. Em resumo: ela estuda meras relações

fenomênicas.74

73

Cf. SCHOPENHAUER, 2005, § 33, p. 243. 74 Idem § 33, p. 244.

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31

Na intuição estética, contudo, o objeto é o foco em si, arrancado de todo e qualquer

nexo causal, passa a ser a Idéia ou o objeto da consideração estética, a objetidade adequada da

Vontade num grau determinado e que se esforça por ―revelação‖. É quando o homem

concentra toda força do seu espírito na visão intuitiva, absorvendo-se inteiramente nela,

inundando sua consciência com a contemplação dos objetos naturais a ponto de neles se

perder, duvidando de si mesmo e de sua própria verdade, convertendo-se em puro sujeito e

refletindo nitidamente o objeto, de tal modo que o coloque como que isolado de suas relações

no mundo até que não seja possível separar o sujeito da própria percepção.

Sujeito e percepção tornam-se uma só coisa, pela inundação e completude da

consciência numa imagem intuitiva isolada. O próprio sujeito torna-se emancipado do desejo

e desprendido de toda e qualquer relação de causalidade, sendo um com o objeto isolado em

sua consciência. O conhecido que deriva deste processo deixa de ser o de uma mera coisa no

mundo passando a ser a própria Idéia, a forma eterna da objetividade imediata da Vontade

num grau.

Quem se entrega a tal intuição perde, portanto, a sua própria individualidade pela

imersão no ato intuitivo, assumindo o papel de puro sujeito do conhecimento para além da

paixão, da vontade e do tempo. Portanto, este é o modo de conhecimento contemplativo,

conforme o entende Schopenhauer, no qual a coisa particular intuída a partir da idéia de sua

espécie e o indivíduo que a contempla se perdem, a um só tempo, no puro sujeito do

conhecimento.

A imagem da obra de arte (...) não pode estimular nossa vontade, mas fala puramente

para nosso conhecimento (...) ao contrário, se devemos apreender a Idéia a partir da

realidade efetiva da vida, temos de abstrairmos de nosso querer e personalidade,

elevar-nos por sobre eles, o que só pode acontecer mediante uma especial faculdade

de arrebatamento.75

O elemento estético-intuitivo de uma obra de arte é fundamento para a superação do

Véu de Maia e a conseqüente contemplação da idéia, porque o pensamento abstrato de base

racional não possibilita o atinar do sentido real das coisas, ou seja, o conhecimento objetivo.

Como já foi apontado no tópico 1.2.

A filosofia procura fundamentar a significação essencial dos fenômenos via exposição

in abstracto. Contudo, a idéia mesma é intuitiva e dispensa toda e qualquer intermediação já

75

SCHOPENHAUER, 2003, p. 86.

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que se expressa por si mesma. O sentido real é a verdade intuitiva da idéia, sua natureza

íntima, e, ―a transição da Idéia para o conceito é sempre uma queda‖.76

Sempre que aquilo que fizer efeito na mente for o pensamento abstrato em detrimento

do elemento intuitivo, a idéia não entrará em cena. Com isto, Schopenhauer percebeu que a

natureza da intuição estética é transcender a natureza racional, no sentido de ser possibilidade

de contemplação do objeto real.

76

Idem, p. 181.

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33

1.5. O GÊNIO E A SUA OBRA

―A primeira e a última coisa que se exige do gênio é o amor pela verdade‖.

(GOETHE, In Escritos sobre arte, Frag. 382 p. 262, de 1827).

Nesta seção, consideraremos que o artista cria com base no conhecimento objetivo,

isto é, naquele que atinge uma idéia. Desse modo, sua obra de arte é o meio facilitador,

importante acessório para o conhecimento da essência da beleza, e sua genialidade é a

capacidade de proceder de maneira puramente objetiva, mediante o entusiasmo na vontade

desinteressada, propiciadora do estado genial ou puro sujeito que conhece. Isto pode ser

denominado, também, de claro olho cósmico, numa alusão do autor a uma terminologia

famosa na mística77 filosófica e que se assemelha à noção schellingniana de intuição

intelectual eterna. 78

Portanto, intentamos destacar a possibilidade de um conhecimento em nós que não se

limita ao meramente aparente, e que se dá mediante a contemplação desinteressada do mundo,

ou seja, pela intuição estética imediata. Tal conhecimento é um modo excepcional de

conhecer cujo melhor representante é o gênio esteta.

Nesse sentido, por exemplo, importa considerar que uma grande descoberta científica

ou a criação de uma obra genial, ou quando um animal percebe uma causa que age sobre seu

corpo enquanto objeto no espaço, tudo isso manifesta a mesma função do entendimento: um

conhecimento imediato e certo, nunca o resultado de uma série de raciocínios abstratos.

Com isto, podemos entender que o intelecto genial é o que se desprende do querer e,

ao final, negaria a própria Vontade. Destarte, a essência do gênio constitui na perfeição e na

77 Aqui se insere um conceito bastante interessante que remonta ao antigo Olho de Hórus dos egípcios. Eles

acreditavam que a Águia era filha do Sol e da Lua que depositava os ovos no alto da montanha, durante a noite e

que o Faraó vigiava o seu povo pelo olho da águia, o animal que voa mais alto e por mais tempo. A divindade

associada a isto é Atum-Rá e a representação gráfica desta crença foi, mais tarde, chamada de Olho de Hórus.

Esta figura foi encontrada no peitoral de Tutancamon no invólucro da múmia, e pode ser visitada no Museu

Egípcio do Cairo. Posteriormente, a antiga mística cristã se referia ao Olho da Providência, ou, pelo viés

alquímico o Olho que tudo vê. A mística filosófica de Jacob Boehme (1575-1624), autor de obras famosas como

As quarenta questões sobre a alma, a quarta obra escrita pelo Príncipe dos filósofos divinos, considerado o

primeiro filósofo alemão. Ele é citado por Schopenhauer que também faz referência ao Olho cósmico da mística.

Atualmente, a astronomia contemporânea nomeou Nébula Hélix, uma nebulosa que fica a 700 anos-luz da Terra,

na constelação de Aquário, como „Olho de Deus‟ ou „Olho cósmico‟. 78

Cf. SCHOPENHAUER, 2003, p. 66 (N.T). Vidi 8a. Carta sobre o dogmatismo e o criticismo. In

SCHELLING, F. von. Cartas filosóficas sobre o dogmatismo e o criticismo. São Paulo: Abril Cultural, 1973. (Os

Pensadores).

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energia do conhecimento intuitivo de uma obra de arte, e que não tem uma motivação79

utilitarista, nem qualquer intencionalidade nesse sentido. Ora, assim, o trabalho do gênio

esteta é instintivo e de motivação tacitamente inconsciente80, e o conhecimento puro do

mundo é o elemento intuitivo a partir do qual ele cria.

Esse modo de acessar o mundo não pode estar impossibilitado de adentrar ao plano

ético, senão de um ponto de vista meramente formal, uma vez que, o homem comum, e

principalmente o de gênio, em todas as áreas está conectado a tudo. Desse modo, a alma do

artista - que entra em comunicação com o que podemos chamar de o espírito do mundo - não

deve em nada ser diferenciada da alma do santo ou sábio cuja ação no mundo é já uma arte.

―Reconheceu-se a fantasia como um componente essencial da genialidade, com

razão; mas, muitas vezes, se julgou que a fantasia e o gênio seriam uma coisa só, o que é um

grande erro‖.81Isto porque, por possuir esse excedente daquela faculdade de conhecer, o gênio

apreende a determinação da Vontade, a coisa em si, isto é, contempla a idéia do mundo: ―... as

formas eternas imutáveis, essenciais da objetivação da Vontade, ou seja, do mundo e de todos

os seus fenômenos‖.82

Conseqüentemente, o gênio não é um mero fantasista, 83 como no caso de um autor de

obra literária ou pictórica. Segundo Schopenhauer, ele não segue modelos fixos ou caprichos

da imaginação, devaneios ou sonhos. Estes lhe servem apenas ―para ampliar o seu círculo de

visão para além dos objetos que se oferecem à sua pessoa na realidade, tanto segundo a

quantidade quanto segundo a qualidade‖.84

Na filosofia schopenhaueriana, o mais elevado grau de genialidade é o que se expõe na

arte que revela a idéia de humanidade e o gênio esteta é quem, por meio da obra de arte,

facilita o conhecimento dessa Idéia. Sua qualidade é a de possuir a objetividade mais perfeita

ou orientação objetiva do espírito e, nele, a intuição do mundo é mais purificada que no

homem comum e reside uma vontade radical de fazer do próprio homem objeto de apreensão

79

Motivação aqui é causalidade baseada no conhecer, e só opera nos animais, ou seja, nos seres capazes de

representação ou cognoscíveis. Cf. SCHOPENHAEUR, Arthur. Los dos Problemas Fundamentales de la Ética.

Traducción, introducción y notas, Pilar López de Santa Maria. SIGLO XXI DE ESPAÑA EDITORES, S.A:

Madrid, 1993, p. XXI. 80

Fafian entende que: ―O sistema do idealismo transcendental de Schelling anuncia o conceito de modo bem

explícito. Mas é Schopenhauer quem formula uma verdadeira metafísica do insconsciente (...) nele, a Vontade

universal é energia, força irracional que condiciona um determinismo múltiplo na natureza‖. (In FAFIAN,

Manuel Maceiras. Schopenhauer e Kierkegaard: Sentimiento y Pasión. Madrid: Ediciones Pedagógicas, 1996, p.

37). 81

SCHOPENHAUER, 2003. p. 64. Cf. p. 65, (N.A). 82

Idem, p. 65, Cf. (N.A). 83 SCHOPENHAUER, 2005, § 36 p. 255. 84

SCHOPENHAUER, 2003, p. 64.

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purificada de toda vontade. Portanto, ele possibilita o alcance de um grau supremo de pureza

das representações intuitivas e, para ele, os objetos, neles mesmos, são as suas respectivas

idéias. Seu modo de conhecer quer conceber o conteúdo de todos os fenômenos e sua

impressão do presente se dá através do puro sujeito do conhecer destituído de vontade e que,

portanto, é o claro espelho da essência do mundo.

Gênio, portanto, é a capacidade preponderante de apreender a Idéia das coisas por

intuição contemplativa e puramente objetiva em alguém que não busca realizar-se como

indivíduo na história, mas apenas como sujeito do puro conhecer. Nele, há uma disposição

excedente que é o além do desejo, o nível do sujeito puro do conhecimento. Tal excedente é

qualitativo e não quantitativo e tudo de grandioso na sua obra é feito por meio do entusiasmo

e da paixão e tende ao conhecimento mais objetivo que, na Metafísica do belo, é aquele

destituído do princípio de razão e que é capaz de elevar-se à Idéia que engendra a realidade a

partir da Vontade.

Desse modo, o gênio consegue penetrar o ser mais profundo das coisas mediante a

intuição imediata da idéia de um objeto. Ele ultrapassa a mera superficialidade do plano

senso-intelectivo e atinge o sentido mais essencial do universo numa mirada metafísica ou

intuição puramente sensível, ativa, espontânea e produtiva, embora, desinteressada; tanto no

agir que produz a arte, como na arte de agir genialmente na sociedade. É nesse sentido que

podemos captar essa aproximação cada vez mais indistinta entre ética e estética, e do gênio

em ambos os casos, pelo que podemos dizer que o esteta é genialmente ético.85

Agora, considerando-o em essência, podemos entender que o gênio constitui-se na

perfeição e na energia do conhecimento intuitivo. A sua obra não tem uma motivação

interesseira e sim um fundamento instintivo, basicamente inconsciente, numa acepção indireta

desse termo. Destarte, o conhecimento puro do mundo é o elemento intuitivo, a partir do qual

ele cria sua arte.

85 ―Para Jean-Paul, portanto, a clarividência genial aparece como progenitora da razão e do entendimento. Ela se

encontra, nesse sentido, numa posição de anterioridade à das faculdades de conhecimento. Trata-se, por

conseguinte, de uma forma especial do conceber estético que antecede às outras formas de conhecimento. Ela

não se associa imediatamente à faculdade racional no sentido comum, como Schopenhauer a define, isto é, uma

faculdade que precisa antes de dados empíricos para fornecer conceitos abstratos. Quer dizer, ecos idealistas,

sobretudo da intuição intelectual, ainda se ouvem em Schopenhauer, quando da redenção ético-estética do

mundo pelo santo; porém, é antes na Besonnenheit genial de Jean-Paul que o filósofo encontra, penso, o

conceito-chave para estender a intuição genial à ascética e, assim, pela negação da Vontade, aparentar ética e

estética. Com isso a clarividência da razão se torna um híbrido de liberdade intuitiva e racionalidade. Tal

clarividência é exigida tanto num primeiro momento, na espontaneidade da negação da Vontade a partir da

intuição do todo da vida – onde há um „puro conhecimento da Idéia da vida‟ (Schopenhauer, 1966-1975ª, HN I,

p. 468) – como depois, para manter em definitivo esse estado‖. (In BARBOZA, Jair. Infinitude subjetiva e

estética: natureza e arte em Schelling e Schopenhauer. São Paulo: Ed. Unesp, 2005a, p. 271).

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Como se pode observar, diferentemente do que ocorre com o modo de conhecer do

homem comum, no gênio artístico não há um estabelecer de relações entre as coisas, ele não

se deixa prender pelas relações causais da temporalidade, antes apreende da efetividade, a

idéia, que é, para ele, mais clara que o próprio indivíduo e suas relações com o mundo.86

Desprendendo-se da vontade de conhecimento, aquela relacionada com a doutrina do

entendimento, e assumindo uma nova postura, neutro com relação ao princípio de razão, ou

seja, assumindo uma atitude contemplativa e desinteressada ante os fenômenos, o gênio haure

a Idéia a partir da efetividade, expondo-a na obra de arte e, assim, comunicando-a a outros,

isto é, possibilitando-lhes um acesso facilitado.

Portanto, de conformidade com o princípio de razão que considera as coisas isoladas e

por meio de relações, ninguém é capaz de apreender uma idéia e que, contudo, o mundo todo

repousa nela que, por sua vez, repousa unicamente na Vontade.

Devido à fineza do modo genial de conhecer, a representação se faz pura e cristalina,

em nada turvada pelo desejo, donde deriva a precisão e objetividade dessa capacidade que

torna possível, no mundo físico, um acesso à coisa em si ou verdadeiro fundamento da obra

de arte que, embora inserida no tempo, permanece atemporal e propriedade de ninguém,

porque não tem qualquer relação, por parte do gênio criador autêntico, com os interesses da

maioria.

Pelo que vimos até aqui, a filosofia pode ser entendida como um tipo de arte, e, o

gênio artista não busca realizar-se como indivíduo na história, mas, apenas como sujeito do

puro conhecer. Ele possui um modo muito peculiar de apreender e sentir a realidade, e possui

o olhar interior, o olho cósmico da mística.

A subjetivação da genialidade tem por conseqüência, sobre o indivíduo de gênio, a

melancolia87 e a bipolaridade do humor. Schopenhauer considera, ainda, que: ―Há uma grande

distância entre a racionalidade propriamente dita, o autocontrole seguro, a visão geral fechada,

plena de segurança, a regularidade de comportamento que se encontram num homem comum

racional, e o estado ora de absorção onírica, ora de excitação nervosa do homem genial‖.88

Como já sabemos, até aqui, para um homem comum, o querer conhecer é o primeiro e

decisivo impedimento à objetividade do conhecimento da Idéia, enquanto Vontade de

86

Cf. SCHOPENHAUER, 2003, p. 81. 87

Na pg. 75 da Metafísica do Belo, Schopenhauer destacou que: ―A melancolia predomina, porque o adverso e o

inconveniente sobrepujam o favorável e o desejado. Uma representação vivaz logo reprime a outra: a mudança

de humor é surpreendentemente rápida; salta-se de um extremo a outro; mostra-se, portanto, um fenômeno que

se aproxima da loucura, como Goethe o descreve em Tasso e como em todos os tempos se percebeu no gênio‖. 88

SCHOPENHAUER, 2003, p. 63.

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conhecer, nada pode saber acerca do real. Desse modo, e como já observamos, a subjetividade

é como que uma névoa, é o Véu de Maia, como se diria pela sabedoria védica. Ela embota o

saber objetivo, logo, não há, segundo a teoria da Metafísica do belo, qualquer apelo à

subjetividade na arte autêntica. Há somente o puro sujeito do conhecer, entendido como uma

medida da faculdade genial de conhecimento que ultrapassa, em muito, aquela exigida para o

serviço de uma vontade comum, e que não encontra impedimento na contemplação da idéia.

A faculdade estética é, portanto, a especial faculdade de arrebatamento da realidade

efetiva. Já o modo subjetivo é incapaz de atingir a idéia que, enquanto objeto da intuição que

não se situa no domínio da efetividade, não desperta vontade, antes a faz calar por completo.

Como vimos, a obra do gênio é a imagem objetiva arrancada do curso da efetividade

com esta finalidade: fazer calar a vontade, que é o que ocorre em nós quando o belo e o

sublime nos comovem, pois, na Metafísica do belo, a tranqüilidade necessária ao estado

estético ou estado de serenidade do espírito, é contrastada com o sofrimento, o tormento e a

angústia que se alimentam do querer e ante os quais, para redimir-se no mundo, o gênio se faz

indiferente a tudo que o desejo o impõe. Destarte, o conhecimento subjetivo o angustia, ao

passo que o conhecimento objetivo o redime, e a sua índole estética é o que provoca o

nascimento da obra de arte a partir da suspensão da subjetividade do indivíduo, no momento

quando ele se esvazia do querer para tornar-se um com a idéia do objeto que contém o

conhecimento destituído de qualquer imposição volitiva, conhecimento de onde aquela se

deriva e que é, portanto, o mais objetivo e imediato: o mais perfeito da essência da vida.

Possuindo os olhos que desvelam o essencial das coisas e que traspassam a realidade

efetiva dos fenômenos, o artista faz que sua técnica atue como que num empréstimo dos seus

olhos e de seu olhar privilegiado a outros. É por meio dessa intuição estética que o gênio

haure uma idéia, prescindindo do princípio de razão e, desse modo, o essencial da efetividade

que repousa na obra de arte, são os olhos com os quais o gênio esteta enxerga o mundo como

representação. Ele os possui e enxerga a essência das coisas no mundo, independentemente de

quaisquer relações. Este é o seu dom natural e inato, e, daí resulta a sua técnica de arte

particular e intransferível.

Embora para Schopenhauer, todos possuam, em maior ou em menor grau, 89 a

capacidade do olhar estético, somente o gênio a possui de modo a captar o belo sem mediação

e, com isso, proporcionar a facilitação, pelo médium da obra de arte, àqueles que a apreciam,

89

Cf. SCHOPENHAUER, 2003, p. 66.

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proporcionando-lhes satisfação e acesso ao conhecimento objetivo da beleza, expresso de

maneira primordial na natureza.

Até aqui, podemos aceitar que a obra genial possui a capacidade de apresentar à

consciência a Idéia, de um modo mais acessível que aquele proposto pela efetividade e que,

desse modo, o conhecimento que ela proporciona se desvincula de toda causalidade,

assumindo uma disposição puramente objetiva e sendo uma imagem isolada, não conforme ao

que ocorre no curso do mundo fenomênico. Portanto, a obra de arte possibilita um

conhecimento objetivo que se dá pela contemplação desinteressada da beleza, condição que é

comum ao gênio. Como dissemos, ele possibilita aos demais o conhecimento objetivo

essencial de uma coisa arrancada de suas relações com a efetividade. Sua obra arranca um

objeto de qualquer relação com a torrente efetiva e fugidia do curso do mundo e é capaz de

desprender o espectador do domínio da vontade, despertando-o para a contemplação

desinteressada da idéia nela exposta, e que não possui qualquer relação com o mundo

fenomênico. E Schopenhauer disse ainda que: ―Embora nas artes apenas o gênio autêntico

pode realizar algo de bom (...) segurando diante de nós um espelho límpido, nele vemos

reunido na luz mais cristalina tudo o que é essencial e significativo, purificado de todas as

causalidades e estranhezas‖. 90

Esclarecendo definitivamente aquilo que pretendia expor sobre a figura do artista

genial, Schopenhauer considerou o seguinte:

Digo: a essência do gênio é a capacidade de apreender nas coisas efetivas suas Idéias,

e, visto que isso só pode ocorrer numa contemplação puramente objetiva, na qual

todas as relações desaparecem – em especial as relações das coisas com a própria

vontade somem da própria consciência -, então o gênio também pode ser definido

como a objetividade mais perfeita do espírito, isto é, a capacidade de proceder

intuindo puramente, de perder-se na intuição, de abandonar o conhecimento a serviço

da vontade, isto é, de perder de vista seu interesse, seu querer seus fins, de desfazer-se

de sua personalidade e permanecer como puro sujeito que conhece, claro olho

cósmico. É justamente essa capacidade que diferencia o gênio do homem comum. 91

Por Idéias devemos entender as essências objetivas que o gênio esteta apreende e

transmite por meio da arte. São, por assim dizer, objetos essenciais embora posteriores

imediatamente à coisa-em-si e ―(...) as Idéias existem nas coisas e são captadas nas coisas,

isto é, não possuem uma autêntica realidade ôntica, que só as representações individuais

possuem e, em sentido forte, a Vontade, senão somente uma realidade ontológica, isto é,

90

Idem, p. 211. 91 Ibidem, p. 66.

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como esquemas de inteligibilidade da realidade‖.92 Elas formam uma realidade ontológica

esquemática capaz de proporcionar inteligibilidade ao mundo, possibilitam um tipo de

―metabstração‖ contemplativa fugaz, capaz de suprimir o desejo elevando o artista a um

conhecimento puro e plenamente satisfatório.

Desse modo, notemos ainda que o Gênio schopenhaueriano é como que, um

daimonion 93ou disposição estética voltada para o aspecto qualitativo e essencial do mundo; e

nada tem em comum com a noção posterior que se convencionou a partir da modernidade e

que se fixou culturalmente como um coeficiente quantitativo de inteligência. Ele é um

incomum fenômeno enérgico da vontade, fenômeno irracional que se assemelha à loucura.

Nele a intuição estética dá-se como momento de liberdade do sofrimento causado pela

abordagem fenomênica do mundo. Sua ocupação, seu modo de agir e seus objetivos no

mundo são bastante incomuns, como podemos observar a seguir: ―A Idéia, no entanto, torna-

se comunicável apenas pela obra de arte, enquanto a essência inteira torna-se exponível

apenas pela filosofia. Eis porque a arte, tanto a plástica quanto a poesia e a música, bem como

a filosofia, são o círculo de atuação propriamente dito e o estofo das obras do gênio‖. 94

Portanto, de conformidade com o princípio de razão do homem comum, que considera

as coisas isoladas e por meio de relações, ninguém é capaz de apreender as idéias. O mundo

todo repousa na Idéia, mas ela mesma repousa unicamente na Vontade.

Como vimos, ficou claro que a faculdade estética é, portanto, a especial faculdade de

arrebatamento da realidade efetiva e que o Dom do gênio é ―o enérgico poder de

conhecimento além do normal‖ 95 que lhe é inato. Isto pode ser verificado na originalidade de

92

RÁBADE, 1989, p. 18. 93

No chamado estado genial, como ocorre também no estado ascético, o princípio de individuação é superado.

Isto pode ser verificado tanto na Metafísica do Belo quanto na Metafísica da Ética. Nesse sentido, não há

qualquer exagero em entender que o santo é eticamente genial e que, o gênio, é esteticamente santo. Genialidade

e santidade devem ser entendidas como uma disposição natural que, em alguns seres humanos, se manifesta de

modo excessivo, disposição excedente ao que ocorre com os demais e que, em grau supremo, tanto na estética

como na ética, é um tipo de ‗aberração‘ da natureza, dada sua escassez ou raridade no mundo. É bem verdade

que o termo em algumas acepções do sentido grego clássico, se denominava daimonion ti, um tipo de loucura

divina. Sócrates está, pelo menos parcialmente, dentro da tradição religiosa arcaica quando fala do seu ―algo

divino‖ daimonion ti que o aconselha a evitar certas ações. Cf Apologia. 31d; a sua operação é

consideravelmente mais vasta no relato de Xenofonte no seu Memorial. I, 1, 4 [obra composta de sete

manuscritos]; também é notável o uso constante que Sócrates faz da forma impessoal da palavra ou do sinônimo

―sinal divino‖, In Fedro 242b. Possui ainda outras utilizações no mundo grego, no Timeu 90ª, o próprio Platão o

identifica com a alma e pode ver-se um reflexo disto, por exemplo, em Meditações II, 17, III, 16 [Obra de

filosofia estóica de Caesar Marcus Aurelius Antoninus Augustus, o Imperador Filósofo. 121 a 180 ª.D]. Mas,

numa outra noção, a termo se refere a uma figura intermédia entre os Olímpicos e os mortais e está também

presente em Platão no Eros demoníaco do Symp. 202d-203ª. 94

SCHOPENHAUER, 2003, p. 78. 95

SCHOPENHAUER, 2003, p. 63.

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uma técnica de arte, por exemplo, como no caso de um Vincent van Gogh ou de um

Michelângelo. Já sabemos que todo conhecimento empírico brota da subjetividade, contudo, a obra

genial aponta justamente para a não necessidade de exclusividade deste modo de conhecer o

mundo, já que a atitude subjetiva nos faz permanecer limitados, acomodados e conformados

ao mundo do sofrimento que é fomentado, sobretudo, pela inacessibilidade do desejo de saber

ao em si do homem e de seu mundo, porque o conhecimento que brota da vontade permanece

enraizado no fenômeno, ou seja, o querer conhecer torna o conhecimento da essência do real

impuro. Por outras palavras: todo conhecimento que brota da vontade permanece enraizado no

fenômeno e o querer conhecer torna o conhecimento noumênico impossível.

Ao perceber essa inversão prevalecente no mundo, acerca do acesso ou modo de

acessar o conhecimento mais objetivo, o gênio se comove e experimenta dramaticidade,

inquietação e irritabilidade.

Seguindo o discurso do autor, não poderíamos encerrar esta seção sem considerar o

problema grandioso que se impõe por força de uma teoria do gênio, a saber, o da relação e

aproximação da loucura com a genialidade. Senão, vejamos esta importante observação de

Schopenhauer:

Todas essas falhas, às quais a individualidade genial está submetida, há muito

ocasionaram a observação de que o gênio e a loucura possuem uma fronteira comum,

o gênio em parte transita para a loucura, pelo menos é facilmente tido em sociedade

(vergesellschaftet) como carregando um indício de loucura. Até mesmo o entusiasmo

ficcional se nomeou uma espécie de loucura: Horácio (Od. Lib. III, 4.) o nomeia

amabilis insania, loucura amável. Wieland escreve na introdução a Oberon:‖ Uma

doce loucura brinca em minha testa ―. Segundo Sêneca (de tranq. Animi 16,16),

Aristóteles disse: Nullum magnum ingenium sine mixtura demetiae fuit (nunca houve

espírito superior sem uma mistura de loucura). Cícero Tusculan. 1,33 diz: Aristóteles

ait, omnes ingeniosos melancholicos esse (Aristóteles diz que todos os homens de

engenho são melancólicos). Platão fala em várias passagens do parentesco entre

loucura e gênio: no Fedro, 245ª, chega até a dizer que sem uma certa loucura não pode

haver poeta autêntico; sim, o mesmo diz em 249c-249e, ao afirmar que quem conhece

as idéias eternas nas coisas efêmeras aparece como louco. Ele expressa precisamente

isso no já mencionado mito (Rep. 7) da caverna: diz que aqueles que intuíram

exteriormente à caverna a verdadeira luz do sol e as coisas que realmente são (as

Idéias), quando voltam à caverna não mais podem ver; seus olhos se desacostumaram

à escuridão, como cegados pela luz forte, e não podem mais, lá em baixo, reconhecer

as sombras projetadas na parede, cometendo todo tipo de erro e tornando-se objeto de

escárnio dos outros que nunca saíram da caverna e conhecem apenas as sombras. 96

96

Idem, p. 76.

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Portanto, como se vê, a fronteira entre a insanidade mental e a genialidade é bastante

tênue, a ponto de serem ambas confundidas como uma só e a mesma coisa, principalmente

pela opinião leviana do senso comum.

Contudo, para uma eficaz diferenciação entre o gênio e o louco, Schopenhauer propõe

que a essência da loucura é determinada por um grave distúrbio de memória, o qual

inviabiliza recordações bem concatenadas de fatos ocorridos, logo, também, a atividade de tal

indivíduo no dia a dia se torna sem orientação e sem fluidez, principalmente no que concerne

ao serviço natural do gênio, isto é, ao fazer de sua vida e obras uma expressão da idéia de

humanidade para os demais integrantes da espécie. 97

Relembremos que, para Schopenhauer, ―reconheceu-se a fantasia como um

componente essencial da genialidade, com razão; mas às vezes se julgou que a fantasia98 e o

gênio seriam uma coisa só, o que é um grande erro‖.99

Ora, o mais elevado grau de genialidade é o que se expõe na arte que revela a idéia de

humanidade. E, justamente por possuir um excedente daquela faculdade de conhecer; o gênio

apreende a determinação da Vontade ou coisa-em-si.

Finalizando esta seção, concluímos com o entendimento de que, pela intuição estética,

é possível superar o modo velado e limitado de conhecer o mundo, e, então, atingir o

conhecimento objetivo do sofrimento humano. Contudo, e por fim, relembremos como Platão,

em seu famoso Mito da Caverna, ilustrou muito bem o problema que haveria de enfrentar

alguém que teve a oportunidade de viver o desvelamento do mundo das sombras e de uma

mundivisão oprimida e limitada; preposta por circunstâncias adversas e, em seguida, tentasse

levá-la àqueles que não suportariam se libertar da escuridão.

97

SCHOPENHAUER, 2005, § 36, p. 235. 98

Sobre a distinção gênio/fantasista: Cf. SCHOPENHAUER, 2005, § 36 p. 255. 99

SCHOPENHAUER, 2003. p. 64. Cf. p. 65, (N.A).

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CAPÍTULO 2

ROMPIMENTO DO PRINCIPIUM INDIVIDUATIONIS

―Pois àquele que pratica obras de amor, o Véu de Maia se torna transparente e a ilusão do

principium individuationis o abandona‖.

(Arthur Schopenhauer)

Já na sua teoria do conhecimento, tratada na primeira seção de sua obra magna,

Schopenhauer teve o cuidado de destacar que:

A VONTADE como coisa em si é completamente diferente de seu fenômeno, por

inteiro livre das formas dele, as quais ela penetra à medida que aparece. Elas, portanto,

concernem tão-somente à sua OBJETIDADE, e são alheias à Vontade em si. Até a

forma mais universal de toda representação, ser objeto para um sujeito, não lhe

concerne, muito menos as formas subordinadas àquela e que têm sua expressão

comum no princípio de razão, ao qual reconhecidamente pertencem tempo, espaço,

portanto também a pluralidade, que existe e é possível somente no tempo e no espaço.

Nesse sentido, servindo-me da antiga escolástica, denomino tempo e espaço pela

expressão principium individuationis, que peço para o leitor guardar para sempre.100

Neste capítulo queremos destacar que o principum individuationis deve ser superado

pelo artista e pelo santo. Por isto, iniciaremos considerando o seguinte: ―Qual a visão de

mundo correta? A dicotomia aparência/coisa-em-si vai nos dizer. Do ponto de vista do mundo

da representação, governado pelo espaço e pelo tempo, que são o princípio de individuação, a

realidade consiste em indivíduos separados, sendo o agente moral um desses indivíduos‖.101

Essas considerações iniciais nos levam ao entendimento de que: um indivíduo ou

pessoa se vê radicalmente diferente do outro102 tão somente pelo prisma do fenômeno,

contudo, o mundo da Vontade não comporta tais diferenças, visto ser este o mundo

propriamente real ou da coisa-em-si, e, que, portanto, é impassível a qualquer dicotomia.

Desse modo, somente mediante uma superação do princípio de individuação poder-se-á

vislumbrar a possibilidade ‗estética‘ de uma ‗ética‘ que se funda no conhecimento da natureza

interior comum a todos os homens.

100

SCHOPENHAUER, 2005, § 23, p. 171. Objeckt-für-ein-Subjeckt-sein é a expressão no original alemão para

este ser-objeto-para-um-sujeito. 101 JANAWAY, Christopher. Schopenhauer. Tradução de Adail Ubirajara Sobral. São Paulo: Edições Loyola,

2003. , 2003, p. 122. 102

―Pois, assim como nos sonhos nós encontramos a nós mesmos dentro de todas as pessoas que surgem, o

mesmo ocorre também na vigília, ainda que não seja tão fácil de ver. Eis porque tat-vam asi‖. In

SCHOPENHAUER, 1993. In Los dos problemas fundamentales de la ética, p. 295.

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―... O indivíduo é apenas fenômeno, existe apenas para o conhecimento pertencente ao

princípio de razão, para o principium individuationis.‖ ―... Nem a Vontade, a coisa-em-si em

todos os fenômenos, nem o sujeito do conhecimento, o espectador de todos os fenômenos, são

afetados de alguma maneira por nascimento ou morte.‖103

Portanto, a multiplicidade e a indivisibilidade pertencem só ao mero fenômeno, e é

uma e a mesma essência a que se apresenta em todo o vivente; e assim, aquela

concepção que supera a diferença entre o eu e o não-eu não é a equivocada: melhor

teria de ser a contrária. Esta última a encontramos também designada pelos hindus

com o nome de Maia, quer dizer, aparência, engano, ilusão. Aquela primeira visão é a

que descobrimos como fundante do fenômeno da compaixão e como tendo neste sua

expressão real. Portanto, ela seria a base metafísica da ética e consistiria em que um

indivíduo reconhece imediatamente no outro a si mesmo, seu próprio ser verdadeiro.

Por conseguinte, a sabedoria prática, o obrar justo e bom [Rechttun und Wohltun],

coincidiria, exatamente no resultado, com a doutrina mais profunda da sabedoria

teórica que chegou mais longe; e o filósofo prático, quer dizer, o justo, o bem-feitor, o

nobre, só expressaria com os atos o mesmo conhecimento resultante do maior

engenho e da mais laboriosa investigação do filósofo teórico. Mas, a excelência moral

está acima de toda sabedoria teórica, que é sempre uma mera obra imperfeita e vem

pelo largo caminho da dedução ao fim que aquela alcança de um golpe; e ao que é

moralmente nobre, por muito que lhe falte a excelência intelectual, com seu obrar põe

de manifesto o mais profundo conhecimento, a mais alta sabedoria; e envergonha o

mais genial e douto, se este delata com seus atos que aquela grande verdade

permaneceu estranha a seu coração.104

Ora, assim como a intuição estética exige o rompimento desse princípio em tela,

ninguém será propriamente sábio ou santo, caso a sua visão de mundo e a sua conduta

permaneça pautada por uma ética da diferença entre homem e homem, uma ética

fundamentada, por assim dizer, na superfície e não na Idéia de humanidade. Notemos, ainda,

que o conhecimento mais profundo da ação humana e do sentido mais amplo da humanidade

só é possível ao artista e ao santo.

Por outras palavras - e para utilizarmos uma figura de linguagem mais afeita ao

vocabulário de Schopenhauer - podemos afirmar que a intuição estética, a clarividência da

razão e a possibilidade estética de uma metafísica da ética serão sempre inviáveis, na medida

em que o conhecimento permaneça na miragem, na ilusão e no engano de Maia. Nesse

sentido, o conhecimento objetivo da conduta humana é o que proclama tat-vam asi, e, ao fazê-

lo, o véu do engano se esboroa e, por fim, torna-se nada. Sobre isto falaremos mais

esclarecidamente na seção 3.1.

Finalizando esta seção, destacamos que ficou caracterizado até aqui o primado da boa

ação sobre as teorias éticas. A base da Metafísica da ética pode, portanto, ser entendida como

103

SCHOPENHAUER, 2005, § 54 p. 358. 104

SCHOPENHAUER, 1993. Los problemas fundamentales de la ética, p. 294.

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a certeza de que todo homem compartilha da mesma essência e isto pode ser visualizado

sinteticamente na expressão hindu tat-vam asi.105

105

Cf. a nota 225 seção 3.1.

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2.1. NUNC STANS: TEMPO DO GÊNIO ESTETA, TEMPO DO GÊNIO ÉTICO

―O tempo é meramente a visão esparsa e fragmentada que um ser individual tem das Idéias, as

quais estão fora do tempo, portanto são ETERNAS. Por isso Platão diz que o tempo é a

imagem móvel da eternidade‖.

