UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAIBA …. Dra.Regina Maria Rodrigues Behar Examinadora interna 4...

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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAIBA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA De Perseguido a Reconhecido: A história da resistência do bumba-meu-boi na cidade de São Luis - ma: (1890-1920) WAGNER DE SOUSA E SILVA JOÃO PESSOA - PB AGOSTO DE 2008

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAIBA

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

De Perseguido a Reconhecido: A história da resistência do bumba-meu-boi na

cidade de São Luis - ma: (1890-1920)

WAGNER DE SOUSA E SILVA

JOÃO PESSOA - PB

AGOSTO DE 2008

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De Perseguido a Reconhecido: A história da resistência do bumba-meu-boi na

cidade de São Luis - MA: (1890-1920)

WAGNER DE SOUSA E SILVA

Orientadora: Profa. Dra. ROSA MARIA GODOY SILVEIRA

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de

Pós-Graduação em História, do Centro de Ciências

Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal da

Paraíba – UFPB, em cumprimento às exigências para

obtenção do título de Mestre em História, Área de

Concentração em História e Cultura Histórica.

JOÃO PESSOA-PB

2008

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Wagner de Sousa e Silva

De Perseguido a Reconhecido: A História da Resistência do Bumba-meu-boi

na cidade de São Luis - MA: (1890-1920)

Banca examinadora da DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

Banca realizada em ____/____/_____ 2008

Prof. Dra. Rosa Maria Godoy Silveira

(Orientadora)

Prof. Dr.Gevárcio Batista Aranha

Examinador externo

Prof. Dra.Regina Maria Rodrigues Behar

Examinadora interna

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DEDICATÓRIA

À minha família e aos meus amigos

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente, gostaria de dizer que são poucas essas páginas para enumerar a

quantidade de pessoas que tenho a agradecer. Porém começarei por etapas.

A fundo de Amparo a Pesquisa do Estado do Maranhão- (FAPEMA/CAPES) pelo

auxílio que me foi dado no transcurso da pesquisa.

A minha família, que sempre financiou meus estudos, investindo pesado na minha

formação, e o conforto que tive dos mesmos em momentos difíceis. Tudo que eu fizer daqui

em diante para retribuí-los, não será nada perante o que fizeram. Dentre os elementos dessa

pequena família, a figura de minha mãe Ana Claudia e o Sr. Raimundo Nonato, minha irmã

Thays Silva. E claro, não poderia deixar de relatar os novos integrantes, minha filha Sarah

Beatriz, que, apesar de pequena, quase sem nenhum entendimento de mundo, com seu sorriso,

aliviava meus momentos de angústia. À Jane, meus sinceros respeitos e agradecimentos por

tudo que tem feito por mim.

Aos amigos (as) Rossano e Maria Eugênia, que estiveram sempre presentes em várias

etapas de minha vida, e que me apresentaram o Mirante da Lagoa, e foi neste local que

surgiram as primeiras idéias dessa dissertação, e compartilharam momentos de alegria e de

instabilidade de minha vida.

Camila, sempre singela e cativante. Wanderson, amigo praticamente de infância que

também sempre torceu pelo meu sucesso. Celso Valois, vulgo Celsinho. E claro, não poderia

de destacar as novas amizades que desenvolvi: Mayara, Kilza, Natalicio, entre outros que me

fogem à memória.

A minha grande companheira e confidente Antonielle, que esteve presente,

literalmente, no processo de produção deste texto, agradeço a Deus por tê-la conhecido.

Agradeço aos companheiros de apartamento: Roni e Sarah, afinal num posso falar de

um esquecendo o outro, pessoas que me ajudaram muito durante o período que estive em João

Pessoa-PB, e que hoje são verdadeiros amigos, a vocês meu muito obrigado e felicidades. A

Juliana e Welington, vulgo “Garoto”.

Também aos amigos extra-apartamento: Andrezza que desfruta de todo o meu

respeito, Rafael, sem palavras para descrever a gratidão pelo que fez; Adriano que, apesar de

furar muitas vezes, esteve presente dando apoio.

A Hernandez “Nando”, em quem enxerguei além de um colega de academia, um

grande amigo, não encontro adjetivo para expressar minha estima por você.

Aos meus amigos, que adquiri desde a época da graduação no Ceará: Bruno, Samuel,

Gerardo, vulgo “Gaspar”, a minha eterna amiga Michelle, minha cúmplice que, por esse

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período, defende a sua dissertação, a distancia não conseguiu enfraquecer esses laços,

dividimos a mesma casa. Período bom!

A Professora Honorina, pelas oportunidade.

Alguns professores do Programa da Pós-Graduação em Historia da UFPB, pela

oportunidade que me foi dada, gostaria de dizer-lhes muito obrigado, e, de modo especial a

minha orientadora, Rosa Godoy que tem sido uma verdadeira mãe, sempre disposta a me

ajudar, mesmo quando muitos não acreditavam.

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RESUMO

Este trabalho aborda as práticas do Bumba-meu-boi no Maranhão, especificamente em São

Luis, no período de 1890 a 1920. O foco temático gira em torno das perseguições ao Bumba-

meu-boi, cometidas pelas autoridades policiais e governamentais, por meio de decretos e

códigos de posturas, que visavam disciplinar as manifestações populares e o espaço. Também

é analisada a resistência dos manifestantes, ou seja, dos brincantes daquela festança que,

apesar das perseguições, continuaram praticando e transmitindo a sua atividade cultural por

muitas gerações. O recorte temporal do estudo, referente às três primeiras décadas da

República brasileira, foi delimitado por ser o período em que a resistência referida foi

identificada nas fontes documentais de forma intensa. A pesquisa tomou por base documental

jornais de época, documentos oficiais do Governo do estado do Maranhão, além de

bibliografia sobre o tema.

Palavras chaves: Bumba-meu-boi – Cultura popular –- Cultura Histórica – Resistência –

Maranhão - História

-

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ABSTRACT

This dissertation presents the Bumba-meu-boi practices in Maranhão, specifically in São Luis,

in the period from 1890 to 1920. It focuses around how Bumba-meu-boi was persecuted by

the police and the government, whose objective was to discipline the popular expressions and

the urban space, through laws, ordinances and codes. The analysis also concentrates on the

resistance from the popular artists, that is, the folk involved in that popular celebration that,

despite the persecutions, kept practicing and teaching their cultural activity for many

generations. The time focus of the study, referring to three first decades of Brazilian Republic,

was defined because it was identified in the documents researched as the period in which that

resistance was intense. The databases of the research are newspapers from the period, official

documents from the Maranhão Government, as well as some bibliography about the subject.

Key Words: Bumba-meu-boi – Folk Culture – Historical Culture – Resistance –

History of Maranhão (Brazil)

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO I...........................................................................................9

CAPITULO II - APRESENTANDO O BUMBA-MEU-BOI........................15 2.1 Historicizando o Bumba-meu-boi.......................................................................................15

2.2 A visão dos Populares........................................................................................................24

2.3 O Auto com Pai Francisco e Catirina ou Catarina..............................................................27

2.4 Sotaques do Bumba-meu-boi................. ..........................................................................31

2.4.1 -Impasses sobre o Conceito de Sotaque.......................................................................34

CAPITULO III - A CIDADE DE SÃO LUIS – MA (1890-1920).....................................37

3.1 São Luis na Transição do regime Imperial para o Republicano.......................................37

3.2 O Cotidiano ludovicense....................................................................................................48

CAPITULO IV - DANÇANDO CONFORME A MÚSICA: ENTRE A LEGALIDADE E

A TRANSGRESSÃO, DRIBLANDO A PERSEGUIÇÃO ..........................................62

4.1 - O bumba-meu-boi nos espaços de conflitos ....................................................................63

5.2 – Anil: o Sitio do “Bumba”.............................................................................................77

CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................87

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS.............................................................................99

FONTES...............................................................................................................................102

ANEXOS...........................................................................................................................108

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1. INTRODUÇÃO

A escolha do tema deste trabalho - De Perseguido a Reconhecido: a história da

resistência do bumba-meu-boi na cidade de São Luis-MA (1890-1920)- está associada à:

importância que essa manifestação cultural do bumba-meu-boi possui no estado do Maranhão.

E, também, para demonstrar aos leitores que as noticias sobre a brincadeira nem sempre

foram “positivas”. Para que ele fosse reconhecida como o é hoje, passou por um longo

processo de perseguição, para atingir o patamar que adquiriu na atualidade, até elevar a cidade

de São Luis-MA à categoria de Capital Cultural.

Parece contraditória essa opção de estudo, tendo em vista que o folguedo é

considerado o cartão postal da cidade, através dos seus outdoors espalhados por toda a urbe, e

de propaganda televisiva, recebendo, inclusive, investimentos estatais, pois serve para aquecer

a economia, em virtude do turismo que vem crescendo muito na região, nos meses de junho e

julho, por conta das apresentações das brincadeiras de bumba-meu-boi. Então, por que

perseguir esses grupos que contribuem para os lucros da capital? Por que perseguir os

brincantes, como aparecia estampado no Diário Oficial do Estado do Maranhão de 1920: “É

expressamente prohibido tocar bomba no perímetro urbano assim como fazer brincadeira de

bumba-meu-boi”?. A história recente do bumba-meu-boi é uma outra historia, de um outro

tempo/contexto histórico, a merecer outros estudos. Mas esta história recente só será

compreendida se analisarmos como a brincadeira foi se instituindo de perseguida a

reconhecida.

Ao dar início a essa pesquisa, sobre o tema bumba-meu-boi, em perspectiva mais

diacrônica, fez-se necessário estabelecer alguns recortes: temporal, temático e espacial. A

respeito do primeiro recorte, precisamos fazer uma breve narrativa de nossa experiência de

pesquisa, como chegamos a delimitar o período de 1890 a 1920, para situar o leitor.

A idéia inicial começou quando escolhemos o tema, sob um viés ainda pouco

pesquisado no Maranhão. De imediato, nos deparamos com alguns empecilhos: como

apresentar uma nova discussão acerca das brincadeiras, se os Departamentos das

Universidades maranhenses estão repletos de monografias e dissertações sobre a manifestação

do bumba-meu-boi? .

Diante desse quadro, não desanimamos e contornamos as dificuldades iniciais,

diagnosticando que seria fundamental consultar o que já se tinha produzido, justamente para

apresentar algo diferente. Diante das consultas aos referidos departamentos, notou-se que a

maioria dos trabalhos se prendia mais às festas propriamente ditas, às indumentárias, a

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sotaques, à representação social dos folguedos, ao turismo cultural, enfim, temáticas, de certo

modo, referindo-se a períodos recentes da história e cultura maranhenses. As referências mais

antigas que se faziam, datavam da segunda metade do século XX, embora alguns autores

citem, esporadicamente, alguns registros do século XIX, mas não algo propriamente

específico, como por exemplo, abordar a historia da brincadeira no século XIX.

Então, encontramos aí a brecha que nos proporcionaria uma visão inovadora sobre a

brincadeira, que seria: historicizá-la nos fins do século de XIX e início do século XX. Daí

resultou nosso recorte temporal.

Delimitado nosso recorte temporal, veio à tona outra dificuldade: o que abordar sobre

o bumba-boi no período supracitado? Inicia-se a segunda etapa da pesquisa, estabelecer em

que perspectiva o trabalho se desdobraria. Dentre escolhas possíveis, a dúvida entre

perseguição e resistência nos rondava. Analisando esse quadro, refletimos: só existe

resistência, se houver perseguição, são conceitos que se completam. Ocorreu-nos Thompson

(1981), que dizia que só existe o escuro porque existe o claro.

Quando se estabeleceu que o foco do trabalho fossem as relações de perseguição e

resistência ao bumba-boi, nos direcionamos ao campo de pesquisa das fontes documentais, e

foi, quase de imediato, notar a escassez de tais fontes sobre o período abordado por esse

trabalho. Mas, nós historiadores, imbuídos de mostrar à sociedade que as histórias silenciadas

são tão historias (processos) quanto as escritas, embora ainda não historiografia, tratamos de

problematizar e contornar essa situação, começando a questionar a própria escassez. O que

faziam as autoridades para ocultar esses atores sociais? E os manifestantes, que estratégias

adotavam para driblar os mecanismos de controle do sistema governamental? Perguntas essas

cujas respostas, no transcurso do trabalho, serão narradas.

Depois de superados os obstáculos iniciais, delimitando e estabelecendo alguns

cortes metodológicos, nosso objetivo foi investigar as ambigüidades que permearam os

discursos e as práticas do bumba-meu-boi em São Luis-MA, de 1890 a 1920. A delimitação

desse período justifica-se por ser uma época de grandes mudanças no cenário nacional, tanto

no sentido material quanto imaterial, vivenciado pela capital maranhense nos primeiros

momentos da República.

Neste período de transição para o século XX, era difundida no Brasil a idéia de

progresso, o fascínio pelo novo, em contraste com o velho. O popular soava, para os arautos

do progresso, como sinônimo de velho, e de barbárie, precisando ser eliminado, tendo em

vista que a sua presença nas ruas já significaria uma atraso, como diz, plausivelmente,

Margarida Neves (1994).

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O bumba-meu-boi inserido nesse contexto, expresso e representado na figura de seus

populares, seria, em conseqüência, qualificado e/ou estereotipado como selvagem. A

brincadeira não seria bem vista pela sociedade ludovicense, isto porque a abolição não

acabara com o preconceito com os negros, e nem lhes propiciara um novo trabalho. Ao

andarem pelas ruas expondo suas brincadeiras, os negros eram (des)qualificados como

vagabundos. Essa desqualificação vinha do tempo da própria escravidão, por tanto, mesmo

quando os negros trabalhavam pesado..

De várias maneiras, procurou-se combater os brincantes do folguedo: primeiro por

serem negros, associados à escravidão; segundo, por estarem à margem do social, nas

periferias, visto como anti-civilizados, e, por último por serem populares, avessos aos valores

que se pregavam na época, referendados na belle époque francesa.

Em Os Bestializados, José M de Carvalho (1987) discute a participação popular na

instalação do regime republicano, no Rio de Janeiro. Ele diz que os negros estavam entre os

mais perseguidos pelo regime. Contudo, o autor lembra que aquela população indesejada pelo

regime não deixaria de participar da vida da cidade, ainda que dividida em suas repúblicas.

Consultando os documentos do período em São Luís, percebemos que, apesar das

perseguições, os brincantes do BMB (Bumba-meu-boi) encontraram algumas estratégias de

resistência que permitiram a sua participação na República que ora se instalara na cidade. A

princípio, a dança foi proibida no centro da cidade; depois, normatizada, com data e hora

marcada; outras vezes, imposta pelos seus brincantes e, muitas vezes, praticada com a

participação da própria sociedade que a denunciara.

A questão que se coloca à análise é: o que levava a sociedade ludovicense a

denunciar e, ao mesmo tempo, participar das festas do bumba-meu-boi? Qual o significado da

normatização da festa? Quais as estratégias de resistência dos brincantes?

Explorar a relação entre as práticas do Bumba-meu-boi e a cidade de São Luís, nos

primeiros anos da República, possibilita outra visão da história da cidade, ainda pouco

explorada pela historiografia maranhense. Encontramos poucos trabalhos sobre o tema, como

História do Maranhão, de Carlos Lima, e monografias sobre o contexto do Maranhão

republicano e alguns artigos que se referem à temática. Uma história da participação popular

no Maranhão republicano constitui uma importante página para a história do Maranhão e da

República brasileira.

Para execução deste trabalho, foram necessárias visitas constantes ao Arquivo

Publico do Estado do Maranhão - APEMA, onde encontramos alguns documentos oficiais,

que aguçaram o nosso olhar de pesquisador, tais como: Códigos de Posturas municipais,

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Diário Oficial do Estado do Maranhão, Requerimentos e Petições ao Chefe de Polícia do

Estado do Maranhão. Quanto às fontes hemerográficas: O Pacotilha, Diário do Maranhão, O

Jornal, entres outros periódicos, foram identificados e pesquisados, além de algumas

fotografias do período, encontradas no acervo da Biblioteca Pública Benedito Leite –BPBL.

De posse de preciosos documentos, montamos uma espécie de banco de dados, catalogando e

digitando os dados apurados no decorrer da pesquisa.

Analisando as fontes catalogadas, foi-nos possível perceber um período de

perseguição ferrenha às brincadeiras populares. Constatou-se que, por volta de 1880 a 1890,

praticamente todas as licenças de bumba-boi foram indeferidas. Percebeu-se, ainda, que as

licenças começaram a serem concedidas como resultante do processo de resistência dos

manifestantes.

Tornou-se pertinente investigar como esses brincantes colocavam sua brincadeira

todos os anos para desfilar pelas ruas de São Luís, no período junino, bem no ápice do

período em que a capital comungava com os ideais de hegemonização cultural, onde qualquer

manifestação popular era vista como atraso social e sinônimo de barbárie, sofrendo, assim,

inúmeras perseguições tanto das autoridades quanto das elites ludovicenses, talvez por ser um

festança composta, em sua grande maioria, por brincantes negros.

O nosso trabalho, para fins de sistematização, encontra-se dividido em três capítulos.

No primeiro capítulo, situou-se historicamente o folguedo popular, analisando-se a

representação desta festança no Nordeste e tecendo possíveis vínculos com outras sociedades.

Afinal de contas, a brincadeira é conhecida como a maior festa popular do país. Não perdendo

de vista o nosso recorte espacial, a capital maranhense, esboçamos o surgimento do bumba,

por excelência, uma expressão do “Zé povinho”. Apontamos divergências entre os estudiosos,

acerca da genealogia do folguedo

Em seguida, descrevemos a lenda de pai Francisco e a negra Catirina, que seria o

pilar para entender a manifestação da brincadeira. Trata-se de um “estória” rica de

simbologia, que narra o surgimento da brincadeira. Enredo muito conhecido entre os

brincantes. E, encerrando a segunda parte do capítulo, fizemos uma exposição dos sotaques

de bumba-boi, apesar dessa nomenclatura ser posterior ao período de nosso recorte temporal,

para registrar a variedade da manifestação.

O segundo capítulo aborda a cidade de São Luís-MA, na transição do período

monárquico para o novo regime republicano. Optamos por discutir a cidade nesse período,

almejando sentir o “chão histórico” de nossa pesquisa e para entender as mudanças sociais

que ocorriam na capital maranhense, com idéias disseminadas em nível nacional acerca da

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regeneração urbana, tendo o Rio de Janeiro, então capital do país, como pioneira nesse

processo de embelezamento das cidades. São Luís, por estar inserida nesse processo, acaba

por apreender elementos da cultura e sociedade cariocas.

Assim, fizemos um breve histórico da cidade, depois adentrando na transição para o

regime republicano e, dentro deste tópico do nosso trabalho, inserimos algumas questões

sobre a política local, para situarmos como foi a aceitação do novo regime na capital. Enfim,

nessa primeira parte do nosso capítulo, tentamos apresentar a cidade que, como lembra Sandra

Pesavento (1995), é um tema por excelência, como o lugar das mudanças sociais.

Nesse mesmo capitulo, chamamos a atenção para os “excluídos” da coisa pública,

conceito basilar do pensamento de R. Palhano (1988).

E finalmente, no quarto e último capitulo, fizemos uma análise acerca das

contradições e ambigüidades que marcaram as práticas do Bumba-meu-boi em São Luís.

Neste período, percebemos, através de jornais de época e alguns documentos oficiais, o

incessante desejo, tanto das elites como também das autoridades, de tentarem extingüir essas

práticas, sob o pretexto/discurso de que as mesmas caminhavam contra o progresso.

Retomamos a idéia do segundo capítulo, traçando paralelos com a realidade nacional,

no que diz respeito ao processo de regeneração, tanto do ponto de vista da cultura material

quanto imaterial, e das intenções de homogeneizar as culturas, talvez uma forma de conter a

cultura popular, tendo em vista que a sociedade brasileira se mirava em modelos culturais

europeus, sobretudo franceses.

São Luis também sofreu influência de tais idéias, que foram comprovadas na

documentação utilizada nesse trabalho, apontando que se pretendia disciplinar os espaços da

cidade. Os discursos da disciplinarização, em muitas capitais, confundia-se com os dos

sanitaristas, que julgavam os populares como responsáveis pelos surtos epidêmicos.

Enfim, estabelecemos a distinção entre o “centro” e os “subúrbios”, bem como a

atuação do folguedo nestes respectivos locais. Detectamos que a diferença entre ambos não se

limitava apenas a questões geográficas estritas, ou seja, por delimitação de espaço físico, mas

transcendiam para dimensões socioeconômicas, políticas e culturais. De um lado, o “centro”

elitizado que procurava, a todo custo, banir, ou pelo menos controlar, as brincadeiras,

impedindo as mesmas de invadirem o perímetro urbano; em contraste com os “subúrbios”,

locais de atuação do bumba.

O sítio do Anil adquiriu o status de Centro dos Folguedos. Era nesta localidade que

todos os anos, nos mês de junho, a brincadeira se apresentava tradicionalmente, em grande

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estilo, apreciada por diferentes camadas da sociedade. O Anil constituiria um dos palcos onde

as contradições e ambigüidades da sociedade ludovicense se revelavam.

Nestes termos, é que esse trabalho procurou entender o desenlace das relações de

perseguição e resistência na cidade de São Luis-MA (1890-1920), tendo como corpo de fundo

a figura emblemática dos brincantes e suas estratégias de continuar desfilando pelas ruas da

urbe, mesmo diante das situações adversas.

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CAPITULO II - APRESENTANDO O BUMBA –MEU – BOI

2.1. Historicizando o surgimento do folguedo.

Ah, o boi!...O tempo se encarregou de esconder

os seus inícios. De sua origem nada se sabe. E tudo o que se possa dizer não passará de suposições ou de

pretenso e duvidoso conhecimento. Não há registros

anteriores, e os mais velhos apenas repetem: “quando me entendi já encontrei o boi brincando assim”.

(AZEVEDO NETO,1997, p. 21).

Por intermédio da fala de Azevedo Neto - pesquisador maranhense, muito respeitado

no que se refere à área das manifestações populares, de imediato, já é possível detectar as

dificuldades de localizar a historicidade da brincadeira.

Lançando o nosso olhar para o campo da historiografia, notou-se: há um grande

impasse, tanto entre os pesquisadores, quanto entre os brincantes/populares, ao se falar da

origem do bumba-meu-boi.

Portanto, durante o transcurso dessa pesquisa, desconstruiu-se e detectaram-se alguns

elementos cruciais, que sopesam e esmiúçam o que nos propomos a apresentar: a priori, que

as práticas culturais das brincadeiras de Bumba-meu-boi não se limitam apenas ao Maranhão

(como queriam alguns populares1); como também não são práticas exclusivas apenas da

região Nordeste, pelo contrário, disseminaram-se por todo o território nacional, cortando-o de

norte a sul e de leste a oeste, ganhando peculiaridades locais e/ou regionais, conforme o grau

de hibridismo cultural dessas diversas localidades espalhadas pelo Brasil.

Ademais, as práticas das brincadeiras que possuem o boi como um elemento de

destaque, transcendem tanto o Nordeste quanto o Brasil. Nota-se a presença de práticas

festivas, que celebram a emblemática figura do bovino, mesmo antes da colonização. Na

Europa, encontram-se facilmente indícios que atestam pessoas se reunindo em torno do boi.

1 Apesar de ser essa a idéia de alguns populares, consumidos pelo sentimento de paixão pela brincadeira e, por

conseguinte, pelo estado do Maranhão. Eles reverberam essa postura, porém, cabe explicarmos o sentido com

que estas pessoas se pronunciam. Sabem da existência das brincadeiras em outras regiões, todavia, tentam

enaltecer a figura do Bumba-Boi no seu estado, alegando ser, o mesmo, o melhor e mais bonito de todo o país,

idéia essa muito presente, nos dias atuais, e que ganha mais força com as inúmeras campanhas de publicidades e

incentivo a esses cordões, que datam dos fins do séc.XX. Fato esse que contrasta com a perseguição desferida

pelas autoridades governamentais contra os brincantes. É muito interessante, nessa perspectiva, traçar o elo da

brincadeira sob a égide de: perseguida a reconhecida.

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A julgar pela forma de pensar de Azevedo Neto, em vários lugares do mundo, e não

apenas na Europa, existiu ou existe uma dança dramática onde dançarinos gravitam ao redor

da figura de um boi, que dança também. A tendência de alguns estudiosos é passar uma visão

cômoda que relaciona o surgimento do bumba-meu-boi ao ciclo do gado, em função do auto

da brincadeira narrar a estória de um boi. O autor refuta tal prerrogativa, argumentando que:

Alguns estudiosos tentam relacionar o Bumba-meu-boi ao ciclo do gado no

Nordeste. Para aceitar a hipótese, esta manifestação folclórica deveria ser um fenômeno apenas nordestino ou, quando muito, brasileiro.Ou então:

aceitando-se isto como verdade, teríamos que aceitar a existência, em vários

outros países do mundo, de um ciclo do gado também. (AZEVEDO NETO, 1997, p. 20).

Em outros termos, A. Neto retira as nossas vendas de etnocentrismo, ao colocar

abaixo nossa visão entusiástica, em não perceber que as manifestações populares em torno da

figura de um boi estão aquém de nossas especulações, que, diga-se de passagem, são pobres

(irrisórias) do ponto de vista analítico.

Nesse sentido, não nos é possível afirmar com exatidão o local do surgimento desse

folguedo2, por duas razões: primeira, para que não incorramos no erro de exaltar

determinada(s) regiões em detrimento de outras, ou mesmo ocultar possíveis ligações entre os

diversos locais em que a brincadeira fora praticada, por um lado; e a segunda e relevante, pela

escassez das fontes, em que se aponte indícios para essa questão.

Sabendo-se que o oficio do historiador é trabalhar analisando as fontes e

interpretando-as, nesse âmbito, fica o mesmo impossibilitado de falar de forma precisa onde

tenha surgido o bumba, partindo do pressuposto que o seu entendimento do real constitui

apenas uma representação do mesmo. A menos que ele manipule os fatos, arbitrariamente, de

acordo com seus interesses, como fizeram algumas correntes tradicionais. Mesmo tendo o

conhecimento de que todas as pesquisas estão suscetíveis de intervirem no cenário do real.

Sob esse prisma, a pesquisa ora apresentada não envereda no caminho de querer obter

respostas pré-definidas, muito menos silenciar algumas fontes.

Contudo, as poucas fontes encontradas nos dão pistas de que o folguedo esteve

constantemente presente no eixo Pernambuco-Ceará, Piauí e Maranhão, territórios esses,

2 Informamos que, ao longo do nosso texto, iremos utilizar palavras como: folguedo, festança, auto, entre outras,

para denominar a brincadeira do Bumba-meu-boi. Porém, o foco de nosso trabalho não se detém em fazer uma

analise aprofundada, do ponto de vista teórico, sobre o significado de cada um dos termos citados.

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historicamente interligados, e muito próximos, que se influenciaram mutuamente. Vale frisar

que o fato de nossas fontes apontarem a existência da brincadeira nessas áreas não implica

dizer que talvez neles tivesse surgido o bumba-meu boi. Apesar de muitos estudiosos e a

própria historiografia tradicional associarem a festa ao ciclo do gado no Nordeste.

A nossa proposta, ao tentarmos especular sobre a nebulosa origem da “maior

festança popular” do país, é tentar, na medida do possível, apontar uma concepção menos

verticalizante, questionando a visão produzida pela historiografia tradicional e sugerindo uma

mais horizontal, como nos permite a história social.

