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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALFENAS - MG Instituto de Ciências da Natureza Curso de Geografia Licenciatura GABRIELA TAÍSE POIATI XAVIER AGROECOLOGIA E CASAS DE SEMENTES COMUNITÁRIAS NO SUL DE MINAS GERAIS Alfenas - MG 2019

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALFENAS - MG

Instituto de Ciências da Natureza

Curso de Geografia – Licenciatura

GABRIELA TAÍSE POIATI XAVIER

AGROECOLOGIA E CASAS DE SEMENTES

COMUNITÁRIAS NO SUL DE MINAS GERAIS

Alfenas - MG

2019

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GABRIELA TAÍSE POIATI XAVIER

AGROECOLOGIA E CASAS DE SEMENTES

COMUNITÁRIAS NO SUL DE MINAS GERAIS

Trabalho de Conclusão de Curso

apresentado como parte dos requisitos

para obtenção do título de Licenciado

em Geografia pelo Instituto de

Ciências da Natureza da Universidade

Federal de Alfenas- MG, sob

orientação do Profº Dr. Estevan

Leopoldo de Freitas Coca.

Alfenas – MG

2019

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Banca Examinadora

_____________________________________________

Profº Drº Estevan Leopoldo de Freitas Coca/UNIFAL-MG

_____________________________________________

Profº Drº Adriano Pereira dos Santos/UNIFAL-MG

_____________________________________________

Profª Dra. Ana Rute do Vale/UNIFAL-MG

Alfenas (MG), __/__/____

________________________________

Resultado

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Epígrafe

Podemos dizer que a natureza não se preocupa em perder

parte considerável de sua “produção”. Ela não exerce

controle de qualidade sobre cada uma das sementes. No

ciclo da vida, o que não germinar servirá de alimento

para outras espécies. Por isso, esbanjamento não é

desperdício. A generosidade é tamanha que não há como

concentrar tudo em poucas mãos. Diariamente se

contata: grande produção sem partilha causa fome.

Monopólio é antinatural[...] quando o alimento não é

equilibrado e diversificado, de nada adianta a grande

quantidade. O organismo se debilita. A natureza sofre.

Diariamente se constata: produtividade sem variedade

causa fome. Monocultura é distorção (FUCHS, p. 38-39,

2003).

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Dedicatória

Dedico este trabalho aos meus

familiares, amigos e professores que me

auxiliaram e apoiaram na sua construção

e aos que dele possam tirar algum

conhecimento.

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Agradecimentos

Agradeço, especialmente, a minha mãe, que me incentivou a dar seguimento nos

estudos, sempre sendo meu apoio nos momentos de angustias e incertezas, sendo minha

âncora nas marés agitadas, me dando força e inspiração. À minha irmã Flávia, que apesar

do apego, amor e saudade me permitiu voar. À minha irmã Lara, e meu irmão Gabriel por

acreditarem e me apoiarem. Agradeço às minhas sobrinhas Maria Eduarda e Witória pela

compreensão, que apesar da ausência em vários momentos importantes, sempre

compreenderam com muito amor. Faço isso por mim, por nós e por todas as mulheres que

vieram antes de nós e que não tiveram a oportunidade de seguir no caminho dos estudos.

Desejo que vocês sempre acreditem que possam ser o que quiserem, pois vocês podem!

Aos meus sobrinhos Luis Gabriel, Heitor e Felipe, pela compreensão da ausência, e por

sempre me receberem com muito amor quando chego de viagem. Espero incentivar todos

vocês nos seus sonhos e influenciar de maneira positiva no crescimento e

amadurecimento de cada uma e um. Aos meus cunhados e padrasto que acreditaram e

insistiram para que seguisse no caminho do bem. Ao meu pai, que de sua maneira

contribuiu na minha vida, na minha história e no meu ser. Aos meus avôs e avós, que já

se foram e que estão nesse plano, isso tudo só aconteceu por que de alguma forma, no

plano físico e espiritual eu sempre possui muita força e apoio das pessoas que me

antecederam, especialmente minha avó Irene que me incentivou no seu: “Vá ser

professora, fiá”, ali nas suas palavras já estava destinado algo muito lindo que só vamos

entender em um futuro próximo. Se foi possível chegar até aqui foi porque cada um de

vocês me incentivou a continuar e me deram forças pra que isso acontecesse. Eu sou,

porque vocês são. Agradeço também aos meus grandes e antigos amigos e as noitadas nas

praças que me fizeram ser quem sou hoje. Aos grandes amigos e amigas que Alfenas me

deu, dos quais levarei em meu coração pro resto da vida. Também ao meu ex-

companheiro de vida do qual guardarei até a eternidade, por ter aprendido e ensinado

tanto.

Um agradecimento especial ao meu orientador que possibilitou a construção desse

trabalho sempre me mostrando que era capaz. A todos os amigos e colegas que ajudaram

na construção desse trabalho, seja indicando leituras e ideias ou ouvindo os desabafos da

vida acadêmica. Aos entrevistados na FACU e MST de Campo do Meio, os quais ainda

tenho muito a aprender e contribuir. Aos representantes do Instituto Federal de

Incondidentes pela contribuição e disponibilidade em auxiliar na construção desse

trabalho. À todos professores e professoras que já passaram em minha vida, desde o

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ensino fundamental, médio, cursinhos e universidade, especialmente aqueles que

acreditam nessa profissão e fazem dela uma forma de luta.

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RESUMO

O território brasileiro, desde sua gênese, foi moldado por relações de poder e interesses

do capital. Como resultado disso, temos a padronização de culturas para exportação e a

concentração fundiária que é intensificada com a modernização agrícola introduzida pela

Revolução Verde. A partir disso, as biotecnologias são utilizadas por empresas

multinacionais para tornarem os sujeitos ainda mais dependentes desses poderes. No

estudo sobre sementes e a modificação genética, é possível compreender que essas,

representam os poderes biotecnológicos de grandes empresas multinacionais, que visam

o controle do território e da produção, através de vendas amarradas entre insumos e

sementes e direito à propriedade intelectual. Com a mercantilização das sementes e a

facilidade no acesso às sementes geneticamente modificadas, o hábito e costumes de

guardar sementes próprias é modificado, tornando o camponês dependente dessa compra.

Esse modelo perverso, coloca em risco a permanência da biodiversidade e do acesso aos

camponeses às sementes de qualidade e a a soberania alimentar dos povos. O acesso e a

retomada de produção com sementes que não possuem a modificação genética, além de

permitir aos agricultores maior autonomia na produção sem uso de insumos, contribuindo

também economicamente, também contribui para manter a biodiversidade. Como

resultado da presente pesquisa, foi possível observar que no contexto do Sul de Minas

Gerais, existe uma rede agroecológica que realiza ações, como as Casas de sementes

comunitárias para fortalecimento desses agricultores e busca pela autonomia na produção

e soberania alimentar.

PALAVRAS CHAVE: Agronegócio; Sementes; Poder Empresarial; Agroecologia;

Casas de Sementes.

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Abstract

Since its genesis, Brazilian territory has been shaped by power relations and capital

interests. In this process, agriculture would provide basic inputs for the agroindustry

oriented to external market. As a result, we have crop standardization for export and land

concentration. With agricultural modernization this fator is further intensifield, and in

addition to deterritorializing capital-deprived agentes, it uses biotechnologies to make

them even more dependente on busibess powers. The modified seeds represent the

biotechnological powers of large multinational companies, which aim to control

production and make profits through the sale tied with the inputs. In addition, genetic

modification of seeds now has intellectual property rights, and the farmer who

intentionally or unintentionally produces with it must pay to companies that own these

varieties. The commodification of the seed, which should be a patrimony of humanity, is

seen by the hegemonic system only as another input in production, which should have a

profit. This perverse model endangers the permanence of biodiversity and peasants'

access to quality seeds and the food sovereignty of the peoples. Access to seeds that do

not have genetic modification, besides allowing farmers greater autonomy in the

production without use of inputs, besides contributing economically, also contributes to

maintaining biodiversity. Agents that have been deterritorialized, however, remain

resisting during historical periods. This study aimed to analyze agroecology as a viable

model that farmers have been taking back, seeking autonomy and food sovereignty, as

well as the construction of community seed houses to strengthen this agroecological

network. As a result, it was observed that agroecology returns as a more viable production

model and that the regional seedhouses are the physical spaces that strengthen farmers,

demonstrating a potential for rural capital resistance and a possibility of

reterritorialization.

Key words: Agrubusiness, Seeds, Busines power; Agroecology; Seed houses.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Localização da Camponesa e RAES..........................................................18

Figura 2 – Distribuição das unidades de produção por microrregiões....................54

Figura 3 – Agricultor do grupo RAES expondo seus produtos na FACU...............60

Figura 4- Sementes crioulas comercializadas pelo agricultor do RAES................ .60

Figura 5- Casa de Sementes “Terra de Quilombo”....................................................71

Figura 6- Interior da Casa de Sementes “Terra de Quilombo”................................71

Figura 7 – Sementes doadas pela Casa de Sementes “Mãe Terra de

Inconfidentes..................................................................................................................71

Figura 8 – Sementes doadas pelo Assentamento Santo Dias de

Guapé..............................................................................................................................71

Gráfico 1-Número de famílias em ocupações de 1988-2016......................................35

Gráfico 2 – Patentes Agrobiotecnológicas e Gigantes Genéticas..............................48

Gráfico 3- Número de unidades de produção orgânica no Brasil de 2010-2019......53

Gráfico 4 – Número de produtores orgânicos no Brasil de 2010-2019.....................54

Mapa 1 – Número de ocupações de terras 1988-2016................................................36

Mapa 2: Localização da Fazenda-Escola do IFSULDEMINAS – Inconfidentes.....66

Mapa 3: Localização Assentamento Nova Conquista II – Campo do Meio.............70

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABD – Associação Biodinâmica

COAGRE – Coordenação de Agroecologia

CNPQ – Conselho Nacional de Pesquisa

EMATER – Empresa de Assitencia Técnica e Extensao Rural

GT – Grupo de Trabalho

FACU – Feira Agroecologia e Cultural da Unifal

RAES – Rede Agroecologica

MST – Movimentos dos Trabalhadores Sem Terra

SPG – Sistema Partipativo de Garantia

OMC – Organização Mundial do Comércio

FAO - Food and Agriculture Organization (Organização das Nações Unidas para a

Alimentação e a Agricultura)

UNIFAL – Universidade Federal de Alfenas

PRONAF – Progarama Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar

MAPA – Ministerio de Agricultura, Pecuária e Abastecimento

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

OPAC – Organismo Participativo de Avaliação da Conformidade

OAC - Organismos de Avaliação da Conformidade Orgânica

OSM – Orgânico Sul de Minas

IF – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .........................................................................................................14

2.MÉTODOS E METODOLOGIA..............................................................................16

3 A QUESTÃO AGRÁRIA NO BRASIL ...................................................................20

3.1.1 Os primórdios da terra como propriedade privada no Brasil e a desterritorialização

dos indivíduos pelo capital no campo ..............................................................................20

3.1.2 Modernização da agricultura no Brasil: concentração de terras e poder tecnológico

com uma “nova roupagem’’.............................................................................................24

3.1.3 Expropriação do camponês pelo avanço do capital no campo: mercados desiguais e

(in)segurança alimentar....................................................................................................26

3.1.4 Permanência do campesinato no capitalismo ..........................................................29

3.1.5 Participação da agricultura camponesa na produção de alimentos...........................37

4. SEMENTES COMO UMA PROPRIEDADE INTELECTUAL E

EMPRESARIAL............................................................................................................42

4.1.2 Poder estratégico sobre as sementes para a consolidação territorial.........................42

4.1.3 Breve histórico sobre as sementes transgênicas no Brasil e as estratégias de

dominação exercidas pelas “Gigantes Tecnológicas”......................................................45

5. INSTRUMENTOS QUE CONSOLIDAM A SOBERANIA ALIMENTAR E

DESCENTRALIZAÇÃO DO PODER

EMPRESARIAL............................................................................................................53

5.1.1 Agroecologia: um instrumento para a reterritorialização.........................................53

5.1.2 Legislação referentes aos produtos orgânicos: dependência de sementes

convencionais e Casas de Sementes Comunitárias ......................................................... 56

6. CENTRAL DE ASSOCIAÇÕES DE PRODUTORES ORGÂNICOS DO SUL DE

MINAS............................................................................................................................60

6.1.1 Sobre a Central de Associações de Produtores Orgânicos do Sul de Minas

.........................................................................................................................................60

6.1.2 Agricultores RAES .................................................................................................61

6.1.3 Festa de Sementes Crioulas e Biodinâmicas do Sul de Minas e Casa de Sementes

“Mãe Terra”.....................................................................................................................64

6.1.4 CAMPONESA e Casa de Sementes “Terra de Quilombo”....................................69

7. CONCLUSÃO ...........................................................................................................76

8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.....................................................................79

APÊNDICES..................................................................................................................83

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APÊNDICE A – Roteiro de Entrevista dos agricultores do Orgânico Sul de

Minas...............................................................................................................................81

APÊNDICE B – Roteiro de Entrevista da Casa de Sementes “Mãe

Terra”...............................................................................................................................82

APÊNDICE C – Roteiro de Entrevista da Festa de Sementes Crioulas e Biodinâmicas do

Sul de Minas.....................................................................................................................83

ANEXOS.........................................................................................................................84

ANEXO A - Regimento Interno da Casa Comunitária De Sementes “Mãe Terra” da

Orgânicos Sul De Minas ..................................................................................................84

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1.INTRODUÇÃO

A temática do trabalho foi escolhida devido os poucos trabalhos referentes ao poder

empresarial exercido sobre as sementes no âmbito da Geografia. A ciência geográfica

visa estudar a relação da sociedade e do meio, deve portanto, se envolver em questões

que possuam essa análise, e através da pesquisa e estudo aprofundado, propor soluções

para tais fenômenos. O presente trabalho, portanto, visou analisar alguns movimentos que

ocorrem no Sul de Minas Gerais, que visam a subversão ao modelo de produção

hegemônico, como o movimento agroecológico e as Casas de Sementes Comunitárias. O

contexto da gênesa da ocupação de terra no Brasil portanto, se faz necessária, pois a

mercantilização da terra, essa, se torna um objeto de reprodução ampliada do capital e

não mais como meio de reprodução da vida, como os nativos (índigenas e camponeses) a

relacionavam. Esse fato, entretanto, marginaliza e exclui boa parcela da população que

não tem acesso ao capital para adiquiri-la. Porém, essa população, apesar de estar

marginalizada, não deixa de existir, de modo que segue existindo e resistindo ao longo

dos séculos. A problemática é que esses camponeses que foram forçados a se inserir em

um novo mercado, com o capitalismo crescente, perdem a autonomia de suas produções

e acesso à recursos , e o capitalismo agrário cria forças, principalmente com a Revolução

Verde e a introdução dos pacotes tecnológicos no campo. O malthusianismo que

fundamentou a Revolução Verde no Brasil, também foi utilizado como estratégia de

dominação dos povos e do território, onde um Estado neoliberal, cada vez mais crescente

no país, através de órgãos multilaterais, se junta com e empresas multinacionais e

introduzem de cima para baixo as monoculturas de exportação aos brasileiros, como

principal fonte de economia de um país subdesenvolvido, degradando matas, recursos

hídricos, marginalizando camponeses que desejam permanecer em suas terras, e

sujeitando esses ao trabalho assalariado.

O objetivo desse trabalho é compreender que apesar da imposição desse modelo de

agricultura hegemônico, muitos camponeses continuarem nas terras, se territorializando

ou reterritorializando, através de movimentos sociais organizados, com outros modos de

ação, como a produção agroecológica e a construção de Casas de sementes comunitárias,

que consistem em espaços físicos para o armazenamento, organização e intercambio de

sementes entre agricultores.

A necessidade de recursos e bens de produção, como as sementes, é necessário para

atingir a soberania alimentar e a consolidação do poder dos agricultores, enquanto classe

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que produz e que garante a segurança alimentar da população. Um dos modos que o

camponês busca para tentar se consolidar enquanto classe é através da agroecologia. Ela

possui uma potencialidade de reterritorialização, pois garante ao produtor a soberania de

sua produção, com o acesso a sementes e insumos locais, sem depender de produtos

químicos em sua produção e sem vínculo com as empresas multinacionais. A

problemática maior é que a demanda de alimentos saudáveis e orgânicos cresce, mas a

oferta de um mercado de sementes que supra a demanda desses agricultores, não. Esse

fato pode ser considerado em uma perspectiva geográfica, enfatizando o controle

hegemônico que o agronegócio possui. Com isso, são desenvolvidas estratégias pelas

gigantes tecnológicas que conseguem controlar a produção dos pequenos agricultores e

atingir diretamente o produtor e a sociedade. As legislações nacionais também

contribuem para a consolidação do poder dessas empresas sementeiras no país, tornando-

se contraditória, a medida que permite que as empresas abarquem até o pequeno agricultor

que possui sua produção voltada para a agroecologia, o influenciado a utilizar dessas

sementes convencionais, concluindo um ciclo de dependência com as multinacionais.

A seguinte hipótese foi levantanda com base nas entrevistas e em pesquisas já

realizadas: através da modernização agrícola, esses agricultores talvez tenham perdido o

hábito de produzir com suas próprias sementes. A solução para essa problemática,

portanto, passa a ser uma conscientização dos agricultores sobre o benefício de selecionar

armazenar suas sementes em Casas de Sementes Comunitárias e deter seus recursos para,

de fato, atingir a soberania alimentar e também exigir que os órgãos representantes

invistam em conhecimento técnico capacitando-osa voltar suas produções para um

modelo auto-sustentável.

No decorrer dos capítulos, serão expostos dados e conceitos que buscam explicar

esses processo e também propor um novo modo de produção, muito mais sustentável e

viável ambiental, social e economicamente. Para isso, a área de estudo – mesorregião Sul

de Minas Gerais – foi delimitada de acordo com a finalidade de investigação dos atores

que podem auxiliar para a real soberania dos agricultores e sociedade.

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2. MÉTODOS E METODOLOGIA

O presente trabalho buscou, através do materialismo-histórico-dialético analisar a

gênese dos processos sociais, nos quais o modo de produção é o determinante para o

processo social, político e econômico presente (GIL, 2008). Diante disso, foi realizada

uma pesquisa bibliográfica sobre a questão agrária brasileira e suas dimensões históricas,

para buscar explicações sobre a atualidade do processo. O primeiro passo para a definição

da problemática, portanto, foi analisar algumas questões de âmbito geografia agrária que

ainda não possuem tantos estudos, como é a relação entre a qustão agrária e as políticas

de acesso às sementes. A investigação prévia, segundo Gil (2008) é necessária para a

escolha de um fenômeno que seja de certa importância para a sociedade e que o estudo

científico pode auxiliar.

Diante disso, buscou-se através da leitura exploratória, analisar questões sobre o

tema. A pesquisa bibliográfica foi uma processo presente ao longo do trabalho realizado

e à medida que surgiram novas questões, voltou-se a pesquisa bibliográfica para analisar

teorias e conceitos já abordado por outros autores. Outro procedimento utilizado foi da

pesquisa documental, através do qual buscou-se em filmes, documentos oficiais,

reportagens, bem como tabelas estatísticas e relatórios de pesquisas, o auxilio para a

elaboração do presente trabalho. As fontes bibliográficas consistiram além de livros, em

teses e dissertações de pesquisadores do tema na mesorregião Sul/Sudoeste de Minas

Gerais, bem como a pesquisa em obras de referências, periódicos científicos e anais de

encontros.

Para a elaboração da hipótese, além de basear-se no resultado de outras pesquisas,

já realizadas na região de estudo, foi realizado inicialmente um estudo de campo com o

intuito de explorar a problemática em questão. O estudo de campo é uma técnica utilizada

para a aproximação direta com a realidade e os sujeitos que serão foco de estudo (GIL,

2008). Esse estudo de campo foi realizado em Campo do Meio, mesorregião sul de Minas

Gerais, no Acampamento Quilombo Campo Grande e nos assentamentos Primeiro do

Sul e Nova Conquista II, com agricultores da Cooperativa dos Camponeses

Sulmineiros(Camponesa), que compõem a Central de Associações de Produtores

Orgânicos do Sul de Minas, carinhosamente chamada de Orgânicos Sul de Minas (OSM).