(Arthur Schopenhauer, In MVR, § 32)

A possibilidade de uma equivalência teórica entre a esfera ética e a estética no Mundo

como vontade e como representação, que é o núcleo desta dissertação, pode ser verificada na

ausência de regras prescritivas e na inaptidão do conceito para atingir o essencial do mundo

em ambas as dimensões.106Além disso, como consideramos anteriormente, a compreensão da

superação do princípio de individuação é um pressuposto teórico indispensável.

Schopenhauer107 diferencia a filosofia teórica da filosofia prática, ao dizer que os três

primeiros capítulos da sua obra tratam de filosofia teórica e o último trata da filosofia prática.

Mas, como vimos, a essência do mundo se expressa e se faz compreensível mediante a arte e a

partir do sentimento individual ou estado estético de onde o gênio esteta cria algo de belo.

Ora, não seria o caso de entendermos, então, que é pela essência mais íntima do

homem que se deveria decidir toda axiologia referente à existência humana e ao seu modo de

agir, uma vez que, somente a partir da intuição estética se poderia propor algo como uma

propedêutica a toda conduta objetiva possível, isto é, a toda conduta que pressuponha a

relevância do conhecimento objetivo para o desenvolvimento da Idéia de homem livre?

Contudo, já sabemos até aqui que não devemos lançar quaisquer tentativas de

prescrições normativas para a Vontade. O que se aponta agora é, tão somente, a necessidade

de que o conhecimento objetivo entre em cena, ao menos para que se possa intuir o

fundamento natural de uma conduta livre para a humanidade, sem apelos aos imperativos da

razão, pois, em Schopenhauer, somente assim e pelo alcançar o conhecimento de si pode ser

possível fundamentar a ação livre.

Vimos que a Vontade a tudo engloba, a tudo determina a partir de si mesma e que ela

é o fundamento do ser enquanto totalidade do real, a coisa-em-si que deixa de fora o nada,

106

Cf. JANAWAY: 2003, p. 109. Mas, como é que a humanidade resolveu pautar a conduta humana com base

no conhecimento subjetivo, deixando de considerar o mundo pela via do conhecimento objetivo muito bem

delineada nas inúmeras obras de gênios espalhados pelo mundo? Isto, contudo, não é objeto imediato deste

empreendimento. 107

SCHOPENHAUER, 2005, § 53, p. 353.

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isto é, o mundo de Maia, e, na heteronomia do mundo, isto é, nas leis da natureza cuja

violência se exerce em nossas necessidades e paixões, a Vontade pode ser verificada na

multiplicidade dos fenômenos. Contudo, enquanto coisa-em -si, é que se verifica a autêntica

autonomia; jamais numa vontade individual, por exemplo. Mas, isso deverá dar-se, ao menos

no homem nobre, isto é, no sábio, pela negação da vontade de vida em um grau maior.108

Nesse homem, a Vontade se conhece, isto é, se espelha na humanidade, seu reflexo

vivo na natureza. Sem este espelhamento, Ela nada mais seria que um plano caótico, resultado

de um jogo de forças brutas da natureza sem qualquer orientação. Esta conexão

autoconsciente da vontade com seu espelho seria realmente possível, pela faculdade de razão,

caso se lhe ocorresse um olhar de conjunto, in abstracto, sobre o todo.

Quer seja este o pior ou o melhor dos mundos possíveis, a depender do estado de

humor de quem o interpreta, isto não importa mais que saber da possibilidade da realidade

humana que nos envolve ser, ela mesma, uma imposição da Vontade objetivada no mundo,

que se impõe soberanamente sem reconhecer qualquer lei capaz de a subjugar.

Schopenhauer, numa espécie de hermenêutica dos fenômenos do mundo, visa ao que

seria o essencial deles. Mas, de tal modo que se possa ainda conceituá-los. Contudo, sabe-se

que o conteúdo das formas do mundo é inesgotável e, ―... está infinitamente distante do

conhecimento filosófico do mundo quem imagina poder conceber a essência dele

historicamente, por mais que faça uso de disfarces.‖109Desse modo, mesmo a forma

historicamente consagrada de filosofar é, ainda, conhecimento subjetivo, ancorado ao

princípio de razão.

Agora, discorreremos acerca do Nunc stans ou presente contínuo como o tempo da

vida e onde o conhecimento objetivo pode conduzir-nos a atingir aquilo que de mais essencial

há nas coisas, ele se dirige inexoravelmente a seu alvo de modo inequívoco, inerrável numa

exatidão e precisão de uma ordem onde a matemática nada mais pode fazer se-não tentar

dimensionar o incomensurável da coisa-em-si, semelhantemente a Sísifo110, rolando sua pedra

108

A questão do conhecimento objetivo da conduta humana, poderia encontrar algum aparente entrave teórico-

crítico, contudo, isto pode ser facilmente esclarecido. Para tanto, não caberia aqui desenvolver um estudo que já

se encontra proposto na tese de doutorado, obra de BARBOZA, Jair. Infinitude subjetiva e estética: natureza e

arte em Schelling e Schopenhauer. São Paulo: Ed. Unesp, 2005a. 109

SCHOPENHAUER, 2005, § 53, p. 356. 110

Na mitologia grega, Sísifo, filho do rei Éolo, da Tessália, e Enarete, era considerado o mais astuto de todos os

mortais. Foi o fundador e primeiro rei de Ephyra, depois chamada Corinto, onde governou por diversos anos.

Casou-se com Mérope, filha de Atlas, sendo pai de Glauco e avô de Belerofonte. Sísifo tornou-se conhecido por

executar um trabalho rotineiro e cansativo. Tratava-se de um castigo para mostrar-lhe que os mortais não têm a

liberdade dos deuses. Os mortais têm a liberdade de escolha, devendo, pois, concentrar-se nos afazeres da vida

cotidiana, vivendo-a em sua plenitude, tornando-se criativos na repetição e na monotonia. Sísifo morreu de

velhice e Zeus enviou Hermes para conduzir sua alma ao Hades. No Hades, Sísifo foi considerado um grande

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montanha acima até que ela role de volta à base, numa enfadonha, infrutífera e interminável

tarefa.

Queremos tratar do mesmo conhecimento que fundamenta a verdadeira ciência

filosófica e a arte, numa disposição de espírito capaz de redimir o mundo e de purificá-lo na

pessoa, por exemplo, daqueles de que se tem notícia terem sido gênios estetas ou santos.

Nesse viés, tratando da conduta humana, poderemos entender que o gênio filosófico se

diferenciaria do gênio artístico no fato de este último ser, conforme o próprio autor, superior

ao atingir mais essencialmente a Idéia do mundo naquilo que a sua arte expressa.

A vontade de vida em cada indivíduo recebe sua forma por uma tripla confluência de

fatores: tempo, espaço e causalidade. Contudo, para Schopenhauer, ―... apenas as idéias, não

os indivíduos, têm realidade propriamente dita, isto é, são objetividade perfeita da Vontade‖111

e ―a morte é um sonho no qual a individualidade é esquecida; mas todo o resto desperta, ou,

melhor dito, permanece desperto.‖112

Vimos que o conhecimento objetivo proporcionado pela obra de arte é, sobretudo,

conhecimento do uno presente ou tempo da Idéia. A forma do mundo real - que é o mundo da

Vontade, por ser, esta, mais originária que a representação - é o presente contínuo no qual

passado e futuro são temporalidades, mas em sentido meramente conceitual. Daí que, ―nosso

próprio passado, inclusive o dia mais recente e o anterior, é tão-somente um sonho nulo da

fantasia; o mesmo é o passado de todos aqueles milhões [gerações passadas]. A Vontade, cujo

espelho é a vida, e o conhecer destituído de volição, que mira claramente a Vontade nesse

espelho‖. 113

Portanto, passado e futuro nada são, além de uma ilusão mais que volátil e

inconsistente. Somente o presente é o tempo da Vontade que implica sempre na vida. Esta

pergunta pelo agora inédito, coloca as noções de tempo ou vida passadas em xeque, uma vez

que somente o presente seria o guardião do próprio passado, enquanto objeto distinto de si

mesmo. Senão, vejamos o que se segue:

A Vontade como coisa-em-si, está tão pouco submetida ao princípio de razão quanto o

sujeito do conhecimento, que definitivamente, numa certa perspectiva, é a Vontade

mesma ou sua exteriorização. E, assim, como à Vontade é certa a vida, seu fenômeno

próprio, também é certo o presente, única forma de vidad real. Conseguintemente, não

temos que investigar o passado anterior à vida, nem o futuro posterior à morte, mas

rebelde e teve um castigo, juntamente com Prometeu, Títio, Tântalo e Ixíon. 111

SCHOPENHAUER, 2005, § 54, p. 359. 112

Idem, p. 361. 113

Ibidem, § 54, p. 362.

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antes temos de conhecer o PRESENTE como única forma na qual a Vontade aparece;

ele não escapará da Vontade, nem esta, a bem dizer, escapará dele.114

Entendemos, assim, que os objetos reais encontram-se apenas no presente e que a

vontade tornada em representação é, também, um objeto. Contudo, somente no caso do

homem há um correlato necessário que não se pode enquadrar na categoria de objeto, ou seja,

o sujeito puro do conhecimento, que, semelhantemente à Vontade, não possui representação

equivalente. Como disse Schopenhauer: ―Entretanto, apenas o ponto de contato do objeto,

cuja forma é o tempo, com o sujeito, o qual não possui figura alguma do princípio de razão

por forma, constitui o presente.‖115

Ora, ao que tudo indica, o conteúdo do passado e do futuro é, portanto, um nada, uma

fantasmagoria assim como o dos conceitos, naquilo que concerne ao real. Como se percebe

até aqui, o tempo presente é a forma essencial e inseparável do fenômeno da Vontade, aquilo

que existe se mantendo firme e imóvel e que, do ponto de vista de uma tentativa de

apreenssão empírica é o mais impalpável e fugidio de tudo. Destarte, somente mediante um

sobrevôo metafísico seria possível ver por entre todas as formas da empiria do mundo esta

unicidade do presente contínuo ou nunc stans, como se costumava dizer na escolástica. Mas,

a Vontade de vida que sustenta o presente não pode ser dada fora da idéia de humanidade.

Senão, vejamos o que se segue:

Objetos reais, entretanto, estão apenas no presente. Passado e futuro contêm meros

conceitos e fantasmas, por conseqüência o tempo presente é a forma essencial e

inseparável do fenômeno da Vontade. Somente o presente é aquilo que sempre existe

e se mantém firme e imóvel, e, empiricamente apreendido, é o mais fugidio de tudo;

contudo, à mirada metafísica, a ver através de todas as formas de intuição empírica, se

apresenta como o único permanente, o Nunc stans dos escolásticos. 116

Considerando o olho cósmico ou mirada metafísica, temos que a consciência genial na

intuição estética e na clarividência ‗ética‘ se perpetuariam, a partir desse tempo presente, mas,

contrariamente a isto, o corpo humano não pode comportar a totalidade da Vontade que,

contudo, se efetiva na humanidade como idéia própria de si ou espelho do mundo real.

Portanto, somente o gênio é consciência desse tempo presente, e onde o passado e o

futuro encontram ancoramento. De modo muito similar a esse, o santo na Metafísica da ética,

intui sua ação no mundo no presente eterno que brota de si mesmo mediante a negação da

vontade de vida no seu corpo, embora a noção de tempo, de espaço e de causalidade

114

Id. Ibid. § 54, p. 363. 115

SCHOPENHAUER, 2005, § 54, p. 362. 116

Idem, § 54, pp. 362-63.

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constituam a forma do mundo e da Vontade na natureza, sendo estes últimos infinitos,

contrariando o escasso tempo de vida do indivíduo.

Já a representação só é possível no presente, o tempo do indivíduo, uma vez que a

representação da Vontade é o agora, ou seja, o presente como forma de sua aparição.117 Não

conhecemos a nossa vontade na sua totalidade; ela apenas aparece nos seus atos isolados,

conseqüentemente no tempo, que é a forma fenomenal do nosso corpo, bem como de todo

objeto. O corpo humano é a condição do conhecimento intermediado pelo entendimento e da

vontade de um indivíduo.118E, enquanto natureza pode vir a se constituir na condição de

possibilidade da liberdade humana.

Portanto, até aqui, e ao que tudo parece indicar não há tempo destituído de presente, e,

onde a Vontade se apresente como coisa-em-si, como vida, isto demanda sempre a

continuidade sem a qual, tudo o mais é mera sucesão fragmentada em fenômenos e conceitos

que desembocam na ilusão do Véu de Maia. Isto porque, somente do ponto de vista

fenomênico particular, a vontade principia e finda.

Como vimos, todo objeto demanda, necessariamente, uma correlação direta e objetiva

com o sujeito. Contudo, não se deve com isto imaginar que esse sujeito em questão possa ser

determinado empiricamente e localizado no espaço-tempo. Quanto a isso, no máximo

podemo-lo identificar a um organismo humano vivente e considerar que ―(...) o correlato de

todo objeto, [é] o sujeito que conhece e nunca é conhecido‖.119 Portanto, esse tempo da vida e

da Vontade, pouco ou nada tem que ver com a concepção cronológia de tempo, devendo ser

mais próximo da noção temporal de Aión.120

Vimos, ainda, que aquele sujeito, eterno olho cósmico, não pode ser objetivado no

espaço e no tempo, tampouco é ele representação de algum indivíduo. Segue-se disto que: o

presente perene é o tempo e o locus deste sujeito do puro conhecer, e que, em certo sentido, o

próprio espaço exigiria um sujeito que lhe servisse de fundamento, pois, sem extensão, toda

representação do entendimento é impossível, e, tal sujeito, não podendo ser representado e

não tendo extensão nem sucessão, desse modo, fundamentaria não somente a noção de

espaço, mas o próprio real, ainda que isto soe como um tipo de paradoxo uma vez que todo

fenômeno particular da vontade e o sujeito do conhecimento a isto concernente, ambos, se

instanciam no tempo, mas, o puro sujeito do conhecimento, cujo correlato é a idéia da coisa-

117

Ibidem, § 54, p. 363 & § 52, p. 336. 118

Id. Ibid. § 18, p. 156-57. 119

In SCHOPENHAUER, 2005, § 54, p. 366. 120

Αίών é o termo grego para Tempo com um significado diverso da noção de Χρόνος. Enquanto este último

deve ser entendido como sucessão de acontecimentos, Aión é concebido como eterna presença.

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em-si enquanto Vontade, é de fora do tempo, ou seja, é conhecimento universal e epistêmico

da Idéia.

Essa correlação em questão é meramente teória, porque o real não possui,

propriamente falando qualquer relação com o ideal, e, o conhecimento objetivo do real só é

possível na coisa-em-si, isto é, na Vontade. Portanto, o procedimento empírico é insuficiente

para uma tal categoria de realidade e, do ponto de vista da idéia da conduta do homem no

mundo, será sempre subjetivo e limitado. Desse modo, pelo princípio de razão, a liberdade do

homem está fadada a ser, tão somente, mais uma ilusão do mundo fenomênico, uma utopia

perpétua, desde que a razão seja compreendida como se pretendeu até aqui.

Assim, o querer, enquanto vontade egoísta e utilitarista, emerge como a matéria que

alimenta o fogo do sofrimento humano; sofrimento vão, inócuo e incapaz de proprorcionar ao

indivíduo a liberdade como possibilidade real. Destarte, percebe-se, neste ponto, que toda

ação humana fundada no desejo interesseiro, culmina sempre no nada de onde se origina.

Permanecendo vazia tanto para a bela arte como para a ação nobre.

O mundo externo é o mundo do sujeito que o compreende subjetivamente, pela visão e

demais sentidos, e, pelo entendimento. A coisa-em-si do mundo, todavia, parece assumir uma

orientação interna comum ao sujeito e ao objeto, no sentido de que: conhecer objetivamente a

conduta humana é conhecer muito mais que relações entre indivíduos.121Senão, consideremos

o seguinte:

Pois só como fenômeno alguém é transitório; ao contrário, como coisa em si, é

destituído de tempo, portanto sem fim. Mas também só como fenômeno alguém é

diferente das outras coisas do mundo; como coisa em si é a Vontade que aparece em

tudo, a morte, removendo a ilusão que separa a consciência própria das demais: e isto

é a perduração. Ora, não ser atingido pela morte, algo válido exclusivamente para o

indivíduo como coisa em si, coincide para o fenômeno, como a perduração do mundo

exterior que resta. 122

Desse modo, a morte é o fim do fenômeno humano individual, mas não como coisa-

em-si, ao que a razão não pode abarcar tampouco resolver. Esta incapacidade é o que incute o

sofrimento e o medo humanos. Contudo, ―o que de fato tememos na morte é o sucumbir do

indivíduo, como ele somente proclama ser.‖123

121

A transição da metafísica do belo para a metafísica da ética coincide tacitamente, com a superação da

causalidade e a superação do indivíduo pela idéia de humanidade. Aludimos aqui à formula sânscrita tat tvam asi

das escrituras sagradas Mahavakya ou a grande palavra. Cf. SCHOPENHAUER, 2005, § 44, p. 294-95. 122

SCHOPENHAUER, 2005, § 54, p. 366-67. 123

Idem, p. 367.

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51

Vemos, assim, que Schopenhauer entende que os fenômenos são modos de ação que

expressam os diversos graus da afirmação ou da negação da Vontade. Portanto, o

conhecimento objetivo surge, aqui, como o medium possibilitador tanto de uma como da

outra. Destarte, tal conhecimento se manifestaria mais objetivamente em atos de conduta,

embora a filosofia, até então, sempre o tenha tratado racionalmente, como conhecimento

abstrato e subjetivo, por vezes dogmático, até.

Schopenhauer se mostra consciente dos limites do discurso filosófico, procurando

expor este ―jogo‖ da afirmação e da negação da Vontade pela função própria da filosofia, que

é explicar conceitualmente o mundo, arrematando o seguinte:

Assim, comigo, a ética está conectada à metafísica de forma incomparavelmente mais

direta e íntima que em qualquer outro sistema, de modo que a significância moral do

mundo e da existência está mais firmemente estabelecida que nunca. Somente vontade

e representação são fundamentalmente diferentes na medida em que constituem o

contraste básico de todas as coisas no mundo sem deixar nada para trás. A coisa

representada e a representação desta são o mesmo; mas apenas a coisa representada,

não a coisa-em-si. A última é sempre vontade, qualquer que seja a forma na qual

aparece na representação. 124

Nesta passagem, Schopenhauer pretendeu ter superado uma linha de equívocos na

doutrina do Ideal e do real que se estendeu de Descartes até Hume.

A absoluta liberdade da Vontade impõe, por si mesma, a ineficácia de qualquer

dogmática prescritiva e legalista. Mas, deve-se aqui ―elucidar e determinar mais precisamente

essa liberdade e sua relação com a necessidade‖.125 Uma vez que o problema fulcral da

Metafísica da ética é o que envolve as considerações sobre a vida e sua consequente

afirmação ou negação e que o conhecimento que intentamos apresentar aqui é, como sugeriu

Schopenhauer, o da significação ética das condutas humanas de acordo com a sua essência

íntima. 126

A vontade afirma a si mesma, significa: quando em sua objetividade, ou seja, no

mundo e na vida, a própria essência lhe é dada plena e distintamente como

representação, semelhante conhecimento não obsta de modo algum seu querer, mas

exatamente esta vida assim é também enquanto tal desejada; se até então sem

conhecimento, como ímpeto cego, doravante com conhecimento, consciente e

deliberadamente.- O oposto disso, a negação da vontade de vida, mostra-se quando

aquele conhecimento leva o querer a findar, visto que, agora, os fenômenos

particulares conhecidos não fazem efeito como motivos do querer, mas o

124

In Parerga e Paralipomena: escritos filosóficos menores selecionados. Cap. 1 - Esboço de uma história da

doutrina do ideal e do real, (Último § antes do Apêndice). Tradução de Deyve Redyson. UFPB, 2008. [Texto a

ser publicado]. 125

SCHOPENHAUER, 2005, § 54, p. 370. 126

Idem.

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52

conhecimento mais inteiro da esência do mundo, que espelha a Vontade e, assim, a

Vontade suprime a si mesma livremente. 127

Nós podemos agora perceber, do que foi dito, que os movimentos do corpo, um

fenômeno particular conhecido, são a visibilidade dos diferentes atos da vontade, e, a forma

da representação é a que os distingue da essência em si, do que o corpo é no mundo enquanto

objeto da intuição e que se dá conta da Vontade em seus movimentos ou atos, isto é, na

visibilidade dos diferentes atos da Vontade. 128

Desse modo os atos da vontade humana possuem uma razão motivadora, do que é

sempre de fora. Tais motivos determinam o que eu quero no tempo, num lugar e em dadas

circunstâncias. Mas isto não se delimita ao mero querer individual, pois somente o fenômeno

da vontade encontra-se submetido ao princípio de razão. Já a Vontade, em si mesma, sequer

pode ser imaginada de uma perspectiva matemática, por exemplo. Isto, porque o Nunc stans

implica numa noção de tempo sem possibilidade de mensuração.

Ora, a ação do homem é o aspecto mais significativo do mundo, devendo isto ser

tomado não somente segundo o modo subjetivo, mas também segundo o modo objetivo de

acessar o mundo.

Contudo, devemos nos acautelar de que: ―Por conseguinte, seria tão tolo esperar que

nossos sistemas morais e éticos criassem caracteres virtuosos, nobres e santos, quanto que

nossas estéticas produzissem poetas, artistas plásticos e músicos‖. Pois, ―... a Vontade é não

apenas livre, mas, até mesmo todo-poderosa. Dela provém não só seu agir, mas também seu

mundo‖.129

Finalmente, podemos entender que toda ação do homem se dissipa no tempo, portanto

nada é; a menos que seja levada a cabo desinteressadamente e totalmente imersa no tempo da

Vontade.

127

SCHOPENHAUER, 2005, § 54, p. 369. 128

SCHOPENHAUER, 2005, § 20, p. 164. 129

Idem, § 53, p. 354-55.

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2.2. LIBERTAÇÃO DA VONTADE E ‘OLHO CÓSMICO’

―Existimos tão-somente como olho cósmico UNO, que olha a partir de todo ser que conhece,

porém só no homem tem a capacidade de tornar-se tão inteiramente livre do serviço da

Vontade.‖

(Arthur Schopenhauer, In MVR p. 269)

Já vimos que o homem depende do determinismo da Vontade na Natureza para agir.

Destarte, sua liberdade é mera ilusão; 130semelhantemente à ‗liberdade‘ de uma folha seca

soprada pelo vento. A Vontade existe, mas não é aparente, desconhecemos sua ação sobre a

nossa vontade micro-cósmica, contudo ela é determinante para nós, porque só ela é livre em

todos os sentidos deste termo.

Na Metafísica da Ética, os motivos éticos de cada indivíduo131 possuem três fontes

basilares, a saber: o egoísmo, a maldade132 e a compaixão. Desse modo, pela afirmação do

desejo ou do EU QUERO é que se pode viabilizar humanamente a liberdade ou, pelo menos

anunciá-la, manifestá-la no mundo, pois: ―Somente o entendimento inculto considera o EU

QUERO como o ato primeiro e determinante da ação‖.133

Por motivo, devemos entender uma causa que se liga de modo determinado ao caráter

individual de alguém. Em Schopenhauer, o homem possui um caráter inamovível desde o

nascimento. Portanto, sua ação deriva necessariamente do caráter e de seus motivos inerentes

e toda ação é consequência imediata desse caráter e desses motivos, respectivamente. Desse

modo, a liberdade num indivíduo, só poderia resultar de uma total alienação ou ignorância do

caráter. Semelhantemente, desconhecer os motivos, ou, ignorar um ou outro equivaleria a não

130

Das coisas diferentes e opostas que motivam cada caráter individual à ação, o ser humano só poderá tomar

uma por vez, e sempre haverá outras tantas a querer. Isto sempre o determinará por um motivo mais forte que

novamente o incitará a querer, a optar mais uma vez por algo que sacie momentaneamente o desejo. Cf.

SCHOPENHAUER, 1993. Los dos problemas fundamentales de la ética, p. XXIII. 131

―A individuação é real, o principium individuationis e a diversidade dos indivíduos que nele se baseia é a

ordem das coisas em si. Cada indivíduo é um ser radicalmente distinto de todos os demais. Unicamente em meu

próprio eu tenho minha verdadeira existência, diferentemente, tudo o mais é não-eu e alheio a mim.‖ ―A

individuação é um mero fenômeno surgido em virtude do espaço e do tempo, que não são mais que forma de

todos os objetos de minha faculdade cerebral de conhecer condicionadas por ela; daí que, também, a pluralidade

e diversidade dos indivíduos, seja mero fenômeno, quer dizer, que exista só em minha representação. Minha

essência verdadeira, interna, existe em todo vivente de um modo tão imediato como aquele no que se me

manifesta exclusivamente a mim mesmo em minha autoconsciência‖. In SCHOPENHAUER, 1993. Los dos

problemas fundamentales de la ética, p. 294-295. 132

Tanto o egoísmo quanto a maldade derivam do conhecimento fenomênico da diferença entre o eu e o não-eu.

Ambos se expressam na conduta comumente hostil entre pessoas que se julgam como que se existissem

separadas do resto do mundo. 133

Cf. SCHOPENHAUER: 1959, MVR, I p. 515, apud FAFIAN.

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se saber determinado como indivíduo. Por isso, teoricamente, podemos aceitar que toda ação

humana implica a pressuposição de um fundo binomial de tipo caráter-motivo. Este caráter é

individual e invariável, ao passo que os motivos podem ser os mesmos ou os mais diversos,

de pessoa para pessoa.134

Com uma pergunta sobre o significado da liberdade, Schopenhauer inicia Os dois

problemas fundamentais da ética, obra datada de 1841,135 na qual três tipos de liberade são

considerados. Sua tese radica em pretender conjugar a necessidade empírica a que estão

submetidas os atos do homem com a liberdade transcendental da vontade, aplicando, assim, à

liberdade, os conceitos que Kant refere ao mundo sensível: realismo empírico e idealidade

transcendental.136 O primeiro diz respeito à ausência de obstáculos materiais ao corpo humano,

portanto se denomina liberdade física; o segundo, refere-se à possibilidade de emissão de uma

opinião diante dos demais, é a liberade intelectual, o terceiro e último tipo, concernente à

noção de livre arbítrio como capacidade de atuar de uma maneira comum ou incomum dentro

de circunstâncias prestabelecidas, e se denomina liberdade moral. Contudo, este tipo de

liberdade, também denominado de indiferente, não é capaz de resolver o problema da

pergunta pelo significado último da noção de liberdade.

Essa tipologia da liberdadade é suficiente para delimitar o âmbito deste conceito para

os fins deste trabalho que intenta demonstrar a possibilidade teórica de a intuição estética ser

tão apta para a liberdade transcendental quanto aquela proposta no quarta seção de O mundo

como vontade e como representação, ou que, ao menos, esta seria uma tese plausível, em se

tratando de uma possibilidade teórica de estudo dessa obra com base na Metafisica do Belo e

na noção de liberdade ali proposta.

Uma liberdade de ser, no sentido da idealidade transcendental do indivíduo,

necessitaria não se pautar pelos apelos da razão. Ora, a ‗razão‘ de ser da liberdade da Vontade

é guiar-se por nenhuma razão, pois deve a liberdade pressupor ação livre, expontânea e

autônoma, como a Vontade na natureza. Essa condição noumênica é própria da Vontade

universal, energia unitária que constitui o em-si do mundo e que é a essência invisível de tudo

o que existe. Esse proceder por si mesmo ou esta autonomia da conduta no mundo é o que

melhor caracteriza a idéia de liberdade em Schopenhauer, e que se dirige para uma

independência total de motivação causal lógica, por não poder haver liberdade junto a quem

134 Cf. FAFIAN, 1996, p. 89.

135

A 2ª. Edição (1860) contém Sobre a liberdade da vontade de 1839, vencedora de um prêmio da Real

Sociedade científica da Noruega e Sobre o fundamento da moral de 1840, que perdeu o prêmio da Sociedade de

Ciências da Dinamarca. 136

Cf. FAFIAN, 1996, p. 86.

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age de modo racional, isto é, moral; uma vez que a moral é um produto da razão humana,

significando ainda imposição de regras artificiais para a conduta, regras facilitadoras dos

mecanismos de controle social sob a pretensa máscara de uma ordem social pacífica, ou de

uma sociedade mais funcional, portanto, de um mundo utilitarista, num tipo de utopia onde o

sofrimento pudesse ser minimizado artificialmente pela observância a algum imperativo

categórico para ‗ortopraxia‘.

Nesse contexto, em certo sentido, um indivíduo livre seria, de fato, um ente

irracional,137 no sentido de que, tanto a arte do gênio esteta como a postura do sábio no mundo

só atingiriam a liberdade momentânea por não fazer apelos ao mundo dos desejos. O termo

irracional deve, portanto, possuir aqui uma acepção de espontaneidade, sem motivação

externa, onde toda internalização de procedimentos morais oriundos de uma cultura moral

deve ser esvaziada e todo livre-arbítrio deve ser entendido como motivado por uma razão,

portanto, impróprio para a liberdade do indivíduo conforme os termos já aqui esboçados, e

que apontam para a compreensão de que não há uma teleologia moral no Mundo como

Vontade e como Representação, ou seja: uma ação só pode ser considerada livre se seus

motivos são desinteressados. Isto implica dizer que a ‗finalidade‘ de uma ação desse tipo é a

liberdade, portanto um não ter fim, um não visar, por exemplo, a algum bem definitivo. Pelo

contrário, ser fim e sumo bem em si mesma, como o é a Vontade. Como considerou Fafian:

O homem (...) se é livre, não o será a este nível da eleição em que se exerce o livre

arbítrio. A verdadeira liberdade é transcendental enquanto é atributo da vontade

universal. Como essência do mundo, a vontade é liberdade radical e sem motivação,

espontaneidade pura. É a liberdade absoluta, independente da lei da causalidade, que é

a lei do mundo dos fenômenos; pois a vontade é o noumeno não sujeito a tal lei.‖ ―...

O modo de a vontade universal participar em cada grau é fixo e determinado e,

portanto, não suceptível de ser modificado por cada ser concreto. Esta

imodificabilidade e substancial invariabilidade do ser conduz ao determinismo no agir

do homem (...).138

137

Pensando em termos da responsabilidade que a ação do santo parece encerrar, percebe-se um conflito entre o

conceito irracionalista de liberdade e a Razão que dirige qualquer atitude responsável diferentemente do que

ocorre com o ímpeto cego da Vontade. ―Mas, cabe pensar que todos os problemas e contradições que aqui

nascem sejam, mais que uma deficiência do sistema, uma afirmação do mesmo em seu irracionalismo; uma

prova de que existe um ‗mais além‘ da representação ao que a razão não pode aceder e do que, contudo, somos

todos conscientes; em suma, uma confirmação de que, como afirma Schopenhauer seguindo a Malebranche, ‗a

liberdade é um mistério‘‖. In Schopenhauer, 1993. Los dos problemas fundamentales de la ética, p. XXVI. Este

é o ponto que torna tão relevante uma abordagem estética da Metafísica da ética. No fundo, a liberdade moral

não se sustenta na Razão, ou seja, não admite o dever ou a responsabilidade como móveis da conduta. Destarte, a

saída é uma volta ao modo genial de agir no mundo; aquele que, como vimos, ao estudar a Metafísica do Belo,

não se compromete com quaisquer normas de conduta, jamais se conformando aos ditames do Véu de Maia. 138

FAFIAN, 1996 p. 87.

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Destarte, evidencia-se que a obra da Vontade precipita o indivíduo na clausura do

sofrimento incessante do qual não pode libertar-se senão momentaneamente. Diante disso, a

humanidade se mantém, se perpetua, espelhando a Vontade sem jamais ter acesso ao que ela é

em si: pura liberdade. Nesse sentido, se pode dizer com propriedade que a liberdade pertence

ao domínio transcendental do real, imanente à natureza em-si e pode até ser entendida como

supernatural, desde que isto não se confunda com fantasmagorias. É, portanto, transcendental

enquanto essencia do mundo sem nada que a anteceda. Possui, desse modo, total isenção da

lei causal e pertence ao âmbito do noumênico ou da pura Vontade, jamais presente no mundo

como representação. Transcendental é, aqui, aquilo que passa sempre incólume nos

fenômenos, sempre inatingível à razão e, até certo ponto, aos próprios sentidos, embora não

fuja jamais à imanência.

O caráter empírico é o que propriamente determina o modo pelo qual a vontade atua

tanto no indivíduo como na espécie139. Do ponto de vista noumênico, o homem é, também,

livre porque o seu caráter transcendental radica na Vontade, única idéia apta para sustentar a

nocão de liberdade absoluta. Desse modo, ele participa da vontade universal; mas não do

ponto de vista fenomênico-causal.

A liberdade, como fenômeno ou ser individual fica, desse modo, imposibiltada pelo

caráter imutável e objetivado que todo homem assume no mundo, ela ―... se concilia assim

com a necessidade. Liberdade no em si do homem e do mundo, e necessidade em todo ser

natural e em todo homem.‖140

Recordemos que a liberdade, em Schopenhauer, possui uma classificação tríplice, a

saber: a liberdade física, a intelectual e a moral. Isto para tratar da liberdade intelectual, pelo

que, importa considerar aqui que: o núcleo de todo homem é a Vontade, e o entendimento,

faculdade cognoscitiva, é o mediador dos motivos para que estes atuem sobre aquela. Desse

modo, dizemos que o homem é intelectualmente livre quando sua vontade reage livremente às

investidas dos motivos que demandam do mundo exterior e se apresentam ao seu espírito

humano, sem ser obstáculo para qualquer força externa, pelo que, as suas ações resultariam

puras. Mas, uma simples perturbação temporária ou definitiva do entendimento pode

obstacular a liberdade intelectual. Ademais, causas exteriores ―em certos casos particulares‖

139

Contudo, devemos lembrar que a própria natureza privilegia a manutenção da espécie em detrimento do

indivíduo. A morte despreza a imanência do indivíduo pela transcendência da espécie. 140

Idem, p. 88.

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também o fazem.141 Alguns exemplos disso são a loucura, o delírio, o torpor da embriaguez, e

acidentes motivados por erros diversos de interpretação dos motivos externos.

Na natureza da vontade e do caráter individual do homem, a liberdade intelectual

implica nas ações puras de sua vontade, isto ocorrendo como se segue:

(...) sob a influência dos motivos que, no mundo exterior estão presentes em seu

espírito como ao de todos os homens. Uma perturbação temporal ou definitiva do

entendimento exclui a possibilidade do exercício da ‗liberdade‘ e causas exteriores em

certos casos particulares alteram o conceito fixo dos motivos‖. ―A vontade somente

constitui o homem propriamente dito; a inteligência é simplesmente seu órgão, as

antenas que o dirigem ao exterior, quer dizer, a mediadora entre os motivos e a

Vontade. 142

Com a alteração dos motivos externos, a vontade toma decisões impróprias à liberdade

intelectual, porque um erro de julgamento dos fatos no mundo a impele a isso. A própria

justiça, como sabemos, prescreve medidas de isenção ou inimputabilidade no caso de alguém

que comete um crime explicitamente por equívoco ou passionalmente. ―A paixão é a

excitação súbita e violenta da vontade por uma representação que vem de fora e adquire a

força de um motivo; essa representação possui tal vivacidade, que obscurece e não deixa

chegar ao entendimento tudo quanto poderia fazer em contrário como motivo oposto‖.143

Aquilo que excita a paixão desencadeando uma ação é sempre coisa presente à sensibilidade.

Senão, vejamos o que segue:

Através da estética se evidencia toda salvação positiva da Vontade como impossível;

só restam, pois duas alternativas: ou aceitar a Vontade tal como é, o que significa

aceitar ao mesmo tempo a miséria e o sofrimento que constituem sua expressão nos

seres, na vida; ou acudir ao caminho negativo de salvação, único já possível, pelo

rechaço da Vontade mesma, da existência, da vida. Esta última será a opção que

Schopenhauer nos propõe, porque para ele é a única opção moral, a única postura ética

possível, pois as demais, afirmando a vida, afirmando a Vontade, só perpetuam todo

sofrimento do mundo.144

Portanto, a solução definitiva às imposições despóticas da Vontade seria um tipo de

perpetuação do estado contemplativo, interligado à ação imediatamente derivada dele. Nisto

residindo, inclusive, o elemento teórico que fundamenta a diferenciação entre a noção de

liberdade da Metafísica do belo e da Metafísica da ética.

