UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE … · VPMH - Vida, paixão e morte do herói CN -...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS
O TRANÇADO DAS PERSONAGENS NEGRAS NA COSTURA-RISCO AUTRANIANA
LIDUÍNA MARIA VIEIRA FERNANDES
JOÃO PESSOA – PB 2006
Liduína Maria Vieira Fernandes
O TRANÇADO DAS PERSONAGENS NEGRAS NA COSTURA-RISCO AUTRANIANA
Tese apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Letras da
Universidade Federal da Paraíba,
como requisito para obtenção do grau
de Doutor em Literatura Brasileira.
Profª. Dra. Elisalva de Fátima Madruga Dantas.
Orientadora
João Pessoa – 2006
Esta tese foi submetida a exame como parte dos requisitos
necessários à obtenção do grau de Doutor em Letras, outorgado pela
Universidade Federal da Paraíba - UFPB e encontra-se à disposição dos
interessados na Biblioteca Central da referida Universidade.
A citação de qualquer trecho desta tese é permitida, desde que
seja feita de acordo com as normas da ética científica.
_________________________________ Liduína Maria Vieira Fernandes
Tese apresentada e aprovada em: ______de ______de ______
COMISSÃO EXAMINADORA
_______________________________________________________ Profª. Dra. Elisalva de Fátima Madruga Dantas - Orientadora – UFPB
_______________________________________________________ Prof. Dr. Antônio de Pádua Dias da Silva - UFCG
_______________________________________________________ Prof. Dr. Elio Chaves Flores - UFPB
_______________________________________________________ Prof. Dr. Luiz Antônio M. Magalhães - UFPB
_______________________________________________________ Profª. Dra. Sônia Ramalho - UFPE
_______________________________________________________ Prof. Dr. Anco Márcio Tenório Vieira - Suplente - UFPE
_______________________________________________________ Profª. Dra. Nadilza M. de Barros Moreira - Suplente - UFPB
Dedicatória
À minha família
que me acompanhou
bem de perto nessa viagem.
Aos amigos(as) que facilitaram as
minhas andanças pelas veredas literárias.
Agradecimentos
Ao Programa de Pós-Graduação em Letras da UFPB,
funcionários, professores, e aos colegas do Curso pelo
estímulo, discussões e sugestões atenciosas.
À Capes pelo apoio financeiro
que contribuiu para a realização desta pesquisa.
EM ESPECIAL
À Elisalva Dantas
por indicar os caminhos
e me orientar na feitura desse bordado.
A vida é pra frente,
não adianta tugir nem mugir.
Autran Dourado.
Notas sobre convenções adotadas
T - Teia
SE - Sombra e exílio
TA - Tempo de amar
THP - Três histórias na praia
NHGT - Nove histórias em grupos de três
ABH - A Barca dos homens
UVS - Uma vida em segredo
OM - Ópera dos mortos
ORB - O risco do bordado
SS - Solidão solitude
UPR - Uma poética de romance
OSA - Os sinos da agonia
UPRMC - Uma poética de romance: matéria de carpintaria
NDN - Novelário de Donga Novais
AC - Armas & corações
NA - Novelas de aprendizado
AIP - As imaginações pecaminosas
OMMI - O meu mestre imaginário
ASDR - A serviço del-Rei
LP - Lucas Procópio
VC - Violetas e caracóis
UAA - Um artista aprendiz
MA - Monte da alegria
UCA Um cavaleiro de antigamente
OF - Ópera dos fantoches
VPMH - Vida, paixão e morte do herói
CN - Confissões de Narciso
GA - Gaiola aberta
BMER - Breve manual de estilo e romance
Resumo
Esta pesquisa se inicia com a analise do fazer literário de
Autran Dourado, tentando dar visibilidade aos principais recursos por ele
utilizados, tais como o da intratextualidade, da intertextualidade e, dentro desta
linha de diálogo, a relação entre ficção e realidade, muito significativa como
subsídio para compreensão da forma como o negro é representado em seus
textos. No segundo momento, verificou-se, em termos estéticos e ideológicos,
a representação do negro - tema presente em seus textos, sobre o qual até
agora nenhum dos seus pesquisadores se debruçou -, para ver como em sua
obra, relacionando-a com a série sócioliterária na qual se encontra inserida, se
dá a configuração da imagem do negro. Dada a vastidão da sua produção
literária, da qual fazem parte novelas, romances, contos, ensaios, infanto-
juvenil e memória, escolheu-se como corpus de análise os romances Ópera dos mortos (1967), Os sinos da agonia (1974) e Lucas Procópio (1985).
Abstract
This research is stated with Autran Dourado’s literary way of
doing. We try to give visibility to the main resources he used such as
intertextuality and intertextuality and inside such dialogue line, the relationship
between fiction and reality, which is very meaningful as a subsidy for the
understanding of the way the black man is represented in his texts. it was
observed in the second moment, in aesthetic and ideological terms, the
representation of black man, theme which is presented in his writings, about
which, up to now, none of his researchers have ever given attention to, to get to
know how in his literary work, relating it with the socoliterary series in which it is
inserted, it is given the black man’s image configuration. Due to the wilderness
of his literary production which is formed by soap operas, novels, short stories,
essays, productions for young people and memories, we decided to use as
corpus for our analysis the novels: The Voices of the Death (1967), The Bells of Agony (1974), and Lucas Procópio (1985).
Résumé
Cette recherche commence par l'analyse du savoir-faire
littéraire d'Autran Dourado en essayant de rendre visbles les principales
ressources dont il se sert telles l'intratextualité, l'intertextualité et, dans cette
ligne de dialogue, le rapport entre la fiction et la réalité très significative comme
subside pour la compréhension de la manière de représentation du nègre dans
ses textes. Dans un second moment de ce travail, nous avons vérifié en termes
esthétiques et idéologiques la représentation du nègre, thème présent dans ses
textes et sur lesquels aucun chercheur de son oeuvre ne s'est jamais penché,
pour voir sa façon de configurer l'image du nègre en la rapportant avec la série
sociolittéraire où elle est inscrite. Vu l'immensité de sa production littéraire dont
des romans, des nouvelles, des contes, des livres enfantins et juveniles, des
essais et des mémoires, nous avons choisi comme corpus de notre analyse les
romans L'Opéra des Morts (1967), La Mort en Effigie (1974) et Lucas Procópio.
Sumário
I - Introdução • Estranho como as coisas antes de acontecer nos assusta. ..............................14
II - Bloco – I
• ...coisas contadas... já lenda, já histórias, lembranças se azulando. ................20
1. O bordado textual ............................................................................................22 2. Fios de um mesmo bordado ...........................................................................49 3. Fios de outros bordados..................................................................................75 4. O texto e o tecido ............................................................................................99
III – Bloco – II
• O senhor estique bem a vista e procure ver do outro lado, no mais além do além, no fim do tempo. ..................................................................................121
1. Personagens negras no tear autraniano.........................................................123
-. Quiquina: a águia do sobrado -. Inácia: a aranha tecedeira -. Januário: no centro da teia -. Jerônimo: protetor das veredas perigosas
2. O labirinto-trilha dos negros (espaços de circulação).....................................157 3. O espaço da memória (violência) ...................................................................168 4. A memória cultural (credos e falares afros) ...................................................176
IV - Conclusão
• Agora chegou a vez do tempo passar, o tempo passou. ..................................191
V – Referências Bibliográficas 1. Obras do autor ......................................................................................................196
2. Sobre o autor .......................................................................................................199 3. Dissertações e teses ............................................................................................218 4. Geral .....................................................................................................................224
A vontade de Deus
tem muitos caminhos.
Autran Dourado.
Estranho como as coisas antes de acontecer nos assusta
esde 1992, quando realizamos uma Especialização em
Investigação Literária, a obra do escritor mineiro Autran
Dourado1 vem sendo objeto de nossas pesquisas. Após dois anos, nossas
reflexões foram desenvolvidas na Dissertação de Mestrado intitulada: A
Estúrdia figura de Lucas Procópio.2 Dada a complexidade de sua obra,
decidimos continuar na investigação que culminou nesta tese de doutorado.
Autran Dourado é um autor moderno e contemporâneo de uma
incansável preocupação com a linguagem e de uma incessante dedicação e
atenção aos processos de narrar. Sua literatura é resultado de uma construção
consciente, bem elaborada. De estrutura labiríntica, seus romances são
desmontáveis, feitos em blocos, permitindo múltiplas leituras.
Com quase sessenta anos de uma intensa e extensa
produtividade, Autran é um autor que se impõe no cenário da ficção brasileira
contemporânea, não pela quantidade de seus livros, mas pelo esmero de sua
narrativa., conforme mostraremos no Bloco - I.
1 Valdomiro Autran Dourado nasceu no dia 18 de janeiro de 1926 em Patos, Minas Gerais. 2 Orientador: Prof. Dr. Pedro Paulo Montenegro (UFC).
D
Estranho como as coisas antes de acontecer nos assusta 16
Sua obra é bastante estudada, traduzida e premiada no Brasil3
e no exterior4. Muitos foram os temas nela abordados pelos pesquisadores - o
trágico, as simbologias, os mitos, o barroco, a solidão, o silêncio, a morte, a
técnica narrativa, dentre outros -, mas se desconhece, do material pesquisado,
algum que enfoque, em sua obra, a questão da representação do negro. Por
essa razão, resolvemos dar ênfase a esse assunto, que compreende a
segunda parte do trabalho, isto é, as quatro partes do Bloco – II.
Escolhemos para nossa análise, dentre sua vasta produção
literária5, os romances Ópera dos mortos (1967), Os sinos da agonia (1974)
e Lucas Procópio (1985) por nos darem subsídios para uma análise geral da
técnica narrativa do autor e por apresentarem um número significativo de
personagens negras e escravas e, principalmente, por darem visibilidade a
essa camada que ficou à margem da sociedade mineira do século XVIII.
Nessas narrativas, os negros atuam ao lado dos brancos dentro e fora dos
casarões localizados na cidade de Duas Pontes,6 sul de Minas.
Os títulos por nós dados à tese como um todo, bem como às
partes que a compõem - Introdução, capítulo e conclusão - surgiram a partir,
não só da leitura do romance O risco do bordado (1970), onde encontramos
uma variedade de termos retirados da literatura oral usados pela personagem
Donga Novais (homem proverbial, memorioso, pantemporal, noveleiro, de alta
3 Sombra e exílio - Prêmio Mário Sette do “Jornal da Letras”; Tempo de amar - Prêmio Cidade de Belo Horizonte; Nove histórias em grupos de três - Prêmio Arthur Azevedo, do Instituto Nacional do Livro; Barca dos homens - Prêmio Fernando Chinaglia, da União Brasileira dos Escritores; O risco do bordado - Prêmio Pen-Club do Brasil; Os sinos da agonia - Prêmio Paula Brito, do Conselho Estadual de Cultura do Rio de Janeiro; As imaginações pecaminosas - Prêmio Goethe de Literatura e Prêmio Jabuti da Câmara Brasileira do Livro. Em 2000, recebe o Prêmio Camões pelo conjunto de sua obra. 4 Os sinos da agonia – Foi adotado nos exames de Agrégation das Universidades Francesas; Ópera dos mortos – Está incluído na Coleção de Obras Representativas da UNESCO. 5 São 29 livros dentre: romances, contos, novelas, ensaios, memória e infanto-juvenil. 6 Duas Pontes é a cidade imaginária, que serve de cenário para os romances de Autran Dourado. Duas Pontes é uma pequena cidade perdida no mapa de Minas. Ópera dos fantoches. P. 221.
Estranho como as coisas antes de acontecer nos assusta 17
sabença e filosofanças, sapiência viva do nosso tempo), mas, principalmente,
da linguagem metafórica utilizada pelo autor7.
Autran, quando escreveu o ensaio “Personagem como
metáfora”, mostrou a dimensão que essa palavra recebe em seus textos e
afirmou a importância de trabalhar com a constante transferência de
significação. Termos como cerzindo, arrematando, bordado, bordadeira,
bordado de riscos, volteios, letras de talho e volteios, teia, tecido, rendilhado,
etc, são encontrados facilmente a cada narrativa, tornando, assim, um texto
extremamente metafórico.
Na primeira parte do Bloco - I (O bordado textual), pretende-se
abordar a técnica narrativa de Autran, mostrar como o autor se comporta diante
do ato de criação literária em sua oficina de burilar palavras.
Essa dedicação ao ofício pode ser vista através de algumas
personagens, como vovô Tomé, que trabalha incansavelmente na arte de picar
pau. O narrador detalha, aprofunda, dá visibilidade à forma como essa
personagem se dedica a sua arte. De certo modo, o narrador sugere que o
artista/artesão tem um papel importante diante de sua obra: ele deve buscar a
perfeição; mesmo que isso não ocorra, mesmo que não atinja esse estágio, ele
deve trabalhar sua obra de arte a ponto de esgotar a sua criatividade (veia
criadora) e aí, sim, partir para outra criação.
Na parte II (Fios de um mesmo bordado) e III (Fios de outros
bordados), priorizaremos dois recursos narrativos, dentre vários, presentes nos
textos de Autran, que é o trabalho transtextual, em que seu texto se encontra
em relação com diversos outros e, principalmente, com o seu, característica
que se torna uma constante em Autran Dourado. O intenso diálogo intratextual
e intertextual existente não só nos três romances, como em toda a sua obra,
7 Estranho como as coisas antes de acontecer nos assusta. Os sinos da agonia. P. 132, 137, 143, 144. ...coisas contadas... já lenda, já histórias, lembranças se azulando. Ópera dos mortos. P. 2. O senhor estique bem a vista e procure ver do outro lado, no mais além do além, no fim do tempo... Lucas Procópio. P. 22. Agora chegou a vez do tempo passar, o tempo passou. Ópera dos mortos. P. 2
Estranho como as coisas antes de acontecer nos assusta 18
traça um perfil do que seja, em parte, a dimensão desses dois recursos em sua
narrativa.
Ainda nesse primeiro Bloco, parte IV (A costura e o tecido),
investigaremos a relação entre ficção e realidade, assunto presente nos
discursos das personagens, e situaremos sua obra no contexto sócio-histórico
das Minas Gerais, realidade de que não se pode fugir por seus romances
estarem ambientados em Minas Gerais do século XVIII.
Esse espaço-tempo (Minas / Século XVIII) aparece como
subtexto, contribuindo na construção de suas narrativas. Ao relê-lo, o autor
construiu uma outra realidade, ficcional e simbólica. Demos total importância a
esse recurso e o utilizamos para ligar todas as oito partes dos dois Blocos,
dando unidade ao texto geral.
Através de seus personagens-narradores, Autran estabelece
um diálogo com a produção cultural dessa época, fazendo referência a poetas8,
obras9 e a lugares como igrejas10 e cidades11 das Minas do século XVIII. Em
cada romance, o narrador-personagem constantemente insere, em seu
discurso, termos12 referentes à cultura afro-brasileira, muito presente na
ambientação aurífera no período do escravismo minerador. Ele se utiliza desse
vocabulário para ampliar o espaço semântico da realidade mineira setecentista.
No segundo Bloco (partes I, II, III e IV), pretendemos analisar a
representação das personagens negras presentes nesses três romances.
Primeiramente, faremos um levantamento desses negros (Personagens negras
no tear autraniano), traçando um perfil de cada um: sua tipologia, seu
8 Cláudio Manuel da Costa, Tomas Antônio Gonzaga... Lucas Procópio. P.19. 9 Poema “Vila Rica”, de Cláudio Manuel da Costa. Lucas Procópio. P. 21. 10 Igreja do Pilar, Igreja do Carmo, Igreja de São Francisco, Igreja de Nossa Senhora da Conceição de Antônio Dias, Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, Igreja das Cabeças, Igreja de São José... etc. Em Os sinos da agonia. 11 Ouro Preto, Tijuco (como era chamada Diamantina), Diamantina, Distrito Diamantino, Mariana, Ribeirão do Carmo, Datas, Mendanha, Cristais, Brumadinho, Jacuí, cidades nos arredores de Diamantina, lugares perdidos nos sertões mineiros. Em Os sinos da agonia. 12 Lavras, Faisqueiras, Grupiaras, Ribeiras, Vodu, Dança Lundu, Ioruba, Cabindas, Tribo Egbá, Quilombolas... etc. Em Os sinos da agonia.
Estranho como as coisas antes de acontecer nos assusta 19
comportamento, sua forma de agir no relacionamento com os brancos e com
os próprios negros.
Na segunda parte desse Bloco (O negro em seu labirinto-trilha),
apresentaremos o trilhar dos negros dentro e fora dos casarões, isto é, o
espaço em que essas personagens circulam, o lugar que ficou determinado
para elas. Na parte III (O espaço da memória / a violência), evidenciaremos os
tipos de violência que ficaram registrados na memória dessas personagens.
Em seguida, parte IV (A memória cultural - credos e falares afros),
abordaremos a língua e a religiosidade dessas personagens, dando ênfase às
suas falas e aos seus rituais que são praticados em Ioruba.
Para realizarmos esse estudo, valer-nos-emos dos subsídios
extraídos das leituras teóricas e críticas afins (Mikhail Bakhtin, Roland Barthes,
Antonio Candido, Luiz Costa Lima, Vitor Manuel de Aguiar e Silva, Leyla
Perrone-Moisés, Affonso Ávila, Osman Lins, Benedito Nunes e outros) para
trabalharmos, no primeiro momento, com a técnica narrativa do autor.
Com relação à segunda parte, Bloco II, onde abordaremos
questões referentes ao seu universo do negro, buscaremos subsídios nos
estudos de Zilá Bernd, Roger Bastide, Clóvis Moura, David Brookshaw dentre
outros. Faremos, também, um levantamento de teses, dissertações, artigos de
jornais, revistas e livros já publicados sobre a obra de Autran.
A presente pesquisa firma-se, portanto, como resultado da
leitura da obra de Autran Dourado, da sua fortuna crítica e das observações,
nos três romances citados anteriormente, sobre a presença constante de
personagens negras - objeto privilegiado deste estudo - no espaço-tempo
apresentado pelas narrativas.
Assim, para abordar todos esses aspectos13 dentro das obras
em estudo, faremos uma investigação teórico-interpretativa, avançando pelo
texto de forma atenta, buscando uma leitura dos aspectos mais importantes,
13 Essas temáticas receberão o acompanhamento dos necessários desdobramentos teóricos.
Estranho como as coisas antes de acontecer nos assusta 20
utilizando a análise do discurso poético e de seus recursos formais e
significativos.
Nesse sentido, a leitura da narrativa de Autran Dourado será
realizada a partir, também, de uma poética oferecida por ele mesmo.14 Suas
pistas servirão de guia, feito um fio que tem como missão construir uma grande
teia, ou como um risco traçado para a formação de um bordado.
Vale ressaltar que o recorte feito na vasta produção de Autran
Dourado não é imutável. O andamento da pesquisa vai dizer da necessidade
de rastrear outros romances, contos ou novelas. Embora nossa análise esteja
centrada nas obras mencionadas anteriormente, sempre que se fizer
necessário, recorreremos tanto aos outros romances, como aos contos para
subsidiarmos nossas análises.
Estudar a obra de Autran Dourado sob o prisma de sua técnica
narrativa e da abordagem de questões referentes à problemática do negro na
área da literatura brasileira nos permite ampliar o leque de sua fortuna crítica.
14 A leitura dos livros de ensaios: Uma poética de romance: matéria de carpintaria (1976), O meu mestre imaginário (1982) e Breve manual de estilo e romance (2003) foi importante para o entendimento do projeto estético de Autran Dourado. A prática de analisar a própria obra, a sua ars poetica, não é muito comum entre os escritores brasileiros. O primeiro foi o escritor José de Alencar que, em depoimento a pedido de um amigo, escreveu, em 1893, Como e por que sou romancista.
Bloco - I
...coisas contadas... já lenda, já
histórias, lembranças se azulando...
É dentro do labirinto que está
a forma, o perigo, o caos organizado.
Forma e aventura. Forma e antiforma.
Autran Dourado.
O bordado textual
história da literatura brasileira registra a estréia de
Auran Dourado em 1947 com a publicação de Teia, obra
à qual se seguem, pouco tempo depois, Sombra e exílio (1950) e Tempo de amar (1952), considerada como marco das mudanças que se processarão em
toda a sua obra seguinte, dando-lhe uma outra concepção de linguagem.
Autran Dourado, autor de uma obra vasta, transita por uma
diversidade de gêneros – quarenta contos, treze romances, três novelas, três
livros de ensaios, um infanto-juvenil e um de memória - e vem exercitando seu
fazer de forma singular em cada narrativa.
Em todos esses textos, o autor aborda as temáticas, dentre
muitas outras, da solidão, da loucura, da morte e do tempo, de forma constante
e muito particular em cada narrativa e, de modo menos constante, trabalha em
alguns romances, como em Os sinos da agonia e A Serviço del-Rei, temas
vinculados à história e à política numa perspectiva mítica, paródica e simbólica.
No que diz respeito à técnica de composição, visando ao seu
aprimoramento, o autor, à maneira de um artesão, vem constantemente nela
trabalhando. Nesse sentido, registre-se a entrevista recente, concedida à Folha
de São Paulo, em que Autran, às véspera de seus oitenta anos, continua a
expressar sua preocupação com o aspecto formal dos textos:
Estou escrevendo com muita dificuldade porque
estou muito preocupado com aquilo que é
permanente na literatura. Que é o valor literário,
sobretudo os valores formais. É um peso que
A
O bordado textual
24
aumenta com o passar do tempo.(...) Escrever para
mim é essa luta surda com a palavra, essa luta
permanente para, através da palavra, encontrar a
forma.15
No processo de construção, o artesão trabalha com a técnica
que vem sendo elaborada ao longo dos anos de aprendizagem existencial,
literária e filosófica para aprimorar a obra de arte literária.
Autran Dourado defende a importância de uma sólida formação
literária e cultural para se tornar um bom escritor. Sugere que devemos ler os
clássicos no final da vida. É quando a gente pode melhor compreendê-los e
amá-los. (DOURADO, 1989, p. 79).
Seu fazer apresenta-se, pois, marcado por um diálogo
incessante com outros autores, confirmando a assertiva de Harold Bloom de
que todo poeta está preso numa relação dialética (transferência, repetição,
erro, comunicação) com outro poeta ou outros poetas. (BLOOM, 1991, p. 58).
Entre os vários autores e obras com as quais Autran Dourado
travou um intenso diálogo encontram-se: Artur Versiani Veloso, Godofredo
Rangel, Machado de Assis, Platão, Aristóteles, Giambattista Vico, Kant,
Nietzsche, Gustave Flaubert, Goethe, Franz Kafka, Thomas Mann, Marcel
Proust, entre vários outros; e as obras: Ulysses e Finnegam Wake, de James
Joyce; A Montanha mágica, de Thomas Mann; A consciência de Zeno, de
Ítalo Svevo; Um homem sem qualidades, de Robert Musil; O som e a fúria,
de William Foulkner; O grande teatro do mundo, de Calderón de la Barca;
Moby Dick, de Herman Melville e o Manual da composição e do estilo, do
Padre Antônio da Cruz.
Revisitando-se a trajetória de sua obra, verifica-se que, a partir
de Tempo de amar (primeiro romance, publicado em 1952), passa a existir
uma preocupação maior com o fazer literário. A feitura do texto recebe o que se
15 Entrevista concedida à Folha de São Paulo no dia 30 de julho de 2005, por motivo da reedição de toda a sua obra pela Editora Rocco.
O bordado textual
25
pode chamar de tratamento artesanal. Após a sua conclusão, o autor o retoma
e procede a inúmeras modificações, visando à ruptura com a estrutura
tradicional desde, pois, trabalhar a narrativa em bloco, mudando a ordem dos
capítulos, alterando a pessoa e o tempo dos verbos, alterando o emprego dos
substantivos e adjetivos, criando o “flash-back”, fazendo com que o romance
ganhe, segundo Autran, em movimento e plasticidade.
Massaud Moisés, escrevendo sobre esse romance, diz que
nele:
Cunham as matrizes de sua ficção e sua visão de
mundo: seres nimbados pelo mistério, enjaulados
em atmosferas cinzentas, oníricas, acossados pelo
desentendimento, pelos destinos desavindos, pela
decadência e pelo estigma da morte, submetidos
‘as divindades obscuras’. (MASSAUD, 1985-1989,
p. 483).
O próprio Autran Dourado afirma, em Uma poética de romance: matéria de carpintaria (1976), ter sido, através de Tempo de amar - livro de transição, devido às suas mudanças qualitativas -, que começou a
tomar conhecimento de que o importante na feitura de uma obra literária é o
movimento e a linguagem. Com a experiência obtida nesse romance, passa a
se exigir mais em relação às técnicas da narrativa e obtém um crescimento
gradativo nas obras seguintes.
Na busca de aprofundar a técnica de tratar a matéria literária
como carpintaria, em 1955 lança o livro de contos Três histórias na praia
(1955), no entanto esse novo experimentalismo não foi bem visto por alguns
críticos literários.
Para Wilson Martins esse livro representa uma quebra de nível
com relação a Tempo de amar.
O bordado textual
26
Em Três histórias na praia, percebe-se o
romance16 frustrado, o mau aproveitamento de um
tema que o autor, não se sabe por quê, decidiu
fragmentar em contos autônomos. (MARTINS,
1993, p. 85).
Autran Dourado rebate a crítica, afirmando que sua técnica
narrativa não foi compreendida.
Preocupados com o seguimento, não perceberam a
unidade de tônus, vertical e temporal, que o autor
buscou... viciados num tipo de leitura, apegados a
um conceito de unidade horizontal e espacial,
linear. (DOURADO, 2000, p. 41).
Apesar dessa e de outras críticas, nenhuma conseguiu diminuir
a qualidade de Três histórias na praia e, dois anos após, lança seu quinto
livro, também de contos, Nove histórias em grupo de três (1957); os quais,
depois, foram reeditados, com novo grupo de histórias, em Solidão solitude
(1972).
Observem-se duas passagens do conto “A glória do ofício”, de
Solidão solitude:
16 Wilson Martins utiliza a palavra romance e não conto, porque para ele existe, nesse livro de contos, “um arcabouço de romance, uma história obscura a que o ficcionista decidiu não dar segmento”. Na opinião de Wilson Martins, “Os ‘contos’ de Autran Dourado não são contos, apesar do rótulo: falta-lhes, pelo menos, uma condição, mas essa essencial, que é a de constituírem um ‘universo’ em si mesmos. Sua dúbia natureza se situa entre dois extremos incompatíveis: são destroços de romance ou simples crônicas sem maiores pretensões. Ora, Autran Dourado pode, com toda a certeza, fazer melhor.” Pontos de vista. (crítica literária). Vol. 2. p. 85.
O bordado textual
27
Há anos vinha montando e fabricando as peças
delicadas, quando não as tirava de algum relógio
imprestável. (DOURADO, 1972, p. 43).
Veio-me a idéia... de fazer os meus pássaros.
Comecei a cortar a cabeça de um pássaro, asas de
outro, pernas de outro, olhos de outro, até que
matei metade do jardim de pássaros que estava
aos meus cuidados, na esperança de criar, com
esses restos mortais, um pássaro de espécie
desconhecida, que eu inventara, mais belo do que
todos que existiam no mundo e sem os defeitos de
cada um. (DOURADO, 1972, p. 52).
Ao comentar esse conto, Afrânio Coutinho acrescenta:
Essa composição constitui uma nova incidência no
hábito que tem a arte moderna de refletir, enquanto
cria, sobre ‘a práxis da invenção’. (COUTINHO,
1968, p. 574, vol. 5).
No conto “Os mínimos carapinas do nada”, a personagem Vovô
Tomé pertence à terceira categoria de artesãos que trabalham na arte de picar
pau (DOURADO, 1987, p.54), no ofício de cortar pedaços de madeira com
canivete; com o tempo, tornou-se hábil na arte de fabricar caracóis.
Para atingir esse estágio, o noviço carece de muita
paciência, aplicação, humildade, modéstia.
Vovô... era exigente, ia ao armazém de seu
Bernardino escolher as melhores madeiras, havia
uma certa qualidade de pinho que era em si uma
beleza. A madeira não podia ter olhos nem veios
O bordado textual
28
muito acentuados, nem mistura de tons. Quanto
mais lisas e uniformes, melhor. Quem tem pressa
não faz nada, dizia ele já agora conceituoso. Ele
tinha a sua poética... (DOURADO, 1987, p. 57).
Esse fazer artesanal, habilidade que algumas personagens
tinham ao desenvolverem uma profissão, remete, de forma metafórica, para a
sua arte poética, ambos (escritor e personagem) no limite de suas exigências
diante do ato criador.
A técnica de composição e montagem, iniciada em Tempo de amar, será utilizada cada vez mais nos próximos romances, confirmando a
busca de uma unidade mais vertical do que horizontal na obra de arte literária.
Em 1961, publica A barca dos homens; alguns anos depois, a
novela Uma vida em segredo (1964) e Ópera dos mortos (1967). A cada
publicação, o artesão da palavra aperfeiçoa o seu fazer artístico num intenso
exercício de narrar e desnarrar, tecer e destercer, cerzir e descerzir (sic)
(DOURADO, 1978, p. 38), construindo sua narrativa ficcional de forma similar à
feitura de um quebra-cabeça, onde partes vão se encaixando até formar um
todo significante.
Em Roland Barthes, encontra-se fundamento para a analogia
entre o fazer literário e o fazer artesanal:
O texto, enquanto se faz, é semelhante a uma
renda de Valencianas que fosse surgindo diante de
nós por entre os dedos da rendilheira... (BARTHES,
1980, p. 121).
Barthes, em outro texto, afirma que, por volta de 1850, começa
a surgir para a literatura um problema de justificação: a escritura vai procurar
álibis para si.
O bordado textual
29
[...] Começa então a elaborar-se uma imagética do
escritor-artesão que se fecha num lugar lendário,
como um operário na oficina, desbasta, talha, pole
e engasta sua forma, exatamente como um
lapidário extrai a arte da matéria, passando neste
trabalho horas regulares de solidão e esforço.
(BARTHES, 1974, p. 152).
Há, na ficção de Autran Dourado, uma preocupação primordial
com a linguagem. Mudanças são feitas incansavelmente até chegar ao ponto
desejado de esgotamento criativo, para que surja nova idéia e novo romance.
Uma vez que Autran Dourado não acredita em inspiração, o ato de escrever
torna-se um escavar sem fim, sofrimento e dor que só cessam com a
conclusão do texto. Voltando mais uma vez a Roland Barthes, constata-se que
por volta de 1850 [...] a escritura clássica
desintegrou-se, e toda a literatura de Flaubert17 até
hoje, tornou-se uma problemática da linguagem.
(BARTHES, 1974, p. 118).
O aprimoramento artesanal da linguagem tem alterado
substancialmente a qualidade do romance moderno, o que, por sua vez, tem
adquirido forma tão surpreendente como, por exemplo, O risco do bordado,
de Autran Dourado, obra que a crítica
17 Segundo Roland Barthes, no livro Novos ensaios críticos seguidos de O grau zero da escritura, P. 153, Flaubert fundou a escritura artesanal. Veja o texto “‘Propos’ sobre Flaubert”. In: O meu mestre imaginário, de Autran Dourado. Nesse texto, Autran afirma: Houve um tempo em que me impregnei tanto de Flaubert, que a sua própria doença mental eu quis ter. P. 59.
O bordado textual
30
não o filiaria a nenhum dos três gêneros (romance,
conto ou livro de memória), porque entendo que ele
pode representar os três ao mesmo tempo.
(LINHARES, 1973, p. 126).
Algumas características dessa ficção artesanal, em que Autran
Dourado figura como um de seus expoentes, encontram-se no estudo de David
Lodge sobre “A linguagem da ficção moderna”, em que afirma o seguinte:
Em primeiro lugar, sua forma é experimental ou
inovadora, desviando-se acentuadamente das
modalidades existentes de discurso literário e não-
literário. Em segundo lugar, demonstra grande
preocupação com a consciência, e também com as
operações inconscientes ou subconscientes da
psique humana. Em decorrência disso, a estrutura
dos fatos ‘objetivos’ exteriores, essencial à arte
narrativa na poética tradicional, diminui em escala e
abrangência, ou é apresentada de modo seletivo e
indireto, a fim de ceder espaço à introspecção, à
análise, à reflexão e à divagação. Freqüentemente,
portanto, um romance moderno não tem um
verdadeiro ‘começo’, visto que nos faz mergulhar
num fluxo constante de experiência, com o qual nos
familiarizamos progressivamente por um processo
de inferência e associação; o final geralmente é
‘aberto’ ou ambíguo, deixando o leitor em dúvida
quanto ao destino final das personagens. (LODGE,
1989, p. 394).
Esses aspectos são comuns ao texto autraniano. Ele os
exercita ao ponto máximo em suas narrativas e de forma muito singular que se
O bordado textual
31
tornam rapidamente visíveis ao leitor que tem o hábito da leitura de ficção
moderna.
A figura do narrador tem lugar reservado no texto autraniano.
Na verdade, há, em seus textos, uma multiplicidade de narradores, como
também de narrativas. As histórias são contadas, geralmente, por um narrador
individual, outro coletivo (a gente18) e por algumas personagens que compõem
os vários discursos dos textos.
O narrador autraniano é onisciente, conhecedor de tudo e de
todas as coisas. É quem sempre detém a voz narrativa, mas, em alguns casos,
intercala sua fala com os diálogos das personagens que estão sempre
utilizando a imaginação e a memória para recontar suas histórias, remontar seu
passado.
Em muitos momentos, o narrador, através de seu discurso, traz
à tona o rememorar das personagens. Conta o que a personagem gostaria, ou
poderia, ou iria contar. Torna-se narrador-personagem, assume o lugar da
personagem reproduzindo sua voz e contando o que deveria ser dito por ela.
Observa-se, dentro do mesmo parágrafo, uma permutação de
tempo verbal. O narrador conta em terceira pessoa acontecimentos da vida da
personagem João da Fonseca Nogueira, enquanto, no mesmo parágrafo, o
próprio João da Fonseca Nogueira, em primeira pessoa, vai relembrando seu
passado, sua infância no Colégio interno São Mateus (Um artista apendiz), ou
quando João da Fonseca Nogueira dialoga com Ismael Silveira Frade (Ópera dos fantoches) ou na conversa de João da Fonseca Nogueira com Dona Sofia
(Confissões de Narciso). São todos diálogos embutidos na narração, que
formalizam a construção de uma narrativa dentro da outra.
O teórico Mikhail Bakhtin afirma que:
A multiplicidade de vozes e consciências
independentes e imiscíveis e a autêntica polifonia 18 São personagens que acompanham da rua as mudanças que ocorrem no casarão da família Honório Cota.
O bordado textual
32
de vozes plenivalentes19 constituem, de fato, a
peculiaridade fundamental dos romances de
Dostoiévski. Não é a multiplicidade de caracteres e
destinos que, em um mundo objetivo uno, à luz da
consciência una do autor, se desenvolve nos seus
romances; é precisamente a multiplicidade de
consciências eqüipolentes20 e seus mundos que
aqui se combinam numa unidade de conhecimento,
mantendo a sua imiscibilidade. (BAKHTIN, 1981, p.
2).
Os fluxos narrativos sobressaem-se através da voz do narrador
ao revelar as angústias e as ansiedades das personagens em seus diálogos,
discursos indiretos livres e monólogos interiores. Atente para esta passagem
de Ópera dos mortos:
...aquele corpo que embora magro era redondo na
sensação de paz e macieza que os seus gestos
tranqüilos lhe davam (assim, mal comparando por
causa daquilo que faziam de noite, a lembrança
quente, redonda, vagarosamente boa da mãe da
gente quando a mãe longe ou quando morreu ou
quando a gente não conheceu e se lembra dela
com o coração nas pequeninas coisas imaginando),
se sentia feliz naquelas horas diurnas, enquanto
esperava que a pêndula suasse as horas que ele
devia deixar dona Rosalina e sair para entregar as
flores buscava mesmo comparação com as horas
noturnas violentas e silenciosamente agressivas no
19 Isto é, plenas de valor, que mantêm com as outras vozes do discurso uma relação de absoluta igualdade com participantes do grande diálogo. 20 Eqüipolentes são consciências e vozes que participam do diálogo com as outras vozes em pé de absoluta igualdade; não se objetificam, isto é, não perdem o seu Ser enquanto vozes e consciências autônomas.
O bordado textual
33
encontro dos corpos, e chegava a achar que de dia
sim era feliz, de noite era o visgo das voçorocas, as
goelas vermelhas escuras, de que ele não podia se
afastar, sentindo aqueles encontros noturnos como
um vício, uma pena feliz... (DOURADO, 1967, p.
176).
Verifique-se, nessa longa citação, a intensidade do ritmo, a
ausência de pontuação e a ininterrupta fluição do discurso que prossegue por
várias páginas.
