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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS O TRANÇADO DAS PERSONAGENS NEGRAS NA COSTURA-RISCO AUTRANIANA LIDUÍNA MARIA VIEIRA FERNANDES JOÃO PESSOA – PB 2006

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS

O TRANÇADO DAS PERSONAGENS NEGRAS NA COSTURA-RISCO AUTRANIANA

LIDUÍNA MARIA VIEIRA FERNANDES

JOÃO PESSOA – PB 2006

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Liduína Maria Vieira Fernandes

O TRANÇADO DAS PERSONAGENS NEGRAS NA COSTURA-RISCO AUTRANIANA

Tese apresentada ao Programa de

Pós-Graduação em Letras da

Universidade Federal da Paraíba,

como requisito para obtenção do grau

de Doutor em Literatura Brasileira.

Profª. Dra. Elisalva de Fátima Madruga Dantas.

Orientadora

João Pessoa – 2006

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Esta tese foi submetida a exame como parte dos requisitos

necessários à obtenção do grau de Doutor em Letras, outorgado pela

Universidade Federal da Paraíba - UFPB e encontra-se à disposição dos

interessados na Biblioteca Central da referida Universidade.

A citação de qualquer trecho desta tese é permitida, desde que

seja feita de acordo com as normas da ética científica.

_________________________________ Liduína Maria Vieira Fernandes

Tese apresentada e aprovada em: ______de ______de ______

COMISSÃO EXAMINADORA

_______________________________________________________ Profª. Dra. Elisalva de Fátima Madruga Dantas - Orientadora – UFPB

_______________________________________________________ Prof. Dr. Antônio de Pádua Dias da Silva - UFCG

_______________________________________________________ Prof. Dr. Elio Chaves Flores - UFPB

_______________________________________________________ Prof. Dr. Luiz Antônio M. Magalhães - UFPB

_______________________________________________________ Profª. Dra. Sônia Ramalho - UFPE

_______________________________________________________ Prof. Dr. Anco Márcio Tenório Vieira - Suplente - UFPE

_______________________________________________________ Profª. Dra. Nadilza M. de Barros Moreira - Suplente - UFPB

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Dedicatória

À minha família

que me acompanhou

bem de perto nessa viagem.

Aos amigos(as) que facilitaram as

minhas andanças pelas veredas literárias.

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Agradecimentos

Ao Programa de Pós-Graduação em Letras da UFPB,

funcionários, professores, e aos colegas do Curso pelo

estímulo, discussões e sugestões atenciosas.

À Capes pelo apoio financeiro

que contribuiu para a realização desta pesquisa.

EM ESPECIAL

À Elisalva Dantas

por indicar os caminhos

e me orientar na feitura desse bordado.

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A vida é pra frente,

não adianta tugir nem mugir.

Autran Dourado.

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Notas sobre convenções adotadas

T - Teia

SE - Sombra e exílio

TA - Tempo de amar

THP - Três histórias na praia

NHGT - Nove histórias em grupos de três

ABH - A Barca dos homens

UVS - Uma vida em segredo

OM - Ópera dos mortos

ORB - O risco do bordado

SS - Solidão solitude

UPR - Uma poética de romance

OSA - Os sinos da agonia

UPRMC - Uma poética de romance: matéria de carpintaria

NDN - Novelário de Donga Novais

AC - Armas & corações

NA - Novelas de aprendizado

AIP - As imaginações pecaminosas

OMMI - O meu mestre imaginário

ASDR - A serviço del-Rei

LP - Lucas Procópio

VC - Violetas e caracóis

UAA - Um artista aprendiz

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MA - Monte da alegria

UCA Um cavaleiro de antigamente

OF - Ópera dos fantoches

VPMH - Vida, paixão e morte do herói

CN - Confissões de Narciso

GA - Gaiola aberta

BMER - Breve manual de estilo e romance

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Resumo

Esta pesquisa se inicia com a analise do fazer literário de

Autran Dourado, tentando dar visibilidade aos principais recursos por ele

utilizados, tais como o da intratextualidade, da intertextualidade e, dentro desta

linha de diálogo, a relação entre ficção e realidade, muito significativa como

subsídio para compreensão da forma como o negro é representado em seus

textos. No segundo momento, verificou-se, em termos estéticos e ideológicos,

a representação do negro - tema presente em seus textos, sobre o qual até

agora nenhum dos seus pesquisadores se debruçou -, para ver como em sua

obra, relacionando-a com a série sócioliterária na qual se encontra inserida, se

dá a configuração da imagem do negro. Dada a vastidão da sua produção

literária, da qual fazem parte novelas, romances, contos, ensaios, infanto-

juvenil e memória, escolheu-se como corpus de análise os romances Ópera dos mortos (1967), Os sinos da agonia (1974) e Lucas Procópio (1985).

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Abstract

This research is stated with Autran Dourado’s literary way of

doing. We try to give visibility to the main resources he used such as

intertextuality and intertextuality and inside such dialogue line, the relationship

between fiction and reality, which is very meaningful as a subsidy for the

understanding of the way the black man is represented in his texts. it was

observed in the second moment, in aesthetic and ideological terms, the

representation of black man, theme which is presented in his writings, about

which, up to now, none of his researchers have ever given attention to, to get to

know how in his literary work, relating it with the socoliterary series in which it is

inserted, it is given the black man’s image configuration. Due to the wilderness

of his literary production which is formed by soap operas, novels, short stories,

essays, productions for young people and memories, we decided to use as

corpus for our analysis the novels: The Voices of the Death (1967), The Bells of Agony (1974), and Lucas Procópio (1985).

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Résumé

Cette recherche commence par l'analyse du savoir-faire

littéraire d'Autran Dourado en essayant de rendre visbles les principales

ressources dont il se sert telles l'intratextualité, l'intertextualité et, dans cette

ligne de dialogue, le rapport entre la fiction et la réalité très significative comme

subside pour la compréhension de la manière de représentation du nègre dans

ses textes. Dans un second moment de ce travail, nous avons vérifié en termes

esthétiques et idéologiques la représentation du nègre, thème présent dans ses

textes et sur lesquels aucun chercheur de son oeuvre ne s'est jamais penché,

pour voir sa façon de configurer l'image du nègre en la rapportant avec la série

sociolittéraire où elle est inscrite. Vu l'immensité de sa production littéraire dont

des romans, des nouvelles, des contes, des livres enfantins et juveniles, des

essais et des mémoires, nous avons choisi comme corpus de notre analyse les

romans L'Opéra des Morts (1967), La Mort en Effigie (1974) et Lucas Procópio.

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Sumário

I - Introdução • Estranho como as coisas antes de acontecer nos assusta. ..............................14

II - Bloco – I

• ...coisas contadas... já lenda, já histórias, lembranças se azulando. ................20

1. O bordado textual ............................................................................................22 2. Fios de um mesmo bordado ...........................................................................49 3. Fios de outros bordados..................................................................................75 4. O texto e o tecido ............................................................................................99

III – Bloco – II

• O senhor estique bem a vista e procure ver do outro lado, no mais além do além, no fim do tempo. ..................................................................................121

1. Personagens negras no tear autraniano.........................................................123

-. Quiquina: a águia do sobrado -. Inácia: a aranha tecedeira -. Januário: no centro da teia -. Jerônimo: protetor das veredas perigosas

2. O labirinto-trilha dos negros (espaços de circulação).....................................157 3. O espaço da memória (violência) ...................................................................168 4. A memória cultural (credos e falares afros) ...................................................176

IV - Conclusão

• Agora chegou a vez do tempo passar, o tempo passou. ..................................191

V – Referências Bibliográficas 1. Obras do autor ......................................................................................................196

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2. Sobre o autor .......................................................................................................199 3. Dissertações e teses ............................................................................................218 4. Geral .....................................................................................................................224

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A vontade de Deus

tem muitos caminhos.

Autran Dourado.

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Estranho como as coisas antes de acontecer nos assusta

esde 1992, quando realizamos uma Especialização em

Investigação Literária, a obra do escritor mineiro Autran

Dourado1 vem sendo objeto de nossas pesquisas. Após dois anos, nossas

reflexões foram desenvolvidas na Dissertação de Mestrado intitulada: A

Estúrdia figura de Lucas Procópio.2 Dada a complexidade de sua obra,

decidimos continuar na investigação que culminou nesta tese de doutorado.

Autran Dourado é um autor moderno e contemporâneo de uma

incansável preocupação com a linguagem e de uma incessante dedicação e

atenção aos processos de narrar. Sua literatura é resultado de uma construção

consciente, bem elaborada. De estrutura labiríntica, seus romances são

desmontáveis, feitos em blocos, permitindo múltiplas leituras.

Com quase sessenta anos de uma intensa e extensa

produtividade, Autran é um autor que se impõe no cenário da ficção brasileira

contemporânea, não pela quantidade de seus livros, mas pelo esmero de sua

narrativa., conforme mostraremos no Bloco - I.

1 Valdomiro Autran Dourado nasceu no dia 18 de janeiro de 1926 em Patos, Minas Gerais. 2 Orientador: Prof. Dr. Pedro Paulo Montenegro (UFC).

D

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Estranho como as coisas antes de acontecer nos assusta 16

Sua obra é bastante estudada, traduzida e premiada no Brasil3

e no exterior4. Muitos foram os temas nela abordados pelos pesquisadores - o

trágico, as simbologias, os mitos, o barroco, a solidão, o silêncio, a morte, a

técnica narrativa, dentre outros -, mas se desconhece, do material pesquisado,

algum que enfoque, em sua obra, a questão da representação do negro. Por

essa razão, resolvemos dar ênfase a esse assunto, que compreende a

segunda parte do trabalho, isto é, as quatro partes do Bloco – II.

Escolhemos para nossa análise, dentre sua vasta produção

literária5, os romances Ópera dos mortos (1967), Os sinos da agonia (1974)

e Lucas Procópio (1985) por nos darem subsídios para uma análise geral da

técnica narrativa do autor e por apresentarem um número significativo de

personagens negras e escravas e, principalmente, por darem visibilidade a

essa camada que ficou à margem da sociedade mineira do século XVIII.

Nessas narrativas, os negros atuam ao lado dos brancos dentro e fora dos

casarões localizados na cidade de Duas Pontes,6 sul de Minas.

Os títulos por nós dados à tese como um todo, bem como às

partes que a compõem - Introdução, capítulo e conclusão - surgiram a partir,

não só da leitura do romance O risco do bordado (1970), onde encontramos

uma variedade de termos retirados da literatura oral usados pela personagem

Donga Novais (homem proverbial, memorioso, pantemporal, noveleiro, de alta

3 Sombra e exílio - Prêmio Mário Sette do “Jornal da Letras”; Tempo de amar - Prêmio Cidade de Belo Horizonte; Nove histórias em grupos de três - Prêmio Arthur Azevedo, do Instituto Nacional do Livro; Barca dos homens - Prêmio Fernando Chinaglia, da União Brasileira dos Escritores; O risco do bordado - Prêmio Pen-Club do Brasil; Os sinos da agonia - Prêmio Paula Brito, do Conselho Estadual de Cultura do Rio de Janeiro; As imaginações pecaminosas - Prêmio Goethe de Literatura e Prêmio Jabuti da Câmara Brasileira do Livro. Em 2000, recebe o Prêmio Camões pelo conjunto de sua obra. 4 Os sinos da agonia – Foi adotado nos exames de Agrégation das Universidades Francesas; Ópera dos mortos – Está incluído na Coleção de Obras Representativas da UNESCO. 5 São 29 livros dentre: romances, contos, novelas, ensaios, memória e infanto-juvenil. 6 Duas Pontes é a cidade imaginária, que serve de cenário para os romances de Autran Dourado. Duas Pontes é uma pequena cidade perdida no mapa de Minas. Ópera dos fantoches. P. 221.

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Estranho como as coisas antes de acontecer nos assusta 17

sabença e filosofanças, sapiência viva do nosso tempo), mas, principalmente,

da linguagem metafórica utilizada pelo autor7.

Autran, quando escreveu o ensaio “Personagem como

metáfora”, mostrou a dimensão que essa palavra recebe em seus textos e

afirmou a importância de trabalhar com a constante transferência de

significação. Termos como cerzindo, arrematando, bordado, bordadeira,

bordado de riscos, volteios, letras de talho e volteios, teia, tecido, rendilhado,

etc, são encontrados facilmente a cada narrativa, tornando, assim, um texto

extremamente metafórico.

Na primeira parte do Bloco - I (O bordado textual), pretende-se

abordar a técnica narrativa de Autran, mostrar como o autor se comporta diante

do ato de criação literária em sua oficina de burilar palavras.

Essa dedicação ao ofício pode ser vista através de algumas

personagens, como vovô Tomé, que trabalha incansavelmente na arte de picar

pau. O narrador detalha, aprofunda, dá visibilidade à forma como essa

personagem se dedica a sua arte. De certo modo, o narrador sugere que o

artista/artesão tem um papel importante diante de sua obra: ele deve buscar a

perfeição; mesmo que isso não ocorra, mesmo que não atinja esse estágio, ele

deve trabalhar sua obra de arte a ponto de esgotar a sua criatividade (veia

criadora) e aí, sim, partir para outra criação.

Na parte II (Fios de um mesmo bordado) e III (Fios de outros

bordados), priorizaremos dois recursos narrativos, dentre vários, presentes nos

textos de Autran, que é o trabalho transtextual, em que seu texto se encontra

em relação com diversos outros e, principalmente, com o seu, característica

que se torna uma constante em Autran Dourado. O intenso diálogo intratextual

e intertextual existente não só nos três romances, como em toda a sua obra,

7 Estranho como as coisas antes de acontecer nos assusta. Os sinos da agonia. P. 132, 137, 143, 144. ...coisas contadas... já lenda, já histórias, lembranças se azulando. Ópera dos mortos. P. 2. O senhor estique bem a vista e procure ver do outro lado, no mais além do além, no fim do tempo... Lucas Procópio. P. 22. Agora chegou a vez do tempo passar, o tempo passou. Ópera dos mortos. P. 2

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Estranho como as coisas antes de acontecer nos assusta 18

traça um perfil do que seja, em parte, a dimensão desses dois recursos em sua

narrativa.

Ainda nesse primeiro Bloco, parte IV (A costura e o tecido),

investigaremos a relação entre ficção e realidade, assunto presente nos

discursos das personagens, e situaremos sua obra no contexto sócio-histórico

das Minas Gerais, realidade de que não se pode fugir por seus romances

estarem ambientados em Minas Gerais do século XVIII.

Esse espaço-tempo (Minas / Século XVIII) aparece como

subtexto, contribuindo na construção de suas narrativas. Ao relê-lo, o autor

construiu uma outra realidade, ficcional e simbólica. Demos total importância a

esse recurso e o utilizamos para ligar todas as oito partes dos dois Blocos,

dando unidade ao texto geral.

Através de seus personagens-narradores, Autran estabelece

um diálogo com a produção cultural dessa época, fazendo referência a poetas8,

obras9 e a lugares como igrejas10 e cidades11 das Minas do século XVIII. Em

cada romance, o narrador-personagem constantemente insere, em seu

discurso, termos12 referentes à cultura afro-brasileira, muito presente na

ambientação aurífera no período do escravismo minerador. Ele se utiliza desse

vocabulário para ampliar o espaço semântico da realidade mineira setecentista.

No segundo Bloco (partes I, II, III e IV), pretendemos analisar a

representação das personagens negras presentes nesses três romances.

Primeiramente, faremos um levantamento desses negros (Personagens negras

no tear autraniano), traçando um perfil de cada um: sua tipologia, seu

8 Cláudio Manuel da Costa, Tomas Antônio Gonzaga... Lucas Procópio. P.19. 9 Poema “Vila Rica”, de Cláudio Manuel da Costa. Lucas Procópio. P. 21. 10 Igreja do Pilar, Igreja do Carmo, Igreja de São Francisco, Igreja de Nossa Senhora da Conceição de Antônio Dias, Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, Igreja das Cabeças, Igreja de São José... etc. Em Os sinos da agonia. 11 Ouro Preto, Tijuco (como era chamada Diamantina), Diamantina, Distrito Diamantino, Mariana, Ribeirão do Carmo, Datas, Mendanha, Cristais, Brumadinho, Jacuí, cidades nos arredores de Diamantina, lugares perdidos nos sertões mineiros. Em Os sinos da agonia. 12 Lavras, Faisqueiras, Grupiaras, Ribeiras, Vodu, Dança Lundu, Ioruba, Cabindas, Tribo Egbá, Quilombolas... etc. Em Os sinos da agonia.

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Estranho como as coisas antes de acontecer nos assusta 19

comportamento, sua forma de agir no relacionamento com os brancos e com

os próprios negros.

Na segunda parte desse Bloco (O negro em seu labirinto-trilha),

apresentaremos o trilhar dos negros dentro e fora dos casarões, isto é, o

espaço em que essas personagens circulam, o lugar que ficou determinado

para elas. Na parte III (O espaço da memória / a violência), evidenciaremos os

tipos de violência que ficaram registrados na memória dessas personagens.

Em seguida, parte IV (A memória cultural - credos e falares afros),

abordaremos a língua e a religiosidade dessas personagens, dando ênfase às

suas falas e aos seus rituais que são praticados em Ioruba.

Para realizarmos esse estudo, valer-nos-emos dos subsídios

extraídos das leituras teóricas e críticas afins (Mikhail Bakhtin, Roland Barthes,

Antonio Candido, Luiz Costa Lima, Vitor Manuel de Aguiar e Silva, Leyla

Perrone-Moisés, Affonso Ávila, Osman Lins, Benedito Nunes e outros) para

trabalharmos, no primeiro momento, com a técnica narrativa do autor.

Com relação à segunda parte, Bloco II, onde abordaremos

questões referentes ao seu universo do negro, buscaremos subsídios nos

estudos de Zilá Bernd, Roger Bastide, Clóvis Moura, David Brookshaw dentre

outros. Faremos, também, um levantamento de teses, dissertações, artigos de

jornais, revistas e livros já publicados sobre a obra de Autran.

A presente pesquisa firma-se, portanto, como resultado da

leitura da obra de Autran Dourado, da sua fortuna crítica e das observações,

nos três romances citados anteriormente, sobre a presença constante de

personagens negras - objeto privilegiado deste estudo - no espaço-tempo

apresentado pelas narrativas.

Assim, para abordar todos esses aspectos13 dentro das obras

em estudo, faremos uma investigação teórico-interpretativa, avançando pelo

texto de forma atenta, buscando uma leitura dos aspectos mais importantes,

13 Essas temáticas receberão o acompanhamento dos necessários desdobramentos teóricos.

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utilizando a análise do discurso poético e de seus recursos formais e

significativos.

Nesse sentido, a leitura da narrativa de Autran Dourado será

realizada a partir, também, de uma poética oferecida por ele mesmo.14 Suas

pistas servirão de guia, feito um fio que tem como missão construir uma grande

teia, ou como um risco traçado para a formação de um bordado.

Vale ressaltar que o recorte feito na vasta produção de Autran

Dourado não é imutável. O andamento da pesquisa vai dizer da necessidade

de rastrear outros romances, contos ou novelas. Embora nossa análise esteja

centrada nas obras mencionadas anteriormente, sempre que se fizer

necessário, recorreremos tanto aos outros romances, como aos contos para

subsidiarmos nossas análises.

Estudar a obra de Autran Dourado sob o prisma de sua técnica

narrativa e da abordagem de questões referentes à problemática do negro na

área da literatura brasileira nos permite ampliar o leque de sua fortuna crítica.

14 A leitura dos livros de ensaios: Uma poética de romance: matéria de carpintaria (1976), O meu mestre imaginário (1982) e Breve manual de estilo e romance (2003) foi importante para o entendimento do projeto estético de Autran Dourado. A prática de analisar a própria obra, a sua ars poetica, não é muito comum entre os escritores brasileiros. O primeiro foi o escritor José de Alencar que, em depoimento a pedido de um amigo, escreveu, em 1893, Como e por que sou romancista.

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Bloco - I

...coisas contadas... já lenda, já

histórias, lembranças se azulando...

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É dentro do labirinto que está

a forma, o perigo, o caos organizado.

Forma e aventura. Forma e antiforma.

Autran Dourado.

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O bordado textual

história da literatura brasileira registra a estréia de

Auran Dourado em 1947 com a publicação de Teia, obra

à qual se seguem, pouco tempo depois, Sombra e exílio (1950) e Tempo de amar (1952), considerada como marco das mudanças que se processarão em

toda a sua obra seguinte, dando-lhe uma outra concepção de linguagem.

Autran Dourado, autor de uma obra vasta, transita por uma

diversidade de gêneros – quarenta contos, treze romances, três novelas, três

livros de ensaios, um infanto-juvenil e um de memória - e vem exercitando seu

fazer de forma singular em cada narrativa.

Em todos esses textos, o autor aborda as temáticas, dentre

muitas outras, da solidão, da loucura, da morte e do tempo, de forma constante

e muito particular em cada narrativa e, de modo menos constante, trabalha em

alguns romances, como em Os sinos da agonia e A Serviço del-Rei, temas

vinculados à história e à política numa perspectiva mítica, paródica e simbólica.

No que diz respeito à técnica de composição, visando ao seu

aprimoramento, o autor, à maneira de um artesão, vem constantemente nela

trabalhando. Nesse sentido, registre-se a entrevista recente, concedida à Folha

de São Paulo, em que Autran, às véspera de seus oitenta anos, continua a

expressar sua preocupação com o aspecto formal dos textos:

Estou escrevendo com muita dificuldade porque

estou muito preocupado com aquilo que é

permanente na literatura. Que é o valor literário,

sobretudo os valores formais. É um peso que

A

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O bordado textual

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aumenta com o passar do tempo.(...) Escrever para

mim é essa luta surda com a palavra, essa luta

permanente para, através da palavra, encontrar a

forma.15

No processo de construção, o artesão trabalha com a técnica

que vem sendo elaborada ao longo dos anos de aprendizagem existencial,

literária e filosófica para aprimorar a obra de arte literária.

Autran Dourado defende a importância de uma sólida formação

literária e cultural para se tornar um bom escritor. Sugere que devemos ler os

clássicos no final da vida. É quando a gente pode melhor compreendê-los e

amá-los. (DOURADO, 1989, p. 79).

Seu fazer apresenta-se, pois, marcado por um diálogo

incessante com outros autores, confirmando a assertiva de Harold Bloom de

que todo poeta está preso numa relação dialética (transferência, repetição,

erro, comunicação) com outro poeta ou outros poetas. (BLOOM, 1991, p. 58).

Entre os vários autores e obras com as quais Autran Dourado

travou um intenso diálogo encontram-se: Artur Versiani Veloso, Godofredo

Rangel, Machado de Assis, Platão, Aristóteles, Giambattista Vico, Kant,

Nietzsche, Gustave Flaubert, Goethe, Franz Kafka, Thomas Mann, Marcel

Proust, entre vários outros; e as obras: Ulysses e Finnegam Wake, de James

Joyce; A Montanha mágica, de Thomas Mann; A consciência de Zeno, de

Ítalo Svevo; Um homem sem qualidades, de Robert Musil; O som e a fúria,

de William Foulkner; O grande teatro do mundo, de Calderón de la Barca;

Moby Dick, de Herman Melville e o Manual da composição e do estilo, do

Padre Antônio da Cruz.

Revisitando-se a trajetória de sua obra, verifica-se que, a partir

de Tempo de amar (primeiro romance, publicado em 1952), passa a existir

uma preocupação maior com o fazer literário. A feitura do texto recebe o que se

15 Entrevista concedida à Folha de São Paulo no dia 30 de julho de 2005, por motivo da reedição de toda a sua obra pela Editora Rocco.

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O bordado textual

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pode chamar de tratamento artesanal. Após a sua conclusão, o autor o retoma

e procede a inúmeras modificações, visando à ruptura com a estrutura

tradicional desde, pois, trabalhar a narrativa em bloco, mudando a ordem dos

capítulos, alterando a pessoa e o tempo dos verbos, alterando o emprego dos

substantivos e adjetivos, criando o “flash-back”, fazendo com que o romance

ganhe, segundo Autran, em movimento e plasticidade.

Massaud Moisés, escrevendo sobre esse romance, diz que

nele:

Cunham as matrizes de sua ficção e sua visão de

mundo: seres nimbados pelo mistério, enjaulados

em atmosferas cinzentas, oníricas, acossados pelo

desentendimento, pelos destinos desavindos, pela

decadência e pelo estigma da morte, submetidos

‘as divindades obscuras’. (MASSAUD, 1985-1989,

p. 483).

O próprio Autran Dourado afirma, em Uma poética de romance: matéria de carpintaria (1976), ter sido, através de Tempo de amar - livro de transição, devido às suas mudanças qualitativas -, que começou a

tomar conhecimento de que o importante na feitura de uma obra literária é o

movimento e a linguagem. Com a experiência obtida nesse romance, passa a

se exigir mais em relação às técnicas da narrativa e obtém um crescimento

gradativo nas obras seguintes.

Na busca de aprofundar a técnica de tratar a matéria literária

como carpintaria, em 1955 lança o livro de contos Três histórias na praia

(1955), no entanto esse novo experimentalismo não foi bem visto por alguns

críticos literários.

Para Wilson Martins esse livro representa uma quebra de nível

com relação a Tempo de amar.

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Em Três histórias na praia, percebe-se o

romance16 frustrado, o mau aproveitamento de um

tema que o autor, não se sabe por quê, decidiu

fragmentar em contos autônomos. (MARTINS,

1993, p. 85).

Autran Dourado rebate a crítica, afirmando que sua técnica

narrativa não foi compreendida.

Preocupados com o seguimento, não perceberam a

unidade de tônus, vertical e temporal, que o autor

buscou... viciados num tipo de leitura, apegados a

um conceito de unidade horizontal e espacial,

linear. (DOURADO, 2000, p. 41).

Apesar dessa e de outras críticas, nenhuma conseguiu diminuir

a qualidade de Três histórias na praia e, dois anos após, lança seu quinto

livro, também de contos, Nove histórias em grupo de três (1957); os quais,

depois, foram reeditados, com novo grupo de histórias, em Solidão solitude

(1972).

Observem-se duas passagens do conto “A glória do ofício”, de

Solidão solitude:

16 Wilson Martins utiliza a palavra romance e não conto, porque para ele existe, nesse livro de contos, “um arcabouço de romance, uma história obscura a que o ficcionista decidiu não dar segmento”. Na opinião de Wilson Martins, “Os ‘contos’ de Autran Dourado não são contos, apesar do rótulo: falta-lhes, pelo menos, uma condição, mas essa essencial, que é a de constituírem um ‘universo’ em si mesmos. Sua dúbia natureza se situa entre dois extremos incompatíveis: são destroços de romance ou simples crônicas sem maiores pretensões. Ora, Autran Dourado pode, com toda a certeza, fazer melhor.” Pontos de vista. (crítica literária). Vol. 2. p. 85.

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Há anos vinha montando e fabricando as peças

delicadas, quando não as tirava de algum relógio

imprestável. (DOURADO, 1972, p. 43).

Veio-me a idéia... de fazer os meus pássaros.

Comecei a cortar a cabeça de um pássaro, asas de

outro, pernas de outro, olhos de outro, até que

matei metade do jardim de pássaros que estava

aos meus cuidados, na esperança de criar, com

esses restos mortais, um pássaro de espécie

desconhecida, que eu inventara, mais belo do que

todos que existiam no mundo e sem os defeitos de

cada um. (DOURADO, 1972, p. 52).

Ao comentar esse conto, Afrânio Coutinho acrescenta:

Essa composição constitui uma nova incidência no

hábito que tem a arte moderna de refletir, enquanto

cria, sobre ‘a práxis da invenção’. (COUTINHO,

1968, p. 574, vol. 5).

No conto “Os mínimos carapinas do nada”, a personagem Vovô

Tomé pertence à terceira categoria de artesãos que trabalham na arte de picar

pau (DOURADO, 1987, p.54), no ofício de cortar pedaços de madeira com

canivete; com o tempo, tornou-se hábil na arte de fabricar caracóis.

Para atingir esse estágio, o noviço carece de muita

paciência, aplicação, humildade, modéstia.

Vovô... era exigente, ia ao armazém de seu

Bernardino escolher as melhores madeiras, havia

uma certa qualidade de pinho que era em si uma

beleza. A madeira não podia ter olhos nem veios

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muito acentuados, nem mistura de tons. Quanto

mais lisas e uniformes, melhor. Quem tem pressa

não faz nada, dizia ele já agora conceituoso. Ele

tinha a sua poética... (DOURADO, 1987, p. 57).

Esse fazer artesanal, habilidade que algumas personagens

tinham ao desenvolverem uma profissão, remete, de forma metafórica, para a

sua arte poética, ambos (escritor e personagem) no limite de suas exigências

diante do ato criador.

A técnica de composição e montagem, iniciada em Tempo de amar, será utilizada cada vez mais nos próximos romances, confirmando a

busca de uma unidade mais vertical do que horizontal na obra de arte literária.

Em 1961, publica A barca dos homens; alguns anos depois, a

novela Uma vida em segredo (1964) e Ópera dos mortos (1967). A cada

publicação, o artesão da palavra aperfeiçoa o seu fazer artístico num intenso

exercício de narrar e desnarrar, tecer e destercer, cerzir e descerzir (sic)

(DOURADO, 1978, p. 38), construindo sua narrativa ficcional de forma similar à

feitura de um quebra-cabeça, onde partes vão se encaixando até formar um

todo significante.

Em Roland Barthes, encontra-se fundamento para a analogia

entre o fazer literário e o fazer artesanal:

O texto, enquanto se faz, é semelhante a uma

renda de Valencianas que fosse surgindo diante de

nós por entre os dedos da rendilheira... (BARTHES,

1980, p. 121).

Barthes, em outro texto, afirma que, por volta de 1850, começa

a surgir para a literatura um problema de justificação: a escritura vai procurar

álibis para si.

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[...] Começa então a elaborar-se uma imagética do

escritor-artesão que se fecha num lugar lendário,

como um operário na oficina, desbasta, talha, pole

e engasta sua forma, exatamente como um

lapidário extrai a arte da matéria, passando neste

trabalho horas regulares de solidão e esforço.

(BARTHES, 1974, p. 152).

Há, na ficção de Autran Dourado, uma preocupação primordial

com a linguagem. Mudanças são feitas incansavelmente até chegar ao ponto

desejado de esgotamento criativo, para que surja nova idéia e novo romance.

Uma vez que Autran Dourado não acredita em inspiração, o ato de escrever

torna-se um escavar sem fim, sofrimento e dor que só cessam com a

conclusão do texto. Voltando mais uma vez a Roland Barthes, constata-se que

por volta de 1850 [...] a escritura clássica

desintegrou-se, e toda a literatura de Flaubert17 até

hoje, tornou-se uma problemática da linguagem.

(BARTHES, 1974, p. 118).

O aprimoramento artesanal da linguagem tem alterado

substancialmente a qualidade do romance moderno, o que, por sua vez, tem

adquirido forma tão surpreendente como, por exemplo, O risco do bordado,

de Autran Dourado, obra que a crítica

17 Segundo Roland Barthes, no livro Novos ensaios críticos seguidos de O grau zero da escritura, P. 153, Flaubert fundou a escritura artesanal. Veja o texto “‘Propos’ sobre Flaubert”. In: O meu mestre imaginário, de Autran Dourado. Nesse texto, Autran afirma: Houve um tempo em que me impregnei tanto de Flaubert, que a sua própria doença mental eu quis ter. P. 59.

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não o filiaria a nenhum dos três gêneros (romance,

conto ou livro de memória), porque entendo que ele

pode representar os três ao mesmo tempo.

(LINHARES, 1973, p. 126).

Algumas características dessa ficção artesanal, em que Autran

Dourado figura como um de seus expoentes, encontram-se no estudo de David

Lodge sobre “A linguagem da ficção moderna”, em que afirma o seguinte:

Em primeiro lugar, sua forma é experimental ou

inovadora, desviando-se acentuadamente das

modalidades existentes de discurso literário e não-

literário. Em segundo lugar, demonstra grande

preocupação com a consciência, e também com as

operações inconscientes ou subconscientes da

psique humana. Em decorrência disso, a estrutura

dos fatos ‘objetivos’ exteriores, essencial à arte

narrativa na poética tradicional, diminui em escala e

abrangência, ou é apresentada de modo seletivo e

indireto, a fim de ceder espaço à introspecção, à

análise, à reflexão e à divagação. Freqüentemente,

portanto, um romance moderno não tem um

verdadeiro ‘começo’, visto que nos faz mergulhar

num fluxo constante de experiência, com o qual nos

familiarizamos progressivamente por um processo

de inferência e associação; o final geralmente é

‘aberto’ ou ambíguo, deixando o leitor em dúvida

quanto ao destino final das personagens. (LODGE,

1989, p. 394).

Esses aspectos são comuns ao texto autraniano. Ele os

exercita ao ponto máximo em suas narrativas e de forma muito singular que se

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tornam rapidamente visíveis ao leitor que tem o hábito da leitura de ficção

moderna.

A figura do narrador tem lugar reservado no texto autraniano.

Na verdade, há, em seus textos, uma multiplicidade de narradores, como

também de narrativas. As histórias são contadas, geralmente, por um narrador

individual, outro coletivo (a gente18) e por algumas personagens que compõem

os vários discursos dos textos.

O narrador autraniano é onisciente, conhecedor de tudo e de

todas as coisas. É quem sempre detém a voz narrativa, mas, em alguns casos,

intercala sua fala com os diálogos das personagens que estão sempre

utilizando a imaginação e a memória para recontar suas histórias, remontar seu

passado.

Em muitos momentos, o narrador, através de seu discurso, traz

à tona o rememorar das personagens. Conta o que a personagem gostaria, ou

poderia, ou iria contar. Torna-se narrador-personagem, assume o lugar da

personagem reproduzindo sua voz e contando o que deveria ser dito por ela.

Observa-se, dentro do mesmo parágrafo, uma permutação de

tempo verbal. O narrador conta em terceira pessoa acontecimentos da vida da

personagem João da Fonseca Nogueira, enquanto, no mesmo parágrafo, o

próprio João da Fonseca Nogueira, em primeira pessoa, vai relembrando seu

passado, sua infância no Colégio interno São Mateus (Um artista apendiz), ou

quando João da Fonseca Nogueira dialoga com Ismael Silveira Frade (Ópera dos fantoches) ou na conversa de João da Fonseca Nogueira com Dona Sofia

(Confissões de Narciso). São todos diálogos embutidos na narração, que

formalizam a construção de uma narrativa dentro da outra.

O teórico Mikhail Bakhtin afirma que:

A multiplicidade de vozes e consciências

independentes e imiscíveis e a autêntica polifonia 18 São personagens que acompanham da rua as mudanças que ocorrem no casarão da família Honório Cota.

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de vozes plenivalentes19 constituem, de fato, a

peculiaridade fundamental dos romances de

Dostoiévski. Não é a multiplicidade de caracteres e

destinos que, em um mundo objetivo uno, à luz da

consciência una do autor, se desenvolve nos seus

romances; é precisamente a multiplicidade de

consciências eqüipolentes20 e seus mundos que

aqui se combinam numa unidade de conhecimento,

mantendo a sua imiscibilidade. (BAKHTIN, 1981, p.

2).

Os fluxos narrativos sobressaem-se através da voz do narrador

ao revelar as angústias e as ansiedades das personagens em seus diálogos,

discursos indiretos livres e monólogos interiores. Atente para esta passagem

de Ópera dos mortos:

...aquele corpo que embora magro era redondo na

sensação de paz e macieza que os seus gestos

tranqüilos lhe davam (assim, mal comparando por

causa daquilo que faziam de noite, a lembrança

quente, redonda, vagarosamente boa da mãe da

gente quando a mãe longe ou quando morreu ou

quando a gente não conheceu e se lembra dela

com o coração nas pequeninas coisas imaginando),

se sentia feliz naquelas horas diurnas, enquanto

esperava que a pêndula suasse as horas que ele

devia deixar dona Rosalina e sair para entregar as

flores buscava mesmo comparação com as horas

noturnas violentas e silenciosamente agressivas no

19 Isto é, plenas de valor, que mantêm com as outras vozes do discurso uma relação de absoluta igualdade com participantes do grande diálogo. 20 Eqüipolentes são consciências e vozes que participam do diálogo com as outras vozes em pé de absoluta igualdade; não se objetificam, isto é, não perdem o seu Ser enquanto vozes e consciências autônomas.

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encontro dos corpos, e chegava a achar que de dia

sim era feliz, de noite era o visgo das voçorocas, as

goelas vermelhas escuras, de que ele não podia se

afastar, sentindo aqueles encontros noturnos como

um vício, uma pena feliz... (DOURADO, 1967, p.

176).

Verifique-se, nessa longa citação, a intensidade do ritmo, a

ausência de pontuação e a ininterrupta fluição do discurso que prossegue por

várias páginas.

Segundo Bakhtin, Dostoiévski é o criador do romance

polifônico, caracterizado pela multiplicidade de vozes. Ao estudar a palavra na

sua obra como elemento de ligação entre múltiplos discursos, afirma que:

As palavras do outro, introduzidas na nossa fala,

são revestidas inevitavelmente de algo novo, da

nossa compreensão e da nossa avaliação, isto é,

tornam-se bivocais. (...) A palavra é um meio

constantemente ativo, constantemente mutável da

comunicação dialógica. (BAKHTIN, 1981, p. 169-

176).

Esse incessante fluxo e refluxo de vozes é muito bem

articulado nas narrativas autranianas, porém é a partir, mais precisamente, de

Tempo de amar, que se percebe, de forma evidente, uma escrita cérebro-

artesanal.

A estrutura de composição desses romances – vazada em

freqüente interrupção na ordem cronológica, narrativa em blocos ou painéis

onde as partes distintas e autônomas formam uma unidade vertical - denuncia

um trabalho consciente e meticuloso. O texto não chega ao leitor sem essa

operação.

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Durante esse período de gestação, tomo notas e

mais notas, leio as coisas mais extravagantes, às

vezes livros que nada têm a ver com a literatura.

Vou de filosofia aos estudos e documentos

históricos, como aconteceu com Os sinos da

agonia. E enquanto não tenho bem visualizada

dentro de mim toda a composição, enquanto não

consigo ver nitidamente a unidade interior da obra,

a sua estrutura, a sua forma, não me disponho a

escrever. Faço gráficos e esquemas, sinopses,

monto desenho, armo quadrados, retângulos e

círculos, como se fosse um arquiteto, a régua,

compasso e transferidor. (DOURADO, 2000, p.166).

Desse exercício do fazer/criar resulta uma técnica similar a

uma ciranda, que se vai estruturando pelo desdobramento circular e, ao

mesmo tempo, construindo metáforas-símbolo em linhas bem definidas de sua

estrutura e composição.