Esse estudo de campo proporcionou a observação da realidade local, dando clareza e

permitindo a reformulação dos objetivos, hipóteses e problemas da pesquisa, de forma a

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deixar o trabalho mais pertinente de acordo com a realidade em análise, bem como análise

de quais instrumentos e coleta de dados mais se adequariam para a pesquisa. Um dos

pontos positivos analisados nesse processo de estudo de campo, foi a flexibilidade que é

proporcionado ao vivenciar, observar e dialogar pessoalmente com os atores sociais que

estão em análise ao longo do trabalho (GIL, 2008). As entrevistas com os demais

agricultores foram elaboradas e padronizadas, porém, dialogadas para que se tornasse

uma conversa informal, mas focalizada, de forma a dar ênfase as questões de interesse da

pesquisa

Ao ter clareza, portanto, da realidade social que foi investigada a partir dos

métodos mencionados e com os objetivos e hipóteses esclarecidos, foram realizadas as

demais entrevistas. Elas possuíram formado semiestruturado quando realizadas

pessoalmente, na Feira Agroecológica e Cultural da Unifal (FACU), e também via

telefone (devido a distância dos municípios em questão e a inviabilidade de locomoção

no curto período de tempo e pelo autor trabalho julgar relevante os entrevistados). A

pesquisa semiestruturadas permitiu através de um diálogo direcionado pelos

questionamentos que os atores transmitissem as informações necessárias para a

construção do trabalho, sem interferir nas respostas dos sujeitos. Ao todo, foram

realizadas 4 entrevistas com duração média de 30 minutos cada, sendo 2 delas aplicadas

pessoalmente na FACU com representantes da Camponesa e da Rede de Agroecologia e

Economia Solidária (RAES). As demais foram realizadas via telefone com a ex-

coordenadora da Casa de Sementes “Mãe Terra”, que pôde relatar sobre as motivação e

benefícios da construção de uma Casa de Sementes Comunitária, sendo que essa é

localizada dentro do Instituto Federal do Sul de Minas (IFSULDEMINAS), no município

de Inconfidentes, também na mesorregião Sul/Sudoeste de Minas Gerais. A ultima

entrevista refere-se a outro agricultor da RAES, sendo esse também coordenador do

Grupo de Trabalho (GT) de sementes do Orgânico Sul de Minas e um dos organizadores

da Festa de Sementes Crioulas e Biodinâmicas do Sul de Minas Gerais, o qual, pôde

relatar com mais propriedade sobre os assuntos necessários para o resultado do presente

trabalho, como a festa que ocorre a cerca de 9 anos no município de Cachoeira de Minas,

também na mesorregião Sul/Sudoeste de Minas Gerais.

Esses agricultores entrevistados compõem 2 dos 14 grupos que do Orgânico Sul

de Minas: a RAES e a Camponesa (Imagem 1)

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Figura 1: Localização da Camponesa e RAES. Fonte: HIRATA, ROCHA E NERY, 2018

(Adaptado pela autora).

A RAES foi fundada em 2016 e sua sede está localizada no município de Três

Pontas. Ela reúne agricultores de Três Pontas, Varginha, Santana da Vargem e Campanha.

A Camponesa foi fundada em 2014 e sua sede fica no município de Campo do Meio. Ela

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reúne os agricultores dos três assentamentos do Sul de Minas Gerais: Santo Dias, do

município de Guapé, ePrimeiro do Sul e Nova Conquista II, que estão localizados no

município de Campo do Meio. O assentamento Santo Dias foi filiado ao Orgânico Sul de

Minas em 2014 e os demais assentamentos localizados em Campo do Meio, filiados no

ano de 2015 (HIRATA, ROCHA E NERY, 2018).

O contato inicial em todas as entrevistas realizadas, consistiu em mostrar a

finalidade da pesquisa, bem como os objetivos e importância dela para sociedade.

Também foi ressaltada a importância da colaboração do entrevistado para a realização do

presente trabalho. O registro de todas as entrevistas foi realizado por meio de gravação

eletrônica para garantir a precisão das respostas obtidas, previamente autorizadas pelos

entrevistados. Para facilitar a observação e leitura das informações obtidas, as entrevistas

foram transcritas para fins de verificação. O roteiro das entrevistas que foi utilizado

encontra-se em apêndices no final desse trabalho (Apêndice A, B e C).

Os registros fotográficos referentes à Casa de Semente “Terra de Quilombo”

localizado no assentamento Nova Conquista II do município de Campo do Meio foram

realizados pessoalmente no estudo de campo e buscou registrar o modo tradicional do

armazenamento das sementes, bem como o resgate que está sendo realizado pelos

camponeses, com a construção da Casa de Sementes “Terra de Quilombo”, que

demonstra a conscientização e ação dos agricultores em relação a preservação de suas

sementes e cultura, para atingirem a autonomia em suas produções e soberania alimentar.

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3.QUESTÃO AGRÁRIA NO BRASIL

3.1. Os primórdios da terra como propriedade privada no Brasil e a

desterritorialização dos indivíduos pelo capital no campo

A questão agrária no Brasil tem os reflexos da formação histórica do país, que

desde o período colonial foi marcado pela mercantilização e concentração de terra. Os

territórios, anteriormente ao período colonial, pertenciam aos povos indígenas, que se

relacionavam de outro modo com a terra. Era uma relação de cooperação e respeito com

a natureza, sendo ela parte intrínseca à qualidade de vida e dessa forma, os indivíduos

realizavam a conservação e preservação do seu território. No território indígena pode se

considerar que a terra, era um bem de trabalho e de vida. A terra era o lugar de onde

retiravam seus alimentos para subsistência, dessa forma, a exploração não era massiva,

pois a conservação era necessária.

De início deve-se sucintamente afirmar que a área territorial do país tem suas

origens nos modos pelos quais os povos indígenas, através do estabelecimento

de relações comunitárias de produção, desenvolveram suas culturas. Dessa

forma, o modo de se relacionar com a natureza das populações indígenas

contém, simultânea e intrinsecamente, sua conservação e preservação. Trata-

se de uma concepção de modo de vida que pressupõe muito mais a natureza

como parte da vida, do que apenas a vida como parte da natureza, a natureza

aparece como algo intrínseco ao indígena. Nele, portanto, não se separa a

natureza da vida. É por isso que estes povos precisam de extensões

significativas de terra para realizar o processo social de suas reproduções.

(OLIVEIRA e FARIA, 2009, não paginado)

O processo de exploração da terra como um bem econômico inicia-se quando no

período colonial, dividiu-se o litoral brasileiro em capitanias hereditárias e

posteriormente, em sesmarias, que eram porções de terras cedidas pelas famílias nobres

aos colonos para exploração de culturas de exportação. A partir de então, observa-se a

relação de dominação não só da natureza, mas também dos povos e de seus culturas,

considerando que com a colonização houve também a exploração da mão de obra

escravizada de povos da África, bem como a exploração dos povos indígenas que se

encontravam nos territórios ocupados no Novo Mundo (PORTO-GONÇALVES, 2006).

As terras que foram cedidas pelo poder da Coroa foram amplamente exploradas,

inicialmente para a produção em larga escala da cana-de-açúcar, com seu mercado

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crescente na Europa, a qual era exportada pelo Brasil (BUAINAIN, 2008). Pode-se

observar, como pontua Porto-Gonçalves (2006), que a monocultura para exportação se

desenvolve nos países colonizados e que carrega com ela, uma dimensão política, dando

base para a agricultura capitalista:

Observa-se que a monocultura que será uma das bases da sustentação da

agricultura capitalista moderna, se desenvolveu, inicialmente, sobretudo nas

regiões e países coloniais enquanto agricultura de exportação. A monocultura

revela, desde o início, que é uma prática que não visa satisfazer as necessidades

das regiões e dos povos que a produzem. A monocultura é uma técnica que em

si mesma traz uma dimensão política, na medida em que só tem sentido se é

uma produção que não é feita para satisfazer quem produz. Só um raciocínio

logicamente absurdo de um ponto de vista ambiental, mas que se tornou natural

admite, fazer a cultura de uma coisa só. A história só faz comprovar por meio

da geografia o absurdo da ideia de se fazer monoculturas, seja por meio das

crises econômicas e sociais derivadas de se estar mono especializado e, assim

vulnerável às oscilações do mercado, seja pela fragilidade dos agrossistemas,

exatamente por serem geneticamente simplificados. (PORTO-GONÇALVES,

2006, p. 28-29).

Com essa exploração, as novas terras passaram a exercer seu caráter

mercadológico. Além disso, consolidou-se também a hegemonia europeia, uma vez que

a colonização foi marcada pelo genocídio dos povos indígenas e a escravização de povos

trazidos da África (PORTO-GONÇALVES, 2006). Considerando que o único meio de

domínio legal da terra era pela concessão real, fica claro portanto, que o desigual acesso

e permanência na terra, bem como a desigual distribuição de bens deriva dos processos

históricos que o país passou, no qual o capital submeteu a terra à lógica de exploração

econômica (OLIVEIRA e FARIA, 2009).

Em meados do século XIX, com a Indepedência, a abolição das sesmarias, passa

a entrar em vigor a Lei de Terras, onde a terra pode ser conquistada somente através da

compra. A Lei de Terras ainda permitiu que os proprietários das terras tivessem o domínio

e direito sobre elas mesmo sem nunca ter de fato a ocupação da propriedade e cumprido

sua função social. Dessa forma, consolidou-se ainda mais a mercantilização da terra e

extingui-se a possibilidade dos escravos libertos e imigrantes de a possuírem pela compra.

Segundo Oliveira e Faria (2009), a partir da Lei de Terras iniciou-se o direito da

propriedade privada no Brasil, concentrando terras, riquezas e capital:

O debate sobre o processo de constituição da propriedade da privada da terra

no Brasil se fundamenta na concepção de que o desenvolvimento capitalista

moderno se faz de forma desigual e contraditório e, tem em sua raiz o caráter

rentista. Isto se deve ao fato de que este caráter rentista do capitalismo que se

formou no país, continua colocando necessariamente também entre suas

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contradições principais, as formas da apropriação privada da terra. Isto quer

dizer que no Brasil a concentração da propriedade privada da terra atua como

processo de concentração da riqueza e, portanto, do capital (OLIVEIRA e

FARIA, 2009, não paginado).

Considerando o direito à propriedade privada no Brasil, a partir da Lei de Terras,

como mencionado por Oliveira e Faria (2009) e Buainin (2008), a relação de latifúndios

e minifúndios também teve seu início ainda no período colonial. O crescente mercado da

cana-de açúcar promoveu o avanço das fronteiras de exploração antes determinadas

somente pela Coroa, e dessa forma, intensificou a concentração de terras para a produção

em larga escala destinada à exportação, atendendo as lógicas do capital.

À medida que se expandia a monocultura da cana, a pequena exploração

movia-se em busca de novas terras dentro dos vastos domínios da grande

fazenda. Consolidou-se, portanto, ainda no período colonial, não apenas a

concentração fundiária, mas também a relação latifúndio-minifúndio, que

marcaria tanto a estrutura fundiária como a dinâmica agraria brasileira

(BUAININ, 2008, p. 20,).

Os latifúndios marcam o avanço do capitalismo no campo, onde a terra é vista não

mais como um bem que deve ser preservado para a qualidade de vida, mas um bem que

deve ser explorado para a reprodução ampliada do capital. Uma vez que há a concentração

de terras para a reprodução ampliada do capital, temos também a expropriação de

comunidades que pertenciam àquele território e buscavam a produção de outro modo.

Entretanto, com o crescente capitalismo no campo, há o impedimento dessas famílias

adentrarem nas terras de forma legal.

A terra, para o capital, se transforma em um território material de disputa pois

através dela é que se consolida a produção O poder, para Arendt (2000) consiste na

convivência entre pessoas, onde há um grupo de pessoas, há a relação de poder. Por sua

vez, o poder só pode ser exercido através da relação social.

Os conflitos entre o capital e os sujeitos que se encontravam presentes no território

anteriormente a mercantilização da terra consistem em uma relação de disputa de poder.

O avanço do capital no campo, e o fortalecimento enquanto um sistema dominante, torna

essa, uma disputa desigual que favorece os grandes proprietários latifundiários. O

capitalista, que por sua vez, detém esse poder, avança, se beneficiando de novos territórios

e aumentando a concentração de poder. Quando o capital, que possui interesses diferentes

dessa comunidades que buscam outro modo de produção, como os indígenas se

territorializa, ele automaticamente desterritorializa os sujeitos que se encontram no

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campo. Dessa forma, a dinâmica do capital possui o caráter desterritorializador

(HAESBAERT, 2011).

Em outras palavras, na ótica do materialismo histórico podemos dizer que a

primeira grande desterritorialização capitalista relaciona-se a sua própria

origem, seu “ponto de partida”, que é a chamada acumulação primitiva do

capital, separando o produtor e os meios de produção. Trata-se da

“expropriação do povo do campo de sua base fundiária” e sua transformação

em trabalhador livre rumo ao assalariamento nas cidades. A dissociação entre

trabalhador e “controle” (domínio e apropriação) dos meios de produção (da

terra para cultivar à fábrica ou aos instrumentos para reproduzir) é a grande

desterritorialização, imprescindível, de qualquer modo, a construção e à

reprodução do capitalismo (HAESBAERT, 2011, p. 175).

O processo de desterritorialização que ocorre é definido por Haesbaert (2011)

como o movimento de sujeição dos indivíduos, de saída dos seus territórios, que por sua

vez podem se reterritorializar, ou seja, construir um novo território, ou reconquistar esse

território para a territorialização de um outro sistema de produção.

A terra, como a propriedade privada inalcançável para os que não detém o poder

do capital, gerou e gera até hoje, conflitos e lutas. As lutas e a resistência dos povos

expropriados de suas terras permearam desde a escravidão nas comunidades indígenas e

em todo território nacional:

Canudos, Contestados, Trombas e Formoso fazem parte da história das lutas

pela terra e da liberdade no campo do país. São memorias da capacidade de

resistência e da construção desses expropriados na busca pelo espaço coletivo

livre onde possam ser proprietários coletivos de um tempo descompromissado

com o relógio capitalista. São também memórias da capacidade destruidora do

capital e dos capitalistas perante o temor de uma destruição inevitável

(OLIVEIRA, 1994, p. 17).

Os conflitos entre proprietários de terras, posseiros e indígenas geraram violência

e mortes no campo, não só dos que estavam tentando o acesso livre as terras, mas também

de líderes sindicais, padres, advogados, ou seja, todos que defendessem a causa da

distribuição justa de terras (OLIVEIRA, 1994). Em meio aos conflitos por terra, constroi-

se dinamicamente, um novo território brasileiro, baseado na disputa territorial entre os

indivíduos que já se encontravam na terra e os indivíduos que detém o poder econômico,

político e social e veem a terra como uma possibilidade de reprodução ampliada do

capital. Nesse sentido, a dinâmica atual realizada no campo, nada mais é que o reflexo do

crescente capitalismo que vê a possibilidade de exploração intensiva dos recursos naturais

e sociais, para assim, possibilitar a reprodução ampliada do capital.

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Com o avanço do capitalismo no campo e o cenário agrário que o país consolidou,

observa-se um movimento de avanço que é desigual, pois, as possibilidades de possuir a

terra no período colonial eram concedidas e apropriadas pelos que detinham o poder.

Além disso, a colonização foi marcada por mão de obra escravizada e genocídio de povos

e culturas. Posteriormente, com o avanço do sistema capitalista, a terra passa a exercer

seu caráter mercadológico, consolidando no território brasileiro a grande concentração de

terra pelos indivíduos que sempre foram beneficiados pelos poderes sociais e econômicos.

E, por conseguinte, impossibilitando o acesso à terra aos que fossem desprovidos de tal

feito:

O homem livre, que podia dispor de sua privatividade e não estava como

escravo, à disposição de um amo, podia ainda ser forçado pela pobreza. A

pobreza força o homem livre a agir como escravo. A riqueza privada, portanto,

tornou-se condição para admissão a vida pública não pelo fato do seu dono

estar empenhado em acumulá-la, mas, ao contrário, porque garantia com

razoável certeza que ele não teria que prover para si mesmo os meios do uso e

do consumo, e estava livre para exercer a atividade política (ARENDT, 2000,

p. 74).

Como citado pela autora, resultante da privatização da terra e do acesso limitado

aos que detem o poder econômico, expulsa-se os sujeitos que não possuem o poder

econômico de seus terras e tornam-no sujeitos a qualquer tipo de trabalho imposto. Além

disso, os que possuem o poder econômico ficam livres do trabalho para assim poder

também dedicar se as atividades política.

O resgate histórico da questão agrária que buscou-se fazer até o momento, visou

analisar a questão agrária atual e seus problemas atuais como reflexo dos processos em

que o país passou nos diferentes períodos históricos. Resultante do modelo de ocupação

e exploração colonial, observa-se a relação de poder sob a terra, onde nela só é possível

adentrar por meio de relações também de poder: econômico, social e político. Dessa

forma, pode-se observar que a questão agrária atual é estrutural, resultante da exploração

desigual e contínua da natureza e dos povos. Com o avanço do capitalismo no campo e a

busca cada vez mais ferrenha do lucro, somente aumentou a concentração de terras e

poder, bem como as disparidades entre países colonizadores e países colonizados.

3.1.2 Modernização da agricultura no Brasil: concentração de terras e poder

tecnológico com uma ‘’nova roupagem’’

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Já em meados do século XX, ao termino da 2º Guerra Mundial, com os embates

políticos entre diversos países envolvidos na segunda grande guerra, o papel do Estado é

fortalecido e cabe a ele o planejamento para desenvolvimento econômico e territorial.

Juntamente com o poder estatal, também é visto que organizações multilaterais criam

forças no cenário internacional. Nesse momento, já é sabido que o desenvolvimento

técnico e cientifico se encontra em plena intensificação, o avanço do capital proporciona

o anseio pela modernização através da industrialização, a urbanização é apresentada como

condição para o desenvolvimento econômico, bem como, fortalece-se o anseio pela

reprodução ampliada do capital e interesses estratégicos por órgãos interessados.

A ideia de planejamento e mais, de planejamento do desenvolvimento por meio

de instituições governamentais ganha corpo tanto na escala dos Estados

Nacionais como de organismos multilaterais. O BIRD (e, depois, o BID –

Banco Internacionais do Desenvolvimento) se tornarão verdadeiros

globalizadores do desenvolvimento [...] (PORTO-GONCALVES, 2006, p.

34).

Com a rápida urbanização que foi intensificada pela modernização, a insegurança

alimentar assolava o mundo. De forma estritamente ideológica e política, criou-se no

imaginário social que somente através dos avanços biotecnológicos herdados com o fim

da segunda grande guerra poderia ser eliminado o perigo da fome. A chamada “Revolução

Verde” prometia acabar com a fome e a miséria da população por meio das tecnologias

alcançadas. Dessa forma, foi implementado no campo massivamente o uso dos pacotes

tecnológicos que incluíram: adubos, fertilizantes químicos, defensivos agrícolas, além

dos maquinários. Inicia-se também o processo de modificação genética de plantas e

sementes para a produção em larga escala (PORTO-GONÇALVES, 2006).

No Brasil, no início da década de 1950 já havia o planejamento para o

desenvolvimento industrial por parte do Estado, acompanhando o crescente capitalismo

e a modernização. A produção industrial seria voltada para o desenvolvimento econômico

e a agricultura deveria fomentar matérias primas para a industrial nacional e alimentar a

crescente população urbana (SILVA, 1999). No entanto, com a implementação das novas

técnicas e tecnologias houve a fusão entre indústria e agricultura, contribuindo ainda mais

para que a classe dominante –proprietários industriais – também se tornasse os grandes

latifundiários. De acordo com Oliveira (2001), grandes corporações e uma pequena

parcela da população de grandes proprietários, que já obtinham poder no cenário

capitalista industrial, são beneficiados com as políticas de incentivos fiscais do

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agronegócio, promovendo maior concentração de terras e poder e aumentando ainda mais

a desigualdade social e econômica.

Assim, a chamada modernização da agricultura não vai atuar no sentido da

transformação dos latifundiários em empresários capitalistas, mas, ao

contrário, transformou os capitalistas industriais e urbanos – sobretudo do

Centro-Sul do país em proprietários de terra, em latifundiários [...]. Dessa

forma, os capitalistas urbanos tornaram-se os maiores proprietários de terra no

Brasil, possuindo áreas com dimensões nunca registradas na história da

humanidade (OLIVEIRA, 2001, p. 186).

Considerando o Brasil um país de desenvolvimento industrial tardio, bem como

os países do Hemisfério Sul, é a partir da década de 1970 que a chamada Revolução Verde

intensifica o capitalismo agrário. Com a implementação de novas técnicas agrícolas

baseados em fertilizantes, adubos e defensivos agrícolas visa-se a produção de uma única

cultura em larga escala para a exportação, as chamadas commodities. Entretanto,

monocultura não visa alimentar quem produz, e sim a mercantilização do produto

(PORTO-GONÇALVES, 2002).

Nesse novo cenário agrícola, agora baseado no uso intensivo das tecnologias, a

concentração de terras para a produção em larga escala não só permanece, como também

amplia. A Revolução Verde, portanto, não passou de uma estratégia de dominação e

territorialização do capital para consolidar o modelo de produção capitalista, e assumir o

caráter do agronegócio. No Brasil, o modelo de agricultura capitalista, antes caracterizado

como latifúndio, segundo Fernandes (2004), levou o nome de agronegócio após a década

de 1990, momento em que já havia os domínios das técnicas e tecnologias, herdadas da

Revolução Verde e, principalmente, a articulação entre sistemas e poderes produtivos,

industriais, mercantis, financeiros e midiáticos.

Os latifúndios consistiam em uma agricultura baseada na monocultura, com

concentração de grandes hectares de terra nas mãos de poucos proprietários e por

consequência, a exploração massiva de recursos humanos e naturais. O agronegócio, por

sua vez, além do trabalho assalariado, é caracterizado também pela monocultura e

produção em larga escala que promovem a concentração de terras nas mãos de grandes e

poucos empresários. Contudo, a diferença entre ambos pode ser constada na abordagem

de Fernandes (2004), para quem o nome latifúndio foi substituído pelo agronegócio para

mascarar os efeitos exploradores do primeiro. Porém, ambos promovem a concentração

de terras e exploração desordenada de recursos. A diferença entre eles, é que, com o

advento das novas tecnologias e aumento nas políticas de créditos agrícolas, o

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agronegócio, além de concentrar as terras, também concentra o poder tecnológico que é

determinante para a produção em larga escala e para exportação.