Segundo Bakhtin, Dostoiévski é o criador do romance
polifônico, caracterizado pela multiplicidade de vozes. Ao estudar a palavra na
sua obra como elemento de ligação entre múltiplos discursos, afirma que:
As palavras do outro, introduzidas na nossa fala,
são revestidas inevitavelmente de algo novo, da
nossa compreensão e da nossa avaliação, isto é,
tornam-se bivocais. (...) A palavra é um meio
constantemente ativo, constantemente mutável da
comunicação dialógica. (BAKHTIN, 1981, p. 169-
176).
Esse incessante fluxo e refluxo de vozes é muito bem
articulado nas narrativas autranianas, porém é a partir, mais precisamente, de
Tempo de amar, que se percebe, de forma evidente, uma escrita cérebro-
artesanal.
A estrutura de composição desses romances – vazada em
freqüente interrupção na ordem cronológica, narrativa em blocos ou painéis
onde as partes distintas e autônomas formam uma unidade vertical - denuncia
um trabalho consciente e meticuloso. O texto não chega ao leitor sem essa
operação.
O bordado textual
34
Durante esse período de gestação, tomo notas e
mais notas, leio as coisas mais extravagantes, às
vezes livros que nada têm a ver com a literatura.
Vou de filosofia aos estudos e documentos
históricos, como aconteceu com Os sinos da
agonia. E enquanto não tenho bem visualizada
dentro de mim toda a composição, enquanto não
consigo ver nitidamente a unidade interior da obra,
a sua estrutura, a sua forma, não me disponho a
escrever. Faço gráficos e esquemas, sinopses,
monto desenho, armo quadrados, retângulos e
círculos, como se fosse um arquiteto, a régua,
compasso e transferidor. (DOURADO, 2000, p.166).
Desse exercício do fazer/criar resulta uma técnica similar a
uma ciranda, que se vai estruturando pelo desdobramento circular e, ao
mesmo tempo, construindo metáforas-símbolo em linhas bem definidas de sua
estrutura e composição.
Autran Dourado revela-nos onde foi buscar essa técnica21 ao
responder à pergunta de um repórter quando o interroga se esse estilo não
seria uma influência de Júlio Cortazar.22 Ele afirma que não, que ele a utilizou
bem antes de Cortázar e que, no Brasil, já tinha sido usada por Graciliano
Ramos em Vidas secas23. Ele remonta a mais longe, indicando Cervantes que
utilizou a estrutura aberta do barroco em Dom Quixote (1605-1615)24, a qual
permitiu múltiplas leituras.
21 Veja o texto “Uma segunda ordem de leitura”. In: Uma poética de romance: matéria de carpintaria, de Autran Dourado. P. 38. 22 Confira: a 1ª edição do livro Tempo de amar, de Autran Dourado, é de 1952. A 1ª edição de Rayuela (Jogo da amarelinha), de Júlio Cortazar, é de 1968. 23 A 1ª edição de Vidas secas, de Graciliano Ramos, é de 1938. 24 Seguindo a escrita-bordado do autor, necessário se faz voltar ao ano de 1614, antes do aparecimento do segundo volume de Dom Quixote, quando surgiu, em Tarragona, assinada por Alonso Fernández de Avellaneda, uma pretensa continuação das
O bordado textual
35
Autran prossegue afirmando que a influência da técnica
barroca utilizada na construção dos seus livros não foi buscá-la somente em
Dom Quixote, mas também na composição entrelaçada, musical e lúdica de
Novelas exemplares, do mesmo Cervantes; no Quevedo de Los sueños e de
La vida del buscón; em El grand teatro del mundo, de Calderón de la Barca;
na A educação sentimental e, mais radicalmente, em Bouvard e Pecouchet, de Flaubert, bem como em O processo, de Kafka, autor que viveu na
barroquíssima Praga.
O barroco, como um fenômeno de grande complexidade,
retoma, com maior rigor e forma crítica, o lugar que lhe é devido no processo
de evolução das formas artísticas dentro da modernidade.
As características do homem agônico e em conflito do século
XX/XXI se assemelham às características do homem do século XVIII. Há um
trabalho com a estética barroca como tema poético para expressar as
angústias do homem moderno e contemporâneo.
Affonso Ávila esclarece, de forma sintética, a aproximação
entre as duas épocas cronologicamente distanciadas entre si, isto é, as razões
de identidade estabelecida entre a época atual e a do barroco.
Cremos poder sintetizar aqui que as aproximações
entre o homem de hoje e o barroco vão além de aventuras do célebre cavaleiro andante. Avellaneda escreveu no prólogo do seu “Dom Quixote”: “Só digo que ninguém deve espantar-se pertencer a autor diferente esta segunda parte, pois não é novidade pessoas diferentes prosseguirem a mesma história”. (AVELLANEDA. Dom Quixote apócrifo. 1989). Cervantes imortaliza o livro de Avellaneda a partir do momento em que tem notícia do texto apócrifo sobre Dom Quixote. No capítulo LIX da segunda parte, o cavaleiro andante toma conhecimento da existência do livro de Avellaneda e, indignado, critica-o com veemência, acusando-o, sobretudo, de desviar-se da verdade da história. Mais à frente, nos capítulos LXX e LXXII do volume II, o cavaleiro andante volta a tocar no assunto, fazendo novas críticas a esse livro “que, se eu de propósito me metesse a fazê-lo pior, não o conseguiria” (CERVANTES, Miguel de. Dom Quixote. Vol. 2. P. 837 e 846). E, ao se encontrar com Dom Álvaro Tarfe, personagem do livro de Avellaneda, faz com que ele afirme que as figuras que conhecera não passavam de impostoras. Como se pode ver, Avellaneda acaba arrastado na verve inesgotável de Cervantes. E o que torna esse fenômeno possível é o fato de Dom Quixote ter sido escrito dentro da técnica de estrutura aberta do barroco.
O bordado textual
36
uma simples sintonia de sensibilidade, motivada
pelo recurso a formas afins de expressão estética.
A identidade com o barroco, ainda que revelada
mais obviamente no plano da atitude artística,
transcende a nosso ver a uma questão de
similaridade de linguagem, de forma, de ritmo, para
refletir de modo mais profundo uma bem
semelhante tensão existencial. O homem barroco e
o do século XX são um único e mesmo homem
agônico, perplexo, dilemático, dilacerado entre a
consciência de um mundo novo ⎯ ontem revelado
pelas grandes navegações e as idéias do
humanismo, hoje pela conquista do espaço e os
avanços da técnica ⎯ e as peias de uma estrutura
anacrônica que o aliena das novas evidências da
realidade ⎯ ontem a contra-reforma, a inquisição, o
absolutismo, hoje o risco da guerra nuclear, o
subdesenvolvimento das nações pobres, o sistema
cruel das sociedades altamente industrializadas.
Vivendo aguda e angustiosamente sob a órbita do
medo, da insegurança, da instabilidade, tanto o
artista barroco quanto o moderno exprimem
dramaticamente o seu instante social e existencial,
fazendo com que a arte também assuma formas
agônicas, perplexas, dilemáticas. (ÁVILA, 1994, p.
26).
A estética barroca é marcante em toda a composição literária
de Autran Dourado de que foi um simpatizante declarado. Em um ensaio sobre
sua narrativa, ele afirma:
A visão que tenho do barroco é uma visão pessoal,
criativa e ‘ideológica’ O barroco para mim não é
O bordado textual
37
apenas um conceito histórico, capítulo da história
da arte, mas alguma coisa viva e atuante, que me
estimula na elaboração da minha própria criação
literária. (DOURADO, 2000, p. 37).
Compreende-se, assim, que a infiltração do barroco em sua
obra se dá como proposta para se ver a obra, que deve ser captada em todos
os seus ângulos de significações.
O narrador perspicaz de Ópera dos mortos alerta todos para
que observem os vários lados, os vários ângulos de um objeto, procurando
desfocar a visão de um só ponto de vista. Essa postura vai induzir o leitor a
visualizar essas várias possibilidades, as múltiplas perspectivas de um mesmo
acontecimento. Por conseguinte, esse objeto ou esse acontecimento será
apreendido de diferentes modos e de vários prismas.
No estudo Barroco: do quadrado à elipse, Affonso Romano
de Sant’Anna acrescenta e reitera a idéia de Autran Dourado ao afirmar:
O Barroco, mais do que um estilo de época, pode
ser uma estratégia de representação e de
organização do pensamento. Neste sentido, ele é
intemporal. (SANT’ANNA, 2000, p. 268).
Siga-se a intenção do olhar do narrador de Ópera dos mortos
e direcione o foco para um quadro ou uma arquitetura barroca. Impossível um
olhar de soslaio, porque o objeto exige que se dê mais de um olhar, que se
faça uma leitura, pede que se mude de posição e se atente para os detalhes,
para os riscos e os traços nem sempre visíveis.
Não só em Ópera dos mortos, como em outros romances
(DOURADO, 2000, p. 25), vamos encontrar toda uma teoria do barroco, as
dicotomias e antíteses – luz e sombra, cheios e vazios, retas e curvas; só falto
O bordado textual
38
citar Wölfflin e Hatzfeld (DOURADO, 2000, p. 54). Para reforçar, Autran
Dourado afirma:
O que estou parodiando na abertura da Ópera dos
mortos, imitando mesmo, é o movimento pendular
e circular do barroco. ...as volutas e curvas
sensoriais – sensuais dos escritores barrocos.
(DOURADO, 2000, p. 55).
Ao escrever sobre a tônica da narrativa ou a arte da novela
como construção e jogo, Autran diz: Jogo e construção, o aspecto lúdico da
montagem, a múltipla leitura que o barroco propõe, tudo isso cada vez me
fascina mais e mais. (DOURADO, 2000, p. 57).
A narrativa de Ópera dos mortos transcorre dentro de um
tempo passado, um tempo dos mortos, dos relógios parados; o que vai
dimensioná-lo são as referências à estética barroca, que aparece como
sugestão para o aprendizado do olhar das personagens e do leitor.
Os discursos de algumas personagens autranianas, também,
remetem à teoria do barroco. Veja o ritmo da fala de Malvina indo e vindo,
volteando, cerzindo arrematando, bordadeira (DOURADO, 1974, p. 55) ou a
forma como escreve utilizando letras de talho e volteios (...) Arranjou uns
modos floridos e rebuscados, engenhosos e gongóricos, muito nobres, de botar
em palavra escrita (DOURADO, 1974, p. 82), ou como a personagem Ismael
em que sua narrativa é cheia de avanços e recuos, de estradas vicinais em que
ele se perde. (DOURADO, 1994, p. 22).
Autran Dourado é simpatizante do conceito de estrutura aberta
do barroco de Wölfflin; segundo ele, na estrutura aberta do barroco, é possível
a múltipla leitura, mas o autor continua comandando o espetáculo (DOURADO,
2000, p. 40), e continua afirmando que, nesse conceito de obra aberta do
barroco, o texto tem uma unidade vertical.
O bordado textual
39
Fazendo uma comparação entre o conceito de obra aberta de
Wölfflin e o de Umberto Eco, observa-se que a leitura de Umberto Eco é mais
atual. Ele aproveita as idéias de Wölfflin e amplia o campo de aplicação,
abrangendo as artes em geral. Umberto Eco parte de uma simples
comunicação com o título: ”O problema da obra aberta” em 1958 e, depois,
transforma num ensaio (1962) e, em seguida, em livro (1968), onde vai rever
vários conceitos, como comunicação, informação, alienação e, principalmente,
o de abertura, dentre outros, mas sempre trabalhando dentro de uma
concepção similar ao conceito de Wölfflin.
“Abertura” não significa absolutamente “indefinição”
da comunicação, “infinitas” possibilidades da forma,
liberdade da fruição; há somente um feixe de
resultados fruitivos rigidamente prefixados e
condicionados, de maneira que a reação
interpretativa do leitor não escape jamais ao
controle do autor. (ECO, 1991, p. 43).
Na teoria de Heinrich Wölfflin (1945) da análise formal das
artes, o autor suíço fez uma reformulação da questão barroca à luz dos novos
princípios que introduziu para a interpretação da história da arte. Esses
princípios definem a passagem do tipo de representação táctil para o visual,
isto é, da arte renascentista para a barroca.
As principais categorias do estilo barroco estudadas por
Wölfflin são as seguintes: A primeira é o pictórico – caracterização desviada
dos limites do objeto e centrada na acumulação de elementos, seguida pela
vista; a segunda é a profundidade – a percepção visual envolve os elementos
mais próximos e os mais distantes.
Observe exemplos dessas duas categorias no romance Ópera dos mortos. O narrador inicia o discurso chamando a atenção para que todos
vejam o sobrado e segue descrevendo, minuciosamente, as partes que o
O bordado textual
40
compõem: as janelas, as cores das janelas, as portas, o reboco, os tijolos, as
vidraças, as cortinas, os peitoris e os detalhes da arquitetura exterior.
O senhor atente depois para o velho sobrado com a
memória, com o coração - imagine, mais do que
com os olhos, os olhos são apenas conduto, o olhar
é que importa. Estique bem a vista, mire o casarão
como num espelho, e procure ver do outro lado, no
fundo do lago, mais além do além, no fim do tempo.
(DOURADO, 1967, pp. 1-2).
Se o leitor aceitar o convite do insistente narrador e
acompanhar seus passos, vai deparar com todo um cenário montado da
arquitetura barroca mineira. A preocupação desse narrador para que observem
e conheçam o sobrado deve-se ao fato de ir ser ele o referencial da narrativa.
Conhecer o casarão é conhecer a história de Ópera dos mortos; conhecer a estrutura interna do casarão é recuar no tempo e deparar
com os antepassados dos Honório Cota, fincados nas Minas Gerais do século
XVIII.
Veja a casa como era e não como é ou foi agora.
Ponha tento na construção, pense no barroco e nas
suas mudanças, na feição do sobrado, na sua
aparência inteira, apartada, suspensa (não, oh
tempo, pare as suas engrenagens e areias, deixe a
casa como é, foi ou era, só pra gente ver, a gente
carece de ver; (...). (DOURADO, 1967, p. 2).
Quando o narrador pede ao leitor uma atenção absoluta, um
aprofundamento do olhar, está falando da segunda categoria do estilo barroco.
Ele diz: Olhe e veja todos os detalhes além da aparência, e Autran confirma
O bordado textual
41
com esta citação: O sobrado foi muito estudado, recorri a todo o meu
conhecimento de arquitetura colonial barroca mineira (estudei muito), e o livro
se pretende barroco. (DOURADO, 2000, p. 151).
O narrador insiste no convite a todos para que olhem,
observem, agora com detalhe, o novo visual da casa:
Veja tudo, de vários ângulos e sinta, não sossegue
nunca o olho, (...) O senhor veja o efeito, apenas
sensação, imagine; (...) Veja o jogo de luz e
sombra, de cheios e vazios, de retas e curvas, de
retas que se partem para continuar mais adiante, de
giros e volutas, o senhor vai achando sempre uma
novidade. Cada vez que vê de cada lado, cada hora
que vê, é uma figuração, uma vista diferente. O
senhor querendo, veja: a casa ou a história.
(DOURADO, 2000, p. 6).
A terceira categoria são as formas abertas – efeito que pode
ser completado pelo observador, mas sem que o autor perca sua autonomia.
Os romances Tempo de amar, A barca dos homens, Ópera dos mortos, O risco do bordado, e vários contos permitem ao leitor atento imprimir
significados outros, fazer outras leituras, mas sem sair da esfera idealizada
pelo autor.
A quarta, em que as partes são subordinadas a um conjunto, é
claramente encontrada nos romances Ópera dos mortos, O risco do bordado e Ópera dos fantoches, onde se observam narrativas escritas em
painéis, blocos. Estudiosos dizem que alguns capítulos parecem “janelas
falsas”; como aquelas janelas falsas da arquitetura barroca, que serviam
apenas para compor a fachada. (DOURADO, 2000, p. 22). Segundo Autran,
não são blocos soltos; todos estão muito bem integrados no plano da narrativa
O bordado textual
42
geral e, em seguida mostra como fez a planta baixa desses romances, como
foram escritos os diversos blocos e como montou o livro.
A quinta categoria, a claridade relativa, existe em toda a obra
de Autran Dourado. A sua alma barroca e torturada, a sua paixão pelo negrume
arcaico das minas de antigamente e pelo claro-escuro deixa rastro em sua
escritura, como, por exemplo, na voz sombria do narrador de A barca dos homens.
Nas primeiras páginas desse romance, ele diz que, no mundo,
havia o lado escuro e o lado claro, negrume e luz (DOURADO, 1961, p. 13) ou,
falando sobre a menina Helena, que nela era mais aguda a realidade negrume-
luz, claridade-sombra (DOURADO, 1961, p. 14). A narrativa prossegue nesse
jogo ambíguo de cores do nem claro nem escuro.
A nossa barroca alma mineira, o nosso linguajar
arcaico resultante do negrume colonialista com que
Portugal tratou as Minas, o claro-escuro antitético
mineiro, as nossas contradições e proximidades, as
mil e uma Minas. (DOURADO, 2000, p. 53).
No início do romance Os sinos da agonia, quando o narrador
apresenta o ambiente, claramente Minas Gerais no momento áureo da
exploração aurífera, mostra a situação em que se encontrava Januário, o
bastardo; irrompe um fluxo narrativo ininterrupto entre claro e escuro.
Não fosse a luz leitosa da lua cheia, agora alta,
pequena e redondinha no céu (grande e sanguínea
quando nasceu detrás da negra muralha da serra;
desde antes de escurecer ele estava ali, a seu lado
o preto Isidoro sempre mudo e fechado, os olhos
brilhosos e raiados de sangue, só uma ou outra fala
ele agora dizia, e no escuro e mudez parecia mais
O bordado textual
43
negro ainda), a luz alvaiada rebrilhando nas
pedras do calçamento, nas lajes lisas e polidas das
ladeiras, o luar iluminando com o seu brilho
esbranquiçado as casas caiadas de branco, as
igrejas solitárias... (DOURADO, 1974, p. 13, grifo
nosso).
A propósito, destaque-se que a percepção em profundidade
traduz a ânsia de espaço típica da arte barroca; o pictórico envolve tanto o
colorido das pinturas barrocas, como o caráter descritivo de determinados
textos; a “abertura” barroca implica a participação do observador ou leitor; nas
partes subordinadas a um conjunto - o texto é escrito em blocos autônomos,
distintos um dos outros, com ritmo, tratamento, técnica e estilos diferentes, mas
com unidade interna, formando um todo.
A relativa claridade é observada em toda a arte barroca por ser
uma arte ornamental, cheia de adornos e atavios. Esses enfeites dificultam a
visão dos pormenores; ao invés de revelar os detalhes de sua arte, esconde-
os. O excesso de trabalho com a palavra, os enfeites e rebuscamento da
linguagem fazem com que a narrativa não chegue ao leitor com uma fruição
natural.
Umberto Eco afirma, ao construir sua teoria, que a primeira
“abertura” da obra de arte se deu no período barroco, época em que ocorreu
uma quebra na forma definida e estática da arte clássica renascentista. Houve
uma negação da criação como um objeto artístico delimitado e simétrico,
convergindo para um centro, eliminando a idéia de movimento.
A forma barroca, pelo contrário, é dinâmica, tende a
uma indeterminação de efeito (em seu jogo de
cheios e vazios, de luz e sombra, com suas curvas,
suas quebras, os ângulos nas inclinações mais
diversas) e sugere uma progressiva dilatação do
espaço; a procura do movimento e da ilusão faz
O bordado textual
44
com que as massas plásticas barrocas nunca
permitam uma visão privilegiada, frontal, definida,
mas induzam o observador a deslocar-se
continuamente para ver a obra sob aspectos
sempre novos, como se ela estivesse em contínua
mutação. (ECO, 1991, p. 44).
Mesmo reconhecendo que a primeira manifestação de
“abertura” da arte ocorreu no período barroco, Umberto Eco não admite que
tenha sido de forma consciente, o que só veio a acontecer na segunda metade
do século XIX com o Simbolismo, exemplificando com a Art poetique, de
Verlaine.
Um outro aspecto relevante do texto autraniano é a auto-
reflexão crítica. Há uma consciência do fazer literário em processo. Me
considero exageradamente um autor bastante lúcido, vivo constantemente me
analisando (literariamente).(DOURADO, 2000, p. 36). Essa citação se justifica
pela voz das personagens-narradoras postas em seus textos ficcionais e na
leitura de sua obra ensaística.
A obsessão de Autran Dourado pela palavra escrita, pela
metáfora, pelo símbólico, pela imagem, pela linguagem musical - mediatizadora
entre as personagens - dá ao texto ares de uma prosa poética.25 Acompanhe o
primeiro parágrafo de Um artista aprendiz e um trecho do Novelário de Donga Novais:
25 Veja alguns exemplos em que o autor faz uma apologia à poesia, construindo metalinguagem. Há uma diferença muito grande entre confissão e poesia. A confissão alivia na hora, por uns dias. A poesia é de efeito mais duradouro, transforma e amilhora não só o ânimo, educa o coração e liberta o espírito. Lucas Procópio (P. 25). A poesia não é outra coisa senão imitação do mundo, recriação da vida segundo uma nova ordem que só na infância somos capazes de entender inteiramente. Lucas Procópio (P. 68). Poesia é feita por quem ama a poesia, para quem gosta de poesia. Lucas Procópio (P. 73). Não, arte é a poesia, uma arte para raros, para loucos. A Serviço Del-Rei (P. 43).
O bordado textual
45
O CÉU CINZENTO, onde ainda brilhava pálida e
fria a última estrela da noite, ganhava tonalidades
rosa anunciando o sol, aqui e ali manchas de azul.
(DOURADO, 1989, p. 3).
Ah, quantos desastres, naufrágios e prejuízos
causaram e ainda causam fenícios navios, barcas,
galeotas e naus nos mares do amor, nos périplos
do tempo, nas viagens de circunavegação!
(DOURADO, 1978, p. 67).
Autran Dourado se impõe no cenário da ficção brasileira
contemporânea, tanto pela sua obstinação pelo apuro narrativo, como também
pelo seu perfeccionismo na utilização da língua portuguesa falada no Brasil.
A cada surgimento de um livro do autor, observa-se a formação
de uma trilogia26, construindo uma espécie de narrativa continuada. O
entrelaçamento narrativo entre eles finaliza por construir uma só obra aberta.
Um exemplo são os livros: Ópera dos mortos, que foi escrito em 1967; Lucas Procópio, em 1985 e Um cavaleiro de antigamente em 1992, que, apesar do
intervalo cronológico, não perderam a unidade temática.
Os romances, como: A barca dos homens (1961), Uma vida em segredo (1964), Ópera dos mortos (1967), O risco do bordado (1970),
Os sinos da agonia (1974) e Lucas Procópio (1985), vêm confirmar a
disposição do artesão-barroco de, no texto, trabalhar todos os pormenores
incansavelmente (escrevendo diversas vezes alguns capítulos) sem descuidar
de que, mesmo o nome de personagens, ainda que secundários, deixe de ter
um significado que ligue a um outro dentro do texto, formando um todo. A
personagem narradora Erasmo Rangel de O meu mestre imaginário (1982)
convida o leitor a ler, mais de uma vez, os livros e, mais de duas vezes,
algumas partes.
26 O livro Solidão solitude é formado pela trilogia: Três histórias na praia (1955), Três histórias na primeira pessoa (1956) e Três histórias no internato (1957).
O bordado textual
46
Após a publicação do romance Ópera dos fantoches em
1994, Autran publica o livro infanto-juvenil Vida, paixão e morte do herói (1995); em 1997, Confissões de Narcíso, em que -, o próprio autor declara -
pela primeira vez, fala de amor da primeira à última página.
Em 2000, muda de gênero com a publicação do livro de
memórias Gaiola aberta: tempo de Jk e Schmidt, onde relata, sem
preocupação cronológica, seu convívio com os políticos do poder nos tempos
de JK. No início do ano de 2003, lança o livro de ensaio Breve manual de estilo e romance, em que tece comentários sobre sua obra, os autores que o
influenciaram e sobre o ofício de escrever.
Os recursos utilizados em sua obra se inserem nos moldes da
modernidade. Características como intertextualidade, intratextualidade,
monólogo interior, polifonia de vozes, multiplicidade do ponto de vista,
fragmentação, descontinuidade temporal, vazios narrativos ou cortes: no dia
seguinte..., algum tempo depois..., quando eu o revi..., a gente deve se voltar
ao lugarejo onde se parou a narração (DOURADO, 1985, p. 48), blocos
justapostos onde não existem começo, meio e fim, constatam que o texto de
Autran Dourado é de estrutura móvel em que tanto o narrador como o leitor
podem construir e desconstruir o texto dentro da memória.
A construção dos textos de Autran Dourado se dá de forma
labiríntica, cheia de volteios, de avanços, de recuos e de novas retomadas. A
elaboração dos blocos é comparável à feitura de uma arquitetura barroca que
se vai formando, aos olhos do leitor,27 como num mosaico. No momento em
que se observa um texto composto de blocos distintos, percebe-se uma
27 Se o leitor não percebeu toda essa armação, toda essa máquina e carpintaria, e sentiu apenas o efeito que procurei alcançar; se apenas fruiu, sem perceber a presença e os ruídos dos meus martelos, serras, formões e cepilhos, os benefícios e a possível força e beleza da proporção, do balanceamento, do ritmo, da estrutura musical, temática e sinfônica de O risco do bordado, sem ver onde estava o dedo do artesão paciente, modesto e caprichoso; se o possível leitor destas notas, após a leitura de O risco do bordado, julgá-las absurdas e mistificadoras, eu me darei por bem pago. É sinal de que os andaimes que usei para levantar e construir o meu livro, segunda essa planta baixa, não deixaram nenhum vestígio, o que é bom para a obra de arte completa e acabada. DOURADO, Autran. Uma poética de romance: matéria de carpintaria. PP. 78,79.
O bordado textual
47
unidade entre eles. No artigo “O Sete-estrêlo de Autran Dourado,” Fábio Lucas
afirma:
Cremos não errar muito ao escrever [a obra do
autor] numa linha de tradição, digamos, esteticista
da ficção brasileira, formada por escritores de todas
as correntes que, ao escrever, de certa forma
capricham no bordado. Basta lembrar José de
Alencar, Raul Pompéia, Euclides da Cunha, Mário
de Andrade e Oswald de Andrade. (LUCAS, 1971,
fl. 5).
Como se percebe, a consciência do seu fazer literário, a
incansável dedicação e atenção aos processos de narrar, a preocupação com
a linguagem e a valorização da palavra escrita fazem com que sua narrativa
tenha lugar reservado no cenário da ficção moderna e contemporânea
brasileira.
Da estréia com a novela Teia em 1947 ao último lançamento,
em 2003, de Breve manual de estilo e romance, completar-se-ão quase
sessenta anos de uma extensiva produtividade nos gêneros novelas, contos,
romances, infanto-juvenil, memórias e ensaios.
Assim sendo, encontram-se, nesse vasto painel das narrativas,
além das cenas repetidas, dos duplos, da polifonia, dos monólogos interiores e
dos fragmentos pré-socráticos, a simbologia, a mitologia, o registro da teoria do
“ver”, a teatralidade28, a metalinguagem29, a paródia30, a tragédia, a oralidade,
28 Recurso comum ao texto autraniano. A estrutura e o conteúdo dos livros em estudo estão diretamente relacionados com o texto cênico. Há, em cada romance, um protagonista, alguns atores e uma platéia de olhar ansioso, sempre em vigília para não perder o próximo ato. São dignos de nota, também, nessas narrativas, palavras que são utilizadas no texto teatral: cena, platéia, espetáculo e pantomima, Lucas Procópio. P.19, assim como frases inteiras ditas por Lucas Procópio que se considerava uma personagem que tinha vocação inata para o palco. Lucas Procópio, P. 51.
O bordado textual
48
o silêncio, coexistindo simultaneamente e com freqüência no texto, e funcionam
como elementos estruturadores de sua técnica narrativa, sobre a qual, aqui,
nos debruçamos pela importância que assoma na construção de seus textos.
29 A metalinguagem é explorada excessivamente dentro do espaço ficcional do escritor. O romance Novelário de Donga Novais (1978) é uma narração da narração. Narra e conta como está narrando. Esse recurso é também comum à Ópera dos mortos, Ópera dos fantoches como em outras narrativas suas. 30 O romance O monte da alegria (1990) é uma paródia de Os sertões (1902), de Euclides da Cunha.
A minha máscara se colou tanto à minha pele
que virou o meu outro eu visto de dentro.
Autran Dourado
Fios de um mesmo bordado
utilização de recortes de outros textos no momento de
construir a sua obra é uma prática constante de Autran
Dourado. Dentre essa variedade de textos está o seu, que é reutilizado de
todas as formas.
A relação intertextual entre textos do mesmo autor pode ser
lida como intertextualidade interna (restrita31) em oposição à intertextualidade
externa (geral), ou como intertextualidade autárquica que Genette designa por
autotextualidade. Aqui vamos utilizar o verbete intratextualidade por ser o mais
usado pelos teóricos / ensaístas com os quais vamos trabalhar.
Encontramos, normalmente, incorporados nas narrativas de
Autran Dourado, elementos constantes de outras obras suas, como frases,
citações, alusões e personagens. Essas repetições, segundo Autran Dourado,
são usadas propositadamente, funcionam como técnica, visando a atingir esse
resultado de intrincado labirinto interior (DOURADO, 2000, p. 44). A
organização desses fragmentos passa a funcionar em uníssono com as demais
vozes do texto, confirmando o princípio da verossimilhança interna da obra.
Só para ilustrar, por exemplo, algumas das personagens que
estão presentes em mais de três livros: João da Fonseca Nogueira, Lucas
Procópio Honório Cota, Dr. Saturnino Braga, Saturniano de Brito, Giuseppe
Fuoco, Lalau e Lelena, Dr. Viriato de Abreu, Prof. Maldonado do Amaral, Dr.
Maldonado Lima, Donga Novais, Ismael Silveira Frade, Tio Zózimo, Tio Alfredo,
Tio Maximino, Tia Margarida, Dr. Alcebíades Silveira, Vovô Tomé, Vovó
Naninha, Vítor Macedônio, Zé Mariano, Bê P. Lima, Gaspar, Glória, Ordália,
31 Veja em Pour une théorie du nouveau roman de RICARDOU, Jean. P. 162.
A
Fios de um mesmo bordado
51
Jagunço Xambá, Biela, Evangelina Montserrat da Silveira, João Capistrano e
Rosalina Honório Cota.
Tanto nos romances, como nos contos, constatam-se
personagens que já estiveram em uma ou outra obra sua. A repetição de
personagens e passagens inteiras, em quase todos os textos do mesmo autor,
denuncia constantemente a presença da intratextualidade no texto autraniano.
Sobre essa insistente repetição das mesmas personagens
(DOURADO, 2000, p. 44) ou passagens de livros que já foram publicados em
livros que vão surgindo e que funcionam como recurso de sua técnica, já
declarada por Autran , ele ainda diz:
Gosto da divisão do romance em blocos, tenho a
preocupação estrutural e formal do romance. Crio
personagens que se repetem de livro para livro
e capítulos que se conectam de forma inusitada.
(grifo nosso).32
João Luiz Lafetá, em “Uma fotografia na parede”, prefácio de
Os melhores contos de Autran Dourado (LAFETÁ, s/d, p. 11), diz que A
repetição, na verdade uma variação, um volteio, amplia o texto e multiplica
suas significações. Esse procedimento cria ilações tão significativas que, após
a leitura de sua obra completa, surge um só texto unificado.
Observa-se que as personagens do primeiro romance de
Autran, Tempo de amar, se repetem da primeira à última página em Ópera dos fantoches: João da Fonseca Nogueira, Ismael da Silveira Frade, Paula da
silva Sousa, Tarsila da Silveira Pinto, Evangelina Montserrat da Silveira, dentre
outras. O autor utiliza todas as personagens nesse segundo ao reescrever
Tempo de amar.
32 Entrevista ao Jornal do Brasil no dia 9 de abril de 1996.
Fios de um mesmo bordado
52
Ópera dos mortos, Lucas Procópio e Um cavaleiro de antigamente, como já foi dito, formam uma trilogia. Todas as personagens de
Ópera dos mortos foram aproveitadas nos outros dois romances, como Lucas
Procópio Honório Cota, João Capistrano Honório Cota, Quincas Ciríaco,
Isaltina Sales Cota, Dr. Maciel Gouveia, Dona Evangelina, Pe. Agostinho, Dona
Genu, Dagoberto, dentre outras.
No conto “As duas vezes que Afonso Arinos esteve em Duas
Pontes”, do Livro Violetas e Caracóis, aparecem as personagens de quase
toda a sua obra: João da Fonseca Nogueira, Lucas Procópio Honório Cota,
Ismael da Silveira Frade, Dr. Viriato de Abreu, Juiz Saturnino Braga, Prof.
Maldonado do Amaral, Dom Francisco Manuel de Melo, Lelena, Dr. Alcebíades
Silveira, Vítor Macedônio, o jagunço Xambá e Donga Novais, personagem de
um romance homônimo cujo enredo conta toda a sua história.
seu Donga era velho mais antigo de velho, de
insabida idade... consultada a infalível memória,
sondando o futuro, o pensamento sempre
acordado, a milenar sabedoria dos compêndios,
rifoneiros e almanaques, seu Donga Novais acabou
por se acalmar. (DOURADO, 1978, p. 67).
Compare-se essa citação com duas passagens do conto citado
anteriormente e observe como parecem trechos de um mesmo romance.
Só mesmo o velho Donga Novais, que, apesar de
muita idade, tem memória de elefante. Ele deveria
ser objeto de estudo da gerontologia, um ramo da
medicina que vem nascendo. E que memória tem
seu Donga!. (DOURADO, 1987, p. 126).
A fala de seu Donga Novais às vezes era labiríntica,
cheias de veredas e trilhas, estradas vicinais, na
Fios de um mesmo bordado
53
pachorra do cigarro de palha caprichado de quem
tem tempo de sobra: pantemporal, senhor das
horas e memorioso ao extremo ele era.
(DOURADO, 1987, p. 127).
Os romances Ópera dos mortos e O risco do bordado têm
passagens também idênticas. Tanto a imagem do sobrado, como a empregada
negra, presença marcante em suas narrativas, estão sempre reaparecendo a
cada obra.
Olhou o sobrado, e tudo era tão claro e limpo: o
céu, sem nenhuma nuvem, reverberava. (...)
Segurou na aldrava, bateu. (...) Ninguém veio
atender. (...) melhor ir embora... Já se dispunha a ir
quando a porta se abriu. Uma preta gorda,
baixotinha, velha, com uns fios brancos de barba no
queixo, ali parada, olhando firme nos olhos dele.
(DOURADO, 1967, pp. 65-66).
Pararam diante do sobrado velho. (...) As sombras
germinavam, o sobrado crescia branco. (...) A mão
firme bateu duas vezes na porta. Entre uma
pancada e outra um estirão. (...) A porta se
entreabriu, e uns olhos esbugalhados e amarelos
de preta rebrilharam lá dentro. (DOURADO, 1970,
pp. 28-29).
O ponto alto do romance Lucas Procópio é a morte do ex-
feitor das lavras do pai de Lucas Procópio, Pedro Chaves, que há muito se
disfarçava de Lucas Procópio. Passagem similar ocorre em Um cavaleiro de antigamente, publicado sete anos depois.
Fios de um mesmo bordado
54
Aconteceu que se viu forçado a um gesto de
legítima defesa, por todos presenciado. Estava
numa roda de amigos, viu passar por ele um preto,
não lhe pareceu estranho. O preto andou alguns
passos, se voltou. E, sem que ninguém entendesse
nada, disse Pedro Chaves! (...) Aí, foi, se virou.
Armado de uma garrucha, o preto lhe desferiu um
tiro no ombro. Mesmo ferido, o coronel ainda foi
mais ligeiro. Sacou do revólver e desfechou no
preto dois tiros seguidos, certeiros, que o
prostraram no chão, morto. Quem era, lhe
perguntaram. Não sei, um preto deve ter me
tomado por alguém que não sou, disse. E a si
mesmo: Jerônimo, preto filho da puta! (DOURADO,
1985, p. 154).
Essa cena é reaproveitada em Um cavaleiro de antigamente.
Foi necessário o surgimento do velho companheiro de andanças pelos sertões
dos gerais, o negro Jerônimo, para derrubar a máscara há tanto tempo colada
na alma de Pedro Chaves.
Quando ao sair do banco, o coronel Lucas Procópio
se deteve pra falar com alguém sobre um negócio
qualquer, de repente apareceu um preto retinto,
gritou Pedro Chaves, e deu um tiro no ombro dele.
Mesmo ferido, o coronel sacou o revolver e matou o
crioulo com dois tiros. Quem era perguntaram pra
ele. Não sei, um preto qualquer que deve ter me
tomado por alguém que não sou, ele falou.
(DOURADO, 1992, p. 23).
Fios de um mesmo bordado
55
A cada nova publicação do autor, essas imagens vão se
ampliando e se agregando a outras como se formassem um jogo de armar, ou
como o fio de aranha tecedeira na construção de sua teia.