Autran Dourado revela-nos onde foi buscar essa técnica21 ao

responder à pergunta de um repórter quando o interroga se esse estilo não

seria uma influência de Júlio Cortazar.22 Ele afirma que não, que ele a utilizou

bem antes de Cortázar e que, no Brasil, já tinha sido usada por Graciliano

Ramos em Vidas secas23. Ele remonta a mais longe, indicando Cervantes que

utilizou a estrutura aberta do barroco em Dom Quixote (1605-1615)24, a qual

permitiu múltiplas leituras.

21 Veja o texto “Uma segunda ordem de leitura”. In: Uma poética de romance: matéria de carpintaria, de Autran Dourado. P. 38. 22 Confira: a 1ª edição do livro Tempo de amar, de Autran Dourado, é de 1952. A 1ª edição de Rayuela (Jogo da amarelinha), de Júlio Cortazar, é de 1968. 23 A 1ª edição de Vidas secas, de Graciliano Ramos, é de 1938. 24 Seguindo a escrita-bordado do autor, necessário se faz voltar ao ano de 1614, antes do aparecimento do segundo volume de Dom Quixote, quando surgiu, em Tarragona, assinada por Alonso Fernández de Avellaneda, uma pretensa continuação das

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Autran prossegue afirmando que a influência da técnica

barroca utilizada na construção dos seus livros não foi buscá-la somente em

Dom Quixote, mas também na composição entrelaçada, musical e lúdica de

Novelas exemplares, do mesmo Cervantes; no Quevedo de Los sueños e de

La vida del buscón; em El grand teatro del mundo, de Calderón de la Barca;

na A educação sentimental e, mais radicalmente, em Bouvard e Pecouchet, de Flaubert, bem como em O processo, de Kafka, autor que viveu na

barroquíssima Praga.

O barroco, como um fenômeno de grande complexidade,

retoma, com maior rigor e forma crítica, o lugar que lhe é devido no processo

de evolução das formas artísticas dentro da modernidade.

As características do homem agônico e em conflito do século

XX/XXI se assemelham às características do homem do século XVIII. Há um

trabalho com a estética barroca como tema poético para expressar as

angústias do homem moderno e contemporâneo.

Affonso Ávila esclarece, de forma sintética, a aproximação

entre as duas épocas cronologicamente distanciadas entre si, isto é, as razões

de identidade estabelecida entre a época atual e a do barroco.

Cremos poder sintetizar aqui que as aproximações

entre o homem de hoje e o barroco vão além de aventuras do célebre cavaleiro andante. Avellaneda escreveu no prólogo do seu “Dom Quixote”: “Só digo que ninguém deve espantar-se pertencer a autor diferente esta segunda parte, pois não é novidade pessoas diferentes prosseguirem a mesma história”. (AVELLANEDA. Dom Quixote apócrifo. 1989). Cervantes imortaliza o livro de Avellaneda a partir do momento em que tem notícia do texto apócrifo sobre Dom Quixote. No capítulo LIX da segunda parte, o cavaleiro andante toma conhecimento da existência do livro de Avellaneda e, indignado, critica-o com veemência, acusando-o, sobretudo, de desviar-se da verdade da história. Mais à frente, nos capítulos LXX e LXXII do volume II, o cavaleiro andante volta a tocar no assunto, fazendo novas críticas a esse livro “que, se eu de propósito me metesse a fazê-lo pior, não o conseguiria” (CERVANTES, Miguel de. Dom Quixote. Vol. 2. P. 837 e 846). E, ao se encontrar com Dom Álvaro Tarfe, personagem do livro de Avellaneda, faz com que ele afirme que as figuras que conhecera não passavam de impostoras. Como se pode ver, Avellaneda acaba arrastado na verve inesgotável de Cervantes. E o que torna esse fenômeno possível é o fato de Dom Quixote ter sido escrito dentro da técnica de estrutura aberta do barroco.

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uma simples sintonia de sensibilidade, motivada

pelo recurso a formas afins de expressão estética.

A identidade com o barroco, ainda que revelada

mais obviamente no plano da atitude artística,

transcende a nosso ver a uma questão de

similaridade de linguagem, de forma, de ritmo, para

refletir de modo mais profundo uma bem

semelhante tensão existencial. O homem barroco e

o do século XX são um único e mesmo homem

agônico, perplexo, dilemático, dilacerado entre a

consciência de um mundo novo ⎯ ontem revelado

pelas grandes navegações e as idéias do

humanismo, hoje pela conquista do espaço e os

avanços da técnica ⎯ e as peias de uma estrutura

anacrônica que o aliena das novas evidências da

realidade ⎯ ontem a contra-reforma, a inquisição, o

absolutismo, hoje o risco da guerra nuclear, o

subdesenvolvimento das nações pobres, o sistema

cruel das sociedades altamente industrializadas.

Vivendo aguda e angustiosamente sob a órbita do

medo, da insegurança, da instabilidade, tanto o

artista barroco quanto o moderno exprimem

dramaticamente o seu instante social e existencial,

fazendo com que a arte também assuma formas

agônicas, perplexas, dilemáticas. (ÁVILA, 1994, p.

26).

A estética barroca é marcante em toda a composição literária

de Autran Dourado de que foi um simpatizante declarado. Em um ensaio sobre

sua narrativa, ele afirma:

A visão que tenho do barroco é uma visão pessoal,

criativa e ‘ideológica’ O barroco para mim não é

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apenas um conceito histórico, capítulo da história

da arte, mas alguma coisa viva e atuante, que me

estimula na elaboração da minha própria criação

literária. (DOURADO, 2000, p. 37).

Compreende-se, assim, que a infiltração do barroco em sua

obra se dá como proposta para se ver a obra, que deve ser captada em todos

os seus ângulos de significações.

O narrador perspicaz de Ópera dos mortos alerta todos para

que observem os vários lados, os vários ângulos de um objeto, procurando

desfocar a visão de um só ponto de vista. Essa postura vai induzir o leitor a

visualizar essas várias possibilidades, as múltiplas perspectivas de um mesmo

acontecimento. Por conseguinte, esse objeto ou esse acontecimento será

apreendido de diferentes modos e de vários prismas.

No estudo Barroco: do quadrado à elipse, Affonso Romano

de Sant’Anna acrescenta e reitera a idéia de Autran Dourado ao afirmar:

O Barroco, mais do que um estilo de época, pode

ser uma estratégia de representação e de

organização do pensamento. Neste sentido, ele é

intemporal. (SANT’ANNA, 2000, p. 268).

Siga-se a intenção do olhar do narrador de Ópera dos mortos

e direcione o foco para um quadro ou uma arquitetura barroca. Impossível um

olhar de soslaio, porque o objeto exige que se dê mais de um olhar, que se

faça uma leitura, pede que se mude de posição e se atente para os detalhes,

para os riscos e os traços nem sempre visíveis.

Não só em Ópera dos mortos, como em outros romances

(DOURADO, 2000, p. 25), vamos encontrar toda uma teoria do barroco, as

dicotomias e antíteses – luz e sombra, cheios e vazios, retas e curvas; só falto

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citar Wölfflin e Hatzfeld (DOURADO, 2000, p. 54). Para reforçar, Autran

Dourado afirma:

O que estou parodiando na abertura da Ópera dos

mortos, imitando mesmo, é o movimento pendular

e circular do barroco. ...as volutas e curvas

sensoriais – sensuais dos escritores barrocos.

(DOURADO, 2000, p. 55).

Ao escrever sobre a tônica da narrativa ou a arte da novela

como construção e jogo, Autran diz: Jogo e construção, o aspecto lúdico da

montagem, a múltipla leitura que o barroco propõe, tudo isso cada vez me

fascina mais e mais. (DOURADO, 2000, p. 57).

A narrativa de Ópera dos mortos transcorre dentro de um

tempo passado, um tempo dos mortos, dos relógios parados; o que vai

dimensioná-lo são as referências à estética barroca, que aparece como

sugestão para o aprendizado do olhar das personagens e do leitor.

Os discursos de algumas personagens autranianas, também,

remetem à teoria do barroco. Veja o ritmo da fala de Malvina indo e vindo,

volteando, cerzindo arrematando, bordadeira (DOURADO, 1974, p. 55) ou a

forma como escreve utilizando letras de talho e volteios (...) Arranjou uns

modos floridos e rebuscados, engenhosos e gongóricos, muito nobres, de botar

em palavra escrita (DOURADO, 1974, p. 82), ou como a personagem Ismael

em que sua narrativa é cheia de avanços e recuos, de estradas vicinais em que

ele se perde. (DOURADO, 1994, p. 22).

Autran Dourado é simpatizante do conceito de estrutura aberta

do barroco de Wölfflin; segundo ele, na estrutura aberta do barroco, é possível

a múltipla leitura, mas o autor continua comandando o espetáculo (DOURADO,

2000, p. 40), e continua afirmando que, nesse conceito de obra aberta do

barroco, o texto tem uma unidade vertical.

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Fazendo uma comparação entre o conceito de obra aberta de

Wölfflin e o de Umberto Eco, observa-se que a leitura de Umberto Eco é mais

atual. Ele aproveita as idéias de Wölfflin e amplia o campo de aplicação,

abrangendo as artes em geral. Umberto Eco parte de uma simples

comunicação com o título: ”O problema da obra aberta” em 1958 e, depois,

transforma num ensaio (1962) e, em seguida, em livro (1968), onde vai rever

vários conceitos, como comunicação, informação, alienação e, principalmente,

o de abertura, dentre outros, mas sempre trabalhando dentro de uma

concepção similar ao conceito de Wölfflin.

“Abertura” não significa absolutamente “indefinição”

da comunicação, “infinitas” possibilidades da forma,

liberdade da fruição; há somente um feixe de

resultados fruitivos rigidamente prefixados e

condicionados, de maneira que a reação

interpretativa do leitor não escape jamais ao

controle do autor. (ECO, 1991, p. 43).

Na teoria de Heinrich Wölfflin (1945) da análise formal das

artes, o autor suíço fez uma reformulação da questão barroca à luz dos novos

princípios que introduziu para a interpretação da história da arte. Esses

princípios definem a passagem do tipo de representação táctil para o visual,

isto é, da arte renascentista para a barroca.

As principais categorias do estilo barroco estudadas por

Wölfflin são as seguintes: A primeira é o pictórico – caracterização desviada

dos limites do objeto e centrada na acumulação de elementos, seguida pela

vista; a segunda é a profundidade – a percepção visual envolve os elementos

mais próximos e os mais distantes.

Observe exemplos dessas duas categorias no romance Ópera dos mortos. O narrador inicia o discurso chamando a atenção para que todos

vejam o sobrado e segue descrevendo, minuciosamente, as partes que o

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compõem: as janelas, as cores das janelas, as portas, o reboco, os tijolos, as

vidraças, as cortinas, os peitoris e os detalhes da arquitetura exterior.

O senhor atente depois para o velho sobrado com a

memória, com o coração - imagine, mais do que

com os olhos, os olhos são apenas conduto, o olhar

é que importa. Estique bem a vista, mire o casarão

como num espelho, e procure ver do outro lado, no

fundo do lago, mais além do além, no fim do tempo.

(DOURADO, 1967, pp. 1-2).

Se o leitor aceitar o convite do insistente narrador e

acompanhar seus passos, vai deparar com todo um cenário montado da

arquitetura barroca mineira. A preocupação desse narrador para que observem

e conheçam o sobrado deve-se ao fato de ir ser ele o referencial da narrativa.

Conhecer o casarão é conhecer a história de Ópera dos mortos; conhecer a estrutura interna do casarão é recuar no tempo e deparar

com os antepassados dos Honório Cota, fincados nas Minas Gerais do século

XVIII.

Veja a casa como era e não como é ou foi agora.

Ponha tento na construção, pense no barroco e nas

suas mudanças, na feição do sobrado, na sua

aparência inteira, apartada, suspensa (não, oh

tempo, pare as suas engrenagens e areias, deixe a

casa como é, foi ou era, só pra gente ver, a gente

carece de ver; (...). (DOURADO, 1967, p. 2).

Quando o narrador pede ao leitor uma atenção absoluta, um

aprofundamento do olhar, está falando da segunda categoria do estilo barroco.

Ele diz: Olhe e veja todos os detalhes além da aparência, e Autran confirma

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com esta citação: O sobrado foi muito estudado, recorri a todo o meu

conhecimento de arquitetura colonial barroca mineira (estudei muito), e o livro

se pretende barroco. (DOURADO, 2000, p. 151).

O narrador insiste no convite a todos para que olhem,

observem, agora com detalhe, o novo visual da casa:

Veja tudo, de vários ângulos e sinta, não sossegue

nunca o olho, (...) O senhor veja o efeito, apenas

sensação, imagine; (...) Veja o jogo de luz e

sombra, de cheios e vazios, de retas e curvas, de

retas que se partem para continuar mais adiante, de

giros e volutas, o senhor vai achando sempre uma

novidade. Cada vez que vê de cada lado, cada hora

que vê, é uma figuração, uma vista diferente. O

senhor querendo, veja: a casa ou a história.

(DOURADO, 2000, p. 6).

A terceira categoria são as formas abertas – efeito que pode

ser completado pelo observador, mas sem que o autor perca sua autonomia.

Os romances Tempo de amar, A barca dos homens, Ópera dos mortos, O risco do bordado, e vários contos permitem ao leitor atento imprimir

significados outros, fazer outras leituras, mas sem sair da esfera idealizada

pelo autor.

A quarta, em que as partes são subordinadas a um conjunto, é

claramente encontrada nos romances Ópera dos mortos, O risco do bordado e Ópera dos fantoches, onde se observam narrativas escritas em

painéis, blocos. Estudiosos dizem que alguns capítulos parecem “janelas

falsas”; como aquelas janelas falsas da arquitetura barroca, que serviam

apenas para compor a fachada. (DOURADO, 2000, p. 22). Segundo Autran,

não são blocos soltos; todos estão muito bem integrados no plano da narrativa

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geral e, em seguida mostra como fez a planta baixa desses romances, como

foram escritos os diversos blocos e como montou o livro.

A quinta categoria, a claridade relativa, existe em toda a obra

de Autran Dourado. A sua alma barroca e torturada, a sua paixão pelo negrume

arcaico das minas de antigamente e pelo claro-escuro deixa rastro em sua

escritura, como, por exemplo, na voz sombria do narrador de A barca dos homens.

Nas primeiras páginas desse romance, ele diz que, no mundo,

havia o lado escuro e o lado claro, negrume e luz (DOURADO, 1961, p. 13) ou,

falando sobre a menina Helena, que nela era mais aguda a realidade negrume-

luz, claridade-sombra (DOURADO, 1961, p. 14). A narrativa prossegue nesse

jogo ambíguo de cores do nem claro nem escuro.

A nossa barroca alma mineira, o nosso linguajar

arcaico resultante do negrume colonialista com que

Portugal tratou as Minas, o claro-escuro antitético

mineiro, as nossas contradições e proximidades, as

mil e uma Minas. (DOURADO, 2000, p. 53).

No início do romance Os sinos da agonia, quando o narrador

apresenta o ambiente, claramente Minas Gerais no momento áureo da

exploração aurífera, mostra a situação em que se encontrava Januário, o

bastardo; irrompe um fluxo narrativo ininterrupto entre claro e escuro.

Não fosse a luz leitosa da lua cheia, agora alta,

pequena e redondinha no céu (grande e sanguínea

quando nasceu detrás da negra muralha da serra;

desde antes de escurecer ele estava ali, a seu lado

o preto Isidoro sempre mudo e fechado, os olhos

brilhosos e raiados de sangue, só uma ou outra fala

ele agora dizia, e no escuro e mudez parecia mais

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negro ainda), a luz alvaiada rebrilhando nas

pedras do calçamento, nas lajes lisas e polidas das

ladeiras, o luar iluminando com o seu brilho

esbranquiçado as casas caiadas de branco, as

igrejas solitárias... (DOURADO, 1974, p. 13, grifo

nosso).

A propósito, destaque-se que a percepção em profundidade

traduz a ânsia de espaço típica da arte barroca; o pictórico envolve tanto o

colorido das pinturas barrocas, como o caráter descritivo de determinados

textos; a “abertura” barroca implica a participação do observador ou leitor; nas

partes subordinadas a um conjunto - o texto é escrito em blocos autônomos,

distintos um dos outros, com ritmo, tratamento, técnica e estilos diferentes, mas

com unidade interna, formando um todo.

A relativa claridade é observada em toda a arte barroca por ser

uma arte ornamental, cheia de adornos e atavios. Esses enfeites dificultam a

visão dos pormenores; ao invés de revelar os detalhes de sua arte, esconde-

os. O excesso de trabalho com a palavra, os enfeites e rebuscamento da

linguagem fazem com que a narrativa não chegue ao leitor com uma fruição

natural.

Umberto Eco afirma, ao construir sua teoria, que a primeira

“abertura” da obra de arte se deu no período barroco, época em que ocorreu

uma quebra na forma definida e estática da arte clássica renascentista. Houve

uma negação da criação como um objeto artístico delimitado e simétrico,

convergindo para um centro, eliminando a idéia de movimento.

A forma barroca, pelo contrário, é dinâmica, tende a

uma indeterminação de efeito (em seu jogo de

cheios e vazios, de luz e sombra, com suas curvas,

suas quebras, os ângulos nas inclinações mais

diversas) e sugere uma progressiva dilatação do

espaço; a procura do movimento e da ilusão faz

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com que as massas plásticas barrocas nunca

permitam uma visão privilegiada, frontal, definida,

mas induzam o observador a deslocar-se

continuamente para ver a obra sob aspectos

sempre novos, como se ela estivesse em contínua

mutação. (ECO, 1991, p. 44).

Mesmo reconhecendo que a primeira manifestação de

“abertura” da arte ocorreu no período barroco, Umberto Eco não admite que

tenha sido de forma consciente, o que só veio a acontecer na segunda metade

do século XIX com o Simbolismo, exemplificando com a Art poetique, de

Verlaine.

Um outro aspecto relevante do texto autraniano é a auto-

reflexão crítica. Há uma consciência do fazer literário em processo. Me

considero exageradamente um autor bastante lúcido, vivo constantemente me

analisando (literariamente).(DOURADO, 2000, p. 36). Essa citação se justifica

pela voz das personagens-narradoras postas em seus textos ficcionais e na

leitura de sua obra ensaística.

A obsessão de Autran Dourado pela palavra escrita, pela

metáfora, pelo símbólico, pela imagem, pela linguagem musical - mediatizadora

entre as personagens - dá ao texto ares de uma prosa poética.25 Acompanhe o

primeiro parágrafo de Um artista aprendiz e um trecho do Novelário de Donga Novais:

25 Veja alguns exemplos em que o autor faz uma apologia à poesia, construindo metalinguagem. Há uma diferença muito grande entre confissão e poesia. A confissão alivia na hora, por uns dias. A poesia é de efeito mais duradouro, transforma e amilhora não só o ânimo, educa o coração e liberta o espírito. Lucas Procópio (P. 25). A poesia não é outra coisa senão imitação do mundo, recriação da vida segundo uma nova ordem que só na infância somos capazes de entender inteiramente. Lucas Procópio (P. 68). Poesia é feita por quem ama a poesia, para quem gosta de poesia. Lucas Procópio (P. 73). Não, arte é a poesia, uma arte para raros, para loucos. A Serviço Del-Rei (P. 43).

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O CÉU CINZENTO, onde ainda brilhava pálida e

fria a última estrela da noite, ganhava tonalidades

rosa anunciando o sol, aqui e ali manchas de azul.

(DOURADO, 1989, p. 3).

Ah, quantos desastres, naufrágios e prejuízos

causaram e ainda causam fenícios navios, barcas,

galeotas e naus nos mares do amor, nos périplos

do tempo, nas viagens de circunavegação!

(DOURADO, 1978, p. 67).

Autran Dourado se impõe no cenário da ficção brasileira

contemporânea, tanto pela sua obstinação pelo apuro narrativo, como também

pelo seu perfeccionismo na utilização da língua portuguesa falada no Brasil.

A cada surgimento de um livro do autor, observa-se a formação

de uma trilogia26, construindo uma espécie de narrativa continuada. O

entrelaçamento narrativo entre eles finaliza por construir uma só obra aberta.

Um exemplo são os livros: Ópera dos mortos, que foi escrito em 1967; Lucas Procópio, em 1985 e Um cavaleiro de antigamente em 1992, que, apesar do

intervalo cronológico, não perderam a unidade temática.

Os romances, como: A barca dos homens (1961), Uma vida em segredo (1964), Ópera dos mortos (1967), O risco do bordado (1970),

Os sinos da agonia (1974) e Lucas Procópio (1985), vêm confirmar a

disposição do artesão-barroco de, no texto, trabalhar todos os pormenores

incansavelmente (escrevendo diversas vezes alguns capítulos) sem descuidar

de que, mesmo o nome de personagens, ainda que secundários, deixe de ter

um significado que ligue a um outro dentro do texto, formando um todo. A

personagem narradora Erasmo Rangel de O meu mestre imaginário (1982)

convida o leitor a ler, mais de uma vez, os livros e, mais de duas vezes,

algumas partes.

26 O livro Solidão solitude é formado pela trilogia: Três histórias na praia (1955), Três histórias na primeira pessoa (1956) e Três histórias no internato (1957).

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Após a publicação do romance Ópera dos fantoches em

1994, Autran publica o livro infanto-juvenil Vida, paixão e morte do herói (1995); em 1997, Confissões de Narcíso, em que -, o próprio autor declara -

pela primeira vez, fala de amor da primeira à última página.

Em 2000, muda de gênero com a publicação do livro de

memórias Gaiola aberta: tempo de Jk e Schmidt, onde relata, sem

preocupação cronológica, seu convívio com os políticos do poder nos tempos

de JK. No início do ano de 2003, lança o livro de ensaio Breve manual de estilo e romance, em que tece comentários sobre sua obra, os autores que o

influenciaram e sobre o ofício de escrever.

Os recursos utilizados em sua obra se inserem nos moldes da

modernidade. Características como intertextualidade, intratextualidade,

monólogo interior, polifonia de vozes, multiplicidade do ponto de vista,

fragmentação, descontinuidade temporal, vazios narrativos ou cortes: no dia

seguinte..., algum tempo depois..., quando eu o revi..., a gente deve se voltar

ao lugarejo onde se parou a narração (DOURADO, 1985, p. 48), blocos

justapostos onde não existem começo, meio e fim, constatam que o texto de

Autran Dourado é de estrutura móvel em que tanto o narrador como o leitor

podem construir e desconstruir o texto dentro da memória.

A construção dos textos de Autran Dourado se dá de forma

labiríntica, cheia de volteios, de avanços, de recuos e de novas retomadas. A

elaboração dos blocos é comparável à feitura de uma arquitetura barroca que

se vai formando, aos olhos do leitor,27 como num mosaico. No momento em

que se observa um texto composto de blocos distintos, percebe-se uma

27 Se o leitor não percebeu toda essa armação, toda essa máquina e carpintaria, e sentiu apenas o efeito que procurei alcançar; se apenas fruiu, sem perceber a presença e os ruídos dos meus martelos, serras, formões e cepilhos, os benefícios e a possível força e beleza da proporção, do balanceamento, do ritmo, da estrutura musical, temática e sinfônica de O risco do bordado, sem ver onde estava o dedo do artesão paciente, modesto e caprichoso; se o possível leitor destas notas, após a leitura de O risco do bordado, julgá-las absurdas e mistificadoras, eu me darei por bem pago. É sinal de que os andaimes que usei para levantar e construir o meu livro, segunda essa planta baixa, não deixaram nenhum vestígio, o que é bom para a obra de arte completa e acabada. DOURADO, Autran. Uma poética de romance: matéria de carpintaria. PP. 78,79.

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unidade entre eles. No artigo “O Sete-estrêlo de Autran Dourado,” Fábio Lucas

afirma:

Cremos não errar muito ao escrever [a obra do

autor] numa linha de tradição, digamos, esteticista

da ficção brasileira, formada por escritores de todas

as correntes que, ao escrever, de certa forma

capricham no bordado. Basta lembrar José de

Alencar, Raul Pompéia, Euclides da Cunha, Mário

de Andrade e Oswald de Andrade. (LUCAS, 1971,

fl. 5).

Como se percebe, a consciência do seu fazer literário, a

incansável dedicação e atenção aos processos de narrar, a preocupação com

a linguagem e a valorização da palavra escrita fazem com que sua narrativa

tenha lugar reservado no cenário da ficção moderna e contemporânea

brasileira.

Da estréia com a novela Teia em 1947 ao último lançamento,

em 2003, de Breve manual de estilo e romance, completar-se-ão quase

sessenta anos de uma extensiva produtividade nos gêneros novelas, contos,

romances, infanto-juvenil, memórias e ensaios.

Assim sendo, encontram-se, nesse vasto painel das narrativas,

além das cenas repetidas, dos duplos, da polifonia, dos monólogos interiores e

dos fragmentos pré-socráticos, a simbologia, a mitologia, o registro da teoria do

“ver”, a teatralidade28, a metalinguagem29, a paródia30, a tragédia, a oralidade,

28 Recurso comum ao texto autraniano. A estrutura e o conteúdo dos livros em estudo estão diretamente relacionados com o texto cênico. Há, em cada romance, um protagonista, alguns atores e uma platéia de olhar ansioso, sempre em vigília para não perder o próximo ato. São dignos de nota, também, nessas narrativas, palavras que são utilizadas no texto teatral: cena, platéia, espetáculo e pantomima, Lucas Procópio. P.19, assim como frases inteiras ditas por Lucas Procópio que se considerava uma personagem que tinha vocação inata para o palco. Lucas Procópio, P. 51.

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o silêncio, coexistindo simultaneamente e com freqüência no texto, e funcionam

como elementos estruturadores de sua técnica narrativa, sobre a qual, aqui,

nos debruçamos pela importância que assoma na construção de seus textos.

29 A metalinguagem é explorada excessivamente dentro do espaço ficcional do escritor. O romance Novelário de Donga Novais (1978) é uma narração da narração. Narra e conta como está narrando. Esse recurso é também comum à Ópera dos mortos, Ópera dos fantoches como em outras narrativas suas. 30 O romance O monte da alegria (1990) é uma paródia de Os sertões (1902), de Euclides da Cunha.

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A minha máscara se colou tanto à minha pele

que virou o meu outro eu visto de dentro.

Autran Dourado

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Fios de um mesmo bordado

utilização de recortes de outros textos no momento de

construir a sua obra é uma prática constante de Autran

Dourado. Dentre essa variedade de textos está o seu, que é reutilizado de

todas as formas.

A relação intertextual entre textos do mesmo autor pode ser

lida como intertextualidade interna (restrita31) em oposição à intertextualidade

externa (geral), ou como intertextualidade autárquica que Genette designa por

autotextualidade. Aqui vamos utilizar o verbete intratextualidade por ser o mais

usado pelos teóricos / ensaístas com os quais vamos trabalhar.

Encontramos, normalmente, incorporados nas narrativas de

Autran Dourado, elementos constantes de outras obras suas, como frases,

citações, alusões e personagens. Essas repetições, segundo Autran Dourado,

são usadas propositadamente, funcionam como técnica, visando a atingir esse

resultado de intrincado labirinto interior (DOURADO, 2000, p. 44). A

organização desses fragmentos passa a funcionar em uníssono com as demais

vozes do texto, confirmando o princípio da verossimilhança interna da obra.

Só para ilustrar, por exemplo, algumas das personagens que

estão presentes em mais de três livros: João da Fonseca Nogueira, Lucas

Procópio Honório Cota, Dr. Saturnino Braga, Saturniano de Brito, Giuseppe

Fuoco, Lalau e Lelena, Dr. Viriato de Abreu, Prof. Maldonado do Amaral, Dr.

Maldonado Lima, Donga Novais, Ismael Silveira Frade, Tio Zózimo, Tio Alfredo,

Tio Maximino, Tia Margarida, Dr. Alcebíades Silveira, Vovô Tomé, Vovó

Naninha, Vítor Macedônio, Zé Mariano, Bê P. Lima, Gaspar, Glória, Ordália,

31 Veja em Pour une théorie du nouveau roman de RICARDOU, Jean. P. 162.

A

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Jagunço Xambá, Biela, Evangelina Montserrat da Silveira, João Capistrano e

Rosalina Honório Cota.

Tanto nos romances, como nos contos, constatam-se

personagens que já estiveram em uma ou outra obra sua. A repetição de

personagens e passagens inteiras, em quase todos os textos do mesmo autor,

denuncia constantemente a presença da intratextualidade no texto autraniano.

Sobre essa insistente repetição das mesmas personagens

(DOURADO, 2000, p. 44) ou passagens de livros que já foram publicados em

livros que vão surgindo e que funcionam como recurso de sua técnica, já

declarada por Autran , ele ainda diz:

Gosto da divisão do romance em blocos, tenho a

preocupação estrutural e formal do romance. Crio

personagens que se repetem de livro para livro

e capítulos que se conectam de forma inusitada.

(grifo nosso).32

João Luiz Lafetá, em “Uma fotografia na parede”, prefácio de

Os melhores contos de Autran Dourado (LAFETÁ, s/d, p. 11), diz que A

repetição, na verdade uma variação, um volteio, amplia o texto e multiplica

suas significações. Esse procedimento cria ilações tão significativas que, após

a leitura de sua obra completa, surge um só texto unificado.

Observa-se que as personagens do primeiro romance de

Autran, Tempo de amar, se repetem da primeira à última página em Ópera dos fantoches: João da Fonseca Nogueira, Ismael da Silveira Frade, Paula da

silva Sousa, Tarsila da Silveira Pinto, Evangelina Montserrat da Silveira, dentre

outras. O autor utiliza todas as personagens nesse segundo ao reescrever

Tempo de amar.

32 Entrevista ao Jornal do Brasil no dia 9 de abril de 1996.

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Ópera dos mortos, Lucas Procópio e Um cavaleiro de antigamente, como já foi dito, formam uma trilogia. Todas as personagens de

Ópera dos mortos foram aproveitadas nos outros dois romances, como Lucas

Procópio Honório Cota, João Capistrano Honório Cota, Quincas Ciríaco,

Isaltina Sales Cota, Dr. Maciel Gouveia, Dona Evangelina, Pe. Agostinho, Dona

Genu, Dagoberto, dentre outras.

No conto “As duas vezes que Afonso Arinos esteve em Duas

Pontes”, do Livro Violetas e Caracóis, aparecem as personagens de quase

toda a sua obra: João da Fonseca Nogueira, Lucas Procópio Honório Cota,

Ismael da Silveira Frade, Dr. Viriato de Abreu, Juiz Saturnino Braga, Prof.

Maldonado do Amaral, Dom Francisco Manuel de Melo, Lelena, Dr. Alcebíades

Silveira, Vítor Macedônio, o jagunço Xambá e Donga Novais, personagem de

um romance homônimo cujo enredo conta toda a sua história.

seu Donga era velho mais antigo de velho, de

insabida idade... consultada a infalível memória,

sondando o futuro, o pensamento sempre

acordado, a milenar sabedoria dos compêndios,

rifoneiros e almanaques, seu Donga Novais acabou

por se acalmar. (DOURADO, 1978, p. 67).

Compare-se essa citação com duas passagens do conto citado

anteriormente e observe como parecem trechos de um mesmo romance.

Só mesmo o velho Donga Novais, que, apesar de

muita idade, tem memória de elefante. Ele deveria

ser objeto de estudo da gerontologia, um ramo da

medicina que vem nascendo. E que memória tem

seu Donga!. (DOURADO, 1987, p. 126).

A fala de seu Donga Novais às vezes era labiríntica,

cheias de veredas e trilhas, estradas vicinais, na

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pachorra do cigarro de palha caprichado de quem

tem tempo de sobra: pantemporal, senhor das

horas e memorioso ao extremo ele era.

(DOURADO, 1987, p. 127).

Os romances Ópera dos mortos e O risco do bordado têm

passagens também idênticas. Tanto a imagem do sobrado, como a empregada

negra, presença marcante em suas narrativas, estão sempre reaparecendo a

cada obra.

Olhou o sobrado, e tudo era tão claro e limpo: o

céu, sem nenhuma nuvem, reverberava. (...)

Segurou na aldrava, bateu. (...) Ninguém veio

atender. (...) melhor ir embora... Já se dispunha a ir

quando a porta se abriu. Uma preta gorda,

baixotinha, velha, com uns fios brancos de barba no

queixo, ali parada, olhando firme nos olhos dele.

(DOURADO, 1967, pp. 65-66).

Pararam diante do sobrado velho. (...) As sombras

germinavam, o sobrado crescia branco. (...) A mão

firme bateu duas vezes na porta. Entre uma

pancada e outra um estirão. (...) A porta se

entreabriu, e uns olhos esbugalhados e amarelos

de preta rebrilharam lá dentro. (DOURADO, 1970,

pp. 28-29).

O ponto alto do romance Lucas Procópio é a morte do ex-

feitor das lavras do pai de Lucas Procópio, Pedro Chaves, que há muito se

disfarçava de Lucas Procópio. Passagem similar ocorre em Um cavaleiro de antigamente, publicado sete anos depois.

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Aconteceu que se viu forçado a um gesto de

legítima defesa, por todos presenciado. Estava

numa roda de amigos, viu passar por ele um preto,

não lhe pareceu estranho. O preto andou alguns

passos, se voltou. E, sem que ninguém entendesse

nada, disse Pedro Chaves! (...) Aí, foi, se virou.

Armado de uma garrucha, o preto lhe desferiu um

tiro no ombro. Mesmo ferido, o coronel ainda foi

mais ligeiro. Sacou do revólver e desfechou no

preto dois tiros seguidos, certeiros, que o

prostraram no chão, morto. Quem era, lhe

perguntaram. Não sei, um preto deve ter me

tomado por alguém que não sou, disse. E a si

mesmo: Jerônimo, preto filho da puta! (DOURADO,

1985, p. 154).

Essa cena é reaproveitada em Um cavaleiro de antigamente.

Foi necessário o surgimento do velho companheiro de andanças pelos sertões

dos gerais, o negro Jerônimo, para derrubar a máscara há tanto tempo colada

na alma de Pedro Chaves.

Quando ao sair do banco, o coronel Lucas Procópio

se deteve pra falar com alguém sobre um negócio

qualquer, de repente apareceu um preto retinto,

gritou Pedro Chaves, e deu um tiro no ombro dele.

Mesmo ferido, o coronel sacou o revolver e matou o

crioulo com dois tiros. Quem era perguntaram pra

ele. Não sei, um preto qualquer que deve ter me

tomado por alguém que não sou, ele falou.

(DOURADO, 1992, p. 23).

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A cada nova publicação do autor, essas imagens vão se

ampliando e se agregando a outras como se formassem um jogo de armar, ou

como o fio de aranha tecedeira na construção de sua teia.

Angela Senra, estudiosa do texto de Autran Dourado, com

Mestrado - Paixão e fé: Os sinos da agonia (1991) e Doutorado - Baús de couro, baús de ouro: Minas de Autran Dourado (1994), em suas narrativas,

afirma que

a narrativa autraniana remete sempre a índices

intratextuais. É no texto que encontramos as

referências a ele mesmo, a sua própria imagem. É

dessa resolução especular interna que o texto extrai

suas próprias ordens. Mas a textualidade

autraniana reenvia a outros referentes que também

são textos: outros livros, outros autores, outras

teorias, outros mitos e outras histórias... É nesse

sentido que se pode dizer que Autran Dourado

elabora uma reescritura dos textos que seleciona e

de uma supra-textualidade primordial - o Labirinto -

escrevendo sempre o mesmo texto. (SENRA, 1991,

p. 69).

Vejam-se algumas passagens que são comuns aos romances

Lucas Procópio e Ópera dos mortos. O “sobrado imponente” que aparece na

página 43 (O sobrado imponente na Rua Direita caindo de podre, dando até

erva-de-passarinho no telhado e mesmo no reboco) e na 75 (A sua casa, um

sobrado imponente de muitos cômodos, sem sentido para um homem solteiro,

vivia cheia de gente, nas festas que ele dava), de Lucas Procópio, remete-

nos, imediatamente, ao primeiro capítulo de Ópera dos mortos, cujo título é “O

Sobrado”. Um velho casarão que se tornou sobrado é a metáfora relevante de

Ópera dos mortos.

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Na página 64 de Lucas Procópio, um carreiro e um menino

guiam os três (Lucas Procópio, Pedro Chaves e Jerônimo) até a cidade de

Alfenas, local aonde eles pretendiam ir.

Um carro de bois vinha vindo, se ouviu. (...)

Estamos perto de onde, indagou Lucas Procópio ao

carreiro. A cidade pra onde eu vou é Alfenas, disse

o homem. É pra lá também que a gente vai, disse

Pedro Chaves entrando na conversa. (...) Será que

vosmecê podia dar um jeito de siô Lucas Procópio ir

no carro, está morto de cansaço. Siô Lucas

Procópio pode ir pra riba, tem lugar, disse o

homem. (...) Já era noite quando chegaram às

Alfenas. Lá, os três se despediram do menino e do

carreiro, que ofereceu rapadura e cachaça.

É cena diretamente relacionada com uma passagem da página

53 de Ópera dos mortos, em que Juca Passarinho (José Feliciano) pega uma

carona com um carreiro e um menino até Duas Pontes, cidade onde morava

Rosalina, neta de Lucas Procópio e sua futura amante.

José Feliciano esperou o carro passar, se

emparelhou com o carreiro. Boa-tarde, compadre,

disse. Está um solzinho danado, de rachar

mamona. É, disse o homem, e continuou a andar.

Será que eu podia pegar uma rabeira deste seu

carro? Estou que não agüento, venho andando de

longe, tive umas tonteiras, cãibras nas pernas, de

vez em quando me dá disto. Ando meio perrengue,

acho que peguei alguma doença na última fazenda

onde fiquei, lá no Guaxupé. O homem olhou bem

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para ele, José Feliciano fez uma cara de doente.

Pode trepar, disse o carreiro.

A intratextualidade se processa, também, através da retomada

freqüente da metáfora-símbolo – relógio-armário - presente em vários dos

romances e contos autranianos.

Do jeito que as coisas vão até aquele relógio-

armário teremos de vender. (DOURADO, 1985, p.

94).

O pêndulo do grande relógio-armário da sala, no

seu vaivém, já de si lento, parecia mais vagaroso

ainda, o tempo custando a passar, o ponteiro

grande demorado. (DOURADO, 1985, p. 100).

E veio aquele relógio-armário de tamanho e beleza

inigualada... E vinha gente de longe ouvir o relógio-

armário. (DOURADO, 1967, p. 16-17).

Dirigiu-se primeiro para o grande relógio-armário,

aquele mesmo, e parou o pêndulo. (DOURADO,

1967, p. 26).