3.1.3 Expropriação do camponês pelo avanço do capital no campo: mercados

desiguais e (in)segurança alimentar.

As corporações e grandes proprietários de terras que usufruem das políticas e

tecnologias do agronegócio recebem maiores incentivos do Estado por meio de políticas

de créditos e incentivos fiscais que são cedidos para grandes investimentos no setor

agrícola. Os incentivos fiscais que beneficiam os grandes proprietários, por sua vez, são

referentes a monoculturas de exportação. Resultante disso, tal processo concentra grandes

áreas de terras e atinge diretamente os pequenos e médios agricultores. A concentração

de terras e poder nas mãos de poucos empresários exclui a grande parcela desses

produtores que não possuem capital nem o acesso às políticas de créditos agrícolas ou

incentivo fiscal para tal investimento. Vale lembrar que as políticas de créditos e

incentivos que beneficiam os grandes proprietários são exercidas pelo Estado, dessa

forma, torna-o inteiramente responsável pela expropriação causada pelo agronegócio

sobre os camponeses. Considera-se, portanto, como é abordado por Altieri (2002), que o

Estado deveria ser o agente regulador da produção e circulação de produtos, promovendo

o acesso à terra e subsídios para pequenos produtores poderem prosperar enquanto classe

social. Entretanto, o Estado, assim como o mercado, não são neutros e atendem os

interesses do capital.

O camponês, assentado na agricultura de base familiar, que não possui capital

para investimento em grandes produções, e nem usufrui dos incentivos estatais que são

cedidos para grandes agricultores, possui dificuldades para adentrar nos mercados. Esses,

também encontram dificuldades para impor os preços de seus produtos no mercado

capitalista, já que o livre mercado é incentivado por órgãos multilaterais como a

Organização Mundial de Comércio (OMC) e beneficiam grandes produtores, que

usufruem de maquinários e incentivos econômicos. Portanto, agricultura capitalista

concentra terras e poder e como resultado, promove a marginalização dos camponeses.

De acordo com Oliveira (2001), conforme o sistema de agricultura dominante, que detém

as tecnologias e baseiam-se na monocultura de exportação concentra terras, promove

também a exclusão e desemprego de grande parcela da sociedade camponesa, tornando

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uma massa de pobres e miseráveis, que só possuem a opção de migrar para a cidade ou

lutar pelo acesso à terra:

A lógica contraditória é uma só: o desenvolvimento capitalista que concentra

a terra, concomitantemente, empurra uma parcela cada vez maior da população

para as áreas urbanas, gerando nas mesmas uma massa cada vez maior de

pobres e miseráveis. Mas, ao mesmo tempo, esta exclusão atinge também o

próprio campo. Certamente, a maioria dos filhos dos camponeses, cujas

propriedades tenham superfície inferior a 10 hectares, jamais terão condição

de se tornar camponeses nas terras dos pais. A eles caberá apenas um caminho:

a estrada. A estrada que os levará à cidade, ou a estrada que os levará à luta

pela reconquista da terra. (OLIVEIRA, 2001, p. 187-188)

A exclusão da massa de camponeses citada por Oliveira, (2001), é resultante da

lógica contraditória do capital: ao mesmo tempo que produz a concentração de riqueza,

expande também a miséria (FERNANDES, 2004). Esse movimento contraditório do

capital que se expande no campo, produz a marginalização dos pequenos e médios

agricultores. O processo de marginalização do campesinato no cenário agrícola capitalista

é considerado por Fernandes (2008) como uma estratégia de dominação, onde o poder da

geopolítica em escala internacional, que determina os preços de produtos, afeta o poder

local.

O controle exercido sobre a produção e circulação de produtos é determinado pela

quantidade de produção. A produção em larga escala referentes ao agronegócio tem o

preço final barateado por conter os meios de produção, bem como o acesso à indústria,

fornecendo a matéria-prima. Além disso, o mercado financeiro global e internacional que

determina os preços dos produtos comercializáveis, beneficia a produção em larga escala,

considerando que o produto final almejara em maior lucro tanto para indústria como para

agricultura, em razão de ser um produto de baixo custo. Dessa forma, resulta em

camponeses que não possuem autonomia suficiente para impor os preços de seus

produtos, para vender, até mesmo para industrias, impossibilitando o camponês a se

impor frente ao poder do capital.

Como consequência das ações de incentivo ao livre mercado realizado por órgãos

multilaterais que beneficiam a produção em larga escala do agronegócio, esse camponês

é afetado, uma vez que, teria que se submeter a vender sua mão de obra para o capital, ou

então migrar para a cidade em busca de emprego, como mencionado por Oliveira (2001).

Entretanto, a lógica de barateamento nos produtos não visa beneficiar o acesso aos

alimentos pela população de baixa renda, pois, o agronegócio produz commodities e

visam lucro e não acabar com a fome e a miséria. De acordo com Coca (2016), o problema

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da fome está na mercantilização do alimento e o acesso a tais bens, e não em sua produção

em larga escala:

Portanto, o corrente regime alimentar se caracteriza pela concentração de poder

por parte de poucas grandes corporações. Mais uma vez na história do

capitalismo tem se comprovado que nesse modo de produção não existe a

intenção de fazer com que o alimento seja um bem social, pelo contrário, ele

tem sido utilizado como uma mercadoria, a qual é comercializada com base na

obtenção de lucros ampliados e também como mecanismo de poder por parte

das grandes potências globais. (COCA, 2016, p. 22)

O modelo de produção do agronegócio que foi instaurado com o discurso de

combater a fome, por sua vez, promove a concentração de terra, e um movimento desigual

que se expande, uma vez que esse capitalismo agrário, submete o camponês a vender sua

força de trabalho na cidade ou no campo.

Além disso, considerando que o conjunto de sistemas do agronegócio visa a

produção em larga escala de monoculturas de exportação, e não proporciona a função da

terra para produção de alimentos, coloca em risco não só os camponeses mas também os

moradores da cidade que estão a mercê de agroindústrias de exportação, e não em

produzir alimentos para suprir a demanda da população. A mercantilização do alimento,

que foi alavancada pelo capital na agricultura, é perverso e só visa a obtenção de lucros

A implantação das novas tecnologias para a produção de alimentos aumentou o

poder corporativista sobre a produção e a mercantilização dos alimentos, além do

monopólio industrial e latifundiário. Dessa forma, só se tem acesso ao alimento, quem

pode pagar por tal. Consequentemente, não só o camponês que pratica a agricultura

familiar se encontra em risco, mas toda a população que não tem acesso a diversidade de

alimentos, considerando que o agronegócio produz monoculturas e pouca diversidade.

Para Vergés (2011), é um risco para a segurança e para soberania alimentar deixar a saúde

e o bem-estar da humanidade nas mãos de empresas transnacionais.

3.1.4 Permanência do campesinato no capitalismo

O agronegócio não é uma totalidade (FERNANDES, 2004). A produção realizada

pelo agronegócio é referente, como já dito anteriormente, a monoculturas de exportação,

sendo assim, ele produz pouca diversidade. Por outro lado, ainda como mencionado por

Fernandes (2009),o agronegócio também detém o poder da mídia e das propagandas.

Dessa forma:

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O agronegócio vende a ideia de que seu modelo de desenvolvimento é a única

via possível. Essa condição é reforçada pela mídia e por estudiosos que

homogeneízam as relações sociais, as formas de organização do trabalho e do

território como se fossem da mesma natureza. Desse modo, procuram

comparar as produtividades do agronegócio e da agricultura familiar. Como se

fosse possível comparar a produção de pães de uma padaria com a de uma

empresa multinacional (FERNANDES, 2004, não paginado)

O autor ainda conclui:

A agricultura camponesa não é adepta do produtivismo, ou seja, produzir uma

única cultura e com exclusividade para o mercado e nem se utiliza

predominantemente de insumos externos. Seu potencial de produção de

alimentos está na diversidade, no uso múltiplo dos recursos naturais. Nas

regiões onde há concentração de pequenos agricultores, a desigualdade é

menor e por conseguinte os índices de desenvolvimento estão entre os maiores

(FERNANDES, 2004, não paginado).

Apesar de não haver muitos subsídios e incentivos estatais para a pequena

agricultura, o camponês persiste produzindo alimentos diversos por meio da policultura,

em áreas muito inferiores às do agronegócio. Essa ação do campesinato em produzir

alimentos, é, segundo Oliveira (2004), o movimento contraditório realizado pelo capital,

que não consegue absorver todos os camponeses para a exploração da mão de obra.

Segundo Fernandes e Welch (2008), o campesinato existe dentro do modelo dominante

de agricultura, ou seja, ele está incluso no sistema capitalista, que o recria e transforma

suas relações em relações não capitalistas (OLIVEIRA, 2004) como forma de resistência

ao capital agrário. A resistência desses camponeses que querem voltar ou permanecer na

terram pode ser considerado, além de uma contradição do capitalismo, como um modo

de subverter o modelo dominante:

A perspectiva da existência do campesinato dentro do complexo sistema do

agronegócio é tanto conjuntural, quanto estrutural. Conjuntural quanto a

participação do campesinato na produção de commodities é de interesse do

agronegócio [...]. Estrutural quando o agronegócio não consegue construir as

condições para dominar totalmente o sistema agrícola (FERNANDES, 2008,

p. 66).

Vergés (2011), pontua que, no campo, existem no mínimo dois modos de

produção: o modelo de produção capitalista dominante que pode, por consequência,

absorver a mão de obra camponesa para a produção de commodities, e o modelo de

produção da agricultura camponesa que resiste em meio à hegemonia da agricultura

capitalista. O modelo de produção da agricultura camponesa não pode ser considerado

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capitalista, pois não possui a mais-valia, além disso, os meios de produção são escassos,

não predominando o trabalho assalariado, visto que a centralidade do trabalho é

proveniente da agricultura familiar.

Juntamente com o avanço do capitalismo no campo e a expulsão e marginalização

das famílias que nela se encontravam, observa-se o avanço da urbanização e o

adensamento de indivíduos nas grandes cidades. Porém, contraditoriamente a

industrialização no campo e a aglomeração de indivíduos expropriados nas grandes

cidades, há a expansão da agricultura camponesa, mostrando que o capital agrário não

consegue absorver todos camponeses, e apesar de ser um modelo dominante, ainda há

aqueles que desejam permanecer ou entrar nas terras (OLIVEIRA, 2004).

Esse processo também é resultante da dinâmica de desterritorialização e

reterritorialização. O camponês que foi desterritorializado, se reterritorializa de outras

maneiras em outros espaços, em busca do seu território. A resistência e a luta ao modelo

dominante imposto é uma forma de se reterritorializar na terra. A dinâmica da produção

do espaço ocorre na desterritorialização e na reterritorialização. Essas, estão em constante

movimento, e conforme o indivíduo é desterritorializado, concomitante também se

reterritorializa em novos espaços (HAESBAERT, 2006).

A existência do agronegócio e do campesinato na agricultura é conflitante, pois

os interesses de ambos são diferentes. O campesinato existe e tem como uma de suas

principais características produzir alimentos para subsistência, além de realizar trocas de

produtos sem ter como objetivo central o lucro ampliado, o famoso “vender para

comprar”. Já o agronegócio, com a introdução de novas técnicas e tecnologias para a

produtos agroexportados, atende interesses do capital, e com suas práticas de produção

de commodities e concentrações de terras pois a produção é voltada justamente obter

lucros

É em decorrência deste conjunto de razões, que teimosamente os camponeses

lutam no Brasil em duas frentes: uma para entrar na terra, para se tornarem

camponeses proprietários; e, em outra frente, lutam para permanecer na terra

como produtores de alimentos fundamentais à sociedade brasileira. São,

portanto, uma classe em luta permanente, pois os diferentes governos não os

têm considerado em suas políticas públicas. Assim, esses camponeses não são

entraves ao desenvolvimento das forças produtivas, impedindo o

desenvolvimento do capitalismo no campo; ao contrário, eles praticamente

nunca tiveram acesso à terra, sendo, pois, desterrados, “sem terra”, que lutam

para conseguir o acesso a terra. É no interior destas contradições que têm

surgido os movimentos sociais de luta pela terra, e com ela os conflitos, a

violência (OLIVEIRA, 2001, p 189).

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De acordo com Vergés (2011), o campesinato, apesar de existir dentro do modo

de produção dominante, não possui poder suficiente, frente ao poder estatal e empresarial,

para impor de modo hegemônico outro modelo de produção. Dessa forma, os camponeses

existem e resistem, de modo a subverter o modelo imposto pela agricultura capitalista.

Para o autor, o campesinato só se reproduz em decorrência da existência do capitalismo:

As relações socioeconômicas em si mesma ‘’não capitalistas’’ são, onde o

capitalismo é dominante, produto do capitalismo e fator de sua reprodução.

Independente de terem existido antes de seu domínio ou se historicamente

criadas por ele, podemos afirmar que elas são, em um sentido lógico, resultado

do capitalismo, e, portanto, somente podem subsistir se o capitalismo a

reproduz (VERGÉS, 2011, p. 4).

O campesinato e a luta pela terra apesar de ser uma contradição do sistema

capitalista apesar de não conseguir impor-se frente ao sistema dominante, continua

existindo.

Segundo Fernandes (2008), a contradição do capital que recria esses movimentos

camponeses da luta pela terra, são desde a sua essência uma dinâmica conflitante. Para o

autor, os conflitos por terra acontecem no interior do desenvolvimento agrário, que

entende os conflitos como parte de um movimento, não somente como enfrentamento ao

modelo agrário dominante, dessa forma, o autor trabalha com o conceito de

conflitualidade.

A conflitualidade é um processo constante alimentado pelas contradições e

desigualdades do capitalismo. O movimento da conflitualidade é paradoxal ao

promover, concomitantemente, a territorialização- desterritorialização- e

reterritorialização de diferentes relações sociais (FERNANDES, 2008, p.

174).

A conflitualidade está relacionada com a questão estrutural da concentração

fundiária brasileira, que desde o período colonial, visou a monopolização das terras e das

culturas, com exploração de povos sobre povos e imposição das culturas, que expropria

camponeses e os submete ao trabalho assalariado referente ao capitalismo. Por sua vez, e

como forma de contradição referente ao um sistema desigual, gera conflitos que

permeiam há séculos, entre o capital que avança e o camponês que deseja permanecer ou

adentrar na terra com justa distribuição de riquezas.

Para Fernandes (2001), a territorialização do capital significa a desterritorialização

do campesinato e vice e versa. Para Haesbaert (2006), o enfraquecimento do Estado, que

deveria ser o agente regulador dos processos desiguais e contraditórios, e a crescente

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mercantilização em vários aspectos da sociedade, é o que leva os indivíduos a se

reterritorializarem por conta própria.

Com o enfraquecimento do Estado, resultante do neoliberalismo econômico, e os

interesses do mesmo estarem aliados aos interesses de grandes empresas, bem como os

órgãos multilaterais que estimulam o livre mercado, resulta na expropriação e

desterritorialização dos indivíduos, que por conta própria, buscam estratégias para se

reterritorializaem.

Ao mesmo tempo que o capital avança e marginaliza esses camponeses, ele se

torna contraditório, pois cria um movimento contrário e subversivo a esse sistema

dominante, com relações não capitalistas. De acordo com Oliveira (2004), observa-se que

contrário ao desenvolvimento no campo, os números de posseiros e indivíduos que

queriam continuar em suas terras, aumentaram nas décadas decorrentes do avanço da

industrialização:

Em 1960 existiam 356.502 estabelecimentos agropecuários controlados por

posseiros. Já em 1985, eles passaram para 1.054.542 estabelecimentos, e em

1995 eram 709.710. Ou seja, ocorreu exatamente, nesse período de grande

desenvolvimento do capitalismo (sobretudo industrial) no Brasil, um aumento

dos estabelecimentos ocupados por posseiros até 1985, e a sua redução em

1995 foi provocada pela regularização fundiária realizada no governo FHC. Se

as teses de extinção do campesinato de fato tivessem capacidade explicativa,

esses posseiros deveriam ter se tornado proletariados. Mas não foi isso que

ocorreu. Os camponeses em vez de se proletarizarem, passaram a lutar para

continuarem a ser camponeses (OLIVEIRA, 2004, p. 35).

Dessa forma, é possível pontuar que os indivíduos que foram expropriados e

desterritorializados e ainda desejam permanecer na terra, o fazem por meio de resistências

e luta, e através delas recriam um novo território para permanecer em suas terras. Segundo

Oliveira (2004), há dois mecanismos de o capital exercer sua territorialização sobre o

campo. O primeiro sendo a expropriação e expulsão dos indivíduos para as cidades que

serão assalariados no comércio serviços ou indústria, ou assalariados no campo, sendo

boia fria, por exemplo. Em um segundo mecanismo do capitalismo no campo, o autor

trabalha com o a recriação e redefinição das relações camponesas, onde o capitalismo

abre espaço para que a agricultura camponesa se desenvolva enquanto classe social

(OLIVEIRA, 2004).

Com a resistência camponesa em permanecer em seus territórios, nasce também

os movimentos sociais organizados para acesso e permanência na terra. As contradições

do desenvolvimento agrário capitalista desigual e contraditório (OLIVEIRA,2001) geram

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as conflitualidades, e resultam nas lutas pela permanência na terra. A conflitualidade entre

os indivíduos que foram expropriados pelo avanço do capital no campo recria as relações

sociais como forma de resistência:

No entanto, se da violência nasce a morte, nasce também a vida. O movimento

dos Trabalhadores Rurais Sem Terra é produto dessa contradição. A negação

à expropriação não é mais exclusividade do retirante posseiro distante. Agora

ela é pensada, articulada, e executada a partir da cidade, com a presença dos

retirantes a quem a cidade/sociedade insiste em negar o direito à cidadania.

Direito agora construído e conquistado na luta pela recaptura do espaço/tempo,

perdidos na trajetória histórica da expropriação (OLIVEIRA, 1994, p. 18,).

A concentração fundiária no Brasi, sempre foi alvo de conflitos, sendo algumas

regiões com mais conflitos e outras com menores números, mas esteve e está presente em

todo território nacional. Os conflitos entre o avanço do capital e a demanda pelo acesso à

terra desperta desde sempre o desejo da redistribuição de terras via reforma agrária, que

nunca se consolidou de fato em nenhum dos governos que tivemos no país.

Como um instrumento de territorialização ou reterritorialização contra

hegemônica realizada pelo campesinato, temos como principal exemplo de luta no Brasil

e no mundo, a Via Campesina. Segundo Ribeiro (2013)

A Via Campesina é um movimento internacional que articula 150 organizações

e em 70 países e se considera como um movimento autônomo, pluralista e

multicultural, sem nenhuma filiação política, econômica ou de qualquer outro

tipo e com relação horizontal. Esse movimento vem se constituindo como um

dos principais movimentos camponeses na atualidade, e com suas ações e

campanhas vem destacando-se no cenário mundial através de manifestações

confrontando as organizações multilaterais, como a Organização das Nações

Unidas (ONU), e da ocupação de fazendas ligadas às empresas multinacionais,

como a Monsanto, a Syngenta Seeds, Votorantim e entre outras. (RIBEIRO

2013, não paginado)

No Brasil, como reflexo de sua estrutura agrária, a Via Campesina se materializa

através do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Desde a década de

1980, quando o MST se territorializa no Brasil, o alvo das conquistas de ocupação de

terras são as áreas já territorializadas pelo capital, os latifúndios. Segundo Fernandes

(2001):

A intensificação das ocupações de terra causou grande impacto político, de

modo que os sem-terra passaram a ser os principais interlocutores, no

enfrentamento com o Estado, na luta pela terra e pela reforma agrária. Esses

trabalhadores de origem rural ou urbana, estão lutando pela terra em todas as

grandes regiões (FERNANDES, 2001, p. 7).

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A territorialização realizada pelo campesinato através do MST é um processo

resultante das contradições do capital que promove a desterritorialização do mesmo. O

capital se consolida no campo com a modernização agrícola através das estratégias de

controle territorial, como a Revolução Verde.

Por sua vez, o modo como o MST busca a territorialização é através das ocupações

de unidades de produção que se encontram improdutivas. A ocupação de terras

improdutivas é a estrategia de conquistar ou resconquitar os territórios, e está prevista ne

legislação brasileira que as unidades de produção são obrigadas a exercer sua função

social. Não nos aprofundaremos em questões práticas do MST, mas é importante ressalta-

los, uma vez que é o principal ator de consolidação da reterritorialização no Brasil.

Utilizaremos aqui dados do Banco de Dados Luta pela Terra (DATALUTA,

2017), para exemplificar que apesar de dominante e estratégico para impor seu modo de

produção, o capital, contraditoriamente, recria os movimentos contrários, e os

camponeses desejam e reconquistam seus territorias por meio das lutas.