Isto posto, finalizamos esta seção, considerando que, em ambas as propostas de

liberdade referidas a pouco, a possibilidade surge após um olhar sobre o mundo que é

141 In Schopenhauer, Arturo. La libertad. Buenos Aires: Editorial Tor, s/d, p. 146. 142

Idem, p. 146-147. 143

Idem, p. 148. 144 RÁBADE, 1989, p. 18.

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negativo, ou seja, totalmente desiteressado. Esse olhar enquanto mirada metafísica pode

culminar numa ação que, no caso do artista, produz a bela arte e, no caso do sábio, produz

uma atitude como que esvaziada dos imperativos do desejo, numa negação ou afirmação do

querer que se dá livre das determinações impostas pela Vontade.

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2.3. UMA BREVE CONSIDERAÇÃO CRÍTICA SOBRE O IMEDIATO E A

DURAÇÃO

―Pois o lugar e a duração do indivíduo são partes finitas de um infinito, de um

ilimitado‖.

(Arthur Schopenhauer, in MVR I, § 57)

O objetivo principal deste tópico é apresentar as linhas gerais para o entendimento

claro e fugir a uma aparente contradição que parece surgir na teoria dos dois últimos livros de

O mundo como vontade e como representação onde se propõe um tipo de superioridade do

sábio sobre o gênio esteta, no sentido de que aquele possuiria uma maior duração na intuição

da idéia, ou seja, o sábio ou santo se manteria mais tempo no estado de puro sujeito do

conhecimento. Mediante o exposto surge uma questão que não deve ser desprezada, a saber:

Qual seria a diferença entre aquela intuição fugaz do gênio esteta e esta mais duradoura do

santo, uma vez que a condição de superação do sofrimento humano é apontada por

Schopenhauer como sendo condicionada justamente à superação do princípio de razão? Como

ele mesmo disse:

Todas as idéias se expõem em inúmeros indivíduos e fenômenos isolados. Elas estão

para estes como modelos para suas cópias. A pluralidade de tais indivíduos se origina

unicamente através do principium individuationis, princípio de individuação. Tempo e

espaço; o nascer e o perecer deles só é representável mediante a causalidade. Tempo,

espaço e causalidade, por sua vez, são figuras do princípio de razão. Esse é justamente

o princípio último de toda finitude e individuação. Contudo, ele também é a forma

universal da representação, tal qual esta se dá ao conhecimento do indivíduo. A Idéia,

ao contrário, não se submete a esse princípio. Por conseguinte, não cabe a ela

pluralidade nem mudança.145

Como se pode notar, o que importa, em última instância, tanto à Metafísica do Belo

como à Metafísica da Ética é o conhecimento numênico ou daquilo que não se submete à

causalidade. A isto, no caso desta dissertação, denominamos conhecimento objetivo, cujo

foco fizemos incidir sobre as condutas humanas e entendemos que uma provável

diferenciação de grau entre o artista e o santo só faria algum sentido relevante meramente de

um ponto de vista formal e estilístico, uma vez que para ambos os casos o tempo é o Nunc

stans ou tempo da Vontade, onde uma maior duração ou brevidade são desconsideradas, por

se tratar de uma abordagem não matemática.

145

SCHOPENHAUER, 2003, p. 30.

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Em todo grau que o conhecimento brilha, a Vontade aparece como indivíduo, este por

sua vez, encontra a si mesmo como finito no espaço e no tempo. Se comparado a estes, ele,

conseqüentemente, é como que uma grandeza desvanecendo, neles imergindo e possuindo

sempre uma existência relativa, determinada por um quando e por um onde que jamais serão

absolutos.

Para Schopenhauer, o corpo é o objeto imediato do conhecimento146, é a resposta que

o sujeito encontra ao se perguntar se existe além da representação, e de onde surge a condição

transcendental para a ‗cognição universal‘. Neste caso, o algo de imediato é o si-mesmo, no

qual o vidente do mundo é também vidente de si mesmo, e isto imediatamente. Há algo sem

mediação do entendimento que o põe diante de si mesmo, isto é, há a Vontade, o em-si do

corpo, a coisa-em-si humana.

Acerca do fenômeno da conduta humana em geral, devemos considerar que

representações intuitivas expõem somente formas e qualidades – cujo sustentáculo é a matéria

na qual as idéias se manifestam. Por outro lado, todo fenômeno de uma idéia, na matéria,

como qualidade desta, tem de aparecer, pois, como fenômeno, entrou em cena no princípio de

razão e no principium individuationis. Portanto, a matéria é o elo entre a idéia e o fenômeno,

ou o principium individuationis, modo de conhecimento do indivíduo.

Portanto, uma vez que aquilo que se busque seja a idéia das condutas humanas, as

representações intuitivas deste fenômeno podem ser mediadas ao conhecimento do indivíduo

de menor disposição de gênio, pela arte, e, o fato de a matéria conectar a idéia ao fenômeno,

apenas reforça o entendimento de que, tanto o gênio artístico quanto o gênio ético, ambos se

deparam com a matéria e com o fenômeno tão somente pela perspectiva do Nunc stans, ou o

tempo da Vontade. Pelo que Schopenhauer esclarece ainda que:

A Vontade, que vive em todos os indivíduos, entra em cena em um indivíduo de forma

violenta, noutro mais fracamente; por meio da luz do conhecimento, aqui é trazida

mais, lá menos, à consciência. Suas exteriorizações são assim amenizadas; por fim, é-

nos mostrado que, em indivíduos isolados, esse conhecimento, por intermédio do

próprio sofrimento, pode ser libertado e incrementado de tal maneira que atinge um

ponto em que ocorre uma súbita mudança de todo o modo de conhecimento, o todo do

fenômeno não ilude mais e se vê através de sua forma – o principium individuationis.

Teremos uma noção mais nítida e precisa de semelhante mudança no conhecimento

justamente na ética. Contudo, tenho aqui de antecipar que a elevação do conhecimento

até o ponto onde se vê através do principium individuationis suprime o egoísmo do

indivíduo, visto que este então reconhece sua essência íntima, a Vontade como coisa-

em-si, também em todos os outros indivíduos. 147

146

Cf. § 22 p. 144-145, In SCHOPENHAUER, Arturo. SOBRE LA CUADRUPLE RAIZ DEL PRINCIPIO DE

RAZON SUFICIENTE. Aguilar: Buenos Aires, 1980. 147

SCHOPENHAUER, 2003, p. 222.

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Não parece muito sensato imaginar que aquilo que o santo vê em relação aos demais

indivíduos não possa ser alcançado pelo esteta. O conhecimento objetivo, portanto, traspassa

o princípio de razão rumo à superação do sofrimento pela compaixão, na qual o sábio ou

gênio ético tem a clarividência de que todos os indivíduos se irmanam no sofrimento e que,

aumentar o sofrimento de um ser humano, por exemplo, seria uma atitude naturalmente

reprovável porque a positividade da dor é mais que suficiente para o conhecimento objetivo

de que, viver é sofrer.

Ora, a diferença entre o modo de conhecer do santo e do esteta, no que se refere à

noção de duração ou maior permanência no estado contemplativo, fica quase que indistinta, a

menos que se presuma que o fenômeno humano do artista se diferencia do fenômeno santo, o

que é óbvio, em parte. Contudo, Schopenhauer está investigando sobre a essência da

humanidade, e, em essência, todo ser humano se equipara na Vontade. E que, o artista e o

santo demandam a superação temporária do sofrimento como ele disse:

A objetidade adequada da Vontade são as Idéias. Estimular o conhecimento delas

mediante a exposição de coisas isoladas é o objetivo de todas as outras artes, as quais

sem exceção objetivam a Vontade, todavia apenas mediatamente, isto é, por meio de

Idéias. Ora, como nosso mundo nada mais é do que o fenômeno das idéias na

pluralidade, mediante sua entrada no principium individuationis (forma de

conhecimento do indivíduo), a música visto que vai além das Idéias, é também por

inteiro independente do mundo fenomênico, ignora-o absolutamente e poderia, por

assim dizer, existir mesmo que ele não existisse, algo que não se pode dizer das outras

artes. 148

Comparando as várias formas de belas artes, Schopenhauer entendeu que somente a

música não copia como as demais artes, as Idéias, mas ela tão somente expressa a Natureza e

a Vontade mesma. Portanto, esta arte pode expressar o comportamento humano de forma mais

objetiva do que as demais. Isto inclui expressar a essência do artista e do santo de forma

igualmente magnânima. Ora, aqui fica claro o que estamos denominando, para os limites

desta dissertação, como uma possibilidade estética da Metafísica da Ética, querendo dizer que

não há, propriamente falando, uma superioridade da ética sobre a estética. Nesse sentido,

provavelmente, a teoria mais coerente seria de que a Metafísica do Belo conteria elementos

teóricos suficientes para, em certo sentido, englobar e superar toda e qualquer proposta

estética ou ética com base na razão pura, porque a música é a única expressão humana da

Vontade mesma. Portanto, não é nenhum exagero afirmar a possibilidade de a intuição

musical poder servir de fundamento para a significação ética das condutas humanas, e isto em

detrimento do fundamento racional comum.

148

Idem, p. 229.

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62

2.4. ASCESE E AUTOCONHECIMENTO149

No reino da inteligência não cabe a dor, somente o conhecimento.

(Arthur Schopenhauer)

Para que fique mais claro o que intentamos nesta seção, se faz necessário iniciar com

uma breve digressão, uma vez que ficou evidente, até aqui, que o conhecimento do em si deve

ser independente de qualquer desejo.

A Vontade ou verdade é a negação da ilusão do mundo como representação e se opõe

necessariamente a qualquer desejo humano de liberdade. A menos que, pelo conhecimento de

si no homem, o querer seja negado livremente o que geraria uma incógnita cósmica, no

sentido de que a necessidade efetiva da conduta seria superada.150 Portanto, a suspensão da

vontade de viver é o elemento fundamental da liberdade entendida, aqui, como a quebra

daquela cadeia causal necessária que determina o homem como ser que sofre na roda de Íxion.

Mas, negar a vontade nos membros do corpo, isto ocorre de forma não propositada, antes,

deve resultar da íntima relação entre a clarividência e a vontade, dada subitamente, como que

num golpe recebido de fora. No modo de dizer cristão, seria o efeito da graça iluminadora do

espírito, pela qual o indivíduo renasce numa μετάνοια ou mudança de entendimento. Desse

modo, pela morte do homem natural, besta insaciável do desejo, um novo homem teria lugar,

a partir desse novo nascimento: o do homem espiritual, santo ou iluminado pelo espírito

divino.

O antigo mito de Adão pode ser entendido, nesses termos, como o homem da

decadência, e o Cristo ou segundo Adão seria o homem da ascensão que atingiu sua liberdade

plena na unidade com Deus, vontade ou verdade imutável nas coisas.

Contudo, há que se entender, aqui, que essa ascensão não pode ser promovida pela

razão, mas, antes, pelo esvaziar-se, ou, em linguagem teológica, pela Kénosis que significa o

esvaziamento de Jesus, mencionado no Novo Testamento, epístola de São Paulo aos

Filipenses: 2: 5-7 podendo prolongar-se até o 11. Kenótica se refere a Kénosis, essa doutrina

149

Do grego áskesis, meditação, exercício de devoção e meditação religiosa; sistema moral dos ascetas. No

MVR este conceito não implica uma indicação prescritiva para a conduta, tampouco se relaciona a indicação

filosófica de adesão ao deísmo ou ao teísmo, mesmo porque, o pensamento de Schopenhauer se fundamenta num

tipo de imanentismo cosmologista, se afastando de todo teologismo. 150

Cf. §161 in SCHOPENHAUER, Arthur. Parerga e Paralipómena. Vol.II Traducción, introducción y notas de

Pilar López de Santa María. Madrid: Editorial Trotta, 2009.dos Parerga. Cf. a nota 232, p. 96.

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do esvaziamento do lógos divino na teologia, precisamente na disciplina Cristologia. Esta

doutrina é a grande passagem cristológica que projeta luz sobre a encarnação de Jesus Cristo.

A verdade revelada é justamente a que resulta do pensamento do apóstolo Paulo, quando se

voltou para o advento histórico de Cristo a fim de ilustrar a doutrina da humilhação do Filho

de Deus151 isto é, de que ele tornou a si mesmo como não tendo reputação alguma, ou melhor,

esvaziou-se de si mesmo, sendo esta última frase a tradução literal do grego ekenõsen, de que

deriva o termo técnico kénosis.

Segundo estes fragmentos bíblicos, Jesus existia em forma de Deus e igual a Deus, e

se humilhou tomando a forma de servo em lugar da pré-existente forma de Deus.

O termo pecado foi herdado daquela idéia de natureza humana decadente desde

sempre, de sofrimento e morte pela identidade adâmica manifesta no laço temporal das

gerações. Essa força determinante do querer se sustenta na solidariedade da raça que se

reproduz formando o laço temporal das gerações impotentes diante dos impulsos e incapazes

de conhecer a verdade, pela ilusão do engano manifesta após a queda ou Maia, para os hindus.

Seguindo esta digressão, temos que: o Cristo poderia ser um tipo de representante-mor

da negação da vontade de vida, ou da vida submissa às imposições do querer irresistível. Mas,

isto, conforme a doutrina teológica do Docetismo,152 destacada por Schopenhauer. Nela Jesus

é apresentado como mera aparência humana e não como homem em sentido pleno das suas

limitações.

O pecado pode ser entendido como afirmação do querer insaciável e a redenção como

afirmação da boa-vontade, isto é, da negação da vontade de vida que se conforma à

necessidade imperativa do desejo. Pois, como já vimos na Metafísica do Belo, é dez vezes

mais fácil gerar um desejo do que saciá-lo.

151

Cf. II Cor. 8:9. 152

Docetismo (do grego δοκέω, para parecer) é o nome dado a uma doutrina cristã do século II, considerada

herética pela Igreja primitiva, que defendia que o corpo de Jesus Cristo era uma ilusão, e que sua crucificação

teria sido apenas aparente. Não existiram docetas enquanto seita ou religião específica, mas como uma corrente

de pensamento que atravessou diversos estratos da Igreja. Esta doutrina é refutada para a Igreja Católica e pelos

protestantes no Evangelho de São João, no primeiro capítulo, onde se afirma que "o Verbo se fez carne". Autores

cristãos posteriores, como Inácio de Antioquia e Irineu de Lião deram os contributos teológicos mais importantes

para a erradicação deste pensamento, em especial o último que, na sua obra Adversus Haereses defendeu as

idéias principais que contrariavam o docetismo, ou seja, a teologia do cristocentrismo, a recapitulação em Cristo

do homem caído em pecado e a união entre a Criação, o pecado e a redenção. A origem do docetismo é

geralmente atribuída a correntes gnósticas para quem o mundo material era mau e corrompido e que tentavam

aliar, de forma racional, a Revelação das escrituras sagradas à filosofia grega. Esta doutrina viria a ser condenada

como heresia no Concílio Ecumênico de Calcedônia. Cf. PINHO, Arnaldo de. Docetismo, in "Enciclopédia

Verbo Luso-Brasileira da Cultura, Edição Século XXI", Volume IX, Editorial Verbo, Braga, Abril de 1999.

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Não é exagero dizer que, na cultura ocidental, Jesus Cristo153 é considerado um

símbolo da negação da má-vontade pela afirmação sapiente da boa-vontade. A má-vontade

pode ser entendida aqui como a vontade da besta ou impulso animal de sobrevivência. Esta

besta pode ser comparada a um homem como o Caim do livro do Gênesis, que assassinou seu

irmão por um impulso irrefletido, um ímpeto cego, ignorante de que, quem mata um homem

mata, num certo sentido a si mesmo; salvo se for de fato uma besta-fera; já que ―exatamente

com a mesma necessidade com que cai a pedra, o lobo sanguinário crava suas garras na carne

de sua vítima, sem que seu entendimento possa compreender que o degolador e o degolado

são idênticos. NECESSIDADE é o REINO DA NATUREZA; LIBERDADE é o REINO DA

GRAÇA‖.154

Portanto, podemos entender que a liberdade humana permanece como um mistério.

Pois, para Schopenhauer o cristianismo moderno havia perdido gradativamente sua

significação, degenerando rapidamente num tipo de otimismo superficial, como Lutero já

havia observado, em sua obra De Servo Arbítrio, a inexistência do livre arbítrio.

Agostinho e Lutero desenvolveram teorias contrárias à de Pelágio. Nelas, nenhuma

virtude sincera ou santidade derivam da ação, mas, da fé, também entendida como uma

categoria de conhecimento enquanto iluminação. Esta é a graça redentora de toda natureza

malévola do homem, capaz de libertá-lo independentemente de qualquer mérito individual.

Liberdade dada por iluminação, pela fé enquanto conhecimento ou mudança de orientação da

necessidade do entendimento utilitarista. Destarte, utilizando uma terminologia

schopenhaueriana, essa liberdade ou salvação, também só poderia ocorrer mediante a

superação do princípio de individuação.

Ainda aludindo a Lutero, Schopenhauer destacou a obra Liberdade Cristã

concordando que ―as boas obras nascem espontâneas quando a fé se faz presente, como sendo

sinal ou reflexo delas. É o amor capaz de superar todo egoísmo‖.155

Deste modo, as obras humanas seriam sempre culpáveis e defeituosas, sempre

incapazes de satisfazer à magna justiça divina. Por isso, na visão cristã do período da reforma

se dizia: sola fidi, sola gracia, sola scriptura conditio sine qua non nulla salus, ou extra

ecclesiam nulla salus. Estas expressões conservadoras e religiosas, contudo, apontavam para a

153

SCHOPENHAUER, 2005, § 70, p. 512. 154

Idem, § 70, p. 510. 155

Ibidem, p. 515.

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impossibilidade de salvação pelas obras. Desse modo, homem algum poderia libertar-se do

mal156, ou seja, alcançar a salvação.

Contudo, a Metafísica da ética se afasta terminantemente de qualquer visão tradicional

de fé capaz de libertar o homem por efeito da graça divina e de qualquer intenção dirigida a

isto. Isto, de acordo com a doutrina de Pelágio, pré-figurador do racionalismo moderno157,

segundo Schopenhauer.

Tudo isto foi tomado até aqui, apenas para ilustrar o que se pretende propor com a

Metafísica da Ética, pois, a doutrina cristã não possui suficiente teor filosófico relevante para

descrever a essência do homem em sua conduta no mundo. Destaca-se, assim, uma

contradição aparente, a saber: Na esfera da Natureza – A necessidade, que rege as

manifestações do caráter, uma vez dados os seus motivos; no reino da graça – a liberdade que

sustentaria a vontade em si de suprimir definitivamente o caráter e a necessidade que se impõe

desde os motivos.

Agora, partindo mais diretamente para o pensamento de Schopenhauer que trata da

livre negação da vontade nos membros do corpo - para fazermos uma tomada da possibilidade

de acesso direto a um tipo de liberdade humana capaz de romper com qualquer necessidade

causal - continuaremos este tópico considerando o exemplo de alguém que tendo plena saúde

sexual, no entanto, viva de modo a não satisfazer tais desejos, isto é, se esvazie de uma

capacidade natural e da conseqüente ação necessária que isto impõe.

Sabemos que toda necessidade causal se dá no tempo e que somente uma vontade

contraditória ao fenômeno corpóreo do querer poderia redimir-se da dor, justamente por não

pressupor qualquer necessidade, antes, esta vontade se manifestaria como vontade de

anulação da ação comum ao fenômeno, contradizendo, assim, a afirmação da necessidade que

determina todo desejo. Desse modo, o corpo, fenômeno dotado de vida e existente no tempo,

poderia acessar a liberdade diretamente, caso a Vontade nele determinada se contrapusesse,

isto é, renunciasse livremente a si mesma numa ascese. Aqui repousa o cerne da Metafísica da

Ética, donde sabemos que ―a liberdade propriamente dita pertence, quanto ao ser

independência do princípio de razão, pertence tão-somente à Vontade como coisa-em-si, não

ao seu fenômeno, cuja forma essencial em toda parte é o princípio de razão, o elemento da

156

Em Schopenhauer, podemos entender que o mal é decorrente da própria harmonia desarmônica do mundo que

apresenta a Vontade lutando contra si mesma. Esta Vontade pode vir a ser autoconsciente de si, na consciência

das ações humanas, ou seja, no ser próprio interior do egoísmo do homem comum lutando inutilmente contra a

Vontade. Disto surge o homem incomum, o gênio artístico e ético, aquele desinteressado e que se esvazia de todo

querer em prol do puro saber seja pela bela arte, seja pela boa ação. 157

Monge britânico 400 a.C. Afirmou o livre arbítrio e negou a depravação humana.

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necessidade‖.158 Com isto os motivos declinam, e a disposição interior devido esta mudança

de natureza no entendimento, passa a não mais proceder diretamente do mero impulso de

querer.

Schopenhauer, aludindo à mística cristã, referindo-se a Malebranche, para quem a

liberdade é denominada graça eficaz e a regeneração é a única manifestação imediata da

liberdade da vontade capaz de chegar ao conhecimento de si mesma, isto é, de sua própria

essência na qual repousa e se subtrai à influência dos motivos, que se movem noutra esfera do

conhecimento e cujo objeto deixa de ser o fenômeno, destacou que ―o caráter mesmo, pode

ser anulado por uma Supressão da vontade (metamorfosis católica e transcendental) ou

conversão operada no conhecimento.

Dando seqüência a essas considerações iniciais sobre a liberdade da vontade, podemos

entender que o fenômeno humano individual – já que o fenômeno humano coletivo é a

humanidade – pode ser abordado duma perspectiva bivalente. Desse modo, temos: 1. sujeito

puro do conhecimento, a partir do corpo, relacionado diretamente à Vontade; 2. como

correlato necessário da Idéia, a partir da representação. No primeiro caso, o homem é

condição integrante da possibilidade de conhecimento objetivo do mundo; no segundo caso

ele é um representante da Vontade no seu grau mais elevado na natureza fenomênica. Como a

liberdade autêntica pertence, exclusivamente, à Vontade como coisa-em-si, toda ação

fenomênica fica sob o âmbito da necessidade e, portanto, dissociada da liberdade. Assim, uma

negação do querer só seria alcançada mediante o conhecimento da sua própria essência,

através do que a possibilidade da exteriorização dessa liberdade da vontade, no homem, se

daria no se efetivar quando, mediante o conhecimento obtido, os motivos correspondentes à

Vontade, nele, deixarem de fazer efeito.

Vimos que, seguindo a distinção kantiana entre fenômeno e coisa-em-si, em

Schopenhauer, encontramos, na primeira parte da obra magna, o mundo como representação,

o que corresponde ao fenômeno, e o mundo da Vontade, o que corresponde à coisa-em-si. No

primeiro caso, como se trata do mundo que nos aparece segundo o princípio de razão, ou seja,

submetido a tempo, espaço, e causalidade, se refere diretamente ao âmbito da necessidade, e,

apenas no segundo caso pudemos referir à liberdade em sentido próprio, isto é, pertencente

exclusivamente à Vontade cósmica. Desse modo, como tudo no mundo fenomênico segue a

lei de causalidade, o homem só pode se apresentar como um ser determinado e todas as suas

ações, assim como tudo aquilo que o motiva, são meras derivações das formas gerais da

158

SCHOPENHAUER, 2005, § 70, p. 508.

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causalidade na natureza. Portanto, já que o homem está inteiramente sob o âmbito da

necessidade, só podemos falar de uma liberdade do ser humano tratando do tema da ascese e

do auto-conhecimento. Para tanto, consideremos o que segue.

O nosso querer, supomos, é precedido por alguma coisa que pressupõe seu

fundamento, e que explica nossa ação ou decisão. Esse elemento precedente é algo

que Schopenhauer denomina motivo, e o princípio em operação é o que ele chama de

lei da motivação, ou o princípio da razão suficiente do agir. Esse princípio diz

simplesmente que todo ato de vontade pode ser explicado como advindo de algum

motivo. O vínculo entre motivo e ato é de causa e efeito, o mesmo que tem aplicação

universal a mudanças no mundo material. Desse modo, a motivação é, como o diz

Schopenhauer, a causalidade vista a partir de dentro (R, 214).159

Ao longo da formação do indivíduo em sua relação com o mundo exterior, este

adquire ainda um terceiro tipo de caráter, o terceiro e último da caracterologia

schopenhaueriana, derivado do caráter inteligível, e que perfaz a sua marca pessoal pela qual

subsisite socialmente, respondendo pelo seu senso gregário natural, constituinte da vivência

em comunidade, determinante de ações utilitaristas e, de certo modo, o responsável pelo

instinto de sobrevivência que é determinante na configuração do caráter adquirido de

tendência ao comodismo do homem gregário. Sem isto, a dialógica social do afetar e ser

afetado nas relações seria improvável, porque a conduta humana está formada, de certo modo

e em sentido mais genérico, sobre esta base de rotinas de ações dentro de um determinado

nicho social onde o indivíduo se faz conhecer e no qual a sociedade impõe sanções

reprovativas ou favoráveis à conduta de alguém.

A essência do homem, em Schopenhauer, permanecerá sempre determinante dos

motivos fundamentais de suas ações. Portanto, formulações racionais160 são inteiramente

ineficazes para impedir o núcleo do fluxo dos desejos humanos. Quando muito, poderão

apenas fomentar o conflito entre o querer e o dever, adoecendo-o e aumentando a base

positiva do seu ser, isto é, aumentando seu sofrimento. As exigências impostas ao indivíduo

pelo caráter empírico161jamais cessarão. Nenhuma ―camisa de força moral‖ será forte o

bastante para conter a Vontade em sua expansão absolutamente livre.

159

Cf. JANAWAY, 2003, p. 38. 160

No Tratado da Natureza Humana - considerada pelos especialistas a principal obra do filósofo empirista

britânico David Hume, tendo sido publicada em 1739-1740 - já havia destacado a ineficácia da razão para deter

uma paixão. Tradução portuguesa: HUME, David. Tratado da Natureza Humana, Lisboa, Fundação Calouste

Gulbenkian, 2002. 161

Fafian concorda que a base da moralidade psicossocial deriva do caráter inteligível, destacando ainda que,

para Schopenhauer ―(...) todo atributo psicológico, moral ou espiritual será apenas uma variação da mesma e

única essencia do homem.‖ Portanto, a base da moralidade psicossocial, derivaria do caráter inteligível. (In

FAFIAN, 1996, p. 84).

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Como essa necessidade da ação humana é produzida a partir do confronto do caráter

com os motivos, importa-nos, aqui, primeiramente fazer uma distinção entre caráter

inteligível e caráter empírico, distinção que foi expressa anteriormente por Kant,162 que tentou

demonstrar a coexistência da necessidade com a liberdade da Vontade. Tal distinção foi

mantida por Schopenhauer que identificou o primeiro tipo de caráter com a Vontade enquanto

manifestada num indivíduo, e, o segundo, como a ação deste fenômeno segundo o princípio

de razão. Como a primeira distinção remete diretamente à Vontade, aquele deve ser

considerado como um ato extra-temporal enquanto o segundo, remetendo ao princípio de

razão, só pode ser dado segundo o tempo.

Neste ponto, devemos destacar que o conhecimento ou a verdade objetiva163 ocorre no

existir da Vontade, a expressão da vida no mundo, cujo correlato necessário é a obra do gênio

esteta, que se dá de modo desinteressado, culminando no conhecimento objetivo das

determinações da Vontade no mundo. Não podemos nos apossar disto, é bem verdade, mas, as

obras geniais estão no mundo e o valor delas não é meramente financeiro; antes, este valor

reside na possibilidade momentânea de superação da dor.

Ninguém toma posse da besonnenheit der Vernunft164 [clarividência da razão], embora

o artista e o santo atuem no mundo de modo a superar, por meio dela, até mesmo a mera

compaixão.

Para Schopenhauer, toda ação particular do homem responderá em última instância ao

caráter inteligível (extra-temporal), mediante o qual, em virtude dos motivos dados, só uma

decisão será possível e, portanto, necessária. Embora o homem tenha a capacidade de uma

decisão eletiva que pode ser confundida com uma liberdade em seus atos individuais, tal

decisão, no entanto, não passa de um conflito entre motivos, do qual o mais forte se imporá

necessariamente. Dessa forma, o fato de uma escolha nos aparecer como indeterminada

inicialmente, como se pudéssemos numa mesma situação, ora decidir de uma determinada

maneira, optando ora por um ―sim‖, outrora por um ―não‖, isso não passa do engano da

162

In Fundamentação da metafísica dos costumes. Tradução de Paulo Quintela (a partir da edição de Cassirer de

1922), Coimbra, Atlântida, 1960, 119 páginas. Última edição: Lisboa, Edições 70, 1986. 163

Cf. REDYSON 2009, p. 60. 164

Cf. BARBOZA, 2005a, p. 268 e 270. ―Ora, se consultamos a Vorschule der Ästhetik publicada em 1804 por

Jean-Paul, notamos que nessa obra a chamada besonnenheit, definida como uma das características salientes do

gênio, a sua ‗clarividência divina‘, que é ‗tão diferente da clareza de consciência comum como a razão o é do

entendimento‘ é na verdade a ‗progenitora de ambos‘. A clareza de consciência comum, ‗ocupada‘, dirigida ao

exterior, permanece estranha a si, e seus portadores possuem mais consciência do que autoconsciência, esta

entendida como um ‗ver a si mesmo total (ganz Sichselbstsehen)‘. A clarividência do gênio ‗se separa tanto das

outras que freqüentemente aparece como o seu oposto‘. Ela é uma espécie de ‗lume que queima eternamente no

interior‘. Ela é a ‗liberdade interior‘ do poeta acompanhada de ‗tranqüilidade‘.‖

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liberdade empírica da vontade165, pois, desde que os motivos foram apresentados, a decisão já

está determinada, cabendo ao intelecto apenas clarear a natureza deles, mas, jamais

determinando a Vontade, pois esta lhe é inacessível. Como esclarece Schopenhauer:

Se um homem, sob condições iguais, pudesse agir ora de uma maneira, ora de outra,

então nesse ínterim sua vontade teria mudado e, por conseqüência, residiria no tempo,

visto que somente neste é possível a mudança; assim, ou a vontade teria de ser um

mero fenômeno ou o tempo uma determinação da coisa-em-si. 166

Aquilo que o homem quer, continuará a querer por toda vida. A ele caberá mudar a

maneira segundo a qual buscará alcançar o fim visado mediante o conhecimento, ou seja,

aquilo que invariavelmente ele quer, mas jamais o seu querer fundado na Vontade que o

determina a priori.

De acordo com o que acabamos de expor, destaca-se a impossibilidade da liberdade do

homem, mas, tal exposição considerou o homem apenas enquanto submetido ao princípio de

individuação (tempo e espaço). No entanto, deve haver uma possibilidade de abandono desse

conhecimento no qual as coisas não são tidas como isoladas enquanto tais, dada a sua atitude

abstrativa sobre o mundo e pelo olhar através do princípio de razão, onde não é possível que

se dê, segundo as palavras de Schopenhauer, uma entrada em cena da liberdade propriamente

dita da Vontade,167 tampouco do puro sujeito do conhecimento.

Enquanto o indivíduo, envolto no princípio de individuação, conhece apenas as coisas

em sua relação com outras coisas, os motivos se apresentam a ele pelo desejo, em constante

renovação. Ao contrário, quando ele vê para além do princípio de individuação, chegando ao

conhecimento do todo e da essência ou Idéia das coisas, tal conhecimento torna-se, para ele,

um quietivo de toda e qualquer vontade. Aqui a noção de Vontade consciente de si ganha seus

primeiros contornos, o que interessa prontamente ao desenrolar desta seção.

Desta forma, a liberdade que, como vimos na primeira parte de nossa exposição e que

pertence exclusivamente à coisa-em-si, pode, a partir de uma mirada metafísica, mediante a

superação do princípio de individuação, apresentar-se no próprio fenômeno de modo a gerar

uma contradição deste com o que lhe é determinado naturalmente, pois, como este não passa

de pura objetivação da Vontade, a partir do momento que o desejo é suprimido

conscientemente, se suprime, concomitantemente, a essência subjacente ao seu próprio

fundamento e, contudo, aquele fenômeno ainda perdura no tempo, embora os motivos

165

SCHOPENHAUER, 2005, § 55, p. 375-77. 166

Idem, p. 377-80. 167

Ibidem, p. 385-389.

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correspondentes ao querer não exerçam mais aquele efeito determinante sobre ele. Tal

momento, como o entende Schopenhauer, é expresso pelo estado de santidade e auto-

abnegação, pelo qual se pode chegar à supressão radical do desejar, pois, a partir do momento

que ele supera o princípio de individuação, ou seja, - quando obtém o conhecimento imediato

da identidade da Vontade na totalidade do fenômeno humano168 e o conhecimento dessa

própria essência enquanto esforço cego ao qual nenhum fim último corresponde - reconhece

que a Vontade é a fonte de todo sofrimento e que este sofrimento não se origina no não-ter,

mas, antes, no querer-ter e não poder da vontade individual, isto é, do egoísmo.169Desse

modo, fica claro àquele que alcançou tal conhecimento, que a negação da vontade ou de sua

própria essência é o caminho para libertar-se do sofrimento de uma vida oscilante entre o

desejo e o tédio.

Embora Schopenhauer fale de dois caminhos para se atingir a negação da vontade, a

saber: um que corresponde ao conhecimento adquirido livremente porque se apercebe do

sofrer do mundo inteiro, e o outro que corresponde ao conhecimento adquirido através da

excessiva dor sentida na própria pessoa,170 em última instância o conhecimento objetivo será o

único caminho para atingir-se a negação da vontade. A única diferença é se tal conhecimento

advém do sofrimento conhecido (conhecimento abstrato) ou do sofrimento sentido

imediatamente (conhecimento intuitivo). Senão, consideremos as palavras do próprio

Schopenhauer:

A vontade não pode ser suprimida por nada senão o conhecimento. Por isto o único

caminho de salvação é este: que a vontade apareça livremente, a fim de, neste

fenômeno conhecer a sua essência. Só em conseqüência deste conhecimento pode

suprimir a si mesma e, assim, também por fim ao sofrimento inseparável de seu

fenômeno.171

Como tal conhecimento apenas no homem é possível, isto significa que é apenas

através dele que a Vontade consegue atingir o conhecimento de sua própria essência, e a

possibilidade de suprimir, através deste conhecimento, a si mesma.

Portanto, podemos compreender porque, para Schopenhauer, práticas como o aborto

ou o suicídio não são vias para a liberdade, ou seja, por não se efetivar através destas, aquele

conhecimento que é sua condição necessária. Práticas como estas não suprimem a Vontade,

mas, tão somente seu fenômeno individual. Nestes casos, somente o indivíduo é negado, não a

168

SCHOPENHAUER, 2005, § 68, p. 482. 169

Idem, § 16, p. 143. 170

Ibidem, § 68, p. 498. 171

SCHOPENHAUER, 2005, § 69, p. 506.

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espécie o que, de certo modo representaria uma negação total do mundo como representação.

Tais práticas não remetem a uma insatisfação com a vida como um todo, o que deveria ser

negada enquanto expressão da vontade total, mas, sim, a uma insatisfação apenas com as

condições sob as quais se vive. Assim, não renuncia a vontade de vida, mas, apenas à vida sob

determinadas condições, o que significa que, longe de ser uma negação da Vontade, é, antes,

sua afirmação. Como se vê, o suicida deseja ardentemente a vida, mas não sob as condições

que a tem e, ao não poder cessar de querer pela via do conhecimento e da conduta

desinteressados, ele resolve cessar de viver. ―O sofrimento se aproxima e, enquanto tal abre-

lhe a possibilidade de negação da Vontade, porém ele a rejeita ao destruir o fenômeno da

vontade, o corpo, de tal forma que a Vontade permanece inquebrantável‖.172 Ou seja, ao se

destruir, o suicida se nega à possibilidade de atingir aquele conhecimento que definitivamente

o libertaria.

Percebemos, a partir do exposto até aqui, que não é no indivíduo, ou seja, num homem

particular e determinado, que a liberdade se tornaria possível. Este, sempre terá seu agir

determinado, submetido à necessidade, mas, a partir do momento em que o querer já não ecoe

nele, será superado o princípio de individuação e ele não mais se apresentará enquanto

indivíduo. Então, como puro sujeito do conhecer, estará livre daquela determinação à qual

todo indivíduo se submete, sempre querendo a vida e desejando negar somente as condições

adversas sob as quais ela é oferecida. No entanto, apenas quando o seu olhar se elevar do

particular para o universal e se converter em puro sujeito do conhecer, é que passará a

considerar o seu sofrimento individual como um mero exemplo do sofrimento do todo e a

resignação do desejo assumirá sentido para a liberdade, tendo o sofrimento assumido a forma

do simples e puro conhecer anulador da vontade. Para Schopenhauer, só assim se evidencia

uma via de redenção e só assim pode o homem ser digno de alguma reverência.