Angela Senra, estudiosa do texto de Autran Dourado, com
Mestrado - Paixão e fé: Os sinos da agonia (1991) e Doutorado - Baús de couro, baús de ouro: Minas de Autran Dourado (1994), em suas narrativas,
afirma que
a narrativa autraniana remete sempre a índices
intratextuais. É no texto que encontramos as
referências a ele mesmo, a sua própria imagem. É
dessa resolução especular interna que o texto extrai
suas próprias ordens. Mas a textualidade
autraniana reenvia a outros referentes que também
são textos: outros livros, outros autores, outras
teorias, outros mitos e outras histórias... É nesse
sentido que se pode dizer que Autran Dourado
elabora uma reescritura dos textos que seleciona e
de uma supra-textualidade primordial - o Labirinto -
escrevendo sempre o mesmo texto. (SENRA, 1991,
p. 69).
Vejam-se algumas passagens que são comuns aos romances
Lucas Procópio e Ópera dos mortos. O “sobrado imponente” que aparece na
página 43 (O sobrado imponente na Rua Direita caindo de podre, dando até
erva-de-passarinho no telhado e mesmo no reboco) e na 75 (A sua casa, um
sobrado imponente de muitos cômodos, sem sentido para um homem solteiro,
vivia cheia de gente, nas festas que ele dava), de Lucas Procópio, remete-
nos, imediatamente, ao primeiro capítulo de Ópera dos mortos, cujo título é “O
Sobrado”. Um velho casarão que se tornou sobrado é a metáfora relevante de
Ópera dos mortos.
Fios de um mesmo bordado
56
Na página 64 de Lucas Procópio, um carreiro e um menino
guiam os três (Lucas Procópio, Pedro Chaves e Jerônimo) até a cidade de
Alfenas, local aonde eles pretendiam ir.
Um carro de bois vinha vindo, se ouviu. (...)
Estamos perto de onde, indagou Lucas Procópio ao
carreiro. A cidade pra onde eu vou é Alfenas, disse
o homem. É pra lá também que a gente vai, disse
Pedro Chaves entrando na conversa. (...) Será que
vosmecê podia dar um jeito de siô Lucas Procópio ir
no carro, está morto de cansaço. Siô Lucas
Procópio pode ir pra riba, tem lugar, disse o
homem. (...) Já era noite quando chegaram às
Alfenas. Lá, os três se despediram do menino e do
carreiro, que ofereceu rapadura e cachaça.
É cena diretamente relacionada com uma passagem da página
53 de Ópera dos mortos, em que Juca Passarinho (José Feliciano) pega uma
carona com um carreiro e um menino até Duas Pontes, cidade onde morava
Rosalina, neta de Lucas Procópio e sua futura amante.
José Feliciano esperou o carro passar, se
emparelhou com o carreiro. Boa-tarde, compadre,
disse. Está um solzinho danado, de rachar
mamona. É, disse o homem, e continuou a andar.
Será que eu podia pegar uma rabeira deste seu
carro? Estou que não agüento, venho andando de
longe, tive umas tonteiras, cãibras nas pernas, de
vez em quando me dá disto. Ando meio perrengue,
acho que peguei alguma doença na última fazenda
onde fiquei, lá no Guaxupé. O homem olhou bem
Fios de um mesmo bordado
57
para ele, José Feliciano fez uma cara de doente.
Pode trepar, disse o carreiro.
A intratextualidade se processa, também, através da retomada
freqüente da metáfora-símbolo – relógio-armário - presente em vários dos
romances e contos autranianos.
Do jeito que as coisas vão até aquele relógio-
armário teremos de vender. (DOURADO, 1985, p.
94).
O pêndulo do grande relógio-armário da sala, no
seu vaivém, já de si lento, parecia mais vagaroso
ainda, o tempo custando a passar, o ponteiro
grande demorado. (DOURADO, 1985, p. 100).
E veio aquele relógio-armário de tamanho e beleza
inigualada... E vinha gente de longe ouvir o relógio-
armário. (DOURADO, 1967, p. 16-17).
Dirigiu-se primeiro para o grande relógio-armário,
aquele mesmo, e parou o pêndulo. (DOURADO,
1967, p. 26).
O relógio-armário está presente nos romances em estudo e em
várias outras obras, numa insistente e proporcional repetição, cumprindo o
ritual da passagem do tempo. Veja mais alguns exemplos:
O pêndulo do grande relógio-armário da sala, no
seu vaivém, já de si lento, parecia mais vagaroso
ainda, o tempo custando a passar, o ponteiro
grande demorado. (DOURADO, 1985, p. 100).
Um longo silêncio pesou entre os dois. O relógio-
armário, senhor das horas, já tinha sido seu,
Fios de um mesmo bordado
58
pensou Saturnino de novo agoniado. Ele que o
trouxe de Duas Pontes, o fatídico relógio da gente
Honório Cota. (DOURADO, 1984, p. 103).
Para o chefe não fazer nenhuma observação, ele
verificava os ponteiros do velho relógio-armário que
tinha sido de João Capistrano Honório Cota, de
famosa memória, arrematado num leilão judicial.
(DOURADO, 1981, p. 19).
Uma tarde, quando era mais forte a canícula, entrou
na sua sala no banco (naquela mesma sala fatídica
onde ficava agora o relógio-armário e onde morrera
Vítor Macedônio) o jagunço Xambá e lhe desfechou
seguidamente três tiros no peito. (DOURADO,
1981, p. 41).
De noite, no consultório. A última vez que esticou a
atenção para a pêndula soaram dez horas.
(DOURADO, 1981, p. 55).
A cada morte ocorrida no casarão dos Honório Cota era parado
o pêndulo de um relógio.33 Um exemplo desse ritual ocorreu no romance Ópera dos mortos em que o relógio-armário foi parado às três horas com a morte de
dona Genu, esposa de João Capistrano Honório Cota e mãe de Rosalina.
O romance Os sinos da agonia traz a utilização desse
recurso, a repetição, diferente da forma mostrada anteriormente. A cena do
encontro de Malvina com o mestiço Januário se repete mais de duas vezes no
mesmo romance sem causar monotonia ou lentidão ao texto.
33 Havia três relógios na parede do casarão: o relógio de prata, comemorativo da Independência; o relógio-armário e o relógio Pateck Philip, cujo pêndulo foi parado com a morte de João Capistrano Honório Cota.
Fios de um mesmo bordado
59
Quando primeiro viu Malvina no seu cavalo, ao lado
de Gaspar no seu ruão. (...) Ele olhou-a, viu-a
demoradamente, e os seus olhos não puderam
mais se despregar daquela cabeça de fogo,
daquele corpo... Ele que se voltou tão bruscamente,
tão logo a viu. Ela também o tinha visto, reparou
nele. Os olhos se encontraram, ela chegou mesmo
a parar o cavalo. (DOURADO, 1974, p. 36).
O homem freou bruscamente o seu cavalo,
encarou-a demoradamente. Tão demoradamente,
tão ousadamente, os olhos luminosos e faiscantes,
espantado diante da aparição. Se sentiu tocada por
aqueles olhos, tão macho era o mestiço.
(DOURADO, 1974, p. 122).
Depois se encontraram com o mameluco e ela... se
deixou admirar demoradamente pelo mestiço.
Então ela riu alto, deu um grito, chicoteou o cavalo,
saiu num galope desabalado. (DOURADO, 1974, p.
166).
A variedade de exemplos mostrando a presença de um mesmo
objeto ou cenas das mesmas personagens em mais de um romance é para
enfatizar a característica elementar do tear de Autran Dourado. Através de uma
construção interligada comum a vários textos do mesmo autor, vai-se formando
um único romance, uma só obra, como quer Autran Dourado.
Na verdade, eu estou querendo fazer um livro só.
Se você verificar, vai notar que meus livros são
mais ou menos os mesmos. Por coincidência, meu
primeiro livro se chama Teia, e o penúltimo, O risco
Fios de um mesmo bordado
60
do bordado – tudo um problema de tecido, de
intrincado tecido. (COSTA, 1974, fl. 10).34
No espaço desse tecido literário, há um constante
aproveitamento, como já foi constatado, de temas e personagens que transitam
livremente pelos gêneros narrativos trabalhados pelo escritor. Em alguns livros,
as personagens são protagonistas; em outros, são coadjuvantes ou vice-versa,
atuando num ritmo de circularidade entre contos e romances:
O livro como uma só e grande frase, uma só
metáfora, que se desdobra em muitas outras,
conforme um ritmo, é uma idéia que cada vez me
agrada mais. (DOURADO, 2000, p. 78-79).
Sempre a mesma coisa, como as coisas são
paralelas e simétricas, como se repetem, a simetria
tão própria do barroco, como o duplo e o
espelhismo, se repetem monotonamente,
ciclicamente, corsi recorsi, Giambattista Vico.
(DOURADO, 1989, p. 195).
Autran Dourado, em entrevistas e na sua obra ficcional
(DOURADO, 1987, p. 125) e ensaística,35 declara que esse recurso da
repetição em seus textos tem origem na Técnica do corsi recorsi, do filósofo
Giambattista Vico36, de sua teoria dos três estágios cíclicos da história e de sua
34 COSTA, Flávio Moreira da. “Questões de vida e de morte’. São Paulo: Opinião, 1 de novembro de 1974. 35 “Personagem como metáfora”. In: Uma poética de romance: matéria de carpintaria. P. 220. 36 Filósofo e historiador italiano (Nápolis 1668 – 1744). Opondo-se ao racionalismo de Descartes, defendeu a tese de que o verdadeiro objeto do conhecimento são os feitos humanos, isto é, o mundo da cultura, aquilo que o homem cria, e não a natureza. A partir disso, construiu a primeira filosofia da história, antecipando-se a Herder, Hegel e Comte. Seus estudos de história e, em particular, sua teoria dos ciclos de civilização exerceram ampla influência no pensamento ocidental. Para Vico, a civilização passa por três estados: idade divina, idade heróica e idade humana, Após a terceira etapa, o
Fios de um mesmo bordado
61
concepção poética, em que aprendeu que, em poesia, as imagens são
superiores às idéias abstratas.
Não é raro, também, o recurso da apropriação do Eu,
personagem que quer assumir a personalidade de outra personagem, que,
além de enriquecer o texto, dá maior ênfase à narrativa, gerando expectativa
no leitor.
No romance Lucas Procópio, dá-se essa mudança de
personalidade entre duas personagens: Pedro Chaves, antigo feitor das lavras,
se emascara para melhor personificar a estúrdia figura de Lucas Procópio. A
transformação que acontece de uma personagem em outra é apreendida,
dentro do texto, através de passagens em que o narrador se contradiz quando
descreve o comportamento de Lucas Procópio no segundo momento da
narrativa.
Não acontece, propriamente, uma destruição da figura de
Lucas Procópio, mas uma transfiguração, um intercâmbio de personalidade. A
posse se dá a partir do fascínio que a figura excêntrica de Lucas Procópio
inspira no outro.
Observa-se uma relação entre esse desejo de apropriação do
Ser, da alma do outro, e o mito de Fausto.37 Nesse caso, sem pacto, mas um
ciclo se reinicia. Esse processo recebeu o nome de corsi recorsi. Os Pensadores. 1979. 37 Fausto, herói de numerosas obras literárias, musicais, plásticas e cinematográficas, teria sido inspirado num alquimista e charlatão que nasceu em Knittlingen por volta de 1480 e, após uma vida aventurosa e errante, morreu em Staufen, c. 1540. Em crônica do século XVI, era referido como um homem que vendera a alma ao demônio Mefistófeles em troca de sabedoria e prazer ilimitados durante certo número de anos (História von Dr. Johan Fausten, 1587). O tema foi fixado por uma peça de Christopher Marlowe, A trágica história do doutor Fausto (escrita entre 1588 e 1593), e pelo teatro ambulante alemão. Progressivamente, os escritores apoderaram-se do personagem para torná-lo um símbolo do conhecimento desviado, o herói ambicioso da conquista do saber contra os poderes ocultos (Lessinger, Klinger) ou o porta-voz de suas angústias e alucinações (Chamisso, Lenau). O Fausto, de Goethe, forneceu uma visão panorâmica da lenda e acabou consagrando o personagem como o grande mito nacional alemão, também abordado por Thomas Mann em Doktor Faustus (1947). Visto através da oposição essencial das seduções da vida e do tédio existencial (Valéry, Mon Faust, 1941-1945), ou dos múltiplos caminhos de uma obra “móvel” (Michel Butor e Henri Pousseur, Votre Faust, 1963), Fausto aparece,
Fios de um mesmo bordado
62
aproveitamento, uma aproximação e um distanciamento do mito, esvaziando-o
e dando-lhe um tratamento moderno, em que a posse subsiste sem maiores
explicações.38 Essa nova versão é completamente diferente da primeira forma
em que o mito é apresentado; sua utilização no texto autraniano é revestida de
ironias e suspeitas, características encontradas na ficção contemporânea.
Mas veja-se como se dá essa passagem no Fausto:
FAUSTO
O inferno, até, tem leis? mas, bravo!
Podemos, pois, firmar convosco algum contrato,
Sem medo de anular-se o pacto?
(...)
FAUSTO
(...)
Que exiges, pois, gênio daninho?
Papel, bronze, aço, pergaminho?
Devo escrever com lápis, cinzel, pena?
Dou-te de tudo escolha plena.
MEFISTÓFELES
(...)
Serve qualquer folheto ou nota.
Com sangue assinas, uma gota!
FAUSTO
sobretudo, como Don Juan: uma fonte extremamente rica a partir da qual cada autor pode colher elementos para construir seu mito pessoal. 38 Esta observação é pertinente ao se levar em conta que, em outros textos do autor, encontramos citações dos livros de Goethe, inclusive do próprio Fausto. Observe esta passagem do conto “Noite de Cabala e paixão”, do livro As imaginações pecaminosas, p. 57: Com o domínio que ia aos poucos adquirindo sobre si − ou era efeito do álcool? −, se pôs a imaginar um diálogo à Goethe entre Fausto e Mefistófeles, na linguagem de dom Francisco Manuel.
Fios de um mesmo bordado
63
Pois bem, a farsa, então, e adota,
Já que te deixa contentado.
MEFISTÓFELES
Sangue é um muito especial extrato.
FAUSTO
Não há perigo de eu romper o pacto!
O afã do meu vigor completo
É justamente o que prometo.
(...) (GOETHE, 1991, p. 74-84).
Há, também, uma outra passagem em Fausto em que a
personagem Helena, diante do palácio de Menelau, na segunda parte do
Terceiro Ato, afirma:
Eu, como sombra, vinculei-me a ele, outra sombra,
um sonho foi, dizem-no as próprias palavras;
desmaio, e sombra torno-me eu, para mim mesma.
(GOETHE, 1991, p. 346).
Diferentemente, em Lucas Procópio, não houve a celebração
do pacto como no Fausto, que foi assinada, solenemente, com sangue. Não há
formalidades de uma troca entre as duas personagens; o que persiste entre
elas é uma espécie de admiração, de deslumbramento, de encantamento de
uma figura sobre a outra.
A posse se dá sutilmente sem que o leitor / espectador perceba
de imediato. O texto exige uma atenção minuciosa aos detalhes, aos
pormenores. Voltar-se para as entrelinhas é descobrir o nó da intriga do
romance Lucas Procópio.
Fios de um mesmo bordado
64
Além de Pedro Chaves, o negro Jerônimo desejava ser outra
pessoa. E o modelo mais próximo e atraente foi Lucas Procópio, companheiro
de incansáveis andanças pelos sertões dos Gerais. Por alguns momentos, ele
saía pelas praças tentando pregar as idéias de Lucas Procópio, isto é,
ressuscitar a fase áurea das Minas Gerais. Por causa da cor (já tinha sido
escravo) e sem posição social, a gente, em nenhum momento, acreditou em
suas palavras.
Esse artifício é observado em vários livros do autor, como, por
exemplo, em Os sinos da agonia, onde as personagens Malvina e Donguinho
ou Januário e Gaspar se fundem numa só, se reconhecem na figura do outro,
formando uma só imagem. A seguir, os dois exemplos:
Não era mais ela, era um ser monstruoso e
andrógino que corria os pastos e descampados do
entardecer. Era Donguinho redivivo vindo
amorosamente nela se fundir. Carinhosamente ele
a convidava para a escuridão sem fim, para a sua
eterna noite de demente. (DOURADO, 1974, p.
113).
Januário era por fora o que Gaspar era por dentro...
E fundia os dois numa só figura: Januário e Gaspar
se completavam, eram uma só pessoa.
(DOURADO, 1974, p. 124).
Com relação a esse tipo de personagens interligadas,
comum à obra autraniana, formando, muitas vezes, duplas, Angela Senra
afirma que
as personagens autranianas embora solitárias, não
existem sozinhas, ligam-se umas às outras, sem
perceberem, subterrâneamente. E, mesmo sem se
Fios de um mesmo bordado
65
falarem, sem se verem, sem mesmo se
conhecerem, intercomunicam-se – são ‘duplas’ na
dor e na alegria. (SENRA, 1983, p. 104).
Reforçando esse pensamento, Reinaldo Martiniano Marques,
estudioso da ficção de Autran Dourado, escreveu o seguinte:
Na relação dual, portanto, a personagem identifica-
se ao outro – no caso, uma outra personagem – ,
vivendo uma relação narcísica alienante, em que
ela é mais o outro que ela mesma. Estabelece-se
uma oposição imediata entre sua consciência e seu
outro, ficando aquela esmagada por este, seu
duplo, na falta de distância dele. A personagem vê
no outro um complemento seu, uma parte de si
reprimida pelo seu papel no mundo do
comportamento social. (MARQUES, 1996, p. 109).
Essa interligação formando imagens especulares entre as
personagens, que culmina, em alguns casos - (Deolindo e Elias / SS; Quincas
Ciríaco e João Capistrano / OM; Lucas Procópio e João Capistrano / OM; João
Diogo e El-Rei / OSA; João Diogo e o Capitão General / OSA; Malvina e o
Capitão General / OSA; Malvina e Donguinho / OSA; Isidoro e Januário / OSA;
Vítor Macedônio e Valdemar Filgueiras / AIP), - na posse da personalidade de
outra personagem, é um aspecto/recurso de destaque na obra de Autran
Dourado.
Com relação à personagem Lucas Procópio, ele consegue
influenciar seus companheiros, porque não só o acompanham, como tentam
imitá-lo. Pedro Chaves tenta roubar-lhe a alma e Jerônimo se apossa do seu
sonho, passando a incorporar as suas atitudes.
Fios de um mesmo bordado
66
A sombra de Lucas Procópio é o que há de mais presente na
vida do filho. Mesmo após sua morte, João Capistrano procurava assumir sua
personalidade, seguindo um ritmo de vida igualzinho ao do pai. Tentar expulsar
esse rastro da sua vida era destruir-se, era parar de viver.
Tanta gente que vai ou pode ainda aparecer, foram
e vão, irão fazendo esta narrativa, e se tem que
tomar cuidado para evitar as demasias fantasiosas
do mito. (DOURADO, 1978, p. 37).
Mas a imagem emblemática do velho coronel permanece. Para
construir o segundo pavimento da casa de João Capistrano em total harmonia
com a parte inferior, o mestre conversou com a gente, colhendo informações
sobre Lucas Procópio, já que o sobrado devia conter a unificação da
personalidade dos dois, fundir, numa só, as duas figuras. Quando ficou pronto,
a gente pôde constatar que a imagem das duas pessoas estava registrada
naquele sobrado:
Eu não quero um sobrado que fique assim feito
uma casa em riba da outra. Eu quero uma casa só,
inteira, eu e ele juntos para sempre. (DOURADO,
1967, p. 4).
Mas se atentar bem pode ver numa só casa, numa
só pessoa, os traços de duas distintas: Lucas
Procópio e João Capistrano Honório Cota.
(DOURADO, 1967, p. 5).
A figura de Lucas Procópio estava impregnada na alma de
João Capistrano. Seu estilo silencioso e sombrio era de quem arrastava o peso
de um passado doloroso. Além dele mesmo, somente Quincas Ciríaco, amigo
de infância, sabia que o pai dele é ele mesmo (DOURADO, 1967, p. 13).
Fios de um mesmo bordado
67
Quando se exaltava, não era possível distinguir a diferença entre voz e gestos
dos dois.
Todo mundo que nasce em terras de seu Lucas
Procópio tem o jeito dele. Quando não na cara, no
feitio, na fala. (DOURADO, 1967, p. 14).
Vale ressaltar que esse recurso de apropriação do Eu acontece
nos romances e nos contos. No caso da personagem Lucas Procópio, além de
ser um tipo ou modelo que todos queriam imitar, está sempre reaparecendo em
outros livros, atormentando personagens que tiveram, no passado, alguma
ligação com os Honório Cota.
Lucas Procópio reaparece nos contos: “Retrato de Vítor
Macedônio”, “Queridinha da família” e “Noite de cabala e paixão”, do livro As imaginações pecaminosas (1981), e em “O Meritíssimo Juiz”, de Violetas e Caracóis (1987).
No romance O cavaleiro de antigamente (1992), que conta a
trajetória de João Capistrano Honório Cota, encontra-se o maior relato da
verdadeira história de Lucas Procópio. Esse livro é uma narrativa-documento
que serve para desvendar os mistérios encontrados nos textos em estudo.
Um outro livro, também importante no sentido de revelar a
trajetória de Lucas Procópio, é Monte da alegria (1990), onde se encontram
trechos que são decisivos para o leitor na elaboração dessa personagem.
Como artesão da oficina do exercício do fazer e refazer, Autran
cria uma outra personagem, o escritor João da Fonseca Nogueira, similar a
Lucas Procópio, que estará presente em quase toda a sua obra, ouvindo
histórias, utilizando a memória para reescrever o passado e escrevendo livros
em busca do sonho de se tornar um escritor.
Fios de um mesmo bordado
68
No conto “Inventário do primeiro dia”, escrito em 1957, do livro
Nove história em grupo de três, João, ainda menino, é levado pelo pai para
estudar no Colégio interno São Mateus.
Enquanto a noite rolava, fazia um inventário
completo de seu primeiro dia de internato. E então
já não estava mais se lembrando, mas contando a
alguém a sua história. Começava a inventar?
Talvez, porque a memória não é estanque. Contava
a sua história. (DOURADO, 1972, p. 89).
No romance O risco do bordado (1970), João, ainda no
Colégio interno e passando as férias em Duas Pontes, vive a saga de sua
família. O tempo transcorre entre as recordações do passado quando criança e
o sonho de estudar Direito em Belo Horizonte.
Em 1984, a personagem João da Fonseca Nogueira reaparece
no romance político A serviço del-Rei como um escritor que recebe um
convite para apoiar o candidato Saturniano de Brito à presidência da República.
João, já maduro, faz reflexões sobre a vocação literária e a relação com o
poder.
Sabendo que o papel do escritor é deformar e reinventar o real,
não se pode esquecer a estreita relação dessa narrativa com a época em que
Autran Dourado foi Secretário de Imprensa da Presidência da República no
Governo de Jucelino kubitschek (1955-1960). Mas ele diz:
O personagem tem a ver é com a realidade dentro
do livro, a realidade dentro do romance, com a sua
arquitetura e não com a realidade do meio em que
vivem os homens, de que eles romancistas e
novelistas se utilizam como barro. (DOURADO,
2000, p. 95).
Fios de um mesmo bordado
69
O referido personagem se faz também presente nos contos do
livro Violetas e caracóis (1987). Primeiramente, em “Remembranças de
Hollywood”, quando João, ainda menino, assistia aos filmes hollywoodianos
que passavam no Cine-Teatro Estrela de Duas Pontes, em que “As duas vezes
que Afonso Arinos esteve em Duas Pontes”, onde o poeta Ismael da Silveira
Frade, escrevente e autor dos Anais da cidade, conta ao escritor João da
Fonseca Nogueira como foi a visita do autor de Pelo sertão (de 1896 a 1898) à
cidade de Duas Pontes.
João era então um jovem escritor só conhecido em
Minas Gerais, mas para Ismael... ele significava o
sucesso, a glória. (...) E Ismael... disse eu conto e
você deforma, inventa depois. Imaginação e
memória têm a mesma etimologia. E Ismael
continuou. (DOURADO, 1987, p. 123-124).
Ainda em Violetas e caracóis, no conto “O Meritíssimo Juiz”,
João da Fonseca Nogueira reaparece voltando a Duas Pontes para visitar a
família e encontrar os amigos, contadores de causos, em busca de histórias
para seus contos e romances.
Um artista aprendiz (1989) é um romance de formação, da
educação literária, filosófica e sentimental de João da Fonseca Nogueira, isto
é, um Bildungsroman.39
39 O termo alemão “Bildung” tem o sentido de formação, educação, cultura ou processo de civilização; em português, “Bildungsroman” seria traduzido como “romance de aprendizagem”, de “formação”, ou de “desenvolvimento”. A tradição do “Bildungsroman” começa com o Wilhelm Meisters Lehrjahre, de Goethe, publicado na Alemanha entre 1794 e 1796 e traduzido para o inglês em 1824 com o título de Wilhelm Meister’s Apprenticeship. (...) Goethe não foi quem primeiro usou o termo “Bildungsroman”, mas a ele se deve a sua formação, pois freqüentemente usa a palavra “Bildung” e outras derivadas referindo-se ao seu Wilhelm Meister, obra que é considerada o protótipo ou modelo arquetípico do gênero. Veja no livro O
Fios de um mesmo bordado
70
E o tempo passou ligeiro. Terminara a sua fase de
estudos aplicados e pesquisas formais, de suas
preocupações esteticistas: o aprendizado literário e
de vida a que se entregara com exacerbação. (...) E
procuraria se libertar do seu currículo fechado e
asfixiante, incorporando o seu saber técnico a as
suas conquistas à obra madura que sonhava
realizar, conscientemente procurando esquecer o
que sabia, para alcançar, através do trabalho e de
sua disciplina, a sua técnica e expressão próprias,
verdadeiramente livres, pouco importando o preço
que tivesse de pagar. (DOURADO, 1989, p. 254).
O autor denuncia o estilo narrativo utilizado nesse romance
logo de início, na dedicatória: a primeira é dedicada aos dois maiores mestres -
o filósofo e o escritor mineiro - que acompanharam o processo de sua
formação; a segunda epígrafe é do escritor russo Goethe, precursor do
Bildungsroman.
A Artur Versiani Veloso e Godofredo Rangel in
memoriam.
Cada um tem sua felicidade nas mãos como o
artista a matéria bruta à qual ele quer dar forma. Na
arte de ser feliz e em qualquer outra arte, só a
capacidade é inata: é preciso aprendizado e
acurado exercício. Goethe. Os anos de
aprendizagem de Wilhelm Meister.
bildungsroman feminino: quatro exemplos brasileiros, de Cristina Ferreira Pinto. PP. 9 e 10.
Fios de um mesmo bordado
71
Prosseguindo, João da Fonseca Nogueira reaparece em Ópera dos fantoches, lançado em 1994. O autor faz uma releitura do romance
Tempo de amar (1952), usando a técnica do monólogo interior. Nessa
reescrita, as histórias das personagens continuam, e uma delas, Ismael, pede
ao escritor João da Fonseca para ser utilizado como personagem em suas
narrativas.
Em Confissões de Narciso (1997), João da Fonseca
Nogueira, escritor já consagrado, recebe da personagem Sofia os escritos do
falecido marido para ler e publicar.
Dona Sofia, viúva do Dr. Tomás de Sousa
Albuquerque, um advogado de pequena clientela na
cidade de Duas Pontes, Sul de Minas, entregou ao
escritor João da Fonseca Nogueira uma pilha de
cadernos do marido, alguns em verso e outros em
prosa, o título geral de “Confissões de Narciso”,
dizendo o senhor que escreve, até já publicou
livros, ouvi dizer, é capaz de se interessar por essa
literatura de meu marido. Faça deles o que bem
entender, publique mesmo se quiser. (DOURADO,
1997, p. 11).
Ao construir, passo a passo, os corredores e as galerias
(estrutura) desse labirinto, o autor imprime sua marca por entre as linhas que
servirão de sustentáculo ao cenário onde as personagens, como João da
Fonseca Nogueira, possam representar.
Há um paralelismo entre a biografia do autor e a vida da
personagem João da Fonseca Nogueira; entre o real e a ficção passa a existir
um tênue fio ligando autor e personagem que se fundem através da linguagem
metafórica.
Fios de um mesmo bordado
72
Nessa relação especular, Autran Dourado escreve sua
trajetória, sua autobiografia imaginária. Como autor implícito que não se coloca
nas narrativas, ele será mediatizado por uma personagem. Suas impressões
são proferidas pela voz da personagem-escritor João da Fonseca Nogueira,
seu alter ego.
Continuou a escrever seus pequenos contos,
guardava-os para um possível livro. Tinha planos
mais ambiciosos para o futuro: primeiro uma
novela, depois tentaria o grande mundo do
romance. (DOURADO, 1989, p. 25).
A trajetória dessa personagem segue modelarmente a biografia
do autor - vê-se que se fala de uma única persona -, que, artisticamente,
substituiu os nomes das pessoas e dos lugares, como, por exemplo, o escritor
Godofredo Rangel e o filósofo Artur Versiani Veloso, intelectuais mineiros que o
influenciaram ainda adolescente, se tornaram personagens no livro Um artista aprendiz e receberam, respectivamente, os nomes de Sinval de Souza e Sílvio
Souza, como depois afirmou Autran Dourado em sua entrevista na UFMG em
1996.
Entre as muitas pessoas que colaboraram para a
minha formação, duas foram decisivas e a elas
devo o que sou: Artur Versiani e Godofredo Rangel.
A Veloso, o ordenamento que procuro dar à minha
mente e à minha iniciação; a Rangel, o aprendizado
literário, a seriedade diante da obra, a humildade,
(...) A Veloso e a Rangel procurei deixar assinalada
a minha dívida de gratidão dedicando-lhes o meu
romance Um artista aprendiz, do qual são, com
pouco disfarce e alteração, personagens.
Fios de um mesmo bordado
73
O Dr. Alcebíades, personagem do livro Violetas e caracóis,
faz uma pergunta a João e o alerta: Mas você não vai fazer ficção usando o
nome de pessoas que existiram e possuem descendentes vivos?! Pelo menos
vai mudar os nomes, sobretudo se for fantasia. (DOURADO, 1987, p. 126).
E João começou a escrever o seu romance. (...) O
personagem principal, evidentemente um alter-ego
dele, era um escritor já realizado que retorna à sua
terra natal para conferir as suas lembranças da
infância com as pessoas que dela participaram.
(DOURADO, 1989, p. 173).
Na seqüência de suas publicações, o autor confessa que sua
biografia foi estendida ao texto narrativo e que a vida de um escritor, de uma
maneira ou de outra, vai sempre estar plasmada em sua obra.
Por ocasião dos seus 70 anos, é convidado pela Faculdade de
Letras da UFMG, em 1996, para participar do projeto “Encontro com escritores
mineiros”. No depoimento prestado, Autran confessa:
Uma coisa é certa: todos esses livros narram a
minha história pessoal, suas personagens são eu
mesmo, mesmo as femininas. (...) Muitas de minhas
dúvidas, de meus problemas, de minha
sensibilidade erótica estão em Rosalina e Malvina.
Aliás, a autobiografia de um escritor é o conjunto de
suas obras. Conjunto o mais amplo possível.
(SOUZA, 1996, p. 34).
O processo de construção de personagens e sua
desconstrução dentro da narrativa funciona como recurso utilizado pelo autor
para melhor realizar sua narrativa labiríntica e, conseqüentemente, dar ao texto
Fios de um mesmo bordado
74
uma dimensão valorativa na escala dos grandes autores da ficção brasileira
contemporânea.
O homem se alimenta de
mitos, símbolos e sonhos.
Autran Dourado
Fios de outros bordados
pós percorrermos o modus faciendi de Autran Dourado,
o dobrar, desdobrar e redobrar das palavras,
centraremos nossa atenção no diálogo que seu texto trava com os textos de
diferentes autores.
A intertextualidade ocorre, nos contos e nos romances, com
autores clássicos e modernos. Vejam-se estas citações, uma do romance
Iracema, de José de Alencar, e outra do livro Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis e uma outra do poema “No meio do caminho” do
livro Alguma poesia, de Carlos Drummond de Andrade.
Muito além daquela serra que ainda azula no
horizonte, nasceu Iracema, a virgem dos lábios de
mel. (DOURADO, 1987, p. 121).
Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o
legado da nossa miséria. (DOURADO, 1978, p.
127).
No meio do caminho tinha uma pedra / tinha uma
pedra no meio do caminho / tinha uma pedra/ no
meio do caminho tinha uma pedra. (DOURADO,
1989, p. 48).
Esse tipo de intertextualidade, no caso formal, é comum à
narrativa do autor em estudo. Além desses três exemplos, retirados de textos
diferentes, outros mais podem ser citados, como os que se seguem:
A
Fios de outros bordados
77
A personagem Quintiliano Dantas, do romance A Serviço del-Rei, é um poeta que costuma relembrar versos e, muitas vezes, brinca de
alterar os nomes das personagens. Aqui ele lembra os versos do poema
“Marília de Dirceu”, de Tomás Antônio Gonzaga.
Indo o triste pastor todo embebido / na sombra de
seu doce pensamento, / tais queixas espalhavam
ao leve vento, / com brando suspirar da alma saído.
(DOURADO, 1984, p. 53).
No mesmo romance (1984, 161), o senador Saturniano de
Brito, candidato à presidência da República, em conversa com João da
Fonseca Nogueira em busca de apoio político, cita versos de Fernando
Pessoa:
Afinal sem a loucura que é o homem?
Besta sadia, cadáver adiado que procria.
Outro verso de Fernando Pessoa aparece em Ópera dos fantoches, quando o poeta Ismael Frade conta sua vida para o romancista
João da Fonseca Nogueira transformar em romance. Já viram Deus as minhas
sensações. (DOURADO, 1994, p. 36). Em Um artista aprendiz (1989, p. 177)
há um trecho do poema Pasárgada de Manuel Bandeira:
Vou-me embora pra Pasárgada, /
Lá sou amigo do rei. (DOURADO, 1989, p. 177).
De Confissões de Narciso, retiramos três passagens, uns
versos de um soneto de Camões e dos Lusíadas e um trecho de um poema de
Santa Teresa.
Fios de outros bordados
78
Um morrer de olhos, brando e piedoso, / Sem ver
de quê; um riso brando e honesto, / De qualquer
alegria duvidoso. (DOURADO, 1997, p. 48).
Sem ver de quê, um riso brando e honesto. /
Noturna sombra, sibilante vento. (DOURADO, 1997,
p. 48).
Vivo ya fuera de mi
Depués que muero de amor. (DOURADO, 1997, p.
52).
No romance Os sinos da agonia, há um texto extenso da
linguagem formal pragmática do século XVIII, que é a transcrição do Decreto
do Governador das Minas, reproduzindo a linguagem e a grafia da época, na
língua arredondada, ornada, exaltada, rebarbativa, retumbante. (DOURADO,
1974, p. 24). Esse Decreto é um texto que expressa o desejo do Senhor
Capitão-General de executar Januário pelo crime de lesa-majestade. A seguir
um trecho desse documento:
... p. a q. todos q. lèem este édito ou ouvem o seu
bando tenhão a certeza de q. aquelle cujo nome se
menciona com asco e se amaldiçoa, deve sofrer
morte natural p. a sempre, na fòrca para tanto
armada no logar mais público; figurado em effigie,
estátua ou boneco, devido q. ausente e fugitivo do
braço da Lei Secular e mesmo da Canònica Lei, q.
execra e abomina réos de crime do capitulo de
primeira cabeça da Ordenação de El-Rey;(...)
(DOURADO, 1974, p. 24).
A intertextualidade é um recurso excessivamente utilizado por
Autran Dourado em todas as suas narrativas. Desde sua primeira publicação,
Fios de outros bordados
79
Teia, observa-se o trabalho de aproveitamento de outros discursos em seus
textos.
No caso dessa novela, encontra-se uma citação da Bíblia,
Daniel, 8:11 e 11:24, livro que a personagem Dona Elvira empresta para que
Gustavo faça uma leitura.
E se engrandeceu até o príncipe do exército: e por
ele foi tirado o contínuo sacrifício, e o lugar de seu
santuário foi lançado por terra.
E se fortalecerá a sua força, mas não pelo seu
próprio poder; e destruirá maravilhosamente, e
prosperará, e fará o que lhe aprouver; e destruirá os
fortes e o povo santo. (DOURADO, 1947, p. 52).
Esse diálogo confirmador de que todo texto contém em si
fragmentos de outros textos e de que não há texto puro, foi originalmente
enfocado por Bakhtin e, posteriormente, desenvolvido por vários estudiosos
dentre eles Júlia Kristeva, para quem o texto é concebido como um aparelho
translingüístico, como lugar de encontro de outros textos.
todo texto se constrói como mosaico de citações,
todo texto é absorção e transformação de um outro
texto. (KRISTEVA, 1974, p.64).