Nessa perspectiva, para compreendermos como essa discussão se desdobra no âmbito

local (Maranhão, foco desta pesquisa), torna-se pertinente tentar perceber as influências

étnicas e as interações culturais que o Maranhão recebeu para a criação e/ou implementação

do folguedo. A princípio, detectamos duas correntes de estudiosos, debatendo-se entre si,

sobre o nascimento da brincadeira, como podemos notar na seguinte afirmação, canalizada

para esta perspectiva:

[...] uns dizem que teria nascido de escravos e gente pobre agregado de engenho e fazendas e trabalhadores da roça , mais ou menos por volta do

século XVIII, sem nenhuma participação feminina devido às circunstância

da época ; para a outra corrente a mãe do bumba-meu-boi brasileiro está

ligada a alguns elementos orientais e europeus do Boi-de-canastra em Portugal, mas sem enredo. (AZEVEDO NETO, 1997, p.71)

Valendo-se da dicotomia acima exposta, relativa a essas duas correntes, na forma de

pensar e especular sobre o surgimento da brincadeira de Bumba-boi, ousamos, para tornar

mais ampla e instigante a discussão, citar outro pensamento, divergente das concepções

postas. Podemos qualificá-la como terceira via, que se embasa no seguinte argumento: o

Bumba-meu-boi teria surgido da junção destes vários elementos, tanto africanos quanto

europeus e indígenas, marcando, assim, a interação entre as três etnias: negra, indígena e

branca, o que pode ser, provavelmente, interpretado como uma participação ampla de “todos”

os segmentos sociais neste folguedo. Não é à toa que, na encenação da brincadeira, que recebe

o nome de auto3, percebe-se a participação destas três etnias, o que não podemos negar que

seja um fato. Porém, é preciso ressaltar que não há unanimidade em torno dessa tese.

3 O auto é uma prática muito comum e bastante executada, no passado, nas apresentações das brincadeiras de

bumba-meu-boi, independente da região. Em sua grande maioria, se resume em relatar às tramas de uma escrava

negra que deseja comer a língua do boi, e um escravo que atende esse desejo. Nesse intervalo, conta-se que o boi

não morre, mas desmaia. para ser despertado por um Doutor, que é convocado por um índio (pajé). Na verdade,

na atualidade, em muitos grupos de bumba-boi, aboliu-se e ou sintetizou-se essa prática, em função do tempo,

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Matthias Assunção, um dos pesquisadores sobre festas no Maranhão, julga como

simplista essa visão, quando a mesma envereda em comprimir os elementos culturais que

compõem a brincadeira que, para ele, transcende o simplório número três:

Na minha opinião essa tentativa de racionalizar todos os elementos da

cultura popular pode levar a sérios impasses, devido à artificialidade do

conceito de raça. Para começar as raízes do boi são mais diversas que mágico numero três. Onde entrariam os pandeirões que são originários dos

mouros da África do norte? Elementos da cultura Árabe e Islâmica assim

como das culturas regionais do Maghreb influenciaram tanto os portugueses quanto os povos ao sul do Sahara, e acabaram chegando ao Maranhão. Por

que racializar, então, manifestações quando nem os próprios atores o fazem

de maneira sistemática? Em vez de professar o "absolutismo étnico", seria mais interessante aprofundarmo-nos sobre a história social do Bumba-meu-

boi, para tentar desvendar-lhe os segredos. (ASSUNÇÃO,1999, p.14)

.

A nossa forma de analisar a brincadeira, em seu surgimento, assemelha-se à do autor

supracitado, descompromissada em sistematizar a manifestação em seus elementos internos,

enquanto dança, porém, mais preocupada em narrar o desdobramento social da mesma.

Nesses termos, M. Assunção apresenta uma discussão inovadora nesse sentido, quando

propõe ampliar as possibilidades de análise do folguedo, não se limitando apenas à influência

ou ao surgimento do bumba-meu-boi. Para o autor, não adianta dizer que o tabaco e o cauim

foram drogas indígenas e a cannabis e o tambor são de origem africana, temos que analisar o

desenrolar destes produtos no meio social. Desse modo, a julgar pelo autor, a análise nos

remete a pensar que não adianta apenas apresentar uma visão limitada, dizendo que a

brincadeira surgiu na África ou no Nordeste brasileiro, com influência de elementos europeus

ou não, mas entender, dentro do contexto histórico, porque alguns elementos foram

apropriados e perpetuados e entender porque outros, não. Portanto, o que há é uma visão mais

complexa, que precisa ser respaldada e esmiuçada para, só assim, tentarmos lançar um olhar

mais próximo do que seria esse possível surgimento, diante do quadro exposto.

Contestam-se, assim, a partir desta discussão, os pesquisadores que disseminam a

discussão sobre a genealogia do Bumba-boi por meio da influência étnica, ou seja, pela

mesclagem. Entendemos que tal forma de pensar acaba por apresentar uma discussão cômoda,

a partir do momento em que associamos e denominamos as brincadeiras populares com

categorias estanques, sem comunicação, ou mesmo, quando à discussão pende para um

por ser uma cerimônia bastante demorada, e como se sabe que, no mundo capitalista, a expressão “tempo é

dinheiro” brada, as apresentações aderiram a esses moldes. Porém, existem locais onde as pessoas perpetuam

essa tradição, resistentemente.

20

quadro de imposição étnica; uma cultura, dita, etnocentricamente, “superior”, impondo seus

valores à outra, “inferior”, em outros termos, um confronto Elite X Popular.

De posse de algumas, dentre muitas idéias, que tentam avaliar a problemática acerca

do surgimento da brincadeira de bumba-boi, de antemão, já nos impactamos diante de um

arsenal de controvérsias, as quais tendem a apresentar-se como uma grande

incógnita/problemática à visão do leitor, no ponto de vista analítico, por um lado. Mas, por

outro lado, na prática, todo esse campo de incertezas se torna um manancial de possibilidades

para o historiador.

Partimos do seguinte pressuposto: especular sobre o surgimento do boi se configura

como um campo de debates instigantes, mesmo estando cientes de que nosso trabalho trata de

forma limitada este embate, pelo fato deste não ser o foco principal de nossa pesquisa.

Algumas proposições citadas já apresentam, por si só, uma natureza conflitante acerca do

possível surgimento da brincadeira de bumba-meu-boi.

É facilmente perceptível que, enquanto alguns teóricos relutam em aceitarem a

predominância de elementos europeus no seio da brincadeira de bumba-meu-boi, outros, ao

contrário, endossam-na. Vinicius Barros se enquadra nesses moldes: apesar de escrever nos

idos da segunda metade do século XX, comunga desta corrente, a julgar pela sua

argumentação. O autor demonstra que, no transcurso de sua pesquisa, encontrou elementos

que ratificam a influência de elementos portugueses na composição da brincadeira, quando

afirma, veemente, a existência de festanças nas quais os manifestantes se posicionavam ao

redor do Boi, sendo este o elemento de grande destaque.

O pensamento de Vinicius de Barros denota a antigüidade da brincadeira de bumba-

meu-boi, antes mesmo do contato com as terras americanas. Por conseguinte, forja-

se/especula-se, talvez, uma possível transposição de elementos europeus para o “Novo

Mundo”.

Percebe-se, nas idéias de teóricos como Barros uma relevante influência européia,

mas fica pendente uma indagação: será essa hipótese baseada numa historiografia

“eurocêntrica”, que tende a valorizar a Europa – por ser o Velho Mundo – de cujo contexto

cultural todos deveriam partir ou derivar?

Na verdade, tal posicionamento tende a se converter em idéias que se aproximam das

nacionalistas, onde se supervaloriza a Europa – vista como o centro do mundo- imponente

frente ao cenário mundial. Em relação a isso, convém lembrar E. Hobsbawm, quando repudia

21

o discurso nacionalista e o vê como perigo para historiografia, e nós historiadores deveríamos

e devemos estar bastante atentos a tais discursos, para desconstruí-los e também não sermos

absorvidos pelos mesmos. Eis o porquê de ele ver que a história pode ser um “trunfo” muito

perigoso se for utilizada de modo pernicioso e como mera propagadora de discursos político–

ideológicos abusivos. Acrescenta o historiador inglês, dizendo:

A história é a matéria-prima para ideologias nacionalistas ou étnicas

fundamentalistas [...] o passado é um elemento essencial, talvez o elemento essencial nessas ideologias. Se não há um passado satisfatório é possível

inventá-lo. De fato, a natureza das coisas não costumam ver nenhum passado

completamente satisfatório, porque o que as ideologias pretendem justificar não é o antigo nem o eterno, mas historicamente o novo. (HOSBAWM,

1998, p.17)

Direcionando a nossa discussão para a prática da festa em nível local, no Maranhão,

alguns autores, como Bueno (2001), alegam ter predominado a corrente pastoril. No período

de povoamento da capitania, a representação do boi mostrou-se muito latente, com o pastoreio

pelo interior dessa província, que atingia a região de Cururupu e Guimarães, situada ao norte

da ilha de São Luis. Neste momento, a região constituía um atrativo para uma aglomeração de

escravos das mais diversas fazendas4, devido os mesmos atuarem nas atividades de cultivo do

algodão e cana-de-açúcar. Essa concentração de escravos em uma determinada região teria

resultado na criação da brincadeira.

A presença dos bois como animais de tração de engenhos e carros canavieiros liga-se aos primórdios da colonização portuguesa e da presença

francesa na ilha de São Luís a partir de 1600. Consta que mais tarde, durante

a revolta da Balaiada (1831-1846), foi introduzido extensivamente o pastoreio de gado bovino no interior do Maranhão. A brincadeira de bumba-

boi no Estado, deve ter iniciado primeiramente, na região compreendida

entre Cururupu e Guimarães, onde o cultivo da cana-de-açúcar reuniu grande

contingente de trabalhadores escravos, e foram eles que desenvolveram a festança. (BUENO, 2001, p.29)

Complementando este raciocínio, é bastante propício intercalar a referida

argumentação com a do pesquisador M. Assunção (1999), em que o mesmo se refere a

4 No Maranhão, a corrente de povoamento do tipo pastoril destacou-se frente às demais, favorecendo a ocupação

no interior do estado. Povoamento este, estreitamente associado ao cultivo das atividades agrícolas, da cana-de-

açúcar e algodão, e que, por sua vez, concentrou a mão-de-obra escrava nesse território. Para o autor, a

concentração de escravos que trabalhavam nas fazendas, teria como conseqüência a criação da brincadeira.

22

encontros de escravos das mais diferentes fazendas, na área que hoje é a cidade de São Luis,

para festejarem. Porém, estes encontros eram interpretados pelas autoridades como

“perigosos”, pelo fato de ali se encontrarem tanto pessoas livres quanto escravas num mesmo

local, que, num curto período de tempo, poderiam provocar algum tumulto difícil de ser

controlado.

Acrescenta o autor: na verdade, o que as autoridades temiam acima de tudo, era uma

revolta escrava naquele local, em decorrência da aglomeração dos cativos na área central:

Estavam pouco preocupadas com o “fetichismo” dos negros. Tanto isto é

possível que, durante os períodos de intranqüilidade5, essa tolerância

condicional era imediatamente suprimida através de leis reeditadas de períodos anteriores, em que tentou limitar a celebração dos batuques fora

das vilas. (ASSUNÇÃO, 1999, p.02)

Os conflitos entre autoridades e bumba serão melhor explanados no capitulo

seguinte.

Ademais, traçando um certo paralelo histórico, ouvimos muito falar da figura

emblemática deste protagonista das manifestações populares – o boi, na historiografia, desde

o período dos engenhos, em que a figura deste animal era muito presente no auxílio à mão-

de-obra escrava, com a força motriz, talvez, antes mesmo de chegar a ser transposto para o

campo cultural de folguedos, com o nome de Bumba-boi.

Há, inclusive, fatos inusitados, que mais soam como cômicos. A exemplo do que

ocorreu em Recife-PE, durante o período do governo holandês de Mauricio de Nassau, que se

apropriou deste lendário folguedo e da admiração de certa parcela da população para com o

boi, em prol de intentos políticos, e daí fez surgir a história do “boi voador”. Historia essa,

ocorrida da seguinte forma: os curiosos que queriam ver o boi, almejando saciar sua

curiosidade, deveriam pagar um taxa para cruzar a ponte sobre o Rio Capibaribe.6 Frisando,

já neste contexto, que o boi exposto deste modo existiu, porém, era uma espécie de “truque”

que foi utilizado para que o mesmo ficasse suspenso, dando a impressão de que o animal

estaria voando. Posteriormente, esse episódio, na história de Recife-PE, passou a fazer parte

de uma composição criada por Chico Buarque e Ruy Guerra, que mais parece com uma

”estória”, mas, de fato, aconteceu:

5 Momentos de conflitos políticos e sociais.

6 Especulava-se que, em virtude de tal feito, tenha sido ele, Mauricio de Nassau, o possível inventor do pedágio

no Brasil, pois é um dos registros mais antigos que se tem em relação a tais práticas.

23

O boi voador foi uma invenção de Mauricio de Nassau, que voou de fato no

céu de Recife em 28 de fevereiro de 1644[...] que precisava de recurso para

financiar uma ponte sobre o rio Capibaribe que mandou construir. Preparou então uma grande festa, e anunciou que no final da tarde o boi iria voar. Seu

plano incluía a cobrança de uma determinada quantia a quem atravessasse a

ponte para ver o espetáculo. (NOSSA HISTORIA, 2004, p.89).

Retomando a discussão da origem, a tese de que o boi seria originário do engenho, é

reforçada pelo folclorista brasileiro Abelardo Brandão, que discorda de sua origem sertaneja.

Embora reconheça a forte presença do boi entre os sertanejos, ou melhor, entre os vaqueiros,

afirma que a brincadeira não brotou desse meio: “[...]que o folguedo do Boi, não era

originário do sertão, mas do engenho, com efeito, em todas as atividades direcionada ao

engenho a figura do boi estava presente , seja na cana de açúcar, algodão, pastagem , via-se

a figura do boi.”. (BRANDÃO,1974, p.15)

Por esta razão, notamos grande aproximação entre o boi e o escravo, devido às

atividades executadas no interior dos engenhos, principalmente como força motriz. Porém,

fica uma grande indagação, se procuramos investigar o que era sertão, naquele momento, e

onde os engenhos do Nordeste se instalavam. Seria apenas no litoral? Era no sertão que era

praticada a criação do gado O cultivo do algodão, as pastagens? Enfim, era o sertão que

abastecia os engenhos, por isso é provável que a circulação de escravos nesses espaços

também fosse muito freqüente, tornando obscuras as fronteiras entre estes espaços e as

práticas culturais que aí se desenrolavam.

Real Barros, ao discutir a trilogia patrão, escravo e boi, fala da interação entre o boi

e o escravo. Segundo ele, na relação de opressão estabelecida entre senhor e escravo, muitas

vezes, o boi era um espécie de confidente mudo, um amigo na vida do escravo e que escutava

suas agruras sem reclamar. A festança, por sua vez, seria uma homenagem a esta prática de

companheirismo do boi para com o negro escravo:

O Boi para o negro trabalhador era uma espécie de confidente mudo em que

ele descarregava todos os seus momentos de angustia e aflição, e os raros

momentos de júbilo e contentamento. E foi isto que fez o escravo perpetuar

a memória do companheiro, no auto popular por excelência das pândegas nordestina. (REAL, 1982, p.20).

Talvez estas manifestações possam ser interpretadas, ainda, de dois modos: primeiro,

como uma espécie de “terapia”, no sentido de alívio, para o trabalho exaustivo realizado pelos

negros; e segundo, por ser uma forma de resistência, de manifestação de vida num ambiente

de “morte”, que era a situação de sofrimento vivenciada no cotidiano dos negros cativos.

24

Essas são algumas possibilidades que podem contribuir para a compreensão do

significado deste folguedo, trazida a nós pelos “cacos de passeidade”, vestígios do passado,

como nos lembra uma historiadora, quando diz: “que ao analisar esses cacos, podemos pelo

menos tentar preencher os possíveis vazios que foram negligenciados, em outras análises.

(PESAVENTO, 1995, p.21).

O passado é mutável e, portanto, a análise histórica é um campo de possibilidades

que precisa ser experimentado pelo historiador, como afirma Hobsbawm quando diz:

A crença de que a sociedade tradicional seja estática e imutável é mito da

ciência social vulgar. Não obstante até um certo ponto de mudança ela pode

permanecer tradicional: o molde do passado continua a modelar o presente , ou assim se imagina [...] o domínio do passado não implica uma imobilidade

social .(HOBSBAWM, 1988, p.24).

A representação do Bumba-meu-boi assume diferentes formas em virtude da

amplitude do seu campo cultural. De acordo com Real Barros, podemos classificá-lo como:

“farsa, drama, teatro, folguedo popular, tragédia, teatro, drama, auto, sátira e folgança”.

(LEAL, 1982, p.21).

Em São Luís, em relação ao folguedo popular de bumba-meu-boi, que data do final

do século XIX e inicio do século XX, as elites - locais municipais e estaduais-, aproveitavam

toda e qualquer oportunidade para transmitirem à sociedade a imagem da brincadeira como

sendo uma simples representação sem significação; e de que os manifestantes populares, por

se encontrarem postos à margem da sociedade, por isso, não mereciam a mínima atenção.

Todavia, contrariando essa falácia, o que se via era uma postura de preocupação por parte das

elites. É tão verdade, que as mesmas davam tanta atenção ao bumba-boi, que chegavam ao

ponto de criarem leis, no intuito de reprimirem as manifestações.

A brincadeira sofria uma dupla exclusão: primeiro, por se encontrar nas áreas que

correspondem aos subúrbios, o que já implicava no seu desprezo pelas camadas sociais

superiores, no caso, as elites; segundo, por ser proveniente do meio social dos escravos e/ou

seus descendentes, outros marginalizados, não só por residirem à margem da sociedade, mas

pela sua etnia e a associação produzida pelo sistema colonial, entre cor e escravidão.

Porém, embasados numa perspectiva mais ampla de historiografia, a Historia Social,

pretendemos trazer à tona esses sujeitos sociais “[...] pessoas que ao longo da história, fora

do seu bairro, apenas têm entrado para a história como indivíduos no registro de nascimento,

casamento e morte” (HOBSBAWM, 1998, p.21). Soma-se a esse pensamento o de M. Izilda

Matos, quando propõe fazer florescer sujeitos anônimos, tirando-os deste estágio posto pela

25

historiografia tradicional, que se centrava nos “grandes homens”. O nosso intuito, como

sugere a historiadora, foi:

[...] Promover a descentralização dos sujeitos históricos e a descoberta das

“histórias de gente sem história”, procurando articular experiências e

aspirações de gentes aos quais se negou lugar e voz dentro do discurso histórico convencional.(MATOS, 2002, p.24)

As proposições acima serão discutidas no capitulo seguinte, em que se trata de

apontar os conflitos socioculturais vivenciados entre “centro” e “subúrbio”.

2.2 – “A visão dos populares”

Há ainda outras versões sobre a origem e o significado do Bumba-meu-boi, só que

agora visões de origem popular. Aqui entendidas como idéias transmitidas, tradicionalmente,

pela oralidade, entre os praticantes da brincadeira ou no meio em que ela se realiza.

Segundo essas versões, encontradas em alguns autores, a exemplo de Vinicius Barros

e José Ribamar Reis, que circulam principalmente no Nordeste, há quase uma unanimidade

em relação ao local de origem do folguedo. Uns afirmam ter surgido entre os escravos, no

Ceará, mais precisamente, no eixo Ceará – Pernambuco, na Estrada das Boiadas, onde os

cativos aguardavam para serem transportados para seus locais de trabalho. Nesse intervalo,

executavam a prática da brincadeira. Esta, posteriormente, teria se irradiado para o Piauí, em

seguida, para o Maranhão e, na seqüência, para a Amazônia.

Contudo, descobrimos, no decorrer da nossa pesquisa, que esta visão não é muito

aceita pelos populares no Maranhão. Percebemos, nesse momento, um certo “bairrismo” do

povo em querer exaltar a localidade do Maranhão como precursora da brincadeira. Apesar de

uma certa unanimidade dos populares em admitirem a vinculação com o ciclo do gado,

prevalece, de certa forma, uma rivalidade entre os populares saudosistas, ao quererem

valorizar a sua região, tendo em vista que o folguedo é tradicional e espalhado por todo o pais,

sob diferentes nomes.

Voltando para a questão do surgimento, esmiuçando mais os pontos de vista acerca

do assunto, encontramos o de José de Ribamar Sousa Reis, que admite essa influência do

engenho vinculada também às atividades da pecuária: “O Bumba-meu-Boi originou-se das

26

atividades ligadas à pecuária, advindo da brincadeira de escravos na fazenda e no engenho.

A brincadeira iniciou-se no Maranhão, provavelmente nos últimos anos do século XVIII.”

(REIS, 1980, p.06)

Há, tanto na visão popular, quanto no ponto de vista de alguns teóricos, mais na

concepção popular, uma tendência em favorecer, ou melhor, apresentar uma postura que

venha a exaltar o seu local de origem. Não se quer, com isso, afirmar a inexistência de

“Bumbas” em outros locais. Com efeito, não apenas os populares, mas os próprios

intelectuais, ao tratarem da historia local, descrevem-na, algumas vezes, de forma epopéica no

intuito de exaltar a sua localidade. Essa postura ufanista era uma prática muito comum entre

os historiadores no século XX.

No campo histórico-cultural, em que é descrito o surgimento deste auto, esta

rivalidade entre os populares é justamente a busca de enaltecer o figurante principal do seu

lugar, a exemplo das indumentárias do Boi. No Maranhão, especificamente em São Luís, as

pessoas crêem que a brincadeira fora proveniente dos escravos, por essa razão, em sua trama,

apresenta-se a lenda de Pai Francisco e “Mãe Catirina”, sobre a qual circulam várias versões

do suposto “mito”, por intermédio da oralidade.

A empatia dos populares, em relação ao Bumba-meu-boi, era tal que chegavam a

aflorar sentimentos de rivalidade entre os participantes. Desavenças essas que, muitas das

vezes, evoluíam para a violência. Em São Luis, a rivalidade chegou a atingir proporções

amplas, a ponto das manifestações da brincadeira serem repudiadas e perseguidas pelas

autoridades locais, que impunham seus valores e manipulavam os discursos sociais do

período (século XIX e início do século XX).

Nestes discursos sagazes, aproveitavam-se as autoridades de todos os elementos

persuasivos e coercitivos, para legitimarem a argumentação de que as brincadeiras

incentivavam a violência. Tal argumentação baseava-se na idéia de que os encontros dos

cordões de Bumba-meu-boi sempre causavam algum tumulto, conforme depoimento

fornecido por um popular:

As brigas davam-se, às vezes, entre os bois aqui na Maioba mesmo. Por

exemplo, entre o Vassoural e Pindoba, Tapera. A ignorância era muito

grande. Certa vez, estava sentado lá na porta de Antero, defronte da Igreja de

São Benedito. Conferi dezoito cavalos que vinham do Iguaíba, carregando cacetes e foices para brigar com o boi da Maioba. Hoje em dia não há mais

isso, mas aquele povo antigo, não sei o que passava pela cabeça

deles..(MEMORIA DE VELHOS, 1999, p.167-168)

27

O sentimento de amor pela brincadeira era tão imenso que, em alguns casos, incorria

em exagero, a ponto de o fanatismo “consumir” os participantes, a exemplo do que foi citado.

Ainda na sua fala, o depoente traça até um paralelo com o contexto atual ao relatar que os

participantes de outrora admiravam, de fato, a brincadeira, em contraste com a realidade

presente em que o povo não manifesta sequer o mínimo de sentimento de prazer pela mesma,

desfila na brincadeira apenas por interesse econômico. Na atualidade, uma considerável

parcela de brincantes de bumba-boi, na Capital maranhense, só acompanha os cordões se

receberem pagamentos.

Analisando essa fala, nos vem à mente o pensamento de Hobsbawm, já citado, de que,

na ausência de um presente satisfatório, busca-se no passado esse sentido, de forma

nostálgica.

Em conseqüência destes episódios, talvez esporádicos, os sentimentos de aversão, por

parte das elites locais, etnocêntricas, tenderiam a aumentar e, proporcionalmente, as

perseguições ao folguedo e o repúdio aos participantes, também. Esses populares não eram

vistos com “bons olhos”, tanto pelo governo municipal, como pelas elites locais. Mesmo

quando as apresentações e ou ensaios do bumba-meu-boi transcorriam na mais perfeita

ordem. Ordem: era o que as autoridades exigiam dos brincantes. Imaginamos aí os impactos

dos discursos engendrados no meio social, quando as apresentações eram seguidas de

violência, a julgar pelo descrito.

Eis o porquê das brincadeiras de bumba-meu-boi se restringirem às áreas periféricas

da capital e passíveis, muitas vezes, de monitoramento policial. As manifestações ficavam

restritas à periferia, não por concessões das autoridades governamentais, mas pelo fato de, nos

arrabaldes da ilha, ser mais difícil contê-las. Em meio a esse movediço terreno, seguiu o

bumba-boi, resistindo, driblando e criando estratégias para desfilar pelas ruas da capital

maranhense, durante o período junino.

Entende-se o conceito de resistência, em nosso trabalho, não apenas como algo

físico, mas numa esfera mais transcendente, a simbólica, onde os manifestantes souberam

apropriar-se das brechas deixadas pelas autoridades. O exemplo das licenças perante a

Secretaria de Polícia do estado do Maranhão pode significar aí tanto uma pequena brecha

como possibilidade de resistência, afinal, solicitar uma licença demonstrava o interesses de

muitos populares em colocarem suas brincadeiras nas ruas, sem transgredirem a lei, embora,

na maioria das vezes, esta mesma fosse criada tendenciosamente, para não se aceitarem as

manifestações populares.

28

2.3 - “O Auto com Pai Francisco e Catirina ou Catarina”

Analisar, mesmo que de forma sumária, a trama que gira em torno do auto da

brincadeira de Bumba-meu-boi, além de ser um ponto crucial, aguça-nos a tentar configurar

as relações que se desdobram no interior da brincadeira.

Sabe-se que essa manifestação popular existe no Brasil de norte a sul e de leste a

oeste. Essa versão do auto popular vai ganhando características e formas peculiares, conforme

as regiões. Percebe-se inclusive, a variação dos nomes dos personagens. Por exemplo, o boi,

em alguns locais, recebe o nome de Mimoso, Estrela e Barroso etc.; há estudiosos, como

Azevedo Neto (1997), que dizem que o nome mais conhecido dado a essa figura emblemática,

seria o Boi Barroso. Enfim, muda-se o nome de acordo com a região, todavia, o enredo da

estória pouco muda, embora tenha variantes

O que há em comum, nos depoimentos sobre o assunto, são os personagens da

brincadeira: boi, negro Chico, negra Catirina/ Catarina, entre outros.

Conforme Azevedo Neto (IDEM), no auto original, não se sabe quem é o personagem

central: se Pai Francisco ou se é o boi. Uns dizem que contava a estória de um boi que foi

furtado por Chico, enquanto outros dizem que narrava a estória de Chico, que foi obrigado a

furtar um boi.

A festança do Bumba-meu-boi é uma espécie de ópera popular, da lenda desenvolvida

em torno de um fazendeiro que possuía um boi muito bonito, de raça, muito querido por

todos, e que, inclusive, sabia dançar. Na fazenda, trabalhava pai Chico, também chamado

“negro Chico”, casado com Catirina. Também residiam os vaqueiros e os índios. Catirina fica

grávida e sente desejo de comer a língua do boi. Com medo de que a mulher perdesse o filho,

caso o desejo não fosse atendido, o negro Chico resolve roubar o boi mais bonito de seu

patrão, para satisfazer ao desejo de Catirina.