O relógio-armário está presente nos romances em estudo e em

várias outras obras, numa insistente e proporcional repetição, cumprindo o

ritual da passagem do tempo. Veja mais alguns exemplos:

O pêndulo do grande relógio-armário da sala, no

seu vaivém, já de si lento, parecia mais vagaroso

ainda, o tempo custando a passar, o ponteiro

grande demorado. (DOURADO, 1985, p. 100).

Um longo silêncio pesou entre os dois. O relógio-

armário, senhor das horas, já tinha sido seu,

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Fios de um mesmo bordado

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pensou Saturnino de novo agoniado. Ele que o

trouxe de Duas Pontes, o fatídico relógio da gente

Honório Cota. (DOURADO, 1984, p. 103).

Para o chefe não fazer nenhuma observação, ele

verificava os ponteiros do velho relógio-armário que

tinha sido de João Capistrano Honório Cota, de

famosa memória, arrematado num leilão judicial.

(DOURADO, 1981, p. 19).

Uma tarde, quando era mais forte a canícula, entrou

na sua sala no banco (naquela mesma sala fatídica

onde ficava agora o relógio-armário e onde morrera

Vítor Macedônio) o jagunço Xambá e lhe desfechou

seguidamente três tiros no peito. (DOURADO,

1981, p. 41).

De noite, no consultório. A última vez que esticou a

atenção para a pêndula soaram dez horas.

(DOURADO, 1981, p. 55).

A cada morte ocorrida no casarão dos Honório Cota era parado

o pêndulo de um relógio.33 Um exemplo desse ritual ocorreu no romance Ópera dos mortos em que o relógio-armário foi parado às três horas com a morte de

dona Genu, esposa de João Capistrano Honório Cota e mãe de Rosalina.

O romance Os sinos da agonia traz a utilização desse

recurso, a repetição, diferente da forma mostrada anteriormente. A cena do

encontro de Malvina com o mestiço Januário se repete mais de duas vezes no

mesmo romance sem causar monotonia ou lentidão ao texto.

33 Havia três relógios na parede do casarão: o relógio de prata, comemorativo da Independência; o relógio-armário e o relógio Pateck Philip, cujo pêndulo foi parado com a morte de João Capistrano Honório Cota.

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Fios de um mesmo bordado

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Quando primeiro viu Malvina no seu cavalo, ao lado

de Gaspar no seu ruão. (...) Ele olhou-a, viu-a

demoradamente, e os seus olhos não puderam

mais se despregar daquela cabeça de fogo,

daquele corpo... Ele que se voltou tão bruscamente,

tão logo a viu. Ela também o tinha visto, reparou

nele. Os olhos se encontraram, ela chegou mesmo

a parar o cavalo. (DOURADO, 1974, p. 36).

O homem freou bruscamente o seu cavalo,

encarou-a demoradamente. Tão demoradamente,

tão ousadamente, os olhos luminosos e faiscantes,

espantado diante da aparição. Se sentiu tocada por

aqueles olhos, tão macho era o mestiço.

(DOURADO, 1974, p. 122).

Depois se encontraram com o mameluco e ela... se

deixou admirar demoradamente pelo mestiço.

Então ela riu alto, deu um grito, chicoteou o cavalo,

saiu num galope desabalado. (DOURADO, 1974, p.

166).

A variedade de exemplos mostrando a presença de um mesmo

objeto ou cenas das mesmas personagens em mais de um romance é para

enfatizar a característica elementar do tear de Autran Dourado. Através de uma

construção interligada comum a vários textos do mesmo autor, vai-se formando

um único romance, uma só obra, como quer Autran Dourado.

Na verdade, eu estou querendo fazer um livro só.

Se você verificar, vai notar que meus livros são

mais ou menos os mesmos. Por coincidência, meu

primeiro livro se chama Teia, e o penúltimo, O risco

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Fios de um mesmo bordado

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do bordado – tudo um problema de tecido, de

intrincado tecido. (COSTA, 1974, fl. 10).34

No espaço desse tecido literário, há um constante

aproveitamento, como já foi constatado, de temas e personagens que transitam

livremente pelos gêneros narrativos trabalhados pelo escritor. Em alguns livros,

as personagens são protagonistas; em outros, são coadjuvantes ou vice-versa,

atuando num ritmo de circularidade entre contos e romances:

O livro como uma só e grande frase, uma só

metáfora, que se desdobra em muitas outras,

conforme um ritmo, é uma idéia que cada vez me

agrada mais. (DOURADO, 2000, p. 78-79).

Sempre a mesma coisa, como as coisas são

paralelas e simétricas, como se repetem, a simetria

tão própria do barroco, como o duplo e o

espelhismo, se repetem monotonamente,

ciclicamente, corsi recorsi, Giambattista Vico.

(DOURADO, 1989, p. 195).

Autran Dourado, em entrevistas e na sua obra ficcional

(DOURADO, 1987, p. 125) e ensaística,35 declara que esse recurso da

repetição em seus textos tem origem na Técnica do corsi recorsi, do filósofo

Giambattista Vico36, de sua teoria dos três estágios cíclicos da história e de sua

34 COSTA, Flávio Moreira da. “Questões de vida e de morte’. São Paulo: Opinião, 1 de novembro de 1974. 35 “Personagem como metáfora”. In: Uma poética de romance: matéria de carpintaria. P. 220. 36 Filósofo e historiador italiano (Nápolis 1668 – 1744). Opondo-se ao racionalismo de Descartes, defendeu a tese de que o verdadeiro objeto do conhecimento são os feitos humanos, isto é, o mundo da cultura, aquilo que o homem cria, e não a natureza. A partir disso, construiu a primeira filosofia da história, antecipando-se a Herder, Hegel e Comte. Seus estudos de história e, em particular, sua teoria dos ciclos de civilização exerceram ampla influência no pensamento ocidental. Para Vico, a civilização passa por três estados: idade divina, idade heróica e idade humana, Após a terceira etapa, o

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Fios de um mesmo bordado

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concepção poética, em que aprendeu que, em poesia, as imagens são

superiores às idéias abstratas.

Não é raro, também, o recurso da apropriação do Eu,

personagem que quer assumir a personalidade de outra personagem, que,

além de enriquecer o texto, dá maior ênfase à narrativa, gerando expectativa

no leitor.

No romance Lucas Procópio, dá-se essa mudança de

personalidade entre duas personagens: Pedro Chaves, antigo feitor das lavras,

se emascara para melhor personificar a estúrdia figura de Lucas Procópio. A

transformação que acontece de uma personagem em outra é apreendida,

dentro do texto, através de passagens em que o narrador se contradiz quando

descreve o comportamento de Lucas Procópio no segundo momento da

narrativa.

Não acontece, propriamente, uma destruição da figura de

Lucas Procópio, mas uma transfiguração, um intercâmbio de personalidade. A

posse se dá a partir do fascínio que a figura excêntrica de Lucas Procópio

inspira no outro.

Observa-se uma relação entre esse desejo de apropriação do

Ser, da alma do outro, e o mito de Fausto.37 Nesse caso, sem pacto, mas um

ciclo se reinicia. Esse processo recebeu o nome de corsi recorsi. Os Pensadores. 1979. 37 Fausto, herói de numerosas obras literárias, musicais, plásticas e cinematográficas, teria sido inspirado num alquimista e charlatão que nasceu em Knittlingen por volta de 1480 e, após uma vida aventurosa e errante, morreu em Staufen, c. 1540. Em crônica do século XVI, era referido como um homem que vendera a alma ao demônio Mefistófeles em troca de sabedoria e prazer ilimitados durante certo número de anos (História von Dr. Johan Fausten, 1587). O tema foi fixado por uma peça de Christopher Marlowe, A trágica história do doutor Fausto (escrita entre 1588 e 1593), e pelo teatro ambulante alemão. Progressivamente, os escritores apoderaram-se do personagem para torná-lo um símbolo do conhecimento desviado, o herói ambicioso da conquista do saber contra os poderes ocultos (Lessinger, Klinger) ou o porta-voz de suas angústias e alucinações (Chamisso, Lenau). O Fausto, de Goethe, forneceu uma visão panorâmica da lenda e acabou consagrando o personagem como o grande mito nacional alemão, também abordado por Thomas Mann em Doktor Faustus (1947). Visto através da oposição essencial das seduções da vida e do tédio existencial (Valéry, Mon Faust, 1941-1945), ou dos múltiplos caminhos de uma obra “móvel” (Michel Butor e Henri Pousseur, Votre Faust, 1963), Fausto aparece,

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aproveitamento, uma aproximação e um distanciamento do mito, esvaziando-o

e dando-lhe um tratamento moderno, em que a posse subsiste sem maiores

explicações.38 Essa nova versão é completamente diferente da primeira forma

em que o mito é apresentado; sua utilização no texto autraniano é revestida de

ironias e suspeitas, características encontradas na ficção contemporânea.

Mas veja-se como se dá essa passagem no Fausto:

FAUSTO

O inferno, até, tem leis? mas, bravo!

Podemos, pois, firmar convosco algum contrato,

Sem medo de anular-se o pacto?

(...)

FAUSTO

(...)

Que exiges, pois, gênio daninho?

Papel, bronze, aço, pergaminho?

Devo escrever com lápis, cinzel, pena?

Dou-te de tudo escolha plena.

MEFISTÓFELES

(...)

Serve qualquer folheto ou nota.

Com sangue assinas, uma gota!

FAUSTO

sobretudo, como Don Juan: uma fonte extremamente rica a partir da qual cada autor pode colher elementos para construir seu mito pessoal. 38 Esta observação é pertinente ao se levar em conta que, em outros textos do autor, encontramos citações dos livros de Goethe, inclusive do próprio Fausto. Observe esta passagem do conto “Noite de Cabala e paixão”, do livro As imaginações pecaminosas, p. 57: Com o domínio que ia aos poucos adquirindo sobre si − ou era efeito do álcool? −, se pôs a imaginar um diálogo à Goethe entre Fausto e Mefistófeles, na linguagem de dom Francisco Manuel.

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Pois bem, a farsa, então, e adota,

Já que te deixa contentado.

MEFISTÓFELES

Sangue é um muito especial extrato.

FAUSTO

Não há perigo de eu romper o pacto!

O afã do meu vigor completo

É justamente o que prometo.

(...) (GOETHE, 1991, p. 74-84).

Há, também, uma outra passagem em Fausto em que a

personagem Helena, diante do palácio de Menelau, na segunda parte do

Terceiro Ato, afirma:

Eu, como sombra, vinculei-me a ele, outra sombra,

um sonho foi, dizem-no as próprias palavras;

desmaio, e sombra torno-me eu, para mim mesma.

(GOETHE, 1991, p. 346).

Diferentemente, em Lucas Procópio, não houve a celebração

do pacto como no Fausto, que foi assinada, solenemente, com sangue. Não há

formalidades de uma troca entre as duas personagens; o que persiste entre

elas é uma espécie de admiração, de deslumbramento, de encantamento de

uma figura sobre a outra.

A posse se dá sutilmente sem que o leitor / espectador perceba

de imediato. O texto exige uma atenção minuciosa aos detalhes, aos

pormenores. Voltar-se para as entrelinhas é descobrir o nó da intriga do

romance Lucas Procópio.

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Além de Pedro Chaves, o negro Jerônimo desejava ser outra

pessoa. E o modelo mais próximo e atraente foi Lucas Procópio, companheiro

de incansáveis andanças pelos sertões dos Gerais. Por alguns momentos, ele

saía pelas praças tentando pregar as idéias de Lucas Procópio, isto é,

ressuscitar a fase áurea das Minas Gerais. Por causa da cor (já tinha sido

escravo) e sem posição social, a gente, em nenhum momento, acreditou em

suas palavras.

Esse artifício é observado em vários livros do autor, como, por

exemplo, em Os sinos da agonia, onde as personagens Malvina e Donguinho

ou Januário e Gaspar se fundem numa só, se reconhecem na figura do outro,

formando uma só imagem. A seguir, os dois exemplos:

Não era mais ela, era um ser monstruoso e

andrógino que corria os pastos e descampados do

entardecer. Era Donguinho redivivo vindo

amorosamente nela se fundir. Carinhosamente ele

a convidava para a escuridão sem fim, para a sua

eterna noite de demente. (DOURADO, 1974, p.

113).

Januário era por fora o que Gaspar era por dentro...

E fundia os dois numa só figura: Januário e Gaspar

se completavam, eram uma só pessoa.

(DOURADO, 1974, p. 124).

Com relação a esse tipo de personagens interligadas,

comum à obra autraniana, formando, muitas vezes, duplas, Angela Senra

afirma que

as personagens autranianas embora solitárias, não

existem sozinhas, ligam-se umas às outras, sem

perceberem, subterrâneamente. E, mesmo sem se

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Fios de um mesmo bordado

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falarem, sem se verem, sem mesmo se

conhecerem, intercomunicam-se – são ‘duplas’ na

dor e na alegria. (SENRA, 1983, p. 104).

Reforçando esse pensamento, Reinaldo Martiniano Marques,

estudioso da ficção de Autran Dourado, escreveu o seguinte:

Na relação dual, portanto, a personagem identifica-

se ao outro – no caso, uma outra personagem – ,

vivendo uma relação narcísica alienante, em que

ela é mais o outro que ela mesma. Estabelece-se

uma oposição imediata entre sua consciência e seu

outro, ficando aquela esmagada por este, seu

duplo, na falta de distância dele. A personagem vê

no outro um complemento seu, uma parte de si

reprimida pelo seu papel no mundo do

comportamento social. (MARQUES, 1996, p. 109).

Essa interligação formando imagens especulares entre as

personagens, que culmina, em alguns casos - (Deolindo e Elias / SS; Quincas

Ciríaco e João Capistrano / OM; Lucas Procópio e João Capistrano / OM; João

Diogo e El-Rei / OSA; João Diogo e o Capitão General / OSA; Malvina e o

Capitão General / OSA; Malvina e Donguinho / OSA; Isidoro e Januário / OSA;

Vítor Macedônio e Valdemar Filgueiras / AIP), - na posse da personalidade de

outra personagem, é um aspecto/recurso de destaque na obra de Autran

Dourado.

Com relação à personagem Lucas Procópio, ele consegue

influenciar seus companheiros, porque não só o acompanham, como tentam

imitá-lo. Pedro Chaves tenta roubar-lhe a alma e Jerônimo se apossa do seu

sonho, passando a incorporar as suas atitudes.

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A sombra de Lucas Procópio é o que há de mais presente na

vida do filho. Mesmo após sua morte, João Capistrano procurava assumir sua

personalidade, seguindo um ritmo de vida igualzinho ao do pai. Tentar expulsar

esse rastro da sua vida era destruir-se, era parar de viver.

Tanta gente que vai ou pode ainda aparecer, foram

e vão, irão fazendo esta narrativa, e se tem que

tomar cuidado para evitar as demasias fantasiosas

do mito. (DOURADO, 1978, p. 37).

Mas a imagem emblemática do velho coronel permanece. Para

construir o segundo pavimento da casa de João Capistrano em total harmonia

com a parte inferior, o mestre conversou com a gente, colhendo informações

sobre Lucas Procópio, já que o sobrado devia conter a unificação da

personalidade dos dois, fundir, numa só, as duas figuras. Quando ficou pronto,

a gente pôde constatar que a imagem das duas pessoas estava registrada

naquele sobrado:

Eu não quero um sobrado que fique assim feito

uma casa em riba da outra. Eu quero uma casa só,

inteira, eu e ele juntos para sempre. (DOURADO,

1967, p. 4).

Mas se atentar bem pode ver numa só casa, numa

só pessoa, os traços de duas distintas: Lucas

Procópio e João Capistrano Honório Cota.

(DOURADO, 1967, p. 5).

A figura de Lucas Procópio estava impregnada na alma de

João Capistrano. Seu estilo silencioso e sombrio era de quem arrastava o peso

de um passado doloroso. Além dele mesmo, somente Quincas Ciríaco, amigo

de infância, sabia que o pai dele é ele mesmo (DOURADO, 1967, p. 13).

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Quando se exaltava, não era possível distinguir a diferença entre voz e gestos

dos dois.

Todo mundo que nasce em terras de seu Lucas

Procópio tem o jeito dele. Quando não na cara, no

feitio, na fala. (DOURADO, 1967, p. 14).

Vale ressaltar que esse recurso de apropriação do Eu acontece

nos romances e nos contos. No caso da personagem Lucas Procópio, além de

ser um tipo ou modelo que todos queriam imitar, está sempre reaparecendo em

outros livros, atormentando personagens que tiveram, no passado, alguma

ligação com os Honório Cota.

Lucas Procópio reaparece nos contos: “Retrato de Vítor

Macedônio”, “Queridinha da família” e “Noite de cabala e paixão”, do livro As imaginações pecaminosas (1981), e em “O Meritíssimo Juiz”, de Violetas e Caracóis (1987).

No romance O cavaleiro de antigamente (1992), que conta a

trajetória de João Capistrano Honório Cota, encontra-se o maior relato da

verdadeira história de Lucas Procópio. Esse livro é uma narrativa-documento

que serve para desvendar os mistérios encontrados nos textos em estudo.

Um outro livro, também importante no sentido de revelar a

trajetória de Lucas Procópio, é Monte da alegria (1990), onde se encontram

trechos que são decisivos para o leitor na elaboração dessa personagem.

Como artesão da oficina do exercício do fazer e refazer, Autran

cria uma outra personagem, o escritor João da Fonseca Nogueira, similar a

Lucas Procópio, que estará presente em quase toda a sua obra, ouvindo

histórias, utilizando a memória para reescrever o passado e escrevendo livros

em busca do sonho de se tornar um escritor.

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No conto “Inventário do primeiro dia”, escrito em 1957, do livro

Nove história em grupo de três, João, ainda menino, é levado pelo pai para

estudar no Colégio interno São Mateus.

Enquanto a noite rolava, fazia um inventário

completo de seu primeiro dia de internato. E então

já não estava mais se lembrando, mas contando a

alguém a sua história. Começava a inventar?

Talvez, porque a memória não é estanque. Contava

a sua história. (DOURADO, 1972, p. 89).

No romance O risco do bordado (1970), João, ainda no

Colégio interno e passando as férias em Duas Pontes, vive a saga de sua

família. O tempo transcorre entre as recordações do passado quando criança e

o sonho de estudar Direito em Belo Horizonte.

Em 1984, a personagem João da Fonseca Nogueira reaparece

no romance político A serviço del-Rei como um escritor que recebe um

convite para apoiar o candidato Saturniano de Brito à presidência da República.

João, já maduro, faz reflexões sobre a vocação literária e a relação com o

poder.

Sabendo que o papel do escritor é deformar e reinventar o real,

não se pode esquecer a estreita relação dessa narrativa com a época em que

Autran Dourado foi Secretário de Imprensa da Presidência da República no

Governo de Jucelino kubitschek (1955-1960). Mas ele diz:

O personagem tem a ver é com a realidade dentro

do livro, a realidade dentro do romance, com a sua

arquitetura e não com a realidade do meio em que

vivem os homens, de que eles romancistas e

novelistas se utilizam como barro. (DOURADO,

2000, p. 95).

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O referido personagem se faz também presente nos contos do

livro Violetas e caracóis (1987). Primeiramente, em “Remembranças de

Hollywood”, quando João, ainda menino, assistia aos filmes hollywoodianos

que passavam no Cine-Teatro Estrela de Duas Pontes, em que “As duas vezes

que Afonso Arinos esteve em Duas Pontes”, onde o poeta Ismael da Silveira

Frade, escrevente e autor dos Anais da cidade, conta ao escritor João da

Fonseca Nogueira como foi a visita do autor de Pelo sertão (de 1896 a 1898) à

cidade de Duas Pontes.

João era então um jovem escritor só conhecido em

Minas Gerais, mas para Ismael... ele significava o

sucesso, a glória. (...) E Ismael... disse eu conto e

você deforma, inventa depois. Imaginação e

memória têm a mesma etimologia. E Ismael

continuou. (DOURADO, 1987, p. 123-124).

Ainda em Violetas e caracóis, no conto “O Meritíssimo Juiz”,

João da Fonseca Nogueira reaparece voltando a Duas Pontes para visitar a

família e encontrar os amigos, contadores de causos, em busca de histórias

para seus contos e romances.

Um artista aprendiz (1989) é um romance de formação, da

educação literária, filosófica e sentimental de João da Fonseca Nogueira, isto

é, um Bildungsroman.39

39 O termo alemão “Bildung” tem o sentido de formação, educação, cultura ou processo de civilização; em português, “Bildungsroman” seria traduzido como “romance de aprendizagem”, de “formação”, ou de “desenvolvimento”. A tradição do “Bildungsroman” começa com o Wilhelm Meisters Lehrjahre, de Goethe, publicado na Alemanha entre 1794 e 1796 e traduzido para o inglês em 1824 com o título de Wilhelm Meister’s Apprenticeship. (...) Goethe não foi quem primeiro usou o termo “Bildungsroman”, mas a ele se deve a sua formação, pois freqüentemente usa a palavra “Bildung” e outras derivadas referindo-se ao seu Wilhelm Meister, obra que é considerada o protótipo ou modelo arquetípico do gênero. Veja no livro O

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E o tempo passou ligeiro. Terminara a sua fase de

estudos aplicados e pesquisas formais, de suas

preocupações esteticistas: o aprendizado literário e

de vida a que se entregara com exacerbação. (...) E

procuraria se libertar do seu currículo fechado e

asfixiante, incorporando o seu saber técnico a as

suas conquistas à obra madura que sonhava

realizar, conscientemente procurando esquecer o

que sabia, para alcançar, através do trabalho e de

sua disciplina, a sua técnica e expressão próprias,

verdadeiramente livres, pouco importando o preço

que tivesse de pagar. (DOURADO, 1989, p. 254).

O autor denuncia o estilo narrativo utilizado nesse romance

logo de início, na dedicatória: a primeira é dedicada aos dois maiores mestres -

o filósofo e o escritor mineiro - que acompanharam o processo de sua

formação; a segunda epígrafe é do escritor russo Goethe, precursor do

Bildungsroman.

A Artur Versiani Veloso e Godofredo Rangel in

memoriam.

Cada um tem sua felicidade nas mãos como o

artista a matéria bruta à qual ele quer dar forma. Na

arte de ser feliz e em qualquer outra arte, só a

capacidade é inata: é preciso aprendizado e

acurado exercício. Goethe. Os anos de

aprendizagem de Wilhelm Meister.

bildungsroman feminino: quatro exemplos brasileiros, de Cristina Ferreira Pinto. PP. 9 e 10.

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Prosseguindo, João da Fonseca Nogueira reaparece em Ópera dos fantoches, lançado em 1994. O autor faz uma releitura do romance

Tempo de amar (1952), usando a técnica do monólogo interior. Nessa

reescrita, as histórias das personagens continuam, e uma delas, Ismael, pede

ao escritor João da Fonseca para ser utilizado como personagem em suas

narrativas.

Em Confissões de Narciso (1997), João da Fonseca

Nogueira, escritor já consagrado, recebe da personagem Sofia os escritos do

falecido marido para ler e publicar.

Dona Sofia, viúva do Dr. Tomás de Sousa

Albuquerque, um advogado de pequena clientela na

cidade de Duas Pontes, Sul de Minas, entregou ao

escritor João da Fonseca Nogueira uma pilha de

cadernos do marido, alguns em verso e outros em

prosa, o título geral de “Confissões de Narciso”,

dizendo o senhor que escreve, até já publicou

livros, ouvi dizer, é capaz de se interessar por essa

literatura de meu marido. Faça deles o que bem

entender, publique mesmo se quiser. (DOURADO,

1997, p. 11).

Ao construir, passo a passo, os corredores e as galerias

(estrutura) desse labirinto, o autor imprime sua marca por entre as linhas que

servirão de sustentáculo ao cenário onde as personagens, como João da

Fonseca Nogueira, possam representar.

Há um paralelismo entre a biografia do autor e a vida da

personagem João da Fonseca Nogueira; entre o real e a ficção passa a existir

um tênue fio ligando autor e personagem que se fundem através da linguagem

metafórica.

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Nessa relação especular, Autran Dourado escreve sua

trajetória, sua autobiografia imaginária. Como autor implícito que não se coloca

nas narrativas, ele será mediatizado por uma personagem. Suas impressões

são proferidas pela voz da personagem-escritor João da Fonseca Nogueira,

seu alter ego.

Continuou a escrever seus pequenos contos,

guardava-os para um possível livro. Tinha planos

mais ambiciosos para o futuro: primeiro uma

novela, depois tentaria o grande mundo do

romance. (DOURADO, 1989, p. 25).

A trajetória dessa personagem segue modelarmente a biografia

do autor - vê-se que se fala de uma única persona -, que, artisticamente,

substituiu os nomes das pessoas e dos lugares, como, por exemplo, o escritor

Godofredo Rangel e o filósofo Artur Versiani Veloso, intelectuais mineiros que o

influenciaram ainda adolescente, se tornaram personagens no livro Um artista aprendiz e receberam, respectivamente, os nomes de Sinval de Souza e Sílvio

Souza, como depois afirmou Autran Dourado em sua entrevista na UFMG em

1996.

Entre as muitas pessoas que colaboraram para a

minha formação, duas foram decisivas e a elas

devo o que sou: Artur Versiani e Godofredo Rangel.

A Veloso, o ordenamento que procuro dar à minha

mente e à minha iniciação; a Rangel, o aprendizado

literário, a seriedade diante da obra, a humildade,

(...) A Veloso e a Rangel procurei deixar assinalada

a minha dívida de gratidão dedicando-lhes o meu

romance Um artista aprendiz, do qual são, com

pouco disfarce e alteração, personagens.

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Fios de um mesmo bordado

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O Dr. Alcebíades, personagem do livro Violetas e caracóis,

faz uma pergunta a João e o alerta: Mas você não vai fazer ficção usando o

nome de pessoas que existiram e possuem descendentes vivos?! Pelo menos

vai mudar os nomes, sobretudo se for fantasia. (DOURADO, 1987, p. 126).

E João começou a escrever o seu romance. (...) O

personagem principal, evidentemente um alter-ego

dele, era um escritor já realizado que retorna à sua

terra natal para conferir as suas lembranças da

infância com as pessoas que dela participaram.

(DOURADO, 1989, p. 173).

Na seqüência de suas publicações, o autor confessa que sua

biografia foi estendida ao texto narrativo e que a vida de um escritor, de uma

maneira ou de outra, vai sempre estar plasmada em sua obra.

Por ocasião dos seus 70 anos, é convidado pela Faculdade de

Letras da UFMG, em 1996, para participar do projeto “Encontro com escritores

mineiros”. No depoimento prestado, Autran confessa:

Uma coisa é certa: todos esses livros narram a

minha história pessoal, suas personagens são eu

mesmo, mesmo as femininas. (...) Muitas de minhas

dúvidas, de meus problemas, de minha

sensibilidade erótica estão em Rosalina e Malvina.

Aliás, a autobiografia de um escritor é o conjunto de

suas obras. Conjunto o mais amplo possível.

(SOUZA, 1996, p. 34).

O processo de construção de personagens e sua

desconstrução dentro da narrativa funciona como recurso utilizado pelo autor

para melhor realizar sua narrativa labiríntica e, conseqüentemente, dar ao texto

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Fios de um mesmo bordado

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uma dimensão valorativa na escala dos grandes autores da ficção brasileira

contemporânea.

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O homem se alimenta de

mitos, símbolos e sonhos.

Autran Dourado

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Fios de outros bordados

pós percorrermos o modus faciendi de Autran Dourado,

o dobrar, desdobrar e redobrar das palavras,

centraremos nossa atenção no diálogo que seu texto trava com os textos de

diferentes autores.

A intertextualidade ocorre, nos contos e nos romances, com

autores clássicos e modernos. Vejam-se estas citações, uma do romance

Iracema, de José de Alencar, e outra do livro Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis e uma outra do poema “No meio do caminho” do

livro Alguma poesia, de Carlos Drummond de Andrade.

Muito além daquela serra que ainda azula no

horizonte, nasceu Iracema, a virgem dos lábios de

mel. (DOURADO, 1987, p. 121).

Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o

legado da nossa miséria. (DOURADO, 1978, p.

127).

No meio do caminho tinha uma pedra / tinha uma

pedra no meio do caminho / tinha uma pedra/ no

meio do caminho tinha uma pedra. (DOURADO,

1989, p. 48).

Esse tipo de intertextualidade, no caso formal, é comum à

narrativa do autor em estudo. Além desses três exemplos, retirados de textos

diferentes, outros mais podem ser citados, como os que se seguem:

A

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Fios de outros bordados

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A personagem Quintiliano Dantas, do romance A Serviço del-Rei, é um poeta que costuma relembrar versos e, muitas vezes, brinca de

alterar os nomes das personagens. Aqui ele lembra os versos do poema

“Marília de Dirceu”, de Tomás Antônio Gonzaga.

Indo o triste pastor todo embebido / na sombra de

seu doce pensamento, / tais queixas espalhavam

ao leve vento, / com brando suspirar da alma saído.

(DOURADO, 1984, p. 53).

No mesmo romance (1984, 161), o senador Saturniano de

Brito, candidato à presidência da República, em conversa com João da

Fonseca Nogueira em busca de apoio político, cita versos de Fernando

Pessoa:

Afinal sem a loucura que é o homem?

Besta sadia, cadáver adiado que procria.

Outro verso de Fernando Pessoa aparece em Ópera dos fantoches, quando o poeta Ismael Frade conta sua vida para o romancista

João da Fonseca Nogueira transformar em romance. Já viram Deus as minhas

sensações. (DOURADO, 1994, p. 36). Em Um artista aprendiz (1989, p. 177)

há um trecho do poema Pasárgada de Manuel Bandeira:

Vou-me embora pra Pasárgada, /

Lá sou amigo do rei. (DOURADO, 1989, p. 177).

De Confissões de Narciso, retiramos três passagens, uns

versos de um soneto de Camões e dos Lusíadas e um trecho de um poema de

Santa Teresa.

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Fios de outros bordados

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Um morrer de olhos, brando e piedoso, / Sem ver

de quê; um riso brando e honesto, / De qualquer

alegria duvidoso. (DOURADO, 1997, p. 48).

Sem ver de quê, um riso brando e honesto. /

Noturna sombra, sibilante vento. (DOURADO, 1997,

p. 48).

Vivo ya fuera de mi

Depués que muero de amor. (DOURADO, 1997, p.

52).

No romance Os sinos da agonia, há um texto extenso da

linguagem formal pragmática do século XVIII, que é a transcrição do Decreto

do Governador das Minas, reproduzindo a linguagem e a grafia da época, na

língua arredondada, ornada, exaltada, rebarbativa, retumbante. (DOURADO,

1974, p. 24). Esse Decreto é um texto que expressa o desejo do Senhor

Capitão-General de executar Januário pelo crime de lesa-majestade. A seguir

um trecho desse documento:

... p. a q. todos q. lèem este édito ou ouvem o seu

bando tenhão a certeza de q. aquelle cujo nome se

menciona com asco e se amaldiçoa, deve sofrer

morte natural p. a sempre, na fòrca para tanto

armada no logar mais público; figurado em effigie,

estátua ou boneco, devido q. ausente e fugitivo do

braço da Lei Secular e mesmo da Canònica Lei, q.

execra e abomina réos de crime do capitulo de

primeira cabeça da Ordenação de El-Rey;(...)

(DOURADO, 1974, p. 24).

A intertextualidade é um recurso excessivamente utilizado por

Autran Dourado em todas as suas narrativas. Desde sua primeira publicação,

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Fios de outros bordados

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Teia, observa-se o trabalho de aproveitamento de outros discursos em seus

textos.

No caso dessa novela, encontra-se uma citação da Bíblia,

Daniel, 8:11 e 11:24, livro que a personagem Dona Elvira empresta para que

Gustavo faça uma leitura.

E se engrandeceu até o príncipe do exército: e por

ele foi tirado o contínuo sacrifício, e o lugar de seu

santuário foi lançado por terra.

E se fortalecerá a sua força, mas não pelo seu

próprio poder; e destruirá maravilhosamente, e

prosperará, e fará o que lhe aprouver; e destruirá os

fortes e o povo santo. (DOURADO, 1947, p. 52).

Esse diálogo confirmador de que todo texto contém em si

fragmentos de outros textos e de que não há texto puro, foi originalmente

enfocado por Bakhtin e, posteriormente, desenvolvido por vários estudiosos

dentre eles Júlia Kristeva, para quem o texto é concebido como um aparelho

translingüístico, como lugar de encontro de outros textos.

todo texto se constrói como mosaico de citações,

todo texto é absorção e transformação de um outro

texto. (KRISTEVA, 1974, p.64).

O vocábulo intertextualidade foi utilizado inicialmente pela

teórica Julia Kristeva, mas fundamentado nos estudos do grupo de Bakhtin.

Kristeva alarga a compreensão de texto, que, na sua concepção, ultrapassa a

presença contínua de outros textos em determinado texto.

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O termo ‘intertextualidade’ designa essa

transposição de um (ou vários) sistema(s) de signos

noutro, mas como este termo foi freqüentemente

tomado na acepção banal de ‘crítica das fontes’

dum texto, nós preferimos-lhe um outro:

transposição, que tem a vantagem de precisar que

a passagem dum a outro sistema significativo exige

uma nova articulação do tético – da possibilidade

enunciativa e denotativa. (KRISTEVA, 1974, p. 60).

Seguindo a linha de pensamento de Kristeva, Leyla Perrone-

Moisés, ao escrever sobre a intertextualidade crítica, na revista de teoria e

análise literárias, Poétique (1979, p. 210), diz que:

Não devemos portanto reduzir a intertextualidade

ao uso da citação ou ao aparato referencial da

crítica das fontes. Tratar-se ia, nesses casos, duma

intertextualidade rudimentar. A que nos interessa

aqui não é uma simples soma de textos, mas um

trabalho de absorção e de transformação de outros

textos por um texto (Kristeva), trabalho que não

pode exercer-se na crítica tradicional.

Gerard Genette, em seu livro Palimpsestes, aborda cinco tipos

de relações transtextuais, isto é, tudo o que põe um texto em relação com outro

recebe o nome de transtextualidade. Além da intertextualidade, ele destaca a

importância de outros recursos textuais, como a paratextualidade,

metatextualidade, arquitextualidade e hipertextualidade, os quais não serão

trabalhados nesta pesquisa.

A intertextualidade é o primeiro tipo de transtextualidade

esboçada por Genette e é compreendida como uma relação de coopresença

entre dois ou mais textos.

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A compreensão da obra de Autran Dourado se amplia se for

pensada a partir da relação com textos de outros autores e com textos do

próprio Autran. Além do intercâmbio entre esses textos literários, mesmo em

outras obras, essa relação emerge das mais diferentes formas como através da

apropriação de outros sistemas simbólicos, no caso, por exemplo, da música,

cujas letras assomam em suas narrativas através de vozes femininas.

A personagem Beatriz do romance Confissões de Narciso

toca e canta um trecho de uma música de Carlos Gomes Tão longe, de mim

distante, / Onde irá, onde irá teu pensamento (DOURADO, 1997, p. 91).

Em Ópera dos fantoches, a personagem Maria das tranças

toca violão e canta o estribilho de uma canção Vou-me embora, vou-me

embora, / Pomba minha, coração (DOURADO, 1994, p. 17).

Os discursos das personagens autranianas são também

cruzados constantemente por diversas modalidades de diálogos, como os

inúmeros ditos populares.

De rifão em rifão, vai-se o melão. / Casamento e

mortalha, no céu se talha. / Xexéu e vira bosta,

cada qual do outro gosta. / O tempo não tem

ciência pra quem tem paciência. / Sem indez

galinha não tem vez. / Quem não tem beleza, bota

realeza. / Mulher que bem se areia, nunca é feia. /

Seta disparada, não volta ao nada. / Beleza e

ciência levam um a falência. / Na entrelinha é que

pia a galinha. / É melhor andança que filosofança. /

Amor em corrente, amor que se sente. / Quem

herda não furta.40 (...) Quem dorme com menino

amanhece molhado. / Pai rico, filho nobre, neto

pobre. / Quem pariu Mateus, que o embale.

(DOURADO, 1984, pp. 108-126-127). (...) Deus

escreve direito por linhas tortas. / Cada um tem seu

40 Todos esses ditos populares estão no romance Novelário de Donga Novais. 1976.

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jeito de apear do cavalo. (DOURADO, 1964, pp. 90-

106). (...) Duro com duro não faz bom muro. / Deus

é que sabe por inteiro o risco do bordado.

(DOURADO, 1970, pp. 125-203). (...) Água deu,

água levou. Vergonha é roubar e não poder

carregar. (DOURADO, 1985, pp. 93-94). (...) Pau

que nasce torto, só machado endireita.

(DOURADO, 1974, p. 66).

Os provérbios são modalidades textuais que pertencem ao

gênero oral, e Autran Dourado é um simpatizante desse gênero. Colocou na

boca das personagens dos contos e dos romances uma infinidade de

provérbios e, algumas vezes, de forma repetida no mesmo romance ou na

narrativa seguinte. Um exemplo desse tipo de personagem é seu Donga

Novais41, um homem de memória perene, conhecido em Duas Pontes como o

maior contador de causos.

E ele foi (ia) tecendo dia a dia, noite e dia,

desnovelando e novelando, o incessante novelário

se fazendo, a memória e as fantasias insones, toda

a história, dominó fantástico. (DOURADO, 1978, p.

6).

41 Donga Novais, o artesão e carapina das histórias de Duas Pontes, encarna, finalmente, a grande metáfora da arte fabulatória de Autran Dourado. Na sua concepção de insano e insone, a personagem de Nevelário de Donga Novais é possuído de um saber descompassado e intermitente, capaz de inventar e de se esquecer dos casos, embaralhando a verdade dos fatos. Remanescente dos antigos rapsodos e parodistas da Antiguidade....” . SOUZA, Eneida Maria de. Autran Dourado. (Org.) P. 25.

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O narrador, ao iniciar alguns romances, age como se estivesse

sempre contando ou narrando uma história, uns causos. Basta observar os

primeiros parágrafos42 de Os sinos da agonia e Lucas Procópio.

Do alto da Serra do Ouro Preto, depois da Chácara

do Manso, a sinistra do Hospício da Terra Santa,

ele via Vila Rica adormecida, esparramada pelas

encostas dos morros e vales lá embaixo.

(DOURADO, 1974, p.11).

Os três vinham de longes paragens e distantes

horizontes, léguas e mais léguas de uma viagem

que parecia sem fim. Dias e mais dias, dias

luminosos e abrasadores, de um sol causticante

torrando os miolos, crestando a pele, tornando-a

dura e seca, couro esturricado: a infernal soalheira

dos ermos e sertões, das minas e dos gerais.

(DOURADO, 1985. p.13).