O DATALUTA consiste na articulação de diversos grupos de estudos das

Universidades brasileiras quem formam uma rede de apoio e mapeamento da luta pela

terra e dos movimentos socioterritoriais, do campo e da cidade, possibilitando a

visualização dos dados quantitativos e qualitativos da questão agrária brasileira. Desde

sua primeira publicação em 1989, anualmente, são lançados os Relatórios da rede

DATALUTA, do qual utilizaremos alguns dados para exemplificar as ideias expostas até

então sobre a luta pelo acesso e permanência na terra (DATALUTA, 2017).

O gráfico (gráfico 1), mostra em dados os números de famílias que através da

ocupações de terras, buscaram se reterritorializar no campo, entre 1988 até o ano de 2016.

Gráfico 1: Número de famílias em ocupações de 1988 – 2016. Fonte: DATALUTA, 2017.

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É possível observar as oscilações em decorrência de governos e respectivos

incentivos ou não realizados pelo Estado que resultam em maior ou maior número de

ocupações de terra no Brasil nos anos citados. O fato é que, apesar dessas oscilações, as

ocupações de terra e a busca pela territorialização ou reterritorialização no campo não

deixam de existir.

No mapa (mapa 1) é possível observar o adensamento de ocupações de terras nos

anos de1988 à 2016, nas regiões: Nordeste, Sul, Centro-Oeste e Sudeste:

Mapa1: Brasil – Número de ocupações de terra 1988-2016. Fonte: DATALUTA, 2017.

Conclui-se, portanto, que como mencionado por Oliveira (2004),

contraditoriamente ao desenvolvimento do capital, nos anos decorrentes da

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industrialização brasileira, os indivíduos ainda desejam permanecer ou adentrar nas

terras, ou seja, se territorializarem ou reterritorializarem, e se organizam através de

movimentos para a luta pela terra e pela descentralização da terra e reforma agrária. Esses

indivíduos que adentram nas terras, muitas vezes buscam as ocupações junto com sua

família, e a pratica a agricultura familiar é algo comum. No próximo tópico, será abordada

a questão alimentar e a participação do campesinato com agricultura de base familiar

para a consolidação da segurança e soberania alimentar da população.

3.1.5 Participação da agricultura camponesa na produção de alimentos

Para garantir a segurança alimentar da população, em 1945 foi criada a

Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), que está presente

no Brasil desde 1949. A FAO reconhece que o apoio à agricultura familiar através da

facilitação de credito, proporciona a maior segurança aos agricultores, bem como da

sociedade em questão. A FAO também apoia programas como o Programa Nacional de

Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) e o Programa Fome Zero (FAO,

2019).

A principal bandeira levantada pela Via Campesina (2019) é a soberania

alimentar. Ela defende que os pequenos agricultores são capazes de atender a crescente

demanda alimentar da população. Dessa forma, a produção de alimentos deve permanecer

no poder dos pequenos produtores e não de grandes empresas:

Os movimentos sociais do cam po adotam o conceito de soberania alimentar

como uma alternativa à abordagem neoliberal que aposta num comercio

internacional injusto como forma de resolver o problema da fome mundial. Em

vez disso, o conceito de soberania alimentar enfatiza o acesso dos agricultores

à terra, sementes e água, focando na autonomia, nos mercados locais e circuitos

locais de produção-consumo, na soberania energética e tecnológica e nas redes

de agricultor e agricultor (ALTIERI, 2012, p. 366)

A discussão sobre soberania alimentar e segurança alimentar é variável pois, a

segurança alimentar garante a alimentação da população, mas não garante ao pequeno

produtor a autonomia do que será produzido, diferente da soberania alimentar. O conceito

de soberania alimentar, perpessa o viés da garantia de alimentos para a população e

abrange o direito dos agricultores à terra, semente, água autonomia em recursos

energéticos, bem como mercados locais de produção e consumo, por isso, os movimentos

sociais do campo, adotam esse termo, ao invés de segurança alimentar (ALTIERI, 2012).

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À medida que na história da estrutura agrária brasileira consolidou-se os

latifúndios e a monopolização do território, também houve a homogeneização das

culturas produzidas. Segundo ALTIERI (2002), a substituição de culturas tradicionais

para a uniformidade das espécies, sinalizam a degradação ecológica, pobreza e escassez

de alimentos.

Dos 1,5 bilhões de hectares de terras agrícolas em todo o mundo, 91% são

destinadas as culturas anuais, sobretudo a monocultura de trigo, arroz, milho,

algodão e soja, altamente dependentes de insumos externos, como fertilizantes

sintéticos, agrotóxicos e grande quantidade de água para irrigação. [...]

Monoculturas de grãos subsidiadas trazem vantagens econômicas temporárias

para alguns e poucos agricultores, mas no longo prazo elas não se mostram um

ótimo ecológico (ALTIERI, 2012, p. 364).

Dessa forma, os pequenos agricultores acabam sendo muito mais produtivos em

termos de variedades de espécies se comparado a diversidade de culturas. Sistemas

tradicionais diversificados chegam a prover até 20% da oferta mundial de alimentos

(ALTIERI, 2012)

Apenas no Brasil, há cerca de 4,8 milhões de agricultores familiares (cerca de

85% do total do numero de agricultores) que ocupam 30% do total de terra

agrícola do país. Tais propriedades agrícolas familiares controlam cerca de

33% da área plantada com milho, 61% da área com feijão e 64% da área

plantada com mandioca, assim produzindo 84% do total de mandioca e 67%

de todo o feijão (ALTIERI, 1999 in: ALTIERI, 2012, p 368).

A participação da agricultura camponesa na produção de alimentos é bastante

significativa. No Brasil, de acordo com a Lei 11. 326 de 2006, a agricultura familiar é

composta por pescadores, quilombolas, indígenas, extrativista, aquicultores e

silvicultores, que possuem até quatro módulos fiscais de terras e utilizam

predominantemente a mão de obra familiar, assim como a renda predominante seja

através de sua produção (BRASIL, 2006). Segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária

e Abastecimento (MAPA), a agricultura familiar, além de produzir alimentos, promovem

a geração de empregos e exercem renda familiar bastante significativa:

Segundo o Censo Agropecuário de 2006, a agricultura familiar constitui a base

econômica de 90% dos municípios brasileiros com até 20 mil habitantes;

responde por 35% do produto interno bruto nacional e absorve 40% da

população economicamente ativa do país. O setor produz 87% da mandioca,

70% do feijão, 46% do milho, 38% do café, 34% do arroz e 21% do trigo do

Brasil. Na pecuária, é responsável por 60% da produção de leite, além de 59%

do rebanho suíno, 50% das aves e 30% dos bovinos do país. O setor também

emprega 74% das pessoas ocupadas no campo, de 10 postos de trabalho no

meio rural, sete são de agricultores familiares. A importância econômica

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vincula-se ao abastecimento do mercado interno e ao controle da inflação dos

alimentos consumidos pelos brasileiros, uma vez que mais de 50% dos

alimentos da cesta básica são produzidos por ela, a agricultura familiar. É ela

a responsável por garantir a segurança alimentar e a erradicação da fome.

Segundo o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), no Brasil, 70% dos

alimentos que chegam à mesa da população são produzidos pela agricultura

familiar. (BRASIL, 2017)

De acordo com Guazzelli e Ribeiro (2015), apesar de não possuir grandes porções

de terras, o campesinato possui significativa produção de alimentos que suprem a

população e degradam menos os recursos naturais em suas produções.

As redes camponesas -compostas de todos aqueles e aquelas que produzem

alimentos principalmente para si mesmos e para suas comunidades sejam

agricultores em pequena escala, produtores urbanos ou periurbanos,

pescadores artesanais, pastores ou caçadores e extrativistas – proveem, hoje,

mais de 70% da comida consumida pela humanidade, apesar de usarem menos

de um terço de terra arável mundial e utilizarem menos combustível fóssil e

menos irrigação. Produzem mais por hectare, a um custo menor, empregando

mais mão de obra (GUAZZELLI e RIBEIRO, 2015, p. 174).

O campesinato, ao contrário do agronegócio, não concentra terras, poder ou

capital, mas possibilita a produção de alimentos que promovem a segurança alimentar de

milhares de brasileiros, visto o seu alcance em escala local de produção e comércio, isso

por que, o uso do território, é determinado pela limitação de área de produção, tempo de

trabalho, renda e quantidade de produção (GUAZZELLI E RIBEIRO, 2015).

Para Fernandes e Welch (2008), o modelo de agricultura camponesa, por não

possuir acesso aos meios de produção provenientes do capital, promove relações de poder

diferente da agricultura capitalista e valoriza muito mais a relação social do que capital,

que é baseada na exploração intensa de recursos sociais e naturais. A mão de obra

utilizada na agricultura camponesa é proveniente do trabalho familiar, sem exploração

intensiva dos recursos sociais e naturais, promovendo um desenvolvimento sustentável

em relação ao meio ambiente e sociedade.

Para ALTIERI (2002), o campesinato ainda que em menores porções de terra e

marginalizados em relação ao modelo de agricultura convencional, prevalecem com alto

nível de biodiversidade. Isso acontece por que o sistema de agricultura do campesinato é

caracterizado pela policultura, com predominância da produção de alimentos diversos que

mantem a biodiversidade local, utilizando e reutilizando materiais naturais que se

encontram no local.

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A grande maioria de agricultores da América Latina, África e Ásia são

camponeses que ainda cultivam pequenas parcelas de terra geralmente em

ambientes marginais, utilizando métodos agrícolas indígenas e de subsistência.

Uma das características marcantes desses sistemas de agricultura tradicional

que ainda prevalecem é o alto nível de biodiversidade. Os policultivos

predominam e cobrem pelo menos 80% da área cultivada da África Ocidental.

Na America Latina, mais de 40% da mandioca, 60% do milho e 80% dos

feijões são cultivados em consórcio com outras culturas. Esses agrossistemas

diversificados foram se estabelecendo ao longo dos séculos de evolução

cultural e biológica e representam o acúmulo de experiencias de camponeses

interagindo com o ambiente, sem acesso a insumos externos, capital ou

conhecimento cientifico. Ao lançar mão dessa autonomia inventiva, do

conhecimento experimental e dos recursos localmente disponíveis, os

camponeses tem frequentemente desenvolvido sistemas de produção

adaptados às condições locais, permitindo aos agricultores obter uma

produtividade sustentável para satisfazer suas necessidades, apesar do precário

acesso as terras de qualidade e do baixo uso de insumos externos (ALTIERI,

2012, p. 160)

O campesinato, além de exercer uma importante função de proteção ambiental,

de florestas, fauna e cursos hídricos, é o maior gerador de alimentos saudáveis e frescos

que são consumidos pela sociedade, promovendo maior segurança alimentar para a

população:

A ampla maioria do alimento mundial ainda é produzida em economias locais,

por camponeses, pescadores artesanais, pastores e povos indígenas. Eles são a

espinha dorsal do sistema mundial de alimentos. Os agricultores em pequena

escala realizam mais pesquisa científica e desenvolvem mais variedades de

plantas do que as corporações. Coletivamente, eles constituem um repositório

de conhecimento e inovação que rivaliza com todos os escritórios de patentes

do mundo (GUAZZELLI e RIBEIRO, 2015, p. 174).

Apesar do modelo de agricultura camponesa existir e ser muito mais sustentável,

o modelo de produção capitalista ainda é dominante, isso ocorre, segundo Coca (2016),

pelo fato do alimento ter-se tornado mercadoria e um instrumento de poder, em

decorrência do capitalismo crescente. O conflito existente no atual cenário agrário

brasileiro é a luta pela terra, assim como sua permanência nela, e autonomia para suas

produções. De acordo com Oliveira (2004), é necessária a compreensão do papel dos

camponeses na sociedade capitalista e no Brasil, enquanto classe social que produz e luta

pela permanência na terra.

Visto a importância da agricultura camponesa na produção de alimentos que

promove além da segurança, a soberania alimentar de toda população, é necessário

defende-los e cada vez mais, por meio de estudos científicos, bem como da

geograficidade, estudar estratégias para que o campesinato possa prosperar e se

consolidar enquanto classe social. Para atingir o pleno desenvolvimento é necessário que

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o agricultor domine, além da terra, os recursos para realizar suas produções, só assim

atingirá a soberania alimentar.

A soberania alimentar é baseada nos tripés: social, ambiental e econômico e para

consolidar a produção, o sistema deve garantir ao produtor, o domínio dos recursos.

Porto-Gonçalves (2004) em “O desafio ambiental” discorre sobre a globalização

neoliberal e os desafios ambientais presentes sobre o controle da natureza. O autor adentra

em alguns tópicos sobre a questão da água como um território de disputa na desordem

ambiental:

A água tem que ser pensada enquanto território, isto é, enquanto inscrição da

sociedade na natureza, com todas as suas contradições implicadas no processo

de apropriação da natureza pelos homens e mulheres por meio das relações

sociais e de poder (PORTO-GONÇALVES, 2004, p. 152).

A água, portanto, é consideranda um bem comum e deveria ser acessível a todos

os seres vivos, porém, ela sofre com a mercantilização e interesses econômicos, tornando-

se um território de disputa, assim como outro fator essencial para a produção: a semente.

Nesse sentido, as sementes também devem ser pensadas enquanto um território, pois nelas

existem a relação e a disputa do poder e é necessária para a produção, tanto a produção

camponesa com base na agricultura familiar, como a produção de commodites baseada

no sistema de produção do agronegócio.

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4. SEMENTES COMO UMA PROPRIEDADE INTELECTUAL E

EMPRESARIAL

4.1.1 Poder estratégico sobre as sementes para a consolidação territorial

Com a modernização agrícola, as sementes assumem um caráter de poder ainda

maior. A utilização de insumos e fertilizantes químicos para produção criou demandas

econômicas de modificação genética das sementes, para que essas se adaptassem ao novo

modo de produção com insumos químicos. Esse fator também criou demandas

mercadologicas e estrategicas tambem para o agricultor produzir com sementes que

necessitassem de insumos quimicos. Dessa forma, a manipulação genética permitiu que

as plantas que não se adaptassem em certos climas, solos e regiões, o fizessem (RIBEIRO,

2003). Porém, assim como a utilização dos insumos, a modificação genética não visa

aumentar a produção e adaptar sementes para alimentar a população. Novamente, as

biotecnologias são inseridas na agricultura com o discurso de combate a fome. Com a

instauração da Revolução Verde no Brasil, na década de 1970, deu-se o início aos estudos

científicos para a aplicação das biotecnologias na agricultura capitalista. Dessa forma, os

estudos científicos foram voltados para a manipulação genética com a modificação de

genes de sementes crioulas, para que as novas sementes se adaptassem aos diferentes

solos e climas, e dessa forma também, as empresas lucram com a venda dos insumos

necessários para a produção com de tais sementes (PORTO-GONÇALVES, 2004).

Anterior ao avanço do capital e modernização agrícola, as sementes eram

armazenadas pelos camponeses e indígenas a partir de suas produções. As formas de

armazenamento, por vezes, eram realizadas de modo simples. Eram retiradas as melhores

sementes de suas colheitas, e essas, então, eram armazenadas para o plantio na próxima

safra. Dessa forma, o agricultor tinha autonomia sobre o que plantar. O armazenamento

das melhores sementes para as próximas produções aproxima o pequeno produtor da terra

e garante seu alimento. As sementes, como início da vida, possuem também várias

passagens e simbologias bíblicas, tradições e culturas dos povos camponeses e indígenas

(CARVALHO, 2003).

Acreditava-se, porém, que com o desenvolvimento científico haveria a melhora

nas condições de vida da sociedade e meio ambiente. Segundo Castro (1952), entendia-

se que o problema da fome no mundo poderia ser superado com o avanço das tecnologias.

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Inegável que de fato, com as novas tecnologias no campo, aumentaram-se as produções.

Entretanto, as biotecnologias visam o aumento da produção de comodities e não o

beneficiamento da sociedade. O que não permite acabar com a fome no mundo, é a

desigual distribuição de terras, recursos e alimentos. A Revolução Verde, portanto, vem

aumentar as desigualdades, uma vez que aumenta o poder dos monopólios e sobre

insumos, contribuindo ainda mais para expropriar camponeses e aumentar as

desigualdades (PORTO-GONÇALVES, 2004).

O avanço do Estado neoliberal, que está aliado as empresas, busca cada vez mais

abrir as portas e os mercados para as empresas privadas e multinacionais, e a questão da

alimentação perpassa o viés de direito da população e se torna um gerador massivo de

lucros. As empresas multinacionais não estão interessadas em alimentar a população e

promover o seu bem-estar, esse deveria ser o papel do Estado, pois as empresas estão

trabalhando pelo lucro. Dessa forma, quando o Estado se junta com empresas para a

promoção de lucros, não podemos esperar que os resultados sejam diferentes.

Assim como houve a privatização da terra e mecanismos estratégicos para

consolidação dos monopólios já expostos nos tópicos anteriores, houve também a

privatização das sementes, criando uma propriedade intelectual. As sementes consistem

no início da vida. São a partir delas que se consolidam a produção em qualquer tipo de

agricultura, desde a agricultura de subsistência até as comodities. Diante disso, ela se

consolida como um forte instrumento de poder, portanto, se faz necessário estuda-las mais

a fundo.

Segundo Ribeiro (2003), foi após a colonização que a troca, produção e circulação

de sementes se mundializou. Isso não quer dizer também que as sementes tinham um

alcance somente local. Entretanto, de fato, com as expedições aumentaram seu alcance e

esse intercâmbio se expandiu. Com a mercantilização da terra e a especialização de

culturas de exportação, porém, houve a homogeneização das culturas. A homogeneização

de culturas ocorre pois o país se consolida como agroexportador, e o interesse em

aumentar a produção se dá voltadopara os cultivos que possuem um mercado de

exportação maior.

Diferente da monocultura presente no agronegócio, nas comunidades tradicionais

e camponesas, a pratica da policultura é algo comum. A policultura é abastecida com uma

grande diversidade de sementes tradicionais que são a base do sustento, parte vital e

patrimônio cultural de diversas comunidades e também da humanidade (CARVALHO,

2003). A diversidade genética é o que torna as espécies resistentes em diferentes climas

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e doenças. Entretanto, a partir da modernização agrícola, e a imposição das novas técnicas

e tecnologias herdadas na Revolução Verde, esse modelo de agricultura camponesa

tradicional é visto como atrasado, subdesenvolvido e de baixa produção (ALTIERI e

NICHOLLS, 2003). Esse fator também facilita, aliada as estratégias mercadologias, o

pequenos produtor a comprar mudas ou sementes prontas, aumentando a dependência

com o mercado.

A mudança da economia agrícola de subsistência para a economia agrícola de

mercado, contribui para influenciar os agricultores na utilização de insumos químicos e

sementes geneticamente modificadas. A escassez de terra, fato resultante da

mercantilização da mesma, forçou os agricultores ao cultivo em áreas que antes possuíam

vegetação não cultivada, que contribuía com a proteção daquele ecossistema. Para os

camponeses que baseiam sua agricultora no trabalho familiar e de subsistencia, manter o

sistema agrícola diversificado é muito mais vantajoso, e com isso, manter tambem a sua

variedade genética protegida é uma segurança para a produção, pois essa, já está resistente

às condições de cultivo do seu local (RIBEIRO, 2003).

A homogeneização das culturas, resultantes do processo de especialização em

agriculturas de exportação, reduziu as variedades alimentares a poucas culturas:

Os povos pré-históricos alimentavam-se de mais de 1.500 espécies de plantas

e, pelo menos, 500 espécies e variedades têm sido cultivadas ao longo da

história. Há 150 anos, a humanidade alimentava- se com o produto de 3.000

espécies vegetais, que eram, em 90% dos países, consumidas localmente. Hoje,

15 espécies respondem por 90% dos alimentos vegetais e quatro culturas –

milho, trigo, arroz e soja – respondem por 70% da produção e consumo. Tende-

se, assim, à uma perigosa monocultura e a homogeneidade tende à morte, já

que a heterogeneidade é o estado dinâmico, vital. Assim, a biodiversidade é a

forma de se assegurar o indispensável estado dinâmico da heterogeneidade da

natureza, já que a homogeneização produzida pelos procedimentos da

“revolução verde” e das chamadas exigências do mercado levam à morte, que

é a paralisação dos processos vitais, intrinsecamente dinâmicos e dialéticos

(MACHADO, MACHADO FILHO, RIBAS, 2003, p. 246).

Diante disso, temos uma grave problemática pois à medida que há a

homogeneização das culturas, também perdemos várias espécies necessárias para a

sobrevivência, afetando diretamente na segurança alimentar dos povos e reduzindo a

alimentação em poucas espécies, fato que contribui para a erosão genética e cultural

(RIBEIRO, 2003).

A imposição das técnicas e tecnologias da Revolução Verde resultou para as

grandes empresas em muito lucro e para a população e pequenos agricultores, perda da

diversidade ecológica, cultural e autonomia de produção. As mesmas empresas que

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impuseram os insumos e maquinários agrícolas na Revolução Verde, hoje são

basicamente as detentoras do poder das sementes. A pratica que as multinacionais que

anteriormente fabricavam apenas os insumos químicos, de compra das empresas que

fabricam as sementes transgênicas, é um exemplo do poder que essas corporações

exercem sobre a monopolização dos recursos necessários para a produção da nova

agricultura. Alguns autores consideram que a introdução das biotecnologias no campo,

introduziria uma segunda fase da Revolução Verde.