É importante destacar, ainda, que apenas o conhecimento da superação do princípio de

individuação gerará no homem a possibilidade de negação da vontade que só alguns poucos

conseguem atingir mediante o auto-conhecimento. Na maioria dos casos é necessário que este

conhecimento seja acompanhado por um intenso sofrimento pessoal, com fim a quebrar a

vontade, que, enquanto essência do homem tem o poder de constantemente se reafirmar nele.

É aqui que se dá o estado de ascese, entendido por Schopenhauer como ―a quebra proposital

da vontade pela recusa do agradável e a procura do desagradável‖. 173 Prática pela qual aquele

172

Idem, p. 505. 173

Ibidem, § 68, p. 496.

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que atingiu a negação tenta mantê-la.174 Isto pode ser verificado na castidade, nela, embora a

vontade se afirme através do impulso sexual, o sujeito é capaz de negá-la ao se decidir pela

não satisfação de seus impulsos. Outras práticas como o jejum, pobreza voluntária e

autopunição são usadas para refrear intencionalmente a vontade que, enquanto tendência

natural está constantemente a se reafirmar no homem.

Desde que o conhecimento do qual deriva a negação da Vontade é intuitivo e não

abstrato, os atos e condutas baseados nas práticas ascéticas se apresentarão como a expressão

perfeita deste conhecimento não meramente conceitual e abstrato; muito embora, aqui, é por

meio do discurso que se pode apresentar essa teoria da negação da vontade de vida.

Tendo isso em vista, e para discorrer sobre o estado ascético, Schopenhauer recorre

constantemente aos exemplos que ele encontra na experiência dos santos e penitentes

descritos na literatura indiana, e, também, entre os cristãos, que evidenciaram este estado

ascético ou de negação da Vontade.

Finalmente, como confessa o próprio Schopenhauer, o todo do exposto por sua ética,

175embora apresentado sob uma nova expressão, em essência nada propõe de novo,

concordando com aquela sabedoria já exposta pelos escritos cristãos, assim como aquela

expressa nos livros sagrados da Índia. Para ele, esta concordância entre povos e épocas tão

díspares se apresenta como prova factual de que tudo que é expresso através de seu

pensamento aponta para a essencialidade da natureza humana.

Nós sabemos que só muito raramente aparecem no mundo homens comprometidos

com esse modo de vida capaz de atingir o conhecimento objetivo do sofrimento humano.

Conhecimento que pode libertar do sofrimento do mundo, a princípio, no santo, de modo mais

duradouro que o artista, embora estejamos, aqui, a apontar uma dificuldade quanto ao

entendimento deste ‗duradouro‘, uma vez que o tempo da Vontade é o Nunc stans.

174

Neste ponto, surge um tipo considerável de distinção entre o artista e o santo ou entre estética e ética.

Contudo, uma vez que aquilo que os motiva é a intuição estética desinteressada, não se deve afirmar

categoricamente que a obra de arte é afirmação da vontade. 175

―O apoio real e imediato da ética somente o é aquela metafísica que é já ela mesma originalmente ética, que

está construída a partir da matéria da ética: a vontade.‖ Cf. Über der Willens in der Natur, p. 141, in Sämtliche

Werke, vol. 4 apud SCHOPENHAUER, 1993. Los dos problemas fundamentales de la ética, p. XXVII.

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3. O CONCEITO METAFÍSICA DA ÉTICA

―Por meio de tudo isso deverá ser facilitado o conhecimento por nós intentado da significação

ética das condutas humanas de acordo com a sua essência íntima.‖

(Schopenhauer, In MVR § 54, p. 370.)

Para Schopenhauer, a vida prática é o verdadeiro espírito da filosofia. Por isso, como

dissemos, ele propõe uma filosofia da ação humana como parte final de sua obra máxima, ao

que denominou Metafísica da Ética, 176onde busca interpretar e explicar a idéia da conduta

humana. Nela o egoísmo e a malvadeza fundamentam a imposição da norma moral, ao passo

que, a conduta177 mais objetiva pode ser verificada naquelas figuras humanas tidas por santos

ou sábios, os que se põem na contramão do fenômeno humano em geral, no sentido de estes,

embora ainda vivos num corpo, negarem intimamente nos membros do corpo o imperativo da

Vontade.

176

Escrevendo num período em que a Europa, impregnada da filosofia de Kant e de Hegel, entendia que o fim

supremo da ética era a doutrina do direito e da virtude, propor uma metafísica em cuja base repousava elementos

da doutrina sagrada dos Vedas, fez que Schopenhauer fosse visto com considerável desconfiança pela grande

maioria dos ciclos acadêmicos de sua época. Isto justifica a sua crítica, quase que constante, à sociedade daquele

período. Cf. SCHOPENHAUER, 1993. Los dos problemas fundamentales de la ética, p. 292 e 298. Metafísica

da Ética é o titulo do quarto volume das Lições Filosóficas que Schopenahuer proferiu ainda em Berlim, elas

também são conhecidas como Metafísica dos Costumes. Cf. Philonenko, Alexis. Schopenhauer. Una filosofia de

La tragedia. Barcelona. Anthropos. 1989 pg. 61e em Schopenahuer, Arthur. Metafísica de las Costumbres. Trad.

Roberto Rodríguez Aramayo. Madrid. Editorial Debate. 1993. pp. XXX-XXXVII. 177

No campo da existência, é a dimensão estética e não a razão que nos proporciona a base da ética. No que

tange à ação, a dimensão estética revela mais para a conduta do homem na existência do que a ciência. Na ética,

o agir do homem divino implica uma contemplação incessante do fundamento da ação. Nisto, talvez, possamos

diferenciar as duas últimas seções do MVR, bem como confrontar teoria e práxis, Marx e Schopenhauer. Mas

isto não é objeto crucial desta pesquisa.

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Antes disso, o filósofo de Frankfurt ocupou-se, nas três primeiras seções, em preparar

um arcabouço teórico partindo de uma teoria do conhecimento, de uma metafísica da

natureza e de uma metafísica do belo, respectivamente.

A teoria do Mundo como Vontade e como Representação não se ocupa de uma visão

tradicional da ética178, como é comum se observar ao longo de uma leitura panorâmica da

história da filosofia. Embora recorra a elementos ilustrativos da cultura religiosa dos povos,

não parece haver qualquer interesse religioso nesta obra. Para seu autor, a busca de algum tipo

de reforma do caráter humano seria, já em sua época, um procedimento retrógrado. Portanto,

o conteúdo do quarto livro não deve ser tomado como proposta de regra de conduta.

O problema central da seção final da obra magna - cujo subtítulo é Afirmação ou

negação do desejo de viver pela vontade consciente de si mesma – e para os fins desta

dissertação é: o que ocorre quando a vontade consciente de si mesma resolve negar-se. Disto

decorrendo duas questões decisivas: 1. Qual a significação moral da conduta? 2. Qual o objeto

da vontade consciente de si mesma?

Ao que tudo indica - muito embora quantitativamente os escritos sobre ética de

Schopenhauer sejam poucos, basicamente a seção final de O Mundo como vontade e como

representação e Os dois problemas fundamentais de Ética - a ética ocupa um lugar central e

talvez até, final no pensamento deste filósofo. Os dois aspectos centrais de sua filosofia,

diretamente ligados a implicações de cunho moral são: a metafísica da vontade e o

pessimismo metafísico. Ao primeiro aspecto, se relaciona o sentido de um pensamento único

que se confere ao todo da sua obra. Desse modo, o mundo natural representável ao

entendimento é a exteriorização ou objetidade da Vontade, ou realidade originária

incognoscível.

Na relação com a Vontade, o elemento unificador da teoria de Schopenhauer, é que

seria viável apontar as diferenças muito sutis entre o modo artístico e o modo ascético de

considerar o mundo. Pois, a partir daquele conceito central, dizer estética, ética ou metafísica

soa como que dizer uma coisa só. Portanto, a filosofia schopenhaueriana trata de uma

metafísica que tanto pode ser equiparada a uma estética como a uma ética.

Embora a expressão máxima dessa filosofia possa ser entendida como eminentemente

ética, ou seja, onde a ética é posta como a chave para a solução do enigma do mundo - e, isto,

muito provavelmente porque nela, somente a Vontade possui a liberdade em sentido pleno –

178

A ética de Schopenhauer é de caráter descritivo, seguindo os postulados de seu edifício filosófico onde a lei

moral não possui justificação demonstrável, para ele a única lei demonstrável, no âmbito da conduta é a lei de

motivação. Leis que expressem o que deve ocorrer necessariamente demandam uma demonstração prévia. Cf.

SCHOPENHAUER, 1993. Los dos problemas fundamentales de la ética, p. XXVII.

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ainda assim, essa filosofia é amplamente entendida como voluntarista, e que tem seu núcleo

duro e decisivo de pensamento na ética.

Desse modo, em detrimento da estética, teríamos que o santo alcançaria liberdade mais

duradoura que o artista por se manter mais tempo na negação da servidão à Vontade.

Contudo, devemos lembrar que uma explicação suficientemente satisfatória da realidade não

poderia estar vinculada somente ao aspecto moral179. Embora, entendamos também que, se

abordamos o pensamento de Schopenhauer pelo viés do comportamento humano, teremos

que: tanto a ação do artista como a do santo são indispensáveis, principalmente do ponto de

vista do conhecimento objetivo, e isto para os interesses desta pesquisa.

Portanto, poderia surgir um terceiro elemento a ser ajuntado àqueles dois de há pouco:

o conhecimento. Mas, sem deixar de fora o fato de que, para o filósofo alemão, o

conhecimento importa em duas instâncias, a saber: aquela submetida ao princípio de razão e

aquela independente disto. Querendo dizer com isto que o fundamento e o auge da filosofia de

Schopenhauer podem ser entendidos também, do ponto de vista de uma teoria do

conhecimento pautada na intuição imediata do mundo, ou conhecimento da Vontade. Assim,

o seu ―sistema‖ de pensamento passaria a girar em torno desse tipo de conhecimento e não

mais em torno de uma ética voluntarista ou coisa do gênero. Mutatis mutandis, é a isto que se

presta a presente dissertação. Senão, consideremos o que se segue:

A moralidade da vontade se manifesta, pois, no homem; mas não em suas ações, que

são fenomênicas e, como tais, moralmente neutras, senão nesse acontecimento único e

miraculoso pelo qual a liberdade da vontade se manifesta no fenômeno: a abnegação.

A moralidade do homem não radica em suas ações senão em sua essência: a vontade.

Mas, esta vontade é a mesma que constitui a essência da força natural que origina a

queda da pedra. De modo que, se uma é moral, a outra também haverá de ser. Pois

somente à vontade, e não às ações nem à razão, se pode, segundo Schopenhauer,

atribuir moralidade. Em suma: a significação ética da filosofia de Schopenhauer se

baseia, em última instância, no caráter intrinsecamente moral que a vontade adquire

em seu sistema; quer dizer, no fato de que a vontade moral é uma e a mesma que a

vontade metafísica. Mas, ademais, essa vontade metafísica adota a esse respeito um

caráter muito particular: o da maldade. E isto já nos conduz ao segundo ponto

mencionado: o pessimismo.180

179

Neste capítulo, a questão da liberdade moral é que estará em voga, diferentemente daquilo que ocorreu no

primeiro capítulo, onde o que se viu foi uma abordagem da liberdade pelo viés da bela arte. Em Schopenhauer, a

liberdade moral é uma propriedade do caráter inteligível que constitui o ser do homem. Já os motivos, as ações e

o caráter (aspecto físico geral), enquanto fenômenos estão submetidos à necessidade. Portanto, a liberdade moral

refere-se ao mundo inteligível, e, ao mundo empírico corresponde toda necessidade derivada do princípio de

razão. Cf. SCHOPENHAUER, 1993. Los dos problemas fundamentales de la ética, p. XXIV e XXV. 180

In Los dos problemas fundamentales de La ética. Traducción, introducción y notas, Pilar López de Santa

María. SIGLO XXI DE ESPAÑA EDITORES, S.A: Madrid, 1993, p. 10.

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Como vemos, não é a razão fonte da moralidade181 e sim o desejo, mas, a razão

também não atinge a coisa em si que a determina. Logo, a metafísica ou ciência da Vontade

seria o núcleo, ou a chave mestra para um entendimento claro de todo o pensamento de

Schopenhauer e, ao homem caberia afirmar ou negar a vontade, isto ao final de uma

clarividência acerca de sua vida e da de todos os demais. Ora, esta afirmação, diríamos

facilmente que ela se deriva de uma razão, de um senso de utilidade – aqui se confunde razão

e instinto de sobrevivência – contudo, no caso da negação da vontade, encontramos uma séria

dificuldade para afirmar que alguém possa negar os desejos do corpo por esta via, mesmo

porque, o próprio instinto de sobrevivência não se apóia na razão.

Sobre a interpretação metafísica do fenômeno ético originário182, Schopenhauer

demonstrou que, do móvel moral, ou seja, da relação dos estímulos com o caráter individual, e

só desta, resultam a justiça desinteressada, a caridade autêntica e todas as demais virtudes se

derivam destas. Daqui ele retira uma ética fundada num dado factível e demonstrável,

necessariamente posto pelo mundo externo ou pela consciência, a última instância

transcendental imanente para a sustentação de uma ética sensata.

Às religiões se lhes pôs a coisa fácil graças a que, a partir da fé, a podem exigir de

modo absoluto para seu dogma, inclusive sob ameaças. Mas, os sistemas filosóficos

não têm aqui tão fácil jogo; por isso, ao investigar todos os sistemas um encontrará

que sempre, igual que com a fundamentação da ética, a coisa vá ostensivamente mal

com o ponto de conexão da mesma a uma metafísica dada. E, mesmo assim, a

exigência de que a ética se apóie em uma metafísica é irredutível, tal e como

confirmei já na introdução através da autoridade de Wolff e Kant.183

Como vemos, independentemente de qualquer tendência religiosa, a vida humana

possui uma inegável tendência ético-metafísica. E, dado que a ética assumiu uma posição

quase que dogmática no pensamento de Schopenhauer, cabe a esta dissertação, como se disse

na introdução, apresentar elementos teóricos suficientes para propor a necessidade recorrente

da Metafísica do Belo como fundamentação teórica.

O fundamento metafísico de explicação da moral é a ‗compaixão natural inata e

indestrutível em todo homem‘ entendida como ‗a única fonte de ações não egoístas: e a estas

lhes corresponde de modo exclusivo o valor moral‘, 184donde se diferenciaria o homem bom

ou santo do malvado e egoísta. Cada qual conforme a sua conduta no mundo.

181

Cf. Idem p. 9. 182

Cf. SCHOPENHAUER, 1993. Los dos problemas fundamentales de la ética, p. 284. 183

Idem, p. 287. 184

Ibidem, p. 288.

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Já sabemos, com base no exposto até aqui, que o princípio de razão não pode ser

fundamento do conhecimento objetivo tampouco de uma ‗ética‘ da 185compaixão, como ficará

mais esclarecido até à conclusão. Para tanto, começaremos por considerar que o ponto fraco

do idealismo, principalmente o de Hegel, segundo Schopenhauer, foi ter considerado a

natureza como um mero elemento a mais da razão científica, o que não se fixa como

conhecimento profundo e seguro, uma vez que a própria Vontade que nos move na natureza

não pode ser abarcada racionalmente. Como disse o filósofo:

A verdadeira consideração filosófica do mundo, a que revela sua essência mais além

do fenômeno é precisamente aquela que não trata de inquirir de onde vem o mundo

nem aonde vai, nem sequer por que razão existe, senão que examina o que é

unicamente, não vendo senão em suas relações, em seu princípio e em seu fim, isto é,

que não as estuda, sob nenhuma das formas do princípio de razão, senão que toma

delas, o que fica depois que foram estudadas com respeito ao dito princípio, suas

Idéias, a essência do mundo que aparece em suas relações sem estar sujeita a elas e

que é sempre idêntica. Tal conhecimento é o que conduz à filosofia e o que origina a

arte, como temos visto (...) e a razão é a que faz que o indivíduo possa abarcar de uma

maneira sintética a unidade consciente de sua conduta (...). A vontade é a coisa em si,

o conteúdo interior, a essência do mundo, e o mundo visível, o fenômeno, não é mais

que o espelho da vontade, a vida acompanhará a vontade tão inseparavelmente como a

sombra aos corpos (...). A forma deste fenômeno [A NATUREZA] é tempo, espaço e

causalidade e, ao mesmo tempo; a individuação (...) mas, à vontade de viver, da qual o

indivíduo é um mero exemplar ou specimen, lhe afeta tão pouco a morte de um

indivíduo como à natureza inteira. 186

Portanto, embora já estejamos considerando a teoria da última seção do O mundo

como vontade e como representação, percebemos perfeitamente que o conhecimento objetivo

se origina de um ―estado de ânimo‖ oriundo da negação da vontade consciente de si mesma e

capaz de conduzir o homem à salvação pela arte e pela vida do sábio. O modo de

consideração desse conhecimento é exatamente o mesmo que faz originar a arte e que agora,

segundo a hipótese deste trabalho, é o mais adequado à abordagem da natureza essencial do

ser e do agir do homem no mundo, e que este não poderá jamais se isentar por completo do

sofrimento.

Até chegar à Metafísica da ética, o mundo foi apresentado, por Schopenhauer, como o

espelho da Vontade, onde ela se vê com clareza sem par, que vai aumentando gradativamente

até atingir sua perfeição na consciência do homem. Contudo, a expressão mais plena da

185

Do alemão das Mitleid: que denota literalmente, um sofrer-com ou o nascedouro das virtudes da justiça e da

caridade naquele que se vê imediatamente participante na dor e no prazer da humanidade. Entende-se ainda que

evitar o aumento do sofrimento de qualquer ser seria um fundamento ético para o agir humano, caso

Schopenhauer se propusesse a isso. A compaixão, para ele é ―o grande mistério da ética‖. In

SCHOPENHAUER, 1993. Los dos problemas fundamentales de la ética, p. 296. 186

SCHOPENHAUER, 2005, § 53-54 pp. 356-57.

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natureza do homem só pode ser concebida a partir de sua ação ou conduta, e a redenção só

terá possibilidade de ser, com base na negação do ânimo natural.

A consciência é o último fundamento imanente de sustentação da ética e onde esta

encontraria o seu ponto de repouso, o cume do significado em geral, uma vez que

Schopenhauer, ao tratar do fundamento da moral, entendeu que a vida possui uma inegável

tendência ético-metafísica, independentemente de quaisquer considerações de cunho

religioso.187

Portanto, o mundo visível é a imagem e a objetidade da Vontade, desenvolvido

puramente por esta imposição necessária, que, enquanto coisa-em-si, é um impulso

inconsciente cego e irresistível que, somente no homem ocorre como consciência daquele que

deseja esse modo de vida no qual vivemos.

Mas, importa considerar também que a vontade do homem nada pode diante da

Vontade cósmica, a não ser como negação consciente de si. No seu desejo, o homem afirma

aquela e ao fazê-lo se nega sem perceber, mantendo-se preso à roda de Íxion do querer e

atuando em nome de uma eterna ilusão temporal onde todo o seu esforço se desdobra num

nada. Eis, assim, o porquê de ele permanecer sem liberdade e sem salvação cabal de todo

sofrimento.

Schopenhauer buscou considerar a vida humana segundo a idéia, ou seja,

esteticamente e filosoficamente. Isto possibilitou entender o mundo mediante conhecimento

objetivo onde nem o sujeito puro do conhecimento, tampouco a coisa-em-si variam diante de

fenômenos como o nascimento ou a morte. Ou seja, aquilo que aparece sob a forma do tempo,

em si mesmo não conhece o tempo.

Sabemos que o fenômeno humano é indispensável ao conhecimento epistêmico do

mundo, mas, somente enquanto objetivação determinada de sua verdadeira essência.

Essa vida possui pólos de seu fenômeno total, como o são, particular e naturalmente, o

nascimento e a morte, o início e o fim temporal de algo. Tais pólos simbolizam uma

complementaridade recíproca onde as bipolaridades do real se harmonizam. Destarte, o

homem não deveria temer por sua existência, mesmo diante da morte, porque o indivíduo que

morre, só morre do ponto de vista do entendimento, isto é, conforme ao princípio de razão ou

de individuação, que o torna alguém capaz de receber a vida como um dom e que, ainda

assim, não deixa de ser como o que sai do nada e teme perder aquilo que ganhou, sofrendo a

certeza do fim preposto, mas que, contudo, apenas o fará retornar ao nada donde surgiu.

187

In SCHOPENHAUER, 1993. Los dos problemas fundamentales de la ética, p. 286-287.

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A partir deste ponto, e para adentrarmos no entendimento do significado de uma

negação da vontade consciente de si mesmo, importa considerar o seguinte parecer de

Schopenhauer:

(...) a negação da vontade de viver, sobrevém quando o conhecimento aniquila a

vontade, porque então os fenômenos da percepção não atuam já como estímulos sobre

a vontade; pelo contrário, na concepção das idéias, que refletem a essência do mundo,

encontra um calmante, um lenitivo que a serena e a impulsiona a anular a si mesma de

modo espontâneo. (...) Ambas dimanam de um conhecimento, mas não de um

conhecimento abstrato que possa expressar-se com palavras, senão que se traduza em

feitos e na conduta dos homens, independentemente dos dogmas que possam ocupar

sua razão em forma de conceitos abstratos‖. ―(...) a vontade é absolutamente livre e se

determina por si mesma sem conhecer lei alguma. 188

Esta passagem evidencia que o conhecimento objetivo está diretamente ligado à

negação da vontade de viver, e que, a concepção da idéia é indispensável ao artista e ao santo.

Novamente, fica claro que o conhecimento em questão não pode ser o conhecimento nos

moldes do entendimento meramente científico. Portanto, podemos afirmar que a finalidade da

Metafísica da ética é expor as formas da conduta, sem que o último termo disto repouse sobre

uma avaliação empírica, porque ela visa considerar a liberdade189 da Vontade e sua relação

com a necessidade, pelo viés genial em detrimento do viés peripatético, eis o escopo.

Todo sofrimento é mais próprio do homem, único ser consciente que sofre no mundo.

Mas, como tal, ou seja, em si mesmo, o sofrimento é propriamente nada, uma vez que, sendo

impalpável a qualquer exame é, contudo, puramente positivo, como o é a dor, mas não pode

ser, objeto passível de análise; senão de uma abordagem metafísica e estética, como a que

propomos neste ensaio. Assim, também o é a vontade imperiosa de viver, principalmente se

ela for tomada de um ponto de vista empirista que, em geral, não considera a conduta humana

com base naquela perspectiva do olhar desinteressado ou a mirada metafísica sobre o mundo,

que nos eleva da mera ilusão fenomênica e conceitual até o claro conhecimento da essência do

real. A dor está em todos e, de certo modo, em lugar algum.

Neste ponto, é importante perceber as implicações da Metafísica do belo sobre a teoria

ética do quarto livro do Mundo como Vontade e como Representação, para fins de vislumbrar,

a partir do pensamento de Schopenhauer, essa possibilidade de conhecimento objetivo da

conduta humana. Desse modo, estaria aberto um caminho para que o conhecimento da ação

188

SCHOPENHAUER, 2005, § 54, pp. 369 a 370. 189

―A liberdade moral só pode existir como liberdade transcendental localizada em um mundo diferente do

empírico, a saber: o mundo inteligível. A liberdade, portanto, é patrimônio exclusivo do caráter inteligível, que

constitui o fundamento e condição do empírico; ou seja, a vontade como coisa em si‖. In SCHOPENHAUER,

1993. Los dos problemas fundamentales de la ética, p. XXIV.

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humana atinja o cerne da liberdade da Vontade e não mais permaneça na escravidão do

principium individuationis.

Portanto, a Metafísica da ética é uma tentativa de interpretação da conduta humana,

cujas considerações jamais abandonam o plano imanente. Pelo contrário, buscam um

pensamento que interprete o mundo que envolve a ação do homem, pois “é uma contradição

flagrante denominar a Vontade livre e, no entanto, prescrever-lhe leis segundo as quais deve

querer: „deve querer!‟, ferro-madeira!”. 190

A Vontade jamais passará a ser regulada.

De fato, um dever191 querer ou um imperativo para evitar querer é mesmo um absurdo,

ao menos do ponto de vista de nossa saúde física ou psíquica, porque a Vontade é a livre

criadora de sua própria ação no mundo, ou seja, ela cria seu próprio mundo. No homem isto

pode se revelar como o conhecimento que a Vontade tem de si mesma.

Vimos que, nas duas últimas seções da sua obra magna, Schopenhauer propõe,

tacitamente, que o fundamento da ação que produz a bela arte, assim como na ação virtuosa, é

que ambas devem ser desinteressadas. Ele considerou, ainda, que a filosofia deve interpretar e

explicar a essência do mundo, embora não o possa conhecer objetivamente sem antes superar

a abordagem abstrata do real. O mundo se mostra mais nitidamente no homem e naquilo que

ele faz, e que mais propriamente representa a Vontade no fenômeno. Como observou:

Pois neste ponto, em que se decide o valor da existência, onde se trata da salvação ou

da condenação, os conceitos mortos da filosofia não são os que decidem, antes a

natureza interior do homem mesmo – o demônio que o dirige, mas que não escolhe o

destino que este homem tem buscado – como diria Platão ou seu caráter inteligível

como diria Kant. A virtude como o gênio, não se ensina, e o conceito é tão estéril para

ela como é para a arte; em suma só pode servir-lhe de instrumento. 192

O caráter inteligível é anterior à inteligência e, em certa medida, livre; uma vez que em

O mundo como vontade e como representação somente a Vontade como coisa-em-si é

realmente livre. Tal caráter é superior aos conceitos mortos da tradição, seja ela filosófica ou

filológica, é a natureza interior mesma do homem. Salvá-lo do niilismo - que a figura do

mundo como um vale de sofrimento e de lágrimas, em certo sentido bem o representa - é algo

190

SCHOPENHAUER, 2005 § 53 p. 354. 191

―A idéia de dever absoluto é, segundo Schopenhauer, totalmente impensável. Todo dever é, por sua própria

natureza, hipotético e condicionado pela idéia de recompensa e castigo; no caso da moral teológica, pela

recompensa ou castigos ultraterrenos. Então, o cumprimento do dever é sempre interessado e, por conseguinte,

carente de valor moral. Disto resulta que uma ética de deveres é, para Schopenhauer, não somente injustificada,

mas, também, totalmente estéril, já que sua eficácia terá que se basear sempre, em último termo, em motivações

egoístas‖. In SCHOPENHAUER, 1993. Los dos problemas fundamentales de la ética, p. XXVIII. 192

SCHOPENHAUER, 2005, § 53, p. 354.

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impossível de ocorrer; senão onde o conhecimento de si no mundo se ponha pela visão do real

do ponto de vista estético. Nesses termos, a vontade humana, ao reconhecer a si mesma,

poderia ser livre de todo sofrimento, no instante da autonegação consciente, porque nenhuma

força exterior pode livrar o homem do sofrimento que é anterior à própria inteligência e razão.

Negar-se-ia, assim, a totalidade do mundo, de um modo desinteressado e tão naturalmente que

o conhecimento e a natureza toda se tornariam um só no presente contínuo da consciência

genial, a que conhece sem sofrer as agruras do mundo, uma vez que se identifica à sua própria

essência. Ora, o sofrimento mesmo não sofre.

Somente o conhecimento da essência do homem poderia viabilizar liberdade ou

salvação, uma vez que são as Idéias que apontam para a essência mesma do mundo, e elas não

se submetem ao devir da aparência temporal constantemente mutável, tampouco ao

conhecimento empírico que relaciona coisas num mundo dado conforme as limitações prévias

do princípio de razão. Isto já se havia compreendido desde a Grécia clássica e, de algum

modo, foi, também, atribuído à vida do grande Sócrates pelo famoso conhece-te a ti mesmo.193

Se o mundo como Vontade pode ser conhecido objetivamente, isso, contudo, não

implica num conhecimento representativo, uma vez que, por esse modo de conhecer, a própria

ação no mundo e o conhecimento desta não mais se diferenciam, antes, se fazem presentes

com a natureza inteira enquanto coisa-em-si. Sabemos que uma imagem no espelho não é a

pessoa mesma, contudo, no caso do conhecimento em questão, o que se vê é o que se

conhece, uma vez que a Vontade jamais pode ser estranha a si mesma.

Agora, partiremos destas considerações da Metafísica da ética para compreender uma

identificação possível da genialidade estética e da genialidade ética. Porém, antes disso,

consideremos um importante esclarecimento de Schopenhauer:

(...) no mundo como representação, à Vontade apareceu o seu espelho, no qual ela

conhece a si mesma em graus crescente de distinção e completude, sendo o mais

elevado o homem, cujo ser, entretanto, só adquire plena expressão por meio da série

conexa de suas ações. A conexão autoconsciente destas é possível pela faculdade de

razão, que sempre lhe permite um olhar de conjunto in abstracto, sobre o todo. 194

Portanto, como ocorre na arte, onde um objeto é arrancado de suas conexões causais,

na Metafísica da Ética a ação deve ser desconectada de qualquer apelo ao egoísmo195 do

193

Inscrição oracular do templo de Delfos, atribuída aos Sete Sábios (c. 650 a.C. - 550 a.C.). 194 SCHOPENHAUER, 2005 § 54, p. 357. 195

O egoísmo deve ser entendido aqui como um impulso natural básico. Do ponto de vista da moralidade, ele é a

única potência anti-moral fundamental. Nesse sentido, o natural é ser a-moral, como o é a Vontade. As normas

da razão são anti-naturais e a clarividência do santo, similarmente à intuição do artísta, refere-se a um tipo de

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principium individuationis. E, para caminharmos rumo à possibilidade de uma abordagem

estética da Metafísica da Ética, necessitaremos considerar o passado e o futuro como

terminologias meramente conceituais e o tempo, propriamente dito, como a vida mesma, isto

é, o presente contínuo, ou tempo da Vontade. Afastando-nos, desse modo, da consciência

comum que trata das coisas e dos fatos ocorridos e que recorre ao encadeamento causal dado

do princípio de razão.

Vimos que o Nunc stans é o tempo presente de tudo o que vive, e, que, fora dele não

há qualquer possibilidade temporal, pois, embora seja a Vontade aquilo que se objetiva

particularmente em cada coisa, ela mesma não pode, contudo, ser representada sob as

categorias de tempo e espaço. ―Pois à Vontade a vida é certa, e à vida o presente é certo‖. 196

É já um lugar comum a noção de que a maior incógnita e ameaça à possibilidade da

liberdade humana é o condicionamento natural que o faz mortal num corpo. ―A morte é um

sono no qual a individualidade é esquecida: tudo o mais desperta de novo, ou, antes,

permaneceu desperto‖.197

Mas, eis que desponta, no vale de sofrimento e lágrimas desse pior dos mundos

possível, o maior privilégio do homem, numa nova condição imposta à natureza fenomênica

isto é, um conhecimento capaz de abraçar o conjunto da existência independentemente do

Véu de Maia das ilusões temporais, a saber: O olho cósmico, ou a mirada metafísica. Pois, o

poder reflexivo da razão não pode superar o desejo. Portanto, só se pode decidir pela negação

do querer mediante um conhecimento objetivo claro e inequívoco do mundo real; jamais por

um conhecimento subjetivo, meramente utilitarista e fundado nas necessidades causais.

Motivo pelo qual Schopenhauer não trata de preceitos, tampouco desenvolve uma doutrina

acerca dos deveres, como disse:

É uma contradição palpável decidir que a vontade é livre e, em seguida, lhe prescrever

leis com respeito às quais se há de querer (...) tampouco falaremos de um dever

incondicional porque este (...) encerra uma contradição; nem tampouco de uma lei de

liberdade, que se encontra no mesmo caso. (...) e assim como se determina em suas

ações e se configura seu mundo, ambos são o conhecimento que a vontade tem de si

mesma e não outra coisa, pois fora dela não há nada; e a conduta do homem e o

mundo mesmo são vontade; somente neste suposto é verdadeiramente autônoma; em

qualquer outro é heterônoma.198

razão imediata ou que superou o entendimento. A razão da Vontade é, portanto, sem razão. Mas, isto no sentido

kantiano daquele termo. 196

SCHOPENHAUER, 2005 § 54 p. 363. 197

Idem §54, p.361. 198

Ibidem § 53, p. 354. Cotejado com a versão espanhola de 1992 § 53, p. 215-16.

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Portanto e finalmente, como temos insistido, um dever querer é mesmo um contra-

senso grave. Os argumentos de Schopenhauer visam a fortalecer sua visão de que a Vontade é

livre e onipotente, criadora de seu próprio mundo, e seu modo de nele atuar. Ele pretendeu

investigar a conduta humana e interpretá-la em sua essência mais íntima e em seu conteúdo

mais profundo, partindo desse fenômeno no mundo, tratando de uma metafísica

eminentemente imanente. Convém lembrar ainda, neste ponto, que o próprio autor destacou,

conforme apontado na parte primeira deste trabalho, que o conhecimento mais puro e

verdadeiro da essência do mundo é dado mediante a intuição estética. Tal conhecimento é o

que estamos denominando de conhecimento objetivo da conduta humana.

3.1. ARTICULAÇÕES PARA UMA ABORDAGEM OBJETIVA DAS CONDUTAS

HUMANAS

―All beauty is true.‖

(Shaftesbury, 1671-1713.)

Toda coisa é bela.

(Arthur Schopenhauer, 1788-1860. In Metafísica do Belo, p.121).

Inicialmente, queremos considerar que tanto a bela arte como a boa ação, ambas

dependem de um olhar desinteressado sobre o mundo. Nisto consistindo um dos principais

elementos teóricos desse conhecimento objetivo das condutas humanas, escopo da presente

dissertação.

É costume popular dizer que viver é uma arte. Com base nisto continuaremos a falar

de uma ‗estetização‘ da teoria do conhecimento e, também, principalmente quando nos

referimos à estética moderna da Metafísica do belo, sem desprezar os pressupostos dos

românticos e dos empiristas, visando considerar uma ‗estetização da ética‘, que é o cerne do

que ora tratamos.

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Vimos que a Metafísica do belo de Schopenhauer confirmou que: o conhecimento que

se refere à essência da beleza deve ser desinteressado e que este é o conhecimento mais

perfeito e verdadeiro da essência do mundo.

Ao que tudo indica, até aqui, já está bastante claro que o objeto da nossa questão é a

conduta humano tomada pelo olhar do gênio esteta.

Kant havia compreendido que apenas o aspecto formal do objeto é considerado na

fruição estética, e não a existência específicada e palpável dele. Mas, Schopenhauer observou

que, ―o juízo estético de gosto, de beleza, portanto, é na sua raiz desinteressado. Ele retira os

objetos de suas relações espaço temporais e os deixa subsistir, singular, na reflexão, isto é,

enquanto forma que desencadeia o jogo subjetivo prazeroso da imaginação com o

entendimento‖.199

Contudo, Friedrich Daniel Ernst Schleiermacher (21 de novembro de 1768 — 12 de

fevereiro de 1834) foi quem, ao iniciar200 a sua Dialética, afirmou que a filosofia é a produção

consciente de um conhecimento e que, portanto, pertence de certo modo ao mundo da arte. A

rígida separação, na estética da época, entre o gênio e o mero senso de bom gosto só podia

salvar-se fazendo de todos os homens artistas ou filósofos, em vez de distinguir

escrupulosamente entre, por exemplo, escritores e leitores. Partindo da premissa de que

ninguém pode viver em dois mundos, então, a reconstrução do sentido de Kunstwelt teria que

ser crucial na interpretação da filosofia de Schleiermacher e na constituição do mundo

moderno porque, a partir da introdução de sua Estética, podemos entender que, para aquele

teólogo e filósofo, o objeto principal de investigação é o significado ético do impulso artístico

em geral e, para além disto, só se fala em significado cósmico, cujo resultado é o mundo da

arte, esse microcosmo cuja forma parte da série das coisas e se vincula, portanto, ao espírito

do mundo.