A oralidade é um traço marcante do estilo narrativo de Autran

Dourado. Personagens como Donga Novais, Lucas Procópio, João da Fonseca

Nogueira, Ismael Silveira ou José Feliciano estão sempre criando, inventando e

contando histórias imaginadas.

Para Maria Eneida de Souza, em “As minas douradas da

ficção”. In: Autran Dourado (1996, p. 14), o traço de oralidade da escrita de

Autran deve-se à apropriação dos mitos arcaicos e da tradição das lendas

passadas de boca em boca. Ditos populares, romances de folhetim, o latim

arrevesado e versos repetidos de cor contribuem para a configuração da

imagem lingüística e literária de Minas Gerais.

A utilização de termos, gestos e objetos comuns à linguagem /

narrativa teatral é outra forma de intertextualidade encontrada no texto de 42 Os parágrafos aqui citados irão ilustrar outro momento da análise, na parte IV do Bloco – I, em que abordaremos a relação entre ficção / realidade.

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Autran Dourado. Observe-se que a idéia que transmite a personagem Lucas

Procópio nos momentos em que prega, através da poesia, a volta dos tempos

áureos das Minas Gerais é de uma encenação ao ar livre (como as

Companhias de Teatro Mambembe43) na qual a platéia é levada a participar

como atores. Há muito não se via tamanha pantomima, espetáculo tal

(DOURADO, 1985, p. 19), afirmava o povaréu diante da figura extravagante do

Coronel Lucas Procópio Honório Cota.

Em Os sinos da agonia, as personagens, Malvina, João

Diogo44 e Gaspar45 vivem numa eterna representação teatral, como a

preparação do ritual da morte em efígie do negro Januário que se dá

espetacularmente em praça pública, onde todos, insistentemente, chamam de

grande farsa46 ou de pantomima.47

Na leitura das primeiras páginas do romance Ópera dos mortos, tem-se a impressão (seguindo a voz do narrador) de que ali vai se dar

uma encenação, vai ocorrer um espetáculo. Após a minuciosa descrição do

ambiente feita pelo narrador e a apresentação das personagens que vão atuar

naquele espetáculo, ele afirma: E, então, silêncio. Rosalina vai chegar na

janela. (DOURADO, 1967, p. 7). 43 Grupo teatral volante. Diz-se principalmente dos espetáculos ou grupos teatrais de recursos limitados: circo mambembe. 44 Reforçando o que afirmamos, o fato de João Diogo, preocupado em adquirir ares e modos mais nobres e corteses, passa a ocupar-se de sua aparência, chegando a abastecer “o seu toucador de pentes e escovas, tesouras e plumas, engenhos de borrifar, potes de pomada, petrechos de mil e uma serventias” (OSA, 83). Como um ator em seu camarim, frente ao espelho, João Diogo fabrica a máscara adequada ao novo papel que deverá viver. 45 Vê-se que as próprias personagens experimentam tal impressão, há nelas nítida consciência de estarem representando um papel, teatralizando. Notadamente em Gaspar é que tal consciência se manifesta de forma mais aguda. Com a morte do pai e assumindo como herdeiro o seu lugar, ele mostra-se consciente de que lhe compete pôr nova máscara, viver outra figuração (OSA, 171). 46 [Do fr. médio farse, atual farce.].1. Teatro: Peça teatral de comicidade exagerada, ação vivaz, irreverente e burlesca, com elementos de comédia de costumes. 2. Teatro: Baixa comédia. 3. Ato ridículo, próprio de farsas. 4. Coisa burlesca. 5. Embuste, logro, pantomima. 47 [Do gr. pantómimos, pelo lat. pantomimu, com mudança de gênero.] 1. Arte ou ato de expressão por meio de gestos; mímica. 2. Teatro: Peça de qualquer gênero, em que o(s) ator(es) se manifesta(m) simplesmente por gestos, expressões corporais ou fisionômicas, prescindindo da palavra e da música, que pode ser, também, sugerida por meio de movimentos; mímica.

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Vale ressaltar que Autran Dourado não trabalha com a técnica

de construção de textos teatrais. Suas narrativas não têm a estrutura de um

texto teatral. Ao construir seu texto, ele vai criando uma ambientação propícia

para que as personagens se movimentem como se estivessem num palco.

Mesmo estando em ambientes fechados ou públicos, elas se apresentam como

se estivessem participando de um grande espetáculo, de uma representação,

de uma Farsa.

Outra intertextualidade se revela quando Autran Dourado

estreita o diálogo com a filosofia. A sua busca incessante da primazia textual

segue paralela ao aproveitamento das idéias de alguns pensadores que

passam a fazer parte do ambiente ficcional. No corpus de Ópera dos mortos,

encontram-se fragmentos de Heráclito e Platão.

O pré-socrático Heráclito, por exemplo, ao encarar a Natureza

em seu aspecto dinâmico fundamentado na experiência, afirmou que tudo é

movimento contínuo, tudo é um vir-a-ser ou devir. Partindo desse pensamento,

formulou a célebre frase não podemos banhar-nos duas vezes no mesmo rio.

(HERÁCLITO, 1978, p. 73).

Veja a passagem, no romance de Autran, quando o narrador

convida todos a observarem os detalhes do casarão. Siga o exemplo do rio que

está sempre indo, mesmo parado vai mudando... (DOURADO, 1967, p. 6), e,

num segundo momento, com relação às duas figuras em que a personagem

Rosalina se dividia.

Como aquela outra imagem antiga, aparentemente

oposta, de que ninguém entra duas vezes no

mesmo rio. (DOURADO, 1967, p. 172).

Como se vê, os fragmentos dos pré-socráticos percorrem as

linhas de sua narrativa. Em outro romance, a personagem repete a mesma

frase e ainda cita o nome do autor.

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Disse ninguém se banha duas vezes no mesmo rio,

sem saber que dizia a verdade de Heráclito.

(DOURADO, 1989, p. 4).

Há uma outra passagem no texto de Autran que nos remete ao

Mito da Caverna de Platão nos momentos em que ocorrem mudanças na vida

noturna de Rosalina.

Ela não podia mais fugir, dera o primeiro passo, não

recuaria mais para a escuridão fechada do seu

orgulho, do seu silêncio enclausurado. Ela saíra

para a luz, para um descampado coberto de luz.

(DOURADO, 1967, p. 125).

Essa alusão aos pensadores, juntamente com as inúmeras

referências histórico-literárias e citações presentes em toda a sua obra, além

de enriquecer o texto, denuncia a formação literária e filosófica do autor e

reforça o pensamento de que o texto literário pode ser cruzado com textos de

áreas ou linguagens afins.

Tudo cabe e é possível num romance, ele escrevia,

o mais independente, o mais elástico, o mais

prodigioso dos gêneros literários. (DOURADO,

1989, p. 173).

Portanto, Autran Dourado se apropria dos mais diversos textos,

do popular ao filosófico, do teatral ao musical para trabalhar os vários gêneros

narrativos, mas sempre perseguindo a possibilidade de um texto único,

principalmente quando se volta para a intratextualidade.

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A força do aproveitamento textual em Autran Dourado é tão

grande que se tornam evidentes diversas práticas intertextuais. Explicitaremos

algumas como as inúmeras epígrafes, as citações de certa forma já

exemplificadas anteriormente, as alusões, as referências, as paródias e

paráfrases.

Autran Dourado é um autor que se utiliza de epígrafes. Introduz

cada narrativa com trechos dos maiores expoentes da literatura clássica. Veja

alguns exemplos seguidos de duas citações.

O romance Tempo de Amar traz como epígrafe um trecho do

Canto XVII da Divina Comédia, de Dante; Lucas Procópio – Clã do Jaboti de Mário de Andrade; Ópera dos fantoches – El gran teatro del mundo, de

Calderón de la Barca; Confissões de Narciso – As metamorfoses III, de

Ovídio; Um Artista Apendiz – Os anos de aprendizagem de wilhelm Meister, de Goethe; Ópera dos Mortos – Fragmento nº 93, de Heráclito; A Serviço del-Rei – Rei Lear, de Shakespeare.

O romance O Risco do Bordado vem com a epígrafe de

Autobiografia de Mark Twain.

Quando eu era mais jovem, podia lembrar-me de

qualquer coisa, tivesse ou não acontecido; mas

agora as minhas faculdades estão decaindo e em

breve só serei capaz de me lembrar das coisas que

nunca aconteceram.

Essa citação antecipa o que vem a seguir. A narrativa se dá

através da memória e do sonho da personagem Zito ainda menino.

O livro As Imaginações Pecaminosas cita um trecho de

“Sueños del Inferno” ou “Las Zahurdas de Plutón” em Los Suemos, de Don

Francisco de Quevedo Villegas.

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Yo, que en el Sueño vi tantas cosas y como sé que

los sueños, las más veces, son burla de la fantasía

y ócio del alma, y que el diablo nunca dijo verdad,

por no tener cierta noticia de las cosas que

justamente se nos esconden, vi, guiado de mi

ingenio, lo que se sigue, por particular providencia,

que fué para traer-me en el miedo la verdadera paz.

As epígrafes de Autran Dourado são utilizadas de forma

sintomática, como se observou; os autores citados fazem parte da lista dos

escritores que o influenciaram na sua formação literária e filosófica.

Uma outra intertextualidade que acontece em menor grau na

narrativa autraniana é a alusão, um tipo de intertextualidade fraca, uma vez que

se nota apenas uma leve menção a outro texto ou a um componente seu

(PAULINO; WALTY; CURY; 1995, p. 29). No texto de Autran Dourado, aparece

de forma bastante esparsa. Retiramos duas passagens para ilustrar este

parágrafo: uma faz menção a Drummond; outra, a Machado.

Para o poeta, a sua terra era apenas um retrato na

parede. “Mas como doía”. (DOURADO, 1984, p. 53,

grifo nosso).

Dou-lhe um vintém pelo pensamento, como diria o

outro a Capitu, disse a voz meio rouca, a fala

ligeiramente de língua presa. (DOURADO, 1984, p.

54, grifo nosso).

A intertextualidade e a intratextualidade são recursos tão

recorrentes na obra de Autran Dourado que não há como dispensar uma

abordagem minuciosa por acreditar que, nesse aspecto, se encontra uma das

suas riquezas.

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Prosseguindo, registre-se que, em apenas um romance, como

Lucas Procópio, vamos encontrar inúmeras passagens que comprovam esse

diálogo intertextual. Eis algumas delas:

Na página 21 desse romance, há referência ao poema “Vila

Rica”, de Cláudio Manuel da Costa; nas páginas 51 e 52, há referência a uma

lira de Tomás Antônio Gonzaga e ao Dom Quixote, respectivamente; na

página 54, a Victor Hugo; nas 62 e 65, aos primeiros versos do poema “Vila

rica”, de Cláudio Manuel da Costa; na 89, ao Padre Antônio Vieira.

Além dessas, há referências, dentre muitas outras, aos

romances A moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo; Julie, de Jean-

Jacques Rousseau; Madame Bovary, de Gustave Flaubert e Iracema, de José

de Alencar; a que segue a frase final: A jandaia cantava ainda no olho do

coqueiro; mas não repetia já o mavioso nome de Iracema. Tudo passa sobre a

terra. (DOURADO, 1985, p. 89).

Em uma outra passagem do romance Lucas Procópio, em

que as personagens estão paradas para o descanso, a personagem Lucas

Procópio pergunta se Jerônimo já ouviu falar do Cavaleiro Quijano, ou

Cavaleiro da Fé, e da Triste Figura. Lucas Procópio vai até a canastra e traz o

livro Dom Quixote e conta a história para o negro Jerônimo, seu escudeiro. Na

página 52, ele afirma que gosta de se comparar a Dom Quixote.

E este gordo atarracado, quem era, perguntou. O

seu fiel escudeiro, chamado Sancho Panza, disse

Lucas Procópio. O nome é danado de bom, com

esta barriga toda, disse Jerônimo. E essa história

do cavaleiro e de Sancho Panza é verdadeira?

Verdadeira é, porque fantasia do escritor, disse

Lucas Procópio. (DOURADO, 1985, p. 44).

Ao chegar aos lugarejos, sempre nas horas de descanso,

Lucas Procópio recorria às leituras para conquistar, por alguns instantes, o

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coração de seus companheiros. Nesse outro momento, lê uns versos do livro

Viola de Lereno, de Caldas Barbosa48, para Pedro Chaves ouvir.

Eu sei, cruel, que tu gostas, / Sim, gostas de me

matar; / Morro, e por dar-te mais gosto. / Vou

morrendo devagar. (DOURADO, 1985, p. 26).

Portanto, observa-se que a narrativa autraniana é formada a

partir de uma grande rede de textos. Autran faz centenas de referências a

autores e obras de todos os tempos, tanto a filósofos como a literatos.

Citaremos mais algumas para ilustrar, lembrando que, em qualquer dos seus

livros, muitas vezes de forma repetida, se encontra a presença dessa

intertextualidade.

Vejam-se algumas referências a A República, de Platão

(ASDR. P. 42); à Divina Comédia, de Dante (ASDR. P. 61); ao Culto dos Heróis, de Carlyle (ASDR. P.107); à Condição Humana, de Malraux (ASDR.

P. 69); ao El Gran Teatro Del Mundo, de Calderón de La Barca (ASDR. P.

58); a O Príncipe, de Maquiavel (ASDR. P. 57); a Um amor de Swann, de

Marcel Proust (ASDR. P. 55); a Amor de Perdição, de Camilo Castelo Branco

(OF. P. 132); a Madame Bovary, de Gustave Flaubert (OF. P. 114); a Guerra e Paz, de Tolstoi (OF. P. 217); Do amor, de Stendhal (CN. P. 99); O vermelho e o negro, de Stendhal (CN. P. 102); Quincas Borba, de Machado de Assis

(ASDR. P.54); Metamorfose, de Kafka (ASDR. P. 36); Carta a um jovem poeta e Mrs. Dalloway, de Virgínia Woolf (ASDR. P. 37); As cartas a um jovem poeta, de Rilke (ASDR. P. 37).

As referências a autores e obras permeiam as produções de

Autran Dourado. No romance Um artista aprendiz, encontram-se referências a

Dom Casmurro, de Machado de Assis; aos Sermões, de Pe. Antônio Vieira; a

Wagner e Os Heróis, de Carlyle; ao Manual da Composição e do Estilo, do

48 Domingos Caldas Barbosa foi um mulato, poeta e compositor popular do século XVIII, autor de modinhas e lundus afro-brasileiros.

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Pe. Antônio da Cruz; a As cidades e as serras e à Ilustre casa de Ramires,

de Eça de Queiroz; a O Cortiço, de Aluísio de Azevedo; a Marília de Dirceu,

de Tomás Antônio Gonzaga; a Cândido, de Voltaire; a Confissões, de

Rousseau; a Confissões, de Santo Agostinho; a El gran teatro Del mundo,

de Calderon de la Barca; a As afinidades eletivas, de Goethe; a Cartuxa de Parma, de Stendhal; a A montanha mágica e a A morte em Veneza, de

Thomas Mann; a Ulisses, de Joyce; a Em busca do tempo perdido, de

Proust e a muitas outras dezenas de escritores e filósofos que são lembrados

nesse mesmo romance.

Veja-se, ainda, nesse romance, uma citação de Os lusíadas:

As armas e os barões assinalados, / Que da

ocidental praia lusitana, / Por mares nunca dantes

navegados, / Passaram ainda além da Tabrobana, /

Em perigos e guerras esforçados, / Mais do que

permitia a força humana, / E entre gente remota

edificaram, / Novo reino, que tanto sublimaram.

(DOURADO, 1989, p. 5).

Como se observa, Um artista aprendiz foi elaborado a partir

de citações de autores e obras da literatura e da filosofia, funcionando como

dicas para a formação intelectual de João da Fonseca Nogueira.

Dentre os inúmeros tipos de intertextualidade que foram

apresentados até aqui, o termo seguinte será a paródia vocábulo estudado por

Bakhtin e, também, alguns anos antes, por outro formalista Russo, Iuri

Tynianov, em seu ensaio sobre “Gogol e Dostoievski: contribuição à teoria da

paródia”.

Para mostrarmos esse recurso na obra do autor em estudo,

recorreremos ao estudo de Affonso Romano de Sant’Anna em seu livro

Paródia, paráfrase e Cia, que trabalha, de uma forma clara e concisa, os

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conceitos, tanto sobre a paródia, como a paráfrase, a estilização e a

apropriação.

Segundo Affonso, a paródia surge

como efeito metalingüístico (a linguagem que fala

sobre outra linguagem), e, como veremos mais

adiante, é possível distinguir não apenas uma

paródia de textos alheios (intertextualidade) como

uma paródia dos próprios textos (intratextualidade).

(SANT’ANNA, 1988, p. 8).

Ambas as modalidades de paródia referidas na passagem

acima ocorrem na obra do autor em estudo, conforme ele mesmo afirma no

prefácio de Novelas de aprendizado (Livro que reúne as novelas:Teia e

Sombra e exílio):

E durante muito tempo só lia os clássicos

portugueses, de preferência os cronistas, de Fernão

Lopes, vigoroso prosador do século XV, a João de

Barros (Décadas), passando por Frei Luís de

Sousa e Vieira. Na Biblioteca Municipal vim a ler,

fascinado, A História Trágico Marítima, de vários

autores da época dos Descobrimentos, que eu

parodiei no meu romance A barca dos homens.

(DOURADO, 1980, p. 11).

Autran Dourado revisita esse recurso ao escrever o romance

Lucas Procópio. Aí, ele parodia Dom Quixote. No início do livro, há uma

inspiração clara da personagem Lucas Procópio na personagem Dom Quixote.

A figura quixotesca de Lucas Procópio andava assim:

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Um misto extravagante, roupa de salão e botas que

veramente não combinavam. Todo casquilho, na

cabeça um chapéu de três bicos; calções de lemiste

amarelo, casaca azul-turquesa toda debruada de

dourados; a camisa com folhos e punhos de renda;

a cabeleira terminando amarrada no rabicho por um

laço de fita. (DOURADO, 1985, p. 16).

Não havia combinação harmônica, as vestimentas não tinham

mais cor nem brilho, eram roupas desbotadas, confirmando o desgaste do uso

e do tempo, tudo em total disformidade com os lugares interioranos das Minas

Gerais por onde o cavaleiro passava.

Nosso observador Donga Novais, homem de tantas lições de

história, compara-o ao famoso fidalgo Alonso Quijano, que tinha o juízo

transformado por leituras de cavalaria. No caso do nosso estúrdio cavaleiro, o

que lhe tinha transformado o juízo foram os livros de poesia da fase gloriosa

das artes nas Minas Gerais. De incansáveis leituras, passou a memorizá-las e

a incorporar a possibilidade de uma vivência tal qual aquela época passada

das riquezas auríferas.

O olhar de Lucas Procópio era centralizado na fase

esplendorosa de Minas Gerais das riquezas que pareciam inesgotáveis e nos

versos líricos de Tomás Antônio Gonzaga à bela e amada Marília e de Cláudio

Manuel da Costa.

Para o nosso observador Dr. Sabe-Tudo, como toda a gente

chamava Donga Novais, mas sem maldade, a diferença entre Lucas Procópio e

aquele cavaleiro de séculos atrás era que aquele lutava por causas

diferenciadas em defesa dos órfãos, viúvas e donzelas desamparadas, dos

humildes e carentes de justiça, (DOURADO, 1985, p. 19). além de atacar

moinhos e manadas de porcos nos seus dias de quarta-feirice.

Lucas Procópio era um cavaleiro à sua maneira, bem original.

Acreditava na poesia e no sonho de que os gloriosos e imaginários dias de

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antigamente iriam voltar. Sonhava com a edificação dos povos das Minas

Gerais. Através da poesia, tentava fazer ressurgir das cinzas a civilização

perdida. Era o próprio profeta da esperança; proferia, em alto e bom tom, que a

poesia iria redimir a pátria mineira. Só ela era capaz de elevar o ânimo dos

homens e levá-los à vitória.

A personagem de Autran retoma o modelo da personagem de

Goethe – soa também como uma homenagem a um dos autores preferidos,

postura comum a alguns parodistas – com quem, no início, ele diz gostar de

ser comparado, mas, depois, rompe completamente com esse modelo ao ponto

de esvaziá-lo.

Em Tempo de amar e Ópera dos fantoches, recorre à

paráfrase, modalidade de intertextualidade trabalhada por Affonso Romano de

Sant’Anna (1988, p. 17) a partir do conceito retirado do dicionário de Beckson e

Ganz, que é entendida como:

... reafirmação, em palavras diferentes, do mesmo

sentido de uma obra escrita. Uma paráfrase pode

ser uma afirmação geral da idéia de uma obra como

esclarecimento de uma passagem difícil. Em geral

ela se aproxima do original em extensão.

(BECkSON; GANZ, 1965 Apud SANT’ANNA, 1988.

P. 17).

O romance Tempo de amar, publicado em 1952, trata da

infância, adolescência e idade adulta de Ismael Frade. A história se passa em

Curral Velho na Fazenda dos Mamotes, sul de Minas.

Ismael é uma das personagens de Autran Dourado que vive

em constante estado de fuga por não se adaptar a lugar algum. Um homem

corroído, sem norte nenhum, perdido (DOURADO, 1952, p. 25). Por seu

espírito de andarilho, recebe o apelido de troca-pernas: vivia para baixo e para

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cima pelas ruas de Cercado Velho. Um homem sem destino. (DOURADO,

1994, p. 21).

Turnus, digo sem querer, continuo. Um homem sem

destino caminha pela rua vazia. Vou para a igreja,

quero subir a uma das torres. Ficar longe de todos,

revolvendo pensamentos e sonhos, buscando uma

impossível paz para o coração. (DOURADO, 1994,

p. 229).

Ismael tem consciência da estranheza de seu comportamento

ao ponto de se comparar, nas duas narrativas, a Turnus, a personagem sem

destino de Eneida, de Vergílio.

Após mais de quarenta anos, Autran Dourado volta a trabalhar

com as personagens do romance Tempo de amar: Ismael, Paula, Tarsila,

Bento e Evangelina no romance Ópera dos fantoches; ao retomá-las, ele dá

continuidade às suas vidas.

Apesar de as personagens serem as mesmas, o momento é

outro, as relações são outras entre elas, e a forma de narrar também é

diferente. Tempo de amar é uma narrativa em blocos acompanhados de

muitos diálogos, e Ópera dos fantoches é composto de monólogos interiores.

O que não muda é a essência da personagem Ismael,

personagem sem rumo, angustiada, em busca da felicidade. Agora, com

sessenta anos e morando em Duas Pontes, vai à procura do escritor João da

Fonseca Nogueira para romancear sua vida.

Na verdade eu queria fugir era de mim mesmo, da

minha sombra. Como se isso fosse possível, a

nossa sombra nos acompanha sempre. Um homem

sem sombra seria uma aberração da natureza.

(DOURADO, 1994, p. 247).

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Fios de outros bordados

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João da Fonseca Nogueira ouve a história de Ismael e se

interessa por ela. O escritor acredita que desse material coletado: relatos de

impulsos, agonias, angústias, desesperos e solidão, possa sair um bom

romance.

Dessa forma, múltiplos são os casos de retomada de um texto

em outro, como foi mostrado, seja parafraseando, seja parodiando. Autran

Dourado utiliza, de modo intenso, esses recursos. Observe-se a personagem

Tomás de Sousa Albuquerque, do romance as Confissões de Narciso (1997,

p. 26) diante de uma situação em que discursa sobre o ciúme que sente da

prima Amélia, seu primeiro amor, e fica em dúvida sobre a autoria dos seus

comentários: Seriam de Stendhal?

Algumas vezes pasticho conscientemente (tenho as

minhas habilidades) Proust, Stendhal e o nosso

Machado de Assis, autores de minha estima e

constante visitação; outras, o pastiche é consciente,

vejo agora numa releitura que faço destes primeiros

cadernos.

Observa-se que o aproveitamento de textos, conscientemente,

das mais diversas linguagens e de forma intensiva em toda a sua narrativa, é

um dos recursos mais presentes na sua obra contística e romanesca.

O autor se coloca no lugar de um artesão de rendas, que, para

construir seu bordado, se utiliza dos mais diversos fios narrativos. O leitor e o

crítico de Autran Dourado não ficam de fora dessa teia, porque, ao ler e

analisar sua obra, terminam caindo no centro desse emaranhado textual e

enveredando por um viés inevitavelmente intertextual de análise.

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Fios de outros bordados

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O que estou tentando fazer nesses livros

é me servir do real mineiro para compor um

outro real. Um real que muda, de tal maneira que eu

não sei mais se ele existe, se ele existiu alguma vez. (...)

não posso dizer que as Minas que eu escrevo alguma vez existiram.

AutranDourado.

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O texto e o tecido

utran Dourado, autor de uma vasta obra, escolheu, para

ambientar suas narrativas, as Minas Gerais do século

XVIII. Atravé s do gênero romanesco, oferece-nos uma (re) leitura desse

passado histórico.

A abordagem da temática ficção e realidade convoca / instiga o

leitor a se inserir no contexto da história do Brasil / século XVIII, como também

permite que ele possa compreender a reconstituição dela por meio da narrativa

literária.

Autran Dourado escreve, no século XX/XXI49, sobre um tempo

já passado. Ele presentifica o passado do século XVIII. Nos romances em

estudo, o narrador-personagem, constantemente, quebra a linearidade de seu

texto para fazer referências a essa época. Há, naturalmente, um transporte do

leitor para esse século, transfigurado e recriado pelo autor em estudo.

No trabalho com a palavra, matéria prima do artesão, Autran

Dourado vai recriando, modelando, descrevendo, cortando até construir uma

ambientação que irá servir de palco para suas narrativas, cenário da ação

romanesca, sem jamais deixar de ter como referência o real-concreto das

Minas Gerais, como ele mesmo diz: O escritor que sou tem seu limite

precisamente nesse confinamento mineiro em que sempre vivi atrelado.

(DOURADO, 1989, p. 11).

No espaço mítico e atemporal das Minas Gerais, ele traça um

mapa em que a imaginária cidade de Duas Pontes - com a Igreja do Carmo, a

Loja de seu Bernardino, o Banco de Júlio Macedônio, o Cartório de seu Tinoco,

49 Sua primeira publicação Teia é de 1947 e a última, a reedição, corrigida pelo autor, de Tempo de amar é de 2005.

A

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O texto e o tecido

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a Joalheria e Relojoaria Milano de seu Perrone, o Esporte Clube Duas Pontes,

o Jornal Clarim de Duas Pontes, o famoso Bordel Casa da Ponte e o Cine-

Teatro Estrela de seu Dagoberto - servirá de cenário para as ações e

representações que irão se desenvolver, tudo dentro de um só ambiente, feito

um grande bordado barroco, para todas as suas narrativas.

Nesse caso, o autor em estudo usa o espaço-tempo da Minas

Gerais do século XVIII como matéria prima que será trabalhada pelos recursos

lingüísticos objetivando reatualizá-lo e, dessa forma, atende o que observa

Machado de Assis:

O que deve exigir do escritor antes de tudo, é certo

sentimento íntimo, que o torne homem de seu

tempo e do seu país, ainda quando trate de

assuntos remotos no tempo e no espaço. (ASSIS,

1992, p. 801).

Ao ambientar seus romances na imaginária cidade de Duas

Pontes, encravada na região das Minas Gerais do século XVIII -, ainda que os

argumentos dos seus textos em estudo não sejam modelados de acordo com

as exigências rigorosas do discurso histórico nem mesmo dentro da

perspectiva realista do romance histórico -, o autor oferece-nos uma releitura

desse nosso passado.

Como lembra Antonio Candido:

...a compreensão da obra não prescinde a

consideração dos elementos inicialmente não-

literários. O texto não os anula, ao transfigurá-los, e

sendo um resultado, só pode ganhar pelo

conhecimento da realidade que serviu de base à

sua realidade própria. (CANDIDO, 1981, p. 35).

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O texto e o tecido

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Na medida em que tempo, espaço e personagens ganham

consistência simbólica e transcendem os limites estreitos do tempo histórico,

não sendo o passado mais que um pré-texto, a ficção romanesca desse autor

ajuda-nos a refletir não só sobre a história e a realidade brasileira de hoje, mas

também sobre o próprio destino do homem.

Segundo Antonio Candido:

Só podemos entender fundindo texto e contexto

numa interpretação dialeticamente íntegra, em que

tanto o velho ponto de vista que explicava pelos

fatores externos, quanto o outro, norteado pela

ficção de que a estrutura é virtualmente

independente, se combinam como momentos

necessários do processo interpretativo. Sabemos,

ainda, que o externo (no caso, o social) importa não

como causa, nem como significado, mas como

elemento que desempenha um certo papel na

constituição da estrutura, tornando-se, portanto,

interno. (CANDIDO, 2000, p. 6).

Observa-se, nessa citação, que Antonio Candido parte de

um fato, real e concreto, para chegar à arte. Aquilo que é externo se torna

interno, mas, ao se tornar interno, é irreversível. Não é mais realidade, é

arte.

Um autor tem a liberdade de escolher um momento histórico ou

não para criar sua ficção a partir desse real, como também vai delimitar o real a

ser trabalhado, vai apontar os limites da realidade para fazer sua abordagem

literária. Através da linguagem simbólica, das metáforas e de uma rigorosa

elaboração artística, a literatura tem o poder de alargar o real. E o texto literário

tem sua autonomia em relação à realidade.

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O texto e o tecido

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E com poucos e ralos dados a gente ia compondo

uma história cheia da mais estúrdia fiação, em boa

parte fruto da fantasia. O conto que se contava

agora, passado tanto tempo, era um rendilhado,

uma barafunda, um bordado de risco difícil de

entender, todo ele feito de imaginação e memória,

de invencionice e fiapos de verdade, que se

misturavam absurdamente. (DOURADO, 1992, p.

214).

No caso de Autran Dourado, ele não só escolheu o momento

histórico, como escolheu indivíduos que tiveram uma existência histórica para

trabalhar em seus textos. São personagens extratextuais, que preexistem ao

texto. Elas entram nos romances ou nos contos, conservando nome e

personalidade, mas são ficcionalizados pelo autor.

Veja-se o que diz Victor Manuel sobre essa postura:

O código de certos subgêneros literários, como o

romance e o drama históricos, comporta como

convenção indispensável a representação de

personagens que tiveram existência historicamente

comprovada, as quais, no mundo possível da obra

literária, coexistem e convivem com personagens

puramente ficcionais, e de eventos historicamente

ocorridos, que, naquele mesmo mundo, se

entrecruzam e mesclam. (SILVA, 1991, p. 647).

Observe-se, nas páginas 54 e 55, de Lucas Procópio, quando

o narrador conta como foi a visita do Barão das águas claras e de Ismênia à

França e a preocupação com a reação de Dom Pedro II, se viesse a saber

como tudo acontecera. Dentre outras personalidades, Victor Hugo e Dom

Pedro II aparecem como personagens. Veja esse exemplo:

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Se encantaram foi com a visita a Victor Hugo, na

companhia do imperador. (...) Se aquilo

acontecesse, Dom Pedro II acabaria por bater com

a língua nos dentes...(...) A cabeça baixa, os

antebraços apoiados nos braços da cadeira, Victor

Hugo pareceu a Ismênia um imperador romano.

Ismênia não resistiu, lhe caiu aos pés. Confundindo

Victor Hugo com Pedro II.

Na segunda parte do romance (P. 92), dentre os tantos

momentos prazerosos da personagem Isaltina, há uma passagem em que ela

adota como lazer primordial fazer visitas à casa da negra Chica da Silva, em

Diamantina, e à capela que o contratador João Fernandes mandou construir

para que ela pudesse cumprir a sua sincrética devoção.

Outra prática comum do autor em estudo é repetir a mesma

personagem real (de existência histórica) em vários romances e contos, como,

por exemplo, o escritor português Dom Francisco Manuel de Melo que aparece,

primeiramente, em Novelário de Donga Novais (P. 127), depois em As imaginações pecaminosas (P. 55), O meu mestre imaginário (P. 92), Um artista aprendiz (P. 62) e em Confissões de Narciso (P. 148), ou como o seu

real avô gaúcho Ângelo Dourado, que é citado no prefácio de Novelas de aprendizado (P. 9) e transformado em personagem em Violetas e caracóis

(P. 92).

Autran Dourado não se limita somente a citar nomes de

personagens históricas ou não; há também uma presença constante de

cidades históricas mineiras fazendo parte de sua ficção. Em Lucas Procópio,

ele se refere ao Seminário da cidade de Mariana. A personagem Lucas

Procópio diz: Estudei no Seminário de Mariana, e embora não tenha recebido o

sacramento da ordem, cheguei a receber os primeiros votos. (DOURADO,

1985, p. 35).

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O teórico Victor Manuel prossegue com o seu comentário sobre

essa questão:

os referentes dos textos literários constituem

objetos de ficção, isto é, objetos que não existem

no mundo empírico, que não são factualmente

verdadeiros. No entanto, entre os referentes dos

textos literários, podem figurar objetos que têm, ou

tiveram, existência no mundo empírico. (SILVA,

1991, p. 641).

Observe-se uma passagem no romance Violetas e caracóis,

em que acontece uma conversa entre a personagem Dr. Alcebíades e o

escritor João da Fonseca Nogueira, durante a qual ele quer saber tudo sobre a

visita do escritor Afonso Arinos a Duas Pontes e, depois, usar num romance.

Mas você não vai fazer ficção usando o nome de

pessoas que já existiram e possuem descendentes

vivos?! Pelo menos vai mudar os nomes, sobretudo

se for fantasiar. Eu pretendo conservar os nomes,

eu não gosto de contar milagres sem mostrar o

santo, disse João (...) Conto se você me prometer

que vai mudar os nomes, disse o Dr. Alcebíades.

Isso não, doutor, não gosto de romance à clef. Por

que não escreve um romance histórico? disse o

médico. Além de não gostar, o romance histórico é

um ramo ultrapassado do romance realista, disse

João. (...) O que me interessa é o real simbólico....

(DOURADO, 1987, p. 126).

Como essa, muitas outras personagens semelhantes (Lucas

Procópio Honório Cota, Pedro Chaves, João Diogo Galvão, etc.) se encontram

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nessa mesma situação nas obras autranianas, registrando a relação entre

ficção e realidade.

Nos romances em estudo, não são raras as passagens nas

quais o autor não faz a menor questão de desvencilhar-se - quanto ao referente

espacial, quanto ao social, bem como ao cultural - da necessidade de

expressar, com fidelidade, o verdadeiramente acontecido antes mesmo da

transcrição dos referidos momentos nos quais a narrativa transporta o leitor

para um espaço-tempo dimensionado.

Observem-se, primeiramente, as citações historiográficas

postas em forma de epígrafe no romance Os sinos da agonia (P. 8).

Este padeceu o suplício em efígie; os outros

subiram ao patíbulo. Capítulos de História

Colonial, de J. Capistrano de Abreu.

A morte em efígie, ainda que farsa, tinha todas as

conseqüências da natural. Seguia-se dela a

servidão e a infâmia da pena e o confisco dos bens.

Não aproveitava em circunstância alguma ao réu a

esperança de perdão; e quem o quisesse poderia

matar. História Antiga das Minas Gerais, de

Diogo de Vasconcelos.

Essa citação utilizada por Autran Dourado foi retirada desse

livro de História Antiga, escrito em 1900, constando como nota de rodapé na

página 171 para explicar a forma como foi punido o cabeça de um motim, o

caudilho Domingos Rodrigues do Prado, pelo Ouvidor Dr. Bernardo Pereira de

Gusmão, da comarca do Rio das Velhas, à qual pertencia o município de

Pitangui, onde em 1720 estava acontecendo esse motim. O rebelde, ao saber

de tal representação mandou fazer também outra forca em um alto de seu

campo, e nela pendurou o ouvidor mascarado na mesma figuração picaresca,

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isto no meio de estrondosas gargalhadas e grupos dos companheiros.

(VASCONCELOS, 1974, p. 171).

A morte em efígie50 ou enforcar de modo fingido, como diziam,

era uma prática comum em Minas Gerais no Brasil Colônia como forma de

punir crime de lesa-majestade. Nesse romance, recebe um significado mágico

com origem nas culturas africanas. Assim o narrador descreve a cena:

Um enorme boneco de capim, do tamanho mesmo

de um homem, a que tiveram o macabro cuidado de

vestir a alva dos penitentes. No pescoço do

calunga, o baraço, cuja ponta segurava o preto

Mulungu, os calções de riscado de tecido da terra, o

tronco pelado, negro e luminoso de suor, feito ele

tivesse se lambuzado de unto. (DOURADO, 1974,

p. 29).

Esse ritual se dá em praça pública; o boneco é levado por um

negro num grande cortejo rumo ao pelourinho que fica no meio da praça. A

multidão, além de acompanhar a procissão, procura se acomodar nos melhores

lugares para assistir à grande festa de títeres e pantomima que ele, o Capitão-

General da Capitania das Minas, queria real, assinalada e marcante.

(DOURADO, 1974, p. 24).

Mulungu empurrou o condenado para fora do

tablado. O corpo se esticando num baque, a corda

presa na trave, balangou para um lado e para o

outro, girando num movimento pendular, as pernas

soltas e desamparadas. De um salto o carrasco foi

50 Um procedimento comum no Brasil colônia, herança da Inquisição. Consistia em executar um condenado, foragido à lei, queimando ou enforcando a sua figura, grosseiramente representada por um boneco. Na obra há de se notar o significado “mágico,” influência de culturas africanas, veiculadas pelo negro escravo.

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O texto e o tecido

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se esganchar nas costas do enforcado, cavalgando-

o, para a morte ser mais ligeira, ou de puro

divertimento, nunca se sabe. Dizem que para

abreviar o sacrifício, de pura pena e piedade.

(DOURADO, 1974, p. 31).

O narrador, antes de descrever o ritual da morte de Januário,

diz que o Capitão-General queria uma punição diferente, cuja intenção era

mostrar o seu poder diante de el-Rei e do povo. Esse enforcamento seria feito

na praça em frente para o Palácio, onde nunca tinham levantado forca, em

geral os enforcamentos eram feitos no lugar de costume, no Morro da Forca,

onde pouca gente ia, porque em geral se executavam pretos e criminosos

desvalidos. (DOURADO, 1974, p. 29).

Ao contrário do que se esperava, o carrasco

Mulungu não empurrou o corpo para fora do

tablado, cavalgando-o; ao contrário: puxou com

força a corda para trás, e o boneco de palha ficou

suspenso lá no alto, junto de uma roldana.

(DOURADO, 1974, p. 32).

Todo esse ritual ocorria aos olhos espantados da platéia, que,

em silêncio, assistia ao final da ópera, da grande farsa caprichosamente

montada pelo Capitão-General (DOURADO, 1974, p. 32). A forma como é

encaminhada essa representação se assemelha a um teatro trágico encenado

ao ar livre, em praça pública, mas aqui tinha o objetivo de satisfazer a fantasia

do Capitão-General, que para alguns já estava levando longe demais.