Com a “revolução verde”, os monopólios internacionais passaram a controlar

o mercado de insumos e máquinas agrícolas; a segunda fase dessa “revolução”

está em pleno andamento, com a expansão dessas multinacionais no controle

da produção e do comércio de sementes, e quem controla as sementes controla

todo o sistema alimentar. O mecanismo de dependência é simples e fácil de

entender: as multinacionais controlam a produção e o comércio de sementes

que são “melhoradas”, visando a uniformidade fenotípica com altas produções.

Essas uniformidades eliminam as resistências naturais e aumentam a

vulnerabilidade das culturas, com o que se cria a dependência dos agrotóxicos.

As multinacionais que fabricam agrotóxicos são as mesmas que controlam o

“melhoramento”, a produção e a comercialização das sementes. A

uniformidade genética leva à perda de variedades e à vulnerabilidade das

plantas às pragas e doença (MACHADO, MACHADO FILHO, RIBAS,

, 2003, p. 247)

A problemática das monoculturas de exportação, como visto anteriormente, está

na questão de não visar suprir a crescente população com alimentos, e sim, uma produção

totalmente voltada para alcançar o maior lucro possível, além de degradar grandes áreas

para o plantio de monoculturas e monopolizar a terra, excluindo e marginalizando os

pequenos agricultores e comunidades tradicionais. Subvertendo esse sistema dominante,

encontra-se a produção com base na agricultura familiar camponesa.

A agricultura camponesa produz alimentos culturalmente diversos e saudáveis,

além de contribuir com a questão ambiental, pois depende menos de insumos externos,

assim, são mais sustentáveis enquanto produzem maiores diversidades de alimentos. Os

latifúndios destinados às monoculturas se encontram em conflito com terras de pequenos

agricultores que visam a produção de alimentos diversos. As monoculturas trazem

vantagens econômicas a curto prazo para poucos e grandes agricultores e empresas. Os

pequenos produtores, apesar de possuirem propriedades de terras menores, são os

responsáveis pela segurança alimentar da população, justamente pela prática da

policultura, além disso, seus territórios são mais produtivos e conservam mais os recursos

naturais (ALTIERI, 2012).

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Esses microcosmos de agricultura tradicional fornecem modelos promissores

para outras áreas, uma vez que promovem a biodiversidade, prosperam sem o

uso de agrotóxico e mantem a produtividade ao longo do ano. Tais sistemas tem

alimentado a maior parte do mundo por séculos, ao mesmo tempo conservando

a integridade ecológica por meio de uso de sistemas indígenas de conhecimento,

algo que continua sendo feito em muitas partes do planeta (ALTIERI, 2012, p.

365-356).

4.1.2 Breve histórico sobre as sementes transgênicas no Brasil e as estratégias de

dominação exercidas pelas “Gigantes Tecnológicas”

A inserção das sementes transgênicas por parte das empresas multinacionais não

foi algo de comum acordo com os agricultores e empresas beneficiárias. As

multinacionais – -destaca-se aqui, a Monsanto, por ser uma das multinacionais de maior

domínio das sementes transgênicas – utilizaram estratégias de contaminação para que

essas fossem obrigatoriamente introduzidas no cenário mundial de sementes. Na América

Latina, a tática para a dispersão dessas sementes foi via contaminação de sementes

contrabandeadas. O primeiro país da América Latina que introduziu as sementes

transgênicas via contaminação foi a Argentina, na década de 1990.

A Argentina foi escolhida para ser a base da expansão da soja transgênica na

América Latina. No que se refere à situação geográfica, o país situa-se no

centro da produção de soja do continente sul americano e serviu como ponto

de partida para a direção ao Paraguai, ao Brasil e à Bolívia (ANDRIOLI, 2012,

p. 122).

Em 2002, a semente transgênica adentra no território brasileiro via soja

contrabandeada da Monsanto. Sua liberação legal estava prevista para 2005.

Considerando que a soja no Brasil é o maior grão de exportação, essa, tem expandido

suas áreas de plantio (ANDRIOLI, 2012). Após a introdução das sementes, as

multinacionais utilizam de estratégias para concretizar seu controle e dominação com a

vendas de sementes e insumos para agricultores, bem como de toda população, através

das estratégias de massa, como: propagandas nas mídias, produção de conhecimento

cientifico voltado aos interesses do agronegócio, patrocínios e financiamento de

pesquisas científicas a favor das biotecnologias. Dentro das corporações existe também a

compra de outras empresas do setor de sementes para consolidar seus monopólios, bem

como a criação de empresas que oferecem serviços com uma rede de técnicos para

influenciar agricultores ao uso dos herbicidas, entre outras estratégias (ANDRIOLI,

2012).

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Importante lembrar que a Monsanto teve suas vendas aumentadas durante a I e II

Guerra Mundial na produção e fornecimento de produtos químicos para o governo dos

EUA. Em 1960, desenvolveu o “Agente Laranja”, herbicida aplicado na Guerra da

Indochina que causou grandes danos ambientais e para a população. Em 1990, a

Monsanto focou sua produção em sementes (ANDRIOLI, 2012).

Como resultado de um estado neoliberal crescente que promove ações através dos

organismos multilaterais como OMC e Banco Mundial, que priorizam promover lucros

de grandes empresas multinacionais a todo custo, através do incentivo ao livre mercado,

coloca-se em risco a segurança alimentar. Outro fator que alguns autores como Seralini

(2011) e Porto-Gonçalves (2004) trabalham é sobre os transgênicos serem uma

biotecnologia muito recente, com poucos estudos sobre seus efeitos a longo prazo no meio

ambiente e saúde humana, dessa forma, a ciência deveria trabalhar com o princípio de

precaução.

O que sabemos referente as sementes, portanto é que ela se tornou um objeto de

obtenção de lucro e monopolização da vida e território nas mãos das grandes

multinacionais. A semente, que dá origem a vida e a toda produção, assim como a terra,

também foi mercantilizada com o avanço do capitalismo no campo. A problemática que

envolve as sementes nas mãos de grandes multinacionais coloca em riscos toda a

população, principalmente, os pequenos produtores que dependem delas na produção de

alimentos. Outro risco proveniente da inserção dos transgênicos, é que algumas culturas

de grãos, como milho e feijão, possuem potencial de contaminação, e uma vez inseridas

na agricultura, as sementes transgênicas contaminam os genes das sementes

convencionais ou também chamadas de sementes crioulas, impossibilitando o agricultor

a manter as suas variedades protegidas (CARVALHO, 2003).

As sementes tornam-se um instrumento de disputa entre grandes empresas aliadas

ao poder estatal que não inibem e não visam o bem-estar social, partindo do princípio de

precaução, seja ela social ou ambiental. A monopolização que grandes empresas exercem

sobre as sementes e a produção de alimentos é um risco para a humanidade, diante disso,

se faz necessário cada vez mais pesquisas referentes à esse tema.

As sementes transgênicas consistem na manipulação dos genes de sementes

crioulas. Essas, são modificadas com o argumento de melhorias na adaptação de plantas

nos diferentes climas e solos. Quando modificadas, essas sementes tornam-se propriedade

da empresa responsável. Lembrando que a semente, anteriormente de ser manipulada e

tornar-se propriedade dessa empresa, era do agricultor, seja ele camponês ou indígena,

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que por gerações e gerações fez o uso da mesma, de forma a guarda-las para os próximos

plantios. Uma vez que essa empresa se apodera da semente e a manipula, passa a ser sua

propriedade, através da patente. As patentes tratam-se na verdade da privatização de bens

e conhecimentos públicos (RIBEIRO, 2003).

Para a realização de uma patente é necessário que o objeto em questão cumpra os

requisitos de novidade, não obviedade e utilidade. Por definição, uma semente não se

enquadraria no primeiro quesito, de “novidade” por se tratar de algo natural, orgânico e

encontrado na natureza. Entretanto, com a mudança genética das mesmas, há essa

abertura. Os requisitos para obter uma patente estão claramente definidos para inventos e

não para descobertas e, por isso, não era permitido o patenteamento de seres vivos. No

entanto, isso mudou a partir do desenvolvimento da engenharia genética, que utilizou do

argumento que ao realizar uma construção genética artificial, estaria se cumprindo os

critérios de “invenção” e “novidade”. Isse é um fator que abre para vários

quentionamentos e discussões, mas o fato é que foi a porta de entrada ao patenteamento

de seres vivos e ao aumento do controle de mercado que isso significa para as empresas

que a manipulam. As patentes, na verdade, se tornam um forte instrumento de controle

empresarial sobre os pequenos agricultores, através da venda de royates. Para essas

empresas que dominam o ramo das patentes, conservam seus monopólios e impedem que

outras empresas entrem no mercado (RIBEIRO, 2003).

A realidade é que as patentes são uma “invenção” das empresas que tomou

força com a revolução industrial, na tentativa de monopolizar mercados e

eliminar concorrentes [...] Uma prova evidente disso é que a maior parte de

patentes no mundo (até dois terços em alguns países) tem por objeto

unicamente proteger outras patentes – eliminando possibilidades de

competição e desenvolvimento de produtos similares. Portanto, o objeto

patenteado nunca é produzido. Há abundantes estudos que desmentem o mito

de que o objetivo principal das patentes é estimular o esforço de pesquisa e

desenvolvimento e que provam que as patentes estão mais orientadas para

permitir a extensão de rendas monopolistas através da segmentação de

mercados e outros arranjos que fortalecem as estruturas monopolistas

oligopólicas. Assim o sentido ideal das patentes como contrato social

desapareceu e resta apenas o mito, similar ao mito igualmente falso a liberdade

dos acordos do livre comercio (RIBEIRO, 2003, p. 62-63).

O controle empresarial exercido sobre as sementes, através do patenteamento,

além de exercer forte poder de dependência com os agricultores, também cria o

monopólio biotecnológico, como pode ser observado no gráfico abaixo (gráfico ) com 3

“gigantes genéticas” (Pharmacia (Monsanto), DuPont e Syngenta) possuindo mais da

metade dos poderes sobre as sementes:

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Gráfico 2: Patentes agrobiotecnológicas e gigantes genéticas. Fonte: Ribeiro, 2003.

O gráfico em questão (gráfico 2), demonstra claramente o poder concentrado

sobre as biotecnologias das multinacionais. Para consolidarem-se enquanto “gigantes

genéticas”, essas empresas criam estratégias de controle do mercado. Segundo Ribero

(2003), em 2003 a Pharmacia (Monsanto) criou juntamente com a DuPont um acordo em

que poderiam dividir suas patentes, ou seja, 41% do total demonstrado no gráfico acima,

consolidando ainda mais o monopólio biotecnológico das duas maiores “gigantes

genéticas”.

Citemos aqui o exemplo da Monsanto (empresa responsável por introduzir as

sementes trangênicas no Brasil) para exemplificar as estratégias utilizadas para

consolidação de poder hegemônico: a venda dos insumos químicos amarrados com a

venda das sementes geneticamente modicadas, como é o caso da semente de soja

transgênica Roudup Ready da Monsanto, que é resistente ao herbicida Roundup, também

dessa corporação. (PORTO-GONÇALVES, 2006).

Outro exemplo de como essas empresas exercem o controle sobre os pequenos

agricultores é a introdução das sementes “Terminator”. Essa espécie de semente foi

produzida para se tornar estéril após o primeiro plantio, eliminando o poder do agricultor

guardar suas sementes para os próximos plantios. Ribeiro (2003) denomina essa prática

como uma escravidão biológica, visto a dependência que o agricultor cria com a empresa

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a partir dessa manipulação genética. As patentes no mundo inteiro, segundo a OMC

possuem prazo legal de 20 anos. Ou seja, durante esse tempo, aquela semente é produto

da empresa e o produtor deve pagar por ela. Com a variedade “Terminator” essa

dependência não tem data final, pois o produtor ficará dependente dela eternamente

(RIBEIRO, 2003).

Mais um exemplo de controle e dependência que as multinacionais realizam sobre

os pequenos agricultores através da biotecnologia são as chamadas Tecnologias de

Restrição da Utilização Genética ou “Traitor”, que consistem na manipulação genética

para que determinada semente só se desenvolve com os próprios agrotóxicos e

fertilizantes.

Se, por exemplo, as companhias podem mudar geneticamente suas sementes

para que se desenvolvam somente diante da aplicação do seu próprio

agrotóxico ou fertilizante patenteado, vão reforçar muito a dependência na

agricultura. Tanto os agricultores quanto a segurança alimentar vão se

converter em reféns dos gigantes genéticos. A menos que os governos

executem ações urgentes para proibir essas tecnologias, elas vão ser

comercializadas com consequências devastadoras para os agricultores e

agricultoras, para a soberania alimentar e para a biodiversidade (RIBEIRO,

2003, p. 71).

O controle exercido por essas grandes empresas multinacionais afeta diretamente

a produção dos pequenos produtores. As empresas responsáveis pelo controle das

biotecnologias, são grandes empresas multinacionais que lucram com a venda dos

produtos biotecnológicos e dominam vários setores responsáveis (RIBEIRO, 2003).

O agrupamento dessas empresas é algo comum também para centralização do

poder biotecnológicos. Empresas que originalmente eram fabricantes dos produtos

químicos, entram para o ramo de sementes, comprando as empresas que anteriormente

eram destinadas somente para produção dos insumos químicos:

Por isso, vemos, em anos recentes, empresas como a Monsanto gastando mais

de 85 bilhões de dólares para comprar empresas de sementes e biotecnologia.

É por isso que a DuPont gastou mais de 9,4 bilhões de dólares para comprar a

Pioneer Hi-Bred, a maior empresa de sementes do mundo, e estas, por sua vez,

têm gasto grandes somas para comprar as empresas de sementes nacionais de

muitos países do Sul. O tema chave é o controle. Os gigantes genéticos estão

utilizando as sementes transgênicas para determinar como os agricultores vão

cultivar e em quais condições. Um dos efeitos mais graves para os agricultores

e agricultoras, para os povos indígenas e para a pesquisa pública em geral é a

perda do seu direito de utilizar e desenvolver a diversidade (RIBEIRO, 2003,

p. 68-69).

O domínio das empresas multinacionais coloca em risco a segurança alimentar,

pois ela força os agricultores a comprarem sementes que eram disponibilizadas em suas

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safras anteriores. Além disso, a contaminação genética coloca em risco a permanência de

algumas variedades de sementes crioulas (MITTAL e ROSSET, 2003).

Diante desses “gigantes genéticos” o único meio para a proteção genética,

segurança alimentar e soberania camponesa em escolher o que e a forma de plantar, viria

o Estado, através das politicas públicas. Entretanto, as mesmas estão voltadas para a

afirmação do atual modelo econômico que incentiva a abertura dos mercados nacionais.

Esse controle sobre os mercados de sementes, de matérias-primas para as

agroindústrias e de Tais políticas públicas são orientadas pelas diretrizes de

livre comércio da OMC e do FMI, respaldadas em leis nacionais que facilitam

a oligopolização dos mercados pelas corporações multinacionais e acatadas

interesseiramente pelo empresariado de origem local ou nacional. Do ponto de

vista ideológico, esse domínio é aceito e legitimado pela maioria da população

em consequência da manipulação da opinião pública através dos meios de

comunicação de massa, que favorece, seja pela propaganda comercial, seja

pela afirmação de novos valores de comportamento em relação ao consumo, a

aceitação passiva da oferta de novos bens alimentares industrializados,

produzidos a partir dos interesses econômicos das corporações multinacionais

de alimentos (CARVALHO, 2003, p. 98-99).

Com a inserção das biotecnologias sem os devidos cuidados, um risco para a

humanidade em geral, pois com o desaparecimento das sementes de domínio dos

pequenos agricultores, toda a produção estará nas mãos de multinacionais. A semente é

o primeiro elo no processo de alimentação. Quem dominar as sementes dominará a

disponibilidade de alimentos para a população (RIBEIRO, 2003 p. 68). Por isso, a

discussão sobre sementes tem um caráter politico e tão pouco aprofundado, mas ela é

necessária. As sementes representam um instrumento fortíssimo de poder e resistência,

uma vez que preservarmos elas, estaremos preservando toda a humanidade. Caso

contrário, deixaremos nosso futuro nas mãos de grande e poucas empresas

multinacionais (RIBEIRO, 2003).

É necessário portanto, resgatar a diversidade cultural e biológica com o cultivo

das sementes crioulas para proteção ambiental e social. Considerando ainda, que as

sementes são um patrimônio natural e direito dos povos (CARVALHO, 2003).

Dessa maneira, é ressaltada a importância da resistência dos movimentos sociais

contra a homogeneização das sementes e do controle territorial e social exercido pelas

multinacionais. A utilização de sementes crioulas perpassa o viés de agricultura de

subsistência que foi necessária, historicamente, para evolução da humanidade e partem

para um viés de proteção da vida, uma vez que foram modificadas, mercantilizadas e

patenteadas, mostraram também seu poder além da prover a vida em geral, mas também

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seu caráter político e de dominação dos povos. Preservar as sementes crioulas, portanto,

é também preservar a cultura e tradições ancestrais, o meio ambiente e preservar toda a

humanidade, bem como as futuras gerações.

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5. INSTRUMENTOS QUE CONSOLIDAM A SOBERANIA ALIMENTAR E

DESCENTRALIZAÇÃO DO PODER EMPRESARIAL

5.1.1 Agroecologia: um instrumento para a reterritorialização

Para atingir o pleno desenvolvimento e diversidade biológica e cultural – o que

não é possível através do sistema convencional de produção –nos fundamentos da Via

Campesina é proposta a agroecologia como um novo sistema que garante ao produtor a

autonomia na sua produção, desde o acesso a sementes, a àgua e a terra, com isso,

atingindo a soberania alimentar. A agroecologia, nesse contexo, poder ser descrita de

acordo com a visão geográfica, como um instrumento para a consolidação de poder do

campesinato frente ao poder empresarial sobre terra, o alimento, as sementes e recursos.

Acredita-se, portanto, que a forma de subverter esse sistema excludente de

agricultura, deve ser adotando um novo sistema, economicamente justo e ambientalmente

sustentável (ALTIERI, 2012) Nesse sentido, a agroecologia é uma possibilidade de

subversão dessa sistema dominante, de acordo com Altieri ( 2012, p. 105-106):

A agroecologia é o estudo holístico dos agrossistemas, abrangendo todos os

elementos ambientais e humanos. Sua atenção é voltada para a forma, a

dinâmica e a função de suas inter-relações, bem como para os processos nos

quais estão envolvidas[...]Uma ideia implícita na pesquisa em agroecologia é

que, ao compreender essas relações e processos ecológicos, os agrossistemas

podem ser manejados de modo a melhorar a produção e torna-la mais

sustentável, reduzindo impactos ambientais e sociais negativos e diminuindo o

aporte de insumos externos.

Através da agroecologia pode-se alcançar um modo de produção que se adeque às

realidades locais de cada agricultor sem depender de insumos externos como adubos,

fertilizantes químicos e sementes modificadas (ALTIERI, 2012).

O movimento agroecológico, na verdade, não é algo novo, ou pelo menos já

existia sem levar esse nome. As comunidades indígenas e camponesas, anteriores a

imposição do modelo de agricultura dominante, já realizavam a pratica de agricultura em

agrossistemas com a produção de diversas culturas e aproveitamento dos recursos locais,

bem como o melhoramento das sementes de acordo com suas capacidades climáticas e a

preservação do meio e dos recursos hídricos. O conceito de agroecologia, no entanto,

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volta a ser discutido quando percebidos os impactos sociais e ambientais negativos do

agronegócio (ALTIERI, 2012).

Segundo Ploeg (2016), o movimento agroecológico se torna uma possibilidade do

campesinato se consolidar enquanto classe social e se reterritorializar no campo.

No Brasil, ocorre um crescimento na produção de alimentos orgânicos (MAPA,

2019). Vale ressaltar que o orgânico é um dos princípios da agroecologia, mas a

agroecologia abrange além da questão ambiental e econômica, a questão social.

Apesar do sistema agroecológico ser uma prática crescente, ainda não é possível

encontrar dados oficiais significativos de grupos que produzem alimentos agroecológicos

no Brasil. Por isso, utilizaremos aqui, dados da produção orgânica, que possui alguns dos

princípios da produção agroecológica.

Nos gráficos do MAPA (gráfico 3 e 4), pode-se observar o rápido crescimento dos

números de unidades de produção orgânica no Brasil, bem como o aumento do número

de produtores orgânicos:

Gráfico 3: Número de unidades de produção orgânica no Brasil 2010-2019. Fonte: MAPA, 2019.

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Gráfico 4: Número de produtores orgânicos no Brasil 2010-2019. Fonte: MAPA, 2019.

A Coordenação de Agroecologia e Produção Orgânica (COAGRE) é um dos

setores do MAPA que afirmam o rápido crescimento da produção orgânica no Brasil

através dos dados quantitativos. Na figura (figura 2), podemos observar a distribuição das

unidades de produção orgânicas no Brasil, de acordo com as microrregiões:

Figura 2: Distribuição das unidades de produção orgânica por microrregiões. Fonte: COAGRE, 2018

De acordo com a figura (figura 2), pode-se observar que as unidades de produção

que possuem de 1 a 10 hectares, marcadas pela cor verde claro, predominam na maioria

das microrregiões, demonstrando que os pequenos agricultores ainda são maioria na

produção orgânica. Destaca-se aqui, a observação da predominância de unidades de

produção de 1 a 10 hectares e de 21 a 50 hectares na microrregião sul e sudoeste de Minas

Gerais.