Desse modo, a estética formaria parte de uma ética que Schleiermacher entendeu

sempre pragmaticamente, como a ciência de tudo aquilo que é possível mediante a liberdade

humana.201 Havia, para ele, a necessidade da expressão consciente que dirimisse a diferença

entre o artístico e o não artístico e desempenhasse um papel determinante na estética. Nas

199

Cf. ARAÚJO e BOCCA, 2005, p. 72. 200

Cf. SCHLEIERMACHER, Friedrich D. E. Estética. Traducción de Antonio Lastra y Enrique Gonzáles de la

Aleja Barberán. Madrid: Editorial Verbum, 2004: p. 11-29. Onde há um estudo preliminar de Antônio Lastra e

uma Introdução à Estética escrita pelo próprio Schleiermacher. Cf. G. Wehrung. Die Dialektik Schleiermachers,

1920. 201

Para Schopenhauer, a liberdade frente à necessidade significa a ausência de razão suficiente. A liberdade da

vontade significa nem mais nem menos do que o existir por si próprio. Absoluta autonomia. Cf.

SCHOPENHAUER, 1993. Los dos problemas fundamentales de la ética, p. XXIV.

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suas últimas reflexões sobre o conceito de arte, ele se referiu à cognição paradigmática202 que

transformava a inspiração e a excitação em arte.

O Belo foi entendido, na Estética schleiermachiana, como o universal elemento

artístico da arte, e, a atividade artística, como a que se conecta às demais atividades humanas,

cabendo a nós determinar o significado ético da arte.

Portanto, a atividade artística pode ser entendida como um correlato da obra de arte,

onde ela fica entendida como o impulso artístico na natureza humana, cujo fim seria o de

juntar-se à unidade infinita da arte Divina, num tipo de unio mystica do artista com a Vontade

na natureza, para fazer referir aqui a expressões, termos e noções schopenhauerianas, já

bastante comuns a esta altura, e, que, desde Schopenahuer, remontam à mística filosófica

alemã de Boehme e se enraizam em elementos da mística hindu, dentre outras.

Portanto, já em Schleiermacher203, a Estética, enquanto teoria da sensação, foi

entendida, de modo geral, em contraposição à Lógica. Mas, naquilo que concerne à praxis,

isto é, ao plano iminentemente pragmático e à teleologia da ação204, foi, em geral, tomada

como dissociada da arte e do prazer que a fruição estética proporciona.

202

Seguindo as elucidações de Gadamer sobre a hermenêutica filosófica, podemos concordar que, para nós, é um

pouco estranho tentar reunir a poesia com a arte do discurso, por exemplo. Pois, parece-nos que o que caracteriza

e dá dignidade à arte é justamente que, nela, a linguagem não é discurso, isto é, o fato de que possui uma unidade

de sentido e de forma que é independente de toda relação de falar e de ser interpelado e persuadido. O conceito

de Schleiermacher sobre "pensar artístico", sob o qual ele reúne a arte da poesia e a arte do discurso, considera,

pelo contrário, não o produto, mas, o modo de comportamento do sujeito. Assim, também o falar é concebido

aqui puramente como arte, isto é, abstraindo de toda relação a objetivos e à coisa em causa, como expressão de

uma produtividade plástica. E não obstante, a passagem entre o artístico e o carente de arte é, então, fluente —

como é fluente também a passagem da compreensão sem arte (imediata) para um procedimento cheio de arte.

Enquanto que essa produção ocorre mecanicamente, segundo leis e regras, e não de uma maneira inconsciente-

genial, o intérprete realiza a composição conscientemente; mas, enquanto ela é uma produção individual do

gênio, produção criadora em sentido autêntico, já não pode dar-se essa pós-facção através de regras. O próprio

gênio é o que forma os padrões e dá as regras: cria novas formas de uso lingüístico, da composição literária etc.

Schleiermacher leva muito em consideração essa diferença. Pelo lado da hermenêutica, a essa produção genial

corresponde o fato de que ele necessita da adivinhação, do adivinhar de imediato que, em última análise,

pressupõe uma espécie de congenialidade. Se agora, porém, os limites entre a produção sem arte e com arte,

mecânica e genial, são movediços, na medida em que o que se expressa é sempre uma individualidade, e nela

sempre opera um momento da genialidade livre de regras — como ocorre com as crianças que crescem em um

idioma — segue-se que o fundamento último de toda compreensão terá que ser sempre um ato divinatório da

congenialidade, cuja possibilidade repousa sobre uma vinculação prévia de todas as individualidades. Cf.

GADAMER, Hans-Georg – Verdade e Método. Petrópolis: Vozes, 2002. Segunda parte 1, p.193. 203 Posteriormente, Benedetto Croce, em sua obra Estética como ciência da expressão e lingüística geral (1902)

retoma os elementos críticos da Estética schleiermacheriana, reconsiderando e readmitindo-a ao conjunto da

ciência da ética. No entanto, as imprecisões e contradições atribuídas aos escritos estéticos em questão foram

suprimidas mediante a constatação de que Schleiermacher intuiu que além da mera representação subjetiva, a

obra de arte, expressão da verdade de uma consciência particular, seria uma forma de pensamento distinta da

forma lógica convencional e de formação imanente, antropológica e não metafísica – no sentido da metafísica

decadente e impossibilitada de ascender ao patamar de ciência conforme o modelo vigente à época – cujo

aperfeiçoamento próprio compunha a capacidade de produção humana e não se regia pelo conceito de belo. 204

―Movendo a liberdade desde a ação até o ser do homem, Schopenhauer converte a vontade autolegisladora

kantiana em uma vontade auto-subsistente, e a autonomia moral em auto-suficiência existencial: só um ser que é

obra de si mesmo pode ser livre e responsável por seus atos. Posto que a ação se segue do ser, a responsabilidade

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Isto posto, nos deparamos agora com uma diferenciação por vezes radical, por vezes

inconciliável, entre a ética e a estética. Todavia, tomando-se a ação como elemento universal

comum a ambas as ‗ciências‘ - e porque não assumí-la de fato como o objeto por excelência

de ambas, no sentido de ser o mais apropriado para uma aproximação tal como a que

pretendemos aqui – ainda que a estética se sobressaia em importância e abragência, uma vez

que a sensação, mesmo quando tomada teoricamente, permanece inamovível e transcendental

a qualquer lógica, desde a mais inócua para tal emprendimento filosófico, neste caso, a que

fundamenta o racionalismo, até a mais apropriada, no caso a do irracionalismo originário das

dinâmicas naturais do corpo.

Schleiermacher, por exemplo, já havia tomado por objeto principal de sua investigação

estética ―o significado ético do impulso artístico em geral‖ - destacando que: ―este mundo

forma parte da série das coisas e se vincula, portanto, ao espírito do mundo. Esta é outra e

mais elevada formulação da pergunta pela conexão da arte com a natureza (...)‖.205 Ele

pretendeu diferenciar arte de teoria da arte, por isto apontou para uma abordagem do prazer

do belo como autêntico objeto da ciência estética. Isto demandaria tanto a receptividade como

a produtividade, que são, neste caso, as duas faces de uma mesma moeda cuja diferenciação é

quase que imperceptível. Destarte, o objeto da arte deveria ser tomado a partir de seus

caracteres mais protuberantes.

A pura contemplação, oriunda da fruição estética, é um estado ou modo muito peculiar

de ver o mundo, de se posicionar e de nele agir, capaz de conduzir o homem a uma vivência

mais essencial com base na superação das meras imagens ou representações. Ora, o canto de

um pássaro, por exemplo, em melodias maravilhosas ao cair da tarde, nada exige do nosso

entendimento, embora nos invada de modo prazenteiro e nos permita imaginar, por exemplo,

a idéia de liberdade, sem quaisquer apelos racionais. Isto, porque a natureza própria do

pássaro é a liberdade que, além do cantar, o voar expressa no mundo, e que nos convidam a

‗conhecer‘ algo que não pode ser representado, mas, apenas intuído pela via do som e da

imagem, de modo que uma coisa externa seja co-relacionada ao nosso ser em si indestrutível.

Seguindo esta linha de reflexão, podemos observar, ainda, aquilo que já supunha

Goethe:

do agir recairá exclusivamente sobre o autor do ser. Com isto, a existência de um Deus criador, longe de ser um

postulado da práxis moral, define agora um caso incompatível com a própria moralidade humana. E a religião

não só fica incapaz de possibilitar uma ética, como, antes, atravanca o caminho. – Deste modo, Schopenhauer

pretende haver conciliado a liberdade com o princípio de razão pela via de uma duplicidade kantiana de mundos

que permite a co-existência da liberdade transcendental com a necessidade empírica‖. In SCHOPENHAUER,

1993. Los dos problemas fundamentales de la ética, p. XXIV. 205

SCHLEIERMACHER, 2004, p. 27.

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A arte plástica está referida ao visível, à aparição exterior do natural. O puramente

natural, na medida em que é eticamente agradável, chamamos de ingênuo. Os objetos

ingênuos são, portanto, o âmbito da arte, que deve ser uma expressão ética do natural.

Objetos que apontam para os dois lados são os mais apropriados‖. ―O ingênuo como

natural está irmanado com o real. O real sem relação ética denominamos ordinário.206

E ainda, ―na arte e na ciência, bem como no atuar e no agir, tudo depende do fato de

os objetos serem apreendidos puramente e tratados de acordo com a sua natureza‖.207

Agora, retornemos ao que dizíamos, ou seja, que as obras de arte estão sendo

enfocadas aqui sob o prisma da relação com a ética que elas evocam. Portanto, importa

recorrer a uma breve reflexão sobre obras de arte que tratem da barbárie. Para tanto, tomemos

como exemplo algumas obras de Caravaggio e Rubens.208 Numa delas, de Caravaggio, se

retrata a degola de um tirano por Judite, deixando claro que até mesmo a barbárie é assumida

pelo gênio esteta do ponto de vista da beleza. Aqui verificamos com clareza uma abordagem

puramente estética da conduta humana; mesmo em se tratando de uma conduta assassina.

Neste ponto, devemos entender a atitude do artista como que oriunda de um tipo de ética de

caráter superior ou, ao menos, indiferente ao das meras convenções normativas da tradição.

Nela, o crime mais terrível, por mais que a sua prática seja injustificada, é visto de modo a

considerar apenas o belo, com o fim ‗falar‘ da idéia de vingança ou de violência, por exemplo.

206

GOETHE, Johann Wolfogang. Escritos sobre arte. Introdução, tradução e notas de Marco Aurélio Werle.

São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2005; fragmentos de 1818, p. 59-60 e 258. 207

Idem, Frag. 153, de 1821, p. 259. 208

Michelangelo Merisi di Caravaggio (Milão, 29 de Setembro de 1571 – Porto Ercole, comuna de Monte

Argentario, 18 de Julho de 1610) foi um pintor Italiano atuante em Roma, Nápoles, Malta e Sicília, entre 1593 e

1610. É normalmente identificado como um artista Barroco, estilo do qual ele é o primeiro grande representante.

Mesmo ainda vivo, Caravaggio era considerado enigmático, fascinante e perigoso. Nascido em Milão, onde seu

pai, Fermo Merisi, era administrador e arquiteto-decorador do Marquês de Caravaggio, Michelangelo Merisi

surgiu na cena artística romana em 1600 e, desde então, nunca lhe faltaram comissões ou patronos. Porém ele

lidou com seu sucesso de maneira atroz. Uma nota precocemente publicada sobre ele, em 1604, descrevia seu

estilo de vida três anos antes: "após uma quinzena de trabalho, ele irá vagar por um mês ou dois com uma espada

a seu lado e um servo o seguindo, de um salão de baile para outro, sempre pronto para se envolver em alguma

luta ou discussão, de tal maneira que é bastante torpe acompanhá-lo." (Floris Claes van Dijk; Roma, 1601). Em

1606, mata um jovem durante uma briga e foge de Roma, com a cabeça a prêmio. Em Malta (1608) envolve-se

em outra briga, e mais outra em Nápoles (1609), possivelmente um atentado premeditado contra a sua vida, por

inimigos nunca identificados. No ano seguinte, após uma carreira de pouco mais do que uma década, Caravaggio

estava morto, aos 38 anos. (Cf. LAMBERT, Gilles (Ed.). Caravaggio. Traduzido por Zita Morais. Lisboa:

Paisagem, 2006, p. 9-19.) O Massacre dos Inocentes, é um célebre e importante óleo sobre madeira do artista

barroco Peter Paul Rubens, datado de 1636-1638. Com ínfimos pormenores e minuciosos detalhes contemplou

Rubens a maioria das suas pinturas. Esta em questão - notável trabalho do artista -, compila esse ponto com um

tema muito patente em todo o percurso artístico de Rubens: a Religião. Cenas bíblicas como esta foram

retratadas pormenorizadamente pelo criador maior do rococó, sem falta de imaginação ou criatividade, sem nada

repetir. Verdadeiras obras-primas, fartas tanto de história como de monumental consideração, entre elas figura O

Massacre dos Inocentes. O terrível massacre relatado por São Mateus é uma das mais tardias obras-primas de

Rubens. A ação desenrola-se entre três distintos grupos e uma mística figura central, sem grupo definido.

Soldados possuídos pela fúria e pela implacável impiedade tomam um templo, cujos crentes lutam pela vida,

plenos de terror e desespero. Personagens celestes assistem tristes, a toda a batalha.

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São quadros que expressam esta mesma natureza artística, também: Davi com a cabeça de

Golias e o da degolação de São João Batista.

Contudo, não devemos descuidar de que qualquer preconceito religioso deverá ser

deixado em último plano, uma vez que o que deve sobressair aqui é o interesse em demonstrar

a possibilidade de uma proposta ética com base no olhar do gênio esteta sobre a conduta

humana209, pois, não se pode chegar à essência das coisas partindo de fora delas e o resultado

final de nossas investigações deve, por fim, proporcionar tão somente imagens e nomes. Isto

apóia, significativamente, uma investigação da conduta humana como a que propomos aqui,

destacando a perspectiva da intuição estética.210

A compreensão desta tendência de identificação entre estética e ética, que aparece de

modo tácito na obra de Schopenhauer, como está sendo apresentada neste trabalho, não é algo

novo e já aparecia de modo muito mais explícito no pensamento do grande mestre de

Schopenhauer. Constatemos isto no que se segue:

Precisamente quando se propõe uma absoluta analogia entre a fundamentação estética

e a fundamentação ética, contrapondo de um o ‗belo‘ e o prazeiroso correlativamente

a como se havia contraposto de outro o ‗bom‘ ao ‗prazeiroso‘, a filosofia de Kant

mostra seu próprio encravamento interno, sua tentativa de constituir uma unidade de

análise.

(...) mas, enquanto exclui qualquer hedonismo possível, no campo da estética e da

ética, Kant restabelece ‗a ligação necessária entre a estética e a ética que parecia

absolutamente negada pela definição de apraticidade da contemplação estética‘, que

Pareyson sublinhou, em seu estudo de Kant, abrindo o seu livro L'estetica

dell'idealismo tedesco (Torino, Edizione de Filosofia, 1950, p. 47).

(...) podemos nos sentir autorizados a entrever um prenúncio do passo da ética à

estética, como metamorfização em um princípio estético do princípio mesmo que

preside a fundamentação da ética: a categoricidade do querer que exige por si mesmo

a categoricidade do gosto. Gosto que, enquanto categórico, não pode deixar de

rechaçar a arte que na pintura, escultura, arquitetura, e desenho de jardins, e ainda

209 Aqui apontamos a teoria fundamental que embasa esta dissertação, a de que o conhecimento objetivo é o

mesmo que fundamenta a estética e a ética do MVR, onde se lê: ―O conhecimento em geral, quer simplesmente

intuitivo quer racional, provém, portanto, originalmente da Vontade e pertence à essência dos graus mais

elevados de sua objetivação, como mera mekanê, um meio para conservação do indivíduo e da espécie como

qualquer outro órgão do corpo. Por conseguinte, originariamente a serviço da Vontade para realização de seus

fins, o conhecimento permanece-lhe quase sempre servil, em todos os animais e em quase todos os homens.

Todavia, veremos no terceiro livro como o conhecimento, em alguns homens, furta-se a essa servidão, emancipa-

se desse jugo e pode subsistir para si mesmo livre de todos os fins do querer, como límpido espelho do mundo,

do qual procede a arte. Finalmente, no quarto livro, veremos como mediante esse modo de conhecimento,

retroagindo sobre a Vontade, permite a sua auto-supressão, ou seja, a resignação, que é o alvo final, a essência

íntima de toda virtude e santidade, a própria redenção do mundo‖. In SCHOPENHAUER, 2005: § 27 p. 217-

218. 210

A essência íntima de toda virtude e santidade não pode ser acessada empiricamente. A definição da arte como

mediação do indizível e do mundo da aparência constitui um tópico comum da estética da época de Goethe.

Encontramos a mesma definição no romantismo e no jovem Hölderlin, no romance Hipérion, de 1796.

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mais na música e poesia, havia encontrado sua razão de ser em sua identificação com

a beleza ‗Vergnügen der blossen Empfindung‘, como ‗prazer da mera sensação‘.211

Com Schopenhauer, vimos que, no seu modo de conduta, o gênio esteta se diferencia

do indivíduo comum, que se sujeita mais prontamente às imposições da Vontade e, também,

às prescrições normativas das instituições ético-sociais. Já o santo, se conduz na vida de modo

a não aumentar o sofrimento de qualquer criatura, nesse sentido, sua moral ascética também

não se coaduna ao modo de ser da maioria, ou seja, não é, em geral, aceita pela maioria como

eticamente correta. Notemos aqui, como é imbricada a relação da estética com a ética e

consideremos ainda que:

As características que as coisas isoladas revelam palidamente de maneira imperfeita e

por modificações elevam o modo de consideração genial para as Idéias dessas

características, para sua perfeição; eis por que o gênio vê tudo acima de qualquer

medida, vê em toda parte o extremo, e justamente por isso seu comportamento incorre

no extremo: ele não acerta na medida correta, falta-lhe placidez, a as suas ações,

pontuadas por extravagâncias, assemelham-se à loucura. O gênio conhece as Idéias

perfeitamente, não os indivíduos, nem as relações. 212

Desse modo, vemos que, ao propormos uma visão do pensamento schopenhaueriano

que comporte uma articulação de uma possibilidade estética de fundamentação para a ética,

de modo conciso e suficientemente claro, o melhor a fazer, de início e ao que nos parece

didaticamente mais viável, é não se distanciar muito das considerações sobre a genialidade

artística e a música, para entendermos que ―... uma mera filosofia moral, sem explicitação da

natureza, como Sócrates queria introduzir, é análoga a uma melodia sem harmonia, a qual

Rousseau queria exclusivamente; em compensação, uma simples filosofia da natureza, uma

mera física e metafísica sem ética corresponderia a uma harmonia sem melodia‖.213

O ser da natureza total do mundo é ação e superação, caracterizadas na matéria. Numa

palavra, matéria.Vimos anteriormente que, a natureza do homem o determina e o encerra na

roda de Ixion214onde ele oscila como um pêndulo entre o desejo215 e o tédio, num sofrimento

211

ASSUNTO, Rosário. Naturaleza y razón en La estética del setecientos. Madrid: La balsa de La Medusa, 20.

1989 p. 91-93 e Nota. Kant, no entanto, considera que só na contemplação desinteressada da natureza o homem é

plenamente livre, pois pode agir independentemente dos limites sensíveis da natureza e dos imperativos morais. 212

SCHOPENHAUER, 2003, p. 81. 213

SCHOPENHAUER, 2003, p. 239. 214

Rei de Lapiths na Tessália, ele era o filho de Phlegyas (em outra versão, do deus da guerra Ares), e marido de

Dia, e com ela pai de Pirithous. Tramando não pagar o dote de casamento a Eioneus pela mão de sua bela filha

Dia, Ixion preparou uma armadilha para o seu sogro: um poço cheio de carvão em brasa. Eioneus, em uma visita

à Lapiths, inadvertidamente caiu no poço e faleceu. Esta ação fez de Ixion o primeiro assassino de uma pessoa

com laços de parentesco. Por ser um ato sem precedentes, ninguém podia purificá-lo corretamente, até que Zeus

o absolveu de seus crimes, criando para ele atos especiais de purificação. Ixion ficou inicialmente bastante

agradecido, e Zeus chegou a convidá-lo para sentar-se à mesa dos deuses. Ixion, porém, se sentiu atraído por

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constante. Mas, para ele, o mundo fenomênico da ciência e o mundo moral das leis sucumbem

ante o modo genial de conceber o agir no mundo, o qual produz obras que propõem idéias

indeléveis ao tempo, pois, romper o Véu de Maia pressupõe intuir esteticamente a

liberdade216, ainda que fugazmente. Tal liberdade no ser do homem, precede e determina por

inteiro o seu agir, isto é, passa a ser a base de toda ação, de onde o caráter e os motivos se

impõem concomitantemente. Nesse sentido, o ser, o fazer e o poder se encontram

intimamente relacionados, para efeito de um entendimento que parta das noções propostas na

Metafísica da ética. E, não custa observar que a liberdade da fruição estética é a mesma

liberdade da contemplação ascética, quando considerada no tempo da Vontade ou Nunc stans.

Com o intuito de esclarecer que, quando propomos uma possibilidade estética da

Metafísica da ética, partindo fundamentalmente de uma intuição estética que toma a praxis do

ponto de vista da beleza, nos importa considerar que o profundo conhecimento da filosofia

platônica resplandece no Metafísica do belo.217 Além disso, em Schopenhauer, toda ação

humana implica sofrimento, uma vez que o próprio mundo é compreendido a partir da

perspectiva de um pesimismo metafísico. Ademais, a Metafísica da ética é justamente a

abordagem filosófica que procura pelo sentido essencial da conduta humana. Antes dela se

buscou entender a essência da beleza na Metafísica do belo, mas, sem desconsiderar a

importância decisiva do tema da libertação do querer para o conhecimento mais profundo e

verdadeiro da essência do homem, decorrente da bela arte.

Ainda para esclarecer essas nossas articulações do parentesco entre estética e ética,

importa destacar, ainda, as delimitações propostas por Jair Barboza ao iniciar seu artigo

Hera e se aproximou indignamente da deusa, com a intenção de seduzi-la, mas desconhecia que Zeus havia

discernido suas intrigas e substituído Hera por Nephele, uma nuvem criada por ele com as formas da deusa.

Deste intercurso, Nephele deu à luz os Centauros. Ixion foi punido por suas ofensas sendo acorrentado a uma

roda de fogo que girava eternamente pelo ar. De acordo com outra tradição ele foi lançado ao Tártaro para ser

um eterno penitente. Apenas a título de comparação oportuna, faz-se importante destacar dois conceitos dos

Vedas: o de Karma e o de Samsara, que podem ser relacionados à mesma figura da punição de Ixion, num tipo

de roda que gira sem parar. Cf. TINÔCO, 1992, pp. 116-117. 215

Para Hume, o fundamento da natureza humana decorre da busca pelo minimizar da dor e pelo maximizar do

prazer. Cf. HUME, David. Tratado da Natureza Humana, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. 216

A título de esclarecimento, podemos dizer que o homem comum é aquele que se encontra entre o animal e o

santo. Para os interessas desta dissertação, o gênio esteta (artista) e o gênio ético (santo), ambos representam a

genialidade ou disposição especial que os diferencia dos homens comuns, ainda que não deixem de agir e de se

aparentar àqueles. Ao tratarmos sobre o estado búdico ou Nirvana, isto será reforçado e esclarecido. 217

No Banquete de Platão, Pausânias ao discursar, revela aos seus ouvintes algo muito importante a ser

considerado para ajudar a entendermos o que estamos propondo nesta dissertação como uma tensão

aproximativa da estética com a ética, a partir de Schopenhauer. Antes, vale relembrar que Platão é o principal

filósofo no parecer de Schopenhauer. O segundo é Kant. Mas, voltemos ao Banquete. Disse Pausânias: ―Todas

as ações, com efeito não são em si mesmas, em sua pura realização, nem boas nem más; e sirva de exemplo o

que agora nos encontramos entretidos a fazer: beber, cantar, ou falar. Nada disto tomado de modo absoluto é

belo – mas depende da maneira pela qual se atualiza essa atividade para que se torne tal. Bela é a ação correta e

boa; feia é a ação incorreta.‖ In Platão. Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1979, p. 19.

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homônimo, onde definiu ―a ética como a ciência que procura investigar e mostrar o sentido

inalterável, independente de tempo e espaço, da boa ação; [e], a estética (...) como a ciência

que procura investigar as condições subjetivas e objetivas que subjazem ao juízo ou à intuição

sobre o belo.‖218

Sabemos que a razão tem a capacidade de propor juízos. No caso da estética, podemos

pensar em juízos acerca do gosto, juízos de beleza. Já na ética, os juízos são normativos ou

legais. Portanto, por meio do juízo, a ética e a estética são aparentadas sempre que declaramos

a beleza de uma coisa ajuizando esteticamente e a bondade de uma ação ajuizando eticamente.

O problema neste ponto seria definir a ausência de lógica do juízo estético219, uma vez que a

proposição é lógicamente elaborada; mas, se refere a o seu fundamento originário na pura

sensação, que é um tipo de irracional do mundo. Imaginação e entendimento são as

faculdades do juízo envolvidas no lúdico da elaboração do juízo que, em sendo de bom gosto,

ajuíza o estético e o belo; em sendo da boa ação, ajuíza o ético e o moral.

Inegavelmente, a sensibilidade é o fundo metafísico ao qual recorrem: a 220ética, a

estética, e, a ciência. Principalmente, neste último caso, importa considerarmos uma ciência

218

Cf. o breve e esclarecedor artigo: In BARBOZA, Jair. “Parentesco entre Estética e Ética”. In Temas de

Ética. Organização de Inês Lacerda de Araújo e Francisco Verardi Bocca. Curitiba: Ed. Champagnat, 2005b. 219

Diferentemente daquilo que trata a Crítica do Juízo de Kant (1790), onde se pretende desdobrar os limites da

disciplina estética; a Metafísica do Belo é uma teoria da arte, similar àquela, contudo, ela se ocupa de descrever

filosoficamente a essência da beleza. Kant perguntava sobre a natureza e o modo de possibilidade do juízo de

gosto, que é o que ocorre quando se diz que uma coisa é ou não é bela. Ele estava insatisfeito com as tentativas

de resposta propostas desde a gênese do iluminismo até o surgimento de autores empiristas como Shaftesbury.

Para ele, um juízo deste tipo deve cumprir certos requisitos como: ser universal, ser desinteressado e não

proporcionar conhecimento empírico. Cf. BOZAL, Valeriano (Ed.) Historia de las ideas estéticas y de las

teorías artísticas contemporáneas. Madrid: A. Machado Libros, S.A., 2004, p. 187. E KANT, Immanuel. Crítica

da Faculdade do Juízo. Tradução de Valério Rohden e António Marques. Rio de Janeiro: Ed. Forense

Universitária, 2002, p. 19, 48 e 51. 220 Neste ponto, consideremos este importante fragmento alusivo a L. Wittgenstein (1889-1951), um pensador

profundamente influenciado por Schopenhauer, admitindo que o primeiro Wittgenstein herdou de Schopenhauer

a radical dissociação entre o campo da representação lógica do mundo e a dimensão da vontade humana: ―‗Que o

sol se levante amanhã‘ - diz Wittgenstein – ‗é uma hipótese, e isso quer dizer: não sabemos se realmente se

levantará.‘ - A partir dessas concepções, o ato de vontade e a realização daquilo que é desejado passam a ser

considerados como duas ocorrências inteiramente diferentes. Nesse sentido, a relação entre a vontade e aquilo

que acontece no mundo só pode ser acidental. O homem não pode fazer nada acontecer, nem mesmo um

movimento de seu corpo. – Por outro lado, na medida em que, segundo a teoria da figuração, tanto uma

proposição como a sua negação são ambas possíveis, a proposição verdadeira é meramente acidental. Daí

Wittgenstein retira a conclusão de que não podem haver proposições em ética. Com isso, ele queria dizer que se

alguma coisa possui valor, tal fato não pode ser acidental: a coisa tem de possuir aquele valor. No mundo,

entretanto, tudo é acidental; conseqüentemente, não existe valor no mundo: ‗No mundo, tudo é como é e

acontece como acontece: nele não há valor, e, se houvesse, o valor não teria valor‘. Se houver um valor que

tenha valor, ele deve permanecer fora de todos os acontecimentos, pois todos os acontecimentos são acidentais.

Em outros termos, o sentido do mundo deve estar fora dele; o que o faz não-acidental não pode estar no mundo,

pois, no caso contrário, isso seria de novo acidental. Essa concepção não constitui uma negação absoluta da

existência de valor, mas da existência de valor no mundo. Uma vez que as proposições se pronunciam apenas

acerca do que está no mundo, tudo aquilo que diz respeito à ética não pode ser expresso por proposições, pois

estas, diz Wittgenstein, ‗não podem exprimir nada além‘ e acrescenta: ‗é claro que a ética não se deixa exprimir.

A ética é transcendental‘. Assim, o mundo e o que está nele não é bom nem mau. Bem e mal existem apenas em

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que não perca de vista jamais a anterioridade e imposição natural da sensibilidade sobre a

razão como já advertiu Hume, no seu famoso Tratado da Natureza Humana.

Nós acreditamos ter uma sensibilidade moral natural que nos move a praticar certos

atos e repudiar a outros sem qualquer apelo à razão. É disso que estamos tratando quando

utilizamos o conceito de Clarividência da Razão, entendendo que, embora o termo razão

esteja presente, o sábio ou o ‗clarividente‘, neste caso, não age como age por compreender os

compêndios de ética, mas antes, a natureza própria e mais profunda do seu agir no mundo,

portanto, atuando nele de modo a negar a vontade nos membros do seu próprio corpo.221

Esse modo de comunicação com o mundo não pode estar limitado ou impossibilitado

de adentrar ao plano ético, uma vez que o homem comum, e, principalmente, o de gênio está

conectado ao todo do mundo. Para melhor visualizarmos o que se quer dizer aqui,

consideremos o que se segue:

O sentimentalismo moral é também marca da corrente britânica de pensamento do

século XVIII. A crença em que o homem possui uma natureza moral e estética cujo

órgão é o sentimento, que já aparecia em Shaftesbury, é comum a todo o pensamento

empirista.

A existência de um sentido moral e estético não implica que os princípios éticos e

estéticos não sejam universais e absolutos e que devam ser educados pela razão.

O reconhecimento da independência do sentimento respectivo à razão se encontra em

todas as esferas do pensamento britânico do século XVIII.

O sentimento está presente em todos os aspectos da vida humana, também no social,

mas, ao mesmo tempo, o sentimento é autônomo, possui sua própria lei. Esta idéia é a

que se expressa na famosa frase do TRATADO SOBRE A NATUREZA HUMANA

onde Hume afirma que a Razão é escrava das paixões. O valor do sentimento

acompanha também a revalorização do conhecimento sensível e o lugar de ambas na

teoria do conhecimento empirista. 222

Hume entendeu que nenhum raciocínio pode valer por si somente, isto é, sem recurso

à experiência, e mais, se o entendimento atuasse por si só, e de acordo com seus princípios

mais gerais, se auto-destruiria por completo e não deixaria nem o mais ínfimo grau de

evidência em nenhuma proposição, seja da filosofia ou da vida ordinária. É neste contexto que

devemos entender sua afirmação da primazia das paixões sobre a Razão. Em primeiro lugar,

as paixões possuem suas próprias regras, as do sentimento e da imaginação. Não ocorre

relação ao sujeito, e este também é concebido por Wittgenstein como transcendental: ‗o sujeito não pertence ao

mundo, mas é limite do mundo‘. Para Wittgenstein, ‗a intuição do mundo sub specie aeternitatis é a intuição dele

como um todo limitado‘. Para ele, essa intuição é de natureza mística; além disso ele afirma que ‗o que é místico

não é como o mundo é, mas que ele seja‘‖. In Wittgenstein, Ludwig, 1889-1551. Investigações filosóficas. In Os

Pensadores. Tradução de José Carlos Bruni. – 5 ed. – São Paulo: Nova Cultural, 1991, p. 14). 221 ―Em seu tratado de 1732, Características dos homens, os costumes, as opiniões e as épocas Shaftesbury

entendeu que o homem possui uma capacidade sensitiva que o faz sentir prazer em sua comunicação estética

com o mundo. Dizia ele, também um neoplatônico: ‗All beauty is true‘. O que parece um princípio clássico, no

qual se reconhece o caráter objetivo e cognitivo da experiência da beleza‖. In BOZAL, 2004, p. 34. 222 BOZAL, 2004, p. 34-35.

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somente que sejam autônomas, senão que, ademais, a razão necessita delas, sem as quais, em

sua pura autonomia não poderia valer nem à filosofia nem à vida ordinária.

No que se refere à experiência estética do mundo, se a beleza não é uma idéia

transcendental nem inata, tampouco parece haver, dentre as impressões dos sentidos, alguma

que se corresponda com ela. Dizemos da beleza que ela provoca um sentimento prazenteiro

que cremos ser causado por algo belo, mas, nenhum de nossos sentidos externos apreende

diretamente alguma propriedade que possamos chamar belo. Portanto, podemos entender que

―há diferentes aproximações a este tema, desde os mais objetivistas (como a de Hutcheson) a

outras mais subjetivistas (como as de Hume), mas, em todo caso, todas descansam na Idéia de

que a experiência da beleza é imediata, assim como na atividade da imaginação, donde reside

nossa capacidade natural para o reconhecimento do belo‖. 223

A imaginação é considerada, para os limites deste trabalho como o dínamo que

impulsiona o homem comum, prisioneiro do modo científico de abordar o mundo, para o

modo genial que, como já observamos, 224é comum tanto à intuição estética do mundo como à

ação negativa do santo.

Ao procurar imaginar a dor do outro, encontramos a possibilidade da compaixão225,

isto é, de sofrer com o outro. Nisto se fundamentaria, a partir da teoria schopenhueriana, uma

‗moral‘ isenta de imperativos racionais, e atrelada ao sentimento claro e inequívoco de que

não é bom aumentar o sofrimento nosso tampouco o de nenhum ser.

Finalizando esta seção, é indispensável destacar que a possibilidade da liberdade226

humana, seja na Metafísica do Belo ou na Metafísica da Ética de Schopenhauer, resultará

sempre da superação do sofrimento. Para ele, do ponto de vista da natureza, a vida é imortal e

inesgotável, quem a individualiza sofre, mas ela mesma enquanto Vontade, portanto em

sentido impessoal, nada sofre e somente assim pode haver verdadeiramente um sentido para

uma compreensão real da noção de liberdade no pensamento deste filósofo.

223

Idem. 224

Cf. Notas 83 e 84 na p. 34 deste trabalho. 225

―Este conhecimento cuja expressão ao uso no sânscrito é a fórmula „tat-vam asi‟, quer dizer ‗tu és isto‘, é o

que aparece como compaixão; no que, por tanto, se baseia toda virtude autêntica, quer dizer, desinteressada, e

cuja expressão real é toda boa ação. É em último termo a este conhecimento a que se dirige toda apelação e

clemência, à caridade, à misericórdia em lugar da justiça: pois tal apelação é uma lembrança da consideração na

que todos somos um e o mesmo ser‖. In SCHOPENHAUER, 1993. Los dos problemas fundamentales de la

ética, p. 295. Embora a ética possa assumir um caráter de primazia no pensamento de Schopenhauer, a virtude

do santo e assim, também, a obra do artista genial, ambas são produzidas mediante uma vontade desinteressada. 226

Lembremos que, a liberdade pode ser entendida aqui como o ir de encontro à necessidade que impõe a

impossibilidade de o homem ser de outro modo. Nesse sentido, isto é o que ocorre tanto ao artista como ao santo.

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3.1.1. CONHECIMENTO OBJETIVO DAS CONDUTAS HUMANAS

―Não é a miséria que dói, mas a cobiça‖.

(Epicteto de Frígia, fragmento 25).

Podemos entender que há uma contradição interna no fenômeno da obra de arte,

semelhante àquela verificada no santo, dadas as suas proporções, é claro, isto é, como

fenômeno, ambos ocorrem no tempo; contudo, o conhecimento que deles se segue, propõe

algo de imorredouro.

Considerando um fenômeno particular que desaparece com o passar do tempo, muito

seguramente podemos afirmar que o conteúdo de uma obra de arte remonta a algo que é

independente do tempo, isto é, que perdura enquanto idéia da coisa-em-si no puro sujeito que

conhece. Isto seria um tipo de ponto de interseção entre a vontade e a representação. Ora, num

domínio onde vontade e representação se dão num só e fugaz momento, tempo, espaço e

causalidade perdem suas valências. Contudo, a idéia de natureza, embora generalizante, não

poderá ser tomada por improvável naquele domínio, tampouco a de vida e de humanidade,

principalmente de um ponto de vista metafísico, que é base do pensamento de Schopenhauer

ao admitir que o indivíduo: É vontade de viver em toda a sua objetivação e uma manifestação

particular da vontade iluminada pelo sujeito do conhecimento.