As duas epígrafes, citadas anteriormente, antecedem o ponto

alto desse romance, nas páginas finais, em que o mestiço Januário retorna a

Duas Pontes para se entregar à polícia e ser punido pelo seu crime. Antes que

isso ocorra, dá-se sua morte em efígie em plena praça pública.

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O texto e o tecido

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Em seguida, observem-se trechos que se seguem do romance

Os sinos da agonia em que o referente espaço-tempo transporta a narrativa

para um ambiente real, reconhecível, descrito e dimensionado.

Do alto da Serra do Ouro Preto, depois da Chácara

do Manso, a sinistra do Hospício da Terra Santa,

ele via Vila Rica adormecida, esparramada pelas

encostas dos morros e vales lá embaixo.

(DOURADO, 1974, p. 11).

Escondido nas ruínas de uma mina abandonada,

nos contrafortes da serra do Ouro preto, à direita do

Caminho das Lajes, protegido pelos galhos de uma

gameleira, entre avencas, samambaias e pedras de

canga, ele via a cidade dormindo. (DOURADO,

1974, p. 12).

(...) a luz alvaiada rebrilhando nas pedras do

calçamento, nas lajes lisas e polidas das ladeiras, o

luar iluminando com seu brilho esbranquiçado as

casa caiadas de branco, as igrejas solitárias ( a do

Carmo no Morro de Santa Quitéria, São Francisco

ele não podia ver, a de Nossa Senhora da

Conceição de Antônio Dias, a do Pilar cercada de

sobrados, quase invisível, no outro lado, no Ouro

Preto, mais adiante as Cabeças), a Igreja do

Carmo, cujo perfil se recortava nítido, os telhados

negros das casas riscados contra a alvura

empoeirada do céu, onde as estrelas miúdas e

pálidas feneciam. (DOURADO, 1974, p. 13).

Além da descrição das ruas de Vila Rica, ele cita vários nomes

de igrejas que fizeram e fazem parte da história de Ouro Preto. Aqui, também

se configura uma cena que era bastante comum aos quilombolas das Minas do

século XVIII, que era a eterna vigilância dos escravos, em locais próximos às

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O texto e o tecido

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comarcas, para não serem capturados pelos brancos ou pelos capitães-do-

mato.

Em um estudo sobre os quilombos, feito pelo historiador

Donald Ramos, há o seguinte:

O trânsito entre a cidade e os quilombos era

sobremodo favorecido pela proximidade entre

ambos. No caso de Vila Rica, os calhambolas51

podiam, de seus esconderijos nas montanhas, ver

nitidamente embaixo o movimento dos moradores

pelas suas ruas. Descendo a ladeira, era fácil para

eles desaparecer no meio daquela gente composta

na sua maioria de negros e mestiços, entre os quais

uma significativa minoria era cativa. (RAMOS, 1996,

p. 187).

Salienta-se, nas citações anteriores do texto autraniano, o

cenário onde transcorrerá a ação narrada: Vila Rica, nas Minas Gerais. Não se

trata, no entanto, de uma Vila Rica abstrata, a-histórica; ao contrário, é uma

Vila Rica bem delineada dentro dos contornos de um passado histórico, do

Brasil colonial, embora transcenda tais contornos, adquirindo uma dimensão

simbólica.

Observa-se que o primeiro problema a ser refletido em Os sinos da agonia, Ópera dos mortos e Lucas Procópio diz respeito à ligação

do referencial histórico com a ficção, ao modo de como o escritor se serve da

realidade enquanto matéria prima e a reelabora a fim de criar, artisticamente,

essas obras de arte literária.

O próprio Autran Dourado afirma que:

51 Designação comum aos escravos refugiados em quilombos; quilombola, calhambora, canhambola, canhambora, canhembora.

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O texto e o tecido

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O criador amassa e emprega a realidade para criar

uma outra realidade, uma realidade que obedece à

complicada geometria literária, ao seu sistema de

forças, que nada tem a ver com as ciências físicas,

naturais ou sociais. (DOURADO, 2000, p. 95).

Tarquínio52, com as suas notas, elucidou-me muitos

nomes de coisas, deu-me os elementos de que eu

necessitava para a visualização plástica dos

objetos, da natureza, da ambiência (não da

realidade) do século XVIII nas Minas, para

transportá-los à atualidade. (DOURADO, 2000, p.

209).

No romance Os sinos da agonia, a ação desenrola-se dentro

da unidade de tempo e lugar. Transcorrendo no cenário da Vila Rica

setecentista, não ultrapassa o ciclo de um dia, iniciando-se na noite do dia

anterior ao seu desfecho com Januário e o negro Isidoro refugiados nas

proximidades de Vila Rica, findando na manhã do dia seguinte com o

fuzilamento do mestiço na praça.

Em Ópera dos mortos, o narrador faz um convite para que

nos desloquemos para um outro cenário, onde vamos encontrar um imponente

casarão no largo do Carmo, em Duas Pontes, em que mora Rosalina, neta de

Lucas Procópio, atormentada pela sombra dos Honório Cota. Mais uma vez, há

registro do real bem no início da localização da narrativa.

A casa fica no Largo do Carmo, onde se plantou a

igreja. A Igreja do Carmo foi a primeira construção

52 A edição das Cartas Chilenas, de Tomás Antônio Gonzaga, feita por Tarquínio (não mostra a data da publicação), foi muito utilizada por Autran Dourado devido à riqueza das notas. Dela me servi a partir de então para a escrita dos meus monólogos e pontos de vista narrativos, como manancial vocabular. Da mesma maneira que as suas notas me deram a antiga topografia, os nomes de ruas com que eu iria criar minha imaginária e atual Vila Rica. Uma poética de romance: matéria de carpintaria. P. 209.

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O texto e o tecido

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de pedra e alvenaria da cidade.(...) Uma igreja em

que se procurou no risco e na fachada seguir a

experiência que os homens trouxeram das igrejas

de Ouro Preto e São João del-Rei. (...) Rosalina

conhecia o Largo do Carmo palmo a palmo, desde

de sempre olhando detrás das cortinas a igreja, as

casas fronteiras, a Escola Normal, a estrada.

(DOURADO, 1967, p. 3).

Em Lucas Procópio, o narrador sugere que se descentralize o

olhar e se direcione para uma paisagem, onde o visível é Minas Gerais

decadente53 pelo rareamento absoluto do ouro de aluvião e pela ausência dos

diamantes.

Esse romance é ambientado dentro de uma sociedade

escravista, em que o pai de Lucas Procópio era dono de lavras e a

personagem Pedro Chaves era um feitor dos mais violentos, como falavam nas

lavras da região. Pedro Chaves veio da cidade de Mariana, a capital religiosa

da capitania, morar em Ouro Preto, comarca que vivia cercada de quilombos

relativamente pequenos, que infestavam as montanhas que sombreavam Vila

Rica, além daqueles instalados nas cercanias dos centros urbanos (1996, 174),

segundo Ramos. O historiador escreve o seguinte:

53 A situação em que vivia Minas no final do século XVIII é registrada nos três romances. Vejam-se algumas passagens: Gaspar achava que as Minas estavam mesmo no fim. (OSA,194). As Minas que a gente viveu, disse ele, as Minas que Vossa mercê e o meu pai fizeram e eu gozei e conheci, essas eu acho que vão mesmo acabar. (OSA, 194). E o que antes eram catas e faisqueiras, lavras e grupiaras (ouro branco, ouro preto, ouro podre), rios ribeirões, carrascais lavados e bateados (seixos e matações, guias e seixões), se transformava na imaginação vadia e feliz do velho em pastos e matas, touros, vacas e bezerrinhos que só faltavam falar. No sonho do velho eram as Minas que se mudavam para outro lugar. (OSA, 196). Trilhavam os mesmos caminhos dos tempos de outrora, quando o ouro de aluvião e os diamantes começaram a rarear e as minas não mais produziam como antigamente. (LP, 13). Tudo isso, ele repetia sem cessar, a ver se resurgiam das cinzas a civilização perdida, as cidades mortas que, com a decadência da mineração, foram ficando pelos caminhos e descaminhos do ouro, quando os rios auríferos se recusavam a fornecer a mesma quantidade de ouro de antigamente, e as grupiaras e as minas cavadas no chão emudeceram, e se deu a diáspora mineira. (LP, 19).

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Naturalmente a escravidão representou uma

característica fundamental da sociedade mineira.

Em 1738 havia pelo menos 101.607 escravos na

capitania, dos quais 47.544 viviam na comarca de

Ouro Preto e 21.012 especificamente no termo de

Vila Rica. Em 1767, a população total da capitania

era 335.203, da qual 38% eram escravos. Os

escravos constituíram um importante seguimento

da sociedade mineira durante todo o século XVIII.

(RAMOS, 1996, p. 174).

Há uma passagem bem significativa, em Lucas Procópio, das

atrocidades do feitor Pedro Chaves, que trabalha nas Lavras da Lajinha (24) e

nas Lavras do Vale do Tripuí (27), pertencentes ao pai de Lucas Procópio,

Mateus Romeiro Cota, português do Minho.

Tratava os escravos como animais... Mais de um

encontrou a morte nas mãos do feitor. Nunca

conheceu polícia, muito natural o que o fazia... Num

meio onde achavam natural assinalar os escravos

fujões com um F a ferro em brasa, feito quem

marca cavalo, os crimes de Pedro Chaves nem

sequer eram investigados. (DOURADO, 1985, p.

32).

Mais uma vez, retomando o texto de Ramos, há um trecho de

um alvará54 enviado pela Coroa, que resolve tomar medidas punitivas para os

escravos fujões diante das pressões das autoridades e dos moradores da

54 Alvará de 3 mar. 1741, in José Pedro Xavier da Veiga, Ephemerides mineiras, 1664-1897, 4 vols., Ouro Preto, Imprensa Official do Estado de Minas Gerais, 1897, vol. I, p. 275. Cópia manuscrita se encontra em cód. 43 (CMPO), fls. 85v-86.

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O texto e o tecido

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colônia, que se sentiam ameaçados diante dos perigos provocados pelos

quilombos.

Eu, El-Rei, faço saber aos que este alvará virem,

que, sendo-me presentes os insultos que no Brasil

cometem os escravos fugidos, a que vulgarmente

se chamam calhambolas, passando a fazer o

excesso de se juntarem em quilombos [...]: hei por

bem que todos os negros que forem achados em

quilombos, estando neles voluntariamente, se lhes

ponha com fogo uma marca em uma espádua com

a letra F, que para esse efeito haverá nas câmaras;

e se quando se for executar essa pena for achado

já com a mesma marca, se lhe cortará uma orelha

[...]. (RAMOS, 1996, p. 179).

Em Os sinos da agonia, a personagem Isidoro, negro cativo,

conhecia de perto os castigos enviados por el-Rei. Já havia sido marcado com

a letra F, forma violenta de punição para identificar os negros fujões.

Se esqueceu da marca da letra que me queimaram

na pele, por mando do Sinhô seu pai, na prisão dos

pretos, na cadeia? Me chegaram o ferro em brasa,

chiando na pele, a dor. (DOURADO, 1974, p. 21).

Nhonhô não sabia nem de longe o que era ser

preto. As gargalheiras, os troncos, os bacalhaus. As

dores o sofrimento sem fim. Levou institivamente a

mão na espádua, sem mesmo notar apalpava a

cicatriz da letra. (DOURADO, 1974, p. 33).

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O texto e o tecido

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Há, também, tanto em Lucas Procópio, como em Os sinos da agonia, diversas passagens em que as personagens negras pensam e

desejam fugir para um quilombo, que é sempre o do Ambrósio. Isidoro sonha

com um quilombo tipo:

... só se fosse um quilombo grande, um quilombo

assim que nem o do Ambrósio, onde a gente

sempre se protege... Um quilombo assim

descomunal, do tamanho da minha nação, onde

coubesse tudo quanto é preto... Um quilombo assim

que nem o reino do céu que branco promete pra

gente no fim da vida... (DOURADO, 1974, p. 22).

Na pesquisa do historiador Guimarães, o Ambrósio é mostrado

como o maior quilombo mineiro do século XVIII. Segundo documentos

históricos,55 esse quilombo tinha uma população de mais de mil habitantes.

Clóvis Moura, em Os quilombos e a rebelião negra, ao falar

do quilombo do Ambrósio, diz que: Esse importante ajuntamento de negros

chegou a reunir dez mil moradores na sua superfície; há, mesmo, quem vá

além e diga que a sua população chegou a vinte mil. (MOURA, 1981, p. 40).

Além das referências feitas pelas personagens desse romance

às Igrejas,56 cidades,57 trechos de poemas58 e poetas59 da época das Minas

coloniais, o narrador se detém por instantes a descrever ambientes, paisagens, 55 GUIMARÃES, Carlos Magno. Uma negação da ordem escravista: quilombos em Minas Gerais no século XVIII: Belo Horizonte, 1983, ex. mimeo. Carlos Magno Guimarães et alli. “O quilombo do Ambrósio: lenda, documentos e arqueologia”. Estudos Ibero-Americanos, XVI: 1-2 (1990). PP.161-74. 56 Igreja do Pilar, Igreja do Carmo, Igreja de São Francisco, Igreja de Nossa Senhora da Conceição de Antônio Dias, Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, Igreja das Cabeças, Igreja de São José... etc. Em Os sinos da agonia. 57 Ouro Preto, Tijuco (como era chamada Diamantina), Diamantina, Distrito Diamantino, Mariana, Ribeirão do Carmo, Datas, Mendanha, Cristais, Brumadinho, Jacuí. – cidades nos arredores de Diamantina, lugares perdidos nos sertões mineiro. Em Os sinos da agonia. 58 Poema “Vila Rica” de Cláudio Manuel da Costa. Lucas Procópio. P. 21 59 Cláudio Manuel da Costa, Tomas Antônio Gonzaga. Lucas Procópio. P.19.

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deixando explicita a idéia de que existe uma estreita relação entre a ficção de

Autran e a realidade mineira do século XVIII.

Os três vinham de longes paragens e distantes

horizontes, léguas e mais léguas de uma viagem

que parecia sem fim... dos ermos e sertões, das

Minas e dos Gerais. Outrora os descaminhos do

ouro, as famosas vias de contrabando. Vinham

vindo.... Nascidos já na decadência das Minas e

dos rios. (DOURADO, 1985, p. 13, grifo nosso).

Não só no final do Século do Ouro, quando os

costumes eram mais requintados, mais soltos e

mais livres, eles andejos vinham pregando. (...)

Quando a Província de Minas Gerais conheceu a

sua longa noite de agonia, a densa hibernação de

que tentava acordar (...). (DOURADO, 1985, p. 14,

grifo nosso).

Jacuí era uma cidade antiga de velha, tinha sido

das primeiras cabeças de comarca nos tempos da

outroramente Minas colonial: quando o ouro

brotava do chão, extraído facilmente nas grupiaras

ou nos rios, riqueza de aluvião. (DOURADO, 1985,

p. 16, grifo nosso).

No livro de contos Violetas e caracóis, há também passagens

que ligam a ficção à realidade histórica das Minas. Em um encontro do escritor

Afonso Arinos com Virgínia, ele também fala das Minas de antigamente.

... à nossa Minas Gerais. Que imenso país é Minas

Gerais! E ele conheceu os verdes mais puros,

aquela paisagem toda clorofila do Sul de Minas,

tão diferente da secura do seu país natal. Como as

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Minas são tantas, como Minas é plural, disse

Afonso a Virgínia, que lhe bebia as mínimas

palavras. (DOURADO, 1987, p. 131, grifo nosso).

O apego das personagens autranianas ao local de origem é tão

forte que todas elas sofrem quando têm que deixar sua terra. Veja-se o

momento em que a personagem João da Fonseca Nogueira está saindo de

Duas Pontes:

Não viverei mais com a visão do horizonte barrada

pela Serra do Curral, dizia pensando em deixar

Minas Gerais. Mas levarei Minas comigo, como o

rio que para ser fiel à sua fonte toma a direção do

mar. (DOURADO, 1989, p. 254).

Nesse intervalo de tempo (passado/presente, Minas real/Duas

Pontes imaginária), as personagens buscam refazer o passado vasculhando a

memória para poderem enfrentar o futuro – fator que concorre para conferir à

narrativa um tom predominantemente psicológico que irá chocar-se com a

rigidez formal da unidade de tempo e lugar, o que não deixa de ser um

procedimento diferenciador.

Após a escrita de alguns romances, como, por exemplo, Os sinos da agonia, A serviço del-Rei, Lucas Procópio e Monte da Alegria,

Autran foi muito questionado pela crítica sobre esse novo momento de criação

literária, que, para um bom número de estudiosos de sua obra, era um voltar-se

para o romance histórico.

Como resposta às críticas, Autran utiliza a narrativa e o ensaio

para negar veementemente essa postura. A respeito de Os sinos da agonia

ele se justifica através de um ensaio sobre essa obra, afirmando:

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O texto e o tecido

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Embora não tenha tido o propósito de fazer

romance histórico e muito menos realista... , e sim

uma obra do meu tempo, moderna, para ambiência

e sobretudo para o caráter de farsa e paródia

carnavalesca, de visão poética da história – sem ter

com ela compromisso – durante a composição tive

sempre presente alguns acontecimentos e

cronologias. Mas não há uma só data no romance:

no máximo “era de 60, 30”, e assim mesmo muito

pouco e vagamente, para efeito de ambigüidade e

simbolismo. (...) Sendo a ambiência do livro o

século XVIII e o seu provável período histórico o fim

do século (...), se quiser ver a obra como um

romance histórico (um absurdo), o anacronismo é

evidente. (DOURADO, 2000, pp. 184-185).

Autran insiste em justificar a forma como se dá a ligação entre

ficção / realidade em Os sinos da agonia, romance dentre todos o mais

questionado pelos estudiosos, por não terem ainda se apercebido de que essa

estreita relação de há muito já ocorria em seus romances.

Quando situo Os sinos da agonia na ambiência do

século XVIII, em Vila Rica, não estou fazendo

romance histórico, que é uma página virada do

romantismo. Não há no corpo mesmo do livro uma

só data, um só personagem histórico. Mas se você

conhece Minas e a literatura, se conhece a tradição

absolutista portuguesa e brasileira, verá a sombra

de Tiradentes, Gonzaga, Cláudio, tantos outros.

Sombras, não nomes ou personagens.

(DOURADO, 2000, p. 190).

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O texto e o tecido

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Nunca é demais repisar: Os sinos da agonia não é

um romance realista e histórico. (DOURADO, 2000,

p. 209).

Independentemente do fato de os romances de Autran

Dourado não serem por ele próprio considerados históricos, sabe-se que, de

modo geral, todo e qualquer romance tem uma estreita ligação com a realidade

histórica no sentido de que discute o comportamento humano, descreve

percursos humanos e é sempre fruto da imaginação associada à memória.

O que se constata e se torna evidente, após a leitura dessa

obra, é que o autor traçou um panorama da realidade histórica, social e

econômica de Minas Gerais. Para além disso, em sua produção, percebe-se

também a intenção de desmitificar a história, dando voz a uma camada da

sociedade que ficou à margem, completamente excluída, como as minorias, os

oprimidos, os vencidos e, no caso em estudo, os negros.

Registre-se que, anos depois da publicação de Ópera dos mortos, Os sinos da agonia e Lucas Procópio, em um depoimento prestado

na Faculdade de Letras de UFMG em 1992, Autran revê o que colocou em

seus ensaios e afirma:

O que estou tentando fazer nesses livros é me

servir do real mineiro para compor um outro real.

Um real que muda, de tal maneira que eu não sei

mais se ele existe, se ele existiu alguma vez. (...)

não posso dizer que as Minas que eu escrevo

alguma vez existiram. (...) o que me interessa não é

Minas inteiramente, mas a sua decadência. (...)

escrevo para entender a loucura humana em geral

e a loucura em particular de Minas Gerais. (SOUZA,

1996, pp. 32-33).

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O texto e o tecido

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Autran afirma que quis fazer um painel da decadência de Minas

com esses três romances e que há outra vertente, ficcional, que é uma história

criada, uma espécie de autobiografia inventada de maneira plástica, artística,

dos mitos que povoaram sua infância e adolescência mineira. (SOUZA, 1996,

p. 33).

As Minas de que tanto falam as personagens autranianas

através do narrador estão esfumaçadas no tempo. O passado brumoso das

Minas coloniais foi reconstruído dentro do processo literário, através de

recursos utilizados pelo próprio autor, em outra dimensão, de certa forma

simbólica, para ambientar suas personagens.

É bastante sintomático como as personagens autranianas

vêem a cidade coberta de bruma ou através dessa imagem esfumaçada pelo

tempo. (DOURADO, 1974, pp. 16,17, 39, 40, 47, 202, 207). Seria um recurso

para justificar sua leitura dos fatos?

Entre o olhar do narrador e a realidade de Minas do século

XVIII, há uma constante bruma, um intervalo de névoa que desrealiza o real e,

a partir daí, constrói um outro real, imaginário que está plasmado nas

narrativas autranianas.

A terminologia ‘bruma’ soa como metáfora para facilitar e

justificar a veracidade de seu texto. Observe-se que houve o transporte do real

acontecido para a criação artística literária; o artesão leu a realidade e a

transformou através da elaboração estética, isto é, transformou os traços

sociais através da palavra escrita em narrativa ficcional.

Portanto, essa compreensão da “atualidade” como categoria

histórica implica considerar a preocupação do autor com a situação concreta e

única, palco no qual as personagens representam seus respectivos papéis cujo

enredo cada um interpreta ao seu modo.

Assim, quando as personagens procuram compreender e

explicar seus conflitos a partir de uma perspectiva mais histórica, de análise

das práticas sociais e do contexto sócioeconômico que as envolve, afloram, em

seus discursos, de forma dissonante e insólita, elementos de um tempo mítico,

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O texto e o tecido

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cósmico, em que todas as coisas se encontram intimamente relacionadas e em

que mesmo as situações conflitivas de cunho irracional são explicadas e

resolvidas.

Portanto, as Minas de Autran são uma construção, uma

invenção que, através das representações e práticas sóciolingüísticas, vão

sendo elaboradas durante a escrita. Lembrando Antonio Candido, o social

histórico torna-se importante como elemento que desempenha um papel na

constituição da estrutura das narrativas.

Inserida nesse social-histórico, é enfocada a questão da

escravidão no tempo da mineração, no Brasil do século XVIII, em decadência;

os quilombos e sua utopia de libertação; a figura do feitor das lavras e a

opressão exercida sobre os escravos; os duros trabalhos nas minas; as

relações dos escravos com ex-escravos, com seus patrões e patroas e também

com seus pares, assunto em que centraremos nossa atenção de forma mais

enfática no bloco a seguir.

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Bloco – II

O senhor estique bem a vista e procure ver

do outro lado, no mais além do além, no

fim do tempo...

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O personagem tem a ver é com a

estrutura... com a arquitetura do romance.

Autran Dourado.

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Personagens negras no tear autraniano

través de seus textos, conforme foi mostrado no bloco

anterior, Autran faz uma viagem ao século XVIII, ao

passado do Brasil Colônia, às Minas Gerais no momento em que se

encontram em franco declínio, tanto econômico quanto político, já distantes

dos tempos de opulência do ouro, do luxo e ostentação, preservados ainda

na memória das personagens em geral.

Vale registrar que dentre a vasta produção literária de Autran

Dourado, como já foi dito, escolhemos para análise os romances Ópera dos mortos (1967), Os sinos da agonia (1974) e Lucas Procópio (1985) por

colocarem em destaque personagens negras libertas e escravizadas,

destituídas de posses, riquezas e de origem e posição social inferior.

Como as personagens negras estão presentes em todas as

narrativas autranianas, é importante delimitar as que vamos trabalhar com

mais freqüência, por estarem mais em evidência, nesses três romances: em

Ópera dos mortos, Quiquina; em Os sinos da agonia, Inácia, Isidoro e

Januário; em Lucas Procópio, Jerônimo.

Para abordar as personagens negras, na obra de Autran,

recorreremos a alguns autores e obras que trabalham com essa temática.

Dentre os aspectos gerais da problemática do negro, inicialmente,

apresentaremos o perfil de cada personagem e, em seguida, abordaremos

alguns estereótipos que fizeram escola na literatura oitocentista e que,

apesar do tempo transcorrido, ainda se encontram presentes na Literatura

Brasileira e Autran Dourado não foge a essa regra.

A abordagem dessas personagens terá por base os vários

discursos existentes nas narrativas em estudo: do narrador individual, que

A

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Personagens negras no tear autraniano 123

conduz, de forma direta, esses textos; do narrador coletivo (a gente), que

participa como espectador, atuando sempre em lugares abertos, públicos; das

personagens brancas e negras a partir do que dizem uns sobre os outros e

sobre si mesmos.

O narrador individual não faz de seu discurso a única condição

de verdade da narrativa. Ao contrário, como detentor da voz narrativa, abdica

de seus poderes de onisciência e delega grande parte de seu poder às

personagens, uma vez que é pela memória delas que é filtrada grande parte

dos fatos e das situações narrativas.

Em Os sinos da agonia, a narrativa se passa em algumas

horas, e as ações acontecem em todos os blocos simultaneamente. Enquanto

Januário rememora o passado conversando com Isidoro no alto da serra de

Ouro Preto, do outro lado da cidade de Duas Pontes, el-Rei, o Capitão-

General, as outras personagens e uma multidão (a gente) se organizam na

praça e esperam pela personagem principal que vai participar do grande teatro

ao ar livre, simbolizado pelo boneco, que vai ser morto em fingimento.

Nesse romance, há uma passagem em que o narrador

transcreve o que se passa com o preto Isidoro, que, através da memória, vai

relatando fatos passados a Januário, que os vai recompondo com a ajuda da

imaginação.

Isidoro ia falando o que tinha visto. Com a ajuda da

imaginação e da memória, Januário tentava

recompor toda a cena que o preto, na sua simpleza,

mal podia descrever. Recompunha com tudo o que

sabia e lhe contaram de sacrifícios e sortilégios,

desde a fala cantada e manhosa de mãe Andreza,

dos pretos da senzala do pai... (...). Se lembrava de

enforcamentos que tinha visto e lhe contaram. Dos

sofrimentos e agonia. Dos galés agrilhoados pelos

tornozelos a uma comprida corrente, no trabalho

forçado de rua, o tilintar dolorido das cadeias. Os

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Personagens negras no tear autraniano 124

pretos açoitados entre lágrimas, uivos, sangue, mijo

e suor, no pelourinho. (DOURADO, 1974, p. 31).

Observa-se, em passagem como essa, que o negro, nas

narrativas em estudo, ocupa uma posição estruturalmente importante. Não é

mero acessório, como também não é uma simples composição do cenário por

onde circulam as personagens brancas; atua dentro dos espaços dos brancos

e, em alguns casos, mesmo que dentro de certo limite, conquista a confiança

de sua sinhá / seu senhor, que lhe permite agir em determinadas situações.

A presença dessas personagens negras é uma constante na

narrativa autraniana, seja nos romances, nas novelas ou nos contos. Alguns

exemplos podem mostrar que elas extrapolam os três romances em estudo e,

em cada texto, têm presença significativa por contracenarem ao lado das

protagonistas brancas.

Na novela Uma vida em segredo (1990, p. 46), a preta

Carmela é uma mucama que vive contando histórias para Biela (personagem

principal), quando esta era menina. Carmela, além de rebuscar na memória as

histórias de seus antepassados, costumava inventar outras.

No romance O risco do bordado (1970, p. 166), há preta

Milurde que vive cozinhando a sua modorra, sentadinha na banqueta, esperava

a hora de acordar da bobeira, e o preto Gaudênio, empregado de seu Gomes

que é diretor do internato em São Mateus.

Quando entrou na sala o preto Gaudênio. Foi direto

à mesa de seu Gomes, falava qualquer coisa

baixinho. Seu Gomes, sério, franziu a testa, deu um

muxoxo, alguma coisa de errado tinha se passado.

(DOURADO, 1970, p. 52).

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Personagens negras no tear autraniano 125

Em A barca dos homens, encontra-se uma personagem negra

muito atuante, Luzia (104, 105, 109, 112), mãe do protagonista, que cuida da

casa e dos filhos da também protagonista Maria. Há um trecho dessa narrativa

em que Luzia fica angustiada ao saber da prisão de seu filho, Fortunato, e pede

ajuda a seus Deuses:

Toda a alma negra, todo o continente africano que

repousava fundo no seu peito sofrido, como

sepultado, ganhava força, surgia das trevas, para

viver em gritos, terrível.(...) Voltava-se para as

ervas, os seus orixás. (DOURADO, 1961, p.105).

Em Lucas Procópio, há, além de Jerônimo, a escrava

Deolinda que tinha sido ama-de-leite de Lucas Procópio e agora cuida de

Ordália, sua irmã mais nova. As outras personagens são: Eufrásia, uma mulata

escrava e o negro Clarêncio, que era um preto enfesado e raivoso, de má

catadura (77). Há, ainda, Joana, uma escrava forra, mas levando a mesma vida

de antes (87 e 113), e a escrava Adélia, que era uma mulata e amante de

Lucas Procópio, que a comprou e alforriou (102).

Vale registrar que as personagens que mais se destacam na

obra de Autran Dourado são as femininas (Rosalina, Quiquina, Malvina, Inácia,

Maria, Luzia, Biela, Isaltina), brancas ou negras. Mesmo carregando consigo a

sombra da solidão, todas elas se apresentam decididas, firmes, provocando

mudanças no contexto familiar e social.

Segundo Antonio Candido:

Quando pensamos no enredo, pensamos

simultaneamente nas personagens; quando

pensamos nestas, pensamos simultaneamente na

vida que vivem, nos problemas em que se

enredam, na linha do seu destino – traçada

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Personagens negras no tear autraniano 126

conforme uma certa duração temporal, referida e

determinadas condições de ambiente. (CANDIDO,

1995, p. 53)

No caso da narrativa autraniana, o narrador penetra na

consciência das personagens, observa o funcionamento e, conseqüentemente,

narra suas angústias, suas alegrias, suas inquietações e representações.

Autran, em um ensaio, escreveu o seguinte:

Embora tão solitários, os meus personagens não

existem sozinhos. Ligam-se uns aos outros sem

perceberem, subterraneamente. Mesmo sem se

falarem, sem se verem, sem mesmo se

conhecerem, intercomunicam-se.

Inconscientemente, magicamente – vamos dizer,

formando um conjunto, a unidade vertical e

subliminar do livro. (DOURADO, 2000, p. 104).

O processo de intercomunicação obviamente não exclui as

personagens negras. Registre-se que, embora em número reduzido, essas

personagens não têm a sua importância diminuída, tendo em vista o papel que

exercem como co-protagonistas ou antagonistas. Além de constantemente

contracenarem com as protagonistas, em alguns momentos roubam a cena e

passam para o primeiro plano.

Quiquina, Inácia, Januário, Isidoro e Jerônimo são todas

personagens oriundas da senzala, arena central onde se desenrola a tragédia

afro-brasileira, e carregam em si os conflitos próprios de sua condição,

pendentes entre a revolta, a ânsia de reconquistar as suas origens e a

liberdade, e a atitude do mais puro servilismo, em troca de favores e de poder.

Para se afirmar em seu poder, o senhor necessitava de alguém

a quem pudesse se sobrepor – no caso o negro escravizado. As personagens

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Personagens negras no tear autraniano 127

Quiquina, Inácia, Januário, Isidoro e Jerônimo experimentam essa relação de

modo intenso e crítico.

Há uma diferenciação com relação ao tratamento que era dado

aos negros nas narrativas em estudo. Alguns escravos podiam adquirir certas

“regalias” por serem colocadas na direção dos serviços caseiros, o que, na

prática, significa, por sua vez, exercer certa parcela de poder. Em termos

hierárquicos, por conta da função que lhes é atribuída, essas personagens têm

ascendência sobre os demais negros.

Note-se que as negras Quiquina e Inácia desempenham papéis

similares. Ambas são escolhidas por suas senhoras, Rosalina e Malvina,

personagens brancas e protagonistas, para desenvolverem as atividades

dentro dos casarões, terminando também, por conta da convivência próxima,

como suas confidentes.

Em decorrência dessa proximidade, estabelece-se entre amas

e senhoras uma intimidade responsável, posteriormente por certa inversão das

relações: de amas submissas às suas senhoras; chegam, muitas vezes, a

subjugá-las, passando a donas da situação por terem em seu poder segredos

inconfessáveis.

Vale, no entanto, ressaltar que essa situação se prende mais

às personagens negras femininas. Já com relação às personagens negras

masculinas, trilham caminhos diferentes; não vivem dentro dos casarões, não

conquistam tanta intimidade como as mucamas, mas acompanham seus

senhores em todos os afazeres, recebem ordens e castigos e estão sempre

inconformadas com a vida que levam.

Bem diversa é a postura de Quiquina e Inácia. Convivendo

mais intensamente com as suas senhoras, freqüentando os espaços do

dominador, elas acabam, aparentemente, seduzidas pelos privilégios e regalias

que Malvina e Rosalina lhes concedem em troca de suas subserviências. A

intimidade com o poder, à primeira vista, joga-as contra as próprias origens; a

possibilidade de obter mais influência e poder leva-as a renegar sua raça:

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Personagens negras no tear autraniano 128

Apesar de que Inácia, mesmo preta, era mais do

lado dos brancos do que dos pretos, e de Nhazinha,

como ela passou a chamá-la, por quem tinha

verdadeira veneração – dizia, desde que lhe deu

muitos panos e jóias, e a promessa de uma futura

alforria, coisa de que ela nem mais cuidava, tão

bem vivia agora, não mais trancada na senzala,

morando no corpo da casa, perto da senhora.

(DOURADO, 1974, p. 79).

O acesso à intimidade, nos dois romances, é sempre muito

visível na relação entre sinhá e mucama, sobretudo quando a sinhá se envolve

emocionalmente com um negro ou com alguém da arraia-miúda e, nessa

situação, procura sua mucama para desabafar, contar seus amores proibidos,

ocasiões em que está muito fragilizada. Mas, mesmo estando debilitada

emocionalmente, o poder que delega às negras é sempre limitado.

As personagens negras no caso de Inácia e Quiquina, no ato

da escolha para serem confidentes de suas senhoras, já se sentem

privilegiadas e poderosas diante dos outros negros. Após ouvir as confissões

de suas senhoras, passam a ter em seu poder uma arma valiosa que são os

seus segredos sentimentais.

Inácia sabe que fingir de confessionário, tomar o partido da

sinhá, sensibilizar-se diante da situação é o caminho mais fácil para

conquistar o coração de sua senhora. Sabe, também, que é passando

informações sobre o homem amado, seu objeto de desejo, que conquistará

mais mordomias dentro do casarão.

Para as sinhás, nesse momento de intimidade, as mucamas

atendem todas as expectativas e passam a ter mais privilégios. Inácia, por

exemplo, após ganhar posição de mando dentro do casarão, com relação ao

comando dos negros que ainda viviam nas casas e nas senzalas,

imediatamente:

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Personagens negras no tear autraniano 129

tratou logo de afastar para bem longe, na cozinha e

na senzala, as outras mucamas. (DOURADO, 1974,

p. 79).

Era Inácia que dirigia os pretos e pretas no serviço

caseiro. (DOURADO, 1974, p. 79).

Todo mundo na ponta dos pés, de bico calado, dizia

Inácia aos pretos sob os seus cuidados, a mando

da senhora. Bacalhau vai cantar no lombo de quem

atrapalhar o sono do meu sinhozinho dono, disse

afetada à arraia miúda da cozinha e da senzala.

(DOURADO, 1974, 88).

Essa atitude de mando de Inácia em relação aos negros

reproduz um hábito adquirido com os seus donos. Os senhores não queriam

contato direto com qualquer negro, a não ser com aqueles que foram

escolhidos para o convívio mais próximo.

Quiquina: a águia do sobrado

A negra Quiquina, do romance Ópera dos mortos, é uma

personagem que logo se destaca pela forma de se comunicar através, não da

fala, mas do olhar. No seu papel de manter a ordem no casarão, com muita

astúcia e simulação, consegue tornar Rosalina sua dependente. Escrava, ela

ficava escrava de Quiquina. (DOURADO, 1967, p.135). Quiquina tinha

consciência dessa dependência e sabia como mantê-la, por isso tentava evitar

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Personagens negras no tear autraniano 130

qualquer possibilidade de que pessoas estranhas habitassem o casarão para

não quebrar essa relação.

Daí sua aversão a José Feliciano (jardineiro conhecido como

Juca Passarinho ou Zé-do-Major, que se torna amante de Rosalina), aversão

que expressava pelos mais diversos gestos e reações. De uma feita, ao

encontrar os dois na cama, se revolta e vai para a rua, deixando Rosalina

extremamente angustiada.

A aflição de esperar Quiquina fazia pensar que se

passara muito tempo. (...) Só porque Quiquina se

atrasava é que ela cuidou do tempo, em geral ela

não pensava muito nas horas, as horas eram todas

iguais para ela. (DOURADO, 1967, pp. 37-38). (...)

E se ela não viesse, não viesse nunca mais?

Absurdo, podia não vir agora, mas vinha. Mais tarde

ela vinha. (...) Ficava diminuída perante Quiquina,

nunca mais podia lhe dar uma ordem. (DOURADO,

1967, p.135).

Já não contava o tempo em que as duas viviam sozinhas no

casarão numa relação de absoluta dependência. O medo, a tensão e a

ansiedade em que se encontrava Rosalina, pela ausência de Quiquina, só se

amenizavam quando ela chegava.

É Quiquina quem organiza e direciona a casa e a vida de

Rosalina. Sem ela, viver parece insuportável. A negra Quiquina representa

para ela a própria vida. Mesmo que a presença da negra fosse silenciosa,

Rosalina não se sentia só, distante do mundo, das gentes de Duas Pontes.

Sem Quiquina eu não podia viver. (...) A presença

de Quiquina mexendo pela casa... era sinal de vida,

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Personagens negras no tear autraniano 131

tempo. Quiquina para ela queria dizer que a vida

continuava... (DOURADO, 1967, p. 38).

Mas quem é Quiquina? Quiquina é uma negra que veio lá do

final da decadência das Minas pelo rareamento absoluto do ouro de aluvião e

pela ausência dos diamantes, é uma empregada muda que habita o sobrado

desde os tempos do coronel João Capistrano Honório Cota, filho de Lucas

Procópio.

Após a morte dos pais (João Capistrano Honório Cota e D.

Genu), Rosalina se recolhe e passa a viver no casarão com a negra Quiquina,

que, antes, tinha sido sua ama-de-leite e agora lhe servia de empregada,

pessoa com quem, no momento, trava uma estreita relação.

Numa convivência aparentemente tranqüila, elas se bastam.