O fazendeiro percebe o sumiço do boi e de pai Chico e manda os vaqueiros

procurarem-no. Sem sucesso na investida, o fazendeiro pede para os índios que o ajudem na

busca. Os índios conseguem encontrar pai Chico e o boi que, neste intervalo, havia

adormecido. Os índios levam pai Chico e o boi à presença do fazendeiro, que, por sua vez,

questiona o “nego Chico” sobre o acontecimento e descobre o porquê dele ter feito aquilo. O

fazendeiro, preocupado, pede auxílio aos pajés e doutores, até que estes conseguem curar o

boi. Na medida em que é curado, o boi se levanta dançando alegremente, por conseguinte, o

fazendeiro perdoa “pai Francisco” e tudo termina em festa.

29

Há outras versões acerca da narrativa do auto da brincadeira de bumba-meu-boi.

Embora haja discordância da primeira versão citada, apresentam os mesmos

elementos/personagens, mudando apenas a escala de observação. Cabe-nos frisar que, apesar

das versões serem as mais diversas, do ponto de vista da narrativa, elas coincidem sempre na

relação entre Negro Chico e o boi, perpetuando essa cumplicidade entre estes dois

personagens.

A estória é relevante e de uma incomensurável riqueza cultural. O imaginário em

torno da lenda aponta para muitas possibilidades. O roubar, por exemplo, poderia ser

entendido como uma afronta ao patrão.

Já em outro ponto vista, sobre o auto, a julgar pelo que extraímos do texto produzido

por Azevedo Neto, em uma entrevista com um amo7 de Bumba-meu-boi, o depoente,

profundo conhecedor das coisas e dos acontecimentos do boi, relata assim: um homem

chamado Francisco era conhecido como honesto, sério e correto. Não acreditando nisto, os

amigos de seu patrão fizeram com este uma aposta, onde empenharam as próprias fazendas

com tudo o que nelas houvesse. A aposta era colocar Francisco numa situação onde a verdade

seria a vergonha, e a mentira, a salvação. O patrão dizia: “que ele falaria a verdade.” Os

amigos respondiam: “ele vai mentir”. Resolveram, então, armar a cilada.

Pai Francisco cuidava particularmente, além do gado todo, de um belo touro chamado Barroso. Este Touro, entre outras coisas, sabia dançar.

Era o mimo da fazenda, o agrado do senhor.

Chamaram Catirina, mulher de Chico, mulata de beleza falada e

cantada na região: - que te parece Chico, Catirina? -Homem dos mais direitos.

- Gostas dele? - A mais não poder.

- Pois vai até ele te faz de grávida dele e diz, depois que estás com

desejo de comer a Língua do Boi Barroso. - Língua de Boi barroso?!

- Sim. E não assunte.

Catirina, assustada, só atendeu porque o próprio dono do boi lhe

falava. E, portanto, se assim foi dito assim foi feito.

- Língua de Barroso, Catirina?

- Sim, meu homem, língua de Boi Barroso. É desejo.

Pressionado por Catirina, Chico, armado de espingarda, matou boi

Barroso. Matou Boi Barroso. Tirou-lhe a língua e deu-a de comer a Catirina.

O fato acontecido ficaram todos à espera da iniciativa de Chico:

Falaria a verdade ou mentira?

7 Amo de Bumba-boi é o responsável pela brincadeira, em alguns casos, chega a ser o proprietário da mesma.

Este amo da entrevista é o Sr. Leonel, que saía com as brincadeiras há mais de 70 anos, 2003, quando foi

entrevistado.

30

Na madrugada, antes do sol de fora, Chico selou o cavalo e, cabeça

descoberta, partiu em galope em direção à casa-grande. A certa altura parou

e buscou uma forma de contar o ocorrido a seu amo: - Patrão, Boi Barroso entrou no Paul, enterrou na lama e morreu.

Insatisfeito, tornou a partir a galope. Parou de novo:

- Patrão, Boi Barroso pastava quando, quando de uma capoeira, saiu

uma cascavel e mordeu o boi Barroso, o bicho babou escumou e morreu. Outra vez não gostou. Apertou as esporas recomeçou a corrida em

direção à casa-grande, cada vez mais perto. Voltou a parar:

- Patrão, Boi Barroso passava pela mata quando um ipê, sacudido pelo vento, quebrou e caiu em cima dele. Boi Barroso morreu.

Novamente achou tolice. Recomeçou o galope e avistou a fazenda.

Chegou e apeou:

- Meu amo, Catirina estava com desejo de comer a língua de boi Barroso. Atirei no Boi, cortei a língua e dei para ela comer. Aqui estou

esperando sua palavra e seu castigo. (AZEVEDO NETO, 1997, p. 75-76)

No transcurso de nossas pesquisas, encontramos uma versão parecida à observada por

Azevedo Neto, do ponto de vista da narrativa, relatada por um popular atuante, chamado Zé

Toinho, amo do Bumba-meu-boi da Madre Deus.

Dois fazendeiros fizeram um acordo, sendo que um deles alegou que tinha um negro honesto, eis o porquê do sucesso de sua fazenda, o outro

fazendeiro duvidando disse:

- todos os negros são iguais são safados, não existe honestidade por parte deles!

Resolveram então, firmar o trato, o fazendeiro desafiante, pegou a

negra mais bonita da fazenda, para conquistar o escravo e pedir a língua do

boi. A negra conseguiu conquistar o negro Chico e conforme o combinado, sentiu desejo de comer a Língua do boi. Apesar da resistência por parte de

negro Chico, ele acabou matando o boi, para satisfazer o desejo da

companheira. Daí em diante todos os dias o patrão perguntava pela língua do boi , e o negro Chico apavorado e temendo qualquer retaliação, ficava a se

questionar o que viria a fazer?

-- não sei o que vou dizer para o meu patrão. E a negra Catirina ironicamente apenas sorria, como se zombasse de

Negro Chico.

E o patrão incessantemente tornava a perguntar na esperança que

Negro Chico lhe dissesse a verdade: - como vai o meu mimoso, Chico?

Diante dessa situação incomoda, sem mais saber o que inventar para

seu patrão negro Chico abre o jogo e resolveu confessar tudo: - Patrão eu matei seu boi preferido, pois minha mulher alegou está

grávida desejou comer a língua do boi. E o senhor sabe, mulher quando

senti desejo nesse período o mesmo deve ser cumprido. O fazendeiro apesar de ter perdido a aposta disse:

- Eu tenho um negro honesto.

O outro fazendeiro ganhador da aposta não se conteve e solidarizou e

rompeu com sua visão estigmatizante para como o negro. (ENTREVISTA. Zé Toinho, Amo do Bumba-Boi da Madre de Deus, 75 anos. jul. 2006)

31

Sutilmente, é possível notar o estereótipo projetado sobre os negros que, a posteriori,

será projetado sobre as suas festanças. Essas brincadeiras só eram aceitas - ou talvez, a melhor

expressão para este período fosse toleradas-, apenas no mês de junho, isso em São Luis-MA,

pois temos relatos que nos informam sobre apresentações de Bumba-meu-boi em outras datas,

a exemplo dos reisados, no período natalino, e, inclusive, nos períodos carnavalescos, em

outros estados brasileiros. E em locais afastados do perímetro urbano, nos arrabaldes da

capital. Não pensemos ser isso uma concessão por parte das elites governamentais, pelo

contrário, as danças se apresentavam nesses locais por ser mais difícil contê-las.

Contar as histórias desses sujeitos, como lembra Thompson (1997), é dar voz e vez

aos oprimidos, tantas vezes excluídos da historiografia tradicional. A oralidade destes

populares, ao contarem essas micro-histórias, pode nos dizer muito sobre a história de São

Luís, no período que estamos estudando.

Nossa pesquisa não envereda pela memória oral, tendo em vista que colher

depoimentos de pessoas que foram testemunhas oculares do período abordado por esta

pesquisa, que se delimita nos fins do século XIX e inicio do século XX, só seria possível se as

mesmas estivessem vivas, algo praticamente impossível. Para contornar esse empecilho, nos

baseamos no Livro Memória de Velhos (1999), que colhe depoimentos de filhos, parentes

e/ou amigos dos brincantes de Bumba-boi do início do século XX. Sob essa ótica, então, foi-

nos possível especular e desvelar o que tramitava nos bastidores da brincadeira.

2.4 - Sotaques do Bumba-meu-boi

Os sotaques que vamos apresentar neste item, surgem posteriormente ao nosso

recorte temporal. Contudo, pensamos ser pertinente apresentá-los para dar uma idéia do

significado do Bumba-meu-boi para a cultura ludovicense, no momento atual, em que as suas

expressões deixam de ser perseguidas e viram símbolos culturais do estado do Maranhão.

Esta questão de sotaque, substancialmente, significa roupas, vestimentas, no caso,

conhecidas como indumentárias, pelos participantes da brincadeira, além de estilo e toadas.

Justamente, esta questão vem mexer muito com os aspectos socioculturais. Vejamos, acerca

32

dos cincos sotaques que existem na região do Maranhão, que há grande discussão dos

pesquisadores sobre o conceito dos sotaques e a proveniência dos mesmos. Para Bueno,

Sotaque é o termo usado no Maranhão para designar o estilo de Bumba-boi

conforme a origem local , e abrange a lírica das toadas com sua maneira de

cantar, a instrumentação musical com sua maneira de tocar e a indumentária com sua maneira de dançar e de atuar. (BUENO, 1999, p.32)

No entanto, como foi dito, no período de fins do século XIX e início do século XX,

ainda não existia, de forma definida, esse termo, sotaque. Mas, partindo da idéia que os

brincantes, naquele período, eram negros e perseguidos, se fossemos enquadrar a brincadeira

nestas classificações, a que melhor lhe caberia, seriam os sotaques de Matraca e Zabumba,

isso a nível do estado do Maranhão.

Para Carlos Lima, o sotaque mais antigo é o de Zabumba, uma vez que o mesmo

surge com auxilio de tambores grandes. Ora, sabemos que o tambor é de origem milenar, cuja

data se perde no tempo, sendo este instrumento utilizado pelos indígenas, negros e brancos. O

autor reforça o pioneirismo deste instrumento:

O Tambor é, pois, inquestionável, muito anterior a tal manifestação folclórica como o bumba-meu-boi. Daí sermos levados a concluir que o boi

de zabumba é o mais antigo e, por conseguinte, o mais autêntico, até porque,

nas mais velhas referências, a brincadeira dele é descrita como divertimento de negros [...] Não é preciso grande conhecimento de história e folclore para

sentir que dos três estilos (Zabumba, Matraca e Orquestra), ele é o mais

primitivo, o mais pobre melodicamente, o mais África, o mais chão.

Tão forte é a influência do zabumba, que a expressão bumba deu nome ao bumba-meu-boi, segundo os filólogos, onomatopaicamente, a batida da

baqueta do bumbo. (LIMA, 1996, p.03)

No Maranhão, ao que se sabe, o Boi de Zabumba é oriundo da Baixada maranhense,

e, se quisermos situá-lo mais adequadamente, na cidade de Guimarães. Carlos Lima, também

nesse mesmo artigo, volta a confirmar a antigüidade do Boi de Zabumba, sendo os mais

antigos os de São Luis, os de Seu Misico, na Vila Passos8, os de Analio e Laurentino.

8 Um bairro de São Luis-MA.

33

Introduziram na folgança deste ano um repinicado de matracas com

acompanhamento de uns gritos estólidos e dissonantes que me arrepiaram a

carne só de ouvi-los, sem a mínima lembrança de que outrora usassem de tais cousas as figuras do boi. (LIMA, 1966, p.02)

Então, percebemos que, inicialmente, não havia a existência das matracas na

brincadeira de boi, o que serve, ainda mais, para reforçar o primeiro estilo deste folguedo.

Mas também vale ressaltar, nessa citação, o aparecimento de novos instrumentos para a

festança, fruto da dinâmica social e cultural pela qual passa a sociedade, o que enriquece a

manifestação mais ainda. Provavelmente, nesse período da segunda metade do século XIX,

tenha surgido o sotaque de Matraca, embora não com esse termo sotaque, uma vez que essa

nomenclatura é posterior.

Fruto dessas mudanças, mas bem posterior a esses dois estilos, surge o de Orquestra,

que muitos estudiosos consideram como uma versão mais elitizada. Percebe-se, pelas suas

indumentárias e os próprios instrumentos, que despreza os antigos tambores grandes e faz

concorrência com o Boi de Zabumba. Poderia, então, ser uma apropriação de elementos

populares pela elite, modificando ou adequando-os aos seus moldes de “civilizada”. Mas a

força da tradição popular é tão extraordinária que, por maiores que sejam a violência, ou o

descrédito, dada por morta, ela renasce, segundo Carlos Lima. Desse modo, percebemos o

pretexto de uma certa camada social em tentar ocultar uma suposta “barbárie”, modificando-a,

uma vez que não consegue contê-la.

Atualmente, os sotaques de Bumba-meu-boi no Maranhão são em numero de cinco.

Enumeramos abaixo os mesmos:

Sotaque de Zabumba, considerado o mais antigo, e comprovado que foi fundado

pelos escravos, devido aos seus instrumentos, como tambores e outros. É perceptível, de

modo marcante, a figura do escravo, ou seja, a sua representação. Já se encontra este sotaque

em certo abandono, são muito poucos os Bumba-bois deste estilo. Resistem devido à força

dos populares, que encaram a brincadeira de forma bastante séria.

Sotaque de Matraca (da ilha) - É de influência indígena. Usa-se matracas e é

acompanhado de pandeirões e indumentárias próprias desse sotaque, ele é composto por

personagens como o vaqueiro, índias, caboclo de pena, ou caboclo real.

34

Sotaque de Orquestra - de Influência européia, e portanto, o mais recente, as

indumentárias são mais luxuosas. Conta com a atuação da elite, interagindo muito nesta área

do folguedo. Os instrumentos variam desde saxofones, instrumentos de sopro, até os de corda.

Sotaque de Costa de Mão - Só existe em Cururupu. Nesta cidade, especula-se que

tudo isso começou devido às paixões dos habitantes da localidade pela folgança popular.

Como os mesmos passavam todo o dia trabalhando de modo intenso, à noite, durante os

ensaios, as mãos se encontravam muito exaustas devido à labuta intensa, por isso, resolveram

tocar os pandeirões com as costas das mãos, daí a origem deste nome, bastante popular e, por

conseguinte, criado pela figura destes anônimos, conhecidos por brincantes e amantes deste

folguedo. Os principais instrumentos são os ditos pandeirões.

Sotaque da Baixada - Como o próprio nome diz, ocorre na Baixada do Maranhão,

nas cidades de Viana, Guimarães, São João Batista e outros lugares. Possui suas

indumentárias parecidas com as do Sotaque de Matraca.

Além desses, existe um boi de Humberto de Campos9, conhecido popularmente

como o “famosão”. É um boi com dimensões enormes, que foge ao padrão dos outros, e o

miolo10

dele é composto por mais de uma pessoa. Todos esses sotaques são uma forma de

manifestação dos populares (povão), que pode ser interpretada de diversos modos, desde

revolta, até diversão.

2.4.1 - Impasses sobre o Conceito de Sotaque

Dando prosseguimento à problemática discussão sobre o conceito de sotaques,

anteriormente posta, notou-se uma serie de conflitos do ponto de vista teórico.

Destacamos dois grupos de estudiosos debatendo-se sobre essa questão: de um lado,

os que concordam com o termo sotaque; por outro lado, os estudiosos que não se sentem

confortáveis em utilizarem o conceito no sentido em vigor, considerando-o muito

generalizante, ao dar dimensões além do que o próprio termo pode comportar.

9 Um cidade localizada ao leste de São Luis - MA, aproximadamente a 264 km da Capital. 10 Este figurante é de grande importância para a brincadeira de Bumba-meu-boi, entretanto; não aparece. Trata-se

do homem que brinca debaixo do boi. Não resta duvida que é um estilista; tem que ser ágil, possuir a

intuitividade da harmonia e estatura mediana, para evoluir na cadência exigida. Atualmente, na cidade de São

Luis-MA, existe um projeto visando homenagear o Miolo. Um determinado dia no mês, saem a desfilar pelas

ruas da capital esse ilustre personagem da brincadeira de Bumba-boi, que, durante as festas juninas, fica no

anonimato.

35

Nesse item, nossas discussões estão centradas sobre o segundo ponto, tendo em vista

já termos relatado, de modo sumário, no sub-item anterior, um possível conceito de sotaque

que se aproxima do pensamento dos que concordam com a aplicação do termo.

O fato de alguns teóricos não aceitarem o conceito de sotaque, da forma que é

apresentado, não implica dizer que os mesmos sejam céticos quanto a estes conceitos. Na

verdade, apenas vêem como simplista essa divisão do bumba-meu-boi que se convencionou

utilizar no Maranhão, em cinco sotaques.

Para estes pesquisadores, os conceitos de sotaques são de uma fraqueza teórica

incomensurável. Por essa razão, faz-se necessária uma análise de conjuntura sobre os

mesmos, na intenção de ampliar a concepção reducionista e generalizante atribuída a eles.

Contrapondo-se ao primeiro grupo de estudiosos, o pesquisador Azevedo Neto tenta

dar uma dimensão maior ao conceito, ao propor: a divisão em grupos e subgrupos. Somente

após a divisão inicial, seria possível identificar-se os sotaques.

Para falar de sotaque é preciso, primeiramente, deixar claro que o termo, no sentido em que é geralmente usado, não satisfaz.

No sentido primeiro, sotaque é, entre os brincantes de boi, sinônimo

de ritmo. Por extensão, define-se sotaque como estilo de bumba-meu-boi.

Correto. Agrupam, no entanto, todos os bois em apenas quatro ou cinco sotaques, dando à palavra uma dimensão que ela não tem. Melhor será

dividir o Bumba-meu-boi do Maranhão em grupos. Dividir depois, os grupos

em subgrupos e estes, finalmente em sotaques. Aí a palavra sotaque terá o peso que adquiriu por extensão. (AZEVEDO NETO, 1997, p.24)

De fato, o autor, ao propor a divisão, dinamiza o conceito ao torná-lo mais amplo,

visando superar a outra concepção, por ele considerada simplista e reducionista. Nota-se,

também, que essa divisão não se detém em sistematizar os bumba-bois em categorias

estruturais estáticas, mas dinâmicas, a partir do momento que em apresenta um fio condutor

que interliga os conceitos de grupo, subgrupos e sotaques, de modo que os conceitos

contemplem uns aos outros, estabelecendo uma relação de constante diálogo entre as partes.

Porém, o autor toca em pontos interessantes, que, no primeiro momento, apenas com a

citação, talvez não consigamos identificar. Por exemplo, o que são grupos e subgrupos? Para

o autor, grupo seria: a influência maior e primeira, nos instrumentos utilizados, batida básica

da bateria? Na idéia central do guarda-roupa?

Subgrupos são as várias derivações dos grupos, cada uma apresentando alterações,

pequenas ou grandes, dentro daquele conjunto de características, em obediência às influências

de sua região de origem. É o estilo de uma determinada região. Subgrupo é o estilo regional.

36

Para melhor entendimento, utilizaremos o esquema exposto pelo autor, com a intenção de

entender o seu pensamento.

Fonte: AZEVEDO NETO,1997

A julgar pela forma de pensar do autor, sotaque seria, primeiramente, uma divisão de

cunho étnico, a qual o autor divide em três grupos macros, para, em seguida, qualificar em

subgrupos e só por último, cita o termo sotaque como algo peculiar e individual de cada

subgrupo.

Já se há dito e escrito que, no Maranhão, existem quatro ou cinco sotaques de bumba-

meu-boi. É uma precipitação. Partindo da idéia de que as características do ritmo, do guarda-

roupa e dos instrumentos utilizados é que determinam o agrupamento de bois num mesmo

sotaque, então se há de concluir que cada conjunto é um sotaque, uma vez que não existem

bois exatamente iguais

Lançando um olhar histórico ao recorte temporal de nossa pesquisa, a palavra sotaque

ainda não era comum, estava em processo de construção para somente ser proferida, pela

primeira vez, em meados do século XX.

37

Observa-se que existiam instrumentos comuns a todos no século XIX. Afinal, não

havia matracas, zabumbas. Havia apenas caixas mais altas ou mais baixas para se obter sons

mais agudos ou mais graves. Os conjuntos diferenciavam-se entre si, principalmente, pelo

ritmo e pela elaboração dos passos.

38

CAPITULO III - A CIDADE DE SÃO LUIS – MA (1890-1920)

A princípio, na tentativa de melhor aproximar o leitor da história da cidade, faremos

uma breve análise sobre a situação da capital maranhense na época delimitada no estudo. Este

prólogo deve-se à dificuldade de discorrer sobre as brincadeiras de Bumba–meu-boi,

negligenciando a historia local. Nesses termos, procuramos nos ater a alguns pontos do

cotidiano ludovicense, almejando historicizar a cidade a partir do Bumba-meu-boi. A

transformação vivenciada pela História, em função dos alargamentos no campo

historiográfico, possibilita-nos a reconstrução de sujeitos históricos que, por muito tempo,

foram silenciados pela historiografia tradicional. Assim, os brincantes de Bumba-meu–boi, no

período de trânsito dos fins do século XIX para o inicio do século XX, que, diante de

situações adversas, souberam criar/desenvolver estratégias de resistência, insistindo em

desfilar sua brincadeira pelas ruas da cidade, ganham espaço nesse trabalho, saindo de trás das

cortinas, mostrando suas faces enquanto protagonistas da historia, obtendo voz e vez.

Iniciamos abordando os aspectos históricos da capital maranhense, pormenorizando

fatos cotidianos, criando um elo entre o nosso tema e a cidade, na época referente ao estudo,

buscando um chão histórico que permita concretizar a idéia desse trabalho. Com efeito, a

cidade (no sentido físico e social) nos dá suporte, quando vista como o lócus dos

acontecimentos, o local das apresentações dos cordões. No contexto de aproximação entre os

populares e a cidade, cria-se uma relação de cumplicidade, uma vez que não é viável discorrer

sobre os populares negligenciando a cidade, e vice-versa, embora a historiografia tradicional

tenha, sem sucesso, feito isso.

3.1 - São Luis na Transição do regime Imperial para o Republicano

Sabemos que o período dos fins do século XIX e transição para o século XX foi

marcado por grandes acontecimentos, a nível nacional, mudanças significativas no cenário

sociopolítico, com destaque para a abolição da escravatura e a instauração da República, que,

teoricamente, possibilitaria maior inclusão social, tornando a sociedade mais democrática. A

abolição foi um destes exemplos marcantes, fato que a imprensa de São Luis enfatizava

veementemente, em suas colunas diárias, sobretudo, pelos jornais que se autodenominavam

imparciais, como o exemplo a seguir:

39

Em regosigo (sic.) pela extincção da escravidão no Brasil, Sahirá hoje,

depois de magna sessão, uma grande passeata, as 7 ½ horas da noite da casa

a rua de Sant‟aninha, entre as Ruas grande e da Paz, a qual não teve lugar, em virtude de ter chegado bastante tarde o resultado da 3° discussão do

projecto. Convida-se por tanto, o povo em geral, para comemorar o maior

acontecimento do século XIX. (Jornal O Pacotilha, 11 maio. 1888, p. 3).

No ano posterior (1889), a proclamação da Republica concretizava a mudança de

regime político, acontecimento este, narrado unilateralmente pela historiografia positivista,

que tende a exaltar a figura de líderes, silenciando o papel das camadas populares.

Poderíamos colocar aqui o próprio Deodoro da Fonseca, visto por aquela corrente

historiográfica como o protagonista deste discurso, quando realiza a proclamação do novo

regime.

A transição política da monarquia para o regime republicano alimentou a

“esperança” de muitas pessoas, que acreditavam que essa mudança significaria maior

participação na vida política. Na prática, pôs em xeque todos esses anseios de populares, pois

o povo, de uma certa forma, assiste aos acontecimentos como espectador. Com a ressalva de

que, em alguns lugares do país, houve foco de resistência em relação ao novo regime, a

exemplo do movimento de Canudos na Bahia. Porém, vale frisar, a historiografia cita esse

caso para afirmar a idéia que o movimento foi recebido quase unanimemente, com pouca

resistência, em todo o território nacional.

No Maranhão, as elites não se posicionaram contra a Republica. Aí vigorava a força

dos coronéis – elementos da elite agrária, conservadores e detentores do poder, político e

econômico – e, fazendo jus ao nome conservador, talvez não devessem concordar de imediato

com as mudanças, já que corriam o risco de perder sua representatividade no cenário político.

Contudo, na prática, não foi o que aconteceu. Os conservadores, já a essas alturas, faziam vir

à tona o descontentamento com o Império e a lei Áurea, uma vez que a economia do

Maranhão praticamente se sustentava na mão-de-obra escrava, portanto, a abolição da

escravidão afetou as bases socioeconômicas das elites agrárias maranhenses que,

posteriormente, entraram num processo de decadência; e contribuiu para o descontentamento,

ainda maior, com o novo regime político:

[...] A economia do Maranhão, como vimos, repousava no trabalho escravo

das grandes plantações de algodão, dos engenhos de açúcar e da pecuária do

sertão. O preço do algodão aviltou-se, o escravo foi libertado, as fazendas e engenhos se despovoaram, toda estrutura latifundiária e escravista ruiu.

(LIMA, 1981, p.189)

40

Com a abolição da escravatura, a aristocracia agrária maranhense não

deu continuidade aos trabalhos da grande lavoura, jê em certo declínio ou estagnação na produção do algodão, principal produto da economia local,

embora tivesse alguma compensação com a atividade açucareira que desde

1860, aumentava progressivamente, alcançando as mais altas cifras na

década de 1880. Com o golpe do 13 de maio, parte dos senhores reduziu o plantio do algodão... (LACROIX, 2004, p.17). Grifo nosso.

O quadro exposto veio a despertar inquietações nas elites locais, que pensavam estar

fora da esfera governamental, mal entendido esse rapidamente contornado, uma vez que a

mudança foi de regime político e não das pessoas que ocupavam o poder. Nestes termos, não

haveria motivo de preocupação para a elite agrária. Mudanças similares também aconteceram

a nível nacional, explicitamente no Rio de Janeiro, capital da Republica. A instalação de um

novo regime político carregava a esperança de maior participação de outras camadas sociais

no poder. Mas foi apenas um discurso falacioso para acalentar as massas efervescentes, pois,

na prática, o poder passou a ser exercido pelos mesmos coronéis de outrora e, ademais,

através das mesmas práticas de nomeação, indicação de parentes e amigos, dessa vez, pelo

Presidente.

Dissociava-se o governo Municipal da representação dos cidadãos. O fato

era agravado pela freqüente nomeação de prefeitos e chefe de polícia totalmente alheios à vida da cidade, trazido muita das vezes pelo presidente

da Republica .Abria-se então um lado do governo para o autoritarismo, que

na melhor das hipóteses, poderia ser um autoritarismo ilustrado, baseado na

competência real ou presumida dos técnicos. (CARVALHO, 1987, p.35)

O Maranhão acaba aderindo à Republica mediante mera formalidade burocrática,

segundo o relato de Carlos Lima (1981): o Comandante da Infantaria recebeu ordens do Rio,

formou a tropa e aclamou o novo regime sem nenhuma hostilidade. E quem assumiu o poder?