O homem não pode se certificar de que a sua consciência individual seja capaz de

permanecer no presente eterno, ou tempo daquilo que damos por certo ser a natureza. A

ausência da morte é propriedade exclusiva da coisa-em-si, e a morte do indivíduo coincide

como fenômeno, com a duração do resto do mundo exterior.227Neste, a mutabilidade

fenomênica constante é um fato inquestionável, desde os fragmentos de Heráclito de Éfeso.

Desse modo, a opressão da Vontade se afirma sempre no sofrimento do indivíduo que

teme diante da morte. Mas, para Schopenhauer ela nada mais é senão:

(...) um fantasma impotente, amedrontador para os fracos, mas sem poder algum sobre

si, que sabe: ele mesmo é a Vontade da qual o mundo é objetivação ou cópia; ele,

assim, tem não só uma vida certa mas também o presente por todo o tempo, presente

que é propriamente a forma única do fenômeno da Vontade, portanto, nenhum

227

Cf. SCHOPENHAUER, 2005, § 54, p. 367.

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passado ou futuro infinitos, o qual não existiria, pode lhe amedrontar, pois considera a

este como uma miragem vazia e um véu de Maia.‖228

O gênio, mesmo diante da morte, tende a uma atitude desinteressada, logo destemida e

virtuosa, uma vez que ele vê a vida em sua completude sugerida pela idéia, na pura

representação onde tudo se mostra sob uma luz agradável e apaziguadora.

Sabemos que a forma da conduta humana é o que, no caso do indivíduo, pode

manifestar ou a afirmação ou a negação da vontade de viver neste grau, e que, a Vontade

como coisa-em-si é o conteúdo de todo fenômeno. Desse modo, todos os fenômenos da

natureza, isto é, do mundo inteiro, são necessários enquanto objetivação desta mesma

Vontade. Contudo, a Vontade somente não é propriamente mundo, tampouco representação

pelo princípio de razão, e não a podemos conhecer, porque nela não há, como em todo objeto,

uma forma definível. É, pois, tão somente no homem que a vontade pode se aplicar

desinteressadamente ao estudo de si mesma pelo conhecimento objetivo, ou aquele que se dá

mediante a intuição estética. Portanto, somente na manifestação humana, a Vontade pode vir a

ser consciente de si mesma e, como já dissemos, somente a Vontade é livre por não ser efeito

de nenhuma causa e porque toda necessidade decorre dela.

Conforme já observado, a obra de arte é o que medeia o conhecimento da idéia de um

fenômeno, no caso presente o fenômeno em tela é o da conduta humana. Portanto, a arte

reflete uma resultante da conduta humana como livre movimento da Vontade no nunc stans.

Conseqüentemente, o conceito schopenhaueriano de liberdade humana é negativo, consistindo

na negação de toda necessidade. Por exemplo, no caso da noção de liberdade intelectual onde

não há relação de causalidade entre premissas, como ocorre na linguagem poética que nega

toda relação com o princípio de razão para colocar a imaginação do leitor em operação e

como observou o filósofo:

Todas as coisas enquanto fenômenos, enquanto objetos estão submetidos a uma

necessidade absoluta; mas, em si são vontade, e esta é completa e inteiramente livre.

O homem tem seu caráter, por virtude do qual os motivos determinam

necessariamente seus atos. Nesta sua maneira de conduzir-se manifesta seu caráter

empírico, que, por sua vez, nos descobre o caráter inteligível, a vontade em si, da qual

aquele é fenômeno determinado. 229

É a Vontade em si que determina a conduta humana como fenômeno, e a sua

manifestação mais perfeita se sustenta no caráter inteligível, sem o qual a possibilidade de

228

Idem, p. 368. 229

SCHOPENHAUER, 2005, § 55, p. 372.

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conceber a idéia de mundo pela intuição estética seria impossível. Como o filósofo alemão

esclarece a seguir:

A objetivação da vontade tem por forma necessária o presente, ponto indivisível que

corta uma linha que se prolonga infinitamente em ambas as direções e que permanece

inamovível como um meio-dia eterno que não fora interrompido por noite alguma, ou

semelhante, se quisermos, ao sol verdadeiro que arde sem cessar quando nos parece

que se submerge no seio da noite.

A vontade de viver sabe que a vida é certa, a forma da vida é um presente sem fim e é

indiferente que os indivíduos, manifestações da Idéia, nasçam e morram como

devaneios fugidios. 230

Como vimos a pouco, apenas reforçando para melhor fixar o nosso intento, o mundo

visível é imagem e objetividade da Vontade. A vida do homem, como a vida de tudo na

natureza é fenômeno desta Vontade. Tanto o animal irracional como o homem, ambos atuam

na natureza como centros de força – embora o princípio de individuação se aplique tão

somente ao animal humano – do grande centro de força, em linguagem física, que é a

natureza. Numa linguagem metafísica este centro incomensurável de força seria a mesma

Vontade que, no pensamento de Schopenhauer, é de onde cada coisa se determina

particularmente em graus, sendo, ainda, o que está em tudo.

Contudo, diferentemente do animal, o homem tem, na abstração conceitual,

consciência da morte, isto é, de sua finitude no tempo e no espaço infindo. Disto deriva todo

sofrimento e tudo o que o atormenta e angustia ao longo de sua efêmera passagem pela vida

terrena, sendo a morte, portanto, o que põe constantemente diante dele a ilusão de sua

destruição cabal, terrível e dolorosa. Como o disse Schopenhauer:

Como a vontade é a coisa em si, o conteúdo interior, a essência do mundo, e o mundo

visível, o fenômeno, não é mais que o espelho da Vontade, a vida acompanhará a

Vontade tão inseparavelmente como a sombra aos corpos. O indivíduo não é mais que

para o conhecimento submetido ao princípio de razão, que é também o principium

individuationis: para este, o indivíduo recebe a vida como um dom, sai do nada, sofre

logo pela morte a perda daquele dom e volta ao nada de onde saiu.‖― Nem a Vontade,

coisa em si de todos os fenômenos, nem o sujeito do conhecimento, espectador destes,

são afetados em nada, nem pelo nascimento, nem pela morte.‖― A natureza não é mais

que o fenômeno ou a realização da vontade de viver. Sua forma é tempo, espaço e

causalidade e ao mesmo tempo a individuação que traz consigo a necessidade que o

indivíduo nasça e morra; mas à vontade de viver, da qual o indivíduo não é mais que

um exemplar ou specimen, lhe afeta tão pouco a morte de um indivíduo como à

natureza inteira.231

230

SCHOPENHAUER, 2005, § 54, p. 363. 231

Idem, § 54, p. 358. Cf. SCHOPENHAUER, 1992, § 54, p. 218.

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Podemos observar, a partir daqui, que o que importa à natureza é a preservação da

espécie, e que o indivíduo possui valor, para ela, relativo a sua susceptibilidade em ceder ao

impulso natural de procriação. Nesse sentido, as convenções sociais, bem como toda ética

prescritiva de modos de conduta, pleiteiam contra a integridade do indivíduo, uma vez que os

impulsos devem ser racionalmente sublimados por força da norma. Desse modo, a missão

natural do indivíduo é a de preservar a espécie e a sua missão antinatural é ser um cidadão de

bem.

Portanto, não é exagero pensar que de um conflito interior desta ordem, surjam

aberrações comportamentais, exemplificadas ao longo da história humana. Uma vez que,

racionalmente, o homem deve se enquadrar a modelos, mas, naturalmente, ele foi

determinado pela Vontade a expandir-se e ir além de qualquer medida da razão.

Dando seqüência e esclarecendo essas elucubrações, devemos considerar o que disse

Schopenhauer:

Faço questão de observar, tendo em vista algumas objeções tolas, que a abnegação da

vontade de viver não implica de jeito algum o aniquilamento de uma substância, mas

simplesmente um ato de não-vontade: não querer mais aquilo que quis até aqui. Dado

que a vontade não conhece como coisa-em-si este ser, a não ser no ato e pelo ato de

querer, somos incapazes de dizer ou de compreender o que ela é ou o que ela faz

depois de ter renunciado a esse ato: daí que para nós, que somos o fenômeno do

querer a negação seja um trânsito ao nada.232

Este fragmento antecipa o tópico seguinte e nos serve, aqui, para vermos o modo como

na Metafísica da Ética, a importância do conhecimento da ação humana desinteressada é

destacada enfaticamente, e o modo como ela afeta incondicionalmente o todo da teoria da

Vontade e da Representação.

A ação humana é fundamental para este trabalho que pretende enfocar a conduta do

gênio esteta e ético no mundo.233

Ao criar obras de arte reverenciadas por diversas gerações ao longo do tempo, no caso

do esteta, o seu trabalho se diferencia no mundo do de um carpinteiro, por exemplo, apenas

pela motivação interesseira deste último que observa uma árvore e visualiza uma mesa de

jantar, ao passo que o gênio visa tão somente à Idéia da beleza naquilo que se lhe apresenta,

isto é, a essência da árvore que é comum a todas as outras independentemente de tempo e

232

In Parerga e Paralipomena II, Cap. 14, § 161, p. 327. Adições à teoria da afirmação e negação da vontade de

viver. Traduzido da edição espanhola. 233 Tecendo algumas reflexões sobre a pintura e o ascetismo moral, temos que: ―Cada homem representa, de

certo modo, uma idéia particular; que em cada indivíduo importante o artista pode encontrar um aspecto

particular da Idéia da humanidade‖ Cf. WAISMANN, A. Cinco lecciones sobre la estética de Schopenhauer.

Universidad Nacional de Cordoba, 1942, p. 65.

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lugar. O mesmo ocorre quando o artista cria a partir da intuição estética do modo de ser do

homem no mundo, ao que estamos denominando aqui de conhecimento objetivo da conduta

humana. O que, no caso da arte sacra, por exemplo, fica esclarecido. Como foi considerado ao

exemplificarmos com as obras de Caravaggio como Judite e Holoferne234 dentre outras, por

exemplo, retratando a degola de Golias ou a de São João Batista; essas três relacionadas à

atrocidade e violência cruas. Ou, numa outra perspectiva, um Davi, de Michelangelo,

escultura bem mais suave e sem qualquer alusão ao rei sanguinário que foi Davi, representam

o resultado da visão ou Olho Cósmico235 indispensável a todo grande homem de gênio236, quer

seja ele pintor, poeta, escultor, músico etc., quer ele retrate a barbárie, a peste negra ou a

nudez singela.

Portanto, todo fato da vida humana é importante ao artista que intui a idéia da

humanidade, principalmente em se tratando da pintura histórica onde a importância exterior

de um fato é a soma das suas conseqüências regidas pelo princípio de razão, elas são o

assunto da história. Já a abordagem genial do sentido interno de uma ação237 se fundamenta

naquilo que possibilita o conhecimento da idéia de homem. Justamente isto é o indispensável

ao artista; e o sentido interno de um fato histórico amplo, como o assassinato de um rei, ou o

assassinato de um simples camponês, por exemplo, é mais importante para a arte do que os

encadeamentos causais resultantes disto, ainda que resultassem na queda de um império.

Portanto, é a idéia do fato presente que interessa ao homem de gênio e não um

interesse histórico em geral. Desse modo, Schopenhauer considerou a pintura sacra, aquela

que exibe o verdadeiro gênio do cristianismo: os santos e os ascetas. E, as cenas de episódios

sagrados, em se tratando principalmente da expressão facial, descreveriam a liberdade de todo

desejo ou a expressão da pura inteligência.

234

Obra de 1589, óleo sobre tela, 145x195 cm: Roma, Galleria Nazionali d‘Arte Ântica, Palazzo Barberinni. 235

O puro ver, ou conhecimento objetivo revela o mundo como vontade e representação, ‗ambos‘ dados

instantaneamente, a um só tempo, ou Nunc stans, e sem intermediação do desejo de conhecer, isto é, da

necessidade que engendra o conhecimento empírico ou Véu de Maia. Nele, cada Idéia objetiva a Vontade como

realidade em primeiro plano. 236

Lembremos, para entender a relação ora proposta entre o artista e o santo, que todos os seres viventes estão

unidos pela categoria metafísica do sofrimento e que a pessoa ou individuo é uma mera aparência. Portanto, a

noção de Mitleid ou compaixão surge como o fundamento de uma ética pautada em não aumentar o sofrimento

de quem quer que seja, mas, antes, entender que o sofrimento é comum a todos e, desse modo, se compadecer do

outro. Para que se contemple esta unidade dos seres é necessário uma mirada metafísica ou olhar que supere o

egoísmo da mera individualidade, isto é, o princípio de individuação. Cf. SCHOPENHAUER, 1993. Los dos

problemas fundamentales de la ética, cap. 16, p. 230-235. 237

―Este juízo artístico de Schopenhauer se relaciona com sua filosofia da razão prática ou conduta (...) que, a

partir do pessimismo, conduz à negação da existência. Onde o ponto culminante da arte e do filosofar se olham

de frente: uma deve expressar a outra‖. ―Sabemos que o gênio consiste de um predomínio anormal da

inteligência sobre a vontade, na derrota e na renúncia a esta (como, em geral, todo gozo estético)‖. In Waismann,

1942, p. 66.

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No caso do cristianismo, a resignação absoluta e a renúncia total do desejo seriam a

própria idéia do homem santo ou o espírito do movimento iniciado por Jesus de Nazaré.

Na Grécia clássica a escultura alcançou grande notoriedade ao destacar as formas

perfeitas dos corpos. Já a pintura, se elevou no mundo cristão ao retratar o martírio o

sofrimento e a negação da vida. Para Schopenhauer, a pintura é superior à escultura; por esta

última não ser tão precisa em apresentar a idéia de sofrimento, ou a ‗necessidade‘ de negação

da Vontade de viver na expressão facial.

Agora, para esclarecer a relação do artista com o esteta, consideremos um estudante,

por exemplo, que pode se escandalizar ao imaginar algo como O massacre dos Inocentes.238

No entanto, o gênio pintor, neste caso como que imune a qualquer apelo ético-moral, intenta

destacar tão somente a idéia da beleza239, apresentando um fugaz instante decalcado em sua

tela, neste caso uma chacina, capaz de fazer revolver as entranhas do mais insensível dos

homens, se a presenciasse ao vivo.

Portanto, dadas essas considerações, fica inteligível que, enquanto ação no mundo, a

do fuzileiro naval na frente de combate ou a do mártir diante do sacrifício, ambas, por

exemplo, possuem praticamente a mesma relevância; contudo somente o gênio pode expressar

isto no resultado de sua obra: a idéia da humanidade e do mundo.

O santo, porém, diferentemente do soldado, assemelha-se ao artista, porque a sua

‗causa‘ não é meramente utilitarista, chagando a desinteressar-se de si mesmo na

contemplação da idéia. Aqui vemos que, uma vez superado o princípio de individuação, o

gênio esteta e o gênio ético, ambos se equiparam enquanto daimon, ou seja, enquanto uma

disposição natural para uma ação240 no mundo, ação ingênua muitíssimo relevante, dada a sua

raridade ao longo da história dos povos e dada a idéia que ela passa adiante para elevação de

outros ao conhecimento epistêmico da vida e da humanidade no mundo.

Destarte, a obra artística deriva do conhecimento objetivo do mundo e pode retratar

uma paisagem bucólica, uma praça de guerra, um assassinato ou um beijo apaixonado. Nem

mesmo uma catástrofe natural escapa ao olhar desinteressado, pois, como disse

Schopenhauer, ―Toda coisa é bela‖.241

Como ficou claro, foi acompanhando a filosofia de Kant que Schopenhauer destacou

uma tríade caracterológica composta pelo inteligível, o empírico e o adquirido. Desses três, a

238

Tela da primeira metade do século XVII, pintada pelo artista barroco belga, Peter Paul Rubens e que foi

inspirada num episódio narrado nos sinóticos bíblicos. Já citada na nota 209. 239

O sujeito do puro conhecer surge como negação da individualidade diante da Idéia do Belo. 240

A ação do homem incomum deve se fundar numa mirada metafísica ou conhecimento objetivo do universo. 241

SCHOPENHAUER, 2003, p. 121.

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vontade mesma no homem, seu ser metafísico constituinte, é o que se deve entender como o

caráter inteligível; onde o conteúdo moral é o essencial da vida, ou seja, a vontade, entendida

numa acepção extratemporal do termo.242

Finalizamos com a recapitulação de como o gênio esteta se aproxima da liberdade na

medida em que procura ver a essencialidade do mundo, vendo, inclusive, a si mesmo como

objetivação daquela vontade infinita na natureza e no presente contínuo que somente nela se

justifica. Para contemplar a idéia ele esquece a própria individualidade, tendo a capacidade de

fazer calar os apelos do próprio selbst, ambos fundados no desejo. Ao silenciar do EU, falam

as coisas, e elas falam de suas idéias, a objetividade máxima do mundo. O conhecimento

objetivo das condutas humanas é viável mediante a abordagem estética do mundo, e, por este

modo mais objetivo de considerar as coisas, o homem pode se conduzir tão livremente no

mundo quanto mais desinteressado ele for.

242

Cf. Os dois Problemas Fundamentais da Ética, p. 137ss.

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3.1.2. INTUIÇÃO ESTÉTICA, CLARIVIDÊNCIA DA RAZÃO243E LIBERDADE

‗―O mundo é minha representação.‘ Esta é uma verdade que vale em relação a cada ser que

vive e conhece, embora apenas o homem possa trazê-la à consciência refletida e abstrata. E de

fato o faz. Então nele aparece a clarividência filosófica.‖

(Arthur Schopenhauer, MVR, § I)

Como já dissemos, a noção de libertação ou redenção da vontade encontrou, a partir de

Schopenhauer, uma proposta de possibilidade pelo viés estético. A música244 foi apontada,

dentre as artes245 como a mais privilegiada de todas para tal fim, por ser uma ―linguagem‖ que

propõe a Idéia sem mediação do entendimento e, portanto, ser o que há de mais metafísico no

mundo físico: a manifestação ou fato mais em si no mundo dos fenômenos. Desse modo, o

mundo como vontade ou da coisa-em-si se abre ao modo de conhecer desinteressado que o

olhar cósmico da experiência estética proporciona. Portanto, o mundo pode ser conhecido,

acessado de uma maneira livre de todo sofrimento, ainda que por breve período de tempo,

porque a vontade de vida imperativa no homem, ainda que de vida de sofrimento vão, não se

submete totalmente a uma supressão momentânea do tempo e do espaço, e que não pode

243

No prefácio à segunda edição do MVR 2005, da editora UNESP, na p. 30, Schopenhauer diz: ―O leitor

sempre me encontrará no ponto de vista da REFLEXÃO, isto é, da deliberação racional, nunca do ponto de vista

da INSPIRAÇÃO chamado intuição intelectual, ou pensamento absoluto, cujos nomes são: vazio intelectual e

charlatanismo‖. Nisto ele está criticando o idealismo de Fichte, Schelling e Hegel e esclarecendo que a

clarividência filosófica em nada depende do conceito a eles relacionado, o de intuição intelectual. Portanto,

Schopenhauer sempre exalta Kant em detrimento da já referida tríade idealista. Quanto a isto, podemos conferir

o apêndice ao MVR, páginas 527 e 603. 244

―O mundo fenomênico, ou a natureza, e a música devem ser vistos como duas expressões distintas da mesma

coisa. Tal coisa mesma, a Vontade, é, por conseguinte, a única analogia que intermedeia os dois, o tertium

comparationis, cujo conhecimento é exigido para se reconhecer a analogia. A música, por tanto, caso vista como

expressão do mundo, é uma linguagem universal no mais supremo grau, que está até mesmo para a

universalidade dos conceitos como aproximadamente estes estão para as coisas isoladas. Sua universalidade,

entretanto, não é de maneira alguma a universalidade vazia da abstração, mas de um tipo totalmente outro, ligada

a uma determinidade mais distinta e persistente. Ela se assemelha, assim, às figuras geométricas e aos números,

que, como formas universais de todos os objetos possíveis da experiência, aplicáveis a todos a priori, não são,

no entanto, abstratos, mas, passíveis de intuição e sempre determinados.‖ In SCHOPENHAUER 2003, pp. 234-

235. 245

No fragmento VI da Origem da Tragédia, Nietzsche trata do conhecimento puro na liberdade da música

criticando o dualismo schopenhaueriano que é constituído pela dicotomia entre 'vontade' e 'representação' e é

enfatizado com maior força ainda pela sua insistência na antítese absoluta entre 'vontade' e 'intelecto'. O

dualismo correspondente em A Origem da Tragédia é entre o Dionisíaco e o Apolíneo. Criticando O mundo

como vontade e como representação, Nietzsche afirmou: ―Mas há algo muito pior no livro, que agora lamento

ainda mais do que ter obscurecido e estragado com fórmulas schopenhauerianas alguns pressentimentos

dionisíacos: a saber, que estraguei de modo absoluto o grande problema grego, tal como ele me havia aparecido,

pela ingerência das coisas mais modernas!‖ In NIETZSCHE, Friedrich W. A origem da Tragédia. Tradução,

notas e posfácio de J. Guinsburg. São Paulo: Companhia das Letras. 2005.

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subsistir sem seu foco no princípio de causalidade ou de razão. Assim, a libertação da prisão

do desejo, quando ocorre, é sempre fugaz, como num insight de pura contemplação oriunda

da fruição estética do belo. Esse estado ou modo muito peculiar de ver o mundo, liberta o

homem, propondo a possibilidade de uma vivência mais essencial. Como o filósofo observou:

Devemos considerar a arte como a grande elevação, o desenvolvimento mais perfeito

de tudo isso, pois realiza em essência o mesmo que o mundo visível, apenas mais

concentrada e acabadamente, com intenção e clareza de consciência e, portanto, no

sentido pleno do termo, pode ser chamada de florescência de vida. Ora, se todo o

mundo como representação é a visibilidade da Vontade, a arte é o clareamento dessa

visibilidade, a câmera obscura que mostra os objetos mais puramente, permitindo-nos

melhor abarcá-los e compreendê-los; é o teatro dentro do teatro, a peça dentro da peça

em Hamlet. 246

Primeiramente, neste ponto, importa destacar que a expressão clareza de consciência é

praticamente idêntica à clarividência filosófica ou da razão; e que interessa a esta dissertação

entender que a vida humana não pode prevalecer ou florescer, ainda que numa negação

consciente da vontade de vida em si, à parte destas duas expressões ora em destaque.

Esse florescer da vida implica numa conduta humana que se isente ao máximo da roda

de Íxion, ou do desejo de satisfação. Para tanto, é necessário destacar ainda que, ao gênio

esteta como ao santo ou gênio ético, a grandeza da vida florescente implica um estado de

consciência genial comum a ambos os casos onde aquelas expressões já citadas corroboram, e

no sentido de que: como possibilidade de interpretação da obra O mundo como vontade e

como representação a Metafísica do belo e a Metafísica da ética quase que não se distinguem.

Na medida em que nos identificamos com a antiga sabedoria grega do conhece-te a ti

mesmo é que podemos dizer possuir consciência da possibilidade de ser livre em maior ou

menor grau. Isto porque, uma auto-consciência perfeita implicaria a necessidade de um

perfeito conhecimento de si mesmo. Sabemos que é próprio dos outros animais, e não do

homem, ser guiado apenas pelo ímpeto cego do impulso instintivo, mas, pela autoconciência,

o homem se apercebe enquanto determinação da Vontade e, embora possua certa vinculação

noumênica com Ela, de um ponto de vista fenomênico, esta vinculação implicará na

impossibilidade do livre arbítrio, ou seja, de o indivíduo poder assumir qualquer ação

subjetiva ou objetiva de caráter absolutamente livre.

246 SCHOPENHAUER, 2005, § 52, p. 349.

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Para Schopenhauer, o suposto livre arbítrio não explica a ação humana como ação

livre, dado o caráter essencialmente determinado do ser humano. Só um milagre daria conta

das ações do homem, se as quisessemos explicar pelo livre arbítrio.247

Podemos dizer ainda que, em sentido subjetivo, o homem pode se assenhorar de certa

liberdade, isto é o que experimentamos em toda experiência, onde ajuntamos representações e

motivos e somos capazes de eleger um que seja racionalmente mais digno de imperar em dado

momento da nossa vida. Esta é a liberdade na qual consiste a perfeita faculdade de

determinação eletiva que o homem possui como privilégio sobre os demais animais, e que faz

com que se lhe atribua, em algum sentido, a possibilidade empírica de ser livre.248

Com base nisto, consideremos a sugestão que se segue:

O homem se deixa guiar por conceitos e raciocínios que batalham com as

representações até que uma triunfe. Mas, não nos enganemos: a que triunfe, triunfará,

pois, em virtude de outro motivo e, portanto, sempre em virtude de uma razão.

Portanto, devemos reconhecer que esta seleção de uns motivos e o abandono de

outros, guiada por uma razão, não será autêntica liberdade. O homem é só um seletor,

um jogador que já possui as cartas marcadas porque, eleja o que eleger, o fará sempre

em virtude de uma razão.249

Portanto, a Vontade é livre, e, na medida em que se manifesta nos homens, impõe-lhes

a impossibilidade da liberdade individual plena.

Agora, considerando essa necessidade250 de uma atitude de renúncia da vontade de

vida como via de salvação, relacionada à influência dos Upanishads e ao fascínio que o

hinduísmo e o budismo exerceram sobre Schopenhauer, pois esse encanto ou sedução do

oriente foi capaz de influenciar os rumos da produção filosófica deste filósofo, mas não o seu

nascedouro. Embora autores como Magee251 destaquem que o contado do pensador germânico

com a cultura vedanta e o budismo tenha ocorrido num período bastante tardio - podemos

manter nosso pensamento no sentido de que: a idéia de negação da vida não deve ser tomada

como uma renúncia in Toto. Desse modo, aquilo a ser negado seria o tipo de vida estritamente

centrada no egoísmo individualista e cobiçoso, muito bem caracterizado pelo estilo de vida da

Europa moderna do século XIX, contexto histórico e social da vida do filósofo de Frankfurt.

247

Idem, § 55, p. 371-378. 248

SCHOPENHAUER, 2005, § 55, p. 371-375. 249

FAFIAN, 1996, p. 89. 250

Cf. In SCHOPENHAUER, 2005, § 70, p. 510. Onde se esclarece que a necessidade é o reino da

NATUREZA; a liberdade é o reino da GRAÇA. 251

Magee, Bryan, The Philosophy of Schopenhauer, Oxford University Press, 1997. Magee, Bryan, Confessions

of a Philosopher, Random House, 1998.

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Muito embora saibamos que, pensar o pessimismo e o niilismo de Schopenhauer assim possa

dar margem a outras interpretações de modo que eles perderiam o seu caráter de radicalidade.

Agora, para fins de aprofundamento sobre a influência oriental na noção de liberdade

relativa a este trabalho, importa considerarmos algumas reflexões acerca do Nirvana. 252

Primeiramente, destacando algo muitíssimo incomum de ser considerado, a saber, que o

Nirvana acontece aqui e agora, no tempo presente, e, se não enxergamos isso, é apenas em

razão da impureza de nossa própria visão.

No Budismo, Nirvana, literalmente extinção, é o culminar da busca pela libertação, e,

de acordo com essa concepção, seria uma superação do apego aos sentidos e a ignorância,

superação da existência enquanto pura ilusão. É o ápice, ou seja, é o ponto mais alto de

meditação, no qual, acreditam seus praticantes, o espírito se liberta do corpo temporariamente.

Alcançar o Nirvana é como dissolver o ego, deixar de existir como uma entidade separada do

resto do mundo pelo Karma, ou o caminho do trabalho com desapego aos resultados ou frutos

por ele produzido. No Nirvana, a negação tem a função de romper os conceitos, de libertar a

mente da discriminação e de penetrar todas as idéias pré-concebidas. Assim, é interrompido o

processo de contínuos renascimentos e isto pode ser comparado, dadas as proporções, com

conceitos de que trata Schopenhauer na sua filosofia, a saber: o de intuição estética e de

clarividência filosófica, por exemplos.

A verdade não é o objetivo da busca, mas ela será revelada, uma vez que todos os

conceitos sejam destruídos. É um tipo de liberdade da qual tratou Schopenhauer, nos termos

de sua filosofia, mas sem aludir diretamente ao conceito budista em questão.

252 Palavra de conhecimento mundial, mas cujos significados verdadeiros são amplamente desconhecidos. Em

sânscrito, 'Nir' é 'não', e 'vana' é 'cordão'; assim, Nirvana pode ser traduzido como não estar preso, ou estar

liberto (da tirania do ego, da ignorância, da ilusão e da dor). No budismo, o Nirvana é um estado do ser, e não

um lugar ou paraíso, e pode ser alcançado por todos que renunciam ao eu e ao apego. É um estado de paz e

alegria sem limites. Algo eterno, fora do sofrimento. Aquele que o atinge não se arrepende do passado nem se

preocupa com o futuro; vive o momento presente e está livre da ignorância, dos desejos egoístas, do ódio, da

vaidade, do orgulho. Torna-se um ser puro, meigo cheio de amor universal, compaixão, bondade, simpatia,

compreensão e tolerância. Presta serviço aos outros com a maior pureza, não procura lucro, nem acumula coisa

alguma, nem mesmo bens espirituais, pois está liberto do desejo de vir a ser alguma coisa. Buda atingiu o

Nirvana em vida, aos 35 anos, quando a pessoa Gautama Siddhartha morria para dar lugar ao Iluminado.

Segundo textos budistas, ele renasceu 547 vezes antes de finalmente chegar lá. ―As obras mais antigas

mencionam raramente esse termo e mesmo quando o empregam é preciso sempre entendê-lo no sentido de

‗estado de Arahat‘, isto é, o mais alto estágio da santidade-sabedoria. Trata-se, pois, de um estado mental

realizado, neste mundo, por um ser vivente (o Arahat) e não de um Paraíso que pode ser atingido somente depois

da morte‖. In DAVID-NEEL. Alexandra. O budismo do Buda. Tradução de Vera Quirino dos Santos. São Paulo

- SP: IBRASA, 2005, p. 161.

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Portanto, a possibilidade de a liberdade exteriorizar-se a si mesma é a grande

vantagem do homem, ausente no animal, porque a condição dela é a clarividência da

razão, que o habilita a uma visão panorâmica de toda vida, livre da impressão do

presente. O animal está destituído de qualquer possibilidade de liberdade, assim como

da possibilidade de um real, logo com a clareza de consciência, decisão eletiva

segundo um prévio e completo conflito de motivos, que para tal fim teriam de ser

representações abstratas.253

O homem que segue numa vida egoísta deve negar tudo, e, aquele que assim deseja e

quer viver, deveria não querer para que a liberdade se manifestasse ante o vale de lágrimas e

sofrimento que é a sua vida.

Entretanto, poderá ocorrer um entendimento vulgar dessa reflexão, e que descambaria

numa interpretação religiosa, preconceituosa e contrária àquilo que pretende uma filosofia

desta monta, ou seja, a do pessimismo metafísico. Vale salientar ainda, que, mesmo tratando

do ponto de vista deste pessimismo, há abordagens psicológicas igualmente levianas que

pretendem colocar em descrédito o valor da filosofia schopenhaueriana, no sentido de

argumentarem que uma visão de mundo otimista, por exemplo, seria mais salutar à alma. Para

fugir a qualquer visão míope de filosofar o niilismo em questão, vejamos a importante

consideração que se segue:

Schopenhauer dirigiu sua filosofia de renúncia radical para dois alvos principais. O

primeiro foi o Iluminismo com seu falso otimismo e sua fé frívola na razão e no

progresso cuja síntese se encontrava na filosofia de Hegel. Seu segundo alvo era (...) a

tradição judaico-cristã. A maioria dos românticos compreendia o iluminismo e a

religião organizada como inimigos. Schopenhauer, porém, considerava-os aliados.

Ambos impeliam o homem a lutar por sua salvação neste mundo, fosse pelo

racionalismo científico, ou o Estado-nação, ou pela adesão à lei religiosa.

Schopenhauer era especialmente hostil com os judeus neste aspecto. Para ele, o

judaísmo contaminara definitivamente o cristianismo com a ilusão da Vontade como

representação: a luta para modificar o mundo a fim de ajustá-lo a preconceitos morais

e religiosos, os quais os judeus e depois os cristãos chamavam de leis de Deus.‖ ―As

únicas partes do cristianismo de valor duradouro – seu ascetismo abnegado e seu

pessimismo relativo ao mundo carnal – eram, alegava Schopenhauer, derivadas do

hinduísmo. Jesus, conclui ele, (...) foi educado por mestres brâmanes durante sua fuga

ao Egito e absorveu a mensagem deles de renúncia e libertação espiritual. Com as

doutrinas de outro grande mestre espiritual, Buda, a doutrina cristã nasceu da

sabedoria hindu (...) cobriu totalmente a velha origem de um judaísmo grosseiro

incompatível com ela.254

Conta-se, numa passagem do Vimalakirtinirdesa, que um grande número de pessoas

cercava Buda Shakyamuni no jardim de Amrapali. Após ouvir Buda falar sobre a purificação

do campo búdico, seu discípulo Shariputra pensou: ‗Se o campo búdico é puro somente na

medida em que a mente do bodhisattva é pura, então, na época que Buda Shakyamuni seguia a

253

SCHOPENHAUER, 2005, § 70 p. 510. 254

Cf. HERMAN,1999, pp. 100-101.

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carreira de bodhisattva, sua mente provavelmente era impura. De outra forma, como poderia

esse campo búdico parecer tão impuro?‘ Em resposta à desconfiança de Shariputra, Buda

teria tocado com seu dedão do pé o chão desse universo galáctico de bilhões de mundos,

subitamente transformado em uma enorme massa de pedras preciosas. Isto ilustra

magnificamente a possibilidade de transformação do Samsara, ou de um estado ordinário para

um estado extraordinário. Está implícito nessa imagem um dos principais conceitos

desenvolvidos no âmbito do Mahayana, ou grande veículo: o da não-dualidade entre Samsara

e Nirvana. De acordo com essa idéia, que certamente estava entre as mais importantes

inovações da tradição budista Mahayana, alcançar a libertação não seria mais uma questão de

deixar este mundo.

No budismo, o Samsara255 ou ciclo intermitente do desejo deve ser superado, para que

a vida encontre a possibilidade desse repouso absoluto. Portanto, a vontade ou desejo em

pauta aqui é a que distancia o homem daquele sereno estado de vazio do querer, ou, no dizer

dos budistas, do Nirvana, ou estado de realização do sábio.

Contudo, não devemos deixar passar despercebido que a personalidade ou principium

individuationis deve ser superada, tanto na perspectiva budista em tela como para a intuição

da idéia256 ou clarividência, ambas propostas pela filosofia de Schopenhauer, isto é, em ambos

255

O termo Samsara, do sânscrito-devanagari denota perambulação, podendo, ainda, ser descrito como o fluxo

incessante de renascimentos através dos mundos. Na maioria das tradições filosóficas da Índia, incluindo o

Hinduísmo, o Budismo e o Jainismo, o ciclo de morte e renascimento é encarado como um fato natural. Esses

sistemas diferem, entretanto, na terminologia com que descrevem o processo e na forma como o interpretam. A

maioria das tradições vê o Samsara de forma negativa, uma condição a ser superada. Por exemplo, em algumas

linhas do Budismo, assim como na escola Advaita de Vedanta hindu, o Samsara é visto como a ignorância do

verdadeiro Eu, Brahman, onde a alma é levada a crer na realidade do mundo temporal e fenomenal. No Vedanta,

o samsara tem o mesmo significado em diversas escolas, designando o ciclo da transmigração do atma em

mundos materiais. Shankara, considerado o fundador das escolas modernas de Vedanta, definia o Samsara como

sendo o caminho atemporal realizado pelo atma em avidya ou ignorância. Uma vez que vidya é alcançada

através da jñana, e o conceito dual e egocêntrico de aham e mamata se esvai, o ciclo se extingue e o atma se

funde no Brahman alcançando o Moksha ou estado de liberação espiritual. Shankara argumentava que o karma-

vamsana, ou o desejo de realizar atividades materiais do ego iludido é simplesmente devido à sua ignorância em

ver-se diferente e com a identidade distinta do Brahman, com a destruição do sentimento de aham, o atma vê

que ele também é o Brahman (aham brahmansmi; lit. ―eu sou brahman‖) e o Samsara deixa de ter fundamento.