A produção orgânica, baseada nos princípios agroecológicos, possui potencial de

reterritorialização, isso porque os pequenos agricultores podem descentralizar o poder

empresarial e territorial e atingir a soberania alimentar. E apesar de ser muito positivo o

crescimento da demanda e oferta de alimentos orgânicos, o crescimento de produção de

sementes não acompanha esse crescimento, o que se torna um desafio para o produtor,

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pois as sementes convencionais não possem a mesma quantidade e qualidade referente à

produção no sistema agroecológico.

Outro fator a ser destacado sobre as sementes é que no modelo de agricultura

convencional elas são somente mais um insumo, mas para os sistemas de produção

agroecológicas fazem parte de um ciclo vital e de toda uma dinâmica que fortalece as

unidades de produção e a soberania dos agricultores (MOREIRA, 2017).

A preocupação. porém, é que apesar do rápido e positivo crescimento de alimentos

orgânicos com base na agricultura familiar, não é possível observar uma real autonomia

dos agricultores em relação às suas produções. Isso porque, o sistema de produção

orgânica ou agroecologica, abrange além das questões de fertilizantes, adubos e

herbicidas químicos, também o acessso e dependência das sementes:

A agroecologia como ciência e prática é orientada para a criação de paisagens

dinâmicas e retroalimentadas, formando um organismo autossustentável,

portanto, a produção de sementes deve estar de acordo com as premissas de

uma agricultura de base ecológica. O ideal é que a prática de produzir sementes

nas unidades de produção de base ecológica se torne realidade no dia a dia dos

agricultores (MOREIRA, 2017, p. 35)

A problemática que envolve a produção orgânica é que boa parte dela no Brasil,

ainda é produzida com sementes e mudas convencionais (MOREIRA, 2017). Fato esse

que consite em um dos objetivos desse trabalho, ao analisar a produção orgânica e o

acesso a sementes. Esse fator pode demonstrar a estratégia de controle das grandes

empresas sobre os camponeses e suas produções que mesmo na produção orgânica, que

independem de insumos e herbicidas químicos, ainda se veem forçados a comprarem

sementes das grandes empresas.

5.1.2 Legislação de orgânico: dependência de sementes convencionais e Casas de

Sementes Comunitárias

A lei brasileira de orgânicos nº 10.831/2003, abrange a produção nos seguintes

sistemas: agroecológicos, agroflorestais, permaculturais, biodinâmicos e naturais. Ela

exige que a produção orgânica seja realizada a partir de sementes também orgânicas

(BRASIL,2003). Essa legislação tornou-se um desafio para os agricultores na produção

orgânica, uma vez que a disponibilidade de sementes orgânicas no mercado não supri a

demanda dos mesmos. Com a indisponibilidade de sementes foi flexibilizada essa

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legislação. Em 2014, foi criada uma Instrução Normativa na legislação de orgânicos que

permitiu que a produção orgânica seja realizada a partir de mudas e sementes

convencionais, caso seja comprovado pelo agricultor a inexistência de sementes

orgânicas no mercado. Esse fator seria presente somente até encontrar no mercado

empresas que supram a demanda dos agricultores referentes a quantidade e qualidade das

sementes orgânicas (BRASIL, 2014).

A flexibilização da legislação brasileira sobre orgânicos, realizada através da

Instrução Normativa de 2014, traz vários questionamentos para os estudiosos do assunto.

Se por um lado, permite que os agricultores orgânicos sejam certificados, por outro, ainda

continuam com o ciclo de dependência com as grandes empresas multinacionais através

das sementes convencionais. Além disso, uma mudança nessa legislação pode dificultar

para os pequenos agricultores que produzem alimentos orgânicos com sementes

convencionais, visto o não acesso a sementes orgânicas por eles.

O fato é que, como Oliveira (2016) pontua, as grandes empresas sementeiras não

se interessam em produzir sementes orgânicas, apesar da demanda, pois para isso teriam

que mudar o modo de produção dominante, e isso não interessa o capital. Para o

agricultor, o fato de não encontrar sementes orgânicas no mercado obriga-o a produzir

com as sementes convencionais das grandes empresas de biotecnologia, o que torna, para

as empresas sementeiras, ainda mais vantajoso e estratégico, uma vez que até mesmo na

produção orgânica, conseguem criar uma dependência do agricultor com a empresa.

Para Moreira (2017), a fácil disponibilidade de sementes convencionais no

mercado, foi um dos fatores que, ao longo do tempo, fez com que os agricultores

perdessem o hábito de guardar suas sementes para os próximos plantios, criando dessa

forma, uma dependência com as empresas e perdendo o costume de produzir com suas

próprias sementes:

A lei atua ainda desfavorecendo não só a produção comercial de sementes

orgânicas, mas também em nível de unidades produtivas de base ecológica,

pois os agricultores tendem a optar pelo mais fácil, que é a compra no mercado

local, mesmo que tais sementes não sejam adaptadas aos seus métodos de

cultivos. (MOREIRA, 2017, p. 41).

Se por um lado, as brechas na legislação permitem a utilização de sementes

convencionais enquanto não houver um mercado de sementes que supra a demanda dos

pequenos agricultores, por outro lado, não há significativos incentivos para que esse

agricultor possa produzir suas próprias sementes sem depender do poder empresarial. Ou

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seja, a lei que obriga a produção orgânica com sementes orgânicas é contraditória, pois

não dá suporte a esses agricultores, até mesmo no meio científico, que pouco se encontra

estudos sobre a questão das sementes. Esses fatores resultam em uma cada vez maior

monopolização das grandes empresas sementeiras, aumentando o poder de multinacionais

como a Monsanto, que apesar de não vender os insumos para esses agricultores orgânicos,

ainda consegue o controlar e obter seus lucros através das sementes (OLIVEIRA, 2016).

Acredita-se, portanto, que não é necessário haver uma empresa que disponibilize

através da compra e venda essas sementes orgânicas para os agricultores. Esses, possuem

potencialidade para selecionarem e armazenarem seus cultivares, e as Casas de Sementes

Comunitárias se demonstram um forte potencial para auxilio desses agricultores. A

facilidade no acesso às sementes convencionais foi o fato que condicionou os agricultores

ao cultivo com sementes compradas, habituando-os a isso. Entretanto, as sementes

crioulas evoluíram e se adaptarem durante milênios, sem a obtenção das biotecnologias,

e sempre estiveram no poder dos camponeses, indígenas e comunidades locais, por isso,

acredita-se que é possível de obter novamente o poder sobre as variedades crioulas através

do esse resgate dessas sementes e habituar-se novamente à preserva-las e armazena-las

autonomamento, sem a dependência de uma empresa que as disponibilize (MOREIRA,

2017).

Para Moreira (2017), o aporte inicial técnico é necessário para que os pequenos

agricultores retomem a produção de suas próprias sementes. Apesar dos desafios da

produção orgânica, que incluem falta de conhecimento técnico, científico, fatores

climáticos, entre outros, é necessário discutir mais sobre a questão das sementes e

solucionar essa problemática para que os pequenos agricultores atinjam o maior

desenvolvimento e autonomia em suas produções, desvinculando-os dos poderes

empresariais (MOREIRA, 2017). Reforçando que esse aporte técnico deve ser pensando

por via do Estado, de órgãos como o MAPA e setores como o COAGRE, para que através

de incentivos, o camponês com base na agricultura familiar, atinja a soberania alimentar,

que perpassa desde a produção de suas próprias sementes até o acesso a terra, a água e

os recursos necessários para garantir a soberania alimentar da população.

Apesar dos avanços tecnológicos que nos impõem facilidades de acesso a tudo,

ou, a quase tudo, é possível que essas comunidades de agricultores e camponeses resistam

àa logica mercadológica de circuitos de economia facilitada. Um dos exemplos que já

acontecem sobre isso, são as Casas de Sementes Comunitárias, que funcionam como um

resgate, melhoramento e armazenamento das sementes crioulas nativas, de acordo com a

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realidade local. Aqui, destaca-se portanto, a necessidade de conscientizar os camponeses

baseados na pequena agricultura sobre o resgate e obtenção de seus próprios cultivares,

bem como as vantagens econômicas, sociais e ambientais de cultivar suas produções

através de seus próprias sementes.

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6. CENTRAL DE ASSOCIAÇÕES DE PRODUTORES ORGÂNICOS DO SUL DE

MINAS

6.1.1 Sobre a Central de Associações de Produtores Orgânicos do Sul de Minas

Para garantir a produção orgânica ao consumidor, os agricultores que produzem

com técnicas agroecológicas ou qualquer tipo de produção que não utilize os

agroquímicos, como agricultora biodinâmica e agroflorestal, devem ser certificados. A

necessidade de certificação para comercialização de produtos orgânicos foi realizada

através do decreto 6.323/2007 que regulamenta a comercialização desses produtos. Um

dos órgãos que trata das certificações no Brasil é o MAPA. Segundo os dados do MAPA

(2019), no Brasil existem 36 Organismos de Avaliação da Conformidade Orgânica

(OAC) credenciados, sendo 25 deles de Sistemas Participativos de Garantia da Qualidade

Orgânica (SPG) e 11 certificadoras por auditoria.

Um desses, o Sistema Participativo de Garantia (SPG), fica localizado na

mesorregião sul de Minas Gerais, a Central de Associações de Produtores Orgânicos do

Sul de Minas, ou “Orgânico Sul de Minas”. Essa, foi a primeira central de associações de

produtores orgânicos da mesorregião Sul/Sudoeste de Minas Gerais, e foi fundada no

início de 2012 pelo IFSULDEMINAS, pela Empresa de Assistência Técnica e Extensão

Rural do Estado de Minas Gerais - EMATER/MG e pelo MAPA, juntamente com as

associações de produtores orgânicos que já haviam na região. Segundo Hirata, Nery e

Rocha (2018), a existência desses agricultores agroecológicos já consolidados contribui

muito para a criação do OPAC do Sul/Sudoeste de Minas Gerai. O OPAC, consiste em

um departamento de certificação da Orgânico Sul de Minas, e é responsável por toda a

parte jurídica da certificação. O OPAC do Orgânico Sul de Minas foi credenciada em

2013 e desde então, juntamente com o MAPA, realiza a certificação orgânica

participativa. Até o ano de 2018, o Orgânico Sul de Minas, concentrava 10 associações,

2 cooperativas e 2 grupos informais. Em 2017, 174 unidades eram certificadas (HIRATA,

NERY e ROCHA 2018).

Para a formalização da certificação participativa e direitos das associações e

produtores, a Orgânicos Sul de Minas desenvolve assessoria técnica, extensão rural,

pesquisas e práticas educativas, conferências e cursos que são oferecidos para os

agricultores do Orgânico Sul de Minas, a fim de reforçar, desenvolver e identificar os

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aspectos da produção agroecológica. Devidamente de acordo com esse conhecimento, são

divididos os grupos que realizam a visita técnica de verificação. Para adentrar um novo

membro na associação, portanto, deve-se enquadrar nos requisitos legais de produção

agroecológica (HIRATA, NERY e ROCHA , 2018).

Todavia, o Orgânico Sul de Minas não somente realiza a certificação de produtos

orgânicos e agroecológicos, mas consistem também em um órgão de consolidação da

resistência desses pequenos agricultores, auxiliando na construção da conscientização e

necessidade da produção agroecológica, através de cursos, palestras, visitas de

verificação, reuniões, grupos de trabalho e também das atividades que são desenvolvidas,

além da certificação, como por exemplo, o apoio na produção de feiras agroecológicas,

que acabam formando uma rede de apoio entre esses agricultores e buscando ampliar

também esses conhecimentos tradicionais, como ocorre na Casa de Sementes “Mãe

Terra”, localizada no município de Inconfidente- MG e a Festa de Sementes Crioulas e

Biodinâmicas do Sul de Minas, estimulando os agricultores à produzirem alimentos

agroecológicos (HIRATA, NERY e ROCHA, 2018).

A certificação para obter o selo orgânico é um processo legal viável para a

comercialização dos produtos orgânicos e agroecológicos, por isso, a necessidade dos

agricultores se adequarem as normas exigidas. Entretanto, como já exposto, o acesso às

sementes é uma grande dificuldade dos agricultores, que se fortalecem por meio dos

Sistemas Participativos de Garantia, mas que se faz necessário também a conscientização

a respeito da obtenção de suas próprias sementes, para princilpamente obterem a

autonomia em suas produção e se precaverem a respeito de uma possível modificação de

legislação que prejudicaria os que não obtém as sementes crioulas ou orgânicas. Desse

modo, o OSM, exerce uma responsabilidade em expandir o conhecimento sobre as

sementes e o acesso a elas facilitado para os agricultores.

6.1.2 Agricultores RAES

Segundo os próprios entrevistados, os grupos que compõem o Orgânicos Sul de

Minas são muito heterogêneos. Dentro desses grupos cada agricultor também tem essa

heteregeneidade no modo de produzir. Diante do exposto, foram entrevistados 2

agricultores do grupo RAES, e apesar de as entrevistas serem bem direcionadas, buscou-

se questionar e deixar que o agricultor falasse de acordo com as suas vivências e

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ideologias. O primeiro entrevistado expõe seus produtos, bem como a comercialização de

sementes crioulas na FACU.

Figura 3: Agricultor do grupo RAES expondo seus produtos agroecológicos na FACU, 2019. Fonte: autora.

Figura 4: Sementes crioulas comercializadas na FACU pelo agricultor do RAES, 2019. Fonte:autora.

A Feira Agroecológica e Cultural da Unifal (FACU) ocorre quinzenalmente

dentro do Campus Sede da Universidade Federal de Alfenas. A idealização da feira partiu

de um projeto de extensão denominado “Fórum de Combate ao uso de Agrotóxicos” e

visa o fortalecimento dos agricultores e camponeses da região de Alfenas, bem como

valorizar a agricultura camponesa e a agroecologia como uma forma saudável e

sustentável. A realização da FACU ainda é um fato recente, que no entanto demanda

tempo e empenho para sua consolidação, mas que já vem se demonstrando um forte

potencial para a circulação de alimentos saudáveis, cultura e pessoas, bem como o

fortalecimento desses agricultores que baseiam suas produções na agroecologia.

Quando questionado sobre a origem de suas sementes, o entrevistado relatou que

possui boa parte de suas produções com sementes próprias: “[...] feijão eu consigo ter,

milho, quiabo, abobóra.... mas verdura é difícil, por que ela é muito miudinha”

(Entrevistado 1, agricultor do RAES). Ao longo das entrevistas que serão expostas no

decorrer desse tópico, foi perceptível que de modo geral, os agricultores conseguem

armazenar melhor sementes de grãos e legumes, sendo que as hortaliças, são as sementes

que possuem maior dificuldade de encontrar no mercado e produzir.

Esse entrevistado (entrevistado 1) acredita que se houver essa mudança na

legislação, (que os produtos orgânicos so podem ser oriundos de sementes orgânicas),

dificultaria muito para o pequeno agricultor que realiza sua produção com sementes

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convencionais. Dessa forma, demonstrou que teme que ocorra essa mudança justamente

para marginalizar ainda mais os pequenos agricultores agroecológicos e para que os

alimentos orgânicos se tornem ainda mais um nicho de mercado: “A legislação que vem

de cima, dificulta pra quem é pequeno e vira coisa do capital, o orgânico, mas quem vai

ganhar é o próprio capital” (Entrevistado 1, agricultor do RAES) , por isso defende a ideia

da agroecologia:

O orgânico vai virar orgânico de mercado, se dificultar pro agricultor. O

crescimento do orgânico é aquele orgânico embaladinho, que é totalmente

diferente do agroecológico, o orgânico é um reflexo do trabalho agroecológico,

agora, o agroecológico preserva a vida, biodiversidade, água, solo. Você vai

cuidando do ambiente, se melhora no micro, melhora no macro, imagina se

cada um faz um pouco (Entrevistado 1, agricultor do RAES).

No desenvolvimento do presente trabalho, dedicou-se, mesmo que de forma

suscinta, diferenciar o termo orgânico do termo agroecológico, pois a agroecologia é o

que garante a sustentabilidade no tripé: ambiental, econômico e social e possibilita o

fortalecimento e autonomia ao camponês. Apesar de ambos os termos serem usados

muitas vezes como sinônimos, são concepções diferentes e que exigem cuidado ao se

trabalhar. Muitas vezes durante as entrevistas realizadas, por exemplo, o termo orgânico

é notado, mas ao longo das conversas, pode-se perceber, que ao menos os entrevistados

possuem uma produção e uma visão agroecológica ou agroflorestal. Como dito

anteriormente, a agroecologia, ou agrofloresta, agricultura biodinâmica, etc, se

preocupam, além do lado econômico, com as questões ambientais e sociais que envolvem

a produção, e dessas, desde o acesso as sementes, que é onde se fortalecem e se

diferenciam do modelo do agronegócio e atingem a plena autonomia na produção.

Ainda para esse entrevistado, o armazenamento das sementes é algo pessoal: “Mas

cada agricultor tem que ter seu banco de semente, eu mesmo, só não tenho de hortaliça”

(Entrevistado 1, agricultor do RAES).Para ele é difícil ter diversidade de sementes

diposponiveis no mercado, sendo a internet uma possibilidade de facilitar esse

intercambio de sementes: “[...] por exemplo, com a internet facilita de comprar, mas você

tem que adaptar a semente, que, por exemplo, veio do sul, leva um tempo pra ela adaptar.

Se for pra produzir pra vender é mais difícil” (Entrevistado 1, agricultor do RAES).

Entretanto, ele defende a ideia da construção desses bancos de sementes para que se

fortaleça uma “rede orgânica” onde cada agricultor pode oferecer algo, como sementes e

mudas e assim, se fortalecendo.

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Foi possível visualizar a heterogeneidade dos produtores dentro do mesmo grupo

com as mesmas perguntas direcionadas para os 2 agricultores entrevistados do grupo

RAES. Diante da legislação, não é necessária a produção com sementes

orgânicas/crioulas, mas alguns o fazem por ser muito mais prático, economicamente

viável e também por questões ideológicas, voltadas para a autonomia na produção e

independência do mercado externo das grandes empresas, como é o caso do outro

agricultor do RAES (entrevistado 2), que relatou que:

Eu hoje não compro mais muda convencional na minha propriedade, isso foi

uma diretriz minha, o RAES não exige isso, o Orgânico não exige isso, então

exigi isso, eu prefiro hoje não produzir do que produzir com muda

convencional. E ate deu um baque na minha produção, mas isso vai de cada

um (Entrevistado 2, agricultor do grupo RAES).

Ele ainda relatou que atualmente trabalha mais na área de frutíferas, com mudas

que recebe de doações entre agricultores e que posteriormente reproduz suas próprias

mudas. Sobre a origem de suas sementes relatou que: “[...] algumas sementes, muitas

utilizo das feira de troca, como adubo verde, milho, feijão a gente reserva pra próximas

safras e alguma variedade de hortaliças também” (Entrevistado 2, agricultor do grupo

RAES).

Diante do exposto, é possível observar que, esse ultimo entrevistado tem uma

visão bem formada a respeito das sementes convencionais, uma vez que prefere não

produzir, do que produzir com semente convencionais. O primeiro entrevistado que está

exposto acima, também do grupo RAES, relatou que produz o que as pessoas procuram

para comprar, dessa forma, é necessário, muitas vezes, adquirir mudas convencionais, ou

seja, é uma questão muito mais ampla, de mercado e hábitos alimentares que foram

construídos ao longo do tempo. Diante disso, os agricultores que desejam vender suas

mercadorias ficam reféns de produzir o que os os consumidores estão acostumados a

consumir, seja na época de produção de tal produto ou não, o que pode ser um desafio

também para a produção agroecológica, já que engloba também o mercado e a saída dos

produtos.

Esse ultimo agricultor que relatou não utilizar mais sementes convencioanais em

sua propriedade, é ainda coordenador do GT de sementes do Organico Sul de Minas, e

pode falar com um pouco mais de propriedade sobre o acesso as sementes e o papel do

OSM nesse contexto. Diante disso, ele, relata a resistência e desafios que encontram com

os agricultores e a função do GT:

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O GT é justamente pra dar mais autonomia, na conscientização mesmo, com

os agricultores de produzir suas próprias sementes. Porque a gente encontra

com algumas brechas na lei que o pessoal vai se acomodando. E esse projeto é

também pra orgânicos evoluir e ter mais controle no manejo e a semente que

utiliza com mais autonomia, porque fica na mão das empresas. Mas estamos

tendo algumas resistência, porque de fato da mais trabalho produzir as mudas,

mas com certeza mais automia e liberdade na produção com sementes mais

adaptadas pra região, cada região com o melhoramento participativo

(Entrevistado 2, coordenador do GT de sementes e agricultor do RAES).