Os componentes do velho Partido Conservador, pois o que mudou, foi o regime político,

permanecendo os mesmos vícios do antigo regime, as mesmas farsas de representatividade:

Como era de esperar, a Republica chegou com os mesmos vícios, os

mesmos homens, as perseguições aos adversários e a farta distribuição de

pingues empregos a parentes, amigos e correligionários. Houve ainda, no novo regime, uma repartição do país em áreas de ação política, cabendo o

Maranhão, nessa partilha, ao Ministro da Marinha, Almirante Wandenkolk.

(LIMA, 1981, p.185)

41

A preocupação deste período gira, quase que exclusivamente, na ocupação de

cargos governamentais, expressa na alternância de poder, com a imposição de interesses

pessoais. A exemplo do primeiro governador republicano provisório, o Dr. Pedro Augusto

Tavares Junior, fiel à corrente positivista. Quando se referia à República, quis, de inicio,

diminuir o poder da Igreja Católica, desconstruindo a idéia da mesma ser a religião oficial e

estabelecendo a liberdade de culto, mas não obteve sucesso. Foi vetado em seu ato pelo

próprio Governo Federal (republicano), tendo o governador, em resposta, renunciado ao

cargo.

Tomou posse, seguindo a seqüência de governos com pouco tempo de duração, o

Dr. José Tomaz Porciúncula, que tratou do primeiro empréstimo junto ao Banco Nacional, na

importância de 300 contos de réis. Fazendo jus à rotatividade de governadores, não demorou

muito no seu posto. Mas, cabe salientar, nesse processo de tantos governadores interinos,

houve um deles que obteve grande respaldo e durou um pouco mais no seu cargo, Benedito

Pereira Leite.11

Dizemos, por força de expressão, “um dos que mais durou”, devido a sua

força de representatividade, pois, mesmo não estando à frente do governo, impunha sua

liderança, influenciando na escolha dos cargos e dos sucessores.

Já influenciara muito na escolha de alguns de seus predecessores, graças à morte do

Barão de Grajaú, Carlos Ribeiro (líder do Partido Liberal), acontecimento que causara muitos

impasses, desestruturando o Partido, uma vez que havia quem quisesse estabelecer, como

sucessor do ex-líder, o seu filho Carlos Fernando Ribeiro, medida que não agradou os

tradicionalistas, ocasionando divergências e enfraquecimento do partido.

É pertinente lembrar a existência de apenas dois partidos no Maranhão, no inicio do

novo regime: o Federalista, chefiado por Benedito Leite, e o Republicano, chefiado por

Manuel Bernardino da Costa Rodrigues. Esse último não conseguiu a mesma liderança

política de Benedito Leite, que recebera até pseudônimo, como Carlos Lima diz: “Foi o

senhor supremo de nosso Estado. Mandou nas terras atenienses como Napoleão mandou na

França. (LIMA, 1981, p. 189)

Benedito Leite tentou remediar a situação de crise, pela qual passava o Maranhão,

desde a decadência das plantações, fruto da abolição da escravatura, incentivando a lavoura, a

11 Um representante político cuja influência no Maranhão foi tamanha, chegando a acumular cargos políticos:

“Benedito Leite exerceu, ao mesmo tempo, os mandatos de deputado Federal e estadual. Controlando as

bancadas, exercendo uma verdadeira tutela sobre o governador em exercício e estabelecendo-se como líder da

política maranhense. Em 1897, foi eleito para o Senado, mas não abandonou a carreira de Deputado estadual

até 1899, e nos dois quadriênios governamentais seguintes foi, de fato, o verdadeiro comandante do Estado, por

trás da posição oficial de João Gualberto Torrão da Costa (1898/1902) e Lopes da Cunha (1902/1906)”. (REIS,

1992, p. 07)

42

pecuária, a educação e as obras publicas, entre outras medidas, mas não obteve muito êxito

devido à queda dos preços de gênero alimentícios, que ocasionou a redução da arrecadação e

obrigou o governo, então, a contrair empréstimos a juros elevados. O governador recebeu

muitas criticas, sendo uma delas desferidas por Artur Azevedo, quando estava no Rio de

Janeiro:

Não saber somar e querer com uma receita de cinco pagar de dez... sabendo

os maranhenses, em geral, gramática e fazer bons versos, no tocante a algarismos são uma lástima, atribuindo-lhe o fracasso por confiar demais nas

forças produtoras do Estado. (LIMA, 1981, p. 190)

Nesse período, alegava-se que os maranhenses eram muito bons de versos e

gramática, o que rendeu a São Luis o titulo de Atenas Brasileira, mas quanto aos números,

parece que os maranhenses eram uma lástima, a julgar pelo crítica de A. Azevedo.

Com a morte de Benedito Leite, na França, quando fora tratar de problemas

relacionados à sua saúde, emerge mais uma crise, dessa vez, para sua sucessão. A disputa

política volta a ser acirrada como outrora, repetindo-se o sistema de governos interinos até,

finalmente, assumir o governo Luis Dominguez (1910-1914), que pagou a dívida flutuante e,

de certo modo, reanimou a indústria açucareira, o transporte, e iniciou o saneamento básico de

São Luis, claro, com recursos provenientes de empréstimos externos, aumentando, assim, as

dividas do estado. Era uma prática comum os governadores contraírem empréstimos, tendo

em vista que o Maranhão não conseguia se manter por si só. Neste período de governo, foi

fundada a Academia Maranhense de Letras, mérito de um novo grupo cognominado de

“novos atenienses”.

Desde a decadência econômica da Província do Maranhão, no período de transição

Monarquia – Republica, era a primeira vez que um governo apresentava um orçamento com

superávit. Isso ocorreu na gestão de Herculano Parga (1914-1918), com o cultivo e

exportação do babaçu, que despontou em meio à I Guerra Mundial, em função da demanda de

produto, provocada pelo conflito. O comércio de São Luis tomou novas proporções em

âmbito interestadual, ampliando seus negócios com a venda de tecidos, algodão, arroz, couro

e, principalmente, o babaçu (árvore da vida). A economia maranhense apresentava surtos de

crescimento em períodos conturbados (crises), segundo relatos de Maria L. Lacroix (2004):

As dificuldades do inicio do século XX foram substituídas por uma rápida reativação da economia maranhense, originada no aproveitamento do

babaçu, na expansão do mercado e subidas dos preços do algodão e dos

43

tecidos da indústria local. A I Grande Guerra promoveu o aquecimento das

atividades agrícolas, ampliando-se as exportações, nos primeiros anos da

década de 20. O ciclo revitalizador foi suficiente para reequilibrar momentaneamente as finanças empresariais e públicas , vivendo o estado

alguns anos de otimismo. O déficit, advindo do final do século XIX, foi

ligeiramente superado pela balança comercial positiva. (LACROIX, 2004,

p.18)

As condições socioeconômicas do período anterior à I Guerra contrastam, de modo

notório, com o antigo regime monárquico, quando a capital do Maranhão despontava no

cenário nacional devido à grande produção dos engenhos de açúcar e dos algodoais, nessa

ultima lavoura, proporcionada pela interrupção do fornecimento norte-americano à indústria

inglesa, em virtude da Guerra de Secessão. São Luis passara a ocupar, na época, a categoria

de terceira cidade mais populosa do país, atrás apenas de Salvador e Rio de Janeiro:

O sucesso econômico como já falamos deu origem a riquezas particulares de

lavradores, industriais e comerciantes, que contribuíram para o aprimoramento e requinte da sociedade maranhense. Deixando como prova

viva dessa época a sua arquitetura de sobrados e sobradões de mirante,

fachadas de azulejos, grades de ferro. Toda essa opulência fez com que

viajantes denominassem São Luís como uma pequena vila de porcelana ... A formação de uma elite latifundiária e uma classe urbana de ricos

comerciantes, levaram a província a uma posição invejável no cenário

político, econômico e cultural do reino brasileiro. (PEREIRA, 1997, p. 18)

A própria arquitetura herdada do período colonial, por influência portuguesa e

francesa, foi digna de elogios, como citado acima. A “alta sociedade” esbanjava na compra

dos produtos de luxo como jóias francesas e tecidos importados dos ingleses. Estes, viviam

na capital, para o lado do Caminho Grande, isolados da cidade. Alguns dizem ser por causa do

seu comportamento frio e egoísta, porém, gozavam de regalias, como a liberdade de culto, e

seus caixeiros tinham privilégios no serviço militar.

Em decorrência, o comportamento social ludovicense sofria influências européias,

de que eram porta-vozes os filhos dos comerciantes bem sucedidos economicamente e que,

preocupados com o refinamento e educação desses filhos, mandavam-nos estudarem na

Europa, principalmente em Coimbra e também na França. Ao retornarem de suas experiências

acadêmicas, acabavam por ocupar cargos públicos, além de trazerem consigo valores culturais

e comportamentais aprendidos na Europa. Nesse período, no Maranhão, estudar fora, obter

um diploma de nível superior, era sinônimo de trampolim político. Com efeito, na prática,

quem estudava em outras localidades, ao retornar, de uma forma ou de outra, assumia algum

44

cargo político, sobretudo, quem tinha formação jurídica, a julgar pela descrição de Flavio

Reis: “Dos treze senadores pelo Maranhão durante o Império, onze possuíam formação

jurídica, sendo quatro diplomados em Coimbra, seis no Recife e um em São Paulo (REIS,

1992, p. 3)

Esse quadro denota um momento de mudanças no cenário político maranhense, onde

a elite agrária já não possuía mais exclusividade na ocupação de cargos e nem na esfera

econômica, uma vez que o modelo agro-exportador do estado vivia momentos de

instabilidade, diminuindo consideravelmente o poder dos grupos políticos oligárquicos

Retornando aos filhos das elites, que estudavam fora do país, eles eram, em suma, os

grandes responsáveis pela importação de elementos culturais, modismos, costumes, valores

que acabavam por se disseminarem na vida social da capital maranhense.

Em razão disso, essa sociedade começa a privilegiar a ostentação e a exaltar os

moldes franceses de viver(os franceses passam de invasores a heróis na mentalidade

ludovicense do século XX), o que, neste momento, era interpretado como “ser civilizado” e

sair do estágio de atraso. Com efeito, esse discurso que as camadas sociais privilegiadas

adotaram, é eurocêntrico. E como tem sido de praxe, historicamente, temos esse hábito de

importação cultural e de embriaguez com as ideologias de tal natureza, valendo-nos de

“falácias desenvolvimentistas” que, na prática, têm como referência realidades bem distantes

da nossa.

São Luis, como outras capitais no país, exercitavam pois, tais práticas de apreensão

de elementos europeus e de sua transposição para a vida cotidiana. O Rio de Janeiro era o

grande exemplo em termos de europeização. A capital maranhense, se comparada à capital do

país, era considerada atrasada nesse processo de modernização atrelada à idéia de

“progresso”, palavra de ordem do período, sinônimo de novo, prosperidade, civilização. E era

o que se esperava do regime republicano recém- instaurado.

Porém, nos fins do século XIX, e início do século XX, mudava o contexto

socioeconômico. Retorna ao mercado a produção norte-americana do algodão,

conseqüentemente, ocorre a reabilitação produtiva estadunidense, promovendo concorrência à

produção algodoeira maranhense, que entra em decadência, justamente no período de

transição de regime. Mas não foi este fato o motivo exclusivo, a contribuir para o declínio do

produto. Outra medida que pesou, significativamente, foi a abolição dos escravos, além da

péssima qualidade do algodão: “continuou a ser cultivado, predominantemente, o algodão

denominado “quebradinho”, arbóreo, perene, caracterizado por fibras espessas, rugosas,

pouco resistente, com comprimento variando de 22,5 a 33,8 mm. ”(MELO, 1990, p. 38).

45

Historicamente, notamos a dependência da economia maranhense em relação à mão-

de-obra escrava. Portanto, com o fim da escravidão e a crise do algodão, formou-se, dessa

forma, um conjunto de fatores adversos, que vinham contribuindo para o refluxo paulatino da

produção agrícola em detrimento de uma nova atividade, a industria têxtil, até então, sem

muita expressão na capital maranhense:

A lavoura que no começo do séc. XIX havia trazido tanta opulência às classes conservadoras do Maranhão, agora no fim do Império estava

passando por um processo de declínio. O Maranhão que no antigo regime

fora uma Província de prestígio, começava a República sem expressividade, até mesmo na Região Norte. Na tentativa de mudar este quadro caótico,

muitos desiludidos com a lavoura embarcaram no sonho da indústria têxtil,

de transformar São Luís numa Manchester brasileira. (PEREIRA, 1997, p.

19)

A nova atividade iria proporcionar a expansão geográfica da cidade em direção ao

bairro do Anil, no sentindo centro - subúrbio. Nesta periferia é que, longe da repressão

policial e das elites, os escravos iam tecendo uma das culturas negras mais ricas do país, na

qual se inclui o Bumba-meu-boi. Aí surgem bairros novos, em virtude do aparecimento da

Fábrica da Camboa Fabril, que atraiu um fluxo populacional para satisfazer à demanda do

mercado de mão-de-obra. Como o próprio “bairro dos operários”, atual bairro da Camboa,

que, por sinal, fica circundado pela indústria.

FOTO DA FÁBRICA CAMBOA

Figura 1.

Fonte: Revista do Norte, 1902

46

A impressão que se tinha, nas alturas do ano de 1906, ao chegar à capital do

Maranhão, era, sem duvida, em nos acharmos em uma cidade bastante

industrial. (MACEDO, 2001, p.68)

Como, neste momento, a população aumentava cada vez mais, o perímetro urbano

não comportava tal crescimento, pois não havia habitações para atenderem à necessidade dos

segmentos de baixa renda. Estes, não vendo outras saídas, passaram a habitar os andares

térreos dos casarões antigos, outrora elogiados pelos que chegavam à capital, e onde as elites

ludovicenses residiam, a exemplo do Governador Godofredo Viana, que morava nas

proximidades da Praça João Lisboa. Os sobrados viram abrigo de mendigos, “contaminando”

o “salão publico”. A realidade se configura de forma contraditória: o centro da cidade que,

durante muitos anos, fora digno de elogios, palco de inúmeras obras, resultando na belíssima

arquitetura da capital, composta por belos casarões, ruas, praças, serviços de infra- estrutura,

de uma hora para outra, vê toda essa estrutura ser modificada e atrair o repúdio das pessoas,

que passam a olhar o centro* como um propagador de doenças:

Nessa mesma época, a nossa arquitetura foi questionada. Ela deixou de

representar um poder aquisitivo, um símbolo de riqueza de outrora, para ser considerada simples antro de doença, e representante vivo do nosso atraso

em relação a outras capitais brasileiras, que desde o começo do século

haviam demolido parte dos casarões, para dar lugar a prédios mais modernos e avenidas largas, verdadeiros símbolos do progresso. (PEREIRA, 1997, p.

17)

O Estado, com suas políticas higienistas, tentou contornar a situação - pois a idéia

de limpeza era associada à de civilização. Procurando modos de conter a ocupação destes

sobrados, como forma de disciplinar os espaços da cidade e debelar os surtos epidêmicos,

criou-se o serviço de Profilaxia, em 1918. E muniu-se, também, do auxilio dos Códigos de

Posturas Municipais, publicados no Diário Oficial do Estado do Maranhão, de 05 de junho

de 1917:

Art.48 –não é permitida a habitação em porões e sotões que não sejam

naturalmente bem iluminados e arejados e não possuam aparelhos higiênicos de uso

domestico. §único –Fica desde já prohibido a reocupação de sobrados que já forem

desocupados.

Art.49 –Após dois anos a contar da data da publicação desta lei, não será

permitida a moradia embaixo de sobrados que não possuam boas condições higiênicas e todas as instalações necessárias ao uso de seus habitantes.

§único- o proprietário ou arrendatário de sobrados e dependências

higienicamente inabitáveis de outras moradias, decorrido o prazo tolerado por este

47

artigo, pagarão (sic.) 20$000, de multa diariamente, pelo tempo excedido ao mesmo

prazo.

Neste momento, o Brasil passava por mudanças significativas na arquitetura de suas

capitais, muitas delas baseadas em moldes culturais franceses, construindo-se novos prédios,

com o discurso de modernidade explicito na expressão Belle époque, que circulava como

sinônimo de progresso. O novo era modismo do momento, o regime republicano fomentava

esse pensamento e a capital federal, o Rio de Janeiro, se insere nesse contexto, sendo a

pioneira na “Inserção Compulsória”12

do Brasil. São Luis, ao contrário dessa tendência, ainda

se encontrava arraigada às construções da antiga arquitetura, devido à insistência dos

moradores em permanecerem cultivando o modo colonial de construção, representado nas

fachadas de suas casas. É nesse contexto de discussão sobre habitação que uma empresa

carioca chegava ao Maranhão, com o argumento de que, para construir o novo, seria

imprescindível destruir o velho, como fora feito no Rio de Janeiro.

Analisando o cenário social de São Luis no início do século XX, ele contrasta com

os moldes dos séculos anteriores, em que a cidade ocupava uma posição invejável a nível

nacional, em termos de economia, quando apresentava superávit com a produção do algodão.

Os recursos provenientes das exportações deste produto haviam proporcionado meios de

dinamizar, economicamente, a capital, atraindo para ela a instalação de bancos, como o

Comercial do Maranhão (1846), o Hipotecário e Imobiliário (1847).

Em contrapartida, a capital maranhense adentra a Republica permanecendo entre as

capitais menos desenvolvidas do país. O saneamento básico da cidade era irrisório, a

iluminação, a gás, os bondes puxados a burros, um horrível sistema de abastecimento de água.

Depoimentos do período, extraídos do livro Memória de Velhos (1999), demonstram, com

riqueza de detalhes, um pouco do que queremos enfocar, sobre o cenário urbano de São Luis,

denotando o atraso , algumas vezes escassez dos serviços públicos da ilha em relação a outras

capitais do país:

[...] Quando davam, seis horas, saíam do GASÔMETRO, turmas de homens

com uma escada na mão e umas caixas de fósforos, chegavam ao lampião,

que era quadrado e tinha um bico, suspendiam a tampa, abriam a torneira, riscavam um fósforo e acendiam. Era essa a iluminação da capital. Na hora

de apagar, eles fechavam a chave geral.

12 Expressão citada por N. Sevcenko, elucidando as rápidas mudanças no cenário urbanístico das cidades

brasileiras, especialmente na capital federal. Mais detalhes, consultar. SEVCENKO, Nicolau. Literatura como

missão.4 ed. SP: Brasiliense, 1995.

*Expressão baseada em uma visão dualista, hoje superada e entendida, conforme último capítulo. A polaridade

centro –periferia, embora acentue o antagonismo entre dois espaços/territórios, não demonstra as suas relações.

48

Antes do bonde elétrico, havia um bonde puxado por cinco burros, que

faziam o trecho do Largo do Carmo para o Anil, pela rua Grande. O bonde

elétrico só foi inaugurado em 1924. ( MARANHÃO, Fundação Cultural, 1999, p. 87).

Esse quadro serve para corroborar a incipiente urbanização da capital maranhense,

comparada a outras no país. Não é necessário nos deslocarmos para muito longe, ou seja, para

o sul do território brasileiro, para notar essa disparidade. O próprio Recife, nessas alturas, já

usufruía dos serviços de bondes elétricos, abandonando os bondes de tração animal, conforme

relato: “os bondes de tração animal passaram a circular pela cidade, servindo a população

até o ano de 1914. Os bondes tinham forte presença no cotidiano da cidade...” (REZENDE,

2002, p. 88). O autor enumera algumas instalações no cenário urbanístico do Recife, que

datam desse período, tais como:

A inauguração da estrada de ferro Recife-Olinda-Beberibe (1870),

serviços telegráficos (1873), serviços de telefonia manual (1881), serviços de

bondes elétricos (1914), nova rede de esgoto (1915), inauguração do tráfego

aéreo Recife-Rio- Buenos Aires (1925), entre outros. ( REZENDE, 2002, p.

100)

Organizar a cidade e adaptá-la a um novo processo, de forma abrupta, eram medidas

quase impossíveis de se realizarem naquele momento, em São Luis, uma vez que tais

iniciativas necessitavam de finanças, de que o estado não dispunha no período, tendo em vista

que nem mesmo se sustentava, recorrendo sempre a empréstimos para honrar seus

compromissos, como vimos o governador Luis Dominguez executando tal prática:

O governo do Sr. Luis Domingues, A sua influência nefasta, além do

esbanjamento dos dinheiros tomados por empréstimos ao estrangeiro, tem-se

manifestado pela falsidade de suas declarações e pelo falseamento das normas pré-estabelecidas por todos os governos.;

(...) Outra aplicação que Luis Domingues desviou o dinheiro do

empréstimo dos fins que o devia empregar, por força do contrato, foi a que lhe deu com o negocio do enjenho Joaquim Antonio.

Procura justifica-lo com a necessidade de que estávamos, segundo diz

ele, de amparar a industria assucareira no Estado. Esse foi porém apenas

pretexto. O verdadeiro móvel da operação todos o conhecemos. (Jornal O Pacotilha, 21 jun.1912. p. 01).

Dentre os empréstimos absurdos, o que mais se destacou na época, foi o contraído

pela administração de Godofredo Viana, na casa de um milhão e meio de dólares, e que,

segundo aquele dirigente, era para executar serviços públicos adequados para São Luis, o que

49

parece não ter acontecido, pois as epidemias aterrorizavam e assolavam a população, que era

culpabilizada pelo governo. A população era responsabilizada, na perspectiva dos

governantes, por afastar os estrangeiros, que temiam aportar na cidade, receosos com os

surtos de doenças. Com efeito, a situação da capital maranhense era deplorável, se comparada

com o século áureo das exportações. Na entrada do século XX, o seu atraso econômico-

social era notório.

Apesar de toda essa situação adversa, havia na capital maranhense pessoas que

desejavam adentrar no cenário de progresso associado ao regime republicano, com a pretensa

idéia de modernização, adotando medidas higienistas para conter as populações que queriam

habitar o centro, disciplinando-se os espaços. Por conseguinte, buscava-se que São Luis

voltasse a aparecer no cenário nacional, como uma capital promissora, em potencial, para a

modernização e a civilização, assim como fora no Império.

3.2 O Cotidiano ludovicense

Em meio a inúmeras mudanças no âmbito político, econômico e social, ocorridas no

país, principalmente na capital maranhense, a República influenciou diretamente a forma de

pensar e ver a sociedade. Todavia, ainda que o sistema político tenha mudado (Império-

República), não nos possibilita pensar que o novo sistema exauriu as velhas práticas/vícios da

monarquia. Na própria esfera governamental, muitos sonhos foram frustrados, principalmente

dos que pensaram, precipitadamente, que seriam incluídos na cúpula do poder.

Exemplos corroboram a idéia supracitada. Na própria postura etnocêntrica em relação

aos populares negros, atuantes em alguma brincadeira, percebe-se a permanência daquelas

práticas, de modo camuflado e sob novas roupagens. Mesmo com a abolição da escravatura, o

Estado construiu artifícios sutis e persuasivos para legitimar suas formas de perseguição aos

populares, apoiado no discurso da civilização. Enfim, mudara o regime político, porém,

muitas pessoas permaneceram no poder e mantinham suas preconceituosas visões de mundo.

São Luis adentra no novo regime atrelada a velhos problemas urbanos herdados do

período monárquico: precariedade nos serviços coletivos de transportes, de água, de energia,

ruas sem pavimentação, e epidemias. Soma-se a isso o fato dos serviços de infra-estrutura

serem irrisórios para atenderem o contingente populacional da ilha, além de serem

concentrados em determinados espaços, não coincidentemente, nas áreas centrais da cidade,

onde residiam ilustres cidadãos maranhenses, em detrimento da maior parcela populacional,

esquecida pelo Poder Executivo:

50

Naquele período, mais do que em qualquer outro, era restrito o consumo do serviço coletivo dos serviços públicos existentes. Os que haviam eram

privilégios das elites econômicas e políticas, aqueles que habitavam o local

que hoje compreende o seu centro histórico e seus bairros centrais, justamente o espaço que coincidia com a área de formação inicial da cidade.

(PALHANO, 1988, p. 142).

Dentre os excluídos do sistema, estavam os brincantes de Bumba-meu-boi, muitos,

moradores dos arrabaldes da cidade, portanto, inseridos nas sombras de esquecimento,

convivendo e resistindo, cotidianamente, frente às adversidades. Contudo, observamos a

perseverança dos populares, frente à perseguição e exclusão sócio-espaciais. Tudo isso não

desestimulou os populares, até porque estar esquecido pelas autoridades locais fazia parte do

cotidiano de muitos moradores da periferia da cidade, sendo eles brincantes ou não, às vezes,

apenas meros apreciadores dos meses festivos em São Luis, no início e meio do ano, do

carnaval e festas juninas, respectivamente. Nada disso foi, de alguma forma, visto como

empecilho a que, todos os anos, os populares desfilassem com suas danças pelas ruas. Danças

essas que perturbavam as elites políticas ludovicenses, que as estereotipavam,

desqualificando-as de “algazarras infernais”.

Porém, seria leviano de nossa parte, nos apoiarmos somente nessa hipótese/idéia, para

tentar entender toda essa relação complexa que circunda duas classes antagônicas: os

excluídos dos serviços públicos (muitos deles brincantes) e as classes privilegiadas, maiores

beneficiadas de tais serviços.

Diante das limitações dos serviços de infra-estrutura instaurados em São Luis, não

podemos pensar que o repúdio das elites aos brincantes se configura como fator

preponderante e único motivo, para justificar a inviabilização do acesso à coisa pública pelos

populares. Mesmo sabendo da estigmatização das elites ludovicenses para com os brincantes

de Bumba-meu boi, o argumento não procede, e parece-nos refutável da seguinte forma: só

teria procedência tal proposição, se aplicada especificamente aos brincantes, que, juntos, não

constam como a maioria desprovida de acesso ao serviços públicos. Em contrapartida, a outra

parcela excluída (os não brincantes), por esse raciocínio, teria sido beneficiadas com serviços

de infra-estrutura, fato não acontecido no período.

A concentração de serviços públicos em uma determinada área gira em torno de

interesses políticos, pois, analisando a sociedade maranhense, percebemos a ocupação de

cargos governamentais pelas elites socioeconômicas. Os seus respectivos membros, muitos

dos quais moradores das áreas nobres da urbe, por aí residirem e terem influência política,

51

aplicavam as verbas publicas para satisfazerem suas necessidades básicas, expressas no

sistema infra-estrutural. Alegavam a importância em se manterem as ruas centrais bem

conservadas, por serem áreas de muito fluxo populacional na capital. A idéia de manter o

centro conservado e higienizado vem acoplada com a falta de democratização da coisa

publica.

Com efeito, até mesmo para as elites, apesar de beneficiadas em relação aos serviços

públicos, estes não satisfaziam às expectativas, sendo passíveis de inúmeras reclamações

pelos transeuntes do perímetro urbano, descontentes com as precariedades de serviços de

restauro realizados em alguns pontos e ruas espalhadas pela cidade. Ainda assim, esse quadro

contrasta com o cotidiano da maioria da população, boa parcela da qual residente nos

arredores da cidade, excluída dos mínimos serviços infra-estruturais.

De certo, podemos problematizar uma série de explicações para compreendermos a

questão, variando desde a localização geográfica (disciplinamento dos espaços urbanos) à

construção da diferença expressa no estranhamento cultural, em outros termos, a construção

da identidade a partir da moradia. O lugar passa a ser visto, por um lado, como um

demarcador social. Então, esses elementos são de grande valia para uma melhor compreensão

do que há por trás da malha social e de como se desdobram as exclusões sócio-espaciais.