No Vedanta e na maioria das diversas tradições hindus que nele se fundamentam, o ciclo de transmigração da

alma, ou Samsara, não é feito exclusivamente do passado para o presente, numa temporalidade linear como a

concebida pela cosmologia Ocidental. O ciclo pode se deslocar para qualquer posição no espiral do tempo e, de

acordo com as diferentes inferências feitas pelos sábios, em quaisquer Brahmandas, ou universos da criação

material, e em quaisquer tipos de corpos, entre as 8,4 milhões de espécies transmigráveis, podendo haver

evolução ontogênica ou filogênica, nos dois sentidos: elevação e degradação; de semi-deus a larva, de planta a

ser humano, e vice-versa. De fato, as possibilidades de transmigração são infinitas. ―Os paraísos mais elevados

pertencem, segundo o budismo, ao mundo do desejo, da ilusão, da impermanência; eles podem constituir um

descanso desejável no decorrer da eterna corrida (o Samsara), eles não são o objetivo, o porto, o repouso

garantido par sempre.‖ In DAVID-NEEL, 2005, p. 162. 256

A experiência estética propõe conhecer as Idéias de modo que o puro sujeito do conhecimento se correlaciona

a elas sendo o sustentáculo de todos os mundos e de todos os tempos. Já a experiência empírica é a que conhece

os fenômenos.

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os casos, o elemento central é a possibilidade do animal humano ser liberto do sofrimento e

do desejo. Senão, vejamos o seguinte:

Essa liberdade e onipotência – cuja exteriorização e cópia é todo o mundo visível, seu

fenômeno, o qual se desenvolve progressivamente conforme as leis trazidas pela

forma do conhecimento – pode também exteriorizar-se de uma nova maneira e

justamente lá onde, em seu fenômeno mais acabado, surgiu o conhecimento

perfeitamente adequado de sua própria essência. Pois aqui, no ápice de sua

clarividência e autoconsciência ou ela quer o mesmo que antes queria, porém cega e

desconhecendo-se, e assim o conhecimento lhe permanece sempre um MOTIVO,

tanto no particular quanto no todo ou, ao contrário, esse conhecimento se lhe torna um

QUIETIVO, silenciando e suprimindo todo querer.257

Neste ponto fica esclarecido que o intento deste tópico é relacionar o sentido da

expressão negação ou afirmação da Vontade consciente de si, e a sua semelhança com alguns

termos da antiga sabedoria oriental. Com isto, queremos tornar viável uma concepção do

conhecimento objetivo que dá conta daquela idéia de conduta humana, idéia crucial a quem

vise ao entendimento do todo da Metafísica de Schopenhauer.

Como vimos, a nossa percepção do mundo, isto é, o modo como o representamos é o

resultado da atividade criadora do nosso eu individual. Contudo, esse modo é meramente

ilusório e projetivo, ou seja, é a única realidade em projeção a partir da vontade humana, ou

dessa vontade subjetiva que impulsiona a humanidade em suas lutas e carências de toda sorte,

em um querer mais sempre insaciável, onde um abismo invoca outros abismos.

Esse mundo projetado é, portanto, o vale de sofrimento e lágrimas. Quem não

aprendeu a renunciá-lo, permanecerá condenado a um empreendimento sem fim e sem

recompensa, conforme já anteriormente exemplificado pelos mitos de Sísifo e de Íxion.

Por esta via, toda consciência, principalmente a suposta consciência de liberdade, nada

mais seria, além de mera ilusão.

257

SCHOPENHAUER, 2005, § 56, p. 397.

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3.1.3. O TAO DA VONTADE: BREVE ESTUDO COMPARATIVO ENTRE A

NEGAÇÃO DA VONTADE E A NÃO-AÇÃO

―O homem santo

Deseja não desejar

Não valoriza bens custosos

Aprende a não aprender

Recorre por onde os homens transpassam

Ajudando a natureza das dez-mil-coisas

Isso sem ousar atuar‖.

(Tao Te Ching, § 64).

Muito já se conhece acerca da relação da filosofia de Schopenhauer com o pensamento

oriental. Comumente, fala-se de influências oriundas do pensamento budista e dos escritos da

cultura vedanta. No entanto, aquilo de que vamos tratar doravante neste tópico não concerne a

o equívoco e ‗lugar comum‘ que é apontar a filosofia de Schopenhauer como que

fundamentada em algum tipo de orientalismo. Desse modo, abordaremos aqui o estudo de

fragmentos de obras e do pensamento de autores que, sequer são tratados detidamente em

alguma obra do filósofo de Frankfurt. Trataremos, portanto, de apresentar alguns elementos

dos escritos taoístas que apresentem forte parentesco ou eco com conceitos importantes da

filosofia, destacadamente a do Mundo como vontade e como representação, visando, contudo,

não extrapolar os limites desta dissertação acadêmica, mas, antes, contribuir para um melhor

entendimento do todo daquilo que propomos neste trabalho. Portanto, nos deteremos, por

exemplo, na noção de santo, bastante utilizada na seção final da obra magna de Schopenhauer

e que será confrontada com alguns fragmentos, os mais significativos possíveis, de alguns

textos centrais do pensamento antigo chinês.

Contudo, primeiramente, consideremos esta importante citação de Schopenhauer:

Na china, todavia, esse conhecimento é corrente desde os tempos mais

remotos no ensinamento da oposição entre YIN e YANG. – Sim, justamente porque

todas as coisas do mundo são a objetidade de uma única e mesma Vontade,

conseguintemente idênticas segundo a sua essência íntima, não apenas tem de haver

entre elas aquela analogia inegável, mas também em cada coisa menos perfeita já tem

de se mostrar o vestígio, a alusão, o dispositivo das coisas mais perfeitas. Contudo,

visto que todas essas formas pertencem apenas ao mundo como REPRESENTAÇÃO,

é até possível assumir que, mesmo nas formas mais universais da representação, nos

vigamentos propriamente ditos do mundo fenomênico, portanto no espaço e no tempo,

pode-se encontrar e demonstrar o tipo fundamental, a indicação, o dispositivo de tudo

aquilo que preenche as formas. Parece que foi uma noção obscura disso que deu

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origem à cabala e a toda filosofia matemática dos pitagóricos, bem como à filosofia

chinesa do I-Ching.258

Vemos aqui, logo de início, que o filósofo faz alusão a elementos da antiga sabedoria

chinesa259 visando esclarecer o seu conceito mais caro.

Considerando o caráter fugaz da noção de salvação ou liberdade, que o conhecimento

por contemplação estética propõe, e contrapondo-o ao caráter mais duradouro dela, dado pela

intuição direta do santo; devemos considerar que, ao encerrar a sua Metafísica do Belo,

Schopenhauer explicou o seguinte: ―Ainda não se trata, para o artista, da saída da vida, mas,

apenas de um consolo ocasional em meio a ela; até que sua força aí incrementada, finalmente

cansada do jogo, volte-se para o sério. Como símbolo dessa transição pode-se considerar a

Santa Cecília de Rafael‖.260

Como se vê, o quarto livro irá tratar daquilo que é, para Schopenhauer, o ‗sério‘, já

que na Metafísica do Belo, o artista foi tomado como sendo alguém que não atingiria uma

libertação ‗séria‘, isto quanto à questão da liberdade tomada pelo viés do santo, isto é, daquele

que se salva do enfadonho jogo do desejo e da satisfação que encerra a humanidade no

cárcere do sofrimento ou no vale de lágrimas mundano do qual, o gênio esteta não se

libertaria; senão momentaneamente, conforme o entendeu Schopenhauer, que disse ainda:

Portanto, aqui talvez tenhamos pela primeira vez, expresso abstratamente e purificado

de todo elemento mítico a essência íntima da santidade, da auto-abnegação, da

mortificação da vontade própria, da ascese como NEGAÇÃO DA VONTADE DE

VIDA que entra em cena após o conhecimento acabado de sua essência ter-se tornado

o quietivo de todo querer. Por outro lado, isso foi imediatamente conhecido e expresso

em atos por todos os santos e ascetas que, apesar do mesmo conhecimento íntimo,

empregavam, todavia uma linguagem bem diferente, segundo os dogmas uma vez

absorvidos em sua razão, e devido aos quais um santo indiano ou cristão ou lamaísta

tem de fornecer um muito diferente relato de seus atos, o qual todavia é irrelevante em

referência à coisa mesma. Um santo pode estar convencido das mais absurdas

258

SCHOPENHAUER, 2005, § 27, p. 207-208. 259

O livro do I Ching, conhecido também como o livro das mutações, é um dos cinco clássicos e fundamentais

livros do Confucionismo. Desde tempos imemoráveis é, sem lugar a dúvidas, o principal oráculo e o primeiro

recurso espiritual dos povos asiáticos. Ademais, tem havido um aumento crescente na Europa e América graças a

sua misteriosa potencialidade de fornecer prognósticos muito detalhados a quem deseje estudá-los com atenção.

O I Ching não faz uma verdadeira previsão do futuro, mas brinda uma clara visão do presente e oferece

indicações sobre como enfrentar o momento atual que estamos a viver. Vai bem mais da pergunta que foi

formulada, pondo ao nu as mais profundas verdades da natureza de nosso inconsciente; naturalmente,

consultando o I Ching obtém-se também a previsão de um determinado evento, mas dependerá sempre de nossa

vontade. Já o princípio da dualidade está prefigurado no diagrama do Taiji Tu, taoísta formado pela junção

complementar dos dois princípios ou forças fundamentais que compõem o equilíbrio dinâmico do movimento e

das mutações do mundo conforme o curso ou TAO, é o conhecido símbolo que representa a integração de Yin e

Yang onde Yin, é o princípio passivo; noturno, escuro, frio, feminino e Yang é o princípio ativo; diurno,

luminoso, quente, masculino. Veja estudo detalhado de WILHELM, Richard. I Ching - O Livro das Mutações;

com prefácio de C. C. Jung. 527pg. Ed. Pensamento. 260

SCHOPENHAUER, Arthur. O mundo como vontade e como representação. Tradução, Apresentação, Notas e

Índices de Jair Barboza. São Paulo: Editora UNESP, 2005, § 52, p. 350.

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superstições, ou, ao contrário, ser um filósofo; é indiferente. Apenas a sua conduta o

evidencia como santo. Pois só ela, em termos morais, procede não do conhecimento

abstrato, mas sim do conhecimento imediato do mundo e da sua essência, apreendido

intuitivamente e expresso por ele em dogmas apenas para satisfazer a sua faculdade

racional. 261

O que permaneceu em prática durante tanto tempo, apesar dos mais duros sacrifícios

exigidos, num povo que compreende tantos milhões, não pode ser uma fantasia

arbitrariamente inventada mas tem de possuir o seu fundo na essência da humanidade.

Mas, apesar de tudo isso, não podemos nos surpreender suficientemente sobre a

coincidência que encontramos ao ler a vida de um penitente ou santo cristão, e a de

um penitente indiano. A despeito dos dogmas, costumes e regiões tão

fundamentalmente diferentes, a aspiração e a vida interior deles é em absoluto a

mesma; também os seus preceitos: por exemplo, Tauler fala da pobreza completa que

se deve procurar e que consiste na renúncia total a tudo aquilo que é passível de

proporcionar um consolo ou gozo mundano; evidentemente porque tudo isto fornece

nova alimentação à Vontade, cuja mortificação completa é intentada. 262

Ora, assim como o artista, o santo possui aquele conhecimento imediato do mundo.

Essa perfeição atingida pelo santo acabaria por dispensar qualquer tipo de dogmática ou

liturgia. Desse modo, tanto uma oração feita em praça pública, uma penitência ou a

observância estrita a ritos e cultos, de nada valem para aquele que intuiu a essência da vida

humana e do mundo.

No final da sua Metafísica da ética, a virtude ou santidade – que se daria mediante

uma metánoia ou mudança radical na mente humana, também chamada renascimento – para

Schopenhauer, jamais poderá ser atingida pelo aprendizado de alguma ética, porque toda ética

se fundamenta em conhecimento abstrato, ou que não supera o principium individuationis.

Apenas o conhecimento intuitivo é importante na regência do santo e, um conhecimento tal é

atingido como que por efeito da graça divina. 263

Semelhantemente ao que ocorre com a noção de santidade ou virtude na filosofia

alemã em tela, diz-se, também, na tradição chinesa, que a apreensão do Tao é uma experiência

contemplativa inefável e inexprimível. Desse modo, podemos relacionar a limitação da

linguagem para expressar o Tao com a mesma limitação que Schopenhauer atribui ao se

referir à Vontade como coisa em si, no sentido de esta também ser impassível às investidas do

princípio de razão no seu encalço. No entanto, foi Chuang-tse (séc. IV a.C.) quem, antes,

propôs um modo de pensar no qual se considerou uma apresentação da limitação do

entendimento e da linguagem. Isto se deu no tocante à incapacidade do discurso racional

expressar aquilo que é real e inequívoco, a saber, o inefável Tao, ou o fundamento infundado

de todas as coisas. Esse pensador chinês ocupava-se em contrariar o modo confuciano de

buscar a sabedoria para o bem viver do povo e o governo da nação, cuja pedra de toque é a

261

Idem, Op. Cit. § 68, p. 486-87. 262

Ibidem, p. 493. 263

Cf. SCHOPENHAUER, 2005, Apêndice, p. 654.

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famosa fórmula de Confúcio: ―O que se sabe, saber que se sabe; o que não se sabe, saber que

não se sabe‖. 264

Para Chuang-tse, a simples determinação a aprender ou a comunicar a verdade do

curso natural do mundo é o primeiro indício de fracasso e de incompetência daquele que não

segue o Tao, que não ouve a sua música e que desconhece o poder do ouvido, do coração e de

sua própria energia essencial ou qi, fundamento de todas as percepções e para onde todas elas

confluem segundo o curso natural das coisas.

Segundo o referido pensador chinês, após atestar a relatividade da linguagem, o

iluminado deverá concluir que não se deve lançar mão desse artifício no intuito de capturar o

Tao ou verdadeiro sentido do mundo. ―Chuang-tsé gosta muito do diálogo contínuo ou da

anedota paradoxal que acaba num toque de nonsense destinado a provocar um sobressalto, ou

mesmo um salto para uma verdade que não é da lógica comum – procedimento reutilizado

muito mais tarde pelo budismo Zen‖.265

No capítulo 56 do Dao De Jing,266 podemos verificar uma delimitação clara do poder

do discurso onde aquele que fala pressupõe a sua própria ignorância, uma vez que o homem

perfeito ou santo é o que se cala, pois compreende a importância de atuar pelo esquecimento

em relação a tudo aquilo que se diz, e, uma vez que a sabedoria do Céu-Terra se encerra no

indizível Tao.

Numa passagem - que lembra muito a famosa proposição de um pensador bastante

influenciado pela filosofia de Schopenhauer, L. Wittgenstein, que disse ―do que não se pode

falar deve se calar‖. 267 - Chuangzi esclareceu o porquê do valor secundário da palavra. Disse

ele:

A razão de ser da nassa está no peixe,

uma vez pego o peixe, esquece-se a nassa.

A razão de ser da armadilha está na lebre; uma vez

capturada a lebre, esquece-se a armadilha.

A razão de ser das palavras está

no sentido; uma vez captado

o sentido, esquecem-se as palavras.

Onde encontrarei aquele que sabe esquecer as palavras

para lhe dizer duas palavras? 268

E, no mesmo sentido, acrescentou ainda:

264

Para saber mais sobre os ensinamentos de Confúcio veja Os analectos, São Paulo, Martins Fontes, cap. 2,17. 265

In CHENG, Anne. História do pensamento chinês. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008, p. 125. 266

In Laozi. Dao de Jing. Org. e trad. Mario B. Sproviero. São Paulo: Hedra, 2007; p. 153. 267

Cf. proposição 7, In WITTGENSTEIN, Ludwig: Tratado Lógico-Filosófico: Investigações filosóficas. 2.a Ed.

Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1987. 268

In Zhuangzi 26, p. 407, apud CHENG, 2008, p. 135.

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Desde de que as coisas existem, o discurso

pode dominá-las, o conhecimento pode dar

uma visão global delas, esse é o ponto

Supremo do mundo das coisas. Mas,

aquele que contempla o Tao não as

persegue até o ponto em que elas desapare-

cem, ele não remonta até ao ponto

onde elas têm seu início: este

ponto é o ponto onde pára a discussão.269

O termo chinês Shen designa um tipo de conhecimento que se dá por apreensão

espiritual direta e que ocorre no limite da potência do conhecimento sensorial. É onde o

espírito deseja livremente, fluindo no curso natural das coisas, isto é, nas linhas condutoras

naturais, denominadas pelo termo LI. Nesse sentido, com Chuang-tse, devemos considerar a

significativa similaridade do santo taoísta com aquela apresentada na parte final de O mundo

como vontade e como representação. Ao menos, os assuntos tratados são praticamente

idênticos, como se pode notar a seguir:

Quando o santo atinge a quietude, ele não a atinge

pelo fato de dizer para si que a quietude é boa; sua

quietude vem do fato de nenhuma das mil coisas

chegar a perturbar seu coração. Quando a água está

calma, vemos nela com toda nitidez o menor fio

de barba ou de sobrancelha; ela está perfeitamente

plana, como o nível do carpinteiro, e o melhor arte-

são a tomará como norma. Se até a água é clara

quando está calma, quanto mais a quietude de espí-

rito essencial (JINGSHEN), o coração do Santo,

reflexo do Céu-Terra, espelho das mil coisas!

Nele mesmo não há ponto fixo.

As coisas, ao tomarem forma, manifestam-se por si

mesmas.

No movimento, ele é como a água.

Na quietude, como o espelho.

Na resposta, como o eco.270

Portanto, a quietude do santo já havia sido considerada, em Chuangzi, principalmente

a sua relação com o Olho cósmico, ou intuição pura do mundo de que tratou Schopenhauer.

Isto nos serve como exemplo e para dar mais sentido a este breve estudo comparativo.

Lembremos, ainda, as inúmeras vezes em que Schopenhauer também utilizou a metáfora do

espelho para se referir à natureza como espelho da Vontade.

Pode parecer forçoso operarmos uma relação tal com a distante literatura chinesa,

contudo, na noção schopenhaueriana de Homem, essa mesma Vontade pode, pelo límpido

conhecimento ou reflexo de si mesma, optar pela negação ou afirmação de si.271

269

Idem, p. 288-289. 270

In Zhuangzi 13, p. 204 e 33, p. 473, apud CHENG, 2008, p. 142.

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O termo zhenren, que aparece nos escritos de Chuangzi, designa o Santo ou homem

verdadeiro, aquele que se mantém fundido ao curso natural das coisas sem, contudo, se

coisificar. Este é Terra, mas, é, também, Céu.

É mediante esta ‗potência espiritual divina‘ (shen) que o homem verdadeiro

funde-se com o Tao, experiência descrita

como uma ‗viagem do espírito‘ (shenyou), vôo

místico ou êxtase, que deixa o corpo

‗como torrão de terra‘ ou ‗madeira seca‘ e

o coração como ‗cinza apagada‘.272

Semelhantemente ao que ocorre na Metafísica da ética, o despego273 das coisas do

mundo é um tema recorrente no pensamento taoísta, donde o santo se revela como um espelho

que reflete as coisas do mundo, mas sem jamais se apegar a elas, tampouco desejar o que quer

que seja para si mesmo, pois ele sabe que todas elas se enchem e se esvaziam, crescem e

declinam num ciclo sem fim, e que nada no mundo é propriamente bom ou ruim, fraco ou

forte, mas que os opostos são complementares YIN YANG, como bem o expressa a já

referida simbologia do diagrama do Taiji Tu.

Portanto, como dissemos, é o santo que mantém uma relação com o mundo

coisificando-o sem se coisificar. Nisto, ele o abandona, dele se afasta com clarividência

perfeita, sem necessitar, contudo, lutar para anulá-lo, uma vez que as coisas são como são em

seu curso no Tao, e isto não pode ser anulado.

Essa idéia do santo como espelho das coisas não é estranha ao budismo, no entanto,

esta religião apela para um total afastamento do mundo material mal, o da ilusão de Maia -

muito utilizada, por Schopenhauer para ilustrar o jugo da ignorância que o homem carrega sob

o despotismo da Vontade, durante a sua vida de sofrimento -. Essa isenção do mundo, esse

afastamento radical e indispensável, deve conduzir ao Nirvana ou estado búdico no qual o

sábio hindu se dilui no Brahma.274

Já o pensamento dos contempladores do Tao sugere um esvaziamento do mundo, mas

que não implica num imperativo de negação radical ao mesmo, contrariando aquilo que reza a

271

Vejamos um dentre inúmeros exemplos de passagens, apenas na Metafísica do Belo, a esse respeito. ―É uma

maneira germânica de falar plena de sentido a de que nos perdemos por completo num objeto, ou seja, perdemos

de vista justamente o próprio indivíduo, a própria vontade: a disposição se torna puramente objetiva: toda a

consciência é ainda apenas o espelho claro do objeto oferecido, é o medium pelo qual este entra em cena no

mundo como representação. Sabemos de nós mesmos apenas na medida em que sabemos do objeto: ainda

sabemos, por um instante, que algo aqui é intuído, não sabemos mais quem intui: toda a consciência é

integralmente preenchida e tomada por uma única imagem intuitiva‖. In SCHOPENHAUER, 2003, p. 46. 272

CHENG, 2008, p. 148. 273

Idem, p. 149. 274

―Refere-se ao aspecto impessoal e onipresente do Absoluto. De Brahma tudo se origina. Ele penetra tudo e

está em toda parte. Ele é neutro e sem atributos, sendo onisciente‖. In TINÔCO, 1992, p. 121.

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dogmática budista. Desse modo, o homem verdadeiro, pela contemplação, harmoniza-se no

seu centro e, dessa fusão, sua mente purificada supera a impermanência ou inconstância das

coisas mundanas, isto inclui o próprio sofrimento humano, seu nascimento, sua dor,

decadência e morte. Destarte, o santo não encara os problemas decisivos do mundo ordinário,

senão como processos relativos no jogo do curso natural das coisas; jamais em caráter

absoluto. Aliás, a única consideração de caráter absoluto seria a contemplação do Tao, o

indizível que só pode ser aludido pela via do paradoxo e do abandono do próprio discurso,

pois que é como o vazio que jamais se preenche, como o nada originário275.

O nascimento, o crescimento, o declínio e a morte: todos eles processos espontâneos,

naturais, que dependem do Céu. É este o nosso ‗destino celeste‘, que, no entanto, é o

mais difícil de aceitar porque queremos sempre decidir, sempre escolher; nossa

maneira e nossa razão de ser é querer.

É por isso que Chuang-tsé propõe passar a um nível totalmente diferente, abrindo

bruscamente uma perspectiva em profundidade, onde se percebe de uma só vez – no

que pode ser considerado uma iluminação – o infinito, o insondável do Tao, que sorve

a mente como um turbilhão numa regressão sem fundo.276

Aqui podemos perceber com clareza a importância da superação do querer ou do

desejo, e retomar essa temática que, juntamente com a idéia de Santo, nos serve de elo ou

ligação entre a Metafísica da Ética e o pensamento dos antigos sábios chineses neste nosso

breve estudo comparativo.277

Considerando agora o Dao De Jing, destaquemos, com Laozi, a importância de a

civilização chinesa de sua época empreender um retorno ao paraíso natural. Nesse sentido, o

homem divino surge como protótipo daquele que segue o curso natural do Céu-Terra, e, a esse

homem perfeito tudo o que ocorre se dá de modo harmonioso. Ele atua sem atuar e realiza a

obra que permanece fecunda e se perpetua, porque ele não se prende a ela, do mesmo modo

que ele não se apega a nada, por estar fundido ao curso natural278, estar vazio das coisas do

mundo, principalmente do mundo artificial obrado pelo conhecimento e pela técnica.

275

Cotejando com a filosofia acadêmica grega, vemos que esse originário ou Arché pode ser associado à noção

thaumátzein - o admirar-se ou espantar-se. Desse modo, Aristóteles reafirmou na sua Metafísica 982, b13 aquilo

que Platão propusera já no Teeteto 155 d. 276

CHENG, 2008, p. 151. 277 Ora, até aqui pudemos compreender que as características do homem santo, expostas por Schopenhauer, são

essencialmente as mesmas daquilo que já se refletia há cerca de 2.400 anos antes do MVR, no período

imediatamente posterior, na China, ao dos denominados ‗reinos combatentes‘. Também sabemos que nesse

mesmo período, só que, desta vez, na Grécia clássica, inúmeras considerações sobre o homem divino foram

cunhadas já sob o selo da filosofia e não mais da mitologia. Contudo, elas não serão abordadas aqui tão somente

por não serem indispensáveis ao escopo definitivo deste trabalho. 278

Apenas a título de uma comparação oportuna, vejamos esta passagem: ―O magnânimo que perdoa ao inimigo

e paga o mal com o bem é sublime e recebe o mais alto elogio; porque reconheceu seu próprio ser também lá

onde este se negava decididamente‖. In SCHOPENHAUER, 1993. Los dos problemas fundamentales de la ética,

p. 296.

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Como se pode perceber, de um modo muito similar ao que ocorre na Metafísica da

Ética, o mundo almejado pelo sábio do Tao é aquele que se harmoniza pela ausência do

desejo ou pela não ação (wu-wei). A diferença principal estaria na concepção de mundo onde,

de um lado, para os pensadores do Tao, os ciclos do mundo são naturais e relativos em se

tratando do bem, do mal; do bom e do ruim, do sofrimento ou do alívio; por outro lado, para

Schopenhauer, este mundo no qual vivemos é, definitivamente, mau e incorrigível, sua

abordagem é radicalmente pessimista, embora saibamos não se tratar de um pessimismo

vulgar, e sim de um pessimismo metafísico, no sentido de ser um pessimismo radical ou

transcendental, donde podemos recolher elementos teóricos para uma crítica valiosíssima do

otimismo prático e da conduta humana no mundo moderno. Contudo, as similaridades nas

linhas gerais dos dois modos de pensar são, de fato, incontestáveis como podemos observar

no comentário que se segue:

Laozi critica o ato de viver apartado do princípio, o pensamento e a moral

especulativa, o saber e a sabedoria, a sociedade complexa, o governo ativo, a técnica

como tecnologia, a economia que produz bens além das necessidades estritamente

naturais, enfim, tudo aquilo que compreende a iniciativa humana. É um pensamento

em que o homem não está no centro. Sua proposta é o retorno ao estado em que o

homem não ‗inventava‘‖.

O homem santo nunca acumula bens; quanto mais faz bem aos outros tanto mais tem

para si; quanto mais dá para os outros tanto mais cresce em seu ser. O curso do Céu

sempre beneficia e não prejudica em nada; o homem santo atua sem competir com

ninguém.279

Deve-se, ainda, ressaltar que tanto para Confúcio quanto para Laozi o sábio indica

sempre a perfeição moral e não a intelectual. Em Confúcio, esta se dá sempre em função

daquela. Em Laozi, uma atrapalha a outra.280 Contrariamente a Chuag-tse, Confúcio convidava

seu povo a exaltar sua humanidade sem o exortar à contemplação do Tao e à fusão nele.

Quando partimos para o interior da obra de Schopenhauer, lá se verifica um confronto

similar ao que foi dito acima, ou seja, o intelecto humano fundado no principium

individuationis, quando muito, atrapalha a perfeição do modo de conhecimento perfeito do

santo, aquele que se dá por contemplação. Nisto, essencialmente, em nada se diferencia

daquela fusão perfeita do homem verdadeiro com o Tao. Como bem o disse Schopenhauer

sobre a conduta deste tipo de homem e que aqui repetiremos apenas para reforçar o nosso

argumento central: Apenas a sua conduta o evidencia como santo. Pois só ela, em termos

morais, procede não do conhecimento abstrato, mas sim do conhecimento imediato do mundo

279

In Laozi. Dao de Jing. Org. e trad. Mario B. Sproviero – São Paulo: Hedra, 2007; p. 37-38. 280

Cf. Idem, Op.cit. p. 20-23.

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e da sua essência, apreendido intuitivamente e expresso por ele em dogmas apenas para

satisfazer a sua faculdade racional.281

Na obra de Laozi, há destaque para termos também utilizados por Schopenhauer, tais

como: iluminação e sabedoria. Desse modo, o homem iluminado pela sabedoria do Tao

conhece o mundo sem a necessidade da mediação do entendimento. Ora, em assim sendo, o

saber por abstração deve necessariamente ter sido englobado por aquela iluminação direta. 282

―Via mística do conhecimento: deixar ser, agir, conhecer, exclusivamente pelo Tao,

renunciando o ato de ser, agir e conhecer por si, permitindo ainda que seja‖. 283

Portanto, o iluminado conhece a si mesmo, ao passo que o sábio é aquele que, no

máximo, aprendeu a conhecer o outro. Pensando por outras figuras taoísta, diríamos: na

guerra, o maior guerreiro é o que vence a si mesmo, o maior general é o que vence a guerra

sem disparar um só tiro; e, na jornada, o grande viajante percorre a maior distância sem

jamais sair de si mesmo.

Para que o intento deste tópico fique ainda mais claro, podemos ainda destacar a

similaridade do sentido das expressões não-agir ou renúncia ao ato de agir com a negação da

vontade consciente de si mesma. Ora, então, fica bastante difícil argumentar contrariamente à

constatação teórica de que, em ambas as propostas de pensamento, o que se intenta é a

verdadeira via para a liberdade, que pode ser possibilitada pela ruptura da necessidade causal

imperativa: em Schopenhauer, da Vontade que determina as pulsões e impele o corpo a

desejar; em Chuang-tse e em Laozi, o imperativo é o do curso natural das coisas regido pelo

Tao, cuja liberdade pode ser dada por meio de uma fusão contemplativa com esta verdadeira

sabedoria.

No capítulo 38, há uma ampla exposição da ética de Laozi. A virtude superior é a

própria ação do curso na vida humana; sem que se faça nada, se realiza o todo.

Na célebre questão se a virtude pode ser ensinada, claro está que, em Laozi, não

aconteceria de um homem ensinar virtude a outro homem não virtuoso por meio da

palavra e por tratados morais.284

A partir deste último comentário citado, partimos para a conclusão desta seção que

teve por intuito apontar para as conclusões tardias da filosofia de Schopenhauer, tanto em se

tratando de uma virtude artística como de uma virtude ética ou moral, em relação àquilo que

já havia sido pensado, ao modo muito peculiar do estilo clássico chinês. Por fim,

281

SCHOPENHAUER, 2005 § 68, p. 486-87. 282

Cf. LAOZI, 2007, pp. 26-27. 283

Idem, p. 27. 284

Ibidem, pp. 20-21.

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reconhecemos em ambas as tradições de pensamento apontadas aqui, que o ensino técnico-

acadêmico jamais poderá gerar um gênio ético-moral ou santo, tampouco um gênio esteta.

Desse modo, encerramos este discurso com um fragmento do Dao de Jing, onde se lê: ―No

estudo, dia a dia se cresce/ No curso dia a dia se decresce/ Decrescendo a mais decrescer/

Chega-se ao não-atuar‖.285

285

LAOZI, 2007, § 48, p. 137.

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3.1.4. METAFÍSICA DA ÉTICA: SUPERAÇÃO DA METAFÍSICA DO BELO?

―O espírito do vazio (Wu ji) está grávido das galáxias, do homem e da história. Estar vazio é

como ter o universo dentro de si‖.

(Anônimo)

Inicialmente, visando tornar bem sucedida essa aproximação entre conceitos tão

complexos e demonstrar a sustentabilidade teórica e possibilidade estética de abordagem

aproximativa do conteúdo teórico da Metafísica do belo e da Metafísica ética de Arthur

Schopenhauer, será indispensável lembrar o que foi tratado no tópico 1.5, precisamente sobre

a essência do gênio.286

Puro sujeito que conhece e objetividade mais perfeita do espírito. Com estes conceitos

preciosos, Schopenhauer nos apresentou a essência do gênio esteta. Mas, pretendemos

compreender mais a figura do santo para podermos constatar de que maneira aqueles dois

conceitos, apresentados acima equiparam ambas as figuras no que tange ao conhecimento

objetivo. Por isso, começaremos considerando a possibilidade de salvação no Nada.287

Desse modo, poderemos refletir criticamente sobre o fato de a libertação

proporcionada pela arte, segundo Schopenhauer, não ser apresentada como definitiva, mas

apenas momentânea. Para ele a libertação de caráter mais duradouro é a que implica na

conduta ascética. Isto seria o que justifica a passagem e que representaria um avanço no

processo de superação do sofrimento universal, avanço da Metafísica do Belo à Metafísica da

ética. Contudo, Schopenhauer não propôs uma ética, porque sua teoria não admite

justificativas racionais para qualquer tipo de dever ou imperativo da razão para a ‗correta‘

direção da conduta humana. Antes, ele rejeitou as antigas formas coercivas e imperativas de

filosofar sobre os hábitos humanos.

286

―Digo: a essência do gênio é a capacidade de apreender nas coisas efetivas suas Idéia e, visto que isso só pode

ocorrer numa contemplação puramente objetiva, na qual todas as relações desaparecem – em especial as relações

das coisas com a própria vontade somem da própria consciência -, então o gênio também pode ser definido como

a objetividade mais perfeita do espírito, isto é, a capacidade de proceder intuindo puramente, de perder-se na

intuição, de abandonar o conhecimento a serviço da vontade, isto é, de perder de vista seu interesse, seu querer

seus fins, de desfazer-se de sua personalidade e permanecer como puro sujeito que conhece, claro olho cósmico.

É justamente essa capacidade que diferencia o gênio do homem comum.‖ In SCHOPENHAUER, 2003, p. 66. 287

O Nada em questão pode ser entendido como um mal menor do que o mundo, ou a totalidade dos seres que

sofrem.

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Ao que nos parece, apenas do ponto de vista do fenômeno, ou seja, observando

empiricamente a conduta do artista e do santo é possível admitir uma diferenciação de

duração no estado contemplativo que aquieta o sofrimento de todo querer.

Por outro lado, enquanto o esteta contempla a verdade do belo, o santo, livre de

qualquer observância a mandamentos, contempla a verdade da ação. Mas, isto, sem se ater às

imposições necessárias da Vontade. Agindo assim, ambos praticam o bem, mas; não como

finalidade moral, e, sim, como ação livre oriunda de uma negação da vontade.

Para Schopenhauer, o egoísmo - cuja superação somente seria possível mediante o

conhecimento da natureza única universal da Vontade e que faz do homem o lobo do homem,

advém da ilusão de vontades independentes que afirmam seus ímpetos individuais - é um dos

principais impedimentos à possibilidade de uma conduta livre do domínio da vontade, e que

só pode ocorrer pela superação do principium individuationis. Isto implicando no

desaparecimento da individualidade. Nisto se caracteriza o homem nobre. Desse modo, ao

espírito de luta contra os semelhantes segue-se o espírito de simpatia, de compaixão, e,

libertado pela compreensão do Tat-tvam asi, o homem atinge o princípio que é o fundamento

de toda verdade moral, a saber: não contribuir para aumentar o sofrimento de nenhum ser,

agindo sempre com base na identificação com o outro e não na diferença. Este princípio não

apelaria para uma constatação meramente racional, não derivaria de estudo, mas, de

contemplação; embora possa ser formulado racionalmente. Isto poderia ser entendido como

uma ética da compaixão cuja formulação mais acabada está no princípio sapiencial e

evangélico, conhecido como a lei de ouro: 288 "ama a teu próximo como a ti mesmo". Mas,

nem mesmo uma ética da piedade possibilitaria ao homem atingir a felicidade, a liberdade

definitiva da Vontade. Pois, a mais completa forma de salvação para o homem somente pode

ser encontrada na renúncia ascética ao mundo e a todas as suas solicitações, numa contradição

dos instintos naturais neles mesmos, mediante uma negação consciente de todo desejo. Isto

culminaria numa espécie de nada-querer.

Como se vê, o santo é este ser humano que superou os horizontes carentes do homem

comum e o mundo da vontade, atingindo a perfeita consciência de si identificando-a ao

288

Uma das normas morais mais importantes que surgiram na história da humanidade é chamada Lei de Ouro

(em inglês: golden rule). Esta norma surge em diferentes épocas e culturas, e não apenas na tradição judaico-

cristã, como muitas vezes é afirmado. A sua redação algumas vezes assume um caráter beneficente e ativo, de

fazer o que é bom, outras vezes não-maleficente, negativo, no sentido de não fazer o que é ruim. Todas, contudo,

têm o mesmo objetivo: preservar a dignidade da pessoa humana. Confúcio (551 a.C. - 489 a.C.) já dizia:"Aquilo

que não desejas para ti, também não o faças às outras pessoas" e o Rabi Hillel, no Sabbat 31ª (60 aC - 10 dC);

"Não faças aos outros o que não queres que te façam" e Jesus Cristo (c 30 d.C), "Tudo o que vocês desejarem

que as pessoas façam a vocês, façam-no também a elas". Mateus 7,12 e Lucas 6,31. Cf. Küng H. Projeto de

Ética Mundial. São Paulo: Paulinas, 1993 pp. 88, 89.