O vocábulo intertextualidade foi utilizado inicialmente pela
teórica Julia Kristeva, mas fundamentado nos estudos do grupo de Bakhtin.
Kristeva alarga a compreensão de texto, que, na sua concepção, ultrapassa a
presença contínua de outros textos em determinado texto.
Fios de outros bordados
80
O termo ‘intertextualidade’ designa essa
transposição de um (ou vários) sistema(s) de signos
noutro, mas como este termo foi freqüentemente
tomado na acepção banal de ‘crítica das fontes’
dum texto, nós preferimos-lhe um outro:
transposição, que tem a vantagem de precisar que
a passagem dum a outro sistema significativo exige
uma nova articulação do tético – da possibilidade
enunciativa e denotativa. (KRISTEVA, 1974, p. 60).
Seguindo a linha de pensamento de Kristeva, Leyla Perrone-
Moisés, ao escrever sobre a intertextualidade crítica, na revista de teoria e
análise literárias, Poétique (1979, p. 210), diz que:
Não devemos portanto reduzir a intertextualidade
ao uso da citação ou ao aparato referencial da
crítica das fontes. Tratar-se ia, nesses casos, duma
intertextualidade rudimentar. A que nos interessa
aqui não é uma simples soma de textos, mas um
trabalho de absorção e de transformação de outros
textos por um texto (Kristeva), trabalho que não
pode exercer-se na crítica tradicional.
Gerard Genette, em seu livro Palimpsestes, aborda cinco tipos
de relações transtextuais, isto é, tudo o que põe um texto em relação com outro
recebe o nome de transtextualidade. Além da intertextualidade, ele destaca a
importância de outros recursos textuais, como a paratextualidade,
metatextualidade, arquitextualidade e hipertextualidade, os quais não serão
trabalhados nesta pesquisa.
A intertextualidade é o primeiro tipo de transtextualidade
esboçada por Genette e é compreendida como uma relação de coopresença
entre dois ou mais textos.
Fios de outros bordados
81
A compreensão da obra de Autran Dourado se amplia se for
pensada a partir da relação com textos de outros autores e com textos do
próprio Autran. Além do intercâmbio entre esses textos literários, mesmo em
outras obras, essa relação emerge das mais diferentes formas como através da
apropriação de outros sistemas simbólicos, no caso, por exemplo, da música,
cujas letras assomam em suas narrativas através de vozes femininas.
A personagem Beatriz do romance Confissões de Narciso
toca e canta um trecho de uma música de Carlos Gomes Tão longe, de mim
distante, / Onde irá, onde irá teu pensamento (DOURADO, 1997, p. 91).
Em Ópera dos fantoches, a personagem Maria das tranças
toca violão e canta o estribilho de uma canção Vou-me embora, vou-me
embora, / Pomba minha, coração (DOURADO, 1994, p. 17).
Os discursos das personagens autranianas são também
cruzados constantemente por diversas modalidades de diálogos, como os
inúmeros ditos populares.
De rifão em rifão, vai-se o melão. / Casamento e
mortalha, no céu se talha. / Xexéu e vira bosta,
cada qual do outro gosta. / O tempo não tem
ciência pra quem tem paciência. / Sem indez
galinha não tem vez. / Quem não tem beleza, bota
realeza. / Mulher que bem se areia, nunca é feia. /
Seta disparada, não volta ao nada. / Beleza e
ciência levam um a falência. / Na entrelinha é que
pia a galinha. / É melhor andança que filosofança. /
Amor em corrente, amor que se sente. / Quem
herda não furta.40 (...) Quem dorme com menino
amanhece molhado. / Pai rico, filho nobre, neto
pobre. / Quem pariu Mateus, que o embale.
(DOURADO, 1984, pp. 108-126-127). (...) Deus
escreve direito por linhas tortas. / Cada um tem seu
40 Todos esses ditos populares estão no romance Novelário de Donga Novais. 1976.
Fios de outros bordados
82
jeito de apear do cavalo. (DOURADO, 1964, pp. 90-
106). (...) Duro com duro não faz bom muro. / Deus
é que sabe por inteiro o risco do bordado.
(DOURADO, 1970, pp. 125-203). (...) Água deu,
água levou. Vergonha é roubar e não poder
carregar. (DOURADO, 1985, pp. 93-94). (...) Pau
que nasce torto, só machado endireita.
(DOURADO, 1974, p. 66).
Os provérbios são modalidades textuais que pertencem ao
gênero oral, e Autran Dourado é um simpatizante desse gênero. Colocou na
boca das personagens dos contos e dos romances uma infinidade de
provérbios e, algumas vezes, de forma repetida no mesmo romance ou na
narrativa seguinte. Um exemplo desse tipo de personagem é seu Donga
Novais41, um homem de memória perene, conhecido em Duas Pontes como o
maior contador de causos.
E ele foi (ia) tecendo dia a dia, noite e dia,
desnovelando e novelando, o incessante novelário
se fazendo, a memória e as fantasias insones, toda
a história, dominó fantástico. (DOURADO, 1978, p.
6).
41 Donga Novais, o artesão e carapina das histórias de Duas Pontes, encarna, finalmente, a grande metáfora da arte fabulatória de Autran Dourado. Na sua concepção de insano e insone, a personagem de Nevelário de Donga Novais é possuído de um saber descompassado e intermitente, capaz de inventar e de se esquecer dos casos, embaralhando a verdade dos fatos. Remanescente dos antigos rapsodos e parodistas da Antiguidade....” . SOUZA, Eneida Maria de. Autran Dourado. (Org.) P. 25.
Fios de outros bordados
83
O narrador, ao iniciar alguns romances, age como se estivesse
sempre contando ou narrando uma história, uns causos. Basta observar os
primeiros parágrafos42 de Os sinos da agonia e Lucas Procópio.
Do alto da Serra do Ouro Preto, depois da Chácara
do Manso, a sinistra do Hospício da Terra Santa,
ele via Vila Rica adormecida, esparramada pelas
encostas dos morros e vales lá embaixo.
(DOURADO, 1974, p.11).
Os três vinham de longes paragens e distantes
horizontes, léguas e mais léguas de uma viagem
que parecia sem fim. Dias e mais dias, dias
luminosos e abrasadores, de um sol causticante
torrando os miolos, crestando a pele, tornando-a
dura e seca, couro esturricado: a infernal soalheira
dos ermos e sertões, das minas e dos gerais.
(DOURADO, 1985. p.13).
A oralidade é um traço marcante do estilo narrativo de Autran
Dourado. Personagens como Donga Novais, Lucas Procópio, João da Fonseca
Nogueira, Ismael Silveira ou José Feliciano estão sempre criando, inventando e
contando histórias imaginadas.
Para Maria Eneida de Souza, em “As minas douradas da
ficção”. In: Autran Dourado (1996, p. 14), o traço de oralidade da escrita de
Autran deve-se à apropriação dos mitos arcaicos e da tradição das lendas
passadas de boca em boca. Ditos populares, romances de folhetim, o latim
arrevesado e versos repetidos de cor contribuem para a configuração da
imagem lingüística e literária de Minas Gerais.
A utilização de termos, gestos e objetos comuns à linguagem /
narrativa teatral é outra forma de intertextualidade encontrada no texto de 42 Os parágrafos aqui citados irão ilustrar outro momento da análise, na parte IV do Bloco – I, em que abordaremos a relação entre ficção / realidade.
Fios de outros bordados
84
Autran Dourado. Observe-se que a idéia que transmite a personagem Lucas
Procópio nos momentos em que prega, através da poesia, a volta dos tempos
áureos das Minas Gerais é de uma encenação ao ar livre (como as
Companhias de Teatro Mambembe43) na qual a platéia é levada a participar
como atores. Há muito não se via tamanha pantomima, espetáculo tal
(DOURADO, 1985, p. 19), afirmava o povaréu diante da figura extravagante do
Coronel Lucas Procópio Honório Cota.
Em Os sinos da agonia, as personagens, Malvina, João
Diogo44 e Gaspar45 vivem numa eterna representação teatral, como a
preparação do ritual da morte em efígie do negro Januário que se dá
espetacularmente em praça pública, onde todos, insistentemente, chamam de
grande farsa46 ou de pantomima.47
Na leitura das primeiras páginas do romance Ópera dos mortos, tem-se a impressão (seguindo a voz do narrador) de que ali vai se dar
uma encenação, vai ocorrer um espetáculo. Após a minuciosa descrição do
ambiente feita pelo narrador e a apresentação das personagens que vão atuar
naquele espetáculo, ele afirma: E, então, silêncio. Rosalina vai chegar na
janela. (DOURADO, 1967, p. 7). 43 Grupo teatral volante. Diz-se principalmente dos espetáculos ou grupos teatrais de recursos limitados: circo mambembe. 44 Reforçando o que afirmamos, o fato de João Diogo, preocupado em adquirir ares e modos mais nobres e corteses, passa a ocupar-se de sua aparência, chegando a abastecer “o seu toucador de pentes e escovas, tesouras e plumas, engenhos de borrifar, potes de pomada, petrechos de mil e uma serventias” (OSA, 83). Como um ator em seu camarim, frente ao espelho, João Diogo fabrica a máscara adequada ao novo papel que deverá viver. 45 Vê-se que as próprias personagens experimentam tal impressão, há nelas nítida consciência de estarem representando um papel, teatralizando. Notadamente em Gaspar é que tal consciência se manifesta de forma mais aguda. Com a morte do pai e assumindo como herdeiro o seu lugar, ele mostra-se consciente de que lhe compete pôr nova máscara, viver outra figuração (OSA, 171). 46 [Do fr. médio farse, atual farce.].1. Teatro: Peça teatral de comicidade exagerada, ação vivaz, irreverente e burlesca, com elementos de comédia de costumes. 2. Teatro: Baixa comédia. 3. Ato ridículo, próprio de farsas. 4. Coisa burlesca. 5. Embuste, logro, pantomima. 47 [Do gr. pantómimos, pelo lat. pantomimu, com mudança de gênero.] 1. Arte ou ato de expressão por meio de gestos; mímica. 2. Teatro: Peça de qualquer gênero, em que o(s) ator(es) se manifesta(m) simplesmente por gestos, expressões corporais ou fisionômicas, prescindindo da palavra e da música, que pode ser, também, sugerida por meio de movimentos; mímica.
Fios de outros bordados
85
Vale ressaltar que Autran Dourado não trabalha com a técnica
de construção de textos teatrais. Suas narrativas não têm a estrutura de um
texto teatral. Ao construir seu texto, ele vai criando uma ambientação propícia
para que as personagens se movimentem como se estivessem num palco.
Mesmo estando em ambientes fechados ou públicos, elas se apresentam como
se estivessem participando de um grande espetáculo, de uma representação,
de uma Farsa.
Outra intertextualidade se revela quando Autran Dourado
estreita o diálogo com a filosofia. A sua busca incessante da primazia textual
segue paralela ao aproveitamento das idéias de alguns pensadores que
passam a fazer parte do ambiente ficcional. No corpus de Ópera dos mortos,
encontram-se fragmentos de Heráclito e Platão.
O pré-socrático Heráclito, por exemplo, ao encarar a Natureza
em seu aspecto dinâmico fundamentado na experiência, afirmou que tudo é
movimento contínuo, tudo é um vir-a-ser ou devir. Partindo desse pensamento,
formulou a célebre frase não podemos banhar-nos duas vezes no mesmo rio.
(HERÁCLITO, 1978, p. 73).
Veja a passagem, no romance de Autran, quando o narrador
convida todos a observarem os detalhes do casarão. Siga o exemplo do rio que
está sempre indo, mesmo parado vai mudando... (DOURADO, 1967, p. 6), e,
num segundo momento, com relação às duas figuras em que a personagem
Rosalina se dividia.
Como aquela outra imagem antiga, aparentemente
oposta, de que ninguém entra duas vezes no
mesmo rio. (DOURADO, 1967, p. 172).
Como se vê, os fragmentos dos pré-socráticos percorrem as
linhas de sua narrativa. Em outro romance, a personagem repete a mesma
frase e ainda cita o nome do autor.
Fios de outros bordados
86
Disse ninguém se banha duas vezes no mesmo rio,
sem saber que dizia a verdade de Heráclito.
(DOURADO, 1989, p. 4).
Há uma outra passagem no texto de Autran que nos remete ao
Mito da Caverna de Platão nos momentos em que ocorrem mudanças na vida
noturna de Rosalina.
Ela não podia mais fugir, dera o primeiro passo, não
recuaria mais para a escuridão fechada do seu
orgulho, do seu silêncio enclausurado. Ela saíra
para a luz, para um descampado coberto de luz.
(DOURADO, 1967, p. 125).
Essa alusão aos pensadores, juntamente com as inúmeras
referências histórico-literárias e citações presentes em toda a sua obra, além
de enriquecer o texto, denuncia a formação literária e filosófica do autor e
reforça o pensamento de que o texto literário pode ser cruzado com textos de
áreas ou linguagens afins.
Tudo cabe e é possível num romance, ele escrevia,
o mais independente, o mais elástico, o mais
prodigioso dos gêneros literários. (DOURADO,
1989, p. 173).
Portanto, Autran Dourado se apropria dos mais diversos textos,
do popular ao filosófico, do teatral ao musical para trabalhar os vários gêneros
narrativos, mas sempre perseguindo a possibilidade de um texto único,
principalmente quando se volta para a intratextualidade.
Fios de outros bordados
87
A força do aproveitamento textual em Autran Dourado é tão
grande que se tornam evidentes diversas práticas intertextuais. Explicitaremos
algumas como as inúmeras epígrafes, as citações de certa forma já
exemplificadas anteriormente, as alusões, as referências, as paródias e
paráfrases.
Autran Dourado é um autor que se utiliza de epígrafes. Introduz
cada narrativa com trechos dos maiores expoentes da literatura clássica. Veja
alguns exemplos seguidos de duas citações.
O romance Tempo de Amar traz como epígrafe um trecho do
Canto XVII da Divina Comédia, de Dante; Lucas Procópio – Clã do Jaboti de Mário de Andrade; Ópera dos fantoches – El gran teatro del mundo, de
Calderón de la Barca; Confissões de Narciso – As metamorfoses III, de
Ovídio; Um Artista Apendiz – Os anos de aprendizagem de wilhelm Meister, de Goethe; Ópera dos Mortos – Fragmento nº 93, de Heráclito; A Serviço del-Rei – Rei Lear, de Shakespeare.
O romance O Risco do Bordado vem com a epígrafe de
Autobiografia de Mark Twain.
Quando eu era mais jovem, podia lembrar-me de
qualquer coisa, tivesse ou não acontecido; mas
agora as minhas faculdades estão decaindo e em
breve só serei capaz de me lembrar das coisas que
nunca aconteceram.
Essa citação antecipa o que vem a seguir. A narrativa se dá
através da memória e do sonho da personagem Zito ainda menino.
O livro As Imaginações Pecaminosas cita um trecho de
“Sueños del Inferno” ou “Las Zahurdas de Plutón” em Los Suemos, de Don
Francisco de Quevedo Villegas.
Fios de outros bordados
88
Yo, que en el Sueño vi tantas cosas y como sé que
los sueños, las más veces, son burla de la fantasía
y ócio del alma, y que el diablo nunca dijo verdad,
por no tener cierta noticia de las cosas que
justamente se nos esconden, vi, guiado de mi
ingenio, lo que se sigue, por particular providencia,
que fué para traer-me en el miedo la verdadera paz.
As epígrafes de Autran Dourado são utilizadas de forma
sintomática, como se observou; os autores citados fazem parte da lista dos
escritores que o influenciaram na sua formação literária e filosófica.
Uma outra intertextualidade que acontece em menor grau na
narrativa autraniana é a alusão, um tipo de intertextualidade fraca, uma vez que
se nota apenas uma leve menção a outro texto ou a um componente seu
(PAULINO; WALTY; CURY; 1995, p. 29). No texto de Autran Dourado, aparece
de forma bastante esparsa. Retiramos duas passagens para ilustrar este
parágrafo: uma faz menção a Drummond; outra, a Machado.
Para o poeta, a sua terra era apenas um retrato na
parede. “Mas como doía”. (DOURADO, 1984, p. 53,
grifo nosso).
Dou-lhe um vintém pelo pensamento, como diria o
outro a Capitu, disse a voz meio rouca, a fala
ligeiramente de língua presa. (DOURADO, 1984, p.
54, grifo nosso).
A intertextualidade e a intratextualidade são recursos tão
recorrentes na obra de Autran Dourado que não há como dispensar uma
abordagem minuciosa por acreditar que, nesse aspecto, se encontra uma das
suas riquezas.
Fios de outros bordados
89
Prosseguindo, registre-se que, em apenas um romance, como
Lucas Procópio, vamos encontrar inúmeras passagens que comprovam esse
diálogo intertextual. Eis algumas delas:
Na página 21 desse romance, há referência ao poema “Vila
Rica”, de Cláudio Manuel da Costa; nas páginas 51 e 52, há referência a uma
lira de Tomás Antônio Gonzaga e ao Dom Quixote, respectivamente; na
página 54, a Victor Hugo; nas 62 e 65, aos primeiros versos do poema “Vila
rica”, de Cláudio Manuel da Costa; na 89, ao Padre Antônio Vieira.
Além dessas, há referências, dentre muitas outras, aos
romances A moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo; Julie, de Jean-
Jacques Rousseau; Madame Bovary, de Gustave Flaubert e Iracema, de José
de Alencar; a que segue a frase final: A jandaia cantava ainda no olho do
coqueiro; mas não repetia já o mavioso nome de Iracema. Tudo passa sobre a
terra. (DOURADO, 1985, p. 89).
Em uma outra passagem do romance Lucas Procópio, em
que as personagens estão paradas para o descanso, a personagem Lucas
Procópio pergunta se Jerônimo já ouviu falar do Cavaleiro Quijano, ou
Cavaleiro da Fé, e da Triste Figura. Lucas Procópio vai até a canastra e traz o
livro Dom Quixote e conta a história para o negro Jerônimo, seu escudeiro. Na
página 52, ele afirma que gosta de se comparar a Dom Quixote.
E este gordo atarracado, quem era, perguntou. O
seu fiel escudeiro, chamado Sancho Panza, disse
Lucas Procópio. O nome é danado de bom, com
esta barriga toda, disse Jerônimo. E essa história
do cavaleiro e de Sancho Panza é verdadeira?
Verdadeira é, porque fantasia do escritor, disse
Lucas Procópio. (DOURADO, 1985, p. 44).
Ao chegar aos lugarejos, sempre nas horas de descanso,
Lucas Procópio recorria às leituras para conquistar, por alguns instantes, o
Fios de outros bordados
90
coração de seus companheiros. Nesse outro momento, lê uns versos do livro
Viola de Lereno, de Caldas Barbosa48, para Pedro Chaves ouvir.
Eu sei, cruel, que tu gostas, / Sim, gostas de me
matar; / Morro, e por dar-te mais gosto. / Vou
morrendo devagar. (DOURADO, 1985, p. 26).
Portanto, observa-se que a narrativa autraniana é formada a
partir de uma grande rede de textos. Autran faz centenas de referências a
autores e obras de todos os tempos, tanto a filósofos como a literatos.
Citaremos mais algumas para ilustrar, lembrando que, em qualquer dos seus
livros, muitas vezes de forma repetida, se encontra a presença dessa
intertextualidade.
Vejam-se algumas referências a A República, de Platão
(ASDR. P. 42); à Divina Comédia, de Dante (ASDR. P. 61); ao Culto dos Heróis, de Carlyle (ASDR. P.107); à Condição Humana, de Malraux (ASDR.
P. 69); ao El Gran Teatro Del Mundo, de Calderón de La Barca (ASDR. P.
58); a O Príncipe, de Maquiavel (ASDR. P. 57); a Um amor de Swann, de
Marcel Proust (ASDR. P. 55); a Amor de Perdição, de Camilo Castelo Branco
(OF. P. 132); a Madame Bovary, de Gustave Flaubert (OF. P. 114); a Guerra e Paz, de Tolstoi (OF. P. 217); Do amor, de Stendhal (CN. P. 99); O vermelho e o negro, de Stendhal (CN. P. 102); Quincas Borba, de Machado de Assis
(ASDR. P.54); Metamorfose, de Kafka (ASDR. P. 36); Carta a um jovem poeta e Mrs. Dalloway, de Virgínia Woolf (ASDR. P. 37); As cartas a um jovem poeta, de Rilke (ASDR. P. 37).
As referências a autores e obras permeiam as produções de
Autran Dourado. No romance Um artista aprendiz, encontram-se referências a
Dom Casmurro, de Machado de Assis; aos Sermões, de Pe. Antônio Vieira; a
Wagner e Os Heróis, de Carlyle; ao Manual da Composição e do Estilo, do
48 Domingos Caldas Barbosa foi um mulato, poeta e compositor popular do século XVIII, autor de modinhas e lundus afro-brasileiros.
Fios de outros bordados
91
Pe. Antônio da Cruz; a As cidades e as serras e à Ilustre casa de Ramires,
de Eça de Queiroz; a O Cortiço, de Aluísio de Azevedo; a Marília de Dirceu,
de Tomás Antônio Gonzaga; a Cândido, de Voltaire; a Confissões, de
Rousseau; a Confissões, de Santo Agostinho; a El gran teatro Del mundo,
de Calderon de la Barca; a As afinidades eletivas, de Goethe; a Cartuxa de Parma, de Stendhal; a A montanha mágica e a A morte em Veneza, de
Thomas Mann; a Ulisses, de Joyce; a Em busca do tempo perdido, de
Proust e a muitas outras dezenas de escritores e filósofos que são lembrados
nesse mesmo romance.
Veja-se, ainda, nesse romance, uma citação de Os lusíadas:
As armas e os barões assinalados, / Que da
ocidental praia lusitana, / Por mares nunca dantes
navegados, / Passaram ainda além da Tabrobana, /
Em perigos e guerras esforçados, / Mais do que
permitia a força humana, / E entre gente remota
edificaram, / Novo reino, que tanto sublimaram.
(DOURADO, 1989, p. 5).
Como se observa, Um artista aprendiz foi elaborado a partir
de citações de autores e obras da literatura e da filosofia, funcionando como
dicas para a formação intelectual de João da Fonseca Nogueira.
Dentre os inúmeros tipos de intertextualidade que foram
apresentados até aqui, o termo seguinte será a paródia vocábulo estudado por
Bakhtin e, também, alguns anos antes, por outro formalista Russo, Iuri
Tynianov, em seu ensaio sobre “Gogol e Dostoievski: contribuição à teoria da
paródia”.
Para mostrarmos esse recurso na obra do autor em estudo,
recorreremos ao estudo de Affonso Romano de Sant’Anna em seu livro
Paródia, paráfrase e Cia, que trabalha, de uma forma clara e concisa, os
Fios de outros bordados
92
conceitos, tanto sobre a paródia, como a paráfrase, a estilização e a
apropriação.
Segundo Affonso, a paródia surge
como efeito metalingüístico (a linguagem que fala
sobre outra linguagem), e, como veremos mais
adiante, é possível distinguir não apenas uma
paródia de textos alheios (intertextualidade) como
uma paródia dos próprios textos (intratextualidade).
(SANT’ANNA, 1988, p. 8).
Ambas as modalidades de paródia referidas na passagem
acima ocorrem na obra do autor em estudo, conforme ele mesmo afirma no
prefácio de Novelas de aprendizado (Livro que reúne as novelas:Teia e
Sombra e exílio):
E durante muito tempo só lia os clássicos
portugueses, de preferência os cronistas, de Fernão
Lopes, vigoroso prosador do século XV, a João de
Barros (Décadas), passando por Frei Luís de
Sousa e Vieira. Na Biblioteca Municipal vim a ler,
fascinado, A História Trágico Marítima, de vários
autores da época dos Descobrimentos, que eu
parodiei no meu romance A barca dos homens.
(DOURADO, 1980, p. 11).
Autran Dourado revisita esse recurso ao escrever o romance
Lucas Procópio. Aí, ele parodia Dom Quixote. No início do livro, há uma
inspiração clara da personagem Lucas Procópio na personagem Dom Quixote.
A figura quixotesca de Lucas Procópio andava assim:
Fios de outros bordados
93
Um misto extravagante, roupa de salão e botas que
veramente não combinavam. Todo casquilho, na
cabeça um chapéu de três bicos; calções de lemiste
amarelo, casaca azul-turquesa toda debruada de
dourados; a camisa com folhos e punhos de renda;
a cabeleira terminando amarrada no rabicho por um
laço de fita. (DOURADO, 1985, p. 16).
Não havia combinação harmônica, as vestimentas não tinham
mais cor nem brilho, eram roupas desbotadas, confirmando o desgaste do uso
e do tempo, tudo em total disformidade com os lugares interioranos das Minas
Gerais por onde o cavaleiro passava.
Nosso observador Donga Novais, homem de tantas lições de
história, compara-o ao famoso fidalgo Alonso Quijano, que tinha o juízo
transformado por leituras de cavalaria. No caso do nosso estúrdio cavaleiro, o
que lhe tinha transformado o juízo foram os livros de poesia da fase gloriosa
das artes nas Minas Gerais. De incansáveis leituras, passou a memorizá-las e
a incorporar a possibilidade de uma vivência tal qual aquela época passada
das riquezas auríferas.
O olhar de Lucas Procópio era centralizado na fase
esplendorosa de Minas Gerais das riquezas que pareciam inesgotáveis e nos
versos líricos de Tomás Antônio Gonzaga à bela e amada Marília e de Cláudio
Manuel da Costa.
Para o nosso observador Dr. Sabe-Tudo, como toda a gente
chamava Donga Novais, mas sem maldade, a diferença entre Lucas Procópio e
aquele cavaleiro de séculos atrás era que aquele lutava por causas
diferenciadas em defesa dos órfãos, viúvas e donzelas desamparadas, dos
humildes e carentes de justiça, (DOURADO, 1985, p. 19). além de atacar
moinhos e manadas de porcos nos seus dias de quarta-feirice.
Lucas Procópio era um cavaleiro à sua maneira, bem original.
Acreditava na poesia e no sonho de que os gloriosos e imaginários dias de
Fios de outros bordados
94
antigamente iriam voltar. Sonhava com a edificação dos povos das Minas
Gerais. Através da poesia, tentava fazer ressurgir das cinzas a civilização
perdida. Era o próprio profeta da esperança; proferia, em alto e bom tom, que a
poesia iria redimir a pátria mineira. Só ela era capaz de elevar o ânimo dos
homens e levá-los à vitória.
A personagem de Autran retoma o modelo da personagem de
Goethe – soa também como uma homenagem a um dos autores preferidos,
postura comum a alguns parodistas – com quem, no início, ele diz gostar de
ser comparado, mas, depois, rompe completamente com esse modelo ao ponto
de esvaziá-lo.
Em Tempo de amar e Ópera dos fantoches, recorre à
paráfrase, modalidade de intertextualidade trabalhada por Affonso Romano de
Sant’Anna (1988, p. 17) a partir do conceito retirado do dicionário de Beckson e
Ganz, que é entendida como:
... reafirmação, em palavras diferentes, do mesmo
sentido de uma obra escrita. Uma paráfrase pode
ser uma afirmação geral da idéia de uma obra como
esclarecimento de uma passagem difícil. Em geral
ela se aproxima do original em extensão.
(BECkSON; GANZ, 1965 Apud SANT’ANNA, 1988.
P. 17).
O romance Tempo de amar, publicado em 1952, trata da
infância, adolescência e idade adulta de Ismael Frade. A história se passa em
Curral Velho na Fazenda dos Mamotes, sul de Minas.
Ismael é uma das personagens de Autran Dourado que vive
em constante estado de fuga por não se adaptar a lugar algum. Um homem
corroído, sem norte nenhum, perdido (DOURADO, 1952, p. 25). Por seu
espírito de andarilho, recebe o apelido de troca-pernas: vivia para baixo e para
Fios de outros bordados
95
cima pelas ruas de Cercado Velho. Um homem sem destino. (DOURADO,
1994, p. 21).
Turnus, digo sem querer, continuo. Um homem sem
destino caminha pela rua vazia. Vou para a igreja,
quero subir a uma das torres. Ficar longe de todos,
revolvendo pensamentos e sonhos, buscando uma
impossível paz para o coração. (DOURADO, 1994,
p. 229).
Ismael tem consciência da estranheza de seu comportamento
ao ponto de se comparar, nas duas narrativas, a Turnus, a personagem sem
destino de Eneida, de Vergílio.
Após mais de quarenta anos, Autran Dourado volta a trabalhar
com as personagens do romance Tempo de amar: Ismael, Paula, Tarsila,
Bento e Evangelina no romance Ópera dos fantoches; ao retomá-las, ele dá
continuidade às suas vidas.
Apesar de as personagens serem as mesmas, o momento é
outro, as relações são outras entre elas, e a forma de narrar também é
diferente. Tempo de amar é uma narrativa em blocos acompanhados de
muitos diálogos, e Ópera dos fantoches é composto de monólogos interiores.
O que não muda é a essência da personagem Ismael,
personagem sem rumo, angustiada, em busca da felicidade. Agora, com
sessenta anos e morando em Duas Pontes, vai à procura do escritor João da
Fonseca Nogueira para romancear sua vida.
Na verdade eu queria fugir era de mim mesmo, da
minha sombra. Como se isso fosse possível, a
nossa sombra nos acompanha sempre. Um homem
sem sombra seria uma aberração da natureza.
(DOURADO, 1994, p. 247).
Fios de outros bordados
96
João da Fonseca Nogueira ouve a história de Ismael e se
interessa por ela. O escritor acredita que desse material coletado: relatos de
impulsos, agonias, angústias, desesperos e solidão, possa sair um bom
romance.
Dessa forma, múltiplos são os casos de retomada de um texto
em outro, como foi mostrado, seja parafraseando, seja parodiando. Autran
Dourado utiliza, de modo intenso, esses recursos. Observe-se a personagem
Tomás de Sousa Albuquerque, do romance as Confissões de Narciso (1997,
p. 26) diante de uma situação em que discursa sobre o ciúme que sente da
prima Amélia, seu primeiro amor, e fica em dúvida sobre a autoria dos seus
comentários: Seriam de Stendhal?
Algumas vezes pasticho conscientemente (tenho as
minhas habilidades) Proust, Stendhal e o nosso
Machado de Assis, autores de minha estima e
constante visitação; outras, o pastiche é consciente,
vejo agora numa releitura que faço destes primeiros
cadernos.
Observa-se que o aproveitamento de textos, conscientemente,
das mais diversas linguagens e de forma intensiva em toda a sua narrativa, é
um dos recursos mais presentes na sua obra contística e romanesca.
O autor se coloca no lugar de um artesão de rendas, que, para
construir seu bordado, se utiliza dos mais diversos fios narrativos. O leitor e o
crítico de Autran Dourado não ficam de fora dessa teia, porque, ao ler e
analisar sua obra, terminam caindo no centro desse emaranhado textual e
enveredando por um viés inevitavelmente intertextual de análise.
Fios de outros bordados
97
O que estou tentando fazer nesses livros
é me servir do real mineiro para compor um
outro real. Um real que muda, de tal maneira que eu
não sei mais se ele existe, se ele existiu alguma vez. (...)
não posso dizer que as Minas que eu escrevo alguma vez existiram.
AutranDourado.
O texto e o tecido
utran Dourado, autor de uma vasta obra, escolheu, para
ambientar suas narrativas, as Minas Gerais do século
XVIII. Atravé s do gênero romanesco, oferece-nos uma (re) leitura desse
passado histórico.
A abordagem da temática ficção e realidade convoca / instiga o
leitor a se inserir no contexto da história do Brasil / século XVIII, como também
permite que ele possa compreender a reconstituição dela por meio da narrativa
literária.
Autran Dourado escreve, no século XX/XXI49, sobre um tempo
já passado. Ele presentifica o passado do século XVIII. Nos romances em
estudo, o narrador-personagem, constantemente, quebra a linearidade de seu
texto para fazer referências a essa época. Há, naturalmente, um transporte do
leitor para esse século, transfigurado e recriado pelo autor em estudo.
No trabalho com a palavra, matéria prima do artesão, Autran
Dourado vai recriando, modelando, descrevendo, cortando até construir uma
ambientação que irá servir de palco para suas narrativas, cenário da ação
romanesca, sem jamais deixar de ter como referência o real-concreto das
Minas Gerais, como ele mesmo diz: O escritor que sou tem seu limite
precisamente nesse confinamento mineiro em que sempre vivi atrelado.
(DOURADO, 1989, p. 11).
No espaço mítico e atemporal das Minas Gerais, ele traça um
mapa em que a imaginária cidade de Duas Pontes - com a Igreja do Carmo, a
Loja de seu Bernardino, o Banco de Júlio Macedônio, o Cartório de seu Tinoco,
49 Sua primeira publicação Teia é de 1947 e a última, a reedição, corrigida pelo autor, de Tempo de amar é de 2005.
A
O texto e o tecido
99
a Joalheria e Relojoaria Milano de seu Perrone, o Esporte Clube Duas Pontes,
o Jornal Clarim de Duas Pontes, o famoso Bordel Casa da Ponte e o Cine-
Teatro Estrela de seu Dagoberto - servirá de cenário para as ações e
representações que irão se desenvolver, tudo dentro de um só ambiente, feito
um grande bordado barroco, para todas as suas narrativas.
Nesse caso, o autor em estudo usa o espaço-tempo da Minas
Gerais do século XVIII como matéria prima que será trabalhada pelos recursos
lingüísticos objetivando reatualizá-lo e, dessa forma, atende o que observa
Machado de Assis:
O que deve exigir do escritor antes de tudo, é certo
sentimento íntimo, que o torne homem de seu
tempo e do seu país, ainda quando trate de
assuntos remotos no tempo e no espaço. (ASSIS,
1992, p. 801).
Ao ambientar seus romances na imaginária cidade de Duas
Pontes, encravada na região das Minas Gerais do século XVIII -, ainda que os
argumentos dos seus textos em estudo não sejam modelados de acordo com
as exigências rigorosas do discurso histórico nem mesmo dentro da
perspectiva realista do romance histórico -, o autor oferece-nos uma releitura
desse nosso passado.
Como lembra Antonio Candido:
...a compreensão da obra não prescinde a
consideração dos elementos inicialmente não-
literários. O texto não os anula, ao transfigurá-los, e
sendo um resultado, só pode ganhar pelo
conhecimento da realidade que serviu de base à
sua realidade própria. (CANDIDO, 1981, p. 35).
O texto e o tecido
100
Na medida em que tempo, espaço e personagens ganham
consistência simbólica e transcendem os limites estreitos do tempo histórico,
não sendo o passado mais que um pré-texto, a ficção romanesca desse autor
ajuda-nos a refletir não só sobre a história e a realidade brasileira de hoje, mas
também sobre o próprio destino do homem.
Segundo Antonio Candido:
Só podemos entender fundindo texto e contexto
numa interpretação dialeticamente íntegra, em que
tanto o velho ponto de vista que explicava pelos
fatores externos, quanto o outro, norteado pela
ficção de que a estrutura é virtualmente
independente, se combinam como momentos
necessários do processo interpretativo. Sabemos,
ainda, que o externo (no caso, o social) importa não
como causa, nem como significado, mas como
elemento que desempenha um certo papel na
constituição da estrutura, tornando-se, portanto,
interno. (CANDIDO, 2000, p. 6).
Observa-se, nessa citação, que Antonio Candido parte de
um fato, real e concreto, para chegar à arte. Aquilo que é externo se torna
interno, mas, ao se tornar interno, é irreversível. Não é mais realidade, é
arte.
Um autor tem a liberdade de escolher um momento histórico ou
não para criar sua ficção a partir desse real, como também vai delimitar o real a
ser trabalhado, vai apontar os limites da realidade para fazer sua abordagem
literária. Através da linguagem simbólica, das metáforas e de uma rigorosa
elaboração artística, a literatura tem o poder de alargar o real. E o texto literário
tem sua autonomia em relação à realidade.
O texto e o tecido
101
E com poucos e ralos dados a gente ia compondo
uma história cheia da mais estúrdia fiação, em boa
parte fruto da fantasia. O conto que se contava
agora, passado tanto tempo, era um rendilhado,
uma barafunda, um bordado de risco difícil de
entender, todo ele feito de imaginação e memória,
de invencionice e fiapos de verdade, que se
misturavam absurdamente. (DOURADO, 1992, p.
214).
No caso de Autran Dourado, ele não só escolheu o momento
histórico, como escolheu indivíduos que tiveram uma existência histórica para
trabalhar em seus textos. São personagens extratextuais, que preexistem ao
texto. Elas entram nos romances ou nos contos, conservando nome e
personalidade, mas são ficcionalizados pelo autor.
Veja-se o que diz Victor Manuel sobre essa postura:
O código de certos subgêneros literários, como o
romance e o drama históricos, comporta como
convenção indispensável a representação de
personagens que tiveram existência historicamente
comprovada, as quais, no mundo possível da obra
literária, coexistem e convivem com personagens
puramente ficcionais, e de eventos historicamente
ocorridos, que, naquele mesmo mundo, se
entrecruzam e mesclam. (SILVA, 1991, p. 647).