Para tentar montar essa trama cotidiana, no viés de exclusão, seja no sentido social, ou

da coisa publica13 mesmo, empreendemos esforços para (re) montar o mapa histórico da

capital, destacando os primeiros focos de urbanização, identificando onde a cidade se ergueu,

até a sua expansão para as áreas periféricas. Quando pareceu conveniente, apontamos o

surgimento de núcleos populacionais, criados no processo de expansão da cidade para o

interior da ilha. Nesse aspecto, os autores Palhano (1988) e Domingos V. Filho (1971) são

imprescindíveis a nível de referências bibliográficas, uma vez que ambos, apesar de

escreverem em momentos distintos, mas nem tanto distantes, acabaram comungando algumas

idéias, em relação à capital ludovicense. Ambos criticaram o sistema infra-estrutural de São

Luis. Também nos chamam a atenção para a concentração dos serviços públicos, restritos a

uma minoria populacional, residente nas proximidades do Largo do Palácio:

É o velho largo do Palácio, chão histórico da cidade, pois ai os franceses plantaram no dia 8 de setembro de 1612 a semente bendita deste burgo

glorioso. São Luis, portanto, começa historicamente nessa praça fortificada e

13 O referido termo é utilizado por PALHANO,1989, em seu livro A Produção da Coisa Publica; denota,

segundo o autor, uma trama engendrada pelas elites ludovicenses, para intervirem diretamente na vida social da

capital, ou seja, compreende discursos proferidos no sentido de manter a grande parcela da população excluída

dos serviços públicos, legitimando o discurso oficial.

52

mais tarde se alonga em caminhos grandes, dos quais a Rua dos Afogados e

a Grande foram os mais importantes. (VIEIRA FILHO, 1971, p.151)

As embarcações, no início da Republica, ainda eram um meio de transporte relevante,

muito utilizado para atender a interesses comerciais, abastecendo a capital maranhense com

diversos produtos, alguns provenientes de outros países. Eis o porquê da cidade estruturar a

arquitetura das ruas nas áreas centrais da urbe de modo a facilitar o acesso ao Cais da

Sagração14 (Zona Portuária), onde ficavam os navios que chegavam a São Luis. Tratava-se de

construções que viabilizavam o acesso ao Porto da capital. Percebe-se que a área central era

um corredor de fluxo de um contingente populacional das mais variadas regiões do país e do

mundo. Sob esse aspecto, compreende-se os esforços das autoridades em sempre manterem

uma bela estrutura, sobretudo nas vias de acesso ao Cais, para evitarem constranger os

visitantes (europeus) que estivessem de passagem pela cidade.

Figura 2. Cais da Sagração ainda em Construção

Fonte: Revista Elegante,1893

14 Raimundo N. Palhano, no seu texto, faz referência ao Cais da Sagração, frisando o tempo para o mesmo ser

construído, iniciando-se a sua construção desde 1841 e sendo concluída apenas no século seguinte. Localizado

na área central da cidade, o Cais contribuiu para o desenvolvimento das relações comerciais, a ponto de ser erguida, não muito distante dele, a questão de metros, uma Praça intitulada Praça do Comércio.

Apenas duas obras consumiram mais verbas e mais tempo que a do Cais da Sagração: a do canal do Arapapai,

projetada desde 1742, mas que nunca lograria sucesso, e a do porto de São Luis, que, por muitos e muitos anos,

mobilizou a atenção dos governantes. Ambas ligadas, evidentemente, ao setor de infra -estrutura produtiva. No

caso especifico da transferência do Porto do Cais para o Porto do Itaqui, ela teve seu inicio em 1911 e começou

a se materializar apenas nos anos de 1960.

53

A construção dessa obra “faraônica” do Cais da Sagração perdurou, praticamente,

durante parte do século XIX, chegando a invadir o século XX, além de consumir uma

considerável parcela do dinheiro público. Por um lado, serviu para embelezar a cidade e frear

a erosão marítima, que punha em risco as estruturas da Praça do Palácio (sede do governo).

Mas, por outro lado, veio resgatar as velhas práticas de contemplar apenas as camadas já

privilegiadas da população, a partir do momento em que deu condições para uma expansão

física da cidade em direção a áreas que acabaram sendo ocupadas pelas elites locais,

articulando-se a outras áreas nobres do espaço citadino (a Praça do Comércio), denotando a

exclusão/concentração dos serviços públicos.

Palhano enfatiza que a problemática não gira em torno da falta de recursos para sanar

os problemas infra-estruturais da cidade, mas da falta de prioridade por parte da autoridades

locais, quando relutam em democratizar o consumo dos serviços públicos:

[...] Não faltará a velha desculpa da justificação da insuficiência da falta de

recursos. A nosso ver, no entanto, a causa fundamental não foi esta. Na

verdade como se verá em Seção própria, a questão não era a falta de recursos, mas sobretudo a falta de prioridade com a democratização do

acesso aos serviços públicos, o que acabava fortalecendo a concentração do

consumo privado de serviços “públicos”. (PALHANO, 1988, p. 158)

Discordando, em parte, do autor, talvez prioridade não seja a palavra que melhor

contemple essa discussão, haja vista que a mesma havia, porém, para beneficiar as elites

ludovicenses. Todavia, para que essa prioridade se materializasse, as elites excluíram outros

grupos sociais, desprovendo-os do direito de consumo dos serviços públicos.

A construção da Avenida Maranhense (hoje com o nome de Avenida Pedro II),

localizada na área central, aponta indícios dessa referida aplicação dos recursos públicos em

determinados espaços da urbe, atendendo aos anseios de poucos. A minoria privilegiada tinha

acesso aos serviços locais de água encanada, esgoto, luz domiciliar, bondes, praças, coleta de

lixo, ruas, calçadas com bela arborização. Esse problema já preocupava os moradores desde o

século XIX, principalmente pelos surtos epidêmicos surgidos na capital, em função da

ausência de serviços de saneamento básico, surtos esses deixados como herança “maldita” do

regime monárquico e que se estendem ao regime republicano.

Inúmeros registros há, na historiografia maranhense, mostrando a quantidade de

reparos realizados em algumas áreas aquinhoadas da cidade, tais como ruas, praças e passeios

públicos:

54

Na verdade, grande parte das verbas era gasta com melhoramentos em áreas

já bem servidas, que passavam, anos após anos, por reformas sem fim.. E

quando os investimentos públicos procuravam novas áreas, o faziam na certeza de que, em pouco tempo, aquelas também seriam incorporadas aos

bairros superiores da cidade. A Praça João Lisboa, o antigo largo do Carmo,

o coração da cidade e uma das suas mais antigas artérias, tem passado por

tantas reformas que seria difícil enumerá-las com exatidão. (PALHANO, 1988, p. 267)

O quadro exposto mostra, de forma contundente, a seletividade dos serviços públicos,

limitados e/ou concentrados no perímetro urbano, enquanto as áreas mais afastadas não

dispunham de obras básicas, tais como calçamento das ruas e água encanada. Muito menos de

obra de reparos, afinal de contas, muitos bairros não possuíam sequer ruas calçadas.

Figura 3. Avenida Maranhense, 1912 (outrora Largo do Palácio) e atual Avenida Pedro II.

Fonte: Álbum comemorativo do 3º Centenário da Cidade de São Luís, Capital do Estado do Maranhão, 1912.

Para corroborar a afirmação acima, sobre a seletividade de aplicação dos recursos

públicos em uma determinada área, disponibilizamos, nos anexos, as imagens de algumas

ruas e praças de São Luis que sempre passavam por serviços infra- estruturais.

Em muitos casos, o disciplinamento transcendia a idéia de espaço físico e descambava

em discussões/agressões, por parte das elites, aos valores culturais dos populares.

55

Hostilizados, os populares chegavam a ser impedidos de freqüentarem algumas praças do

perímetro urbano, como o Largo do Carmo, por exemplo, em razão da criação de políticas de

delimitação dos espaços citadinos, tentando-se cercear a aproximação de populares nessa

redondeza. Contudo, quando não se conseguia evitar a presença dos indesejados populares

nesses lugares, exigia-se deles postura de decência, desde o falar ao vestir-se.

Em outros termos, a referida exclusão, enfatizada por nós, não se expressava,

necessariamente, apenas de forma física, mas também através de mecanismos ideológicos,

desenvolvidos pelas elites, tanto quanto o uso da força por meios piores e mais repressivos.

Todavia, se a idéia fosse estabelecer uma escala para medir os danos culturais, não seríamos

capazes de mensurar o que mais danos causou aos populares, se a coerção física ou a sua

repressão sob outras formas.

Incorporando tais práticas, as elites ludovicenses monopolizaram e

transformaram/moldaram o espaço citadino a seu bel-prazer, impondo seus valores culturais e

hábitos no cotidiano ludovicense, aproveitando-se de sua condição de classe dominante e do

auxílio paralelo do Estado, ao homologar suas práticas. Com efeito, embora fosse do agrado

das elites que assim se procedesse na configuração da cidade, elas não persuadiram a

população por completo, batendo de frente com uma pequena parcela social recalcitrante a

tais imposições arbitrárias, driblando todas formas de censura desferida pelo Estado contra os

populares, criando estratégias de sobrevivência.

A aproximação de segmentos populares das praças da cidade estaria vulnerável a um

olhar de estranhamento, para não usarmos o termo preconceituoso mesmo. Essas pessoas

corriam o risco de serem detidas pelas autoridades policiais, a qualquer momento, em função

de denúncias realizadas por moradores do centro, inquietos pela presença dos populares.

Negros andando nas ruas mais aquinhoadas da cidade era fato inconcebível para a

mentalidade elitista do período, salvo em condições excepcionais e, nestes casos, olhadas com

desconfianças, mesmo quando aquelas pessoas estivessem efetuando algum trabalho,

obedecendo alguma ordem de seus senhores, como despejar tigres15 em vias publicas, ou

vender algumas guloseimas. Era comum, no cenário social da capital maranhense, nos fins do

século XIX, topar com os negros nas ruas da cidade, que, afinal, eram palco dos

acontecimentos:

A rua, em certa época, era lugar para tudo. Nela torrava-se café e estendia-se

roupa lavada. Oficinas de reparo funcionavam em plena via publica, como

nas cidades medievais. Eram rios de águas servidas, amontoados de lama, de

15 Enormes recipientes contendo as vazas das casas de sobrado, que iam a despejo nas ruas e nas praias.

56

animais mortos, de lixo em suma. Os habitantes de São Luis pediam através

dos jornais providências à policia contra tais ajuntamento de pretos, julgados

subversivos já naqueles tempos[...] (VIEIRA FILHO, 1971, p. 20).

Aquela situação não mudou nos anos seguintes. O dinheiro publico para

melhoramentos da cidade continuou, preferencialmente, sendo investido nos espaços mais

nobres da urbe. “Para o povo, portanto, não houve salão nobre, de que falara o antigo livro

dos bons costumes, continuando à mercê da própria sorte a população residente em áreas

afastadas do perímetro urbano”. (PALHANO, 1988, p. 268)

O próprio bairro atual do Anil, outrora sitio no interior da ilha, pode ser utilizado para

exemplificar o descaso. Desprovido de um sistema de água encanada satisfatório, sem

esgotos, sem iluminação, praticamente esquecido, não foi alvo da realização de grandes obras,

a principio, salvo em situações excepcionais, como a instalação de uma fábrica, no período

em que o Maranhão despontou, a nível nacional e mundial, como principal produtor de

algodão. Talvez aquela fábrica tenha impulsionado um tímido crescimento populacional para

aquela região longínqua do centro da cidade, não apenas em distância física mas, sobretudo,

social.

A construção dessa Companhia de Fiação e Tecido Rio Anil impulsionou o

assentamento de trilhos, ligando o centro ao interior da ilha, para facilitar o escoamento da

produção da fábrica.

Figura 4. Companhia de Fiação e Tecido Rio Anil (Hoje, funciona uma Escola do Estado, com o nome

de Cintra)

Fonte: Revista do Norte, 1901. p.52.

57

Porém, com a construção dos trilhos e abertura de novas estradas, a cidade se expande

em direção ao Caminho Grande, principalmente próximo às estações, percorridas pelas

locomotivas, diariamente. Inúmeras habitações foram erguidas, resultando na criação de

novos bairros, tais como: Jordoa, Areal (atual Monte Castelo), Liberdade, João Paulo,

Filipinho, entre outros.

Seguem algumas imagens que configuram as mudanças ocorridas no processo de

expansão para o interior da ilha, a partir da lei de 1878 (lei 1.153, de 29 de agosto), que

indicava, àquela altura, que a cidade dava os primeiros passos no sentido de expandir os seus

limites para além do bairro central, tendo como referência o Caminho Grande, a única via que

ligava a capital ao interior da ilha. Através dessa lei, o governo ficava autorizado a contratar

quem melhor proposta fizesse, para abrir uma estrada que ligasse o lugar João Paulo, então

arrabalde, no Caminho Grande, à freguesia de São João Batista de Vinhais, indo até a costa do

Calhau. A nossa intenção é entender como se desdobra a relação entre a abertura da estrada e

o desenvolvimento proporcionado por essa construção.

Os bondes também cumpriram um papel fundamental em relação à expansão

do capital imobiliário, na medida que as companhias de carris, nos seus

contratos de concessão eram obrigados a criar a infra- estrutura física dos locais onde deviam passar suas linhas. Obrigadas a realizar obras como

calçamento e alargamento de ruas, construção de pontes ou aterro nos

mangues, melhorias em que redundavam em maior valorização do espaço urbano, aquelas empresas acabavam articulando inteiramente aos processos

de especulação imobiliária na cidade (PALHANO, 1971, p. 297)

Figura 5. Largo Santiago

Fonte: Revista do Norte, 1950. p.43.

58

Figura 6. Bairro do Monte Castelo (outrora Areal). A construção de casarões, fruto da expansão da

cidade para o interior da Ilha, iniciado desde os fins do século XIX.

Fonte: Revista do Norte, 1950. p. 45.

Figura 7. Trecho da Avenida Getulio Vargas, nos arrabaldes da ilha.

Fonte: Revista do Norte, 1950. p .44

O investimento estatal em infra-estrutura mantém-se concentrado em determinada área

da urbe, estendendo-se essa discrepância ao sistema de transporte. O perímetro urbano

dispunha dos serviços de bondes de tração animal em, praticamente, todas as suas ruas,

enquanto a periferia se manteve, por um certo período de tempo, desprovida desses serviços.

Inicialmente, não havia um sistema de transporte coletivo para atender a população periférica,

problema esse amenizado em anos posteriores, com a construção de trilhos no intuito de

colocar locomotivas a vapor, incumbidas de realizarem o translado do centro até as áreas

suburbanas, feito pela Empresa Ferro-Carril, após ganhar concessão do estado.

Data da segunda metade do século XIX o interesse em assentar trilhos na capital,

ligando o centro a áreas suburbanas:

59

A primeira proposta para o assentamento de trilhos urbanos em São Luis foi de 1870, expressa em um requerimento dirigido à Assembléia Provincial,

que solicitava licença para a montagem de um serviço com veiculo a vapor,

pelo modelo “Road Stamer”, a qual acabou sendo concedida em 1871, com a assinatura de contrato para fazer correr diligência em trilhos de ferro, puxada

por muares ou a vapor. (PALHANO, 1988, p. 268).

A empresa contemplada com a concessão estatal, a Ferro-Carril, foi quase

contemporânea às primeiras empresas de bonde a se organizarem no Brasil, segundo o relato

de Palhano, pois apenas três anos separam a sua concessão, do surgimento da Companhia Vila

Isabel, do Rio de Janeiro, que se estabeleceu em 1868.

Ficamos a pensar o motivo que levou os governantes a realizarem tal empreendimento.

Pois, vejamos bem, as obras da capital sempre foram direcionadas para as áreas centrais e,

nesse momento, surge um interesse em assentar trilhos, no intuito de ligar o centro a áreas

afastadas da urbe (Anil). Parece um pouco nebulosa tal iniciativa, uma vez que, nos projetos

engendrados pelos governos maranhenses, dificilmente, havia interesse em se realizarem

obras que priorizassem os populares. Mas não é muito difícil de entender tal postura. Basta

pensarmos que a existência de uma Fábrica nos arrabaldes da ilha, a mesma necessitando

escoar sua produção, isto não era possível sem a presença de um transporte para esses fins,

então, constrói-se a estrada. A mesma acabou por dar uma guinada na expansão da cidade

para as áreas distantes do centro, que foi se acostumando ao amontoado de pessoas que foram

se fixando próximas a estrada de ferro. Por outro lado, esse transporte aqueceu as festas

joaninas e juninas nessas localidades suburbanas.

Os transportes coletivos que tinham como itinerário o centro periferia, eram

utilizados pelos habitantes de São Luís, com grande freqüência no mês junino, quando eles se

deslocavam até o sítio do Anil, para se divertirem com as atrações de brincadeiras juninas.

Mesmo havendo preconceito de muitos moradores do centro para com os arrabaldes da cidade

e, principalmente, com as manifestações populares, não diminuía o fluxo de pessoas para a

localidade Anil, ao contrário, o movimento continuava intenso e tendia a aumentar a cada

ano. Por essa razão, as pessoas que se deslocavam até a periferia, não se continham em aí

ficarem apenas um dia, mas permaneciam durante toda a temporada junina; para isso, muitos

chegavam a alugar casas.

60

O transporte coletivo seguia em direção aos sítios e áreas suburbanas da capital através

do Caminho Grande16, tendo como ponto de partida do translado a estação situada no Largo

do Carmo (atual Praça João Lisboa). Nesse momento, a cidade dispunha dos serviços de

bondes de tração animal e de locomotivas a vapor, que realizavam o longo percurso do Largo

do Carmo até a estação do Anil.

Embora a capital maranhense fosse umas das primeiras capitais do Norte do Brasil a

receber iluminação a gás carbônico e uma linha de bonde de tração animal, E. Teles apresenta

uma São Luis retrógrada na República, ressaltando a sua estagnação no quesito de

desenvolvimento tecnológico, dizendo: “São Luis foi uma das ultimas capitais que vieram a

possuir a iluminação elétrica e a ultima a ser dotada de bondes elétricos” (MACEDO, 2001,

p. 69). Saudosista, o autor ainda tenta mostrar um período áureo da história do Maranhão, que

pode ser fixado nos últimos anos do Império e primeiros da República, quando se

desenvolveram indústrias, comércio, e até mesmo as letras. Lamenta profundamente a ação

dos especuladores que acabaram por destruir os maquinários industriais, vendendo-os a

retalho. Era comum ouvirem-se expressões satirizando a postura do Governo, hostil às

máquinas: “O governo tinha raiva de máquinas, fossem ela quais fossem, e somente

Godofredo Viana veio mais tarde reconciliar o Estado com a maquinaria.” (MACEDO,

2001, p.71).

Nessa ocasião, um magnífico motor a diesel, de fabricação suíça, já se

encaminhava para o porto afim de embarcar para São Paulo, quando um mandado o deteve e o deixou por muitos anos inutilizar-se ao Sol e à chuva

no Cais da Sagração, sob a vigilância de Soares de Quadros! (MACEDO,

2001, p. 71)

Outro ponto da capital em que se nota o desenvolvimento seletivo da cidade, com o

dispêndio de recursos públicos, foi o Largo do Carmo, considerado, por muitos saudosistas, o

principal “Salão Publico” da cidade, o ponto de civilização, o que havia de mais moderno na

época, cotidianamente freqüentado pelas elites do período. Geograficamente privilegiada,

localiza-se próximo à Praça do Comércio e da Avenida Maranhense. O Largo do Carmo é

apreendido, segundo a mentalidade da época, como o local, por excelência, dos cidadãos

ilustres, freqüentado por pessoas de fortunas, que se reuniam diariamente na praça para

16

Caminho Grande era a denominação de grandes artérias ou ruas, que ligavam o centro da cidade ao interior da

ilha. Os assentamentos de trilhos da capital foram feitos nesse percurso, trazendo especulação no campo

imobiliário, por conta da construção de habitações erguidas por todo o trajeto.

61

conversarem. Muitos dos eloqüentes indivíduos moravam em frente ao Largo ou nos seus

arredores.

Figura 8. A Praça João Lisboa (Largo do Carmo)

Fonte: Revista do Norte (1901) p.46

É o coração da cidade, uma espécie de “city”de São Luis, local

obrigatório da passagem de automóveis, célebre pelas rodinhas

de faladores da vida alheia e com um notável lastro de história.(VIEIRA FILHO,1971, p.107)

O Largo do Carmo, de tão exuberante e seletivo quanto ao público, acabou por

despertar nos moradores um sentimento de afetividade a esse local, de tal forma a conduzi-los

a práticas etnocêntricas, censurando a presença de populares nas instalações da Praça. Era

comum se ouvirem reclamações de moradores contra essa ocupação de vendedores de doces,

frutas e outras guloseimas, no coração da cidade.

Ademais, vale frisar, nesse momento, já que o nosso estudo aborda a brincadeira de

Bumba-meu-boi na cidade, a relutância, por parte dos moradores (do centro de São Luis) em

permitirem que a brincadeira cruzasse esse espaço. Jornais do período publicavam

reclamações de diversos cidadãos, que se diziam incomodados com os impropérios da

62

brincadeira, criticando ferozmente a aproximação dos cordões no Largo, argumentando serem

perniciosos ao salão público. Portanto, os brincantes deveriam ficar restritos a lugares bem

distantes, onde não viessem a perturbar o sossego publico e, muito menos, a contaminar os

velhos bons hábitos:

Os programas de higienização haviam despovoado o centro urbano, deslocando os

segmentos subalternos para áreas afastadas da urbe, especificamente nas periferias que, neste

momento, já começavam a ser ocupadas. Em conseqüência, o Bumba-meu-boi, que aí era

cultivado, e organizado por escravos protagonistas dessa brincadeira popular, era perseguido

pelas elites ludovicenses, através dos seus discursos etnocêntricos, que os imputavam de

responsáveis pelo atraso social (sinônimo de barbárie) da cidade.

Os protagonistas das brincadeiras, inseridos nesse quadro social assim descrito,

conviviam, cotidianamente, com a exclusão, sob dois aspectos: primeiro, porque o simples

fato dos brincantes residirem nas áreas afastadas da cidade, faziam com que não usufruíssem

dos serviços públicos coletivos; segundo, porque o sistema político vigente não via com bons

olhos qualquer tipo de manifestação popular, aproveitando, a todo momento, para engendrar

formas de conter os populares, através de políticas de disciplinamento.

63

CAPITULO IV - DANÇANDO CONFORME A MÚSICA: ENTRE A LEGALIDADE E

A TRANSGRESSÃO, DRIBLANDO A PERSEGUIÇÃO

4.1 - O Bumba-meu-boi nos espaços de conflitos

Neste capitulo, pretendemos abordar as perseguições aos brincantes de Bumba-meu-boi,

na Ilha Grande (São Luis-MA). Com efeito, quando nos referimos à perseguição, se encontra

imbricada a relação dialética perseguição - resistência, pois, partindo do que conseguimos

detectar por meio de nossas pesquisas, sobre tal postura com os populares, estes

permaneceram atuando, sendo posta a brincadeira nas ruas da capital, praticamente, quase

todos os anos, salvo em alguns períodos, como discutiremos adiante. Essa permanência se

vincula à resistência, embora, muitas vezes, a atuação de tal folguedo fosse passível de

monitoramento policial, ficando a mesma limitada às áreas mais afastadas da urbe, como

forma de disciplinar os espaços urbanos e impedir a pratica de cordões de Bumba.

Refletindo sobre essa problemática, ocorreu-nos a idéia de abordar este espaço

rediscutindo os conceitos de centro e periferia que, durante muito tempo, foram enfocados

como os espaços, respectivamente, das elites e da classe subalternas. Tratá-los historicamente,

implica superar uma perspectiva tradicional, de conferir ao espaço um sentido naturalizado e

estanque, e considerar, em articulação com a sua materialidade física, outras dimensões nele

inscritas, como as econômico-sociais, políticas e simbólicas. Tendo em vista que só o fato de

residir em uma dessas duas localidades, - claro que, neste caso, estamos nos referindo ao

recorte temporal da pesquisa - já denotava o status de um determinado cidadão (ã), ou seja,

seu grupo social: de elite ou popular

Tal idéia vigorava a nível nacional, tendo a cidade do Rio de Janeiro, então Capital

Federal, como a pioneira neste processo de difusão destes ideais, uma vez que, a mesma se

apropriou de moldes europeus, tanto arquitetônicos como comportamentais, que acabaram por

se expandir para outras regiões brasileiras. A regeneração da cidade era uma das palavras

daquele momento e soma-se a isto o fascínio pelo novo, contrastando com a sociedade

colonial, portanto, se considerava, nessa ótica, necessário destruir o velho para construir o

novo, tido como sinônimo de progresso e civilização. Então, a cidade do Rio de Janeiro, vista

como velha, feia e suja, estava com seus dias contados: ”O Brasil entrou- e já era tempo- em

fase de restauração do trabalho [...] o Rio de Janeiro, principalmente, vai passar e já esta

64

passando por uma transformação radical. A velha cidade tem seus dias contados.”

(SEVCENKO, 1995, p.30)

Vem atrelado a esse processo de mudança, ou seja, de embelezamento da cidade, o da

mudança de mentalidade da sociedade, em seus vários setores, que acaba por ser absorvida

pelo desejo compulsivo pelo luxo e pela delimitação dos espaços da cidade.

Traçando um paralelo com a realidade da sociedade ludovicense, detectamos, de modo

sutil, a apreensão de certo valores da sociedade carioca, ou seja, a sua influência nos costumes

sociais da capital maranhense, onde suas elites, refereciando-se nos moldes de civilização e

fascinadas pelos novos modelos comportamentais, europeus e cariocas, procura delimitar os

espaços de atuação da brincadeira de Bumba-meu-boi, um folguedo, por excelência, dos

negros, por conseguinte, posto como estigma do qual seria necessário se libertar pelo fato de

denunciar o estagio de atraso social da cidade de São Luis. .

Esse dialogo estabelecido entre a sociedade maranhense e a sociedade carioca foi

notado por intermédio de leituras, que possibilitavam especularmos acerca de certas

semelhanças, entre uma e outra, principalmente quando N. Sevcenko mostra os princípios

fundamentais para a regeneração da cidade:

[...] a negação de todo e qualquer elemento popular que pudesse macular a imagem civilizada da sociedade dominante; uma política rigorosa

de expulsão dos grupos populares da área central da cidade, que será

praticamente isolada para o desfrute exclusivo das camadas aburguesadas. (IDEM, 1995, p.31)

Esse contexto é corroborado no Maranhão através das noticias divulgadas neste

período, quando se coloca a aversão da sociedade ludovicense, que almejava adentrar no

“contexto de civilização”, em relação à brincadeira que era tida como sinônimo de barbárie,

percorrendo o centro da cidade. Este era pensado como espaço, por excelência, das elites, que

não desejavam vê-lo ocupado pelas camadas populares, com as quais não queriam se

misturar:

Percorreu este ano, as principais ruas da capital , naquela algazarra infernal,

que faz as delicias da garotajem, o boi, o bumba-meu-boi escandalizando a

nossa civilização e perturbando o sossego público, há tempos essa brincadeira foi relegada para os pontos afastados da urbe, mas agora o boi

investiu contra a cidade e veio a praça João Lisboa, nosso principal salão

publico. (Jornal A Tarde, 30 jun.1915, p.1).

65

A capital maranhense, possivelmente influenciada por tais discursos, modernizantes

e civilizadores, aderiu ao sistema de delimitar os espaços da cidade, mostrando, desde então,

hostilidade do centro com a periferia, principalmente no quesito que se refere a determinar a

atuação das manifestações populares para as áreas afastadas da urbe, no caso, a periferia.