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mundo externo para, finalmente, poder renunciar a tudo e subsistir apenas no conhecimento

puro, isento de desejos, e, desse modo, poder ser um fenômeno no mundo sem ser, contudo,

prisioneiro dele.

Considerando o sofrimento humano como um dos elementos mais indispensáveis da

teoria de Schopenhauer, podemos deixar claro desde já que, à pergunta deste tópico, num

primeiro momento, caberia uma resposta negativa, no sentido de que, nem a intuição estética

tampouco a clarividência do santo propõem uma superação cabal do sofrimento humano.

A Eudemonologia corresponde a uma noção de vida humana como existência

venturosa. Mas, a filosofia de Schopenhauer, por outro lado, principalmente a sua Metafísica

da Ética, não se presta a isto. Portanto, vista de uma perspectiva estética ou como

conhecimento objetivo, a felicidade289 humana pode ser tratada como vontade de vida, no

presente tópico, isto implicaria dizer que a obra de arte ainda expressaria apego ao mundo da

vontade mesmo ela sendo produzida por uma ação desinteressada290 e sem relação direta com

o curso comum do mundo.291

A Eudaimonia, portanto, enquanto proposta de um télos moral estaria, assim,

repousada ―sobre um erro originário‖ e acomodada sobre o ―terreno do comum‖, onde o erro

é sempre presente, como é o que ocorre com o conhecimento científico.292

Sabemos que uma ação pós-meditativa costuma ser sempre mais segura, profícua e

definitiva do que aquela, meramente impulsiva e irrefletida, isto para fins de utilidade. Mas,

em geral, na produção da bela arte, o elemento irracional é indispensável, portanto, é como

que indeterminada no tempo e no espaço, como ocorre no caso do artista que escreve poesia

ou pinta uma tela.

289

Lembremos que o Olho cósmico ou sujeito puro do conhecimento é o estágio final de consciência que

consiste unicamente no conhecimento imediato da essência do mundo. Portanto, felicidade e infelicidade são

estados ilusórios superados e que desaparecem, como disse Schopenhauer: ―Tudo isso provém do fato de que, no

instante do abandono ao intuir puramente objetivo, libertamo-nos de todo querer, e, com isso, como que

entramos num outro mundo, onde tudo o que antes excitava a Vontade e nos abalava tão veementemente

desaparece‖. In SCHOPENHAUER, 2003, p. 94. 290

Propor uma abordagem estética da ética implica no entendimento de que o bem fazer é ação comum ao artista

e ao santo, e que ambas são desinteressadas, isto é, não apelam ao princípio de razão. Ora, se assim é, este tipo

de ação pode ser verificado no mundo, mas, na visão mais comum ou da maioria é tido como nada, ou seja, uma

ação sem razão é, aos olhos da moral vigente, uma ação impelida pela loucura. Contudo, aos olhos do artista e do

santo, é ação motivada por uma intuição pura, portanto, ocorre no âmbito mais elevado daquilo que se entenderia

por liberdade. Uma racionalidade livre, isto é, sem necessidade, deverá ser, também, sem razão. Como podemos

notar, tudo leva a crer que o princípio de razão não deixa margem para a liberdade. Cf. SCHOPENHAUER,

1993. Los dos problemas fundamentales de la ética, p. XVII. 291 Cf. SCHOPENHAUER, A. Aforismos para sabedoria na vida. Tradução do original e prefácio de Genésio de

Almeida Moura. São Paulo: Melhoramentos, 1956 p. 19. 292 Cf. SCHOPENHAUER, A. El Mundo como Voluntad y Representación. Tomo II. (Complementos). Tradução

para o espanhol de Eduardo Ovejero y Maury. Buenos Aires: Librería El Ateneo, 1950, cap. 49.

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O que estamos considerando aqui é que, muito provavelmente, a ação do santo,

semelhantemente à ação293 do artista, não apela a imperativos éticos ou morais. Isto porque,

em ambos os casos, o princípio de razão não pode exercer qualquer influência sobre a

consciência do agente. Lembremos, ainda, que, para além da representação, há o sujeito

mediante si mesmo, Olho cósmico do particular. Nesse sentido, a filosofia de Schopenhauer

alude às considerações que se ancoram no pensamento de Kant, senão, vejamos o que se

segue:

Com efeito, em seu sistema, tudo quanto é apreendido objetivamente é tão-só e

unicamente representação e não fenômeno ao qual corresponde um noumeno, como

queria Kant. Entretanto, ao perguntar se existe algo mais que a representação, o sujeito

se descobre a si mesmo, como ponto de partida, que é para a cognição universal. E

quando se vê, a um só tempo, como sujeito e como objeto, na dupla posição de

contemplador e contemplado, descobre em si algo de imediato, de não representado,

isto é, a Vontade, como íntima propulsora do ‗EU‘ e da vida, Vontade essa que é

objetivada pelo corpo. A Vontade é, pois, o em-si do corpo, ou seja, a própria coisa-

em-si. Vontade, porém, não é apenas a humana. É todo impulso interior pelo qual se

operam as transformações, nos três reinos da natureza.294

A partir disto, podemos entender que, para Schopenhauer, uma vida venturosa não

existe, propriamente falando, porque os desejos nos torturam e deveríamos renunciar a eles

visando ao aprimoramento de nossa liberdade moral em detrimento das energias primitivas

volitivas. Considerar isto é como que intentar contra o movimento e o conhecimento da coisa-

em-si, o que nos condiciona sempre no erro originário. Mas, não é justamente essa quebra

com o necessário impulso da vontade que apontaria para a possibilidade da liberdade?295 A

resposta schopenhaueriana a esta questão é positiva.

Sabemos que tempo, espaço e causalidade incidem sobre as Idéias, ocultando-as na

sombra de Maia, ou, como também enunciou Platão296.

É por meio dos conceitos que notamos a sucessão e a diversidade dos fenômenos e de

tudo que se determina, desde os graus mais inferiores de força natural até a suprema atividade

293

Somente um ser que é resultado e obra de si mesmo pode ser entendido como livre e incondicionalmente

responsável por seus atos. 294

In SCHOPENHAUER, Arthur. SCHOPENHAUER, Arthur. Aforismos para sabedoria na vida. Tradução do

original alemão e prefácio de Genésio de Almeida Moura. São Paulo: Melhoramentos, 1956, p. 10. 295

Para entendermos a negação da vontade, importa considerar que não há, dentro dos atos da vontade, termo

médio entre determinação e liberdade. Nesse sentido, a liberdade do fazer difere radicalmente da liberdade de

não-querer. A liberdade pertenceria, assim, ao âmbito da pura indeterminação ou liberum arbítrio indiferentiae.

Cf. SCHOPENHAUER, 1993. Los dos problemas fundamentales de la ética, p. XVII. 296

O mundo da Idéia é justamente o que fundamenta o mundo da Doxa. Semelhantemente, o sujeito eterno do

conhecer, ou o sustentáculo do todo é o indivíduo, na fugacidade ou essencialidade daquilo que o torna finito,

mas que, contudo, possibilita a determinidade de uma Idéia, uma vez que a essencialidade das coisas é acessada

por aquilo que fundamenta a experiência do ver; porque, a visão é o modo de conhecimento sensível mais

perfeito. Cf. SCHOPENHAUER 2003, p. 38-39.

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consciente. A filosofia bem o sabe isto, contudo, ela mesma nos descreve acerca das Idéias,

que somente os artistas e os santos a alcançam através da perenidade do entusiasmo

contemplativo e da criação genial.

No caso deste discurso, onde o conhecimento está sendo tomado do ponto de vista da

conduta humana, e se pretende atinar com a Idéia da conduta, devemos lembrar que ―embora

pretenda ser um tratado da Vida Venturosa, os ‗Aforismos‘ nos previnem de que essa vida

não existe, na acepção comum, sendo melhor renunciar à tortura dos desejos e buscar o

aprimoramento das forças morais, em detrimento das energias propriamente volitivas‖.297

Por fim, quando tratamos da Metafísica do belo, refletimos acerca de um pensamento

único capaz de assumir a conduta humana de modo honesto, e dissemos com Schopenhauer:

na beleza a salvação. Agora, quando nos dirigimos às considerações finais da presente

dissertação, devemos considerar uma expressão do mesmo nível, desta vez, relacionada à

teoria Metafísica da ética, e que propõe: no nada a salvação. 298

Para aqueles que assumem que a simples utilização do termo salvação, já implicaria a

entrada de um otimismo299, ainda que de forma sub-reptícia, no pessimismo metafísico de

Schopenhauer, podemos contrariar tal argumentação, considerando que o querer NADA não

pode implicar em otimismo, seja ele prático ou teórico porque otimismo e salvação no NADA

seriam, do ponto de vista da razão, um tipo de esperança, no mínimo contraditória.

297

Idem, p.11. 298

Cf. RÁBADE, 1989, p. 18. 299 Esta leitura é presente na filosofia de HORKHEIMER, Max. Shopenhauer y la sociedad. In: Horkheimer,

Max; ADORNO, Theodor. Sociológica: Madrid: Taurus, 1986. & HORKHEIMER, Max. La actualidade de

Schopenhauer. In: Horkheimer, Max; Adorno, Theodor. Sociológica: Madrid: Taurus, 1986.

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CONCLUSÃO

Partindo para as considerações de caráter conclusivo desta dissertação de mestrado

acadêmico, consideraremos inicialmente que: contra o idealismo de Fichte, Schelling e Hegel,

Schopenhauer propôs uma filosofia do concreto, tipificada na Vontade como fundamento

imanente da realidade.

Schopenhauer percebeu em Wolff e em Kant,300

a necessidade de fundamento

metafísico para a ética, 301 entendendo que a vida possui uma inegável tendência ético-

metafísica, independentemente de considerações religiosas. Dito isto, convém considerar que

o presente trabalho pretendeu destacar a importância da Metafísica do belo de uma forma que

pode até ser vista como pouco ortodoxa, dentre as demais propostas interpretativas da

filosofia schopenhaueriana. Mas, isto, não sem propósito, uma vez que o objetivo principal

era apresentar uma abordagem relevante ao tema da importância filosófica da estética - diante

do predomínio quase que dogmático dos tratados éticos, e da postura quase axiomática de

que: é na ética que culmina o significado geral da existência - mas que, ao mesmo tempo,

possuísse sustentação teórica incontestável, principalmente a partir do exposto em O mundo

como vontade e como representação. Nesta obra, o mesmo tempo em que a ascese, na

Metafísica da Ética, é apresentada como o tipo mais propício de atitude para a conduta livre; a

intuição estética, na Metafísica do Belo, é posta como o modo mais perfeito de conhecimento

da essência do mundo, isto inclui necessariamente as condutas humanas. Por isso, a resposta

à pergunta do tópico 3.1.4. deve ser proposta com um tipo de sic et non. 302

300

Quando do seu escrito sobre O fundamento da moral ―Schopenhauer dedicou um amplo capítulo à crítica da

fundamentação kantiana da ética. As razões dessa atenção especial a Kant são principalmente duas: em primeiro

lugar, o fato de que a de Kant seja a ética vigente na época; mas, sobretudo, no que a ética de Kant serve a

Schopenhauer como ponto de contraste da sua, e sua crítica como introdução a esta. – A crítica de Schopenahuer

a Kant toma como fonte principal a Fundamentação da Metafísica dos Costumes. O primeiro apartado, dedicado

à forma imperativa da ética kantiana e aos conceitos de lei, dever e obrigação, intenta manifestar a origem

teológica de tais conceitos kantianos. Segundo Schopenhauer, depois de haver sido prejudicada pela teologia

especulativa, a sua filosofia teórica, Kant propõe uma ética que tem sua base sub-reptícia na moral teológica;

isto, para depois intentar deduzir daí uma teologia moral que, por resultado, teria de haver aparecido como

suposto. – Desse modo, Kant incorre em uma petitio principii ao tomar a existência da lei moral como um fato

dado e não necessitado de justificação ulterior, e adota uma ética prescritiva concebida como doutrina do dever.

Frente a isto, Schopenhauer propõe uma ética limitada a explicar e aclarar o dado‖. In SCHOPENHAUER, 1993,

Los dos problemas fundamentales de la ética, p. XXVII. 301

Idem, pp. 286-287. 302

Pedro Abelardo, Petrus Abaelardus (Le Pallet próximo de Nantes, Bretanha, 1079 – Chalons-sur-Saône, 21 de

abril 1142) ficou conhecido do público por sua vida pessoal e o relacionamento com Heloísa, de que fala em sua

História das Minhas Calamidades. O conteúdo doutrinário do seu ensino era, também ele, revolucionário. Para

aprofundar o estudo dos temas, utilizou o método, embora já usado, mas que ele desenvolveu e que consistia em

analisar os diferentes pontos de vista contraditórios em relação a uma mesma questão, lançando, assim, as bases

da escolástica, em especial, a técnica das disputaciones que culminou na Summa. Este método foi tratado por ele

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Vimos que: ao modo subjetivo de conhecimento, por ser incapaz de conhecer os

arquétipos universais e independentes do princípio de razão, cabe uma limitação insuperável

de acesso à idéia de humanidade. Em Schopenhauer, conhecimento objetivo, por ser

independente do princípio de razão, é o que se dá pela intuição estética imediata do mundo,

sendo o conhecimento desinteressado da Idéia, e, o homem de gênio é aquele que alcança o

essencial das coisas em suas formas e conteúdos, superando a subjetividade do conhecimento

das meras aparências.

Desse modo, entendemos que é possível conhecer objetivamente para além do mundo

fenomênico até a essência imanente do real, o que, enquanto parte, se mostra como autêntico

representante do todo. E isto, de um modo que, a consciência303, livre de todo querer, atinja o

conhecimento perfeito da realidade pela satisfação da intuição estética: atitude desinteressada

diante do mundo e capaz de superar todo sofrimento, aqui, advindo do querer conhecer,

atitude sempre prisioneira do princípio de razão. Na Metafísica do Belo, isto ocorre num

instante fugaz de genialidade, não obstante o fato de a obra de arte, estranhamente, o

prolongar no tempo e no espaço, como, por exemplo, numa pintura que expresse a idéia do

sofrimento humano e onde se pode verificar que o conhecimento estético é o mais profundo e

verdadeiro da essência propriamente dita do mundo.304

Portanto, o conhecimento objetivo pode ser aplicado à conduta humana, isto é, o gênio

- partindo inclusive da contemplação desinteressada de si mesmo ou intuindo a natureza

essencial da ação do homem no mundo - pode propor a Idéia da conduta humana. Assim, a

Metafísica da ética pode ser compreendida pela Metafísica do belo, mesmo porque, para

produzir um auto-retrato, por exemplo, o artista atua como que se encarnasse a Idéia em si

mesmo, partindo de sua própria feição e ação no mundo. Ademais, em autobiografias ele

na obra conhecida como Sic et Non (Sim e Não). Original foi também a sua concepção ética: afirmava que a

intenção é tão importante como o acto que dela dimana. Cf. SPINELLI, Miguel. A Dialética Discursiva de Pedro

Abelardo. Revista Veritas, Porto Alegre, v. 49, n. 03, 2004, pp. 437-447. O programa de Anselmo — penetrar

racionalmente as verdades da fé, encontrou uma seqüência essencialmente técnica na obra de Pedro Abelardo,

homem tão notável pela sua personalidade e agitada vida como pelas suas realizações e originalidade. Para

avivar a problemática e aprofundar o estudo dos temas, explora o método fundado pelos canonistas (Bernaldo de

Constança), consistente em enfrentar dialeticamente as "autoridades" opostas em torno de uma determinada

questão. Este é o fundamental da sua obra. Exerceu grande influência sobre a formação da escolástica,

especialmente sobre a técnica das discussões, que, como já vimos, constituíam o arcabouço das Sumas. Sua obra

ética principal tem o título: Ethica- seu seita teipsum. Seus escritos lógicos, recentemente descobertos por Geyer

e Grabmann, colocam-no "na primeira linha das cabeças filosóficas da Idade Média" (Grabmann) Geyer, Die

philosophischen, Sídiriften Peter Abelards (1919-1933). H. Ostlender, Peter Abelards Theologia Summi boni

(1933). O. Ottaviano, Pietro Abelardo, la vita, 1a opere, il pensiero (1931). E. Gilson, Héloise et Abélard

(1938). Charles de Rémusat, Abélard, 1845, 1865a 2 vols. ("Courrage 1e plus. complet que Von ait écrit encare

sur Abélard", na opinião de Gilson, na obra suprac. pág. 7 — N. do trad.). 303

O EU, a pessoa, um alguém, representa algo, e, a vontade é o desejo de algo que se almeja, a partir de motivos

exteriores, algo que pode ser, inclusive, um alguém. 304

Cf. SCHOPENHAUER, 2003, p. 26.

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também atinge o autoconhecimento de sua essência, igualmente perdurável na obra, e que

sempre surge após a suspensão do principium individuationis e pela entrada em cena do puro

sujeito do conhecimento naquele que era a pessoa que fruía a idéia em questão. Portanto, no

estado genial onde, como ocorre também no estado ascético, o princípio de razão é superado.

Isto pode ser verificado tanto na Metafísica do Belo quanto na Metafísica da Ética. Melhor

dizendo, ocorre ao artista e ao asceta. Nesse sentido, não há qualquer exagero em entender

que o santo é eticamente genial e que, o artista, é esteticamente santo305.

Como vimos, genialidade e santidade podem ser entendidas como uma faculdade

natural que se manifesta em alguns seres humanos de modo excessivo, numa disposição

excedente ao que ocorre com os demais, e, que, por serem em grau supremo, se equiparam

teoricamente tanto na estética como na ética.

A bela arte, ao retratar a idéia do santo, se destaca como conhecimento objetivo da

conduta humana, propondo sua idéia, sem que o artista tenha necessariamente que

experimentar o modo de vida ascético. Com isto, fica claro que a isenção moral do artista é

tão radical quanto a ascese do santo, pois, ambos atuam de modo desinteressado306. O

primeiro, numa conduta que produz uma obra de arte; o segundo, numa conduta que faz de si

mesmo uma obra viva capaz de expressar a idéia mais elevada da conduta humana.

O santo não precisa de um artefato artístico exterior a si, como resultado daquela

intuição ou conhecimento objetivo da condição humana. Isto teoricamente o torna superior ao

artista. Mas, no fundo, artista e santo experimentam a mesma conversão da consciência, sem a

qual o principium individuationis não seria superado. Ora, essencialmente, a conduta do

artista é isenta de egoísmo e de maldade, assim como a do santo307, a ‗ascese‘ do artista é a sua

paixão pela contemplação estética do mundo, e, a do santo é a sua paixão pela negação do

necessário querer, ambos, são naturalmente impelidos a romper a roda de Íxion.

Portanto, podemos afirmar, sem qualquer desrespeito à filosofia de Schopenhauer, que

a intuição estética está para o artista, na mesma medida da clarividência do santo e que,

ambas, são perfeitamente aptas ao conhecimento objetivo do mundo. Destarte, aquilo que

305

―Ora, ao eximir-se do sofrimento cotidiano e comprovar a possibilidade de um estado purificado dele, o

estado estético-genial ‗conduz‘ à santidade e à redenção. Já o santo, por sua vez, com sua intuição de vida em

geral, ‗se torna em sentido ético genial.‘‖ In SCHOPENHAUER, 1966-1975ª, Der handschiriftliche Nachlass,

HN I, p. 407 apud. BARBOZA, 2005ª, p. 269. 306

―Toda boa ação totalmente pura, toda ajuda total e verdadeiramente desinteressada que, como tal, tem seu

motivo exclusivamente na necessidade do outro, é verdadeiramente, se a investigarmos até sua razão última, uma

ação misteriosa, uma mística prática, na medida em que nasce do mesmo conhecimento que constitui a essência

de toda mística verdadeira e não é explicável em verdade de nenhuma outra forma‖. In SCHOPENHAUER,

1993. Los dos problemas fundamentales de la ética, p. 296. 307

O egoísta se diferencia dos demais, os julga como se fossem fantasmas, ilusões. Mas, pelas ações, o homem

de bom caráter culmina numa relação indiferenciada entre o Eu-próprio e o alheio.

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diferenciaria a conduta do gênio esteta da do santo, ou a base teórica da terceira e da quarta

seção de O mundo como vontade e como representação, seria mais a opção por um modo de

vida distinto do que, propriamente, um estado mais ou menos duradouro na intuição cósmica.

Tanto o artista genial quanto o santo disto dispõem, por natureza, da capacidade do

conhecimento objetivo da idéia de humanidade ou grau mais elevado de manifestação da

Vontade livre no fenômeno. Isto, contudo, permanece sempre inacessível à razão pura, de

onde se conclui, ainda, que toda tentativa racionalista e normativa do comportamento humano

tende a permanecer inócua, pois não há impedimentos à liberdade da Vontade ou coisa em si

do universo; senão, por uma autonegação consciente de si mesma, isto é, uma elevação

metafísica da consciência que culmina numa contradição do fenômeno humano com ele

mesmo na vontade consciente de si.

Por fim, esta pesquisa culminou como uma possibilidade teórica onde a intuição

estética poderia assumir um caráter privilegiado de conhecimento da Idéia do sofrimento do

homem no mundo. Demonstrou, também, que os elementos constituintes da teoria de O

mundo como vontade e como representação, são mais que suficientes para possibilitar uma

leitura estética da Metafísica da Ética, de modo que isto possa vir a ser uma proposta

relevante de abordagem interpretativa perfeitamente viável para estudos sobre estética e ética

a partir da obra magna de Arthur Schopenhauer.

Contemporaneamente, muito se tem insistido em reafirmar que a prática deve

substituir aquilo que se denomina, em geral de modo desdenhoso, pelo termo: metafísica.

Contudo, o presente trabalho considerou que tanto uma metafísica do belo, pela ação do

artista, quanto uma metafísica da ética, pela ação do santo diante do mundo, apontam para a

necessidade de uma nova abordagem da práxis. Talvez, até mesmo para o surgimento de uma

ética vital, no mesmo sentido em que entendemos por vital, por exemplo, a ação do homem de

gênio, sem a qual o sofrimento do mundo seria insuportável e sem possibilidade de superação.

A sabedoria popular do ocidente é quase que unânime no entendimento de que uma

ação vale mais do que mil palavras. Entretanto, e como se sabe, a partir de um antigo

pensamento taoísta fundado no princípio Wu-Wei, 308se revela uma sabedoria igualmente

308

No pensamento de Laozi, a via média comum à atividade e passividade se exprime pela formulação Wu-Wei.

Para uma noção mais detalhada do princípio Wu Wei, podemos conferir a obra de Henri Borel, conforme consta

na bibliografia. Por ora, bastam essas informações gerais: Wu Wei é um princípio básico da filosofia Taoísta que

tem que ver com saber quando se deve ou não agir. Wu pode ser traduzido por não ser, não fazer; Wei pode ser

traduzido por fazer, agir, servir, governar. O significado literal de Wu Wei é não agir e é muitas vezes incluído

na expressão paradoxal wei wu wei; fazer não fazendo (Cf. Laozi, 2007, p. 15.). A prática do Wu Wei tem como

objetivo atingir um estado de graça em harmonia com o Tao, que se denomina regresso precoce. Schopenhauer

faz alusão ao Yin e Yang e também ao I-Ching dos chineses, ao refletir sobre polaridade e oposição na sua

Metafísica da Natureza, § 27, pp. 207-208, MVR I. Embora não haja referência direta ao Tao no MVR, contudo,

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simples, mas que propõe, paradoxalmente, que o verdadeiro, o homem santo ensina sem

palavras e age sem qualquer ação.

o Wei-Wu-Wei é uma idéia bem mais antiga e bastante afeita à noção de negação da vontade que implica,

tacitamente, numa conduta onde a ação ordinária deve ser negada.

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REFERÊNCIAS

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SCHOPENHAUER, Arthur. A arte de conhecer a si mesmo. Organização e ensaio de Franco

Volpi. São Paulo: Martins Fontes 2009.

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Martins Fontes, 2005.

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Paulo: Martins Fontes 2009.

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de Genésio de Almeida Moura. São Paulo: Melhoramentos, 1956.

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___________________. Parerga e Paralipómena. Vol. II Traducción, introducción y notas

de Pilar López de Santa María. Madrid: Editorial Trotta, 2009.

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Filosofia Kantiana, Parerga e Paralipomema. Coleção Os Pensadores. São

Paulo: Ed. Nova Cultural, 1988.

___________________. Parerga e Paralipomena. (Capítulos V, VIII, XII, XIV). Seleção e

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Nova Cultural, 1997.

___________________. Sobre a essência íntima da arte. Capítulo XXXIV dos

Complementos ao Mundo como Vontade e como Representação. Tradução

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de Jair Barboza. In Trans/Form/Ação, número 23. São Paulo, 2000, PP. 127-

129.

___________________. Sobre a Visão e as Cores. Tradução de Erlon José Paschoal. São

Paulo: Ed. Nova Alexandria, 2003.

___________________. La Libertad. Nueva Biblioteca Filosófica TOR. Tradução para o

español. Sem data de publicação.

___________________. Sobre la Libertad de la Voluntad. Tradução para o espanhol de

Eugenio Ímaz. Madrid: Alianza Editorial, 2002.

___________________. Arturo. Sobre La Qradruple Raiz del Princípio de Razón Suficiente.

Tradução do alemão por Vicente Romano Garcia. Introdução de Juan

Martins Ruiz-Verner. Buenos Aires: Aguilar Argentina S.A de Edições,

1980.

___________________. Sobre la Voluntad en la Naturaleza. Tradução para o espanhol de

Miguel de Unamuno. Buenos Aires: Ediciones Siglo Viente, s/d.

___________________. Sobre o Fundamento da Moral. Tradução de Maria Lúcia Mello

Oliveira Cacciola. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 2001.

___________________. Fragmentos para a História da Filosofia. Tradução, apresentação e

notas de Maria Lúcia Cacciola. São Paulo: Ed. Iluminuras, 2003.

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2. Outras Obras Importantes:

2.1. Comentadores

BARBOZA, Jair. Infinitude subjetiva e estética: natureza e arte em Schelling e

Schopenhauer. São Paulo: Ed. Unesp, 2005a.

BARBOZA, Jair. A Metafísica do Belo de Arthur Schopenhauer. São Paulo: Humanitas/

FFLCH/ USP, 2001.

______________. Estética e Ética são uma Coisa só (Explicação da proposição 6.421 do

Tractatus de Wittgenstein à luz de Schopenhauer). In Cadernos de Ética e

Filosofia Política 3. São Paulo: Departamento de Filosofia da USP, 2001.

______________. Parentesco entre Estética e Ética. In Temas de Ética. Organização de Inês

Lacerda de Araújo e Francisco Verardi Bocca. Curitiba: Ed. Champagnat,

2005b.

______________. Schopenhauer. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003.

______________. Schopenhauer: a decifração do enigma do mundo. São Paulo: Ed.

Moderna, 1997.

______________. Apresentação – Um livro que embriaga. In O Mundo como Vontade e

como Representação. Tomo I. Tradução, apresentação, notas e índices de

Jair Barboza. São Paulo: Ed. Unesp, 2005c.

BOZAL, Valeriano (Ed.) Historia de las ideas estéticas y de las teorías artísticas

contemporáneas. Madrid: A. Machado Libros, S.A., 2004.

BRUM, José Thomas. O pessimismo e suas vontades: Schopenhauer e Nietzsche. Rio de

Janeiro: Ed. Rocco, 1998.

CASSIRER, E. Schopenhauer – Cap.VI. In: El problema del conocimiento en la filosofia y en

la ciencia modernas/Los sistemas postkantianos III. 1920. México/Buenos

Aires: Fondo de Cultura Econômica, 1957.

CACCIOLA, M. L. Schopenhauer e a crítica da razão – a razão e as representações

abstratas. Discurso, n.19, jul./dez., São Paulo, 1989, p.91-106.

CACCIOLA, M. L. A crítica da razão no pensamento de Schopenhauer. 1981. Dissertação

(Mestrado em Filosofia) – Departamento de Filosofia da Faculdade de

Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. São

Paulo.

CACCIOLA, Maria Lúcia M. Schopenhauer e a Questão do Dogmatismo. São Paulo: Edusp,

1994.

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______________________ O intuitivo e o abstrato na filosofia de Schopenhauer. In

Schopenhauer e o idealismo alemão. Organização de João Carlos Salles.

Salvador: Quarteto Ed. Ufba, 2004.

_______________________. Prefácio sobre A História da Filosofia. In Fragmentos para a

História da Filosofia, de Arthur Schopenhauer. Tradução, apresentação e

notas de Maria Lúcia Cacciola. São Paulo: Ed. Iluminuras, 2003.

COVIELLO, João. O vínculo entre ética e estética no pensamento de Schopenhauer com um

olhar especial sobre a arte contemporânea - (Dissertação de mestrado) -

Curitiba: PUC-PR, 2006.

FAFIAN, Manuel Maceiras. Schopenhauer e Kierkegaard: Sentimiento y Pasión. Madrid:

Ediciones Pedagógicas, 1996.

HORKHEIMER, Max. Schopenhauer y la sociedad. In: Horkheimer, Max; ADORNO,

Theodor. Sociológica: Madrid: Taurus, 1986.

HORKHEIMER, Max. La actualidade de Schopenhauer. In: Horkheimer, Max; Adorno,

Theodor. Sociológica: Madrid: Taurus, 1986.

JANAWAY, Christopher. Schopenhauer. Tradução de Adail Ubirajara Sobral. São Paulo:

Edições Loyola, 2003.

LEFRANC, Jean. Compreender Schopenhauer. Tradução de Ephraim Ferreira Alves.

Petrópolis: Editora Vozes, 2005.

MAGEE, Bryan The Philosophy of Schopenhauer. Oxford: University Press, 1997.

MAGEE, Bryan. Confessions of a Philosopher. Oxford: Random House, 1998.

MAIA, Muriel. A Outra Face do Nada: sobre o conhecimento metafísico na Estética de

Arthur Schopenhauer. Petrópolis: Ed. Vozes, 1991.

MAIA-FLICKINGER, Muriel W. T. Schopenhauer e a concepção romântico-idealista da

natureza. Veritas, Porto Alegre, v. 38, n 152, p.551-570, dez 1993.

MANN, Thomas. Schopenhauer. In Schopenhauer, Nietzsche, Freud. Tradução para o

espanhol de Andrés Sánchez Pascual. Madrid: Alianza Editorial, 2002.

PHILONENKO, Alexis. Schopenhauer, Una Filosofia de la Tragedia. Tradução de Gemma

Muñoz - Alonso. Barcelona: Editorial Anthropos, 1989.

RÁBADE, Ana Isabel (Ed.). Schopenhauer. Barcelona: Edições península, 1989.

ROSENFELD, Anatol. Arthur Schopenhauer, o filósofo do pessimismo. In O Instinto Sexual.

Tradução de Hans Koranyi. São Paulo: Ed. Inedos, 1951.

__________________. Influências estéticas de Schopenhauer. In Texto/Contexto I. São

Paulo: Ed. Perspectiva, 1996.

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__________________. Arthur Schopenhauer. In Texto/Contexto II. São Paulo: Ed.

Perspectiva, 1993.

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133

2.2. OBRAS COMPLEMENTERES (RELACIONADAS À TEMÁTICA)

ARAÚJO, Inês Lacerda e BOCCA, Francisco Verardi (Orgs.). Temas De Ética. Curitiba:

Editora Champagnat, 2005.

ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. Tradução de Denise Bottmann e Federico Carotti. São

Paulo: Ed. Companhia das Letras, 1993.

ASSUNTO, Rosário. Naturaleza y razón en La estética del setecientos. Madrid: La balsa de

La Medusa, 20, 1989.

BHAGAVAD-GITA (O). O som de Deus. Tradução para o português de Ramananda Prasad e

Swami Krisnapriyananda Saraswati. (American/ International Gita Society)

Translated in Portuguese. Versão em PDF.

BARILLI, Renato. Curso de estética. Tradução de Isabel Tereza Santos. Lisboa: Editorial

Estampa, 1989.

BAUMGARTEN, Alexander Gottlieb. Estética, a lógica da arte e do poema. Tradução de

Míriam Sutter Medeiros. Petrópolis: Vozes, 1993.

BISPO, Artur dos Santos Neto. A filosofia do romantismo. Maceió: ADUFAL, 2005.

BONACCINI, Juan Adolfo. Kant e o problema da coisa em si no Idealismo Alemão: sua

atualidade para a compreensão do problema da Filosofia. Rio de Janeiro:

Ed. Relume Dumará/UFRN, 2003.

BOREL, Henri. Wu Wei: a sabedoria do não agir. Tradução de Margarita Lamelo Cacuro e

Sergio Rizek. São Paulo: Attar, 1997.

BÍBLIA DE JERUSALÉM. Tradução do texto em língua portuguesa diretamente dos

originais. Tradução das introduções e notas de ―La Sainte Bible‖, edição de

1973, publicada sob a direção da ―École Biblique de Jérusalem‖. São Paulo:

Paulus, 1994.

BÍBLIA, A. TEB (Tradução Ecumênica). São Paulo: Edições Loyola, 1995.

BULFINCH, Thomas. O Livro de Ouro da Mitologia, História de Deuses e Heróis. Tradução

de David Jardim Júnior. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002.

CHENG, Anne. História do pensamento chinês. Petrópolis: Editora Vozes, 2008.

CHORÃO, João Bigotte. Enciclopédia Verbo Luso-brasileira da Cultura, Edição Século

XXI, Volume IX, Editorial Verbo, Braga, Abril de 1999.

DAVID-NEEL. Alexandra. O budismo do Buda. Tradução de Vera Quirino dos Santos. São

Paulo –SP: IBRASA, 2005.

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DUFRENNE, Mikel. Estética e Filosofia. Tradução de Roberto Figurelli. São Paulo:

Perspectiva, 2004.

EAGLETON, Terry. A Ideologia da Estética. Tradução de Mauro Sá Rego Costa. Rio de

Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1993.

FEUERBACH, Ludwig. Filosofia da sensibilidade. Escritos 1839-1846. Tradução do original

alemão de Adriana Veríssimo Serrão. Lisboa: C F U L, 2005.

FREUD, Sigmund. O Ego e o Id. Direção de tradução: Jayme Salomão. Ed. Standard. Rio de

Janeiro: Imago Editora, 1992.

FREUD, Sigmund. O futuro de uma ilusão (Coleção ―Os Pensadores‖- vol. Freud). Tradução

de José Otávio de Aguiar Abreu. 2ª ed. São Paulo: Abril Cultural, São

Paulo, 1978.

FOUCAULT, M. História da Loucura. São Paulo: Perspectiva, 1978.

FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas. São

Paulo: Martins Fontes, 1966.

GADAMER, Hans-Georg. A razão na época da ciência. Tradução de Ângela Dias. Rio de

Janeiro: Tempo Brasileiro, 1983.

GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método. Petrópolis: Vozes, 2002.

GIL, Fernando. (Org.) Recepção da Crítica da Razão Pura: Antologia de Escritos Sobre Kant.

Fundação Calouste Gulbenkian: Lisboa, 1992.

GOETHE, Johann Wolfogang. Escritos sobre arte. Introdução, tradução e notas de Marco

Aurélio Werle. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2005.

GRAHAM, Gordon. Filosofia das artes: Introdução à estética. Tradução de Carlos Leone.

Lisboa: Edições 70, 1997.

HERMAN, Arthur. A idéia de decadência na história ocidental. Tradução de Cynthia

Azevedo e Paulo Soares. Rio de Janeiro: Record, 1999.

HUME, David. Tratado da Natureza Humana, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2002.

KANT, I. Prolegômenos a qualquer metafísica futura que possa vir a ser considerada como

ciência. São Paulo: Abril Cultural, 1980a. (Col. Pensadores).

KANT, I. Fundamentação da metafísica dos costumes. São Paulo: Abril Cultural, 1980b.

(Col. Pensadores).

KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Tradução de Manuela Pinto e Alexandre Fradique

Moraujão. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1994.

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_______________. Crítica da Faculdade do Juízo. Tradução de Valério Rohden e António

Marques. Rio de Janeiro: Ed. Forense Universitária, 2002.

KANT, Immanuel. Realidade e existência: Lições de metafísica. Introdução, tradução e notas

da edição italiana de Armando Rigobello. São Paulo: Paulus, 2002.

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