O projeto que o entrevistado citou a cima, é referente à Casa de Sementes que se

encontra no IF de Inconfidentes. Diante dos estudos e pesquisas realizadas, ficou claro

portanto, que a mesorregião Sul/Sudoeste de Minas Gerais possui projetos e inciativas

para a autonomia na produção em relação ao acesso das sementes, para que de fato os

pequenos agricultores, principalmente agroecológicos, consigam se desvincularem das

grandes empresas sementeiras com suas biotecnologias e sementes híbridas.

6.1.3 Festa de Sementes Crioulas e Biodinâmicas do Sul de Minas e Casa de

Sementes “Mãe Terra”.

Um desses projetos que é realizado há 9 anos é a Festa de Sementes Crioulas e

Biodinâmicas do Sul de Minas. Foi realizada uma entrevista com um dos organizadores

da festa que relatou que a mesma antecede a Orgânico Sul de Minas e que veio da

iniciativa dos agricultores de algumas associações que já existiam, certificadas pela

Associação Biodinâmica (ABD) de Botucatu, São Paulo. Viu-se portanto, a necessidade

de reunir esses agricultores que possuem as sementes e realizar a troca e circulação das

mesmas e posteriormente, com a criação do Organico Sul de Minas, em 2012, começou-

se a expandir a Festa. Com isso, foram integrados os agricultores das associações que

compõe o Organico Sul de Minas no evento que ocorre anuamente em Carmo da

Cachoeira:

A festa de sementes surgiu de um projeto que a ABD tinha no Sul de Minas

pra promover a produção de sementes de hortaliaças dos produtores de 4

associações e essse trabalho foi desenvolvido e teve êxito, e quebrou muitos

paradigmas aqui na região com os agricultores.... na questão da autonomia de

poder produzir sua própria semente, que a sua semente que produz não é

produtivida e os agricultores puderam ver que é muito mais produtivida e

adaptada pra sua realidade e com certeza muito mais autonomia. E em um dado

momento viu se que poderia fazer uma festa de semente pra essas associações

poder se encontrar e trocar sementes então surgiu a primeira festa, há 9 anos

atrás. E com esse intuito de aproximar as associações que os produtores

orgânicos já estavam produzindo suas sementes pra proporciinar a troca de

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materiais, troca de experiencias. Esse era e é ate hoje o objetivo da feira. So

que com a orgânico sul de minas, começou a crescer com outras organizações

e começou a ter outras participações, com 800 pessoas em Carmo da

Cachoeira, e olha como cresceu em 9 anos, mas sempre com o mesmo objetivo;

E começou a ter oficinas, sempre teve oficina com o interesse dos agricultores

la das associações (Entrevistado 2, organizador da Festa de Sementes Crioulas

e Biodinâmicas do Sul de Minas).

Posteriormente então, com a formação do SPG Orgânico Sul de Minas, as

associações passam a apoiar e aumentam o número de agricultores a participar da Festa

de Sementes. Com essa vasta demanda, foi pensado através da parceria , a Orgânico Sul

de Minas e o IF de Inconfidentes, em um Banco de Semente que abrigasse essa demanda.

Esse projeto, Casa da Sementes, a gente fala casa pois se chamava banco, mas

os próprios agricultores pediram para mudar para casa pois “banco” remetia a

algo mais capitalista e a ideia da casa é somente de armazenar as sementes de

forma adequada pra eles, de beneficiamento mesmo, de separar limpar,

selecionar, embalar e disponibilizar... Essa casa é fruto da demanda, porque já

trabalhávamos com os agricultores na parte de certificação orgânica e as

sementes eram, e é ainda, o entrave na produção orgânica e ainda tinha uma

norma/ determinação que no final de 2016 primeiro, depois 2018, que a

produção orgânica não poderia utilizar sementes convencionais, só poderia ser

com sementes orgânicas. E de acordo com essa normativa os agricultores

estavam sempre muito preocupados com as sementes, então como a gente

atuava com eles[...] Ai quando foi 2014 ou 2013 que já tinha o SPG sul de

minas, a gente começou a fazer parte dessa festa e apoiar. Em 2015 a gente

sediou uma festa internacional de sementes livres, no campus de Inconfidentes

[...]E ai a gente em convívio com os agricultores, começamos a nos aproximar

com as sementes[...] E ai, sempre foi colocado que precisava de um lugar

adequado pra guardar essas sementes, porque muitas vezes, eles só tinham a

geladeira da casa deles para guardar, e as vezes é pouco né. Porque eles tinham

cursos de multiplicação de sementes, de melhoramento participativo, mas eles

só tinham as geladeiras da casa deles pra guardar (Entrevistado 3, ex-

coordenadora da Casa de Sementes “Mãe Terra”)

A Casa de Semente “Mãe Terra” é um espaço central das Associações de

Produtores do Orgânico Sul de Minas para preservação, conservação, beneficiamento e

troca de sementes crioulas [...] (Regimento Interno da Casa de Sementes “Mãe Terra”,

201?).

A Casa está localizada na Fazenda-Escola do IFSULDEMINAS, campus

Inconfidentes, no bairro Escritório Velho, S/N, Inconfidentes, MG (mapa 2). O município

de Inconfidentes também se encontra na mesorregião Sul/Sudoeste de Minas Gerais.

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Mapa 2: Localização da Fazenda-Escola do IFSULDEMINAS- Inconfidentes, 2019

Fonte: Fernando Slim, 2019.

A Casa passa a ser portanto, uma rede de apoio para esses agricultores

armazenarem de forma adequada as sementes. A proposta, segundo a ex-coordenadora

que foi entrevistada, partiu de um projeto de extensão da instituição e a verba para a

construção da câmara fria e equipamentos foi obtida via Conselho Nacional de

Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ), mas, apesar de se encontrar dentro

do IF, a Casa é uma parceria e de uso das associações do OSM.

O objetivos da construção da Casa de Sementes “Mãe Terra” como mencionado

na fala da ex-coordenadora, partiu da necessidade de auxiliar os agricultores do OSM no

armazenamento dessas sementes crioulas, que muitas vezes só possuíam as geladeiras de

suas casas para o armazenamento ideal. No Regimento Interno da Casa de Sementes “Mãe

Terra” ( se encontra completo em Anexo A), é possível observar esses objetivos bem

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claramente, não somente de armazenamento para os agricultores, mas de resgatar e

preservar esses recursos genéticos:

Artigo 4°. A Casa Comunitária de Sementes “Mãe Terra” terá como objetivos:

a) resgatar e preservar os recursos genéticos;

b) proporcionar espaço de armazenamento de sementes crioulas e/ou orgânicas

dos agricultores vinculados a OSM;

c) estabelecer mecanismos para possibilitar a troca de sementes entre os

agricultores;

d) atuar na guarda, beneficiamento e envase de sementes;

e) elaborar e manter atualizado um cadastro de sementes armazenadas a ser

disponibilizado aos agricultores (Regimento Interno da Casa de Sementes

“Mãe Terra”, 201?).

Para atingir os objetivos, o artigo 5 desse documento propõe que:

Artigo 5°. Para alcançar seus objetivos a Casa Comunitária de Sementes “Mãe

Terra” poderá:

a) promover reuniões, encontros, eventos, capacitações;

b) estabelecer convênios e parcerias com Instituições de extensão, ensino,

pesquisa, ONG’s, SENAR, EMATER-MG e entidades públicas, federais,

estaduais e municipais e outros que puderem contribuir com os objetivos da

Casa;

c) realizar e enviar representações para participação em cursos de capacitação,

excursões, visitas técnicas, feiras e eventos;

d) instituir contribuições mensais ou esporádicas para viabilizar ações e

atividades do grupo.

(Regimento Interno da Casa de sementes “Mãe Terra”, 201?).

De fato, algumas dessas ações foram observadas, como o apoio na Festa de

Sementes Crioulas e Biodinâmicas do Sul de Minas, o GT de sementes e até mesmo a

presença dessas sementes no Banco de Sementes “Terra de Quilombo”, em Campo do

Meio (que será mencionado no próximo tópico).

No Regimento Interno da Casa de Sementes “Mãe Terra” é possível encontrar

também as diretrizes que devem ser seguidas para o depósito e a retirada dessas

sementes.A Casa funciona com um mecanismo de empréstimo, onde o agricultor pega x

quantidade e é obrigado a devolver um pouco mais para que a espécie continue no Banco

de Sementes. É possível ver também, através do regulamento, a preocupação com a

qualidade dessas sementes, sendo realizados testes de qualidade regularmente para

verificar a procedência dessas sementes e analisar se não são transgênicas, principalmente

em espécies de milho e feijão, que possuem maior facilidade de cruzamento genético.

Portanto, os agricultores possuem os direitos e deveres bem demarcados nesse

Regimento, com horários e organização, e devem seguir as diretrizes para o empréstimo

e devolução das sementes.

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Apesar da potencialidade, segundo a ex-coordenadora, a Casa anda em desuso e

seu funcionamento prático possui dificuldades. Segundo ela: “[...] o que acontece é que

nem todos agricultores se sentem parte dela” (Entrevistado 3, ex-coordenadora da Casa

de Sementes “Mãe Terra”). O funcionamento da Casa, segundo ela, atualmente está mais

voltado para os grupos de estudos que atuam no IFSULDEMINAS- Inconfidentes, nas

feiras de trocas e também multiplicando as sementes no campus. Por isso, através do

Organico Sul de Minas, o GT de sementes, além de capacitar os agricultores para a

reprodução e armazenamento da sementes crioulas, tem, atualmente, o objtivo de ampliar

esse acesso e a informação sobre a Casa de Sementes, aos agricultores:

Um dos nossos focos com o GT de sementes é estimular esse uso e o deposito

de uso. Tem muita semente la que tem pouco, que um agricultor precisa pegar

pra multiplicar. Muito por conta da logística, com o Orgânicos. Nós estamos

tentando facilitar esse envio e retirada de sementes, então é um desafio com os

agricultores, mas esta sendo muito pouco utilizado. Dentro do GT que estou,

estamos com varias iniciativas de tornar o Banco de Sementes mais usual entre

os agricultores do Orgânico Sul de Minas. O pessoal ta muito acostumado a

compar mudas em viveiros convencionais, com regulador de crecimentos. E é

um desafio, no nosso projeto (Entrevistado 2, agricultor do RAES e

coordenador do GT de sementes do Organico Sul de Minas). .

Essa logística a qual o coordenador do GT cita acima, é sobre a própria

heteregoneidade e distância física que se encontram os agricultores, muitas vezes do

mesmo grupo. Para um dos agricultores do RAES (entrevistado 1), a distância do

município de Areado, onde encontra-se sua produção, até Inconfidentes, onde-se encontra

a Casa de Sementes, impossibilita o acesso a elas. Esse agricultor, no momento da

entrevista, se declarou favorável, além de cada agricultur possuir seu banco de semente

próprio, também haver uma rede agroecológica que possibilite essa troca e produção de

sementes e mudas, como ocorre na Festa das Sementes Crioulas e Biodinâmicas do Sul

de Minas..

A heterogeneidade das associações, grupos (até mesmo dentro deles), dos

agricultores que compõe o Organico Sul de Minas foi visível durante as entrevistas. A

Camponesa, talvez por fazer parte do MST, possui uma consciência política, econômica

e social sobre as sementes, demonstrando ser contrários a utilização das sementes do

agronegócio, e que estão se organizando e realizando ações em busca da autonomia plena

em suas produções:

Ao longo dos 35 anos de MST o que a gente sempre pensou, se a gente não for

autossuficiente na produção a gente não se torna independente deles, então pra

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gente começar a ser independente tem que ter a nossa própria semente, a nossa

própria produção e ter como comercializar o produto de acordo com peso por

ser organico, o valor agregado que ele tem, porque não tem como produzir o

mulho nesse capricho e na hora de vender vende pelo mesmo valor que o

cidadão que produziu com os pacotão tecnológico. Se a gente não comcecar a

mudar desde o cultivo do armazenamento da semente e da venda da produção

a gente não sai dessa dependência do agronegócio (Entrevistado 4, agricultor

da associação Camponesa).

Nota-se portanto na fala do representante entrevistado da Camponesa, a

consciência que possuem sobre o controle exercido sobre as sementes e sobre o

mercado que determina os preços. A construção da Casa de Sementes no

Assentamento Nova Conquista, pode, dessa forma, auxiliar os agricultores a

desfazer esse vínculo com os pacotes tecnológicos propostos impostos pelo

agronegócio.

6.1.4 CAMPONESA e Casa de Sementes “Terra de Quilombo”

O acampamento Quilombo Campo Grande e os assentamentos Primeiro do Sul e

Nova Conquista II, nos quais foi realizado o estudo de campo, onde também se encontra

a Casa de Sementes “Terra de Quilombo” estão localizados em Campo do Meio, na

mesorregião Sul/Sudoeste de Minas Gerais (mapa 3 ).

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Mapa 3: Localização do Assentamento Nova Conquista II – Campo do Meio

Fonte: AMARAL, 2018.

No mapa (mapa 3 ) é possível observar a localização do Assentamento Nova

Conquista II, onde se encontra a Casa de Sementes “Terra de Quilombo”. Na data em que

foi visitado (meados de 2019), já havia um espaço físico e algumas sementes, faltando

apenas a instalação do ar condicionado para refrigerar e realizar o armazenamendo

adequado (f). Vale ressaltar que construção, bem como o financiamente da Casa de

Sementes “Terra de Quilombo” nada tem a ver com o Orgânico Sul de Minas, somente

alguns dos agricultores é que são associados à Camponesa. Os recursos necessários para

a construção da Casa, como ar condicionado, segundo os entrevistados, chegaram por

meio do projeto Recuperando Áreas Degradadas em Assentamentos de Reforma Agrária

(RADAR) com o reflorestamento de matas nativas, ao qual o Quilombo Campo Grande

presta serviços. Assim os camponeses aproveitaram dos recursos para a construção dessa

casa, que irá beneficiar tanto o projeto, como os agricultores que desejam armazenar suas

sementes.

Importante ressaltar também, que essa degradação a qual o movimento vem

reflorestando através desse proejto é referente ao plantio intensivo de cana-de-açucar da

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antiga usina Ariadinópolis, que havia na área hoje ocupada pelo acampamento eos

assentamentos.

Figura 5: Casa de Sementes “Terra de Quilombo” (Fonte: do autor, 2019).

Figura 6: Interior da Casa de Sementes “Terra de Quilombo” (Fonte: do autor, 2019).

Na foto (figura 5) é possível observar a fachada da Casa de Sementes. “Semeando

Agroflorestas” é o nome dado pelo projeto RADAR em que os agricultores participam, a

Casa em si, leva o nome “Terra de Quilombo” em referência ao nome usual do

acampamento Quilombo Campo Grande. Na segunda imagem (figura 6) é possível

observar o armazenamento das sementes que já se encontram da Casa e sua disposição

em potes de vidros e prateleiras, com nomes e datas de colheita.

Figura 7: Sementes doadas da Casa de Sementes “Mãe Terra” de Inconfidentes. (Fonte: do autor, 2019)

Figura 8: Sementes doadas pelo assentamento Santos Dias, de Guapé. (Fonte: do autor, 2019).

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Ainda foi possível encontrar sementes da Casa de Sementes “Mãe Terra” de

Inconfidentes e também sementes do Assentamento Santo Dias, de Guapé (figura 7 e

figura 8). Durante a entrevista nesse trabalho de campo, o agricultor e o técnico agrícola

que estavam presentes relataram que é comum e positiva essa rede de apoio de sementes,

pois ela funciona como um estimulo para os agricultores e também para visualizar a

necessidade da construção da Casa para armazenamento.

Segundo agricultor da Camponesa que foi entrevistado na FACU, muitas famílias

possuem sementes no assentamento de Campo do Meio. Segundo ele, foi catalogado

somente de uma família, cerca de 250 espécies de sementes diferentes. Por isso, a

necessidade da construção de uma casa para o armazenamento ideal desses cultivares.

Segundo o agricultor, o modo como são armazenadas as sementes nas casas é do caseiro:

“Geralmente a gente armazena nas garrafas pets e põe dentro de outro tamborzão e tampa,

e a gente não põe nada, no máximo põe uma pimenta do reino pra não dar o caruncho

[...]” (Entrevistado 4, agricultor da Camponesa).

Esse modo de armazentamento, de acordo com as leituras e entrevistas realizadas,

é mais tradicional e comum entre os agricultores. Passar as sementes de geração em

geração também é algo comum, assim como a troca entre as famílias, que resistem

reproduzindo-as em meio aos tempos das biotecnologias:“Já tem gente lá que tem milho

que tá na família desde 1940, ou seja, mais de 60 anos. E eu tenho dessa semente que

ganhei 2 litros, então minha obrigação agora é reproduzir essa semente” (Entrevistado 4,

agricultor da associação Camponesa).

A preocupação dos agricultores, é além dos benefícios econômicos que traz a

produção das próprias sementes, sem depender de insumos e controladores de

crescimento, mas também a questão ambiental. Para o agricultor que está como um dos

organizadores da Casa de Sementes “Terra de Quilombo” em Campo do Meio, a

conscientização é o maior desafio entre os camponeses e assentados, que também se

incluem em um grupo muito heterogêneo:

Além da gente convencer as pessoas a passa sua produção em orgânica, a gente

passa a ideia da agrofloresta pra conscientizar, que além deele não usar o

veneno, dele ter sua própria semente. Saber que ele vai vender aquele negócio

e vai ter a consciência que ele não vai ta degradando a natureza que é o pilar

número 1 da agroecologia né, da agrofloresta. O pilar número um é vc proteger

100% a natureza então só nesse pacote vc já irradia o adubo químico, o fogo,

o veneno, o desmatamento, a degradação do meio ambiente, então se a pessoa

se torna consciente que ele é agroecológico e orgânico ele já para de comprar

a semente do pacotão tecnológico, já tem a consciência que ele não pode ter

nem um pezinho pra coisa impropria daquele ambiente e a parte mais difícil é

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a parte da consciência. Voce falar pra pessoa parar de copiar o modelo de

produção do agronegócio, isso é fácil, difícil é você conscientizar ele pra não

fazer aquele negocio: ah, só a semente, eu posso comprar deles... não se vc tem

a sua semente, nem isso vc deve comprar deles (Entrevistado 4, agricultor da

Camponesa).

O entrevistado relatou que cerca de 70% da sua produção já é realizada com suas

próprias sementes, como milho, feijão, quiabo, cenoura, almeirão, agrião, alho, mostarda,

coentro, cebola e abóbora, sendo somente as sementes de hortaliças que ainda não

possuem e realizam a compra em agropecuárias.

Para o entrevistado, o armazenamento das sementes já é algo que ele pessoalmente

realiza há algum tempo, e que “o banco é pra viabilizar pros outros produtores que ainda

tão na corda bamba”.

Para ele:

O banco é um negocio que vale a pena, a gente tem potencial pra ter, e

montar um banco de semente farto, porque se a gente consegue se sustentar,

la, 450 familia, nois ter nossas próprias sementes, tanto no financeiro, na

nossa ideologia só enriquece a gente (Entrevistado 4, agricultor da

Camponesa).

E ainda conclui que:

Ainda não tá do jeito que a gente sonha. Nosso projeto mesmo e quando todo

mundo não tiver mais comprando semente. [...] A nossa casinha de semente só

pra quem tem consciência que vai lá, que não depende de Monsanto de

Syngenta. Mas a ideia e zerar a compra de semente, principalmente do

agronegócio que é nosso inimigo direto, então a intenção é zerar, porque se a

gente não sustenta eles não tem como eles crescer. Eu já plantei quase 30

porcento da minha propriedade e não comprei nenhuma semente ainda.

(Agricultor 4, agricultor da Camponesa).

Acredita-se portanto, que a conclusão dessa Casa de Sementes “Terra de

Quilombo” em Campo do Meio, viabilize a autonomia de produção para essas 450 e que

se expanda em rede para a região, atendendo os municípios e agricultores que, devido a

logística e distância, possuem dificuldade em beneficiar-se da Casa de Sementes “Mãe

Terra” de Inconfidentes.

O que foi possível absorver e observar durante as entrevistas realizadas tanto com

os agricultores que compõe algumas das associações do Orgânico Sul de Minas, com a

ex-coordenadora da Casa de Sementes “Mãe Terra” e o coordenador do GT sementes do

Orgânico Sul de Minas, é que essa rede agroecológica existe e resiste em meio as

biotecnologias e dificuldades do pequenos agricultores. Essa rede possui seus desafios,

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enquanto conscientização ou re-conscientização dos danos causados sobre os agricultores

em relação as propagandas e facilidades de acesso e da produção com os “pacotões

tecnológicos” e as sementes geneticamente modificadas. Apesar disso, essa rede está

ativa e consciente que deve se expandir e atingir o máximo de agricultores possíveis,

mostrando os benefícios e as potencialidades da produção agroecológica, partindo desde

o armazenamento e melhoramento de suas próprias sementes, para assim, atingir a plena

autonomia e soberania alimentar.