Portanto, temos um contraponto; o centro, exposto como “civilizado”, ou como se desejava

que o fosse, e as periferias, áreas afastadas, espaços reservados às camadas populares . A

partir desta proposição, encontramos outra semelhança aos moldes sociais cariocas, quando

é defendida esta idéia : “ Há mesmo uma pressão paras o confinamento de cerimônias

populares tradicionais em áreas isoladas do centro, para evitar o contato entre duas

sociedades que ninguém admitia mais ver juntas, embora fosse uma e a mesma.

“(SEVCENKO, 1995, p.34).

Uma vez que tocamos nessa questão centro – periferia, em São Luis- MA, faz-se

necessário delimitar o que era tido como o centro, e também o que era a periferia, territórios

que, apesar de próximos, no sentido de localização e de pertencerem, em tese, à mesma

sociedade, no entanto, desenvolveram culturas distintas, expressas, muitas vezes, por

estereótipos das elites, num intuito de sobrepor-se à outra, no caso, o centro sobre a

“periferia”, seguindo esta ordem.

Nos jornais desta época, estampava-se a hostilidade com a periferia, local de atuação

do Bumba-meu-boi, pelo centro, o “salão público”, como se qualificava a Praça João Lisboa.

As elites de São Luis, assim como em outras capitais brasileiras, comungavam a idéia de

progresso e apreciação do novo, entendiam que tal mudança seria possível se conseguissem

exaurir do centro as formas de manifestações populares, pois a presença do povo vagando

pelas ruas do “centro civilizado”, por si só, já mostrava o atraso local, expresso na figura do

passado colonial que, naquele momento se queria esquecer. Margarida Neves expõe,

plausivelmente, esse repudio em relação aos populares.“[...] Tumultos menos ruidosos que

aqueles das baionetas, mas muito perigoso; as multidões anônimas são tumultos na capital

mesmo quando silenciosas, são tumultos porque sua presença denuncia um passado colonial

e escravista que se quer esquecer[..]. (NEVES, 1994, p.138)

A brincadeira de Bumba-meu-boi era vista como sinônimo do passado colonial

escravista, na visão das elites locais, tendo em vista que os brincantes, por serem negros, ou

descendentes, já eram alvo de dupla perseguição, pelas autoridades governamentais e policiais

tanto por residirem nas áreas marginalizadas quanto por serem provenientes do meio popular.

Porém quando não eram perseguições executadas pelas instituições do Governo, diretamente,

66

a própria população se incumbia desta tarefa, como podemos ver em um pedido de

providencia ao Sr. Desembargador Chefe de Policia, no jornal O Pacotilha:

Uma grande malta de escravos pretos escravos livres reúnem-se quase todas

as noites na casa n.º 26 da rua das creoulas e além de incommodar a visinhança até tarde da noite, com grandes gritos fazem ouvir um dicionário

de nomes ofensivos a moral pública, por isso viemos pedir a s. exc. Serias

providências afim de que não reproduzam esses fatos que muito depõem contra os nossos costumes.Os moradores da mesma rua, caso, a s. exc.

Queira obrigar o dono dessa casa a assinar termo de bem viver, estão

dispostos apresentar seu testemunho.

Providências!Providências

!(Jornal O Pacotilha, 6 jun.1881, p.03).

Notamos o interesse implícito de disciplinar os espaços da cidade, embasado na idéia

de progresso, pelo fato presumido destes hábitos deporem contra os costumes e poderem

contaminar o centro, representado na figura da Praça João Lisboa, o ponto mais bem cuidado

do município. Portanto, qualquer “anormalidade” neste local, rapidamente era passível de

denúncia, não restrita apenas aos manifestantes da brincadeira de Bumba-meu-boi, mas

também extensiva a outros segmentos populares, não vistos com bons olhos, a exemplo de

“mulheres de vida fácil”. Por estarem sentadas nos bancos da praça, simbolizando risco para

a “civilização”, como nos mostra a fonte impressa:

Pedem-nos que chamemos a atenção a quem de direito para o grande

numero de mulheres de vida fácil que se reúnem nos bancos da Praça João

Lisboa e praticam as maiores imoralidades. Alguns meses atraz, todas as noites uma patrulha, ai extacionava

impedindo dessas maneiras tais reuniões; era de justiça que tal prática

moralizadora continuasse em benefícios dos nossos foros de habitante de

cidade civilizada. (O Jornal, 15 maio.1916). Grifos nossos.

A “cidade civilizada” contrastava com o sitio da periferia, local de atuação das

manifestações populares. Frutos dessa disparidade, acirraram-se vários conflitos, no embate

para delimitar as áreas de atuação dos folguedos populares e dos populares. As danças de

negros eram denominadas de batuques - o boi também se inseria nesta categoria, por ser uma

dança qualificada com tal atributo, na visão da elite, que vigora naquele momento - e

ficavam aquém do centro, ou seja, pelo lado dos sítios do Anil e João Paulo - atuais bairros de

São Luis que permanecem com os mesmos nomes, naquela época, áreas afastadas da cidade, e

também na zona rural da ilha, no Iguaiba e Maioba.

67

Na concepção de Matthias Rohing Assunção, havia relações de poder e culturais

entre a elite e as classes subalternas de São Luis: “como no caso dos batuques, existia uma

lógica espacial que refletia as relações de poder entre autoridades e classes subalternas,

opondo um centro “civilizado”, onde não se toleravam tais barbaridades e a periferia onde

era difícil de impedi-los”(ASSUNÇÃO, 1999).

Na realidade, tais práticas não eram estimadas, de forma alguma, pelas elites

ludovicenses. Durante um determinado período, comprovamos a solicitação de pedidos de

licenças dos brincantes do Estado para que a brincadeira atuasse fora da cidade, como um

meio de disciplinar os espaços da mesma.

[...] Indicam que pelo menos entre 1876 e 1913, os donos de bois

depositavam requerimentos pedindo autorização para ensaiar a brincadeira e

sair nos dias dos festejos juninos. A secretária de policia, no entanto,

somente concedia tais licenças nos lugares situados fora do centro da cidade. (IDEM,1999, p.03)

A julgar pelo autor, as brincadeiras de bumba-boi ficavam restritas às áreas afastadas

do espaço central da cidade e, mesmo nesses locais, deveriam portar os documentos

constando as licenças a que estavam sujeitas. De certo modo, a luta buscando o progresso,

almejando os moldes de civilização, significava, também, o conflito contra as “trevas”,

consideradas sinônimo de popular, analisada sob a ótica da cultura erudita, de onde emergem

os conceitos tendenciosos para com aquela. Nesta perspectiva, as manifestações populares,

postas como empecilho para o embelezamento do centro, deveriam ficar fora do perímetro

urbano, como as autoridades deste momento histórico a fizeram, através das Portarias da

Chefatura de Policia, publicadas no Diário Oficial do Maranhão: “É expressamente prohibido

tocar bombas no perímetro urbano, fazer brincadeira de bumba-meu-boi, bem assim como

tocar caixa do Divino Espirito Santo” (DIARIO OFICIAL DO ESTADO DO MARANHÃO, 7

jun.1920 p.15). Como forma de proteger o “centro civilizado”, impedindo a invasão de

populares “incultos” e “selvagens”, estigmatizados de “bárbaros”.

Porém, no que diz respeito às licenças, vale expor como era feito o procedimento para

a obtenção das mesmas. Já que quase não havia meios de conter as apresentações da cultura

popular, ao menos, tentava-se reprimi-las e discipliná-las. No período de transição do século

XIX para as duas primeiras décadas do século XX, as brincadeiras populares e outros

folguedos, para saírem nas ruas, precisavam ser legitimadas, e concretizadas por intermédio

de requerimentos de licenças: o solicitante, fosse ele dono de Bumba-meu-boi ou de outros

68

folguedo popular, pedia permissão para sair com a sua brincadeira, firmando compromisso de

que ela atuaria na melhor ordem possível e cumpriria as determinações, ou seja, os deveres

prescritos no documento. “Virgínia Maria da Conceição vem mui respeitosamente solicitar

de V.Excia a permissão para durante seis meses ter lugar a brincadeira do tambor das

Minas, à rua da Madre de Deus desta cidade.” ( APEMA. Caixa Chefe de Polícia

Requerimento (1891-1900).Envelope Requerimentos de 1896-1900. licenças, 18 maio.1900).

Com esta postura, as autoridades policiais procuravam meios de manter o “controle”

sobre as brincadeiras, já que não poderiam barrá-las por completo. Sendo assim, delegou-se

poderes à Polícia para monitorar e reprimir quaisquer transgressões às ordens públicas que

viessem a acontecer.

Com efeito, o requerente, ao conseguir a sua licença, deixava o seu nome nos

documentos da Secretaria de Polícia, que realizava os despachos, autorizando a brincadeira.

Porém, antes de sair nas ruas, o requerente deveria ir até o distrito policial mais próximo, não

importava a distância, se fosse periferia ou área rural. Deveria se apresentar ao Delegado

responsável:. “No dia 23 de junho todos os donos de bois deverão se apresentar ao delegado

geral, no posto correcional, afim de receber instruções sobre esse divertimento.” (O Jornal, 7

jun. 1916, p.04). Grifos nossos

O requerente, ao se apresentar perante o delegado, deveria estar portando a sua

licença, para saber o horário em que a brincadeira poderia atuar, não excedendo nem um

segundo, pois, caso contrário, o seu dono sofreria as sanções. Sanções essas que iam desde o

pagamento de multas, seguido de detenção, a correr o risco de nem conseguir mais essas

autorizações:

De conformidade com o meo despacho desta data concedo licença a

Josephina Seguins de Oliveira com a dança tambor de mina na casa de sua

residência à rua Madre de Deus desta cidade, 4º Distrito policial [...] Não devendo exceder as dez horas da noite. Seja a presente licença submetida ao

visto da autoridade Policial do distrito para fins convenientes. (Apud FERRETI, 2003, p.15).

Inclusive, em alguns jornais deste período, não é de se estranhar a divulgação da lista de

pessoas que haviam obtido deferimento de suas licenças, como podemos observar a seguir:

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Tiveram licença do Dr. Delegado geral para brincar Bumba-meu-boi: Sabino

Conceição, do Desterro; Cláudio Antonio dos Santos, doTotorema; José

Lessa Ribeiro, do Turu; Aprígio Antero de Souza, do Boqueirão; José Pereira Ramos, do Itamaracá; Elias Barbosa, Madre de Deus; Joffre

Francisco Ferreira . do Codozinho;Miguel Nina, de São Pantaleão; Leocadio

Miranda, da rua do Passeio; Bernadinho Beleza, do João Paulo; Raimundo

Serpa, de Vinhaes. (O Jornal, 23 jun.1916. p.2).

O disciplinamento do centro foi tão abrupto, que locais como a Rua de São Pantaleão

(hoje a referida artéria se encontra na área central de São Luis) era considerada como

subúrbio, talvez por estar próximo a Madre de Deus - atualmente bairro do centro da cidade,

preservado o nome. O monitoramento policial foi ferrenho, a ponto de tentar delimitar até a

quantidade de ensaios de bumba-meu-boi naquela localidade: “Nada menos que 3 ensaios de

Bumba-meu-boi sendo feitos nas ruas de São Pantaleão e Passeio no codozinho.”(O Jornal, 25

maio.1916 p.02). Lembrando que a rua do Passeio era um dos pontos em que transitava o

bonde. Esta delimitação era forma de purificar a cidade, como já foi dito neste trabalho,

gerando conflitos, centro X periferia, dois espaços antagônicos. No primeiro, como vimos,

procurou-se as melhores formas de condutas, através de decretos criados pelas autoridades

governamentais e policiais, a ponto de chegarem a proibir a presença de pessoas mal vestidas

de adentrarem à área qualificada como centro: “O Sr. Chefe de Policia prohibiu aos

indivíduos, que não estiverem decentemente vestidos, sentarem-se nos bancos das praças

desta cidade”. (Jornal, O Pacotilha 17 jun.1913, p.03).

Os brincantes de Bumba conviviam cotidianamente com essas perseguições. Eram um

dos principais alvos da elite ludovicense, que os repudiava a ponto de não admitir as suas

apresentações nem em áreas afastadas do centro, desejando a sua eliminação em prol dos

“bons costumes” e decência do povo citadino, que via neste folguedo uma dança “bárbara”,

que devia ser passada para as sociedades, a exemplo do que vimos num artigo, de autor

desconhecido, em um jornal, que, especulamos, talvez fosse algum membro da elite. Algum

morador citadino que não apreciava a festança? Porém, não é trabalho nosso identificar quem

era; neste momento, a nossa preocupação primordial é entender o teor da notícia e a sua

aceitação social:

Mas o bumba brincadeira sensaborona e perversora, não merece

contemporizações, cabe a policia elimina-lo de vez, a bem da decência, os

hábitos citadinos, polindo-se dia-a-dia, são-lhes infensos. Faça-se do boi o que se faz ao Judas. Exiba-se ao motejo de todos, inflingindo-lhes um

profundo banho, nas piscinas microbicidas e resguardadoras do matadoiro

modelo. (O Jornal, 8 jun.1923, p. 01)

70

As perseguições aos manifestantes são fatos que servem para confirmar a hostilidade

centro X periferia, pois se existem, como de fato existiram na capital maranhense, essas

atitudes, elas implicam em criação de discursos que circulam no meio social para, de forma

sutil, legitimarem essas posturas severas em relação à festança popular, valendo-se de

artifícios, camuflados em nome do “bem-estar da sociedade maranhense”. Porém, os

verdadeiros motivos, cremos, era para as elites adentrarem neste novo sistema de valores que

vinha circulando no país, o prazer pelo novo. O Bumba-meu-boi denunciava o atraso, pelo

fato de mostrar o nosso passado colonial escravista, que, nestas alturas, era tido como velho.

Neste mesmo jornal citado, percebemos outras noticias, sem identificação do autor, que usava

a alcunha de “justus”, denominando-se desta forma, quando procurava criticar e inferiorizar

o folguedo:

Sem pretender absolutamente atenuar sequer o atestado que nos trazem os

foros de gente civilizada, os batuques das “caixas” do Espírito Santo e os

estalhardaços do Bumba-meu-boi ante-ontem devidamente verberados na “pacotilha” por uma vitima da nossa falta de policia dos costumes, força é

convir que se trata de ... de sons que passam ou de um barulho intinerante,

realmente mais prejudiciais a tais foros do que ao sossego publico. (O Jornal, 20 maio.1919. p. 2).

Em função do teor das noticias desse e de outros jornais, que circulavam na capital

maranhense, inicia-se um período de perseguições severas às brincadeiras populares. Período

esse em que, ao mesmo tempo, se configuram as manifestações de resistência dos brincantes.

Pois, analisando as fontes desta época, as leis criadas que datam dos fins do século XIX, já

engendravam mecanismos de censura às danças populares. A julgar pela divulgação no jornal

O Pacotilha de uma artigo da lei: “ Art.125 os batuques e dansa de pretos são prohibido fora

dos logares permitido pelas autoridades.”( O Jornal, 21 jun.1881, p. 2).

As danças de bumba-meu-boi, durante muito tempo, ficaram confinadas as áreas

periféricas, pelo fato de serem estas consideradas o seu espaço de atuação, áreas marginais à

cidade e, principalmente, neste período de transição para o século XX, como já nos referimos:

a vila do Paço17

, ao interior da ilha, as localidades de Maioba e Anil. Então, os grupos de

Bumba-boi, como não podiam se apresentar fora dos locais determinados pelas autoridades,

procurava seguir as ordens. Mas as perseguições ultrapassaram as barreiras do centro,

adentrando o interior da ilha, através de monitoramento da policia, que não se restringia,

17 Atual cidade de Paço do Lumiar que, porém, fica dentro da ilha.

71

apenas, à cidade, transcendendo o centro e atingindo os arrabaldes. Aparentemente, a idéia

que é perpassada pelos jornais e documentos do período, seria a de que as danças poderiam se

apresentar nos arrabaldes da cidade tranquilamente, sem serem importunadas, por qualquer

autoridade governamental. Porém, na prática, não era o que acontecia, pois mesmo munidos

de licenças, os responsáveis pelas brincadeiras se comprometiam, perante o delegado Geral de

Polícia, a não transgredirem a ordem. Deparamos com o impasse ao termo ordem: será a

concepção de ordem, para as autoridades governamentais, a mesma dos brincantes de Bumba-

meu-boi?

O delegado concedia permissão para a brincadeira percorrer os arrabaldes da ilha, desde

que observasse a melhor conduta possível.

O delegado Geral, dr. Antonio Bona concedeu Licença aos srs.Leocádio

Ferreira, Dorotheu Pereira, e Amancio Francisco de Alcântara, para percorrerem os arrabaldes da ilha, com grupos de bumba-meu-boi

recomendando-lhes a melhor ordem possível. Folgara hoje a sociedade

maranhense [...] vai ser uma festa chic cheia de luzes e graças, com jogos e

sortes próprios da noite de são João . (Jornal, O Estado, 24 jun.1915, p.04).

As perseguições aos grupos de Bumba-boi, manifestadas através dos repúdios de

membros das camadas elitistas, ou mesmo, de residentes do centro da cidade, crescia cada vez

mais. Principalmente quando se aproximava o período junino, os jornais da época

expressavam o teor de discriminação: “Estamos no azoinante mês do bumba recreio estúpido,

em que aos africanos desplantados se misturam cantigas desenxabidas, mal sofrendo

obnubilação”(O Jornal, 4 jun.1915, p. 01). Equivocadamente, os brincantes talvez chegassem

a pensar que a legalização da brincadeira amenizaria a aversão para com a mesma. Mas a

antipatia dos moradores crescia, encurralados diante deste incômodo quadro, obrigados a

aceitarem os desfiles pelas ruas da cidade, aumentava mais ainda. Com efeito, mesmo com as

licenças, os grupos de Bumba-boi eram criticados.

Sairão hoje pelas ruas da nossa civilizada capital diversos bois, com licença

das nossas autoridades policiais. Ao abuso continuo das bombas transvalianas, que já devia ter sido reprimida, vem juntar o batuque e o

berreiro dos dansantes, perturbando o sossego público, os negros. Convinha

por um paradeiro a esse divertimento, especialmente dentro do perímetro da cidade pois quase sempre termina em conflitos. (O Pacotilha, 23 jun.1917,

p. 01).

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Mas devemos atentar que, neste contexto de perseguir e até tentar encerrar essa

brincadeira, focamos um olhar de perseverança e resistência destes populares, mesmo diante

dessas dificuldades anuais de colocarem sua festança para desfilar pelas ruas - seja do centro

ou dos arrabaldes. Chama a atenção o fato do folguedo, de forma paulatina, começar a

adentrar o perímetro urbano, o que, até então, era impensável. Não temos informação se foi,

realmente, o centro da cidade ou lugares adjacentes, porém, mesmo assim, já é uma

deslocamento em direção à área central da cidade .Mas não podemos perder de vista, e cabe

ser explanado e esmiuçada, a perseguição antes dos brincantes cruzarem estas ruas, bem como

a sua proibição, mesmo nos arrabaldes da capital, especificamente no Anil, que também foi

feita por aquelas camadas sociais que não olhavam a apresentação com “bons olhos”. Fruto

dessas atitudes, durante o ano de 1905, donos de bumba-meu-boi foram proibidos de

desfilarem suas danças pelas ruas da capital, em virtude de excessivas denúncias expressas em

discursos que qualificavam os brincantes como violentos. Mas o decreto de proibição não

censurou a animação no Anil, que continuou recebendo pessoas que iam se divertir nesta vila,

demonstrando uma certa forma de resistência dos populares. Estas pode ser percebida quando

vemos que, diante desta situação adversa, não “deixam de vibrar nesses dias que recordam os

melhores de seu bem viver”:

Mas ainda assim tivemos em profusão, pelas ruas, as tradicionais fogueiras,

o estereótipos das bichinhas e bombas, o esfusiar dos fogos multicores, as

gargalhadas sadias, nas intimidades do lar, após as leituras das sortes porque a alma popular,mesmo nas mais apertadas e difíceis circunstâncias, jamais

deixam de vibrar nesses dias que lhes recordam os melhores do seu viver.

Como de costume houve trafégo durante toda noite na linha suburbana,

embora no anil, termo das viajens, este ano não dançasse Bumba-meu-boi, que faz as delicias do rapazio de flechas e penachos, em virtude da formal

prohibição, do Dr. Chefe de policia, que assim procura evitar as cenas

lamentáveis que quase sempre se dão no decorrer de tal folguedo. (O Pacotilha, 23 jun.1905, p.2)

Retomando a discussão dos populares no processo dialético perseguição - resistência,

eles iam conquistando os seus espaços, mesmo nas condições desfavoráveis, como vimos

pelas notícias da imprensa, sempre se expandindo em direção ao “salão público” da cidade.

Talvez nem fosse uma meta para os mesmos assim seguirem, mas para demonstrarem que

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estavam ali, a despeito de tentativas das autoridades e elites da capital, em silenciá-los;

estavam ali, ludibriando ou cumprindo as ordens postas de forma verticalizante, às vezes, até

exageradas. Mas não podemos incorrer no anacronismo, porque, o que pode parecer

exagerado para nossa sociedade, poderia não o ser para a sociedade maranhense do inicio do

século XX.

As licenças, mesmo sem parecer, podem ser olhadas como uma certa conquista, se

analisarmos que nem sair nas ruas, os brincantes podiam. E nas vezes que isso acontecia, ou

seja, das brincadeiras desfilarem, ficavam confinadas a pontos distantes da capital, na área

rural da capital. Independente das licenças e perseguições ao folguedo, os registros

encontrados nessa pesquisa mostram que: “até aproximadamente a década de 20 do século

XX aos locais em que existiam, bois em São Luis eram, ou em zonas de pescadores ou em

zona rural” (COMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORE, 1999, Boletim n.14 p. 5). Essa

persistência simboliza resistência, inclusive, sem esquecer o viés de que muitos dos

participantes eram negros e que, durante o século XIX, talvez até escravos fossem.

Encontramos informações de perseguições ao grupos, muito remotamente, desde 1823, com

retaliações explicitas aos brincantes que, não acatando a ordem do governo, se dirigiram até o

largo do Carmo:

O Governo Prohibira e destacara forças para que os bandos de bumba-meu-boi, não passassem do areal do João Paulo. Apesar dessas ordens rigorosas,

na noite de 23 de junho de 1823, armados de perigosos busca-pés, grupos de

rapazes enfrentaram a soldadesca até o Largo do Carmo, onde dançaram e

cantaram [...]. (ASSUNÇÂO, 1999 p. 03)

Demonstrando que a postura de resistência já vinha se arrastando desde as primeiras

décadas do século XIX, buscando os brincantes o direito de saírem com o seu cordão pelas

ruas. Encontramos outros registros de populares na área periférica da capital, hostis às ordens

que pregavam que os cordões de boi deveriam ter licenças para saírem nas ruas. Ou seja, os

populares não ficaram delimitados a tais posturas arbitrárias e verticalizantes, por parte das

autoridades e das elites que os perseguiam de forma veemente. Apesar dessas restrições, os

populares não se deixaram subordinar por completo, a exemplo da reclamação do morador de

nome Tércio, em relação à brincadeira de Bumba-boi na localidade do “Portinho”, não

ocultando o seu nome, como geralmente acontecia nos artigos, e assumindo a

responsabilidade da denúncia. O mesmo chega a denunciar a presença de um policial no

74

cordão, algo impensável então, pois a policia, neste momento, era incumbida de monitorar tais

festanças e saber se estavam se comportando “bem” os manifestantes, além de verificar a

licença dos grupos de Bumba-boi.

Como se poderia conceber uma autoridade participando do folguedo, que era

considerado “bárbaro” e um atentado para os foros de “gente civilizada”? As atitudes das

autoridades, em relação às brincadeiras, aconteciam nesses espaços de conflito - entre quem

impunha o poder em contraste com classes subalternas, compondo a teia de relações sociais.

O teor desses comentários dá a entender terem sido eficazes os discursos pois os pais de

famílias e outras pessoas que residiam na comunidade, onde se ensaiava o boi, acabavam por

absorvê-lo e reproduzi-lo, com denúncias nos jornais, satisfazendo aos anseios elitistas, como

neste exemplo:

No dia 16 do corrente ano deu o Diário a luz da publicidade um artigo,

assignado por um pai de família, no qual pedia providencias ao exm.sr dr.

Chefe de policia contra um divertimento intitulado Bumba-meu-boi, que sem permissão dessa auctoridade fuccionava (sic) no referido lugar os amantes de

tão deliciosos divertimento, entenderão atribuirme a auctoridade de tal artigo

e como sempre o canalhismo é o ídolo dos ignorantes, não trepidarão em

insultar-me, exercendo assim uma vingança ignóbil, da qual fui a vítima expiatória. Dois se passaram e eis que vejo surgir em campo um homem que

se arvorou em protector deles, prometendo licenças para dansar o querido

bumba. E note-se que este magno protector é uma auctoridade policial de baixa esphera. Não pode, portanto, passar sem a mínima repressão o

procedimento dessa auctoridade que em vez de ser garantia e ordem publica,

afasta-se com seu procedimento de confiança dos seus superiores . Já todos os jornais da capital tem noticiado os lamentáveis ocorrências

havidas nos taes bumbas, e se não é pernicioso o tal brinquedo, não sei que

melhor qualitativo que se possa dar.

Responsabiliso-me Sr. redactor por estas linhas na forma de lei. São Luis-MA 20 de maio de 1881

Tercio”

(DIARIO OFICIAL DO ESTADO DO MARANHÃO, 20 maio. 1881. p.02)

Dialogando com outros tempos para confirmar certas situações, sobre o avanço dos

grupos de Bumba, no espaço urbano, encontramos, no ano de 1917, um jornal noticiando a

presença da brincadeira na cidade. Porém, no ano seguinte, a postura das autoridades já

apresentava uma certa mudança, ao permitir que os grupos pudessem sair às ruas, desde que

não cruzassem o 1º Apeadouro. Este local ficava bem próximo ao Caminho Grande, estrada

de acesso ao Anil. Será que seria um discurso tendencioso para impedir que a brincadeira

75

fosse para o centro da capital civilizada? Pois o período de São João, pelo menos em São

Luis, é época de apresentação do Bumba.

O Sr. Delegado de Segurança, no exercício de Delegado Geral, manda

fazer público para o conhecimento dos interessados que por ocasião dos

festejos de são João e São Pedro as brincadeiras de bumba-meu-boi não

podem vir ao perímetro da capital, só devendo chegar ao 1º Apeadouro. (O Jornal, 1918, p.01).

Esse documento corrobora que os manifestantes populares, aos poucos, iam

expandindo os seus espaços de atuação. Diante desse quadro, as autoridades, talvez não

podendo mais reprimir as brincadeiras, engendraram formas de contê-las. Já nessas alturas,

devido a sua expansão, elas migravam no sentido inverso: periferia centro. O folguedo, que

ficava restrito ás áreas afastadas da urbe, no caso, o interior da ilha, começava a vir em

direção à Forquilha (atual bairro da Forquilha) e, em seguida, fica localizado na pitoresca vila

do Anil, como noticiavam os jornais deste momento; na seqüência, em direção ao João Paulo

e Apeadouro. Esta “peregrinação” nos remete a levantar a hipótese de que, aos poucos, iria

invadir o “centro civilizado”, as áreas mais centrais da capital, como chegou a fazer algumas

vezes, numa posição de resistência. Cremos ser essa resistência, não necessariamente, no

sentido físico, embora não descartemos a possibilidade de que, durante esse processo em

direção ao centro, tenham existido confrontos desse nível.