Rosalina encontra, na característica negativa de Quiquina - a mudez -, o

aspecto positivo de que necessitava em uma pessoa para conviver e dividir

seus segredos. As duas mantêm uma comunicação muda, sem palavras.

Todos os diálogos entre elas são construídos através do olhar e dos gestos.

Havia uma intimidade muito grande entre elas, um

entendimento silencioso de que ele não participava.

Um entendimento profundo, muito anterior à sua

chegada. Eram quase mãe e filha. (DOURADO,

1967, p.144).

Às vezes, Rosalina se sentia tranqüila, sabia que, por causa da

mudez Quiquina, não iria lhe fazer perguntas, nem críticas ou comentários

sobre seu comportamento. Se sentia vontade, fazia através de gestos, com os

olhos. Era através deles que Quiquina mais se comunicava, sempre

censurando, reprimindo ou dizendo do que não gostava. O olhar era o órgão

dos sentidos de maior censura.

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Personagens negras no tear autraniano 132

Autran, explicando a etimologia dos nomes de suas

personagens, diz que a palavra Quiquina é um vocábulo onomatopéico, cuja

pronúncia imita o som natural da coisa significada (murmúrio, sussurro, cicio,

chiado, mugir, pum, reco-reco, tique-taque). Quiquina significa indivíduo gago,

tatibitate.

A comunicação verbal de Quiquina foi substituída pelo olhar,

que, em alguns momentos, parecia tão profundo a ponto de penetrar na

alma. Não era de costume ouvir voz humana naquele sobrado até a chegada

de José Feliciano, que, não suportando o silêncio, afirma:

A gente carece de ouvir voz humana, pra sair das

sombras. Um homem não é só, um lago de

silêncio, necessita de ouvir a música da fala

humana. (DOURADO, 1967, p. 73).

Havia uma comunicação sem palavras, somente através dos

gestos, da linguagem do olhar entre Rosalina e Quiquina. À perspicácia do

olhar soma-se, também, a acuidade da audição. O olhar de Quiquina traduz

uma agudeza de percepção, feito águia. Desse modo, Quiquina tudo vê e tudo

ouve.

E então os olhos se encontraram, sem se

moverem os olhos se encontraram e se

falaram. (...) Quiquina, o que você vai fazer

agora, perguntou com os olhos. E os olhos de

Quiquina disseram eu vi, vi você, vi ele, vi os

dois aí juntos. (DOURADO, 1967, pp. 142,

143).

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Personagens negras no tear autraniano 133

Segundo Autran Dourado, há, em Ópera dos mortos, uma

teoria do ver. (DOURADO, 2000, p.115). O olhar é apreendido de todos os

ângulos: o do narrador que, incansavelmente, convida todos a assistirem ao

grande espetáculo que sairá do casarão; o da platéia (a gente) que

acompanha atentamente as mudanças no casarão; o de Quiquina, olhar que

tudo apreende dentro e fora dos espaços que lhe é permitido freqüentar.

Quiquina vê o que está bem perto e o que está à distância, vê no claro e no

escuro, vê de lado, vê da escada, por trás das cortinas e das portas e na

escuridão de seu quarto; e o olhar de José Feliciano, que, em forte contraste

com o de Quiquina, é descrito como um meio olhar, branco e leitoso,

encoberto por uma belida.

O olhar, na simbologia, aparece como instrumento de

revelação, como símbolo do conhecimento, de percepção intelectual e

sobrenatural. É nesse aspecto que o narrador autraniano chama a atenção

do leitor, pedindo que ele observe, examine, se informe, investigue e

apreenda todos os detalhes dessa narrativa. Dentre as personagens desse

romance o olhar de Quiquina é o que vê além dos objetos, é o que espiona,

policia e julga. Quiquina age a partir do que vê.

Por outro lado, o olhar de José Feliciano é pela metade,

parcial; um meio olhar que o impede de ver / entender a real história do

casarão, o coração de Rosalina e a alma de Quiquina. O olho do Jardineiro,

descrito pelo narrador, é opaco, adjetivo que é traduzido como sinônimo de

obscuro, sombrio, que não deixa atravessar a luz. Por isso a nossa

compreensão de que a ausência de uma clara visão dessa personagem -

sua visão é só de um olho - esteja relacionada com a sua limitação do

entendimento da dinâmica vida / morte no sobrado.

Registre-se que a “teoria do ver” apresentada por Autran

Dourado nesse romance mantém estreita relação com o barroco mineiro. Não

esqueçamos que o barroco é uma estética que valoriza essencialmente o olhar,

o ato de ver um objeto sob vários ângulos, várias perspectivas: nesse sentido,

Ópera dos mortos é uma narrativa essencialmente barroca começar pelo

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Personagens negras no tear autraniano 134

título porque a ópera é uma criação tipicamente barroca. Essa relação torna-se

pertinente a partir do instante em que se inicia a leitura da narrativa. São

muitos os lembretes do narrador para que o leitor não se esqueça do olhar.

Esse recurso de enxergar além do que ver é transferido, sobretudo, para a

negra Quiquina.

Quiquina é personagem perceptiva, que tudo vê. É quem opera

as transformações no ambiente com seu movimento de entrar e sair no

sobrado, quando vai para a rua vender as flores de pano e de plástico que

Rosalina fabricava artesanalmente. Assim era seu percurso: sobrado / rua e

rua / sobrado, como uma ponte que mantinha velada convivência entre o

sobrado e a cidade.

Quiquina era a ponte, o barco que nos levava

àquela ilha. A ponte que contudo não podíamos

atravessar, o barco sem patrão vagando no mar

silencioso dos sonhos de impossível travessia.

Porque a gente indagava de Quiquina sobre a vida

no sobrado. Se pediam notícias de Rosalina, ela

ficava mais muda do que era, sem nenhum gesto, a

fábrica de sua fala emudecia. (DOURADO, 1967, p.

82).

Essa ligação é um tanto frustrada por não permitir a informação

de volta da cidade para o sobrado. A comunicação se dava de forma unilateral.

Quando Quiquina saía para vender as flores, era sinal de que Rosalina estava

viva, mas não trazia nenhuma informação da rua. A mudez de Quiquina

interditava que a cidade soubesse o que realmente se passava no sobrado, a

gente acompanhava como expectador.

O sobrado continuava inabordável. Jamais

conseguiríamos chegar ao seu miolo, restabelecer

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Personagens negras no tear autraniano 135

a ligação perdida. Porque Quiquina, como a gente

já disse, era uma ponte sem nenhuma valia, apenas

dava passagem do sobrado pra rua, por ela nunca

que a gente podia passar. (DOURADO, 1967, p.

90).

A gente deduzia que algo estava para acontecer naquele

sobrado. Por que a filha do Coronel João Capistrano Honório Cota não saía de

casa? Por que ela não se relacionava com ninguém desde que o pai morreu?

Por que não aparecia nem na janela? Por que não falava? Apenas pelo

movimento de entrar e sair de Quiquina e José Feliciano, a gente não obtinha

resposta para suas interrogações. Ninguém sabia realmente o que se passava

no casarão, tão freqüentado antes, e agora só fechado.

Em algumas situações, a mudez de Quiquina funcionava como

símbolo de censura e de julgamento moral que não precisava de palavras para

se fazer presente. Por trás da sua linguagem de silêncio fluem intensos

monólogos interiores.

Esses monólogos se dão de forma muito clara em vários

momentos. Um deles é quando Quiquina não aprova a presença de José

Feliciano no casarão por prever que ele não seria coisa boa dentro daquele

espaço onde viviam sozinhas. Ela estava tão acostumada às repetições do

cotidiano que tinha receio e um forte pressentimento de que a presença dele

viesse provocar sérias mudanças.

O leitor fica sabendo da sua rejeição a esse estranho, no

decorrer da narrativa, através de vários fluxos de consciência que ocorrem

desde o dia de sua chegada no sobrado e num outro momento, bem mais

intenso, que emerge já nas últimas páginas do livro, quando Quiquina se

questiona, hora antes do parto de Rosalina, se seria bom que o filho dela

sobrevivesse ou não. Transcrevemos esse último:

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Personagens negras no tear autraniano 136

Não, meu Deus, não podia fazer aquilo, é

pecado. Um pecado feio, sem perdão. Não era

um pecado também deixar ele viver? Como é

que ela ia fazer com aquele menino dentro de

casa? Até quando podia esconder da cidade, o

menino crescendo?(...) Não, aquele menino

não podia viver. (...) Não sabia como ia se

arranjar, tinha medo. Não de Rosalina, ela não

vai nem perceber. Era só falar assim com as

mãos: ele nasceu morto. Rosalina será que

chorava? Não, ela devia saber o que aquilo ia

ser na sua vida. Até um bem pra ele.

(DOURADO, 1967, pp. 190, 192).

Mesmo diante de toda uma situação de desconforto por querer

impedir a relação amorosa entre sua sinhá e o jardineiro, Quiquina luta por seu

espaço dentro da casa sem se preocupar com as conseqüências que poderiam

causar as suas atitudes.

Como parteira, tinha o poder de decidir sobre essa situação.

Lembrava-se do passado lá de antigamente, do tempo de Dona Genu, mãe de

Rosalina: não se via morando no casarão e sendo mandada pela figura de

José Feliciano, que agora seria o pai do filho de Rosalina; pensava em toda a

gente da cidade, no que iria dizer. Todas essas idéias se passam no momento

em que está fazendo o parto de Rosalina.

Dentre todos os pensamentos que vinham num mesmo

instante, o mais forte era vingar-se de José Feliciano por ter tomado o seu

lugar no coração de Rosalina. Ele, tornando-se pai, poderia querer tomar a

frente da casa, a direção de tudo dentro da casa, dar ordens nas duas. De

forma silenciosa, ela começa a interferir nesse relacionamento.

Quiquina é personagem dual. Simboliza vida e morte dentro do

sobrado. Na função de mucama, dá vida ao casarão, pondo ordem nas coisas,

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Personagens negras no tear autraniano 137

dando notícia para a rua, através da venda das flores, de que elas estão vivas.

No papel de parteira, tanto ajuda no surgimento de vidas, como também se

torna agente de morte ao destruir a relação de Rosalina e José Feliciano e por

matar a criança, fruto dessa relação.

Inácia: a aranha tecedeira

Personagem similar a Quiquina é Inácia, de Os sinos da agonia, que é escolhida por Malvina para freqüentar o corpo da casa por ser

uma angolana da Cabinda.60 A preferência pelos negros dessa região devia-se

a que, diferentemente dos oriundos de outras regiões, mais facilmente se

rendiam aos severos castigos imputados pelos senhores. Note-se na intenção

dessa fala:

Ela só queria os pretos do serviço caseiro, aquelas

mansas, fortes e sorridentes peças da Angola, tão

dóceis e obedientes – é verdade que depois de

muita pancada. (DOURADO, 1974, p. 84).

Observa-se, entretanto, que essa idéia de docilidade e

obediência é negada pelo narrador, quando, intrometendo-se na narração, a

aponta como conseqüência da violência a que o negro foi submetido, fazendo

assim eco à voz de Padre Antônio Vieira, quando, também sobre essa mesma

60 Indivíduo dos cabindas, povo banto da região de Cabinda (Angola).

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Personagens negras no tear autraniano 138

questão observa: Entre os homens dominarem os Brancos aos Pretos é força e

não razão ou natureza. (VIEIRA,1998, p. 37).

Prosseguindo, nota-se que a relação de intimidade entre

Malvina e Inácia (sinhá e mucama) se intensifica rapidamente e, com o passar

dos anos, Inácia torna-se, não só sua confidente, mas a pessoa da casa em

quem Malvina deposita toda a sua confiança.

Observa-se que Inácia presenciava e contava para Malvina as

mudanças e as novidades que ocorriam, na sua ausência, dentro do casarão.

Uma dessas novidades foi a chegada de Gaspar, enteado de Malvina, que,

desde o dia em que soube do casamento dela com seu pai, havia sumido.

Nessa ocasião, Inácia assistiu a tudo atrás das portas para depois lhe contar.

Inácia cuidou de tudo, ligeira, os olhos piscos

esbraseados, figurando afobação. E foi contar tudo

à sua querida senhora, aflita e nervosa pelas

notícias. (DOURADO, 1974, p. 88).

Com relação à postura da mucama Inácia, é válido abrir

parênteses para mostrar uma diferenciação entre os autores anteriormente

citados e Autran Dourado que rompeu com uma característica realista /

naturalista sempre em destaque nos textos literários, que era a sexualidade

das negras.

Sabe-se que as mucamas eram escravas domésticas, negras

ou pardas, escolhidas quase sempre pelas senhoras, para os serviços

domésticos, especialmente nas casas-grandes do Nordeste.

A mucama desempenhava o papel de cozinheira, copeira,

confidente das filhas do senhor, das senhoras; era também ama-de-leite,

alcoviteira e objeto de uso sexual do seu dono ou de outros membros da

família.

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Personagens negras no tear autraniano 139

Autran não erotiza essas personagens. Elas, em nenhuma de

suas narrativas, são apresentadas como símbolos eróticos ou objetos sexuais,

como acontece em algumas tendências literárias, em que a escrava é

assediada / violada pelo senhor e, conseqüentemente, ocorria a vingança

desencadeada pelo seu amado.

As negras Inácia e Quiquina não eram sexualizadas, não

mantinham relações com seus senhores, desempenhavam o papel de

cozinheiras e eram confidentes de suas senhoras.

A narrativa de Os sinos da agonia toma um outro rumo

quando Gaspar, o enteado de Malvina, resolve se instalar no casarão e, a partir

daí, passa a conviver com o casal. Na intimidade da convivência, Malvina se

envolve com Gaspar e se apaixona loucamente. O forte sentimento de um

amor avassalador, proibido e silencioso, a sufoca. Por não ter com quem dividir

sua angústia, recorre a Inácia:

Se trancou com a preta, antes de dizer pediu mil

vezes sigilo, era um segredo de morte. Deu-lhe um

trancelim, uma medalha do tamanho de um dobrão,

arrecadas de ouro, tudo do melhor quilate. Que é

isso, Nhazinha, carece disso não, dizia a preta

recolhendo as jóias. Prometeu alforria, apelou para

a dedicação, para o sentimento. Os olhos em

lágrima, abraçava e beijava a preta. Sossegue,

Nhazinha, disse Inácia. Se acalme antes de falar.

Eu prometo diante de Deus, da minha Nossa

senhora do Rosário dos Pretos, que vou esquecer.

Quem sabe eu não posso ajudar, Nhazinha do meu

coração? Inácia, eu amo, disse depois que chorou o

que tinha de chorar. (DOURADO, 1974, p. 117).

Essa revelação de Malvina aproxima mais as duas e faz com

que, a partir desse segredo, Malvina venha a se tornar mais dependente de

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Personagens negras no tear autraniano 140

Inácia, invertendo os papéis na relação senhor / escravo, o que inevitavelmente

aconteceu.

Mas, por trás da estreita aproximação entre a senhora e a

mucama, passou a se estabelecer, também, uma relação comercial. Há

sempre uma desconfiança na possibilidade da traição. É tanto que, para

manter o segredo, ela paga com ouro ou prata para que Inácia silencie e aceite

sem contestar.

Mesmo assim, Malvina desconfia de sua preta. Confia

desconfiando, desconfiava da preta sempre fiel. Tudo podia ser mentira de

Inácia. (DOURADO, 1974, p. 180). Há uma suspeita de traição da sua preta e,

ao mesmo tempo, uma forte dependência, o que fazia Malvina calar e aceitar a

situação. Daí, Inácia vai, aos poucos, ascendendo na escala de poder dentro

da casa de seus donos, torna-se conselheira da sinhá.

Inácia, nesse instante, no domínio da casa, obedece, mas

atenta à dimensão de seu poder; finge, esconde, disfarça, seleciona o que vai

dizer. Malvina agora que pedisse, implorasse, antes ela só mandava. Agora,

Malvina na roda do tempo,61 sem João Diogo e sem Gaspar, só, sozinha com

Inácia.

As duas agora juntas pra sempre, nada podia fazer

contra Inácia. Nem Inácia contra ela. Juntas,

miseravelmente juntas! Pra sempre! Na mesma

canoa, a correnteza. (DOURADO, 1974, p. 172).

Relembrando a forma como os negros eram trabalhados em

textos anteriores, a exemplo do romance Vítimas e algozes, do escritor

Joaquim Manoel de Macedo, os forros, nessa obra, ao mesmo tempo que eram

mostrados como vítimas, apareciam também como capazes de causar a ruína

de seus senhores, representando um perigo dentro das casas. 61 Título do quarto capítulo de Os sinos da agonia. P. 169.

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Personagens negras no tear autraniano 141

Esse aspecto de elemento destruidor, nocivo, torna-se mais

evidente no decorrer da leitura da obra de Autran Dourado ao se observar o

comportamento de certas personagens, como a preta Inácia, cúmplice da

traição ao senhor e algoz de sua senhora conforme se pode ver nas passagens

abaixo:

A comunicação passou a ser feita... através de

Isidoro e Inácia, mucama de Malvina, que levavam

e traziam os bilhetes e cartas. (DOURADO, 1974, p.

50).

E agora, quando João Diogo dormia a sono solto e

se apagava a luz debaixo da porta de Gaspar,

Inácia ia buscar Januário no portão da Rua das

Flores. Toda noite era aquela entrega furiosa e

agônica. (DOURADO, 1974, p. 123).

O amante, o negro Januário, filho carijó62 do senhor Tomás

Matias Cardoso, é manipulado pela sinhá. O assassinato do senhor branco,

João Diogo Galvão, não acontece por vingança de nenhum preto, postura já

vista em algumas narrativas anteriores. O que se deu foi Januário foi usado por

Malvina que planejava ficar com o enteado, Gaspar, e com o próprio Januário,

os dois a um só tempo.

A trama, acompanhada pelo amor, a traição e a vingança

organizada por Malvina, finaliza com a morte de João Diogo por Januário. Logo

depois, tudo é esclarecido Malvina se desespera por não conquistar o amor de

Gaspar, Januário será executado em praça pública e Inácia continua

obedecendo, mas no fundo era Inácia que mandava na casa, nela. Nas mãos

de Inácia pra sempre, desde então. (DOURADO, 1974, p. 170).

62 Indivíduo dos carijós, povo indígena extinto, do tronco lingüístico tupi, que habitava os estados de Santa Catarina, Paraná e a região da lagoa dos Patos, no Rio Grande do Sul.

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Personagens negras no tear autraniano 142

No geral, como vimos anteriormente, mesmo que o negro tenha

sido escolhido pelo senhor / sinhá para fazer parte do corpo da casa, penetrar

na intimidade doméstica, por outro lado, causava sempre desconfiança e

preocupação, o que se explica pelo temor do senhor em sua relação com o

escravizado.

Leia-se um trecho a seguir da fala de uma personagem branca.

Após a morte de João Diogo, Gaspar, mesmo ainda bem distante, fica sabendo

do que estava se passando no casarão através das insistentes e confusas

cartas de Malvina e dos recados que pediam que ele voltasse, enviados pela

sua mucama Inácia; não podia acreditar no que estava acontecendo. Observe-

se a forma preconceituosa da indagação do branco:

Como é que uma senhora antes tão fina podia se

misturar, se entregar daquele jeito a uma preta

boçal que de repente ele viu tinha tomado conta da

casa do pai? (DOURADO, 1974, p. 189).

O espanto que causava o fato de uma senhora fina estar se

misturando com uma preta confirma a divisão de espaço existente dentro da

casa. Pela da cor se determinavam os lugares dos brancos e dos pretos.

Em seguida, dentre tantos adjetivos qualificativos, ele usa o

termo boçal, sinônimo de estúpido, rude grosseiro e ignorante, estereótipos

negativos atribuídos aos negros e amplamente empregados pelos escritores.

Como Inácia e Quiquina, várias são as tipologias de negros

presentes na narrativa de Autran, compondo o texto que prioriza a

ambientação, o cenário das Minas do século XVIII.

Alguns tipos de negros que caracterizam a literatura do período

oitocentista arrolados por França em Imagens do negro na literatura brasileira (1998) circulam nas narrativas de Autran Dourado. Desse modo,

nelas vamos encontrar personagens negras que habitavam no interior das

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Personagens negras no tear autraniano 143

casas ricas e sofisticadas das famílias brancas, desempenhando papéis os

mais diversos possíveis: cozinheira, arrumadeira, damas de companhia,

confidentes, conselheiras, cúmplices, recadeiras, dentre outras, que, muitas

vezes, se aproveitavam da intimidade criada com a situação para tecer intrigas.

Os negros, por sua vez, emergem nessas narrativas como ex-

escravos, advindos dos trabalhos na lavra, ainda que não desempenhassem

funções diretamente relacionadas com o serviço doméstico, estavam também

sempre ligados aos seus senhores. Sofrendo as seqüelas do regime

escravocrata, essas personagens negras, muitas vezes, se nos apresentam

revoltados, inconformados com a situação em que se encontram.

Em termos de aproximação com a ficção oitocentista do

realismo / naturalismo, percebe-se a presença marcante do processo de

zoomorfização nas três narrativas em estudo, em que a imagem do negro está

sempre associada a animal. Nesse caso, registre-se que uma das associações

mais recorrentes em foco é o das personagens negras com o cachorro.

Quiquina na vigília, Quiquna seu cão-de-guarda.

(DOURADO, 1967, p. 104).

Quiquina sempre de guarda, um cachorrão no

escuro. O cachorro fumegava, os olhos de

cachorro. (DOURADO, 1967, p. 115).

Inácia levou-o de noite para o quarto dos fundos,

cujas chaves ela passou a guardar. Era um cão na

vigia. (DOURADO, 1974, p. 123).

Jerônimo... quando se acalmou, foi se chegando

para junto dos pés de Lucas Procópio como um cão

fiel. (DOURADO, 1985, p. 82).

Nas três citações, quando o narrador compara os negros ao

animal doméstico, reforça as qualidades de fidelidade e confiança que esses

animais / personagens transmitem ao dono. O modelo mais utilizado é o do cão

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Personagens negras no tear autraniano 144

fiel, vigilante, de guarda. A repetição dos adjetivos tanto faz parte da técnica

como é um recurso do narrador para tentar convencer o leitor do grau de

confiança depositado no negro.

Muito atento e perspicaz, o narrador autraniano está sempre

preocupado em prender a atenção do leitor; tem o total domínio de toda a

situação do narrado, dos detalhes e, quando parte para a caracterização

dessas personagens, se perde em minuciosas descrições ao fazer a tipologia

de cada uma.

Observe-se que a personagem Quiquina é descrita de forma

caricatural. Ela nos é apresentada como uma preta gorda, baixotinha, velha,

com os fios brancos de barba no queixo. (DOURADO, 1967, p. 66). A descrição

dela com os fios brancos de barba no queixo pode ser associada à

característica de um animal como, por exemplo, um bode.

Na frase destacada anteriormente, o narrador deixa filtrar,

através dos adjetivos desqualificativos e termos diminutivos, um tom pejorativo

quando descreve / caracteriza a personagem Quiquina. Aliás, por conta da sua

mudez, emite sons que também se assemelham a murmúrios de animais:

balbucia quando quer dizer alguma coisa; conforme já assinalamos, indicia o

próprio nome.

Na copa Quiquina ruminando; na cozinha

ronronando, no borralho. (...) Quiquina na vigília,

Quiquina seu cão-de-guarda. (...) Os olhos dela

como duas brasas, os olhos de uma gata no

escuro, o cachimbo lumeando. (DOURADO, 1967,

p. 104, grifo nosso).

Grunhia como um cachorro que ganisse para

chamar a atenção do dono. No desespero, se

confundia, se atropelava nos gestos. (DOURADO,

1967, p. 89, grifo nosso).

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Personagens negras no tear autraniano 145

Além de Quiquina, outras duas personagens recebem esse tipo

de tratamento. A já referida Inácia, do romance Os sinos da agonia, escrava

negra que foi retirada da senzala para ser a empregada de confiança de

Malvina, e o negro Jerônimo do romance Lucas Procópio, cuja imagem é

também animalizada configurando a semelhança de um cão vigilante, fiel e

feroz. Primeiramente, observe-se o momento em que Inácia forja os encontros

entre Malvina e Januário e, em seguida, como Jerônimo é caracterizado.

(...) Confiante na esperteza de Inácia, nos seus

olhos caninos e vigiadores. Não havia ouro que

chegasse. (DOURADO, 1974, p. 123).

Rilhava agora os dentes, os beiços espumosos.

Abocanhava o ar feito um cão. Caiu no chão,

esperneava. (DOURADO, 1985, p. 82)

No entanto, diferentemente das narrativas anteriores em que

essa associação derivava, muitas vezes, para uma sensualidade instintiva

exarcebada, sobrevalorizando a da sexualidade, em Autran Dourado, em

nenhum momento, a imagem do negro a deixa entrever.

Retomando à questão dos estereótipos, um outro recorrente

nesses textos é do negro como figura suja, de cheiro ruim, odor ardido, bodum

africano, segundo o narrador. Observe- se essa passagem:

E o preto se aproximou mais, agora quase colado a

ele. Podia sentir o cheiro ardido de preto sem

banho dias seguidos. Podia sentir agora, com

engulho, o cheiro nauseabundo com que tinha se

acostumado e parecia não mais sentir e agora de

repente lhe insultava o nariz, embrulhava o

estômago. (...) O bodum entranhava na roupa, no

nariz, na memória. O cheiro que mil sabões, preto

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Personagens negras no tear autraniano 146

ou do reino, não conseguiam apagar. Como ele

tinha esquecido o que era bodum ardido de preto?.

(DOURADO, 1974, p. 17-18).

Não só o narrador, mas as próprias personagens negras

sentem e acreditam que elas exalam um odor diferente. O peso dos

estereótipos é tão forte que o próprio negro é induzido a pensar como os

brancos. Em seguida, desencadeia, a partir da memória de Januário, uma

reflexão de que cada raça exala um odor próprio: o índio, o branco, o negro.

Levou o braço ao nariz, procurou sentir o cheiro do

próprio corpo. Quem sabe não tinha também o

fedor podre da sua raça, da raça da mãe? A gente

é que não sente o próprio cheiro. O cheiro podre

que às vezes sentia na cafua dos índios... (...). O

mesmo cheiro ardido que um dia sentiu na mãe e

procurou esquecer. Cada raça tem o seu cheiro,

nenhuma sente o próprio cheiro, só o dos outros.

(DOURADO, 1974, p. 18).

A aversão ao negro era tão forte que, em Duas Pontes, quando

surgia um branco vindo de outras eras, como foi o caso da figura extravagante

de Lucas Procópio, mesmo parecendo pessoa de casta nativa, (DOURADO,

1985, p. 17) a gente procurava fazer um teste para saber se tinha raízes reais

ou não.

Um se aparentava de branco e a gente ia ver se

tinha mancha de jenipapo na regueira, sinal de

pretume original. Debaixo da brancura pode saltar

um cabritinho, diziam as matronas brancarronas

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Personagens negras no tear autraniano 147

torcendo o nariz empoado. (DOURADO, 1985, p.

17).

No intenso e simultâneo cruzamento de discursos das

personagens perpassa, através da fala dos negros, o conflito entre o desejo

de ser branco entre mestiços. Esse desejo de branqueamento, quando

ocorre com as personagens desses romances, geralmente se dá com os

filhos bastardos de um senhor com uma escravizada, o que não ocorre com

os africanos e afro-brasileiros escravizados.

Januário: no centro da teia

Januário, personagem do romance Os sinos da agonia. é um

mameluco, às vezes é meio escuro (DOURADO, 1974, p. 12), filho bastardo do

potentado Tomás Matias Cardoso e da mameluca Andresa. Ser bugre63 ele

jamais aceitaria, era uma ofensa, mas ser mameluco era menos ruim. Mas o

que ele gostaria mesmo de ser era branco (DOURADO, 1974, p. 15). Januário

constantemente expressa o desejo de branqueamento. Ele se debate em todos

os momentos da narrativa sobre sua origem. Se tivesse nascido branco, não

teria sido punido da forma como foi, em sacrifício.

A personagem Januário se enquadra na variada gama de

mestiços – mulatos, caribocas, caborés, tanta mistura de sangue e de cor,

(DOURADO, 1985, p. 15) que compunham o contingente minerador do

63 Indivíduo dos bugres, povo indígena do Sul do Brasil, que habita entre os rios Iguaçu e Piquiri e a região da cabeceira do rio Uruguai. Designação genérica dada ao índio, especialmente o bravio e/ou aguerrido. Indivíduo desconfiado, arredio. Indivíduo rude, inculto.

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Personagens negras no tear autraniano 148

século XVIII. A mãe Andresa morre, e o coronel Tomás Matias assume sua

paternidade, levando-o para morar entre seus familiares. Na convivência,

conquista a sinhá e passa a ter algumas regalias.

Mesmo de sangue misturado, filho das ervas, sem

lei de água benta, tinham mandado ele pra Vila do

Carmo, no seminário da Boa Morte. Devia ter

aprendido, não ensinaram? Ou ensinaram só

ladainha, rezação? (DOURADO, 1974, p. 206).

Na instituição família do século XVIII, a personagem

Januário é mostrada como exceção; por ser filho bastardo, dificilmente teria

a sorte de ser assumido pelo pai, principalmente quando já tinha uma família

formada.

Muitos deles escondiam, feito gato encobre o

malfeito, os irmãos naturais, os filhos concebidos

em mulheres-de-partido, gerados nas senzalas ou

nos campos por índias, pretas, mulatas, mamelucas

e cafuzas: aquele cadinho de raças e culturas dos

trópicos quentes, livres, tristonhos. (DOURADO,

1985, p. 17).

Januário vive um eterno conflito sobre sua etnia. Não sendo

branco no Brasil do século XVIII e, particularmente, no auge da economia

mineradora, seria tratado como escravo. Fruto de uma relação amorosa

entre o dominador branco e uma escrava, Januário não podia fugir à regra.

Eu não tenho raça nenhuma, sou que nem mula,

manchado de geração. Me chamam às vezes de

bugre, você sabe. Nem isso eu sou. Sou mais um

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Personagens negras no tear autraniano 149

puri64 esbranquiçado por obra de meu pai. Nem

branco nem índio. Eu sou nada. Eu vou é ao

encontro desse nada que sou. (DOURADO, 1974,

p. 216).

Januário, defrontando-se com o poder de uma ordem social

opressora, que desvirtua a realidade dos fatos e invalida sua verdade pessoal,

que se torna absurda e indefensável, descobre-se como ‘sem lugar’ no âmbito

social, como ser duplo, na sua condição de filho bastardo, nem senhor nem

escravo, nem negro nem branco um vivo-morto.

Aqui se encontra a origem da lucidez e da determinação com

que Januário enfrenta os soldados na praça para, agora, morrer de vez,

efetivamente, perdendo sua condição ambígua de vivo-morto. Mesmo que a

narrativa se passe em um dia, a angústia dessa personagem parece durar uma

eternidade.

Não se contentando com argumentos mais tangíveis, Januário

procura encontrar, no ritual mágico, no universo mítico, explicações mais

plausíveis para os rumos imprevistos que sua existência tomara. Sucumbe ante

o poder do simbólico, que o mata em Efígie através do ritual mágico-fetichista a

lhe determinar todo um rito de iniciação de passagem, um nascer de novo.

Dos estereótipos arrolados nas narrativas autranianas

encontram-se o forte preconceito racial que toma a forma de um preconceito de

cor, a cor negra como sinônimo de feiúra, bem como também a imagem do

negro que é associada ao trabalho servil, a visão de que o negro foi feito para

obedecer e submeter-se, de que o negro é um ser de absoluta incapacidade.

64 Indivíduo dos puris, povo indígena extinto, da família lingüística puri, que habitava as margens do rio Paraíba do Sul (SP), a margem direita do rio Doce, do Sul de Minas Gerais até o N. do RJ e o S.O. do ES. Família lingüística extinta, composta por línguas que eram faladas por povos indígenas de Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo.

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Personagens negras no tear autraniano 150

A vida de um homem não vale nada, a de um preto

nem se fala, a não ser como mercadoria. (...) A vida

de um preto não valia nada naqueles tempos, mas

tinha um preço. Quando escravo e propriedade de

alguém, uma propriedade como outra qualquer.

(DOURADO, 1985, p.77).

No romance Os sinos da agonia, os negros têm

consciência da discriminação do branco. Januário, ao se aproximar o

momento de sua entrada na praça, descobre o porquê de sua prisão e de

toda a trama armada por Malvina para que ele matasse João Diogo Galvão,

mas não existia testemunha porque só os dois sabiam de tudo e o negro

Isidoro. Então ele se interroga: mas de que valia o testemunho de um preto,

além do mais seu escravo? (DOURADO, 1974, 43). Jerônimo, em Lucas Procópio, também não acredita ser possível verdadeira amizade entre preto

e branco, entre um ex-escravo e o senhor. (DOURADO, 1985, 28).

O poder do estereótipo é tão forte no sentido negativo de

tratar os negros sempre num rebaixamento de sua raça, que os próprios

negros não acreditam nas suas possibilidades, na capacidade de existirem

como seres dignos de pensar e agir.

Jerônimo: protetor das veredas perigosas

Diferentemente de Quiquina e Inácia, o negro Jerônimo,

personagem do romance Lucas Procópio, tinha vinte anos quando foi vendido

a um escravocrata no Brasil. Jerônimo, não vivia no corpo da casa, mas deixou

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Personagens negras no tear autraniano 151

tudo para acompanhar Lucas Procópio pelos interiores das Minas Gerais, ser

seu guia e protetor dos perigosos encontros com possíveis negros quilombolas.

(DOURADO, 1985, p. 15).

Pedro Chaves, ao saber do passado dos negros que aqui

chegaram, no caso Jerônimo, não acreditava que alguns tenham tido uma vida

de realeza na África. Mas, se soubesse que era realmente verdade, ele

acabaria com essa história. Jerônimo:

Diz que o pai é rei, cacique o que ele é, vai preto

ser rei! Queria ainda um dia encontrar um rei virado

escravo. Acabava com ele num ai de minuto, balaço

na testa, onde rei enfia a coroa. Cabelo pixaim

duro, preto no Céu não entra, espeta Nosso Sinhô.

Quem fez esta quadra tinha muita sabença e graça:

“Preto não entra no Céu,/ Nem que seja rezadô./

Preto tem cabelo duro,/ Espeta Nosso Sinhô.” Na

igreja preto só entra carregando almofada de sinhá.

(DOURADO, 1985, p. 41).

Por muito tempo o preto foi o fiel escudeiro e antigo escravo,

hoje alforriado, servindo por dinheiro e afeto (DOURADO, 1985, p. 23) à figura

de Lucas Procópio. Eles conviveram, no período da decadência das Minas,

quando os rios auríferos secaram e as grupiaras emudeceram. Nesse tempo,

Jerônimo foi muito maltratado pelo Senhor Mateus Romeiro Cota, pai de Lucas

Procópio, que chega a lhe pedir perdão pelos maus-tratos de sua raça.

Lucas Procópio se curvando para ele, feito um

criado. Peço perdão pelos de minha raça, disse.

Perdão por tudo que deixei fazerem. Perdão

mesmo pelos crimes que eu não cometi contra você

e os de sua raça. (DOURADO, 1985, p. 50).

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Personagens negras no tear autraniano 152

É interessante observar que as personagens negras

funcionam, nessas narrativas, como elemento decisivo dentro do conflito

romanesco. A elas cabe sempre a ação decisiva para o desfecho da narrativa.

Veja-se o caso do preto Jerônimo. Depois de anos de

desaparição, por ironia do destino, ao aparecer, reconhece não ser Lucas

Procópio aquela figura que viu passar por perto, mas Pedro Chaves, o feitor

das Lavras que sempre o perseguiu e que agora estava usando uma máscara.

A persona que ele duramente, sofridamente usava

para representar o personagem com que sonhava o

seu coração e que ele vinha criando penosamente.

(DOURADO, 1985, p. 151).

Jerônimo, portanto, é quem desvenda o nó do enredo do

romance Lucas Procópio quando, não encontrando melhor oportunidade que

aquele momento, sacou de uma arma e atirou, mas Pedro Chaves foi mais

rápido: com dois tiros de uma velha garrucha mata o negro Jerônimo.

O destino

Os dobres agonizantes dos sinos e as insistentes batidas dos

pêndulos dos relógios exigem que se cumpram os destinos. São símbolos

sinalizadores de morte, do fim de uma era e do início de outra.

O destino das personagens negras autranianas é marcado pela

fatalidade que leva à existência rumo a uma tragédia. Esse destino tem que ser

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Personagens negras no tear autraniano 153

cumprido independente do seu consentimento, sendo vã qualquer tentativa de

fuga.

As personagens negras se dividem diante dessa fatalidade. De

um lado, ficam as que não aceitam o destino que, obrigatoriamente, teriam que

cumprir. Para elas, esse destino fora escrito na lei dos brancos e, nesse caso,

não entregariam suas vidas à imolação em troca de uma vida com regalias.

Noutro lado, estão as personagens que não questionam seu

destino, que se submetem a uma vida de submissão e castigos na crença de

que não vão adiantar tentativas de mudanças.

Cumprindo o destino já traçado tornam-se vítimas. Sacrificam-

se postura essa apreendida, também, como denúncia para que todos, num

futuro próximo, possam vencer o destino tornando-se sujeitos.

O não-cumprimento do destino culmina na tragédia. Em Os sinos da agonia, Januário ousa, teima em seguir seus desejos, seus instintos.

Segue e persegue Malvina até possuí-la. Ela, originária da nobreza vicentina e

casada com o potentado João Diogo Galvão, braço direito do Capitão-General,

é a causa de sua queda, que foi sua morte de fato e simbólica.

O destino de seu companheiro Isidoro estava envolto no sonho

de, um dia, ir para um quilombo onde pudesse unir todo o seu povo. Ficava

horas e hora sonhando, delirando, feito um louco.

Os olhos brilhavam de estrelas como o manto de

Virgem. Uma luz esplendorosa, vinda de dentro.

Nas névoas do sonho Isidoro navegava, transluzia.

(DOURADO, 1974, p. 22).

Já o de Jerônimo, personagem do romance Lucas Procópio,

ficava perdido no mapa, tantos, tão escondidos e espalhados eram os

quilombos em Minas (DOURADO, 1985, p. 63) até o dia que reaparece e é

morto pelo feitor Pedro Chaves.

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Personagens negras no tear autraniano 154

As personagens negras de Autran vivem numa sociedade em

que seus comportamentos, desejos e anseios são controlados por um senhor

ou uma senhora branca que lhes dita todas as regras. Como vimos, elas não

têm escolha quanto aos seus destinos.

Para além dessas questões aqui assinaladas, a análise das

personagens negras em Autran Dourado nos leva também ao conhecimento de

outros aspectos de sua realidade, relacionados com o espaço em que vivem e

convivem com seus semelhantes ou com os brancos e com sua maneira de se

expressarem.