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7. CONCLUSÃO

Conclui-se, portanto. que o cenário agrário atual é um reflexo da gênese do

território brasileiro, que desde a colonização visou os culivos de monoculturas como base

da agricultura capitalista através da exploração intensiva de recursos e pessoas, tornando

a agricultura, através da terra, matéria-prima para a agroindústria de exportação. Na

medida que o capital avança no campo, ele homogeneiza as culturas, provocando a perda

de espécies nativas e colocando em risco a soberania alimentar, termo esse, que difere da

segurança alimentar propagada pelo agronegócio, que não visa a qualidade do alimento e

a autonomia de produção do agricultor. A terra, nesse novo cenário agrário-capitalista,

passa a ser um território de disputa entre os indivíduos que já se encontravam nela e o

capital que deseja avançar sua produção em larga escala para obtenção de lucro. Quando

esse capital se territorializa no campo, ele desterritorializa os indivíduos que se

encontravam nos territórios, como indígenas e camponeses, marginalizando-os e

impondo seu modo de produção de forma massiva e hegemônica. Na medida em que a

terra é vista como um bem explorável para reprodução ampliada de capital, há a disputa

entre os que querem permanecer e não possuem o capital e os que detêm o poder e

possuem o capital, tornndo essa, uma disputa desigual que gera conflitos, mortes e lutas

ao longo dos períodos da questão agraria brasileira.

Baseada em discursos malthusianos, a Revolução Verde é implantada, avançando

com as técnicas e tecnologias, o que faz com que o capital no campo se consolida ainda

mais. Na medida em que a ciência avança, os estudos biotecnológicos voltados para o

aumento da produção no campo ganham forças. A transgênia de sementes possibilita à

empresas do ramo lucrarem ainda mais, transformando algo natural, símbolo da vida e da

diversidade, que são as sementes, em mercadoria Através da propriedade intelectual e da

obrigatoriedade de pagamento de royalties às “gigantes tecnológias”, o capital segue

dominando os povos e a natureza para sua reprodução ampliada. A transgenia de sementes

contribui para a erosão genética e cultural dos povos e do ecossistema.

De fato, a revolução verde e seus pacotes tecnológicos aumentaram a produção,

mas a que custo e para quem? Quem se beneficia desse sistema agroexportador são os

grandes proprietários de terras e as empresas multinacionais, enquanto a maior parte dos

alimentos que chegam até a mesa dos consumidores vem da agricultura camponesa. Os

camponeses hoje, se encontram marginalizados e o Estado, que deveria ser o agente

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regulador dessas questões, através de órgãos multilaterais como OMC, beneficia ainda

mais os grandes produtores e o modelo agroexportador.

O acesso às sementes é crucial para ambas as produções, por isso, se consolida

como uma enorme ferramenta de poder que as grandes empresas multinacionais

biotecnológicas logo atinaram para isso, e que por esse fato, deve ser um objeto de estudo

da Geografia Agrária. Dessa forma, considera-se de extrema importância a realização

desse trabalho com enfoque na mesorregião Sul/Sudoeste de Minas Gerais.

Na parte prática desse estudo, buscou-se avaliar se nas unidades de pesquisa, os

agricultores cultivavam com suas próprias sementes e as guardavam para os próximos

cultivos, ou se faziam o uso de sementes convencionais. Um dos objetivos que o presente

trabalho buscou analisar é que com a modernização agrícola e a imposição dos pacotes

tecnológicos, esses agricultores deixariam de produzir com sementes crioulas e, de acordo

com a demanda mercadológica, se viriam forçados a produzir com sementes

convencionais. Buscou-se também analisar o que levou até isso, assim, a mercantilização

da terra, bem como o acesso e permanência na terra foram discutidos nos primeiros

capítulos, sendo esses, parte para consolidar a soberania alimentar dos produtores.

Atraves das entrevistas buscou-se analisar tambem se os agricultores têm conhecimento

do controle exercido pelas empresas sobre as sementes.

Para isso, optou-se por analisar algumas associações do Sistema Participativo de

Garantia, Orgânicos Sul de Minas, que consiste em um modelo de certificação orgânica,

onde os agricultores visam a produção de alimentos agroecológicos. O fato de a legislação

brasileira permitir o uso de sementes convencionais até mesmo nas produções orgânicas

abre o questionamento se essas normas legais não poderiam ser também uma estratégia

de Estado e corporações para abarcar os agricultores que não utilizam os pacotes

tecnológicos. O acesso às sementes de qualidade é a garantia que os pequenos agricultores

possuem para consolidar suas produções sem depender de empresas que se aproveitam

de seus poderes para implantar sementes hibridas ou sementes suicidas, impedindo que

essas sejam guardadas para os próximos plantios e obrigadando-os às compras

anuais/mensais. Esse fato contribui ainda mais para a dependência desses agricultores

com o agronegócio.

O objetivo do presente trabalho foi analisar de que modo a mercantilização da

terra e a inserção dos pacotes tecnológicos contribuíram para a perda da autonomia dos

agricultores na dependência de sementes em que as compras são realizadas “amarradas”

com esses pacotes. Constatou-se que as biotecnologias, juntamente com a mídia que

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reforça o papel do agronegócio, auxiliaram para a perda desses cultivares crioulos como

uma estratégia de dominação, criando uma dependência dos agricultores com o mercado,

até mesmo nos cultivos orgânicos. A dificuldade maior que foi observada durante as

entrevistas com os agricultores foi a dificuldade em encontrar sementes de hortaliças. O

armazenamento de sementes para os próximos plantios é uma tradição antiga dentro da

agricultura que foi modificada com a chegada da modernização no campo e a introdução

das biotecnologias com as sementes híbridas. As Casas de Sementes comunitárias

regionais, nesse sentido, vem se fortalecendo enquanto um papel de resgate e

armazenamento das espécies, com uma potencialidade muito grande de realizar a

seguridade dos armazenamento dessas sementes crioulas e orgânicas aos agricultores,

além de possibilitar a troca de sementes entre eles. Para o agronegócio, a semente é só

mais um insumo, mas para os agricultores e diante do presente trabalho, defende-se a

ideia de que as sementes crioulas perpassaram e resistiram, sendo melhoradas e adaptadas

pelos agricultores/camponeses por milênios.

É um risco enorme para a sociedade e para o meio ambiente a perda desses

exemplares, uma vez que ela dá inicio a toda e qualquer produção. As sementes são a

simbologia da diversidade, é o que garante a vida saudável das espécies. Deixa-las na

mãos das “gigantes tecnológicas” é um risco para a humanidade e para a disponibilidade

de alimentos.

Por isso, defende-se aqui, a ideia da agroecologia como um modelo socialmente e

ambientalmente justo e economicamente viável. Modelo esse que já foi amplamente

utilizado nos tempos anteriores ao agronegócio, mas que retorna no nosso século com

essa nomenclatura quando os impactos negativos do agronegócio são sentidos. Portanto,

defende-se aqui a ideia de que cada vez mais esse modelo de agricultura seja implantado

e estudado, principalmente no ramo da Geografia Agrária, como uma possibilidade desse

camponês se reterritorializar no campo, garantindo autonomia nas produções e soberania

alimentar para os produtores e consumidores.

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APÊNDICES

APÊNDICE A - ROTEIRO DE ENTREVISTAS COM AGRICULTORES DO

ORGÂNICO SUL DE MINAS

Caso utilize as próprias sementes:

1) Você possui produção com suas próprias sementes?

2) As sementes utilizadas na sua produção são compradas/cedidas/emprestadas?

3) Como utiliza as sementes?

4) Como é o armazenamento dessas sementes?

5) Quais as vantagens em comparação as sementes convencionais?

6) Com suas sementes, você possui mais autonomia sobre o que produzir?

7) Conhece o Banco de Sementes de Inconfidentes – MG?

Se não utilizar as próprias sementes:

1) De quem você compra suas sementes/mudas?

2) Você confia na empresa/fornecedor sobre a qualidade?

3) Você faz a compra anual, mensal, ou guarda para os próximos sementes plantios?

4) Caso produzisse suas próprias sementes, acredita que teria mais autonomia sobre

o que produzir?

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APÊNDICE B - ROTEIRO DE ENTREVISTA CASA DE SEMENTES “MÃE

TERRA”

1) Como e quando inaugurou a Casa de Sementes “Mãe Terra”?

2) Quais os objetivos de construir um Banco de Sementes?

3) Como funciona o armazenamento e a estrutura?

4) Como funciona o empréstimo/fornecimento dessas sementes?

5) Como está o funcionamento da Casa de Sementes atualmente?

6) Quais as vantagens de possuir uma Casa de Sementes?

7) A Casa de Sementes auxilia os agricultores na soberania alimentar e permanência

na terra?

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APÊNDICE C - ROTEIRO DE ENTREVISTA - Festa de Sementes Crioulas e

Biodinâmicas do Sul de Minas

1) Como e quando começou a festa?

2) Quais os objetivos da realização?

3) Qual o público alvo que essa festa busca atingir?

4) A festa possui outras atividades além das trocas de sementes, como a troca de

saberes e rodas de conversas. Qual o objetivo dessas rodas de conversas?

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ANEXOS

ANEXO A - REGIMENTO INTERNO DA CASA COMUNITÁRIA DE

SEMENTES “MÃE TERRA” DA ORGÂNICOS SUL DE MINAS

Capítulo I – Da denominação, Sede e Duração

Artigo 1° - A Casa Comunitária de Sementes “Mãe Terra”, é um espaço da Central das

Associações de Produtores Orgânicos do Sul de Minas (OSM) para preservação,

conservação, beneficiamento e troca de sementes crioulas do Sul de Minas, localizada na

Fazenda-Escola do IFSULDEMINAS – Campus Inconfidentes, no Bairro Escritório

Velho, S/N, Inconfidentes, MG.

Artigo 2° - A Casa Comunitária de Sementes “Mãe Terra” é de duração indeterminada e

sem fins lucrativos e terá a finalidade de garantir aos agricultores a disponibilidade das

sementes selecionadas e/ou crioulas e/ou de polinização aberta na época do plantio.

Artigo 3° - Na Casa Comunitária de Sementes “Mãe Terra”, só serão utilizadas as

sementes produzidas, selecionadas e conservadas pelos próprios agricultores ou sementes

de interesse da Orgânicos Sul de Minas oriundas de outros fornecedores.

Capítulo II – Dos Objetivos e Composição

Artigo 4°. A Casa Comunitária de Sementes “Mãe Terra” terá como objetivos:

a) resgatar e preservar os recursos genéticos;

b) proporcionar espaço de armazenamento de sementes crioulas e/ou orgânicas dos

agricultores vinculados a OSM;

c) estabelecer mecanismos para possibilitar a troca de sementes entre os agricultores;

d) atuar na guarda, beneficiamento e envase de sementes;

e) elaborar e manter atualizado um cadastro de sementes armazenadas a ser

disponibilizado aos agricultores.

Artigo 5°. Para alcançar seus objetivos a Casa Comunitária de Sementes “Mãe Terra”

poderá:

a) promover reuniões, encontros, eventos, capacitações;

b) estabelecer convênios e parcerias com Instituições de extensão, ensino, pesquisa,

ONG’s, SENAR, EMATER-MG e entidades públicas, federais, estaduais e municipais e

outros que puderem contribuir com os objetivos da Casa;

c) realizar e enviar representações para participação em cursos de capacitação, excursões,

visitas técnicas, feiras e eventos;

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d) instituir contribuições mensais ou esporádicas para viabilizar ações e atividades do

grupo.

Artigo 6°. A Casa Comunitária de Sementes “Mãe Terra” contará com um Comitê Gestor,

formado por representantes das entidades ligadas a OSM com interesse no tema.

Parágrafo primeiro. O Comitê Gestor deverá ter entre quatro e oito membros;

Parágrafo segundo. Para a composição do Comitê Gestor, deverá ser respeitada a paridade

de gênero com número semelhante de homens e mulheres participando;

Parágrafo terceiro. O Comitê Gestor deverá ser composto por agricultores de pelo menos

três Associações ou Cooperativas vinculadas a Orgânicos Sul de Minas.

Parágrafo quarto. Os membros do Comitê Gestor serão eleitos ou indicados em

Assembleia Geral da OSM e em seguida deverão escolher entre eles um coordenador;

Parágrafo quinto. O ciclo de trabalho do Comitê Gestor será de dois anos, sendo permitida

uma recondução.

Capítulo III – Do Uso, Direitos e Deveres

Artigo 7°. Poderão depositar sementes na Casa Comunitária de Sementes “Mãe Terra”

todos(as) Agricultores (as) ligados a OSM e/ou Agricultores de outras entidades com

unidades de produção com certificação orgânica, conforme Artigo 8°;

Parágrafo Único. Os Agricultores com unidades orgânicas que não estejam vinculados a

nenhuma entidade da OSM poderão ser depositários de sementes na Casa Comunitária de

Sementes “Mãe Terra” caso haja necessidade, disponibilidade de espaço e aprovação do

Comitê Gestor, devendo, para isso utilizar-se de uma autodeclaração de doação.

Artigo 8°. A Casa Comunitária de Sementes “Mãe Terra” trabalhará com três

modalidades de guarda das sementes: 1 - as sementes para uso do próprio agricultor

(armazenamento); 2 - sementes para trocas e; 3 - sementes para doação;

Artigo 9°. São direitos:

I. Dos deposítários associados à OSM:

a) utilizar-se do espaço da Casa Comunitária de Sementes “Mãe Terra” para os serviços

que esta disponibiliza;

b) decidir sobre as regras e normas de funcionamento da Casa Comunitária de Sementes

“Mãe Terra”;

c) indicar e ser indicado para a composição de comissões e coordenação da Casa

Comunitária de Sementes “Mãe Terra”;

d) receber as sementes depositadas como troca, conforme equivalência definida pelo

Comitê Gestor;

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e) participar das reuniões e atividades da Casa Comunitária de Sementes “Mãe Terra”;

f) direito a participação nas reuniões;

II. Dos Depositários não vinculados a OSM

a) utilizar-se do espaço da Casa Comunitária de Sementes “Mãe Terra” para os serviços

que esta disponibiliza;

b) receber as sementes depositadas como troca, conforme equivalência definida pelo

Comitê Gestor;

c) participar das reuniões e atividades da Casa Comunitária de Sementes “Mãe Terra”;

d) direito a voto nas reuniões;

III. Dos Colaboradores

a) utilizar-se do espaço da Casa Comunitária de Sementes “Mãe Terra” para os serviços

que esta disponibiliza;

b) contribuir com as decisões sobre as regras e normas de funcionamento da Casa

Comunitária de Sementes “Mãe Terra”;

c) receber as sementes depositadas como troca, conforme equivalência definida pelo

Comitê Gestor;

d) participar das reuniões e atividades da Casa Comunitária de Sementes “Mãe Terra”;

e) direito a voz e não voto nas reuniões;

Artigo 10. São os deveres dos deposítários associados à OSM, não vinculados a OSM e

dos Colaboradores:

a) cumprir as normas deste regimento;

b) prezar pelo bom nome da Casa Comunitária de Sementes “Mãe Terra”;

c) primar pelo trabalho em equipe, bom relacionamento, cooperação mútua, ética e

respeito;

d) cuidar da qualidade das sementes a serem depositada na Casa Comunitária de Sementes

“Mãe Terra”.

Capítulo IV – Da normatização de uso

Artigo 11. Perde-se o direito aos benefícios da Casa Comunitária de Sementes “Mãe

Terra” o agricultor que não devolver as sementes tomadas em empréstimo sem motivo

justificado.

Parágrafo Único – as justificativas apresentadas serão avaliadas e discutidas pelo Comitê

Gestor da Casa Comunitária de Sementes “Mãe Terra”.

Artigo 12. A Casa Comunitária de Sementes “Mãe Terra” terá um Comitê Gestor que

tratará dos assuntos relacionados ao seu funcionamento.

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I – O Comitê Gestor da Casa Comunitária de Sementes “Mãe Terra” será composto por

representes das Associações e/ou Cooperativas da Orgânicos Sul de Minas que queiram

participar das ações da Casa;

II – Cabe ao Comitê Gestor da Casa Comunitária de Sementes “Mãe Terra”:

a) definir entre os seus membros um representante para presidir seus trabalhos;

b) zelar pelo cumprimento das normas previstas neste regimento;

c) realizar um registro de todas as entradas e saídas das sementes da casa;

d) realizar a divulgação no sítio da Orgânicos Sul de Minas das sementes disponíveis na

Casa;

e) coordenar o processo de recebimento, rebeneficiamento, armazenamento e distribuição

de sementes;

f) controlar a documentação da Casa Comunitária de Sementes “Mãe Terra”;

g) definir sobre os quantitativos de sementes a serem retiradas e devolvidas e a

equivalência entre cada variedade

h) propor as alterações do conteúdo deste Regimento;

III – Cada Associação e/ou Cooperativa poderá indicar 01 (um) representante para

participação no Comitê Gestor;

IV – O Comitê Gestor da Casa Comunitária de Sementes “Mãe Terra” reunir-se-á

semestralmente ou segundo as necessidades, ou em convocações Extraordinárias.

Capítulo V – Do Depósito, Análise, Retirada e Devolução de Sementes da Casa

Artigo 13. O depósito das sementes poderá ser realizado nos dias e horários de

funcionamento da Casa Comunitária de Sementes “Mãe Terra”.

I – Havendo disponibilidade de espaço, não há limites para a quantidade de sementes a

ser depositada na Casa Comunitária de Sementes “Mãe Terra” e, em caso de lotação, o

Comitê Gestor poderá estabelecer limites máximos de depósito para cada membro;

II – Recomenda-se que a quantidade mínima a ser depositada na Casa Comunitária de

Sementes “Mãe Terra” seja suficiente para evitar perdas de qualidade genética do

material;

III – A Casa Comunitária de Sementes “Mãe Terra” trabalhará com um percentual

mínimo de sementes remanescentes (20%) para multiplicação, evitando a perda do

material;

IV – No Ato do depósito, o depositário deverá preencher um formulário com informações

sobre as Sementes, como origem, safra, características morfológicas e outras informações

pertinentes;

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Artigo 14. Uma pequena quantidade das sementes depositadas na Casa Comunitária de

Sementes “Mãe Terra” será utilizada para a realização de testes de qualidade.

I – inicialmente serão submetidas aos testes apenas as sementes com riscos de

comtaminação por produtos transgênicos (sementes de soja e milho);

II – o resultado do teste será registrado na ficha da semente e também comunicado ao

depositário.

III – Em caso de contaminação a semente poderá ser devolvida;

Artigo 15. A quantidade de sementes que cada membro poderá retirar será definida pelo

Comitê Gestor da Casa Comunitária de Sementes “Mãe Terra” e deverá considerar:

I – a quantidade de sementes depositada pelo membro;

II – a equivalência entre a semente depositada e a semente pretendida;

III – prioridade de retirada para membros depositários;

IV – a retirada independe da quantidade e especie que foi depositada.

Artigo 16. Adevolução das sementes deverá seguir as definições do Comitê Gestor da

Casa Comunitária de Sementes “Mãe Terra” e deverá considerar que:

I – a devolução deverá ocorrer em quantidade superior a quantidade retirada, sendo

observada as características de cada cultivar. Sendo sugerido pelo menos uma relação de

dois para um (2:1) para cada semente retirada.

II – a devolução deverá ser em sementes de mesma cultivar retirada ou outra que seja do

mesmo grupo.

Artigo 17. A Casa Comunitária de Sementes “Mãe Terra” manterá um cadastro de

Agricultores (as) com interesse na obtenção ou fornecimento de mudas de plantas,

(batata-doce, mandioquinha, yacon, batata inglesa, mandioca, inhame), já que estas não

serão objetos de trabalho da casa.

Capítulo VI – Do Funcionamento e Multiplicação das Sementes

Artigo 18. Os dias e horários e as condições de funcionamento da Casa Comunitária de

Sementes “Mãe Terra” serão definidos e divulgados aos seus membros;

I – para o funcionamento a Casa Comunitária de Sementes “Mãe Terra” contará com o

apoio dos estudantes do IFSULDEMINAS - Campus Inconfidentes participantes do

Grupo de Estudos em Agroecologia e Entomologia “Raiz do Campo”.

II – a Casa Comunitária de Sementes “Mãe Terra” contará ainda com o apoio dos

membros Colaboradores que darão o suporte técnico necessário as ações que deverão ser

realizadas, bem como a orientação dos estudantes.

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Artigo 19. A Casa Comunitária de Sementes “Mãe Terra”, com o apoio dos Agricultores

(as) e do Grupo de Estudos em Agroecologia e Entomologia “Raiz do Campo”

estabelecerá um regime de multiplicação das sementes afim de evitar a perda de materiais.

Assim, a multiplicação poderá ocorrer:

I – nas propriedade dos agricultores(as) interessados em contribuir com a Casa

Comunitária de Sementes “Mãe Terra”;

II – no Setor de Agroecologia e Produção Orgânica do IFSULDEMINAS - Campus

Inconfidentes, conduzido pelo Grupo de Estudos em Agroecologia e Entomologia “Raiz

do Campo”.

Capítulo VII – Das Disposições Gerais e Alterações

Artigo 20. O presente Regimento Interno empenhar-se-à pela melhoria na qualidade do

funcionamento da Casa Comunitária de Sementes “Mãe Terra”.

Parágrafo Único. Qualquer causa ausente nesse Regimento será discutido pelo Comitê

Gestor e submetido a deliberação da Diretoria da Orgânicos Sul de Minas.

Artigo 21. O presente Regimento Interno entrará em vigor na data de sua aprovação pela

OSM.

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Presidente da Central das Associações de

Produtores Orgânicos Sul de Minas