O intuito é analisar o conceito de resistência dos populares no campo simbólico,

identificando as suas estratégias de sobrevivência, engendradas diante das situações adversas,

partindo do seguinte pressuposto: se houve perseguição ao bumba-boi, e a dança continuou a

existir até os dias atuais, implica dizer que existiu essa resistência.

As licenças, por si só, já indicavam, para aquele momento, indícios de resistência,

embora também passassem a idéia de repressão. Os sinais aparecem, a partir do momento que

a licença se configura como uma maneira astuciosa dos populares colocarem as brincadeiras

nas ruas, sem transgredirem as leis. Todavia, “brincar” de Bumba-boi, nos conformes das leis,

implicava uma serie de fatores, que iam desde a solicitação da licença, junto à Secretaria de

Polícia do Estado do Maranhão, passando pelo parecer das autoridades e, por último, o

deferimento. Afinal, somente o fato de escrever um requerimento não implicava que o pedido

fosse deferido. Além do mais, existia um fator agravante: muitos donos de Bumba-boi e de

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outras brincadeiras não sabiam ler e escrever, o que não deixava de ser mais um empecilho.

Mesmo com essas limitações, os populares driblavam essas dificuldades e continuavam a

requerer licenças. Para isso, os mesmos eram auxiliados por um funcionário da Secretária de

Polícia, responsável pela elaboração dos requerimentos/petições. Era comum encontrar, no

final desses documentos, a frase: A rogo, de uma determinada pessoa, por não saber escrever.

Ilmo. Sr.Dr. Chefe de Policia Do Estado do Maranhão

Passa-se a Portaria concedendo licença requerida, na mesma forma de meu despacho anterior

Secretaria de Policia do Maranhão, 20 de maio de 1896

Lourenço Justiniano Frazão, morador no lugar. Districto de Vinhaes ,

querendo ensaiar a brincadeira do “Bumba-meu-boi”, farão se divertir

algumas noites pelas festas de São João, Santo Antônio e São Pedro, em differentes lugares da ilha, inclusive Cutim, pede a V.Sº se digne a conceder-

lhe a necessária licença para esse fim.

Nestes Termos Pede Deferimento

São Luis - MA, 20 de maio de 1896

A rogo do requerente (por não saber escrever) Luiz Gonçalves da Silva

Cabe-nos lembrar que, em meio às criticas, aos participantes do folguedo, muitas eram

direcionadas às figuras dos negros. Ser negro era um estigma muito grande nesse período,

pois a sua imagem era associada à vagabundagem, a “badernas”. No século XIX, estes

protagonistas da brincadeira eram trabalhadores escravos, porém, quando libertos, foram

tratados com outros estereótipos, como o de desocupados. Talvez a mentalidade da elite local

estivesse voltada para os moldes burgueses de civilização, proporcionados pelo olhar do novo

e a sede pelo enriquecimento, que veio associada à idéia do regime republicano. Associava-se,

pois, a figura de quem não trabalhava, a ocioso, vagabundo, pois se observou que o trabalho

dignificava o homem e ocupa sua mente, impedindo que ele se tornasse um “marginal” em

potencial, em outros termos, um elemento propício a entrar no mundo ilícito.

Porém, devemos estar atentos para o fato de que os populares saírem pelas ruas, não

significa que eles não trabalhassem, tanto é que jornais do período mencionam um aprendiz

de padeiro que recebeu autorização para brincar no Bumba até uma determinada hora. É claro

que a fonte impressa é repleta de intencionalidade: nesta noticia, alega-se que muitas pessoas

perdiam seu emprego em virtude das festas de São João:

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[...] muitos operários perdem seu emprego por causa da camueca. Outros

exaltam-se numa onda de revolta os patrões esforçam-se por esbofetea-los.

Foi o que se deu com Sr. Casemiro Gonçalves da padaria em São Luis.

Este moço em regozijo pela data de ante-hontem, deu, licença há um

empregado seu para vadiar, até as dez horas da noite , mas o padeiro

entusiasmado com o bumba-meu-boi, foi além das onze [...]. (O

Pacotilha,26 jun.1911, p. 2)

O brincar, no texto, é entendido e exposto como sinônimo de “vadiar”, e não é era

desta época o repúdio contra os lazeres dos pobres: “A idéia que os pobres devem ter direito

ao lazer sempre chocou os ricos”(RUSSEL, 2002, p.29). Talvez seja uma possível explicação

para a associação entre brincantes e „desocupados‟, segundo a visão das elites maranhenses e

brasileiras, que, além do autoritarismo herdado do regime escravista, sofriam influência da

cultura burguesa e faziam questão de cultuarem o trabalho como algo disciplinador e sadio

para o ser humano. Mas isso, as elites queriam fazer valer para os grupos subalternos, e,

assim, a diminuição do trabalho era considerada como mais tempo ocioso para estes

manifestantes perturbarem o sossego público e ameaçarem o “centro civilizado”. A camada

social dominante considerava que os mesmos, aos invés de saírem nas ruas como

“desocupados”, deveriam manter suas mentes sãs, ou seja, ocupadas com algo, pois era até

um meio de “civilizá-los”, porque nem saberiam o que fazer com tanto tempo disponível,

utilizando-o numa espécie de frivolidade, expressa, nesse momento, no folguedo:

Outros tantos não acontece quando os desbragamentos são permanentes,

diversos, e as vezes, sem que a escuridão da noite consiga evita-los.

Assim é o que vai pela rua Portugal entre o armazém do tezouro e o do

quartel da guarda do mesmo tezouro.

Não há atenuantes para aquele verdadeiro céu abaixo ...

Ninguém dirá certamente que algazarra infernal, característica daquele

curioso trecho da rua, que recorda o estoiro da boiada, seja uma

conseqüência do trabalho intenso que ali se efetua.

Compreende-se e se chega mesmo a venerar o ruído sagrado das máquinas e

instrumentos de trabalho.

Compreende-se igualmente o canto dos remadores, quando a

embarcação navega a ...feição da corrente.

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O que não se pode compreender, é que realmente esteja trabalhando quem a

titulo de suavizar as agruras do trabalho, passe horas e horas e horas gritando

impropérios.

É para esta a meia dúzia se tanto, de perturbadores do socego público que

por minha vez . invoco a ação pronta e enérgica da digna autoridade desta

terra. (O Jornal, 20 maio.1919, p. 01). Grifos nossos.

Seguindo a mesma linha de raciocínio de Russel, quando o mesmo vem referir a

hipocrisia das elites, o seu gosto pelas “ocupações”, na maioria das vezes, nem elas mesmas

“trabalhavam”, apenas exigiam que os subalternos (concepção das elites locais ludovicenses)

o fizessem. Em contrapartida, os brincantes não abriam mão de seus lazeres. Na verdade, se

perguntássemos para qualquer trabalhador –brincante – o que ele mais sentia prazer em fazer

na vida, dificilmente diria que seria o trabalho, mas o prazer de sair com os seus grupos de

bumba-boi pela cidade

Não obstante, essa prática de trabalho que atendia ao sistema vigente, já ocupa boa

parte de seu cotidiano (MATOS, 2002). O pouco tempo que lhes restava, era, principalmente,

no mês de junho, época junina. Os participantes membros dos Bumbas queriam desfrutar,

brincando, não importava o espaço. O que era levado em consideração, era a animação,

sobretudo na periferia. Espaço do Bumba-boi.

4.2 – Anil : o sítio do “Bumba”

Como de costume desde as primeiras horas nota-se hoje uma grande agitação na cidade, seguindo para o interior da ilha, grande numero de

famílias, que ali vão apreciar e tomar parte nos festejos tradicionais de são

João. (O Pacotilha, 23 jun.1904 p. 2).

Neste item, abordarmos o sitio ou periferia do Anil, sobre o qual foi-nos possível, por

intermédio da análise de nossas fontes, extrair alguns dados cruciais ao entendimento da

atuação dos grupos de bumba-boi, na cidade de São Luis-MA. E (re) construir a historia dessa

localidade, sob a luz dos jornais do período. A intenção é descentralizar o foco de abordagem

da historiografia tradicional, que se detinha em abordar apenas os elementos centrais da

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cidade, silenciando e negligenciando os fatos ocorridos nas áreas marginalizadas. Com novas

abordagens dadas ao tema, houve mudanças na escala de observação, pois partimos de uma

área posta à margem, para daí tentar remontar a historia da cidade, em seu viés sociocultural.

E nada melhor que colocar a historia do bumba-boi, que se configura e ganha repercussão a

partir desse local.

Analisando as noticias dos jornais deste nosso recorte temporal, percebemos ser

comum, em todos os anos, as brincadeiras de bumba-meu-boi, no mês de junho, saírem pela

ilha para se apresentarem, principalmente no Anil, tido como o local principal de atuação

destes grupos. O deslocamento do povo citadino para essa área era notório, uma forma de

migração centro periferia, almejando apreciar os festejos juninos:

Parece-nos que a julgar pela animação reinante haverá hoje e amanhã, um

grande movimento de famílias, rapazes e povos, muito povo, para os arrabaldes, afim de apreciar as festas joaninas o Anil será o termo das

jornadas, o ponto capital das peregrinações, o ponto principal dos

folguedos, Já lá estão muitas famílias aboletadas. Outras inumeras, irão nas

duas noites tradicionais gosar as delicias de São João nos subúrbios. (Jornal O Pacotilha, 23 jun.1922, p. 2). Grifo nosso.

O teor das noticias já nos remete a entender o porquê das famílias se direcionarem aos

arrabaldes. No “centro civilizado”, não se tolerava tais práticas “bárbaras”. Então, populares

residentes nas áreas centrais e admiradores das festas populares se viam praticamente

obrigados a se deslocarem, almejando diversão. Os apreciadores do bumba-meu-boi viam

nesta vila o local da festança, assim como o jornal relatava. Cremos que essa pratica das

pessoas se dirigirem ao Anil já se arrastava desde os fins do século XIX. Publicadas no

mesmo jornal, muitas noticias convidavam as pessoas para irem ao sítio, a exemplo das

propagandas da Casa Anilense, que tinha como seu proprietário o senhor Albino Xavier

Martins, vulgo “o Albino do Anil”, que visava, acima de tudo, clientela para consumir os

seus produtos, deste modo, aproveitando o momento de grande movimento para vender suas

cervejas e comidas. Por tanto, buscava atingir os admiradores da brincadeira, tendo em vista

que o proprietário chegava a contratar grupos de Boi para se apresentarem nas tradicionais

noites de São João:

Na véspera de São João dansará no Anil, o boi da maioba, por conta do Albino, afim de divertir a bela rapaziada.

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O Albino acha-se preparado, para bem servir seus freguezes, tendo em

seu estabelecimento boa cerveja fria, vinhos finos, bons petiscos bom café e

chocolate, ótimo sorvete. O Albino espera o comparecimento da rapaziada de bom gosto e das

exma. famílias a quem prometi servir o melhor possível. (Jornal O

Pacotilha, 22 jun.1889 p. 02).

De todos os modos, Albino procurava atrair as pessoas para aquele local. Não

conseguimos identificar a sua representação social, porém, podemos especular que o mesmo

gozava de um certo privilégio, pois muitos de seus convites eram publicados nos jornais, a

exemplo do que constava nos registros do jornal O Pacotilha do período, principalmente

sobre as contratações de Bumba-meu-boi. A dificuldade estava justamente em se deslocar

para os arrabaldes da cidade mas, vale frisar, muitos destes obstáculos eram contornados pelo

Albino, pois o mesmo entrava em contato com os responsáveis pelo bonde visando atender às

necessidades da população que se interessasse em se deslocar ao Anil. Albino sustentava a

tríade de proporcionar comida, diversão e transporte. Será que haveria alguma

intencionalidade do Sr. Albino em buscar resolver a questão do transporte? .

O Albino no anil, a pedido de muitos rapazes que desejam ir ao Anil na

pitoresca noite de São João, resolveu não só preparar-se convenientemente para lhes

fortalecer o estomago, como contractar uma orchestra e o Bumba-meu-boi, mais

bem ensaiado da ilha, para fazer-lhes as delicias.

Desejando corresponder da melhor forma possível ao pedido que lhe foi feito, entendeo-se com a Companhia Ferro-Carril sobre as viajens de

bondes desde as 5 horas da tarde do dia 23, no largo do Carmo e que o trem

fará tantas viajens para o anil quantas forem necessárias.

Das 9 horas a 10h da noite, lá estará o famoso Bumba-meu-boi. (Jornal, O Pacotilha, 18 jun. 1896. p. 02)

Essa citação nos faz relembrar um pouco sobre o transporte desta época. A empresa

responsável pelo transporte de passageiros era a Companhia Ferro-Carril, cujos bondes saíam

da praça do Largo do Carmo – centro- em direção ao Anil (arrabalde), para atenderem o fluxo

da população que se deslocava constantemente, no período junino. Esse percurso era realizado

quase diariamente. A dificuldade maior era em relação à lotação, pois a empresa dispunha de

poucos carros, especificamente, de apenas duas locomotivas, que atendiam à população nesse

percurso. Na ausência de passageiros, o gerente tirava-a de circulação, encerrando, inclusive

mais cedo, os seus expedientes, deixando muita gente no Anil sem transporte de volta, mas

também de ida. Almejando solucionar esses problemas de transporte, que sempre causava

revolta nos populares, chegando os mesmos a quebrarem os veículos quando lhes faltava

81

paciência, o gerente da Cia Ferro-Carril, o Sr. Antonio Ribeiro de Oliveira, resolveu colocar,

além de viagens extraordinárias, linhas durante a noite, enquanto houvesse quantidade de

passageiros em função do crescente aumento de passageiros que despovoavam o centro para

apreciarem as festas juninas.

Tem sido grande a concorrência de famílias e pessoas do povo que se

dirigem para os arrabaldes da cidade, pela linha férrea, a fim de passarem as

festas de agora. Continuaram hoje e amanhã as viajens extraordinárias para o

anil.Véspera e dia de são João: CIA ferro-carril do maranhão, além das viajens extraordinárias na linha férrea, a começar das 7 horas da noite, em

diante, véspera e dia de são João, trabalhando duas locomotivas, enquanto

houver afluência de passageiros.

Da praça do Largo do Carmo partirão carros extraordinários daquela

hora em diante com direção a (...)

Avizo. Para comodidade dos senhores passageiros, acha-se preparada uma pequena sala de espera, junto a bilheteria onde encontrarão um bem

servido Estaminet que a Cia contratou, para esses dias com o Sr. José

Thomaz de santos , afim de serem esperados a hora de partida dos trens, sem

o aborrecimento e impaciência que sempre se dão nesses dias.

A cobrança de passagem será feita antes da partida de cada trem para o

Anil.

Da delicadeza do publico, espera a gerência da companhia o cumprimento da medida acima para o bom andamento do serviço.

O Gerente

Antonio Ribeiro de Oliveira.

(Jornal Diário do Maranhão, 23 jun.1891, p.01)

As viagens também eram feitas por via de caminhões, executando, muitas vezes, o

mesmo percurso, saindo da praça do Largo do Carmo. Porém, essas noticias veiculadas nos

jornais, sobre os transporte dos caminhões, são posteriores às dos bondes. Pelo menos é o que

circulava nestes jornais da época. Provavelmente, existisse o uso destes caminhões antes,

porém, não divulgado pelos jornais, tendo em vista que tais caminhões serviam para regular o

fluxo de passageiro, impedindo, de certo modo, a superlotação dos bondes. Eram, também,

uma alternativa a mais para os brincantes e apreciadores da brincadeira de bumba-meu-boi,

além de também executarem viagens durante a noite.

Encontramos registros de transportes sendo “cedidos” por oficiais da Policia, para

levarem os populares para os arrabaldes da cidade. Claro, os caminhões não seriam cedidos

82

sem algum interesse. Acreditamos que a intenção seria levar o maior numero de espectadores

possíveis para apreciarem a banda da Polícia. Na verdade, os populares descobriam, ao

embarcarem, que esses caminhões não eram fretados, sendo os mesmos cobrados, caso

quisessem usufruir deste meio de transporte.

Em caminhão especial seguirá hoje as 6 ½ horas a banda de musica do

corpo de Militares, que tocará no anil durante a noite de hoje .

Dançaram diversos bois.

Encontra-se na praça João Lisboa, a disposição do público, mais um

caminhão, fretado pelo Sr. Joaquim da Serra, para facilitar o transporte de passageiros para pitoresca Villa visinha, cobrando por passagem ida e volta

1$000. (Jornal, O Pacotilha, 28 jun.1921, p. 01).

Esta mesma informação encontramos em outro jornal, utilizando praticamente quase

a mesma linguagem, quando se refere ao transporte de passageiros para a vila do Anil, porém,

este outro periódico, em muitas de suas notícias, se referia ao folguedo popular com ironias e

insultos, por intermédio de pessoas que escreviam no mesmo, manifestando seu repúdio para

com as festas populares. A festa que acontecia nestes arrabaldes, eram estigmatizadas, porém,

a linguagem e o teor dos insultos para com o folguedo se referem às pessoas que migravam

em direção à periferia, sob a alcunha de “forasteiro”:

Segue hoje, as 18 ½ horas para o anil a banda de musica do corpo militar,

para tocar durante a noite.

Dansarão ali diversos bois inclusive o das mulheres.

Desde as primeiras horas de hoje que um confortável caminhão, sob a

direção do cabo Serra se acha a transportar para aprazível villa do Anil grande quantidade de forasteiros que ali vão o dia de amanhã.

Segundo nos informaram, o preço da passagem, a qualquer hora do dia

ou da noite, é de 1$000, o que facilita muito a concorrência para aquela vila

um bravo, pois, ao cabo Serra. (Jornal O Jornal, 28 jun.1921, p. 01). Grifo nosso.

O mesmo jornal publicava ter havido, no ano anterior, uma redução considerável de

pessoas que se deslocavam do centro em direção aos arrabaldes da ilha, para desfrutarem dos

festejos juninos. Entusiasmado, o periódico julga como responsável por esse fato a ausência

de bandas musicais. Observamos o jornal fazendo apologia às bandas de músicas frente às

manifestações populares. Na verdade, com ou sem bandas, o fluxo de pessoas continuou

83

intenso, em direção ao Anil, não tão eloqüente quanto os festejos de 1921. O fato de ter

havido menos pessoas se dirigindo ao Anil, em nosso entendimento, se dava porque as festa já

começavam a ganhar dimensões mais amplas, se estendendo até a festa de São Pedro. Sendo

assim, a população ficava dividida entre: os populares que optavam em irem às festas de São

João e outra parcela, às festividades de São Pedro, não sendo descartada a hipótese de

populares que optavam por freqüentarem as duas: “Parece que este ano as noites de São

Pedro serão tão animadas como as de São João, todas as famílias que tinham ido para os

sítios há dias atrás e voltaram passadas as festas, estão seguindo novamente para esses

logares tão aprasiveis dos subúrbios da cidade”. (O Pacotilha, 28 jun.1898, p. 02).

As pessoas que iam até o Anil, visavam olhar os folguedos desfilarem pelas ruas em

suas apresentações, e não exclusivamente as bandas. Percebe-se, também, o aumento do fluxo

dos populares indo em direção à vila depois das festas de São João, para desfrutarem da festa

de São Pedro, onde havia apresentações de bois de fama, da ilha. Os periódicos noticiavam o

contínuo deslocamento de pessoas para os arrabaldes.

O Albino o popular albino do Anil, preparou-se desta vez para festejar São

Pedro. Hoje e amanhã além de brilhar, dous bem ensaidos bumba-meu-boi,

dansa de tambor outras cousas mais, tem elle uma variedade de bebida [...] a

rapaziada não deve perder na ocasião de passar uma noite magnífica, desfrutando o luar esplêndido no pitoresco Anil.

Entra em cena, novamente, o Albino, aproveitando o aumento do fluxo de populares

para o subúrbio, devido à extensão das tradicionais festas e do aumento do prestígio das

brincadeira de Boi. Aproveitava ele, como de costume, para lançar anúncios sobre o seu

estabelecimento, em que afirmava estar pronto para receber as famílias e os rapazes que se

dirigiam para a vila no dia de São Pedro. Confirmava o referido aumento quantitativo e

qualitativo das festas juninas/ joaninas, que passaram a fazer parte do cotidiano do Anil nos

meses de junho, onde elas despontaram de tal forma que, nos anos posteriores, muitas

famílias não se contentavam apenas em se deslocarem especificamente nos dias de festas,

para verem os grupos de bois dançarem e as animações proporcionadas pelas noites de festa

que adentravam a madrugada. Muitas pessoas já passavam a mudar a sua concepção,

procurando casas para passarem a temporada, almejando o deleite de todas as noites, e, por

conseguinte, evitando, até mesmo, aquele vai- e- vem do centro para a periferia.

Provavelmente, era um tormento cruzar todo o Caminho Grande até chegar ao Anil, uma vez

84

que a distancia era, poderíamos dizer, considerável, se pensarmos na velocidade de acordo

com os veículos daquele período e a multidão de pessoas amontoadas, limitadas a uma

pequena quantidade de vagões.

Auspiciam-se atraentes os festejos em honra a São João que se vão realisar

este ano no Anil. È grande no pitoresco arrabalde, a procura de casa para a

temporalidade de São João, mantendo-se já intenso entusiasmo em todos aqueles que sabem apreciar as tradicionais festas populares de São João.

(Jornal O Pacotilha, 20 jun. 1921, p. 03)

Porém, como dissemos no inicio deste tópico, esses costume de famílias, ou mesmo

grupos de apreciadores, perdurava desde o século XIX, crescendo proporcionalmente ao

aumento das festas juninas /joaninas. As primeiras se referem ao mês de junho; as segundas, à

festa do Santo, no caso, São João, havendo brechas para ampliação, como ressaltamos nos

festejo de São Pedro. Devemos ressalvar, contudo, que, apesar da ampliação, o que não

mudou, inicialmente, foi o local que as pessoas escolhiam para desfrutarem os momentos de

apreciação do folguedo popular, expresso aqui na figura do boi. Os grupos de brincantes, que

sofriam todas as formas de monitoramento e até proibições, quando possível, sempre atuavam

no Anil ou nas áreas adjacentes, representadas como pertencentes à área rural da urbe. O

Diário do Maranhão registrou esse movimento de pessoas, já no século anterior,

comprovando tanto o deslocamento fazendo parte dos costumes do povo que ia ao Anil, como

também a figura do bonde executando a sua atividade: “Estiveram muito animadas

especialmente a de 23, em que, como de costume o povo se entrega a divertimento, toques e

dansantes passando as noites nas ruas. Para os sítios foram muitas famílias andando cheios

os bondes que transitaram para o Cutim.” (Jornal Diário do Maranhão, 25 jun.1881 p.02).

Como já virara tradição, todos os anos, no mês de junho, o centro da cidade era

despovoado pela leva de apreciadores das brincadeiras populares, que migravam em direção

ao Anil. As festividades deste lugar eram tão contagiantes que alguns não se continham em

apreciar somente um dia de festa, e alugavam casas, a fim de aproveitarem a temporada

inteira.

Por falta de registro, não conseguimos definir, precisamente, o porquê de o Anil

concentrar as festas, mas especulamos que talvez tenha sido em função das brincadeiras

poderem atuar neste local com relativa tranqüilidade. Contrastando com os cenários das

perseguições ferrenhas aos grupos de bumba-boi, em vários pontos da Ilha. Todavia, essa vila

85

foi ganhando espaço gradativamente, a cada ano, passando a ser referencial de ponto de

encontro dos bumba-bois:

Numerosa foi a concorrência aos diversos pontos da ilha, principalmente

no Anil, centro dos folguedos em honra a São João.

Neste aprasivel logar a animação excedeu a desses últimos anos. Além das costumeiras danças de bois [...] enfim como nos anos anteriores, a alma

popular vibrou com veemência na noite de hontem, entregando-se as

expansões do entusiasmo esfusiante e bulhento que a empolgava [...].

(Jornal, O Pacotilha, 24 jun.1904 p. 2). Grifos nossos.

Parece verossímil a nossa interpretação, ao nos referimos à representação do Anil e ao

aumento continuo de pessoas se deslocando para a área, quando notamos que o jornal O

Pacotilha referencia o local como “centro dos folguedos”. Em outros periódicos do período,

encontramos informações, em sua grande maioria, se referindo ao Anil nos períodos

juninos/joaninos. Sendo assim, faz jus a localidade receber tais títulos de “capital das

peregrinações” e “centro dos folguedos”.

Ver o Anil como ponto principal de atuação dos folguedos só nos foi possível

embasados em fontes de pesquisas, que nos deram elementos para considerar o Anil como

local de destaque. Deixamos claro que, não é porque encontramos diversos registros citando a

referida localidade, que não existam notícias nos periódicos da época referenciando outras que

também estão inseridas na categoria de arrabalde, a exemplo de Paço do Lumiar, título da

matéria abaixo:

O proprietário da brincadeira do bumba, assim denominado, comunica aos

apreciadores deste folguedo e os foliões que a referida brincadeira, percorrerá o município, nas vésperas e dia de São João, São Pedro e São

Marçal. O Pai Francisco, Robson, Preto Velho, americano chegado a pouco

tempo da Califórnia [...] (Jornal, Pacotilha, 21 jun. 1913 p. 3).

Percebe-se a presença do bumba atuando nesta localidade, também no mês de junho,

servindo para corroborar a atuação deste folguedo, em outros lugares, na mesma temporada.

Enfim, o que notamos no transcurso da pesquisa, analisando as fontes, é que a

localidade Anil, entre os anos de 1880 – 1920 se configura, no cenário ludovicense, como

86

ponto de encontro das apresentações populares, uma vez que ás brincadeiras gozavam de uma

relativa liberdade para desfilarem nas ruas.

87

CAPITULO V

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As representações simbólicas nos espaços de conflitos: centro x periferia”

Ao final desta narrativa sobre a história do Bumba-meu-boi em São Luís-MA, no

período de 1890 a 1920, consideramos necessário retomar a problemática colocada na

Introdução do trabalho e refletir sobre os resultados que a pesquisa histórica sobre o tema nos

possibilitou.

Retomando, pois, a problemática: O que levava a sociedade ludovicense a denunciar

e, ao mesmo tempo, participar das festas do bumba-meu-boi? Qual o significado da

normatização da festa? Quais as estratégias de resistência dos brincantes?

Os eixos teóricos de nossa narrativa foram os conceitos de espaço-território e

perseguição-resistência. É em torno desses eixos que elaboramos nossas considerações finais.

Os conceitos, como representações das experiências vividas, circulam no imaginário

social e, portanto, são dotados de historicidade e mudam no tempo e no espaço. São criados,

refletidos, criticados, vistos e revistos, re-criados, de forma constante, à medida que os

processos históricos vão colocando novos problemas e os seres humanos buscam

compreendê-los. Portanto, os conceitos são móveis, fluidos, e não categorias, que são mais

fixas, engessam a discussão porque não permitem uma visão processual, histórica, nem

permitem extrair o manancial teórico que se pode retirar de uma reflexão sobre esses espaços

de conflitos constituídos historicamente, como no caso do bumba. Os conceitos que

utilizamos para o nosso trabalho, foram “sugeridos” pelas leituras iniciais da bibliografia

sobre o tema e, depois, pelas fontes documentais, quando constatamos o processo de expansão

e transformação urbana da cidade de São Luís e as tentativas das elites e das autoridades

governamentais enquadrarem os brincantes do Bumba-meu-boi.