Observe-se, nas páginas 54 e 55, de Lucas Procópio, quando
o narrador conta como foi a visita do Barão das águas claras e de Ismênia à
França e a preocupação com a reação de Dom Pedro II, se viesse a saber
como tudo acontecera. Dentre outras personalidades, Victor Hugo e Dom
Pedro II aparecem como personagens. Veja esse exemplo:
O texto e o tecido
102
Se encantaram foi com a visita a Victor Hugo, na
companhia do imperador. (...) Se aquilo
acontecesse, Dom Pedro II acabaria por bater com
a língua nos dentes...(...) A cabeça baixa, os
antebraços apoiados nos braços da cadeira, Victor
Hugo pareceu a Ismênia um imperador romano.
Ismênia não resistiu, lhe caiu aos pés. Confundindo
Victor Hugo com Pedro II.
Na segunda parte do romance (P. 92), dentre os tantos
momentos prazerosos da personagem Isaltina, há uma passagem em que ela
adota como lazer primordial fazer visitas à casa da negra Chica da Silva, em
Diamantina, e à capela que o contratador João Fernandes mandou construir
para que ela pudesse cumprir a sua sincrética devoção.
Outra prática comum do autor em estudo é repetir a mesma
personagem real (de existência histórica) em vários romances e contos, como,
por exemplo, o escritor português Dom Francisco Manuel de Melo que aparece,
primeiramente, em Novelário de Donga Novais (P. 127), depois em As imaginações pecaminosas (P. 55), O meu mestre imaginário (P. 92), Um artista aprendiz (P. 62) e em Confissões de Narciso (P. 148), ou como o seu
real avô gaúcho Ângelo Dourado, que é citado no prefácio de Novelas de aprendizado (P. 9) e transformado em personagem em Violetas e caracóis
(P. 92).
Autran Dourado não se limita somente a citar nomes de
personagens históricas ou não; há também uma presença constante de
cidades históricas mineiras fazendo parte de sua ficção. Em Lucas Procópio,
ele se refere ao Seminário da cidade de Mariana. A personagem Lucas
Procópio diz: Estudei no Seminário de Mariana, e embora não tenha recebido o
sacramento da ordem, cheguei a receber os primeiros votos. (DOURADO,
1985, p. 35).
O texto e o tecido
103
O teórico Victor Manuel prossegue com o seu comentário sobre
essa questão:
os referentes dos textos literários constituem
objetos de ficção, isto é, objetos que não existem
no mundo empírico, que não são factualmente
verdadeiros. No entanto, entre os referentes dos
textos literários, podem figurar objetos que têm, ou
tiveram, existência no mundo empírico. (SILVA,
1991, p. 641).
Observe-se uma passagem no romance Violetas e caracóis,
em que acontece uma conversa entre a personagem Dr. Alcebíades e o
escritor João da Fonseca Nogueira, durante a qual ele quer saber tudo sobre a
visita do escritor Afonso Arinos a Duas Pontes e, depois, usar num romance.
Mas você não vai fazer ficção usando o nome de
pessoas que já existiram e possuem descendentes
vivos?! Pelo menos vai mudar os nomes, sobretudo
se for fantasiar. Eu pretendo conservar os nomes,
eu não gosto de contar milagres sem mostrar o
santo, disse João (...) Conto se você me prometer
que vai mudar os nomes, disse o Dr. Alcebíades.
Isso não, doutor, não gosto de romance à clef. Por
que não escreve um romance histórico? disse o
médico. Além de não gostar, o romance histórico é
um ramo ultrapassado do romance realista, disse
João. (...) O que me interessa é o real simbólico....
(DOURADO, 1987, p. 126).
Como essa, muitas outras personagens semelhantes (Lucas
Procópio Honório Cota, Pedro Chaves, João Diogo Galvão, etc.) se encontram
O texto e o tecido
104
nessa mesma situação nas obras autranianas, registrando a relação entre
ficção e realidade.
Nos romances em estudo, não são raras as passagens nas
quais o autor não faz a menor questão de desvencilhar-se - quanto ao referente
espacial, quanto ao social, bem como ao cultural - da necessidade de
expressar, com fidelidade, o verdadeiramente acontecido antes mesmo da
transcrição dos referidos momentos nos quais a narrativa transporta o leitor
para um espaço-tempo dimensionado.
Observem-se, primeiramente, as citações historiográficas
postas em forma de epígrafe no romance Os sinos da agonia (P. 8).
Este padeceu o suplício em efígie; os outros
subiram ao patíbulo. Capítulos de História
Colonial, de J. Capistrano de Abreu.
A morte em efígie, ainda que farsa, tinha todas as
conseqüências da natural. Seguia-se dela a
servidão e a infâmia da pena e o confisco dos bens.
Não aproveitava em circunstância alguma ao réu a
esperança de perdão; e quem o quisesse poderia
matar. História Antiga das Minas Gerais, de
Diogo de Vasconcelos.
Essa citação utilizada por Autran Dourado foi retirada desse
livro de História Antiga, escrito em 1900, constando como nota de rodapé na
página 171 para explicar a forma como foi punido o cabeça de um motim, o
caudilho Domingos Rodrigues do Prado, pelo Ouvidor Dr. Bernardo Pereira de
Gusmão, da comarca do Rio das Velhas, à qual pertencia o município de
Pitangui, onde em 1720 estava acontecendo esse motim. O rebelde, ao saber
de tal representação mandou fazer também outra forca em um alto de seu
campo, e nela pendurou o ouvidor mascarado na mesma figuração picaresca,
O texto e o tecido
105
isto no meio de estrondosas gargalhadas e grupos dos companheiros.
(VASCONCELOS, 1974, p. 171).
A morte em efígie50 ou enforcar de modo fingido, como diziam,
era uma prática comum em Minas Gerais no Brasil Colônia como forma de
punir crime de lesa-majestade. Nesse romance, recebe um significado mágico
com origem nas culturas africanas. Assim o narrador descreve a cena:
Um enorme boneco de capim, do tamanho mesmo
de um homem, a que tiveram o macabro cuidado de
vestir a alva dos penitentes. No pescoço do
calunga, o baraço, cuja ponta segurava o preto
Mulungu, os calções de riscado de tecido da terra, o
tronco pelado, negro e luminoso de suor, feito ele
tivesse se lambuzado de unto. (DOURADO, 1974,
p. 29).
Esse ritual se dá em praça pública; o boneco é levado por um
negro num grande cortejo rumo ao pelourinho que fica no meio da praça. A
multidão, além de acompanhar a procissão, procura se acomodar nos melhores
lugares para assistir à grande festa de títeres e pantomima que ele, o Capitão-
General da Capitania das Minas, queria real, assinalada e marcante.
(DOURADO, 1974, p. 24).
Mulungu empurrou o condenado para fora do
tablado. O corpo se esticando num baque, a corda
presa na trave, balangou para um lado e para o
outro, girando num movimento pendular, as pernas
soltas e desamparadas. De um salto o carrasco foi
50 Um procedimento comum no Brasil colônia, herança da Inquisição. Consistia em executar um condenado, foragido à lei, queimando ou enforcando a sua figura, grosseiramente representada por um boneco. Na obra há de se notar o significado “mágico,” influência de culturas africanas, veiculadas pelo negro escravo.
O texto e o tecido
106
se esganchar nas costas do enforcado, cavalgando-
o, para a morte ser mais ligeira, ou de puro
divertimento, nunca se sabe. Dizem que para
abreviar o sacrifício, de pura pena e piedade.
(DOURADO, 1974, p. 31).
O narrador, antes de descrever o ritual da morte de Januário,
diz que o Capitão-General queria uma punição diferente, cuja intenção era
mostrar o seu poder diante de el-Rei e do povo. Esse enforcamento seria feito
na praça em frente para o Palácio, onde nunca tinham levantado forca, em
geral os enforcamentos eram feitos no lugar de costume, no Morro da Forca,
onde pouca gente ia, porque em geral se executavam pretos e criminosos
desvalidos. (DOURADO, 1974, p. 29).
Ao contrário do que se esperava, o carrasco
Mulungu não empurrou o corpo para fora do
tablado, cavalgando-o; ao contrário: puxou com
força a corda para trás, e o boneco de palha ficou
suspenso lá no alto, junto de uma roldana.
(DOURADO, 1974, p. 32).
Todo esse ritual ocorria aos olhos espantados da platéia, que,
em silêncio, assistia ao final da ópera, da grande farsa caprichosamente
montada pelo Capitão-General (DOURADO, 1974, p. 32). A forma como é
encaminhada essa representação se assemelha a um teatro trágico encenado
ao ar livre, em praça pública, mas aqui tinha o objetivo de satisfazer a fantasia
do Capitão-General, que para alguns já estava levando longe demais.
As duas epígrafes, citadas anteriormente, antecedem o ponto
alto desse romance, nas páginas finais, em que o mestiço Januário retorna a
Duas Pontes para se entregar à polícia e ser punido pelo seu crime. Antes que
isso ocorra, dá-se sua morte em efígie em plena praça pública.
O texto e o tecido
107
Em seguida, observem-se trechos que se seguem do romance
Os sinos da agonia em que o referente espaço-tempo transporta a narrativa
para um ambiente real, reconhecível, descrito e dimensionado.
Do alto da Serra do Ouro Preto, depois da Chácara
do Manso, a sinistra do Hospício da Terra Santa,
ele via Vila Rica adormecida, esparramada pelas
encostas dos morros e vales lá embaixo.
(DOURADO, 1974, p. 11).
Escondido nas ruínas de uma mina abandonada,
nos contrafortes da serra do Ouro preto, à direita do
Caminho das Lajes, protegido pelos galhos de uma
gameleira, entre avencas, samambaias e pedras de
canga, ele via a cidade dormindo. (DOURADO,
1974, p. 12).
(...) a luz alvaiada rebrilhando nas pedras do
calçamento, nas lajes lisas e polidas das ladeiras, o
luar iluminando com seu brilho esbranquiçado as
casa caiadas de branco, as igrejas solitárias ( a do
Carmo no Morro de Santa Quitéria, São Francisco
ele não podia ver, a de Nossa Senhora da
Conceição de Antônio Dias, a do Pilar cercada de
sobrados, quase invisível, no outro lado, no Ouro
Preto, mais adiante as Cabeças), a Igreja do
Carmo, cujo perfil se recortava nítido, os telhados
negros das casas riscados contra a alvura
empoeirada do céu, onde as estrelas miúdas e
pálidas feneciam. (DOURADO, 1974, p. 13).
Além da descrição das ruas de Vila Rica, ele cita vários nomes
de igrejas que fizeram e fazem parte da história de Ouro Preto. Aqui, também
se configura uma cena que era bastante comum aos quilombolas das Minas do
século XVIII, que era a eterna vigilância dos escravos, em locais próximos às
O texto e o tecido
108
comarcas, para não serem capturados pelos brancos ou pelos capitães-do-
mato.
Em um estudo sobre os quilombos, feito pelo historiador
Donald Ramos, há o seguinte:
O trânsito entre a cidade e os quilombos era
sobremodo favorecido pela proximidade entre
ambos. No caso de Vila Rica, os calhambolas51
podiam, de seus esconderijos nas montanhas, ver
nitidamente embaixo o movimento dos moradores
pelas suas ruas. Descendo a ladeira, era fácil para
eles desaparecer no meio daquela gente composta
na sua maioria de negros e mestiços, entre os quais
uma significativa minoria era cativa. (RAMOS, 1996,
p. 187).
Salienta-se, nas citações anteriores do texto autraniano, o
cenário onde transcorrerá a ação narrada: Vila Rica, nas Minas Gerais. Não se
trata, no entanto, de uma Vila Rica abstrata, a-histórica; ao contrário, é uma
Vila Rica bem delineada dentro dos contornos de um passado histórico, do
Brasil colonial, embora transcenda tais contornos, adquirindo uma dimensão
simbólica.
Observa-se que o primeiro problema a ser refletido em Os sinos da agonia, Ópera dos mortos e Lucas Procópio diz respeito à ligação
do referencial histórico com a ficção, ao modo de como o escritor se serve da
realidade enquanto matéria prima e a reelabora a fim de criar, artisticamente,
essas obras de arte literária.
O próprio Autran Dourado afirma que:
51 Designação comum aos escravos refugiados em quilombos; quilombola, calhambora, canhambola, canhambora, canhembora.
O texto e o tecido
109
O criador amassa e emprega a realidade para criar
uma outra realidade, uma realidade que obedece à
complicada geometria literária, ao seu sistema de
forças, que nada tem a ver com as ciências físicas,
naturais ou sociais. (DOURADO, 2000, p. 95).
Tarquínio52, com as suas notas, elucidou-me muitos
nomes de coisas, deu-me os elementos de que eu
necessitava para a visualização plástica dos
objetos, da natureza, da ambiência (não da
realidade) do século XVIII nas Minas, para
transportá-los à atualidade. (DOURADO, 2000, p.
209).
No romance Os sinos da agonia, a ação desenrola-se dentro
da unidade de tempo e lugar. Transcorrendo no cenário da Vila Rica
setecentista, não ultrapassa o ciclo de um dia, iniciando-se na noite do dia
anterior ao seu desfecho com Januário e o negro Isidoro refugiados nas
proximidades de Vila Rica, findando na manhã do dia seguinte com o
fuzilamento do mestiço na praça.
Em Ópera dos mortos, o narrador faz um convite para que
nos desloquemos para um outro cenário, onde vamos encontrar um imponente
casarão no largo do Carmo, em Duas Pontes, em que mora Rosalina, neta de
Lucas Procópio, atormentada pela sombra dos Honório Cota. Mais uma vez, há
registro do real bem no início da localização da narrativa.
A casa fica no Largo do Carmo, onde se plantou a
igreja. A Igreja do Carmo foi a primeira construção
52 A edição das Cartas Chilenas, de Tomás Antônio Gonzaga, feita por Tarquínio (não mostra a data da publicação), foi muito utilizada por Autran Dourado devido à riqueza das notas. Dela me servi a partir de então para a escrita dos meus monólogos e pontos de vista narrativos, como manancial vocabular. Da mesma maneira que as suas notas me deram a antiga topografia, os nomes de ruas com que eu iria criar minha imaginária e atual Vila Rica. Uma poética de romance: matéria de carpintaria. P. 209.
O texto e o tecido
110
de pedra e alvenaria da cidade.(...) Uma igreja em
que se procurou no risco e na fachada seguir a
experiência que os homens trouxeram das igrejas
de Ouro Preto e São João del-Rei. (...) Rosalina
conhecia o Largo do Carmo palmo a palmo, desde
de sempre olhando detrás das cortinas a igreja, as
casas fronteiras, a Escola Normal, a estrada.
(DOURADO, 1967, p. 3).
Em Lucas Procópio, o narrador sugere que se descentralize o
olhar e se direcione para uma paisagem, onde o visível é Minas Gerais
decadente53 pelo rareamento absoluto do ouro de aluvião e pela ausência dos
diamantes.
Esse romance é ambientado dentro de uma sociedade
escravista, em que o pai de Lucas Procópio era dono de lavras e a
personagem Pedro Chaves era um feitor dos mais violentos, como falavam nas
lavras da região. Pedro Chaves veio da cidade de Mariana, a capital religiosa
da capitania, morar em Ouro Preto, comarca que vivia cercada de quilombos
relativamente pequenos, que infestavam as montanhas que sombreavam Vila
Rica, além daqueles instalados nas cercanias dos centros urbanos (1996, 174),
segundo Ramos. O historiador escreve o seguinte:
53 A situação em que vivia Minas no final do século XVIII é registrada nos três romances. Vejam-se algumas passagens: Gaspar achava que as Minas estavam mesmo no fim. (OSA,194). As Minas que a gente viveu, disse ele, as Minas que Vossa mercê e o meu pai fizeram e eu gozei e conheci, essas eu acho que vão mesmo acabar. (OSA, 194). E o que antes eram catas e faisqueiras, lavras e grupiaras (ouro branco, ouro preto, ouro podre), rios ribeirões, carrascais lavados e bateados (seixos e matações, guias e seixões), se transformava na imaginação vadia e feliz do velho em pastos e matas, touros, vacas e bezerrinhos que só faltavam falar. No sonho do velho eram as Minas que se mudavam para outro lugar. (OSA, 196). Trilhavam os mesmos caminhos dos tempos de outrora, quando o ouro de aluvião e os diamantes começaram a rarear e as minas não mais produziam como antigamente. (LP, 13). Tudo isso, ele repetia sem cessar, a ver se resurgiam das cinzas a civilização perdida, as cidades mortas que, com a decadência da mineração, foram ficando pelos caminhos e descaminhos do ouro, quando os rios auríferos se recusavam a fornecer a mesma quantidade de ouro de antigamente, e as grupiaras e as minas cavadas no chão emudeceram, e se deu a diáspora mineira. (LP, 19).
O texto e o tecido
111
Naturalmente a escravidão representou uma
característica fundamental da sociedade mineira.
Em 1738 havia pelo menos 101.607 escravos na
capitania, dos quais 47.544 viviam na comarca de
Ouro Preto e 21.012 especificamente no termo de
Vila Rica. Em 1767, a população total da capitania
era 335.203, da qual 38% eram escravos. Os
escravos constituíram um importante seguimento
da sociedade mineira durante todo o século XVIII.
(RAMOS, 1996, p. 174).
Há uma passagem bem significativa, em Lucas Procópio, das
atrocidades do feitor Pedro Chaves, que trabalha nas Lavras da Lajinha (24) e
nas Lavras do Vale do Tripuí (27), pertencentes ao pai de Lucas Procópio,
Mateus Romeiro Cota, português do Minho.
Tratava os escravos como animais... Mais de um
encontrou a morte nas mãos do feitor. Nunca
conheceu polícia, muito natural o que o fazia... Num
meio onde achavam natural assinalar os escravos
fujões com um F a ferro em brasa, feito quem
marca cavalo, os crimes de Pedro Chaves nem
sequer eram investigados. (DOURADO, 1985, p.
32).
Mais uma vez, retomando o texto de Ramos, há um trecho de
um alvará54 enviado pela Coroa, que resolve tomar medidas punitivas para os
escravos fujões diante das pressões das autoridades e dos moradores da
54 Alvará de 3 mar. 1741, in José Pedro Xavier da Veiga, Ephemerides mineiras, 1664-1897, 4 vols., Ouro Preto, Imprensa Official do Estado de Minas Gerais, 1897, vol. I, p. 275. Cópia manuscrita se encontra em cód. 43 (CMPO), fls. 85v-86.
O texto e o tecido
112
colônia, que se sentiam ameaçados diante dos perigos provocados pelos
quilombos.
Eu, El-Rei, faço saber aos que este alvará virem,
que, sendo-me presentes os insultos que no Brasil
cometem os escravos fugidos, a que vulgarmente
se chamam calhambolas, passando a fazer o
excesso de se juntarem em quilombos [...]: hei por
bem que todos os negros que forem achados em
quilombos, estando neles voluntariamente, se lhes
ponha com fogo uma marca em uma espádua com
a letra F, que para esse efeito haverá nas câmaras;
e se quando se for executar essa pena for achado
já com a mesma marca, se lhe cortará uma orelha
[...]. (RAMOS, 1996, p. 179).
Em Os sinos da agonia, a personagem Isidoro, negro cativo,
conhecia de perto os castigos enviados por el-Rei. Já havia sido marcado com
a letra F, forma violenta de punição para identificar os negros fujões.
Se esqueceu da marca da letra que me queimaram
na pele, por mando do Sinhô seu pai, na prisão dos
pretos, na cadeia? Me chegaram o ferro em brasa,
chiando na pele, a dor. (DOURADO, 1974, p. 21).
Nhonhô não sabia nem de longe o que era ser
preto. As gargalheiras, os troncos, os bacalhaus. As
dores o sofrimento sem fim. Levou institivamente a
mão na espádua, sem mesmo notar apalpava a
cicatriz da letra. (DOURADO, 1974, p. 33).
O texto e o tecido
113
Há, também, tanto em Lucas Procópio, como em Os sinos da agonia, diversas passagens em que as personagens negras pensam e
desejam fugir para um quilombo, que é sempre o do Ambrósio. Isidoro sonha
com um quilombo tipo:
... só se fosse um quilombo grande, um quilombo
assim que nem o do Ambrósio, onde a gente
sempre se protege... Um quilombo assim
descomunal, do tamanho da minha nação, onde
coubesse tudo quanto é preto... Um quilombo assim
que nem o reino do céu que branco promete pra
gente no fim da vida... (DOURADO, 1974, p. 22).
Na pesquisa do historiador Guimarães, o Ambrósio é mostrado
como o maior quilombo mineiro do século XVIII. Segundo documentos
históricos,55 esse quilombo tinha uma população de mais de mil habitantes.
Clóvis Moura, em Os quilombos e a rebelião negra, ao falar
do quilombo do Ambrósio, diz que: Esse importante ajuntamento de negros
chegou a reunir dez mil moradores na sua superfície; há, mesmo, quem vá
além e diga que a sua população chegou a vinte mil. (MOURA, 1981, p. 40).
Além das referências feitas pelas personagens desse romance
às Igrejas,56 cidades,57 trechos de poemas58 e poetas59 da época das Minas
coloniais, o narrador se detém por instantes a descrever ambientes, paisagens, 55 GUIMARÃES, Carlos Magno. Uma negação da ordem escravista: quilombos em Minas Gerais no século XVIII: Belo Horizonte, 1983, ex. mimeo. Carlos Magno Guimarães et alli. “O quilombo do Ambrósio: lenda, documentos e arqueologia”. Estudos Ibero-Americanos, XVI: 1-2 (1990). PP.161-74. 56 Igreja do Pilar, Igreja do Carmo, Igreja de São Francisco, Igreja de Nossa Senhora da Conceição de Antônio Dias, Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, Igreja das Cabeças, Igreja de São José... etc. Em Os sinos da agonia. 57 Ouro Preto, Tijuco (como era chamada Diamantina), Diamantina, Distrito Diamantino, Mariana, Ribeirão do Carmo, Datas, Mendanha, Cristais, Brumadinho, Jacuí. – cidades nos arredores de Diamantina, lugares perdidos nos sertões mineiro. Em Os sinos da agonia. 58 Poema “Vila Rica” de Cláudio Manuel da Costa. Lucas Procópio. P. 21 59 Cláudio Manuel da Costa, Tomas Antônio Gonzaga. Lucas Procópio. P.19.
O texto e o tecido
114
deixando explicita a idéia de que existe uma estreita relação entre a ficção de
Autran e a realidade mineira do século XVIII.
Os três vinham de longes paragens e distantes
horizontes, léguas e mais léguas de uma viagem
que parecia sem fim... dos ermos e sertões, das
Minas e dos Gerais. Outrora os descaminhos do
ouro, as famosas vias de contrabando. Vinham
vindo.... Nascidos já na decadência das Minas e
dos rios. (DOURADO, 1985, p. 13, grifo nosso).
Não só no final do Século do Ouro, quando os
costumes eram mais requintados, mais soltos e
mais livres, eles andejos vinham pregando. (...)
Quando a Província de Minas Gerais conheceu a
sua longa noite de agonia, a densa hibernação de
que tentava acordar (...). (DOURADO, 1985, p. 14,
grifo nosso).
Jacuí era uma cidade antiga de velha, tinha sido
das primeiras cabeças de comarca nos tempos da
outroramente Minas colonial: quando o ouro
brotava do chão, extraído facilmente nas grupiaras
ou nos rios, riqueza de aluvião. (DOURADO, 1985,
p. 16, grifo nosso).
No livro de contos Violetas e caracóis, há também passagens
que ligam a ficção à realidade histórica das Minas. Em um encontro do escritor
Afonso Arinos com Virgínia, ele também fala das Minas de antigamente.
... à nossa Minas Gerais. Que imenso país é Minas
Gerais! E ele conheceu os verdes mais puros,
aquela paisagem toda clorofila do Sul de Minas,
tão diferente da secura do seu país natal. Como as
O texto e o tecido
115
Minas são tantas, como Minas é plural, disse
Afonso a Virgínia, que lhe bebia as mínimas
palavras. (DOURADO, 1987, p. 131, grifo nosso).
O apego das personagens autranianas ao local de origem é tão
forte que todas elas sofrem quando têm que deixar sua terra. Veja-se o
momento em que a personagem João da Fonseca Nogueira está saindo de
Duas Pontes:
Não viverei mais com a visão do horizonte barrada
pela Serra do Curral, dizia pensando em deixar
Minas Gerais. Mas levarei Minas comigo, como o
rio que para ser fiel à sua fonte toma a direção do
mar. (DOURADO, 1989, p. 254).
Nesse intervalo de tempo (passado/presente, Minas real/Duas
Pontes imaginária), as personagens buscam refazer o passado vasculhando a
memória para poderem enfrentar o futuro – fator que concorre para conferir à
narrativa um tom predominantemente psicológico que irá chocar-se com a
rigidez formal da unidade de tempo e lugar, o que não deixa de ser um
procedimento diferenciador.
Após a escrita de alguns romances, como, por exemplo, Os sinos da agonia, A serviço del-Rei, Lucas Procópio e Monte da Alegria,
Autran foi muito questionado pela crítica sobre esse novo momento de criação
literária, que, para um bom número de estudiosos de sua obra, era um voltar-se
para o romance histórico.
Como resposta às críticas, Autran utiliza a narrativa e o ensaio
para negar veementemente essa postura. A respeito de Os sinos da agonia
ele se justifica através de um ensaio sobre essa obra, afirmando:
O texto e o tecido
116
Embora não tenha tido o propósito de fazer
romance histórico e muito menos realista... , e sim
uma obra do meu tempo, moderna, para ambiência
e sobretudo para o caráter de farsa e paródia
carnavalesca, de visão poética da história – sem ter
com ela compromisso – durante a composição tive
sempre presente alguns acontecimentos e
cronologias. Mas não há uma só data no romance:
no máximo “era de 60, 30”, e assim mesmo muito
pouco e vagamente, para efeito de ambigüidade e
simbolismo. (...) Sendo a ambiência do livro o
século XVIII e o seu provável período histórico o fim
do século (...), se quiser ver a obra como um
romance histórico (um absurdo), o anacronismo é
evidente. (DOURADO, 2000, pp. 184-185).
Autran insiste em justificar a forma como se dá a ligação entre
ficção / realidade em Os sinos da agonia, romance dentre todos o mais
questionado pelos estudiosos, por não terem ainda se apercebido de que essa
estreita relação de há muito já ocorria em seus romances.
Quando situo Os sinos da agonia na ambiência do
século XVIII, em Vila Rica, não estou fazendo
romance histórico, que é uma página virada do
romantismo. Não há no corpo mesmo do livro uma
só data, um só personagem histórico. Mas se você
conhece Minas e a literatura, se conhece a tradição
absolutista portuguesa e brasileira, verá a sombra
de Tiradentes, Gonzaga, Cláudio, tantos outros.
Sombras, não nomes ou personagens.
(DOURADO, 2000, p. 190).
O texto e o tecido
117
Nunca é demais repisar: Os sinos da agonia não é
um romance realista e histórico. (DOURADO, 2000,
p. 209).
Independentemente do fato de os romances de Autran
Dourado não serem por ele próprio considerados históricos, sabe-se que, de
modo geral, todo e qualquer romance tem uma estreita ligação com a realidade
histórica no sentido de que discute o comportamento humano, descreve
percursos humanos e é sempre fruto da imaginação associada à memória.
O que se constata e se torna evidente, após a leitura dessa
obra, é que o autor traçou um panorama da realidade histórica, social e
econômica de Minas Gerais. Para além disso, em sua produção, percebe-se
também a intenção de desmitificar a história, dando voz a uma camada da
sociedade que ficou à margem, completamente excluída, como as minorias, os
oprimidos, os vencidos e, no caso em estudo, os negros.
Registre-se que, anos depois da publicação de Ópera dos mortos, Os sinos da agonia e Lucas Procópio, em um depoimento prestado
na Faculdade de Letras de UFMG em 1992, Autran revê o que colocou em
seus ensaios e afirma:
O que estou tentando fazer nesses livros é me
servir do real mineiro para compor um outro real.
Um real que muda, de tal maneira que eu não sei
mais se ele existe, se ele existiu alguma vez. (...)
não posso dizer que as Minas que eu escrevo
alguma vez existiram. (...) o que me interessa não é
Minas inteiramente, mas a sua decadência. (...)
escrevo para entender a loucura humana em geral
e a loucura em particular de Minas Gerais. (SOUZA,
1996, pp. 32-33).
O texto e o tecido
118
Autran afirma que quis fazer um painel da decadência de Minas
com esses três romances e que há outra vertente, ficcional, que é uma história
criada, uma espécie de autobiografia inventada de maneira plástica, artística,
dos mitos que povoaram sua infância e adolescência mineira. (SOUZA, 1996,
p. 33).
As Minas de que tanto falam as personagens autranianas
através do narrador estão esfumaçadas no tempo. O passado brumoso das
Minas coloniais foi reconstruído dentro do processo literário, através de
recursos utilizados pelo próprio autor, em outra dimensão, de certa forma
simbólica, para ambientar suas personagens.
É bastante sintomático como as personagens autranianas
vêem a cidade coberta de bruma ou através dessa imagem esfumaçada pelo
tempo. (DOURADO, 1974, pp. 16,17, 39, 40, 47, 202, 207). Seria um recurso
para justificar sua leitura dos fatos?
Entre o olhar do narrador e a realidade de Minas do século
XVIII, há uma constante bruma, um intervalo de névoa que desrealiza o real e,
a partir daí, constrói um outro real, imaginário que está plasmado nas
narrativas autranianas.
A terminologia ‘bruma’ soa como metáfora para facilitar e
justificar a veracidade de seu texto. Observe-se que houve o transporte do real
acontecido para a criação artística literária; o artesão leu a realidade e a
transformou através da elaboração estética, isto é, transformou os traços
sociais através da palavra escrita em narrativa ficcional.
Portanto, essa compreensão da “atualidade” como categoria
histórica implica considerar a preocupação do autor com a situação concreta e
única, palco no qual as personagens representam seus respectivos papéis cujo
enredo cada um interpreta ao seu modo.
Assim, quando as personagens procuram compreender e
explicar seus conflitos a partir de uma perspectiva mais histórica, de análise
das práticas sociais e do contexto sócioeconômico que as envolve, afloram, em
seus discursos, de forma dissonante e insólita, elementos de um tempo mítico,
O texto e o tecido
119
cósmico, em que todas as coisas se encontram intimamente relacionadas e em
que mesmo as situações conflitivas de cunho irracional são explicadas e
resolvidas.
Portanto, as Minas de Autran são uma construção, uma
invenção que, através das representações e práticas sóciolingüísticas, vão
sendo elaboradas durante a escrita. Lembrando Antonio Candido, o social
histórico torna-se importante como elemento que desempenha um papel na
constituição da estrutura das narrativas.
Inserida nesse social-histórico, é enfocada a questão da
escravidão no tempo da mineração, no Brasil do século XVIII, em decadência;
os quilombos e sua utopia de libertação; a figura do feitor das lavras e a
opressão exercida sobre os escravos; os duros trabalhos nas minas; as
relações dos escravos com ex-escravos, com seus patrões e patroas e também
com seus pares, assunto em que centraremos nossa atenção de forma mais
enfática no bloco a seguir.
Bloco – II
O senhor estique bem a vista e procure ver
do outro lado, no mais além do além, no
fim do tempo...
O personagem tem a ver é com a
estrutura... com a arquitetura do romance.
Autran Dourado.
Personagens negras no tear autraniano
través de seus textos, conforme foi mostrado no bloco
anterior, Autran faz uma viagem ao século XVIII, ao
passado do Brasil Colônia, às Minas Gerais no momento em que se
encontram em franco declínio, tanto econômico quanto político, já distantes
dos tempos de opulência do ouro, do luxo e ostentação, preservados ainda
na memória das personagens em geral.
Vale registrar que dentre a vasta produção literária de Autran
Dourado, como já foi dito, escolhemos para análise os romances Ópera dos mortos (1967), Os sinos da agonia (1974) e Lucas Procópio (1985) por
colocarem em destaque personagens negras libertas e escravizadas,
destituídas de posses, riquezas e de origem e posição social inferior.
Como as personagens negras estão presentes em todas as
narrativas autranianas, é importante delimitar as que vamos trabalhar com
mais freqüência, por estarem mais em evidência, nesses três romances: em
Ópera dos mortos, Quiquina; em Os sinos da agonia, Inácia, Isidoro e
Januário; em Lucas Procópio, Jerônimo.
Para abordar as personagens negras, na obra de Autran,
recorreremos a alguns autores e obras que trabalham com essa temática.
Dentre os aspectos gerais da problemática do negro, inicialmente,
apresentaremos o perfil de cada personagem e, em seguida, abordaremos
alguns estereótipos que fizeram escola na literatura oitocentista e que,
apesar do tempo transcorrido, ainda se encontram presentes na Literatura
Brasileira e Autran Dourado não foge a essa regra.
A abordagem dessas personagens terá por base os vários
discursos existentes nas narrativas em estudo: do narrador individual, que
A
Personagens negras no tear autraniano 123
conduz, de forma direta, esses textos; do narrador coletivo (a gente), que
participa como espectador, atuando sempre em lugares abertos, públicos; das
personagens brancas e negras a partir do que dizem uns sobre os outros e
sobre si mesmos.
O narrador individual não faz de seu discurso a única condição
de verdade da narrativa. Ao contrário, como detentor da voz narrativa, abdica
de seus poderes de onisciência e delega grande parte de seu poder às
personagens, uma vez que é pela memória delas que é filtrada grande parte
dos fatos e das situações narrativas.
Em Os sinos da agonia, a narrativa se passa em algumas
horas, e as ações acontecem em todos os blocos simultaneamente. Enquanto
Januário rememora o passado conversando com Isidoro no alto da serra de
Ouro Preto, do outro lado da cidade de Duas Pontes, el-Rei, o Capitão-
General, as outras personagens e uma multidão (a gente) se organizam na
praça e esperam pela personagem principal que vai participar do grande teatro
ao ar livre, simbolizado pelo boneco, que vai ser morto em fingimento.
Nesse romance, há uma passagem em que o narrador
transcreve o que se passa com o preto Isidoro, que, através da memória, vai
relatando fatos passados a Januário, que os vai recompondo com a ajuda da
imaginação.
Isidoro ia falando o que tinha visto. Com a ajuda da
imaginação e da memória, Januário tentava
recompor toda a cena que o preto, na sua simpleza,
mal podia descrever. Recompunha com tudo o que
sabia e lhe contaram de sacrifícios e sortilégios,
desde a fala cantada e manhosa de mãe Andreza,
dos pretos da senzala do pai... (...). Se lembrava de
enforcamentos que tinha visto e lhe contaram. Dos
sofrimentos e agonia. Dos galés agrilhoados pelos
tornozelos a uma comprida corrente, no trabalho
forçado de rua, o tilintar dolorido das cadeias. Os
Personagens negras no tear autraniano 124
pretos açoitados entre lágrimas, uivos, sangue, mijo
e suor, no pelourinho. (DOURADO, 1974, p. 31).
Observa-se, em passagem como essa, que o negro, nas
narrativas em estudo, ocupa uma posição estruturalmente importante. Não é
mero acessório, como também não é uma simples composição do cenário por
onde circulam as personagens brancas; atua dentro dos espaços dos brancos
e, em alguns casos, mesmo que dentro de certo limite, conquista a confiança
de sua sinhá / seu senhor, que lhe permite agir em determinadas situações.
A presença dessas personagens negras é uma constante na
narrativa autraniana, seja nos romances, nas novelas ou nos contos. Alguns
exemplos podem mostrar que elas extrapolam os três romances em estudo e,
em cada texto, têm presença significativa por contracenarem ao lado das
protagonistas brancas.
Na novela Uma vida em segredo (1990, p. 46), a preta
Carmela é uma mucama que vive contando histórias para Biela (personagem
principal), quando esta era menina. Carmela, além de rebuscar na memória as
histórias de seus antepassados, costumava inventar outras.
No romance O risco do bordado (1970, p. 166), há preta
Milurde que vive cozinhando a sua modorra, sentadinha na banqueta, esperava
a hora de acordar da bobeira, e o preto Gaudênio, empregado de seu Gomes
que é diretor do internato em São Mateus.
Quando entrou na sala o preto Gaudênio. Foi direto
à mesa de seu Gomes, falava qualquer coisa
baixinho. Seu Gomes, sério, franziu a testa, deu um
muxoxo, alguma coisa de errado tinha se passado.
(DOURADO, 1970, p. 52).