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Lugar de preto é na

senzala ou no barracão.

Autran Dourado.

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O labirinto-trilha dos negros (espaços de circulação)

os textos escritos anteriormente (nas quatro partes do

Bloco – I e na primeira parte do Bloco – II), já foi

registrado o espaço-tempo em que as narrativas autranianas foram

ambientadas: Minas Gerais / Século XVIII.

A referência a esse espaço-tempo foi utilizada como um fio

condutor para ligar as partes e dar unidade ao texto maior. Em outros termos,

funciona como um exercício contínuo para amarrar o que vai sendo escrito com

o objetivo de assinalar os espaços por onde as personagens negras circulam

ou estão mais presentes.

Porém, antes de abordarmos o trilhar desses negros nos três

romances, recorremos ao texto de Osman Lins, Lima Barreto e o espaço romanesco (1976), em que faz um estudo sobre a obra do escritor Lima

Barreto dando ênfase ao espaço sem esquecer de fazer referência ao tempo.

Não só espaço e tempo, quando nos debruçamos

sobre a narrativa, são indissociáveis. A narrativa é

um objeto compacto e inextrincável, todos os seus

fios se enlaçam entre si e cada um reflete inúmeros

outros. Pode-se, apesar de tudo, isolar

artificialmente um dos seus aspectos e estudá-lo –

não, compreende-se, como se os demais aspectos

inexistissem, mas projetando-o sobre eles: neste

sentido, é viável aprofundar, numa obra literária, a

compreensão do seu espaço ou do seu tempo, ou,

de um modo mais exato, do tratamento concedido,

aí, ao espaço ou ao tempo: que função

desempenham, qual a sua importância e como

introduz o narrador. Note-se ainda que o estudo do

N

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O labirinto trilha dos negros (espaços de circulação) 157

tempo ou do espaço num romance, antes de mais

nada, atém-se a esse universo romanesco e não ao

mundo. (LINS, 1976, pp. 63-64).

Para Osman Lins as narrativas que alcançam em geral

vibração mais intensa são aquelas em que o espaço assume um papel de

relevo. Entretanto, em suas considerações teóricas, estabelece uma distinção

entre espaço e ambientação, entendendo por esta o conjunto de processos

conhecidos ou possíveis, destinados a provocar, na narrativa, a noção de um

determinado ambiente (LINS, 1976, p. 77). Em outro momento, ele sistematiza

três tipos diferentes de ambientação: a franca, a reflexa e a dissimulada,

fazendo uma relação direta entre espaço e personagem.

A primeira se distingue pela introdução pura e simples do

narrador. A narrativa é em terceira pessoa e é medida pela presença de uma

ou mais personagens (LP). Na segunda, o foco narrativo incide sobre a

personagem, não implicando uma ação; a personagem tende a assumir uma

atitude passiva e a sua reação é sempre interior (OM). Por último, a

ambientação dissimulada (oblíqua) exige a personagem ativa; o que a identifica

é um enlace entre o espaço e a ação (OSA).

O que nos chamou a atenção nesse estudo de Osman Lins foi

a relação imediata desses tipos de ambientação com o cenário predominante

das narrativas de Autran Dourado: como as ruas em Lucas Procópio, o

sobrado em Ópera dos mortos e a praça em Os sinos da agonia.

Retomando Osman Lins, destacamos o que nos diz o referido

crítico acerca da função caracterizadora do espaço:

O espaço caracterizador é em geral restrito – um

quarto, uma casa -, refletindo, na escolha dos

objetos, na maneira de os dispor e conservar, o

modo de ser da personagem. A inserção social

desta, entretanto, pode ser sugerida em grande

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O labirinto trilha dos negros (espaços de circulação) 158

parte por elementos exteriores, como o bairro ou a

situação geográfica. (LINS, 1976, p. 98).

A questão física do espaço é muito significativa nas narrativas

em estudo. É um elemento corroborador do poder exercido pelos senhores.

Nesse sentido, observa-se que a habitação dos representantes da classe

dominante se situa topograficamente nas partes mais elevadas da cidade, sem

falar que se trata de construções arquitetonicamente imponentes, na maioria

das vezes assobradadas e com áreas bem espaçosas. Além disso, essas

habitações se localizam no âmbito do espaço do poder, religioso ou político, a

igreja ou o palácio do governo, permitindo aos seus moradores um amplo

domínio do que se passa na cidade. Em Os sinos da agonia, por exemplo, o

Capitão-General via tudo da sacada do sobrado.

O Capitão-General apareceu finalmente na sacada

central do paço, e os olhos do povo e dos sobrados

se voltaram para o palácio. O seu melhor uniforme,

trespassado de bandas, coberto de dourados e

veneras, reluzia. Aos olhos dos áulicos e na língua

arrevesada dos panegiristas do áureo trono, era o

próprio Sol Novo da América. (DOURADO, 1974, p.

29).

Com relação ao romance Ópera dos mortos, o narrador

destaca o casarão onde mora Rosalina e a negra Quiquina, mas o que torna o

sobrado mais evidente é o fato de ter sido construído na praça principal onde

fica a Igreja do Carmo. Dessa praça, a gente se põe a olhar para ele e a falar

sobre a esquisitisse das duas. A gente não descansava, sempre em alerta na

espera de que alguma coisa viesse acontecer ou acontecesse naquele

casarão. Quiquina é quem entra e sai, mas sempre sem notícia, e Rosalina lá

dentro, nunca aparece, fica só olhando tudo por detrás das cortinas, na vigília.

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O labirinto trilha dos negros (espaços de circulação) 159

Já os negros, em geral, ocupam os espaços mais baixos e

inexpressivos da cidade. Encontram-se alocados em habitações sem estrutura,

nas senzalas,65 nos fundos das casas senhoriais, corroborando, assim, a sua

situação hierarquicamente inferior na sociedade. Habitam, pois, lugares de

exclusão, ou seja, lugares ignorados, desprezados, negados pela elite branca,

tanto no âmbito interno como externo das casas dos senhores.

Desse modo, em Ópera dos mortos, em Os sinos da agonia

ou em Lucas Procópio, os espaços transitados pelos negros são a cozinha, a

senzala, as lavras, as faisqueiras e as datas, espaços não presentes nas

discussões em família no sobrado da Rua Direita em Duas Pontes - onde

estava sendo elaborada a grande Farsa – a morte em efígie (OSA) - nem no

casarão de Rosalina (OM), nem na casa de Isaltina e Lucas Procópio (LP).

Esses locais, em que os negros circulam, ficam mais distantes, longe dos olhos

da sociedade colonial mineira em decadência, que não aceitava as mudanças

econômicas e sociais de seu tempo.

Mais precisamente, com relação ao romance Os sinos da agonia, os lugares delimitados para os negros são bem demarcados. Existe

uma hierarquização, denunciada pela clara separação entre a casa e a

senzala, entre o senhor e o escravo.

Nesse contexto, sem nenhum escrúpulo, os senhores

potentados adquirem um número exorbitante de escravos negros para

trabalharem em suas terras e viverem sob o seu mando. Há um momento

nessa narrativa em que Malvina, recém casada, já morando na casa de João

Diogo, no arraial do Padre Faria, em Vila Rica, fica impressionada com a:

65 A senzala, transcrevendo uma definição de Clóvis Moura, era uma construção rústica, sem nenhum conforto, construída de taipa, coberta de palha ou de outro material equivalente. Quase sempre não tinha janelas ou outro sistema de ventilação. O assoalho era de chão batido e não possuía qualquer recurso sanitário. Dicionário da Escravidão Negra no Brasil. P. 375. Nas narrativas de Autran, as senzalas funcionam como lugar de resistência; lá os negros podem praticar seus ritos, adorar seus deuses, praticar suas danças, manter relações sexuais e armar-se contra os brancos seus opressores.

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O labirinto trilha dos negros (espaços de circulação) 160

quantidade de pretos nas casas de senzala, nos

fundo da horta. Aquela profusão de escravos e

feitores e cabras espingardeiros indo e vindo das

roças e faisqueiras, das muitas datas que o marido

possuía tanto em Vila Rica como na Vila do Carmo,

no Serro do Frio e mesmo no Tejuco. (DOURADO,

1974, p. 79).

Há outra passagem em que a mesma personagem branca,

Malvina, passa a morar no sobrado na Rua Direita, assumindo o comando da

casa e, incomodada com a quantidade de negros que circulavam em redor do

sobrado, decide imediatamente mandar:

Aquela chusma de pretos espingardeiros e cabras

de guerra, de gente do eito e do peito, que enchiam

as casas da senzala no arraial do Padre Faria...

para as lavras do marido, para o Tejuco e para o

sertão do couro. (DOURADO, 1974, p. 84).

Nos espaços internos e externos da casa, prevalece a relação

senhor-escravo, em que o primeiro tem todo o direito sobre o corpo e a vida do

segundo. Há uma relação de submissão, que, em muitas ocasiões, extrapola e

chega a ser marcada na carne com ferro em brasa.

Um outro dado interessante em relação à questão espacial nas

narrativas em estudo diz respeito ao espaço reservado aos pretos ladinos.

Diferentemente dos chamados pretos boçais, que nada conheciam da cultura

local e, por esse motivo, eram destinados aos mais grosseiros e pesados

serviços, os pretos ladinos, por já falarem o português e terem certa instrução

religiosa, dominarem o ofício doméstico, eram os preferidos dos senhores e

das sinhás e passavam a conviver com eles nas casas grandes.

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O labirinto trilha dos negros (espaços de circulação) 161

Como exemplo dessa particularidade, citem-se os personagens

Quiquina, de Ópera dos mortos, e Jerônimo, do romance Lucas Procópio,

que, por deter certo conhecimento lingüístico, foi escolhido por Lucas Procópio

para acompanhá-lo nas caminhadas pelo interior dos sertões de Minas Gerais.

Quiquina, por sua vez, após anos de uma convivência solitária

com sua senhora, conquista a confiança e passa a ter alguns direitos que vão

além da cozinha, ultrapassa a estrutura do casarão, podendo sair para a rua

para comercializar flores. Com o passar do tempo, tornou-se o braço direito de

Rosalina, adquiriu alguns direitos, regalias e poder. Era quem comercializava

as suas rosas para ajudar no sustento da casa. Mesmo desfrutando de alguns

privilégios, seu espaço no sobrado era bem demarcado.

De vez em quando os passos de Quiquina, a sua

presença na copa, na cozinha. De noite ele nunca

atravessa a porta da sala. (...) De noite trancava a

porta da cozinha... Ela dormia lá dentro, no

quartinho junto da dispensa. (DOURADO, 1967, p.

115).

A relação entre o espaço e os objetos que o decoram é

bastante significativo para a compreensão da situação das personagens. Sobre

esse aspecto, o ensaísta Osman Lins faz a seguinte colocação:

Se há o espaço que nos fala sobre a personagem,

há também o que lhe fala, o que a influencia. Sua

função caracterizadora é quase sempre limitada e a

influência que exerce restringe-se por vezes ao

psicológico. (LINS, 1976, p. 99).

Nesse sentido, observe-se, na citação abaixo, como os

detalhes da descrição – janelas abertas, mesa limpa, cadeiras no lugar, mesa

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O labirinto trilha dos negros (espaços de circulação) 162

do café posta, cesta de pão coberta pela toalhinha de xadrez, entre outros –

são associados à personagem e deixam entrever o seu modo de ser

responsável, organizado, cuidadoso e limpo. Ao mesmo tempo, esses detalhes

confirmam o espaço de submissão de Quiquina.

Mesmo zangada, com raiva de Rosalina, não saiu sem deixar a

casa organizada, tudo nos seus devidos lugares. Cumpriu sua obrigação.

Lembremos que, dessa vez, Quiquina saiu não para vender flores, mas para

fazer com que a sua ausência causasse um impacto em Rosalina.

Na sala, na copa, na cozinha os sinais da

passagem de Quiquina. Na sala, as janelas abertas,

a mesa limpa, as cadeiras no lugar. Na copa, a

mesa do café posta, a cesta de pão coberta pela

toalhinha de xadrez; na cozinha, o café em banho-

maria, o fogo aceso, o fogo baixo nas brasas –

tinha saído há algum tempo. (DOURADO, 1974, p.

137).

Daí a pouco ouvia os passos de Quiquina na copa,

no corredor na cozinha. (DOURADO, 1974, p. 104).

As marcas nos espaços - De vez em quando os passos de

Quiquina, a sua presença na copa, na cozinha. De noite ela nunca atravessava

a porta da sala (DOURADO, 1967, p. 104) - e a leitura dos objetos que o

ambientam denunciam, pois, o estado de serviçal da mucama.

Um outro aspecto interessante acerca do espaço no romance

em foco diz respeito à forte presença nessas narrativas dos ambientes extra

casa, como: as ruas, as igrejas, as praças e os lugarejos dos interiores das

Minas Gerais, locais onde acontecem os maiores eventos e funcionam como

espaço de sociabilidade.

Embora as habitações dos brancos se localizem nas praças e

nas principais ruas, espaços públicos, por eles também transitam os negros,

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O labirinto trilha dos negros (espaços de circulação) 163

porém sua presença nesses lugares, na maioria das vezes, se dá em

decorrência do serviço que está prestando aos seus senhores ou, em algumas

ocasiões, de castigos a que estão sendo submetidos por alguma falta cometida

para servir de exemplo.

É para a praça, ficcionalmente localizada no mapa de Minas

Gerais, que as três narrativas são direcionadas. A descrição dessa praça –

localizada no Largo do Carmo, entre o Palácio do Governador e a Igreja do

Carmo - elege esse espaço como lugar de excelência da narrativa.

É lá que se inicia e finaliza o enredo do romance Os sinos da agonia, em que a história se passa dentro de um dia, como foi dito no texto

anterior, quando Januário rememora o passado, manhã em que ele se prepara

para entrar na praça e ser executado, punido pelo crime que cometeu e pela

fuga do braço de el-Rei. Observa-se que até o tempo dessas narrativas está

voltado para os acontecimentos em plena praça pública.

Nesse romance, a praça toma o primeiro plano na narrativa. É

lá que acontecem as procissões, os discursos, as punições dos negros

(Pelourinho) e a grande representação de enforcamento, feito de forma

simbólica, do mestiço Januário.

De cima do patamar da forca, na sua plataforma, o

preto Mulungu olhava soberano a praça cheia de

gente e soldados na mais rigorosa formação militar,

tão soberano e soberbo como o Capitão-General

titereteiro da sua sacada enfeitada de brocado de

ouro velho. (DOURADO, 1974, p. 30).

O momento da representação, da Farsa, é o ponto alto do texto

que será encenado ao ar livre. Na parte mais elevada da plataforma, Mulungu

se iguala ao Capitão-General por uns instantes. Mulungu, no patamar da forca,

detém o poder, é autoridade suprema; do alto olha para todos de modo

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O labirinto trilha dos negros (espaços de circulação) 164

arrogante, altivo, soberano. Mesmo que esteja sendo usado pelo Capitão, por

alguns instantes é personagem importante na grande Farsa.

Essa performance, no caso da morte em efígie, representação

feita na praça, tem uma função social e atua como instrumento de opressão

sobre os dominados e de manutenção da ordem social vigente com o objetivo

de mostrar a força governante do Capitão-General perante todos e,

principalmente, perante el-Rei, isto é, além de realçar certos aspectos da

estrutura, reforça o sistema de dominação, visto que o ato foi praticado perante

o povo em praça pública.

A gente posiciona-se, pois, como um destinatário passivo,

como um espectador capturado em vários de seus sentidos e por demais

envolvido pela cena, o que não permite distanciamento para o exercício crítico.

As narrativas em estudo mostram a atuação e a participação

das personagens num espaço social. As ruas e as praças definem-se como o

palco apropriado para rituais e celebrações, à proporção que permitem um

maior envolvimento da população no seu conjunto para dela exigir, em vista do

aparato e da ostentação, uma atitude de total passividade.

Nesse espaço público, também se festejavam os

acontecimentos importantes, como as festas religiosas, as procissões, como,

por exemplo, a de Corpus Christi (OSA), em que as multidões se juntavam na

praça principal para celebrar datas comemorativas (OM, OSA, LP). Esses eram

os locais onde se davam os grandes momentos de interação social, sempre

assinalados pela forte presença de negros, mesmo que desempenhando

funções inferiores.

A cada evento, esses espaços recebiam uma decoração

especial a mando de el-Rei para acolher as performances. As representações

se davam aos olhos de uma numerosa e incansável platéia sempre disposta a

assistir a todos os acontecimentos e comentá-los.

No caso da personagem Lucas Procópio arrastava multidões

para as praças com o objetivo de conscientizá-las da importância do passado

aurífero mineiro através da palavra, da poesia recitada. Em cada praça, cidade

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O labirinto trilha dos negros (espaços de circulação) 165

ou lugarejo, as pessoas ouviam, discordavam ou não, e reagiam após os

discursos fervorosos do cavaleiro andante, que acreditava poder voltar às

Minas do século XVIII.

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Diz que o pai é rei... vai preto ser rei! (...) Tanta raiva,

meteu o relho nele de pura ruindade. A melhor coisa que há

é a gente deixar um no tronco torrando o bestunto no sol.

Autran Dourado.

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Espaço da memória (violência)

ara além dos espaços internos e externos aqui referidos,

um outro que nos chama a atenção é o da memória,

através da qual somos também introduzidos no universo dos negros,

principalmente no universo da violência por eles vivenciada.

O processo cruel e criminoso da escravidão deixou marcas

físicas e morais no negro escravizado, de proporções descomunais. É só

acompanhar a trajetória, quase desespero, de Isidoro.

Eu não, disse Isidoro numa raiva súbita que

Januário desconhecia, tão acostumado à mansidão

que o chicote lhe ensinara na carne desde cedo,

menino ainda. Mansidão que Januário atribuía à

bondade inata da raça, esquecido dos troncos e

bacalhaus, das cadeias e gargalheiras que forjaram

a submissão. (DOURADO, 1974, p. 17).

Os maus-tratos e os fortes castigos imprimidos aos negros

fizeram com que eles sufocassem sua forma de ser. O calar foi a forma de

expressão silenciosa oposta à linguagem formal em que os negros se

manifestaram, mas, no inconsciente, ficou registrado o processo cruel e

violento da escravidão.

Era um sentimento mais forte do que ele. A

submissão ensinada, que os brancos marcaram a

ferro em brasa na sua mãe, no pai que ele não

P

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O espaço da memória (violência)

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conheceu. Nele próprio, pensava na cicatriz na

espádua. Ia aos pouco se dominando. (DOURADO,

1974, p. 20).

Os textos autranianos em estudo mostram, com freqüência, o

absurdo dessa violência que tinha a finalidade de fazer com que os negros

escravizados perdessem a noção de que eram seres humanos para exercer

sobre eles a dominação total. O narrador, em vários momentos, nas páginas

dessas narrativas, relata dramáticas passagens sobre as profundas alterações

no comportamento individual e social dos negros escravizados.

Os pés pisando firmes e mansos, cuidadosos, o

medo de pisar em galho seco ou cobra, os passos

ritmados e gingados atrás dele, no ritmo que

aprenderam em virtude dos negros andarem

sempre juntos, presos e ligados por grossas

cadeias que atavam as gargalheiras entre si, para

que eles não fugissem de volta das faisqueiras e

ribeirinhos, das grupiaras. Os pés atrás dele,

aqueles pés enormes e grossos, gretados e duros,

os pés que sofreram bragas e ferros. (DOURADO,

1974, p. 14).

Rasgar a terra, para nela extrair metais preciosos ou torná-la

produtiva, é um processo sangrento, que requer o dilaceramento da carne do

escravo, obrigado à aprendizagem do trabalho ou ao trabalho contínuo,

deixando marcas indeléveis pelo corpo supliciado, como as conhece e guarda

Isidoro

Nhonhô não se lembra daquele mundéu de orelhas

de preto enfiadas em cordão de embira, pingando

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O espaço da memória (violência)

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sangue e salmoura? Pra exemplar, pra branco

caçador, branco batedor dos seus avós como dos

meus, receber a paga da grande façanha.

(DOURADO, 1974, p. 22).

Além das torturas físicas já apresentadas, existiam as torturas

psicológicas (saudade, lembrança, amor e etc.) registradas através de uma

prática comum e extremamente violenta que se dava na época, a separação

das famílias dos negros após o desembarque nos portos brasileiros. Esse

acontecimento ficou marcado na memória de Jerônimo, que de vez em quando

relembrava como tinha acontecido.

Essa atitude violenta objetivava dificultar a comunicação entre

eles e impedir de formarem grupos e tramarem revoluções. Os brancos

procuravam dispersar as famílias, os parentes e todos aqueles que pertenciam

ao mesmo grupo étnico.

Separavam a mãe dos filhos, os irmãos dos irmãos,

o marido da mulher; misturavam gente de uma tribo

com gente de outra, um cadinho fervilhando.

(DOURADO, 1985, p. 28).

Essas separações causavam alterações no comportamento

motivadas pelo desejo de vingança, pela apatia, pelo desinteresse pelas coisas

da fé cristã, pela quase ausência de esforço para aprender e fazer aquilo a que

eram obrigados pelos seus amos, atitude e/ou comportamento vil que deixava

o senhorial em total estado de alerta.

Há uma citação do dicionário de Alaôr Eduardo Scisínio, em

que ele afirma que os negros ficavam desesperados com essas separações

viam-se alguns cativos ferir a cara com as próprias mãos, enquanto outros

faziam suas lamentações em forma de canto, segundo o costume de sua terra,

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O espaço da memória (violência)

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e embora sua linguagem não fosse compreendida, bem correspondia ao grau

de sua tristeza. (SCISÍNIO, 1997, p. 297).

É válido continuar destacando essa descrição, já longa, por ser

similar às várias citações encontradas nos textos de Autran Dourado.

Se convinha, apartavam-se os filhos dos pais, as

mulheres dos maridos, os irmãos dos irmãos: as

mães apertavam os filhos nos braços, e lançavam-

se com eles de bruços, recebendo feridas, com

pouca piedade de suas carnes, por lhes não serem

tirados. (SCISÍNIO, 1997, p. 297).

Essa violência nos é também evocada pelas lembranças do

personagem Pedro Chaves, que, na qualidade de feitor, havia sido responsável

por uma infinidade de torturas infligidas aos negros. Tratava os escravos como

animais, eles passavam um cortado com ele. A carabina na mão esquerda, o

chicote na direita, impunha medo e respeito. (DOURADO, 1985, p. 32).

Revoltado com sua situação de branco enjeitado, tratado como

preto, Pedro Chaves, por não poder descarregar seu ódio nos senhores,

canalizava-o todo aos negros por quem alimentava um forte preconceito,

tratando-os sempre como animais.

Silencioso, avesso ao diálogo, acreditando que tudo podia ser

resolvido através da violência, Pedro Chaves castigava os negros nas lavras.

No passado, conviveu com centena de pretos, dentre eles Jerônimo, mas,

mesmo agora não mais feitor, ainda expressava o ódio que mantinha aos

negros quando rememorava esse tempo.

Tanta raiva, meteu o relho nele de pura ruindade.

Vai ser infante nos quintos dos infernos! A melhor

coisa que há é a gente deixar um no tronco

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O espaço da memória (violência)

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torrando o bestunto no sol. Melhor diversão é ver

crioulo ser açoitado. Sangue fedorento no chão.

(DOURADO, 1985, p. 41).

A personagem Pedro Chaves, que é um feitor odiado, o

famigerado terror das lavras do Vale do Tripuí (DOURADO, 1985, p. 27), estará

muito presente em todos os capítulos dessa narrativa, desempenhando papel

de perseguidor e matador de negros. Sempre que pensa ou se dirige a

Jerônimo fá-lo chamando-o de preste de preto, ou: Esse preto é a parte mais

difícil da minha traça, disse a si mesmo (DOURADO, 1985, p. 24).

Observam-se passagens em Lucas Procópio em que a

personagem Pedro Chaves se dirige ao seu companheiro de andejos sempre

de forma violenta, pejorativa e com desconfiança, como, por exemplo: demorou

muito o diabo desse Ioruba (DOURADO, 1985, p. 24). Por trás do tom raivoso

dessa fala existia o medo de que Jerônimo fugisse e fosse ao encontro dos

quilombolas, pretos fugidos, e se juntasse a eles para conviver em liberdade.

Se fosse no passado, seria diferente:

Pedro Chaves ficava sentado num palanque

coberto de sapé, feitorando. No colo a carabina

prontinha pra na hora de algum escravo tentar fugir.

Não carecia de tanta malvadeza, viviam

acorrentados pelos tornozelos. (...) Se um fugia e

era pego, chegavam o ferro em brasa no braço dele

com a letra F. (DOURADO, 1985, p. 47).

Através dos mais diversos tipos de violência, os feitores

acreditavam impor medo e respeito. Como não havia investigação nem

policiamento para puni-los, então, ritualisticamente, os negros recebiam os

mais terríveis castigos.

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O espaço da memória (violência)

172

É importante ressaltar que o aspecto mais chocante da

escravidão do africano foi o processo cruel, perverso, do senhor para submeter

o escravizado aos seus interesses e caprichos. Há vários registros / denúncia

de assassinatos praticados por Pedro Chaves, feitor branco, que se envolve

com as mucamas das sinhás, depois prepara a morte dos seus maridos negros

que viviam presos na senzala. Após imprimir os castigos, Pedro Chaves dizia

que tinha que ser assim, coisa do destino. Na sua visão doentia não havia

saída para os negros:

Afinal, quem senão eles, os pretos, ia cuidar dos

serviços pesados nas Minas? Os escravos das

lavras lhes garantiam o bem-estar, o capital, a

vadiação. (DOURADO, 1985, p. 32).

Nessas narrativas, os negros, de certa forma, se encontram em

sujeição física e econômica, além da limitação de espaços e da ausência de

autonomia, de valor em si; vivem na condição de dominados, de mão-de-obra

escrava, como também totalmente apropriados por parte do colonizador

branco.

Arrancado de sua terra de origem, destituído de autonomia da

própria vida, porque privado de posses, o negro transforma-se em objeto,

propriedade do senhor branco. Através do seu trabalho, realiza-se a

apropriação e exploração da terra e a acumulação de riqueza e poder do seu

senhor.

Assim, a razão dominadora e opressora impõe-se ao âmbito da

natureza humana, a fim de que uns poucos lucrem e se beneficiem do produto

alcançado à custa do sacrifício de muitos. Essa é a relação dos homens entre

si, na medida em que muitos, por não terem autonomia, são vistos como

objetos.

Mesmo em todo esse processo cruel da escravidão, da

desumanidade criminosa do senhor branco, personagens, como o negro

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O espaço da memória (violência)

173

Isidoro e Jerônimo, que sofreram os piores castigos a mando dos senhores

brancos e praticados pelos feitores, ousam e enfrentam seus senhores como

forma de lutar pela sua sobrevivência física e cultural.

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Jerônimo não podia crer na verdade católica,

nos valores cristãos: acreditava porém nos sombrios

deuses da sua escuridão. E tinha uma fé ilimitada em

sua raça, no seu povo, na sua nação. Sonhava um dia reunir

os povos iorubas numa só grande nação. Havia de libertá-los, vencer.

Autran Dourado

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Memória cultural (credos e falares afros)

uma releitura da sociedade mineradora colonial, Autran

Dourado traz à tona vários aspectos da cultura afro-

brasileira, dentre os quais a língua e a religiosidade, formas de expressão das

personagens negras.

A cultura Ioruba66 era a predominante entre os negros

escravizados que aportaram no Brasil no período colonial. A grande afluência

deu-se mais precisamente nos fins do século XVIII, período histórico registrado

nas narrativas autranianas.

No romance Lucas Procópio, o negro Jerônimo é Ioruba. Por

saber sua língua de origem, foi escolhido por Lucas Procópio para acompanhá-

lo em sua viagem pelos interiores de Minas, como uma espécie de guia e

guarda-costas.

Na frente, um preto que devia ser abridor de trilhas

no mato virgem, língua e protetor nos perigosos

encontros com possíveis negros quilombolas,

conhecedor da língua geral deles, o ioruba com que

se entendiam os negros de diversos dialetos

maldosamente misturados. (DOURADO, 1985, p.

15, grifo nosso). 66 IORUBA, uma língua distinta, constituída de vários falares regionais, pouco diferenciados e concentrados nos territórios limítrofes entre a Nigéria ocidental (egbás, oiós, ijexás, ijebus, ifés, ondos, ibadãs, oxobôs) e o Reino de Queto, no Benim oriental. Chamados de ‘ànàgó’ pelos seus vizinhos, termo por que ficaram genericamente conhecidos no Brasil sob a forma nagô. Falares africanos na Bahia. P. 41. Livro de Yeda Pessoa de Castro.

N

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Memória cultural (credos e falares afros)

176

É interessante observar como, nessa citação, o narrador

ressalta, de modo crítico, o processo intencional do colonizador de impedir a

comunicação entre os africanos, ao misturar os diversos dialetos, criando,

assim, uma verdadeira torre de Babel. Jerônimo gesticulava, falava numa

língua que mesmo os da sua nação não poderiam entender. (DOURADO,

1985, p. 82).

A forma intensa e devastadora da colonização sobre os povos

africanos levou também a um processo de fragmentação da língua materna de

cada tribo (Nação), acarretando uma dependência lingüística que ainda hoje

perdura em decorrência da sobreposição das línguas européias impostas pelo

colonizador.

Daí o pouco conhecimento que se tem da contribuição dessas

línguas africanas no falar brasileiro, como também das línguas indígenas,

ambas recalcadas pelo colonizador. Apesar de tudo, porém, essas línguas, mal

ou bem, não desaparecem de todo. Para algumas personagens negras de

Autran Dourado, a língua africana se encontrava apenas silenciada por causa

do processo violento da colonização, mas nunca esquecida.

Mesmo se expressando na língua do colonizador, pois era a

única forma de se comunicarem por causa da grande dispersão causada pelo

tráfico e, conseqüentemente, da vigília de feitores, senhores e sinhás, essas

personagens guardavam, no mais recôndito de seu Ser, os vocábulos de seus

ancestrais e, nos momentos limites, discursavam, cantavam e oravam em

Ioruba.

Me esqueço que estou na presença de branco e

passo a falar em Ioruba. E fico falando na história

do meu povo, das suas lutas guardadas na cabeça

e no coração, passadas de pai a filho, não tem

escrita a nossa tribo-nação. (DOURADO, 1985, p.

52).

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Memória cultural (credos e falares afros)

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Jerônimo traduzia para si mesmo aqueles sonhos

de grandeza para a sua terra distante, pensando na

língua da sua tribo, por ele chamada nação.

(DOURADO, 1985, p. 27).

Voltar a falar Ioruba, sua língua materna, além de um gesto

marcante de resistência, de preservação da identidade, muitas vezes se traduz

também como uma ruptura lingüística, proveniente da revolta total com a

situação. Confirma bem essa observação o discurso do negro Isidoro, do

romance Os sinos da agonia, abaixo transcrito.

Eu falo agora pela última vez, foi dizendo Isidoro

pausado e duro, feito ditando uma carta. Daqui pra

frente me calo de vez em língua de branco. Só vou

falar ioruba, língua da minha cor. Branco nenhum

vai mais me entender. Podem me matar de

pancada, bacalhau no lombo, pés e braços no

tronco, que não falo mais língua de branco, de

reinol ou paulista nenhum! (DOURADO, 1974, pp.

217, 218).

É nessa perspectiva de resistência, de preservação de

identidade que podemos ver o hábito do negro Jerônimo, já mencionado, de

passar para a língua Ioruba os discursos de Lucas Procópio; de tentar ensinar

ao seu senhor o significado de termos próprios de sua língua como “Dun" que

em português significa “atormentar”, ou “Kikun” que é “duro” e “infalível”,

“Malungo” quer dizer “companheiro”, “camarada” e “Orum” é “céu”, de ficar se

expressando em sua língua, falando ou cantando sem ninguém entender o que

dizia.

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Memória cultural (credos e falares afros)

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O preto Jerônimo cantava vigoroso, a voz

poderosa, não a letra latina, mas uma algaravia de

palavras conhecidas e desconhecidas de gente, na

língua de sua longínqua, amada e negra nação. Ele

se dirigia aos seus deuses, que os brancos

tentavam matar, para só existir um. (DOURADO,

1985, p. 21).

Ao abordar em “Entre-lugar do discurso latino-americano”, as

questões relacionadas com o processo de colonização, Silviano Santiago

(1978, p. 16) chama a atenção para a imposição do conquistador de um só

Deus, um só Rei, uma só Língua: o verdadeiro Deus, o verdadeiro Rei, a

verdadeira Língua, como forma de desterritorialização total dos colonizados.

A citação anterior, extraída de Lucas Procópio, confirma essa

política. O gesto de cantar vigorosamente por parte de Jerônimo, conforme

registra o narrador, deixa entrever a resistência do personagem ao processo de

assimilação cultural. Jerônimo é uma das personagens negras autranianas que

não aceita passivamente as determinações dos seus senhores. Através da

digressão do narrador, constata-se, de modo crítico, a denúncia da negação da

religiosidade africana por meio do extermínio dos seus deuses em favor do

deus da cultura dominadora.

Nazareth Soares Fonseca, em seu artigo: Visibilidade e

ocultação da diferença. Imagens do negro na cultura brasileira, comentando

sobre o texto de Lilia Moritz Schwarcz, Ser peça, ser coisa: definições e

especificidades da escravidão no Brasil, em que aborda a questão do

batismo. Diz:

No texto, são reavaliados os processos de

descaracterização impostos aos escravos, tornados

evidentes desde o batismo recebido pelos oriundos

de diferentes regiões da África, na nova morada.

Longe de propiciar a integração dos africanos na

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Memória cultural (credos e falares afros)

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nova ordem que se forma com seu trabalho, o

batismo legitimava, na lei de Deus, um tipo de

propriedade bem pessoal que podia ser alugada,

leiloada, penhorada e hipotecada. O sacramento

cristão transformava os escravos num bem não

diferenciado dos animais utilizados no trabalho de

carga. (FONSECA, 2000, p. 96).

A partir da data da forçada conversão ao catolicismo, todos os

negros recém chegados ganhavam uma nova identidade religiosa e pessoal.

Eram vigiados e proibidos de praticarem rituais religiosos com culto aos deuses

africanos. A questão do acesso aos sacramentos, segundo Donald Ramos:

Foi obviamente crucial para integrar o escravo à

sociedade luso-brasileira. O batismo de escravos

era tão importante que o sempre vigilante conde de

Assumar, por exemplo, em 1719 ordenou aos

párocos que assegurassem que os escravos

fossem catequizados e batizados, e além disso

insistiu que notificassem aos ouvidores a identidade

daqueles que se recusassem para que fossem

punidos. (RAMOS, 1996, p. 171).

A prática desse culto (batismo) trazia subjacente o desejo de

fazê-los esquecer a sua cultura, pois, desarticulados de suas origens, eles

perderiam por completo a identidade, processo iniciado com a retirada do seu

habitat, de sua organização social, do seu mundo.

No entanto, nem todas as personagens negras se comportam

como Isidoro e Jerônimo. Diferentemente deles, Quiquina, personagem do

romance Ópera dos mortos, ao invés de resistência, parece se deixar seduzir

pelas práticas religiosas do branco. Sabe-se que Quiquina, como já foi

colocado, vem do tempo dos antigórios, época em que algumas centenas de

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Memória cultural (credos e falares afros)

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milhares de iorubas foram trazidos como escravos para o Brasil. Sua cultura

predominou sobre a de outros grupos africanos e influenciou diversos aspectos

da cultura brasileira, como, por exemplo, o religioso.

Observa-se que não há registro de uma prática religiosa

consciente em Quiquina. O que ocorre é o fenômeno da assimilação cultural

que fica evidente no momento em que Rosalina dá por falta dos seus

santinhos, mas logo descobre que era a preta que os tirava.

Na casa do padre, ia pedir santinho. Os santinhos

pregados nas paredes do quarto, na cozinha, nos

cômodos onde Quiquina vivia. Que graça tinham

agora aqueles santinhos? Quiquina roubava os

seus santinhos, via agora. Para que Quiquina

queria aqueles santinhos todos? Pra ir pro céu?

(DOURADO, 1967, p. 33).

Entretanto, esse gesto de Quiquina não pode ser interpretado

como uma adesão total ao catolicismo. Muitas vezes, os negros, por conta da

imposição dessa religião, com medo dos castigos, fingia cultuar os santos

católicos, quando, na verdade, estavam prestando culto às divindades

africanas que foram transportadas para o Brasil, aqui tidas como figuras

malignas, vinculadas ao demônio, às práticas de feitiçaria.

O sincretismo religioso afro-brasileiro é visto como uma

estratégia de simulação para manter os cultos às divindades africanas sob a

máscara dos santos católicos. O representar, o fingir, o dissimular foram

portanto, saídas inteligentes dos negros para conseguirem preservar seu

código / prática religiosa.

No romance Os sinos da agonia, após longa convivência no

corpo da casa dos Galvão, simulando estar acostumada aos rituais cristãos –

no dia-a-dia, na presença do senhor, obedecendo, e à noite fazendo rituais

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Memória cultural (credos e falares afros)

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para seus deuses -, Inácia se trai ao saber da notícia de que Malvina se

suicidou:

Inácia deu um grito, caiu de joelhos no chão. Entre

baba, e lágrimas e soluços, ela chorava e se

lastimava numa mistura de ioruba e língua do reino,

de santos e orixás. (DOURADO, 1974, p. 201).

Se, por parte do negro, o sincretismo funcionou como

estratégia para continuar prestando cultos aos seus deuses; por outro lado,

termina também atingindo os seus senhores, que são, por sua vez,

influenciados pela religião dos escravos.

Observe-se o diálogo, no romance Lucas Procópio, entre a

sinhá Ismênia e sua mucama Amélia. Ismênia a procura para contar sobre uma

paixão impossível e pedir à negra que faça uns trabalhos para que ela possa

conseguir esse amor.

Recorra às mandingas, aos seus orixás. De uma

certa maneira acredito, tenho fé nelas. Faça uma

mandinga, eu consigo uma coisa qualquer dele

para você com ela trabalhar. (DOURADO, 1985, p.

57).

Contudo, apesar de apropriadas pela cultura do dominador,

essas práticas religiosas africanas continuam sendo discriminadas e vistas

como manifestação de forças inferiores. Vê-se que o negro é espoliado em

relação a sua cultura, e a sua maneira mágica, anímica, de conceber e explicar

o mundo é utilizada como instrumento de sua opressão.

Entretanto, a recorrência às práticas religiosas africanas

(mandinga, vodu) por parte das personagens negras autranianas pode ser vista

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Memória cultural (credos e falares afros)

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como uma forma de resistência cultural no seio daquela sujeição física e

econômica. Assim, através do ritual mágico-fetichista, os escravos procuram

preservar para si um conhecimento que escapa aos seus dominadores.