No que diz respeito a espaço-território, de um lado, percebemos que as elites e as

autoridades tencionavam dicotomizar o espaço urbano: o “centro civilizado” para si e os

“subúrbios” ou “arrabaldes” para os populares. Mas percebemos, também, que estes últimos

nem sempre aceitavam essa segregação espacial. Neste processo, o Governo busca medidas

para ordenar os brincantes. Por outro lado, as pessoas saíam do centro para irem para o Anil,

assistir o bumba. Então, há um jogo entre polarização e articulação entre os dois espaços.

88

Assim, procuramos discutir esses dois espaços da seguinte forma: tanto pela ótica dos

conflitos e polarizações quanto em uma perspectiva dialógica, apreendendo a sua

interatividade, comunicação, e/ou “troca”.

Este é o olhar, a perspectiva do pesquisador. O nosso ponto de vista.

Nesse sentido, argumenta-se: o discurso de “centro civilizado” nos apontou o espaço

tomado, em São Luís, de modo “etnocêntrico”, como acontecia em algumas capitais do país,

para auto-afirmação e auto-legitimação das elites e do Governo, estigmatizando os outros

espaços e seus ocupantes, delimitando-os à sua margem.

Quando se fala etnocentrismo, vem à mente um elemento que cremos ser de grande

valia para essa discussão, os “sistemas de valores”, que por sua vez, nos remetem, a modelos

culturais, pondo em confronto culturas diversas. Com efeito, as “classes” “dominantes”, de

alguma forma, se apropriam de mecanismos de poder, para imporem seus valores culturais,

por elas vista como superiores, unilateralmente. Muitos membros das elites residentes nas

áreas centrais do espaço urbano hostilizavam os moradores das áreas afastadas, tentando

conter as práticas sociais dos moradores “periféricos” e, assim, paralelamente, impor suas

próprias praticas cotidianas, expressando seu modelo cultural, atingindo as dimensões

espaciais materiais, sociais e simbólicas da urbe.

Problematizando esta questão, buscamos embasamento no pensamento de Thompson

(1981) acerca dos sistemas de valores, que alarga nossa percepção, quando nos possibilita

refletir sobre a imposição (ou tentativa) de um certo grupo social em querer disseminar seus

valores. Foi o que, aconteceu em São Luis-MA, quando uma pequena parcela da sociedade

ludovicense, aí incluídos os dirigentes estatais, e valendo-se do seu poder, executou medidas

repressivas, no sentido de disciplinar os espaços urbanos, pretensiosamente não aceitando

outro sistema de valores alternativo em relação ao seu, perseguindo quem infringisse a sua

concepção de “civilização”:

O Sistema de valor predominante é exatamente aquele que predomina [...] Além disso, o próprio sistema de valores “especifica” se os

descontentamentos devem ou não surgir, isto é, ele inibe ativamente o

aparecimento de valores alternativos e proporciona mecanismos

controladores de tensão para solucionar as perturbações individuais relacionando com valores. (THOMPSON, 1981, p.90)

Não é descartada, no presente momento, a possibilidade de acontecer o inverso, ou

seja, o “suburbano” podendo, potencialmente, se tornar um “centro”. Isso, claro, desde que a

89

abordagem teórica enfoque os locais. Nesse sentido, se isso acontece, o que dantes era

denominado “arrabaldes”, passa a ser visto como o “centro”.

Essa discussão possibilita “muitos panos para as mangas” dos pesquisadores, uma vez

que vai desvendar um mundo “encoberto”, conhecido como o mundo das representações, que

muitos entendem como um efeito de real. Numa certa medida, este mundo é tão real ou

verdadeiro, e até mais convincente, que o mundo cotidiano.18

Tal concepção da autora

Pesavento (2001) remete-nos a pensar na possibilidade das abordagens mais recentes

tenderem a um plano mais “social”, inserindo elementos que antes não entravam em questão

por serem estigmatizados como hostis à “cultura intelectual”. De certa forma, os próprios

elementos simbólicos servem para exemplificar e corroborar a nossa intenção.

Sem embargo, a inserção de elementos simbólicos levou em consideração, e deu mais

voz e representação, ao elemento povo, instigando os pesquisadores a romperem com alguns

paradigmas tradicionais, que excluem o povo como integrante da história.

Nestes termos, a forma de conceber o espaço foi ampliada para referenciais mais

abrangentes, procurou utilizar para a análise como o povo pensa e apreende o espaço em que

vive, seja centro ou subúrbios, rural ou urbano.

Contrariando o que foi perpassado pelo academicismo durante anos, detectou-se que

nem sempre o espaço construído, em alguns casos arbitrariamente pelas autoridades

governamentais, é o apreendido, vivenciado, pelos populares.

Por isso é que, apesar de todo esforço despendido por parte dos governantes, tentando

suprimir essas práticas culturais dos espaços da urbe, por meio de suportes repressivos, tais

como Códigos de Posturas Municipais e exigências de petições à Secretaria de Policia do

Estado do Maranhão, Leis, Decretos-Leis, estas imposições não obtiveram êxito, como nos

mostra a história, uma vez que os populares, diante das adversidades e perseguições, criaram

táticas de resistência. Algumas vezes, inclusive, valendo-se das ferramentas dos opressores,

para construírem formas de interagirem socialmente, auxiliando-se da circularidade cultural e

do hibridismo, modificando e recriando suas práticas sociais, quando estavam em contato com

as culturas hostis.

Por absorção, não queremos dizer que os populares perderiam sua “originalidade”,

suas especificidades, mas nossa intenção é explicar que, mesmo em contato com a cultura

hegemônica, a cultura desses populares apreende valores desta e os transforma conforme a

18

Mais detalhes, consultar, PESAVENTO, Sandra J.Uma outra Cidade: O Mundo dos excluídos no final do

século XIX.São Paulo: Nacional, 2001. p.09.

90

sua singularidade social. Essa ocorrência confirma o pilar que sustenta uma teoria da cultura

que se apresenta como dinâmica e sujeita às mudanças do processo histórico.

Ora, os brincantes eram “periféricos”, no sentido desqualitativo da palavra, para uma

elite. Contudo, apesar de ter atribuído essa adjetivação ao povo, a mesma nem sempre foi

apreendida, pois os populares institucionalizaram em sua memória o centro localizado na

“periferia” mais especificamente, o sitio do Anil.19

A um ponto que a própria elite acabará por

elaborar uma outra denominação, para o Anil, “a capital dos folguedos”, como encontramos

nos jornais, já citados em capítulos anteriores.

Os vestígios do passado, mais especificamente, as notícias dos periódicos do período,

corroboram essa interpretação de que: nem sempre a cidade projetada é a vivenciada e

apreendida pela população. Em outras palavras, mesmo que a “elite local” se empenhe em

proferir estigmas, relacionando a periferia como sinônimo de “barbárie”, contrapondo-a ao

“centro civilizado”, o que acontece, na pratica, é a não concretização desses modelos, ou sua

concretização em termos. Mesmo sendo arbitrariamente inserido nas mentes dos populares

desse período que o “centro“ era o espaço dos “civilizados”, detectamos o traslado de

moradores desse espaço em direção ao Anil (periferia). Ora, se o “centro” era o local dos

“civilizados”, o que esses citadinos faziam indo para os arrabaldes da cidade no mês junino?

É claro que não podemos esquecer que havia populares que moravam nos porões de sobrados

da cidade, mas também havia pessoas que passavam a temporada de festas no Anil, em casas

alugadas, o que nos leva a supor que fossem pessoas com certas condições de vida.

Retomando uma citação já feita no capitulo anterior, que estabelece a diferença entre famílias,

rapazes e povo.

Parece-nos que, a julgar pela animação reinante haverá hoje e amanhã, uma

grande movimento de famílias, rapazes e povo, muito povo, para os

arrabaldes, a fim de apreciar as festas joaninas o Anil será o termo das

jornadas, o ponto capital das peregrinações, o ponto principal do folguedos. Já lá estão muitas famílias aboletadas. Outras inúmeras, irão nas duas noites

tradicionais gosar as delicias de são João nos subúrbios. (O Pacotilha, São

João no Anil, 23 jun. 1922, p.01). Grifo nosso.

Esses registros nos remetem a pensar que a relação entre essas duas localidades são

paradoxais ou ambíguas, não existe parâmetro pré –estabelecido que legitima esses espaços

atuarem sem interação, ou seja, nem sempre a construção do espaço almejado teoricamente é

o vivenciado na prática pelas pessoas no cotidiano. Assim, essas relações não se limitam à

19 Atualmente, um bairro de São Luis-MA, mas que, nesse período, era a periferia da cidade, ou até mesmo,

considerada a área rural da Ilha Grande (São Luis).

91

área física, embora fosse essa a intenção da elite ludovicense, difundindo esse discurso

naquele momento histórico. Essas interações envolvem sentimentos, práticas sociais, enfim,

um conjunto de significações emblemáticas que estão além dessa visão finita, condensada na

dicotomia entre “centro”- “arrabaldes”. Atingem dimensões maiores: políticas, econômicas e

sociais, carregadas de valores simbólicos.

A visão dicotomizante de mundo foi produzida muito antes do período de nossos

estudos, por volta dos anos de 1950, com a denominação centro-periferia, que ainda persiste

no senso comum e na própria academia. Os conceitos de centro e periferia eram apresentados

sob formas “fixas” (como categorias estruturais) e dicotômicas, sem incorporarem o diálogo

“circular” entre os espaços, limitando o campo de possibilidades das pesquisas; O processo do

crescimento acelerado das cidades, e de suas complexidades, proporcionou outros olhares

sobre o referido objeto, uma apreensão do movimento, das mudanças.

A dualidade inviabilizava qualquer dinamicidade no interior destes espaços, pois

qualquer mudança ou movimento que se pense, já estará limitada por uma situação pré-

estabelecida. Em outros termos, embora haja inúmeros acontecimentos nesse espaço

qualificado como “centro” e, conseqüentemente, no da periferia, eles estarão limitados por

uma situação precedente, ou seja, as estruturas. Thompson já chamava a atenção sobre o

perigo da inserção das estruturas, no processo histórico, percebendo que esse conceito

aprisionava tanto as evidências históricas como o pesquisador.

As categorias são categorias de estase, mesmo que sejam então postas em

movimento como partes móveis. O movimento só pode ocorrer dentro do

campo fechado dos sistemas ou estruturas; isto é, por mais complexo e

mutuamente recíprocos que sejam os movimentos das peças, ,este movimento está encerrado nos limites gerais e determinações da estrutura

pré-dada. ( THOMPSON, E.P, 1981, p. 97)

Então, as modificações conceituais instituídas historicamente, e o rompimento parcial,

por um lado, também com as estruturas, nos dão subsídios para citar exemplo desse

alargamento teórico. Dentre muitos, merece destaque a inovadora contribuição gerada pelos

estudos interdisciplinares, onde diminui o fosso entre as ciências sociais, geografia,

antropologia, sociologia e outras. A aproximação entre esses campos possibilitou a descoberta

de novos horizontes para um estudo mais social e representativo desses espaços,

92

Uma contribuição significativa, nessas novas perspectivas, vem das reflexões sobre o

local, como, o espaço pensado enquanto um lugar comum ao cidadão, em que este desenvolve

suas práticas cotidianas, de morar, trabalhar, ter lazer, enfim, todas essas atividades ligadas à

vida comum, na qual esse espaço proporciona uma lógica própria e diversificada dos outros

locais e espaços.

As representações enraizadas no imaginário social, acerca do local,

estabelecem sua associação com várias imagens: proximidade, familiaridade,

estabilidade, interatividade, convivência, herança compartilhada, pertencimento e identidade ... De uma perspectiva política, constitui a face

mais visível e imediata do poder. De uma dimensão cultural, é vislumbrado

como o espaço da autenticidade, das raízes culturais, em que prima a tradição e se afirma a diversidade. De uma dimensão sócio- temporal, é o

espaço do cotidiano, da vivência (SILVEIRA, 2OOO, p. 164).

Eis o porquê dos geógrafos contemporâneo não atuarem mais da mesma forma que

outrora, quando abordavam questões da natureza de espaços, regiões, locais, apenas sob a

égide do empírico (no sentido “concreto”), conforme diz Bourdieu: “O Geógrafo prende-se

talvez demasiado ao que se vê (...) Os geógrafos limitam-se freqüentemente à análise do

conteúdo concreto do espaço; ele olha muito pouco para além das fronteiras políticas

administrativas da região.” (BOURDIEU, 2005. P.21).

Alargando os seus horizontes, os geógrafos, em décadas recentes, procuraram outras

perspectivas epistemológicas, buscando, desse modo, (re)pensar suas teorias em torno da

representação do espaço. Sem descartar as relações de poder entre os espaços, têm

incorporado as estratégias e modos de resistência diante dos processos de hegemonização, ou

seja, uma visão mais dialógica. A Geografia Crítica proporcionou um outro olhar: “É uma

dimensão espacial das especificidades sociais em uma totalidade espaço-social”, capaz de

“opor resistência à homogeneização da sociedade e do espaço pelo capital monopolístico e

hegemônico.” (SILVEIRA, 1999, p. 5)

A mesma historiadora Silveira apresenta várias possibilidades de apreensão do espaço:

O conceito de Espaço é extremamente polêmico nas ciências da sociedade, em cuja trajetória, várias “escolas” produziram diferentes formulações, que

podem ser agrupadas em algumas vertentes distintas:

a) espaço enquanto categoria de análise, sem existência empírica e sem ser objeto específico dos geógrafos;

b) espaço enquanto atributo dos seres, também, nesse caso, não sendo

objeto específico dos geógrafos; c) espaço enquanto ser específico do real, objeto da Geografia;

d) espaço enquanto junção das vertentes a , b e c. (SILVEIRA, 1999,

p.3)

93

A autora referida aponta, ainda, como estudar o espaço não excluindo as bases físicas,

mas articulando-as com as bases sociais, até porque espaço e a sociedade estão imbricados no

território da cidade. Mostrando como o historiador poderia atuar nesta problemática, sem

ignorar o empírico espacial, da mesma forma que não pode ignorar o empírico temporal, mas

ultrapassando-os, não se limitando apenas ao que está materializado paisagística ou

cronologicamente, transcendendo para o que se inscreve como humano nas paisagens.

Ora, com os alargamentos epistemológicos, emergem conceitos que estavam

submersos no subsolo do campo teórico, talvez com seus elementos fragmentados e dispersos,

impedidos de se manifestarem, devido aos entraves das abordagens tradicionais deterministas

toldando os olhos dos pesquisadores. Esses conceitos, até então “soterrados”, passam a ser

articulados por “arqueólogos teóricos” em suas “escavações”, escavações essas que lhe

proporcionaram encontrar teorias novas, e novas formas de re-ver as anteriores, por meio de

investigações hermenêuticas.

Mas o fato de entendermos e olharmos com restrições os estudos tradicionais, que

precederam os atuais em relação à problemática do espaço, não significa discriminá-los. Essa

concepção de espaço que temos na atualidade, seria muito difícil, quase impossível, de ser

pensada pelos teóricos tradicionais, devido à falta de disponibilidade de informações e às

perspectivas ideológicas de sua época. Poderia dizer que somos privilegiados, por termos

acesso a inúmeras informações e contribuições deixadas por esses pesquisadores nossos

antecessores. Um outro aspecto limitativo era a separação entre as áreas do conhecimento: no

caso do espaço, este era objeto de estudo quase exclusivo dos geógrafos. A

interdisciplinaridade mudou as formas de vermos o mundo. Muitas relações existentes no

espaço não eram percebidas, por falta de concatenação entre teoria e metodologia. Outro

limite para as interpretações foram as escalas espaciais, visto que os primeiros estudos sobre

as relações entre espaço e sociedade privilegiavam a escalas macro20

, pendendo para a criação

de categorias estruturalistas, que cristalizavam o real e impediam, em conseqüência, o

alargamento do objeto de pesquisa. Esse método de abordagem, de alguma forma, deixou suas

contribuições; por outro lado, não podemos negar a fragilidade teórico-metodológica desses

“conceitos-estruturas”, por ocultarem muitos detalhes do espaço, inclusive as suas

diferenciações e conflitos internos.

20 Utilizo a palavra macro metaforicamente, representando um possível estudo de caráter “total”, confrontando o

termo micro, ao não retratar de forma mais detalhada os espaços, os teóricos se concentravam na elaboração de

conceitos, que, na maioria das vezes, mais os impediam de enxergar além de um conjunto genérico, sobretudo

quando utilizavam categorias estruturalistas.

94

A partir dos anos 80 do século XX, houve um grande interesse por estudos locais e

regionais e sua retomada, que coincidem com essa visão do “micro”. Por conseguinte, no

âmbito desse alargamento teórico, as análises foram sendo mais refinadas, para além das

escalas de territorialidade nacional-internacional.

Tais abordagens mais recentes estão sendo elaboradas com base nas reflexões sobre os

processos dialéticos de desterritorialização e reterritorialização em ocorrência no âmbito da

globalização, articulando as várias escalas (global-nacional-local), engendrando novas

dinâmicas espaciais: o que era “periferia”, pode tranquilamente sair deste status “atribuído” e

transitar para o “centro”, através de um “status adquirido”. O próprio Anil era um sítio

afastado do núcleo urbano de São Luís, no período abordado por nosso estudo; na atualidade,

o mesmo está inserido na área urbana desta capital. Para melhor explicitar, um exemplo mais

próximo na região central da mesma cidade: o bairro da Madre de Deus, que hoje é,

praticamente, “centro” e, outrora, no fins do século XIX e inícios do século XIX, fazia parte

do subúrbio da cidade. Portanto, essas percepções estão vinculadas às escalas de observação

diferenciadas, adotadas pelo pesquisador.

Assim, é cabível e indispensável, nesta discussão, a micro-história. Para nós,

historiadores, essa escala de abordagem nos despertou para elaborarmos representações mais

específicas, que, articuladas com o micro-espaço, tanto injetou o social no espaço quanto

injetou espaço no social.

Precavidos sobre os cuidados com a apropriação de conceitos, procuramos ser

cautelosos ao nos referirmos a esse “micro” na análise, para não corrermos o risco de colocá-

lo como independente do geral: “No que concerne, o objeto, o local aparece como uma

espécie de modelo, reduzido de dinâmica geral: uma amostra que se dirá às vezes aleatória e

às vezes calculada.”21

(SALGUEIRO, 2001, p.193). Pois o seu uso tem maior riqueza quando

houver um dialogo com o geral (escalas mais amplas), para melhor expor sua representação.

Em outras palavras, não basta uma mudança apenas no nível de escala, colocando e

supervalorizando, de forma unilateral, a historia de um espaço sobre outro, seja ela do centro

sobre a periferia, numa ótica verticalizante; nem vice-versa, pois, neste caso, não

entenderíamos as relações de poder. Foi preciso perceber as relações recíprocas existentes

entre esses espaços (centro e periferia), num plano espacial horizontal, diferente de outras

abordagens que representaram os espaços com generalizações e de modo estático, sem

interação. Essa visão generalizante “pensa o espaço como um sistema hierarquizado de

95

relações entre objetos espaciais ou entre espaços em via de mão única (ou seja: o espaço

dominante imprime a História do espaço subordinado e faz desaparecerem as especificidades

deste)”.(SILVEIRA, 1999, p.04). Essa falta de interações espaciais, não percebidas pelos

pesquisadores, não apenas negligenciou as especificidades dos espaços, como exclui no tempo

os populares, considerando-os como seres passivos, que sofrem a história e não a constroem.

Foi, pois, com estes elementos teóricos que buscamos um enfoque de caráter social

dos espaços, que nos permitiu compreender a expressão do Bumba-me-boi nas relações e

diferenciações internas e nas relações de poder do espaço urbano de São Luís-MA,

especialmente focando conflitos e resistência.

A própria disciplinarização daquele espaço urbano era política e prática que vinha se

difundindo no país, no período de nosso recorte temporal (XIX-XX). Intervenção no espaço,

assim como a dos brincantes de cordões de bumba-meu-boi, que fizeram da periferia a sua

identidade, o seu “centro”, típico da intervenção do homem na natureza, pois os populares

apropriaram-se e modificaram o espaço- periferia, a ponto da mesma ser identificada com seu

espaço por excelência. “Esse foi o cenário dos brincantes de bumba meu boi ludovicenses ,

onde seus espaços foram se constituindo em meio às relações conflituosas”, perante as

perseguições ferrenhas das autoridades locais que, se valendo de mecanismos de poder,

tentaram silenciar os populares na História, relegando suas práticas culturais aos arrabaldes da

cidade.

Mas o importante é atentarmos para as direções tomadas a partir desses alargamentos,

e o processo interativo, que possibilitou ao homem construir seus espaços, mesmo diante de

adversidade. Mesmo diante dos obstáculos, os brincantes desenvolveram estratégias de

resistências/ sobrevivência, nesse sentido, constituindo historicamente seus espaços.

Essa interpretação contrapõe-se às generalizações conceituais: “a generalização é o

procedimento abstrato e processo de abstração: seu resultado inscreve-se na ordem das

representações. Ela opera por seleção dos termos comum e perda de singularidade, do

detalhe da diferença, considerada como secundária” (SALGUEIRO, 2001, p.194), ocultando

as diferenças internas, silenciando certos pormenores, detalhes esses interessantes para uma

possível construção de uma análise que mais se aproxime, não necessariamente, de toda a

complexidade das experiências humanas, mas com uma riqueza pormenorizada, bem maior,

desses espaços, os micro-espaços de conflito e de disputas de poder, seja ele político,

econômico, social ou cultural. Na periferia, apresenta-se uma variedade de grupos e espaços

étnicos, bastantes diversificados, vários grupos de danças e de brincadeiras populares, bumba-

boi, tambor de criola, entre outras.

96

Não podemos pensar mais, assim como foi pensada outrora, de formas deterministas,

associando a sociedade aos espaços urbanos, como um todo, nem sempre as coisas se dão

desse modo. O fato de uma pessoa morar na periferia não quer dizer que a mesma,

necessariamente, segue os mesmos moldes culturais dos grupos locais, o mesmo se diz das

pessoas residentes no centro. Na verdade, dentro de cada espaço, existe uma diversidade de

modelos culturais, que serão apreendidos de diferentes formas pelos seres humanos, como

lhes for conveniente.

Nos processos socioespaciais, ocorrem interações culturais, numa perspectivas

circular, entre populares e elites, seja através de conflitos abertos, no caso, com o uso da

violência física, ou nos conflitos coercitivos, uso da violência simbólica, aproveitando-se do

aparelho estatal, criando leis orgânicas (Códigos de Posturas Municipais), que censuravam

quaisquer manifestações populares no perímetro urbano, salvo raras exceções, quando os

brincantes se sujeitavam a solicitar licenças para poderem sair com suas brincadeiras nas ruas

de São Luís. Ao mesmo tempo em que tais medidas eram uma uma forma das autoridades

monitorarem para reprimirem; por outro lado, havia uma resistência sutil por parte dos

brincantes, quando insistiam em continuar desfilando, com ou sem autorização.

Os discursos elaborados constituíam representações de uma elite minoritária, mas que,

embasada em paradigmas da “hegemoneização” cultural, buscava se autoafirmar e legitimar-

se perante as classes populares, impondo, arbitrariamente, seus sistemas de valores, hostis aos

sistemas daquelas classes.

Na prática, não houve, de forma completa, esse domínio sobre os espaços, pois uma

parcela da sociedade resistiu e ainda resiste a tais mudanças. A resistência faz parte do

cotidiano desses populares, que souberam constituir sua identidade no espaço e um espaço de

identidade, criando suas próprias dinâmicas, de acordo com o seu lugar social, ou seja, um

“macro dentro do micro”.22

Retomando a idéia de que nem sempre a cidade projetada, de

acordo com pensamento de muitos engenheiros do referido período (1890-1920), é a

vivenciada pelos habitantes, diz uma autora “Os critérios do urbano dependem não só da

política administrativa ou da prosperidade econômica, mas dos conceitos de apreensão do

lugar por partes de seus habitantes”(SALGUEIRO, 2001, p.25). Há sempre uma força agindo

no sentido inverso dessa perspectivas, manifestada na resistência dos habitantes, numa espécie

22 Grifo nosso, Esse termo, usamos apropriando-o da micro-história, na qual procuramos nos fundamentar. Em

um determinado recorte que estabelecemos em nossas pesquisas, tomado como ponto de analise, seria um micro,

entretanto, no interior do recorte, no caso, o espaço, existe toda uma dinâmica social, que somando ao contexto

geral, forma uma “historia como um todo”. Porém, quando digo um macro dentro do micro estou argumentando

a existência de um “todo social” inserido no micro, no sentido metafórico.

97

de força oposta, ou até mesmo uma ação social como que para alertar que nem todos foram

absorvidos abruptamente pelas inúmeras mudanças que permeiam a sociedade. Comungamos

com a seguinte idéia: para compreender a cidade, deve-se separar analiticamente a sociedade

e seus espaços, pois eles evoluem segundo temporalidades diferentes; mas, também, pensá-los

juntos, em suas articulações e confrontos. Generalizar, por um espaço, o todo urbano, é

reducionismo.

Assim atentos, pudemos perceber as diferenças existentes entre os brincantes de um

determinado local, (na periferia, por exemplo) mas que desenvolvem práticas sociais

peculiares (numa espécie de identidade), diferentes, ou seja, dos espaços centrais da urbe,

denominados, centro. Nesses espaços, desdobram-se inúmeras formas de apropriações do

mesmo, seja de forma físico-ambiental, seja de forma representativo-simbólica, dentre os seus

campos de possibilidades. E os brincantes de “bumba-meu-boi” do século XIX

desenvolveram suas estratégias de sobrevivência (resistência no seu espaço), á luz de suas

dinâmicas “locais-espaciais”, e, mesmo dentro do processo de disciplinarização dos espaços

citadinos, conquistaram e resistiram, demarcando seus espaços, fossem “étnicos”, político,

econômico e social com as suas atuações. Ora, através desta hostilidade, a periferia acaba se

tornando, nesse momento, o local por excelência destes manifestantes populares (no

imaginário social), característico, então, das identidades culturais desses grupos, que

procuravam se afirmar nas diferenças. Nessa ótica, o local onde o cidadão morava, já era

indutivamente ligado a sua posição social, noutros termos, a pessoa era identificada e/ou

hostilizada, através do espaço ocupado; se, porventura, residisse na área denominada como

centro, era vista na sociedade de uma forma, o que não acontecia com os habitantes das áreas

periféricas. O local era um lugar, um demarcador social.

Portanto, aprendemos, nesta caminhada, que a riqueza de nossas pesquisas está na

postura metodológica e teórica escolhida e, por conta disso, nas perguntas que lançarmos ao

tema de estudo. Isso possibilitará demonstrar o nosso grau de abstração, pois a ciência

trabalha desse modo, abstrai um objeto de estudo, extraído da sociedade, para analisá-lo e

estabelecer os elos entre as sua percepções e as experiências vividas no social.. Abstraimos

para entendermos as representações e conflitos entre os espaços, para entendermos a dinâmica

do local, respaldados nas mudanças históricas, pois os conceitos se modificam conforme seu

tempo histórico. A Historia não se repete de forma cíclica, como queriam os metódicos do

século XIX, criando leis universais para as ciências humanas. Como estabelecer leis

universais, para algo que está em constante mudança, que não se repete? Contrapor-se a isto,

exige uma visão que chamamos de a dialética da historia.

98

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107

ANEXOS

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Figura: Rua do Sol

Fonte: Revista do Norte, 1902.

Figura: Rua dos Remédios

Fonte:Revista Elegante,1904.

109

Figura:Cais da Sagração Construído

Fonte: Revista elegante, 1905.

Figura: Linha da empresa Ferro Carril

Fonte: Revista do Norte, 1906.