Personagens negras no tear autraniano 125
Em A barca dos homens, encontra-se uma personagem negra
muito atuante, Luzia (104, 105, 109, 112), mãe do protagonista, que cuida da
casa e dos filhos da também protagonista Maria. Há um trecho dessa narrativa
em que Luzia fica angustiada ao saber da prisão de seu filho, Fortunato, e pede
ajuda a seus Deuses:
Toda a alma negra, todo o continente africano que
repousava fundo no seu peito sofrido, como
sepultado, ganhava força, surgia das trevas, para
viver em gritos, terrível.(...) Voltava-se para as
ervas, os seus orixás. (DOURADO, 1961, p.105).
Em Lucas Procópio, há, além de Jerônimo, a escrava
Deolinda que tinha sido ama-de-leite de Lucas Procópio e agora cuida de
Ordália, sua irmã mais nova. As outras personagens são: Eufrásia, uma mulata
escrava e o negro Clarêncio, que era um preto enfesado e raivoso, de má
catadura (77). Há, ainda, Joana, uma escrava forra, mas levando a mesma vida
de antes (87 e 113), e a escrava Adélia, que era uma mulata e amante de
Lucas Procópio, que a comprou e alforriou (102).
Vale registrar que as personagens que mais se destacam na
obra de Autran Dourado são as femininas (Rosalina, Quiquina, Malvina, Inácia,
Maria, Luzia, Biela, Isaltina), brancas ou negras. Mesmo carregando consigo a
sombra da solidão, todas elas se apresentam decididas, firmes, provocando
mudanças no contexto familiar e social.
Segundo Antonio Candido:
Quando pensamos no enredo, pensamos
simultaneamente nas personagens; quando
pensamos nestas, pensamos simultaneamente na
vida que vivem, nos problemas em que se
enredam, na linha do seu destino – traçada
Personagens negras no tear autraniano 126
conforme uma certa duração temporal, referida e
determinadas condições de ambiente. (CANDIDO,
1995, p. 53)
No caso da narrativa autraniana, o narrador penetra na
consciência das personagens, observa o funcionamento e, conseqüentemente,
narra suas angústias, suas alegrias, suas inquietações e representações.
Autran, em um ensaio, escreveu o seguinte:
Embora tão solitários, os meus personagens não
existem sozinhos. Ligam-se uns aos outros sem
perceberem, subterraneamente. Mesmo sem se
falarem, sem se verem, sem mesmo se
conhecerem, intercomunicam-se.
Inconscientemente, magicamente – vamos dizer,
formando um conjunto, a unidade vertical e
subliminar do livro. (DOURADO, 2000, p. 104).
O processo de intercomunicação obviamente não exclui as
personagens negras. Registre-se que, embora em número reduzido, essas
personagens não têm a sua importância diminuída, tendo em vista o papel que
exercem como co-protagonistas ou antagonistas. Além de constantemente
contracenarem com as protagonistas, em alguns momentos roubam a cena e
passam para o primeiro plano.
Quiquina, Inácia, Januário, Isidoro e Jerônimo são todas
personagens oriundas da senzala, arena central onde se desenrola a tragédia
afro-brasileira, e carregam em si os conflitos próprios de sua condição,
pendentes entre a revolta, a ânsia de reconquistar as suas origens e a
liberdade, e a atitude do mais puro servilismo, em troca de favores e de poder.
Para se afirmar em seu poder, o senhor necessitava de alguém
a quem pudesse se sobrepor – no caso o negro escravizado. As personagens
Personagens negras no tear autraniano 127
Quiquina, Inácia, Januário, Isidoro e Jerônimo experimentam essa relação de
modo intenso e crítico.
Há uma diferenciação com relação ao tratamento que era dado
aos negros nas narrativas em estudo. Alguns escravos podiam adquirir certas
“regalias” por serem colocadas na direção dos serviços caseiros, o que, na
prática, significa, por sua vez, exercer certa parcela de poder. Em termos
hierárquicos, por conta da função que lhes é atribuída, essas personagens têm
ascendência sobre os demais negros.
Note-se que as negras Quiquina e Inácia desempenham papéis
similares. Ambas são escolhidas por suas senhoras, Rosalina e Malvina,
personagens brancas e protagonistas, para desenvolverem as atividades
dentro dos casarões, terminando também, por conta da convivência próxima,
como suas confidentes.
Em decorrência dessa proximidade, estabelece-se entre amas
e senhoras uma intimidade responsável, posteriormente por certa inversão das
relações: de amas submissas às suas senhoras; chegam, muitas vezes, a
subjugá-las, passando a donas da situação por terem em seu poder segredos
inconfessáveis.
Vale, no entanto, ressaltar que essa situação se prende mais
às personagens negras femininas. Já com relação às personagens negras
masculinas, trilham caminhos diferentes; não vivem dentro dos casarões, não
conquistam tanta intimidade como as mucamas, mas acompanham seus
senhores em todos os afazeres, recebem ordens e castigos e estão sempre
inconformadas com a vida que levam.
Bem diversa é a postura de Quiquina e Inácia. Convivendo
mais intensamente com as suas senhoras, freqüentando os espaços do
dominador, elas acabam, aparentemente, seduzidas pelos privilégios e regalias
que Malvina e Rosalina lhes concedem em troca de suas subserviências. A
intimidade com o poder, à primeira vista, joga-as contra as próprias origens; a
possibilidade de obter mais influência e poder leva-as a renegar sua raça:
Personagens negras no tear autraniano 128
Apesar de que Inácia, mesmo preta, era mais do
lado dos brancos do que dos pretos, e de Nhazinha,
como ela passou a chamá-la, por quem tinha
verdadeira veneração – dizia, desde que lhe deu
muitos panos e jóias, e a promessa de uma futura
alforria, coisa de que ela nem mais cuidava, tão
bem vivia agora, não mais trancada na senzala,
morando no corpo da casa, perto da senhora.
(DOURADO, 1974, p. 79).
O acesso à intimidade, nos dois romances, é sempre muito
visível na relação entre sinhá e mucama, sobretudo quando a sinhá se envolve
emocionalmente com um negro ou com alguém da arraia-miúda e, nessa
situação, procura sua mucama para desabafar, contar seus amores proibidos,
ocasiões em que está muito fragilizada. Mas, mesmo estando debilitada
emocionalmente, o poder que delega às negras é sempre limitado.
As personagens negras no caso de Inácia e Quiquina, no ato
da escolha para serem confidentes de suas senhoras, já se sentem
privilegiadas e poderosas diante dos outros negros. Após ouvir as confissões
de suas senhoras, passam a ter em seu poder uma arma valiosa que são os
seus segredos sentimentais.
Inácia sabe que fingir de confessionário, tomar o partido da
sinhá, sensibilizar-se diante da situação é o caminho mais fácil para
conquistar o coração de sua senhora. Sabe, também, que é passando
informações sobre o homem amado, seu objeto de desejo, que conquistará
mais mordomias dentro do casarão.
Para as sinhás, nesse momento de intimidade, as mucamas
atendem todas as expectativas e passam a ter mais privilégios. Inácia, por
exemplo, após ganhar posição de mando dentro do casarão, com relação ao
comando dos negros que ainda viviam nas casas e nas senzalas,
imediatamente:
Personagens negras no tear autraniano 129
tratou logo de afastar para bem longe, na cozinha e
na senzala, as outras mucamas. (DOURADO, 1974,
p. 79).
Era Inácia que dirigia os pretos e pretas no serviço
caseiro. (DOURADO, 1974, p. 79).
Todo mundo na ponta dos pés, de bico calado, dizia
Inácia aos pretos sob os seus cuidados, a mando
da senhora. Bacalhau vai cantar no lombo de quem
atrapalhar o sono do meu sinhozinho dono, disse
afetada à arraia miúda da cozinha e da senzala.
(DOURADO, 1974, 88).
Essa atitude de mando de Inácia em relação aos negros
reproduz um hábito adquirido com os seus donos. Os senhores não queriam
contato direto com qualquer negro, a não ser com aqueles que foram
escolhidos para o convívio mais próximo.
Quiquina: a águia do sobrado
A negra Quiquina, do romance Ópera dos mortos, é uma
personagem que logo se destaca pela forma de se comunicar através, não da
fala, mas do olhar. No seu papel de manter a ordem no casarão, com muita
astúcia e simulação, consegue tornar Rosalina sua dependente. Escrava, ela
ficava escrava de Quiquina. (DOURADO, 1967, p.135). Quiquina tinha
consciência dessa dependência e sabia como mantê-la, por isso tentava evitar
Personagens negras no tear autraniano 130
qualquer possibilidade de que pessoas estranhas habitassem o casarão para
não quebrar essa relação.
Daí sua aversão a José Feliciano (jardineiro conhecido como
Juca Passarinho ou Zé-do-Major, que se torna amante de Rosalina), aversão
que expressava pelos mais diversos gestos e reações. De uma feita, ao
encontrar os dois na cama, se revolta e vai para a rua, deixando Rosalina
extremamente angustiada.
A aflição de esperar Quiquina fazia pensar que se
passara muito tempo. (...) Só porque Quiquina se
atrasava é que ela cuidou do tempo, em geral ela
não pensava muito nas horas, as horas eram todas
iguais para ela. (DOURADO, 1967, pp. 37-38). (...)
E se ela não viesse, não viesse nunca mais?
Absurdo, podia não vir agora, mas vinha. Mais tarde
ela vinha. (...) Ficava diminuída perante Quiquina,
nunca mais podia lhe dar uma ordem. (DOURADO,
1967, p.135).
Já não contava o tempo em que as duas viviam sozinhas no
casarão numa relação de absoluta dependência. O medo, a tensão e a
ansiedade em que se encontrava Rosalina, pela ausência de Quiquina, só se
amenizavam quando ela chegava.
É Quiquina quem organiza e direciona a casa e a vida de
Rosalina. Sem ela, viver parece insuportável. A negra Quiquina representa
para ela a própria vida. Mesmo que a presença da negra fosse silenciosa,
Rosalina não se sentia só, distante do mundo, das gentes de Duas Pontes.
Sem Quiquina eu não podia viver. (...) A presença
de Quiquina mexendo pela casa... era sinal de vida,
Personagens negras no tear autraniano 131
tempo. Quiquina para ela queria dizer que a vida
continuava... (DOURADO, 1967, p. 38).
Mas quem é Quiquina? Quiquina é uma negra que veio lá do
final da decadência das Minas pelo rareamento absoluto do ouro de aluvião e
pela ausência dos diamantes, é uma empregada muda que habita o sobrado
desde os tempos do coronel João Capistrano Honório Cota, filho de Lucas
Procópio.
Após a morte dos pais (João Capistrano Honório Cota e D.
Genu), Rosalina se recolhe e passa a viver no casarão com a negra Quiquina,
que, antes, tinha sido sua ama-de-leite e agora lhe servia de empregada,
pessoa com quem, no momento, trava uma estreita relação.
Numa convivência aparentemente tranqüila, elas se bastam.
Rosalina encontra, na característica negativa de Quiquina - a mudez -, o
aspecto positivo de que necessitava em uma pessoa para conviver e dividir
seus segredos. As duas mantêm uma comunicação muda, sem palavras.
Todos os diálogos entre elas são construídos através do olhar e dos gestos.
Havia uma intimidade muito grande entre elas, um
entendimento silencioso de que ele não participava.
Um entendimento profundo, muito anterior à sua
chegada. Eram quase mãe e filha. (DOURADO,
1967, p.144).
Às vezes, Rosalina se sentia tranqüila, sabia que, por causa da
mudez Quiquina, não iria lhe fazer perguntas, nem críticas ou comentários
sobre seu comportamento. Se sentia vontade, fazia através de gestos, com os
olhos. Era através deles que Quiquina mais se comunicava, sempre
censurando, reprimindo ou dizendo do que não gostava. O olhar era o órgão
dos sentidos de maior censura.
Personagens negras no tear autraniano 132
Autran, explicando a etimologia dos nomes de suas
personagens, diz que a palavra Quiquina é um vocábulo onomatopéico, cuja
pronúncia imita o som natural da coisa significada (murmúrio, sussurro, cicio,
chiado, mugir, pum, reco-reco, tique-taque). Quiquina significa indivíduo gago,
tatibitate.
A comunicação verbal de Quiquina foi substituída pelo olhar,
que, em alguns momentos, parecia tão profundo a ponto de penetrar na
alma. Não era de costume ouvir voz humana naquele sobrado até a chegada
de José Feliciano, que, não suportando o silêncio, afirma:
A gente carece de ouvir voz humana, pra sair das
sombras. Um homem não é só, um lago de
silêncio, necessita de ouvir a música da fala
humana. (DOURADO, 1967, p. 73).
Havia uma comunicação sem palavras, somente através dos
gestos, da linguagem do olhar entre Rosalina e Quiquina. À perspicácia do
olhar soma-se, também, a acuidade da audição. O olhar de Quiquina traduz
uma agudeza de percepção, feito águia. Desse modo, Quiquina tudo vê e tudo
ouve.
E então os olhos se encontraram, sem se
moverem os olhos se encontraram e se
falaram. (...) Quiquina, o que você vai fazer
agora, perguntou com os olhos. E os olhos de
Quiquina disseram eu vi, vi você, vi ele, vi os
dois aí juntos. (DOURADO, 1967, pp. 142,
143).
Personagens negras no tear autraniano 133
Segundo Autran Dourado, há, em Ópera dos mortos, uma
teoria do ver. (DOURADO, 2000, p.115). O olhar é apreendido de todos os
ângulos: o do narrador que, incansavelmente, convida todos a assistirem ao
grande espetáculo que sairá do casarão; o da platéia (a gente) que
acompanha atentamente as mudanças no casarão; o de Quiquina, olhar que
tudo apreende dentro e fora dos espaços que lhe é permitido freqüentar.
Quiquina vê o que está bem perto e o que está à distância, vê no claro e no
escuro, vê de lado, vê da escada, por trás das cortinas e das portas e na
escuridão de seu quarto; e o olhar de José Feliciano, que, em forte contraste
com o de Quiquina, é descrito como um meio olhar, branco e leitoso,
encoberto por uma belida.
O olhar, na simbologia, aparece como instrumento de
revelação, como símbolo do conhecimento, de percepção intelectual e
sobrenatural. É nesse aspecto que o narrador autraniano chama a atenção
do leitor, pedindo que ele observe, examine, se informe, investigue e
apreenda todos os detalhes dessa narrativa. Dentre as personagens desse
romance o olhar de Quiquina é o que vê além dos objetos, é o que espiona,
policia e julga. Quiquina age a partir do que vê.
Por outro lado, o olhar de José Feliciano é pela metade,
parcial; um meio olhar que o impede de ver / entender a real história do
casarão, o coração de Rosalina e a alma de Quiquina. O olho do Jardineiro,
descrito pelo narrador, é opaco, adjetivo que é traduzido como sinônimo de
obscuro, sombrio, que não deixa atravessar a luz. Por isso a nossa
compreensão de que a ausência de uma clara visão dessa personagem -
sua visão é só de um olho - esteja relacionada com a sua limitação do
entendimento da dinâmica vida / morte no sobrado.
Registre-se que a “teoria do ver” apresentada por Autran
Dourado nesse romance mantém estreita relação com o barroco mineiro. Não
esqueçamos que o barroco é uma estética que valoriza essencialmente o olhar,
o ato de ver um objeto sob vários ângulos, várias perspectivas: nesse sentido,
Ópera dos mortos é uma narrativa essencialmente barroca começar pelo
Personagens negras no tear autraniano 134
título porque a ópera é uma criação tipicamente barroca. Essa relação torna-se
pertinente a partir do instante em que se inicia a leitura da narrativa. São
muitos os lembretes do narrador para que o leitor não se esqueça do olhar.
Esse recurso de enxergar além do que ver é transferido, sobretudo, para a
negra Quiquina.
Quiquina é personagem perceptiva, que tudo vê. É quem opera
as transformações no ambiente com seu movimento de entrar e sair no
sobrado, quando vai para a rua vender as flores de pano e de plástico que
Rosalina fabricava artesanalmente. Assim era seu percurso: sobrado / rua e
rua / sobrado, como uma ponte que mantinha velada convivência entre o
sobrado e a cidade.
Quiquina era a ponte, o barco que nos levava
àquela ilha. A ponte que contudo não podíamos
atravessar, o barco sem patrão vagando no mar
silencioso dos sonhos de impossível travessia.
Porque a gente indagava de Quiquina sobre a vida
no sobrado. Se pediam notícias de Rosalina, ela
ficava mais muda do que era, sem nenhum gesto, a
fábrica de sua fala emudecia. (DOURADO, 1967, p.
82).
Essa ligação é um tanto frustrada por não permitir a informação
de volta da cidade para o sobrado. A comunicação se dava de forma unilateral.
Quando Quiquina saía para vender as flores, era sinal de que Rosalina estava
viva, mas não trazia nenhuma informação da rua. A mudez de Quiquina
interditava que a cidade soubesse o que realmente se passava no sobrado, a
gente acompanhava como expectador.
O sobrado continuava inabordável. Jamais
conseguiríamos chegar ao seu miolo, restabelecer
Personagens negras no tear autraniano 135
a ligação perdida. Porque Quiquina, como a gente
já disse, era uma ponte sem nenhuma valia, apenas
dava passagem do sobrado pra rua, por ela nunca
que a gente podia passar. (DOURADO, 1967, p.
90).
A gente deduzia que algo estava para acontecer naquele
sobrado. Por que a filha do Coronel João Capistrano Honório Cota não saía de
casa? Por que ela não se relacionava com ninguém desde que o pai morreu?
Por que não aparecia nem na janela? Por que não falava? Apenas pelo
movimento de entrar e sair de Quiquina e José Feliciano, a gente não obtinha
resposta para suas interrogações. Ninguém sabia realmente o que se passava
no casarão, tão freqüentado antes, e agora só fechado.
Em algumas situações, a mudez de Quiquina funcionava como
símbolo de censura e de julgamento moral que não precisava de palavras para
se fazer presente. Por trás da sua linguagem de silêncio fluem intensos
monólogos interiores.
Esses monólogos se dão de forma muito clara em vários
momentos. Um deles é quando Quiquina não aprova a presença de José
Feliciano no casarão por prever que ele não seria coisa boa dentro daquele
espaço onde viviam sozinhas. Ela estava tão acostumada às repetições do
cotidiano que tinha receio e um forte pressentimento de que a presença dele
viesse provocar sérias mudanças.
O leitor fica sabendo da sua rejeição a esse estranho, no
decorrer da narrativa, através de vários fluxos de consciência que ocorrem
desde o dia de sua chegada no sobrado e num outro momento, bem mais
intenso, que emerge já nas últimas páginas do livro, quando Quiquina se
questiona, hora antes do parto de Rosalina, se seria bom que o filho dela
sobrevivesse ou não. Transcrevemos esse último:
Personagens negras no tear autraniano 136
Não, meu Deus, não podia fazer aquilo, é
pecado. Um pecado feio, sem perdão. Não era
um pecado também deixar ele viver? Como é
que ela ia fazer com aquele menino dentro de
casa? Até quando podia esconder da cidade, o
menino crescendo?(...) Não, aquele menino
não podia viver. (...) Não sabia como ia se
arranjar, tinha medo. Não de Rosalina, ela não
vai nem perceber. Era só falar assim com as
mãos: ele nasceu morto. Rosalina será que
chorava? Não, ela devia saber o que aquilo ia
ser na sua vida. Até um bem pra ele.
(DOURADO, 1967, pp. 190, 192).
Mesmo diante de toda uma situação de desconforto por querer
impedir a relação amorosa entre sua sinhá e o jardineiro, Quiquina luta por seu
espaço dentro da casa sem se preocupar com as conseqüências que poderiam
causar as suas atitudes.
Como parteira, tinha o poder de decidir sobre essa situação.
Lembrava-se do passado lá de antigamente, do tempo de Dona Genu, mãe de
Rosalina: não se via morando no casarão e sendo mandada pela figura de
José Feliciano, que agora seria o pai do filho de Rosalina; pensava em toda a
gente da cidade, no que iria dizer. Todas essas idéias se passam no momento
em que está fazendo o parto de Rosalina.
Dentre todos os pensamentos que vinham num mesmo
instante, o mais forte era vingar-se de José Feliciano por ter tomado o seu
lugar no coração de Rosalina. Ele, tornando-se pai, poderia querer tomar a
frente da casa, a direção de tudo dentro da casa, dar ordens nas duas. De
forma silenciosa, ela começa a interferir nesse relacionamento.
Quiquina é personagem dual. Simboliza vida e morte dentro do
sobrado. Na função de mucama, dá vida ao casarão, pondo ordem nas coisas,
Personagens negras no tear autraniano 137
dando notícia para a rua, através da venda das flores, de que elas estão vivas.
No papel de parteira, tanto ajuda no surgimento de vidas, como também se
torna agente de morte ao destruir a relação de Rosalina e José Feliciano e por
matar a criança, fruto dessa relação.
Inácia: a aranha tecedeira
Personagem similar a Quiquina é Inácia, de Os sinos da agonia, que é escolhida por Malvina para freqüentar o corpo da casa por ser
uma angolana da Cabinda.60 A preferência pelos negros dessa região devia-se
a que, diferentemente dos oriundos de outras regiões, mais facilmente se
rendiam aos severos castigos imputados pelos senhores. Note-se na intenção
dessa fala:
Ela só queria os pretos do serviço caseiro, aquelas
mansas, fortes e sorridentes peças da Angola, tão
dóceis e obedientes – é verdade que depois de
muita pancada. (DOURADO, 1974, p. 84).
Observa-se, entretanto, que essa idéia de docilidade e
obediência é negada pelo narrador, quando, intrometendo-se na narração, a
aponta como conseqüência da violência a que o negro foi submetido, fazendo
assim eco à voz de Padre Antônio Vieira, quando, também sobre essa mesma
60 Indivíduo dos cabindas, povo banto da região de Cabinda (Angola).
Personagens negras no tear autraniano 138
questão observa: Entre os homens dominarem os Brancos aos Pretos é força e
não razão ou natureza. (VIEIRA,1998, p. 37).
Prosseguindo, nota-se que a relação de intimidade entre
Malvina e Inácia (sinhá e mucama) se intensifica rapidamente e, com o passar
dos anos, Inácia torna-se, não só sua confidente, mas a pessoa da casa em
quem Malvina deposita toda a sua confiança.
Observa-se que Inácia presenciava e contava para Malvina as
mudanças e as novidades que ocorriam, na sua ausência, dentro do casarão.
Uma dessas novidades foi a chegada de Gaspar, enteado de Malvina, que,
desde o dia em que soube do casamento dela com seu pai, havia sumido.
Nessa ocasião, Inácia assistiu a tudo atrás das portas para depois lhe contar.
Inácia cuidou de tudo, ligeira, os olhos piscos
esbraseados, figurando afobação. E foi contar tudo
à sua querida senhora, aflita e nervosa pelas
notícias. (DOURADO, 1974, p. 88).
Com relação à postura da mucama Inácia, é válido abrir
parênteses para mostrar uma diferenciação entre os autores anteriormente
citados e Autran Dourado que rompeu com uma característica realista /
naturalista sempre em destaque nos textos literários, que era a sexualidade
das negras.
Sabe-se que as mucamas eram escravas domésticas, negras
ou pardas, escolhidas quase sempre pelas senhoras, para os serviços
domésticos, especialmente nas casas-grandes do Nordeste.
A mucama desempenhava o papel de cozinheira, copeira,
confidente das filhas do senhor, das senhoras; era também ama-de-leite,
alcoviteira e objeto de uso sexual do seu dono ou de outros membros da
família.
Personagens negras no tear autraniano 139
Autran não erotiza essas personagens. Elas, em nenhuma de
suas narrativas, são apresentadas como símbolos eróticos ou objetos sexuais,
como acontece em algumas tendências literárias, em que a escrava é
assediada / violada pelo senhor e, conseqüentemente, ocorria a vingança
desencadeada pelo seu amado.
As negras Inácia e Quiquina não eram sexualizadas, não
mantinham relações com seus senhores, desempenhavam o papel de
cozinheiras e eram confidentes de suas senhoras.
A narrativa de Os sinos da agonia toma um outro rumo
quando Gaspar, o enteado de Malvina, resolve se instalar no casarão e, a partir
daí, passa a conviver com o casal. Na intimidade da convivência, Malvina se
envolve com Gaspar e se apaixona loucamente. O forte sentimento de um
amor avassalador, proibido e silencioso, a sufoca. Por não ter com quem dividir
sua angústia, recorre a Inácia:
Se trancou com a preta, antes de dizer pediu mil
vezes sigilo, era um segredo de morte. Deu-lhe um
trancelim, uma medalha do tamanho de um dobrão,
arrecadas de ouro, tudo do melhor quilate. Que é
isso, Nhazinha, carece disso não, dizia a preta
recolhendo as jóias. Prometeu alforria, apelou para
a dedicação, para o sentimento. Os olhos em
lágrima, abraçava e beijava a preta. Sossegue,
Nhazinha, disse Inácia. Se acalme antes de falar.
Eu prometo diante de Deus, da minha Nossa
senhora do Rosário dos Pretos, que vou esquecer.
Quem sabe eu não posso ajudar, Nhazinha do meu
coração? Inácia, eu amo, disse depois que chorou o
que tinha de chorar. (DOURADO, 1974, p. 117).
Essa revelação de Malvina aproxima mais as duas e faz com
que, a partir desse segredo, Malvina venha a se tornar mais dependente de
Personagens negras no tear autraniano 140
Inácia, invertendo os papéis na relação senhor / escravo, o que inevitavelmente
aconteceu.
Mas, por trás da estreita aproximação entre a senhora e a
mucama, passou a se estabelecer, também, uma relação comercial. Há
sempre uma desconfiança na possibilidade da traição. É tanto que, para
manter o segredo, ela paga com ouro ou prata para que Inácia silencie e aceite
sem contestar.
Mesmo assim, Malvina desconfia de sua preta. Confia
desconfiando, desconfiava da preta sempre fiel. Tudo podia ser mentira de
Inácia. (DOURADO, 1974, p. 180). Há uma suspeita de traição da sua preta e,
ao mesmo tempo, uma forte dependência, o que fazia Malvina calar e aceitar a
situação. Daí, Inácia vai, aos poucos, ascendendo na escala de poder dentro
da casa de seus donos, torna-se conselheira da sinhá.
Inácia, nesse instante, no domínio da casa, obedece, mas
atenta à dimensão de seu poder; finge, esconde, disfarça, seleciona o que vai
dizer. Malvina agora que pedisse, implorasse, antes ela só mandava. Agora,
Malvina na roda do tempo,61 sem João Diogo e sem Gaspar, só, sozinha com
Inácia.
As duas agora juntas pra sempre, nada podia fazer
contra Inácia. Nem Inácia contra ela. Juntas,
miseravelmente juntas! Pra sempre! Na mesma
canoa, a correnteza. (DOURADO, 1974, p. 172).
Relembrando a forma como os negros eram trabalhados em
textos anteriores, a exemplo do romance Vítimas e algozes, do escritor
Joaquim Manoel de Macedo, os forros, nessa obra, ao mesmo tempo que eram
mostrados como vítimas, apareciam também como capazes de causar a ruína
de seus senhores, representando um perigo dentro das casas. 61 Título do quarto capítulo de Os sinos da agonia. P. 169.
Personagens negras no tear autraniano 141
Esse aspecto de elemento destruidor, nocivo, torna-se mais
evidente no decorrer da leitura da obra de Autran Dourado ao se observar o
comportamento de certas personagens, como a preta Inácia, cúmplice da
traição ao senhor e algoz de sua senhora conforme se pode ver nas passagens
abaixo:
A comunicação passou a ser feita... através de
Isidoro e Inácia, mucama de Malvina, que levavam
e traziam os bilhetes e cartas. (DOURADO, 1974, p.
50).
E agora, quando João Diogo dormia a sono solto e
se apagava a luz debaixo da porta de Gaspar,
Inácia ia buscar Januário no portão da Rua das
Flores. Toda noite era aquela entrega furiosa e
agônica. (DOURADO, 1974, p. 123).
O amante, o negro Januário, filho carijó62 do senhor Tomás
Matias Cardoso, é manipulado pela sinhá. O assassinato do senhor branco,
João Diogo Galvão, não acontece por vingança de nenhum preto, postura já
vista em algumas narrativas anteriores. O que se deu foi Januário foi usado por
Malvina que planejava ficar com o enteado, Gaspar, e com o próprio Januário,
os dois a um só tempo.
A trama, acompanhada pelo amor, a traição e a vingança
organizada por Malvina, finaliza com a morte de João Diogo por Januário. Logo
depois, tudo é esclarecido Malvina se desespera por não conquistar o amor de
Gaspar, Januário será executado em praça pública e Inácia continua
obedecendo, mas no fundo era Inácia que mandava na casa, nela. Nas mãos
de Inácia pra sempre, desde então. (DOURADO, 1974, p. 170).
62 Indivíduo dos carijós, povo indígena extinto, do tronco lingüístico tupi, que habitava os estados de Santa Catarina, Paraná e a região da lagoa dos Patos, no Rio Grande do Sul.
Personagens negras no tear autraniano 142
No geral, como vimos anteriormente, mesmo que o negro tenha
sido escolhido pelo senhor / sinhá para fazer parte do corpo da casa, penetrar
na intimidade doméstica, por outro lado, causava sempre desconfiança e
preocupação, o que se explica pelo temor do senhor em sua relação com o
escravizado.
Leia-se um trecho a seguir da fala de uma personagem branca.
Após a morte de João Diogo, Gaspar, mesmo ainda bem distante, fica sabendo
do que estava se passando no casarão através das insistentes e confusas
cartas de Malvina e dos recados que pediam que ele voltasse, enviados pela
sua mucama Inácia; não podia acreditar no que estava acontecendo. Observe-
se a forma preconceituosa da indagação do branco:
Como é que uma senhora antes tão fina podia se
misturar, se entregar daquele jeito a uma preta
boçal que de repente ele viu tinha tomado conta da
casa do pai? (DOURADO, 1974, p. 189).
O espanto que causava o fato de uma senhora fina estar se
misturando com uma preta confirma a divisão de espaço existente dentro da
casa. Pela da cor se determinavam os lugares dos brancos e dos pretos.
Em seguida, dentre tantos adjetivos qualificativos, ele usa o
termo boçal, sinônimo de estúpido, rude grosseiro e ignorante, estereótipos
negativos atribuídos aos negros e amplamente empregados pelos escritores.
Como Inácia e Quiquina, várias são as tipologias de negros
presentes na narrativa de Autran, compondo o texto que prioriza a
ambientação, o cenário das Minas do século XVIII.
Alguns tipos de negros que caracterizam a literatura do período
oitocentista arrolados por França em Imagens do negro na literatura brasileira (1998) circulam nas narrativas de Autran Dourado. Desse modo,
nelas vamos encontrar personagens negras que habitavam no interior das
Personagens negras no tear autraniano 143
casas ricas e sofisticadas das famílias brancas, desempenhando papéis os
mais diversos possíveis: cozinheira, arrumadeira, damas de companhia,
confidentes, conselheiras, cúmplices, recadeiras, dentre outras, que, muitas
vezes, se aproveitavam da intimidade criada com a situação para tecer intrigas.
Os negros, por sua vez, emergem nessas narrativas como ex-
escravos, advindos dos trabalhos na lavra, ainda que não desempenhassem
funções diretamente relacionadas com o serviço doméstico, estavam também
sempre ligados aos seus senhores. Sofrendo as seqüelas do regime
escravocrata, essas personagens negras, muitas vezes, se nos apresentam
revoltados, inconformados com a situação em que se encontram.
Em termos de aproximação com a ficção oitocentista do
realismo / naturalismo, percebe-se a presença marcante do processo de
zoomorfização nas três narrativas em estudo, em que a imagem do negro está
sempre associada a animal. Nesse caso, registre-se que uma das associações
mais recorrentes em foco é o das personagens negras com o cachorro.
Quiquina na vigília, Quiquna seu cão-de-guarda.
(DOURADO, 1967, p. 104).
Quiquina sempre de guarda, um cachorrão no
escuro. O cachorro fumegava, os olhos de
cachorro. (DOURADO, 1967, p. 115).
Inácia levou-o de noite para o quarto dos fundos,
cujas chaves ela passou a guardar. Era um cão na
vigia. (DOURADO, 1974, p. 123).
Jerônimo... quando se acalmou, foi se chegando
para junto dos pés de Lucas Procópio como um cão
fiel. (DOURADO, 1985, p. 82).
Nas três citações, quando o narrador compara os negros ao
animal doméstico, reforça as qualidades de fidelidade e confiança que esses
animais / personagens transmitem ao dono. O modelo mais utilizado é o do cão
Personagens negras no tear autraniano 144
fiel, vigilante, de guarda. A repetição dos adjetivos tanto faz parte da técnica
como é um recurso do narrador para tentar convencer o leitor do grau de
confiança depositado no negro.
Muito atento e perspicaz, o narrador autraniano está sempre
preocupado em prender a atenção do leitor; tem o total domínio de toda a
situação do narrado, dos detalhes e, quando parte para a caracterização
dessas personagens, se perde em minuciosas descrições ao fazer a tipologia
de cada uma.
Observe-se que a personagem Quiquina é descrita de forma
caricatural. Ela nos é apresentada como uma preta gorda, baixotinha, velha,
com os fios brancos de barba no queixo. (DOURADO, 1967, p. 66). A descrição
dela com os fios brancos de barba no queixo pode ser associada à
característica de um animal como, por exemplo, um bode.
Na frase destacada anteriormente, o narrador deixa filtrar,
através dos adjetivos desqualificativos e termos diminutivos, um tom pejorativo
quando descreve / caracteriza a personagem Quiquina. Aliás, por conta da sua
mudez, emite sons que também se assemelham a murmúrios de animais:
balbucia quando quer dizer alguma coisa; conforme já assinalamos, indicia o
próprio nome.
Na copa Quiquina ruminando; na cozinha
ronronando, no borralho. (...) Quiquina na vigília,
Quiquina seu cão-de-guarda. (...) Os olhos dela
como duas brasas, os olhos de uma gata no
escuro, o cachimbo lumeando. (DOURADO, 1967,
p. 104, grifo nosso).
Grunhia como um cachorro que ganisse para
chamar a atenção do dono. No desespero, se
confundia, se atropelava nos gestos. (DOURADO,
1967, p. 89, grifo nosso).
Personagens negras no tear autraniano 145
Além de Quiquina, outras duas personagens recebem esse tipo
de tratamento. A já referida Inácia, do romance Os sinos da agonia, escrava
negra que foi retirada da senzala para ser a empregada de confiança de
Malvina, e o negro Jerônimo do romance Lucas Procópio, cuja imagem é
também animalizada configurando a semelhança de um cão vigilante, fiel e
feroz. Primeiramente, observe-se o momento em que Inácia forja os encontros
entre Malvina e Januário e, em seguida, como Jerônimo é caracterizado.
(...) Confiante na esperteza de Inácia, nos seus
olhos caninos e vigiadores. Não havia ouro que
chegasse. (DOURADO, 1974, p. 123).
Rilhava agora os dentes, os beiços espumosos.
Abocanhava o ar feito um cão. Caiu no chão,
esperneava. (DOURADO, 1985, p. 82)
No entanto, diferentemente das narrativas anteriores em que
essa associação derivava, muitas vezes, para uma sensualidade instintiva
exarcebada, sobrevalorizando a da sexualidade, em Autran Dourado, em
nenhum momento, a imagem do negro a deixa entrever.
Retomando à questão dos estereótipos, um outro recorrente
nesses textos é do negro como figura suja, de cheiro ruim, odor ardido, bodum
africano, segundo o narrador. Observe- se essa passagem:
E o preto se aproximou mais, agora quase colado a
ele. Podia sentir o cheiro ardido de preto sem
banho dias seguidos. Podia sentir agora, com
engulho, o cheiro nauseabundo com que tinha se
acostumado e parecia não mais sentir e agora de
repente lhe insultava o nariz, embrulhava o
estômago. (...) O bodum entranhava na roupa, no
nariz, na memória. O cheiro que mil sabões, preto
Personagens negras no tear autraniano 146
ou do reino, não conseguiam apagar. Como ele
tinha esquecido o que era bodum ardido de preto?.
(DOURADO, 1974, p. 17-18).
Não só o narrador, mas as próprias personagens negras
sentem e acreditam que elas exalam um odor diferente. O peso dos
estereótipos é tão forte que o próprio negro é induzido a pensar como os
brancos. Em seguida, desencadeia, a partir da memória de Januário, uma
reflexão de que cada raça exala um odor próprio: o índio, o branco, o negro.
Levou o braço ao nariz, procurou sentir o cheiro do
próprio corpo. Quem sabe não tinha também o
fedor podre da sua raça, da raça da mãe? A gente
é que não sente o próprio cheiro. O cheiro podre
que às vezes sentia na cafua dos índios... (...). O
mesmo cheiro ardido que um dia sentiu na mãe e
procurou esquecer. Cada raça tem o seu cheiro,
nenhuma sente o próprio cheiro, só o dos outros.
(DOURADO, 1974, p. 18).