E Jerônimo via nas coisas poderes e sombras, tudo

mistério e premonição. No animismo fetichista

cultivado às escondidas dos brancos, os

destruidores da sua religião. Tudo era símbolo e

sinal, as coisas viviam, falavam, segredavam

conselhos aos amados dos deuses que

representavam. (DOURADO, 1985, p. 38).

Conhecedor de sua cultura, como já foi mostrado em páginas

anteriores, Jerônimo, em defesa de sua religião, tenta explicar a Lucas

Procópio o significado das prática religiosas africanas.

Jerônimo tirou do bolso um boneco de madeira.

Depois disse eu sei que Nhonhô não acredita, mas

se eu fincar neste calunga um prego e pedir

arriscadamente ao perigoso e terrível Exu, Pedro

Chaves morre agora mesmo. (...) Lucas Procópio

disse na hora que eu carecer, apelo por seu auxílio,

por sua mandinga. Jerônimo quase morre de

felicidade ao ouvir isso. (DOURADO, 1985, p. 46).

Jerônimo aproveita o ensejo e passa a falar sobre a utilização

da palavra mandinga e explica sua etimologia, afirmando ser o nome de uma

língua da África, cujos sinônimos de feitiço, bruxaria, malefício, mau-olhado,

sortilégio, foram maldosamente criados pelos brancos, como era entendido por

Lucas Procópio.

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Memória cultural (credos e falares afros)

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Na verdade, mandinga, mais do que designativo de uma

língua, nomeia um grupo etnolingüístico da África ocidental (Mali, Guiné, Costa

do Marfim, Senegal, Benim, Nigéria), do qual muitos integrantes foram trazidos

para o Brasil como escravos. Esses negros eram considerados mais

resistentes aos castigos e mais capazes de empreender fugas.

Em Os sinos da agonia, a morte por efígie de Januário evoca

ao negro Isidoro o culto do vodu; entregando-se a essas lembranças, traz-nos

ele considerações acerca das etapas do processo ritualístico dessa prática.

Preto sabe tudo, basta esticar as ouças, escutar a

escuridão. A mãe da gente, os orixás da proteção.

Se a gente espeta um calunga dizendo que é o cujo

que a gente quer acabar, de longe ele vai sentir,

mesmo as dores vai purgar. O corpo de Nhonhô

dependurado balangando na forca, na praça aquela

vez. Agora diziam que Nhonhô estava morto, para

el-Rei. Foi o que matou Nhonhô, de longe ele

sentia. Um calunga dependurado. O baque na

goela, deve mesmo de longe ter sentido. A

estremeção. Daí foi principiando a morrer.

(DOURADO, 1974, p. 206).

Há uma relação direta entre o ritual da morte em efígie e a

prática do vodu. A personagem Isidoro conhecia todos esses rituais: se você

deseja um mal para alguém e não se consegue fazer diretamente, esse alguém

pode ser representado por um boneco, e a pessoa, mesmo distante, vai sentir

as dores dessa maldade.

Se a gente pega um boneco, seja um calunguinha,

e faz com ele toda sorte de maldade, pensando e

dizendo que o calunguinha é a pessoa que a gente

deseja tudo de ruim pra ela, se a gente espeta e

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Memória cultural (credos e falares afros)

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fura com faca ou punhal, mesmo a pessoa longe

começa a espernear e a sofrer, a sangrar e a

morrer, igual o calunguinha. Assim dizem na

mandinga que ensinaram Isidoro a fazer.

(DOURADO, 1974, p. 32).

O culto vodu contribuiu para o sincretismo dos ritos animistas

africanos com ritos católicos. Em vários aspectos, o ritual se assemelha ao

candomblé brasileiro com a presença de divindades afins: Sabô é Xangô; Gun

é Ogum; Obessem é Oxumaré; Olissassá é Oxalá.

A postura do sincretismo religioso de associar os santos

católicos com os orixás africanos, além de tornar-se prática comum com o

passar dos tempos em alguns estados brasileiros, é, como já foi dito, uma

forma de resistência negra. Há um momento da narrativa em Lucas Procópio

em que a personagem homônima pergunta a Jerônimo:

por que não fala um pouco com os seus deuses,

com os seus orixás? Com qual deles, perguntou

Jerônimo, temos muitos. O deus do perdão, o deus

do amor, disse Lucas Procópio. Nhonhô quer dizer

Oxalofã, o deus filho. Sim um Cristo, o salvador,

disse Lucas Procópio. Esse é Jesus, deus de

branco, não reina sobre os povos iorubas, os da

minha nação, Egbá. (DOURADO, 1985, p. 28).

Nessas narrativas, encobrimento e descobrimento, realidade e

farsa eram como um jogo de trocas simbólicas entre os negros que

aproveitavam de alguns momentos dos seus senhores e fingiam professar a fé

cristã, em outros oravam para as imagens dos santos católicos nas senzalas,

mas sempre remetendo às representações religiosas do passado africano.

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Memória cultural (credos e falares afros)

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Recorrendo ainda ao romance Os sinos da agonia, observa-

se que é através da personagem Isidoro que se insinua a possibilidade de

transformação e mudança da vida que os negros levavam, o que se fará

também pelo retorno às origens num processo penoso, que exige a luta contra

a sina do cativeiro entranhada no fundo de sua alma, fruto de dolorosa

aprendizagem. Voltar às origens, pois, significa reconstruir a identidade e a

liberdade perdidas para ser sujeito da história.

Refletindo sobre essa questão em “Orfeu Negro”, ensaio sobre

a negritude, os estereótipos, a assimilação, a violação da língua e das crenças

etc., incluído no livro Reflexões sobre o racismo, Jean-Paul Sartre afirma

que:

A situação do negro, sua “dilaceração” original, a

alienação que um pensamento estrangeiro lhe

impõe sob o nome de assimilação obrigam-no a

reconquistar sua unidade existencial de negro ou,

se se prefere, a pureza original de seu projeto, por

uma ascese progressiva para além do universo do

discurso. (SARTRE, 1978, p. 104).

Na obra de Autran Dourado, as personagens negras estão

sempre em busca de sua cultura originária. São personagens exiladas,

deslocadas, vivendo uma revolta interna, por causa do exílio forçado, com os

maus tratos que recebem. A descoberta de um quilombo era como se tivesse

encontrado sua nação. Por essa razão é que Isidoro continuava a pensar nos

quilombos:

Será que ele sonhava com os quilombos do Zundu

e do Calaboca? Será que ele se entregava ao reino

de sonho de Pai Ambrósio? (...) Pai Ambrósio

vestido num manto todo bordado de ouro, coberto

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Memória cultural (credos e falares afros)

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de pedraria, assentado no seu trono de prata. O

seu manto azul, o mesmo manto que vestia Nossa

Senhora do Rosário dos Pretos. (DOURADO, 1974,

p. 21).

Na verdade, essa busca incessante dos quilombos por Isidoro

reflete um anseio do espaço de luta e transformação. Não obstante, o processo

de mudança é apreendido por ele numa perspectiva mais mítica que histórica.

Analogicamente, Isidoro vê o quilombo assim que nem o reino

do céu que branco promete pra gente no fim da vida... (DOURADO, 1974, p.

22); e o pai Ambrósio, líder dos escravos amotinados, como, um rei ou deus

negro, vestido num manto todo bordado de ouro, coberto de pedraria,

assentado no seu trono de prata. (DOURADO, 1974, p. 21).

O negro Isidoro, após sofrer uma infinidade de torturas, ante as

situações difíceis, evade-se em espírito para a sua saudosa e amada nação

africana. Impossibilitado de deduzir a viabilidade histórica da libertação de seu

povo do cativeiro, Isidoro deixa-se guiar tão-somente pelo sonho. Afinal, a

gente carece de fumaça, de ar, de azulidão. Pra poder agüentar a dor de viver.

(DOURADO, 1974, p. 216).

Dizem que Ambrósio não morreu...Dizem que um

dia ele volta com uma tropa de centuriões, muito

mais de mil, que ele vive alforriando...Dizem que

Ambrósio não envelhece, a morte de Ambrósio foi

mentira, invenção de branco, disse Januário

repetindo o que tinha ouvido contar na senzala do

pai. (DOURADO, 1974, 216).

O quilombo para o negro Isidoro, que sofreu o ferro das

gargalheiras, é sinônimo de liberdade, por isso ele continua buscando esse

espaço. Isidoro é um preto mina, das lavras, das faisqueiras, conhecido na

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Memória cultural (credos e falares afros)

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faiscação como excelente catador de ouro e fama de ladino, por apenas uma

tentativa de fuga. Mas com o tempo recuperou a confiança de seu dono, o

coronel Tomás Matias Cardoso, e passou a ter um tratamento diferenciado.

Coincidência ou não, há uma estreita relação entre essa

personagem fictícia e uma personagem real do Brasil colônia (SCISÍNIO, 1997,

p. 183). Isidoro foi um negro, escravo quilombola que trabalhava nas Minas de

um religioso, frei Rangel. Através de outros garimpeiros que viviam da

mineração, consegue armas e munição, formando, assim, com outros escravos

um quilombo, o temido Quilombo de Isidoro, por ter resistido a muitas

expedições e provocado muitos estragos no século VXIII.

Voltemos à ficção. Mesmo consciente de que o quilombo de

Ambrósio não passa de um sonho, por dele precisar, continua a persegui-lo e,

na impossibilidade de o encontrar, chega até a pensar em, junto com outros

negros, formar o seu. A profusão de idéias, decorrentes desse pensar

incessante, quase uma idéia fixa, o deixa confuso.

Só se for um outro Ambrósio, aquele morreu, disse

Isidoro começando a querer acreditar. Não, tudo

isso é história, fumaça, invenção! A gente carece

disso, é melhor isso sofrendo do que nada sem dor.

(...). É feito esse rei dom Sebastião, que tem muito

branco esperando até hoje. Se acha que ainda tem

quilombo... disse querendo acreditar, já

acreditando. (DOURADO, 1974, 216).

Imbuído da crença no mito sebastianista, Isidoro não desiste.

Continua acreditando nesse lugar fincado na fronteira entre sonho e realidade,

possibilidade de espaço possível para aliviá-lo do poder senhorial. Essa

situação não só acontece com Isidoro, como também com Jerônimo,

personagem do romance Lucas Procópio.

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Memória cultural (credos e falares afros)

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O negro Jerônimo é acometido desse sonho ao se envolver

com a maneira esquisita e ao mesmo tempo apaixonante de Lucas Procópio,

com quem saiu em viagem pelos interiores de Minas.

Omoro Binte, o nome roubado pelos brancos.

Também ele vinha sendo despojado do que as

pessoas têm de mais precioso, o nome. E tudo lhe

foi roubado. Tinha vinte anos e podia suceder ao

pai. Quando vieram os brancos e o compraram de

uma tribo inimiga, aprisionado enquanto se distraía

caçando. Todo o poder real sumiu no ar, se foi nas

asas do vento, para nunca mais. (DOURADO,

1985, p. 27).

Despojado de sua identidade, em sonhos, Jerônimo via sempre

seu pai (Kajali Binte) a chamá-lo de traidor de seu povo, pedindo que ele

acordasse. E acordar era retomar o sonho primeiro:

(...) falo do sonho grande de quando eu vivia na

África. Eu sonhava de um dia, quando rei da minha

tribo, juntar aquele povo ioruba numa só nação,

num império feito o Brasil. (DOURADO, 1985, p. 52-

53).

É um sonho tão utópico quanto o do seu senhor, o cavaleiro

andante, Lucas Procópio Honório Cota, de restabelecer, através da poesia, os

tempos áureos das Minas Gerais. Ambos, em seu delírio utópico, à sua

maneira, trazem à tona o inconformismo com a realidade na qual se encontram

inseridos, uma realidade disfórica, marcada pela decadência e pela opressão.

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Deus é que sabe por inteiro

o risco do bordado.

Autran Dourado.

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Agora chegou a vez do tempo passar, o tempo passou

onhecer a obra de Autran Dourado é deparar, a cada passo,

com a construção labiríntica dos seus enredos, com seus

títulos metafóricos e com um rigoroso trabalho com a palavra, que é explorada

em toda a sua funcionalidade.

Ao trabalharmos com as três narrativas (Ópera dos mortos,

Os sinos da agonia e Lucas Procópio), defrontamo-nos com questões

significativas, como a abundância de citações e referências, que, além de

serem utilizadas como recursos da maior relevância de sua técnica ao se

somarem, evidentemente, aos outros elementos construtivos da narrativa,

definem o estilo desse autor.

Assim, a obra de Autran deve ser lida e pensada dentro de um

sistema de textos, o qual à medida que vai se apropriando de fragmentos de

outros textos, vai construindo o seu numa relação transtextual. Nesse

processo, ao privilegiar a intratextualidade e a intertextulidade, o narrador vai

simultaneamente construindo bifurcações ampliadoras do espaço semântico e

afirmando sua contribuição à arte literária brasileira.

No Bloco I, ao darmos ênfase à relação evidente entre a ficção

e a realidade, esta especificamente relacionada com o período que

compreende o século XVIII, em que se deu o início de uma sociedade colonial

e escravocrata, composta essencialmente por negros, percebemos que a

paixão do autor pelo chão mineiro o levou a recriar, de modo extraordinário, a

ambientação dos Gerais, local mítico, por ele utilizado como cenário central de

sua narrativa.

C

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Agora chegou a vez do tempo passar, o tempo passou 191

Ao abordar essa temática, o autor traça um perfil da realidade

mineira do Brasil colônia com todas as suas contradições da época. Numa

sociedade escravista e colonial, os brancos eram donos das lavras e dos

negros escravos, que levavam uma vida de submissão e quase geralmente de

castigos.

É dentro desse contexto que há uma maior evidência das

personagens negras (algumas assumindo papel de destaque) na obra de

Autran Dourado. Esse quadro nos levou a refletir sobre a problemática do

negro em geral, principalmente os existentes na sociedade mineradora e

colonial das Minas Gerais.

Autran Dourado aborda a relação ficção / realidade de forma

manifestamente consciente. Os motivos que o induziram a trabalhar suas

narrativas dentro de um século específico podem levar a interpretações

diversas que variam entre pessoais (sua origem e seu amor pelo barroco

mineiro) e políticas (os romances em estudo foram escritos entre o final da

década de 60 e o início da década de 80, momento político brasileiro conhecido

como Ditadura Militar).

Uma leitura de Autran Dourado, a nosso ver, não pode

prescindir do material histórico nele contido, pois, ao contrário, se teria que

admitir a presença desses dados históricos apenas como mero cenário, um

pano de fundo, e considerá-los assim seria minimizá-los. Ele próprio já afirmou

que o referencial histórico67 tem função relevante (sem ser essencial) no seu

processo de construção estética.

No andamento da pesquisa, observamos que o real concreto

explorado pelo autor é que dá unidade a cada um dos seus romances e à sua

obra como um todo. A constatação de personagens reais ao lado das ficcionais

circulando livremente em suas narrativas, a dinâmica das relações sociais, a

mobilidade da estrutura social, bem como as instituições (família, casamento,

festas religiosas, rituais, etc), interagindo licenciosamente, revelam a

67 Autran não se prende ao tempo histórico, a ele transcende e o ultrapassa.

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Agora chegou a vez do tempo passar, o tempo passou 192

interligação da realidade dos Gerais com a ficção em Autran Dourado,

retratando, assim, uma época e pondo em marcha a busca do eu e dos

conflitos humanos.

Na segunda parte da pesquisa, ao focarmos a problemática do

negro, passamos a observar como se dava, dentro dos casarões, dos

sobrados, a relação entre negros e brancos; a relação dos negros entre si; a

violência aos negros imposta, desde a física exercida sobretudo pelos feitores

à cultural que incidia sobre seus costumes, sua língua, suas crenças, suas

formas de manifestações culturais.

Ao trabalharmos mais detidamente essas questões fomos aos

poucos observando que, mesmo querendo ser crítico, Autran continua, em

seus textos, a endossar os valores defendidos por uma gama de escritores que

o antecederam. É reveladora dessa atitude a presença na sua obra de

estereótipos construídos segundo os moldes como a sociedade da época

lidava com os descendentes de escravos.

A análise das situações vivenciadas por suas personagens

negras levou-nos a perceber o grau do malefício causado pelo processo de

assimilação cultural, de embranquecimento, aos quais o negro fora submetido,

os danos irreversíveis da violência a eles imposta, a zoomorfização e a

reificação a que foram sujeitados, as quais emergem das imagens trazidas.

Sobre esses últimos pontos, podemos registrar, como exemplo

a forma como os negros eram tratados pelos senhores nos três romances

(Ópera dos mortos, Os sinos da agonia e Lucas Procópio) estudados. Em

muitas ocasiões, essas personagens (Quiquina, Inácia e Jerônimo) eram

comparadas a animais, tinham natureza ruim, não pensavam e eram

mostradas como incapazes de realizar qualquer tarefa comum ao ser humano.

Concomitante, porém, a toda essa negatividade acerca do

negro, a análise das personagens remete, também, à questão da resistência,

da luta desses negros e, ainda, ao sonho de liberdade que os movia na direção

da reconstrução da identidade perdida.

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Agora chegou a vez do tempo passar, o tempo passou 193

Não custa, entretanto, lembrar, como já foi visto, que Autran

Dourado, ao escrever sua obra, mais precisamente os romances em estudo,

não o fez pensando especificamente na questão do negro. O que ele fez, antes

de tudo, foi montar um cenário ficcional da realidade mineira do século XVIII

recriando acontecimentos da época, relacionados com a vida literária, a

exemplo da referência à poesia Árcade, com a decadência aurífera, com o

pavor à chegada da derrama, à morte em Efígie, à realidade dos quilombos, do

cotidiano das famílias da alta sociedade mineradora e, ainda, com o lugar dos

negros nessa sociedade. Nesse espaço-tempo das suas narrativas, mesmo

que não conscientemente planejado, ao transpor para a literatura esses fatos,

Autran nos propiciou a oportunidade de verificarmos a continuidade e a ruptura

presentes na configuração da imagem do negro enquanto personagem

ficcional.

Autran não segue rigorosamente os modelos apresentados.

Seus personagens, mesmo que tenham traços comuns à problemática do

universo do negro, trabalhado pela tradição, deles se distanciam em alguns

aspectos, principalmente no que concerne à questão da sexualidade.

Diferentemente de muitos dos autores a ele anteriores ou dele

contemporâneos, em sua obra não se encontra nenhum traço de erotização

referente às personagens negras.

Vale registrar que Autran Dourado é fruto de uma época em

que a representação do negro na literatura ainda que não liberta totalmente dos

preconceitos e discriminações é norteada pela preocupação de trazer à tona o

que até então fora ocultado por uma gama de escritores considerados

clássicos da história da literatura brasileira.

As questões que foram levantadas nesses textos de Autran,

como sua técnica e os recursos mais utilizados para sua composição artesanal,

bem como, e principalmente, as que estão relacionadas com as personagens

negras, são relevantes por deixarem o leitor ciente tanto da obra do autor como

da realidade de uma parcela da população que foi sempre ocultada nas

páginas da ficção brasileira.

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Agora chegou a vez do tempo passar, o tempo passou 194

Autran Dourado é um escritor que não se cansa de garimpar

novos títulos, novos enredos, novos temas, novas palavras para compor sua

obra ficcional. Recentemente, após completar oitenta anos, entregou à editora

mais um livro de contos, cujo título é O senhor das horas, que se somará às

outras obras completando, assim, o trigésimo livro desse artesão da palavra.

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Referências Bibliográficas Obras do autor*

DOURADO, Autran. Teia. Belo Horizonte: Edições Edifício, 1947.**

_____.Sombra e exílio. Belo Horizonte: Edições João Calazans, 1950.**

(Prêmio Mário Sette do “Jornal da Letras”).

_____.Tempo de amar. Rio de Janeiro: Record, 1984. (Prêmio Cidade de Belo

Horizonte, 1952).

_____.Três histórias na praia. Rio de Janeiro: Serviço de Divulgação,

Ministério de Educação e Cultura, 1955.***

_____.Nove histórias em grupos de três. Rio de Janeiro: José Olympio,

1957.*** (Prêmio Arthur Azevedo, do Instituto Nacional do Livro).

_____.A Barca dos homens. Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1961. (Prêmio

Fernando Chinaglia, da União Brasileira dos Escritores).

_____.Uma vida em segredo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1964.

_____.Ópera dos mortos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967.

(Incluído na Coleção de Obras Representativas da UNESCO).

_____.O risco do bordado. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1970.

(Prêmio Pen-Club do Brasil).

_____.Solidão solitude. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972.

_____.Uma poética de romance. São Paulo/Brasília: Perspectiva/Instituto

Nacional do Livro - MEC, 1973. * Os livros seguem a ordem cronológica da publicação. ** Integrado no volume Novelas de aprendizado. *** Integrado no volume Solidão solitude.

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Referências Bibliográficas (obras do autor) 196

_____.Os sinos da agonia. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1974.

(Prêmio Paula Brito, do Conselho Estadual de Cultura do Rio de Janeiro).

_____.Uma poética de romance: matéria de carpintaria. Rio de Janeiro.

DIFEL/Difusão Cultural, 1976. [Há edição anterior: Matéria de Carpintaria:

Cadernos da PUC/RJ. Rio de Janeiro, Pontifícia Universidade Católica do Rio

de Janeiro, Divisão de Intercâmbio e edições, 1975, 56 p. Número especial da

Série Letras e Artes, 09/75]. A edição utilizada para análise é da Rocco, 2000.

_____.Novelário de Donga Novais. Rio de Janeiro: DIFEL/Difusão Cultural,

1978.

_____.Armas & corações. Rio de Janeiro: DIFEL/Difusão Cultural, 1978.

_____.Novelas de aprendizado. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.

[Conteúdo: Teia. Belo Horizonte: Edições Edifício, 1947 e Sombra e exílio.

Belo Horizonte: Edições João Calazans, 1950].

_____.As imaginações pecaminosas. Rio de Janeiro: Record, 1981. (prêmio

Goethe de Literatura e Prêmio Jabuti da Câmara Brasileira do Livro).

_____.O meu mestre imaginário. Rio de Janeiro: Record, 1982.

_____.A serviço del-Rei. Rio de Janeiro: Record, 1984.

_____.Lucas Procópio. Rio de Janeiro: Record, 1985.

_____.Violetas e caracóis. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1987.

_____.Um artista aprendiz. Rio de Janeiro: José Olympio, 1989.

_____.Monte da alegria. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1990.

_____.Um cavaleiro de antigamente. São Paulo: Siciliano, 1992.

_____.Ópera dos fantoches. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1994.

_____.Vida, paixão e morte do herói. Rio de Janeiro: Globo,1995. (Livro

Infanto Juvenil).

_____.Confissões de Narciso. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1997.

_____.Gaiola aberta:(Tempos de JK e schmidt). Rio de Janeiro: Rocco, 2000.

(Livro de memórias).

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Referências Bibliográficas (obras do autor) 197

_____.Breve manual de estilo e romance. Belo Horizonte: Editora da UFMG,

2003.

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Sobre o autor

ALMEIDA, Dacio de. “Autran Dourado”. Multilivros: Rio de Janeiro, 22-3

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Janeiro 8 de julho de 1958.

ALVARENGA, Octávio Mello. “Tempo de amar: as conquistas do estilo,

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novembro de 1952.

_____. “Tempo de amar. O novo romance de Waldomiro Autran Dourado,

esquema do livro, particularidades”. Diário de Minas: Belo Horizonte, 26 de

outubro de 1952.

ALVES, J. Guimarães. “Teia”. Diário da tarde: Belo Horizonte, 18 de junho

de 1947.

ARARIPE, Oscar. “Autran Dourado, um risco pessoal”. Correio da Manhã:

Rio de Janeiro, 6 de outubro de 1970.

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_____.”Autran Dourado e Os sinos da agonia”. O Estado de São Paulo-

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ÁVILA, Affonso. “Contos”. Diário de Minas: Tribuna de Letras: Belo

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BAIRÃO, Reynaldo. “Tragédia grega nas Gerais”. Crítica. Belo Horizonte,

10 de março de 1975.

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Sobre o autor 199

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Janeiro: 1970, vol. V.

BARBIERI, Ivo et alii. “Dados biográficos dos autores estudados”. In:

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Apêndice, p. 157-8.

BARBOSA, João Alexandre. “As redes da criação”. São Paulo: O Estado de São Paulo, 10 de julho de 1965.

BARBOSA, Rolmes. “Agulha que se perde não se encontra mais”. São

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BARROW, Leo. “A Hidden Life”. Book world, s.1. 13 de abril de 1969.

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_____. “Quase uma elegia”. São Paulo: O Estado de São Paulo, 1964.

BITTENCOURT, Renato. “o equilíbrio de Autran Dourado”. Rio de janeiro: O Globo-Prismas e Comentários, 5 de janeiro de 1974.

BOMFIM, Beatriz. “Autran Dourado e seu novo livro: A serviço del-Rei (ou

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1984.

BRASIL, Assis. “Autran Dourado”. In: A nova literatura. O romance. Rio de

Janeiro: Editora Americana, 1973.

_____. “O romancista Autran Dourado”. Belo Horizonte: Minas Gerais –

Suplemento Literário, outubro de 1970.

_____.”Autran Dourado”. Jornal do Escritor. Rio de Janeiro. 1971.

_____. “O risco do bordado”. Belo Horizonte: Minas Gerais – Suplemento

Literário. 5 de dezembro de 1970.

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Sobre o autor 200

_____. “O novo romance brasileiro”. Rio de Janeiro: Jornal de Letras,

agosto de 1965, p. 3.

_____. “Autran Dourado”. Rio de Janeiro: Jornal de Letras, agosto de

1975.

_____. “uma obra prima de novela”. In: Revista Leitura. Rio de janeiro:,

agosto/ setembro de 1964.

_____. “A barca de Autran “. Rio Janeiro: Diário de Notícias, 3 de Janeiro

de 1962.

_____. “A barca de Autran”. Rio de Janeiro: Senhor, outubro de 1962.

_____. “Nove histórias em grupo de três”. Rio de janeiro: Jornal do Brasil, 27 de Julho de 1957.

BURNETT, Lago. “Literatura”. Rio de Janeiro: Jornal do Brasil, 7 de julho

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CABRAL, Lenice Pimentel. “Uma fresta na janela: uma compreensão

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_____. “Loucura: a ruptura entre a função do real e a função do irreal”.

Trabalho apresentado na 45ª Reunião Anual da SBPC, 1993. Publicado na

Revista do CHLA,1994.pp.52-60.

_____. “Biela: a função do espelho e a construção do eu”. Trabalho

apresentado na 46ª Reunião Anual da SBPC, 1994 e no 1º Seminário Alagoano Mulher & Literatura: 1994.

_____. “Rosalina: a rosa não lida”. Trabalho realizado para a disciplina Estética, sob orientação do professor Carlos Eduardo Berriel. 1995.

_____. Édipo: mito e personagem. Livro resultante do trabalho de

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Sobre o autor 201

_____. “O risco que não se borda”. Revista Leitura, nº. 18/96. Número

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_____. “Angústia: o risco que não se borda”. Conferência apresentada no XXVI Encontro Anual do Centro de Estudos Freudianos do Recife. 1996.

_____. “’O salto do touro’”: os fios do desejo”. Revista Leitura, nº. 19/97.

Número temático de literatura: O conto. Organização do Prof. Dr. Vilson

Brunel Meller. Revista do Programa de Pós-Graduação em Letras (LCV-

CHLA-UFAL). Pp. 67-92.

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CAVALCANTI, Valdemar. “receita de romance”. Rio de Janeiro: Jornal das Letras (272), junho de 1973.

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Sobre o autor 202

CHAVES, Flávio Loureiro. “Os sinos da agonia”. Porto Alegre: Correio do Povo, 7 de dezembro de 1974; Belo Horizonte: Minas Gerais – Suplemento Literário, 28 de dezembro de 1974.

COELHO, Nelly Novaes. “Autran Dourado: uma poética do romance”.

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de dezembro de 1973.

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Janeiro; Tribuna. Suplemento. 9-10 de outubro e 16-17 de outubro de

1976.

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Rio de Janeiro: Tribuna. Suplemento. 12-13 de março de 1977.

COUTINHO, Edilberto. “Missa do galo – A volta de Machado de Assis: um

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1978..

CRISTOVÂO, Fernando. “Autran Dourado – Armas e corações”. Colóquio de Letras. Lisboa. Janeiro de 1980.

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DAMASCENO, Darcy. “Prima Biela: a dos simples”. Rio de Janeiro: Correio da Manhã, 16 de janeiro, de 1965.

DANTAS, Francisco de Assis. A frase caótica. (Estrutura da Prosa Moderna). João Pessoa: Editora Universitária/UFPb, 1991.

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Sobre o autor 203

DOURADO, Autran. “Personagem como metáfora”. In: O Romance brasileiro contemporâneo. Comunicação apresentada na Fundação

Cultural do Distrito Federal, no VIII Encontro Nacional de Escritores. VI

Simpósio de Literatura Brasileira. 18/10/1973. Publicado também em Uma poética de romance: matéria de carpintaria.

_____.“Proposições sobre o labirinto”. Colóquio/Letras nº 20. Lisboa: julho

de 1974; Belo Horizonte: Suplemento Literário Minas Gerais, 12 de

outubro de 1974. Publicadas também em Uma poética de romance

matéria de carpintaria.

_____.“O grande país das Gerais”. Suplemento Especial do Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 31 de outubro de 1974.

_____.“Duvidosa falsa tia”. In: Ficções. Nº 5. Rio de Janeiro, abril de 1976.

_____.”Cada livro pede um estilo e uma forma”. Folha de São Paulo –

Caderno de Letras. São Paulo, 30 de novembro de 1991.

_____.“Quando era pouca a explosão vocabular”. Jornal do Brasil. Rio de

Janeiro, 2 de março de 1974.

_____ “Do estilo de maturidade”. Revista Colóquio/Letras, nº 51. São

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_____.“Proposições sobre mito”. Colóquio/Letras, nº 61, São Paulo, maio

de 1981.

_____.”Matéria de Carpintaria”. Cadernos da PUC-RJ. Pontifícia

Universidade Católica. Divisão de Intercâmbio e Edições, 1975. Rio de

Janeiro. (Número especial da série Letras e Artes 9/75. 56p).

DUTRA, Waltensir. ”Um autor faz-se ao mar”. Rio de Janeiro: Correio da

Manhã, 10 de março de 1962.

_____.”Um exercício de composição”. Rio de janeiro; Correio da Manhã, 24

de março de 1968.

FALHEIROS, Laís. “A linguagem autêntica de Autran Dourado”. Rio de

Janeiro; Jornal de Letras, (246), janeiro de 1971.

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Sobre o autor 204

FARIA, Octávio. “O romancista Autran Dourado”. Rio de janeiro; Jornal do

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_____.”A barca dos homens de Autran Dourado”. Rio de Janeiro: Correio da Manhã, 9 de maio de 1965.

FIDELIS FLORÊNCIO, Pseudo. (Brandão, Wellington). “Sombra e exílio”.

Belo Horizonte: Diário de Minas, 2 de dezembro de 1951.

GANGUZZA, Rose. “Ópera dos mortos”. Belo Horizonte: Minas Gerais –

Suplemento Literário, 15 de janeiro de 1972.

GARCIA, Othon M. “Comunicação em prosa moderna”. Rio de Janeiro;

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_____. “Frase caótica e fluxo da consciência”. Correio da Manhã. Rio de

Janeiro, 6 de fevereiro 1965.

GOMES, Duílio. “Autran Dourado: Uma vida em segredo”. Minas Gerais – Suplemento Literário. Belo Horizonte. 19 de janeiro de 1974.

_____. “Autran Dourado: do signo de capricórnio com muita honra”. Revista do Livro. Rio de Janeiro. V.13, n.42, setembro de 1970.

GOMES JUNIOR, Jurandir. “Ópera dos mortos”. Maceió: Correio de Maceió, 13 de novembro de 1967.

GONÇALVES, Delmiro. “ Autran Dourado fala de romance e criação

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GORGA FILHO, Remy. “Autran Dourado: um romancista mineiro que

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_____. “Autran Dourado: do signo de capricórnio com muita honra”. Rio de

Janeiro: Revista do Livro,13(42): 72-75, setembro de 1970. (Entrevista).

GUIMARÃES, Torrieri. “Bilhete a Autran Dourado”. São Paulo”. São Paulo:

Folha da Tarde, 30 de setembro de 1974.

HELENA, Lúcia. “O arriscado risco do bordado”. Belo Horizonte: Estado de Minas, 23 de maio de 1974.

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Sobre o autor 205

HOHLFELDT, Antônio. “O doce visgo do poder”. Isto é. 4 de julho de 1984.

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Sobre o autor 206

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Sobre o autor 207

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24, setembro de 1972.

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de 1968.

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de 1971.

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Minas, 4 de março de 1962;

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1963, p.161-5.

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_____. “Tempo de amar: romance mineiro”. Belo Horizonte: Diário de Minas, 14 de setembro de 1972.

MACIEL, Nahima. “A disciplina de Autran Dourado”. Recife. Diário de Pernambuco – Caderno Viver, p.1. 2 de novembro de 1997.

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Sobre o autor 208

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Sobre o autor 209

_____. “Um romancista mineiro”. Belo Horizonte; O Diário, 24 de abril de

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MORAIS, Eneida de. “A barca dos homens: Autran Dourado”. Diário de Notícias. Rio de Janeiro, 31 de dezembro de 1961.

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Sobre o autor 210

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Sobre o autor 211

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Sobre o autor 212

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Sobre o autor 213

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Sobre o autor 214

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janeiro de 1968.

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SOUZA, Eneida Maria de. “Autran Dourado e o romance I”. Belo Horizonte:

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Sobre o autor 215

_____. “Autran Dourado e o romance II”. Belo Horizonte: Minas Gerais –

Suplemento Literário, 6 de outubro de 1973, p.4-5.

_____. “Autran Dourado e o romance III”. Belo Horizonte: Minas Gerais –

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_____. (Org.) “As minas de Autran Dourado”. Minas Gerais. Suplemento Literário. Belo Horizonte. 19 de janeiro 1985.

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_____. “É preciso enterrar os nossos mortos”. In: Traço crítico. Rio de

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Sobre o autor 216

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VENTURA, Zuenir e BITTENCOURT, Renato. “Escritores desmentem crise

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VIANNA, Luís Márcio. “Autran Dourado e a nossa velha e triste Minas

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VON BRUNN, Albert. Oper der Toten: im Räderwerk eines barocken

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YATES, Donald A “Biela’s Small Crises”. Review of Literature. s.1., 29 de

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Dissertações e Teses sobre a obra de Autran Dourado

ALVIM, Cynira Amaral Costa. A prevalência do agônico em Ópera dos

mortos. Dissertação. UNB: Brasília, 1990.*

ARAÚJO, Narciso Soares de. Aspectos intertextuais na concepção das personagens de Lucas Procópio, romance de Autran Dourado.

Dissertação. UFAL: Maceió, 2001. Orientadora: Profª. Dra. Lenice Pimentel

Cabral.

AZEVEDO, Vera L. Ramos de. Biela: o inevitável caminho para o ser. Dissertação. UERJ: Rio de janeiro, 1980. Orientadora: Profª. Dra. Maria do

Carmo Pandolfo.

BRAGANÇA, Leila de Oliveira. Do labirinto imaginário ao labirinto discursivo: uma leitura de Um cavaleiro de antigamente. Dissertação. UNB:

Brasília, 1995. Orientadora: Profª. Dra. Ana Maria Lisboa de Melo.

CABRAL, Lenice Pimentel. Ópera dos mortos: marcas edipianas na construção da personagem. Dissertação. UFAL: Maceió, 1994. Orientador:

Prof. Dr. José Ubireval Alencar Guimarães.

_____.Os significantes do Barroco em Autran Dourado: (Des)dobras do Inconsciente. Tese. UFAL: Maceió, 1999. Orientador: Prof. Dr. Vilson Brunel

Meller.

CAMARGO, Maria Stella. Linguagem e silêncio na obra de Autran Dourado.

Dissertação. PUC: Rio de janeiro, 1973. Orientador: Prof. Dr. Affonso Romano

de Sant’Anna.

CAMINHA, Heda M. architecture, corps et société: prolégomènes à une lecture d’Autran Dourado. Thèse pour le doctorat de Troisième cycle,

Vincennes: Université de Paris VIII, 1979.*

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Dissertações e teses sobre a obra de Autran Dourado 218

CAMPOS, Maria Consuelo Cunha. A teia e o labirinto: uma leitura da ficção de Autran Dourado. Tese. PUC: Rio de Janeiro, 1978. Orientador: Prof. Dr.

Luís Costa Lima.

CARNEIRO, S. M. Ximenes. A técnica ficcional de Autran Dourado.

Dissertação. UFRJ: Rio de Janeiro, 1975. Orientador: Prof. Dr. Afrânio

Coutinho.

CARNEIRO, Sônia Marques Joaquim. A matéria de construção em Autran Dourado. Dissertação. UNESP/ASSIS: São Paulo, 1993. Orientadora: Profª.

Dra. Maria Lúcia Pinheiro Sampaio.

CARREIRA, Ernestina. Os sinos da agonia: romance barroco. Dissertation

de maîtrise. Université de Paris IV – Sorbonne: Paris, 1985. Directeur de

recherches: Prof. Paul Teyssier. Conseillere: Profª. Dra. Yêda Dias Lima.

COSTA, Thalita S. da. O ofício e a glória: manifestações do trágico em textos de Autran Dourado. Dissertação. UFF: Rio Janeiro, 1981.*

FARIA, Aneuza de Oliveira. No reverso da linguagem. Dissertação. UERJ:

Rio de Janeiro, 1992. Orientadora: Profª. Dra. Marília Rothier Cardoso.

FERNANDES, Liduína Maria Vieira. A estúrdia figura de Lucas Procópio.

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Montenegro.

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Dissertações e teses sobre a obra de Autran Dourado 219

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Dissertações e teses sobre a obra de Autran Dourado 220

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Dissertações e teses sobre a obra de Autran Dourado 221

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Dissertações e teses sobre a obra de Autran Dourado 222

VALLADÃO, Paulo Eduardo de Freitas. Os sinos da agonia é Ópera dos

mortos. Dissertação. UNB: Brasília, 1999. Orientador: Prof. Dr. Almir de

Campos Bruneti.

VIEIRA NETO, Agostinho. Imagens de Vila Rica / Ouro Preto no espaço narrativo: uma leitura intersemiótica de Os sinos da agonia e Boca de chafariz. Dissertação. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais: Belo

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* Não dispomos da informação quanto às orientações desses trabalhos.

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