A aversão ao negro era tão forte que, em Duas Pontes, quando
surgia um branco vindo de outras eras, como foi o caso da figura extravagante
de Lucas Procópio, mesmo parecendo pessoa de casta nativa, (DOURADO,
1985, p. 17) a gente procurava fazer um teste para saber se tinha raízes reais
ou não.
Um se aparentava de branco e a gente ia ver se
tinha mancha de jenipapo na regueira, sinal de
pretume original. Debaixo da brancura pode saltar
um cabritinho, diziam as matronas brancarronas
Personagens negras no tear autraniano 147
torcendo o nariz empoado. (DOURADO, 1985, p.
17).
No intenso e simultâneo cruzamento de discursos das
personagens perpassa, através da fala dos negros, o conflito entre o desejo
de ser branco entre mestiços. Esse desejo de branqueamento, quando
ocorre com as personagens desses romances, geralmente se dá com os
filhos bastardos de um senhor com uma escravizada, o que não ocorre com
os africanos e afro-brasileiros escravizados.
Januário: no centro da teia
Januário, personagem do romance Os sinos da agonia. é um
mameluco, às vezes é meio escuro (DOURADO, 1974, p. 12), filho bastardo do
potentado Tomás Matias Cardoso e da mameluca Andresa. Ser bugre63 ele
jamais aceitaria, era uma ofensa, mas ser mameluco era menos ruim. Mas o
que ele gostaria mesmo de ser era branco (DOURADO, 1974, p. 15). Januário
constantemente expressa o desejo de branqueamento. Ele se debate em todos
os momentos da narrativa sobre sua origem. Se tivesse nascido branco, não
teria sido punido da forma como foi, em sacrifício.
A personagem Januário se enquadra na variada gama de
mestiços – mulatos, caribocas, caborés, tanta mistura de sangue e de cor,
(DOURADO, 1985, p. 15) que compunham o contingente minerador do
63 Indivíduo dos bugres, povo indígena do Sul do Brasil, que habita entre os rios Iguaçu e Piquiri e a região da cabeceira do rio Uruguai. Designação genérica dada ao índio, especialmente o bravio e/ou aguerrido. Indivíduo desconfiado, arredio. Indivíduo rude, inculto.
Personagens negras no tear autraniano 148
século XVIII. A mãe Andresa morre, e o coronel Tomás Matias assume sua
paternidade, levando-o para morar entre seus familiares. Na convivência,
conquista a sinhá e passa a ter algumas regalias.
Mesmo de sangue misturado, filho das ervas, sem
lei de água benta, tinham mandado ele pra Vila do
Carmo, no seminário da Boa Morte. Devia ter
aprendido, não ensinaram? Ou ensinaram só
ladainha, rezação? (DOURADO, 1974, p. 206).
Na instituição família do século XVIII, a personagem
Januário é mostrada como exceção; por ser filho bastardo, dificilmente teria
a sorte de ser assumido pelo pai, principalmente quando já tinha uma família
formada.
Muitos deles escondiam, feito gato encobre o
malfeito, os irmãos naturais, os filhos concebidos
em mulheres-de-partido, gerados nas senzalas ou
nos campos por índias, pretas, mulatas, mamelucas
e cafuzas: aquele cadinho de raças e culturas dos
trópicos quentes, livres, tristonhos. (DOURADO,
1985, p. 17).
Januário vive um eterno conflito sobre sua etnia. Não sendo
branco no Brasil do século XVIII e, particularmente, no auge da economia
mineradora, seria tratado como escravo. Fruto de uma relação amorosa
entre o dominador branco e uma escrava, Januário não podia fugir à regra.
Eu não tenho raça nenhuma, sou que nem mula,
manchado de geração. Me chamam às vezes de
bugre, você sabe. Nem isso eu sou. Sou mais um
Personagens negras no tear autraniano 149
puri64 esbranquiçado por obra de meu pai. Nem
branco nem índio. Eu sou nada. Eu vou é ao
encontro desse nada que sou. (DOURADO, 1974,
p. 216).
Januário, defrontando-se com o poder de uma ordem social
opressora, que desvirtua a realidade dos fatos e invalida sua verdade pessoal,
que se torna absurda e indefensável, descobre-se como ‘sem lugar’ no âmbito
social, como ser duplo, na sua condição de filho bastardo, nem senhor nem
escravo, nem negro nem branco um vivo-morto.
Aqui se encontra a origem da lucidez e da determinação com
que Januário enfrenta os soldados na praça para, agora, morrer de vez,
efetivamente, perdendo sua condição ambígua de vivo-morto. Mesmo que a
narrativa se passe em um dia, a angústia dessa personagem parece durar uma
eternidade.
Não se contentando com argumentos mais tangíveis, Januário
procura encontrar, no ritual mágico, no universo mítico, explicações mais
plausíveis para os rumos imprevistos que sua existência tomara. Sucumbe ante
o poder do simbólico, que o mata em Efígie através do ritual mágico-fetichista a
lhe determinar todo um rito de iniciação de passagem, um nascer de novo.
Dos estereótipos arrolados nas narrativas autranianas
encontram-se o forte preconceito racial que toma a forma de um preconceito de
cor, a cor negra como sinônimo de feiúra, bem como também a imagem do
negro que é associada ao trabalho servil, a visão de que o negro foi feito para
obedecer e submeter-se, de que o negro é um ser de absoluta incapacidade.
64 Indivíduo dos puris, povo indígena extinto, da família lingüística puri, que habitava as margens do rio Paraíba do Sul (SP), a margem direita do rio Doce, do Sul de Minas Gerais até o N. do RJ e o S.O. do ES. Família lingüística extinta, composta por línguas que eram faladas por povos indígenas de Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo.
Personagens negras no tear autraniano 150
A vida de um homem não vale nada, a de um preto
nem se fala, a não ser como mercadoria. (...) A vida
de um preto não valia nada naqueles tempos, mas
tinha um preço. Quando escravo e propriedade de
alguém, uma propriedade como outra qualquer.
(DOURADO, 1985, p.77).
No romance Os sinos da agonia, os negros têm
consciência da discriminação do branco. Januário, ao se aproximar o
momento de sua entrada na praça, descobre o porquê de sua prisão e de
toda a trama armada por Malvina para que ele matasse João Diogo Galvão,
mas não existia testemunha porque só os dois sabiam de tudo e o negro
Isidoro. Então ele se interroga: mas de que valia o testemunho de um preto,
além do mais seu escravo? (DOURADO, 1974, 43). Jerônimo, em Lucas Procópio, também não acredita ser possível verdadeira amizade entre preto
e branco, entre um ex-escravo e o senhor. (DOURADO, 1985, 28).
O poder do estereótipo é tão forte no sentido negativo de
tratar os negros sempre num rebaixamento de sua raça, que os próprios
negros não acreditam nas suas possibilidades, na capacidade de existirem
como seres dignos de pensar e agir.
Jerônimo: protetor das veredas perigosas
Diferentemente de Quiquina e Inácia, o negro Jerônimo,
personagem do romance Lucas Procópio, tinha vinte anos quando foi vendido
a um escravocrata no Brasil. Jerônimo, não vivia no corpo da casa, mas deixou
Personagens negras no tear autraniano 151
tudo para acompanhar Lucas Procópio pelos interiores das Minas Gerais, ser
seu guia e protetor dos perigosos encontros com possíveis negros quilombolas.
(DOURADO, 1985, p. 15).
Pedro Chaves, ao saber do passado dos negros que aqui
chegaram, no caso Jerônimo, não acreditava que alguns tenham tido uma vida
de realeza na África. Mas, se soubesse que era realmente verdade, ele
acabaria com essa história. Jerônimo:
Diz que o pai é rei, cacique o que ele é, vai preto
ser rei! Queria ainda um dia encontrar um rei virado
escravo. Acabava com ele num ai de minuto, balaço
na testa, onde rei enfia a coroa. Cabelo pixaim
duro, preto no Céu não entra, espeta Nosso Sinhô.
Quem fez esta quadra tinha muita sabença e graça:
“Preto não entra no Céu,/ Nem que seja rezadô./
Preto tem cabelo duro,/ Espeta Nosso Sinhô.” Na
igreja preto só entra carregando almofada de sinhá.
(DOURADO, 1985, p. 41).
Por muito tempo o preto foi o fiel escudeiro e antigo escravo,
hoje alforriado, servindo por dinheiro e afeto (DOURADO, 1985, p. 23) à figura
de Lucas Procópio. Eles conviveram, no período da decadência das Minas,
quando os rios auríferos secaram e as grupiaras emudeceram. Nesse tempo,
Jerônimo foi muito maltratado pelo Senhor Mateus Romeiro Cota, pai de Lucas
Procópio, que chega a lhe pedir perdão pelos maus-tratos de sua raça.
Lucas Procópio se curvando para ele, feito um
criado. Peço perdão pelos de minha raça, disse.
Perdão por tudo que deixei fazerem. Perdão
mesmo pelos crimes que eu não cometi contra você
e os de sua raça. (DOURADO, 1985, p. 50).
Personagens negras no tear autraniano 152
É interessante observar que as personagens negras
funcionam, nessas narrativas, como elemento decisivo dentro do conflito
romanesco. A elas cabe sempre a ação decisiva para o desfecho da narrativa.
Veja-se o caso do preto Jerônimo. Depois de anos de
desaparição, por ironia do destino, ao aparecer, reconhece não ser Lucas
Procópio aquela figura que viu passar por perto, mas Pedro Chaves, o feitor
das Lavras que sempre o perseguiu e que agora estava usando uma máscara.
A persona que ele duramente, sofridamente usava
para representar o personagem com que sonhava o
seu coração e que ele vinha criando penosamente.
(DOURADO, 1985, p. 151).
Jerônimo, portanto, é quem desvenda o nó do enredo do
romance Lucas Procópio quando, não encontrando melhor oportunidade que
aquele momento, sacou de uma arma e atirou, mas Pedro Chaves foi mais
rápido: com dois tiros de uma velha garrucha mata o negro Jerônimo.
O destino
Os dobres agonizantes dos sinos e as insistentes batidas dos
pêndulos dos relógios exigem que se cumpram os destinos. São símbolos
sinalizadores de morte, do fim de uma era e do início de outra.
O destino das personagens negras autranianas é marcado pela
fatalidade que leva à existência rumo a uma tragédia. Esse destino tem que ser
Personagens negras no tear autraniano 153
cumprido independente do seu consentimento, sendo vã qualquer tentativa de
fuga.
As personagens negras se dividem diante dessa fatalidade. De
um lado, ficam as que não aceitam o destino que, obrigatoriamente, teriam que
cumprir. Para elas, esse destino fora escrito na lei dos brancos e, nesse caso,
não entregariam suas vidas à imolação em troca de uma vida com regalias.
Noutro lado, estão as personagens que não questionam seu
destino, que se submetem a uma vida de submissão e castigos na crença de
que não vão adiantar tentativas de mudanças.
Cumprindo o destino já traçado tornam-se vítimas. Sacrificam-
se postura essa apreendida, também, como denúncia para que todos, num
futuro próximo, possam vencer o destino tornando-se sujeitos.
O não-cumprimento do destino culmina na tragédia. Em Os sinos da agonia, Januário ousa, teima em seguir seus desejos, seus instintos.
Segue e persegue Malvina até possuí-la. Ela, originária da nobreza vicentina e
casada com o potentado João Diogo Galvão, braço direito do Capitão-General,
é a causa de sua queda, que foi sua morte de fato e simbólica.
O destino de seu companheiro Isidoro estava envolto no sonho
de, um dia, ir para um quilombo onde pudesse unir todo o seu povo. Ficava
horas e hora sonhando, delirando, feito um louco.
Os olhos brilhavam de estrelas como o manto de
Virgem. Uma luz esplendorosa, vinda de dentro.
Nas névoas do sonho Isidoro navegava, transluzia.
(DOURADO, 1974, p. 22).
Já o de Jerônimo, personagem do romance Lucas Procópio,
ficava perdido no mapa, tantos, tão escondidos e espalhados eram os
quilombos em Minas (DOURADO, 1985, p. 63) até o dia que reaparece e é
morto pelo feitor Pedro Chaves.
Personagens negras no tear autraniano 154
As personagens negras de Autran vivem numa sociedade em
que seus comportamentos, desejos e anseios são controlados por um senhor
ou uma senhora branca que lhes dita todas as regras. Como vimos, elas não
têm escolha quanto aos seus destinos.
Para além dessas questões aqui assinaladas, a análise das
personagens negras em Autran Dourado nos leva também ao conhecimento de
outros aspectos de sua realidade, relacionados com o espaço em que vivem e
convivem com seus semelhantes ou com os brancos e com sua maneira de se
expressarem.
Lugar de preto é na
senzala ou no barracão.
Autran Dourado.
O labirinto-trilha dos negros (espaços de circulação)
os textos escritos anteriormente (nas quatro partes do
Bloco – I e na primeira parte do Bloco – II), já foi
registrado o espaço-tempo em que as narrativas autranianas foram
ambientadas: Minas Gerais / Século XVIII.
A referência a esse espaço-tempo foi utilizada como um fio
condutor para ligar as partes e dar unidade ao texto maior. Em outros termos,
funciona como um exercício contínuo para amarrar o que vai sendo escrito com
o objetivo de assinalar os espaços por onde as personagens negras circulam
ou estão mais presentes.
Porém, antes de abordarmos o trilhar desses negros nos três
romances, recorremos ao texto de Osman Lins, Lima Barreto e o espaço romanesco (1976), em que faz um estudo sobre a obra do escritor Lima
Barreto dando ênfase ao espaço sem esquecer de fazer referência ao tempo.
Não só espaço e tempo, quando nos debruçamos
sobre a narrativa, são indissociáveis. A narrativa é
um objeto compacto e inextrincável, todos os seus
fios se enlaçam entre si e cada um reflete inúmeros
outros. Pode-se, apesar de tudo, isolar
artificialmente um dos seus aspectos e estudá-lo –
não, compreende-se, como se os demais aspectos
inexistissem, mas projetando-o sobre eles: neste
sentido, é viável aprofundar, numa obra literária, a
compreensão do seu espaço ou do seu tempo, ou,
de um modo mais exato, do tratamento concedido,
aí, ao espaço ou ao tempo: que função
desempenham, qual a sua importância e como
introduz o narrador. Note-se ainda que o estudo do
N
O labirinto trilha dos negros (espaços de circulação) 157
tempo ou do espaço num romance, antes de mais
nada, atém-se a esse universo romanesco e não ao
mundo. (LINS, 1976, pp. 63-64).
Para Osman Lins as narrativas que alcançam em geral
vibração mais intensa são aquelas em que o espaço assume um papel de
relevo. Entretanto, em suas considerações teóricas, estabelece uma distinção
entre espaço e ambientação, entendendo por esta o conjunto de processos
conhecidos ou possíveis, destinados a provocar, na narrativa, a noção de um
determinado ambiente (LINS, 1976, p. 77). Em outro momento, ele sistematiza
três tipos diferentes de ambientação: a franca, a reflexa e a dissimulada,
fazendo uma relação direta entre espaço e personagem.
A primeira se distingue pela introdução pura e simples do
narrador. A narrativa é em terceira pessoa e é medida pela presença de uma
ou mais personagens (LP). Na segunda, o foco narrativo incide sobre a
personagem, não implicando uma ação; a personagem tende a assumir uma
atitude passiva e a sua reação é sempre interior (OM). Por último, a
ambientação dissimulada (oblíqua) exige a personagem ativa; o que a identifica
é um enlace entre o espaço e a ação (OSA).
O que nos chamou a atenção nesse estudo de Osman Lins foi
a relação imediata desses tipos de ambientação com o cenário predominante
das narrativas de Autran Dourado: como as ruas em Lucas Procópio, o
sobrado em Ópera dos mortos e a praça em Os sinos da agonia.
Retomando Osman Lins, destacamos o que nos diz o referido
crítico acerca da função caracterizadora do espaço:
O espaço caracterizador é em geral restrito – um
quarto, uma casa -, refletindo, na escolha dos
objetos, na maneira de os dispor e conservar, o
modo de ser da personagem. A inserção social
desta, entretanto, pode ser sugerida em grande
O labirinto trilha dos negros (espaços de circulação) 158
parte por elementos exteriores, como o bairro ou a
situação geográfica. (LINS, 1976, p. 98).
A questão física do espaço é muito significativa nas narrativas
em estudo. É um elemento corroborador do poder exercido pelos senhores.
Nesse sentido, observa-se que a habitação dos representantes da classe
dominante se situa topograficamente nas partes mais elevadas da cidade, sem
falar que se trata de construções arquitetonicamente imponentes, na maioria
das vezes assobradadas e com áreas bem espaçosas. Além disso, essas
habitações se localizam no âmbito do espaço do poder, religioso ou político, a
igreja ou o palácio do governo, permitindo aos seus moradores um amplo
domínio do que se passa na cidade. Em Os sinos da agonia, por exemplo, o
Capitão-General via tudo da sacada do sobrado.
O Capitão-General apareceu finalmente na sacada
central do paço, e os olhos do povo e dos sobrados
se voltaram para o palácio. O seu melhor uniforme,
trespassado de bandas, coberto de dourados e
veneras, reluzia. Aos olhos dos áulicos e na língua
arrevesada dos panegiristas do áureo trono, era o
próprio Sol Novo da América. (DOURADO, 1974, p.
29).
Com relação ao romance Ópera dos mortos, o narrador
destaca o casarão onde mora Rosalina e a negra Quiquina, mas o que torna o
sobrado mais evidente é o fato de ter sido construído na praça principal onde
fica a Igreja do Carmo. Dessa praça, a gente se põe a olhar para ele e a falar
sobre a esquisitisse das duas. A gente não descansava, sempre em alerta na
espera de que alguma coisa viesse acontecer ou acontecesse naquele
casarão. Quiquina é quem entra e sai, mas sempre sem notícia, e Rosalina lá
dentro, nunca aparece, fica só olhando tudo por detrás das cortinas, na vigília.
O labirinto trilha dos negros (espaços de circulação) 159
Já os negros, em geral, ocupam os espaços mais baixos e
inexpressivos da cidade. Encontram-se alocados em habitações sem estrutura,
nas senzalas,65 nos fundos das casas senhoriais, corroborando, assim, a sua
situação hierarquicamente inferior na sociedade. Habitam, pois, lugares de
exclusão, ou seja, lugares ignorados, desprezados, negados pela elite branca,
tanto no âmbito interno como externo das casas dos senhores.
Desse modo, em Ópera dos mortos, em Os sinos da agonia
ou em Lucas Procópio, os espaços transitados pelos negros são a cozinha, a
senzala, as lavras, as faisqueiras e as datas, espaços não presentes nas
discussões em família no sobrado da Rua Direita em Duas Pontes - onde
estava sendo elaborada a grande Farsa – a morte em efígie (OSA) - nem no
casarão de Rosalina (OM), nem na casa de Isaltina e Lucas Procópio (LP).
Esses locais, em que os negros circulam, ficam mais distantes, longe dos olhos
da sociedade colonial mineira em decadência, que não aceitava as mudanças
econômicas e sociais de seu tempo.
Mais precisamente, com relação ao romance Os sinos da agonia, os lugares delimitados para os negros são bem demarcados. Existe
uma hierarquização, denunciada pela clara separação entre a casa e a
senzala, entre o senhor e o escravo.
Nesse contexto, sem nenhum escrúpulo, os senhores
potentados adquirem um número exorbitante de escravos negros para
trabalharem em suas terras e viverem sob o seu mando. Há um momento
nessa narrativa em que Malvina, recém casada, já morando na casa de João
Diogo, no arraial do Padre Faria, em Vila Rica, fica impressionada com a:
65 A senzala, transcrevendo uma definição de Clóvis Moura, era uma construção rústica, sem nenhum conforto, construída de taipa, coberta de palha ou de outro material equivalente. Quase sempre não tinha janelas ou outro sistema de ventilação. O assoalho era de chão batido e não possuía qualquer recurso sanitário. Dicionário da Escravidão Negra no Brasil. P. 375. Nas narrativas de Autran, as senzalas funcionam como lugar de resistência; lá os negros podem praticar seus ritos, adorar seus deuses, praticar suas danças, manter relações sexuais e armar-se contra os brancos seus opressores.
O labirinto trilha dos negros (espaços de circulação) 160
quantidade de pretos nas casas de senzala, nos
fundo da horta. Aquela profusão de escravos e
feitores e cabras espingardeiros indo e vindo das
roças e faisqueiras, das muitas datas que o marido
possuía tanto em Vila Rica como na Vila do Carmo,
no Serro do Frio e mesmo no Tejuco. (DOURADO,
1974, p. 79).
Há outra passagem em que a mesma personagem branca,
Malvina, passa a morar no sobrado na Rua Direita, assumindo o comando da
casa e, incomodada com a quantidade de negros que circulavam em redor do
sobrado, decide imediatamente mandar:
Aquela chusma de pretos espingardeiros e cabras
de guerra, de gente do eito e do peito, que enchiam
as casas da senzala no arraial do Padre Faria...
para as lavras do marido, para o Tejuco e para o
sertão do couro. (DOURADO, 1974, p. 84).
Nos espaços internos e externos da casa, prevalece a relação
senhor-escravo, em que o primeiro tem todo o direito sobre o corpo e a vida do
segundo. Há uma relação de submissão, que, em muitas ocasiões, extrapola e
chega a ser marcada na carne com ferro em brasa.
Um outro dado interessante em relação à questão espacial nas
narrativas em estudo diz respeito ao espaço reservado aos pretos ladinos.
Diferentemente dos chamados pretos boçais, que nada conheciam da cultura
local e, por esse motivo, eram destinados aos mais grosseiros e pesados
serviços, os pretos ladinos, por já falarem o português e terem certa instrução
religiosa, dominarem o ofício doméstico, eram os preferidos dos senhores e
das sinhás e passavam a conviver com eles nas casas grandes.
O labirinto trilha dos negros (espaços de circulação) 161
Como exemplo dessa particularidade, citem-se os personagens
Quiquina, de Ópera dos mortos, e Jerônimo, do romance Lucas Procópio,
que, por deter certo conhecimento lingüístico, foi escolhido por Lucas Procópio
para acompanhá-lo nas caminhadas pelo interior dos sertões de Minas Gerais.
Quiquina, por sua vez, após anos de uma convivência solitária
com sua senhora, conquista a confiança e passa a ter alguns direitos que vão
além da cozinha, ultrapassa a estrutura do casarão, podendo sair para a rua
para comercializar flores. Com o passar do tempo, tornou-se o braço direito de
Rosalina, adquiriu alguns direitos, regalias e poder. Era quem comercializava
as suas rosas para ajudar no sustento da casa. Mesmo desfrutando de alguns
privilégios, seu espaço no sobrado era bem demarcado.
De vez em quando os passos de Quiquina, a sua
presença na copa, na cozinha. De noite ele nunca
atravessa a porta da sala. (...) De noite trancava a
porta da cozinha... Ela dormia lá dentro, no
quartinho junto da dispensa. (DOURADO, 1967, p.
115).
A relação entre o espaço e os objetos que o decoram é
bastante significativo para a compreensão da situação das personagens. Sobre
esse aspecto, o ensaísta Osman Lins faz a seguinte colocação:
Se há o espaço que nos fala sobre a personagem,
há também o que lhe fala, o que a influencia. Sua
função caracterizadora é quase sempre limitada e a
influência que exerce restringe-se por vezes ao
psicológico. (LINS, 1976, p. 99).
Nesse sentido, observe-se, na citação abaixo, como os
detalhes da descrição – janelas abertas, mesa limpa, cadeiras no lugar, mesa
O labirinto trilha dos negros (espaços de circulação) 162
do café posta, cesta de pão coberta pela toalhinha de xadrez, entre outros –
são associados à personagem e deixam entrever o seu modo de ser
responsável, organizado, cuidadoso e limpo. Ao mesmo tempo, esses detalhes
confirmam o espaço de submissão de Quiquina.
Mesmo zangada, com raiva de Rosalina, não saiu sem deixar a
casa organizada, tudo nos seus devidos lugares. Cumpriu sua obrigação.
Lembremos que, dessa vez, Quiquina saiu não para vender flores, mas para
fazer com que a sua ausência causasse um impacto em Rosalina.
Na sala, na copa, na cozinha os sinais da
passagem de Quiquina. Na sala, as janelas abertas,
a mesa limpa, as cadeiras no lugar. Na copa, a
mesa do café posta, a cesta de pão coberta pela
toalhinha de xadrez; na cozinha, o café em banho-
maria, o fogo aceso, o fogo baixo nas brasas –
tinha saído há algum tempo. (DOURADO, 1974, p.
137).
Daí a pouco ouvia os passos de Quiquina na copa,
no corredor na cozinha. (DOURADO, 1974, p. 104).
As marcas nos espaços - De vez em quando os passos de
Quiquina, a sua presença na copa, na cozinha. De noite ela nunca atravessava
a porta da sala (DOURADO, 1967, p. 104) - e a leitura dos objetos que o
ambientam denunciam, pois, o estado de serviçal da mucama.
Um outro aspecto interessante acerca do espaço no romance
em foco diz respeito à forte presença nessas narrativas dos ambientes extra
casa, como: as ruas, as igrejas, as praças e os lugarejos dos interiores das
Minas Gerais, locais onde acontecem os maiores eventos e funcionam como
espaço de sociabilidade.
Embora as habitações dos brancos se localizem nas praças e
nas principais ruas, espaços públicos, por eles também transitam os negros,
O labirinto trilha dos negros (espaços de circulação) 163
porém sua presença nesses lugares, na maioria das vezes, se dá em
decorrência do serviço que está prestando aos seus senhores ou, em algumas
ocasiões, de castigos a que estão sendo submetidos por alguma falta cometida
para servir de exemplo.
É para a praça, ficcionalmente localizada no mapa de Minas
Gerais, que as três narrativas são direcionadas. A descrição dessa praça –
localizada no Largo do Carmo, entre o Palácio do Governador e a Igreja do
Carmo - elege esse espaço como lugar de excelência da narrativa.
É lá que se inicia e finaliza o enredo do romance Os sinos da agonia, em que a história se passa dentro de um dia, como foi dito no texto
anterior, quando Januário rememora o passado, manhã em que ele se prepara
para entrar na praça e ser executado, punido pelo crime que cometeu e pela
fuga do braço de el-Rei. Observa-se que até o tempo dessas narrativas está
voltado para os acontecimentos em plena praça pública.
Nesse romance, a praça toma o primeiro plano na narrativa. É
lá que acontecem as procissões, os discursos, as punições dos negros
(Pelourinho) e a grande representação de enforcamento, feito de forma
simbólica, do mestiço Januário.
De cima do patamar da forca, na sua plataforma, o
preto Mulungu olhava soberano a praça cheia de
gente e soldados na mais rigorosa formação militar,
tão soberano e soberbo como o Capitão-General
titereteiro da sua sacada enfeitada de brocado de
ouro velho. (DOURADO, 1974, p. 30).
O momento da representação, da Farsa, é o ponto alto do texto
que será encenado ao ar livre. Na parte mais elevada da plataforma, Mulungu
se iguala ao Capitão-General por uns instantes. Mulungu, no patamar da forca,
detém o poder, é autoridade suprema; do alto olha para todos de modo
O labirinto trilha dos negros (espaços de circulação) 164
arrogante, altivo, soberano. Mesmo que esteja sendo usado pelo Capitão, por
alguns instantes é personagem importante na grande Farsa.
Essa performance, no caso da morte em efígie, representação
feita na praça, tem uma função social e atua como instrumento de opressão
sobre os dominados e de manutenção da ordem social vigente com o objetivo
de mostrar a força governante do Capitão-General perante todos e,
principalmente, perante el-Rei, isto é, além de realçar certos aspectos da
estrutura, reforça o sistema de dominação, visto que o ato foi praticado perante
o povo em praça pública.
A gente posiciona-se, pois, como um destinatário passivo,
como um espectador capturado em vários de seus sentidos e por demais
envolvido pela cena, o que não permite distanciamento para o exercício crítico.
As narrativas em estudo mostram a atuação e a participação
das personagens num espaço social. As ruas e as praças definem-se como o
palco apropriado para rituais e celebrações, à proporção que permitem um
maior envolvimento da população no seu conjunto para dela exigir, em vista do
aparato e da ostentação, uma atitude de total passividade.
Nesse espaço público, também se festejavam os
acontecimentos importantes, como as festas religiosas, as procissões, como,
por exemplo, a de Corpus Christi (OSA), em que as multidões se juntavam na
praça principal para celebrar datas comemorativas (OM, OSA, LP). Esses eram
os locais onde se davam os grandes momentos de interação social, sempre
assinalados pela forte presença de negros, mesmo que desempenhando
funções inferiores.
A cada evento, esses espaços recebiam uma decoração
especial a mando de el-Rei para acolher as performances. As representações
se davam aos olhos de uma numerosa e incansável platéia sempre disposta a
assistir a todos os acontecimentos e comentá-los.
No caso da personagem Lucas Procópio arrastava multidões
para as praças com o objetivo de conscientizá-las da importância do passado
aurífero mineiro através da palavra, da poesia recitada. Em cada praça, cidade
O labirinto trilha dos negros (espaços de circulação) 165
ou lugarejo, as pessoas ouviam, discordavam ou não, e reagiam após os
discursos fervorosos do cavaleiro andante, que acreditava poder voltar às
Minas do século XVIII.
Diz que o pai é rei... vai preto ser rei! (...) Tanta raiva,
meteu o relho nele de pura ruindade. A melhor coisa que há
é a gente deixar um no tronco torrando o bestunto no sol.
Autran Dourado.
Espaço da memória (violência)
ara além dos espaços internos e externos aqui referidos,
um outro que nos chama a atenção é o da memória,
através da qual somos também introduzidos no universo dos negros,
principalmente no universo da violência por eles vivenciada.
O processo cruel e criminoso da escravidão deixou marcas
físicas e morais no negro escravizado, de proporções descomunais. É só
acompanhar a trajetória, quase desespero, de Isidoro.
Eu não, disse Isidoro numa raiva súbita que
Januário desconhecia, tão acostumado à mansidão
que o chicote lhe ensinara na carne desde cedo,
menino ainda. Mansidão que Januário atribuía à
bondade inata da raça, esquecido dos troncos e
bacalhaus, das cadeias e gargalheiras que forjaram
a submissão. (DOURADO, 1974, p. 17).
Os maus-tratos e os fortes castigos imprimidos aos negros
fizeram com que eles sufocassem sua forma de ser. O calar foi a forma de
expressão silenciosa oposta à linguagem formal em que os negros se
manifestaram, mas, no inconsciente, ficou registrado o processo cruel e
violento da escravidão.
Era um sentimento mais forte do que ele. A
submissão ensinada, que os brancos marcaram a
ferro em brasa na sua mãe, no pai que ele não
P
O espaço da memória (violência)
168
conheceu. Nele próprio, pensava na cicatriz na
espádua. Ia aos pouco se dominando. (DOURADO,
1974, p. 20).
Os textos autranianos em estudo mostram, com freqüência, o
absurdo dessa violência que tinha a finalidade de fazer com que os negros
escravizados perdessem a noção de que eram seres humanos para exercer
sobre eles a dominação total. O narrador, em vários momentos, nas páginas
dessas narrativas, relata dramáticas passagens sobre as profundas alterações
no comportamento individual e social dos negros escravizados.
Os pés pisando firmes e mansos, cuidadosos, o
medo de pisar em galho seco ou cobra, os passos
ritmados e gingados atrás dele, no ritmo que
aprenderam em virtude dos negros andarem
sempre juntos, presos e ligados por grossas
cadeias que atavam as gargalheiras entre si, para
que eles não fugissem de volta das faisqueiras e
ribeirinhos, das grupiaras. Os pés atrás dele,
aqueles pés enormes e grossos, gretados e duros,
os pés que sofreram bragas e ferros. (DOURADO,
1974, p. 14).
Rasgar a terra, para nela extrair metais preciosos ou torná-la
produtiva, é um processo sangrento, que requer o dilaceramento da carne do
escravo, obrigado à aprendizagem do trabalho ou ao trabalho contínuo,
deixando marcas indeléveis pelo corpo supliciado, como as conhece e guarda
Isidoro
Nhonhô não se lembra daquele mundéu de orelhas
de preto enfiadas em cordão de embira, pingando
O espaço da memória (violência)
169
sangue e salmoura? Pra exemplar, pra branco
caçador, branco batedor dos seus avós como dos
meus, receber a paga da grande façanha.
(DOURADO, 1974, p. 22).
Além das torturas físicas já apresentadas, existiam as torturas
psicológicas (saudade, lembrança, amor e etc.) registradas através de uma
prática comum e extremamente violenta que se dava na época, a separação
das famílias dos negros após o desembarque nos portos brasileiros. Esse
acontecimento ficou marcado na memória de Jerônimo, que de vez em quando
relembrava como tinha acontecido.
Essa atitude violenta objetivava dificultar a comunicação entre
eles e impedir de formarem grupos e tramarem revoluções. Os brancos
procuravam dispersar as famílias, os parentes e todos aqueles que pertenciam
ao mesmo grupo étnico.
Separavam a mãe dos filhos, os irmãos dos irmãos,
o marido da mulher; misturavam gente de uma tribo
com gente de outra, um cadinho fervilhando.
(DOURADO, 1985, p. 28).
Essas separações causavam alterações no comportamento
motivadas pelo desejo de vingança, pela apatia, pelo desinteresse pelas coisas
da fé cristã, pela quase ausência de esforço para aprender e fazer aquilo a que
eram obrigados pelos seus amos, atitude e/ou comportamento vil que deixava
o senhorial em total estado de alerta.
Há uma citação do dicionário de Alaôr Eduardo Scisínio, em
que ele afirma que os negros ficavam desesperados com essas separações
viam-se alguns cativos ferir a cara com as próprias mãos, enquanto outros
faziam suas lamentações em forma de canto, segundo o costume de sua terra,
O espaço da memória (violência)
170
e embora sua linguagem não fosse compreendida, bem correspondia ao grau
de sua tristeza. (SCISÍNIO, 1997, p. 297).
É válido continuar destacando essa descrição, já longa, por ser
similar às várias citações encontradas nos textos de Autran Dourado.
Se convinha, apartavam-se os filhos dos pais, as
mulheres dos maridos, os irmãos dos irmãos: as
mães apertavam os filhos nos braços, e lançavam-
se com eles de bruços, recebendo feridas, com
pouca piedade de suas carnes, por lhes não serem
tirados. (SCISÍNIO, 1997, p. 297).
Essa violência nos é também evocada pelas lembranças do
personagem Pedro Chaves, que, na qualidade de feitor, havia sido responsável
por uma infinidade de torturas infligidas aos negros. Tratava os escravos como
animais, eles passavam um cortado com ele. A carabina na mão esquerda, o
chicote na direita, impunha medo e respeito. (DOURADO, 1985, p. 32).
Revoltado com sua situação de branco enjeitado, tratado como
preto, Pedro Chaves, por não poder descarregar seu ódio nos senhores,
canalizava-o todo aos negros por quem alimentava um forte preconceito,
tratando-os sempre como animais.
Silencioso, avesso ao diálogo, acreditando que tudo podia ser
resolvido através da violência, Pedro Chaves castigava os negros nas lavras.
No passado, conviveu com centena de pretos, dentre eles Jerônimo, mas,
mesmo agora não mais feitor, ainda expressava o ódio que mantinha aos
negros quando rememorava esse tempo.
Tanta raiva, meteu o relho nele de pura ruindade.
Vai ser infante nos quintos dos infernos! A melhor
coisa que há é a gente deixar um no tronco
O espaço da memória (violência)
171
torrando o bestunto no sol. Melhor diversão é ver
crioulo ser açoitado. Sangue fedorento no chão.
(DOURADO, 1985, p. 41).
A personagem Pedro Chaves, que é um feitor odiado, o
famigerado terror das lavras do Vale do Tripuí (DOURADO, 1985, p. 27), estará
muito presente em todos os capítulos dessa narrativa, desempenhando papel
de perseguidor e matador de negros. Sempre que pensa ou se dirige a
Jerônimo fá-lo chamando-o de preste de preto, ou: Esse preto é a parte mais
difícil da minha traça, disse a si mesmo (DOURADO, 1985, p. 24).
Observam-se passagens em Lucas Procópio em que a
personagem Pedro Chaves se dirige ao seu companheiro de andejos sempre
de forma violenta, pejorativa e com desconfiança, como, por exemplo: demorou
muito o diabo desse Ioruba (DOURADO, 1985, p. 24). Por trás do tom raivoso
dessa fala existia o medo de que Jerônimo fugisse e fosse ao encontro dos
quilombolas, pretos fugidos, e se juntasse a eles para conviver em liberdade.
Se fosse no passado, seria diferente:
Pedro Chaves ficava sentado num palanque
coberto de sapé, feitorando. No colo a carabina
prontinha pra na hora de algum escravo tentar fugir.
Não carecia de tanta malvadeza, viviam
acorrentados pelos tornozelos. (...) Se um fugia e
era pego, chegavam o ferro em brasa no braço dele
com a letra F. (DOURADO, 1985, p. 47).
Através dos mais diversos tipos de violência, os feitores
acreditavam impor medo e respeito. Como não havia investigação nem
policiamento para puni-los, então, ritualisticamente, os negros recebiam os
mais terríveis castigos.
O espaço da memória (violência)
172
É importante ressaltar que o aspecto mais chocante da
escravidão do africano foi o processo cruel, perverso, do senhor para submeter
o escravizado aos seus interesses e caprichos. Há vários registros / denúncia
de assassinatos praticados por Pedro Chaves, feitor branco, que se envolve
com as mucamas das sinhás, depois prepara a morte dos seus maridos negros
que viviam presos na senzala. Após imprimir os castigos, Pedro Chaves dizia
que tinha que ser assim, coisa do destino. Na sua visão doentia não havia
saída para os negros:
Afinal, quem senão eles, os pretos, ia cuidar dos
serviços pesados nas Minas? Os escravos das
lavras lhes garantiam o bem-estar, o capital, a
vadiação. (DOURADO, 1985, p. 32).
Nessas narrativas, os negros, de certa forma, se encontram em
sujeição física e econômica, além da limitação de espaços e da ausência de
autonomia, de valor em si; vivem na condição de dominados, de mão-de-obra
escrava, como também totalmente apropriados por parte do colonizador
branco.
Arrancado de sua terra de origem, destituído de autonomia da
própria vida, porque privado de posses, o negro transforma-se em objeto,
propriedade do senhor branco. Através do seu trabalho, realiza-se a
apropriação e exploração da terra e a acumulação de riqueza e poder do seu
senhor.
Assim, a razão dominadora e opressora impõe-se ao âmbito da
natureza humana, a fim de que uns poucos lucrem e se beneficiem do produto
alcançado à custa do sacrifício de muitos. Essa é a relação dos homens entre
si, na medida em que muitos, por não terem autonomia, são vistos como
objetos.
Mesmo em todo esse processo cruel da escravidão, da
desumanidade criminosa do senhor branco, personagens, como o negro
O espaço da memória (violência)
173
Isidoro e Jerônimo, que sofreram os piores castigos a mando dos senhores
brancos e praticados pelos feitores, ousam e enfrentam seus senhores como
forma de lutar pela sua sobrevivência física e cultural.
Jerônimo não podia crer na verdade católica,
nos valores cristãos: acreditava porém nos sombrios
deuses da sua escuridão. E tinha uma fé ilimitada em
sua raça, no seu povo, na sua nação. Sonhava um dia reunir
os povos iorubas numa só grande nação. Havia de libertá-los, vencer.
Autran Dourado
Memória cultural (credos e falares afros)
uma releitura da sociedade mineradora colonial, Autran
Dourado traz à tona vários aspectos da cultura afro-
brasileira, dentre os quais a língua e a religiosidade, formas de expressão das
personagens negras.
A cultura Ioruba66 era a predominante entre os negros
escravizados que aportaram no Brasil no período colonial. A grande afluência
deu-se mais precisamente nos fins do século XVIII, período histórico registrado
nas narrativas autranianas.
No romance Lucas Procópio, o negro Jerônimo é Ioruba. Por
saber sua língua de origem, foi escolhido por Lucas Procópio para acompanhá-
lo em sua viagem pelos interiores de Minas, como uma espécie de guia e
guarda-costas.
Na frente, um preto que devia ser abridor de trilhas
no mato virgem, língua e protetor nos perigosos
encontros com possíveis negros quilombolas,
conhecedor da língua geral deles, o ioruba com que
se entendiam os negros de diversos dialetos
maldosamente misturados. (DOURADO, 1985, p.
15, grifo nosso). 66 IORUBA, uma língua distinta, constituída de vários falares regionais, pouco diferenciados e concentrados nos territórios limítrofes entre a Nigéria ocidental (egbás, oiós, ijexás, ijebus, ifés, ondos, ibadãs, oxobôs) e o Reino de Queto, no Benim oriental. Chamados de ‘ànàgó’ pelos seus vizinhos, termo por que ficaram genericamente conhecidos no Brasil sob a forma nagô. Falares africanos na Bahia. P. 41. Livro de Yeda Pessoa de Castro.
N
Memória cultural (credos e falares afros)
176
É interessante observar como, nessa citação, o narrador
ressalta, de modo crítico, o processo intencional do colonizador de impedir a
comunicação entre os africanos, ao misturar os diversos dialetos, criando,
assim, uma verdadeira torre de Babel. Jerônimo gesticulava, falava numa
língua que mesmo os da sua nação não poderiam entender. (DOURADO,
1985, p. 82).
A forma intensa e devastadora da colonização sobre os povos
africanos levou também a um processo de fragmentação da língua materna de
cada tribo (Nação), acarretando uma dependência lingüística que ainda hoje
perdura em decorrência da sobreposição das línguas européias impostas pelo
colonizador.
Daí o pouco conhecimento que se tem da contribuição dessas
línguas africanas no falar brasileiro, como também das línguas indígenas,
ambas recalcadas pelo colonizador. Apesar de tudo, porém, essas línguas, mal
ou bem, não desaparecem de todo. Para algumas personagens negras de
Autran Dourado, a língua africana se encontrava apenas silenciada por causa
do processo violento da colonização, mas nunca esquecida.
Mesmo se expressando na língua do colonizador, pois era a
única forma de se comunicarem por causa da grande dispersão causada pelo
tráfico e, conseqüentemente, da vigília de feitores, senhores e sinhás, essas
personagens guardavam, no mais recôndito de seu Ser, os vocábulos de seus
ancestrais e, nos momentos limites, discursavam, cantavam e oravam em
Ioruba.
Me esqueço que estou na presença de branco e
passo a falar em Ioruba. E fico falando na história
do meu povo, das suas lutas guardadas na cabeça
e no coração, passadas de pai a filho, não tem
escrita a nossa tribo-nação. (DOURADO, 1985, p.
52).
Memória cultural (credos e falares afros)
177
Jerônimo traduzia para si mesmo aqueles sonhos
de grandeza para a sua terra distante, pensando na
língua da sua tribo, por ele chamada nação.
(DOURADO, 1985, p. 27).
Voltar a falar Ioruba, sua língua materna, além de um gesto
marcante de resistência, de preservação da identidade, muitas vezes se traduz
também como uma ruptura lingüística, proveniente da revolta total com a
situação. Confirma bem essa observação o discurso do negro Isidoro, do
romance Os sinos da agonia, abaixo transcrito.
Eu falo agora pela última vez, foi dizendo Isidoro
pausado e duro, feito ditando uma carta. Daqui pra
frente me calo de vez em língua de branco. Só vou
falar ioruba, língua da minha cor. Branco nenhum
vai mais me entender. Podem me matar de
pancada, bacalhau no lombo, pés e braços no
tronco, que não falo mais língua de branco, de
reinol ou paulista nenhum! (DOURADO, 1974, pp.
217, 218).
É nessa perspectiva de resistência, de preservação de
identidade que podemos ver o hábito do negro Jerônimo, já mencionado, de
passar para a língua Ioruba os discursos de Lucas Procópio; de tentar ensinar
ao seu senhor o significado de termos próprios de sua língua como “Dun" que
em português significa “atormentar”, ou “Kikun” que é “duro” e “infalível”,
“Malungo” quer dizer “companheiro”, “camarada” e “Orum” é “céu”, de ficar se
expressando em sua língua, falando ou cantando sem ninguém entender o que
dizia.
Memória cultural (credos e falares afros)
178
O preto Jerônimo cantava vigoroso, a voz
poderosa, não a letra latina, mas uma algaravia de
palavras conhecidas e desconhecidas de gente, na
língua de sua longínqua, amada e negra nação. Ele
se dirigia aos seus deuses, que os brancos
tentavam matar, para só existir um. (DOURADO,
1985, p. 21).
Ao abordar em “Entre-lugar do discurso latino-americano”, as
questões relacionadas com o processo de colonização, Silviano Santiago
(1978, p. 16) chama a atenção para a imposição do conquistador de um só
Deus, um só Rei, uma só Língua: o verdadeiro Deus, o verdadeiro Rei, a
verdadeira Língua, como forma de desterritorialização total dos colonizados.
A citação anterior, extraída de Lucas Procópio, confirma essa
política. O gesto de cantar vigorosamente por parte de Jerônimo, conforme
registra o narrador, deixa entrever a resistência do personagem ao processo de
assimilação cultural. Jerônimo é uma das personagens negras autranianas que
não aceita passivamente as determinações dos seus senhores. Através da
digressão do narrador, constata-se, de modo crítico, a denúncia da negação da
religiosidade africana por meio do extermínio dos seus deuses em favor do
deus da cultura dominadora.
Nazareth Soares Fonseca, em seu artigo: Visibilidade e
ocultação da diferença. Imagens do negro na cultura brasileira, comentando
sobre o texto de Lilia Moritz Schwarcz, Ser peça, ser coisa: definições e
especificidades da escravidão no Brasil, em que aborda a questão do
batismo. Diz:
No texto, são reavaliados os processos de
descaracterização impostos aos escravos, tornados
evidentes desde o batismo recebido pelos oriundos
de diferentes regiões da África, na nova morada.
Longe de propiciar a integração dos africanos na
Memória cultural (credos e falares afros)
179
nova ordem que se forma com seu trabalho, o
batismo legitimava, na lei de Deus, um tipo de
propriedade bem pessoal que podia ser alugada,
leiloada, penhorada e hipotecada. O sacramento
cristão transformava os escravos num bem não
diferenciado dos animais utilizados no trabalho de
carga. (FONSECA, 2000, p. 96).
A partir da data da forçada conversão ao catolicismo, todos os
negros recém chegados ganhavam uma nova identidade religiosa e pessoal.
Eram vigiados e proibidos de praticarem rituais religiosos com culto aos deuses
africanos. A questão do acesso aos sacramentos, segundo Donald Ramos:
Foi obviamente crucial para integrar o escravo à
sociedade luso-brasileira. O batismo de escravos
era tão importante que o sempre vigilante conde de
Assumar, por exemplo, em 1719 ordenou aos
párocos que assegurassem que os escravos
fossem catequizados e batizados, e além disso
insistiu que notificassem aos ouvidores a identidade
daqueles que se recusassem para que fossem
punidos. (RAMOS, 1996, p. 171).
A prática desse culto (batismo) trazia subjacente o desejo de
fazê-los esquecer a sua cultura, pois, desarticulados de suas origens, eles
perderiam por completo a identidade, processo iniciado com a retirada do seu
habitat, de sua organização social, do seu mundo.
No entanto, nem todas as personagens negras se comportam
como Isidoro e Jerônimo. Diferentemente deles, Quiquina, personagem do
romance Ópera dos mortos, ao invés de resistência, parece se deixar seduzir
pelas práticas religiosas do branco. Sabe-se que Quiquina, como já foi
colocado, vem do tempo dos antigórios, época em que algumas centenas de
Memória cultural (credos e falares afros)
180
milhares de iorubas foram trazidos como escravos para o Brasil. Sua cultura
predominou sobre a de outros grupos africanos e influenciou diversos aspectos
da cultura brasileira, como, por exemplo, o religioso.
Observa-se que não há registro de uma prática religiosa
consciente em Quiquina. O que ocorre é o fenômeno da assimilação cultural
que fica evidente no momento em que Rosalina dá por falta dos seus
santinhos, mas logo descobre que era a preta que os tirava.
Na casa do padre, ia pedir santinho. Os santinhos
pregados nas paredes do quarto, na cozinha, nos
cômodos onde Quiquina vivia. Que graça tinham
agora aqueles santinhos? Quiquina roubava os
seus santinhos, via agora. Para que Quiquina
queria aqueles santinhos todos? Pra ir pro céu?
(DOURADO, 1967, p. 33).
Entretanto, esse gesto de Quiquina não pode ser interpretado
como uma adesão total ao catolicismo. Muitas vezes, os negros, por conta da
imposição dessa religião, com medo dos castigos, fingia cultuar os santos
católicos, quando, na verdade, estavam prestando culto às divindades
africanas que foram transportadas para o Brasil, aqui tidas como figuras
malignas, vinculadas ao demônio, às práticas de feitiçaria.
O sincretismo religioso afro-brasileiro é visto como uma
estratégia de simulação para manter os cultos às divindades africanas sob a
máscara dos santos católicos. O representar, o fingir, o dissimular foram
portanto, saídas inteligentes dos negros para conseguirem preservar seu
código / prática religiosa.
No romance Os sinos da agonia, após longa convivência no
corpo da casa dos Galvão, simulando estar acostumada aos rituais cristãos –
no dia-a-dia, na presença do senhor, obedecendo, e à noite fazendo rituais
Memória cultural (credos e falares afros)
181
para seus deuses -, Inácia se trai ao saber da notícia de que Malvina se
suicidou:
Inácia deu um grito, caiu de joelhos no chão. Entre
baba, e lágrimas e soluços, ela chorava e se
lastimava numa mistura de ioruba e língua do reino,
de santos e orixás. (DOURADO, 1974, p. 201).
Se, por parte do negro, o sincretismo funcionou como
estratégia para continuar prestando cultos aos seus deuses; por outro lado,
termina também atingindo os seus senhores, que são, por sua vez,
influenciados pela religião dos escravos.
Observe-se o diálogo, no romance Lucas Procópio, entre a
sinhá Ismênia e sua mucama Amélia. Ismênia a procura para contar sobre uma
paixão impossível e pedir à negra que faça uns trabalhos para que ela possa
conseguir esse amor.
Recorra às mandingas, aos seus orixás. De uma
certa maneira acredito, tenho fé nelas. Faça uma
mandinga, eu consigo uma coisa qualquer dele
para você com ela trabalhar. (DOURADO, 1985, p.
57).
Contudo, apesar de apropriadas pela cultura do dominador,
essas práticas religiosas africanas continuam sendo discriminadas e vistas
como manifestação de forças inferiores. Vê-se que o negro é espoliado em
relação a sua cultura, e a sua maneira mágica, anímica, de conceber e explicar
o mundo é utilizada como instrumento de sua opressão.
Entretanto, a recorrência às práticas religiosas africanas
(mandinga, vodu) por parte das personagens negras autranianas pode ser vista
Memória cultural (credos e falares afros)
182
como uma forma de resistência cultural no seio daquela sujeição física e
econômica. Assim, através do ritual mágico-fetichista, os escravos procuram
preservar para si um conhecimento que escapa aos seus dominadores.
E Jerônimo via nas coisas poderes e sombras, tudo
mistério e premonição. No animismo fetichista
cultivado às escondidas dos brancos, os
destruidores da sua religião. Tudo era símbolo e
sinal, as coisas viviam, falavam, segredavam
conselhos aos amados dos deuses que
representavam. (DOURADO, 1985, p. 38).
Conhecedor de sua cultura, como já foi mostrado em páginas
anteriores, Jerônimo, em defesa de sua religião, tenta explicar a Lucas
Procópio o significado das prática religiosas africanas.
Jerônimo tirou do bolso um boneco de madeira.
Depois disse eu sei que Nhonhô não acredita, mas
se eu fincar neste calunga um prego e pedir
arriscadamente ao perigoso e terrível Exu, Pedro
Chaves morre agora mesmo. (...) Lucas Procópio
disse na hora que eu carecer, apelo por seu auxílio,
por sua mandinga. Jerônimo quase morre de
felicidade ao ouvir isso. (DOURADO, 1985, p. 46).
Jerônimo aproveita o ensejo e passa a falar sobre a utilização
da palavra mandinga e explica sua etimologia, afirmando ser o nome de uma
língua da África, cujos sinônimos de feitiço, bruxaria, malefício, mau-olhado,
sortilégio, foram maldosamente criados pelos brancos, como era entendido por
Lucas Procópio.
Memória cultural (credos e falares afros)
183
Na verdade, mandinga, mais do que designativo de uma
língua, nomeia um grupo etnolingüístico da África ocidental (Mali, Guiné, Costa
do Marfim, Senegal, Benim, Nigéria), do qual muitos integrantes foram trazidos
para o Brasil como escravos. Esses negros eram considerados mais
resistentes aos castigos e mais capazes de empreender fugas.
Em Os sinos da agonia, a morte por efígie de Januário evoca
ao negro Isidoro o culto do vodu; entregando-se a essas lembranças, traz-nos
ele considerações acerca das etapas do processo ritualístico dessa prática.
Preto sabe tudo, basta esticar as ouças, escutar a
escuridão. A mãe da gente, os orixás da proteção.
Se a gente espeta um calunga dizendo que é o cujo
que a gente quer acabar, de longe ele vai sentir,
mesmo as dores vai purgar. O corpo de Nhonhô
dependurado balangando na forca, na praça aquela
vez. Agora diziam que Nhonhô estava morto, para
el-Rei. Foi o que matou Nhonhô, de longe ele
sentia. Um calunga dependurado. O baque na
goela, deve mesmo de longe ter sentido. A
estremeção. Daí foi principiando a morrer.
(DOURADO, 1974, p. 206).
Há uma relação direta entre o ritual da morte em efígie e a
prática do vodu. A personagem Isidoro conhecia todos esses rituais: se você
deseja um mal para alguém e não se consegue fazer diretamente, esse alguém
pode ser representado por um boneco, e a pessoa, mesmo distante, vai sentir
as dores dessa maldade.
Se a gente pega um boneco, seja um calunguinha,
e faz com ele toda sorte de maldade, pensando e
dizendo que o calunguinha é a pessoa que a gente
deseja tudo de ruim pra ela, se a gente espeta e
Memória cultural (credos e falares afros)
184
fura com faca ou punhal, mesmo a pessoa longe
começa a espernear e a sofrer, a sangrar e a
morrer, igual o calunguinha. Assim dizem na
mandinga que ensinaram Isidoro a fazer.
(DOURADO, 1974, p. 32).
O culto vodu contribuiu para o sincretismo dos ritos animistas
africanos com ritos católicos. Em vários aspectos, o ritual se assemelha ao
candomblé brasileiro com a presença de divindades afins: Sabô é Xangô; Gun
é Ogum; Obessem é Oxumaré; Olissassá é Oxalá.
A postura do sincretismo religioso de associar os santos
católicos com os orixás africanos, além de tornar-se prática comum com o
passar dos tempos em alguns estados brasileiros, é, como já foi dito, uma
forma de resistência negra. Há um momento da narrativa em Lucas Procópio
em que a personagem homônima pergunta a Jerônimo:
por que não fala um pouco com os seus deuses,
com os seus orixás? Com qual deles, perguntou
Jerônimo, temos muitos. O deus do perdão, o deus
do amor, disse Lucas Procópio. Nhonhô quer dizer
Oxalofã, o deus filho. Sim um Cristo, o salvador,
disse Lucas Procópio. Esse é Jesus, deus de
branco, não reina sobre os povos iorubas, os da
minha nação, Egbá. (DOURADO, 1985, p. 28).
Nessas narrativas, encobrimento e descobrimento, realidade e
farsa eram como um jogo de trocas simbólicas entre os negros que
aproveitavam de alguns momentos dos seus senhores e fingiam professar a fé
cristã, em outros oravam para as imagens dos santos católicos nas senzalas,
mas sempre remetendo às representações religiosas do passado africano.
Memória cultural (credos e falares afros)
185
Recorrendo ainda ao romance Os sinos da agonia, observa-
se que é através da personagem Isidoro que se insinua a possibilidade de
transformação e mudança da vida que os negros levavam, o que se fará
também pelo retorno às origens num processo penoso, que exige a luta contra
a sina do cativeiro entranhada no fundo de sua alma, fruto de dolorosa
aprendizagem. Voltar às origens, pois, significa reconstruir a identidade e a
liberdade perdidas para ser sujeito da história.
Refletindo sobre essa questão em “Orfeu Negro”, ensaio sobre
a negritude, os estereótipos, a assimilação, a violação da língua e das crenças
etc., incluído no livro Reflexões sobre o racismo, Jean-Paul Sartre afirma
que:
A situação do negro, sua “dilaceração” original, a
alienação que um pensamento estrangeiro lhe
impõe sob o nome de assimilação obrigam-no a
reconquistar sua unidade existencial de negro ou,
se se prefere, a pureza original de seu projeto, por
uma ascese progressiva para além do universo do
discurso. (SARTRE, 1978, p. 104).
Na obra de Autran Dourado, as personagens negras estão
sempre em busca de sua cultura originária. São personagens exiladas,
deslocadas, vivendo uma revolta interna, por causa do exílio forçado, com os
maus tratos que recebem. A descoberta de um quilombo era como se tivesse
encontrado sua nação. Por essa razão é que Isidoro continuava a pensar nos
quilombos:
Será que ele sonhava com os quilombos do Zundu
e do Calaboca? Será que ele se entregava ao reino
de sonho de Pai Ambrósio? (...) Pai Ambrósio
vestido num manto todo bordado de ouro, coberto
Memória cultural (credos e falares afros)
186
de pedraria, assentado no seu trono de prata. O
seu manto azul, o mesmo manto que vestia Nossa
Senhora do Rosário dos Pretos. (DOURADO, 1974,
p. 21).
Na verdade, essa busca incessante dos quilombos por Isidoro
reflete um anseio do espaço de luta e transformação. Não obstante, o processo
de mudança é apreendido por ele numa perspectiva mais mítica que histórica.
Analogicamente, Isidoro vê o quilombo assim que nem o reino
do céu que branco promete pra gente no fim da vida... (DOURADO, 1974, p.
22); e o pai Ambrósio, líder dos escravos amotinados, como, um rei ou deus
negro, vestido num manto todo bordado de ouro, coberto de pedraria,
assentado no seu trono de prata. (DOURADO, 1974, p. 21).
O negro Isidoro, após sofrer uma infinidade de torturas, ante as
situações difíceis, evade-se em espírito para a sua saudosa e amada nação
africana. Impossibilitado de deduzir a viabilidade histórica da libertação de seu
povo do cativeiro, Isidoro deixa-se guiar tão-somente pelo sonho. Afinal, a
gente carece de fumaça, de ar, de azulidão. Pra poder agüentar a dor de viver.
(DOURADO, 1974, p. 216).
Dizem que Ambrósio não morreu...Dizem que um
dia ele volta com uma tropa de centuriões, muito
mais de mil, que ele vive alforriando...Dizem que
Ambrósio não envelhece, a morte de Ambrósio foi
mentira, invenção de branco, disse Januário
repetindo o que tinha ouvido contar na senzala do
pai. (DOURADO, 1974, 216).
O quilombo para o negro Isidoro, que sofreu o ferro das
gargalheiras, é sinônimo de liberdade, por isso ele continua buscando esse
espaço. Isidoro é um preto mina, das lavras, das faisqueiras, conhecido na
Memória cultural (credos e falares afros)
187
faiscação como excelente catador de ouro e fama de ladino, por apenas uma
tentativa de fuga. Mas com o tempo recuperou a confiança de seu dono, o
coronel Tomás Matias Cardoso, e passou a ter um tratamento diferenciado.
Coincidência ou não, há uma estreita relação entre essa
personagem fictícia e uma personagem real do Brasil colônia (SCISÍNIO, 1997,
p. 183). Isidoro foi um negro, escravo quilombola que trabalhava nas Minas de
um religioso, frei Rangel. Através de outros garimpeiros que viviam da
mineração, consegue armas e munição, formando, assim, com outros escravos
um quilombo, o temido Quilombo de Isidoro, por ter resistido a muitas
expedições e provocado muitos estragos no século VXIII.
Voltemos à ficção. Mesmo consciente de que o quilombo de
Ambrósio não passa de um sonho, por dele precisar, continua a persegui-lo e,
na impossibilidade de o encontrar, chega até a pensar em, junto com outros
negros, formar o seu. A profusão de idéias, decorrentes desse pensar
incessante, quase uma idéia fixa, o deixa confuso.
Só se for um outro Ambrósio, aquele morreu, disse
Isidoro começando a querer acreditar. Não, tudo
isso é história, fumaça, invenção! A gente carece
disso, é melhor isso sofrendo do que nada sem dor.
(...). É feito esse rei dom Sebastião, que tem muito
branco esperando até hoje. Se acha que ainda tem
quilombo... disse querendo acreditar, já
acreditando. (DOURADO, 1974, 216).
Imbuído da crença no mito sebastianista, Isidoro não desiste.
Continua acreditando nesse lugar fincado na fronteira entre sonho e realidade,
possibilidade de espaço possível para aliviá-lo do poder senhorial. Essa
situação não só acontece com Isidoro, como também com Jerônimo,
personagem do romance Lucas Procópio.
Memória cultural (credos e falares afros)
188
O negro Jerônimo é acometido desse sonho ao se envolver
com a maneira esquisita e ao mesmo tempo apaixonante de Lucas Procópio,
com quem saiu em viagem pelos interiores de Minas.
Omoro Binte, o nome roubado pelos brancos.
Também ele vinha sendo despojado do que as
pessoas têm de mais precioso, o nome. E tudo lhe
foi roubado. Tinha vinte anos e podia suceder ao
pai. Quando vieram os brancos e o compraram de
uma tribo inimiga, aprisionado enquanto se distraía
caçando. Todo o poder real sumiu no ar, se foi nas
asas do vento, para nunca mais. (DOURADO,
1985, p. 27).
Despojado de sua identidade, em sonhos, Jerônimo via sempre
seu pai (Kajali Binte) a chamá-lo de traidor de seu povo, pedindo que ele
acordasse. E acordar era retomar o sonho primeiro:
(...) falo do sonho grande de quando eu vivia na
África. Eu sonhava de um dia, quando rei da minha
tribo, juntar aquele povo ioruba numa só nação,
num império feito o Brasil. (DOURADO, 1985, p. 52-
53).
É um sonho tão utópico quanto o do seu senhor, o cavaleiro
andante, Lucas Procópio Honório Cota, de restabelecer, através da poesia, os
tempos áureos das Minas Gerais. Ambos, em seu delírio utópico, à sua
maneira, trazem à tona o inconformismo com a realidade na qual se encontram
inseridos, uma realidade disfórica, marcada pela decadência e pela opressão.
Deus é que sabe por inteiro
o risco do bordado.
Autran Dourado.
Agora chegou a vez do tempo passar, o tempo passou
onhecer a obra de Autran Dourado é deparar, a cada passo,
com a construção labiríntica dos seus enredos, com seus
títulos metafóricos e com um rigoroso trabalho com a palavra, que é explorada
em toda a sua funcionalidade.
Ao trabalharmos com as três narrativas (Ópera dos mortos,
Os sinos da agonia e Lucas Procópio), defrontamo-nos com questões
significativas, como a abundância de citações e referências, que, além de
serem utilizadas como recursos da maior relevância de sua técnica ao se
somarem, evidentemente, aos outros elementos construtivos da narrativa,
definem o estilo desse autor.
Assim, a obra de Autran deve ser lida e pensada dentro de um
sistema de textos, o qual à medida que vai se apropriando de fragmentos de
outros textos, vai construindo o seu numa relação transtextual. Nesse
processo, ao privilegiar a intratextualidade e a intertextulidade, o narrador vai
simultaneamente construindo bifurcações ampliadoras do espaço semântico e
afirmando sua contribuição à arte literária brasileira.
No Bloco I, ao darmos ênfase à relação evidente entre a ficção
e a realidade, esta especificamente relacionada com o período que
compreende o século XVIII, em que se deu o início de uma sociedade colonial
e escravocrata, composta essencialmente por negros, percebemos que a
paixão do autor pelo chão mineiro o levou a recriar, de modo extraordinário, a
ambientação dos Gerais, local mítico, por ele utilizado como cenário central de
sua narrativa.
C
Agora chegou a vez do tempo passar, o tempo passou 191
Ao abordar essa temática, o autor traça um perfil da realidade
mineira do Brasil colônia com todas as suas contradições da época. Numa
sociedade escravista e colonial, os brancos eram donos das lavras e dos
negros escravos, que levavam uma vida de submissão e quase geralmente de
castigos.
É dentro desse contexto que há uma maior evidência das
personagens negras (algumas assumindo papel de destaque) na obra de
Autran Dourado. Esse quadro nos levou a refletir sobre a problemática do
negro em geral, principalmente os existentes na sociedade mineradora e
colonial das Minas Gerais.
Autran Dourado aborda a relação ficção / realidade de forma
manifestamente consciente. Os motivos que o induziram a trabalhar suas
narrativas dentro de um século específico podem levar a interpretações
diversas que variam entre pessoais (sua origem e seu amor pelo barroco
mineiro) e políticas (os romances em estudo foram escritos entre o final da
década de 60 e o início da década de 80, momento político brasileiro conhecido
como Ditadura Militar).
Uma leitura de Autran Dourado, a nosso ver, não pode
prescindir do material histórico nele contido, pois, ao contrário, se teria que
admitir a presença desses dados históricos apenas como mero cenário, um
pano de fundo, e considerá-los assim seria minimizá-los. Ele próprio já afirmou
que o referencial histórico67 tem função relevante (sem ser essencial) no seu
processo de construção estética.
No andamento da pesquisa, observamos que o real concreto
explorado pelo autor é que dá unidade a cada um dos seus romances e à sua
obra como um todo. A constatação de personagens reais ao lado das ficcionais
circulando livremente em suas narrativas, a dinâmica das relações sociais, a
mobilidade da estrutura social, bem como as instituições (família, casamento,
festas religiosas, rituais, etc), interagindo licenciosamente, revelam a
67 Autran não se prende ao tempo histórico, a ele transcende e o ultrapassa.
Agora chegou a vez do tempo passar, o tempo passou 192
interligação da realidade dos Gerais com a ficção em Autran Dourado,
retratando, assim, uma época e pondo em marcha a busca do eu e dos
conflitos humanos.
Na segunda parte da pesquisa, ao focarmos a problemática do
negro, passamos a observar como se dava, dentro dos casarões, dos
sobrados, a relação entre negros e brancos; a relação dos negros entre si; a
violência aos negros imposta, desde a física exercida sobretudo pelos feitores
à cultural que incidia sobre seus costumes, sua língua, suas crenças, suas
formas de manifestações culturais.
Ao trabalharmos mais detidamente essas questões fomos aos
poucos observando que, mesmo querendo ser crítico, Autran continua, em
seus textos, a endossar os valores defendidos por uma gama de escritores que
o antecederam. É reveladora dessa atitude a presença na sua obra de
estereótipos construídos segundo os moldes como a sociedade da época
lidava com os descendentes de escravos.
A análise das situações vivenciadas por suas personagens
negras levou-nos a perceber o grau do malefício causado pelo processo de
assimilação cultural, de embranquecimento, aos quais o negro fora submetido,
os danos irreversíveis da violência a eles imposta, a zoomorfização e a
reificação a que foram sujeitados, as quais emergem das imagens trazidas.
Sobre esses últimos pontos, podemos registrar, como exemplo
a forma como os negros eram tratados pelos senhores nos três romances
(Ópera dos mortos, Os sinos da agonia e Lucas Procópio) estudados. Em
muitas ocasiões, essas personagens (Quiquina, Inácia e Jerônimo) eram
comparadas a animais, tinham natureza ruim, não pensavam e eram
mostradas como incapazes de realizar qualquer tarefa comum ao ser humano.
Concomitante, porém, a toda essa negatividade acerca do
negro, a análise das personagens remete, também, à questão da resistência,
da luta desses negros e, ainda, ao sonho de liberdade que os movia na direção
da reconstrução da identidade perdida.
Agora chegou a vez do tempo passar, o tempo passou 193
Não custa, entretanto, lembrar, como já foi visto, que Autran
Dourado, ao escrever sua obra, mais precisamente os romances em estudo,
não o fez pensando especificamente na questão do negro. O que ele fez, antes
de tudo, foi montar um cenário ficcional da realidade mineira do século XVIII
recriando acontecimentos da época, relacionados com a vida literária, a
exemplo da referência à poesia Árcade, com a decadência aurífera, com o
pavor à chegada da derrama, à morte em Efígie, à realidade dos quilombos, do
cotidiano das famílias da alta sociedade mineradora e, ainda, com o lugar dos
negros nessa sociedade. Nesse espaço-tempo das suas narrativas, mesmo
que não conscientemente planejado, ao transpor para a literatura esses fatos,
Autran nos propiciou a oportunidade de verificarmos a continuidade e a ruptura
presentes na configuração da imagem do negro enquanto personagem
ficcional.
Autran não segue rigorosamente os modelos apresentados.
Seus personagens, mesmo que tenham traços comuns à problemática do
universo do negro, trabalhado pela tradição, deles se distanciam em alguns
aspectos, principalmente no que concerne à questão da sexualidade.
Diferentemente de muitos dos autores a ele anteriores ou dele
contemporâneos, em sua obra não se encontra nenhum traço de erotização
referente às personagens negras.
Vale registrar que Autran Dourado é fruto de uma época em
que a representação do negro na literatura ainda que não liberta totalmente dos
preconceitos e discriminações é norteada pela preocupação de trazer à tona o
que até então fora ocultado por uma gama de escritores considerados
clássicos da história da literatura brasileira.
As questões que foram levantadas nesses textos de Autran,
como sua técnica e os recursos mais utilizados para sua composição artesanal,
bem como, e principalmente, as que estão relacionadas com as personagens
negras, são relevantes por deixarem o leitor ciente tanto da obra do autor como
da realidade de uma parcela da população que foi sempre ocultada nas
páginas da ficção brasileira.
Agora chegou a vez do tempo passar, o tempo passou 194
Autran Dourado é um escritor que não se cansa de garimpar
novos títulos, novos enredos, novos temas, novas palavras para compor sua
obra ficcional. Recentemente, após completar oitenta anos, entregou à editora
mais um livro de contos, cujo título é O senhor das horas, que se somará às
outras obras completando, assim, o trigésimo livro desse artesão da palavra.
Referências Bibliográficas Obras do autor*
DOURADO, Autran. Teia. Belo Horizonte: Edições Edifício, 1947.**
_____.Sombra e exílio. Belo Horizonte: Edições João Calazans, 1950.**
(Prêmio Mário Sette do “Jornal da Letras”).
_____.Tempo de amar. Rio de Janeiro: Record, 1984. (Prêmio Cidade de Belo
Horizonte, 1952).
_____.Três histórias na praia. Rio de Janeiro: Serviço de Divulgação,
Ministério de Educação e Cultura, 1955.***
_____.Nove histórias em grupos de três. Rio de Janeiro: José Olympio,
1957.*** (Prêmio Arthur Azevedo, do Instituto Nacional do Livro).
_____.A Barca dos homens. Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1961. (Prêmio
Fernando Chinaglia, da União Brasileira dos Escritores).
_____.Uma vida em segredo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1964.
_____.Ópera dos mortos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967.
(Incluído na Coleção de Obras Representativas da UNESCO).
_____.O risco do bordado. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1970.
(Prêmio Pen-Club do Brasil).
_____.Solidão solitude. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972.
_____.Uma poética de romance. São Paulo/Brasília: Perspectiva/Instituto
Nacional do Livro - MEC, 1973. * Os livros seguem a ordem cronológica da publicação. ** Integrado no volume Novelas de aprendizado. *** Integrado no volume Solidão solitude.
Referências Bibliográficas (obras do autor) 196
_____.Os sinos da agonia. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1974.
(Prêmio Paula Brito, do Conselho Estadual de Cultura do Rio de Janeiro).
_____.Uma poética de romance: matéria de carpintaria. Rio de Janeiro.
DIFEL/Difusão Cultural, 1976. [Há edição anterior: Matéria de Carpintaria:
Cadernos da PUC/RJ. Rio de Janeiro, Pontifícia Universidade Católica do Rio
de Janeiro, Divisão de Intercâmbio e edições, 1975, 56 p. Número especial da
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_____.Novelário de Donga Novais. Rio de Janeiro: DIFEL/Difusão Cultural,
1978.
_____.Armas & corações. Rio de Janeiro: DIFEL/Difusão Cultural, 1978.
_____.Novelas de aprendizado. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.
[Conteúdo: Teia. Belo Horizonte: Edições Edifício, 1947 e Sombra e exílio.
Belo Horizonte: Edições João Calazans, 1950].
_____.As imaginações pecaminosas. Rio de Janeiro: Record, 1981. (prêmio
Goethe de Literatura e Prêmio Jabuti da Câmara Brasileira do Livro).
_____.O meu mestre imaginário. Rio de Janeiro: Record, 1982.
_____.A serviço del-Rei. Rio de Janeiro: Record, 1984.
_____.Lucas Procópio. Rio de Janeiro: Record, 1985.
_____.Violetas e caracóis. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1987.
_____.Um artista aprendiz. Rio de Janeiro: José Olympio, 1989.
_____.Monte da alegria. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1990.
_____.Um cavaleiro de antigamente. São Paulo: Siciliano, 1992.
_____.Ópera dos fantoches. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1994.
_____.Vida, paixão e morte do herói. Rio de Janeiro: Globo,1995. (Livro
Infanto Juvenil).
_____.Confissões de Narciso. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1997.
_____.Gaiola aberta:(Tempos de JK e schmidt). Rio de Janeiro: Rocco, 2000.
(Livro de memórias).
Referências Bibliográficas (obras do autor) 197
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Sobre o autor 200
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